Intervenção Social - 37

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nterven~ao

Socia

n°. 37 (1 semestre de 2011)

Temas Actuais em

Servi~o

Social

Instituto Superior de Servic;o Social de Lisboa ~~ADli;s .

Universidade Lusfada Editora Lisboa • 2011

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Mediat eca da Univer sidade Lusiada- Catalogac;:ao na Publicac;:l!io INTERVEN<;AO SOC IAL. Li sboa, 1985 lntervenc;:ao social I propr. Institute Superior de Servic;:o Social de Lisboa ; dir. Ma ria Augusta Gera ldes Negrei ros. - 24 cm. • Quadrimestral N. 1 (Junho 1985)· . - Lisboa: Instit ute Superior de Servic;:o Social de Lisboa , 1985ISSN 0874- 1611 1. Servic;:o Social - peri6dicos I · NEGREI ROS, Maria Augusta Geraldes, 1941·2003 CBC

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ECLAS

02 .05.01

Ficha Ttk nica Titu lo Proprietario Dire ctor Sudirector Secretariado Conselho Cientifico Nacional da Rev lsta lntervenc;:ao Social

Conse lho Cient ifico lnternaclonal da Revista lntervenc;:ao Social

lntervenc;:ao Social Fundac;:ao Minerva - Cultura - Ensino e lnvestigac;:ao Cienti fi ca Jorge Manuel Leitao Ferreira Ouarte Rei Vilar Paula lsabel Marques Ferreira e Helena Rocha Jorge M. L. Ferreira (Universidade Lusiada Lisboa. ISCTE • IUL); Marina Manuela Antunes (I SSSL· UL); Ouarte Rei Vilar (ISSL - IUL) ; Marla Helena Fernandes Mouro (Inst itute Superior Miguel Torga); Helena da Silva Neves dos Sa ntos Almeida (Faculdade de Psicologia e de Ciencias de Educac;:ao - Universldade de Coimbra); Juan Mozzicafreddo (ISCTE-IUL) ; Maria lrene Lopes Bugalho de Carvatho (Instit ute Superior de Servic;:o Social de Lisboa - Universidade Lusiada ); Maritia de Carvalho Seixas Andrade {Universidade Lus6f ona de Humanidades e Tecnotogias de lisboa); Maria Rosilrio A. Otiveira Serafim (I SCTE - IUL) ; Joao Ferreira de Almeida (I SSSL - ULL) ; Gabriela Moit a (ISSSP) ; Francisco Branco (Faculdade de Ciencias Socials e Humans da Universidade Cat6lica Portuguesa ) Andres Arias Astray (E. U. de Trabaj o Social. Universidad Complutense de Mad rid); Annamaria Campanini (Uni versita di Milano Bicocca); Beten Morat a Garda de la Puert a (Universidad de Granada); Edina Evetyn Casati Meiretes de Souza (Faculdade de Servic;:o Social - Departamento de Fundamentos do Servic;:o Social - Universidade Federal de Juiz de Fora ); Maria Eugenla Garma (Escuela de Trabaj o Social-Facultad de Ciencia Polit ica y RR .II.- Uni versidad Nacional de Rosario) ; Juna Jesus Viscarret Garro (Universidad Publica de Navarra (Espafla)) ; Marie Lacroix (Faculte des Arts et des Sciences (FAS). Ecole de Service Social , Universi te de Montrea l. Canadil. ); Rosana de C. Martinelli Freitas (Uni versidade Federal de Santa Cat arina. BrasH)

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Sumario Editorial ........................ .. ... ....... ............. .. ................................ ............ .. ....... ................. 7 A Gestao Publica da Politica de Assistencia Social: Urn estudo comparativo entre America Latina e Europa ..... .... ... .... ............ ... ..... ....... .... .... .............. ....... .. ..... ... 9 Ana Maria Arreguy Mouriio, Ana Maria Costa Amoroso Lima e Edina E. C. Meireles de Souza Etica e Servi<;o Social: tendencias filos6ficas e politicas ....................................... 25 Helena Rocha Etica e minimos sociais- Sujeito de Direito e Rendimento Social de Inser<;ao .... 41 Julia Cardoso L,Refundaci6n del Capitalismo?: ultima fase de expansion del capital, receso de las Politicas Sociales ...... ..... .. ... ....... ................................................ ......... ........... ... ........ .... 59 Fernando de Lucas y Murillo de la Cueva

Desafilia<;ao social: ambiguidades e multirealidades na Contemporaneidade ... 77 Vanda Ramalho A questao da participa<;ao no Mercado de Trabalho: uma leitura a partir do contributo de Habermas ........................................................................................... 93 Paula Isabel Marques Ferreira Para a melhoria dos servi<;os sociais a idosos pobres em Portugal .................. 109 Maria Irene de Carvalho, Isabella Paoletti e Raquel Rego 0 processo de institucionaliza<;ao da pessoa idosa: a influencia de factores

pessoais e da re de social ......... ..... .... .. ....... .... ... ......... ....... .. ............. .. ........... .. .......... 125 Ana Margarida Ornelas e Duarte Vilar

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Sumario

Recensao .................................................................................................................... 145 Informa<;ao sites on-line revistas ........................................... ........................ ........ 151 Direc<;ao, Politica Editorial e normas da Revista ................................................. 155

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Editorial 0 numero 37 da Revista Interven<;ao Social, sobre a tematica ÂŤTemas actuais de Servi<;o Social>> da inicio a uma renovada politica editorial da revista, corn uma nova direc<;ao e urn novo conselho cientifico nacional e internacional. Desta forma devolve a revista o seu merito e dorninio cientifico no Servi<;o Social, a qual foi pioneira na publica<;ao de textos em Servi<;o Social. Para o efeito, a Direc<;ao do Instituto Superior de Servi<;o Social de Lisboa (ISSSL), Universidade Lusiada Lisboa, promoveu a transferencia da responsabilidade de edi<;ao da Revista de Interven<;ao Social para o Centro Lusiada de Investiga<;ao em Servi<;o Social e Interven<;ao Social - CLISSIS. A Revista de Interven<;ao Social, que se apresenta corn uma nova imagem, constitui urn patrim6nio do Servi<;o Social e representa urn dos expoentes do conhecimento nesta area, criando urn espa<;o para a problematiza<;ao de ideias, saberes e experiencias, divulga<;ao dos resultados de investiga<;ao cientifica, fundamentais para a forma<;ao e desenvolvimento de competencias nao s6 dos assistentes sociais e outros profissionais de interven<;ao social, bem como de professores, discentes, profissionais e investigadores. Assume particular importancia no aprofundamento do conhecimento e saber em Servi<;o Social mas tambem na concep<;ao das politicas sociais e operacionaliza<;ao das praticas sociais mais adequadas ao modelo social vigente na sociedade contemporanea. Pretende-se desenvolver uma politica editorial que garanta a qualidade e a inova<;ao das abordagens cientificas dos artigos apresentados, que propiciem uma leitura transdisciplinar e holistica dos problemas sociais contemporaneos. Nesta perspectiva, a "Revista Interven<;ao Social" procura o rigor e a qualidade cientifica de artigos que sao submetidos a uma avalia<;ao criteriosa por "Peer review" do Conselho Cientifico e outros colaboradores. Cada numero tematico da Revista Interven<;ao Social, procura contribuir corn informa<;ao te6rica e cientifica resultante da investiga<;ao e do processo reflexivo da pratica profissional, para actualizar e disponibilizar conhecimento, para uma pratica informada em Servi<;o Social no dorninio das competencias te6ricas, tecnico - instrumental e operativas.

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Editorial

Neste ambito importa referir o conhecimento da investiga<;ao em Servi<;o Social, e dos metodos de investiga<;ao, incluindo as diferentes fontes de conhecimento na pnitica do Servi<;o Social; aplica<;ao dos valores, principios eticos, conhecimentos e habilidades do Servi<;o Social para promover o cuidado, o respeito e a responsabilidade mutuos entre os membros de uma sociedade; reconhecer o respeito e a dignidade de cada pessoa independentemente da sua cren<;a e orienta<;ao cultural e etnica atraves das pr;iticas profissionais. Consideramos, ser fundamental consolidar o projecto cientifico da revista, na produ<;ao do conhecimento em Servi<;o Social no quadro internacional, europeu e nacional, acompanhando o Modelo Social Europeu, enquanto conjunto de valores comuns nas areas da Paz, da Justi<;a Social, da Igualdade, da Solidariedade e na promo<;ao da liberdade, da democracia e no respeito pelos Direitos Humanos. Dominios inerentes aos principios e fundamentos do Servi<;o Social no quadro dos Standards Globais para a forma<;ao em Servi<;o Social e no C6digo de Etica dos Assistentes Sociais (FIAS:2000). Neste numero publicamos artigos que reflectem temas actuais do Servi<;o Social na Sociedade Contemporanea, o primeiro artigo trata o tema "A gestiio publica da politica de Assistencia Social: urn estudo comparativo entre America latina e Europa"; o segundo inicia uma reflexao sobre a etica, "Etica e Servi{:o Social: tendencias filos6ficas e politicas",o terceiro a profunda as quest6es eticas em Servi<;o Social aplicadas a urn programa de medida de politica social, intitulado "Etica e minimos sociais- Sujeito de Direito e Rendimento Social de Inser{:iio", o quarto chamanos a reflectir sobre a situa<;ao actual, designado "LRefundaci6n del Capitalismo?: Ultima fase de expansion del capital, receso de las politicas sociales", o quinto equaciona a reflexao em Servi<;o Social sobre urn dos problemas sociais contemporaneos, ou seja o mercado de trabalho corn o tema "A questiio da participa{:iio no mercado de trabalho: uma leitura a partir do contributo de Habermas",o sexto da continuidade a esta reflexao "Desafilia{:iio social: ambiguidades e multirealidades na Contemporaneidade", os setimo e oitavo, abordam o problema social contemporanea sobre o Envelhecimento: "Para a melhoria dos servi{:OS sociais a idosos pobres em Portugal" e "0 processo de institucionaliza{:iio da pessoa idosa: a influencia de factores pessoais e da rede social".

Jorge Ferreira Doutor em Servi{:o Social pelo ISCTE - IUL Director da Revista e do CLISSIS Marina Antunes Doutora em Antropologia pelo ISCTE- IUL Directora do ISSSL (Instituto Superior Servi{:o Social Lisboa Universidade Lusiada Lisboa

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A GEST Ao PUBLICA DA POLITICA DE ASSISTENCIA SOCIAL: UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE AMERICA LATINA EEUROPA Ana Maria Arreguy Mourao Professora mestre da Faculdade de Servi~o Social da UFJF

Ana Maria Costa Amoroso Lima Professora doutora da Faculdade de Servi~o Social da UFJF

Edina E. C. Meireles de Souza Professora doutora da Faculdade de Servi~o Social da UFJF



A Gestao Publica da Politica de Assistencia Social: Urn estudo comparativo entre ... , pp. 9-23

Resumo: Este trabalho se constitui como urn dos eixos de analise de uma pesquisa mais amp la denominada "A gestiio publica da politica de Assistencia Social:um estudo comparativo entre America latina e Europa" aprovada pela Fundac;ao de amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), corn o objetivo central de identificar, analisar e comparar padroes de gestao publica da politica de Assistencia Social nas cidades de Juiz de Fora, (Brasil), Rosario e Tandil (Argentina) da America Latina e de Granada na Europa. Pretendeu comparar as diferentes formas de gestao, financiamento e controle social no que se refere a politica de Assistencia Social e seu objeto foram os atores s6ciopoliticos envolvidos na sua construc;ao e institucionalizac;ao. A centralidade do presente trabalho e a reflexao acerca do Controle Social e da participac;ao da sociedade civil estabelecido pelo Sistema Unico da Assistencia Social brasileiro, e os desafios para sua implementac;ao. Palavras-chave: assistencia social; gestao publica; descentralizac;ao; controle social; participac;ao. Abstract: This work constitutes one of the axes of analysis of a larger research project called "Public management policy of Social Assistance: a comparative study between Latin America and Europe" approved by the Research Support Foundation of Minas Gerais (FAPEMIG) with the main objective to identify, analyze and compare standards of public administration Social policy in the cities of Juiz de Fora (Brazil), Rosario and Tandil (Argentina) in Latin America and Granada in Europe. Intended to compare the different forms of management, finance and social control in relation to Social Welfare Policy and its object were the socio-political actors involved in its construction and institutionalization. The centrality of this work is the reflection on social control and participation of civil society established by the Social Welfare System in Brazil, and the challenges fo r implementation. Key-words: social assistance; public administration; decentralization; social control; participation.

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Ana Maria Arreguy Mourao, Ana Maria Costa Amoroso Lima e Edina E. C. Meireles de Souza

Controle Social e Participac;;ao: Urn desafio para a Politica de Assistenca Social no Brasil

1. Seguridade Social: revendo o status da politica da Assistencia Social A inscri<;ao da Assistencia Social no sistema de Seguridade Social - ao lado da Previdencia e da Saude - promulgado na Constitui<;ao de 1988, no Brasil, inaugurou uma nova concep<;ao de Assistencia, vocacionada para o atendimento das necessidades sociais, sob o pressuposto da participa<;ao da sociedade, de can~.ter redistributivo e voltada para a inclusao, assumindo uma particularidade "que niio s6 a caracteriza coma policy, mas tambem, coma direito social basico, que lhe permite exercer papel de universalizadora dos direitos sociais" (Pereira, 1991:8-9). Somente a partir da Constitui<;ao de 1988, e que ocorreua constru<;ao do a para to legal da Assistencia Social como politica publica- a aprova<;ao da Politica Nacional de Assistencia Social, a Lei Organica da Assistencia Social (LOAS); o Sistema Unico de Assistencia Social (SUAS) e as Normas Operacionais Basicas (NOB/SUAS) e de Recursos Humanos (NOB/SUAS-RH)- instituindo uma estrutura robusta de leis, principios, diretrizes e normas que passaram a nortear o processo de cria<;ao, implementa<;ao, financiamento, controle social e descentraliza<;ao da gestao. Regulamentada e regida pela LOAS, a PNAS reafirmou alguns principios caros para a efetiva<;ao da Assistencia enquanto uma politica publica: o atendimento as necessidades sociais nao submetido as exigencias da area economica; a universaliza<;ao dos direitos sociais; respeito a dignidade do cidadao, a sua autonomia e ao direito a beneficios e servi<;os de qualidade; o direito a convivencia familiar e comunitaria; igualdade de direitos no acesso ao atendimento sem discrimina<;ao; ampla divulga<;ao dos beneficios, servi<;os, programas e projetos; recursos e defini<;ao de criterios para sua concessao. Para alem destes principios, reafirmou o prop6sito da descentraliza<;ao politico-administrativa para as diferentes esferas governamentais; 0 estimulo a participa<;ao popular na formula<;ao e controle das politicas e, o refor<;o a primazia do Estado na condu<;ao e responsabiliza<;ao da politica de Assistencia Social. Foi concebida para atuar sobre tres fun<;6es principais: a) vigilancia social - p ara detectar e monitorar as ocorrencias de vulnerabilidade e fragilidade que possam causar a desprote<;ao; b) defesa de direitos- uma preocupa<;ao corn os procedimentos dos servi<;os no alcance dos direitos socioassistenciais e na cria<;ao de espa<;os de defesa para alem dos conselhos de gestao; c) prote<;ao social - a rede hierarquizada de servi<;os e beneficios. Tern como eixos estruturantes a universalidade, a matricialidade s6cio-familiar a descentraliza<;ao politicoadministrativa, territorializa<;ao ea intersetorialidade. 0 Sistema Unico de Assistencia Social (SUAS) foi criado a partir de urn pacto federativo para assegurar a unidade de concep<;ao da politica de Assistencia Social sob 0 paradigma dos direitos a prote<;ao social publica e defesa da cidadania,

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assegurando a primazia e precedencia da regula<;ao estatal sobre as a<;oes dessa atividade. Trata-se de urn sistema publico nao contributivo, descentralizado e participativo, que tern por fun<;ao a gestao do conteudo especifico da Assistencia Social no campo da prote<;ao social brasileira tendo como eixos: precedencia da gestao publica da politica; alcance de direitos socioassistenciais pelos usuarios; matricialidade sociofamiliar; descentraliza<;ao politico-administrativa; financiamento partilhado entre os entes federados; fortalecimento da rela<;ao democratica entre Estado e Sociedade Civil; valoriza<;ao da presen<;a do controle social; participa<;ao popular/ cidadao usuario; qualifica<;ao dos recursos humanos; informa<;ao, monitoramento, avalia<;ao e sistematiza<;ao de resultados. Integrado ao Ministerio de Desenvolvimento Social e Combate a Fome, organiza-se a partir de urn modelo de gestao descentralizado, corn reorganiza<;ao das a<;oes socioassistenciais corn base no territ6rio e, corn foco na aten<;ao as familias, rompendo corn as segmenta<;oes (crian<;as, adolescentes, mulheres, idosos, entre outros) dos servi<;os, estruturados de forma a garantir a Protec;ao Social Basica e a Protec;ao Social Especial. Estes mecanismos legais, portanto, deram inicio a uma nova institucionalidade para a Assistencia Social no campo das Politicas Sociais, favorecendo seu fortalecimento nas tres esferas de governo, bem como, instituiu uma nova concep<;ao sobre seu publico-alvo. Como bem evidencia Toledo (2010), a Constitui<;ao Cidada elencou os direitos sociais e politicos como universais, demonstrando urn avan<;o na concep<;ao de cidadania por parte do Estado, garantindo o reconhecimento dos direitos sociais via acesso a saude, educa<;ao, previdencia, moradia, etc. Assegurou os direitos basicos de cidadania, corn principios fundamentais direcionados para a amplia<;ao da cobertura para segmentos ate entao desprotegidos, bem como a elimina<;ao das diferen<;as de tratamento entre trabalhadores urbanos e rurais, universaliza<;ao da saude, implementa<;ao da gestao descentralizada nas politicas de saude e Assistencia Social, inovando na introdu<;ao de mecanismos de gestao compartilhada entre os tres niveis de governo e na participa<;ao social dos usuarios via controle social. Foi, sem duvida, urn marco hist6rico no campo da legisla<;ao social, pois desvinculou a prote<;ao social do mercado formal de trabalho, eliminando assim a contribui<;ao previa para ter acesso a determinados servi<;os e beneficios sociais. Para Sposati (2009), a inclusao da Assistencia Social na Seguridade Social pode ser vista como uma atitude inovadora por tres motivos. Primeiro, por considerar a Assistencia Social nao mais como atividades, a<;oes e atendimentos eventuais, mas sim, como conteudo de politica publica, de responsabilidade do Estado e direito da popula<;ao. Segundo, por referir-se a desnaturaliza<;ao do principio da subsidiaridade, atraves do qual, a interven<;ao da familia e da sociedade antecede a a<;ao do Estado. Por fim, o avan<;o marcado pela introdu<;ao de urn novo campo para a efetiva<;ao dos direitos sociais, posto que o legado institucional da Assistencia Social no Brasil revelava, ate entao, a nega<;ao destes.

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Em seu artigo 203, definiu as a.;;:oes ao publico-alvo a qu e se destina: a) prote.;;:ao da familia, da infancia, adolescencia e velhice; b) amparo as crian.;;:as e adolescentes carentes; c) promo.;;:ao da integra.;;:ao ao mercado de trabalho; d) habilita.;;:ao e reabilita.;;:ao das pessoas portadoras de deficiencia e a promo.;;:ao de sua integra.;;:ao a vida comunitaria; e) garantia de urn salario minimo de beneficia mensal a pessoa portadora de deficiencia e ao idoso que comprovem nao possuir meios de prover a propria manuten.;;:ao ou pela sua familia. Ao reconhecer a Assistencia como direito social e politica integrante da Seguridade Social, estabeleceram-se os elementos que contribuiriam expressivamente, para alterar a sua condi.;;:ao hist6rica no Brasil, possibilitando o seu desenvolvimento sob os principios da gratuidade e nao-contributividade, da universalidade na garantia de beneficios e servi.;;:os, na redistributividade, na gestao descentralizada e participativa e, no financiamento progressivo e redistributivo. Eclaro que esses elementos indicavam urn modelo de politica onde o Estado teria u rn papel fundamental e de primazia na sua efetiva.;;:ao. Tambem indicava a supera.;;:ao de a.;;:oes baseadas em rela.;;:oes tradicionais e caras a Assistencia - paternalismos, paliativismos, populismos - que a orientariam em sentido contrario a caridade e a filantropia. Ainda previa a universaliza.;;:ao dos direitos sociais, ou seja, a disponibiliza.;;:ao para todas as pessoas sem discrirnina.;;:ao, o acesso aos bens e servi.;;:os destinados a redu.;;:ao das desigualdades sociais. 1.1 . A institucionaliza<;:ao da politica de Assistencia Social no Brasil: urn paradoxo sob o contexto neoliberal 0 paradoxo de defini.;;:ao de uma politica de Assistencia voltada para a redu.;;:ao da desigualdade, da pobreza, de avan.;;:os no campo dos direitos e da cidadania sob principios democraticos e participativos, encontrou uma enorme barreira em meio a conjuntura de crise economica em nivel mundial, a partir de 1990 e, corn a hegemoniza.;;:ao do receituario neoliberal. Neste periodo, a ado.;;:ao pelo governo brasileiro deste receituario provocou mudan.;;:as na concep.;;:ao e efetiva.;;:ao das Politicas Sociais. Em meio a uma conjuntura de estagna.;;:ao do crescimento econornico, precariza.;;:ao e instabilidade no mundo do trabalho, desemprego, amplia.;;:ao e aprofundamento da pobreza, vivenciou-se urn periodo de contradi<;:6es onde de urn lado, efetivaram-se avan<;:os no plano politico institucional, corn o estabelecimento da Seguridade Social e dos principios da descentraliza.;;:ao e da participa.;;:ao, e de outro, urn retrocesso na forma de interven.;;:ao d o Estado sobre as quest6es sociais, corn propostas restritivas Iamamoto (2001), destaca que as mudan.; : as ocorridas na rela.;;:ao Estadosociedade sob os designios neoliberais e implementadas atraves de politicas

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de ajuste, tiveram como ponto principal a redw;ao da a<;ao do Estado sobre programas e servi<;os, resgatando a no<;ao de enfrentamento da questao social sob o duo assistencia focalizada j repressao. As propostas em rela<;ao ao papel do Estado foram reducionistas, voltadas para situa<;6es extremas, corn alto grau de seletividade e focaliza<;ao, direcionadas aos mais pobres entre os pobres, apelando a a<;ao humanitaria e/ ou solidaria. (Yasbeck, 2004), revertendo, portanto, todo o avan<;o prescrito pela Constitui<;ao de 1988 para a politica de Assistencia Social. Importa ressaltar o momento politico-economico pelo qual o Brasil e varios paises da America Latina atravessaram durante a decada de 1990. 0 pais estava na contracorrente do cenario internacional: enquanto mundialmente sinalizava-se a crise do modelo keynesiano de prote<;ao social, no contexto nacional iniciava-se a discussao relativa a universaliza<;ao da prote<;ao social. Ou seja, aqui se buscava urn projeto de Estado de Bem-Estar Social enquanto nos paises centrais, este ja estava sendo desmontado e substituido pelo modelo do Estado-Minimo. Nessa dire<;ao constata-se que a hist6ria brasileira de permanente descontinuidade, pulveriza<;ao, paralelismos, clientelismos, centraliza<;ao tecnocratica e precariedade dos mecanismos de participa<;ao, tornou a efetiva<;ao da politica de Assistencia Social urn enorme desafio para a gestao publica.

1.2. 0 Controle Social no Sistema Unico de Assistencia Social (SUAS) A promulga<;ao da Lei Organica da Assistencia Social em 1993, estabeleceu os principios da descentraliza<;ao e da participa<;ao da sociedade. A sustenta<;ao da estrutura organizacional desta como politica publica fundou-se em dois grandes eixos: redefini<;ao entre o poder publico central e os poderes publicos locais; recomposi<;ao da rela<;ao entre Estado e sociedade, envolvendo o papel das entidades nao-governamentais prestadoras de Assistencia Social e, o papel dos Conselhos, Conferencias e F6runs. Na recomposi<;ao da rela<;ao Estado-Sociedade destacam-se duas dimens6es: uma diz respeito a rela<;ao entre o poder publico e as entidades assistenciais, marcada pelo principio do clever moral, orientada pela l6gica da filantropia. A outra, corresponde aos mecanismos de participa<;ao e controle que a sociedade disp6e para fazer valer o clever legal a assistencia, na formula<;ao e implementa<;ao da politica de Assistencia Social. Urn desses espa<;os refere-se aos Conselhos Nacional, Estadual e Municipal e do Distrito Federal, constituindo-se num espa<;o de democracia participativa corn a participa<;ao direta da sociedade, por meio de representantes de usuarios, de trabalhadores da area e de entidades assistenciais no processo de formula<;ao, fiscaliza<;ao e controle da politica assistencial. Outra forma de participa<;ao corresponde as Conferencias Nacional, Estadual e Municipal, a serem realizadas a cada dois anos para avaliar a politica, e tambem, para orientar a constru<;ao participativa da agenda a ser implementada pelos governos nos anos seguintes.

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Os F6runs constituem-se outro espac;o de articulac;ao de entidades da sociedade civil que tern como objetivos, acompanhar o desenvolvimento da politica; identificar os entraves a sua efetivac;ao e, construir coletivamente, estrategias de defesa do direito a assistencia para evitar 0 esvaziamento do que e publico, seja pela desconsiderac;ao das propostas e deliberac;ao dos Conselhos e F6runs publicos de controle. Para o entendimento de Controle Social, deve-se levar em conta duas dimens6es. A primeira e a accountability, ou seja, a prestac;ao de contas conforme parametros estabelecidos socialmente em espac;os publicos pr6prios. A segunda consiste na responsabilizac;ao dos agentes politicos pelos atos praticados em nome da sociedade, conforme os procedimentos estabelecidos nas leis e padr6es eticos vigentes. 0 Controle Social do Estado e urn mecanismo de participac;ao dos cidadaos que para ser efetivo, deve ter como alvo aqueles que se destinam as decis6es estrategicas e ao proprio sistema economico, alem dos centros perifericos. 0 S.U.A.S. preve canais de participac;ao da sociedade civil nas instancias de suas deliberac;oes. Partindo desse pressuposto, e necessario pensar no protagonismo s6cio-politico dos usuarios da Assistencia Social, em urn contexto hist6rico caracterizado pela baixa participac;ao, inclusive, dos setores historicamente mobilizados. 0 protagonismo deve ser compreendido como o envolvimento das pessoas em ac;6es coletivas, por meio de entidades associativas formais, ou nao, corn vistas a exercer a influencia nas decis6es governamentais. Neste contexto, e importante compreender qual o lugar politico dos usuarios no S.U.A.S., as suas contribuic;oes aos processos de elaborac;ao das agendas da politica de Assistencia Social, e quais os principais limites e dificuldades ao seu agir politico. Para garantir que os preceitos constitucionais eo S.U.A.S. sejam colocados em pratica, torna-se imprescindivel compreender o sentido da democracia. pensando na garantia e efetivac;ao da participac;ao e controle social. Neste sentido, e importante considerar a democracia representativa, em que o cidadao e dotado de urn conjunto de direitos civis, politicos e sociais, e possui autonomia para realizar escolhas e eleger governantes, sem o poder de intervir diretamente no processo decis6rio dos governantes que elegeram. Ja a democracia participacionista defende que 0 povo e fonte de poder e autoridade, e deve p articipar d a gestao d o bem publico, influenciando n a escolha das ac;oes prioritarias, fiscalizando o desenvolvimento destas e, a utilizac;ao dos recursos por parte do governo . Para alguns estudiosos das recentes experiencias p articipacionistas realizadas no Brasil, como, os Conselhos sao considerados como elementos de uma nova institucionalidade democratica. Por forc;a legal e politica, desd e a p romulgac;ao d a LOAS, os Conselhos de Assistencia Social vem sendo implantados em todo pais, tendo prerrogativa p ara deliberar, normatizar e fiscalizar os assuntos pr6prios desta politica,

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assegurando em sua compos1c;ao, urn lugar para os usuanos. Contudo, os mesmos tern enfrentado algumas dificuldades para realizarem efetivamente o Controle Social - nao s6 o Conselho Nacional de Assistencia Social como tambem, os Estaduais e Municipais - em relac;ao a varios fatores, dentre eles, o enfrentamento da resistencia governamental para implantac;ao e reconhecimento dos Conselhos como espac;o institucional e legitimo para o exercicio do Controle Social. Em algumas situac;oes, os Conselhos foram criados para cumprimento dos criterios para o recebimento de recursos. Em outros casos, a demora para a implementac;ao dos Conselhos e justificada pelo desconhecimento da sociedade civil e do proprio governo sobre a importancia desta instancia deliberativa e dos preceitos da LOAS. E neste sentido que a mobilizac;ao e a participac;ao popular tornam-se indispensaveis. Campos (in Martins, 2006) assevera que o Controle Social pode ser abordado sob diferentes perspectivas, seja nas sociedades modernas ou contemporaneas, e se apresenta sob dois modelos que se polarizam. 0 primeiro inclui o controle que o Estado exerce sobre os cidadaos e, o segundo, esta relacionado ao controle que os cidadaos exercem sobre o Estado. 0 autor desenvolve o pensamento, num primeiro momento, chamando a atenc;ao para a perspectiva do Estado como instrumento de controle. Para o mesmo, os Conselhos devem ser espac;os de disputas e defesas intransigentes, transparentes e permanentes da politica publica naocontributiva de Seguridade Social, cabendo a ele, o acompanhamento ea defesa das deliberac;oes das Conferencias e dos pactos assumidos para a construc;ao efetiva de uma politica de Estado. A dimensao politica do Controle Social esta relacionada a dinamica e ao compromisso qu e os Conselhos de Assistencia Social alcanc;am, tornan do-se necessaria o aprofundamento do debate, a realizac;ao de uma leitura local, estadual e tambem da instancia em nivel nacional. Outro espac;o para o exercicio do Controle Social e de grande relevancia sao as Conferencias de Assistencia Social, que podem ser realizadas nos ambitos municipais, estaduais e federais.

2. Participac;ao Social: urn "velho" debate para uma "nova" gestao

A Constituic;ao Federal de 1888 consagrou a pratica participativa como componente da gestao democratica das Politicas Sociais no artigo 194, estabelecendo que "compete ao poder publico organizar a seguridade social". No que concerne aos direitos relativos a Assistencia a participac;ao e reiterada como "participa9iio da popula{:iio, par meio de organiza{:oes representativas, na formula{:iio das politicas e no contra le das a9oes em todos os niveis". 0 modelo participativo foi institucionalizado corn a Lei 8.742, de 1993 Lei Organica de Assistencia Social (LOAS) - onde reafirmou como diretriz a

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participa<;:ao da popula<;:ao e estipulou as atribui<;:6es dos Conselhos Municipais e Estaduais. 0 Sistema Unico de Assistencia Social (S.U.A.S.) passou a configurar a "forma de operacionaliza~iio da LOAS, que viabiliza o sistema descentralizado e

participativo e sua regula~iio em todo o territ6rio nacional". 1 Tratado sob diferentes formas e compreensao - participa<;:ao social, da popula<;:ao, da comunidade, controle social pela e nao da sociedade, gestao participativa, entre outros, o modelo participativo expandiu a partir da proposta da descentraliza<;:ao estabelecida para as pollticas publicas (Souza, 2001). Se gun do Vianna (2009) na esfera de representa<;:ao das partes envolvidas corn a as pollticas setoriais, e como de exercicio direto da cidadania pela popula<;:ao 2, a pratica participativa suscita indaga<;:6es importantes como: que processos devem ser considerados como participat6rios: a escolha de representantes (e por que vias) ou a expressao direta de demandas (individuais ou coletivas)? Que dimens6es da vida social devem ser destacadas para que se identifique a a<;:ao participativa? Enfim, como definir participa<;:ao no piano da reflexao? Defini<;:6es de participa<;:ao que ultrapassem a 6bvia perspectiva do "tomar parte", requerem a identifica<;:ao de diferentes quadros de fundamenta<;:ao te6rica, formulados em diferentes contextos hist6ricos. Cartes (1996) elucida que a questao da participa<;:ao e tratada de modo diferenciado, por "praticamente todas as correntes de pensamento politico e sociol6gico". Seguindo a tendencia da ciencia social americana, a autora apresenta as "cinco correntes de pensamento que analisam o papel do Estado em sociedades modernas: o pluralismo, a teoria das elites, a nova direita, o marxismo eo neopluralismo". Para Vianna (2009) a revisao da referida autora sugere a impossibilidade de se entender o sentido do conceito de participa<;:ao sem inseri-lo numa determinada corrente te6rica, a partir da dimensao propositiva das correntes, e nao nos fundamentos das mesmas. Gasc6n, Tamargo e Caries (2005) apontam urn "absoluto consenso" em rela<;:ao a uma defini<;:ao generica de participa<;:ao como sendo "a capacidade que tem os individuos de intervir na tomada de decisoes em todos aqueles aspectos de sua vida cotidiana que os afetam e envolvem" 0 que parece consenso em ambos os autores citados e o reconhecimento de que se trata de uma tematica recente, tanto na agenda publica quanta academica, mais especificamente entre o final dos anos 1960 e primeira metade de 1970.

1

2

.

•

Portal do MDS, visitado em 22/04/2009. 0 SUAS foi a principal delibera<;:ao da IV" Conferencia Nacional de Assistencia Social, realizada em Brasilia, em 2003. Tornou-se realidade a partir de sua aprova<;:ao pelo Conselho Nacional de Assistencia Social em julho de 2005. ( .•. ) "0 grande desafio da Gestao Participativa e consolidar praticas e experiencias inovadoras que consigam incluir a comunidade n a formula.;:ao das politicas, respeitando seus pr6prios recursos e saberes, apostando na capacita<;:ao e forma.;:ao p ara o fortalecimento politico da popula.;:ao, para que a mesma alcance autonomia para exercer plenam ente seu clever de cidadania" (VII Congresso Nacional da Rede Unida, Oficina 47- Gestao Participativa e Apoio ao Controle Social, Curitiba, julho de 2006).

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Para Vianna tres pondera<;6es precisam ser destacadas a respeito da questao relativa a participa<;ao: a) o conceito de participa<;ao tern a idade da teoria social moderna - algo em torno de quatro seculos -,coma participa<;ao na polis e, pois, participa<;ao politica; b) a novidade introduzida pelo "debate te6rico e politico" no seculo XX consistiu em substituir o adjetivo politica pelo adjetivo social, passando-se a empregar coma sin6nimas as express6es participa<;ao social e participa<;ao politica; c) o uso classico do conceito de participa<;ao coma participa<;ao politica difere, porem, do uso novo do conceito de participa<;ao coma participa<;ao social porque 0 primeiro se refere a participa<;ao de todos os membros da polis - condi<;ao de direito (e de clever) universal-, enquanto que o segundo se aplica a segmentos especificos da popula<;ao: os pobres, os excluidos, as minorias (2009, p . 23). Prossegue a autora afirmando que o tema da participa<;ao emerge corn os contratualistas, especificamente corn Thomas Hobbes, corn a cria<;ao da sociedade politica, a partir do estabelecimento do pacto que to dos os individuos, naturalmente iguais, racionais e possessivos, fazem entre si. Porem, e corn Stuart Mill que essas quest6es e a rela<;ao entre elas, ganha visibilidade, ao se firmar o compromisso entre o pensamento liberal e os ideais democraticos do seculo XIX, de dotar o Estado liberal de mecanismos capazes de institucionalizar uma participa<;ao ampliada. No seculo XX, seja nas formula<;6es que descrevem a impotencia do cidadao para decidir a respeito de assuntos publicos e sua dilui<;ao nas malhas da impessoalidade e da multidao; seja na versao gramsciana do marxismo que entende a militancia revolucionaria sob formas diversas, dependendo das condi<;6es em que a hegemonia da classe dominante se exerce; seja na visao pragmatica da democracia elaborada par Dahl (apud Vianna, 2009), a conota<;ao politica da participa<;ao se mantem. 0 conceito de participa<;ao nas Ciencias Sociais ficou vinculado as teoriza<;6es sabre a democracia. Donzelot e Epstein (2006) a partir de urn estudo junta a quatro cidades francesas que desenvolveram programas de restaura<;ao urbana, utilizou a escala de Arnstein para medir "participa<;ao". Na escala proposta ha tres niveis de participa<;ao. 0 primeiro, considerado coma uma nao-participa<;ao, possui caracteristicas de manipula<;ao. 0 segundo nivel se apresenta em tres dimens6es: a informa<;ao, cujo conteudo e necessaria para garantir a legitima<;ao da participa<;ao; a consulta, tambem corn carater legitimador, mas, urn pouco mais elevado por considerar algumas sugest6es dos cidadaos e a coopta<;ao, que possibilita integrar os cidadaos em instancias de participa<;ao para legitimar suas decisoes. Pode ser considerada uma coopera<;ao simb6lica.

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Por fim, o terceiro nivel, onde efetivamente ocorre a participa<;ao, tambem apresenta tres desdobramentos. A parceria, que reconhece a redistribui<;ao do poder por uma negocia<;ao entre cidadaos e o segmento que representam; o poder delegado, onde os cidadaos participantes das instancias de poder ou dos espa<;os de participa<;ao sao maioria e tern poder de veto; e o controle democratico, onde os cidadaos atuam na concep<;ao, planejamento e defini<;ao dos Programas. Trata-se de "pouvoir effective des citoyen" . Na avalia<;ao de Gasc6n, Tamargo e Caries (2005) a novidade da discussao atual sabre participa<;ao consiste no entendimento de que participar e intervir na tomada de decis6es nos varios aspectos da vida cotidiana, ou seja, nao mais apenas na dimensao publica da politica, mas, sobretudo, nas decis6es que concernem a vida privada. Para Vianna (2009), este entendimento de participa<;ao social perrnite compreende-la como urn mecanismo destinado a incluir segmentos que na esfera da sociedade ou do mercado, em sua vida cotidiana, se encontram excluidos de qualquer oportunidade de escolha. Cartes (1996), por sua vez, contribui corn esse debate ao buscar explica<;6es para novas formas de envolvimento dos cidadaos no processo politico. 0 primeiro seria a desilusao corn as institui<;6es politicas verificada em varias democracias liberais ocidentais, desde o final dos anos sessenta. Por outro lado, os novas movimentos sociais que se avolumaram ao final dos anos de 1960-1970, tambem se apresentaram como urn fa tor atuante na inflexao ocorrida. Prossegue elucidando que a compreensao militante e te6rica da participa<;ao como participa<;ao social, fundamenta-se no prindpio (ou no valor) da autonornia da organiza<;ao societaria ÂŁrente as institui<;6es que conformam o establishment politico. Contudo, ha urn terceiro fator mais elucidativo: a reforma do Estado. As mudan<;as ocorridas em varios governos em fun<;ao do contexto econornico internacional na segunda metade da decada de 1970, modificou a delega<;ao de fun<;6es a sociedade (e ao mercado ), bem como, incentivou a cria<;ao de mecanismos participativos, ainda que sob vies e dimens6es diferenciadas (Souza, 2001) . Mas, como bem avalia Viana, "participa<;ao de quem? Dos pobres, da comunidade (que ja nao ea sociedade como urn todo), daqueles que precisam de alavancas para exercer suas individualidades. Dai que, acriticamente, conceitos dispares como capital social, empoderamento, responsabilidade social das empresas, gestao corporativa, terceiro setor, governan<;a, passam a fazer parte do vocabulario da nova politica social. Conceitos que se originam tanto de "novas campos" da ciencia social - a s6cio-econornia, por exemplo -, ou da "descoberta de novas realidades" que se apresentam ao cientista social, quanta das modernas tecnicas de adrninistra<;ao (Viana, 2009, p . 29). Politicas Sociais como alavancas e oportunidade para os pobres, segundo a referida autora (id., ibid.), compoem a nova concep<;ao liberal da questao social e das formas de enfrenta-la, cujo panto de apoio esta no suposto consenso

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que d ispensa o debate te6rico. Confundindo inclusao corn universalidade de direitos, deixam de fora as raz6es estruturais que estabelecem as necessidades dos cidadaos. "0 aparente consenso em torno da inovar;iio representada pela politica

social predominante hoje no Brasil denota um empobrecimento das Ciencias Sociais no que concerne ao tema da questiio social" (2009, p. 30) .

3.

Considera~Sfies

Finais: os desafios de urn processo

Concluindo, refon;a-se a premencia e atualidade da discussao do Controle Social na dimensao da gestao publica da Assistencia Social, tendo em vista as significativas diferen<;:as na sua conceitua<;:ao e, consequentemente, na sua implementa<;:ao e resultados que se quer obter na esfera municipal. De fato, quando se reflete sabre a dimensao da participa<;:ao relacionada ao seu papel de Controle Social, esta situa-se entre a dicotomia de ser direta ou indireta, orientada para a decisao ou para a expressao. A distin<;:ao entre participa<;:ao orientada para a decisao e participa<;:ao orientada para a expressao, se da devido a primeira, caracterizar-se pela interven<;:ao de forma organizada, nao epis6dica, junta aos atores da sociedade civil no processo decis6rio, sendo fundamentais e definidoras. A segunda, voltada para a expressao, caracteriza-se por marcar presen<;:a na cena politica, mesmo nao podendo ter impacto no processo decis6rio. A participa<;:ao possui uma rela<;:ao de poder, nao s6 por intermedio do Estado, mas entre os pr6prios atores, exigindo assim, urn comportamento mais racional. Corn a crise do Estado, o desprestigio e a burocratiza<;:ao do sistema partidario, o agravamento dos conflitos sociais e a crescente conscientiza<;:ao de varios segmentos sociais, novas alternativas de participa<;:ao e novas areas de rela<;:6es sociais foram desenvolvidas. A participa<;:ao cidada articula os mecanismos institucionais a outros mecanismos e canais que se legitimam pelo processo social. Busca aperfei<;:oar o sistema de represen ta<;:ao, passando a exigir uma responsabiliza<;:ao politica e jurfdica dos mandatarios, o contra le social ea transparencia nas decis6es, fazendo corn que os tipos de participa<;:ao semidireta se tornem mais freqtientes e eficazes. A participa<;:ao popular vem sendo utilizada por governos e organismos internacionais ao envolver segmentos dominados da popula<;:ao em seus projetos e politicas, inclusive coma estrategia de redu<;:ao de custos e corn objetivos de manipula<;:ao ideol6gica, pretendendo-se conferir legitimidade a governos e programas de compensa<_;ao aos efeitos das politicas de ajuste estrutural. Deve haver uma requalifica<_;ao da participa<;:ao popular nos termos de uma participa<;:ao cidada que interfere, interage e influencia na constru<;:ao de urn sensa de ordem publica regida pelos criterios de igualdade e justi<;:a.

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Por fim, a participa<;ao cidada e urn processo social em constru<;ao, possuindo demandas especificas de grupos sociais, expressas e debatidas nos espa<;os publicos. 0 conceito vem sendo construido atraves de teorias e analises de experiencias, e se diversificam no ambito das Ciencias Sociais, tornando-se tema importante e atual. Cabe destacar, que o exercicio do Controle Social nao depende somente da institucionaliza<;ao de urn marco legal que regulamente a cria<;ao de espa<;os de participa<;ao, pois, e preciso que haja envolvimento dos sujeitos no processo de articula<;ao, mobiliza<;ao e capacita<;ao para urn agir centrado no compromisso de fortalecer a cultura de participa<;ao e constru<;ao de direitos. E importante refletir que num cenario recortado por desigualdades s6cio-econ6micas e situa<;6es de extrema pobreza, tende-se a comprometer a participa<;ao popular ou, tornar este grupo fragil diante de interesses dos grupos politicos que se interessam pela manuten<;ao da ordem vigente. A partir desse pressuposto, surge a necessidade de conhecer quem sao estes atores politicos estrategicos no SUAS, como estao representados equal a expressao politica dos usuarios nesse empreendimento. Os usuarios corn presen<;a organizada no S.U.A.S., sao ainda minoria corn rela<;ao aos prestadores de Assistencia Social e representam uma parcela numericamente inexpressiva quando comparados ao numero de usuarios em atendimentos individuais. Ainda persiste algumas representa<;6es de usuarios por meio de uma delega<;ao incondicional, caracterizada pela auto-delega<;ao de representatividade politica por parte de diretores de entidades, cujo perfil e postura das lideran<;as as caracterizam bem mais, enquanto organiza<;6es prestadoras de Assistencia Social. Alem das dificuldades decorrentes da fragil representatividade da sociedade civil, o exercicio do Controle Social enfrenta o grande desafio de ser efetivado em urn aparato institucional, marcado pela precariedade de instrumentos legais e historicamente amparados por uma tradi<;ao avessa ao ideal de cidadania. Dessa forma, exercer o Controle Social e possibilitar a participa<;ao social, incluindo realmente os usuarios da Assistencia Social, nao e uma tarefa facil e requer o enfrentamento de varios desafios. :E necessaria o aprofundamento do debate sobre o desenho organizacional dos Conselhos como instancias democratizadoras das politicas publicas, considerados como espa<;os que contemplem a perspectiva da universaliza<;ao dos direitos sociais e da cidadania. Assim, cabe o investimento na capacidade de articula<;ao entre os niveis de governos, na dire<;ao de firmar o SUAS como sistema publico democratico e participativo, alem da busca pela dire<;ao de comando unico, rompendo corn o primeiro-damismo, clientelismo e favorecimento partidario, entre outros processos que desqualificam a Politica Social e o direito dos usuarios. Outro desafio e analisar profundamente o modelo de funcionamento dos Conselhos de Assistencia Social, suas Conferencias, sua capacidade de delibera<;ao e grau de autonomia, alem do investimento na capacita<;ao dos

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conselheiros, para o avan<;o na constru<;ao de metodologias e processos que qualifiquem a fiscaliza<;ao das a<;6es, de forma que a dimensao tecnica ganhe as condi<;6es necessarias ao seu funcionamento.

Bibliografia Arnstein, Sherry (1969) . A Ladder of Citizen Participation. ]AIP, vol.35, n.4, Jul, 1969. Cortes, S. (1996) . F6runs participat6rios na area de saude: teorias do Estado, participantes e modalidades de participa<;ao.Revista Saude em Debate, Rio de Janeiro, n. 49-50. Donzelot, J. e Epstein, R. (2006). Democratie et participation: l'exemple de la renovation urbaine. Esprit, jul. Esping-Andersen, G. (1995). 0 Futuro do Welfare State na nova ordem mundial. Revista Lua Nova, n . 35. Sao Paulo: CEDEC. Gasc6n, S., Tamargo, M.D.C. e Caries, M.(2005). Marco Conceptual Y Metodol6gico sabre Participaci6n Ciudadana en Salud en el Mercosur Ampliado. Fundacion ISALUD, primer informe de avance, fev. Jacobi, P. R. (2002). Politicas sociais locais e os desafios da participa<;ao citadina. Revista Ciencia e Saude Coletiva, vol 7, n. 3, Sao Paulo. Marshall, T.(1967). Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar. Polanyi, Karl (1980). A Grande Transformar;iio. Rio de Janeiro: Campus. Rua, M.G. (1998). Analise de Politicas Publicas: conceitos basicos in Rua, M.G. e Valladao de Carvalho (orgs). 0 Estudo da Politica. Brasilia: Paralelo 15. Werneck Vianna, M.L.T. (1998). A americanizar;iio (perversa) da seguridade social no Brasil. Rio de Janeiro: Revan. Werneck Vianna, M.L.T. (2008). A nova politica social no Brasil: uma pratica acima de qualquer suspeita te6rica? Revista Praia Vermelha, n. 18, PPGSS/UFRJ, Rio de Janeiro. Werneck Vianna, M.L.T. (2009). Voz, alivio e oportunidade ou a politica social de Arquimedes no Brasil. Receita infalivel ou abordagem discutivel? Revista Em Pauta, vol. 6, jul., UERJ Werneck Vianna, M.L.T., Antunes, L e Cavanti(2009). Participa<;ao: de que estamos falando? Revista Sociologias, n . 21, UFRGS, Porto Alegre.

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ETICA E SERVI<;O SOCIAL: TENDENCIAS FILOSOFICAS E POLITICAS

ETHICS AND SOCIAL WORK: PHILOSOPHICAL AND POLITICAL TENDENCIES

Helena Rocha Universidade Lusiada de Lisboa - Instituto Superior de Servic;o Social Doutoranda em Servic;o Social - Investigadora no CLISSIS



Etica e servic;:o Social ... ,pp. 25-40

Resumo: No mundo contemporanea as questoes eticas atravessam todas as areas da vida social e do saber. 0 desafio posto aos assistentes sociais no actual estadio societario, onde as expressoes da questao social assumem caracter critico e expoem a humanidade a condi<;oes degradantes de existencia, e o seu projecto etico-politico que posiciona o profissional a repensar o seu fazer, numa perspectica critica, que contemple as contradi<;oes presentes nas suas rela<;oes sociais e leal a os principios e valores que nortearam a profissao desde a sua genese, sao o mote deste artigo1 . Sendo uma profissao eminentemente etica por lidar corn os mais agudos problemas humanos, ha questionamentos que se colocam aos assistentes sociais, numa epoca onde surgem novos enquadramentos das politicas sociais e se poem em causa direitos adquiridos. Palavras-chave: Etica; Valores; Servi<;o Social e Projecto Etico Politico. Abstract: In today's world the ethical issues cross all areas of social life and knowledge. The challenge to social workers at the present stage of society, where the expression of social issues assume a critical nature and expose humanity to degrading conditions of existence and the ethical-political project which position professionals to rethink what to do in a critical perspective that contemplates the contraction in their social relationships and the loyalty to the principles and values that guided the profession since its genesis, are the theme of this article. As a highly ethical profession by dealing with the most acute human problems, there are questions facing social workers, at a time when there are new social policy frameworks and undermine rights. Key-words: Ethics; Values; Social Work and Ethical-Political Project.

1

0 artigo faz parte integrante, na sua maioria, da dissertac;:ao de Mestrado da autora, denominada 'A Etica na Pratica ea Pratica da Etica ', defendida em sede de juri, a 19.11.2009, na Universidade Lusiada de Lisboa - Instituto Superior de Servic;:o Social e orientada pelo Professor Doutor Ivo Antunes Dias, pelo que a sintese realizada, tern por base o estado da arte e as referencias bibliograficas disponiveis, a epoca. Foram apenas concretizadas pequenas alterac;:6es ao texto original, de acordo corn as normas e politica editorial da presente publicac;:ao.

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Introdu~ao

Falar sobre etica e jade si complexo, no caso do Servi<;o Social, em particular, para ÂŁalar so bre etica deve-se levar em considera<;ao a genese e o desenvolvimento da profissao, juntamente corn os seus objetivos, fun<;6es ea sua particularidade. 0 c6digo de etica influenciou bastante o agir profissional, em sintonia corn o contexto repressivo da sociedade portuguesa, ate meados dos 70, infcio dos anos 80, pedindo para: "agir, enquanto perito, cam isenr;iio de animo e imparcialidade". Era

vedado ao profissional: ''jormular perante o cliente critica aos servir;os da instituir;iio, ii actuar;iio dos colegas e aos demais membros da equipe interprofissional" (C6digo de Etica, 1986)2. A visao tradicional propunha que a ac<;ao do assistente social deveria ser a mais neutra possfvel na rela<;ao entre o sujeito e a institui<;ao, para que nao houvesse desequilfbrio na ordem social. 0 c6digo actual (C6digo de Etica, FIAS, 1993) 3 recusa a etica da neutralidade e reconhece a dimensao polftica da pratica profissional, resultando na inser<;ao do assistente social nas lutas da classe trabalhadora, corn uma nova visao a respeito da sociedade, neste caso portuguesa. Quebra-se assim uma rela<;ao mecanica entre a vincula<;ao profissional e os interesses de uma classe, substituindo-se as referencias ideo-polfticas, por valores e praticas sociais mais justas, democraticas, capazes de romper os limites da ordem burguesa. Mas se o C6digo procurou instituir no piano etico uma nova legitimidade profissional, mostrou-se fragil na sua capacidade de legitimar a operacionaliza<;ao jurfdica e polftica dos pressupostos valorativos af contidos.

1. Reflex6es acerca da Etica no Servi~o Social A convic<;ao de que o exercicio profissional, porque orientado para a satisfa<;ao das necessidades humanas e para o bem-estar social, se deve equacionar enquanto realiza<;ao de urn servi<;o publico, na verdadeira acep<;ao da palavra, implica reconhecimento da condi<;ao etica de todos os cidadaos corn quem trabalhamos, a exigencia de qualidade ao nfvel da resposta institucional ej ou organizacional que se oferece, a procura constante de uma maior competencia no desempenho tecnico, o rigor cientffico, a regularidade no estudo e investiga<;ao dos problemas sociais e a clareza na identifica<;ao e diagn6stico das suas determina<;6es hist6ricas, econ6micas, sociais e polfticas. (Serafim, 2004, p .26). A etica das profiss6es nunca esta dissociada do contexto socio-cultural e do debate filos6fico . A etica do assistente social, especificamente, guarda uma profunda rela<;ao corn a etica social, enquanto tece considera<;6es, avalia e emite 2

3

Os c6digos anteriores foram os de 1947, de 1965 e de 1975 (cf. Netto, 1999, p .14) Revisao feita ao Codigo de Etica de 1986, adoptado p ela Associa.;ao de Profissionais d e Servi.;o Social portuguesa.

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juizos em rela<;:ao ao homem, a sua vida e ao seu relacionamento corn o trabalho, corn a familia, ideologia, cultura e desejos (Brites e Sales in Barroco, 2008). Corn a pessoa, isto e, o homem no processo de produ <;:ao da sua vida cultural, na constru<;:ao de valores, que passam a nortear as rela<;:6es consigo e corn os outros, constituindo-se o sujeito do processo de sociabiliza<;:ao (Arendt, 1997). A condi<;:ao de individualidade, exclusiva do homem, s6 pode ser realizada na rela<;:ao corn outros homens. Fora dessa rela<;:ao o individuo s6 tern exish~ncia biol6gica (Jean Piaget, 1896-1980). A consciencia do individuo social, portador de anseios, desejos, projectos, e resultado dessa interac<;:ao social. E a existencia etica (Kierkegaard, 1813-1855), ser de consciencia que valoriza e que projecta a sua ac<;:ao de forma aut6noma e responsavel, que qualifica, enriquece e torna complexo o processo de produ<;:ao e reprodu<;:ao humana. E a Etica Profissional que da visibilidade a sociedade acerca da direc<;:ao social do exerdcio profissional. Isso requer posicionamento e compromisso politico corn determinados valores e prindpios, assentes em referencias que expressam uma concep<;:ao de homem e de sociedade, que se traduzem em normas, procedimentos ej ou directrizes para a actua<;:ao profissional presentes no C6digo de Etica (Netto, 1999). A Etica Profissional, nesse sentido, tern aver corn a imagem que a profissao pretende que seja reconhecida pela sociedade. Isto significa que a profissao constr6i historicamente uma identidade e adquire legitimidade profissional, tanto a partir da explica<;:ao da fun<;:ao social da profissao, quanto dos contornos eticos corn que assume o trabalho profissional (Netto, 1999). Esse processo e atravessado por contradi<;:6es e tens6es e, no caso do Servi<;:o Social, nao podemos esquecer que o exerdcio profissional e realizado numa sociedade capitalista (Iamamoto, 1999). Ha, assim, uma profunda interac<;:ao entre o que preconiza a Etic a Profissional e o modo de ser dos assistentes sociais. 0 Servi<;:o Social e urn fen6meno tipico da sociedade capitalista e, como tal, nao esta isento das configura<;:6es alienadas da vida social, embora esteja permeado por escolhas de valores que, conectados a constru<;:ao de uma nova sociedade, possibilitam a institui<;:ao de referenciais etico-morais alternativos e criticos (Iamamoto, 1999). A Etica Profissional vincula-se aos projectos s6cio-politicos na sua luta pela hegemonia (Netto, 1999 e Iamamoto, 1999), o que aponta para a sua conexao corn a praxis politica e a moralidade profissional, nas suas dimens6es individual, dvica e profissional. A normatiza<;:ao etica e urn imperativo da base legal (Serafim, 2004), devendo ser compativel corn as exigencias tecnicas e eticas da profissao, corn vista a salvaguardar o Servi<;:o Social como profissao, sendo necessaria que o assistente social incorpore a etica, como suporte do seu trabalho, que se objectiva e peculiariza nos mais diferentes espa<;:os onde actua, nomeadamente na area governamental, empresarial, das ONG' s, das entidades filantr6picas, entre outros.

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0 C6digo de Etica e urn recurso fundamental para a pratica quotidiana, especialmente porque os valores nele contidos sao hist6ricos e criados a partir das necessidades, interesses e experiencias culturais dos sujeitos, que muitas vezes expressam contradic;6es, conflitos, sobretudo diante de uma tensao e impasse entre os valores eticos que orientam as praticas sociais e profissionais. 0 C6digo de Etica Profissional do assistente social nao constitui dogma. A sua perspectiva etica e normativa s6 e legitima na medida em que os seus valores e principios sao incorporados de forma consciente, aut6noma e responsavel pelos sujeitos profissionais. A categoria profissional e heterogenea, tanto em relac;ao a inserc;ao socio-econ6mica e cultural dos sujeitos, quanta a formac;ao profissional e uma referenda, juntamente corn o debate te6rico, para a consolidac;ao dos projectos, respeitando-se a pluralidade e a diversidade e coloca-se num campo definido, corn o respeito a todas as express6es profissionais, sociais e culturais que sejam democraticas e procurem a ampliac;ao da liberdade, enquanto valor etico central. No entanto, hoje encontramo-nos perante urn cenario muito complexo- o cenario da Globalizac;ao e da P6s-Modernidade- cujas principais caracteristicas sao a mobilidade, a flexibilidade, a fluidez, a relativizac;ao, os pequenos relatos, a fragmentac;ao, as rupturas de fronteiras e barreiras, as fus6es, o curto prazo, o imediatismo, a descentralizac;ao e extraterritorialidade do poder, a imprevisibilidade e o consumo. Livre de redeas politicas e das restric;6es locais, a economia em rapida globalizac;ao e cada vez mais extraterritorial produz sabiamente diferenc;as sempre maiores de riqueza e de rendimento entre os sectores abastados e depauperados da populac;ao mundial e em cada sociedade. E tambem sabido que relega parcelas cada vez mais amplas da populac;ao nao apenas a uma vida de pobreza, miseria e destituicac;ao, mas tambem a uma permanente exclusao de todo trabalho reconhecido coma economicamente racional e socialmente util, de modo que essas camadas populacionais se tornam econ6mica e socialmente superfluas (Bauman, 2000, p. 117). Estas caracteristicas tern consequencias directas no plana pessoal, identificaveis atraves de sentimentos coma a incerteza, a inseguranc;a, a ansiedade, o medo, entre outros, que coma afirma Santos: (... ) encontramo-nos num periodo de transic;ao que pode ser descrito da seguinte maneira: vivemos num periodo em que enfrentamos problemas modernos para os quais nao existem soluc;6es modernas. Continuamos obcecados pelas ideias de uma ordem e de uma sociedade boas, quanta mais nao seja devido a natureza da (des) ordem que reina nestas nossas sociedades em que sao cada vez maiores a desigualdade e a exclusao - exactamente num momento da hist6ria em que pareceria que os avanc;os tecnol6gicos existem para que as nossas sociedades sejam de outro modo (Santos, 2002, p. 7). Estes sentimentos advem da incompatibilidade entre os projectos de vida a longo prazo e o imediatismo do trabalho no novo capitalismo flexivel. E ao mercado que o sujeito deve ir buscar os meios de vida, a sobrevivencia, sem

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contar corn os fundos publicos que lhe garantiarn direitos. Assirn, urn dos principios orientadores do Servi<;o Social (os Direitos Hurnanos) e questionado pela valoriza<;ao da interven<;ao social no sujeito e nao rnais no direito. Esta e a rnudan<;a que esta a ocorrer na pratica profissional, ou seja, intervern-se, nao ern fun<;ao da adapta<;ao do sujeito a norma, nern para a garantia dos seus direitos, rnas para que este tenha algurnas condi~6es e rnotiva<;ao para cornpetir no rnercado e gerar os seus pr6prios rneios de vida. A crise dos nossos dias significa a ruptura do modo de vida da sociedade capitalista industrial e a passagern para outro modo de vida, exigido por urn processo de acurnula<;ao de capital e novas forrnas de consurno, sob o capitalisrno financeiro . E, pura e sirnplesrnente, urna crise de exclusao e distanciarnento social entre os rnais ricos e rnais pobres, que aparentava ser dirninuida pelo crescirnento do Estado de Bern-Estar Social. Observarn-se altera<;6es ao nivel do ernprego estavel assalariado, a familia e o contrato da cidadania nas suas dirnens6es politica, civil e social. No carnpo social, perante o cenario do capitalisrno, nao se universalizarn direitos, antes pelo contrario, estes vern sendo cada vez rnais reduzidos, a rede de protec<;ao social fragrnenta-se, alterando-se o referendal da Seguran~a Social. Assirn, o "novo contra to social", irnposto pela globaliza<;ao, consiste ern tornar o sujeito rnenos seguro, rnenos protegido, rnais competitive no rnercado, corn urna rnenor garantia de direitos. A par de rnao-de-obra rnais barata, das condi<;6es precarias de trabalho, atraves da desregularnenta<;ao perrnanente do ernprego, cria-se no trabalhador a subjectividade do rnedo, do rnedo de ficar sern trabalho, da vergonha de nao poder fazer face aos seus cornprornissos quotidianos, de passar forne e ver a sua familia a passar forne e dificuldades. Segundo Faleiros (1999), o empowerment do sujeito, individual e colectivarnente, para rnudar as suas rela<;6es, constitui a estrategia de interven<;ao do Servi<;o Social para enfrentar tais exigencias, resgatar a auto-estirna, autonornia e cidadania. A possibilidade do cidadao ter protec<;ao social atraves do Estado precisa de estar articulada a realidade local onde vive e e reconhecido, nurna rede cornplexa de seguros, assistencia e servi~os . A transforrna<;ao dos sujeitos passa pela rnudan<;a de rela<;6es de poder nurna rede societaria e publica, corn fundos e poder de decisao para esses sujeitos, porque e o poder que produz o sujeito nas rela<;6es. Este cenario irnplica que se pense o exercicio do Servi<;o Social de urna forma rnuito rnais cornplexa do que nos anos 60 e 70. Se nesse tempo se fundou o rnovirnento de reconceptualiza<;ao do Servi<;o Social, hoje ha a necessidade de urna re-reconceptualiza<;ao para fazer urna critica ao que foi feito, aos acertos e erros, aos riscos e as oportunidades e necessidades que estao a surgir. Boaventura Sousa Santos (2002) assinala que na crise e possivel reinventar a dernocracia e o Estado. A partir do Estado e possivel re-centralizar decis6es, repensar a sociedade, prornover a cultura, contribuir para urn pensarnento global e urna ac<;ao local e participativa, ou seja, "pensar globalmente e agir localmente".

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Neste processo de transmuta<;6es e fundamental abrir espa<;o para uma economia de proximidade e solidariedade e para a pnitica de interac<;ao social, integrando o local e o global, considerando simultaneamente a destrui<;ao de referencias que se processa e a estrutura<;ao (Giddens, 2004) da sociedade que se produz. Esta e a questao fulcral do pensamento dialectico, que faz corn que o global nao seja visto como inevihivel. 0 mercado nao e a (mica base de rela<;6es sociais e esta articulado a cultura e as institui<;6es. A cultura, a produ<;ao local e as rela<;6es sociais reagem ao mercado global, mas tambem estao inseridas nele. E nos significados que todas as fragmenta<;6es acima referidas podem ter visibilidade estrategica para a sua supera<;ao na ac<;ao. 0 Servi<;o Social pode reorientar e aprofundar a sua tradi<;ao capacitadora, por forma a por de lado o canicter de adapta<;ao, o refor<;o de habitos, adoptando a perspectiva critica, formadora, da aprendizagem na complexidade das condi<;6es do quotidiano, onde sao exigidas mudan<;as de perspectiva, mudan <;as de traject6ria e mudan<;as de condi<;6es. E preciso, para tal, trabalhar projectos individuais e colectivos em redes, redescobrindo e rearticulando for<;as de mudan<;a e de enfrentar a crise. Sem duvida nenhuma, o capitalismo tern vindo a colocar novas exigencias para as politicas sociais e para o Servi<;o Social. Perante o esgotamento da condi<;ao salarial, ja nao se trata de forma prioritaria a inser<;ao do trabalhador nessa forma de trabalho, mas sim na "gestao do nao trabalho". Assim na falta de trabalho assalariado, a gestao da pobreza ÂŁomenta a implementa<;ao de "pequenos neg6cios" dos pobres. Estas propostas e ac<;6es voltadas para a empregabilidade, focaliza<;ao, micro-credito, retornam a perspectiva tradicional do Servi<;o Social de estimulo a motiva<;ao pessoal e mobiliza<;ao de recursos. Contrariamente, o empowerment coloca enfase nas rela<;6es sociais e for<;as em presen<;a (Faleiros, 1999). A perspectiva de mudan<;a das rela<;6es de poder possibilita o fortalecimento da cidadania, da autonomia e da identidade num contexto complexo. Este processo implica necessariamente a garantia de direitos, desenvolvimento das condi<;6es basicas do sujeito. A discussao de alternativas de desenvolvimento local sustentado em rede corn os pr6prios sujeitos, pode conduzir a pressao dos poderes publicos para reorientar a politica de desenvolvimento, no sentido de viabilizar empreendimentos que ocupem a mao-de-obra disponivel em actividades de realiza<;ao social e pessoal (Rocha, 2008) . Ha que olhar a globaliza<;ao, nao como uma fatalidade e nemo capitalismo como o fim da hist6ria, mas sim como urn processo complexo, dinamico e contradit6rio, onde o Servi<;o Social se inscreve igualmente de uma forma contradit6ria, tornando assim possivel a perspectiva do empowerment dos dominados atraves do fortalecimento do seu poder, sob a forma de resistencia. Hurtado (1993) refere que: E a teoria a partir da pratica e nao a teoria sobre a pratica. (.. .) Tomar a propria realidade (e a pratica transformadora sobre essa realidade) como fonte

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de conhecimentos, como ponto de partida e de chegada permanente, percorrendo dialecticamente o caminho entre a pratica e a sua compreensao sistematica, hist6rica, global e cientifica e sobre esta rela<;ao "entre teoria e pratica". Assim, os conhecimentos produzidos sobre outras praticas, os eventos formativos como tais materiais de apoio, o intercambio de experiencias, etc., adquirem a sua justa dimensao. (... ) e pois urn processo continuo e sistematico de interac<;ao entre a pratica e a teoria, impulsionado e acompanhado por aqueles companheiros que tern maior nivel e capacidade de analise, reflexao e informa<;ao (Hurtado, 1993, pp. 45-46) . Para entender a sociedade actual e os desafios dela decorrentes e que sao postos ao Servi<;o Social, ha necessidade em situar, inicialmente, o significado que a sociedade adquire desde a sua emersao aos dias de hoje para, em seguida, inserir neste contexto o Servi<;o Social. A sociedade civil tornou-se a (. ..) esfera das relw;oes entre individuos, entre grupos, entre classes sociais, que se desenvolvem ii margem das rela9oes de poder que caracterizam as institui9oes estatais (Bobbio et al: 1986, p. 121). As duas grandes transforma<;6es societarias atingem directamente o Servi<;o Social: a sua forma<;ao, a produ<;ao do conhecimento, o processo de trabalho e a pratica profissional. A primeira grande transforma<;ao, apontada por Polanyi (2000), culmina corn a emersao do Welfare State ou outras expressoes de Protec<;ao Social e e neste espa<;o que o Servi<;o Social se consolida enquanto forma<;ao e profissao no m undo. Nesse espa<;o, o assistente social criou urn ethos publico, sobretudo nos paises que desenvolviam politicas ou ac<;6es de bem-estar social, predominantemente no ambito estatal. Criou-se, assim, uma cultura de bem-estar - predominantemente publica - capaz de conferir uma especializa<;ao ou qualifica<;ao ao trabalho do assistente social, ao defini-lo como uma profissao inscrita na divisao s6cio-tecnica do trabalho, mediante a sua inser<;ao no trato das express6es concretas da questao social ou no trato das exigencias de diferentes segmentos de classe, surgidas na heterogeneidade e imediaticidade da vida quotidiana. Essa actua<;ao da-se dentro da ordem conservadora estabelecida. Assim, (. .. ) o assistente social contribui cam sua pnitica para a supera9iio de necessidades materiais e sociais dos usutirios, Jundamentais para sua propria sobrevivencia. (Iamamoto, in Simionatto, 1999, p. 88). Nesse contexto, o Servi<;o Social constr6i urn novo projecto ideo-politico, marcado pela ruptura ao conservadorismo, assim expresso no C6digo de Etica (em 1993) e no novo projecto politico pedag6gico (em 1996), este ultimo (.. .) posiciona-se em Javor da igualdade e da justi9a, vinculado ii constru9iio de uma nova ordem societtiria. (Idem, p. 89) . Contudo, a conjuntura em que o Servi<;o Social constr6i o seu novo projecto etico-politico - perpassado por valores e principios da modernidade: democracia, cidadania, igualdade, universalidade e direitos sociais - e caracterizado pela consolida<;ao e evolu<;ao da segunda grande transforma<;ao (Fiori, 2001).

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Esta e marcada pelo afastamento dos principios da modernidade mediante a emersao da sociedade p6s-moderna ou da condi<;:ao p6s-moderna" (Harvey, 1993) da sociedade capitalista. Redesenha-se uma sociedade dita p6s-moderna", fundada no desprestigio da politica, corn enfoque centrado no individualismo, na personalidade, na subjectividade, na visao fragmentada e relativizada da sociedade. Tal enfoque expressa uma concep<;:ao de sociedade inserida na actual 16gica do capital, caracterizada pela desregula<;:ao e flexibiliza<;:ao da produ<;:ao e reprodu<;:ao da vida social. A discussao so bre os riscos da sociedade actualnao e original, ja era encontrada na sociologia classica. Contudo, tres soci6logos da contemporaneidade vem tratando sistematicamente os conceitos de risco e reflexividade na sociedade actual: Giddens, Beck e Lash (1997). Advindo de linhas de trabalho diferentes, convergem sobre a reflexividade, embora tratando-a de maneira diferente. Outra convergencia e a no<;:ao de destradicionaliza<;:ao, cuja inova<;:ao conceptual se refere a uma ordem social em que a tradi<;:ao sofre ruptura no seu status. Ainda outra convergencia tematica refere-se a preocupa<;:ao ecol6gica, isto devido ao facto de o ambiente nao se encontrar mais alheio a vida social humana. 0 que e natural" esta tao intrinsecamente confundido corn o que e "social", da mesma forma que muitos aspectos da vida eram governados pela tradi<;:ao. A "natureza" transformou-se em areas de ac<;:ao nas quais os individuos tern de tomar decis6es praticas e eticas. Nessas circunstancias, ocorrem transi<;:6es importantes na vida quotidiana, na intensifica<;:ao da globaliza<;:ao e na tomada de decis6es politicas. 0 destaque a mudan<;:a de paradigmas e para refor<;:ar a ideia de que a sociedade contemporanea esta a passar por urn periodo de transi<;:ao, revolu<;:ao de condutas e ac<;:6es sociais. Ulrich Beck (1997) explica a moderniza<;:ao reflexiva como urn fen6meno que, em virtude do seu inerente dinamismo, faz a sociedade moderna acabar corn forma<;:6es de classe, camadas sociais, ocupa<;:6es, papeis dos generos, familia nuclear, sectores empresariais e, tambem, corn os pre-requisitos e as formas continuas do progresso tecnico-econ6mico. Este novo estadio, em que o progresso se pode transformar em autodestrui<;:ao, em que urn tipo de moderniza<;:ao destr6i outro e o modifica, e o que Beck denomina de "etapa da moderniza9iio refiexiva", ou seja, a moderniza<;:ao reflexiva tambem significa uma reforma da racionalidade que faz justi<;:a a ambivalencia hist6rica a priori, numa modernidade que esta a abolir as suas pr6prias categorias de ordena<;:ao. 0 autor conecta a investiga<;:ao aos limites da reflexividade, porque atribui a reflexividade estatica a "razao emocional" pratica. Entretanto, na modernidade ha a diferencia<;:ao de varios campos delimitados" (religioso, politico, legal, cientifico, artistico, academico, sociol6gico) a partir dos quais surge o campo social geral" (Giddens, Beck, Lash, 1997, p . 192). 11

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A reflexividade social diz respeito a uma sociedade em que as condi<;6es em que vivemos sao cada vez mais o resultado das nossas pr6prias ac<;6es, e, inversamente, as nossas ac<;6es vivem cada vez mais a administrar ou enfrentar os riscos e oportunidades que n6s mesmos criamos (Giddens, 2000, p. 20). 0 que se chama de realidade ou facto social pode ser entendido como urn pacote corn ferramentas de interpreta<;ao (teoria) e orienta<;ao de sentido (valor) do fen6meno social total. 0 pacote interpretativo (teoria e valor) e 0 que faz a socializa<;ao e media<;ao do facto bruto no sistema social. E depois de tantas voltas ainda nao se tocou num aspecto: a operacionaliza<;ao desse conhecimento ao entendimento do mundo moderno ocidental, continuando a acredita-lo complexo, ou preferindo manter urn discurso dogmatico. No entanto, diante do que eo discurso na sua realidade material de coisa pronunciada ou escrita, escondem-se poderes e perigos que mal se imaginam. Em toda a sociedade a produ<;ao do discurso e, ao mesmo tempo, controlada, seleccionada, organizada e redistribuida por urn certo numero de procedimentos, que tern por fun<;ao esconjurar os seus poderes e perigos (Foucault, 1997). Por mais que o discurso seja aparentemente pouca coisa, os interditos que o atingem cedo revelam a sua liga<;ao corn o desejo e corn o poder (Foucault, 1997). Nao ha aqui nada de novo uma vez que como a llpsicanalise (Freud, 1856-1939) nos mostrou nao e simplesmente aquilo que manifesta o desejo, mas sim o objecto do desejo, e aqui a hist6ria ensina-nos que 0 discurso nao e simplesmente aquilo qu e traduz as lutas ou sistemas de dornina<;ao, mas aquilo pelo qual, e corn o qual se luta, o poder do qual nos queremos apoderar. Se nos situarmos ao nivel de uma proposi<;ao, no interior de urn discurso, a distin<;ao entre verdadeiro e falso, nao e nem arbitraria, nem modificavel, nem institucional. A responsabilidade da gestao do risco nao pode ser deixada apenas aos politicos ou aos cientistas, e necessaria a participa<;ao de outros grupos e agendas que operam fora dos mecanismos formais da democracia politica, tais como, os gru pos ecol6gicos, de d ireitos dos consurnidores e de direitos humanos. Castells (1999) diz qu e a n ova socied ade e marcada pelo surgimento das redes e pela econ ornia em rede. Contudo, a economia capitalista e sociedade de hoje sao muito diferentes do passado. Na sociedade em rede a identidade pessoal torna-se algo de mu ito mais aberto, ja nao vamos buscar as nossas identidades ao passado, temos de as produzir activamente em interac<;ao corn os outros. Assim, a democracia nao se pode limitar a esfera publica, existe uma democracia de emo<;6es que diz respeito as novas formas de familia, nas quais homens e mulheres participam de igual modo. A democratiza<;ao da vida pessoal avan<;a para urn nivel em que as rela<;6es se fundamentam no respeito mutuo, na comunica<;ao e na tolerancia. As perspectivas centradas na ac<;ao social tern como preocupa<;ao o modo como os individuos interpretam activa e criativamente o mundo que os rodeia e nao as for<;as externas que guiam e constrangem a ac<;ao humana. 11

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2. Sintese da Traject6ria hist6rica da etica profissional do ServiÂŤ;o Social Efectivamente, interessa reconhecer que o(o) problemas etico(os) sao equacionados na base de uma fundamenta<;ao filos6fica que, em ultima analise, elucida acerca de uma orienta<;ao etico-politica precisa e ajuda a enquadrar metodologicamente diversas perspectivas de interven<;ao, tanto ao nivel da racionalidade dos meios e eficacia da ac<;ao coma, sobretudo, ao nivel dos objectivos e finalidades de interven<;ao (Serafim, 2004, p. 31). Eimportante salientar, em primeira instancia que o Servi<;o Social em Portugal, enquanto profissao, surge aliado a urn percurso s6cio-hist6rico e politico. Desta forma a sua inser<;ao na divisao social do trabalho, acompanha os progressivos confrontos e vicissitudes, caracteristicos de uma sociedade em constante mudan<;a. A constru<;ao do Servi<;o Social Portugues apresenta-se, neste sentido, nao coma urn processo linear, homogeneo, cumulativo e continua, mas como urn processo complexo, polemico e contradit6rio, fruto dos confrontos corn diversos projectos para a sociedade e o significado e fun<;ao social que atribuem a profissao (M6dulos PROFISS, 2001, p .3.21) . Assim, em Portugal da-se a genese do Servi<;o Social, enquanto filantropia cientifica e e precisamente quando se da o "corte" da Igreja corn a assistencia, originando assim a forma<;ao de agentes laicos para desenvolver a sua ac<;ao nas organiza<;6es sociais, sem estarem sob a tutela da Igreja. Corn o Estado Novo, Salazar desenvolve uma estrategia em rela<;ao a assistencia social, diferente da que se ia desenvolvendo em outros paises, como forma de combater a amea<;a do comunismo. Assim, os assistentes sociais actuavam junto dos meios operarios e das familias, onde desenvolviam urn papel importante de divulga<;ao da doutrina Social da Igreja. 0 Estado pretendia que as assistentes sociais fossem dirigentes id6neas, responsaveis e activas cooperadoras da revolu<;ao Nacional, racionalizassem e individualizassem a assistencia corporativa, dirigida prioritariamente as farnilias, moralizando os costumes e contribuissem para a forma<;ao da consciencia nacional (M6dulos PROFISS, 2001, p. 3.30). E, no entanto corn o Estado Novo que se institucionaliza o Servi<;o Social, corn o surgimento de escolas de Servi<;o Social em Lisboa, Porto e Coimbra (Martins, 1999). No P6s 25 de Abril surge uma aposta na Investiga<;ao em Servi<;o Social, que se deve ao surgimento de novos problemas sociais, decorrentes de muta<;6es na propria sociedade e tambem ao surgimento de novas ideologias, tais como o Marxismo ou coma o movimento de reconceptualiza<;ao do Servi<;o Social na America Latina. Nos anos 80, e reconhecido o grau academico de licenciatura e a forma<;ao come<;a a integrar a vertente da Investiga<;ao, atraves de teses ou monografias de licenciatura, mestrado doutoramento e p6s-gradua<;6es. Iniciase a divulga<;ao da produ<;ao cientifica que e realizada atraves de publica<;6es de revistas cientificas e atraves da realiza<;ao de seminarios (Martins, 1999).

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0 assistente social depara-se no seu campo de interven<;ao, corn uma grande riqueza em termos de instrumentos de pesquisa. 0 profissional tern de estar permanentemente a actualizar os conhecimentos inerentes a sua pratica profissional, pais tern de acompanhar as muta<;6es que ocorrem na sociedade. A investiga<;ao constitui-se assim, uma pnitica complementar ao trabalho desenvolvido no terreno. 0 assistente social esta apto a realizar investiga<;6es, que devem ser desenvolvidas nurna base teorica consistente e preferencialmente, realizado em equipas pluridisciplinares. Assim, o assistente social atraves do estudo dos problemas, tendo coma base as etapas e procedimentos cientificos, pode aplica-los na resolu<;ao dos mesmos. 0 interesse pelo estudo das politicas sociais, par parte dos assistentes sociais, reflecte, par urn lado, que e atraves das rela<;6es imediatas que o mesmo actua, e par outro, que e a propria metodologia que generaliza a sua actua<;ao profissional. A tradi<;ao do Servi<;o Social e baseada nas rela<;6es interpessoais, e e atraves delas que este toma o relacionamento coma forma de actua<;ao profissional privilegiada. Na perspectiva de Faleiros "este relacionamento se baseava nos processos de caso, grupos e comunidades, em que o profissional pensava ou julgava actuar, atraves de factores psicossociais inerentes a sua propria personalidade para influir nas decisoes pessoais de sua clientela" (Faleiros, 1987, p. 16). Segundo a perspectiva do mesmo autor, estas rela<;6es eram fundadas no conhecimento do meio em que viviam os seus clientes (as suas rela<;6es familiares, sociais, entre outras), sendo consideradas coma o fundamento da vida social. 0 Servi<;o Social e a politica social passam, assim, a ser duas formas em interliga<;ao e o campo da interven<;ao social torna-se cada vez mais vasto. Actualmente, o assistente social depara-se corn urn dos seus maiores desafios, desafio esse que se traduz na necessidade do desenvolvimento da sua capacidade de interpretar a realidade, bem coma da sua capacidade criativa. Coma tal, pretende-se que o profissional deixe de ser urn mero executor de politicas, passando, ele proprio, a construir propostas de trabalho criativas, que permitam a preserva<;ao e efectiva<;ao dos direitos. 0 assistente social tern coma objecto de trabalho a "questao social" (Castells, 1999) na qual trabalha diariamente nas suas mais diversas express6es, pais e ela que origina a necessidade do mesmo intervir junta a popula<;ao alvo, i.e, testemunha as desigualdades dos individuos face ao trabalho, a familia, a habita<;ao, a saude, a assistencia publica, entre outras. Neste ambito, e para que o assistente social possa conhecer o seu objecto de estudo, tera obrigatoriamente que pesquisar e conhecer a realidade, pais so assim sera possivel 0 desencadeamento de urn processo de mudan<;a. As bases teorico-metodologicas, ou seja, o conjunto de conhecimentos e habilidades adquiridas pelo assistente social, ao longo do seu processo de forma<;ao, e as tecnicas, sao instrumentos de trabalho que lhe permitem conhecer a realidade e exercer a profissao.

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E importante real~ar que o assistente social nao realiza o seu trabalho isoladamente, ele faz parte de urn trabalho combinado, assumindo-se como urn trabalhador que integra uma equipa multidisciplinar. Importa, por isso, reflectir como a profissao pode criar condi~oes para se fortalecer e assumir urn posicionamento critico, que lhe permita afirmar-se contra a degrada~ao dos servi~os que devem ser prestados a popula~ao, nas diversas areas e contra a sua propria desprofissionaliza~ao. 3. Considerac;oes Finais

Pensar sobre o Servi~o Social no momento actual e, corn certeza, urn grande desafio, pois o desenvolvimento veloz da ciencia e da tecnologia e as mudan~as presenciadas no mundo do trabalho, nas rela~oes Estado/Sociedade, reproduzem uma nova configura~ao das rela~oes sociais, indicando uma necessidade de revisao constante dos fundamentos te6rico-metodol6gicos do Servi~o Social. 0 Servi~o Social, inserido no contexto de mudan~as do mundo, podera contribuir corn o seu conhecimento qualificado, organizando e coordenando actividades relacionadas as questoes sociais e de exercicio da cidadania. Esse conhecimento nao e apenas pratico - tern pertinencia te6rica e deve ser desenvolvido como conhecimento cientifico que e. 0 conhecimento dos assistentes sociais tern de ser urn conhecimento consciente (em que o profissional esta consciente de que o possui, logo consegue articula-lo, utiliza-lo) e contextualizado (ao nivel social, hist6rico e cultural). Trata-se, acima de tudo, de uma nova atitude critica perante a realidade social, uma atitude mais aberta, flexivel e sensivel aos dados empiricos que a vida permanentemente produz. E em torno desse rol de complexidades que a categoria profissional pode (re) construir a sua identidade profissional. E atraves do projecto etico-politico que a identidade profissional "expressa e representa os profissionais a partir de vdrios

elementos tais coma as definir;oes e os elementos do processo de trabalho profissional, das expectativas politicas e das prescrir;oes deontol6gicas e teleol6gicas" (Gentili, 1997, p . 137). Ai esta o movimento ideo-politico da categoria, rompendo corn a sua condi~ao de subalternidade e conquistando a sua autonomia de natureza colectiva e politica. Entretanto, o problema que se coloca hoje e se existe, na actual conjuntura, espa~o para o exercicio da liberdade demarcando urn campo possivel (Andrade, 2001) capaz de articular a etica a politica. Pode dizer-se que importa mesmo desenvolver teorias, alargar horizontes de reflexao e analise que validem as criticas e as praticas dos que nao se conformam que o estabelecido eo predefinido. A inser~ao da perspectiva investigativa na ac~ao impoe-se como uma exigencia basica, angular e etica da profissao e nao mais como algo opcional. Repensar algumas dimensoes relacionadas as estrategias de fortalecimento do projecto profissional, a reorganiza~ao da categoria profissional, a urn maior apoio

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das unidades de ensino, posicionando-nos eticamente e defendendo os nossos principios, que sao tao-somente valores de Dignidade Humana.

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ETICA E MINIMOS SOCIAlS - SUJEITO DE DIREITO E RENDIMENTO SOCIAL DE INSER<;AO ETHICS AND SOCIAL MINIMUM- SUBJECT OF LAW AND SOCIAL INTEGRATION Julia Cardoso Assistente Social Doutoranda em Servit;o Social ISCTE - IUL



Etica e minimos sociais - Sujeito de Direito e Rendimento Social de Insero;ao ...,pp. 41-57

Resumo: 0 trabalho que se apresenta constitui uma reflexao sobre as medidas de garantia de rendimento implementadas em Portugal, como direito social corn car<kter universal, em 1997 (Rendimento Minimo Garantido), e a filosofia moral que sustentou a sua altera~ao em 2003, passando a Rendimento Social de Insen;ao. Encontrando-nos, hoje, numa nova conjuntura politica, social e econ6mica que se preve venha a introduzir novas altera~oes nas garantias de minimos sociais, importa manter a diversidade de olhares analiticos sobre uma medida que, tendo sido uma recomenda~ao da Uniao Europeia no inicio dos anos 90 do seculo XX, tern sido alvo da aten~ao e da discussao pu.blicas, suscitando opinioes muito diversas e controversas - mesmo entre os assistentes sociais, profissionais fortemente envolvidos na sua aplica~ao. A reflexao apoia-se, sobretudo, no pensamento de Paul Ricoeur (1995) e na sua no~ao de Etica: a busca da vida feli z, para e cam os outros, no seio de institui9oes

justas. Palavras-chave: Etica; Justi~a; Sujeito capaz; Rendimento Social de Inser~ao . Abstract: The present paper is a reflection on the performance of the assurance measures implemented in Portugal, as universal social right in 1997 (Guaranteed Minimum Income), and the m oral philosophy that supported his amendment in 2003, becoming the Social Insertion Income. Finding us today, in a new political, social and economic context which is expected to introduce further changes in the social minimum guarantees, it is important to maintain the diversity of an analytical view on a measure that was a recommendation of the European Union in the early 90 of the twentieth century that has been the focus of attention and public discussion, leading to very different and controversial opinions - even among social workers as heavily involved professionals in its application. The discussion is based, above all, on the thought of Paul Ricoeur (1995) and his notion of ethics: the pursuit of happy life for and with others, within just

institutions. Key-words: Ethics; Justice; Capable subject; Guaranteed Minimum Income.

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1. Etica, Servi~o Social e Politica Social 0 Servi<;:o Social e uma profissao fortemente vinculada a urn conjunto de valores que moldam a profissao, a sua missao e as prioridades dos profissionais. Os principais valores estao relacionados corn o direito do ser humano a autodetermina<;:ao e corn a obriga<;:ao de ser protegido ao nivel dos seus direitos; mas, tambem, corn a obriga<;:ao do cumprimento da lei (eo direito a auto-protec<;:ao relativamente as san<;:6es que possam decorrer do seu nao cumprimento). Sendo uma das mais normativas das profiss6es de ajuda, o Servi<;:o Social tern as suas raizes hist6ricas fortemente ligadas a conceitos como justi<;:a e equidade e "a missao dos assistentes sociais ancorada, principal mas nao exclusivamente, a concep<;:6es sobre o que e justo e injusto e por uma cren<;:a colectiva acerca daquilo a que os individuos tern direito numa sociedade e ao que devem a essa mesma sociedade" (Reamer, 1999:5) Estas concep<;:6es foram evoluindo e mudando ao longo do tempo, por via da influencia na profissao das ideologias corn mais expressao e impacto nos diferentes momentos da vida das sociedades, podendo identificar-se, segundo Reamer (1999), tres estadios principais: • 0 primeiro, no seculo XIX, coincidente corn o surgimento da profissao, em que o Servi<;:o Social se encontra mais relacionado corn a moralidade do cliente do que corn a moralidade ou etica da profissao ou dos seus profissionais. Organizar o auxilio e responder "a face miser a vel da pobreza" era a principal missao dos assistentes sociais e a sua ac<;:ao traduzia-se, frequentemente, numa tentativa paternalista para educar os pobres que se tinham acostumado "a ma vida", no sentido da moralidade e da rectidao corn que deviam conduzir as suas vidas, tentando-se "reformar o seu caracter"; • No inicio do seculo XX, assiste-se ao surgimento do movimento institucional, a cria<;:ao dos estabelecimentos de apoio social. Os objectivos e orienta<;:6es ao nivel dos valores de muitos assistentes sociais deslocamse da moralidade ou imoralidade dos pobres para a necessidade de uma urgente reforma social, tendente a responder a uma ampla serie de problemas sociais como os relacionados coma habita<;:ao, cuidados de saude e sanitarios, emprego, pobreza e educa<;:ao. As quest6es relacionadas corn a moralidade do cliente foram diminuindo de importancia ao longo das decadas seguintes da vida da profissao, priorizando-se o estabelecimento e aperfei<;:oamento das estrategias de interven<;:ao, das tecnicas, dos programas de forma<;:ao e escolas de pensamento. 0 debate acerca do futuro da profissao desenvolveu-se, sobretudo, sabre as op<;:6es entre uma cultura da especializa<;:ao em Servi<;:o Social de caso (apoio psicossocial e psicoterapeutico), politica e administra<;:ao do bem-estar social, trabalho corn a comunidade, ou uma cultura de reforma social; • 0 terceiro estadio, iniciado no final dos anos 40 do seculo XX, e a epoca da

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intensifica<;:ao do debate sobre as d imens6es morais da pratica no Servi<;:o Social: m ais do que a preocupa<;:ao corn a moralidade do cliente, esta epoca cen trou-se mais na moralidade e na etica da profissao e dos profissionais, constituindo uma mudan<;:a significativa em termos do desenvolvimento de linhas orientadoras no piano da etica, conducentes a institucionaliza<;:ao de urn c6digo de conduta proprio dos assistentes sociais no exercicio da sua profissao. 0 primeiro C6digo de Etica e aprovado em 1947, na conferencia de delegados da Associa<;:ao Americana de Assistentes Sociais. A partir deste periodo, o debate sobre as quest6es da etica e deontologia da profissao nao mais deixaram de estar na ordem do dia e muitos foram os fora organizados para definir ou redefinir o quadro de valores e de principios eticos, em fun<;:ao dos diversos contextos politicos e institucionais colocados ao exercicio profissional. 0 ultimo espa<;:o de reflexao, a nivel mundial, sobre os principios e valores eticos no Servi<;:o Social teve lugar em 1994, na Assembleia Geral da Federa<;:ao Internacional dos Assistentes Sociais (FIAS). Corn base no C6digo Internacional de Deontologia para o Assistente Social, adaptado em 1976 pela FIAS, esta Assembleia aprovou urn conjunto de normas de conduta etica que incluem normas gerais e especificas, aplicadas a rela<;:ao corn o sujeito da aten<;:ao, corn os colegas, corn as institui<;:6es, servi<;:os e organiza<;:6es e as relativas a profissao. Os assistentes sociais exercem as suas fun<;:6es em contextos organizacionais publicos e privados, embora, nas sociedades ocidentais e a partir da II Guerra Mundial, o espa<;:o de referenda do exercicio profissional seja o sector publico, onde executam as politicas do Estado para garantia dos direitos sociais e do bem-estar social. Nas su as fu n<;:6es, os assistentes sociais sao profissionais que con tribuem para a aplica<;:ao dos principios eticos gerais que norteiam as fun<;:6es do Estad o, sendo, tambem, obrigados a seguir urn quadro de referenda etica e procedimentos deon tol6gicos, d efinidos para a profissao, na sua pratica e na rela<;:ao qu e estabelecem corn os cidadaos. A ac<;:ao do Estado parte de valores eticos qu e foram sendo legitimados ao longo dos tempos, corn tradu<;:ao diferenciada ao nivel d as normas e das politicas; tambem a pratica dos assistentes sociais expressa essa evolu<;:ao e a hist6ria da profissao d isso nos da conta. Em Portugal ainda sao poucos os estudos relativos a influencia das novas ideologias no exercicio da profissao, sobretudo do neo-liberalismo 1 e das suas formas de encarar a pessoa na sua rela<;:ao corn a sociedade. Esta questao remete, por 1

As razoes que ju stificam a retracc;ao do Estado Social, m ais do que de dificuldade econ6mica siio de n atureza ideol6gica. 0 caracter residual que tern vindo a assumir a ajuda social, libertando-a de qualquer rela~ao corn a no~ao de direito social, resulta de uma filo sofia de res pon sabiliza~ao do indivfduo p ela sua propria c ondi~ao de vulnerabilidade. Sobre este tema, e em particular sobre a tendencia de reforma da ajuda social como instrumento de disciplina dos pobres, Loi:c Wacquant da-nos urn retrato da America que constitui urn importante m eio de reflexao sobre o que tern vindo a ser o caminho da Europa e de Portugal nos ultimos anos. Wacquant, L., (2004) Punir les Pauvres, Marseille, Agone

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exemplo, para a discussao sabre o direito e, em especial, o direito social, e para o papel que deve ter o Estado na formulac;;ao e garantia dos direitos sociais. Numa epoca de retracc;;ao do Estado neste dominio, quais os argumentos utilizados para "balizar" as ajudas aos cidadaos, sobretudo as que dizem respeito a satisfac;;ao das suas necessidades basicas? Coma e interpretada a noc;;ao de justic;;a, no caso de justic;;a social, e qual a sua relac;;ao corn o tipo de politicas sociais que tern vindo a ser definidas? Em que termos concretos sao consideradas, na actualidade, as clausulas do "Novo Contrato Social" 2 estabelecido ap6s a II Guerra Mundial, construido corn base na noc;;ao de risco social e na de solidariedade colectiva, tornando mais extenso o conceito de cidadania? Em termos concretos e para o desenvolvimento deste exercicio de reflexao, em que medida as politicas de garantia de rendimento para satisfac;;ao de necessidades basicas - coma foi o caso do Rendimento Minima Garantido criado em Portugal em 1996 ea sua posterior alterac;;ao, em 2003, para Rendimento Social de Inserc;;ao (RSI)- se alicerc;;am mais na Etica ou na Moral? Em que condic;;oes podem os assistentes sociais aplicar os principios eticos e o c6digo de conduta a que estao vinculados no exercicio da profissao, quando aplicam a lei doRSI? Tentar-se-a responder a tais indagac;;oes recorrendo, de forma sintetica, as teorias eticas classicas e ao desenvolvimento te6rico sabre as noc;;oes de sujeito de direito, de responsabilidade e de justic;;a elaborado por Ricoeur3 e de justic;;a distributiva segundo Rawls 4•

2. Sujeito de Direito, Responsabilidade e Justic;;a Para definir "sujeito de direito" socorremo-nos, desde ja, de Ricoeur (1995), que nao faz distinc;;ao entre a dimensao juridica e a dimensao moral da noc;;ao. Associando a forma moral questoes coma "quem e o sujeito digno de estima e de respeito?" e "quais sao os trac;;os fundamentais que tornam o eu capaz de estima e de respeito?" , Ricouer procura encontrar as "mediac;;6es de ordem interpessoal e institucional que asseguram a transic;;ao do sujeito capaz para urn sujeito de plena direito, exprimindo-se no plana moral, juridico e politico" (Ricoeur, 1995, p. 25), encontrando-as quer na noc;;ao de identidade pessoal e colectiva . Quem e aquele que fala? Quem realizou esta ou aquela acc;;ao? Esta narrativa ea hist6ria de quem? Quem e 0 responsavel por este dano ou este mal feito a outro?), quer nas mediac;;oes interpessoais e institucionais que permitem que o individuo estabelec;;a relac;;oes corn o outro, corn terceiros, atraves de sistemas sociais diversos (Ricoeur, 1995, p. 26). E destes sistemas que emanam as normas que dao uma nova qualificac;;ao ao sujeito capaz, tornando-o responsavel do panto de vista etico-juridico, tendo traduc;;ao no estabelecimento de contratos Rosanvallon, P., (1984) A crise do Estado Providencia, Lisboa, Inquerito Ricoeur, P., 0 Justo ou a Essencia da Justira, Lisboa, Instituto Piaget, 1995; Lectures 1 - Autour du Politique, Paris, Seuil, 1991 4 Rawls, J., Uma teoria da Justira, 2" edi<;ao, Lisboa, Presen.;a, 2001 2

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que conferem uma estrutura juridica as trocas sociais, ultrapassando o nivel da relac;ao pessoa-pessoa. Encontra-se aqui a dimensao politica de tais mediac;6es, constituindo-se em nivel de poder publico, que confere a os varios poderes- onde estao incluidos os do sujeito capaz- uma "perspectiva de durac;ao e estabilidade e, fundamentalmente, projecta o horizonte da paz publica compreendido como tranquilidade da ordem" (Ricoeur, 1995, p . 33). E no nivel da dimensao politica das mediac;6es que encontramos o Estado e, segundo Ricoeur, e a justifa o valor etico que releva deste nivel. Em sintese: o sujeito de direito e aquele que e capaz do reconhecimento de si (da estima de si, do ponto de vista da etica), do reconhecimento do outro como seu igual em direitos e em deveres (solicitude, no piano da etica), sendo as suas relac;6es mediadas por sistemas sociais, que os reconhecem e regulam as suas relac;6es garantindo que todos sejam considerados num patamar de igualdade (instituic;oes justas). Esta aqui contida a noc;ao de Etica do ponto de vista de Ricoeur: "a busca da vida feliz, para e cam os outros, no seio de instituifoes justas" (Ricoeur, 1991, p. 257) E, sobretudo, este ultimo aspecto que nos remete para a moral, ou seja, para o lado das obrigac;6es, do clever, para o cumprimento de normas consideradas, na perspectiva Kantiana, como maximas universais. Segundo Ricoeur (1995), o modelo da Moral Kantiana transforma a estima de si em autonomia do sujeito, a solicitude em respeito e o sentido de justic;a em legalidade juridica. E esta dimensao, a da legalidade juridica, que pode levantar problemas do ponto de vista etico: ao impor regras de funcionamento e de conduta, iguais para todos os homens, independentemente da sua situac;ao particular, do seu nivel de autonomia enquanto ser. Tal como Ricoeur sugere, a vida feliz nao se limita as relac;6es interpessoais e a justic;a apresenta trac;os eticos que estao para alem da solicitude; as instituic;oes constituem urn sistema de partilha suportado em direitos e deveres, responsabilidades e poderes, logo, tern urn "caracter distributivo" (Ricoeur, 1991, p. 259). Pelo seu caracter de universalidade, retira a possibilidade de atenc;ao particular ao individuo, a sua singularidade5, podendo ser gerador de desigualdade ou incapaz de criar urn sistema de reciprocidade, possivel atraves da solicitude, virtude etica presente numa relac;ao mais restrita. Por isso, e para superar tais limitac;6es, Ricoeur prop6e o primado da etica sobre a moral, defendendo, todavia, ser necessaria que o objectivo da etica passe pelo crivo da norma; dado que a norma pode conduzir a conflitos para os quais nao exista saida, a nao ser que se utilize a sabedoria pratica, ea etica 0 "instrumento" adequado a ultrapassar tais conflitos e 5

Sobre este tema - objecto de grande reflexao por parte de Michel Foucault, sobretudo em Vigiar e Punir- encontra-se estruturado o livro de Ewald "Foucault, a Normae o Direito", que analisa o pensamento do fil6sofo no que diz respeito ao poder, ao direito e a tendencia das sociedades actuais se desenvolverem num quadro legalidade sem direito: o Estado confere direitos que parecem alargados mas, atraves da regulamenta~ao da lei, da defini~ao das formas de acesso e da ac~ao pratica das institui~6es - a burocracia - exclui do direito muitos dos cidadaos. Ewald, Fran~ois, Foucault, a Normae o Direito, trad. de Ant6nio Fernandes Cascais, Lis boa, Ed. Vega, Limitada, 1993.

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a ter em conta a singularidade das situa~6es (Ricoeur, 1991, p. 256), tornando cada urn o destinatario de urn sistema de distribui~ao e partilha. Para finalizar, e pela rela~ao que nos propomos estabelecer ao longo do trabalho, a ideia de responsabilidade na perspectiva morale na actualidade. Corn origem na palavra imputare, o seu significado remetia para a responsabiliza~ao do individuo pelos seus actos e para a obriga~ao de reparar danos causados a terceiros ou sofrer uma pena, concretizando-se, pois, num mecanismo de retribui~ao a outrem pelos danos causados. Ricoeur utiliza a no~ao inscrita no Dicionario de Trevoux do seculo XVIII para estabelecer a rela~ao entre atribui~ao e retribui~ao que considera ai estar contida: imputar uma ac~ao a alguem e atribuir-lha como sendo o seu verdadeiro autor, coloca-la na sua "conta", e tornar esse alguem responsavel por ela (Ricoeur, 1995, p. 38). De acordo corn Ricoeur, em Kant a ideia de imputa~ao tern implica~6es tanto do ponto de vista moral como juridico, e o livre arbitrio constitui uma prerrogativa do sujeito face ao conhecimento da lei, o que o torna responsavel pelas suas ac~6es. Existe, pois, uma liga~ao entre liberdade e lei, entre liberdade e responsabilidade pela ac~ao, logo, entre liberdade e imputabilidade; assim, em termos juridicos, a responsabilidade advem da rela~ao cruzada entre a infrac~ao que se comete quando se age, a falta, e o dever de reparar ou de sofrer pena por nao se ter agido de acordo corn a norma instituida. Do ponto de vista moral, a ac~ao nao esta de acordo corn a norma, por isso o dever de reparar os danos. Esta e, sem duvida, a filosofia de base do direito civil e, em termos de ajuda social, pode dizer-se que esta ideia justificou as primeiras formas de ajuda ou a ausencia delas: referimo-nos a no~ao de falta ou de culpa, presente ate ao seculo XIX, que remetia para os pobres a responsabilidade pela sua situa~ao. Para alem da pobreza ser entendida como naturale propria da sociedade em que os recursos sao escassos, a pregui~a, a falta de esfor~o dos pobres para sairem da sua situa~ao de carencia, a promiscuidade em que viviam, eram (e sao ainda hoje) alguns dos factores apontados para justificar as desiguais condi~6es de vida. A socializa~ao da responsabilidade perante a pobreza s6 tern inicio quando esta come ~a a ser entendida como fen6meno social, n ao directamente resultante de condi~6es naturais ou da responsabilidade individual. Os seguros sociais ja traduzem, no seculo XIX, uma responsabiliza~ao bipartida entre operarios e patronato mas s6 no seculo XX podemos falar da socializa~ao das responsabilidades, passando a ser a sociedade, no seu conjunto, a solidarizar-se perante urn fen6meno que esta para alem da vontade e da capacidade de agir de cada urn. Releva destas mudan~as, o facto de se ter passado da no~iio de culpa para a no~iio de risco no que diz respeito a uma serie de actos e de consequencias da vida quotidiana 6 .

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Sobre a traject6ria da no<;ao de culpa, de risco profissional e de risco social e das suas implica<;5es na organiza<;ao do Estado e da sociedade, nomeadam ente n a constru<;ao dos sistemas de seguran<;a social Fran<;ois Ewald continua a ser urn autor de referencia. Ewald, F., LEtat Providence, Paris, Grasset, 1986

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Tais mudan~as revelam, sobretudo, urn novo conceito de responsabilidade 7 ou, como refere Ricoeur, uma "mudan~a do objecto da responsabilidade [ .. .]No plano juridico, declara-se o autor responsavel pelos efeitos da sua ac~ao e, de entre estes, pelos danos causados. No plano moral, e pelo outro homem, o outro, que se e considerado responsavel" (Ricoeur, 1995, p . 53). A no~ao de risco ea socializa~ao da responsabilidade conduzem a "ideia de pessoa que se tern a seu cargo", e que, sendo urn ser vulneravel, deve ser objecto de cuidado, ou seja, do ponto de vista moral, o outro e promovido ao estatuto de objecto do cuidado e passa a ser objecto da responsabilidade. Para alem destas duas dimensoes, Ricoeur refere, tambem, a extensao do alcance da responsabilidade, associando-a ao objectivo do cuidado responsavel no que toca a vulnerabilidade futura do homem e do seu meio, face aos efeitos prejudiciais dos nossos actos. Tal extensao esta associada a extensiio de poderes exercidos pelo homem sobre outros seres humanos e sobre o seu ambiente comum, quer em termos de tempo quer de espa~o, afirmando o autor que "tao longe quanto se estendem os nossos poderes assim tambem se estendem as nossas capacidades de provocar prejuizos e igualmente a nossa responsabilidade pelos danos".

3. JustiÂŤ;a, JustiÂŤ;a Distributiva e Equidade

De acordo corn o afirmado no ponto anterior, e no caracter distributivo reconhecido as institui~oes que se pode questionar a no~ao de justi~a. Do ponto de vista etico, a distribui~ao constitui urn imperativo para o objectivo da vida boa, fazendo parte de uma no~ao de justi~a que nao se inscreve, apenas, no plano moral. Fazendo referenda aos dois imperativos categ6ricos Kantianos, Ricoeur (1995) analisa a sua rela~ao corn a justi~a, sobretudo quando o segundo contem a componente decisiva da ideia da pessoa coma um fim em si e niio coma um meio. Ao introduzir este imperativo, Kant pressupoe que a rela~ao espontanea do homem nao e, necessariamente, uma rela~ao de coopera~ao mas de explora~ao, de conflito, em que um exerce poder sabre o outro, dando origem a uma situa~ao assimetrica que s6 podera ser resolvida atraves da interdi~ao moral e da consequente tradu~ao num quadro normativo que regulara a ac~ao do individuo na sua rela~ao corn o outro e corn o conjunto dos sistemas sociais. Aqui reside, de acordo corn Ricoeur, a transforma~ao da ideia de justi~a, a sua passagem do plano etico para 0 plano moral (Ricour, 1991, p. 262) . Tal formaliza~ao da ideia de justi~a e "completada corn Rawls, gra~as a uma conjuga~ao entre o ponto de vista deontol6gico de origem Kantiana e a tradi~ao contratualista que da para a justifica~ao dos principios da justi~a o quadro de uma 7

Sobre a transforma.;ao do conceito de responsabilidade alguns autores, incluindo Ewald (1986), colocam a questao da m esma poder traduzir-se em desresponsabiliza.;ao da ac.;ao, o que veio, em larga m edida, a ser acautelado, por exemplo, corn a jun.;ao, ao valor moral da solidariedade, do clever da preven.;ao.

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fio;ao - a fio;ao de urn contrato social hipotetico, a-hist6rico, oriundo de uma delibera<;:ao racional definida nesse quadro imaginario" (Ricoeur, 1991, p. 262). Tal contrato tern como fun<;:ao fazer derivar os conteudos dos principios de justi<;:a de urn procedimento equitativo, corn o comprornisso do bem como unico criterio. Na sua obra Uma Teoria da Justira 8, Rawls disserta acerca da necessidade, numa sociedade mais ordenada e menos desigual, da existencia de uma distribui<;:ao justa de bens, efectuada atraves das institui<;:6es mais importantes dessa sociedade. Tais institui<;:6es formam a estrutura basica da sociedade, distribuem direitos e deveres fundamentais e deterrninam a divisao dos beneficios da coopera<;:ao em sociedade (Rawls, 2001, p. 30) . Segundo o autor, a estrutura basica da sociedade deve orientar-se por principios morais, referindo dois principios de justi<;:a que integram a que considera "concep<;:ao geral de justi<;:a" 9 : 1째 - Cada pessoa deve ter urn direito igual ao mais amplo sistema de liberdades basicas, igu al para todos, compativel corn urn sistema semelhante de liberdade para todos. 2째 - As desigualdades econ6micas e sociais devem ser distribuidas por forma a que, simultaneamente: a) resultem nos maiores beneficios possiveis para os menos beneficiados, de uma forma compativel corn principio da poupan<;:a justa; b) sejam consequencia do exercicio de cargos e fun<;:6es abertos a todos, em circunstancias de igualdade equitativa de oportunidades (Rawls, 2001, p. 239) . Rawls (2001) defende uma sociedade baseada num sistema de justi<;:a em que ninguem seja beneficiado ou prejudicado por circunstancias que nao pode controlar, sejam de caracter natural ou social. Por essa razao, o direito a urn sistema de liberdades basicas iguais representa, para o autor, o direito a "todos os valores sociais, liberdade e oportunidade, rendimento e riqueza, e as bases sociais do respeito proprio" . Todos estes bens "devem ser distribuidos igualmente, salvo se uma distribui<;:ao desigual de alguns desses valores, ou de todos eles, redunde em beneficia de todos. Assim, a injusti<;:a e simplesmente a desigualdade que nao resulta em beneficia de todos" (Rawls, 2001, p . 69). De acordo corn Ricoeur, pode afirmarse, sobretudo atendendo ao segundo principio da justi<;:a enunciado, que Rawls considera que e tanto mais justa a distribuipio desigual quanta o aumento da partilha/ distribuiriio dos mais favorecidos ecompensado pela diminuirao da situarao de desvantagem dos mais desfavorecidos. Ou seja, pode conceber-se uma distribui<;:ao desigual que decorra da situa<;:ao de vantagem de cada urn, percebendo-se que Rawls adopta o ponto de vista dos mais desfavorecidos. No entanto, Ricoeur chama a aten<;:ao para 8 9

Jolm Rawls, Uma teoria da Ju s ti~a,2' edi.;ao, Lisboa, Presen.;a, 2001 De acordo corn Ricoeur, para Rawls a justi<;a e entendida com o equidade: fairness - "condi.;ao de igualdade na qu al e suposto serem encontrados os parceiros de u ma posi~iio original, decidindo sob o veu da ignordncia quanta a su a sorte real numa sociedade" (Ricoeur, 1991, p. 262)

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o facto de estes principios nao serem bem aceites por vastos sectores da sociedade: se, relativamente a certas situa<;6es de injusti<;a - coma a intolerancia religiosa e a discrimina<;ao racial - o julgamento moral e mais certo, nao existe a mesma convic<;ao quando se trata de repartir riqueza e autoridade (Ricoeur, 1991:264). Ricoeur considera que Rawls assenta a sua estrutura argumentativa nos principios enunciados por Kant, quer na regra da universaliza<;ao dos maximos quer na considera<;ao da pessoa coma urn fim em si e nao coma urn meio. Ao propor uma distribui<;ao de bens basicos segundo urn criteria de equidade - o que permite, segundo Rawls, a "ausencia de inveja" - fundado no imperative Kantiano que exige que a pessoa seja tratada como urn fim em si, Ricoeur identifica a solicitude, virtude que faz a transir;iio entre a estima de si eo sentido etico da justir;a.

4. Rendimento Minimo Garantido versus Rendimento Social de Inserc;ao - o discurso moral como justificac;ao para a mudanc;a As Politicas Sociais constituem mecanismos fundamentais para a inclusao no campo da cidadania e para o fortalecimento de grupos e pessoas nas suas rela<;6es corn a sociedade e corn o Estado. No entanto, tais politicas nao sao neutras: elas expressam urn quadro de valores que atribuem urn determinado significado sobre o homem e sabre o homem na sua rela<;ao corn a sociedade. Tal quadro de valores orienta a concep<;ao das normas, a estrategia de ac<;ao e, tambem, a sua operacionaliza<;ao, tendo as politicas efeitos inclusivos diferenciados que podem, p6e exemplo, criar uma segunda zona de cidadania ou formas de uma inser<;ao limitada 10 • Perceber estes mecanismos, estas limita<;6es, nao deve ser motivo para desqualificar a sua importancia como estrategia basica para a garantia da cidadania e dos direitos sociais; pelo contrario, e no que diz respeito aos assistentes sociais, deve constituir urn patamar fundamental de reflexao analisar as politicas sociais nao s6 no quotidiano das praticas mas "a montante" delas. Urn dos patamares de garantia dos direitos sociais e o das politicas redistributivas voltadas para a resposta as necessidades basicas, onde se incluem as medidas de garantia de urn rendimento minimo. As politicas de garantia de minimos sociais sao recentes em Portugal mas ja experimentaram mudan<;as apreciaveis na sua filosofia e na sua forma de aplica<;ao. Referimo-nos ao Rendimento Minimo Garantido e ao Rendimento Social de Inser<;ao, denomina<;ao esta adoptada em 2003 pelo governo de coliga<;ao PSD/CDS-PP. Debrucemo-nos sobre o Rendimento Social de Inser<;ao (RSI) 11 : a sua genese esta no Rendimento Minimo Garantido (RMG) 12, medida de politica social de

°Como refere Faleiros, uma inserc;ao

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pobre para os pobres ( Faleiros, Estrategias em

Servi~o

Socal, Sao

Paulo, Cortez, 1997, p.60) 11 Lei n .0 13/2003, de 21 de Maio 12 Lei n .0 19-A/96, de 29 de Jmlho

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garantia de urn rendimento minimo, tal como a denomina<;ao sugere, destinado a satisfazer necessidades basicas e, em consequencia e/ ou complemento desta atribui<;ao, a promover a inclusao social e demais dimens6es dos direitos de cidadania. 0 RMG constituiu-se como urn mecanismo nao s6 de protec<;ao social mas tambem de inser<;ao social, ao combinar a presta<;ao pecuniaria - a primeira linha do direito - corn urn programa de inser<;ao social. Infelizmente, a opiniao publica nao foi devidamente elucidada sobre a composi<;ao e filosofia da medida e alguns assistentes sociais tambem ficaram aquem no que diz respeito a analise do seu significado no quadro dos valores e objectivos da profissao: o valor da justi<;a social e o primado do bem-estar social geral e particular. A mudan<;a de governo, em 2002, traduziu uma nova orienta<;ao politica para a ac<;ao publica, dando possibilidade a abertura de uma parte da opiniao publica - onde se incluiram, tambem, assistentes sociais - para a introdu<;ao de altera<;6es no RMG e na sua filosofia. Refira-se, ate, que foi uma das primeiras decis6es tomadas pelo poder executivo da altura: poucos meses ap6s a tomada de posse do governo, ja o ministro da Seguran<;a Social fazia declara<;6es sobre urgencia da mudan<;a, sobre a necessidade de uma "nova moralidade publica" : a presta<;ao deixava de constituir a 1 a linha de garantia, corn caracter temporario, cujo objectivo principal era a inser<;ao o mais rapida possivel do individuo na sociedade, em especial no mercado de trabalho. A enfase e colocada no programa de inser<;ao e as penaliza<;6es definidas de forma dura, em caso de falha no seu cumprimento. A publica<;ao da Lei doRSI, no entanto, s6 ocorreu em Maio de 2003, por diversas vicissitudes, nomeadamente, os vetos do Presidente da Republica por considerar inconstitucionais alguns dos seus artigos. lmplementada a medida, ao fim de quase dois anos, o que se apontavam como defeitos do RMG pelo novo poder politico, pareciam nao ter tido solu<;ao: segundo noticia do Publico de 13 de Abril de 2005, apenas 1/5 dos beneficiarios estavam abrangidos por programas de inser<;ao de natureza laboral, social ou comunitaria; na componente da fiscaliza<;ao, nada se sabia sobre os seus resultados. Sabia-se, sim, que urn ten;o dos pedidos apreciados desde 2003 nao havia sido aprovado. Num pais em que, em 2005, a taxa de pobreza atingia 20% da popula<;ao13 taxa apurada ap6s transferencias sociais - em que parte das familias pobres que recorreu ao RMG ate estava inserida no mercado de trabalho ou era reformada - o que comprova os baixos salarios e montantes das reformas que vigoram no pais, mas nao a ideia de pregui<;a, de falta de investimento pessoal e de cultura da dependencia do Estado que determinados sectores da vida publica afirmaram e continuam a afirmar - dar enfase ao programa de inser<;ao na sua vertente de inser<;ao pelo trabalho revela desconhecimento da realidade e urn juizo sobre os cidadaos indiciador de que os beneficiarios do RSI, de uma forma geral, nao quer trabalhar. Logo, havia que moralizar a atribui<;ao da presta<;ao e reinterpretar 13

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Inte rve n ~a o

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a finalidade da medida a luz de uma nova filosofia, conforme elementos do discurso de apresentac;ao da Lei no Parlamento. 14 Em 2005, corn a entrada em func;oes de urn novo governo, do Partido Socialista, nao se registaram diferenc;as substantivas na medida, mas diminuiu de intensidade o discurso moral sobre os seus beneficiarios. Tal como nas vers6es anteriores (RMG e RSI), manteve-se o programa de insen;ao, componente contratual da medida, assinado corn o beneficiario da prestac;ao e nele tanto pode residir a sua forc;a como a sua fraqueza: para alem das caracterfsticas pessoais de cada cidadao, as diferentes vias para a inserc;ao estao nao s6 dependentes de outras politicas publicas e da sua articulac;ao, como das condic;6es de desenvolvimento do pais, sobretudo na esfera econ6mica, nas oportunidades que gera, em particular para aqueles que tern menores qualificac;6es escolares e profissionais. Por essa razao, considera-se preocupante que, indiscriminadamente, sejam feitos juizos quanto a responsabilidade dos individuos pela nao inserc;ao atraves do trabalho num determinado prazo - o prazo considerado "suficiente" para a inserc;ao social, ou, para o infcio da sua penalizac;ao por a nao terem conseguido (leia-se: por nao se terem esforc;ado) . Tendo por base o contexto hist6rico em que se desenvolveu o Servic;o Social, considera-se que a alterac;ao efectuada em 2003 e os seus fundamentos nos remetem para o regresso a uma fase do exerdcio profissional muito antiga: a do final do sec. XIX, infcio do sec. XX, em que o Servic;o Social se encontrava mais relacionado corn a moralidade do cliente, em que a sua missao se centrava na organizac;ao do auxilio e na resposta "a face miser a vel da pobreza" . A sua acc;ao tomava, frequentemente, a forma de tentativa paternalista de fortalecimento da moralidade e da rectidao dos pobres que se tinham acostumado "a ma vida" (Reamer, 1999, p. 5). Conteudos de discursos politicos e percepc;oes sociais actuais, denotam a considerac;ao de que, tal como ha urn seculo, o pobre e preguic;oso, infractor das normas sociais, incapaz de entender o direito a solidariedade corn a contrapartida da responsabilidade. A intervenc;ao dos profissionais tambem joga urn papel fundamental nos processos de inserc;ao: referimo-nos aforma como os tecnicos entendem o contra to 14

0 RSI e subsididrio em rela~iio a solidariedade familiar e constitui uma ajuda de ultimo recurso que s6 deve actuar depois de esgotadas as outras medidas seja no plana !aboral seja no dominio das outras presta~oes sociais - 0 risco de nem sempre a pessoa apoiada ser pobre e de nem sempre a pessoa pobre ser apoiada niio e desprezivel; o verdadeiro pobre nem sempre e visivel. Ao inves, os sinais exteriores de pobreza siio, par vezes, artificiais, dubios, err6neos - A resposta mais eficaz contra a pobreza e a exclusiio social e, em primeiro e decisivo lugar, o trabalho - A pobreza combate-se, niio se profissionaliza ou fideliza par inercia. - Perspectivar a in ser~iio coma um fim - o mais nobre fim do RSI - e niio um mero expediente fo rmal para se manter o direito a pres ta~iio e dele niio sair. A ideia de contraprestariio e a associariio entre um direito prestativo e um contrato de inserriio fazem do RSI uma pres ta~iio justa de um direito-dever e de uma equilibrada rela~iio de solidariedade cam responsabilidade - 0 RSI deve ser uma porta de entrada para a autonomia social, um passaporte para a integra~iio e para o trabalho"

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de inser<;ao, coma analisam e consideram as condi<;6es especificas de cada urn dos beneficiarios, coma aplicam os valores e principios eticos da profissao.

5. Rendimento Social de Inser~ao e Etica no Servi~o Social - considera~oes finais Principais actores profissionais na aplica<;ao do RSI, os assistentes soc1ms tern urn urn papel fundamental nos processos de inser<;ao e na forma coma sao conduzidos: referimo-nos a forma coma os tecnicos entendem o contrato de inser<;ao, coma analisam e consideram as condi<;6es especificas de cada urn dos beneficiarios, coma aplicam os valores e principios eticos da profissao. Importa questionar: entendem os assistentes sociais a pessoa que recorre ao RSI coma urn fim em si ou apenas coma urn meio? A pessoa que usufrui da presta<;ao para fazer face as suas necessidades basicas (as mais basicas, dado o valor da presta<;ao) e urn sujeito de direito e a prestar,;iio um meio para a sua realizar,;iio em sujeito capaz? Coma e aferida a no<;ao de responsabilidade do cliente, seja no que diz respeito a condi<;ao de necessidade e suas causas, seja nas situa<;6es de incurnprimento do contrato de inser<;ao? Boa parte dos cidadaos abrangidos pelo RSI e dos que recebem apoios da Ac<;ao Social tern traject6rias de vida marcadas pela desigualdade ao nivel de bens culturais, econ6micos, politicos, de lazer, embora fa<;am parte de processos de integra<;ao em patrim6nios familiares, afectivos, de amizade e de outros bens que "configuram o patrim6nio dos domina dos inseridos nurna rela<;ao de desigualdade" (Faleiros ,1997, p. 74). Bourdieu (2001) fala de diferentes capitais, elementos cuja ausencia ou existencia, cujo maior ou menor desenvolvimento vao determinar as traject6rias dos individuos, as suas condi<;6es de inclusao social, determinando as desigualdades na sociedade. Transpondo para esta questao o desenvolvimento te6rico de Ricoeur e de Rawls, estamos, assim, perante pessoas que nao usufruiram de urn sistema de distribui<;ao justo e da ac<;ao de institui<;6es justas, a quem nao foram aplicados os principios de justi<;a enunciados por Rawls (2001): ou por razoes de caracter natural e/ ou por condi<;6es de funcionamento da sociedade portuguesa - e a nossa hist6ria social disso nos da conta - urna parte dos cidadaos foram prejudicados no seu desenvolvimento pessoal, ficando de fora do sistema de liberdades basicas enunciadas por Rawls - o direito aos valores sociais, liberdade e oportunidade, rendimento e riqueza, e as bases sociais do respeito proprio. Por esse motivo, muitas das vidas de quem se candidata ao RSI sao marcadas pela carencia de bens e de oportunidades, corn consequencias ao nivel da capacidade para a autonomia, para a liberdade, para a responsabilidade. Mais do que processos de estrutura<;ao, "as traject6rias sociais de urna parte consideravel desta popula<;ao estao vinculadas a biovias, caminhos da vida" (Faleiros, 1997, p . 75) marcadas por fracassos e condi<;6es desfavoraveis ao desenvolvimento do individuo coma sujeito capaz.

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A capacidade de autonomia, o desenvolvimento da autonomia do sujeito, como refere Faleiros, "implica a apropria<;ao, pela consciencia, da necessidade que esta inscrita na historia e pelo descobrimento e uso da propria for<;a no contexto em que as necessidades e as possibilidades se inscrevem" (Faleiros,1997, p. 62). Ora, tal consciencia representa uma via para uma nova representa<;ao de si, a possibilidade de interpretar a sua vida, o contexto social e de fazer op<;oes, isto e, a consciencia e condi<;ao para o sujeito capaz. Mas, se os escassos patrimonios ou capitais que se detem sao produto de uma vida ate entao vivida, de uma experiencia de desigualdade ao nivel das condi<;oes de base e das oportunidades, nao se pode pretender que, num curto espa<;o de tempo, como que por artes magicas, tais capitais aumentem exponencialmente e que se inicie, sem dificuldades, uma nova traject6ria. Para que se registem altera<;6es nas biovias, torna-se imperioso a existencia de institui<;6es justas, que reconhe<;am os individuos e garantam o seu tratamento num patamar de igualdade. No entanto, tal patamar de igualdade pode resultar injusto: a norma, pelo seu caracter universal, proporciona direito igual e exige dever/responsabilidade igual, quando as condi<;oes das pessoas sao diferentes, sobretudo ao nivel da capacidade para assumir deveres, seja pela sua trajectoria de vida, seja pelo contexto social e econ6mico. Definir urn limite temporal de aplica<;ao doRSI para evitar a dependencia da ajuda, partindo do principio de que a pessoa necessitada a preferira ao trabalho, significa nao ter em considera<;ao o cenario actual em materia de acessibilidade dos cidadaos ao mercado de trabalho e, particularmente, a rejei<;ao do mercado a uma parte dos beneficiarios do RSI pelas suas condi<;oes especiais ao nivel de competencias sociais e profissionais. Por isso, a justi<;a aplicada pelas institui<;oes tern que obedecer a principio eticos, condi<;ao para que seja tida em considera<;ao a situa<;ao particular da pessoa, as suas limita<;6es e o desenvolvimento das suas potencialidades. Tal questao levanos a considerar, tambem, a necessidade de recentrar as politicas de garantia de urn rendimento minimo no quadro dum efectivo direito social, fundamentado, na sua genese, na no<;ao de risco social e no de garantia de seguran<;a economica como pilar fundamental para o sentimento de perten<;a a uma comunidade. Para concretiza<;ao de tal garantia, e solicitada a participa<;ao de toda a comunidade, tornando a solicitude uma virtude do colectivo social. As politicas sociais e, muitas vezes, as condi<;oes em que os assistentes sociais exercem a sua profissao, seguem uma matriz formalista, burocratica, que faz corn que os individuos sejam considerados "processos" e os assistentes sociais os tecnicos que administram problemas e recursos; a vertente da aten<;ao particular, da escuta, da presta<;ao de apoio individualizado passa, frequentemente, para segundo plano. A virtude da solicitude tern, assim, escassas condi<;oes para ser exercida. Eo que se passa corn o RSI, foi urn problema do RMG: as condi<;oes para acompanhamento dos beneficiarios numa optica de autonomia e capacita<;ao nao tern condi<;6es para se efectivarem, nao so pelo numero demasiado elevado de beneficiarios por tecnico, quer pelos criterios do proprio quadro legal. Julgamos

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que os assistentes sociais devem analisar estes condicionalismos e definir estrategias para superar quer as exigencias da lei, quer as limita<;6es na sua operacionaliza<;ao; e, sobretudo, nao serem mais exigentes corn os utentes do que a p rop ria lei. Para que os beneficiarios construam uma nova representa<;ao de si e para que sejam respeitados na sua singularidade, e necessaria que a pessoa seja objecto de aten<;ao particular, que seja criado urn sistema de reciprocidade possivel atraves da solicitude. Tal coma afirma Ricoeur, e atraves da solicitude que se faz a transi<;ao entre a estima de si e o sentido etico da justi<;a; entendendo o exercicio profissional coma urn campo onde tambem se concretiza a solicitude, os assistentes sociais ao interferirem nos processos de rearticula<;ao dos patrim6nios das pessoas, das suas referencias e dos seus interesses, podem contribuir para o fortalecimento da estima de si, do poder do beneficiario nas suas rela<;6es sociais, da sua autonomia. Para que a ac<;ao do Servi<;o Social nao se inscreva numa mera linha de atribui<;ao ou cessa<;ao de presta<;6es corn base em principios morais que se restringem ao dever: ao do assistente social, que decide no estrito cumprimento da lei, ao do cliente, que recebe, nao podendo falhar qualquer clausula do compromisso. Relembrando, uma vez mais, Ricoeur, ter presente que a lei e as condi<;6es da sua aplica<;ao podem conduzir a conflitos para os quais nao exista saida, a nao ser que se recorra a Etica e aos valores da profissao, tornando possivel que cada urn seja o destinatario de urn sistema de distribui<;ao e partilha de acordo corn a sua condi<;ao de necessidade e da sua traject6ria social. No actual quadro de dificuldades que o pais atravessa, seria da maior conveniencia que qualquer altera<;ao ao nivel dos minimos sociais fosse pensada, pelo menos, seguindo o pensamento de Rawls: que ninguem seja beneficiado ou prejudicado por circunstancias que nao pode controlar, sejam de caracter natural ou social. E que a filosofia de governa<;ao e o funcionamento do conjunto de institui<;6es da sociedade assumam, efectivamente, urn caracter distributivo e justo, em conformidade corn a Etica publica tantas vezes apregoada mas que tarda em ser concretizada e cuja maior consequencia se traduz no crescente aumento da desigualdade social em Portugal.

Bibliografia Banks, Sarah (2004). Ethics, Accountability and the Social Professions. New York: Palgrave Macmillan. Banks, Sarah, Nohr, Kirsten (coord) (2008). Etica Pratica para as profissoes do Trabalho Social. Porta: Porta Editora. Bourdieu, Pierre (2001). Medita{:oes Pascalianas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. Clark, Chris L., (2000). Social Work Ethics - Politics, Principles and Practice. N .Y : Palgrave/ Macmillan. Ewald, Fran<;ois, (1986). L'Etat Providence. Paris: Grasset.

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Lei n. 0 19-A/96, de 29 de Junho Lei n. 0 13/2003, de 21 de Maio

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;,REFUNDACION DEL CAPITALISMO?: ULTIMA FASE DE EXPANSION DEL CAPITAL, RECEso DE LAS PoLiTICAS SociALES.

Fernando De Lucas y Murillo de la Cueva Doctor en Ciencias Politicas y Sociologia. UCM. Catednitico EU de Trabajo Social y Servicios Sociales de la Escuela de Trabajo Social de la UCM. Subdirector de Espacio Europeo de Educaci6n Superior, Estudios e Innovaci6n de la Escuela de Trabajo Social de la UCM. Madrid.



(Refundaci6n del capitalismo?: ultima fase de expansion del capital, receso de las ...,pp. 59-76

Resumo: A crise financeira inundial e a ultima fase da expansao capitalista. lsso tern permitido uma erosao do consenso b:isico sobre os direitos sociais eo bem-estar, reduzindo o tamanho e o papel do Estado atraves da implementac;:ao de urn contexto desregulamentado e irracional. 0 Estado pode adoptar uma posic;:ao de continuar por este caminho, criando mais desigualdade e concentrac;:ao de poder ou de intervenc;:ao, restringindo, reequilibrio e racionalizac;:ao da economia de mercado atraves de politicas e direitos sociais. Palavras-chave: Capitalismo; Politica Social; Crise Financeira; desregulamentac;:ao. Resumen: La crisis financiera mundial es la ultima fase de expansion del capitalismo. La misma ha posibilitado una erosion de los consensos b:isicos sobre derechos sociales y bienestar social, reduciendo el tamafio y papel de los Estados mediante la implantacion de un panorama mas desregularizado e irracional. La postura de Ios Estados podn1 ser continuar por este camino, creando mas desigualdad y concentracion del poder o intervenir, refrenando, reequilibrando y racionalizando la economia de mercado mediante politicas y derechos sociales. Palabras-clave: Capitalismo; Politica Social; Crisis Financiera; desregulacion.

1. Introduccion

El pasado 16 de septiembre de 2011, hicieron tres afios de la famosa frase del presidente de la Republica Francesa, Nicolas Sarkozy, pronunciada ante la cumbre de la UE en Bruselas, sobre la necesidad de refundar el capitalismo ante la crisis que entonces anancaba. El objetivo de este articulo es plantear que la crisis economica actual no ha sido una oportunidad para refundar o hacer mas benevola la economia de mercado, sino que realmente es una fase expansiva mas del capitalismo, mas dura y descarnada que, en su crecimiento, requiere mas inacionalidad. Esto es, desregulacion o falta de normas que limitan su accion. No se tratara de eliminar el Estado, condicion necesaria y garante del capitalismo. Pero si su tamafio y parte de su capacidad racionalizadora del poder, economia y convivencia, caso de !as politicas publicas y sociales. Todo ello se esta realizando sin un verdadero debate o pugna ideologica alguna, pues aunque la ciudadania y patte de sus representantes protesten, se toman, por patte de Ios

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gobiemos, medidas sintonicas con Ios intereses especulativos. Medidas dictadas por las instituciones que han contribuido a la especulacion y a la propia crisis. Finaliza asi la dialogia, se empobrece la democracia y se instaura de nuevo un panorama tecnoeconomico, determinista, que arrincona la politica y el debate y establece un panorama de fin de la historia solo sorteable por una defensa real de los consensos sociales y la conviccion de que la politica social es un elemento requilibrador y racionalizador de la economia de mercado. Para ello, recordaremos parte de las fases de crecimiento del capital, tratando tambien su impacto en el pensamiento: Nos pararemos en el referente mas grave y reciente, con ciertas analogias con la actualidad (crisis del 74), que nos servira para el planteamiento sob re la eliminacion de controles y desregulacion, entendidas como extension de la irracionalidad del poder financiero, henamienta de expansion del capitalismo y de las naciones mas poderosas (globalizacion). Utilizaremos parte de la literatura sobre cambios, reformas o recortes en el Estado de bienestar para comprobar como Ios supuestos frenos a tales reformas estan siendo eliminados de forma acelerada, sobre todo en Ios regimenes familiaristas de bienestar, entre Ios que se encuentran paises intervenidos o en riesgo de intervencion. Ello nos posibilitara reflexionar sobre la fragilidad de dichos frenos en el marco europeo, claramente utiles en las ultimas cinco decadas, sobrepasados ahora a resultas de la instauracion de una economia especulativa fuera de Ios controles de Ios Estados-Nacion, o al menos de Ios Estados-Nacion no centrales. Nuestra propuesta no es revolucionaria, sino que reclama el regreso a las recetas iniciadas en tiempo de guerra, o de la politica social como elemento requilibrador del sistema (Keynes, Galbraith) y que enlazan con las tradiciones europeas de finales del XIX y comienzos del XX en fotma de intervencion estatal como racionalizacion de las relaciones de produccion (derechos sociales y economicos).

2. Fases de concentracion del poder

Es sobradamente conocido el analisis marxista de Ios modos de produccion que, subvertiendo la tricotomia hegeliana (tesis/antitesis/sintesis), la subvierte y traslada al matetialismo. Es decir, la razon precede al pensamiento y al espiritu, por lo que el capitalismo, resultado de las contradicciones y estratificacion medievales, abriria el paso, tras la insuneccion revolucionaria, hacia el comunismo o sintesis de las precedentes antiteticas. En cambio, para Weber, segun explica Lamo (1990), el capitalismo seria resultado de una serie de circunstancias aceleradas por la etica protestante aunque, a fin de cuentas, seria un resultado no previsto y no querido. Pero la cuestion noes tanto si el capitalismo es consecuencia de un proceso detetminista o sorpresivo, sino que es, existe. Y, al mismo tiempo, ha experimentado una vitalidad que, arrancando de la baja Edad Media, se desanolla en la modemidad y se convierte en discurso referente en la postmodemidad.

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LRefundaci6n del capitalismo?: ultima fase de expansion del capital, receso de !as ... , pp. 59-76

Si hablamos de esta forma es porque nos interesa repasar !as ultimas fases de desarrollo del capitalismo que, en contra de lo que pens6 Marx (De Lucas, F. y Goicoechea, J. 1999), no ha desaparecido sustituido por la sociedad sin clases (a! menos hasta la fecha), sino que expresa una salud y vigor evidentes. Por lo tanto, en este tninsito de Ios modos de producci6n, el capitalista ha llegado a nosotros a traves de una serie de fases, expansivas, que en la actualidad adquiere forma de globalizaci6n y financierizaci6n de la economia mundial. Sin menoscabo de Ios precedentes que cristalizan en el Renacimiento, apoyados por el impulso de la ciencia y que explotan con la revoluci6n de !as ideas y la industria del XVIII, sera la intemacionalizaci6n del capital del XIX y comienzos del XX (De Lucas, 2002), !as que mas se aproxime a! inicio verdaderamente expansivo de la economia de mercado. El imperialismo (no s6lo visto como expolio africano ), fue tambien paso que abri6 el comercio inter-naciones y exportaci6n de capitales. Para entonces, en esa especie de imperialismo comercial entre naciones, el Estado no fue un elemento disruptor de una fase realmente definitiva de intemacionalizaci6n del capital, sino condici6n necesaria para el mismo. Cierto es que, a! mismo tiempo, la situaci6n insostenible del proletariado, materializada en el activismo obrerol, ya habia obligado a Ios Estados nacionales a asumir politicas de previsi6n social y racionalizar la convivencia. De hecho, el final del siglo XIX y comienzos del XX son tambien el arranque de la intervenci6n estatal, que se hara mas evidente en !as primeras decadas de la siguiente centuria y culminara con el New Deal rooseveltiano. Despues, incluso en la propia guerra, el influjo de Keynes en un marco donde Ios mercados no funcionaban ni se ajustaban, fue aplicado por Beveridge en ellnforme SIAS y, aunque no tuvo exito en su desarrollo continental, poseedor de sus propias tradiciones protectoras (Francia y Alemania), si lo tuvo en el campo de las ideas, que se surnaron a !as reformistas continentales, especialmente germanas, caso de Von Mohl, Von Stein, Von Schmoller y, de forma mas radical en el tiempo entreguerras, pero referente definitivo, Helier y su Sozialrechstaat (De Lucas, 2005). La intervenci6n estatal, la politica social, serian dos cosas: un argumento estabilizador y racionalizador de la economia, pero tambien de la propia convivencia. Racionalizador p01路que establecia limites a! poder, en este caso del dinero, a traves del derecho. Es decir, a traves de Ios derechos clasicos liberales ode "p1imera generaci6n" (civiles y politicos), pero tambien mediante Ios derechos sociales. El Estado limitaba su propio poder pero, a! mismo tiempo, el de Ios mercados. Por ello afiadia algo que faltaba a! Estado liberal de derecho, justicia social. El Estado social de derecho, en la construcci6n que raliza Helier (De Lucas, 2005) reconoce la existencia de desigualdades y su compromiso para combatirlas. Asi, pues, el poder capitalista, el poder del dinero, sufria una transformaci6n adaptativa, desviandose de la coniente p1incipal y aliviando el sistema. 1

Tal activismo, mas fuerte por su organizaci6n sistematica que por su numero (huelgas, reivindicaciones y movilizaci6n) deterrnin6 la una intervenci6n esta tal. Impulsada por el rniedo a Ios movirnientos de masas o por cierta convicci6n sobre la justicia de parte de esas reivindicaciones, Ios Estados comenzaron a legislar sobre previsi6n social, cuyo ejemplo mas claro fue la Alemania de Bismarck a finales del siglo XIX y todo el desarrollo de la previsi6n social a inicios del siglo XX.

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Elliberalismo y la democracia llegaron a un matrimonio (Thebom, 1996), en el que Ios p1imeros asumian una cierta perdida de libertad, aceptando cierto intervencionismo del Estado en la economia y, Ios segundos, antes que plantear revoluciones pendientes en un mundo agotado por dos guerras mundiales, asumia la economia de mercado como forma economica. Pero esta, no obstante, fue otra fase mas del capitalismo, no una refundacion del mismo. Factible en la linea norte, el Occidente, gracias a una bonanza economica sustentada sobre un modelo fordista2 como extension del empleo y del consumo y sobre unas clases medias en crecimiento. Si bien aim somos parte de esa realidad, la crisis del petroleo y el colapso de Bretton Woods reforzaron las dudas intelectuales ya elaboradas por Von Mises, Hayek y posteriormente, Friedman (De Lucas, 2002) para una progresiva erosion de Ios principios mas bondadosos de este tipo de capitalismo demoliberal. De esta forma, se fueron estableciendo las premisas para la vuelta a Ios postulados mas extremos de liberalismo o, si se me pe1mite, del individualismo posesivo (McPherson, 1970). El matrimonio antes citado, estaba en crisis. De hecho, antes de la crisis del petroleo y de la moneda, la del pensamiento se habia desencadenado: si la razon iba a ser la llave que abriese el camino al progreso, a la felicidad humana, esta se habia demostrado inutil. El holocausto judio, el tenor nuclear, la guena del Vietnam y el hambre generalizada en el mundo no encajaban en el ideario modemo liberador de la especie humana. Si bien tales contradicciones podrian suponer una ape1tura a nuevas formas de afrontar intelectualmente Ios problemas, sucedio lo contrario. El pensamiento se adoceno (Marcuse, 1993 ). Los gran des metarrelatos (Lyotard, 1994), Ias ideologias (cristianismo, socialismo, humanismo ), el pensiero forte , mostraron su sintesis en el pensiero devote (Vattimo, 1991 ). La postrnodemidad, descreida de todo, abria en alguna medida el camino a la mediocridad intelectual y al imperio de la tecnica. Asi, pues, la tecnificacion de la politica y el triunfo de las finanzas habian ganado la batalla tambien en el campo del pensamiento, posibilitando una fase mas expansiva del capitalismo denominada globalizacion o mundializacion.

3. Capitalismo refundado: globalizacion financiera

La globalizacion, o la mundializacion, es la ultima fase de expansion del capitalismo, y a! mismo tiempo, ultima fase de concentracion del poder. Esta se expresa de diversas formas. Para Kling (200 1) supone una globalizacion de la economia y la tecnologia. Segun Gunia (2006), se trataria de una progresiva integracion economica en Ios mercados globales de finanzas, productos y empleo. Lo que secunda nuestras tesis (De Lucas, 2001) que afirman 2

Modelo productivo congruente con el desarrollo del Estado de bienestar, apoyado en un crecimiento econ6mico sostenido, empleo y consumo que, a partir de la crisis de mediados de Ios setenta abre paso al postfordismo o cambio en la forma y origen de la producci6n, fragilid ad el empleo en forma de precariedad e inseguridad en el mismo y situaciones incluso de estanflaci6n.

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sobre una mundializaci6n del aspecto financiero de la economia, o intemacionalizaci6n de !as finanzas apoyadas por Ios avances en la tecnologia informatica. No en cambio una intemacionalizaci6n de Ios derechos. Asi vista, la intemacionalizaci6n de !as finanzas acaba por ser una forma de hacer la guerra, pero con otros medios. Si bien esta licencia sobre Klausewitz (De Lucas, 2002) puede parecer exagerada, la propia historia del capitalismo contemporaneo, sobre todo en tiempos de crisis, puede apoyamos. Porque !as raices o, a! men os Ios referentes mas claros y pr6ximos se encuentran en la crisis econ6mica del 74 que, como hemos comentado y sabemos, lleg6 tras un periodo de crecimiento econ6mico disfrutado en !as dos decadas anteriores. En aquel tiempo, en vez de la quiebra de Lehmann Brothers de 2008, como ejemplo de la fragilidad de un sistema financiero mas semejante a un castillo de naipes que a una estructura productiva real, fueron Ios d6lares norteamericanos, provenientes de una economia deficitaria, quienes provocaron el caos. Inundaron la economia mundial, aniquilaron el Sistema Monetario Intemacional y colapsaron Bretton Woods. La economia se asentaba sobre un no sistema (Palazuelos, 1998 p. 18) y Ios deficits presupuestarios de Ios paises desaiTollados se dispararon. La economia regres6 a una nueva fase fuertemente recesiva impactando, mas que nunca, sobre todo el planeta. Pero, aunque fuera la propia metr6poli de donde surgi6 la crisis, esto sirvi6 para multiplicar su poder. El contacto financiero y comercial, habia perdido el cambio de moneda estable que requiere. Y esto se debia fundamentalmente a que Estados Unidos no podia sostener el patr6n-oro. En 1971 , cuando la reserva en oro y de activos intemacionales en manos de la Reserva Federal nmteamericana apenas alcanzaba el10% de !as reservas mundiales (frente al 60% de 1940), Richard Nixon tuvo que poner fin a la convertibilidad d6lar-oro. El nosistema y la ausencia de normas fue la norma. No quedaba el gigante americano como referente de la liquidez monetaria intemacional, sino que este se sujetaria alas condiciones financieras intemacionales: Ios mercados financieros pasaron a ser Ios proveedores de la oferta monetaria intemacional. La consecuencia mas dramatica fue que Ios paises no desarrollados quedaron endeudados, pues accedieron a una serie de prestamos que antes tenian vedados. Esos eran prestamos en d6lares con tipos de interes bajisimos, pero d6lares que se depreciaban a diario. Esta misma situaci6n provocaba que !as grandes empresas redujeran su rentabilidad. Lo que les impuls6 a transformar tecnologia, salarios y empleo, dando un marcado sesgo financiero a su producci6n y comercio que ubicaron fuera de sus fronteras. Asi no es de extrafiar que !as grandes firmas clamasen por una mayor liberalizaci6n y desaparici6n de controles. Pero el poder del d6lar no habia desaparecido, puesto que su caida era la caida de sus socios. En este caso, tanto la locomotora alemana como la economia japonesa intervinieron en el mercado de divisas para frenar la bajada del d6lar y asi evitar una perdida a la capacidad exportadora de sus economias. Esta fue la estrategia de sus bancos centrales, a su vez copiada por mas bancos europeos. Un sucedaneo del d6lar se convitti6 en el nuevo patron de cambio y, Ios Estados Unidos, amortiguaron sus tensiones inftacionistas interiores sacando a! exterior su exceso de liquidez gracias a Ios deficits extemos.

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La financierizaci6n3 de la economia fue irrevocable: !as grandes corporaciones industriales y comerciales efectuaron operaciones de creditos y divisas a u路aves de sus departamentos financieros, orillando a !as instituciones bancarias que anteriormente ejercian de intermediaras para ellas. Los gobiemos nacionales, por su !ado, decidieron gestionar directamente su acceso a Ios prestamos en Ios mercados exteriores. Nuevas empresas que funcionaban como brokers y market makers se incorporaron a! recien estrenado mapa econ6mico. Aunque Ios bancos no hubieran perdido todo su protagonismo, Ios nuevos actores crearon una especie de melee financiera (Palazuelos, 1998, p. 36) en un entomo de impredictibilidad financiera como fueron Ios afios 70. Tal situaci6n convitti6 en inutil el papel del Fondo Monetario Intemacional (FMI), pero la crisis de la deuda externa de 1982 lo devolvi6 a la arena econ6mica como actor relevante. El d6lar se apreci6 nipidamente y Ios intereses aumentaron geometricamente (del 8% de 1979 a! 17% de 1981 ). Aquellos paises que habian accedido a prestamos en do lares depreciados, se enconu路aron con que no podian afrontar siquiera Ios intereses de la deuda. Por lo que Ios bancos privados no concedieron mas prestamos y redirigieron sus creditos a los paises desarrollados. Asi, pues, el FMI comenz6 a dictar planes de ajuste y se convirti6 en un agente o guardian de !as politicas econ6micas dictadas por los poderosos. Fue la ultima expresi6n de la difuminaci6n de la politica en favor de !as leyes inexorables de la economia, esto es: politicas monetarias basadas en altos tipos de interes, reducci6n de salarios, de Ios gastos estatales (gasto social), privatizaci6n de empresas publicas, liberalizaci6n intema de las relaciones comerciales y financieras, liberalizaci6n exterior de !as mismas. Ante estos problemas, Ios grandes bancos decidieron reestructurarse a fondo a fondo . Los activos bancarios fueron saneados y buena parte de los fondos provinieron, como ahora, de Ios Estados. Asi, desaparecieron muchos bancos y otros crecieron mediante compras y fusiones, generando la caracteristica concentraci6n bancaria de Ios afios noventa. Los bancos norteamericanos transnacionalizaron sus operaciones y Ios grandes bancos europeos se instalaron en el exterior a traves de sucursales. Intemacionalizaci6n que tambien se produjo de Espafia hacia Iberoamerica y Pmtugal, como de Alemania a la economia griega. A fin de cuentas, lo que ocurri6 fue una especie de "limpia" de la economia capitalista. En la que la misma gan6 musculo e impulso para debilitar Ios avances keynesianos de las dos decadas anteriores. Y lo hizo porque habia establecido las condiciones pertinentes para acusar a la intervenci6n estatal, a !as politicas publicas o a la politica social, de anquilosar a! mercado y atentar contra la libertad. Y a! mismo tiempo, habia emiquecido aun mas a la metr6poli, a costa de mayor dependencia de la periferia. Esto signific6 que los avances del capitalismo se apoyaron en la crisis. Esto es asi pm路que, en verdad, la economia de mercado no requiere de pleno empleo y elevadas tasas de crecimiento (que en todo caso es una premisa reformista ahora en crisis), sino que necesita de una no injerencia del Estado en sus esferas, un elevado nivel de desempleo y 3

Sobre financierizaci6n de la economia hemos tratado en De Lucas (2002).

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tasas minimas de crecimiento economico. De lo contrario, la riqueza se repartiria entre mas actores, difuminando el poder de quienes concentran mas en la escasez: " . .. en la recesion economica de la politica moderna, muchos (especialmente quienes tienen infiuencia politica) prefieren un desempleo continuado y un crecimiento economico generalmente reducido antes que una expansion economica mas vigorosa y, especialmente, las medidas especiales para conseguirla" (Galbraith, 1994 p. 211). De hecho, si repasamos Ios ciclos alcistas recientes, tanto en Espafia como en Europa, observamos que fueron momentos en Ios que no se produjeron reducciones significativas de la desigualdad y pobreza. Los datos de Ayala (2010) indican, precisamente, como la pobreza aminoro en Espafia al hilo de la construccion de su Estado de bienestar, mientras que se ha mantenido sin reducciones significativas en Ios afios de mayor crecimiento (19962007), como asi ha ocurrido en la UE. El ultimo ciclo alcista en Europa, que llevo a una creacion de hasta 18 millones de empleos, no se ha traducido tampoco en una menor desigualdad y pobreza. De hecho, aunque la Estrategia de Lisboa 2010 hablo de la desaparicion de la pobreza en el territorio UE, bien sabemos que no se ha conseguido tal hito. Aun, en el afio 2007 el 17% de la poblacion europea estaba por debajo del umbra! de pobreza relativa. 85 millones de ciudadanos y ciudadanas (CES, 2010). Esta es una fmma de recordar como !as politicas sociales son mecanismos inclusogenos y favorecedores de la actividad economica, frente a la dinamica de la riqueza liberada, basada en la exclusion y reduccion de actores. Pero el camino seguia. Las altas tasas de desempleo derivadas de la transforrnacion postfordista que se extendio por Ios paises occidentales a finales de Ios afios setenta y a comienzos de Ios ochenta fueron sustituidas por una vigorosa creacion de empleo durante la primera decada del siglo XXI. Aunque este empleo se habia transmutado hacia una nueva conceptualizacion o extension del mismo como empleo de mala calidad, precarias condiciones laborales y moderacion y polarizacion salarial. Es decir, una traslacion de la logica del welfare (disfrute de derechos sociales por el mero hecho de ser ciudadano) hacia el worlifare (necesidad de demostrar merecer el disfrute de tales derechos). A las instituciones supranacionales anteriorrnente citadas, guardianes de la ortodoxia economico-financiera, se les sumaron otros actores en un espacio cada vez mas desregulado, donde el capitalismo crecia cada vez mas, pero sin producir. Entre ellas, las agencias calificadoras, que coadyuvaron a la infiamacion continua de una riqueza vi1tual. Aplicando sus axiomas tecnoeconomicos4, fueron incapaces de ver el riesgo existente bajo la crisis hipotecaria estadounidense. Ahora, tras aquellas valoraciones positivas, endurecen sus calificaciones para promover supuesta fiabilidad, pero provocan aun mas miedo, y riesgo en las economias centrales y perifericas. En aque!la crisis iniciada en Ios afios setenta, Ios bancos centrales acabaron funcionando como enlaces con el exterior o, peor aun, como intermediarios. De nuevo, en la actualidad yen la cmTera por rescatar el euro, la politica monetaria de la UE impulso a Ios bancos centrales a tomar medidas heterodoxas: reduccion de Ios tipos de interes, facilidades 4

Sabre este asunto hemos tratado en De Lucas (2003) y De Lucas (2005), entendiendo que este seria un discurso conservador, tecnocratico, encubierto por una supuesta ideologia cuyos referentes serian determinadas !eyes econ6micas y de gesti6n obligatorias a tomar.

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de credito e inyecci6n de liquidez a !as entidades financieras. Como indica el CES (20 I 0), el Banco Central Europeo acab6 reemplazando a! mercado interbancario en su funci6n de intermediaci6n entre entidades. La paradoja la vimos en la administraci6n Obama, cuando esta clam6 porque el dinero que habia prestado a !as entidades financieras para recuperar la capacidad crediticia sirvi6 para pagar primas millonarias de Ios altos consejeros que habian llevado la economia mundial a la crisis. Pero tambien en la UE. Pues el dinero prestado a !as entidades financieras europeas tampoco lleg6 a la economia real ni hubo mas acceso a! credito por parte de empresas y familias . Pero quizas no hablemos de paradojas. Mas bien de una especie de discurso circular que tiene base en el individualismo posesivo. Elliberalismo recela de controles, de lo que limite o manipule la libertad o el orden espontaneo de la naturaleza (Hayek, 1998). Por lo tanto, el Estado debe aparecer en su minima expresi6n. Debe ser un garante de la libertad, de la libertad de mercado. En cambio, han sido Ios Estados quienes han rescatado al mercado de si mismo. Ha sido una intervenci6n publica, negada por la doctrina neoliberal cuando refiere a derechos sociales quien, de forma deliberada, ha intervenido en la propiedad privada y la riqueza de !as personas para trasladar la misma hacia el salvamento de las empresas, en este caso financieras. Y esto no es parad6jico, sino consustancial al funcionamiento de las democracias liberales, puesto que su infraestructura es el mercado.

4. Caen las defensas de Ios Estados de bienestar. Fin de la historia

Rasta la fecha, el planteamiento sobre Ios limites o techo del Estado de bienestar (Mislu路a, 2000), sobre su excesiva expansion, incluso politica (Luhmann, 1994), sobre su necesidad -sea como referente de Ios derechos sociales o como estabilizador econ6mico, ha procm路ado ser medido o explicado. Mas alia de si las politicas sociales deben retraerse o crecer, la literatura especializada sobre Ios cambios o reformas en Ios regimenes de bienestar (entendiendo como cambio o refmma un retroceso o recorte de Ios mismos) es prolija. Y no siempre coincide. No se ha llegado a un acuerdo sobre este asunto e, incluso, se asume que independientemente de la crisis del 74, Ios regimenes de bienestar siguieron creciendo, al menos, hasta la decada de Ios noventa. (Del Pino, 2004). Se han planteado Ios cambios en Ios Estados de bienestar desde muchas perspectivas. Especialmente Pierson cuando lo aborda como recorte o retrenchment de Pierson (1996, 2001), sobre todo en su analisis sobre las reformas en Gran Bretafia sobre el bienestar (1994). Asi entendia estos cambios como una serie de recortes en !as prestaciones publicas, reest:ructuraci6n de Ios programas publicos en la linea de una intervenci6n minima o residual e, incluso, alterando Ios consensos sobre el bienestar en vistas de facilitar tales cambios o recmtes. Resumi6 Ios mismos a traves de tres tendencias (200 1) que, enlazadas con la clasificaci6n de Esping-Andersen (1993), podrian explicarse de la siguiente forma: Los regimenes liberales habrian tendido a una re-mercantilizaci6n o mayor impulso a la

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iniciativa privada- recommodification - , o una especie de desmantelamiento de Ios mismos hurtando la protecci6n social a Ios trabajadores (Trampush, 2006: 123); Ios conservadores habrian puesto a! dia o recalibrado Ios programas publicos- recalibration- en forma puesta a! dia del Estado de bienestar, racionalizandolo y enlazandolo con !as nuevas demandas y necesidades sociales; mientras que Ios paises n6rdicos o socialdem6cratas han tendido a una contenci6n del gasto- cost-containment- (Del Pino, 200) o bien estableciendo recortes en el gasto social y reducci6n de la presi6n fiscal (Trampusch, ibid.). Fuera del acierto o no de estos analisis, el problema se complica. Es dificil llegar a acuerdo alguno cuando se discute sobre lo que realmente se entiende por Estado de bienestar, sobre que se entiende por reforma, recorte, c6mo se pueden medir Ios mismos si es que suceden y un largo etcetera de debates. Incluso la manida privatizaci6n o extemalizaci6n de la gesti6n de servicios publicos tampoco tiene por que ser sintoma de retroceso de Ios Estados de bienestar, pues si Ios derechos se mantienen, aunque sean provistos por una gesti6n privada, no hay por que hablar de retrocesos o recortes. Del Pino resume el debate en el siguiente cuadro. DEBATES POLITOLOGICOS SOBRE LA REFORMA DEL ESTADO DE BIENESTAR

O BJETODE DEBATE

POSIBILIDADES DE RESPUESTA

Concepto de reforma

• Temporalmente podria hablarse de varias generaciones de reformas despues de la crisis de Ios af\os 70: • Desde Ios af\os 80 y parte de Ios 90, la reforma parece limitarse a una respuesta que supone continuidad estructural o persistencia institucional (policy stability o path dependence). • A partir de Ios 90 la reforma va mas alia de la continuidad basica y hasta llegar a! retrenchment (recorte). Entonces se habla de reforma: • Como recorte de !as prestaciones publicas • Como reconfiguraci6n de !as instituciones publicas (no siempre ha de suponer recorte) • Cu ando hay una modificaci6n en !as instituciones y !as politicas • Cuando hay una modificaci6n en Ios derechos ciudadanos • Cuando afecta a un numero significativo de ciudadanos • Cuando se modifica la esencia del regimen de bienestar • S6lo se puede definir en funci6n de cada regimen • Depende de la perspectiva, bien macro o estructural, bien micro o sectorial.

Tip os de reforma

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Como medir el cambio

• Cualitativamente -p. ej., gasto publico-• Cuantitativamente -p. ej ., organizaci6n del sector publico y quien presta Ios servicios • A largo plazo.

Factores quelo explican

• Presiones internas -envejecimiento, postindustrializaci6n, cambio en !as familias-• Presiones externas --europeizaci6n, globalizaci6n, ...-• Presiones y otros factores -como el apoyo popular existente-.

Par su contenido: Re-mercantilizaci6n o grado en que un individuo es de nuevo mas dependiente de mercado Contenci6n del gas toy recortes Recalibraci6n a !raves de la racionalizaci6n o de la actualizaci6n de Ios programas publicos Por su impacto en !as instituciones existentes puede haber reformas: Path-dependence: utilizaci6n o modificaci6n de Ios instrumentos de politica existentes Innovadoras: implica nuevos instrumentos y cambio en la l6gica del bienestar Por sus consecuencias en la aceptaci6n de Ios actores criticos: Incrementales Radicales.

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Obstaculos a! cambio

• La resistencia d e opinion publica y Ios intentos d el gobierno de evitar la culpa (blame avoidance) • La resistencia de !as elites, p ej. la burocracia • La firmeza de Ios intereses creados por el bienestar, que refuerzan la estra tegia d e la evitacion d e la culpa (blame avoidance) • Legados de politica: !as politicas discurren por un sendero cada vez mas dificil de a bandonar (fenomenos de policy legacies, policy stability y path dependency) • lnercia institucional detenninado tipo de configuracion es i.nstitucionales pued e dificultar una reforma (pa th d ependency).

Con diciones que pueden ser favorables

• y • •

Estrategias

• Traspaso d e la culpa (blame shifting) • Busqueda de objetos intercambio o compensaciones (trade-off) que disu ad an d e la confrontacion o el castigo • Aprovechar !as ventanas de oportw1idad para modificar !as politicas • Construccion d e sendas alternativas de politica (path shaping) • Persuasion mediante estrategias discursivas.

Fisuras en la opinion publica (el apoyo depende de la politica, de la percepcion de capacidad viabilidad d el sistema, de percepcion de !as nuevas incertidumbres, ... ) Incapacidad para castigar d e Ios g rupos d e intenes Un sistema con multiples puntos d e veto.

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Fonte: Del Pino (2004)

Pero este debate y Ios esfuerzos por aclarar Ios retrocesos o fortaleza de !as politicas publicas, de la politica social, ha quedado, en muy poco tiempo, en segundo piano. Y esto ha sido debido a la profunda crisis econ6mica global, que ha debilitado de forma extraordinaria Ios frenos a !as reformas de Ios regimenes de bienestar y se ha convertido en una seria amenaza para parte de !as conquistas sociales cristalizadas tras el fin de la Segunda Guerra Mundial. Es entre Ios regimenes meditemineos, familistas, surefios o antiguas dictaduras del sur de Europa (Leibfried, 1992; Fenera, 1996; Trifiletti, 1999; Flaquer, 2000; Moreno, 2004; Navano, Smith & Astudillo, 2002; De Lucas, 2007; lversen & Stephens, 2008) donde mas claramente se ha producido este retroceso, retroceso real de !as conquistas del bienestar social que tan lentamente y dificultosamente se consiguieron en Grecia, Portugal, Espafia, y a quienes parece sumarse Italia. La intervenci6n en !as economias griega y lusa, asi como la situaci6n de riesgo de la espafiola e italiana, son claro ejemplo de c6mo el poder del dinero, nervio del Estado, han conseguido en muy pocas fechas (no mas de tres afios desde 2007) hacer saltar por Ios aires Ios obstaculos a! cambio y promover !as condiciones favorables y estrategias para modificar Ios Estados de bienestar del sur de Europa. Y no ha sido necesario echar abajo Ios consensos ciudadanos sobre !as politicas sociales (caso de salud, educaci6n y pensiones) sefia de identidad europea, sino que han debido ser asumidos Ios dictados de la metr6poli europea (Alemania), a! hilo de Ios requerimientos de Ios mercados especulativos secundados, entre otros, por el FMI y la OCDE. Ser rescatado supone someterse a tales dictados en forma de recortes drasticos de lo publico y !as politicas publicas (reducir Estado y ampliar mercado), endeudarse aun mas y, a! mismo tiempo, ser sefialado despectivamente e incluso amenazado de ser expulsado de la moneda comun. Algo similar ocune con Ios paises en riesgo, caso de Espafia e Italia. La prim era ha visto como un gobiemo socialdem6crata, que se distingui6 por procurar el desanollo e

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implementacion de derechos sociales, ha tenido que aplicar politicas de austeridad muy conservadoras. Caso, por ejemplo, de la congelacion de las pensiones, reduccion del salario de los empleados publicos, reforma constitucional para limitar el gasto publico. Obviamente, estas medidas pasan factura politica. Y las estrategias tipo blame avodiance quedan a un lado, puesto que no queda espacio para el debate politico sobre las medidas a tomar, vienen impuestas desde los mercados. No parecen los Estados tener capacidad de iniciativa, como siquiera la propia UE ha sido capaz de aplicar regulacion 0 control financiero comun. Y lo paradojico de esta situacion es que dicha factura politica no tiene apellido ideologico. Todos los gobemantes en la crisis, no solo los del sur de Europa, independientemente del color politico, reciben el castigo del electorado (Cameron en Gran Bretafia, Sarkozy en Francia, Merkel enAlemania). Asi se explicita el poder politico de la crisis, de la economia de mercado, pues anula las ideologias y establece el (mico camino posible: nuevamente la tecnocracia, otra vez el discurso neoconservador (De Lucas, 2003). El sistema economico que ha puesto en riesgo la gobemabilidad de Occidente (recuerdese que no ha sido revolucion o insurreccion izquierdista alguna, sino la irracionalidad del mundo financiero ), es el que determina, a traves de entidades privadas (agencias calificadoras) una mayor volatibilidad de la bolsa y de los mercados, todos ellos especulativos, y no por dudas reales o empiricas de la incapacidad de sus economias para crear riqueza. La deuda atenaza a todas ellas y se incrementa, no por prestamos viciados como tras el 74, sino por la supuesta sospecha de una incapacidad de sus economias para sanearse. De esta forma, baj an do de calificaciones A+ a A- o inferiores, la prima de riesgo, la deuda y sus intereses se disparan y atenazan mas y mas a los paises. La receta, al contrario que la keynesiana aplicada en tiempos de guerra en Gran Bretafia, no es apoyar al Estado, sino prestar mas dinero a las entidades financieras. Los esfuerzos no son, por lo tanto, generar mas cohesion y reequilibrar el sistema, sino inyectar mas dinero al que causo el problema y someter al enfermo endeudandolo (Grecia, Irlanda, Portugal). Aeste, en vez de darle fuerzas para generar cohesion y riqueza, se le amputan los miembros (politicas sociales) que reducian desigualdades y promovian empleo. Su endeudamiento es una forma de quedar exangue, es decir, en manos del mercado. Un mercado liberado a si mismo, un nuevo Prometeo desencadenado. Para ello se reduce el sector publico vendiendo la riqueza del propio Estado (de todos), se despide y, como no puede devaluarse la moneda, se reducen aun mas los salarios. Y no importa que la voracidad e irracionalidad del capitalismo financiero haya si do relatada una y otra vez, pues no hay memoria. El propio Galbratih (1993) habia escrito sobre el codigo genetico de las finanzas (especulacion) explicandonos como, cuando se produce una catastrofe financiera o explosion de una burbuja especulativa, no se realizan analisis profundos, sino que se buscan soluciones sencillas: encontrar un cabeza de turco o varios, sobre todo si antes han sido ensalzados (George Soros, James Simons, John Paulson, Philip Falcone y Ken Griffin, comparecientes en el Congreso de Estados Unidos el13 de noviembre de 2008).

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Estos fmman parte del problema, obviamente, pero solo una parte y muy pequefia. Hay mas personas, mas grupos, mas intereses, mas instituciones y, en definitiva, todo un sistema. Incluso entre tales implicados se encuentran Ios propios inversores, algunos en busqueda de dinero facil y rapido, asi como otros tantos, quizas nosotros, ignorantes de su impacto en la economia (planes de pensiones, que mueven hasta millones de euros), cuyos asesores coadyuvan a! riesgo o bien a debilitar !as economias que esten en el punto de mira. El mercado no se autorregula, sino que tiende a! desequilibrio y la exclusion, tiende a la concentracion del poder, del dinero. Entonces, es mas sencillo culpar a! heroe caido, a Ios controles publicos que no supieron actuar previamente o no intervinieron a tiempo. Quejas sobre la presion fiscal, Ios elevados tipos de interes, la rigidez de Ios bancos centrales o Ios intentos de control sobre Ios mercados financieros. Es el transito del rechazo a cualquier presencia estatal hacia un reclamo a su proteccion. Esto ha sucedido, como indica Galbraith (ibid) desde la catastrofe de 1929. Y, desde entonces, Ios paises mas liberalizados, con menor control sobre sus mercados, han sufrido !as consecuencias de Jas burbujas especulativas en mayor medida que en Ios paises de mercados mas intervenidos. El maestro canadiense, a mediados de Ios afios 90, ya advertia de que seguirian dandose episodios catastroficos de especulacion financiera. Una vez mas no se equivoco y, catorce afios despues, se inicio en la euforia inmobiliaria el ultimo gran episodio que ahora sufrimos. En este orden de cosas, Ios Estados podran acogerse a la irracionalidad dictada por Ios mercados (desregulacion, miedo, especulacion) o intervenir en Ios mismos como asi demanda la ciudadania. Tal intervencion supondria racionalizar la libertad espontanea de la distribucion arbitraria de la riqueza (Rawls, 1999). Controlando Ios mercados y manteniendo Jas politicas sociales generadoras de cohesion y racionalidad en aquellos. Limitando el poder del dinero y del mercado financiero mediante !eyes y normas. De lo contrario, la inseguridad seguira generando mas inestabilidad y desconfianza en el Estado social de derecho, promoviendo un pensamiento simple, basado en el miedo, sospecha y soluciones claras y/o sencillas que eliminen la incertidumbre en un mundo complejo. Es un nuevo retorno al suefio Comtiano en forma de la elaboracion de una disciplina que, mediante metodos cientificos, explique el funcionamiento de la sociedad. Seran Ios especialistas Ios encargados de tal tarea, convirtiendo sus descubrimientos en dogmas, aplicables sin discusion en el devenir humano apoyado en un solo discurso tecnocientifico: .. .igual que en la rnetafora teol6gica griega, en la que aparece Dios, y despues se llega a las realidades rnas humildes por media de eslabones, en la cima de la nebulosa neoliberal parece, en lugar de Dios, un matematico, y en su base, un ide6logo que no sabe nada de economia, pero puede hacer creer que si gracias a un ligero barniz de vocabulario tecnico" (Zubero, 2000, p. 6).

Y no se trata de un desmantelamiento de Ios elementos del Estado de Derecho coma tal, pues existiran formalmente coma condici6n necesaria del

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modo de producci6n. Separaci6n de poderes, reconocimiento de derechos y libertades e, incluso Constituci6n, permanecenin, pero estanin sometidos a las matizaciones y o adaptaciones al poder del dinero en forma de determinismo econ6mico. Este si es el fin de la historia no en su version kantiana, sino en la de Fukuyama. Es un viejo conocido que establece politica y se reinventa o refunda: el capitalismo.

5. Conclusiones

La refundacion del capitalismo anunciada por el presidente de la Republica Francesa no ha sido una oportunidad de mejora y avance en la Europa social, sino que ha supuesto una fase de mayor irracionalidad y determinacion de la vida de las naciones y las personas por los mercados especulativos y la economia financiera. Es una nueva fase de expansion del propio capitalismo. Las crisis del capitalismo, mas aun en el no productivo o especulativo, han mostrado a lo largo del tiempo que tienden a sucederse, de fmma cada vez mas acusada por su profundidad y extension (globalizacion financiera). Estas crisis provocan una concentracion del poder de la metropoli. Al mismo tiempo, el origen de la crisis provoca no solo que no se solucionen los problemas creados y se elimine o modifique el origen del problema, sino dicho origen (especulacion) determina las soluciones a tomar. Entre ellas se encuentra el rescate de las entidades financieras por parte del Estado, utilizando dinero publico e interviniendo en la libertad de las personas al trasladar parte de sus riquezas a manos privadas. Esto es asi porque el funcionamiento de la economia mundial, globalizada, depende del mercado financiero y del movimiento del dinero. Dicha solucion, congruente al capitalismo financiero, dice necesitar de un escenario tranquilo que genere confianza. Para ello, no solo bastan las inyecciones de dinero publico a tales entidades, sino la mayor desregulacion posible que genere dicha confianza, no tanto en los inversores, sino en las agencias que califican la deuda de Ios paises. Tales agencias no utilizan argumentos cientificos o fiables (puesto que la especulacion no es reducible a la razon ni puede ser fiable ), mas aun cuando de ben defender su credibilidad endureciendo sus valoraciones. De esta forma, sin necesidad de un debate politico real, la crisis establece y detennina las condiciones oportunas para que las soluciones, independientemente de su falta de eficacia o que incluso generen mas riesgo y/o dependencia (deuda), se encaminen por un definitivo recorte de los derechos sociales y de las estructuras del bienestar estatales. Ante esta cuestion, los Estados podran seguir atendiendo a Ios intereses del capital especulativo y tender a un modelo residual. 0 bien, regresar a, mas que una refundacion del capitalismo, a un neokeynesianismo que, aunque no plantee el fin de la economia de mercado, la regule y reequilibre mediante cohesion social, mediante politicas sociales que generen inclusion y redistribucion de las riquezas que, al mismo tiempo, coadyuvan al consumo y a la seguridad.

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Es tiempo de la politica que promueva derechos - welfare- y no desconfianza workfare-. Y esa politica esta en manos de Ios Estados. Ellos son Ios que, si son legitimados por la ciudadania que Ios conforma, pueden replantear tal discurso. De lo contrario, la crisis se multiplicara generando mas desigualdad y, lo que es peor, mas miedo. Caldo de cultivo de posturas neoconservadoras, defensivas e insolidarias entre la propia ciudadania.

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A QUEST AO DA P ARTICIP A<;;AO NO MERCADO DE TRABALHO: UMA LEITURA A P ARTIR DO CONTRIBUTO DE HABERMAS

THE CONTRIBUTION OF HABERMAS TO A POSSIBLE READING ABOUT THE PARTICIPATION IN THE LABOUR MARKET Paula Isabel Marques Ferreira Docente do ISSSL-ULL Investigadora do CLISSIS Doutoranda em Servi<;:o Social (ISSSL-ULL)



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Resumo: Pensar a questao da participa<_;:ao no mercado de trabalho requer hoje, mais do que nunca, uma perspectiva critica e reflexiva que nos permita encontrar formas mais ajustadas, corn novas referencias, novas rela<_;:6es e novas l6gicas de entendimento. No sentido de levar a cabo esta reflexao partimos do contributo de Jiirgen Habermas (1929), nomeadamente da sua discussao em torno dos conceitos de trabalho e interac<_;:ao, para a partir desta analisar o modo como o trabalho pode voltar a constitui-se como uma esfera dotada de sentido e estruturadora da vida social contemporanea. Palavras-chave: Trabalho; Interac<_;:ao; Teoria Critica; Mercado de Trabalho; Modernidade. Abstract: Thinking about the question of participation in the labour market requires today, more than ever, a reflective and critical perspective that enables us to find ways more adjusted, with new references, new relations and new forms of understanding. To sup port this reflection we take the contribution of Jiirgen Habermas (1929), in particular his discussion of the concepts of work and interaction, trying from there to analyse how work can regain the status of a meaningful sphere within contemporary social life. Key-words: Work; Interaction; Critical theory; Labour market; Modernity.

Introdm;;ao

Discutir a questao da participa<_;:ao dos sujeitos no Mercado de Trabalho actual implica, invariavelmente, reflectir sobre a modernidade e as bases sobre as quais esta foi erigida. A sociedade moderna, tipicamente industrial, sofreu uma transforma<_;:ao radical, sendo hoje caracterizada como uma "sociedade globalizada". Impulsionada pela internacionaliza<_;:ao da actividade econ6mica e pelo movimento a escala planetaria do capital, a modernidade tern vindo a assistir a uma altera<_;:ao das formas de vida social e de trabalho, levando autores como Wallerstein (1990) a ÂŁalar da emergencia de uma sociedade mundial.

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Neste novo contexto global, o modelo de trabalho tipico do processo de industrializa<;ao desapareceu, dando lugar a novas configura<;6es marcadas pela desterritorializa<;ao, mobilidade, flexibilidade funcional, mas tambem pela instabilidade e pela ruptura, por vezes for<;ada e abrupta, dos la<;os corn o mercado de trabalho. As transforma<;6es deram-se nao apenas ao nivel da natureza do trabalho este e cada vez mais imaterial, corn uma tendencia para formas mais intelectuais, aut6nomas e corn fortes capacidades criativas - e dos meios de produ<;ao estes nao sao mais determinados exclusivamente pelo capital, pelos recursos naturais tais como a terra, e nem tampouco pela mao-de-obra mas sobretudo pelo conhecimento tecnico e cientifico - mas tambem ao nivel da propria divisao do trabalho. De facto, o modo de produ<;ao ate entao determinado pela l6gica taylorista/ fordista 1 passa a ser fundado no paradigma do conhecimento. Neste, a rigidez perde o seu lugar central para a flexibilidade dos processos de produ<;ao, de trabalho e de consumo, via a intensifica<;ao e constante inova<;ao tecnol6gica, comercial e organizacional. Paralelamente, assiste-se ao nivel do modelo societario a profundas transforma<;6es que marcam a passagem de uma ÂŤSociedade industrial>>, caracterizada pela produ<;ao e distribui<;ao de bens, para uma ÂŤsociedade de riscoÂť0, na qual a distribui<;ao dos riscos nao corresponde as diferen<;as sociais, econ6rnicas e geograficas tipicas da primeira modernidade. Entre esses riscos, Beck inclui os riscos ecol6gicos, quimicos, nucleares e geneticos, produzidos industrialmente, externalizados econornicamente, individualizados juridicamente, legitimados cientificamente e rninirnizados politicamente. Mais recentemente, incorporou tambem os riscos econ6rnicos, coma as quedas nos mercados financeiros internacionais. Este conjunto de riscos geraria "uma nova forma de capitalismo, uma nova forma de economia, uma nova forma de ordem global, uma nova forma de sociedade e uma nova forma de vida pessoal" (Beck, 1999, pp. 2-7).

Nesse contexto, os sujeitos estao cada vez mais mergulhados na turbulencia da incerteza e da perplexidade, o que os leva a procurarem solu<;6es alternativas para o percurso da existencia nos novos paradigmas sociais da cultura contemporanea. Para tal, o homem e obrigado a abdicar da rigidez das ideias, atitudes e tipos de comportamentos fundamentados no sistema de valores tradicionais e procurar resposta nos valores de uma "modernidade reflexiva" (Gidden s, 1996) que, em muitos aspectos, ainda estao para serem formulados. Compreender esta nova realidade nao e facil e requer urn olhar critico e reflexivo. Para tal, partimos do contributo de Jtirgen Habermas (1929) por forma a fazer uma leitura coerente das diferen<;as entre as praticas capitalistas anteriores e as da sociedade capitalista globalizada, procurando ainda, relativamente a 1

Modelo que vigorou ate a decada de 7° do seculo XX e que ficou marcado pela especializac,:ao func ional , ind ividualizac,:ao do posto de trabalho, imposic,:ao de um tempo-padrao, separac,: ao das tarefas de concepc,:ao, planeamento, execuc,: ao, avaliac,:ao e controlo.

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participa~ao

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esta ultima, reflectir de que modo os individuos podem neste novo quadro (re) encontrar no mercado de trabalho urn espa<;o de participa<;ao, dotado de sentido.

1. A abordagem critica de Habermas sobre a Modernidade

Jurgen Habermas (1929) e urn fil6sofo e soci6logo alemao contemporanea, e e considerado como o principal herdeiro das discussoes da Escola de Frankfurt, uma das principais correntes do Marxismo cultural, que tern em Adorno (19031969), Marcuse (1898-1979), Horkheimer (1895-1973) e Benjamin (1892-1940) os seus principais representantes. Nao obstante as diferen<;as de pensamento desses fil6sofos, urn tema perpassa a obra de todos eles: a critica radical a sociedade industrial moderna. No entanto, Habermas destaca-se do pessimismo presente no pensamento dos fundadores da Escola, quanto as possibilidades de realiza<;ao do projecto moderno, tal como formulado pelos iluministas. Para este autor, a modernidade nao chegou ao fim - como pretende demonstrar Lyotard - nem e urn projecto inviavel - como pensavam os pensadores da Escola de Frankfurt. A modernidade e urn projecto inacabado, sendo o grande desafio hoje, pois, abrir urn espa<;o para a efetiva<;ao da verdadeira modernidade como ela foi concebida no ideario do iluminismo do seculo XVIII. E urn facto que o projecto actual - e nesse aspecto Habermas concorda corn Adorno e Horkheimer - foi reduzido ao aspecto sistemico, tecnico-cientifico, deixando de lado a moderniza<;ao comunicativa, simb6lica. A sociedade contemporanea caracteriza-se pelo predominio da razao dos meios, ou seja, esta organizada segundo a l6gica da razao instrumental, dominando o mundo dos objectos e considerando todos os problemas humanos como problemas tecnicos. No entanto, como nao houve esgotamento das for<;as mais not6rias da razao comunicativa - autoconsciencia, autodetermina<;ao e auto-realiza<;ao - o mundo da vida pode reorganizar-se. 0 objectivo de Habermas e claro: recuperar a dimensao da razao comunicativa que a modernidade tern vindo a subsumir na razao instrumental, criando uma sociedade composta de sujeitos capazes de interagir corn base em acordos racionais e nao na domina<;ao de uns e na submissao de outros. Corn base nesta ideia, Habermas procurou problematizar as modernas sociedades ocidentais, tra<;ando-nos o paradigma geral da moderniza<;ao societaria. Neste sentido, Habermas vai resgatar algumas ideias de Max Weber (18641920) sobre a modernidade, nomeadamente o seu conceito de racionalidade. A racionalidade e utilizada por Weber, como forma d e dar o nome ao processo da modernidade. Segundo ele, existe urn tipo de racionalismo que s6 foi produzido no mundo ocidental, o qual deu grande contribui<;ao para a forma<;ao do capitalismo, e sera o responsavel pelo futuro do mundo. 0 racionalismo, no

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qual assenta o sistema capitalista, constitui a fundamenta<;:ao para a distin<;:ao da industrializa<;:ao ocidental. Esse processo caracteriza-se pela amplia<;:ao crescente de esferas sociais que ficam submetidas a criterios tecnicos de decisao racional, isto e, a criterios de adequa<;:ao e organiza<;:ao de meios adequados para atingir determinados fins ou pela escolha entre alternativas estrategicas corn vista a prossecu<;:ao de objectivos. "Racionaliza<;:ao" significa, nesta acep<;:ao weberiana, a expansao dos sectores sociais submetidos a padr6es de decisao racional, correspondendo a isso a industrializa<;:ao do trabalho social, cuja consequencia sera a expansao do agir instrumental a outros dominios da vida social. A transforma<;:ao pela qual passaram as sociedades industriais nesse processo de moderniza<;:ao, ou seja, de racionaliza<;:ao da ac<;:ao social, esta directamente associada as formas de desenvolvimento do trabalho industrial na sociedade capitalista, que expandiram os procedimentos e a racionalidade a eles inerente para outros sectores do ambito da vida social. 0 desenvolvimento industrial, por sua vez, esta estreitamente vinculado ao progresso da ciencia e da tecnica. Contrariamente ao homem tradicional - apegado as concep<;:6es religiosas - o homem da modernidade e capaz de potencializar todo o conhecimento na razao coma principio e metodo a ser utilizado no mundo da vida. Contudo, como Habermas enfatiza, a moderniza<;:ao enquanto processo de racionaliza<;:ao tern conduzido tambem a desintegra<;:ao do universo social tradicional e a forma<;:ao de subsistemas especializados que tern destaque no mundo da vida. Na sua critica ao mundo moderno, Habermas refere-se nomeadamente a interven<;:ao dos subsistemas econ6micos e politicos no mundo da vida, ou seja, ao facto de o poder e o dinheiro nao apenas serem pensados no mundo material, mas nas influencias que causam ao mundo social. Resgatando algumas ideias de Herbert Marcuse sobre a ciencia e a tecnica, Habermas em Tecnica e Ciencia enquanto Ideologia (Technik und Wissenschaft als "Ideologie" - 1968) procura discutir o que Weber chama de "racionaliza<;:ao", considerando que este nao esgota a ideia de "racionalidade", presente nas sociedades modernas. Nao e que Habermas se posicione radicalmente contra a racionalidade instrumental da ciencia e da tecnica em si mesmas, na medida em que, coma refere, essas contribuem para a autoconserva<;:ao do homem. Para ele, a ciencia e a tecnica ampliam as possibilidades humanas, libertando o homem do jugo das necessidades materiais, sendo o desenvolvimento da especie humana resultado de urn processo hist6rico de desenvolvimento tecnol6gico, institucional e cultural, processos que sao interdependentes. Habermas considera que o trabalho, pela sua essencia de dominar a natureza para po-la a servi<;:o do homem, possui uma racionalidade do mesmo tipo da racionalidade da ciencia e da tecnica, isto e, uma racionalidade que consiste na organiza<;:ao e na escolha adequada de meios para atingir determinados fins.

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0 radicalismo de Habermas e dirigido contra a universaliza<;:ao da ciencia e da tecnica, isto e, contra a penetra<;:ao da racionalidade cientifica, instrumental, em esferas de decisao onde deveria imperar urn outro tipo de racionalidade: a racionalidade comunicativa. Dai o seu objectivo de superar o conceito de racionalidade instrumental, ampliando o conceito de razao, para o de uma razao que contem em si as possibilidades de reconcilia<;:ao consigo mesma: a razao comunicativa. Segundo Habermas, a institucionaliza<;:ao do progresso cientifico e tecnico conduziu a racionaliza<;:ao da propria sociedade. Corn a penetra<;:ao da ciencia e da tecnica nas institui<;:6es assiste-se a transforma<;:ao dessas mesmas institui<;:6es no que diz respeito asua legitima<;:ao, que agora obedecem a uma seculariza<;:ao e a urn desenfeiti<;:amento como imagem do mundo que orienta a ac<;:ao. Na medida em que a "racionaliza<;:ao" diz respeito "a escolha correta entre estrategias, ao emprego adequado de tecnologias e aorganizar;iio de sistemas de acordo corn fins" (Habermas, 1975, p . 313) ela perde a reflexao sobre os interesses globais da sociedade. Alem disso, a racionaliza<;:ao aplica-se a rela<;:6es que podem ser manipuladas tecnicamente, e portanto e urn agir que requer domina<;:ao - seja sobre a natureza ou sobre a sociedade. Como nos diz Habermas, "o agir racionalcom-respeito-a-fins eo exercicio do controle" (Idem, p. 314). A racionaliza<;:ao das rela<;:6es da vida e, entao, nada mais que a institucionaliza<;:ao de uma domina<;:ao que acaba por ser irreconhecivel enquanto politica, pois aparece como razao tecnica. Haberm as percebe corn clareza as contradi<;:6es e os limites da racionalidade moderna, que busca constantemente o calculo e a eficacia. Tudo passa a basearse na racionalidade instrumental que os homens nao dominam, mas dela sao dependentes. Deste modo, a racionaliza<;:ao aparece em suas duas distintas faces: nao apenas como padrao de critica a partir d o qual "a repressiio objectivamente superflua das relar;oes de produr;iio historicamente caducas pode ser desmascarada" (Habermas, 1975, p. 315), mas tambem como "padriio apologetico", por meio do qual essas mesmas rela<;:6es podem ser legitimadas dentro de urn quadro institucional funcional, pad rao que passa a ser correctivo no interior do sistema. Sob o nivel de desenvolvimento tecnico-cientifico as for<;:as produtivas, em sua rela<;:ao corn as rela<;:6es de produ<;:ao, ao inves de fundamento de critica, passam a fundamento de legitima<;:ao. A domina<;:ao nao ocorre apenas atraves da tecnologia, mas enquanto tecnologia (HABERMAS, 1968, p. 49), o que influi decisivamente na legitima<;:ao do poder politico. Neste quadro, as for<;:as produtivas aliadas ao progresso tecnico institucionalizado assumem-se como fundamento de legitima<;:ao da sociedade e a contradi<;:ao entre rela<;:6es de produ<;:ao e for<;:as produtivas e apagada em favor da apresenta<;:ao dessa contradi<;:ao como apenas a forma de organiza<;:ao tecnicamente necessaria de u ma sociedade racionalizada. (Habermas, 1968, p. 48).

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Neste sentido, a tecnologia assume-se como forma de racionaliza<;ao da falta de liberdade do homem e a impossibilidade tecnica de autodeterminar a sua vida. Esse problema origina-se pela sujei<;ao do homem ao aparelho tecnico que fornece a comodidade da vida e intensifica a produ<;ao do trabalho. Alterar esta situa<;ao implica uma nova atitude por parte do homem face a natureza - encarada nao como mero objecto de manipula<;ao, para como sujeito de interac<;ao, dando subjectividade aos seus componentes- capaz de criar uma estrutura alternativa de ac<;ao: a interac<;ao simb6lica mediada que se diferencia da ac<;ao racional teleol6gica. Contudo, tambem aqui Habermas alerta: "Essa ideia conservou um atractivo

peculiar, a saber que a subjectividade da natureza, ainda agrilhoada, niio se podera libertar antes de a comunicar;iio dos homens entre si niio estar livre da dominar;iio. 56 quando os homens se comunicarem sem coacr;iio e cada um se puder reconhecer no outro, poderia o genera humano reconhecer a natureza coma um outro sujeito". (Habermas, 1968, p. 53). Ainda assim, tal nao significa admitir a possibilidade de uma nova tecnica. Como nos refere Habermas, "tal coma para sua funr;iio, assim tambem

para o progresso cientifico-tecnico em geral, niio existe substituto algum que seria mais humano". (Idem, p. 53). 0 reconhecimento de que 0 desenvolvimento tecnico obedece a l6gica do agir racional-com-respeito-a-fins, cujo criterio e o sucesso, leva, entao, Habermas a deslocar a questao para urn campo diverso da razao e do agir - e nao para uma nova tecnica. Esse campo vem a ser o da razao comunicativa, que nao tern a razao instrumental como facto (rela<;ao sujeito j objecto vinculada ao sucesso ), e que, segundo o autor, encontra-se imbricada nos mecanismos linguisticos da especie humana. Esse e outro ponto que distingue a razao instrumental weberiana da razao comunicativa, pois, enquanto a razao instrumental consiste na rela<;ao sujeito/ objecto vinculada ao sucesso, a ac<;ao comunicativa consiste na rela<;ao intersubjectiva orientada para a compreensao entre os individuos. No sentido de explicitar melhor este conceito, Habermas regressa a teoria de Hegel, sobretudo aquela produzida no periodo de Iena (1801-1807) e aos escritos de Marx, nomeadamente no que se refere a sua distin<;ao entre trabalho e interac<;ao. 0 prop6sito de Habermas e "pensar as categorias que permitam compreender,

adequadamente, o processo de auto-constituir;iio da especie humana que, embora uno, possui duas dimensoes sem as quais niio e possivel nem analisar, nem captar, em profundidade, a complexidade da realidade" (Coutinho, 2002, p. 144). Ao examinar essa questao, Habermas (1987) distingue dois ambitos do agir humano contidos no conceito de Marx de "actividade humana sensivel", que sao interdependentes, mas que podem ser analisados separadamente: o trabalho e a interac<;ao social. Por "trabalho" ou "ac<;ao racional teleol6gica", Habermas en ten de o processo pelo qual o homem emancipa-se progressivamente da natureza. Habermas

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compreende trabalho como o agir racional-com-respeito-a-fins por excelencia, seja ele o agir instrumental ou a escolha racional - e mesmo a combina~ao dos dois. 0 agir instrumental e regido por re gras tecnicas fundadas no saber empirico, o que implica em prognosticos condicionais sobre acontecimentos observaveis. A "escolha racional" e o comportamento fundado em estrategias baseadas no saber analitico; sao descri~oes a partir de regras de preferencia (sistemas de valores) e maximas universais. Esse agir e uma dedu~ao que avalia possiveis comportamentos. Por "interac~ao", Habermas entende a esfera da sociedade em que normas sociais se constituem a partir da convivencia entre sujeitos, capazes de comunica~ao e ac~ao. Nessa dimensao da pratica social, prevalece uma ac~ao comunicativa, isto e, "uma interac~ao simbolicamente mediada", a qual se orienta "segundo normas de vigencia obrigat6ria que definem as expectativas reciprocas

de comportamento e que tern de ser entendidas e reconhecidas, pelo menos, par dais sujeitos agen tes" (Habermas, 1987, p . 57). Se nas sociedades tradicionais trabalho e interac~ao tinham fun~6es especificas, no capitalismo tecnologico, corn a racionaliza~ao e a tecniciza~ao das rela~6es sociais, essas fun~oes tendem a sobrepor-se. 0 proprio sistema social acaba determinado pela logica do progresso tecnico-cientifico e a interac~ao simbolica e substituida pela ciencia e pela tecnica. A massa despolitizada "adopta" o modelo tecnicista, que passa a legitimar as ac~6es eo interesse politico visa apenas o funcionamento dos sistemas, o que restringe o agir comunicativo e refor~a o agir-racional-com-respeito-a-fins. Normas interiorizadas e valores que deveriam mobilizar a ac~ao social e politica ficam em segundo plano, pois as sociedades industrializad as exigem comportamentos adaptados (1987). Devido ao avan~o da racionaliza~ao do agir-com-respeito-a-fins no quadro das institui~oes responsaveis pela interac~ao social, a propria racionaliza~ao tecnica fica impossibilitad a de fornecer as condi~6es necessarias a emancipa~ao. Esta so p ode vir da "descompressiio no dominio comunicativo", explica Habermas (1975, p. 341). Ou seja, m odificar o sistema socioeconomico nao conduz a emancipa~ao . Esta depende sim da discussao publica e pratica sobre como reconstruir a sociedade atraves de meios institucionais, culturais, sociais e pessoais. Estas considera~6es levam Habermas, "no plano analitico" (1975, p . 322), a fazer a seguinte distin~ao: • 0 quadro institucional de uma sociedade e ou mundo do viver sociocultural; • Os subsistemas do agir racional-com-respeito-a-fins "encaixados" nesse quadro institucional. Contudo, apesar desta distin~ao, Habermas deixa claro que estes dois dorninios se encon tram dialeticamente ligados, pressupondo-se mutuamente.

"Niio os podemos considerar em separado, coma se de duas realidades se tratasse, nem

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subjugar um ao outro a panto de um ser praticamente reduzido ao outro. Siio dais momentos inter-relacionados atraves de um la9o objectivo [e que constitui] ofundamento desses dais momentos considerados coma duas condi96es de possibilidade de auto-cria9iio e de formafiio da especie humana, ou seja, coma estruturas antropol6gicas das quais depende ... " (Coutinho, 2002, p. 145). Eurn facto que nas sociedades actuais o lac;o entre "trabalho" e "interae<;ao" se encontra diluido - em resultado das diversas tentativas de organizar os sistemas comunicacionais de interacc;ao segundo o modelo dos sistemas de acc;ao racional em relac;ao a urn fim e beneficiando do progresso tecnico - passando, muitas vezes, despercebido ao nosso olhar. Porem, como defende Habermas, "niio ha experiencia objectiva sem comunica9iio entre sujeitos" do mesmo modo que "niio ha comunica9iio entre sujeitos sem a constitui9iio de um mundo objectivo" (Ibidem) . Tal significa que "trabalho e interac9iio siio anteriores ao homem ea sociedade" (Habermas, 1990, p . 118), quer dizer, sao condic;ao para a evolw;ao de urn e de outra. Habermas reconhece o esforc;o de Marx no sentido de estabelecer uma relac;ao dialectica entre estas duas componentes. Contudo, considera que esta acabou por nao conseguir penetrar no amago desta relac;ao e esclared~-la suficientemente. Para Marx a cada modo de produc;ao, correspondem forc;as de produc;ao (forc;a de trabalho, saber tecnico que incrementa a produc;ao, saber que organiza as formas de divisao do trabalho, a organiza<;ao ea qualifica<;ao da for<;a de trabalho) e formas de rela<;ao de produ<;ao (institui<;oes e mecanismos sociais que regulam o modo pelo qual as for<;as de produ<;ao se unem aos modos de produ<;ao). Se nas suas amilises empiricas, os processos de trabalho se encontram sempre mediatizados pelo quadro institucional e vice-versa, nas suas formula<;6es te6ricas todos os momentos da "auto-cria9iio da especie humana" tendem a ser unidos unicamente a partir do conceito de produ<;ao (Coutinho, 2002, p. 151). E urn facto que o desenvolvimento e a explora<;ao das for<;as produtivas abrem caminho para novas formas de organiza<;ao do trabalho, como a divisao do trabalho nas sociedades industrializadas, mas esse nao e o factor unico, nem deterrninante. Como nos recorda Habermas, a humanidade constr6i-se em torno de duas dimensoes, a do saber tecnico e a da consciencia pratico-moral. Habermas diz que "as regras do agir comunicativo desenvolvem-se, certamente, em rela9iio a mudan9as no iimbito do agir instrumental e estrategico; mas ao fa ze-la, seguem uma l6gica propria" (Habermas, 1990a, p. 128). A hip6tese de Habermas consiste em mostrar que a rela<;ao entre intera<;ao (quadro institucional) e trabalho (subsistemas de agir racional-com-respeito-afins) e mais adequada para reconstituir o desenvolvimento hist6rico da especie humana. A racionaliza<;ao no plana do quadro institucional s6 pode se perfazer num meio de interac<;ao verbalmente mediatizada, a saber, por uma descompressao

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no dominio comunicativo [... ] Num tal processo de reflexao generalizada, as institui<;6es seriam modificadas na sua composi<;ao especifica para alem dos limites de uma mera mudan<;a de legitima<;ao (Habermas, 1975, p. 341). A interac<;ao e, entao, o que liga os sujeitos entre si e que constitui o quadro transcendental da intersubjectividade e que e diferente da actividade estrategica. Enquanto esta ultima "obedece it l6gica ÂŤmonol6gicaÂť que se pode deduzir, a priori, de uma situa9iio que foi objecto de uma jormaliza9iio previa a todo um acordo comunicacional, isto e, simb6lico, entre os sujeitos", a actividade comunicacional obedece it l6gica da interac9iio que e essencialmente ÂŤdial6gicaÂť. (Coutinho, 2002, p. 154). Ou dito ainda de outro modo: embora o homem viva num mundo estruturado materialmente pelo trabalho e simbolicamente pela linguagem, e, todavia, a comunicabilidade que determina o desenvolvimento de seu modo de vida. Esquematicamente, podemos dizer que o trabalho desenvolve-se no quadro dos sistemas tecnicos de ac<;ao instrumental, baseados em regras tecnicas, que calculam a rela<;ao entre meio e fim, progredindo no sentido de estabelecer nexos sisternicos de ac<;ao. Ja a comunica<;ao desenvolve-se, por sua vez, no quadro dos processos de interac<;ao estruturados simbolicamente pela linguagem, baseandose em regras sociais, que fixam determinadas expectativas mais ou menos reciprocas de comportamento e possibilitam o entendimento entre os homens. "0 mundo da vida reproduz-se materialmente sobre os resultados e consequencias das ac<;6es orientadas para objectivos, corn as quais aqueles que pertencem a esse mundo da vida intervem nesse mundo. Porem, estas ac<;6es instrumentais estao cruzadas corn as ac<;6es comunicativas, na medida em que representam a execu<;ao de pianos que estao ligados aos pianos de outros participantes em interac<;6es sobre defini<;6es comuns de situa<;ao e processos de comunica<;ao" (Habermas, 1990, p . 297). A sociedade e constituida portanto por complexos sistemicos e estabilizados de ac<;6es coordenadas simbolicamente pela linguagem, cujas transforma<;6es, todavia, decorrem dos diversos movimentos de racionaliza<;ao comunicativa verificados na hist6ria. A comunica<;ao comanda o processo dialectico de evolu<;ao social: as necessidades de reprodu<;ao material servem somente de estimulo, na medida em que os processos de trabalho, embora condicionem o seu desenvolvimento, precisam ser mediados comunicativamente, devendo, consequentemente, ser compreendidos no quadro das chamadas formas de entendimentojcomunica<;ao. Ou nas pr6prias palavras de Habermas: "as formas de entendimento historicamente variaveis constituem, por assim dizer, as superficies de intersec<;ao que surgem ali onde as coac<;6es sistemicas da reprodu<;ao material interferem, sem que delas se advirta, nas formas de integra<;ao social, mediatizando desse modo o mundo da vida." (Habermas, 1987, p. 265) . A comunica<;ao confunde-se, portanto, corn a interac<;ao social, representando o mecanismo de coordena<;ao da ac<;ao social, por meio do qual as

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pessoas combinam seus pianos de ac~ao e se capacitam a agir como sujeitos de maneira reciproca. Se assim e, podemos reconhecer a comunica~ao algumas caracteristicas estruturantes: em primeiro lugar, a comunica~ao representa urn processo de entendimento reciproco entre as pessoas, que serve para transmitir e renovar o conhecimento comum gerado no passado. As pessoas comunicam entre si para conseguir urn entendimento sobre certos estados de coisa, mas para fazelo necessitam de se colocar dentro de uma tradi~ao cultural, que empregam, reproduzem, criticam e renovam. Em segundo lugar, constitui urn mecanismo de integra~ao, que possibilita as pessoas relacionarem-se socialmente conforme determinados principios de legitimidade. As pessoas comunicam como sujeitos sociais, mas para fazelo precisam cumprir certas regras que nao s6 regulam a sua perten~a a certos grupos como refor~am, por extensao, a coesao de toda a sociedade. Finalmente, constitui urn mecanismo de socializa~ao, possibilitando as pessoas tomar parte de processos de compreensao mutua e formar a sua propria identidade nestes contextos de interac~ao. De facto, e claro, hoje em dia, a importancia da comunica~ao enquanto elemento estruturador da vida social. Moldando nao s6 a politica mas as pr6prias actividades da vida quotidiana, a comunica~ao e o dialogo vem possibilitar discussoes abertas rumo a defini~ao da uma "conjian9a activa" e que exige uma "renova9iio de responsabilidade pessoal e social em rela9iio aos outros" (Giddens, 1996, p. 22). Para tal, Giddens sugere que a politica, entendida como movimento social, deixe de garantir em exclusivo o exercicio de urn conjunto de direitos universais, para assegurar tambem a recupera~ao do sentido da experiencia, por via da comunica~ao. Apenas o dialogo democratico, diz-nos, possibilitara a "democratiza9iio da democracia" (Idem) e, corn isto, a preponderancia da justi~a em escala global. Aceitar tal premissa implica, conforme sugere ainda este autor, nao apenas reconhecer a incapacidade da ciencia e da tecnica (que o autor designa como sistemas peritos) em responder a os desafios que se colocam ao homem contemporanea, e que se ve "confrontado cam um muro de incertezas, ao qual na maioria das vezes os ÂŤsistemas peritosÂť niio podem dar resposta eficaz", mas ainda, e por consequencia, a necessidade de uma nova politica (uma "politica da vida") que incorpora a "politica de emancipa9iio", ate entao dominante, e incorpora ainda a consciencia irrepetivel dos pr6prios sujeitos. (Torre e Selgas, 1999, p. 158). A nosso ver, tal revela-se uma exigencia urgente e inevitavel e que e igualmente valida na forma como podemos perspectivar a questao da reconstru~ao do lugar dos sujeitos no Mercado de Trabalho. Na contemporaneidade, os sujeitos constroem a sua vida ao longo de itinerarios e projectos cada vez menos pre-estabelecidos e mais flexiveis, nos quais a individualiza~ao, a volatilidade e a contingencia passam a ser a norma

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e nao a excep<;ao (Torre e Selgas, 1999, p. 158). 0 mercado de trabalho e hoje, seguramente, uma esfera de ac<;ao volatile na qual a participa<;ao dos individuos e assumida de forma individualizada e contingencial. Tal reconhecimento poder-nos-ia levar a assumir a questao do trabalho, nos termos de Habermas, como uma esfera marcada exclusivamente pela ac<;ao estrategica. Ou seja, por uma ac<;ao voltada para o sucesso, baseada num processo coordenado linguisticamente em que os participantes perseguem os seus pr6prios objectivos e realizam os seus prop6sitos, influindo sobre as ac<;6es de outros sujeitos. Neste caso, os processos de ac<;ao comunicativa estariam ao servi<;o das chamadas ac<;6es teleol6gicas, em que os sujeitos procuram conseguir certos objectivos e obter sucesso no contexto do mundo social. Neste caso, as condutas sociais pod em ser chamadas de ac<;6es estrategicas, porque "o resultado da ac<;ao depende dos outros actores, cada urn dos quais se comporta em busca do proprio exito e s6 se comporta cooperativamente na medida em que este comportamento se encaixa em seu calculo egocentrico de utilidades." (Habermas, 1987, p. 127). Contudo, sendo esta a realidade presente, tal nao significa que nao devamos pensar o trabalho em novos moldes, mais ajustados as caracteristicas da sociedade actual. 0 conceito de trabalho precisa de ser alargado e incorporar elementos do "mundo da vida", assumindo a importancia do estabelecimento de processos de interac<;ao e a busca de consensos que permitam aos sujeitos a sua realiza<;ao no mercado de trabalho, em moldes similares aqueles que encontramos em outras esferas da sua vida social. Corn efeito, consideramos que a questao da participa<;ao dos sujeitos no mercado de trabalho 2 e possivel mediante novas referencias, novas rela<;6es e novas l6gicas de entendimento, e que passam pela sua autonomia, pela responsabiliza<;ao pelo seu projecto profissional e colabora<;ao corn os restantes sujeitos. Admitir tal possibilidade implica assumir o trabalho como uma possivel esfera, entre outras, de ac<;ao comunicativa, isto e, de ac<;ao voltada para o entendimento, baseada num processo cooperativo de interpreta<;ao, no qual os participantes se referem simultaneamente a ac<;6es no m undo objectivo, no m undo social e no mundo subjectivo. A ac<;ao voltada para o entendimento permite que "os atores buscam en tender-se sobre uma situa<;ao pratica para poder coordenar de comum acordo seus pianos de ac<;ao e corn isto suas ac<;6es. 0 conceito central aqui, o conceito de interpreta<;ao, refere-se primordialmente a negocia<;ao sobre quale a verdadeira situa<;ao susceptivel de consenso." (Habermas, 1987, p. 124). Pensar o trabalho e a questao da participa<;ao dos sujeitos no mercado de trabalho nao passa por uma reedi<;ao do velho homo economicus da teoria econ6mica classica, mas sim, segundo O'Malley (in Torre e Selgas, 1999, p . 94), de urn homo prudens, homem que busca no mercado as ofertas disponiveis e que e estimulado a responsabilizar-se, a ser activo e a tomar o seu destino nas pr6prias 2

Entendida esta nao apenas enquanto capacidade efectiva de exercicio de uma actividade profissional, mas tambem, e sobretudo, como uma fmma de expressao da sua individualidade e de construs;ao de sentidos relacionais.

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maos levando-o a gerir as suas pr6prias op<;6es I possibilidades e a encontrar consensos corn vista a realiza<;ao do seu projecto, que nao e apenas instrumental m as sobretudo ontol6gico.

2.

Considera~oes

finais

Pensar de forma critica e reflexiva a questao da participa<;ao no mercado de trabalho revela-se, hoje, uma necessidade inquestionavel e urgente. Num quadro marcado pelo desemprego e pela precariedade laboral a questao da participa<;ao no mercado laboral requer novas l6gicas de entendimento e novos posicionamentos. Neste quadro, o contributo de Jurgen Habermas revela-se importante, nao tanto pela forma como entende a questao do trabalho mas pelas possibilidades que configura ao reconhecer a imporhincia da interac<;ao I comunica<;ao como o elemento estruturador da vida social. Na realidade consideramos que urn e outro elemento sao indissociaveis, o que significa que pensar as questoes do trabalho nao pode ser feito a margem da forma como os sujeitos se relacionam e comunicam no decurso do seu exerdcio. Dai considerarmos, como foi acima dito, que o conceito de trabalho precisa de ser repensado, no sentido do seu alargamento e da incorpora<;ao de elementos do umundo da vidau, que permitam aos sujeitos a sua realiza<;ao no mercado de trabalho, em moldes semelhantes aqueles que se verificam noutros ambitos da sua vida social.

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DESAFILIA<;AO SOCIAL: AMBIGUIDADES E MULTIREALIDADES NA CONTEMPORANEIDADE1

SOCIAL DISAFFILIATION: CONTEMPORARY AMBIGUITIES AND MULTI-REALITIES

Vanda Ramalho Doutoranda ern Servi<;:o Social - Investigadora no CLISSIS

1

0 presente artigo aprofunda o Capitula 2, panto 2.1, da disserta<;:ao de Mestrado da au tora, denorninada 'Sopas e cobertores: da desafiliar;iio das pessoas sem-abrigo ii inovar;iio das pniticas em Servir;o Social', defendida a 10.08.2008, na Universidade Lusiada de Lisboa - Instituto Superior de Servi<;:o Social.



Desafiliac;ao social: ambiguidades e multirealidades na ... ,pp. 93-108

Resumo: 0 presente artigo aborda as multirealidades do conceito de desafilia<;ao social, encarado como processo extremo de exclusao social no seio das ambiguidades presentes nas sociedades contemporaneas. Tern por objectivo ser urn contributo para que os estudantes e profissionais de Servi<;o Social possam reflectir sobre o fen6meno das desigualdades sociais produzidas pelo processo de globaliza<_;:ao, sobretudo, no que diz respeito aos fen6menos da pobreza e da exclusao social. Fen6menos que colocam desafios ao Servi<;o Social, na tripla perspectiva da sua actua<_;:ao: interventiva, politica e cientifica, de forma a que, como ciencia social aplicada, a disciplina possa melhor contribuir na resolu<;ao destes graves problemas sociais e na promo<_;:ao de sociedades inclusivas e solidarias. Palavras-chave: Contemporaneidade; Desafilia<;ao social; Exclusao social; Vulnerabilidade social; Pessoas sem-abrigo Abstract: This article discusses the multi-realities of the concept of social disaffiliation seen as a process of extreme social exclusion within the ambiguities of contemporary societies. It aims to be a contribution for students and professionals of Social Work, to do a reflection on the increase in social inequalities produced by the globalization process, especially regarding to poverty and social exclusion and the challenges that Social Work has to take in times of crisis in the three aspects of its performance: interventive, political and scientific, so that as a social science applied discipline can improve its contribution to solve these social problems and promote inclusive and cooperative societies. Key-words: Globalization; Social disaffiliation; Social Exclusion; Social Vulnerability; Homelessness.

Introduc;ao Apesar do progresso, das promessas e da emergencia de urn novo mundo repleto de inovadoras oportunidades, a incerteza e a hesita<;ao colocam-se, fundamentalmente, na busca de uma solu<;ao dos problemas a escala mundial,

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que o crescimento econ6mico nao foi capaz de resolver. 0 aumento das desigualdades sociais leva a que inumeras faixas populacionais se encontrem marginalizadas desse progresso. Muitos dos problemas relativos a pobreza e exclusao nao sao resolvidos pelo sistema. Vive-se a era da vulnerabilidade social, do desemprego e da desafiliac;ao. Coma nos sugere Serge Paugam (1996): "La marginalite est ainsi une production sociale qui trouve son origine dans les structures de base de la societe". Desafiliac;ao ou desqualificac;ao que se revelam coma resultado da degradac;ao da func;ao integradora do trabalho, dado que esta estruturava a densidade da integrac;ao noutros eixos sociais, tais coma as redes de sociabilidade e familiares. Crescem os padr6es de exigencia dos cidadaos face aos servic;os sociais que o estado lhes presta e cada vez mais as politicas sociais, ainda de canicter passivo, encontram mais dificuldades em responder aos problemas, surgindo novas formas de degradac;ao do lac;o social. Efectivamente, sao urn conjunto de factores sociais, politicos, econ6micos, culturais e demograficos que, do panto de vista individual e colectivo, acabam por "questionar a propria governabilidade da velha Europa dos estados-napio de forte pendor social" (Capucha, 2005, p. 25-26). Problemas que se combinam corn as "velhas" pobrezas. Uma face ate agora escondida por tras da imagem de uma Europa inovadora, competitiva e culta, mas que acabou por criar maiores desigualdades. "As mudan9as aceleradas nas coordenadas do tempo e do espa9o levam as pessoas a sentirem-se no meio de um remoinho, onde ao mesmo tempo se promete aventura, poder, alegria e existe a amea9a de destrui9iio de tudo o que tem, o que sabem e siio" (Pastorinie, 2004, p. 48). Clavel (2004) informa que para eliminar os riscos de exclusao, inerentes a esta vivencia sera necessaria criar perenidade de rendimento e reconhecimento da utilidade social permanente, num continuum de posic;oes reconhecidas socialmente, naquilo que chama processo de passagem de uma sociedade de exclusao a uma sociedade solidaria. Na era da globalizac;ao o percurso de uma pessoa e cada vez menos linear ou pre-estabelecido. A vida sera cada vez mais feita de uma multiplicidade de espac;os sociais transit6rios, o mesmo acontecendo corn os espac;os familiares. (... ) Numa sociedade cada vez mais complexa cada pessoa e levada a desempenhar cada vez mais papeis, a ocupar uma multiplicidade de estatutos (Clavel, 2004, p. 176). Dai a importancia de debater novas entendimentos da pobreza e exclusao social, no inicio do seculo, e a necessidade de compreende-los para poder agir. Segundo Paugam, estas evoluc;6es nao dizem respeito apenas as familias do quarto mundo, mas a centenas de milhares de empregados ate agora integrados no mercado de emprego. "0 enfraquecimento do rendimento, a precariedade das condi96es de vida, a crise identitaria, a contrariedade de frequentar os servi9os de ac9iio social" leva ao sentimento de inutilidade, de perda de dignidade ea ruptura corn a sociedade (Paugam, 2000, p. 110).

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Desafilia~ao

social: ambiguidades e multirealidades na ...,pp. 93-108

Deste modo, o presente documento pretende apresentar uma breve reflexao reflexiva, sabre as ambiguidades e multirealidades dos conceitos associados a questao social na era da globaliza<;:ao, tomando coma exemplo expressivo e extremo da situa<;:ao de desafilia<;:ao, a condi<;:ao das pessoas sem-abrigo.

1. Desafilia~ao: urn processo extremo de exclusao social 0 aparecimento do termo exclusao social esta, portanto, fortemente relacionado corn as mudan<;:as que decorrem no panorama econ6mico e social do mundo ocidental, na segunda metade do sec. XX. As primeiras teorias do campo econ6mico encaravam os excluidos coma trataveis e passivos, mas teorias mais recentes encararam este fen6meno coma complexo, pais apesar de semelhante ao fen6meno da pobreza, define-se em rela<;:ao a posi<;:ao que o individuo mantem corn o sistema social: A exclusao social nao e urn conceito novo e nao estabelece uma mudan<;:a na forma de encarar fen6menos coma a pobreza. 0 conceito de exclusao social refor<;:a- ao inves de competir corn- a compreensao acerca da pobreza enquanto priva<;:ao, conferindo mais aten<;:ao ao caracter relacional que essa priva<;:ao implica (Moller, 2000, s.p .). 0 desenvolvimento do conceito de exclusao social e de desafilia<;:ao social, a partir dos finais dos anos 80, sobretudo por influencia da introdu<;:ao do conceito em textos oficiais da Uniao Europeia, e urn momento hist6rico fulcral no que toca ao contexto da politic a social europeia e ao novo entendimento de que o uso destes conceitos se prova distinto daquele que, usualmente, e atribuido ao conceito de pobreza: a existencia de situa<;:6es de desvantagem social nao aceitaveis na sociedade. Corn efeito, a exclusao social e a desafilia<;:ao nao se podem limitar a insuficiencia dos rendimentos (que caracteriza as analises centradas na pobreza), porque esta nao e a (mica forma de desvantagem social. 0 pensamento de Bruto da Costa (1998) encontra-se impregnado por urn pouco de cada uma destas influencias, alias porque nao se podera negar a importancia das diversas perspectivas. Sera, entao, importante incluir, no enquadramento te6rico, alguns apontamentos hist6ricos sabre os conceitos e fen6menos de exclusao e desafilia<;:ao, tal coma a sua defini<;:ao, tendo em conta o objecto de estudo da pesquisa. A analise do conceito de exclusao e a sua compreensao hist6rica nao podem ser separadas de uma analogia corn o conceito de pobreza. No entanto, a semelhan<;:a entre conceitos nao e absoluta, pais o conceito de pobreza, corn origens na epoca da barbdrie industrial, submete o homem ao trabalho contra a sua vontade, ao passo que a exclusao corresponde a urn processo de "isolamento" das popula<;:6es menos qualificadas ou "aptas" da esfera produtiva. No entanto, para Paugam uma e outra "assentam no risco de perturba9oes para a sociedade coma um todo apelando, ainda que indirectamente, para reformas sociais" (Paugam, 1996, p . 8).

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Para precisar a multidimensionalidade do termo exclusao social, Bruto da Costa (1998) apresenta uma tipologia de situa<;oes de exclusao que inclui, a exclusao econ6mica (falta de acesso a recursos e bens essenciais), a exclusao social (quando a causa da mesma e urn deficit ou priva<;ao relacional), exclusao cultural (originada pelo racismo, xenofobia, entre outros), a exclusao patol6gica (quando deriva de motivos de natureza p sfquica), e por ultimo, a exclusao autodestrutiva ou auto-exclusao (que deriva da toxicodependencia, alcoolismo, prostitui<;ao, etc) . Segundo Costa (1998), nao existe exclusao absoluta, mas sim dialecticas de exclusao e de inclusao, na medida em que toda a organiza<;ao social se estrutura a diferentes nfveis como a familia, o trabalho, a na<;ao, que implicam a inclusao de uns e a exclusao de outros. Nesta perspectiva, uma pessoa pode estar exclufda duma esfera da vida social, mas integrada noutras sem que disso derive uma situa<;ao de exclusao. Urn dos autores que melhor operacionaliza a multidimensionalidade do fen6meno da exclusao e Iven Moller (2000). Este autor considera que a exclusao pode ocorrer num numero infindavel de subsistemas, e que podemos vivenciar processos de exclusao e inclusao sem entrar num estado de exclusao absoluto. Neste contexto, o autor entende que existe urn modelo de inclusaojexclusao que compreende dois p6los extremos, a inclusao e a exclusao, entre os quais existe urn espa<;o intermedio que e ocupado por situa<;oes de marginaliza<;ao em rela<;ao aos diversos dominios da vida social. 0 modelo de Moller e inovador pois consider a que a rela<;ao inclusao j exclusao nao e uma rela<;ao dicot6mica, mas antes urn contfnuo e que existe urn grau de intensidade entre posi<;oes fortes e fracas nos diferentes subsistemas (Moller, 2000, sp) . Esta ideia vem refor<;ar a potencialidade do indivfduo, nas estrategias que escolhe face a determinadas situa<;oes de risco. Corroborando esta inferencia, Dupas (1999) defende que urn indivfduo pode estar excluido do mercado de trabalho, mas conseguir satisfazer as suas necessidades mais elementares gra<;as a activa<;ao dos seus direitos de cidadania e as transferencias do EstadoProvidencia. De facto, surgiram ao longo dos anos discursos diferentes, sustentados por diversos autores, no que concerne a problematica da exclusao, que, segundo Clavel (2004) se podem representar em tres modos distintos e que se referem a evolu<;ao hist6rica do entendimento do fen6meno : - o discurso promotor da exclusao do quarto mundo: o 4째 m undo constitui um objecto social no que se refere as dimensi5es econ6micas, politicas, ideol6gicas e culturais. Este discurso coloca na exclusao a ideia de processo, que passa pelas institui<;oes sociais e pelo comportamento dos actores sociais; - o discurso liberal: Nao existem diferen<;as entre a no<;ao de exclusao e a de inadapta<;ao; o termo exclufdo designa diferentes categorias de inadaptados: pobres, deficientes, idosos, casos sociais, marginais 11

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involuntarios, imigrados, delinquentes, acidentados, vagabundos. A inadapta<;ao proviria das deficiencias das institui<;6es, da envolvente urbana e social, das rapidas muta<;6es, sendo os excluidos responsaveis e merecedores da sua exclusao. - o discurso socialista: "Os excluidos siio os pobres da crise e a exclusiio tem as suas raizes nas desigualdades socioecon6micas e culturais, no aumento da precariedade." Sublinha-se o aspecto multidimensional da exclusao (Clavel, 2004, pp. 22-25). Clavel (2004) apresenta, ainda, uma abordagem por niveis ao conceito de exclusao referindo-se a etapas de uma traject6ria que se expressa nas no<;6es sequenciais de precariedade, pobreza e exclusao. Para o autor, a situa<;ao de precariedade caracteriza-se "pela incerteza e irregularidade dos recursos e pela inseguran9a resultante na vida quotidiana". A no<;ao de pobreza refere-se a "participa9iio na actividade econ6mica, pela rareza e insuficiencia de recursos" que impedem a participa<;ao nos modos de vida socialmente reconhecidos (Clavel, 2004, pp. 22-25). "L'exclusion est desormais le paradigme a partir duquel notre societe prend conscience d'elle-meme et de ses dysfonctionnements, et recherche, parfois dans l'urgence et la confusion, des solutions aux maux qui la tenaillent" (Paugam, 1996, p. 1). lncontestavelmente, no seio da sociedade urbana, surgem mais visivelmente os sinais da exclusao: A configura<;ao do espa<;o urbana, indissociavel da do alojamento, poe em evidencia as divisoes entre classes ou camadas sociais e traduz as diferentes fun<;6es socioecon6micas da cidade. A sociedade urbana suscita fen6menos de diferencia<;ao socioculturais a partir de objectos coma o bairro, o tipo de alojamento, a presen<;a de servi<;os, etc. (Clavel, 2004, pp. 53-60). Segundo Clavel (2004), uma produ<;ao de servi<;os e alojamento social tern poderosos efeitos de segrega<;ao, gerando estatutos sociais diferenciados, sendo excluidos os que nao tern qualquer poder de escolha relativa a sua habita<;ao. As cidades sao as estufas da humanidade, sao o local onde se desenvolve o potencial humano. (... ) Populando de oportunidades, as cidades renovam-se constantemente pois atraem os espiritos talentosos e empreendedores de outras paragens. (... ) Acima de tudo, as cidades sao reinos de liberdade: proporcionamnos a liberdade de se inventar a si proprio, de escolher amigos, de se promover, de gozar de privacidade e de anonimato, de pensar coisas novas (Magnet, 2001, pp. 17-18). Contudo, gera-se uma tendencia "cada vez mais segregadora na estrutura9iio do espa9o urbana levando aexistencia de uma cidade retalhada espacialmente e pouco coesa socialmente", onde podemos ver o surgimento de espa<;os "licitos" e "ilicitos" que reflectem as desigualdades sociais crescentes, nos modos de vida na cidade (Ascher, 1998, p. 141).

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De facto, segundo Paula Guerra (2002) podemos verificar na cidade espa<;os de medo e miseria, de marginaliza<;ao ou mesmo de destitui<;ao e desafilia<;ao. As actividades e pniticas sociais, as interac<;oes produzidas nesses espa<;os recriam o contexto simb6lico da exclusao urbana que, inevitavelmente, segundo a mesma autora, se funda numa estrutura cultural sistematica, ou por outro lado, de ruptura e inova<;ao que podem construir ou desconstruir a cidade como lugar inseguro, de filia<;ao ou desafilia<;ao, de inclusao ou exclusao. Ascher (1998) tende a considerar a cidade como complexa e nao apenas como complicada, demonstrando estrutura<;oes e reestrutura<;oes emergentes dos seus factores e estrategias dos seus actores sociais. Tambem Teixeira Fernandes (2002) afirma que "excluir do urbana e colocar a

distfincia e afastados os grupos e os espar;;os sociais inferiorizados, reservando-lhes espar;;os pr6prios, mais ou menos restritos", sendo que deste modo podemos percepcionar a exclusao urbana como urn processo de "privar;;iio dos padroes de vida e de actividade pr6prios de uma dada sociedade" (Fernandes, 2002, p . 38). 0 fen6meno da desafilia<;ao urbana traduz processos de "afrouxamento ao nivel das relar;;oes sociais em termos de deficit de integrar;;iio identitaria" (Guerra, 2002, p. 105). 0 processo de estigmatiza<;ao, assinalando diferen<;as e caracterfsticas indesejaveis, muito ao jeito goffmaniano acaba por permitir urn processo de evitamento e de recusa do outro, do estranho, do diferente, do estrangeiro, que habita a cidade (Goffman, 1982, p . 11). Desta forma, os processos de estigmatiza<;ao vao produzir sentimentos de exclusao e de auto-exclusao. "0 estigmatizado, par sua vez excluido, passa par um processo de auto-consciencializar;;iio da exclusiio" adoptando urn status social desvalorizado (Guerra, 2002, p. 107). 0 residuo social e hoje constituido por muitos habitantes da cidade fragmentada. (... ) a periferia desqualificada e hoje sin6nimo de perigosidade, bem como os enclaves do centro da cidade por tras da cena diurna valorizada: lugares da obscena, de economia subterranea e de acto res desviantes (dealers, junkies, sem-abrigo, arrumadores, prostitutas e delinquentes juvenis) (Fernandes e Carvalho, 2000, p. 81). Para Castel (1996), esta nova questao social tern, precisamente, o seu ponto de partida no enfraquecimento da rela<;ao salarial, dado o fim do pleno emprego e o crescente numero daqueles que se encontram privados de trabalho, em consequencia das novas exigencias tecnol6gicas e da evolu<;ao do capitalismo moderno. Neste contexto, a exclusao social deixa de ser vista como ausencia de rela<;6es sociais, passando a representar urn conjunto de rela<;6es sociais particulares da sociedade e que representa urn deficit de lugares ocupaveis na estrutura social. Atraves do estudo do fen6meno, Robert Castel (1996) define a exclusao social como urn processo que se desenvolve, num percurso descendente, no decorrer do qual se operam diversas rupturas dos individuos corn a sociedade.

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Le terme de marginal dans son acception actuelle est recent. Il apparaft dans les annees post 1968 ala suite de l'interet alors manifeste pour les attitudes en rupture par rapport au systeme. (. .. ) Mais dans une perspective historique, il renvoie aux populations don 't le mode de vie est marque par le vagabondage, le mendicite, la criminalite et les metries infames (Castel, 1996, pp. 24-25). Rupturas que a globaliza<;ao foi buscar a epoca pre-industrial e que voltam a fazer sentido nas comunidades urbanas, fortemente mundializadas das sociedades actuais. A exclusao hodierna apresenta-se precisamente, tanto para Paugam, como para Castel, como resultado da ruptura de la<;os ou "desafilia<;ao", caracterizando-se, precisamente pela perda de qualquer capacidade de empreender, pela lirnita<;ao das rela<;oes e pelo consequente nao acesso a condi<;ao de cidadania e ao assegurar dos direitos sociais fundamentais ao ser humano. Efectivamente, Thomas e da mesma opiniao referindo que la question sociale de la pauvrete devient ainsi probleme politique, qui met en cause la nature meme des societes democratiques et le fondement de leur organisation en questionnent les modalites d'application des principes de solidarite et d'egalite entre les citoyens. (.. .)La citoyennete au sens large sert de support arecomposition du statut social des exclus et a leur identification (Thomas, 1997, pp. 89-92). Esta corrente francesa de desafilia<;ao e desqualifica<;ao social faz sobressair a ideia de exclusao enquanto ruptura social associada asitua<;ao de nao realiza<;ao de direitos. Soulet (2000), refere-nos que a palavra exclusao "propoe uma definir;iio puramente negativa daqueles aos quais e aplicada: siio aqueles que siio privados.(. ..) uma representar;iio particularmente mutiladora, que nega as expectativas das pessoas e a sua capacidade de existir coma sujeito" (Soulet, 2000, p. 11). Esquece, portanto, o reconhecimento pelo que sao e nao unicamente pelo que nao sao. Tres no<;oes tentam esclarecer a realidade multidimensional da desafilia<;ao: desapropria<;ao, desqualifica<;ao social e desinser<;ao. Para Robert Castel, a desapropriar;iio traduz urn "processo de perda de estatuto e considerar;iio, perda de identidade que resulta no enfraquecimento das redes de sociabilidade" (Castel, 1995, s.p.). A desqualifica<;ao acrescenta o elemento da "dependencia relativa a dispositivos de ajuda e intervenr;iio social", o que segundo Paugam "conduz os individuos desde a fragilidade adependencia e par ultimo aruptura do lar;o social, provocada pela perda de emprego, ruptura familiar, problemas de saude, desvalorizar;iio de si proprio, 0 que contribui par fim para a sua desinserr;iio" (Paugam, 1991, s.p.) . Tambem a no<;ao de destitui<;ao e, predominantemente, utilizada em pesquisa para reflectir a imagem dos mais pobres dos pobres, nas sociedades contemporaneas. 0 conceito descreve certas formas de exclusao, que atingem variados grupos sociais como os refugiados e asilados, os irnigrantes indocumentados e outros cidadaos que possam estar privados do acesso aos seus direitos fundamentais. Segundo o relat6rio de pesquisa do Servi<;o Jesuita aos Refugiados podemos considerar as seguintes dimensoes na defini<;ao de destitui<;ao social:

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- Material deprivation: Inability to meet basic human needs in order to live and function in society (clothing, shelter, food, transport, communication, heath care and education); - Level of control over one's life: Individual concerned is dependent for their survival on the goodwill of others, including charity from public or welfare support from the state or non-governmental agencies. (Lack of access to income and own labour, lack of access to statutory support mechanisms, social disempowerment); - Social exclusion: individuals have a marginal position in society, being socially, politically and spatially isolated, ignored or stigmatized (JRS, 2006). Podemos assim concluir que os excluidos ni'io se encontram fora da sociedade, mas sim implicados numa rela<;i'io social que lhes escapa e se produz no campo simb6lico, marcado pela ausencia de liga<;6es positivas e estruturantes, o que podemos verificar pela terminologia que qualifica o processo de exclusi'io: desintegra<;i'io, desapropria<;i'io, destitui<;i'io, desqualifica<;i'io, desagrega<;i'io, desinser<;i'io, dessocializa<;i'io, desafilia<;i'io. Estas propostas apresentam-se, nos ultimos anos, como o que pode ser considerado uma nova grelha de leitura da questi'io social ou como nos refere Queloz "uma problematica da afiliar;;iio-desafiliar;;iio-reafiliar;;iio sociais" (Queloz, 2000, p. 193). Ora estas novas abordagens podem sustentar precisamente esfor<;os para a cria<;i'io de modelos de reafilia<;i'io social que correspondam as muta<;6es sociais actuais. Para acabar corn a sociedade da exclusi'io e necessaria desenvolver novas compreens6es. A no<;i'io de vulnerabilidade societal indica, segundo Walgrave, uma situa<;i'io de risco, numa perspectiva interaccionista. "Ningwhn evulneravel em si proprio; uma pessoa s6 e vulneravel perante uma determinada situar;;iio" (Walgrave, 2000, s.p.). Desta forma, podemos perceber que a vulnerabilidade societal depende da posi<;i'io dos sujeitos na sociedade. Este autor relembra-nos que as pessoas vulneraveis do ponto de vista societal, nas sociedades actuais, podem ser capazes de estabelecer rela<;6es sociais construtivas corn os seus pares, nos seus contextos de vida, sendo que a maior dificuldade surge no contacto corn as institui<;6es da sociedade organizada. A ideia de "categorias sociais vulneraveis" segundo Capucha, e construida a partir da "existencia de atributos comuns de pessoas cuja agregar;;iio tende a ser socialmente reconhecivel, em relar;;iio as quais epossivel verificar maior probabilidade de viverem situar;;oes de pobreza e exclusiio social" (Capucha, 2005, p. 166). Capucha (2005) refere algumas situa<;6es-tipo, como por exemplo o caso dos imigrantes vitimas de exclusi'io, devido a factores como o preconceito e a discrimina<;i'io, a ausencia de oportunidades de forma<;i'io e legaliza<;i'io; o caso das pessoas corn baixas qualifica<;6es escolares e profissionais, os adultos responsaveis por familias monoparentais, que sofrem de escassez de recursos, forma<;i'io e rendimentos. Faz ainda referenda aos trabalhadores precarios, as familias

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vitimas de pobreza persistente e geracional, que habitam contextos territoriais degradados e ainda a toda uma serie de situa<;6es, corn estatuto fortemente estigmatizado, como os doentes mentais, os ex-reclusos, os trabalhadores do sexo, as pessoas afectadas por problemas de toxicodependencia e alcoolismo e as pessoas sem-abrigo (Capucha, 2005, p. 167). Tambem Clavel (2004) identifica algumas traject6rias individuais e colectivas que reportam as vitimas da desafilia<;ao social, como por exemplo, as pessoas sem-abrigo ou sem domicilio fixo, os jovens desprotegidos, as familias monoparentais, os beneficiarios do Rendimento Social de Inser<;ao, os desempregados de longa dura<;ao, operarios corn baixas qualifica<;6es, em suma uma heterogeneidade de popula<;6es que sofrem corn a exclusao. Identifica ainda os mais vulneraveis a este percurso como sendo os individuos de baixas qualifica<;6es, "vivendo numa habita9iio social ou modesta, frequentemente isolados, cuidando mal da saude, tendo conhecido na juventude momentos dificeis", que no entanto se apreendem num pano de fundo de traject6rias colectivas "desencadeadas par processos sociais e culturais, que sustentam um destino comum a estes individuos e grupos aparentemente heterogeneos." Estas nao sao mais do que a parte emergentes do processo de destabiliza<;ao que a sociedade atravessa, num processo global de precariza<;ao (Clavel, 2004, p. 154). Lewis (1996[1966]) argumenta que apesar da pobreza ser urn fen6meno multidimensional, sistemico e imposta pelos movimentos societais a os "pobres", esta revela-se urn processo, tal como a desafilia<;ao, de cria<;ao de uma subcultura, impedindo que os sujeitos consigam escapar facilmente das malhas da exclusao, como podemos verificar nas suas palavras: The people in the culture of poverty have a strong feeling of marginality, of helplessness, of dependency, of not belonging. They are like aliens in their one country, convinced that the existing institutions do not serve their interests and needs. Along with this feeling of powerlessness is a widespread feeling of inferiority, of personal unworthiness. (.. .) They are a marginal people who know only their own troubles, their own local conditions, their own neighbourhood and their own way of life (Lewis, 1996[1966], s.p.) . Oscar Lewis (1969) considera que a cultura da pobreza "e ao mesmo tempo uma adapta9iio e uma reac9iio dos pobres a sua posi9iio marginal em uma sociedade de classes estratificada", representando urn esfor<;o para combater o desprezo social e encontrar uma base segura de rela<;6es sociais e de formas de vida pr6prias, no espa<;o social onde a sociedade os colocou, que se tende a perpetuar de gera<;ao em gera<;ao (Lewis, 1969, p. 802) . A tese contraria contesta a existencia desta cultura, pois associa-a a causas internas ou a deficiencias individuais, transmitidas geracionalmente, propondo que se leve em considera<;ao as pressoes estruturais e os comportamentos dos pobres apenas como consequencia dessas press6es. Seria a consciencia da sua situa<;ao que faria os pobres conformarem-se corn a condena<;ao de viver em urn contexto cultural no limite da exclusao (Grignon, 1982, p. 4).

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0 conceito de "cultura de pobreza" de Oscar Lewis e a qui entendido, tendo como pressuposto a origem estrutural da pobreza, sendo que essa influencia derivani no desenvolvimento de culturas pr6prias dos lugares sociais e espaciais, onde a sociedade coloca os que marginaliza. Efectivamente, estas duas teses tern permitido explicar a reprodw;ao da pobreza por factores quer internos, quer externos e ambos os factores parecem relevantes. Tudo aponta para uma concep<;ao processual de cultura, situacional, relacional, mas dependente do contexto social, econ6mico e politico em que e recriada. Agier refere que "as pessoas niio siio detentoras passivas de uma cultura e de uma identidade dentro das quais vivem, mas sim actores sociais, que jogam o jogo da cultura" (Agier, 2001, p. 7). 0 autor sublinha que a cultura e a identidade nao surgem apenas de uma heran<;a hist6rica e imutavel, mas tambem dos processos sociais de interac<;ao. A cultura e entao colocada num piano dialectico como algo que se constr6i e se expressa e nao como algo que se tern "naturalmente" (Agier, 2001, p. 7). Clavel (2004) identifica tambem urn habitus cultural primario dos diferentes estratos sociais, consoante as aquisi<;oes da primeira infancia, considerando que existe uma interioriza<;ao diferenciada do habitus secundario, que e fun<;ao do aparelho escolar consoante a classe social. Considera que, no que diz respeito as classes mais desfavorecidas, a recep<;ao do habitus secundario encontra condi<;oes mais dificeis, visto que estas tern uma cultura propria, distante do habitus secundario, semelhante ao habitus primario das classes mais favorecidas e que funciona como urn filtro cultural. Assim, surgem dificuldades nas vias de ascensao social. Desta forma, a questao do acesso aos direitos encontra-se relacionada corn as popula<;oes cujo capital cultural nao permite o dominio dos processos sociais dominantes, surgindo dificuldades de acesso que se verificam, segundo Clavel, no acesso aos direitos administrativos e no acesso ao alojamento, no direito a defesa, a os cuidados de saude, mobilizando os sujeitos para "uma l6gica de sobrevivencia que faz aumentar a angustia das pessoas" (Clavel, 2004, p. 126). Esta visao da pobreza visivel, de forma clara, no caso das pessoas sem-abrigo, pode explicar, por exemplo, muitas das dificuldades da interven<;ao social corn as pessoas vitimas de desafilia<;ao. 0 resultado e muitas vezes a pessoa vitima de desafilia<;ao acabar por recusar a interven<;ao e permanecer na condi<;ao, mais c6moda, porque corn c6digos pr6prios que o sujeito domina, estabelecendo uma zona de seguran<;a e aumentando a sua resistencia a mudan<;a, perpetuando a sua condi<;ao, por vergonha, receio e defesa da sociedade que o oprime. Tomando como exemplo, no decorrer do presente texto, o caso mais expressivo da situa<;ao de desafilia<;ao social, o caso das pessoas sem-abrigo, Barhs (1973) refere que la carrere du sen-domicile-fix (SDF) peut comporter trois etapes typiques que l'on nomme des entrees et des sorties. Les entrees dans la carrere correspondent aux moments apartir desquels une personne est reconnaisable, par les autres et par ell-meme, comme SDF. Les sorties sont les moments apres lesquels cette identification n'estplus possible (Bahrs, 1973, s.p.).

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De facto, a condic;ao de sem-abrigo sera a face mais visivel da situac;ao de desafiliac;ao, correspondente ao estado extremo do processo de exclusao social ou de nao-integrac;ao. Contudo, para outros autores, como Bahrs a condic;ao de desafiliac;ao nunca e total. As pessoas sem-abrigo incorporam certas culturas pr6prias da condic;ao, mas mantem, segundo o autor, diversos trac;os das suas culturas de inclusao anteriores (Bahrs, 1973, s.p.).

Meme le plus isoles de SDF conserve des contacts. Sedentarise dans la rue, il continue a se nourrir, a s'habiller, a parler. En fonction de la configuration locale du systeme de prise en charge, il sait elaborer des conduits qui lui permettent de beneficier de tel ou tel service (Damon, 2002, p. 166). A imagem de isolamento total das pessoas vitimas de desafiliac;ao na condic;ao de sem-abrigo pode ser muito redutora da sua situac;ao. Estas contactam corn outras pessoas na mesma situac;ao, corn servic;os e inumeros tecnicos sociais e de saude nesses servic;os, corn pessoas que passam na rua, ate corn alguns familiares. Nao sao apenas ex-cidadaos adaptados a rua. Apesar da sua situac;ao continuam seres humanos, seres corn processos de aprendizagem e socializac;ao anteriores e, por isso, capazes de desenvolver, na maioria dos casos, redes de sociabilidade e estrategias de sobrevivencia alternativas, que colaborem para que a vida na rua seja suportavel.

2. Considera~oes finais Apesar do complexo quadro das multirealidades que o fen6meno da exclusao social apresenta, o Servic;o Social nao pode esquecer, no ambito da sua actuac;ao, a condic;ao humana das pessoas afectadas pela desafiliac;ao e as capacidades que ainda possuem, as redes de sociabilidade que ainda mantem, a sua hist6ria passada e as estrategias actuais de sobrevivencia, quando se trata de produzir conhecimento e de desenvolver estrategias e medidas politicas para melhor intervir socialmente em prol da sua integrac;ao social. Os assistentes sociais, agentes implicados na promoc;ao dessa integrac;ao, tern o clever etico de conhecer a realidade para melhor intervir, mas sobretudo de lutar e actuar de forma a que o sentimento de humanidade volte a preencher estas pessoas e possa quebrar barreiras espaciais e relacionais, varrendo estigmas e preconceitos. Em tom de reflexao pessoal considera-se que o assistente social deve ser urn meio do sujeito, mas acima de tudo, urn profissional especializado na relac;ao etico-deontol6gica, que nao mecaniza a tecnica e as metodologias, mas que incorpora nelas o real sentido das interacc;oes sociais, do cuidado e da dignidade humanas, relevando uma dimensao de proximidade construtora de afectos. Surge ainda como urn agente politico, junto das macro-estruturas, munido desse real interesse pelas pessoas de que cuida, que o leva a intervir em prol da mudanc;a de estruturas, politicas e comunidades, que investiga a partir do conhecimento

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te6rico sobre os fen6menos e problemas sociais, aliando os conhecimentos construidos na pnitica para melhor poder agir. 0 Servi<;:o Social pode, corn efeito, partindo do conhecimento te6ricopnitico dos processos de exclusao social extrema, na contemporaneidade, renovar e refor<;:ar a sociedade civil, a promo<;:ao do pluralismo e da diversidade, a participa<;:ao democnltica, a constru<;:ao de politicas sociais geradoras de confian<;:a, igualdade e coopera<;:ao, as habilidades de que as pessoas vitimas de desafilia<;:ao social necessitam para sobreviver na sociedade do risco e contribuir para uma cidadania activa. Na linha deste raciocinio, ao Servi<;:o Social deve corresponder, hoje a uma profissao implicada na mudan<;:a: mobilizadora de recursos; facilitadora; municiadora; formadora; gestora; consultora de recursos, mediadora dos poderes institucionais, organizadora, planificadora e investigadora da realidade social. Em suma, ser assistente social significa ser um profissional critico, corn competencia tecnico-operativa e etico-politica, te6rico-metodol6gica, dotado de capacidades como a criatividade, a iniciativa, a versatilidade, a capacidade de negociar, a lideran<;:a, a visao resolutiva e a capacidade de argumenta<;:ao, a eficiencia no trabalho interdisciplinar e habilidade para a consultadoria. Corn efeito, a era social e o periodo de transi<;:ao em que nos encontramos podem constituir-se como uma ocasiao de aprendizagem, numa oportunidade de conhecermos melhor, para melhor intervirmos de futuro . Na linha reflexiva que a analise dos conceitos aqui realizada permite, considera-se importante que o Servi<;:o Social se dedique a investiga<;:ao destas quest6es, estudando por exemplo alguns sinais das novas manifesta<;:6es do fen6meno da desafili<;:ao social, na linha de uma nova visao do combate a exclusao social, que reclame uma desejavel mudan<;:a das representa<;:6es da interven<;:ao social e do papel dos actores sociais nessa interven<;:ao, partindo de uma linha de promo<;:ao da inclusao. Termina-se corn a ideia de que quando as pessoas vitimas da desafilia<;:ao social, como e o caso das pessoas sem-abrigo, se encontrarem aptas para utilizar o espa<;:o que a possibilidade de participa<;:ao abre, entao estarao tambem aptas para lutar pelo assegurar das suas necessidades, direitos e responsabilidades, em pe de igualdade corn a restante massa social. 0 desafio sera transformar aqueles que ate hoje nao tiveram voz, em politicos e executores sociais. A inclusao social por oposi<;:ao aos conceitos de exclusao e desafilia<;:ao aqui debatidos prova-se um conceito polissemico e uma realidade complexa e um desafio para o Servi<;:o Social. Significa liberdade, participa<;:ao igualitaria, solidariedade social, qualidade de vida, identidade, dignidade, poder e inclusao social ao inves da desqualifica<;:ao, destitui<;:ao, marginaliza<;:ao, vulnerabilidade, exclusao e desafilia<;:ao.

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PARA A MELHORIA DOS SERVI<;OS SOCIAlS A IDOSOS POBRES EM PORTUGAL IMPROVING SOCIAL SERVICES FOR THE ELDERLY POOR IN PORTUGAL Maria Irene de Carvalho Doutorada em Servi<;:o Social, docente universitaria e investigadora

Isabella Paoletti Doutorada em Linguistica, investigadora no CLUNL Universidade Nova

Raquel Rego Doutorada em Sociologia, investigadora auxiliar no SOCIUS-ISEG Universidade Tecnica de Lisboa



Para m elhoria dos servic;os sociais a idosos pobres em Portugal, pp. 109-123

Resumo: A literatura cientifica sobre o envelhecimento centra-se predominantemente so bre o aumento da popula<;ao idosa na estrutura demografica dos paises e sobre o impacto dessas transforma<;6es na sustentabilidade do sistema de protec<;ao social e de saude, parecendo desprezar os estudos sobre a pobreza. Este artigo pretende relacionar o envelhecimento corn a pobreza em idosos e corn os servi<;os sociais, tendo presente a estrategia europeia de luta contra a pobreza ea sua transposi<;ao para o quadro normativo nacional. Nesta linha de amilise destacamos a configura<;ao dos servi<;os sociais em Portugal, tendo em conta o nivel central, regional e local, ponderando a sua relevancia para a protec<;ao e inclusao social das pessoas idosas. Nestes ultimos anos, os servi<;os sociais de apoio as camadas desfavorecidas da popula<;ao, sobretudo no caso dos idosos pobres, tern merecido uma aten<;ao particular. Contudo, em muitos paises ocidentais, a recente crise econ6mica e financeira tern levado os estados a retrairem o investimento, pondo em causa a qualidade dos servi<;os sociais. Terminamos corn uma reflexao sobre o modo como as politicas publicas podem responder a uma popula<;ao cada vez mais dependente dos recursos formais e chamamos a aten<;ao para a necessidade de mais estudos empiricos sobre este tema. Palavras-chave: Envelhecimento; pobreza; politicas pu.blicas; servi<;os sociais. Abstract: Scientific literature on ageing focuses predominantly in the demographic structure of the countries and the impact of these changes in the sustainability of social protection and health, ignoring poverty studies. This article aims at relating elder aging and poverty with social services taking into account the European strategy to combat poverty and its transposition into the national legal framework. In this line of analysis we highlight the configuration of social services in Portugal, given the central, regional and local levels, considering its relevance to the protection and social inclusion of the elderly. In recent years social services to support disadvantaged populations, particularly the elderly poor, have received particular attention. However, in many Western countries the recent economic and financial crisis has led states to hold back on investment, jeopardizing the quality of social services. We end with a reflection

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on how public policy can respond to a population increasingly dependent on formal resources and call attention to the need for more empirical studies on this topic.

Key-words: ageing; poverty; public policy; social services.

IntroduÂŤ;ao Envelhecer significa viver mais anos e viver mais anos e uma das maiores conquistas da sociedade moderna resultante, entre outros aspectos, do aumento e da generaliza~ao do acesso a bens sociais e de saude. Apesar destas melhorias associadas ao desenvolvimento econ6mico e social, o fen6meno da pobreza persiste atingindo tambem o grupo de pessoas idosas. 0 acesso a bens de saude e sociais e determinante no combate a pobreza. Neste ambito entende-se por servi~os sociais as respostas das politicas publicas que integram: apoio financeiro (subsidios e complementos); apoio social (lares, servi~os de apoio domiciliario, centros de dia e convivio, lazer e educa~ao ao longo da vida); apoio em cuidados continuados integrados e projectos especificos de combate a pobreza e exclusao. 0 objectivo deste texto e reflectir sobre a pobreza em idosos tendo como quadro de referenda a Europe 2020 Strategy- Estrategia europeia 2010 (EU, 2010) e as orienta~6es nacionais de luta contra a pobreza, PNAI- Piano Nacional de Ac~ao para a Inclusao. Pretende-se situar a configura~ao das politicas publicas relativas aos servi~os sociais em Portugal, ponderar a relevancia destes servi~os para a protec~ao e inclusao social no caso das pessoas idosas e reflectir sabre o modo corn as politicas publicas podem responder a uma popula~ao cada vez mais dependente dos recursos formais e tendo como referenda a promo~ao do envelhecimento activo. Para a concretiza~ao desta reflexao adoptou-se uma metodologia que privilegiou a analise documental. 0 texto que agora se apresenta come~a por situar a questao do envelhecimento demografico e da pobreza em idosos considerando as medidas e orienta~6es d a estrategia europeia para a diminui~ao da pobreza e a promo~ao da coesao social. Analisa de seguida a estrutura das politicas publicas identificando as entidades responsaveis pelos servi~os sociais em Portugal; e por ultimo reflecte sobre a importancia da qualidade desses mesmos servi~os .

1. A tendencia para o envelhecimento da populaÂŤ;ao europeia Na Uniao Europeia, a popula~ao idosa tern aumentado substantivamente e a propensao e para se intensificar. Ate 2050 espera-se que o numero de pessoas idosas, corn 65 e mais anos aumente em 77% e que o numero de pessoas

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muito idosas, mais de 85 anos aumente em 174% (Glendinning, 2009, p. 5) A evolw;ao da popula<;ao em Portugal esta de acordo corn esta tendencia europeia. A popula<;ao corn 65 anos ou mais, isto e, a categoria de individuos a que se convencionou chamar idosa, designadamente ao nivel das estatisticas oficiais, representava 17,9% da popula<;ao residente em 2009, mais 1,5% do que em 2000 (INE, 2011a). Segundo o Instituto Nacional de Estatistica (INE, 2011a.), a regiao do pais mais envelhecida eo Alentejo, onde este grupo etario corresponde a quase 1;4 da popula<;ao (23% ), e a regiao menos envelhecida, depois dos arquipelagos aut6nomos, ea regiao Norte corn 16% de idosos. Como mostram Carrilho e Patricio (2010) corn base na analise dos indicadores demograficos dos an os 2001-2009, no inicio do seculo XXI, a popula<;ao portuguesa, estimada em 10.637.700, apresenta-se muito envelhecida. Ainda que seguindo a tendencia media dos paises da Uniao Europeia, a popula<;ao portuguesa cresce a urn ritmo mais fraco e decrescente. No periodo de 9 anos observado pelas autoras, o crescimento da popula<;ao deveu-se sobretudo ao saldo migrat6rio (91,3%) e apenas uma pequena parte resulta do saldo natural (8,7% ). 0 saldo migrat6rio e de resto o principal factor de acrescimo populacional desde 1993. Como se tern repetido em inumeros contextos, a partir dos anos 1990, Portugal passou de urn pais essencialmente de emigra<;ao para urn pais tambem de imigra<;ao (Peixoto, 2004). Em todo o caso, como afirmam Carrilho e Patricio (2010), a imigra<;ao pode retardar o envelhecimento mas nao o resolve. E de notar, corn efeito, que os ultimos tres anos analisados por Carrilho e Patricio (2010), a saber 2007-2009, apresentam urn valor medio anual negativo, uma vez que o saldo migrat6rio e o mais baixo de todo o periodo observado e os nascimentos corn vida foram menos do que os 6bitos. Assim, ainda segundo a mesma fonte, a taxa media anual de crescimento da popula<;ao e praticamente nula, quer para homens quer para mulheres. 0 envelhecimento da popula<;ao portuguesa deve-se, segundo Carrilho e Patricio, sobretudo a diminui<;ao da mortalidade. Como afirmam as autoras: Ena diminui<;ao da mortalidade e sobretudo no modelo de mortalidade por idades que se encontra a causa explicativa do envelhecimento no topo da piramide por idades. De facto os ganhos alcan<;ados tornaram possivel a sobrevivencia de urn numero crescente de pessoas idosas (Carrilho e Patricio, 2010, p. 118). E se no periodo observado ha oscila<;6es de sentido contrario, elas compensam-se. Para alem da questao demografica o envelhecimento, enquanto processo, tern sido abordado segundo duas perspectivas: a do envelhecimento patol6gico e a do envelhecimento normal. A primeira, esta invariavelmente relacionada corn a dependencia como algo negativo, associado a doen<;as cr6nicas e degenerativas. Em Portugal destacam-se as doen<;as do aparelho circulat6rio em (31,9% ), sendo esta a principal causa de morte. Em 2009, as doen<;as cerebrovasculares, a pneumonia, as doen<;as end6crinas, nutricionais e metab6licas e as do sistema nervosa sao as que prevalecem e aumentam a dependencia dos mais

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velhos. A segunda perspectiva, relaciona o envelhecimento corn o progresso econ6mico, social e biomedico que proporcionou o desenvolvimento de uma vida corn conforto e seguran~a associado a algo positivo, tambem associado ao envelhecimento saudavel. Esta analise dicot6mica (positivo ou negativo) foi superada, em 2002, corn a no~ao de envelhecimento activo (ONU, 2002). De acordo corn esta perspectiva, o envelhecimento e conceptualizado como urn processo de optimiza~ao de oportunidades para a saude, participa~ao e seguran~a cuja finalidade e a de aumentar a qualidade de vida durante o envelhecimento. Este principio, proactivo, concebe o envelhecimento como urn processo que faz parte do ciclo de vida dos seres humanos permitindo, acordo corn as suas expectativas, desejos e capacidades, a realiza~ao do seu potencial providenciar uma adequada protec~ao seguran~a e cuidados as suas necessidades (EU, 2010, p. 2). 0 envelhecimento activo (ONU, 2002) esta associado a determinantes pessoais (biol6gicos, geneticos e psicol6gicos); comportamentais (saude mental, participa~ao social e escolha de estilos devida saudaveis ); econ6micos (rendimento e trabalho digno e protec~ao social - reformas); sociais (apoio social e acesso a recursos sociais, educacionais e a direitos fundamentais) e o ambiente fisico (acessibilidades a servi~os basicos - sem barreiras arquitect6nicas, alimenta~ao adequada, born ambiente, transportes e integra~ao social). A no~ao de envelhecimento activo compreende direitos individuais e colectivos. Ela defende, tanto a autodetermina~ao dos individuos - autonomia, participa~ao, dignidade humana - como a responsabilidade social e justi~a social - institui~6es justas, qualidade de vida, vida digna, seguran~a e bem-estar. E no contexto desta discussao normativa que se integra a importiincia que os servi~os sociais e de saude tern quando se fala do combate a pobreza, da inclusao social e do bem-estar dos individuos de urn modo geral e das pessoas idosas em particular.

2. 0 envelhecimento e a pobreza: realidades cruzadas Como vimos o envelhecimento nao e sin6nimo de pobreza mas em determinados contextos estas duas no~6es cruzam-se. A pobreza pode ser definida como "uma situa{:iio de priva{:iio que resulta da falta de recursos" (Costa, 2008, p. 27). Segundo este autor esta priva~ao traduz-se em diversos dominios de necessidades: alimenta~ao, vestuario, condi~6es habitacionais, transportes, comunica~6es, condi~6es de trabalho, possibilidade de escolha, saude educa~ao, forma~ao profissional, cultura, participa~ao na vida social e politica. Por falta de recursos entende-se o processo pelo qual as pessoas nao terao acesso ao sistema econ6mico - sistemas geradores de rendimento como, por exemplo, o mercado de trabalho. Corn efeito, o nao acesso ou a dificuldade em entrar no mercado de trabalho limita a obten~ao de bens e servi~os o que pode por em causa as

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condi<;:5es de vida dos individuos. A falta de recursos, segundo o mesmo autor (op. cit. 2008), constitui urn impedimenta para o acesso aos recursos sociais e de saude, educativa, forma<;:ao, habita<;:ao social e justi<;:a. A pobreza e urn fen6meno resultante da escassez de recursos para fazer face as necessidades basicas e padrao de vida da sociedade actual. Em Portugal manifesta-se como urn fen6meno que tern origens no desenvolvimento do pais e na adapta<;:ao ao rapido processo de moderniza<;:ao registado nestas ultimas decadas. A fraca rede de rela<;:5es familiares e rela<;:5es institucionais pode agravar a priva<;:ao ao contribuir para o desaparecimento da identidade social e do sentimento de perten<;:a, para a diminui<;:ao do nivel das aspira<;:5es, a perda de autoconfian<;:a e a descren<;:a na capacidade de ultrapassar a situa<;:ao e o conformismo. A ausencia de referencias simb6licas pode levar a ruptura completa dos la<;:os sociais - . A chamada desafiliation remete para a falta de poder (politico, econ6mico, social e cultural). Em Portugal, apesar de nos ultimos anos, a pobreza em idosos ter diminuido, estes continuam a ser urn dos grupos corn maior risco de pobreza. A diminui<;:ao da pobreza em idosos esta associada ao investimento em servi<;:os sociais e em medidas especificas como o complemento solidario para idosos (MTSS, 2008). A taxa do risco de pobreza ap6s transferencias sociais neste grupo etario e, no entanto, quase tao elevada como para os jovens, o grupo corn o valor mais alto (20% e 23 % respectivamente). Os numeros revelam que este e urn dos subgrupos populacionais corn maior risco de pobreza, 26 % (MTSS, 2008). Transversalmente a questao da pobreza na velhice esta o genero, pois a nossa sociedade tern hoje muitas mulheres idosas (Ribeiro e Paul, 2011). As mulheres correm maior risco de pobreza nao s6 porque o seu rendimento e inferior ao dos homens, mas porque manifestam maior indice de morbilidade, associado a doen<;:as cr6nicas e degenerativas, num quadro demografico de maior sobrevivencia na velhice (Carrilho e Patricio, 2010). Para combater a pobreza nos idosos, as transferencias financeiras e os servi<;:os e recursos sociais sao essenciais, pois permitem melhorar as condi<;:5es de vida desta parte da popula<;:ao e sao urn dos indicadores mais importante no que diz respeito a estrategia de inclusao e de crescimento sustentavel da Uniao Europeia ate 2020.

3. Politicas publicas e servic;;os sociais: relac;;iio entre a quadro normativo portugues

Estrah~gia

Europeia e o

Para fazer face a actual crise econ6mica e financeira e para promover a coesao e o capital social, a EU (2010) definiu uma estrategia de ac<;:ao para ser cumprida ate 2020. Nesta estrategia sao definidos tres eixos: primeiro desenvolver uma economia fundada no conhecimento e na inova<;: ao, segundo promover uma maior eficacia de recursos e uma economia mais competitiva

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baseada no crescimento sustent<:ivel e em terceiro promover a coesao social corn o crescimento da inclusao. A proposta e a de criar uma plataforma europeia de combate a exclusao cujo objectivo e o de assegurar o " .. .crescimento econ6mico, coesiio social e territorial, reconhecendo os direitos fundamentais das pessoas pobres e em situar;iio de exclusiio social, no sentido de promover uma vida digna e participada activamente na sociedade" (EU, 2010, p . 17). A ideia subjacente a esta estrategia e a da promo<;ao da inclusao social atraves do crescimento econ6mico mas corn referenda a dignidade humana. As orienta<;6es europeias sao transportadas para o piano nacional atraves do metodo aberto de coordenar;iio numa plataforma de coopera<;ao e transferencia de boas pniticas como instrumento de responsabiliza<;ao entre os sectores publico central e locale o sector privado, substanciado atraves dos Pianos Nacionais de Ac<;ao para a Inclusao (PNAI). No PNAI a pobreza e considerada estrutural e neste sentido os processos de inclusao incidem na transforma<;ao das estruturas e das institui<;6es econ6micas, sociais, politicas e culturais. Procura-se, assim, torna-las capazes de acolher as pessoas em fun<;ao das suas necessidades especificas e de permitir realizar o exercicio da cidadania e direitos atraves do acesso a servi<;os sociais. Para o decrescimo da pobreza nos idosos tern contribuido, nestes ultimos, anos o investimento em politicas activas, nomeadamente as do aumento do rendimento das pessoas idosas mais pobres, corn o acesso ao Complemento Solidario para Idosos (Decreto-Lei n째 232/2005) e outros beneficios sociais, incluindo o investimento efectuado em servi<;os sociais, nomeadamente a qualifica<;ao das respostas sociais do tipo lar, residencias, apoio domiciliario (Capucha, 2005a; Ferrera (Ed), 2005; ISS, 2005a,b,c) e das respostas de saude e integradas associadas a rede de cuidados continuados (Carvalho, 2010; DecretoLei n째 101/2006). A melhoria nos indicadores de pobreza nos idosos confirma que as politicas publicas podem potenciar a melhoria das condi<;6es sociais neste grupo mas tambem revela que se as mesmas nao continuarem a ser implementadas a taxa de pobreza tendera a aumentar.

4. A rede portuguesa de

servi~os

sociais para pessoas idosas

0 Estado Portugues assume uma posi<;ao reguladora da ac<;ao social traduzida na promo<;ao, no financiamento e na fiscaliza<;ao de recursos sociais e de saude. 0 Estado delega em organiza<;6es privadas, lucrativas e nao lucrativas, a fun<;ao publica de presta<;ao de servi<;os sociais. A regula<;ao representa uma forma de o Estado impor ao mercado, lucrativa e n ao lucrativa, regras publicas (Eberlein, 1999). Os recursos sao assim produzidos no ambito do sector privado lucrativa e nao lucrativa tendo coma base urn welfare mix. De urn modo geral e no que diz respeito as politicas sociais, o Estado Providencia portugu es e organizado numa base de decisao central cuja

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responsabilidade e dos governos e dos ministerios ou Instituto da Seguran<;a Social, da saude e da educa<;ao entre outros. Estas orienta<;6es sao desenvolvidas a nivel central (Lei de base da Seguran<;a Social, Decreta de lei n° 4/2007) e remetidas para o nivel regional onde estas entidades tern servi<;os locais. Este nivel central e regional articula-se, por sua vez, corn as institui<;6es sociais, as denominadas institui<;6es particulares de solidariedade social (Decreta-Lei n° 119, 1983), as organiza<;6es nao governamentais e as entidades privadas lucrativas. 0 nivel da administra<;ao central e regional articula-se tambem corn a administra<;ao local associado a ac<;ao social das autarquias, camaras municipais e juntas de freguesias . Temos assim varias organiza<;6es em rede no que e denominado a Rede Social (Decreta de lei n° 115 de 2006). A configura<;ao das politicas para as pessoas idosas traduz-se em beneficios financeiros, recursos sociais e de saude, isen<;ao de taxas e outros beneficios fiscais e projectos especificos de inclusao territorializados. Os beneficios financeiros sao da responsabilidade do Estado Central atraves dos servi<;os da seguran<;a social. A maioria das pens6es e complementos existentes provem da seguran<;a social quer seja do sistema previdencial ou do subsistema solidario (Lei de Bases da Seguran<;a Social, Decreta de lei n° 4/2007). Existem tambem outros subsistemas tais como a protec<;ao dos trabalhadores do Estado cujas pens6es provem da Caixa Geral de Aposenta<;6es. No caso das pessoas idosas, corn 65 ou mais anos, as mesmas tern direito a pensao quer por terem contribuido para o sistema (pensao de velhice) quer por se encontrarem em situa<;ao de pobreza (pensao social). Alem destas medidas existem ainda a pensao por invalidez e o complemento por dependencia (Decreto-Lei n° 265, 1999). Estas ultimas presta<;6es sao atribuidas pelo sistema de verifica<;ao de incapacidade. Os dados do Instituto de Seguran<;a Social, disponiveis na Carta Social, em 2009 (MTSS, 2010) apontavam para 88.894 institui<;6es que prestavam apoio social. Estas organiza<;6es sao responsaveis pelas respostas na area da infancia, juventude, familias e idosos. Na area da gerontologia os centros de dia, os servi<;os de apoio domiciliario e os lares, sao os mais frequentados, por esta ordem. Alem dos recursos sociais, nos ultimos anos tern sido desenvolvida e implementada uma rede de cuidados continuados integrados, isto e, servi<;os de apoio no dominio da saude e social. Esta rede funciona corn uma coordena<;ao nacional e regional. A mesma contratualiza corn entidades privadas lucrativas e nao lucrativas a melhoria das respostas e a constru<;ao de novas de acordo corn os parametros da lei (Lei 101/2006) e outros regulamentos subsequentes. Esta rede tern como objectivo principal prestar cuidados sobretudo ap6s alta hospitalar a doentes que carecem de cuidados de reabilita<;ao e de cuidados de longa dura<;ao. Apesar de a rede ainda nao estar implantada em todo o pais e poder ser criticada a sua funcionalidade, devido aos tempos de espera para aceder aos recursos, tern aspectos inovadores a considerar, nomeadamente a aten<;ao corn a continuidade de cuidados e a avalia<;ao e o acompanhamento das necessidades efectuada por

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equipas multidisciplinares. Esta medida alterou a representa<;ao dos clientes idosos e das familias sobre as politicas publicas e potenciou novas metodologias de interven<;ao. A maioria dos clientes dos cuidados continuados e integrados sao idosos. N a rede de cuidados de longo termo, os idosos corn 70 ou mais anos representam 72,2% do total (UMCCI, 2011). Para alem deste tipo de respostas funcionam tambem algumas isen<;6es em taxas moderadoras na area da saude e em alguns medicamentos, assim como alguns beneficios fiscais, sobretudo para quem tern idosos em lares e para quem usufrui de apoio domiciliario. Podemos identificar urn grande numero de actividades e projectos complementares a come<;ar pelas universidades da terceira idade ou academias senior, 0 turismo senior, a linha do cidadao idoso, a lei da violencia domestica e outros normativos da seguran<;a social para a preven<;ao de violencia em institui<;6es, a rede de bancos alimentares e projectos que sao desenvolvidos em territ6rios espedficos de acordo corn as necessidades das popula<;6es e institui<;6es envolventes. Destacamos, neste ambito, a iniciativa da Guarda Nacional Republicana (GNR) que em 2011, levou a cabo urn levantamento dos idosos isolados em todo o pais. Conforme se pode ler no website da GNR, a campanha "Opera<;ao Censos Senior" foi direccionada aos idosos que vivem sozinhos e/ ou isolados. Pretendeu-se identifica-los e tambem aconselha-los a adoptar comportamentos seguros. De facto, os idosos sao os principais beneficiarios da Seguran<;a Social, pois, as presta<;6es de protec<;ao social para a velhice aproximam-se da metade do total (44%), ao que se segue a doen<;a (28%). Corn efeito, os pensionistas corn complemento por dependencia sao os beneficiarios mais numerosos da Seguran<;a Social seguindo-se depois os pensionistas corn reforma antecipada (240.585 e 145.983 respectivamente, em 2009). 56 depois dos pensionistas surgem os beneficiarios do abono de familia pre-natal, do subsidio por morte e da bonifica<;ao por deficiencia (INE, 2011a). Apesar das medidas existentes, muitos idosos continuam em situa<;ao de priva<;ao, conforme alguns tern alertado, designadamente a comunica<;ao social, investigadores e interventores sociais. Corn efeito, as medidas parecem ÂŤcegas>> a situa<;6es complexas de pobreza, dependencia, solidao, isolamento e por outro lado, os servi<;os procuram ser eficazes e eficientes mas nestes contextos parece ser uma tarefa "ingl6ria".

5. A relevancia social e financeira de

servi~os

sociais de qualidade

Na Europa e noutros paises desenvolvidos, os sistemas de previdencia tern sido progressivamente reestruturados, movendo-se cada vez mais no sentido de uma economia marcada pelo crescimento de servi<;os sociais. No caso das

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pessoas idosas estes servic;:os tern sido remetidos para o domicilio precisamente porque tern menos custos do que outros, como por exemplo o internamento em lares, residencias de curta ou de longa durac;:ao (Aronson, 2002; Ferrera, 2005; Hespanha et al, 2000). A exclusao social e isolamento sao frequentemente o resultado desta retracc;:ao no investimento em servic;:os sociais (Aronson 2002, Aronson e Neysrnith, 2001). 0 estudo longitudinal de Aronson (2002) sobre os servic;:os de assistencia domiciliar no Canada mostra, por exemplo, as consequencias materiais dos cortes na oferta publica de assistencia social, na vida real das mulheres mais velhas entrevistadas. Aronson e Neysrnith (2001, p 162) consideram que o discurso da saude centrado nas necessidades fisicas e funcionais dos clientes domina os servic;:os dorniciliarios. Na verdade, os servic;:os sao prestados a clientes que se encontram em situac;:ao de extrema vulnerabilidade visando a sua sobrevivencia e nao a participac;:ao dos idosos na vida social e comunitaria. 0 transporte subsidiado, por exemplo, geralmente e fornecido apenas para consultas medicas, cuidados pessoais e ajudas a familia sao reduzidas ao minimo, a ponto de que algumas das mulheres se sentirem incapaz de receber arnigos em sua casa. Os gestores de caso "encarregues de racionar os recursos, escassos, utilizam um discurso medica que

questiona a legitimidade de algumas necessidades e procura a desresponsabiliza{:iio do sector publico" (Aronson e Neysmith, 2001, p. 159). A minimizac;:ao dos apoios em servic;:os ou recursos de apoio aos idosos baseia-se numa perspectiva por vezes estritamente econornicista. A retracc;:ao no investimento em servic;:os sociais traz consequencias negativas, quer para os idosos que deles necessitam, quer para os membros das familias que assumem a prestac;:ao de cuidados a idosos. Estes cuidados, associados a econornia informal (familiar) sao realizados predominantemente por mulheres (Paoletti, 2007). No caso das mulheres que trabalham, os cuidados informais representam uma dupla jornada de trabalho que pode afectar a qualidade da prestac;:ao dos cuidados, aumentando o risco de pobreza na velhice. Estes efeitos, amplamente subestimados, tern que ser tidos em conta quando se fala em sustentabilidade e coesao social. Neste ambito, o Estado tern vindo a criar directrizes para melhorar a qualidade das respostas eo seu acesso (ISS, 2005a, b, c). Estas orientac;:oes sao dadas pelo Ministerio da Seguranc;:a Social as Instituic;:oes Particulares de Solidariedade Social (conforme vis to atras) que tern a responsabilidade de as colocar em pratica. Estas organizac;:oes sao distintas entre si, quer na estrutura organizativa, no modo de gestao, nos recursos que oferecem e na sua extensao assim como a diversidade e especializac;:ao dos profissionais que as compoem (Carvalho, 2010) . Algumas destas caracteristicas estao correlacionadas corn a especificidade dos agentes que estao presentes no espac;:o territorial e corn as necessidades dos clientes que usufruem das respostas. Nestes ultimos anos algumas destas respostas tern implementado processos chave da qualidade no sentido de melhorar o acesso e os servic;:os prestados,

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contudo ainda ha urn longo caminho a percorrer. No estudo de Glendinning (2009) e apresentada a questao da qualidade e equidade dos servi<;os sociais em varios pa:ises e tambem em Portugal. 0 autor revela que essa qualidade, comparativamente corn os padroes europeus, e baixa. Nao basta existirem orienta<;6es, e necessaria que as mesmas modifiquem as praticas. Uma dessas praticas implica a participa<;ao das pessoas nas decisoes que lhe dizem respeito. A participa<;ao nas actividades sociais e na rede social e importante para promo<;ao da qualidade de vida das pessoas idosas, mas tambem tern efeitos preventivos sobre o funcionamento men tale fisico . De facto, a interven<;ao centrada na promo<;ao da participa<;ao das pessoas mais velhas tern sido concentrada nas actividades de vida diaria, e nao nas actividades sociais e rela<;6es sociais corn familia, amigos e conhecidos. Tambem a dimensao preventiva da doen<;a e da dependencia e os esfor<;os de reabilita<;ao sao necessarios para combater esses processos entre os idosos (Verbrugge e Jette, 1994). A importancia da preven<;ao e revelada na "Declara<;ao de Berlim sobre a qualidade de vida dos idosos" (Fernandez-Ballesteros et al, 2009). Os autores destacam as provas s6lidas de decadas de investiga9iio na jorma9iio cognitiva tem mostrado que hti uma enorme plasticidade de funcionamento - dentro

dos limites biol6gicos. Particularmente as idades entre os 60 e 80 anos oferecem uma possibilidade tardia para evitar ou compensar as perdas normativas de funcionamento pela interven9iio" (2009, p. 50). A Plataforma Europeia, Act Age emitiu recentemente urn documento denominado "Carta europeia dos direitos e responsabilidades das pessoas idosas que necessitam de cuidados de longa dura<;ao e de assistencia". 0 artigo artigo 6 째 refere ao "Direito a comunica9iio ea participa9iio em actividades sociais e culturais", lese: A medida que se vai envelhecendo pode vir a depender de outros para apoio e cuidados, continua-se a ter o direito de interagir cam os outros, e a participar na vida civica, na aprendizagem ao longo da vida e em actividades culturais". No que diz respeito as pessoas idosas e muito importante ver como os servi<;os sao providenciados numa modalidade interaccional concreta. Estas praticas podem contribuir a independencia e inclusao social da pessoa idosa; ou podem refor<;ar imagens de dependencia, fragilidade e exclusao. A marginaliza<;ao e a exclusao social podem ser combatidas atraves da compreensao e da explora<;ao das circunstancias concretas em que sao produzidos interaccionalmente. A interven<;ao institucional pode ter efeitos positivos de mobiliza<;ao, promovendo envelhecimento activo e de participa<;ao na vida social, mas tambem pode ter efeitos negativos e limitadores corn consequencias dramaticas para as pessoas idosas no que diz respeito a deteriora<;ao fisica, mental e dependencia crescente.

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6. Condusao

A popula~ao portuguesa esta envelhecida. Esta tendencia verifica-se em toda a Europa, mas a renova~ao da popula~ao e mais lenta no nosso pais. Corn efeito, a piramide etaria da popula~ao residente em Portugal evidencia uma forte queda da fecundidade e urn significativo aumento da esperan~a de vida o que leva a que haja mais idosos do que jovens. Se em 2001, por cada 100 jovens ha via 104 idosos, em 2009, o numero de idosos e de 118. De notar que este valor ea media obtida de 141 mulheres e menos de 100 homens. Corn efeito, desde 1995, o envelhecimento e mais acentuado entre as mulheres. Em Portugal a tendencia para o envelhecimento tern efeitos duradoiros e como vimos, em determinados contextos, esta associada a pobreza. No caso das pessoas idosas, a pobreza ea exclusao estao associadas a factores de risco (Capucha, 2005b, Costa, 2008) tais como: a priva~ao de rendimento por exemplo, or~amentos insuficientes para as despesas de subsistencia e de saude, inexistencia de escolaridade (o nao saber ler / escrever ou iliteracia); ao viver s6, sobretudo o caso de viuvas (os), pois sao as que revelam maiores indices de solidao e isolamento; a dependencia traduzida no maior risco de doen~as degenerativas, incapacidades fisicas, necessidade de cuidados e de cuidadores; a discrimina~ao pela idade, associada a falta de emprego, ao peso dos idosos na sociedade e ao facto deste grupo ser urn dos maiores consumidores de recursos sociais; os habitats desqualificados, sem as condi~6es minimas de conforto, coma por exemplo, ter falta de agua, aquecimento e saneamento basico e a questao da acessibilidade traduzida em barreiras arquitect6nicas externas e internas. Estas quest6es desencadearam, de resto, medidas institucionais para a analise do fen6meno, como a cria~ao do Instituto do Envelhecimento, ou para o seu combate no terreno atraves da implementa~ao dos Pianos Nacional de Ac~ao para a Inclusao. Mas a bondade das medidas tomadas ate esta data parece, no entanto, nao ser suficiente para resolver os problemas sociais e de saude relacionados corn o aumento da longevidade. Corn efeito apesar do investimento em servi~os sociais, as necessidades nao param de aumentar. Actualmente a crise financeira do Estado pode colocar em risco o investimento em politicas publicas e o acesso a servi~os sociais, designadamente atraves da defini~ao em exclusivo de indicadores econ6micos, que determinam, dentro do grupo de pessoas idosas pobres, quem pode ou nao aceder a estes servi~os sociais, desprezando a complexidade da realidade. E, pois, neste quadro que importa realizar estudos que promovam a combina~ao de metodologias e a articula~ao de diferentes perspectivas disciplinares sobre o tema: combinando uma abordagem macro analitica, centrada nas politicas publicas, corn uma abordagem sociol6gica das organiza~6es e da rede de apoios, ate ao a uma microanalise desenvolvida, por exemplo, por meio de tecnicas etnograficas para melhor conhecer o impacto na vida dos individuos.

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Interv en~ao

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Maria Irene de Carvalho, Isabella Paoletti e Raquel Rego

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0 PROCESSO DE INSTITUCIONALIZA<;AO DA PESSOA IDOSA: A INFLUENCIA DE FACTORES PESSOAIS E DA REDE SOCIAL

THE PROCESS OF INSTITUTIONALIZATION OF THE ELDERLY: THE INFLUENCE OF PERSONAL FACTORS AND SOCIAL NETWORKING

Ana Margarida Ornelas Investigadora do CLISSIS

Duarte V ilar Docente do ISSSL-ULL Director Executivo da APF Investigador do CLISSIS Subdirector da Revista de Interven<;:ao Social



0 processo de institucionaliza<;:ao da pessoa idosa: a inflw2ncia de factores ... , pp. 125-144

Resumo: Esta investigac;ao consta de urn estudo qualitative que analisa o processo de institucionalizac;ao das pessoas idosas, nomeadamente, as influencias de factores pessoais e de rede social, pretendendo conhecer e compreender como ocorre a institucionalizac;ao da pessoa idosa. 0 procedimento metodol6gico aplicado foi o dedutivo na medida em que se partiu de urn estudo geral da teoria para chegar a uma conclusao, por meio da sua l6gica. As tecnicas de investigac;ao utilizadas for am, num primeiro momento, a analise documental para a escolha dos entrevistados e, porteriormente, a utilizac;ao das entrevistas semi-estruturadas para capturar as hist6rias de vida de cada pessoa idosa, utentes da instituic;ao que serviu de campo de analise. Neste sentido, foram entrevistadas sete pessoas idosas. Os resultados obtidos evidenciaram que a institucionalizac;ao das pessoas idosas e urn processo desencadeado por urn conjunto variado de razoes e mesmo de agentes intervenientes, onde estao implicitos factores pessoais e da rede social. Palavras-chave: Pessoas idosas; Institucionalizac;ao; Factores Pessoais; Redes Sociais e Servic;o Social. Abstract: This research consists in a qualitative study that analyzes the process of institutionalization of the elderly, in particular, the influence of personal factors and social network, pretending to know and understand how the institutionalization of the elderly occurs. The methodological procedure applied was the deductive method starting from a general study of the theory to reach a conclusion, through its logic. The investigative techniques used were, at first, the document analysis and them, the use of semi-structured interviews to capture the life stories of each elderly person, users of the institution chosen to be analyzed. Seven elderly were interviewed. The results showed that the institutionalization of the elderly is a process triggered by a variety of reasons and even the actors involved, where are implicit personal factors and social networking. Key-words: Elderly; Institutionalization; Personal factors; Networking and Social Work.

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Ana Margarida Ornelas e Duarte Vilar

Introduc;iio Este artigo tern por base o trabalho de investiga-;:ao realizado no ambito do Mestrado em Servi<;:o Social e tern como tema "A institucionaliza-;:ao da pessoa idosa". Considerando como pergunta de partida "Quais os factores pessoais e da rede social que contribuiram para a institucionaliza-;:ao da pessoa idosa?" foram delineadas 3 hip6teses gerais de investiga-;:ao: A institucionaliza-;:ao da pessoa idosa e resultado de factores pessoais e factores da rede social da mesma; a nao existencia de rede social disponivel contribui para a institucionaliza-;:ao da pessoa idosa e; a decisao da institucionaliza-;:ao quando e tomada pela propria pessoa idosa contribui para uma boa adapta-;:ao ao lar. Relativamente a estrutura-;:ao deste artigo, numa primeira fase, sera feito urn enquadramento te6rico, posteriormente, urn enquadramento metodol6gico e por fim, uma apresenta-;:ao das principais conclus6es. Importante sera referir que este artigo pretende contribuir para uma reflexao actual sobre todo o processo de institucionaliza-;:ao da pessoa idosa.

1. 0 envelhecimento na actualidade 0 envelhecimento sempre foi uma preocupa-;:ao da humanidade, no en tanto, e corn o aumento do numero de pessoas idosas, na sociedade actual, que urn maior interesse sobre o assunto se tern revelado (Brissos, 1992 in Vieira, 2003). Encarado como uma realidade indiscutivel dos paises desenvolvidos, em particular dos paises europeus, foi sobretudo a partir da segunda metade do seculo XX que o envelhecimento demografico emergiu, devendo-se essencialmente aos progressos alcan-;:ados pelas ciencias da saude e pelo desenvolvimento em geral que, de urn modo decisivo, contribuiram para o prolongamento da vida. Aliado a esta situa-;:ao verificamos que os modos de vida e as formas de sociabilidade se transformaram, estruturando novos percursos e projectos de vida daqueles que avan-;:am na idade. Como consequencia destes factores, a evolu-;:ao da curva demografica nos anos setenta apresentou tres fases (Bernardo, 1998 in Vieira, 2003): • Na primeira fase verificou-se urn aumento da media de vida da popula-;:ao e uma queda da mortalidade; • Na segunda fase manteve-se urn continuo aumento da media de vida da popula-;:ao e uma queda da mortalidade e, acentua-se a queda da natalidade; • Na terceira fase a taxa de natalidade baixou ate os 15% e a taxa de mortalidade fixou-se nos 10%. Estas altera-;:6es contribuiram para que Portugal tendesse para urn desequilibrio social, efeito da nao renova-;:ao social. Nazareth (1997 in Fernandes, 1997, p. xiv) perante esta realidade, faz a distin-;:ao entre o envelhecimento na base

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- da-se aquando da diminui<;ao de jovens na sociedade; e o envelhecimento no topo - ocorre quando ha urn aumento de pessoas idosas. De acordo corn o mesmo autor, e fundamental compreender que"( .. .) estes dois tipos de envelhecimento estao interligados entre si: foi a diminui{:iio da importancia quantitativa dos jovens que provocou o aumento da popula{:iio idosa". A esta realidade demografica, os norteamericanos designam de inversiio etdria silenciosa. Nazareth (1997 in Fernandes, 1997, p. xv) afirma que esta e "uma tendencia pesada e irreversivel de todos os paises desenvolvidos", e que ten de a generalizar-se progressivamente aos paises em vias de desenvolvimento. Neste sentido, o envelhecimento torna-se entao uma preocupa<;ao global que, coma refere Jean Bernard, no prefacio de Ladilas Robert (1995) levanta ja e levantara ainda mais problemas graves as sociedades do seculo XXI.

2. 0 envelhecimento como processo de desenvolvimento humano 0 envelhecimento, do panto de vista psicossocial, e vista coma urn fen6meno dissociativo em que para alem da idade existem outros dominios a ele associados, sendo que uns a resistem e outros a declinam (Fontaine, 2000). Nesta linha de pensamento, Zimrnerman (2000 in Vieira, 2003) refere que o envelhecimento caracteriza-se nao s6 por altera<;5es fisicas, coma tambem por altera<;5es sociais e psicol6gicas na pessoa. De forma gradual e natural vao ocorrendo transforma<;5es que, independentemente do grau, podem aparecer em qualquer momento do ciclo de vida. Estas altera<;5es dependem nao s6 das caracteristicas geneticas da pessoa, coma tambem, essencialmente, do estilo de vida de cada uma. Assim, verificamos que a rela<;ao entre a idade cronol6gica ea idade biol6gica varia de pessoa para pessoa, desenvolvendo-se a ritmos e grau de degenerescencia diferentes. Berger (1995) chama a esta realidade de envelhecimento diferencial. De acordo corn Correia (2007) o envelhecimento pode ser originario de causas end6genas- causas de origem genetica - ou ex6genas - causas que advem do contexto em que a pessoa se encontra e os seus consequentes comportamentos. Quanta as causas ex6genas existem dois grupos: o individual e o colectivo. A nivel colectivo temos as influencias do periodo hist6rico, associados aos factos hist6ricos de cada gera<;ao e as influencias aliadas ao grupo etdrio que sao as determinantes biol6gicas e ambientais numa rela<;ao directa corn a idade cronol6gica, sendo comuns a todos e susceptiveis de predi<;ao. Exemplo deste tipo de influencias a nivel do grupo etario e a idade, as perdas vivenciadas ao longo da vida e a reforma. Todos estes factores associados ao envelhecimento exigem necessidades de adapta<;ao aos novas acontecimentos de vida, quer sejam a nivel fisico, social ou psicol6gico. Este processo de adapta<;ao vai definir se a pessoa esta perante urn envelhecimento bem ou mal sucedido. Ou seja, o sucesso do processo de envelhecimento e obtido quando as pessoas sao capazes de confrontar corn

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eficacia as mudan<;:as que se vao verificando, sendo que mesmo em situa<;:6es em que nao exista saude fisica, as pessoas devem manter uma grande satisfa<;:ao de vida e d e bem-estar. Para Santos (2000) apoiando-se em Sim6es (1982) existem tres criterios que contribuem para urn envelhecimento bem sucedido: • Manuten<;:ao das actividades de meia-idade; • Sentimento de satisfa<;:ao corn as suas actividades e situa<;:ao actual; • Sentimento de contentamento e satisfa<;:ao corn a vida. Concluindo, podemos considerar o envelhecimento como urn fen6meno inexoravel e transversal a todas as pessoas, caracterizando-se por ser urn processo continuo, diferen cial, irreversfvel e inelutavel. Deste modo, esta e uma realidade que merece uma profunda reflexao no mundo actual na medida em que o aumento crescente da popula<;:ao se traduzira em repercuss6es a nfvel demografico, social, econ6mico, da saude e da etica, colocando novos desafios sobre os sistemas de apoio formais e informais.

3. As Redes Suporte Social das Pessoas Idosas 0 conceito de rede social e suporte social sao, muitas vezes, usados indistintamente e de forma inadequada. Neste sentido, torna-se pertinente clarificar ambos os conceitos. De acordo corn House & Kahn (1895 in Mesquita, 2007) enquanto a rede social esta direccionada para os aspectos estruturais, como a dimensao, densidade, etc., ja o suporte social incide mais sobre os aspectos funcionais das redes, como por exemplo, a ajuda emocional, instrumental e informativa, visando uma ajuda concreta a determinada pessoa. Esclarecidos ambos os conceitos torna-se importante dividir as redes sociais de apoio em dois grupos principais, de acordo corn a sua natureza e estrutura: rede de suporte social formal e rede de suporte social informal (Paul, 1997). A re de suporte social formal aparece quando a pessoa idosa tern uma diminui<;:ao das suas capacidades fisicas ej ou psicol6gicas e, nao obtendo resposta no meio onde se encontra a essas dirninui<;:ao das capacidades, torna-se entao necessaria encarar a hip6tese de recorrer ao apoio formal. Exemplos deste tipo de rede formal sao os servi<;:os estatais de seguran<;:a social e os organizados pelo poder local (apoios domiciliarios, lares, centros de dia e centros de convfvio). Ja a Rede de Suporte Social Informal podem subdividir-se em dois grandes grupos: as constituidas pela familia da pessoa idosa (redes familiares) e as constituidas pelos amigos e vizinhos (redes de amizade e de vizinhan<;:a). A familia teve, desde sempre, urn papel essencial no acompanhamento e apoio aos seus familiares, continuando, no mundo actual, a ser a institui<;:ao base da rela<;:ao humanizada, personalizada e dignificante da pessoa, em qualquer idade e momento de vida em que se encontra.

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Neste sentido, as redes familiares procuram desempenhar fun<;6es de acordo corn as necessidades de cada membro individualmente, as suas necessidades enquanto familia e as expectativas da sociedade, de forma a manter a sua integridade e equilibrio (Paul, 1991 in Mesquita, 2007). Apesar das redes familiares constituirem, de urn modo geral, o grupo mais denso das redes activas e intimas de uma pessoa, estas podem-se tornar mais eficazes se estabelecerem liga<;6es corn as redes de amizade e vizinhan<;a. Entramos assim no conceito de redes de amizade e de vizinhan<;a que, ao contrario da rede familiar, nao eo sentido de obriga<;ao de apoio que os move mas sim ode livre vontade e espontaneidade. Este facto contribui, de certo modo, para uma diminui<;ao da pressao, reflectindo-se num cuidado menos esgotante e talvez de maior qualidade. 3.1- Caracteristicas Estruturais da Rede Social de Suporte Pessoal As propriedades globais da rede social pessoal, de acordo corn Sluzki (1996) e Guay (s/ din Alarcao e Sousa, 2007) sao: • tamanho da rede - varia de acordo corn o numero total de elementos que comp6em a rede. Podem ser classificadas como pequenas, medias ou grandes; • densidade da rede - definida pelas interconex6es existentes na rede, independentemente da pessoa focal. Podem ser consideradas como rede coesa (composta por urn grupo onde as pessoas estao fortemente interligadas entre si. Todos se conhecem e os contactos sao frequentes); rede fragmentada (composta por pequenos sub-grupos relativamente interdependentes uns dos outros. Os contactos entre os elementos dos diferentes subgrupos sao raros e, normalmente, nao se conhecem entre si) e rede dispersa (constituida por pessoas que integram a rede e que nao se conhecem entre si, embora algumas delas possam estar interligadas. E uma rede tipica das pessoas socialmente isoladas ou mesmo de doentes psiquiatricos). • composi~ao ou distribui~ao da rede - refere-se a reparti<;ao que a pessoa focal faz dos seus vinculos pelos quatro quadrantes principais da rede: familia, amigos, vizinhos, colegas de trabalho / estudo e institui<;6es. De acordo corn a distribui<;ao realizada, a rede pode ser tipificada como familiar, de amizade, de vizinhan<;a ou mista; • dispersao da rede - definida a partir da distancia geografica existente entre a pessoa focal e os diferentes membros que constituem a rede; • homogeneidadejheterogeneidade demografica e socio-cultural da rede - diz respeito a semelhan<;a ou diferen<;a existente entre os elementos, no que se refere a aspectos como o sexo, a idade, a cultura e o nivel s6cioecon6mico. Pelo facto destas caracteristicas estruturais e relacionais da rede social influenciarem, directamente, o suporte social (Hall & Wellman, 1985 in Mesquita, 2007), torna-se pertinente falar tambem da rede de apoio da pessoa idosa, a nivel funcional.

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3.2 - Caracteristicas Funcionais da Rede Social de Suporte Pessoal Ap6s analise das fun<;6es da rede de suporte social verificamos que, diferentes autores, apresentam tanto, aspectos comuns como aspectos divergentes acerca das mesmas. Para Ornelas (2008, p. 197), as situa<;6es em que o suporte social e solicitado sao denominadas de "incidentes de suporte, tem limites temporais e espaciais relacionados cam uma interacr;iio especifica e podem ter uma durar;iio de minutos ou horas" . De entre as variadas fun<;6es e formas levadas a cabo pelo suporte social, destacamos as referidas pelo autor supra-citado: • Auto-estima - tipo de suporte social encarado como urn recurso interpessoal na confronta<;ao de determinadas dificuldades que, ao haver discussao do problema, contribui para a aceita<;ao e valoriza<;ao da pessoa perante os outros. Fun<;ao tambem denominada de emocional, de confian<;a ou de ventila<;ao; • Status - medido em termos estruturais, pode advir da participa<;ao em varias actividades sociais que, normalmente, envolve algum tipo de selec<;ao ou aprova<;ao formal. Ex. pertencer a organiza<;6es culturais ou religiosas, a clubes sociais, a organismos voluntarios, a 6rgaos directivos e ainda o casamento; • Informac;ao - tipo de suporte social pelo qual as outras pessoas podem proporcionar informa<;ao, aconselhamento ou orienta<;ao. A informa<;ao e a auto-estima estao, regra geral, interligadas uma vez que, num contexto de suporte, derivam das mesmas fontes; • Assistencia Instrumental - denominada tambem como suporte tangivel ou suporte material pode ir desde uma ajuda nas tarefas domesticas, proporcionar transporte, emprestar ou doar dinheiro, etc. 3.3 - Atributos do vinculo Alem das caracteristicas estruturais e funcionais da rede social de suporte pessoal e tambem relevante fazer referenda aos atributos do vinculo pelo facto de conjugar, de forma analitica, ambas as caracteristicas anteriormente faladas. Alarcao e Sousa (2007) fazem referenda a tres diferentes atributos: • Multidimensionalidade e versatilidade - corresponde a quantidade e variedade de fun<;6es que o m esmo elemento de uma rede pode tomar; • Reciprocidade - diz respeito a simetria ou assimetria das fun<;6es assumidas pelos elementos envolvidos na interac<;ao. A possibilidade de retribuir o apoio e importante para a aceita<;ao do proprio apoio; • Frequencia dos contactos - corresponde a periocidade dos contactos que pode ir desde urn contacto diario (ou muito frequente ), mensal ou mesmo anual.

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0 processo de institucionaliza\=ao da pessoa idosa: a influencia de factores ... , pp. 125-144

De acordo corn Ornelas (2008), quanta mais contactos existirem entre os elementos de uma rede social, maior sera o suporte recebido e dado, pelo facto de existir uma maior consciencia das necessidades e recursos mutuos.

4. 0 Processo de

Institucionaliza~ao

da Pessoa Idosa

De acordo corn os resultados definitivos dos Censos 1991 e 2001 referidos por Leite (2003), 99,9% da popula~ao idosa portuguesa vive em familias classicas e apenas 0,1% vive em familias institucionais. Apesar destas estatisticas, o facto de nao haver politicas sociais direccionadas para a familia, bem como a inexistencia de uma rede de suporte social funcional, leva a que, muitas vezes, a unica solu~ao encontrada seja a institucionaliza~ao da pessoa idosa. A este respeito, Pimentel (2005, p. 178) menciona que a op~ao pelo internamento passa (.. .) por uma consciencia dos limites das respostas informais e por prevenir situa~6es de maior dependencia que se podem tornar drasticas, quando nao existe uma cobertura adequada. N este sentido, o processo de institucionaliza~ao e desencadeado por variadas raz6es e agentes intervenientes. Nunes (s/ d) agrupa, de modo simplista, em tres categorias os motivos que levam a institucionaliza~ao da pessoa idosa: Medicas - devido a uma deteriora~ao cognitiva ou ffsica que contribui para o aumento da dependencia e, deste modo, a uma dificuldade na realiza~ao das actividades da vida diaria, de forma aut6noma; Sociais - correspondente a estados de solidao, a situa~6es de carencia da familia ou mesmo da rede sociais; Econ6micas - advem de uma deteriora~ao do nivel de vida devido a perda do seu poder aquisitivo, a impossibilidade de se alimentar bem, de pagar servi~os, entre outros. Importante e de salientar que, geralmente, estas causas encontram-se interligadas, havendo sempre a predominancia de uma delas. A decisao da institucionaliza~ao deve ser tomada conscientemente de que 0 objectivo dos cuidados a pessoa idosa e 0 de garantir a sua qualidade de vida, mesmo que isso signifique afasta-la da sua propria casa. Neste seguimento, para Reed et al. (2003 in Sousa et al., 2006) a participa~ao da pessoa idosa na op~ao por urn lar pode ser de quatro tipos: Preferencial - e a pessoa idosa que exerce o direito de decisao. A pessoa encara a ida para urn lar como a melhor alternativa aquando de determinadas circunstancias de vida; Estrategica - caracteriza-se por urn planeamento que a pessoa idosa foi fazendo ao longo da sua vida de modo a adoptar esta solu~ao; Relutante - diz respeito a uma resistencia ou discordancia, por parte da pessoa idosa, em ir para urn lar de idosos. Por ser uma decisao tomada por terceiros (familia ou tecnicos) esta ea circunstancia mais dolorosa para a pessoa idosa;

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Ana Margarida Ornelas e Duarte Vilar

Passiva - refere-se a casos em que a pessoa idosa foi encaminhada para urn lar sem que tenha resistido mas, pelo contnirio, tenha aceite sem questionaro 401 Integra<;ao e Adapta<;ao no Lar 0 processo de institucionaliza<;ao comporta, ah2m da tomada de decisao da institucionaliza<;ao e a escolha de urn lar, uma terceira etapa designada de adapta<;ao I integra<;ao na nova residenciao Esta nova etapa da traject6ria de vida da pessoa idosa, simbolizada pela institucionaliza<;ao da mesma, e representadajvivida de forma desigual. Para Grogger (1995 in Sousa et al., 2006), esta nova etapa da institucionaliza<;ao esta completa quando a pessoa idosa sente a nova residenciajlar de idosos como a sua nova casa, sendo que este sentimento depende de tres factores: Circunstancias da institucionaliza(JiiO - 0 processo de adapta<;ao e facilitado se a decisao for do genera preferencial ou estrategico, bem como sera dificultada se a decisao for do tipo relutante ou passiva; Definifoes subjectivas de lar de idosos - directamente ligada a opiniao que as pessoas idosas tern sabre o que torna urn lar urn born laro Continuidade alcanfada ap6s a mudanfa para o lar- directamente ligada a capacidade da institui<;ao respeitar a dignidade, autonomia, privacidade, direito de escolha e independencia da pessoa idosa, de modo a que a tendencia da institui<;ao para evitar o risco seja substituida pela gestao do riscoo Para colmatar, e fundamental termos ciente de que 000) nao existem solu<;oes 6ptimas e universais para os idosos e que mesmo as solu<;6es aparentemente menos favoraveis podem ter vantagens para o seu bem-estar, se preservarmos, ao idoso, a possibilidade de escolha ej ou adequa<;ao desse mesmo ambientell (Martins, 2006, PO140)0 11

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5. Papel do Servic;;o Social na institucionalizac;;ao de idosos 0 envelhecimento da popula<;ao portuguesa acarreta uma nova dimensao sociat cabendo ao Servi<;o Sociat enquanto interventor e investigador, urn papel fundamental nos apoios e respostas as necessidades desta popula<;ao alvoo Necessidades estas que vao desde as necessidades primarias as necessidades psicossociais, tais como, auto-realiza<;ao, convivio, autonomia e auto-estima, as quais devem ser supridas, procurando promover a participa<;ao destas pessoas na sociedadeo Para Faleiros (2001, po 59) 0) a constru<;ao das estrategias favorece, o processo e o projecto de vida do sujeito, no sentido de buscar o que ele quer e pode construir a partir das for<;as de que dispoe, atraves da constru<;ao de apoios mobilizaveis na conjuntura em confronto corn as oportunidades e for<;as que o fragilizamll Neste sentido, e importante trabalhar o empowerment, devendo este ser urn dos objectivos estrategicos da interven<;ao do Servi<;o Social uma vez que visa 11

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desenvolver as potencialidades dos individuos atraves da valoriza<;:ao das suas capacidades. Para tal, o assistente social tern de perceber a traject6ria de vida da pessoa idosa, de modo a estar atento as rupturas e continuidades existentes, bem como se estas tern repercussoes ou nao na vida da pessoa, de modo a ver o que falhou e tentar reconstruir. 0 Servi<;:o Social deve continuar, deste modo, a actuar nas rela<;:6es de vida tecidas pela pessoa idosa na sua hist6ria de vida, vendo nao s6 a pessoa como sujeito individual, detentora de uma identidade e das suas pr6prias vivencias, mas tambem como sujeito colectivo. 0 Servi<;:o Social apresenta entao outro papel fundamental enquanto mediad or na promo<;:ao e fomenta<;:ao das redes sociais de suporte pessoal da pessoa idosa. A este respeito, o Servi<;:o Social preocupa-se corn a analise das redes nos sistemas de apoio social, centrando-se, tanto na capacita<;:ao dos sistemas informais, como tambem em sistemas formais. 0 objectivo e procurar redes de suporte social formal e informal e torna-las utilizaveis para ajudar a pessoa idosa. Entramos assim numa perspectiva sistemica onde a pessoa idosa e vista como urn sistema que esta em constante interac<;:ao corn os restantes sistemas. Para tal, o assistente social, enquanto agente de mudan<;:a, tern que perceber quais os sistemas envolvidos na vida da pessoa idosa e situar-se na interac<;:ao desses diferentes sistemas. A modifica<;:ao de urn deles ira acarretar transforma<;:6es nos outros sistemas pelo que o assistente social tern que criar estrategias de interven<;:ao naquele sistema prioritario. (Ornelas, 2009, p. 71) . 0 assistente social e desafiado ainda para desenvolver estrategias de participa<;:ao e de sociabiliza<;:ao nas areas do envelhecimento activo, da presta<;:ao e organiza<;:ao de cuidados sociais e da promo<;:ao de ambientes facilitadores da independencia e autonomia. Estas estrategias contribuem, de urn modo geral, para que a pessoa idosa possa permanecer mais tempo no seu meio natural. Todavia, nem sempre e possivel a manuten<;:ao da pessoa idosa no seu meio pelo que a institucionaliza<;:ao torna-se a Unica op<;:ao viavel. Tambem a nivel institucional, o assistente social tern urn papel crucial na medida em que constitui o primeiro contacto corn a pessoa idosa na sua avalia<;:ao global, presta urn encaminhamento e acolhimento personalizado atraves da informa<;:ao e orienta<;:ao sabre o funcionamento da institui<;:ao, cria e dinamiza urn conjunto de actividades e espa<;:os adequados a cada pessoa idosa e, ainda, adquire conhecimentos tecnicos baseados numa forma<;:ao academica e profissional continua em prol da humaniza<;:ao dos servi<;:os. Concluimos, assim, que o assistente social tern urn papel fundamental no percurso de vida de uma pessoa idosa pelo que se faz necessaria estarmos perante urn Servi<;:o Social inovador e activo.

6. Enquadramento Metodol6gico A orienta<;:ao metodol6gica desta investiga<;:ao privilegiou uma abordagem qualitativa na medida em que teve como intuito a procura de interpreta<;:6es e

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significados atribuidos pelas pessoas idosas, sem procurar controla-los. Assim, neste tipo de abordagem, mais do que descrever o objecto, pretendeu-se conhecer percursos e hist6rias de vida das pessoas idosas. Relativamente ao metodo que delineou esta investiga<;ao foi o Metodo Dedutivo numa perspectiva qualitativa. Tern como objectivo, atraves de uma cadeia de raciocinio em ordem descendente, explicar o conteudo das premissas e, em virtude da sua l6gica, chegar a urna conclusao que ira verificar a veracidade das hip6teses definidas a partir dos conceitos te6ricos. No que respeita a delimita<;ao do campo empirico desta investiga<;ao, o universo contemplou urn lar de pessoas idosas na cidade de Lisboa e abrangeu 39 pessoas idosas, das quais 32 sao do sexo feminino e as restantes 7 do sexo masculino. Foi definida uma amostra de 7 pessoas idosas, de ambos os sexos, corn idades compreendidas entre os 75 e os 93 anos de idade. 0 nosso intuito, mais do que constituir uma amostra significativa corn uma representatividade estatistica, foi o de aplicar o criteria de pertinencia. Neste sentido, esta investiga<;ao obedeceu a uma amostragem por contrasteaprofundamento, uma vez que se encontra na fronteira entre o caso Unico e os casos multiplos (Pires, 1997 in Guerra, 2006). Pretendeu-se comparar cada caso em profundidade e, de forma relativamente aut6noma, procurando pistas sobre as variaveis que estabelecem as diferen<;as existentes em todo o processo de institucionaliza<;ao. Quanta as tecnicas de investiga<;ao seleccionadas para a elabora<;ao desta investiga<;ao importa dividir em dois tipos: as tecnicas de recolha de dados e a tecnica de tratamento de dados. As tecnicas de recolha de dados utilizadas foram a analise documental ea entrevista semi-estruturada; ja a tecnica de tratamento de dados utilizada foi a analise de conteudo.

7. Apresenta~ao dos resultados e das principais conclusoes Neste ponto iremos fazer uma breve apresenta<;ao dos principais resultados desta investiga<;ao. A investiga<;ao realizada evidenciou que a institucionaliza<;ao das pessoas e urn processo desencadeado por urn conjunto variado de raz6es e ainda de agentes intervenientes, onde estao implicitos nao s6 factores pessoais coma da rede social. A dependencia fisica foi considerada o principal motivo apontado para a institucionaliza<;ao da pessoa idosa, nao obstante, esta investiga<;ao tambem revelou que outros factores potenciam de igual modo a mesma. E o exemplo da solidao a que a pessoa idosa esta exposta, da ausencia, ineficacia e/ ou fraca rede de suporte social, dos fracas recursos econ6micos e ainda da inexistencia de habita<;ao. De notar que os motivos econ6micos e residenciais foram os que menos se verificaram. Esta primeira conclusao vem confirmar a hip6tese urn ao mencionar que: A institucionaliza<;ao da pessoa idosa e resultado de factores pessoais e factores da rede social da mesma.

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Para urn melhor analise conclusiva, apresento, de seguida, a influencia de ambos os factores (pessoais e da rede social) na institucionalizac;ao da pessoa idosa. Num primeiro momento, falaremos da influencia dos factores pessoais. Ao longo do percurso de vida das pessoas idosas, estas, de urn modo gerat experienciam situac;6es de perda que se traduzem em sentimentos de frustrac;ao e de tristeza, sendo as perdas a nivel interpessoal e fisico as que mais se evidenciam, como podemos verificar nas seguintes transcric;6es: "Quer dizer a gente vai perdendo tudo pelo caminho porque e 0 que eu digo vamos insistindo na vida, mas faz-nos falta aquele convivio de ir buscar urn cafe e: "Ola, estas born?" e tal. Era o convivio que tinhamos uns corn os outros, agora nao se ve ninguem eu digo assim: "Epah" e muito chato ter anos porque vai-se prolongando a nossa existencia mas vamos perdendo tudo aquilo pelo caminho. E eu tinha grandes amigos". Perde-se as amizades, perde-se familia, perde-se tudo. (... ) Ja la vai o tempo" . (ES) "Que eu gostava tanto de danc;ar, de cantar, de brincar e agora nao posso isso". (E3) A reforma, como perda a nivel sociat tern nesta investigac;ao uma especial atenc;ao devido a simbolizar urn corte simb6lico corn a vida activa, envolvendo mudanc;as em varios aspectos da vida e cujo sucesso de adaptac;ao implica uma reorganizac;ao na vida pessoal de forma a procurar, manter ou mesmo melhorar o bem-estar psicol6gico e social. Na verdade, grande parte dos entrevistados encara a passagem a reforma como urn acontecimento triste e marcante, contribuindo para a existencia de uma desvalorizac;ao generalizada das suas capacidades, assim como o reconhecimento de uma imagem social desprestigiante: "Ahhh era a juventude, era a acc;ao, era o trabalho, era o dinheiro, era tudo. Tinha tudo, tinha rac;a de vida e entao sentia-me bem la fora . Enquanto trabalhei, senti-me sempre feliz. Quando entrei na reforma ... acabou-se a felicidade". (ES) "Hum... nao foi facit nao foi facil porque a minha actividade era sempre na rua e eu reformei-me e passei a .. . estar a maior parte do tempo em casa (... )la ia de vez em quando aqui ou ali, mas nao foi facit nao foi facil". (E6) Atraves destes excertos podemos inferir que, mais do que o fim da actividade profissional e tambem o fim de urn longo periodo que marcou a vida. Neste sentido, e fundamental contrariar a tendencia da sociedade para afastar a pessoa idosa da vida activa de forma a que esta nao se afaste dos restantes

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grupos sociais, construindo assim para alguns sentimentos de infelicidade, como nos e possivel verificar nesta investiga.:;ao, onde quanta mais participa.:;ao activa em actividades sociais, mais as pessoas sentem-se bem. Outro factor relevante e que potencia a institucionaliza.:;ao e a solidao das p essoas idosas: " (...) comecei a andar sozinha, sozinha, sozinha (... )". (E7) Este facto pode encontrar justifica.:;ao em facto res como o envelhecimento e a doen.:;a que potenciam uma restri.:;ao e empobrecimento da rede social pessoal. Ora estas situa.:;6es de perda faz corn que a pessoa idosa se sinta, muitas das vezes, diminuida em rela.:;ao as outras pessoas. Verificamos assim, a vulnerabilidade social a que a pessoa idosa esta exposta nao s6 pela diminui.:;ao das suas capacidades fisicas, natural de urn processo de envelhecimento, coma tambem pela perda de familiares e outras pessoas intimas e ainda a perda do seu estatuto social. A este conjunto de situa.:;6es que corn o avan.:;ar da idade vao surgindo, esta intrinseco urn processo continua de adapta.:;ao as capacidades do momento, no contexto actual em que a pessoa esta inserida. (Ornelas, 2009, p. 151) Nesta investiga.:;ao observou-se que existe uma predominancia de pessoas idosas que se encontram insatisfeitas perante a vida devido a projectos pessoais que nao foram realizados ou a situa.:;6es vivenciadas de modo negativo. Coma exemplo, os entrevistados falaram da nao constitui.:;ao de familia, da nao realiza.:;ao profissional, da nao aquisi.:;ao de bens materiais, da saude fisica, da passagem a reforma e ainda dos fracas recursos econ6micos: (.. .) muito satisfeito nao, porque passei muitas dificuldades na vida, ne? Ordenados muito baixos e depois muitas vezes tinha o problema de tambem falta de trabalho, desemprego, ficar desempregado de vez em quando. A vida era assim urn bocado dificil (... )".(El) "Hoje arrependo-me podia ter uma casa e hoje nao tenho". (E3) "Enquanto trabalhei, senti-me sempre feliz. Quando entrei na reforma ... acabou-se a felicidade" . "Gostava deter filhos e nao fiz, gostava deter casado e nao casei ... e, outras coisas mais." . (ES) "( ...) tava triste, ja me sentia sozinha e triste. Ja nao era a mesma J. que era ha uns anos atras, nao e? Porque a gente tudo perde corn a idade, e os desgostos ajudam. E entao ja me sentia triste, ja me sentia mesmo caida" Gostava de muita coisa e infelizmente nao pude fazer, nao tinha dinheiro ... " . (E7)

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Ora o sentimento de satisfa<;ao da pessoa idosa esta directamente relacionado corn o seu processo de adapta<;ao a nova realidade onde estara subjacente as actividades desenvolvidas, a intensidade das interac<;6es sociais, o estado de saude e a situa<;ao financeira . Esta insatisfa<;ao pode encontrar resposta num baixo nivel fisico e social da pessoa idosa, nao contribuindo, desta forma, para urn envelhecimento bem sucedido. Assim, e fundamental a pessoa idosa nesta etapa de vida desempenhar varios papeis, participar em actividades e ter contactos sociais diversificados para se sentir satisfeita consigo propria e perante a vida. Importante tambem para este sentimento de bem estar global e a rede social da pessoa idosa. Neste sentido, entramos nos factores da rede social que contribuiram, de igual forma, para a institucionaliza<;ao da pessoa idosa. A medida que uma pessoa vai avan<;ando no tempo, a sua rede social de suporte pessoal tende a diminuir, sendo que quando uma pessoa chega a velhice encontra-se perante uma rede pequena. Este e urn facto corroborado nesta investiga<;ao ea que Sluzki (1996 in Alarcao E Sousa, 2007, p . 359) afirma que "tendem a ser pouco eficazes em situa<;ao de sobrecarga ou de tensao prolongada, quer por evitamento do contacto corn a pessoa focal, quer por sobrecarga do (s) elemento(s) mais directamente envolvidos no apoio". Outra conclusao central desta investiga<;ao foi de que existe uma rede de suporte social centrada em todos os tipos de apoio, tais como: auto-estima/ emocional, assistencia instrumental e informa<;ao, contribuindo deste modo e, de uma forma geral, para uma satisfa<;ao corn o apoio recebido: "0 meu irmao preocupava-se muito e ainda hoje esta preocupado"; "Ajudava. Mandava-me roupinha (... ) E mandava compras, mandava umas comprinhas sempre (... )". (E2)

"Aconselharam! Que viam que eu nao podia tar sozinha: ÂŤTens que ir porque nao podes tar sozinhaÂť"; "Uma semana ia uma e outra semana ia outra tratar de mim". (E3) " Depois quando andava de andarilho fui para a minha casa mas tinha uma pessoa que me assistia, mas os filhos estavam sempre por perto " . (E4) Ja a nivel da reciprocidade do apoio verificamos que este da-se apenas ao nivel emocional, em parte devido a fragilidade em que estas pessoas idosas se encontram nesta fase da vida, nao conseguindo apoiar a outros niveis os varios elementos que constituem a sua rede social de suporte pessoal. Constatamos tambem que e a rede tipificada como familiar aquela que maior suporte social da a pessoa idosa, sendo de facil percep<;ao a predominancia de uma rede coesa uma vez que esta e definida pelas interconex6es existentes na rede, sendo mais intensas a nivel familiar. Neste facto, denotamos o papel crucial que a familia continua a ter no apoio aos seus elementos. No entanto, o reverso

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da moeda tambem se verifica uma vez que as mudan<;as nos padroes familiares afectam as pessoas idosas, tais como as altera<;6es ao nivel da estrutura da familia e as dificuldades acrescidas no seu papel de cuidadora. Neste sentido, a par de uma consciencia dos limites informais, a op<;ao pela institucionaliza<;ao e encarada, muitas das vezes, coma a {mica alternativa possivel para a pessoa idosa. Existe por parte desta uma tentativa de desculpabiliza<;ao face a incapacidade de resposta da rede informal e encontram justifica<;6es que nao se prendem corn o desprendimento afectivo nem corn a falta de vontade, mas corn a existencia de condicionalismos externos, como a actividade profissional e familiar. (ORNELAS, 2009, p. 152) Neste sentido, as pessoas idosas procuram respeitar a autonomia da sua rede familiar, nao impondo a sua presen<;a. No caso da nossa amostra, apenas uma pessoa idosa entrevistada nao tinha rede familiar, factor que contribuiu grandemente para a sua institucionaliza<;ao de modo a ter urn cuidado continuado. Assim, a hip6tese dois e confirmada ao mencionar o seguinte: A n ao existencia de rede social disponivel contribui para a institucionaliza<;ao da pessoa idosa. Importante se faz salientar que os motivos que contribuiram para a institucionaliza<;ao da pessoa idosa nao foram s6 a nivel social, como tambem a nivel medica, econ6mico e habitacional, sendo que estes se encontram sempre interligados, apesar de haver a predominancia de urn deles. Dos diferentes motivos que causaram a institucionaliza<;ao os que mais se verificaram foram os sociais (solidao, situa<;6es de carencia e ineficacia ej ou fraca rede de suporte social) e os medicos (dependencia fisica): "Nao e o suficiente [apoio domiciliario], gostava mais se fosse suficiente, senao nao tinha vindo para ea [lar]. Tinha ficado corn elas [ajudantes familiares ]". (E2) "Nao tinha ninguem, tinha que ser"; "Se nao nos podemos governar sozinhas ternos que vir [para o lar]". (E3) "Eu vim foi quando me vi desanimada, sem andar (... )". (E4) Analisados os factores pessoais e da rede social no que diz respeito aos motivos da institucionaliza<;ao, apercebemo-nos que, de urn modo geral, existe uma rela<;ao directa entre ambos. 0 facto dos entrevistados terem uma pequena rede social pessoal e alguma incapacidade fisica, contribuiu para que a institucionaliza<;ao fosse a linica op<;ao viavel. Outra conclusao principal foi que a maior ou men or facilidade de adapta<;ao a nova realidade institucional depende, em grande medida, do tipo de participa<;ao que a pessoa idosa teve na decisao tomada para a institucionaliza<;ao. Quando a decisao da institucionaliza<;ao e de tipo preferencial (tomada pela propria pessoa) por encara-la como a melhor alternativa e apenas coma mais uma etapa que tern de passar, existe uma boa adapta<;ao ao lar:

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institucionaliza~ao

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"Senti uma grande mudan<;a. Da nossa casa para aqui e diferente, e diferente mas e born. Tamos acompanhados, em casa tava sozinha a qui. Aqui tou corn companhia tenho quem me ajude quando posso quando pod em". (E3) "Foi [decisao facil] e queria mesmo!"; "Nao se tornou muito dificil porque eu saia. A convivencia era boa. (... ) o pessoal e simpatico. Eu as vezes vejo as empregadas tratam os deficientes muito bem! Tratam corn carinho, tratam muito bem, tratam. E ... e mesmo a n6s, tambem". "Portanto, adaptei-me. A principio queria muito ir para a minha casa, queria mesmo ir a minha casa passar uns dias e tudo isso. E saia e vinha a minha filha e iamos passear". "Quer dizer, fui-me adaptando. E agora ate quando estou muitos dias fora ja nao me sinto bem". (E4) Daqui podemos confirmar igualmente a hip6tese tres ao referir que: A decisao da institucionaliza<;ao quando e tomada pela propria pessoa idosa contribui para uma boa adapta<;ao ao lar. 0 contrario tambem se verifica quando a decisao de institucionaliza<;ao e de tipo relutante (tomada por outra pessoa que nao a pessoa idosa) por contribuir para a existencia de uma percep<;ao negativa da mudan<;a de meio: "E fui obrigada a vir para aqui. "Queria tar na minha casa ao pe da minha cadela"; "Chorei muito! Chorei muito. Chorava de noite e de dia. (E2) "Entretanto surgiu a ideia de virmos, de nos inscrevermos aqui neste lar, bastante contrariado, que eu nunca gostei disto .... bastante contrariado ... "; "( ... ) vim parar a uma coisa destas que nao me diz nada, nao me diz nada". (E6) Ap6s estabelecer uma rela<;ao entre a iniciativa de institucionaliza<;ao e a percep<;ao da mudan<;a de meio concluimos que para alem de existirem diferentes percep<;6es no que diz respeito ao lar, estas tendem a manter-se ao longo dos tempos. Enquanto que algumas pessoas idosas sentem-se satisfeitas perante a sua adapta<;ao ao lar salientando a ocorrencia de mudan<;as positivas, tais como a liberdade, a interac<;ao e competencia do pessoal tecnico, a companhia e as actividades existentes no lar, outras revelam sentimentos mais negativos, ao vivenciarem momentos de tristeza, de revolta e de desadapta<;ao no contexto institucional. Encaram a institucionaliza<;ao como urn processo angustiante que implica uma ruptura corn os habitos e os contextos de vida anteriores, como, por exemplo, a existencia de urn ambiente triste, a vida mon6tona, a saude fisica,

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a nao existencia de familiares pr6ximos, a falta de independencia e de pessoal tecnico e, ainda, a interac<;ao corn os outros utentes. Parece estar aqui subjacente a ideia da impossibilidade das pessoas idosas usufruirem de uma maior diversidade de interac<;6es que, por elas, sejam consideradas estimulantes e de se envolverem em urn maior numero de actividades do seu agrado e que dao urn sentido de utilidade ao seu quotidiano. Apesar disso, a institui<;ao faz urn esfor<;o significativo para garantir espa<;os e momentos de realiza<;ao pessoal, procurando minimizar a estigmatiza<;ao inerente a institucionaliza<;ao. (Ornelas, 2009, p.154) Outra das conclusoes centrais, foi a importancia do Servi<;o Social no processo de institucionaliza<;ao da pessoa idosa, nomeadamente, no acolhimento e inser<;ao da mesma, onde todas as pessoas idosas entrevistadas mencionaram urn apoio positivo por parte do Servi<;o Social: Nao tinha necessidade assim de muitas coisas. Portanto foi s6 ... hum .. . as instruc<;6es (... ) desde como e que eu devia viver ali... como e que era a vida ali no Lar (... )". (El) "Dava-me [Assistente Social] tudo. Dava todo o apoio que fosse preciso (... ). (E7) "Foi a Assistente Social de ea [Lar] que me foi la buscar [ao Hospital Curry Cabral] e depois vim na ambulancia para aqui e depois fiquei aqui". (ES) Daqui se infere que o Servi<;o Social tern urn papel fundamental na integra<;ao da pessoa idosa no lar, devendo prestar urn acolhimento personalizado atraves da orienta<;ao e informa<;ao sobre o funcionamento da institui<;ao. Esta avalia<;ao deve ser feita de forma mais completa, personalizada e humanizada possivel, de modo a que o projecto institucional nao colida corn o projecto de vida da pessoa idosa. Nao obstante, tambem verificamos a existencia de uma visao pouco clara do Servi<;o Social e ate mesmo algum descredito acerca do mesmo: "( ...) aqui dentro nao, nunca tive grandes contactos"; "Nao vejo motivo nenhum para a Assistente Social". (E5) Esta conclusao pode encontrar fundamento no facto da quase totalidade das pessoas entrevistadas afirmarem nunca terem sentido grandes necessidades de recorrer a assistente social da institui<;ao, antes e mesmo ap6s a institucionaliza<;ao. Notamos que apenas no momento da institucionaliza<;ao e que existe uma visao mais concreta do apoio dado pelo Servi<;o Social, sendo que ap6s a integra<;ao, o contacto faz-se mais ao nivel da propria conversa do dia a dia: Apenas para simples "conversas vulgares". (E7)

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"Corn a Dra. (...) falo corn ela mas para pedir alguma coisa nao. Nunca pedi nada" . (E4) No entanto, e importante real<;:ar que nao e s6 ao Servi<;:o Social que cabe a preocupa<;:ao corn uma boa adapta<;:ao da pessoa idosa ao lar mas sim a toda a equipa tecnica do mesmo. Em conjunto e, de acordo corn as necessidades das pessoas idosas, devem ter presente a humaniza<;:ao dos servi<;:os e uma adequada organiza<;:ao do espa<;:o, de modo a que respeitem a forma de estar na vida de cada uma das pessoas idosas. 56 desta forma e que 0 processo de institucionaliza<;:ao deixa de ser penoso e angustiante para quem passa por ele. Concluindo, parece-nos claro que, os resultados encontrados refor<;:am a tese de que a institucionaliza<;:ao da pessoa idosa e influenciada por factores pessoais e da rede social, numa conjuga<;:ao {mica que e a traject6ria de vida da pessoa idosa.

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RECENSAO Maria Joiio Pena Docente do ISSSL-ULL Doutoranda em Servi<;:o Social ISCTE - IUL Investigadora do CLISSIS



Recensao, pp. 145-150

Ferreira, Jorge M. L. (2011) Servi~o Social e Modelos de Bem-Estar para a Infancia, Modus Operandi do Assistente social na Promo~ao da Protec~ao a Crian~a ea Familia, Lis boa, Quid Juris Sociedade Editora, 349 p.

E indiscutivel a pertinencia da obra que aqui se apresenta, na medida em que versa urn tema socialmente relevante, de grande actualidade e cuja complexidade exige urn esfor~o de estudo, analise e reflexao. 0 enfoque e o problema social da crian~a em situa~ao de desprotec~ao e as competencias das familias e das Comiss6es de Protec~ao de Crian~as e Jovens, enquanto objecto e area de interven~ao dos assistentes sociais. Este trabalho e o resultado de uma pesquisa em Servi~o Social sobre o sistema de protec~ao a crian~a e a familia em Portugal, no contexto da Uniao Europeia. Aprofunda o conhecimento sobre o modus operandi do Assistente Social no sistema de protec~ao a crian~a na familia biol6gica ou na familia de acolhimento, equacionando as complexidades, limites, condicion am entos e p ossibilidades de interven~ao do assistente social 0 autor tern ja urn percurso academico e profissional nesta area pelo que o ponto de partida desta investiga~ao beneficiou dessa experiencia te6rica e pratica, contribuindo para urn aprofundamento conceptual e uma maior capacidade de leitura e interpreta~a o do cam po empirico. A investiga~ao suporta-se em dois eixos, o estudo sobre a interven~ao dos assistentes sociais das CPCJ junto da familia biol6gica e da familia de acolhimento, e o estudo sobre os sistemas de protec~ao e bem-estar no quadro da Uniao Europeia, mas corn particular incidencia em Portugal no ambito das medidas de protec~ao em meio natural de vida, definindo-se como objecto de estudo o agir dos assistentes sociais que trabalham no contexto das CPCJ junto de familias biol6gicas e de familias de acolhimento, incidindo na protec~ao e bemestar da crian~a. A investiga~ao tern como universo as CPCJ a nivel nacional que integram assistentes sociais nas equipas de interven~ao corn familias no problema da crian~a maltratada, tendo a amostra sido constituida corn base em criterios do exercicio da pratica profissional no minimo ha 2 anos e que dispusessem de internet. Das 266 comiss6es identificadas inicialmente foram seleccionadas 55, tendo respondido ao questionario 19 comiss6es de protec~ao de crian~as e jovens. Lu siada. Inter ven <;ao Social, Lisb oa, n. 0 37 [1 sem es tre d e 2011]

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Do ponto de vista metodol6gico a pesquisa empirica sustenta-se no questionario on line preenchido pelos assistentes sociais. A obra esta dividida em seis capitulos, sendo o primeiro uma introdw;ao ao tema da investiga<;ao, aprofundando as dimensoes conceptuais e elaborando uma constru<;ao do problema de estudo, enquanto area de conhecimento e interven<;ao do servi<;o social. A perspectiva do autor e de se torna fundamental a constru<;ao de uma analise baseada na crian<;a, familia e o contexto em que se desenvolve, incluindo o quadro das politicas publicas de resposta ao problema e dai a rela<;ao crian<;a, familia e cidadania 0 segu ndo e terceiro capitu la aprofundam as quest5es directas e indirectamente relacionadas corn os modelos de bem-estar dirigidos a crian<;a e a familia nos paises da Europa do Sul, corn maior incidencia no sistema de protec<;ao portugues. 0 desenvolvimento do conceito de bem-estar apresenta-se associado ao conceito de desenvolvimento social e humano em contexto local, articulando corn o ambito de interven<;ao das comissoes de protec<;ao, e e entendido como o resultado de urn conjunto de" (... ) m edidas d irigidas a sociedade para satisfa<;ao das necessidades ( ...). (Ferreira, 2011, p . 77), tratando-se de urn elemento constitutivo de uma cidadania plena. 0 capitula quarto introdu z o tema da constru<;ao do objecto do Servi<;o Social, e da rela<;ao corn as politicas sociais, respostas e os servi<;os sociais para a crian<;a ea familia. 0 autor desenvolve ainda o tema da evolu<;ao dos dispositivos de protec<;ao a crian<;a, corn o objectivo de compreender melhor a rela<;ao entre evolu<;ao do sistema legal de protec<;ao a crian<;a e a familia, os modelos de protec<;ao ea sua adequabilidade operativa por via dos dispositivos de protec<;ao para a crian<;a e a familia. No capitula quinto sao aprofundadas as dimensoes relacionadas corn a familia biol6gica e a familia de acolhimento sendo a familia apresentada como parceira na interven<;ao do Servi<;o Social, valorizando e explorando as suas capacidades e competencias, tendo como suporte te6rico nessa reflexao a Teoria de Ausloos (1996), a qual se associa o conceito de familia multiproblematica. A teoria ecol6gica constitui o enquadramento te6rico fundamental da investiga<;ao, e a partir da qual sao reflectidas as quest5es da crian<;a e da familia, mas sem deixar outros referencias te6ricas como a teoria da vincula<;ao ou a teoria de resiliencia A partir do pensamento de Urie Bronfenbrenner (1979) sao tidas em conta as multiplas interac<;5es entre a pessoa e os ambientes que a integram e envolvem; o profissional centra a sua aten<;ao nao s6 no sujeito mas tambem nos ambientes nos qu ais ele participa, seja num nivel imediato ou aqueles nos quais participa mais indirectamente. No sexto capitula sao desenvolvidas as quest5es sobre o agir profissional do assistente social no sistem a de protec<;ao a crian<;a, equacionando os fundamentos te6ricos e eticos, bem como as matrizes m etodol6gicas do Servi<;o Social que

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suportam a interven<;:ao do assistente social no sistema de protec<;:ao a crian<;:a e a familia. 0 estudo revela que os assistentes sociais desenvolvem a sua interven<;:ao nas comiss6es de protec<;:ao de crian<;:as e jovens a nivel individual, colectivo e emrede. Para o autor o desafio do servi<;:o social e "o aprofundamento de quadros te6ricos e metodol6gicos que estimulem uma interven<;:ao profissional centrada nas competencias do cidadao enquanto ser humano capaz de construir o seu proprio percurso de vida, no ambito da constru<;:ao de uma cidadania social plena e participativa". (Ferreira, 2011, p. 231). 0 autor identifica na pesquisa empirica como modelos de interven<;:ao do assistente social o modelo sistemico, o modelo de interven<;:ao em rede e o modelo ecol6gico, fundamentando-se teoricamente numa abordagem humanista baseada em principios de responsabilidade e bem-estar em conformidade corn os principios do c6digo de etica. E em resposta a sua interroga<;:ao inicial afirma que "0 assistente social utiliza urn conjunto de dispositivos operativos das politicas sociais assim como desempenha urn conjunto de fun<;:6es especializadas no dominio do diagn6stico, planeamento da resposta social, em articula<;:ao corn o contexto institucional, no quadro das politicas sociais e dos direitos sociais do beneficiario da ac<;:ao". (Ferreira, 2011, p. 270). No ambito do modus operandi do assistente social exigese uma interven<;:ao profissional sustentada em procedimentos te6ricos e metodol6gicos (conhecimento / saber) e em principios eticos-deontol6gicos, reconhecendo o sujeito como parceiro na ac<;:ao (sujeitojcidadao). Conclui-se que o agir do assistente social se identifica como urn processo reflexivo resultante da interven<;:ao do profissional em articula<;:ao corn os testemunhos dos sujeitos e mediado pelas politicas sociais. Este processo e facilitador da constru<;:ao de conhecimento em servi<;:o social e tambem da concep<;:ao de modelos de bem-estar. Como reflexao final poder-se-ia ressaltar que a investiga<;:ao aqui apresentada procurou uma abordagem conceptual aprofundada, que permitiu a constru<;:ao de urn quadro te6rico abrangente que sustentou a informa<;:ao recolhida, levando a sua compreensao e a atribui<;:ao de sentido a interven<;:ao do assistente social. Deste modo torna-se urn pertinente instrumento de forma<;:ao, num dialogo entre o saber e a pratica. A obra constitui-se como urn meio de reflexao do agir do assistente social, levando a uma clarifica<;:ao da interven<;:ao do profissional, num momento em que a interven<;:ao social e partilhada por diferentes areas disciplinares e forma<;:6es academicas. Por outro la doe urn importante contributo ao diagn6stico da interven<;:ao do assistente social nas CPCJ, identificando fragilidades e potencialidades, e criando as bases para a (re)formula<;:ao de urn modelo de interven<;:ao que ultrapasse as quest6es apresentadas quer a nivel da forma<;:ao cientifica e tecnica, quer no quadro legal que regulamenta a interven<;:ao, pois

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"0 modus operandi do assistente social fundamenta-se num saber te6rico que influencia e e influenciado pelas politicas sociais e pela legislap'io social que legitimam a gestiio de respostas de bem-estar social as necessidades do cidadiio e de satisfariio dos direitos sociais" (Ferreira, 2011, p. 272).

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INFORMA<;AO REVIST AS ONLINE

EM SERVI~o SociAL



Informao;:ao - Revistas online em Servi<;:o Social, pp. 151-153

Portuguesas Locus Soci@l - Locus Social- www.locussocial.cesss-ucp.com.pt/ Brasileiras a) Revistas indexadas Servi<;o Social em Revista- www.ssrevista.uel.br/ Revista Kahilysis- www.katalysis.ufsc.br/ Servi<;o Social & Sociedade - www.scielo.br/ b) Outras revistas Textos & Contextos- www.pucrs.br/textos/ Servi<;o Social e Realidade- http: // www.franca.unesp.br/ Libertas - www.ufjf.br/revistalibertas/ Ser social- revista de Servi<;o Social - vsites.unb.br/ih/ dss/publica.htm Servi<;o Social & Saude- www.hc.unicamp.br/ Inglesas Social Work & Society - www.socwork.net/ British Journal of Social Work - Oxford Journals - bjsw.oxfo rdjournals.org/ content/by/year European Journal of Social Work - www.ingentaconnect.com/ content/ routledg / eurswk Espanholas Revista Electr6nica de Trabajo Social- www2.udec.cl/ Revista Regional de Trabajo Social- www.revistatrabajosocial.com/ Revista " Humanismo y Trabajo Social" - www4.unileon.es / trabajo social/ revista.asp Portularia - Revista de Trabajo Social - www.uhu.es/publicaciones/ revistas I portularia/ Trabajo Social Global. Revista de Investigaciones en intervencion social revistashipatia.com/ index.php/ tsg/ article/ download/32/41 Colombia Revista de Trabajo Social - www.revistas.unal.edu.co/index.php /tsocial

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NORMAS E POLITICA EDITORIAL



Norm as e p olitica editorial, pp. 155-167

NORMAS PARA APRESENT A<;AO DE TRABALHOS

POLITICA EDITORIAL -A Revista Interven~ao Social. Temas de Servi~o Social e Interven~ao Social, publica trabalhos sobre assuntos relevantes no ambito do Servi<;o Social e da Interven<;ao Social e areas afins no quadro da interdisciplinaridade dos saberes e transversalidade das areas de interven<;ao 路e investiga<;ao. Cada numero da Revista focaliza uma unidade tematica, previamente definida pela direc<;ao, ouvido o concelho cientifico, de acordo corn a importancia e relevancia para o conhecimento no contexto social, econ6mico e politico contemporanea. - Os trabalhos apresentados a publica<;ao deverao ser ineditos, nao sendo aceite a sua apresenta<;ao simultanea a outro meio de publica<;ao, tanto do texto, quanto de figuras e graficos. - Todos os direitos editoriais sao reservados para a Revista Intervenc;ao Social. Temas de Servic;o Social e Interven~ao Social, nenhuma d as partes das p ublica<;6es poderao ser reproduzidas, sem p revia autoriza<;ao por escrito da Comissao Editorial, de acordo corn as leis de direitos de autor vigentes em Portugal. - Na apresenta<;ao d o artigo, o(s) autor(es) devera(ao) assinar e enviar a Declara<;ao de Responsabilidade ea Transferencia de Direitos de Autor (modelos em anexo). - Os trabalhos apresentados para publica<;ao serao analisados por Membros do concelho cientifico (nacional e internacional), ou especialistas convidados ad hoc, aos qu ais compete analisar sobre a pertinencia e interesse cientifico da sua aceita<;ao, e estes poderao sugerir aos autores reformula<;6es, ou adapta<;6es de acordo corn as normas editoriais. A decisao final sobre a publica<;ao dos trabalhos recebidos sera da direc<;ao da revista, corn base no programa editorial da mesma. Durante a analise serao verificados os requisitos de: rigor, clareza e precisao quanta a produ<;ao cientifica, a reda<;ao, ao conteudo e a validade eticote6rica. As eventuais modifica<;6es de estrutura e conteudo serao acordadas corn os autores. Nao serao admitidos acrescimos ou altera<;6es ao texto, ap6s a sua avalia<;ao e aceita<;ao final. A direc<;ao assegura o anonimato para o(s) autor(es) no processo d e avalia<;ao, como tambem assegura aos avaliadores o sigilo de su a

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participa<;ao, permitindo liberdade para analise e avalia<;ao. - Os trabalhos resultantes de investiga<;ao, da experiencia profissional, que envolvam pessoas tern a sua publica<;ao condicionada ao cumprimento das normas e principios eticos no que respeito ao sigilo e confidencialidade das mesmas. -A Revista Intervenr;ao Social. Temas de Servir;o Social e Intervenr;ao Social, publica trabalhos nos idiomas Portugues, Espanhol, Frances e Ingles. - As opinioes e os conceitos expressos nos trabalhos, bemcomo a exatidao, adequa<;ao e procedencia das cita<;oes e referencias, sao de exclusiva responsabilidade do (s) autor(es. - A apresenta<;ao de trabalhos a revista implicara a aceita<;ao, por parte do (s) autor(es), das normas aqui expressas. - A Revista Intervenr;ao Social. Temas de Servir;o Social e Intervenr;ao Social nao remunera o (s) autor (es) dos trabalhos nela publicados, embora lhe (s) seja enviado dois exemplares da edi<;ao que tenham artigos publicados do autor.

APRESENTA<;::AO DOS TRABALHOS

- Os trabalhos deverao estar adequados a proposta tematica da respectiva edi<;ao, e poderao ser estudos ou resultados de pesquisas aplicadas, te6ricas, experiencias da pratica profissional relevantes, ensaios, resenhas, entrevistas, notas previas, comunica<;oes e apresenta<;ao de programas de financiamento ou linhas de investiga<;ao inovadoras. - Notas previas devem ter, no maximo, duas paginas; resenhas, quatro paginas. Comunica<;oes, no maximo, oito paginas. Os trabalhos em formato de artigo deverao ter, no maximo, quinze paginas, incluindo desenhos, figuras, tabelas, fotos e referencias (se forem utilizadas fotos corn pessoas, mesmo nao identificadas, devem vir acompanhadas da permissao por escrito das pessoas fotografadas; para utiliza<;ao de fotos corn Crian<;as ou Jovens, deve ser respeitada a legisla<;ao vigente). - Figuras, tabelas e fotos bem nitidas, em alta defini<;ao, somente em preto e branco, deverao ser entregues no original, corn cabe<;alho e legendas (se foro caso) e em ficheiro JPEG corn a minima resolu<;ao de 300 DPI. Se as ilustra<;oes enviadas ja tiverem sido publicadas, mencionar a fonte e apresentar a permissao para reprodu<;ao. - Os trabalhos deverao ser entregues rigorosamente revistos, conforme as normas gramaticais em vigor. - O(s) auto(res) deve(m) enviar os artigos por correio ou correio electr6nico: Deve ser u tilizado o Editor Word for Windows, seguindo a configura<;ao: fonte Palatino (truetype) tamanho 10, papel tamanho custom 17x24, espar;o simples, margens: top, down e right 2 cm e left 2,5 cm. Todo o documento devera ser entregue sem qualquer tipo de formata<;ao.


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Autoriza~iio de apresenta~iio - Nome completo do (s) autor (es), habilita<;6es academicas, cargos e nome da institui<;ao a qual esta (ao) vinculado (s), morada domiciliaria completa, telefone e e-mail, em folha separada do texto do artigo. - Titulo e resumo no idioma do respectivo artigo. a - 0 titulo deve ter no maximo, 12 palavras. b - 0 resumo deve ter aproximadamente 140-150 palavras e corn tres a cinco palavras-chave, descritivas do conteudo do trabalho. 0 resumo deve ser informativo. c - Titulo, resumo e palavras-chave em portugues e noutra lingua de edi<;ao da revista. Cita~oes

-

e referencias (bibliografia) conforme o ISO 600, que, para a Revista Interven~iio Social. Temas de Servi~o Social e Interven~iio Social, foi sistematizada da seguinte forma: • As cita<;6es devem ser indicadas no texto pelo sistema de autor-data. • Cita<;ao de ate tres linhas: dentro do corpo do texto, entre aspas, fonte igual a do texto. Cita<;ao de mais de tres linhas: fora do corpo do texto, fonte 11, recuada para a linha do paragrafo, sem aspas (ou qualquer outro destaque), espa<;amento interlinear simples, margem direita igual a do texto. • Nome do autor da obra, para os dois casos atras referidos: 1.no conteudo do texto (caligrafia normal para nomes pr6prios) . Exemplo: Segundo Ferreira (2005, p . 23), "0 conhecimento academico [ ... ]"; 2. entre parenteses, em caixa alta. Exemplo: "0 conhecimento academico [... ]" (Ferreira, 2005, p. 23).

Cita~oes,

- Referencias, conforme a ISO 600,no sistema autor-data - somente dos documentos efectivamente citados no trabalho. - Para fins de sistematiza<;ao da Revista, utilizar somente o italico coma recurso tipografico. Exemplos de Referencias a) Livro: sobrenome do autor I a I a I, Iniciais. (Ano) . Titulo do livro em italico. Local de publica<;ao: Editora. Exemplos: Ferreira, Jorge M. L. (2011). Servi9o Social e Modelos de Bem-Estar para a Infiincia. Modus Operandi do Assistente Social na Promo9iio da Protec9iio a Crian9a ea Familia. Lisboa: Ed Quid Juris.

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b) Revistas: sobrenome do autor j a j a /, Iniciais. (Ano). Titulo do artigo. Nome da revista em italico, numero ou volume (numero) paginas que compoem o artigo dentro da revista. Exemplos: Ferreira, Jorge M. L. (2010). Sistema de protecc;:ao a infancia em Portugal - Uma area de intervenc;:ao e estudo do Servic;:o Social. Reuista Katalysis. "Serui9o Social e Pobreza". Volume 13, n째 2- JulhojDezembro- 2010. Universidade Federal de Santa Catarina. Florian6polis. Editora UFSC. Brasil. c) Capitulo de livro: sobrenome do autor j s, iniciais. (Ano). Titulo do capitula sobrenome do autor j a, AO editor j coordenador j a do livro. Titulo do livro em italico. Cidade: Editora, paginas que compoem o capitula do livro. Exemplos: Garda,F. Tomas; Parra, A. Ant6nio (2002). Gesti6n de los processos de informaci6n y comunicaci6n. Garda; Parra (Coords). Seruicios Sociales: Direcci6n, gesti6n y planificaci6n. Madrid: Alianza Editorial, pp. 147 -167.

Referencias em formato electr6nico: a) Os documentos electr6nicos: autor /a/ as j e (data de publicac;:ao). Titulo [tipo de suporte] . Local da publicac;:ao: editor. Disponivel: Especifique URL [data de acesso]. Exemplos: Comissao das Comunidades Europeias (2000). Eficiencia e equidade [online]. corn: Bruxelas. Disponivel em: [acesso 2001 Setembro 20]. b) Artigos em peri6dicos electr6nicos: Autor j a data (mostrado na publicac;:ao). Titulo do artigo. Nome da publicac;:ao [tipo de meio], volume, n1.lmero de paginas ou a localizac;:ao do artigo. Disponivel: Especifique URL [data de acesso ]. Exemplos: Marques, P. (2001, Julho ). Educac;:ao a distancia hoje. IRRODL [online], 2.2. Disponivel em: http:/ jwww.irrodl. org/ content/v2.1/marques.pdf [acesso Junho de 2002 5]. Lei n째 147/ 99 de 1 de Setembro. Disponivel em : http://www.cncjr.pt [consulta:S/07 / 2011].

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Tipos de Textos Editorial: apresenta comentario critico e aprofundado, preparado pelos editores ej ou por pesquisadores de amplo conhecimento sobre o assunto abordado. Artigos: • Construc;ao te6rica: Deverao conter introdw;ao, desenvolvimento e conclusao. Apresentam temas sustentados em paradigmas te6ricos, abordagens metodol6gicas e discutem quest6es etico-politicas que contribuem para formular novas hip6teses e novos caminhos de estudo e investiga<;:ao. • Estudos aplicados: textos originais que apresentam resultados obtidos em determinado problema apresentando os referencias te6rico-metodol6gicos usados. Sao contribui<;:6es destinadas a divulgar resultados ineditos de natureza empirica, experimental, constituindo trabalhos completos, contendo informa<;:6es relevantes para o Ensino e a pratica profissional. Devem apresentar a seguinte ordem: introdu<;:ao, metodo (sujeitos, material, procedimentos) resultados e discussao. • Apresentac;ao de experH~ncias profissionais e ou de boas praticas: apresentam estudos de caso corn analise de implica<;:6es conceptuais, ou descri<;:ao de procedimentos ou estrategias de interven<;:ao, descrevendo o quadro metodol6gico apropriado e de interesse para a interven<;:ao do profissional em diferentes areas. Artigos de opiniao: consistem em textos de opmwo ej ou analise que possam contribuir para a reflexao e o aprofundamento de quest6es relacionadas ao tema desenvolvido na edi<;:ao. Resenhas: revisao critica de livros recem-publicados, orientando o leitor quanto as suas caracteristicas e potencialidades. Devem ser breves, elaboradas por especialistas da area, constituindo urn resumo comentado, corn opini6es que possam dar uma visao geral da obra, (12 a 15 paginas). Comunicac;oes em reunioes cientificas: Textos apresentados em eventos cientificos que sejam portadores de mais-valias para o conhecimento da tematica tratada na respectiva edi<;:ao. Divulgac;aoj Informac;ao: espa<;:o destinado a divulga<;:ao de publica<;:6es, realiza<;:6es de eventos, programas inovadores, forma<;:ao p6s-graduada. Produc;ao de conhecimento: espa<;:o destinado a divulga<;:ao de teses e disserta<;:6es de Doutoramento e Mestrado realizadas na respectiva area tematica. Devem conter: o tema, tipo de estudo; objectivos; metodologia e apresenta<;:ao sintese do autor. Limite de 4 paginas, ou seja: - titulo em portugues, frances, ingles e espanhol; - nome completo do autor, habilita<;:6es academicas, cargo e institui<;:ao a

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Normas e politica editorial

qual esta vinculado; - nome do orientador; - endere~o completo, telefone, fax e e-m ail.

Modelo de os autores) Titulo: Autor( es) e

Declara~ao

de Responsabilidade (deve ser assinad a p or to dos

institui~ao(6es)

Certifico que participei na concep~ao do trabalho, em parte ou na integra, que nao omiti quaisquer liga~6es ou acordos de financiamento entre os autores e companhias que possam ter interesse na publica~ao deste artigo. Certifico que o texto e original e que o trabalho, em parte ou na integra, ou qualquer outro trabalho corn conteudo substancialmente similar, de minha autoria, nao foi enviado a outra revista e nao o sera enquanto a sua publica~ao estiver sendo a ser analisada pela Revista Interven~ao Social. Temas de Servi~o Social e Interven~ao Social, quer sejam no forma to impresso ou electr6nico. Assinatura: Data:

Modelo de Termo de Transferencia de Direitos de Autor (deve ser assinado por todos os autores) Titulo: Autoria: 0 autor abaixo-assinado transfere todos os direitos d e autor do artigo para a Revista Interven~ao Social. Temas de Servi~o Social e Interven~ao Social, sendo vedada qualquer reprodu~ao, total ou parcial, em qualquer outra parte ou meio de divulga~ao, impressa ou electr6nica, sem que a previa e necessaria autoriza~ao seja solicitada e, se obtida, farei constar o competente agradecimento a revista. Assinatura: Data: Endere~os para o envio dos textos: - Online para: - socialjorge@sapo.pt - duartevilar@apf.pt Pelo Correio postal para:

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Revista Interven'_;ao Social. Temas de Servi'_;o Social e Interven'_;ao Social Universidade Lusiada Lisboa Instituto Superior Servi'_;o Social Ava da Junqueira n째 188 a 195 1349 - 001 Lisboa Portugal

Lusiada. Interven c;:ao Social, Lisboa, n. 0 37 [1 sem estre de 2011]

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