CONTEÚDO LOCAL COMO A CAMPANHA ‘EMPRESA+EMPREGO’ ESTÁ A AJUDAR OS JOVENS DE CABO DELGADO INOVAÇÕES DAQUI SAIBA O QUE É O MOZGPT, FERRAMENTA QUE PROMETE FACILITAR O TURISMO EM MOÇAMBIQUE CEO TALKS • PETER BLENKINSOP “OS BANCOS SERVEM PARA APOIAR A ECONOMIA, NÃO O ESQUEÇAMOS”
INFLUENCIADORES DIGITAIS
OS NOVOS CANAIS DAS GRANDES MARCAS
A E&M analisa as tendências de uma actividade que envolve um número cada vez maior de profissionais e que está a mudar a postura das empresas e da sociedade Janeiro • 2024 • Ano 07 • Nº 68 • 350MZN
MOÇAMBIQUE
ESG O QUE ESTEVE POR TRÁS DA FALTA DE CONSENSOS NA 28.ª CONFERÊNCIA DO CLIMA NO DUBAI?
EDITORIAL
Celso Chambisso Editor Executivo da Economia & Mercado
Como Vender Hoje Para os Consumidores do Futuro?
E
m todo o mundo, a Internet mudou os hábitos de consumo de bens e serviços. Hoje, antes de realizar qualquer aquisição, quase toda a gente lê opiniões ou ouve a experiência relatada por personalidades de diversas áreas sobre aquilo que quer comprar. São os influenciadores digitais que ditam as regras do jogo, o que acabou por transformar, também, a estratégia publicitária das corporações, na adopção do marketing digital. Pelo mundo, o mercado dos influenciadores digitais cresce em progressão geométrica. É uma tendência que se tornou mais clara e expressiva nos últimos oito anos, quando o marketing digital cresceu exponencialmente. As projecções para os próximos cinco, sete ou dez anos mostram que esta área poderá crescer ainda mais e movimentar muito mais dinheiro do que nos dias que correm. O cenário em Moçambique não é diferente. Embora escasseiem dados sobre o universo de influenciadores digitais e de empresas que apostam neste método de marketing, bem como sobre o volume de recursos que movimenta, não há dúvida de que o mercado está acrescer e a gerar um um número cada vez maior de profissionais. A lista é composta por celebridades como músicos, actores, bloggers, youtubers e outras personalidades que se concentram em assuntos como moda, beleza, alimentação, tecnologia, viagens, etc. Os influenciadores com notoriedade mais duradoura são escolhidos por várias marcas como embaixadores. É sobre este importante mercado que, nesta edição, a E&M se propõe a trazer informação relevante, desafiando todos os obstáculos impostos pela falta de estudos, informação estatística e legislação. Faltam vias para explorar o potencial que o sector do marketing digital possui como pólo de de-
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senvolvimento socioeconómico. Mas de que estamos a falar? Como é que toda esta história de influenciadores digitais começou? De acordo com a plataforma alemã Statista, que produz e divulga dados sobre o mercado global de marketing de influenciadores, contrariamente à crença popular de que estes profissionais só surgiram nas últimas décadas, na realidade, existem desde o tempo do Império Romano, quando os gladiadores endossavam produtos e faziam publicidade em cartazes das cidades. O marketing moderno de influenciadores nas redes sociais começou em 2005, quando o YouTube foi lançado. Actualmente, as redes sociais dão a qualquer pessoa a oportunidade de se estabelecer como influenciadora e de promover marcas e produtos junto dos seus seguidores. Devido à eficácia do método, os profissionais de marketing utilizam a publicidade de influenciadores para vários objectivos, incluindo aumentar tráfego, notoriedade, audiências, vendas e envolvimento dos utilizadores e comunidade. Com a precisão da segmentação e monitorização do desempenho, a técnica de marketing de influenciadores demonstrou proporcionar um maior retorno do investimento para cada campanha. Como o marketing de influência permite que as empresas se liguem aos consumidores a um nível mais profundo do que outras formas de publicidade, os profissionais de marketing estão a prestar-lhe mais atenção e é muito provável que as marcas deixem de trabalhar com os influenciadores como parte de uma campanha e passem a trabalhar com eles mais como parceiros. As páginas seguintes mostram como está delineado o caminho para os influenciadores ganharem ainda mais importância na publicidade, devido à mira de alta precisão e ao elevado retorno do investimento.
JANEIRO 2024 • Nº 68 DIRECTOR EXECUTIVO Pedro Cativelos EDITOR EXECUTIVO Celso Chambisso JORNALISTAS Ana Mangana, Filomena Bande, Hermenegildo Langa, João Tamura, Nário Sixpene PAGINAÇÃO José Mundundo FOTOGRAFIA Mariano Silva REVISÃO Manuela Rodrigues dos Santos DEPARTAMENTO COMERCIAL comercial@media4development.com CONSELHO CONSULTIVO Alda Salomão, Andreia Narigão, António Souto; Bernardo Aparício, Denise Branco, Fabrícia de Almeida Henriques, Frederico Silva, Hermano Juvane, Iacumba Ali Aiuba, João Gomes, Rogério Samo Gudo, Salim Cripton Valá, Sérgio Nicolini ADMINISTRAÇÃO, REDACÇÃO E PUBLICIDADE Media4Development Rua Ângelo Azarias Chichava nº 311 A — Sommerschield, Maputo – Moçambique; marketing@media4development.com IMPRESSÃO E ACABAMENTO RPO Produção Gráfica TIRAGEM 4 500 exemplares EXPLORAÇÃO EDITORIAL E COMERCIAL EM MOÇAMBIQUE Media4Development NÚMERO DE REGISTO 01/GABINFO-DEPC/2018
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73 ÓCIO
74 Escape Uma Viagem Pela Floresta Ancestral da Austrália 76 Gourmet Os paladares de Quelimane no Restaurante ‘Delícias da Zambézia’ 77 Adega Bacalhôa Vinhos, quando a degustação se faz acompanhar pela arte 78 Moçambicanos no mundo Ao encontro das rimas do rapper Harold, um dos ícones da lusofonia 81 Artes “Compêndio para Desenterrar Nuvens”, uma homenagem de Mia Couto aos heróis de todos os dias em Moçambique 82 Ao volante do Cybertruck, a pick-up da Tesla com mais de 3000 kg
6 OBSERVAÇÃO
Um retrato das crises humanitárias que se esperam no mundo, em 2024, causadas por guerras, eventos climáticos e pobreza
12 OPINIÃO
“Riscos Relevantes Para a Economia Global em 2024”, Wilson Tomás, Research Analyst, Banco BIG Moçambique
14 ESG
Os avanços e os pontos fracos no final da 28.ª Conferência do Clima da ONU, COP 28, rumo à sustentabilidade ambiental
16 OPINIÃO
“Culturas Regenerativas – Compaixão: Peito Suave e Costas Fortes”, Susana Cravo, Consultora & Fundadora da Kutsaca e da Plataforma Reflorestar.org
18 MACRO
Estudo “2023 Africa Energy Outlook” da Deloitte revela a dimensão do contraste entre a capacidade de produção e o défice de acesso à energia em Moçambique
22 OPINIÃO
“Moçambique e o Advento da Computação na Nuvem”, David Gonçalves, EY Partner | Technology Consulting & Bruno Dias, EY Partner | Business Consulting
24 CONTEÚDO LOCAL
Campanha “Empresa +Emprego”, promovida pela UE e pelo Governo português, reitera aposta na criação de oportunidades de emprego a favor dos jovens de Cabo Delgado
26 OPINIÃO
“Uma Perspectiva Sobre o Investimento de Impacto: Desafios e Oportunidades Para as Mulheres Rurais”, Tânia Dinis, responsável pela área de financiamentos de longo prazo (CIB) no ABSA
28 NAÇÃO
INFLUENCIADORES DIGITAIS 28 O mercado Especialistas moçambicanos em marketing de influência destacam o crescimento acelerado do sector e a transformação que o mercado deve sofrer no futuro 36 Influencers no mundo Pesquisas sobre tendências do mercado indicam que o marketing de influência poderá crescer 33% ao ano de 2023 ate 2030
42 ÁFRICA OUTLOOK
Pesquisa da EIU revela as cinco tendências da economia africana em 2024: dinamismo, riscos políticos e de segurança, endividamento excessivo, inflação e depreciação cambial
www.economiaemercado.co.mz | Dezembro 2023
46 OPINIÃO
“Que Papel Podem Ter os Influencers Digitais no Combate Climático”, Vicente Bento, Managing Partner, Insite
48 SHAPERS
Como é que o pensamento do Nobel de Economia de 2008, o norte-americano Paul Krugman, pode ajudar a solucionar crises económicas graves e prolongadas
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POWERED BY STANDARD BANK “A 3.ª edição da Hack4Moz, realizada em Novembro de 2023, esteve voltada para o apoio a iniciativas inovadoras na área da agricultura. Que resultados vai trazer?”
56 OPINIÃO
“Estratégias de Combate à ‘Armadilha da Comoditização’”, JoaoGomes@BlueBizConsultoria.co.mz
58 CEO TALKS
“Os bancos servem para apoiar a economia, não o esqueçamos”, Peter Blenkinsop, CEO do FNB Moçambique
63 ESPECIAL INOVAÇÕES DAQUI
64 MOZGPT Jovens moçambicanos testam solução tecnológica capaz de dar apoio importante à actividade turística 68 Dumbanengue Estudante moçambicano cria plataforma que facilita a previsão de preços de produtos alimentares
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OBSERVAÇÃO
Mundo, 2024
Como Enfrentar as Crises Humanitárias? A Visão Global Humanitária das Nações Unidas aponta para um 2024 que inspira grande preocupação nos vários cantos do mundo, a começar pelo défice de 46 mil milhões de dólares nas operações humanitárias que podem dar resposta aos diferentes eventos que vão afectar o mundo. Segundo a organização, cerca de 300 milhões de pessoas deverão precisar de auxílio, por razões que incluem conflitos, emergências climáticas e factores económicos. Apesar de o número estar abaixo dos 363 milhões de pessoas que
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necessitaram de apoio humanitário em 2023, o número previsto para este ano ainda é consideravelmente elevado. Crises no Médio Oriente, Ucrânia e Sudão devem requerer grande atenção em 2024. A expectativa das Nações Unidas é que o montante solicitado (46 mil milhões de dólares) para 2024 ajude a cobrir as necessidades específicas de várias agências da organização e parceiras, que devem servir mais de 181 milhões de pessoas. O Escritório dos Assuntos
Humanitários da ONU (OCHA) passa por uma grande crise, precisando de mais de um terço dos 57 mil milhões de dólares necessários para satisfazer o pedido de... 2022 (há dois anos). Entretanto, as necessidades agravaramse e as contas reflectem “o pior défice de financiamento em anos” - os montantes solicitados pela ONU não incluem pedidos feitos por outras organizações (Cruz Vermelha, Médicos sem Fronteiras, entre outras). FOTOGRAFIA D.R.
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RADAR
Mudanças climáticas
Banco Mundial estima que Moçambique precise de investir 37,2 mil milhões de dólares até 2030 para alcançar a resiliência climática
Inflação
Empresários nacionais receiam instabilidade de preços neste novo ano A Confederação das Associações Económicas (CTA) manifestou preocupação quanto à evolução do nível geral de preços neste ano, 2024, devido à aplicação de 16% de IVA nos produtos básicos. “Em termos de perspectivas, almejamos um 2024 com tendências de estabilidade de preços para permitir que a Política Monetária possa relaxar”, explicou Agostinho Vuma, presidente da CTA. Esse alívio daria “espaço para uma recuperação de forma inclusiva da economia doméstica”. “Estamos, porém, cépticos”, acrescentou, devido à medida incluída pelo Governo no Orçamento do Estado para 2024, de aplicar a taxa de IVA de 16% a óleos, sabões e açúcar. A cesta básica estimada em 3469 meticais pode saltar para 4059 com o fim da isenção de IVA. Para a CTA, os impactos da retirada da isenção são muito elevados. “Quanto a nós, não se pode olhar apenas para o quanto o Orçamento do Estado perde ou ganha com o IVA no açúcar, sabões e óleos. Deve-se, sim, ter em conta o grande impacto destes produtos no comportamento da inflação, considerando que os produtos alimentares contribuem com cerca de 53%” no total do índice de preços. A actual política monetária moçambicana caracteriza-se por uma taxa MIMO fixada em 17,25%, Facilidades Permanentes de Cedência (FPC) e de Depósito (FPD) em 20,25% e 14,25%, respectivamente, e coeficiente de reservas obrigatórias de 39%.
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O Banco Mundial estima que o nível de investimento necessário até 2030 para alcançar a resiliência climática do capital humano, físico e natural de Moçambique deva ascender a 37,2 mil milhões de dólares. A informação consta no relatório sobre clima e desenvolvimento para Moçambique, divulgado recentemente pela instituição. Segundo o documento, o custo da inacção será provavelmente mais elevado. As receitas esperadas com as vendas de Gás Natural Liquefeito (GNL) aumentarão a sustentabilidade da dívida do País e poderão gerar espaço orçamental significativo para apoiar os investimentos ne-
cessários, embora tais receitas (GNL) sejam esperadas apenas após 2030. Entretanto, o Banco Mundial sublinha, no relatório, que “os investimentos em resiliência e adaptação devem centrar-se nas necessidades mais urgentes”. A instituição financeira, um dos parceiros internacionais de Moçambique, destaca ainda que os “impactos das mudanças climáticas poderão levar até 1,6 milhões de pessoas à pobreza até 2050, agravando ainda mais os factores de fragilidade de grande parte do País”. O relatório do Banco Mundial é um diagnóstico que integra considerações importantes sobre mudanças climáticas.
Emprego
Governo anuncia criação de 413 mil novos empregos em 2024
O Executivo, através do ministro da Economia e Finanças, Max Tonela, prevê a criação de 413 mil novos empregos no âmbito do Plano Económico e Social e Orçamento do Estado (PESOE) de 2024, cuja proposta foi apresentada pelo Governo à Assembleia da República (AR). Este número está muito próximo da estimativa da popula-
ção economicamente activa que pressiona o mercado de trabalho nacional anualmente, estimado em cerca de 500 mil pessoas. Segundo Max Tonela, a criação dos referidos empregos enquadra-se na abordagem da Prioridade II do PESOE, que abrange temas como Crescimento Económico, Produtividade e Geração de Emprego, para a qual o Governo pretende destinar 34,6% da despesa total, avaliada em 542,7 mil milhões de meticais. A proposta do PESOE para 2024 tem como metas quantitativas mobilizar um total de 542,7 mil milhões de meticais e, destes, 429,9 mil milhões provenientes de recursos internos, correspondendo a 28% do PIB.
Dívida pública
Moçambique será o terceiro país africano com maior dívida pública em 2024 Segundo as estimativas do FMI, Moçambique aumentará a dívida pública em 2024 para 92,4% do Produto Interno Bruto (acima dos 89,7% previstos para este ano). Ao nível africano, só o Sudão (com 238,8%) e Cabo Verde (109,7%) terão um endividamento superior. A confirmarem-se estas estimativas, a dívida pública moçambicana em percentagem do PIB ficará acima da média do continente (59,7%), sendo das poucas que irão agravar-se em 2024. No relatório Africa Special Is-
sue, o Fundo Monetário Internacional prevê que haverá apenas 12 países africanos (entre os 50 com dados disponíveis para análise), cuja dívida pública em percentagem do PIB aumentará em 2024. As maiores subidas serão as do Ruanda (8,8 pontos percentuais), Ilhas Comores (3,6) e, em terceiro, Moçambique, que passará dos 89,7% previstos em 2023 (a sexta percentagem mais elevada do continente) para 92,4% em 2024, ou seja, um crescimento de 2,7 pontos percentuais. www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
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NÚMEROS EM CONTA
A Lista dos Maiores Devedores à China (entre os quais, Moçambique) De acordo com o FMI, todos os países pobres mais endividados do mundo receberam, e ainda recebem, grandes empréstimos da China. Os críticos referem-se a este facto como a “diplomacia da armadilha da dívida”, em que a China concede deliberadamente empréstimos a nações que sabe não a poderem pagar, na esperança de obter influência política. Na infografia, utilizamos os dados da Comissão de Análise Económica e de Segurança EUA-China para enumerar os países mais endividados em função do total de empréstimos concedidos pela China. Grande parte deles faz parte dos investimentos mais alargados do país em infra-estruturas globais ao abrigo da Iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, a “Belt and Road Initiative” (BRI).
Lançada em 2013, e também conhecida como a Nova Rota da Seda, a BRI é um dos projectos de infra-estruturas mais ambiciosos alguma vez concebidos. O seu objectivo é criar uma vasta rede de caminhos-de-ferro, condutas de energia, auto-estradas e passagens fronteiriças simplificadas em localizações geoestratégicas. Em Moçambique, há vários exemplos desse tipo de investimento, sendo a circular de Maputo e a nova ponte Maputo-Katembe os expoentes máximos dessa lógica de investimento. Neste processo, os credores estatais chineses aumentaram rapidamente a concessão de empréstimos denominados em moeda estrangeira a países ricos em recursos naturais, especialmente em África. GANA
GUINÉ
ETIÓPIA
TANZÂNIA
REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO
REPÚBLICA DO CONGO
MOÇAMBIQUE
SUDÃO
ZÂMBIA
BOLÍVIA
CHADE
PAÍSES ALTAMENTE ENDIVIDADOS Total dos empréstimos da China O FMI e o Banco Mundial lançaram a iniciativa Heavily Indebted Poor Countries (HIPC) em 1996 para ajudar a aliviar a dívida dos países elegíveis.
SENEGAL
NÍGER
MALI
CAMARÕES FONTE Comissão de Análise Económica e de Segurança EUA-China (Novembro de 2023)
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OPINIÃO
Wilson Tomás • Research Analyst do Banco BIG Moçambique
O
ano de 2023 ficou marcado por uma série de eventos socioeconómicos e ambientais que tiveram repercussões impactantes na economia global. Posso realçar, no início de 2023, os sismos no sudoeste da Turquia e parte da Síria, passando pela crise bancária nos Estados Unidos no primeiro trimestre, até aos aumentos nos coeficientes de Reservas Obrigatórias em Moçambique e, por fim, o espoletar de uma nova crise geopolítica no Médio Oriente, entre Israel e o Hamas - que veio juntar-se ao conflito armado entre a Rússia e a Ucrânia, que não mostrou sinais de abrandamento ao longo do ano. Ao entrarmos no novo ano, uma questão se levanta na cabeça dos investidores: quais são os principais cenários de risco com potencial para criar constrangimentos à economia global? Analistas apontam para diversas categorias, sendo as mais relevantes as geopolíticas, económicas e ambientais, entre outras. Neste artigo, focar-nos-emos nestas três, devido à severidade que os seus impactos podem ter no curto prazo. No plano geopolítico, existe a possibilidade de um escalar da tensão entre a China e Taiwan, que poderá criar fracturas na débil relação entre a China e os Estados Unidos. O risco de agravamento destas relações é significativo e poderá ter implicações devastadoras, quer na economia de Taiwan, quer na economia global, dada a dependência que as principais cadeias de produção têm da indústria de semicondutores, muito centralizada na economia de Taiwan. Qualquer disrupção da capacidade produtiva destes elementos afectará drasticamente as cadeias de abastecimento global. Outros riscos que podem ser perturbadores no plano geopolítico são os actuais conflitos armados entre Rússia-Ucrânia e Israel-Hamas. O agravamento de qualquer um destes conflitos poderá ter repercussões globais e levar à quebra das débeis relações entre países ociden-
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Riscos Relevantes Para a Economia Global em 2024 tais e a Rússia. O estreitar de relações de Moscovo com Pequim poderá arrefecer as relações entre os dois principais blocos económicos mundiais (EUA e China), com maior ênfase se Donald Trump voltar a ser reeleito Presidente dos EUA. O recente conflito Israel-Hamas também poderá ser um foco importante de risco. Além de Gaza, a contínua ameaça (a norte de Israel) do braço armado do Hezbollah, suportado pelo Irão, poderão motivar uma resposta bélica por parte de Israel e o consequente alastrar do conflito para um plano regional, com
É expectável que em 2024 continuemos a viver mudanças climáticas expressivas que terão impacto na Economia Global. Os modelos indicam um aumento na frequência de fenómenos meteorológicos extremos implicações significativas na produção, transporte e logística do petróleo no Médio Oriente. Esta situação seria marcante para os preços internacionais do petróleo, alimentando uma inflação que teima em não se reduzir para os níveis pré-pandemia. No plano económico, podemos realçar a luta que os bancos centrais têm feito à elevada inflação e que motivou um dos maiores movimentos de restrições das políticas monetárias nas últimas décadas. Numa altura em que se observa um abrandamento da inflação um pouco por todo o lado, os mercados começam a prever que tais medidas serão relaxadas: deveremos observar, já na primeira metade do ano, os primeiros cor-
tes de taxas de juro de referência. Com a resiliência que a economia global tem mostrado às subidas das taxas, existe a possibilidade de, em 2024, podermos viver uma re-aceleração quer do crescimento económico, quer da inflação, forçando os bancos centrais a manterem políticas restritivas com impacto na economia global. Por fim, no plano ambiental, é expectável que em 2024 continuemos a viver mudanças climáticas expressivas e inesperadas, que terão impacto na Economia Global. Os modelos indicam um aumento na frequência de fenómenos meteorológicos extremos em 2024, podendo levar a secas severas, ondas de calor e impactos na produção, sobrecarregando as cadeias de abastecimento mundiais e contribuindo para pressões inflacionistas. O custo do combate a estes fenómenos também será crescente e será um contrapeso importante ao desenvolvimento normal das economias, com maior impacto naquelas que são mais frágeis e menos preparadas. Estes riscos, se materializados, representam uma ameaça significativa para a economia global, com implicações particularmente graves para as economias importadoras da África Subsaariana e de Moçambique, dadas as suas dependências político-fiscais e económico-financeiras em relação aos países envolvidos nos eventos mencionados. Além disso, Moçambique enfrenta riscos ambientais independentes de outras geografias, com ciclones e cheias, causando impactos significativos nas finanças públicas do País - como tem acontecido nos últimos anos. Os riscos são muitos para o ano de 2024, mas as perspectivas são também muito boas, principalmente para Moçambique, que poderá finalmente ver materializado o retomar do projecto de gás onshore liderado pela TotalEnergies e a continuação das reformas estruturais que contribuíram para o crescimento da economia em 2023 a um ritmo que já não se verificava desde 2015. www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
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ESG | CIMEIRA DO CLIMA
COP 28: Janela Continua Aberta Para os Recursos de Moçambique Nunca na história das conferências climáticas houve consensos quanto aos compromissos de eliminação das emissões de gases de efeito estufa. No Dubai, a COP 28 não surpreendeu: houve avanços quanto à redução, mas não se sabe nada sobre a eliminação dos combustíveis fósseis. Moçambique esteve presente em peso, com uma participação com potencial para trazer resultados Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R.
A
o fim de quase duas semanas, entre 30 de Novembro e 12 de Dezembro, a 28.ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), COP 28, terminou com um acordo negociado entre os 195 países participantes. Pela primeira vez, houve consensos para a transição energética através da redução de combustíveis fósseis, mas o documento não cita a sua eliminação, o que não agradou aos ambientalistas. É que os combustíveis fósseis são os principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa que aquecem o planeta. Por isso, a falta de um acordo que preveja a sua eliminação é vista como um ponto fraco desta grande reunião, numa altura em que já existe uma meta acordada para 2050 - a data estipulada pelas Nações Unidas para não haver mais emissões. Ao longo da conferência, mais de 100 países fizeram pressão a favor da eliminação gradual do uso de petróleo, gás e carvão. Este grupo contou com o apoio de grandes produtores do sector, como os Estados Unidos, Canadá, Noruega e União Europeia (UE), além de vários outros governos. Mas esta vontade encontrou forte oposição da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) – que controla quase 80% das reservas de petróleo do mundo e cujos governos têm uma grande dependência dessas receitas. A Arábia Saudita, país que lidera a OPEP, argumentou que o mundo pode reduzir emissões sem evitar a eliminação de combustíveis específicos. E assim
ficou! Uma conclusão a este nível desapontou vários especialistas, que classificaram a conferência como forte em sinais, mas fraca em substância, com falta de clareza e ambição. Apesar disso, o presidente da COP 28, Sultan Al Jaber, chamou o acordo de “histórico”, destacando que o seu verdadeiro sucesso será medido pela implementação efectiva do que foi acordado.
missos permanecerão não cumpridos, a menos que sejam apoiados por financiamento adicional”. Embora o projecto da COP 28 afirmasse que os governos se “comprometeriam” a preencher a lacuna no financiamento da adaptação – que a ONU diz ser de até 366 mil milhões de dólares por ano –, o texto final apenas “procura” preenchê-la.
O que foi acordado? O documento final propõe que seja triplicada a capacidade de energia renovável a nível mundial até 2030. A medida visa reduzir a utilização de carvão, ao mesmo tempo que procura acelerar o uso de tecnologias para a captura e armazenamento de carbono. Agora, os países são responsáveis por cumprir os acordos através de políticas e investimentos nacionais.
Qual é o cenário em Moçambique, se o carvão “sair de cena”? A proposta de redução da utilização do carvão, acordada na COP 28, é particularmente relevante para Moçambique, que é um grande exportador. O carvão é responsável por uma parte importante das divisas que entram no País. O Banco de Moçambique referiu que o mercado já sofre quedas de rendimento assinaláveis pela redução do preço do carvão no mercado internacional (as exportações chegaram a cair 583 milhões de USD no segundo semestre de 2023, em relação ao período homólogo de 2022). A prazo, a economia em redor do carvão poderá perder definitivamente o fôlego. Apesar dos sinais, o CEO da mineradora indiana Vulcan, principal operadora das minas de carvão mineral de Moatize, na província de Tete, considera que o processo de descarbonização vai levar ainda muito tempo. Numa entrevista à E&M, em Junho de 2023, Sanjeev Gupta argumentou que nem todos os países estão no mesmo patamar em termos de tecnologia, desenvolvimento e parques energéticos. Resultado: as diferentes prioridades na alocação de capital e recursos financeiros geridos pelo Estado. “Além disso, se pensarmos que o mundo, hoje, tem mais de oito biliões de habitantes e continua a crescer, a procura por aço e suas matérias-primas, como minérios de ferro e carvão metalúrgico, continuará ainda forte”, justificou. Neste momento, as incertezas são a única
Falta de metas financeiras desagradou aos países em desenvolvimento Enquanto os países desenvolvidos celebravam, as nações em desenvolvimento, especialmente as africanas, denunciavam a ausência de uma meta para fornecer apoio financeiro e outras formas de ajuda. “O resultado final está repleto de linguagem eloquente, mas, lamentavelmente, desprovido de compromissos accionáveis”, afirmou a negociadora do Senegal, Madeline Diouf Sarr, que presidiu, na COP 28, o grupo dos países mais pobres do mundo. Bouzekri Razi, chefe da delegação de Marrocos, advertiu que “estes compro-
O destaque vai para o facto de Moçambique e Bélgica terem acordado a conversão de dívida de 2,4 milhões de euros para acções de resiliência e combate aos efeitos das alterações climáticas
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AS PRINCIPAIS CONCLUSÕES DA COP28 Eis um resumo dos principais pontos acordados pelos 195 países que participaram na COP 28
• Pela primeira vez, os países concordaram que é preciso fazer uma “transição energética” para redução do uso de combustíveis fósseis; • Mas o texto não cita a eliminação de combustíveis fósseis – algo que não agradou aos ambientalistas; • O acordo propõe que seja triplicada a capacidade de produção de energia renovável, a nível mundial, até 2030; • Foi anunciado um fundo de 420 milhões de dólares para apoiar países afectados pelo aquecimento global, um valor considerado baixo; • A conferência não estabeleceu compromissos concretos de financiamento para adaptação e mitigação, mas reiterou que os países afectados precisam de mais dinheiro.
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constante. O interesse global em reduzir as emissões de gases com efeito estufa vão chocar sempre com os interesses económicos de países detentores de recursos que serão substituídos. Moçambique vendeu (bem) a sua ambição e imagem Ao procurar financiamento para lidar com os efeitos climáticos extremos, o País esteve em peso na COP 28, mostrando como “ideia-chave” um contributo para o equilíbrio ambiental global. Perante os participantes, o Presidente da República, Filipe Nyusi, afirmou que a nova Estratégia de Transição Energética (ETS), orçada em 80 mil milhões de dólares, ambiciona colocar o País na vanguarda da inovação climática e posicioná-lo como destino de investimento atractivo sustentável. Reconheceu que, “enquanto país em desenvolvimento, os níveis de acesso à energia estão ainda abaixo de 53%”, mas Moçambique tem “grandes reservas de gás natural. Para contornar a situação, foi aprovada a ETS e assumimos, desta forma, o nosso papel, fundamental, na transição energética, o que vai contribuir para a descarbonização regional”, explicou o estadista.
A ETS possui quatro pilares principais: a expansão significativa da capacidade de energia renovável, a promoção da industrialização verde, o fomento do acesso universal à energia e a descarbonização dos transportes através de biocombustíveis. Défice de financiamento Moçambique considera haver ainda dificuldades dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) para acederem ao financiamento climático, embora este seja visto como alternativa para as nações em desenvolvimento atenuarem o seu elevado nível de endividamento. Durante um evento sobre desafios e oportunidades para os PALOP, organizado pelo Ministério moçambicano da Economia e Finanças, os países-membros destacaram a falta de transparência em relação aos fundos mobilizados, deficiências na coordenação e constrangimentos na capacidade institucional. Mas também houve avanços. O destaque vai para o facto de Moçambique e Bélgica terem acordado a conversão de dívida de 2,4 milhões de euros para acções de resiliência e combate aos efeitos das alterações climáticas.
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OPINIÃO
Susana Cravo • Consultora & Fundadora da Kutsaca e da Plataforma Reflorestar.org
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mbora seja meu querido e fiel companheiro de vida, deixei o tema da Compaixão para o meu artigo final, que coincide com o início do ano, e que espero, possa ser mais uma semente para cumprir o propósito desta rúbrica, que nos acompanhou ao longo de 14 meses: regenerar o principal - a nossa forma de pensar. Há quem ainda ache que, neste período do ano, as Pessoas – que se sentem movidas pela celebração do Natal e/ou de Fim de Ano – estejam mais abertas ao balanço, reflexão, ao amor e à compaixão. A frase original que guia a minha inspiração para este artigo – “Strong Back, Soft Front” – é da Joan Halifax, uma Mulher extraordinária, profundamente inspiradora e ícone da verdadeira compaixão para mim. Começamos por esclarecer alguns mitos sobre a compaixão, que ainda está muito associada a pena, piedade, caridade, relação vertical/superior-inferior. E faço-o com o suporte do Programa “Compaixão sem Fronteiras”, gentilmente oferecido em português pela Margarida Cardoso nos últimos três meses, com base no conhecido Programa CIT – Compassionate Integrity Training, presente em mais de 30 países e em parceria com a UNESCO, MGIEP (Mahatma Gandhi Institute of Education for Peace and Sustainable Development) e diferentes universidades e escolas, integrando também os últimos desenvolvimentos no campo das neurociências, psicologia, cuidados informados de trauma, estudos sobre paz e conflitos e ciência contemplativa. ‘Integridade Compassiva’ é “a habilidade de viver de acordo com os seus valores próprios, a partir do reconhecimento de uma humanidade comum e de uma orientação fundamental para a gentileza e reciprocidade.” Não é íntegro promover-se o dano em relação a si próprio, aos outros e ao mundo. Por outro lado, “cultivar ‘Integridade Compassiva’ na vida pessoal e na comunidade tem impacto directo no crescimento individual e colectivo.” É fundamental percorrer, praticar e integrar os três territórios: relacionar-se consigo, relacionar-se com os outros, relacionar-se com sistemas.
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Culturas Regenerativas – Compaixão: Peito Suave e Costas Fortes Centrar na Humanidade comum: todos procuramos a felicidade e evitamos o sofrimento. Mesmo que isto nos pareça, em determinados momentos, difícil de aceitar ou entender. Apreciar o Valor de cada Vida, sem expectativas, premissas utilitárias e/ou transaccionais. E assumir duas mudanças fundamentais: (caso elas não nos habitem já) 1 – A nossa tendência básica para a bondade. Na qual me revejo completamente (apesar das diferentes correntes de pensamento que nos dividem entre “naturalmente bons” e/ ou “naturalmente maus/frios/egoístas”), e que é suportada pelos recentes estudos nesta matéria: “os humanos são, sobretudo, motivados pela necessidade de receber e expressar compaixão, cuidados e bondade (...) conexão e cuidado”. Aliás, “nenhuma espécie de mamíferos ou de pássaros poderá desenvolver-se totalmente
É que viver com peito suave e coração aberto é para quem se atreve a “ser menina”. É preciso muita coragem para manter a nossa sensibilidade, amor e compaixão se não receber cuidados sob a forma de toque ou de contacto por parte de outro indivíduo da espécie.” O lado sombra desta necessidade primária de pertença e conexão, assim como do forte medo de rejeição social, leva-nos a comportarmo-nos em conformidade com o nosso grupo e contexto. E isto levanta outra questão fundamental, que muito bem a Madre Teresa de Calcutá expressava na sua célebre frase “The problem with the world is that we draw our family circle too small”. A nossa tendência para a bondade é para com quem vemos como os nossos semelhantes, que vemos como mais merecedores do nosso amor, empatia, compaixão. Excluindo, ignorando ou até prejudicando quem está fora do nosso círculo. 2 – A Neuroplasticidade e Neurogénese: nós temos a capacidade de aumentar
a bondade e a compaixão. “Os estudos sugerem que cultivar a compaixão e a conexão melhora o sistema imunitário e reduz o stress psicossocial. Tudo aponta para que a necessidade de compaixão e de cuidados esteja incorporada no nosso corpo e que, ao sabermos isso, poderemos usar este conhecimento em nosso benefício.” (Curso “Compaixão sem Fronteiras”, Margarida Cardoso). Adicionalmente, estudos recentes, partilhados pela UNESCO, demonstram que a aparente apatia ou indiferença das pessoas a conflitos e/ou situações graves que o mundo enfrenta se deve à falta de clareza e discernimento sobre como podemos ajudar. E a compaixão é sobre isto: a prontidão para ajudar, com discernimento e habilidade. Para fazer o que é preciso, para ser útil, para aliviar o sofrimento, para fazer o que está certo, mesmo - e isto é fundamental - sem saber qual vai ser o resultado. Joan Halifax usa uma frase que me toca particularmente: “Se nós tivermos um pico no pé, de forma natural levamos a nossa mão a tirar o pico do pé. Da mesma forma, enquanto organismo maior, a compaixão é sobre, de forma natural, tirar os picos dos pés que doem.” E as mãos que tiram os picos dos pés, por mais que nos seja difícil de admitir, são femininas. Nos corredores de hospitais, prisões, campos de guerra e outros cenários difíceis, esta e outras autoras e autores partilham muitos exemplos desta presença feminina, que, no meio do caos e violência, escutam, limpam as lágrimas, dão a mão, cuidam, nutrem, sustentam e ainda nos confortam com um sorriso, embalam com uma canção ou uma história. As mãos que cuidam e o peito suave são sobretudo das Mulheres. V (Eve Ensler), a conhecida dramaturga feminista criadora dos “Monólogos da Vagina”, vítima de abuso pelo seu pai durante anos e que trabalha com mulheres em todo o mundo, fala de “uma célula de menina” em todos nós – mulheres e homens, que aprendemos a suprimir porque a vemos como frágil e perigosa. Esta “célula de menina” manifesta-se como “compaixão, empawww.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
“Somos flores de lótus em mares de fogo” (J. Halifax adaptado do original de “Thich Nhat Hanh”). tia, paixão, intuição, vulnerabilidade” – o peito suave, portanto. No mundo bruto em que vivemos, ser forte significa “não ser menina”. “Ser menina” é algo tão poderoso, que o tentamos aniquilar. E é exactamente por isso que chegamos aqui. Houvera mais “meninas” no poder e, seguramente, não enfrentaríamos tantos conflitos, desordem e devastação. Entre as várias histórias tocantes de superação de adversidades e violência revoltantes, V (Eve Ensler) partilha muitas vezes exemplos da força impressionante que é “ser uma menina”: das mulheres que decidem viver, perdoar, ajudar e, até, amar os seus corpos mutilados, os seus bebés filhos de violações atrozes, os seus pais (e mães), companheiros que as venderam, abandonaram, violaram, humilharam e maltrataram. V (Eve Ensler) traz outro aspecto fundamental de “ser menina”: numa altura em que pensava já ter vivido e visto tanto, a sua vivência marcante na República Democrática do Congo, na conhecida City of Joy que acolhe mulheres vítimas de extrema violência, fê-la ir ainda mais fundo. Foi com esta “perfuração do seu coração” que fortaleceu a coragem e a força para ajudar. É que viver com peito suave e coração aberto é para quem se atreve a “ser menina”. É preciso muita coragem para manter a nossa sensibilidade, amor e compaixão. “We are Lotus Flowers in seas of fire” (J.Halifax adaptado do original de “Thich Nhat Hanh”). E só se torna realmente poderoso quando deixa de ser sobre “Mim” (indivíduo/núcleo íntimo) e passa a ser sobre “Nós” (colectivo/a causa que me toca). A causa, o discernimento e a prática disciplinada e integrada do Caminho dos Três Territórios – relacionar-se consigo, com os www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
outros e com sistemas – é o que nos faz ter o Strong Back. Sem costas fortes, não há compaixão que resista. O sofrimento empático ou mesmo o burnout acabam por visitar-nos se não nos cuidamos e pedimos ajuda quando é necessário, se não nos protegemos dos vampiros que hão-de sempre visitar-nos e se não colocamos limites e pontos finais em alguns momentos. Há outra coisa fundamental para o Strong Back: a rede, a comunidade. Mas para quem se aventura em territórios desafiantes, sabe que há momentos em que a rede é quase nula, e é precisa muita resiliência interna. Portanto, a causa é a bússola, a prática disciplinada é o bastão de poder. Não seria justo não sublinhar neste artigo duas coisas: 1 - Muitos dos exemplos marcantes por mim vividos e testemunhados não podem ser partilhados por questões de ética, mas eles encontram-se sobretudo na(o)s invisíveis, nas pessoas comuns, sem qualquer tipo de voz e palco. Contudo, a violência assume muitas formas e atravessa todos os mundos, status, meios, muitas vezes aparentemente improváveis. E, por isso, a compaixão devia ser tema obrigatório nas escolas, em casa, desde cedo. Cabe-nos a toda(o)s resgatar as “nossas células de menina” em nós e em quem nos rodeia. 2 - Felizmente, há muitas “células de meninas” em homens. E deixo aqui a minha homenagem a alguns deles: O primeiro é o Dr. Denis Mukwege, co-fundador com V (Eve Ensler) da City of Joy – centro que acolhe estas mulheres sobreviventes de violência extrema, em Bukavu, República Democrática do Congo. Responsável por centenas de resgates e operações, muitas vezes sob enorme risco e ameaça de morte, este notável médico ginecologista, Nobel da
Paz, é uma referência mundial. O segundo é o conhecido e notável Dr. Igor Vaz. O especialista em Urologia e Cirurgia Geral foi, durante alguns anos, o único urologista moçambicano a trabalhar no País, tendo também enfrentado situações duras, de guerra e de fome, mas mantendo-se fiel, por amor, à causa, e com um histórico único de sucesso no grave problema da fístula obstétrica que acomete tantas mulheres. O terceiro é Nicholas Winton, o britânico que conseguiu ajudar 669 crianças a fugir da Checoslováquia antes da invasão nazi. Joan Halifax refere muitas vezes o seu exemplo, quando nos fala sobre a compaixão genuína, sem contrapartidas, sem expectativas. A que nos move, porque é a coisa certa a fazer (mesmo que fiquemos prejudicados). Nicholas viveu até aos 106 anos, o que prova que a bondade e a compaixão também são exemplos de longevidade. Só 60 anos após o seu feito, foi surpreendido pela BBC num auditório repleto de adultos, que ele próprio tinha ajudado a sobreviver. Um vídeo que, por mais vezes que veja, sempre me emociona. E, por fim, a minha homenagem ao Ruy Santos, fundador da Plataforma Makobo e do Projecto Kaya, que, na história recente de Moçambique, é um exemplo de Compaixão e de Liderança servidora, por tudo o que ele cria, mobiliza e representa. Já reconhecido pela Rainha Isabel II como “Point of Light” da Commonwealth e, recentemente, na “Powerlist 100 BANTUMEN – Personalidades negras mais influentes da Lusofonia”. Todas estas histórias partilhadas, e muitas das não partilhadas, são fonte de inspiração e coragem no meu percurso de ‘Aprendiz-Peregrina’. Por fim, arrisco a ser “menina” e convido-vos a deixar que este poema belíssimo possa penetrar no vosso peito suave:
“Kindness (de Naomi Shihab Nye) Antes de conheceres a bondade como a coisa mais profunda dentro de ti Deves conhecer a tristeza como a outra coisa mais profunda Tens que acordar com tristeza Falar com ela até que a tua voz alcance o fio de todas as dores E veja o tamanho do tecido Então aí, só a bondade faz sentido É só a bondade que te faz pôr os sapatos Te lança todas as manhãs para enviar cartas e comprar pão É só a bondade que levanta a sua cabeça Acima da multidão do mundo para dizer Sou eu quem estavas à procura E então ela vai contigo para todos os lugares Como uma sombra, ou um amigo…” (Inspiração-cortesia do curso “Compaixão sem Fronteiras”, Margarida Cardoso).
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MACRO | ENERGIA
Moçambique, Ícone do Paradoxo Energético de África A Deloitte aponta Moçambique como “um excelente exemplo do paradoxo energético de África: apesar dos seus vastos recursos energéticos, a pobreza e o défice de acesso à energia prevalecem a níveis extremos”. Vamos aos números deste antagonismo Texto Redacção • Fotografia D.R.
A
s contas estão feitas no estudo “2023 Africa Energy Outlook”, segundo o qual se estima que o País tenha capacidade para gerar “mais de 187GW de energia”, representando “um dos maiores potenciais de produção de energia por explorar na África Austral”, através de recursos renováveis e de transição, como fontes eólicas, solares, hídricas e de gás natural – além de reservas de carvão, mas essas, comprometidas com altas emissões de carbono. O potencial está aí, há muitas décadas, mas Moçambique continua entre os mais pobres, globalmente, no acesso à electricidade: a Deloitte nota que só 40% da população tinha acesso à rede em 2022 (e apenas 4,5% da população rural em 2020). Da mesma forma, apenas 5% da população tem acesso a combustíveis de cozinha limpos. O contraste é evidente e tem consequências do ponto de vista económico. O acesso precário à energia do País tem dificultado o desenvolvimento, com Moçambique a ocupar a 181.ª posição entre 189 países no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), permanecendo como um dos países mais pobres do mundo. A fragilidade energética de Moçambique pode ser superada “através de energias renováveis, com a concretização do potencial em gás natural - como combustível de transição - e promovendo o acesso a fontes de energia limpas para cozinhar”, travando a desflorestação e acelerando a
economia, assinala a Deloitte. Estas ideias traduzem-se numa vasta carteira de projectos, à espera de investidores. A barragem de Mphanda Nkuwa é um dos mais recentes exemplos. Os leilões de parques solares têm atraído atenções. E a lista continua, num rol que depende também da promoção de um ambiente de negócios capaz de convencer quem olha para o globo com intenção de investir. O Plano Estratégico para a Energia 2030 A meta das autoridades moçambicanas é duplicar a capacidade de produção até 2030. O plano governamental visa alavancar o potencial hidroeléctrico de Moçambique, de mais de 12GW, com o rio Zambeze como pano de fundo. O País quer investir mais de seis mil milhões de dólares em grandes projectos como Cahora Bassa Norte e Mphanda Nkuwa, olhando para a vizinha África do Sul como mercado-alvo chave – e com a África do Sul a poder encontrar no parceiro moçambicano uma solução para a sua crise energética. A falta de centrais eléctricas pode ser colmatada com a produção em Moçambique. Outras oportunidades renováveis incluem o potencial solar inexplorado. Até 2022, foram estabelecidos 125MW de centrais solares através de Parcerias Público-Privadas (PPP), com 60MW já ligados à rede, nota a Deloitte. Até 2040, Moçambique pretende ter 20% da sua energia gerada por recursos solares e eólicos através de recursos estratégicos, investimentos em
O País quer investir mais de seis mil milhões de dólares em grandes projectos como Cahora Bassa Norte e Mphanda Nkuwa, olhando para a vizinha África do Sul como mercado-alvo chave
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ACAUTELAR A DESFLORESTAÇÃO E O ALTO CONSUMO DE LENHA Actualmente, 80% dos agregados familiares moçambicanos ainda dependem da desflorestação para terem lenha e produzir carvão com que cozinham alimentos. Embora o Governo esteja a envidar esforços para aumentar o acesso a fontes de energia mais limpas, “o número de moçambicanos que ainda dependem da biomassa não deverá diminuir significativamente nos próximos anos”, nota a Deloitte. Isto quer dizer que “o País precisa de priorizar as necessidades energéticas domésticas, garantindo soluções sustentáveis para o uso de biomassa de madeira”. É o caso de “fogões melhorados, que reduzem o consumo de biomassa em cerca de 70-80%” a par da dinamização do “cultivo de árvores de crescimento rápido para fins energéticos, como o bambu, que pode ser processado entre dois a quatro anos após ser plantado, servindo como alternativa sustentável ao desmatamento de florestas locais”.
ATENÇÃO ESTRATÉGICA AO CARVÃO A Deloitte alerta: “É importante alocar estrategicamente a produção de carvão para clientes com uma procura consistente a médio e longo prazo, como o segmento de produção de ferro e aço, e indústrias para as quais ter uma fonte de energia garantida é essencial”. Isto porque o mercado tem estado sujeito a grandes oscilações e o carvão está entre as fontes mais poluentes do planeta – logo, as que mais depressa precisam de ser descartadas. Isso pode ter um grande impacto em Moçambique, que faz do carvão um dos seus grandes produtos de exportação, responsável por muitas das divisas que entram no País.
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MACRO | ENERGIA
CONTEXTO Só há 12 países no mundo com uma taxa de crescimento populacional equiparável à de Moçambique Quem consome electricidade em Moçambique?
45%
Mercado residencial
37,3% Indústria
16%
Comércio Disparidade:
Só 4,5% da população rural tem acesso a electricidade, comparando com 75% nas áreas urbanas.
DESAFIOS - Rede eléctrica por desenvolver - Dispersão populacional; -Dificuldade de planeamento da cobertura; - Mercado sem poder de compra para atrair investidores privados; - Rápido crescimento populacional dificulta a acessibilidade da energia - Sistemas fora da rede precisam de maiores incentivos. FONTE EDM, 2019
A Deloitte avalia de forma positiva novos regulamentos, como o Acesso à Energia em Áreas Fora da Rede, documentos que “devem ajudar a alcançar os objectivos de electrificação” projectos como o parque solar de Cuamba II (20MW) e os ventos dos parques de aerogeradores de Inhambane e Namaacha (170MW combinados). Ainda o gás natural. Mas quando? No entanto, prevê-se que a expansão mais substancial do cabaz energético do País seja suportada pelo gás natural. Mais uma vez, o gás. A concretização dos projectos do Rovuma (Cabo Delgado) é esperada desde as descobertas mais significativas, há uma década. Quando é que o País será a prometida potência internacional de gás? “Os investimentos em gás natural já em curso poderiam fazer de Moçambique o terceiro maior produtor na África Subsaa-
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riana e trazer 100 mil milhões de dólares em receitas para o País”, refere a consultora. Afinal, é o gás natural que tem o potencial “para se tornar num dos recursos energéticos mais procurados e valiosos do mundo” e “reduziria a dependência do País” por combustíveis líquidos, impulsionando definitivamente o crescimento económico e reforçando “a sua capacidade de exportação de energia”. Até 2030, Moçambique prevê que cerca de 44% do total da sua electricidade venha de centrais a gás natural. Alerta: reforçar a capacidade institucional O cenário traçado pela Deloitte assenta no programa Energia para Todos, complementado pela Estratégia Nacional de Elec-
trificação. “No entanto, a Nação deve considerar reforçar as suas capacidades institucionais e melhorar o seu quadro jurídico, para utilizar eficazmente os seus recursos e executar o desenvolvimento planeado de infra-estruturas energéticas”, destaca. A Lei da Electricidade, recentemente aprovada, “é um passo na direcção certa: esta legislação simplifica os processos de licenciamento e concessão de projectos de produção de electricidade, em especial, fora da rede (até 10MW)”. A Deloitte avalia, igualmente, de forma positiva, novos regulamentos, como o Acesso à Energia em Áreas Fora da Rede, documentos que “devem ajudar a alcançar os objectivos de electrificação no âmbito do programa Energia para Todos nas áreas rurais, atraindo investimentos privados através de mini-redes e outras soluções fora da rede”. A concretizar-se, “a implementação destes planos reduziria, provavelmente, os custos de energia dos moçambicanos, aumentaria a participação do sector privado na produção de energia e tornaria o país mais atraente para os investidores”, conclui. www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
OPINIÃO
David Gonçalves • EY Partner | Technology Consulting & Bruno Dias • EY Partner | Business Consulting
Moçambique e o Advento da Computação na Nuvem
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Há quem advogue que a migração para a cloud é fácil e rápida. No entanto, esta migração pode não ser tão rápida e fácil como parece devido às complexidades como transferência de dados e necessidades de transformação tecnológica
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m primeiro parêntesis para explicar ao leitor menos propenso a dominar conceitos digitais que computação na nuvem, também conhecida como cloud computing, é um termo que se refere à entrega de serviços de computação através da Internet. Em vez de empresas e indivíduos instalarem software nas suas próprias máquinas ou manterem o seu próprio hardware de TI (como servidores), podem aceder a esses recursos de TI por via de um provedor de serviços de nuvem, como o Amazon Web Services (AWS), Microsoft Azure ou Google Cloud. De facto, a grande maioria dos leitores usa estes serviços, talvez nem se apercebendo, quer seja no armazenamento de fotografias na iCloud da Apple ou fazendo uso da OneDrive da Microsoft para alojamento de ficheiros corporativos. Os tipos de serviços de computação na nuvem são actualmente muito multifacetados e vão desde infra-estrutura como serviço (IaaS), plataforma como serviço (PaaS) e software como serviço (SaaS). Este último permite a utilização de aplicativos mantidos no servidor na nuvem que vão desde ERP a aplicações de analítica e software de protecção cibernética. De salientar que muitos dos gigantes tecnológicos, como por exemplo a SAP, já anunciaram a migração completa do seu portefólio de produtos para a nuvem. A computação na nuvem oferece muitos benefícios, incluindo economia de custos, eficiência e escalabilidade. Ela permite que os usuários acedam e compartilhem dados de qualquer lugar, desde que tenham uma conexão com a Internet. Isso também facilita a colaboração e a continuidade dos negócios em caso de desastres ou interrupções. A cloud permite às organizações obter maior agilidade e capacidades de im-
plementar plataformas e/ou ecossistemas combinados. A utilização da cloud já não representa uma aspiração das organizações, é uma directiva. Transformações e optimizações alavancadas em tecnologias cloud é o novo normal. As organizações estão a realizar rapidamente a mudança das suas infra-estruturas para ambientes cloud. Actualmente, 39% das empresas têm mais de 50% dos seus workloads na cloud e prevê-se que, dentro de 12-18 meses, 58% das empresas tenham mais de 50% dos seus workloads na cloud. O spending de cloud previsto para 2026 ascende aos 45% do orçamento do IT, o que contrasta com os 17% em 2021. Existem, no entanto, muitos mitos associados à utilização de computação na nuvem. O primeiro a destacar é que existem problemas de segurança. Assume-se que como os dados não estão em infra-estruturas próprias, podem ser adulterados ou roubados. No entanto, os cloud providers oferecem um conjunto de medidas de segurança, como encriptação, controlo de acessos e backups para garantir que os dados estão seguros. Outro mito é que a utilização da cloud representa um custo elevado, quando, na realidade, poderá ajudar as organizações a reduzir custos de hardware e manutenção (caso exista o dimensionamento e know-how correcto). Há também quem advogue que a migração para a cloud é fácil e rápida. No entanto, esta migração pode não ser tão rápida e fácil como parece devido às complexidades como transferência de dados e necessidades de transformação tecnológica. Aqui o planeamento e a definição da estratégia correcta de migração são essenciais. Por último, existe igualmente o mito que as soluções cloud são menos fidedignas do que soluções on-premise. Na realidade, os serviços de cloud, tipicamente apresentam Service Level Agreewww.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
O País precisa de aprofundar os debates que permitem soluções para o desenvolvimento da computação na nuvem ment (SLA) mais elevados e que garantem maior nível de disponibilidade (99,9% em alguns casos). Neste contexto, algumas empresas têm dado preferência à utilização de ambientes híbridos (públicos e privados) para aumentar o controlo sobre a infra-estrutura e os dados. Embora a cloud privada seja mais cara permite manter os dados sobre jurisdições específicas. As organizações estão igualmente a optar por utilizar data centers na mesma região onde operam para aderir a regulamentos locais. O controlo e regulação sobre a utilização da cloud é um tópico de crescente debate. Com o aumento da utilização de serviços cloud, preocupações de cibersegurança e contexto geopolítico, as organizações têm vindo a implementar um conjunto de estratégias e acções para irem ao encontro da regulação e preocupações sobre a soberania dos dados. www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
No contexto de Moçambique, é de salientar que o Instituto Nacional de Tecnologias de Informação e Comunicação, IP. (INTIC) e a Associação Moçambicana de Bancos celebraram, recentemente, um Memorando de Entendimento com vista à elaboração do Regulamento para a Computação em Nuvem de Moçambique. Este regulamento é essencial para a introdução deste tipo de tecnologia e paradigmas no País, uma vez que a evolução para serviços Cloud gera desafios na interpretação, governação e implementação da regulamentação nacional e cria a necessidade de clarificação das implicações legais deste modelo. Os temas sobre a computação na nuvem foram alvo de debate do primeiro almoço do EY Digital Club, que visa ser um espaço de debate entre líderes com responsabilidades na esfera das TI e do Digital. Com esta iniciativa, a EY pretende apresentar insights e pontos de vista
desafiantes sobre como a transformação digital está a impactar os vários sectores de actividade. É também uma oportunidade para conhecer casos de estudo de empresas que estão a liderar nos seus mercados através da criação de produtos, serviços ou experiências desenvolvidas de raiz para um mundo digital e que possa ser pensada a sua introdução ou desenvolvimento no contexto de Moçambique. Fazem cada vez mais falta estes fóruns de discussão que permitem pensar soluções consensuais para o desenvolvimento do País, e para que este consiga dar saltos qualitativos na transformação digital dos sectores públicos e privados. É essencial todos nós fazermos a nossa quota-parte neste importante desafio, crucial para o desenvolvimento económico e social de Moçambique. Está preparado para isso?
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CONTEÚDO LOCAL | EMPRESA+EMPREGO
Megaprojectos Não São a Resposta Para Tudo. Cabo Delgado Precisa de Mais Oportunidades A campanha “Empresa +Emprego” é mais uma face visível do esforço que parceiros como a União Europeia e Portugal estão a desenvolver para dar futuro à população jovem do norte de Moçambique, que tem partilhado o quotidiano com uma crise humanitária. Sónia Silva, administradora da empresa de recrutamento Contact, destaca a importância do recrutamento local como alicerce da responsabilidade social Texto Cleusia Chirindza • Fotografia Mariano Silva
A
promoção do desenvolvimento social e económico da província de Cabo Delgado, norte de Moçambique, continua a centrar atenções e parceiros. Entre as acções para impulsionar novas oportunidades, destaca-se a nova campanha “Empresa +Emprego”, apoiada pela União Europeia (UE) e pelo Governo português, através do Instituto Camões. As actividades estão a ser levadas a cabo pelo projecto +Emprego e pela Confederação das Associações Económicas (CTA), em parceria com o Instituto Nacional de Emprego (INEP) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Sob a designação “Empresa +Emprego”, pretende-se fomentar a visibilidade das micro, pequenas e médias empresas (MPME) com presença em Cabo Delgado, que valorizam a qualificação e a empregabilidade dos jovens da província, assumindo uma postura de responsabilidade social. Há uma grande ambição, mas também grandes desafios neste processo. Intervindo recentemente num workshop sobre “Responsabilidade Social, Ambiental e Governação Corporativa”, no âmbito da campanha “Empresa +Emprego”, Sónia Silva, administradora da empresa de recrutamento Contact, foi directa a um dos pontos-chave. Segundo referiu, as multinacionais e os grandes projectos de exploração de gás natural, por si só, não são a resposta para tudo o que é necessário no norte do País.
Aquela responsável argumentou que é importante que o empresariado lute para acabar com as desigualdades sociais, melhorando as condição de vida da população, por exemplo, com investimento em literacia financeira – algo que passa por “ensinar aos mais jovens como as coisas funcionam”. “Devemos tentar recrutar localmente e valorizar mais a população daquela região, pois isso é o que vai desenvolver a província. Precisamos de programas de formação que elevem as categorias para que ninguém esteja em posição inferior”, destacou. Por outro lado, há cautelas a tomar. Sónia Silva defendeu que as empresas devem dar oportunidades iguais para os jovens de todos os distritos, por forma que se acabe com cobranças ilícitas e subornos durante o processo de procura pelo primeiro emprego. “A maioria da população moçambicana é jovem e precisamos de garantir que entram no mercado de emprego de forma digna, conhecendo os procedimentos. Os esquemas de fraude, além de prejudicarem as empresas, transmitem uma imagem negativa do investidor”, alertou. Devido ao histórico de guerra e desastres naturais, como ciclones, a responsável da Contact assinalou que a disponibilidade de Internet e outras infra-estruturas é ainda deficitária em Cabo Delgado, o que pode interferir no acesso à informação. No entanto, recomendou ao sector privado construir relacionamentos sólidos com as comunidades,
“O terrorismo não pode ser só enfrentado sob o ponto de vista militar; é importante implementar acções com impacto social e económico na vida das populações”, António Costa Moura
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compreender a cultura local e viver de perto os desafios da camada jovem. Promover a cidadania e valorizar o capital humano Dados da Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA) revelam que o País vive uma enorme pressão demográfica, decorrente tanto da taxa de crescimento populacional, que é de cerca de 2,5% ao ano, como por via da pressão no mercado de trabalho, que recebe, anualmente, mais de 500 mil jovens candidatos. Para o embaixador de Portugal em Moçambique, António Costa Moura, a criação de emprego justo é uma prioridade para a valorização do capital humano e para haver oportunidades sustentáveis, que garantam um futuro próspero para os jovens que outrora foram afectados pelo terrorismo. A promoção da cidadania, a partilha do conhecimento e a coesão social podem gerar valiosos ganhos para a economia local, assim como influenciar o sucesso do ensino e aprendizagem das gerações vindouras, destacou o diplomata. “O terrorismo não pode ser só enfrentado sob o ponto de vista securitário e militar; é importante implementar acções com impacto social e económico na vida das populações. Há necessidade da criação de iniciativas (como as do +Emprego) que respondam às aspirações dos jovens”. António Costa Moura recordou que Portugal tem estimulado o desenvolvimento do “emprego digno” para que todos estejam qualificados perante as exigências do mercado, sobretudo das grandes empresas que exploram as reservas de gás. “Tendo em conta os excelentes resultados atingidos, o Governo de Portugal assumiu o desafio de lançar, em conjunto, a campanha Empresa +Emprego para fomentar as boas práticas”. www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
A província de Cabo Delgado está a ser afectada por um conflito armado desde 2017. Grupos de rebeldes armados pilham e massacram aldeias e vilas, sendo alguns dos ataques reivindicados pelo autoproclamado Estado Islâmico. O conflito já provocou mais de 4000 mortes e pelo menos um milhão de deslocados, de acordo com um balanço feito pelas autoridades moçambicanas. ESG como factor de inclusão e atracção A expansão das iniciativas e o alcance das metas previstas na promoção de emprego dependem de vários factores, sendo um deles a disponibilidade de financiamento junto dos investidores. A emergência climática e o cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) surgem cowww.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
mo um desafio para as empresas moçambicanas implementarem regras e bases de trabalho dentro das melhores práticas de Governança Ambiental, Social e Corporativa (Environmental, Social and Governance – ESG, na sigla em inglês). Diante deste novo “modus operandi”, João Safara, administrador do Instituto de Soldadura e Qualidade (ISQ) de Portugal, falou sobre “Globalização e a Rota Imparável do ESG”, sugerindo às Pequenas e Médias Empresas (PME), principalmente as da zona norte do País, que olhem “para as questões ambientais como uma obrigação mundial, para que não fiquem à margem do desenvolvimento, nem percam clientes, nacionais ou internacionais”. Mesmo reconhecendo as fragilidades legislativas existentes, o interveniente expli-
cou que é crucial que as empresas se pautem pela sustentabilidade ambiental e inclusão durante os processos de contratação e desenvolvimento de actividades, apostando no envolvimento directo de todos os colaboradores. “A lógica de ESG deve estar dentro da empresa e incorporada no dia-a-dia dos colaboradores, por se tratar de uma temática relevante, principalmente para quem está a iniciar uma carreira. A banca internacional não quer estar relacionada com empresas que não seguem estas normas”, elucidou. São princípios que “abrem novos caminhos, trazem oportunidades de negócio, facilitam a contratação de trabalhadores, geram inovação e diminuem os riscos de má reputação e perda de capital”, concluiu.
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OPINIÃO
Tânia Dinis • Responsável pela Área de Financiamentos de Longo Prazo (CIB) no Banco ABSA Moçambique
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oçambique, uma terra de contrastes, e onde coexistem centros urbanos movimentados com extensões rurais tranquilas, enfrenta uma miríade de desafios, desde o acesso limitado à educação e aos cuidados de saúde até às vias financeiras restritas, principalmente para mulheres desfavorecidas. Neste cenário vivo e enérgico, o investimento de impacto tem potencial para remodelar a dinâmica socioeconómica, permitindo às mulheres rurais redefinir os seus destinos. A narrativa de Moçambique pós-independência, em 1975, está repleta de agitação civil, convulsões políticas e desafios económicos. O acordo de paz assinado em 1992 abriu caminho para um ambiente político e económico estável. Esta transformação posicionou Moçambique como um destino promissor para investimentos estrangeiros, tendo registado, em 2022, um Investimento Directo Estrangeiro de 1,9 mil milhões de dólares (o equivalente a 11,7%% do Produto Interno Bruto). De acordo com o Banco Mundial, após uma recuperação modesta em 2021, o crescimento do PIB acelerou em 2022, atingindo 4,2 %, e deverá acelerar para perto de 6,0 % em 2023, indicando uma economia em ascensão. Aproximadamente 66 % dos 33 milhões de habitantes de Moçambique vivem e trabalham em zonas rurais, confrontando-se com as duras realidades da pobreza, como falta de infra-estruturas e acesso limitado a bens e serviços básicos, apesar de o País ser dotado de amplos recursos, incluindo vastas terras aráveis, abundantes fontes de água, energia e recursos minerais, bem como depósitos de gás natural ao largo da sua costa. As mulheres rurais desempenham um papel essencial em todo este cenário. Muitas vezes como prestadoras de cuidados primários e contribuidoras significativas em todos os sectores-chave. A sua emancipação e capacitação traduzem-se em desenvolvimento comunitário mais amplo. No entanto, as barreiras sistemáticas à educação, aos cuidados de saúde e aos serviços financeiros têm historicamente limitado o seu potencial. Educação: Moçambique tem disparidades de género acentuadas. Dados do Banco Mundial sugerem que as mulheres no País completam, em média, apenas 1,4 anos de esco-
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Uma Perspectiva Sobre o Investimento de Impacto: Desafios e Oportunidades Para as Mulheres Rurais (Ii) laridade, dois anos abaixo da média escolar entre os homens (3,4 anos) e 34% das mulheres rurais concluem o ensino secundário, em oposição a 45% dos seus homólogos masculinos. Como as mulheres moçambicanas são geralmente as responsáveis por cuidar dos seus filhos e da casa, a baixa escolaridade perpetua um fraco sistema de educação e saúde para as crianças. Agricultura: mais de 70% da força de trabalho de Moçambique é agrícola, com uma parcela significativa de mulheres. No entanto, o acesso inadequado às técnicas agrícolas modernas, ao capital e aos mercados inibe o crescimento. É aqui que investimentos de impacto podem catalisar a mudança.
As mulheres rurais desempenham um papel crucial contribuindo em todos os sectores-chave Saúde: o acesso aos serviços de saúde é desigual. As mulheres rurais, por exemplo, enfrentam desafios no acesso aos cuidados de saúde materna. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, Moçambique tem uma das taxas de mortalidade materna mais elevadas a nível mundial, sendo a maioria dos casos provenientes de áreas rurais. Participação Económica: a disparidade salarial entre homens e mulheres persiste. Embora as mulheres constituam uma parte significativa da força de trabalho agrícola, os seus rendimentos são substancialmente inferiores ao dos seus homólogos. Além disso, o seu acesso ao crédito e aos recursos empresariais é limitado. Momentum de Investimento de Impacto: Ao longo da última década, Moçambique atraiu um interesse significativo de investidores de impacto. Os investimentos centram-se predominantemente em sectores como a agricultura, a saúde, a educação e as energias renováveis, beneficiando directamente a população
rural, especialmente as mulheres. Projectos voltados para a agricultura sustentável, agricultura orgânica e as unidades de transformação agrícola ampliaram os rendimentos e também garantiram melhores taxas de mercado, beneficiando as mulheres agricultoras. Investimentos em centros de saúde comunitários e escolas, especialmente em áreas remotas, tornaram os cuidados de saúde e a educação mais acessíveis. Os programas destinados especificamente às raparigas e às mulheres, como a formação profissional e a educação de adultos, têm ganhado atenção. Com vastas áreas rurais fora da rede eléctrica, os projectos de energias renováveis, especialmente a solar, revolucionam o País. Isto facilita a vida quotidiana e ajuda as microempresas lideradas por mulheres. Mais de 200 oportunidades de investimento de impacto no valor superior a 1,5 mil milhões de dólares estão disponíveis em Moçambique, de acordo com a Corporação Financeira Internacional e, embora a dinâmica seja promissora, os desafios persistem. Políticas inconsistentes e obstáculos burocráticos podem dissuadir os investidores. A falta de infra-estruturas básicas em muitas regiões pode impedir a implementação de projectos, e as normas sociais profundamente enraizadas podem, por vezes, dificultar as iniciativas de emancipação das mulheres. Para superar estes desafios, é necessária uma abordagem multifacetada. O investimento em infra-estruturas financeiras e tecnológicas, como a banca móvel, pode ajudar a expandir o acesso aos serviços financeiros nas zonas rurais. Além disso, abordar as normas culturais e os preconceitos de género através de campanhas educativas e de sensibilização é crucial para promover um ambiente que permita a participação económica das mulheres. Uma área-chave onde o investimento de impacto tem um papel significativo é o acesso ao financiamento. Os fundos de investimento de impacto intervêm para colmatar uma lacuna existente em relação ao financiamento comercial convencional. Estes fundos provêm de capital paciente (patient capital) para empresas lideradas por mulheres, permitindo-lhes aceder a recursos financeiros cruciais. Ao concentrarem-se no impacto social e não apenas nos retornos financeiros, estes investidores reconhewww.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
Mais de 70% da força de trabalho no país é agrícola, com uma parcela significativa de mulheres cem o potencial transformador das mulheres rurais como empreendedoras e criadoras de emprego. O investimento de impacto também pode ser alcançado através da colaboração com iniciativas governamentais. Por exemplo, em 2023, o Banco Mundial aprovou um crédito de 300 milhões de dólares para o projecto “Mais Oportunidades em Moçambique”, previsto para decorrer entre 2023-2029. Este projecto está alinhado com a iniciativa de reforma económica de Moçambique (PAE). Introduz , de forma pioneira, um Fundo de Garantia de Crédito para estimular o sistema bancário e facilitar o financiamento às PME, especialmente àquelas pertencentes a mulheres ou àquelas em áreas vulneráveis ao clima. Além disso, visa aumentar as oportunidades económicas, melhorando o ambiente de negócios, ampliando o acesso ao mercado e oferecendo formação e financiamento. Apesar dos desafios previamente mencionados, existem várias iniciativas bem-sucedidas, como é o caso do projecto de revitalização do caju. Em 2020, Moçambique produziu 160 000 toneladas de castanha de caju, tornando-se o quarto maior produtor do continente, depois da Nigéria, Costa do Marfim e Guiné-Bissau. Actualmente, este sector está a ser revitalizado, transformando-se de forma que seja mais sustentável e inclusivo. As práticas agrícolas sustentáveis foram reconhecidas por várias organizações internacionais, como o World Wildlife Fund (WWF). A terra é abundante no País, pelo que o seu potencial de produção permanece largamente inexplorado, apresentando uma oportunidade significativa para se aumentar a produção e competir com os principais intervenientes de vários mercados, a nível mundial. www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
Papel das Instituições Financeiras no Apoio ao Investimento de Impacto em Moçambique Embora os projectos de base e os investidores de impacto externo desempenhem um papel crucial na promoção de mudanças positivas em Moçambique, as instituições financeiras nacionais não podem ser ignoradas. O seu envolvimento sublinha um profundo compromisso com a melhoria socioeconómica e o desenvolvimento sustentável a partir da própria infra-estrutura do País. Mobilização de capital: para corresponder à população jovem e em rápida expansão, que se prevê atingir os 50 milhões até 2040, é necessário gerar 500 000 empregos anualmente. Este é um salto enorme em relação aos actuais 25 000 empregos formais criados todos os anos, exigindo um aumento de 20 vezes. Porém, o sector privado que, em grande parte, é constituído por pequenas e médias empresas, tem dificuldade em oferecer vagas de emprego adequadas. Uma razão significativa para este desafio reside nas barreiras à garantia de recursos financeiros, especialmente ao crédito. No entanto, ao canalizar recursos locais, as instituições financeiras e os bancos em Moçambique têm o potencial de iniciar projectos impactantes, oferecendo empréstimos, créditos e subvenções, garantindo que estas iniciativas tenham o apoio financeiro necessário para começar e durar. Colmatar Lacunas de Conhecimento: embora os investidores externos tragam capital, muitas vezes carecem de conhecimentos locais complexos. Os bancos locais, tendo uma visão do tecido socioeconómico do País, podem orientar estes investidores, garantindo que os fundos sejam canalizados para projectos genuinamente impactantes. Fornecer pro-
dutos financeiros adaptados ao investimento de impacto: reconhecendo o potencial e a importância do investimento de impacto, alguns bancos moçambicanos começaram a elaborar produtos financeiros especificamente concebidos para este nicho. Estes podem variar entre empréstimos especiais com taxas de juro favoráveis para projectos de energia verde até regimes de microfinanciamento destinados a mulheres empresárias. Mitigação de Riscos: as instituições financeiras nacionais também podem aumentar a confiança dos investidores estrangeiros. Com os bancos locais a partilhar alguns encargos financeiros, os investidores externos podem sentir-se mais seguros para direccionar os seus fundos para projectos de impacto em Moçambique. Capacitação e Formação: as instituições financeiras não oferecem apenas apoio monetário. Muitas vezes incluem um conjunto de serviços, tais como programas de capacitação, formação e literacia financeira. Estes são inestimáveis para as comunidades locais e para os empresários, capacitando-os com o conhecimento e as competências necessárias para aproveitar ao máximo os fundos investidos. Advocacia Política: dada a sua posição influente no ecossistema económico, estas instituições também podem desempenhar um papel fundamental na defesa de políticas. Ao influenciar novos regulamentos e quadros legais que favoreçam o investimento de impacto, podem abrir caminho para mais iniciativas deste tipo no futuro. Permitir a inclusão financeira através do microfinanciamento: a falta de acesso a serviços financeiros formais é um desafio significativo enfrentado pelas mulheres rurais em Moçambique. O investimento de impacto em instituições de microfinanciamento permite que as mulheres rurais tenham acesso a crédito, poupança e produtos de seguros adaptados às suas necessidades. Isto permite-lhes iniciar e desenvolver os seus próprios negócios, quebrando o ciclo da pobreza e promovendo a independência económica. Para que Moçambique beneficie verdadeiramente do investimento de impacto, é vital um modelo sustentável que dê prioridade às necessidades locais e aproveite o conhecimento rural. Envolver as mulheres rurais nos processos de tomada de decisão, desenvolver as suas competências e proporcionar-lhes acesso aos recursos necessários pode criar um efeito cascata, beneficiando comunidades inteiras. Moçambique, tal como muitas nações africanas, encontra-se num momento crucial. O investimento de impacto oferece um caminho promissor, especialmente para as mulheres rurais. Ao aprender com modelos de sucesso de outros países em desenvolvimento e ao capitalizar as oportunidades actuais, Moçambique pode preparar o caminho para um futuro mais brilhante e mais inclusivo.
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Mais do Que um ‘Post’
O Poder do Marketing de Influência em Moçambique A popularidade das redes sociais tem “obrigado” as marcas a fazer uma abordagem mais criativa a este novo território de notoriedade por onde deambula o público-alvo. Qual a experiência moçambicana? Começamos o ano com uma visita ao mundo digital de ‘influencers’ e novas tendências Texto Ana Mangana • Fotografia Istock Photo
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lataformas como facebook, tiktok, instagram e youtube transformaram-se em centros de partilha de informação (e desinformação), entretenimento e educação para consumidores, muito além de simples plataformas digitais. Hoje, são meios essenciais para influenciar comportamentos de consumidores, delinear tendências, obter notoriedade. Como resultado, as marcas estão a dar prioridade ao marketing de influenciadores, tornando-o parte crítica de uma estratégia de marketing digital com visão de futuro. Mas o que vem a ser o Marketing de Influência? Antes do mais, é crucial trazer à tona o conceito de influenciador digital, um profissional que produz conteúdos para a Internet, sendo capaz de (como diz o nome) influenciar a sua base de seguidores a partir do seu comportamento. E quando se fala em comportamento, podemos destacar aspectos como as actividades do dia-a-dia, a forma de ver o mundo, assim como (e determinante para os patrocinadores) os produtos que estes seguidores consomem. Ou seja, criadores de conteúdos e celebridades partilham o seu dia-a-dia com os seguidores, influenciando o seu comportamento, levando ao que hoje se designa por “marketing de influência”, uma forma de anúncio pago em que as marcas contratam figuras das redes sociais para promover os seus produtos. O impacto dos influenciadores não se limita a uma única plataforma - o seu alcance pode abranger todas as redes sociais. Na gíria do marketing, os influenciadores digitais dividem-se em cinco categorias, com base no números de seguidores, desde os nano e micro influenciadores (com menos de 50 mil seguidores), até aos mega influenciadores ou celebridades (com mais de um milhão de seguidores). Um artigo publicado pelo portal Resultados Digitais revela que o mercado global de marketing de influência atingiu 16 mil milhões de dólares em 2022, um valor que representa um aumento de 1,7 mil milhões de dólares em relação a 2016. Os números mostram que o sector continua a crescer, o que exige que as empresas estejam atentas às tendências, para atrair os utilizadores das redes sociais.
E o que se passa em Moçambique? O sector do marketing de influência cresceu significativamente nos últimos anos em Moçambique, tornando-se numa das formas mais populares e eficazes de publicidade online. Apesar de também seguir as tendências, em comparação com a média mundial, o País es-
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“A nossa cultura digital ainda está em fase de crescimento, são poucas as pessoas que fazem uso do e-commerce. Ainda estão muito habituadas a ir a um local, comprar e consumir", Celso Zaqueu tá atrasado na expansão das ligações à Internet. Em Dezembro de 2022, o ministro dos Transportes e Comunicações, Mateus Magala, revelou que somente 50% da população tinha acesso a serviços de telecomunicações e apenas 23% beneficiava de serviços de Internet. Com estes números, o mercado de influenciadores digitais no País está ainda num nível baixo, em termos proporcionais, relativamente à população total (que já terá ultrapassado os 30 milhões de habitantes). Enquanto noutros países, os grandes influenciadores digitais conse-
guem atrair a atenção de grandes marcas e até mesmo facturar milhões só com transmissões em directo (‘lives’), em Moçambique, precisam ainda de conquistar a confiança das marcas, que continuam a preferir investir no marketing convencional.
A experiência dos próprios influenciadores digitais Para perceber mais sobre o marketing de influência em Moçambique, a E&M conversou com alguns influenciadores digitais nacionais, que partilharam www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
a sua experiência sobre como é exercer essa função num país com um número proporcionalmente reduzido de pessoas com acesso à Internet e às redes sociais. Sheila Ibrahimo, influenciadora digital e apresentadora de televisão, contou que existem ainda dificuldades na percepção do trabalho de um influenciador digital por parte das marcas. Segundo refere, estas empresas seguem apenas as tendências do mercado, mas ainda não incorporaram o real valor deste tipo de marketing, o que faz com que, muitas vezes, não aceitem investir o valor proposto pelo influenciador para a promoção do seu produto ou serviço. “As redes sociais de um influenciador digital funcionam como uma revista ou um outro meio em que as marcas pagam para que os produtos sejam divulgados”, diz Sheila Ibrahimo. Quem também partilha da mesma opinião - e até toca na necessidade de haver legislação que regule o funcionamenwww.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
to deste mercado - é Madina Abacar, fundadora da agência de influenciadores digitais Medja. “Infelizmente, não temos uma legislação para reger essa carreira de influenciador digital e cada um gere-a à sua maneira”. Este cenário impulsionou a criação da sua agência, que é exclusivamente dedicada à gestão de carreiras online. Sheila Ibrahimo e Madina Abacar aperceberam-se que eram influenciadoras digitais quando viram os seus conteúdos alcançarem um público vasto. Acreditam que já é possível viver apenas como tal em Moçambique, mas ambas têm outras carreiras. Já Ângelo do Rosário Machelewe, popularmente conhecido como Maxh, é um influenciador digital a tempo inteiro. Vive apenas da produção de conteúdos digitais e diz ser a prova de que o mercado dos influencers está a registar um crescimento notável no País. À E&M, revelou que “ser influenciador
digital está a começar agora a fazer sentido, mas ainda é difícil para as marcas apostarem nos influenciadores e investirem no seu verdadeiro valor. A situação tem melhorado, porque já transmitimos mais segurança às marcas e conseguimos mostrar o alcance que temos junto do público”. Para Maxh, é uma questão de tempo até as marcas perceberem que vale a pena apostar num influenciador para a divulgação de serviços, sobretudo olhando ao contacto ‘directo’ (apesar de ser feito online) com o seu público-alvo.
As estratégias das marcas e as dúvidas Para as marcas, a colaboração com influenciadores pode depender de factores como alicerçar o reconhecimento da marca, promover o crescimento das vendas e alargar o alcance, de forma criativa, até novos consumidores. A Pernod Ricard Moçambique, uma das empresas líderes (a nível mundial) na
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NAÇÃO | INFLUENCIADORES DIGITAIS distribuição de bebidas, é um exemplo de organização que já trabalhava com influenciadores digitais e decidiu reforçar a aposta com o eclodir da pandemia de covid-19, em 2020 (prolongando-se até 2022). A decisão foi simples: o uso de smartphones e da Internet também cresceu, pelo facto de as pessoas passarem mais tempo em casa, deixando, assim, a porta escancarada para os influenciadores digitais. “Nós usamos os influenciadores em duas categorias: uma para alcançar, e outra para promover o conhecimento das marcas pelo público, em que o influenciador pode fazer uma determinada campanha de um serviço e ‘convencer’ os seguidores a consumi-lo. Ou levar o seguidor directamente para comprar o produto, através de um código promocional”, explicou Celso Zaqueu, gestor de comunidade da Pernod Ricard na África Central e Austral. Estes códigos, fornecidos pelas marcas aos influenciadores, servem também como
presas conseguem, através dos influenciadores digitais, alcançar públicos novos e maiores que, de outra forma, permaneceriam inexplorados. Além do facto desta estratégia mostrar-se mais económica em relação ao marketing convencional.
O papel das agências O marketing de influência é resultado do crescente uso das redes sociais e da popularidade dos criadores de conteúdos. As agências de publicidade têm como papel mediar as relações entre as marcas e os meios. Com este novo conceito de marketing de influência, surgiram agências especializadas em redes sociais, responsáveis por resolver o lado burocrático dos influenciadores, desde contratos com as marcas até à garantia de entrega de produtos de qualidade. É o caso da Just People Agency, criada há cerca de dois anos por Maíra Fordiani Taímo e Micaella Avelar Tiago. A empresa olha para a área dos influenciado-
“Infelizmente, não temos uma legislação para reger essa carreira de influenciador digital e cada um gere-a à sua maneira”, Madina Abacar métricas, para perceber até que ponto a campanha surtiu efeito. Mas o método mais usado pelas marcas é o do número de seguidores e o nível de alcance das suas publicações - reacções, comentários, partilhas. “A nossa cultura digital está ainda em fase de crescimento, são poucas as pessoas que fazem uso do e-commerce. Ainda estão muito habituadas a ir a um local, comprar e consumir, o que torna um pouco difícil avaliar, através do digital, até que ponto os influencers conseguem trazer mais consumidores para os nossos produtos”, acrescentou Celso Zaqueu. Outra marca que também apostou nos influencers para a divulgação dos seus serviços é a Tap Tap Send, uma aplicação que permite enviar dinheiro da Europa e América para alguns países africanos, incluindo Moçambique. Presente no País há sensivelmente um ano, a empresa revela que, por ser um serviço digital e inovador, decidiu investir no marketing de influência. “A divulgação de serviços através de influenciadores é uma tendência que está a crescer e, num mercado pequeno como o moçambicano, estes conseguem chegar mais rapidamente ao público e interagir directamente com os seus seguidores”. As em-
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res digitais em Moçambique como um negócio com muito potencial, apesar de estar atrasado relativamente aos outros países. Para a agência, um dos principais desafios que se constatam neste mercado é o de convencer as marcas a investirem nos influenciadores digitais, por estas exigirem resultados directos, o que ainda é difícil de se concretizar. “Muitas vendas dos produtos promovidos pelos influenciadores não serão directas, até porque o nosso e-commerce ainda não está muito desenvolvido. Se tivermos links que levam os seguidores directamente a uma loja online para aquisição dos produtos que o influenciador partilha, é mais fácil medir o retorno das campanhas”, afirma Micaella. Mas no País este ainda é um cenário afastado de muitos negócios. “Felizmente, não são só as marcas de dimensão que têm apostado em influenciadores. Quando criámos a agência, trabalhávamos apenas com grandes empresas, mas, hoje, temos PME a solicitarem campanhas”, disse Maíra, realçando que tal representa uma evolução do marketing de influência em Moçambique. Mas não é só a Just People que decidiu entrar neste mercado. A Simply www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
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“Não há ainda eficácia em termos de avaliação dos resultados das campanhas feitas pelos influenciadores digitais. O nosso mercado segue as tendências gerais..." Black, uma agência especializada em meios de comunicação social, decidiu olhar também para os influenciadores digitais. “É importante realçar que o mercado de influenciadores está a crescer em todo o mundo e já é uma importante ferramenta de marketing para muitas empresas”, comentou Jean Claude Burri, country lead da Simply Black. Segundo refere, os influenciadores digitais moçambicanos ainda não estão tão profissionalizados em comparação com a indústria internacional.
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Notam-se algumas dificuldades em produzir e transmitir o conteúdo exactamente como as marcas querem. São problemas que, na sua óptica, podem ser ultrapassados com tempo e experiência, pois a tendência do marketing de influência tem sido de crescimento. “O marketing de influenciadores não é mais uma táctica de marketing opcional, mas sim uma estratégia necessária”, concluiu. A agência DDB, presente no País há mais de 20 anos, considera que “não há ainda eficácia em termos
de avaliação dos resultados das campanhas feitas pelos influenciadores digitais. O nosso mercado segue as tendências gerais, mas precisa ainda de bases para a percepção de funcionamento deste processo”, alerta Vasco Rocha, director-executivo da DDB. Quanto mais tempo passa, mais o mercado cresce, assim como a tendência de reforçar o marketing de influenciadores. O seu conteúdo é visto como a forma mais acessível de divulgação, em que a marca selecciona entre as diferentes categorias de influenciadores e ainda opta por aqueles com os quais realmente se identifica em termos de valores e missão. O custo para realizar campanhas com pequenos influenciadores é, muitas vezes, menor, e nalguns casos é possível estabelecer parcerias e trocas para que o influenciador promova o seu produto. www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
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O peso dos Influencers (Digitais) no Mercado Global A transformação dos mercados já está a acontecer e a grande velocidade. Nos próximos anos, esta mudança será ainda mais acentuada. Vários estudos antevêem que os milhões de dólares hoje gerados pelos influenciadores digitais nos diversos sectores são só uma amostra de receitas futuras. Como é que este processo se vai desenrolar? Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R
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á números que divergem nos vários estudos publicados sobre o poder do mercado global dos influenciadores digitais. Mas não há dúvidas sobre a tendência que esta actividade irá apresentar, pelo menos até 2030. Uma recente publicação da Statista - plataforma global de dados e business intelligence, de origem alemã – estima que o valor de mercado global do marketing de influenciadores terá chegado aos 21,1 mil milhões de dólares no ano que terminou, mais do que o triplo de 2019 (6,5 mil milhões de dólares). “À medida que o endosso ao influenciador continua a amadurecer como uma indústria, o tamanho e o valor das plataformas de marketing do influenciador continuam também a expandir-se a cada ano, tornando as colaborações entre marcas e criadores mais lucrativas do que nunca”, constata a publicação. Já um relatório publicado pelo Laboratório de Inteligência Social – uma comunidade global dedicada a promover o valor dos dados sociais e da Internet como fonte de conhecimento – estimou que o tamanho do mercado global de marketing de influenciadores, que foi avaliado em 4,6 mil milhões de dólares em 2018, possa crescer a um ritmo de 25% ao ano até 2025. “A crescente necessidade das marcas e agências de pro-
moverem ligações mais profundas com os consumidores está a contribuir para esse crescimento. O marketing de influenciadores permitiu que as organizações maximizassem o seu alcance além das práticas de marketing tradicionais”, diz o relatório. Espera-se que as inovações em curso, incluindo os influenciadores virtuais, aumentem a procura destas plataformas. “Um influenciador virtual proporciona uma escalabilidade económica e um maior grau de liberdade criativa, o que ajuda a atingir o cliente certo”, destaca o documento, apontando a indústria da moda como uma das mais interessadas em adoptar influenciadores virtuais nas suas campanhas publicitárias. Até onde poderá crescer o mercado até 2030? O relatório mais exaustivo sobre o futuro desta indústria é da Grand View Research, empresa de consultoria e estudos de mercado, com sede nos EUA, que prevê que o mercado global, que foi avaliado em 14,27 mil milhões de dólares em 2022, deva crescer a uma taxa composta de 33% ao ano até 2030. Isto ficará a dever-se a uma mudança na preferência das marcas, trocando celebridades tradicionais por influenciadores online para suportar os seus produtos. “O marketing de influência está gradual-
Prevê-se que o segmento de gestão de influencers, cuja relevância está na capacidade de identificar os influenciadores certos, registe uma taxa de crescimento de 36,5% entre 2023 e 2030
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mente a tornar-se indispensável para as estratégias de branding convencionais em todas as organizações. É uma amálgama de endossos convencionais de celebridades e estratégias de marketing baseadas em conteúdo”, destaca. O aumento da utilização da Internet para fins publicitários, segundo o relatório da Grand View Research, transformou significativamente os modelos de negócio de várias empresas e proporcionou aos profissionais de marketing novos meios para atingir públicos-alvo. Estas actividades promocionais permitem que aqueles profissionais forneçam anúncios personalizados, melhorando a experiência do cliente. As plataformas de redes sociais, incluindo o Instagram, o Meta (Facebook), o Pinterest e o YouTube (que se projectaram muito durante o confinamento imposto pela covid-19), ganharam e continuarão a oswww.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
Os sectores de maior peso O panorama, basicamente, vai mudar em todos os sectores. Mas existem os que, empurrados pelas mudanças impostas pela covid-19, tenderão a ser dominantes
Moda e estilo de vida Dominaram o mercado, com a maior participação na receita (32,0%) em 2022. Tal pode ser atribuído à crescente adopção do marketing de influenciadores para atender à necessidade crescente de um estilo de vida sofisticado e marcas de moda mais acessíveis. Várias empresas de moda recorrem a influenciadores para anunciar novas roupas e acessórios, mantendo os utilizadores actualizados com as últimas tendências de moda.
Desporto e fitness Deverá registar um crescimento significativo de 35,7% até 2030. O desporto e o fitness são campos altamente visuais e experimentais. As plataformas de marketing de influência oferecem um meio para as marcas mostrarem os seus produtos, equipamentos, vestuário e experiências através de conteúdos cativantes e envolventes. As plataformas de marketing de influência permitem às marcas chegar a um público mais vasto.
Alimentação e entretenimento tentar uma enorme força para o marketing. É por isso que se espera que essas novas formas de branding e promoção aumentem as perspectivas do mercado de plataformas de marketing de influenciadores nos próximos anos. Segmentos e aplicações que serão mais procuradas As soluções de pesquisa e descoberta - que ajudam as empresas a encontrar os embaixadores da marca apropriados, usando dados demográficos, de desempenho e eficácia de conteúdo - ganham terreno. Por exemplo, o HypeAuditor fornece recursos de pesquisa e descoberta de ‘influencers’ para plataformas de media social como TikTok, Instagram e YouTube. Prevê-se que o segmento de gestão de influenciadores, cuja relevância está na capacidade de identificar os influenciadores certos, estabelecer parwww.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
cerias e gerir campanhas em várias plataformas, registe uma taxa de crescimento de 36,5% entre 2023 e 2030. Espera-se, igualmente, que o segmento de análises e relatórios registe ganhos substanciais nos próximos anos, devido à necessidade crescente das empresas em analisar os factores críticos das campanhas de promoção, a eficácia dessas campanhas, a penetração dos conteúdos e o envolvimento dos influenciadores. Esses factores permitem que as empresas alterem o conteúdo de acordo com as suas necessidades. Por exemplo, a Smartfluence é um fornecedor de serviços de análise preditiva que permite aos clientes lidar com os riscos potenciais em campanhas de influenciadores. O peso das pequenas e médias empresas O relatório da Grand View Research prevê igualmente que até 2030 o seg-
Teve uma participação significativa na receita em 2022, considerando a crescente procura por novas e diversas formas de entretenimento, como plataformas OverThe-Top (OTT), torneios de jogos para dispositivos móveis, eventos de música online, etc. O aumento no tempo de utilização durante a pandemia permitiu que as empresas de alimentos e entretenimento implementassem o marketing de influenciadores para promover novos conteúdos e eventos online.
FONTE Grand View Research
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NAÇÃO | FMI PERSPECTIVAS Um mercado que cresce exponencialmente É a avaliar pela evolução que o mercado mundial dos influenciadores digitais apresentou nos últimos sete anos que se projecta o sector como sendo ainda mais robusto Peso do mercado de marketing de influência em todo o mundo (2016-2023) em mil milhões USD
2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023 Prev.
1,7 3 4,6 6,5 9,7 13,8 16,4 21,1 FONTE Statista
Em África, os gastos com anúncios no mercado de influenciadores devem atingir 159,9 milhões USD em 2023. O crescimento deve ser de 10,84% resultando num volume de mercado de 267,5 milhões USD até 2028
mento das pequenas e médias empresas (PME) aumente 35,2%, com base na crescente colaboração de empresas de menor tamanho com os chamados micro e nano-influenciadores (de pequena dimensão) para criar consciência de marca e trazer tráfego para o seu site, a preços acessíveis. Entretanto, várias organizações de grande escala restringiram as suas actividades comerciais durante a pandemia. Posteriormente, reduziram o seu orçamento de publicidade, criando uma procura por ferramentas de promoção mais recentes e fazendo da Internet um canal de marketing primário. Além disso, estas empresas têm um número considerável de seguidores nas re-
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des sociais, o que pode ajudá-las a aumentar o envolvimento através de influenciadores e a desenvolver relações comerciais eficazes. América e Europa no topo América e Europa são os mercados que têm mais peso na transformação que o mercado de influenciadores digitais já sofreu e poderá testemunhar até 2030. A América do Norte dominou o mercado até agora, com a maior participação na receita (30,3%) em 2022. Tal pode ser atribuído, principalmente, a um maior envolvimento do consumidor nas redes sociais e plataformas de streaming nos Estados Unidos, especialmente durante a pandemia, à medida que as
pessoas viviam em isolamento social. Esta realidade, por sua vez, permitiu que as empresas usassem o marketing de influenciadores para promover os seus produtos e serviços. Nos próximos anos, espera-se que a região da Ásia-Pacífico registe o ritmo de crescimento mais acelerado (36,5%). É uma região com comércio electrónico em grande expansão, impulsionado pela crescente adopção de smartphones, melhor conectividade de Internet e mudança no comportamento do consumidor. Prevê-se, igualmente, que a Europa cresça a uma taxa de 31,9% até 2030, com o aumento da adopção de práticas de branding por marcas de moda proeminentes. Sobre África, o relatório da Grand View Research não fornece dados, mas a Statista revela que os gastos com anúncios no mercado de publicidade de influenciadores devem atingir 159,9 milhões de dólares em 2023. Estima igualmente um crescimento de 10,84% ao ano, resultando num volume de mercado projectado de 267,5 milhões de dólares até 2028. www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
RADAR ÁFRICA
Nigéria
Acções de fintechs são estrelas na bolsa
Duas das acções nigerianas cotadas em bolsa que mais deram que falar em 2023 são de empresas que se reinventaram como fintechs num mercado que clama por inclusão financeira, com muitos consumidores sem contas bancárias. A Chams (chamsplc.com) conquistou o título de “melhor desempenho no mercado
da Nigéria”. Uma história de sucesso conseguida depois de obter licenciamento para poder operar em pleno, em 2022. Já a Computer Warehouse Group multiplicou o seu valor por sete. O aumento realça as oportunidades para o sector num país com uma das menores densidades de agências bancárias.
Zimbabué
Recorrer à platina para amortizar dívida O Zimbabué está a recorrer às receitas das exportações de platina para liquidar um empréstimo de 400 milhões de dólares do Banco Africano de Exportação-Importação. A dependência do país dos seus recursos sublinha a dificuldade que enfrenta para obter dinheiro de financiadores internacionais. As finanças do Zimbabué estão sobrecarregadas com uma dívida de 18 mil milhões de dólares, continuando a ser uma nação inelegível para financiamento de credores multilaterais, incluindo o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Africano de Desenvolvimento.
África do Sul
Solar é o único remédio Banco Mundial
Levar electricidade a 100 milhões em África O Banco Mundial prepara-se para financiar com cinco mil milhões de dólares projectos capazes de levar electricidade a 100 milhões de pessoas em África até ao final da década, de acordo com o presidente da instituição. Ajay Banga destacou a ambição como um exemplo de como pretende utilizar fundos da Associação Internacional de Desenvolvimento (parte do banco), que fornece empréstimos concessionais (juros baixos ou à taxa zero) para países de baixo rendimento, num apelo à continuação de apoio dos países doadores.
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Há residentes nas maiores economias da África Subsaariana a seguir um perfil energético mais amigo do ambiente, mas não é por opção. É mesmo por não terem outro remédio. Na África do Sul, que tem sofrido interrupções programadas diárias no fornecimento de electricidade desde 2008 (chegam a durar mais de dez horas por dia), muitos procuram um backup. www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
Quénia
Europa promove Greening Financial Systems
O Banco Europeu de Investimento e o Banco Central do Quénia lançaram uma nova iniciativa de boas práticas de financiamento climático. O objectivo é reforçar o envolvimento das instituições financeiras quenianas em investimentos relacionados com o clima, permitir que os bancos comerciais mobilizem financiamento climático e reforçar a resiliência dos sistemas financeiros quenianos. “O programa de assistência técnica queniano, com a duração de dois anos, é o primeiro do género a ser implementado na África
Oriental ao abrigo do Programa Amigo do Ambiente dos Sistemas Financeiros, promovido pelo Banco Europeu de Investimento (BEI), financiado pelo Governo alemão através do Fundo Internacional para a Iniciativa Climática (Fundo IKI)”, anunciou a União Europeia. O programa Greening Financial Systems ajudará os bancos e as instituições financeiras quenianos a “catalisarem novos financiamentos para projectos verdes e avaliarem, monitorizarem e comunicarem melhor os riscos relacionados com o clima”.
Quénia
Descartados títulos soberanos em dólares A decisão do Quénia de descartar planos de emissão de títulos soberanos em dólares deixou 2023 sem uma única oferta internacional de uma nação da África Subsaariana. Este deserto no mercado financeiro mostra o impacto desproporcionado que as taxas de juro mais elevadas dos EUA estão a ter no continente, à medida que o aumento dos custos dos empréstimos obriga os governos africanos a apertar cintos, reestruturar dívidas ou procurar financiamento alternativo.
Tanzânia
BAD apoia Banco de Desenvolvimento Agrícola
Assim, a procura por painéis solares para produção de energia está a crescer. Em 2023, as importações de painéis fotovoltaicos, baterias e inversores aumentaram quase 50% em relação a 2022. E a África do Sul nem é caso único: na Nigéria, prevê-se que a tecnologia cresça sete vezes até 2030, segundo uma previsão da Bloomberg. www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
O Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) aprovou um empréstimo de 66 milhões de dólares ao Governo tanzaniano para aumentar o capital do Banco de Desenvolvimento Agrícola da Tanzânia (TADB). O projecto da Fase II do TADB receberá também 950 mil dólares em assistência técnica da iniciativa Acção Financeira Afirmativa para as Mulheres em África (AFAWA), “a fim de impulsionar o acesso ao financiamento e dar apoio às mulheres nas cadeias de valor agrícolas”, anunciou o banco. O Programa de Aceleração da Adaptação em África (AAAP) prestará assistência técnica adicional no valor de 250 mil dólares. Este montante destina-se a apoiar a gestão dos riscos climáticos, ajudar o TADB a avaliar o perfil de risco climático da sua carteira e a desenvolver as ferramentas, metodologias e capacidades necessárias para integrar práticas de empréstimo resistentes ao clima.
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M&F | ÁFRICA OUTLOOK
As Cinco Tendências da Economia Africana Para 2024 Dinamismo económico, riscos políticos e de segurança, endividamento externo, pressões inflacionistas e depreciação das moedas são as cinco tendências que este ano irão marcar o continente africano, refere um relatório da Economist Intelligence Unit (EIU). Os analistas dizem que Moçambique é um dos países que poderá ser pressionado a reestruturar a sua dívida externa em 2024 Texto Jaime Fidalgo • Fotografia D.R
A
classificação dos 100 maiores bancos de África é publicada anualmente pela revista “The Banker” e ordenada segundo o indicador Tier 1 Capital, o critério mais utilizado em todo o mundo para a análise da solvabilidade do sector bancário. A lista deste ano continua a ser liderada pelos megabancos sul-africanos Standard Bank, FirstRand (e a sua marca de retalho FNB – First National Bank) e Absa, apesar de todos terem registado um declínio dos rácios de solidez (o referido Tier 1 Capital), sendo o Absa o único deste trio que viu os seus activos (medidos em dólares) crescerem. O relatório Africa Outlook 2024 da Economist Intelligence Unit (EIU, divisão de pesquisa e análise do Economist Group) afirma que este novo ano será marcado pela oportunidade resultante do forte crescimento económico que irá ocorrer na maioria dos países africanos. Mas não faltam ameaças, entre as quais se destacam, mais uma vez, os riscos políticos, com eleições de desfecho incerto em vários países, e os riscos de segurança, com conflitos armados em aberto, sobretudo na região do Sahel. Os riscos financeiros também estão presentes, sob a forma de pressão no pagamento dos juros da dívida externa – além de persistirem tensões inflacionistas e de desvalorização da moeda. As cinco tendências que irão marcar o continente em 2024, para o melhor e para o pior, são as seguintes:
1. Dinamismo económico. África será o continente com o segundo maior crescimento à escala global, depois da Ásia. A EIU estima que a média do PIB tenha crescido 2,6% em 2023 e alcance 3,2% em 2024. Prova disso é o facto de África albergar 12 das 20 economias mais dinâmicas do mundo, destacando-se, em particular, a região Oriental (Etiópia, Quénia, Uganda, Ruanda, Tanzânia e RDC). Pela negativa, o Sudão e a Guiné Equatorial vão manter-se em recessão económica. A EIU prevê que Moçambique seja a 17.ª economia mais dinâmica do mundo e a décima com melhor desempenho em África, depois do Senegal, Mauritânia, Líbia, Ruanda, Costa do Marfim, RDC, Benin, Uganda e Etiópia. De referir que, segundo as últimas previsões do FMI, o PIB de Moçambique irá crescer 5% este ano (abaixo da estimativa de 7% para 2023, mas acima dos 4,2% registados em 2022). 2. Riscos políticos e de segurança. No final de 2023, ocorreram eleições presidenciais relevantes no continente (Egipto, Madagáscar e RDC) e, em 2024, vão ocorrer eleições legislativas, de desfecho incerto, em muitos países africanos, casos da África do Sul, Argélia, Botsuana, Gana, Maurícias, Moçambique, Namíbia, Ruanda e Tunísia, o que gerará riscos políticos acrescidos. No caso da poderosa África do Sul, espera-se que o ANC, partido liderado pelo presidente Cyril Ramaphosa, possa vencer, mas por
Economias ricas em petróleo como Angola e Nigéria deverão sofrer picos de inflação ao longo do ano, podendo ultrapassar a barreira dos 20%
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CINCO SECTORES DA ECONOMIA MAIS PROMISSORES EM 2024 Construção - O sector irá continuar a beneficiar de uma enorme lista de novos projectos, assim como de outros já em curso, designadamente na área da energia, assim como na expansão das infra-estruturas de transportes e no reforço da electrificação (aumento de capacidade de produção e prolongamento das redes de transmissão). Transportes e logística - O sector será impulsionado pelo aumento da procura doméstica, incremento das redes logísticas regionais e transfronteiriças, assim como pelo comércio internacional. Turismo, viagens e hotelaria - Alguns países são tidos como os destinos mais promissores para o turismo em 2024. O Norte de África, em particular, já ultrapassou os níveis pré-pandemia e a tendência de recuperação dos investimentos e das receitas deverá manter-se. Sector extractivo - Da mineração aos combustíveis fósseis e às energias renováveis, África vive um excelente momento no sector devido à conjugação do aumento da procura e dos preços. Tecnologias de informação e comunicação - O aumento do investimento estrangeiro por parte dos grandes operadores, os processos de digitalização nos sectores público e privado e as rápidas taxas de adopção da tecnologia por parte dos consumidores explicam o optimismo.
FONTE Economist Inteligence Unit
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A EIU prevê que Moçambique seja a 17.ª economia mais dinâmica do mundo e a décima com melhor desempenho em África, recordando que o FMI projecta um crescimento do PIB em 5% este ano uma pequena margem, sem maioria, o que obrigará a coligações com pequenos partidos. No capítulo dos riscos de segurança, a região do Sahel está marcada por golpes de Estado e conflitos armados no Sudão, Níger, Guiné, Chade, Mali e Burquina Faso, os três últimos com eleições presidenciais em 2024. 3. Endividamento excessivo. Muitos países enfrentarão sérios constrangimentos de liquidez que derivam do pagamento de juros das dívidas externas agendado para 2024. O Quénia, por exemplo, é um dos mais expostos a um potencial incumprimento (default), dado que terá de pagar, entre outros compromissos, dois mil milhões de dólares de eurobonds em Junho. A Zâmbia só agora concluiu um longo (desde o default de 2020) e intricado acordo de reestruturação da dívida com os
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credores, em particular com os chineses. A EIU prevê que outros países como a Etiópia, Gana, Maláui, Moçambique, Somália, Sudão e Zimbabué possam necessitar de reestruturar a dívida soberana. Segundo o FMI, Moçambique terá fechado 2023 com uma dívida pública de 89,7% do PIB, que crescerá para 92,4% em 2024, muito acima da média regional de 59,7%. 4. Pressão inflacionista. Após os níveis de inflação-recorde atingidos em 2022 e 2023 nalguns países africanos (Angola, Seicheles, Sudão e Tanzânia são os mais evidentes), a pressão inflacionista parece estar finalmente a diminuir em todo o mundo e também em África. No entanto, segundo os analistas da EIU, em 2024 ainda haverá um número significativo de economias com taxas de inflação a dois dígitos. Os casos
mais prováveis são os de Angola, cuja inflação poderá duplicar para os 22,3%, e o da Nigéria, que poderá chegar a 23%. Mas também a RDC, Etiópia, Egipto, Gana, Nigéria, Sudão e Zimbabué (este último com uma inflação galopante, a chegar a 222%) terão pressões inflacionistas severas, fruto, em grande medida, da escalada dos preços do petróleo. O FMI prevê que Moçambique reduza a taxa de inflação dos 7,8% estimados para este ano para 6,5% em 2024, acima da média regional de 4,9%. 5. Depreciação das moedas. A pressão para a desvalorização das moedas locais face ao dólar irá manter-se em 2024, especialmente nos países com elevadas taxas de inflação. Em 2023, as moedas da África do Sul, Namíbia e Botsuana foram as que mais perderam, mas o caso mais grave é o do Zimbabué, um país altamente dependente do dólar e onde se admite, talvez em 2024, a plena adopção do chamado “ouro digital” (gold-backed digital tokens), o que fará desvalorizar ainda mais a moeda local. Também o Egipto, Sudão, Etiópia, Angola e Nigéria poderão ter depreciações superiores a dois dígitos durante este ano. www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
1. Retrato da economia africana em 2024
3. Eleições mais relevantes em África, 2024
Maioria dos países vai crescer, excepto Sudão e Guiné Equatorial
Moçambique e África do Sul estarão em foco no este ano
crescimento do PIB em %,
Tunísia Argélia Mauritânia Senegal
Chade
Burquina Faso
Sudão do Sul
Gana GuinéBissau
Ruanda
Namíbia
Botsuana Maurícia
África do Sul
Eleições
Sem dados
Moçambique
2. As economias mais dinâmicas do mundo
5. Países onde a moeda perde valor
Doze países africanos, entre os quais Moçambique, no top 20
Zimbabué é o país onde a depreciação será mais forte
crescimento do PIB em %,
0
variação em % do valor da moeda local face ao dólar
5
10
15
20
25
30
Guiana Macau Senegal Mauritânia Líbia Ruanda Anguila C. do Marfim Fiji Camboja Samoa RDC Benim Uganda Bangladesh Etiópia Moçambique Togo Maldivas Tanzânia
nenhum dado
4. Os campeões africanos da inflação Nigéria e Angola terão inflação a dois dígitos em 2024 taxa de inflação média em %,
115% 50 40 30 20 10 0 Sudão
Zimbabué Etiópia
Egipto
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Nigéria
Maláui Serra Leoa
Gana
Angola
S. Tomé e Príncipe
RDC
Burundi
Gâmbia
FONTE Economist Inteligence Unit
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OPINIÃO
Vicente Bento • Managing Partner, Insite
N
a actual era digital em que vivemos, os influenciadores desempenham um papel fundamental na criação de opiniões, atitudes e comportamentos em diversos sectores, destacando-se como agentes de mudança cultural e social. A influência desses indivíduos transcende já fronteiras geográficas e atinge audiências em todo o mundo. Seja no âmbito do entretenimento, da cultura, da moda ou do lazer, estas pessoas exercem uma influência significativa nos seus seguidores, podendo catalisar discussões importantes e inspirar acções concretas. Veja-se o caso de Greta Thunberg, uma activista climática sueca que ganhou destaque global ao liderar o movimento estudantil Fridays for Future. O papel de alguns destes influencers digitais nas decisões das Cimeiras do Clima organizadas pelas Nações Unidas tem sido bastante importante, já que podem amplificar as discussões e resultados desses eventos, tornando-os acessíveis e compreensíveis para um público mais amplo. Na mais recente COP realizada no Dubai em Dezembro de 2023, quando tudo parecia perdido e não se vislumbravam sinais de um verdadeiro compromisso para reduzir emissões de gases com efeito estufa, eis que, nos últimos dias, os países presentes declararam a sua intenção de abandonar os “combustíveis fósseis” e fazer uma Transição Energética Justa de forma que alcancem os objectivos climáticos definidos no Acordo de Paris. Pode não ter sido tudo obra dos “influencers”, mas sem dúvida que os protestos exercidos pelos activistas ambientais nos media durante as duas semanas da Cimeira ajudaram a criar pressão e a fazer com que os países tomassem decisões responsáveis para o futuro do Planeta e de todos nós. Ao traduzir informações complexas em mensagens acessíveis, os influenciadores facilitam a compreensão das questões climáticas para um públi-
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Que Papel Podem Ter os Influencers Digitais no Combate Climático co diversificado. Seja explicando os impactos das decisões políticas nas emissões de carbono ou destacando a importância das metas estabelecidas durante as cimeiras, eles ajudam a construir uma base de conhecimento que incentiva a acção individual e colectiva. Através dos seus canais de comunicação, podem criar um senso de urgência e incentivar a participação cívica e o apoio em medidas eficazes para combater as alterações climáticas.
Ao colaborarem entre si e com organizações ambientais, os influenciadores digitais podem criar sinergias poderosas para amplificar as suas mensagens. A criação de campanhas conjuntas e a promoção de acções de sensibilização ambiental pode intervir de forma significativa na comunidade Além da divulgação de informações, os influenciadores digitais têm a capacidade de pressionar líderes e governos a implementarem medidas e acções climáticas mais robustas e concretas. De salientar que foi a primeira vez em 30 anos de negociações climáticas que o termo “abandonar os combustíveis fósseis” surgiu no relatório final de uma COP, marcando o início do fim de uma era. Contudo, nem tudo foram boas notícias nesta COP 28. As opiniões dividiram-se. Os países produtores de petró-
leo lutaram contra a opção da “eliminação progressiva dos combustíveis fósseis” que constava nas versões anteriores do relatório a ser publicado, enquanto os activistas ambientais defendiam a inclusão desse texto no documento final, assim como a necessidade de tornar mais claro para a população como é que o mundo vai financiar esta enorme operação que consiste em transitar de uma energia fóssil para uma energia limpa. Nesse sentido, a transparência e autenticidade dos influenciadores são essenciais para o esclarecimento das pessoas que os seguem. É, pois, importante que ao apoiarem decisões específicas, devam fazê-lo de maneira informada, evitando discursos superficiais que possam minar a credibilidade da causa ambiental. A integridade é crucial para manter a confiança do público e garantir que a mensagem sobre a urgência das alterações climáticas seja recebida com seriedade. Ao colaborarem entre si e com organizações ambientais, os influenciadores digitais podem criar sinergias poderosas para amplificar as suas mensagens. A criação de campanhas conjuntas, a promoção de acções de sensibilização ambiental pode impactar significativamente a comunidade. A união de esforços demonstra a força colectiva na busca por soluções climáticas globais. Em conclusão, os influenciadores digitais desempenham um papel multifacetado e vital na luta contra as alterações climáticas e no apoio às decisões das Cimeiras do Clima. A sua capacidade de educar, mobilizar, pressionar por acções concretas e promover mudanças práticas faz deles catalisadores fundamentais na procura por um futuro mais sustentável para todos. A parceria entre influenciadores, organizações e líderes mundiais é essencial para enfrentar os desafios climáticos globais de maneira eficaz e colaborativa. Estarem todos estes intervenientes de costas voltadas, não é bom para ninguém. Que venha a COP 29 no Azerbaijão! www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
SHAPERS | PAUL KRUGMAN
O Poder de Uma Ordem: “Acabem com Esta Crise Já!” Paul Krugman, Nobel de Economia de 2008, é por muitos pares considerado uma “mente brilhante”. As razões são várias, mas, seguramente, terá peso especial a preocupação em apontar caminhos para a resolução de crises económicas graves e prolongadas, além da capacidade de chamar os governos à razão Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R
“
A
cabem com Esta Crise Já!”, um sucesso de vendas do economista norte-americano Paul Krugman, publicado em 2012, é um autêntico apelo às armas do Nobel da Economia perante a profunda recessão que tinha começado em 2008 e ainda durava. Como o autor referia nesta obra, as nações ricas em recursos, talentos e conhecimento, que possuem todas as condições para gerar prosperidade e um padrão de vida decente para todos, tinham chegado a um estado que acarretava imenso sofrimento para os seus cidadãos. E as questões que se colocavam eram: “como é que chegámos a este ponto? Como é que ficámos atolados no que agora só pode ser considerado como uma das maiores depressões desde 1929? E, acima de tudo, como é que nos podemos libertar dela?” Krugman respondeu a estas perguntas com a perspicácia que lhe é característica: uma recuperação rápida e forte estava apenas a um passo, se os nossos líderes encontrassem a “clareza intelectual e vontade política” para acabar com a depressão. Como é o pensamento de Krugman? Um dos admiradores de Paul Krugman é o economista português Avelino de Jesus, que é também professor universitário no Instituto Superior de Economia e Gestão de Lisboa (ISEG). Num artigo em que descreve o pensamen-
to de Krugman, Avelino de Jesus refere que a sua obra económica é de um rigor e honestidade intelectuais notáveis. Destaca o seu papel na reanálise da teoria tradicional do comércio internacional. Liderou um grupo de economistas que, no fim dos anos de 1970 e na década de 1980 do século XX, mostraram que medidas proteccionistas podem ser uma medida importante para países em desenvolvimento construírem uma base industrial. Para Avelino de Jesus, as consequências políticas da nova teoria do comércio internacional tornaram-se rapidamente claras: o livre comércio deixa de ser a solução natural, dando lugar, agora, a um proteccionismo capaz de suscitar e desenvolver economias de escala. “Nesse sentido, Krugman, bem como a generalidade dos economistas que contribuíram para o aperfeiçoamento dos modelos da nova teoria”. O que diz, essencialmente, a geografia económica de Krugman? Antes de Krugman, o comércio internacional era explicado pela teoria das vantagens comparativas, segundo a qual os países têm vantagem em especializar-se nas suas actividades mais produtivas, desde que consigam obter os restantes produtos através do comércio. Assim, todos os países saem a ganhar, porque a especialização permite-lhes obter ganhos de produtividade e o comércio permite-lhes obter
Krugman critica asperamente, de entre a classe dos economistas, aqueles que se resignam à situação de uma economia depressiva com elevados níveis de desemprego e custos sociais insuportáveis
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os produtos em que não se especializaram a um preço mais barato. Mas esta teoria não explica porque é que países muito semelhantes trocam entre si produtos muito semelhantes (por exemplo, porque é que Moçambique vende milho ao Maláui e vice-versa). Paul Krugman explicou o que se passa: o aumento do mercado global para cada produto permite ganhos de escala e acesso dos consumidores a uma maior variedade de origens. Por exemplo, os moçambicanos podem produzir uma grande quantidade de milho (e logo mais barato), porque este também é vendido para o Maláui e o recíproco também é verdade. O comércio permite que ambos os povos possam optar entre o milho de um país ou do outro. O trabalho de Krugman sobre a geografia económica tenta também explicar a concentração da população mundial nas cidades e o porquê da concentração de actividades económicas parecidas nos mesmos locais. Isto pode ser justificado, precisamente, pelas economias de escala e pelos custos de transporte reduzidos. Preços de transporte baixos incentivam a concentração de várias indústrias num mesmo local, produzindo cada vez mais, a gerar empregos, promovendo o aumento de salários e com uma maior diversificação de produtos. Este fenómeno atrai população. O aumento da população torna a região mais atractiva para a instalação de novas indústrias, o que, por sua vez, alicia ainda mais população, num ciclo que se alimenta e cresce. Foco na solução de crises Outro admirador de Krugman é o economista português Emanuel Augusto dos Santos, que foi secretário de Estado-adjunto e do Orçamento entre 2005 e 2011 e que, actualmente, é www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
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BIOGRAFIA DE PAUL KRUGMAN
Nasceu a 28 de Fevereiro de 1953, na cidade de Albany, Estados Unidos. Após terminar o ensino básico, Krugman pensou em seguir para o curso de História, todavia, acabou por optar pela Faculdade de Economia e concluiu a graduação na Universidade de Yale. Posteriormente, tornou-se PhD na área pelo Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT). Durante parte da carreira, Krugman leccionou nas universidades pelas quais se havia graduado e especializado, e seguiu também a carreira de professor pela Universidade de Princeton e pela Universidade de Stanford. Entre 1982 e 1983, foi membro do Conselho de Economistas da Casa Branca, durante o governo de Ronald Reagan. Krugman é também autor de 20 livros e de mais de 200 artigos.
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consultor do Banco de Portugal. “A sua vasta obra, as suas lições de economia em reputados institutos e universidades, como o MIT, Yale, Standford, Berkeley, Princeton e na London School of Economics, e as suas múltiplas intervenções públicas fazem de Paul Krugman um economista incontornável do nosso tempo”. Para o consultor do Banco de Portugal, ao longo dos 13 capítulos que compõem o livro “Acabem com Esta Crise Já!”, Krugman procura encontrar, mais do que identificar, as causas da crise de 2008 e o caminho para dela se sair. “E o que é chocante, quase revoltante, é que as soluções estão ao nosso alcance. Faltará apenas clarividência, honestidade intelectual e vontade política para as pôr em prática. Temos o conhecimento, um legado de muitas gerações de economistas, e os instrumentos de política monetária e de política orçamental para atacar e acabar com a depressão em que a crise financeira internacional nos mergulhou, mas,por falta de acção dos nossos políticos, não o fazemos”, constata o economista português. Krugman critica asperamente, de entre a classe dos economistas, aqueles
que se resignam à situação de uma economia depressiva com elevados níveis de desemprego e custos sociais insuportáveis, refugiando-se no preconceito doutrinário e ignorando as lições da história económica. Um dos episódios mais marcantes do último século foi a Grande Depressão de 1930, cuja resposta em termos de teoria económica fez nascer a obra “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, de John Maynard Keynes. Krugman não tem dúvidas quanto à actualidade das considerações que Keynes fez em relação à situação da economia naquela época e também quanto ao acerto das suas recomendações de política para debelar os graves problemas causados pela depressão. Através de citações contundentes, o autor desafiou os economistas e as pessoas com influência e poder na economia e na política a tomarem posição e a agir depressa para sair da crise de 2008.
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Hack4Moz: A Tecnologia ao Serviço da Agricultura E se os agricultores puderem conversar com uma aplicação moçambicana de Inteligência Artificial que “olha” para as plantas? Ou usar uma outra para prevenir pragas? Estudantes e aspirantes a programadores demonstraram as ideias num evento promovido pela Agência de Desenvolvimento Geo-Espacial. TEXTO Nário Sixpene • FOTOGRAFIA D.R.
É
irrefutável que, nos dias que correm, a tecnologia pode desempenhar um papel preponderante e em vários aspectos do agro-negócio moderno, visando aumentar a produtividade dos campos, ao mesmo tempo que utiliza uma abordagem de gestão inteligente. Em várias partes do mundo, a tecnologia já ajuda os agricultores a aumentar rendimentos, sem precisarem de alargar o espaço de produção. Estas práticas não passam despercebidas aos olhos de jovens entusiastas em tecnologia. E disto nasceu uma paixão que, no mesmo espaço, um chamado ‘hackathon’ (encontro de programadores), reuniu jovens moçambicanos que vão procurar mapear, identificar e solucionar os diversos problemas que afligem os pequenos agricultores nas áreas rurais de Moçambique. Antes do mais, o que é um ‘hackathon’? É uma maratona de programação que pode durar entre 24 horas a três dias, num termo que resulta da combinação das palavras inglesas “hack” (no sentido de programar de forma excepcional) e “marathon” (maratona). Nestes eventos, os participantes têm a oportunidade de criar ideias e colocá-las em prática através da programação, com o intuito de concorrer a prémios, conhecer outros profissionais da área, trocar ideias ou participar num
projecto colaborativo, num ambiente específico de programação. O que torna especial um evento desta natureza é a colaboração face a um desafio, uma espécie de magia intangível que ocorre sempre que um grupo de pessoas focadas num único objectivo se junta para atingir uma finalidade específica. No fim, fazem uma apresentação perante um júri. Claro que nem todas as ideias são vencedoras e aqui entra, de facto, o mais essencial dos aspectos: tem de ser uma boa ideia! Os méritos do processo ‘hackathon’ são assumidos pela indústria tecnológica e não faltam eventos do género levados a cabo por empresas bem conhecidas. Tal é o caso da Netflix, que realiza vários ‘hack day’ ao longo do ano, com o objectivo de criar novos caminhos para o seu serviço. Há também casos de grandes negócios que surgiram em competições de programação acelerada. É o caso da GroupMe, uma aplicação de mensagens de texto que foi criada durante a feira TechCrunch Disrupt, em 2010, e que recebeu mais de 10 milhões de dólares em investimento - tendo sido depois comprada pela Microsoft e integrada na família Skype, gerando, até hoje, mais de 80 milhões de dólares em volume de negócio. Outra ‘app’ famosa nascida num ‘hackathon’ é a EasyTaxi, uma espécie de uber brasileiro, que começou inicialmente como um programa de monitorização de autocarros, mas tornou-se no projecto
O que torna especial um evento desta natureza é a colaboração face a um desafio, uma espécie de magia intangível que ocorre sempre que se junta um grupo de pessoas focadas num único objectivo
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vencedor do Startup Weekend Rio em 2011. A dupla de criadores conquistou investidores, a aplicação chegou a mais de 30 países e 420 cidades e foi vendida por muitos milhões de dólares. A maratona Hack4Moz A 3.ª edição da Hack4Moz foi organizada pela Agência Nacional de Desenvolvimento Geo-Espacial (ADE) com o apoio do Standard Bank, a Higest, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a comunidade de programadores de Moçambique (Mozdev) e a empresa que vende matérias-primas agrícolas AQI. Esta edição decorreu nos dias 17, 18 e 19 de Novembro, na incubadora de negócios do Standard Bank, em Maputo, com o objectivo de idealizar uma plataforma digital para partilha de informação, conhecimento e colaboração entre as entidades intervenientes na cadeia de valor da agricultura. Foi neste contexto que programadores, estudantes de engenharia de informática (na sua maioria) e alguns autodidactas com paixão pela programação, organizados em 11 grupos compostos por cinco elementos (no total eram mais de 50 jovens programadores), foram desafiados a criar soluções inovadoras focadas na área da agricultura. “Juntámo-nos para realizar mais uma edição de uma maratona que existe desde 2019, e o foco é procurar soluções para resolver problemas reais. Sabemos que temos uma comunidade bem grande de programadores e desenhadores gráficos, de cerca de 400 pessoas, que estão disponíveis para desenvolver soluções para a nossa vida. Com esta iniciativa, pretendemos juntá-los e permitir que as entidades ou os sectores que têm problemas, cujas soluções dependam de uma solução tecnowww.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
lógica, possam usar as ideias destes jovens”, explicou Marlene Mendes Manave, responsável pela área de desenvolvimento de negócios e relações institucionais da ADE. No caso desta maratona, o objectivo é alcançar soluções moçambicanas. No local, estiveram cerca de 55 pessoas, entre rapazes, raparigas e alguns adultos, que resultam de uma selecção feita a cerca de 250 candidatos que responderam ao convite endereçado pela organização. “Esta maratona tem que ver com a cadeia de valor da agricultura. Procurámos jovens que já tivessem, de alguma forma, participado em projectos do sector. Esse foi o método de selecção. Por outro lado, também olhámos para as propostas de inovação e seleccionámos 55. Esperamos ter aqui os melhores candidatos para uma corrida de três dias, sem parar, à procura de soluções a partilhar com o sector, com vista ao desenvolvimento agrícola”, assinalou a responsável. www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
A ADE está envolvida por ter a “responsabilidade” de promover uma “produção harmonizada de dados”. “Só com informação e dados é possível saber qual é a melhor orientação a dar aos projectos. O objectivo é ter um conceito ou, pelo menos, um protótipo do que pode ser uma plataforma de colaboração entre todos os actores da agricultura”. Depois do evento, espera-se que as soluções sejam desenvolvidas, sendo responsabilidade da ADE procurar apoios e recursos para os jovens seleccionados darem continuidade à ideia. “Porquê a agricultura?” Alexandra Antunes, em representação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) – que oferece assistência técnica à ADE –, destacou o papel do Laboratório de Aceleração daquela agência das Nações Unidas, um parceiro que tem colaborado para o sucesso da iniciativa. “Estamos num país em que cerca de 70% a 80% da população tem a agricultura como ba-
se para a sua subsistência. Daí vermos a importância desta área para o desenvolvimento sustentável de Moçambique. Queremos, com este ‘hackathon’, tentar perceber, efectivamente, que tipo de soluções podem ser geradas”, referiu. O vice-ministro dos Transportes e Comunicação, Amilton Alissone, que também proferiu algumas palavras na ocasião, explicou que agricultura é um sector vital para a economia de Moçambique, sustentando que grande parte da população contribui significativamente para o Produto Interno Bruto (entre 23% e 25%, de acordo com dados do Governo moçambicano). No entanto, a forma como as informações relacionadas com a cadeia de valor agrícola são disponibilizadas faz com que este sector enfrente desafios significativos que podem prejudicar a sua eficiência, equidade e sustentabilidade. “A disponibilização de dados e informações actualizadas e de qualidade, acessíveis e interoperáveis, é essencial para orientar políticas e programas,
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Espera-se que as soluções sejam desenvolvidas, sendo responsabilidade da ADE procurar apoios e recursos para os jovens seleccionados darem continuidade à ideia atrair investimento, melhorar as práticas agrícolas e garantir a melhor distribuição da produção”, apontou. O governante sublinhou ainda que, “com esta maratona, a expectativa é ver fortalecida a comunidade de inovadores de produtos tecnológicos e geoespaciais, ao mesmo tempo que se promove um ambiente de inovação e colaboração entre entusiastas de soluções tecnológicas”. Soluções inovadoras Mesmo antes de as equipas se envolverem em trabalhos de concepção das plataformas tecnológicas, a E&M conversou com representantes de duas equipas que nos deram uma luz sobre aquilo que iriam fazer ao longo dos dois dias da maratona. Olinda da Costa, representante do grupo Agritech Innovators, que, além de estudante, é já técni-
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ca de suporte informático em programação EP, pretende adquirir “muita experiência”, trocar ideias “com os colegas da área e conseguir desenvolver uma plataforma que possa ajudar a resolver alguns dos problemas do sector agrícola”. “A ideia que trazemos está virada para a falta de informação no sector. Queremos trazer novos agricultores para a área, principalmente os jovens”, com uma plataforma baseada em Inteligência Artificial (IA) que disponibilizará uma área de conversa a que qualquer pessoa pode aceder para obter informações sobre como fazer a sua plantação. “Com a mesma tecnologia, faremos com que os agricultores possam ter fotos das suas plantas processadas, através da IA, para dar detalhes sobre o estado das mesmas. Ao mesmo tempo, a plataforma irá emitir alertas sobre
o mau tempo, para que os agricultores possam preparar-se”, explicou Olinda da Costa. Outro participante, Ailton Baúque, estudante de tecnologias de informação, integra um grupo que pretende criar uma plataforma que identifica pragas e mostra aos agricultores como podem prevenir-se, enquanto sugere o que deve ser feito aos produtos que estejam a sofrer um ataque. “Durante os dois dias da maratona, pretendemos criar um protótipo da plataforma para que seja a mais eficiente possível e conquiste a opinião do júri. Esperamos vencer e, acima de tudo, ver a nossa plataforma ganhar vida e ajudar os agricultores nacionais”, revelou o programador. E porque, neste momento, aquilo de que o País mais precisa são soluções disruptivas para responder às necessidades básicas de desenvolvimento, acaba por fazer sentido o cruzamento de uma área tão recente e promissora e um sector tradicional como a agricultura. Do lado dos programadores, acredita-se que as soluções criadas terão feito a ponte entre as duas áreas. www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
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OPINIÃO
João Gomes • Partner @BlueBiz
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em este artigo na continuidade do texto “A Armadilha da Comoditização” (Parte 1)1.
Convido o meu leitor@ a responder à pergunta: que estratégias utilizar para combater a “Armadilha da Comoditização?” Vejamos sucessivamente: - Estratégias de combate à armadilha da Comoditização; - Riscos e desafios da (Des)comoditização; - Efeitos positivos e contras da (Des) comoditização; - Acções concretas para a (Des)comoditização; - Políticas públicas de apoio à (Des) comoditização em África; - Conclusão. A. Estratégias de combate à armadilha da Comoditização2, riscos e desafios O combate à comoditização faz-se… (Des)Comoditizando serviços e/ou produtos. Na tabela seguinte, sintetizo as características, riscos e desafios da (Des)comoditização.
B. Efeitos positivos da (Des)comoditização Efeitos para as Empresas 1. Maior Margem de Lucro: as empresas que conseguem (Des)comoditizar os seus produtos/serviços geralmente podem cobrar preços mais altos, o que resulta em maiores margens de lucro; 2. Competitividade Sustentável: ao se diferenciarem da concorrência, as empresas podem criar uma vantagem competitiva sustentável, tornando-se menos susceptíveis às pressões de preços.
No contexto africano, a (Des)comoditização pode catalisar o crescimento económico, criação de empregos de qualidade e atracção de IDE
Lentes de análise
Produto/serviço Comoditizado
Foco
No produto e no preço
Diferenciação
Genérico, sem diferenciação
Permutabilidade
Facilmente substituível Brand loyalty baixo ou inexistente Baixo ou inexistente valor percebido
Fidelização da clientela Percepção de valor
Grau de inovação Controlo, posicionamento e volatilidade do preço Estratégias e competição baseados em: FONTE Análise do Autor
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Estratégias de Combate à “Armadilha da Comoditização” (Parte 2)
Produto/Serviço (Des)Comoditizado No serviço e na experiência do cliente Diferenciado, com elevado grau de personalização De difícil substituição Os clientes são embaixadores Alto valor percebido
Uma combinação de inovação no modelo de negócio, no Sem inovação processo, no produto, na tecnologia e inovação social Controlo do preço inexistente. Alto controlo do preço. Preço Preço baixo e muito volátil alto e muito estável Eficiência: Alto volume, baixo Valor: Investimento em I&D, e muito volátil preço, baixas baixo volume, preços altos, margens (Oceano Vermelho) margens altas (Oceano Azul3)
3. Fidelização de Clientes: produtos/ serviços (Des)comoditizados podem criar uma base de clientes mais fiel, pois os clientes vêem um valor distinto na oferta da empresa. Efeitos para os Estados 1. Diversificação da Economia: os Estados que promovem a (Des)comoditização estão em melhor posição para diversificar as suas economias, reduzindo a vulnerabilidade a choques económicos; 2. Criação de Empregos: sectores de maior valor agregado, muitas vezes associados à (Des)comoditização, podem criar empregos de maior qualidade e mais bem remunerados; 3. Atracção de Investimentos Directos Estrangeiros (IDE): a (Des)comoditização pode atrair investimentos directos estrangeiros em sectores de alto valor agregado. Efeitos para os Indivíduos 1. Acesso a Produtos e Serviços de Maior Qualidade: indivíduos podem beneficiar do acesso a produtos e serviços de maior qualidade associados à (Des)comoditização; 2. Melhor Qualidade de Vida: a criação de empregos de maior qualidade e a diversificação económica podem levar a uma melhoria geral na qualidade de vida; 3. Aumento das Oportunidades de Carreira: a (Des)comoditização pode abrir novas oportunidades de carreira em sectores de maior valor agregado, incentivando a educação e o desenvolvimento de competências. C. Contras da (Des)comoditização Mas nem tudo são rosas na jornada para a (Des)comoditização. 1. Custos Mais Elevados: (Des)comoditizar envolve, muitas vezes, investimentos significativos em Investigação e Desenvolvimento (I&D) e marketing, o que pode aumentar os custos; 2. Risco de Aceitação de Mercado: a introdução de algo novo e diferente pode não ser bem recebido pewww.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
Nem tudo é fácil no processo de (Des)comoditização. Os custos, por exemplo, são elevados
lo mercado, o que pode resultar no agravamento do risco de aceitação; 3. Resistência Interna: a transformação para a (Des)comoditização pode encontrar resistência interna de colaboradores e departamentos acostumados a abordagens mais tradicionais.
E. Políticas Públicas de apoio à (Des) comoditização em África As políticas públicas de estímulo à (Des)comoditização, promovidas por governos africanos, podem variar de acordo com as circunstâncias específicas de cada país, mas algumas iniciativas e exemplos notáveis incluem:
D. Acções concretas para a (Des)comoditização Um interessante estudo de caso sobre a cadeia de valor do café na Tanzânia ajuda-nos a concretizar um conjunto de acções práticas bem-sucedidas de (Des)comoditização, no sentido de evitar aquilo a que chamei de “efeito tesoura”2.
1. Promoção de Cadeias de Valor Agrícola: muitos países africanos estão a incentivar a diversificação agrícola e a criação de cadeias de valor para agregar valor aos produtos agrícolas. Por exemplo, o Gana tem apoiado a produção de cacau de alta qualidade e o fabrico de produtos de cacau, como chocolate, para exportação; 2. Desenvolvimento do Sector de Tecnologia: alguns países africanos estão a promover o sector de tecnologia e inovação para criar produtos e serviços de alto valor agregado. Por exemplo, o Quénia é conhecido pelo seu ecossistema de tecnologia inovadora, especialmente em fintech; 3. Educação e Capacitação Técnica: investimentos em educação e treino técnico são fundamentais para desenvolver uma força de trabalho capacitada para sectores de alto valor agregado. Por exemplo, o Ruanda tem feito progressos notáveis nesse sentido, com destaque para o investimento em educação técnica; 4. Incentivos: oferecer incentivos para empresas que investem em actividades de descomoditização, como incentivos financeiros e/ou isenções fiscais para a indústria manufactureira, exportadora ou tecnológica.
1. Diferenciação do Produto Desenvolva atributos únicos do produto/serviço que diferenciem a sua oferta das alternativas comoditizadas. Isso pode envolver melhorias na qualidade, design ou funcionalidade; 2. Construção da Marca Crie uma identidade de marca forte que comunique uma proposta de valor clara e ressoe com os consumidores. Isso inclui o desenvolvimento de uma história de marca, logótipo e mensagens atraentes; 3. Experiência do Cliente Proporcione experiências excepcionais ao cliente através de atendimento personalizado, conveniência e capacidade de resposta; 4. Posicionamento de Preços Em vez de competir apenas pelo preço, considere posicionar o seu produto como uma oferta premium, enfatizando o valor único que ele proporciona. www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
F. Conclusões Este artigo é a continuação do texto “A Armadilha da Comoditização (Parte 1)”. A (Des)comoditização oferece às empresas a possibilidade de alcançarem margens de lucro maiores, sustentabilidade competitiva, expansão de mercado e fidelização de clientes. Esses benefícios resultam da diferenciação dos produtos ou serviços, foco na qualidade e inovação e de uma abordagem centrada no cliente. Contudo, nem tudo são rosas na jornada da (Des)comoditização. Os custos elevados, a complexidade operacional e os riscos de não aceitação pelo mercado são desafios inerentes a este processo, exigindo investimentos significativos em I&D, marketing e educação do cliente. No contexto africano, a (Des)comoditização pode catalisar o crescimento económico, diversificação económica, criação de empregos de qualidade e atracção de IDE, beneficiando os Estados, as empresas e os indivíduos. As políticas públicas desempenham um papel crucial neste contexto, promovendo cadeias de valor agrícolas, incentivo ao sector de tecnologia, educação e facilitação do acesso ao mercado global. São exemplos de acções concretas para a (Des)comoditização, ilustradas pelo estudo de caso da cadeia de valor do café na Tanzânia, a diferenciação do produto, a construção da marca, garantia da qualidade, foco na experiência do cliente e posicionamento de preços. Estas acções são essenciais para as empresas que buscam diferenciar-se e obter sucesso no dinâmico ambiente de negócios africano.
Publicado na Revista Economia & Mercado, edição de Novembro de 2013. 2 Definição de Comoditização: Na 1.ª parte deste artigo adiantei uma definição de comoditização, destacando que esta se refere a produtos e serviços i) sem características distintivas (genéricos e sem diferenciação); ii) frequentemente percebidos como altamente permutáveis (facilmente substituíveis); iii) o que leva a uma competição baseada em alto volume e, principalmente, iv) em baixo e muito variável preço (volátil), v) com baixas margens. Tudo combinado, estes efeitos vi) colocam grandes desafios de viabilidade de longo prazo aos negócios comoditizados. A este conjunto integrado de propriedades apelido de “efeito tesoura”. 3 Referência ao livro “A Estratégia do Oceano Azul”, de MAUBORGNE, Renée, KIM, W. Chan. 4 UMSCHEID, Marc, “De-commoditization of Differentiated Products: The case of the Tanzanian coffee sector”, ISBN: 978-3659651615 (2016). 5 IDE: Investimento Directo Estrangeiro. 1
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CEO TALKS | PETER BLENKINSOP
“Os Bancos Servem Para Apoiar a Economia, Não o Esqueçamos” O CEO do FNB Moçambique, Peter Blenkinsop, fala de um “ano desafiante” para o banco, lamenta a manutenção das elevadas taxas de juro e o impacto para a banca da transição para o novo sistema electrónico da Euronet. Ainda assim, mantém-se optimista quanto ao futuro do banco e relativamente ao crescimento económico do País Texto Pedro Cativelos • Fotografia Mariano Silva & IstockPhoto
O
FNB Moçambique tem vindo a mudar e, não sendo ainda um banco sistémico, longe disso, é notória a grande ambição de crescimento que se nota no processo de transformação em curso no banco que, recentemente renovou todo o seu ecossistema digital (online banking), bem como a própria marca, sinais de que a estratégia implementada “está a começar a dar frutos”, assinala o CEO da instituição, Peter Blenkinsop. Antes de avançarmos, que balanço faz de 2023? Olhando para o mercado financeiro em Moçambique, o ano passado foi desafiante. O banco central introduziu diversas medidas e surgiram factores inesperados. O banco é um promotor do crescimento económico, mas, como disse, foi um ano de desafios. Quais foram esses factores inesperados, por esta altuda do ano passado? Para começar, todos estão cientes do aumento do índice das reservas obrigatórias, implementado pelo banco central. Isso atinge imediatamente a rentabilidade: um banco paga 5% a 6% pelos seus fundos e tem de pegar em 39% para colocar junto do banco central. É uma perda real de liquidez. Calculamos que, para cada 100 meticais que poderíamos emprestar, precisaríamos de arrecadar 274 meticais, dos quais a maior parte é improdutiva, não rende nada. Está no banco central. Isto realmente perturbou
a lucratividade do banco em 2023 e, o que é mais preocupante, para mim, é o efeito indirecto na economia. Significa que os bancos, para recuperarem o custo dos fundos, têm de cobrar taxas mais elevadas pelos empréstimos. Por isso, quando emprestamos à economia real, calculamos que deveria ter havido um aumento de cerca de 10% nas taxas de juro, mas, em grande medida, os bancos absorveram isso. Estas dificuldades têm repercussões no desempenho da economia? Numa economia que já está em dificuldades, como a de Moçambique, precisamos de ser honestos: empurrou significativamente para trás o ambiente corporativo. Numa perspectiva de empréstimos, o endividamento empresarial diminuiu, o endividamento de retalho aumentou. E é muito provável que os empréstimos que aumentaram tenham servido para financiar o consumo e o estilo de vida dos particulares — o que, na minha opinião, deveria ser resultado do afrouxamento das taxas de juro de política monetária, que é o mecanismo que liberta recursos para a economia crescer. Na minha perspectiva, foi uma medida muito dura para a economia. Acredito que precisa de ser muito bem pensada pelo Comité de Política Monetária do Banco de Moçambique.
Outra questão foi a migração acelerada dos cartões bancários para a rede Euronet, processo já entretanto concluído. Como viu este processo? De facto, repentinamente surgiu o im-
“Um banco é um mecanismo de transmissão de dinheiro, é nisso que somos especialistas e acredito que é essa a nossa mais-valia, o nosso serviço à economia deve ser esse”
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perativo de acelerar a migração para a Euronet. Nem acho que tenha sido uma decisão severa do banco central, pois sabemos que, se dermos a alguém um prazo de oito meses para cumprir uma tarefa, é provável que o faça em 12. Então, chegou um momento em que teve de se “puxar o gatilho”. Só que isso aconteceu num ano difícil. Teria sido óptimo num ano em que não tivéssemos de lidar com o atraso da economia, taxas de juro elevadas e ainda com a enorme queda nos lucros devido às reservas obrigatórias. Esperamos que o pior já tenha passado e que as regulamentações que estão a ser aprovadas fiquem prontas, deixando a economia crescer. Tendo em conta as necessidades de inclusão financeira, como é que os bancos se devem posicionar nos próximos anos, em Moçambique? Devemos lembrar-nos que um banco é um mecanismo de transmissão de dinheiro na economia e é para isso que serve, é nessa área que somos especialistas. Há, em minha opinião, muita pressão aplicada incorrectamente sobre os bancos. Por exemplo, não somos especialistas em inclusão financeira, nem em movimentar economias de pessoas que não estão incluídas no processo produtivo. Então, comecemos pelo conceito, para percebermos melhor: o banco é o dinheiro disponibilizado pelos investidores para prestar um serviço à economia. E quando um investidor é forçado a fazer muitas actividades que estão fora da sua estratégia, isso começa a levantar questões sobre se vale a pena investir. Não quero com isto dizer que os bancos não devam trabalhar na inclusão financeira, mas é preciso pensar muito mais sobre como distribuir essa carga, também para especialistas das áreas sociais, sem colocar tudo apenas nas mãos dos bancos comerciais que não têm essa vocação ou orientação. www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
Entrando um pouco no ecossistema FNB, já disse que o ano passado foi difícil, mas apresentaram um novo logótipo, aplicação, website e outros serviços. O que é que isso significou para o banco? O FNB está numa posição muito boa, em comparação com os anos anteriores. Lançámos uma aplicação móvel e, pela minha avaliação, é a melhor do mercado. Esperamos ser o banco mais seguro nos próximos anos, aquele que dá confiança. Já somos uma instituição segura, mas seremos ainda mais. Estamos a tentar optimizar os processos. Nós elevámos o nosso capital humano a patamares em que nunca esteve, para aumentar o seu nível de aptidões. Estou muito confiante com o futuro do FNB, depois de um ano em que muita coisa nos foi tirada. Apesar de os resultados financeiros ainda não terem sido divulgados, devem, ainda assim, ser bastante lucrativos. Isto é uma ruptura com o passado quando, mesmo nos anos bons, éramos deficitários. Seja como for, há um grande caminho a percorrer, temos energia, paixão e sintonia entre a equipa de liderança e outras mais abaixo. Lembro-me de uma conversa que tivemos, em 2022, sobre o gás. Dizia www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
que era um recurso indispensável. Como olha hoje para o sector? Todos sabemos que Moçambique está bem posicionado como potência para fornecer uma fonte de energia de transição, o gás natural liquefeito (GNL). Eu mantenho a visão de que Moçambique está numa posição brilhante para se sair bem, desde que as autoridades façam o que está correcto. Qual é o grande objectivo do FNB no País? Qual é a vossa estratégia para os próximos dois a três anos? Penso que podemos desempenhar um papel muito importante. Tal como o GNL é um combustível de mudança, o FNB pode ser um banco de transição. Um dos fundamentos da nossa estratégia reside no facto de estarmos numa posição privilegiada. Seguimos o caminho da digitalização, e os nossos clientes podem fazer mais coisas sem terem de ir aos balcões. Existe um estilo mais antigo, um sistema que depende muito de serviços demorados e dispendiosos, mas penso que essa é a estratégia errada. Num futuro próximo, o mundo vai exigir que viajemos menos, que passemos menos tempo nas agências e que sejamos mais digitais. Como tal, penso que o FNB
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Peter Blenkinsop É CEO do FNB Moçambique desde Junho de 2020, onde chegou depois de quase três décadas de experiência bancária. Juntou-se ao FirstRand Group, o proprietário a 100% do FNB Moçambique, através da sua subsidiária RMB em 1999. Esteve no RMB como Chefe Global de Risco e Conformidade até 2009 e como director-fundador, tesoureiro e Chief Risk Officer do RMB Nigéria de 2013 a 2019. Trabalhou também para o Citibank na capacidade de gestão de risco e no HSBC e NBS Bank (agora parte do Nedbank) na capacidade comercial do mercado de capitais e como analista financeiro quantitativo. Antes, já tinha trabalhado na previsão da procura e carga na eléctrica sul-africana Eskom e como professor de Estatística Matemática na Universidade de Rhodes. Peter tem um B.Sc em Matemática e Estatística pela Universidade de Rhodes e um MBA em Finanças da Manchester Business School.
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“Moçambique está bem posicionado como potência para fornecer uma fonte de energia de transição, o gás. Mantenho a visão de que o País está numa posição brilhante para se sair bem” está muito bem posicionado. Temos um historial comprovado de sucesso na implementação dos nossos projectos, e creio que podemos tirar partido disso e tornarmo-nos num banco digital líder de mercado. Como projecta 2024 nas vertentes económica, social e institucional? As eleições presidenciais trazem uma enorme incerteza e vão determinar a política a seguir. Mas, pessoalmente, penso que há uma série de ministérios no Governo que são muito competentes. Precisamos de pegar neles e tentar descobrir como alargar o âmbito, como dar a esses ministérios a influência adequada. Esse aspecto não é ditado pelos eleitores, mas sim por aquilo que é bom para o País, mais numa perspectiva política. Em termos de crescimento, as previsões para 2024
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são boas para o País. Mas, se tirarmos o gás, o crescimento vai ser muito baixo. Falta diversificação da economia? Sim. Por exemplo, Moçambique deveria ser o centro absoluto do turismo da África Austral, mas ainda não é. A pergunta que deveríamos fazer é: se o Governo vai investir em estradas e infra-estruturas, como é que encorajamos os turistas a virem para cá e a estarem seguros e felizes? Este é um país seguro, de um modo geral. Mas há desafios quando se viaja aqui dentro. É este tipo de coisas que precisa de ser resolvida. Por isso, gostaria de ver um PIB mais diversificado. Seria sinónimo de verdadeiro desenvolvimento sustentável. Como vê as questões da sustentabilidade e ESG [governança ambiental,
social e corporativa] e como é que os bancos se devem posicionar em relação a estes novos temas? A nossa situação, dentro do FNB, é afortunada. Provavelmente, mais do que a da maioria, porque o nosso grupo-mãe fez muita investigação, muito trabalho e está muito empenhado naquilo a que chamamos ‘prosperidade partilhada’. Dentro dela está a componente de ESG. Em 2022, o nosso director-executivo disse que “só crescemos se a comunidade crescer, e a comunidade só cresce se nós crescermos”. Isto significa que temos de levar estas questões ambientais muito a sério. Pessoalmente, gostaria muito que os abundantes recursos naturais fossem utilizados com este ângulo. Nessa perspectiva, temos uma grande oportunidade para mudar vidas, financiando-as. Grande parte do dinheiro é entregue a bancos offshore, por razões que não compreendo muito bem. O Governo deveria impor 60% financiado localmente, 40% financiado offshore. Ou então, se um grande banco quiser entrar e lucrar com o financiamento ESG, graças a conhecimentos especializados, que entreguem esses conhecimentos aos bancos locais. www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
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especial inovações daqui 64
MOZGPT
Ao abrir a possibilidade de estender as funcionalidades do ChatGPT para outros utilizadores e objectivos, a tecnológica norte-americana OpenIA criou espaço para os inovadores moçambicanos adaptarem a ferramenta às necessidades específicas do País. O turismo serve de palco para as primeiras experiências. Saiba o que está a mudar.
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DUMBANENGUE
A ideia criada por um jovem moçambicano para prever preços de bens alimentares
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PANORAMA
As notícias da inovação em Moçambique, África e no Mundo.
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Um ChatGPT Moçambicano Com a Ambição de Mudar o Turismo A OpenAI, criadora do ChatGPT, lançou uma funcionalidade chamada “GPTs” que permite aos utilizadores desenvolver os seus próprios assistentes de Inteligência Artificial, com propósitos pré-configurados. Esta extensão dá a possibilidade de adaptar a ferramenta e já está a fazer despertar ideias inovadoras em Moçambique. TEXTO Ana Mangana • FOTOGRAFIA D.R.
A
ndré Tenreiro e Rui Lousã, jovens moçambicanos, profissionais da área de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), aproveitaram a possibilidade criada pelo ChatGPT com o lançamento da funcionalidade GPTs para “nacionalizar” aquela que é uma das ferramentas de Tecnologias de Informação e Comunicação (IA) mais conhecidas do mundo. Decidiram criar o MozGPT, uma versão vocacionada para responder a questões relacionadas com o turismo em Moçambique, a cultura local, percursos, praias, culinária, monumentos e história do País. Ou seja, é um guia turístico interactivo com base em IA. “A ideia de criar algo no campo da IA e na área do turismo surgiu numa conversa com o Rui Lousã que, tal como eu, é um moçambicano e também profissional das TIC. Ambos acreditamos ser possível usar esta tecnologia (IA) para apoiar o turismo no nosso País”, conta André Tenreiro. “Moçambique tem imenso potencial ainda por ser explorado. Temos belíssimas praias, de dimensão mundial, biodiversidade e natureza, uma culinária rica, com muita fusão cultural, e, claro, a simpatia do nosso povo. Como moçambicano, gostaria de dar a conhecer, lá fora, o melhor que o nosso
país tem para oferecer”, esclareceu. No entanto, para já, para ter acesso ao MozGPT é necessário que o utilizador tenha uma conta paga no ChatGPT e aceder ao link bit.ly/MozGPT – estando nos planos que o serviço seja gratuito dentro em breve. Assim, num cenário em que a transformação digital está a moldar as indústrias e a impulsionar as economias em todo o mundo, Moçambique adiciona o seu nome aos países que vão testando as novas ferramentas de IA. Imaginar aplicações, sem limites Para André Tenreiro, o sector ainda está em fase inicial de desenvolvimento. “Profissões tradicionais, como professores e médicos, são indispensáveis no nosso país. Contudo, a tecnologia pode ser um complemento valioso, auxiliando na optimização de recursos, especialmente quando são limitados”, realça. E acrescenta: “a tecnologia tem potencial para melhorar indicadores nacionais, como a literacia, por meio de ferramentas como ‘explicadores digitais’ que auxiliam na aprendizagem extracurricular”. A utilização de IA pode também “facilitar o acesso a serviços de saúde personalizados e contribuir para a inclusão financeira, com informação educativa e
“Creio que ainda há um grande potencial inexplorado no MozGPT. Este sistema pode ser ampliado através da integração com outros ecossistemas digitais”, André Tenreiro
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INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
planeamento personalizado. O Governo também pode usar a tecnologia para disseminar informações actualizadas de maneira interactiva”. Para Tenreiro, a extensão dos benefícios da IA para servir o progresso do País é limitada, apenas, pela capacidade de imaginar e implementar soluções. “Creio que ainda há um grande potencial, inexplorado, no MozGPT. Este sistema pode ser ampliado através da integração com outros ecossistemas digitais, oferecendo informações em tempo real e actualizadas sobre conteúdos locais. Isso inclui dados sobre disponibilidade e reservas de alojamento, voos, informações sobre entretenimento em todo o País, orientações para transportes, previsões meteorológicas, opções de menus, reservas de restaurantes e muito mais”, concluiu.
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pode levar”, disse o CEO da PHC, Ricardo Parreira. A Cris nasceu em Portugal e já está a ser usada em Espanha, Cabo Verde e Angola. Agora, chegou a Moçambique. “É como colocar o ChatGPT dentro do nosso software, com um pequeno, mas grande detalhe: a protecção de dados. Nenhuma empresa quer que outras organizações saibam das suas vendas ou conheçam os seus pontos fracos, nem mesmo os fortes”. Ao usar a tecnologia da PHC, a empresa garante protecção para que os dados que são usados por IA não sejam aproveitados para treinar outros motores do mesmo tipo de tecnologia. É uma diferença importante em comparação com o uso de aplicações públicas de IA, em que os dados lá colocados são usados, de facto, para treinar o modelo. A PHC tem, actualmente, mais de um milhão de utilizadores e mais de 160 mil pessoas a usar as suas linhas de software, diariamente. Mas como funcionam os modelos personalizados? A personalização dos chatbots de IA é o caminho para uma nova era de interacção. Além de atender a pedidos, a tecnologia compreende e adapta-se, construindo relações digitais duradouras. Pelo mundo fora, os chatbots ganharam terreno numa variedade de sectores,
as exigências de consumidores cada vez mais exigentes. IA ao serviço das empresas Ao compreender e abraçar o potencial da IA, as empresas podem aspirar a melhores ligações digitais com o público, proporcionando experiências personalizadas que transcendem as expectativas. Por exemplo, no panorama turístico actual (tal como acontece na inovação a que já nos referimos neste artigo e que está a ser desenvolvida pelos jovens moçambicanos), a tecnologia desempenha um papel fundamental na criação de experiências mais ricas e personalizadas para os viajantes. Neste contexto, o ChatGPT está a emergir como uma ferramenta capaz de transformar a forma de planear, viver e recordar viagens. Ao integrar o ChatGPT em plataformas de reserva, websites de agências de viagens, redes sociais e aplicações móveis, as empresas podem oferecer assistência instantânea e personalizada aos viajantes. Desde a fase de planeamento, em que o ChatGPT pode criar itinerários personalizados com base nas preferências individuais, até à experiência de viagem propriamente dita, em que actua como um guia virtual (fornecendo informações e dicas locais), a presença deste assistente alarga significativamente o horizonte de possibilidades.
“Estamos perante uma tecnologia que vai mudar as regras, vai mudar a tecnologia, vai mudar a forma como nós trabalhamos e ainda só estamos a começar...”, Ricardo Parreira Chatbots personalizados transformam o mundo empresarial Ainda no contexto de personalização e integração da IA, a PHC Software, uma multinacional portuguesa dedicada ao desenvolvimento de soluções de gestão, apresentou a assistente virtual Cris. Desde a compilação e análise de dados até ao preenchimento de formulários, a assistente virtual é capaz de criar soluções automáticas, feitas à medida de cada fluxo de trabalho. A Cris abre um mundo de eficiência acrescida aos gestores, adaptada à realidade de cada organização. “Estamos perante uma tecnologia que vai mudar as regras, vai mudar a tecnologia, vai mudar a forma como nós trabalhamos e ainda só estamos a começar. Portanto, estou muito entusiasmado com o caminho que isto tudo www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
desde o serviço de apoio a clientes, até à assistência virtual em plataformas digitais complexas. No entanto, é através da personalização que se descobre uma nova dimensão de eficácia e envolvimento. Ao contrário dos seus antecessores estáticos, quando personalizados, os chatbots transcendem a mera resposta automática. Compreendem o contexto da conversa, reconhecem padrões e aprendem com cada interacção, oferecendo respostas que reflectem a personalidade da marca ou que se adaptam às peculiaridades de cada utilizador. Estas aplicações de IA ajustam-se ao histórico de interacções e preferências do utilizador, criam uma sensação de serviço exclusivo, tornando as conversas mais fluidas e assertivas. Esta capacidade de adaptação é crucial para satisfazer
A barreira linguística também poderá ser mais facilmente ultrapassada. A capacidade do ChatGPT em responder a questões em várias línguas facilita a comunicação com turistas estrangeiros. Além disso, a presença nas redes sociais e plataformas de mensagens permite um contacto constante e interactivo, gerando uma relação mais próxima. Este avanço tecnológico tem potencial para simplificar processos, ajudar a poupar tempo e enriquecer viagens, tornando-as mais personalizadas, informativas e agradáveis. À medida que são exploradas as inovações que a IA traz para o turismo, torna-se claro que não é apenas uma ferramenta tecnológica, mas um catalisador para uma transformação mais profunda na forma como vivemos e desfrutamos de aventuras em todo o mundo.
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STARTUP
DUMBANENGUE
Finalista Aventura-se na Previsão de Preços de Alimentos A ambição criadora levou um jovem moçambicano finalista a partilhar no GitHub o código-fonte para uma aplicação de previsão de preços de alimentos. Um exemplo de como a criatividade pode impulsionar as novas tecnologias a dar resposta às necessidades fundamentais de uma sociedade em desenvolvimento TEXTO Ana Mangana • FOTOGRAFIA D.R.
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erco Zau Zau, estudante finalista da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), criou uma plataforma de previsão de preços de produtos alimentares que, a cumprir com a sua ambição, pode ser revolucionária na forma como encaramos e planeamos as nossas despesas. “Desde criança que sonhava ser cientista. Tudo o que faço é dedicado à ciência e inovação”, contou à E&M. Agora, com estudos na área da informática, trabalha muito com dados disponíveis na Internet. “Encontrei um ‘dataset’ [conjunto de dados] sobre os preços dos alimentos, disponibilizado publicamente pelo Programa Alimentar Mundial (PAM)”. Foi com esses dados que decidiu aventurar-se na criação de um programa para prever preços. “Comecei a fazer a análise, e o algoritmo foi saindo, assim mesmo, até nascer o Dumbanengue”, que na língua tsonga (changana) significa “mercado informal”. Tendo em conta os vários factores de contexto que determinam a variação de preços dos produtos, “o algoritmo funciona com regressão linear”, ou seja, pega nos dados que lhe dão e procura num gráfico, ao longo do tempo, que valores são válidos para as mesmas variáveis de contexto. O modelo que Herco Zau Zau está a testar também se baseia em dados passados para reconhecer padrões sazonais e tendências, como períodos de seca ou chuvas intensas, que tiveram impacto na produção e nos preços. A actual versão do modelo concentra-se na estimativa de preços, sem considerar explicitamente as tendências da procura e oferta. No entanto, com os dados disponíveis, é viável projectar essas tendências. Zau Zau admite que a ferramenta ainda tem de ser aperfeiçoada e acredita que nas futuras versões essa funcionalidade possa ser incorporada. Como utilizar? O projecto está guardado num repositório do GitHub, em github.com/HercoZau-
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Zau/Dumbanengue e, pegando no código e colocando-o a funcionar, começa por pedir ao utilizador que indique onde está. Neste caso, há que seleccionar a província (a previsão dos preços é feita ao nível provincial), o tipo de alimento e, por fim, o mês e o ano para o qual se pretende antever o preço. O modelo não tem um limite de tempo definido para as previsões. “Pela natureza dos modelos de previsão, a precisão tende a diminuir à medida que se projecta para um futuro mais distante, porque há mais incerteza”. Para haver precisão, o intervalo médio considerado razoável está entre um a cinco anos. “O Dumbanengue apresenta uma margem média de erro de 25 MZN e 97% de precisão”, sublinha. A aplicação foi criada em Agosto de 2023, e o seu criador está a trabalhar na próxima versão, que contará com mais dados, para ser mais preciso nas previsões. Nesta fase, os dados utilizados foram fornecidos pelo PAM. No entanto, dada a ampla gama de dados disponíveis no Instituto Nacional de Estatística (INE), é possível que, no futuro, seja necessário colaborar com esta instituição para complementar a análise. Herco explica que, ao estar alojado no GitHub, qualquer pessoa pode consultar o código em que é programado e dar contributos.
O REPOSITÓRIO PÚBLICO “Este projecto é um modelo de aprendizagem automática que prevê os preços dos alimentos em Moçambique”, explica o autor na página do GitHub dedicada ao projecto. Ao aproveitar dados históricos e vários outros recursos, pretende-se “fornecer informações sobre as tendências de preços, que podem ser inestimáveis tanto para os consumidores quanto para as empresas do sector de alimentos”. No repositório, disponível ao público, é fornecido “um guia detalhado sobre como construir o modelo preditivo”. Noutro documento, é feita “uma análise aprofundada das implicações socioeconómicas do modelo, lançando luz sobre o contexto mais amplo e as aplicações do mundo real”. Para aqueles que querem mexer no código, fica desde já a indicação de que vão precisar de Phyton e mais algumas bibliotecas.
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PROJECTO Dumbanengue PLATAFORMA Dumbanengue ANO DE CRIAÇÃO 2023 MEMBROS 4
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PANORAMA
Digitalização
Drones vão ajudar Moçambique a enfrentar inundações A Comissão Técnico-Científica sobre Mudanças Climáticas de Moçambique anunciou a instalação de um centro de drones (veículos aéreos não tripulados) que vão ser usados no sistema de aviso prévio sobre inundações. Segundo um comunicado emitido pelo Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), o centro será instalado graças a uma doação de 967 mil dólares (mais de 61 milhões de meticais). O Centro terá como principal missão a recolha de informação para lançar avisos e auxiliar acções de planeamento. Técnicos de diversas entidades ligadas à gestão de cheias foram treinados entre 27 de Novembro e 1 de Dezembro, em Maputo, num curso de uso de drones para a vigilância de desastres.
Conectividade
Tmcel promove inclusão com Internet a preços baixos A operadora Tmcel pretende “democratizar” o acesso à Internet com preços a partir de cinco meticais para clientes pré-pagos e outras ofertas, que incluem pacotes ilimitados de dados. “Com estas ofertas, a Tmcel almeja contribuir de forma determinante para que todos os moçambicanos estejam sempre comunicáveis e ligados à Internet com os preços mais baixos do mercado. Esta é uma forma de contribuir pa-
ra a inclusão digital, bem como para a ‘democratização’ do acesso à Internet”, afirmou o director comercial, Adil Ginabay. O preço dos pacotes varia “entre cinco e 50 meticais, inclui chamadas e mensagens escritas ilimitadas e tráfego de dados até 140 gigabytes por mês”. A quota de mercado da Tmcel ronda entre os 10% e 12%, com a marca a anunciar que quer ultrapassar os 25% a médio prazo.
Agritech
Moçambique avalia sementes geneticamente modificadas O Instituto de Investigação Agrária de Moçambique (IIAM) vai submeter, em breve, à Autoridade Nacional de Biossegurança (ANB), os resultados da investigação sobre sementes de milho transgénico (geneticamente modificado). Em análise, estiveram factores como a tolerância à falta de chuva ou resistência a pragas, problemas que têm estado na origem da redução das colheitas. Egas Nhamusso, investigador, assegurou que os resultados são animadores. “As plantas têm-se mostrado tolerantes à falta de água e resistentes aos ataques da lagarta do funil de milho, considerada perigosa para os produtores”, referiu. Segundo o IIAM, as variedades geneticamente modificadas sob análise não são prejudiciais à saúde humana.
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Tecnologia
China constrói primeiro centro de dados subaquático comercial A China construiu o primeiro centro de dados subaquático comercial do mundo. Situado ao largo da costa de Sanya, na província de Hainan, na China, o centro é um projecto de vanguarda, que pretende revolucionar a indústria, aproveitando o poder das profundezas do oceano para poupar uma quantidade significativa de energia. De acordo com o portal China Daily, os módulos estão a ser instalados a uma profundidade de cerca de 35 metros. Concebidos para suportar as duras condições subaquáticas, espera-se que funcionem de forma sustentável durante 25 anos. O centro de dados tem o potencial de igualar as capacidades de cerca de seis milhões de computadores pessoais convencionais.
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ócio
(neg)ócio s.m. do latim negação do ócio
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ESCAPE
GOURMET
ADEGA
MOÇAMBICANOS NO MUNDO
ARTES
VOLANTE
Austrália Os encantos da histórica e ancestral floresta tropical de Daintree
Delícias da Zambézia Os paladares de Quelimane no Restaurante de Maputo
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Bacalhôa Vinhos Quando a degustação se faz acompanhar pela arte
Harold Ao encontro das rimas de um ‘rapper’ com uma carreira recheada de experiências
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Literatura “Compêndio para Desenterrar Nuvens”, a homenagem de Mia Couto a Cabo Delgado
Cybertrack da Tesla Conheça a nova pick-up com mais de três toneladas de peso e uma grande capacidade de carga
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Encantos de uma selva
Na Rota de Mistérios Milenares A floresta tropical de Daintree fica a três horas de voo a partir de Sydney e a duas horas de carro a partir da cidade de Cairns
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Daintree, lar do povo indígena Kuku Yalanji e de uma incrível biodiversidade, é um dos maiores tesouros naturais da Austrália Entre Dezembro e Março, no período conhecido como a estação verde, os dias e as noites são quentes e refrescados assiduamente pelas chuvas, naquela que é considerada a floresta tropical mais antiga do mundo, com mais de 135 milhões de anos, de acordo com o portal da revista “Volta ao Mundo”. Um oásis de cascatas, montanhas, plantas e vida selvagem, locais espectaculares para nadar (incluindo praias de areia branca) e muito mais, a floresta tropical de Daintree é uma das partes mais fascinantes do país. Lar de uma vida selvagem única, piscinas naturais perfeitas e excelentes trilhos para caminhadas, esta floresta é a forma ideal de recuar no tempo, encontrar a calma interior e explorar a natureza como ela foi concebida. Embora haja muito a ser explorado na Austrália - desde a cénica floresta tropical Minnamurra no Budderoo National Park até à beleza escarpada da cordilheira Otway em Victoria -, Daintree está no topo da lista. Fica localizada no extremo norte da região de Queensland e é classificada
Uma Viagem Pela
Floresta Ancestral da Austrália como património da humanidade, por ser lar de árvores antigas, imponentes. De acordo com o website oficial de Queensland, existem mais espécies de árvores num hectare desta área do que em todo o Reino Unido. É tão espectacular e exuberante que serviu de inspiração para o filme “Avatar”, de James Cameron. Esta floresta tropical (que faz parte dos trópicos húmidos de Queensland) acolhe cerca de 65% das espécies de morcegos e borboletas da Austrália, 920 espécies de árvores e 130 espécies de répteis, além de 100 tipos de crustáceos e um crocodilo de água salgada de aspecto pré-histórico. A maior parte das espécies não se encontra em mais nenhum lugar do mundo. Esta floresta é também lar da “fruta idiota” ou Idiospermum Australiense, uma das plantas com flores mais antigas do mundo e uma espécie endémica da Austrália. Entre tanta biodiversidade, talvez o mais fascinante ser vivo seja o Cassowary do Sul, o pássaro mais pesado da Austrália e aparentemente o mais perigoso
do mundo também. Apenas cerca de quatro mil destas aves (que não voam) permanecem na Austrália e, devido à sua natureza esquiva, não é frequente avistar uma na natureza. Com mais de um metro de altura, esta curiosa criatura é também considerada um dos parentes vivos mais próximos dos dinossauros. Coisas para ver na floresta tropical de Daintree Entre as maravilhas paisagísticas, o desfiladeiro de Mossman é um local popular, destino para caminhadas em percursos que oferecem vistas incríveis. Os visitantes podem também contar com uma experiência indígena genuína através do passeio guiado Ngadiku Dreamtime Walk, conduzido pela comunidade local. Cape Tribulation é onde a floresta se encontra com a espectacular Grande Barreira de Coral, por isso, uma visita não é negociável. A praia é conhecida pelas suas areias brancas e águas claras. Um dos locais favoritos, a uma curta distância de Cape Tribulation, é o Mason’s Swimming Hole, um buraco imaculado para nadar com peixes amigáveis. Mais longe da costa, a isolada Cassowary Falls é também um óptimo lugar para nadar, assim como junto às cascatas de Alexandra Falls e Bloomfield Waterfall, escondidas nas profundezas deste reino natural. Se estiver a visitar Daintree, vai querer passar alguns dias para viver o espaço na plenitude. Para conseguir uma estadia, há de tudo: uma série de acampamentos, casas na árvore (de luxo) e cabanas. Como chegar? Há várias maneiras de chegar à floresta tropical de Daintree, com voos diários de todas as grandes cidades australianas, incluindo Sydney, Melbourne e Brisbane. O aeroporto mais próximo de Daintree fica em Cairns e o voo de Sydney para este lo-
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cal demora cerca de três horas. Conduzir do centro da cidade de Cairns até à floresta tropical é fácil e leva apenas duas horas. Se estiver a sentir-se mais aventureiro também pode conduzir até Daintree. O tempo total de condução a partir de Sydney são… 31 horas. Quase 35 horas a partir de Melbourne ou 24 para quem sair de Brisbane. A sugestão: Silky Oaks Lodge É neste cenário que o renovado Silky Oaks Lodge abriu portas, a aproximadamente uma hora de carro de Cairns e a 20 minutos de Port Douglas, a porta de entrada para a Grande Barreira de Coral, na costa de Queensland. O alojamento está situado acima do rio Mossman, que se ouve fluir por entre a floresta. Aberto originalmente em 1985 e agora reabilitado pela marca Baillie Lodges, o Silky Oaks é abraçado por 32 hectares de uma floresta plantada na década de 1990, com cerca de 200 espécies nativas ameaçadas, e que hoje atrai muita vida selvagem do vizinho Parque Nacional de Daintree. A renovação do resort contou com o contributo de artistas e designers locais, que criaram interiores que transmitem uma autêntica sensação de integração no local. É o que se observa nas cinco unidades de alojamento do Silky Oaks, e na casa privada, a Daintree Pavilion, com duas suítes e áreas comuns partilhadas, perfeita para famílias ou grupos de amigos. Todo o espaço de alojamento está desenhado por forma que se funda com a natureza, com grandes paredes envidraçadas e tectos em madeira que parecem mesclar-se com as cores e os sons da floresta, embalando decks com jacuzzi e banheiras ou chuveiros ao ar livre. No restaurante Treehouse, os hóspedes têm a oportunidade de conhecer a identidade do local (também conhecida como “herança indígena”), através de um menu que muda diariamente, de estilo contemporâneo, mas que incorpora ingredientes, técnicas e sabores tradicionais.
Esta floresta tropical acolhe cerca de 65% das espécies de morcegos e borboletas da Austrália, 920 espécies de árvores e 130 espécies de répteis, além de 100 tipos de crustáceos e um crocodilo de água salgada
Texto Ana Mangana Fotografia D.R. www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
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DELÍCIAS DA ZAMBÉZIA
Avenida Julius Nyerere, esquina com a rua Nkunya Kilido Horários: De segundafeira a domingo das 11h40 às 23h00
+258 84 440 7557
g na respeitada avenida julius nyerere, em Maputo, nasceu há já um ano, com postura imponente, o restaurante Delícias da Zambézia. O lugar é uma representação de Quelimane, uma autêntica recordação da terra do coco e das bicicletas, que empresta a Maputo paladares únicos e os pratos famosos - o frango à zambeziana, por exemplo, que é uma das referências gastronómicas de Quelimane e de Moçambique, mencionado na 12.ª posição numa lista das 50 melhores comidas do mundo, publicada pela CNN, em 2018. O Delícias da Zambézia não se distancia da tradição no preparo dos seus pratos. Chef Es-
Delícias da Zambézia, Paladares perança, a responsável pela cozinha da casa, procura garantir que os pratos sejam preparados de forma fiel às receitas de Quelimane. Além do sabor inconfundível, carregam a história que define o povo que definiu a gastronomia à sua imagem. “Aqui, no Delícias da Zambézia, tentamos preservar ao máximo os elementos dos pratos típicos. Quem vem ao nosso restaurante provar comida da Zambézia, é servido com um prato o mais fiel possível ao original. Por exemplo, a nossa galinha à zambeziana é feita com galinha cafreal, a receita original”, explicou.
O lugar é uma representação de Quelimane, uma autêntica recordação da terra do coco e das bicicletas, que empresta a Maputo paladares únicos...
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de Quelimane em Maputo! Por dentro, o ambiente do restaurante é tão acolhedor que é como estar em casa e isso não é por acaso. Há pormenores que o restaurante faz questão de destacar para transmitir os seus valores mais prezados: amor, aconchego e família. Afinal, trata-se de um restaurante familiar, não tinha como ser diferente. A família do marido da Chef Esperança leva na bagagem mais de 30 anos de experiência no ramo da restauração, uma jornada que se iniciou ainda em Quelimane, onde já tinha restaurantes a operar. O espaço exterior é ideal para quem gosta de apreciar a vida urbana e diversidades. Sendo um ponto muito activo e turístico de Maputo, por aquele pedaço da avenida Julius Nyere-
re desfilam sempre pessoas de diferentes culturas e, não fosse pelo som dos automóveis, quase que seria possível ouvir o quebrar das ondas do mar na praia, a apenas alguns minutos do local. O Delícias da Zambézia é um excelente lugar se pensa em “mimar” o paladar com sabores que nunca encontrará em nenhum outro local. O sítio ideal para saborear mucuanes, mucapatas e outras especialidades do centro de Moçambique, além de uma infinidade de opções da gastronomia universal. Uma viagem gastronómica a Quelimane já pode começar em Maputo. Texto Filomena Bande Fotografia D.R. www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
Chegar a Azeitão e não ficar fascinado com o horizonte de vinhas é difícil. A freguesia portuguesa, em Setúbal, tem uma das mais importantes empresas vinícolas em Portugal, um pequeno tesouro guardado desde os tempos monárquicos...
Nem só de Vinho se Faz a Bacalhôa A fundação da Bacalhôa Vinhos de Portugal aconteceu no início do séc. XX, em 1922, na altura com o nome de João Pires & filhos. Desde então, a empresa tem-se tornado numa das grandes referências no que toca à inovação na indústria vinícola, tão importante para o comércio português. Inicialmente, a empresa produzia vinhos com uvas da região de Palmela e, no decorrer da década de 1980, apostou em técnicas de viticultura e enologia, criando novos paradigmas no panorama nacional da produção de vinhos de qualidade. É sabido o peso que o vinho tem no mercado português, não somente no que toca ao consumo, mas a todos os serviços associados, como é o caso do Turismo. Na Bacalhôa, há um terceiro elemento que torna a adega num local mais interessante: a cultura. Na prática, a quinta contempla em si o espólio cultural pertencente ao comendador Joe Berardo. No final da década de 1990, o empresário tornou-se no principal accionista da Bacalhôa Vinhos de Portugal e manteve o investimento feito até então: investiu no plantio de novas vinhas, na modernização das adegas, comprou novas propriedades e criou uma parceria com a Lafitte Rothschild na Quinta do Carmo. Assim, à entrada, quase como que a proteger a riqueza que aqui é produzida, está uma obra de William Sweetlove apelidada de ‘Blue Blog’, nada mais, nada menos do que um bulldog francês, gigante, na mesma cor da palete de decoração da loja de vinhos. A emergir no ambiente da quinta, as boas-vindas à Bacalhôa são dadas pela obra “Walls of Sound”, de William Furlong, duas placas de ferro que nos levam até à entrada da quinta onde a produção do vinho se funde com o museu. Lá dentro, podemos encontrar obras de Erich Kahn, de Eugen Hersch ou de Fritz Lowen sob a exposição “Geração Esquecida”, três artistas marcados pelo período do Holocausto e pelo judaísmo. Além desta visão artística europeia, há ainda uma extensa exposição alusiva à ligação com o continente africano chamada “Out of Africa”, um conjunto de peças artísticas dedicadas à Rainha Ginga e às paisagens angolanas. Após o momento inicial, a intensidade do cheiro da adega aproxima-se. Ligados ao Museu da Bacalhôa existem dois espaços de adega: o primeiro, mais amplo e luminoso, e um segundo, consideravelmente mais intenso e mais escuro, onde o contacto com a produção de vinho e as suas diferentes idades e cheiros se tornam reais. Depois de tentar adivinhar quais são os barris com mais moscatel, é chegada a derradeira hora: a degustação de vinhos. Na sala de provas, um espaço longe da adega, poderá encontrar mais algumas obras de arte: desde o jardim japonês no exterior, passando pelas obras do escultor Niizuma e uma árvore Kaki, a “bisneta” da única árvore que sobreviveu à bomba de Nagasaki. A prova de vinhos está dividida em três momentos: o tinto, um Quinta da Bacalhôa Alicante Bouschet, é a opção perfeita para pratos de carne, caça ou mesmo queijos; o branco, um Quinta da Bacalhôa Chardonnay, deverá ser a sua escolha quando confeccionar pratos de peixes de sabores intensos ou até carne de aves; e como o mais doce fica sempre pa-
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ra o fim, a última prova de vinhos é um Moscatel Bacalhôa (o melhor dos três, na opinião pouco isenta de quem escreve), uma bela mistura cítrica-doce. Neste caso, além do conselho para que o consumo seja ligeiramente fresco, o Moscatel Bacalhôa combina bem com sobremesas confeccionadas com chocolate preto ou citrinos. Mais cultos e com o paladar apurado, desengane-se quem achar que a visita terminou. O património da empresa estende-se ao Palácio e à Quinta da Bacalhôa, um importante monumento português da época Renascentista e dois espaços que valem a visita pela beleza dos seus jardins, que se funde com um mar de vinhas. Actualmente, a Bacalhôa Vinhos de Portugal dispõe de adegas nas regiões mais importantes de Portugal: Douro, Dão, Bairrada, Península de Setúbal (Azeitão), Lisboa e Alentejo. Um dos motivos pelos quais se compreende que nem só de vinho se faz a Bacalhôa é o projecto implementado nas diversas quintas sobre o tema “Arte, vinho, paixão’” que acaba por envolver as várias temáticas da tradição e da modernidade do vinho e todo o processo vitivinícola. TEXTO Eliana Silva FOTOGRAFIA D.R
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Moçambicanos no Mundo
Harold - Tudo Tem o Seu Tempo Harold é uma voz única no universo do hip-hop lusófono. Nascido em Moçambique e criado nas ruas de Mem-Martins, Portugal, a sua carreira não só transcende fronteiras, mas géneros musicais. Encontramo-lo em estúdio, para melhor conhecermos o seu passado, a sua jornada com Grognation e sabermos o que antecipa para a sua carreira a solo Harold destaca-se como uma das vozes mais versáteis e prolíficas do hip-hop lusófono. Artista completo - escreve, canta, rima e produz - nasceu em 1992, em Moçambique, mas aos 7 anos o destino levou-o para Portugal. Cresceu em Mem-Martins, Linha de Sintra, um dos mais importantes epicentros do rap escrito em português e uma das zonas mais culturalmente ricas e diversas da Grande Lisboa. Foi deste lado do mundo, onde os dias são mais longos e os Invernos mais frios, que teve o seu primeiro contacto com a cultura hip-hop, pelas das vozes de Boss AC, Valete, Dealema e Mind da Gap, que passavam no Repto, programa nocturno da estação de rádio Antena 3, ou através das cassetes e discos que os seus irmãos mais velhos coleccionavam. Em casa, a música moçambicana chegava até si na forma de Jeremias Ngeunha, Zaida Chongo ou de Yolanda Chicane - “aqueles clássicos, já sabes”. Eram os discos que a sua mãe tocava: discos que tinham o poder de acalmar a saudade e aquecer as tardes ventosas daquelas ruas perto de Sintra; discos que tinham o poder de trazer os lugares de onde partimos para um pouco mais próximo de nós. Numa das suas frequentes viagens a Maputo, para visitar familiares, descobriu, através da televisão, o rap que se fazia a sul do equador, e rapidamente mergulhou nas discografias de GPRO Fam, do seu membro Duas Caras e de Azagaia. Já fascinado pelo rap e pelo poder da palavra, foi por influência do seu irmão mais velho, D-Seaz, então membro dos míticos Força Suprema, que deu os primeiros passos no mundo da música, inicialmente como beatmaker, através do software Fruity Loops. Só alguns anos mais tarde, já motivado por dois colegas de turma, Nastyfactor e Prizko - com quem partilhou o grupo Grognation, mas já lá vamos - começou a erguer a caneta para escrever as suas primeiras letras. A partir de então, nunca mais a largou. Recentemente regressado de Maputo, onde deu dois concertos, é em Lisboa que o encontro, no estúdio onde grande parte da sua mais recente obra é criada: “Entra, mano. Tenho coisas novas que quero que ouças.”
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Conheci-o há mais de uma década, numa altura ainda embrionária da sua carreira - que desde então atentamente acompanho - quando o já mencionado Nastyfactor, também meu amigo de longa data, nos apresentou. Ao longo da sua carreira, acompanhou a mutação da indústria musical de forma exímia e irrepreensível: começou nas ruas; cresceu na Internet; afirmou-se nos grandes palcos. Voodoo, canção de Grognation, conta com mais de cinco milhões de audições no Spotify; e Rua, single a solo, passou recentemente a marca do seu primeiro milhão. Harold foi de divulgar a sua música através do “passa a palavra”, e da distribuição de flyers, que entregava e colava pela cidade de Lisboa, à porta de salas de espectáculos e de discotecas, a encher esses mesmos recintos. Fez da paixão, profissão. Hoje, em estúdio, dá-me a ouvir aquilo em que tem trabalhado nos últimos meses: uma pasta de infindáveis canções e versos, na sua maioria ainda inacabados,
mas que exibem um enormíssimo potencial. Se o seu talento é invejável, o que dizer da sua ética de trabalho? Não se lembra do número exacto das participações que gravou em Moçambique, onde esteve durante um mês: “Foram muitas, bro...”, e se já antes o havíamos ouvido brilhar ao lado de Azagaia, Djimetta ou de Hernâni da Silva, poderemos, em breve, escutá-lo ao lado de muitos outros músicos moçambicanos. Quem corre por gosto não cansa. As suas rimas e flows tornaram-se cada vez mais certeiros e aguçados - apesar de cada vez mais esporádicos. Harold tem dado cada vez mais primazia à melodia, e fá-lo de forma tão exímia e natural, como em Pontas, ou em Lugar, que não estranhamos a escassez da sua rima veloz, tão característica de outras fases da sua carreira. Desprendeu-se de rótulos e preconceitos, e os ritmos boom bap, que outrora tantas vezes abraçou, têm dado lugar a batidas mais espaçosas e electrónicas - não desesperem os puristas, o boom bap continuará prewww.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
Já antes o havíamos ouvido brilhar ao lado de Azagaia, Djimetta ou de Hernâni da Silva
Voodoo, canção de Grognation, conta com mais de cinco milhões de audições no Spotify; e Rua, single a solo, passou recentemente a marca do seu primeiro milhão. sente, aqui e ali. É sobre essa multitude de paisagens sonoras que o escutamos, hoje, a jorrar versos tão crus como pessoais, tão exibicionistas como didácticos, tão políticos como românticos - e ocupa estes espectros sem nunca perder a sua identidade artística ou sacrificar a sua veia poética. Quando questionado acerca dos seus objectivos a curto/médio prazo, diz-me: “É parar de tentar e começar a fazer”. Harold está pronto para cravar as suas verdades na eternidade, seja em Moçambique, seja em Portugal, seja na Lusofonia inteira. E, se ainda não o conseguiu, acredito que tal esteja para breve, pois, como o próprio afirma: tudo tem o seu tempo. (Podemos acompanhar o trabalho de Harold através de instagram.com/euharold e https://www.facebook.com/temp2725) TEXTO João Tamura FOTOGRAFIA D.R. www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2024
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LITERATURA
A nova obra do escritor Mia Couto é uma homenagem à população moçambicana, cujo quotidiano é quase sempre feito de condições de vida difíceis para se sustentarem a si e às famílias.
O novo livro de Mia Couto “Compêndio Para Desenterrar Nuvens” dá vida aos moçambicanos, anónimos, cada qual com os seus desafios diários, e às relações humanas do quotidiano. Tudo descrito em 22 contos, antes publicados na revista portuguesa “Visão” e agora organizados em 142 páginas. São histórias que viajam entre o real e o imaginário, exploram territórios moçambicanos visíveis e invisíveis, retratam personagens e cenários improváveis, com o toque poético que é habitual ao autor. Mia Couto traz uma narração que dá tempo para o leitor levantar no seu próprio voo e embarcar
Mia Couto Retrata a Resiliência para um mundo em que todas as coisas têm vida própria. A nova obra literária é, na verdade, uma narração da realidade resiliente de um povo, que luta para superar adversidades quotidianas tão difíceis que fazem desse povo um herói. São contos sobre “o esforço de superação dos moçambicanos” face a dificuldades “como a guerra, a fome e a miséria”. São “estórias anónimas” que “devolvem a dignidade a quem não espera ajuda, a quem não precisa de ser salvo, porque salva-se a si próprio, todos os dias”, explicou o autor, à margem da apre-
“A realidade é a mais ousada das ficções. Em Moçambique, talvez isso seja um pouco mais evidente”, Mia Couto www.economiaemercado.co.mz | Dezembro 2023
dos Moçambicanos “Compêndio para Desenterrar Nuvens” sentação, a 28 de Novembro, no Centro Cultural Moçambique-China, em Maputo. As histórias contadas no “Compêndio Para Desenterrar Nuvens” têm, na sua maioria, Cabo Delgado como palco, por causa da crise humanitária na região. São, desse modo, uma tentativa de devolver a voz, o rosto e o protagonismo que as pessoas da província têm sobre a sua própria vida, em vez de dependerem somente de terceiros. Esta obra representa também um mergulho profundo nas emoções e relações na sociedade moçambicana. “A noção que temos da realidade mostra-nos que ela é
muito pouco real ou previsível. A realidade é a mais ousada das ficções. Em Moçambique, talvez isso seja um pouco mais evidente, porque ainda há muitas realidades a chocar umas nas outras. É um país com muitas culturas e lógicas. Há, pelo menos, 28 povos, com as suas línguas, costumes e religiosidades. Por isso, basta sair à rua para se ser testemunha desses choques, que, por vezes, são pouco harmónicos, mas que, noutros casos, se combinam inesperadamente”, frisou. TEXTO Filomena Bande FOTOGRAFIA D.R
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NISSAN HYPER TOURER
Modelo: Cybertruck Motor: eléctrico Potência: 857 cv Aceleração: 96 km/h em apenas 2,6 segundos
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Tesla Apresenta (Finalmente) QUATRO ANOS DEPOIS DE ANUNCIADA, a Tesla, marca norte-americana de veículos eléctricos e autónomos, apresentou, oficialmente, a Cybertruck. Elon Musk, CEO da marca, descreveu-a como “a melhor das pick-ups” assim como “dos desportivos”. O novo carro todo-o-terreno da Tesla apresenta-se como um automóvel com capacidade para rebocar cinco toneladas e carregar mais de uma tonelada de carga. Em termos de aceleração, até pode bater um Porsche 911: na versão com três motores eléctricos, alcança os 96 km/h em apenas 2,6
a Cybertruck, uma Pick-up
segundos! E se o objectivo for percorrer um quarto de milha (402 metros) precisa só de 11 segundos. A performance da pick-up é obtida com um trio de motores eléctricos que alcançam um débito total de 857 cavalos (CV) de potência e 13.960 Newton metro (Nm) de binário. Quanto à versão de duplo motor, com a designação de ‘All Wheel Drive’, foi anunciada com 608 cv de potência e 4,1 segundos dos 0 aos 96 km/ h na aceleração. Elon Musk já marcou na agenda de 2025
Com Mais de 3000 Quilos a apresentação de uma nova versão, com um só motor (Rear Wheel Drive), com tracção traseira. O carro possui uma autonomia de 515 quilómetros na versão de três motores, 547 na versão de dupla e 402 na versão simples. A capacidade das baterias não foi divulgada, mas que é possível comprar um prolongamento, o que eleva a autonomia da versão de três motores para os 705 quilómetros.
O novo carro todo-o-terreno da Tesla apresenta-se como um automóvel com capacidade para rebocar cinco toneladas e carregar mais de uma tonelada de carga. Na aceleração, até pode bater um Porsche 911