I NTERVENC:AO SOCIAL ANO XV- JUNHO 2005
No 31
INSTITUTO SUPERIOR DE SERVI~O SOCIAL DE LISBOA INSTITUTO SUPERIOR DE SERVI~O SOCIAL DE BEJA CESDET- Cooperativa de Ensino Superior de Desenvolvimento Social, Econ6mico e Tecnol6gico, CRL
I NTE RVE N <:AO SOCIAL Ano XV- Junho 2005- N. 0 31
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Sumario 7
Editorial Artigos
11 I Ciencia Politica, Politicas Publicas e a Emergencia de Novos Conceitos Politicos: Cristina Montalvao Sarmento
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I A Fragmentaflio do Mercado de Trabalho: Os Desajios levantados pelos novos Desenvolvimentos: Eduarda Ribeiro
65 I Economia Social: Conceitos, Fundamentaflio Teorica e Principais Desafios: Joaquim Croca Caeiro
85 I A EducafliO com o Eixo essencial do Desenvolvimento susentado. A Reeinvenflio da EducafliO pela Comunidade. Ernesto Fernandes
99 I A Politicas Saude: Envelhecimento e Cuidados Continuados. Paula Caiano
1291 Os Novos Desafios da Competitividade e as Implicafoes no Emprego. Ivo Antunes Dias
1631 Andlise Politica de Cuidados na Velhice em Portugal. Maria Irene Carvalho
1931 Planos de Fomento Nacional no Contexto do Desenvolvimento Economico Joaquim Croca Caeiro
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INTERVEN<;:AO SOCIAL,
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Editorial As politicas publicas, entendidas ''como um conjunto de ac(ifes interrelacionadas entre si, tomadas por um actor ou conjunto de acto res politicos respeitantes a escolha de objectivos e meios para os alcan(ar no contexto de uma situa(iiO especifica, devendo estas decisoes, em principio, situar-se no dmbito do poder que estes actores tem para os alcan(ar", tern hoje, uma imporrancia acrescida no contexto da tomada de decisao dos orgaos politicos e par maioria da razao, das ac<;:6es levadas a cabo pela sociedade civil. Acresce, a sua imporrancia, no ambito do desenvolvimento economico, enquanto resultante do crescimento economico acompanhado de melhoria na qualidade de vida, mormente na dos indicadores de bem-estar social e economico (pobreza, desemprego, desigualdade, condi<;:6es de saude, alimenta<;:ao, educa<;:ao e habita<;:ao). E neste entendimento que o presente volume da Revista Interven<;:ao Social, procura analisar e destacar algumas areas de interven<;:ao das pollticas e principalmente evidenciar a sua actua<;:ao ao n1vel do desenvolvimento economico em geral e no dom1nio da melhoria do bem-estar social e economico de forma particular. Efectivamente, o conteudo dos artigos tematicos que se publicam agora, tern coma objectivo primeiro enquadrar as politicas publicas no ambito da sua actua<;:ao espedfica de contribuir para a melhoria do desenvolvimento economico e social, quer pela apresenta<;:ao de estudos de caso, orientados para a supera<;:ao das dificuldades encontradas no seio da sociedade civil ao n1vel do defice de bem-estar economico e social, quer pela perspectiva introdutoria ao n1vel dos conceitos das politicas publicas. E isto, que evidencia o artigo da Cristina Sarmento, pelo qual, avalia a emergencia dos novas conceitos que imp6em tambem novas metodologias no campo da investiga<;:ao, da analise e da avalia<;:ao das politicas publicas. Ja o trabalho da Eduarda Ribeiro se enquadra na primeira tematica ao reflectir acerca das problematicas do emprego e principalmente no dom1nio da segmenta<;:ao do mercado de trabalho, apontando solu<;:6es no campo da politica economica e social para colmatar as desigualdades do mercado, provocados pelo desemprego, pela pobreza e pela descrimina<;:ao.
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Inrervenc;:ao Social
Ernesto Fernandes, evidencia urn campo cspcdflco da polftica social, a politica da educac;ao, como forma de supcrar os dilctnas cducacionais que se vao colocando corn acuidade. 0 problema do envelhecimento e as situac;ocs que daf dccorrem como problemas sociais, sao analisados por Paula Caiano, que de ((mna cspedfica relaciona aquele fen6meno corn as despesas de sat'tdc c de cuidados continuados no sentido de procurar evidenciar a import:lllcia c pcrspectivas futuras daqueles cuidados junto da populac;;io idosa. Os mercados concorrenciais e a competitividadc s:io o mote do tema apresentado por Ivo Dias, no sentido da sua articuia<,路;io com o fCn6meno da globalizac;ao e o seu impacto na segmentac;ao do mcrcado de trabalho e na precarizac;ao do emprego. Tambem no ambito das polfticas de intervenc;;io na tcrccira idade e especificamente, no plano da politica social de cuidados na vdhice, e o tema apresentado por Maria Irene Carvalho, problcmat izando o modo como a sociedade portuguesa interage nessas qucst6cs. Finalmente, no aspecto do desenvolvimento ccon6n1ico c social e no contexto da importancia da execuc;ao das politicas pt'thlicas, a tcm<itica da economia social, nomeadamente no que se referc ;t sua prohlcmatizac;ao, e o tema apresentado por Joaquim Caeiro. 0 mesmo autor aprcscnta, neste contexto, a tematica dos pianos de desenvolvimcnto, cvidcnciando a sua importancia na epoca e ao mesmo tempo, a sua dinfunica no incentivo a economia nacional do seu tempo. A terminar, o agradecimento a todos os colahoradorcs da Revista Intervenc;ao Social, por possibilitarem a realizac;ao de mais um nt'unero, cuja tematica e da maior importancia nos ternpos que v;io atravessando a sociedade portuguesa e as exigencias que se colocam ao Estado e a sua intervenc;ao no ambito das politicas publicas.
Joaquim Caeiro
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Artigos
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Cristina Montalvao SARMENTO*
Ciencia Politica, Politicas Publicas ea Emergencia de Novos Conceitos Politicos A ciencia politica contempordnea e o produto de um conjunto de rejlexoes e de andlises dos ftn6menos politicos amadurecidos ao longo da experiencia politica ocidental. 0 ajustamento da ciencia politica para o estudo da acrao politica, em particulm; do Estado, abriu um novo sector de estudos que em sentido lato, pode ser definido como a andlise das politicas publicas. Novas leituras dos conceitos tradicionais aliadas aplicarao de metodowgias e de uma semdntica propria, ftz eme1gir novas conceitos que hoje se expandem, inclusive, ao estudo das relaroes internacionais.
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A crencia politica contemporanea e o produto de urn conjunto de reflexoes e de analises dos fen6menos politicos amadurecidos ao longo da experiencia politica ocidental. De tempos a tempos, surgem novas questoes, e faz-se apelo aos metodos disponiveis, estudando em concreto as tematicas que parecem mais significativas. Muitos fen6menos politicos tern hoje, uma dimensao internacional e supranacional. Estes factores afectam o funcionamento, ou mesmo o nascimento ea morte dos regimes politicos. Se a globaliza<_;:ao tern algum sentido, e tern certamente mais do que urn, ela significa, entre outras coisas, que a politica tern que enfrentar desafios que ja nao constituem questoes internas dos Estados ou de sistemas politicos isolados, mas que ultrapassam as fronteiras nacionais, exigindo respostas que os Estados ou os sistemas politicos ja nao podem fornecer por si s6s. Deste modo as politicas publicas estao sujeitas a processos de contigio, interferencia, imita<_;:ao e emula<_;:ao. Todavia antes de se avan<_;:ar para a explora<_;:ao das respostas que vao sendo tentadas, veremos como a ciencia politica chegou ao estudo das politicas publicas, em particular no contexto dos limites nacronars. * Doutorada em Ciencia Politica. Area de Teoria Politica. Professora Auxiliar do Departamento de Estudos Politicos da Universidade Nova de Lisboa e Sub-directora do Cenrro de Hist6ria da Cultura da Universidade Nova de Lisboa.
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I Cristina Montalvao Sarmento
Nas primeiras analises classicas, de Maquiavel a Hobbes, para sermos mais precisos, o problema consistiu em criar uma ordem polftica par meio do controle do poder no interior de limites bem definidos. Mais tarde, o problema transformou-se na criac;:ao de urn Estado pluralista coma em Locke ou democratico corn Tocqueville e os federalistas americanos. Finalmente corn Hegel e os historicismos alemaes o problema era o de urn Estado forte capaz de assegurar urn compromisso entre as classes sociais (Kelsen). Consolidadas que foram as formac;:6es estaduais, as atenc;:6es viraram-se para as modalidades de formac;:ao, mudanc;:a e substituic;:ao das classes dirigentes onde sera a teoria das elites que fornecera urn rico filao de investigac;:ao. Esta fase rica de entusiasmos e de desafios, foi csmagada pelo fascismo e pelo nazismo, que condenou toda a reflexao politica, e, sera a grande diaspora dos estudiosos alemaes que id. revigorar as ciencias sociais nos Estados Unidos. A inegavel autonomia do politico apreendida em cxpcriencias tao distantes coma o nazismo ou o estalinismo, carecendo de uma analise especificamente polftica, aliou-se a difusao de analises de antropologia polftica que podiam ser definidas como sem Estado mas nao sem politica, abrindo caminho a absoluta necessidade de qualificar o poder como politico e de nao remeter de modo tautol6gico para o Estado, ja que sociedades sem Estado manifestavam consistente e visivelmente a existencia de actividades politicas e, Estados corn constituic;:6es politicas, manifestavam poderes substantivamente diferentes do seu texto constitutivo. Por esta via chegamos, a uma nova definic;:ao de polftica, que corn os contributos de autores como Gramsci, se transforma numa actividade de afectac;:ao imperativa de valores a uma sociedade. Ou seja, uma analise que tern em conta a complexidade das interacc;:6es entre os componentes do sistema e que pretende descreve-los e avalia-los na sua dinamica e nas suas consequencias, foi-se impondo progressivamente. Hoje, sabemos tambem, que nao ha coincidencia necessaria e obrigat6ria entre a actividade politica e uma determinada forma de organizac;:ao, o que foi demonstrado pelas formas路de participac;:ao politica heterodoxa da decada de sessenta, manifestadas por via nao institucional. Deste modo, a politica encontra-se na obrigac;:ao de indagar acerca de fen6menos cada vez mais espalhados e difusos que se ampliaram, porque lNTERVENc;:Ao SOCIAL,
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na onda do Keynesianismo, se estendeu o ambito de intervenc;:ao do Estado, em muitas areas da vida da sociedade. A sua abordagem obrigou ao abandono meramente descritivo e formalista que ate ai se fazia sabre as principais organizac;:6es politicas. Hoje, estudam-se os processos politicos de decisao, descrevem-se as disposic;:6es institucionais e a sua influencia naqueles processos, a caracterizac;:ao dos participantes, a avaliac;:ao da incidencia e dos efeitos da sua acc;:ao, no seio do Estado, o que tern contribuido para a renovac;:ao de algumas das problematicas classicas da ciencia da politica. Este ajustamento da ciencia politica para o estudo da acc;:ao politica, em particular, do Estado, abriu urn novo sector de estudos que em semido lata, pode ser definido coma a analise das politicas publicas. Pretendeu-se reabilitar a subsd.ncia, o conteudo dos gestos e das intervenc;:6es estatais. Implicita estava a aceitac;:ao que o poder era passivel de ser visualizado nos recursos disponibilizados, nos procedimentos escolhidos, nos publicos que se administram, nos engenhos colectivos que os politicos, a administrac;:ao ou simplesmente os burocratas transformam em problemas, em decis6es, em intervenc;:6es e finalmente objectivam em orc;:amentos. Entre nos, poucos se dedicaram a analise das politicas publicas, e sobretudo esqueceram-se as dificuldades metodologicas que o seu estudo levanta 1â&#x20AC;˘ Corn efeito, Ciencia Politica e Ciencia da Administrac;:ao foram consideradas disciplinas pouco relacionadas num universo em que o Direito Administrativo tradicionalmente dominava o cenario de reflexao sabre a Administrac;:ao Publica, quer quanta ao seu funcionamento, quer quanta a sua organizac;:ao 2 â&#x20AC;˘ Esqueceu-se que o Estado-providencia correspondia a uma remodelac;:ao do sistema politico. E certo que foi o crescimento das actividades nomeadamente administrativas que redistribuiu e organizou politicamente em novas bases o tecido social. Deste panto de vista, a passagem de urn Estado minima medindo as suas acc;:6es par func;:6es realistas a urn Foram entretanto publicadas as Aetas do I Encontro Nacional de Ciencia Polftica, sob o titulo A Reforma do Estado em Portugal, Problemas e Perspectivas, Lis boa, Bizancio, 200 l. Nesta e visivel urn esforc;:o de reoriemar as preocupac;:6es dos novas investigadores. Cfra em especial pp. 537-641. 2 No contexto do Direito Administrativo surgem contributos essenciais referentes nomeadamente as relac;:6es Estado/Administrac;:ao-particulares, v.g., Cadenws de justira Administrativa, contribuem indirectamente para a flexibilizac;:ao destas tematicas, situando-se todavia no dominio juridico. 1
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Crisrina Momalvao Sarmento
Estado social desejoso de pacificar as desordens econ6micas, de redistribuir riquezas e de corrigir as desigualdades sociais marcou urn panto charneira no desenvolvimento da materia3 â&#x20AC;˘ E ainda sintomatico, que na maior parte dos paises ocidentais a dinamizac:;:ao da disciplina tenha coincidido corn fases governamentais de natureza reformista e modernizadora, nomeadamente, as politicas contra a pobreza nos Estados Unidos da America corn as presidencias Kennedy e Johnson e, as politicas de modernizac:;:ao administrativa, em Franc:;:a e na Alemanha, respectivamente coma o gaulismo e a coligac:;:ao liberal social-democrata4 â&#x20AC;˘ 0 modelo de Estado providencia surgiu, por consequencia, coma terreno de origem da especialidade, mas nao se esgota nele, pelo que se tornou necessaria ultrapassar 0 ambito da avaliac:;:ao juridica das reformas administrativas. 0 estudo das politicas publicas surgiu coma urn esforc:;:o para fazer emergir a parte nao visivel, institucionalmente f1uida, das actividades governativas, para alem do seu enquadramento formal.
Conceitos tradicionais: usos e leituras
Toda a abordagem contemporanea, que verse sabre campos cientificos recem criados, nao deve prescindir das analises dos classicos. 0 processo de adequac:;:ao dos diversos modelos elaborados para descrever os processos reais de formulac:;:ao, execuc:;:ao, avaliac:;:ao e revisao das politicas publicas, nao e excepc:;:ao. A constatac:;:ao crescente de que a maior parte de nos pertence, inevitavelmente, a numerosos grupos, que incluem, desde as familias em que nascemos, ate a variabilidade das organizac:;:oes muito maiores, coma as escolas, as universidades ou as empresas, foi acompanhada pela indiscutiPara a rela<;:ao entre o modelo de Esrado e a origem da disciplina e fundamental a apresenta<;:ao de Jean-Ciaude Thoenig ao Tomo IV do Traite de Science Polirique, (org) Grawitz, Madeleine & Leca, Jean, Paris, PUF, 1985, inreiramente dedicado as PoHricas Publicas e tido por referencia coma primeira obra colectiva no horizome cientifico frances. 4 Sabre o Estado-providencia salientamos em particular os ja classicos rrabalhos de Pierre Rosavallon, La Crise de L' Etat-Providence, Paris, Seuil, 1981 (trad. port. de Isabel Aubyn, Lisboa, Ed. Inquerito, s.d.,l2aed. 19841 ) e mais recememente, La Nouvelle Question Sociale-Repenser L 'ÂŁtatProvidence. Os periodos a que fazemos referencia sao citados por Jean Badouim, Introduction a la Sociologie Politique, Paris, Seuil, 1998, p. 261. Entre nos Mozzicafredo, Juan, Estado-Providencia e Cidadania em Portugal, Oeiras, Celta, 1997.
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vel nos;ao que os grupos e as organizas;6es dominam muito das nossas vidas, e os seus sistemas de autoridade implicam, influenciam e constrangem consistentemente o nosso comportamento. A sociologia em geral e a sociologia das organizas;6es em especial tern prestado atens;ao a estas formas de dominio e nenhum sociologo da actualidade prescinde da sua analise 5 â&#x20AC;˘ Neste ambito, as principais criticas sobre as limitas;6es das perspectivas juridicas no estudo da acs;ao do Estado, vieram dos estudos sociologicos. Estes, ao perspectivarem o Estado, como uma grande organizas;ao, afastaram a figura(_;:ao ideologica de urn Estado antropomorfizado, corn os seus 6rgiios de poderes, divididos e supostamente controlados, criado pelos juristas. Podemos pois, afirmar, que as primeiras reformulas;6es do estudo da acs;ao do Estado 6 foram originariamente de ambito sociologico. Nas perspectivas brit:lnicas, numa primeira fase, que se pode identificar, do pos guerra ate adecada de sessenta, o Estado foi analisado no foro da Ciencia da Administras;ao, para na decada de sessenta assumir o Westminter model ou seja uma descris;ao corn determinas;6es eticas que s6 nos anos setenta seria seriamente discutida corn as criticas provindas da sociologia das organizas;6es e que se manifestaram paradigmaticamente, no Congresso de York em 1971. Em Frans;a, o ataque ao positivismo formalista, tern a mesma origem e datas;ao, e serao as duvidas levantadas pelo estudo das organizas;6es, que orientaram a analise do Estado-pessoa, para uma multiplicidade de actores, esclarecendo os caminhos sinuosos da aplicas;ao da lei, alterando a conceps;ao da relas;ao centro-periferia, pondo, em quesrao, a centralizas;ao do Estado Prances. Por sua vez, os alemaes, embora no pos guerra tenham centrado o debate politico na analise das instituis;6es e da cultura democratica, cedo perceberam que a partilha de poderes institucionais encaminhava o estudo da acs;ao do Estado, para o estudo da capacidade dos sistemas politicos em organizar a coordenas;ao entre actores colectivos aut6nomos, publicos 5 Vide
por ex. Amhony Giddens, Sociologia, Lisboa, Fundac;ao Calouste Gulbenkian, 1997, p. 347 a 374. G Para uma perspectiva desenvolvida dos estudos de politicas publicas no tempo, em Fran"a, na Alemanha, no Reino Unido e nos Estados Unidos da America veja, Sarmento, Cristina Montalvao, Politicas Publicas e Culturas Nacionais>>, Cultura. Revista de Hist6ria das Ideias, Ciencia Politica, n° XVI/ XVII, Centra de Hist6ria da Cultura, Universidade Nova de Lisboa, pp. 461-498. lNTERVENc;:Ao SOCIAL, 31, 2005
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Cristina Monralvao Sarmenro
e privados, salientando o peso dos imeresses organizados na modelas;ao da acs;ao estatal, matriz dos estudos ao longo das decada de sessenta e setenta. Os estudos americanos, foram tambem marcados essencialmente pela sociologia das organizas;6es, mas, estiveram simultaneamente fundados numa visao econ6mica da racionalidade individual, pelo que oscilaram entre as ops;6es hegem6nicas dos pluralistas e dos te6ricos da escolha racional mas nao se afastam das grandes linhas enunciadas. Preocupados corn quem governa, e como reagem os governados, as politicas publicas surgem no espas;o norte-americano sobretudo como uma variavel dependente das respostas encontradas aquelas perguntas. Estes desenvolvimentos, que atribuiram ao Estado dificuldades na sua acs;ao voluntarista ou estrategica, obrigaram a que este fosse percebido como uma grande organizas;ao. Ora, no tocante as grandes organizas;6es modernas e, hoje, do entendimento comum, que todas sao naturalmente burocratizadas. 0 que determinou que fossem recuperados os desenvolvimentos hist6ricos e os conteudos tradicionais ligados ao conceito de burocracia. De facto, a burocracia, inventada em 1745, pela criatividade de De Gournay, que juntou a palavra "bureau" do frances, significando quer escrit6rio, quer mesa de escrever, o termo "cracia'', derivado do verbo grego "governar", dotou-a, na sua origem, de uma conotas;ao relacionada corn o poder, ou governo, dos funcionarios. Este termo aplicado, inicialmente, apenas aos funcionarios do governo, ampliou-se gradualmente as grandes organizas;6es em geral. 0 conceito eivado de elementos depreciativos, era descrito por De Gournay, para referir o desenvolvimento do poder dos funcionarios que apelidava de "doens;a chamada buromania" e o proprio Balzac, retratou-a como "o pod er gigante dos pigmeus". A persistencia deste conteudo associou o conceito de burocracia, a ineficiencia, ao desperdicio e ao abuso de poder ilegitimo. Nesta orientas;ao, uma das mais celebres discuss6es acerca da burocracia e a famosa "lei de Parkinson". 0 critico Northcote Parkinson7 defendeu a tese que os funcionarios aumentam informalmente a esfera do seu trabalho, de modo a ocupar o tempo livre de que possam dispor. Deste modo, as burocracias tendem a crescer, nao porque os funcionarios ten7 Cfra
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ham novas deveres, mas porque tern de ser vistas como constantemente ocupados. Criam tarefas que realmente nao existem, e dep_ois, tern que supervisionar os seus subordinados, que, por sua vez, passam muito do seu tempo a escrever relat6rios e memorandos para eles. Neste processo continua, as fun<;:6es cometidas a burocracia, seriam claramente desnecessarios a maior parte do preenchimento de impressos, da escrita de memorandos e do arquivo de documentos que dela fazem parte. Contudo, muitas outros escritores tern vista a burocracia a partir de outro angulo. Acentuam o modelo de esmero, de precisao e de administra<;:ao eficiente. Lembram que a burocracia tern sido a forma mais eficaz de organiza<;:ao que os seres humanos conceberam, pois tadas as tarefas sao reguladas por normas escritas de procedimento. A explica<;:ao mais influente da burocracia foi fornecida pelos estudos de Max Weber, que abriram caminho, entre aqueles dois extremos. Weber escrevia, ja antes de 1920, que a expansao da burocracia nas sociedades modernas se tinha tornado inevit:ivel. 0 desenvolvimento da autoridade burocratica8 constituiria a unica forma de lidar corn as exigencias administrativas dos sistemas sociais em larga escala. Para Weber, a politica enquanto conjunto dos comportamentos humanos que incluem a domina<;:ao do homem pelo homem, funda-se na obediencia as prescri<;:6es legais ou aos interpretes e executantes da propria legalidade, e nao aos indivfduos. As motiva<;:6es de obediencia sao de natureza essencial. A domina<;:ao e racional e an6nima e depende da continuidade da domina<;:ao da existencia de uma ac<;:ao burocratica, que da origem ao poder burocratico, classificado como o poder especializado na elabora<;:ao do formalismo legal e na conserva<;:ao da lei escrita e dos seus regulamentos. Neste sentido a burocracia, nao e apenas uma singularidade das sociedades ocidentais. 0 novo Reino do Egipta, o Imperio Chines, a Igreja Cat6lica Romana, os Estados Europeus tiveram burocracias, como tern a sua burocracia a empresa capitalista moderna de grandes dimens6es. 0 que a define sao certos tra<;:os estruturais. E, neste entendimenta, urn modelo de autoridade racionallegal, reconhecendo-lhe urn valor heur1stis Para uma descric;:ao narrativa da burocracia em Weber , veja, Cristina Monralvao Sarmento, " Max Weber, A Politica do Poder" in Elites e Poder (Coord. de A. Marques Bessa), Lisboa, ISCSP, 1997, em especial, pp.l2-52.
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co fundamental pois constituiria o tipo de organizac;:ao que tecnicamente, " e capaz de atingir o mais alto grau de eficiencia, sendo o mais racional e conhecido meio de exercer o dominio sobre os homens; Superior a qualquer outro em todos os sentidos: precisao, estabilidade, rigor disciplinar e confianc;:a. Permite um elevado d.lculo dos seus resultados e e aplid.vel de forma universal a todo o tipo de tarefas" 9 â&#x20AC;˘ Reconhecendo que o desenvolvimento da moderna forma de organizac;:ao coincide nos mais variados sectores corn a continua expansao da administrac;:ao burocd.tica, e no moderno Estado Ocidental que tal fen6meno se torna mais crucial, sendo indispensavel as necessidades da administrac;:ao de massa. Na opiniao de Max Weber, capitalismo e burocracia, sao interdependentes. 0 capitalismo constitui a base econ6mica mais racional para a administrac;:ao burocratica e possibilita o seu desenvolvimento racional, ate porque do ponto de vista fiscal, lhe fornece os recursos monetirios requeridos. Do mesmo modo, o capitalismo criou a necessidade de uma administrac;:ao estivel, rigorosa, e intensiva. A descric;:ao de Max Weber, embora corn conceitos diferentes, assemelha-se um tanto a de Tocqueville 10 â&#x20AC;˘ Quanto mais a modernidade se imp6e, mais a parte da organizac;:ao an6nima, burocd.tica e racional, se alarga. Esta organizac;:ao racional e a fatalidade das sociedades modernas. Estas analises dao primazia as relac;:6es formais. Quanto mais burocratizada e uma organizac;:ao, tanto mais os servic;:os sao fixos e detalhados. Pouco se diz sobre as ligac;:6es informais e as relac;:6es de pequenos grupos, que existem em todas as organizac;:6es. Nas burocracias, os modos informais de actuac;:ao sao muitas vezes a principal maneira de se encontrar um certo grau de flexibilidade. Num estudo que se tern vindo a tornar classico nestas materias, Blau 11 analisou as relac;:6es informais num departamento governamental constatando que a margem das relac;:6es formais 0 grupo foi capaz de desenvolver procedimentos informais, que permitiam maior iniciativa e responsabilidade do que a atribuida pelas normas formais da organizac;:ao. Os sistemas informais tendem a desenvolver-se em todos os niveis das organizac;:6es. Os 9 10
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Idem, ibidem. Para A. de Tocqueville, o principal risco da igualdade progressiva da condi,ao seria a vivencia analoga, de individuos vivendo na igualdade da impotencia e da servidao. Peter Blau, The Dynamics of Bureaucracy, Chicago, Chicago University Press, 1963.
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la<;:os e as conexoes pessoais podem ser mais importantes na estrutura real do poder do que as situa<;:oes formais nas quais as decisoes sao supostamente tomadas. Sabermos ate que ponto, os procedimentos informais coadjuvam ou constituem obsticulos a eficacia das organiza<;:oes, nao e uma questao simples. Estes sistemas tendem a originar urn vasto numero de formas nao oficiais de agir. Em parte, isto acontece p01路que a flexibilidade que falta pode ser adquirida por ajustamentos nao oficiais das regras formais. As maneiras informais de actuar podem ajudar a criar urn ambiente de trabalho mais satisfat6rio. As liga<;:oes informais entre funcionarios superiores podem ser eficazes apoiando a organiza<;:ao como urn todo. Todavia os envolvidos podem estar mais preocupados em subir ou proteger os seus pr6prios interesses, o que naturalmente levanta novas questoes. Os temas organizacionais, suscitados pela sociologia das organiza<;:oes, a evolu<;:ao dos modelos de estudo da administra<;:ao, no ambito academico, e, finalmente, a recupera<;:ao dos conceitos tradicionais de burocracia, assim como o estudo da dinamica das rela<;:oes informais, no seio da administra<;:ao, veio renovar o interesse da ciencia politica por estes domfnios. Inicialmente, o olhar dirigiu-se para as fontes de poder, e muitos dos estudos submeteram-se a teoria das elites que e urn dos caminhos possfveis para onde nos dirige o percurso. No entanto sem se submeter a esta e criando uma zona aut6noma relativamente aos grupos de pressao, a aten<;:ao foi progressivamente sendo focalizada na ac<;:ao politica.
Metodologias pr6prias: qualifica<;6es e conteudos
As politicas publicas situam-se neste universo e a literatura que lhes e consagrada abre estimulantes perspectivas. 0 funcionamento governamental esta permeado por zonas cinzentas e conflitos. P01路que come<;:ou por se privilegiar uma visao atomista ao sublinhar as especificidades, as diferen<;:as e as particularidades de segmentos da ac<;:ao do Estado, as politicas publicas surgiram como configura<;:oes cambiantes de interesses, como franjas soltas, adoptando as mais diversas metodologias de analise. A maioINTERVENc;:Ao SOCIAL,
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ria dos trabalhos pioneiros nesta materia partiu da analise de politicas publicas sectoriais 12 â&#x20AC;˘ Por consequencia, a denomina<;:ao andlise das polfticas publicas federou uma multiplicidade aparentemente anarquica de metodologias, criando por essa via urn novo terreno academico, que veio a agregar-se institucionalmente a ciencia polftica af gerando uma ramo aut6nomo 13 â&#x20AC;˘ Consequentemente estamos a postular que existe urn ambiente de trabalho que visa aproximar-se do estudo da politica pela analise das policies transformando e alterando radicalmente a tradicional e classica divisao entre ciencia da polftica, a polftica e as polfticas, isto e, a muito britanica divisao entre political science, politics e policy. Simultaneamente constatamos que, por urn lado, a analise das polfticas publicas e uma ocasiao excepcional de transversalidade intelectual e consequentemente de transposi<;:ao de barreiras academicas; e por outro lado, transforma-se no local de reuniao das elites polftico-administrativas e das ciencias sociais, ao dar origem a instancias colegiais, pela institucionaliza<;:ao progressiva da avalia<;:ao das polfticas publicas. Deste modo a analise das polfticas publicas colocou o estudioso da politica no corac;ao das regulamenta<;:6es polfticas e sociais, na articula<;:ao sensfvel do Estado e da sociedade civil. 0 que levou muitos estudiosos a assumir a verdadeira dimensao polftica que o estudo das polfticas publicas pode conter. No sentido mais comum e geralmente aceite sem discussao, o interesse da academia pelo estudo das polfticas publicas foi consequencia directa das crescentes competencias estatais provocadas pelas concepc;6es acerca do Estado, espe12
Nao sao negligenciaveis os esfor<;os de analise que entre nos tern sido recentemente realizados em m{dtiplas direc<;oes sectoriais, sejam nas politicas sociais, como v.g. H. Medina Carreira, As Polfticas Sociais em Portugal, Lis boa, Ed. Gradiva, 1996, ou numa perspectiva de avalia<;ao e diagnostico coma o grupo dirigido par Boaventura de Sousa Santos na area da justi<;a, entre muiros outros que nao e possivel aqui referir. Salienta-se ainda uma tentativa de analise "de dentro para fora" do poder em que as proprias institui<;oes ensaiam os seus quadros analiticos, apesar de resultarem por vezes, sobretudo em uteis levantamentos sistematicos, v.g., Maria de Lourdes Lima dos Santos (coord.) As Po!fticas Cu!turais em Portugal: Re!at6rio Nacional, Lisboa, Observatorio das Actividades Culrurais, 1998. 13 A estrutura<;ao do campo cientifico das politicas publicas e mais a historia de urn discurso do que a de uma disciplina convencional. A fragmenta<;ao das publica<;oes neste campo e emblematica das suas multiplas origens. A organiza<;ao dos estudos da "public policy" americana, coma grupo independente data de 1971 mas a sec<;ao das "public policy" na Associa<;ao Americana de Ciencia Politica foi estabelecida apenas em 1983.
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lhadas na simplicidade da faculdade de "fazer" deste, em contraponto corn a faculdade de "exigir" dos individuos, resultante da atribui<;:ao de direitos subjectivos a presta<;:6es materiais. Firmada a base disciplinar num Estado organizador do tecido social, encetaram os cultores desta nova area da ciencia politica urn percurso que partiu das actividades governativas parcelares e atingiu o seu micleo central ao estudar as pr6prias institui<;:6es como fontes de politicas publicasH. Do ponto de vista dos metodos adoptados foram ja ensaiados multiplos meios de esclarecer a ac<;:ao governamental. Inicialmente os estudos sobre politicas publicas ganharam fei<;:ao heuristica ao serem percebidos como instrumentos em que o Estado ficava condicionado a autonomiza<;:ao de toda a referencia externa aparecendo como urn actor estratigico capaz de influenciar a sociedade e detalhar as suas interven<;:6es 15 • Percebidas que foram as limita<;:6es destas perspectivas em que sobressaia a dificuldade da racionalidade da escolha 16 no ambito da decisao publica, a aten<;:ao dos estudiosos voltou-se para a possibilidade de recortar os actos publicos num seria<;:ao sucessiva de fases, iniciada por Lasswell e impulsionada pela grelha de Jones 17 • Este c6modo meio de idemificar os elementos constitutivos de uma politica publica, util para uma primeira aproxima<;:ao a urn processo muitas vezes complexo e ca6tico, demonstrou e permitiu visualizar os multiplos obsd.culos da ac<;:ao publica nas sociedades actuais, em particular, a ocorrencia virtuosa de mecanismos democraticos. Depressa criticado pelos mais cepticos, a enfase das limita<;:6es foi posta na t6nica do seu ambito descritivo, sobretudo por aqueles 14
Como por exemplo, Jean-Louis Quermonne, cfra << Les Politiques Institutionelles. Essai d'interpretation et de typologie ''• in Ti·aite de Science Politique, Op. Cit., pp.61-68. 15 Nesta analise reconhece-se aos intervenientes das policicas publicas uma racionalidade de canicter weberiano. A imagem de urn intervenience animado por convicc,:6es, capaz de definir os seus objectives e de os realizar mobilizando os recursos necessaries e o pano de fundo de grande parte dos escudos empiricos. No outro !ado do Atlantico a escola econ6mica americana dica da Public Choise, animada por economistas de inspirac,:ao neo-liberal e tributaria desta formatac,:ao e nas escolas europeias, a marca distintiva e dada por Michel Croizier, pela introduc,:ao da noc,:ao de actor onde o discurso classico do direito usava a de auroridade, recentrando a analise nos sistemas de acc,:ao e no seu funcionamento. 16 Estas primeiras concepc,:6es sao afectadas pela duvida acerca da racionalidade, sempre limitada, pelo modo incerto, colectivo e sistemico da acc,:ao publica e pela teses acerca da complexidade e ingorvernabilidade crescente das sociedades modernas, num alusao as famosas cadeias de interdependencias de Norbert Elias. 17 Charles Jones, An Introduction to the Study of Public Policy, 3 ed., Brooks, Cole Pub!., 1997.
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que acreditam ser possivel uma apreensao cognitiva do sentido da ae<;:ao publica em geral. A ambiciosa tentativa de explorar a direcs;ao de sentido das politicas publicas sofreu desenvolvimentos frutuosos. Num primeiro momento, a apreensao da regulas;ao politica foi realizada a partir do conceito de neocorporativismo e inscreveu-se numa aceitas;ao previa do prindpio da racionalidade limitada, sendo uma sua especificas;ao conceptual e hist6rica. Chamou a atens;ao para a forma particular de decisao publica contemporanea da instalas;ao do Estado Providencia. A diversidade e o pluralismo dos interesses foram sobrevalorizados e a acs;ao publica foi remetida para uma funs;ao residual que operaria essencialmente ao nivel da concertas;ao de interesses das fors;as em presens;a, numa modalidade relativamente exemplar de agenciamento da sociedade democratica num Estado social 18 â&#x20AC;˘ Desacreditada pela internacionalizas;ao dos processos de decisao que poem em causa a capacidade de iniciativa e de regulas;ao dos actores corporativos aut6nomos, tern-se reconhecido a esta analise a perda de capacidade te6rica para apreender os fen6menos que teoriza. No entanto, reformulac;6es desta perspectiva acentuaram o peso dos grupos particulares na tomada de decis6es. Os grupos de interesse, os servis;os burocriticos e administrativos, e os grupos parlamentares criariam, segundo alguns autores 19 , relacionamentos s6lidos entre si, criando os vectores componentes das decis6es, formam triangulos de ferro, cuja eficicia resulta da participas;ao nas decis6es e na disponibilizas;ao de recursos, de modo satisfat6rio. De certa forma, a produs;ao de politicas publicas nestas perspectivas descritivas e interpretativas de caricter corporativista aproximam-se das partidocraciai 0 â&#x20AC;˘ Nestas o papel de decisor da acs;ao publica e atribuido em grande escala a intervenientes de origem partidaria, cujo controle e substituis;ao pertcnce ao partido, e permite produzir politicas publicas que lhe possam scr facilmente atribuiveis. Mais fluidas mas igualmente pondo a t6nica no agenciamento de interesses e relas;6es epis6dicas, as politicas publicas estariam muitas vezes Esta analise deve aos sucessivos trabalhos de P. C. Schmitter G. Lehmbruch a sua sistematiza~ao e divulga~ao. !9 Veja Pasquino, Gianfranco, Curso de Ciencia Politica, Lis boa, Principia, 2002, pp.252-281. lO Estamos aqui a referir-nos aos Party Government, que por um !ado caracterizam um tipo de governo cuja essencia esta num modelo de decisao publica. 0 que autoriza a inclusao desta designa~ao no ambito da produ~ao de politicas publicas. !8
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dependentes de simples redes temdticas21 , que embora menos esn¡ururadas funcionariam como processos de produs;ao activos. Finalmente, igualmente neocorporativistas seriam as comunidades de politicaP, em que a perspectiva incide no reconhecimento de urn espirito comunid.rio interactivo, em que 0 usufruto das relas;6es pessoais e de vantagens mutuas entre politicos, funcionarios e grupos de interesses assim como de peritos, num sistema de negocias;ao esravel e continuado, poderia explicar muitas das decis6es politicas. Estas diferentes classificas;6es, enquanto modelos de produs;ao de politicas publicas, tern sido relacionadas e comparadas 23 â&#x20AC;˘ Numa outra orientas;ao, urn esfors;o noravel a salientar, na procura de urn modelo cognitivo na produs;ao de politicas publicas, foram os resultados te6ricos dos desenvolvimentos dos estudos praticos encetados pelo grupo identificado como Escola de Grenoble2 4 â&#x20AC;˘ Esta avans;ou uma hip6tese de trabalho que aceita a existencia de vis6es relativament; homogeneas do destino das sociedades consideradas. Avans;ando a nos;ao de referencial, entendido como urn conceito sintetico das dimens6es, cognitiva, normativa e simb6lica, julgadas indissociaveis de toda a acs;ao publica, nos seus estudos concluem que implicita a toda a acs;ao publica estava subjacente urn referencial de actuas;ao passfvel de ser reconhecido na nos;ao de "modernizas;ao". Descentrando a produs;ao das polfticas publicas dos seus actores, num novo acento t6nico no objectivo das mesmas, visa em particular, redescobrir o discurso legitimador que as autoriza. Procurando responder as dificuldades de analise, uma visao essencialmente pragmatica, introduzida por C. Lindblom 25 , defende a inexistencia A denomina<;:ao de Issues Networks ganhou notoriedade a partir do estudo de Heclo, H. << Issue Networks and the Executive Establishment >>, in A. King (coord.) The New Americain Political System, Washington, D.C., American Enterprise Institute, 1978, pp. 87-124. 22 Segundo G. Pasquino, reportando-se a obra de Dente (Dente, B. (Coord.), Le Politiche Pubbliche in ltalia, Bolonha, Il Mulino, 1990, p. 37) as policy communities, representariam a melhor descri<;:ao do processo de produ<;:ao das politicas publicas em Id.lia. Confira p. 260. 23 G. Pasquino, Op. Cit., p. 261. Quadro adaptado de Jordan, A.G., << Iron Triangles, Wolly Corporatism, or Elastic Nets: Images ofThe Policy-Process,, in journal ofPublic Policy, Fevereiro, 1981, pp.95-123. Pasquino introduz-lhe as policy communities. 24 0 CERAT(Centro de Estudos e de Investiga~ao sobre a Politica, a Administra<;:ao, o Terrir6rio e a Cidade) fundado por Bruno Jobert e Pierre Muller, foi o centro de actividades e de estudos empiricos que provocou o interesse destes auto res publicada na obra con junta, L 'Etat en Action. Politiques Publiques et Corporativisme, Paris, PUF, 1988 e de Pierre Muller, Politiques Publiques, Paris, PUF, 1987. 25 Charles Lindblom e E. Woodhouse, The Policy-Making Process, 3 er ed, Englewood Cliffs, Prentice-Hall, 1993. 21
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de momentos fundadores na acc;:ao publica. Neste caso nao poderiamos ver as politicas publicas coma processos mas avaliar apenas os modelos de decisao. As autoridades publicas limitam-se a micro-regulac;:6es que alteram apenas as margens da legislac;:ao existente, para ajustamentos estaveis de inreresses socialmente divergentes. Teriamos apenas uma sucessao de mudanc;:as de baixa intensidade criando urn cenario de tipo incrementalista de transformac;:ao progressiva, pluralista e negociado da sociedade, a que tambem se poderia designar de fomento desconexo. Esta ultima designac;:ao acenrua o caracter fragmentario e reversivel das decis6es publicas. Finalmente, alguns aponram vigorosamente as patologias da acc;:ao publica. Nomeadamente, os norte-americanos March e Olsen 26 , ficaram famosos par que aplicaram o conceito de anarquia organizada as politicas publicas acentuando a impossibilidade de responsabilizac;:ao par muitas das decis6es publicas face a conjugac;:ao de tres 01路dens de factores. A existencia de conrextos de acc;:ao, a mudanc;:a constante de pessoas no ambito das organizac;:6es e a existencia de tecnologias deficientemente controladas, criariam urn conjunro heterogeneo, em que problemas e soluc;:6es se cruzam sem se reencontrarem em decis6es efectivas. Esta configurac;:ao opaca geraria verdadeiras disfunc;:6es e irresponsabilidade individual e colectiva. Finalmente, outros, mais radicais, encaram as politicas publicas explicitamente coma a coexistencia conflitual de decis6es e nao decis6es, associando estas ultimas a escolhas conscientes. Baseados no modelo decisional de Dahl, Bachard e Baratz27 invertem-no para concluir em favor da existencia de urn poder negativo. Nao decidir, pode consequentemente constituir uma forma dominante da acc;:ao governamental. Esta inventariac;:ao e sistematizac;:ao, permite afirmar que o estudo das politicas publicas comec;:ou par aceitar o Estado coma entidade aut6noma, simultaneamente interessando-se par descodificar coma o processo das suas decis6es se desenrolava no tempo ou coma podia ser melhorado. Aceitando as limitac;:6es das perspectivas iniciais, a partir do neocorporativismo, avanc;:ou-se para a caracterizac;:ao dos modos de acc;:ao dos diferentes grupos e inreresses em presenc;:a, para finalmenre descodificar em ----路路路---
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J.G.March e J.P.Olsen, Ambiguity and Choise in Organizations, Bergen, Universitetsforlaget, 1976. 27 Cfra P. Bachard e M.S.Baratz, <<Decision and non decisions: na analitic framework>>, in American Political Reviezu, no 57, pp. 632-642, 1963.
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que sentido e orienta<;:ao eram implementadas as decis6es, como na pratica eram tomadas ou simplesmente p01路que nao o eram. Em qualquer dos casos o caminho encetado permitiu caracterizar o poder do Estado. Deste modo o desenvolvimento dos estudos sobre pollticas publicas alimentou-se de importantes debates. Este crescimento determinou tambem urn fechamento que durante algum tempo pareceu afastar os especialistas das politicas publicas da restante investiga<;:ao efectuada sobre o poder. Como pode o estudo da concreta ac<;:ao do poder ser ignorado pela ciencia politica se esta assume a procura teimosa dos fundamentos empiricos das manifesta<;:6es do poder e se encontra na intersec<;:ao da teoria e da pratica polltica? Embora, as respostas a estas quest6es ultrapassem, naturalmente, o ambito deste artigo, afirmamos aqui, que este fecho se deveu sobretudo a introdu<;:ao de uma nova aparelhagem conceptual e terminologica que fez emergir novos conceitos apenas conhecidos pelos investigadores de pollticas publicas, mas que, doravante, farao progressivamente parte obrigatoria do dicionario dos esrudos politicos.
Conceitos novos: emergencia e expansao
Sendo certo que muita da terminologia nao e absolutamente inovadora, a aparelhagem conceptual utilizada pelos estudiosos de politicas publicas ganhou uma marca distintiva propria. Como vimos nas primeiras analises estrategicas, e da sua natureza propria, reconhecer aos intervenientes das politicas publicas uma racionalidade espedfica. Sera neste ambito que a nor;iio de actor, ficari famosa corn os estudos de Croizier28 , denomina<;:ao que surge em Fran<;:a, na sequencia do famoso Estado - especticulo de Schwartzenberg29 , e ganha urn novo conteudo. 0 Estado passa a ser considerado como urn conjunto de actores. 0 conceito de actor deixa de ser coincidente corn o de autoridade normativa, cara a ciencia do direito, na medida em que facrualmente 28
Croizier, Michel, Etat Modeste, Etat Moderne. Strategies pour un autre Changement, 2" ed., Paris, ed. Seuil, 1991. Idem, Le Phenomene Bureaucratique. Essai sur !es tendances bureaucratiques des systemes d' Organisation modernes et sur !eurs relations en France avec le systhne social et culture!, Paris, ed. Seuil, 1963.Idem, L 'Acteur et le Systeme, Paris, Seuil, 1977.Idem, On ne change pas la societe par deo路et, Paris, Grasset, 1979. 29 Schwartzenberg, Roger-Gerard, 0 Estado Espectdcu!o, S. Paulo, Difel, 1978. lNTERVENc;:Ao SociAL, 31, 2005
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as autoridades habilitadas a produzir as decis6es publicas, nao sao os agentes ou actores operativos dessas mesmas politicas publicas. Particularmente provocadora para a razao juridica, este modelo p6e em causa as categorias tradicionais de direito publico enquanto constrw;:6es soberanas, unilaterais, corn fors:a juridica obrigando a relativizar a distins:ao entre actores centrais (governo, assembleias representativas, administras:6es publicas ou colectividades territoriais) que preparariam, conceberiam e implementariam as decis6es e os actores perifericos que seriam meros destinad.rios mais ou menos passivos e resignados. Aparece frequentemente difundida a conclusao de que independentemente da situas:ao concreta o que caracteriza o actor e a capacidade de acs:ao propria, de definir os objectivos, de reunir os meios necessarios e exercer influencia sabre centros de decisao. A sociedade estaria povoada de actores virtuais capazes de se integrar em dinamicas organizacionais. Simultaneamente, em orientas:oes da sociologia politica norte-americana tribud.ria da escola econ6mica dita da Public Choise, animada por economistas de inspiras:ao neo-liberal, o panto de partida e o de fundamentar teoricamente os custos de perturbar o funcionamento de mercado (a eficiencia econ6mica e as suas medidas: o resultado da mao invisivel Pare to). A partir de uma recensao das vi nudes e falhas dos mecanismos de mercado analisam-se as possibilidades do Estado suprir as faltas num contexto de economia do bem-estar30 â&#x20AC;˘ Este previa diagn6stico das fraquezas de eficacia das economias competitivas (economias de escala, bens publicos, externalidades, informas:ao assimetrica e em particular a selecs:ao adversa) permite avaliar a tensao entre eficiencia e equidade. A integras:ao de argumentos normativos sabre redistribuis:ao nas suas perspectivas racionais (exproprias:ao, altruismo e mecanismo de seguro) completa a fundamentas:ao de uma economia politica de redistribuis:ao do rendimento 31 e por consequencia da acs:ao publica governamental, sobretudo no tocante a intervens:ao de cariz social. Fundadas as ingerencias e a panir das nos:6es de actualizas:ao e criterios de investimento que se avans:a para a nos:ao de custos numa 6ptica social. Posteriormente, identificam-se os impactos das intervens:oes, de modo a viabilizar uma analise do custo-efectividade e 30 31
Vide, Nicholas Barr, The Economics of The We/fore State, 3rd Ed, Stanford, Stanford University Press, 1998. Cfra Mueller, D. , Public Choise !!, Cambridge (UK), Cambridge University Press, 1989.
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monetarizar os impactos 32 que possibilitem uma ulterior avaliac;:ao das medidas de ingerencia. Deste modo cruzam-se os paradigmas neo-liberais justificativos da mediac;:ao da acc;:ao governamental racional e estrategicamente orientada, com a aplicac;:ao de criterios de avaliac;:ao. Independentemente da utilidade social a considerar desta anilise, o seu cad.cter afigura-se mais apologetico do que elucidativo. Nestas analises estrategicas, trata-se tao so, de autonomizar um conjunta de estudos que compartilham um patrim6nio semantico em que ocupam um espac;:o privilegiado as noc;:6es de actor, estrategias, recursos, decisoes e racionalidade. Aquilo que a Thoenig chamou une bo!te a outils, diriamos nos, uma caixa de ferramentas. Simultaneamente, estes estudos foram cruzados com as duvidas crescentes acerca da concepc;:ao de racionalidade. Esta afigura-se ultrapassada pelo postulado de um prindpio de racionalidade limitada que resulta do cad.cter necessariamente incerto, colectivo e sistemico da acc;:ao publica. Caricter incerto na medida em que os seus protagonistas nao disp6em de toda a informac;:ao necessaria; as preferencias sao relativas, pot路quanto resultam de diflceis arbitragens; as decis6es surgem mais de um sentimento de satisfac;:ao de acc;:ao suficiente que da optimizac;:ao decisora e, finalmente, a estes factores devem-se somar a tentativa de afastar riscos de perturbac;:ao ou contestac;:ao, que imp6em niveis de negociac;:ao previos. Esta ideia de limitac;:ao da racionalidade apoia-se simultaneamente nas teses contemporaneas da complexidade e da ingorvernabilidade relativa das sociedades modernas. A internacionalizac;:ao das trocas e a mundializac;:ao da economia terao gerado entre actores publicos e privados as ja chamadas cadeias de interdependencias para utilizar a expressao de Norbert Elias, cada vez mais opacas tornando a decisao polltica uma escolha entre possibilidades incertas. As dificuldades geradas por uma avaliac;:ao excessivamente centrada nos actores e nos jogos de actores levou alguns autores a considerar as pollticas publicas do ponto de vista temporal, numa analise que se denominou sequencial, como ji referimos. As pollticas publicas eram agora 32
Vg. Weimer, David Leo; Vinning, Aidam R.; Vinnig, Alan, Policy Analisis: concepts and Pratice, Prentice-Hall, 1998.
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percebidas como conjuntos mais ou rncnos coerentes de inten~6es, decis6es e de realiza~6es imput<iveis a uma autoridade publica visando produzir efeitos no campo social. Nao c por acaso que se popularizou a expressao de grelha de }ond 3 ao quadro clcstinado a melhorar a visibilidade da ac~ao publica. Num primeiro momento estrutural tuna politica publica emerge quando urn conjunto de problemas sao pcrccbidos como quest6es que obrigam as autoridades publicas a inscrcvc-los na sua agenda politica. Esta analise cruzou-se corn a no~ao de rtgenda politica elaborada nos Estados Unidos por Cobb e Elder34 c corn o cstudo de Garraud que tentou sistematizar o processo de coloca~ao cm agenda. Estas novas perspectivas permitiram esclarecer como, na rnaior parte das vezes, as politicas publicas emergem a partir de factorcs estranhos ao poder politico. A identifica~ao publica de urn problema podc surgir a partir de varias possibilidades. Teremos urn modelo de mobilizrtriio quando existe urn trabalho simbolico durante o qual se formam as rcprcscnta~6es colectivas que estruturam a percep~ao de urn problema concreto. Esta tarefa legitima o comportamento das autoridades pt'tblicas c simultaneamente permite urn trabalho militante de grupos mais ou menos restritos capazes de se organizar e mobilizar para politizar o terreno interpelando os responsaveis politicos. Alternativamcntc podcmo-nos confrontar corn urn modelo de oferta publica. Estc c tfpico de periodos eleitorais em regimes pluralistas enquanto momcntos privilegiados de agita~ao e propaganda, momento em que os partidos politicos actualizam os seus programas e definem novos objectivos introduzindo na cena politica temas susceptiveis 'de orientar ou reorientar a intcrvcn~ao publica. Num terceiro cenario de genese de uma politica pt'tblica, o modelo de mediatizar;iio salienta o papel dos medias. A televisao, a r{ldio e a imprensa participam na constru~ao social dos acontecimentos c podem senao provocar, acelerar a coloca~ao em agenda de certos problemas. Teremos os chamados efeitos de informar;iio. Podemos ainda considerar urn modelo de 33 34
Charles ]ones, Op. Cit.. R.W Cobb e Ch. D. Elder, Participation in Americain Politics: The Dynamics ofAgenda Building, Boston, Allyn & Bacon, 1976 e dos mesmos autores, "Agenda Building as a comparative Political Process", in American Political Science Review, LXX, 1, p. 126-138.
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antecipar;iio em que se reabilita a capacidade de iniciativa das autoridades politicas que por si, face a desequilibrios reais ou virtuais concluem pela existencia da possibilidade de urn problema. Esta mobilizac;:ao surgida do centra para a periferia e o local por excelencia do voluntarismo politico: a antecipac;:ao visa prevenir uma fonte potencial de perturbac;:ao. Finalmente urn ultimo modelo, dito de corporativismo designa a existencia de uma procura categorial forte lanc;:ada por uma organizac;:ao ou organizac;:6es poderosas e reconhecidas, que exercem uma pressao silenciosa mas eficaz sobre os instrumentos competentes do poder do Estado. Este ultimo cenaxio transformou-se num filao de investigac;:ao que fez regressar aciencia politica os corporativismos dos anos trinta, agora sob a forma de redes, comunidades, partidocracias, ftruns, triangulos de firro e outras denominac;:6es cujas terminologias dependem das estruturas que se colocam em relevo e do grau de integrac;:ao das mesmas. 0 estudo e a escolha de soluc;:6es representa urn segundo momento estrutural da an8Jise sequencial em que os decisores mobilizam competencias e drculos tecnicos para estudar cenarios, prever custos, estudar a constitucionalidade das medidas legislativas a adoptar. Antecipam o impacto dessas medidas para eliminar o risco de paralisia ou protesto. A execuc;:ao da politica publica designa uma terceira fase em que sao colocados a disposic;:ao das instancias responsaveis os recursos financeiros, os meios administrativos e os equipamentos tecnicos e em que simultaneamente se inscreve legislativamente uma politica publica. Nesta fase identificam-se e podem ser gerados novas ciclos de efeitos perversos e indesejados pela criac;:ao de grupos de veto dentro ou fora da esfera governamental, que obrigam a renegociac;:ao de parte do projecto ou mesmo ao seu desaparecimen to. Seguidamente a avaliac;:ao da politica publica pode ter lugar. Enquanto nos paises anglo-sax6nicos esta e uma tecnica usual destinada a julgar o desempenho das administrac;:6es ea controlar ou aligeirar a intervenc;:ao do Estado, no continente europeu ela e relativamente recente. Entre nos a introduc;:ao da avaliac;:ao das politicas publicas na paisagem politico-administrativa representa uma forte inovac;:ao. Ainda concebida de forma tecnocratica como urn controle posterior, compara apenas as intenc;:6es corn os resultados obtidos, pelo que estamos longe de uma avaliac;:ao realmente INTERVEN<:;:Ao SOCIAL, 31, 2005
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pluralista que sirva de m6bil de empenho colectivo e ocasiao de democratiza<;ao da decisao publica35 â&#x20AC;˘ Num ultimo e quinto momento, a politica publica pode terminar corn o esgotamento do problema que a gerou, ou corn a realiza<;ao de urn programa administrativo determinado. No entanto, o fim aparente da politica publica nao apaga os seus efeitos sociais. Uma politica publica corn inten<;ao reformadora pode tornar-se uma politica rotineira. Salienta-se ainda que normalmente o fim de urn programa nao significa o fim do organismo ou organismos encarregadas de a executar que tendem a sobreviver aos fins para que foram criados. Apesar das criticas a estas analises terem sido consideradas pertinentes por muitos sectores, doravante fazem parte do acervo semantico das politicas publicas as terminologias impostas pelas analises que se debru<;aram sobre os processos de decisao. Agenda, andlise sequencial, mode/os de decisao, efeitos de informar;iio, ciclos, estilos, sector, foses, janelas de oportunidades e incrementalismo sao express6es que irao cresccntemente fazer parte dos vocibulos dos te6ricos das politicas publicas. Muitas destas express6es nao sao novas mas irao ganhar fei<;ao e urn cunho especializado. Finalmente, os ensaios sobre a analise das politicas ptlblicas que se afastaram de urn modelo puramente descritivo, prctendem-se cognitivos. Para estes autores as politicas publicas sao projectos de regula<_;:ao social corn urn sentido preciso, identificivel pela origem que lhe subjaz. No conjunto das analises compreensivas podemos identificar difcrentes paradigmas. 0 primeiro elaborado a partir das realidades, alcma, austriaca e escandinava, apreende a regula<;ao politica a partir do conceito de neo-corporativismo. A iniciativa coube a soci6logos alemacs, Philippe Schmitter e
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A avalia<;ao das politicas ptlblicas e dos sectores da analise do estudo, das politicas que mais se tern desenvolvido nomeadamente porque e a area em que se cruzam maior numero de interesses disciplinares e politicos. No entanto nao e raro encontrar alguma confusao analitica entre andlise e ava!ia(iio o que gera importantes erros de conteudo. Na gre!ha de ]ones a avalia<;:ao e uma fase do processo e independentemente da metodologia utilizada na analise de uma politica publica a avalia<;:ao supoe urn momento ulterior. Reunidas as condi<;:oes para realizar uma avalia<;:ao, tal nao significa que esta seja urn estudo de eficiencia por objectivos, pois pode ser realizada por eficacia, em que os efeitos do programa nao sao comparados com os objectivos desejados mas antes na rela<;ao destes, corn os meios e os recursos investidos. Neste sentido, cfra Bussman, Kloti e Knoepfel, Op. Cit., p. 42-51.
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Gerard Lehmbruch36 e chama a aten<;:ao para uma forma particular de decisao publica contemporanea da instala<;:ao do Estado Providencia. A novidade reside na defesa da representa<;:ao corporativa dos interesses nao ser considerada antagonica ou contraditoria corn a representa<;:ao democd.tica e longe de ser autoritariamente organizada pelo Estado tende, ao contd.rio, a penetrar o poder politico e a ditar-lhe as suas normas. As politicas publicas surgem, transitam e movimentam-se maioritariamente a margem do Estado a partir de trocas ou compromissos entre as grandes organiza<;:6es representativas profissionais. Estas ultimas beneficiam de urn monopolio de representa<;:ao do meio social considerado - industria, agricultura, saude, ensino ou outros - e regem as rela<;:6es corn o poder politico pelo prindpio da subsidiariedade. Aqui, o Estado assume uma fun<;:ao capitular ou arbitral. 0 segundo paradigma foi construido em torno do modelo ftam;es e como vimos utiliza as no<;:6es de referencial e de mediar;ao, em que pontuam os trabalhos de Pierre Muller e Bruno Jobert 37 â&#x20AC;˘ 0 referencial como conceito sintetico, federa num termo univoco a possibilidade das politicas se articularem em torno de valores mais ou menos ordenados que organizam uma certa representa<;:ao do mundo, avaliam situa<;:6es e determinam a cren<;:a do que e desejavel para uma sociedade. Esta no<;:ao de referencial faz apelo explicito a uma concep<;:ao pesada e algo voluntarista da genese e da implementa<;:ao de uma politica publica. Esta e percebida como urn modo particular de apropria<;:ao do real e de transforma<;:ao do mundo que convive mal corn pdticas rotineiras e burocratizadas e implica a defini<;:ao da media<;:ao sem a qual nao e possivel converter as ideias em actos afastando o paradigma do referencial da tenta<;:ao idealista. Consequentemente, a genese do referencial e mediada pelos agentes da vida social que tern por voca<;:ao elaborar os referenciais das politicas publicas, eco dos intelectuais orgdnicos de Gramsci. A actividade destes mediaDe Philippe C. Schmitter, veja a ja classica entre nos, Cmporativism and Public Policy in Authoritarian Portugal ou ainda Private Interest Govemement Beyond Market and State (Sage Studies in Neo-c01poratism), no entanto e a sua mais recente publicac;:ao que merece mais atenc;:ao: How to Democratize The Europe and Why Bother (Governance in Europe), Rowman & Litdefiel, Marc;:o-2000. A obra de referencia de ambos: Patterns of C01poratist Policy Making, Londres, Sage, 1982. 37 Bruno Jobert e Pierre Muller, L 'Etat enAction. Politiques Publiques et Cmporativisme, Paris, Presses Universitaires de France, 1988. E, ainda, Pierre Muller, Politiques Publiques, Paris, Presses Universitaires de France, 1987. 36
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dares e cognitiva e normativa, numa tonalidade de origem Foucaultiana, em que as esferas do saber e do poder se imbricam. Esta dispersa no espa<;:o publico numa alusao devedora a Habermas, em que o peso das elites politico-administrativas e preponderante mas nao exclui as inf1uencias que surgem nas periferias institucionais ou emergem da sociedade civil. A dimensao reactiva deste modelo e manifesta. 0 paradigma de Grenoble nao escapa ao processo classico em que a elabora<;:ao de uma nova teoria se produz par reac<;:ao contra outros ate af dominantes para sublinhar as anomalias e as deficiencias encontradas. Corn efeito, estes autores tentam encontrar uma via alternativa entre a analise estrategica popularizada pelo grupo da sociologia das organiza<;:6es animado par Crozier e Ehrard Friedberg38 e o modelo neo-marxista revigorado pelos trabalhos de Althusser e Poulantzas. 0 estatuto do Estado e o centra do debate. Aos primeiros reprova-se a dilui<;:ao do Estado em sistemas de ac<;:ao que relativiza a fun<;:ao reguladora propria do Estado. Nos segundos, repudia-se essa visao mecanicista e empobrecedora do Estado que o reduz em ultima insdncia ao papel de representante monopolista dos interesses das classes dominantes. Todavia, a no<;:ao de referencial, politicas cognitivas e a propria no<;:ao de governanr;a ou institucionalismo ganham foros de cidadania quando as politicas publicas sao compreendidas a partir das ideias que se desenvolvem no seio das institui<;:6es publicas de ac<;:ao social. Esta expansao conceptual tera frutuosos desenvolvimentos em todos os espa<;:os academicos. E assim que vimos, os Bridnicos, a partir da decada de setenta, a enunciar a teoria da contingencid 9 que avan<;:ou a possibilidade da eficacia das organiza<;:6es nao depender dos prindpios universais de management, mas ser sobretudo condicionada pela articula<;:ao da estrutura da organiza<;:ao corn o seu envolvimento social e economico. Emergiu uma analise das politicas publicas autonoma resultante da institucionaliza<;:ao de disciplinas universirarias desligadas, quer da administra<;:ao publica tradicional, quer da propria ciencia politica, que con38
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Vide, E. Friedberg, L 'Etat et L 'Industrie en France, Paris, Cordes, 1976. Destaca-se o grupo de investigadores da Universidade de Aston que testaram esta teoria a partir de inqueritos as autoridades locais de Inglaterra e do Pais de Gales. Assim como a instituiy6es centrais do governo. Este paradigma assenta nas obras colectivas Patterns of Mangement in local Government, Londres, Martin Robertson, 1980 e Bureaumetrics, Farnborough, Cower, 1981.
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sagra nos anos oitenta esta materia no cenano academico. Sob a designa<;:ao multiforme de neo-pluralismo40 e abandonada a perspectiva da centralidade das insd.ncias estatais em favor das rela<;:oes entre governo, seja central ou local, e os grupos de interesse. As clivagens entre grupos de investigadores fundam-se entre os que privilegiam a analise das rela<;:6es inter-organizacionais e aqueles que sobrevalorizam a rela<;:ao entre a economia e as formas estatais. Os primeiros recorrem sobretudo aos policy networkf' 1 , influenciados pelos trabalhos de Heclo e Wildavsky42 sobre as policy community. Estes investigadores conceberam as redes de politicas publicas como o resultado da coopera<;:ao entre grupos que, corn maior ou menor estabilidade, se reconhecem e negoceiam entre si, trocam recursos e partilham as normas e os interesses. 0 funcionamento destas redes permitiria esclarecer o processo de coloca<;:ao em agenda e a formula<;:ao de interven<;:oes publicas. Estas posi<;:oes estao na origem de muitas das publica<;:oes da epoca, mas as criticas nao se fizeram esperar e assentaram em particular, na imprecisao metodol6gica e na falta de articula<;:ao destas redes corn uma teoria geral do poder e da politica43 • Num segundo grupo, poderemos autonomizar, os que o privilegiam os efeitos politicos das evolu<;:oes econ6micas e a sua rela<;:ao corn os recursos institucionais, resumido no termo nova economia politicd 4 • No conjunto, as varias perspectivas da nova economia politica recentralizam o papel do Estado e permitem visualizar as politicas publicas numa 6ptica de submissao as pressoes governamentais. Todavia, estas perspectivas afastaram os tradicionais esquemas de interpreta<;:ao do papel dos homens politicos na orienta<;:ao e na realiza<;:ao da ac<;:ao publica, na medida em que as redes de politicas publicas nao os consideram. Esta questao come<;:ou a ser debatida tendo por pano de fundo, estudos sobre a lideran<;:a de Margaret Thatcher45 • Os especialistas brid.nicos, nao 4° 41
Utilizada por P. Dunleavy e B. 0' Leary em Theories of the State, Londres, Macmillan, 1987. P. Le Gales, M. Thatcher, Les Reseaux de Politique Publique. Debat autour des Policy Networks,
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Paris, L Harmattan, 1995. H. Heclo, A. Wildvskky, The Private Government of Public Money, Londres, Macmillan, 1974. M. Thatcher, <<Les reseaux de politique publique:bilan d'un ceptique» in P. Le Gales, M. Thatcher,
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op. cit. A. Gamble, «The New Political Economy>>, Political Studies, 43, 1995.
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Por exemplo, J. Monn, «Innovative Leadership and Policy Change : The Lessons from Thatcher», Governance, 8, (1), 1995.
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tiveram em conta as caracteristicas dos espa<;os publicos. Ao investirem nas analises comparadas das polfticas publicas tendem a explicar as mesmas a partir das competencias formais das institui<;6es, tornando o espa<;o publico implicitamente nao hist6rico. A legitimas:ao das polfticas publicas e estudada pelo estreito angulo da abertura das arenas de decisao e afasta-se das dimens6es cognitivas e simb6licas da ac<;ao publica. Urn dos meios ensaiados para superar esta limita<;ao e 0 novo conceito de governam;d 6 • 0 papel politico das rela<;6es informais no ambito das polfticas publicas e a tomada de consciencia da permeabilidade do politico pelo funcionamento econ6mico sao hoje, as contribui<;6es britanicas, mais importantes e significativas para os debates intcrnacionais e a ciencia politica em geral. 0 acento sabre os estudos comparados e a integra<;ao europeia tern revelado avans:os na compreensao dos sistemas politicos. Centrados na visao particular do seu modelo nacional, as teorias dominantes em analise das politicas publicas na Alemanha, propuseram grelhas de analise que se desenvolveram no cstrito piano te6rico, mas que tambem reBectem as muta<;6es dos diversos regimes de acs:ao publica sectoriais. Mais do que em qualquer outro pais da Europa, o peso dos interesses organizados na vida politica nacional c urn objecto recorrente tanto no debate cientifico coma no seio da arena politica na Alemanha. A esta tendencia hist6rica, respondeu a ciencia politica corn o federalismo 47 , coma principallimite do poder politico c no piano da analise das politicas publicas. Estas caracterizaram o regirnc politico, da Republica Federal Alema, coma urn sistema que acumula tmiltiplos meios de partilha de poder, acentuando 0 seu caracter corporativo. Desde a decada de setenta que autorcs coma Schmitter, Lehmbruch e depois Arend Lijphart 48 , destacaram-se ao mostrar coma os paises dotados 16
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0 conceito de governan~a e entendido como urn tcrmo que apreende ao mesmo tempo as duas tendencias fortes do funcionamento das instituit;:6cs britanicas. Por urn !ado a dinamica de urn espa<;:o politico fortemente diferenciado em redcs scctoriais, e por outro !ado, a emergencia de urn Estado «OCO», ou seja uma tendencia para a incapacidadc do governo central para controlar e formular as politicas publicas coerentemente. Kenneth Hanf, Fritz Scharpf (eds) lnteorganizacionrd Policy Making. Limits to Coordination and Central Control, Londres, Sage, 1978. Gerhard Lehmbruch, Philippe C. Schmitter (eds) 7iY!nds Toward Corporatist Intermediation, Belervy Hills, Sage, 1979. E ainda ediatada pelos mesmos autores, Patterns of Corporatist PolicyMa!dng, Belervy Hills, Sage, 1982. Arend Lijpard, «Typologies of Democratic Systems>>, Comparative Political Studies, 1, 1968, p.3-44.
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de estruturas polfticas fundadas sobre a partilha do poder- proporcionalidade na representac;:ao e consenso na tomada de decisao- funcionavam de forma esdvel. Ao que se somou a demonstrac;:ao que as sociedades corn urn corporativismo forte nao punham em risco os regimes democd.ticos e parlamentares. Este corporativismo de interesses foi cedo contestado pelos trabalhos de RalfDarendorf e mais tarde pelos de Claus Offe49 • Porem, na Alemanha, o debate sobre a articulac;:ao entre a mediac;:ao polltica e a mediac;:ao de interesses, id. manter-se no restrito ambito do corporativismo favorecido pelas condic;:oes pollticas geradas pela coligac;:ao dos cristaos democratas e dos liberais dos anos oitenta. A abordagem em termos de governafiio associativa que se desenvolveu nessa epoca, centrada na noc;:ao de Private Interests Government (PIG) ou governac;:ao pelos interesses organizados, continua claramente na senda do corporativismo. Todavia, esta reorientac;:ao 50 , significou avanc;:os significativos no terreno das interacc;:oes entre Estado e grupos de interesse. 0 PIG visava sobretudo a analise da delegac;:ao de func;:oes de regulac;:ao pelo Estado a urn ou mais grupos de interesses. 0 que estava aqui em causa era «a tentativa do Estado de urilizar os interesses colectivos pr6prios de urn grupo social de maneira a criar e manter uma ordem social aceid.veb 51 • 0 Estado conserva uma func;:ao de simples garantia do interesse geral, mas pode afastar-se da realizac;:ao de uma polftica e mesmo da mediac;:ao concreta dos interesses implicados que intervem no quadro da pilotagem52 do sector. As soluc;:oes institucionais negociadas livremente e em conjunto corn as organizac;:oes representativas tern na economia alema o papel de limitafoes benejicas. Esta assunc;:ao permitiu aos te6ricos alemaes escapar a aporia Estado/Mercado, fetiche do perfodo em todo o mundo ocidental. No entanto, logo no alvorecer dos anos noventa, os alertas surgem, nomeadamente corn os trabalhos de Streeck53 , sobre os efeitos do duplo
Ralf Dahrendorf, Classes et Conflits de Classes dans la societe industrielle, Paris, La Haye, Mouton, 1972 ; e Claus Offe (ed), Disorganized Capitalism, Cambridge , Polity Press, 1985, pp. 170-220. 5° Wolfgang Streeck, Philippe C. Schmitter (eds), Private Interests Governmellt, Londres, Sage, 1985. 51 Confira Olivier Giraud, op. cit., p. 11. 52 Aqui a pilotagem e entendida como a gestao quotidiana do sector, alheio as decis6es mais importantes das institui~6es que determinam o regime das politicas sectoriais. 53 Robert Boyer, J. Rogers Hollingsworth (eds) Contemporany Capitalism. The Embeddesness of Institutions, Cambridge, Cambridge University Press, 1997. Confira, Wolfgang Streeck, «Beneficial Constraints: On the Limits of Rational Voluntarism>>, pp. 197-219.
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contexto da globaliza<;:ao e da integra<;:ao europeia que permitem e incitam as partes implicadas nos regimes de governa<;:ao pelos interesses, a preferir o afastamento, ao inves de intervir na negocia<;:ao. A fuga do capital alemao aos constrangimentos beneficos vem, do ponto de vista te6rico, esclarecer que a governas:ao associativa ao colocar o acento t6nico nos actores, se esqueceu de considerar as transforma<;:6es contempodneas que afectam os sistemas. Estas limita<;:6es, transformaram as redes de polfticas publicas o terreno por excelencia da ciencia politica alema da decada segumte. 0 particular condicionalismo do «capitalismo coordenado» alemao encaminhou os cientistas a enveredar por posi<;:6es tendentes a considerar as redes de politicas publicas de modo estruturado. As redes sao consideradas como urn tecido de rela<;:6es entre actores diferenciados entre si, nem sao hierarquizadas, nem se considera a sua interac<;:ao conflitual. Sao redes funcionais consideradas em ordem a resolu<;:ao dos problemas contempodneos da coordenas:ao politica e social. Uma visao mais elaborada5\ prop6e uma leitura das politicas publicas em termos de acs:ao publica, aberta sobre a complementaridade das regula<;:6es produzidas pelos actores publicos e pelos actores privados, num quadro de analise estimulante para observar as dinamicas sociais e politicas. Neste caso, as redes sao percebidas e analisadas para mostrar como as sequencias do desenvolvimento institucional se combinam, no caso alemao, corn as sequencias institucionais do desenvolvimento das organiza<;:6es de interesses, colocando em evidencia os processos interactivos complexos do desenvolvimento dos grupos sociais, as estrategias de governo e finalmente a sua institucionaliza<;:ao. Finalmente, nesta leitura, sao introduzidas novidades te6ricas 55 quando, por sua vez, se integra na analise, a influencia das institui<;:6es, nas configura<;:6es das redes de politicas, e ainda, quando se analisa o retorno, ou seja, o efeito que as inter54
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Desenvolvida por G. Lehmbruch,«Organisation de la societe, strategies administratives et reseaux d'action publique. Elements d'une theorie du develloppement des systhemes d'interets>>, clans Patrick Le Gales, Mark Tatcher (dir.) Les reseaux de politique pub!ique, Paris, I; Harmattan, 1995, pp. 69-90. Segundo Olivier Giraud, esta tese vem contrapor-se as teses da reprodw;:ao cultural dos estilos de governo, corn mais proveito analitico. Franz-Urban Pappi, Thomas Konig, «Les organizations centrales clans les reseaux du domaine publique. Une comparaison Allemagne-Etas-Unis clans le champ de la politique de travail>>, Revue Fran~aise de Socio!ogie, 36,1995, p.725-742.
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ao;:6es de redes produzem no processo politico. Se as redes forem consideradas como coliga<;:6es concorrentes entre si, esti introduzida a dimensao do conflito no quadro da analise. Estas perspectivas permitem ligar de modo conveniente a analise entre o nivel macro: as institui<;:6es, e as rela<;:6es entre actores intervenientes, eo nivel micro: interac<;:6es concretas entre actores; todos estes estudos, confirmam a hipotese do enfraquecimento dos actores colectivos organizados. Corn a constata<;:ao deste enfraquecimento do Estado surgiram novos trabalhos em que se destaca a no<;:ao de sistema de negociar;iirJ 6 , corn o objectivo de compreender os recursos remanescentes do Estado e saber em que medida estes sao suficientes para ordenar a regula<;:ao social. Deste ponto de vista surge uma escola alema da teoria da regula<;:ao 57 • Directamente inspirada, na teoria sistemica sociologica que focaliza a aten<;:ao no fechamento crescente de sub-sistemas sociais, envolvem a ciencia politica na problematica do «direito reflexivo». A tendencia ao encerramento dos subsistemas sociais implica for<;:osamente o debate sobre a incapacidade de regula<;:ao centralizada pelo Estado. Nestas circunsrancias, a grelha de analise das politicas publicas implica urn programa de investiga<;:ao que obriga ao redimensionamento radical do politico. E o esfor<;:o para considerar as diferentes formas de regula<;:ao politica realizadas pelo Estado e as for<;:as sociais emergentes da sociedade civil. 0 objectivo favorito da analise sao os sectores da ac<;:ao politica situados na intersec<;:ao das regula<;:6es politicas e as de auto regula<;:ao social de actores organizados, (actores corporativos classicos como as corpora<;:6es, associa<;:6es profissionais ou associa<;:6es sectoriais de empresas). Nos diferentes paises ocidentais, o peso respectivo dos actores produz diferentes combina<;:6es institucionais que caracterizariam o regime de politicas publicas. A teoria da regula<;:ao utiliza urn institucionalismo fundado na analise da actua<;:ao dos actores e retem apenas as institui<;:6es principais (as estruturas organizacionais do sistema), no entanto, a influencia das institui<;:6es so faz sentido se considerarmos a ac<;:ao dos actores secta56 57
(ou Verhandlungssystem). No<;:ao introduzida por Firtz Scharpf. Veja por ex. Renate Mayntz, F. Scharpf>L" lntitutionalisme centre sur les acteurs>>, Politix, 14 (55), 2001, p. 95-123. (ou Steuerungstheorie). Para uma perspectiva sintetica em frances ver corn proveito Olivier Giraud, «La Steuerungstheorie. Une approche syntethique de !'action publique contemporaine», Politix, 14 (55), 2001, p.85-93.
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nars pertinentes. As instituic;:6es influenciam o comportamento dos acrores mas nao o programam e estes tern a possibilidade de as transformar. Dai urn esforc;:o dirigido «ao quadro institucional de influencia das organizac;:6es enquanto ela propria representa o quadro institucional da acc;:ao dos seus membros» aproximando-se assim das familias de pensamento francesas que focalizam a sua atenc;:ao sobre a autonomia estrategica dos actores 58 • 0 regime da acc;:ao publica alemao nao tern sofrido alterac;:oes no ultimo decenio, todavia apesar da resistencia do modelo, na Alemanha, como em todo o mundo ocidental, as regulac;:6es sofrem reveses significativos. 0 movimento continua da diferenciac;:ao sociaP 9, a complexidade das sociedades, a auronomizac;:ao de sub sistemas sociais e o aumento das interdependencias, atacam o pais das coordenac;:6es globais, das negociac;:6es horizontais e verticais no seio do sistema politico. No debate americano, o ascendente da teoria das escolhas racionais, no fim dos anos setenta e em particular o modelo das escolhas publicas marginalizou explicitamente o estudo das politicas publicas. Neste quadro o cidadao racional que calcula o seu interesse pessoal, nao se deixa enganar pelos esforc;:os do poder politico para o orientar. Por sua vez os esforc;:os governamentais sao descritos pejorativamente, como uma «rent-seeking;> ou procura de rentabilidade econ6mica. Quando alguns autores desta escola se interessam pelas politicas publicas e para demonstrar a impotencia do Estado e concluir que aquelas devem ser reduzidas ao minima. A excepc;:ao neste ambito parece vir dos autores que iniciam nesta altura os primeiros trabalhos de comparac;:ao internacional 60 • Sera, de facto, por via comparativa que o retorno do Estado se da na decada de oitenta, numa primeira fase atraves do estudo comparado das «crises» politicas ou
ss Jean-Claude Thoening, « L'usage analytique du concept de regulation>>, in, Jacques Commaille, Bruno Joben (dir.), Les metamorphoses de la regulation po!itique, Paris, LGDJ, 1998, p. 35-53. 59 Muito acentuado na Alemanha, pois urn dos impactos reconhecidos da reunificas:ao alema ea heterogeneidade provocada no tecido econ6mico, social e politico ate entao relativamente homogeneo. Ver Irma Hanke. « La nation incertaine. La culture politique clans L' allemanhe reunifiee», in Anne Marie Le Gloannec (dir.). L1JtatenAllemanhe... , op. cit., p. 441-458. Go De entre as varias analises sao sobretudo os estudos de Hugh Heclo que se distinguem. Confira, H. Heclo, Modern Social Politics in Britain and Sweden, New Haven, Yale University Press, 1974. No ambito cultural os trabalhos de Huntington sabre modernizas:ao marcaram definitivamente uma viragem.
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econ6micas61 • A partir deste momento a andlise institucional do Estado esd. lanc;:ada. A redescoberta do Estado ficara. consagrada na obra colectiva Bringing the State Back ln62 • Doravante o estudo detalhado das estruturas internas do Estado passa para primeiro plano privilegiando o metodo comparativo. «Saber como as nac;:6es escolhem caminhos diferentes e estrategias econ6micas divergentes para fazer face a problemas econ6micos semelhantes», e, segundo P. Hall, o «Institucionalismo» 63 • Os trabalhos de Pierson, Skocpol e Katzenstein 64 sao urn ponto charneira nesta materia. A contribuic;:ao de Pierson e a considerac;:ao detalhada dos mecanismos da path dependence. Ao partir do prindpio econ6mico da dinamica das actividades caracterizadas pelos increasing returns (efeitos de retorno) salienta que nas actividades deste tipo, o ponto de partida e as escolhas iniciais tern uma influencia preponderante sobre os resultados eventuais. Os custos iniciais de aprendizagem, a imporrancia da coordenac;:ao entre actores e finalmente o sentimento por parte dos actores nao acompanharem a escolha, da exclusao, aplicados as pollticas publicas, explicam a continuidade e a dificuldade dos programas de reforma. Mais uma vez sed. o problema da mudanc;:a, a dificuldade metodol6gica. A ultrapassagem destas dificuldades pode ser encontrada nos trabalhos de Skocpol sobre a pre-hist6ria do Estado providencia nos Estados Unidos. A questao da ideologia, quer a sua importancia, quer a sua produc;:ao, esd. Esta perspectiva informa os trabalhos de Theda Skocpol (States and Social Revolutions, New York, Cambridge University Press, 1986), de Peter Katzenstein (Between Power and Plenty, Madison, University of Wisconsin Press, 1978 coma ed.), de Peter Gourevitch (Politics in Hmd Times, Ithaca, Cornell University Press, 1986), e ainda Steven Krasner (Definding The National Interest, Priceton, Priceton University Press, 1980). 6l Peter B. Evans et al., Bringing the State Back In, Cambridge, Cambbridge University Press, 1985. Na introdw;:ao a esta obra Theda Skocpol explica que se trata de inverter completamente a perspectiva de Estado adoptado quer pelos pluralistas, quer pelos neo-marxistas. 0 Estado deixa de ser uma arena onde se confrontam interesses divergentes, ou urn instrumento ao servic;o de uma classe social, mas, numa perspestiva inspirada em Tocqueville e Weber, urn agente que goza de autonomia em relac;ao as classes sociais e pode transformar a sociedade. Todavia, o afastamento e tanto de urn Estado monolitista de Weber coma de urn Estado quase invisivel dos pluralistas. 63 Estamos a fazer referencia a obra, Governing the Economy, op. cit., p.4. 64 Paul Pierson, Increasing Returns, Path Dependence, and the Study of Politics, Florence, European University Institute, 1997.Theda Skocpol, Protecting Soldiers and Mothers: The Political Origins ofSocial Policy in the United States, Cambridge, Belkamp Press of Harvard University, 1992. Peter Katzenstein, Cultural Norms and National Security Police and Military in Post- IY'tlr japan, lthaca, Cornell University Press, 1996. 6!
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tambem no centro dos trabalhos de Katzenstein. Estes trabalhos, quanto a n6s, tern grande impord.ncia porque vem integrar a ideologia, variavel end6gena nao teorizada nos modelos das escolhas racionais, aqui directamente ligada a politica. As ideias deixam de ser elementos partilhados na sua origem de modo fluido como nos modelos sociol6gicos, sao antes produtos directos das lutas de poder e influencia. Estes trabalhos transportaram a explora<_;:ao da genese, da transforma<_;:ao e da morte das ideologias para o palco dos estudos politicos, e em particular das politicas publicas. Os franceses acreditam que a perspectiva da analise das politicas publicas enriquece as ciencias sociais em geral e a ciencia politica em particular. Estes estudos conhecem em Fran<_;:a uma verdadeira idade de ouro65 • Possuidores de urn acervo comunirario nesta materia, marcada pela prolifera<_;:ao de estudos, de publica<_;:oes e da abertura dos ambitos disciplinares na Universidade, desde a decada de setenta, ainda mais visivel na decada de noventa, os franceses assumiram cstes desenvolvimentos em obras colectivas66 • A posi<_;:ao a atribuir as ideias, ou mais exactamente a cogni<_;:ao, no fabrico e na evolu<_;:ao das politicas pliblicas, e o palco de todas as divergencias. A aten<_;:ao as estrategias discursivas, ao vocabulario e a dimensao simb6lica transportam-nos para a legitima<_;:ao das politicas publicas. As medidas, os termos e o discurso visam produzir a aceitabilidade politica, particularmente nos casos da reforma da ac<_;:ao publica. Ao sublinhar que as politicas publicas nao existem sem uma serie de dispositivos de legitima<_;:ao que permitem a sua aceita<_;:ao, urn dos trabalhos dos actores politicos, passa a ser a legitima<_;:ao da sua ac<_;:ao, ou ao inves, contribuir para a descredibiliza<_;:ao dos seus opositores. Os mais recentes trabalhos dos franceses apontam uma meta mais ampla 67 , ao considerar a propria politiza<_;:ao das politicas publicas. Ao Confira, Patrick Hassenteufel e Andy Smith, «Essouflemente ou Second Souffle? L'Analyse des Politiques Publiques ala Fran<;:aise••in Revue fi'mfaise de science po!itique, vol. 52, n°l, fevrier 2002, p. 53-73. GG Tendo coma referencias os rrabalhos ].-C.Thoeing, Yves Meny, Jean Leca e Andy Smith, a primeira grande sintese revela-se no IV Volume do 1i'flite de Science Po!itique, op. cit., na decada de oitenta e no debate da primeira reuniao do grupo de trabalho de «politicas publicas» da Associa<;:ao Francesa de Ciencia Politica em 1994 cujas comunica<;:6es sao retomadas na Revue fi'tlnfaise de science po!itiqtte em 1996, corn o titulo «Forum: Enjeux, con traverses et ten dances de ]'analyse des politiques publiques», numero ja citado no inicio deste artigo. 67 A. Faure, G. Pallet e P. Warin (dir.), La comtruction du sens dans !es po!itiques pub!iques. Debats autour la notion du referentie!, op. cit .. 65
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inquirir como as polfticas publicas transparecem ou estao presentes nos diferentes locais polfticos em que agem os actores da competic;:ao polftica: esfera governamental, parlamentos, organizac;:6es partidarias e espac;:os mediaticos. Esta ambiciosa e ampla tarefa de investigac;:ao tern sido precisada a partir da distinc;:ao entre arenas e f6runs polfticos68 â&#x20AC;˘ As arenas, definidas como espac;:os de negociac;:ao dos compromissos institucionalizados, sao locais concretos de produc;:ao de polfticas publicas, no que respeita adecisao. Os f6runs polfticos, compreendidos como espac;:os de debates e de controversias sobre o sentido das politicas publicas, sao os locais da construc;:ao intelectual das polfticas publicas onde se elaboram os stocks das receitas de politicas publicas susceptiveis de alimentar as decis6es publicas e de constituir informac;:ao pertinente para a conduc;:ao das polfticas publicas. Neste sentido, a integrac;:ao da dimensao da politics na das policies transforma-se na questao central das interacc;:6es entre os f6runs e as arenas de polfticas publicas. Aqui, as politicas publicas sao vistas como recursos e permitem, numa perspectiva politica, apreender 0 que e objecto de conflito e de oposic;:ao ou consenso implicito. Neste caso, voltamos a delimitac;:ao do espac;:o do pensdvel mas tambem do dizfvel no politico. Corn este acervo, os estudiosos de politicas publicas em Franc;:a, estao convictos que a analise das politicas publicas pode ser considerada como uma dimensao compreensiva para o estudo dos principais fen6menos polfticos contemporaneos, incluindo 0 ambito internacional para onde transportam os seus conceitos operacionais 69 â&#x20AC;˘
Conclusao
Para terminar, diriamos que nas varias perspectivas actuais de analise das politicas publicas se destacam orientac;:6es claramente diferenciadas. Se no inicio a proposta incidia no estudo do Estado coma uma entidade antropomorfizada capaz de gerir estrategicamente os seus objectivos, e Para a distin<;:ao entre arenas e foruns politicos, consulre as posi<;:iies de B. Jobert na obra de A. Faure, G. Pallet e P. Warin (dir.), La construction du sens dans les politiques publiques... , op. cit., p.19. 6 9 G. Devin, <<L'Inrernational comme dimension comprehensive>>, AECSP, Enseigner la science politique, Paris, L'Harmattan, 1998, p. 231-240. 68
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posteriormente, acentuava os processos constitutivos ou as sequencias de uma polltica publica, num segundo momcnto a ambic;ao de restituir as finalidades de sentido as politicas publicas pcrmitiu a extracc;ao de problemas novas que se caracterizou na emcrgcncia de uma nova aparelhagem semantica construtora de sentido. Hojc, cstcs estudos facultaram a adopc;ao de novos conceitos na analise do podcr, que se afiguram especialmente uteis, quando transportados para () cstudo do poder a nivel internacional. Inicialmente o estudo da politica no novo patamar de analise, o nivel internacional, ficou presa aos conceitos da na<;;lo c do Estado, no realismo e nas suas formas cambiantes, fazendo apclo cxplicito ao direito como fonte de superac;ao normativa, na procura da ordcm. Todavia, o sistema internacional tern-se dado a conhecer na sua dinamica historica, e nas instituic;6es que se vao criando, assim como na forma de interacc;ao corn os multiplos actores na cena internacional. Finalmente, quando os organismos intcrnacionais puderem ser percebidos alem da mera descric;ao taxinomica, podcr·;io scr estudadas politicas internacionais se m os elementos miticos c lcgi timadores dos direitos humanos e da paz. As relac;6es internacionais adquircm ai a sua maturidade. Pois, os organismos que lutam contra a gucrra, a desigualdade ou a fome tambem vivem desses fenomenos e sofrcm as disfunc;6es tipicas das instituic;6es. Pelo que devem ser objecto de cstudo nas politicas publicas que concretizam, na medida em que nao tern impcdido, nem as tragedias humanas, nem as tendencias expansionistas, ncm as rcacc;6es desesperadas do uso da violencia, e muito menos, a atribuic;ao cx6gena e diferenciada do poder.
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Eduarda RIBEIRO*
A fragmentas:ao do mercado de trabalho: os desafios levantados pelos novos desenvolvimentos 1.0 que ea fragmentas;ao do mercado de trabalho? Para os economistas, a mercadoria trocada no mercado de trabalho e o trabalho. 0 pre<;:o do trabalho e o salario. A oferta de trabalho e constituida pelos activos e a procura de trabalho pelas empresas. Sera que se pode falar de urn mercado de trabalho unico? A realidade mostra-nos que 0 mercado de trabalho nao e como os outros mercados e que esta muito segmentado. 0 mercado de trabalho, tal como era apresentado nas teorias mais antigas, nao conseguia explicar urn grande numero de fen6menos, tais como, as disparidades de salarios e de taxas de actividade entre regi6es, a diversidade dos empregos e das remunera<;:6es, segundo as categorias de trabalhadores, etc. Foi a partir de estudos empiricos, corn origem frequentemente nas necessidades de ac<;:ao politica, que surgiram as primeiras criticas ao modelo tradicional unico de funcionamento do mercado de trabalho. De facto, os modos de funcionamento do mercado de trabalho revelavam-se distintos, por segmentos, que variavam segundo a qualifica<;:ao, o nivel de instru<;:ao, o genera, a idade, a antiguidade e outros atributos dos trabalhadores. Dai o aparecimento das teorias que defendem a separa<;:ao do mercado de trabalho em dais segmentos principais, mais ou menos hermeticos. Os empregos localizados no sector primario do mercado de trabalho sao caracterizados por salarios altos e rendimentos elevados para o capital humano acumulado. Coexistem corn estas caractedsticas, seguran<;:a no emprego, protec<;:ao social e perspectivas de carreira atractivas. 0 sector primario e maioritariamente constituido por empresas de dimensao elevada. Pelo contrario, o sector secundario e constituido por empregos * Economista reformada da Administras;ao Publica.
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Eduarda Ribeiro
mal remunerados, de duras:ao limitada e que oferecem uma protec<;:ao social reduzida. Acresce que a taxa de desemprego observada no sector secundario e superior a do primario. Finalmente, a taxa de rota<;:ao e aÂŁ mais elevada, devido a condi<;:6es de trabalho pouco atraentes e ausencia de perspectivas de carreira.
E frequente caracterizar os dois segmentos do mercado de trabalho de acordo corn o seguinte quadro: Caracterfsticas dos empregos
Mercado primario
Mercado secundario
Salarios Estatuto
Razoaveis Estavel
Fracas Predrio
Condir;:6es de trabalho
Correctas e controladas
Mas, corn riscos de acidentes de trabalho
Qualificar;:6es
Certificadas
Fracas qualificar;:6es, geralmente nao reconhecidas
Condir;:6es de promor;:ao
Antiguidade/Meri to
Inexistemes
Condir;:6es de recrutamenta e de ruptura do contrato de trabalho
Submetidas a regras
Grande flexibilidade
---
-----
Esta separas:ao analitica nao e contudo totalmente verdadeira. Corn efeito, o dualismo do mercado de trabalho atravessa todos os sectores e, dentro da mesma empresa, podem coexistir os empregos primarios e os empregos secundarios. Dai falar-se tambem no mercado interno e no mercado externa. 0 primeiro e constituido pelos trabalhadores (insiders) corn contratos sem prazo, que a empresa tern vantagem em conservar e relativamente aos quais oferece formas:ao profissional e boas perspectivas de carreira. 0 segundo e formado por trabalhadores suplementares (outsiders), que a empresa pode recrutar em caso de conjuntura favoravel, mas que nao beneficiam das mesmas vantagens e que poderao ser dispensados quando a conjuntura piorar. 0 mercado interno esta relativamente protegido das fors:as concorrenciais que incidem sobre o mercado externa. INTERVEN<;:Ao SOCIAL, 31, 2005
A fragmenta~ao do mercado de trabalho: os desafios levantados pelos novos desenvolvimentos
I 47
Ha ainda autores que acrescentam, aos mercados de trabalho primario e secundario, o mercado de trabalho informal, que apresenta caracteristicas muito pr6prias. Inicialmente, o mercado de trabalho informal era associado a pobreza urbana e ao subemprego, tipico das sociedades pouco desenvolvidas. Acreditava-se que, nas economias industrializadas, a informalidade econ6mica assumia apenas uma importancia residual. Os estudos mais recentes mostraram porem que o peso da economia informal, nestas economias, estava longe de ser insignificante, apresentando mesmo alguns segmentos uma expansao apreciavel, tanto em sectores de actividade econ6mica tradicionais, como nos modernos. A economia informal compreenderia entao "ao;:6es econ6micas que evitam os custos e esrao excluidas da proteo;:ao da lei e das regras administrativas que regulamentam rela<;:6es de propriedade, licenciamento comercial, contratos de trabalho, delitos, credito financeiro e sistemas de seguran<;:a social. 1" Quesrao crucial e a de se saber se existe ou nao mobilidade ascensional entre os segmentos do mercado de trabalho, ou seja, se os trabalhadores do mercado secundario tern a chance de, ap6s urn certo periodo de tempo e sob determinadas condi<;:6es, passar para o sector primario, ou se permanecem "prisioneiros" do mercado secundario. Existe tambem a possibilidade dos trabalhadores transitarem do mercado primario para o secundario, sem poderem regressar de novo ao mercado primario.
2. Os desenvolvimentos recentes
0 mercado de trabalho tern passado por profundas transforma<;:6es que, entre outros desenvolvimentos, favoreceram o crescimento dos empregos adpicos, associados em geral ao mercado de rrabalho secundario. Estas transforma<;:6es foram largamente influenciadas por reformas econ6micas, por programas de ajustamento estrutural e pelo aprofundamento da globaliza<;:ao da produ<;:ao e do comercio.
1
Baganha, Maria Ioannis, Ferrao, Joao, Malheiros, Jorge Macaista, "Os imigranres e o mercado de trabalho: o caso portugues", Analise Social, vol xxxiv (150), 1999, 147-163.
1NTERVENc;:Ao
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As reformas econ6micas empreendidas nos anos mais recentes tern visado a restaura<;:ao ou sustenta<;:ao do crescimento econ6mico, atraves da altera<;:ao da organiza<;:ao da produ<;:ao e do trabalho, o aumento da eficiencia na afecta<;:ao dos recursos, o desenvolvimento do sector privado, a promo<;:ao da abertura da economia e a melhoria da competitividade internacional, geralmente atraves do refor<;:o das for<;:as do mercado, em detrimento da interven<;:ao e dos controlos estatais. 0 desenvolvimento rapido da tecnologia actuou tambem de forma a facilitar as altera<;:6es na produ<;:ao e o aparecimento de uma nova divisao do trabalho. Neste contexto, verificaram-se tres grandes desenvolvimentos no mercado de trabalho: • Uma crescente flexibiliza<;:ao, associada a uma desregula<;:ao do mercado, onde o recrutamento de pessoal altamente qualificado, que constitui o "nucleo dura" das empresas, vai a par do recurso crescente a trabalhadores tempod.rios, que se mantem na periferia do sistema de emprego. • 0 recurso cada vez maior ainformaliza<;:ao, atraves do crescimento da economia paralela, da subcontrata<;:ao, do trabalho a tempo parcial involund.rio, do trabalho por conta propria, favorecendo o aumento do numero de trabalhadores nao cobertos por legisla<;:ao do trabalho e corn reduzida protec<;:ao social. • A maior fragmenta<;:ao, proporcionada pela crescente individualiza<;:ao das rela<;:6es econ6micas e prolifera<;:ao do trabalho atipico e, muitas vezes, pred.rio. Esta situa<;:ao esd. frequentemente associada a maiores desigualdades do rendimento, aumento da pobreza, emergencia de grupos de "novas pobres" e numero crescente de trabalhadores que nao consegue chegar ao nucleo principal e e marginalizado. Ora, de acordo corn a Organiza<;:ao Internacional do Trabalho, os mercados de trabalho devem contribuir para: • A eficiencia • 0 crescimento • A equidade " A justi<;:a social lNTERVENc;:Ao SOCIAL,
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Face aos desenvolvimentos recentes do mercado de trabalho, a pergunta que se p6e e a de saber se estao convenientemente acaureladas as quatro finalidades apontadas ao mercado de trabalho. Muito em particular, a escolha (trade-off) entre a eficiencia e a equidade nao pode ser iludida, sobretudo porque a eficiencia do mercado, embora podendo ser considerada como urn instrumento poderoso do progresso social, nao assegura, por si so, a justi<;:a social. Quando a fragmenta<;:ao do mercado de trabalho ultrapassa determinados limites, pode estar em causa a eficacia social do sistema, dando lugar ao enfraquecimento das capacidades socializantes do trabalho e afectando a coesao social. Daf a imporrancia acrescida da contratualiza<;:ao das rela<;:6es de trabalho e da reedifica<;:ao do Direito de Trabalho, de forma a permitir uma resposta adequada aos novos problemas do mercado de trabalho. Trata-se de urn desafio tanto mais diffcil de realizar, quanto se sabe que uma das consequencias do acrescimo da competitividade, decorrente das condi<;:6es economicas actuais, e a desregula<;:ao e a instrumentaliza<;:ao economica do Direito do Trabalho. Outro dos efeitos da fragmenta<;:ao do mercado de trabalho ea descentralizas:ao da negocia<;:ao colectiva de trabalho. Se esta descentraliza<;:ao corresponde, em muitos casos, anecessidade de responder a uma diversidade de situa<;:6es concretas vividas, presentemente, no mundo do trabalho, que aconselham alguma flexibilidade, pode levantar tambem alguns problemas, quanto aobten<;:ao de uma maior equidade na distribui<;:ao dos rendimentos gerados no mercado de trabalho, em particular quanto ao cumprimento do preceito, "a trabalho igual, salario igual".
3. Fragmenta<;:ao e mercado de trabalho em Portugal
Existem varios estudos sobre a segmenta<;:ao do mercado de trabalho em Portugal, apontando para algumas das caracteristicas e das causas dessa segmenta<;:ao. Em menor numero sao as analises sobre as trajectorias de certos trabalhadores do sector secundario, de modo a averiguar sobre o grau de mobilidade dos mesmos. 0 conhecimento dos mecanismos de segmenta<;:ao e a composi<;:ao dos segmentos e contudo essencial para se INTERVEN<;:AO SOClAL, 31, 2005
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compreender e resolver muitos dos problemas ligados ao desemprego, a pobreza e a discriminas:ao. Tendo em conta os trabalhos ji desenvolvidos, afigura-se que a segmenta<;:ao do mercado de trabalho em Portugal esd. predominantemente ligada aos seguintes aspectos: • Peso significativo da economia informal e do trabalho nao declarado • Crescimento e diversificas:ao dos contratos de trabalho atipicos • Recurso acrescido ao trabalho imigrante • Segrega<;:ao ligada ao genero Tern-se a consciencia que hi outros factores que contribuem igualmente para a segmenta<;:ao do mercado de trabalho portugues, mas nao lhes sera feita referencia ou porque nao ganharam ainda uma dimensao apreciivel ou porque nao foram suficientemente estudados. Eo caso, por exemplo, da idade, sobretudo quando ligada ao trabalho pouco qualificado, responsive! por uma parte significativa do desemprego de longa duras:ao e pelas saidas precoces do mercado de trabalho. Outros aspectos, que poderao contribuir, em maior ou menor escala, para a fragmenta<;:ao do mercado de trabalho portugues, sao as priticas vigentes quanto a individualizas:ao das remunera<;:6es e aos sistemas de remuneras:ao, relativamente aos quais as informa<;:6es disponiveis estao longe de serem suficientes.
3.1 A economia informal eo trabalho nao declarado De acordo corn dados do Banco Mundial, respeitantes a 2001 e 2002, a percentagem da economia informal relativamente aeconomia oficial tern vindo a aumentar, a nivel mundial, representando presentemente, em media, 41% nos paises em desenvolvimento, 38% nos paises ditos de transis:ao e 18% nos paises da OCDE. A OCDE aponta como factores decisivos para o crescimento da economia informal nos paises membros, na decada 1989/90-2001/02, os segumtes: • As politicas adoptadas pelos governos • A nova dimensao e estrutura da economia europeia em termos de mercado unico I NT ERVEN<;:AO SOCIAL, 3 1,
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â&#x20AC;˘ A nova vertente geoestrategica da economia da Europa, resultante da queda do muro de Berlim e consequente abertura a Leste. Em Portugal, a percentagem representada pela economia informal no PIB 200112002 era da ordem dos 22,5%, uma taxa superior a media da OCDE (18%) e dos paises constituem a Uniao Europeia (21 %). A taxa de Portugal e a mesma da Espanha (22,5%) e inferior a da Italia (27%) e Grecia (28,5%). No entanto, a referida taxa e significativamente superior as da Fran<;:a (15%), Holanda (13%), Alemanha (16%), Reino Unido (12,5%), Irlanda (15,7%) e Austria (10,6%). Comparativamente corn os paises de Leste, so a Eslovaquia e a Republica Checa apresentavam percentagens inferiores (18,9% e 19,1 %, respectivamente) a Portugal, ja que todos os restantes paises possuiam taxas superiores (as correspondentes percentagens eram de 25,1 %, 27,6%, 27,1%, respectivamente na Hungria, Polonia e Eslovenia). Entre 1989/90 e 2001/02, o peso da economia informal cresceu porem mais rapidamente em Portugal (+ 41,5%) do que na Europa (+36%), tendo passado de 15,9% do PIB em 1989/90 para os ja referidos 22,5%. No que respeita mais especificamente ao trabalho nao declarado, este pode ser definido como abrangendo todo o trabalho desenvolvido no ambito da economia subterranea, entendida como sendo a actividade econ6mica nao reconhecida nas estatisticas oficiais da contabilidade nacional e, tambem, a associada ou integrada na economia legal, mas omitida corn o prop6sito deliberado de evasao fiscal e fraude e outras vantagens ilegitimas. Entre as formas de trabalho nao declarado que mais contribuem para a fragmenta<;:ao do mercado de trabalho esrao as ligadas a nao declara<;:ao de trabalhadores por entidades empregadoras clandestinas ou legalizadas. A actividade dos empregadores clandestinos em Portugal tem sido explicada pelo desenvolvimento de estrategias empresariais de redu<;:ao de custos a qualquer pre<;:o e rapida acumula<;:ao de capital, insuficiencias ao nivel dos sistemas de informa<;:ao e cultura de incumprimento. De referir porem que existe um numero consideravel de empregadores ou empresas legalmente constituidas, que nao declaram parte dos trabalhadores que exercem actividades por sua conta, conjugando trabalho legal corn trabalho nao declarado. lNTERVEN<;:AO SOCIAL, 31, 2005
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Os trabalhadores que em Portugal sao acantonados na economia informal estao geralmente sujeitos a condi<;6es de trabalho particularmente gravosas, em particular no que se refere a ausencia de protec<;ao, em caso de doen<;a, acidente de trabalho e acesso as presta<;6es sociais, constituindo urn segmento do mercado de trabalho especialmente desfavorecido e vulneravel. Estao sobretudo representados cm sectores de actividades espedficas, coma e o caso da constru<;ao e obras publicas, restaura<;ao e determinados tipos de servi<;os pessoais e as empresas. Entre estas formas de trabalho estao o trabalho ilegal de estrangeiros, que sed. objecto de uma referencia mais a frente, o trabalho infantil e o trabalho domiciliario informal. No que se refere ao trabalho infantil, sabe-se que e explicado fundamentalmente por raz6es de natureza cultural, econ6mica e social e que esd concentrado nas zonas None e Centra, no ambito das tarefas domesticas, agricultura, industria do cal<;ado, vcstuario e confec<;6es, constru<;ao civil, mobiliario, textil, panifica<;ao e hotelaria. Muito embora os varios inqueritos realizados ao trabalho infantil em Portugal tenham conclufdo que a maioria dos menores (cerea de 78%, segundo urn inquerito realizado em 1998) 2 esteja simultaneamente a frequentar a escola, uma percentagem muito elevada (da ordem dos 86,3%, de acordo corn o mesmo inquerito) nao tinha cumprido a escolaridade obrigat6ria, registando-se a existencia de urn grau elevado de insucesso escolar, o que se podera reflectir num abandono escolar mais alto do que o verificado para os outros menores, constituindo urn factor fortemente pcnalizador da sua integra<;ao no mercado de trabalho formal. A percentagem efectivamente representada pelo trabalho infantil na economia portuguesa e diffcil de quantificar. De acordo corn o inquerito que se tern vindo a citar, na 6ptica dos menores, 4% dos jovens entre os 6 e os 15 anos de idade exercia actividade econ6mica, enquanto que, na 6ptica dos adultos, este valor decrescia para 1,7%. Segundo os autores do estudo em analise, a diferen<;a de valores reflecte as diferentes percep<;6es de adultos e crian<;as sobre o que e o trabalho, do ponto de vista da actividade econ6mica e, nomeadamente, sobre o que e o trabalho familiar nao remunerado. Para os adultos, esse trabalho tende em muitos casos a ser considerado uma ajucla domestica, enquanto que para a crian<;a e sobretudo associado a trabalho em sentido econ6mico. 2
"Trabalho infantil em Portugal: Caracterizac;:ao Social dos Menores em Idade Escolar e suas Familias", Ministerio do Trabalho e da Solidariedade, PETI, 2000.
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Na evolw;:ao do trabalho infantil em Portugal existe, cada vez mais, a convin;:ao de que a utilizas:ao desta mao-de-obra podera estar a transferir-se para a esfera domiciliaria, onde a sua detecs:ao pelas autoridades ainda e mais problematica. Por sua vez, o trabalho domiciliario tern sido usado entre nos essencialmente nos sectores do cals:ado e confecs:6es e tern recorrido maioritariamente as mulheres, bem como aos menores. Mais recentemente, o desenvolvimento das tecnologias da informas:ao e da comunicas:ao e, em especial do tele-trabalho, tera contribuido, muito possivelmente, para urn aumento do trabalho domiciliario, sem que se conhes:a muito bem as caracteristicas dos trabalhadores afectos a este segmento, ainda que se suspeite que esteja em causa urn conjunto fortemente heterogeneo.
3.2 0 crescimento ea diversificas:ao dos contratos de trabalho atipicos As formas de trabalho atipicas sao aquelas que se op6em ao contrato de trabalho "standard", que e caracterizado como sendo urn trabalho por conta de outrem, a tempo inteiro, por tempo indeterminado, protegido pela negocias:ao colectiva de trabalho. Permite a identificas:ao e a insers:ao social do individuo. Esti ligado a urn unico empregador e exerce-se sobre urn unico local de trabalho. As formas de trabalho atipicas distinguem-se do emprego "standard" ou "emprego classico" essencialmente no que se refere a duras:ao do contrato de trabalho e tern vindo a cobrir novas realidades, que se vao desenvolvendo e transformando, em funs:ao de varios factores, relacionadas nao so corn as necessidades decorrentes de formas de produzir diferentes das do passado, proporcionadas entre outras pelas Novas Tecnologias, mas tambem por novas formas de gestao da mao de obra, o que contribuiu para o refors:o da segmentas:ao do mercado de trabalho. 0 aumento da concorrencia e a crescente integras:ao internacional levaram os empregadores a adoptar estrategias de urilizas:ao da mao-de-obra de acordo corn as flutuas:6es do mercado. Entre nos, as modalidades mais frequentes de trabalho atipico ou nao permanente sao os contratos a termo, os contratos de prestas:ao de servis:os INTERVEN<;:AO SOCIAL,
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(recibo verde), o trabalho ligado a empresas de trabalho temporario, o trabalho sazonal e o trabalho ocasional ou pontual. Os contratos a prazo representam a parcela largamente maioritciria do total do trabalho nao permanente (acima dos 70%, segundo o Inquerito ao Emprego do Instituto Nacional de Estatfstica). De acordo corn o EUROSTAT, os contratos nao permanentes representavam, em 2003, cerea de 13% (13,7% e 12,2%, respectivamente para as mulheres e os homens) do emprego por conta de outrem da Europa 25. As percentagens encontradas, variam consideravelmente, segundo o Estado Membra, registando-se valores inferiores ou da ordem dos 5% na Estonia, Irlanda, Luxemburgo, Malta e Eslovaquia e de 30% na Espanha, seguida por Portugal e Polonia, corn cerea de 20%. Para a Europa 15, o crescimento dos contratos nao permanentes registau aumentos ate 2000 (13,6% do total do emprego por coma de outrem), tendo decrescido marginalmente para 12,8% em 2003. Ja no que respeita a Portugal, segundo os dados do Inquerito ao Emprego do lnstituto Nacional de Estatfstica, o peso representado pelos contratos em analise, no total do emprego por coma de outrem, conheceu urn pequeno decrescimo entre 1992 e 1994 (12,1% e 10,6%, respectivamente), em parte como resultado da respectiva sensibilidade a evolw;:ao do nivel da actividade economica. De facto, existe maior facilidade em contratar trabalhadores nao permanentes, quando a actividade economica se revela favoravel, e em os dispensar quando ha urn arrefecimento no nivel da economia, o que explica uma velocidade elevada no respectivo ritmo de ajustamento. Apos 1994, o crescimento dos contratos atipicos foi muito rapido, atingindo a percentagem de 21 ,5% em 2002. Depois de 2002 voltou a registar-se urn decrescimo, ja que a proporcrao dos empregos nao permanentes desceu para 19,8%, o que aponta, mais uma vez, para a sensibilidade destes empregos na evolucrao da conjuntura economica. Varios autores tern tambem explicado 0 crescimento rapido dos contratos nao permanentes em Portugal pelo facto da legislacrao do trabalho ser demasiadamente protectora do emprego, em particular no que respeita as dificuldades levantadas aos despedimentos, o que teria levado os empresarios a flexibilizar a gestao da mao de obra atraves do recurso a estes contratos, bem como a outras formas de trabalho, como sao os casos dos contratos de prestacrao de servicros, o trabalho temporario, etc. [ NTERVEN<;:AO SOCIAL, 3 1, 200 5
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Tanto em Portugal coma na Europal5, a frequencia do trabalho nao permanente diminui corn a idade. As elevadas percentagens (da ordem dos 40%) encontradas3 nos grupos mais jovens (15 a 24 anos) leva a concluir que os contratos nao permanentes sao utilizados de forma generalizada coma uma forma de integrac;:ao dos jovens na vida de uabalho. Existe porem o receio de que os contratos em estudo, para alem de acudirem as flutuac;:6es da produc;:ao, de constitu{rem uma porta de entrada dos jovens no mercado de trabalho e de facilitarem o reingresso no mercado de trabalho dos desempregados de longa durac;:ao, estejam a ser utilizados de forma abusiva. Particularmente gravosas sao as situac;:oes em que os trabalhadores transitam entre virias ou a mesma modalidade de contrato nao permanente, sem terem a possibilidade de ocupar um ~mprego por tempo indeterminado, contra a sua vontade e sem acederem a acc;:6es que lhes permitam aumentar as suas competencias e qualificac;:6es. Neste caso, poder-se-ia falar, corn propriedade, de segmentac;:ao do mercado de trabalho. Reveste-se, portanto, da maior impord.ncia o estudo das traject6rias dos trabalhadores corn contratos nao permanentes, ao longo do tempo, para avaliar se eles se arriscam ou nao a permanecer indefinidamente no segmento dos empregos precirios e, eventualmente, de mi qualidade e sem perspectivas de carreira. Num trabalho publicado em 2002, corn recurso a anilise longitudinal, defendeu-se que, em Portugal, os contratos nao permanentes eram utilizados, maioritariamente, pelos empresirios no mercado de trabalho, corn a finalidade de seleccionar trabalhadores para empregos por tempo indeterminado. Mais recentemente\ os mesmos autores voltaram a olhar para as transic;:6es entre o trabalho nao permanente e os virios tipos de situac;:oes no mercado de trabalho (emprego "standard" ou nao, desemprego, inactividade) e concluiram que, muito embora os contratos nao permanentes estejam associados a mais transic;:6es de fora do emprego para as outras situac;:6es do mercado de trabalho, esta constatac;:ao nao e contradit6ria corn a sua utilizac;:ao, tanto por parte dos empregadores coma dos trabalhadores, coma meio de procura e de selecc;:ao de empregos, ji que uma Ribeiro, Maria Eduarda, "0 trabalho a termo em Portugal: explora<;:ao de dados estatisticos", Colec<;:ao "Estudos" 15, Ministerio da Seguran<;:a Social e do Trabalho. 4 Varejao, Jose e Portugal, Pedro, "Matching Workers to Jobs in the Fast Lane: The Operation of Fixed-term Contracts", Working Papers. Banco de Portugal. April2004.
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parte significativa dos empregos nao permanentes passavam a empregos "standard". A compara<;:ao entre o perfil dos ganhos, em fun<;:ao da idade, dos contratos "regulares" e dos contratos a termo, indica porem que o emprego tempod.rio implica mais custos para os trabalhadores mais velhos, que acumularam experiencia no mercado de trabalho se, por alguma razao (por exemplo, perda do emprego por motivos relacionados corn o fecho das empresas), perderem o seu emprego "standard". 0 emprego temporario implica a perda da compensas:ao devida a experiencia e a idade reduz a probabilidade de obter urn novo emprego. Mais particularmente, ao longo do ciclo de vida, os trabalhadores corn contratos a termo recebem retribui<;:6es menores tanto pela experiencia como pela antiguidade.
3.3 Recurso acrescido ao trabalho imigrante Portugal transformou-se, em apenas alguns anos, num pais essencialmente de emigra<;:ao, num pais de destino de imigrantes. Em 1997, o numero de estrangeiros activos ja era tres vezes superior ao registado no anode 1980. A partir dos inicios da decada de 90, o volume de entradas de estrangeiros passou a ser superior ao das saidas, to~nando positivo o saldo migrat6rio. Presentemente, os imigrantes legais representam ja cerea de 8% da popula<;:ao activa, percentagem esta que e contudo inferior a dos pafses onde a imigra<;:ao come<;:ou mais cedo, coma sao os casos da Fran<;:a, Alemanha, Reino Unido, Holanda, etc. Aquela percentagem subiria para urn valor superior, se entd.ssemos em conta o trabalho dos imigrantes ilegais que, apesar das legaliza<;:6es extraordinarias entretanto levadas a efeito, continua a existir. Ja antes de 1980, se verificara urn boom na chegada de africanos provenientes das antigas col6nias. Depois de 1980, o numero de estrangeiros continuou a crescer a urn ritmo apreciavel, verificando-se simultaneamente uma diversifica<;:ao da origem dos imigrantes, sendo mais representativos os fluxos provenientes do Brasil e, mais tarde, depois das mudan<;:as que ocorreram na Europa de Leste, a componente ligada aos nacionais desses pafses. l NTERVEN<;:AO SOCIAL, 3 1, 200 5
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Para alem das raz6es para o aumento do trabalho imigrante relacionadas corn a procura de mao-de-obra, por parte do mercado de trabalho portugues, varios autores 5 tern defendido que existem outros elementos relevantes, designadamente de caracter social e cultural, que estao associados aos locais de origem dos imigrantes. Assim, a grande representatividade de cidadaos originarios dos PALOP, ainda dominantes nas decadas de 80 e 90, mostra a relevancia dos las:os culturais e das redes migrat6rias estabelecidas ao longo da segunda metade dos anos 70. A imporrancia da comunidade brasileira seria explicada, para alem dos las:os culturais, pela crise econ6mica brasileira de finais dos anos 80 e a adesao de Portugal a CEE, que aumentaram tanto o desejo de partir como a atracs:ao exercida por Portugal. Finalmente, a entrada de imigrantes originarios da Europa de Leste e o resultado do desenvolvimento dos fluxos migrat6rios internacionais daf provenientes, ainda que eles tenham afectado menos Portugal do que outros pafses da Europa Ocidental. Para alem das oportunidades oferecidas pelo mercado de trabalho portugues, os factores explicativos destas correntes migrat6rias foram a informa<;:ao que circula nos canais de migras:ao ea acs:ao das redes internacionais que organizam a circulas:ao de trabalho migrante ilegal. 0 padrao de implanta<;:ao dos imigrantes em Portugal tern, por um lado, uma forte polarizas:ao nas profiss6es altamente qualificadas e nas de baixa qualifica<;:ao e, por outro lado, uma concentras:ao nas aglomeras:6es urbanas mais importantes, designadamente na Area Metropolitana de Lisboa, e em determinados sectores de actividade, tais como constru<;:ao civil, limpeza industrial, comercio, hotelaria e alguns ramos da industria transformadora mais intensivos em mao de obra, que praticam trabalho por turnos 6 â&#x20AC;˘ A sobre-representa<;:ao nas categorias altamente qualificadas deveu-se a primeira fase do processo de internacionalizas:ao da economia portuguesa, que levou a um aumento dos fluxos de capital estrangeiro ea uma maior penetras:ao das empresas multinacionais, para alem das necessidades sentidas corn a moderniza<;:ao do tecido empresarial portugues.
Baganha, Maria Ioannis, Ferrao, Joao, Malheiros, Jorge Macafsta, "Os imigrantes e o mercado de trabalho: o caso portugues", Analise Social, Vol xxxxiv (150), 1999. 6 Malheiros, Jorge Macafsta, "Nova imigra~ao e desenvolvimento regional: sirua~ao actual e oportunidades para as regi6es portuguesas." 5
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Facto importante a reter e que, para as ocupac;:6es nao qualificadas, a integrac;:ao dos estrangeiros no mercado de trabalho portugues tern tido lugar, em larga escala, na economia paralela. 0 estudo de Baganha, Ferrao e Macaista Malheiros que tern vindo a ser referido mostrou que, mesmo levando em linha de conta o elevado nivel de informalidade dos sectores de actividade onde os imigrantes se encontram concentrados, a sua presenc;:a no sector informal e claramente mais significativa do que a situac;:ao ai vivida pelos trabalhadores portugueses. Par outro lado, o nivel de vulnerabilidade dos trabalhadores imigrantes envolvidos em actividades clandestinas e normalmente mais elevado do que o dos trabalhadores nacionais na mesma posic;:ao, par duas raz6es principais. Em primeiro lugar, porque muitos dos trabalhadores clandestinos estrangeiros encontram-se no pais ilegalmente. Em segundo lugar, porque estes trabalhadores demonstram frequentemente nao possuirem os conhecimentos necessaries para lidarem corn os esquemas regulat6rios do pais de destino. De tudo o que foi dito ressalta a complexidade do sistema de imigrac;:ao portugues, bem como a sua heterogeneidade, o que pode contribuir para a segmentac;:ao do mercado de trabalho. Sendo assim, e importante conhecer os modos de incorporac;:ao dos imigrantes no mercado de trabalho portugues, ou seja, admire-se que existam factores que conduzem os imigrantes a segmentos de emprego espedficos. De acordo corn o mesmo estudo, que se socorreu de urn inquerito realizado junta de imigrantes, foi possivel estabelecer uma tipologia das modalidades de inserc;:ao dos trabalhadores estrangeiros no nosso mercado de trabalho, construida corn base em dois tipos de variaveis: variaveis inerentes a estrategia individual (motivos de migrac;:ao, estrategias de procura de emprego e outras) e variaveis associadas ao funcionamento estrutural do mercado de trabalho (tipo de contrato, regime de trabalho, estabilidade de emprego). Foram identificados nove modos basicos de integrac;:ao no mercado de trabalho, correspondendo a nove tipos de perfis de trabalhadores estrangeiros activos. A referida tipologia permitiu verificar que a dicotomia basica entre profissionais altamente qualificados e rrabalhadores nao qualificados e apenas uma das caracteristicas do fen6meno, ja que, num quadro mais abrangente e aprofundado dos processos de incorporac;:ao, foi possivel ter em conta diferentes caracteristicas (estatuto ocupacional, profissao, tipo de contrato, estrategias associadas a procura de emprego e outras). I NTERVEN<:;:AO SOCIAL,
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A quesrao que se poe de seguida e a de se saber da possibilidade de mobilidade dos imigrantes, sobretudo os que se encontram nos segmentos dotados de condi<;:oes de trabalho mais gravosas, para outros segmentos detentores de situa<;:oes mais favod.veis, mesmo quando conseguem ver a sua situa<;:ao regularizada no pais de destino. Estudos realizados noutros paises revelam que nem sempre os imigrantes podem beneficiar de mobilidade ascensional entre os dois segmentos do mercado de trabalho. 0 caso da Sui<;:a e particularmente ilustrativo desta situa<;:ao, ainda que deva ser feita referencia ao facto de ser muito restritivo o sistema de licen<;:as de trabalho em vigor na Sui<;:a, relativamente a popula<;:ao estrangeira.
3.4 Segregac;:ao ligada ao sexo A segmenta<;:ao do mercado de trabalho em fun<;:ao do genera e especialmente visivel na concentra<;:ao das mulheres em determinados sectores (segregac;:ao sectorial) e profissoes (segrega<;:ao por prafissoes) e na existencia de remunera<;:oes mais baixas para as mulheres do que para os homens, para o mesmo trabalho e qualifica<;:ao. As diferencia<;:oes observadas no mundo de trabalho relativamente as mulheres tern tambem origem a montante do mercado de trabalho, ao nivel dos simbolos e imagens ligados ao genera feminino e a divisao sexual do trabalho domestico, em particular o relacionado corn os cuidados as crian<;:as e aos idosos da familia. Hoje em dia e cada vez mais reconhecida a centralidade das rela<;:6es sociais de sexo no mundo de trabalho 7 â&#x20AC;˘ Os estudos realizados "demonstraram que as rela<;:oes sociais de sexo tern urn papel fundamental na determina<;:ao das formas de autoridade e de supervisao, na afecta<;:ao de status, remunera<;:oes e formas contratuais, bem como na qualifica<;:ao atribuida a cada tarefa". De facto, tern-se constatado que as rela<;:oes sociais de sexo praduziram uma serie de divisoes, que levam a afirmar que as mulheres tendem a ocupar, em geral os empregos secundarios, ou seja, os empregos caracterizados por piores condi<;:oes de trabalho, remunera<;:oes mais baixas e menores perspectivas de carreira. 7
Ferreira, Virginia, "A segrega<;:ao sexual do mercado de trabalho- Perspectivas teoricas e politicas", Sociedade e Trabalho, n° 6 Departamento de Estudos, Prospectiva e Planeamento, MTS, 1999.
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E certo que as mulheres tern vindo a registar progressos no mundo de trabalho, designadamente no que se refere ao aumento da respectiva participac;:ao no mercado de trabalho, atraves da elevac;:ao das taxas de actividade e do crescimento da sua qualificac;:ao escolar. No entanto, apesar das melhorias registadas em varios dominios, as disparidades registadas no mercado de trabalho entre homens e mulheres tern revelado uma inercia consideravel, particularmente nalguns segmentos do emprego feminino. Os estudos realizados nesta area 8 tern apontado para duas tendencias contraditorias. Por urn lado, regista-se urn conjunto de mudanc;:as que favorecem a equidade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, nomeadamente no ambito das representac;:6es e praticas sociais e familiares e de incremento da acc;:ao social a favor das crianc;:as e dos idosos. Por outro lado, " os processos de flexibilizac;:ao e de competitividade que formatam os sistemas de emprego conduzem a permanencia de urn modelo desequilibrado, na medida em que penalizam especialmente as mulheres, dada a conciliac;:ao que tentam garantir entre as actividades profissionais e as domesticas". Em Portugal, a participac;:ao das mulheres no mercado de trabalho e superior a media europeia, mas mantem-se abaixo da dos homens (67% e 79%, respectivamente, em 2004), se bem que se tenha vindo a assistir a uma aproximac;:ao progressiva entre as duas taxas. Nalguns dos paises europeus corn taxas de actividade femininas superiores as nossas, como sao os casos da Dinamarca, Finlandia, Suecia, Reino Unido e Holanda, os valores registados devem-se, em proporc;:ao significativa, a importancia ai assumida pelo trabalho a tempo parcial. Em Portugal as mulheres recorrem relativamente pouco ao trabalho a tempo parcial, que tern conhecido evoluc;:6es modestas, nos anos mais recentes, apesar de algumas medidas tomadas para o favorecer. 0 recurso ao trabalho nao permanente das mulheres e porem bastante significativo, situando-se mesmo, em percentagem da mao-de-obra feminina, acima da dos homens. 0 diferencial entre as taxas de emprego femininas e masculinas era da ordem dos 12,9 pantos percentuais, no 1째 semestre de 2004, mas tern vindo a atenuar-se, ja que essa diferenc;:a era de 17,4 pantos percentuais, 8
Andre, Isabel Margarida, "Igualdade de oportunidades: urn longo percurso ate chegar ao mercado de trabalho" Sociedade e Trabalho, n째6, Departamento de Estudos, Prospectiva e Planeamento, MSS, 1999. INTERVENc;:Ao SoCIAL, 31, 2005
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em 1998. Por sua vez, a taxa de desemprego das mulheres mantt~m-se superior ados homens (cerea de 1,8 pantos percentuais, no 1째 semestre de 2004 e 2,2 pantos percentuais, em 1998). Em Portugal, as mulheres continuam a ocupar percentagens elevadas do emprego em sectores de actividade e profiss6es tradicionais, caracterizados por baixos saLirios, de que sao exemplo a textil, as confec<;:6es, os servis:os pessoais e o trabalho domestico, apesar dos progressos verificados em sectores detentores de melhores condi<;:6es de trabalho e de salarios, como sao os casos da Administra<;:ao Publica e da Educa<;:ao. Facto merecedar de realce e a melhoria verificada nos niveis de instru<;:ao das mulheres, que, em determinados grupos et<irios, ultrapassam as dos homens. Assim, a taxa de nivel educacional (corn conclusao do ultimo ciclo do secundario) do grupo et<irio dos 20 aos 24 anos era de 52% para as mulheres e 41,2% para os homens, no 1째 trimestre de 2004 (44,2% e 34,1 %, respectivamente, em 1998). Apesar desta evolu<;:ao, os indices de segrega<;:ao entre os sexos, por sectores de actividade 9 e por profissao 10 mantem-se relativamente estacionarios, ao longo do tempo. De acordo corn o Plano Nacional de Emprego 2004, o valor do indice de segrega<;:ao sectorial era, no primeiro trimestre de 2004, da ordem dos 20,5% (20,6%, em 1998). Os correspondentes valores do in dice de segrega<;:ao por profiss6es era de 26,5% e 25,2%, respectivamente, o que aponta mesmo para um pequeno agravamento. A diferencia<;:ao salarial entre sexos era, segundo o Plano Nacional de Emprego 2004, da ordem dos 23% no sector empresarial e de 10% no total dos sectores publico e privado. Estas percemagens revelam tambem tendencia para nao se modificarem, nos anos mais recentes, apesar dos progressos registados no nivel de instru<;:ao das mulheres. De acordo corn alguns autores 11 , "existem fortes indicios de que a crescente procura de sobre-educa<;:ao por parte das mulheres em paises Percentagem media nacional de emprego dos homens e das mulheres aplicada a cada sector: as diferen~as sao somadas para se obter o valor total do desequilibrio entre sexos, apresentado em percentagem do emprego total. 10 Percentagem media nacional de emprego dos homens e das mulheres aplicada a cada profissao: as diferen-;:as sao somadas para se obter o valor total do desequilibrio entre sexos, apresentado em percentagem do emprego total ll Lopes, Margarida Chagas, "A igualdade de oportunidades como estrategia empresarial", Sociedade e Trabalho, n째6, Departamento de Estudos, Prospectiva e Planeamento, MTS, 1999
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coma o nosso mais nao e do que uma estrategia individual de investimento de compensas:ao - as mulheres tern consciencia de que so corn urn maior investimento em escolaridade podem atenuar as situa<;:6es de desigualdade de oportunidades perante o emprego e em materia de remuneras:ao". Tendo em conta que as politicas que procuram expressamente limitar e fazer regredir os niveis de segrega<;:ao em funs:ao do genera devem ter em conta que as rela<;:6es sociais de sexo sao produzidas em multiplos lugares na sociedade, designadamente nos sistemas familiares e de parentesco e na acs:ao do Estado, merece a pena chamar a aten<;:ao para o grau de cobertura das crians:as que beneficiam de cuidados sem ser de familiares. As percentagens fornecidas pelo Plana Nacional de Emprego 2004, apontam para valores de 21,5%, 70,6% e 90,4%, respectivamente para os menores de 3 anos, corn 3 e 4 anos e corn 5 anos, percentagens estas que estao longe de permitirem o desejavel equilibrio entre a vida familiar e profissional, em particular se se tiver presente que as portuguesas trabalham predominantemente a tempo mte1ro.
4. Sintese
Corn o presente trabalho procurou-se rever os principais conceitos ligados asegmenta<;:ao do mercado de trabalho e apontar para os desenvolvimentos que, a nivel mundial, tern vindo a actuar no sentido do refor<;:o da fragmenta<;:ao daquele mercado. No caso de Portugal, considera-se que a segmenta<;:ao do mercado de trabalho esti predominantemente relacionada corn: o peso significativo da economia informal e do trabalho nao declarado; o crescimento e diversifica<;:ao dos contratos de trabalho atipicos; o recurso acrescido ao trabalho imigrante; e a segrega<;:ao ligada ao sexo. Foram apresentados alguns numeros que pretendem dar a conhecer a evolus:ao dos factores apontados coma explicativos da segmenta<;:ao do mercado de trabalho portugues. Essa evolus:ao vai no sentido do refor<;:o dessa segmenta<;:ao, apesar de se terem registado alguns desenvolvimentos que atenuaram o grau de segrega<;:ao encontrado em determinados segmentos do mercado de trabalho. ] NTERVEN<;:AO SOCIAL,
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Esta constata<;:ao levanta desafios a condu<;:ao da polltica econ6mica e social, em particular na luta contra o desemprego, a pobreza e a discrimina<;:ao, e pode por em causa a coesao social e a efid.cia social do sistema econ6mico.
Bibliografia ANDRE, Isabel Margarida, Igualdade de oportunidades: um longo percurso ate chegar ao mercado de trabalho, Sociedade e Trabalho, !1째 6, Departamento de Estudos, Prospectiva e Planeamento, MSS, 1999 BAGANHA, Maria Ioannis, FERMO, Joao e MALHEIROS, Jorge Macaista, Os imigrantes eo mercado de trabalho: o caso portugues, Analise Social, vol xxxiv (150), 1999. FERREIRA, Virginia, A segregar;ao sexual do mercado de trabalho - Perspectivas te6ricas e politicas, Sociedade e Trabalho, n째6 Departamento de Estudos, Prospectiva e Planeamento, MTS, 1999. GAMBIER, Dominique et VERNIERES, Michel, Le marche du travail, Economica, 1982. Imigrar;ao e mercado de trabalho, Cadernos Sociedade e Trabalho, II, MSST/DEPP, 2002. LOPES, Margarida Chagas, A igualdade de oportunidades como estrategia empresarial, Sociedade e Trabalho, n째6, Departamento de Estudos, Prospectiva e Planeamento, MTS, 1999 MALHEIROS, Jorge Macaista, Nova irnigrar;ao e desenvolvirnento regional: situar;ao actual e oportunidades para as regioes portuguesas. RIBEIRO, Maria Eduarda, 0 trabalho a tenno ern Portugal: explorar;ao de dados estatisticos, Colen;ao "Estudos 15", Ministt~rio da Seguran<;:a Social e do Trabalho. Trabalho infontil ern Portugal: caracterizar;ao social dos rnenores ern idade escolar e suas fomilias, Ministerio do Trabalho e da Solidariedade, PETI, 2000. VAREJAO, Jose e PORTUGAL, Pedro, Matching Workers to jobs in the Fast Lane: The Operation ofFixed-term Contracts, Working Papers. Banco de Portugal. April 2004. lNTERVEN<;AO SOCIAL, 31, 2005
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Joaquim Croca CAEIRO*
ECONOMIA SOCIAL: conceitos, fundamentas:ao te6rica e principais desafios** 0 "paper" dedicado aEconomia Social, pretende evidenciar a dindmica conceptual a que a temdtica se encontra ligada, monnente foce aos contextos politico-ideol6gicos, lingufsticos e regionais onde se insere, dando ao mesmo tempo, uma panordmica sobre a sua evolurao e perspectivas que se lhe colocam no Jitturo. Pretende ainda, embora de forma esquemdtica, evidenciar a sua fimdamentarao te6rica, quadro tipol6gico das principais organizaj:i5es e finalmente elencar aqueles que podem ser os setts principais desafios no futuro proximo, foce Mercado.
a atitude actual e Jitturo do Estado e do
1. Introdus:ao e evolus:ao hist6rica 0 conceito de economia social tern nos ultimos tempos sido alvo de urn intenso e animado debate, no sentido de procurar encontrar urn fio condutor suficientemente forte para permitir de forma consistente entender o que pretende significar. Tern sido tambem objecto de alguma polemica a tentativa de distin<;ao entre economia social e outros conceitos relacionados de uma ou outra forma corn as actividades ligadas a interven<;ao social, especialmente o de "terceiro sector" e de "organiza<;oes sem
* Professor Asssociado do lnsriruto Superior de Servi<;:o Social de Lisboa e Beja. Director do lnsriruto Superior de Servi<;:o Social de Beja. Coordenador da Area de Economia e Docente da disciplina de Economia Social. ** Comunica<;:ao apresentada na Funda<;:ao Eugenio de Almeida em Evora, no Seminario para Dirigentes do Terceiro Sector, subordinado ao tema: 0 Terceiro Sector: Perspectivas e Praticas, no dia 06 de Novembro de 2004.
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fim lucrativa", sendo a escolha, as mais das vezes, fundamentada em criterios subjectivos ou pelo menos pouco concretos 1 â&#x20AC;˘ Pretendemos, pois, centrar desde ja aqui, a nossa atenc;:ao, mas imp6e-se que antes de analisarmos corn maior precisao o conceito de economia social, se evidencia a sua evoluc;:ao e a sua actualidade. 0 conceito de economia social deriva da terminologia francesa, e remonta as praticas de solidariedade interclassista enquanto reacc;:ao as transformac;:6es econ6micas e sociais da revoluc;:ao industrial influenciada pelo pensamento dos socia-listas ut6picos do Seculo XIX, 2 dando origem a formas de organizac;:ao como as associac;:6es, as cooperativas e as mutualidades. No essencial, ela comec;:ou a ser utilizada pelos autores contestatirios ao modelo dominante, acusado de separar as regras de funcionamento da economia das regras morals. 0 conceito de economia social surge por volta de 1830, quando Charles Dunoyer publica em Paris urn tratado de economia social e na mesma decada surgiu na Lovaina urn curso corn a designac;:ao de economia social. Nesta linha, surgem urn conjunto de escolas de que se identificam, a socialista, iniciada corn os socialistas ut6picos referidos atras e mais tarde, corn contribuic;:6es de Marcel Mauss (1872- 1950), defensor de uma economia de socializac;:ao voluntaria e Benoit Malon (1841-1893), corn o seu tratado de economia social (1883) que tinha na sua base iden-
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questao coloca-se de imediato no sentido paradoxal em que os conceiros se posicionam. Corn efeito, sendo a economia uma ciencia eminentemente social por se traduzir numa actividade humana, e quase redundante falar em economia social, porquanto aquela ja engloba esta, e terceiro sector, parece querer significar uma determinada hierarquiza<;:ao, de modo que falar em terceiro, implica considerar urn segundo e urn primeiro sector, que se encontrariam assim acima daquele, ou seja, o Estado e o Mercado e so depois a componente social. Cfr. Pereirinha, Jose, Economia Social e E'stado Providencia, in lnterven<;:ao Social, Revista do lnstituto Superior de Servi<;:o Social de Lisboa e Beja, n. 0 27, Junho 2003, pp. 234 e ss. 2 Destes destacam-se os designados socialistas ut6picos, como Robert Owen (1771-1858) e Charles Fourier (1772-1837), que inspirariam as primeiras experiencias na tradi<;:ao cooperativa; Jean Phillippe Buchez (1796-1866), promotor das associa<;:6es operarias de produ<;:ao assim como as associa<;:6es sindicais na industria; Frederic Raiffaisen (1818-1888), promotor das cooperativas rurais corn mtHtiplas fun<;:6es. Contudo, seria corn Constantin Pecqueur (1801-1887) e Fran<;:ois Vidal (1812-1872) que se encontrariam referencias explicitas a economia social. Ambos exa!tam a associa<;:ao ligada ainterven<;:ao do Estado e desempenhariam urn importante papel na revolu<;:ao de 1848.
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tica perspectiva; a escola social-crista reformista, pela mao de Frederic Le Play (1806-1882), que inaugurou uma Sociedade de economia social e uma revista corn o mesmo nome. Le Play aprova o desenvolvimento das cooperativas corn urn objectivo reformista, ainda que nao pretenda uma transformac;:ao radical da sociedade; a escola liberal, dirigida em primeiro lugar por Charles Dunoyer (1786-1862) e mais tarde por Frederic Passy (1822-1912) assenta a sua perspectiva teorica na liberdade da economia e no afastamento da intervenc;:ao do Estado corn recurso ao principio da auto-ajuda. Ainda a esta escola se podem associar os nomes de Leon Walras (1834-1910), pela import:incia que atribui as associac;:6es populares e a John Stuart Mill (1806-1873) que na Inglaterra, defende a superac;:ao do proletariado atraves das associac;:6es de trabalhadores; e a escola solidaria, ligada a Auguste Ott (1814-1892) que publica urn tratado de economia social e sobretudo Charles Gide (1847- 1932) 3 â&#x20AC;˘ E este autor quem marca urn periodo aureo da economia social francesa, e concretiza o espirito do solidarismo pelo qual sera possivel a abolic;:ao do capitalismo e do proletariado sem sacrificar a propriedade privada nem as liberdades provindas da Revoluc;:ao. A ajuda mutua e a educac;:ao economica atraves da cooperac;:ao podem por si so promover a transformac;:ao do homem. 0 merito principal destas escolas e 0 de evidenciar 0 pluralismo politico e cultural que marca os primordios da economia social donde resultam as perspectivas que hoje em dia ela evidencia corn maior acuidade. No decurso do Seculo XX, no entanto, assiste-se a urn certo declinio do conceito, quer do ponto de vista da sua utilizac;:ao, quer do ponto de vista da sua aplicac;:ao. Corn efeito, ate a Segunda Guerra Mundial, assistese a uma fragmentac;:ao do nucleo cooperativista e mutualista nascido do movimento associativo, mormente pela estruturac;:ao das cooperativas em ramos sectoriais, pelas dificuldades de continuidade do movimento
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Charles Guide, foi professor de economia politica e marcaria de forma determinante a perspectiva da economia social francesa. Efecrivamente ocupando uma posi~ao original nas corremes crisras sociais e na burguesia protestante, procura acima de tudo, promover todos os esfor~os que conduzissem a emancipa~ao da classe operaria pelos seus pr6prios meios e recusando a !uta de classes, por incompadvel corn o objectivo de penetra~ao do evangelho na vida social. A sua contribui~ao fundamental no ambito da economia social, surge na procura da sintese entre o socialismo associativista e o cristianismo social.
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operario e das dificuldades geradas pelas duas guerras mundiais. Tudo isto, associado a divisao do movimento associativo em va.rias direcc;:6es, conduziria a urn distanciamento e falta de coesao das actividades cooperativas, mutualistas e associativas 4 â&#x20AC;˘ No periodo que se segue a Segunda Guerra Mundial, ao mesmo tempo que se instala e desenvolve o Estado Providencia corn recurso ao modelo keynesiano de intervenc;:ao do Estado na economia, o conceito de economia social vai ser relegado para segunda insd.ncia em termos de impord.ncia e de desenvolvimento, porquanto o Estado passa, por si s6, a intervir no mercado e a corrigir as suas "falhas" sem necessidade de recurso a movimentos originarios na sociedade civile no mercado. Tambem por isso, terminologicamente, a expressao "economia social" se vai empregando em sentidos cada vez mais amplos e diversos dos originais, passando a designar os campos de analise s6cio-econ6mica, ou seja, para designar a vida em sociedade, do individuo e dos grupos sociais, o que significa a grande dispersao do conceito. E todavia, a partir dos anos 70, face a designada crise do Estado Providencia que a problematica da economia social se volta a colocar, corn acuidade, e mais uma vez, em Franc;:a. E, tendo por base para alem claquela crise, a proximidade entre os movimentos cooperativos e mutualistas franceses e a percepc;:ao da existencia de interesses mutuos e ainda pela adesao ao grupo do movimento associativo. Os motivos para o recrudescimento da economia social, devem assim encontrar-se quer na crise do Estado Providencia referida, quer tambem na necessidade de criac;:ao de formas comuns de pressao junta do Estado que conduziu a uniao de esforc;:os dos movimentos associativos, mutualistas e cooperativos, nomeadamente, para a obtenc;:ao de financiamentos e para a assumpc;:ao de func;:6es de representac;:ao. Por outro lado, a ideia de economia social tambem permitiu formar lac;:os entre o dinamismo associativo do seculo XIX e as novas experiencias econ6micas e sociais que se multiplicaram a partir da decada de 70: constituic;:ao de novas cooperativas, ini-
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Cfr. Defourny, Jacques, Origenes, contextos y fimciones de un gran tercer secto1; in Monz6n, J. L y Defourny, J., Economia Social. Entre Economia Capita!ista e Economia Publica, Madrid, CIRIECEspanha, s.d., pp. 17 a 39. !NTERVEN<;:AO SOCIAL,
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Economia social: conceitos, fundamenta<;:ao te6rica e principais desafios
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ciativas economicas levadas a cabo pelas comunidades locais, experiencias de reinsen;:ao social por via economica, etc. Da contribui<;:ao de todos aqueles movimentos e pela associa<;:ao destes pressupostos, nasce em 1975, o CNLAMCA, Comite Nacional de Coordena<;:ao das Actividades Mutualistas, Cooperativistas e Associativistas, que em 1978 lan<;:a em Bruxelas um debate europeu sabre economia social. Em 1981, chega o reconhecimento dos poderes publicos da existencia da economia social, criando o governo frances uma Delega<;:ao Interministerial para a Economia Social (DIES), a qual passad_ a depender de uma Secretaria de Estado para a Economia Social. Dos factos mais relevantes para a estrutura<;:ao do sector da Economia Social em Fran<;:a, destacam-se ainda a adop<;:ao de uma Carta de Economia Social em 1980, a cria<;:ao de uma Funda<;:ao de Economia Social em 1981 e a de um organismo de financiamento, o Instituto para o Desenvolvimento da Economia Social (IDES) em 1983. Tambem de grande imporrancia para a anima<;:ao do sector, devem destacar-se, o seman8xio Carta de Economia Social, a Revista de Estudos Cooperativos, Mutualistas e Associativos, a Revista de Economia Social, as Semanas de Economia Social da Universidade de Mans (anuais) a Associa<;:ao para o Desenvolvimento de Documenta<;:ao para a Economia Social (ADDES) e o Centra de Jovens Dirigentes de Economia Social (CJDES), os quais constituem ferramentas importantes para o desenvolvimento deste sector quer do panto de vista qualitativo quer quantitativo. Fora do contexto frances, a historia da economia social, nao tern um enquadramento tao vasto e diversificado. Senao vejamos: No Reino Unido, o conceito de economia social tern para alem do mais alguma dificuldade em encontrar expressao em ingles que satisfa<;:a os seus tres subsectores caracterizadores, cooperativas, mutualidades e associa<;:6es, pelo que nem o caracteristico "social economics" a isso responde. Importa assim criar uma op<;:ao por uma defini<;:ao que se aproxime da realidade do Reino Unido, a qual se agrupa em certos tipos de organiza<;:6es denominado "sector volundxio" distinguido entre uma parte "publica" e outra de cad.cter lucrativa ou "privado". As organiza<;:6es volund.rias que integram este sector incluem pequenos grupos de ajuda que tern uma interven<;:ao restrita, que conduz a dizer que este sector apenas representa parte do que significa a economia social. De outro lado, costuma utilizarlNTERVEN<;:Ao SOCIAL, 31, 2005
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se a designa~ao de "organiza~ao sem fins lucrativos", que pretende adjectivar as novas organiza~6es criadas para a presta~ao de servi~os junto do sector publico e em grande parte dele dependente, o que conduz a considera~ao de que este sector e improdutivo, ineficaz sem profissionalismo e eivado de grande amadorismo. Assim, no Reino Unido, o que mais se aproxima da realidade que conhecemos em Fran~a, e o designado sector voluntario, o qual recebe apoio governamental (central e local) e da grande parte dos cidadaos. Em Espanha, aquilo que hoje se designa por economia social, esteve limitado ate aos anos 80 ao cooperativismo, mas a partir desta data, surgem as designadas Sociedades An6nimas Laborais e as Mutualidades de Previsao Social que contribuiram para alargar o debate nas universidades no sentido de perceber os contornos do conceito de Economia Social. Em Italia, a expressao economia social nao foi durante muito tempo considerada no debate econ6mico ou social. Prefere-se aqui, mais a expressao terceiro sector para designar as pessoas colectivas que se apresentam corn uma estrutura organizacional minima, estabilidade e continuidade e que cumprem os seguintes objectivos: a) tern caracter privado; b) criterios nao lucrativos; c) presta~ao de servi~os a toda a comunidade e nao apenas aos seus membros. Apesar da sua forte aproxima~ao a Fran~a, o certo e que na Belgica o conceito de economia social ainda nao comporta uma grande expansao. Nao apenas, porque e urn sector muito recente, mas tambem por estar ligado a urn conjunto de decis6es politicas muito especificas e dirigidas ao territ6rio valao. Todavia, o exemplo frances, tern vindo a influenciar de forma incisiva o sistema belga pelo que as iniciativas na esfera da economia social, tern nos ultimos tempos vindo a se desenvolver corn alguma pertinencia. Em Portugal, a tradi~ao assenta essencialmente nas Miseric6rdias que desde o Seculo XVIII assumiram uma forte interven~ao junto das popula~6es mais desfavorecidas e nas mutualidades que no decurso do seculo XIX e alguns anos do seculo XX tiveram uma forte interven~ao na area socio-econ6mica. Todavia, os anos do Estado Novo nao foram de modo algum proficuos no que a economia social diz respeito. 0 corporativismo eo seu quadro ideol6gico, impediram o desenvolvimento eo crescimento das institui~6es que de uma forma geral atribuiam significado ao indivi!0JTERVENc,:Ao SOCIAL,
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duo e as suas necessidades sociais. Por tal motivo, o descredito nas cooperativas, nas mutualidades e ate mesmo nas miseric6rdias foi urn dos resultados da politica salazarista. 56 depois da decada de 80 se podem perceber movimentos de economia social corn alguma dimensao, mas longe de exercer na sociedade portuguesa o impacto que aquela economia exerce em Espanha ou Franc,:a.
2. Economia Social: clarificac;:ao de urn conceito
Procuremos entao agora, a clarificac,:ao do conceito de economia social, confrontando-o corn outros que pretendem explicar a mesma realidade e que conduzem a mais das vezes a confus6es mais virtuais do que reais. Ji fizemos reparo ao paradoxo terminol6gico e conceptual da expressao "economia social': principalmente face a qualificac,:ao "social" na economia, porquanto, aquela esti por natureza ligada a actividade econ6mica e esta e eminentemente na sociedade, uma actividade social. Nao podemos tambem deixar de fazer reparo a propria ambiguidade do conceito e ate a sua imprecisao, dada a inexistencia de urn consenso generalizado para a sua caracterizac,:ao. Por outro lado, tais dificuldades resultam em grande parte da dicotomia existente entre economia publica e economia privada e dos campos de actuac,:ao de cada uma delas. Efectivamente, se estas duas economias tern urn espac,:o de intervenc,:ao preciso, delimitado e muito concreto, ji a economia social, acaba muitas vezes por ser atirada para urn espac,:o de intervenc,:ao intermedia entre aquelas, o que dificulta ainda mais a sua caracterizac,:ao e delimitac,:ao. Posto isto podemos considerar que a caracterizac,:ao da economia coma "social" se "situa numa perspectiva metodol6gica difirente da economia ortodoxa face adefinir;ao do problema econ6mico, em que desaparece a dicotomia homem econ6mico-homem social e em conjunto com os problemas de aftctar;ao de recursos se analisam tambem os relativos a distribuir;ao, condir;oes de produr;ao, desemprego, pobreza e qualidade de vida" 5â&#x20AC;˘ Donde resulta que a perspectiva metodol6gica da economia social facilita a ligac,:ao dos proble5
Monzon, Jose Lufs, La economia social: tercer sector de un nuevo escenario, in Monzon, Defourny, ]., Economia Social. op. cit., p. 12.
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mas econ6micos corn o ambiente natural em que estes se fazem sentir, contribuindo assim para o estabelecimento de conex6es te6ricas entre os sistemas econ6micos e ecologicos. Face ao que se vem dizendo, e de urn panto de vista operacional, podemos definir a economia social como o "grupo de empresas e instituir;oes
que para alem da sua diversificar;lio juridica e heterogeneidade de funr;oes, estd ligado atraves de uma r!tica comum assente na solidariedade e na prestar;lio de servir;os aos seus membros e no interesse geral, sendo as cooperativas a sua representar;lio mais genuina' 6 â&#x20AC;˘ Daqui resulta a considerac;:ao de que a economia social apresenta caracterfsticas pr6prias e que pretende responder a urn enquadramento econ6mico e social espedfico, ao qual nem a economia publica nem a privada conseguem ou desejam dar respostas. E tambem daqui se infere, que a economia social se define por urn intervalo entre o Estado e o Mercado, quer no sentido da concretizac;:ao das acc;:6es que o Estado nao pretende resolver, quer no daquelas que a economia privada nao vislumbra interesses lucrativos para a sua realizac;:ao. Urn dos conceitos que em Portugal tern vindo a ter uma crescente utilizac;:ao e 0 de terceiro sector, pelo qual costuma referir-se 0 conjunto das organizac;:6es de interesse mutua em conjunto corn aquelas que embora dependentes de subsidios do Estado e do mecenato das empresas privadas, tern como objecto central, actuar no campo da acc;:ao e da coesao social. Deste panto de vista as instituic;:6es do terceiro sector tern urn cad.cter privado, sem fins lucrativos, apresentam uma gestao aut6noma, mas actuam na esfera publica como forma de satisfac;:ao de necessidades globais. Este conceito tern origem na escola anglo-sax6nica, onde a tradic;:ao vai no sentido de considerar como elementos determinantes na esfera economica da intervenc;:ao social as instituic;:6es sem fins lucrativos, as quais se apresentam corn uma vocac;:ao interclassista nas formas de solidariedade praticadas. 0 conceito de terceiro sector apresenta, desta forma, urn cariz mais abrangente situando-se a sua anaJise numa perspectiva alargada de analise da economia e das suas implicac;:6es do panto de vista social.
Jose y Monz6n,]. Luis (Dir.), Libro bra11co de la Economia Social en Espanha, Ministerio Trabajo y Seguridad Social, Madrid, 1992.
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Outro conceito que voltou a adquirir grande impord.ncia e visibilidade, nomeadamente em Fran<;:a e noutros paises nos sectores ligados a doutrina social da igreja, foi o de economia solidaria. Para esta nova realidade identificada como uma "economia alternativa" assume impord.ncia primordial a interven<;:ao ecol6gica, o desenvolvimento local e a autogestao coma forma de organiza<;:ao interna. E tambem em Fran<;:a que radica a sua genese e inicia-se corn a cria<;:ao da Agencia de Liga<;:ao para o Desenvolvimento de uma EconomiaAlternativa (ALDEA). Ainda que ligada tambem ao sector cooperativo e associativo, nao deixa de promover o financiamento de microprojectos artesanais. Como outras caracteristicas essenciais, a solidariedade e a autonomia ganham foros privilegiados. Pode assim entender-se corn alguma facilidade, que os conceitos de economia social, de terceiro sector e economia solidaria, sejam utilizados de forma indistinta e confusa por muitos autores que pretendem referir-se ao termo. Efectivamente, nao se afigura facil tal distin<;:ao e muitas vezes opta-se pelo uso indiscriminado do termo. Alias, parece-nos em muitas circunsd.ncias que a tentativa de separa<;:ao que se pretende fazer nao vai alem de puro e pretenso preciosismo linguistico. Efectivamente, o que prevalece para la das quest6es de caracteriza<;:ao conceptual ea realidade social e econ6mica em que se insere a economia social ou o terceiro sector, fundamentando-se num evidente distanciamento quer do Mercado quer do Estado, ainda que sem renegar a qualquer destas realidades. Colocada a questao conceptual e dentro dos condicionalismos que se apresentam, nao podemos deixar de referir que a utiliza<;:ao dos termos sofre de ambiguidades varias, sendo a mais evidente a clivagem virtual entre as duas realidades.
3. Fundamentas:ao te6rica
Sao criterios juridicos, econ6micos e sociol6gicos que de forma combinada possibilitam delimitar e estruturar o campo de interven<;:ao das organiza<;:6es de economia social. Neste aspecto, ressalta que as clausulas inseridas nos seus estatutos juridicos correspondem a regras possiveis de reagrupar em torno de quatro grandes prindpios: lNTERVEN<;:AO SOCIAL, 31, 2005
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a. Identificac;:ao redproca de pessoas associadas e de actividade empresarial; b. Igualdade dos associados, independentemente da sua participac;:ao no financiamento e na actividade destas empresas; c. Se definido, a possibilidade de divisao dos excedentes entre os associados de forma proporcional a sua participac;:ao na actividade econ6mica; e. Propriedade colectiva dos beneficios investidos de forma permanente. Tambem da analise do conceito que atras adoptamos para a economia social, resultam quatro prindpios determinantes: a. Finalidade de prestac;:ao de servic;:os aos membros da colectividade b. Autonomia da gestao c. Processo de decisao democratica d. Primado do trabalho e das pessoas sobre o capital e a repartic;:ao do rendimento Pode entao, afirmar-se que a economia social recobre duas realidades que se interligam, a saber "uma forma alternativa de estar na economia (nem publica, nem privada capitalista) e o trabalho social ou assistencial sobre as camadas da populaf'!io em processo de exclusao': 7 A sua designac;:ao advem do seu fim ser o bem-estar social, o desenvolvimento local e a solidariedade, situando-se, por conseguinte, na area da liberdade e da func;:ao social do ter e do ser ao servic;:o da comunidade humana e do desenvolvimento harmonioso da sociedade numa perspectiva de promoc;:ao, simultaneamente, individual e colectiva. Face ao que fica dito, devemos entender a economia social, corn base num conjunto de valores que evidencia uma finalidade social da sua actividade e racionalidade propria dos agentes, ou seja, ausencia da finalidade do lucro na sua actuac;:ao, preocupac;:ao pela procura nao solvente, pela 7
Nunes, Francisco, Reto, Luis e Carneiro, Miguel, 0 Terceiro sector em Portugal: De!imitariio. Caracterizariio e Potencia!idades (Sintese), Lisboa, Instituto Antonio Sergio do Sector Cooperativo (INSCOOP) 2001, p. 6.
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satisfac;ao de necessidades sociais onde surgem aquelas que nao sao satisfeitas pelo mercado. Dentro deste contexto, importa ainda analisar as relac;6es da economia social corn o sector privado tradicional e corn o sector publico. 1ais relac;6es fazem sentir-se essencialmente ao nivel da participac;ao dos trabalhadores na propriedade, na gestao e nos resultados da empresa. E por esta via, que as empresas cooperativas se assumem em virtude das suas regras como "laboratorios de inova(iio social e reparti(iio do poder':s do mesmo modo que, as associac;6es que se enquadram neste tipo de economia se afirmam pela garantia de "uma serie de actividades que diio resposta a procuras, que a maior parte das vezes niio podem ser quantificadas monetariamente, ou que niio oferecem uma rentabilidade suficiente para promover a atrac(iiO de empresas orientadas para o lucro. " 9 No que se refere a relac;ao corn o sector publico, e se entrarmos em linha de conta corn as tres func;6es principais deste ultimo sector (produc;ao, redistribuic;ao e regulac;ao), a Economia Social apresenta-se como uma acc;ao complementar. Corn efeito, a Economia Social apresenta-se como uma especie de entreposto entre o Estado e o Mercado, servindo para que aquele possa incentivar a criac;ao de estrururas empresariais capazes de integrar os objectivos de eficiencia econ6mica corn os de bemestar social. E por isto que a Economia Social participa na func;ao produc;ao, atraves da prestac;ao servic;os de utilidade colectiva, em todos os sectores sociais, culturais etc, apresentando as instiruic;6es integrantes do sector a forc;a da iniciativa privada e a rapidez de intervenc;ao que faltam ao sector publico, a que acresce a capacidade de mobilizac;ao de voluntariado social que possibilita a reduc;ao dos custos de produc;ao de forma substancial. Tambem na func;ao redistribuic;ao, a Economia Social exerce urn papel importante. Efectivamente, as suas instituic;6es podem ser (e sao-no ja) uma forma nova para a realizac;ao de uma melhor distribuic;ao do rendimento, a qual pode ser feita atraves de uma forte vontade politica do ponto de vista da alterac;ao normativa que regula o sector, bem como, s Defourny, Jacques, "Lemergence du secteur d'Economie Sociale en Wallonie e en Europe'; Boletin de Estudios y Documentaci6n, Coperativismo y Economia Social, Ministerio de Trabajo y Seguridad Social, 1991 p. 32. 9 Perez, Matilde Alonso, Pensamiento Econ6mico y Economia Social, Valencia, Tirant lo Blanch, 1999, p. 175.
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atraves de ajudas fundamentais para a superas:ao dos pantos debeis o que permitiria uma posis:ao concorrencial no mercado. 10 No que respeita a fun<_;:ao regulas:ao, o papel da economia social evidencia-se essencialmente nas politicas de emprego e bem assim na sua intervens:ao para a solus:ao do problema do desemprego. Neste caso, as instituis:oes de Economia Social podem atraves dos agentes locais, culturais e sociais promover a reorganizas:ao de sectores mais depauperados, deixando ao Estado a possibilidade de se preocupar corn as grandes quest6es de reestrutura<;:ao econ6mica. Para alem disto, o Estado tern interesse em apoiar as institui<;:6es da Economia Social, uma vez que estas tern a capacidade para mobilizar recursos que nao poderiam se-lode outra forma, encontrando em tais organiza<;:6es uma garantia atraves das suas regras de funcionamento democd.tico.
4. Tipologia das empresas de economia social Para a avalia<;:ao da tipologia das empresas de economia social, procuramos seguir de perto os criterios comtmitarios tendo, no entanto, em linha de conta os que balizam o sector nos paises onde ele tern uma implementa<;:ao mais forte, comae o caso da Fran<;:a e da Espanha. De urn modo geral, os criterios de classifica<;:ao das empresas integradas na Economia Social sao os seguintes: 1. Organizas:oes aut6nomas em relas:ao ao Estado, do ponto de vista da sua gestao; 2. A propriedade e institucional e nao e objecto de reparti<;:ao entre os participantes; 3. Sao organizas:oes cujo objectivo, nao ea maximiza<;:ao do lucro, prevendo em alguns casos restris:oes a distribui<;:ao dos excedentes (o mais usado e a ausencia de rela<;:ao entre o capital e a participa<;:ao nos lucros); 4. Gestao democdtica e participativa;
掳Cfr. Barea, Jose y Monz6n, ]. Luis (Dir.) (1992), Libro branco de la Economia Social en Espanha,
1
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5. Predominio do factor trabalho sabre o capital, dando enfase aqualidade do servic;:o a prestar e ao desenvolvimento dos seus trabalhadores; 6. Modelo organizacional identico aos dos restantes sectores; 7. As suas formas organizacionais sao muito diversificadas; 8. Objectivo fundamental e a prossecuc;:ao do bem-estar ou do equilibrio social. Em face deste conjunto de criterios podemos destacar o conjunto das componentes fundamentais das organizac;:6es integrantes da Economia Social. Assim determinam-se as quatro componentes seguintes: a. Cooperativa Caracterizadora do sector historicamente mais importante, e que continua na actualidade a afirmar-se no contexto s6cio-econ6mico dos grupos sociais plurais, apresentando urn forte cariz popular e corn independencia da actividade econ6mica que pode desempenhar. Para alem do mais, obedece a urn conjunto de regras que lhe atribuem uma inequivoca personalidade no seio dos movimentos sociais;
b. Associativa Nao e ficil incluir este sector dentro da economia social, principalmente em virtude da grande variedade e dispersao dos seus regulamentos, e, tambem pot路que os objectivos das associac;:6es se apresentam em muitos aspectos radicalmente diversos. No entanto, muitas das organizac;:6es que assentam a sua base nesta componente, constituem e integram plenamente o sector da economia social. Em Portugal o vasto conjunto de associac;:6es de desenvolvimento social e local, sao bem exemplo disso. c. Mutualista
As associac;:6es enquanto institu1c;:oes particulares de solidariedade social, assumem-se coma uma das formas par excelencia de economia INTERVENC,:AO SOCIAL, 31,
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social, principalmente se se tiver em linha de conta o seu desenvolvimento hist6rico. Na actualidade, contudo, nem sempre vai neste sentido, verificando-se urn conjunto de problemas ao nivel da sua sustentabilidade enquanto sujeito de economia social, mormente por depender em muito da quotiza<;:ao dos seus associados.
d. Sociedades an6nimas laborais
E urn sector bastante recente,
muito importante em Espanha, tendo-se evidenciado o seu desenvolvimento, sobretudo a partir da crise econ6mica de 1973. A sua caracteristica principal e a de que os trabalhadores detem pelo menos 51 o/o do capital, conferindo-lhes o seu funcionamento e estatuto tra<;:os distintivos face as restantes realidades de economia social ou privada que lhes dao assim urn enquadramento espedfico no plana da ec6nomia social. Decorrente do que se disse atras, podemos identificar as seguintes organiza<;:6es de economia social:
1. As Cooperativas
No quadro da Organiza<;:ao lnternacional do Trabalho as cooperativas sao definidas coma associa~oes de pessoas que se agrupam voluntariamente para satisfo~ao de um interesse comum, para a constitui~lio de uma empresa dirigida democraticamente, fornecendo uma parte equitativa do capital necessdrio e aceitando uma justa participa~lio nos riscos e beneflcios da empresa, e no funcionamento do qual os membros participam activamente. No que concerne ao enquadramento juridico nacional as cooperativas "sao pessoas colectivas aut6nomas, de livre constitui<;:ao, de capital e composi<;:ao variaveis, que, atraves da coopera<;:ao e entreajuda dos seus membros, corn obediencia aos prindpios cooperatives, visam, sem fins lucrativos, a satisfa<;:ao das necessidades e aspira<;:6es econ6micas, sociais ou culturais daqueles". (art. 2. ° C6digo Cooperative) Estas representam a parte que mais aproxima a economia social do sector privado classico e a sua contribui<;:ao epor demais evidente ao nivel do desenvolvimento econ6mico e social, no que concerne ao aproveitamento I NTERVEN<;:AO SOCIAL, 3 1, 200 5
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dos recursos locais, a criac;:ao de emprego ou atraves da participac;:ao nos processos de produc;:ao mais intensivos em mao-de-obra, atraves de um conjunto de caracteristicas que vao da agilidade a rapidez e capacidade de adaptac;:ao face a determinados desafios tecnologicos ate a habilidade para suprir determinados problemas comerciais e tecnicos que exigem um capital considedvel. As regras que as distinguem de outros tipos de sociedades, baseiam-se em quatro grandes prindpios que tiveram origem no proprio movimento cooperative, designadamente nos Congressos de Paris (1937) e de Viena (1966) e consagrado no Codigo Cooperative em 1996: a. A liberdade de adesao: todos podem aderir as cooperativas, denotando a variedade da sua composic;:ao ea nao discriminac;:ao em func;:ao do sexo, rac;:a, idade, condic;:ao economica e social e convicc;:6es polfticas e religiosas; b. A democracia interna, corn 6rgaos sociais eleitos por meios democd.ticos, atribuindo a todos os membros da cooperativa o direito de voto para essa eleic;:ao; c. A participac;:ao economica dos membros que devem contribuir equitativamente para o capital das suas cooperativas e receberem uma remunerac;:ao limitada; d. A autonomia e independencia das cooperativas que deve ser assegurada mesmo no caso de acordos corn outras entidades; e. A educac;:ao, formac;:ao e informac;:ao;
f. 0 desenvolvimento da cooperac;:ao corn outras entidades cooperativas a escala nacional e internacional; g. 0 interesse pela comunidade. Quanta a sua classificac;:ao, as cooperativas pod em ser de 1. 0 grau ou de grau superior resultante do agrupamento entre diversas cooperativas. Por outro lado, a classificac;:ao das cooperativas eo resultado da contraposic;:ao entre a actividade da empresa e a posic;:ao dos seus membros, donde se distinguem:
1. Cooperativas de consumo, quando sao os clientes utilizadores finais de bens e servic;:os; lNTERVEN<;:Ao SociAL, 31, 2005
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2. Cooperativas de prodw;:ao, quando os trabalhadores sao a urn tempo assalariados e associados; 3. Cooperativas de habita<_;:ao, quando se trata de fornecer bens imobiliarios;
4. Cooperativas de poupan<;:a e credito, quando see ao mesmo tempo depositante e recorrente do credito. As cooperativas sao por excelencia as organiza<;:6es primordiais da economia social, donde resulta a sua importancia.
2. As Mutualidades As associa<;:6es mutualistas sao, segundo o decreto-lei 72/90 de 3 de Mar<;:o que define o seu codigo, "instituifoes particulares de solidariedade
social com um numero ilimitado de associados, capital indeterminado e durafiio indefinida que, essencialmente atraves da quotizafiiO dos seus associados, praticam, no interesse destes e das suas fomilias, fins de auxilio reciproco" (art. 1. 0 ). Donde, constituem seus fins fundamentais a concessao de beneficios de seguran<;:a social e de saude e cumulativamente outros fins de protec<_;:ao social e de promo<_;:ao da qualidade de vida, pela organiza<_;:ao e gestao de equipamentos e servi<;:os de apoio social e actividades que visem o desenvolvimento moral, intelectual, cultural e fisico dos associados e familias (n. 0 2).
3. As Miseric6rdias A sua area de interven<;:ao vai da assistencia na area da saude social nos seus mais variados aspectos.
a ac<;:ao
4. As lnstitui<;:oes Particulares de Solidariedade Social (IPSS) Reguladas, em Portugal pelo decreto-lei n. 0 119/83, de 25 de Fevereiro, as IPSS apresentam finalidade nao lucrativa e constituem-se por INTERVEN<;:AO SOCIAL,
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iniciativa de particulares corn o proposito de dar expressao a solidariedade e justic;:a entre os individuos no intuito da prestac;:ao de servic;:os que vao do apoio a crianc;:as e jovens, ao apoio a familia, apoio a integrac;:ao socio-comunic1ria, protecc;:ao da saude, educac;:ao e formac;:ao profissional dos cidadaos a resoluc;:ao de problemas habitacionais dos cidadaos. Podem assumir a forma de associac;:oes de solidariedade social, de volund.rios de acc;:ao social, de socorros mutuos, fundac;:oes de solidariedade social e irmandades de misericordia.
5. Principais desafios Os principais desafios que se colocam as associac;:oes que se enquadram no ambito da economia social, sao os que tern aver corn o cumprimento dos propositos que lhes estao de uma forma ou de outra acometidos. Corn efeito, os desafios maiores serao os da !uta contra a pobreza, a exclusao social e a inserc;:ao social dos mais desfavorecidos, o desenvolvimento local e regional da forma mais harmoniosa possivel e a luta contra o desemprego. Daqui resulta a necessidade de se considerarem urn conjunto de quest6es: a. Clarificar o campo de actuar;ao do Estado
E importante que o Estado defina a sua forma e metodologia de intervenc;:ao no mercado (regulador, intervencionista, laissez-faire). Ao faze-lo deixa em concreto espac;:o para que se saiba qual o espac;:o de intervenc;:ao dos restantes operadores. Isto significa que no que respeita a economia social, o seu espac;:o fique claramente definido e esta possa assumir nesse espac;:o uma visibilidade que ainda nao tern e que constitui urn entrave ao seu proprio desenvolvimento;
b. Reconhecimento da economia social como um sector proprio Trata-se da necessidade de se identificar os interlocutores, favorecer e reconhecer as instancias de representac;:ao, participar nos espac;:os de conINTERVEN<;:Ao SOCIAL,
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certac;:ao, de decisao sobre as politicas publicas a definir e tornar possivel o recurso ao financiamento para o seu proprio desenvolvimento e formac;:ao; c. Definir;ao dos meios administrativos, orr;amentais e humanos Aqui e importante reconhecer o papel do Estado no desenvolvimento das instituic;:6es de economia social. Deste modo, a criac;:ao de organismo estatal (secretaria de Estado, por exemplo) que assuma em definitivo a tutela deste sector e assim pudesse contribuir. para o apoio orc;:amental ao desenvolvimento das instituic;:6es, assim como na formac;:ao dos recursos humanos e adequac;:ao de meios administrativos. Para a realizac;:ao de todas estas intervenc;:6es torna-se necessaria suplantar o que se afigura sempre o mais dificil: a capacidade de financiamento das actividades necessarias e uma intervenc;:ao dos poderes publicos mais visivel e coerente. Assim, enquanto desafio global devemos considerar a possibilidade de recurso a formas de financiamento e ao estabelecimento de novos compromissos corn financiadores que nao participam directamente no processo. Para alem disso, reveste especial importancia o micro credito, o qual permite, sem duvida, se utilizado racionalmente suplantar as dificuldades financeiras que se imp6e a quem sofre de exclusao social ou a quem estci na iminencia de vir a sofrer desse grave problema social. Mas, ainda nao e tudo. Desde que se instalou a crise do Estado Providencia e o Estado ficou impossibilitado de intervir financeiramente no mercado reduziu tambem de forma drastica o seu apoio na sociedade, o que deixa espac;:o aberto para que outras instituic;:6es possam intervir. E aqui que alguns autores comec;:am a falar na necessidade de uma nova economia social. Efectivamente, nas sociedades mais industrializadas corn a reduc;:ao da intervenc;:ao do estado Providencia associado aos ciclos econ6micos negativos milh6es de postos de trabalho foram perdidos, criando assim novas necessidades a urn nt'unero crescente de pessoas que anteriormente se encontravam protegidas. Aparecem tambem novas procuras sociais o que evidencia a incapacidade do mercado e do Estado. Deste modo a nova economia social surgiria assim como uma forma de reacc;:ao contra a incapacidade do mercado e do Estado em fazer face as quest6es do desemprego. !C:TERVEN(,>\0 SOC:Ic\L,
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Para superar tudo isto, o associat1v1smo contemporanea parece ser o modo mais eficiente para o fazer e ao mesmo tempo promover a diferencia<;:ao qualitativa face aos outros sectores, por reunirem individuos que perseguem os mesmos objectivos sociais e economicos e recorrerem a formas de gestao associativa utilizando o capital disponivel com uma perspectiva empresarial social e colectiva.
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Ernesto FERNANDES*
A EDUCA\=AO COMO EIXO ESSENCIAL DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO. A re-inven<;ao da educa<;ao pela comunidade** E meu prop6sito, neste texto, contextualizar a deriva!dilemas da educaflio, enquanto um dos campos da Politica Social (sectorizada, fragmentada, burocraticamente administrada) e expressao do Estado Social como garunte dos direitos econ6mico-sociais e dos direitos cultumis, associados aos direitos civico-politicos. Nesta perspectiva, importa supour o conceito de educaflio como instruflio (a escola como espafo cientifico-tecnico) atraves da articulafliO da formaflio etico-politica corn a formaflio estetico-expressiva. Para o eftito, urge semeadconstruir uma nova cultum na e pela comunidade/sociedade civil para conferir legitimidade ao Estado de direito democrdtico e civilizar o mercado global. A cidadania participativa recomenda-se e a demooucia como habitus quotidiano impoe-se como desfgnio da educafaO (formal, nao-formal e informal).
lntrodw;ao
No contexto do Ano Europeu da Cidadania pela EducaftiO, o presente texto desenvolve-se em tres andamentos reflexivo-propositivos. No primeiro andamento, enuncio que o projecto societal da modernidade, a escala do planeta e do nosso pais, esta ferido no prindpio emancipat6rio de razao-ordem-progresso. No segundo andamento, pretendo identificar a deriva/problemas que afectam a educac;:ao, quando nao * Professor do Institute Superior de Servi<;:o Social de Lisboa e em coopera<;:ao cientffica de docentes com a Universidade dos A<;:ores. Consultor da Direc<;:ao e Presidente da Mesa da Assembleia Geral do Chapit6 - Colectividade Cultural e Recreativa de Santa Catarina, Lisboa. ** Texro-referencia da Comunica<;:ao proferida no Seminario A Escola, foetor de desenvo!vimento sustentdve! numa comunidade, org. UEL - Centra de Forma<;:ao da Uniao de Escolas da Lourinha, Escola Basica 2/3 Dr. Afonso Rodrigues Pereira - Nucleo dos Apoios Educativos e Camara Municipal da Lourinha.
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encarada na dialectica psico-social e s6cio-polftica. No terceiro andamento, proponho que se recoloque a educayao (formal, nao formal e informal) como eixo incontornavel de urn projecto sociocultural alternativo que resgate e potencie a cultura classica entre verdade (o cientifico-tecnico), bem (o etico-polftico) eo belo (o estetico-expressivo). Projecto que desenvolve uma polftica de proximidade ou de vizinhanya, de comunidade, ou seja, de causas e/ou interesses comuns: democratizar;ao da democracia (Giddens, 2000) ancorada, nao no lucro, mas nos afectos-sentimentos-layos, em inteligencia emocional (Cf Goleman, 1996). Cuidar do presente corn sentido de futuro, segundo a expressao de Lourdes Pintasilgo: se queremos um futuro melhor~ o Jitturo comer;a hoje e estd nas nossas maos (Cf Pintasilgo, 1998). Para este desfgnio importa convocar os actores sociais (familia, escola, autarquias, empresas, organizay6es da sociedade civil) para uma intervenyao articulada (nao corporativista) de humanizayao da vida como recle de relar;oes reciprocas e da democracia como hdbito quotidiano (Mary Richmond, 1922).
1. A modernidade como deceps:ao e pessimismo larvar: o recrudesci-
mento da barbarie em tempo de globalizas:ao
0 projecto sociocultural da modernidade entrincheirou verdade, bem e belo. Uma cultura cartesiana que foi transformando o universo numa enorme loja. Nesta loja global, de facto, nao e possivel comprar um amigo a um mercador (Antoine de Saint- Exupery, 1940). Impera o Mercado em detrimento do Estado e da Comunidade, a regulaf路ao sobrep6c-se a emancipar;ao prometida (Boaventura de Sousa Santos, 1991). 0 projecto da modernidade, sob a bandeira da razao- ordem progresso, cntrou em deriva. Qual 0 tempo de hibernayao nao e previsfvel, sabemos, isso sim, que a gestayao da modernidade durou tres seculos. 0 confronto desenvolvimento/subdesenvolvimento, segundo Josue de Castro ( 1971), e urn problema de subeducar;ao, nao apenas do terceiro mundo, mas do mundo inteiro. Uma geopolitica que, no tempo da globalizayao, escancara os dramas e cava as suas ameayas e riscos. 0 crescimento econ6mico de poucos saldou-se em subdesenvolvimento humano [:\TER\'FC:C,: ..\o SOCic\1, .1 l, 2005
Educa<;:ao como eixo essencial do desenvolvimento sustentado -----'"·--·--------··
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de to dos (Alain Touraine, 19 81). Como inverter a march a da loucura da normalidade (Arno Gruen, 1995)? A visibilidade do terror, em onda mediatica, do tempo presente, torna-se anestesiante (mais 10 milhoes de pobres, depois de 11 de Setembro, a juntar aos 800 milhoes existentes, sem direito a subsistencia, segundo o Banco Mundial). Re-emergem os fantasmas da pre-historia. E, por isso, quanto menos uma coisa efolada, mais cresce (Carlos Amaral Dias, in Rev. Expresso, 27.10.2001, p. 18). Dai, a necessidade de reflectir- conversar para que a exorciza~ao dos medos e amea~as nao se fa~a pela catadupa de anedotas, que circulam na pra~a publica, banalizando os acontecimentos do real, mesmo pela boca dos mais pequenos. lmagina~ao delirante e anestesiante, bem propria da mentalidade dos portugueses. Este diagnostico, a escala do nosso pais e pela palavra da Conferencia Episcopal Portuguesa, traduz-se em sete pecados sociais, que exigem
responsabilidade soliddria pelo bem comum: a) os egoismos individualistas (..)
b) o consumismo, fruto de ton modelo de desenvolvimento (..)
c) a corrupr;ao, verdadeira estrutura de pecado social (..) d) a desannonia do sistema fiscal ( ..)
e) a irresponsabilidade na estrada (..) f) a exagerada comercializar;ao do fen6meno desportivo (..) g) a exclusao social, gerada pela pobreza, pelo desemprego, pela folta de
habitar;ao, pela desigualdade no acesso
a saude e a educar;ao (..)
Para contrariar ou combater estes pecados sociais exige-se a educa~ao nos valores, o gosto do bem comum, a generosidade como atitude social, a paixao por urn Portugal melhor (CEP, 2003: 6-7). 2. A cartografia da educayao reduzida a instruc;ao e prodiga em insucessos. Em busca de urn novo olhar para refundar a modernidade A democratiza~ao do ensino funda urn tempo de promessa, contraditado pelo abandono, repetencias, comportamentos disruptivos, violencia, toxicodependencias licitas e ilicitas. Contraditado tambem por forma~6es lNTERVENc,:Ao SociAL, 31, 2005
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superiores sem mercado de trabalho (20 a 25 mil sao anualmente exclufdos, in Expresso- Emprego, 13.10.2001); por chumbos de elevada taxa no ensino universid.rio, nada estranhos a profissores incompetentes, como reconheceu o Tribunal de Instrw;:ao Criminal e da Relac:;:ao do Porto (Didrio de Noticias- Educac:;:ao, 12.06.2001); por licenciados que entram virginalmente no doutoramento e sobrarao doutores (Antonio Hespanha, Escolrl- Informa~ao, Setembro de 2001). Questoes paradoxais, quando se anuncia, como desfgnio, sociedades educativas ou do conhecimento. Para repensar a educac:;:ao e conferir-lhe o seu valor de eixo central do desenvolvimento, torna-se inadiavel uma leitura de nfvel macro ou societal, nomeadamente da educac:;:ao enquanto uma das polfticas (sectorizada, fragmentada) do Estado Providencia. Necessidades humanas ou sociais, valores, direitos e deveres humanos. A historicidade e a multiculturalidade do humano e do social impedem a criac:;:ao de conceitos objectivos e universais sobre a condic:;:ao do homem como animal politico (Aristoteles, sec. V a.C.)? Nao ha necessidades/valores humanos basicos para alem dos tempos e das culturas? A relatividade est a nas respostas/ satisfac:;:ao a essas necessidades ... A nitidez salina do real (Sophia de Mello Breyner) e a necessaria complexidade da semente (Natalia Correia) obrigam-nos a ver corn olhos novos o nosso tempo. Urn novo olhar para fundar uma nova cidadania, ancorada na indivisibilidade dos direitos humanos (dvico-polfticos, economico-sociais e culturais) e no cruzamento de linguagens (ciencias, artes, filosofia, discurso das religioes, sabedoria popular, ... ). Ou seja, a construc:;:ao de urn novo sensa comum, que e critica a razao indolente, contra o desperdicio da experiencia (Boaventura de Sousa Santos, 2000). A cidadania democratica (civile social) anuncia-se/oferece-se como desejo-vontade de mudar a polis.
3. Educac:;:ao e desenvolvimento social: o homem-cidadao como finalidade e motor do desenvolvimento A concepc:;:ao de Desenvolvimento Social questiona o modelo de desenvolvimento do pos-guerra - Estado de Bem Estar Social: a ciencia e a tecnologia refens do Mercado, o cidadao st'tbdito-consumidor e o universo l:iTl'RVLi'JC,:Ao SOCIAL, .'31, 2005
Educa~ao
como eixo essencial do desenvolvimento sustentado
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transformado numa enorme loja. A porta, especialmente a pobreza, o desemprego e a exclusiio social que aftctam todos os paises (ONU, 1995). Urn desenvolvimento alternativo imp6e-se, que toma por nome cuidar o jitturo (Pintasilgo, presid., CIQV, 1998), se for esta a nossa escolha. Em tempo de holocausto terrorista (Soromenho-Marques, Jornal de Letras, 3.1 0. 200 1) - terrorismo larvar sem rosto e terrorismo oficial, importa, e urgente, ousar-investir na educa<;ao das pessoas, desde de antes do ber<;o e, particularmente, na educa<;ao dos adultos, porque a critica ao capitalismo como modo de vida, desde ha anos, tern vindo a ser denunciada (Michel Bosquet, 1973; Andre Granou, 1975). Assim, desde os anos 60, esra dispon1vel uma cdtica sobre a educa<;ao: do aprender a ser (UNESCO, 1972) ao aprender a viver juntos, aprender a viver eo m os outros (UNESCO, 1996). A recoloca<;ao do estetico-expressivo e do etico-polltico para enquadrar e conferir sentido ao ciendfico-tecnico. Neste movimento, de ha anos, vai ganhando consensualidade as seguintes perspectivas: a) Uma educa<;ao/socializa<;ao que concilia verdade, bem e belo, ou seja, uma educa<;ao que deve organizar-se a volta de quatro aprendizagens fimdamentais que, ao longo de toda a vida, seriio de a/gum modo para cada individuo os pilares do conhecimento: aprender a conhecer ( .. ); aprender a fazer ( . .); aprender a viver juntos ( ..); finalmente aprender a ser ( .. ) via essencial que integra as tres precedentes (UNESCO, 1996: 77); b) Uma educa<;ao formal ou escolar pautada pela igualdade de oportunidades e pela equidade (discrimina<;ao positiva), tendo como referencia, segundo Am6nio N6voa, a necessidade de educar cada um ate ao limite das suas possibilidades, procurando, ao mesmo tempo, conseguir a integrar;iio de todos, para que a escola, na sua vontade de instruir, nao incapacite para o desejo de aprender. Uma educa<;ao que reconhece e trabalha as culturas juvenis (Machado Pais, 1996) e rompe corn a exclusao dos estranhos (Garcia, 2000), porque se acredita que a inova<;ao e fruto da complexidade; c) Uma educa<;ao que requer a colegialidade dos educadores e professores (contra o disciplinarismo) e a coopera<;ao interprofissional (assistentes sociais, psic6logos, medicos), rompendo corn o corporalNTERVEN<;:Ao SOCIAL, 31, 2005
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t1v1smo e a hegemonia unipolar dos educadores/professores (v. Dicionario de Bioetica, 200 1); d) Uma educa<;ao (formal, nao formal e informal) que constitui a Sociedade Civil como antidoto ou desequilibrador do papel regulador do Estado e avassalador do Mercado, ou seja, a centragem da educa<;ao nos actores sociais pr6ximos (pais, familias, professores, autarquias, associa<;6es, empresas), em alternativa asobrevaloriza<;ao da Escola-Quartel, do Estado-Pai e do Mercado-Patrao. Ou seja, o desenvolvimento local como estrategia, segundo o prindpio de pensar globalmente e agir localmente. Rendi<;ao a vida como rede de relar;oes reciprocas (Mary Richmond, 1922). A localiza<;ao como estrategia para que cada escola seja em projecto educativo, uma casa cam rosto, na Cidade; e) Uma educa<;ao/socializa<;ao/re-socializa<;ao das pessoas para alem das idades, do genera, das diferen<;as etnicas, religiosas ou sexuais contra a vida consentida, pela vida com sentido (Carmo Ferreira, 1998). Uma educa<;ao que requer a autenticidade dos formadores, que dela fazem semente de uma nova cultura, segundo a ideia de Agostinho da Silva (1989). Uma educa<;ao que requer dos adultos uma postura reflexiva e de auto-forma<;ao: uma cultura de aprendizagem atraves do movimento uma hora por dia para estudar (UNESCO, 1997);
f) Uma educa<;ao que requer uma cultura organizacional democratica que respeita os subalternos (pessoal tecnico-administrativo e auxiliar) e os alunos, crian<;a ou jovem, nos seus direitos de pessoa-cidadao, coma manda a Convenr;iio sobre os Direitos da Crianr;a, adoptada pela Assembleia Geral das Na<;6es Unidas, em 20 de Novembro de 1989, e aprovada pela Assembleia da Rep(iblica, em 8 de Junho de 1990. Cultura para a cidadania em contexto escolar, reconhecendo e promovendo a iniciativa e a criatividade dos jovens em suas traject6rias de vida (Cf. David, 2004); g) Uma educar;ao para o desenvolvimento (Santos Silva, 1990), nao a medida dos an os 60 (os paises do N orte a recolonizar os do Sul), mas uma educa<;ao de todos e direccionada para a opiniao publica, para um novo senso comum (Boaventura Sousa Santos, 2000) que deve combinar: hTI路:RIT.:-i~:Ao
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Educa~ao como eixo essencial do dcsenvolvimcnto sustentado
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um novo olhar (articula<,:ao/ dial ago de linguagens) uma nova erica (solidariedade e co-responsabilidade) uma nova politica (cidadania participativa) uma nova estetica (reencantar-se, deslumbrar-se, emocionar-se, fazer durar em si a alegria do bonito, da generosidade e do prazer).
Para que o futuro seja possivel, havemos de cultivar os valores da nao violerzcicz e de respeito por todas as fimnas de vida, da solidariedade e uma ordem economica justa, da tolerancia e uma vida de verdade e de iguais direitos e parceria entre homem e mulher (Hans Kung, 1998). Uma cultura alternativa, sustentada e sustentivel, nas riquezas humanas - afictivas, mentais, flsicas - constituem a finalidade e o motor do desenvolvimento, conforme a DeclaJ-afdO Europeia dos Objectivos Culturais, 1986. Uma cultura, sempre em constru<,:ao, que se funda no principio radical de que as coisas tem pm;o, o homem dignidade (Immanuel Kant, 1724 1804). Nesta perspectiva, a comunidade/sociedade civile o educador (formal, nao formal, informal) de uma nova cultura. Ninguem e de ninguem, diz a can<,:ao. 0 homem sonha-espera ser educado coma o artesao do oitavo dia (Hubert Reeves, 1990). Para esta ousadia-utopia, recusa-se a pedagogia bancdria, retoma-se o fila a de Socrates (sec. V a. C.), que Paul a Freire (1921 - 1997) baptizou de pedagogia dialogica. Aceita-se a pluralidade dos actores sociais e a diversidade das posi<,:oes coma seio de complexidade que favorece a expansao c a inova<,:ao, coma tem sido a dinamica do universo, desde ha 20 mil milhoes de anos, e a dinamica do ser humano, desde ha 15 milhoes de anos. Estrangeiros no universo ou ao inves filhos do cosmo, segundo o astrofisico nuclear, Hubert Reeves, 1990. Um humanismo concreto que se demarca do humanismo abstracto, que tem configurado a chamada civiliza<,:ao ocidental. Uma pedagogia da esperanfa para refundar a educaflio na cidade, segundo Paulo Freire (1991), recomenda-se, pm路que os filosofos limitaram-se a interpretar 0 mundo de diversas maneil-as; 0 que importa etransformdlo, segundo a XI das Teses sobre Feuerbach, de Marx ( 1975:30). Assim, Jose Games Ferreira, nos anos 30, em versos duros, afiados, agrestes, anunciava o campo da utopia: ]NTERVEN~:AO
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Pois os hornens sabern e cantarn e cantarn corn rnorte e suor. 0 nosso rnundo eeste... (Mas hd-de ser outro). Ou, na linguagem acalentada pelo verde-azul da Serra da Amibida, a palavra do professor-poeta Sebastiao da Gama (1924- 1952):
Pelo sonho eque varnos cornovidos e rnudos. Chegarnos? Nao chegarnos? Raja ou nao haja ftutos pelo sonho eque varnos. (..)
Chegarnos? Nao chegarnos? - Partirnos. Varnos. Sornos. E, ainda, na linguagem do menino de 10 anos, Inacio Cruz, aluno de Maria Rosa Colac;:o (A Crianfa ea Vida, 40a ed., 1996, p.25):
0 arnor ecorno duas borboletas que estivessern sobre urna rosa, a rnais linda de todas do jardirn. 0 arnor tern que haver. Se nao houvesse arnor nao havia nada bonito. 0 arnor sao duas estrelas a brilhar, a brilhar. A rosa e o sol sao o arnor. 0 arnor ea poesia. 0 arnor sao dois passarinhos a construir a sua casinha. 0 arnor e nao haver policias. Em nome da cruz do Inacio, dos meninos sem infancia e dos adultos sem principezinho, dedico esta reflexao-procura a Paulo Freire, por quem aprendi, sendo professor, a ser monitor de alfabetizac;:ao de adultos; dedilNTERVENC,:Ao SOCIAL, 31, 2005
Educa<;:ao coma eixo essencial do desenvolvimento sustentado
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eo aos Meus Alunos de ontem e de hoje (contabilidade, cdlculo comercial, no~oes de comercio, matemdtica, historia das institui~oes sociais, servi~o social, anima~iio sociocultural, etica e deontologia da interven~iio social), ainda, a Maria Joao Pires para quem as teclas do piano em si ressoam como musica de sofrimento: Sinto-me mal par pertencer a uma ra~a humana que niio merece respeito nenhum. Quero acreditar que o nosso mundo e este, mas hd-de ser outro. Quero continuar a ser aluno da vida, porque, como diz Sebastiao da Gama no seu Didrio, nao ha ex-alunos. Quero acreditar que e possivel, corn paciente persistencia (Paulo Freire), construirlformarmo-nos para uma etica alternativa que, assente na liberdade plural, afirme valores/ deveres que irmanam projecto pessoal - projecto profissional - projecto societirio. Uma nova etica que toma por nome: solidariedade, cuidado, solicitude, didlogo, co-responsabilidade, como se reflecte/ defende em Par uma carta etica da interven~iio social (Cf. Fernandes, 2004). Uma etica nova, radicada no perdiio- promessa, porque se encara o homem em sua condi~iio humana, ou seja, em sua s6cio-historicidade, como amoravelmente reflecte a fil6sofa Hannah Arendt (1958, ed. 2001).
Condusao
Transversa o meu discurso-reflexao nao a denuncia do Erro de Descartes, mas a critica, em tempo de hoje, ao cartesianismo reproduzido no campo das ciencias e das tecnologias, porque, parafraseando Norbeto Bobbio, em A Era dos Direitos ( 1992), o problema fundamental em relac;:ao ao desenvolvimento e a educac;:ao nao e tanto cientifico-tecnico, mas sobretudo etico-politico. Nesta perspectiva, no prindpio era o belo-prazer-beatitude-deslumbramento-proximidade, fonte criadora e criativa do homem como artesiio do oitavo dia, segundo a expressao do astrofisico nuclear Hubert Reeves (1990). Criatura, mas por designio criador, apesar e contra a nitidez salina do real, em jeito de Sophia de Mello Breyner Andresen, como sempre se disse em seu nome completo. Por isso, e cientifico cruzar linguagens: a da ciencia e tecnologia, a da filosofia, a das religioes, a da sabedoria popular, a dos meninos e meninas lNTERvEN<;:AO SOCIAL, 31, 2005
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procurantes, em sua poesia, a das artes eruditas ou performativas. Urn novo saber para urn novo senso comum, a maneira de Boaventura de Sousa Santos ou de Sebastiao Salgado, quando nos interroga em seus retratos do homem errante/erd_tico (pobres, emigrantes, refugiados, asilados), expondo nossa condi<;:ao humana a luz do scu doutoramento em economia, que transfigura pela fotografia. Por isso, e cientffico, ou seja, virmos em busca da verdade, cruzando raziio e corar;iio, como nos diz Helena Marujo, tambem doutorada e professora, mas no campo da psicologia e ciencias da educa<;:ao, quando nos adverte e incentiva para a quesrao do optimismo, esperanr;a e ftlicidade ( .. ),
de sonhos e utopia niio ebanal, mas usd-los para guiar a vida eproprio de tantos, os que ainda acreditam (Marujo, 2005). Creio que, apcsar da nitidez salina do real, pertence-nos o clever de nos deixar visitar pelo deslumbramento e pelo surpreendente da vida como semente complexa (Natalia Correia). Creio que, sendo a busca da verdade importante, hoje, mediaticamente oferecida ou comprada, o belo e determinante. E pelo corar;iio (Pascal, sec. XVII) que o homem, em sua sociohistoricidade se constitui ou se arroga como artesiio do oitavo dia. Criador de alternativas polfticas e normativas, em_ nome de uma vida balizada/animada pela exponencia<;:ao do bem contra a barbcirie (Cf. ONU, 1948). Nesta perspectiva, a cultura democratica precisa de se rejuvenescer pela cidadania participativa, a sua, a minha, mobiliza<;:ao da sociedade civil para conferir legitimidade democratica ao Estado e para regular/civilizar o poder quase sem rosto do mercado global. Tanta palavra dita. Tanto saber disponfvel. Tanta coisa por fazer. Tanta coisa possivel a fazer pela Cidade/Comunidade, a maneira de Jose Afonso:
Cidade Sem muros nem ameias Gente igual por dentro Gente igual por fora ( .. )
Cidade do homem Niio do lobo mas irmiio Capital da alegria !en ER\'F.0:<,:Ao SOCIAL, 31, 2005
Educac;:ao como cixo essencial do descnvolvimento sustentado
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POLITICAS DE SAUDE Envelhecimento e Cuidados Continuados 0 enve!hecimento e as despesas em sar!de e cuidados continuados parecem estar a!tamellte corre!acionadas, o que no contexto rzctua! em que a "ve!ha" Europa estti cada vez mais ve!ha !evanta, entre outms, questoes como.路 de quefonna e que umrz popu!ariio activa cada vez men01; sera capaz de suportar uma populrz(iiO idosa cada vez mai01路? Os midados cominuados, formais ou informais, a sua importlincia actual e perspectivas .futuras, eo tema deste nosso ensaio que pretende ainda dar uma perspectiva do que se passa em Portugal, tendo presente que em materia de evo!u(iiO demogrrifica acompanhamos o resto da Europa, o que levanta o mesmo tipo de prob!emas.
As despesas com os cuidados continuados representam hoje uma percentagem consided.vel das despesas nacionais de saude e estima-se que cresc;:am rapidamente nas proximas decadas devido a actual evoluc;:ao demogdJica. Estudos realizados apontam para uma diminuic;:ao do total da populac;:ao europeia, e dentro desta dos jovens com menos de quinze anos e da populac;:ao activa, enquanto a populac;:ao idosa com sessenta e cinco e mais anos, aumentara e a populac;:ao muito idosa (com mais de oitenta anos) triplicara ate 2050. Sendo as despesas de saude per capita dos individuos com sessenta e cinco e mais anos tres vezes superiores as despesas de saude per capita dos individuos de idade inferior (Jacobzone e Oxley, 2002) 1 , facilmente podemos concluir pelo ineviravel aumento das despesas em cuidados medicos e em cuidados continuados (ou cuidados de longa durac;:ao) e esperar que uma sociedade potencialmente mais envelhecida venha nao so a sobrecarregar o sistema de cuidados de saude e cuidados continuados, mas tambem a propria economia (Knickman e Snell, 2002)2. 0 envelhecimento e as despesas em saude e cuidados con* Mestt路e em Economia Europeia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Doutoranda na Universidade de Santiago de Compostela. 1 Jacbzone, S; and H. Oxley (2002), "Ageing and Health Care Costs" liitenltltiowz! Politics and 2
Society Knickmam, J.R. and E.K. Snell (2002), "The 2030 problem: caring for aging Baby Roomers" Health Services Research.
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tinuados parecem estar altamente correlacionados, verificando-se que grande parte dos paises da Uniao Europeia (dos Quinze) gastam trinta a quarenta par cento do total das despesas em saude corn as pessoas com sessenta e cmco ou mais anos. Em Portugal desde 1960 que a populat;:ao idosa nao para de crescer passando de 8% nesse ano, para 15,2% em 1988. Entre 1990 e 1998 a taxa de crescimento media anual dos idosos foi de 1,4% para os horn ens e de 1,7% para as mulheres. 0 indice de dependencia1 mostra-nos que o nt'unero de idosos aumentou em relat;:ao a populat;:ao em idade activa (1564 anos) atingindo em 1998 o valor de 23,4%. As project;:6es da populat;:ao portuguesa estimam que num futuro proximo os idosos nao parem de aumentar, em valor absoluto e relativo, prevendo-se que ultrapassem os jovens entre 2010 e 2015, representando os idosos 18,1% da populat;:ao em 2020, enquanto que os jovens representarao apenas 16,1 %. Paralelamente a populat;:ao com 75 e mais anos aumentara a sua proport;:ao que sera de 7,7% em 2020, enquanto em 1995 era de 5,6%, o que tera como consequencia o aumento do indice de longevidade 4 â&#x20AC;˘ 0 indice de envelhecimento" sofrera tambem urn aumento ininterrupto, aproximando-se dos 112 idosos por cada 100 jovens em 2029 (cerea de 84 em 1995). Tal suscita algumas quest6es nomeadamente: Quem vai tomar coma desta populat;:ao envelhecida? Continuarao as familias a ter capacidade para fornecerem directamente apoio e cuidados aos seus familiares idosos, num contexto em que a participat;:ao da mulher no mercado de trabalho e cada vez mais clevada? Esta e uma realidade que dificilmente podera ser ignorada e que consiste num desafio para os governos, na medida em que se por um !ado a palavra de ordem e content;:ao das despesas publicas e o equilibrio or<;:amental, por outro !ado a pressao do aumento das despesas de sat:ide e nomeadamente das despesas relacionadas corn a populat;:ao idosa cada vez mais numerosa, e muito forte. A teoria econ6mica da politica ensina-nos que os politicos procuram votos e para tal procuram responder aos desefndicc de dependencia dos idosos traduz a percentagem de individuos com 65 e mais anos relativamcnte a popula~ao com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos. 'i Rcla~ao cxistente entre a popula~ao com 75 e mais anos e a popula~ao com 65 e mais anos; e um indicador adicional de medida de envelhecimento da popula~ao. s Traduz a percentagem de individuos com 65 e mais anos relativamente aos jovens com idades compreendidas entre 0 e 14 anos.
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jos daqueles que podem votar neles, ora a popula<;:ao idosa procut路a mais e melhores cuidados continuados e provavelmente votara naqueles que lhos prometerem, no entanto a questao esta em como financiar este aumento das despesas: Aumentam-se os impostos de uma popula<;:ao activa proporcionalmente menor? Diminuem-se as despesas relacionadas corn ourras areas de interven<;:ao social? Aumenta-se a idade da reforma? Criam-se programas publicos de seguros de cuidados de saude de longa dura<;:ao a semelhan<;:a do que se fez no Japao? Os cuidados continuados podem ser prestados formalmente, o que tradicionalmente significa o internamento dos idosos em Lares, ou podem ser fornecidos informalmente pelos familiares ou vizinhos e amigos de uma forma gratuita. As op<;:6es eram estas, o internamento num Lar corn custos elevados para o Estado (quando os idosos sao beneficiarios) ou para os idosos e seus familiares (uma vez que os seguros de cuidados de longa dura<;:ao sao praticamente inexistentes) ou os cuidados prestados pelos familiares vizinhos e amigos na casa do idoso ou na casa do prestador informal. Entre uma forma e outra de presta<;:ao de cuidados aos idosos encontramos actualmente corn cada vez mais expressao, apesar do risco do efeito "crowding-out" dos esfor<;:os privados feitos pelos familiares sem custo para o Estado, o fornecimento dos cuidados formais ao domidlio corn vantagens para os idosos (Pezzin et al, 1996) 6 que preferem manter-se no seu meio de vida habitual. A presta<;:ao de cuidados de longa dura<;:ao de uma forma informal aparece-nos como muito significativa em varios pafses da Europa, principalmente nos pafses do Sul onde Portugal se insere, dado que a maioria dos idosos vive em famflias tradicionais, verificando-se no entanto apesar da sua imporrancia, urn grande desconhecimento no que se refere a esta realidade. A solidariedade corn os membros mais velhos da famflia, tratando-os e cuidando deles no seu seio, esta profundamente enraizada nos valores da sociedade portuguesa, mas existem sinais de mudan<;:a que se traduzem numa maior procura por iniciativa dos familiares de cuidados institucionais para situa<;:6es de grande dependencia de pessoas idosas. Tal como Kassnen e Bectel citados em Rubin (2002r concluem, os principais prestadores de Pezzin,L.E, P.Kemper and J.Reschovsky (1996), "Does Public Rovided Home Care Substitute For Family Care?" The journal ofHuman Resources 31 (3):650-676. 7 Rubin, R.M (2002), "The Economic Costs of Informal Elder Caregiving", Busiiless Prcspectives 14(4):22-27.
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cuidados informais sao mulheres (esposas, filhas e outras), consequentemente a maior participac;:ao destas no mercado de trabalho torna cada vez mais complexa a organizac;:ao do sistema de apoio intrafamiliar aos idosos. Se queremos que os idosos se mantenham no seu meio, tal s6 sed_ possivel se existir urn maior empenhamento publico, o que passa par urn maior conhecimento das necessidades daqueles que recebem cuidados, urn maior apoio econ6mico e psico-social aqueles que prestam esses cuidados, mas tarnhem e principalmente urn maior conhecimento dos prestadores informais para que seja possivel definir medidas adequadas a garantia da prestac;:ao dos cuidados de sat'tde informais prestados pela familia, medidas que podem passar por incentivos fiscais mais motivadores, sistemas de apoio visando garantir facilidades nos locais de trabalho, nomeadamente hod.rios flexiveis, etc. Estc artigo tern como objectivo dar uma visao da imporrancia actual e futura dos cuidados continuados no contexto actual de envelhecimento da populac;:ao europeia e portuguesa, assim como dar uma prespectiva da forma coma os portugueses tratam dos seus idosos, isto e, qual a importancia dos cuidados continuados formais e informais em Portugal. Corn esse objectivo, organizamos o nosso trabalho a partir daqui em quatro pantos: num primeiro ponto, referimos a relevancia do tema para a maioria dos paises industrializados, nomeadamente para a Uniao Europeia, espac;:o no qual nos inserimos e nos aproximamos em materia de evoluc;:ao demogd.fica, realc;:ando as principais quest6es suscitadas pelo acentuado crescimento destas despesas e das diferentes formas de financiamento. No ponto seguinte, de uma forma muito sucinta, distinguimos entre cuidados continuados formais e informais, para a seguir apresentarmos a situac;:ao concreta e espedfica portuguesa no que se refere a situac;:ao actual e perspectivas futuras de evoluc;:ao dcmogdJ[ca, c a forma como os idosos portugueses se distribuem entre os cuidados formais e informais. Por ultimo, expomos as principais conclus6es a que chegamos e sugerimos possiveis investigac;:6es futuras.
1. Despesas em Cuidados de Saude, Medicos e Continuados face ao Envelhecimento da Populas:ao As despesas corn os cuidados de saude podem ser divididas entre aquelas associadas aos cuidados de sat'tde curativos (acute-care) e aquelas que [C:TER\"EM,:Ao SOCIAL,
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estao relacionadas corn os cuidados de longa duras;ao ou cuidados continuados (long-term care) associadas apopulas;ao idosa, corn mais de 65 anos. As primeiras incluem produtos farmaceuticos, cuidados ambulat6rios e cuidados hospitalares intensivos e representaram em media cerea de 8% do PIB na decada de noventa, para mais de vinte e quatro pafses da OCDE, sendo 6% financiado pelos poderes publicos. Os cuidados continuados associados aos indivfduos corn mais de 65 anos, incluem uma grande variedade de servis;os que vao desde a assistencia aos idosos nas suas pr6prias casas, aos cuidados institucionais fornecidos a idosos parcial ou totalmente dependentes sendo diffcil a sua medis;ao, estimou-se que tal representou em media 1o/o do PIB dos pafses da OCDE, mas corn grandes varias;oes entre eles. Vamos aqui estudar a relas;ao entre o crescimento das despesas em cuidados medicos e continuados e o envelhecimento, referindo alguns factores explicativos desse crescimento, tendo em consideras;ao que a necessidade desses cuidados comes;a a aumentar quando os indivfduos atingem a idade da reforma e acelera-se a partir dos 75 anos. Consequentemente, dada a evolus;ao demografica, tal vai afectar de uma forma mais acentuada o fornecimento de cuidados de longa duras;ao (long-term care) do que os cuidados curativos (acute care), sendo a questao saber quem e que vai suportar as despesas de saude de uma populas;ao envelhecida cada vez maior (Norton, 2003) 8 , num contexto em que a "velha'' Europa esta cada vez mais velha, na medida em que hoje vivemos em media mais oito anos do que vivfamos em 1960, a esperans;a media de vida para os homens e de 75 anos e para as mulheres 81 anos, estimando-se que cress;a aproximadamente urn ano em cada decada. De acordo corn o relat6rio sobre a "Situas;ao Social na Europa em 2030", as pessoas corn mais de 65 anos representam hoje 16% da populas;ao total, enquanto os jovens corn menos de 15 anos, representam 17% o que mostra que a geras;ao dos "baby-boomers" do ap6s guerra esti viva e espera viver mais do que nunca (Caldas, Rodrigues, 2003) 9, em 2030 terao entre 64 a 84 anos e serao os "novos velhos" enquanto que aqueles nascidos antes de 1946 serao os "mais velhos" (Knickman e Snell, 2002). No entanto a alteras;ao mais marcante, da-se para 0 numero de pessoas consideradas muito idosas, isto e, Norton, Eduard C. (2003), "Long-Term Care" in Handbook of Health Economics, Volume 1, Editado por A.J. Culyer and J.P. Newhouse: 955-994. 9 Caldas, G. and P. Rodrigues. (2003), "BudgetaryCosts of an Ageing Population: The Case of Health Care in Portugal", Working PapeJ; Ministerio das Finan~as Portugal. 8
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corn mais de 80 anos cujo numero ira aumentar significativamente, representando 6% da popula<_;:ao em 2025 e 10% em 2050 (COM (2001) 723 final).
2. Europa Envelhecida As estimativas do relat6rio (EPC/ECFIN I 630-EN final) elaborado em 2001 pelo Comite de Politica Econ6mica, apontam para uma diminui<_;:ao do total da popula<_;:ao europeia, para uma diminui<_;:ao do numero de jovens corn menos de 15 anos, para urn queda na popula<_;:ao activa de 20%, para urn aumento do numero de idosos (65 anos e mais) e principalmente para urn aumento do numero de indivfduos muito idosos (80 anos ou mais), que vai triplicar ate 2050 10 • Este cenario vai levar a urn aumento significativo nos racios de dependencia dos idosos, urn aumenro do numero de doentes cr6nicos e de indivfduos corn incapacidade nas pr6ximas decadas, o que reflecte em grande parte a entrada da gera<_;:ao "baby-boom" do p6s-guerra na reforma, mas tambem o aumento da expectativa de vida, assim coma o impacto do declfnio da ferrilidade no crescimento da popula<_;:ao.
Quadro n. 0 1 - fndice de dependencia dos idosos na UE, 2000-2050 60 50
40 30 20 10
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I• 2ooo o 202s • zoso 1 Fonte: Eurostat, cenario central 10
D e aco rd o com COM(2002) 774 final, da Co missao das Comu nidades Europeias, uma das projeo;:6es da popula~a o aponta para um aum ento do numero de pessoas com 65 e mais anos na UE 15 de 61 milhoes , em 2000, para cerea de I 03 milh6es, em 2050. Preve-se que o numero de pessoas co m 80 e mais anos aumeme, passa ndo de cerea de 14 milhoes, em 2000, para cerea de 38 milhoes, em 2050 .
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Estes dados ilustrarn urna realidade que nao pode ser ignorada dada a pressao a que os governos estao sujeitos para dirninu{rern as despesas publicas, norneadarnente as pensoes de reforrnas e as despesas de saude, tornando ainda rnais urgente a questao da reforrna destes sisternas, principalrnente no que se refere ao financiarnento dos cuidados continuados e ao proprio sisterna de fornecirnento destes cuidados, urna vez que as despesas de saude per capita dos individuos corn rnais de 65 anos sao tres vezes superior as despesas de saude per capita dos individuos de idade inferior o que Jacobzone e Oxley (2002) evidenciarn no quadro a seguir aprcsentado, Quadro n. 0 2, o rnesrno acontecendo corn as despesas pt'tblicas corn os cuidados de longo prazo, tal corno e ilustrado no quadro seguinte.
Quadro n. 0 2- Pedis ecirios relativos a despesas publicas corn cuidados de saude "'
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Fonte: Comite de Politicas Economicas (2001), "Desafios orl"lmentais colocados pelo envelhecimento da popula0o".
Quadro n° 3 - Perfl.s etirios relativos a despesas ptiblicas com cuidados de longo prazo
Fonte: Comite de Politicas Economicas (200 1), "Desafios or~amentais colocados pelo envelhecimenro da popula~ao".
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0 envelhecimento e as despesas em saude e cuidados continuados, parecem estar altamente correlacionados, verificando-se que grande parte dos paises da UE gastam 30 a 40% do total das despesas em saude corn as pessoas corn mais de 65 anos, devendo-se tal a varios factores, nomeadamente ao facto de as pessoas de idade apresentarem frequentemente uma maior morbilidade, uma tendencia para uma multimorbilidade, urn grau de incapacidade maior, urn mais elevado consumo de prescric,:ao de medicamentos, de terapias e fisioterapia, urn maior numero de admiss6es hospitalares (Caldas e Rodrigues, 2003), contribuindo tambem o facto de utilizarem corn maior intensidade a tecnologia de custo mais elevado, uma vez que estas oferecem a possibilidade de aliviar os problemas dos idosos mas corn custos consideraveis. A evoluc,:ao da incapacidade c dcpendencia da populac,:ao idosa id. tambem influenciar as despesas em cuidados de longa-durac,:ao. Aproximadamente 10 a 20% dos individuos corn idade compreendida entre os 65 e os 74 anos tern uma incapacidade consideravel, este intervalo passa para 35 a 50% no que se refere aos individuos corn mais de 75 anos, sendo as mulheres mais afectadas que os homens. Estudos recentes nesta materia chegam no entanto a conclus6es contradit6rias, uns apontam no sentido da diminuic,:ao dessa incapacidade (Manton, 1997)'', outros no aumento dramatico da populac,:ao corn incapacidade fisica que passari de 3 milh6es em 199 5 para 12 milh6es em 2040 (Kunkel e Applebaum, 1992) 12 â&#x20AC;˘ Se as despesas de saude dos idosos continuarem a crescer ao ritmo ate aqui verificado, e se a percentagem destas despesas financiadas pelo Estado (cerea de 2/3) e pelos privados (1/3) se mantiver, a tendencia sera para uma pressao sobre as Financ,:as Publicas, uma vez que provavelmente s6 urn aumento dos impostos podera financiar tal situac,:ao, dadas as restric,:6es orc,:amentais a que estao sujeitos os governos, principalmente aqueles que pertencem a Uniao Monetaria Europeia (Pacto de Estabilidade e Crescimento). A questao esta na viabilidade de tal aumento (tecto fiscal) e na existencia ou nao de outras soluc,:6es alternativas. Nos EUA e no Canada as despesas publicas de saude como percentagem do PIB irao crescer significativamente ate 2030, passando as despe11
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OCDE (1998) Working Paper OCDE (1998) Working Paper !NTERVEN<;:Ao SOCIAL,
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sas de saude dos americanos corn mais de 65 anos de 3,6% em 2000 para 6,7% do PIB em 2030 , enquanto que as despesas dos americanos corn menos de 65 anos praticamente mantem o seu peso, passando de 2,8 em 2000 para 2,7% do PIB em 2030. Sao as despesas de saude dos idosos as grandes responsaveis pelo acrescimo do total das despesas de saude coma percentagem do PIB (OCDE/GD(95)101). No que se refere aos paises europeus estima-se que as despes.as corn os cuidados de longa dura<_;:ao aumentem de 0,2% para 2,5% do PIB entre 2000 e 2050, sendo este aumento mais acentuado nos pa{ses europeus corn tradi<_;:ao no fornecimento de cuidados continuados, verificando ja urn elevado nivel de despesas. Estas sao despesas cada vez mais difkeis de financiar dado o lento crescimento do PIB, consequencia de uma popula<_;:ao que quase nao cresce, prevendo-se que entre 2000 e 2010 paises industrializados coma a Alemanha, o Japao, a Austria, a Espanha, verifiquem pela primeira vez na sua hist6ria recente uma contrac<_;:ao da popula<_;:ao activa. Erh 2030 a UE tera menos 14% de trabalhadores do que actualmente, confrontando-se a Europa corn uma verdadeira "ageing recession" que combina envelhecimento corn diminui<_;:ao da popula<_;:ao, corn consequencias varias, nomeadamente ao nivel dos sistemas de pens6es e saude, "j6ias da coroa" do "welfare state" do p6s-guerra (Hewitt, 2003) 13 â&#x20AC;˘ Coma corolario destes cenarios varias sao as quest6es que se colocam, das quais destacamos as seguintes: Quem vai tomar conta desta popula<;ao envelhecida? Como e que uma popula<;ao activa cada vez menor sera capaz de suportar uma popula<;ao idosa cada vez maior? Que factores irao influenciar estas despesas? 0 que eque pode ser feito? Em resposta a algumas destas interroga<_;:6es, Fuchs (1998) 14 sugere que se diminua a taxa de crescimento das despesas de saude da popula<_;:ao idosa ou que se encontre formas de pagamento que proporcionem mais cuidados de saude, uma vez que as pessoas querem viver mais e corn mais qualidade, sendo esta op<;:ao preferivel a primeira. Admitindo que nao e provaH ewitt, Paul S. (2002), "Depopulation and Ageing in Europe and Japan: The Hazardous Transition to a Labor Shortage Economy" International Politik und Gesellchajf- International Politics and Society 1/2002. 14 Fuchs, V.R. (1998), "Health Care For The Elderly: How Much? Who Will Pay For It?" National Bureau ofEconomic Research, NBER No. 6755. 13
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vel urn aumento da percentagem que o Estado paga, dado que para a manter sera mesmo necessaria aumentar os impostos e cortar verbas noutros programas, sera necessaria que os idosos suportem este aumento das despesas de sa(Jde, diminuindo os gastos nos outros bens e servic,:os, ou trabalhando mais do que no passado, ou aumentando substancialmente as suas poupanc,:as antes da reforma, tres opc,:6es todas elas dificeis e corn efeitos para a economia como urn todo. Considerando o carte na aquisic,:ao de outros bens e servic,:os, e admitindo que as estimativas das despesas de sa(Jde para 2020 se concretizam Fuchs (1998) estima que os idosos terao de se ajustar a uma diminuic,:ao de mais de 20%, relativamente a 1995, no que se refere a aquisic,:ao de outros bens e servic,:os. Urn aumento de 5% na percentagem das despesas de saude suportadas pela populac,:ao idosa representa uma diminuic,:ao adicional de 1Oo/o do rendimento disponivel para outros bens e servic,:os, deslocando-se a procura de outros bens e servic,:os para bens e servic,:os relacionados corn os cuidados associados as necessidades da populac,:ao idosa, abrindo-se assim perspectivas de desenvolvimento de actividades no sector ligado aos cuidados continuados, a que alguns grupos econ6micos nao sao alheios. Trabalhar mais e uma outra possibilidade dada a melhoria da saude e a maior esperanc,:a de vida, mas tambem devido ao facto de hoje o trabalho ser cada vez menos manual e cada vez mais sedentario, dado o avanc,:o tecnol6gico e a passagem para uma sociedade de servic,:os que exige menor esforc,:o fisico. Muitos analistas vem o aumento da idade da reforma como uma forma de aumentar a participac,:ao da forc,:a de trabalho mais idosa, o que por urn lado teria urn impacto negativo sabre a prestac,:ao de cuidados informais, mas por outro lado teria impacto positivo sabre o racio de dependencia dos idosos. A potencial fonte de rendimento mais importante para os idosos esta na poupanc,:a por eles realizada antes da reforma, depois dos sessenta e cinco anos o rendimento das poupanc,:as e normalmente quatro vezes superior ao rendimento do trabalho. Consequentemente urn aumento de apenas 25% na taxa de poupanc,:a anterior aos sessenta e cinco anos adicionara o mesmo ao rendimento do que o dobro do trabalho, podendo 0 incentivo a poupanc,:a ser feito atraves de medidas fiscais. 0 futuro das despesas em cuidados continuados, estara tambem dependente da evoluc,:ao do grau de incapacidade da populac,:ao idosa e da capacidade da familia para prestar directamente apoio e cuidados aos seus 1:--!TERVFC:C,:Ao SOCIAL, 31, 2005
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familiares idosos, o que esd. altamente dependente da maior ou menor participa<_;:ao das mulheres no mercado de trabalho e da idade efectiva da reforma.
3. Cuidados Continuados Formais e Informais Os cuidados continuados nao sao um produto homogeneo, pelo contrario, englobam cuidados pessoais e de saude que visam compensar incapacidades funcionais cronicas, uma vez que devido a idade e a doen<_;:a os individuos podem tornar-se incapazes de desempenhar as suas actividades diarias (como higiene pessoal, vestir, corner, andar, sair da cama, etc.), necessitando de assistencia ao nivel dessas actividades e tambem ao nivel dos problemas cognitivos e emocionais provocados pela doen<_;:a e danos da mesma. Os cuidados continuados ou de longa dura<_;:ao abrangem ainda situa<_;:6es que vao desde os cuidados informais fornecidos pela familia ou por urn vizinho, aos cuidados formais administrados por institui<_;:6es competentes. Os numeros mostram-nos que os gastos corn os cuidados continuados diferem entre os paises da OCDE, o que ref1ecte diferentes formas de fornecer este tipo de cuidados, diferentes niveis de oferta pt'tblica e de subsidios publicos nos cuidados formais. A maioria dos paises tem um conjunto de servi<_;:os que abrange os cuidados informais prestados pela familia e os cuidados fornecidos formalmente pelas institui<_;:6es: a percentagem de idosos que vivem eo m os seus descendentes varia de men os de 10% na Dinamarca, Holanda e Suecia, a 65% no Japao. As taxas de cuidados de saude prestados em casa variam entre 1% em It:ilia e Nova Zelandia e 24% na Finlandia (Norton, 2003). Nos Estados Membros como a Dinamarca, Holanda, Suecia e Finlandia, uma parte significativa dos cuidados continuados sao fornecidos formalmente pelos Lares para idosos (em vez de o serem na propria casa dos idosos) o que contribui para urn nivel de gastos elevado. Estes paises verao assim o envelhecimento demografico aumentar espontaneamente as despesas de longa dura<_;:ao que passarao de cerea de 1,7 para 2,5 pontos do PIB, o que significa praticamente uma duplica<_;:ao. Nos paises do Sul da Europa, como a Espanha, Italia, Grecia e Portugal, estes cuidados continuados sao assegurados em grande parte de uma forma informal pelas familias, o que se traduziu em gastos inferiores a 1% do PIB INTERVEN(AO SOCIAL,
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em 2000, situando-se o aumento previsto para os cuidados de longa durac;:ao entre 0,2 e 1o/o do PIB (COM(2001)723 final). Os cuidados continuados formalmente fornecidos traduzem-se no internamento em Lares para idosos de pessoas corn sessenta e cinco e mais anos que se tornaram incapazes de viverem s6zinhos e serem auto-suficientes. Os cuidados assim prestados sao mais dispendiosos, a cobertura publica nao e total e os seguros sao aqui muito limitados, 0 que implica custos elevados para os governos dos paises industrializados, assim como para os idosos (out-of-pocket), ultrapassando muitas vezes o rendimento efectivo da pessoa que deles tern necessidade, podendo rapidamente esgotar todas as suas economias, o que torna a necessidade de cuidados de longo prazo, nomeadamente de cuidados formais, um risco social muito significativo, tornando-se imprescindfvel criar mecanismos de protecc;:ao social (COM(2002) 774 final). Actualmente os idosos preferem receber os cuidados nas suas pr6prias casas, o que tern levado ao alargamento do financiamento publico aos cuidados de longa durac;:ao pagos e prestados ao domidlio, apesar do risco de aumento da despesa publica sem a correspondente diminuic;:ao da despesa corn os Lares, receando-se ainda que estes ao contd.rio de complementarem os cuidados prestados pela familia sem qualquer custo para os cofres publicos, os substituam (Pczzin et al, 1996). A existencia de instituic;:6es que fornecem os cuidados continuados aos idosos, nao evita que grande parte dos cuidados relacionados corn a terceira idade seja garantida de uma forma informal, isto e, por familiares (na maior parte dos casos pela mulheres e/ou filhas), ou vizinhos, estimando-se que tal represente cerea de dois terc;:os do total dos cuidados fornecidos. Estima-se que por cada pessoa institucionalizada, existam duas pessoas igualmente incapacitadas a residir na comunidade (Bishop, 1988) 15 â&#x20AC;˘ Kassner e Bectel citados em Rubin (2002) concluem que 24% destes cuidados informais sao prestados pelas esposas, 20% pelas filhas, 1Oo/o por outras mulheres, 6% por filhos, 4% por outros homens, 3% por outro tipo de prestadores destes cuidados de saude e 2% por parentes. Estes cuidados informais podem ser directos, ou seja, fornecidos na casa do individuo que os presta, ou indirectos, tais como visitas frequentes e chamadas telef6nicas. 15
Bishop,C.E.(1988) "Competition in the Market for Nursing Home Care"]ouma! of Health Politics, Policy and Lazu 13(2):341-361.
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4. 0 Caso Portugues A necessidade de cuidados de longa durac;:ao, ao contrario dos cuidados de saude curativos, so recentemente passou a ser considerada coma urn importante risco social que deve estar coberto pelos sistemas de protecc;:ao social, o que no caso portugues transparece no facto das medidas adoptadas serem recentes. Sendo o envelhecimento da populac;:ao portuguesa e a feminizac;:ao deste envelhecimento uma realidade incontornavel, confirmada pelas projecc;:oes populacionais apresentadas para as proximas decadas, incontornavel sera tambem 0 crescimento das despesas de saude e das despesas corn os cuidados continuados, devido nao s6 a este envelhecimento, mas tambem ao facto ja varias vezes referido ao longo deste trabalho, das despesas de saude per capita aumentarem fortemente ap6s os 65 anos de idade 16 e aumentarem ainda mais ap6s os 80 anos, o que vem dar uma import:lncia ainda maior aos cuidados de saude de longa durac;:ao, quer nos situemos ao nfvel dos cuidados formais ou informais. Pretendemos aqui fazer o diagn6stico possfvel da situac;:ao portuguesa em termos de cuidados de longa durac;:ao, cuja importancia crescente esta directamente relacionada corn o envelhecimento da populac;:ao sumariamente referido, uma vez que esta evoluc;:ao demografica dita o crescimento das despesas corn estes cuidados, mas tambem alterac;:oes na propria prestac;:ao desses cuidados, pois se por urn lado, os idosos preferem manter-se no seu meio, por outro lado a participac;:ao das mulheres no mercado de trabalho (tendo Portugal uma das mais elevadas taxas de participac;:ao da mulher no mercado de trabalho), o menor numero de filhos por casal e ainda o numero crescente de divorcios, levari a uma diminuic;:ao da prestac;:ao informal destes cuidados, o que aumentari a procura dos cuidados formais prestados ao domidlio, mas tambem da institucionalizac;:ao corn consequencias econ6micas para o pafs. Apresentamos neste quarto ponto, a situac;:ao actual e as perspectivas da evoluc;:ao demografica para Portugal, para as pr6ximas decadas. 16
No ano de 2000 as despesas medias anuais em Saude dos agregados familiares, cujo representante tinha 65 ou mais anos representavam 8,7% do toral das despesas, enquanto que para os agregados em que o representante estava nos escal6es etarios de 30-64 anos e menos de 30 anos, essas despesas representavam 4,3 e 2,4% respectivamente (Inquerito aos Oryamentos Familiares 2000).
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Tentamos retratar a forma como os portugueses tratam os seus idosos, apresentando a forma como estes se distribuem entre os cuidados continuados formais e informais. Constatamos a importancia evidente dos cuidados informais, uma vez que a maioria dos idosos portugueses vivem em famflias tradicionais, no entanto, confrontamo-nos tambem corn uma ausencia quase total de informa<_;:ao, isto e, urn desconhecimento relativamente a quem sao os principais prestadores informais, quais as suas caracteristicas, quais os cuidados que prestam e o tempo dispendido, e que dificuldades encontram nesta fun<_;:ao tao importante, mas cujo valor econ6mico e largamente ignorado pela sociedade. A evolu<_;:ao demografica da popula<_;:ao portuguesa anda a par e passo corn a evolu<_;:ao verificada na maioria dos paises da UE. Entre 1960 e 1988 a popula<_;:ao portuguesa verificou urn crescimento global da ordem dos 12,3%, caracterizada pela queda da natalidade e da mortalidade e a existencia de fortes fluxos migrat6rios, que provocaram altera<_;:6es consideraveis na estrutura etaria corn o consequente acelerar do envelhecimento demografico que se traduziu num decrescimo da popula<_;:ao jovem, corn idades entre os 0 e os 14 anos, de 35,1 o/o e urn aumento da populas:ao idosa corn 65 e mais anos, de 114,4%. A semelhan<_;:a do que aconteceu na maioria dos paises desenvolvidos, tambem em Portugal a piramide de idades inverteu-se (Gouveia Pinto e Aragao, 2003) 17 , isto e, a base estreitou-se como resultado da baixa fecundidade, o que tern consequencias sobretudo a longo prazo nas gera<_;:6es activas futuras e no dinamismo do mercado de trabalho, e o topo alargou-se devido a uma maior longevidade, corn repercuss6es essencialmente no curto prazo, situa<_;:ao que e evidenciada na Figura n掳 1 que retrata a piramide eraria em Portugal em 1960 e em 2000. Os jovens que em 1960 representavam 29,2 o/o do total da popula<_;:ao, em 1988 representavam apenas 16,9% enquanto o grupo dos idosos nao parou de crescer e elevou-se de 8,0% para 15,2% no mesmo periodo, e em 2001 representava ja 16,4o/o.Verifica-se urn aumento do nt'1mero de pessoas idosas, e a partir de 1981 o ritmo de crescimento mais forte e o da popula<_;:ao corn 85 e mais anos, o que retrata o envelhecimento da propria popula<_;:ao idosa. 17
Gouveia Pinto, C. E Aragao, F. (2003) "Health Care Rationing In Portugal. A Retrospective Analysis"Associa(do Portuguesa de Economia da Sa tide, Documenro de Ti路abalho n. 0 1/2003. l0:TER\'E0l\:Ao SOCIAL, 31, 2005
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Figura n. 0 1 - Piramide Ed.ria, Portugal 1960-2000
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Fonte: !NE, calculado a partir das estimativas de popuia,ao
Entre 1990 e 1998 a taxa de crescimento media anual dos idosos foi de 1,4% para os homens e 1,7% para as mulheres. Para o mesmo periodo a populac;:ao de 75 e mais anos registou taxas de crescimento medio anual de 1,3%, ea populac;:ao corn 85 e mais anos cresceu a urn ritmo mais acelerado, verificando-se uma taxa de crescimento medio anual de 2,1 %. Estima-se que este envelhecimento da populac;:ao portuguesa levari a urn aumento da despesa publica em saude, que passari de 5,3% do PIB em 2000 para urn valor entre 6,4 e 7,2% do PIB em 2050 (Caldas e Rodrigues, 2003). Entre 1990 e 2001 a taxa de fertilidade e de mortalidade infantil diminuiu, a esperanc;:a de vida media aumentou para os homens e mulheres, provocando urn aumento do indice envelhecimento que passa de 68,1 para 103,6% neste periodo, prevendo-se que em 2050 atinja os 242,9 idosos por cada 100 jovens, 0 que e preocupante em materia de cuidados continuados. Outro facto a realc;:ar dadas as implicac;:oes em materia de cuidados continuados, e a repartic;:ao por sexos da populac;:ao idosa, isto e a relac;:ao INTERVEN<,:AO SOCIAL, 31, 2005
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de masculinidade. Em 1960 existiam 66 horn ens idosos por cada 100 mulheres idosas, em 1998 eram aproximadamente 69. Nas idades acima dos 7 4 an os a relac;:ao de masculinidade e mais reduzida, sendo de 56 em 1969 e de 59 em 1998. No grupo dos 85 e mais anos este indicador apresenta ainda valores mais baixos: em 1998 por cada 100 mulheres de 85 e mais anos apenas existiam 42 homens corn a mesma idade, as mulheres predominam na populac;:ao idosa, e ultrapassam mesmo o numero de mulheres jovens (109 idosas por 100 jovens em 1998). Os fndices de dependencia sao tambem bastante ilustrativos do processo de envelhecimento em Portugal, este indicador mostra-nos que o numero de idosos entre 1990 e 2000 aumentou em relac;:ao a populac;:ao em idade activa (15-64 anos) atingindo em 2000 o valor de 24,2%, no cntanto o acrescirno mais marcante verifica-se para as mulheres, pois enquanto existiam 19 hornens idosos por cada 100 hornens activos, existiam 26 mulheres idosas por cada 100 mulheres em idade activa, o que nos leva novamente a questao de como vamos financiar o aumento das despesas relacionadas corn uma populac;:ao mais idosa em simuld.neo corn uma populac;:ao activa que decresce? A esperanc;:a de vida sern incapacidade ffsica de longa durac;:ao mostranos que o envelhecimento entre a populac;:ao do sexo feminino tern associado urn maior numero de incapacidades, ou seja, embora as mulheres vivam mais anos a esperanc;:a de vida sem incapacidades e bastante mais reduzida quando comparada corn a dos homens, o que pode levar a urn aumento da procura de cuidados de saude continuados formais, nomeadamente urn aumento da procura dos servic;:os prestados pelos Lares para Idosos, dado uma percentagem consideravel destas mulheres nunca ter casado ou serem divorciadas (a taxa de div6rcio dos idosos teve uma evoluc;:ao positiva nos anos noventa). No que se refere a formac;:ao familiar, em 1991 as famflias corn idosos ou outros representavam 15,8% e as famflias s6 corn idosos 14,9%, em 2001 as primeiras diminufam a sua proporc;:ao para 15,1 o/o enquanto as segundas aumentavam para 17,5%. Estudos realizados revelaram que a maior parte da populac;:ao idosa vive corn o conjuge, embora tal se verifique corn maior expressao nos homens, devido nao s6 a sobremortalidade masculina mas tarnbem ao celibato definitivo feminino. Entre 1991 e 2001 a proporc;:ao de famflias classicas corn idosos (incluindo corn idosos INTERVEN<,:Ao
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e outros e as de s6 de idosos) aumentou cerea de 23% passando de 30,8% para 32,5%. De referir que no total de familias s6 de idosos a grande maioria sao constituidas por apenas urn idoso (50,5%), representando as famllias de do is idosos 48,1 %, sendo as familias unipessoais de idosos maioritariamente compostas por mulheres. Portugal juntamente corn a Espanha e a Grecia sao os paises onde a percentagem de idosos a viver s6 ea mais baixa da Uniao Europeia. Em 2001 a populac;:ao portuguesa corn 65 e mais anos representava 16,4% ( 1 693 493) da populac;:ao total ( 10 356 117), enquanto que em 1991 representava 13,6% (1 342 744 num total de 9 867 147), encontrando-se apenas uma pequena parte destes idosos institucionalizados, isto e, a residir em convivencias de apoio social, religioso e de saude, representando os mesmos 57% do total da populac;:ao a viver em famllias institucionais no conjunto das convivencias (Gonc;:alves, 2004) 18 , o que significa 3,485% do total de idosos em 2001, permitindo-nos afirmar que os cuidados continuados formais tern uma expressao reduzida na sociedade portuguesa quando comparados corn os cuidados informais. No entanto, entre 1991 e 2001 verificou-se urn aumento de populac;:ao portuguesa a residir em instituic;:6es, essencialmente em instituic;:6es de apoio social (65, 1%) e principalmente urn aumento de pessoas nas idades mais avanc;:adas (82,4%), sendo o indice de envelhecimento da populac;:ao institucionalizada de 852 idosos por cada 100 jovens residentes (sendo de 102 idosos por cada 100 jovens para o total da populac;:ao). A semelhanc;:a do que ocorre corn a populac;:ao em geral, constata-se urn envelhecimento da propria populac;:ao idosa a residir em convivencias, principalmente em instituic;:6es de apoio social e de saude o que esd. provavelmente relacionado corn a maior dependencia flsica e/ou psicol6gica a medida que a idade avanc;:a. Dada a feminizac;:ao do envelhecimento demogd.fico, a proporc;:ao de idosos em instituic;:6es em 2001 era mais elevada no sexo feminino: 72,9% contra 44,3% dos homens. Para esse mesmo ano a relac;:ao ao nivel dos idosos institucionalizados era de 43 horn ens por cada 100 mulheres corn 65 e mais anos e 33 homens por cada 100 mulheres corn 85 e mais an os (para a populac;:ao idosa total este racio era em 200 1 de 72 horn ens por cada 100 mulheres). !8
Gont;:alves, C., (2004), "As pessoas idosas nas familias institucionais segundo os Censos" Revista de Estudos Demogrdjicos 34:41-60.
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Entre 1991 e 2001 verificou-se urn aumento generalizado em todo o territorio do numero de pessoas a viver sos, prevalecendo neste grupo maioritariamente os idosos e as mulheres, 54,4% dos indiv.fduos que vivem sos tern 65 e mais anos sendo a propon;:ao de mulheres (42,4%) o quadruplo da de homens; 39,7% encontram-se na faixa etaria dos 65-79 anos (31% de mulheres e 8,7% de homens) e 14,7% tinham 80 ou mais anos (11,4% mulheres 3,3% homens).Viver sozinho e urn facto comum entre a populas:ao idosa (Magalhaes, 2002) 19 â&#x20AC;˘ No futuro proximo os idosos nao irao parar de aumentar em valor absoluro e relativo, representando em 2020 20,36% da populas:ao enquanto os jovens representarao apenas 13,9%, sendo estes valores de 31,8% e 13% respectivamente para o ano de 2050. Paralelamente a popula<;:ao corn mais de 75 e mais anos aumentara o seu peso na popula<;:ao total que sera de 9,46% em 2020 e de 9,8% em 2050, quando em 1995 representava apenas 5,6% do total de portugueses residentes. 0 indice de envelhecimento sofrera urn aumento ininterrupto, aproximando-se dos 146 idosos por cada 100 jovens em 2020 (cerea de 84 em 1995) e em 2050 por cada 100 jovens teremos cerea de 243 idosos. Este fenomeno social constituido pelo envelhecimento da populas:ao obriga a reflexao sobre quest6es tao importantes como a idade da reforma, os meios de subsistencia20 , a sustentabilidade do sistema de saude, a solidariedade intergeracional, e o proprio modelo social vigente.
19 Magalhaes,M.G.(2002) "Quem vive so em Portugal" Revista de Estudos Demogrdficos 33:65-68. zo Proporc,:ao de Pessoas Idosas corn Niveis de Rendimento Inferiores ao Rendimento Uquido Medio Anual Nacional : Quadro
Idade
Ho mens
Mulheres
60-69
70,1
86,8
70-79
81,6
96,2
80 e +
88,9
90,7
Fonte: Observat6rio da Comunidade Europeia sobre o Envelhecimento e as Pessoas Idosas - Junho 1992
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Distribuis:ao da Populas:ao Idosa entre os Cuidados Continuados Forrnais e Inforrnais Cuidados Forrnais Os cuidados de saude continuados fornecidos formalmente traduzem-se na institucionalizas;ao das pessoas corn 65 e mais anos em Lares para Idosos, que consistem nurn alojamento colectivo tempod.rio ou permanente, que proporciona servis;os permanentes as pessoas idosas. Esta forma de tratar os idosos corn algurn grau de incapacidade, incapazes de viverem sozinhos e de serem auto-suficientes, irnplica custos elevados para o Estado e para os pr6prios idosos e famflias, tendo sido durante decadas a unica resposta social, 0 que levava a institucionalizas;ao do idoso, situas;ao que geralmente se mantinha ate ao fim da sua vida. Portugal dispunha em 1989 seiscentos e quinze Lares (sem incluir os 186 lares de tipo lucrativa) dos quais quinhentos e noventa e quatro pertenciam a lnstituis;6es Privadas de Solidariedade Social e vinte e urn sao lnstituis;6es Oficiais 21 (Quaresma, 1996). Estes equipamentos cobriam em 1989 cerea de 2% e 3,5% respectivamente das pessoas corn mais de 65 anos e de 75 anos, verificando-se nesta altura, de acordo corn Quaresma (1996) 22 urna forte pressao da procura sobre os Lares como forma de resposta as situas;6es de maior dependencia, uma vez que sao precisamente os problernas de saude a principal determinante da procura deste tipo de instituis:6es em Portugal. Na analise dos dados estadsticos para este rnesmo anode 1989, verificarnos que se encontravam institucionalizados cerea de 23.691 idosos, dos quais 63% erarn rnulheres e 70,1% tinham mais de 75 anos, o que confirma a ideia de que a procura deste tipo de cuidados aumenta a uma taxa crescente (exponencial) corn a idade (Lakwalle e Phillipson, 1999) 23 â&#x20AC;˘ Algumas destas Instituis;6es sao anrigos hbsplcios, hoje transformados em Lares que desempenham urn papel importante no acolhimento de pessoas idosas em situac;ao de grande dependencia, designadamente de perda de autonomia. 22 Quaresma, M.L. e Outros, (1996) "Populac;ao Idosa, Analise e Perspectivas A Problematica dos Cuidados Inrrafamiliares"Direcs;ao-Geral da Acs;ao Social, Nucleo de Documentac;ao Tecnica e Divulgas;ao. 23 Lakdawalla, D.,Philipson(1999) "Aging and the Growth of Long-Term Care" National Bureau of Economic Research, Working Paper 6980. 2!
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No Recenseamento Geral da Popula<;:ao e Habita<;:ao realizado em 1991 constatou-se que 97,5% da popula<;:ao idosa vivia em familias cLissicas e 2,5%, ou seja, 33 015 individuos viviam em familias institucionais, verificando-se mais uma vez que a propor<;:ao de idosos institucionalizados aumenta a medida que aumenta a idade, sendo de 0,8% a propor<;:ao de idosos que vive em familias institucionais corn idade compreendida entre os 65 e os 69, valor que atinge os 6,1% para o grupo de 80 ou mais anos. No ultimo Recenseamento (Censos 2001) verificou-se que a percentagem de idosos a viver em familias institucionais aumentou para 3,6% (61 400 idosos), confirmando-se novamente que a institucionaliza<;:ao aumenta corn a idade, uma vez que dos 61 400 idosos institucionalizados 78,6% tern 75 ou mais anos. A institucionaliza<;:ao do idoso por ser realizada em residencias assistidas para idosos, que consistem em pequenos apartamentos inseridos em edificios equipados corn alguns servi<;:os comuns. Esta forma de institucionaliza<;:ao pressupoe que os idosos possam cuidar de si pr6prios, assim coma da sua habita<;:ao beneficiando dos servi<;:os de apoio comum de utiliza<;:ao facultativa, e que consistem em refei<;:6es, ajuda domestica, actividades de anima<;:ao, biblioteca, TV, etc. 0 objectivo das residencias assistidas para idosos e 0 de favorecer a autonomia do idoso, proporcionando-lhe habita<;:ao individual, permitindo a inser<;:ao ea participa<;:ao do idoso na comunidade. Este tipo de equipamento social tern pouca expressao em Portugal dado o elevado custo do mesmo, existindo em 1989 apenas 10 residencias assistidas para idosos que serviam cerea de duzentos e trinta utentes, estando seis destas dez residencias situadas em Lisboa (Recolhimentos da Capital). A Carta Social elaborada pelo Ministerio do Trabalho e da Solidariedade referente ao ano de 2000, permite-nos constatar da analise do Quadro n째4, que no que se refere aos Lares e Residencias para Idosos, a Rede Solidaria assegura 77% dos mesmos, tendo-se verificado um crescimento de aproximadamente 16,5% relativamente a 1998 (mais 139 valencias), um aumento da capacidade de 'lo/o (mais 2 822 lugares) e um aumento de utentes de 1Oo/o o que significa mais 3 948 idosos. No que respeita a Rede Lucrativa, associada a iniciativa privada, a taxa de crescimento dos Lares e Residencias para Idosos foi de 29% (mais 109 valencias) o que cotTesponde a mais 2 999 lugares (mais 42%) e 3310 utentes (mais 54%). lNTERVEN<,:AO SOCIAL, 31, 2005
Politicas de Saude: Envelhecimento e cuidados continuados
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Quadro n. 0 4- Lares e Residencias para Idosos 1998-2000 1998 No Valencias Capacidade No Utentes 2000 No Valencias Capacidade No Utentes Fonte: Carta Social Rede de
Servi~os
Rede Solidaria
Rede Lucrativa
838 42 736 40 995
382 7 198 6134
977 45 558 44 943
491 10 197 9 444
e Equipamento 2000
Numa perspectiva de mudan<;:a de actua<;:ao, no sentido de institucionalizar os idosos o menos possivel dadas as preferencias dos mesmos de se manterem no seu quadro de vida habitual, e de diversificar as estruturas de apoio a popula<;:ao idosa, dado que se tinha tornado evidente que o Lar exige urn forte investimento financeiro e nao respondia as necessidades da maioria da popula<;:ao alvo, surgiram os Centros de Dia, coma estrutura de apoio social, corn o objectivo principal de criar condi<;:6es favoraveis para que os idosos se mantenham no seu domidlio. Os Centra de Dia oferecem acolhimento individual, nomeadamente atraves do fornecimento de refei<;:6es, do desenvolvimento de educa<;:ao para a saude, da presta<;:ao de servi<;:os de apoio domiciliario, e da oferta de urn conjunto de actividades s6cio-culturais e recreativas. Em 1989 existiam no nosso pais 541 Centros de Dia, que apoiavam 35 834 utentes, numero que aumentou consideravelmente na decada de noventa, registando-se em 1998 1 314 Centros de Dia, o que vai ao encontro da preferencia dos utentes. Os cuidados de saude continuados formais podem ser prestados ao domidlio mediante financiamento publico, e a tendencia tern sido no sentido do aumento da presta<;:ao dos cuidados formais em casa, atraves do chamado Apoio Domiciliario, uma vez que se reconhece que a assistencia domiciliaria e a forma mais natural de apoio a pessoa idosa e que a escolha quanta a forma de vida, independente, corn os familiares ou numa institui<;:ao pode ser inf1uenciada pela existencia ou nao da presta<;:ao de cuidados formais ao domidlio, subsidiados publicamente. lNTERVENc;:Ao SoCIAL, 31, 2005
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0 Apoio Domicilia.rio visa manter o idoso em casa no seu meio habitual de vida, institucionalizando-o o minimo possivel e o mais tarde possivel, o que exige articular as ae<;:oes dos varios servic;:os e actuar corn equipas multidisciplinares, integrando os prestadores formais de cuidados - os profissionais e os prestadores informais - a familia, os vizinhos e os voluntarios. A equipa tecnica de intervenc;:ao directa no domidlio, e no caso portugues ainda restrita, sendo constituida por parte dos servic;:os de saude pelo enfermeiro, medico de familia e eventualmente fisioterapeuta e urn ou outro medico especialista considerado indispensavel em determinados casos ou momentos da prestac;:ao dos cuidados. Noutros paises pioneiros na prestac;:ao dos cuidados continuados formais ao domidlio, a equipa tecnica e mais diversificada incluindo 0 medico geriatra, 0 fisiatra, o psiquiatra, o psic6logo, o terapeuta ocupacional e outros tecnicos de acordo corn a situac;:ao espedfica. De acordo corn as estatisticas do Instituto de Gesrao Financeira da Seguranc;:a Social, existiam em 1989 em Portugal trezentas e dezasseis equipas de Apoio Domiciliario que prestavam assistencia a oito mil duzentos e cinquenta e quatro mentes, em 1995 o numero servic;:os de Apoio Domiciliario era de novecentos e vinte e urn o que correspondia a uma taxa de cobertura de 3% e em 1998 era de mil trezentos e vinte e nove, o que elevou a taxa de cobertura para 6% (Jesus Bonfim et al., 1996) 24 â&#x20AC;˘ A prestac;:ao de cuidados a idosos no domicilio, so e possivel devido ao papel importante dos prestadores informais de cuidados, uma vez que sao estes o grande suporte de ajuda dos idosos dependentes, sendo as mulheres a pec;:a fundamental da prestac;:ao destes cuidados. Uma analise da evoluc;:ao das respostas sociais na area da populac;:ao idosa revelou urn crescimento significativo entre 1998 e 2001, embora corn diferentes intensidades, verificando-se que em 2000 por referencia a 1998 os Centros de Convivio registaram urn crescimento de cerea de 1Oo/o (mais 42 respostas de Centro de Convivio) e em 2001 por referencia a 2000 houve urn crescimento de cerea de 13%. No que se refere aos centros de dia, no mesmo periodo o crescimento foi de 15% e 8,9% respectivamente. Nas respostas sociais referentes aos Lares e Residencias para 24 Jesus
Bonflm, C.; Correia Teles, M. A.; Saraiva, M. E.; Cadete, M. H.; Quaresma, M. L.; Veiga, S. M., "Popula~ao Idosa, Analise e Perspectives. A Problematica dos Cuidados Intrafamiliares" Direcrdo Geral da Aq¡do Social. Nzicleo de Dommentardo Tecnica e Divulgardo. INTERVENc;Ao SOCIAL, .) 1, 2005
Poliricas de Sat1de: Envclhecimenro e cuidados conrinuados
I 121
Idosos, estas tambem sofreram uma evolw;:ao posmva de aproximadamente 20% de 1998 para 2000 o que se traduziu no aparecimento de mais 226 Lares e 12 Residencias, aumentando a oferta do numero de lugares para 55 863, sendo o crescimento entre 2000 e 2001 de 6,3%. No Servi<;o de Apoio Domiciliario, valencia que nos ultimos anos tem vindo a ser considerada coma prioritaria e alternativa as respostas mais tradicionais coma os Lares, verificou-se um crescimento de 23% entre 1998 e 2000 o que levou ao aparecimento de 293 novas respostas, sendo de 14,2% o crescimento entre 2000 e 2001. Quadro n. 0 5 - Evolus;ao das Respostas Sociais para a Populas;ao Ido sa. Continente 1998-2000-2001 ).000
:â&#x201A;Ź
1.500
8
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1.000
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C. de Convivio
C de Dia
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Fonte: Carta Social- Rede de
Servi~os
1998
Lar e Hes1denfla para ldosos
2000
s
Serv1~0
de Apo1o Dom:ci!ibrio
2001
e Equipamentos Relat6rio 2001
A evolu<;ao da sociedade tem levado ao aparecimento de novas respostas sociais, coma e o caso do Centra de Acolhimento Temporario de Emergencia para Idosos criado em 2000 em alguns distritos (Braga, Evora, Porta e Santarem) a partir de equipamentos ja existentes, com lugares adaptados a esta nova realidade, existindo em 2000 oito cenu¡os com capacidade para receberem 136 idosos. 0 Acolhimento Familiar para Idosos data tambem do ano de 2000, identificando-se nesse mesmo ano 113 familias que receberam 164 pessoas idosas, sendo 76% do sexo feminino, e 85% com idades compreendidas entre os 60 e os 89 anos. A pare passo com o crescimento do numero de INTERVEN<;:AO SOCIAL,
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respostas encontramos o crescimento da capacidade e do numero de utentes, conforme Quadro n. 0 6. Quadro n. o 6 - Evolus;ao da Capacidade e N. o de Utentes nas Respostas Sociais para a Populas;ao Idosa. Continente 1998-2000-2001 10.000 60.000 50.000 -40 000
30.000 20.000
Cupaclddcle N° Utentes CJpacidade N° Utentcs CapaCidade N° Utentes Cdpacidt~Lle N° Utcntc~ (Qntro d0 Convfv1o
CE~ntro
Lar l~ Rcsid0rKl<l pMd !dosos
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1998
2000
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Fonte: Cart a Social - Rede de Servis;os e Equipamentos Relat6rio 2001
As respostas sociais destinadas a populac;:ao idosa verificaram no ana de 2001 uma taxa de utilizac;:ao inferior a taxa registada em 2000, send a a descida mais significativa a que se constata no Centra de Dia (cerea de 4%). Quadro n. 0 7- A Evolus;ao da Taxa de Utilizas;ao das Respostas Sociais. Continente 1998-2000-2001
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Fonte: Carta Social - Rede de Servis:os e Equipamentos Relat6rio 2001
lCiiTRVE:\c;Ao SoCIAL,
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Politicas de Saude: Envelhecimento e cuidados continuados
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A taxa de utiliza<;:ao media foi, de acordo corn a Carta Social de 2001, de 89% tendo os Lares e Residencias para Idosos o valor mais elevado (95,8%) e os Centros de Dia o nivel de utiliza<;:ao mais baixo (75,6%).
Cuidados Informais
A presta<;:ao de cuidados continuados informais assume uma elevada importancia no caso portugues, uma vez que a maioria dos idosos portugueses vive em familias tradicionais, das 1 693 493 pessoas corn sessenta e cinco e mais an os residentes em Portugal em 200 1, apenas 61 400 estavam institucionalizadas, logo a grande parte dos cuidados continuados sao assegurados quer pelos cuidados formais ao domidlio, quer pelos cuidados informais. Dada a inexistencia de trabalhos de investiga<;:ao na area dos cuidados de saude continuados prestados informalmente, baseamo-nos nas conclus6es de urn trabalho elaborado por Quaresma (1996) e que assentou na recolha de informa<;:ao junto de profissionais de saude e da area da Ac<;:ao Social, responsa.veis por equipamentos ou servi<;:os de apoio a popula<;:ao idosa na comunidade. De acordo corn a aurora, e ja referido anteriormente, os familiares prestadores de cuidados sao maioritariamente as mulheres, filhas ou noras, cujas idades variam entre os quarenta e os cinquenta anos. Sao tambem os familiares aqueles que surgem como dinamizadores dos apoios da vizinhan<;:a, isto e, que gerem as ajudas que esta lhes pode prestar de forma a garantir as presen<;:as necessarias durante 0 tempo que nao podem permanecer em casa designadamente o tempo de trabalho. E ainda de referir a existencia de pessoas idosas cuidadas rotativamente por cada urn dos filhos, vivendo temporariamente na casa de cada urn deles. Os cuidados prestados sao essencialmente os cuidados de higiene e conforto, a confec<;:ao de refei<;:6es, o acompanhamento as consultas de saude ea assistencia durante a noite. Relativamente ao apoio prestado pelos Servi<;:os, os Centros de Dia e muito especialmente a ajuda domiciliaria, estes constituem ainda que em pequena escala, o suporte comunitario mais eficaz. Ao nivel do emprego nao existem, tal como existem nos EUA, sistemas de apoio visando garantir facilidades nos locais de trabalho. Existe apenas INTERVEN<;:Ao SOCIAL, 31, 2005
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urn dispositivo legal que permite aos trabalhadores da fun<_;:ao publica que tenham urn familiar idoso a seu cargo, dispor de quinze dias anuais ao abrigo da situa<_;:ao "atestado medico familiar". As medidas espedficas de apoio financeiro as familias que garantem os cuidados necessarios a manuten<_;:ao do idoso no seio dos seus membros traduzem-se num tratamento mais favod.vel em sede de Imposto sobre o Rendimento Singular para as familias corn ascendentes a cargo que vivam em economia comum corn o sujeito passivo. A presta<_;:ao de cuidados a urn idoso familiar tern varios tipos de custos, nomeadamente custos psico-sociais que se revelam numa redu<_;:ao drastica das possibilidades de convivio e de participa<_;:ao em actividades s6cio-culturais ou outras, 0 que nos casos em que e 0 conjuge 0 elemento principal de apoio, conduz a urn certo isolamento e solidao. As situa<_;:6es de conflito intrafamiliar sao tambem mencionadas por Quaresma (1996), e surgem quando o familiar responsavel pelos cuidados a prestar se sente "explorado" pelos outros e pela propria situa<_;:ao. Quanto ao futuro, apesar da familia solidaria corn os membros mais velhos, tratando-os e cuidando deles no seu seio, estar profundamente enraizada nos valores da sociedade portuguesa, existem sinais de mudan<_;:a, nomeadamente na procura crescente dos cuidados institucionais para situa<_;:6es de grande dependencia das pessoas idosas, por iniciativa das respectivos familiares, principalmente quando estes pertencem as gera<_;:6es mais novas. 0 aumento do numero de div6rcios e de familias monoparentais, assim como do numero de jovens adultos vivendo s6 e de casais sem filhos, sao factores determinantes de mudan<_;:as apreciaveis em materia de cuidados de saude informais, tornando-se cada vez mais complexa a organiza<_;:ao do sistema de apoio intrafamiliar aos idosos. Neste contexto e importante urn maior empenhamento publico que leve a defini<_;:ao de medidas adequadas a garantia da presta<_;:ao dos cuidados de saude informais, prestados pela familia.
5.Conclusao Os cuidados continuados tornaram-se uma area importante da economia da saude devido em parte ao seu peso no PIB, representando hoje INTERVENc;:Ao SOCIAL, 31, 2005
Polfticas de Saude: Envelhecimento e cuidados continuados
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essas despesas uma percentagem consideravel das despesas nacionais de saude, estimando-se que cres<;:am rapidamente nas pr6ximas decadas devido ao envelhecimento da popula<;:ao. A popula<;:ao europeia envelheceu e envelhecera ainda mais no futuro, dado que os indiv!duos corn 80 e mais anos triplicarao ate 2050 passando de aproximadamente catorze milh6es em 2000, para cerea de trinta e oito milh6es em 2050, dados preocupantes quando sabemos que existe uma rela<;:ao entre envelhecimento e o aumento das despesas em cuidados medicos e continuados, justificada em grande medida pela evolu<;:ao tecnol6gica ligada as ciencias medicas. 0 envelhecimento actual e futuro da popula<;:ao portuguesa e tambem uma realidade, o que esta patente na inversao da piramide etiria, e no aumento dos Indices de Envelhecimento e de Dependencia, tornando relevante a questao dos cuidados continuados formais e informais. 0 estudo do caso espedfico portugues revela-nos que os cuidados informais assumem uma elevada impordncia face aos cuidados formais tradicionais, uma vez que a maioria dos idosos vive em fam!lias tradicionais, verificando-se ainda urn crescimento dos cuidados formais prestados ao domidlio. Apesar da importancia que assumem estes cuidados informais, estes podem estar em risco, uma vez que estao fortemente dependentes dos familiares (nao remunerados) e principalmente das mulheres, sendo necessaria para garantir a sua continuidade urn empenhamento publico, que se devera traduzir em medidas concretas de incentivo a presta<;:ao destes cuidados. No entanto a falta de informa<;:ao e conhecimento sabre os cuidados prestados, e principalmente sabre as caracteristicas dos agentes prestadores de cuidados informais, nomeadamente sexo, idade, grau de parentesco, profissao, tempo dispendido e custos sofridos, provavelmente inviabilizari a implementa<;:ao de medidas eficazes, medidas estas que se esperam que contribuam nao s6 para garantir a continuidade da presta<;:ao dos cuidados de saude informais prestados pela familia mas tambem para a diminui<;:ao do crescimento das despesas publicas, reduzindo a procura de cuidados continuados subsidiados publicamente, coma a procura de Lares, atraves da diminui<;:ao da migra<;:ao dos idosos dos cuidados informais para os servi<;:os formais. Nesta prespectiva consideramos que seria interessante elaborar urn inquerito, de forma a recolhermos informa<;:ao ate aqui nao dispon!vel, sabre quais as necessidades de cuidados par parte dos idosos face as suas incapacidades e quais !NTERVEN<;:AO SOCIAL,
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os cuidados que lhes sao prestados pelos prestadores informais e onde, mas principalmente quais as caractaristicas dos prestadores informais, tais coma sexo, idade, grau de parentesco, profissao, tempo dispendido, e ate mesmo custos sofridos, econ6micos e psicologicos. Na elaborac;:ao do inquerito entendemos que devem estar presentes estes objectivos acima referidos, para na sequencia da informac;:ao recolhida propor medidas de incentivo a continuidade do fornecimento dos cuidados informais pelos familiares, medidas de ambito social, econ6mico e fiscal a serem implementadas pelas autoridades publicas. Gostariamos ainda de calcular a importancia econ6mica da prestac;:ao informal dos cuidados continuados, pois apesar de esta nao passar pelo mercado pode ser avaliada econ6micamente, calculando qual seria o seu custo caso fosse necessaria substituir os prestadores informais por prestadores pagos, 0 que exige estimar 0 numero de prestadores informais, 0 numero de horas dispendido e atribuir urn salario de mercado.
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Ivo Antunes DIAS*
Os Novos Desafios da Competitividade e as Implica~6es no Emprego 1 Mercados globais, sujeitos a condiroes concorrenciais mais agressiur1s, requerem nouas e mais in'lflginr~tium ropostm empresflriflis rws nouos desafios da competitiuidade. Ndo obstante os menores ritmos de crescimento dr1 produtiuidacle verificados nas ziltimfls 3 clecr~clf!s, modestos indices de oPscimemo econ6mico sugerem redurdo no volume de emprego e tnmsjonnar;i5es no mercado !r~bo ml, tmduzfveis mnna crescente segmmtar;do do mercado de traba!ho e na ajirmr1r;do da diuersidade e no peso das modalidades at!picas de co!ltrrltfl('dO, que tem uindo a reforr;ar a precariedade. A globa!iZtzr;do estd a alimentar o medo de umrz poss!ucl co!isdo mundial entre o semp1P restrito mimero "dos que tern'; dos '!·icos" e dos ''clominado!PS'; ea crescente massa "dos que nada tem'; dos "pobres" e dos ''exc!ufdo/:
Grupo de Lisboa
1. A Globalizas;ao e os desafios da competitividade Nao se constituindo como um fen6meno novo, efectivamente, so a partir dos anos 80 e que o conceito de "globalizac;:ao" se assumiu como um novo paradigma, objecto de reflexao e de discussao quotidiana, quer para as comunidades ciendficas, quer para os actores econ6micos, sociais e politicos, individual ou colectivamente considerados. Suscitando 6dios e paixoes, as opinioes produzidas tcndem a relevar as consequencias nefastas dos seus efeitos ou, em oposic;:ao, as virtudes que comporta, permitindo-nos catalogar, de forma simplista, quem as profere, ou no grupo dos "pessimistas", ou no dos "optimistas" 2 • * Professor Auxiliar no Instituto Superior de I
2
Servi~o Social de Beja e na Academia da For~a Aerea. 0 presente artigo rem como base a comunica~ao apresentada no ISSSL, em 18 de Maio de 2005, no Ciclo "Olhares sobre a Cidadania ~ Fragmentar;iio Econ6mico-Social c Cidadrmia", no ambiro das comemora~6es do seu 70°. Aniversario. Giddens (2000) utiliza uma nota-;:ao ligeiramenre diferente ~ considera a existencia de 2 categorias: os "cepricos" e os "radicais" ~ mamendo, na essencia, o mesmo sentido inrerpretativo.
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lvo Antunes Dias
Independentemente da perspectiva de uns e de outros, o fen6meno em causa tende a enfatizar as quest6es de natureza econ6mica (incremento das trocas comerciais internacionais e um maior fluxo de capitais entre diferentes economias), resultantes da amplia<;:ao a escala mundial da economia de mercado e a crescente liberaliza<;:ao e desregulamenta<;:ao dos mercados, potenciados pela sofistica<;:ao, complexidade e banaliza<;:ao das Novas Tecnologias de Informa<;:ao e Comunica<;:ao (NTIC), bem como da redu<;:ao da importancia dos custos de transporte, devido as melhorias operadas nas redes e sistemas de transporte. Nao obstante a irrefutabilidade do exposto, as incidencias da globaliza<;:ao dos mercados tendem a sentir-se, corn igual intensidade, nas dimens6es social, cultural e politica, rompendo corn os sistemas de valores e praticas sociais vigentes, questionando formas e modelos de organiza<;:ao social, econ6mica e laboral instituidos, destruindo "certezas" e convocando incertezas, receios e resistencias. A globaliza<;:ao dos mercados transpos a capacidade de decisao do nivel nacional para o supranacional, inventando novos actores - as empresas transnacionais (ETN), as organiza<;:6es nao-governamentais (ONG) e as institui<;:6es politicas reguladoras dos processos de integra<;:ao econ6mica internacional - que, escapando as regras, ao controlo e a interven<;:ao reguladora das autoridades politicas nacionais e nao se enquadrando no quadro institucional promovido pela nova ordem econ6mica e politica internacional (NOEPI), produto do p6s-2a Guerra Mundial, desenvolvem estrategias para a prossecu<;:ao de interesses divergentes e mobilizam recursos desequilibrados, acentuando desigualdades, nao ja s6 numa 6ptica Norte-Sul, ou sequer entre um ocidente democratico e desenvolvido e um leste "socialista'' e empobrecido, mas, tambem, dentro das fronteiras nacionais, fomentando o aparecimento e o alargamento de bolsas de pobreza e de exclusao. E sao precisamente as ETN que, empregando milhares de trabalhadores, corn volumes de neg6cios superiores ao PIB de um grande numero de paises, dao corpo ao processo de globaliza<;:ao dos mercados, ao desenvolverem estrategias empresariais globais que, beneficiando das potencialidades das NTIC, fragmentam processos produtivos e localizam unidades de produ<;:ao em fun<;:ao dos factores de atractividade disponibilizados pelos diferentes paises (Martin et Schuman, 1999). Repensando, lNTERVENC,:AO SOCIAL, .31, 2005
Os Novas dcsafios da competitividadc cas implica~oes no emprcgo
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permanentemente, estas estrategias e localiza<_;:oes, as ETN compelem os governos nacionais a flexibilizarem a utiliza<_;:ao de recursos, corn a promessa de cria<_;:ao de riqueza, de mais emprego e de urn clima de maior dinamismo econ6mico. Para mais facilmente atingirem os seus prop6sitos, as ETN desenvolvem emaranhadas e complexas teias, implementando parcerias, fusoes e aquisi<_;:oes de e corn outras empresas, organizando e integrando, regional ou mundialmente, os processos produtivos (Dent, 1997), concentrando urn enorme poder de decisao e de influencia no destino de muitos milhoes de pessoas (Grupo de Lis boa, 1994), fundamentando a decisao de encerrar unidades, nao por criterios de viabilidade econ6mica, mas na observancia estrita de criterios de rentabilidade financeira (Amaral, 1997). Sem se pretender escamotear as vantagens que a localiza<_;:ao de uma ETN comporta para a economia de urn pais, muitas vezes debil e pouco desenvolvida, importa, de igual modo, confrontar as desvantagens que gera para urn tecido econ6mico-empresarial de pequena dimensao e pouco preparado para enfrentar novas e mais exigentes condi<_;:oes de mercado, que primam por uma maior concorrencia e em clara submissao aos ditames e interesses de estrategias empresariais de voca<_;:ao internacional. Nao raras vezes, a uma sujei<_;:ao aos padroes produtivos impostos pelas ETNa quem se vinculam pela sub-contrata<_;:ao - a troco de urn incremento transit6rio no volume de neg6cios e do emprego, se sucede a depressao motivada pela deslocaliza<_;:ao, quando se esgotam os factores de atractividade oferecidos. Perante esta realidade, as autoridades nacionais, cujos instrumentos de polftica se esgotam nos limites das fronteiras nacionais quando a participa<_;:ao em processos de integra<_;:ao econ6mica internacionalnao lhes cerceia, ainda mais, as suas competencias - revelam-se perfeitamente impotentes para atenuar estes impactes, norteando as suas preocupa<_;:oes na va tentativa de aliciar e manter em espa<;:o nacional estas empresas, menorizando a importancia relativa de questoes de ordem social, ambiental ou, ate mesmo, civilizacional. Todavia, nao se julgue, pelo exposto, que a globaliza<_;:ao encerra, apenas, aspectos negativos. A melhoria generalizada do nfvel de bem estar, pelo acesso facilitado a produtos e servi<_;:os de melhor qualidade e a pre<_;:os mais reduzidos, uma maior profusao na difusao de novas processos produlNTERVEN<;:AO SOCIAL,
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tivos, de novas prindpios, metodos, pd.ticas e ferramentas de gestao, que permitem a inova<;:ao na gestao empresarial, bem coma as profundas transforma<;:oes s6cio-culturais, corn as popula<;:oes em numero crescente a vivenciarem experiencias de uma maior liberdade polftica, a par de urn melhor acesso aos sistemas de ensino e forma<;:ao, que permitem aos cidadaos do seculo XXI, tal coma referia o Papa Joao Paulo II, nao s6 ter mais, mas, sobretudo, ser mais, constituem-se coma beneficios inquestionaveis dessa mesma globaliza<;:ao. No entanto, a prosperidade tern urn pre<;:o: as empresas tern que produzir mais e melhor, a custos mais baixos, e estes ganhos de produtividade nao sao apenas possiveis pelo recurso a tecnologias mais eficientes, mas requerem, adicionalmente, niveis crescentes de produtividade do trabalho. Nao obstante a eleva<;:ao substancial dos niveis medias de escolaridade e de qualifica<;:ao da for<;:a de trabalho possibilitarem, por si s6, melhores performances ao nivel do trabalho, as pressoes concorrenciais exigem, coma iremos ver adiante, uma maior pressao dirigida ao factor trabalho, que justifica novas formas de utiliza<;:ao deste factor produtivo, designadamente uma maior flexibilidade na sua aplica<;:ao a l6gica produtiva, e que questionam o quadro de rela<;:oes laborais, tipico do periodo de forte e continuado crescimento econ6mico do p6s-guerra, bem coma a manuten<;:ao dos direitos adquiridos pelos trabalhadores que enformam as rela<;:oes industriais que subjazem ao Direito do Trabalho entao vigente. Tal coma sed. abordado mais adiante, as autoridades publicas e os agentes econ6micos privados, designadamente as empresas, procuram delinear e implementar estrategias de promo<;:ao da competitividade empresarial e, concomitantemente, das economias nacionais, que incorporem as exigencias do novo quadro concorrencial, que potenciem os novas factores de competitividade, muito concretamente, os de ordem intangivel e que passam, sobretudo, por urn novo olhar sabre a importancia do factor humano.
2. Crescimento, Competitividade e Emprego As crises petrolfferas, na decada de 70, colocaram a nu as fragilidades que enformavam as organiza<;:oes empresariais que, na ansia de obterem lNTFRVENC,:Ao
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custos unitarios de prodw;:ao mais baixos, foram adquirindo uma dimensao gigantesca, conferindo-lhes, par urn lado, uma capacidade economico-financeira desmesurada, mas, par outro lado, lhes retirou a agilidade e a flexibilidade. Ressuscitando a maxima «Small is beautiful», as empresas encetaram, reactivamente, processos de reestruturac;:ao e redimensionamento, aligeirando estruturas e reduzindo efectivos. Os anos 80 foram prodigos na introduc;:ao de novas filosofias, de novas praticas e de novas ferramentas na gestao. A gestao pela qualidade total, a reengenharia, o lean production, o just-in-time, o benchmarking, o downsizing, o outsourcing, entre outras, foram business words que entraram no discurso e nas praticas dos gestores, procurando melhorar a qualidade dos processos e dos produtos, a diminuic;:ao dos custos de produc;:ao, o aumento da rapidez e da efidcia da resposta empresarial as alterac;:oes no ambiente envolvente em que estas se movem, designadamente ao nivel dos recursos humanos, das tecnologias e dos mercados. A persistencia de perlodos recessivos e, sobretudo, a maior frequencia na ocorrencia de crises economicas, em economias corn uma marcada rigidez laboral, impediu que o equillbrio do mercado de trabalho se processasse pelo ajustamento do nivel de salarios. As empresas, cada vez mais os instrumentos de criac;:ao de riqueza e de emprego, mas, particularmente, os veiculos de internacionalizac;:ao das economias, reclamavam uma maior flexibilidade do emprego e do proprio mercado de trabalho. A deslocalizac;:ao das actividades produtivas, para economias corn dotac;:oes particularmente favoraveis em termos de custo e quantidade de mao-de-obra e materias-primas, provocou o crescimento exponencial do desemprego e a impotencia dos governos nacionais na resoluc;:ao deste problema transformou-o num problema estrutural. 0 «Estado-Providencia», tao querido aos trabalhadores, que exigia uma margem de intervenc;:ao e regulac;:ao dos mercados pelo Estado, comec;:ou a ser questionado, sobretudo p01·que a sua manutenc;:ao exigia uma maior carga fiscal sabre os contribuintes, empresas ou trabalhadores. Se durante algum tempo as dificuldades financeiras justificaram processos de reestruturac;:ao empresarial, traduzido em operac;:oes de downsizing que comprimiam as estruturas organizacionais, suprimindo int.imeros pastas de trabalho, corn particular incidencia na mao-de-obra directa, os anos 90 trouxeram-nos vagas sucessivas de downsizing; suprilNTERVENC,~AO SOCIAL, 31,
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mindo, agora, os n{veis intermedios e superiores de gesrao em name da rentabilidade e da vontade de agradar aos accionistas (Kovacs, 1999). Esta opera<;ao de "desengorduramento", como sublinha Kovacs (1999), extirpa as actividades pass{veis de serem externalizadas e remete-as para as praticas de sub-contrata<;ao e de outsourcing, ao mesmo tempo que se faz acompanhar pelo aumento do peso relativo do trabalho atipico. Na ansia de obter resultados imediatos as empresas comprimem estruturas e fazem multiplicar o emprego periferico, contribuindo para a fragiliza<;ao do processo de descnvolvimento de competencias, comprometendo, muito provavelmentc, a sua competitividade no medio/longo prazo. A promo<;ao da competitividade das economias nacionais e das empresas ao ter sido considerada, de forma quase generalizada, coma primeiro desfgnio nacional tern empurrado, de forma mais ou menos extensa, os sistemas juridicos dos diferentes paises europeus para a «... subversao do sis-
tema tradicional das relar;oes laborais ( .. )se necessdrio a custa de valores antes considerados intangiveis, enquanto garantes de condir;oes minimas de trabalho e da propria estabilidade da relar;iio» 3 • 0 ambiente de mercado das empresas industriais sofreu uma grande transforma<;ao. A sua satura<;ao e estagna<;ao, a modifica<;ao dos habitos de consumo, a concorrencia intensificada e a quebra da regulamenta<;ao politica dos mercados nacionais e mundiais, sao alguns dos factores que levaram a crise da produ<;ao em massa. Assim, torna-se necessaria a adop<;ao de novas estrategias de produ<;ao orientadas para as novas exigencias de competitividade, tais como, a qualidade, o cumprimento de prazos de entrega, a satisfa<;ao das exigencias espedficas dos clientes, a inova<;ao e a diversifica<;ao dos produtos. Face a estas novas exigencias da competitividade, economias e empresas desenvolvem processos de ajustamento econ6mico e empresarial, fundadas nas decisoes das empresas e dos investidores. Os tempos mudaram e os paises ajustaram as suas estrategias. Face ao problema do desemprego e das suas consequencias econ6micas e sociais, mesmo os paises que num passado nao muito distante entoavam loas 4 a ABRANTES, Jose Joao Nunes (1998), 'Flexibilidade c polivalencia' in MOREIRA, Ant6nio (coord.), I Congresso Naciona! de Direito do 71-aba!ho - Acttts do Congresso, Livraria Almedina, Coimbra: p. 136. 4 Segundo Petrella «Scr competitivo deixou de serum meio. A competic;ao adquiriu um estatuto de crenc;a universal, de ideologia», citado por Grupo de Lis boa (1994: J 4).
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internacionaliza<_;:ao das suas empresas compreenderam a verdade da maxima: investir no estrangeiro pode gerar receitas, mas criar condi<_;:oes para o investimento no nosso proprio pais cria emprego. Ao pretender-se salvaguardar as identidades das economias e sociedades nacionais, procurar incrementar, tanto a produtividadeS, coma a competitividade, corn base nos factores tradicionais, coma, par exemplo, no pre<_;:o, traduz-se numa impossibilidade, considerando que, hoje em dia, ser competitivo obriga a disponibilizar produtos competitivos via pre<_;:o, mas observando novas factores, coma a sua diferencia<_;:ao, o design ea qualidade.
Figura 1 - Crescimento, Competitividade e Emprego ----------------
l~r~:~~;~~~nal ---
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Inova.;;:ao Tecnologica '-~----~--
~ Compe-ti-tividade
I
Prod~vidade
A via do incremento da produtividade, prioritariamente atraves da inova<_;:ao tecnologica, desvaloriza o factor humano e promove o desemprego, originando, no longo prazo, efeitos nefastos no emprego e na competitividade. A promo<_;:ao sustentavel da competitividade sugere urn equi5 "Produtividade" e "competitividade" sao conceiros que, embora interligados, sao distinros, qucr a
abordagem se equacione ao nivel micro - das empresas, quer ao nivel macro - das economias nacionais ou dos espas;os geoecon6micos. Esre quadro relacional, que associa a compcrirividade empresarial a competitividade da economia nacional, disringuc entre a produtividade, que rem a ver cam as condis;6es em que se desenvolve a prodw;ao, ea compctitividade, que se prende cam as caracteristicas da procura dirigida aos bens e servi<;:os produzidos no ambito da economia nacional.
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lfbrio entre o processo de inova<;:ao tecnol6gica e a melhoria na flexibilidacle e adaptabilidade de pessoas e estruturas. 0 modelo de crescimento econ6mico sustentado e aquele que assenta na valoriza<;:ao dos elementos intangiveis da competitividade: a esta esd. associada uma concep<;:ao que coloca o factor humano e a sua valoriza<;:ao no centra das preocupa<;:oes dos agentes econ6micos, sociais e politicos. Confrontadas corn uma concorrencia acrescida, as empresas buscam a sobrevivencia pela introdu<;:ao de novos modelos organizacionais, na inova<;:ao tecnol6gica" e na orienta<;:ao para a satisfa<;:ao do cliente. Neste contexto, a flexibiliza<;:ao produriva e da utiliza<;:ao do factor humano traduzem-se em ganhos de competitividade nao despiciendos. 0 desinteresse pelo modelo burocd.tico-mecanicista, de inspira<;:ao taylorista-fordista, e a focaliza<;:ao no modelo japones de empresa resulta da incapacidade do primeiro se ajustar de forma tao d.pida e eficaz as novas condi<;:oes de mercado como o conseguiu o segundo, contribuindo para a superioridade da sua economia em materia de competitividade. Sem evidenciar, pelo menos na fase inicial, qualquer superioridade cientifico-tecnol6gica, o segredo do sucesso da economia nip6nica residia na forma como as pessoas era m organizadas e geridas no trabalho (Kovacs, 1992). Colocando o enfase no seu sistema social, as empresas japonesas garantiam aos seus trabalhadores 0 acesso a participa<;:ao na vida da empresa, a forma<;:ao e polivalencia, mas, sobretudo, uma estabilidade de emprego. Embora, no momento presente, e por for<;:a da crise asiatica que sacudiu a economia nip6nica, o conceito de "emprego para toda a vida" esteja em vias r. 0 modo como a tccnologia arecta a produtividade e o crescimento econ6mico deve ser enquadrado scgundo duas pcrspectivas: por urn !ado, a inrrodu<;:ao de novos processos ou de novas tecnologias no proccsso produtivo geram aumenros de eficiencia, ou seja, poupan<;:a de t;rcrores produtivos, o que a curto prazo reduz as necessidades de factor trabalho, logo provoca desemprego; por outro !ado, e numa perspectiva de longo prazo, os ganhos de cf!cicncia garantcm o crescimento ccon6mico, potcnciando a cria<;:ao de novos empregos. As consequcncias da inova<;:ao tecnol6gica no emprego, tanto ao nivel da empresa, como ao nivel agrcgado da economia, rem impactos opostos consoantc se trate de inova<;:ao da tccnologia dos produtos ou na tecnologia dos processos. No primeiro caso, a melhoria operada nos produtos gera maior valor acrcscentado e novas procuras; no segundo caso, os ganhos de eficiencia proporcionam apenas redu<;:ao dos custos por poupan<;:a de facrores produtivos, entre os quais o trabalho (Sim6es et al., 2000). Os irnpactos nao podem nem devcm ser equacionados estritamentc na empresa onde se processa a inova<;:ao, mas igualmente ao nfvel do sector- nas empresas concorrentes- das empresas relacionadas e na cconomia geral, considerando a natural dissemina<;ao da inova<;ao.
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de ser ultrapassado, esta rela<;:ao de confian<;:a permitiu a obten<;:ao de ganhos substanciais de produtividade e contribuiu para o refor<;:o da sua capacidade competitiva. Embora modelos de sucesso, estes nao podem ser transpostos de forma directa e inalterada, considerando que os contextos culturais sao significativamente diferentes. Vers6es adaptadas dos "circulos de qualidade" japoneses foram experimentadas corn algum sucesso, tanto nos EUA (versao norte-americana dos "circulos de qualidade'), como nalguns paises do norte da Europa ( "Grupos semi-aut6nomos').
3. A Flexibilidade como Factor de Promocrao da Competitividade Considerando que a globaliza<;:ao dos mercados confrontou as empresas corn urn ambiente concorrencial mais agressivo, insravel e em permanente muta<;:ao, tornando premente a adop<;:ao pelas empresas de solu<;:6es mais flexiveis, que permitissem, nao s6 a manuten<;:ao da sua competitividade, mas, tambem, a garantia da sua sobrevivencia, assistiu-se a emergencia de urn novo paradigma competitivo, para as empresas e para as economias nacionais, nos anos 80- o "Paradigma da Flexibilidade". Figura 2 - 0 Paradigma da Flexibilidade FLEXIBILIDADE I ~ ~ I EMPRESA FLEXiVEL ·:·Gestae Empresarial •:• Mode Ios Organizacionais ·:· Produc;:ao •!•Organizac;:ao do Trabalho
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"OS NOVOS TRABALHADORES" (Trabalhadores Polivalentes)
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NOVO CONCEITO DE TRABALHO •!•Novas Modalidades de Contratac;:ao ·!·Novas Formas de Prestac;:ao ·:·Novas Profissoes •:.Conceito de Actividade 1 Trabalho +-X-+ Emprego ~ •!• Segmentac;:ao do Mercado de Trabalho •!• lnstabilidade e Precariedade de Emprego •!• Desemprego
Novo Quadro de Relar;:6es Laborais e Profissiona is Reinvenr;:ao do Direito do Traba lho
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A f1exibilidade 7 e a resposta das empresas que procuram sobreviver aos desafios marcados pela turbulencia, turbulencia essa que tern variadas ongens: • De urn mercado em profunda mutac;ao, corn novos mercados, novos produtos e novos processos, mas, sobretudo, corn novos concorrentes; • De tecnologias sempre em renovac;ao, corn ciclos de vida cada vez mais curtos e, fundamentalmente, corn novas e rnais significativas utilidades e possibilidades; • De uma rnao-de-obra que, sendo mais escolarizada e qualificada, conhece mais e melhor os seus direitos, que cria expectativas e desenvolve estrategias de valorizac;ao pessoal e profissional e de realizac;ao socio-cultural, mas, prioritariamente, anseia a uma maior participac;ao na vida das organizac;6es em que desenvolve o seu projecto profissional. A melhoria da performance produtiva de uma empresa, de urn sector, de uma regiao, de uma economia nacional ou de urn espac;o de integrac;ao econ6rnica, resulta de uma melhoria ao nivel da produtividade, da qualidade, da rapidez e da flexibilidade de resposta as solicitac;6es do mercado e as inovac;6es tecnol6gicas. Para alem das respostas aos desafios imediatos de curto prazo da procura, as empresas devem adquirir a capacidade de elaborar e implementar soluc;6es estrategicas que reforcern a sua capacidade competitiva em termos de medio/longo prazo. ---
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0 conceito «flexibilidade» surge, invariavel e independentemente do contexto, como forma de ulrrapassar as dificuldades sentidas perante um cenario de imprevisibilidade, inconsrancia e desorganiza~ao dos sistcmas, como forma de resolu~ao dos problemas com que se defronta o modo de produ~ao capitalista (Silva, 1995). Soubie, citado por Donnadieu (1994: 25), por sua vez, refere que, num senrido lato do termo, e costume dcsignar por flexibilidade rudo o que permite a adapta~ao das sociedades, das organiza~6es, das empresas e dos indivfduos a mudan~a, sejam quais forem as causas que a provoquem: economicas, politicas, tecnologicas, culrurais, etc. Trata-se, sobrerudo, da inrrodu~ao de uma crescente plasticidade de comportamentos face a novos contextos e rraduz-sc num elemento fi.mdamenral de crescimento e dinamica social. Acrescenta o mesmo autor que as flexibilidades se revelam de divcrsa forma: na ordem jurfdica, na organiza~ao do rrabalho, nos modos de gerir, motivar e informar as pessoas, quer enquanto trabalhadores, quer como cidadaos.
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A resposta estrategica da empresa em termos de mudanc,:a, para que possa ter sucesso, deve ser entendida de forma completa e integral, isto e, os ajustamentos devem considerar a totalidade dos seus sub-sistemas: a estrutura, as tecnologias, os processos e as pessoas. 0 "modelo de produc,:an flexivel", que substitui corn vantagem, em largos sectores da actividade econ6mica, o "modelo de produc,:ao em massa", exige novos figurinos organizacionais, mais leves e adaptaveis, novas formas de organizac,:ao do trabalho, novas filosofias de gestao e, sobrerudo, a recentragem no factor humano, enquanto factor gerador de competitividade. A flexibilidade da gestao empresarial, por muitos analistas considerado coma urn conceito da moda, assume urn caracter multi-dimensional, em que a flexibilidade do trabalho e apenas mais uma das suas dimens6es. A "empresa flexivel", a unica que reline os requisitos para o acolhimento de urn modelo de produc,:ao flexivel, requer ela mesmo uma maior flexibilidade do trabalho, e esta, por sua vez, tern que ser equacionada segundo o potencial conferido por cada uma das diferentes modalidades que a 111 tegram. A maior adaptabilidade do trabalhador a novas exigencias funcionais, sujeito a novos esquemas de prestac,:ao de trabalho e a novas praticas retributivas, nao esconde outros escopos de abordagem a utilizac,:ao da forc,:a de trabalho no contexto empresarial, que forc,:am a uma maior vulnerabilidade do trabalhador, submetido a uma maior instabilidade do emprego, a exigencia de uma maior mobilidade, funcional e geografica, e que tern conduzido, nao raras vezes, a uma intensificac,:ao dos ritmos de trabalho. A considerac,:ao dos factores humano e organizacional como factores estrategicos de melhoria de competitividade pressup6e a flexibilizac,:ao da organizac,:ao e dos recursos humanos, isto e, constirui urn imperativo o desenvolvimento da capacidade e da rapidez de adaptac,:ao, quer dos individuos e grupos, quer das unidades e da organizac,:ao da empresa, em geral, as novas exigencias e oportunidades (Kovics, 1992). Nao obstante a consensualidade reunida em torno da imporrancia do factor humano na promoc,:ao da competitividade e da persistencia desse pressuposto basico na generalidade dos gestores, a realidade demonstra que as praticas e as estrategias adoptadas pelas empresas desmentem esta ideia. lNTERVENC,:AO SOCIAL,
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A classificas;ao das estrategias de promos;ao de competitividade, tomando em linha de conta a centralidade atribuida ao factor humano, prop6e a consideras;ao de quatro tipos distintos, que, frequentemente, sao utilizados de forma combinada pelas empresas, embora urn dos tipos tcnda a assumir mais significancia. As estrategias serao, segundo Kovics (1994), as seguintes: â&#x20AC;˘ Estrategia de redus;ao de custos de mao-de-obra, que visa a redus;ao dos custos de produs;ao, corn incidencia na minimizas;ao dos custos da mao-de-obra directa, quer pela deslocalizas;ao das actividades, em busca de salarios mais baixos e uma maior facilidade de exploras;ao do trabalhador, quer pelo aumento da produtividade do trabalho numa 6ptica desqualificante e precarizante, atraves de processos drasticos de redus;ao de efectivos ( "Downsizing') ou externalizando algumas das actividades ( "Outsourcing'), corn o objectivo de ter menos trabalhadores, a trabalhar mais e corn salarios mais baixos. Recurso a trabalho precario, aumento dos ritmos de trabalho, alargamento dos horarios e rotas;ao de tarefas, sao alguns dos expedientes utilizados; " Estrategia de inovas;ao tecnocentrica, que e apologista da adops;ao de solus;6es tecnol6gicas para o problema da falta de competitividade, firme na convics;ao de que o progresso tecnico resolved todos os problemas, tratando-se de urn equivoco suficientemente demonstrado, ja que tecnologias sofisticadas utilizadas por pessoal pouco qualificado nao se traduzem em resultados minimamente satisfat6rios. Mantendo validos e operantes todos os pressupostos do modelo burocratico-mecanicista, os prindpios de organizas;ao e divisao do trabalho deste modelo sao conjugados corn urn esfors;o de redus;ao do volume de emprego, preconizando o recurso ao emprego periferico em situas;6es pontuais de maior necessidade; " Estrategia inspirada no modelo de "lean production", alicers;ada nas modernas teorias, prindpios, praticas e ferramentas de gestao mais na moda, como a "Gestao pela Qualidade Total': a "Reengenharia': o 'Just-in- Time': o "Benchmarking", entre outros, corresponde a uma tentativa de transpor para as empresas ocidentais as receitas de sucesso utilizadas pelas empresas japonesas. Privilegiando a redus;ao dos custos, o emagrecimento das organizas;6es, a eliminas;ao dos INTERVEI'C,:Ao SOCIAL, 31, 2005
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desperdicios e dos erros, bem como das actividades nao geradoras de valor, o desenvolvimento de parcerias a montante e a jusante da empresa, constituem vias para melhorar a produtividade e, concomitantemente, a competitividade, numa logica de racionalizac;:ao de processos corn consequencias no volume de emprego, mas distinta das anteriores estrategias que apostam numa menor intervenc;:ao humana e na desqualificac;:ao dos trabalhadores, esta estrategia tern como apanagio o envolvimento dos trabalhadores e a sua crescente qualificac;:ao num quadro de grande formalizac;:ao organizacional; "Estrategia de inovas;ao antropocentrica, inspirada na abordagem socio-tecnica, pretende a conciliac;:ao do objectivo de melhoria da competitividade corn a melhoria da qualidade de vida no trabalho, visando a integrac;:ao de tecnologias avanc;:adas, corn recursos humanos qualificados e organizac;:oes descentralizadas e participativas. Numa logica de potencializac;:ao das capacidades humanas, as tecnologias nao visam a substituic;:ao do homem, mas promovem a flexibilizac;:ao da sua utilizac;:ao e apelam a sua crescente polivalencia. Centrada na optimizac;:ao das competencias internas e na promoc;:ao da flexibilidade de urn factor mais qualificado e polivalente, a estrategia antropocentrica distingue-se do modelo de "lean production" em que 0 enfase e colocado na qualidade das relac;:oes estabelecidas corn fornecedores e clientes. As estrategias de melhoria de competitividade supracitadas podem ser enquadradas em duas grandes categorias, que atribuem diferentes visibilidades ao factor humano e enformam duas concepc;:oes distintas de flexibilidade na sua utilizac;:ao: 1. Flexibilidade quantitativa dos recursos humanos: estrategia de inovac;:ao tecnocentrica e estrategia de reduc;:ao dos custos de mao-de-obra; 2. Flexibilidade qualitativa dos recursos humanos: estrategias de ÂŤlean productionÂť e estrategia antropocentrica. 0 tipo de estrategia empresarial a adoptar depende de urn conjunto de condicionantes, designadamente, a polltica do governo em materia de lNTERVENc;:Ao SOCIAL,
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legisla<;ao e da politica de ensino e forma<;ao, as condi<;6es de mercado dos produtos e do trabalho, o tipo de organiza<;ao do trabalho, a filosofia de gestao empresarial e as estrategias prosseguidas pelos actores sociais colectivos.
4. Da Flexibilidade do Trabalho
aFlexibilidade do Emprego
A problematica da f1exibilidade do trabalhd encontra a sua genese nos idos anos 80 a partir dos trabalhos desenvolvidos por, entre outros autores, Atkinson (Hutchinson et Brewster, 1994), que procurou identificar a dimensao, a natureza e a motiva<;ao para a alteras:ao das praticas de gestao do factor trabalho no local de trabalho, se bem que alguns outros autores tenham centrado as suas investiga<;6es relativamente as implica<;6es no mercado de trabalho. Atkinson e Meager, durante a segunda metade da decada de 80, conceptualizaram urn modelo de f1exibilidade na utiliza<;ao do factor trabalho no contexto empresarial, ilustrado na Figura 3, destrin<;ando dois grupos de trabalhadores: os que integravam 0 nucleo, detentores das compctencias centrais e de imporrancia vital para o neg6cio, assumindo rela<;6es contratuais de caracter permanente; e os trabalhadores perifericos, que tendiam a operar em regime de part-time, de trabalho temporario, ou outras modalidades que nao implicassem urn vinculo permanente corn a empresa. Este modelo foi fortemente contestado, dado que a f1exibilidade imposta a for<;a de trabalho sugeria urn elenco diversificado de efeitos perversos, exclusivamente no ambito de controlo da gesrao empresarial: o aumento do desemprego, a redu<;ao da inf1uencia sindical, a instabilidade permanente dos trabalhadores, entre outros. 8
A flexibilidadc do trabalho surge, desde logo, como a modalidade de flexibilidade mais discutida e mais controversa, pelas paix6es que suscitam entre investigadores, mas tambem entre os actores sociais. Independentememe das metaforas e eufemismos que possam ser aduzidos a cola~ao, a flexibilidade do trabalho e a modalidade que incorpora mais danos colaterais, quer do ponto de vista economico, quer do ponto de vista social, e significa, numa base largamente consensual, a desregulamenta~ao do mercado de trabalho, traduzivel em menos emprego, numa crescente segmenta~ao de mercado e no aumento da precariedade do emprego, visivel na prolifera~ao das designadas modalidades atipicas de comrata~ao.
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Figura 3- Modelo de Segmentac;:ao do Mercado de Trabalho
FIRST PERIPHERIC/\L GROUP SECONDARY LABOUR MARKEY NUMERICAL FLEXIBILITY
CORE GROUP PRIMARY LABOUR MARKEY FUNCTIONAL FLEXIBILITY
Fonte: ATKINSON, John (1984), Flexible Manning: the way ahead, Brigton, IMS/Manpower Ltd, citado in: AA W (2000). As novas modalidades de emprego, Maria da Conceic;:ao Cerdeira (com路d.), MTS/DGEFP/Comissao lnterministerial para o Emprego, Colecc;:ao Cadernos de Emprego, n掳 24, Lisboa: p. 30.
Mais tarde, e no ambito de urn estudo promovido pela Comissao Europeia, a Bernard Brunhes Consultants desenvolveu urn modelo similar, vertido na Figura 4, em que o nudeo dura (A]), ocupada pelos trabalhadores permanentes da empresa e objecto de uma flexibilidade funcional, as coroas (B]) e (C]), ocupadas, respectivamente, par trabalhadores ligados a empresa, mas corn elevada instabilidade de emprego, e par trabalhadores independentes ou outros externos a empresa, sao objecto de flexibilidade numerica.
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Figura 4 - Modelo de Segmentas:ao do Mercado de Trabalho (Modelo de Bernard Brunhes Consultants)
Externa!izayao dos servic;:os
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'""~"'""~' (:'"
Contratos de dura<;ao determinada
-----------~]
Contrato_s de dura<;ao indeterminada
B] \-.,------\ Temporario
Trabalho independente
~/
Fonte: AA VV (1994), I 'Europe de l'Emploi ou comment font les autres, Paris, Les Editions d'Organisation, citado in: M VV (2000). As novas modalidades de ernprego, Maria da Concei<;ao Cerdeira (coord.), MTS/DGEFP/Comissao Imerministerial para o Emprego, Colec<;ao Cadernos de Emprego, n째 24, Lisboa: p. 31.
0 que esd. implfcito em qualquer urn dos modelos eo recurso recorrente a novas modalidades de emprego, em que as empresas utilizam de forma flexivel o factor trabalho, de acordo corn as exigencias do mercado e dos processos produtivos. Estas novas modalidades de emprego sugerem uma crescente segmentas:ao do mercado de trabalho, baseado na bipolarizas:ao dos trabalhadores, que se distinguem pelo grau de centralidade das suas qualificas:oes em relas:ao ao designado core business, pelas condis:oes de trabalho, pela estabilidade de emprego e pelo acesso a urn tipo espedfico de sistema de incentivo e recompensa, que determina a remuneras:ao, os beneffcios sociais, as estrategias formativas e a qualidade da carreira. A pressao sentida no sentido de uma maior flexibilidade nas relas:oes industriais e na utilizas:ao do factor humano, desde os anos 80, justificou o interesse da OCDE pelo desenvolvimento de diversos estudos sobre o seu impacto ao nivel da empresa. INTERVENc,:Ao SOCIAL, 31, 2005
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A primeira ilac,:ao a retirar dos diversos estudos produzidos') e de que nao existe um modelo unico de flexibilizac,:ao do trabalho ao nfvel da empresa, sendo que a soluc,:ao adoptada depende de varios factores, como o quadro legislativo nacional e das estrategias competitivas adoptadas, podendo assumir diferentes formas: desde a flexibilidade quantitativa externa a flexibilidade funcional, ou mesmo a modalidades que passam pela flexibilidade de prestac,:ao horaria do trabalho.
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Num estudo promovido pcla European Association for Personnel Management (EAPM), conclui-se que as praticas de flexibilidade do trabalho dcscnvolvidas nos diferentes paises que inrcgram a EAPM sao dispares, no enranto, a persistencia de algumas tendencias c perfeitamente identifidvel (Hutchinson et Brewster, I 994): • 0 aumento do emprego em regime de pr!rt-timc: estima-se que um em cada sete trabalhadorcs trabalha neste regime, embora o peso relativo c a evolu<;ao desta modalidadc assuma signiflcados diferentes de pais para pais; • Uma maior flexibilidade salarial, em que um n{unero crescente de trabalhadores apresenra na defini<;ao do seu saLirio um conjunto diversificado de modalidades; • A flexibilidade do trabalho tem sido mais facil de implemcntar nos niveis hicrarquicos mais baixos, ja que nos niveis mais elevados de gestao os resultados rem sido muito incipientes; • As press6es economicas sao identificadas como o principal factor motivador de uma crescente flexibilidade do trabalho e visam a redu<;iio dos custos e a melhoria da produrividade; • Como segundo factor, rem-se evidenciado o proprio mercado de trabalho, dado que um numero crescente de activos procura a integra<;ao no mercado de trabalho em modalidades mais flexiveis. Sao exemplo, as mulheres, os grupos socio-economicos mais favorecidos e os individuos de um nivel erario mais elevado; • A flexibilidade !aboral e encarada de forma ambivalente pelos empregadores: alguns so quando sao pressionados e sempre com grande relurancia; outros utilizam-na como instrumento de motiva<;ao e envolvimento dos trabalhadores; • Constiruindo-se como uma pratica de inova<;ao organizacional, a flexibilidade rem que ser planeada, preparada e comunicada aos envolvidos, mas muitas sao as situa<;6es em que os scus impactos apenas vao sendo avaliados e corrigidos de forma reacriva. Esta postura tcnde a gerar incerteza, inseguran<;a e resistencia ao processo; • Uma das grandes dificuldades rem sido convencer os empregadores, que uma nova forma de utiliza<;ao do factor trabalho requer prepara<;ao e forma<;ao adequadas, de molde a preparar todos os intervenientes para as exigencias e os desafios que nao deixarao de se colocar; • A introdw;:ao de uma maior flexibilidade do trabalho so se converted num caso de sucesso se do processo reverterem vantagens para ambas as partes- empregadores e trabalhadores- isto e, rem, for<;osamente, de ser um jogo de soma positiva.
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Complementando a classifica<;:ao proposta pela OCDE corn os contributos de alguns outros autores 10 , a flexibilidade do trabalho e susceptivel de ser enformada nas seguintes modalidades: • A Flexibilidade Numerica 11 , que engloba a flexibilidade do tempo de trabalho 12, a fl exibilidade do emprego e a flexibilidade contratuaP 3; • A Flexibilidade Profissional, que integra a flexibilidade ou mobilidade funcional 14 , tambem designada par polivalencia funcional e, ainda, a mobilidade geografica; • A Flexibilidade Salarial, das Remunerac_roes ou Financeira 15 ; • Outras formas residuais de flexibilidade 16 ; Coma forma de aumentar as possibilidades de cria<;:ao de empresas, a teoria neoliberal defende, nos anos 90, a flexibiliza<;:ao do trabalho e dos custos de mao-de-obra, o que leva a segmenta<;:ao do mercado de trabalho
Sao de real<;ar os importantes contributos de Robert Boyer, Pa ul Thompson, David McHugh e Jenny Bell. II Que co nsiste na possibilidade de ajustamento do volume de trabalho (numero de efectivos ou numero de horas de trabalho) as necess idades produtivas, o que viabiliza uma maior facilidade de comrata<;ao e, em especial, de despedimento , mas, de igual modo , a possibilidade da entidade patronal gerir, corn base na satisfa<;ao dos seus interesses e necessidades, os tempos de trabalho. 12 Esquemas fl exfveis de trabalho, co nsiderados ao dia, a semana ou ao ano: emre outras modali dades, horario fl exfvel, semana co mprimida, anualiza<;ao na co m abiliza<;ao do tempo de trabalh o, trabalho em regim e de turnos, partilha do posto de trabalho, trabalho extraordimirio. 13 Esquemas d iversos de rela<;ao co ntratual desviantes em rela<;ao, quer no que respeita ao vinculo permanente (trabal ho a termo certo, trabalho independente, presta<;ao de servi<;os, sub-contrata<;ao), quer a presra<;ao foiL-time (trabalho a part-time, trabalho tempod rio, tele-trabalho, etc.). I4 Q ue permite ao empregador afectar, de forma discri ciomiria, os seus trabalhadores a actividades de trabalho d iferenciadas, requerendo co mpetencias distintas, desde que estes trabalhadores adquiram um a maior polivalencia corn a aquisi<;ao de novos saberes. Esta modalidade e, frequenremente, designada por mobilidade funcional. 15 Modalidade que rompe corn a concep<;ao taylorista-fordista, defensora de urn sistema salarial assente na fun<;ao e na carreira, e introduz como elemenros valorativos na determ ina<;ao salari al, entre outros, a qualidade do desempenho , o grau de integra<;ao do trabalhador nos objectivos e na cultura emp resa rial e, ainda, os resultados empresa riais. I6 Esquemas diversos co nsiderando o percurso profiss ional ao longo da vida activa: ferias ou perfodo de separa<;ao da empresa devido a necessidades formativas, o apoio a fami liares, perfodos sabaticos, ou redu<;ao de tempo nas situa<;6es de pre-reforma. 10
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que se encontra associado a distin<;:ao entre o trabalho convencional e o trabalho nao convencional ou atipico' 7 â&#x20AC;˘ Para os apostolos neoliberais a instabilidade das condi<;:6es de mercado nao se compadece corn formas rigidas de contrata<;:ao e emprego est<ivel: o "emprego flexivel'' chegou e veio para ficar. As concep<;:6es neoliberais reclamam a substitui<;:ao de urn modelo assente no contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, em que as condi<;:6es relativas a sua presta<;:ao, a remuneras:ao, ao tempo e ao local de trabalho, entre outras, sao marcadas pel;;t estabilidade, por urn modelo em que modalidades diversificadas de rela<;:ao contratual coexistem, em funs:ao das necessidades empresariais. Estas novas modalidades de relas:ao contratual, assentes na precariedade, permitem ajustar, de forma flexivel, o volume de emprego as necessidades produtivas, que se alteram em fun<;:ao das flutua<;:6es da actividade economica, adequando os custos corn o factor humano aos proveitos esperados da actividade empresarial. Mas nao e so ao nivel da facilidade de contrata<;:ao e de despedimento que se reclama uma maior facilidade. A utiliza<;:ao do trabalhador em fun<;:6es ou actividades distintas e a modificabilidade do regime hod.rio de presta<;:ao de trabalho sao, entre outras, altera<;:6es defendidas por esta concep<;:ao neoliberal. A jlexibilidade do emprego surge coma conceito mais invocado ao nivel da doutrina liberal e e profusamente reclamada sempre que, por manifesta incapacidade de reajustamento salarial devido aos processos de negocias:ao colectiva, as flutua<;:6es da actividade economica requerem uma menor necessidade do factor trabalho (Donnadieu, 1994). Na pd.tica, a flexibilidade do emprego e, por excelencia, o produto preferencial da flexibilidade numerica. Mais facilidade e simplicidade no 17
Segundo Vaz (1997), sao consideradas atfpicas as forrnas de trabalho que nao possuern, parcialrnente ou na totalidade, as seguintes ca racterfsticas: estabi lidade de emprego, dura<;:ao de trabalho convencional, remunera<;:ao convencional, protec<;:ao social, protec<;:iio e orga ni za<;:ao sindical, empregador unico e legalm ente definido , sahirio como fonte exclusiva de rendirnento do trabalhador e da farnflia. Esta designa<;:ao abrange form as tao distintas com o, entre outras, o trabalho rernporario, o tele-trabalho, o trabalho independente, cujo denominador co mum ea redu<;:ao de custos corn o pessoal a suportar pela ernpresa, quer es ta ocorra pela fac ilid ade de rescisao contratual, quer pelos rnenores enca rgos sociais a ass urnir pela ernpresa, quer, ainda, pel a rendencia a indexar os custos corn rernunera<;:6es ao desernpenho, o que propicia a submissao do trabalhado r a ritrnos ea cargas de trabalho progress ivarnente rnais intensos e penosos.
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processo de contratac;:ao e, fundamentalmente, menos constrangimentos, responsabilidades e encargos no momento do despedimento, sao reivindicac;:oes tradicionalmente apresentadas pelos empregadores. Modalidades de trabalho emergentes em impord.ncia, diversidade, complexidade e dificuldade de avaliar e gerir, acrescem dificuldade no estabelecimento de uma relac;:ao de causalidade entre trabalho e emprego (Hutchinson et Brewster, 1994). A natureza das relac;:oes contratuais de trabalho vigentes no virar para o terceiro milenio alterou-se substancialmente, assistindo-se a uma trans- cos l concertos . d e "emprego" e d e "tra b alh o" , em que as wrmas C firgurac;:ao de prestac;:ao de trabalho, que no passado eram consideradas desviantes e usadas a titulo excepcional, se vieram tornando norma na generalidade dos paises europeus (Rebelo, 2001). Duas concepc;:oes se confrontam relativamente as perspectivas futuras sobre o trabalho: os que prenunciam o "fim do trabalho"; os que preconizam a "empresarializac;:ao" do trabalho. Para os autores que se enquadram na primeira concepc;:ao, a intensificac;:ao tecnol6gica dos processos produtivos, o desemprego e subemprego crescentes, o aumento da durac;:ao e da intensidade do trabalho, a acentuac;:ao dos fen6menos de segmentac;:ao e bipolarizac;:ao do mercado de trabalho, resultarao numa diminuic;:ao drastica do emprego, provocando urn acelerar do processo de desintegrac;:ao social e potenciando a exclusao social, a pobreza, a violencia e a criminalidade nas suas multiplas formas. A outra concepc;:ao, de inspirac;:ao neoliberal, advoga nao o fim do trabalho, mas a transformac;:ao da natureza das relac;:oes contratuais. Confrontado corn urn mercado exigente, cada trabalhador procurara adquirir competencias e ira gerir o seu aperfeic;:oamento e actualizac;:ao, de acordo corn os ditames desse mesmo mercado e em func;:ao corn a carreira que pretender. E a "empresarializac;:ao" do trabalho, que diluira as fronteiras entre () privado e 0 profissional e que permitira as empresas hiperflexibilizarem-se, prescindindo do trabalho assalariado e dos gestores, conforme refere Bridges 18 â&#x20AC;˘
lS
Citado por KOVACS, Ilona (1999), Comcqubzcias da reorganizarao das empresas no emprego, in Economia c Socicdade, Celta Edirora, N° 22, Oeiras: pp. 9-25.
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5. A Dimensao da Precariedade do Emprego A composi<;:ao sectorial do emprego na generalidade dos paises da UE, exceptuando os casos da Grecia e de Portugal, tende a evidenciar o peso do sector terciario, que absorve aproximadamente 2/3 do emprego, urn sector primario corn valores em torno dos 5%, enquanto a industria se fica em valores ligeiramente inferiores aos 30%. Da mesma form a, e no sector terciario que se verifica a maior taxa de crescimento do emprego, o que nao significa, naturalmente, que o emprego criado seja de melhor qualidade, pelo contrario, o crescimento do emprego verifica-se atraves do aumento da impord.ncia relativa das designadas modalidades atipicas (Celestin, 2002). As empresas na tentativa de reduzirem 0 numero de trabalhadores efectivos, transformam empregos permanentes em empregos precarios. A tendencia e para as empresas manterem urn numero reduzido de empregados efectivos, por isso procuram cada vez mais trabalhadores corn vinculos precarios. 0 trabalhador corn emprego precario dificilmente consegue satisfazer as suas necessidades basicas e muito dificilmente consegue satisfazer outras necessidades para alem das basicas. Os trabalhadores em situa<;:ao de emprego predrio nao se sentem integrados na empresa e por isso nao se envolvem pessoalmente, o que pode trazer resultados negativos para a empresa, uma vez que desta maneira os objectivos da empresa muitas vezes podem nao ser alcan<;:ados, comprometendo a organiza<;:ao. A precariedade nao e sin6nimo de desenvolvimento e bem-estar, mas antes de retrocesso econ6mico e social, de nao observancia dos direitos dos trabalhadores, de violencia e explora<;:ao. A necessidade de obten<;:ao de rendimento, de forma transit6ria perante a vivencia de situa<;:6es de desemprego, o desconhecimento dos direitos que lhes assiste, o receio de retalia<;:ao dos empregadores em caso de denuncia, ou, simplesmente, porque julgam que obtem rendimento mais elevado, entre outras situa<;:6es possiveis, compram a conivencia e o silencio dos trabalhadores envolvidos. A adesao as novas modalidades de contrata<;:ao nao resultam, na grande maioria dos casos, de uma op<;:ao voluntaria do trabalhador, outrossim, a submissao a uma condi<;:ao desfavo ravel de urn mercado onde o excesso de oferta de mao-de-obra e regra. l NTERVEN<;:Ao SociAL, 3 1, 2005
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0 trabalho a tempo parcial, o trabalho temporario, o trabalho domestico - onde se inclui o tele-trabalho - continuam a crescer a ritmos significativos, particularmente nos pa1ses da Europa Central e do Norte, atingindo valores na ordem dos 40%, por exemplo na Holanda. Por seu !ado, o peso excessivo do trabalho domestico e as consequencias nefastas 1'1 sobre o trabalhador tern sido objecto de estudos atentos 20 e a propria OCDE, tao dispon1vel para recomendar a adop<;ao de praticas flexibilizantes, aconselha alguma prudencia no que respeita ao uso e abuso destas modalidades (Celestin, 2002). 0 esfor<;o de uma relativa harmoniza<;ao dos quadros juddico-laborais nao se tern traduzido na uniformiza<;ao relativamente as questoes da precariedade do emprego, o que nos permite concluir que as a!tera<;oes por via legislativa nao se reproduzem em praticas semelhantes. A observa<;ao do Grafico 1 e do Quadro 1 permite-nos concluir que os pa1ses ibericos, tendo sido dos ultimos a desenvolver reformas juslaborais, sao dos que mais elevada precariedade do emprego revelam, para alem desta tendencia se ter feito particularmente semir na segunda metade da decada de 90. Parece-nos claro que a altera<;ao do quadro normativo, tendeme a uma crescente flexibilidade do mercado de trabalho, tern vindo a ser explorado no sentido de uma flexibiliza<;ao interna, quantitativa ou numerica, de acordo corn as diferentes conceptualiza<;oes abordadas antenormente.
1
~
A prccaricdadc do emprego, que convene os seus titulares numa sub-categoria, mina por completo a capacidade ncgocial dos trabalhadores sendo regra, entre outras situa~6es: • A integra~ao cm caregorias manifestamente inferiores as suas qualifica<;:6es e sem dircito a carreira: • A submissao a condi~6es de trabalho extremamente degradantcs, pcnosas e de elevado risco; • A cspolia~ao dos principais direitos, desde o acesso a seguran~a social, como a privas:ao de remuncra~6es extra por trabalho suplementar, em regime nocturno ou por rurnos; • A impossibilidade de recorrer a mecanismos de valoriza~ao pessoal, dada a sujei~ao a jornadas de trabalho mais dilatadas ou ao uso do estatuto de trabalhador-estudante. 20 A OIT advcrrc c1ue num mimero significativo de paises a rapida expansao do trabalho domicili<irio jusrifica j<i a aplica~ao dos principios constantes na Conven<;:ao n° 177 e da Recomendas:ao n." 184, de 1996 (CC!cstin, 2002: 29).
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Grafico 1 - Trabalho precario na Uniao Europeia (% do emprego total) 2000 40 ~-----------------------------, 35~~--------------------------~
30
25 20 15 10 5 O-I-L...J....,...L...L.,...L-L.,-J.--L.,...L.J...,...L...J....,..L.L,...J-L.,-J.--L.,...L.J...,...L.L..,-JL.....L.j Q_
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Fonte: Eurostat Yearbook 2002.
Quadro 1 - Tendencias recentes da precariedade do emprego na Uniao Europeia Nfveis de crescimento( 2000) Pafses corn mais alto fndice de Precariedade: Espanha (35%) Portugal (24%) Finlandia (2 1%)
Dados recentes ( 1995-2000) Pafses onde o emprego tern vindo a ficar menos esravel: Reino Unido (-6%) Portugal (-6%) Fi nl andia (-4%) Austria (-4%) Irlanda (-3%)
Pafses corn mais baixo fndice de Precariedade:
Pafses onde o emprego tern vindo a ficar mais esravel:
Luxemburgo (10%) Alemanha (12%) Austria (14%) Suecia (14%)
Fran<;a (+7%) Es panha (+6%) Belgica (+3%)
Pafses corn a media Europeia:
Pafses onde a estrutura do emprego continua inalterada:
Irlanda (I 8%) Dinamarca (18%) Holanda (18%) Reino Unido (16%) Fran <;a (16%)
Oinamarca ltilia H olanda
Fonte: Eurostat Yearbook 2002. I NTE RVEN<;:AO S OC IAL,
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Os paises da Uniao Europeia variam de percentagem no que respeita aos diversos tipos de contratos existentes no trabalho precario. Em Espanha e onde se estabelece o maior numero de contratos a termo certo (27%), seguida da Finlandia (15%) e da Holanda (11 %), enquanto Portugal se estabelece nos 12% relativamente a este tipo de contrato. Em questao de trabalho temporario, este apresenta maior indice na Italia (5%) juntamente corn a Irlanda, seguidos de Franc,:a (3%). Portugal apresenta uma taxa de 4,5% (Ribeiro, 2002). Em relac,:ao a contratos que nao se enquadram, nem nos contratos a termo certo, nem nos contratos temporirios, e que sao apelidados de "outros", apresenta-se Portugal corn maior in dice (1 0%), seguido da Dinamarca (8%). Entre 1995 e 2000, Portugal apresenta-se como urn dos paises corn maiores probabilidades do trabalho estavel se degradar mais rapidamente (Quadro 1). Na UE, ainda que o mimero de trabalhadores detentores de empregos "tipicos" permanec,:a estavel observamos que, face a esta estabilizac,:ao, existern rnuitas outras forrnas de inserc,:ao (ou de reinserc,:ao) no mercado de trabalho, tais corno os programas de estagios ou de contratos de trabalho a tempo parcial 21 , que se tern expandido tanto ou mais quanto a contratac,:ao a termo e/ou contratac,:ao de trabalho ternporario. Por raz6es que se prendem corn a existencia de niveis salariais e de qualidade de vida diferenciados, os diferentes E-M apresentam diferentes pesos relativos de Emprego a Tempo Parcial 22 , constatando-se que os paises corn nivcl de vida mais baixo evidenciam taxas igualmente rnais mo-
21
0 emprego a tempo parcial tem crescido ao longo do perfodo obscrvado, facto cxplicado pclos incentivos criados ao nfvel nacional para a promo~ao desta modalidade e que tende a estar associado a diminui<;ao das taxas de desemprego, particularmente nos grupos problcmaticos: mulhcrcs, jovens, idosos, trabalhadores pouco qualificados e desempregados de longa ou muito longa dura<;ao. 0 peso dos trabalhadores involuntariamente empregados a tempo parcial: exceptuando o caso da Holanda, sao os paises que experimentam maiorcs valores de emprego a tempo parcial, onde os seus trabalhadorcs dcclaram que esta solu~ao nao corrcspondeu a uma op~ao pessoal, mas a veritlca<;ao de certas circunstilncias que os empurrou para esta modalidadc. t.iTF.RVF.c:<;:Ao Soc:I,\L, 31, 2005
Os Novos desafios da comperirividade e as implica<;:6es no emprego
1153
destas. Sao os casos da Grecia, Portugal, Espanha e Irlanda, os paises da coesao, mas tambem da Italia, denotando-se a excepcionalidade do Luxemburgo, considerado o pais corn o n{vel de vida mais elevado da UE. No outro extremo do continuum encontramos a Holanda, cuja taxa ultrapassa, em 2000, os 40%. Em Portugal, a questao da precariedade do emprego 23 atinge a generalidade dos sectores de actividade e atravessa praticamente todas as profiss6es, embora nalguns, como a constrw;:ao civil, o comercio a retalho, a restaura<_;:ao e hotelaria, os servi<_;:os de higiene e seguran<_;:a, os casos de viola<_;:ao clara da lei laboral sejam mais evidentes. A viola<;:ao da lei passa pela inexistencia de v{nculos laborais, o pagamento de trabalho a hora ou a pe<_;:a, 0 nao pagamento de contrib ui<;:6es para a Seguran<;:a Social, ou mesmo o incumprimento das obriga<;:6es fiscais. Apesar da falta de vinculos estaveis, nao e apenas isso que demonstra a falta de qualidade do emprego que esra a ser criado. 0 aumento de novos empregos nas profiss6es nao qualificadas (8%), urn decrescimo de 2,5% do emprego dos quadros superiores e dirigentes e dos especialistas das profiss6es intelectuais e cient{ficas (as profiss6es mais qualificadas), tambem demonstram o aumento das condi<;:6es predrias existentes no emprego em Portugal. A juntar a esses dados temos ainda a queda de 2,3% do emprego industrial e o aumento de 9,7% na constru<;:ao, que e urn dos sectores mais desregulados e inclusive corn a existencia de trabalho clandestino.
23
Segundo a CGTP (Comun icado de l mprensa No 009/0l) , em 2000 , a preca riedade au menrou cerea de l Oo/o em P01路rugal, o que represenra mais de 700 mi l rrabalhadores corn vfncu los pred.rios, exisrindo cerea de 732 mil rrabalhadores em sirua<;:ao predria de rrabalho, ou seja 20 o/o do roral de rrabalh adores por conrra de ourrem. Esra percenragem eleva-se ate aos 40% na popula<;:ao m a is jovem, em que as form as de precariedade enconrradas, como o recibo verde, o rrabalho sazonal sem contraro escriro e o trabalho ponrual ou ocasional, foram as que tiveram um maior crescimenro, cerea de 13,8%, tendo o conrraro aumentado 8,2%.
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lvo Antunes Dias
A dinamica evolutiva do trabalho a termo enquadra-se num ambito mais geral da evolus;ao do trabalho nao permanente 24 , considerando que o primeiro se constitui coma urn sub-tipo do segundo. Embora tardiamente introduzido no ordenamento juridico-laboral portugues, o seu crescimento expressivo transp6s Portugal para patamares elevados de uso desta modalidade, claramente acima da media comunitaria, embora ainda a uma grande disrancia da nossa vizinha Espanha. Segundo dados da EUROSTAT, para 1999, o trabalho nao permanente correspondia a 18,6% do total do emprego por conta de outrem, superior aos 13,2% da media comunitaria, s6 ultrapassado pelos 32,7% de Espanha. Quanta a identificas;ao das raz6es que levam os trabalhadores a aderir aos contratos de trabalho marcados por uma maior precariedade dos seus vinculos, as raz6es nao poderiam ser mais surpreendentes. Num pais onde se reclama por uma maior estabilidade do emprego, e a fazer fe na fiabilidade das respostas dadas, em Portugal, embora subsista uma percentagem de trabalhadores que respondeu ter sido uma ops;ao imposta, existe uma maior percentagem, visivel em todos os niveis etarios, de trabalhadores 24
Dcnominado trabalho temporario pela EUROSTAT. Numa analise quantitativa ao fenomeno do trabalho a termo, Ribeiro (2002) identifica os grupos-alvo mais sujeitos a regimes de trabalho nao permanente: A mao-de-obra feminina, independentemente do pais em an<ilisc; Os trabalhadores mais jovens, sendo que se, em termos gerais e para a totalidade dos paises da UE, e no escalao et<lrio dos 15 aos 24 anos de idade que o seu peso e mais elevado, o distanciamento em relas:ao a media comuniraria e maior no escalao dos 25 aos 49 anos de idade; Ao contrario do que passa nos demais paises europeus, em Portugal o peso do emprego nao permanence, para os individuos com idades compreendidas entre os 15 e os 49 anos e maior nos que detcm maiores niveis de escolaridade, o que parcce estar associado a uma dificil transi<;:ao do sistema de ensino para o sistema de emprego, em que o primeiro forma cada vez mais, mas em <ireas que nao sao solicitadas - conforme se depreende pelas elevadas taxas de desemprego nos mais jovens e mais escolarizados -, obrigando-os a aceitar actividades menos qualificadas e vinculos mais predrios; Portugal apresenta indices de trabalho nao permanente superiorcs na generalidade das actividades economicas, no entanto, os maiores diferenciais verificam-se no sector terciario, em actividades que requerem mais baixas qualifica<;:6es como, por exemplo, o comercio, a hotelaria e a restauras:ao, os transportes e comunica<;:6es e as actividades imobili,\rias. De salientar, rambem, um peso muiro significarivo, e com uma grande diferens:a em relas:ao a media comuniraria, do rrabalho nao permanente face ao emprego por conta de outrem, no sector da constrw;ao civile obras ptrblicas; Em Portugal, o rrabalho nao permanence, exceptuando os trabalhadores da agriculrura e pesca e algum operariado, <Hinge maiores propor~6es na generalidade das profiss6es; A dura<;:ao dos contratos nao permanentes em Portugal e substancialmente superior a media comuniraria.
hTER\Tc.iC,>\0 SOCIAL,
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que referem ter sido sua op<;:ao a escolha de urn regime de presta<;:ao de trabalho corn caracter nao permanente, quando comparamos corn a media comuniraria. Quadro 2- Razoes para o trabalho nao permanente (em%), em 1999 EU-15
Portugal
15-24
25-49 50-64
15-24 25-49 50-64
Nao enconcrou trabalho permanence
24,7
43,7
43, 0
39,6
43,3
31,2
Nao quis rrabalho permanence
11 ,4
7,4
16,3
37,8
37,0
51 ,9
Co ntraro de form a-;:ao
40,1
8,2
5,0
2,8
Periodo experimental
3,6
5,9
9,4
6, 2
N ao deu resposra
20,2
34,8
34,9
8, 2
10,8
13, 1
Total das raz6es
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Fonte: EUROSTAT (2000) , Enquete su~路 les Fm路ces de Travail - Principaux Resultats 199811999, Commission Europenne, Communautes Europennes, Luxembourg.
Tambem em Portugal, de acordo corn os dados do lnquerito ao Emprego do INE, o recurso aos contratos nao permanentes (e eventualmente precarios) permanece diminuto, se o compararmos corn o conjunto dos contratos de trabalho. No Q uadro 3 verificamos que, em 1992, do total de emprego subordinado, 2830400 trabalhadores (87,8% do total) possuiam urn contrato de trabalho permanente, contra apenas 3907 00 (12,2%) corn contratos nao permanentes ou de dura<;:ao limitada. Ao longo da decada de 90 esta relas:ao parece manter-se corn uma ligeira tendencia para o aumento da contrata<;:ao nao permanente. Se, em 1994, a relas:ao entre emprego permanente e emprego nao permanente, em termos de percentagens, era de 89,4/10,6, em 1995 e de 88,9/1 1,1, e, assim, sucessivamente, sempre numa tendencia de agravamento da precariedade, ate atingir, em 2000, 80,1/19,9. I NTERVEN<;:AO SOCIAL, 31 , 200 5
1561
Ivo An tunes Dias
Quadro 3- Emprego por conta de outrem*, por tipo de contrato e sexo TIPO DE
1992
1993
1994
1995
1996
1997**
1998
1999
2000**
2 792.5
2 836.8
2 853.3
CONTRATO
TOTAL
HIM
3 223.3 3 131.5 3 065.2 3 040.4 3 027.5 3 035.8
H
1 779.1
1 720.2 1 670.9
1 639.0
1633.9
1 649.4
M
1143.6 1 411.3 1 394.3
1 401.1
1 393.6
1 386.4
HIM
2 830.4 2 785.2 2 740.0 2 699.8 2 639.7 2 616.9
Contrato Pertnanente
-
··~
H
1 591.1
1 551.5 1 513.0
1 468.7 1 428.2
1 431.6
1 552.0
1 567.8
1 576.5
M
1 239.3
1 233.7 1 227.0
1 231.1 1 211.5
1 185.3
1 240.5
1 269.0
1 276.8
Contrato nao Pertnanen te
NSINR
HIM
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0.6 - - -------
Fonte: INE (2001), lnquerito ao Emprego, Relat6rios trimestrais (1994-2000), Lisboa (ADAPT).
*Media anual em milhares. **Primeiro trimestre (media anual nao disponivel). *** Dados resultantes da agregac;:ao das categorias "contratos corn termo", "prestac;:ao de servic;:os" e "outro tipo de contrato" introduzidas pelo Inquerito ao emprego 1999. ****Dados resultantes da agregac;:ao das categorias "contratos corn termo", "outros" apresentados pelo Inquerito ao Emprego 2000 (1 oT). !C:TFRVJ·:C:l,:Ao SOCIAL,
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O s N ovas desafios da comperirividade e as implicas:6es no emprego
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Na generalidade como ilustram os dados estatisticos, embora o recurso aos contratos nao permanentes seja diminuto, quando o comparamos corn o conjunto do trabalho assalariado, podemos afirmar que, observando o conjunto dos empregos, se esta propon;:ao de "empregos atipicos" nao se tornou a forma de emprego maiorit<iria, o seu crescimento recente nao deixa de inquietar. A concentras:ao de contrata<;ao nao permanente parece verificar-se em certos sectores de actividade ou certos tipos de emprego, o que nos poded. levar no futuro a pensar que nestes sectores o emprego poded. progredir sob a forma de "emprego atipico", deixando o trabalho permanente de consistir a regra.
6. Notas Finais Problemas contempodneos, como o desemprego ou o reduzido ritmo de crescimento econ6mico, surgem desvalorizados face a imperatividade de promos:ao da produtividade e da competitividade das empresas, legitirnando processos que desarticularn todo urn sisterna de valores irnpregnado de preocupa<;6es sociais, que tern sustentado as sociedades ocidentais ou ocidentalizadas. Quando a actividade econ6rnica parece entrar numa fase de retorna, Muitos sao os sectores de actividade e as ernpresas que vivenciarn profundas transforrnas:oes, no sentido de refors:ar a sua posis:ao cornpetitiva. Nurna boa parte dos casos, o lay-off, as reorganiza<;6es e redirnensionarnentos, quase sempre pela redus:ao do volume global de ernprego, continuarn a ser as formas mais frequentes de prornover incrernentos na produtividade. Os que cornbatern esta abordagern neoliberal clarnarn contra a ernergencia de urna visao estritarnente eco nornicista, que relega o social, e denunciarn o cariz falacioso da respectiva argurnenta<;ao de que a excessiva rigidez e, em si mesrna, a razao para o desernprego 25 , tanto por causarern o desaparecirnento de ernpresas e, logo, a supressao de ernpregos, corno,
25
Vide ABRANTES, Jose Joao Nunes (2001 ), '0 direiro !aboral face aos novas modelos de presras:ao do trabalho', in IV Congresso Nacional de Direiro do Trabalho - Aetas do Co ngresso, Livraria Almedina , Coimbra: p. 87 .
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sobretudo, por desincentivarem a cria<;:ao de novos postos de trabalho em detrimento de processos de inova<;:ao e intensifica<;:ao tecnol6gica. Mas outras op<;:6es se colocam, tendo como designios a melhoria da produtividade, da qualidade e da flexibilidade. 0 refor<;:o da competitividade exige capacidade de adapta<;:ao e estruturas e pessoas flexiveis . A adaptabilidade e a flexibilidade tern de ser enquadradas num esfor<;:o de refor<;:o da competencia e da capacita<;:ao de pessoas e empresas, ao fim e ao cabo os agentes capazes de gerar riqueza. Este ultimo elemento justifica o adicionamento de algumas ideias que nos podem ajudar a reflectir sobre as consequencias das nossas escolhas em materia de modelo de desenvolvimento e de crescimento econ6mico 26 â&#x20AC;˘ Se por urn lado, o reconhecimento da competitividade das economias aparece associado aos niveis de bem estar e de qualidade de vida das popula<;:6es, por outro lado, ao contrario do que muitos analistas menos informados sup6em, nao existe nenhuma evidencia empirica que comprove uma rela<;:ao negativa entre o nivel de protec<;:ao social existente e o nivel de performance das economias. A discussao em torno da problematica da flexibilidade do trabalho, iniciada nos idos anos 80, derivou para o estudo das implica<;:6es ao nivel da gestao do factor trabalho no contexto do espa<;:o de trabalho, bem como das respectivas repercuss6es ao nivel do mercado de trabalho, designadamente, a questao da segmenta<;:ao do mercado de trabalho, a partir da distin<;:ao entre o considerado grupo nuclear de trabalhadores e os demais, que englobando urn conjunto diversificado e heterogeneo de casos e frequente designar por "trabalhadores perifericos". Limitados na faculdade de despedir, os empregadores, pese os constrangimentos na sua aplicabilidade, usaram de forma perversa a figura do contrato a termo certo, ao mesmo tempo que foram introduzindo novas modalidades de contrata<;:ao que, pela sua natureza e elementos caracterizadores, foram sendo integrados num conjunto vasto e heterogeneo - as modalidades adpicas de contrata<;:ao. Esta classifica<;:ao das movas modalidades de contrata<;:ao como atipicas decorre, quer da incipiente ou inexis-
26
A performance economi ca nao e impediriva da coesao social, pelo que a obrenc;:ao e susrenrabilidade de va nragem comparari va de uma economi a nacional, em termos de longo prazo , e aferida pela qualidade da globalidade das polfricas ptiblicas.
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O s Novos desafios da co m petitividade e as implicas;6es no emprego
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rente cobertura legal, quer pelo facto de que quando tipificadas na lei, nao se enquadrarem nos parametros chissicos das rela<_;:6es contratuais de trabalho. 0 rrabalho tempod.rio, a subcontrata<_;:ao, o contraro de presta<_;:ao de servi<_;:os, entre outras modalidades introduzidas, nao raras vezes, corn caracter de excepcionalidade, foram-se convertendo , pelo aumento rapido e acentuado da sua imporrancia relativa, nao em excep<_;:ao, mas em norma, e atingem, fundamentalmente, os trabalhadores n ao nucleares . Introduzidas pelo empregador como uma via para transformar os custos corn o factor trabalho de fixos em varia.veis, permitiram, ainda, ao empregador, na grande maioria dos casos, desobrigar-se dos encargos sociais 27 â&#x20AC;˘ Concomitantemente, para alem dos efeitos perniciosos que incidem sobre o trabalhador- instabilidade, menor rendimento, maior pressao psicol6gica, entre outros -, sao reconhecidos os efeiros negativos sobre a sociedade, em geral, e, particularmente, sobre os depauperados sistemas de seguran<_;:a social, acelerando o desmantelamento do Estado-Providencia e rompendo corn os valores civilizacionais que estao na base das sociedades ocidentais. Note-se, contudo, que multiplos governos europeus, bem coma diferentes institui<_;:6es comunirarias, incentivaram estas praticas precarizantes, nao s6 coma instrumento de promo<_;:ao da produrividade e da competitividade, mas, igualmente, como meio de cria<_;:ao de mais emprego . Este ultimo desiderata e amplamente confirmado pelas afirma<_;:6es produzidas em diferentes estudos promovidos por institui<_;:6es comunirarias, verificando-se, na pratica, que uma parte significativa dos empregos criados, essencialmente no sector terciario, ocorreu no quadro de expansao das modalidades atfpicas de contrata<_;:ao. Este fen6meno nao atinge, rodavia, uma expressao homogenea ao nfvel do espa<_;:o comunirario: e mais visfvel nos pafses da Europa Central e do None, onde atinge valores na ordem dos 40%. P01¡em, e embora o fen6meno tenha surgido mais tardiamente nos pafses ibericos, estes sao os que apresentam urn maior ritmo de crescimento dos indices de precariedade, sendo que Portugal se assume coma o E-M onde, na segunda metade da decada de 90, o emprego se tornou menos esravel. 27
Ou, como refere Bettencourt (2 00 1: 122) , que permitam as responsabilidades emergentes do contrato de trabaiho".
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aligeirar ou fozer recair sabre outrem
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Nao se julgue, contudo, que a precariza<;:ao do emprego e uma inevitabilidade ou um processo irreversivel. Em Espanha, por exemplo, apresentando valores elevados, tern-se feito um esfor<;:o e conseguido alguns resultados no percurso para uma maior estabilidade do emprego. A precariedade e, sobretudo, uma escolha que, podendo proporcionar resultados empresariais muito satisfat6rios no curto prazo, pode comprometer a sustentabilidade das estrategias de melhoria da produtividade e da competitividade, quer das empresas, quer das economias nacionais, no longo prazo. Em Portugal o fen6meno da precariedade tern assumido propor<;:6es preocupantes devido a raz6es de varia ordem, que vao desde a ineficacia do quadro juridico a incapacidade de fiscaliza<;:ao, controlo e sancionamento de praticas ilegais, mas que conta, ainda, segundo algumas estruturas sindicais e de alguns sectores empregadores, corn a conivencia dos poderes publicos. Embora a precariedade tenha vindo a crescer em todos os sectores de actividade e atingindo a generalidade das profiss6es, das mais qualificadas as menos qualificadas, os valores de que esta se reveste tendem a oscilar de modalidade para modalidade. No sector terciario (ex: comercio, restaura<;:ao, educa<;:ao) e na industria transformadora estas modalidades representam uma parte muito substancial das rela<;:6es contratuais de trabalho.
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Os Novos desafios da competitividade e as implicac,:6es no emprego
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Ivo Antunes Dias
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INTERVEN<;:Ao SOCIAL, 31, 2005: 163-192
Maria Irene Lopes B. de
CARVALHO*
Uma abordagem do Servi~o Social cuidados na velhice em Portugal
apoHtica de
0 presente texto pretende identificar e caracterizar a politica social de cuidados na velhice no contexto do actual Estado-providencia portugues, demonstrando as suas ji-agilidades e potencialidades. Analisa as respostas sociais aos problemas tradicionais e aos "novos" problemas da velhice, problematizando o modo corno a sociedade portuguesa satisfoz as necessidades das pessoas rnais idosas, sobretudo as que necessitam de cuidados.
1 - A poHtica social como instrumento de bem-estar
Tradicionalmente definia-se a politica social a partir de uma listagem de areas sociais, como por exemplo a politica social da saude, da terceira idade, da seguran<;:a social e do emprego. Nesta perspectiva o seu objectivo era compensar os efeitos perversos do mercado e corrigir as disfun<;:6es sociais do funcionamento da sociedade baseada nas desigualdades dos grupos que a comp6em (cf. Hill, 1990). As medidas de politica eram dirigidas preferencialmente a grupos da popula<;:ao que nao conseguiam satisfazer as suas necessidades no mercado, nem no contexto familiar. Esta abordagem, sectorizada e compensat6ria face a politica econ6mica, reduzia-lhe a amplitude do objecto: o bem-estar e o seu objectivo - melhorar as condi<;:6es de vida em determinada sociedade. Hoje a tendencia da politica social deve envolver uma perspectiva global acerca do bem-estar da sociedade e o bem-estar deve ser da responsabilidade, primordial do Estado (cf. Costa, 1999). Actualmente autores como Alcock (2003) e Erskine (2003) possibilitam uma analise aprofundada do conceito de politica social. Para o primeiro autor (2003:3), este e urn campo de estudo no ambito das ciencias sociais. Como disciplina cientifica tern como objectivo estudar e pro* Assistente Social, Licenciada e Mestre em Servic;:o Social pelo ISSS, DUECE em Ciencias da Educac;:ao pela FPCE da UL e p6s-graduada em Familia e Sociedade pelo ISCTE.
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mover o bem-estar, constituindo urn campo de analise e de ae<;:ao interdisciplinar. Utiliza metodos e tecnicas multidisciplinares permitindo-lhe analisar a ae<;:ao social dos "policy-makers" e como estas ac<_;:6es promovem o bem-estar. Para o segundo autor a politica social nao pode aceder ao estatuto de ciencia porque nao tern urn objecto preciso e adopta uma metodologia de estudo multidisciplinar (Erskine, 2003: 11-13). Apesar das diferen<_;:as quanta a concep<;:ao da politica social as duas perspectivas concordam em identificar a politica social como urn campo passive! de estudo caracterizado pela sua multidisciplinaridade. Quer dizer que a politica social se socorre de diversas areas cientificas relevantes para a compreensao das quest6es e dos problemas, integrando contributos cientificos das varias ciencias no contexto de uma realidade social complexa (cf. Costa, 1999). A politica social assim entendida nao se circunscreve a grupos mais desfavorecidos, mas preocupa-se corn o bem-estar geral da sociedade proporcionando-lhe bens e servi<_;:os sociais promovendo e aumentando a qualidade de vida. Qualquer que seja 0 posicionamento face a esta questao e unanime que a politica social esta associada promo<_;:ao do bem-estar. 0 bem-estar refere-se nao s6 a urn tipo de instrumento ou arranjo mas a variados arranjos sociais para responder a necessidades individuais, grupais e societais. 0 bem-estar de que temos vindo a falar provem nao s6 da interven<_;:ao do Estado, mas de outras fontes, como do mercado de trabalho, do individuo e da sua rede familiar, e da ac<_;:ao voluntaria. No entanto o Estado deve ter urn papel fundamental e primordial nesse processo. Entao a politica social pode ser entendida simultaneamente como urn campo de estudo e de ac<_;:ao do Estado de bem-estar, construido por todos os actores politicos e visa a reprodu<_;:ao das rela<_;:6es sociais, a regula<_;:ao da actividade econ6mica, a igualdade de oportunidades, promovendo a justi<;:a social, a equidade ea eficiencia de modo a reduzir as desigualdades, lutar contra a pobreza prevenindo problemas sociais, protegendo socialmente os individuos do risco social. Promover o bem-estar constitui urn compromisso entre o Estado e a sociedade, uma contratualiza<_;:ao entre os varios sistemas sociais. 0 social implica direitos sociais, o econ6mico implica regula<_;:ao do mercado eo politico implica negocia<_;:ao permanente entre parceiros. Cada actor politico que participa na promo<_;:ao do bem-estar "joga'' a sua influencia nessa constru<_;:ao.
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Uma abordagem do Servi<;o Social
a politica de cuidados na velhice em Portugal
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Foi num quadro de negocias:ao que no seculo XIX emergiram as primeiras medidas de polftica social na Alemanha e Inglaterra. No primeiro identificam-se as medidas de politicas adoptadas por Bismark, os seguros sociais obrigatorios. No segundo introduziu-se uma perspectiva interventiva do Estado denominada "Fabien Society'~ Esta, segundo Alcock (2003: 4), desenvolveu uma analise economica e social dos problemas do capitalismo britanico introduzindo a ideia de protecs:ao estatal para fazer face a esses problemas 1â&#x20AC;˘ Esta perspectiva baseava-se na ideologia socialista colectivista defendendo a intervens:ao do Estado como necessaria para providenciar formas de suporte social. Em oposis:ao a esta corrente encontravam-se os defensores da nao intervens:ao do Estado na esfera publica. Os problemas sociais deveriam ser resolvidos atraves do voluntariado e da filantropia 2 cuja base eram as COS 3 â&#x20AC;˘ Estas ideias dicotomicas construidas no final do sec. XIX iniciaram o debate sobre a provisao do bem-estar publico e privado que atravessou todo o sec. XX. A construs:ao e a efectivas:ao de bens e servis:os sociais permitiram o desenvolvimento do Estado de bem-estar nos paises da Europa Central a partir da II Guerra Mundial. Este desenvolvimento esta associado, em grande parte, ao compromisso social efectuado pelos Estados envolvidos na II Guerra Mundial por providenciar a satisfas:ao de necessidades basicas atraves de bens e servis:os e outras formas de acs:ao publica como legislas:ao, direitos e obrigas:6es. Muitos destes paises tomaram como referencia da promos:ao do bem-estar o relatorio Beveridge4 â&#x20AC;˘ 0 relatorio avans:ava a ideia de que era necessario remover os males que assolavam a sociedade britanica tais como a ignorancia, a doens:a, o desemprego e a pobreza. 0 Estado de bem-estar foi construido corn base no modelo de protecs:ao beveridgiano (universal, unificado, centralizado e uniforme). 0 1
Traduzido pela aurora. Dada a diferen<;a de perspectivas em 1905 foi criada uma comissao para rever as "poor laws'~ Os comissarios provenientes de varias ideologias apresentaram dois relat6rios denominados de "Minority Report" esta ultima perspectiva, defendia a interven<;ao publica de servi<;os estatais. 0 "Majority Report" defendia a ideia do voluntariado e da filantropia como actividade principal para combater a pobreza (cf., Alcock, 2003: 4). 3 COS -Charity Organization Society- instituidas em 1869 para coordenar os esfor<;os das diversas organiza<;6es de caridade. 4 Beveridge - academico do departamento de ciencia social e administra<;ao da London School of Economics, foi o arquitecto do moderno sistema de seguran<;a social. 2
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Estado «deveria intervir na realizac;:ao de alguns direitos sociais, designadarnente os relacionados corn as necessidades basicas ou situac;:6es de risco que o cornurn dos cidadaos nao podia enfrentar apenas corn os seus recursos individuais» (Costa, 1996: 2). 0 Estado, corno actor principal deste processo, deveria intervir no sentido de prornover urna educac;:ao gratuita, criar urn servic;:o nacional de saude gratis, criar urn sisterna de seguranc;:a social, prornovendo o pleno ernprego e cornbatendo o desernprego, criar urn sisterna publico de habitac;:ao e urn sisterna de beneficios para fazer face a situac;:6es de risco (cf. Alcock, 2003). A ideia subjacente aintervenc;:ao do Estado na vida publica tinha corno prindpios fundarnentais o exerdcio da "cidadania social". Esta refere-se nao s6 a forrnalidades legais, direito individual, rnas nurn contexto de Estado de direito inscrito nurna cultura dernocratica, onde a cidadania «pode ser descrita corno participac;:ao nurna cornunidade ou corno a qualidade de rnernbro dela» (Barbalet, 1989: 12). Segundo a perspectiva de Marshall (cit in Barbalet, 1989:17-29) a cidadania nao decorre da classe social dos individuos, rnas irnplica urn "status". Esta noc;:ao refere-se a pertenc;:a a urna deterrninada sociedade e de participar nela, gozando de igualdade no que respeita aos direitos e deveres que lhes estao associados (dvicos, politicos e sociais). Este rnodelo de Estado desenvolveu-se nos paises centrais europeus durante "os trinta anos gloriosos" situados entre os anos quarenta e sessenta do seculo XX. Este foi caracterizado por urn ciclo de crescirnento econ6rnico e social favoravel, inserido nurn processo de produc;:ao econ6rnica de tipo fordista, proporcionando urna rnelhoria acentuada das condic;:6es de vida (cf. Esping-Andersen, 1995). Nas decadas seguintes, este rnodelo de bern-estar sofreu alterac;:6es decorrentes da crise econ6rnica e social e da ernergencia de "novas problernas sociais" associado a alterac;:6es dos indicadores socio-econ6rnicos e dernograficos. Factores corno o desernprego e a instabilidade social, aliados ao aurnento da esperanc;:a de vida e alterac;:6es na estrutura e dinarnica das farnilias introduzern a ideia da "crise do Estado-providencia" (cf. Rosanvallon, 1991). M as parece que des de a constituic;:ao do Estadoprovidencia sernpre existiu urna crise continua. Esping-Andersen (1999) considera que a ideia de crise situa-se desde a sua construc;:ao, referindo que na decada de cinquenta do seculo XX este tipo de Estado era criticaINTERVEN<,~AO SOCIAL,
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do pela excessiva interven<;:ao na vida publica, construindo urn entrave ao progresso e ao conhecimento, sendo posteriormente criticado, porque apesar de melhorar as vantagens sociais, a pobreza e exclusao eram urn facto. 0 discurso de crise tern coma «panto de referencia a relatividade ou a paragem do crescimento economico, pelo que o aumento das despesas previstas corn as areas sociais imputa as responsabilidades para a ac<;:ao economica e social provocando urn sentimento de inquietude» (Pitt·ou, 1996: 231). M as a crise do Estado tern que ser analisada a partir das necessidades humanas. Coma considera a autora, «a extensao das necessidades evolui sem cessar em fun<;:ao das transforma<;:6es socioeconomicas, dos valores, dos problemas e da capacidade dos diferentes actores lhes fazerem face» (ibidem: 233). Hoje o bem-estar nao cessa de aumentar mas os problemas de sobrevivencia sao cada vez mais complexos. Neste sentido pode dizer-se que a "crise do Estado-providencia'' sempre existiu, mas este tenta adequar-se as mudan<;:as organizativas decorrentes das altera<;:6es das condi<;:6es sociais dos individuos. 0 Estado reorganizou-se para dar resposta a novas necessidades. Mas esta reorganiza<;:ao passa pela desresponsabiliza<;:ao do Estado e pela responsabiliza<;:ao da sociedade civil, familias, amigos, voluntarios, organiza<;:6es nao-governamentais e 0 mercado para fazerem face a provisao de bens e servi<;:os produtores de bem-estar (cf. Silva, 2002: 26). 0 Estado-providencia hoje e o resultado «das diferentes respostas e press6es corn vista a "desmercantiliza<;:ao"» (cf. Esping-Andersen, 1999). A politica social deve ser construida coma urn processo dinamico e implica estar atenta as necessidades sociais decorrentes das mudan<;:as societais, criando respostas sociais compativeis corn as necessidades dos individuos e grupos.
2 - Configura<;:6es da politica social: modelos A politica social e urn campo de estudo e de ac<;:ao cujo objecto e o bem-estar. As analises comparativas permitem alargar o seu campo de analise «estabelecendo as liga<;:6es e as areas de politica de cada pais; configurar regularidades de bem-estar e caracterizar os Estados-providencia contempor:lneos, assim coma, analisar as particularidades das suas confi]NTERVEN<;:Ao
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gura<;:oesÂť (Silva, 2002:26). Esta perspectiva comparativa de abordar a politica social teve inicio na decada de oitenta do seculo vinte, corn autores como Flora e Heidenheimer (1995), Mishra (2000) e Esping-Andersen (1990). Deve-se a este ultimo autor a anaJise da polftica publica em varios paises do mundo apresentando algumas regularidades e singularidades a partir da cria<;:ao de "modelos de welfare'. 0 autor analisou o Estadoprovidencia a partir da analise comparativa da polftica publica em paises de varios continentes permitindo definir tres modelos de Estado-providencia: o conservador ou continental, o liberal e o modelo social-democrata. 0 modelo conservador (continental) e caracteristico de paises como a Austria, Belgica, Fran<;:a, Alemanha e ltalia. Caracteriza-se por ter urn regime de protec<;:ao social segundo o estatuto profissional e por ter uma base corporativa. Os trabalhadores estao inseridos num regime de protecs:ao social que cobre os riscos profissionais de doen<;:a, invalidez e morte. Este sistema protege os individuos que estao inseridos no sistema e os membros da sua familia. E corporativista, classista e redistributivo, tendo em algumas areas dificuldade em responder as necessidades dos que nao se encontram dentro do sistema. Os que estao fora, os outsiders tornam-se excluidos de direitos sociais inerentes aos que trabalham, os insiders. Este modelo apresenta como riscos sociais associados os elevados custos corn os beneficios. Exemplo disso e o peso das despesas corn as pensoes, precisamente porque uma das formas de resposta a desindustrializa<;:ao e a reforma antecipada. Promove a divisao sexual do trabalho, discriminando as mulheres, nao s6 porque o seu trabalho tern menos "valor" no mercado, mas tambem porque a mulher esta sempre em risco de despedimento quando existe crise econ6mica. As respostas de saida para a crise, neste modelo, passam pela diminui<;:ao dos salarios, por politicas de incentivo ao aumento da produtividade, por presta<;:6es sociais do desemprego e reformas antecipadas induzindo a saida dos trabalhadores corn mais idade do mercado de trabalho. Mas nesta ultima decada tern sido introduzidas medidas de requalifica<;:ao profissional e de crias:ao do proprio emprego, incidindo no mercado social de emprego, designadamente nos servi<;:os de cuidados as crian<;:as e pessoas mais idosas (cf Esping-Andersen, 1990; 2000). 0 modelo denominado de liberal esta associado a paises como Australia, Canada, EUA, Japao e Sui<;:a sendo caracterizado por presta<;:oes INTERVEN<;:Ao SOCIAL, 31, 2005
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sociais sujeitas a condi<_;:ao de rendimentos. Baseia-se na assistencia social: o individuo ou a familia tern que provar a necessidade. 0 sector privado tern maior peso na provisao das pensoes e presta<_;:oes sociais, dando particular relevancia as despesas privadas corn a saude. Este tipo de sistema de protec<_;:ao esd. sujeito as regras do mercado. Tern como risco social associado a pobreza, sobretudo das pessoas que vivem do rendimento do seu trabalho, aumentando assim a desigualdade social entre as classes sociais. Em situa<_;:oes de retrac<_;:ao e de contrac<_;:ao econ6mica, este tipo de sistema desregulamenta ainda mais o mercado de trabalho, proporcionando a flexibilidade salarial e a redu<_;:ao do valor real dos salarios. Os programas sociais passam tambem a ser secundarios (cf. op. cit.). Por ultimo o modelo social-democrata, identificado nos paises do none da Europa, Dinamarca, Finl:1ndia, Holanda, Noruega, Suecia, tambem chamado modelo escandinavo, caracteriza-se por um acesso universal ao sistema e por presta<_;:oes igualid.rias, numa base de direitos universais. E um modelo onde os servi<_;:os publicos investem na qualidade de servi<_;:o eo ideal de solidariedade subjacente pode transformar-se em meio de vida. As estrategias adoptadas por este modelo para responder a cenarios de crise baseiam-se na expansao dos servi<_;:os sociais corn cria<_;:ao de emprego publico, promo<_;:ao do trabalho feminino, assim como trabalho em part-time desenvolvendo desde modo politicas activas de inser<_;:ao no mercado de trabalho. Hoje a provisao estatal, independentemente da perspectiva te6rica, ideol6gica e geografica e uma mistura de diferentes formas e niveis de ÂŤwelfareÂť no que usualmente se denomina Welfare MiX:. Alcock (2003: 9) identifica algumas tendencias da polltica social para o futuro. A primeira caminha no sentido de um bem-estar cuja base eo Estado, mas o foco nao sao s6 os servi<_;:os publicos, mas tambem os parceiros do Estado e outros actores sociais promotores de bem-estar. 0 papel do Estado e o de subsidiar e regular as ac<_;:oes dos outros actores. A segunda caminha para a cria<_;:ao de uma cultura focada nas questoes do bem-estar, mas tambem na
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Esta expressao e utilizada para explicar a rela~ao entre actores publicos e privados na promo~ao de bem-estar. Segundo Lopes (2005) os mix podem assumir uma diversidade de formatos. A autora distingue dois fundamentais: Os mix retr6grados e os mix progressistas. Os primeiros assentam na coloniza~ao e instrumentaliza~ao do sector privado pelo sector publico. Os segundos assentam em parcerias sustentadas de actores que se relacionam numa base de simetria e de partilha de poder.
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avalia<;ao dos utilizadores e dos servi<;os que lhes sao prestados. A terceira caminha para uma provisao do bem-estar redistributivo, onde a enfase nao esd. unicamente nos servi<;os de bem-estar, mas no modo como a politica pode influenciar o investimento e a produ<;ao e aumentar o indice de bem-estar na sociedade associado a padr6es de qualidade de vida.
3 - Especificidade do Estado e da Politica Social em Portugal Entao quais as caracteristicas do Estado-providencia em Portugal? Andreotti et. al., (200 1); Ferrera et. al., (2000); Hespanha, (coord) (2000); Hespanha (2001), e Hespanha et al. (2002) contribuem para a sua anaJise. Os autores identificam a protec<;ao dos paises do Sul, como Grecia, Espanha e Portugal, associado ao modelo do sul da Europa. Mas apesar de haver semelhan<;a entre eles, cada pais tern uma especificidade em rela<;ao a organiza<;ao da protec<;ao social. 0 modelo de Estado-providencia portugues tern uma forma organizativa, que o diferencia dos modelos dos paises anteriores referenciados. Esta especificidade advem nao tanto da recente introdu<;ao da democracia no nosso pais, mas sobretudo de aspectos socioculturais. 0 Estado sendo ainda o actor principal da protec<;ao social, reparte as responsabilidades corn a familia, o terceiro sector e o mercado, sobretudo em areas como os cuidados as crian<;as, aos idosos e deficientes. 0 Estado-providencia portugues e caracterizado, segundo Ferrera et. al. (2000, 54-58), pela existencia de urn Estado fraco, visivel no baixo nivel da provisao estatal em todas as areas sociais, excepto na area da saude e dos idosos. Neste sentido a protec<;ao social e desequilibrada: a despesa corn a protec<;ao social a idosos e aos beneficiarios contribuintes e mais elevada e menor em areas como o apoio familiar, a habita<;ao social e alojamentos alternativos 6 â&#x20AC;˘ 0 Estado promove a desigualdade da protec<;ao 6
Este modelo tem um tipo de cobertura mista: se por um !ado e bismarkianos, no piano das transferencias pecuniarias, por outro e beveridgianos na area da saude, com o Servi<;:o Nacional de Satide. A rede de seguran<;:a social esra desenvolvida de modo muito incipiente, as garantias sociais minimas sao recentes e incompletas. Os fundos ocupacionais e os parceiros sociais desempenham um papel destacado nas politicas de garantia de rendimento. A familia e ainda muito importante na Europa do Sui, actuando largamente coma fornecedor da protec<;:ao social por exemplo na area dos cuidados aos seus membros dependentes (Ferrera et. al., 2000: 54).
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social, nao so em termos de areas, mas tambem propiciando a existencia de nucleos centrais corporativos corn maior proteo;:ao. Em rela<;:ao a responsabiliza<;:ao dos actores sociais pelo bem-estar existe uma indefini<;:ao entre actores publicos e privados e press6es particularistas e clientelismos, cujo resultado e 0 nao cumprimento das expectativas sociais, originando um "mix colonizado" 7 • A eficacia dos servi<;:os e baixa devido a fraca qualifica<;:ao dos agentes 0 que faz aumentar a insatisfa<;:ao dos utentes. Neste modelo salienta-se como aspecto positivo o sistema nacional de saude, publico e universaP. Aliado a estes factores identifica-se um sistema paralelo de trabalho, o chamado trabalho informal ou da economia subterranea, cujas presta<;:6es para o sistema de protec<;:ao social sao exiguas ou inexistentes 9 • Este grupo vive a margem, nao contribuindo para o sistema de protec<;:ao mas beneficiando de medidas de politica social, como por exemplo, alguns servi<;:os de saude e 0 ensino gratuito. A familia tern, no modelo de Estado-providencia portugues, um grande peso como cuidadora aos seus membros dependentes. Esta posi<;:ao da familia como protectora dos seus membros pode ser analisada a partir da dimensao tradicionalista, quer em rela<;:ao a sua estrutura quer a sua dinamica. Ferrera et. al. (2000: 54) explica o papel fundamental da familia na protec<;:ao aos seus membros dependentes, decorrente da sua forma organizativa corn «uma elevada incidencia de agregados familiares alargados, compreendendo tres ou mais gera<;:6es, bem como uma elevada percentagem de pessoas corn idade acima dos 16 anos a viver corn os pais». Associada a esta analise podemos referir a gestao da vida familiar e a divisao de papeis ainda baseada na diferencia<;:ao sexual, proporcionando o "fraco" desenvolvimento dos servi<;:os sociais de apoio a familia. Esta visao esra associada e implicita no direito de familia portugues que estabelece as regras e as normas de convivencia do parentesco, Lopes (2005: 2) considera ser este um «mix colonizado». Porque existe uma coloniza<yao e instrumenraliza<yao do sector privado pelo ptiblico, proporcionado uma reprodus:ao de pd.ticas estatais (burocratizadas, selectivas, normarivas). 8 Ate a inrrodus:ao das raxas moderadoras, na decada de oirenra, e a ideia de privatizar a saude no infcio do sec. XXI. 9 0 autor denomina iusiders e outsiders do sistema de transferencias os quais estao separados por acentuadas diferen<yas no plano das garantias e oportunidades. Aliado a este problema acresce urn outro que e comum a to dos eles- a economia paralela ou subterranea ea corrup<yao, pelo que existe um sector a margem que nao construiu para o sistema e o distorce.
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imputando a responsabilidade dos pais pelos cuidados aos filhos e viceversa, isto e os filhos sao responsaveis pela subsistencia dos pais, proporcionando a regulac;ao e coesao do grupo e nao a sua emancipac;ao. Esta perspectiva tradicionalista reflecte-se nas praticas e nas representac;6es dos individuos face aos cuidados aos seus membros dependentes. Neste sentido Ferrera et. al. (2000) e Esping-Andersen (2000) prop6em algumas alterac;6es que poderao introduzir inovac;ao neste sistema, tendo em vista a sua modernizac;ao. Uma das medidas e a expansao da "industria dos servic;os" inseridos num «welfore misto» que proporcione bem-estar a familia, promovendo-a dentro do sistema. Para tal e necessaria «urn conjunto de incentivos e regulac;ao publicas, disposic;6es colectivas, activismo do sector terciario e iniciativa privada (em especial das mulheres) atraves de novos servic;os oferecidos no contexto da economia formal. Estes devem estar em sintonia corn a introduc;ao de novos pactos sociais e da introduc;ao de condic;6es de "flexiseguranc;a", da permissao da mobilidade e da reintegrac;ao dos outsiders. A nova policy mix adequada a famflia pode ser o factor crucial para libertar o "familialismo" do sui da Europa da sua situac;ao dificil» (Ferrera et. al., 2000:60). 0 familialismo significa que «as familias tern a maior quota-parte da responsabilidade pelo bem-estar social dos seus membros, quer em termos de partilha de rendimentos, quer em termos de prestac;ao de cuidados» (Esping-Andersen, 2000: 83). Esta ideia na pratica faz corn que a protecc;ao social esteja organizada tendo como base as familias patriarcais onde o homem era o "auferidor de rendimento" e a mulher a cuidadora dos membros da familia. Como refere o autor, Portugal mantem urn sistema unico de protecc;ao social baseado no emprego, tendo sido alargado nestes ultimos anos corn a «cobertura do sistema a grupos residuais atraves de programas como o rendimento minimo» (ibidem) actualmente denominado rendimento social de inserc;ao. Este tipo de modelo protector continua a ter como base a garantia de urn rendimento atraves de transferencias financeiras e urn defice nos servic;os de cuidados a grupos que se encontram em situac;ao de vulnerabilidade, crianc;as, idosos e jovens. Assim organizado, o modelo promotor de bem-estar nao responde as novas necessidades das familias, promovendo processos de exclusao que atingem sobretudo mulheres corn filhos, familias corn filhos jovens e corn idosos a necessitar de cuidados. lNTERVEN<;:AO SOCIAL,
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Neste contexto e necessaria reorganizar a politica de cuidados, pot·que se genericamente o grupo dos mais velhos tern hoje uma situa<;:ao economica que os torna mais independentes, a sua longevidade vai levar necessariamente a necessidade de cuidados. Entao a necessidade «de bem-estar social dos agregados familiares mais jovens ou mais velhos relaciona-se menos corn as transferencias financeiras e mais corn o acesso aos servi<;:os» (Esping-Andersen, 2000: 89). Mas se tivermos em conta, como diz o autor, que em Portugal existem «balsas de pobreza entre os idosos, sobretudo aqueles que vivem sos por serem viuvos e ou por nunca terem contribufdo para o sistema de protec<;:ao social» as suas necessidades vao alem dos recursos financeiros, necessitando tambem de servi<;:os e de cuidados sociais (ibidem: 98). Por isso o autor prop6e uma reforma profunda deste modelo de protec<;:ao social tendo em aten<;:ao nao so as altera<;:6es demograficas mas as altera<;:6es nas dinamicas familiares: apoiar as necessidades das famflias atendendo ao facto que os dois membros adultos da famflia trabalham. Face a esta realidade deveriam existir mais apoios legisla<;:ao, bens e servi<;:os - para as famflias cuidarem dos seus membros complementando as transferencias financeiras corn os cuidados.
3.1 -A polltica social da velhice A polftica de velhice constituiu-se como urn ramo da polftica social que fornece instrumentos de apoio essencial ao bem-estar dos indivfduos, modificando as consequencias do mercado sobre a disponibilidade de recursos na velhice, providenciando bens e servi<;:os essenciais satisfa<;:ao das necessidades das pessoas nessa condi<;:ao. A politica da velhice pode ser explfcita ou implfcita. A polftica social explfcita refere-se a medidas de polftica que visam atingir fins espedficos. A polftica social implfcita referese a medidas de polftica tomadas noutros ambitos da polftica social beneficiando as pessoas na condi<;:ao de velhice (cf. Saraceno e Naldini, 2004). As pens6es constituem uma das primeiras medidas de protec<;:ao social explfcita. Estas referem-se a transferencias financeiras, sob a forma de pens6es de velhice, pens6es de sobrevivencia e as pens6es de invalidez e de viuvez. Estes beneffcios sociais em forma de transferencias financeiras inserem-se no regime geral ou regime contributivo. Quer dizer que inde-
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pendentemente da condi<;:ao de recursos, beneficia o individuo que contribuiu para o sistema de protec<;:ao social. Existe ainda o regime regulamentar rural contributivo e o regime nao contributivo ou equiparado, reportando-se a individuos que nao contribuiram para o sistema de protecc;:ao social. 0 sistema nao contributivo foi introduzido em Portugal como direito social em 1974 10 , beneficiando individuos sem recursos para a sua subsistencia. Existem outros beneficios em forma de transferencias financeiras para situac;:6es decorrentes de incapacidades fisicas e psiquicas, como o complemento por dependencia em casos de doen<;:a incapacitante, ou noutras corn protec<;:ao especial, como por exemplo o caso dos doentes oncol6gicos ou de esclerose multipla. Associado as transferencias financeiras existe tambem legislac;:ao que beneficia as familias que tern idosos em lares. E em rela<;:ao aos servic;:os e equipamentos sociais de apoio aos individuos na condic;:ao de velhice identificam-se os equipamentos de "guarda das pessoas idosas" corn prestac;:ao de cuidados em lares, centros de dia, centros de convivio e apoio domiciliario, assim como projectos e programas espedficos, como os cuidados continuados no ambito da saude e ou da seguran<;:a social ou o PAII 11â&#x20AC;˘ Como politicas implicitas identificam-se aquelas que decorrem de outras areas da politica social, como por exemplo a isen<;:ao das taxas moderadoras, a reduc;:ao do custo dos medicamentos e ou de exames complementares de diagn6stico efectuados atraves de comparticipa<;:ao as entidades privadas, assim como a cria<;:ao do rendimento minimo garantido e a politica de subsidios de rendas de casa entre outras. Nos paises envelhecidos, a politica social da velhice tern sido alvo de uma preocupac;:ao constante (Walker e Malthy, 2003: 303) . Segundo os autores esta preocupac;:ao estci associada ao direito de subsistencia das pessoas idosas que saem do sistema produtivo (mercado) sobretudo em forma de transferencias financeiras. Em Portugal, como nos paises da Europa IO
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A pensao social foi instituida em Portugal em Maio de 1974, de base nao co ntributiva constituiu-se co mo mfnimo social benefi ciando indivfduo s nao inseridos no sistema de previdencia social ou de seguro social obrigatorio (cf. Branco, 2003). Programa de Apoio Integrado a Idosos. Integra projectos de cuidados no domicflio, form a<;ao de recursos humanos, centros de apoio a dependentes, servi<;o telealarm e, passes para a terceira idade e saude e termalismo. D espacho Co njunto n° 259/97 de 8 Agosto, publicado no DR no 192, de 21.08.1997 - II serie.
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central, a politica de velhice e a area que tern maior tradi<;:ao, nao s6 porque foi a partir da ideia de "bem-estar na reforma", que se criaram as primeiras medidas de protec<;:ao na velhice corn as reformas, mas tambem porque os anos de sobrevivencia na condi<;:ao de reformado aumentaram exponencialmente. Outra das raz6es da existencia da polftica social da velhice e, segundo os mesmos autores, a preocupa<;:ao social corn as pessoas idosas verificada na aceita<;:ao por parte da sociedade das polfticas dirigidas a este grupo espedfico, o que nem sempre se verifica noutt路as areas problematicas, como o desemprego, a toxicodependencia ou os jovens. Significa que as pessoas na terceira idade sao vistas como merecedoras das transferencias financeiras e dos servi<;:os. Mas a "realidade social" em que vive este grupo social demonstra a contradi<;:ao implicita nas ideias anteriormente explicitadas. Porque se por urn lado as polfticas sao bem vistas pela sociedade a realidade demonstra que os idosos sao muitas vezes esquecidos, repudiados e exclufdos. Por outro lado quando se fala da sustentabilidade do sistema a primeira coisa que se faz e intervir retirando ou reformulando os apoios e beneffcios aos idosos mais do que noutt路as areas sociais (cf. ibidem). Veja-se nesta linha de analise o desafio que a Comissao Europeia coloca ao sistema de pens6es portugues: por urn lado garantir e melhorar a adequa<;:ao das pens6es de velhice e por outro garantir a sustentabilidade do sistema (cf. Conselho da Uniao Europeia, 2003: 173). Como fazer isro? 0 documento avan<;:a corn a ideia de adiar a reforma, aumentando assim os anos de contribui<;:ao para o sistema, tornando-o sustenravel ate 2030, mas deixa em aberto a quesrao do financiamento do defice da seguran<;:a social depois dessa data. Estas medidas revelam o "desconforto" politico e social face apolitica da velhice.
4 - 0 direito aprotecs:ao social A protec<;:ao social esra ligada a seguran<;:a de rendimento. Numa perspectiva neoliberal a seguran<;:a de rendimento provem do modo como os indivfduos organizam a sua vida e como tal ela pode provir de varias fontes (cf. Mckay e Rowlingson, 2003). A primeira ea do sector privado, atraves do mercado de trabalho na aquisi<;:ao de bens e servi<;:os necessarios a sublNTERVENc;:Ao SOCIAL, 31, 2005
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sistencia dos individuos. A segunda refere-se ao suporte da rede familiar, quer sejam bens financeiros ou servic;:os. A terceira refere-se ao Estado atraves de beneficios sociais em servic;:os e ou transferencias financeiras. Em Portugal a Constituic;:ao da Republica Portuguesa define, no art. 72, que as pessoas idosas tern direito a seguranc;:a econ6mica e condic;:6es de habitac;:ao e convivio familiar que respeitem a sua autonomia pessoal e evitem o isolamento e a marginalizac;:ao social. Este prindpio e efectivado a parrir da politica social da velhice. Esta promove o bem-estar social atraves de prestac;:6es pecuniarias (reformas e outros subsidios) ou atraves de beneficios fiscais; de servic;:os sociais (equipamentos sociais de prestac;:ao de cuidados e de "guarda dos idosos") e outros servic;:os publicos (saude, habitac;:ao, escolaridade, etc.), assim como programas e projectos espedficos. 0 Estado de bem-estar constituiu-se na base de que este tern o clever de manter niveis minimos de bem-estar atraves da concretizac;:ao de direitos sociais. 0 direito social traduz a ideia de uma compensac;:ao e manutenc;:ao dos rendimentos que seriam diminuidos na hip6tese destes serem financiados directamente pelos interessados. Nesta linha de analise os direitos sociais 12 referem-se «a protecc;:ao dos individuos atingidos por ocorrencias que provocam a reduc;:ao ou a perda dos meios de sustentac;:ao gerada por uma actividade profissional ou urn acrescimo anormal dos seus encargos ocasionando uma reduc;:ao do seu nivel de vida» (Carreira, 1996: 37). Mas os direitos sociais expressam tambem o direito «a participac;:ao e a distribuic;:ao de recursos materiais e das condic;:6es sociais que possibilitam a realizac;:ao de urn nivel de vida humano propiciando a integrac;:ao social dos individuos» (Mozzicafreddo, 2000: 181). Esta ideia associa os direitos sociais nao s6 ao acesso aos recursos, mas tern uma relac;:ao corn a noc;:ao de direitos humanos, expressando interesses, mas tambem valores e normas que os Estados devem assumir para melhorar o bem-estar dos individuos. Os direitos sociais apoiam-se numa base orc;:amental e fiscal e como tal organizam-se, nao em torno da universalidade, mas a partir de necessi-
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Os direitos sociais sao tambem «direitos individuais, as familias nao os podem reivindicar enquanto grupo>> (Beck, 2000: 16). Os direitos sociais implicam decis6es que poem o individuo no centra das coisas e desincentivam os modos de vida e de interac~ao tradicionais.
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dades espedficas. Esta perspectiva de direitos sociais implica urn investimento por parte de quem os promove constituindo-se enquanto «mecanismos institucionais compensat6rios, entre o estatuto legal e politico da igualdade dos cidadaos e as desigualdades sociais e econ6micas resultantes das rela<;:6es de mercado» (ibidem). Coma vimos os direiros sociais sao urn dos componentes da cidadania tal coma os direiros civis e politicos. Os direitos sociais referem-se a distribui<;:ao de recursos, mas tambem a participa<;:ao social associada a etica da responsabilidade. Os direitos civis referem-se a «liberdade individual, liberdade de expressao e de pensamento, 0 direito a propriedade e a conclusao de contraros, bem coma o direito a justi<;:a»; os direitos politicos referem-se usualmente «ao direito de participa<;:ao, no exerdcio de poder politico, coma eleito ou eleitor do conjunto das institui<;:6es de autoridade politica. Os direitos politicos estao ligados a institui<;:ao parlamentar, as assembleias e 6rgaos de governo local» (Mozzicafreddo, 2000: 180). Estas w~s gera<;:6es de direitos constituem-se coma dimens6es fundamentais da cidadania. 0 Estado tern urn papel fundamental na sustenta<;:ao e efectiva<;:ao dos prindpios da cidadania e coma tal na constru<;:ao e efectiva<;:ao da cidadania e justi<;:a social e consequentemente na protec<;:ao social. As dimens6es constitutivas da cidadania, direitos civis, politicos e sociais foram inscritos na Constitui<;:ao da Republica Portuguesa em 1976. Os direitos sociais foram efectivados corn a cria<;:ao de urn sistema de seguran<;:a social em Portugal, o servi<;:o nacional de saude e a escolaridade obrigat6ria, e outros direitos fundamentais. 0 sistema de seguran<;:a social, tal coma foi construido, tinha coma prindpio que o Estado deveria prover a seguran<;:a de rendimento aos individuos que por si so nao conseguissem satisfazer as suas necessidades, designadamente em rela<;:ao aos desempregados e aos que manifestavam incapacidade para o trabalho, assim coma em rela<;:ao ao limite de idade para sair do mercado de trabalho. Este sistema universal, unificado, burocratico e distributivo, permitiu aumentar o nivel de protec<;:ao social e o rendimento ou atribuir urn rendimento quando este e inexistente, aos individuos e as familias, quer por nao terem suporte familiar, quer por nao terem recursos decorrentes do mercado. I NTERVEN<;:AO SOCIAL, 31, 2005
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4.1 -A protee<;:ao social na velhice: as pensoes de reforma
As transferencias financeiras para a velhice «providenciam urn rendimento as pessoas reformadas do mercado de trabalho, garantindo, a quem atinge uma idade "standard" ou que tenha cumprido os anos de desconto ou os anos de garantia para o sistema de protecc;:ao» (OCDE, 2004: 30). Na analise dos vinte anos de protecc;:ao social dos paises da OCDE, esta organiza<;:ao define como categoria de analise as despesas sociais corn a terceira idade. Esta categoria inclui as subcategorias das pensoes da terceira idade e as pagas aos servidores do Estado e as dos veteranos de guerra, assim como inclui outros beneficios decorrentes da velhice como os subsidios complementares e outros e as pensoes aos individuos que por incapacidade saem mais cedo do mercado de trabalho. Os dados da OCDE revelam que entre 1980 e 1998 em todos os paises desta organiza<;:ao, as despesas corn a terceira idade aumentaram. Na decada de oitenta existiam paises onde esse valor era inexistente como por exemplo a Pol6nia, a Republica Checa, a Coreia e a Islandia, mas a protec<;:ao a terceira idade generalizou-se na decada seguinte a todos os paises da OCDE, corn particular enfoque para a ultima metade da decada de noventa. Nesta conjuntura todos os paises da OCDE passaram a transferir do Or<;:amento do Estado meios financeiros para esse fim. Em Portugal assiste-se desde 1980 a urn aumento da despesa do Or<;:amento do Estado para a categoria de individuos corn mais de sessenta e cinco anos. Os dados do Eurostat (2004) revelam precisamente o aumento das despesas corn a terceira idade nos paises da Uniao Europeia corn maior enfoque para a decada de 90 do sec. XX. A esse facto nao e alheio 0 desenvolvimento econ6mico decorrente das op<;:oes (financeiras) econ6micas e sociais tomadas e a altera<;:ao da estrutura eraria da popula<;:ao. Os dados do boletim 8/2004 do Eurostat mostt·am que as despesas corn as pensoes de velhice estao estaveis, verificando-se ate uma ligeira descida: de 12,8%, para 12,5%, comparando a media desse valor nos quinze paises da Uniao Europeia entre 1993 e 2001 13 • Mas apesar da media europeia ter diminuido nesse periodo, existem paises onde o valor u De refcrir que o pais onde se encontra o valor rnais alto e a ltalia corn 14,7% e o pais onde esse valor e rnenor ea Irlanda corn 3,7% do GDP.
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das transferencias financeiras para esse sector aumentou, como e o caso da Dinamarca, Alemanha, Suecia, Austria e Portugal. Os dados revelam tambem que das categorias sociais para onde e distribuido o or<;:amento da seguran<;:a social as pens6es constituem a subcategoria que teve urn aumento mais significativo 47,5%~'~ do total dos beneficios. Nesta categoria a subcategoria despesas corn pensoes e a que tern urn or<;:amento mais elevado, corn 76,2% da media da Uniao Europeia. 0 restante valor e distribuido pelas outras subcategorias como os subsidios complementares, quer os que se encontrarn na categoria de reformados, quer os que saem mais cedo do mercado, devido a incapacidades fisicas e psiquicas. Em Portugal, como vimos arras, em rela<;:ao aos dados da OCDE e em rela<;:ao aos dados do Eurostat, o racio das despesas do Or<;:amento do Estado corn pens6es tern aumentado significativamente associado ao aumento do numero de beneficiarios entre 1993-2003 (cf. Eurostat, 2004 e OCDE, 2004). Verifica-se que as despesas corn as pens6es tendem a aumentar em todos os paises da OCDE e da Uniao Europeia. Entao qual a estrategia adoptada para fazer frente a esta questao? Num relat6rio sobre as pens6es adequadas e sustendveis o Conselho e a Comissao Europeia (2003) avan<;:am algumas propostas para tornar os sistemas de protec<;:ao sustendveis. Estas propostas visam responder ao desafio do envelhecimento e a sustentabilidade dos sistemas de protec<;:ao dos diferentes paises. Enunciamos aqui alguns dos objectivos fundamentais, que tern como base a interven<;:ao do Estado como actor principal na promo<;:ao de condi<;:oes de vida aceidveis garantindo urn nivel minimo de rendimento. 0 primeiro objectivo visa garantir aos mais velhos protec(iio contra a pobreza e
condi(oes de vida digna, proporcionando-lhes o usuiuto da prosperidade econ6mica do seu pais e a participar;iio na vida p~iblica, social e cultural. 0 segundo visa proporcionar a todas as pessoas o acesso a regimes de pensoes de reforma adequados, pztblicos e/ou privados ( .. ). 0 terceiro visa pro mover a solidariedade intra e intergeracional, implicando solidariedade entre as gera<;:6es mais velhas e as mais novas, corn mais rendimento para os que tern menos rendimento.
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Media da Uniao Europeia.
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0 quarto pretende conseguir um nivel de emprego atraves de reformas globais do mercado de trabalho, de acordo com os principios e estrategia europeia de emprego e em sintonia com as orientar;oes gerais para as politicas econ6micas. 0 quinto visa garantir sintonia entre as politicas laborais e econ6micas, os principais ramos da protecr;iio social, proporcionar incentivos reais aparticipar;iio dos trabalhadores mais velhos na actividade econ6mica, evitando os incentivos a reforma antecipada. 0 sexto pretende reconfigurar de forma adequada os regimes de pensoes, tendo em conta o objectivo de manter a sustentabilidade das finanr;as publicas, aliada a redur;iio da divida pt'tblica sempre que possfvel. 0 setimo visa equilibrar a popular;iio activa e a popular;iio reformada, sem sobrecarregar a primeira e manter niveis de prestar;oes adequadas para a segunda. 0 oitavo visa garantir uma gestiio ejiciente nos regimes de pensoes Jinanciadas pelos recursos publicos e privados de modo a criar condir;oes de eficiencia, acessibilidade, exportabilidade e seguranr;a necessdrias. 0 nono pretende garantir que os regimes de pensoes siio compativeis com a jlexibilidade e seguranr;a no mercado de trabalho. 0 decimo visa salvaguardar o principio da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres relativos ao regime de pensoes; e o decimo primeiro pretende tornar os regimes de pensoes mais transparentes e adaptdveis a mudanr;a para preservar a conjianr;a dos cidadiios (cf. Conselho e Comissao Europeia, 2003: 24-108). A extensa lista de propostas do Conselho e da Comissao demonstra a preocupa<;:ao a nivel politico corn esta materia, nao so a nfvel da Uniao Europeia mas de todos os Estados-membros. As medidas propostas visam manter a coesao social atraves da adequa<;:ao dos sistemas de protec<;:ao social as necessidades dos indivfduos tendo em conta a especificidade de cada pais. As pens6es devem ser adequadas mantendo niveis de vida aceitaveis, promovendo a solidariedade e prevenindo a exclusao, tendo presente que a sustentabilidade do sistema deve propiciar o aumento dos niveis de emprego quer para homens quer para mulheres; desenvolvimento de programas para o prolongamento da vida activa e do envelhecimento activo e a cria<;:ao de novos mercados de emprego sobretudo na area dos cuidados. INTERVENC,:Ao SoC:JAI,
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5 - Os servi<_;:os de cuidados na velhice Hoje existe uma diversidade de respostas soctats propiciadoras de cuidados as pessoas na condi<;ao de velhice, coma sejam os centros de dia, centros de convivio, apoio domiciliario, lares residenciais e residencias temporarias 11 â&#x20AC;˘ Estas respostas organizadas por valencias organizadas em equipamentos sociais, tern coma objectivo proporcionar cuidados para satisfazer as necessidades basicas. Mas neste contexto quando falamos de cuidados associamo-los aos cuidados que sao prestados no domidlio. Ate a decada de 60 do sec. XX os cuidados no domidlio eram frequentemente prestados em fun<_;:ao do desenvolvimento psicossocial das crian<;:as e nao dos idosos, porque ate ai o "problema social dos idosos" ainda nao se colocava. Por isso, o termo cuidado a pessoa idosa no domidlio e relativamente recente. Podemos situa-lo a partir dos anos 60 do sec. XX nos paises do centra e none da Europa e EUA, decorrente das altera<;:6es de indicadores sociais e demograficas e do aumento da esperan<;:a de vida. Em Portugal come<;a-se a falar de cuidados no domidlio nos finais da decada de 70, decorrente do aumento do numero de pessoas corn mais de 65 anos. 0 aumento da esperan<;:a de vida, aliado a mudan<;:a de habitos e estilos de vida dos portugueses foi determinante para esta mudan<;:a. Coma ja foi referido anteriormente, ate essa data, a solu<;ao adoptada para fazer face as situa<;:6es de dependencia das pessoas idosas eram os cuidados familiares e equipamentos sociais coma os asilos ou lares. Corn o aumento do numero de pessoas a necessitar de cuidados, os equipamentos tipo lares ou asilos revelaram-se ineficazes para responder as necessidades das pessoas idosas. As raz6es prendem-se corn o elevado custo desses equipamentos e a burocratiza<_;:ao do servi<;:o que fazia aumentar as listas de espera, mas tambem porque as pessoas que necessitavam de cuidados muitas vezes se recusavam a ser internadas nestes equipamentos preferindo ter cuidados nas suas casas. 15
No despacho n° 62/99- DR, n° 264 de 12111199 sao estabelecidas as condi~6cs a que devem obedecer as instala~6es eo funcionamento do SAD. ldentifica os objectivos: contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas e familias; prcvenir siwac;:6es de dcpendencia c promovcr a autonomia; prestar cuidados de ordem fisica e apoio psicossocial aos utentes e familias de modo a contribuir para o seu equilibrio e bem-estar; apoiar os utentes e familias na satisfac;:ao das necessidades basicas e actividades da vida diaria, e colaborar e/ou assegurar o acesso a presta~ao de cuidados de saude.
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Em Portugal os cuidados no domidlio ganharam expressao a partir da decada de 80, sobretudo no contexto da economia social, decorrente do aumento do nt'1mero de pessoas idosas e das suas necessidades. Mas foi na decada de 90 do sec. XX que se consolidaram e se inscreveram no contexto das politicas de velhice como acq6es colectivas. A OCDE (2004) define como categoria social inerente a protecqao social dos individuos, as despesas corn os serviqos prestados aos dependentes e pessoas corn deficiencia, considerando-os determinantes para o seu bem-estar. Esses serviqos sao definidos como ÂŤa provisao de bens ou serviqos em especie e agrupados na categoria para pessoas idosas e pessoas corn deficienciaÂť (OCDE, 2004: 31). As despesas sociais nesta categoria englobam os serviqos de cuidados diarios e serviqos de reabilitaqao e outros beneficios em especie, quer sejam prestados no domidlio ou em instituiq6es. Inclui, como subcategorias, os cuidados residenciais, os cuidados no domidlio, os cuidados diarios e serviqos de reabilitaqao e outros beneficios em especie (op. cit.). Os dados comparativos dos ultimos 20 anos nos paises da OCDE revelam que as transferencias financeiras dos Orqamentos do Estado para esta categoria tern vindo a aumentar. Mas este valor e muito inferior ao das transferencias financeiras efectuadas para a categoria das pens6es. Na decada de oitenta o valor das transferencias foi estavel, aumentando o valor e o nt'1mero de paises que incluiram essa categoria no Orqamento do Estado a partir do inkio da decada de noventa do seculo anterior. Os valores transferidos para a categoria social dos cuidados as pessoas idosas aumentaram, decorrente do aumento do numero de equipamentos e serviqos prestadores desses cuidados como nos mostram os dados inscritos na Carta Social do Ministerio do Trabalho e da Solidariedade (2000) em relaqao aos equipamentos e serviqos de cuidados no domidlio. 0 nt'unero de equipamentos e serviqos aumentou e, consequentemente, o nt'1mcro de pessoas abrangidas. Vejamos em pormenor alguns dados da Carta Social do Ministerio do Trabalho e da Solidariedade (2000: 270281) relativos aos Distritos de Lisboa. Este e o Distrito que tern mais equipamentos corn serviqo de apoio domiciliario, mas e tambem o que tern 0 maior nLll11ero de idosos. Se nos reportarmos a capacidade e a taxa de utilizaqao do serviqo verificamos que s6 cerea de 2,2 idosos em cada cem se encontram abrangidos pelo serviqo de apoio domiciliario no distrito de Lisboa. Deste nt'1mero podemos inferir que os serviqos organizados INTFR\'Ec;c,:Ao
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no contexto da solidariedade social ainda nao respondem as necessidades efectivas da populac;:ao idosa, ficando esta em casa entregue a si propria.
5.1 - Os cuidados organizados pelas IPSS
Em Portugal os cuidados no domidlio sao maioritariamente organizados no contexto da economia social. Ate a decada de 70 a protecc;:ao na area dos cuidados as pessoas idosas era essencialmente residual e assistencialista, beneficiando sobretudo as pessoas idosas doentes, incidindo naquelas que manifestavam dificuldade em permanecer no domidlio. As respostas as suas necessidades eram essencialmente a institucionalizac;:ao em lares e asilos (cf. Saraceno e Naldini, 2003). Coma vimos este tipo de resposta foi sendo alterada, quer pelo aumento do numero de pessoas idosas corn mais de 65 anos a necessitar de cuidados, quer pela escassez de equipamentos, assim coma o custo da gestao e a mudanc;:a de expectativa das pessoas face a esses equipamentos preferindo permanecer no seu domidlio. Os cuidados institucionais foram sendo progressivamente substituidos pelos cuidados no domidlio e inscritos nas politicas coma "direitos sociais", sobretudo na criac;:ao de servic;:os, programas e projectos espedficos. Em Portugal a maior parte dos cuidados aos idosos no domidlio e prestada por instituic;:6es particulares de solidariedade social, associac;:oes de solidariedade e irmandades da misericordia. Estas instituic;:6es promovem uma acc;:ao organizada por "valencias" corn vista a satisfac;:ao das necessidades dos utilizadores desses servic;:os. Estas sao tuteladas pelo Estado e ou financiadas, mas tern autonomia administrativa. Por urn lado sao autonomas a nivel da administrac;:ao corn estatutos proprios, mas estao sujeitas a tutela do Estado, assim coma dependem das transferencias do Estado pelos aetas sociais que prestam aos individuos. A maioria das instituic;:6es de solidariedade e irmandade intervem nas areas sociais corn particular relevo para as pessoas idosas atraves de equipamentos sociais: lares e centros de dia, residencias temporarias de recuperac;:ao, ou corn cuidados no domidlio das pessoas idosas. A sua acc;:ao e territorial, permitindo-lhe ter urn conhecimento das necessidades INTERVENc;:Ao
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e do contexto social onde se inserem e dirigirem a ac~ao social de acordo com a "realidade" da pessoa. A solidariedade das IPSS 1c' constitui-se como uma solidariedade organizada, manifestando alguma especificidade na sua forma. As IPSS «interpcnctram no espa~o domestico da produ~ao e da cidadania», porque, como refere Variz (1988:30), combinam o espa~o publico com o privado, o Estado, o mercado e o sector informal. As institui~oes particulares de solidariedade social estao integradas na economia social, funcionando sem fins lucrativos por iniciativa de particulares, com o proposito de dar expressao organizada ao dever de solidariedade e justi~a entre os indivfduos. Podem ser IPSS que nao sejam administradas pelo Estado, ou por um corpo aud.rquico 17 • Qualquer que seja a sua forma jurfdica ou ideologia adquirem um papel fundamental no sistema de protec~ao portugues tendo sido estabelecida na lei n° 28/84 a rela~ao contratual entre o Estado e as IPSS no prosseguimento de objectivos de seguran~a social. Estas institui~6es adquiriram visibilidade depois de terem passado de uma ac~ao de assistencia social para estarem inseridas no sistema de protec~ao social e na polftica de ac~ao social. Estao inseridas no sistema de seguran~a social e devem respeitar os direitos dos beneficiarios, assim como a sua dignidade e privacidade 18 • A ac~ao social das IPSS e dirigida maioritariamente para as areas sociais, como a saude, a educa~ao, servi~os pessoais - idosos, deficientes e crian~as - e habita~ao social. Os gruposalvo das suas ac~6es sao as crian~as, pessoas idosas, toxicodependentes, grupos em situa~ao de pobreza e desempregados. A polftica social dirigida as pessoas idosas em forma de servi~os sociais justifica-se pela existencia desses grupos de pessoas, possuidores de caracterfsticas proprias, da constata~ao que nesse grupo existem situa~6es sociais que podem ser modificadas atraves do exerdcio das solidariedades formais e da ac~ao institucional cujos instrumentos sao os servi~os que lhes sao prestados. Os cuidados aos idosos no seu domidlio podem reves16
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IPSS- lnstitui<;:iies Particulares de Solidariedade Social. Ver Dec.-Lei n° 119/83, DR n° 46, I scric de 25/02/83. Existcm alguns decreros-lei que regulamentarn a constitui~ao c a acyao das IPSS. Urn dos primeiros e a Portaria 778/83 de 23 de Julho que regula o registo das IPSS na Seguranya Social e Portaria no 466/86 de 25 de Agosto que regularnenta o regisro das IPSS corn fins de promo<;:ao e protec<;:ao da sat'rde e Portaria 860/91 de 20 de Agosto que regulamenta o registo das IPSS no Minim'rio da Educa~ao. li'-:TER\TNt;:Ao SOCIAl., 31, 2005
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tir-se de varias formas, podem substituir a familia, quando 0 idoso nao tern nenhum membra da rede familiar e encontra-se a viver s6 e dependente desses cuidados para a sua sobrevivencia, recorrendo ao servi<;:o de apoio domiciliario para se proteger e integrar socialmente e relacionalmente na sociedade. 0 servi<;:o pode tambem complementar as fun<;:6es sociais da familia, quando articula e complementa os cuidados cam o cuidador familiar, pode tambem funcionar como "delega<;:ao" quando a familia existe mas delega nos cuidadores domiciliarios as actividades familiares, demitindo-se das suas fun<;:6es (cf. Caradec, 1995: 165). A efectiva<;:ao dos cuidados no domidlio varia consoante o grau de dependencia fisica e psiquica do idoso e do seu contexto familiar.
5.2- Os cuidados familiares Em Portugal o Estado sempre teve uma fun<;:ao subsidiaria em rela<;:ao ao apoio familiar. 0 Estado apela ao prindpio da subsidiariedade, isto e, a insdncia superior- o Estado - s6 intervem quando a insd.ncia inferior - mercado e ou sociedade civil- nao tern interven<;:ao. 0 discurso politico coloca a familia e as solidariedades no centro do sistema de bem-estar acentuando a impord.ncia das redes de vizinhan<;:a e o refor<;:o dos vinculos e das solidariedade intergera<;:6es e da economia social pelos cuidados as pessoas idosas (Lesemann e Martin, 1995: 122). Como vimos anteriormente, o Estado-providencia portugues na area dos cuidados no domidlio incentiva a existencia de servi<;:os administrados por privados ou no contexto do mercado ou da economia social em articula<;:ao corn as responsabilidades familiares. A familia e um supot¡te por excelencia da realiza<;:ao afectiva do individuo. Entao quais as responsabilidades da familia pela provisao das necessidades sociais dos seus membros? Identificam-se geralmente tres tipos de ajuda que sao prestados entre os membros da familia: domesticos (apoio efectivo e material), apoio afectivo da rede familiar (apoio relacional) e financeiros (apoio econ6micos) (Dechaux, 1996: 41). 0 autor distingue o conteudo da ajuda deste modo: Os servi<;:os domesticos (materiais- efectivos) entendidos como actividades positivas que operam sobre as realidades tangiveis. Os servi<;:os relacionais consistem em p6r em pratica a lNTERVEN<;:Ao SociAL, 31, 2005
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rela<;:ao corn o outro. Esta ajuda funciona como medias:ao entre o indiv!duo e a vida social e simultaneamente torna-se protectora dos riscos da vida social. E o apoio econ6mico na subsistencia dos membros da familia. As trocas decorrentes dos tipos de ajuda referidas anteriormente «tern caracteristicas multiformes e desiguais ao longo do ciclo de vida» e seguem motivas:oes multiplas, designadamente a 16gica das necessidades; o las:o de reciprocidade e a complementaridade 19 • A primeira refere-se aos apoios que sao prestados aos membros da familia que esrao em dificuldade tempod.ria, e que e urgente apoiar. A segunda esd. associada a uma contradadiva, resultante do pagamento de uma divida, ou seja uma dadiva recebida anteriormente. A terceira diz respeito a urn regime de presta<;:ao de apoio complementar aos apoios recebidos pelo sistema do Estadoprovidencia (Fernandes, 2001 :49). Estas rela<;:6es apelam a trocas e a solidariedade entre as gera<;:6es, entre pais, filhos (trocas intergeracionais). Estas nao tern urn «Sentido unico», mas sim «multiplos» sentidos, existindo uma «transmissao que assegura uma especie de redistribui<;:ao social» tal como existe no Estado-providencia entre as geras:oes mais novas e as gera<;:6es mais velhas, associado ao contrato social entre as geras:oes dentro da propria familia. Este contrato nao e imposto, ele esta implicito nas escolhas de cada membro dessa familia, isto e, nao existe uma entidade exterior que imponha essas regras contratuais mas e a propria familia que as define. Os estudos de Vasconcelos (2002) Attias-Donfut (dir) (1995) Pitrou (1995) e Martin (1995) demonstram precisamente isso: as fam!lias de estratos sociais mais baixos consideram que o centro desse contrato social e o clever que tern para corn os seus membros e os estratos sociais mais altos definem-no como escolha, por isso, neste caso a entrada nesse contrato de troca de solidariedade e uma decisao individual e uma escolha reflectida. Por exemplo, os estudos deste ultimo autor revelam que a «expressao do apoio relacional e ate o sentimento da obrigas:ao mutua varia claramente corn o meio social. Nos meios populares (... ) domina, sobretudo, o clever de solidariedade e de entreajuda, esta e uma obriga<;:ao (... ) que tern como contrapartida nao contrariar as normas em vigor nesse meio. Nos I<J
Esta analise e rderenciada por Attias-Donfut (1998) "La dynamique de l' entraide intergerationelle", leres Recontres Suvy, INED, citado em Fernandes (2001: 49). Esta logica dos cuidados prestados na rede familiar e tambem explicada por Finch (1989). l~TF.RVE:-;c,:Ao SOCIAL,
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meios culturalmente mais ricos (... ) as formas de solidariedade sao distintas. A regra que nao deve infringir-se e a da autonomia)) (Martin, 1995: 67-68). 0 autor prossegue considerando que «quanto maior for a posi<;ao social tanto mais probabilidades de obter "ajuda" no seu drculo de rela<;6es)) (ibidem). Mas a troca e mais do que dare receber, implica urn aspecto relacional. 0 relacionamento entre as pessoas constitui urn elemento da dadiva 20 • E tambem neste registo que Martin e Lesemann (1995) identificam o apoio familiar como uma «entreajuda alimentada por sentimentos quer de obriga<;ao, quer de amor (... ) [caracterizada] pela plasticidade e exclusividade)). Este apoio e contrario a «ac<;ao publica que e formal, rigida, regrada e universal». Propondo que a famflia devera exercer «uma ac<;ao de regula<;ao da ac<;ao publica)) e nao o contrario, isro e a ac<;ao publica regular a famflia. A diminui<;ao da natalidade, a nucleariza<;ao cada vez mais acentuada do numero das famflias que tern cada vez menos filhos, 0 numero de anos de sobrevivencia das pessoas corn mais de oitenta anos ser cada vez maior proporciona a diminui<;ao do numero de cuidadores familiares disponfveis. A famflia sao imputadas determinadas responsabilidades, como por exemplo o suporte economico, o alojamento, os cuidados pessoais, a guarda das crian<;as e das pessoas idosas, assim como o sup01·te emocional (cf. Finch, 1989). Os cuidados da rede familiar estao associados a etapa do ciclo de vida familiar e pessoal dos membros que constituem a famflia. Segalen (1999) demonstra como a analise da familia a partir do ciclo de vida foi proffcua designadamente no estudo do prolongamento da vida, quer em rela<;ao ao casal quer em rela<;ao as gera<;6es21. Geralmente identificam-se as seguintes etapas do ciclo de vida: a 20
21
A questao rerminol6gica de dadiva, contra-dadiva c reciprocidade foi analisada por Mauss, no esrudo das sociedades arcaicas e que ele analisa no livro "Essai sur le don". Nesta obra o auror <<debruc;:a a sua atenc;:ao, ao mesmo tempo, sob reo regime do direito contratual e sobre os sistemas das prestac;:6es econ6micas entre as diversas secc;:6es ou subgrupos de que se comp6em as sociedades ditas primitivas» (Mauss, 2001: 51). No seguimento da analise, o autor considera que <<nas economias e nos direitos que precederam os nossos, nao se observam nunca (... ) simples trocas de bens. As pessoas presentes no contrato sao pessoas morais (... ) o que eles trocam nao sao exclusivamente riquezas, m6veis e im6veis (. .. ), sao, antes de rudo, amabilidades, festins, ritos, servic;:os militares, mulheres ... » (ibidem: 55). Baseando-se em Tamara Hareven (1977), a aurora prop6e a analise da familia a partir das seguintes etapas do ciclo de vida do casal: a constituic;:ao do casal; pais jovens de recem-nascido ate 3 anos; grupos domesticos com filhos em idade escolar, ate 6 anos e ate 12 anos; grupos domesticos com filhos adolescentes; grupo domestico com adultos jovens; grupos domesticos que ajudam os filhos a estabelecerem-se; o grupo domestico pas-parental e o grupo domestico em envelhecimemo, p6s-reforma, (cf. Segalen, 1999: 216).
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constitui<;:ao do casal; a educa<;:ao dos filhos; a saida dos filhos de casa; a fase da meia-idade e a fase da terceira idade (Aldous, 1994, citado por Sao Jose, 1997). Se nos situarmos na questao dos cuidados, verificamos que na etapa da forma<;:ao do casal a esposa constitui a principal fonte de suporte no que se refere aos cuidados (cf. Finch, 1989). E apesar de se esperar que a nova gera<;:ao de casais possa partilhar as tarefas, o que se verifica e que as mulheres, apesar de trabalharem na esfera publica, ainda sao maioritariamente as responsaveis pelos cuidados domesticos. Os casais corn filhos em idade escolar tern responsabilidades acrescidas, quer na subsistencia, no afecto e na presta<;:ao de cuidados, como nos cuidados diarios de higiene e alimenta<;:ao, de levar e trazer a escola. Nesta fase, a familia tern necessidades de ajuda espedfica sobretudo na guarda das crian<;:as. Os pais ajudam na guarda de crian<;:as, quer seja em casos de doen<;:a, nas ferias e/ou noutros pedodos, podendo ser pontual, regular ou em per1odos longos fazendo de baby-sitting, creche e col6nia de ferias. Nesta nova etapa da vida o casal tern pouco tempo para cuidar dos pais dependentes. Na fase da saida dos filhos de casa, o casal ajuda-os na sua autonomia e na manuten<;:ao do seu nivel de vida, sobretudo na classe media. E comum haver transferencias financeiras como prendas de casamento ou heran<;:as. A fase da meia-idade e repleta de solicita<;:6es p01·que hoje os filhos permanecem mais tempo em casa dos pais face a dificuldade de inser<;:ao no mercado de trabalho, ou quando saem podem voltar sobretudo depois de uma ruptura conjugal, necessitando de ajuda quer de subsistencia, quer de alojamento. Tambem se recorre aos pais (familia de orienta<;:ao) para resolver assuntos privados do conjuge e recorrer a conselhos financeiros. Sao tambem os pais que ajudam em situa<;:6es de desemprego e cuidados em situa<;:6es de doen<;:a. Na fase da terceira idade a familia torna-se prestadora e receptora de cuidados. Como nas outras fases, a mulher e novamente a principal cuidadora da familia, seja ela esposa, cuidando do marido, nora a cuidar dos sogros e/ ou filha a cuidar dos pais. Geralmente pais e filhos trocam bens e recursos financeiros e maes e filhos e filhas trocam mais servi<;:os e cuidados, existe nestas trocas uma rela<;:ao de genero 22 • 22
Costa (1999: 317) ao estudar a dinamica familiar no bairro de Alfama verifica que, efectivamente, quem faz a casa e a mulher, «as entreajudas correspondem a solidariedades femininas intergeracionais».
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Mas nem todas as familias tern o mesmo padrao de ajuda. Como vimos as responsabilidades familiares e parentais deem-rem da posi~ao de dasse e da posi~ao da familia na divisao social do trabalho. Bertaux (1978) e Hoggart (1973) ao analisarem as familias operarias em contexto de priva~ao de recursos verificaram que estas tern outro tipo de reprodu~ao social. Os autores demonstram que as famllias em priva~ao de recursos investem pouco em si, relacionam-se pouco entre si e investem pouco na transmissao da memoria familiar, organizando o seu dia-a-dia para a sobrevivencia. E tambem esta a condusao a que chega o estudo coordenado por Torres (2004): as familias que mais precisarn, menos apoios tern, assirn corno noutro registo tambem Vasconcelos (2002), Aboim e Wall (2002) verificam que em Portugal as familias corn rendimentos mais baixos, corn menores niveis de escolaridade e emprego desqualificado sao as que tern urn menor numero de trocas entre gera~6es, reproduzindo a pobreza.
Concluindo Ao terminar o texto interessa identificar algumas quest6es pertinentes que decorrem do tema: a polltica de cuidados na velhice. Como se demonstrou existem rnedidas de politica tendentes a responder a "velhas" necessidades e a "novas" necessidades na velhice, estas associadas a equipamentos, programas e projectos de cuidados na velhice. Em Portugal, pais substancialmente envelhecido, os servi~os de cuidados na velhice ainda sao em numero insuficiente para responder as necessidades dos individuos muito idosos. Podemos inferir a partir da analise deste texto que os servi~os respondem a satisfa~ao de algumas necessidades basicas intermedias, mas fica ainda aquem a satisfa~ao das necessidades humanas relativas a participa~ao, liberdade e escolha das pessoas idosas pelos cuidados prestados. 0 aumento do grupo das pessoas mais idosas revela tambem a sua heterogeneidade e diversidade, sobretudo em rela~ao ao seu modo de vida, praticas e expectativas sociais. A politica social deve estar atenta a esta diversidade de necessidades, construindo respostas compativeis tendentes a satisfazer as necessidades dos individuos, sobretudo aqueles que se lNTERVENt;:AO SOCIAL,
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encontram mars frageis socialmente. Nao basta aumentar as reformas, sendo certo que o aumento do rendimento e sem duvida urn meio de inclusao dos individuos, mas para o grupo das pessoas idosas mais frageis e necessario criar politicas que promovam a sua participa<;:ao social, atraves de servi<;:os prestadores de cuidados e de redes sociais complementares, permitindo a efectiva<;:ao das necessidades humanas: liberdade e participa<;:ao social, possibilitando a este grupo social exercer a cidadania. So deste modo e possivel dar "voz" a este grupo social atraves do acesso e efectiva<;:ao dos recursos sociais potenciando uma sociedade que valorize o ser humano, pessoa na condi<;:ao de velhice e simultaneamente o grupo familiar corn especial aten<;:ao para os elementos cuidadores.
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a politica de cuidados na velhice em Portugal
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INTERVEN<,:Ao SOCIAL, .31, 2005: 193-219
Joaquim Croca CAEIRO*
Os Pianos de Fomento Nacional no contexto do desenvolvimento economico nacional no pos guerra Os Pianos de Fomento, que alguns tem pretendido diminuil; enquanto mecanicismos dinamizadores da economia nacional do pas guerra, thn aqui uma abordagem politico-economica no sentido de evidenciar a sua import!incia no contexto politico em que se inseriam, as lacunas de que enfermavam e os objectivos que se alcan<;aram por seu intermedio. Com eftito, ainda que denotando urna clara dependencia politica-ideol6gica e urn instrurnento ao servi<;o de um regime, o certo e que os Pianos de Fomento, principalmente o I Plano e o If Plano, tiveram um impacto extraordinariamente importante na economia portuguesa da epoca e foram contributos decisivos para os designados ''anos de ouro" da economia traduzidos num forte crescimento econ6mico e na industrializa<;ao do pais. ''Nao nos parece ser possivel separar-se sociologicamente o passado do presente, como contrdrios nitidos ou absolutos, quando o tempo e psicol6gica e socialmente composto de varidveis que se alteram confonne o ritmo em que os vivern nurn vasto espa<;o-tempo socialÂť
Gilberto Freyre in Ordem e Progrcsso
1. 0 I Piano de Fomento Nacional
Esgotada ha tres an os a vigencia da Lei de Reconstituic;ao Econ6mica, 1 o Estado Novo viu-se forc;ado a criar mecanismos potenciadores do * Doutor em Ciencias Sociais e Docente do
ISSSL e do ISSSB. Coordenador da area de Economia e docente da disciplina de Economia Social. Director do lnstituto Superior de Servic,:o Social de Beja. 1 0 periodo de vigencia desta lei era de 15 anos, estando em 1950 na altura de se estudarem alternativas para o enquadramento economico nacional. Corn este intuito, o Major Deputado Joaquim Mendes do Amaral requereu em 17 de Dezembro de 1949 a Assembleia Nacional, urn Aviso Previa, acerca da forma como se executou o programa de Reconstituic,:ao Economica procurando deixar algumas sugest6es sabre a orientac,:ao a fixar para o prosseguimento dessa reorganizac,:ao economica. So em 21 de Fevereiro de 1951, se iniciou a sua discussao, eo balanc,:o, traduziu-se num aplauso generalizado a actuac,:ao do governo, nao deixando, no entanto, de se salientar algumas deficiencias, nomeadamente no desenvolvimento agricola. Deste debate nasce tambem urn conjunto de sugest6es que vao no sentido da necessidade de urn piano de fomento nacional. Cfr. Diarios das Sess6es n. 0 12 de 17 de Dezembro de 1949 e n. 0 71; 72; 73; 74; 75; 76; 77; 78; 79; 80 e 81, respectivamente de 21, 22, 23, 24, 28, de Fevereiro de 1951 e 1, 2, 3, 7, 8 e 9 de Marc,:o do mesmo ano.
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Joaquim Croca Caeiro
desenvolvimento econ6mico sustentado do Pais, sob pena de nao ser possivel suportar o embate econ6mico estimulado corn o final da II Guerra Mundial. Corn efeito, «terminada a execur;ao do programa previsto na Lei n. 0 1914, concluido o processo de reajustamento da nossa economia no pos-guerra, fortalecida a nossa posir;ao cambial e aproveitando a s6lida posir;ao financeira que ha muito desfrutdvamos, entendeu-se indispensdvel uma acr;ao sistemdtica e coordenada no sentido de acelerar o ritmo de desenvolvimento ap6s-guerra» 2 da economia nacional a fim de procurar atenuar o desnivel que separava o pais dos restantes paises europeus e promover o seu ingresso no movimento geral de intensificayao do desenvolvimento verificado por todo o mundo. Alem disso, acentuavam-se as press6es dos industrialistas incentivando os investimentos nesta area da economia impondo tambem por parte do governo alguma sistematizayao. E sob estes aspectos que o I Plano de Fomento se insere, por ser urn «plano parcial restrito aos grandes investimentos a efectuar pelo Estado na agricultura, no reconhecimento mineiro, nas vias de comunicar;ao e nos meios de transporte e aos investimentos a fozer por particulares, com o auxflio directo ou indirecto do Estado nao so na agricultura e nos meios de transporte como em novas industrias e no desenvolvimento das industrias existentes». 3 Este Plano de Fomento destinase a cobrir o periodo entre 1953 e 1958 e «reflecte com bastante nitidez, nomeadamente pelo ecletismo dos projectos que contem, as contradir;oes e as hesitar;oes que caracterizam o momento da sua adopr;ao». 4 Continua, todavia preso, por urn lado a uma estrategia onde preponderam as press6es da grande lavoura, evidente ate ao final da II Guerra Mundial e por outro, pela definiyao de uma nova estrategia, a industrialista. Comudo, face as ambiguidades que o caracterizavam acaba por nao servir de forma eficiente nenhuma estrategia. 0 I Plano de Fomento, afirmou-se na expectativa dos seus principais responsaveis, como o prolongamento da Lei de Reconstituiyao Econ6mica, embora, tenha acabado por tornar-se em algo mais Nunes, Jacinto (1968), A Experiencia Portuguesa de Planeamento, Evora, in Ciclo de Conferencias sabre o III Plana de Fomento nos Esrudos Superiores de Evora, Economia e Sociologia, n. 0 5, P· 7. 3 Lei n. 0 2058 de 29 de Dezembro de 1952, preambulo. 4 Marques, Alfredo (1988), Politica Econ6mica e Desenvolvimento em Portugal (1926-1959), Lisboa, Livros Horizonte, p. 115. 2
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importante. 5 Havia corn efeito, de representar uma nova fase nos metodos de administra<_;:ao publica em Portugal, 6 ao promover a eficiencia daquela administra<_;:ao pela utiliza<_;:ao de urn instrumento que podia tratar conjuntamente alguns sectores e actividades respeitantes as necessidades de progresso econ6mico do pais face as suas possibilidades de financiamento. Prosseguiu, no essencial, corn os projectos anteriores ligados a infra-estruturas e a industrias de base inscrevendo outros tambem nestas areas, nomeadamente, no plano agricola, energetico e industrial. Este plano, apresenta entao uma «preocupa(:iio de perpetuar as estruturas existentes, admitindo como evolu(:tio um lento acompanhar de uma tendencia irreversivel»/ a da industrializa<_;:ao, embora, dentro de moldes muito limitados pois «nao que Portugal care(:a de industria de certa import!incia ( .. ) na grande maioria dos casos, porem, essas actividades destinavam-se e destinam-se ainda hoje a transforma(:tiO de materias primas e ao fobrico de bens de consumo. Diz a experiencia que essa e a primeira fose da industrializa(:iio, a que se segue progressivamente a cria(:iio de industrias metalomec!inicas e quimicas. Ora tanto pela li(:tio dos foctos, como pela necessidade de assegurar meios de trabalho apopula(:iio, e em igual sentido que temos de caminhar>>. 8 Por isto e embora limitado no seu ambito quanto a uma total voca<_;:ao para a industrializa<_;:ao rapida do pais, ele nao «deixa contudo de reflectir ( ..) a inadidvel necessidade desta industrializa(:iio, que a conjuntura do pos-guerra nao permitia continuar a iludir>>. 9 Assim, o modelo que se propunha visava mais a resolu<_;:ao de problemas do que a inova<_;:ao. Pretendia, resolver neste caso e no essencial, dois problemas prioritarios, o do baixo nivel de rendimento e o desequilibrio entre a popula<_;:ao e os fracos recursos naturais. Acrescia que o plano «optava pela alternativa do reequilibro interno englobando no conjunto as col6nias, mas imediatamente levantava uma preocupar;ao: a orientar;ao dos movimentos da popular;ao para as colonias era considerada uma op(:iio de longo prazo e que produziria efeitos de uma forma muito lenta». 10 Cfr. Salazar, Oliveira (1959), Discursos e Notas Polfticas V (1951-58), Coimbra, Coimbra Editora, Lda. Cfr. Relat6rio Final de Execur:ao do 1 Piano de Fomento (1953-58), Lisboa, Imprensa Nacional, 1959, p. 11. 7 Caetano, Miguel, Barata, J. P. Martins, Esteves, Maria Ceu e Pessoa, Vitor (1982), Regionalizar:ao e Poder Local em Portugal, Lisboa, Instituto de Estudos para o Desenvolvimento, p. 48. s I Plano de Fomento. 9 Marques, Alfredo (1988), Politica Econ6mica e Desenvolvimento ... , op. cit., p. 116. IO Caetano, Miguel et all (1982), Regionalizar:ao e Poder Local em Portugal, op. cit., p. 49. 5
6
INTERVEN<;:Ao SOCIAL, 31, 2005
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Joaquim Croca Caeiro
Pode dizer-se que «pretendendo inscrever-se numa linha de pura continuidade em relafiio apolitica econ6mica accionada pelo "Estado Novo" desde o inicio, o I Plana vai, contudo, demasiado longe para poder constituir uma expressiio genufna desta politica. Niio vai todavia, ate ao panto de poder significar uma alternativa a esta politica no sentido de operar a transformafiio estrutural da economia que ela contrariava. Noutros termos, este plana situa-se na transifiio da estrategia de imobilidade da alianfa agrdria-industrial para outra cujos contornos se encontram, por ora, ainda mal definidos. ( . .) Ele e, ( . .) o plana necessaria para que a economia e a sociedade possam permanecer, no futuro, o mais possivel pr6ximas do estado em que se encontram; constitui, ( . .) o plana possivel para operar uma mudanfa em etapas sucessivas porque contem o germe de uma nova orientafiio», 11 o que representa a primeira ruptura efectiva corn o status quo existente ate ao final da guerra. E se outra importancia nao tivesse este plano, ja era suficiente o ter proporcionado a primeira porta para a industrializa<;:ao do pais e para a golden age da economia portuguesa durante esta decada. Salazar, por seu lado assume tambem o protagonismo do impulso ao Plano de Fornento ao assegurar a ruptura corn o tradicionalisrno agricola, embora ao assurnir publicamente a necessidade de urn plano inovador porque «O momento econ6mico acusa certa depressiio, derivada sobretudo das pessimas colheitas do a no findo ( .. ) Estou, pm·em, convencido de que a execufiio do Piano de Fomento, cujos primeiros empreendimentos comefam a ser lanfados, vai ser elemento fortamente compensador destas tendencias depressivas ea vida nacional vai de novo animar-se em actividade, optimismo, novas riquezas e fontes de trabalho»Y E, justifica a falta de arnbi<;:ao industrialista ao salientar que «O Plana restringe-se na Metr6pole a meia duzia de industrias consideradas bdsicas pela sua import!tncia propria e repercussiio nas demais, e na produfiio e distribuifiio de energia ( . .) o incremento da industria terd de fozer-se e impulsionar-se>>. 13 0 I Plano de Fornento, no entanto, ainda nao e o corte radical corn os interesses rurais, porquanto, faz depender a industrializa<;:ao de urn necessaria crescirnento da agricultura, por se entender que a indus11 12
13
Marques, Alfredo (1988), Po!itica Econ6mica e Desenvolvimmto ... , op. cit., p. 117. Salazar, Oliveira (1959), Discursos e Notas Politicas V (1951-58), op. cit., p. 138/139. Id. p. 104.
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trializa<;ao maci<;a do pais, a ser exequivel, nao deveria ser prosseguida sem que se coloque a agricultura em condi<;6es de nos dar o maxima das suas possibilidades. 14 E esta a polltica do Estado Novo, dado o interesse em manter as suas bases sociais de apoio. 0 plano viria a tornar-se o primeiro de uma serie de instrumentos de polltica que potenciariam guiar 0 crescimento nos anos subsequentes. Do ponto de vista da sua formaliza<;ao, o I Plano de Fomento era urn conjunto de investimentos publicos, a que foram afectados recursos financeiros, pelos quais se procurava manter a situa<;ao de autarcia economica preconizada pelo Estado Novo. E coma meios de implementa<;ao privilegiada destas pollticas, socorreu-se do condicionamento industrial e da polltica agricola. Evidenciava-se assim, que nao havia no sector industrial uma estrategia global, mas apenas, urn retalho de industrias produtoras de energia, materias primas e materias ligeiramente trabalhadas, privilegiando-se a siderurgia, a refina<;ao de petroleos, os adubos, a folha de flandres, a celulose, o papel e a energia. Embora corn restri<;6es, o I Plano de Fomento que marca a transforma<;ao do discurso oficial de agrario em industrialista, apresenta como ideia central a necessidade de moderniza<;ao e industrializa<;ao do pais. Corn efeito, foi urn plano ÂŤparcial, um programa misto de investimentos publicos e privados tendo como finalidade elevar o nivel de vida e aliviar as pressoes demogrdficaS>>, 15 acentuando no entanto, urn caracter duplo e imperativo no tocante aos investimentos exclusivamente publicos e programatico no respeitante aos investimentos privados.
2. A revisao do I Piano de Fomento
Face a transitoriedade do caricter e respectiva parcialidade apresentado em associa<;ao corn uma deficiente analise e delimita<;ao or<;amental dos projectos conduz, passados dois anos, a necessidade de o Governo proceder a sua correc<;ao enviando em Abril de 1955, para a Assembleia Nacional, uma proposta de lei de revisao do Plano de Fomento. Em 14
Id. p. 105.
15
Nunes, Jacinto (1968), A Experiencia Portuguesa de Planeamento ... op. cit., p. 8.
]NTERVEN<;:Ao SoCIAL,
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Joaquim Croca Caeiro
primeiro lugar, tratava-se de procurar o ajustamento de ÂŤalguns dos valores
nele inscritos as realidades que a experiencia colhida nos dois primeiros anos e a conclusao de alguns projectos permitem apurar>>. 16 Reformulavam-se, por esta via, alguns criterios de investimento apresemados no piano original e ao mesmo tempo, reequacionava-se as verbas nele inscritas. A proposta apresenta urn conjunto de elementos estatisticos comparativos quer em rela<yao ao previsto e ao realizado ate entao, quer em rela<yao as novas propostas no sentido de assim se fundamentar, as quais tambem julgamos de utilidade reproduzir corn as necessarias adapta<y6es para se perceber corn evidencia o sentido da revisao do piano.
QUADRO I lnvestimentos no bienio 1953-1954 comparados corn os programas respectivos e proposta na revisao de 1955 (em milhares de contos) lnvestimentos na metr6pole
Previsto
Realizado
Diferenps
Revisao 19 55
663,4
I- Investimentos na Agricultura: 190
150,6
- 39, 4
110,8
96
- !4, 8
464
50
21,5
-28,5
196,553
1387
1379,5
- 7,5
4931,4
83
10
-73
370
3) Refinac;ao de petr6leos
280
693,6
+ 413,6
743,6
4) Adubos azotados
75
16,9
- 58,1
180
5) Folha-de-flandres
50
-
-50
6) Celulose e papel
-
63
+3
63
217,6
98,7
- 118,9
1442
544
483,3
- 60,7
1952,6
76
50,9
- 25,1
333
160
-
- 160
160
I) Hidraulica agricola 2) Povoamento Florestal Colonizac;ao interna II - lnvestimentos na Industria: I) Electricidade: 2) Siderurgia
Ill - lnvestimentos nas comunicac;6es e transportes I) Portos 2) Aeroportos, caminhos ferro, marinha mercante aviac;ao civil, correios, telegrafos e telefones IV
Escolas Tecnicas
V- Cnidito Ultramarino
Fonte: Proposta de lei de revisao do Piano de Fomento, in Diario das Sess6es n. 0 89 de 2 de Abril de 1955 (Adaptado) IG
Diario das Sess6es n. 0 89 de 2 de Abril de 1955.
lNTERVENc;Ao
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A rev1sao do Plana de Fomento, permmu ao Governo rever a sua politica de investimentos e o aliviar da pressao dos agricultores os quais reclamavam uma maior interven<;:ao na resolu<;:ao das crises registadas no sector, ainda que sem esquecer o refor<;:o das verbas no sector industrial.
3. 0 II Piano de Fomento 0 II Plana de Fomento (1959-1964), 17 marca em definitivo o arranque da industrializa<;:ao portuguesa em detrimento da agricultura, nomeadamente dentro dos moldes, coma era ate entao encarada pelos «velhoS>> corporativistas. E tambem corn o inicio do II Piano que decisivamente Portugal vai atravessar urn forte incremento em termos de desenvolvimento e crescimento econ6mico. Os investimentos publicos aumentam (54,5 %), (21 milh6es escudos no continente e 5 milh6es nas colonias). 18 0 II Piano, pretendia assim ultrapassar a visao que havia ficado do I Plana, o qual parecia urn simples mapa de investimentos. 19 Em face disto, «pretendia-se jd equacionar de forma conjugada algumas varidveis macroeconomicas. A grande linha de forfla era o lanflamento de uma politica de crescimento economico, dai decorrendo que a distribuifliiO das verbas exprime uma firme intenfliio: a de dar a mdxima importdncia as actividades produtivas. Portanto, o objectivo numero um seria a acelerafliio do ritmo de acrescimo do produto nacionab>. 20 Sem desdenhar a agricultura, o Piano envereda numa via clara de industrializa<;:ao, processo mais eficaz de conseguir a acelera<;:ao do crescimento do produto nacional e a melhoria do nivel de vida da popula<;:ao. 21
Aprovado pela Lei n° 2094 de 25 de Novembro de 1958. Cfr. Lains, Pedro (1994), 0 Estado ea lndustrializafiio ern Portugal, 1945-1990, Lisboa, Analise Social, Vol. XXIX (128), 4. 0 • 19 Cfr. II Piano de Fomento (1959-64). 20 Caetano, Miguel, Barata, J. P. Martins, et all (1982), Regionalizaf!iO e Poder Local ern Portugal, op. cit. p. 51. 21 Cfr. II Piano de Fomento (1959-64). 17 18
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Evidenciam-se do Plano quais sao os seus objectivos espedficos de que se salientam a acelerac;:ao do ritmo de crescimento do produto nacional, o aumento da produtividade do capital fixo, a melhoria do nivel de vida dos portugueses a garantia de emprego e a melhoria da balanc;:a de pagamentos. E, alem disso, fixa pela primeira vez «directrizes de po!ftica econ6mica tendentes a permitir orientd-lo nos sentidos mais uteis a colectividade>>. 22 0 Plano de Fomento, vem dar assim consistencia a politica trac;:ada pelo governo a qual marcaria toda a decada em questao nomeadamente, pela via do aumento das exportac;:6es, pela reduc;:ao das importac;:6es e pelo equilibrio do deficit da balanc;:a de pagamentos. Pode dizer-se que o II Plano «procurou apresentar um diagn6stico da economia portuguesa e a identificarao dos principais estrangulamentos ao seu desenvolvimento», 23 ainda que continuasse «a serum conjunto de programas de investimentos sectoriais, sem grandes preocuparoes de coordenarao entre eles. Alem disso, nem todas as areas da acrao governativa relacionadas com o desenvolvimento econ6mico eram abrangidas, embora se tenha incluido pela primeira vez os sectores do ensino e da investigarao». 24 0 mesmo Plano, tern ainda a prerrogativa de limitar a concorrencia da agricultura face a industria, de tal modo que, os investimentos feitos num e noutro sector, representam uma extraordinaxia diferenc;:a. Efectivamente, a industria assume um papel de superioridade em relac;:ao a agricultura apontando-se a esta, necessidade do redimensionamento da propriedade, o emparcelamento e o parcelamento rurais como determinantes para a promoc;:ao do seu desenvolvimento economico e social. 0 II Plano de Fomento, por outro lado, vem reduzir a intervenc;:ao do condicionamento industrial em conjunto corn a liberalizac;:ao do comercio externa durante os anos 60 no quadro da EFTA, pois nao fazia sentido continuar a reprimir a concorrencia entre os produrores nacionais quando 0 mercado interno estava cada vez mais aberto a concorrencia estrangeira e quando estava a aumentar a importancia relativa dos mercados da exportac;:ao, em que se enfrentava a concorrencia
Proposta de lei no 8, I! Piano de Fomento (1959-1964), Diario das Sess6es n° 36 de 12 de Abril de 1958. 23 Lopes, Jose Silva (1996), A Economia Portuguesa desde 1960, Lisboa, Gradiva, p. 284. 24 Id. Ibidem. 22
INTERVENc;Ao SOCIAL, 31, 2005
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internacional. 25 Todavia, os grupos economicos mais importantes, nao deixaram de pressionar o Governo no sentido da sua manuten<_;:ao e das suas concess6es. Antonio Champalimaud, Procurador na Camara Corporativa, aquando da elabora<_;:ao do II Plano, chama a aten<_;:ao para as dificuldades que podiam surgir para as empresas medias e grandes corn a redu<_;:ao do condicionamento industrial, porquanto «surge (. .. ) a interrogar;ao sobre a possibilidade de nos assegurarmos uma posir;ao de relativa igualdade nos acordos econ6micos internacionais, se entravarmos o normal desenvolvimento das maiores organizar;iJes industriais do Pais, se por constituirem estruturas de poderio - e e natural que isso aconter;a (. . .), se conceda autorizar;ao para novas instalar;oes ou alargamento de empreendimentos apenas quando sejam dimensionados em escala menor do que a projectada, se esta exceder largamente o minima determinado para a . d'ust rza . ( ... ) ». 26 m Nao e assim de estranhar que ainda em 1966 se tivesse dado « um novo passo em frente no sentido da formalizar;ao do regime legal do condicionamento industrial ao estabelecer-se o chamado condicionamento nacional para um certo numero de industrias de grande dimensao (DL n° 46666, de 24 de Novembro). Segundo este regime a instalar;ao de um estabelecimento fabril das industrias abrangidas, quer no territ6rio metropolitano, quer numa das colonias, requeria um processo que envolvia a possibilidade de oposir;ao por industriais de qualquer desses territ6rios e a apreciar;ao do pedido nao so pelo Ministerio da Economia, mas tambem pelo do Ultra mar>>. 27 Este diploma, muito dubio na sua formaliza<_;:ao, pois, ao mesmo tempo que dava novas dimens6es ao processo de condicionamento, criticava fortemente os argumentos que o justificavam, salientando a necessidade de o substituir por outras modalidades de polltica economica. No que diz respeito a industrializa<_;:ao o II Plano identifica a sua interven<_;:ao por duas formas. Por uma lado, continua a apostar na
25
Cfr. Lopes, Jose da Silva (1996), A Economia Portuguesa ... , op. cit. p. 277.
26
Pareccr subsididrio das sessoes de Pesca e conservas (subsecriio de Pesca) e lndtistrias tramformadoras (subsecroes de lndtistrias metaltirgicas, lndustrias quimicas e lndzistrias texteis) acerca do capitula If - Pesca e lndzistrias extractivas e transfonnadoras, Anexo II, Declara<;ao de voto, in Pareceres da Cdmara Cmporativa (VII Legislatura) Ano de 1958, Lisboa, 1959.
27
Id. Ibidem.
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reorganizac;:ao industrial, corn o objectivo de colocar as empresas em dificuldades em condic;:6es de competitividade corn a industria estrangeira no mais curto espac;:o de tempo. 28 Neste campo, a intervenc;:ao tinha como finalidades a satisfac;:ao das necessidades do mercado nacional e as exigencias dos mercados externos coma meios de acc;:ao a concentrac;:ao das unidades produtivas, a substituic;:ao de material obsoleto, ampliac;:ao, substituic;:ao ou expropriac;:ao de instalac;:6es, estabelecimento de regras de normalizac;:ao da produc;:ao e a adaptac;:ao de metodos de coordenac;:ao. Apresentava ainda como instrumentos, a assistencia tecnica, 0 credito industrial os incentivos fiscais e 0 condicionamento industrial. Por outro lado, clava preferencia a instalac;:ao de novas industrias as quais pudessem conduzir a urn maior emprego de mao de obra por unidade de capital investido que produzissem bens para a exportac;:ao ou substitutivos dos bens importados ou que aproveitassem materias-primas nacionais. 29 Para estas, o Estado oferecia ainda como regalias as mesmas que havia oferecido para a reorganizac;:ao industrial, ou seja, o condicionamento industrial, a concessao de facilidades no acesso ao mercado de capitais, a recomendac;:ao da prioridade de credito de fomento quando em concorrencia corn outras entidades, a concessao de assistencia tecnica gratuita e facilidades tribud.rias. Face as projecc;:6es que se definiam esperava-se urn acrescimo da procura interna, uma vez que a uma melhoria do nivel de vida propiciado por alterac;:6es no rendimento nacional devia corresponder necessariamente urn aumento da procura. Resultava daqui a necessidade do Governo em limitar esse aumento ou pelo menos controLi-lo pelo recurso a uma intervenc;:ao mais atenta no mercado nomeadamente atraves do aumento das exportac;:6es e pela reduc;:ao das importac;:6es. 10
28
29
30
Cfr. BASE VIII, Proposta de Lei n째 8, If Piano de Fomento, Diario das Sess6es no 36 de 12 de Abril de 1958. Cfr. BASE VII, Proposta de lei cit. Cfr. Projecto do ll Piano de Fomento, op. cit.
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0 quadro seguinte evidencia o que acabamos de referir.
QUADRO II DESENVOLVIMENTO ECONOMICO PROJECTADO PARA 0 PERIODO DO PLANO DE FOMENTO (1959-1964) 31 (Pre<;os de 1954)
1964
1959
Valores 59
Milh6es escudos
%
Milh6es escudos
o/o
54380 4080 58460
93 7 100
66800 5010 71.810
93 7 100
123 123 123
45010 6.650 10280 61940
77
11,4 17,6 106
51710 8370 12620 72700
72 11,6 17,6 101,2
115 126 123 117
-3480 58460
-6 100
-890 71810
-1,2 100
26 123
=
100
OFERTA: PNBcf ln~ostos lndirectos menos subsidios
PNBpm PROCURA: Consumo Privado Consumo Publico lnvesrimento lnterno Bruto PROCURA INTERNA SALDO DO MOVIMENTO COM 0 EXTERIOR DESPESA NACIONAL
Fonte: Proposta de lei n. 0 8, If Plano de Fomento (I 959-64), op. cit.
Resulta entao evidente a perspectiva governamental de prosseguir na instalac;:ao das industrias-base facilitar o estabelecimento de novas industrias transformadoras, promover a reorganizac;:ao das que ji existam, quando tal seja necessaria ao desempenho da sua func;:ao econ6mica, proporcionar energia electrica, os transportes e as comunicac;:6es necessirias ao desenvolvimento das actividades produtivas, e finalmente preparar a mao-de-obra especializada e alentar os estudos de investigac;:aoY Quanta ao financiamento do Plano, o Governo apresentava como fontes principais, o Orc;:amento Geral do Estado (6.500.000 cantos), o recurso as instituic;:6es de credito e particulares (6.550 cantos), 0 credito externa (6.500 cantos) e outras instituic;:6es (6.650 cantos). 31
32
0 quadro mostra os numeros absolutos e respectivos valores percentuais a par dos n{unerosfndices relativos a cada rubrica em 1964, tomando coma base os valores de 1959, primeiro ano do Piano. Cfi: Projecto do If Piano de Fomento, ... op. cit.
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QUADRO Ill PLANO FINANCEIRO PONTES
Milhares de Contos
1) On;:amento Geral do Estado
6500
2) Fundo de Fomento Nacional
400
3) Institui<_;:6es de Previdencia
1800
4) Institui<_;:6es de CnSdito e Particulares
6550
5) Empresas Seguradoras
250
6) Autofinanciamento a) Privado
1880
b) Publico
1880
7) Outros Recursos Internos
240
8) Credito Externa
6500 26000
Total Fonte: Proposta de lei n. 0 8, If Plano de Fomento (I 959-64), op. cit.
Quanta aos principais grupos industriais, socorreram-se na maioria dos casos de politicas de autofinanciamento e de dividendos baixos para sustentar o seu crescimento e adquiririam capacidade de investimento. E evidente que esta polftica, segundo Champalimaud na declara<_;:ao de voto na Camara Corporativa, 33 em que «a) e de facto incontestado que no Pais (. . .) 0 autofinanciamento representa um papel primordial, indispensdvel a vida e ao crescimento das empresas, especialmente das de media dimensao, pais que para as grandes (. . .) se canalizam com preferencia os recursos do Tesouro, da previdencia e do publico. Nao podem, por isso, os industriais deixar de olhar com apreensao as referencias que na prdtica conduzam a medidas de severa fiscalidade ou de exagerada limitar;ao de lucros». 34 Desta forma, «entende-se portanto, que 33 34
Parecer subsididrio das sessi5es de Pesca e conservas ... op. cit. Id. Ibidem. lNTERVENc;:Ao SOCIAL,
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dada a import!incia da empresa media na manutenr;iio e progresso de uma estrutura economica, qualquer redur;iio da sua capacidade normal e tradicional de autojinanciamento e extremamente arriscada» 35 pelo que «qualquer margem de lucro disponivel para a/em da normal remunerar;iio e reintegrar;iio do capital e obtida atraves de uma visiio industrial, eficiencia de trabalho e o penoso esforr;o de cada um seja retirado da circular;iio da empresa, impedindo-lhe assim, o seu autojinanciamento e consequente expansiio (. . .) niio so se ajigura politica injusta, como altamente destimulante para o desenvolvimento economico portugueS>>. 36 No mesmo sentido, o industrial critica aquilo que considera ser a intervens;ao exagerada do Estado na vida das empresas privadas, o qual a continuar dessa forma corria o risco de se tornar num intervencionismo politico patol6gico para a vida empresarial colocando em causa a capacidade de crescimento das empresas. Outra declaras;ao de voto importante que acompanha o parecer da Camara Corporativa eo de Jorge Botelho Moniz, representante do grupo CUF e que, nesse momento, se encontrava «em aberto conflito com o grupo Sacor a proposito da ampliar;iio da industria de adubos azotados. 37 0 tema da concentras;ao de poder econ6mico em grupos industriais privados e urn dos temas fundamentais deste periodo e do pais conduzindo tais grupos as politicas "convenientes" para se posicionar o melhor poss1vel para esgrimir os seus interesses junto do poder. Botelho Moniz, em prolongada declaras;ao de voto, vai ao fundo do problema da industria em Portugal, fundamentalmente quanto a concentras;ao e condicionamento industrial. Para o Procurador, «para conseguir progresso industrial rdpido e efectivo niio pode sufocar-se o espirito de iniciativa das empresas, mormente quando se baseia em longa experiencia, organizar;iio tecnica constantemente actualizada, estudos permanentes dos problemas ou dinamismo e possibilidades de realizar;oes sobejamente demonstradas. 2) Para obter produtividade rendabilidade e custos baixos de produr;iio, a economia de escala conduz, sem duvida alguma, como solur;iio unica a 35
36 37
Id. Ibidem. Id. Ibidem. Ribeiro, Jose Felix, Fernandes, Lino Gomes e Ramos, Maria Manuel (1987), <<Grande indzistria, banca e grupos financeiros- 1953-73>>, in Andlise Social, vol. 23, n. 0 99, p. 965.
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existencia de grandes unidades industriais que adoptem processos tecnicos e econ6micos provadamente ejicazes. (. . .) as solu~ifes encontram-se atraves de grandes unidades ou de concentra~ifes industriais importantes que por excederem as necessidades de consumo do mercado interno, sao naturalmente dirigidas para a exporta~ao.» 38 Por tudo isto isto, torna-se obvia a necessidade absoluta, de poderio econ6mico das empresas. E «0 poderio econ6mico, por si proprio, nao constitui mal. (. . .) E nao se compreende que adeptos sinceros da organiza~ao corporativa possam acreditar que o poderio econ6mico seja mais perigoso na democracia organica do que na economia liberal>>. 39 Para tanto, como solus;ao do problema, indica entao, a «defesa efectiva dos quadros concorrenciais simultanea com a existencia de empresas de forte poderio econ6mico e sujiciente equilibrio de produ~ao», sendo que «qualquer programafiiO da industria de adubos fosfotados, azotados e potdssicos (simples, mistos e compostos) partird fotalmente do que jd existe flito ou em cursos de instalafdo para atingir organiza~ao mais amp/a, mais equilibrada e mais eficiente integrada no conjunto da economia naciona£>>. 40 Quanto as realizas;6es, pelo menos do ponto de vista da industria nacional, o II Piano de Fomento, ultrapassa largamente o proposto.
4. 0 Piano Intercalar de Fomento A formula politica, que assegurava a estabilidade do regime portugues estava a esgotar-se. E, por esse motivo, parece surgir a necessidade do Piano Intercalar de Fomento (1965-67). 41 Efectivamente os tres anos de vigencia do plano intercalar «sao os de balan~o e esfor~o derradeiro de concilia~ao da integra~ao de Portugal na AECL e da constru~ao do mercado unico nacional». 42 Assim, o Piano Intercalar representa a mudans;a sendo sua preocupas;ao essencial garantir a expressao de uma politica econ6mica realista traduzida na determinas;ao de assegurar a necessaria coordenas;ao 38
Parecer mbsididrio das sessoes de Pesca e conservas, op. cit. p. 753/754 .
Id. p. 754. Sublinhado no originaL Id. p. 754/755. 41 Aprovado pela Lei n° 2123 de 14 de Dezembro de 1964. 42 Nunes, Ana Bela e Brito, Jose Maria Brandao de (1990), «Po!ftica econ6mica, indmtrializafdo e crescimento», in Nova Hist6ria de Portugal, Ed. Joel Serrao e A. H. Oliveira Marques, Vol. XII, cap. VII, p. 330. .19 40
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entre as exigencias da defesa e os objectivos do fomento econ6mico. Como e evidente, e tambem sua preocupac;:ao a questao da defesa e principalmente o problema do esforc;:o econ6mico-financeiro que ela implicava e cujas consequencias comec;:avam a ser problematicas. 0 objectivo fundamental deste Plano lntercalar era o de ÂŤacelerar o ritmo da expansiio economica de forma que o Pais atinja o estddio de desenvolvimento e se aproxime rapidamente dos nfveis de progresso dos pafses evoluidos da Europa OcidentalÂť. 43 Tal como aconteceu em relac;:ao ao II Plano, a inovac;:ao foi parte integrante tanto ao nivel da metodologia utilizada, como ao nivel das estruturas tecnicas e administrativas responsaveis pela respectiva elaborac;:ao e execuc;:ao. 0 resultado, saldou-se por uma ampla informac;:ao e a possibilidade de elaborac;:ao de urn plano global para o continente concebido como urn esquema orientador da evoluc;:ao da respectiva estrutura econ6mica o que acontecia pela primeira vez. Todavia, para o Ultramar e justificando corn o estadio desigual de desenvolvimento, apenas e (( um agregado de projectos de investimentos prioritdrios com forte predomfnio do sector publico na hierarquia das necessidades a satisfozm>. 44 E deste modo, urn plano nao imperativo no que respeitava ao sector privado, mas, que se tornou num verdadeiro indicador para a iniciativa privada, a quem atribui o papel decisivo para o desenvolvimento econ6mico do pais. Por outro lado, pretendia ser urn instrumento eficiente de coordenac;:ao das varias actividades econ6micas e urn conjunto sistematizado de linhas de orientac;:ao para a politica que conduzira a formac;:ao de uma autentica economia nacional no espac;:o portugues. Quanta aos objectivos principais estabelece a acelerac;:ao do ritmo de acrescimo do produto nacional acompanhada de uma repartic;:ao mais equilibrada dos rendimentos formados. 45 Este objectivo, sujeitar-se-ia a coordenac;:ao do esforc;:o de defesa, a manutenc;:ao da estabilidade financeira interna e da solvabilidade exterior da moeda nacional e ainda ao equilibrio do mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, estabelece dados inteiramente novos na politica do governo, como sejam, a intenc;:ao de fazer face a 43
44 45
Cortes, Ulisses, lntervenriio na Assembleia Nacio11al, em 3 de Dezembro de 1964. Discussao na generalidade do Piano Intercalar de Fomento 1965-1967, in Diario das Sess6es, n. 160 de 4 de Dezembro de 1964. Id. Ibidem. Cfr. Id. Ibidem.
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poss1ve1s press6es inflacionistas a prop6sito da estabilidade financeira interna e do mercado de trabalho. Ao nivel da sua programac;:ao global, salienta-se o estabelecimento de « uma contabilidade nacional prospectiva, assentando nu m conjunto de hip6teses, das quais depende evidentemente o realismo e a utilidade das projec(ifeS>>. 46 Para alem disso, ainda se organizou «O sistema de colheita de informa(iio e de proposi(iio de orienta(ifes, de modo a combinar o trabalho dos tecnicos de programa(iio, em gabinete com os conhecimentos das gentes prdticas, que vao sentindo, no dia a dia actuante o pulsar das actividades econ6micas e das inquieta(ifes sociaiS>>Y Salienta-se ainda que, na metodologia de programac;:ao sectorial, numa sequencia que ja vinha do II Plano de Fomento, atribuiu-se as industrias transformadoras, a par da construc;:ao e do turismo, o papel motor. Quanto aos criterios base pelos quais se realizaram os investimentos, o Plano apontava os seguintes tres: preferencias pelos empreendimentos de maior produtividade directa, preferencia pelas actividades de produc;:ao de bens e servic;:os susceptiveis de promover a substituic;:ao das importac;:6es e a preferencia pelas infra-estruturas que melhor pudessem contribuir para o alargamento do potencial produtivo da populac;:ao. 48 0 Plano intercalar nao abandonou, no entanto, a ideia de impedir as concentrac;:6es industriais que havia sido criticada asperamente por Champalimaud e Botelho Moniz, mas, pelo contrario continuava a procurar evitar os inconvenientes das excessivas concentrac;:6es industriais e favorecer a criac;:ao de novos «p6los de desenvolvimento» geradores de multiplos nucleos de progresso econ6mico e social capazes de assegurar a recuperac;:ao de zonas em declinio ea valorizac;:ao da vida rural. Todavia, o destaque fundamental continua a ser para a industria, no ambito da qual preve urn investimento de 43% do total dos investimentos previstos, seguido dos transportes e comunicac;:6es e da energia respectivamente corn 18 e 16%. A agricultura continua a decrescer em temos de imporrancia e em montante de investimento o qual foi apenas de 8,2%. Pm·ecer acerea do projecto de proposta de !ei n° 504/VIII, sob re o Piano Intercalar de Fomento para 1965-1967, in Pareceres da C!imara C01porativa (VIII Legis!atura) Ano de 1964, Lis boa, 1965. 47 Id. Ibidem. 48 Mostrava a aposta clara no equilibrio da balan<;:a comercial assim como no aumento do investimento. 46
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Em rela<;:ao ao sector industrial, da-se entao prioridade as indt'1strias metalurgicas, metalomed.nicas e de material electrico, cujos investimentos ultrapassam em 25 % do total. Tambem os sectores da electricidade transportes e habita<;:ao estao em destaque perfazendo corn a industria cerea de 70 % dos investimentos. Finalmente em termos de polftica industrial assumem-se claramente dais pressupostos, urn deles ao nivel do papel considerado fundamental da iniciativa privada e 0 outro face as exigencias da concorrencia externa decorrente quer dos acordos estabelecidos no ambito do GATT, quer da adesao a EFTA. Por estes pressupostos, o objectivo centra-se no fortalecimento da estrutura empresarial, atraves de medidas, coma o condicionamento industrial que continua a revelar-se contradit6rio e o recurso ao credito externa e aos servi<;:os de empresas estrangeiras para efeito de reorganiza<;:ao empresarial. Destaca-se a preocupa<;:ao corn a localiza<;:ao das unidades industriais, reflectindo ja alguma preocupa<;:ao corn o planeamento regional, embora isto s6 se evidenciasse corn clareza no Ill Piano de Fomento. Aqui a preocupa<;:ao ainda e corn as instala<;:6es de grandes p6los industrias, de que Lisboa e Porta sao exemplo.
5. 0 Ill Plano de Fomento 0 Ill Piano de Fomento(1968-1973), tern em vista «assegurm~ sem solU!;iio de continuidade nem quebra de ritmo, o progressivo desenvolvimento economico-social da Nar;iio», 49 prevendo-se de imediato que ele possa abranger urn periodo hexenal, mas a «dificuldade de nas condir;oes actuais, poder programar-se com seguranr;a para os pr6ximos seis anos aconselha que se proceda a revisiio do Plano no termo do seu trienio, sem prejuizo das adaptar;oes a efictuar nos programas anuais, de harmonia com a evolur;iio da economia nacional». 50 0 Ill Piano de Fomento marca em definitivo, o aparecimento de uma estrutura 49
5°
altamente
tecnocratizada,
ligada
quer
ao
dirigismo
Projecto de Proposta de Lei 11. 0 4/!X- Ill Plano de Fomento para 1968-1973, Diario das Sess6es, Suplemento ao n. 0 88, 7 de Novembro de 1967, Preambulo. Id. Ibidem
lNTERVENC,~Ao SOCIAL,
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I Joaquim Croca Caeiro
governamental, quer a gestao dos grandes grupos economicos, acentuando ao mesmo tempo, uma tendencia liberalizante e modernizadora da sociedade portuguesa. Ressaltam-se neste dominio «a defesa de uma
mentalidade produtivista, a necessidade de se levar a prdtica uma politica expansionista voltada para o mercado externo e ao mesmo tempo, que permita fozer foce a concorrencia estrangeira, a substituir;iio de medidas de proibir;ao por uma prdtica de incentivos, a convicr;iio, enfim, de que os principais problemas existentes poderiam ser resolvidos atraves de medidas de cardcter essencialmente tecnico, representam algumas das linhas mestras que norteariio as actuar;oes dos grupos agora dominanteS>>. 51 Para alem da orienta<_;:ao de inclusao na lei dos objectivos gerais do plano articulando duas finalidades, a acelera<_;:ao do ritmo de crescimento do produto nacional e a reparti<_;:ao mais equitativa do rendimento acresce a necessidade de correc<_;:ao progressiva dos desequilibrios regionais. Quanto ao que se relaciona corn os aspectos metodologicos, sao de assinalar tres aspectos importantes:
«a) o rtlargamento da colaborar;iio entre as entidades pttblicas e privadas nos trabalhos preparatorios do plano; b) a introdur;iio explicita no plano dos problemas relativos ao desenvolvimento regional,· c) a definir;iio de um modelo de crescimento e a respectiva elaborar;iio de projecr;oes para as economias das provincias de Angola e Mor;ambique>>. 52 Para alern de tais aspectos previa-se tambem e face a existencia de possiveis perturba<_;:oes economicas provenientes do conflito entre zonas corn diferentes graus de desenvolvimento, a inclusao de urn conjunto de medidas de «correcr;iio dirigidas a origem das perturbar;oes que se verificam,
perturbaf·i5es que alem do mais, siio inconvenientes para a propria prossecur;iio do objectivo final que se tem em vista- a integrar;iio economica». \l Em termos de investimentos, o III Plano considera como priorira.rios tres sectores de actividade que sao a saude a agricultura e a educa<_;:ao. Em conjunto, a prioridade que se lhes concede resulta directamente das carencias graves corn que se defrontam. Panicularmente e no caso da 51
52
S.l
Ferrao, Joao (1987), Indtistria c Valorizariio do Capital. Uma Andlise Geogrdjicrr, Lisboa, Universidadc de Lisboa, lnstituto Nacional de lnvestiga<;ao Cientffica, p. 1211122. Nunes, Jacinto (1968), A E>.:perif!ncia Portuguesa de Planertmcl!to, Evora, in Economia e Sociologia- Estudos Eborenses, 11. 0 5, !SESE, p. 12.
Id. Ibidem. lNTF.RVF.Nc,Ao Soc:L\1., 31, 2005
Os Pianos de fomenro Nacional no conrexto do desenvolvimcnro econ6mico nacional no p6s guerra
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saude a prioridade justificava-se sem grandes delongas, do ponto de vista economico e social, e afirmando-se como urn sector «de relevancia essencial e que pode dizer-se (e) o alicerce por excelencia do proprio processo de desenvolvirnento econornico, pois o homem estd no principio e no fim de todo este processo». 54 No respeitante a agricultura, a prioridade e evidente por ser o sector que apresentava uma menor repercussao de investimentos nos anteriores planos e p01·que, o seu desenvolvimento se tinha verificado corn atrasos em relac;:ao aos restantes sectores, alem da «necessidade de atenuar algumas tensoes que pesam sobre o meio rural, como o acentuado exodo da popularao e as insuficientes capitaroes do produto». 55 Reconhecia assim o Governo por intermedio do III Plano que era indispensavel empreender urn esforc;:o de «colaborariio entre o Govemo ea lavoura no sentido de veneer a estagnariio do sector nos ultimos anos e caminhar resolutamente para uma intensificariio do ritmo de crescimento, com base em investimentos substancialmente acrescidos em in_fi'a-estruturas e serviros de apoio». 56 Quanto aos investimentos na educac;:ao, eles justificavam-se pela necessidade de elevac;:ao do nivel geral da mesma para a preparac;:ao da qualificac;:ao tecnica da mao de obra no sentido de fazer face as exigencias da concorrencia internacional. Quanto a estrategia de desenvolvimento, as prioridades vao para as industrias transformadoras, de construc;:ao e de turismo. Aqui, o plano salienta o caracter por considerar que estas actividades se devem equacionar como motores do desenvolvimento economico, ou seja, seria atraves delas que seria possivel impulsionar 0 desenvolvimento economico imediato. Por outro lado, «seleccionam-se as actividades que deftontam neste momento problemas graves e requerem acriio particularmente energica para os resolver». 57 0 sector das «industrias transforrnadoras destaca-se do conjunto dos sectores motores, pois desempenha papel fundamental na transformariio estrutural da nossa economia, cabendo-lhe ainda efeito dinamizador sobre Projecto do Ill Plana de Fomento (1968-1973), Lisboa, INCM, 1967, p. 36. Id. p. 59. 56 Projecto do Ill Plana de Fomento (1968-1973) ... op. cit., p. 36. 57 Salgueiro, Joao (1968), 0 Ill Piano de Fomento, Objectivos e Condiroes Gemis de Rm!izariio, Evora, in Econornia e Sociologia- Estudos Eborenses, n. 0 5, !SESE, p. 34. 54 55
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sectores cujo crescimento e arrastado pela expansao industrial>>, 58 tendo tambem reflexos directos sabre o produto e o rendimento. Em face disto, preve-se urn crescimento a taxa media de 9% anual em termos de prodw;:ao revestindo ligeira acelera<;:ao em rela<;:ao ao Plano Intercalar, no qual a taxa rondou os 8%. Por outro lado, o aumento de produ<;:ao, implicad. segundo as projec<;:6es do Plano, o «emprego nas industrias transformadoras ( . .) de mais de 90.000 pessoas entre 1967 e 1973, ao que corresponde a taxa media anual de aumento de 1,7%- contra + 1,9% nos treze anos anteriores. Mas alem de crescer em numero, aumentard em eficiencia a mao-de-obra industrial, projectando-se um ritmo anual media da produtividade de 7,2% (contra 6,2% nos anos de 1953-66)». 59 Ainda em rela<;:ao a este sector, verifica-se que a acumula<;:ao de capital no sector «exprime-se pelos 52 milhoes de cantos (a prer;os de 1963) que se projecta investir nos seis anoS>>, 60 embora o volume do numero nao possa ocultar que o ritmo de acumula<;:ao baixad. para 9% contra os +13,8% ano entre 1953 e 1966. A indt'1stria de constru<;:ao por seu lado, a que tambem se atribuiu papel motor, apresentara ritmo provavel de acrescimo - 9 por cento directamente determinado pelo esfor<;:o de investimento. 0 turismo apresenta o seu significado maior no que se refere a balan<;:a de pagamentos externos, alem de algumas incidencias regionais localizadas. Por outro lado, ambos os sectores apresentam urn dinamismo de expansao corn taxas de crescimento medio anual perto dos 8 a 9% na industria e cerea de 20 o/o no turismo. Estes sao ja niveis de desenvolvimento «suficientemente elevados para se considerar que o processo se encontra em curso, havendo apenas que dar-lhe continuidade e orientar;ao, criando ao mesmo tempo as condir;oes suficientes no que respeita a infraestruturas, enquadramento institucional e dotar;ao de foctores produtivos». 61 A estrategia adoptada no desenvolvimento economico a partir do III Plano de Fomento vai de encontro a «intenr;ao de assegurar o impulso a curto e media prazo a partir dos sectores em crescimento e de preparar a longo 58
Projtcto do Ill Piano de Fomento (1968-1973). .. op. cit., p. 60. Moura, Francisco Pereira de (1968), As !ndtistrias eo Ill Piano de Fomento, Evora, in Economia e Sociologia- Estudos Eborenses, n. 0 5, ISESE, p. 52. 6\J Id. Ibidem. 6\ Salgueiro, Joao (1968), 0 !!I Piano de Fomento, Objectivos e Condiroes Gerais de Realizar!io ... , op. cit., p. 34. 59
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Os Planos de Fomento Nacional no contexto do desenvolvimento econ6mico nacional no p6s guerra
1213
prazo a continuidade fundamental do processo de desenvolvimento, canalizando recursos em maior escala do que nos planos de fomento anteriores para as actividades em atraso, de modo a criar condir;oes futuras para novo arranque tecnoldgico e econdmico». 62
E sintomatico,
por outro iado, que o Ill Piano de Fomento, preveja que dos investimentos a reaiizar no territ6rio nacionai no seu periodo de vigencia, urn terc;:o tenha origem em capitais estrangeiros. Assim parece demonstrar que a nova politica industrial, que teria inicio cerea de dois anos depois se consubstancia claramente nesta tendencia para a vaiorizac;:ao da componente internacionai da economia portuguesa.
QUADROIV PONTES DE INVESTIMENTO Investimento Externa lnterno
Montante (milh6es contos)
Percentagem
16053 123050
13,1 76,9
Fonte: Projecto do Ill Plano de Fomento (1968-1973), op. cit. (Adaptado)
0 Ill Piano apresema ainda novas tecnicas «de projecr;ao econdmicas utilizadas e no ambito e variedade dos aspectos, globais e sectoriais, explicitamente tratadoS>>, 63 e para aiem disso, passou a tratar mais «explicitamente dos aspectos ligados ao financiamento, ao comercio externa, ao emprego e a produtividade embora o nzicleo operacional do plana continuasse a assentar sabre os programas de investimentos sectoriais relativos as actividades produtivas». 64 0 Piano apresenta ainda para aiem dos objectivos principais, objectivos secundarios. Estes tern por finaiidade a assunc;:ao de condic;:6es de equiiibrio que devem assegurar-se na iguai medida em que se maximizam os objectivos principais. Assim, temos coma condic;:oes de equiiibrio, evitar o aparecimento de desajustamentos de emprego, evitar desequilibrios da baianc;:a de pagamentos e press6es inflacionistas, procurar Id. Ibidem Lopes, Jose da Silva (1996), A Economia Portuguesa .. , op. cit. p. 285. 64 Id. Ibidem. 62
63
lNTERVEN<;:AO SOCIAL, 31, 2005
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maior coordena<;:ao das despesas de fomento e das despesas militares e facilitar a integra<;:ao dos mercados nacionais. E ainda possivel, concretizar as directrizes operacionais do Plana, a partir do conjunto mt'dtiplo de orienta<;:6es revelado pelos objectivos secundarios de cada sector e pelas ac<;:6es espedficas de investimento e politica econ6mica. Considera-se assim, em primeiro lugar o objectivo de acelerar o desenvolvimento econ6mico nacional corn as consequentes implica<;:6es nos diversos dominios especializados para o mais d.pido progresso econ6mico-social. "' Neste aspecto, a op<;:ao e a de acelerar o desenvolvimento a partir de urn crescimento programado do produto nacional a taxa anual de 7%, quando o mesmo cresceria por si so cerea de 5 a 5,5%/ano. A diferen<;:a dos 1,5 a 2 pantos percentuais, representaria assim uma altera<;:ao sensivel em rela<;:ao ao Plana Intercalar. Tal preocupa<;:ao era derivada da necessidade de ultrapassar o atraso econ6mico portugues. Em segundo lugar, aponta-se a necessidade de modernizar as nossas estruturas econ6micas, tornando-as competitivas face a concorrencia internacional. Aqui uma altera<;:ao e evidente, porquanto, procw路a afastarse do tradicional proteccionismo estatal para corn as industrias nacionais. Corn efeito, reconhece-sc por cstc objectivo, que as grandes industrias nacionais, coma a siderurgia, as quimicas basicas, as de celulose etc., nao podem desenvolver-se em espa<;:os exclusivamente nacionais, sendo-lhe necessaria recorrer a forma<;:ao de economias de escala, 0 que apenas e possivel em espa<;:os de maior dimensao e atraves de melhorias na organiza<;:ao administrativa, na investiga<;:ao e desenvolvimento e na comercializa<;:ao. Para alem de tudo isto, reflectem-se aqui as fortes press6es migrat6rias verificadas no pais por esta altura, corn repercuss6es drasticas na oferra de mao-de-obra. Esta situa<;:ao, alias, apenas apresentava solu<;:ao a partir do estabelecimento pelas empresas em Portugal de maior aproxima<;:ao as condi<;:6es de emprego e de remunera<;:ao oferecidas pelas empresas concorrentes das regi6es ja desenvolvidas. Deste modo, ao contrario do que tinha sido preconizado ate entao em Portugal, o que importava era ao inves de limitar a instala<;:ao de empresas mais produtivas c,, Cfi-. Salgueiro, Joao (l%8), 0 Ill Piano de Fomento, Objectivos e Condiroes Gem is de Rea!izariio .. ., op. cit., p. 24. 1:\TFR\TC:c;:Ao
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«assegurar que as estruturas das actividades nacionais, os seus custos e as condir;oes de qualidade e comercializar;ao dos produtos sejam equivalentes as normas correntes nos paises industrializados»/' 6 Em terceiro lugar, apresenta-se a necessidade de procurar urn desenvolvimento equilibrado, entendendo-se como desejavel o crescimento equilibrado, quer em relac,:ao as condic,:oes de vida dos diferentes grupos da populac,:ao, quer no que respeita as condic,:oes de progresso nas varias regioes do pais. Este dom!nio e inovador no plano, nomeadamente no que concerne as condic,:oes de vida das populac,:oes, atraves da politica social. 67 A politica de rendimentos 68 e uma das principais novidades, ainda que fique aquem do realizado em outros pafses, tais como, a Holanda, a Suecia ou a Franc,:a, e nao se possa considerar como uma verdadeira politica de rendimentos, mas que corresponde a urn dos grandes objectivos do plano, que c o de procurar obter mais equitativa repartic,:ao do rendimento nacional.w 0 que ressalta e a inscric,:ao de alguns objectivos a alcanc,:ar e sao definidas algumas linhas orientadoras em termos gerais, considerando-se assim que a distribuic,:ao dos frutos do desenvolvimento econ6mico deve fazer-se de acordo corn criterios de justic,:a ap6s ponderac,:ao das exigencias da efid.cia produtiva. Pretende tambem inscrever a problematica do emprego e os problemas no trabalho, nomeadamente porque como «consequencia do proprio processo de desenvolvimento, da intensificar;ao da concorrencia intemacional e dos movimentos de integrar;ao europeia, os aspectos da produtividade dos foctores - em especial da mao-de-obra -tendern a ocupar posir;ao dominante entre as preocupar;oes dos empresdrios. A rnelhoria da produtividade do trabalho exige porem, niveis de instrur;ao, geral e profissional, satisfot6rios, que cumpre proporcionar d generalidade dos trabalhadores».- 0 Resulta entao a necessidade de articular as politicas de emprego atraves da correcc,:ao da escassez de mao-de-obra qualificada na industria e nos servic,:os e corn excesso no sector primario, mantendo-se, todavia a preocupac,:ao corn os dois outros problemas, 0 exodo rural e a emigrac,:ao. 66 67 68
69
Id. p. 28. Cfr., Projecto do Ill P!f!no de Fomento (J968-1973) ... op. cit. Cfr., Id. Id. p. 340.
-o Id. Ibidem.
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Veja-se o quadro que se segue, quanto as variac;6es medias de emprego, no periodo de vigencia dos Planos de Fomento.
QUADROV VARIAc;6ES MEDIAS ANUAIS DO EMPREGO VizritlfOCS medias anuais de activos
1953-1964 Sectores
Milhares
Prirnario
-18,2
1964-1967
Tcrciario
19 8,6
o/o -1,4 2,3 1
Total.. ...........
9,4
0,3
SecumHrio
1967-1973
Milhares
o/o -3,5 1,7 1,8
Milhares
-39,8 17,2 16,4
-35,7 21,8 29,4
o/o -3,6 2 2,9
-6,2
-0,2
15,5
0,5
Fonte: Projecto do !If Piano de Fomento (1968-1973), op. cit.
As implicac;6es da polftica social, sao particularmente visiveis na formac;ao profissional, tendo neste caso em atenc;ao todo o conjunto de actividades voltadas para a formac;ao acelerada," 1 criando maiores facilidades as camadas nao especializadas. Para alem desta, devem referirse as implicac;6es ao nivel da melhoria das estruturas e relac;6es nas empresas, no aperfeic;oamento da organizac;ao sindical e o conjunto de medidas tendentes ao fomento e criac;ao de infra-estruturas publicas indispensaveis na educac;ao, saude previdencia social, habitac;ao e melhoramentos rurais.
-r De referir que este tipo de formac;ao, reve inicio em Portugal em Agosto de 1962, coma criac;ao do Instituto de Formac;ao Profissional Acelerada, cujos objectivos, se inscreviam numa 6ptica de pleno emprego, e que consistiam no essencial, na qualifica-;:ao profissional das pessoas desprovidas de profissao; reclassificac;ao dos profissionais que tivessem sido transferidos para novas actividades que pressupuscsse reaprendizagem profissional; ea readapta<;ao ou ensino dos diminuidos fisicos que por forc;a dessa diminuic;ao, nao pudessem continuar no desempenho da actividade anterior. E apresentava como prop6sitos «os anseios de dignificar!io hzmzana que aca!cntam os eojor(os tendentes a ret~daptaf·!io e ensino dos dimirwldos fisicos ea rec!assifica(!io dos tmbalhadores adultos,JiJI"ftldos em estddio auanrado da ma existbzcia a mudar de profiss!io (..) (e) as medidas tendezztes a qualifica(!io profissioiltzl dos mbc!assiflmdos». Proenc;a, Jose Joao Gonc;alves de (1965), Um Novo Caminho pam o Progresso do Pais. A Formaf!iO Profissional Acelemda, Discurso do Ministro das Corporac;oes e Previdcncia Social, na Sessao Inaugural do Centra n. a l do !.F. P.A.
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Os Pianos de Fomento Nacional no conrexro do desenvolvimento econ6mico nacional no pas guerra
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Do ponto de vista dos equilibrios regionais, o Plano enumera, pela primeira vez soluc;:6es organicas e meios de actuac;:ao para as levar a cabo. No essencial o ÂŤobjectivo central de desenvolvimento regional pretende assegurar que as actividades novas (..) venham beneficiar de localizaflio descentralizada, mas segundo um criterio de polarizaflio num numero limitado de centros urbanos que equilibrem a atracf!iO preponderante de Lis boa e PortoÂť. 72 Finalmente, resta trac;:ar o quadro critico em relac;:ao ao Ill Plano de Fomento. Em primeiro lugar, a questao do programa de acc;:ao do sector publico se encontrar enquadradado por medidas de politica, sendo o resto integrado no sector privado. Em segundo lugar, face ao condicionamento industrial, pelo qual seria intenc;:ao do Governo cumprir durante o periodo de vigencia do Plano a orientac;:ao trac;:ada pelo decreto-lei n. 0 46.666, no sentido de proceder a restric;:ao tao d.pida quanto poss!vel do ambito daquele condicionamento. Todavia o texto perde-se em muitas considerac;:6es acerca da inutilidade e ate da injustificac;:ao actual daquelas regras, nao apresentando alternativas funcionais para a alterac;:ao do principio. Em terceiro lugar, face a reorganizac;:ao industrial apontam-se como caminhos preferenciais, as politicas de incentivos as pequenas e medias empresas, inscrevendo-se as formas de o fazer, todavia sem grande inovac;:ao, aguardando quem sabe pela nova politica industrial que estaria proxima. Em termos gerais, o ÂŤplano de desenvolvimento industrial apresenta metas vidveis, projecfoes consistentes, alguns projectos vultuosos discriminados, e um esquema de medidas de politica industrial em que se nota a preocupafliO de ligar a acflio dos vdrios departamentos e ministerios, e de iniciativas naopublicas, num todo coerente>>. 73 Em quarto lugar, pode considerar-se a tendencia extrapoladora do Plano, isto e, pouco mais faz do que analisar o passado fazendo-o incidir no futuro. Por este facto, o Plano, tal como aparece constitui a justaposic;:ao das tendencias e metas extrapoladas, das intenc;:6es da 72 73
Salgueiro, Joao (1968), 0 Ill Piano de Fomento, Objectivos e Condiroes Gerais de Realizarao ... , op. cit., p. 32. Moura, Francisco Pereira de (1968), As lndtistrias eo Ill Piano de Fomento ... op. cir. p. 56.
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realiza<;:ao pelo sector privado, e do invend.rio dos dominios em que o Estado precisaria de intervir pelo que a questao, «posta com total clareza, e esta: nao ha piano para o sector industrial». 71' Tal coma aconteceu corn os anteriores pianos, este continuou na senda dos «pianos meramente indicativos para 0 sector privado, cdiada a sa!vaguarda para esse mesmo sector dos empreendimentos na industria, e inconsequente a uma luz moderna de sistema econ6mico e das exigencias do desenvo!vimento nacional»/ 5 sendo por via disto que se afastam da elaborayaO do piano todos quantos sao interessados e teriam uma palavra a dizer sobre urn assunto que os penaliza de modo directo. A elabora<;:ao dos pianos de fomento ea deste nao foge a regra, resultou sempre de uma especie de acordo entre tecnicos, politicos e empresarios, deixando de fora a maioria dos portugueses permanecendo assim, arredados de uma realidade que lhe dizia directamente respeito. A dominancia em termos empresariais, estava agora centrada no capital industrial monopolista e financeiro, subordinando as restantes fac<;:oes de capital apresentando uma maior dependencia em termos de capitais estrangeiros, articulando-se o piano em grande parte no sentido da defesa do status quo desta situa<;:ao privilegiada dos grupos industriais e financeiros. Nao podemos deixar em claro, ainda no tocante aq Ill Piano, que duas das grandes realiza<;:oes de desenvolvimento econ6mico pensadas para Portugal, tiveram nele origem. Referimo-nos ao complexo industrial de Sines e a barragem para irriga<;:ao do Alqueva. 0 primeiro dos projectos, foi aprovado em 1971, escolhendo-se Sines coma o local ideal para a concentra<;:ao de indtlstrias de base. Quanta a barragem do Alqueva, 0 projecto foi aprovado em 1973 tendo coma objectivos principais o fornecimento de agua e energia ao complexo de Sines e a irrigas;ao de 135000 hectares de terra bem coma a «transformafiiO, em parte do clima seco do Baixo A!entejo, pe!a formafiio do mais comprido !ago artificial da Europa Ocidentctl, que se estenderia de Merto!a a E!vas, numa extensao de 140 km».- 6 Este projecto ficaria no esquecimento, por causa da revolu<;:ao de 25 de Abril, voltando a cerea de tres anos a surgir como objectivo determinante para o desenvolvimento do Alentejo, estando neste momento concluida. 7
4 70 76
Id. Ibidem Moura, Francisco Pereira de (1968), As lncltistrias eo Ill Piano de Fomento ... op. cit. p. Gl. Ferreira, F. A Gon~alves (Com·d.) ( 1985), 15 Anos da Hist6ria Recente de Portugal (1970-1984), Lisboa, p. 218. ];-.:I! R\Ti\~:Ao SOCIAL,
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Os Pianos de fomemo Nacional no contexro do desenvolvimenro economico nacional no pas gucrra
I 219
Bibliografia: (1959) Relat6rio Final de Ex:ecur;iio do I Piano de Fomento (1953-58), Lisboa, Imprensa Nacional BRITO, Jose Maria Brandao de (1989), A Industrializa~·iio Portuguesa no p6s-guerm (1948-1965). 0 Condicionamento Industrial, Lis boa, Publicac;:6es D. Quixotc: CAETANO, Miguel, MARTINS BARATA, J. P, CEU ESTEVES, Maria e PESSOA, Vitor (1982), Regionalizar;iio e Poda Local em Portugal, Lisboa, Instituto de: Estudos para o Desenvolvimento. ClSEP (1983-1984), Evolur;iio Recente e Perspectivas de Tinnsfonnar;iio da Economia Portuguesa, Lisboa, Centro de Investigac;:ao sobre a Economia Portuguesa (4 vols.) FERRAO, Joao (1987), lndtistria e Vaforizar;iio do Capital. Uma Andlise Geogrdfica, Lisboa, Universidade de Lisboa, Instituto Nacional de Investigac;:ao Cientifica. FERREIRA, F. A. Gonc;:alves (Coord.) ( 1985), 15 Anos da Hist6ria Recmte de Portugal (1970-1984), Lisboa. LAINS, Pedro (1994), 0 Estado ea lndustrializar;iio em Portugal, 1945-1990, Lisboa, Analise Social, Vol. XXIX (128), 4. 0 , 1. LOPES, Jose Silva (1996), A Economia Portuguesa desde 1960, Lisboa, Gradiva. MARQUES, Alfredo (1988), Politica Econ6mica e Desenvolvimento em Portugal, (19261959), Lisboa, Livros Horizonte. MOURA, Francisco Pereira de (1968), As Indtistrias eo Ill Piano de Fomento, Evora, in Economia e Sociologia- Estudos Eborenses, n. 0 5, ISESE. NUNES, Ana Bela e BRITO, Jose Maria Brandao de (1990), «Politica econ6mica, industrializar;iio e crescimento», in Nova Hist6ria de Portugal, Ed. Joel Serrao eA. H. Oliveira Marques, Vol. XII, cap. VII. NUNES, Jacinto (1968), A Experiencia Portuguesa de Pfaneamento, Evora, in Ciclo de Conferencias sobre o III Piano de Fomento nos Estudos Supcriores de Evora, Economia e Sociologia, n. 0 5. PINTADO, Xavier (1964), Structure and Growth of Portuguese Economy, European Free Trade Association, 1964. PROENC::A, Jose Joao Gonc;:alves de (1965), Um Novo Caminho para o Progresso do Pais. A Fonnar;iio Profissional Acelerada, Discurso do Ministro das Corporac;:6es e Previdencia Social. RIBEIRO, Jose Felix, FERNANDES, Lino Comes e RAMOS, Maria Manuel (1987), « Grande indtistria, banca e gmpos financeiros- 1953-73», in Andlise Social, vol. 23, 11. 0 99. SALAZAR, Oliveira (1959), Discursos e Notas Politicas V (1 951-58), Coimbra, Coimbra Editora Ld". SALGUEIRO, Joao (1968), 0 Ill Plano de Fomento, Objectivos e Condir;oes Gerais de Realizar;iio, Evora, in Economia e Sociologia- Estudos Eborenses, n. 0 5, ISESE * Nao se indica na bibliografia o amplo acervo de legislac;:ao consultada e citada nas notas de pe de pagina. lNTERVEN<;:AO SOCiAL, 31, 2005
Resumes I Abstracts
)C:JJR\'I:~c.:Ao SOCLIL,
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Cristina Montalvao SARMENTO
Cristina Montalvao SARMENTO
La Science politique, les politiques publiques et !'emergence des nouveaux concepts politiques
Political Science, Public Politics and the Emergency of New Politic Concepts
La science politique contemporaine est l'acquis de !'ensemble des reflexions et des analyses des phenomenes politiques muris au long de !'experience politique occidental. 1: ajustement de la science politique vers I' etude de action politique de l'Etat, a ouvert un nouveau secteur d 'etudes, qui en sens large, peut etre deflni comme I' analyse des politiques publiques. Nouvelles lectures des concepts traditionnels, lies a I' application de methodologies propres et une semantique particuliere, ont fait apparaitre des nouveaux concepts, qui, d' ailleurs, appliquent aussi aux Relations Internationales.
Contemporary political science is the product of the complex whole of analyses of political phenomena ripe along the occidental political experience. The adjustment to the study of political action, in particularly of the state, opens a new field of studies that can be defined as the study of public policies. New lectures of traditional concepts, allied to special methodologies and a particular semantic, had introduce new political concepts, even on the level of international relations.
Eduarda RIBEIRO
Eduarda RIBEIRO
La fragmentation du marche de travail: les defis souleve pour les nouveaux developpements
The fragmentation of the work market: the challenges raised for the new developments
Ce travail passe en revue les principaux concepts lieu ala segmentation du marche de travail et point pour les developpements qui, au niveau mondial, sont venus a operer clans la direction du renfort de la fragmentation de ce marche. Dans le cas du Portugal, on le considere que la segmentation du marche de travail est principalement reliee avec: le poids significatif de l'e-
The present work intents to review the main concepts connected to the segmentation of the work market and to point to the developments that, at a world level, have come to act in the direction of the reinforcement of the fragmentation of that market. In the case of Portugal, it is considered that the segmentation of the work market predominantly is related with: the
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lntervens:ao Social
conomie sans ceremonie et du travail non avoues; la croissance et la diversification des contrats d'emploi atypiques; la ressource grimpee jusqu'au travail immigre; e dessus la segregation au sexe. Quelques nombres ete presentes pour exposer !'evolution des facteurs aigus comme la clarification de la segmentation du marche travaillent Portugais. Cette evolution va clans la direction du renfort de cette segmentation, bien que sont registr路e quelques developpements qui avaient attenue le degre de segregation a trouve clans determines segments du marche de travail. Cette contestation souleve des defis a la conduction de la politique economique et sociale, en particulier clans le combat contre le chomage, la pauvrete et la discrimination, et il peut mettre en cause la cohesion sociale et l'efficacite sociale du systeme economique.
significant weight of the informal economy and the work not declared; the growth and diversification of atypical employment contracts; the increased resource to the immigrant work; and the segregation towards sex. Some numbers were presented with the intent of showing the evolution of the factors pointed as clarifying of the segmentation of the Portuguese market work. This evolution goes in the direction of the reinforcement of this segmentation, although it has been registered some developments that had attenuated the degree of segregation found in determined segments of the work market. This contestation raises challenges to the conduction of economical and social politics, in particular in the fight against the unemployment, the poverty and the discrimination, and can put in cause the social cohesion and the social effectiveness of the economic system.
Joaquim CAEIRO
Joaquim CAEIRO
Economie sociale : concepts, considerant theorique et defis de force
Social economy: concepts, theoretical recital and main challenges
Le papier cons acre a I' economie sociale, prevoit pour demontrer la dynamique conceptuelle que le thematique est joint, le visage aux contextes politiques, ideologiques, linguistiques et regionaux ou il est insere, donnant en meme temps un panorama sur son evolution et des perspectives au futur. I! prevoit toujours, neanmoins schema-
The paper dedicated to Social Economy, intends to evidence the conceptual dynamics which the thematic is attached, face to the politic-ideological, linguistic and regional contexts where it is inserted, giving at the same time a panorama on its evolution and perspectives to the future. It intends still, even so schematically, to evidence its theoretilo;TFR\TNc,:,\o SoCIAL,
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Resumes I Abstracts
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tiquement, pour demontrer son considerant theorique, une image typologique des organismes principaux et presenter finalement tels qui peuvent etre les defis principaux clans un avenir suivant, visage a !'attitude actuelle et future de l'etat et du marche.
cal recital, a typological picture of the main organizations and finally to present those that can be the main challenges in the next future , face to the current and future attitude of the State and the Market.
Ernesto FERNANDES
Ernesto FERNANDES
L'education eri tant qu'axe essentiel du developpement soutenu
The Education as essential axle of the supported development
Mon propos dans le present texte consiste amettre en perspective la derive et les dilemmes de !'education, et ce non seulement en tant que champ d'intervention des politiques sociales (sectorisees, fragmentees et bureaucratiquement administrees), mais aussi en tant qu'expression d'un Etat Social garant des droits economiques, sociaux et culturels, en association avec les droits civiques et politiques. Dans une telle perspective, il est important de depasser la conception de !'education comme instruction (l'ecole comme espace scientifique et technique) au moyen de !'articulation des formations etico-politique et esthetico-expressive. A certe fin, il devient urgent de semer et de construire une nouvelle culture au sein et avec la communaute ou societe civile, de fac;:on a legitimer l'Etat de droit democratique et a civiliser le marche global. La citoyennete participative et la democratie consideree en tant qu'habitus quotidien s'imposent comme but et dessein de !'education (formelle, non-formelle et informelle).
My intention in this text is to contextualize the dilemmas of education, while one of the fields of Social Policy (sectorial, fragmentary, burocratically administered) and while an expression of the Social State (welfare state) as a guarantee of the economic social rights, and the cultural rights, associated to the civic and political rights. In this perspective, it is important to overcome the concept of education as instruction (the School as a scientific and technical space) through the articulation of the political and ethical education and the esthetical and expressive training. For this purpose we need urgently to sow and to develop a new culture within and for the community or civil society to bring forward legitimacy to the democratic right state and to civilize the global market. The participant citizenship is recommended and the democracy as a daily "habitus" must be imposed as a design of education (formal, not formal and informal).
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!ntervem;ao Social
Paula CAIANO
Paula CAIANO
La politique de la sante - vieillissement et soins continus
Politics of Health - Aging and Continued Cares
Le vieillissement et les depenses avec la sante et les soins continuels semblent etre liees. Dans un contexte actuelle clans lequel da ÂŤ vielle >> Europe est toujours plus vielle, cela pose, entre autres, les questions de savoir en quelle mesure la population active peut-elle supporter une population de plus en plus agee. Les soins continuels, formels et informels, son importance actuelle et les perspectives futures, son au coeur de notre sujet, qui pretend encore evaluer la situation au Portugal tenant compte que !'evolution demographique accompagne !'Europe et pose les memes problemes.
Ageing and expenditures in health and long-term care appear to be highly related, witch in the actual context of an "old" Europe that will became older and older, raise questions like: who are going to support these spending when the number of workers per elderly drop? We try to provide an overview of the long-term care, the present situation and the future, and still what's happen in Portugal, since our process of ageing is similar to the European one.
Ivo Antunes DIAS
Ivo An tunes DIAS
Les nouveaux defis de la competitivite et des implications clans le travail
The New Challenges of the Competitiveness and the Implications in the Job:
Les globaux marches, sujet aux condition concurrentielle plus agressives, ont besoin des nouveaux et plus imaginatives entrepreneur reponses aux noveaux def!s de competitivite. Nonobstant les mineurs rythmes d' accroissement de la productivite pendants les dernieres 3 decades, modestes indices d' accroissement economique suggerent la redution du employment et la transformation clans le marche du tra-
Global markets, with aggressive concorrential conditions, require new and imaginative empresarial answers to face the emergent competitive challenges. Although the lower rhythms of productivity growth verified in the last 3 decades, modest rates of economical growth suggest a reduction in the employment and transformation in the job market, which traduces a growing segment9-tion of the job market and the INTERVENC,:AO SOCli\L, 31, 2005
Resumes I Abstracts
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vaille que traduit une crescente fragmentation du marche du travaille et 1'affirmation des divers contractes precaues. La globalisation alimente le peur d'une possible collision mundial entre les restricte classe des riches et dominateurs et le crescente masse des pauvres et les exclus.
affirmation of various forms of precare contracts. The globalization is feeding the fear of a possible mundial collision between the restrict number of rich and dominating people and the growing mass of poor and excluded people.
Maria Irene Lopes de CARVALHO
Maria Irene Lopes de CARVALHO
Abordage du service social a la politique des soins dans la vieillesse au Portugal
A boarding of the Social Service to the politics of cares in the oldness in Portugal
Le present texte pretend identifier et caracteriser la politique sociale de soins dans la vieillesse dans le contexte de l'actuel etat-providence Portugais, demontrant leurs fragilites et potentialites. I! analyse reponses sociales aux problemes traditionnels et les "nouvelles" problemes de la vieillesse, problematisable la maniere comme la societe portugaise satisfait les necessites des personnes les plus agees, surtout ce qui ont besoin de soins.
The present text intends to analyse the social politics of cares in the oldness in the context of the current Portuguese state, demonstrating its fragilities and potentialities. It analyzes social answers to the traditional problems and the "new" problems of oldness asking the way as the Portuguese society satisfies (... ) necessities of the people most aged, over all the ones that need cares.
Joaquim Croca CAEIRO
Joaquim Croca CAEIRO
Les plans de la promotion nationale dans le contexte du developpement economique national dans l'apres-guerre
The Plans of National Promotion in the context of the national economic development in the postwar period
Les plans de la promotion, que certains personnes ont prevu diminuer, alors mecanismes propulseurs de la economie
The Plans of Promotion, that some have intended to diminish, while boosters mechanisms of the national econo-
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nationale de 1' apres guerre, ont ici an abordage politicien-econ6mique embarquant clans la direction pour demontrer son importance clans le contexte politique ou ils sont inseres, les lacunes de cela malade et les objectifs qui si eu atteint pour son intermediaire. Avec l'effet, encore ce qui denote une claire dependance politicien-ideologique et un instrument au service d'un regime, la certitude est que les plans de la promotion, principalement du I plan et de II plan, avaient eu un extraordinaire important impact clans l'economie portugaise du temps et avaient ete des contributes decisifs pour les designes "annees de l'or" de l'economie traduit clans une croissance economique forte et !'industrialisation du pays.
my of the after war, have in this article a political and economical approach with the purpose of evidence its importance in the political context where they are inserted, the gaps that sickened and the objectives that were reached for its intermediary. With effect, still that denoting a clear political and ideological dependence and an instrument to the service of a regime, the certainty is that the Plans of Promotion, mainly the I Plan and the II Plan, had a extraordinary important impact in the Portuguese economy of the time and had been decisive contributes for the assigned "years of gold" of the economy translated in a strong economic growth and the industrialization of the country.
Outros
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Interven~ao
Social
a) Citas;ao: Apelido do autor, ano do trabalho: pagina da cita<;:ao. Ex.: (Netto, 1991: 73) b) Remissao: cf ou ver Apelido do autor, ana do trabalho: pagina de inicio pagina do fim da referencia. Ex. : (cf Netto, 1991: 7379).
11. As referencias bibliograficas, sao compiladas no final do artigo, por ordem alfabetica de apelidos e devem obedecer as seguintes normas: a) Livro Apelido, name proprio (ano), Titulo da obra, edi<;:ao, local da edi<;:ao: editor ( eventual data da 1. a edi<;:ao). FALCAO, M.Carmo (1979), Serviro Social: uma nova visiio te6rica, 3.a ed. rev., Sao Paulo: Cortez & Moraes. b) Revista Apelido, name proprio (ano), "Titulo do artigo", Revista, volume, nt'1mero: pp. pagina inicio artigo pagina final artigo. GROULX, Lionel Henri (1994), "Liens recherche et pratique: les theses en presence", Nouveles Pratiques Sociales,7, 2 : 3550. c) Texto em colectanea Apelido, name proprio (ano), "Titulo do texto", in apelido, name proprio (ed. ou org.), Titulo da obra, pp. pagina inicio texto pagina final texto, local da edi<;:ao: editor, edi<;:ao e/ ou data da 1. a edi<;:ao (eventual). HESPANHA, M. Jose (1993), "Para alem do Estado: a saude ea velhice na sociedade providencia", in Santos, Boaventura (org.), Portugal um retrato singular, pp. 315 - 335, Porta: Afrontamento. d) Tese Apelido, name proprio (ano), Titulo da Tese. Tipo de Tese. hTERVFi'!C,:Ao SoCIAL, 31, 2005
Normas para apresenta~ao de originais
I 233
Universidade. ARCANJO, M. Manuela (1991), Andlise e avalia(iio dos sistemas de seguran(a social: um modelo aplicado a Portugal. Tese de Doutoramento. Instituto Superior de Economia e Gestao. Universidade Tecnica de Lisboa. d) Documento electr6nico
Apelido, nome proprio (ano), "Titulo do Documento". Endere(o de localiza(iio na rede, data da consulta (indicando dia, mes e ano)KROGER, Teppo (2001), "Comparative research on social care: the state of the art", www. uta.fi!laitoksetlsospol/soccare, 1/03/2002. 12. Todos os originais enviados para publica<;:ao devem: a) Conter a versao final do texto pronta a publicar, devidamente revista de eventuais gralhas; b) Anexar em forma to gd.fico (TIFF ou JPEG) os ficheiros relativos a quadros, imagens, graficos, etc. c) Vir acompanhado de elementos (morada, telefone, email) que permitam, se necessaria, o contacto do Conselho de Redao;:ao, bem como a forma de referencias:ao do autor a inserir no artigo. 13. Os artigos propostos serao remetidos a dois membros do Conselho de Redac<;:ao, que submeterao os seus pareceres por escrito. A decisao relativa a publica<;:ao tera em considera<;:ao os pareceres emitidos. 14. A cada autor serao oferecidos dois (2) exemplares da Revista 15. As opini6es expressas nos artigos sao da responsabilidade dos auto res
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