Lusíada Série II, n.º 10 (2010)
Economia & Empresa Universidade Lusíada • Lisboa
Universidade Lusíada Editora Lisboa • 2010
Mediateca da Universidade Lusíada – Catalogação na Publicação LUSÍADA. Economia e Empresa. Lisboa, 2001 Lusíada. Economia e Empresa / propr. Fundação Minerva – Cultura – Ensino e Investigação Científica ; dir. José Eduardo Carvalho. – S. 2, n. 1 (2001)- . – Lisboa : Universidade Lusíada, 2001- . - 24 cm. - Anual Continuação de: Lusíada: revista de ciência e cultura. Série de economia ISSN 1645-6750 1. Economia - Periódicos 2. Gestão de Empresas – Periódicos I – CARVALHO, José Eduardo dos Santos Soares, 1939HB9.L87 HD28.L87 330(051) 658(051) Ficha Técnica Título Proprietário
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Lusíada. Economia & empresa
Série
II N.º
10
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Índice
Índice Nota de abertura............................................................................................................................ 5 Dossier .............................................................................................................................................. 9 Componentes do conhecimento em estruturas de dados persistentes: aplicação em sistemas de decisão autónomos Paulo Enes da Silveira ..............................................................................................
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ReacT-MDD – Rastreabilidade Reactiva de Artefactos no Desenvolvimento de Sistemas de Informação Marco Costa ..............................................................................................................
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Foreign keys and multi-domain indexing Paulo Jorge Gonçalves Pinto Hongji Yang .............................................................................................................
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Definition of sort function in relations and its usage in Relational Database Management Systems Paulo Jorge Gonçalves Pinto Hongii Yang .............................................................................................................
71
Classificação de Tumores de Pele através da Análise de Imagens sem Restrições: Uma Visão Geral do Processo Joaquim da Cunha Viana ..........................................................................................
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Dissertações e Teses ..................................................................................................................... 93 A modernização da Administração Pública passa por uma revolução burocrática Albino Lopes Carlos Rodrigues ....................................................................................................... Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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Índice
Desempenho académico e adaptação ao Ensino Superior Militar António Palma Rosinha Manuela Sarmento Coelho ........................................................................................ 141 Balanced scorecard em organizações de saúde Estudo de Caso: Hospital da Trofa Sónia Carmo Silva Rui Lopes dos Reis ......................................................................................................................... 161 A orientação estratégica para o baixo custo na aviação comercial Felipa Lopes dos Reis Cristina Félix Pereira ................................................................................................ 187 Importância das associações à marca na construção do capital da marca Paula Cristina Lopes Rodrigues ............................................................................... 205 Efemérides e Recessões .............................................................................................................. 233 Efeméride Pierre-Joseph Proudon: bicentenário esquecido (1809-1865) Virgílio Rapaz ........................................................................................................... 235 RECENSÃO “Os buracos negros da ciência económica” Ensaio sobre a impossibilidade de pensar o tempo e o dinheiro Jacques Sapir, Sururu José Eduardo Carvalho .............................................................................................. 249 Índice temático dos artigos publicados nos números 1 a 10 “Lusíada – Economia & Empresa” ............................................................................................. 255
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NOTA DE ABERTURA O mundo do conhecimento económico perdeu um dos seus maiores vultos. O norte-americano Paul Anthony Samuelson, professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), morreu no epílogo de 2009. Filho de judeus polacos que emigraram para os EUA, nasceu, em 1915, em Gary no Estado de Indiana. Foi o primeiro americano a receber o prémio Nobel da Economia, em 1970, criado dois anos antes pelo Banco Central da Suécia na área das ciências económicas. Foi conselheiro dos presidentes J. F. Kennedy e Lyndon Johnson. O trabalho de Samuelson foi fundamental para o estabelecimento das bases da economia moderna, aplicando a análise matemática rigorosa para explicar o equilíbrio dos preços e entre a oferta e procura. É verdade que o inventor da macroeconomia foi o britânico John Maynard Keynes, na época em que a teoria clássica e a economia mundial sofreram o grande abalo da Grande Depressão de 1929. Mas, quem estabeleceu o elo de ligação entre a escola keynesiana e a moderna economia foi indiscutivelmente Paul Samuelson. As suas principais contribuições estão suportadas na utilização de modelos económicos, por meio de análise matemática, para resolver o problema do grande e prolongado desemprego dos meios de produção – trabalho e capital. Foi, por isso, considerado um neoclássico. Conhecido mundialmente, Samuelson deixou um grande e diversificado legado de contribuições à ciência económica. A sua trajectória académica e intelectual começa em 1940, quando ingressa no célebre MIT e onde se manteve toda a vida e se tornou catedrático aos 32 anos de idade. Em 1947 viu o seu livro . “Foundations of Economic Analysis” ser premiado pela Universidade de Harvard. Mas, seria no ano seguinte que surgiria a grande obra que definitivamente o consagrou: o best seller “Economics” de introdução à análise económica, traduzido em 40 idiomas. Foi o livro-texto sobre ciência económica mais lido pela maioria dos estudantes de economia, desde os anos cinquenta do século XX. Actualmente na sua 19ª edição, já vendeu mais de 4 milhões de exemplares. Curiosamente, na sua modesta interpretação e auto-crítica, Samuelson considerava o trabalho desenvolvido um “trabalho demasiado bem pago para fazer aquilo que é gozo puro”. Não obstante o mérito da sua obra, algumas correntes de opinião Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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consideram que a controversa “síntese neoclássica” de Samuelson instalou o excesso de formalismo matemático na teoria económica, do qual resultaria o equilíbrio do mercado, como processo de raciocínio dos agentes, quer de consumidores, maximizando a utilidade, quer de empresas, maximizando o lucro. Os modelos de individualismo metodológico, longe da realidade contemporânea, transformaram-se, nas mãos dos economistas financeiros, em “armas de destruição maciça” geradoras da grande recessão que emergiu na segunda metade de 2007; facto que o próprio Samuelson, poucos meses antes da sua morte, acabou por reconhecer. ******* Este número de “Lusíada – Economia & Empresa” está organizado em três secções: dossier temático, disssertações e teses, efemérides e recensões. O dossier escolhido para esta edição, versando a problemática das tecnologias de informação, tem como título “Novos modelos TIC na resolução de problemas reais”. O Conjunto de cinco artigos que dão corpo a este dossier versa os seguintes temas: componentes de conhecimento em estruturas de dados persistentes e aplicação em sistemas de decisão autónomos; rastreabilidade reactiva de artefactos no desenvolvimento de sistema de informação (ReacT-MDD); foreign keys and multi-domain indexing; definition of sort function in relations and its usage in relational database management systems; análise de imagens sem restrições – visão geral do processo na classificação de tumores de pele. Na secção “dissertações e teses” alinham-se quatro artigos resultantes de trabalhos de investigação desenvolvidos no âmbito de preparação de dissertações e/ou teses para atribuição de graus académicos. No primeiro artigo, sob o título “Desempenho académico e adaptação ao ensino superior militar: o caso da Academia Militar Portuguesa”, os autores avaliam, através de estudo empírico, as dimensões cognitivas, de personalidade e de adaptação dos alunos do ensino superior à carreira militar. O segundo artigo tem como tema “A modernização da Administração Pública passa por uma revolução burocrática”, no qual os autores procuram evidenciar a necessidade de um retorno ao modelo de governação das organizações públicas, designado de gestão burocrática, desenvolvido por Max Weber. O terceiro artigo propicia uma contribuição para a gestão dos activos intangíveis nas organizações públicas e privadas, através da aplicação das técnicas do Balanced Scorecard (BSC). Tendo por base os trabalhos desenvolvidos por Kaplan e Norton, os autores sugerem uma metodologia de aplicação do BSC numa instituição de saúde, no propósito de eliminar a diferença entre a estratégia formulada na instituição e a que, efectivamente, é realizada. O último artigo releva a importância do custo na estratégia empresarial. Com o título “A orientação estratégica para o baixo custo da aviação comercial”, os autores propõem um plano de actividades de marketing como forma de recuperação do 6
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deficit na procura do sector da aviação comercial. A efeméride recordada nesta edição assinala os duzentos anos do nascimento do economista e sociólogo francês Pierre-Joseph Proudon (18091865), homem de paixões de justiça no respeito intransigente do indivíduo. A recensão inclusa apresenta o mais recente livro de Jacques Sapir “Os buracos negros da ciência económica”, ensaio sobre a impossibilidade de pensar o tempo e o dinheiro. O autor, economista francês de renome internacional, é Director do Centro de Estudos sobre os Modos de Industrialização da Ecole dês Hautes Etudes en Sciences Sociales. Uma nota de gratidão aos colaboradores desta edição, esperando que os seus contributos sejam uma mais valia para o conhecimento dos nossos leitores.
O DIRECTOR José Eduardo Carvalho
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Dossier “Novos Modelos TIC na resolução de problemas reais”
COMPONENTES DE CONHECIMENTO EM ESTRUTURAS DE DADOS PERSISTENTES: APLICAÇÃO EM SISTEMAS DE DECISÃO AUTÓNOMOS Paulo Enes da Silveira Doutor em Informática (Université Pierre et Marie Curie, Paris 6) Doutor em Engenharia Electrotécnica e de Computadores (Fac. Engenharia da Universidade do Porto) Professor na Universidade Lusíada
Resumo: Os dados persistentes representam fenómenos reais ou conceptuais, arquivados de forma persistente, com as suas descrições e comportamentos em memória secundária de computadores, concretamente, em bases de dados orientadas por objectos. Neste artigo, desenvolve-se o conceito de Operador associado a Tipos Abstractos de Dados (O·TAD) que representa conhecimento sobre esses TAD (os supracitados dados persistentes). Este O·TAD permite verificar condições e agir autonomamente, sempre que o estado dos TAD seja alterado. Os TAD considerados são os do modelo HBDS (Estruturas de Dados Baseadas em Hipergrafos). Este modelo inclui componentes formais de definição do O·TAD, a sua algoritmia e representação gráfica, os quais permitem considerar conhecimento associado aos dados persistentes, que passam a ter uma autonomia de comportamento reactivo às suas alterações de estado, dando origem a Sistemas de Decisão Autónomos. São apresentados casos de aplicação prática.
Knowledge components in persistent data-structures: - Application in Autonomous Decision Systems
Abstract: Persistent data represent real or conceptual phenomena, stored in a persistent way, with their descriptions and behaviours, in secondary storage, specially in object-oriented databases. This paper presents the concept - Operator associated to Abstract Data Types (O·ADT) -, revealing knowledge about the ADT (the mentioned persistent data). This O·ADT can verify conditions and act in an autonomous way, whenever the ADT state is changed. The used ADT are those from the HBSD model (Hypergraph-Based Data Structure). This model contains the formal definitions for these O·ADT, their algorithmic and graphical representation that allow reproducing knowledge associated to persistent data, which can be reactive to their state changes, creating therefore, Autonomous Decision Systems. Some case-studies are presented.
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1. Introdução O conceito de Operador associado aos Tipos Abstractos de Dados (O·TAD) foi pela primeira vez apresentado pelo autor em [1], associando componentes de conhecimento aos TAD do modelo HBDS (Estruturas de Dados Baseadas em Hipergrafos) da autoria de François Bouillé [2], com a intenção de conferir às estruturas de dados persistentes, como as bases de dados, uma autonomia de decisão em acções que se possam executar em face de alterações do estado dos dados nelas contidos. As estruturas de dados persistentes são, no contexto deste artigo, representadas pelos TAD (Tipos Abstractos de Dados) do modelo HBDS, o qual será sucintamente apresentado, a fim de se compreender e dar contexto à acção dos O·TAD. Estes Operadores associados a Tipos Abstractos de Dados serão detalhadamente abordados, com a sua definição, a descrição dos seus vários tipos, a sua sintaxe, grafismo e a sua algoritmia, com recurso ao EXEL [3] [4], uma linguagem algorítmica que também irá ser apresentada. Uma vez definidos os O·TAD explica-se como estes podem ser utilizados para construir Sistemas de Decisão Autónomos (SDA) e apresentam-se casos de aplicação prática.
2. Os Tipos Abstractos de Dados do HBDS 2.1. Introdução A acção dos Operadores que vai ser desenvolvida no próximo parágrafo, sendo associada aos TAD do HBDS, justifica a apresentação destes Tipos Abstractos de Dados. O modelo HBDS surge como um modelo lógico e físico de base de dados, onde a questão da redundância de dados foi resolvida. Contendo uma formulação gráfica de superiores capacidades, quando comparada com os diagramas de Entidade-Relação [5] ou os Diagramas de Classes do UML [6], tem sido utilizado para modelização nos mais variados domínios, tais como os Sistemas de
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Informação Geográficos [15] [16]. O conceito de Tipo Abstracto de Dados foi apresentado por Barbara Liskov1 e Stephen Zilles [7]. François Bouillé utiliza-o para designar os tipos que constituem a base do HBDS para a modelização dos fenómenos do mundo real ou conceptual.
2.2. Origem e princípios matemáticos O HBDS comporta um modelo lógico para estruturação dos fenómenos e um modelo físico para a sua implementação em software e em hardware. Vamos abordar a origem e os princípios matemáticos do modelo lógico. Pode descrever-se uma coisa, através das suas propriedades, identificando-a com um nome e descobrindo as relações que ela tem com o seu ambiente. A Teoria dos Conjuntos tem esta aproximação e está na base dos seis TAD do HBDS. Quando no processo de identificação dessas coisas, estas se agrupam por terem propriedades comuns e se observa que estes grupos podem fazer parte de um grupo mais alargado, o conceito de Hipergrafo de Claude Berge [8], visto como uma família de subconjuntos de um conjunto, aparece como o alicerce do HBDS, tal como a sua sigla aponta: Hypergraph-Based Data Structure. Ole-Johan Dahl e Kristen Nygard conceberam a linguagem de programação SIMULA [9] nos anos 60, com a introdução do conceito de Objecto na Programação Orientada por Objectos (POO), facto este que valeu aos os seus autores a distinção do prémio “ACM A. M. Turing Award”, em 2002. François Bouillé inspirou-se nos conceitos da POO do SIMULA, ao conceber o HBDS. Não será por acaso que a apresentação do HBDS é feita na tese de doutoramento de Bouillé, sendo presidente do júri da sua prova de doutoramento o próprio professor Dahl. Referimos ainda o conceito de Grafo que está presente na formulação do HBDS, conferindo-lhe uma importante consistência matemática.
2.3. Os seis TAD do HBDS e sua representação gráfica 2.3.1. Classe, Atributo de Classe e Ligação entre Classes Os TAD que constituem a base do modelo lógico do HBDS derivam da Teoria dos Conjuntos e da terminologia da linguagem Simula e da POO. Seguidamente apresentam-se os TAD-HBDS, nomeados apenas por TAD e as suas representações gráficas (Fig. 1). Um Conjunto que reune Elementos com Propriedades comuns é equivalente 1
Barbara Liskov, professora e investigadora no MIT, recebeu recentemente o “2008 ACM A. M. Turing Award”, “pelos seus contributos para os fundamentos práticos e teóricos das linguagens de programação e desenho de sistemas, especialmente a abstracção de dados[…]” [in www.acm.org]
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a um TAD designado de Classe (C) representada por uma elipse e por um nó (pequena circunferência) . Uma Propriedade de um Conjunto é equivalente ao TAD designado por Atributo de Classe (A) e representado por um pequeno quadrado ligado por um segmento de recta ao nó da Classe. Uma Relação entre dois Conjuntos é equivalente ao TAD designado por Ligação entre Classes (L) patenteada por uma ligação em arco entre os nós das Classes. O TAD L pode representar uma Ligação entre duas Classes, mas também uma Ligação de uma Classe sobre si própria. Estes três TAD – C, A, L – são conceptuais (TAD-conceptuais), pois com eles pode modelizar-se uma estrutura de dados com a possibilidade de existência de fenómenos de um domínio em análise. O significado de estrutura e de domínio utilizados neste contexto, são explicados pelo autor em [10].
2.3.2. Objecto, atributo de Objecto e ligação entre Objectos Um Elemento de um Conjunto é equivalente a um TAD designado de Objecto (O) pertencente a uma Classe e representado por um pequeno círculo preto . Uma propriedade de um Elemento de um Conjunto é equivalente ao TAD designado por atributo de Objecto (a), representado por um pequeno quadrado preto, ligado por um segmento de recta ao círculo do Objecto.
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Fig. 1 – Representação gráfica dos TAD-HBDS Uma relação entre dois Elementos de Conjuntos é equivalente ao TAD designado por ligação entre Objectos (l), representada por uma ligação em arco entre os dois círculos dos Objectos. Uma ligação entre Objectos concretiza uma Ligação existente entre duas Classes, mas também pode materializar a existência de uma Ligação entre dois Objectos pertencentes à mesma Classe. Objectos com atributos (a) comuns pertencem à mesma Classe. Estes três TAD – O, a, l – são as realizações (TAD-realização) dos respectivos TAD-conceptuais – C, A, L – .
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2.4. Extensões aos TAD do HBDS e sua representação gráfica 2.4.1. Hiperclasse, Hiperatributo e Hiperligação Quando várias Classes apresentam Atributos comuns, pode considerarse uma nova Classe, - uma Hiperclasse (HC) - com esses Atributos comuns Hiperatributos (HA) - que inclua essas Classes (Fig. 2). Uma Hiperclasse é representada por um rectângulo com os cantos arredondados e um nó (pequena circunferência). Um Hiperatruibuto é representado de forma semelhante a um Atributo. Conjuntos de Ligações entre dois conjuntos de Classes correspondentes a duas Hiperclasses, podem ser representados por Hiperligações (HL). Uma Hiperligação reune Ligações entre Classes incluídas em duas Hiperclasses e é reproduzida como uma Ligação entre as suas Hiperclasses.
2.4.2. Multiligação Uma reunião de várias Ligações entre duas Classes pode dar origem a uma Multiligação (ML) representada por uma Ligação a negrito. Pode existir mais de uma Multiligação entre duas Classes, cada uma reunindo um subconjunto de Ligações entre essas Classes (Fig. 2).
2.4.3. Atributo de Ligação e Atributo composto Quando é necessário qualificar uma Ligação, pode considerar-se um Atributo de Ligação entre Classes e os respectivos atributos de ligação entre Objectos. Um Atributo de Ligação mascara um Atributo de uma Classe que representa a Ligação em causa. A sua representação faz-se com um quadrado com um lado sobre a Ligação (Fig. 1). É possível agrupar vários Atributos num só, designado por Atributo Composto e representado por um rectângulo envolvendo os quadrados dos Atributos (Fig. 1).
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Fig. 2 – Representação gráfica das extensões dos TAD-HBDS
2.5. Dois Multigrafos e Arborescências no HBDS É importante referir os princípios matemáticos: Multigrafos e Arborescência. Existem dois Multigrafos, um para as Classes que tem como componentes os nós das Classes e as Ligações entre estas, e outro para os nós dos Objectos e ligações entre estes, os quais asseguram a separação clara entre os grafos das Classes e os grafos dos Objectos, não podendo haver qualquer conexão entre os dois Multigrafos. Deste modo se garante que as ligações entre Classes e ligações entre Objectos sejam disjuntas (Fig. 3) .
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Fig. 3 – Dois Multigrafos: Classes/Ligações e Objectos/ligações A Arborescência contém várias árvores que simbolizam as possíveis hierarquias representativas das heranças entre Classes do HBDS. As relações hierárquicas entre Classes são representadas por segmentos de recta a negrito entre essas Classes (Fig. 4). As heranças são simples: cada Classe-filha tem apenas uma Classe-mãe. As Classes-filha acumulam implicitamente os Atributos das Classes-mãe.
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Fig. 4 – Arborescência com duas árvores representando as heranças no HBDS
2.6. Sintaxe dos TAD Os TAD-HBDS têm uma sintaxe própria para que possam ser utilizados em algoritmia. Segue-se, no Quadro 1, a exposição da sintaxe dos TAD com a EBNF (Extended Backus Naür Form), que utilizaremos ao longo deste artigo e um exemplo do domínio automóvel com esquema gráfico (Fig. 5).
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Quadro 1 – Sintaxe EBNF dos TAD-HBDS
2.7. Operações sobre os TAD-HBDS Os Tipos Abstractos de Dados do HBDS estão sujeitos às seguintes operações: Criar e Eliminar; Modificar; Destruir e Recuperar; Hibernar e Ressuscitar. As três primeiras são as mais usuais. A operação Criar constitui lógica e fisicamenete o TAD, criando a sua persistência, ou seja, a sua existência em memória secundária, internamente identificável através de um endereço. A operação Destruir executa a destruição lógica do TAD que continua a existir fisicamente e se pode Recuperar. A operação Hibernar permite ocultar o TAD que continua a existir lógica e fisicamente e que se pode Ressuscitar. As operações Recuperar e Ressuscitar devolvem o TAD ao seu estado original. A operação Eliminar, exclui lógica e fisicamente o TAD, terminando o seu estado de persistência.
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Criar
Eliminar
C
ü
A
Modificar
Destruir
Recuperar
Hibernar
Ressuscitar
ü
ü
ü
ü
ü
ü
ü
ü
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L
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l
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Quadro 2 – Operações válidas sobre os TAD-HBDS No Quadro 2, indica-se para cada TAD as operações que são válidas. Os TAD C, A, L e O têm um nome, como um símbolo, sem valores, e permitem as operações Criar, Eliminar, Destruir, Recuperar, Hibernar e Ressuscitar. Os TAD a (de tipo Inteiro, Real, Booleano, Cadeia de caracteres, Tabelas, ... , Algoritmo) e l (de tipo Booleano - a ligação entre Objectos é Verdadeira - True quando existe entre dois Objectos e é Falsa - False - quando não existe) têm um nome e têm valores que podem variar com a operação Modificar. No contexto deste artigo, vamos utilizar as operações Criar, Eliminar e Modificar, representadas pelos símbolos: ↑, ↓ , ←. Para construir a estrutura HBDS da Fig. 5, utiliza-se a sintaxe indicada no Quadro 3.
Quadro 3 – Criação de estrutura HBDS 24
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Fig. 5 – Estrutura gráfica HBDS correspondente às operações do Quadro 3 com Operador CONTROLO_VEL
2.8. Outras abordagens aos TAD-HBDS O HBDS tem sido objecto de vários estudos que lhe têm ampliado a sua área de intervenção. A transformação automática de estruturas foi estudada por Jean Révélat [11], o que permitiu estabelecer as normas e a algoritmia da transformação dos TAD-HBDS, como por exemplo, a transformação de um Atributo em Classe ou de uma Ligação em Classe e as consequentes transformações entre os TAD associados. O contributo de Lofti Zadeh com os Fuzzy Data [12] (Dados Vagos) fez com que Bouillé estudasse a sua aplicação ao HBDS [13] de tal modo que se pode considerar que um Objecto tem uma relação de pertença “fuzzy” (vaga) a uma Classe. Os conceitos dos Expert Systems (Sistemas Periciais) foram também introduzidos no HBDS criando os Structured Expert Systems [14]. Os TAD-HBDS têm sido muito utilizados em modelização [15], [16] e suporte de software [17] de Sistemas de Informação Geográfica.
3. Operadores associados aos TAD 3.1. Introdução ao conceito de Operador associado ao TAD Ao associar um conjunto de condições e de acções a um TAD, as quais podem ser executadas automaticamente quando o estado do TAD for alterado, através de uma ou mais operações permitidas sobre este, conferimos um certo Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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conhecimento associado ao TAD, que representamos como um Operador associado a esse TAD (O·TAD). O O·TAD tem um algoritmo (código a ser executado) que traduz as condições e acções associadas ao TAD. Quando uma operação altera o estado do TAD, é feita automaticamente a verificação da existência de algum Operador associado a este TAD, e se as condições expressas na definição deste Operador se verificarem, são executadas as correspondentes acções.
3.2. Definição de O·TAD 3.2.1. Definição de O·TAD com EBNF Definimos Operador (O) associado a um TAD (O·TAD) , com um nome que o identifica e com um n-pleto de cinco componentes, descritos no Quadro 4 e explicados no ponto seguinte.
Quadro 4 – Sintaxe EBNF da definição dos Operadores associados aos TADHBDS 26
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3.2.2. Os cinco componentes que definem um (O·TAD) 3.2.2.1. O tipo dos Operadores e sua representação gráfica O <tipo de O> pode ser de tipo conjunto e de tipo elemento. O Operador é <O tipo conjunto> quando for associado aos TAD – C, A, L – (TAD conceptuais), dizendo respeito respectivamente aos TAD-realização – O, a, l – sendo assim três os Operadores de tipo conjunto – O·CO, O·Aa e O·Ll –. Estes Operadores de tipo conjunto são executados automaticamente da seguinte forma: O·CO – executa-se quando for realizada uma operação permitida (Criar | Eliminar | Criar, Eliminar) sobre o TAD-realização O, indicada na componente <operações> do n-pleto que o define; O·Aa – executa-se quando for realizada uma operação permitida (Modificar) sobre o TAD-realização a, indicada na componente <operações> do n-pleto que o define; O·Ll – executa-se quando for realizada uma operação permitida (Modificar) sobre o TAD-realização l, indicada na componente <operações> do n-pleto que o define. O Operador é <O tipo elemento> quando individualmente for associado a um dos seis TAD – C, A, L, O, a, l – sendo assim seis os Operadores de tipo elemento – O·C, O·A, O·L, O·O, O·a e O·l. Os Operadores do tipo elemento são executados automaticamente quando for realizada uma operação sobre o respectivo TAD associado, da forma seguinte: - O·C, O·A, O·L e O·O – cada um destes Operadores executa-se quando for realizada a única operação permitida (Eliminar) sobre o TAD a que está respectivamente associado – C, A, L e O –, indicada na componente <operações> do n-pleto que os define. Neste contexto, não é possível considerar a operação Criar sobre os TAD C, A, L e O, uma vez que estes TAD não existindo, não poderiam ter associado Operador algum para ser executado; - O·a e O·l - executam-se quando for realizada a única operação permitida (Modificar) sobre o TAD-realização a que está respectivamente associado – a, l –, indicada na componente <operações> do n-pleto que os define. O O·TAD é representado graficamente por duas circunferências concêntricas e um ponto de associação que o fixa à representação gráfica do TAD. Na Fig. 6, representam-se os Operadores do tipo conjunto e de tipo elemento, na parte direita da figura. À esquerda, mostram-se os Operadores do tipo conjunto – O·CO, O·Aa e O·Ll – como Classes de Operadores e as realizações dos seus Objectos-Operadores – O·co, O·aa e O·ll – graficamente semelhantes aos outros, mas com o círculo interior de cor preta. As representações gráficas desses Objectos-Operadores das Classes de O tipo conjunto são mostrados, para uma melhor compreensão da actuação destes O tipo conjunto. Na prática, não se costumam representar, uma vez que esses Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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Objectos-Operadores existem implicitamente associados aos TAD-realização: - os O·co associados aos Objectos da Classe que tem associado um O·CO; - os O·aa associados aos atributos de Objecto, realizações do Atributo de Classe que tem associado um O·Aa; - os O·ll associados às ligações entre Objecto, realizações da Ligação entre Classes que tem associado um O·Ll;
Fig. 6 – Representação gráfica dos Operadores associados aos TAD-HBDS
3.2.2.2. O nome do TAD associado O <nome TAD associado> indica o nome do TAD sobre o qual uma operação permitida desencadeia a execução do Operador. Para os O tipo conjunto – O·CO, O·Aa e O·Ll – os nomes dos TAD associados são respectivamente os nomes de C, A e L. Para os O tipo elemento – O·C, O·A, O·L, O·O, O·a e O·l – os nomes dos TAD associados são respectivamente os nomes de C, A, L, O, a e l.
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3.2.2.3. A execução do Operador antes ou depois da Operação Quando uma Operação permitida sobre um TAD desencadeia um Operador a este associado, este Operador pode ser executado antes ou depois da Operação, conforme for necessário no contexto da aplicação do O·TAD em causa. 3.2.2.4. Operações sobre os TAD O componente <operações> indica as Operações que forem realizadas sobre um TAD que desencadeiam a execução do Operador associado a este TAD. Estas Operações podem ser Criar, Eliminar ou ambas, sobre os TAD C, A, L e O, e ainda Modificar sobre os TAD a e l. 3.2.2.5. O código do Operador A referência ao código do Operador que for executado é feita invocando um módulo com o nome do próprio Operador <nome O·TAD> ( ). 3.2.3. Exemplo de aplicação de O·TAD Consideremos um Operador que tenha como função avisar o condutor de uma viatura a circular que ultrapassou uma velocidade determinada, tendo como base a estrutura representada na Fig. 5. Para que todas os Objectos viaturas da Classe Viatura possam ter esse controlo de velocidade real, devemos optar por um Operador de tipo conjunto associado ao Atributo Velocidade_real (Quadro 5).
Quadro 5 – Exemplo de definição de um O·TAD A definição deste Operador traduz-se por: O Operador de nome CONTORLO_VEL é definido como sendo do tipo conjunto, associado ao Atributo AUTOMÓVEL · Velocidade_real, e deve ser executado depois do atributo de Objecto 44-PT-33 [AUTOMÓVEL] · Velocidade_real ser modificado, com o código contido em CONTROLO_VEL( ). A execução, deste código acontece quando for modificada a velocidade real do Automóvel, que é actualizada em tempo-real, com o módulo CONTROLO_ VEL( ) que detecta quando a velocidade real do Automóvel ultrapassa um certo Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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valor dado (Fig. 5). Salientamos que só se devem associar Operadores aos TAD dinâmicos que estiverem sujeitos a alterações de estado, ou seja, sujeitos a operações durante o seu ciclo de vida. Não faz sentido associar-se um Operador a um TAD estático que durante o seu ciclo de vida não sofra alteração alguma, pois este Operador nunca se iria executar.
3.3. Algoritmia dos O·TAD 3.3.1. Linguagem Algorítmica EXEL O código dos Operadores vai ser descrito pelo seu algoritmo, utilizando a linguagem algorítmica EXEL, proposta por Jacques Arsac [3], posteriormente estendida por François Bouillé e pelo autor [4]. O EXEL pretende descrever um algoritmo de forma independente das linguagens de programação e comporta um pequeno conjunto de símbolos que representam as instruções fundamentais da programação – atribuição, selecção e ciclo – escritas sequencialmente da esquerda para a direita, como um texto, separadas pelo símbolo ponto e vírgula – ; –, descritas no Quadro 6. Instruções
Significado
Exemplo
<var> ¬ <expr>
Atribuição ( variável é atribuída com o valor da expressão)
X ¬120
<c> ? <V> | <F> ¿
Selecção ( se a condição c é verdadeira executar as instruções V, senão executar as instruções F)
X > 100 ? X ¬ 100 |X ¬ 80 ¿
{ <c>? ! |¿ ; <instr> }
Ciclo (executa as instruções <instr> até que se verifique a condição c, saindo) ! – saída do nível onde se encontra (o ciclo)
i ¬ 0; { i>10 ? ! |¿ ; <instr> ; i ¬ i+1}
Quadro 6 – Instruções fundamentais do EXEL Existem outras variantes de selecção e ciclo, bem como notação para programação em paralelo, que não são apresentadas neste contexto. Os módulos de programação são representados pelo seu nome, com os parâmetros existentes em entrada, saída ou entrada e saída (Quadro 7).
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Quadro 7 – Módulos Procedimento e Função em EXEL 3.3.2. Módulos dos O·TAD São três dos tipos de módulos que contêm o algoritmo dos O·TAD, os quais têm um cabeçalho, constituído por nome do O·TAD e parâmetros de entrada, com quantificação e qualificação dos mesmos e um corpo com a descrição do algoritmo respectivo (Quadro 8).
Quadro 8 – Módulos dos O·TAD Os módulos dos O·TAD do tipo conjunto – O·CO ou O·Aa – têm um único parâmetro de entrada x, sendo este um qualquer Objecto da Classe C, Classe esta a que está associado o O·CO (x coincide com o Objecto O sujeito à operação Criar ou Eliminar que desencadear o Operador) ou O·Aa (x é o Objecto O de que a é atributo sujeito à operação Modificar que o Operador desencadear). Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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Os módulos dos O·TAD do tipo elemento – O·C, O·A, O·L, O·O, O·a e O·l – não têm parâmetros, pois o algoritmo acede directamente ao respectivo TAD a que está associado o Operador, através do seu nome.
3.3.3. Exemplo de algoritmo de um O·TAD e seu funcionamento Considerando o Operador definido no ponto 3.2.3., Quadro 5, CONTROLO_ VEL, para controlar a velocidade de uma viatura, emitindo um aviso ao condutor quando ultrapassa uma dada velocidade, vamos elaborar o seu algoritmo, tendo como limite de velocidade a não ultrapassar, os 120 Km/h (Quadro 9).
Quadro 9 – Algoritmo do Operador CONTROLO_VEL Com a definição do Operador CONTROLO_VEL e o seu algoritmo, fica completada a sua descrição. Tem-se em conta um sistema de engenharia e de informação, no qual cada automóvel em circulação possa ter sempre a sua velocidade real actualizada. Sempre que a Velocidade real de um automóvel x se modificar, o Operador CONTROLO_VEL executa-se, verificando se essa velocidade ficou superior a 120. Em caso afirmativo, executa-se Avisar Condutor( ). Em caso negativo não há lugar a qualquer acção a executar. A execução do Operador CONTROLO_VEL é automática quando varia a Velocidade real de um automóvel e não se executa se esta velocidade se mantiver constante, pois não é feita operação alguma de Modificação do atributo Velocidade real.
4. Sistemas de Decisão Autónomos O conceito definido de Operador associado aos TAD, juntamente com a representação da estrutura de dados persistente de um domínio de aplicação, 32
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permite criar estruturas de conhecimentos onde se representam conhecimentos sobre o comportamento dos TAD. Sempre que o estado destes TAD é alterado através de operações de Criar, Eliminar e Modificar (bem como as outras não exploradas no âmbito deste artigo: Destruir e Recuperar, Hibernar e Ressuscitar), os Operadores que contêm componentes de conhecimento, executam-se automática e autonomamente, dando origem a Sistemas que denominamos de Sistemas de Decisão Autónomos (SDA). Estes Sistemas de Decisão são Autónomos pois podem definir-se os Operadores associados aos TAD que forem necessários, para representar, de forma persistente e autónoma, os conhecimentos traduzidos pelas acções que devem ser activadas, sempre que forem verificadas condições definidas em domínios de aplicação considerados. O funcionamento autónomo dos Operadores associados aos TAD, resulta da sua execução ser desencadeada na consequência de alterações do estado desses TAD, os quais representam os objectos reais ou conceptuais de um domínio de aplicação. A definição de Operadores associados aos TAD, num certo domínio de aplicação, pode ser feita em tempo real, mesmo durante a vida do sistema em causa, sempre que se entenda útil, podendo assim juntar-se a um SDA novos componentes de conhecimento.
5. Caso de aplicação dos O·TAD: SDA no controlo de velocidades de viaturas em circulação 5.1. Controlo da Velocidade real da Viatura ao circular num Troço Consideremos o caso do controlo de velocidades reais de viaturas em circulação em troços de vias, em relação à velocidade máxima permitida em cada um deles. No sistema viário e nas viaturas, devem existir os componentes técnicos necessários para que um sistema de engenharia e de informação central possa ter a imagem das viaturas, suas posições e velocidades reais, bem como todas as vias e troços onde circulam, com as respectivas velocidades máximas permitidas. Representamos na Fig. 7 a estrutura HBDS resultante das seguintes operações, já iniciadas no ponto 2.7, Quadro 3, agora actualizado no Quadro 10. São criadas: As Classes Viatura, Via e Troço; Os Atributos da Viatura, Marca e Velocidade real; O Atributo da Via, Comprimento; Os Atributos do Troço, Comprimento e Velocidade máxima permitida; As Ligações entre Classes, Viatura circula no Troço e Troço pertence à Via; Os Objectos 44-PT-33 da Classe Viatura, Estrada Nacional n.º 9 – EN9 – da Classe Via e os Troços n.º 1 e n.º 2 – TR1 e TR2 – da Classe Troço. Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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São modificadas para verdadeiras as ligações entre Objectos, Viatura 44TP-33 circula no Troço TR1 e o Troço TR1 pertence à Via EN9; São modificados os atributos de Objectos, Velocidade máxima permitida dos Troços TR1 e TR2 e Velocidade real da Viatura 44-TP-33, aos quais são atribuídos 80, 60 e 80 km/h, bem como o atributo Marca da Viatura criada, com o valor “BMW”. O atributo Velocidade máxima permitida do Troço TR1 é estático, pois após a sua atribuição de valor 80, este não varia ao longo do tempo (em circunstâncias normais), enquanto que o atributo Velocidade real da Viatura é dinâmico, já que varia conforme a aceleração que é imprimida à Viatura.
Quadro 10 – Criação da estrutura HBDS da Fig. 7
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Fig. 7. – Operadores de controlo da Velocidade Real de uma Viatura em circulação com mudança de Troço Neste contexto, criamos um O·TAD que permite controlar a velocidade real de viaturas em circulação em troços de vias, em relação à velocidade máxima permitida em cada um dos troços causa. Para considerarmos todas as viaturas que circulem em todos os troços, devemos optar por um O·TAD do tipo conjunto, O·Aa, associado ao TAD Atributo dinâmico da Classe Viatura – Velocidade real. Apresentamos este Operador CONTROLO_VELR, a sua definição e o seu algoritmo, no Quadro 11.
Quadro 11 – Definição e Algoritmo do Operador CONTROLO_VELR Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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O Operador CONTROLO_VELR executa-se automaticamente quando a operação Modificar se efectivar sobre o atributo de Objecto da Classe viatura – Velocidade real – ou seja, quando for alterada a sua Velocidade real. Analisemos a mudança de Velocidade real da Viatura 44-PT-33. Se esta se mantiver em velocidade constante de 80 km/h, como não há alteração, o O·Aa não se executa. Caso a Velocidade real se altere, o O·Aa executa-se. Consideremos que o registo da alteração da Velocidade real se dá de 5 em 5 km/h. Quando a Viatura aumentar a sua Velocidade real de 80 para 85 km/h, o O·Aa CONTROLO_VELR dispara, executando o seu algoritmo. Este algoritmo executa-se depois da operação de Modificar a Velocidade real para 85, para X = 44-PT-33 e utiliza um functor2 denominado PROCURA, que tem como parâmetro de entrada o Objecto 44-PT-33[VIATURA] e como parâmetro de saída o resultado de uma busca feita por este functor, segundo a Ligação VIATURA circula no TROÇO, que resulta no Objecto Y = TR1 do TROÇO. Em seguida, verifica se a Velocidade real (85 km/h) da Viatura 44-PT-33 ficou superior à Velocidade máxima permitida (80 km/h) no Troço TR1 e resultando verdadeiro, executa Avisar Condutor( ). No caso desta Velocidade real descer para 75 Km/h ou inferior, o Operador CONTROLO_VELR dispara, executando o seu algoritmo, mas como a Velocidade real está dentro do limite permitido, não é executada acção alguma. O módulo Avisar Condutor( ), pode ter a implementação que se desejar, seja um simples aviso sonoro, uma mensagem verbal, ou mesmo conceber-se um sistema mais complexo de avisos sucessivos e consequentes penalizações.
5.2. Controlo da Velocidade real de uma Viatura ao mudar de Troço Uma vez resolvida a questão do controlo da velocidade de viaturas a circular num troço, vamos agora procurar a solução para uma viatura que circula num troço à velocidade máxima permitida e, ao sair desse troço, entre noutro com uma velocidade permitida inferior à do troço anterior. Suponhamos que a viatura circula à velocidade real de 80 km/h, sai do troço TR1 com velocidade máxima permitida de 80 km/h e entra no troço TR2 com velocidade máxima permitida de 60 km/h (ligação a tracejado na Fig. 7). Se a viatura reduzir a velocidade, o Operador considerado origina avisos ao condutor até à velocidade estar dentro do limite permitido; se aumentar a sua velocidade, o resultado será o mesmo. Mas se a viatura mantiver a velocidade real de 80 km/h ao entrar no novo troço TR2, fica a circular acima do limite permitido de 60 km/h. O Operador O·Aa CONTROLO_VELR não dispara, pois não existe alteração do estado do 2
Um functor é um tipo especial de mapeamento entre categorias da Teoria das Categorias. Bouillé utiliza o functor para obter resultados de pesquisas em estruturas HBDS.
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atributo 44-PT-33 [VIATURA]· Velocidade_real a que está associado. Para encontrar a boa solução é necessário observar o que mudou de estado, pois é esta alteração que podemos controlar. Foi a mudança de Troço que originou esta situação ilegal que o SDA implementado não solucionou. A mudança de Troço é realizada na estrutura de dados persistente pela alteração da ligação entre os objectos 44-PT-33 [VIATURA] e TR2[TROÇO], que se modifica para verdadeira e da ligação entre os objectos 44-PT-33 [VIATURA] e TR1[TROÇO] que se modifica para falsa. Consequentemente, na Fig. 7, esta primeira ligação desaparece e a segunda, que está representada a tracejado, fica a traço contínuo. Neste contexto, a solução é considerar um novo Operador do tipo conjunto associado à Ligação entre as Classes Viatura e Troço – O·Ll – de nome CONTROLO_TROÇO (Quadro 12 e Fig. 7).
Quadro 12 – Definição e Algoritmo do Operador CONTROLO_TROÇO Na mudança de troço da viatura, o Operador CONTROLO_TROÇO é disparado duas vezes. A primeira, acontece quando a viatura sai do troço TR1, pois a ligação 44-PT33 [VIATURA] circula_no TR1[TROÇO] é modificada para falso (não existente), dando origem à execução do O·Ll CONTROLO_TROÇO. Por isso, o algoritmo deste Operador começa por verificar se a ligação X [VIATURA] circula_no Y[TROÇO] é falsa e, no caso afirmativo, sai do módulo sem executar qualquer acção (por efeito do símbolo do EXEL – ! – ). Este Operador dispara, pela segunda vez na mudança de troço, quando a viatura entra no troço TR2, uma vez que a ligação 44-PT-33[VIATURA] circula_ no TR2[TROÇO] é modificada para verdadeiro (existente). Assim, o algoritmo que verifica que esta ligação é verdadeira, não sai do módulo e com o teste já conhecido do Operador CONTROLO_VELR, que controla a velocidade real da viatura para saber se está dentro do limite permitido, avisa o condutor quando tal não acontecer.
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5.3. Outros aspectos do Controlo de velocidade Apresentámos soluções para o controlo da velocidade de viaturas circulando em troços. No desenvolvimento de uma solução mais abrangente, outros aspectos podem ser contemplados, tais como: - ter em conta as viaturas que têm o seu próprio limite máximo de velocidade; - desenvolver um sistema de penalizações, quando as infracções persistem, tendo em conta o estado da viatura e da carta do condutor; - considerar o sistema viário no seu todo, com os seus tipos de vias; - considerar a Hiperclasse das Viaturas e as outras Hiperclasses ou Classes nela contidas, como os Veículos Ligeiros, os Veículos Pesados e demais categorias.
6. Conclusão Fizemos a apresentação de um modelo em que se consideraram componentes de conhecimentos representados pelos Operadores em forma de condições e acções associados aos Tipos Abstractos de Dados persistentes, através dos TADHBDS. Para tal, introduziram-se sumariamente os princípios e os conceitos do HBDS (Hipergraph-Base Data Structure) e a linguagem algorítmica EXEL e descreveu-se detalhadamente a definição, sintaxe e algoritmia dos O·TAD. Mostrámos como construir um Sistema de Decisão Autónomo (SDA), com o recurso dos O·TAD no seio de uma estrutura de dados persistente, com uma componente conceptual gráfica, que pode existir numa Base de Dados / Base de Conhecimentos. Por último, construímos alguns aspectos de um SDA com O·TADHBDS, mostrando como se podem considerar componentes de conhecimento, associando-os a Tipos Abstractos de Dados que descrevem o mundo real ou conceptual de forma persistente, num modelo que tem uma autonomia de comportamento reactivo às alterações do seu estado.
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ReacT-MDD – Rastreabilidade Reactiva de Artefactos no Desenvolvimento de Sistemas de Informação Marco Costa Doutor em Engenharia Informática e de Computadores (Instituto Superior Técnico) Alberto Rodrigues da Silva Doutor pelo Instituto Superior Técnico Investigador no INESC - ID e Professor Associado no IST/UTL
Resumo: A aproximação emergente MDD (Model Driven Development) preconiza o desenvolvimento de código a partir de modelos descritos pela linguagem UML ou seus dialectos. São necessários mecanismos que permitam a rastreabilidade entre os modelos criados, a vários níveis conceptuais, e o código gerado. Os modelos podem ser explicitados por diferentes diagramas, com possíveis relações entre si. Apesar de já existirem algumas ferramentas que realizam a sincronização entre código e modelos, em pequena escala, são porém uma tecnologia proprietária e fechada ao utilizador. Propõe-se neste trabalho um modelo teórico para a rastreabilidade reactiva, consubstanciado pela framework ReacT-MDD. Palavras-chave: MDD, UML, Rastreabilidade. Abstract: The MDD (Model Driven Development) approach, favors the development of code starting at models, eventually described by the UML language. Not only the produced code, but also the remaining artifacts are part of the solution, at the development, operation and maintenance stages. Models may be defined by diagrams, with different relations between them. There are already some tools that achieve some kind of synchronization between code and models, in small scale, but this is not the main focus of this kind of tools. In this research paper, we propose a mechanism that allows traceability between all artifacts during all project stages, not regarding its conceptual level. The ReacTMDD framework is a contribution to link all kinds of artifacts in the application development context.
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Marco Costa
1 Introdução O desenvolvimento de sistemas de informação é um campo suficientemente complexo para que exista uma grande diversidade de ferramentas usadas em todas as fases do ciclo de vida das aplicações que dele fazem parte e.g., compiladores, editores de texto, editores gráficos, controladores de versões, instaladores, produtores de instaladores, geradores de código, geradores de documentação de código, gestores de requisitos. Todas estas ferramentas produzem elas próprias novos dados que devem ser mantidos ao longo do tempo, com possíveis alterações. Infelizmente a sua integração está longe de ser total e, mesmo os produtos mais completos, não cobrem todas as necessidades. A manutenção dos artefactos gerados (i.e. os produtos resultantes da utilização de cada uma das ferramentas) torna-se assim em mais um aspecto a ter em conta no próprio processo de desenvolvimento. Considerando o processo de desenvolvimento de uma perspectiva sistémica, o aumento de artefactos pode levar ou não a um aumento da entropia do sistema. Se existirem ferramentas que os interligam de forma automática, relacionando-os inequivocamente, os conjuntos entretanto criados comportam-se como um único artefacto naquilo que diz respeito à sua coerência (mantendo-se constante a entropia do sistema, segundo a mesma analogia). Para o problema em causa, é relevante considerar uma aplicação desenvolvida através de um processo envolvendo o uso de modelos, ao longo de diversas fases. Os modelos criados podem referir-se a diversos níveis conceptuais, sendo o sistema modelado subjacente o mesmo. Propõe-se a divisão dos artefactos do sistema aplicacional em dois tipos: artefactos conceptuais e operacionais. O primeiro tipo representa todos os artefactos que não estão directamente envolvidos na operação do sistema (e.g. classe de domínio, tabela relacional contida num diagrama de tabelas, descrição de um requisito). Inversamente o segundo tipo representa todos os elementos que podem eventualmente existir durante a operação da aplicação (e.g. classe C# da aplicação, tabela relacional numa base de dados usada pela aplicação). Desta classificação resulta que as alterações ao sistema, i.e. aos seus artefactos, podem ser sobre qualquer um dos tipos anteriores. Essas alterações sobre um dado artefacto podem implicar a alteração de outros artefactos que Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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estejam com ele relacionados (mesmo que estes pertençam a diferentes tipos de artefactos). Quando as alterações são feitas sobre artefactos conceptuais é muito provável que estas tenham de ser propagadas para os artefactos operacionais correspondentes. Os processos de geração automática favorecem este tipo de alterações permitindo em muitos casos uma actualização simples dos artefactos operacionais subjacentes [5, 10]. Das alterações, normalmente mais frequentes, sobre artefactos operacionais podem advir incoerências entre estes e os artefactos conceptuais, caso não sejam acauteladas as acções necessárias. Destas incoerências resulta um óbvio desfasamento entre a documentação do sistema e os seus artefactos operacionais. Uma alteração à estrutura de uma aplicação pode ter consequências não evidentes à partida. Como exemplo, tome-se uma alteração ao nome de uma classe Java. Não só todas as referências da aplicação a essa classe têm de ser alteradas (o que é conseguido usualmente pelo IDE) como pode ser necessário alterar todos os diagramas e demais artefactos documentais que referenciam essa classe. Alternativamente pode também ser necessário deixar inalterados os nomes correspondentes em modelos que lhe dizem repeito, estabelecendo-se uma relação entre eles. Essa relação entre artefactos com conteúdo diferente (na medida em que podem ser outros atributos para além do nome a serem alterados, e.g., o tipo de acesso) após ser estabelecida pode ser verificada e mantida. Para resolver os problemas anteriores a tecnologia existente não é suficiente. Existem já geradores de código a partir de modelos [5, 6] mas essa abordagem não resolve o problema de ter de manter o código já realizado. É necessário algo mais, um modelo de coerência comum e uma nova classe de aplicações que permita, de forma aberta ao utilizador, definir as regras de rastreabilidade necessárias entre os diversos elementos do sistema em causa, mantendo-se assim a sua coerência. Deverá igualmente estar associado um mecanismo que verifique a todo o momento essa coerência, permitindo tomar as decisões necessárias. Neste trabalho é apresentado um modelo teórico para o tratamento da rastreabilidade reactiva. O modelo descrito foi aplicado na framework ReacT-MDD [1,2] cujos conceitos introdutórios são igualmente explicados. 2. Artefactos e Rastreabilidade Os artefactos produzidos no âmbito do desenvolvimento de aplicações não devem ser considerados apenas meios para atingir um fim, neste caso a aplicação propriamente dita. Todos os diagramas, descrições textuais, ou outros artefactos necessários à compreensão do sistema, são também parte da solução do problema. Estes artefactos devem, por isso, permanecer actualizados apesar de todas as alterações produzidas pela utilização da aplicação ou por outros factores externos (e.g., novos requisitos resultantes de mudança no negócio). A justificação para esta afirmação é evidente se se considerar que a vida útil de uma 46
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aplicação pode conter um número elevado de versões e o seu desenvolvimento deve ser constantemente dirigido por modelos. Se os modelos não reflectirem o estado actual do código implementado, o desenvolvimento pode ser feito sem que os modelos sejam actualizados, com as consequências óbvias para o futuro da aplicação. Nesse caso os modelos de nada servem, constituindo apenas um conjunto de esquemas e textos sem sentido. Porém, à medida que forem sendo produzidas novas alterações, a complexidade das aplicações for aumentando, as soluções encontradas tornarem-se cada vez mais particulares ao contexto específico, e as equipas forem enquadrando novos elementos, será cada vez mais questionável a opção tomada. Neste ponto pode já ser tarde demais para a equipa voltar a actualizar os modelos anteriormente criados, sendo eventualmente mais simples criar uma nova aplicação de raiz, eliminando os erros de concepção entretanto encontrados. Apesar desta constatação, a experiência mostra que nem sempre existe uma consciência por parte dos profissionais do sector para a importância da totalidade dos artefactos [3, 4]. O problema não se resume a tornar a documentação de uma aplicação coerente com a aplicação propriamente dita. Pode acontecer igualmente que duas aplicações partilhem uma parte de um modelo conceptual que deve também ser mantido e ambas devem reflectir eventuais alterações ao modelo, ou pelo menos deve existir uma forma de entender em que é que uma aplicação não está de acordo com o modelo. De uma forma genérica, é importante ser assegurado que cada um dos artefactos existentes não entra em contradição com os restantes, ou seja que se mantém coerente. 3. Modelo Teórico da Rastreabilidade No contexto do presente trabalho, designa-se por projecto não só um dado programa, ou conjunto de programas, como a entidade que agrega todos os artefactos que estão relacionados directamente com: a) a sua justificação, b) o tratamento de dados que realiza, c) os aspectos tecnológicos que lhe estão inerentes, d) o envolvimento humano necessário e e) a documentação necessária à produção, manutenção e operação da mesma. Designa-se por elemento do projecto, qualquer conceito que seja necessário à definição, ou operação, do projecto. Designa-se por artefacto uma qualquer realização física de um elemento do projecto. Um elemento do projecto pode existir em mais do que um artefacto e um artefacto pode realizar mais do que um elemento do projecto. Alternativamente, pode considerar-se artefacto qualquer conjunto de símbolos, organizado segundo uma estrutura conhecida, que existe num dado período de tempo, num dado suporte, com o propósito de instanciar um conjunto de conceitos. Um artefacto pode incluir outros artefactos (e.g., a representação duma classe num diagrama de classes pode ser considerada ela própria um artefacto). Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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Um suporte é qualquer meio em que possa existir um certo tipo de artefactos (e.g., ficheiro de texto, tabelas de definição de uma base de dados num SGBD, repositório de uma ferramenta CASE).
Fig. 1. Metamodelo dos conceitos básicos da rastreabilidade entre artefactos Considera-se modelo um conjunto de elementos do projecto, que podem incluir relações entre eles (elas próprias sendo elementos). Um modelo é uma simplificação da realidade que, neste contexto, deve incluir todos os conceitos relevantes (do problema tratado no contexto do projecto) e apenas estes. Considera-se vista uma forma de seleccionar, relacionar ou designar, um conjunto de conceitos da aplicação. A vista poderá ser indicada resumidamente como qualificador de um modelo (e.g., modelo físico que representaria abreviadamente uma vista física de alguns elementos da aplicação, ou ainda um modelo dos elementos da aplicação com realização física). Um diagrama é também um artefacto com a informação gráfica e lógica dos conceitos representados. Um metamodelo é um modelo que define um conjunto de conceitos presentes em modelos. 3.1 Relações de Dependência Conforme foi considerado anteriormente, um artefacto pode conter outros artefactos. Importa agora considerar as diversas relações que se podem estabelecer entre esses artefactos. Considera-se que dois artefactos são equivalentes quando têm a mesma representação dos respectivos conceitos. Na Fig. 4, mesmo considerando que as classes Person e Human representam o mesmo conceito, pode-se afirmar que os artefactos 1 e 2 não são equivalentes.
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Artefacto 2
Artefacto 1
Artefacto 4 Person
Human
Human
Person
Name BirthDate
Name BirthDate
Name BirthDate
Name BirthDate
Artefacto 3
Artefacto 5 Human Name BirthDate
Artefactos Não Equivalentes Artefactos Equivalentes
Artefactos Não Equivalentes Artefacto 6
Artefacto 7
Artefacto 8
Human
Person
Person
Name BirthDate
Name BirthDate
Artefacto 9 Human Name BirthDate
Name Age Human is alias of Person
Person is alias of Human
Artefactos Não Relacionados Quanto à Coerência
Person is alias of Human
Artefactos Não Equivalentes
Artefactos Não Equivalentes
Artefactos Coerentes
Artefactos Não Coerentes
Human is alias of Person
Fig. 2. Equivalência entre artefactos A relação de equivalência é pouco interessante na medida em que é demasiado restritiva caso se queira modelar contextos de alguma complexidade. Neste tipo de contextos existe por vezes a necessidade de se criarem sinónimos para conceitos que são usados sob perspectivas diferentes. Nesse caso, o facto de os artefactos não serem equivalentes não significa que os conceitos não estão representados de forma coerente. Os artefactos 4 e 5 representam duas classes, em diferentes artefactos, que apesar de parecerem representar o mesmo conceito não têm informação associada que permita justificar essa afirmação. Não existe nenhuma relação de coerência sobre os dois artefactos que os permita relacionar quanto ao conceito que representam. Assim sendo não podem ser considerados coerentes. Os artefactos 6 e 7 possuem informação associada que permite afirmar a coerência entre eles. Pelo contrário, os artefactos 8 e 9, sendo diferentes perspectivas da mesma classe, ao terem uma definição dos atributos diferente não são coerentes. 3.2 Conceitos Para que a relação de coerência seja melhor definida, serão considerados em seguida alguns conceitos. Seja T o conjunto dos artefactos presentes num dado domínio W, definido como o conjunto de aplicações tratadas. Considera-se a ausência de artefactos designada por tÆ, sendo tÆ Î T. Considera-se uma expressão E(t*) sobre um conjunto de artefactos t* qualquer expressão possível no contexto da definição Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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desses artefactos, sendo o seu valor calculável. Uma expressão E(t*) compreende usualmente os valores dos tipos básicos admissíveis (e.g., int, string ou bool), qualquer objecto cuja definição exista nesse âmbito, bem como operações aritméticas, lógicas ou outras que estejam definidas. Uma expressão E(t*) pode ser igualmente um valor constante (numérico ou outro qualquer). Considera-se por V o conjunto de todos os valores possíveis para as expressões produzidas sobre os artefactos duma aplicação, podendo afirmar-se que E: T ® V. Considere-se a relação binária identidade entre valores designada por « e que resulta num valor booleano true caso ambas as expressões se refiram ao mesmo valor. Se, neste contexto, os elementos relacionados são objectos, o valor refere-se à identidade dos objectos, ou seja, se eles são o mesmo objecto. Apesar da relação binária identidade relacionar expressões pode dizer-se que estas são sempre convertidas em valores, após a sua avaliação, pelo que é possível dizer-se que « verifica as seguintes propriedades: é reflexiva, ou seja, aÎ V: a « a « é simétrica, ou seja, a, b Î V: a « b Þ b « a « é transitiva, ou seja, a, b, c Î V: a « b e b « c Þ a « c Como simplificação considere-se agora apenas as expressões sobre um artefacto E(t). Nesse caso, uma relação de coerência entre os artefactos tx e ty é definida por uma expressão: Em(tx) « En(ty) ; tx ,tyÎ T (1) Generalizando para mais de dois artefactos, é possível definir uma regra de coerência entre dois conjuntos de artefactos t*x e t*y como sendo: Em(t*x) « En(t*y) ; t*x , t*y Í T (2) Embora seja possível definir relações de coerência entre mais de dois artefactos, serão estas as relações consideradas doravante. Quando dois artefactos tx e ty possuem uma relação de coerência, esta pode ser usada para definir um rasto, rR: r(tx , ty) Û Em(tx) « Em(tx) ; tx , ty Î T; m,n ÎN
(3)
sendo R: V ´ V ® {true, false} e pode ler-se como: o rasto r entre os artefactos tx e ty está definido pela relação de coerência Em(tx) « Em(tx) e o seu valor, num dado momento, é true se a avaliação das duas expressões Em(tx) e Em(tx) resulta em valores idênticos, ou false caso contrário. Designa-se como valor do rasto r, num dado momento, val(r) ao resultado da avaliação da relação de coerência respectiva. O rasto pode ser ou não válido, num dado momento. Por isso o seu valor pertence ao conjunto dos valores lógicos {true, false}. Note-se que quando um rasto não está definido não é possível dizer-se que o seu valor é true, nem sequer false. Pode considerar-se que dois artefactos ti e tj são coerentes quanto ao rasto rx quando, num dado momento, a relação de coerência que o define é válida. Verifica-se que rx (ti , tj) 50
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pode ser eventualmente diferente de rx (tj , ti). Como exemplo, considere-se o rasto:
r(ti , tj) Û NrClasses(ti) « NrTabelas(tj) ; ti , tj Î T
(4)
sendo: ti uma colecção de classes Java, tj uma base de dados, e as operações que calculam o número de classes e o número de tabelas presentes no artefacto respectivo. No exemplo anterior é evidente que o rasto r(tj , ti) com a mesma definição não seria idêntico ao anterior, caso pudesse sequer ser definido. Logo pode dizerse que, apesar da definição das relações de coerência serem simétricas, os rastos não o são (5) r(ti , tj) ≠ r(tj , ti) Dois artefactos podem ter mais do que um rasto definido entre eles. Considera-se o subconjunto R<ti , tj> de R definido como o conjunto de rastos definidos de ti para tj. Similarmente considera-se o subconjunto R<ti> de R definido como o conjunto de rastos no qual o artefacto ti participa. Pode considerar-se que dois artefactos são genericamente coerentes de ti para tj, num dado momento, quando todos os rastos existentes de ti para tj são válidos: (6) r ÎR< ti, tj >: val(r(ti, tj)) = true Por extensão, pode considerar-se que dois artefactos são genericamente coerentes, num dado momento, quando todos os rastos existentes envolvendo os dois artefactos são válidos: (7) r ÎR< ti, tj >: (val(r(ti, tj)) = true) Ù (val(r(tj, ti)) = true) Um rasto r(ti, tj) pode ocorrer entre artefactos que realizam conceitos de um metamodelo (e.g., classe C# e tabela relacional). Quando tal acontece diz-se que r(ti, tj) é um meta-rasto entre ti e tj. Nesse caso val(r(ti, tj)) é dado pela verificação simultânea de um subconjunto do produto interno das realizações de ambos os grupos de artefactos. A sincronização, como chamar-se-á à actividade de manter a coerência entre os diversos artefactos, deverá ser realizada de forma a que as alterações realizadas sobre um elemento sejam propagadas a todos os artefactos relacionados quanto à coerência. 3.3 Rastreabilidade O significado usual do termo rastreabilidade é demasiado vago, quando aplicado ao contexto dos sistemas de informação. Definições como “a possibilidade de identificar a origem de um produto e de reconstituir o seu percurso desde a produção até à distribuição”[7], ou “a capacidade de relacionar cronologicamente entidades univocamente identificáveis e de uma forma relevante”[8], ou ainda “de que forma uma relação pode ser estabelecida entre dois ou mais produtos Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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do processo de desenvolvimento, especialmente produtos tendo relações dos tipos predecessor-sucessor ou grupo-detalhe”[18], têm de ser contextualizadas para que o seu significado possa ser compreendido e aplicado. Considerando os conceitos anteriormente definidos consideramos rastreabilidade como a acção de verificar os rastos existentes para um grupo de artefactos, tendo em vista um ou mais dos seguintes objectivos: Análise de sensibilidade – Quando se realiza uma modificação ou eliminação (e em casos especiais uma criação) de um artefacto a rastreabilidade pode ser usada para se entender, quais as implicações que essa acção terá nos outros artefactos, i.e., quais os artefactos afectados pela mesma; Validação de requisitos – A validação de um requisito pode ser feita seguindo os rastos necessários, do artefacto que contém o requisito até aos testes e respectivos resultados (eles próprios igualmente artefactos); Verificação de conformidade – Os artefactos de código podem estar ou não de acordo com os modelos respectivos, sendo essa verificação feita a partir da validação dos rastos entre artefactos de código e artefactos dos modelos; Pesquisa documental – A rastreabilidade pode ser usada para o conhecimento técnico da estrutura de uma aplicação, seguindo-se os rastos entre um dado artefacto e os demais. Assim sendo, tomada como uma actividade, a rastreabilidade não tem como fim realizar alterações a uma aplicação, mas sim obter um determinado tipo de informação sobre a estrutura dessa aplicação. É também possível dizer-se que uma aplicação é rastreável ou um grupo de artefactos é rastreável, usandose a rastreabilidade como uma propriedade. Na verdade, quando se usa a rastreabilidade como um qualificador, está-se a afirmar que sobre essa aplicação ou grupo de artefactos é possível realizar uma operação de rastreabilidade. Estabelecendo uma analogia com a linguagem SQL, a rastreabilidade seria comparável a uma operação select, enquanto a sincronização seria comparável às operações insert, update e delete. A rastreabilidade pressupõe uma sincronização prévia visto que para que uma aplicação seja rastreável é necessário que os seus artefactos estejam num estado coerente, i.e., que as relações de coerência definidas sejam válidas nesse momento. Caso contrário os resultados obtidos não serão exactos. A qualidade da rastreabilidade está por isso dependente da qualidade da sincronização. Por sua vez, a sincronização pressupõe que as relações de coerência entre os artefactos estejam criadas correctamente. A qualidade da sincronização depende da exactidão e completude da definição das relações de coerência entre os artefactos. 4 Componente Reactiva da Rastreabilidade Como foi referido, tanto a rastreabilidade como a sincronização são operações que podem ser realizadas num determinado momento. Existem três 52
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formas de agendar a execução destas operações: execução num intervalo de tempo, em momentos pré-determinados e através de eventos. Na execução num intervalo de tempo esta pode ser repetida a cada intervalo de tempo constante. Com a execução em momentos pré-determinados é possível ao utilizador desencadeá-la manualmente, nesse momento, ou num conjunto de momentos pré-determinados explicitamente. Este mecanismo resume-se a um mecanismo de agendamento de execuções. Na execução através de eventos, a execução é realizada quando se dá uma alteração ao sistema. Essa alteração, denominada de evento, é uma qualquer alteração ao estado de um artefacto abrangido por pelo menos uma regra de coerência.
Fig. 3. Tratamento dos eventos Define-se rastreabilidade reactiva como a actividade de rastrear e sincronizar artefactos através de um mecanismo de execução por eventos. As operações de sincronização são usadas a par das operações de rastreabilidade, pelo que se optou por limitar a designação desta actividade conjunta à mais conhecida e referida. Assim sendo, a rastreabilidade reactiva é um conjunto de operações que visam reagir a alterações provocadas sobre a estrutura da aplicação em causa. Se num dado momento t0 ocorre uma acção (criação, modificação e eliminação) sobre um artefacto ti, então todos os rastos R< ti > têm de ser verificados para que possam ser propagadas as alterações necessárias. Como simplificação, considera-se que essa verificação e as eventuais alterações são atómicas em t0. Considera-se que uma acção a sobre um artefacto ti dada por a(ti) pertence ao conjunto A e ainda que A: T ® T. Quanto ao tipo de cada acção é possível indicar dois casos particulares: a) Uma acção de criação implica uma relação Æ ® T sendo indicada por a(tÆ). b) Uma acção de eliminação implica uma relação T ® Æ sendo indicada por aÆ(ti). De a) torna-se evidente que uma acção, genericamente, não é uma aplicação no sentido algébrico do termo [9]. Um evento é materializado após existir Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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conhecimento de uma acção sobre um artefacto. Esse conhecimento pode ser a priori ou a posteriori. Como muitos dos artefactos são produzidos por ferramentas específicas e exteriores à própria aplicação de rastreabilidade, esse conhecimento variará consoante o nível de controlo sobre os próprios artefactos.
Fig. 4. Metamodelo do mecanismo de eventos sobre artefactos Caso exista um mecanismo que permita conhecer a intenção de realizar uma acção sobre um artefacto, bem como de interromper essa acção, esse conhecimento pode ser a priori. Porém, na generalidade dos casos é possível assumir que o evento acontecerá a posteriori. Como um rasto é ele próprio um artefacto é possível considerar rastos sobre rastos, bem como eventos sobre rastos. O algoritmo de tratamento do evento envolve as seguintes actividades: (a) reconhecimento da acção, (b) selecção de eventos, (c) decisão de sincronização, (d) acções sobre artefactos, (e) actualização de rastos. Em (a) existe a tomada de conhecimento que foi produzida uma alteração ao estado do sistema, materializada por uma acção sobre um artefacto conhecido. O artefacto é então acrescentado a uma lista de artefactos alterados (LAA). Em sequência, para cada artefacto da lista de artefactos alterados (b) verifica-se se existe um evento associado a esse artefacto, se não existir a acção é ignorada e o artefacto sai da LAA. Quando existe um evento (e este cumpre as condições de activação, i.e., a acção que o desencadeia é válida) em (c) são invocadas as decisões de sincronização. Neste momento pode ser necessário o utilizador tomar uma decisão, caso a decisão de sincronização implique uma escolha. Em alguns casos a decisão é determinística e (d) actua imediatamente. Em resultado de eventuais acções sobre o artefacto podem existir efeitos sobre outros artefactos que têm de ser propagadas. Esta actividade pode levar a que o processo seja repetido para os artefactos entretanto alterados. Em (e) é verificada a lista de rastos existentes, bem como os artefactos correspondentes. Quando, entretanto, houve uma acção sobre esse artefacto este é acrescentado à LAA e o processamento continua em (a). A decisão de sincronização (c), não tendo efeitos, pode levar a um estado de incoerência que tem de ser resolvido em (e). Quando a 54
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LAA está vazia o sistema voltou ao estado de coerência. Pode então dizer-se que todos os artefactos tratados são genericamente coerentes, conforme a definição dada. 5 Conclusões Existe actualmente um esforço crescente no campo das linguagens de transformação de modelos. Iniciativas como o QVT (Queries, Views, Transformations) [11,12], o MISTRAL [13], o ModelMorf [14] dão visibilidade a esta tendência de utilizar a geração automática, quer de código através de modelos, como de modelos a partir de outros. Naquilo que diz respeito à rastreabilidade e à sincronização de artefactos (sejam eles respeitantes a modelos ou a código), é possível identificar duas perspectivas: a perspectiva generativa e a perspectiva relacional [1]. Na primeira, considera-se que os artefactos são gerados ou produzidos (não necessariamente de forma automática) a partir de outros. Quando uma alteração é feita sobre um artefacto desencadeia-se um processo de geração [6] que propaga um conjunto de alterações a outros artefactos. Na segunda perspectiva considera-se que os artefactos já existem, estando relacionados entre si (neste contexto através de rastos). As alterações sobre um artefacto podem produzir efeitos noutros artefactos através dos rastos existentes. Esta segunda perspectiva adequa-se à manutenção de sistemas já existentes enquanto a primeira pode ser usada com maior facilidade num desenvolvimento de raíz. A rastreabilidade, enquanto tema de investigação, está a suscitar um interesse crescente relacionando artefactos tão diferentes como os requisitos [17], os modelos [15, 19] ou o próprio código [16]. Com níveis conceptuais tão diversos é necessário encontrar uma plataforma comum que permita estabelecer os rastos. O modelo apresentado é suficientemente genérico para permitir a instanciação em diferentes plataformas tecnológicas e aplicações. O recurso à metamodelação e à transformação de modelos através do QVT [12,13] foi um ponto de partida para esta abordagem que o complementa. Embora os aspectos tecnológicos estejam fora do âmbito deste artigo, é relevante notar que os conceitos apresentados estão a ser aplicados em protótipos já produzidos [1,2]. Bibliografia 1. Costa, M., da Silva, A.R.: RT-MDD Framework – A Practical Approach. 3rd ECMDA Traceability Workshop, Haifa, Israel (2007) 2. Costa, M., da Silva, A.R.: Synchronization Issues in UML Models. 9th International Conference on Enterprise Information Systems, Funchal, Portugal (2007) 3. Iivari, J.: Communications of the ACM. Why Are CASE Tools Not Used, Oct.1996, Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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FOREIGN KEYS AND MULTI-DOMAIN INDEXING Paulo Jorge Gonçalves Pinto Doutorando em Base de Dados (DeMontfort University) Docente da Universidade Lusíada Hongji Yang Prof. Hongji Yang, Ph.D. (Durham), MIEEE Professor em DeMontFort University
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Resumo: Este paper mostra que todas as chaves estrangeiras podem ser transformadas em índices com o benefício de melhorar o acesso físico aos dados. Este paper mostra ainda que esta técnica é consistente com as actuais técnicas de modelação de dados, pelo que não são necessárias alterações a essas mesmas técnicas [6]. Mostra-se ainda que a estrutura de índices, com os índices definidos como funções, podem dar suporte para o papel das relações. Ainda darão suporte para relações que envolvam mais de duas tabelas, bem como definição de ordenações especiais a definir pelo utilizador. Finalmente concluímos afirmando que, com esta nova técnica, os motores de bases de dados comerciais não perdem performance porque todas as estruturas de suporte já se encontram presentes e, inclusive, nalguns casos, poderá haver melhoria de performance. Abstract: This paper shows that all foreign keys in a database can be transformed in indexes with the benefit of speeding data access. This paper also shows that this technique is consistent with actual modelling techniques, so no further changes must be done to those techniques [6]. It will also show how the index structure, with indexes defined as functions, can provide support for relationship roles. In addition, they will provide support for more than two tables in one relationship and for supporting special sorting order that might be needed. Finally, we conclude stating that, with this new technique, commercial database engines should not degrade performance because all supporting structures are already there and, in some cases, a better performance could be achieved.
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1. Foreign Keys The Entity-Relation model, as presented by Peter Chen in the early 70’s[2], stood as an independent model to represent conceptual entities and the relations amongst them. It is independent because, regardless of the technology employed, it would always be applicable. In that model, when a relationship was defined, a role for that relation (associated with its counterpart foreign key) could always be specified. The point is that role was never properly defined outside this modeling technique. To implement the E-R model for an information system, or more precisely, to implement relationships between entities we use foreign keys. The use of foreign keys, in database design, is widely spread as a good practice for implementing relations amongst tables [4,3,6]. However, a foreign key is what is says: the primary key (or even a candidate one) of a table placed as an attribute on another table to enforce a relationship between those two.
Picture 1: A Relationship enforced with a foreign key Nevertheless, we should only place a foreign key in a table if we have a relation in which each tuple of the target table matches only one of the referred tables. As we know when we have multiple associations between tuples (for Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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Foreign keys and multi-domain indexing
instance in a many to may relationship such as authors and books, in which an author can write many books and a book can be written by several authors) we have to adopt another strategy by building a new table with both keys. In this new table, we have our relation “dictionary” [3], because we have the references to the tuples in the original tables that should match.
Picture 2: A Relationship enforced with the aid of an additional table In addition, we can build these “dictionaries” for any kind of relationship. This includes those that we use to create foreign keys directly (such as the costumer id on an invoice). We can think we can loose some performance doing more tables than necessary since we are now using a table for the relation, but what can we surely gain? The relation table is built with rules, and we can have in a more clear way what rules connect to instances of data together. This would show in a more meaningful way in which data relate amongst them. We also would eradicate foreign attributes from target tables (no longer a Editor ID in an Book record), so tables could mirror their conceptual counterpart.
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Picture 3: Full diagram with no foreign keys in the main tables
Picture 4: Diagram with no connection tables Sometimes relationships have attributes (for instance the attribute “rank” which is the relative position of an author within the group of authors that wrote the book: 1st, 2nd, and so forth). The attribute should be declared when the relationship is build and should have the very same rules as an attribute in a base table. It will be provided when a particular instance of a relationship is made, through the SQL keyword “SET” in the context of that relation1. As noted, the relation must have a name and a definition, and, together with it, a set of relationship attributes. Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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Foreign keys and multi-domain indexing
Perhaps the reader is thinking that this can reduce overall performance. We will see that that is not quite true, as it might seem. These pairs of keys are only pointers to data, so this new structure is no more that a multi-domain index. It points to two pieces of data and can be effectively built as an index. We already have indexes for foreign keys in order to “speed up” the verification of referential integrity, so no extra overhead is required. And if it is built by rules we could rebuilt them by applying the very same set of rules we had. In this manner, we could effectively implement the idea of a role in this relationship. Obviously that some kind of data recording should be done, but this would only be done at the database engine level, not in the conceptual level. We would have to state our rules in a more precise way, we could have these rules building the relations between data and we can free ourselves out of the foreign keys. In the present database engines implementations, if we have a one to many relationship and want to change it to a many to many relationship, we have to build the new table, copy data to it, and change every view or stored procedure that accesses that data to accommodate the new table and provide the very some results as before. If we had a model where all relationships between tables were build with multi-domain indexes, we would only have to change the rules how data can be paired and nothing else. Besides, there is nothing in this model that prevents the accommodation of three, four or more keys in a relation providing true associations between more than two tables (as opposite to modern relational database engines that allows us only to define a single relationship with just two tables). With this solution, the classical clinic problem to associate patients to appointments and attending doctors could be eased. This is because we could associate all three keys (DoctorID, PatientID and AppointmentHour) and establish as a rule that we could not have duplicates in DoctorID & AppointmentHour and in PatientID & AppointmentHour. With no further restrictions, the model can validate all the main issues in this situation: Not to appoint more than one patient for hour for the same doctor, not to appoint more than one doctor for hour for the same patient. Notice that although we are dealing with the same relation, the pair DoctorID and PatientID can have duplicates.
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Picture 5: The Patient/Doctor/Room/Appointment problem To create such relations we should provide an SQL statement like CREATE RELATION ON Doctor,Patient,Room WITH (AppDate Datetime NOT NULL) CONSTRAINT UNIQUE DoctorID,AppDate, UNIQUE PatientID,AppDate This statement should create an internal table with the attributes DoctorID, PatientID, RoomID and an extra AppDate. It would also create unique indexes for the pairs DoctorID,AppDate and PatientID,AppDate. This structure would implement the conceptual relation among these entities. With a multi domain index, all the rules should be on that relationship and it would look like this:
Picture 6: Doctor/Patient/Room with an Appointment Relation
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Foreign keys and multi-domain indexing
To relate/un-relate data, we should use the plain INSERT / UPDATE / DELETE SQL statement applied to the relation. Examples of SQL to manage relations follow: INSERT Appointment (PatientID, DoctorID, RoomID, AppDate) VALUES (100,23,4,#5-May-2008#) UPDATE Appointment SET AppDate = #11-May-2009# WHERE DoctorID = 21 AND AppDate = #5-May-2008# DELETE Appointement WHERE DoctorID = 21 AND AppDate = #10-May2008# AND PatientID = 95 As you see, there is no need to further keywords in SQL. They are all appied n the context of one relationship (Appointment). This is because internally the Appointment relation should be build as a table (as all the indexes are), so we can manipulate it from outside, as it was a regular table. The multi domain indexes can also be used to implement some hierarchy among data, because an index (whether it be a single or multi-domain index) will eventually order data in some way, adding a little more meaning to the relation it applies. If we have, for instance, an employee-manager relationship, besides its semantic we can add a job hierarchy to this just by ordering it properly. And this can be achieved because this structure is an index structure and we can have this additional meaning added just as simply defining how that index should order its data. It seems clear that the information about these relationships no longer resides on the tables, but instead, on the index structure of the database. This also means that in the backup strategy of the table these indexes must also be kept in order to reconstruct all the data. On the other hand, building these structures as indexes can lead to have them permanently in memory (as databases engines already do that for indexes) [3] and reduce in a significant way accesses to related data because their physical pointers are already in memory, hence improving global database performance. Access to raw data can then be performed by one of the traditional techniques like (hash tables, clustered keys, etc.) as they are right now. This approach is consistent with Peter Chen’s definition of primary keys as functions that would return the all set of data (row) for each one given [2]. This is not only true for primary keys, but for all indexes in general. Even when we have duplicate indexes, we can add to the index the primary key (or one of the candidates) and make it unique, even if it is only in an internal database engine procedure. Since an index is meant to sort data, if we add a function that can associate a unique order to a unique key (and that does seems achievable), we can add some more meaning to the relation between two (or more) data tables. The meaning resides on the utility of such sort order. We can then define not only what the participants in a relation are, but also how they related among themselves and what its role in that relation is. The index can be built as a linked 66
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list so that a particular sort order could be followed if necessary. All indexes on a database can be built with this logic, because all the “regular” indexes fall into this document definition of indexes. The use of indexes in a general way of speaking is a good practice for ordering and finding data amongst large databanks. If we cannot sort data, it might become very difficult or time consuming to find it. This is particularly relevant if we are dealing with foreign keys because we must see if we are violating or not any integrity rule and find efficiently the data in the referred table. This would be very hard to achieve if there were no indexes on a database. We still have a step to take. How can this be implemented in a database engine? When we index we declare a certain number of fields to index and if they are ordered ascending or descending. This is called the “natural” or “system” ordering (according to Wilfred Ng[5]), since it only takes the binary value of data being sorted. And because we need more ways to sort data than this simple method, database engine builders created what they call “database sort-order” or “database code-page” which are no more than rules to sort out national characters in a way that matches the culture in which they are used. For instance, the words “Abelardo”, “Álvaro” and “Berardo” should be sorted in this very order although the symbol “Á” has a higher binary code than the “B” symbol. This is achieved by database engines by defining rules how to sort this kind of symbols. The answer for our model resides on building functions (such as database sort order) that we can use for building indexes and sorting data. The database engine should accommodate an area where sort orders could be defined and maintained so indexes could be created accordingly to the rules defined on such functions. This, of course, would have to bring changes how the database language (SQL, primarily)[7] accesses data, so an adjustment to the language should be made. We should be able to define any sort order, and access data in that order. We would have to define a new function that allows us to access any data in a particular order (not just the first or last row but also next and previous rows). Now with an index formally defined as a function that returns data in a particular order, we can add more functions to datasets. We can now add the concept of first, last, previous and next and access data from the first row, last row, next row and previous row, without have to define a procedural access to that. Some database engines do implement a function called row_number based in an SQL ORDER BY clause, which is no more than an implementation of a singular function that ranks results based on a specified ORDER BY clause. From the beginning of databases, indexes were considered an implementation option but not a conceptual issue. Over the times, the use has proved that indexes are one of the data access foundations. Some researchers began the study of Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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Ordered Relations [5] but what was defined was the semantic of those domains. On the other hand relations has been defined as a foundation to the relational model [1], but the relations have been implemented by foreign keys which are no more than pointer to data, meaning that they are no more than indexes. Putting together these two realities together, we have come out with an index structure that must provide support for relationships amongst tables, provide the notion of role within a relation and behaves like a function to return the raw data involved, given a key (whether is one table, a pair related or a multirelated junction). Additionally, if these indexes are made out of rules, we can also have a semantic meaning for each relation is a database. 2. Conclusions In conclusion, we think that deriving an E-R model to a database where relations between entities are mapped to indexes could give us a clearer view of the data involved by not having superfluous attributes (the foreign keys) and by stating clearly what are the rules to join such entities. The role of the database indexes is now bigger because they are no just an access path, as they use to be, but also a “dictionary” to the relation itself. Database performance should not be degraded because all the supporting structures already exist in commercial database engines. In some cases, since indexes usually resides in memory during access operations, and they all will have a pointer to the raw data, some accesses should be faster than before. The question here is to improve their use in order to achieve more meaningful metadata, such as data role in a relationship. References [1] CODD, Edgar F.: “A Relational Model of Data for Large Shared Data Banks”, Comm. of the ACM 13, No. 6 (June 1970) [2] CHEN, Peter P-S.: “The Entity-Relationship Model - Toward a Unified View of Data”, ACM, Transactions on Database Systems (1976) [3] MARTIN, James: “Principles of Database Management”, Prentice-Hall (1976, 1989). [4] DATE, Christopher J.: “An Introduction to Database Systems - 8th Edition”, Addison-Wesley (2003) [5] NG, Wilfred K.: “An Extension of the Relational Database Model to Incorporate Ordered Domains”, ACM, Transactions on Database Systems, Vol. 26, No. 3 (September 2001). [6] REED, Paul: “The Unified Modeling Language Takes Shape”, DBMS 11, Nº 8 (July 1998) 68
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[7] ISO/IEC 9075-*: 2003, Information technology — Database Languages — SQL (2003~2006) [8] – CODD, Edgar F.: “Domains, Keys, and Referential Integrity on Relational Databases”, InfoDB3, Nº 1 (Spring 1988) [9] – DATE, Christopher J.: “Referential Integrity”, Proc.7th Int. Conference on Very Large Data Banks, Cannes, France (September 1981) [10] – HALL, P. OWLETT, J. and TODD, S. J. P.: “Relations and Entities” in G. M. Nijssen (ed.) Modeling in Data Base Management Systems, Amsterdam, The Netherlands: North-Holland/New York, N. Y.: Elsevier Science (1975) [11] – CODD, Edgar F.: “Data Models in Database Management”, Proc. Workshop on Data Abstraction, Databases and Conceptual Modeling, Pingree Park, Colo (June 1980) [12] – CHAUDHURI, Surajit and SHIM, Kyuseok: “Optimizations of Queries with User-defined Predicates”, Proceedings 22nd International Conference on Very Large Data Bases, Mumbai (Bombay), India (September 1996)
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Definition of sort function in relations and its usage in Relational Database Management Systems Paulo Jorge Gonçalves Pinto Doutorando em Base de Dados (DeMontfort University) Docente da Universidade Lusíada Hongji Yang Ph.D. (Durham), MIEEE Professor em DeMontFort University
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Resumo: Este documento demonstra que o modelo matemático obtido pela adição de uma função a uma relação, e que a possa ordenar, demonstrando que a propriedade de fecho das operações entre relações se mantêm, pode constituir uma extensão do modelo relacional.
Abstract: This document approaches the possibility of adding a mathematical function to a relation that could sort that relation, demonstrating that the closure property of relations are still kept, so that this mathematical model can be used as extension of the base relational model.
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1. Introduction When E. F. Codd, an IBM researcher, in late 1968 defined the mathematical model known nowadays as the relational model, and in June 1970 published “A Relational Model of Data for Large Shared Databanks”[1] – document that is considered a classic in the present – what really happened was that, differently from former systems1, Codd gave rigor and principles to his model before the implementation. Since then several authors that, in a direct or indirect form were based on this document (and in others that followed) and the industry used such model as a base to implement RDBMS (Relational Database Management Systems). Are known, besides a second Codd document published in 1990, several books from other several authors like C. J. Date[4,9]. In the relational model, and according to Codd’s paper, any user would always see the data through the shape of a table, even if that data were the result of a former relational operation with another set of data. This way has the property of being simple and effective, since the outcome of a relational operation can be used seamless as an input to another relational operation, with no need for the user to perceive it. What wasn’t approached on the model it’s the utility that is given to each one of the relations and although we can say that for a relation the order of the rows it’s not concerning (because it contains the same data), to an end user that isn’t true because he will use it differently. Even Codd, in his original paper nothing states about the row order (besides it’s irrelevant), since that order seems not important to the development of relational algebra. But let us look at some theoretical aspects. Relational Algebra, because its an algebra in a mathematical way, considers that for a certain set (the relation set) and for certain sets of operations (called relational operations) it has the closure property, meaning that the result of an operation over the relations would produce a new relation itself contained in the original set of relations[13]. 1
The systems that were in use at that time were the inverted list, hierarchic and network. The models for those systems were defined afterwards and not before they were commercially implemented. The relational model was first defined and then implemented.
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Is this property that allows to present all the relations in a shape of a table, and allows also to define those operations, not as row to row processing process, but as a result set of an operation between relations (although the row to row processing would be laying under that, but its responsibility of the database engine, not the user’s). In an approach to the reality, we see that, beyond all, the order that the tuples from a relation present themselves to the end user, although they have no meaning to the relational calculus, they are indeed important to that user. In a matter of fact, it’s the utility that makes those data sets different, although they contain the very same data. It’s the use that one user gives to those lists that makes them different from each other. A customer list sorted by customer’s last name it’s used differently from a list sorted by customer’s ID, even if those two lists are, in a relational point of view, the same relation. We are to believe, then, that the order of the rows it’s not so irrelevant that can be depicted. Let us take as an example, an application designed with database technologies that has as a fundamental request that the out coming data of a certain query should never be presented in the same sort order although the base query the same. This is a real case and concerns a list of hotels with rooms to let and the request is that even if two different users choose the same criteria to search for a room, the result must be sorted differently so that equality of opportunity was given to each hotel in the list. How can we fulfil that request if sort order is not a result of a relational operation? In another case it is necessary to obtain the values of a budget with the running sum along with it (in every row, not summarized at the end). How can we sum in each row the precedent values without breaking the database performance, meaning, without having to calculate totals for the running sum for every row in the table? How can we do this if we have no order and we cannot know which row is before and after in the result set? As these there are hundreds of other similar cases where sorting the results has a major importance in the final outcome. With these considerations, we must conclude that the relational model will be richer if we could implement sort order anyway. But what is sorting a relation all about? Sorting a relation is no more than assign an order number (that will start from 1 to the number of tuples of that relation) to every tuple of a relation and sort by that number. To do such as assignment we will have to define one function (the sorting function) that for each tuple returns a number between 1 and N, being N the number of tuples in that relation. We will define, then, that one extended relation is composed by a set of data (a relation - R) and one sorting function . Since the function only applies to one relation (with a relation becomes an element of this new set), every relation will have one or more functions that can sort it. But the some relation composed with 76
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two different sorting functions are also two different elements of the new set. If we operate that relation with another relation through any relational operator we will have a new relation (closure property of the relations) that will present its data with any kind of order even if there is no previous specification of that order. But that result set will have some kind of order, so we can claim that such sorting function exists (although it might be unknown) since the results are presented in some kind of order. Then this extended model also has a closure property as long as we take the relations (regardless of their sorting functions) operate them with a relational operator and assign an sorting function to the resultant relation. From a mathematical point of view it is formally an algebra. On the other hand the sorting function must have a set of attributes to be considered as one. A function to be considered an sorting function must: • Accept a relation as its primary input • Return the same relation with an extra attribute set: Order Id, which is a natural number starting in one and N, being N the number of elements (tuples). With these two premises taken, we can consider the following Considering the pair E1=(R1, 1) and E2=(R2, 2) with (R1, 1) being an extended relation in which R1 is a relation associated with an sorting function 1 and (R2, 2) is another extended relation in which R2 is a relation associated to an sorting function 2, we can define the relational operation θ between E1 and E2 (E1 θ E2) giving the result as an extended relation E3 = (R3, 3) in which R3 = R1 θ R2 and 3 its sorting function. We will have then (E1 θ E2) = (R1, 1) θ (R2, 2) = ((R1 θ R2), 3) = E3 We shall note that the sorting function 3 doesn’t have to be defined by the other two (1 and 2). Then how could this help to solve the problems that were stated at the beginning of this paper? Let’s see. In the first case, it would be sufficient to associate to the resulting relation a sorting function with a random output, so that each time the function was associated with that particular set of data would produce a different extended relation. In the second case, since the sorting function can be inverted it’s not only possible to know what particular order has a tuple, but also its possible to know the value of any field from any row. We could have access to the running value stored in the previous row and, without remaking all the calculations, to add only the value in a line to the previous running values to obtain the new running value. We must now perceive what the advantages of this model are since the industry, regardless of the theoretical model, has implemented its own data sorting (need felt since ever) through SQL[7], being SQL itself a standard (ORDER Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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BY clause). What then this new model brings that SQL’s ORDER BY doesn’t have? First of all, the ORDER BY clause can only be applied to the columns (fields) of the result set, whistle the sorting function, although it receives as an argument the all tuple, doesn’t need to use any of the raw data to assign a order number (e.g. The “natural” order, meaning, whatever tuple is presented the sorted results would always be 1,2,3,…,N). On the other hand, the ORDER BY clause uses only the binary content of the field to sort the results out (ascending or descending), whistle the sorting function doesn’t have that limitation. It can assign an order number to a row depending only the way it was defined. Finally we can use the sorting function to define non-linear business rules, complex mathematic expressions, random expressions or any other kind of expressions, since the model have no restriction in its internal logic and how the sorting numbers are calculated. So, in the first case we could only execute a simple database query with the following possible syntax: SELECT HotelName, RoomFee FROM Hotel WHERE RoomType IN (@TypeList) AND RoomFee BETWEEN @LowPrice AND @HighPrice ORDER BY RANDOM()2 Since that statement its not possible to issue, with the present database engines, it was build a procedure that assigns to a temporary table to store the results a new field filled with a random number between 1 and ROWCOUNT() (i.e. the number of rows the the query is returning). Finally the procedure queries that temporary table sorting out the results by that random field. This is a so complex solution that it required a row level processing which must be avoided at all cost. Since row level processing must be avoided, row identification is nevertheless useful and can be used to avoid some of that nasty row level processing. We now have, indeed, the concept of “first”, “last”, “previous”, “next”, “nth” when referring to any tuple. Although it seems like a going back, in concern with the relational model – in a matter of fact, after have been defined the operations between relations with the due independence regarding its tuples – getting row references (pointers) it seems like a going back. And it would be if we use it for row level processing of the relation. But what we want to define is some new aggregate functions that can use the relative positioning of the rows (their order) in a way that they could be integrated in the SQL so data can be manipulated.
One practical example would be the function PREV(domain) that 2
We shall use the bold formatting whenever proposed syntax is included in SQL statements
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would return the value in the domain “domain” in the previous row3. If we define that PREV(domain), according with other SQL aggregate functions, would return a NULL value for the first row, we could have the following query (in MS-SQL) to solve the second case:
SELECT DtBudg, MonthValue, ISNULL(PREV(Accumul),0) + MonthValue as Accumul FROM Budget WHERE DtBudg BETWEEN ‘1-Jan-2004’ AND ‘31-Dec-2004’ ORDER BY DtBudg() DtBudg() is a sorting function based on a table field (it would be equivalent to the actual ORDER BY DtBudg). This query would then give for a given time slice, the monthly values of the budget, sorted by budget date with the running sums of the monthly values along with these. Given the following table DtBudg MonthValue 31-10-2003 1.000,00€ 1-1-2004 500,00€ 1-6-2004 2000,00€ 1-1-2005 750,00€ The result of such a query would be: DtBudg 1-1-2004 1-6-2004
MonthValue 500,00€ 2000,00€
Accumul 500,00€ 2.500,00€
The SQL to execute the very same function, using Microsoft’s T-SQL, which also solves the proposed case, is the following: SELECT B.DtBudg, B.MonthValue, Accumul = (SELECT SUM(MonthValue) FROM Budget BB WHERE BB.DtBudg BETWEEN ‘1-Jan-2004’ AND B.DtBudg) FROM Budget B WHERE B.DtBudg BETWEEN ‘1-Jan-2004’ AND ‘31-Dec-2004’ ORDER BY B.DtBudg Although, technically it can be executed, in a matter of fact, beyond the statement is much more difficult to understand, the sum is calculated for each row instead of using the last value computed from the last row, as our model proposes, and affecting the overall performance.
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Note that it is not the previous value for that domain, but the value for that domain from the previous tuple.
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2. Conclusions Data sorting has always been a need by those who use Relational Database Management Systems, that even in the standard SQL/92 was included the ORDER BY clause which allows to sort the resulting dataset of an SQL expression, but lacks theoretical support since the classical relational model disregard relation sorting because it’s considered unnecessary. Using such an extension could provide some theoretical support in a way to suppress the gap between the relational model most rigorous mathematical definitions and the standard SQL in what sorting is concerned. This document only wants to be the very beginning of a deep study in which can be possible to define at the mathematical level a solid foundation to data sorting that, and similarly to the relational model itself, can transpose to the SQL a whole new set of functionalities related with sort orders and supported by this extension of the relational model. Finally its clearly demonstrated that there is a need for, in this particular field, a more in-depth research is such a way that the gap referred here between the theoretical model and its practical implementation could be fulfilled
References: [1] CODD, Edgar F.: “A Relational Model of Data for Large Shared Data Banks”, Comm. of the ACM 13, No. 6 (June 1970) [2] CHEN, Peter P-S.: “The Entity-Relationship Model - Toward a Unified View of Data”, ACM, Transactions on Database Systems (1976) [3] MARTIN, James: “Principles of Database Management”, Prentice-Hall (1976, 1989). [4] DATE, Christopher J.: “An Introduction to Database Systems - 8th Edition”, Addison-Wesley (2003) [5] NG, Wilfred K.: “An Extension of the Relational Database Model to Incorporate Ordered Domains”, ACM, Transactions on Database Systems, Vol. 26, No. 3 (September 2001). [6] REED, Paul: “The Unified Modeling Language Takes Shape”, DBMS 11, Nº 8 (July 1998) [7] ISO/IEC 9075-*: 2003, Information technology — Database Languages — SQL (2003~2006) [8] – CODD, Edgar F.: “Domains, Keys, and Referential Integrity on Relational Databases”, InfoDB3, Nº 1 (Spring 1988) [9] – DATE, Christopher J.: “Referential Integrity”, Proc.7th Int. Conference on Very Large Data Banks, Cannes, France (September 1981) [10] – HALL, P. OWLETT, J. and TODD, S. J. P.: “Relations and Entities” in G. M.
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Nijssen (ed.) Modeling in Data Base Management Systems, Amsterdam, The Netherlands: North-Holland/New York, N. Y.: Elsevier Science (1975) [11] – CODD, Edgar F.: “Data Models in Database Management”, Proc. Workshop on Data Abstraction, Databases and Conceptual Modeling, Pingree Park, Colo (June 1980) [12] – CHAUDHURI, Surajit and SHIM, Kyuseok: “Optimizations of Queries with User-defined Predicates”, Proceedings 22nd International Conference on Very Large Data Bases, Mumbai (Bombay), India (September 1996) [13] – BRAUMANN, Pedro B.: “Teoria da Medida e da Probabilidade – Parte I: Álgebra de Conjuntos”, Fundação Calouste Gulbenkian, (1987)4
4 Professor Pedro Braumann was Portuguese and this book was never translated. The title means “Theory of measure and probability – Part I: Algebra of Sets” Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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Classificação de Tumores de Pele através da Análise de Imagens sem Restrições: Uma Visão Geral do Processo Joaquim da Cunha Viana Doutor em Reconhecimento de Padrões (DeMontfort University) Professor da Universidade Lusíada
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Resumo A incidência de melanoma cresce rapidamente em indivíduos de raça branca, depois dos 20 anos de idade. Estatísticas dos EUA mostram cerca de 1 milhão de novos casos todos os anos. Os especialistas, através de um simples exame visual, conseguem com bastante precisão, determinar se uma lesão de pele é ou não maligna. Actualmente, não existem sistemas suficientemente fiáveis para classificação automática de sinais de pele. Este artigo apresenta uma visão geral de um novo método para classificação automática de tumores de pele, através da segmentação das áreas lesionadas e da determinação de relações entre os valores das características distintivas fundamentais. Os valores calculados são depois testados através da aplicação de vários algoritmos de classificação de modo a obter uma classificação para o tumor: maligno ou benigno.
Abstract The incidence of melanoma rises rapidly in Caucasians after the age of 20, and US statistics show about 1 million new cases every year. Specialists in the field are rather accurate in determining whether a skin lesion is cancerous or not based solely on a visual inspection. No systems exist for accurately classifying skin spots. This paper presents an overview of a novel method for automatic classification of skin tumours by segmenting the lesion’s areas and determining ratios between the values of the fundamental features. These data are then fed to several well know algorithms in order to achieve a tumour’s classification: malignant or benign.
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Joaquim da Cunha Viana
1. Introdução O cancro de pele é a neoplasia mais frequente nos indivíduos de pele branca. De acordo com a Skin Cancer Foundation, a incidência de melanoma, o mais maligno dos tumores de pele, e a mortalidade dele resultante, têm aumentado exponencialmente durante os últimos 30 anos, e continuam a crescer [1]. Ainda que vulgarmente intratáveis em estados avançados, o cancro de pele em geral e o melanoma em particular, se detectados em estados iniciais, podem ser curados em mais de 95% dos casos [2]. A detecção da doença tão depressa quanto possível é pois crucial, para que se consiga curá-la. A maior parte dos sistemas de classificação de lesões de pele baseia-se num equipamento de dermatoscopia [3, 4] - fotografia melhorada e ampliada da zona da lesão - apoiado por um perito humano. Mesmo assim e ainda que hajam reivindicações contraditórias, tanto quanto o autor julga saber, os resultados da classificação são ainda imprecisos e precisam de ser verificados através de biopsia da lesão e posterior análise laboratorial do tecido removido. Os objectivos desta pesquisa foram o desenho e a implementação de um sistema capaz de classificar automaticamente sinais de pele como sendo inofensivos ou perigosos, com uma reduzida margem de erro; se possível, com maior precisão que os resultados conseguidos normalmente por um perito humano e certamente superior a qualquer outro sistema automático existente. Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
O sistema aqui descrito respeita esses critérios. Consegue extrair um conjunto de características relevantes, representativas dos quatro atributos determinantes para a classificação de lesões de pele - Assimetria, Fronteira (Border), Cor e Diâmetro [5, 6] a partir de imagens capturadas praticamente sem quaisquer restrições. O processo implementado é multi-etapas, começando com a captura de uma imagem digital da lesão, tal como se pode ver na fig. 1. Nesta acção, deve ser garantida uma distância constante entre a lesão a fotografar e a lente da câmara.
Fig. 1 - Imagem Inicial 2. Segmentação O passo seguinte consistiu na detecção, de forma tão precisa quanto possível, da orla que separa a pele normal da região lesionada [7]. Isto foi conseguido através da conversão da imagem policromática – RGB - para o standard CIELab [8, 9, 13], em tons de cinzento - um espaço de cor mais uniforme - resultando na imagem representada na fig.2.
Fig. 2 - Imagem filtrada - CIELab 87
Classificação de Tumores de Pele através da Análise de Imagens sem Restrições: Uma Visão Geral ...
Tendo esta imagem ainda uma definição “excessiva”, o seu processamento sem quaisquer alterações originaria um número substancial de detecções de pontos de fronteira que seriam falsos positivos e falsos negativos. Para reduzir este número, foi aplicado um filtro de Gauss (1)
- em que - à imagem da fig. 2, resultando numa imagem mais “suavizada” - ver fig.3.
Fig. 3 - Imagem “suavizada” por filtro de Gauss O passo seguinte no processo teve como objectivo definir, de forma grosseira, a posição da lesão no contexto da imagem. Com isto em mente, a próxima tarefa consistiu em determinar três valores para limiares, T, T1 e T2. Isto conseguiu-se através da criação de um histograma de intensidades dos pontos da imagem. Para T2 foi escolhido o valor correspondente ao nível de intensidade mais próximo de 255 pontos detectados na imagem. T1 - parâmetro introduzido manualmente - foi definido como uma percentagem do valor de T2. O último valor foi calculado fazendo . Os dois limiares T1 e T2 foram então aplicados à imagem anteriormente 88
“suavizada”. O resultado está patente na fig. 4.
Fig. 4 -- Imagem resultante da aplicação dos limiares T1 e T2 sobre a imagem suavizada Por outro lado, a aplicação de um filtro de Sobel [10] à imagem “suavizada” da fig. 3 originou a imagem representada na fig. 5.
Fig. 5 - Imagem filtrada - Sobel A combinação destas duas últimas imagens, tornou possível a selecção de todos os pontos com um valor de gradiente máximo e residente no conjunto de pontos detectados pela aplicação dos limiares de intensidade T1 e T2. Desta acção resultou uma imagem - fig. 6 - com uma orla ainda grosseira mas já muito próxima do objectivo desejado.
Fig. 6 - Combinação de T1, T2 e Sobel A aplicação do limiar T à imagem da fig.3 resultou numa nova imagem Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
Joaquim da Cunha Viana
que se apresenta na fig. 7.
Fig. 7 - Resultado da aplicação do limiar T Ambas as imagens das figs. 6 e 7, combinadas, resultaram numa orla, muito mais fina mas ainda não completamente fechada, como se mostra na fig. 8. Os pontos irrelevantes [11] para a definição da orla foram então eliminados. Cada um dos restantes sem qualquer adjacência no conjunto de pontos da orla, foi ligado ao ponto mais próximo contido no conjunto.
Fig. 8 - Orla mais fina (ainda não totalmente fechada) Resultante de todo este processo, uma orla foi finalmente desenhada. Ainda que nem sempre com exactamente um ponto de espessura, resultou, ainda assim, suficientemente fina para ser usada neste trabalho. A segmentação final pode ser vista na fig. 9, com a orla detectada sobreposta à imagem inicial.
3. Extracção de Atributos Uma vez definida a fronteira da lesão, as suas principais características puderam então ser extraídas [13]. O primeiro valor a calcular foi o tamanho da lesão. Se todas as imagens processadas tiverem sido capturadas com a mesma resolução e a uma distância uniforme do ponto focal da câmara - o que não é difícil de conseguir - então, este atributo pode ser analisado como uma grandeza relativa e o número de pontos no interior da orla previamente detectada é uma boa aproximação. Como forma de limitar a interferência do meio ambiente [14] sobre os atributos a extrair, para cada uma das restantes características importantes para a classificação, em vez de usar valores absolutos, foi decidido trabalhar, quase exclusivamente com relações entre valores. O primeiro passo no processo foi a definição de um ponto central da lesão. Um centro provável foi calculado encontrando as coordenadas do ponto em que os dois maiores diâmetros ortogonais se cruzam. Conhecendo estas coordenadas foi possível calcular a distância Euclideana entre este ponto e cada um dos pontos da orla do sinal. Estes dados foram conseguidos fazendo: (2) O raio médio - distância do ponto central à orla - foi então calculado: (3)
Fig. 9 – Imagem original segmentada Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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Classificação de Tumores de Pele através da Análise de Imagens sem Restrições: Uma Visão Geral ...
O desvio padrão do raio e o número de mudanças na direcção da orla do tumor permitiram a determinação do seu grau de assimetria. Para o diagnóstico de tumores de pele malignos, mais importante que a cor do tumor é o número de cores diferentes contidas pela linha de fronteira do sinal. Assim, esta rotina de extracção de atributos concentrou-se, não só no cálculo do desvio padrão das cores dos pixels, mas também na medida do desvio padrão das diferenças de cor entre pontos adjacentes – variações de cor. Os valores para Mínima Cor, Máxima Cor e Total Cores devido à sua volatilidade – dependentes de vários factores externos – foram apenas usados para calcular valores derivados, tão independentes quanto possível. Como alguns dos valores de atributos extraídos parecem ser estreitamente relacionados, foram também calculados valores para as relações entre eles, nomeadamente: (4) garantindo a diferenças de cor;
normalização
das (5)
que, em conjunto com: (6) representam o nível de “suavidade” da linha de fronteira.
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4. Classificação O treino do sistema foi efectuado de forma supervisionada [13, 15, 16] – todas as imagens de lesões foram previamente classificadas por um perito antes de serem sujeitas ao escrutínio do sistema. Todos os algoritmos previamente descritos foram aplicados a um subconjunto das imagens disponíveis e os resultados foram avaliados de acordo com a classificação prévia de cada uma das imagens – feita por um perito médico. Todos os classificadores foram treinados usando o mesmo subconjunto de imagens e foram posteriormente testados com o mesmo subconjunto de teste. Foram usados subconjuntos de treino com, 50%, 60%, 70% e 80% do total das imagens disponíveis. As restantes foram utilizadas pelo processo de teste do desempenho do sistema. Os atributos relevantes atrás descritos foram então avaliados quer através de processos estatísticos de Bayes - Naïve Bayes e Tree Augmented Naïve Bayes- quer ainda através de classificadores do tipo k-Nearest Neighbour, Fuzzy k-Nearest Neighbour, Support Vector Machine e Rede Neuronal, de modo a conseguir classificar o sinal de pele como maligno ou benigno. As probabilidades a priori para o sistema, foram calculadas de acordo com a distribuição de lesões malignas e benignas contidas no conjunto de exemplos. Considerou-se esta abordagem bastante aceitável uma vez que em situações destas, é menos problemática a obtenção de falsos Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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positivos do que deixar uma lesão maligna passar sem ser detectada. Tanto o treino como os testes foram executados com o auxílio do pacote de software de código aberto Weka© versão 3.4.12, desenvolvido pela Universidade de Waikato na Nova Zelândia. Com a utilização de 50% das imagens para treino, os melhores resultados conseguidos ultrapassaram ligeiramente os 82% de classificações correctas e foram obtidos com a Support Vector Machine. Embora já aceitáveis quando comparados com os 60% de média conseguidos pela análise visual da lesão por peritos humanos, os resultados são bastante melhorados quando o número de imagens para treino atinge os 80% do total de imagens disponíveis. As imagens classificadas correctamente são agora quase 93% do conjunto de amostras guardadas para o processo de teste. Os melhores classificadores são agora a Tree Augmented Naïve Bayes e o Multilayer Perceptron. Tão importantes como as amostras classificadas correctamente – se não mais importantes – são os valores registados para as imagens incorrectamente classificadas. Estes vão dos quase 18% do total de imagens classificadas para a Support Vector Machine, até cerca de uns meros 7% para os dois classificadores com melhor desempenho. Estes são resultados muito encorajadores quando comparados com outras peças de software e/ou equipamento, quer disponíveis no mercado quer em desenvolvimento em instituições académicas. Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
5. Conclusões Os atributos seleccionados e utilizados ao longo de todo este trabalho são, tanto quanto é do conhecimento do autor, combinados de um modo totalmente inovador. Em vez de, simplesmente, seleccionar valores absolutos característicos das imagens processadas, esses números foram combinados, resultando em ratios, e garantindo assim uma muito maior independência face às condições ambientais durante o processo de captura das imagens. Os algoritmos desenvolvidos foram implementados como um sistema totalmente funcional, o qual foi extensivamente testado. Conseguiramse classificações correctas entre 76% e 93% – dependendo da percentagem de imagens usadas para treino do sistema. Em particular, com dois dos classificadores - k-NN e Multilayer Perceptron - o sistema não detectou quaisquer falsos negativos. Este resultado é crucial uma vez que, caso assim não fosse, os falsos negativos poderiam levar os pacientes a não procurarem tratamento, com consequências desastrosas para a sua saúde. O autor está convencido de que o presente trabalho é uma contribuição válida para o campo do diagnóstico do cancro de pele. Ainda que o âmbito tenha sido limitado a uma lesão por imagem, os resultados alcançados por esta combinação de segmentação, extracção de atributos e algoritmos de classificação mostrou que este é o caminho correcto no sentido de se conseguir um sistema fiável de 91
Classificação de Tumores de Pele através da Análise de Imagens sem Restrições: Uma Visão Geral ...
diagnóstico precoce. Se e quando, a todos os dados aqui processados, se puderem adicionar valores para a idade, o género e a evolução temporal, os resultados serão, sem dúvida, ainda mais precisos, permitindo uma melhoria nos índices de sobrevivência dos doentes com cancro de pele.
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Dissertações e Teses
A MODERNIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PASSA POR UMA REVOLUÇÃO BUROCRÁTICA
Albino Lopes Doutor em Psicologia Social Professor Associado com Agregação do ISCTE Carlos Rodrigues Doutorando em Gestão (ISCTE)
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Resumo: Com base num estudo empírico pretendemos evidenciar a necessidade de um retorno ao modelo de governação das organizações públicas, designado de gestão burocrática, desenvolvido por Max Weber. Com efeito, partindo da ideia de que a Administração portuguesa importou e fundiu dois modelos antagónicos (Napoleónico e Burocrático), nascidos em contextos diferentes, constatamos que essa adaptação à realidade portuguesa resultou num mix culturalmente inadequado, que designamos por Modelo Administrativo Tradicional. De um modo geral, tem-se feito uma crítica severa a este Modelo, como se se tratasse do clássico modelo burocrático weberiano, mas, na verdade, tudo parece indicar que o mix resultante estaria muito longe de ter incorporado os princípios originais da revolução burocrática. Assim, depois de várias décadas de “processos de reforma e modernização”, inspirados em diferentes movimentos teóricos originários de diferentes contextos culturais, as organizações públicas portuguesas parecem continuar a demonstrar, na generalidade, uma grande ineficácia e ineficiência no seu funcionamento. Nesta perspectiva, procuramos saber se o diagnóstico que tem sido feito pelos “reformadores” é ou não desfocado da realidade e quais os pressupostos de que parte. A pesquisa desenvolvida parece confirmar essa desfocagem. Os resultados do estudo empírico efectuado revelaram que, efectivamente, os princípios fundamentais preconizados por Max Weber, designadamente, os da separação entre instância política e organização técnica do trabalho, geradora de decisões informadas, estão sistematicamente ausentes do sistema administrativo português. Palavras-chave: modelo de governação; gestão; cultura; serviço público. Abstract: Based on empirical studie, we pretend to underline the need for returning the previous model of management the public organizations, named as burocracy revolution, introduced by Max Weber. As a meter of fact and based on the idea that the Portuguese Administration imported an joint two antagonist models (Napoleonic and Burocratic), born in different contexts, we verify that such adaptation to the Portuguese reality, resulted into a culturally inadequate mix that we named as Traditional Administrative Model. In general, a sever criticism has been made to this model, as if it was a classic burocratic Weber model. However, every thing seems to indicate that such a mix resulted to Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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be very far to incorporate the original principals of the burocracy. After several decades of “modernisation and process renewals” inspired in original techniques of different cultural contexts, as portuguese public organizations, seems to demonstrating in general a big inefficacy and inefficiency on its functions. In this perspective, we would like to find out if the diagnosis which has been done by the “reformers” is defocus from the reality and which part are the assumptions coming from. The research developed seems to confirm this blur. The results of these studies reveal that the fundamental principle of Max Weber, those of the separation between politic instance and technical organization of work, that generating informed decisions, are systematically missing from all portuguese administrative system. Key-Words: governance’s models; management; culture; public service.
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1. Introdução A grande turbulência que caracteriza actualmente os mercados internacionais torna crucial que as instituições públicas procurem encontrar modelos de governação, que proporcionem o equilíbrio entre uma adaptação necessária às pressões externas e à manutenção da coesão e da eficácia do sistema organizacional. Desde há várias décadas, que uma incessante procura de adaptação do sistema organizacional tem sido tentada através da adesão a diferentes teorias de modernização administrativa, aparentemente sem resultados concludentes. O adiamento desta capacidade adaptativa não parece ser mais possível e impõemse soluções imediatas que dêem ao sistema administrativo português garantias firmes de transparência. Segundo Amaral (1999), a moderna Administração Pública portuguesa teve origem em Mouzinho da Silveira que, em 1832, lançou as bases jurídicas e doutrinais do sistema administrativo, as quais, no essencial, perduram até aos dias de hoje. Esta reforma administrativa foi, segundo Manique (1989), inspirada integralmente no modelo napoleónico, tratando-se, como no modelo seguido, da transformação da Administração Pública numa instituição altamente centralizada. Na França, esta centralização justificava-se, segundo Chevallier e Loschak (1980); mas seria eventualmente questionável para o nosso caso, visto que o abuso teria origem precisamente no poder central. É certo que, a partir da vigência do Estado Novo, o sistema administrativo português sofre a influência de outros factores externos, designadamente, de alguns princípios e de regras, inspirados no modelo Burocrático Weberiano. Porém, a organização e o funcionamento da nossa Administração parece dar a impressão de não ter assumido claramente a predominância de nenhum daqueles dois modelos importados. Segundo o Prof. Sousa Franco, a nossa Administração Pública melhorou, tendo havido nas décadas de 30 a 50, do século passado, um período de qualidade bastante acentuada; mas o próprio autor reconhece que depois envelheceu e foi sendo atingida por todo um conjunto de medidas desconexas e sem um rumo claro (Franco, 1992). Esta melhoria pode inclusive ter sido, paradoxalmente, obra de um fechamento da sociedade portuguesa, e do condicionamento industrial implementado no mesmo período. Efectivamente, o sistema de regras weberiano Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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A modernização da Administração Pública passa por uma revolução burocrática
poderá ter ajudado a perceber o todo nacional como mais coerente e condizente com uma sociedade fechada. Com a abertura à EFTA, porém, o sistema centralista e burocrático, resultante do encontro dos dois modelos transpostos, teria mostrado, de novo, as suas fragilidades. A essência do modelo napoleónico assentava na unidade de comando a qual era garantida pela via administrativa. O modelo weberiano, em parte compatível com este, introduz, porém, o comando político pela via da legitimação eleitoral. O que mudou terá sido o modo de produção de regras, mas a sua essência manteve-se assente no princípio da unidade de comando. Com a democracia, o topo dirigente passou a ser de confiança política dos eleitos, em lugar de, como recomendava Weber, deverem ser separadas as áreas de competência técnica, da instância política a quem aquela presta contas. De acordo com Weber, a instância política centra-se nas finalidades sufragadas eleitoralmente, enquanto a instância técnica assentaria na maneira de criar as condições para que as finalidades se cumpram, sem comprometer a autonomia de cada uma das duas componentes do sistema público. Este problema da autonomia da técnica relativamente à política é vasto e parece ser comum a muitos países que se encontram em situações semelhantes. No caso português, desde meados dos anos setenta do século passado, entretanto, vem-se assistindo sucessivamente a uma situação de ineficiência no funcionamento do sistema administrativo / técnico, acompanhada de uma profunda crise de confiança no serviço público, sobretudo motivada pela politização das suas estruturas. Esta situação parece levar os utentes a sentirem dificuldades no seu relacionamento com a Administração e a uma desresponsabilização dos seus dirigentes e funcionários. Através de uma observação mais atenta, é possível constatar frequentes disfunções das organizações públicas, com um baixo nível de qualidade do serviço, um mau atendimento ao utente, uma grande lentidão na resposta e o desperdício de recursos e, fundamentalmente, a ausência de comprometimento organizacional, por parte dos funcionários, acompanhada por uma escassa responsabilidade perante as necessidades dos cidadãos-clientes (Relatório, 1994; Rodrigues, 2008). A persistência desta situação induz a pensar se não estaremos perante um conjunto de pressupostos estruturantes destas disfuncionalidades. A investigação mais recente dá-nos conta que, ao contrário daquilo que é frequentemente apontado como a origem de todos os males - a cultura burocrática weberiana – não parece, afinal, que esta possa continuar a ser responsabilizada pela actual situação. Se se transpôs da teoria weberiana apenas uma parte associada essencialmente à produção normativa, como pode ser ela responsável pela ineficiência actual? Com efeito, como se procurará demonstrar neste trabalho, as disfunções da Administração Pública não parecem advir da cultura burocrática, mas sim, do modo como a gestão da cultura da burocracia tem sido efectuada em Portugal. De acordo com Sorman (2008), deve-se ao prémio Nobel indo-britânico A. 100
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Sen a identificação de 5 critérios não quantificáveis (liberdades instrumentais) do desenvolvimento económico: liberdade política; capacidades económicas; oportunidades sociais; segurança protectora; garantias de transparência. É este último critério que está relacionado com a revolução burocrática e é este que falha igualmente em Portugal. Ora sabemos que a mesma cultura da burocracia weberiana produziu resultados completamente diferentes noutros países, tais como a Alemanha ou a Suécia. Assim, tudo parece indicar que terá sido a incorrecta transposição do modelo burocrático weberiano a causar um atraso tão significativo, cujo impacto, ao longo de várias décadas, não foi devidamente corrigido pelas diferentes correntes modernizadoras, devido ao facto de o pressuposto napoleónico se manter. Na verdade, pelo menos, durante os últimos trinta anos, a gestão das organizações públicas tem vindo a ser sucessivamente enxertada com várias medidas, que mais não parecem ser do que meras tentativas para repor alguns aspectos do modelo original da burocracia weberiana, mas sem cuidar da coerência interna do mesmo. Nesta perspectiva, a questão que se levanta é a da mudança necessária ao funcionamento eficaz e eficiente das organizações públicas, tendo por base as ideias originais desenvolvidas por Max Weber, ao preconizar um Modelo Burocrático coerente, definido como um “ideal-tipo”. Esta questão é tanto mais relevante porquanto, a acreditar no próprio discurso oficioso, se invoca sistematicamente a necessidade de ultrapassar o “famigerado” modelo burocrático, que desde os anos trinta asfixiaria a Administração Pública portuguesa. Mas, será que o problema estará em afastarmo-nos do modelo burocrático ou, ao invés, do modelo seguido na sua implementação? O trabalho, que agora se apresenta, enquadra o problema a partir de uma breve revisão bibliográfica dos modelos Napoleónico e Burocrático. Destas teorias, são deduzidas três hipóteses de trabalho: uma hipótese geral e duas hipóteses específicas. Em seguida descrevemos, de forma resumida, a metodologia utilizada na investigação empírica, ou seja, o desenvolvimento de um estudo de caso, relativo ao estudo dos principais sistemas administrativos europeus e a sua comparação com a Administração portuguesa. A análise dos dados obtidos é descrita no ponto quarto, sob o título de Estudo de Caso: caracterização dos principais sistemas administrativos europeus. O quinto ponto apresenta uma síntese da análise de dados e o teste das duas hipóteses específicas colocadas. O ponto sexto trata da discussão integrada de resultados e do teste da hipótese geral. Por último, o sétimo ponto apresenta as conclusões do trabalho.
2. Modelo Administrativo Tradicional O sistema administrativo português assenta as suas origens nas bases jurídicas e doutrinais da reforma promovida por Mouzinho da Silveira, em 1832, quando este adoptou um conjunto de leis das finanças públicas, da administração Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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A modernização da Administração Pública passa por uma revolução burocrática
civil e da administração judicial, todas elas inspiradas no modelo Napoleónico. Para Marques (1978), este período constitui um marco histórico importante, pois considera que estamos perante os fundamentos básicos do Portugal moderno. É neste contexto que surge, designadamente, o Tribunal do Tesouro Público, antecessor do actual Tribunal de Contas e, pela primeira vez, dá-se a separação entre a administração e a justiça, ou seja, as funções administrativas e judiciais não podiam e não deviam estar confundidas, como anteriormente. Mas, além daqueles objectivos a reforma administrativa visou introduzir uma forte marca de centralismo em todo o aparelho da Administração Pública. O país foi dividido em distritos, cada qual englobando um certo número de concelhos. Em cada distrito, o governo estaria representado por administradores gerais, de nomeação régia, enquanto os concelhos elegiam os seus representantes, através de uma junta administrativa de apoio aos administradores. De acordo com o mesmo autor, todos estes princípios exarados na nova legislação, mudaram por completo a maioria das normas vigentes. A Administração Pública, doravante, passou a caracterizar-se por traços muito centralizadores e por amplos poderes atribuídos aos representantes do governo. Para aquele autor, todos estes princípios seguiam de perto a legislação francesa. Também Manique (1989), ao referir-se a esta reforma administrativa, afirma que ela foi totalmente inspirada no modelo napoleónico, tratando-se, como no modelo seguido, da transformação do sistema da Administração Pública numa instituição altamente centralizada. Mas, tal como observa Oliveira (1993), citando Marcello Caetano, o espírito centralizador daquelas leis, impostas à Nação, chocaram os povos secularmente afeitos às liberdades municipais. De facto, esta reforma de Mouzinho da Silveira, segundo Oliveira (1993), não foi bem recebida no país, provocando fortes críticas especialmente dirigidas contra os poderes considerados excessivos dos “Prefeitos” (administração distrital) e contra os abusos dos “Provedores” (administração concelhia). Parece estranho que um político como Mouzinho da Silveira tenha ousado destruir a autonomia do poder local, que vinha já do tempo de D. Afonso III, em cujo reinado se destacou a activa participação dos concelhos e consequente consciência da autonomia municipal, face aos privilégios do clero e da nobreza (Ventura, 2006). Na França esta centralização justificava-se, segundo Chevallier e Loschak (1980), para dar resposta à necessidade de destruir as feudalidades, ainda existentes, através de um Estado forte. Nesta perspectiva, estes autores acrescentam que a Administração francesa é então reconstruída segundo um esquema unitário e centralizado, como se fosse um aparelho racional, disciplinado e eficaz, cujas regras de organização seriam decalcadas da instituição Exército. Porém, no caso do sistema da Administração Pública portuguesa, a adopção deste centralismo seria eventualmente questionável, visto que o Feudalismo não se terá imposto da mesma maneira, como em França, segundo a generalidade dos historiadores. É certo, quanto a Portugal, que a partir da vigência do Estado 102
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Novo, o sistema administrativo sofre a influência de outros factores externos, designadamente de alguns princípios e regras inspirados no modelo Burocrático weberiano, mas destituído de coerência intrínseca, como se verá adiante. O conceito de “Administração Pública Burocrática” surge no contexto do grande desenvolvimento económico e social, na sequência da Revolução Industrial e da implantação do Estado liberal. A concepção deste modelo vem de encontro à necessidade de acabar com a “Administração patrimonialista”caracterizada por traços de nepotismo e de grande corrupção (Pereira, 2000). É perante esta situação que os governantes dos Estados liberais da Europa germâniconórdica organizam a Administração Pública com base na teoria weberiana, introduzindo uma racionalidade burocrática, sendo esta considerada uma das maiores reformas conseguidas no sector público. De acordo com Pereira (2000), a reforma burocrática foi um grande avanço ao romper com o patrimonialismo e estabelecer as bases para o surgimento da profissão de funcionário público. Para este autor, a administração patrimonialista é do Estado mas não é pública, na medida que não visa o interesse público. É uma administração típica dos Estados que antecederam o capitalismo industrial, mais particularmente das monarquias absolutas que antecederam imediatamente o capitalismo e a democracia. O Estado e os seus agentes, no modelo Patrimonialista, detinham um estatuto de nobreza, que os colocava no topo da pirâmide, bem distantes dos cidadãos que se mantinham confinados à base, afastados dos interesses de natureza pública. O modelo de administração patrimonialista, que confunde o património privado do príncipe com o património público, embora, formalmente, seja um modelo extinto, por vezes tende a manifestar a sua sobrevivência nos regimes políticos mais imperfeitos, através do chamado “clientelismo partidário”. Assim, a necessidade de combater as injustiças, a corrupção e de aumentar a eficiência e a eficácia da Administração Pública, fez surgir uma governação assente no modelo burocrático. De facto, este defende a necessidade da separação entre as actividades da política e as de gestão, como forma de racionalizar a actividade organizacional. Segundo Waldo (1966), a ideia não é exclusivamente weberiana, devendo-se a Woodrow Wilson o primeiro trabalho sobre Administração Pública, onde o autor expressa a necessidade de uma clara separação entre política e administração. No entanto, é com Max Weber que esta se aprofunda e generaliza. Para Weber, competia aos políticos a definição estratégica das políticas (a definição dos fins) e aos administradores, a implementação operacional dessas mesmas políticas, segundo as regras de uma boa gestão, ou seja, a definição dos meios. Para tal, pela primeira vez, defende-se a profissionalização dos administradores públicos como a melhor forma de promover a eficácia da Administração Pública. Max Weber, perante um contexto económico e social caracterizado por um grande desenvolvimento industrial, teorizou a legitimidade da teoria que designou de racional-legal. Este é o tipo de legitimidade, admite uma alteração de regras, para uma adequação ao meio envolvente económico, com flexibilidade, mas sempre com o respeito por um procedimento bem claro, sem flutuações Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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A modernização da Administração Pública passa por uma revolução burocrática
arbitrárias. Para Weber, o tipo de legitimidade racional é aquele que melhor se adapta à necessidade de proporcionar um desenvolvimento das organizações e da burocracia, no contexto da sociedade industrial. Para tal, havia que aplicar uma administração de tipo burocrático nas empresas, nas instituições e organizações da sociedade e do Estado. Assim, ao tipo de legitimidade racional-legal corresponde uma forma de organização a que Max Weber chama de burocracia e que se caracteriza por diversos atributos. Segundo Lopes e Barrosa (2008), o modelo desenvolvido por Max Weber é organizado com base em sete atributos, que procuram conferir eficácia às organizações. Estes estão organizados em três atributos nucleares (propriedade, hierarquia e regras) e outros quatro, designados por práticas (selecção, formação, remuneração e avaliação), conforme a Figura nº 1. Figura nº 1 - Modelo weberiano
Fonte: adaptado de Lopes e Barrosa (2008)
Neste sentido, o modelo burocrático tenta preservar, desde logo, uma rigorosa separação entre a política e a Administração Pública (a “propriedade” e a “hierarquia”). Para Weber a actuação de cada um destes actores (políticos e gestores) é caracterizada por uma racionalidade diferente, com consequentes responsabilidades distintas, pelo que estas duas funções têm forçosamente que ser separadas: o comando político, pela via da legitimação eleitoral e a implementação das políticas, por parte da hierarquia técnica, ou seja, a instância política deverá estar centrada nas finalidades sufragadas politicamente, enquanto a instância técnica assentaria na maneira de criar as condições para que as finalidades se cumpram, sem comprometer a rigorosa autonomia de cada uma 104
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das duas instâncias. É com base na interacção e nos interesses, entre estas duas funções, que são elaboradas as “regras” organizacionais para o cumprimento de todos. Portanto, daquelas duas partes, dimanam as “regras” que configuram um verdadeiro projecto organizacional e profissional. Para além dos citados três factores nucleares, o modelo weberiano é, ainda, composto por outras quatro práticas (atributos): o recrutamento e selecção que assenta na noção de impessoalidade; a avaliação de desempenho, entendida como prestação de contas, ou mesmo como transparência; a formação profissional, como modo de fazer de cada profissional um verdadeiro especialista; o sistema remuneratório e a carreira, com base no mérito. Porém, tanto os atributos nucleares como as práticas de gestão, correspondentes aos atributos mais periféricos do modelo, têm subjacentes três princípios fundamentais, que suportam a coerência do todo. Estes três princípios são apresentados de forma a revelarem a sua natureza dicotómica, a qual parece estar subjacente à complexidade própria da gestão de pessoas concebida por Weber(Lopes e Barrosa, 2008): o Organização do trabalho / projecto partilhável; o Deliberação participada / decisão assumida individualmente; o Comunicação vertical e transversal / desenvolvimento de uma cidadania organizacional. O primeiro princípio decorre das condicionantes técnicas e de mercado, obedecendo, por isso, a uma racionalidade técnica; o segundo princípio é de natureza ética e fundamenta a partilha da responsabilidade organizacional, sustentando igualmente a lógica do processo decisório ou de racionalidade organizacional; o terceiro princípio está relacionado com a dimensão política da necessidade da criação de divergências e de acesso à capacidade de crítica construtiva e de elaboração e de cenários alternativos, sustentáculo de uma racionalidade política. O modelo de Administração burocrática aparece como fechado à participação do exterior, ou seja, não obstante o destinatário do serviço público ser o cidadão, na sua qualidade de utente, com direitos e deveres, a verdade é que a defesa dos seus interesses não é feita no âmbito da relação directa com a Administração, mas sim na arena política, em último caso, através dos processos eleitorais. Para o modelo weberiano, a abertura da Administração Pública à participação do “cidadão-utente” era considerado anti-democrático, visto que a ideia prevalecente era a de que sendo o interesse geral definido por normas iguais para todos, os interesses específicos devem submeter-se às mesmas regras de todos. Por isso, aplicar as normas de modo impessoal e com imparcialidade é um imperativo ético, entendido á luz do contexto weberiano. A imparcialidade do sistema é igualmente garantida pela existência de um corpo de funcionários públicos que, para tal, são dotados de um estatuto específico que os obriga ao cumprimento rígido de regras, mas ao mesmo tempo os protege, assegurando-lhes uma carreira profissional para toda a vida, independentemente, Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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das orientações político-partidárias do governo. O recrutamento com base no mérito, a estrutura hierárquica e o sistema de carreiras são instrumentos que procuram reforçar a neutralidade dos funcionários públicos. Neste contexto, o modelo burocrático weberiano proporciona o desenvolvimento de uma cultura de separação de interesses, onde a distinção entre público e privado surge como uma categoria de pensamento constitutiva da própria sociedade. O sector público e o sector privado remetem para axiologias opostas em que a sociedade passa a ser vista como constituída por duas esferas distintas, separadas por uma barreira estanque: de um lado a esfera privada, baseada na livre iniciativa individual e estruturada em torno das relações de interacção que se estabelecem entre os indivíduos e os grupos; do outro lado, a esfera pública, condensando as relações de autoridade e imposição, cobrindo o conjunto das funções de orientação e protecção da sociedade. Na verdade, o modelo burocrático weberiano, construído na base destes princípios, proporcionou uma cultura de serviço público sólida para a governação eficaz da maioria das administrações públicas, sobretudo, dos países do Centro e Norte da Europa. Todavia, não podemos esquecer que o modelo weberiano deve ser lido à luz da cultura germânica e, portanto, ao ser importado e adaptado segundo a cultura de cada um dos diversos países, sofreu adaptações que, em muitos casos, adulteraram os princípios originais. As características culturais de cada país influenciam e acabam por diferenciar e condicionar o desenvolvimento dos sistemas administrativos. No caso português, tudo parece indicar que não foi exactamente o modelo burocrático, concebido por Max Weber, que foi transposto para o nosso sistema administrativo. Segundo referem Lopes e Barrosa (2008), foi a rigidez das práticas de gestão, esvaziada dos valores inscritos nos princípios, que gerou a perversão da burocracia e não propriamente o modelo weberiano em si. Nesta perspectiva, podemos afirmar que o modelo de Administração Burocrática weberiano, embora tivesse inspirado a construção da nossa Administração Pública, a verdade é que alguns princípios fundamentais foram completamente adulterados na sua adaptação. De facto, um dos pressupostos fundamentais para o funcionamento do modelo weberiano é o da separação da política e da administração. Este é um dos princípios que há muito não é cumprido na Administração portuguesa. A politização da Administração Pública, por via da nomeação de dirigentes afectos ao partido que exerce o poder, tem sido uma prática constante. Os principais dirigentes das organizações públicas – directorgeral e subdirector-geral – são designados pelo Poder Político, sem obrigação de se cumprirem critérios mínimos de escolha de perfis adequados à função de gestão. Este modelo de Administração Pública Tradicional implementado em Portugal parece apresentar, assim, muitas disfunções potenciadas ainda pelo facto da gestão desenvolvida pelos líderes estar profundamente influenciada por uma cultura, que Hofstede (1991) caracteriza como “distância hierárquica”. Na verdade, deduz-se, na base dos estudos de M. Crozier, que aquele tipo de liderança 106
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favorece um acréscimo de inflexibilidade, ou seja, para entravar a influência das relações imprevistas e indesejáveis, a organização reforça o formalismo das suas estruturas, levando a que esta inflexibilidade, por sua vez, tenha um recurso assistido dos poderes paralelos, criando-se um verdadeiro círculo vicioso. O Modelo Administrativo Tradicional deixou, assim, de proporcionar uma protecção imparcial aos interesses dos cidadãos, pois estes, além de não terem um acesso facilitado à participação nas decisões da Administração Pública (o que corresponde ao ideal burocrático), também não têm os órgãos de gestão como entidades independentes, porque não há uma verdadeira separação entre a política e a gestão (como o mesmo modelo impõe). A adulteração deste último princípio acaba por se repercutir em todos os actos de gestão. Todo o sistema de funcionamento é afectado por esta “promiscuidade”. Na Administração portuguesa, é possível constatar que o recrutamento, as promoções, o sistema de recompensas, a avaliação, têm pouco a ver com o primado do mérito defendido por Max Weber. O modelo Administrativo Tradicional é, ainda, bastante criticado por corresponder a um aparelho complexo, lento, que reage mal às inovações, não dialoga com os cidadãos e com os grupos de interesses, e que prefere o segredo à transparência. Além do mais, o carácter hierarquizado favorece a irresponsabilidade e a lentidão dos processos de decisão (Moreira e Maçãs, 2003). Segundo, estes mesmos autores, já se instalou na opinião pública uma forte corrente no sentido da desconfiança perante a imparcialidade da Administração, por esta se ter deixado dominar pela influência político-partidária. Como facilmente se constata, não é o modelo weberiano que é criticado mas o que designamos de mix dos dois modelos importados (napoleónico na estrutura, cujo topo é ocupado pelo nível político, e weberiano em regras, o que estaria conforme, desde que os interesses privados o não pudessem invadir, sendo a sua transparência auditável).
3. Hipóteses de Trabalho Partimos da ideia de que muitas das práticas de governação existentes, na Administração portuguesa, são geradoras de disfuncionamentos, de ineficácias e ineficiências, porque se baseiam no Modelo Administrativo Tradicional. Como vimos, este modelo deriva da implementação, primeiro do modelo Napoleónico e, anos depois, do Modelo Burocrático, cujas regras ao serem transpostas e adaptadas para a cultura portuguesa, sofreram diversas adulterações negativas, por não respeitarem os princípios da sua versão original. Nesta perspectiva, as práticas de governação, que resultam deste Modelo Administrativo Tradicional, passaram a constituir uma fonte de conflitos, entre os principais actores, criando uma falta de confiança que se repercute na gestão das organizações públicas. Nesta perspectiva, desenvolvemos um trabalho de investigação, com base Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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num estudo empírico, no sentido de tentarmos compreender a cultura de serviço público que está em emergência e qual o mix de características que configuram o sistema administrativo português? Para ajudar à clarificação da realidade vivida em Portugal, consideramos importante formular três hipóteses: uma hipótese geral (HG) e duas específicas (H.1) e (H.2). • Hipótese geral (H.G): coloca-se a hipótese de um retorno necessário à ideia weberiana da revolução burocrática. De facto, a “revolução weberiana”, a qual obteve bons resultados nos países de tradição germânica e nórdica, terá sido mal transposta para a cultura latina e, nomeadamente, a portuguesa. A verdade é que na cultura germanico-nórdica a ideia de revolução não é familiar, com excepção da imposição deste princípio da regra acordada e não alterável sem o acordo das partes interessadas. É este princípio revolucionário que permite destruir todos os vestígios da relação político-técnica do patrimonialismo. • A primeira hipótese (H.1) é a de que o nosso sistema de Administração Pública é o resultado do cruzamento de uma deficiente adaptação do Modelo Napoleónico e da tentativa de compatibilização com a Burocracia weberiana, tendo gerado uma “pseudo-burocracia”, cuja denominação pode ser a de Modelo Administrativo Tradicional; • Na segunda hipótese (H.2), as correcções, entretanto introduzidas na Administração Pública portuguesa, filiam-se nas diferentes teorias de modernização administrativa sem, contudo, se estruturarem numa lógica coerente, ou seja, deram origem a um mix constituído por vários traços de diferentes sistemas administrativos.
4. Metodologia Na base da concepção do estudo está o pressuposto teórico de que o sistema da Administração portuguesa é o resultado de uma deficiente adaptação de diferentes modelos. Assim, considerou-se importante a observação do que se passa ao nível das grandes tendências dos sistemas de Administração Pública doutros países europeus, nomeadamente, França, Reino Unido, Alemanha e Suécia, em comparação com Portugal. Deste modo, a opção metodológica pelo trabalho empírico foi da realização de estudos de caso. Este trata de comparar as características dos principais sistemas administrativos europeus com o sistema português, a fim de nos ajudar a compreender melhor as tendências possíveis da cultura de serviço público. 5. Eestudos de Caso: Caracterização dos Principais Sistemas Administrativos Europeus
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• Administração Pública Frances O actual sistema político-administrativo é fundamentalmente fruto da Constituição de 1958 e da sua revisão de 1962. A França é geralmente caracterizada por ser um Estado unitário centralizado, apesar, da reforma iniciada em 1982 ter criado uma maior autonomia territorial, com as regiões, departamentos e municípios. Em 1985 deram-se mais alguns passos no reforço da autonomia regional e local, tendo sido introduzida em 1992 uma nova desconcentração e descentralização de serviços. A França possui três níveis administrativos: Administração do Estado, Administração Regional e Administração Local. Relativamente à Função Pública, esta é fortemente segmentada em quatro domínios: a função pública do Estado, a função pública territorial, a função pública hospitalar e, ainda, as empresas públicas e outros organismos públicos. o Administração do Estado Os ministérios funcionam na dependência do respectivo ministro que, eventualmente, pode ser coadjuvado por outro ministro delegado ou por um ou mais secretários de Estado. A organização dos ministérios é complexa e algumas vezes difere de ministério para ministério. Em primeiro lugar, há que destacar a importância do Gabinete do Ministro que é composto por cerca de dez elementos de assessoria, que são nomeados pelo respectivo ministro, segundo um princípio de confiança política. As funções deste gabinete são de staff, embora, nas ausências do ministro, seja o director do gabinete que o substitui na direcção do ministério. Dependendo do ministro, há Secretarias de Estado que têm a responsabilidade de dirigir e coordenar as actuações das direcções-gerais. Estas representam as unidades básicas da estrutura dos ministérios, as quais tanto podem depender das Secretarias de Estado, ou directamente do ministro. As organizações pertencentes ao Estado são geralmente estruturadas em dois tipos de entidades: os serviços centrais e os serviços periféricos. Os primeiros coordenam e definem as grandes orientações; os segundos aplicam no terreno as políticas nacionais. o Administração Regional e Local No âmbito regional e local, a Administração Pública francesa é composta por três níveis: a região, o departamento e o município. As 26 regiões existentes foram criadas e organizadas em 1972, sendo 22 situadas no território europeu e 4 nos territórios ultramarinos (Guadalupe, Guiana, Martinica e Reunião). Dez anos depois, as regiões foram objecto de uma reforma profunda, que lhes proporcionou um estatuto de verdadeiras colectividades territoriais, dotando-as de vastos poderes e de um órgão de administração - Conselho Regional - eleito por sufrágio directo e universal. O Conselho Regional elege o presidente, os viceLusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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presidentes e os restantes membros para formar a Comissão permanente. As regiões possuem ainda um Conselho Consultivo de natureza económico-social, não eleito. As regiões dispõem de atribuições nos domínios do ensino profissional e secundário (competindo-lhe a criação, manutenção e gestão das escolas dos três últimos anos do ensino secundário), do ordenamento do território e urbanismo, do desenvolvimento económico e apoio às PME, dos transportes, portos e vias fluviais. Relativamente aos departamentos, o território está dividido em 100. Estes possuem um órgão – Conselho Geral – eleito por sufrágio directo, o qual por sua vez elege um presidente. A cidade de Paris constitui uma excepção, pois é simultaneamente um município e um departamento, sendo estas funções desempenhadas pelas instituições municipais. No que diz respeito às atribuições dos departamentos, compete-lhes, designadamente, a gestão dos benefícios no âmbito da segurança social e da saúde, o exercício de competências no domínio dos transportes públicos e do ensino, incumbindo-lhes a criação, manutenção e gestão das escolas referentes aos quatro primeiros anos do ensino secundário. As comunas (municípios) são cerca de 36.772. A maioria dos municípios tem características rurais, pois somente 2% possuem mais de 10.000 habitantes, representando 50 % da população total. Como órgãos, têm o Conselho Municipal e o seu Presidente. Os municípios dispõem de atribuições nos seguintes domínios: planeamento urbanístico, infra-estruturas e habitação social, serviços públicos locais de abastecimento de água e electricidade, recolha e tratamento de resíduos, transportes públicos, cultura, polícia municipal, apoio ao emprego e às empresas, serviços de saúde e acção social, sendo ainda responsáveis, na área da educação, pela construção e manutenção das escolas do ensino primário. Em cada Região, e Departamento, a representação do Estado está a cargo de um funcionário (Prefeito) nomeado pelo governo, ao qual compete a coordenação dos serviços desconcentrados da Administração Central, no respectivo âmbito territorial. Nos municípios, o Estado é representado pelo Presidente eleito pelo Conselho Municipal, que dispõe de poderes de manutenção da ordem pública, sendo também responsável pela investigação criminal e registo civil. o Estratégias de modernização
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Quadro nº 1 - Principais estratégias de modernização adoptadas na Administração francesa Descentralização de algumas competências da Administração Central para a Administração Regional e Local Estabelecimento de alguns princípios sobre a gestão de recursos humanos, finanças, gestão por objectivos e resultados; Programas de modernização para melhoria da prestação de serviços aos utentes / clientes; Fonte: OCDE (1997); OCDE (2004). • Administração Pública do Reino Unido O Reino Unido é uma monarquia constitucional sem Constituição escrita, embora seja evolutiva e baseada no acordo permanente. A fonte do poder do sistema político-administrativo advém, sobretudo, da importância do Parlamento, apesar do processo legislativo ser dominado pelo governo, como consequência do sistema eleitoral. Como se sabe, o sistema eleitoral instituído propicia ao partido vencedor das eleições uma maioria clara e suficiente para o exercício do poder, criando uma grande base de estabilidade para a decisão de todos os assuntos públicos, normalmente, para além de um mandato. O Parlamento pode legislar sobre qualquer matéria, sem obstáculos jurídico-políticos. De facto, existe uma enorme flexibilidade do sistema político, fundamentalmente, por via da ausência de um texto constitucional. É, claro que existem leis, convenções e disposições judiciais que ao longo dos tempos regulam as relações entre a Coroa e os seus súbditos, entre os poderes públicos e os cidadãos. O sistema político institucionalizado caracteriza-se essencialmente por uma grande estabilidade. Muitas das instituições do Estado (Coroa, Câmara dos Comuns, Câmara dos Lordes) preservam de maneira especial as suas tradições, havendo, no entanto, uma preocupação pela evolução, ao longo dos últimos oito séculos. Vejamos, em seguida, a estrutura da Administração Pública e a respectiva composição organizada pelos níveis central, regional e local. o Departamentos Ministeriais O Primeiro-ministro é formalmente nomeado pelo Monarca. O Primeiroministro nomeia os ministros e preside às reuniões do Conselho de Ministros. O gabinete do Primeiro-ministro é constituído por cerca de 80 pessoas, sendo a maioria dos quais funcionários públicos de carreira. Este gabinete tem como missão principal assessorar a organização da agenda política do Primeiro-
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ministro. O Conselho de Ministros é um comité de ministros principais, cujo número pode variar até ao máximo de 22. Os ministros no RU têm diferentes designações e funções. Há ministros que não são membros do Conselho, mas que podem ser convidados a participar nas reuniões que tratem de assuntos relativos ao seu ministério. Alguns têm designações tradicionais, tais como, Chanceler do Tesouro (Finanças), o lorde Chanceler (Justiça). Há secretários de Estado para a Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales. Os departamentos sectoriais são: o tesouro; estrangeiros e comunidade; interior; educação e emprego; saúde; cultura, comunicação social e desporto; desenvolvimento internacional; segurança social; agricultura, pescas e alimentação; comércio e indústria. A maioria de cada um dos grandes ministérios (os doze atrás mencionados) têm como responsável um ministro que pertence ao Conselho de Ministros e podem ter juniors ministers1, com funções de assessoria, ou até como responsáveis de áreas específicas no âmbito do departamento ministerial. Actualmente, os departamentos ministeriais podem ser caracterizados pelo seu reduzido tamanho e pela sua fragmentação. Apenas cerca de 10% do total dos funcionários públicos estão afectos aos departamentos centrais, estando os restantes distribuídos pelas agências e quangos (organizações semipúblicas quase autónomas). O processo de fragmentação da Administração resultou da transformação dos ministérios tradicionais numa divisão funcional em três grupos: ministérios que planeiam e programam, agências executivas e organizações privadas que prestam serviço público e, por último, agências reguladoras que controlam. A provisão dos serviços públicos é actualmente desenvolvida de forma mista, ou seja, parece funcionar sob a forma da filosofia de rede, onde interagem vários tipos de organizações públicas, do terceiro sector e privadas. Esta diversificação tem provocado naturalmente problemas de coordenação, parecendo indicar que as soluções encontradas pela Administração britânica já não se situariam na base da coordenação hierárquica tradicional, mas sim no âmbito da governação pelo mercado e por redes. o Agências Públicas As agências executivas são consideradas unidades organizacionais com bastante autonomia, embora façam parte da Administração Central, dependendo do respectivo ministro a quem tem de prestar contas. O ministro estabelece os objectivos para a agência e esta é dotada dos recursos necessários para realizar as tarefas. Porém, o director executivo possui uma margem de autonomia bastante razoável na gestão dos recursos de acordo com o plano apresentado previamente ao respectivo ministro. O Quadro nº 2 procura traduzir a atribuição de papéis para cada um dos responsáveis, segundo a análise de Phippard (1993). 1
Os juniors ministers são elementos pertencentes à juventude partidária do partido do governo que estão em formação para mais tarde ocuparem lugares políticos de maior relevância.
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Quadro nº 2 - Os papéis do ministro e do director executivo da agência Papel do ministro • • • • • • • • • •
Estabelece a finalidade e objectivos; Define a relação e a prestação de contas; Define o financiamento; Define as Auditorias, e avaliação; Aprova o pessoal, salários e formação; Nomeia o director executivo; Efectua delegação de competências; Aprova planos / orçamentos / metas; Negoceia recursos; Acompanha e avalia os resultados.
Papel do director executivo • • • • •
Selecciona o pessoal; Efectua a gestão do dia-a-dia; Propõe planos, orçamentos metas; Aplica os recursos; Informa sobre os resultados.
e
Fonte: Phippard (1993).
O ministro assume a responsabilidade última da agência e tem de prestar contas ao Parlamento. A maior ou menor autoridade do director executivo da agência depende da delegação de poderes do próprio ministro. Anualmente, o ministro fixa os objectivos e aprova o plano proposto pelo director executivo. O ministro negoceia com o Departamento do Tesouro os recursos que necessita para o seu departamento e afecta um quantitativo a cada agência. No final do ano espera que o director executivo relate os resultados obtidos. No caso específico da utilização de recursos financeiros a nível da agência é o chefe da contabilidade, nomeado pelo director executivo, que tem de responder perante a Comissão de Contas Públicas. o Administração Regional e Local No âmbito da Administração Regional e Local, as entidades públicas distribuem-se nalguns casos por dois, noutros por três níveis. O primeiro, é constituído pelos condados (counties), embora na Escócia se denominem regiões. Este nível é responsável pelo desenvolvimento dos serviços públicos, com maior peso financeiro, designadamente a educação e os serviços sociais. O segundo nível é formado pelos distritos (districts) que podem ser metropolitanos e não Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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metropolitanos. Por razões históricas, alguns deles podem tomar a designação da cidade ou de município (boroughs). O distrito pode não coincidir com uma só cidade pois pode agrupar várias outras. São os distritos que são responsáveis pelos serviços públicos mais ligados às necessidades locais. Em Londres existe uma área metropolitana cujo responsável político foi eleito, pela primeira vez, no ano de 2000. Nas zonas não metropolitanas da Grã-Bretanha existe um terceiro nível formado pelas paróquias (parishes), na Inglaterra os “povos”, e em Gales e na Escócia os concelhos (community councils). Da análise efectuada, podemos referir que a política de regionalização no Reino Unido só assumiu um impulso mais activo a partir do ano de 1999. Antes do início deste processo de descentralização, o Governo Central nomeava um ministro para cada uma das regiões da Escócia, de Gales e da Irlanda do Norte, a fim de desempenharem um duplo papel, ou seja, por um lado representavam os interesses regionais perante a Administração Central, por outro lado, geriam a aplicação das políticas públicas nacionais com expressão regional, nas áreas da habitação, educação e agricultura. Com efeito, foi sob a responsabilidade do Primeiro-Ministro Tony Blair, que aquelas regiões da Escócia, Gales e da Irlanda do Norte, foram dotadas de uma maior autonomia através da criação de governos próprios. o Estratégias de modernização da Administração do Reino Unido Quadro nº 3 - Principais estratégias de modernização na Administração do Reino Unido As estruturas monolíticas de governo, assentes em departamentos, deram lugar a pequenas unidades de gestão, com objectivos e missões direccionadas pelos ministérios ou pelo parlamento; Na função pública, o programa Nex Steps foi concebido para desenvolver e implementar novas formas de governação e prestação de melhores serviços (qualidade) aos cidadãos; Criação progressiva de agências para desenvolverem funções executivas anteriormente prestadas pelos departamentos ministeriais; Programa de privatizações; Ênfase na prestação de serviços com qualidade ao cliente Maior e mais transparência de informação Competição e contratação de serviços fora da Administração Fonte: OCDE (1997); OCDE (2004).
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O Reino Unido é um Estado unitário que foi sujeito a vários processos de modernização administrativa que parecem ter resultado numa grande fragmentação da Administração Pública. No âmbito organizacional, transitouse de um sistema unitário de Administração Pública de prestação directa de serviços, para uma prestação mista, através de vários tipos de organizações: agências autónomas; quangos (organizações semi-públicas quase autónomas); empresas e organizações sociais. Esta prestação mista de serviços públicos, também se desenvolveu a nível local. Ao mesmo tempo que se reduziram o número de municípios e condados, foram criados ao nível regional os governos regionais de Gales, Escócia e Irlanda do Norte. No âmbito de toda a problemática de modernização, desenvolveram-se vários programas de privatização e da introdução de medidas de maior eficiência, designadamente, através da adopção de técnicas de gestão empresarial privada. • Administração Pública Alemã O governo federal é dirigido por um Chanceler federal que se caracteriza, com muita diferença dos modelos francês ou do Reino Unido, por uma relativa ausência de poder hierárquico, como chefe do governo, sobre os ministros. Compete ao Chanceler escolher e propor para nomeação (pelo Presidente da República) os vários ministros, mas uma vez em exercício de funções, os ministros dispõem de uma grande margem de autonomia. A Chancelaria federal é um órgão composto por cerca de 500 efectivos, que trabalham a informação para apoio à decisão do chanceler e o auxiliam nas tarefas de coordenação. Nesta estrutura, também há um serviço de imprensa e de informação do Governo federal (equivalente ao porta-voz do Governo), onde se planeia e governa todo um sistema de informação do governo: os dados importantes relativos a cada projecto a desenvolver pelos vários ministérios são comunicados à Chancelaria. Todos os ministérios têm acesso a estes dados. Quanto aos serviços transversais, pertence ao Ministério do Interior a gestão dos recursos humanos e a gestão das novas tecnologias de informação e comunicação, enquanto a gestão dos recursos financeiros, é da responsabilidade do Ministério das Finanças. O Governo federal é normalmente organizado em 18 ministérios, cuja liderança pertence a cada um dos ministros que, por sua vez, é coadjuvado por secretários de Estado (geralmente, entre um a três). A unidade básica da Administração Pública é o “serviço”. No máximo seis serviços constituem uma subdirecção-geral; estas subdirecções agrupam-se em direcções-gerais que funcionam na dependência de cada secretário de Estado. O secretário de Estado e o director-geral podem ser funcionários ou políticos, pois tratam-se de cargos de nomeação discricionária, cuja característica principal é a de cessarem funções a todo o tempo, por decisão do ministro. Todos os outros cargos, inferiores a director-geral, ou sejam, os subdirectores-gerais e os chefes de divisão, são de Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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natureza profissional, ocupados por funcionários públicos, cuja promoção assenta em critérios de mérito. A Alemanha tem uma organização administrativa que se articula em três níveis: o Estado Federado (Land), o Distrito (Kreise) e o Município (Gemeinde). Cada um destes níveis tem uma grande autonomia e é responsável, relativamente às tarefas que lhe estão definidas constitucionalmente. o Estados Federados (Lander) A República Federal da Alemanha é constituída por 16 Estados Federados (os Lander): 11 existem desde 1945 e os outros 5 foram constituídos em 1990, com a união do território da antiga República Democrática Alemã. Cada Estado Federado dispõe da sua própria Constituição e de atribuições específicas, que incluem poder legislativo, administrativo e jurisdicional, podendo celebrar tratados com países estrangeiros. Os lander são bastante diferentes, quer pelas dimensões territoriais, quer pelo seu peso político. Cada land tem um Parlamento, um Governo e a sua Administração Pública. Cada land possui um Primeiro-Ministro e respectivo gabinete, normalmente tem cerca de dez ministérios e tem competências para organizar a sua própria Administração Pública. Na maioria dos lander, o aparelho administrativo está organizado em três níveis. Um nível superior, que depende directamente dos ministérios, assumindo o tipo de funções de concepção e coordenação; a nível intermédio, desempenhando funções correspondentes a um distrito do land, no entanto, não existem nos lander de reduzidas dimensões. Num terceiro nível, é constituído por instituições de prestação de serviços, das próprias necessidades do Land (serviços de saúde, serviços de infra-estruturas públicas, etc). o Administração Regional e Local A Administração Regional e Local está organizada em dois níveis: os distritos (Kreise), e os municípios (Gemeinde). Os distritos são agrupamentos regionais de municípios. Existem 323 distritos e 16.071 municípios. Estes dois níveis funcionam segundo o princípio da subsidiariedade, que implica a responsabilidade de se solucionar os assuntos locais ao nível dos municípios; mas quando este não consegue fazê-lo é ao distrito que passa a competir essas responsabilidades. As grandes cidades (há 115 que possuem mais de 100.000 habitantes) não dependem do distrito, sendo dotadas de grande autonomia, e assumem todas as competências dos dois níveis da Administração Regional e Local. A organização dos municípios é muito variável, pois os lander têm liberdade para definir a estrutura organizativa no âmbito dos respectivos territórios. O Presidente do município pode ser eleito directa ou indirectamente segundo as normas de cada land onde está inserido o município. Estes, gerem vários serviços 116
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públicos como são, os serviços sociais locais, o fornecimento de água e gás, transportes locais, etc. Além das suas próprias funções, os municípios aplicam a legislação federal e a legislação do land. O financiamento dos municípios é proveniente dos impostos locais (impostos sobre imóveis e sobre os negócios) e 15 % do imposto sobre o rendimento, além dos subsídios e transferências por parte dos lander. o Estratégias de modernização Quadro nº 4 - Principais estratégias de modernização adoptadas na Administração Alemã Transferência de recursos humanos da Administração central para outros níveis mais operacionais; Medidas para resolução de problemas financeiros nos municípios e nos Lander; Privatização de serviços e implementação do outsourcing; Aumento de fiscalização da administração fiscal; Fonte: OCDE (1997) e OCDE (2004)
• Administração Pública da Suécia Em termos relativos, a Suécia possui o maior sector público do mundo ocidental. A Suécia distancia-se bastante, em relação a muitos outros países desenvolvidos, pelos seus já tradicionais serviços e prestações sociais, que são inteiramente prestados por organizações públicas, completamente financiadas pelos impostos pagos por todos os cidadãos. O Sector Público sueco está organizado em três níveis de administração: central, regional e local. O nível central é constituído pelos departamentos ministeriais, as agências e as empresas públicas. O nível regional – nivel territorial intermédio – é composto por dois tipos de entidades públicas: os conselhos de distrito e a administração distrital. Relativamente ao nível local, este é constituído pelos municípios. o Departamentos ministeriais Na Suécia, os departamentos ministeriais são unidades organizacionais relativamente pequenas. O número de funcionários públicos afectos a cada departamento pode variar entre 50 a 300 pessoas no máximo. Em 1999, o governo sueco estava organizado em treze departamentos ministeriais, embora existissem dezoito ministros, pois há departamentos ministeriais que podem repartir-se em funções que vão para além da responsabilidade de dois ou mais ministros. No ano Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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de 2001 o governo reduziu para dez os departamentos ministeriais. O Quadro nº 5 indica-nos a evolução do número de funcionários, mas é, sobretudo, ilustrativo em relação ao propósito do modelo sueco, ou seja, manter um número restrito de funcionários a nível central, de apoio à decisão política, e desconcentrar o mais possível a execução das políticas públicas nas agências independentes. Quadro nº 5 - Pessoal afecto aos Departamentos Ministeriais Ano
Nº de funcionários
1956
575
1973 1982 1991
1345 2020 1835
Fonte: Dahlberg (1994) O gabinete de cada ministro é, normalmente, composto por um chefe de gabinete e alguns assessores, que são nomeados pelo ministro, e cessam funções em simultâneo com o respectivo titular da pasta. Podem existir secretários de Estado, quando os ministérios são muito complexos, e necessitam de ser desdobrados em termos de matérias. Num Departamento ministerial existe um subsecretário para os assuntos de intendência geral e um secretário-geral para os assuntos legais. Estes dois cargos são de carreira e são providos na base do mérito do desempenho. Os ministros apenas adoptam decisões individuais em matérias de organização do seu departamento, porque as decisões relacionadas com os programas públicos são sempre tomada em conjunto, no seio do governo. Portanto, a preparação, o planeamento e a coordenação dos assuntos de interesse geral, realizam-se de forma colectiva pelo governo. Se algum dos ministros adoptar decisões sem o consentimento escrito dos colegas coloca em risco a continuidade do seu cargo, ou seja, não existe responsabilidade ministerial individual (Larsson, 2001). Para a coordenação do sistema, o Primeiro-Ministro dispõe de um gabinete com cerca de 40 pessoas. Este gabinete não tem o propósito de acompanhar ou monitorizar o trabalho que se desenvolve nas agências, nem se imiscui nas tarefas de implementação das políticas, como consequência da separação entre as decisões políticas e a sua implementação prática. Os membros do gabinete do Primeiro-Ministro são nomeados pelo próprio, com base em critérios políticos, e cessam a actividade em simultâneo com o do seu titular. É a partir deste gabinete que se efectua a monitorização da actividade dos ministérios e se desenvolve a coordenação das relações com os partidos políticos que formam a coligação governamental (Larsson, 2001).
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Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
Albino Lopes e Carlos Rodrigues
Para além das reuniões ministeriais de preparação e aprovação de diplomas legais, a Suécia diferencia-se dos outros sistemas administrativos na prática das suas relações interministeriais. Na verdade, as comissões interministeriais são substituídas normalmente por comissões de peritos, que estudam os temas interdepartamentais. Estas comissões de peritos podem ser formadas por parlamentares, funcionários das agências e consultores privados. Para controlo destas comissões o governo elabora um documento base com as principais instruções e os limites, dentro dos quais a comissão pode encontrar e propor soluções. Na redacção destas instruções participa um alto funcionário que, por sua vez, também integra os trabalhos da comissão, sendo considerado “os olhos e ouvidos do ministro”. Desta forma, o governo controla o processo, tentando alinhar os seus resultados com a política governamental. Os documentos elaborados nestas comissões são transmitidos às respectivas agências públicas, para estas incorporarem as modificações oportunas. Os cidadãos também podem elaborar observações a título individual. Toda a documentação que se gera, na fase de estudo, pode servir para suportar a decisão governamental ou para elaboração de propostas legais (Statskontoret, 1998). As comissões de peritos constituem, assim, um dos elementos participativos do modo como se elaboram as políticas públicas, no âmbito do sistema administrativo sueco. o Agências Públicas O governo encarrega-se de promover o planeamento e a elaboração dos programas públicos, enquanto que a sua implementação prática é uma actividade das agências. Existem cerca de 300 agências públicas, onde trabalham, aproximadamente, 160.000 pessoas. A Figura nº 2 - procura ilustrar a relação entre o Governo e a agência. Pertence ao governo a designação do director-geral da agência. Figura nº 2 - A relação governo / agência
Fonte: elaborado a partir de Dahlberg (1994).
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A modernização da Administração Pública passa por uma revolução burocrática
Ao lado do director-geral existe um Conselho Geral constituído por pessoas independentes da gestão da agência. O director-geral é normalmente o presidente desse Conselho. Geralmente, apontam-se três motivos para a existência deste Conselho: primeiro, a necessidade da agência ter acesso a conhecimentos especializados de diversos peritos; segundo, os representantes dos grupos de interesse, afectados pela actividade da agência, devem ter oportunidade de expressar o seu ponto de vista e participar nas decisões; a terceira razão reside na maior influência e controlo sobre a Administração por parte dos cidadãos. Uma das questões que se pode colocar é a de saber em que qualidade esses cidadãos são representados, ou seja, quem são os membros desse Conselho? Na grande maioria são políticos, muitos deles representantes do nível regional e local. Essa representação está relacionada com os interesses implicados no objecto da agência: sindicatos, empresários, diferentes sectores industriais, etc. Também é costume integrarem estes conselhos um bom número de académicos e peritos nas várias matérias de interesse da agência. O Conselho da agência só toma decisões sobre matérias muito determinadas, designadamente, sobre o plano e orçamento e, em geral, acompanha e examina a actividade da agência de maneira a verificar se ela é eficaz e em conformidade com a missão estabelecida (Dahlberg, 1994). As agências dependem formalmente do governo, embora possuam uma ampla margem de autonomia de gestão. As agências possuem plena responsabilidade para poderem definir as suas políticas de pessoal, da sua gestão financeira e, em grande medida, dos seus investimentos. Podem, igualmente, determinar a sua estrutura orgânica, escolher os seus métodos de trabalho e estabelecer a combinação de inputs de produção que melhor se adapte às suas actividades. Como já se referiu, é o Governo que escolhe e nomeia o directorgeral da agência, pertencendo a este efectuar a proposta de nomeação dos restantes dirigentes. Todo o restante pessoal é recrutado e seleccionado pela própria agência. Na verdade, a Constituição não permite as relações formais entre os ministros e as agências, pois as agências apenas dependem do governo, na qualidade de órgão colectivo. Em resultado desta separação tão rígida, os ministros não são responsáveis pela interpretação da lei que os funcionários das agências realizam. Não obstante esta formalização da independência das agências, na sua relação com os ministros, os contactos informais e os instrumentos indirectos de controlo governamental sobre a actividade das agências, constituem uma prática quotidiana. Na verdade, as fases da preparação das decisões e da sua implementação obrigam, naturalmente, a uma necessária interdependência entre o órgão político e o órgão executivo da agência. Portanto, ainda que seja de forma informal, o governo dispõe de vários instrumentos para controlar as agências públicas: a) Em primeiro lugar, o governo pode redigir directrizes sobre o modo como se deve interpretar as disposições legais; b) O governo também pode elaborar instruções detalhadas sobre a utilização dos fundos públicos; 120
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Albino Lopes e Carlos Rodrigues
c) Um outro instrumento fundamental é a designação do responsável máximo da agência (director-geral). Cada uma das agências possui um director-geral nomeado por um período de 6 anos, sendo ele o responsável máximo pelas actividades da agência. Tendo em conta que o mandato dos governos é de quatro anos, torna-se possível que um director-geral de uma agência trabalhe com governos diferentes. Regra geral, um directorgeral não pode ocupar o cargo para além de dois mandatos de 6 anos. Na base da preservação do princípio de que se deve manter a separação de actividades política / administração o director-geral não tem obrigação de demitir-se, com a entrada de um novo governo, seja ele maioritário ou não. Porém, se um director-geral é acusado de má gestão e perde a confiança do governo, então pode ser afastado do seu cargo. Ora, sendo as agências públicas independentes hierarquicamente do ministro, como é que funcionam os mecanismos de responsabilidade? A Constituição sueca não permite aos ministros nem ao próprio Parlamento exercer um controlo directo sobre a actividade das agências. Segundo adianta Ziller (2001), pertence ao Ombudsman 2 exercer um papel muito importante, com grande influência política e social, delegada pelo Parlamento. Enquanto aquele órgão se encarrega de fazer respeitar o princípio da transparência da Administração Pública perante todos os cidadãos, perante os tribunais, os funcionários são criminalmente responsáveis pelas suas acções. As agências também funcionam como mecanismos de coordenação, designadamente, as agências com funções de avaliação, como por exemplo, a Agência Sueca de Gestão Financeira. Estas agências de avaliação controlam o cumprimento de objectivos de outras agências. Dado que o sistema sueco se baseia, em absoluto, no princípio de transparência, os documentos das agências destinados ao Governo e ao Parlamento são públicos praticamente desde o momento em que são elaborados, por isso, servem não apenas para a agência que os avalia, mas também para as restantes partes, em virtude da existência de uma certa homogeneidade nas práticas de gestão. o Administração Regional e Local O nível regional é governado por políticos eleitos, cujas funções principais são o planeamento e promoção regional, a gestão dos cuidados de saúde, os transportes públicos e comunicações, a distribuição de energia, as estradas, os parques, a assistencia social, a educação e a cultura. Paralelamente, a estes, existem os serviços administrativos (Administração Distrital) dependentes do Estado, com uma fraca autonomia de decisão. A nível local, existem os municípios que se caracterizam tradicionalmente por uma grande autonomia. Cerca de 75 % da actividade dos municípios é 2
Pode traduzir-se por “Provedor do cidadão”. Trata-se de um órgão com amplos poderes, com funções de fiscalização / controlo.
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A modernização da Administração Pública passa por uma revolução burocrática
financiada por impostos criados a nível local. As transferências financeiras do governo cobrem os restantes 25 % das necessidades dos municípios. No período de 1960 a 1975, depois de um longo debate, cujo tema forte se situou em torno da defesa do equilíbrio entre a democracia e a eficiência, o número de municípios baixou de 2000 para 280. O motivo principal desta fusão de municípios deveu-se à necessidade de criar unidades administrativas, que apresentassem uma dimensão suficiente, para se poderem implementar reformas nos sectores do ensino e da segurança social. A provisão dos serviços sociais é uma função dos municípios e não do Estado. O mesmo acontece, por exemplo, com o ensino obrigatório, o ensino secundário e o ensino de adultos. Nos últimos anos, os municípios, em matérias do urbanismo e conservação da natureza, tem vindo a assumir um papel relevante. Esta descentralização tem tido repercussões em todo o sector público sueco. Antes de mais, verificou-se uma acentuada redução do controlo por parte do Estado nos municípios, e um consequente alargamento da margem de manobra para as iniciativas locais. ○ Estratégias de modernização Quadro nº 6 - Principais estratégias de modernização na Administração da Suécia Esforços de tornar o sector público mais eficiente; Reorganização do processo e formas de orçamentação; Programa de ajustamento e emagrecimento da Administração Pública; Diminuição da despesa pública como estratégia de longo prazo. Fonte: OCDE (1997); OCDE (2004)
• Administração Portuguesa Actualmente, em termos de análise, só por comodidade de linguagem se pode falar em Administração Pública no singular porque, na verdade, o que se pode constatar é a existência de várias administrações públicas, aliás, tal como se passa nas restantes administrações europeias analisadas. Há uma enorme constelação de administrações públicas, ou seja, milhares de organizações, embora todas elas pertençam ao mesmo sistema de Administração Pública. Esta é, de facto, uma macro-organização que actua através de um conjunto de instituições e organizações dotadas de meios cedidos pela sociedade, a fim de realizar objectivos que esta considera necessários. Nesta perspectiva, depreendese que as organizações que fazem parte da Administração Pública, por um lado realizam propósitos destinados a satisfazer necessidades colectivas, guiadas
122
Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
Albino Lopes e Carlos Rodrigues
pela Constituição, por leis e pelo processo político e, por outro lado, são dotadas de poderes específicos, de natureza pública, resultantes da autoridade que a sociedade deposita no Estado para satisfazer essas necessidades. Em Portugal, a organização da Administração Pública inclui, para além do próprio Estado, os institutos públicos, empresas públicas, associações públicas, entidades reguladoras, autarquias locais e regiões autónomas. Trata-se, na verdade, de um vasto conjunto de organizações públicas, de tipos diferentes que, para efeitos de análise, importa sistematizar. De acordo com esta definição, estão integrados no âmbito do Sector Público Administrativo: a Administração Central e a Administração Local (Quadro nº 7): Neste sentido, incluem-se na Administração Central os departamentos ministeriais e todas as unidades organizacionais dependentes, nas modalidades de administração directa e administração indirecta, bem como, o caso especial da administração independente. Quadro nº 7 - Classificação do Sector Público Administrativo Âmbito da Administração Pública
Administração do Estado
Administração Local
Modalidades de Administração
Tipos Organizacionais
Administração directa
Ministérios organizados em direcções-gerais (e outros departamentos equiparados como inspecções-gerais e secretarias-gerais)
Administração indirecta
Institutos públicos.
Administração independente
Entidades reguladoras
Administração autónoma
Autarquias locais: municípios e freguesias
A Administração Local, compreende o tipo de organizações com características de auto-governo – as autarquias locais - que não pertencem propriamente ao Estado (são do tipo administração autónoma) e, por isso, não dependem do governo central, a não ser no que diz respeito ao cumprimento na aplicação da legislação. Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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A modernização da Administração Pública passa por uma revolução burocrática
Em seguida, faremos uma breve análise sobre a Administração do Estado e, particularmente, dentro desta, realçaremos as várias modalidades da administração e alguns aspectos relativos aos processos de reforma e modernização. o Administração do Estado O principal órgão da Administração do Estado é o Governo. Este é composto pelo Primeiro-Ministro, dos ministros, dos secretários de Estado e dos subsecretários de Estado. A organização e coordenação da Administração Pública Central efectuam-se a partir dos ministros e respectivos gabinetes, cujo número e denominação dependem da orgânica adoptada em cada governo. De acordo com o texto constitucional, o governo para além de ser “o órgão de condução da política geral do país” é também o “órgão superior da Administração Pública” (CRP, Artº 185). Para prosseguirem os seus objectivos, cada governo cria a sua própria estrutura ministerial. Embora seja escassa a teoria desenvolvida sobre a organização de governo é possível enumerar uma classificação mais habitual dos tipos de ministérios. Segundo o critério adoptado por Amaral (1999), os ministérios agrupam-se em cinco categorias: ministérios políticos; ministérios militares; ministérios económicos; ministérios sociais e ministérios técnicos. Quanto à Administração independente, esta constitui, porventura, um dos traços mais marcantes das recentes alterações do papel do Estado na economia e na sociedade. Trata-se da criação das entidades de regulação, essencialmente, independentes do Governo. A abertura de sectores de actividade económica, até aí reservados ao sector público, à livre iniciativa privada, trouxe consigo a necessidade de separar a função de estabelecer regras de funcionamento desse mercado, em relação à função de intervir directamente no mesmo enquanto sujeito económico. Assim, a regulação passou a caber, cada vez mais, a organizações públicas não dependentes directamente das orientações do Governo - autoridades reguladoras independentes. Estas entidades passaram a funcionar segundo um novo paradigma de actuação, o regulador deve gerir os interesses dos profissionais do sector e igualmente o interesse público e os interesses dos consumidores. De uma forma linear, podemos referir que os principais interesses em conflito são os profissionais do sector, os consumidores e o interesse público e à entidade reguladora compete gerir esses interesses de forma clara e eficaz, assegurando a qualidade de serviço. Para tal, têm vindo a ser criadas várias autoridades reguladoras independentes que visam assegurar um conjunto de regras e princípios que poderão promover a credibilidade do sistema em causa3.
3 Consultar, por exemplo: o projecto de Lei-Quadro (Moreira e Maçãs, 2003); o Decreto-Lei nº 309 / 2003 que criou a Entidade Reguladora da Saúde; o Decreto-Lei nº 10 / 2003, de 18 de Janeiro, que criou a Autoridade da Concorrência.
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Albino Lopes e Carlos Rodrigues
o Administração autónoma Segundo o Artigo nº 235, da Constituição “ a organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais”. A Administração Local refere-se ao conjunto das autarquias locais, que são: as regiões administrativas, os municípios e as freguesias. Estas entidades, englobam-se na modalidade de Administração autónoma, que pode ser definida como uma das modalidades de administração pública caracterizada, essencialmente, com duas dimensões: a autodeterminação, isto é, a capacidade de definir a sua própria orientação administrativa, sem submissão a orientações superiores, designadamente do governo; e a auto-responsabilização, que significa a não submissão do mérito dos seus actos ao controlo da Administração do Estado. Ora, decorrente destas duas dimensões anteriores, surge a característica mais evidente da Administração autónoma que é o auto-governo. Entende-se por auto-governo, o governo próprio por meio de órgãos representativos eleitos, directa ou indirectamente, pela colectividade base. A existência constitucional de autarquias locais e o reconhecimento da sua autonomia face ao Poder Político central, traduz-se operacionalmente no conceito de descentralização. Portanto, são classificadas de autarquias4: os municípios e as freguesias. Qualquer destas entidades é dotada de órgãos próprios. O Artigo nº 239, da Constituição, estabelece os órgãos deliberativos e executivos das autarquias locais. o Modernização administrativa No decorrer das últimas décadas a Administração portuguesa tem vindo a sofrer grandes mudanças, através da implementação de vários processos de modernização administrativa. O Quadro nº 8 pretende referir apenas uma pequena parte das medidas, mais significativas, tomadas nos últimos anos. Quadro nº 8 - Principais estratégias de modernização adoptadas na Administração portuguesa Revisão do Estatuto do Pessoal Dirigente Organização da Administração Central e dos Institutos públicos Sistema Integrado de Avaliação do Desempenho (SIADAP) Transferência de funções da Administração Central para a Administração Local
4 As Regiões Administrativas, também, são consideradas autarquias face à Constituição, embora, não estejam activadas na prática. Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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A modernização da Administração Pública passa por uma revolução burocrática
Programa de Reestruturação da Administração Central (PRACE) que tem como objectivos: - Modernizar e Racionalizar a Administração Central; - Melhorar a Qualidade de Serviços prestados aos Cidadãos pela Administração; - Colocar a Administração Central mais próxima e dialogante com o Cidadão. Regime jurídico do contrato individual de trabalho Regime de mobilidade; regime de vínculos, carreiras e remunerações Introdução de sistemas de simplificação administrativa Fonte: resumo de vários diplomas legais em anexo; Programa PRACE (MFAP).
6. Síntese da Análise de Dados e Teste das Hipóteses
Depois de termos analisado cada sistema administrativo, efectuamos agora uma síntese de leitura a partir das três categorias seleccionadas: estrutura organizativa do território, o grau de separação da política / gestão e o exercício do poder de coordenação. O Quadro nº 9 procura mostrar as principais características da análise das três categorias, relativas aos cinco sistemas administrativos. Quadro nº 9 - Breve comparação dos sistemas de administrações públicas Países França
Reino Unido
Alemanha
Suécia
Portugal
Categorias Estado Unitário
Estado Unitário
Estado Federado
Estado Unitário
Estado Unitário
Centralizada
Descentralizada
Relativamente descentralizada
Muito descentralizada
Muito centralizada
Grau de separação política / gestão
Reduzida separação
Grande separação
Grande separação
Grande separação
Reduzida separação
Principal poder de coordenação
Em torno dos gabinetes ministeriais
Elite administrativa
Práticas assentes na procura do consenso
Em torno do Primeiro Ministro e dos gabinetes
Estrutura organizativa territorial
126
Princípio da hierarquia e funcionários profissionais
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Em seguida iremos comparar, de forma sumária, as características mais importantes das várias administrações públicas com o sistema português. Começaremos por analisar o peso relativo do Estado, medido através do rácio da despesa pública total em percentagem do PIB. Esta é uma das medidas normalmente utilizadas para avaliar a dimensão do Estado. O Quadro nº 10 procura mostrar a evolução da despesa pública em Portugal, em comparação com os países, das administrações públicas analisadas. Com efeito, desde a década de 70 até meados dos anos 80 observou-se um aumento da dimensão do Estado na generalidade dos países. De 1985 para 1990, de um modo geral, as administrações públicas fizeram um esforço de diminuição da despesa pública, embora em 1995 o valor da despesa voltasse a subir ligeiramente. A partir do ano de 1995 verifica-se uma contenção da despesa pública com tendência para uma descida na generalidade, embora com intensidades diferentes. Quadro nº 10 - Despesa pública total em % do PIB 1970
1975
1980
1985
1990
1995
2000
2005
2007
Alemanha
37,7
47,6
47,1
46,0
44,1
49,6
45,1
46,8
44,2
França
37,1
42,6
45,4
52,0
49,7
55,2
51,6
53,4
52,4
Portugal Reino Unido Suécia U E (15)
19,7
28,3
36,1
42,8
38,8
45,0
43,1
47,6
45,8
36,9
44,5
43,2
44,3
39,2
44,5
39,1
44,1
44,4
42,1 35,8
47,5 43,0
60,0 45,4
62,9 49,1
58,5 47,4
67,7 51,3
55,6 45,4
55,2 47,1
52,7 46,2
-
-
-
-
-
-
-
46,9
45,8
U E (27)
Fonte: dos anos 1970 a 1995 (Base de dados da AMECO, Novº de 2003); dos anos 2000 a 2007 Eurostat.
A nível dos países da U E, as imposições ditadas pelo Tratado da União Europeia e pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento levaram a limitar o crescimento das despesas públicas, a partir de meados dos anos noventa. Verificase, assim, que no âmbito da U E (15), se inverteu a tendência de subida de há várias décadas. Um outro indicador revelador da dimensão do Estado é o do peso da despesa com os salários da Função Pública. Conforme podemos observar no Quadro nº11 a Função Pública portuguesa no conjunto da média europeia atinge uma elevada percentagem dos salários relativamente ao PIB, apenas ultrapassada pela Suécia. No entanto, verifica-se, no ano de 2007, uma ligeira descida. Note-se que, de um modo geral, as políticas de modernização seguidas pela esmagadora maioria dos países da UE incluíram acções tão diversas como, privatizações, a redução e a externalização de serviços não essenciais, a introdução de novas tecnologias de informação e comunicação, etc., dando origem a uma Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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A modernização da Administração Pública passa por uma revolução burocrática
redução do peso relativo do pessoal, enquanto que a Administração portuguesa não conseguiu contrariar esta tendência, de forma expressiva. Quadro nº 11 - Despesa pública com o pessoal em % do PIB Ano Países
1995
2000
2003
2005
2007
Alemanha
8,7
8,1
7,8
7,5
6,9
França
13,6
13,3
13,5
13,2
12,9
Portugal
12,9
14,2
14,1
14,4
12,9
Reino Unido
10,6
9,7
10,7
11,2
10,9
Suécia
16,4
15,3
16,1
15,7
15,1
U E (15)
11,2
10,5
10,8
10,8
10,5
U E (27)
_
10,5
10,8
10,7
10,4
Fonte: Comissão Europeia “Annual macro-economic database” actualização de 23 de Outubro de 2008.
No que diz respeito à estrutura organizativa territorial, os sistemas analisados diferenciam-se na maneira como repartem as competências de actuação entre o nível central e o níveis local. Para analisar esta distribuição de tarefas, recorremos a um indicador indirecto, tal como, a despesa pública por níveis de Administração (Quadro nº12). Neste Quadro deve ler-se a percentagem de gasto na Administração Central (AC), a percentagem de gasto na Administração Federal (AF), apenas no caso da Alemanha, e a percentagem da despesa no nível local (AL). É de referir que a soma das duas percentagens não é igual a 100%, visto que, à componente da despesa pública total falta acrescentar a despesa com a Segurança Social, conforme mapas da Eurostat. Das administrações públicas analisadas, França e Portugal evidenciam o gasto público mais centralizado. A Administração portuguesa é a que apresenta o maior desequilíbrio entre a despesa pública afecta aos dois níveis da Administração. O caso inverso verifica-se na Suécia, onde a Administração reserva uma fatia significativa de gasto público para o nível local. Com efeito, a Suécia tem tradições de um governo local bastante forte e com grande autonomia, o que explica a elevada descentralização da despesa pública.
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Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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Quadro nº 12 - Componentes da despesa pública repartida pelos diferentes níveis de administração Ano Países
Alemanha
França
Portugal
Reino Unido
Suécia
Nível Administração
1996
2000
2005
2007
AC EF
14,1 14,1
11,7 13,5
14,5 12,9
14,2 12,2
AL
8,0
7,3
7,2
7,2
AC
25,3
23,3
23,5
21,7
AL
10,0
9,7
10,9
11,2
AC
31,2
29,5
32,1
30,5
AL
5,4
6,0
6,2
6,1
AC
39,5
35,7
40,4
40,6
AL
11,4
11,5
12,9
12,9
AC
37,1
32,1
30,9
28,2
AL
24,7
23,8
24,5
24,5
Fonte: Eurostat
Do ponto de vista da configuração formal, apenas a Alemanha é um Estado Federal, sendo todos os restantes classificados como Estados unitários. No entanto, o que se verifica é que o grau de descentralização não está relacionado com a sua configuração formal, pois, um Estado unitário como a Suécia, distingue-se por ter uma administração local forte e com grande autonomia. Dos dados analisados, realça-se que as administrações públicas com menor peso no nível central são a Alemanha, Reino Unido e Suécia. Deduz-se, portanto, que estes três sistemas de administrações públicas se caracterizam, ao nível central, por desenvolverem uma actividade de natureza mais de concepção e decisão, deixando para os níveis subnacionais, mais próximos do cidadão, as tarefas de execução da prestação de serviços. O caso da Alemanha é paradigmático, o governo federal não possui administração central periférica para a execução das políticas, pertence ao Estado federal conceber e decidir e aos Estados federados a sua implementação. Do grupo de administrações públicas analisadas, Portugal apresenta Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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A modernização da Administração Pública passa por uma revolução burocrática
indicadores de Estado mais centralizado, ou seja, com um peso político muito grande na cúpula da Administração Central. Não obstante existirem muitos organismos formalmente classificados por Administração indirecta, por exemplo, os institutos públicos, existe a possibilidade do Poder Político interferir na vida diária da gestão desses organismos. Neste sistema administrativo existe, de facto, uma escassa separação entre a política e a gestão, que se evidencia na nomeação e cessação discricionária dos principais responsáveis das organizações públicas (directores-gerais e subdirectores-gerais), invadindo, assim, a esfera da hierarquia técnica com critérios de natureza política. Em França, tal como em Portugal, o exercício do poder na Administração Pública está ligado, especialmente, à cadeia de hierarquia política que se estabelece a partir dos gabinetes dos membros do governo, através das sucessivas nomeações dos principais dirigentes. No que diz respeito à relação da política / gestão, o sistema francês caracteriza-se por dois elementos fundamentais: os gabinetes ministeriais e os “grandes corpos” de funcionários. Os gabinetes constituem o núcleo duro do poder. É a partir dos gabinetes que se gerem as relações de poder entre a Presidência e o Primeiro-Ministro e entre este e os restantes ministérios. A chave deste poder não só deriva do grande leque de relações que se estabelecem com todos os sectores da sociedade, como também, da sua capacidade de intervenção nos assuntos ministeriais e administrativos de uma forma directa. Quanto aos “grandes corpos”, estes formam uma elite administrativa, que se caracteriza por dois elementos importantes: por um lado, o seu recrutamento e a socialização são fruto de um grupo reduzido de instituições universitárias (designadamente, a Escola Nacional de Administração), pelo que os seus membros aprendem a reconhecer-se e a criar redes informais de poder; por outro lado, a implantação da elite administrativa não se circunscreve à Administração Central, estende-se pela Administração Regional e Local, à esfera política e ao sector empresarial. Os sistemas administrativos, alemão e francês, embora tenham uma matriz comum, diferenciam-se em muitos aspectos. Na Alemanha, o poder é efectivamente exercido, em termos políticos, pelos eleitos, que se confinam aos respectivos órgãos dos Estados, tanto nacional, como os federados. Na dependência da política está a Administração que funciona na base de uma hierarquia técnica, levada a cabo pelos respectivos funcionários de carreira. Para evitar a politização da Administração Pública, a Alemanha instituiu, na fronteira entre a política e a gestão, uma categoria específica de “funcionários políticos”. Estes, são em número relativamente reduzido, sendo nomeados e destituídos pelos governos, gozando de um estatuto próprio, confinado a funções técnicopolíticas de confiança, embora, possam permanecer para além do governo que os nomeou. O restante pessoal da Função Pública está sujeito a normas rígidas de lealdade e isenção, estabelecidas na Lei fundamental. A Administração do Reino Unido parece ter sido aquela que sofreu maiores mudanças nas últimas décadas. De um Estado unitário com tradições 130
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de grande centralização, com um volume de grande prestação de serviços directos ao cidadão, passou-se para uma prestação mista, através de vários tipos de organizações: agências autónomas, quangos (organizações semi-públicas quase autónomas), empresas e outras organizações sociais. A modernização do sistema britânico inspirou-se fortemente no modelo sueco. No entanto, quando implementou o modelo de agência, não adaptou todos os instrumentos utilizados na Suécia, como são as práticas do ombudsman, a responsabilidade ministerial colectiva, a dependência das agências perante vários ministérios, a participação dos dirigentes das agências na formulação das políticas públicas, a estratégia de consenso e da transparência dos assuntos administrativos. Relativamente à clássica divisão dos poderes entre política e gestão, o Reino Unido possui grandes tradições dessa separação. Em primeiro lugar, os funcionários caracterizam-se por uma certa neutralidade, pois não podem filiar-se em partidos políticos, nem podem manter relações com os partidos políticos, no exercício das suas funções. Por outro lado, não existem gabinetes ministeriais ao estilo francês e o número de lugares de nomeação discricionária é muito reduzido. Acrescente-se, ainda, que existe uma elite administrativa muito coesa, recrutada predominantemente das universidades de Oxford e Cambridge, e que mantém uma rede informal muito forte, no controlo do acesso aos lugares de topo da Administração, opondo-se sistematicamente a ingerências políticas no seio desse grupo administrativo. O modelo de Administração sueco distingue-se, a grande distância de todos os outros sistemas estudados. Na Suécia não existe apenas uma ou mesmo um grupo restrito de instituições universitárias que sejam predominantes no recrutamento dos dirigentes da Administração Pública, como acontece em França ou no Reino Unido. Por outro lado, o Poder Político não controla a Administração através dos gabinetes, nem existem “corpos especiais” de funcionários que dominem as relações de poder nos ministérios. De um modo geral, parece haver uma tradição de confiança dos políticos no profissionalismo dos funcionários e na sua neutralidade. Por isso, o número de lugares políticos designados com critérios discricionários não tem praticamente expressão numérica. A existência de agências, com grande autonomia de funcionamento, coloca em evidência a preocupação pelo elevado grau de separação da política / gestão. Acrescente-se que as agências não dependem de um só ministro, mas sim, do governo como órgão colectivo. A criação de agências não é um facto recente, tal como aconteceu por exemplo no Reino Unido. Na Suécia existem agências desde os princípios do século XIX, sendo a sua independência, relativamente à política, reconhecida a nível constitucional. Assim, confrontando as principais características da Administração Pública portuguesa com os traços que caracterizam os principais modelos administrativos europeus, podemos confirmar a nossa primeira hipótese colocada (H.1): ou seja, consideramos que o nosso sistema de Administração Pública é o resultado do cruzamento de uma deficiente adaptação do Modelo Napoleónico e da tentativa de compatibilização com a Burocracia Weberiana, tendo gerado uma “pseudoLusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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burocracia” denominada Modelo Administrativo Tradicional. De facto, é possível observar que, apesar de partirem da mesma raiz, o modelo Napoleónico, as administrações públicas francesa, alemã e portuguesa desenvolveram-se através de caminhos diferentes, tendo a cultura específica de cada um dos países moldado as suas características, dando origem a modelos administrativos diferentes, tal como acabamos de verificar. Relativamente aos modelos das administrações públicas do Reino Unido e da Suécia, não há, de facto, semelhanças significativas com a Administração portuguesa. Face ao contexto de grande mudança, das últimas décadas, e dos processos de reforma e modernização em curso, confirmamos a nossa segunda hipótese colocada (H.2): as correcções, entretanto introduzidas na Administração Pública portuguesa, filiam-se nas diferentes teorias de modernização administrativa sem, contudo, se estruturarem numa lógica coerente, ou seja, deram origem a um mix, constituído por vários traços de diferentes modelos. De facto, podemos constatar que as suas principais características não se identificam, na totalidade, com qualquer dos modelos europeus estudados. Na verdade, a estrutura organizativa territorial, apesar de alguns esforços de desconcentração e descentralização, quando comparada com outras administrações públicas, as proporções do peso relativo da despesa pública e o número de funcionários públicos, facilmente nos apercebemos das grandes diferenças. A estrutura organizacional continua a ser altamente centralizada, ao nível da Administração Central do Estado. Relativamente ao grau de separação entre a política e a gestão, também aqui, os indicadores disponíveis, designadamente, o conteúdo do estatuto dos dirigentes (Lei nº 2 / 2004, de 15 de Janeiro), bem como, a lei que regula a organização dos institutos públicos (Lei nº 3 / 2004, de 15 de Janeiro), exprimem uma margem de discricionariedade total na escolha dos dirigentes, especialmente, os directoresgerais e subdirectores-gerais. No que toca à terceira categoria em análise, ou seja, o “principal poder de coordenação”, é de referir que, sendo o nosso sistema administrativo completamente dependente das nomeações políticas, accionadas pelo governo, todo o sistema de poder se estrutura numa cadeia hierárquica, de natureza política, que se inicia no gabinete do Primeiro-Ministro e estende-se pelos restantes gabinetes ministeriais.
7. Discussão de Resultados e Teste da Hipótese Geral A análise dos dados efectuada aos sistemas administrativos da França, Reino Unido, Alemanha, Suécia e Portugal, revelaram diferenças que parecem confirmar a teoria de Loughlin e Peters (1997), cujo estudo identificou a existência de quatro sistemas de administração pública: o napoleónico, o germânico, o anglo-saxónico e o escandinavo. No entanto, estes autores não estudaram o sistema da Administração portuguesa. Aquando da definição do nosso problema de investigação, partimos da ideia 132
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que, desde a introdução do liberalismo, o Estado se tornou centralizador, passando a Administração a funcionar na base de um quadro legal mais estruturado, inspirado no modelo napoleónico (Manique, 1989), recebendo, posteriormente, alguma inspiração nas grandes linhas teorizadas, na época, por Max Weber. O que a Administração portuguesa adaptou, entretanto, foi um “modelo” híbrido com algumas características que pouco têm a ver com a original burocracia weberiana, conforme já tivemos a oportunidade de desenvolver no ponto dois. Ora, para além da desadaptação inicial, por razões culturais, o nosso sistema de governação sofreu várias intervenções, tornando-se incoerente, susceptível de um funcionamento ineficaz e ineficiente. De facto, a transposição do modelo burocrático exigia determinados princípios ligados ao contexto do Estado Liberal, que não foram respeitados, designadamente, três condições básicas criadas na época weberiana, para o funcionamento dos serviços públicos: o Uma distinção rígida entre os sectores público e privado, assumindo-se como uma categoria de pensamento que implicou uma representação dicotómica da vida social. O público é dominado pelo interesse geral: é o princípio de ordem, que permite à sociedade atingir a integração e realizar a sua unidade. Em contrapartida, o privado é dominado pelo interesse particular: dá a cada um a possibilidade de prosseguir na realização dos seus próprios fins, garantindo a sua autonomia e protegendo a sua intimidade. Note-se que, em boa verdade, a propriedade privada é entendida como social, próxima da noção de serviço público, na cultura germânica. o A separação da actividade política da actividade de gestão, sendo este um dos pilares fundamentais do modelo da Burocracia weberiana, a necessidade de salvaguardar a separação entre a decisão individual após deliberação política e a gestão (preparação da decisão colectivamente assumida pela hierarquia técnico-gestionária), tendo, ainda, como consequência última, a defesa da estrita neutralidade da Administração Pública. o A suficiente protecção e gestão dos funcionários públicos, através da instituição de um sistema com base no mérito5 (socialmente reconhecido, e apenas validado por via hierárquica) e nalguns outros princípios fundamentais, enumerados acima. Relativamente ao primeiro aspecto, a Administração portuguesa durante muitas décadas actuou num contexto socioeconómico, com fronteiras bem delimitadas entre os sectores público e privado. Na perspectiva do Modelo Administrativo Tradicional, a Administração Pública deveria estar fechada à manifestação da procura por parte dos cidadãos, para se salvaguardar das suas influências. Os cidadãos são considerados “administrados”, ou seja, estão subordinados à “administração”, sendo a abertura à participação dos 5
Designadamente, exames competitivos à entrada no serviço público; estabilidade de emprego; uma definição clara dos seus direitos e deveres, promoções baseadas no mérito e neutralidade política
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cidadãos vista como um acto antidemocrático, pois o interesse geral assenta no cumprimento de normas iguais para todos, logo os interesses específicos não deveriam divergir dessas mesmas normas gerais. Assim, o Modelo de Governação Administrativo Tradicional não contempla outros stakeholders para além do Poder Político. Este modelo de governação está justamente orientado para dar resposta ao Poder Político, afastando qualquer forma de participação de outros interessados. Deste modo, os funcionários, através da aplicação de normas, têm de respeitar escrupulosamente a imparcialidade e a impessoalidade, sendo este um imperativo ético da cultura de serviço público, desenvolvido nessa época. Ora, sendo o Estado português um “Estado-Garantista”, a Administração Pública necessita de funcionar através de processos previsíveis, com regras rígidas de controlo. Este modo de funcionamento, por ser rígido, não admite grande inovação. Porém, a necessidade de modernização da Administração Pública, levou a que esta tivesse de se repartir em organizações mais especializadas. Esta fragmentação criou abertura para que cada organização pública tenha uma maior interacção com o seu meio envolvente específico e uma maior aproximação aos respectivos cidadãos-clientes. Desta abertura, surge uma interacção na prestação de serviços, em que a qualidade é, cada vez mais, exigida e participada pelos cidadãos. É claro que esta relação funcionário-cidadão requer um funcionamento com maior flexibilidade do sistema organizacional. Já vimos que o modelo de governação Administrativo Tradicional não é um modelo flexível, mas sim, sobretudo, um modelo de regras rígidas e de funcionamento em hierarquia. Na perspectiva do modelo tradicional, a dimensão da participação dos interessados alterou-se, pois deixou de haver coerência e a não participação de outros interessados para além do Poder Político. No que diz respeito à separação da política / gestão, as práticas de governação utilizadas pela Administração portuguesa (Modelo Administrativo Tradicional) não souberam preservar este princípio fundamental. De facto, a desconfiança que se observa na relação entre a política e a gestão, que por sua vez se reflecte, também, na relação com os cidadãos6, tendeu, quase sempre, a ser ultrapassada pela criação de regras e mais regras, para supostamente substituir a confiança, através da previsibilidade. Este modelo, para funcionar com alguma eficiência e garantia de imparcialidade, necessita de uma pré-regulação no sistema, através de uma complexa teia de regras. Esta situação, sobejamente conhecida e sentida por todos os funcionários e cidadãos, é responsável pelo fenómeno das disfunções burocráticas (Merton, 1967). Aliás, são essas consequências não previstas ou indesejadas do funcionamento das burocracias que são, muitas vezes, incorrectamente denominadas por “burocracia” (Gonçalves, 1986). Por outro lado, a dimensão “estrutura dos órgãos de gestão de topo”, das diversas organizações públicas, é geralmente organizada para funcionar segundo a separação política / gestão. No âmbito deste modelo Administrativo Tradicional, 6 Não podemos deixar de encarar o papel da Administração Pública como organização mediadora entre a política e os cidadãos.
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a escolha e a nomeação de dirigentes para os órgãos de gestão, passaram a recair predominantemente em critérios político-partidários, sendo esta uma outra das estratégias que os governantes têm largamento utilizado, para substituir a dicotomia política / gestão. Para Moreira e Maçãs (2003), há, de facto, uma desconfiança perante a imparcialidade da Administração, por esta se ter deixado dominar pela influência político-partidária. A politização da Administração portuguesa é de tal forma grave, que é reconhecida, pela literatura internacional, como a principal razão para a falha das reformas e dos processos de modernização (Sotiropoulos, 2004). Em relação à gestão dos recursos humanos na Função Pública, também aqui o Modelo Tradicional Administrativo, deixou de lado o cumprimento dos princípios do mérito defendidos pelo modelo burocrático weberiano. A integração de todo o pessoal num sistema de carreira Pública visa, em princípio, que a sua actuação possa desenvolver-se sempre de modo a defender o interesse geral com objectividade e neutralidade. Para tal, criou-se uma protecção dos funcionários, com um estatuto próprio, evitando que aqueles pudessem ser afastados arbitrariamente pelos governos e os partidos que os sustentam. Nesta perspectiva, a gestão de recursos humanos deve, segundo a teoria weberiana (Lopes e Barrosa, 2008), contar com um recrutamento e selecção, (de forma impessoal); uma avaliação de desempenho (entendida como prestação de contas ou mesmo como transparência); uma formação profissional contínua (susceptível de fazer de cada profissional um especialista da sua área) e uma remuneração (com base no mérito revelado pela avaliação de desempenho, também relacionado com o desempenho global da organização). De facto, porém, o desenvolvimento das práticas de gestão nas organizações públicas deixou de respeitar os princípios de uma boa gestão, muitos deles consignados na própria lei, adulterando completamente o sistema de mérito. Por exemplo, o recrutamento na Função Pública há muitos anos que, regra geral, não se faz por concurso público impessoal; no entanto, a prática tem sido a de anualmente serem admitidas milhares de colaboradores7, à revelia da própria lei. Relativamente, à avaliação de desempenho, até há bem poucos anos atrás, como se sabe, a prática existente era a da classificação de “muito bom” a todo e qualquer funcionário, independentemente do mérito. A formação profissional, em muitas organizações, não obedece a um levantamento de necessidades e muito menos a um Plano de Formação. As promoções da grande maioria das carreiras da Função Pública, até há três anos atrás, eram quase sempre automáticas, apenas baseadas na antiguidade, bem como o sistema de remuneração o que é completamente desligado do mérito do desempenho. Para Lopes e Barrosa (2008) foi a rigidez 7 De um modo geral, a prática mais comum é a dos dirigentes admitirem de forma precária profissionais (através de estágios, trabalhos esporádicos, estudos, pareceres técnicos ou jurídicos, etc.) dando-lhes continuidade na prestação de serviços, através de “recibo verde”. Mais tarde, tornamse funcionários com vínculo quando os governos pressionados, para tal, acabam por legitimar legalmente a situação, normalmente, em vésperas de eleições.
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das práticas de GRH, esvaziada dos valores inscritos nos princípios, que gerou a perversão da burocracia. Neste contexto, há vários anos que o sistema de governação das organizações públicas, baseado no Modelo Administrativo Tradicional, entrou em profunda crise. No essencial, a gestão deste modelo de governação deixou, há muito, de garantir a eficácia das organizações e não assegura a necessária imparcialidade e as condições de uma cultura de serviço público. Na posse dos dados recolhidos, estamos agora em condições de confirmar a nossa hipótese geral (H.G) que aponta para a defesa da ideia da necessidade de um retorno à “Revolução Burocrática”. De facto, o modelo original de Max Weber sofreu uma adaptação à cultura portuguesa que o adulterou nos seus princípios originais. Pudemos observar que as várias medidas de modernização, entretanto, adoptadas parecem não passar de meras tentativas de reposição do próprio modelo burocrático weberiano, com um discurso paradoxal de combate à burocracia.
8. Conclusão De acordo com a formulação do problema parece ser indispensável cuidar do valor “garantias de transparência” através da introdução de um princípio de rigorosa separação, entre as instâncias política e técnica, em todos os tipos de organizações públicas, assumindo claramente um retorno à designada revolução burocrática introduzida por Max Weber. Em princípio, todas as deficiências do processo decisório, no que respeita à gestão dos serviços públicos, traduzem-se por uma confusão de competências: os técnicos deveriam assumir colectivamente uma interpretação coerente dos fundamentos da decisão (por vezes, um só, assume um parecer); os políticos deveriam escrutinar esses mesmos fundamentos e mandatar aquele que assume a presidência (ou situação equivalente) de um organismo para decidir individualmente em última instância, ou, em caso de objecção, remeter a proposta para melhor fundamentação em sede de estudo técnico. (Os políticos, secundados pelos media, referem frequentemente que a decisão foi por unanimidade, como se esta fosse, efectivamente, uma forma superior de responsabilização). Não se trata de negar a complexidade extraordinária que, entretanto, a vida colectiva assumiu, ao longo dos últimos 90 anos, após o desaparecimento de Weber. As diferentes correntes teóricas foram alertando para princípios válidos e extremamente importantes, indispensáveis para uma actualização da teoria, desde que não se altere o princípio-chave, atrás referido, enquanto pedra angular e barreira eficaz contra a inversão de responsabilidades ou subversão de interesses em presença. As duas instâncias controlam-se mutuamente, impedindo, nomeadamente, que os pareceres sejam assumidos individualmente e as decisões tomadas sob uma fórmula colectiva, sem um rosto que responda 136
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por elas (a culpa morre sempre solteira, como se diz de maneira corrente). Ao contrário do que poderá parecer ao senso comum, será este princípio da separação que possibilita ao político responder perante os interesses individuais dos cidadãos, que o pressionam, cabendo aos técnicos, colectivamente, e com uma interpretação coerente ao longo do tempo, a garantia dos processos que articulem esses mesmos interesses particulares com todo o sistema colectivo de valores, nas decisões em causa. Na ausência desta separação, qualquer mix que envolva designadamente a burocracia e a unidade de comando (de tipo napoleónico) conduz à perversão do modelo de governação, ou seja, faz ganhar ao modelo organizacional resultante, uma característica de auto-organização, sem controlo, permitindo aos detentores de qualquer parcela de poder uma liberdade de acção que pode colidir, em maior ou menor grau, com a própria finalidade e missão das instituições responsáveis pela transparência dos serviços públicos. Ora, como se observou, o estudo efectuado revela que este princípio de separação está sistematicamente ausente do sistema administrativo português, sendo, por isso, indispensável que fosse produzida jurisprudência ou uma moldura legal de carácter geral (com força constitucional?) que consagrasse inequivocamente este princípio.
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Albino Lopes e Carlos Rodrigues
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DESEMPENHO ACADÉMICO E ADAPTAÇÃO AO ENSINO SUPERIOR MILITAR António Palma Rosinha Academia Militar, Lisboa Manuela Sarmento Coelho Academia Militar, Lisboa Universidade Lusíada, Lisboa
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Resumo: O presente artigo tem por objectivo analisar a adaptação dos alunos do 1º ano ao ensino superior militar na Academia Militar, estabelecendo relações entre medidas psicológicas e o desempenho académico. A metodologia baseia-se num conjunto de sete testes psicológicos que avaliam a dimensão cognitiva, de personalidade e de adaptação. Posteriormente estabeleceram-se comparações e relações entre os resultados dos testes psicológicos e as avaliações das unidades curriculares. Conclui-se que os alunos com melhor desempenho apresentam elevado sentido de responsabilidade, eficiência intelectual, potencial para liderar e maturidade social. No desempenho do treino físico de aplicação militar é importante a aceitação das regras e normas, bem como a perseverança e o poder de decisão. Por outro lado, no desempenho da instrução militar, a eficiência intelectual, a estabilidade emocional, o sentido de coerência global, a capacidade compreensão, a capacidade de gestão e a capacidade de investimento constituemse como as variáveis mais importantes. A adaptação dos alunos à Academia Militar e, consequentemente, à carreira militar, traduz a relação recíproca entre a Organização Militar e o seu ambiente. É na esfera da “unidade dual”, entre a cultura da instituição e a personalidade do sujeito que se formam os alunos e futuros oficiais. Palavras-chave: Características cognitivas, características de personalidade, características de adaptação, desempenho académico, Ensino Superior Militar. Abstract: This article aims to analyze the adaptation of students from 1st year to military higher education at the Military Academy, establishing relationships between psychological measures and academic performance. The methodology is based on a set of seven psychological tests that assess the cognitive, personality and adaptation. Later settled comparisons and relations between the results of psychological tests and evaluations of courses. Concluded that students with better performance have a high sense of responsibility, intellectual efficiency, potential for leadership and social maturity. In the performance of physical training of military application is important to accept the rules and standards as well as perseverance and discretion. Moreover, the performance of military training, the efficiency of intellectual, emotional stability, sense of overall coherence, understanding the capacity, management capacity and ability to Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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invest up as the most important variables. The adjustment of students to the Military Academy and, consequently, the army, reflects the reciprocal relationship between the military organization and its environment. It is in the realm of “dual unity” between the institution’s culture and personality of the subject that train students and future officers. Keywords: cognitive skills, personality performance, Military higher education.
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traits,
adaptation,
academic
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António Palma Rosinha e Manuela Sarmento Coelho
1. Introdução O artigo tem como intuito contribuir para uma melhor compreensão da relação entre as características psicológicas do aluno da Academia Militar (AM), a sua adaptação e o desempenho académico e militar. Os estudos relativos à adaptação ao ensino superior e em particular ao ensino superior militar são reduzidos. A sua pertinência é justificada por se tratar de uma fase de transição e por ser neste período que se cimentam as características da personalidade dos adolescentes, os seus interesses e aptidões e em geral a sua forma de interpretar o mundo. Assim, torna-se importante olhar o estudante de forma diferenciada, principalmente no momento do seu ingresso no curso superior, por ser um período crítico para o seu desenvolvimento e ajustamento (Cunha & Carrilho, 2005). Num mundo extremamente competitivo, a universidade precisa de se preocupar com o estudante, promovendo condições para o seu desenvolvimento integral, tentando desenvolver as suas potencialidades para que possa atingir elevado rendimento e estar preparado para assumir um papel activo na sociedade (Santos, 2000). A Academia Militar tem assumido a responsabilidade formativa dos futuros oficiais do Exército e da Guarda Nacional Republicana (GNR). A Academia Militar comporta além da fase de ensino um processo de escolha vocacional, de carreira e de formação da personalidade, assumindo-se, assim, como um marco do desenvolvimento integral dos futuros oficiais. A literatura científica tem sugerido que as instituições de ensino superior têm a responsabilidade do desenvolvimento integral e harmonioso dos alunos. Esta atenção especial, deve-se concretizar na implementação de programas de intervenção psicopedagógicos, que facilitem a adaptação académica e minimizem o impacto educacional. Estas estratégias envolvem várias actividades com o objectivo de desenvolvimento pessoal do estudante, capacitando-o tanto para o desenvolvimento da sua personalidade, como das suas aprendizagens académicas (Cunha & Carrilho, 2005). Nesta perspectiva a AM tem vindo a desenvolver programas de integração e socialização de novos alunos, implicando todos os agentes formativos, assumindo que é possível contribuir para o desenvolvimento e adaptação académica do Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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Desempenho académico e adaptação ao Ensino Superior Militar
aluno universitário. O desempenho académico assume um papel relevante em todas as organizações sendo crucial na formação dos recursos humanos. Interessa assim, estudar quais as variáveis que mais contribuem para uma boa adaptação com reflexos nos resultados.
2. Metodologia 2.1. Procedimento Utilizam-se métodos de estatística descritiva e bivariada, tratados com o software estatístico SPSS versão 14.0. Estabelecem-se relações entre medidas psicológicas e o desempenho académico dos alunos com o objectivo de compreender as implicações das características psicológicas relativamente aos resultados nas avaliações curriculares finais do 1º ano. A caracterização da adaptação ao meio militar e académico é fruto da avaliação psicológica realizada durante o processo de integração e socialização dos novos alunos utilizando-se a Escala de Sentido de Coerência (Aaron Antonovsky, 1979) e o Questionário de Adaptação às Vivências Académicas (Almeida & Soares, 2001). O desempenho académico foi analisado em dois momentos: 1) com base nas notas de ingresso, a média do 12º ano, as notas dos exames de ingresso e a nota de candidatura; 2) com base nas notas de 1º semestre, correspondentes à média das disciplinas curriculares, a nota da instrução militar (IM), a nota comportamental (ICA), a nota de treino físico de base (TFB) e a nota de treino físico de aplicação militar (TFAM). 2.2. Amostra No Quadro 1 apresenta-se a caracterização geral da amostra, constituída por um total de 157 alunos, dos quais 132 ingressaram na AM no ano lectivo de 2006/2007 e 25 são repetentes. Quanto à nacionalidade, 146 são Portugueses e 11 são oriundos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), com os quais a AM tem protocolos de cooperação. Quanto ao género, a nossa amostra é constituída por 142 alunos do género masculino e 15 do género feminino. A AM ministra licenciaturas do Exército e da Guarda Nacional Republicana (GNR), tendo em 2007, ingressado nas licenciaturas do Exército 110 alunos e nas da GNR 47. A distribuição dos alunos pelas especialidades, compreende: 1) o grupo das armas (n=103), que pertencem às licenciaturas de Infantaria, Cavalaria e Artilharia do Exército e Infantaria e Cavalaria da GNR; 2) o grupo da licenciatura de Administração (n=21); 3) o grupo das licenciaturas de Engenharias (n=24); 4) o grupo das licenciaturas em Serviço de Saúde (n= 9), Medicina, Medicina Dentária, Medicina Veterinária e Farmácia. 146
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António Palma Rosinha e Manuela Sarmento Coelho
Quanto à distribuição por nível etário, 90 alunos têm idades compreendidas entre os 19 e os 22 anos e 16 alunos com idades compreendidas entre os 23 e os 26 anos. Quadro 1 - Caracterização geral da amostra Ingresso
Nº
Pais de Origem
2006/2007
132
Nacional
Repetentes
25
PALOP
Nº
Género
Nº
Ramo
146 Masculino
142
Exército
11
Feminino
15
GNR
Nº
Especialidade
110 Armas 47 Administração Engenharias Saúde
Nº
Nível Etário
Nº
103
19-22
90
21
23-26
16
24 9
2.3. Medidas A avaliação da personalidade é realizada através do Inventário de Personalidade da Califórnia (CPI), do Inventário de Personalidade de Eysenck (IPE) e do Inventário Breve de Sintomas (BSI). A avaliação cognitiva é realizada com recurso ao teste de Inteligência Geral (IG8) e à Prova de Avaliação da Realização Cognitiva (PARC) que avalia o raciocínio e a compreensão verbal e numérica O CPI e o IPE são dois inventários que permitem identificar características “normais” em indivíduos saudáveis e características de personalidade relevantes no dia-a-dia, utilizadas nos relacionamentos interpessoais. O CPI permite construir um perfil de cada indivíduo, determinando o modo de actuação interpessoal, a auto-eficácia, o equilíbrio, a ascendência, as capacidades sociais, a vontade de liderança, o sentido de autoconfiança, a competência e, a importância dos valores e das normas sociais que o sujeito possui. Mede-se, assim, a maturidade, o auto-controlo e o sentido de responsabilidade do mesmo tal como o seu estilo instrumental e intelectual. O Inventario de Personalidade de Eysenck (IPE) permite-nos avaliar três dimensões de personalidade: o neuroticismo, a extroversão e a insinceridade. Quanto às medidas cognitivas foram utilizados o teste de Inteligência Geral (IG8), que avalia aptidões, tais como a compreensão verbal, a rapidez/precisão preceptiva e o raciocínio de uma forma geral e a Prova de Avaliação da Realização Cognitiva (PARC), que visa avaliar processos cognitivos correspondentes a diferentes etapas da resolução de problemas ou funcionamento cognitivo. Num nível mais básico avalia os processos cognitivos mais ligados à descodificação e compreensão da informação (provas de compreensão), num segundo nível os processos mais ligados ao relacionamento da informação (provas de raciocínio). Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
147
Desempenho académico e adaptação ao Ensino Superior Militar
Quanto aos aspectos de Adaptação e Bem-Estar, foram avaliados em duas vertentes: a do bem-estar, pela prova de sentido de coerência (SOC); e a da adaptação, pelo questionário de vivências académicas (QVA-r). Ambas são avaliações de auto-relato, isto é, pretendem ser mais do que instrumentos avaliativos, recorrendo aos recursos disponíveis, à forma como estes estão a ser utilizados, permitindo desta forma que o indivíduo promova o auto desenvolvimento. A prova de sentido de coerência determina uma capacidade geral de atribuição de sentido de coerência aos acontecimentos (SOC) e três níveis de mobilização de recursos psicológicos ao nível da compreensão, da gestão e do investimento. A adaptação às vivências académicas é avaliada pelo QVA-r, que avalia cinco dimensões de adaptação às vivências académicas: (1) a dimensão Pessoal, que reflecte essencialmente aspectos ligados à percepção de bem-estar, tanto físico como psicológico do aluno; (2) a dimensão Interpessoal, que reflecte o relacionamento com os pares e o estabelecimento de relações, bem como o envolvimento em actividades extra-curriculares; (3) a dimensão Curso, que diz respeito às aprendizagens e às perspectivas de carreira; (4) a dimensão Estudo que diz respeito às competências de estudo, aos hábitos de trabalho, de gestão do tempo e da utilização de recursos de aprendizagem; e (5) a dimensão Institucional, que diz respeito ao interesse pela instituição, ao desejo de nela permanecer e ao conhecimento e percepção da qualidade dos serviços e estruturas existentes.
3. Resultados 3.1. Quanto ao desempenho académico Apresenta-se a distribuição das notas de ingresso no Quadro 2 (i.e. médias de 12º ano, as notas dos exames de ingresso e a nota de candidatura), que foram categorizadas de forma a facilitar a leitura dos dados, a saber: − categoria 1 onde se incluem os alunos com notas inferiores a 109; − categoria 2 onde se incluem os alunos com notas entre 110 e 139; − categoria 3 onde se incluem os alunos com notas entre 140 e 179; − categoria 4 onde se incluem os alunos com notas superiores a 180. Constata-se que 61 dos alunos apresentam médias do 12º ano que variam entre 140 e 179, o seu desempenho nos exames nacionais foi moderado, as notas mais baixas verificam-se no exame de matemática, em que 55 alunos registam notas inferiores a 109. Nos exames de Português e Biologia os resultados apresentam melhorias, sendo que 55 alunos têm notas superiores a 110 em Português e 59 alunos obtiveram os mesmos resultados na disciplina de Biologia. As notas de candidatura apresentam semelhanças com as notas de 12º ano, verificandose, porém, uma ligeira descida motivada pela nota do exame de matemática, disciplina específica para a maior parte dos cursos da Academia Militar. 148
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António Palma Rosinha e Manuela Sarmento Coelho
Quadro 2 - Distribuição da amostra relativamente às notas de ingresso Categorias Nota 12º ano Matemática Português Física Química Biologia Nota Candidatura Total
<109 1 55 12 11 7 3 7 96
110-139 52 42 26 8 7 38 48 221
140-179 61 13 29 11 9 21 31 175
>180 4 2 0 0 2 2 1 11
Total 118 112 67 30 25 64 87 503
O mesmo procedimento de categorização foi utilizado para a descrição das notas do 1º semestre. No Quadro 3 apresenta-se a distribuição relativamente às notas do 1º semestre, nomeadamente: (1) a média das notas às disciplinas curriculares, onde se verifica que 133 alunos têm notas que variam entre os 10 e 13 valores; (2) a nota da instrução militar (IM), onde se constata que 127 alunos têm notas entre os 12 e 15 valores; e (3) a nota comportamental (ICA), na qual 132 alunos têm notas que variam entre os 11 e 13 valores. Quadro 3 - Distribuição da amostra relativamente às notas de 1º semestre Distribuição Disciplinas curriculares Instrução Militar ICA
7 1 0 0
8 5 0 0
9 10 11 12 8 21 31 51 0 5 10 25 3 14 62 56
13 14 15 16 17 Total 30 2 3 0 0 152 38 34 30 7 3 152 16 1 0 0 0 152
No Quadro 4 apresenta-se a distribuição relativamente às notas do treino físico. Estas notas são apresentadas separadamente, uma vez que o treino físico utiliza uma escala específica de avaliação (1 – Insuficiente; 2 – Suficiente; 3 – Regular; 4 – Bom e 5 – Muito Bom). O treino físico é avaliado em duas dimensões, o treino físico de base e o treino físico de aplicação militar. De uma forma geral os alunos apresentam um desempenho no treino físico com um nível regular, salientando um melhor desempenho no treino físico de aplicação militar, onde 117 alunos têm notas que variam ente o regular e o bom, quando comparado, com o treino físico de base, onde se verifica que 114 alunos têm notas que variam entre o suficiente e o regular.
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Desempenho académico e adaptação ao Ensino Superior Militar
Quadro 4 - Distribuição da amostra relativamente às notas do treino físico
TFB TFAM Total
Insuficiente Suficiente 17 12 18 5 35 17
Notas Regular 102 83 185
Bom 11 34 45
Muito Bom 10 10 20
Total 152 150 302
3.2. Quanto aos aspectos de personalidade Foi realizada uma análise global dos alunos, tendo por base a lógica de análise do perfil individual, realçando algumas das características mais evidentes de personalidade encontradas neste grupo, apresentadas no Quadro 5. Esta análise é feita de acordo com quatro grandes medidas: as medidas de equilíbrio, ascendência e auto-confiança; as medidas de adaptação, maturidade e de responsabilidade social; as medidas de capacidade de realização e de eficiência intelectual; e as medidas de meios intelectuais e de interesses. Quanto às medidas de equilíbrio, ascendência e auto-confiança, verificase que no seu conjunto os alunos apresentam um modo de actuação marcado por características de dominância, capacidade para adquirir status social e sociabilidade, ou seja trata-se de um conjunto de indivíduos que se apresentam confiantes, com ambição, sociáveis e com vontade de obter sucesso. No que diz respeito às medidas de adaptação, maturidade e de responsabilidade social estes alunos apresentam elevados índices de tolerância, de adaptação aos outros e necessidade de causar boa impressão. Nas medidas de capacidade de realização e de eficiência intelectual, destaca-se que estes alunos fazem uma avaliação “tímida” quanto às suas capacidades mas apresentam um elevado gosto pelas tarefas bem definidas em simultâneo com elevada iniciativa e gosto pela liberdade para a acção. As medidas de meios intelectuais e de interesses, vêm reforçar a ideia de que estes jovens apresentam ferramentas para um bom desenvolvimento intelectual. Em súmula, observa-se uma boa capacidade de tolerância e de flexibilidade, capacidade de realização via conformismo acima da média, auto imagem, capacidade de comunicação, presença social e sociabilidade positiva.
150
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Quadro 5 - Medidas e dimensões avaliadas pelo Inventário Psicológico da Califórnia (CPI) Abaixo da média
Ligeiramente abaixo da média
Média
Ligeiramente acima da média
Acima da média
medidas de equilíbrio, ascendência e auto-confiança
Dominância Capacidade para adquirir status social Sociabilidade
0
0
0
5
152
0
0
0
2
155
0
0
0
7
150
Presença Social
1
1
0
16
139
Auto aceitação Sentimento de Bem-estar
0
0
0
0
157
2
6
0
2
147
medidas de adaptação, maturidade e de responsabilidade social
Responsabilidade Socialização Auto controlo Tolerância
0 0 0 0
0 0 0 0
0 0 1 0
10 27 14 0
147 130 142 157
Boa impressão Tendência para o comum
0
0
0
0
157
0
0
0
2
155
medidas de capacidade de realização e de eficiência intelectual
Realização via conformismo
0
0
0
0
157
Realização via independência
0
0
0
0
157
Eficiência Intelectual
1
10
0
47
99
medidas de meios intelectuais e de interesses
Tendência Intuitiva Flexibilidade Feminilidade
0
0
0
0
157
0 0
0 0
0 0
0 0
157 157
Este inventário permite ainda considerar algumas escalas especiais, como se mostra no Quadro 6, tal como capacidade de liderança, maturidade social e o
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151
Desempenho académico e adaptação ao Ensino Superior Militar
potencial criativo, os resultados são apresentados em quartis. No que diz respeito à capacidade para liderar e à maturidade social, a amostra apresenta resultados abaixo da média, reflectindo ainda o processo embrionário de desenvolvimento nestas dimensões. Quadro 6 - Escalas Especiais do Inventario Psicológico da Califórnia (CPI) «25
«50
»50
»75
Potencial de Liderança
39
43
40
17
Maturidade Social
40
41
38
20
Os resultados do IPE revelam elevados níveis de extroversão, confirmando o gosto pela comunicação, pelas relações interpessoais e sociabilidade (Quadro 7). Por outro lado, observa-se uma ligeira instabilidade emocional associado a um fraco controlo das emoções. Coloca-se a hipótese de que face ao contexto avaliativo os alunos estão mais susceptíveis ao nível emocional e assim revelem elevados indícios de insinceridade, ou que por outro lado o controlo emocional e o conhecimento de si é uma área a desenvolver nesta população. Quadro 7 - Dimensões avaliadas pelo Inventario de Personalidade de Eysenck (IPE) Escala 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 152
Neuroticismo 1 17 18 19 15 20 16 13 6 4 4 2 2 0 0 1 0 0 1 0 0
Extroversão 0 0 0 0 1 0 1 0 2 1 12 12 14 18 20 18 17 13 6 1 3
Insinceridade 0 0 5 11 25 27 29 19 17 6 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
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3.3. Quanto aos aspectos cognitivos Os resultados apresentados no Quadro 8 permitem verificar que mais de 50 % dos alunos apresentam uma inteligência geral acima da média. No que diz respeito aos conteúdos cognitivos verifica-se uma prevalência dos conteúdos numéricos sobre os verbais. No que diz respeito aos processos, verifica-se uma ligeira facilidade nos processos mentais da compreensão verbal em detrimento do raciocínio verbal. Assim sendo, existe uma maior capacidade para compreender as ideias e significados, em detrimento da capacidade em relacionar esses mesmos significados ou ideias. Relativamente aos conteúdos numéricos verifica-se exactamente o contrário. Existe um melhor raciocínio que compreensão e uma menor capacidade de execução de operações associadas ao factor rapidez. Quadro 8 - Resultados gerais do IG8 e PARC Abaixo da média
Média
Acima da média
IG8
18
51
88
PARC Compreensão Numérica
43
60
54
PARC Raciocínio Numérica
17
65
75
PARC Compreensão Verbal
35
80
42
PARC Raciocínio Verbal
44
64
49
3.4. Quanto aos aspectos de Adaptação e Bem-Estar Os dados são apresentados no Quadro 9, através de uma distribuição dos resultados em quartis.Os resultados do sentido de coerência geral (SOC) são baixos, uma vez que 53 alunos apresentam resultados abaixo do quartil 50. Analisando os três níveis de mobilização de recursos, verificam-se que: 55 alunos apresentam resultados ao nível da compreensão próximos do quartil 50; por outro lado, 54 alunos apresentam resultados abaixo do quartil 50, pelo que se pode afirmar que os níveis de gestão são baixos; por último, a capacidade de investimento é a componente que apresenta melhores resultados, visto que 60 Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
153
Desempenho académico e adaptação ao Ensino Superior Militar
alunos apresentam resultados acima do quartil 50. Estes resultados apontam de uma forma geral para um baixo sentido de coerência, motivado provavelmente pelo facto da aplicação ter decorrido após a Prova de Aptidão Militar, que provoca um grande desgaste físico. Quanto aos recursos de que dispõem para fazer face a este facto, destacam-se a capacidade de investimento e de compreensão. Quadro 9 - Resultados gerais da escala de Sentido de Coerência(SOC) « 25
« 50
» 50
» 75
Compreensão
27
26
29
22
Gestão
29
25
28
21
Investimento
28
29
31
16
SOC
27
26
25
24
Os resultados da adaptação às vivências académicas avaliada pelo QVA-r são apresentados no Quadro 10 em quartis. Constata-se que a maior parte das áreas de adaptação registam resultados abaixo do quartil 50, o que significa que a adaptação às vivências académicas na AM apresenta um grau de dificuldade significativo. Estes alunos apresentam maiores dificuldades ao nível da adaptação Institucional (66 alunos abaixo do quartil 50), da adaptação ao Curso (60 alunos abaixo do quartil 50), da adaptação Pessoal (60 alunos abaixo do quartil 50) e da adaptação ao Estudo (59 alunos abaixo do quartil 50). Em síntese, pode-se dizer que as maiores dificuldades estão ao nível da adaptação a aspectos mais formais, como a adaptação à Instituição, ao Curso e aos Estudo, mas um número significativo de alunos apresenta dificuldades na adaptação pessoal. Quadro 10 - Resultados gerais da escala de Questionário de Vivências Académicas (QVA-r) « 25
« 50
» 50
» 75
Curso
35
25
23
23
Pessoal
27
33
20
19
Interpessoal
30
30
31
15
Estudo
31
28
27
18
Institucional
43
23
12
27
154
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4. Discussão dos resultados Estabelecem-se seguidamente algumas correlações de forma a determinar a influência das variáveis psicológicas em investigação, no desempenho. São correlacionados os dados relativos aos aspectos da personalidade, da cognição e da adaptação com o desempenho, no momento de ingresso e da avaliação no final do 1º semestre.
4.1. Correlações com as notas de ingresso Quando se comparam as notas de ingresso com os aspectos de personalidade, apresentados no Quadro 11, verifica-se que estes aspectos apresentam correlações significativas, para o nível de significância de 5%, como a “responsabilidade”, a “tendência para o comum” e a “realização via independente”, bem como a escala especial do CPI (maturidade social) e a escala do IPE (insinceridade). Sendo que a responsabilidade se correlaciona positivamente (0,36) com a nota do exame de Física, a “tendência para o comum” se correlaciona negativamente (-0,23) com o exame de matemática e a “realização via independente” se correlaciona negativamente (-0,28) com o exame de Biologia. A escala especial do CPI correlaciona-se positivamente (0,41) com o exame de Física e a escala do IPE correlaciona-se positivamente (0,19) com a média de 12º ano. Quadro 11 - Correlação de Pearson entre as notas de ingresso e os aspectos de personalidade Escala Especial CPI IPE Maturidade Insinceridade Social
Responsabilidade
Tendência para o comum
0,01
-0,06
-0,12
-0,05
0,19*
0,11
-0,23*
-0,03
0,07
0,12
Nota Português
0,13
-0,07
-0,08
0,21
0,23
Nota Física
0,36*
0,04
-0,06
0,41*
0,18
0,03
-0,15
-0,28*
-0,01
0,14
Média 12º ano Nota Matemática
Nota Biologia
Realização via independente
* p < 0,05 Não se verificou qualquer correlação entre o desempenho académico no Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
155
Desempenho académico e adaptação ao Ensino Superior Militar
momento de ingresso, com os aspectos cognitivos (PARC), com o sentido de coerência (SOC) ou com os aspectos da adaptação (QVA-r) à vida académica.
4.2. Correlações com as avaliações do final do 1º semestre No Quadro 12 apresentam-se as correlações entre o desempenho no final do 1º semestre e os aspectos da personalidade. Verifica-se que o desempenho no final do 1º semestre apresenta correlações significativas, ao nível de 1%, com a “responsabilidade”, a “socialização”, a “eficiência intelectual” e a “feminilidade”, bem como com as escalas especiais do CPI (potencial de liderança e maturidade social). Apresenta ainda correlações significativas para 5% com a “dominância”, a “capacidade para adquirir status social”, a “sociabilidade”, a “presença social”, o “sentimento de bem-estar”, a “tendência para o comum”, a “realização via conformismo” e a “realização via independente”. Assim realça-se a correlação significativa ao nível de 5%, entre as médias das notas às disciplinas curriculares e a “dominância” (0,18), a “presença social” (0,20), o sentido de “bem-estar” (0,20), a “tendência para o comum” (0,21), da “realização via conformismo” (0,20), da “realização via independente” (0,22). E correlação significativa ao nível de 1%, com a “eficiência intelectual” (0,34), a “responsabilidade” (0,25), e com as escalas especiais do CPI, a saber, o potencial de liderança (0,31) e a maturidade social (0,26). Por outro lado, as notas do treino físico de aplicação militar, correlaciona-se ao nível de significância de 1% com a “socialização” (0,24) e com a “feminilidade” (0,22). As notas da instrução militar apresenta correlação ao nível de significância de 5% com a “dominância” (0,18) e com a “sociabilidade” (0,18). Apresenta ainda correlação ao nível de 1% com a “capacidade para adquirir status social” (0,22) e com a “eficiência intelectual” (0,22). Quadro 12 - Correlação de Pearson entre desempenho de 1º semestre e os aspectos de Personalidade Dominância Média nas disciplinas curriculares Treino Físico de Aplicação Militar Instrução Militar
Capacidade para status social
Sociabilidade
Presença Social
Sentimento de bem-estar
Responsabilidade
Socialização
Tolerância
0,18*
0,12
0,18*
0,20*
0,20*
0,25**
0,06
0,20*
0,11
0,04
0,12
-0,07
0,07
0,08
0,24**
0,02
0,18*
0,22**
0,18*
0,05
0,12
0,00
0,15
0,21*
No Quadro 13 apresentam-se as correlações entre o desempenho no final 156
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do 1º semestre e os aspectos cognitivos. Verifica-se uma correlação significativa ao nível de 1% entre as médias das notas às disciplinas curriculares e a compreensão verbal (0,24). E uma correlação negativa, ao nível de 5%, entre a nota comportamental (ICA) e a compreensão verbal (-0,18). Quadro 13 - Correlação de Pearson entre o desempenho do 1ºsemestre e os aspectos cognitivos NT_IG8
PARC Compreensão Numérica
PARC PARC PARC Compreensão Raciocínio Raciocínio Verbal Numérico Verbal
Média 1º Semestre
-0,02
0,12
0,24**
0,16
0,02
ICA
-0,05
-0,03
-0,18*
0,02
-0,13
p < 0,05 ** p < 0,01 No Quadro 14 apresentam-se as correlações com a medida de bem-estar (SOC). O Treino Físico de Aplicação Militar correlaciona-se com o sentido de coerência global (SOC) ao nível de significância de 5% (0,18) bem como, com a capacidade compreensão (0,18), a capacidade de gestão (0,17) e a capacidade de investimento (0,20). A nota de Instrução Militar correlaciona-se ao nível de significância de 1%, com o sentido de coerência global (0, 23), com a capacidade de gestão (0,22) e com a capacidade de investimento (0,21) e ao nível de significância de 5% com a capacidade de compreensão (0,20). A nota comportamental correlaciona-se ao nível de significância de 5%, com a capacidade de compreensão (0,17) e a capacidade de investimento (0,19). Estes dados estão de acordo com outras investigações (Rodrigues, 2003) em que se verificou que, uma vez que a instrução militar é ministrada de forma continua em cenários de promoção de stress, o facto do sentido de coerência se caracterizar por um estilo de coping, ou seja, uma estratégia de resposta do indivíduo a situações de stress, esta estratégia surge associada aos factores de um melhor desempenho e consequentemente agindo como factor motivacional, produzindo um bem-estar físico e psicológico em geral.
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157
Desempenho académico e adaptação ao Ensino Superior Militar
Quadro 14 - Correlação de Pearson entre o desempenho do 1º semestre e a escala de Sentido de Coerência (SOC) SOC
Compreensão Gestão Investimento
Média das notas às disciplinas curriculares
0,12
0,13
0,13
0,15
Treino Físico de Aplicação Militar
0,18*
0,18*
0,17*
0,20*
Instrução Militar
0,23**
0,20*
0,22**
0,21**
0,14
0,17*
0,16
0,19*
ICA * p < 0,05 ** p < 0,01
4.3. Correlações com as medidas de adaptação Por fim, estabelecem-se as correlações entre as medidas de adaptação avaliadas através do Questionário de Vivências Académicas (QVAr) com os aspectos de personalidade e cognitivos e de bem-estar. Analisando os dados apresentados no Quadro 15, verifica-se a existência de correlações ao nível de 5%, de todos os aspectos de adaptação (Interpessoal, Curso, Institucional, Pessoal e Estudo) com a “realização via independente” e a “flexibilidade”. No que diz respeito à “realização via independente”, esta correlaciona-se negativamente com a adaptação interpessoal (-0,22), com a adaptação ao curso (-0,22), com a adaptação institucional (-0,22), com a adaptação ao estudo (-0,22) e com a adaptação pessoal (-0,24). A “flexibilidade” correlaciona-se com a adaptação interpessoal (-0,25), com a adaptação ao curso (-0,22), com a adaptação institucional (0,22), com a adaptação pessoal (0,25) e com a adaptação ao estudo (0,23). Quadro 15 - Correlação de Pearson dos factores de adaptação (QVAr) e os aspectos de personalidade Presença Social
Realização via Potencial de Flexibilidade Independente Liderança
Interpessoal
-0,06
-0,22*
-0,25*
0,02
Curso
-0,03
-0,22*
-0,22*
-0,09
Institucional
-0,03
-0,22*
-0,22*
-0,10
Pessoal
-0,06
-0,24*
-0,25*
0,02
Estudo * p < 0,05
-0,03
-0,22*
-0,23*
-0,09
158
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Não foram encontradas quaisquer correlações entre a adaptação (QVA) e os aspectos cognitivos (PARC). No Quadro 16 apresenta-se as correlações entre os resultados da medida de adaptação (QVA-r) e o sentido de coerência (SOC). Verifica-se que as correlações existentes são todas positivas e a um nível de significância de 1%. Realçam-se as correlações da capacidade de investimento com a adaptação interpessoal (0,31) e a adaptação pessoal (0,31). E as correlações da capacidade de compreensão com a adaptação interpessoal (0,30) e a adaptação pessoal (0,30). Quadro 16 - Correlação de Pearson dos factores de adaptação (QVAr)e a escala de Sentido de Coerência (SOC) SOC
Compreensão
Gestão
Investimento
Interpessoal
0,29**
0,30**
0,29**
0,31**
Curso
0,27**
0,28**
0,27**
0,29**
Institucional Pessoal Estudo
0,26** 0,29** 0,27**
0,27** 0,30** 0,28**
0,27** 0,29** 0,27**
0,28** 0,31** 0,29**
** p < 0,01
5. Conclusões Os resultados apontam para que, os alunos com melhor desempenho no 1º semestre apresentam características de personalidade marcadas pelo elevado sentido de responsabilidade, eficiência intelectual, potencial para liderar e maturidade social. Da mesma forma para um bom desempenho do treino físico de aplicação militar, é importante uma maior aceitação das regras e normas (socialização) bem como a perseverança e o poder de decisão (feminilidade). Por outro lado, para um bom desempenho da instrução militar o que se manifesta como mais importante é a eficiência intelectual, a estabilidade emocional (neuroticismo), o sentido de coerência global (SOC), a capacidade compreensão, a capacidade de gestão e a capacidade de investimento. O sentido de coerência apresenta ainda uma grande importância na nota comportamental (ICA), em especial no que diz respeito à influência da capacidade de compreensão e de investimento nesta mesma nota. Focando agora apenas os aspectos de adaptação foi possível constatar a influencia dos factores de personalidade e de saúde e bem-estar no sucesso da integração no contexto militar académico. Uma vez que a instituição militar possui uma característica marcada pela formalização e normalização, os alunos com maiores características de realização via independente, e de flexibilidade Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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Desempenho académico e adaptação ao Ensino Superior Militar
encontram maiores dificuldades a todos os níveis (pessoal, interpessoal, curso, estudo e institucional). Por outro lado o sentido de coerência assume uma extrema importância na adaptação destes jovens, nomeadamente na adaptação pessoal e interpessoal. Os resultados reflectem que, a capacidade mais mobilizada na adaptação à A M é a capacidade de investimento, uma vez que estes jovens vêem este momento como um desafio que, do ponto de vista emocional exige um elevado envolvimento e compromisso. A capacidade de compreensão é também muito mobilizada na decisão e na forma de perceber a “vida” militar o que traduz que a exploração que o adolescente realizou antes de concorrer à AM, produziu resultados constituindo-se assim este momento como um estímulo ordenado e previsível. A adaptação destes alunos à AM e, consequentemente, à carreira militar, traduz a relação recíproca entre o organismo e o seu ambiente. É na esfera da “unidade dual”, entre a cultura da instituição e a personalidade do sujeito que se formam os alunos e futuros oficiais.
Referências Almeida, L. S., Ferreira, J. A. & Soares, A. P. (1999). Questionário de Vivências Académicas: Construção e validação de uma versão reduzida (QVA-r). Revista Portuguesa de Pedagogia, 3, 181-207. Almeida, L. S., Ferreira, J. A. & Soares, A. P. (2003). Questionário de Vivências Académicas (QVA e QVA-r). In M. M. Gonçalves, M. R. Simões, L. S. Almeida & C. Machado (Coords.), Avaliação psicológica: Instrumentos validados para a população portuguesa. Coimbra: Quarteto. Cunha, S. M. & Carrilho, D. M. (2005). The influence of the undergraduate course adaptation process in the academic achievement. Psicologia Escolar e Educacional. [online]. Dec. 2005, vol.9, no.2 [cited 13 November 2007], p.215224. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br>. ISSN 1413-8557. Rodrigues, J. (2003). Resiliência em Forças Operações Especiais: projecto de investigação. Revista Psicologia Militar, 14, 13-28 Santos, L. & Almeida, L. S. (2001). Vivências Académicas e resultados escolares: Estudo com alunos universitários do 1º ano. Análise Psicológica, 2 (XIX), 205217.
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BALANCED SCORECARD EM ORGANIZAÇÕES DE SAÚDE Estudo de Caso: Hospital da Trofa
Sónia Carmo Silva Mestre em Gestão (Universidade Lusíada) Rui Lopes dos Reis Doutor em Gestão (Universidade Católica de Louvaina) Professor Catedrático (Universidade Lusíada)
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Resumo: Na economia do conhecimento é cada vez mais importante e complexo gerir os activos intangíveis. O Balanced Scorecard (BSC) torna possível esta tarefa e, com abordagens mais ou menos completas, é já uma realidade em várias organizações de saúde públicas e privadas de todo o mundo. Tendo por base os trabalhos desenvolvidos por Kaplan e Norton e alguns casos práticos de organizações de saúde que implementaram o BSC, criamos uma metodologia de aplicação no Hospital da Trofa, que poder-se-á replicar para outras organizações como ferramenta de gestão estratégica capaz de transformar activos intangíveis em resultados mensuráveis. A utilização da metodologia proposta tem como finalidades eliminar a diferença entre a estratégia formulada na organização e aquela que efectivamente é levada a cabo e eliminar o desconhecimento por parte dos colaboradores de qual o rumo traçado e de qual o seu papel individual. Abstract: In Knowledge economy it is more and more important and complex to manage the intangible assets. Balanced Scorecard (BSC) makes it possible, and, with more or less complete approaches, it’s already a reality in some public and private health organizations of the world. Based on Kaplan and Norton works, and some practical cases of health organizations that had implemented the BSC, we create a methodology of application in Trofa’s Hospital, that will be able to be used for other organizations as a tool of strategical management, capable to transform intangible assets into measurable results. The use of the methodology proposed has the function to eliminate the difference among the formulated strategy in the organization and the one effectively taken and to eliminate the unfamiliarity of the collaborators about the traced course and theirs individual paper.
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1. Introdução Os cuidados de saúde são actualmente uma das actividades de maior crescimento no mundo desenvolvido e, constitui objectivo prioritário dos sistemas europeus de saúde, aumentar a sua eficiência e a sua eficácia, respondendo aos desafios sociais, demográficos, culturais e económicos. A previsível intensificação da concorrência no sector privado, a grande complexidade da gestão hospitalar e a quantidade de informação que se gere na saúde reforça ainda mais a ideia de focalização e tende a impulsionar estratégias de diferenciação e diversificação para a antecipação das mudanças que a sociedade actual espera. No sector público, assistimos a uma reestruturação profunda que caminha no sentido de se seguirem as mesmas regras do privado, ou seja, pautarem-se pela responsabilização assente na gestão por objectivos e pela satisfação dos utentes e dos seus profissionais. Ora, em actividades de serviços onde os activos intangíveis são importantes e assumem-se como críticos para o sucesso, a aplicação do BSC torna-se mais que justificada e oportuna. As organizações de saúde precisam de transformar os seus activos intangíveis em resultados mensuráveis. Esta transformação é importante quer no âmbito privado, porque se converte em resultados para os accionistas, quer na vertente pública, porque se transforma em ganhos de eficiência. Esta conversão e alinhamento do intangível são conseguidos através da elaboração de mapas estratégicos e da criação de prontidão, utilizados na metodologia BSC. Para atingir os resultados esperados e para a definição dos objectivos, o BSC centra a análise em quatro perspectivas: financeira, dos clientes, dos processos internos e de aprendizagem e crescimento. Ao mesmo tempo que proporciona informações sobre estas quatro perspectivas, minimiza a sobrecarga de informação ao concentrar-se nos poucos parâmetros críticos na criação de valor a longo prazo. A definição da estratégia assume-se como o momento central de toda esta metodologia. Por isso, defendemos um enfoque na definição da estratégia antes da implementação propriamente dita do BSC, devendo-se começar todo Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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o processo pela clarificação das linhas de orientação estratégica através de um diálogo aberto e participativo. Defendemos uma análise ao meio envolvente e ao ambiente interno como forma de obter uma análise SWOT que permitirá a posterior definição ou afirmação da missão, visão e valores. O passo seguinte deve ser a identificação dos factores críticos de sucesso para posterior orientação dos temas estratégicos, os quais vão permitir uma definição clara dos objectivos para as diferentes perspectivas, bem como os respectivos indicadores. Posteriormente, defendemos a elaboração de um conjunto de iniciativas que a organização defina como estratégicas para atingir rendibilidade financeira, clientes satisfeitos, processos eficazes e colaboradores motivados e preparados. O BSC será, neste contexto, o suporte para a implementação da estratégia que foi definida.
2. Desenvolvimento O BSC surgiu com o “objectivo de resolver problemas de mensuração” a partir da percepção de que os modelos de gestão contemplavam somente indicadores financeiros, mostrando-se, assim, incapazes de reflectir as actividades que criavam valor, relacionadas com os activos intangíveis de uma organização no novo contexto económico de importantes mudanças nos negócios. Pode confundir-se o BSC com estratégia mas, convém clarificar, o BSC não é a mesma coisa que estratégia. Todo o trabalho do BSC parte do princípio de que a estratégia da organização, bem como a sua missão, visão e valores já estão previamente definidos. Kaplan e Norton quando iniciam a implementação do BSC começam por perguntar: “Qual a sua estratégia?”. As organizações devem definir previamente qual o caminho a seguir e para onde querem ir, pois, como dizia Séneca, “não há vento favorável para quem não sabe onde quer ir”. É fundamental saber onde estamos e para onde queremos caminhar, termos uma visão global dos fins, resultados, objectivos, propósitos e valores, saber como queremos atingir determinado resultado e com quem o vamos fazer. Estas, são, questões essenciais que devem estar bem esclarecidas e definidas, no actual contexto económico, dinâmico e incerto.
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Figura 1 – Envolvente Estratégica
Fonte: Elaboração Própria
Neste contexto, importa perguntar, qual é então a função do BSC? A função do BSC é traduzir as directrizes estratégias de forma a todos na organização as possam entender e para que a estratégia possa ser implementada, monitorizada, e acompanhada no longo prazo. “A formulação de grandes estratégias é uma arte…, mas a sua descrição não o é. A estratégia descrita numa forma mais disciplinada pode aumentar a probabilidade de sucesso na sua implementação” (Kaplan, 1996:176). Assim, e conforme podemos ver na Figura 2, o BSC aparece na fase posterior à definição da estratégia, apresentando-se como uma ferramenta de implementação com vista a atingir os resultados esperados. Figura 2 – Tradução da Missão em Resultados Esperados
Fonte: (Kaplan, 2001:85) Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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Norton e Kaplan (2001, 2004b), com base no conceito dos factores críticos de sucesso, introduzem um novo conceito: os temas estratégicos. Assim, o processo para transformar a estratégia em objectivos integrados entre si pode-se iniciar com o diálogo entre os membros da equipa do BSC sobre quais os temas estratégicos que irão nortear a execução da estratégia da organização, ou seja, as linhas de orientação no futuro. A recomendação é que se identifiquem os temas estratégicos antes de determinar os objectivos nas perspectivas de valor (Filho, 2005). Estes temas reflectem o que a gestão de topo acredita que deve ser feito para alcançar o sucesso e ajudam a desenvolver as propostas de valor para os clientes, criando um alinhamento em todo o fluxo de valor da organização. Os temas estratégicos são considerados por Kaplan e Norton (2004b) os pilares sobre os quais se executa a estratégia, não reflectem resultados financeiros, como “melhorar o valor para os accionistas”, mas sim a visão de futuro quanto ao que deve ser feito internamente para a obtenção desses resultados. Como tal os temas estratégicos relacionam-se com os processos internos (Kaplan, 2001:90). Por outro lado, a filosofia do BSC assenta na visão global da estratégia das organizações, apoiada em quatro perspectivas: financeira, dos clientes, dos processos internos e de aprendizagem e crescimento, nas quais são fixados objectivos e indicadores que têm de funcionar de forma integrada e balanceada. Qualquer falha de funcionamento, derivada de objectivos não atingidos numa das perspectivas, irá originar quebras de eficiência noutra(s) perspectiva(s), desequilibrando o BSC e provocando consequentemente desvios no percurso estratégico, no cumprimento da missão e da visão da organização (Kaplan, 1996a). O papel e interdependência das perspectivas de valor do BSC estão representados na Figura 3 e serve de base para se perceber a construção do mapa estratégico e as relações de causa e efeito. A metodologia do BSC defende que numa primeira fase sejam definidos quais os resultados financeiros esperados e para clientes, para depois se definir o que deve ser feito ao nível dos processos internos e do capital organizacional, capita humano e capital da informação.
Finanças
leading indicators
Clientes Indutores, Drivers, Acções, Iniciativas
Processos Internos
que fazem as coisas acontecerem
Crescimento e Aprendizagem
Resultados, Outcomes dessas acções
lagging indicators
Figura 3 – BSC Traduzindo o Papel e Interdependência das Perspectivas
Activos Intangíveis
Fonte: Adaptado de (Pinto, 2007:45)
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O BSC vem sofrendo melhorias desde o seu nascimento em 1992. A primeira melhoria esteve relacionada com o enfoque dado à visão e à estratégia colocadas no centro do BSC e a inclusão dos quatro conceitos fundamentais – objectivos, indicadores, metas e iniciativas – em cada perspectiva. Actualmente a concepção do BSC está centrada em permitir que as organizações se tornem orientadas à estratégia, apoiando-se em cinco princípios que permitem que o enfoque e o alinhamento estratégico: 1. Traduzir a estratégia em termos operacionais de modo a que todos possam entendê-la. 2. Alinhar a organização à estratégia a partir do envolvimento e comprometimento de todos. 3. Transformar a estratégia em tarefa de todos por meio da contribuição pessoal para a implementação da estratégia top-down. 4. Transformar a estratégia num processo contínuo por meio da aprendizagem e de revisões contínuas da estratégia. 5. Mobilizar a mudança por meio da liderança executiva. Considerando então que a criação de valor provêm essencialmente dos activos intangíveis, a questão que se coloca é: como transforma-los em resultados mensuráveis? A solução apresentada por Kaplan e Norton é a criação de mapas estratégicos. Figura 4 – Relações Causa-efeito da Estratégia VISÃO e ESTRATÉGIA Perspectiva Financeira
Como podemos criar valor para os accionistas e investidores?
Perspectiva do Qual é a proposta de valor para os clientes-alvo? Cliente
Processos Internos
Que processos internos permitem a criação dessa proposta de valor? Que conhecimentos e tecnologias os Aprendizagem colaboradores precisam dominar para a e Crescimento criação de valor?
Fonte: Adaptado de (Kaplan, 2001:89)
A Figura 4 ilustra a arquitectura genérica do BSC que deve contar a história da estratégia, iniciando com os objectivos financeiros, relacionando-os com os objectivos para clientes, processos internos e finalmente com colaboradores e sistema (Kaplan, 2001). O processo começa do geral para o particular (top-down), do seguinte modo (Kaplan, 2001 e 2004b): Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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1. A pergunta inicial deve ser: Quais são os objectivos financeiros de crescimento e produtividade? Qual vai ser a estratégia de produtividade (melhorar a estrutura de custos e aumentar a utilização dos activos) e a estratégia de crescimento (expandir as oportunidades de receita e aumentar o valor para os clientes)? 2. A que se segue: quais são os clientes-alvo que gerarão crescimento de receita e possibilitarão um mix mais rentável de produtos e serviços? Quais são os objectivos desses clientes e como medir o sucesso em relação a eles? 3. De seguida, através dos processos internos, devemos definir as actividades necessárias à criação de valor para esses clientes, de modo diferente da concorrência, com a consequente aumento dos resultados financeiros. Devemos ter um projecto de produto, desenvolvimento de marca, mercados, vendas, logística, etc.. 4. No final, temos de reconhecer que a capacidade de executar os processos de negócio internos de forma inovadora e diferenciada dependerá da infraestrutura organizacional, das habilidades, capacidades e conhecimentos dos colaboradores, das tecnologias utilizadas e do clima do ambiente de trabalho, ou seja, do factores de aprendizagem e crescimento e o modo como estes se conjugam. As perspectivas são arranjadas por ordem descendente tendo em conta a mensurabilidade, a urgência e a visibilidade. A missão da organização, a visão, os valores, e os objectivos principais estarão nas perspectives mais elevadas e as estratégias detalhadas e individuais apresentar-se-ão nas perspectivas mais baixas. A ideia é olhar para a perspectiva mais elevada e identificar o que a organização efectivamente necessita, depois olhamos para as perspectivas a baixo e vemos qual o trabalho necessário para o conseguir. A melhoria nas perspectivas mais baixas, nos activos intangíveis, têm um longo período de gestação mas é a única maneira de conseguir uma mudança durável no desempenho da organização (Kaplan, 2001). Assim, o mapa estratégico é a estrutura pela qual a história da estratégia será comunicada ao público-alvo. Conforme o Anexo, o mapa estratégico, ajustado à estratégica específica da organização, descreve o processo de transformação de activos intangíveis em resultados tangíveis, ou seja, descreve como os activos intangíveis impulsionam melhorias de desempenho nos processos internos que exercem o máximo de alavancagem no fornecimento de valor para os clientes, accionistas e comunidade (Kaplan, 2004b). O mapa estratégico constrói os alicerces para um sistema de gestão capaz de implementar as estratégias de forma rápida e eficaz e ajuda também as organizações a verem as suas estratégias de modo coeso, integrado e sistémico (Kaplan, 2001). O mapa estratégico melhora a clareza e o foco e representa o elo perdido entre a formulação e a execução da estratégia (Kaplan, 2004b). Por outro lado, o mapa estratégico deve traduzir a estratégia da organização 170
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em termos operacionais e, ao mesmo tempo, permitir a mensuração do desempenho através de: (1) indicadores de resultado ou lagging indicators, que traduzem os objectivos finais da estratégia e permitem verificar se os esforços desenvolvidos conduziram aos resultados pretendidos e de (2) indutores desses resultados ou leading indicators que informam todos os participantes da organização sobre o que eles devem fazer hoje para criar valor no futuro (Sousa, 2002). Porquê usar o BSC nos Hospitais? Atendendo aos desafios com que se deparam, a utilização da ferramenta BSC é de grande utilidade, devido essencialmente: À necessidade de chegar a consenso sobre a missão e visão da organização; Necessidade de aproximação e quebrar algumas barreiras entre gestores e clínicos; Orientar todos os colaboradores com objectivos individuais e específicos mas para um fim comum: a satisfação do utente; Utilização de uma única ferramenta para incorporar indicadores financeiros, indicadores clínicos e indicadores da qualidade; Por outro lado, como já vimos atrás, as instituições hospitalares são complexas, com inúmeras peculiaridades inerentes aos programas, serviços, influências externas, internas e condições de trabalho, geralmente em emergência/ urgência ou mesmo com ansiedade e pressão, por parte de pacientes, familiares e profissionais. O número de áreas, subáreas e os processos desempenhados pelas mesmas torna-as difíceis de planear, organizar, coordenar/ dirigir e avaliar/ controlar, sem indicadores confiáveis, sensíveis e balanceados. Conforme defende um Administrador do Hospital de Faro, porque os hospitais são caracterizados pela existência de centros operacionais organizados em torno de profissionais altamente qualificados, com grande autonomia e controlo do seu trabalho, a necessidade de orientar o desempenho desses profissionais na prossecução dos objectivos e o reforço da coesão interna assumem uma importância determinante para o êxito das organizações. Assim, a utilização de ferramentas como o BSC será benéfica para a gestão e avaliação da performance dos hospitais (Pinto, 2007:242). Na opinião do mesmo Administrador Hospitalar, uma das principais dificuldades a ultrapassar e que pode por em causa a celeridade da implementação do BSC é a inexistência de um sistema de informação que permita uma fácil identificação e elaboração de indicadores relacionados com as diferentes dimensões da organização e uma automatização do suporte dos indicadores e a actualização de resultados e hipóteses (Pinto, 2007:243). O Duke Children’s Hospital, hospital infantil universitário, do Durham na Carolina do Norte, foi uma das organizações onde Kaplan e Norton implementaram esta metodologia e é um dos exemplos mais citados nos seus livros. A situação em que se encontrava era deveras preocupante, enfrentava aumentos de custos na ordem dos 35% entre 1994 e 1995, a organização dava prejuízo, o pessoal estava insatisfeito. Para mudar esta situação e para focalizar Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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e alinhar o pessoal, clínico, académico e administrativo em relação à estratégia, decidiram utilizar o BSC. Os resultados foram positivos, em cerca de 2 a 3 anos, o Duke Children’s Hospital melhorou os níveis de satisfação e lealdade dos pacientes e médicos enquanto atingia reduções de 25 a 35% no custo por caso e na duração das intervenções (Kaplan, 2001:31). Outro exemplo de sucesso na aplicação do BSC, aconteceu no St Mary’s Duluth Clinic Health System, líder inovador em assistência médica, do nordeste de Minnesota e Wisconnsin, que em 1997 se fundiu com outra clínica Duluth Clinic (criando a SMDC) e ambas estavam em boa situação financeira no momento da fusão. Mas, por motivos vários colocaram a recente SMDC em problemas financeiros. A criação do mapa estratégico ajudou-os a perceber-se como empresa, identificaram áreas de crescimento que ajudariam a respaldar as áreas sem crescimento. O processo de implementação do BSC ajudou também a definir três conjuntos distintos de clientes e a identificar a proposta de valor para cada um (Kaplan, 2004:61). Com sede em Toronto, Canadá, a MDS, uma organização internacional de saúde e ciências da vida que fornece produtos e serviços para a prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, avançou num projecto de BSC porque havia necessidade de melhorar muito ao nível da execução da estratégia. O sucesso na execução da estratégia tinha como objectivo o sucesso financeiro para um crescimento do lucro em 15% e ao mesmo tempo um crescimento da receita também em 15% (Kaplan, 2004: 361).
3. Metodologia Proposta Para o sucesso da sua utilização enquanto ferramenta de gestão estratégica, sugerimos a aplicação do BSC em três grandes fases: 1.ª Diagnóstico Estratégico 2.ª Definição da Estratégia 3.ª Implementação da Estratégia O Diagnóstico Estratégico inicia-se através de uma discussão aberta sobre a metodologia, confrontando a Gestão do Topo e Equipa do Projecto com questões do foro estratégico, avaliando o ambiente externo (situação politica, económica, cultural, … do país; mercado e concorrência) e o ambiente interno (pontos fortes e fracos por área). Nesta fase, promovemos também um debate sobre o presente e o futuro da organização, ou seja, para se cumprir a visão da organização, devese avaliar o presente e definir o caminho para o futuro desejado, o modo como lá chegar, a estratégia única. Devem questionar-se sobre parceiros, stakeholders, competências, recursos, clientes, mercados, concorrentes, actuais e futuros. Passando para a segunda fase, a da definição da estratégia, a organização estabelece a declaração de missão, define a visão e afirma os valores, transmitindoos a todos os colaboradores da organização através de um eficiente plano de 172
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comuNesta fase, a organização define também quem serão os clientes-alvo, ou seja, quem são os clientes que terão de conquistar para chegar a bom porto, para atingir o futuro desejado, quais os factores críticos de sucesso, ou seja, onde é que a organização precisa atingir a excelência para conquistar esses clientes e em que temas estratégicos assenta a estratégia. Resolvidas e bem clarificadas estas questões, numa terceira fase, passamos para a implementação da estratégia, utilizando a ferramenta BSC, começa-se com a definição dos objectivos para cada perspectiva respondendo à questão: Se a nossa visão e estratégia forem bem sucedidas, qual é o diferencial que vamos apresentar aos nossos accionistas, aos nossos clientes, nos nossos processos internos e na nossa capacidade de inovar, crescer e melhorar? De seguida define-se o mapa estratégico, estabelecendo as relações causaefeito entre o que deve ser feito e o que a organização pretende atingir. Paralelamente, e para que os objectivos estratégicos não sejam somente uma declaração de intenções, propomos a elaboração de um plano de acção que estabeleça metas, timings, que seleccione investimentos estratégicos e iniciativas que capacitarão a organização a alcançar o desempenho almejado nos prazos programados e com as pessoas certas. Os outputs serão os projectos estratégicos, sistema de incentivos e objectivos individuais e de equipa e o orçamento estratégico. Por fim, definem-se as funções estratégicas e competências, portfólio estratégico de tecnologias de informação e agenda de mudança organizacional necessárias para mis rapidamente atingir os resultados estratégicos. Acima de tudo, defendemos um diagnóstico bem preparado, a definição da estratégica bem fundamentada para focalizarmos e alinharmos os recursos críticos e os activos intangíveis na implementação da estratégia, tornando-a uma tarefa de todos e transformando-a em termos operacionais. Salientamos a importância das duas primeiras fases uma vez que se a estratégia for mal definida, todos os esforços se vão concentrar numa estratégia perdedora o que pode mais rapidamente conduzir a organização ao fracasso. Seguindo esta metodologia, apresentamos de seguida o resultado da aplicação no Hospital da Trofa, uma entidade privada que faz parte de um grupo em crescimento na área da saúde privada e que assume o projecto do BSC como fundamental para suportar a sua estratégia. Temas Estratégicos A realidade desejada do Hospital da Trofa é ser instituição de referência para clientes, parceiros, accionistas e colaboradores, seguindo uma estratégia de crescimento gradual e em rede como meio de diversificação de experiências e obtenção de sinergias que conduzam ao aumento dos níveis de eficiência, através: - da abertura a parceiras estratégicas, para que o transaccionamento de Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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conhecimento, acrescentar valor e adquirir e partilhar novas experiências façam a organização caminhar por novos caminhos, de forma mais sólida e com um maior stock de conhecimento; - e de um acompanhamento permanente de oportunidades e desafios; fazendo uma segmentação de mercado, identificando nichos e janelas de oportunidades relativamente a serviços configurados à medida do cliente, contemplando necessidades específicas e aconselhamento especializado permanente, oferecendo soluções completas e integradas, baseando-se na polivalência da oferta e assegurando a implementação do conceito “one stop shopping”, valorizando: - a prestação atempada dos serviços, garantindo o cumprimento escrupuloso dos prazos, tempo de resposta e disponibilidade; - e o desempenho inovador, através de uma constante evolução da concepção dos serviços, alinhados com os principais valores de dedicação ao cliente, elevado sentido ético, rigor e responsabilidade, valorização pessoal e espírito de equipa; Sendo estes últimos os três temas estratégicos, ou seja, os pilares que suportam toda a estratégica, as linhas orientadoras que servirão de base para atingir os objectivos propostos. Mapa Estratégico do Hospital da Trofa Antes de definição do mapa estratégico, criamos o seguinte esquema para clarificação da estratégia:
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Figura 5 – Outcomes e Drivers para a Elaboração do Mapa Estratégico
Fonte: Elaboração Própria
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Posteriormente definiu-se o seguinte mapa estratégico:
Fonte: Elaboração Própria
Figura 6 – Mapa Estratégico do Hospital da Trofa
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Dada a estratégia de crescimento do Hospital da Trofa para os próximos anos, e considerando a sua estrutura accionista e o resultado esperado de maior rendibilidade, sugerimos a opção pelo ROIC (Return On Invested Capital) como indicador lag uma vez que comparativamente a outros indicadores de rendibilidade permite retirar conclusões precisas sobre a performance operacional da organização. Utilizamos a formula proposta por Gomes Mota (2007:88) para explicitação das relações de causa-efeito entre as perspectivas de valor.
Equação 1 – Fórmula de calculo do ROIC ROIC = EBIT / Capital Investido x (1-t) Onde EBIT / Capital Investido = EBIT / Vendas x Vendas / Capital Investido Onde EBIT / Vendas (Margem Operacional ) 1 - Custos das Vendas / Vendas - Outros Custos Operacionais / Vendas Amortizações / Vendas Onde Vendas / Capital Investido (Rotação do Capital Investido de Exploração) 1 / ( Working Capital/ Vendas + Activo Fixo Exploração/ Vendas + Outros Activos Exploração/Vendas) Fonte: (Mota: 2007:88)
Este indicador mede a rendibilidade do capital investido na actividade de exploração, ou seja, uma relação entre resultados operacionais e investimento operacional, permitindo avaliar a performance da organização de forma integrada, pela desagregação do seu valor em novos indicadores que nos devolvem informação mais específica e que constituem os drivers da rendibilidade do capital investido. Neste sentido, e para atingir o objectivo financeiro de topo F1: aumentar a rendibilidade do capital investido, apoiamo-nos em dois objectivos chave, o F2: crescimento das vendas (novos segmentos de mercado, parcerias com entidades e clientes actuais) e F3: optimização dos custos operacionais (controlo dos custos dos FSE1 e custos com pessoal). Considerando a focalização do cliente e código genético do Hospital da Trofa, assumimos como objectivos para os clientes: C1: satisfação dos clientes; C2: fidelização dos clientes; C3: melhoria do reconhecimento da marca e C4: oferta 1
Fornecimentos e Serviços Externos.
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de soluções completas e integradas. Assim, a proposta de valor assenta numa combinação de: Polivalência da oferta assegurando a implementação do conceito “one stop shopping”; Atendimento personalizado, configurado à medida do cliente; Valorização da imagem do Hospital da Trofa. Para atingirmos estes outcomes e para alcance da excelência, acreditamos que a aposta dever ser feita nos seguintes processos internos críticos, que cumprindo com os seus objectivos serão indutores dos resultados almejados: Processos de gestão operacional, para os objectivos I1: redução dos tempos de espera, I5: melhoria de realização dos serviços Processos de gestão de clientes, para os objectivos I2: conquista de novos clientes, I3: criar parcerias estratégicas; Processos de inovação, para os objectivos I4: oferta de novos serviços de saúde. Ao longo do projecto debatemos a importância crítica dos activos intangíveis para alcance dos resultados financeiros, e dados os princípios orientadores do Hospital da Trofa, a base do alinhamento da estratégia está nos seguintes activos e nos objectivos estratégicos correspondentes: Capital humano: A1: satisfação dos colaboradores; A2: focalização no cliente e A3: avaliação e reconhecimento pela actividade desenvolvida; Capital da informação: A4: tecnologia avançada no desenvolvimento das actividades; Capital organizacional: A5: espírito de equipa e A6: elevado sentido ético; Acreditando que os Particulares procuram um produto à medida e privilegiam a inovação e a qualidade dos serviços, o Hospital da Trofa apoia a sua estratégia na intimidade com o cliente e na liderança de produto, privilegiando acima de tudo: A relação com o cliente; A antecipação ao mercado; A imagem. Por outro lado, e ainda em fase muito incipiente através do conceito “One Stop Shopping”, o Hospital da Trofa tenta criar oceanos azuis dentro do mercado da saúde privada. Balanced Scorecard do Hospital da Trofa Considerando o mapa estratégico e atendendo aos objectivos estratégicos propostos, definiram-se os seguintes indicadores para as diferentes perspectivas apresentadas.
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Figura 7 – BSC do Hospital da Trofa OBJECTIVO
Prespectiva
INDICADOR
F1 Aumentar a rendibilidade do capital investido
Financeira
Total
F2 Crescimento das vendas
Clientes Actuais Novos Clientes Novos Serviços
F3 Optimização dos custos operacionais
ROCE (ROIC)
Clientes
C3 Melhoria do reconhecimento da marca
C4 Oferta de soluções completas e integradas
Total
Processos Internos
I1
Redução dos tempos de espera
Internamento Ambulatório
NOPLAT / Capital Investido
Periodicidade de Acompanhamento
Anual
Peso das Vendas dos Clientes Actuais Peso das Vendas dos Novos Clientes Peso das Vendas dos Novos Serviços
Valor das Vendas ano n / Valor das Vendas ano n-1 Valor das Vendas dos Clientes Actuais ano n / Valor das Vendas ano n-1 Valor das Vendas dos Novos Clientes ano n / Valor das Vendas ano n-2 Valor das Vendas dos Novos Serviços ano n / Valor das Vendas ano n-3
Custos com pessoal
Custos com Pessoal / Volume de Facturação Semestral
Vendas
Trimestral Trimestral
Custos com FSE / Volume de Facturação
Semestral
Clientes Satisfeitos e Muito Satisfeitos / Total de Clientes
Anual
Reclamações
N.º Reclamações / N.º de Atendimentos
Mensal
N.º de Cancelamentos de Actos Médicos
N.º Cancelamentos de Actos Médicos / Agendas Totais
Mensal
N.º de Revisitas
N.º de Revisitas
Semestral
Tempo de Espera Tempo de Espera no Internamento Tempo de Espera no Ambulatório
N.º de Familiares e Amigos de Clientes Indice de Reconhecimento da marca nos clientes-alvo N.º de serviços com soluções completas e integradas
Dep. Controlo e Facturação
Comercial
Direcção Clínica
Semestral Anual
Comercial
Anual
N.º de clientes que utilizam os serviços com Anual soluções completas e integradas Tempo de Espera Médio
Mensal
Tempo de Espera Médio no Internamento
Mensal
Tempo de Espera Médio no Ambulatório
Mensal
Direcção Clínica
Tempo de Espera na Urgência
Tempo de Espera Médio na Urgência
Mensal
I2 Conquista de novos clientes
Novos clientes
N.º de cartões de clientes novos
Trimestral
I3 Criar parcerias estratégicas
Novas parcerias
N.º de parcerias com entidades institucionais Trimestral
Novos serviços
N.º de novos serviços
Urgência
Dep. Financeiro
Trimestral
Indice de Satisfação dos Clientes
N.º de Familiares e Amigos de Clientes Indice de Reconhecimento da marca nos clientes-alvo N.º de serviços com soluções completas e integradas N.º de clientes que utilizam os serviços com soluções completas e integradas
Responsável pelo Acompanhamento
Trimestral
Custos com FSE
C1 Satisfação dos clientes
C2 Fidelização dos clientes
(Formula de Calculo)
Comercial
Trimestral
I4 Oferta de novos serviços de saúde Reuniões de clínicos
I5 Melhoria da realização dos serviços
A1 Satisfação dos colaboradores
Não conformidades detectadas Tempo médio de satisfação dos pedidos Índice de Satisfação dos Colaboradores Clínicos Índice de Satisfação dos Colaboradores Não Clínicos
Aprendizagem e Crescimento
N.º de acções de formação A2 Focalização no cliente
A3
Avaliação e reconhecimento pela actividade desenvolvida
A4
Tecnologia avançada no desempenho das actividades
A5 Espirito de equipa
A6 Elevado sentido ético
N.º de serviços de apoio ao cliente N.º de ferramentas de CRM implementadas
Não conformidades detectadas em auditorias ao SGQ (internas e externas) referentes aos Mensal processos de realização Tempo médio de satisfação dos pedidos Mensal Colaboradores Clínicos Satisfeitos e Muito Anual Safisteiros / Total de Colaboradores Clínicos Colaboradores Não Clínicos Satisfeitos e Anual Muito Safisteiros / Total de Colaboradores NãoClínicos N.º de acções de formação sobre atendimento e outras vocacionadas para o cliente / Total Semestral de acções de formação N.º de serviços de apoio ao cliente
Semestral
N.º de ferramentas de CRM implementadas
Anual
Qualidade Procurement
Recursos Humanos
N.º de colaboradores abrangidos N.º de colaboradores abrangidos pelo sistema Anual pelo sistema de incentivos de incentivos N.º de colaboradores abrangidos N.º de colaboradores abrangidos pela pela avaliação de desempenho avaliação de desempenho
Anual
Investimento em novos equipamentos
Anual
N.º de participações em actividades extra-laboral
Investimento em novos equipamentos para melhoria dos processos / Investimento total N.º de participações em actividades extralaboral ano n / N.º de participações em actividades extra-laboral ano n-1
Sistemas de Informação
Anual
N.º de reuniões de equipas de trabalho
N.º de reuniões de equipas de trabalho
Semestral
Elaboração de Código de Ética
Elaboração de Código de Ética
Anual
Recursos Humanos
Fonte: Elaboração Própria
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Balanced scorecard em organizações de saúde
Funções Estratégicas e Portfólio Estratégico de TI Conforme defendem Kaplan e Norton (2004), os activos intangíveis devem estar alinhados com a estratégia para se criar valor. Neste sentido, os autores defendem, como vimos anteriormente, três técnicas de alinhamento para construir uma ponte entre o mapa estratégico e os activos intangíveis: identificação das funções estratégicas e do portfólio estratégico de tecnologias de informação (TI) e definição da agenda de mudança organizacional. Neste sentido, apresentamos de seguida as funções estratégicas e competências distintivas (Figura 8) bem como o portfólio estratégico de TI (Figura 9) que acreditamos que vão criar valor de acordo com os processos interno críticos e fazer com que se atinja os objectivos definidos. Figura 8 – Funções Estratégicas
Fonte: Elaboração Própria
Figura 9 – Portfólio Estratégico de Tecnologias de Informação
Fonte: Elaboração Própria
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Sónia Carmo Silva e Rui Lopes dos Reis
4. Conclusões As limitações de tempo, associadas a projectos deste tipo, levaram-nos a tomar opções, de entre elas a definição do mapa estratégico, a elaboração do BSC sem a definição das metas e a identificação das iniciativas estratégicas sem correspondência ao sistema de incentivos e objectivos pessoais e de equipa e ao orçamento estratégico. Este projecto no Hospital da Trofa permite-nos fazer algumas recomendações para o sucesso futuro deste projecto, que cremos ter continuidade, dada a postura que a Administração sempre tomou e a cultura organizacional existente. A visão estratégica, a partilha de informação, a comunicação, a busca constante pelo conhecimento e a procura das melhores práticas para a prossecução dos objectivos da organização são práticas comuns dentro do hospital e tornam-se a base de sustentação para a implementação do BSC. Assim, e apoiando-nos nos quatro processos definidos por Kaplan e Norton (1996b) e no ciclo da melhoria contínua, sugerimos ao Hospital da Trofa, em seguimento do projecto finalizado: Definição das metas e alinhamento das iniciativas e disponibilização dos recursos necessários; Efectuar o feedback relativamente ao cumprimento dos objectivos e promover a devida aprendizagem; Realizar os ajustes necessários e redefinir o mapa estratégico se necessário, os indicadores e as iniciativas, até mesmo a estratégia, num processo de melhoria contínua; Sugerimos também que ainda em 2009, faça parte do Plano e Orçamento, o Orçamento Estratégico elaborado com base nos Projectos Estratégicos que poderão ser definidos a partir das iniciativas estratégicas. Para a Agenda de Mudança Organizacional dever-se-á dar especial destaque à liderança. Conforme defendem Kaplan e Norton (2001), a capacidade de liderança, sobretudo na gestão da mudança, é requisito fundamental para se converter as organizações orientadas para a estratégia. No seguimento da Agenda, e para o sucesso na implementação da estratégia, os colaboradores deverão compreender os indicadores com clareza, para que as suas decisões e acções afectem a estratégia do modo pretendido e não façam força contrária. O facto do Hospital da Trofa já ter a estratégia clara e bem definida e dado que os projectos de melhoria são encarados pela Administração com empenho e dedicação, envolvendo-se sempre nas Equipas de Trabalho, onde têm, na maioria responsabilidades de coordenação, ajudará ao sucesso da continuidade deste projecto. Num futuro não tão próximo, e depois desta ferramenta entrar em velocidade de cruzeiro, poderá também ser alargado às Clínicas. Em termos de conclusão, este projecto pretende seguir os princípios Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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Balanced scorecard em organizações de saúde
orientadores do alinhamento estratégico defendidos por Kaplan e Norton: Traduziu a estratégia em termos operacionais, demonstrando claramente através do mapa estratégico como activos intangíveis serão transformados em resultados tangíveis; Alinhou a organização à estratégia a partir do envolvimento e comprometimento de todos, excluindo somente as unidades de negócio (Clínicas), pelo menos nesta fase, sendo possível o seu alargamento no futuro; Permitirá a transformação da estratégia em tarefa de todos, quando se interligar os objectivos estratégicos do hospital aos objectivos pessoais e de equipa e ao sistema de incentivos; Irá transformar a estratégia num processo contínuo por meio da aprendizagem e de revisões contínuas da estratégia; Mobilizará a mudança por meio da liderança executiva e forte que se empenhará em levar a bom porto a execução da estratégia e a prossecução dos objectivos estratégicos. A metodologia criada permite-nos, deste modo, ter um fio condutor na aplicação do BSC e este encadeamento torna-se crucial e facilitador para a implementação da ferramenta. Neste sentido, a aplicação do BSC no Hospital da Trofa permitiu: Discutir o passado e o futuro da organização; Definir claramente o que pretendem ser no futuro próximo; Reafirmar a missão, a visão e valores; Definir como criar valor para os seus accionistas; Escolher os clientes-alvo que a organização pretende servir e fazer-lhes uma proposta de valor; Identificar os processos internos críticos nos quais deve atingir a excelência para concretizar as suas propostas de valor aos clientes-alvo; Seleccionar as capacidades individuais para atingir os objectivos dos clientes e os financeiros; Criar um mapa esclarecedor e de fácil leitura que conta a estratégia actual da organização; Definir os outcomes pretendidos e os drivers necessários para os atingir; Alinhar os seus activos intangíveis na prossecução da sua estratégia. Com a continuidade do projecto, permitirá manter a gestão de topo informada do modo como a organização está a caminhar em termos de cumprimento dos objectivos estratégicos, medindo, deste modo, a implementação da estratégia. No fundo, aplicação do BSC no Hospital da Trofa conseguiu transformar a organização orientada para a estratégica e o sucesso do projecto teve como principais causas: A liderança executiva que é um factor crítico em qualquer processo de mudança, liderança esta que soube gerir e consolidar e as relações existentes de forma a que cada pessoa desse o seu melhor contributo para 182
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o projecto; A comunicação entre todos; Envolvimento de muitas pessoas. O BSC permitiu, acima de tudo, a focalização de todos no que é crítico e importante e o alinhamento dos activos intangíveis em torno da estratégia.
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Fonte: (Kaplan, 2004:11)
Anexo 1 – O Mapa Estratégico: Como a Organização cria Valor
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A ORIENTAÇÃO ESTRATÉGICA PARA O BAIXO CUSTO NA AVIAÇÃO COMERCIAL Felipa Lopes dos Reis Doutora em Gestão (Universidade Lusíada) Professora na Universidade Aberta Cristina Félix Pereira Mestre em Gestão (Universidade Lusíada)
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Resumo: Este artigo pretendeu fazer uma análise abrangente do Marketing de Serviços aplicado ao sector do transporte aéreo. Como objectivo principal deste trabalho efectuou-se uma análise da estratégia de Marketing da transportadora aérea TAP Portugal, com especial enfoque no produto dirigido ao segmento do baixo custo. Pretendeu-se elaborar um Plano de Actividades de Marketing associadas aquele produto específico como forma de recuperação do deficit na procura, actualmente existente no sector da aviação comercial. Este estudo conclui que a competitividade no seio do sector obriga a que as companhias de serviço regular adaptem o seu modelo de funcionamento para alargarem a sua oferta com produtos competitivos no segmento do baixo custo. No entanto não podem reduzir os seus serviços aos de uma transportadora low cost pura, uma vez que os seus clientes esperam um nível mínimo de qualidade e regalias. Palavras-chave: Marketing, Serviços, Transporte, Alianças, Estratégia Abstract: This article intended to do an embracing analysis of Services Marketing applied to the air transportation sector. As a main objective of this dissertation it was carried a Marketing strategy analysis of the airline carrier TAP Portugal, with special emphasis in the low cost segment product. It’s intended to do a Marketing Activity Plan associated to that specific product in order to overcome the deficit in the actual demand in the commercial aviation sector. It is concluded that sectorial competitiveness obliges that regular service companies must adapt their functional model by offering competitive products for the low cost segment. Nevertheless, they can´t reduced their services to pure low cost standard because clients expect a minimum level of quality and frills.
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1. Introdução Nos últimos anos assistiu-se a uma evolução muito significativa neste sector da actividade económica, com a redefinição das estratégias empresariais para atender aos desafios da crescente globalização, bem como a necessidade de atender às preocupações ambientais e uma maior premência na correcta identificação da melhor abordagem estratégica para enfrentar os desafios derivados das mutações na envolvente sectorial ao nível global. O mercado do transporte aéreo adquiriu uma nova dinâmica após a desregulamentação, assistindo-se na década de 90 a um aumento da oferta e da concorrência, sustentadas pelo acompanhamento tecnológico dos fabricantes de aviões. Para sobreviver a essa concorrência cada vez mais intensa, assistiu-se no final da década de 90 a reestruturações e associações entre transportadoras aéreas. A erupção dos conflitos no Afeganistão e no Iraque a par da ameaça terrorista contribuíram em acréscimo para o declínio da procura. Por outro lado, a instabilidade económica daí decorrente, favorece a implantação das transportadoras de baixo custo ou low cost, que pretendem captar mercado às transportadoras regulares praticando uma concorrência agressiva ao nível do preço. No início de 2009 despoletou-se uma crise económica generalizada, iniciada nos EUA com o escândalo Madoff, que rapidamente alastrou às economias europeias gerando uma recessão a nível mundial. O impacto no sector da aviação fez-se desde logo sentir na procura deste serviço. Este constituiu mais um factor imponderável que acentuou a competitividade já bastante estimulada com o crescente aumento do preço dos combustíveis e o novo desafio derivado da emergência das transportadoras low cost. A abordagem estratégica tradicional das designadas transportadoras aéreas de serviço regular (companhias “de bandeira” e outras de serviço completo) teve de se redimensionar e ajustar à emergência notória e agressiva de uma nova estirpe de companhias aéreas cujo serviço prestado se resume ao mero transporte do cliente do ponto A para o ponto B sendo qualquer serviço complementar categorizado como regalias ou “frills” e nesse âmbito cobrado separadamente com valores por vezes bastante inflacionados. Serviço de bordo, Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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check-in presencial e transporte de bagagem não estão incluídos na tarifa como acontece nas tradicionais companhias aéreas de serviço regular como a KLM, British Airways e TAP Portugal. Este novo modelo de funcionamento, num sector marcadamente transnacional, provocou a emergência de uma nova procura, composta quer por clientes que doutra forma não teriam capacidade financeira para viajar, quer por outros clientes sensíveis ao preço que não se importam de dispensar as ditas regalias em favor de uma economia de despesa. A forte competição obriga ao aumento da produtividade e rentabilidade, que não sendo potenciadas podem inclusivamente comprometer a sobrevivência da companhia. Torna‑se necessário maximizar o coeficiente de ocupação também designado “load factor” das aeronaves, uma vez que todo o assento num avião que não é vendido constitui receita perdida para sempre, dado o carácter de inseparabilidade do serviço. Essa inseparabilidade traduz a obrigatória simultaneidade entre produção e consumo característica de qualquer prestação de serviço, o que impossibilita por outro lado o seu armazenamento. Esta característica realça a importância do equilíbrio entre a oferta e a procura. Na procura desse equilíbrio utilizam-se técnicas reguladoras como o overbooking, quando a procura é superior à oferta, para reduzir o impacto dos no-shows. No caso oposto em que a oferta supera a procura, o custo inerente a uma capacidade instalada exagerada obriga a redimensionar essa capacidade permanente, recorrendo se necessário, a contratações ou alugueres pontuais em picos de procura. Para além das estratégias particulares de cada companhia é impensável descurar a evolução no sentido da globalização. Essa globalização induziu a formação de alianças entre companhias aéreas com vista à melhoria da rentabilidade e capacidade de sobrevivência dos seus membros. A TAP Portugal integra desde 2005 a Star Alliance, que é a maior aliança actualmente existente, composta por 21 companhias aéreas associadas e outras quatro candidatas. Uma aliança conjuga as sinergias dos seus membros na expansão da sua rede para um alcance planetário. Os membros por sua vez beneficiam desse alcance alargado para a sua prestação e consequente acréscimo de clientes, utilizam recursos comuns com a inerente poupança de custos, e coordenam escalas mais expeditamente, sendo o esforço exigido a cada membro muito menor do que o requerido em situação de operação isolada. Materializa-se desta forma um dualismo simbiótico que concomitantemente aumenta a conveniência e comodidade do passageiro. O serviço de transporte aéreo, sendo intangível e efémero, é experienciado enquanto resultado de um acto ou desempenho. O seu grau de intangibilidade é bastante elevado, não sendo porém um serviço puro pelos restantes serviços tangíveis que o complementam, como a alimentação, o entretenimento e até o conforto do avião. O desempenho global dessa prestação é que irá ser avaliado 192
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pelo cliente. Também o envolvimento do cliente neste processo produtivo é parte importante no sucesso do seu desempenho. No âmbito do transporte aéreo tem havido um envolvimento cada vez maior do cliente no processo produtivo. O desenvolvimento das novas tecnologias em muito contribuiu para esta evolução. É hoje comum reservar e pagar os bilhetes de avião via internet anulando a necessidade de deslocação a um balcão. O ckeck-in presencial está cada vez mais a ser transferido para o canal internet. Desta forma o maior envolvimento do cliente no serviço confere-lhe por inerência um papel mais activo e qualquer orientação estratégica para posicionar a companhia aérea deve ser por isso feita na perspectiva do cliente, uma vez que é este que vai ditar o seu posicionamento. Actualmente cada companhia aérea procura servir não apenas um único grupo de clientes, mas dividem o mercado em vários grupos ou segmentos com características, necessidades e perfis de consumo semelhantes, para os quais criam produtos distintos. Esta estratégia revela-se bastante competitiva se os produtos desenvolvidos forem os mais adequados para cada segmento alvo, o que se confirma pela sua aceitação. Tem de se ter também especial atenção aos “halo-costumers”, que são clientes situados nas franjas ou periferia do segmento alvo e que podem considerar a oferta atraente contribuindo para o sucesso do produto. A empresa deve então concentrar os seus esforços no segmento de mercado onde se inserem os seus potenciais clientes, ou seja, aqueles que terá capacidade para satisfazer melhor. A segmentação do mercado permite-lhe focar-se num grupo de consumidores com necessidades específicas e perfis semelhantes, que terão tendência a percepcionar e reagir de modo semelhante uma determinada estratégia de Marketing. A melhor abordagem consiste em oferecer o maior valor possível ao cliente pois este está continuamente atento e disposto a optar pela oferta do mercado que lhe ofereça a melhor relação custo/benefício. A melhor estratégia que uma transportadora pode aplicar é a que aposta na diferenciação da sua oferta relativamente à da concorrência. A TAP Portugal consciente da necessidade de uma abordagem eficaz do mercado, cuja envolvente é complexa e altamente mutável, reformulou em 2008 a sua oferta diferenciando-a em cinco produtos distintos, direccionando quatro deles para a classe económica e um para a executiva. A cada produto atribuiu uma proposta de valor com a respectiva correspondência no preço e direccionada para os seus segmentos alvo entretanto identificados. Nessa estratégia não só aperfeiçoou o investimento de grande retorno no segmento Business com a disponibilização de um serviço de nível high class, como reservou o seu produto mais básico para a competição no baixo custo, com o fim de restringir a penetração das low cost no seu mercado procurando a máxima rentabilização dos seus voos. Este produto de carácter promocional Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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não está permanentemente disponível, emergindo em função da necessidade de impulsionar novos destinos e regular a procura. O referido produto tem a designação apelativa “tap|discount” e resumese ao serviço mínimo que a companhia pretende oferecer aos seus clientes cuja mais-valia relativa ao serviço low cost puro se faz pela inclusão de entretenimento de bordo (exeptuando a leitura), serviço de refeições, contabilização parcial de milhas voadas para os passageiros frequentes e a habitual franquia de bagagem. O problema da rentabilização dos seus voos é desta forma perspectivado e colmatado através da maximização do coeficiente de ocupação.
2. Objectivos Na perspectiva de avaliar a adequação do produto tap|discount aos objectivos que se propõe atingir, desenvolveu-se uma abordagem qualitativa com o objectivo de recolher informação que acrescente valor ao nível da identificação das necessidades e perfis dos clientes que optam ou poderão futuramente optar por este produto, nomeadamente o segmento jovem, considerado estratégico para a TAP neste contexto. Analisou-se a abordagem estratégica da empresa ao mercado e o seu marketing-mix, reflectindo particularmente sobre o produto tap|discount enquanto elemento estratégico de penetração no segmento de baixo custo. Esmiuçando este objectivo generalista procurou-se apurar elementos mais específicos como a notoriedade da companhia aérea no seio de uma amostra da Comunidade Europeia, factores valorizados pelos diversos clientes bem como as suas necessidades e desejos e o grau de fidelização por parte dos clientes nacionais.
3. Hipóteses Equacionaram-se duas hipóteses que ao invés de serem avaliadas se pretenderam validar através da elaboração de um Plano de Acções de Marketing sustentado nos vários resultados empíricos deste estudo. Com a sua formulação pretendeu-se contribuir para a resolução do problema subjacente à existência do produto tap|discount. Assim sendo, temos como hipóteses: H1: A TAP Portugal melhora a estratégia concorrencial aplicada ao segmento do baixo custo, intensificando a diferenciação e captação/retenção de novos clientes. H2: O produto dirigido ao baixo custo pode constituir uma plataforma inovadora para captar novos clientes. Como se concluirá mais à frente, as características particulares de 194
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flexibilidade e preço mínimo deste produto adequam-se melhor à inovação e diferenciação necessárias para a captação de uma nova procura.
4. Metodologia A investigação qualitativa foi a metodologia empregue neste estudo que para o efeito se socorreu das três técnicas possíveis de recolha de dados: inquérito, tanto através de questionário como de entrevista, observação directa e análise documental. A investigação iniciou-se com uma primeira entrevista ao Presidente Executivo da empresa (CEO), o que permitiu obter uma visão global de alto nível da companhia aérea e do Grupo onde está inserida, bem como estratégias actuais e futuras. Identificaram-se problemas internos e pontos fortes assim como o relacionamento com o sector. Com o objectivo de aprofundar e detalhar os pontos mais relevantes, foram conduzidas mais duas entrevistas presenciais com o responsável de Marketing Comunicação e Imagem, coadjuvado pelo responsável do Marketing Estratégico. Simultaneamente, foi divulgado por vários gestores de 1ª linha, um questionário orientado para a informação cujas respostas foram completadas de forma detalhada pelos inquiridos com melhor capacidade contributiva. Foi executado um inquérito por questionário a uma população alvo de 80 indivíduos, dos quais se extraiu uma amostra de 63 participações válidas, repartidas por três painéis distintos. Dada a aplicação de diferentes técnicas de amostragem (não aleatória por conveniência e aleatória estratificada) a amostra foi dividida em três painéis distintos aos quais foram entregues três modelos diferentes de questionário adaptados às características e capacidade contributiva de cada painel ou estrato etário. Um painel agregou 13 participantes naturais e residentes noutros países da Europa Comunitária, recrutados no âmbito de uma acção de formação no Eurocontrol. Um segundo painel aglutinou 16 jovens estudantes desde o 9º ano do ensino básico até ao nível universitário e um último painel foi constituído por 34 adultos no exercício de actividade profissional. A totalidade dos inquiridos foi sujeito a uma filtragem prévia que excluía aqueles em cujo agregado familiar houvesse um colaborador de uma companhia aérea ou que não tivessem tido experiência de voo nos três últimos anos. Desta forma procurou-se assegurar isenção e validade nas participações. Utilizou-se esta amostra para tentar identificar uma série de objectivos Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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específicos como sejam as necessidades e desejos dos consumidores constituintes da amostra, a notoriedade da companhia relativamente à concorrência, os factores mais valorizados na prestação do serviço e o grau de fidelização à empresa (real e potencial).
A metodologia recorreu a outras ferramentas de análise como seja a análise documental dos Relatórios de Contas e de Sustentabilidade dos últimos dois anos, e de estatísticas da Star Alliance para a TAP Portugal. Para complementar o diagnóstico necessário recolheram-se evidências da observação directa em voos intra-europeus da companhia aérea e prospectou-se o mercado por simulação para comparação das várias ofertas disponibilizadas pela concorrência directa, transportadoras low cost e operadores web-based.
5. Resultados do estudo 5.1. Resultado do inquérito por questionário Os dados primários recolhidos através dos três modelos de questionários entregues foram trabalhados da seguinte forma: A auscultação pretendia que os inquiridos indicassem por ordem crescente de preferência (valores entre 1 e 9) as transportadoras aéreas cujo serviço em termos globais mais apreciavam dentro das mencionadas no questionário. O objectivo era identificar e ordenar num ranking a preferência pelo tipo de serviço global oferecido. De igual modo se tentou apurar quais os factores decisórios ou prioritários na escolha duma companhia aérea. Não há desta forma cabimento para um tratamento estatístico com base na média amostral, pois apenas interessa contabilizar os valores expressos no intervalo de preferência. A média 196
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calculada é pois uma média das preferências ou seja relativamente aos valores efectivamente expressos para cada companhia ou para cada factor em apreciação. Por ser de leitura inversamente proporcional em que o menor valor corresponde à maior preferência, com o intuito de facilitar uma resposta menos dúbia, houve necessidade de aquando do estabelecimento do ordenamento decorrente, calcular o seu inverso e só então valorizá-lo percentualmente. Tomemos como exemplo o painel comunitário. As preferências manifestadas vão muitas vezes para as suas transportadoras de bandeira mas quando instados a classificar um conjunto pré-definido de transportadoras dão primazia à KLM e British Airways, relegando a TAP Portugal para a sexta posição pela sua fraca notoriedade nos países de origem.
Já os factores críticos na escolha de uma transportadora aérea têm uma valorização diferente consoante ela seja low cost ou regular. No baixo custo a prevalência vai para o preço seguida dos voos directos, enquanto no serviço regular o preço é o menos relevante dos factores, privilegiando-se antes elementos de conveniência como a localização dos aeroportos, voos directos e horários. A análise consolidada dos resultados do inquérito por questionário efectuado, reforçaram a opinião generalizada de elevada sensibilidade ao preço progressivamente diluído por força das estratégias competitivas no sector, dando lugar a uma nova valorização do serviço de bordo e regalias associadas incluídas no preço. O segmento jovem, embora com uma menor experiência de utilização deste meio de transporte, é opinativo e usufrui hoje de autonomia e oportunidades superiores à geração parental, ostentando uma postura mais crítica e sugestiva. Concluímos sem surpresa que a conveniência, rapidez e eficácia são factores críticos de sucesso numa sociedade onde o factor tempo é cada vez mais valorizado e até contabilizado. O cliente privilegia a pontualidade, os aeroportos centrais e Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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os voos directos ou com ligações expeditas e pouco demoradas. A sensibilidade a estes factores encontra-se já bastante apurada no segmento jovem. Relativamente à oferta direccionada para o baixo custo sobressaíram as seguintes conclusões: De uma forma geral, os clientes estão satisfeitos quer com as companhias regulares quer com as low cost, mas ajustam as suas expectativas ao serviço esperado de cada uma delas. Assim quando instados a sugerir melhorias, pretendem que as transportadoras low cost se aproximem do nível de serviço das companhias regulares e que estas pratiquem o mesmo nível de serviço com preços mais baixos, ou aumentem a qualidade do seu serviço, mantendo o preço. O nível de exigência da qualidade do serviço aumenta nas companhias regulares comparativamente às low cost e a tolerância a falhas diminui em virtude da maior expectativa quanto ao desempenho nomeadamente em relação ao factor pontualidade. A sensibilidade ao preço é dominante na opção pelo serviço low cost enquanto no serviço regular se valoriza predominantemente a qualidade do serviço prestado e alguns aspectos diferenciadores que justifiquem psicologicamente o pagamento de um preço superior. Assim se explica o investimento que transportadoras como a TAP fazem concomitantemente no seu segmento mais elevado. Constatou-se que os clientes nacionais têm uma manifesta preferência pelas nossas transportadoras relativamente às concorrentes, com a preferência dos habitantes do arquipélago dos Açores a recair na SATA por razões históricas. No entanto, a recomendação da TAP Portugal é unânime entre os clientes nacionais, sublinhada pelo elevado grau de fidelização à companhia. Comparativamente, os clientes estrangeiros têm uma maior facilidade em manifestar insatisfação quando não lhes é prestada a atenção requerida, valorizando a pronta e eficaz actuação dos prestadores de serviços. Foi notória a preferência por outras transportadoras aéreas europeias de serviço regular, quer pela fraca notoriedade da TAP na Europa Central quer pela comparação desfavorável relativamente ao atendimento do passageiro. Contudo, na sequência do acompanhamento da diáspora portuguesa característico da transportadora nacional, em países como o Luxemburgo, França, Alemanha e Suíça, com forte tradição de emigração portuguesa, é agradavelmente reconhecida a presença da companhia. Resumindo, confirmou-se no âmbito do baixo custo a sensibilidade ao preço como factor determinante e primordial de preferência. É secundado pela conveniência dos horários e voos directos, sendo o serviço de refeições, o menos prioritário nas preferências dos clientes.
5.2. Resultados da observação directa Na observação directa do serviço prestado nas viagens efectuadas na transportadora no último ano, constatou-se uma melhoria no entretenimento de 198
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bordo do médio curso com um novo conceito de televisão Taptv, agora melhorado com uma janela de tradução para linguagem gestual e com uma programação que enfatiza a divulgação das principais cidades portuguesas e seus eventos culturais. A postura do pessoal de bordo apesar de profissional é por vezes distante e altiva, apontada por vários clientes estrangeiros como menos proficiente no atendimento ao passageiro particularmente em comparação com outras transportadoras europeias. Será porventura um aspecto a ser considerado e melhorado na formação de rotina do pessoal navegante de cabine, uma vez que o serviço de bordo experienciado, na vertente da atenção prestada ao passageiro foi também alvo de alguns comentários desaprovadores no seio do painel Comunitário. Relativamente à comunicação entre cabine/cockpit e passageiro, observa-se que o procedimento está desarmonizado e dependente da tripulação, podendo oscilar entre a total ausência, deixando os procedimentos informativos para o chefe de cabine, ou primar pelo que se considera ser o modo mais agradável para o passageiro, que se traduz pela saudação inicial e despedida final, complementadas com uma breve comunicação a meio da viagem sobre condições meteorológicas e outras informações úteis relativas ao destino. Julga-se que uma harmonização desta comunicação entre cockpit e passageiros, com a adopção da segunda modalidade, favorecerá a sua percepção de segurança, atenção e acompanhamento efectivo, com impacto positivo no domínio cognitivo. Aspectos tangíveis relacionados com a limpeza, alimentação e restante serviço de bordo não oferecem diferenças substanciais das outras companhias de rede, líderes de mercado. Outros factores como a pontualidade e as operações de check-in presencial e embarque foram também classificados positivamente.
5.3. Resultados da pesquisa por prospecção do mercado Da pesquisa por simulação para vários destinos europeus verificou-se que a TAP Portugal oferece com frequência um bom compromisso entre conveniência e preço. Os voos para as capitais europeias são directos, para aeroportos centrais e com horários bem geridos. O preço, mais próximo do praticado pelas low cost do que pela concorrência directa, facilita a escolha da transportadora. O facto de ter o seu hub em Lisboa é decisivo para esta vantagem concorrencial nos voos intra-comunitários, pelo que não é fácil encontrar uma alternativa simultâneamente mais equilibrada e compensadora. O nível de frequências diárias e o número de destinos pode ser ainda melhorado, mas a transportadora já orientou a sua estratégia nesse sentido, tendo vindo a alargar a sua oferta progressivamente.
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6. Conclusões Com a evolução das tecnologias de comunicação e a massificação do acesso à internet, os serviços possíveis de transferir para este meio como sejam as reservas e o check-in, têm vindo a ser gradualmente baldeados para a esfera de actuação e responsabilidade do cliente. A aposta forte no canal web também está a ser trabalhada pela TAP Portugal como oportunidade estratégica ao nível da distribuição e marketing. O produto tap|discount já tem o seu preço reduzido ao mínimo possível pelo que a sua estratégia de penetração se deve apoiar na orientação para universos receptivos, através de campanhas inovadoras e bem estruturadas. Não está disponível informação detalhada sobre o perfil dos clientes nomeadamente do segmento de baixo custo. Esta informação bem como, perfis de consumo e levantamento de necessidades, são mecanismos que devem ser utilizados no sentido de conhecer melhor os destinatários do produto. É nessa perspectiva que o investimento em estudos de mercado traduz uma vantagem competitiva através da identificação dos factores críticos de sucesso. Estes factores são as variáveis mais importantes na diferenciação da concorrência, por serem as que produzem maior valor para os clientes da companhia aérea. Serão os aspectos que mais benefíciarão o cliente e que, naturalmente, ele mais valorizará. Importa então identificar todas as atitudes, métodos e acções da companhia eficazes na captação de clientes desviando-os da concorrência. Em resposta às hipóteses formuladas no início deste estudo, que consideram este produto com potencial para constituir uma plataforma inovadora para atrair e reter de clientes, cuja micro-segmentação melhoraria a estratégia concorrencial aplicada ao segmento do baixo custo, constatou-se que: • o produto tap|discount, para além do seu preço bastante competitivo, está bem dimensionado em termos de regalias (frills) associadas; • é um produto com argumentos convincentes relativamente às low cost; • as suas campanhas promocionais não estão presentes em permanência e são accionadas pontualmente conforme o interesse da companhia. • a estratégia adoptada condiciona frequentemente as campanhas a épocas especiais e destinos a promover. Estas começam agora a dirigir-se a nichos específicos de mercado como foi o caso dos surfistas na campanha do passado mês de Maio, mas tendencialmente são de largo espectro. Sendo a TAP Portugal uma transportadora com coeficientes de ocupação que se situam abaixo das suas concorrentes mais directas, deverá explorar mais a oportunidade de melhoria deste índice através da diversificação dos segmentos e nichos de mercado a captar e da optimização da janela temporal de oferta deste produto. Dentro dos segmentos a captar/reter recomenda-se a aposta nos segmentos sénior, jovem, e feminino independente, por serem segmentos com elevada disponibilidade psicológica e temporal para viajar em períodos baixos, desde 200
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que devidamente seduzidos. A aposta no segmento jovem é uma aposta de futuro em que a capacidade de retorno do investimento tem uma janela temporal dilatada. Se ainda considerarmos que tendencialmente há alguma inércia para quebrar um relacionamento de fidelidade e que o investimento necessário para reter um cliente é inferior à captação de um novo, rapidamente se conclui ser uma iniciativa vantajosa. Verifica-se ainda que a actuação tem sido reactiva, como no caso da rota Lisboa‑Funchal para fazer face à penetração da low cost Easyjet, mas a adopção de uma postura mais pró‑activa pode evitar a penetração de novos concorrentes na exploração conjunta de uma oportunidade latente. Com a intenção de cativar mais clientes não apenas para o produto tap|discount mas para o espectro total da oferta, deve ser explorada a oportunidade que constitui a criação de serviços que preencham lacunas existentes (informação) ou latentes (flexibilidade) nas necessidades desses clientes. A facilitação de reserva de outros serviços (alojamento, transporte terrestre, excursões, restauração, espectáculos), em coordenação com o plano de viagem e em parceria, pode satisfazer notoriamente a conveniência do cliente que beneficia de uma viagem descontraída e isenta de contratempos nas reservas dos restantes serviços que necessita. As campanhas a idealizar para atrair novos clientes devem estar direccionadas e desenhadas de tal forma que estes nelas reconheçam a motivação que necessitam para concretizar a viagem. A prospecção de outras alternativas disponíveis, quer recorrendo directamente às companhias aéreas, quer via operadores turísticos web-based não é desfavorável para a TAP Portugal, que consegue, na generalidade, praticar horários e preços bastante atractivos. Esta optimização de preços não é alheia ao extremo cuidado e investimento que a TAP dedica a um sector crítico e estratégico como é o da gestão de receita ou yeld management. Actualmente não há grande capacidade de inovação no serviço base de transporte aéreo nem sequer nos serviços complementares prestados. Contudo a vertente comercial cada vez mais transposta para o âmbito de actuação do cliente, pela transferência das vendas para o canal internet, pode ser alvo de inovação através de produtos que estimulem psicologicamente o cliente a contribuir pessoalmente para o aumento das vendas. Resta ainda a actuação inovadora na esfera dos serviços suplementares que podem ser disponibilizados anterior e posteriormente ao serviço base, contribuindo para a facilitação e incremento da comodidade no processo global da viagem.
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IMPORTÂNCIA DAS ASSOCIAÇÕES À MARCA NA CONSTRUÇÃO DO CAPITAL DA MARCA Paula Cristina Lopes Rodrigues Doutora em Ciências Empresariais (Faculdade de Economia do Porto) Professora da Universidade Lusíada
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Resumo: As associações à marca são o principal responsável pela criação das imagens na mente do consumidor: imagem da marca e imagem da loja. A imagem da marca pode ser entendida como a percepção acerca da marca reflectida pelas associações contidas na memória do consumidor. A imagem da loja pode ser vista como a impressão total da loja percebida pelo consumidor. Assim, a imagem da marca e a imagem da loja são dois constructos perceptuais inter-relacionados e que influenciam a criação do capital da marca na mente dos consumidores. Neste trabalho é apresentado um modelo conceptual que explica estas relações. Recolheu-se informação sobre a percepção dos consumidores de cinco marcas de vestuário de ganga com lojas próprias, utilizando escalas para os três constructos considerados. Estimou-se o modelo seguindo a metodologia das equações estruturais. Conclui-se que a imagem da marca e a imagem da loja estão inter-relacionadas e ambas contribuem para a formação do capital de marca na mente dos consumidores. Palavras-chave: associações à marca, imagem de marca, imagem da loja, capital de marca.
Abstract: Brand associations are primarily responsible for creating the images in the mind of the consumer: brand image and store image. Brand image can be understood as the perception of the brand reflected by the associations contained in the memory of the consumer. The image of the store can be seen as the overall impression of the store as perceived by the consumer. Thus, the brand image and the store image are two perceptual constructs interrelated and influencing the creation of brand equity in the minds of consumers. This paper presents a conceptual model that explains these relationships. Data was collected on consumers’ perception of five brands of denim clothing with its own stores, using scales for the three constructs considered. Estimated the model following the methodology of structural equations. Concluded that the brand image and store image are interrelated and both contribute to the formation of brand equity in the minds of consumers. Key-words: Brand associations, brand image, store image, brand equity. Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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1. Introdução As associações à marca são um constructo perceptual da marca que comporta todas as ligações que os consumidores têm das mesmas. As associações podem assumir diversas formas, isto é, podem ser divididas em outras multi-dimensões, que vão depender de vários factores, nomeadamente, do grau de envolvimento do consumidor com a marca e da própria categoria do produto. No âmbito deste trabalho, as associações vão decompor-se em imagem da marca, e a imagem da loja, no sentido de explicar o capital da marca na mente dos consumidores.
2. Das Associações à Marca às Imagem da Marca e da Loja Um conceito importante que resultou das teorias da psicologia cognitiva, para a análise do comportamento do consumidor, é o conceito de associações à marca. Este conceito é o principal responsável pela criação da imagem da marca na mente dos consumidores. Assim, pode-se considerar que o conceito de associações à marca está directamente ligado à imagem da marca. Por sua vez, a imagem da marca pode ser definida como a percepção acerca da marca reflectida pelas associações contidas na memória do consumidor. Segundo Aaker (1996), as associações que os consumidores fazem a partir dos estímulos da marca é algo associado à memória da marca. Considerando o modelo de network associativo, as associações à marca são todos os nós de informação que ligam o nó da marca, à memória do consumidor e contém o significado da marca em vários modelos de representação. Isto é, uma associação à marca é um efeito dum nó ligado à marca. Como disse Keller (1993, p 3), “as associações à marca são os outros nós de informação ligados ao nó da marca na memória e que contém o significado da marca para o consumidor”. Desta forma, pode-se ligar o conceito de associações à marca ao conceito de imagem de marca. Segundo o autor, a imagem de uma marca é aquela que é detida pelo consumidor. É definida como as percepções possuídas sobre a marca e reflectidas pelas associações detidas na memória do indivíduo. Keller (1993) sugere que o impacto da imagem da marca sobre as percepções do consumidor explica-se pelas três propriedades que as associações devem Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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evocar: força, validade e carácter único. A força das associações mede a intensidade das ligações que o sujeito estabelece na memória entre a marca e as diferenças cognitivas que possui. Esta dimensão depende da quantidade de informação guardada na memória e da intensidade do processo de descodificação. A validade exprime o carácter favorável à marca das associações formadas. Essas associações podem ser percebidas como positivas, negativas ou neutras. O carácter único significa que uma marca possui certos traços de imagem que não partilha com mais nenhuma outra marca (Broniarczyk e Alba, 1994). As associações evocadas pela marca devem ser coerentes entre elas e pertinentes. Para criar o capital de marca, segundo Keller (2001) é importante que a marca tenha associações fortes, favoráveis e únicas, exactamente nesta ordem. A força das associações à marca pode estar correlacionada com a quantidade e a qualidade do processo cognitivo do consumidor. Quanto mais elaborado for esse processo, mais o consumidor se lembrará dele. Existem várias formas de classificar as associações. Estas classificações têm como objectivo clarificar o conceito e fazer com que ele capte o carácter multidimensional que lhe é subjacente. Aaker (1991) organizou as associações à marca em quatro categorias - a marca como um produto, a marca como uma organização, a marca como uma pessoa e a marca como um símbolo. Keller (1993) classificou as associações à marca em três categorias, de acordo com o nível de abstracção - atributos, benefícios e atitudes – indo da menos para a mais abstracta. Para Keller (1993, 1998), as atitudes agregam todas as associações que os consumidores contêm na memória. Korchia (2001) demonstrou que as associações podem ser classificadas em quinze categorias diferentes: a empresa, outras organizações, a personalidade da marca, celebridades e eventos associados, os utilizadores, a utilização e as experiências pessoais, a categoria dos produtos, o preço, a comunicação, a distribuição, os atributos ligados ao produto, os benefícios funcionais, os benefícios experimentais, os benefícios simbólicos e as atitudes. Contudo, o autor não faz nenhuma referência ao grau de importância de cada categoria, limitandose a considerar que a classificação das associações de Aaker (1991) e Keller (1993) são pobres, isto é, as onze categorias de Aaker (1991) e as nove categorias de Keller (1993), não são suficientes, segundo o autor, para abarcar a complexidade do conceito. À medida que o número de concorrentes aumenta, torna-se mais difícil distinguir um único conjunto de associações. Segundo Pitta e Katsanis (1995), dado que as associações específicas que um consumidor tem dependem de valores pessoais e de situações individuais de compra, os gestores devem aprender que associações são essas e como é que elas operam. Para Ouwersloot e Tudorica (2001), as associações da marca contida na mente dos consumidores reflectem as percepções acerca da marca e o significado que a marca tem para os consumidores. Hsieh (2004), sublinha que as associações à marca são fundamentais para perceber o capital de marca. 210
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Para Chen (2001), comparada com as outras três dimensões do capital de marca de Aaker (1991, 1996) – notoriedade da marca, lealdade da marca e qualidade percebida – as associações à marca devem ser a dimensão principal para construir um forte capital de marca. Por outro lado, a forma como as associações à marca criam valor para o consumidor, vai depender da percepção de valor que o consumidor tem sobre a marca. Os consumidores respondem todos os dias a imagens, mitos e metáforas que os ajudam a definir a sua própria identidade. Logo, subjacente ao valor que o nome de uma marca oferece está todo um conjunto de associações que tem significado para o consumidor. Segundo Keller (1999), o coração das associações à marca pode ser de atributos ou benefícios tangíveis ou intangíveis, experiências ou imagens – qualquer coisa que possa ser guardada na memória e quando ligada à marca, reflicta o seu posicionamento, na mente do consumidor. A escolha da marca permite que a imagem da marca influencie a interpretação dos atributos individuais e a interpretação de outras componentes da marca, no conjunto em consideração. Os atributos da marca são interpretados de forma diferente, dado a imagem que associem à marca. Isto implica que as marcas sejam similares em termos de atributos do produto e que seja a sua imagem a criar diferenças percebidas entre marcas concorrentes, ao alterar a qualidade percebida da marca. No modelo conceptual de Keller (1993), as associações à marca são uma das componentes do capital de marca, que traduzem benefícios funcionais e experimentais, de um indivíduo consumir um determinado produto. A imagem de marca pode ser entendida através das propriedades extrínsecas do produto, incluindo a forma como a marca responde às necessidades sociais ou psicológicas dos consumidores. Pode ser vista como a forma dos indivíduos pensarem de forma abstracta, isto é, mais no sentido do pensamento, do que no sentido exacto do que a marca acrescenta ao indivíduo. Simplificando, as imagens dizem respeito aos aspectos mais intangíveis da marca. Segundo Low e Lamb (2000), uma questão importante que não foi empiricamente examinada é saber se as associações à marca são uma construção unidimensional ou multidimensional da imagem da marca. Segundo estes autores, Aaker (1991) define as associações à marca como algo que liga a marca à memória. Contudo, existem três constructos relacionados, por definição, que ligam a marca à memória e que estão conceptualmente pesquisados e empiricamente medidos: a imagem de marca, a atitude da marca e a qualidade percebida. Low e Lamb (2000) conceptualizaram a imagem da marca (percepção funcional e simbólica), atitude da marca (avaliação total da marca) e a qualidade percebida (julgamento da superioridade total) como dimensões possíveis das associações à marca. Tendo em conta, a pirâmide de conhecimento da marca proposta por Keller (2003), o segundo patamar da pirâmide, traduz uma imagem funcional da marca que pode ser explicada pelas atitudes dos consumidores e uma imagem emocional que pode ser explicada pela personalidade da marca. Desta forma, o conceito da imagem da marca é considerado um constructo multidimensional de Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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associações, composto pelas atitudes e pela personalidade da marca. Figura 1 – Pirâmide de Conhecimento da Marca, de Keller (2003)
ADAPTADO: Keller, Kevin Lane (2003), “Brand Synthesis: The Multidimensionality of Brand Knowledge”, Journal of Consumer Research, Vol. 29, Nº 4, pp. 595-601.
Keller (1993, 1998) e Aaker (1991) colocam como hipótese que a percepção do consumidor sobre a imagem da marca é multidimensional, e muitas das dimensões que eles identificam parecem similares. Contudo, as suas conceptualizações, das representações psicológicas dos consumidores sobre a marca, não foram sujeitas a validações empíricas. Consequentemente, é difícil determinar se as várias dimensões que eles discutem, tais como as atitudes face à marca e a qualidade percebida, são dimensões separadas das associações à marca (multidimensional) ou simplesmente indicadores das associações à marca (unidimensional). Para Aaker (1991, 1996), as associações da marca estão na base do fenómeno da imagem da marca, no sentido de que “a imagem da marca é um conjunto de associações, normalmente organizadas de forma significativa” (Aaker, 1991, p. 109). Segundo Keller (1993, p. 2), “é o conjunto de associações vinculadas à marca que os consumidores conservam na memória” que se traduz na imagem da marca. Ruão (2003) defende que as associações que levam a que um consumidor crie uma imagem da marca, representam percepções que podem reflectir uma realidade que não é objectiva, mas influenciam o comportamento do consumidor. Para Na et. al. (1999), o que se tem tornado claro, recentemente, é que a imagem não pode ser assegurada apenas pela medida dos atributos, mas deve incluir medidas das percepções dos consumidores do valor e dos benefícios de usar uma marca – o 212
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que num conjunto mais abstracto implica medidas atitudinais típicas (Aaker, 1991; Arnold, 1992; Keller, 1993; Kirmani e Zeithaml, 1993; Park et. al., 1986). Os factores antecedentes da imagem da marca devem aparecer de acordo com níveis de abstracção que derivem de dados de atributos concretos, a dados mais perceptivos de benefícios e valores. Zeithaml et. al. (1993) sugere que esses factores devem interagir entre eles. As percepções, que levam à formulação de uma imagem distintiva na mente dos consumidores, devem ser recolhidas de uma variedade de fontes, extrínsecas e intrínsecas do produto específico. Isto é uma hipótese típica da teoria associativa dos modelos de network (Arnold, 1992; Biel, 1993; Keller, 1993). Assim, as associações podem agrupar o conjunto de percepções que acrescentam capital a uma marca, na mente dos consumidores. Para Villarejo-Ramos e Sánchez-Franco (2005) as associações ligadas à marca são a imagem mental que os consumidores percebem depois de reconhecerem a marca nas mensagens transmitidas pelas empresas. Segundo estes autores, deve ser assumida uma ligação entre as diferentes associações à marca que formam a imagem. As associações da marca que formam a imagem estão relacionadas com uma série de atributos tangíveis e intangíveis associados com a marca, que condicionam uma atitude favorável para escolher a marca. O primeiro método de classificar as componentes da imagem da marca é o seu grau de abstracção. Assim, Biel (1992) atribui dois níveis de abstracção à imagem da marca. Um primeiro nível, muito concreto, reagrupa as percepções que levam o consumidor a fixar as características do produto e os benefícios funcionais que retira da sua utilização. Um segundo nível, de natureza mais abstracta, tem em conta as reacções afectivas e emocionais evocadas pela marca. Keller (1993) identifica três grupos de abstracção no conceito da imagem da marca. O primeiro associado aos atributos intrínsecos ou extrínsecos do produto. O segundo considera os benefícios funcionais ou de utilização ou o carácter simbólico que o consumidor retira do consumo ou utilização do produto e, o terceiro, reúne os elementos de avaliação, cognitivos ou afectivos, sob os quais o sujeito elabora uma atitude perante a marca. O segundo método classifica a imagem da marca segundo a natureza das associações que formam a imagem da marca. Neste espírito, Biel (1992) distingue três dimensões construtivas da imagem da marca: a imagem do produto, a representação do utilizador típico do produto e a percepção do produto. Aaker (1991), por sua vez, define dez componentes da imagem da marca: as características tangíveis do produto, as propriedades intangíveis da oferta, os benefícios de utilização, o nível de preços relativos, a situação de utilização, o perfil do comprador, as figuras públicas que usam a marca, a personalidade da marca, a percepção da categoria do produto, a avaliação das marcas concorrentes e a imagem do país de origem. Tudo isto reforça a ideia de que a imagem da marca, que deriva das associações à marca, é um constructo multidimensional, que agrega as percepções mais simbólicas da marca, na mente dos consumidores. Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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O problema ligado à imagem da marca acaba por ser o problema de se estudar o comportamento do consumidor, pois é neste que as associações à marca criam atitudes favoráveis ou desfavoráveis, face à marca oferecida pelas empresas. Analogamente, a imagem de marca não só é uma componente central, mas intrínseca ao que significa o capital de marca baseado no consumidor (Biel, 1993). Merece assim um status e uma importância separada, como um factor contributivo primário do capital de marca baseado no consumidor. No espírito de Keller (1993) e Biel (1992), a imagem da marca é conceptualizada sob a forma de associações perceptuais que contribuem para enriquecer o seu conteúdo semântico. Assim sendo, é difícil decidir se o que contribui para o capital de marca é a imagem da marca ou as associações à marca. O que se considerar como associações à marca é fundamental para explicar e medir o capital de marca com base no consumidor. Assim, as associações são tudo o que tenha um carácter mais simbólico e que liga o consumidor a uma marca. Pode-se desagregar em imagem da marca, personalidade da marca, atitude do consumidor face à marca e até mesmo em imagem da loja, principalmente se as marcas são vendidas em canais de distribuição próprios. Neste trabalho, as associações à marca contém a imagem da marca e a imagem da loja. Desta forma, estes dois constructos são fundamentais para a criação de um capital de marca na mente dos consumidores.
2.1 Imagem da Marca A temática da imagem da marca tem recebido cada vez mais atenção por parte dos investigadores e dos gestores. Itens como a visibilidade e a credibilidade colocam-se com força nos actuais ambientes de negócio, tornando mais relevantes as questões da identidade e da imagem. Isto é, as dimensões simbólicas das empresas e dos seus produtos assumem um papel da maior importância na relação das empresas com os consumidores. Para além disso, ultimamente tem-se renovado o interesse nos aspectos subjectivos e emotivos do consumo. É geralmente aceite que os produtos são muitas vezes comprados, ou não, tendo em conta não apenas as suas qualidades utilitárias e funcionais, mas os símbolos e as relações que têm com a estima individual do consumidor. Como resultado, alguns significados sociais e pessoais da imagem têm sido ligados às marcas. Hoje em dia, as empresas usam a marca para criar e comunicar a sua identidade, construindo a imagem que se projecta na cultura do consumo. A imagem da marca acaba por representar tudo o que um consumidor pode associar a uma marca. Considerando que a marca é um símbolo, então ela contém certas associações e imagens. Como vimos, são inúmeras as razões para se considerar a imagem da marca como fonte de criação de capital de marca. As imagens da marca ajudam 214
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o consumidor a guardar e processar informação. Providenciam uma base para a diferenciação e o posicionamento do produto. Envolvem os atributos do produto e os benefícios que dão aos consumidores, uma razão para comprar e usar a marca. A imagem da marca cria associações que produzem atitudes positivas e sentimentos que são transferidos para a marca. Para além disso, permite ser a base para a extensão de novos produtos, ao criarem um senso de ajustamento entre a marca e o produto, ou dando aos consumidores a razão para comprar o novo produto. Para Park et. al. (1986), a imagem de marca tem efeitos directos nas vendas e efeitos moderados na relação entre as estratégias do ciclo de vida do produto e as vendas. A imagem da marca não é simplesmente um fenómeno perceptual afectado unicamente pelas actividades de comunicação da empresa. É o entendimento pelos consumidores que deriva do conjunto total das actividades relacionadas com a marca desenvolvidas pela empresa. Inicialmente foi Levy (1959) quem ajudou a conceptualizar o conceito da imagem da marca. Ele sugere que os produtos têm atributos sociais e atributos psicológicos e, como tal, os consumidores desenvolvem ligações emocionais com a marca. Para Plummer (1985), o processo de formação de imagens inicia-se através da captação de atributos intrínsecos e extrínsecos, benefícios e consequências que se associam à marca. Existem diferentes pontos de vista e diferentes definições da imagem da marca. Essas diferenças residem, basicamente, no nível de abstracção em que a imagem é elaborada na mente dos consumidores. Para além disso, existem também diferentes teorias para a construção da imagem da marca. Algumas dessas teorias incluem apenas as associações relacionadas com o produto (Keller, 1998), enquanto outras consideram associações relacionadas com a empresa (Biel, 1993), ou com o país de origem, ou com a imagem do utilizador (Aaker, 1996). A importância da imagem da marca para o capital de marca tem sido discutida por vários autores. Doyle (1989) ressalta a importância da imagem da marca e das suas associações como o principal determinante do capital de marca. Dado a multiplicidade da conceptualização e da definição da imagem da marca, Poiesz (1989) sugere que a sua construção precisa conter três aspectos, a ligação dos significados guardados na memória, a equivalência teórica e operacional das atitudes e as impressões gerais/holísticas das percepções da posição relativa da marca no conjunto das marcas concorrentes. Segundo Ataman e Ülengin (2003), a percepção individual dos consumidores e a percepção da imagem da marca, nos modelos de congruência, têm uma forte influência no comportamento do consumidor. A imagem da marca, que normalmente inclui o nome do produto, é a característica principal da marca, e as suas principais funções são a chave para responder à questão de como os consumidores escolhem entre marcas alternativas, depois do processo de recolha de informação. A interpretação dos consumidores e a avaliação das marcas consumidas Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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publicamente são mais afectadas pela congruência entre a imagem da marca e a imagem ideal da marca, resultando na imagem pessoal do consumidor. A personalidade do consumidor e a personalidade da marca tende a fundir-se e a imagem da marca tem-se tornado numa expressão pessoal. Os consumidores tendem a comparar a sua imagem pessoal com a imagem do produto num estádio de pré-compra ou numa fase inicial do processo de decisão. Este tipo de comparação é conhecido como o processo de congruência entre a imagem pessoal e a do produto. Uma marca que se ajuste à imagem do “eu” individual tem uma maior probabilidade de ser escolhida. Os consumidores tentam preservar ou aumentar a sua imagem ao comprar determinados produtos considerados congruentes com a sua imagem pessoal e evitar a compra de outros produtos que não o sejam (Sirgy, 1982). Por esta razão, a imagem simbólica do produto é importante para o seu sucesso, para além das suas características físicas ou os seus atributos funcionais (Aaker, 1991). Back (2005) também é desta opinião ao afirmar que os consumidores preferem produtos com imagens congruentes com a sua própria imagem. Os consumidores consideram uma marca específica, se lhe conseguem associar um certo conjunto de atributos de personalidade e se esse atributos coincidem com a sua própria imagem. Se a imagem da marca é percebida como similar à imagem pessoal do consumidor, em termos de associações de personalidade, então os consumidores tendem a formar atitudes favoráveis acerca da marca (Sirgy, 1985). Este conceito do “eu”, ou imagem própria, pode ser visto, segundo Loudon e Bitta (1988), como o individual que é percebido pelo indivíduo e que determina na sociedade uma dada referência. As preferências por certas marcas podem ser actualmente desenvolvidas porque os consumidores as percebem como reflectindo a sua imagem pessoal. Isto é, algumas marcas serão desejadas porque os consumidores as vêem como projectando uma imagem, que presentemente podem não possuir, mas cujo objectivo é de possuir (Schiffman e Kanuk, 2000). É por isso que os gestores tentam criar imagens para as suas marcas, de forma as posicionar adequadamente. Para isso é necessário que os gestores tenham a capacidade de criar uma imagem de marca que seja similar (congruente) à imagem individual do consumidor alvo (Aaker e Biel, 1993; Kapferer, 1992). Segundo Peter e Olson, (1994) a imagem da marca consiste no conhecimento e crenças do consumidor, guardadas na memória, como as associações acerca dos atributos da marca e as consequências da sua utilização. Foxal e Goldsmith (1995) definem a imagem da marca como a representação mental que a marca evoca na mente dos consumidores em resposta à performance prévia da marca, ao estímulo do marketing e a outros estímulos sociais. Kapferer (1997) afirma que a imagem da marca está do lado do receptor, isto é, a imagem é um conceito de recepção. A imagem foca-se na forma como certos grupos percebem a marca, isto é, refere-se à maneira como os indivíduos descodificam todos os sinais que emergem da marca. Logo, ela será o que o receptor quer que ela seja. O autor associa a imagem da marca a um outro conceito 216
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desenvolvido no seu modelo de medição do capital da marca, que é o conceito da identidade da marca. Desta forma, a identidade é um conceito de emissão. Ambos os conceitos estão baseados na perspectiva holística da gestão da marca. Segundo Faircloth et. al. (2001), a imagem da marca é uma construção holística formada por todas as associações relacionadas com a marca, que para os autores, é diferente do conceito da atitude da marca, que é a avaliação total da marca feita pelo consumidor. Frequentemente confundida com a própria imagem da marca, a atitude da marca é conceptualmente, uma das várias associações usadas na formação da imagem da marca. Para estes autores, o capital de marca pode sofrer alterações ao providenciar associações específicas ou sinais aos consumidores que resultem em imagens e atitudes. Para Ruão (2003), imagem da marca corresponde a todo o processo de interacção entre a marca e os seus públicos. Esta autora segue também uma perspectiva holística para a gestão da marca. Dessa interacção resulta a percepção do consumidor, na base da qual estará a maior ou menor predisposição para atribuir à marca um valor elevado no mercado. Seguindo esta ideia, Ballantyne et. al. (2006), definem a imagem da marca como referindo-se à percepção dos consumidores sobre a marca. De acordo com Aaker e Joachimsthaler (2000) deve-se considerar a imagem da marca como uma construção táctica, isto é, um elemento que origina resultados de curto prazo e que pode ser deixada a especialistas de publicidade, enquanto que o capital de marca deve ser visto como um activo de longo prazo em que se baseiam as vantagens competitivas da empresa. Desta forma, a dimensão da imagem da marca por si só pode não ser suficiente para explicar a criação do capital de marca na mente dos consumidores. O essencial da imagem da marca deve sair da memória dos consumidores e das suas experiências com a marca ou com a comunicação acerca da marca. Quando se conceptualiza a imagem da marca, deve-se examinar a sua construção na perspectiva do consumidor, em termos das conotações actuais evocadas. A imagem da marca faz referência a um significado ou impressão holística da marca, que põe em manifesto o conjunto de associações ou representações mentais que o indivíduo tem desta. Condensa todo o conjunto de informação que o indivíduo tem sobre a mesma e, como tal, vai guiar o posterior desenvolvimento de um vínculo com ela, não só a nível afectivo mas também a nível comportamental, que tem a sua máxima expressão na lealdade da marca. Isso é conseguido porque a imagem da marca influencia o capital de marca. Assim, a imagem da marca é vista como uma construção perceptual do consumidor e que ele guarda na memória, tendo subjacente o conjunto de associações à marca de carácter simbólico. Neste aspecto, se são as associações mais simbólicas que o consumidor liga a uma marca, e que por sua vez estão ligadas à imagem que ele tem de si próprio.
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2.2 Imagem da Loja A imagem da loja é uma variável que pode explicar o comportamento do capital da marca na mente dos consumidores nomeadamente para marcas de consumo social, dado o seu carácter holístico. É de conhecimento geral que ao longo do tempo os consumidores formam imagens das lojas, dos produtos e das marcas que fazem parte do seu meio ambiente. Essas imagens são capazes de exercer um forte impacto no seu comportamento de consumo (Mazursky e Jacoby, 1986). O entendimento de como os consumidores adquirem informação sobre as suas experiências de consumo e a forma como essas informações se transformam em configurações cognitivas, com as quais são formadas as imagens das lojas, tem ainda de passar por muitas pesquisas conceptuais e empíricas. A construção da imagem da loja tem as suas fundações nas teorias sobre a imagem da marca. Quando um consumidor experimenta uma loja, ele associa atributos dessa loja na sua mente, criando uma imagem da loja. O interesse da imagem da loja surgiu do trabalho de Martineau, realizado em 1958, que a descreve como “a personalidade da loja”. Ele sugeriu que as lojas têm para os consumidores uma “personalidade” composta por atributos funcionais e psicológicos. Desde muito cedo, a definição condicionou o entendimento da sua construção, como na maioria dos constructos intangíveis ligados aos consumidores. Na maioria dos casos, a definição inclui o conhecimento total sobre a loja e todas as crenças que os consumidores possuem sobre a mesma. Martineau (1958) considera a imagem da loja como a loja é definida na mente dos consumidores, em parte através das suas qualidades funcionais, noutra parte, através dos atributos psicológicos. Os atributos funcionais dizem respeito às propriedades físicas como a selecção da mercadoria, as variações no preço dos produtos e o layout da loja. Os atributos psicológicos referem-se a sentimentos de pertença, a sentimentos de amizade e ao gosto pessoal de cada consumidor. Contudo, o autor reconhece que a investigação se deve focar no julgamento subjectivo da imagem, mais do que nas propriedades físicas e objectivas da loja. Para além disso, considera que as empresas com lojas projectam uma imagem que está próxima da imagem individual do consumidor alvo, e como consequência disso, os consumidores podem tornar-se leais à loja. Depois do trabalho de Martineau, outros autores dedicaram-se a desenvolver estudos nesta área. Assim, Kunkel e Berry (1968) definem a imagem da loja como a conceptualização total ou o reforço esperado que uma pessoa associa ao comprar numa determinada loja, integrando a teoria da aprendizagem. Keaveney e Hunt (1992) sugerem que a imagem da loja se desenvolve ao comparar a informação que existe sobre a categoria da loja na memória. Para além disso, a imagem da loja não é apenas uma função de uma imagem de uma loja particular, mas também de imagens e associações na memória que existam sobre as lojas. 218
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Segundo Amraoui (2003), a imagem da loja corresponde em primeiro lugar, à maneira como a loja é definida no espírito dos consumidores e, em segundo lugar, através das suas qualidades funcionais. Isto é defendido, também por outros autores, como Blackwell, et. al., (1983) e Mazursky e Jacoby (1986), acrescentando-lhe a consideração do conjunto de atributos psicológicos. James et. al. (1976) definem a imagem da loja como o agregado de atitudes baseadas na avaliação dos atributos da loja que são considerados como os mais importantes para os consumidores. James et. al. (1976) e Lindquist (1974-1975) argumentam que a imagem da loja não é apenas a soma das várias percepções que os indivíduos têm dos atributos mas é uma função dos pesos da importância e das iterações ao longo desses atributos. Também Engel e Blackwell (1982) definem a imagem da loja como um tipo de atitude, medida através de várias dimensões que reflictam os atributos salientes da loja. Para Bloemer e Ruyter (1998), a imagem da loja é a percepção complexa que os consumidores têm sobre os diferentes atributos salientes da loja. Todas estas definições defendem o carácter multidimensional do constructo e discutem uma avaliação de atributos que resulta numa atitude. Doyle e Fenwick (1974-1975, p. 40) não concordam com esta perspectiva e consideram que “a imagem da loja, mais do que ser uma construção multidimensional, tem de ser vista como a avaliação dos consumidores de todos os aspectos salientes da loja, como são percebidos e ponderados individualmente”. Estes autores afirmam que o que é chamado de imagem da loja é muitas vezes a percepção dos consumidores dos atributos da loja. Também Marks (1976) defende que a imagem da loja é a “fotografia total da loja”, mais do que a soma das partes, pois as partes interagem umas com as outras na mente dos consumidores. Isto pode ser aproximado a uma perspectiva holística da imagem da loja. Hirschman (1981, p. 19) oferece uma definição que foca o processo do desenvolvimento e formação da imagem, em que define a imagem da loja como “um fenómeno subjectivo que resulta da aquisição de conhecimento acerca da loja, de acordo como é percebida, face às outras lojas e de acordo com o instrumento cognitivo único de cada consumidor”. A definição formal da imagem da loja é a cognição e a emoção individual que é inferida das percepções da memória, ligadas a uma loja particular e que representa o que a loja significa para o indivíduo (Mazursky e Jacoby, 1986; Baker et. al., 1994). Para Mazursky e Jacoby (1986, p. 147) a imagem da loja é “o conjunto de conhecimento e/ou afectos que são inferidos quer sob a forma de um conjunto de percepções e/ou inputs existentes na memória sobre o fenómeno (imagem da loja) e que representam o que esse fenómeno significa para o indivíduo”. São vários os autores que defendem que a imagem da loja define um conjunto de representações espontâneas, de origem cognitiva e afectiva, que os consumidores realizam acerca de um determinado local de venda (Mazursky e Jacoby, 1986; Blackwell, et. al., 1983). Esta definição acaba por enfatizar os aspectos mais relevantes na imagem da loja, isto é, o aspecto cognitivo e a formação da Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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imagem. Segundo Morschett et. al. (2005), até aos dias de hoje, não existe uma definição para a imagem da loja comummente aceite. Contudo, concluem que a pesquisa anterior da imagem da loja foi basicamente uma pesquisa da percepção dos seus atributos numa compreensão moderna desta construção e, que se negligenciou factores mais holísticos e emocionais da imagem. Estes autores fizeram uma selecção dos vários estudos sobre a imagem da loja e as suas componentes, que aparecem no quadro seguinte. Quadro 1 - Estudos sobre a Imagem da Loja e as Componentes dessa Imagem Autores Martineau (1958)
Componentes da imagem da loja
Kunkel e Berry (1968)
Lindquist (1974-1975)
Doyle e Fenwick (1974) Pessemier (1980)
Mazursky (1986) Zimmer (1988)
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e
e
A imagem da loja exprime-se e percebe-se através de uma arquitectura global e da sua disposição, moderna ou não, símbolos e cores utilizadas, publicidade coerente com o posicionamento da loja, pessoal de venda (competência, disponibilidade, amabilidade), e merchandising. Preço da mercadoria, qualidade da mercadoria, sortido da mercadoria, moda da mercadoria, pessoal de venda, localização, outras comodidades, serviços, promoção de vendas, publicidade, atmosfera do ponto de venda, tratamento das reclamações. Merchandising, serviço, clientela, facilidades físicas, conveniência, promoção, atmosfera da loja, factores institucionais, satisfação pós-compra. Qualidade, preço e variedade. Comodidade da localização, boa relação qualidadepreço, politica de preço conveniente, compras agradáveis, qualidade, competência do pessoal, selecção dos produtos, modernidade.
Jacoby
Golden
Qualidade do merchandising, preços, sortido, conveniência da localização, serviço de vendas, serviço geral. Qualidade da mercadoria, o preço, selecção do sortido, serviço, condições físicas da loja, localização, publicidade e promoção, envolvente global das compras. Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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Jallais, Orsini e Fady (1994)
Birtwistle et. al. (1999)
Collins-Dodd e Lindley (2003) Ailawadi (2004)
e
Keller
Amabilidade e cortesia do pessoal, proximidade do domicílio, promoções, sortido, honestidade, serviço ao cliente, bons acessos e estacionamento, lugar agradável e prático, preço baixo, propriedade, animação, horas de abertura, rapidez de compra, agrupamento de compras, qualidade dos produtos. Qualidade do merchandising, preço, estilo e moda do merchandising, selecção do merchandising, procedimentos da empresa, reputação, staff profissional e amigável, layout interno e design. Escolha, qualidade dos produtos, preços baixos, relação qualidade-preço, atmosfera agradável, atitude global. Estudo da imagem do distribuidor: Localização e acessibilidade, atmosfera da loja, política de preço e promoção, largura e profundidade do sortido, sortido de marcas.
ADAPTADO: Morschett, Dirk, Bernhard Swoboda e Thomas Foschht (2005), “Perception of store attributes and overall attitude towards grocery retailers: the role of shopping motives”, International Review of Retail, Distribution and Consumer Research, Vol. 15, Nº 4, pp. 423-447.
No artigo de Hartman e Spiro (2005), as autoras realçam a conceptualização prévia da imagem da loja ao introduzir um novo conceito referido como o capital da loja e definido como o efeito diferencial que o conhecimento da loja tem na resposta do consumidor às actividades de Marketing da loja, conceito colado ao conceito de Keller (1993) para o capital de marca. A principal motivação para o estudo é investigar a função da imagem da loja como previsor do comportamento do consumidor e da performance da loja. A imagem da loja é também, frequentemente definida como o conjunto de atitudes do consumidor baseadas na avaliação de dimensões salientes das lojas e a sua medição implica a identificação dessas dimensões. Para Amraoui e Morales (2006), a imagem da loja engloba diferentes elementos que compõem o contexto da avaliação por parte dos consumidores. Desta forma, se a imagem da loja engloba um contexto de avaliação relacionada com a loja, esta variável pode estar englobada nas atitudes. As dimensões principais do conceito multidimensional da imagem da loja são a dimensão social, a dimensão da atmosfera e a dimensão da oferta. A dimensão social abarca as características do pessoal da loja, assim como, as características dos indivíduos
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que frequentam a loja e, em resultado disso, podem influenciar a percepção do consumidor. A dimensão da atmosfera inclui o conjunto de elementos tangíveis, tais como, a apresentação do mobiliário, os materiais utilizados no equipamento da loja e elementos intangíveis como, o cheiro, a música e a iluminação. A dimensão da oferta compreende o conjunto de elementos que caracterizam a oferta de produtos na loja. Para Porter e Clacomb (1997), as imagens associadas a uma marca influenciam a imagem da loja, o que por sua vez influencia o processo de decisão e comportamento do consumidor. Os resultados do estudo destes autores indicam que a imagem da loja é uma construção multidimensional composta por três dimensões: moda, serviço e atmosfera. Por outro lado, a imagem da marca é uma combinação das percepções subjectivas do consumidor acerca da marca e do meio que envolve a marca, isto é, a loja onde esta é vendida. A imagem da marca e a imagem da loja estão ligadas uma à outra e ambas influenciam o capital de marca. Assim, a imagem da loja e a imagem da marca são dois constructos que estão inter-relacionados. O nome da marca comunica um grande conjunto de informação, que se traduz na imagem da marca. Resultados empíricos de vários estudos chegam à conclusão que a imagem da loja pode ser melhorada ao ser ligada a marcas com associações favoráveis e fortes (Jacoby e Mazursky, 1984). Isto sugere que a imagem da marca tem um papel importante no desenvolvimento da percepção dos consumidores sobre a imagem da loja (Zimmer e Golden, 1988). Indica também, que a imagem da marca como um constructo, é mais estável que a imagem da loja através de várias situações, que podem ser atribuídas ao facto de que as acções de Marketing criarem especificamente uma posição para a imagem da marca, utilizando um conjunto limitado de dimensões congruentes. Assim, a imagem da loja acaba por ser um constructo mais complexo e menos estável que a imagem da marca. A concepção dominante, na literatura académica, descreve a imagem da loja como uma impressão total, representada no conjunto de atributos percebidos, associados com a loja, que são independentes e interdependentes na memória do consumidor, apreendida pela exposição aos estímulos correntes e anteriores. Pode-se então concluir que a imagem da loja é um conceito complexo, que se torna difícil de expor e gerir, dado que é criado por uma combinação de factores com características tangíveis e intangíveis. Contudo, não se pode esquecer que para determinadas marcas, a imagem da loja como fazendo parte das associações que o consumidor guarda na memória, pode ser importante na explicação do capital de marca.
3. Modelo Explicativo O modelo proposto concentra-se em medidas relacionadas com a avaliação perceptual do consumidor para a criação do capital da marca. De uma forma 222
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geral pode-se considerar que essa avaliação engloba a imagem da marca e a imagem da loja que um indivíduo tem com uma marca. Desta forma, o modelo proposto contém um conjunto de hipóteses de pesquisa que são especificadas a seguir e que utilizam também informação da literatura sobre esta problemática. As ligações nos diagramas no modelo proposto mostram as hipóteses de relacionamento entre os constructos considerados. Espera-se que essas relações sejam suportadas pelos dados validando o modelo e melhorando a compreensão do fenómeno do capital de marca. O modelo de equações estruturais proposto contém variáveis latentes (constructos), medidas por um conjunto escalas (itens), cujos dados são recolhidos através de um inquérito aos consumidores das marcas em estudo. A seguir será analisado o conceito de cada uma das variáveis latentes, assim como, as relações entre elas que se colocam como hipóteses. Figura 2 – Modelo de Equações Estruturais C
A imagem da marca traduz-se no conjunto de associações que um indivíduo tem na memória e como tal serve para explicar a formação do capital de marca na sua mente. H1: Existe uma relação positiva entre a imagem da marca e o capital da marca. A imagem da loja comporta um conjunto de percepções que condicionam a formação do capital de marca na mente dos consumidores. H2: Existe uma relação positiva entre a imagem da loja e o capital da marca. É conhecido que a imagem da marca pode melhorar ou prejudicar a imagem da loja, dependendo de como a marca é avaliada. Por outro lado, a imagem da Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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marca pode não melhorar substancialmente ao ser ligada a imagem da loja. Contudo é necessário verificar se existe inter-relação entre os constructos. H3: Existe uma interdependência entre a imagem da marca e a imagem da loja. As variáveis propostas são constructos, ou seja, não são directamente observáveis, pelo que se impõe a clarificação das dimensões e escalas usadas na sua definição. O desenvolvimento do processo de medição dos diferentes constructos do modelo proposto, segue as recomendações de Churchill (1979) e de Bollen (1989), identificando as dimensões ou as variáveis latentes que representam o constructo a medirem: capital de marca baseado no consumidor. A medição do constructo do capital de marca tem em conta que resulta da avaliação perceptual feita pelos consumidores. Essa avaliação perceptual é multidimensional e deve estar condensada no constructo. As questões ponderadas para operacionalizar a medição do constructo do capital de marca são as das escalas de Yoo e Donthu (2001) e Yoo et. al. (2000), considerando a perspectiva do capital de marca total. Como esta escala foi validade e testada, conduzindo a bons resultados, é utilizada sem adaptações. Quadro 2 – Indicadores e Constructo do Capital de Marca
Indicadores
Autor e Artigo
CM1: Faz sentido comprar esta marca mesmo que seja igual a qualquer outra marca em qualidade e preço. CM2: Mesmo que outras marcas tenham as mesmas características desta marca, eu vou preferir comprar esta marca. CM3: Se existir outra marca tão boa quanto esta marca, eu prefiro comprar esta marca. CM4: Se outra marca não for diferente desta marca em qualquer aspecto, parece-me uma opção inteligente comprar esta marca.
ADAPTADO: Yoo, Boonghee, Naveen Donthu e Sungho Lee (2000), “An Examination of Selected Marketing Mix Elements and Brand Equity”, Journal of the Academy of Marketing Science, Vol. 28, Nº 2, pp. 197-213. Yoo, Boonghee e Naveen Donthu (2001), “Developing and Validating a Multidimensional ConsumerBased Brand Equity Scale”, Journal of Business Research, Vol. 52, Nº 1, pp. 1-14.
Constructo
Capital de Marca
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Definição Refere-se à construção perceptual, percebida pelos consumidores, que acrescenta valor a um produto com marca. Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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As questões ponderadas para operacionalizar a medição do constructo da imagem de marca são também as das escalas de Yoo e Donthu (2001) e Yoo et. al. (2000) e a de Villarejo-Ramos et. al. (2005). Quadro 3 – Indicadores e Constructo da Imagem da Marca
Indicadores
Autor e Artigo
IM1: Esta marca tem uma imagem forte. IM2: Esta marca providencia um alto valor em relação ao preço que pago por ela. IM3: Preocupo-me com esta marca.
Adaptado: Villarejo-Ramos, Angel F. e Manuel J. Sánchez-Franco (2005), “The Impact of Marketing Communication and Price Promotion on Brand Equity”, Brand Management, Vol. 12, Nº 6, pp. 431-444 e de Yoo, Boonghee, Naveen Donthu e Sungho Lee (2000), “An Examination of Seleted Marketing Mix Elements and Brand Equity”, Journal of Academy of Marketing Science, Vol. 8, Nº 2, pp. 197-213.
Constructo
Definição
Imagem da Marca
É traduzida por um conjunto de associações que os indivíduos têm da marca.
A imagem da loja tem sido medida frequentemente através de escalas estruturadas. Apesar da pesquisa que existe nesta área, não existe uma escala universal que permita medir o constructo. Contudo, são inúmeros os autores que estão de acordo quanto aos diferentes aspectos que a escala deve conter, desde questões ligadas à mercadoria, atmosfera, ao valor, serviço, aos clientes alvo, até à conveniência. A medição da imagem da loja traduz uma avaliação que os consumidores percebem de todos os aspectos importantes do espaço físico. Para isso, considera-se um conjunto de questões adaptadas do trabalho de Porter e Clacomb (1997). Esta escala foi escolhida porque está de acordo com a definição do constructo no modelo proposto, porque se encontra validada e porque o estudo empírico que lhe serviu de suporte foi em lojas de roupa de marca.
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Quadro 4 - Indicadores e Constructo da Imagem da Loja
Indicadores IL1. Comprar nesta loja revela mais estilo. IL2. Comento com os meus amigos a existência desta loja. IL3. Esta loja está sempre muito actualizada em termos de moda. Il4. Os funcionários das lojas desta marca devem as tendências da moda. IL5. As lojas desta marca devem oferecer uma linha completa de serviços. IL6. Os funcionários das lojas desta marca devem ser prestáveis e actuar com maturidade. IL7. O design interior das lojas desta marca transmite a aparência e o sentimento de uma loja de qualidade. IL8. Os funcionários das lojas desta marca devem estar vestidos de acordo com o conceito da marca. Constructo
Imagem da Loja
Autor e Artigo
ADAPTADO: Stephen S. Porter e Cindy Clacomb (1997), “The influence of brand recognition on retail store image”, Journal of Product and Brand Management, Vol. 6, Nº 6, pp. 373-387.
Definição É a combinação das qualidades funcionais da loja e dos atributos psicológicos que os consumidores ligam às lojas
A utilização de equações estruturais é a metodologia adequada para medir e avaliar as relações propostas pelo modelo apresentado. Esta metodologia permite confirmar as relações propostas entre constructos endógenos e exógenos e admite inter-relações entre os próprios constructos exógenos. O interesse dos modelos de equações estruturais (SEM) na estimação de modelos de comportamento do consumidor no âmbito da marca é o de permitir articular variáveis que não são observáveis, ditas variáveis latentes, como é o caso de todas as variáveis aqui utilizadas. Após a proposição de modelos teóricos interpretativos, a sua validação implica que exista um conjunto de procedimentos que conduza à correcta obtenção da informação. Para isto, elabora-se um plano de informação a partir do modelo e das variáveis presentes na teoria e que se consubstancia no questionário. No trabalho optou-se por um questionário estruturado e com escalas de Likert de cinco pontos. A escala de Likert requer que o inquirido indique o seu grau de 226
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concordância ou discordância em relação a uma série de afirmações relacionadas com um determinado constructo. No presente caso foram utilizadas escalas com questões específicas e fechadas. Não aparecem no questionário perguntas de resposta aberta pois as questões de resposta fechada são mais adequadas ao objectivo de quantificação. A selecção das marcas foi feita com base num pré-teste elaborado em meio universitário, durante os meses de Outubro e Novembro de 2006, com uma amostra de 65 estudantes, avaliando-se a notoriedade espontânea das marcas. Aos inquiridos foi pedido para mencionarem as marcas de roupa de ganga com loja própria que conheciam. Em resultado desta sondagem foram seleccionadas as cinco marcas mais mencionadas pelos inquiridos (Salsa, Levi’s, Pepe Jeans, Tiffosi e Cheyenne) e das quais se obteve os dados para estimar, testar e validar empiricamente o modelo de medição e o modelo estrutural do capital de marca aqui proposto. A recolha dos dados foi efectuada desde meados do mês de Março de 2007 e durante todo o mês de Abril do mesmo ano. Esta recolha foi feita nas lojas próprias das diversas marcas em estudo, mas com uma concentração territorial no Norte do país, não se identificando contudo razões para que o comportamento do consumidor em outras regiões seja diferente. O procedimento de inquirição dentro das lojas é completamente aleatório, abordando-se o consumidor à saída da loja, independentemente de ele ter ou não realizado compras. Foram obtidos 544 questionários válidos.
4. Conclusão Os resultados da estimação não foram apresentados neste trabalho pois ainda não se encontram concluídos. Contudo espera-se concluir que a imagem da marca e a imagem da loja estão inter-relacionadas e ambas contribuem para a formação do capital de marca na mente dos consumidores.
Bibliografia Aaker, David A. (1991), Managing Brand Equity: Capitalizing on the Value of a Brand Name, New York, Free Press. Aaker David A. (1996), Building Strong Brands, Free Press, New York. Aaker, David A. e Alexander L. Biel (1993), Brand Equity & Advertising – Advertising’s Role in Building Strong Brands, Lawrence Erlbaum Associates, Publishers, Hillsdale, New Jersey. Aaker, D. A. e Erich Joachimsthaler (2000), Brand Leadership, Free Press Business. Ailawadi, Kusum L. e K. L. Keller (2004), “Understanding Retail Branding: Conceptual Insights and Research Priorities”, Journal of Retailing, Vol. 80, Nº Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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Efemérides e Recensões
Efeméride Pierre-Joseph Proudon: bicentenário esquecido (1809-1865)
Virgílio Rapaz Professor Catedrático da Universidade Lusiada
Virgílio Rapaz
1. Introdução Passou no ano findo o bicentenário do nascimento de Proudhon. Não temos encontrado notícia desse facto entre nós (1), apesar de a presente crise económica e financeira internacional ter voltado a trazer a uma ribalta mais visível as contribuições socialistas, com destaque para as de Marx, que continua, assim, a ganhar, muitos anos mais tarde, um combate que vem de longe, entre “utópicos” e “científicos”… Este texto procura recordar o lugar que entendemos ser o de Proudhon na evolução do pensamento económico. Após curtos apontamentos biográficos, salientaremos, numa bibliografia vasta, de vincadas características de intervenção social e política, as obras mais atinentes às questões económicas. Não examinaremos as suas contribuições mais do âmbito da Filosofia ou da Política, como, por exemplo, neste último domínio, “De la Justice dans la Révolution et dans l’Eglise” (1858), “La guerre et la paix” (1861) e “Du principe fédératif” (1865). 2. Apontamentos biográficos Pierre-Joseph Proudhon nasceu em Besançon (França), a 15 de Janeiro de 1809. De origens modestas, cedo começou a trabalhar, primeiro, ainda criança, como pastor, depois, já adolescente, numa tipografia, onde teve os seus primeiros contactos com as ideias anarquistas e socialistas, entre as quais as do seu conterrâneo, outro “bisontin” (2), Charles Fourier (1772-1837), a cujo nome surge frequentemente associado nas Histórias do Pensamento Económico. Auto-didacta, vencedor de diversos prémios por ensaios sobre problemas contemporâneos, torna-se, sobretudo, conhecido em 1840, pela obra, de título interrogativo, “Qu’est-ce que la propriété?”. A sua retumbante resposta, “C’est le vol”, passou à posteridade e criou-lhe, obviamente, muitos inimigos (3). Mais tarde, mereceu, também, a contundente oposição de Marx, sobretudo, na sequência das suas críticas sobre as posições comunistas, em “Système des contradictions économiques ou Philosophie de la Misère”(1846). Em 1848, já iniciado no jornalismo e residindo na capital, é eleito para a Assembleia Nacional, sendo condenado, no ano seguinte, a três anos de prisão Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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Pierre-Joseph Proudon (1809-1865)
por ter publicado violentos artigos contra Luís Napoleão Bonaparte, de quem se viria a aproximar em 1852. Em 1858, sofre nova condenação, baseada nos seus escritos, e acaba por se exilar para Bruxelas até 1863. Regressado a Paris, adoece gravemente e falece em 1865. Apesar de uma personalidade complexa e contraditória, deixou uma marca profunda para a posteridade, pautada por fórmulas brilhantes, enquanto um dos fundadores do anarquismo e reformador social, nomeadamente entre os defensores do mutualismo, via privilegiada por Proudhon para solucionar o problema social. Legou, ainda, numerosa obra póstuma, de que se destaca, com relevância decisiva para a compreensão do posicionamento final do autor, a pouco citada, “Théorie de la Propriété”, desse mesmo ano. 3.”La propriété, c’est le vol” Proudhon é, sobretudo, referido nos manuais de história das ideias económicas, devido à sua obra, ora indicada com o seu título completo, “Qu’est-ce que la propriété? ou recherches sur le principe du droit et du gouvernement”, de 1840 (4). Logo no Prefácio, o autor lembra que a sua intenção é “melhorar a condição física, moral e intelectual da classe mais numerosa e mais pobre”, o que, em seu entender, exige “hábitos científicos e método rigoroso”, dos quais assegura não se desviar. A famosa fórmula, “a propriedade é o roubo” (5) surge logo na página inicial da sua primeira Memória. O autor começa mesmo por confessar que “à cet étrange résultat mon esprit fut épouvanté: je doutai de ma raison” (Pg. 19). A via seguida na sua demonstração de que não se enganara é esboçada nas linhas seguintes. Proudhon traça uma panorâmica do conceito e da concretização da propriedade ao longo dos tempo, sem deixar de proceder a uma incursão etimológica, e conclui que, nem o trabalho, nem a ocupação, nem a lei podem criar a propriedade. Resumindo: no tocante ao trabalho, argumenta que a propriedade do produto não determina a propriedade do instrumento (Cf. Pg. 73); quanto à ocupação ou direito do primeiro ocupante, repudia a desigualdade de condições inerente à sua materialização (Cf. Pg. 57) (6); enfim, a definição legal de propriedade, com o direito de usar e de abusar, baseada nas razões anteriores, contraria o carácter permanente de detenção da propriedade pela sociedade (Cf. Pg. 57). Assim, não é possível encontrar na propriedade um fundamento específico, legítimo. Conclui, hiperbolicamente: a propriedade “est impossible mathématiquement (Pg. 32). Em qualquer dos casos, Proudhon é sempre guiado pelo ideal de Justiça (7), princípio supremo da vida humana, pela preocupação de Igualdade, o mais importante, segundo ele, da tríade da Revolução Francesa. A sua aversão à propriedade é bem visível na seguinte passagem: “Le droit de propriété a été le commencement du mal sur la terre, le premier anneau de cette longue chaîne de crimes et de misères que le genre humain traîne dès sa naissance” (Pg. 65). 238
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Nas suas reflexões, Proudhon invoca com frequência o pensamento dos “économistes” (designação que utiliza amiúde, nem sempre elogiosamente). Recorre aos ensinamentos de uns, Smith e Ricardo, para acolher uma teoria do valor-trabalho, que o conduz, antes do “Manifesto Comunista”, à constatação de “une exploitation de l’homme par l’homme” (Pg. 77). Invoca Say (8) e seus seguidores, para notar que a tradicional aceitação de três factores produtivos – terra, trabalho e capital – escamoteia que, se a produção resulta destes três elementos, igualmente necessários, a sua utilização separada é estéril, pois a produção é colectiva. Nas suas palavras: “lorsque vous avez payé toutes les forces individuelles, vous n’avez pas payé la force collective” (Pg. 78). Comenta a “lei de Say”, salientando que, se “Les produits ne s’achètent que par les produits”, então “cet aphorisme est la condamnation de la propriété” (Pg. 106) e “le bénéfice est impossible et injuste” (Pg. 176). Que fazer? Proudhon adopta uma fórmula hegeliana (9), identificando a comunidade como a tese, a propriedade, expressão contraditória da comunidade, como a antítese (Pg. 161). A busca da solução desejada, da correcção da tese pela antítese, conduz a uma terceira forma de sociedade, síntese da comunidade e da propriedade, que nomeia de LIBERDADE (Pg. 173, maísculas no original), com posse individual, com direito de ocupar igual para todos. Suprimindo a propriedade de cada um, dado que ela é colectiva e indivisa (Pg. 176), mas conservando a posse, um simples direito de usar, de fruição, pessoal, familiar e hereditário, “vous changerez tout dans les lois, le gouvernement, l’économie, les institutions: vous chassez le mal de la terre” (Pg. 175). Em termos de organização política, Proudhon declara: “quoique très ami de l’ordre, je suis, dans toute la force du terme, anarchiste” (Pg. 168). Como o governo do homem pelo homem é ilegal e absurdo (Pg. 169), é, sem ambiguidade, a favor da anarquia, isto é, “absence de maître, de souverain”(Pg. 171). “La société cherche l’ordre dans l’anarchie” (Pg. 171), definida como o governo do homem por ele próprio, “en anglais: self government” (Proudhon, 1865, Pg. 29). “L’anarchie est condition d’existence des sociétés adultes comme la hierarchie est la condition des sociétés primitives” (Proudhon, 1840, Pg. 176). Pode comentar-se que esta posição de Proudhon o aproxima menos dos socialistas que dos liberais, a quem acaba por ultrapassar: mais do que limitar as funções do Estado, advoga a sua eliminação. Concluindo: sempre imbuído de forte preocupação por uma Justiça Comutativa, vinda de Aristóteles e de São Tomás de Aquino, Proudhon é paladino da solução social através de um anarquismo mutualista, consentido entre os homens, numa manifestação do Contracto Social de Rousseau, caracterizado por uma rede recíproca de trocas e de garantias, regido por um equilíbrio entre forças livres, concretizando a superação entre comunidade e propriedade. Remontando a concepções utópicas, vindas de Platão e de Thomas More, propõe um projecto de organização comunitária da sociedade, em que se dissolve a contradição entre regimes económicos capitalista e comunista, ambos substituídos por produtores libertos, quer da propriedade do capitalista, quer do estatismo comunista (Cf. Bailly, 2008), no quadro de uma organização política caracterizada pelo primado Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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do federalismo, como princípio de associação, permitindo a coordenação de esforços. Esta solução é rejeitada por Blanqui, que, não obstante, defendeu generosamente Proudhon no litígio que o opôs à Academia de Besançon, aquando da apresentação da sua primeira Memória. Reconhecendo, embora, os abusos frequentes de todos os géneros de propriedade, daí não concluía pela sua abolição, que rotula de “expédient heroïque trop semblable à la mort, qui guérit tous les maux” (Proudhon, 1840,Pg. 13). 4. Propriedade para todos Em obra póstuma, Proudhon (1865) divulga o que classifica como uma nova teoria da propriedade, constituindo a solução do seu carácter antinómico: “Suivant que nous envisageons la propriété dans son principe ou dans ses fins, elle nous apparaît comme la plus insigne ou la plus lâche des immoralités, ou comme l’idéal de la vertu civile et domestique”(Pg. 168), quer dizer, simultaneamente, origem de despotismo e fonte de liberdade. Se “la propriété, c’est le vol” (1840), também escrevera “la propriété, c’est la liberté” (1846). O nosso autor, ao sumariar, nas páginas iniciais, as suas contribuições para se compreender a questão da propriedade, recorda a posição de 1840, ao negar firmemente o seu direito. Agora, conclui, numa inversão da sua mensagem mais conhecida, que a propriedade privada constitui a melhor salvaguarda do indivíduo contra o poder público, contra o Estado, com a condição de o próprio a utilizar, sem a ceder, caso em que a exploração reapareceria. Que raciocínio, distinto do anterior, permite esta nova conclusão? Explica Proudhon (1865), “la propriété doit justifier d’elle-même ou disparaître” (Pg. 128). Concretizando, citando longamente, para maior fidelidade: “Ce n’est ni dans son principe et ses origines, ni dans sa matière qu’il faut chercher la raison de la propriété; à tout ces égards, la propriété ne peut rien nous offrir de plus que la possession; c’est dans ses FINS” (Pg. 128, maísculas no original). Programando: “la constitution de la propriété devait être l’oeuvre de notre époque” (Pg. 194). Proudhon (1865) continua a contestar, como no passado, que a propriedade tenha como princípio, o trabalho, a ocupação ou a lei, isto é, continua a oporse às justificações mais correntes da sua existência. Opta, agora, por uma defesa teleológica, que a valida em função dos fins, isto é, a generalização da propriedade serve de desejável contrapeso ao Estado. Nesta incompatibilidade entre princípios e fins, estes últimos são o elemento decisivo. Num assomo lírico, compara: “Comme l’arbre dont le fruit âpre et vert au commencement se dore au soleil et devient plus doux que le miel” (Pg. 210). Acrescentaremos que, afinal, a solução para a questão da propriedade estava bem visível, como na abordagem de “The Purloined Letter”, do seu coetâneo Edgar Allan Poe… 240
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Segundo Proudhon (1865), o acesso à propriedade será facilitado, nomeadamente através da alavanca creditícia (ver 5.). A sua concretização procurará impedir uma excessiva fragmentação da propriedade (10) e deverá evitar uma “exploitation anarchique” (Pg. 156, “sic”!), sem concertação entre os proprietários, com capitais insuficientes, entregues à ignorância e ao acaso. No seu entender, neste contexto, papel importante incumbiria às escolas de agricultura. A justificação da propriedade, fundamentada nos seus fins, é essencialmente política, é a arma defensiva do cidadão, o seu escudo (Pg. 238). Numa visão que faz lembrar o “individualismo metodológico” de Adam Smith, Proudhon (1865), embora sem o citar, evoca o “princípio do egoísmo”, “usurpateur par nature et improbe”(Pg. 220), mas que “devient un instrument de justice et d´ordre” (Pg. 220). Assim, “la propriété est l’égoisme idealisé, consacré, investi d’une fonction politique et juridique”(Pg.220). Trata-se de “une puissance de décentralisation… anti-despotique, anti-unitaire; c´est elle qu’est le príncipe de toute fédération” (Pg. 144). Não ignora os possíveis abusos da propriedade, mas, optimista, escreve: “L’ abus de la propriété est le prix dont vous payez ses inventions et ses efforts: avec le temps elle se corrigera. Laissez faire” (Pg. 167). Falta só “laissez passer”… Quão longe da imagem que repetidamente nos é transmitida de Proudhon! Este testamento de Proudhon, em defesa da propriedade privada, é deveras paradoxal, separando-o das diferentes versões do socialismo. A sua preocupação com a liberdade individual leva-o, de novo, a estar bem mais sintonizado com os paladinos do liberalismo. Não custa imaginar a oposição de Marx!
5. Crédito gratuito Schumpeter (1983, II, Pg. 113) defende que a grande ideia de Proudhon terá sido o crédito gratuito, através do proposto “banque d’échange” ou “banque du peuple”. A concessão de empréstimos, a curto e a longo prazos, sem juros, emitidos em notas de um banco público, permitiria que “tous les travailleurs agricoles aient fini par acquérir la propriété de la terre” (Proudhon, 1865, Pg. 42). A apropriada organização do crédito fundiário permitiria substituir proprietários ociosos por diligentes agricultores. Esta aplicação do princípio do mutualismo na distribuição do crédito surge na lista das “garanties de la propriété contre elle-même” (Proudhon, 1865, Pg. 239). A eliminação da categoria “juros”, causa de desigualdade económica e de opressão, iria de par com o pagamento de ligeiros encargos financeiros para cobrir as despesas envolvidas na satisfação de necessidades operacionais: qualquer receita bancária acima das despesas de funcionamento seria ilegítima. Traduzindo influência do seu conterrâneo Fourier (11), os créditos seriam efectuados por esse banco a criar, representando a totalidade dos produtores e conduziriam à eliminação do “droit d’aubaine” de todos os outros capitais, garantindo a reciprocidade da troca. Estes recursos, assim disponibilizados, Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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serviriam, numa visão mais abrangente, para comprar meios de produção, escapando à dependência dos patrões. O valor das notas seria assegurado pela garantia de todos os sócios do Banco, do produto por eles obtido, mas ainda não vendido: os produtores agrupados nas suas organizações receberiam títulos representativos das suas mercadorias e por eles garantidos, aceites como meio de pagamento entre os sócios. Este modelo de moeda-mercadoria, era, segundo Bailly e outros (2008, Pg. 169), um dos pilares da reconstrução social avançada por Proudhon: em conjunto com o mutualismo e o federalismo constituíam a base para se instaurar um “socialisme de l’échange”. A preocupação de Proudhon de “to adapt socialist theories to practical reform” (Connell, 1980, Pg. 151) não foi, então, bem sucedida, por insuficiência conceptual, num mundo em que a existência de “moeda oficial”, garantida pelo ouro, iria limitar a circulação e/ou exigir depreciação em relação à concorrência. A tentativa de concretizar o “banque du peuple” não foi bem sucedida, a experiência não durando mais do que três meses, devido a poucos subscritores interessados e ao aprisionamento de Proudhon, na sequência de escritos contra Luís Napoleão.
6. Do socialismo utópico à utopia socialista Logo em 1840, Proudhon vincara bem a sua oposição ao comunismo, escrevendo, por exemplo, que era, “au nom de la liberté, contre le gouvernementalisme aussi bien que contre le communisme”, como recorda em Proudhon (1865, Pg. 28). Em 1846, com “Système des contradictions économiques ou Philosophie de la Misère”, insiste, valendo-lhe a crítica “cinglante” (12) de Marx, na sua “Misère de la Philosophie” (1847). Concretizou-se, assim, um rompimento de excelentes relações anteriores, em que ambos se correspondiam, havendo exemplos escritos de rasgados elogios de Marx a Proudhon, de quem, aliás, recolheu a famosa expressão, antes referida, “ exploração do homem pelo homem”. A crítica de Marx prossegue no “Manifesto Comunista” (Marx e Engels, 1848) onde Proudhon aparece rotulado como “socialista conservador ou burguês”, e não, como com frequência se lê, de “socialista utópico”, designação reservada para Saint-Simon, Fourier e Owen. Mas, generalizando, não será que Marx ganhou aversão ao termo “socialismo” (logo, aos outros socialistas), dada a sua crescente respeitabilidade na Europa? Donde a escolha de “comunista” para adjectivar o “Manifesto”, como revela Engels no Prefácio à Edição Inglesa de 1888. Mais tarde, após insistir que excluíra o comunismo em 1840 e com vigor redobrado em 1846, Proudhon (1865) reafirma que a terra não deve estar nas mãos do Estado, mas sim nas mãos de todos, comunismo e governamentalismo sendo igualmente perigosos. E clarifica: “C’est pour rompre le faisceau de la 242
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SOUVERAINETE COLLECTIVE, si exorbitant, si redoutable, qu’on a érigé contre lui le domaine de la propriété, véritable insigne de la souveraineté du citoyen” (Pg. 226, maísculas no original). E acrescenta, com firmeza: “Nous repoussons le communisme sous toutes les formes” (Pg. 242). Como é sabido, Marx opõe um “socialismo utópico”, adjectivação utilizada pejorativamente, que não é de maneira nenhuma o sentido original de More, à sua própria concepção de um “socialismo científico”, baseado, segundo ele, numa análise objectiva das leis económicas do capitalismo. Neste contexto, aliás, critica, no “Manifesto”, a descrição fantástica da sociedade futura, cheia de imagens vagas, característica de alguns desses percursores; pecado em que não cai, pois, como é notório, Marx facultou poucas antevisões da inevitável sociedade socialista/ comunista, origem de fortes discussões e dissensões entre os seus seguidores. Curiosamente, Proudhon, que não menciona Marx nas obras que temos citado, como que contra-ataca, por um lado, ao devolver o epíteto de “utópico” aos que de tal o acusam, por outro ao assumir-se como autor de uma abordagem “científica”. Assim, ao falar do comunismo, entende que “il n’a pas aucune chance de succès. Conception utopique, mort-née…”(Proudhon, 1865, Pg. 43). E já identificara a sua preferência por uma sociedade anárquica, como “socialisme scientifique” (Proudhon, 1840, Pg. 170). Em qualquer caso, Marx manifestou-se, em geral, contra o movimento cooperativo/mutualista, suspeito, aos seus olhos, de visar mais a integração da classe operária no capitalismo, mantendo as relações de produção burguesas, do que procurar a sua emancipação, aliás, só possível, na sua concepção, através de um processo revolucionário, inerente à luta de classes, conducente à ditadura do proletariado (13) O falhanço das experiências de Owen e de Fourier atestavam que não era possível ilhas socialistas no continente capitalista. Mesmo a visão inicial de Proudhon sobre a propriedade, com a sua supressão a favor da simples posse, era manifestamente insuficiente aos olhos de Marx. Recorde-se que no “Manifesto” se lê: “Os comunistas podem condensar a sua teoria numa única expressão - supressão da propriedade privada” . Mas, pode perguntar-se: quem é mais utópico, Proudhon ou Marx? Utopia significa “lugar que não existe” e o termo é usado para descrever um modelo de sociedade ideal no futuro. Ora, quando o “Manifesto” anuncia que “o declínio do capitalismo e a vitória do proletariado são inevitáveis”, que “a Alemanha está em vésperas de uma revolução burguesa… que só pode ser … o prelúdio imediato de uma revolução proletária” não estará a ser tão ou mais utópico que as antecipações de Proudhon? E, já em 1882, um ano antes da sua morte, não insiste Marx, ainda com Engels, no Prefácio à sua 2ª. Edição Russa, na “inevitavelmente iminente dissolução da propriedade burguesa moderna”?
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7. Proudhon hoje Proudhon não tem lugar destacado, nem reservado, nos principais manuais universitários dedicados à História do Pensamento Económico. Num exercício semelhante ao constante de um ensaio de biografia comparada, Rapaz (2008), indica-se, em seguida, a apreciação (quando existe) que sobre Proudhon consta de vários livros de texto de História das Ideias Económicas, usados nos meios universitários. Blaugh (2002) não menciona Proudhon. Mas, a título de comparação, digase que apenas refere Fourier uma única vez (Pg. 184), ao emparelhá-lo com SaintSimon nas influências socialistas de John Stuart Mill. E o compatriota Owen não sai melhor tratado: consta uma única vez, acidentalmente, inserido na lista de autores referidos no título da obra mais famosa do reverendo Malthus. Ekelund e Hebert (2007) inclui-o nos socialistas utópicos (Pg. 231-234), conferindo-lhe mais espaço que o atribuído a Owen e Fourier. Brue (2000) consagra-lhe menos de uma página (Pg. 152-153), na entrada “Anarquismo”, no contexto da sua exposição “Uma visão geral do Socialismo”. Afecta menos linhas a Owen e Fourier, no âmbito do “Socialismo Utópico”. E acaba por concluir que “a comunidade ideal dos anarquistas se parece com a dos socialistas utópicos”. Denis (2000) dedica ao seu compatriota todo um Capítulo da Parte Quinta “Os principais pensadores socialistas do século XIX”, concluindo que é aquele que maior influência exercerá sobre o movimento operário em França (Pg. 398). Os franceses Bailly e Outros (2008) tratam-no em pé de igualdade com Owen e Fourier, a propósito do que intitulam “Les reconstructions sociétales”. Por seu turno, Boncoeur e Thouément (2009) associam os três nomes ao “socialismo utópico”. Pelo contrário, o também gaulês Deleplace (2007) omite Proudhon, deixando-o, porém, em boa companhia, porquanto não menciona qualquer socialista anterior a Marx. Valier (2005) integra Proudhon na sua análise do socialismo utópico (Pg. 86), caracterizando-o como reformador e mutualista, diferenciando-o do socialismo associativista, de Owen e Fourier, e do associativismo estatal de Blanc. Schumpeter (1954, II, Pg. 112-113) comenta a obra de Proudhon, a propósito do “Socialismo pré-marxista”, opondo o seu “anarquismo” ao “socialismo associativista” de Owen e Fourier. Desenvolve, pela negativa, a sua apreciação de Proudhon, escrevendo mesmo que é um exemplo excelente de um certo tipo de raciocínio, revelador de uma incapacidade total de analisar, de utilizar as ferramentas da teoria económica. Em nosso entender, a avaliação de apreciação tão violenta deve ter presente o estatuto intelectual do crítico e as suas exigências rigorosas sobre as técnicas que o analista económico deve dominar, logo enumeradas no início dessa obra monumental: História, Estatística, Teoria e Sociologia. E, claro, Pressman (2006) não o inclui na sua lista dos “50 major economists”. Destes autores acabados de citar, apenas um, francês, Bailly e Outros (2008), 244
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regista a existência da obra póstuma de Proudhon (1865), Théorie de la Propriété, cujo conhecimento é indispensável, como visto anteriormente, para se conhecer a sua última posição sobre a propriedade. Nota-se, outrossim, como noutros casos, alguma associação entre a nacionalidade dos analistas e a valorização apresentada. Aliás, perante a profusão de obras mencionadas por esses autores, centenas, se não milhares de publicações, uma interrogação surge: será que todas terão sido efectivamente consultadas? Outra questão: a leitura de facto feita terá conduzido os comentadores contemporâneos a um ajuste de contas, a uma retribuição da pouca consideração que Proudhon tinha em relação aos economistas? Recorde-se o que Proudhon (1840, Pg. 10) confessara sobre os economistas: “en général, je ne les aime pas”. Algumas páginas mais adiante escreve: “les économistes sont la pire espèce d’autorités en matière de législation et de philosophie” (Pg. 61). Depois, comenta: “Depuis vingtcinq ans, l’économie politique, comme un épais brouillard, pèse sur la France, arrêtant l’éssor des esprits et comprimant la liberté” (Pg. 88). E, na sua obra póstuma, Proudhon (1865), recorre, mais de uma vez, à expressão “secte des économistes” (vg., Pg. 183), ressuscitando designação pouco encomiástica, velha de um século, usada em França para nomear os Fisiocratas. Julgamos ser de elementar justiça ter presente a importância do “droit de propriété” na sua explicação do devir das sociedades, posição tão amplamente defendida pelos institucionalistas, em particular os americanos, nomeadamente o “nobelizado” Douglass North com os seus “property rights”. Com efeito: “La propriété est le principe le plus fondamental à l’aide duquel on puisse expliquer les révolutions de l’Histoire” (Proudhon, 1865, Pg. 231) e “La question sociale tout entière se resume pour nous dans la propriété” (Proudhon, 1865, Pg. 1, com referência a artigo jornalístico de 9 de Maio de 1848). E numa discussão alargada à problemática abrangente dos sistemas económicos, há que contar com a “terceira via” proposta por Proudhon, entre capitalismo e comunismo, caracterizada por mutualismo e auto-gestão. Proudhon teve o mérito de ter levantado, com grande acuidade, o problema da conciliação necessária da justiça social com a manutenção da liberdade dos indivíduos. Exerceu persistente influência sobre os meios intelectuais e operários, mormente com a mensagem anarquista, resultante da sua defesa extremada do ideal de liberdade. As suas ideias surgem incorporadas no movimento cooperativo e mutualista actual, em geral, e em particular no sector do crédito. Se as histórias do pensamento económico nem sempre lhe prestam tributo adequado, os textos sobre a evolução das ideias políticas não deixam de o fazer. E, em termos de herança visível, no sentido literal do termo, recorde-se que terá sido a sua fórmula, associando “ordem” e “anarquia”, que inspirou o símbolo A inscrito num O, quiçá um dos “graffiti” mais populares na paisagem urbana dos nossos dias. Mas a História e a percepção que dela se tem resultam de múltiplas influências. E neste caso concreto, como notou Gaillard (1997), o sucesso de Marx Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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terá impedido o estudo objectivo da obra de Proudhon. E, regressando ao início deste artigo, êxito não tem faltado a Marx no contexto da actual crise económica e financeira. Os tradicionais arautos da falência do capitalismo desenterraram as velhas fórmulas marxistas, não obstante as consabidas deficiências teóricas e o carácter utópico, isto é, não verificado, das suas previsões revolucionárias. Trier converteu-se em local de peregrinação, com excursões reclamadas no noticiário turístico, “Das Kapital” vende sucessivas novas edições e, suprema ironia, virou “musical”. Mas, não serão estes factos sinais de vitalidade do capitalismo, que tudo “transforma em mercadoria”? Notas 1) Refira-se, no entanto, a realização de um colóquio, na sua cidade natal, celebrando a efeméride (Besançon, 15 a 17 de Outubro de 2009). 2) Assim se designam, em França, os naturais de Besançon, o mais conhecido dos quais será Victor Hugo. 3) Recorda Proudhon (1865): “elle m’a valu assez de déboires et d’injures” (Pg. 199). 4) Disponível em edição electrónica, realizada por Jean-Marie Tremblay, Chicoutimi Cégep, Université du Quebec, (2002). As referências à obra serão sempre baseadas nesta edição. 5) A expressão “La propriété, c’est le vol” terá sido utilizado antes por Brissot, como Proudhon (1865, Pg. 211) reconhece, embora sublinhando que Brissot não compreendera o sentido das suas próprias palavras e que tal crítica está erradamente consubstanciada. Investigações subsequentes permitiram identificar que se trata de J.P. Brissot de Warville (1754-1793), que publicou “Recherches philosophiques sur le droit de propriété et sur le vol” (1780). 6) De passagem, exemplifica: “Les Portugais, ayant découvert le passage aux Indes par le Cap de Bonne Esperance, prétendirent avoir seuls la propriété du passage” (Pg. 62). 7) Esta preocupação obsessiva leva Ekelund e Hébert (2007) a classificá-lo como “scholastic anarchist”(Pg. 231), numa clara referência aos canonistas medievais. 8) Chama-lhe “le patriarche des économistes” (Pg. 84) e “patron des économistes français” (Pg. 114). 9) Que Proudhon (1865) repudia: “L’ANTINOMIE NE SE RÉSOUT PAS: là est le vice fondamentale de toute philosophie hégélienne. Les deux termes dont elle se composent se BALANCENT” (Pg. 52) (as maiúsculas no original). 10) O que critica ao falanstério de Fourier (Pg. 156). 11) De que se demarca, por exemplo, ao falar de “toutes les folies phalanstériennes” (Pg. 123) e ao ridicularizar as soluções dos “fourieristes”, quer para reduzir a natalidade (Pg. 128), quer para usar “mots grecs” ao avançar com ideias que “se rendent très bien en français (Pg. 128) (note-se a actualidade desta reflexão ao sofrer-se o enxamear de palavras inglesas na linguagem correntemente ouvida entre portugueses, particularmente nos meios de comunicação social). 12) Na qualificação de Schumpeter (1983, II, Pg. 112), repetida por Boncoeur e Thouément (2009). 13) Expressão atribuída a Blanqui por Piettre (1969, Pg. 170).
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Virgílio Rapaz
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RECENSÃO “Os
buracos negros da ciência económica” - Ensaio sobre a impossibilidade de pensar o tempo e o dinheiro Jacques Sapir, Sururu - Produções Culturais, Lisboa, 2009 Tradução: Manuel Resende e Luis Filipe Sabino José Eduardo Carvalho Professor Catedrático da Universidade Lusiada
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SAPIR, Jacques (2009), Os buracos negros da ciência económica - Ensaio sobre a impossibilidade de pensar o tempo e o dinheiro, Lisboa, Sururu - Produções Culturais Este livro, foi publicado originalmente há cerca de dez anos, mas ganha nesta edição novos motivos de interesse com a crise económica em curso, revelando uma acuidade nas suas análises à situação económica actual. Constitui, portanto, um instrumento de análise objectiva dos fenómenos económicos contemporâneos. Para Sapir a crise recente teve vários efeitos na ciência económica. Por um lado, o campo dominante falhou completamente. O consenso monetarista e a hipótese dos mercados eficientes ficaram desacreditados. No entanto, ao mesmo tempo, ficámos com um efeito tribal na ciência económica, isto é, as principais tribos da ciência económica estão apenas a falar para dentro da sua própria tribo. Não há diálogo e temos um problema muito grave que é a falta de pluralismo na ciência económica. Na sua tese, isto significa que a ciência económica, no seu campo dominante, vai tornar-se mais irrelevante para a definição da política económica, tendo com consequência que esta se torne cada vez mais pragmática. Os Governos vão ter de resolver os problemas das pessoas sem uma base teórica adequada, o que é negativo, porque o pragmatismo sem uma base teórica rapidamente cede ao oportunismo. Jacques Sapir é Director do Centro de Estudos sobre os Modos de Industrialização (CEMI) da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS). Considerado um dos mais importantes economistas da corrente “institucionalista”, os seus trabalhos têm incidido sobretudo na economia soviética e também sobre as novas perspectivas da teoria económica enquanto ciência social. O trabalho deste autor, agora reeditado, é um autêntico requisitório contra as teorias económicas neoclássicas que inspiram as políticas económicas liberais. Na tese de Sapir, a teoria económica dominante nos últimos trinta anos construiu um modelo onde o tempo e o dinheiro são banidos: um quadro de pensamento “nem científico, nem pertinente”, guiado unicamente por uma fé cega na concorrência, na flexibilidade e na propriedade privada. O livro está organizado em 6 capítulos. Começa por colocar a interrogação: Pode a ciência económica ainda pensar a economia? Sapir cita o pensamento de Maurice Allais, segundo o qual a história da segunda metade do século XX foi apenas a sucessão de teorias dogmáticas proferidas com firmeza por economistas Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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Recensão
apoiados em puros sofismas ou em modelos matemáticos irrealistas. Assim, para o autor, quem tiver estudado um pouco a história das ciências sabe que o fascínio pelo formalismo - e as matemáticas são por natureza um formalismo – é um sinal indubitável de deslizamento da ciência para o cientismo. Acrescenta que o fascínio exercido pelas matemáticas é mais prova de fraqueza do que de força metodológica. E, se a economia não é senão retórica, então só conta o poder da convicção. Nos capítulos seguintes, Sapir discorre criticamente sobre a teoria do equilíbrio geral (TEG). Para o autor, o modelo dominante da economia de mercado, utilizado explicitamente nos trabalhos teóricos e implicitamente, como referência normativa, nos estudos empíricos de uma vasta maioria dos economistas contemporâneos, está em crise. Na perspectiva do autor, revelase incapaz de explicar como e porquê acções iniciadas separadamente por indivíduos ou actores separados podem conduzir a um resultado global mais ou menos satisfatório. A TEG, na qual este modelo se baseia, não consegue proporcionar uma compreensão do mundo real; pode até tornar-se um abstáculo quando há economistas que pretendem transpor raciocínios abstractos para o mundo real, sem se preocuparem com o realismo das hipóteses. A função de densidade de uma sociedade traduz a probabilidade de um número crescente dos seus membros poder ser afectado por um efeito não-intensional de outro membro. Para Sapir, as premissas e a lógica do utilitarismo, que inspira a TEG, e através dela a economia padrão, remetem para uma ficção social. Uma característica comum e geral dos pensamentos religiosos, os quais julgam as sociedades existentes com base numa sociedade ideal. O pensamento económico dominante, o que serve de referência aos governos e aos economistas que se propagam nos principais meios de comunicação, mais não é do que uma teologia. A acção humana está no cerne da economia; ela é tanto criação quanto reacção e a criação implica a incerteza. A obra termina procurando construir uma alternativa à abordagem do pensamento económico dominante, suportada numa opção estratégica que recusa a identificação entre a coerência e equilíbrio. Uma estratégia que visa a análise teórica dos obstáculos à emergência de soluções e à análise de como e porquê nas economias concretas surgem coerências limitadas e temporárias. Atribui à crise de coordenação o estatuto de factor primário numa economia descentralizada, para poder ponderar como as economias reais conseguem, mais ou menos, superá-la. Esta estratégia é, claramente, a do institucionalismo tradicional, nalgumas das variantes da escola de tradição austríaca. Apesar de tudo, considera que a teoria do equilíbrio, no sentido mais lato, poderá permanecer como abordagem científica em economia, mas na condição de se utilizar o equilíbrio apenas como um conceito crítico e não como uma norma ou uma noção prescrita. Para além da tese central do autor, o livro proporciona o acesso a uma 252
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síntese das grandes teorias económicas, tais como de Walras, Kaynes, Hayek, Lange. É um livro que se destina a um público mais vasto do que os economistas. Os especialistas da história da ciência económica encontram também nesta obra motivos de interesse na rica e comentada bibliografia.
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Índice temático dos artigos publicados nos números 1 a 10 de “Lusíada – Economia & Empresa”
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Economia Portuguesa O processo de regionalização portuguesa Colares Vieira.............................................................................................................. 1 Enquadramento internacional da economia portuguesa: as variáveis explicativas do crescimento económico António Rebelo de Sousa e António Manuel Quintino.............................................. 6 Da relevância da componente psicológica na evolução futura da economia portuguesa António Rebelo de Sousa............................................................................................. 8 Economia Internacional Os processos integracionistas nas economias asiáticas António Rebelo de Sousa............................................................................................. 1 A medição da vantagem comparativa Miguel Coelho ............................................................................................................ 1 Exportações e inovação – uma aplicação ao caso português Augusto Teixeira da Costa ......................................................................................... 1 A industria de construção e obras públicas: a performance de Portugal face à União Europeia Luís Palma Ferro ....................................................................................................... 2/3 Das economias em transição aos novos desafios da integração António Rebelo de Sousa ............................................................................................ 4 “Systeme d’innovation au Portugal: comparasion avec quelques pays de l’Europe Centrale et Orientale” Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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António Teixeira da Costa ......................................................................................... 5 Internacionalização das empresas: o contexto das PME Henrique Pimentel Reis ............................................................................................. 6 Economia do Turismo Motivações turísticas dos seniores portugueses no mercado interno: análise multivariada Manuela Sarmento e Joana Neves ............................................................................. 6 O turismo em Portugal: situação actual e caminhos de futuro João Martins Vieira .................................................................................................... 7 Turismo e desenvolvimento local Maria Teresa da Costa e Rui Lopes dos Reis.............................................................. 8 Observatório da produtividade das grandes empresas na economia portuguesa: cluster do turismo 2005-2006 José Eduardo Carvalho ............................................................................................... 8 Epistemologia e Sociologia das Organizações Económicas Educação e investigação: especificidade da ciência económica José Eduardo Carvalho................................................................................................ 2/3 Cultura e subculturas: gestão do sistema cultural nas organizações António Correia Bernardo.......................................................................................... 2/3 A representação social do dinheiro: algumas perspectivas teóricas e empíricas Vítor Pina da Costa.................................................................................................... 2/3 As competências comportamentais na Administração Pública: essência para um “saber agir” e um “saber fazer” adaptativo(s) e generalistas na era da globalização César Madureira......................................................................................................... 7 Mobilidade do capital intelectual: condicionantes da legislação portuguesa José Adelino Afonso e Albino Lopes ........................................................................... 7 Efemérides: Kaldor e Galbraith (1º centenário) Virgílio Rapaz ............................................................................................................ 8 “Measuring corporate identity: a case study using a corporate personality scale” Gaurav Bahirvani, Natália Teixeira e Rui Vinhais da Silva...................................... 9 A modernização da Administração Pública passa por uma revolução burocrática Albino Lopes e Carlos Rodrigues................................................................................ 10 Efeméride: Pierre-Joseph Proudon (1809-1865) Virgílio Rapaz ............................................................................................................ 10
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Estratégia Empresarial A identidade e a imagem das organizações Maria Helena Faveiro................................................................................................. 2/3 Estratégia empresarial: da diferenciação à sobrevivência Mário Alexandre Antão.............................................................................................. 4 Observatório da Produtividade Empresarial José Eduardo Carvalho ............................................................................................... 4 Modelos típicos de gestão nipónica: perspectivas de desenvolvimento em Portugal Felipa Lopes dos Reis ................................................................................................. 7 Observatório da produtividade das grandes empresas na economia portuguesa: triénio 2003/2005 José Eduardo Carvalho ............................................................................................... 7 Gestão da marca no âmbito dos serviços: o trabalho temporário Joana Madureira......................................................................................................... 9 Balanced Scorecard nas Organizações de Saúde: estudo de caso Sónia Carmo Silva e Rui Lopes dos Reis ................................................................... 10 A orientação estratégica para o baixo custo da aviação comercial Felipa Reis e Cristina Félix......................................................................................... 10 Gestão da Qualidade Inovação para a sustentabilidade de empresas portuguesas num ambiente limpo Manuela Sarmento e Manuela Duarte ...................................................................... 4 Os sistemas de gestão da qualidade nas PME’s: certificação e dimensão organizacional Elisabete Correia e Sara da Silva e Sousa .................................................................. 5 A relevância da qualidade e da inovação nos serviços Henrique Reis e Luísa Carvalho ................................................................................ 8 Mercados Financeiros Os modelos mistos de avaliação de empresas Leonor Ferreira e Manuela Sarmento ........................................................................ 5 A transposição de demonstrações financeiras expressas em moeda estrangeira Ricardo Pinheiro ........................................................................................................ 5 Reacção do mercado bolsista à informação financeira: evidência empírica na Euronext Lisboa António Lourenço e Manuela Sarmento .................................................................... 7 Divulgação de resultados anuais e rendimento de acções António Lourenço e Manuela Sarmento .................................................................... 8 Contágio financeiro entre mercados de acções de países desenvolvidos Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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durante a crise asiática Júlio Lobão................................................................................................................... 9 Mercado de Trabalho e Gestão de Recursos Humanos Economia do trabalho – aspectos conceptuais e instrumentais José Eduardo Carvalho................................................................................................ 1 A avaliação da formação na Administração Pública Portuguesa César Madureira......................................................................................................... 4 A gestão de recursos humanos e o recrutamento: “a mão invisível” da desqualificação José Casqueiro Jardim................................................................................................. 5 A satisfação no emprego: para uma nova abordagem da modernização e da eficácia das organizações Francisco Rocha.......................................................................................................... 5 Gestão dos recursos humanos na performance das empresas: mediação dos resultados sociais e organizacionais Vitor Costa.................................................................................................................. 6 A contabilidade do capital humano como um problema de prioridade José Adelino Afonso.................................................................................................... 8 A importância da gestão de competências nas organizações João Sousa Mendes e Manuela Sarmento .................................................................. 9 A liderança e o trabalho em equipa José Carlos Rouco e Manuela Sarmento..................................................................... 9 Desempenho académico e adaptação ao ensino superior académico: o caso da Academia Militar Portuguesa António Rosinha e Manuela Sarmento ..................................................................... 10 Métodos Quantitativos Dinâmica discreta não linear de populações isoladas António St’Aubyn e Alexandra Afonso ..................................................................... Modelação de redes probabilísticas para diagramas de influência António St’Aubyn e Catarina Venâncio ...................................................................
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Moeda / Crédito / Seguros A zona do franco “CFA”, o acordo de cooperação cambial entre Portugal e Cabo Verde e o “Comprehensive Development Framework” António Rebelo de Sousa ............................................................................................ 1 A análise do risco e o euro: que futuro em Portugal? Pedro Frouco Marques ............................................................................................... 2/3 Seguradoras portuguesas: que futuro? 260
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Manuel Marques Valido............................................................................................. 2/3 “A regime switching model of risk for the banking system” Anabela Sérgio............................................................................................................ 4 Uma perspectiva microeconómica do risco de crédito soberano nos países em vias de desenvolvimento Marta Loff de Sousa Mendes...................................................................................... 4 Linhas estratégicas do sector bancário em Portugal Ruben Raposo ............................................................................................................ 5 Política Económica Uma nova política orçamental António Rebelo de Sousa............................................................................................. 1 Reforma orçamental – o caso português (breve guião) Manuel Teixeira ......................................................................................................... 1 A contratualização em saúde: modelos de financiamento Ricardo Silva Santos .................................................................................................. 2/3 As finanças locais e o desenvolvimento regional: estudo de caso Manuel Almeida Baptista .......................................................................................... 7 Retorno fiscal do investimento público na educação: caso do ensino secundário Carlos Sant’Ovaia e Rui Lopes dos Reis .................................................................... 8 O neoliberalismo de regulação como intervenção do Estado: a regulação e a Constituição Brasileira de 1988 Giovani Clark ............................................................................................................. 9 Um novo paradigma na teoria económica: a necessidade de repensar a escassez de recursos António Eduardo Martins e Felipa Lopes dos Reis ................................................... 9 Tecnologias de Informação e Comunicação A informática, os sistemas de informação e a economia Raposo de Lima .......................................................................................................... 1 Complexidade do sistema transaccional de gestão: as prescrições médicas com suporte em rede José Carlos Correia...................................................................................................... 7 “Senior co-housing in rural areas: telemedicine the answer?” Cristina Caramelo Gomes e Ana Lott Dare................................................................ 9 A era virtual das tecnologias de informação e comunicação: arte e expressividade em multimédia Maria Eduarda Carvalho ........................................................................................... 9 Componentes do conhecimento em estruturas de dados persistentes: aplicação em sistemas de decisão autónomos Paulo Enes da Silveira ............................................................................................... 10 Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, n.º 10/2010
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Rastreabilidade Reactiva de Artefactos no Desenvolvimento de de Sistemas de Informação (React-MDD) Marco Costa................................................................................................................ 10 Foreign keys and multi-domain indexing Paulo Pinto e Hongi Yang ......................................................................................... 10 Definition of sort function in relations and its usage in relational database management systems Paulo Pinto e Hongi Yang.......................................................................................... 10 Análise de Imagens sem restrições: uma visão geral do processo de classificação de tumores de pele Joaquim da Cunha Viana ........................................................................................... 10
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