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A Corrida da EDM Pelo Acesso Universal à Electricidade
A Electricidade de Moçambique (EDM) tem um grande desafio para os próximos seis anos: ajudar a abastecer cerca de metade da população moçambicana ainda sem acesso a energia. É uma missão árdua, mas a empresa garante que vai conquistar a meta, até porque já soma grandes avanços. Como está a empresa pública a planear este percurso?
Quando há cinco anos o Governo se comprometeu em alcançar a meta do acesso universal à energia até 2030, através do programa Energia para Todos, nomeou a Electricidade de Moçambique (EDM) para levar a cabo as actividades de electrificação, em paralelo com o Fundo Nacional de Energia (FUNAE). Três responsáveis da EDM falam à E&M sobre as mudanças que esta missão está a imprimir no terreno e em diferentes contextos da actividade da empresa.
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Têm a palavra o director de Electrificação e Projecto, Cláudio Dambe, o director da Sociedade de Transporte de Energia, Adriano Jonas, e o director de Operações de Mercado, Luís Ganje. Como é que o País está em cada uma destas áreas, na óptica dos projectos que estão a ser conduzidos pela estatal EDM?
Energia para Todos: “o plano foi bem preparado”
O director de Electrificação e Projectos, Cláudio Dambe, explica que no âmbito do programa Energia para Todos (PROENERGIA) já foram mobilizados
287,7 milhões de dólares para a massificação de ligações, dentro e fora da rede.
E na segunda fase foram mobilizados 376,8 milhões de dólares em procurement. Além do projecto de massificação das ligações, muitos outros projectos estão a ser implementados com vá- rios parceiros, visando robustecer a estrutura primária para suportar as ligações massivas dentro da rede.
Graças a esse esforço, segundo Cláudio Dambe, a avaliação do ritmo da expansão é positiva. Em menos de seis anos, foi possível aumentar o acesso à electricidade de 35% para 50% da população.
As ligações domésticas têm aumentado a cada ano: e em 2018 foram ligadas 150 mil famílias; em 2019 foram 205 mil famílias; em 2020 ligaram-se 304 mil famílias; em 2021 foram abrangidas 390 mil famílias e em 2022 a rede abraçou 470 mil famílias. Este ano, até Junho, já estavam ligadas 202 mil novas famílias.
O director de Electrificação e Projectos da EDM explica ainda que, apesar de o número de novas ligações estar a ser pressionado pelo crescimento da procura, “o projecto tem muito mérito, porque a planificação foi bem preparada.
Estabelece uma meta até 2030 e um processo de cobertura crescente a cada ano, à luz da Estratégia Nacional de Electrificação (ENE), adoptada no âmbito do PROENERGIA”. Entretanto, “a questão que se levanta é a ansiedade das famílias” ainda sem acesso a electricidade. “Todos desejam ser abrangidos ‘hoje’”, descreve.
Há avanços, também, ao nível da qualidade [estabilidade] de energia for- necida. Há alguns anos, a EDM veio a público admitir que estava a enfrentar um dilema, entre expandir o acesso a novos consumidores ou investir na melhoria de qualidade da energia fornecida a quem já era cliente. Ou seja, havia dificuldade em assegurar os dois objectivos em simultâneo.
A situação mudou. Cláudio Dambe assegura que, “hoje, a EDM está a implementar projectos de reforço da rede primária para que a massificação não prejudique a qualidade da energia fornecida aos clientes actuais e futuros”.
O impacto transformador das linhas de transmissão
A EDM tem em carteira uma série de investimentos em linhas de transmissão. Uma delas é a Linha de Transporte Temane-Maputo (TTP), refere o director da Sociedade de Transporte de Energia, Adriano Jonas.
Trata-se de uma linha de 400 kV que está associada à construção da Central Térmica de Temane (CTT), em Inhassoro, província de Inhambane - central de produção de electricidade a gás natural, a maior do País no pós-independência, com capacidade instalada de 450 MW. A CTT terá grande impacto no fortalecimento do sector energético. Adriano Jonas fala de uma adição equivalente a 14% da actual capacidade de fornecimento de electricidade, um passo importante para satisfazer a procura em Moçambique.
O papel da TTP será reforçar a segurança e qualidade de fornecimento de energia, impulsionar a indústria mineira, a agro-indústria e contribuir para o acesso universal através da ligação de cerca de 1,5 milhões de novos consumidores. Tudo isto a par do contributo para a balança de exportações, com o excedente de energia a ser gerado.
E quando é que chegaremos a esse ponto? “O progresso físico actual estima-se em 65% contra 95% previstos. Tinha como prazo de conclusão o presente mês de Agosto. Mas a previsão aponta agora para o primeiro trimestre de 2024, prevendo-se a disponibilidade da linha - para o início de comissionamento da
CTT - para Maio de 2024”, explicou o director da Sociedade de Transporte de Energia da EDM.
A TTP tem um custo global da ordem de 500 milhões de dólares e, além das infra-estruturas de transporte de energia, inclui custos de reassentamento e de compensações de comunidade afectadas pelo projecto.
O empreendimento é financiado pelo Governo de Moçambique com suporte dos seus parceiros de cooperação, nomeadamente o Banco Banco Mundial, o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD),o Banco Islâmico para o Desenvolvimento (BID), o Fundo da OPEC para o Desenvolvimento Internacional (OFID) e Governo da Noruega.
Outros componentes relevantes a caminho
Na segunda fase, ainda de acordo com Adriano Jonas, será desenvolvida a Linha de Transporte Tete-Vilanculos, associada ao projecto da Central Hidroeléctrica de Mphanda-Nkuwa, com capacidade estimada em 1500 MW, que se
EM QUE PÉ ESTAMOS?
Tudo indica que... no bom caminho. Em quase todos os contextos, de acordo com os representantes séniores da EDM
“A EDM está a implementar projectos visando o reforço da rede primária, para que a massificação não prejudique a qualidade da energia fornecida”
“Existe um plano da EDM de instalar uma central flutuante em Maputo, que pode enquadrar-se perfeitamente na resposta à actual situação de emergência na RAS”
“A Central Térmica de Temane irá adicionar o equivalente a cerca de 14% da capacidade de fornecimento no País e a Linha Temane-Maputo TTP irá reforçar a qualidade” encontra em fase de desenvolvimento através do Gabinete de Mphanda Nkuwa, suportado pela EDM e HCB. Em relação à central de Temane, a conclusão está prevista para Novembro de 2024, sendo que os testes de comissionamento deverão arrancar em Maio do mesmo ano, prolongando-se por um período de seis meses. “Não há, de momento, indicação de qualquer atraso em relação ao cronograma original”, garante Adriano Jonas.
Mais uma central flutuante, desta vez em Maputo
Já o director de Operações de Mercado da EDM, Luís Ganje, acrescentou que existe um plano da EDM para estacionar uma nova embarcação de geradores em Maputo, numa parceria com a Karpowership, uma espécie de réplica da experiência “bem sucedida” de Nacala, onde um barco semelhante fornece electricidade à região norte e à vizinha Zâmbia, desde 2016.
“Tendo sido a experiência de Nacala, para atender à emergência na Zâmbia, eficaz e rápida na implementação, a mesma pode enquadrar-se perfeitamente na resposta à actual situação de emergência na África do Sul, fixando-se no porto de Maputo”, argumentou o responsável: a fronteira sul-africana está a cerca de 100 quilómetros da capital moçambicana e o território encara cortes programados para enfrentar a falta de centrais elétricas.
A implementação desta solução a curto prazo depende, principalmente, da existência de quantidades de gás doméstico que justifiquem a mobilização de uma nova barcaça para um período curto, de um a dois anos de exploração.
Ou, numa perspectiva de médio a longo prazo, considerar o gás de importação ou fontes de gás por explorar em Ca- bo Delgado para a implementação desta solução.
Crise energética na RAS: como se deve posicionar Moçambique?
A África do Sul está a viver uma grave crise energética com ‘apagões’ que já duram há anos e afectam todos os sectores da economia. Uma situação face à qual Moçambique se deve posicionar, segundo Luís Ganje. Pode haver ganhos para os dois lados.
Nos últimos meses, houve novas conversas com o Governo sul-africano e espera-se que, desta vez, a EDM forneça muito mais electricidade ao Estado vizinho. “Ainda existem processos que devem ser seguidos, mas, entretanto, já há um sinal bastante claro deixado pelos governantes nas reuniões realizadas recentemente. Há intenção de alargar a base de exportação de energia de Moçambique para a África do Sul, estando em curso discussões dos detalhes técnicos e comerciais para materializar este interesse das partes”, esclareceu Luís Ganje. Já foram anunciados mais 100 MW para a África do Sul, assim que se concluir um acordo comercial. Mas Moçambique pode fornecer mais. A EDM reitera que pode contribuir para se pôr fim aos cortes programados (ou load shedding) na África do Sul, que às vezes se arrastam por dez horas de indisponibilidade de energia.
“Tendo em conta a dimensão do load shedding na África do Sul”, país que necessita de 6 GW de capacidade extra para suprimir o défice energético, “e tendo em conta o horizonte temporal definido pelos sul-africanos para resolver o problema, Moçambique pode ser parte da solução, fornecendo a capacidade que puder”, explicou o director de Operações de Mercado da EDM. Mas para isso, acrescentou, a capacidade deve ser complementada por outras fontes e aquele país já tem vários projectos de geração em carteira para mitigar o défice.
“Todavia, em termos de potencial e havendo um compromisso do lado sul-africano em receber energia de projectos de longo prazo de Moçambique, há um potencial para o nosso País exportar até cerca de 3 GW de capacidade nos próximos três a cinco anos”, sublinhou.
Há muitos argumentos para acreditar que a EDM vá levar a bom porto o sonho do acesso universal à energia até 2030 (apesar de aparentemente faltar pouco tempo para esse prazo), a par do objectivo de transformar Moçambique num hub regional de energia. As renováveis já estão a fazer a sua parte no processo, resta esperar para ver se as metas se cumprem. Oxalá estejamos a caminhar para lá!