Revista E&M_Edição 65 • Outubro 2023 • Café - Do Grão Moçambicano à Chávena Mundial

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ESG

FORNECER ENERGIA E ADICIONAR UMA FONTE DE RENDIMENTO. A INOVAÇÃO DA SOLARWORKS

CONCORRÊNCIA

O QUE MUDOU DESDE QUE A ARC COMEÇOU A REGULAR O CONTROLO DE MERCADOS

CEO TALKS • PEDRO CARVALHO, ABSA

“ESTAMOS A ENTRAR NAQUELA QUE SERÁ A DÉCADA DE MOÇAMBIQUE”

INOVAÇÕES DAQUI

UMA NOVA SOLUÇÃO DE GESTÃO ‘MADE IN MOZAMBIQUE’’ PARA AS PME?

CAFÉ

DO GRÃO MOÇAMBICANO À CHÁVENA MUNDIAL

Como a adesão de Moçambique à Organização Internacional do Café pode ajudar na afirmação do País entre os colossos do mercado mundial?

MOÇAMBIQUE
Outubro • 2023 • Ano 06 • Nº 65 • 350MZN

Mais Uma Commodity,

Mais Uma Promessa

Moçambique não pára de surpreender enquanto viveiro de recursos valiosos, entre os mais procurados do mundo. Os mais conhecidos na área agro-alimentar eram o açúcar, o algodão, a castanha de caju e o milho. Mas, recentemente, com a adesão à Organização Internacional do Café (OIC), o País entrou no mapa dos poucos e privilegiados players do mercado global de café que, anualmente, movimenta centenas de milhares de milhões de dólares.

Na verdade, Moçambique ainda não é (e está longe de vir a ser) um actor relevante neste mercado, que conta com colossos com tradição secular, alguns dos quais africanos, como o Uganda e a Etiópia. E há quem diga que, antes de se tornar membro da OIC, nem sequer se tinha ouvido falar do café de Moçambique no resto do mundo. Mesmo cá dentro, poucos sabem que a xícara que se lhes serve nos restaurantes, aeroportos e outros estabelecimentos pode já ser de café desta terra.

A OIC é um fórum único para a abertura dos mercados, através do diálogo entre governos, sector privado, parceiros de desenvolvimento, sociedade civil e outras partes interessadas no sector. Um espaço de promoção da cooperação internacional e de fomento de oportunidades. Terá sido a pensar nas vantagens oferecidas pela OIC que Moçambique decidiu embarcar nesta caravana onde estão os “barões do café”. E, de facto, os holofotes começaram a voltar-se para o mercado nacional.

Mas, do ponto de vista prático, o que temos para oferecer aos mercados?

Há muitos projectos em curso nas

diferentes regiões de Moçambique, principalmente nas províncias de Sofala (o projecto do Parque Nacional da Gorongosa) e de Manica (o projecto do Parque Nacional de Chimanimani). Há, inclusive, produtores mais ousados e determinados, cuja aposta lhes permitiu conquistar reconhecimento dos consumidores mais exigentes de todos os continentes. Sob este ponto de vista, entrar para a OIC foi uma decisão que vai dar mais projecção ao que de bom já se faz em Moçambique e servir de inspiração para a adesão de novos players. Mas as regras de jogo no mercado do café são complexas.

Há, pela frente, muito trabalho para consolidar o mercado moçambicano entre os grandes do café, a começar pela formação. Ainda não há nada de concreto, mas os produtores falam da necessidade de dotar os agrónomos e outros técnicos da área da agricultura de know how em matéria de café. Felizmente, existe uma iniciativa privada que está a ser levada a cabo pelo projecto Café de Manica para instalar um centro de formação na província.

Claramente, será necessário mais, e o Governo é chamado a intervir. Paralelamente, será preciso criar condições para proteger a indústria nacional do café, à semelhança do que se fez em relação ao açúcar, naquela que é considerada uma experiência bem-sucedida.

Resolvidas estas questões, os actores do mercado ouvidos pela E&M acreditam que é possível conquistar um espaço privilegiado na quota africana. Caso contrário, a promessa de prosperidade pela exploração desta commodity – que levou o País a integrar a OIC – vai ficar por isso mesmo... uma promessa.

OUTUBRO 2023 • Nº 65

DIRECTOR EXECUTIVO Pedro Cativelos

EDITOR EXECUTIVO Celso Chambisso

CONSULTOR EDITORIAL Luís Fonseca

JORNALISTAS Ana Mangana, Filomena Bande, Hermenegildo Langa, João Tamura, Nário Sixpene

PAGINAÇÃO José Mundundo

FOTOGRAFIA Mariano Silva

REVISÃO Manuela Rodrigues dos Santos

DEPARTAMENTO COMERCIAL

comercial@media4development.com

CONSELHO CONSULTIVO

Alda Salomão, Andreia Narigão, António Souto; Bernardo Aparício, Denise Branco, Fabrícia de Almeida Henriques, Frederico Silva, Hermano Juvane, Iacumba Ali Aiuba, João Gomes, Rogério Samo Gudo, Salim Cripton Valá, Sérgio Nicolini ADMINISTRAÇÃO, REDACÇÃO

E PUBLICIDADE Media4Development

Rua Ângelo Azarias Chichava nº 311 A — Sommerschield, Maputo – Moçambique; marketing@media4development.com

IMPRESSÃO E ACABAMENTO

RPO Produção Gráfica

TIRAGEM 4 500 exemplares

EXPLORAÇÃO EDITORIAL E COMERCIAL

EM MOÇAMBIQUE

Media4Development

NÚMERO DE REGISTO

01/GABINFO-DEPC/2018

www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2023 4
E DITORIAL

6 OBSERVAÇÃO

As eleições autárquicas de 11 de Outubro são uma oportunidade para uma reflexão sobre o papel da descentralização no desenvolvimento. O que muda?

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14

OPINIÃO

“ESG e a Importância da Normalização”, Vicente Bento, Partner & General Manager da Insite

E SG

A SolarWorks, no ramo das energias renováveis, adicionou maior capacidade aos seus kits, permitindo alimentar equipamentos que dão rendimento a comunidades vulneráveis

16

OPINIÃO

“Estaremos Próximos de uma Mudança na Política Monetária do Banco Central?”, Wilson Tomás, Research do Banco BIG Moçambique

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CONTEÚDO LOCAL

Qual é o alcance da recém-lançada “Campanha Empresa +Emprego”, que visa ligar jovens de Cabo Delgado ao mercado de trabalho?

22

NAÇÃO

MERCADO DO CAFÉ

22 Produção Produtores revelam características do mercado nacional e o caminho que pode capitalizar a adesão à OIC, transformando o País num player relevante

36 Opinião “O Café”, Patrícia Darsam, directora da Banca Corporativa de Investimentos do Absa Bank

38 Entrevista Genaro Lopez, presidente da Associação dos Cafeicultores de Moçambique, fala da necessidade de investir na formação para competir internacionalmente

42 África Como resolver o baixo consumo, os efeitos das mudanças climáticas e catapultar a produtividade e a competitividade da indústria continental do café?

46

48

73 ÓCIO

74 Escape Uma aventura pelos encantos de Marrocos

76 Gourmet ZhiZha, os sorvetes artesanais com sabor a Tofo 77 Adega Tropical Hemp Seed Lager, a cerveja que contém cannabis 78 Empreendedor A arte criada pela Moza Hydroponic para produzir culturas agrícolas

81 Artes “Ser Humano”, a exposição de artistas de diversas inspirações que aborda a transformação do planeta 82 Ao volante do Renault Scénic 100% eléctrico

52 CEO TALKS

MERCADO E FINANÇAS

O que faz a Autoridade Reguladora da Concorrência e que mudanças impôs na postura das empresas nos últimos dois anos? O presidente Iacumba Ali Aiuba explica

56 60

OPINIÃO

“Cultura, o ‘Cavalo de Troia’ da (In)Segurança Cibernética”, João Gomes - Partner @BlueBiz

SHAPERS

John Maynard Keynes. Até que ponto o “anti-liberalismo” Keynesiano é aplicável como política económica no contexto actual?

50 OPINIÃO

“Culturas Regenerativas – Não se Acha a Paz Evitando a Vida”, Susana Cravo, Consultora & Fundadora da Kutsaca e da Plataforma Reflorestar.org

O presente e o futuro do Absa Bank Moçambique e as perspectivas da economia nacional, na voz do administradordelegado do banco, Pedro Carvalho

OPINIÃO

“O Papel Essencial do Desenvolvimento de Competências Comportamentais na Liderança”, Bruno Mourinho, gestor de Unidade de Negócio

63 E SPECIAL INOVAÇÕES DAQUI

64 IA

As PME contam com mais uma ferramenta inovadora de gestão das suas actividades, desenvolvida pela empresa moçambicana Jon Artificial Intelligence

68 Piminder

Saiba como funciona e quais as vantagens desta ferramenta que realiza cobranças automáticas de facturas e outras obrigações a favor das empresas subscritoras

Autárquicas 2023

Novo Horizonte Para os Municípios?

As eleições de 11 de Outubro nas 63 autarquias espalhadas pelo País são uma ocasião oportuna para reacender o debate sobre a sustentabilidade dos municípios.

Para isso, há um ponto de partida que pode ser válido – a conclusão de um estudo do Centro de Integridade Pública (CIP) divulgado em Maio deste ano, com o título “Sustentabilidade Financeira das Autarquias Locais: Uma

Crítica às Propostas de Incremento do Número de Autarquias Locais em Moçambique”. Refere o estudo que as 53 autarquias anteriormente existentes não conseguem cumprir com as responsabilidades a si atribuídas, devido, fundamentalmente, à fraca capacidade financeira.

O certo é que tem faltado uma discussão puramente económica sobre a sustentabilidade dos

municípios ou sobre o impacto da descentralização a este nível. Ainda assim, os partidos políticos garantem que nestas eleições, se assumirem o poder local, estarão em condições de realizar transformações estruturais rumo ao desenvolvimento. Esperemos para ver!

OBSERVAÇÃO 6 www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2023
FOTOGRAFIA D.R.

O Comité de Política Monetária (CPMO) do Banco de Moçambique perspectiva a continuação da recuperação da economia nacional, com “um crescimento económico moderado, no médio prazo”.

No último relatório sobre Conjuntura Económica e Perspectivas de Inflação, o banco central refere que “excluindo os projectos de gás natural, prevê-se que a actividade económica continue a recuperar, não obstante os prováveis impactos negativos dos choques climáticos sobre a produção agrícola e diversas infra-estruturas”.

O documento acrescenta que, no segundo trimestre de 2023, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 4,7%, reflectindo, “essencialmente, um desempenho assinalável da indústria extractiva, com destaque para a produção de gás natural. No médio prazo, antevê-se que a indústria extractiva continue a contribuir para a aceleração do crescimento do PIB”, refere-se no relatório.

“O desempenho da economia no primeiro semestre do ano continua a indicar uma recuperação gradual da actividade económica, não obstante os efeitos dos choques climáticos que têm assolado o País. Deste modo, o crescimento do PIB real tende a aproximar-se da sua tendência de longo prazo”, sublinha o banco central.

No início do ano, a previsão do Governo apontou para um crescimento de 5% em 2023. No que respeita à inflação, o CPMO prevê uma “ligeira aceleração” até final do ano, mas inferior a 6%.

GNL

CEO da TotalEnergies admite que projecto em Afungi possa ser retomado em pleno ainda este ano

A petrolífera francesa TotalEnergies poderá retomar em pleno as obras de construção do complexo de gás natural liquefeito (GNL) da Área 1, na bacia do Rovuma, ainda este ano, anunciou o CEO da empresa numa conferência com analistas.

De acordo com a Bloomberg, Patrick Pouyanné disse que a situação de insegurança que levou à suspensão dos trabalhos em 2021 “melhorou claramente”, o que poderá permitir o recomeço total dos mesmos na

na península de Afungi, Cabo Delgado - alguns dos trabalhos de construção civil e infra-estruturas já estão a avançar. Com o novo calendário, o início da produção de gás no projecto de 20 mil milhões de dólares poderá acontecer em 2028, dando um novo ânimo a Moçambique face ao aumento do valor dos pagamentos relativos à dívida soberana (Eurobonds) de 900 mil milhões de dólares, cujos juros em cupão passarão de 5% para 9% a partir de Março.

Finanças Moçambique e Ruanda passam a trocar informação para combater branqueamento de capitais

As autoridades moçambicanas e ruandesas vão passar a trocar informações que ajudem no combate ao branqueamento de capitais nos dois países. A acção será feita à luz de um memorando de entendimento rubricado entre o Centro de Inteligência Financeira (FIC) do Ruanda e o Gabinete de Informação Financeira de Moçambique (GIFIM), à margem das reuniões do Grupo de Luta Contra a Lavagem de Dinheiro da África Oriental e Austral (ESAAMLG), que tiveram lugar em Kasane, no Botsuana.

O acordo, assinado pela directora-geral do FIC, Jeanne Pauline Gashumba, e pelo director-geral do GIFIM, Aurélio Matavele Júnior, tem como objectivo desenvolver, expandir e melhorar o quadro de coo-

Economia

peração entre ambas as autoridades e criar uma relação mutuamente benéfica. “As autoridades cooperarão entre si, trocando informações, espontaneamente ou mediante solicitação, o que poderá auxiliar na investigação de pessoas suspeitas”, lê-se no acordo.

Oxford Economics aponta Moçambique e Angola como os países lusófonos com dívida mais arriscada

Moçambique e Angola são os países lusófonos africanos com maior risco de uma reestruturação da dívida, o que implica um processo muito demorado, segundo revelou o director do departamento de mercados emergentes da Oxford Economics.

Gabriel Sterne disse que, apesar de as economias moçambicana e angolana terem estado melhor devido aos níveis de produção e preço do petróleo e do gás natural, “ambos os países continuam com um elevado risco de sobreendividamento soberano, com as taxas de juro (para emissões

de dívida) nos mercados internacionais acima de 10%, o que provavelmente significa que é demasiado caro para irem ao mercado”.

Falando no seguimento de um relatório em que analisa a influência da competição entre o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a China nos processos de reestruturação da dívida, Gabriel Sterne afirmou que para Moçambique e Angola “entrarem em ‘default’ (incumprimento nos pagamentos de dívida soberana), só é preciso que haja mais um choque negativo nas matérias-primas”.

www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2023 8 RADAR
PIB
Economia moçambicana poderá observar um crescimento “moderado” a médio prazo

Que Energias ‘Alimentam’ o Mundo?

Em 2022, foram gerados 29 165,2 terawatts-hora (TWh) de electricidade em todo o mundo, um aumento de 2,3% em relação ao ano anterior.

Nesta visualização, analisamos os dados do mais recente Statistical Review of World Energy e perguntamos o que é que alimentou o mundo em 2022.

E mesmo numa era em que as energias limpas ganham espaço mediático, a verdade é que é uma fonte de energia ‘suja’ - o carvão - que continua a liderar quando se trata de produção de electricidade: representou, em 2022, 35,4% da produção mundial, seguido do gás natural com 22,7% e da energia hidroeléctrica com 14,9%.

-%Variação face a 2021

A energia nuclear foi a que mais decresceu na sua produção, cerca de 4%, devido ao encerramento e reparações de várias centrais nucleares francesas em 2022.

As renováveis aumentaram drasticamente em 2022, cerca de 15%, comparando com o petróleo, gás natural, carvão e hidroeléctricas, que cresceram apenas 0,4% nesse mesmo período.

EM CONTA
NÚMEROS
10
www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2023
FONTE Statistical Review of World Energy NÃO RENOVÁVEIS | 85,6% OUTRAS 0,9% NUCLEAR 9,2% CARVÃO 35,4% VENTO 7,2% SOLAR 4,5% ÓLEO 2.5% OUTROS 2,7% GÁS NATURAL 22,7% HIDROELÉCTRICA* 11,9% RENOVÁVEIS | 14,4%

ESG e a Importância da Normalização

Se é amante de gadgets tecnológicos, certamente que não lhe terá escapado o lançamento do novo Smart Watch série 9 da Apple, neutro em carbono, o qual faz parte de uma estratégia da empresa para atingir a neutralidade carbónica até 2030. Se, por um lado, a empresa criada por Steve Jobs está a tomar medidas positivas para reduzir a pegada de carbono dos seus produtos, por outro, continua a apostar num modelo de negócio que se baseia na venda, todos os anos, de uma nova versão dos seus produtos. Em alternativa, a Apple poderia, por exemplo, trabalhar em designs modulares que permitissem aos seus clientes actualizar o seu smartphone em vez de comprar um novo todos os anos.

Tal como a Apple, existem outras empresas que comunicam as suas boas práticas ambientais, sociais e de governança (ESG), para os seus stakeholders (ex.: clientes, colaboradores, investidores), e isso é positivo. No entanto, é importante garantir que a informação que passa seja a mais transparente e verdadeira possível. Embora o ESG tenha ganhado destaque como uma abordagem importante para a tomada de decisões de investimento e gestão empresarial responsável, também enfrenta várias críticas, as quais incluem o greenwashing, a medição subjectiva de certos indicadores, a inconsistência das agências de rating que avaliam as organizações ou a omissão de questões críticas para as empresas, aquelas que não se pretende que sejam divulgadas.

Para combater este tipo de riscos, a criação de normas que ajudem a regularizar o sector e a torná-lo mais transparente são bem-vindas. A normalização desempenha assim um papel crucial no contexto do ESG, pois ajuda a estabelecer padrões e critérios de avaliação objectivos, claros e comparáveis entre si. Só assim a informação que é comunicada pelas organizações pode ser analisada de uma forma mais consistente e assertiva. A normalização permite que investidores e accionistas tomem decisões de investimento informadas. Em muitos países, estão a ser desenvolvidas normas para a divulgação de informações ESG. É o ca-

so dos países da União Europeia (UE) onde foram adoptadas 12 normas para a elaboração de relatórios de sustentabilidade, que deverão ser implementadas pelas empresas cotadas na UE a partir de Janeiro de 2024 como parte da Directiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa (CSRD).

Estas normas abrangem toda uma gama de questões ambientais, sociais e de governação, incluindo alterações climáticas, biodiversidade e direitos humanos. Fornecem também informações para os investidores compreenderem o impacto da sustentabilidade das empresas em que investem. Outro ponto importante é o seu alinhamento com o Conselho Internacional de Normas de Sustentabilidade (ISSB) e a Global Reporting Initiative (GRI), a fim de garantir um elevado grau de interoperabilidade entre as normas europeias e as normas mundiais e de evitar a duplicação desnecessária de relatórios por parte das organizações.

A Oriente, Singapura é um exemplo de como o negócio e a sustentabilidade não são conceitos antagónicos. Grandes empresas públicas e privadas neste país serão obrigadas a fornecer informações relacionadas com o clima, alinhadas com as normas ISSB recentemente publicadas pela pela IFRS (International Sustainability Standards Board). Esta decisão de reporte climático obrigatório visa manter a posição de Singapura como um hub mundial de negócios, ao mesmo tempo que contribui para o alcance dos objectivos do seu Green Plan até 2030.

Em suma, as normas na área de ESG desempenham um papel fundamental na prevenção do greenwashing, uma prática em que uma empresa espera cumprir certos compromissos de sustentabilidade, mas simplesmente não tem os meios para o fazer. Desse modo, só com normas e regulamentos claros e concisos, é possível criar uma estrutura sólida, critérios objectivos e processos de verificação que tornam mais difícil para as empresas fazerem alegações falsas ou enganosas sobre o seu compromisso com questões ambientais, sociais e de governança. É um caminho árduo, mas chegaremos lá!

www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2023 12 OPINIÃO
As normas na área de ESG desempenham um papel fundamental na prevenção do greenwashing, uma prática em que uma empresa espera cumprir certos compromissos de sustentabilidade, mas simplesmente não tem os meios para fazê-lo

Renováveis Que Garantem Rendimento Para Comunidades Vulneráveis

A SolarWorks opera há sete anos. Começou por expandir o acesso à energia solar a favor das famílias com menor poder de compra. Recentemente, decidiu adicionar ao seu portefólio a possibilidade de gerar rendimento para as comunidades, através dos seus sistemas solares. Completa, assim, a sua intervenção nos três domínios da sustentabilidade: económica, social e ambiental (ESG, sigla inglesa)

ASolarWorks é parte de um grupo de origem holandesa que, em 2019, viu a sua representatividade crescer quando a energética portuguesa EDP investiu aproximadamente dois milhões de euros na compra de uma participação no grupo.

É vocacionada para o fornecimento de energia solar, com foco em milhares de famílias de baixo rendimento que vivem nas zonas rurais de todas as províncias do País. Começou as operações em Moçambique comercializando kits de sistemas solares domésticos. O objectivo era fazer chegar energia a pessoas que não têm acesso à rede pública.

Tais kits são desenhados pela própria empresa. Ainda hoje, no seu portefólio, a SolarWorks tem vários conjuntos domésticos que são vendidos em sistema de ‘pay-as-you-go’. Isto é, os clientes pagam uma entrada inicial e depois têm a possibilidade de ir amortizando a compra, em pequenas parcelas, numa base mensal através de contratos que duram entre 24 a 30 meses.

Por exemplo, o kit “Famílias Solares”, que fornece material composto por três lâmpadas de iluminação, painel solar, bateria e rádio, tem um custo de 6500 meticais, ou, com uma entrada inicial de 595 meticais, o remanescente pode ser liquidado durante 30 meses através de prestações de 340 meticais. O custo varia conforme a capacidade do sistema e

a variedade de componentes adicionados (como electrodomésticos), podendo chegar aos 75 000, preço total do kit de maior capacidade.

De acordo com Nuno Lopes, director-gera do grupo em Moçambique, os sistemas têm um tempo médio de vida em torno de dez anos.

Mas para assegurar uma maior longevidade, a SolarWorks presta assistência técnica através de “manutenções de carácter preventivo”, mediante a solicitação do cliente, através de uma linha telefónica gratuita, disponível 24 horas por dia.

O lado social do projecto

Há cerca de ano e meio, a empresa introduziu sistemas com maior capacidade de produção de electricidade, ou seja, além da iluminação, também alimentam equipamentos capazes de gerar rendimento, tais como irrigação para a agricultura, sistemas de frio para conservação de alimentos, processamento de produtos alimentares (castanha, milho, etc.) ou salas de entretenimento. Todos a funcionarem à base de energia solar.

Segundo Nuno Lopes, os sistemas de maior capacidade permitem aos clientes ter rendimento, o que significa uma mudança significativa no contexto actual, tendo em conta que boa parte da população moçambicana não tem energia.

“Temos kits com sistemas de projecção de vídeo e som, máquinas de costura, máquinas de barbear, congeladores,

sistemas de irrigação. Tudo funciona a energia solar. Porque, mais do que levar energia às zonas rurais, queremos garantir que, com essa energia, se produza riqueza a favor de pessoas de baixo rendimento”, explicou, acrescendo que “esse é o contributo que a empresa presta para o desenvolvimento do País”.

O responsável explica que “um dos grandes desafios de quem não tem iluminação e procura uma das nossas soluções é o de garantir o pagamento mensal dos nossos sistemas.

Assim, da mesma forma que oferecemos uma solução de energia limpa e económica, permitimos também aos nossos clientes melhorarem a sua qualidade de vida, podendo utilizar o seu sistema solar para aumentar o rendimento familiar”.

A SolarWorks apresenta uma preocupação social na oferta comercial e destaca também os números da sua força de trabalho. A marca emprega cerca de 180 trabalhadores directos e quase 280 indirectamente, que são considerados parceiros da empresa e que já têm os seus negócios estabelecidos.

Electrificar a 100% e caminhar para ‘0% emissões’

Sobre o debate global acerca de energias limpas e transição energética, Nuno Lopes refere um ponto-chave: “temos cerca de 30% da população sem energia. O nosso principal objectivo é o de contribuir para a electrificação do País, permitindo o acesso a energia, principalmente da população de baixos rendimentos.

As soluções de energia que oferecemos protegem o ambiente e essa é também uma preocupação da SolarWorks”, defendeu Nuno Lopes.

Moçambique está na linha da frente quanto à discussão sobre preservação ambiental, que é defendida a nível global no quadro da transição energética, cuja

www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2023 14 E SG | ENERGIA
Texto Filomena Bande • Fotografia Mariano Silva
“Mais do que levar energia às zonas rurais, queremos garantir que se produza riqueza a favor de pessoas de baixo rendimento. Esse é o nosso contributo para o desenvolvimento”

meta é atingir ‘zero emissões’ de carbono até 2050. “A SolarWorks tem vindo a contribuir para esta discussão e compromete-se a ser um actor importante na preservação ambiental”, garantiu.

A empresa tem como principal desafio, no curto e médio prazo, consolidar a sua expansão e crescimento. “Estamos já a operar em todo o País e isso traz desafios: queremos continuar a ser uma referência no sector e, ao mesmo tempo, melhorar a vida das pessoas pela forma como fazemos o nosso trabalho”, concluiu o director-geral.

Ainda não há informação sobre quantas famílias estão a usar estes meios para o auto-sustento, mas existem experiências ao redor do mundo em que investimentos desta natureza ajudaram a melhorar o padrão de vida das comunidades.

www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2023 15

Estaremos Próximos de uma Mudança na Política Monetária do Banco Central?

Em Moçambique, o Índice de Preços no Consumidor (IPC), que mede as mudanças médias nos preços de um conjunto de bens e serviços durante um determinado período, tem mostrado melhorias significativas nos últimos 12 meses. Se observarmos a inflação homóloga do País, depois de atingir um pico de 12,96% em Agosto de 2022, desacelerou, atingindo o nível mais baixo de 4,93% em Agosto de 2023 - principalmente devido à contínua queda nos preços dos produtos alimentares e à estabilidade nos preços dos combustíveis.

A estabilidade do metical em relação às moedas estrangeiras negociadas no País, ao contrário do que ocorreu noutros países da região, é outro dos factores que contribuíram para a desaceleração da inflação em Moçambique. O País é predominantemente importador de bens de consumo, o que torna a dinâmica de preços domésticos altamente dependente de riscos externos.

Como exemplo, podemos citar o último grande choque, a guerra na Europa entre a Rússia e a Ucrânia, que levou os preços dos cereais, outros produtos alimentares e combustíveis a atingirem níveis históricos, contribuindo para um aumento generalizado da inflação na economia global. Moçambique não foi excepção.

No entanto, desde o final de 2022, à medida que se observou uma desaceleração nos preços a nível internacional, juntamente com outros factores ou medidas internas, a inflação no País estabilizou até alcançar os níveis actuais.

Internamente, o Banco de Moçambique adoptou medidas, como o aumento das taxas de juro e das reservas obrigatórias dos bancos, na sua missão de controlar a inflação, garantir e promover a estabilidade cambial e macroeconómica.

O banco central aumentou a Taxa de Juro da Política Monetária (MIMO) num total de 400 pontos-base em 2022, mantendo uma postura restritiva que já vinha sendo implementada desde 2021, quando foi o primeiro banco central a aumentar as suas taxas de referência em 300 pontos-base após a pandemia de covid-19.

Em 2023, a instituição aumento os Coeficientes de Reservas Obrigatórias (RO) para passivos em moeda nacional em 28,5% e em moeda estrangeira em 28,0%, para 39% e 39,5%, respectivamente.

Essas medidas tiveram o objectivo, em primeiro lugar, de proteger a economia contra o agravamento dos riscos e das incertezas que podem gerar inflação, como o choque nos preços das commodities a nível externo, desastres naturais e o aumento da pressão sobre os gastos públicos internos.

Em segundo lugar, o aumento das RO teve como objectivo reduzir a liquidez, considerada excessiva, no sistema bancário, o que poderia contribuir para o aumento da inflação.

Essas medidas parecem ter alcançado o efeito desejado, trazendo a inflação para níveis bem abaixo do limite de referência do Banco de Moçambique, que é de 10%, sem penalizar excessivamente a actividade económica.

Quando as taxas de juro estão altas e a liquidez no sistema bancário é baixa, o custo de financiamento na economia tende a aumentar, tornando o crédito para investimentos e consumo mais oneroso. Isso poderá levar a uma redução na procura, por parte dos consumidores, e na oferta, do lado das empresas.

No caso de Moçambique, como o crédito atribuído está muito concentrado no sector público, o impacto do au-

www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2023 16 OPINIÃO
É esperado que nas próximas reuniões do CPMO as primeiras medidas de relaxamento da política monetária sejam verificadas. No entanto, existem alguns riscos que podem dificultar a decisão, sendo os riscos externos os mais relevantes
Wilson Tomás • Research Analyst do Banco Big Moçambique

mento das taxas foi mais sentido no serviço da dívida pública, pelo que o aumento das Reservas Obrigatórias foi essencial para controlar a liquidez do sistema, que o aumento das taxas não estava a conseguir controlar. Por esse motivo, a actividade económica agregada manteve resiliência face às políticas restritivas do Banco Central, posicionando-se para ter, em 2023, o crescimento mais forte dos últimos anos.

Considerando que a inflação em Moçambique está actualmente controlada e a taxa de câmbio estável, parecem estar reunidas as condições para uma mu-

dança na política monetária por parte do Banco Central. É esperado que, nas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária, as primeiras medidas de relaxamento da política monetária sejam verificadas, com um corte na taxa de juro de referência, com o objectivo de colocar novamente o crescimento de Moçambique próximo do seu potencial.

Essa possível queda nas taxas de juro ajudará a Direcção Nacional do Tesouro a reduzir os custos de serviço da dívida e a reduzir o nível de endividamento, que se espera que caminhe para níveis mais sustentáveis nos próximos

anos. No entanto, existem alguns riscos que podem dificultar a decisão de alterar a política monetária, sendo os riscos externos os mais relevantes. Em Setembro, o preço do petróleo Brent manteve-se acima dos USD 90 por barril, por conta dos cortes de produção da OPEP+ e pelos cortes unilaterais efectuados pela Arábia Saudita e pela Rússia, os maiores produtores da organização.

Alguns analistas estimam que se a OPEP+ continuar com tais níveis de oferta e a crescente procura por parte da Ásia se mantiver, os preços podem ultrapassar a marca dos USD 100 por barril ainda em 2023.

Se esse cenário se concretizar, poderemos observar um aumento nos preços dos combustíveis domésticos, o que poderia desencadear um novo aumento nos preços de produtos e serviços cuja produção e oferta dependem dessa fonte de energia. Os próximos meses serão essenciais para o materializar ou não desta tão esperada mudança.

www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2023 17
Com a inflação controlada e o câmbio estável, o Banco de Moçambique pode estar em condições de mudar de política

Valorizar Empresas Que Promovem Emprego Inclusivo e Digno em Cabo Delgado

Na antecâmara do início dos megaprojectos, que se espera que venham a revolucionar o tecido económico e social de Cabo Delgado, o acesso ao emprego constitui ainda um dos maiores desafios da província. É com o olhar atento a esta questão que o +Emprego lançou, recentemente, em Pemba, em conjunto com a CTA e a OIT, uma campanha de valorização das empresas que promovam oportunidades de emprego inclusivas e justas para os jovens de Cabo Delgado

Texto Nário Sixpene • Fotografia iStock Photo

Oemprego digno e sustentável tem sido um dos grandes desafios da sociedade moçambicana, e o crescimento exponencial da população (que já chega aos cerca de 32 milhões de habitantes), maioritariamente constituída por jovens, faz desta a camada mais afectada pelo défice de oportunidades de acesso ao mundo do trabalho.

Neste contexto, o tecido empresarial é um elemento fulcral na resolução do problema da absorção dos jovens no mercado de trabalho e é neste âmbito que o Projecto +Emprego decidiu, conjuntamente com a CTA, o INEP e a OIT, proceder, no dia 27 de Setembro, ao lançamento da Campanha Empresa +Emprego, cujo objectivo é valorizar, fomentando a visibilidade das Pequenas e Médias Empresas (PME) de Cabo Delgado, a qualificação profissional e a empregabilidade dos jovens da província e da comunidade em que operam, assumindo uma postura de responsabilidade social corporativa e promoção do trabalho decente, impulsionando o desenvolvimento sustentável e a inclusão social, com base em parcerias locais. Ana Cristina Paulo, coordenadora-geral do +Emprego, explica que o objectivo da campanha “não é só o de criar emprego, assinala. Quando falamos em empregabilidade, queremos dizer que estamos a aumentar as possibilidades, as competências e as capacidades de encon-

trar um emprego digno que os jovens, de facto, podem ter. Portanto, esta campanha pretende dar visibilidade não apenas apoios ao emprego e ao auto-emprego, mas a outro tipo de iniciativas, como, a qualificação dos jovens, estágios profissionais, formações de curta duração, orientação e informação profissional que ajudem a alcançar estes objectivos”.

Para o director-geral do Instituto Nacional de Emprego (INEP), Juvenal Dengo, esta iniciativa pretende “dar visibilidade às PME da província de Cabo Delgado, sobretudo às que assumam uma postura digna de responsabilidade social corporativa, que visa a valorização e a qualificação dos jovens da comunidade onde as empresas operam, tendo em vista o aumento das potencialidades da sua empregabilidade, de modo que facilitem a sua inserção no mercado de trabalho”, complementa.

Promover a valorização dos jovens profissionais de Cabo Delgado

Numa primeira fase, a campanha consistirá no registo de boas experiências e práticas em vídeo, conteúdos relacionados com casos de sucesso e testemunhos das empresas que venham a ser seleccionadas, que serão divulgados pelos parceiros de media do projecto e nas plataformas sociais dos parceiros oficiais - casos da CTA e do INEP. A campanha prevê ainda a rea-

lização de vários eventos de apresentação do projecto - no sentido de consciencializarem para a problemática do emprego inclusivo para mulheres e população portadora de deficiência -, que será concluído, já em 2024, com atribuição do selo “Empresa +EMPREGO” e outros prémios que irão distinguir as três entidades que mais se destaquem a este nível, numa forma de valorização da postura de responsabilidade social do tecido empresarial de Cabo Delgado.

Tal não implica que a iniciativa deixe de estar aberta a todas as empresas nacionais que queiram aliar-se, abrindo as suas portas a estagiários ou jovens recém-formados oriundos daquela província.

“A campanha irá até Fevereiro ou Março do próximo ano e será para as empresas que realmente assumem a responsabilidade social como uma missão, que consigam provar que têm uma política activa de emprego dos jovens, de promoção do conteúdo local (em Cabo Delgado), que têm apostado na formação do seu pessoal, no recrutamento de mulheres para cargos de liderança, que tenham facilitado o emprego da população portadora de deficiência ou que tenham também outras práticas inovadoras de gestão de recursos humanos, como, por exemplo, subsídios para mulheres que, durante o período da maternidade, não podem trabalhar ou no período de pós-parto”, assinala a Coordenadora Geral do projecto.

Doadores, sector privado e Governo alinhados

“A CTA é parceira do +Emprego e abraçou esta campanha com toda a vontade de ajudar a criar a diferença. Para isso, criou um formulário online que as empresas que queiram aderir à iniciativa devem preencher para demonstrarem que estão alinhadas com os princípios do projecto de cria-

www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2023 18 CONTEÚDO LOCAL | EMPREGO
“A campanha irá até ao primeiro trimestre do próximo ano e premiará as empresas que conseguirem provar que têm uma política activa de emprego dos jovens...”

ção e fomento do emprego digno e sustentável na província de Cabo Delgado”, reitera Elias Mondlane, gestor do Gabinete de Apoio Empresarial da CTA, acrescentando que “as três melhores empresas +Emprego serão valorizadas com prémios que variam desde a presença totalmente paga da PME num evento nacional, ao acesso directo ao programa de certificação especializada da CTA e presença numa acção de capacitação para os responsáveis dos recursos humanos da empresa vencedora”.

Elias Mondlane entende que o trabalho digno “é um elemento central e transversal para o crescimento das economias e para o combate à desigualdade. A longo prazo, a falta de oportunidades de acesso a um emprego decente, produtivo e adequadamente remunerado não permite a satisfação de necessidades básicas como a saúde, alimentação, educação e a segurança”, finaliza.

Já Juvenal Dengo, Director-Ceral do INEP – Instituto Nacional do Emprego e Formação Profissional, outro dos parceiros implementadores da iniciativa, assegurou, na ocasião, que a instituição que di-

rige “está muito ciente dos desafios que se colocam para o problema do emprego no País e que não podem encontrar resposta apenas na disponibilização de vagas para estágios pré-profissionais. Os estágios têm de ser conjugados com outras medidas que visam a colocação, bem como a promoção do auto-emprego e o empreendedorismo, contribuindo, deste modo, para o ambiente de estabilidade social da província de Cabo Delgado”, apontou. “É ciente desta realidade que a Secretaria de Estado da Juventude e Emprego, através do INEP, para além de proceder à intermediação entre a procura e a oferta de emprego, está muito empenhada na implementação de medidas activas de emprego e programas específicos para mitigar a escassez de ofertas de vagas no País”, complementa.

Antenor Pereira, da OIT, abordou o mérito da iniciativa pelo lado do emprego digno, “um dos desígnios da OIT, e que encontra neste projecto uma razão para se efectivar, ainda para mais numa região onde há questões sociais que carecem deste tipo de solução que junta diversos parceiros que, juntos, podem de facto fazer a diferença e

Com a duração de quatro anos (Dezembro de 2020 a Dezembro de 2024), o +Emprego Para os Jovens de Cabo Delgado é um projecto com um orçamento de 4 milhões de euros, financiado pela União Europeia, e co-financiado e com gestão a cargo do Camões I.P., com o objectivo primordial de contribuir para o reforço do investimento nos Recursos Humanos de Cabo Delgado e na respectiva empregabilidade. Conta com vários parceiros públicos e privados que estabeleceram com o Camões IP um conjunto de acordos de implementação visando o desenvolvimento de actividades que contribuam directamente para a obtenção dos resultados do projecto.

ajudar a criar as melhores condições para fomentar a empregabilidade dos jovens de Cabo Delgado”, assinala.

Ligar os Jovens ao Mercado do Emprego

No mesmo encontro realizado em Pemba, no final de Setembro, sector privado, Governo e parceiros debateram as melhores estratégias para o aproveitamento das oportunidades existentes, fruto dos grandes projectos que estão a nascer em Cabo Delgado, para fomentar a empregabilidade da população local.

E uma das empresas parceiras da Campanha Empresas +Emprego defendeu a necessidade de se continuar a apostar na formação de jovens locais. “Falta, por vezes, esta ligação entre o ensino e as empresas e este projecto tem o foco nisso. Estamos aqui para ajudar”, reiterou João Dias, presidente do conselho de administração da AQI, empresa de distribuição de insumos agrícolas com presença em várias regiões do País.

Neste sentido, contou a experiência da sua empresa, explicando que chegou a trazer pessoas de Maputo e Nampula para Pemba porque a equipa central dos Recursos Humanos tinha, até então, dificuldade em encontrar jovens oriundos de Cabo Delgado com a devida formação.

“Acho que este é um dos pontos mais importantes neste momento: fazer as pontes. E é esse o desafio que nos foi lançado através desta campanha do +Emprego e à qual nos associámos desde logo”, concluiu o gestor.

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O PROJECTO +EMPREGO
Governo, sector privado e parceiros debateram as melhores estratégias para o aproveitamento das oportunidades existentes numa província com um enorme potencial de crescimento
NAÇÃO | CAFÉ

Moçambique Redescobre os Grãos do Desenvolvimento

A adesão de Moçambique à Organização Mundial do Café (OIC), em Junho, animou os produtores nacionais. Ganhou visibilidade a promessa de mais uma commodity na matriz de culturas de rendimento. O café já é uma importante fonte de divisas noutros países. Moçambique é o 78.º membro de um mercado mundial de 126 mil milhões de dólares que não pára de crescer. Como está a produção nacional de café? Qual é a capacidade para evoluir e competir no panorama global?

Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva & Istock Photo
de Café ganha Fôlego
Produção

Muitas pesquisas classificam o café entre as dez matérias-primas (commodities) mais negociadas no mundo, numa matriz que inclui o petróleo, gás natural, ouro, açúcar, entre outras. Um destes estudos foi publicado a 23 de Agosto pela Admirals Markets – uma plataforma de negociação de contratos e transacções de divisas, câmbios e matérias-primas em vários mercados financeiros, sediada em Tallinn, na Estónia.

E não é para menos: a estimativa é de 2,25 mil milhões de chávenas consumidas por dia, em todo o mundo. É para este valioso mercado, alimentado por pouco mais de 50 países produtores, que Moçambique caminha, depois de se tornar membro efectivo da Organização Mundial do Café (OIC), organismo que existe há 60 anos. Quais as vantagens? O ministro da Agricultura, Celso Correia, esteve presente na assinatura do acordo de adesão, em Junho, em Londres, e afirmou que a entrada de Moçambique abre oportunidades para que os produtores nacionais de café comecem a pensar no desenvolvimento dos seus negócios e a elevar os níveis de exportação.

A E&M foi ouvir os produtores. Tal como o ministro, estes confirmam que a OIC é uma oportunidade de viragem para o pequeno (e, até aqui, anónimo) mercado moçambicano de café. “Estar na OIC abre boas perspectivas, no sentido de que nós conseguimos ter acesso aos outros países produtores e ao conhecimento que, em Moçambique, é praticamente zero”, considera Francisco Madlate, fundador da Agrotur, empresa produtora de café em Chimanimani, na província de Manica.

Genaro Lopez, produtor que investe na província de Manica com as marcas Café Vumba e Café de Manica, afirma que, antes da adesão, Moçambique nem sequer era conhecido entre os produtores mundiais. Mas, após poucos meses como membro da OIC, já começa a despertar a atenção do mercado global, o que cria boas perspectivas de aumento das exportações.

Mas com as oportunidades, surgem também responsabilidades. Para Pedro Muagura, administrador do Parque Nacional da Gorongosa (PNG) - área protegida onde se desenvolve um dos mais importantes projectos de produção de café do País -, usufruir das vantagens da adesão à OIC impõe muitos desafios, entre os quais, “melhorar a capacidade técnica de

O café do Ibo é considerado o mais antigo do País: estima-se que tenha sido introduzido por comerciantes árabes, no século XI, continuando a ser cultivado, até hoje, de maneira tradicional

produção, o que passa por melhorar a formação para aumentar a nossa competitividade”.

Este marco histórico serve de pretexto à E&M para mergulhar num mercado até aqui pouco conhecido e compreender o que está a ser feito, por quem, como e onde. Tentámos perceber o que ganha o País e o que fazer para consolidar a produção e passar a integrar a lista dos poucos países no mundo que arrecadam milhares de milhões de dólares em receitas do café.

O mercado moçambicano produtor de café

Há muitos artigos escritos e histórias que se contam sobre o café de Moçambique. Comecemos pelo potencial que, afinal, já era reconhecido em tempos. Pedro Muagura, administrador do PNG, explica que o País sempre teve possibilidade de se afirmar no mercado do café, mas a administração colonial portuguesa proibiu o cultivo, como forma de evitar que a colónia pudesse concorrer com outros territórios ultramarinos.

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NAÇÃO | CAFÉ

Os Maiores Projectos e Marcas Nacionais de Café

São seis projectos moçambicanos relevantes de produção e comercialização de café, de acordo com o ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural, Celso Correia. São estes empreendimentos que, para já, alimentam a esperança de projectar o País no mapa dos grandes produtores de café em África e, quiçá, no mundo

Nossa Gorongosa – Sofala

Cultivado na zona protegida do Parque Nacional, o café Nossa Gorongosa é uma marca moçambicana de café, mel, artesanato e outros produtos dos beneficiários do projecto de desenvolvimento sustentável daquele parque. Actualmente, trabalha com mais de 900 pequenos produtores que cultivam café Arábica de alta qualidade nas encostas da Serra da Gorongosa. Este é processado, torrado e embalado na vila com o mesmo nome e depois distribuído para outras partes de Moçambique e do mundo.

Café Chimanimani – Manica

É produzido pela empresa AGROTUR no Parque Nacional de Chimanimani. Todos os processos assentam na produção manual, tendo em vista garantir a saúde do solo e a qualidade do café. O resultado é direccionado ao mercado moçambicano, mas o projecto começou recentemente a exportação para o Reino Unido, um dos mercados mais exigentes. Parte dos fundos arrecadados pela venda, além de serem transferidos para os camponeses, são doados ao Biofund, que financia a protecção do Parque.

Café Niassa – Niassa

Este é um café que dá prioridade a práticas orgânicas, em estreita colaboração com os agricultores locais. Produz café moído ou em grão de variedade 100% Arábica. Proveniente de plantações na província do Niassa, esta é mais uma marca totalmente produzida e embalada em Moçambique.

Café de Manica

É cultivado na serra de Mussapa, num projecto com origem nas montanhas de Chimanimani, um lugar com mais de 100 anos de tradição na lavoura de café. No centro das práticas sustentáveis do Café de Manica está a implementação de técnicas de agricultura regenerativa para melhorar a saúde do solo e preservar a biodiversidade.

Café do Ibo - Cabo Delgado

Beneficia desde 2005 de um programa para relançar a cultura do café. A produção é incentivada com o objectivo de produzir um café de alto valor associado ao turismo, à conservação e à melhoria do rendimento das famílias da ilha do Ibo.

Em 2012, foi criada a Associação dos Produtores de Café do Ibo (APCI) que, desde 2021, colabora com a UNIDO no âmbito do projecto "MAIS VALOR", financiado pela Agência Italiana de Cooperação para o Desenvolvimento e liderado pelo MADER.

Café Vumba – Manica

O Café Vumba é um projecto iniciado em 2020, que alimenta a ambição de se tornar no maior do sector em Moçambique. Actualmente, mais de 600 pequenos agricultores de Manica estão envolvidos na plantação de três mil hectares de café orgânico. Em Fevereiro, o conselho de administração da Mattioli Coffee Company, principal accionista do projecto Café Vumba, reportou a produção de cerca de meia tonelada de café na sua primeira colheita. Para o próximo ano, projecta aumentar a quantidade para 30 toneladas.

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FONTE Empresas nacionais de café

“Entre as colónias de Portugal, Moçambique era obrigado a produzir chá, algodão, sisal, cana-de-açúcar, girassol, entre outros, mas nunca café. Em Angola, pelo contrário, era proibido produzir chá e havia o privilégio de produzir café. E é isso que justifica a tradição e os grandes projectos de produção de café naquele país”, esclareceu.

Talvez por isso o mercado produtor continue desorganizado, também em termos de estatísticas. Francisco Mandlate, presidente da Agrotur, empresa produtora com a marca Café Chimanimani, refere que os números geralmente apresentados não são fiáveis.

“Há quem fale de 150 toneladas por ano, mas é mentira! Não temos essas quantidades em Moçambique. No máximo, podemos estar a tirar 25 toneladas de café. A quantidade é ainda muito baixa. Além disso, há números que

A grande particularidade da cultura do café é a de congregar as três vertentes da sustentabilidade: ambiental, social e económica. Todos os projectos relatam práticas dignas de destaque

apontam que Moçambique importa 500 toneladas de café por ano. Também duvido que esse número seja fiável. Se for, temos condições de poder cobrir as necessidades internas em poucos anos, uma vez que se assiste a um grande movimento de plantio de café nos últimos tempos”, aponta o investidor.

Sugere, por isso, que se comece a produzir estatísticas mais realistas para melhorar a previsibilidade, a planificação e a elaboração de uma estratégia nacional que pro-

mova a competitividade do sector. O País tem condições agro-ecológicas favoráveis à produção em grande escala, com destaque para os chamados cafés especiais. As regiões que oferecem melhores condições e onde se situam os mais importantes projectos de café estão nas províncias do centro e norte. Incluem o planalto de Lichinga (Lichinga, Muembe, Chimbunila) e o norte do distrito do Lago, no Niassa; Sussundenga, Mossurize e Bárue, em Manica; Tsangano, Angónia e Macanga, em Tete;

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Guruè, Milange e Alto Molócue, na Zambézia; e a Serra da Gorongosa, em Sofala, entre outros locais. São áreas que podem produzir cafés especiais como o Arábica. A variante dominante é o café racemosa, uma espécie nativa que se desenvolve no arquipélago das Quirimbas e que já foi produzida principalmente nas províncias do sul do País.

A estratégia do Café da Gorongosa

O Parque Nacional da Gorongosa (PNG) é a principal fonte de todo o café moçambicano. É cultivado numa zona de protecção de 300 hectares. Pedro Muagura, administrador do Parque, fez parte da equipa envolvida na fase experimental do cultivo de café, em 2011.

Nessa altura, ainda não havia provas da capacidade, em termos de quantidade e qualidade, para colocar o café moçambicano no mercado internacional. A produção comercial do café da Gorongosa começou em 2013. De acordo com o administrador do PNG, a partir dessa altura, o número de produtores começou a crescer até atingir cerca de 900 famílias que residem na serra da Gorongosa.

As mudas de café começaram a ser distribuídas como rendimento alternativo para travar o abate de floresta para produção de carvão – principal combustível diário, desde logo para confeccionar alimentos. A planta do café só sobrevive e dá rendimento se estiver abrigada debaixo de árvores bem cuidadas.

É a administração do Parque que garante o apoio às comunidades no fomento à produção, com o fornecimento de matérias-primas e recursos como sementes, plantas, viveiros, além de assistência técnica. Mais importante ainda, a administração do Parque apoia a comercialização, comprando toda a produção junto das comunidades, que depois vende a supermercados e outros clientes do mercado interno e exporta.

A exportação tem como destinos os Estados Unidos, Inglaterra, Portugal, entre outros. “A qualidade do café da Gorongosa é apreciada mundialmente. É uma das marcas mais solicitadas pelos turistas nos restaurantes em Sofala e em Maputo”, afiança Muagura.

O regime de produção é familiar e coexiste com outras culturas, principalmente frutas e cereais. Não faz parte da estratégia da administração do PNG assegurar plantações de café como monocultura, no sentido de garantir que as comunidades continuem a produzir as culturas tradicionais de auto-sustento. Sem revelar a receita média arrecadada

por cada uma das 900 famílias produtoras, Pedro Muagura assegura que o café é o principal responsável pela melhoria da qualidade de vida das comunidades.

Para o comprar, e enquanto instituição do Estado, o PNG criou uma empresa designada Produtos Naturais da Gorongosa, que faz também a gestão empresarial desta commodity e de outros produtos, incluindo o mel, em toda a cadeia, desde a produção, maneio, até à comercialização.

O ancestral café do Ibo

O café do Ibo, no arquipélago das Quirimbas, Cabo Delgado, é considerado o mais antigo do País. Estima-se que tenha sido introduzido por comerciantes árabes, no século XI, continuando a ser cultivado, até hoje, de maneira tradicional. Conta com mais de 30 mil plantas numa área de 33 hectares. O produto é processado e empacotado localmente na fábrica da Associação de Produtores do Café do Ibo. Espera-se que, este ano, venha a produzir quatro toneladas, um nível bastante baixo para o potencial existente e face à secular tradição que a ilha do Ibo carrega.

Em 2019, o então ministro da Agricultura e Segurança Alimentar, Higino Marrule, e o representante da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO) em Moçambique, Jaime Comiche, assinaram um memorando de entendimento para operacionalizar o projecto de expansão da produção, num valor de quatro milhões de euros, desembolsados pela embaixada da Itália.

Mas a ilha do Ibo e toda a região de Cabo Delgado têm passado por momentos de grande desestabilização, desde 2017, devido a uma insurgência armada local a que se associou, nos últimos anos, a propaganda do grupo extremista Estado Islâmico.

A ilha tem sido um dos locais de refúgio no meio de uma grave crise humanitária que tem deixado muitos investimentos – especialmente na área de gás natural – a aguardar por melhores dias.

Chimanimani, um caso de sucesso

A par do Café Niassa e do Café Manica, entre outras marcas produzidas em pequena escala pelo País, está no mercado o Café Chimanimani, da empresa Agrotur. O fundador, o jornalista Francisco Madlate, ganhou inspiração em 2019, durante um trabalho jornalístico de acompanhamento dos primeiros cinco anos de mandato do Pre-

sidente Filipe Nyusi. “Nesta minha deslocação a diferentes partes do País, dei-me conta de que os maiores investidores no sector da agricultura eram estrangeiros. Os moçambicanos só têm pequenos projectos. Não investem em grande escala.

Depois, notei que o fomento agrícola não está a trazer o desenvolvimento rural como se pretende”. Francisco Madlate diz ter observado que, geralmente, quem fomenta a produção é quem dá crédito ao produtor, marca o preço das matérias-primas, marca o preço de compra e, desse preço, desconta o valor das provisões. Tudo isto faz com que os produtores, apesar do esforço, tenham rendimentos baixos e um ciclo de dívida interminável.

“Então, decidi que devia, ao invés de escrever artigos de opinião e reportagens, implementar um projecto” que representasse “uma nova abordagem

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NAÇÃO | CAFÉ

ao fomento e desenvolvimento local”, mostrando aos empresários moçambicanos “que é possível investir com sucesso na agricultura”.

Mandlate identificou o café como a cultura em que devia apostar, tendo aplicado fundos próprios para desenvolver o projecto, que arrancou em 2020.

O Café Chimanimani emprega 385 produtores, que trabalham em 95 hectares, sendo 40 da área da empresa e 55 pertencentes a famílias.

A aposta no café especial e a conquista de mercados

Mandlate refere que um dos factores de sucesso do Café Chimanimani é a aposta na produção de uma linha de café especial, de qualidade reconhecida mundialmente.

O segredo começa nas duas modalidades de processamento: uma consiste em colocar a fruta do café a secar; outra inclui lavar e tirar a semente antes de secar. As duas tiveram acima de 80 pontos em avaliações externas de qualida-

de, numa escala de zero a 100. “Isso coloca-nos na categoria de cafés especiais e dá-nos o direito de fixarmos o preço. Como tal, colocamos o nosso produto ao melhor preço possível no mercado”, explicou.

O facto atraiu muitas entidades que passaram a solicitar esta marca nacional. “Assinámos um acordo com uma empresa distribuidora de cafés em Londres, em Junho, para exportarmos para o Reino Unido. Esta empresa distribui também pela Europa, trabalhando com cafés de várias origens como do Ruanda, Burundi, Uganda e Quénia”. “Estamos já a preparar uma tonelada de café para exportação.

Mas também já temos pedidos para outros mercados. Registámos um pedido para a Alemanha, outro para a Áustria e também para Portugal. E ainda vamos mandar 50 quilos para o Japão. Um amigo japonês levou o café para lá,

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“Além do Reino Unido, registámos pedidos para a Alemanha, Áustria e Portugal. E ainda vamos mandar 50 quilos para o Japão.” – Francisco Mandlate, Café Chimanimani

promoveu uma sessão de prova e eles gostaram”, revelou o investidor.

Café e protecção ambiental

Uma das grandes particularidades da cultura do café é congregar as três vertentes da sustentabilidade: ambiental, social e económica. Olhando particularmente para a componente ambiental, todos os projectos relatam práticas dignas de destaque. Na Gorongosa, por exemplo, a produção permite a conservação da floresta húmida, já que a planta cresce debaixo das árvores, onde há condições ideais de cultivo.

Foi a pensar no mesmo tipo de impacto que, no ano passado, a Fundação para Conservação da Biodiversidade (BIOFUND) - através do Projecto de Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento Comunitário (CBDC) - e o Café Manica assinaram um protocolo de parceria para a criação de um mecanismo de canalização de fundos para o desenvolvimento do Parque Na-

A produção global de café na temporada agrícola que vai de Outubro de 2023 a Setembro do próximo ano poderá aumentar em 4,3 milhões de sacas de 60 quilos em comparação com 2022/23

cional de Chimanimani. Com duração de cinco anos, o protocolo prevê que a empresa distribua 2% das receitas para apoio às boas práticas ambientais e sociais, bem como para divulgação da importância da biodiversidade do Parque.

Este protocolo não é caso único. O projecto da Agrotur também está envolvido na recuperação florestal do Parque Nacional de Chimanimani.

O apoio da União Europeia

Em Angola, a União Europeia (UE) financiou com 8,8 milhões de euros o desenvolvimento da cultura do café, numa

plantação que cobre 35 mil hectares. Em Moçambique, onde a UE é um dos mais importantes parceiros de apoio ao desenvolvimento, com foco em sectores que incluem o agro-negócio, também há perspectivas de que tal venha a acontecer.

À E&M, o embaixador da UE em Moçambique, Antonino Maggiore, revelou que o bloco europeu "já tem programas que apoiam o desenvolvimento de empresas moçambicanas e parte dessas empresas estão a produzir café e estão já a produzir café e a exportar para a Europa”.

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“Dentro das prioridades da UE, no quadro do agro-negócio, as empresas de café estão integradas num conjunto específico do ramo alimentar, nomeadamente as que produzem fruta seca e similares”. Ainda de acordo com Antonino Maggiore, é um apoio que visa fortalecer a capacidade de produção e a mentoria para a exportação.

Por seu turno, o presidente da Câmara de Comércio de Moçambique, Álvaro Massingue, disse à E&M que a adesão de Moçambique à OIC é uma oportunidade para revisitar velhas preocupações e procurar novos apoios, nomeadamente para facilitar o acesso aos mercados internacionais. “Sabemos que temos potencialidades em produtos que a UE aprecia bastante, mas, porque nos faltam alguns requisitos, temos dificuldade em aceder aos mercados.

Como grande particularidade, temos o facto de a maior parte dos nossos produtos serem orgânicos, os mais procurados no mercado internacional. Mas ainda nos falta a certificação e a embala-

O consumo global de café também está a aumentar consideravelmente, podendo registar um recorde de 170,2 milhões de sacas em 2023/24, acima dos 168,2 milhões em 2022/23

gem. Por isso, apelamos ao apoio de parceiros bilaterais, como a UE, nesse sentido", especificou o responsável.

Boas perspectivas do mercado global

A produção global de café na temporada agrícola que vai de Outubro de 2023 a Setembro do próximo ano poderá acrescentar 4,3 milhões de sacas (unidade de medida da matéria-prima, em sacas de 60 quilos) ao resultado de 2022/23, que se cifrou em 174,3 milhões de sacas. No mercado global, o aumento da produção no Brasil e no Vietname deve compensar a queda que se espera na Indonésia, segundo o relatório mais

recente do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). O documento refere, igualmente, que o consumo global de café está também a aumentar consideravelmente, podendo registar um recorde de 170,2 milhões de sacas em 2023/24, acima dos 168,2 milhões na época anterior.

Segundo o USDA, a produção do Brasil, maior produtor mundial, aumentará em 3,8 milhões de sacas em 2023/24, enquanto o Vietname produzirá 1,6 milhão de sacas a mais. Enquanto isso, a Indonésia deve produzir 2,2 milhões de sacas a menos. Considerando os dois principais

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Quais são os maiores consumidores de café?

Um estudo feito por investigadores brasileiros sobre os mercados do café, intitulado “Tudo sobre Café”, actualizado em Junho de 2022, indica que os países do norte da Europa destacam-se como os maiores consumidores. Conheça os povos que mais bebem café

Os finlandeses consomem em média 12 quilos de café por ano. Para ter uma ideia, seria o mesmo que consumir 225g por semana.

Os noruegueses têm o hábito ancestral de beber café e, actualmente, um habitante do país chega a tomar até 9,9 quilos por ano.

Um país gelado repleto de pequenas cafetarias para que os habitantes possam afastar o frio. Cada islandês consome, em média, 9 quilos de café por ano.

Um dinamarquês consome, pelo menos, 8,7 quilos de café ao longo do ano e é mais um país escandinavo a aparecer entre os primeiros da lista.

Os holandeses foram os primeiros europeus a cultivarem café nas suas colónias. Consomem, per capita, 8,4 quilos por ano.

6.º

Na Suécia, o café é mais do que uma bebida. O consumo marca um modo de vida. Por isso, os suecos consomem até 8,2 quilos do grão por ano.

Além de bons chocolates, os suíços também gostam de um bom café expresso. Um suíço consome até 7,9 quilos de café por ano.

Além de boa cervejam, os belgas também apreciam um bom café e já foram grandes produtores. Actualmente, um belga consome 6,8 quilos do grão por ano.

A consumirem, pelo menos, 5,8 quilos por habitante, têm uma forma diferente de fazê-lo: fervem a água com açúcar e depois adicionam o pó.

O Brasil é o maior exportador de café do mundo, mas o brasileiro não consome tanto café os naturais de outros países: são 5,8 quilos.

Com tradição nos cafés expressos, os italianos não ficam de fora desta lista e chegam a consumir, pelo menos, 5,9 quilos ao longo de um ano.

Falar da Áustria é falar da sua capital Viena e dos tradicionais cafés da cidade. Os austríacos consomem até 6,1 quilos de café por ano.

A Bósnia e Herzegovina é um país do leste europeu que mostra como a bebida é muito difundida. Os bósnios consomem, pelo menos, 6,2 quilos do grão por cada ano.

De acordo com pesquisas da Associação de Café do Canadá, a bebida é a preferida entre os adultos. Por ano, o país consome 6,5 quilos per capita.

Apesar de ser um pequeno país, os habitantes adoram café. Cada habitante chega a consumir 6,5 quilos do grão ao ano.

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7.º Suíça 9.º Luxemburgo 10.º Canadá Suécia 8.º Bélgica 3.º Islândia 4.º Dinamarca 5.º Holanda 11.º Bósnia e Herzegovina 12.º Áustria 13.º Itália 14.º Brasil 2.º Noruega 1.º Finlândia 15.º Eslovénia

Em termos de números, a taxa de crescimento é mais rápida até do que o incremento no café de qualidade

tipos de café, o USDA espera maior produção do tipo Arábica, mais suave, e menor produção do café Robusta, mais forte. A produção global de café Arábica em 2023/2024 deverá ascender a 96,3 milhões de sacas, em comparação com 90,1 milhões em 2022/23. Já a produção de café Robusta deverá cair para 78 milhões de sacas em 2023/24, de 79,9 milhões de sacas em 2022/23.

O USDA também prevê um aumento nas importações das duas principais regiões que mais consomem café – a União Europeia e os Estados Unidos.

Preços devem cair

As boas notícias sobre a oferta abundante contribuíram, em grande medida, para a queda dos preços futuros do café

em ambos os mercados. No final da primeira sessão da avaliação dos preços internacionais, a 14 de Agosto, estes haviam caído acentuadamente nas bolsas europeias e americana.

Os preços do café Robusta no ICE Futures Europe London (agência que faz a negociação de contratos futuros e de opções sobre cacau, café Robusta, açúcar branco e trigo), para entrega a 8 de Setembro, diminuíram nove dólares e o produto passou a ser negociado a 2023 dólares por tonelada. No prazo de entrega de Novembro, o valor diminuiu 52 dólares para 2620 dólares por tonelada.

Prevê-se que as preocupações com a recessão económica global arrastem o mercado de matérias-primas, incluindo o mercado do café.

COOPERAÇÃO TRILATERAL MOÇAMBIQUE, BRASIL E PORTUGAL

Há 127 espécies de café registadas no mundo e o exercício para levar um bom café à chávena exige peritagem de alto nível, com técnicos totalmente focados, desde a plantação, passando pela colheita, secagem e processamento até à saída para os mercados. É isto que ainda falta ao mercado nacional, dizem os intervenientes. Por isso, antes mesmo da adesão à OIC, o projecto de Gorongosa já tinha iniciado uma cooperação trilateral com o Brasil e Portugal, à luz da qual técnicos provenientes destes países vão ao terreno formar produtores, numa cooperação que também envolve a criação de espécies híbridas, resistentes a condições adversas e adaptadas a novas condições ambientais. O programa de cooperação trilateral arrancou em 2017 e já permitiu que, numa primeira fase, fossem experimentadas sete variedades novas.

Além disso, a inflação nos Estados Unidos da América tende a diminuir, a economia da China cai em deflação e a economia da Zona Euro ainda está incerta, porque os preços do petróleo bruto continuam elevados, após os cortes de produção da OPEP+ e face à persistência do conflito entre a Rússia e Ucrânia.

O futuro

A Organização Mundial do Café previu que, até ao ano passado, o consumo global aumentaria 3,3%, para 170,3 milhões de sacas de 60 kg – indicando que o mercado global de café certamente está a crescer. Recentemente, a organização reduziu a sua previsão de crescimento do consumo para 1% a 2% até 2030 – o que, no entanto, ainda representa um crescimento constante.

O Brainy Insights, uma empresa de pesquisa de mercado que fornece soluções através da análise de dados para as empresas melhorarem a sua visão de negócios, estima que o valor do sector global de cafés especiais deve chegar a 152,69 mil milhões de dólares até 2030, representando uma taxa de crescimento de 12,32% ao ano.

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Apesar do seu menor peso no mercado, é inegável que o sector global de cafés especiais está a crescer.

Valor e Potencialidades da Cultura do Café

Aagricultura é o sustentáculo da economia moçambicana, mobilizando mais de 80% da população economicamente activa e contribuindo de forma significativa para o Produto Interno Bruto - representa cerca de um quarto do de Moçambique. A actividade agrícola desempenha um papel crucial para gerar rendimento e emprego, principalmente nas áreas rurais. Estima-se que haja aproximadamente 36 milhões de hectares de terra arável. No entanto, apenas 10% dessa área é efectivamente utilizada para a agricultura.

O território de Moçambique apresenta condições favoráveis para uma diversidade de cultivos. Porém, para que o sector desempenhe um papel estratégico no desenvolvimento do País, é necessário superar alguns desafios. Entre eles destacam-se: os impactos das mudanças climáticas, a necessidade de melhorar a infra-estrutura para escoar a produção, acesso aos mercados, acesso ao financiamento agrícola, capacitação técnica e modernização da produção. É importante realçar que a agricultura de subsistência é comum em Moçambique, contando aproximadamente com 3,2 milhões de pequenos agricultores, responsáveis por cerca de 95% da produção agrícola.

O Governo de Moçambique tem vindo a dedicar-se à promoção do desenvolvimento agrícola, inclusive com a implementação de medidas e programas para aumentar a produtividade e garantir a segurança alimentar no País. Além disso, têm sido priorizadas áreas como o investimento em projectos de irrigação e o apoio aos pequenos agricultores, com o objectivo de impulsionar o sector. A diversidade geográfica e climática de Moçambique oferece condições favoráveis para diversos produtos, como o café, que possui grande valorização no mercado internacional enquanto cultura de rendimento. A procu-

ra por café tem aumentado, principalmente com o crescimento do consumo na Ásia. Para Moçambique, o café pode desempenhar um papel fundamental na valorização da agricultura nacional e na melhoria da vida de milhares de camponeses. Os projectos de produção de café do Parque Nacional da Gorongosa, na província de Sofala, e do Parque Nacional de Chimanimani, província de Manica, são dois exemplos de projectos de produção de café orgânico e sustentável que permitiram ao País tornar-se, recentemente, membro da Organização Mundial do Café.

A agricultura, como um todo, contribuiu com mais de $560 milhões de dólares em receitas para o País em 2022. Olhando para o Uganda, um dos países em África que se destacam na produção e comercialização de café, a exportação deste produto nos últimos 12 meses terá rendido perto de $850 milhões em receitas.

Estima-se que o seu consumo global, só em 2023, cresça em cerca de sete mil milhões de dólares, continuando com uma tendência de crescimento nos próximos anos.

Em Moçambique, existem duas variedades de café principais: “Arábica” e “Robusta”. O café “Arábica” é conhecido pelo seu sabor suave e aroma delicado. É considerado de alta qualidade e é cultivado nas províncias de Nampula e Niassa. Por outro lado, o café “Robusta” é conhecido pelo sabor forte e amargo e é cultivado em Cabo Delgado e Nampula.

A qualidade do café produzido em Moçambique tem sido foco de atenção, com esforços para aprimorar as práticas de cultivo e processamento, a fim de competir no mercado global de alta qualidade. Moçambique pode aproveitar as vantagens económicas desse sector dinâmico e em constante crescimento, atraindo investimento directo estrangeiro, gerando receitas de exportação e criando empregos.

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A qualidade do café produzido em Moçambique tem sido um foco de atenção, com esforços para aprimorar as práticas de cultivo e processamento, a fim de competir no mercado global
Patrícia Darsam • Directora da Banca Corporativa de Investimentos do Absa Bank Moçambique

Um Plano para Moçambique Ser um Grande Produtor de Café

A recente adesão de Moçambique à Organização Internacional do Café foi o ponto de partida para um “caminho ainda longo” se, de facto, o País quiser explorar em pleno o seu potencial, avisa o presidente da Associação Moçambicana dos Cafecultores (AMOCAFÉ). Conhecedor do mercado, dentro e fora de portas, Genaro Lopez explica à E&M a sua visão para o sector

AE&M foi ao distrito de Marracuene conhecer a empresa El Barista. É uma das poucas firmas especializadas na torra de cafés em Moçambique, senão mesmo a única. Genaro Lopez, CEO da El Barista, é presidente da Associação Moçambicana dos Cafecultores (AMOCAFÉ) e traz consigo um currículo recheado no que diz respeito à indústria do café. Oriundo do Brasil, maior produtor mundial, conhece o sector a nível global, os vários mercados e tem uma noção do caminho a trilhar para se alcançar o sucesso em Moçambique. Genaro Lopez é também líder do projecto Café Vumba, implantado nos distritos do norte da província de Manica, em redor do Parque Nacional de Chimanimani, estendendo-se para outras áreas que vão até perto do distrito de Mossurize. Naqueles pontos, o Café Vumba tem um impacto significativo na vida dos residentes. De acordo com Lopez, uma comunidade de 320 famílias recebeu mudas de planta de café e abrange cerca de 80% da área total projectada para o cultivo (aproximadamente 160 hectares). Ou seja, a empresa terá, no máximo, 20% da área total do projecto. O Café Vumba arrancou com a distribuição de 100 mil mudas, que aumentaram para 300 mil em 2022 e chegaram a 500 mil em Fevereiro deste ano. Genaro Lopez espera alcançar um milhão de mudas distribuídas e plantadas pelas famílias no final do ano. O presidente da AMOCAFÉ, organização que integra 11 empresas espalhadas pelos diferentes pontos de produção nas províncias de Manica, Sofala, Tete, Niassa e Cabo Delgado, fala de desafios de ordem económica, regulamentar, de formação, priorização e protecção da produção nacional e garantias do Governo. Estes tópicos são os grandes ingredientes para transformar o mercado moçambicano do café. Um percurso que não se afigura fácil.

Que oportunidades reais se abrem com a adesão de Moçambique à Organização Internacional do Café (OIC), do ponto de vista de fomento à produção e até de acesso aos mercados?

Antes, ninguém sabia que Moçambique tem café. A notícia da adesão à OIC correu o mundo e, hoje, o panorama é diferente. Tivemos, recentemente, uma reunião com uma empresa de café na África do Sul e, antes de começar o debate, endereçaram-nos felicitações pela entrada na OIC. Mas ainda não temos níveis de produção para nos impormos no mercado internacional.

Ainda assim, já temos alguma produção exportada.

Até agora, quem exporta quase toda a quantidade de café que produz é o projecto da Gorongosa, que começou há mais tempo. Os restantes produtores abastecem o consumo interno. Nós (Café Vumba) exportámos para a Holanda no ano passado, mas foi uma pequena quantidade. E agora, já na primeira semana de Outubro, tenho de preparar um carregamento maior para Inglaterra, Alemanha e Holanda. Quanto à qualidade do café produzido em Moçambique, vários artigos na imprensa falam de um produto apreciado mundialmente e, por isso, o País poderá estar em condições de tornar-se num dos mais competitivos.

Muitos produtores classificam o café nacional como sendo de boa qualidade. Enquanto produtor com conhecimento sólido, tem a mesma percepção?

Não é verdade que tenhamos café de melhor qualidade. Nem há como catalogar nada, porque não há controlo de qualidade no País. Para se aferir o nível de qualidade do café aqui produzido, terá de haver toda uma estrutura interna preparada para fazer essa avaliação. E isso faz-se, por exemplo, nas feiras de café, em que se juntam muitos produtores, num determinado período, ge-

ralmente designado por “semana do café”. Nesse evento, os produtores exibem as suas amostras que são avaliadas por especialistas credenciados e que vão dar pontuação a cada uma. Mas, infelizmente, não existem pessoas com essa formação em Moçambique. Está tudo a começar e estou a esforçar-me para que possamos chegar a esse patamar, o que não é fácil. Não há assim tanta gente a investir no café. Este cenário vai levar muito tempo a mudar. Mas, felizmente, existem entidades que nos prestam apoio e a ideia é criar um centro de formação do café, que poderá ser em Manica, onde há melhores condições e maior concentração da produção.

Em que consiste o centro de formação?

É uma iniciativa privada que vai buscar conhecimento ao exterior. Vou fazer uma visita ao centro de formação do café da Etiópia para ver, de perto, o que precisamos de montar no futuro centro, aqui em Moçambique. É aqui que tudo vai começar. Temos de montar uma estrutura que vai formar moçambicanos a trabalhar com café nos diversos domínios da sua cadeia. Moçambicanos que têm de saber trabalhar com maquinaria, como torrefactores, por exemplo, que são poucos no País. Também é preciso dotar os moçambicanos da arte de processar o café ainda no campo, porque, se houver erros na colheita e pré-processamento, toda a produção perde, ainda que se tenha boa maquinaria de pós-processamento.

E quando abrirá esse centro de formação, quanto vai custar e quem o vai financiar?

Está tudo mais ou menos alinhado, mas é prematuro falar dos detalhes.

Onde encontrar os melhores modelos de formação nesta área?

Os mercados africanos mais bem posicionados são o melhor modelo a importar. Por exemplo, em relação às varieda-

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Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva

des de sementes, é melhor usar as que estão em África, porque já estão em uso.

No campo da formação, o grande obstáculo é que nenhum país perto de Moçambique fala português, a não ser que os formandos sejam enviados para Angola. Mas este país também está em fase de retoma dos seus projectos no sector do café.

Vale a pena realçar que Angola já foi o terceiro maior produtor de café do mundo. Mas, com a Independência, a saída do colono pôs tudo a perder, já que não havia técnicos que pudessem dar continuidade aos projectos. Só há alguns anos foram reactivados e há uma grande aposta do Governo, que leva a que os projectos tenham uma dimensão considerável. Em Moçambique, são pequenos dinamizadores que asseguram a produção para gerar rendimento; em Angola são grandes áreas de exploração comercial.

O Brasil, enquanto maior produtor e com todo o conhecimento que tem nesta área, não seria uma boa alternativa de formação para os moçambicanos?

É o mercado que eu tenho proposto para este propósito, justamente por ser aquele onde está a melhor tecnologia de produção de café do mundo.

Perante o défice de conhecimento e falta de instituições vocacionadas para a formação, qual tem sido o mecanismo de transmissão de saber?

A população que trabalha em projectos de produção do café tem conhecimentos. Mesmo os produtores que não estão nos projectos, como os que encontrámos a sul da província de Manica, têm conhecimento. Estando perto da fronteira com o Zimbabué, foram àquele país buscar conhecimento e sementes. Hoje estamos a trabalhar para aumentar

as áreas de cultivo destas pessoas, porque conhecimento já têm.

Há acesso aos meios de produção, incluindo sementes?

Todas as sementes vêm de fora, mesmo a dos nossos dois projectos. As nossas sementes são quase todas importadas do Zimbabué. Temos variedades novas que estão em teste e que vêm do Brasil.

Não se impõe que o País crie capacidade de produção de sementes para se tornar competitivo no futuro?

Não se pode contar com isso para já, porque não é um objectivo fácil de alcançar. Primeiro, o sector do café terá de estabilizar e criar alicerces. Não se pode começar uma casa pelo telhado. Para produzir sementes é preciso ter um instituto de investigação empenhado nisso, ligado à genética, entre outros detalhes. Algo que não existe em todos os países. É uma realidade que não é para Moçambique, nem hoje, nem nos próximos 20 anos.

Além das sementes, como estamos em relação a outros meios de produção, como os equipamentos?

É preciso perceber que existem diferentes variedades de café. O grande

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“Ninguém fala do café nos institutos técnicos e universidades deste País. Esse é o cenário que estamos, todos, a tentar mudar”

problema é a formação. Ninguém fala do café nos institutos técnicos e universidades deste país. Esse é o cenário que estamos a tentar mudar. Tenho tido pouco tempo para trabalhar nisto, mas tenho a ideia de fazer palestras nas faculdades de Agronomia para despertar interesse nos alunos e tirar os professores da zona de conforto. Mas este é um grande trabalho, que deve ser feito com a inclusão do Governo. Como presidente da AMOCAFÉ, tenho procurado algumas instituições para que possam apoiar o País na formação. A ideia é trazer professores de fora e colocá-los em, pelo menos, uma universidade de cada província que tenha potencial de produção de café. Dali podem sair futuros profissionais, com experiência no café da região onde foram formados. Outro objectivo é trazer técnicos do campo, que possam trabalhar directamente com os Serviços Distritais de Actividade Económica (SDAE) nos distritos produtores e prepará-los para trabalhar com esta cultura. Em relação aos equipamentos, terá de haver um apoio às empresas na fase de processamento, através de uma linha de financiamento.

Que entidades estão envolvidas na melhoria da capacidade de produção?

Há apoios de várias entidades. O Ministério da Agricultura e Desenvolvimento

Rural (MADER) já tem uma iniciativa para promover a cadeia do café. Esta vontade começou a ser visível na FACIM – Feira Internacional de Maputo, em que foram exibidos todos os cafés produzidos pelas empresas da AMOCAFÉ. Portanto, há algum trabalho, mas os resultados não serão imediatos.

Existem ideias no sentido de trazer a experiência dos países mais bem posicionados na produção de café?

O Uganda, um dos maiores produtores de café de África, pode transmitir muita coisa a Moçambique. Aquele país cresceu muito e tem perspectivas de um desempenho ainda maior, fruto de um grande apoio do Governo, que reconhece que o café é uma importante fonte de divisas. Eu sempre disse que o café é uma matéria-prima na qual os políticos deviam apostar. No Uganda, é o produto que mais rende divisas, por isso, o Governo pretende apoiar a duplicação da produção até 2030. Muito está a ser feito para que esta aposta vença.

É possível trazer esse pensamento para Moçambique?

Em representação da AMOCAFÉ, reuni, no ano passado, com o MADER, para discutir a regulamentação do sector, que ainda não existe. É um dos trabalhos que estamos a desenvolver.

Ainda recentemente, representantes do MADER passaram pelo Brasil, e essa equipa regressou com outros conhecimentos e horizontes. É assim que se deve começar. Temos de estudar muito e vermos o que os outros fazem.

Fica nítida a ideia de que há muito trabalho por fazer.

Para o café chegar a uma embalagem como esta (Café Vumba), houve muito trabalho por trás. Desde a plantação até aos primeiros grãos, são dois anos. Na colheita, o produto deve ser colocado num saco e não pode passar seis horas sem ser colocado a secar - senão, o café começa a fermentar e estraga-se. São estes conhecimentos que devem começar a ser difundidos. Numa palestra recente, organizada pela Universidade Pedagógica (UP), na qual conheci o primeiro moçambicano doutorado em café, tive a oportunidade de falar aos jovens do curso de Agronomia. E apresentaram muitas perguntas sobre a produção do café.

Quanto à comercialização, num ambiente de fraca cultura de consumo do café, há algo que possa ser feito?

Tenho dito que os moçambicanos devem ter sempre em mente o consumo de produtos nacionais. Enquanto acreditarem que o que vem de fora é melhor do que o nacional, o País não vai avançar. Isto não é apenas em relação ao café, mas a todos os produtos. Ao comprar o produto nacional, as pessoas apoiam a criação de emprego e a industrialização. O povo precisa de mudar, mas tem de haver, também, por parte do Governo, a divulgação deste princípio, algo que não está a acontecer. Chegou a ser criado o selo “Made in Mozambique”, mas já não se vê propaganda há muito tempo. E isso tem de ser feito de forma contínua. Noutras partes do mundo essa cultura está mais enraizada: nos supermercados, as pessoas preocupam-se em saber a origem dos produtos e a preferência recai sobre os nacionais ou da região em que vivem.

Então, como vê o mercado no futuro, a avaliar pelas dificuldades existentes?

Os políticos agarraram a ideia, tanto que o ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural, Celso Correia, foi a Londres assinar a adesão de Moçambique à OIC. Esta foi a forma de mostrar que o Governo vai apoiar a produção de café. Agora falta ver as atitudes nesse sentido, fazendo com que as pessoas trabalhem e não se fiquem apenas pelo acordo, esperando que só os privados façam o seu trabalho.

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“Para se aferir o nível de qualidade do café aqui produzido, terá de haver toda uma estrutura interna preparada para fazer essa avaliação”

Potencial de África Ameaçado Pela Voracidade das Alterações Climáticas

Apesar de ser o segundo continente mais populoso, é dos que menos consomem café. O potencial de crescimento é enorme, mas para o aproveitar é preciso agir rápido. A velocidade das alterações climáticas ameaça muito do grão produzido em África – actualmente responsável por 12% da produção mundial e fonte de sustento de 60 milhões de pessoas.

Em muitos países desenvolvidos, o café já não é uma extravagância, mas uma necessidade diária. Como resultado, a procura tem vindo a crescer de forma constante, ano após ano, e há estudos que perspectivam um futuro brilhante para o café produzido em África, onde crescem alguns dos melhores grãos do mundo.

Apesar de o comércio global ser dominado por países da América do Sul, como o Brasil e Colômbia, e do Sudeste asiático, em que se incluem o Vietname e a Indonésia, os países africanos estão a emergir entre os principais exportadores de café de alta qualidade, enquanto o resto do mundo enfrenta desafios diversos: os principais produtores de café da América do Sul, por exemplo, já se confrontam com obstáculos sérios devido às alterações climáticas, provocando quebras na produção.

Pontos fortes

Segundo a Organização Interafricana do Café (OIAC), o panorama favorável ao mercado africano começa na preparação do grão. É que o café de África passa por um processamento a seco, que é a forma mais antiga de o colher e embalar para envio.

Este método natural consiste em limpar os grãos manualmente e secá-los ao sol. A perspectiva é que este antigo método consiga acompanhar a procura interna do continente e, ao mesmo tempo, mantenha uma posição sólida e contínua na exportação. A isso adiciona-se o factor qualidade.

O café africano tem características distintas, dependendo do país e da forma como é cultivado. O da Etiópia, por exemplo, é conhecido por ser mais encorpado – deixa uma sensação prolongada no palato e é, por isso, muito apreciado. A Tanzânia, por outro lado, é dos poucos locais do mundo a produzir um grão em formato parecido com o de uma ervilha - chamado de peaberry -, que representa só 10% da produção mundial, segundo a Organização Internacional do Café (OIC).

Pontos fracos

A maioria das explorações de café, especialmente na África Oriental, são muito mais pequenas do que as da Ásia e da América Latina. Esta pode ser uma das razões que fazem com que a produção de café africana represente apenas 12% do total mundial, segundo dados da OIAC actualizados no último ano.

Por outro lado, os custos de transporte dos locais de produção até aos compradores são elevados. Geralmente, a distância das ‘farmas’ (quintas agrárias) até aos mercados é extremamente longa e as dificuldades de logística comprometem a comercialização.

E embora a venda e o cultivo de grãos de café sejam lucrativos, infelizmente não se reflectem no rendimento dos agricultores da África Oriental. Em média, ganham menos de um dólar por dia. De acordo com a OIAC, o café é uma oportunidade que devia estar alinhada com “salários mais elevados para os agricultores africanos, que trabalham incansavelmente para

produzir, diariamente, uma deliciosa colheita de grãos de café”.

Mudanças climáticas, a grande ameaça As alterações climáticas estão entre as maiores ameaças ao café. Um estudo publicado em 2022 pela revista científica “Plos One” está entre os vários trabalhos que indicam que a cultura do café poderá ser severamente atingida já nos próximos 25 anos (sensivelmente até 2050). As previsões são sombrias: de 75 espécies de café analisadas, 22 são vulneráveis às alterações climáticas e 13 estão altamente ameaçadas, entre as quais, o café Arábica, uma variedade de alta qualidade, vendida nas grandes redes globais de comércio. Os agricultores devem preparar-se para um futuro incerto, avisam os cientistas citados pela OIAC.

As mudanças climáticas provocam fenómenos extremos como inundações e secas, que causam instabilidade económica. Perante este ambiente adverso, o café é uma das culturas mais impactadas: bastam pequenas alterações na temperatura para afectar o rendimento, o aroma e o sabor. Uma pluviosidade ligeiramente acima da média pode provocar o aparecimento de fungos na pºlanta do café, enquanto a falta de chuva facilmente se traduz no atrofiamento do grão.

Baixo consumo, um travão ao crescimento

Outra das preocupações levantadas pela cúpula africana do café é o baixo consumo no continente, apesar de ser o segundo mais populoso do mundo. Durante a primeira Cimeira do Café Africano, realizada no último ano, em Nairóbi, capital do Quénia, os participantes observaram que a população de África que consome café quase não chega a um terço. Para os responsáveis, é hora de o continente unir esforços e criar um ambiente que promova o consumo. “É crucial acelerar o consumo domés-

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Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R
As alterações climáticas estão entre as maiores ameaças ao café. Um estudo de 2022 indica que a cultura poderá ser severamente atingida

tico de café nos mercados inexplorados de África para promover o desenvolvimento socioeconómico geral”, disse, na ocasião, o vice-director da Autoridade Agrícola e Alimentar (AFA) do Quénia, Benson Apuoyo, acrescentando que mais de 95% dos grãos quenianos são exportados para o mercado internacional.

Para tentar mudar esta realidade, aquele país está a promover o consumo interno. A estratégia consiste, por exemplo, em abrir cafés em universidades. Benson Apuoyo revelou que a AFA negociou o modelo com cinco, esperando que outras institui-

ções também possam aderir à ideia. A este propósito, o director-geral da Autoridade de Café e Chá (ECTA) da Etiópia, Adugna Debele, referiu que o continente consome 9800 toneladas de café por ano, enquanto a Europa consome 55 625. Na Etiópia, apesar da tradição de consumo, o peso dos adeptos do café ficou estagnado: não ultrapassa os 50% da população nas últimas duas décadas, o que significa que a geração mais jovem “não está a consumir”. Para este responsável, os governos devem pensar em maneiras inovadoras de promover o consumo, aumentando assim os meios de sub-

Os

principais produtores de África

Os grandes produtores africanos de café estão concentrados na África Oriental.

Peso da produção em relação ao total africano

Os 10 maiores do mundo

O Brasil é líder mundial na produção de café, numa lista em que África está representada

(em milhões de toneladas métricas)

sistência dos agricultores e contribuindo para a riqueza do país.

Mercado global com boas perspectivas

Analistas de mercado citados pela OIC indicam que o mercado global de grãos de café cresce a um ritmo constante. Espera-se que ganhe impulso nos próximos anos devido ao aumento do consumo em várias partes do mundo, conduzido pela população mais jovem. Além disso, o uso do café na produção de uma ampla gama de produtos de higiene pessoal, produtos de panificação e chocolates, entre outros, abre boas perspectivas para o mercado global. A procura por café na América do Norte deverá permanecer elevada nos próximos anos, tendo em conta que o crescente consumo entre a população trabalhadora, a par da instalação de máquinas de café em escritórios, aeroportos, estações ferroviárias e outros locais, contribua para um cenário positivo.

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FONTE OIC
O panorama favorável ao mercado africano começa na preparação do grão. O café é processado a seco, a forma mais antiga de o colher e embalar para envio
Brasil Vietname Indonésia Etiópia Honduras Colômbia Índia Uganda México Guatemala 2,3 1,6 0,81 0,66 0,38 0,35 0,35 0,29 0,23 0,20
14% 13% 6% 5% 39%
Etiópia Outros Quénia Tanzânia
Uganda
23% 100%
Costa do Marfim

Vem este artigo a propósito do convite que recebi da Televisão de Moçambique para comentar os resultados do “Workshop de Avaliação Nacional de Riscos de Segurança Cibernética, com ênfase nas Infra-estruturas Críticas de Informação”1 .

Em Moçambique, de acordo com um dos painelistas presentes, “…pelo menos 500 instituições nacionais (públicas e privadas) sofrem ameaças e ataques perpetrados por piratas informáticos”.

Neste artigo, convido o meu leitor@ a responder à pergunta: No contexto de Moçambique, como é que a Cultura afecta a (In)Segurança Cibernética?

Vejamos sucessivamente:

- Definição de cultura2, e de (In)Segurança Cibernética (IS).

- As relações entre a Cultura e a (In) Segurança Cibernética.

- Conclusão.

A. Definição de (In)Segurança Cibernética

Na minha opinião, a IS pode ser analisada através das seguintes lentes e consiste:

- Na qualidade ou situação,

- Em que computadores, dispositivos, redes ou sistemas de informação,

- E dados,

- E pessoas físicas e colectivas, sem o seu consentimento,

- Se encontram vulneráveis, i.e., impreparados e sem medidas de protecção,

- Contra ameaças, ataques e manipulação psicológica3 ,

- Perpetrados por hackers e malfeitores,

- Daí podendo resultar, ou resultando,

- Na diminuição, degradação e/ou perda de disponibilidade dos sistemas de informação, de dados confidenciais, de reputação, de danos financeiros significativos.

- [Tal estado de vulnerabilidade]

Cultura, o “Cavalo de Troia” da (In)Segurança Cibernética?

pode criar as condições e estimular os indivíduos, as empresas, os Estados a agirem para proteger a segurança de pessoas e bens, a confidencialidade e a disponibilidade da informação e dos sistemas cibernéticos.

B. As relações entre a Cultura e (In) Segurança Cibernética: A frente e o dorso

O psicólogo social Geert Hofstede4 desenvolveu um quadro lógico de análise das diferenças culturais, baseado em seis dimensões que aqui uso para analisar este tema.

1) Dimensão Distância Hierárquica (IDH)

Nas culturas de alto colectivismo, as pessoas podem ser mais propensas a focar-se nos interesses do grupo, evitando levar a cabo práticas arriscadas...

a) Descrição: refere-se à aceitação da desigualdade de poder numa sociedade.

b) Países com alta distância hierárquica: como é o caso de Moçambique5, há uma aceitação geral da hierarquia e da autoridade, com uma grande diferença entre líderes e seguidores.

c) Comportamentos (In)Seguros resultantes do IDH alto: Ignorar alertas de segurança: nestas culturas, a confiança nas autoridades pode levar à tendência de ignorar alertas de segurança, presumindo que as autoridades têm tudo sob controlo.

d) Tipos de cibercrime mais frequentes: nestas culturas, a viola-

ção de políticas de segurança, o phishing6

2. Dimensão Individualismo vs. Colectivismo (IDV)

a) Descrição: refere-se à maneira como as sociedades valorizam o indivíduo em relação ao grupo.

b) Países marcadamente colectivistas: como é o caso de Moçambique, o colectivismo é mais proeminente, e as pessoas valorizam a harmonia do grupo e estão dispostas a fazer sacrifícios individuais pelo bem-estar do grupo.

c) Comportamentos (In)Seguros resultantes do IDV baixo: não compartilhar senhas indiscriminadamente: nas culturas de alto colectivismo, as pessoas podem ser mais propensas a focar nos interesses do grupo, evitando levar a cabo práticas arriscadas como compartilhar senhas sem pensar nas consequências para o grupo.

d) Tipos de cibercrime mais frequentes: nestas culturas, a violação de contas, o roubo de identidade.

3. Dimensão Masculinidade vs. Feminilidade (MAF)

a) Descrição: refere-se à distribuição de papéis e valores entre os géneros numa sociedade.

b) Países marcadamente masculinos: como é o caso de Moçambique, a masculinidade é mais proeminente, e as pessoas valorizam características consideradas tradicionalmente masculinas como a assertividade, a ambição e a competitividade.

c) Comportamentos (In)Seguros resultantes da MAF alta: não proteger a privacidade online: nestas culturas, pode haver uma menor ênfase na protecção da privacidade online, uma vez que demonstrar vulnerabilidade ou preocupação com a privacidade pode ser visto como “feminino”.

www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2023 46 OPINIÃO
João Gomes • Partner @BlueBiz

As organizações vivem uma era em que está sempre presente a preocupação com a cibersegurança

d) Tipos de cibercrime mais frequentes: nestas culturas, o phishing e o ransomware7

4. Dimensão Evitação da Incerteza (IEI)

a) Descrição: refere-se à tolerância de uma sociedade relativamente à incerteza e ambiguidade.

b) Países sem evitação da incerteza: como é o caso de Moçambique, as pessoas são mais tolerantes à incerteza, aceitam a ambiguidade e estão abertas à mudança.

c) Comportamentos (In)Seguros resultantes do IEI baixo: actualizar sistemas sem medo de disrupção: nestas culturas, as pessoas não temem fazer actualizações de sistemas e não receiam interrupções ou mudanças desconhecidas.

d) Tipos de cibercrime mais frequentes: nestas culturas, o spear-phishing 8 e malware9 .

5. Dimensão Orientação a Longo Prazo vs. Orientação a Curto Prazo (OLC)

a) Descrição: esta dimensão mede a maneira como as sociedades valorizam o planeamento de longo prazo, em comparação com a busca de sucesso imediato, estabilidade e respeito pelas normas sociais.

b) Países orientados ao curto prazo: como são os casos de Moçambique, anzânia e Nigéria, as pessoas são orientadas para o curto prazo e concentram-se no passado e no presente, valorizando a tradição e as normas sociais.

c) Comportamentos (In)Seguros resultantes da OLC baixa: adop-

tar tecnologias emergentes sem avaliação de segurança: em culturas com orientação de curto prazo, as pessoas estão mais dispostas a adoptar tecnologias emergentes rapidamente, sem considerar completamente as implicações de segurança a longo prazo.

d) Tipos de cibercrime mais frequentes: nestas culturas, ataques a dispositivos IoT, ransomware, engenharia social4

6. Dimensão Indulgência vs. Restrição (INR)

a) Descrição: refere-se ao modo como as sociedades lidam com as suas próprias paixões e desejos humanos. Culturas com baixa pontuação na escala de INR tendem a controlar e limitar as expressões emocionais.

b) Países com alta escala de indulgência: como é o caso de Moçambique, tendem a permitir a gratificação imediata de desejos pessoais e emocionais.

c) Comportamentos (In)Seguros resultantes do INR baixo: compartilhar informações pessoais em redes sociais: em culturas com alta indulgência, as pessoas podem ser mais propensas a compartilhar informações pessoais e detalhes das suas vidas nas redes sociais, buscando gratificação e conexão emocional.

d) Tipos de cibercrime mais frequentes: nestas culturas, roubo de identidade, violações de privacidade.

C. Conclusão

- Neste artigo analisei a cultura através das dimensões de Hofstede, e percebemos como esta influencia os comportamentos (In)Seguros online.

- Em sociedades como a moçambicana, com alta distância hierárquica, há maior aceitação de autoridade, impactando a adesão às políticas de segurança cibernética.

- Além disso, o colectivismo influencia a protecção de informações, reflectindo a valorização do grupo sobre o indivíduo.

- A masculinidade pode levar a assumir riscos excessivos online, enquanto a baixa evitação da incerteza pode resultar em menor cautela com links e e-mails suspeitos.

- A orientação a curto prazo pode promover a adopção rápida de tecnologias sem considerar a segurança.

- E a indulgência pode levar a compartilhamento excessivo de informações pessoais.

- A consciência da interconexão entre cultura e (In)Segurança é o primeiro passo para promover uma cibersegurança eficaz e mitigar o impacto negativo dessas ameaças nas sociedades10

1 Promovido pelo INTIC, no passado dia 5 de Setembro de 2023.

2 KLUCKHOHN, Clyde: «O coração da cultura é constituído por ideias tradicionais e de valores que estão ligados».

3 Engenharia Social: É uma forma de manipulação psicológica para persuadir alguém a realizar acções específicas.

4 HOFSTEDE, Geert (2001) “Culture’s Consequences: comparing values, behaviors, institutions, and organizations across nations”.

5 Moçambique nas seis dimensões culturais de Geert Hofstede, conferir: https://clearlycultural.com/geert-hofstede-cultural-dimensions/ power-distance-index/

6 Phishing: ciberataques em massa. Os criminosos exploram a falta de discernimento dos utilizadores que, ao clicarem em links falsos, acabam por revelar, sem querer, informações confidenciais.

7 Ransomware: esquema de sequestro de dados sensíveis que se baseia na encriptação dos ficheiros de um utilizador e na exigência de um resgate em troca da chave de desencriptação.

8 Spear-phishing: e-mails falsificados direccionados a indivíduos.

9 Malware: é uma abreviatura de “software malicioso”.

10 Outros autores e livros relevantes nesta matéria: CLARKE, Richard et all, “The Fifth Domain: Defending Our Country, Our Companies, and Ourselves in the Age of Cyber Threats”.

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O “Anti-Liberalismo” Keinesiano. Até Que Ponto Serve Aos Mercados?

Não há estudante de economia ou de ciências afins que nunca tenha tido contacto com o pensamento de John Maynard Keynes, logo nos primeiros anos do curso. Foi tão importante na formulação da ciência, baseado em fenómenos reais dos mercados, que ainda merece destaque na resolução dos problemas mais complexos das sociedades modernas. O que nos trouxe Keynes?

Economista, teórico e jornalista britânico, nascido em 1883 e falecido em 1946, tornou-se conhecido por ter concebido teorias revolucionárias acerca das causas do desemprego prolongado. O seu trabalho mais importante intitula-se “The General Theory of Employment, Interest and Money” (1935-1936), obra em que defende uma solução para a recessão económica baseada numa política governamental de controlo do crédito e da circulação financeira que garanta o pleno emprego. Keynes é considerado o pai da macroeconomia.

A doutrina Keynesiana ficou conhecida como uma “revisão da teoria liberal”. Estabelece que o Estado deve intervir na economia sempre que necessário, a fim de evitar a retracção económica e de maneira que garantisse o pleno emprego. De acordo com Keynes, a teoria liberal-capitalista não disponibiliza mecanismos e ferramentas capazes de garantir a estabilidade do mercado de emprego de um país. Para o economista, o poder público deve investir nas áreas que as empresas privadas negligenciam.

Assim, as principais características do Keynesianismo são a defesa da intervenção estatal nas áreas em que as empresas privadas não podem ou não desejam actuar; oposição ao sistema liberal; redução de taxas de juros; equilíbrio entre a procura e a oferta; garantia do pleno emprego; e introdução de benefícios sociais para a população de baixo rendimento, no sentido de garantir um sustento mínimo.

Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R

A aplicação prática do Keynesianismo

Com a “grande depressão” de 1932, ficou claro que o liberalismo clássico, sozinho, não era capaz de garantir o pleno emprego (situação em que todos os que buscam emprego – população economicamente activa – conseguem encontrar uma ocupação no curto prazo). Naquela ocasião, com a quebra da bolsa de valores e com uma grande crise financeira entre mãos, o Presidente norte-americano Franklin Roosevelt, baseado nos princípios de Keynes, implementou o famoso plano “New Deal”, visando tirar os EUA da retracção económica.

De facto, o plano funcionou. Além da intervenção estatal, o plano estabelecia o controlo na emissão de valores monetários, o investimento em sectores básicos da indústria e, claro, políticas de criação de emprego.

Com a implementação de uma série de acções que conciliaram as questões económicas e sociais, foram criadas as bases do chamado “welfare state” (Estado de bem-estar social). Bons resultados foram alcançados através do New Deal, porém, perdeu espaço no final da década de 1970, quando o neoliberalismo surgiu com novas propostas, como a abertura comercial internacional e a privatização de empresas estatais. Estados Unidos, Chile e Reino Unido foram os primeiros países a adoptarem o neoliberalismo.

Os preceitos defendidos por Keynes só voltaram aos holofotes com a grande crise de 2008, ocasião em que as principais economias do mundo se viram diante da necessidade de evitar uma situação semelhante à grande recessão de 1929.

Os neokeynesianos

Entretanto, o Keynesianismo voltaria a ser a base para o surgimento de outra corrente de pensamento económico no período após as duas grandes gerras mundiais (por volta de 1945) – o neo-keynesianismo.

Uma das principais contribuições da economia neo-keynesiana foi o modelo IS-LM, uma tentativa de formalização matemática para sumarizar e descrever a Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, desenvolvida pelo economista britânico John Hicks.

Além de John Hicks, entre os economistas mais influentes da escola neo-keynesiana estão Paul Samuelson, James Tobin, Franco Modigliani e Edmund Phelps. A estes juntam-se Gregory Mankiw e David Romer, que assinaram o primeiro manifesto da teoria neo-keynesiana em 1991. A abordagem tinha ganhado grande relevância durante a década de 1980.

Críticas ao Keynesianismo

Muitos autores criticaram a doutrina keynesiana alegando tratar-se de uma teoria “socialista”. Apesar de ser contra o sistema liberal, cabe realçar que John Keynes nunca defendeu a estatização da economia, mas, sim, a participação do Estado para suprir necessidades que o sistema privado não atendia.

Para muitos, as críticas feitas por nomes como W. H. Hutt, que procurou identificar falhas no sistema keynesiano, foram importantes. Hutt sempre criticou Keynes, identificando-o muito mais com os valores e com os ideais mercantilistas, o que ficava evidente na forma como ele próprio definia Keynes: um homem que quer “que nós acreditemos que os mercantilistas estavam certos e que as críticas a eles feitas pelos clássicos, erradas”.

Mesmo com todas as críticas e controvérsias, passados muitos anos, a teoria de Keynes continua a ser usada como base de estudos em diversas universidades no mundo.

www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2023 48 SHAPERS | JOHN MAYNARD KEYNES
A doutrina Keynesiana ficou conhecida como uma “revisão da teoria liberal”. Estabelece que o Estado deve intervir na economia sempre que necessário para evitar a retracção económica

John Maynard Keynes (1883-1946) foi um economista inglês, um dos mais importantes da primeira metade do século XX, considerado por muitos o precursor da macroeconomia. Em 1905, graduou-se em Matemática, recebendo orientação do professor e economista Alfred Marshall que o aproximou dos temas ligados à economia. Em 1906, viajou para a Índia, onde trabalhou no serviço administrativo britânico durante dois anos, experiência que resultou na publicação do seu primeiro livro sobre economia: “Indian Currency and Finance” (1913).

BBIOGRAFIA DE JOHN MAYNARD KEYNES

Escrevo este artigo na véspera do Dia Internacional da Paz e imediatamente a seguir à recente cimeira dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), realizada a 18 e 19 de Setembro, que integra e deu o o arranque à 78.ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, que decorreu em Nova Iorque, EUA, com dezenas de chefes de Estado e de Governo de todo o mundo.

Nesta cimeira, António Guterres apelou à mobilização e compromisso dos líderes mundiais, alertando que “os ODS necessitam de um plano de resgate global”, que “apenas 15% das metas dos ODS estão no caminho certo para serem alcançadas até 2030 e que existe até uma regressão em alguns dos objectivos”. O secretário-geral da ONU instou ainda ao “fim da tripla crise planetária: alterações climáticas, poluição e perda de biodiversidade.” (Fonte Diário Económico, 19 de Setembro).

Em lado nenhum nas notícias lidas, vejo a Paz referenciada, mas todos os temas estão relacionados com ela, com a cada vez maior fragilidade em que ela se sustenta e com a tensão crescente que agita diferentes lugares e comunidades, um pouco por todo o mundo, face aos desafios que vivemos e ao cansaço acumulado.

Mas afinal o que é a Paz? A quem serve a Paz definida, consensualizada?

Vamos, como sempre, observar diferentes olhares sobre a Paz:

Neste artigo não temos espaço para explorar as raízes da Paz nas cosmologias sociais matriciais do Oriente e do Ocidente, ou de divagar na chamada “paz imperfeita”, que sublinha a natureza sempre inacabada dos momentos de paz, e que a configura, não como um altar de esplendor, “mas sim como uma alternativa que se vai construindo a partir de combates plurais contra a violência em vista de relações sociais duradouras, justas, pacíficas e… imperfeitas.” (Professor José Manuel Pureza em “Construções Teóricas da Paz”).

As narrativas de construção de Paz ainda estão carregadas de “combate”, demonstrando a forma como a psique colectiva está povoada de um pensamento dual, mecanicista e bélico.

Culturas Regenerativas – Não se Acha a Paz Evitando a Vida

Não foi sempre assim. Aliás, o círculo, que hoje continua a ser aplicado em contexto de facilitação de grupos, tem como referência práticas de povos indígenas de diferentes locais do mundo. “Reunir-se numa roda para discutir questões comunitárias importantes é algo que faz parte das raízes tribais da maioria dos povos.” (Kay Pranis, Processos Circulares de Construção de Paz).

Então, quando ficamos com a visão de que é o Ocidente que traz os valores democráticos de construção de Paz, isto não é real. Na verdade, houve uma apropriação (e deturpação) de uma série de valores, práticas e conhecimento, que são originalmente de outros povos. O Dia Internacional da Paz é celebrado anualmente a 21 de Setembro. Este dia foi es-

da UNESCO assina: “ser responsável pela paz significa agir para superar as falhas e as injustiças que continuam a impedir-nos de alcançar um mundo igualitário. Porque um planeta corroído pela divisão é um planeta que não conhece a paz”.

Vale a pena lembrar uma citação da ONU que, não sendo deste ano, é fulcral: “a paz é sinónimo de sociedades resilientes e estáveis, onde todos podem prosperar e desfrutar das suas liberdades fundamentais, em vez de terem de lutar pelas suas necessidades básicas.”

Ora a questão é precisamente esta: nem todos podemos prosperar e/ou desfrutar das liberdades fundamentais. A desigualdade e injustiça que nos atravessam, desde sempre, vão-se moldando aos contornos contextuais e temporais, mas o que lhe está na base é transversal e intemporal: a ilusão de separação e a dominação (uns dos outros e uns sobre os outros) e aqui se incluem, Humanos, Não-Humanos e Mais que Humanos.

E um olhar isento e amplificado do mundo, sob diferentes lentes (não apenas as “oficiais”, comummente acatadas), permite-nos constatar que mesmo os valores democráticos de igualdade, justiça, paz, desenvolvimento, não servem a toda(o)s - servem, na verdade, a muito poucos, e à custa de muitos.

tabelecido em 1981 e proclamado na Resolução 55/282 adoptada na Assembleia Geral da ONU a 28 de Setembro de 2001.

No Eurocid pode ler-se: “é um dia dedicado ao reforço dos ideais de paz, através da observação de 24 horas de não-violência e de cessar-fogo em todo o mundo”.

O tema deste ano é “Ações para a Paz: A nossa ambição para os Objectivos Globais. Trata-se de um apelo à acção que reconhece a responsabilidade individual e colectiva depromover a paz.”

Na UNESCO pode ler-se: “o Dia Internacional da Paz celebra o poder da solidariedade mundial para construir um mundo pacífico e sustentável.” E ainda: “... as barreiras dapaz são complexas e abruptas – nenhum País pode resolvê-las sozinho, pois isso exige novas formas de solidariedade e acção conjunta...”, ao que Audrey Azoulay, diretora-geral

Pode parece um exagero esta afirmação. Mas um olhar qualitativo pelos vastos territórios e suas populações – múltiplas e quantificadas - devolve-nos a devida proporção (e humildade) no globo e na complexa e vasta teia da vida.

O exemplo do PIB, ou do rendimento per capita, como factores de medição de crescimento da economia, não servem a todos. À custa do quê e de quem se deu este “crescimento”? A quem serve este crescimento? A quem roubou dignidade, paz, vida?.

Agora vivemos uma transição energética, minada por um discurso “verde”, tendencioso, pernicioso e, mais grave, sustentado por Governos, Investidores e Representantes que deveriam salvaguardar a protecção de um legado que é comum e que não pode ser apropriado, explorado e destruído em função de interesses económicos, políticos e geoes-

www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2023 50 OPINIÃO
A questão é precisamente esta: nem todos podemos prosperar e/ou desfrutar das liberdades fundamentais
Susana Cravo • Consultora & Fundadora da Kutsaca e da Plataforma Reflorestar.org

tratégicos, que estão longe de servir o bem comum e a vida.

Aliás, repensar e transformar as economias é a questão de fundo que impacta a paz e o nível de resiliência e estabilidade das sociedades. Governos, investidores e sociedade civil, devidamente representada, devem partilhar a responsabilidade sobre como as decisões tomadas impactam nos sistemas alimentar, educativo, de saúde, de segurança, de bem-estar. Tudo o que perpetue uma economia baseada em combustíveis fósseis e em relações coloniais – de dominação, de desequilíbrio de poder – coloca em causa a paz, a vitalidade e a continuidade do nosso maior legado: a vida!

E a este propósito, não posso deixar de aqui citar uma reflexão recentemente partilhada pelo Autor que inspirou o meu último artigo: Bayo Akomolafe: “a colonização não é tanto a extracção de riqueza de uma terra subjugada ao conquistador, mas sim o encolhimento (shrinking) da experiência, para se ajustar aos quadros de perspectiva do conquistador; é a imposição de uma única forma de saber, de um único regime de observação (noticing), de um único aparelho para a produção de sentido, de modo que, o que se perde verdadeiramente não é o ouro, o milho e os homens enquanto tais, mas as formas de dar sentido à vitalidade vibrante (vivacidade) que nos rodeia. O que se perde verdadeiramente - num mundo cada vez mais convencido de que a única forma de medir a verdadeira riqueza é através de dígitos, paisagens cicatrizadas, árvores derrubadas e horizontes artifi-

ciais em ascensão - é a liberdade de pensar de outra forma. Também não se trata apenas do facto de as práticas coloniais nos terem tirado a nossa cultura, mas sim do facto de nos terem imposto uma autenticidade estática, obrigando-nos a conformarmo-nos com uma imagem do aspecto ou do som de um verdadeiro indígena - e, de facto, negando-nos o direito de nos afastarmos dos nossos próprios algoritmos.

A descolonização de nós próprios não deve, portanto, ser feita tentando regressar a uma imagem pura do que significa ser indígena (uma imagem que pode já não ser verdadeira), ou tentando apagar as marcas duradouras nos nossos corpos que foram feitas pelas incursões coloniais e pelas novas afinidades, mas sim desviando-nos livremente e perdendo o rumo generosamente – fazendo amizade com os lugares que nos sustêm e seguindo com o fluxo perturbador das práticas mundanas (worlding) que nos ligam àqueles que nos violaram.”

Esta última afirmação do autor pode ser difícil de digerir para um pensamento racional e/ou tradicional. Contudo, Bayo, que se posiciona como pós-activista e que chama a atenção para a forma como a nossa busca obsessiva pela resolução e pela “cura” é, ela própria, responsável pelo “problema”, considera que “há momentos em que a esperança e o optimismo podem tornar-se um obstáculo para o florescimento. A dor e o luto são, em si mesmos, um activismo, um convite a criar novas formas de arte e a ser “esticado” (preparado) para novas formas e novos modos de ser.” E a mim, que vejo Seres violentados, em

profunda relação e amizade com os lugares que os sustêm (e prendem), e que vejo como a dor, o luto (e as cicatrizes) e a alegria (e vivacidade) não são incompatíveis, esta frase diz-me muito.

A normalização da violência, da extracção (dos solos e dos corpos), da pobreza, da instabilidade, dos conflitos e das crises não é nova, vem desde o colonialismo. Perpetuamo-la todos, enquanto continuarmos a viver de forma dominadora e manipuladora.

Se é verdade que se defende cada vez a subsidiariedade – trazendo a decisão para o plano local mais imediato -, assistimos a uma vaga contínua de “wordling practices” que ainda não é co-participada por vozes cruciais. Se é verdade que é preciso haver um diálogo e concertação global para fazer face aos desafios complexos e transversais, muitas vezes é difícil olhar para o lugar, com a lente dos objectivos globais. Ver como como o sul continua a seguir os passos do norte. Como continuamos centrados nos objectivos, nos projectos e práticas e não nos lugares.

E a Paz começa sempre no Lugar. No solo, no corpo. Na Família, em Casa, na Escola, na vitalidade, na harmonia, na salutogénese do organismo, da comunidade, do Lugar.

“Não se acha a Paz evitando a vida” (Virginia Woolf), que é o que muitos de nós fazemos nas nossas bolhas protegidas, exilando vozes, partes sombrias e lamacentas, tensão, caos, vazio, que fazem parte da ciclicidade entropia-sintropia, do continuum vida-morte-vida.

Não posso deixar de trazer uma citação recente do Nobel da Paz Muhammad Yunus: “se queremos mudar as coisas, temos de voltar à Educação”, e da Professora Helena Marujo – Titular da Cátedra da UNESCO em Educação para a Paz Global Sustentável: “é preciso renovar uma dimensão de cidadania para a contribuição de bem comum (...) para um olhar que não seja o da competitividade ou bem-estar pessoal (...) de inspirar e tocar, não apenas do ponto de vista do conhecimento científico, que obviamente é fundamental no processo educativo, mas no que diz respeito à construção do Ser Humano – que pessoas precisamos de ter na vida, para cada contexto, cultura, momento histórico?”

Termino com uma afirmação do livro “Educação para a Paz Global Sustentável” desta Professora em Co-Autoria com Hermano Carmo e Fernando Serra, e na qual me revejo: “a paz só será preservada através de formas de vivência em conjunto que nutram processos participados, inclusivos, justos, sustentáveis e dignos para todos os seres vivos e planeta, no melhor interesse comum.”

E é em círculo, numa democracia participativa, baseada na horizontalidade das relações, valorizando as potencialidades individuais e a força da comunidade, que a Paz se constrói e nutre, no quotidiano.

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A Paz começa sempre no Lugar. No solo, no corpo. Na Família, em Casa, na Escola, na vitalidade, na harmonia, na salutogénese do organismo, da comunidade, do Lugar. Círculo Programa Wasate, Kutsaca, Aldeia de Mahungo, Bilene

“Só Tivemos Dois Casos em Que Recorremos à Multa”

Nos últimos dois anos, a Autoridade Reguladora da Concorrência passou a fazer parte do dia-a-dia em Moçambique. Trata-se de um organismo público criado para disciplinar a actividade empresarial, prevenindo práticas anti-concorrenciais. Mas como é que o faz? É o que nos explica o presidente, Iacumba Ali Aiuba

AAutoridade Reguladora da Concorrência (ARC) foi criada em 2013, mas a sua operacionalização só teve início em 2020. O objectivo é fazer cumprir um dos princípios consagrados na Constituição da República, que atribui ao Estado a autoridade de regular e promover o crescimento e desenvolvimento económico e social. Tal está previsto através de uma intervenção para prevenir e corrigir falhas e desequilíbrios que um mercado desregulado tende a produzir. Pretende-se garantir o funcionamento do mercado em regime de livre concorrência. Muitas das distorções de mercado não vêm à tona, mas o presidente da ARC, Iacumba Ali Aiuba, garante que existem e que a situação tende a mudar.

A ARC foi criada em 2013 para disciplinar a concorrência entre as organizações, mas só entrou em actividade em 2020. Porque levou tanto tempo?

A única explicação que posso dar é que isso depende das prioridades dos governos. A ARC foi aprovada no final do último mandato do anterior Presidente, Armando Guebuza, e depois, em 2015, começou um novo ciclo governamental. Mas só em 2020 foi nomeado o primeiro presidente da ARC. Então, posso especular que, provavelmente, a ARC não estava nas prioridades do Governo. O presidente eleito em 2020 cessou funções no ano seguinte, eu fui indicado para o cargo em Julho de 2021 e tomei posse em Agosto. A partir daí, as minhas prioridades foram criar condições para a

implantação da ARC, aprovar os instrumentos de gestão, regulatórios e iniciar o processo de divulgação.

Olhando particularmente para Moçambique, quais são as práticas anticoncorrenciais mais comuns e em que sectores de actividade ocorrem com maior frequência?

As práticas anticoncorrenciais mais comuns em Moçambique resultam, essencialmente, das fragilidades da nossa estrutura de mercado e da vulnerabilidade da administração pública e da justiça. Temos um mercado informal que tende a minar o formal. Há a percepção de que existem práticas de conluio entre empresas - que estão em relação horizontal ou vertical [quanto à cadeia de produto] - e conluio em concursos públicos.

Que canais utiliza a ARC para detectar irregularidades de mercado e intervir? E como informa as empresas sobre as boas práticas da concorrência?

A Lei da Concorrência estabelece que sempre que a ARC, por qualquer via, tome conhecimento de fortes indícios de práticas anticoncorrenciais proceda à abertura de um inquérito notificando a parte visada e promovendo as diligências de investigação dessas práticas e sobre os respectivos agentes. Significa que a ARC pode receber denúncias, usando os canais formais de comunicação, e que nós fazemos também o acompanhamento do mercado através das redes sociais e dos meios de comunicação social. Também realizamos seminários e

disponibilizamos material gráfico, preparamos guias de boas práticas de concorrência, tudo disponível na nossa página web. Fazemos ainda distribuição pelo público. Temos muitos processos contravencionais e denúncias porque, nos nossos seminários, as pessoas falam à vontade e acabam por colocar várias questões que as inquietam. Tomamos nota e damos o devido seguimento.

Quanto é que a ARC já cobrou em multas e coimas? Quais foram as sanções mais pesadas?

A nossa função não é aplicar multas, por isso evitamos chegar a essa situação, sobretudo nesta fase de implantação, embora a lei o preveja. As penalizações podem ir até 5% do volume de negócios do último ano de cada uma das empresas ou do agregado de empresas que tenham participado em acções proibidas. Ao longo destes anos, só registámos dois casos em que tivemos de recorrer à multa, como último recurso, depois de esgotar todos os meios de diálogo e dissuasão. Além das multas, a lei prevê sanções pecuniárias obrigatórias para obrigar os infractores a cumprirem a lei.

Como se pode recorrer de uma decisão da ARC? É junto dos tribunais? Quais? Ou para que outras entidades?

Esta é uma entidade independente. Faz parte das práticas internacionais que as entidades reguladoras sejam autónomas e não dependam do Executivo para poderem actuar com isenção e transparência. Isto é assim em Moçambique e lá fora. Por exemplo, no fim de cada ano, elaboramos o relatório de actividades e contas e submetemos ao Governo que, por sua vez, remete à Assembleia da República. Ou seja, somos escrutinados pela Assembleia da República. Dito isto, as nossas decisões são passíveis de recurso junto de tribunais comuns, incluindo o Tribunal Administrativo, dependendo do caso.

www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2023 52 M&F | ARC
Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva e D.R
A Lei da Concorrência estabelece que, sempre que a ARC tome conhecimento de fortes indícios de práticas anticoncorrenciais, proceda à abertura de um inquérito, notificando a parte visada

Em que medida as empresas e outras entidades interessadas têm conhecimento profundo sobre as normas da concorrência? O cenário mudou muito desde 2013?

Mudou bastante. A promoção e defesa da concorrência é a nossa grande aposta, usando todos os meios e formas de comunicação. E assim que tomámos posse em 2021, iniciámos a divulgação da legislação da concorrência e da ARC, o que nos levou a percorrer todo o território nacional. Visitámos as principais cidades do País, realizando seminários com a presença de representantes dos governos locais, empresários, associações de empresas, académicos, estudantes e público em geral. Privilegiamos a publicação das nossas principais decisões sobre concentração de empresas e práticas restritivas de concorrência, como uma das formas de divulgação desta autoridade e das nossas competências.

É por isso que, com muita satisfação, recebemos muitos processos de operações de concentração de empresas, denúncias e pedidos de intervenção e de pareceres, em matéria de concorrência, mesmo de entidades públicas.

Que exemplo concreto escolheria para demonstrar os resultados da acção da ARC?

No início das nossas operações, houve a tentativa de uniformização dos preços nas escolas de condução. Tivemos de intervir e, de facto, o cenário mudou, para frustração da Associação das Escolas de Condução. Fizemos isso porque as empresas têm o direito de actuar com autonomia. A sua liberdade não deve ser restringida pelas associações, porque isso traz distorções de mercado, dada a possibilidade de ocorrência de concertação de preços e conluios. Outro exemplo é o de Manica. Assim que fo-

mos lá trabalhar, depois de um seminário que realizámos por recomendação da Associação Moçambicana dos Panificadores (AMOPÃO), cada pão que era vendido entre 10 e 12 meticais baixou para oito meticais.

No âmbito da sua actuação, pode a ARC, por exemplo, facilitar a entrada de concorrentes nos serviços públicos de aviação ou electricidade?

Em princípio, a legislação da aviação civil permite a entrada de mais operadores no mercado. Entretanto, havendo questões ou matérias que devam ser revistas para a eliminação de eventuais barreiras, a ARC pode dar o seu contributo. Em relação à produção e fornecimento de electricidade, o mercado conta também com operadores privados. Provavelmente, refere-se à EdM, empresa pública de electricidade, verticalmente integrada. Certamente que quer

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saber se a ARC pode ajudar na liberalização da actividade de comercialização de energia eléctrica. Digo que sim. Podemos dar o nosso contributo, mas importa ressalvar que o ‘unbundling’ (desagregação) da EDM depende da visão do Governo em relação ao sector de electricidade.

Pode-se dizer que a ARC é contra práticas monopolistas, quer do Estado, quer do sector privado?

A questão de monopólio está associada ao risco de abuso de posição dominante. Em matérias de política de concorrência, essa é a tendência que se pretende evitar, quer seja no sector privado, quer no público. É uma conduta nociva ao mercado, pois prejudica o consumidor. É por isso que as autoridades da concorrência fazem o controlo de operações de concentração – um tipo

de operação que consiste na aquisição de totalidade ou de parte do capital social de uma empresa, de direitos de propriedade ou qualquer outro que confira uma influência preponderante na composição ou nas deliberações. O controlo de concentração de empresas visa verificar se essa concentração é ou não susceptível de criar entraves significativos à concorrência efectiva.

E como é feito esse controlo?

Uma operação de concentração é comunicada à ARC no prazo de sete dias úteis, após a conclusão do acordo ou do projecto de aquisição que dá lugar à concentração, mediante o preenchimento de um formulário. Não é qualquer operação que é notificada à ARC, depende dos requisitos previstos no referido regulamento. Mas a Lei da Concorrência também prevê a notificação

da operação de concentração por procedimento oficioso.

Recentemente, a imprensa publicou manchetes que revelavam que a ARC não se opõe à aquisição da Cimentos de Moçambique por capital chinês. Porquê? Se houvesse razões para uma decisão contrária, até que ponto a ARC teria força para impedir um negócio deste tipo?

Esta operação consistiu na aquisição pela Huaxin Cement de 100% das participações detidas pela InterCement Trading Inversiones na Natal Portland Cement - esta última detentora da Cimentos de Moçambique. A ARC tomou a decisão de ‘não oposição’, porque a realização da transacção projectada não é susceptível de criar ou reforçar uma posição dominante da qual possam criar entraves significativos à concorrência efectiva no mercado nacional ou numa parte substancial deste. Se esta transacção tivesse sido projectada por uma empresa do sector com posição dominante no mercado de produção de cimento, certamente que a ARC teria tomado uma decisão diferente.

Um dos desafios actuais das organizações, principalmente das reguladoras, é a digitalização dos seus processos. Como está a ARC neste aspecto?

Realmente, esta foi uma das nossas apostas quando tomámos posse. Desenvolvemos um Sistema de Informação da Concorrência, uma plataforma que nós designamos por e-Concorrência, que está na fase de teste. É constituída por três módulos e baseia-se nos princípios da desburocratização e simplificação de procedimentos administrativos. Estamos, igualmente, na fase de implementação do Sistema de Gestão Documental (SGD), que tem a função de tramitar processos, de acordo com o regulamento vigente na administração pública.

Que desafios prevalecem e como os ultrapassar?

Os principais desafios da ARC continuam a ser a divulgação da legislação da concorrência e a consolidação da instituição. Mas há outros desafios no contexto da Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA), cujo acordocom os respectivos protocolos - foi ratificado por Moçambique em Dezembro do ano passado. No mundo global, constituem desafios os temas mais recentes em política de concorrência, por exemplo, a Inteligência Artificial, o combate aos cartéis, os mercados digitais e abusos de exclusão.

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A mais recente intervenção da ARC foi na área de cimentos, quando revelou não se opor à venda da Cimentos de Moçambique a um investidor chinês, por não apresentar riscos ao mercado

“Estamos a Entrar Naquela Que Será a Década de Moçambique”

A cumprir o primeiro ano do mandato como administrador-delegado do Absa Bank Moçambique, Pedro Carvalho destaca a consolidação do crescimento da instituição “como o maior ganho”. Quanto ao ambiente macroeconómico, o foco deve estar em cinco áreas específicas onde há maior potencial para crescer. E não tem dúvidas: o futuro de Moçambique é promissor

Está agora a cumprir o primeiro ano de mandato à frente do Absa em Moçambique. Que balanço faz?

Este ano fica caracterizado pelo acelerar de uma estratégia que é muito clara para nós aqui em Moçambique: estarmos focados no serviço ao cliente. Naturalmente, é uma jornada que não tem fim, há sempre espaço para melhorar e foi isso que tentámos fazer ao longo do último ano. É uma jornada que passa também por criar maior conveniência para o cliente, maior robustez nos nossos processos e sistemas. Consiste também em apresentar novas soluções, especialmente do ponto de vista digital e, com isso, conseguirmos fazer crescer o nosso negócio. Mantivemos também um foco muito importante em tentar ser um bom local para trabalhar. Nos últimos meses, temos recebido vários prémios internacionais relativamente ao nosso ambiente de trabalho, mas o objectivo não é ganhar prémios. Queremos, sim, garantir que os nossos colaboradores têm as melhores condições possíveis para trabalhar. Isso passa não só por criarmos um conjunto de condições físicas, salariais e de benefícios, mas também por garantirmos um ambiente em que se promove a diversidade e a equidade. Orgulhamo-nos muito de, neste momento, termos exactamente 50% de homens e 50% de mulheres no banco, em todas as estruturas da cadeia hierárquica.

É interessante ter começado com essa nota, porque um dos problemas do sector bancário em Moçambique é a flutuação,

digamos assim, de quadros, de uns bancos para os outros. O que acabou de dizer tem que ver com essa lógica de retenção de quadros de que muitos dos seus colegas se queixam?

Eu acho que este tema da concorrência por quadros qualificados não é um exclusivo do mercado moçambicano. O Absa tem 12 operações em todo o continente e é um desafio a que assistimos em todos os mercados onde operamos. O Absa é visto como uma escola da banca e, portanto, há sempre uma atracção muito grande pelas pessoas que foram formadas e desenvolveram as suas carreiras no banco. Nós continuamos a tentar, na medida do possível, a promover os nossos quadros internamente. Hoje, praticamente toda a equipa de gestão cresceu ‘dentro de casa’. Também é importante referir este aspecto da diversidade: o que nós tentamos fazer é, inequivocamente, garantir que não há barreiras ao crescimento dos nossos colaboradores, independentemente do seu género, perfil ou qualquer outro aspecto. Termos 50% de mulheres na equipa de gestão, como dizia, é o resultado disso mesmo. Vemos muita concorrência pelos quadros do Absa em todos os mercados, incluindo Moçambique, mas não considero que isso seja um drama.

Qual foi o primeiro pensamento que teve quando soube que ia ser o novo administrador-delegado do Absa? Qual foi a ideia ou objectivo que lhe surgiu em mente?

Percebo a questão, mas eu tinha a vantagem de conhecer a casa. Juntei-me a esta organização em 2014, já tive várias

funções ao nível da equipa de gestão do Absa. Para mim acabou por ser uma continuidade natural. Nós passámos os primeiros anos a transformar o banco, que estava numa situação difícil quando cá chegámos. Na altura, operávamos ainda sob a marca Barclays e conseguimos, ano após ano, melhorar todos os nossos rácios económicos e de qualidade até ao ponto em que, em 2018, fizemos a mudança de marca para o que é hoje o Absa. O meu primeiro pensamento foi: “agora temos todas as condições criadas para acelerar o nosso crescimento”. E é isso que temos vindo a fazer ao longo dos últimos meses. Vemos esse crescimento a acontecer, mês a mês, de forma consistente. Um dos principais marcos foi construir, em parte, uma nova equipa de gestão. Afinal, não sou só eu que estou numa nova função. Temos várias pessoas em novas funções. Fizemos algumas alterações orgânicas no modo de funcionamento do banco, mas, acima de tudo, julgo que conseguimos trazer uma nova energia e uma nova atenção para o serviço ao cliente. Durante muitos anos estivemos centrados na estrutura do banco, na alteração dos nossos sistemas, na renovação das nossas agências, na mudança da nossa marca. Hoje temos todas as condições para estarmos essencialmente focados no cliente.

Estamos a atravessar, globalmente, tempos de instabilidade em termos económicos e sociais. O fim da pandemia, a guerra na Ucrânia, inflação e taxas de juros a subir, entre outras incertezas. Tudo isto tem, naturalmente, reflexo na actividade dos bancos. Quais são, para si, os principais desafios que se colocam, actualmente?

Eu diria que as condições económicas mais difíceis permitem ao banco ter uma relação mais forte com os seus clientes, porque estes necessitam de mais do nosso apoio. Mas, indo um pouco mais atrás, o período da pandemia teve impacto em toda a economia, e os

www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2023 56 CEO TALKS | PEDRO CARVALHO, ABSA
Texto Pedro Cativelos • Fotografia Mariano Silva
“O Banco Central tem tido oportunidade de explicar a razão das medidas que tem tomado e temos de reconhecer que têm sido eficazes no controlo da inflação e da estabilidade monetária”

bancos comerciais foram muito afectados. Tivemos de repensar profundamente o nosso negócio. Depois, achávamos que íamos entrar numa fase de crescimento económico global considerável no pós-pandemia, mas o eclodir do conflito entre a Rússia e a Ucrânia inverteu tudo o que era o nosso pensamento. Emergiu uma séria crise energética, o preço das principais matérias-primas disparou, as maiores economias do mundo tiveram muita dificuldade em controlar a inflação que surgiu logo após a pandemia e, portanto, o ambiente económico não foi aquele que se esperava. A recuperação económica está a ser muito mais lenta. Aos bancos comerciais cabe ajudar os seus clientes a ultrapassar todos estes momentos de crise, pela disponibilização de produtos e de serviços, mas, acima de tudo, ajudando-os a entender estas dinâmicas.

O que nos leva aos dois, porventura, grandes temas do sistema financeiro em Moçambique: um

que afecta directamente os clientes - as taxas de juro elevadas -, e outro que toca aos bancos de maneira impactante - o aumento das reservas mínimas obrigatórias. Qual é a sua visão, ou posição, sobre isto? Começando pelo fim, julgo que era importante começar por explicar o que é isto de reservas mínimas. Trata-se do montante de depósitos recebidos pelos bancos que ficam junto do banco central sem terem qualquer tipo de remuneração. Quando começámos, em Janeiro de 2023, o nível de reservas era de cerca de 10%. Entretanto, este nível de reservas aumentou até 39% para a moeda local e 39,5% para divisas, fazendo com que grande parte da liquidez que existe no mercado, em vez de estar ao serviço da actividade comercial normal, fique parqueada junto do Banco de Moçambique. O Banco Central tem tido oportunidade de explicar a razão destas medidas, essencialmente relacionadas com o controlo da inflação. Temos de reconhecer que foram medidas extre-

Juntou-se ao então Barclays em 2014 como Chief Operating Officer (COO). Em 2018, foi nomeado director da Banca de Retalho e Negócios e em 2022 administrador-executivo do banco. Antes do Absa, foi director da Área Internacional e de Expansão no Grupo Atlântico (Angola), após ter sido director-geral e director de Projectos Especiais para o Atlântico Europa. Com um forte background de banca internacional, conta também com passagem, enquanto COO, pelo UBS em Portugal, depois de, durante anos, ter desenvolvido a sua carreira e adquirido experiência no Banco Português de Investimento (BPI).

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mamente efectivas: vimos que a inflação do mês de Agosto já está abaixo de 5%, depois de ter estado acima de 10%, no início do ano. E conseguiu também controlar a moeda. O metical permanece estável em relação às principais divisas internacionais há muitos meses. O impacto, do lado dos bancos comerciais, é na rentabilidade, devido à redução da massa monetária, e que podia ser concedida para investimentos de diversas formas. Isso, claro, afecta os resultados de toda a banca. Já se notou no primeiro semestre e vai notar-se ainda mais no segundo, porque o período em que essas reservas estão em vigor será maior. Como consequência, os accionistas dos bancos comerciais vão assistir a uma redução dos retornos sobre os seus investimentos na banca. A nós não cabe avaliar de forma positiva ou negativa a política monetária; cabe-nos apenas entender as razões e ajustar as nossas estratégias dentro das políticas que estiverem em vigor.

não se endividarem, a procurarem parcerias ou suportar o negócio com fundos próprios. Temos também criado mecanismos de bonificação de taxas para oferecer crédito a níveis suportáveis pelos nossos empresários, em áreas específicas.

Como é que a banca se deve posicionar quanto ao sector informal? O caminho deveria ser pela formalização da economia ou, por outro lado, por uma, chamemos-lhe, ‘informalização formal’, para ir ao encontro da maioria da população de forma mais célere? Acho que a única opção será a formalização da economia, porque isso traz vantagens múltiplas para toda a sociedade. Arrecadam-se mais receitas e, por isso, todos podemos pagar menos impostos. No campo do retalho, também devemos destacar o trabalho que as carteiras móveis têm feito na provisão de serviços financeiros que é fundamental nesse caminho de inclusão financeira.

E sobre as taxas de juro? Nos últimos anos têm crescido muito e o sector empresarial ressente-se disso, bem como o investimento privado, claro... Como se resolve esta equação?

Primeiro, temos de notar que as taxas de juro não são fixadas pelos bancos comerciais; são as políticas monetárias que as determinam, e os bancos comerciais, depois, têm a sua margem. Numa economia pequena e aberta como a nossa, é natural que as taxas de juro sejam um pouco elevadas, tanto nos depósitos, como nos créditos - e normalmente olhamos apenas para os créditos. O interesse de todos, particularmente dos bancos comerciais, é de as taxas de juro serem baixas porque, teoricamente, quanto mais baixos forem os juros, mais crédito conseguiremos vender à economia. O nível actual das taxas de juro faz com que seja muito difícil os clientes procurarem crédito. Também temos feito esse trabalho de analisar os planos de negócio para propor as melhores soluções para suportar esses projectos. Várias vezes, somos mesmo nós que aconselhamos os clientes a

Nesse campo tem havido várias mudanças, algumas das quais implementadas durante a pandemia, nomeadamente uma digitalização acelerada dos serviços financeiros. É por aqui o caminho, em sua opinião?

Sem dúvida que a pandemia teve impactos nefastos e muito negativos, mas, por outro lado, em termos da forma de trabalhar do banco, trouxe muita inovação. Obrigou-nos a repensar as formas de trabalhar, de interagir, tanto internamente, como com os nossos clientes. Foi um acelerador fortíssimo da adopção dos nossos canais digitais, porque os clientes viram-se forçados a fazê-lo. Mas eu diria que os principais benefícios ou transformações estão relacionados com a nossa dinâmica interna, ao ponto de termos decidido manter o modelo de trabalho híbrido, mesmo após a pandemia. Hoje, os colaboradores do Absa trabalham de forma alternada, no escritório e nas suas casas. Criámos todas as condições tecnológicas para que isso pudesse acontecer em segurança. Naturalmente que o banco tem de manter altíssimos níveis de segurança tecnológica e de segurança de

informação, que foram conseguidos durante a pandemia, e que temos mantido. O novo contexto levou-nos também a uma forte digitalização de processos. Hoje não trabalhamos com papéis. A informação e a documentação fluem de forma digital. Perante esta experiência, decidimos que, mesmo após a pandemia, não fazia sentido voltar a um modelo de trabalho mais tradicional.

Em mercados mais amadurecidos, assistimos a uma redução dos balcões físicos mas, em Moçambique, ainda continua a associar-se a tal inclusão financeira à proximidade física com os balcões. Essa lógica não estará ultrapassada?

De facto assistimos a uma redução séria do número de agências bancárias, especialmente na Europa. Em Moçambique não há essa redução, mas, nos últimos anos, também não houve um crescimento como aconteceu, por exemplo, há uma década. Temos, neste momento, uma estabilização do número de agências e, na verdade, quase todos os distritos já têm uma agência ban-

www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2023 58
“A nós não cabe avaliar de forma positiva ou negativa a política monetária mas apenas entender as razões e ajustar as nossas estratégias dentro das políticas em vigor”

cária. Num país tão grande como este, ter uma agência em determinados distritos não garante uma prestação de serviços de qualidade ou de proximidade. Quando vemos os estudos sobre bancarização, ainda analisamos exclusivamente o número de contas bancárias que são abertas. Mas, na verdade, hoje há muitos clientes com serviços financeiros que não têm necessariamente uma conta bancária. Os serviços financeiros podem ser prestados de múltiplas formas. As carteiras móveis são um dos exemplos e, nalguns mercados, as fintechs, empresas tecnológicas de prestação de serviços financeiros, conseguem ter enorme sucesso. Queremos ser parte deste ecossistema, trabalhar em parceria com essas entidades que não são concorrentes, mas sim entidades complementares à nossa própria oferta.

Como é que projecta a evolução da economia moçambicana nos próximos anos?

Continuamos a acreditar que este é o século de África. E, em particular, quando olhamos para Moçambique,

acreditamos que a década que agora começa pode transformar profundamente o País. Quando analisamos o contexto económico, tanto a nível global, como regional, acreditamos que há imensas oportunidades que se conciliam directamente com as nossas maiores potencialidades. Há cinco sectores que são absolutamente chave para esta década de Moçambique. O primeiro é a energia. Sabemos que toda a região tem necessidades crescentes de energia e que muitos dos países vizinhos de Moçambique dificilmente vão ter capacidade de a produzir para ir ao encontro da procura. Moçambique tem essa capacidade graças aos recursos hídricos e à capacidade solar. Há aqui uma oportunidade para um forte desenvolvimento do sector de produção de energia no País. Acreditamos que todo o sector de mineração representa também um grande potencial para Moçambique. Temos a felicidade de, não só sermos muito ricos em minérios tradicionais, como o carvão, mas também em minérios novos, como a grafite ou outros nas chama-

das ‘areias pesadas’. Tudo isto são aspectos que, se forem bem desenvolvidos e bem explorados, podem oferecer um grande crescimento à economia. A logística é o terceiro sector-chave. Com o desenvolvimento económico dos países do interior de África, que precisam de corredores de acesso a portos, tanto para importar como para exportar, Moçambique oferece enormes potencialidades. Estamos a ver o que está a acontecer com o porto de Maputo e no corredor sul de Moçambique com a grande procura por parte do mercado sul-africano. Isto também é verdade para a Zâmbia, Zimbabué e Maláui. Há, portanto, um enorme potencial para Moçambique se posicionar como uma plataforma logística na região. Um quarto sector é uma aposta antiga, mas eu diria que, com o passar do tempo, é uma oportunidade cada vez mais próxima: a agricultura. Continuamos a explorar apenas uma pequena percentagem da terra arável que existe em Moçambiquee, nos últimos tempos, fala-se cada vez mais sobre o impacto das mudanças climáticas. Por último, o quinto sector por nós identificado nesta década de Moçambique é, sem dúvida, o turismo. Continuamos a deixar por explorar toda a riqueza que temos do ponto de vista turístico, seja o turismo de natureza, seja o cultural. Temos muito para oferecer ao mundo e, como todos sabemos, este é um sector que ainda não tem um nível de exploração à altura do potencial.

Não falou no gás...

Não, apesar de ser importantíssimo. Mas julgo que não nos podemos deixar distrair só com isso, temos muito mais a explorar. Acreditamos que os projectos de exploração vão avançar. Temos gás, não apenas nas áreas 1 e 4 de Cabo Delgado, mas ao longo de toda a costa, pelo que queremos explorar outras oportunidades e outros projectos promissores.

Estando bastante em contacto com investidores de todo o mundo, até por força da dimensão do grupo dentro e fora do continente africano, como é que eles olham para Moçambique?

Há muita procura por linhas de investimento. Mas o caminho entre as oportunidades e a concretização dos investimentos ainda é longo, e temos de melhorar a capacidade de os atrair para o País. Vejo o Pacote de Medidas de Aceleração Económica (PAE), anunciado pelo Governo no ano passado como um importante passo nesse sentido.

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Num cenário em constante evolução da liderança, onde os avanços tecnológicos, a globalização e os desafios decorrentes da pandemia continuam a moldar a forma como trabalhamos e interagimos, há um elemento que se mantém constante e insubstituível: a importância das competências comportamentais na liderança humanizada e eficaz. Apesar de o conhecimento e a competência técnica serem inegavelmente valiosos, frequentemente é o domínio das competências comportamentais que distingue os líderes excecionais dos meramente competentes. Neste artigo, iremos explorar o significado da formação em competências comportamentais no contexto da liderança humanizada e por que esta deve ser uma prioridade para os indivíduos que ambicionam liderar no complexo mundo atual.

As competências comportamentais

As competências comportamentais, frequentemente designadas como soft skills, abrangem uma vasta gama de capacidades, como a comunicação, a empatia, a adaptabilidade, o trabalho em equipa e a inteligência emocional. Estas competências moldam a forma como os líderes interagem com as suas equipas, tomam decisões, resolvem conflitos e, em última análise, influenciam a cultura e o sucesso da organização.

Comunicação eficaz

Um dos pilares fundamentais das competências comportamentais é a comunicação eficaz. Os líderes devem transmitir claramente a sua visão, objectivos e expectativas, inspirar as suas equipas e promover um ambiente de diálogo aberto. Sem uma forte capacidade de comunicação, podem surgir mal-entendidos que conduzem a um desalinhamento e a uma redução da produtividade.

Empatia e inteligência emocional

A empatia e a inteligência emocional são qualidades indispensáveis num líder. Compreender as emoções e as perspectivas dos membros da equipa permite aos líderes criar confiança, estabelecer ligações significativas e tomar decisões que tenham em conta

O Papel Essencial do Desenvolvimento de Competências Comportamentais na Liderança

o bem-estar da sua equipa. Num mundo em rápida transformação, em que a força de trabalho é diversificada em termos de origens e perspectivas, os líderes empáticos podem colmatar as lacunas e criar ambientes inclusivos.

Adaptabilidade e resiliência

No actual panorama empresarial, a adaptabilidade é crucial. Os líderes que conseguem navegar na incerteza, aceitar a mudança e permanecer resilientes inspiram confiança e motivação nas suas equipas. Competências comportamentais como a adaptabilidade ajudam os líderes a responder eficazmente aos desafios e a aproveitar as oportunidades.

Trabalho de equipa e colaboração

A liderança não é uma jornada solitária, prospera com a colaboração. Quando

tamentais na resolução de conflitos e na tomada de decisões ajudam os líderes a manter a harmonia no seio da equipa e a fazer escolhas acertadas que beneficiam a organização a longo prazo.

Em suma, os líderes servem de modelo para as suas equipas e definem, pelas suas acções e atitudes, o padrão de comportamento e profissionalismo. Ao incorporarem fortes competências comportamentais, criam uma cultura positiva que incentiva os outros a desenvolverem também essas competências. Este efeito em cascata contribui para o crescimento e sucesso global da organização.

Em conclusão, a importância da formação em competências comportamentais no contexto da liderança humanizada não pode ser subestimada. Embora os conhecimentos técnicos sejam valiosos, é o domínio das competências transversais que eleva os indivíduos à grandeza. À medida que as organizações reconhecem cada vez mais o valor da liderança humanizada no local de trabalho moderno, o desenvolvimento destas competências comportamentais torna-se imperativo para qualquer pessoa que aspire a ser um líder de impacto. Aqui notamos então que a relação entre a liderança humanizada e as competências comportamentais é simbiótica, com cada uma a reforçar e a melhorar a outra.

os líderes são capazes de colaborar e trabalhar de forma eficaz em equipa aproveitam a inteligência e as capacidades colectivas dos membros da sua equipa, promovendo a inovação e a resolução de problemas de forma colectiva e democrática. Os líderes que valorizam e promovem o trabalho em equipa podem levar a organização a atingir os seus objectivos com maior eficiência e podem fazer com que as suas pessoas se sintam escutadas ao terem as suas ideias valorizadas.

Resolução de conflitos e tomada de decisões. Os conflitos são uma parte inevitável de qualquer organização, e os líderes devem possuir as competências necessárias para gerire-los e resolvere-los de forma construtiva. As competências compor-

Num mundo marcado por mudanças rápidas e uma complexidade crescente, os líderes que dão prioridade e investem na formação em competências comportamentais não só melhoram as suas próprias capacidades de liderança, como também contribuem para o bem-estar e o sucesso das suas equipas e organizações, podendo criar um ambiente de trabalho positivo, inclusivo e dinâmico que promove o crescimento, a inovação e o sucesso, fazendo com que as suas pessoas trabalhem mais felizes, mais engajadas e por mais tempo. À medida que continuamos a enfrentar os desafios do século XXI, lembremo-nos de que não é apenas o que sabemos, mas a forma como nos relacionamos e inspiramos os que nos rodeiam que define verdadeiramente a nossa capacidade de liderança.

www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2023 56 OPINIÃO
Bruno Mourinho • Gestor de Unidade de Negócio na Contact
A importância da formação em competências comportamentais no contexto da liderança não pode ser subestimada

especial inovações daqui

64 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

A história e as funcionalidades de uma plataforma criada por um jovem moçambicano para servir as PME e que procura responder aos desafios de gestão dos recursos humanos, das relações com clientes e das contas das empresas, com eficiência e segurança.

PIMIMDER PANORAMA

A plataforma digital que permite às empresas a realização automática de cobranças de facturas

As notícias da inovação em Moçambique, África e no Mundo.

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Apps! E se as PME Tiverem Pleno Acesso às Ferramentas de IA?

Até onde poderia crescer a economia se as PME, de repente, se tornassem eficientes na gestão de stocks, de pessoal, de combustíveis, emissão de facturas, cobranças e controlo de qualidade? Esta possibilidade já é real, graças à cada vez maior oferta de plataformas de Inteligência Artificial com diversas funcionalidades. Uma das mais recentes e ‘Made in Mozambique’ foi desenvolvida pela Jon Artificial Intelligence. O que tem para oferecer?

Nos últimos anos, a Inteligência Artificial (IA) tem sido usada para executar, de forma mais eficiente, tarefas que, de outro modo, seriam efectuadas manualmente: estabelecer ligações com os clientes, identificar padrões e resolver problemas.

Alimentada por várias formas de aprendizagem automática que reconhecem padrões nos dados para fazer previsões, a IA pode acrescentar valor às empresas em diferentes ramos ou sectores, proporcionando uma compreensão mais abrangente da abundância de dados disponíveis e baseando-se em previsões pa-

ção à IA, mas no ramo tecnológico no geral”.

Natural da cidade de Maputo, Stélio Inácio é um designer gráfico e informático que, em 2011, criou a sua primeira plataforma na web, chamada Agenda Mahala, uma rede social onde os utilizadores podiam adicionar eventos que iam decorrer nas suas cidades e que, com o tempo, passou a servir para acolher e divulgar aulas de inglês, para as quais Stélio Inácio escreveu os manuais.

Em 2021, após dez anos de desenvolvimento e aperfeiçoamento da Agenda Mahala, decidiu abrir a Jon Artificial Intelligence, com o objectivo de utilizar a IA pa-

ra automatizar tarefas demasiado complexas ou demoradas.

Estas características são uma grande oportunidade para vender soluções. Uma janela identificada por Stélio Inácio, jovem designer gráfico e informático que, em Maio de 2021, fundou a a Jon Artificial Intelligence, impulsionado pela necessidade de sacudir duas perguntas: “porque é que nós, africanos, ficamos sempre para trás em assuntos de tecnologia, conhecimento, criação e até utilização? Porque é que só esperamos receber de outros países?” O empreendedor viu na disseminação de ferramentas de IA “uma oportunidade para dar contributos, produzindo sistemas ou aplicativos que possam mudar a visão dos africanos, não só em rela-

ra fazer avançar a tecnologia. A 28 de Setembro, a empresa lançou o seu primeiro produto, designado Apps. Trata-se de um conjunto abrangente de ferramentas alimentadas por IA, como uma aplicação de facturação, uma plataforma de controlo de assiduidade, entre outros recursos. O produto começou a ser desenvolvido em 2021 e demorou um ano até começar a ser testado por utilizadores. Desde então, tem vindo a ser aperfeiçoado.

Como funciona e a quem serve a Apps?

“Apps são aplicações para empresários. E do que é que um empresário precisa na sua actividade? Esta é a pergunta a que a Apps procura responder: um empresário precisa de um software para emitir

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O software de facturação oferece a tecnologia “mensagem para cotação”, que permite criar orçamentos através de mensagens, usando linguagem natural...
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facturas, recibos e orçamentos; precisa de um mecanismo de controlo de assiduidade dos funcionários; um sistema de gestão de veículos, para prevenir abusos e poupar combustíveis; precisa de gerir e-mails”, explicou Stélio Inácio à E&M. O jovem informático realça que a criação da Apps surgiu também com a intenção de suprir necessidades pelas quais que ele mesmo já passou, como empreendedor. De uma forma geral, a Apps traz três elementos principais que o podem tornar inovador para muitas organizações.

Inovação no campo da facturação

O software de facturação oferece a tecnologia “mensagem para cotação”, que permite criar orçamentos através de mensagens, usando linguagem natural, substituindo o tempo de preenchimento de longos formulários. O processo fica mais rápido e eficiente. Também faz com que este se torne no primeiro programa de facturação que pode confortavelmente ser usado num telemóvel, pois basta uma mensagem para gerar uma cotação. “Nós acreditamos que as empresas que mais vantagens poderão tirar desta plataforma são as que têm poucos colaboradores, porque podem emitir orçamentos a partir de um telefone, através do sistema de IA. Deixa de ser necessário deslocar-se até ao escritório e perder tempo a produzir esses documentos”, afirma o fundador da Jon Artificial Intelligence.

O sistema é aberto a vários tipos de empresas, inclusive àquelas que têm um processo de facturação regular, pois a Apps consegue adaptar-se à cobrança de mensalidades. Por exemplo, numa escola em que os alunos pagam propinas a cada mês, o sistema automatiza esse processo. Depois de registar o aluno (que neste caso é o cliente), é gerada uma notificação “por pagar”, “pago”, “em atraso”, conforme a circunstância, e com o clique de um botão, a Apps gera a factura ou o recibo do mês correspondente, preenchendo tudo automaticamente.

Por agora, as informações são controladas e disponibilizadas apenas pelo administrador do sistema, que pode ser o proprietário ou director da escola, seguindo o exemplo anterior. Para o futuro está prevista a criação de uma API que gera facturas ou notificações directamente para os clientes, para os recordar dos pagamentos.

Gerir a assiduidade ou veículos, tudo é acessível

Jobsie é o nome de uma ferramenta que utiliza códigos aleatórios e serviços de localização no telefone para monitorizar a presença de trabalhadores de forma

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INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

precisa e segura. Assim, o empresário não precisa de estar presente no escritório ou de usar outros sistemas de controlo de presenças dos seus colaboradores.

Outra característica inovadora da Apps é o logbook de veículos, que utiliza tecnologia de reconhecimento de texto e imagens para identificar, automaticamente, a quilometragem de veículos por meio de fotos tiradas por telemóvel. Esta ferramenta consegue ainda calcular o ponto de partida e o destino, a distância percorrida e, consequentemente, ter uma noção dos custos com combustível e prevenir o uso indevido de veículos.

A Apps alberga um conjunto de aplicações para pequenas e médias empresas e, desde a sua criação, procura ser uma alternativa a outras plataformas como o Google Workspace, Microsoft 365 ou Zoho. A IA aplicada oferece uma vantagem competitiva. As empresas reconhecem cada vez mais as vantagens da aplicação de informações de IA aos objectivos comerciais e fazem dela uma prioridade para toda a empresa. Um inquérito feito em 2021 pela McKinsey, uma empresa de consultoria empresarial norte-americana, concluiu que as organizações que comunicaram a adopção de IA em pelo menos uma função registaram taxas de crescimento da sua actividade.

Pastor, um modelo de linguagem

A IA, no seu sentido mais básico, é uma ferramenta baseada em sistemas que são treinados com base em informações e imagens disponíveis ao público. Os modelos de linguagem natural consolidam-se como um conjunto de soluções, algoritmos e técnicas. Estes modelos são concebidos para compreender a estrutura, a gramática e o significado da linguagem, bem como para gerar texto coerente e contextualmente relevante.

Stélio revelou que quando a OpenAI lançou o ChatGPT, já se encontrava a desenvolver o Pastor, e isto serviu também para dar um impulso ainda maior ao seu projecto. A Apps é mais uma prova de como os modelos linguísticos de IA são componentes essenciais numa vasta gama de aplicações que envolvem o processamento de texto e a comunicação com seres humanos. Desempenham um papel crucial na automatização de tarefas, tornando as interacções com as máquinas mais intuitivas e eficazes. Está disponível através do endereço Apps.jon-ai.com. Neste momento, Stélio Inácio está a desenvolver um serviço de e-mail que utilizará IA para pesquisa e gestão e que será também parte integrante da Apps.

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PIMINDER

Cobrar Facturas e Controlar o Negócio no Smartphone

Na era digital, as cobranças electrónicas desempenham um papel fundamental na transformação dos processos financeiros e de pagamento. Dois jovens, um moçambicano e outro brasileiro, cooperaram na criação de uma solução que promete revolucionar o mercado, o Piminder

Aera da transformação digital não para de trazer novos produtos e serviços automatizados e transformadores para os mercados e para a vida das sociedades. O que antes era realizado por seres humanos, agora é feito por software e inteligência artificial (IA) cada vez mais competentes e acessíveis.

Na área dos negócios, estas ferramentas ganham adeptos em diferentes nichos. É o caso da cobrança digital de facturas. Os sistemas conseguem enviar o documento e fazer a cobrança, utilizando serviços online, completando todos os procedimentos. Isto é, as empresas deixam de se preocupar em realizar chamadas a cobrar aos seus devedores – uma tarefa que passa a ser feita com muito mais precisão e eficácia – e focam-se na essência do negócio.

Foi a pensar nisso que Hussein Indobe, um jovem empreendedor moçambicano, em colaboração com Misael Sousa, jovem brasileiro, criaram a Piminder, uma plataforma que permite realizar o processo de cobranças avulsas, parceladas e por assinatura. A Piminder dá às empresas a possibilidade de controlar a cobrança de dívidas de forma organizada, mantendo uma gestão total do processo.

“Nós sabemos que uma das maiores dificuldades que as empresas têm é a de fazer cobranças no tempo certo. Isto, de certa forma, acaba por afectar as suas actividades. Por isso, sentimo-nos na obrigação de trazer para o mercado um mecanismo inovador, que possibilita a realização destes procedimentos de forma automatizada e sem necessidade da intervenção humana”, explicou Hussein Indobe à E&M.

Além da cobrança, há visualização de dados

A plataforma é inspirada no mercado brasileiro, onde sistemas desta natureza já estão em pleno funcionamento, e Indobe procurou parceiros com experiência

naquele país. “Este sistema é uma colaboração entre Brasil e Moçambique. O meu sócio é brasileiro e a nossa ideia era trazer algo realmente inovador para o mercado nacional”, sustentou.

Além disso, através dos dados disponibilizados na plataforma, é possível analisar o desempenho da empresa e perceber se está a conseguir reter os clientes e cumprir com as suas expectativas. “Muitas vezes, as empresas fazem recolha de muitos dados e não têm uma forma inteligente de os visualizar ou de fazer com que consigam transmitir uma determinada informação a respeito do negócio.

A Piminder é mais do que uma plataforma de cobranças: ela analisa os dados para avaliar o comportamento da empresa”, explicou o jovem empreendedor, realçando que, dessa forma, o sistema permite que os negócios evoluam.

“Estamos na era digital e as empresas precisam de optar por processos inovadores para ganharem mais confiança e credibilidade por parte do mercado e dos seus clientes. Muitas organizações chegam a perder clientes por causa do processo de cobrança”, argumentou Hussein Indobe.

A facturação digital é também sinónimo de redução dos custos da empresa. Ou seja, os custos no sector da cobrança acabam por ser mais baixos, e a empresa pode deslocar parte da equipa para apoiar a formação de novos colaboradores, por exemplo. O co-fundador da plataforma realça ainda as facilidades que a solução vai proporcionar em benefício de empresas ou organizações que tenham operações em vários pontos ou em todo o País e que, por isso, tenham de realizar cobranças a clientes que estão distantes. “Da forma tradicional, perde-se muito tempo a identificar e a cobrar aos clientes que estão dispersos”, destacou.

Quanto ao acesso, a garantia é que “a plataforma terá o menor custo possível justamente para ser acessível a diferentes tipos de empresa”, até porque “não é pos-

sível, principalmente para empresas que têm pouco dinheiro disponível em caixa, contratar equipas para a realização deste trabalho, de ligar para os clientes a cobrar facturas ou emitir cobranças de forma manual”.

Plataforma em fase de lançamento

Para poder utilizar este serviço, basta ter um smartphone. A plataforma funciona online, permitindo aos gestores acederem, em tempo real, à situação da empresa. E para garantir a máxima segurança na utilização da Piminder, todos os dados nela inseridos estão devidamente encriptados, garantindo, assim, a sua protecção.

Criada há sensivelmente três meses, ainda está numa fase de inserção no mercado e pode ser utilizada por empresas de qualquer dimensão e sector de actividade, sobretudo em áreas de prestação de serviços associativos, escritórios de advogados ou contabilidade, ginásios, clínicas, escolas de ensino técnico e superior, entre muitos outros.

Neste momento, a equipa da Piminder está a validar a solução com diferentes parceiros, com destaque para a Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE), sendo que já possível a inscrição de qualquer empresa no site piminder.com

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BEMPRESA Piminder COLABORADORES 4 PLATAFORMA Piminder CRIAÇÃO 2023
TEXTO Ana Mangana • FOTOGRAFIA D.R.

Healthtech

Neuralink vai começar a testar implantes cerebrais para doentes com paralisia

A Neuralink, empresa de chips cerebrais do bilionário Elon Musk, anunciou que recebeu a aprovação de um conselho de revisão de avaliação independente, no sentido de iniciar o recrutamento para o primeiro ensaio em humanos do seu implante cerebral para doentes com paralisia.

“As pessoas com paralisia causada por lesão da medula espinal cervical ou esclerose lateral amiotrófica podem ser elegíveis para o estudo”, informou a empresaempresa, não revelando quantos participantes serão incluídos na investigação, que demorará cerca de seis anos a ser concluída.

O estudo utilizará um robot para colocar cirurgicamente um implante de interface cérebro-computador (BCI, na sigla em inglês) numa região do cérebro que controla a intenção de se mover, tendo como objectivo inicial permitir que as pessoas controlem um cursor ou um teclado de computador utilizando apenas os seus pensamentos.

Musk tem grandes ambições para a Neuralink: afirma que esta facilitará a rápida inserção cirúrgica dos seus dispositivos de chip para tratar doenças como a obesidade, as perturbações do espectro autista, a depressão e a esquizofrenia.

Em Maio, a empresa afirmou ter recebido autorização para o seu primeiro ensaio clínico em humanos, quando já estava sob escrutínio federal pela forma como lidava com os ensaios em animais. Mesmo que o dispositivo BCI se revele seguro para a utilização em humanos, será necessária mais de uma década para ser autorizada comercialmente.

Digitalização Moçambique negoceia entrada no primeiro programa de aceleração digital da Microsoft

O director do Programa de Desenvolvimento Digital da Microsoft, André Aragão Azevedo, disse que a empresa estará a negociar com Moçambique a inclusão do País na primeira edição de um programa de aceleração digital.

Aragão Azevedo falava após uma reunião, em Nova Iorque, com o Presidente da República, Filipe Nyusi, onde terá revelado que este “é o primeiro ano do programa, e estamos a tentar identificar quais são os países que vão avançar connosco. Moçambique, neste momento, está posicionado na linha da frente para o fazer”, explicou.

De acordo com o responsável da tecnológica norte-americana, o encon-

tro visou “trabalhar em conjunto com o Governo moçambicano para promover a aceleração da digitalização em Moçambique e discutir as oportunidades que o processo vai trazer em benefício da população”.

André Azevedo explicou ainda que “o programa traz uma série de benefícios para os países em desenvolvimento e para os sistemas de digitalização e, portanto, estamos neste momento num processo de identificação dos primeiros países com que vamos trabalhar”, reconhecendo a “vontade enorme” de Moçambique entrar no programa.

O Governo está a consolidar a estratégia nacional de digitalização.

Agritech Governo aposta na agricultura digital

Produzir alimentos empregando tecnologias de monitorização, tal como aplicações, deixou de ser um sonho para os produtores no País, pois o Governo desenvolveu uma plataforma para responder aos desafios do sector nesta vertente.

Graças ao uso de novas tecnologias que permitem mapear e intervir nos problemas identificados na cadeia de valor, o Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural (MADER) está a alcançar bons resultados na monitoria da produção agrícola.

“Se antes o processo de selecção era carregar os ficheiros de um distrito para o nível provincial, hoje em dia é já tudo digitalizado, o que melhora o tem-

Investimento

po dispendido para se proceder à avaliação. Significa que, ao fazermos o mapeamento das machambas, por exemplo, o agricultor diz que produziu dez toneladas, e nós, com a informação do aplicativo, conseguimos julgar melhor o dado. No passado, a pessoa dizia, por exemplo, ‘produzi 50 toneladas’, e não tínhamos como fazer essa análise”, explicou Credêncio Maunze, em representação do MADER.

A par da plataforma do Governo, há várias iniciativas do sector privado que permitem a colecta de dados como também o estudo das características dos solos. Neste momento, estão a ser monitorados mais de 300 produtores.

Vodacom constrói Data Center na cidade da Matola

A Vodacom Moçambique lançou, a 29 de Setembro, a primeira pedra para a construção de um novo Centro de Processamento de Dados (Data Center) na cidade da Matola, capital da província de Maputo.

A infra-estrutura, cujo funcionamento está previsto até Junho de 2024, será equipada com tecnologia de última geração, respondendo, assim, às necessidades das empresas que procuram expandir a sua presença digital, melhorar as capacidades de recuperação de desastres e optimizar a sua infra-estrutura de tecnologias de informação.

O presidente do Conselho de Administração da Vodacom, Lucas Chachine,

disse, na ocasião, que a construção do centro de dados “marca mais uma trajectória na visão tecnológica futurista e no apoio ao desenvolvimento da economia nacional”. Esta nova infra-estrutura é neutra, pelo que as empresas que a ela aderirem terão a liberdade de escolher o seu próprio provedor de serviços de telecomunicações.

O Data Center irá permitir também que as empresas clientes “possam concentrar-se apenas no seu principal negócio enquanto a Vodacom protege os seus dados e aplicações criptas”.

O equipamento irá incorporar as mais elevadas características de segurança disponíveis na indústria.

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PANORAMA

ócio

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ESCAPE Marrocos

Em busca de um lugar fascinante, estímulo para os cinco sentidos

GOURMET Kuxuva Ao sabor dos sorvetes artesanais do Tofo

ADEGA Tropical Hemp Seed Lager, a cerveja que contém cannabis

g e e

ARTES “Ser Humano” Uma exposição que aborda a transformação do planeta

VOLANTE Renault Scénic Mais um veículo amigo do ambiente, 100% eléctrico

(neg)ócio s.m. do latim negação do ócio
EMPREENDEDOR Moza Hydroponic A forma inovadora e eficiente de produzir hortícolas v

João Tamura

nasceu em Lisboa, nos anos 1990. É músico, poeta e fotógrafo. Partiu, em Setembro de 2022, numa viagem sem data de regresso ou destino definido. Tem documentado a sua jornada através de crónicas, numa simbiose entre as suas linguagens predilectas - a prosa e a fotografia analógica - que tentam ao máximo transportar o leitor para os longínquos lugares pisados pelo autor.

Vou Continuar a Procurar(I)

Vou continuar a procurar

O meu mundo

O meu lugar

Porque até aqui eu só

Estou bem aonde eu não estou

Porque eu só quero ir Aonde eu não vou

Porque eu só estou bem

Aonde eu não estou

Porque eu só quero ir Aonde eu não vou

António Variações - Estou além

“Não há lugar como casa”, lembra-nos a plaquinha de metal erguida na parede do quarto do nosso airbnb em Johor Bahru, cidade malaia onde estamos há três semanas. “Casa” tornou-se, desde há um ano, um conceito difuso: o que é casa? Será Lisboa, de onde tão ansiosos estávamos por partir e para onde não desejamos regressar? Ou serão estes airbnbs e quartos alugados, lugares sempre provisórios, onde ficamos enquanto podemos ou até nos fartarmos?

eEsta placa, erguida com o objectivo de transmitir um sentimento de conforto e tranquilidade, teve, em mim, o efeito oposto e levei-o a peito: “Boa, plaquinha! Estás feliz, agora? Olha as dúvidas e ansiedades que lançaste, com esses teus estúpidos exercícios filosóficos…”

Sabia que, eventualmente, teria de reflectir acerca desta questão: a pobre plaquinha só o antecipou. É claro o desapego que sinto face ao lugar do meu nascimento: recordo-me de, quando adolescente, observar o Tejo desde a janela do meu quarto e desejar atravessá-lo para nunca mais a Lisboa regressar. Assim que comecei a trabalhar, todos os centavos que conseguia poupar tinham um único propósito: levarem-me a cruzar esse rio que cruelmente me afastava do resto do mundo.

Quando comecei a viajar, há tantos anos, a ideia de trabalhar remotamente era inimaginável. Somente um selecto número de profissões, exercido por alguns dos meus heróis - fotógrafos, jornalistas, repórteres, escritores - conseguiam fazer da viagem um ganha-pão. Tudo mudou, naqueles fatídicos dias de 2020, quando inúmeras empresas foram obrigadas a repensar o conceito de local de trabalho. Após a semi-normalização do mundo, já em 2022, algumas mantiveram a sua política de trabalho remoto, cientes das vantagens, sobretudo financeiras, que daí advêm: “Mas ainda não me disse a localização do escritório… Não têm escritório? Então e as reuniões, os brainstormings,

os one-on-one, onde acontecem? Online? Via Zoom?! Então… posso estar onde quiser? Em qualquer ponto do globo? Têm a certeza? Só preciso de um laptop e de uma boa ligação à internet… Entendido. Quando posso assinar contrato?” E, desde o início da nossa jornada, conhecemos muitos outros que, como nós, inquietos e nomádicos, conseguiram conciliar a viagem e o trabalho; hoje em Johor Bahru, amanhã em Manila, saltamos de lugar em lugar, permanecendo enquanto podemos ou até nos fartarmos, de laptop na mão, trabalhando e explorando o globo. E, já que penso nisso, é a altura certa para partir - já não suporto observar esta plaquinha.

O sol esconde-se, assim que pousamos em Fez, dando lugar ao crepúsculo. À saída do aeroporto, dezenas de taxistas aguardam o seu próximo passageiro. Demasiado cansados para procurarmos um autocarro capaz de nos transportar até à cidade, negociamos valores com o primeiro taxista que nos aborda: um jovem alto, de barba e bigode alinhados, vestido com uma camisola encarnada do Liverpool: “150 dirhams, best price! Come, my ffriend!”, e atiramos as mochilas para o empoeirado porta-bagagens do seu antigo Renault.

É já noite cerrada quando ligamos o motor e os 30 minutos que demoramos até à medina de Fez (1) são passados a discutir o incrível percurso de Marrocos no mundial de futebol de 2022, no Qatar, as aspirações do Maghreb de Fès (clube de futebol mais popular de Fez) para a próxima época do Botola (2) e a carreira do mágico Adel Taarabt, ex-jogador do Benfica, exímio com a bola nos pés e oriundo de Fez - nada como o futebol para criar pontes e diálogos nas mais distantes regiões do globo. O nosso tempo aqui é escasso - viemos a Fez com um único propósito: visitar a Tinturaria de Chouara. Depois partiremos para Marrakech. Conheci a famosa tinturaria há largos anos, através das páginas de uma National Geographic e fiquei imediatamente

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Malásia

fascinado pelo local. A Chouara Tannerie - como aqui é chamada - está localizada na medina de Fez, a parte mais antiga da cidade e Património Mundial pela UNESCO desde 1981. Chegados à tinturaria, é-nos oferecido um ramo de hortelã - “ponham-no sob o nariz”, dizem-nos, e assim o fazemos. Subimos as íngremes escadas de uma loja de artigos de couro e damos com uma pequena varanda.

A vista é impressionante: são centenas de coloridos tanques e, entre estes, dezenas de homens - temos a sensação de estar frente a uma gigante paleta de aguarelas. A tinturaria está dividida em duas partes: de um lado, vários tanques claros; do outro, tanques escuros. O processo é ancestral. As peles são primeiramente mergulhadas nos tanques claros, cheios de cal e fezes de pombo, que amolecem a pele e removem os pêlos que sobre esta restam. De seguida, são transportados para os tanques escuros, onde são manualmente tingidos com corantes naturais, extraídos de plantas e minerais, e onde os curtidores as pisam e mergulham, de maneira que se garanta que ganham uma coloração uniforme.

É um trabalho árduo e laborioso, que requer habilidade, paciência e resistência - sobretudo quando sob este tórrido e implacável sol. Após tingidas, as peles são penduradas nas paredes e estendidas sobre os telhados das tinturarias para secarem. Nunca havia visto lugar semelhante ou processo tão antigo e fascinante. Rapidamente nos apercebemos do propósito dos ramos de hortelã - o odor em Chouara é pungente e, à falta de melhor adjectivo, desagradável, extremamente desagradável. Fotos tiradas, decidimos voltar a descer as escadas e retornar à labiríntica medina. Paramos no primeiro estabelecimento que encontramos e nunca um chá de hortelã e mel teve tão aliviante aroma.

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A vista é impressionante: são centenas de coloridos tanques e, entre estes, dezenas de homens - temos a sensação de estar frente a uma paleta de aguarelas
Texto João Tamura Fotografia João Tamura

Para mais informações sobre a marca: https://www. facebook.com/ zhizhasorvete sartesanais/

quem não gosta de um refrescante sorvete, de textura suave, a complementar o quebrar das ondas num areal (quase) sem fim?

Será justo dizer que Rita da Silva e Inês Fernandes trabalham no mercado das memórias, frescas no caso. Confuso? Nada disso. Vivem no Tofo, província de Inhambane, praia predilecta de milhares de turistas (nacionais e estrangeiros) e, há três anos, tiveram a ideia de criar uma marca de sorvetes artesanais. Chama-se Zhizha, que significa ‘Verão’ em shona, uma das línguas bantu faladas no centro de Moçambique e noutros países vizinhos, como o Zimbabué e Zâmbia.

Rita, moçambicana e socióloga de profissão, e Inês, portuguesa de alma moçambicana e professora de educação física, gostam de dizer que foram empurradas pelo destino. Primeiro, empurradas para a praia do Tofo e, depois, para o empreendedorismo em que viriam a embarcar, até hoje.

Sorvetes Artesanais Com

“Tínhamos tempo, especialmente durante a pandemia, e muita vontade em criar algo diferente, de qualidade, com os produtos e as pessoas desta terra maravilhosa”, recordam. Começaram por um curso de produção de sorvetes frequentado pela Rita em Roma, Itália, enquanto amadureciam ideias para as receitas, embalagem, design da marca e estratégia.

Com a criatividade alavancada pela curiosidade, decidiram avançar com o negócio de fabrico e comercialização de sorvetes artesanais e orgânicos, uma vez que todos os ingredientes usados são naturais. Foi uma forma de introduzir um produto diferenciado num mercado em que a maioria das opções são de produção industrial e importadas.

Os sorvetes ZhiZha são produzidos numa pequena fábrica instalada na vila do Tofo, por entre palmeiras a perder

de vista e com a porta aberta à comunidade, criando, simultaneamente, uma fonte de rendimento local.

“Temos, hoje, duas mulheres que ajudam na confecção dos sorvetes e na limpeza da fábrica. Depois, queremos impulsionar o negócio dos vendedores de frutas locais, cooperando com eles como fornecedores de matéria-prima”.

Se nos primeiros anos começaram por conquistar o comércio local da praia do Tofo e os supermercados da zona, actualmente, os gelados artesanais produzidos por Rita e Inês são comercializados noutros distritos da província de Inhambane, nomeadamente em Vilankulos, no Beach Lodge.

Mais recentemente, chegaram a Maputo, aos supermercados Lokal, naquela que é a primeira aventura ‘além-fronteiras’, mas dentro de portas, de um produto que, pela forma de fabrico e requisitos de armazenagem em frio, acaba por ser comercializado a um valor um pouco mais elevado que o da concorrência, mas que a qualidade justifica plenamen-

Sabor a Tofo

te, garantem. “Isto é um negócio de escala, mas não queremos perder nunca a identidade dos nossos sorvetes. O que é? É a memória do Tofo, despertada pelos sabores desta região junto de quem cá esteve.

Já fizemos algumas experiências de venda em Maputo e a receptividade é muito boa, porque, através do paladar, despertam-se as memórias de momentos inesquecíveis passados em férias, com família e amigos”.

Os gelados ZhiZha são produzidos com base em frutas e produtos naturais abundantes na província de Inhambane e estão disponíveis com base em água ou leite, mas sempre com muita fruta, do coco ao amendoim, passando pela castanha de caju e tantos outros.

O negócio tem crescido e agora é tempo de “levar os sorvetes produzidos no Tofo a cada vez mais pessoas. EE porque não a todo o País?”

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Com a criatividade alavancada pela curiosidade, decidiram avançar com o negócio de fabrico e venda de sorvetes artesanais
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ZHIZHA

Tropical Hemp Seed Lager.

Cerveja com Cannabis... sem tabus!

uma cerveja feita de CANNABIS? Talvez tenha reservas sobre a bebida. No entanto, produtos que usam substâncias da planta cannabis estão a ganhar espaço e as cervejas artesanais são um dos exemplos.

A Tropical Hemp Seed Lager é uma cerveja artesanal de cannabis. Produzida em território português, a Tropical Hemp Seed Lager é uma cerveja artesanal de cannabis, um dos vários produtos da Tropical Bud, empresa portuguesa que actua precisamente neste novo domínio de produtos alimentares com base na substância CBD (Canabidiol). A empresa já comercializava produtos à base de cannabis, como óleos e vaporizadores, além de cosméticos, acessórios e flores. Para a sua preparação foram necessários cerca de seis meses e o produto foi apresentada este ano durante a Canna Portugal – Expo Internacional de Cânhamo e Cannabis, feira realizada em Lisboa a 18 e 19 de Junho. A Tropical Bud marcou presença entre uma centena de empresas e projectos no certame que juntou vários especialistas do sector, com o objectivo de desmistificar preconceitos e tabus.

A bebida sem efeitos indesejados é uma cerveja Lager, fermentada e armazenada a baixas temperaturas, com um aroma e sabor suaves, ligeiramente frutada e com amargor reduzido. Além dos ingredientes habituais - malte de cevada, lúpulo e levedura -, a bebida produzida na Fábrica de

Cervejas Portuense leva, como ingrediente extra, sementes de cânhamo alimentar, devidamente certificadas. As vias medicinal e farmacêutica há muito que fazem uso da cannabis, sobretudo para alívio da dor. A esclerose múltipla, por exemplo, é uma doença que já é tratada com base em fármacos produzidos a partir desta planta, cultivada quase desde o início da agricultura, como a conhecemos. Mas também outras doenças, normalmente do tipo crónico, podem e já beneficiam de fármacos que têm cannabis na sua composição.

A via recreativa é outra das possibilidades, também muito conhecida e eventualmente até mais associada à planta quando nela se pensa. Mas é na via alimentar que tem havido um crescimento significativo, dir-se-ia, à medida que o conhecimento do público vai também crescendo e os mitos e tabus são desfeitos. Infusões, chocolates, óleos e vários outros produtos estão progressivamente a ser incluídos na alimentação de forma segura, sem efeitos secundários associados.

Através da extracção da substância CBD (Canabidiol), uma das 100 presentes na cannabis, é possível usufruir de bons efeitos gerados, por exemplo, ao enfrentar casos de ansiedade, problemas de sono, dores crónicas, inflamações, acne e vários outros.

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Uma bebida de aroma e sabor suaves que além dos ingredientes habituais – malte de cevada, lúpulo e levedura – contém sementes de cânhamo alimentar, devidamente certificadas. Eis uma nova opção para os apreciadores de cerveja

Agro-negócio

Moza Hydroponic.

Tecnologia ao Serviço de uma Agricultura Sustentável

A sustentabilidade é um tema que está na ordem do dia e que, nos últimos anos, se tornou no mais recente e indispensável factor de produção na agricultura, com vários projectos públicos e privados a nascerem e se desenvolverem, obedecendo à agenda global da descarbonização.

Nesta edição, abordamos o projecto da Moza Hydroponic. Criada legalmente em 2020, a empresa existe desde 2018, fundada por Samuel Alexandre, jovem engenheiro agrónomo de 30 anos de idade.

Opera com sistemas de agricultura em estufas hidropónicas, assim como com formação e fornecimento de tecnologias de produção para a agricultura.

Samuel Alexandre trabalhava numa empresa de produção de plantas ornamentais quando teve a ideia de desenvolver uma actividade produtiva, aproveitando o horário favorável ao exercício de uma actividade adicional que o seu anterior emprego permitia. Começou, então, a trabalhar com a montagem de estufas e produção de vegetais, tendo desenvolvido o seu próprio negócio nessa área.

Entretanto, quanto mais clientes conquistava, mais crescia a necessidade de se organizar e constituir-se como uma empresa formal. É que alguns clientes solicitavam facturas e recibos, que eram impossíveis de fornecer enquanto funcionasse informalmente, como acontecia no arranque do empreendimento. E para não perder clientes, registou a empresa em 2020 e iniciou as actividades enquanto empresa formal no ano seguinte.

A Moza Hydroponic deu início à produção agrícola em estufas simples, mas passou a desenvolver sistemas hidropónicos, o seu actual core business. Nas suas actividades, foi integrando a produção de insumos e passou a ministrar formações em tecnologias de produção agrícola.

“Começámos com uma formação que foi iniciativa nossa, alusiva ao dia da mulher moçambicana, mas passámos a ministrar formações como uma componente comercial da empresa. Entre os formandos recebemos empresários, representantes de várias instituições públicas e privadas, assim como pessoas singulares que procuram conhecimento para a produção doméstica”, explicou. Actualmente, a empresa tem representações em Maputo (a sede), Gaza, Inhambane e Mani-

ca e, em breve, estará em Tete. Uma das suas grandes ambições para os próximos tempos é expandir a cobertura para todo o País, abrindo escritórios em todas as províncias.

Samuel Alexandre revelou que a empresa está agora a trabalhar com um parceiro para montar, em Tete, a maior estufa de hidroponia de Moçambique, avaliada em cerca de sete milhões de meticais, com tecnologia avançada.

A escolha da região foi pelas características climáticas consideradas apropriadas para este tipo de projectos. É que o calor intenso dificulta a produção de hortícolas. Portanto, com a estufa montada será possível romper essa barreira e garantir a produção de vegetais com qualidade em todas as épocas do ano. O empreendedor defende que, apesar dos elevados custos iniciais que acarreta, a produção em es-

tufa devia ser uma aposta estratégica para Moçambique, pelas suas múltiplas vantagens: “o retorno mais rápido do valor investido em relação à produção no solo; a possibilidade de produzir perto do consumidor final; maior produção em menor espaço (temos estufas de 15 metros por 6 e produzimos mais de 2000 pés de alface por mês, que nos permitem facturar uma média mensal de 60 000 meticais); fornecimento constante ao cliente; e uma produção com muita redução de agrotóxicos. Só usamos produtos químicos na água. Para a pulverização, recorremos a produtos naturais e temos uma rede antiofídica que não permite a entrada de pragas, desde as mais pequenas às de estufa.

Além das vantagens para o consumidor e para o produtor, o sistema de produção em estufas hidropónicas beneficia o meio ambiente, ao evitar o desmatamen-

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to e abate de árvores para a instalação do campo de produção, como se verifica na agricultura tradicional, e evita a morte dos microorganismos que habitam o subsolo e o desperdício de recursos como a água.

A Moza Hydroponic tem dez trabalhadores fixos, mas realiza sempre programas de estágio com estudantes de diferentes instituições de ensino do País, de nível médio e superior. Conta, actualmente, com 15 estagiários, mas ao longo do seu percurso já deu oportunidade a vários outros que se ineteressam por esta área.

Na sede, em Maputo, a empresa tem mais de quatro campos de produção e trabalha com várias marcas nacionais e internacionais para testagem de sementes.

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O sistema de produção em estufas hidropónicas beneficia o meio ambiente, ao evitar o desmatamento e abate de árvores para a instalação do campo de produção, como se verifica na agricultura tradicional
E mpreendedor
TEXTO Filomena Bande FOTOGRAFIA D.R.

A exposição

“Ser Humano” está patente no Camões – Centro Cultural Português, em Maputo, até dia 3 de Novembro e pode ser visitada de segunda a sábado, entre as 10h e as 17h

inaugurada a 13 de setembro e patente até 3 de Novembro, no Centro Cultural Português de Maputo, “Ser Humano” é uma exposição colectiva que aborda o papel da humanidade enquanto maior força transformadora do planeta, sob todos os aspectos.

A exposição é composta por obras de vários artistas que perscrutaram a natureza humana e tentaram descrevê-la da melhor forma que puderam. Abordam a acção do ser humano e a biodiversidade, cada qual com os seus instrumentos e conduzidos pela sua própria linguagem artística. Afinal, o que descreve o ser humano? Será a pintura? A escultura? O desenho? As obras que compõem “Ser Humano”

As artes que mostram a Força de “Ser Humano”

são da autoria de Ângela Ferreira, David Aguacheiro, Felix Mula, Gemuce, Gonçalo Mabunda, Jorge Dias, Luís Santos, Muduane, Sónia Sultuane, Thandi Pinto e outros, desde antigos membros do MUVART a simpatizantes. A direcção e coordenação ficou a cargo de João Pignatelli, com curadoria de Gemuce e Jorge Dias e colaboração de Severino Ngoenha.

A MUVART considera que mergulhar no tema “Ser Humano” é talvez o mesmo que esmiuçar o jogo que resulta da acção da inteligência (e desinteligência) humana com a sua habilidade de inventar objectos. “É a reacção de um vírus

que se revela como arquitecto da cultura aventureira em que se molda o ser humano”.

O director do Centro Cultural Português, João Pignatelli, considera ser “uma grande honra poder, mais uma vez, mostrar o que de melhor se faz em Moçambique na arte contemporânea. Temos aqui grandes artistas que marcam uma geração e continuam a fazer um trabalho muito bom, não só ao nível nacional, mas também internacional. Acho que é uma grande oportunidade podermos acolher a exposição e mostrar ao público todas as reflexões que estes artistas fazem”.

A exposição faz parte da quarta edição do Festival Gala Gala e é também uma celebração dos 20 anos de criação do MUVART - Movimento de Arte Contemporânea de Moçambique, constituído por diferentes

artistas de diversas áreas. Um movimento criado em Maputo com o objectivo principal de “motivar os artistas a abraçarem a estética da arte contemporânea como uma linguagem internacional, aberta, democrática, sem cânones nacionalistas, disposta ao diálogo com a realidade cultural moçambicana e com o mundo”.

O Festival Gala Gala decorreu em Setembro, com um programa cultural diversificado, com o patrocínio da delegação da União Europeia em Moçambique, o apoio do banco Millennium bim, em parceria com o Camões, Centro Cultural Português.

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HUMANO
SER
TEXTO Filomena Bande FOTOGRAFIA Mariano Silva
“É uma grande honra poder, mais uma vez, mostrar o que de melhor se faz em Moçambique na arte contemporânea”, João Pignatelli

Marca: Renault

Modelo: Scenic

E-Tech

Potência: de 170 a 220 c

Renault Scenic 100% Eléctrico:

A META GLOBAL DA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL domina actualmente todos os mercados. Os automóveis estão na crista desta onda, como prova o desenvolvimento acelerado de carros eléctricos e, de forma tímida (mas já a demonstrar grande potencial), de carros movidos a hidrogénio e outras fontes limpas.

Nesta onda de sustentabilidade, a marca francesa Renault apresentou no Salão de Munique, na Alemanha, uma nova versão do Renault Scenic, 100% eléctrico. Na sua nova configuração, a viatura familiar deixou de ser um monovolume e tem agora o formato SUV, prevendo-se que chegue ao mercado até ao início de 2024.

O novo modelo eléctrico da Renault tem a bateria ultrafina e o centro de gravidade muito baixo, combinando um motor eléctrico forte e ágil de 220 cavalos (cv) para uma experiência de condução potente e de alto desempenho. O carro integra uma bomba de calor que permite optimizar a gestão térmica e preservar a autonomia, respondendo a todas as necessidades de mobilidade. O novo

Comprometido Com o Ambiente

Scenic E-Tech existe em duas versões: a versão base que dispõe de 170 cv e 280 Newton-metro (Nm) de binário, com uma bateria de 60 kWh de capacidade, o que oferece uma autonomia na ordem dos 420 quilómetros. E a versão superior, que se apresenta com 220 cv e 330 Nm de binário. Nesta, a autonomia cresce exponencialmente para os 620 quilómetros, graças à sua bateria de 87 kWh de capacidade.

A viatura possui ainda elementos tecnológicos inovadores que conferem ainda mais segurança e conforto, entre os quais, controlo por voz para mais de 50 aplicações e cálculo do itinerário optimizado para carregamento em função da carga da bateria. O Scenic E-Tech 100% eléctrico permite o carregamento em qualquer lugar, seja através de corrente alternada ou contínua, numa tomada doméstica ou num posto de carregamento rápido. Para as viagens de maiores distâncias, é possível recuperar até 335 km de autonomia em 30 minutos.

Quanto ao visual, o novo Scenic E-Tech carrega fortes traços dos últimos modelos lançados pela Renault: Megane, Austral e Clio. É um SUV com dimensões generosas: 4,47 metros de comprimento, 1,86 metros de largura e 1,57 metros de altura. Conta com jantes de 19 ou 20 polegadas, uma distância entre eixos mais longa e um tecto panorâmico Solarbay.

A sustentabilidade foi uma preocupação para a Renault e este veículo é a prova disso, não só pelo facto de ser eléctrico, mas porque comporta cerca de 80% de material reciclado na sua estrutura e é 90% reciclável. Não usa couro, conta com 26% de materiais reciclados no cockpit, tapetes e forro de tejadilho feitos de garrafas de plástico e tem uma bateria com 12 módulos reparáveis e reutilizáveis. O Scenic E-Tech está disponível em seis cores e com três níveis de equipamento: Techno, Iconic e Esprit Alpine.

vNa versão superior, com 220 cv, a autonomia cresce exponencialmente para os 620 quilómetros, graças à sua bateria de 87 kWh de capacidade

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