Intervenção Social - 30

Page 1


I NTERVEN<;:AO SOCIAL ANO XIV -

DEZEMBRO 2004

N.<2

30

INSTITUTO SUPERIOR DE SERVIC:O SOCIAL LISBOA - BEJA

CESDET- Cooperativa de Ensino Superior de Desenvolvimento Social, Econ6mico e Tecnol6gico, CRL


INTERVEN~AO

SOCIAL

ANO XIV- DEZEMBRO 2004- N.c:? 30

Director Dirw;:ao da CESDET- Joaquim Croca Caeiro Subdirectores Direct;:ao do Instituto Superior de Servit;:o Social de Lisboa- Jorge Ferreira Direct;:ao do Instituto Superior de Servit;:o Social de Beja Joaquim Caeiro Conselho de redacriio Sarah Banks (Universidade de Durham), Josefina Figueira-McDonought (Universidade Estatal do Arizona), Maria Carmelita Yazbek (Pontificia Universidade Cat6lica de S. Paulo), Octavio Vazquez Aguado (Universidade de Huelva), Lena Dominelli (Universidade de Southampton), Christine Labonte-Roset (Faculdade de Servit;:o Social de Berlim), Duarte Vilar (ISSSL), Maria ]Ulix Cardoso (ISSSL), Elza Pais (ISSSL), Maria Jose Guerra (ISSSB), Ana Paula Fitas (ISSSB), Eduardo Tome (ISSSB) Coordenariio cientijica Jorge Ferreira Coordenariio editorial e revisiio Rita Galvao Secretariado Administrativo Carla Rufino Periodicidade Semestral Propriedade CESDET- Cooperativa de Ensino Superior, Dcscnvolvimento Social, Econ6mico e Tecnol6gico, CRL EdifiiO e assinaturas CESDET- Unidade de Comunicas:ao, Edi<;:ao c Marketing R. Luciano Cordeiro, 90- 6. 0 - 1150-218 Lisboa Telcf.: 21 351 20 40 Fax: 21 351 20 59 c-rnail: editorial@cesdet.pt www.cesdet.pt

Apoios

JJ

hsnTL'lO PoRlTGl'L~ oo Lrvrw r DA'i BmuorEcAs

Assinaturas: Assinatura anual 2005 (N.o 31 e 32) Portugal: Estudantes Particulares Institui<;:6es

€ 27,00 € 28,80 € 32,40

Estrangeiro: € 40,00 Europa Timor, S. Tome e Principe e Guine € 35,00 Resto do Mundo € 45,00

Grafismo e impressiio Grifos- Artes Graficas, Lda. Cabe<;:o de Montachique 2670-741 Lousa LRS

M! \h-..:I.sThuo DA

DistribuifiiO Quarteto Alameda Calouste Gulbenkian Centra Comercial Prirnavera, lote 5, Loja 15 3004-503 Coimbra Tiragem 2000 exemplares

Deposita legal: 18 980/95 ISSN: 0874 -1611 N. 0 de registo no ICS: 110761 N.o 30 P.V.P: € 16,00

FCT Funda10ao para a Ciencia e a Tecnologia CtT!TH·\

Fundo de Apoio

a Comunidade Cicntffica (FACC)


Sumario

5

I

Editorial Artigos Politicas Sociais e }ovens ern Desvrmtagem Social

11

Daniel Carolo

43

I

"Que Direitos para os de-:J(worccidos?"- 0 Direito de lnformar;ao e a acr;ao social autdrquicrt Marina Tavares

57 I

Questionar as Prdticas Socifli.rjunto da Crianr;a I }ovem - Da reflexao a uma propo.1路tr1 de intervenr;ao do Servir;o Social Jorge Ferreira

97

Exclusao }uvenil em Portugrd: pistas para uma reflexao Ines Amaro

109

I

Da Desorganizar;ao Socird r't (Nao) lntegrar;ao -!migrantes de Leste Sem Abrigo na Cidade de Lis boa Ines Soares

143 I

Mobilizar;ao e Participaf路ao dosjovens em Perigo no Projecto Rua: percepr;oes e significados Ana Rosalina Mata, Pedro Humberto Lopes, Rute Ramos

183 I

A transir;ao para a vida adulta mas... o que eser adulto?. As prdticas e representar;oes sobre o que eser adulto em Portugal Filomena Sousa


201

I

Vitimas de Abusos Sexuais. Da Intervenr;iio Individual a Intervenr;iio em Rede. Marlene Rodrigues

213 I

Tecnicas em Rede: um desafio Ana Oliveira

225 I

Modelo de Escola de Pais para Pais- Promor;iio de competencias parentais na Prevenr;iio Primdria da toxicodependencia Regina Vieira

259 I

Resumes I Abstracts Outros

269

I

Resumos de Teses de Mestrado

275

Normas para apresentar;ao de originais

279 I

Programa dos 70 anos

283 I

Assinaturas


IxTERVENc,::.-\o SociAL, JO, 2004: 5-B

Editorial Este mimero da revista lntervem;iio Social denominado «Servi<_,:o Social vs Crian<_,:as e Jovens» constitui-se como documento ilustrativo do conhecimento produzido no dominio cienr{fico do Servi<_,:o Social na area das Crian<_,:as e Jovens. Presentemente, estamos perante a emergencia de urn novo marco que se configura na revisao da Lei de Menores de 1998, designada «Reforma do sistema de execu<_,:ao das penas e medidas». Revisao esta que levou a separa<_,:ao das Crian<_,:as e }ovens em risco das Crian<_,:as e Jovens infractores, integrando os primeiros no ambito da interven<_,:ao Social 1 (do Ministerio do Trabalho e da Seguran<_,:a Social) e os segundos no ambito da interven<_,:ao J udicial 2 (do Ministerio da J usti<_,:a). Em conformidade corn a legisla<_,:ao de menores em vigor em Portugal, esta prop6e o desenvolvimento de dois modelos de interven<_,:ao profissional: urn, de protec<_,:ao para as Crian<_,:as e Jovens em risco, e outro, educativo para as Crian<_,:as e }ovens infractores. Verifica-se, assim, que os dispositivos de resposta aos problemas da crian<_,:a, tern evolufdo no sentido de uma autonomiza<_,:ao da esfera do poder politico ou governativo. Se, nas disposi<_,:oes legais de 1911 (lei de protec<_,:ao infancia), a inrerven<_,:ao era quase exclusivamente dos tribunais e institui<_,:6es publicas viradas para a protec<_,:ao e preven<_,:ao, as disposi<_,:oes da Organiza<_,:ao Tutelar de Menores de 1962 e de 1978 apontam para a diversifica<_,:ao e refor<_,:o do papel dos parceiros na aplica<_,:ao da Justi<;a de menores, e a lei de protec<_,:ao e a lei tutelar educativa apelam a uma interven<_,:ao interdisciplinar sustentada na filosofia do partenariado e da interven<_,:ao em Rede.

a

1 Lei 147/99, de 1 de Setembro, «lei de proteo;:ao das crian<;:as e jovens» 'Lei 166/99, de 14 de Setembro, «lei tutelar educativa>>


6

I

lnterven~ao Social ----

----~·--~--··

A legislac;:ao apresenta mudanc;:as, no sentido de entender a Crianc;:a enquanto sujeito de direitos reconhecendo a Cidadania da Infancia, mudanc;:as conceptuais que assumiram importancia nas praticas sociais de prevenc;:ao, acolhimento, formac;:ao e protecc;:ao. No ambito das respostas sociais destacam-se nos anos 80 os Centros de Observac;:ao Social, os Institutos Medico-Psicologicos e os lares de internato e semi-internato, enquanto resultado de uma preocupac;:ao integradora da Crianc;:a/Jovem na sociedade. A Organizac;:ao Tutelar de Menores de 1978 privilegiou a familia e o seu papel na protecc;:ao da Crianc;:a/Jovem, reconhecendo a sua importancia na aplicac;:ao de medidas decretadas pela Intervenc;:ao Judicial. A intervenc;:ao nao estatal e alargada na decada de 80, corn o aparecimento de uma grande diversidade de instituic;:6es sob a designac;:ao de Instituic;:6es Particulares de Solidariedade Social, Linhas Telefonicas (ex.: S.O.S- Crianc;:a) e pelas Comissocs de Protecc;:ao de Menores. A especializac;:ao da intervem,:ao tcm obrigado a uma adequac;:ao das metodologias e a uma partilha de cxpcriencias profissionais, pois as instituic;:oes totais ja nao fazem sentido. Tambem na decada de 80, o prohlcma da crianc;:a ganha uma nova dimensao coma publicac;:ao das Rcgras Mfnimas das Nac;:6es Unidas para a Administrac;:ao da Justic;:a de Mcnorcs, dcnotninadas «Regras de Pequim» (resoluc;:ao 40/33- Assembleia Cera! das Nac,:ocs Unidas). As Regras de Pequim recomcndam aos Fstados Membros: -a promoc;:ao de politicas sociais de hem estar da Crianc;:a e da sua familia; -a criac;:ao de condic;:6es que assegurem a Crianc;:a/Jovem uma vida saudavel e imegrada na comunidadc. Urn dos problemas que afecta a crianc;:a, e que ganhou maior atenc;:ao por parte do Governo e das politicas comunitarias, e o problema da crianc;:a em risco e maltratada. No final dos anos 90 e inicio do sec. xxr no quadro legislativo em vigor destacam-se as Comiss6es de Protecc;:ao de Crianc;:as e J ovens instaladas

INTERVEN<;Ao

SociAL,

30, 2004


lntcrvcn~ao Social

I7

em todos os Munidpios de Portugal e os centros educativos integrados no Instituto de Reinser<;:ao Social. Entre as medidas e acc;:oes descnvolvidas pelo Parlamento Europeu, destacam-se: - Convenc;:ao do Conselho da Europa sabre o exerdcio dos Direitos da Crianc;:a (Estrasburgo 25 de Janeiro de 1996); - Declarac;:ao aprovada em Estocolmo (27-31 de Agosto de 1996); sob re a explorac;:ao sexual de cri a tH,:as para fins comerciais; - Resoluc;:oes sabre medidas de prorccc;:ao das Crianc;:as e ]ovens na Uniao Europeia, de 6 de Novcmhro de 1997, sabre a luta contra o turismo sexual envolvendo crianc;:as. Considerando que os Direitos da ( ~rianc;:a e do Jovem ti~m de ser respeitados e defendidos em todo o mtmdo, a Uniao Europeia tern, por clever, contribuir no seu territorio c 110 ;'\mbito das suas relac;:oes, corn os paises terceiros, fazer respeitar esres d i rcitos. Esta tern ainda solicitado aos Estados- Membros que apliquem intcgralmente a Convenc;:ao das Nac;:oes Unidas sabre os Direitos da Crianc,:a. 0 presente numero congrega art igos de autores corn experiencia de dod~ncia, de investigac;:ao, de exerdcio profissional e "jovens" autores recem-licenciados pelo Instituto Superior de Servic;:o Social de Lisboa. Este numero da revista disponibiliza ao leitor uma reflexao, por Daniel Carolo sabre urn modelo de politico-social assente na defesa de uma perspectiva integrada no sentido de garantir a satisfac;:ao das necessidades humanas e a realizac;:ao do bem-estar, Marina Tavares prop6e ao leitor uma analise sob re o conceito de direito de in formac;:ao, aplicado aos utentes dos Servic;:os Sociais, de forma a garantir o cxerdcio plena da cidadania. 0 artigo de Jorge Ferreira, constitui-se coma documento de reflexao e debate no quadro da intervenc;:ao do Scrvic;:o Social atraves do processo de questionac;:ao das praticas sociais dcscnvolvidas junta da crianc;:a/jovem, apresentando uma proposta de intervenc;:ao do Servic;:o Social. "Exclusao juvenil em Portugal: pistas para uma reflexao" e o tema do texto de Ines Amaro que promove um debate teorico em torno da tematica da exclusao social juvenil em Portugal, desenvolvendo uma proposta INTERVENyAo

SociAL,

30, 2004


8

I

!nterven<;ao Social

de intervenc;:ao em que coloca o Servic;:o Social como profissao privilegiada de resposta as necessidades efectivas dos cidadaos. Ines Soares, apresenta-nos uma analise tecnica sobre a presenc;:a de imigrantes dos pa!ses da Europa do Leste em Portugal, enquanto fen6meno recente e que manifesta sinais de vulnerabilidade e processos de exclusao social dos sem abrigo. Tambem o conceito de Prevenc;:ao na Intervenc;:ao Social corn jovens em situac;:ao de perigo e tema de aprofundamento no artigo de Ana Mata, Pedro Lopes e Rute Ramos. Aprofundando o conhecimento sobre os jovens, Filomena Sousa apresenta-nos dados da sua investigac;:ao sobre a transic;:ao para a vida adulta, questionando "o que e ser adulto?". Marlene Rodrigues Lourenc;:o, inquieta o leitor corn o artigo sobre v1tima de abusos sexuais, propondo urria reflexao sobre urn paradigma te6rico e tecnico-pratico que problematize o processo de uma intervenc;:ao individual a intervenc;:ao em rede. Ana Oliveira, explora no seu artigo, as tecnicas de intervenc;:ao em rede, apresentando-as como desafio para a intervenc;:ao social. Regina Vieira, apresenta-nos urn Modelo de Escola de Pais para Pais sustentado na promoc;:ao de competencias parentais na prevenc;:ao primaria de toxicodependencia realizado no concelho de Odivelas. 0 conjunto dos artigos que constituem este nt'unero da revista Intervem;!io Social produzem urn conjunto de reflex6es que ajudam e contribuem para a melhor compreensao da dimensao social do problema da crianc;:a e para o aprofundamento das praticas sociais em particular dos seus modelos e tecnicas de intervenc;:ao. Dado o interesse reflexivo e problematizador dos diferentes metodos e tecnicas de intervenc;:ao social no quadro das praticas sociais promotoras de acc;:oes de Bem-estar Social para a Crianc;:a, convido todos a lerem e a fazerem esta viagem pelo mundo da Intervenc;:ao Social junto da Crianc;:a guiada pelos diferentes autores.

Jorge Ferreira

INTERVENc;"\o SociAL, JO, 2004


Artigos



I:--:TERVE"i'-:<;:Ao

Daniel Fernando da Soledade

CAROLO

SocrAL, 30, 2004:

11-41

*

Politicas Sodais e }ovens em desvantagem social**

Este artt;~o pretende serum contributo para a refiexlio de um modelo de polfticas sociais assente na defesa de uma perspectiva integrada. Esta ideia e fimdamentada, por um !ado, na constatar;lio emp!rica das imimeras lacunas, e ate mesmo da incapacidade, das respostas das politicas sociais, e, por outro, no potencial inquestiondvel da Polftica Socialna articular;lio de pol!ticas no sentido de garantir a satisfor;ao das necessidades humanas e a realizar;iio do bem-estar. Palavras-Chrwe: Politicas Sociais - Necessidades Humanas - Necessidades Bdsicas- Desvantagem Social- 11-tl)ectdrias de Vida

Apresenta~ao

Este artigo tern por base o trabalho de investiga<;:ao realizado, em conjunta corn Ana Helena Jorge Cabral Nunes, no ambito do seminario de investiga<;:ao em interven<;:ao em servi<;:o social e pollticas sociais do ultimo ano da licenciatura em Servi<;:o Social, no ano lectivo 2002/2003, subordinado ao tema Respostas das Politicas Sociais as Necessidades dos }ovens em Situa<;ao de Desvantagem Social. Esse trabalho partiu de tn~s objectivos principais: Compreender as trajectorias de vida de jovens em situa<;:ao de desvantagem social, analisando a rela<;:ao entre necessidades e respostas das pollticas sociais; Avaliar a * Licenciado em Servi<;:o Social e Mestrando cm Economia Politica Social no ISEG. ** Artigo extraido da tcse de licenciatura do 5. 0 ano, que recebeu o 1.0 premia do fundo Honorato Rosa.


12

I

Daniel Fcrnando da Solcdade Carolo

imporrancia destas respostas na trajectoria de vida desses jovens; Apresentar contributos para a formulac;ao de uma proposta de polftica social integrada para os ]ovens em situac;ao de desvantagem social. Quanta a estrutura<;ao deste artigo, numa primeira fase, sera explicitado o problema social que lcgitimou a realizac;ao desta investigac;ao e enunciadas as principais referencias teoricas e metodologicas que o enquadraram. Numa segunda fase proceder-se-a a apresentac;ao das principais conclusoes que resultaram do desenvolvimento do processo de investigac;ao. No entanto, este artigo pretende tambem construir, a partir das conclusoes referidas, uma reRexao actual sobre as respostas das politicas sociais, que sera desenvolvida no t'dtimo ponto.

1. Conceptualizac;:ao do problema social 0 Problema Social, sabre o qual incidc a an~ilise deste trabalho, e a integrac;ao dos jovens, especificamente dos jovcns cm desvantagem social. A opc;ao por este tema justificou-se pela const ata~;io empfrica, a partir das experiencias profissionais de intervenc;ao, da vlllncrahilidade dos jovens e das suas dificuldades de autonomizac;ao, agravada.s peLts limitac;oes das respostas das polfticas sociais na satisfac;ao das stus neccssidades, sobretudo nas situac;oes de maior risco e vulnerabilidadc social. A complexidade deste problema social dcvc scr compreendida a partir da articulac;ao entre contexto de dinamicas sociais que configura a condic;ao juvenil e as traject6rias de vida dos jovens, cujas especificidades lhes conferem uma situac;ao de desvantagcm socirtl. Sobre a condic;ao juvenil, Robert Caste! (2001) apresenta-nos uma descric;ao exemplar da sua ambiguidade ao considcrar que os jovens de hoje nao sao: nem representantes das classe laboriosas, ainda que as vezes trabalhem, nem emanac;ao das classes perigosas, ainda que cometam, havendo oportunidade, aetas delituosos, nem verdadeiramente pobres, pais nao o sao resignados nem assistidos e se vi ram no quotidiano; nem expressao de uma cultura espedfica de gueto, porque partilham os valores culturais e consumistas da sua classe de idade; nem compleINTERVE:--,'~~.:\o SociAL, JO, 2004


Pollticas Sociais c Jovcns em desvantagem social

I

13

tamente estranhos a ordem escolar, porque sao escolarizados, porem mal, etc., eles nao sao nada disso e, ao mesmo tempo, sao urn pouco de tudo isso. Interrogam todas as instancias de socializas:ao, mas nenhuma lhes pode responder. Suscitam uma questao transversal, sabre a qual se pode dizer que e a questao da sua integrar;iio e que se declina segundo multiplas facetas: em relas:ao ao trabalho, ao quadro de vida, a pol!cia e a justi<;:a, aos servis:os pt'tblicos, a educas:ao ... Problema de ter lugar na sociedade, isto e, ao mesmo tempo e correlativamente, uma base solida e uma utilidade sociais." (Castel, 2001: 544-545). Estes aspectos da condi<;:ao juvenil sao decorrentes de vivermos hoje num "Runaway World" (Giddens, 2000) marcado par urn sentimento temporal de incerteza verifidvel pela particularidade sociologica que actualmente se vive "numa sociedade em que os idosos estao mais garantidos quanta ao futuro do que os jovens" (Castel, 2001: 570). Basta recordar que os jovens sao o grupo etario mais afectado pelo desemprego. No caso de Portugal importa ainda nao ignorar que, segundo a agencia Habitat das Na<;:6es Unidas, 22% da populas:ao "esta em risco de pobreza" ou "vive corn urn salario que equivale a menos de 60% da media nacional" (Jornal Expresso, 18/09/2004), o que aliado ao elevado abandono escolar, entre int'tmeros outros aspectos, e associado as limita<;:6es do Estado Providencia, constitui urn contexto de maior vulnerabilidade social. Par isso, os jovens sao quem sofre de fon:na mais aguda a amea<;:a de urn futuro incerto e pouco controlavel (cf. Castel, 2001: 571). Importa ainda ter presente que estas novas dinamicas, genericamente designadas de processos de globalizas:ao, transformaram os quadros de vida dos jovens, complexificando-os, e, sobretudo, atribuindo-lhes uma nova condi<;:ao de vulnerabilidadc, scja pclos riscos inerentes a propria condi<;:ao juvenil, seja par outros problemas sociais mais abrangentes coma sejam a inser<;:ao profissional e a integras:ao social. Estas sao especialmente visiveis nas transformas:oes dos modelos de transis:ao para a vida adulta, cujos modelos assumem novos contornos. Dentro destes merecem ser destacados os aspectos referentes a sua nao linearidade e ao atraso no processo de autonomiza<;:ao. A utiliza<;ao do conceito de desvantagem social, embora eventualmente polemica, deveu-se a necessidade de conceptualizar a situa<;:ao dos


14

I

Daniel Fernando da Soledade Carolo

jovens cujas trajectorias de vida evidenciam "diferentes combina<;6es" das seguintes caracteristicas: disfun<;6es e rupturas familiares, evidenciadas por dificuldades de relacionamento, ou mesmo abandono definitivo da familia; contextos de vida marcados por fenomenos de pobreza e exclusao social e propensos asua transmissao geracional; experiencias de rela<;ao corn servi<;os de apoio social, em muitos casos corn experiencia de institucionaliza<;ao (vida em colegios); ruptura corn o sistema de ensino, marcada pelo seu abandono precoce (incumprimento da escolaridade obrigatoria); experiencia de sofrimento, muitas vezes corn repercuss6es negativas ao n!vel da saude mental (depressao, esquizofrenia), da capacidade de estabelecer rela<;6es afectivas (inseguran<;a, carencia) e do estigma de "trazer consigo" a marca de ser pobre/exclu!do; marginalidade e delinquencia, pelo recurso a vida na rua, a esquemas tipo biscates (arrumar can路os), pdticas il!citas (drogas, prostitui<;ao), ate ao crime (furtos, roubos, td_fico). E precisamente a presen<;a destas catacteristicas na sua trajectoria de vida que os diferencia de outros jovens, dado que estas lhes conferem uma situa<;ao de desvantagem social, verifidvel pelas dificuldades e riscos, para a satisfa<;ao das suas necessidades a diferentes, mas indissoch\veis, n{veis: socio-familiar cstabclccimcnto de rcla<;ocs significativas, dadas as disfun<;6es familiarcs (isolamcnto/auto-subsistcncia), que por sua vez tarnhem tern repercussocs ao nivcl da satisfa~:ao de outras ncccssidades coma 0 rendimento, habita<;ao, alimcnta<;ao, vcstuario, cuidados de saude; socio-cultural - forma<;ao escolar/profissionallcivica e consequente diminui<;ao de oportunidades de emprego, scndo este o principal mecanismo de inclusao social, nao esquecendo, porem, a import<'lncia dos aspectos de frui<;ao, participa<;ao e cria<;ao cultural; pessoal - em ultima analise, todos os elementos referidos limitam a sua capacidade de autonomiza<;ao e parnopa<;ao. Por outro lado, importa destacar que estas caracteristicas e dificuldades permitem inserir estes jovens numa categoriza<;ao de quatro situa<;6es dpicas de conjuga<;ao de factores impeditivos de inser<;ao profissional: popula<;ao corn dificuldade de inser<;ao profissional, devido a baixas qualifica<;6es escolares e profissionais; indiv1duos e fam!lias em situa<;ao de pobreza persistente; pessoas corn handicaps espedficos (ex. doen<;as do foro ps!quico); indiv!duos corn modos de vida marginais (cf. Capucha,

1998: 66-67). INTERVENc;Ao

SociAL,

30, 2004


Politicas Sociais e ]ovens em desvantagem social

I

15

Numa perspectiva de transic;ao para a vida adulta e integrac;ao social, tanto as caracteristicas apresentadas como as dificuldades que lhe estao inerentes constituem 0 que se poded. designar por potencial negativo de autonomiza(iio, configurando uma situac;ao de desvantagem social. Para inverter esta situac;ao de desvantagem social, que se caracteriza fundamentalmente pela incapacidade de suporte social do principal agente de socializac;ao e por inerencia de sobrevivencia (a Familia), as politicas sociais assumem-se como o instrumento principal de promoc;ao e garantia de integrac;ao social, tornando-se por isso imprescindivel o seu estudo, privilegiando a anaJise da efectividade das suas respostas.

2. Enquadramento teorico e metodolOgico Dada a complexifica(iio dos modos de vida dos jovens e consequentemente dos seus processos de autonomizac;ao, decorrentes do contexto de novas dinamicas sociais, apresentadas no ponto anterior, descobrir, conhecer e procurar compreender os seus percursos, tra'fOS e contextos de vida assume uma grande impordncia. Assim, de acordo com os objectivos desta investigac;ao foram definidos dois eixos de analise: ]ovens em situac;ao de desvantagem social e Politicas Sociais. Para o estudo dos }ovens seguiu-se a perspectiva de Jose Machado Pais (2000 e 2001), privilegiando as seguintes dimensoes: trajectorias, partindo da sua reconstituic;ao segundo uma abordagem diacronica; necessidades humanas numa logica dialectica entre necessidades sentidas e as respostas das politicas sociais; expectativas, abordando o futuro, segundo o seu ponto de vista. No que se refere a analise das trajcct6rias, tal como refere Jose Machado Pais "o que genericamcntc propomos e a ruptura em relac;ao as teorias da «etiquetagem» e da «estigmatizac;ao» centradas na noc;ao de «desvio» ou de «desenquadramcnto». Interessam-nos mais os quadros de vida juvenis e o que nesses quadros os jovens inscrevem: os seus trac;os de vida" (Pais, 2000: 10). As vertentes que serao estudadas, quanto a dimensao das necessidades humanas, situam-se no ambito do trabalho desenvolvido por Doyal e Gough (1991), em que a partir do quadro de necessidades humanas, construido por estes autores e da analise das trajectorias de vida destes lNTERVENc;:Ao SociAL,

30,

2004


16

I

Daniel Fernando da Soledade Carolo

jovens, se procuran1 identificar as suas necessidades numa perspectiva integrada, corn vista a sua "Autonomia de Agencia e Autonomia Cdtica" e nao apenas no ambito das tradicionais e compartimentadas necessidades de subsistencia. Quanto a dimensao expectativas, serao exploradas as percepc;:6es dos jovens sobre as possibilidades e oportunidades para a sua transic;:ao e autonomizac;:ao para a vida adulta. 0 eixo Politicas Sociais articular-se-a necessariamente corn o primeiro, no sentido de avaliar a resposta das politicas sociais face as trajectorias, necessidades espedficas e expectativas dos jovens em situac;:ao de desvantagem social, procurando compreender as implicac;:6es destas nas suas trajectorias de vida, tendo como referencia teorica a critica de Alfredo Bruto da Costa (1999) as politicas sociais sectoriais e a sua proposta de transic;:ao para uma Politica Social Imegrada. Assim, a orientas:ao metodol6gica deste estudo privilegiou uma abordagem qualitativa de natureza exploratoria, na medida em que pretendeu estudar o quotidiano simbolico dos jovcns, atraves da reconstituic;:ao das suas trajectorias de vida a partir dos seus discursos. Mesmo a analise das respostas das politicas sociais centrou-sc quer na avaliac;:ao da sua imporrancia na vida dos jovens, quer na explorac;:ao de contributos de especialistas, numa perspectiva aberta para uma Politica Social Integrada. Dada a orientac;:ao qualitativa desta investigac;:ao, importa explicitar alguns dos prindpios orientadores que lhe estao subjacentes: Em primeiro lugar, destaca-se o seu canicter aberto, procurando evitar aquilo que Bourdieu refere como urn erro epistemologico que consiste "em fazer como se as construc;:6es que o cientista tem de construir para dar razao das praticas, para delas dar razao, fossem o prindpio determinante das praticas" (Bourdieu, 1997: 158). Outro prindpio importante ea procura de uma "metodologia da P6s-Linearidade" (Pais, 2001: 85). Assim numa investigac;:ao "uma das positividades e a ideia de nao-linearidade, a ideia de que nos sistemas complexos as func;:6es nao sao lineares e, por isso, ao contrario do que ocorre nas func;:6es lineares, uma pequena causa pode produzir urn grande efeito" (Santos, 2002: 75). Decorrente dos prindpios acima explicitados, a investigac;:ao qualitativa exige urn "paradigma de complexidade" (M01¡in, 1982: 236) que "ao mesmo tempo disjunte e lNTERVE"'c;:.:\o SociAL, 30, 2004


Pollcicas Sociais e Joyens en1 desvancagern .')Ocial

I

17

associe, que conceba os n{veis de emergencia da realidade sem reduzi-los as unidades elementares e as leis gerais" (idem: 219). 0 universo deste estudo, para os sujeitos empidcos l, e constituido pelos jovens que sao acompanhados pelo Sector de Ac<;:ao Social da institui<;:ao C. Foi definida uma amostra de tipo intendonal, constituida por tres jovens: o Fabio de 17 anos, o Manel de 22 e a Catarina de 18 anos. A sua constitui<;:ao procurou responder a necessidade de ilustra<;:ao, privilegiando, de acordo com os objectivos desta pesquisa, a profundidade da analise a realizar sabre a trajectoria de vida de cada jovem em detrimento da sua abrangencia pois a "relevancia deste tipo de amostra nao reside na pretensao de representa<;:ao de uma popula<;:ao com o objectivo da generaliza<;:ao de resulrados; em contrapartida, procura-se aprofundar o nivel de conhecimento de realidades cuja singularidadc e, por si, significativa" (Pais, 2001: 110). Para os sujeitos empiricos 2 o universo c constituido pelos especialistas nos dominios das politicas sociais e de juvcntude. Importa referir que estes especialistas sao pessoas cuja responsahilidade profissional abrange estes dominios, independentemente do scu campo de actua<;:ao, ate pot路que se pretendeu conseguir uma relativa divcrsidadc e abrangencia neste dominio. Esta amostra foi tambem do tipo intcndonal. Na sua constitui<;:ao procurou-se considerar diferentes dominios de interven<;:ao, no sentido de permitir explorar 0 cruzamento de d if(:rcn tes perspectivas de analise das respostas das poliricas sociais. As si m, csL1 cconstituida por G especialistas: Coordenadora da area das pollticas sociais, do Instituto de Solidariedade e Seguran<;:a Social; Delegado Region a I de Lis boa do Instituto de Reinser<;:ao Social; Responsavel do mklco de informa<;:ao e orienta<;:ao profissional, Instituto de Emprego e Forma<,':io Profissional; responsavel por uma institui<;:ao da sociedade civil com cxpcriencia de interven<;:ao com jovens - Vice-Presidente da Direc<;:ao e Coordcnadora do grupo de jovens da associa<;:ao Moinho da Juventude; lnvcstigador academico nos dominios da sociologia da juventude - Professor Doutor Jose Machado Pais; Medica Pedopsiquiatra - Dr. Pedro Strecht. No que se refere as estrategias de pesquisa este trabalho contempla duas: a abdutiva e a indutiva. A estrategia abdutiva baseia-se na teoria da Fenomenologia. E de natureza exploratoria e compreensiva (cf. Blaikie, 2000), ou seja pretende-se atraves desta, recolher, essencialmente, as perI NTER\'E:-\c;:.\o

SociAL, 30, 200.1


18

I

Daniel Fernando da Soledadc Carolo

cepc,:6es dos actores sociais, neste caso dos jovens. A estrategia indutiva fundamenta-se na corrente Positivista, tendo urn cad.cter essencialmente exploratorio (cf Blaikie, 2000). Pretende-se, a partir da amostra de especialistas (sujeitos 2 do objecto empirico) no dominio das politicas sociais e de juventude, recolher contributos possiveis de serem generalizados como formulac,:ao de uma proposta de pol1tica social integrada. Quanto as tecnicas de investigac;:ao utilizadas na operacionalizac,:ao emp1rica importa destacar as seguintes: a pesquisa bibliognifica que se apresenta como uma tecnica transversal cujo objectivo consiste em fundamentar teoricamente e estimular novas perspectivas de analise e 0 metodo biografico fundamental na operacionalizac,:ao emp1rica do eixo -}ovens em Situac,:ao de Desvantagem Social - envolvendo quer a entrevista biografica quer a analise de conteudo destas entrevistas. Jose Machado Pais (2001) coloca como desafio da investigac,:ao qualitativa, segundo 0 metodo biografico (que inclui tanto a tecnica da entrevista como a tecnica de analise de conteudo), a passagem "dos relatos aos conteudos de vida". Foi este o desafio a que este trabalho, no seu ambito de aplicac,:ao, procurou responder, "atravcs de urn labor interpretativo" (Pais, 2001: 113) na anal ise de contetido. Este labor interpretativo implica um esforc,:o de desconst;路ufilo c rcconstrujiio dos relatos em que "as historias de vida sao aprecndidas numa discursividade linear que e posteriormente decomposta para, a partir dos fragmentos decompostos, se mostrar uma nova composic,:ao, desta feita analltica" (idem: 102) 0 que esd. em causa e a procura "em aprofundar o n1vel de conhecimento de realidades cuja singularidade e por si significativa" (Pais, 2001: 109-110), isto e, cada vida vale por si mesma como urn exemplo suficientemente ilustrativo da vida. A complexidade de todo este processo residira na necessidade de enquadrar cada relato no ambito da totalidade de uma vida cuja turbulencia e imposs1vel de ser narrada, mas que por diversos sinais esd. implicita nessa narrativa. Uma entrevista apenas vale como uma fotografia, parcial, de uma vida, mas simultaneamente vale por ser uma parte integrante dessa mesma vida. Por isso, e necessaria procurar desvendar as suas ligac,:oes quer ao n1vel dos contextos, quer ao n1vel do proprio decurso dessa vida. 0 eixo - Pol1ticas Sociais - operacionalizou-se atraves das seguintes tecnicas: pesquisa documental e entrevista semidirectiva, direccionada 1NTERVI路:01<;.\o SociAL, 30, 2004


Pollticas Sociais e Jovcns cn1 dcsvanragcm social

I

19

para a abordagem corn os especialistas. Ainda no que diz respeito a analise de conteudo, procedeu-se a uma categorizac,:ao das perspectivas/contributos no ambito da formulac,:ao de uma proposta de Politica Social Integrada para os Jovens em situac,:ao de desvantagem social. No que respeita a defini~ao do campo empirico estabeleceu-se para o estudo dos jovens (sujeitos 1 do objecto empirico), o C. enquanto Instituic,:ao Particular de Solidariedade Social (IPSS). Para os especialistas no domini a das politicas sociais e de juventude (sujeito empirico 2), o campo empirico corresponde aos servi<;:os/instituic,:oes onde os especialistas constituintes da amostra desempenham func,:6es.

3. Apresenta<;:ao das prindpais condusoes Neste panto pretende-se fazer uma breve apresentac,:ao dos principais dados resultantes do processo de investigac,:ao. Em primeiro lugar sera apresentada uma analise interprerariva sabre os contet!dos de vida destes jovens, na medida em que esta consrirui a base imprescindivel para o desenvolvimento da analise das outras dimens6es (par isso foi a que requereu urn maior investimento empirico) coma as necessidades e expectativas dos jovens, assim coma da aval ia~路:io das respostas das politicas sociais as necessidades dos jovens em situa<,:iio de desvantagem social.

3.1. Dos relatos aos conteudos de vida: uma perspectiva interpretativa Tendo coma base a reconstitui~::io das traject6rias de vida dos jovens entrevistados pretende-se realizar uma explora<;:ao dos pedis sociais destes jovens, seguida de uma analise imerpretativa dos seus relatos de vida, numa perspectiva de apreensao dos contet'!dos de vida. Quanta a explora<;:ao dos pedis sociais destes jovens e possivel definir algumas caracteristicas comuns ou regularidades presentes nas tn~s traject6rias de vida reconstituidas. No que respeita a vida familiar, verifica-se a existencia de situa<;:6es de violencia, a ocorrencia de rupturas, isto e, abandono do lar e de situac,:6es de pobreza geracional, as quais estao associados factores coma as baixas qualificac,:6es escolares e profissionais dos pais, bem coma a precariedade dos vinculos de emprego. Quanta aos molNTERVEN<;:.\o SociAL, 30, 200.J.


20

I

Daniel Fernando da Soledadc Carolo --------

dos de vida, os tres jovens estudados tern percursos corn experiencias de vida marginal corn ou sem evolu<;:6es delinquentes. Coma consequencia destes modos de vida, ja todos tiveram contactos corn a pollcia e passaram por situa<;:6es de institucionaliza<;:ao na esfera da Justi<;:a. Decorrente dos aspectos anteriores constata-se, tambem ao nivel pessoal, urn quadro comum de situa<;:6es de problemas de saude mental ou pelo menos de risco e preocupa<;:ao pessoal corn este aspecto, coma no caso da Catarina quando questionada sobre os seus medos em rela<;:ao ao futuro: As vezes penso nisso ... Nao sei ... acima de tudo acho que e enlouquecer! (Catarina). 0 percurso escolar e a dimensao que apresenta maiores diferenyas, 6. 0 ano, 9. 0 ano e 12.0 ano de escolaridade, respectivamente, verificando-se urn paralelismo entre esta diferencia<;:ao e o nivel de responsabilidade e maturidade evidenciado, que consequentemente determina tambem uma diferencia<;:ao no seu potencial de inser<;:ao profissional e capacidade de autonomiza<;:ao. No ambito de uma perspectiva interpretativa que procure a passagem dos relatos aos contetidos de vida, apos a explora<;:ao dos perfis sociais importa procurar descobrir os principais aspectos elucidativos destes mesmos contetidos. 0 primeiro aspccto a dcstacar rd(:rc-sc ao signifi'cado que estes tres exemplos de percursos de vida assumcm: sao "estranhos" (Garcia, 2000). 0 facto de serem estranhos deriva essencialmente de duas raz6es: a primeira refere-se ao desconhecimento existente em rela<;:ao a estes modos de vida marginais, que tantas vezes sao ignorados e/ou nao compreendidos; a segunda aponta para urn aspecto mais complexo, que e 0 facto de, ainda que marginais, estas traject6rias serem parte integrante da nossa realidade e, por isso mesmo, resultantes de urn modo proprio da sua organiza<;:ao e daquilo que se podera designar por vida social. Estes sao tambem percursos em que a caracteristica que mais se evidencia e, simultaneamente a for<;:a que os determina, sao as rupturas. Estas assumem urn estatuto de maior relevancia sobretudo ao nivel da vida familiar. Talvez por isso nao surpreenda que sejam aspectos do quotidiano familiar os mais apontados pelos jovens entrevistados coma experiencias mais marcantes pela negativa. Urn outro aspecto fundamental e que em nenhuma das tres traject6rias apresentadas foram os jovens a ÂŤiniciar o ciclo de problemasÂť. Quer isto l~TERVE~c;:\o SoCIAL, 30, 2.00+


PoliriclS Sociais e Jovens em dcsvanragem social

I 21

dizer que estes jovens sao vitimas de processos desqualificantes inerentes a outros problemas. No caso do Fabio verifica-se uma situa<;ao de pobreza de pelo menos tres gera<;6es, ja que o seu pai, eventualmente por falta de condi<;6es familiares, foi obrigado a come<;ar a trabalhar aos 12 anos. Mais tarde, quando constituiu familia, esta situa<;ao de pobreza mantevese mas associada a outra ordem de problemas como o alcoolismo e a violencia familiar, que por sua vez se traduziram noutro nivel de problemas, como sejam, a negligencia de suporte familiar para corn o Fabio e a sua consequente inser<;ao em modos de vida marginais e delinquentes. Quanto ao Manel e tamb6n possivel constatar um quadro identico. Os pais sao imigrantes oriundos de Cabo Verde, que sem outras alternativas, conseguiram residencia num bairro degradado. Esta situa<;ao, associada as suas baixas qualifica<;6es profissionais e ao facto de a mae nunca ter legalizado a sua situa<;ao em Portugal, conduziram a uma situa<;ao de pobreza marcada tambem por violencia exercicla pelo pai sobre o Manel. Esta realidade fez corn que aos oito anos fugisse de casa adoptando urn modo de vida marginal: a vida na rua. Por t'iltimo, em rela<;ao a Catarina e tambem possivel encontrar uma situa~:ao de precariedade de emprego da mae, desemprego do pai, associado a problemas de alcoolismo e toxicodependencia, que por sua vez estabclecem uma situa<;ao de carencia economica e violencia familiar exercida pclo pai. Estes problemas fizeram corn que a Catarina, apos algumas fugas, decidisse romper os la<;os familiares e adoptasse tambem um modo de vida marginal: a vida na rua. Estes tres exemplos sao reveladorcs de duas ideias chave: os problemas destes jovens iniciam-se na eskra L1m iliar; a rela<;ao familiar e caracterizada por situa<;6es de pobreza associada a existencia de comportamentos de violencia sobre os jovens. Urn outro tra<;o presente nas trajectorias de vida destes jovens diz respeito ao defice de rela<;:oes afectivas. Este defice esta centrado em torno da questao das rupturas na relac;ao com a familia, provocadas por situa<;6es de disfun<;ao familiar que se traduzem no abandono do lar, por parte dos jovens e/ou de urn dos pais. Por isso, considera-se que estes sao jovens "que crescem confrontados com padroes extremos da escala da rela<;ao afectiva: ou a ausencia ou a presen<;a de qualidade distorcida, que aumentam a sua necessidade de organiza<;ao defensiva por denega<;ao ou idealiza<;ao" (Strecht, 2003: 43), o que, em muitas situa<;6es, tern reperINTERVEN<;:Ao

SociAL,

30, :!OO.f


22

I

Daniel Fernando da Soledade Carolo

cuss6es problematicas graves ao nfvel das suas capacidades relacionais e saude mental. Para o Fabio, que ap6s a morte do pai e o abandono do lar pela mae, passou a viver sozinho desde os 12 anos, a sua vida organizou-se tendo apenas como referencia afectiva o scu irmao mais velho e aqueles que chama de amigos, os "s6cios", isto c, cventuais amigos cuja natureza dos la<_;:os se desenvolvia a partir das actividades delinquentes praticadas, prevalecendo assim a dimensao "comcrcial" sobre a dimensao afectiva. Para o Manel, que aos oito anos decidiu fugir de casa devido a violencia familiar, a sua vida tanto na rua, como nos colegios, foi organizada afectivamente em torno dos amigos. No entanto, parece demonstrar algum distanciamento, desconfian<_;:a ou mesmo frieza afectiva em rela<_;:ao a estes, ao dizer os amigos nunca nos ajudarn rt Jfrzer o bem. Quanta a Catarina, apesar de ter vivido durante mais tempo com a familia, ap6s a morte da av6, a pessoa de quem mais gostava, demonstra um distanciamento afectivo em rela<_;:ao a familia, verifidvel quer pela recusa de rela<_;:ao com o pai e op<_;:ao de nao viver com a m;k, mantendo p01路em rela<_;:ao com esta, quer por periodos de vida caracterizados por um relativo isolamento social. Por isso, para estes jovens as institucionalizacroes acabam por ser, quando existem, a alternariva possivel. Geralmente, estes sao sempre percursos turbulentos e muito marcantes nas suas vidas. "E comum conhecermos situa<_;:6es de vida corn passagens por varios locais, fechando um eterno ciclo vicioso de perdas, separa<_;:6es, abandonos sucessivos que refor<_;:am a ideia de nao sao queridos, amados, p01路que tem exclusivamente coisas mas ou negativas" (Strecht, 2003: 45). Apesar das consequencias negativas desta situa<_;:ao, e interessante verificar a capacidade emocional destes jovens que conseguem transformar estas experiencias, corn contornos dolorosos nas suas vidas, em elementos positivos de crescimento e enriquecimento pessoal. Outro aspecto potencialmente interessante podera ser a analise dos silendos, uma vez que os relatos nao representam o todo de uma vida, mas sim fragmentos que contem em si a marca dessa totalidade (cf. Pais, 2001: 87). Neste sentido, no seguimento do anteriormente referido, importa constatar a ausencia de referencias afectivas importantes. Nas varias sess6es realizadas aos tres jovens, nao foram feitas alus6es as rela<_;:6es de namoro ou pessoas por quem se tenham apaixonado ou mesmo amizades. lNTERVE~t,:;\o SoCIAL,

30, 2004


Poliricas Sociais c _}ovens cm dcsvantagcn1 social

I

23

Serao estas vidas, vidas sem amor? Eventualmente, estas serao vidas em que o amor esta presente embora de uma forma particular: a ausencia. A ser verdade, este aspecto reforc,:a a ideia anterior do defice de relac,:6es afectivas. Em muitas destas vidas chegam mesmo a acontecer ausencias dramaticas, como o facto de nao serem visitados pela familia nos anos que passam institucionalizados, como aconteceu tanto corn o Fabio como corn o Mane!. Por isso, em casos extremos se constata que estes jovens "nao tern mesmo ninguem. Mesmo. Nem pai, nem mae, ou outra pessoa de familia que os possa receber que, ate no Natal, corn autorizac,:ao do tribunal, ninguem procura, ninguem quer. Nao tern para onde ir quando chegar altura de poderem sair, de regressarem a casa. Mas qual casa?" (Strecht, 2003: 36). Perante estes quadros de vida, os jovens ÂŤsao forc,:adosÂť a sobreviverem, a desenvolver modos de vida empobrecidos de projectos. Como salienta Robert Caste! (2001), "esta maneira de habitar o mundo social imp6e estrategias de sobrevivencia fundadas no presente" desenvolvendo-se "uma cultura que e, segundo a feliz expressao de Laurence Rouleau-Berger, uma cultura do aleatorio" ou seja, refem do "viver o dia-a-dia" (Caste!, 2001: 529). Estes aspectos remetem para a necessidade de considerac,:ao dos fenomenos de indole cultural presentes nestas situac,:6es. "A cultura espedfica de meios sociais de risco, onde a pobreza, o isolamento, e a intensidade envolvente de actos illcitos, como o trafico e o consumo de drogas, a prostituic,:ao ou 0 roubo, sao 0 livro de conduta pelo qual se e obrigado a ler a realidade envolvente" (Strecht, 2003: 46) Neste sentido assiste-se ao surgimento de "novas sociabilidades flutuantes que nao se inscrevem mais em disputas colectivas, andanc;as im6veis, de que a falta de objectivos precisos dos jovens desocupados prop6e uma ilustrac,:ao. 0 que lhes falta e menos, sem duvida, a comunica~~ao com outrem (estes jovens tern, amiude, relac,:6es mais extensas do que muitos membros das classes medias) do que a existencia de projectos atraves dos quais as interacc,:6es ganhem sentido" (Caste!, 2001: 536). No que respeita aos fenomenos da delinquencia e marginalidade, este estudo defende uma perspectiva compreensiva. Esta fundamenta-se na necessidade de procurar superar as abordagens positivistas do fen6meno, aceitando o desafio e o compromisso de uma analise integrada, ou seja, que nao dissocie as praticas cometidas das trajectorias de vida e INTERVEN<;:Ao

SacrAL,

30, 2004


24

I

Daniel Fernando da Solcdade Carolo

dos quotidianos de quem as pratica. Em primeiro lugar, e preciso considerar que estes fen6menos tem subjacentes determinadas condicionantes sociais, que nao devem ser ignoradas, nomeadamente as situa<;:6es de pobreza, rupturas familiares, insuccsso dos percursos escolares, defices de v{nculos de perten<;:a social. Ncstc sentido, os aspectos acima referidos configuram percursos de vida caractcrizados por carencias, que sao, em si mesmas, tra<;:os de sofrimento. "Da! que a via delinquente seja tambem, e em ultima analise, a possibilidade de tornar vis!vel um sofrimento que muitos teimam em nao considcrar" (Stt:echt, 2003: 37). Assim, "como explicar entao que se fa<;:a tao pouco e se continue a olhar para a questao das evolu<;:6es delinquentes como a {mica forma de sofrimento humano que em vez de ser entendida, acudida, tratada, e simplesmente castigada?" (idem, 31). Talvez por isso, o sofrimento seja tao grande que muitos jovens deixam de temer as consequcncias dos actos cometidos, pois nada tem a perder numa vida onde nao tivcram direito a nada. Um outro aspecto interessante, que esta tambcm rclacionado com o sofrimento, diz respeito ao n!vel de consciencia. 0 hibio dizia dentro de mim, eu sentia assim ... dentro de mim nao roube)~, 11/r/S roubava sempre. Esta pequena frase revela que o Fabio tem conscicncia, sente que nao devia roubar. Deste modo, esta analise defende que quando se tem consciencia de se haver cometido um erro, esta consciencia implica, desde logo, um sofrimento, mais que nao seja, por se sentir sem capacidade para deixar de fazer o que sente que nao deveria fazer. Neste sentido, outra das caracteristicas fundamentais das traject6rias de vida analisadas prende-se com o facto de todas serem retratos vivos de sofrimento. Sohimento por uma familia que nao conseguiu cuidar deles enquanto crian<;:as, sofrimento pelo seu proprio desamparo, pela consciencia dos crros que cometeram (delitos), pela inseguran<;:a e incerteza face ao scu Futuro. Como exemplo mais grave de experiencia de sofrimento destcs jovcns, merecem ainda destaque as rupturas afectivas, sobretudo, as que se caracterizam pela indiferen<;:a. "A pior forma de abandono emocional e a indiferen<;:a. E a presen<;:a ausente, aquilo que verdadeiramente ninguem deseja. Pior que a morte ou a ausencia verdadeira, pois essa permite organizar um luto, uma perda, dando-lhes um destino poss!vel que, mesmo diflcil, pode permitir um reequilibrio ou uma reconstnt<;:ao ps!quica" (Strecht, 2003: 37). Olhando para os tra<;:os l:-:TERVE0:z,:.:l.u Soc:L-\L.

30.

2004


Polfticas Sociais e ]ovens em desva m agem social

I

25

de vida destes jovens, procurando penetrar nos seus intersdcios, imp6e-se a dura rea lidade das consequencias: "nada de tao imenso se sofre sem que disso resultem marcas profundas" (Strecht, 2003: 48). Par isso muitos destes jovens sofrem de doens;as do foro psfquico. "Par isso, e importante compreender que, muitas vezes, o que se passa desde os mais precoces tempos de vida destes rapazes, e uma lema e previs!vel caminhada para a morte. Pelo menos, para a morte psfquica, numa desligas;ao progressiva entre boas e mas experiencias emocionais, ate uma fase de organizas;ao nardsica negativa, onde par ausencia sistematica de experiencias de amor, se instala progressivamente a tristeza, a zanga, a revolta, o 6dio" (Strecht, 20 03: 38-39). Perante este quadro resta, coma ultima possibilidade, a aposta e promos;ao da "capacidade de reparas;ao isto e, desejo de emendar, reconstruir, devolver o que de mal se fez, sendo que a especie humana e a que tern es te aspecto mais apurado, razao porque a convivencia social e mais recente e o mais importante avans;o do homem" (Strecht, 2003: 174). Quem sao afinal estes jovens? Par tudo o que anteriormente foi descrito, estes jovens sao her6is, dado que, sendo vftimas de percursos de sofrimento, conseguiram sobreviver. Este aspecto ganha ainda maior fors;a se, a titulo de exemplo, cada urn de nos colocar as seguimes quest6es : "Coma teria sido a minha traject6ria se eu tivesse sido obrigado a viver o que eles viveram? Coma teria eu enfrentado os problemas ? Coma conseguiria eu viver hoje, depois de ter enfrentado tudo isso? " Neste semido e imperativo que a analise destes testemunhos unicos de percursos de vida singulares contemple, para alem do es tudo das caractedsticas das traject6rias, o desafio de tentar explorar novas perspectivas de abordagem do fen6meno em causa. No caso des tes tres jovens, a partir do estudo das suas traject6rias, foi passive! descobrir que eles nunca se resignaram e lutaram sempre pela sua vida, abras;ados ao desejo-sonho de uma vida mais feliz. 0 Fabio apesar da morte do pai e abandono do lar pela mae, tendo ficado sozinho corn o irmao, procurou uma alternativa de vida, ainda que atraves da delinquencia que, evemualmente, se configurou coma a unica alternativa poss!vel. 0 Manel nao se resignou perante o medo do pai e a violencia fami liar e preferiu ir a descoberta de urn outro mundo pela vida na rua. Tambem a Catarina encontrou nas fugas de casa urn escape a violencia exercida pelo pai e uma forma de se libertar de urn quotidiano l N TERV EN<;Ao

SociAL, 30, 2004


26

I

Daniel Fernando da Soledade Carolo

familiar problematico marcado por dificuldades de relacionamento corn a mae. Urn ultimo aspecto, nao menos importante, e que a !uta travada por estes jovens ao longo da sua traject6ria de vida, mesmo ao n!vel das opc;:6es tomadas, esta associada as suas referencias afectivas. Repare-se no exemplo do Fabio que confrontado corn a morte do pai e abandono do lar pela mae, estrutura a sua vida em torno do seu irmao preferido mesmo que para isso tenha iniciado urn percurso de delinquencia. No caso do Manel, perante uma relac;:ao familiar de violencia, decide, corn apenas oito anos de idade, sair de casa em busca do irmao que ele tanto procurava e cuja ausencia o fazia sofrer. Quanto a situac;:ao da Catarina, ap6s a morte da av6, desenvolve urn processo de afastamento progressivo da familia. Neste caso assiste-se tambem a uma opc;:ao de vida influenciada pelo afecto, embora numa forma de ausencia. 3.2. Jovens em desvantagem social e necessidades humanas 0 estudo desta dimensao fundamentou-se na reconstituic;:ao das traject6rias de vida dos jovens em situac;:ao de dcswmtrtgem social. 0 conceito de necessidade c, tradicionalmente, associado directamente as pessoas de menores recursos, ou seja, a condic;:ao de necessitado. Apesar da dificuldade de definic;:ao e da polemica em torno do conceito de Necessidades Basicas, esta pesquisa partiu de uma perspectiva diferente, entendendo as necessidades humanas como urn complexo de condic;:6es indispensaveis para a realizac;:ao da vida humana, assumindo por isso urn caracter universal. Neste sentido, a partir dos contributos de Doyal e Cough (1991), demonstrou-se a universalidade e objectividade das necessidades humanas uma vez que todos os seres humanos, em todos os tempos, em todos os lugares e culturas, tern necessidades basicas comuns. Assim, sao objectivas na medida em que a sua especificac;:ao te6rica e emp!rica e independente de preferencias individuais e universais, na medida em que a concepc;:ao de danos pela nao satisfac;:ao e a mesma para todas as pessoas em qualquer cultura (cf. Doyal e Cough, 1991: 49). Pm¡em, estes autores salvaguardam que, apesar da universalidade das necessidades, a sua satisfac;:ao implica respostas diferenciadas. Como prindpios basicos que orientam a satisfac;:ao das necessidades huI NTERVE~y.X.o

SociAL, .30, 2004


Politicas Sociais c Jovcns cm desvantagem social

I

27

manas, foram estabelecidos a partidpas:ao e a Hbertas:ao. Assim, Doyal e Gough (1991) definem a saude fisica ea autonomia corno as duas necessidades basicas. A autonomia como necessidade basica refere-se a capacidade de formular objectivos consistentes e estrategias para concretiza-los (idem: 59-60). Para estes auto res a satisfa<;:ao destas necessidades e crucial para a participa<;:ao, corn vista a liberta<;:ao humana (idem: 73), ou seja o seu objectivo final e "contribuir para a participa<;:ao das pessoas tanto nas forrnas de vida e cultura das quais fazem parte (autonornia de agencia) quanta nos processos de avalia<;:ao critica dessa cultura, corn o proposito de melhora-la ou modifid-la (autonomia critica)" (Pereira, 2000: 83). Em fun<;:ao do quadro re6rico dcfinido, verifica-se a irnprescindibilidade da analise das ncccssidades dos jovens ser inscrita nos seus percursos de vida, bem como enquadrada no ambito do contexto das dinamicas sociais, o que significa que este tambem deterrnina necessidades e condiciona a sua satisfa<;:ao. Uma primeira conclusao e que os jovens apresentam necessidades espedficas a do is niveis: por urn la do as que se baseiam na sua condi<;:ao juvenil, que pressup6em necessidades mais prementes de protec<;:ao, subsistencia e apoio para a autonorniza<;:ao; por outro, as necessidades espedficas inerentes a sua situa<;:ao de desvantagem social, sobretudo as que estao inerentes a ocorrencia de rupturas farniliares, sendo valorizadas pelos jovens as necessidades reladonais-afectivas. Estes aspectos conferem uma condi<;:ao de maior dificuldade/ risco para a autonomiza<;:ao e transi<;:ao para a vida adulta destes jovens, quando comparados corn outros. Quanta aos mecanismos de satisfa<;:ao Doyal e Cough (1991), consideram que o alcance de um nivel autonomia uma das necessidades basicas - esra dependente da satisb<;:ao de urn complexo de condi<;:6es indispensaveis que passam em primeiro lugar pcla existencia de pre-condi<;:6es sociais para a constitui<;:ao de satisj(ulores espedficos que garantam a satisfa<;:ao das necessidades intermedias, indispensaveis para que se atinja um nivel optima de satisfa<;:ao das necessidades basicas (Doyal e Cough, 1991: 170), residindo aqui a imporrancia da Politica Social enquanto urn destes satisfodores. Analisando as suas trajectorias de vida, a segunda conclusao e que se constatam defices de satisfa<;:ao de necessidades intermedias. No decorrer do processo de entrevistas foram feitas pelos jovens algumas referencias. INTERVEN<;:,\o SociAL, 30, 2004


28

I

Daniel Fcrnando da Solcdadc Carolo

Nao tinha condic;oes em casa. 0 meu pai bebia, nao dava para sustentar (. . .) Tive necessidade de roupa, de comida... (Fabio). Este aspecto remete para a nao satisfas;ao directa de ncccssidades tais como a alimentas;ao e indirectamente a necessidade de protccs;ao na infancia, segurans;a econ6mica e ate segurans;a psicol6gica dad a a relas;ao corn o pai. T ambem o Manel refere que uma das suas neccssidadcs era andar numa creche (Manel). A Catarina destaca que dificulclrulesfinanceiras houve sempre (. . .) com o meu pai passei fome a sr!rio! (Catarina). Fstcs testemunhos sao inequivocamente ilustrativos das dificuldades e danos que estes jovens sofreram ao longo da sua vida. No entanto dentro das ncccssidades intermedias os pr6prios jovens atribuem primordial import;lncia as necessidades relacionais-afectivas corn especial incidencia na f~unilia. 'f'inha necessidades de carinho e isso

(. . .) fo!tava-me seguranc;a (. . .) aquclr1 segurrmc;a do pai e nao sei que... um gajo sentia ... (Fabio). Um amor farniliro·, urn bem-estar fomiliar! Precisava de ... ter bons amigos ... precisava de ta 11111 pa i. uma mae, um irmao que me escutasse, percebes? (Manel). Do apoioFonilirtr! Apoio ... a serio. Queria que se calhar tivesse sido a minha mae et r·ompn·Nidcr outro tipo de coisas (Catarina). Urn aspecto interessante e que to dos cstes testemunhos parecem revelar de forma implicita uma outra m·n·ssidadc cspedfica destes jovens: a necessidade de ser normal, nao scr discriminado, deter oportunidades e condis;6es para romper corn o seu passado, ou scja, de satisfazer as suas necessidades e emancipar-se da sua situa~;io de dcsvantagem social. A nao satisfas;ao destas necessidadcs i nviahil iza a satisfas;ao das necessidades basicas de sat'tde fisica, autonomia de ag(:ncia e autonomia critica, o que demonstra a ocorrencia de serios prcjnlzos e danos na vida destes jovens que por sua vez comprometem o a lea m:c dos objectivos universais de participas;ao e libertas;ao. Sao estes mcsn1os danos e prejuizos que lhes conferem uma situas;ao de desvantagcm socit1! na perspectiva da sua autonomizas;ao e transis;ao para a vida adulLL

3.3. Expectativas dos jovens em desvantagem social Neste estudo as expectativas dos jovcns assumem um estatuto de tanta imporrancia como o estudo das suas trajcct6rias de vida. A sua analise desenvolveu-se vinculada a um pressuposto de autonomizas;ao e transis;ao para a vida adulta. l~TERVE;-.;-c>\o

SociAL, 30, 200-t


Politicts Sociais c Jovcns cm dcsvantagcm social

I

29

0 primeiro aspecto diz respeito as dificuldades relativas ao futuro. 0 Fabio revela ter consciencia de que algumas das limita<;:oes que rem ao nivel de competencias podem condicionar a sua transi<;:ao para a vida adulta, nomeadamente o cumprir os hordrios. Vai ser um bocado diflcil... (Fabio). Ja o Manel destaca um nivel de dificuldades de maior complexidade. Fico com saudades, tds a ver? ... Daquela vidai Daquela ... daquela liberdadei Acho que era da liberdadei Sobretudo da liberdade que nos tinhamos. lamos p'ra qualquer lado, a qualquer hora, a qualquer momento. Eu acho que sempre gostei muito da minha liberdade/ .E issoi A partir desta referencia e possivel aferir que o Mane! revela, por um lado, dificuldades em organizar a sua vida e, por outro, dificuldades em aceitar o modelo de vida ÂŤnormalÂť. A Catarina, para alcm da questao das dificuldades financeiras, para sempre, mostra-se preocupada com as marcas do passado. Tenho a certeza, vdrios obstdculos e mesmo coisas de ficar agarrada ao passado. As coisas fieam sempre gravadas na pele e... e mesmo que lutes um bocado, elas persistem, e por isso vou ter sempre uma data de coisas aqui dentro ... para resolver. .. Aquilo tudo pelo que jd passei deixaram-me m areas (Catarina). Simultaneamente considera que assusta-me imenso, pensar que um dia terei mesmo que trabalhar porque preciso de dinheiro. 0 ter que... assusta-me ... acho que isso ea eo isa que mais me assusta ( Catarina). Por ultimo, quanto a autonomia e felicidade, importa destacar um aspecto curioso que e o facto de tanto o Eibio como a Catarina acreditarem na sua felicidade e autonomia: tenho a certeza que vou ser filiz (Fabio) Autonoma, absolutamente, e filiz, pois... a filicidade niio e uma eo isa permanente, tens momentos, e isso tenho sempre. Sim, acredito plenamente (Catarina). Todos os elementos apresentados sao fragmentos de um todo que sao as expectativas. Neste sentido devem ser interpretados nao como esse mesmo todo, mas sim como elementos simbolicos dessa mesma realidade.

3.4. As politicas sociais como resposta as necessidades dos jovens em situa<;ao de desvantagem social A avalia<;:ao da efectividade das politicas sociais implica considerar a analise da rela<;:ao entre os seus designios e os resultados da sua interven<;:ao, ou seja, os seus impactos na satisfa<;:ao das necessidades das pessoas e lNTERVENy.:\..o SociAL, 30, 2004


30

I

Daniel Fernando da Soledade Carolo

inerente garantia de Bem-Estar. Assim ao abrigo da defesa do prindpio de responsabilidade da polftica social, este estudo procurou avaliar as consequencias das respostas das politicas sociais, no decurso da vida dos jovens em situa<;:ao de desvantagem social, ate porque "o direito a satisfa<;:ao optimizada de necessidades, a partir da garantia das condi<;:6es basicas coma exigencia fundamental dessa optimiza<;:ao, constitui o cerne das politicas sociais pt'tblicas" (Pereira, 2000: 35). Assim, a explora<;:ao analitica dos eixos de investiga<;:ao desta pesquisa permitiu retirar coma principal conclusao que as politicas sociais nao garantem a satisfa<;:ao de forma integrada das necessidades dos jovens. Para fundamentar esta posi<;:ao importa explicitar alguns dos limites das respastas das politicas sociais que emergiram na analise realizada e se destacam pela sua capacidade de ilustra<;:ao: A primeira questao que se imp6e colocar, face a percursos de vida tao traumaticos e onde as lacunas de interven<;:ao sao tao gritantes, e a seguinte: Existem politicas de preven<;:ao? Deste modo o primeiro aspecto e 0 mais relevante refere-se a inexistencia e/ ou ocorrencia de falhas das politicas sociais na intervens;ao precoce. Na situa<;:ao do Mane! e da Catarina e impressionante e ate constrangedor vcrificar a inexistencia de qualquer interven<;:ao, mesmo perante urn quadro de violencia familiar tao grave (agress6es fisicas e psicologicas), por isso sabre a mae a Catarina refere que niio foi ajudada em nada por parte do tribunal ou qualquer outra instituifiio. Nao foi! E que eu saiba, nunca recebeu nada! A parte do a bono de fomilia (Catarina). Mesmo perante indicios de risco tao claros como por exemplo a agressividade e falta de assiduidade do Mane! na escola. Esta falha e tambem reconhecida por Pcdro Strecht (2003) ao referir que "por exemplo, sao muito raros os [jovens] que conhecemos que no seu trajecto turbulento foram referenciados a uma consulta de sat'tde mental, mesmo dando sinais gravissimos anteriores" (Strecht, 2003: 41). A situa<;:ao do Fabio assume contornos urn pouco diferentes, mas eventualmente mais graves. Isto porque no seu percurso de vida houve uma interven<;:ao da politica social no sentido do seu acolhimento institucional. Porem esta resposta nao se mostrou adequada, dado o seu mau comportamento, o que fez corn que o Fabio, mesmo sendo uma crian<;:a referenciada coma estando em situa<;:ao de risco, fosse expulso aos 12 anos da institui<;:ao, regressando para junto da familia, (razao pela qual tinha l:-.:TERVE0;t,:;\o SocJ..\L, 30, lOO-+


Politicas Sociais c Jovcns cm desvantagcm social

I

31

sido institucionalizado!), sem qualquer outro acompanhamento social. A Casa Pia mandou-me embora sem nenhum papel! 56 me deu o bilhete para a mao e disse para eu ir para casa, as 9 da noite! (Fabio). Este parece ser urn exemplo suficientemente ilustrativo da falta de articulac;:ao e responsabilizac;:ao das politicas sociais para a satisfac;:ao das necessidades e garantia de bem-estar. Decorrente do primeiro, o segundo aspecto refere-se a constatac;:ao de uma intervenc;:ao social de ultima instanda ou apenas na fase terminal do processo. De facto somos muito pouco activo.1 nas causas e somos muito reactivos nas consequencias (cspccialisra 4 - Dr. Pcdro Strecht). Note-se que no caso do Fabio, que nao volrou a tcr qualqucr apoio desdc os 12 anos, apenas aos 15 anos volra a scr instirucionalizado, dcsra vcz nao pela sua necessidade de protecc;:ao mas sim pclo pcrigo para a socicdadc do seu modo de vida, entretanto delinquente. Tambem no percurso de vida do Manel e da Catarina, as respostas das politicas sociais apenas acontecem depois de um longo processo de desvinculac;:ao, que culminou na vida na rua. Ou seja, numa primeira fase, quando estes jovens foram vitimas, as politicas de protecc;:ao da infancia falharam, mas quando passaram a ser simultaneamente vitimizadores (entenda-se marginais e/ou delinquentes) houve intervenc;:ao das politicas, mas ai de justic;:a, apenas. 0 terceiro aspecto diz respeito a inexistencia de politicas de apoio a familia. A dureza da vida fala por si. Ao fim de um periodo de cerea de dez anos, desde que estes jovens sofreram problemas enquanto crianc;:as, nao houve qualquer intervenc;:ao de apoio as suas familias, sendo que os problemas foram contornados. No caso do Fabio o pai faleceu, no caso tanto do Manel como da Catarina foi decidida a separac;:ao conjugal. Em qualquer das situac;:oes a ruptura a partir dos problemas da infancia foi decisiva. Nenhum destes jovens esta actualmente a viver junto da familia. Mais uma vez os percursos de vida destes jovens demonstram a necessidade de uma politica de prevenc;:ao, que implica a existencia de mecanismos de acompanhamento social integrado como forma de prevenc;:ao de riscos. De acordo corn Pedro Strecht estas politicas tem que ser nao so pensadas mas depois mantidas com alguma consistencia durante o tempo, para que se consiga ver alguns efiitos. Este e um dos maiores problemas porque grande parte da politica social devia ser eminentemente uma politica preventiva, mas as pessoas apostam muito pouco nas medidas preventivas. Portanto, INTERVEN~X.o SociAL, 30, 2004


32

I

Daniel Fcrnando da Soledade Carol a

e assim,

nos somos pouco eficazes nas causas das situar;oes e tendemos muito mais a dar respostas apenas nas consequencias (Especialista 4 - Dr. Pedro Srecht). As respostas de institucionalizas:ao devem tambem ser analisadas. Sendo necessaxias, tern limita<;:6es ao n!vel das suas orienta<;:6es como no caso da J usti<;:a, devido aos limites de idade, impossibilidade de flexibiliza<;:ao das condi<;:6es de institucionaliza<;:ao e adapta<;:ao ao projecto pessoal de autonomiza<;:ao dos jovens. Uma outra lacuna grav{ssima diz respeito a inexistencia de estruturas como por exemplo apartamentos de autonomiza<;:ao para jovens ap6s a institucionaliza<;:ao (cf. Especialista 6 - Coordenadora da Infancia e Juventude do Instituto de Solidariedade e Seguran<;:a Social). Para alem disso rl maioria das instituir;oes fimciona, em termos de resposta de trabalho, numa base que cstd francamente ultrapassada focc as ncccssidades actuais dos mizldos (. . .) zona forma de contacto com os mizldos que eessencialmente comportarncntrtll punitiva (Especialista 4- Dr. Pedro Strecht). Importa ainda destacar alguns problcmas transversais as pollticas sociais. Dentro destas merecem especial dcstaquc a burocrada. Muitas vezes as respostas das pollticas sociais comportam esquemas de aferic;:ao da necessidade e implementa<;:ao da mcdida extremamente burocratizados, que se traduzem na dificuldadc de acesso e sobretudo em longos pedodos de espera para a sua aplicac;:;io, o que muitas vezes determina a nao intervenc;:ao ou a falha da intcrvcnc;:ao. Por exemplo urn requerimento de Apoio para a Autonomia de Vida (Artigo 45.0 da Lei n. 0 147/99: Lei de protecc;:ao de crianc;:as e jovens em perigo), para alem da dificuldade inerente a nao regulamentac;:ao desta medida (desde 1999 ate 2003), implica pelo menos urn pedodo de seis meses de espera. Por isso para quem ja passou por isso diz que siio burocracias terriveis! (Catarina). Associada a esta exigencia, coloca-se o problema do respeito pela privaddade, por is so dever-se-ia fozer um apoio mais especfjico a pessoa, sem se1~ sem ser... la estd, sem ser intromissiio na vida pessoal (Catarina). Curiosamente estas situac;:6es foram apontadas pelos jovens como limitac;:6es graves das respastas das pollticas sociais. Uma outra limitac;:ao refere-se a necessidade de adequacrao das respostas das politicas sodais face as situacroes problema e as necessidades espedficas que lhe estao intdnsecas. Isto porque "para o grupo l:-iTERVEi'J:<_:Ao SocL\L, )O, 200-1-


Pollticas Sociais c Jovcns em desvanragcn1 social

/ 33

infanto-juvenil em situa<_;:ao de pobreza tem sido oferecido um sistema de protec<_;:ao social homogeneo, limitado e sem favorecimentos que promovam a equidade (Guara, 1995: 69). Por outro lado "as politicas de juventude tendem a ser politicas de normalizaf'iiO e a sua legitima<_;:ao assenta no controlo e vigilancia dos desvios a norma"(Gameiro e Dantas, 2000: 315) o que significa que nao so partem de um falso pressuposto na medida em que sociologicamente o conceito de juventude e representativo de um grupo vasto e bastante heterogeneo, como "o reconhecimento dos direitos dos excluidos e dificultado pela tipifica<_;:ao diferenciadora que nao diz respeito a sua gama de necessidades sociais. Na tipifica<_;:ao as necessidades perdem 0 caracter substantivo e clcs passam a ser sujeitos adjectivados pela necessidade: «OS necessitados»" (Cuara, 1995: 69) o que evidencia uma logica de controlo social, muitas vezcs provocando novas exclusoes, e nao de liberta<_;:ao da necessidade e emancipa<_;:ao social. Perante este quadro de limites das respostas das polfticas sociais, constata-se uma caracteristica determinante, porventura a mais decisiva. Trata-se da inexistencia de articula<;ao entre as pollticas sodais. Como refere Pedro Strecht niio hd uma coorderzaf'iiO entre a parte social e a parte da educa(iio, a da justi(a e a da sattde (Especialista 4 - Dr. Pedro Strecht). Talvez por isso algumas interven<_;:6es sejam reconhecidas por todos os agentes como ineficazes. Sobre a sua sa{da do colegio o Manel diz que os tecnicos que o acompanhavam sabiam que a gente iamos voltar p'ra .... p'ra'quela vida que sempre tivemos (Manel). Esta caracteristica advem do proprio modelo de politica social, organizado a partir de uma logica sectorial definida a partir dos servi<_;:os e nao das necessidades. P01·em, na analise da efectividade das respostas das politicas sociais importa tambem considerar os seus aspectos positivos. Assim, pretende-se realizar uma tentativa de explora<_;:ao compreensiva dos factores de sucesso. 0 sentido da utiliza<_;:ao do conceito de sucesso esta relacionado com a necessidade de objectivar/ categorizar sociologicamente as situa<_;:6es que se destacam pela positiva. No caso desta pesquisa os jovens que «melhor» enfrentaram as turbulencias - sofrimento na sua vida ainda que, consequentemente, se encontrem numa situa<_;:ao de desvantagem social. Neste sentido merece ser destacado o percurso de vida da Catarina. A cautela com a utiliza<_;:ao do substantivo «tentativa», prende-se com o facto de este sucesso ser tao surpreendente, face ao sofrimento que lhe lNTERYENC,:Ao SocL-\L, 30, 200.~


34

I

Daniel Fernando da Soledade Carolo

estd implfcito, que a natureza das suas eventuais explica<;:6es parecem mais proximas de uma dimensao metaflsica- o milagre- do que uma dimensao ciendfica, seja ela ao nivel individual e/ou social. Nao se pretendendo uma abordagem causal, ate pot·que esta seria imposs{vel quer pelas limita<;:6es desta pesquisa, quer pela complexidade desta questao, parece fazer sentido uma inventaria<;:ao dos factores presentes nas suas trajectorias que assumem maior relevancia, como sejam:

• Elevado n1vel de inteligencia e maturidade, aliado a urn percurso escolar sem interrup<;:6es; • Maior pedodo de tempo junto da familia, menor pedodo de tempo de institucionaliza<;:ao e menor periodo de vida marginal; • Ausencia de problemas de sat:ide mental; • Apoio mais consistente de politica social, atraves de Apoio para a Autonomia de Vida. Independentemente do seu interesse e validade interpretativa, esta analise revela um dado fundamental sobre a imporrancia do papel da politica social enquanto potencial emancipatorio (cf Rodrigues, 1999: 27), atraves do paralelismo entre o sucesso do processo de autonomiza<;:ao da Catarina e a qualidade das respostas das politicas sociais presentes, neste caso Apoio para Autonomia de Vida. Para concluir, a analise da efectividade das pollticas sociais nao pode negligenciar a liga<;:ao entre as respostas das pollticas sociais e as suas consequencias e importancia para os percursos de vida. Quer isto dizer que, a partir do estudo das trajectorias de vida destes jovens, e indiscudvel que a as falhas das respostas se traduziram em consequencias graves para o seu bem-estar, sendo por isso co-responsaveis pelo agravamento dos percursos de vida destes jovens. Seja pelas rupturas familiares ocorridas, seja pelo recurso a modos de vida marginais e delinquentes, seja, acima de tudo, pelo trajecto de sofrimento que todos estes aspectos provocaram e ainda provocam na vida destes jovens.

lNTERVENc;Ao

SociAL,

30, 2004


Polfticas Sociais c Jovens cn1 dcsvantagcm social

I

35

4. Para uma politica de compromisso social A inclusao deste ponto justificou-se pela necessidade sentida de, corn base nos elementos empiricos resultantes do trabalho realizado anteriormente, alargar o ambito de an8Jise. Numa outra perspectiva poderia igualmente dizer-se que este ponto e a continuidade natural de urn processo de constrw;:ao de conhecimento. Pot路em, enquanto que o estudo anterior privilegiou uma abordagem biogd.fica para uma compreensao das vidas destes jovens, este artigo pretende ir mais alem no contributo para a reflexao sobre as politicas sociais, nomeadamente, atraves da analise de algumas das suas contradic;:oes e apresentac;:ao de contributos para a sua superac;:ao. No entanto, estc estudo assume tambem a defesa de urn modelo ideal enunciando caminhos para a sua rcalizac;:ao e propondo urn desafio. Numa primeira analise, o estudo realizado obriga-nos a uma reflexao sobre algumas contradis;oes inerentes a propria politica social das quais se destacam cinco. A primeira contradic;:ao prende-se com a relac;:ao entre respostas de "subsidios minimos" face a necessidades basicas de bem-estar cuja satisfac;:ao, conforme foi defendido e complexa, exigindo a mobilizac;:ao de varios recursos a diferentes niveis. Poderemos igualmente questionar o sentido de atribuir precisamente a quem mais precisa, aos mais vulneraveis, sempre "minimos". Quais os criteria que estao subjacentes a estes prindpios? Por exemplo no caso do Apoio para Autonomia de Vida (Artigo 45. 0 da Lei n. 0 147/99: Lei de protecc;:ao de crianc;:as e jovens em perigo), porque indexar o seu valor ao salario minimo? Urn jovem, sozinho, sem apoio familiar, estudante, pode satisfazer as suas necessidades basicas, apenas corn cerea de 360 euros mensais e sem a articulac;:ao de outras formas de suporte social? Por isso est a e "urn a irracionalidade politica e etica que pretendemos exorcizar: esperar o melhor dos pobres, oferecendo-lhes apenas o minimo ou a pior protecc;:ao social" (Pereira, 2000: 34). Uma outra contradic;:ao refere-se aorientac;:ao das politicas sociais para a insers;ao profissional. Sendo consensual a importancia do trabalho como principal mecanismo de integrac;:ao, faz sentido a aposta em politicas de emprego. No entanto se o mercado de trabalho e tambem unanimemente reconhecido como competitivo, segregador ao privilegiar determinados re1:--.:TERVENt:;:Ao

SociAL,

30, 2004


36

I

Daniel Fernando da Soledade Carolo

quisitos em detrimento de outros e socialmente excludente na medida em que nao garante o acesso a todos, qual o sentido de privilegiar este mecanismo de integrac;:ao justamente para os mais vulned.veis e menos aptos a disputarum emprego? (cf. Castel, 2001: 577). No caso destes jovens como que desde muito novos sao empurrados ... para qualquer coisa ... Como que lhes e, para alem de tudo o que ja viveram e sofreram, negado o direito a ter tempo e oportunidade de construir urn projecto de sonharem quererem ser. .. alguma coisa e algudm ... Entao porque nao criar condic;:oes para que eles tenham oportunidade (sociologicamente entendida como autonomialliberdade, o que implica satisfac;:ao integrada das necessidades basicas) de construir a sua propria integrac;:ao? A terceira contradic;:ao refere-sc its cxigencias implicitas a beneficiac;:ao das respostas sociais. Para ilustrar csta situac;:ao recorremos ao exemplo do funcionamento de uma empresa de i nscn;ao no ambito da politica de Mercado Social de Emprego em qul' ca(la bcncficiario tern direito apenas a uma oportunidade de inserc;:ao. J\ssim, c cstc c um exemplo real, se um jovem iniciar urn processo de inserc;ao c desist ir, is to e independentemente das razoes, simplesmente desaparcccr, c se u m a no m a is tarde quiser voltar a tentar ter um emprego (licito) n:io podc rccorrcr a esta medida, mesmo noutra empresa de inserc;:ao, porquc csd rcgil'trtdo rut lista negra. Paradoxalmente, verifica-se que o mercado social de cmprego, na situac;:ao apresentada e mais exigente e ate punitivo, do que o mercado liberal de emprego, quando deveria sobretudo apostar numa politica de oportunidades [constantes] e em "sistemas de intcrvcnc;ao permanentes" (Capucha, 1998: 69). Um outro exemplo porventura mais grave mostra como por vezes as medidas chegam a ser excludentcs mmo no caso ja referido da expulsao do Fabio da Casa Pia aos 12 anos, por mau comportamento. Relacionada corn as contradic;ocs anteriores impoe-se a seguinte pergunta: Sera que as respostas das politicas sociais estao definidas de acordo corn as necessidades dos jovcns? Face as realidades apresentadas constatase que pelo menos nessas situac;:oes isso nao se verifica. Devemos entao ousar fazer a outra pergunta: Sera que as respostas das politicas sociais estao estruturadas a partir da nossa posis;ao, isto para a reprodus;ao da nossa ordem social? Apesar da natural dificuldade deste exercicio de reflexao os elementos apresentados revelam a prevalencia de uma perspectiva de normalizac;:ao em que a resposta a situac;:ao de necessidade esta

e,

I NTERVF.Nc;Ao SociAL.

30, 200.~


Po!fricas Sociais c Jovens cn1 dcsvantagen1 social

I

37

sempre refem de um vasto conjunto de condic;:6es desde a conjuntura economica ate aos criterios morais de merecimento de ajuda, e por isso mesmo, raramente esta centrada no combate as causas do fenomeno. So assim se pode compreender, mas nao aceitar, que a intervenc;:ao face a um menor com um modo de vida delinquente - em que se reconhecem como factores explicativos deste fenomeno o meio propicio a ... , em que 0 apelo dos pares e determinante, conjugado com fragilidades pessoais resultantes da falta de suporte familiar. .. (cf. Ferreira, 1997: 913-924) - seja retira-lo do seu meio, mas para ser internado numa instituic;:ao onde apenas ira conviver com outros jovens com as mesmas fragilidades (?), quando o logico seria precisamente o proporcionar-lhe oportunidades de convivio com outros jovens de outras realidades que por um lado nao o incentivassem a cometer delitos e simultaneamente o ajudassem a superar as suas dificuldades. A ultima comradic;:ao pode ser ilustrada a partir da linguagem. Porque falar em "respostas" sem a devida correspondencia com os seus resultados? P01路que a rara utilizac;:ao de palavras como compromisso? Qual a razao para que as politicas sociais estejam estruturadas quase exclusivamente nas manifestac;:6es dos problemas e nao apostem sobretudo em "mecanismos de garantia"? Apesar das limitac;:6es desta reflexao pretende-se, numa tentativa de conciliar uma perspectiva das ausencias com uma perspectiva das emergencias, como defende Boaventura de Sousa Santos, apresentar alguns contributos para discussao das hipoteses de superac;:ao das contradic;6es apresentadas. Assim a estruturac;:ao da Politica Social deve contemplar tres pressupostos indispensaveis: 1) Compromisso da garantia de resposta integrada procurando de uma forma estrategica assegurar bem-estar em qualquer situac;ao e simultaneamente conseguir encontrar formas diferenciadas para responder a quest6es tao complexas como o sofrimento, por exemplo. 2) Responsabilidade pelas Consequencias, o que pressup6e considerar a dimensao temporal (antes, durante e para sempre) da intervenc;ao vinculada ao seu resultado estabelecendo como que um sistema de oportunidades permanentes face a situac;6es de risco e lNTERVENC,:Ao

SociAL, 30. 2004


38

I

Daniel Fcrnando da Solcdadc C:arolo

ao mesmo tempo aceitar que quem foi privado tern a necessidade e o Direito a ser compensado desse defice, nem que seja apenas pelo respeito que lhe devemos. 3) Sentido Emancipatorio e o pressuposto que confere sentido a politica social, par isso deve constituir-se coma o criterio de reftrencia, na definic;:ao dos mecanismos de garamia que necessariamente terao que associar de forma coerente indicadores de bem-estar corn o contexto de determinadas situac;:oes de necessidade e, ao inves de respostas, assegurar o desenvolvimento de condic;:oes que promovam a Autonomia entendida coma liberdade social. Par sua vez a estes pressupostos estao associados respectivamente tres dimensoes essenciais de imervenc;:ao: a Universal p01路que partindo dos designios da politica social parece fazer mais sentido privilegiar o investimento em politicas de prevenc;:ao que intcrvenham nas causas, numa perspectiva integrada, pensadas nao para clcs, grupos desfavorecidos, mas sim para todos nos na eventualidadc de nos dcpararmos em qualquer situac;:ao de necessidade ou risco; a Social que cst:i rclacionada corn a necessidade de reparac;:ao e compensac,:ao de modo a poder inverter a tendencia negativa presente nas trajcct6rias assegurando as medidas de garantia de bem-estar; a Pessoal que implica o clever de respeito coma pessoa e o empenho em procurar atender as expectativas de autonomizac;:ao individuais. Sabre a importancia desta dimensao e muito imeressante a resposta da Catarina quando questionada sabre os apoios necessarios para uma vida mais feliz: nao so o material mas se calhar fozer um apoio mais especifico a pessoa (Catarina). Em func;:ao das ideias defendidas esta reflexao assume como referencia urn Modelo Politica Social Integrada, assente na transic;:ao das Politicas Sociais a Politica Social (cf. Costa, 1999: 6.1). Coma orientas:oes para a definic;:ao da Politica Social, o autor estabelece cinco pontos fundamentais: "1) Em primeiro lugar, o nosso ponto de partida devera ser o objectivo da politica social (bem-estar); 2) 0 conceito a procurar nao devera assentar num determinado conjumo de dominios (ou areas) de politica; 3) 0 conceito tera de permitir distinguir a politica social das outras politicas que, directa ou indirectamente, tambem tern o bem-estar coma oblATERVE~(,:.\o SoCiAL, 30, 2oo.t


Politicas Sociais c Jovcns em dcsvanragcn1 social

I

39

jectivo. E este o caso, designadamente, da polltica econ6mica; 4) 0 conceito nao devera assentar numa 6ptica sectorial, uma vez que tera de abarcar nao apenas as condi<;:6es de vida que se traduzem em pollticas sectonalS tais COffiO as respeitantes a sattde, a educa<;:aO, a habita<;:aO, etc.-, mas tambem aspectos mais complcxos ou transversais relacionados corn o estilo de vida. E esta uma exigcncia sobrcrudo quando se considera o bem-estar em sentido lata, que acima se associou ao termo ingles ÂŤwellbeingÂť; 5) Par outro lado, c cm pane na linha da sugcsrao de Cahill (... ) havera que ter em conta as mudan<,:;ls sociais c urilizar carcgorias anallticas capazes de abarcar essas mudan<,:as" (Costa, Jl)<)l): (1.C1- 6.7). Estas orienta<;:6es propostas por Bruto da ( :osc1 consrirucm um instrumento fundamental na constru<;:ao do caminho para a dcctiva<;:iio de urn modelo de Politica Social Integrada, no entanto par si so nao sao suficientes. Este caminho so pode ser construido par Nos, na mcdida cm que, coma disse recentemente Bruto da Costa em entrevista a TSF, nao podemos aspirar a que a situa<;:ao mude sem mudar em Nos. Ou seja, o que e que estamos dispostos a fazer, a mudar em Nos os "integrados" para que os outros que nao 0 sao possam pelo menos ter a oportunidade de vir a ter lugar? 0 trilhar deste caminho implica assumir o peso de sermos co-responsaveis, mas este e, paradoxalmente, 0 nosso principal potencial na medida em que, simultaneamente, somas a chave da solu<;:ao. A tese fundamental desta reflexao sabre o estudo realizado e a seguinte: a politica social, nao sendo a unica politica que visa 0 bem-estar, detem urn potencial inquestionavel de articula<;:ao das politicas no sentido de garantir a satisfa<;:ao das necessidades humanas e assegurar a realiza<;:ao do bem-estar, e isso que nos diz o Mane!: precisava de ajuda, percebes? E os meus pais nao tinham condifi5es para me dar essa ajuda, mas que ld [no colegio] encontrei, percebes? (Mane!). Por is so as perspectivas apresentadas a partir dos contributos recolhidos demonstram que a polltica social e imprescindivel e que apesar dos limites anteriormente desenvolvidos, o Estado nao esgotou todas as suas capacidades para controlar os riscos da situa<;:ao actual. Embora amplamente sub-utilizadas, sao grandes as suas potencialidades para lutar contra a exclusao (cf. Caste!, 2001: 565). 0 desafio que se coloca so pode passar por potenciar o sentido emancipatorio da polltica social, sobretudo pela defesa do seu patrimonio historico de conquistas associadas a efectiva<;:ao dos Direitos de Cidadania INTERVEN<;Ao SoCIAL, 30, 2004


40

I

Daniel Fernando da Soledade Carolo

traduzidos na melhoria das condit;:6es de vida que lhes estio associadas, coma e 0 caso deste jovens. Para concluir apresentam-se os testemunhos de tres autores experientes ... Para que ousemos persistir na defesa do objectivo de Bem-Estar

Universal na conceps:ao Well-being: Ajudou (. . .) Em tornar-me uma pessoa normal. jd viste se niio exzstzsse colegios? Se calhar a esta hora devict estar ai a roubar ou devia estarpreso! (Fabio)

E assim,

foi born, foi muito born mesmo, lembro-me que, prontos. . . eu penso por vezes que se eu niio rmdasse num colegio, o que seria de mim agora, niio e? (. . .) Eu pude encontrar a estabilidade de uma fomilia. (Manel) Como experihzcia, foi born. Foi born porque fez-me pensar ern certo tipo de coisas porque aquilo que eu mais prezo e a liberdade. Mesmo! (Catarina)

Bibliografia BLAIKIE, Norman (2000), Designing Social Research, Cambridge: Polity Presse. BouRDIEU, Pierre (1997), Raz5e;' Prdticas: Sobre a Teoria drt Acp1o, Oeiras: Celta Editora. CAPUCHA, Luis Manuel Antunes (1998), "Exclusao Social c Accsso ao Emprego: paralclas que podem convergir", in Sociedade e Trabalho, Ministerio do Trabalho e da Solidariedade, n. 0 3. CAST EL, Robert (2001), As !vfetmnorfoses drt Questiio Soci,tf: wna cr!Jnica do sa!drio, 3.a cdi<;ao, Petr6polis: Vozes. CosTA, Alfredo Bruto da (coord.) (1999), "Direitos Sociais e Politicas Sociais", Mddulos PROFISS- Guia do Formando, Lisboa: Ministcrio do Trabalho e da Solidariedade/ Secretaria de Estado do Emprego e Forma<;ao. ll'TERVE:---:c,~Ao SociAL. 30, 2004


Pollricas Sociais c Jovcns cm dcsvanragcm social

I 41

DANTAS, Ana, e GAMEIRO, Jose (2000), ''Conclusao - Trac;os Cruzados c Riscos de Vida", in PAIS, Jose Machado (coorcl.), 'li-rtros e Riscos de Vida- llllltl abordagem qutdittltil!tl rt modos de uida juuenis, 2." edic;ao, pp. 305-330, Porta: Am bar. DoYAL, Len, e CouGH, Ian (1991), A The01y of Human Need, Londrcs: Macmillan. FEP.REIRA, Pcdro Moura (1997) "Dclinqucncia Juvcnil, Familia c Escola" in Anri!ise Social, IV serie, n.o 32, pp. 913-924. GARCIA, Jose Luis (org.) (2000), Estrrmhos- jzfl!entude e Dindmicrzs de Ex路clusiio Social em Lisboa, Ociras: Cclta Editora. GmDE;o.;s, Anrhony (2000), 0 fi1undo na Err/ drt G!oba/iztt(iiO, Lisboa: Editora Prcsenc;a. GuARA, Is a (1995), "Neccssidadcs c Dircitos da C:ria]](;a c Adolescente", in Cadenzos do Nzicleo de F1t11dos e l'I'Sfjllist! Sob re rl Crirlil(tl I' o ;Jdo/cscente, n. 0 1, Pontificia Universidadc Car<Slica de Sao Paulo. MoRIN, Edgar (1982), Ciencia com Consciencia, Mcm Martins: Publicac;oes Europa-America. PAIS, Jose Machado (2001), Grmchos, Tachos e Biscates - jovem, Trabalho e Futuro, Porta: Ambar. PAIS, Jose Machado (coord.) (2000), Tracos e Riscos de Vida- uma abordagem qua!itativrz rl modos de vida juvenis, 2.a cdic;ao, Porto: Ambar. PEREIRA, Potyara A. P. (2000), Necessidades Humawts- Subs!dios rl Cr!tica dos M!nimos Sociais, Sao Paulo: Conez Editora. RoDRIGUES, Fernanda (1999), AssistC!zcia Social e Po!ftims Socir1is em Portugrd, Lisboa: ISSScoop/ CPIHTS. SANTOS, Boaventura de Sous a (2002), A Critica cla Raziio Indolente: Colltrrl o Desperdicio da txperiencia [Para um novo senso comum. A ciencia, o direito ea pol!tica na tmnsir;ao paradigmritica}, Volume I, Pono: Edi~6es Afrontamento. STRECHT, Pedro (1997), Crescer Vazio- Repemmoes psiquicas do abandono negligencia e nzrzus tratos em crimu;m e ado/esccntcs, Lisboa: Assirio & Alvim. STRECHT, Pedro (2003 ), Assirio & Alvim.

INTERVEN<,-:Ao

SociAL,

30, 2.004

A Mmgem

do Am or- notrls sob re de!inquencia juuenil, Lisboa:



lNTERVENc;Ao SocJ:\L, 30, 2004-: -t-3-55

Marina Orrico

TAVARES

*

"(), . 拢 .dos.~" "<-ue d.uettos para os d es1avoree1 0 direito de informa<;ao e a ac<;ao social autarquica Este artigo propoe-se li andlise do conceito de direito de infimnariio, que e devido ao cidadiio, aplicdvel aos utentes dos servir;os sociais, dado que pelas limitar;oes deste publico, ao nivel das competencias que pennitam o exercicio pleno da cidadania, recai sobre os tecnicos uma responsabilidade redobrada, ao nivel da transparhzcia dos scrvir;os e do acesso li informar;iio. Palavras-chave: cidadania social, direito de informar;lio, pzib!icos desfovorecidos, empowerment

I. 0 papel dos Munidpios em materia de acs:ao social "No Sector do Bem-Estflr Socird ou drt Previsiio e Assistencia Social denominam-se servir;os socirtis r'is jJrestrz~路oes especializadas, proporcionadas por um pessoal qualificado eo m o fim de rljudar as pessoas que, em estado de necessidade ou em situafiies-problema, niio podem resolve-las ou superd-las por si mesmas. Estas prestar;oes e assistencias tecnicas siio oferecidas por organizar;oes p~lblicas e entidades privadas, com ou sem fins lucrativos, cujo objectivo

*Tecnica Superior de Servi<;:o Social, com P6s-graduac;:ao em Gcstao e Administra<;:ao Pt'rblica.


44

I

Marina Orrico Tavarcs

material ea distribuiriio de bem e serviros com uma jincdidade assistencial, de reabilitariio, de prevenriio ou de prornoriio social de casos individuais, grupos ou colectividt7des. " 1

E na dimensao local que, parece-nos, faz mais sentido falarmos em ae<;:ao social. Efectivamente, revela-se ao nivel do poder autarquico, pelas suas caracteristicas de proximidade em relac;ao J. populas:ao, a mais eficaz das interven<;:6es - mais certeira, mais atenta, mais preocupada, e por vezes ate, mais "carinhosa", nao s6 pela facilidade que o tecnico tern de percepcionar o que se passa realmente no "terreno", mas sobretudo pela visibilidade que o fen6meno adquire, quando se encontra mais proximo. Partindo deste conceito de "scrvis:o social", M aria Jose Idanez estabelece uma diferencias:ao clara, ao nivel da conceptualizas:ao do "servis:o social", quando define os seus contornos: a) em sentido lato, utilizado sobretudo nos paises anglo-sax6nicos, o conceito abrange areas r;io diversas como a educas:ao, sat'1de, seguros e outras presta<;:6es econ6rnicas, emprego, habita<;:ao e urbanismo, e . . servrs:os socrars pessoa ts; b) em sentido restrito, que se prende corn a tradis:ao dos paises latinos, o conceito define sobretudo os servis:os sociais focalizados nas necessidades "circunstanciais de grupos marginais", utilizando a expressao de Dcmetrio Casado. 2

1.1. Enquadramento legal da acc;ao social municipal 0 processo de alargamento de competencias do poder local tern apresentado, desde a sua autonomia e democratizas:ao, urn caracter crescente e avido. Efectivamente, este processo tern sofrido avans:os e recuos, conforme tambem a perspectiva dos autarcas envolvidos, o seu espirito de iniciativa e a sua vontade de intervir. 1 ANDER-EGG, Ezequiel, "Diccionario de trabajo social", Plaza & Janes, BogoG[, 1986 in IDANEZ, Maria Jose Aguilar, A 11Lp1o Social t1 N!uc! !Yfullicipa!, Funda<;ao Byssaia-Barreto, Coimbra, 2001, pp. 16. 2 CASADO, Demetrio, /VIanua! de Seruicios Socia!es, Ed. CCS, Madrid, in IDANEZ, M aria Jose Aguilar, A Acfiio Social a N!vel ;vftmicipa!, Funda~ao Byssaia-Barreto, Coimbra, 2001, pp. 17.

l~TERVE:-.:c,:.\o SociAL, 30, 2004


"Que dircitos para os dcsf:lVorccidos'"

I

45

A primeira moldura legal da intervenc,:ao social municipal pode situar-se no Decreto-Lei n. 0 100/84 de 29 de Marc,:o, onde se preceituava a "prossecuc,:ao de interesses proprios das populac,:oes respectivas" (artigo 1. 0 ) como atribuic,:ao das autarquias, especificando o artigo 2. 0 do mesmo diploma como interesses proprios da area social a sat'tde, a educac,:ao e o ensino, a protecc,:ao a inH'incia e a terceira idade, a cultura, tempos livres e desporto. A partir deste primeiro passo, podemos afirmar que foi a acc,:ao de alguns munidpios mais "arrojados" que abriu caminho para a invasao do espac,:o social por parte das autarquias. E este processo de invasao, positiva, provou que e efectivamente ao n!vel local que a intervenc,:ao social pode alcanc,:ar 0 seu expoente maximo. Em 1997, corn a publicac,:ao da Resoluc,:ao de Conselho de Ministros n. 0 197 lanc,:a-se urn novo repto, nao so aos munidpios como as restantes instituic,:oes que intervem, a n!vel local - a necessidade de coordenac,:ao, para uma maior optimizac,:ao dos recursos existentes, mediante a criac,:ao de comissoes sociais de freguesia e conselhos locais de acc,:ao social, enquanta espac,:os de discussao aberta, onde estao representados todos os parceiros, e no seio dos quais, de uma forma transversal, se podem trac,:ar problemas e caminhos poss1veis para a sua resoluc,:ao, definir metas e prioridades e alinhar recursos, sem desperd!cios ou duplicac,:ao dos mesmos, sejam materiais ou humanos. A abertura de portas, possibilitada pelo Decreta-Lei n." 100 I 84, so corn a publicac,:ao da Lei n. 0 59/99 de 14 de Setembro, viu consubstanciada a sua verdadeira conceitualizac,:ao e bem definidas as respectivas areas de intervenc,:ao. Ao n1vel da rerminologia, o documento substitui a expressao "protecc,:ao a infancia c a tcrccira idadc" por "acc,:ao social", cuja relevancia esta sobrerudo na ahrangt~ncia dcste t'dtimo conceito. No entanto, o caracter inovador da lcgisla<;ao sobressai, sobretudo, nas novas atribuic,:oes cometidas as fregucsias nos dom1nios da educac,:ao, cultura, tempos livres e desporto, cuidados primarios de saude e acc,:ao social, em suma, no ambito do servic,:o social cm sentido lato.


46

I

Marina Orrico Tavares

1.2. Prindpios Ideol6gico-filos6ficos e Prindpios Operativos da ac«;ao social Afirma Maria Jose Aguilar Idanez que se designam por prindpios ideologico-filosoficos "aqueles que, por irem mais alem do ambito dos servis;os sociais, sao os que servem de sustentas;ao a propria acs;ao, e de modelo para a situas;ao-objectivo que se pretende atingir". 3 Partindo deste pressuposto, especifica a autora tres prindpios enquadradores da acs;ao social, e que clarificam, pensamos, a articulas;ao que o presente trabalho pretende estabelecer entre o trabalho social e as linhas teoricas que o norteiam e o conceito de direito de informas;ao, ao n1vel da praxis, bem como a efidcia da sua aplicabilidade e os agentes sobre os quais recai essa tarefa:

• Igualdade - diz rcspcito, segundo a autora, ao direito de ser considerado de igual forma, scm scr objecto de nenhum tipo de discriminas;ao. Neste sentido, acresccnta a autora que "os servis;os sociais tern de contribuir para que todos os cidadaos tcnham identicas possibilidades de realizas;ao pessoal c mclhorar a vida colectiva". 4

• Liberdade - defende a autora, a cstc rcspcito, que nao ha possibilidade de um exerdcio pleno de liberdadc se a acs;ao social nao conseguir trabalhar no sentido de evitar ou atcnuar comportamentos sociais de discriminas;ao e marginalizas;ao. A liberdade adquire aqui um significado muito vasto, que abranged. nao so os direitos civis e pollticos, como o exerdcio real e efectivo dos direitos sociais.

• Solidariedade - a este n!vel, afirma a autora, de forma muito certeira, "para que a solidariedade seja efectiva e nao se fique pelas palavras, e necessaria a existencia de mecanismos de compensas;ao que corrijam os desequillbrios que 0 sistema socio-economico imp6e". 5

3 IDANEZ, Maria Jose Aguilar, A Acriio Social Coimbra, 2001, pp. 23. ''Idem. 5 Idem, Ibidem, pp. 24.

t1

Nfvellvfunicipal, Funda<;ao Byssaia-Barreto,

1:--:TERVE~c;Ao

SociAL, 30, 2004


"Que direitos para os desfavorecidos>"

I

47

Acresce salientar que a mesma aurora estabelece coma prindpios operativos da ac<;ao social: " " " " • • "

Conhecimento da realidade Planifica<;ao e coordena<;ao Responsabilidade pt'tblica Universalidade N ormaliza<;ao Descentraliza<;ao Participa<;ao

1.3. Publico-Alvo dos Servis:os Sociais Autarquicos Segundo Maria Jose Idanez, o publico-alvo dos servi<;os sociais e cada vez mais diversificado, dado que as novas exigencias de cidadania pressionam a polltica social no sentido de passar a considerar a sociedade numa perspectiva abrangente e nao discriminatoria, deixando de considerar o seu publico-alvo coma apenas as popula<;6es desfavorecidas e passando a dar resposta as necessidades de todos os cidadaos. Ainda assim, continua a ser verdade que o atendimento, ao nivel da ac<;ao social autarquica, continua a apresentar uma prevalencia de individuos que apresentam caracteristicas de fragilidade individual e social, em virtude das situa<;6es-problema que os afectam ou afectaram o seu percurso de vida. Os utentes dos servi<;os apresentam, regra geral, tra<;os caracteristicos, dos quais se podem destacar: a) Problemas de auto-estima muito demarcados, muitas vezes refor<;ados por situa<;6es de desemprego de longa dura<;ao; b) Baixo nivel de escolaridade ou ausencia total de escolaridade; c) Competencias pessoais e sociais empobrecidas; d) Perten<;a a agregados familiares muito numerosos e/ou disfuncionais; e) Titulares de rendimentos muito escassos ou muito irregulares, sobretudo presta<;6es de Rendimento Minima Garantido; j) Idosos em situa<;ao de dependencia, total ou parcial; g) Crian<;as corn dificuldades de aprendizagem; h) Individuos em idade activa, corn problemas de adi<;ao. INTERVENyAo

SacrAL,

30, 2004


48

I

Marina Orrico Tavares

A estes tra<;:os encontrarn-se, geralrnente, associados cenarios de exclusao social, que sao sirnultanearnente origern e resultado de urn processo de perda de valores sociais e de urn sentido de utilidade social/cornuniraria.

2, 0 direito

a informas:ao

"Ela (Administrariio) deve ser tramparente, isto e, fornecer aos cidadaos as informaroes que estiio em seu jJoder em z;ez de as reter, e assim expliatr as razoes do seu comportamento e das dccisocs que ela toma (..) no caso da Administrariio Pziblica, tratar-se-irl de pamitir aos cidadiios atrauessar a barreirct constitufda pela burocracia, br~rreim que segundo Weber seria uma caracterfstica essencial para a sua cxisttllciil, c que tern scruido tambem para diferenciar e scparar a Administ mciio dos administrados. " 6

A necessidade de transparencia rcprcscnta, sobretudo, o ponto de partida para urna rnelhor participa<;:ao social- se a sociedade e de todos e para todos, nao fara sentido que todos ncla participern, independenternente das suas com.petencias para acedcr il inCorma<;:ao que a Administra<;:ao tradicionalrnente tende a ornitir? '/1 transparencirt tljhlri'ce como um coroldrio da democracia, manifestando-se hoje em todos os dom!nios da uida social, sucedendo-se a regulariio de certas materias segunrlo orientaroes que se apresentam inspiradas pe!a ideia de transparencia. h~路ta tem abrangido disposiroes de toda a natureza, que pretendem niio sr5 assegurar uma nzelhor infonnariio aos cidadiios, tanto no dominio do accsso aos documentos dr1 r~dministrr~rao, como no dominio da obrigariio de jimdamentar os actos administrativos ou de publicitar a sua actividade, corno as que pretendem permitir a sua participr~rao mais actiz;a na fonnariio das decisoes dr1 Administrariio, com especial incidencitl nos ziltimos tempos r1traves dos lnqueritos hiblicos, em que justamente o Cr5digo do Procedimento Administnttivo tliemiio tem sauido de refirhzcia. "c

E neste contexto que surge a segunda grande dimensao do Plano Nacional de Ac<;:ao para a Inclusao que aposta na preven<;:ao de riscos de "CONDESSO, Fernando, Direito ,7 lnformariio AdministmtizM, Lisboa, 1995, pp. 31 .. Idem, pp. 37 1;-.;TERVE:-.:c;.\o

SociAL

50, 2004


''Que dircitos para os dcsfavorecidos'''

I 49

exclusao onde, num primeiro eixo, se "explora plenamente o potencial da sociedade de conhecimento e das novas tecnologias de informa<,:ao e da comunica<,:ao e se assegura que ninguem saia delas exclu!do dando, nomeadamente, uma aten<,:ao especial as necessidades das pessoas corn deficiencia." 8 Parece-nos importante sublinhar o preceituado pelo n. 0 2 do art. 268. 0 da Constitui<,:ao da Republica Portuguesa que estabelece que os cidadaos tern o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem preju{zo do disposto na lei em materias relativas a seguran<,:a interna e externa, a investiga<,:ao criminal e a intimidade das pessoas. Neste ambito, e igualmente importantc rcssalvar o prcccituado pelo artigo 7. 0 da Lei n. 0 85/93 de 26 de Agosto, que cria a Comissao de Acesso aos Documentos Administrativos: " no 11. 0 1 - todos tern direito a informa<,:ao mediante 0 acesso a documentos administrativos de caracter nao nominativo; " no n.O 3 o direito de acesso aos documentos administrativos compreende nao so o direito de obter a sua reprodu<,:ao, bem como o direito de ser informado sobre a sua existencia e contet'1do.

''A 'democracia administrativa' tern limites, mas

direito a informa<,:ao administrativa, consagrado ja em muitos pa!ses e tambem em Portugal, e, a seu modo, o sinal do advento de uma nova Administra<,:ao, de uma nova cidadania e de uma nova democracia". 9 No entanto, para que, a participa<,:ao polltica, corresponda uma efectiva participa<,:ao administrativa, e fundamental que 0 direito de informa<,:ao seja consagrado e criadas as condi<,:oes para uma efectiva aplicabilidade. So em posse de toda a informa<,:ao, e que o cidadao pode considerar-se um elemento da sociedade, cuja participa<,:ao e envolvimento e util ao beneflcio de todos, incluindo o seu proprio. E so quando for atingido este patamar de satisfa<,:ao, podemos falar em cidadania social.

5

9

0

PRETEXTOS, IDS- Ministtยงrio do Trabalho e da Solidariedade, n.o 5, Junho de 2001. ldem.

INTERVEN<;:)I._o SociAL, 30, 2004


50

I

Marina Orrico Tavares ~~~~~~-

3. 0 direito

~~~~~-~路~路---~~--

a informas;ao enquanto instrumento potenciador

da cidadania social "Amplia~se entao ate ao nivellocal, a tendencia observada por Boaventura Sousa Santos para as relar;oes do Estado com a sociedade civil: a estruturar;ao de um conjunto de antis sociais concentricos no seio dos quais estd o estado. Nos antis interim路es, ciratla a sociedade intima do Estado. Nos aneis exteriores circula a sociedade estranha ao Estado. Nos aneis interiores, dominam os mecanismos de integrar;!io e trivializar;!io, nos aneis exteriores dominam os mecanismos de repressao e exclus!io" 10

E evidente

que, a este nivel, os pt'1blicos-alvo de cada urn dos aneis ilustrados por Boaventura de Sousa Samos tern capacidades diferenciadas para o exercicio pleno da sua cidadania, hem como para a reivindicac;ao dos seus direitos, enquanto cidadao, pcrantc os servic;os publicos. Para Peter Drucker, "a politica p<ls-capitalista deve recriar a cidadania" 11 , na medida em que ea cidadania que faz nascer o verdadeiro cidadao e e a existencia deste que cl<i scntido a polltica. Nesta perspectiva da formac,:~i.o para a cidadania, devemos recordar as palavras de Maria Jose Idancz quando analisa a problematica da participac,:ao popular no ambito da acc;ao social municipal e sublinha a importancia da informac;ao como instrumento potenciador da transformac,:ao do cidadao em agente da sua prcSpria mudanc;a. Afirma a autora: "Evidentemente nao pode existir uma verdadeira participar;ao na gestao pziblica dos servif路os se as pessoas n!io dispuserem de informar;!io sujiciente. Um cidad!io informado apresenta melhores condir;oes de participar;ao activa e de mobilizar;ao que um cidadao eo m folta de informar;ao. Epor isso que esta se constitui num requisito ou condir;ao imprescindivel para a participar;!io. " 12

10 BRANCO, Francisco, Jvlunicipios e Pol!tims Sociais em Portugal, Instituto Superior de Servi<;:o Social, Lisboa, 1998, pp. 169. 11 DRUCKER, Peter F, Sociedade Pos~Capitalista, Lisboa, 1993, pp. 170. 12 IDANEZ, Maria Jose Aguilar, A Acrao Social a Nfvel Municipal, Funda<;:ao Byssaia~Barreto, Coimbra, 2001, pp. 56.

lNTERVENC,:Ao

SociAL, 30, 2004


"Que di reitos para os desfavorecidos ?"

I

51

A este proposito, afirma Hermano Carmo que "este processo (de democracia participativa) complexifica e atrasa o processo de tomada de decis6es e exige uma educa<_;:ao para a participa<_;:ao democratica." 13 A este cenario, contrap6e Carla Pinto que o processo de democracia participativa "traz vantagens num maior envolvimento e responsabiliza<_;:ao (... ) e aumenta o sentido de uniao e perten<_;:a na sociedade." 14 E evidente que, neste contexto, o papel do tecnico de servi<_;:o social, a exercer fun<_;:6es nos servi<_;:os sociais municipais se torna fundamental, no sentido de dar a conhecer a informa<_;:ao, corn rigor e clareza, a urn publico que nao possui competencias para a ela aceder, pelas caracteristicas ja referidas no ponto 1.3., quando tra<_;:amos o perfil do publico-alvo destes servi<_;:os, bem como pelos factores que dificultam o acesso a essa mesma informa<_;:ao e o conhecimento desse direito, que emolduram, geralmente, os mecanismos de repressao e exclusao social, aos quais se refere Boaventura de Sousa Santos, entre outros autores.

4. 0 direito a participas:ao da crians:a/jovem enquanto promos:ao da sua cidadania "(. . .) Para ser homem, niio basta nascer, e necessdrio tambem aprender. Todo 0 ser humano passa por um processo de socializafliO primdria que e essencialmente efectuado pela familia, onde siio adquiridas competencias bdsicas que !he permitem consolidar conhecimentos essenciais para a socializafliO secunddria (. . .) 15

Tambem as crian<_;:as/jovens sao "agarradas" neste sistema de estrutura<_;:ao de aneis sociais concentricos ilustrados por Boaventura Sousa Santos, onde circulam a sociedade intima e a sociedade estranha ao Estado. Se para o adulto, a cidadania se desenvolve, consolida e efectiva numa plataforma comunitaria e social, na medida em que se constitui num emaranhado de

13

CARMO, Hermano, 1997 in PINTO, Carla, in Politica Social- 1998, Lis boa, ISCSP, 1998,

pp. 247-264. 14 15

PI NTO, Ca rla , in Politica Social- 1998, Lisboa, ISCSP, 1998, pp. 247-264 . SAVATER, Fernando , 0 Valor de Educar, Lisboa, Edirorial Prese nc;:a, 1997, pp . 33 .

l NTE RVE N<;AO SOC IAL , JO, 2004


52

I

Marina Orrico Tavarcs

relac;:6es pessoais e sociais e serve de conceito conciliador entre os diferentes papeis sociais assumidos pelo indiv1duo; para a crianc;:a, sobretudo em idade pre-escolar, a aprendizagem para a cidadania joga-se especialmente no nucleo familiar. Logo, o acesso aos direitos e os proprios direitos sao, sobretudo, direitos humanos e relacionais. Numa primeira insrancia de vida, o direito a informac;:ao, aos afectos, a partilha familiar sao fontes primordiais para que a crianc;:a possa ver crescer dentro de si a noc;:ao de que a sua participac;:ao e fundamental e determinante na forma como o processo familiar decorre. Da mesma forma que dar voz a todos os elementos de uma sociedade, potencia o desenvolvimento da ideia de que o contributo de todos e relevante para 0 born andamcnto do processo social, dar voz a todos os elcmcntos da familia potencia nas crianc;:as, as primeiras noc;:6es de auto-estima, de valorizac;:ao pessoal, de capacidade de intervenc;:ao e estas sao, provavelmente, as primeiras bases da aprcndizagem para a cidadania. No fundo, o que esra em causa c a no<;[io de que so se lanc;:a na defesa dos scus dircitos, quem sente que tcm fcrramentas para os defender, e ao n!vel da cidadania, quando falamos cm ferramentas, estamos a falar em competencias pessoais e sociais.

4.1. A situa~ao espedfica das crian~as/jovens em risco social Partindo destes pressupostos que enunciamos ate aqui, e no que toca as crianc;:as/jovens em risco social, coloca-se precisamcnte o mesmo problema que apresentamos para os cidadaos cm idade adulta, que "caem" em situac;:ao de desfavorecimento. Tambem para as crianc;:as, ha situac;:6es e pcrcursos de vida muito adversas, que as limitam nas suas aprendizagens, dado que sendo as proprias fam!lias desfavorecidas, subsidiariamente, as suas crianc;:as serao tambem desfavorecidas, porque nao correm, no nucleo familiar, estrategias educativas de optimismo, transformac;:ao e encorajamento. Afirmam, a este proposito, Marlene Cabral e Aida Marques,

e

"(. . .) Quando a socializar;iio prinuiria satisfot6ria e assenta numa base s6lida, a socializar;iio secunddria efocilitada, permitindo, na maioria das sitzta~路oes, uma integra~路iio social e profi'ssional plena. Caso contrdrio, persistiriio lacunas graves inibidoras de uma inclusiio social, so sendo passive!

INTERVE;-..;c;.\o SoCIAL, 30, lOO-t


"(~uc

direiros para os desEworccidos?>'

I 53

minimizd-las ou elimind-las com um trabalho demorado de socializa(iiO e persistencia (. . .) ". 16

Ora, esclarecem as autoras que o desenvolvimento de competencias pessoais pressup6e a apreensao e consolidac;:ao dos seguintes niveis: conhecimento do "self", reconhecimento do outro e capacidade para tomar decis6es/autonomia. E continuam as autoras, "(. . .) Por outro !ado, a aquisiriio de competencias pessoais atraves dos tres niveis acima emmcirzdos, possibilitrl a promorao de aptidoes que tornam vidvel rl obten(iio de 7'c.wltados socia!mmte nwis cfi'crlzes para uma consolida(iio efectiva da i!Jserriio dm jJessor/s, unu1 vez que silo desenvolvidas capacidades de comlmica(iio, constrtt(iio de relct(i5es, ncgociariio, recusa e procura de ajuda(. . .) ".

Neste contexto, e tendo nos presente que ha familias onde estas aprendizagens nao sao possiveis, parece-nos relevante questionar se 0 que deve pesar na balanc;:a e o amor incondicional da familia biologica, mesmo que castrante e impeditivo do desenvolvimento de competencias pessoais e sociais, ou pelo contrario, a criac;:ao de urn ambiente familiar alternativo, em que e passive! ajudar a formar cidadaos, numa logica de direitos e deveres, e numa base que nao seja apenas teorica, mas sobretudo que se revele numa dimensao de praticas comportamentais. Sem menosprezar o amor da familia biologica, se nao actuarmos para formar crianc;:as/cidadaos capazes de uma intervenc;:ao social responsavel, solidaria e assertiva, conscientes do seu valor, o mais que podemos esperar e a reproduc;:ao de esquemas familiares desfavorecidos. Dai que, se noutras materias, atraves das crianc;:as, podemos chegar aos adultos/pais (como e o caso das campanhas de sensibilizac;:ao para a reciclagem/ separac;:ao de lixos), porque estao mais disponiveis e tern maior capacidade de absorc;:ao de nova informac;:ao; no que concerne a questao dos direitos, se as crianc;:as os identificam na escola e nao os sentem aplicados no seu seio familiar (sendo que o contrario tambem, por vezes, e verdade) o que podemos

"' CABRAL, Marlene e lVfARQUES, Aida, "Departamenro de Descnvolvimento Integra do IDS", in Traba!har Competencias Pessoais e Sociais, PRETEXTOS, n. 0 6, Agosro/2001.

lNTERVENc;Ao SociAL,

30,

2004


54

I

Marina Orrico Tavares ~----路----~

---路-----

esperar e urn fossa medonho, que s6 contribuid. para o refor<;:o do processo de exclusao social. A educa<;:ao parental, neste dominio, e fundamental, porque aos pais cabe uma op<;:ao estrutural: ou o caminho e no sentido da educayao de seres aut6nomos e pensantes, o que representa, tambem, urn desafio progressivo e constante a capacidade dos pr6prios pais, ou 0 trajecto passa a ser desviante- quer falemos de super protec<;:ao, quer falemos de negligencia- criando meninos e meninas "apagados", na sociedade, coma na vida, coma nas competencias, impedidos dessa capacidade de sorrir e gozar o que a vida tern de born. E preciso explicar aos pais que esta educa<;:ao para 0 optimismo e, sem duvida, urn dos elementos fundamentais do direito a participa<;:ao, porque e ele tambem que nos ajuda a aceitar que as lutas sao possiveis, num patamar consciente de capacidade critica, exigencia de direitos pessoais e valoriza<;:ao pcssoal! auto-estima. 0 direito a participa<;:ao so c possivel se houver espa<;:o para a participa<;:ao, e dai que a estc rcspciro, scja pertinente citar Maria Emilia Vilarinho 17 quando afirma: "(.. .)A z;isiio mlultodntrica da inf/lncia podef/tzer com que a drea da formar;iio cfvim se lrrlmj(;rmc nurn tJjJttr;o de construr;iio de urna espr!cie de rnanurt! de imtntj'iies prtrtt os cornportmnentos ern ;nib!ico e que niio de espar;o a assunr;iio da cidadania das crianr;as e dos }ovens( 0) ". 0

Condusao Partindo do pressuposto de que foram devidamente definidos, no presente trabalho, os dais conceitos que pretendiamos analisar, de forma articulada - conceito de ac<;:ao social e seu publico-alvo e conceito de direito de informayaO, pensamos que e de ressalvar, nesta analise, 0 tipo de enquadramento do direito de informa<;:ao, ao nivel dos servi<;:os sociais aud~rquicos, bem coma as limita<;:6es da sua aplicabilidade. Se considerarmos que o cidadao, enquanto utente dos serviyos sociais autarquicos, deve estar apto a fazer escolhas, no sentido da sua participa-

1

~VILARINHO, Maria Emilia, in "Formas:ao Civica no Ensino Basicocrian<yas e aos jovens!", http://www.apagina.pt.

e preciso dar voz as

li'-:TERVENc,:Ao

SociAL, 30,

2004


"Que direitos para os desfavorecidos'"

I

55

<;:ao na gestao publica, revela-se claro que tern que contar, neste processo, corn a "hospitalidade" dos tecnicos da institui<;:ao que o acolhe. E evidente que, neste contexto, o papcl do tecnico de servi<;:o social, a exercer funs:oes nos servis:os sociais municipais se torna fundamental, no sentido de dar a conhecer a informa<;:ao, com rigor e clareza, a urn publico que nao possui competencias para a cla accder, bem coma pelos factores que dificultam o acesso a essa mcsma informa<;:ao e o conhecimento desse direito, que emolduram, geralmcnre, os mecanismos de repressao e exclusao social.

Bibliografia

BRANCO, Francisco, Municfpios e Politicas Sociais em Portugal, Instituto Superior de Servir;o Social, Lisboa, 1998, pp. 169. CABRAL, Marlene e MARQUES, Aida, in "Trabalhar Competencias Pessoais e Sociais", Pretextos, n. 0 6, Departamento de Desenvolvimemo Integrado IDS, Agosto/2001. CoNDESSO, Fernando, Direito

a Infimnariio Administrativa, Lisboa,

1995, pp. 31-37.

DRUCKER, Peter F., Sociedade P6s-Capitalista, Lisboa, 1993, pp. 170. lDANEZ, Maria Jose Aguilar, A Acrao Social a Nivel Municipal, Fundar;ao Byssaia-Ban路eto, Coimbra, 2001, pp. 23, 24 e 56. PINTO, Cm路la, "Empowerment", Politica Social-1998, Lisboa, ISCSP, 1998, pp. 247-264. SAVATER, Fernando, 0 Valor de Educar, Lisboa, Editorial Presenr;a, 1997, pp. 33. VILARINHO, Maria Emilia, in "Formar;ao Clvica no Ensino Basico - e preciso dar voz as crianr;as e aos jovens!", http://www.apagina.pt

Pretextos, n.O 5, IDS, Ministerio do Trabalho e da Solidariedade, Junho de 2001.

INTERVEN<;:Ao

SocrAL, 30,

2004



Jorge

FERREIRA

*

Questionar as Pnhicas Sodais junto da Crian~a/J ovetn. Da reflexao a uma proposta de interven~ao do Servi~o Social. Este texto constitui-se como documento de reflex!io e debate no quadro

cla intervenr!io projissional do Serviro Social. Ao longo do texto procuramos: Questionar r1s prrftims sociais desde o enq11adrmnmto legrd, li interzmu;iio dos seruir;os sociais e dos profissionais; Identijimr rzs potencialidrzdes dr1 recle ptib!ica e de solidrrriedade socirzl1w protecr;iio li crianr;a e promo~路iio do seu bem-estar socirzl; - Apresentar tnna proposta metoclol6gica parrz rz illtervenr;iio projissional e dos seruir;os baseada em modelos e tr!mims de Jultureza tecnico-cientfjica. Palavras-chave: servir;o social, prdticas sociais, recle ptiblica e soliclarieclade, protecr;iio cla crianr;a, bem-estar social.

lntrodu芦;ao 0 actual contexto das politicas pLiblicas, em particular do bem-estar social, dirigidas a Crian<;:a, obriga-nos a compreender as rela<;:6es sociais de interac<;:ao entre Estado, Sociedade e Cidadao. Imp6e uma nova ordem social, no que respeita a articula<;:ao dos diferentes actores na pd.tica profissional, sustentada num quadro metodologico de inrerven<;:ao em rede. 路 Dourorando ern Serviso Social, Docente e Director do ISSSL


58

I ]orge Ferreira

~----~

0 actual contexto economico, politico e social baseado numa orienta<;:ao neo-liberal requer: - Das organiza<;:6es sociais, uma moderna gestao social; - Dos profissionais, uma nova postura no planeamento e execu<;:ao de politicas publicas. Questoes que encontram fundamento na: - Debilidade de sistema economico; - Interdisciplinaridade das politicas; - Maior interac<;:ao entre ptiblico e privado e entre Estado e Sociedade. 1. Legislac_rao sobre a Criancra

uma analise social

Em Portugal, tres marcos legais significativos assinalam a importancia do problema da infancia. Os dois primeiros, a Lei de 1911 «Lei de Protec<;:ao a Infancia», e a Organiza<;:ao Tutelar de Menores de 1962, revista pela Organiza<;:ao Tutelar de Men ores de 1978. Presentemente estamos pcrante a emergencia de urn novo marco que se configura na revisao da Lci de Menores de 1998, designada «Reforma do sistema de execu<;:ao das penas e medidas». Esta revisao levou a separa<;:ao das Crian<;:as e ]ovens em Risco das Crian<;:as e ]ovens infractores, integrando os primeiros no ambito da interven<;:ao Social 1 (Ministerio do Trabalho e da Seguran<;:a Social) e os segundos no ambito da interven<;:ao Judicial 2 (Ministerio da Justi<;:a). A lei de Protec<;:ao de Crian<;:as e ]ovens em Perigo (Lei n. 0 147/99 de 1 de Setembro) tern por objecto a promo<;:ao dos direitos e a protec<;:ao das crian<;:as e dos jovens em risco, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral.

1 2

Lci 147/99 de 1 de Setembro <<iei de protec~ao das crian<;as e jovens>>. Lci 166/99 de 14 de Setembro «lei tutelar educativa>>. INTERVEN<;:Ao

SociAL,

30, 2004


Qucstionar as Pdticas Sociais junro da C:rian~a/Jovcm

I

59

A lei tutelar educativa (Lei n. 0 166/99 de 14 de Setembro) tern por objectivo promover a reeducac;:ao da crianc;:a, o seu bem estar e a sua protecc;:ao. Neste capitulo, pretendemos fazer uma breve analise social da legislac;:ao sobre a Crianc;:a nos dominios da promoc;:ao dos Direitos da Crianc;:a e no reconhecimento da cidadania da infancia, em Portugal. Na terminologia social usamos o termo Crianc;:a (jovem), em conformidade corn a convenc;:ao dos Direitos da Crianc;:a (Art. 0 1. 0 ) que define "Crianc;:a" como sendo - "Todo o cidadao ate aos 18 anos de idade". 1911 LE! DE PROTEC<;:AO A INFANCIA 1911

CATEGORIAS DE ANALISE

DIAGNOSTICO

Regenera~ao da familia a partir da Crian~a, ou seja proteger a Crian~a dos males a que estava sujeito.

TIPO DE SOCIEDADE

- Espirito de Nacionalidade e de Patriotismo; - Defesa dos valores da Educa~ao e da Purificac;ao; - Centraliza~ao do poder no Governo da Republica; - Sociedade organizada e bem ordenada.

FONTES DE LEGITIMIDADE

- Lcis especiais e leis especificas promulgadas pelo Governo. lnstitui~6es oficiais do aparelho Judicial.

DISPOSITIVOS ME! OS

- Medidas de saneamento, ou seja: "cortar o mal pela raiz".

REFERENCIAS INTERNACIONAIS

- Rcfcrcncias pontuais a leis de protec~ao aos menorcs em alguns paises. (1892- Holanda, Australia e Hungria).

lNTERVENyAo

SociAL, 30,

2004


60

I Jorge Ferreira ~~-----~

1962/1978: CATEGORIAS DE ANALISE

ORGANIZA<;:i\0 TUTELAR DE MEN ORES

DIAGNOSTICO

- Assinala a importancia da Familia; - C:enrra-sc na C:rianc;a e no J ovem; - Levanta a qucstao de novos problemas na sociedadc: · ViolCncia na Eunilia; · Alcool; · Tabaco; · Toxicodcpcndcncia; · Dclinqucncia.

TIPO DE SOCIEDADF.

- Dcsccntralizada, espirito democratico em que o Estado eo Comunirario sao responsaveis na Organizac;ao da Socicdadc. - Fragilidadc das relac;:oes sociais; - Adapta<;ao a novos Moclelos de Trabalho de Familia.

FONTES DE LF.GITIMIDADF.

-· lnstiruic;6cs judiciarias, atravcs de dccrctos-lci, promulgados pelo governo, ap6s aprovac;ao em Asscmbleia da RepLrblica.

DISPOSITIVOS

- Instituic;6es oficiais do sisrcma pLrblico, judiciais, saLrde, educac;ao c assisrencia; lnstituic;6es privadas implementadas pela comunidade, reconhecidas como parceiros do Estado na lntervcnc;ao.

MET OS

- Medidas tutelares corn caracter educativo e formarivo; - F.xames de diagn6stico para melhor conhecer as causas do problema; - Modelos te6ricos que facilitam uma melhor intervenc;ao no Campo Prevcntivo.

REFERENCIAS INTF.RNACIONAIS

- lmporrancia das oricntac;6es da Nac;6es Unidas; - Convenc;6es lnternacionais; - Rccomendac;6es da Uniao Europeia; Exemplos: - Dcclarac;ao dos Direitos da Crianc;a. - Resoluc;ao 40/.3:) - Asscmbleia Geral das Nac;6es Unidas (regras mfnimas para a Administrac;ao da Justic;a de Menores). - Convenc;ao Europcia em materia de Adopc;ao de Crianc;as, Esrrasburgo 1967; - Convenc;ao Europeia dos Direitos do Homem 1978.

lNTERVE?"c;.\o SociAL, ;o, 20o+


Questionar as Pr,iticas Sociais junto da Crianya/Jovem

I

61

Periodo 1998 CATEGORIAS DE ANAL! SE

OBJECTIVO

"REFORMA DO DIREITO DE MEN ORES EM PORTUGAL"

Distinguir o Modelo de Protecs:ao do Modelo '1 Lttelar Educativo,

FUNDAMENTOS

- Naturcza do Estado ea legitimidade da sua intervcnc;:ao; -A idade da imputabilidade penal; -A responsabilizac;:ao do menor e o atingir do limiar da maturidadc; -A delinquencia Juvenile Infamil eo conccito de Crianc;:a em perigo; -As causas dos componamenros transgressores e desviantes; - 0 menor como Sujeiw de direitos c o seu exercicio; -As exigencias de scguranc;:a da comunidadc c dos cidadaos; -As responsabilidades constitucionais, atribufdas ao Estado, de protecc;:ao das crianc;:as com vista ao seu desenvolvimento IntegraL

FONTES DE LEGITIMIDADE

- Lei de prorco;iio de C:riant;as e Jovcns em Perigo (Lci 117 /')'), de 1 de Setcmbro); Lci 'linclar Educniva (Lci 166/99, de 14 de Setembro), ········-··-·----

I:--:TERVE:--.!~Ao SociAL, 30, 2004


62

I

Jorge Ferreira

Lei de Protec<;:ao de Crian<;:as e }ovens em Perigo (1999) CATEGORIAS DE ANALISE

LE! 147/99 DE 1 DE SETEMBRO

OBJECTO

- Crians;as em situac;:ao de desprotecc;:ao ate aos 12 anos de idade.

OBJECTIVOS

- Pro mover os direitos e a protecc;:ao das Crianc;:as e dos ]ovens em Perigo. - Garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral.

AMBITO

- Crianc;:as e ]ovens que residam ou se encontram em territ6rio nacional.

SITUA<;:OES DE PERIGO

- Crianc;:a/Jovem: · Abandonada ou vive entregue a si propria; · Maus-tratos fisicos ou psiquicos ou vitima de abusos sexuais; · Nao rcccbc os cuidados adequados a sua idade; · Explora~ao ou trabalhos excessivos a sua idade; · Sujcita a comportamentos que afectam gravemente a sua scguram;a ou o scu cquilibrio emocional; · Assume comportamcntos ou se entrega a consumos que atcctcm o scu dcscnvolvimcnto integral.

DISPOSITIVOS

- Entidadcs eo m compctcncia cm materia de infancia e juvcntudc; Comiss6es de Protccc;:ao; Tribunais.

OPERATIVIDADE DALE!

Comiss<lcs de Protecc;:ao de Crianc;:as e ]ovens.

MEDIDAS DE PROMO<;:AO DOS DIREITOS E DE PROTEC<;:AO

- Mcdidas no meio natural de vida: · Apoio junta dos Pais; · Apoio junta de outro familiar; Educac;:ao parental; . Apoio a familia; · Confianc;:a a pessoa id6nea; · Colocac;:ao sob a guarda de pessoa id6nea seleccionada para adopc;:ao; · Apoio para a autonomia de vida. - Medidas de colocac;:ao: · Acolhimento familiar; · Acolhimento em instituic;:ao.

INTERVEN<;:AO JUDICIAL

- Verifica-se quando: · Nao seja prestado ou retirado consentimento para a intervenc;:ao da Comissao; . A Crianc;:a/Jovem se oponha a intervenc;:ao da Comissao de Protecc;:ao; · Decorridos 6 meses ap6s o conhecimento da situac:;ao e nao haja decisao da comissao de Protecc;:ao; · 0 Ministerio Publico considere que a decisao da Comissao de Protecc;:ao e inadequada ou ilegal.

INTERVEN<:;:Ao SociAL, 30, 2004


Questionar as Pniticas Sociais junto da Crians:a/Jovcm

I 63

Lei Tutelar Educativa (1999) CATEGORIAS DE ANALISE

-LE! 166/99, DE 14 DE SETEMBRO

OBJECTO

-A pr<hica, por Mcnor eo m idade compreendida entre os 12 e os I 6 a nos, de L1cro qualificado pela Lei coma en me.

MED ID AS TUTELARES

- Admoesta<;路:io; - Priva<;路~o do dircito de conduzir ciclomorores ou de ohtcr pcrmiss:io; - Rcp:lr;r\路;io ao okndido; -A re:rliza,::io de tarebs a hvor da coJmrnidade; --路 lmposi<;iio de rcgr:ls de condut:r; - lmposi<;ao de obriga,:i)cs; - hcqucncia de programas formarivos; - Acompanhamento educativo; - Internamento em Centra Educativo.

CENTRO EDUCATIVO

- Regime Aberto: - Os men ores residem e sao educados no estabelecimento, mas frequentam no exterior as actividades escolares, educativas, forma<;ao, laborais e desportivas. -Regime Semi-Aberto: - Os menores residem, vivem e sao educados no estabelecimcnto, mas podcm ser autorizados a frequentar, no exterior, algumas actividades. - Regime Fechado: - Os menores residem, vivem e sao educados, exclusivamente, no estabelecimento educativo.

NATUREZA DO CENTRO EDUCATIVO

- Estabelecimentos organicos e hierarquicamente dependentes dos Servi<;os de Reinser<;ao Social.

FINS DO CENTRO EDUCATIVO

- Execu<;ao da medida tutelar de internamento; - Execu<;ao da medida Cautelar de guarda em Centra Educativo; - Inrernamento para realiza<;ao de pericia sabre a personalidade; - Cumprimento de deten<;ao; - Internamento em fins-de-semana.

PRINCfPIOS DE INTERVENc;:Ao EM CENTRO EDUCATIVO

Socializa<;ao; - Escolaridade; - Orienta<;ao vocacional e forma<;ao profissional e !aboral; - Projecto de inrerven<;ao educativa; - Projecto educativo pessoal.

INTERVEN<;Ao

SacrAL,

30, 2004


64

I

Jorge Ferreira ''

_,

__

,,_,,~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~-

2. Definindo Conceitos A crian<;:a/jovem em risco e uma realidade, cada vez mais visivel no contexto da sociedade moderna de natureza interactiva, ou seja: clinica, social, cultural, psicologica e juridica. Situa<;:ao que e fruto e geradora de situa<;:6es de violencia e inseguran<;:a no seio da familia, resultantes de rupturas familiares, condi<;:6es socio-economicas degradadas e tradi<;:6es culturais. A "crian<;:a em risco" e uma categoria proxima do "mau trato infantil", mas diferente na sua defini<;:ao como se refere em «Les Enfants a risque - OCDE/1995» "Crian<;:a e Jovem em risco", e um conceito recente, precedido pelo adjectivo desfavorecido. A noyao de risco tern por orienta<;:ao a preven<;:ao. Crian<;:as em risco podem nao apresentar caracteristicas que permitam reconhecer 0 risco, porque nao sao ainda problematicas, mas elas podem estar associadas a situa<;:6es que podem conduzir ao risco. 0 conceito "risco" e interactivo, ou seja, est:i rclacionado corn o contexto em que se insere a situa<;:ao (]. Ferreira: 1998). 0 "risco" e a "desprotec<;:ao", constituem um problema tao vasto como complexo, cuja amplitude e dificil de medir na ausencia de uma matriz eomum. A desprotec<;:ao da crian<;:a e do jovem esta quase sempre associada as situay6es de maus tratos que nao sao um simples acidente; «( .. ), eles podem ser fisicos, provocados por tratamento cruel, falta de cuidados de assistencia e de saude infligidos ao menor corn idade inferior a dezasseis anos pelo pai, mae ou tutor» (art. 0 153.° Codigo Penal: 1984). A compreensao da situa<;:ao - "crian<;:a/jovem em risco", imp6e ao profissional uma analise baseada entre a crian<;:a, a familia e o contexto em que se desenvolve, bem como a analise do mesmo no quadro das politicas publicas de resposta ao problema em debate. E necessaria ter em aten<;:ao as dimens6es que, directamente, estao associadas a protec<;:ao da Crian<;:a e do Jovem, podendo fazer referencia a idade da crian<;:a/jovem, reac<;:ao da crian<;:a a situa<;:ao/problema, recurso a servi<;:os de bem estar social e incidencia das respostas sociais. A familia, e uma dimensao importante no estudo e analise no problema da crian<;:a/jovem, tendo em conta: a sua forma<;:ao, estrutura, condi<;:6es

lNTERVENc;:.:\o

SociAL,

30, 2004


Questionar as Pdticas Sociais junto da Crian~a/Jovem

I

65

de vida, necessidades, relac,:6es intra e interfamiliares, factores culturais, bem como vinculos estabelecidos corn o conjunto do corpo social e suas func,:6es. No ambito da intervenc,:ao profissional, a desenvolver nesta area, torna-se necessaria distinguir conceitos que ajudem a compreender melhor o objecto de intervenc,:ao, nomeadamente, "Bem-estar Social", "Politica Social" e "Administrac,:ao Social". • Bem-estar Social- compreende as medidas sociais dirigidas a sociedade para satisfazerem as necessidades de pessoas c de grupos. Integra o termo Acc,:ao Social, tanto dos poderes publicos, como de todos os agentes que possam contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos individuos. • Polltica Social - regulac,:ao social promovida pelo Estado que define o ambito e a forma das provisoes sociais dos cidadaos e estabelece quais as necessidades sociais que serao satisfeitas colectivamente. A politica social e uma forma de regulac,:ao tripartida entre Estado-Sociedade-Mercado. Segundo Aldaiza Sposati, 3 "e falsa a leitura que a regulac,:ao estatal se da fora dessas relac,:oes. Mais ainda, e a centralidade ou nao do Estado, onde sua responsabilidade publica, que vai estabelecer o alcance e o padrao das respostas sociais. 0 escopro dessa regulac,:ao social sup6e o reconhecimento publico do direito a satisfac,:ao de determinadas necessidades sociais. Estas deixam de ser consideradas coma privadas e individuais e passam a ser de ambito publico" (Sposati: 2002). As politicas sociais necessitam de ser mediadas por respostas sociais operativas na comunidade, que desenvolvem acc,:6es complementares no acesso as politicas sociais pelos cidadaos. Por exemplo, o acesso a habita-

3 "Regula<;:ao Social Tardia: caractcrisrica das Poliricas Sociais Latino-Americanas na passagem entre o Segundo e o Terceiro Milenio", rrabalho apresentado no Forum Social Mundial de Porta Alegre (Fev. 2002) e no Seminario "Perspectivas de la Polirica Social em America Larina" promovido pelo INDES - Instituto Inreramericano para o Mercado Social do Banco lnreramericano de Dcsarollo, de 17 a 19 de Abril de 2002, Washington D.C.

INTERVEN<;:Ao

SocrAL,

30, 2004


GG

I

Jorge Ferreira

c;ao social nao passa, apenas, pela atribuic;ao de uma casa mas, tambem, pela preparac;ao e treino da familia para habitar a mesma. A politica Social, atraves de urn diversificado numero de medidas e programas, e promotora: - de urn conceito de cidadania global a todas as pessoas em materia do exerdcio pleno dos direitos dvicos, a cultura, a educac;ao e a participac;ao na vida social em sociedade; -do prindpio de igualdade de oportunidades; - de responsabilizac;ao e de mobilizac;ao de todos os cidadaos no esforc;o de erradicac;ao dos problemas sociais, em particular da pobreza e da exclusao social.

• Administrac;ao Social - Segundo Gard:s Ferrer 4 ''A Administrac;ao Social" esra composta por todas as organizac;6es e organismos especializados de administrac;ao publica que coordenam, regulamentam e gerem os recursos sociais e as prestac;6es que sao arbitradas pela politica social (Gard~s Ferrer, 1996: 24). Urn outro conceito que assume pertinencia no Estudo, e o de "Servic;os Sociais". Segundo Belwin Aguirra (1992: 53) 5 "Servic;os Sociais sao instrumemos e prestac;6es publicas de caracter tecnico e organizativo, dirigidos de forma geral a: - melhorar a qualidade de vida e prevenir ou eliminar a marginalidade social de qualquer cidadao ou comunidade; - prestar informac;ao, ajuda e atenc;ao a sectores que por razao de idade, condic;6es fisicas, tenham dificuldade de imegrac;ao social; - objectos e acc;6es devidamente definidas.

4 Garces Ferrer, J (1996) , Sistema Politico e Administrative de Servicios Sociales, Ed. Tiraret Lo Blanch - Va lencia. 1 Belmin Aguirre (199 2), El regime juridico de la Acci6n Social Publica, Ed. HAEEIIVAP - Bilbao.

l N T ERVEN<;Ao SoC I AL ,

30,

2004


Q ues rion ar as Praricas Socia is junro d a C ri a nc;a /) ove m

3. Sistema de protecs:ao

I

67

a Crians:a/Jovem

Para compreendermos melhor os modelos de interven<;:ao em materia de Protec<;:ao, consideramos importante fazer uma referencia aos modelos d:issicos, em particular de Polltica Social e de Bem-estar Social. - Modelos de Politica Social: Segundo Titmuss (1981: 38) na sua obra "Polltica Social" existem quatro modelos distintos, ou sejam: - Modelo residual de Politica Social de Bem-estar: Corn base neste marco teorico, existem duas vias pelas quais o individuo satisfaz as necessidades: a familia e o mercado. Segundo este modelo o Estado so deveria intervir no momento em que as duas vias se tornem insuficientes. E urn Modelo de Politica Social baseado na rela<;:ao de competencia pessoal - resultado laboral. Considera a interven<;:ao do Estado coma complementar ao Mercado e defende que as necessidades sociais devem satisfazer-se em fun<;:ao do merito e da produtividade das pessoas. - Modelo de Politica Social institucional, redistributivo: Considera a impord.ncia das institui<;:6es Publicas do Bem-estar tendo, par prindpio, que estas fomentem coma prindpio a necessidade de redistribuir a riqueza corn o objectivo de promover a igualdade social. - Modelo de Politica Social total ou estrutural: Modelo de planeamento pt'tblico corn base no prindpio de satisfa<;:ao das necessidades basicas de todos os individuos de forma universal. Par forma a compreendermos melhor o(s) modelo(s) de Polltica Social, podemos apresentar os seguintes enfoques : • • • •

Liberal (reaccionario e de equilibrio); Marxista (sovietico e socialista); Reformista (pragmatico, socierario, modernidade); Debater alternativas (corporativo, neopragmatico, pluralismo do Bem-estar e o reformismo critico).

I NTERVEN<;Xo Soc i AL,

30, 2004


68

I

Jorge Fcrreira

Segundo, Richard Titmuss 6 , no modelo de Bem-estar Social de caracter residual, os servic;:os sociais sao tidos coma instrumentos para responder aos "problemas e patologias sociais da acomodac;:ao e reabilitac;:ao dos individuos e das familias aos valores e as normas da sociedade". Relativamente aos modelos de intervenc;:ao profissional (a minha experiencia profissional, a actividade docente e a pesquisa desenvolvida), levam-me a considerar nao existir urn modelo de intervenc;:ao que privilegie a articulac;:ao entre a intervenc;:ao social, judicial e o cidadao, de forma eficaz em beneficia do interesse superior da crianc;:a. No ambito dos modelos de protecc;:ao, encontramos exemplos de aplicac;:ao de urn modelo de intervenc;:ao centrado numa abordagem sistemica em que o prindpio da articulac;:ao inter-servic;:os e da parceria interinstitucional e privilegiado. Urn modelo de intervenc;:ao em rede, no qual o prindpio orientador da intervenc;:ao e a articulac;:ao, a cooperac;:ao e a parcena. De um modelo de intervenc;:ao, baseado no principio de cooperac;:ao que pressup6e uma simplicidade de estruturas articuladas em rede, constitufdas por pequenos servic;:os/instituic;:6es diferenciados consoante o problema a tratar. Actualmente existem dois modelos de intervenc;:ao subjacentes a protecc;:ao social da crianc;:a/jovem: urn modelo de intervenc;:ao Social directamente relacionado corn as Comiss6es de Protecc;:ao de Crianc;:as e ]ovens e os Servic;:os Locais de Acc;:ao Social e urn modelo de intervenc;:ao Judicial relacionado corn o Ministerio Publico, os Tribunais, os Centros Educativos do Instituto de Reinserc;:ao Social e a Polfcia. Estas intervenc;:6es estao de acordo corn a resoluc;:ao do Conselho de Ministros de 3 de Novembro de 1997 e corn a nova Legislac;:ao de menores, quando prop6e a criac;:ao de dois marcos legais, ou sejam: o de protecc;:ao e o educativo. Neste contexto, torna-se necessaxio questionar a organizac;:ao das pd.ticas sociais e a dimensao tecnico/operativa das pollticas publicas, nomeadamente na reduc;:ao dos recursos e meios a intervenc;:ao social no sistema de protecc;:ao social. E, tambem, importante referir que o garante

6

Titmuss, R (1991), Politica Social, Ed. Aria!, Barcelona. INTERVENc,:Ao

SociAL, 30, 2004


Quesrionar as Pdricas Sociais junro da Crian<;a/) ovem

I

69

do Bem-estar Social passa par uma rede de servis;os sociais de qualidade e corn efidcia na sua ao;:ao. No quadro do modelo de proteo;:ao a crians;a, e essencial distinguir e identificar a rede publicae a rede de solidariedade social emergente da iniciativa da sociedade civil e a relas;ao de cooperas;ao e complementaridade estabelecida entre ambas. Partindo da interpretas;ao do "moddo de protec<;ao," baseado no prindpio de que toda a cria11<,:a e jovem com ncc:essidade de proteo;:ao tern direito a urn piano de intcgra~::lo dcfinitiva, contrariando as pdricas lubituais de "esperar e observar" que compreendc: - Preservas;ao da f:unilia; - Separas;ao temporaria/provis6ria da crians;a/jovem da sua familia; - Separas;ao definitiva da familia biol6gica/colocas;ao em famllia id6nca ou em instituis;ao/e prioritariamente a adops;ao; - Preparas;ao da crians;a/jovem para a sua independencia. A imervens;ao para a promos;ao dos direitos e protecs;ao da Crians;a e do Jovem obedece a urn conjunto de prindpios definidos no quadro legal subjacentes aos servis;os sociais, ou sejam: -Interesse Superior da Crian<;:a e do Jovem- a intervens;ao deve responder prioritariamente aos interesses de bem estar dos mesmos; - Privacidade - a intervens;ao deve ser efectuada no respeito pela intimidade, direito a imagem e reserva da sua vida privada; - lntervens:ao precoce - intervens;ao imediata ao conhecimento/ sinalizas;ao da situas;ao de risco da crians;a/jovem; - lntervens:ao minima - a intervens;ao deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituis;oes corn competencia em materia de infancia; - Proporcionalidade e actualidade - a intervens;ao deve ser a necessaria e a adequada a situas;ao de risco em que a crians;a/jovem se encontra; - Responsabilidade parental - na intervens;ao os pais devem assumir os seus deveres para corn a crians;a/jovem;

INTERVEN<;Ao

SociAL,

30, 2004


70 [ Jorge Ferreira ~~~"""~~---~~-

"---"----"

~~---

"""~~--"

"---""~~

- Prevalencia da familia - a crians:a/jovem em risco deve prioritariamente ser abrangida por medidas que os integrem na sua familia ou que promovam a sua adops:ao; - Direito a informa~ao - a crians:a/jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto tern direito a ser informados dos seus direitos; - Audi~ao ohrigat6ria e participa~ao - a crians:a/jovem tern direito a ser ouvida e a participar nos actos e na definis:ao da medida de protecs:ao e promos:ao dos seus direitos; - Suhsidiariedade - a intervens:ao deve ser efectuada pelas entidades corn competencia em materia de infancia e juventude, pelas Comiss6es de Protecs:ao de Crians:as e ]ovens e em {dtima instancia, pelos Tribunais.

4. A influencia de factores sociais na promocrao do Bem-estar Social das Criancras No quadro dos bctores sociais devemos considerar, num primeiro momento, a PESSOA cnquanto sujcito/cidadao que nasce/pertence/age/ morre numa Comunidadc Local (na dimensao mais restrita) e na sociedade global (na dimensao mais amp la). PESSOA - que observa, aprende, ensina, emite sinais, questiona, provoca, reproduz ensinamentos e aprendizagens que exigem aos poderes politicos, aos decisores, aos profissionais e as estruturas comunidxias ATEN\=AO e INOVA\=AO nas suas praticas. PESSOA - que na sua complexidade e diversidade necessita de ajuda na perspectiva DESENVOLVIMENTISTA E ASSISTENCIALISTA. Isto e: " Na perspectiva desenvolvimentista, em que participa na construs:ao do seu mundo e do mundo dos outros. Partilha necessidades/afectos e respostas. Sustenta-se esta perspectiva na valorizas:ao dos valores humanos da partilha, da solidariedade e essencialmente do aprender/aprendendo. A pessoa desenvolve-se e aprofunda competencias pessoais, sooa1s, culturais, relacionais, profissionais e outras. l~TERVEN<,~:\o SociAL, .10, 2004


Questionar as Praricas Sociais junto da C:rianc;a/Jovem

I 71

• Na perspectiva Assistencialista, em que recebe ajuda de outro, permitindo-lhe ganhar mais confian<_;:a em si propria (Auto-Confian<_;:a), ganhar a dimensao dos afectos, compreendendo melhor a sua rela<_;:ao corn o outro e a sociedade (fase da tomada de consciencia dos seus valores, da sua dignidade e sua corresponsabiliza<_;:ao na sua rela<_;:ao corn a comunidade que a integra).

- E tambem importante considerarmos a dimensao da "Sociedade Civil": -A Sociedade civil enquanro espa<_;:o ptiblico c cnquanro base social de participa<_;:ao do cidadao. Recorrendo a Gremsci, autor que define a Socicdade Civil, como o conjunta de organiza<_;:6es responsaveis pela elabora<_;:ao e difusao de ideologias pelas quais as classes buscam exercer a hegemonia. E a Cohen e Arato, autores que defendem a no<_;:ao de Sociedade Civil, coma:

-

Pluralidade - familias, grupos informais, associa<_;:6es; Publicidade - institui<_;:ao de cultura e comunica<_;:ao: Privacidade- dominio de auto-desenvolvimento e de escolha moral; Legalidade - estrutura de leis gerais e direitos basicos.

Defini<_;:6es e nos;oes que nos remetem para a outra dimensao a da PARTICIPAC,:AO. Conceito muito falado, comentado, integrado no novo discurso cientifico, enquadrado nas teorias de Cidadania e aplicado pelas praticas profissionais correntes e pela propria PESSOA a quem chamamos Sujeito de Direitos. - Participas;ao • • • •

E urn

conceito dicotonico:

Directa ou indirecta; Institucionalizada ou movimentalista; Orientada para a decisao; Orientada para a expressao.

lNTERVEm;:Ao SociAL,

30,

2004


72

I Jorge Ferreira ~

~-,~~-

Preocupemo-nos corn as ultimas dimens6es do conceito: Participas;ao - "Orientada para a decisao" - Consiste numa interven<;ao organizada, nao pontual, onde os actores da Sociedade Civil intervem no processo de decisao; Participas;ao - "Orientada para a expressao", mais simb6lica e caracteriza-se por marcar presenc;:a no espac;:o politico atraves da sua expressao, m as corn pouco imp acto no processo decis6rio; Participas;ao - significa fazer parte, tomar parte, ser parte, de urn processo, de uma actividade publica e de acc;:6es colectivas. Referir a parte - implica pensar o todo, a sociedade, o Estado, a relac;:ao das partes entre si e destes corn o todo. E, como o todo nao e homogeneo, ha que diferenciar os interesses, os valores e os recursos. No dominio da participac;:ao ha ainda que fazer a distinc;:ao entre: • Participac;:ao cidada - Enquanto prindpio de cidadania, fazer ou tomar parte de alguma coisa; • Participac;:ao Social e Comuniraria - definida como prestac;:ao de servic;:os de forma organizada ou isolada. Qual, o porque de referir as dimens6es de: • Pessoa, • Sociedade Civil e • Participac;:ao no ambito dos factores sociais corn influencia no Bem-estar Social da Crianc;:a? Porque sao as dimens6es que identifico como priorirarias na construc;:ao de uma nova sociedade onde impera o desenvolvimento social e humano e uma nova ordem social emerge no quadro de uma economia globalizada mas, tambem, onde a promoc;:ao da igualdade aumenta e as desigualdades sao mais visiveis e mais complexas na sua resoluc;:ao.

INTERVEN<;:Ao

SocrAL, 30.

2004


Questionar as Pdticas Sociais jumo da C:riano;a/Jovem

I 73

Porque tambem considero serem os elementos essenClars para que a protecyao da Crianya ganhe uma representayao Social e Colectiva de cuidado e, principalmente, de promotora de Bern Estar Social nas diferentes formas de qualquer HOMEM, qualquer SOCIEDADE ser FELIZ. Formasque se revestem de actuayoes de PREVEN<:;:AO, TRATAMENTO e ACOMPANHAMENTO.

5. 0 Espa<;o como condicionante do acesso aos Direitos e Bem-estar Social da Crian<;a Entendo Espayo como "habitat" de urn conjunto de pessoas que se rege por normas e regras culturais proprias e de grupo. Iniciemos este Cap!tulo corn o conceito de "Espayo de Vulnerabilidade":

- E urn

espayo instavel cujos suportes relacionais sao frageis, corn especial incidencia na famllia e nas relay6es comunidrias. -Para o desenvolvimento normal da Crianya/Jovem integrado neste espayo social e, indispensavel, dar-lhe a possibilidade de criar v1nculos de solidariedade corn outros, independentemente de ser a famllia ou outro agente o meio de vinculayao.

- Outro conceito importante e

0

de "EspayO de Integrayao":

- Caracterizado por uma populayao inscrita num sistema esdvel de relay6es basicas (Familia, vizinhanya, etc). As Crianyas/Jovens que participam neste espayo social, apcsar de poderem encontrar distintas dificuldades sociais, nao sao objecto da intervenyao publica. Isto e, nao constituem urn problema social, na medida em que a Comunidade espedfica funciona de acordo corn a norma estabelecida. No contexto do conceito de Vulnerabilidade, podemos identificar alguns exemplos de grupos vulneraveis: - Crianyas e }ovens em instituiy6es educativas grande percentagem e resultante da situayao de pobreza ou exclusao dos pais; INTERVEN<;Ao SoCIAL, 30, 2004


74

I

Jorge Ferreira ------

- Gravidez precoce - segundo os dados aparecem em maior percentagem: • Grupos Familiares corn salarios mais baixos; • Habitac;:6es degradadas; • Desemprego elevado. - Ainda neste quadro, e importante ter presente o conceito de "Espac;:o de marginalidade e exclusao"; Espac;:o social definido de isolamento social. Os grupos tern carencia de trabalho e habitac;:ao esdvel e nao tern propriedade alguma, o que reduz o seu grau de co-responsabilizac;:ao na comunidade local; - Grupos designados por "Bruner (1970)" de culturas do fracasso, ou seja aqueles que ficam na pobreza permanente, que nada produzem, nao fixam metas nem tern objectivos a nao ser os da gratificac;:ao.

6. A influencia da Pobreza e da Exdusao Social na Crians:a -A POBREZA - c definida e caracteriza o grupo de pessoas cujos recursos - materiais, culturais e sociais, sao tao inadequados que nao lhes permitem desfrutar de urn nivel de qualidade de vida consideradas aceid.veis pelos Estados membros em que vivem (Conselho de Ministros das Comunidades Europeias 19-12-1984). - Ha a realc;:ar nesta materia espedfica o Conselho da Europa de Nice (Dezembro de 2000), que definiu coma objectivos: • Avaliar o impacto da pobreza e da exclusao social ao nivel da infancia na Europa; • Examinar as Boas Praticas dos estados membros neste ambito; • Reavaliar as Politicas nesta materia; • Formular recomendac;:6es politicas contra a pobreza e a exclusao da infancia. INTERVEN<,:Ao

SociAL,

30, 2004


Qucsrionar as Pdricas Sociais junto da Crianc;:a/]oven1

I 75

- Quest6es que nos levam a reavaliar e a, aprofundar a anaJise te6rico/ cient!fica sob re o contexto em que emerge o problema de: " Pobreza e Exclusao Social - Dois marcos importantes na anaJise dos factores sociais que influenciam o desenvolvimento social e Humano dos Cidadaos e da Sociedade. - Centremo-nos nas seguintes quest6es sociais: • Nos ultimos 20 anos, a pobreza da infancia tern aumentado consideravelmente no mundo e, cm particular, na UE; " 1 em cada 5 crian<;:as corn idades entre os 0 e os 18 anos, vivem em fam!lias corn rendimentos baixos segundo os dados da Eurostat; • As crian<;:as, estao duas vezes mais expostas a situa<;:6es de pobreza que os adultos entre os 25 e os 49 anos; • Na UE, 40% das fam!lias mono parentais corn urn filho vivem em situa<;:ao de pobreza, ou seja 4 vezes mais que as fam!lias nucleares; " A taxa de pobreza das crian<;:as que vivem em famllias sem trabalho, sup era os 60 o/o. Alguns exemplos que ilustram a dimensao dos problemas sociais decorrentes da pobreza e da exclusao: - Ha crian<;:as que passam fome ou que os pais passam fome para os alimentar; - Ha crian<;:as mal vestidas; - Crian<;:as que vivem em espa<;:os apertados e expostas a todo o tipo de temporais; - Crian<;:as que nao tern urn brinquedo, urn livro, urn computador ou o acesso a este; - Crian<;:as que nao fazem uma viagem escolar porque os pais nao tern possibilidade; - Crian<;:as que vivem em fam!lias sem trabalho, em fam!lias monoparentals; INTERVENt;Ao

SociAL,

30, 2004


76

I

Jorge Ferreira

-

Crian<;as Crian<;as Crian<;as Crian<;as

que abandonam a escola antes do tempo; que vivem em zonas desfavorecidas; doentes ou corn problemas de saude; pertencentes a Minorias Etnicas ou filhas de emigrantes.

7. Novos riscos surgem na Sociedade Actual A sociedade actual marcada pelo processo da globaliza<;ao economica e social, pelo alargamento da Uniao Europeia e pela afirma<;ao da cidadania activa, cria a possibilidade de novas riscos sociais, nomeadamente: - A mudan<;a na politica do mercado !aboral - se por um lado pode aumentar o crescimento c promover novas oportunidades - pode tambem levar a que os pais tenham que aceitar trabalhos cada vez mais inseguros, tempodrios c mal remunerados - com consequencias negativas para os scus filhos. Questao que coloca no centro do debate politico a "concilia<;ao" da vida familiar corn o emprego e o funcionamento dos scrvi<;os sociais; - Favorecimento do novo grupo de analfabetos numa sociedade global - por ex., 0 nao ou 0 limitado acesso as novas tecnologias pelas crian<;as pobres ou excluidas e as taxas elevadas de abandono precoce da escola; - 0 desequilibrio entre as estatisticas demograficas, ou seja entre as taxas de aumento de vida e as taxas de natalidade; - As altera<;oes que se veem acentuando nas ultimas duas decadas ao n1vel das estruturas familiares e os papeis dos sexos enquanto resultado de: • Taxas de divorcio; • Aumento do numero de nascimentos fora do casamento; • Aumento do numero de familias monoparentais; • Maior diversidade etnica e religiosa; • Redu<;ao do apoio da Familia alargada. l~TERVEN(;,\o SocrAL, 30, 2004


8. A Protecc;:ao da Crianc;:a atraves da "SAUDE" - Revisitando o artigo 152.0 , do Tratado de Amcstcnliio da Uniao Europeia que refere: "( ... ), deve assegurar-s,e um nivcl alto de Sat'Idc, atraves das pollticas e actividades Comunit:lrias", contd1do que rcsponsabiliza cada Estado Membro pela organiza<;:ao e dcscnvolvimcmo dos servi<;:os de Saude e por uma interven<;:ao que inclua: • Investiga<;:ao; • Informa<;:ao; • Educafiio (a forma<;:ao continua dos profissionais). -Urn dos problemas, em que ha necessidade de interven<;:ao da satide, sao os acidentes domesticos. As Crian<;:as, em maior risco, sao as que pertencem a familias corn baixos rendimentos economicos, visto que os pais nao podem adquirir equipamentos seguros nem melhorar as instala<;:6es que sup6em perigo. -Urn outro problema a assinalar e a emergencia da cultura da droga entre Crian<;:as e ]ovens. Assinalando as anfetaminas, extasy, LSD, bem como 0 consumo do alcool e do tabaco. - Outros problemas se tern vindo a assinalar no grupo das Crian<;:as e dos ]ovens fruto do desemprego juvenil e da exclusao social, ou sepm: • Problemas de saude mental; • Aumento do numero de suicidios; • Aumento de condutas auto-lesivas. -A pobreza e a exclusao social, buscam em algumas situa<;:6es, sustentabilidade na Saude da garantia para a atribui<;:ao de subsidios ou apoios pontuais justificados na "doen<;:a", corn maior incidencia no grupo das crian<;:as e das mulheres. -A "doen<;:a" e justifica<;:ao num quadro de pobreza e/ou exclusao social para a mulher nao trabalhar, nao cuidar da casa, dos filhos da familia, perspectivando uma situa<;:ao de dependencia economica e INTERVENy.Ao SociAL, 30, 2004


78

I Jorge Ferreira

social do Estado. Por outro lado, a saude atesta ou aprofunda o diagn6stico dos sintomas que leva em muitas situay6es ao abandono dos cuidados de saude pela utente. Na crianya, temos os problemas do diagn6stico (pela Sat'lde), das necessidades Educativas Especiais no que respeita ao processo educativo. Muitas destas crianyas encontram, neste diagn6stico, justificayao para o seu insucesso escolar ou dificuldades de aprendizagem quando, na realidade, este nao e mais do que urn mero atributo para mais urn subsidio a familia. 0 que procuro questionar nestas afirmay6es e a forma como se intervem e como os diferentes agentes sociais actuam no problema. Actuayao individual (isolada) ou articulada, eis a questao?

9. Servi~os Sociais de protec~ao

a crian~a/jovem

Os Serviyos Sociais constitucm um scrvi<;:o pt'tblico para prevenir e intervir nos Problemas Sociais cmergentcs na comunidade local e para facilitar a integra<;:ao social, mediante recursos sociais (Centros, equipas tecnicas, etc.) de gestao pt'tblica e privada. Os Serviyos Sociais contemplam as seguintes fun<;:6es: - Saude, educa<;:ao, habitayao e urbanismo, emprego, trabalho, apmo econ6mico e servi<;:os socrars pessoais. Estes ultimos contemplam presta<;:6es em funyao de necessidades especiais em areas como: - infancia e familia; - cidadaos/popula<;:ao; - deficientes/incapacitados; - toxidodependentes/marginalizados. Os "Servi<;:os Sociais" incidem em dimens6es essenciais na actualidade, tars como: - promo<;:ao das condiy6es de justi<;:a e igualdade social; - preven<;:ao das desigualdades sociais; - acyao assistencial individual ou colectiva; - reinser<;:ao social individual e colectiva. INTERVENc;Ao

SociAL, 30, 2004


Questionar as Pdticas Sociais junro da Crianya/Jovem

I

79

No quadro da experiencia Portuguesa, temos de reals:ar a organizas:ao dos servis:os sociais de protecs:ao a criant;a/jovem baseados nos Modelos de Protect;ao da Criant;a!Jovem: - Modelo de Protect;ao e o Modelo Tutelar Educativo. 0 Modelo de Protecs:ao dirigido para as situas:oes de Crians:as em Risco: categoria que pressupoc situa~:ocs idem ilicadas eo m d iferentes expressoes de Mau Trato (negligcncia, ahandono, mcndicidade, mau trato fisico, psicologico, emocional, ahuso sexual, ... ) que cxigcm uma inrcrvent;ao activa e de resposta imcdiata ao prohlcma. 0 Modelo Tutelar Educativo dirigido aos .Jovcns dclinqucntes ou }ovens corn comporramentos delinqucntcs, rclacionados com situa<;()cs de pequena criminalidade juvenil. Realt;o que a Crian<;:a enquanto cidadao constitui a primcira prioridade e representa 0 grupo corn maior impord.ncia, porque e deste que emergem os restantes: - Criant;as em Risco; - Criant;as Maltratadas; -}ovens Infractores. Esta preposit;ao coloca-nos perante o problema da intervent;ao profissional a desenvolver junto da Crian<;:a e do Jovem. Coloca-nos perante a necessidade de uma reBexao profundae global da diversidade de servit;os sociais que actuam junto da Criant;a e do Jovem e questiona-nos enquanto profissionais, sobre: -que articulas:ao/cooperas:ao se estabelece entre tecnicos e Servit;os? - que modelos de intervent;ao profissional sao desenvolvidos na area das crians:as? - e sobre a transversalidade das politicas sociais enquanto promot;ao do bem estar e salvaguarda dos interesses da Criant;a!Jovem e que coordenat;ao existe?

INTERVEN<;Ao

SociAL, JO, 2004


80

I

Jorge Ferreira

No ambito das Crians:as em desprotecs:ao, a interven<;:ao pauta-se por dois tipos: - Imerven<;:ao do tipo curativo e preventivo, em que esta presente a aproxima<;:ao das partes envolventes na situa<;:ao (maltratado e maltratante), o envolvimento dos agentes na propria resolu<;:ao da situa<;:ao, a informa<;:ao/forma<;:ao a familia e o acompanhamemo da situa<;:ao. Pode haver uma interven<;:ao Judicial, que pode levar a retirada das Crian<;:as aos pais de forma provis6ria e nao definitiva. No ambito dos }ovens infractores a interven<;:ao deve promover a reeduca<;:ao do jovem, o seu bem-estar e a sua protec<;:ao. Para a execu<;:ao destas interven<;:oes temos hoje uma diversidade de forma<;:oes academicas, que permitem promover uma imerven<;:ao multidisciplinar, urn conjunto de institui<;:oes que asseguram a protec<;:ao e acolhimento da Crian<;:a e do Jovcm, a forma<;:ao e aprendizagem, a sociabilidade e solidariedade entre si, a inser<;:ao na vida activa. Em menor numero (lamentavelmente) institui<;:oes que promovam urn trabalho corn os pais, as familias e a escola, enquanto garantes de transmissao de valores Humanos e de maior Justi<;:a Social. Por sua vez, ao considcrarmos a Crian<;:a enquanto sujeito de Direitos a qual e reconhecida alguma autonomia, pressupoc, em minha opiniao, urn modelo de interven<;:ao Social e Judicial baseado em pressupostos claros de coopera<;:ao/articula<;:ao, corn objectivos de promo<;:ao de uma rede social de resposta aos problemas da Crian<;:a e do Jovem. E de reconhecer que muito trabalho, realizado pela Justi<;:a, nao sera necessaria se o significado do Servi<;:o Social for legitimo e justo. Uma aproxima<;:ao entre a Justi<;:a eo Servi<;:o Social nao se pode dar se o Servi<;:o Social for utilizado como subalterno da Justi<;:a. No ambito da interven<;:ao Social, junto das crian<;:as/jovens, temos de (re)introduzir a no<;:ao clara de que a familia e a "celula basica da sociedade" e dai que o trabalho a realizar corn os mesmos, consiste em proporcionar as familias os meio que lhes permitam cumprir a sua missao de criar e de educar.

INTERVENc;Ao

SociAL, 30,

2004


Qucstionar as Praricas Sociais junta da C:rian<;a/}ovem

I

81

Na intervens;ao, junta da familia, temos de ter presente a imervens;ao de varias instituis;6es: -

Escolas, Centros de Sat'ide, Policia e Servis;os de Acs;ao Social que colaborcm e intervenham na prevens;ao e reajustamento da crians;a e da Llmllia ao scu mcio normal.

As situas;6es, consideradas graves na pcrspccriva do hem cstar c do interesse da crians;a, tais como: crian<;as abandonadas, crian<;as com comportamentos desviantes, crian<;as delinquentes ou infractores, que exigcm a imerven<;ao da acs;ao judicial nas atribuis;6es da familia, substituindo-a temporariamente ou definitivamente. Nestas situas;oes, compete a imervens;ao social desenvolver acs;oes que levem ao reajustamento da crian<;a ao meio familiar. Trabalho que deve ser desenvolvido antes de uma acs;ao Judicial.

A lnterven<;:ao Social no Judicial A pratica da intervens;ao Social no Judicial, assenta numa abordagem individual, com enfase numa intervens;ao psicossocial. Caracteriza-se por uma actuas;ao s6cio-juridica atraves do: • Atendimento individualizado, apoiado em perspectivas educativas, com objectivos de correcs;ao e reajustamento do menor e da familia aos padr6es considerados normais.

E uma Interven<;ao Social, baseada na entrevista, atraves da qual o Assistente Social estuda, diagnostica e promove o plano de intervens;ao e acompanhamento da situas;ao.

INTERVEN<;:Ao

SociAL,

30, 2004


82

I

Jorge Ferreira

• Entrevista, que tern por objectivo recolher elementos que melhor possam esclarecer o caso, compreender as pessoas nele envolvidas, bem coma contribuir para o planeamento do programa social a promover junto da situa<;:ao espedfica. Na promos:ao e desenvolvimento desta intervens:ao social, esta requer tempo e recursos, para que garanta uma intervens:ao tecnica em prol de uma intervens:ao mais de cad_cter administrativo. No entanto, temos de ter presente que o Assistente Social ou o Interventor Social pode e deve dar sugest6es, orienta<;:6es sobre a medida a aplicar a crian<;:a, mas estas estao sempre dependentes da decisao do magistrado que tanto pode recusar como aceitar.

Competencias profissionais No campo das competencias profissionais, e atribuis:ao do Assistente Social, realizar: • 0 estudo Social da situa<;:ao; • 0 diagnostico; • Fazer proposta de medidas de intervens:ao e acompanhamento. Estas competencias so se tornam legitimas se forem reconhecidas pela intervens:ao Judicial. De acordo corn urn dos autores teoricos da intervens:ao do Assistente Social - Cristina de Robertis - , a intervens:ao social visa produzir, suscitar e refors:ar as mudans:as previamente definidas sob re diferentes plan os: • • • • •

Das rela<;:6es interpessoais; Da familiae do grupo; Utilizas:ao dos recursos colectivos pelo cliente; Dos organismos que se ocupam dos clientes; Da legisla<;:ao social.

INTERVENc;:Ao

SociAL, 30, 2004


Questionar as Pdticas Sociais junto da Crian~a/Jovcm

I

83

Propostas para a Intervens:ao Actualmente, assistimos a um novo paradigma para a interven<;:ao profissional, sustentado na "Parccria". Nao scndo a parceria urn conceito dado, que nao instil ui !Jll1 c:unpo te<irico novo, e urn paradigma ou um refcrcncial da ae<;:!o pt'Jhlica. Paradigma que surge no contcxto do dcscnvolvillwllto da privatiza<;:ao dos meios de produc;~io, de dist rihu i<;;l<l c do consumo, promovendo o mundo da Socicdadc Civil c o mundo do Lstado, impondo a problematiza<;:ao da erica das instituic;6cs. A parceria e, entao, uma negocia<;:ao entre duas Oll mais partes, utilizando as capacidades de cada uma del as, tendo em vista a sat ishc;ao da necessidade diagnosticada ou a obten<;:ao de urn resultado positivo em prol do grupo social a que se dirige. Esta negocia<;:ao tern como fundamento a interioriza<;:ao de que a resolu<;:ao dos problemas das pessoas so se consegue se houver uma interven<;:ao a nivel da comunidade local, principalmente quando o problema e complexo e multifacetado. Outra dimensao importante e a interven<;:ao profissional sustentada na parceria, paradigma que traz consigo uma nova ordem organizacional, no que respeita a matriz tecnica/operativa, organizacional e concep<;:ao de politicas sociais. E nesta triade que uma nova proposta de interven<;:ao profissional mais solidaria, imeractiva e participativa vai ter de emergir. Uma interven<;:ao que contemple o prindpio da coopera<;:ao e da transversalidade dos saberes e das respostas sociais. Uma interven<;:ao que indui o Sujeito/Cidadao como parceiro activo e participativo na ac<;:ao do profissional. Uma dimensao associada ao paradigma de Parceria e a constru<;:ao de Redes, enquanto suporte essencial a interven<;:ao profissional. As Redes constituem urn verdadeiro potencial na promo<;:ao da PARTICIPA<:;:AO e da AUTONOMIA. - A organiza<;:ao da interven<;:ao profissional em Rede possibilita inovar/criar ao contrario da filosofia de trabalho isolado; fomenta uma articula<;:ao entre as organiza<;:6es (Publicas/Privadas) e os grupos lNTERVEN<;:Ao

SocrAL, 30, 2004


84

I Jorge Ferreira

diferenciados, procurando em interao;:ao encontrar respostas que satisfac;am as necessidades decorrentes das quest6es sociais geradas pela estrutura socio-economica. 0 trabalhar em rede requer o uso de tecnicas espedficas de intervenc;ao, nomeadamente: • A compartilha de objectivos - como identificar interesses comuns e a que n1vel (institucional, tecnico, comunitario); • Procedimentos Administrativos (formal e informal); Tecnicas (identidade e reconhecimento da pratica); Operativos (capacidade de intervir, meios dispon{veis e condic;6es de tempo e espac;o). Duas outras dimens6es essenciais sao a configurac;ao ou reconfigurac;ao de uma nova intervcnc;ao profissional: • A Etica; • E a Interdisciplinaridade. A Etica, e na actualidade, uma dimensao a acautelar na intervenc;ao profissional, quando esta e cada vez mais apoiada por sistemas informaticos, atraves do recurso e uso das novas tecnologias da informac;ao e comunicac;ao. A introduc;ao das novas tecnologias no trabalho dos profissionais obriga a repensar os modos de trabalho e as interacc;6es entre parceiros e a remodelar as organizac;6es. Um enfoque importante a reforc;ar eo da Etica da relac;ao, onde emerge tambem o prindpio da confidencialidade e do segredo profissional. Neste quadro de refed:ncia, surge entao o primeiro dilema etico no exerdcio profissional, ou seja, como agir numa situac;ao de pedofilia, violac;ao, abuso sexual, HIV, gravidez precoce, que sao relatadas aos profissionais, mas a quem o utente pede confidencialidade. A Etica profissional deve evitar que a conduta profissional se transforme, apenas numa declarac;ao de boas intenc;6es, mas sim que assuma a sua responsabilidade dvica e polltica, como objecto da construc;ao de propostas colectivas alternativas aos problemas sociais da actualidade. INTERVEN<:;:Ao SociAL,

30,

2004


Qucsrionar as Praticas Sociais junto rh C:rian<;a/]ovem

I

85

A sociedade actual reclama, como ut·gente, uma Etica da Responsabilidade Solidaria, capaz de afrontar os desafios da contemporeneidade e de assegurar aos HOMENS a capacidade de lhes responder. Entrando na dimensao da INTERDISCIPLINARIEDADE, area que se tern vindo a afirmar nas tiltimas duas decadas e promotora da renovac,;ao das praticas profissionais: - A interdisciplinaridade deve ser entendida como o encontro entre diferentes disciplinas e a passagem entre diferentes realidades; - Uma pratica que consiste em fazer circular os conceitos e os objectos de acc,;ao, que facilita o tratamento dos conceitos e dos objectos por diferentes imerventores; -A interdisciplinaridade implica uma metalinguagem que, no seu prindpio, respeita a heterogeneidade dos saberes; -A intervenc,;ao interdisciplinar torna-se vis{vel quando o profissional se sabe posicionar numa imervenc,;ao e na intervenc,;ao directa. Tambem e vis1vel no Saber Fazer, Saber Aprender e Saber Ser corn os outros. Fases da Intervens:ao Social

De acordo corn os prindpios referenciados nas propostas para a imervenc,;ao, esta obedece a diferentes fases nomeadameme: • Determinar o problema social (perceber quem o solicita, o pot·que e a quem se refere); • A analise da situac,;ao, (recolha de informac,;ao sobre a situac,;ao e/ou cliente, levantamento dos recursos institucionais e de servic,;os de suporte a situac,;ao/ cliente); • Avaliac,;ao preliminar e operacional da situac,;ao (o que permite elaborar hip6teses de trabalho); • Desenvolvimemo da acc,;ao (definic,;ao do n{vel da imervenc,;ao - individual, familiar, institucional, comunitaria); • Avaliac,;ao dos resultados (verificar as mudanc,;as produzidas na srtuac,;ao e por vezes reajustar os objectivos iniciais).

INTERVEN<;:Ao

SociAL,

30, 2004


86

I Jorge Ferreira

0 Diagn6stico A elabora<_;:ao diagnostica nao pode ser apenas sustentada numa entrevista, num telefonema ou numa reuniao de trabalho. - 0 diagnostico imp6e ao profissional fazer: - 0 despiste da situa<_;:ao; Identificar indicadores de risco na situa<_;:ao; - Investiga<_;:ao I estudo; - Avalia<_;:ao do caso.

0 despiste da situacrao, constitui o primeiro passo para proporcionar ajuda/protec<_;:ao a crian<_;:a e a familia, que se encontra na situa<_;:ao problema. Esta ac<_;:ao e importante para que se desenvolva urn processo de interven<_;:ao, centrada nas necessidades espedficas das Crian<_;:as e famflias.

Indicadores de risco, incidem essencialmente na observa<_;:ao e analise do tecnico, centrada: No estado da Crian<_;:a; - Carencias da Crian<_;:a; - Problemas de conduta da Crian<_;:a ou da familia; - Caracterfsticas espedficas da Familia (Pais); - Habita<_;:ao; - Espa<_;:o territorial de residencia; - Equipamentos sociais, educativos e de lazer implementados na comunidade local; -Etc.,

Investigacrao e/ ou estudo, consiste essencialmente na aplica<_;:ao do conhecimento teorico/cientffico do tecnico, exigindo-lhe saber e profissionalismo na sua ac<_;:ao, na medida em que e a fase do diagnostico que procura: - Comprovar a validade da situa<_;:ao problema ou nao, atraves de evidencias fundamentais; lNTERVENc,:Ao SoCIAL, 30, 2004


Qucstionar as Praticas Sociais junto da Crians:aiJovem

I 87

- Analisar se as necessidades da Crian<_;:a estao garantidas atraves de recursos familiares e sociais devidamente identificadas. Esta fase do diagnostico e urn momento de trabalho imensivo, onde o uso de instrumemos tecnicos e a recolha de informa<_;:ao sao fundamentais para o planeamento do piano de imerven<_;:ao profissional.

Estudo preliminar- que sinais a procurar? 1. Primeiro momento: - Reconhecer as nossas ideias preconcebidas sabre o problema social apresentado pelo sujeito;

2. Segundo momento: - Idemificar os sinais priorirarios relacionados corn o problema social e pot·que motivo isso e tao dificil de por em pratica. - Intensificar as entrevistas, por forma a verificar se ha contradi<_;:ao ou nao do emrevistado, atraves da confirma<_;:ao de fontes externas; - Imerac<_;:ao interpessoal atraves dos canais de comunica<_;:ao: • As palavras. Ex.: - "E isso, mais ou menos"; - "Responder a uma perguma corn outra: Porque faria eu uma coisa dessas?"; - "N-ao tern provas , . • As caracteristicas da voz: - Intensidade; - Ritmo; - Hesita<_;:6es; - Repeti<_;:6es. Ex.: Eleva<_;:ao do tom de voz em situa<_;:6es de medo. • As expressoes faciais: - Micro express6es (urn a emo<_;:ao atinge o rosto); - Emo<_;:6es silenciadas (quando uma pes so a tenta ocultar urn a emo<_;:ao);

INTERVEN<;Ao

SacrAL,

30, 2004


88

I

Jorge Fcrreira

--······~-------

- Express6es automaticas (as emo<;:6es sao transmitidas ao rosto): Ex.: quando estamos tristes o canto da boca descai; - Expressao facial de tristeza: o canto interior das sobrancelhas ergue-se. • -

A linguagem corporal: Fuga ao contacto visual; N ervosismo; Gesticula<;:ao (designa a forma como falamos corn as maos).

- Nao podemos detectar abusadores e violadores de crian<;:as corn toda a seguran<;:a e eficacia, temos que prestar aten<;:ao as formas de evitar que agressores potenciais tenham acesso as Crian<;:as/Jovens. - Temos que prestar aten<;:ao as PROBABILIDADES e evitar situa<;:6es de ALTO RISCO, entendendo estas, como por exemplo, a questao de pedofilia: • HOMENS, que se envolvem em actividades Juvenis e que concentram na totalidade o seu tempo e a sua aten<;:ao nas crian<;:as e tern poucos, ou nenhuns, interesses que envolvam adultos. Por ti!timo a avalia'iaO do caso que integra 0 estudo e analise das condi<;:6es espedficas da Crian<;:a e do funcionamento da Familia. N esta fase devem-se: - Identificar as causas que motivaram o problema; - Determinar os aspectos/factores que representam os pontos frageis da familia, procurando ainda identificar os obsraculos a interven<;:ao; - Identificar os aspectos positivos e os negativos presentes na situa<;:ao e na familia, nos quais o profissional devera apoiar a sua interven<;:ao, no sentido de responder ao problema; - Estabelecer quais as areas do problema em que deve incidir a interven<;:ao profissional, corn vista a sua altera<;:ao/mudan<;:a; - Determinar qual a possibilidade que existe para que a condi<;:ao se modifique. Uma outra interven<;:ao, solicitada pelo Judicial ao Social, panhamento social a situa<;:ao e/ OU cliente.

eo

acom-

INTERVENc;:Ao SociAL, 30, 2004


Questionar as Pr:hica.s Sociais junro da Crian~a/Jovem

I

89

Entenda-se, acornpanharnento social, enquanto instrurnento de trabalho que tern por finalidade responsabilizar o cliente. Este acornpanharnento social passa pela rnobiliza<;ao dos recursos pr6prios do cliente e pelas cornpetencias profissionais do Assistente Social. Referirno-nos a urn acornpanbamento social que cornporta urna dimensao educativa centrada no clicntc. Este acornpanharnento visa: • Urna rnudan<;a sobrc a pcssoa c scu lllcio cm que csd inscrido; • Forrnalizar as rcspostas opcracionais i1s d ificuldadcs cncoiH radas na pd.tica da inserc,:ao; • Responder a quest6es espedficas como Alojamcnto, Fmprcgo, ao nivel da insers:ao. Atraves do Acornpanharnento Social, o Profissional: preserva c rcfors:a as sociabilidades no grupo a que o sujeito acornpanhado pertence, mas que esta ou se encontra afastado; Desenvolve uma rnetodologia contra o isolarnento, contra a desqualifica<;ao da pessoa perante si e perante os ourros. 0 Assistente Social, na pratica do acornpanharnento social p6e a enfase no aspecto da contratualiza<;ao. 0 Acornpanharnento Social constitui-se, tarnbern, nurna fase do percurso de insers:ao durante o qual a pessoa encontra o seu lugar e a sua cidadania, ou seja: - 0 acornpanharnento social desenvolvido no sentido de facilitar a constru<;ao de rnicro-espa<;os-sociais no seio dos quais as pessoas poderao desenvolver urn projecto de vida ; - Urna das questoes que surge no acompanharnento e a possibilidade concreta de articular acornpanhamento individual e mobiliza<;ao de recursos colectivos; - Entenda-se rnicro-espa<;os-sociais na perspectiva de: • Apropria<;ao do espa<;o social e nao sornente da necessidade sentida pelo individuo;

INTERVENCfAO

SociAL,

30, 2004


90

I Jorge Ferreira • Levar o individuo a participar na melhoria do seu quadro de vida, rela<;:6es de vizinhan<;:a, criar urn espirito de cidadania, ou seja, que o sujeito passe de consumidor a cidadao; • Cria<;:ao de suportes de inser<;:ao colectivos que facilitem a reinser<;:ao social dos sujeitos de interven<;:ao.

• A visita Domiciliaria Por vezes desvalorizada, esquecendo a importancia desta interven<;:ao na elabora<;:ao de urn diagnostico do problema social em estudo. - Podemos definir a visita domiciliaria como uma entrevista efectuada no domidlio do utente que visa aprofundar a compreensao diagnostica, o estudo e observac;ao do ambiente familiar. - E urn instrumento de trabalho de recolha de informa<;:6es que permite urn a analise correct a e completa da situa<;:ao; que permite captar qual a rela<;:ao existcnle entre o utente e o ambiente envolvente (familia e comunidadc); que consistc na observa<;:ao das condi<;:6es e da organiza<;:ao da Casa e a interac<;:ao que os membros da familia estabelecem corn a mesma.

10. Coordena\ao da rede publicae de solidariedade de proteC\aO a crian\a• Esta e uma questao central na minha analise, a coordena<;:ao possibilitara rentabilizar recursos, meios e respostas sociais, contrariando a ideia de que e necessaria criar mais Servi<;:os, mais Institui<;:oes e de que nao temos respostas para nada. Ideia que promove rotinas na interven<;:ao e na organiza<;:ao institucional no que respeita ao cumprimento dos requisitos tecnicos e legais dos Servi<;:os e da interven<;:ao profissional. Os centros de acolhimento temporario transformam-se em lares, os lares transforma-se em asilos, os centros educativos transformam-se em centros mediadores para a prisao, as Institui<;:6es Particulares Solidariedade Social ou Centros Comunirarios passam de espa<;:os de socializa<;:ao, integra<;:ao social a espa<;:os de ocupa<;:ao periodicos ou de subsistencia.

INTERvEm;.l..o SociAL, 30, 2004


Quesrionar as Pdticas Sociais junro da Crian<;a/jovcm

[ 91

Embora estas afirmac;:oes possam parecer metaforicas elas tambem sao em muito realidade. Neste dom!nio, parece-me, importante promover-se a realizac;:ao de um manual que estabelec;:a as competencias dos diferentes Servic;:os que constituem a re de de protecc;:ao (publica e solidaria), em particular a nivellocal e que defina os procedimentos de cada Servic;:o. E necessaria integrar na matriz profissional a figura do GESTOR DE CASO que devera ter por func;:ao o controle permanente da avaliac;:ao do caso. E o profissional de referencia no caso que coordcna as actuac;:oes e os recursos envolvidos. Tambem, a coordenac;:ao de Scrvic;:os, possihilirad um mclhor cntendimento e compreensao das ncccssidadcs da (amllia de f(mna inrcgrada. Esta coordenac;:ao parece-me que poder;i melhorar a tomada de dccisoes c racionaliza a utilizac;:ao e duplicac;:ao dos recursos sociais. Actualmente, nao e poss!vel continuar mais com a logica administ rativa dos servic;:os publicos, caracterizada por intervenc;:oes pontuais, superficiais, o que podemos chamar de "logica do pingue-pongue". Tomemos por exemplo o que hoje se passa na protecc;:ao da crianc;:a ao nivellocal: -A Seguranc;:a Social que passa a situac;:ao para a Comissao de Protecc;:ao. A Comissao que nao tem meios ou nao deve intervir passa para o Ministerio Publico. 0 Ministerio Publico remete a Comissao de Protecc;:ao e/ou a Seguranc;:a Social. A Escola, que tem um servic;:o de Psicologia e Orientac;:ao, detecta uma situac;:ao de absentismo escolar e passa para a Comissao de Protecc;:ao com a sinalizac;:ao de Crianc;:a em Risco. Uma situac;:ao que e sinalizada a Policia de Seguranc;:a Publica (ou Escola Segura) e esta remete copia para a Seguranc;:a Social, a Comissao de Protecc;:ao e ao Ministerio Publico. A seguir o Ministerio Publico remete a mesma sinalizac;:ao a Seguranc;:a Social e a Comissao de Protecc;:ao. A Seguir a Comissao remete a Seguranc;:a Social e esta remete de novo ao Ministerio Publico e a seguir, e melhor nao continuar.

lNTERVENy.~o SoCIAL, 30, 2004


92

I

Jorge Fcrreira

Conclusoes Da reflexao desenvolvida ao longo do texto podemos concluir sabre: - A impord.ncia da clarificac,:ao de urn quadro metodologico que oriente nao so as praticas operativas, mas tambem as politicas e as organizac,:6es. Nao podemos solicitar a intervenc,:ao operativa uma acc,:ao horizontal (em rede) quando o modelo de Gestao das Organizac,:6es e vertical (hierarquizado nas decis6es); -A importancia do conhecimento de cada unidade territorial (freguesia, bairro, rua ... ), que constitui uma area de intervenc,:ao profissional no planeamento da Acc,:ao tecnica e do seu quadro metodol6gico a seguir, que possibilite elaborar planos de intervenc,:ao profissional adequados e dirigidos as necessidades da populac,:ao alvo; - A construc,:ao de uma nova matriz cultural e de uma nova logica na organizac,:ao e gestao dos servic,:os e das praticas operativas, o que imp6e aceitar e reconhecer a PARTICIPA<::AO coma urn Direito e urn Dever de todo e qualquer cidadao; - Ser necessaria valorizar a reflexao sobre a representac,:ao social que o utente tern do sistema de protecc,:ao social e a representac,:ao que o sistema de protecc,:ao social tern do utente. Questao que reabre o debate sabre a dimensao Social e comuniraria dos direitos e Bem-estar Social da Crianc,:a; - 0 confronto entre uma cultura de Bem-estar Social (essencial a todos) e as praticas sustentadas em rituais e costumes intra e inter gerac,:6es, mais especificamente vivenciadas em grupos etnicos, e uma mais valia para o desenvolvimento da participac,:ao do Cidadao na busca de respostas ao seu problema; -Os temas publicos (comuns) da Crianc,:a em risco, maltratada, abusada e a sua influencia na valorizac,:ao da protecc,:ao da Crianc,:as, por ex: a gravidez- e uma doenc,:a? Nao. Entao para que ir ao medica? Principalmente quando se trata de uma jovem adolescente ou de uma situac,:ao que pretende fazer urn aborto? (assinale-se a presenc,:a da dimensao cultural do Bairro e da Familia); -A dimensao da Educac,:ao para o Bem-estar Social, que considero ter tanta forc,:a coma a afirmac,:ao "Educac,:ao para o Direito"; INTERVENc;:i\o

SociAL,

30, 2004


Qucstionar as Pr,iticas Sociais junto da Crian~a/Jovem

I

93

- A func,:ao da Educac,:ao, principalmente na sua dimensao preventiva (a perseveranc,:a de habitos de consumo de estupefacientes, de alcool em "substituic,:ao" da aprendizagem, referenciemos as taxas de insucesso escolar ou abandono precoce da escola); Procurei nesta reflexao trazer ao debate a desconstruc,:ao do tema nas suas multiplas dimens6es, procurando implicar cada leitor na problematizac,:ao do actual contexto social, politico c ccon6mico que vivemos e das praticas sociais e organizacionais actuais. Na actualidade, estamos perante urn periodo da hist6ria que nos pede mudanc,:a na nossa atitude face aos mais pobrcs e mais dcsfavorecidos. Isto e, a implicac,:ao dos mais pobres e dos mais desfavorecidos em todos os processos. Porque nao lhes dar voz e exclui-los. Por exemplo as crianc,:as que vivem sozinhas em casa, famllias itinerantes, quest6es de asilo e refugiados, tern opini6es feitas a partir das suas experiencias de vida que devemos ter em conta na nossa intervenc,:ao profissional.

Bibliografia AMARO, R. Roque (1997)- "Servi<;os de Proximidade em Portugal", Lisboa, Ministerio do Trabalho e da Solidariedade. Cadernos do Emprego, n. 0 11. AMARO, R. Roque (2000) - "lnsen;ao Economica de Popula<;6es Desfavorecidas, Factor de Cidadania", Sociedade e Trabalho, n. 0 8/9, pp. 33-40. Camara Municipal de Lisboa, (2000) - "A Cidade das Pessoas- Redes Sociais para a Ac<;ao". Lisboa. Camara Municipal de Oeiras, (1998) - "Conferencia Local de Emprego, "0 Munidpio como Agente de Desenvolvimento Economico e Social". Oeiras. CAPARROS, Escartin Maria Jose e Soto, S. Esperanza, (1994) - "lntroducion al Trabajo Social .I" (Historia y Fundamentos Teorico-Pd.ticos). Editorial Aguaclara, Alicante. Castro, S. Jose Luis, (1997)- "Socializa<;ao das Crian<;as de Rua e Logicas de lnterven<;ao das Redes de Suporte Social". Cadernos do CEJ- Lisboa. lNTERVEN<(AO SOCIAL, JO, 2004


94

I

Jorge Ferreira

CIPER - Centro Interdisciplinar de Pesquisa e Consultoria em Pollticas Publicas, (2002) - "Estado e Polltica Publica de Assistencia Social, sistema Descentralizado e Participativo de Assistencia Social, Conselho de Assistencia Social e Redes". Volume I, Curitiba. CIPER Centro Interdisciplinar de Pesquisa e Consultoria em Pollticas Publicas, (2002) "Planejamento Tecnico e Financeiro da Polltica Pt'tblica de Assistencia Social". Volume II, Curitiba. CULL, Anne; ROCHE, Jeremy (2001) The Law and Social Work- contemporany issues for practice. Ed. in association with the open university. Weles. E.U.R.O.N.E.T., 2002 - Inclure les Enfonts? Elaboration d'une approche coherente de la pauvrete et de !'exclusion sociale des enfonts a travers l'europe. Media animation, Bruxelas. EPIFANEO, Rui M.L. e FARINHA, A.,- "Organiza~iio tutelar de Menores'', Livraria Almedina. Coimbra 1987. ESTIVILL, J. - 1998 - Polfticrts socirtles rtctuales y futuras de bienestar. Ed. Ediciones Alfons el Magnanim. Gcncralitat Valcnciana. Valencia. EWALD, Fran<;:ois- 1993 - Foumu!t- 11 Normr1 eo Direito, Colect;:ao: Comunicat;:ao e linguagens, La ed., Lisboa: Vcga. FERNANDEZ Garcia, T. - I')')H - I::rtfldo de bienestflr: Perspectivm y limites. Ed. Ediciones de la Univcrsidad de ( :asrilla-la-Mancha. Cucnca. FERREIRA, Jorge Manucl L. - 199H "Intervent;:ao Social e judicial no problema da Criant;:a Maltratada- Rclat;:ao e/ou intersect;:ao", ISSSL, Dissertat;:ao de Mesn路ado em Servit;:o Social, Lisboa. FERREIRA, Jorge Manuel L. - 2000 - "Politicas Sociais contra a Exclusao Social no ambito da Infancia -, Andlisis Compr~rada Espafzr~!Fmncir~!Portugr~l- Programas de lnsercion y Exclusion Social"- pp. 135-143 - Programa Intensivo S6crastes/Erasmus, Valencia. FERREIRA, Jorge Manuel L. - 1999 - Intervent;:ao Social e Judicial no Problema - Criant;:a Maltratada, lnterven~iio Social n. 0 17118, Lisboa: ISSS. FERREIRA, Jorge Manuel L.- 2001 - "Servit;:o Social e Toxicodependencia", in Toxicodependencias, Lisboa, Servit;:o de Prevent;:ao Tratamento da Toxicodependencia. FERREIRA, Jorge Manuel L. 1993 Pratica profissional do Assistente Social numa intervent;:ao nao directiva ISSSL, lntervenriio Social, n. 0 8 Lisboa. FRIEDMAN, R.; Gilbert, N.; Seller, M. EDS - 1987 -Modern We/fore Status. A comparative view of trenes and prospect. Ed. Wheatsheaf Books. Great Britain. GELLES, R.]. - 1995 - Family Violence and abuse>> in R. Families- a sociologiml view. London: Sage

J.

Gelles Contemporary

INTERVEN(,:.:\0 SociAL,

30,

2004


Questionar as Praticas Sociais junta da Crian<;a/Jovem

I

95

- - - - - - -

HEIN, Esther Luiza Lemos- 1997- A Constrw;:ao da protec<;:ao Social e as Entidades no Munidpio de Toledo. Disserta<;:ao de Mestrado. PUC/SP. Kisnerman, Natalio - 1991 Erica para o Servi<;:o Social .Tradu<;:ao de: Ana Maria Pia de Lima Ribeiro. 6.a ed. Editora Vozes. Petr6polis. ION,

J.

(2000)- "Le Travail Social

]ONES, Cateherina- 1995

a L'epreuve du Territoire",

Paris, Dunod.

Patterns of Social Policy. Ed. Tavistock, Londres.

Lei 166/99 de 14 de Setembro (lei tutelar Educativa). Lei 147199 de I de Setembro (lei de protec<;:ao de Crian<;:as e ]ovens em Perigo). Lei de Protecr;iio

a lnflincia,

1911.

MANCE, Euclides Andre (2000) -A Revolur;iio das Redes- a colaborar;iio soliddria como wna alternativa p6s-capitalista rl globafizrt("iio rtctual. Editora Vozes, Petr6polis. MARTIN, Claude 1997 Europe. De la classification et Politiques.

La comprtrrtison des Sistemes de proteccion Sociale en Lieu Social

a l' analise des trajectoires d' I!tttt providence.

RAMOS, P. Maria da Concei<;:ao, 2003 - "Ac<;:ao Social na Area do Emprego e da Forma<;:ao Profissional", Universidade Aberta, Lisboa. RODRIGUES, F. STOER; S. (1998)- "Entre Parceria e Partenariado: amigos, amigos, neg6cios a parte", Oeiras, Celta. SALTER, C. Anna, 2003 - Pedofilia e outras agressoes sexuais . Editorial Presen<;:a, Barcarena I Portugal. SANTOS, J. Figueiredo, (1996) - "(Des)Construir a Solidariedade, Transformar a Assistencia", Interven<;:ao Social n. 0 13114, pp. 143-165 - Revista do Instituto Superior de Servi<;:o Social de Lisboa. SLUZNI, Carlos E. (1996) - "La Rede Social: frontera de la pratica sistemica". Barcelona. T6BON, Maria Cecilia; Norma Rotticr; Antonieta Manrique - 1989 - La prdtica professional del trabajador social (Guia de analise) Coleccion Hvmanitas-celats. UNIOPSS - 1995 - Accornpagnement Social et insertion, pratiques associatives SYROS VIDAL, Joana M.,- "0 Direito de Menores. Reforma ou Revolur;iio?", Edi<;:6es Cosmos. Cadernos da Revista do Ministerio Publico. Lisboa 1998. WYVEKENS, Anne, 1997- L'imertion Locale de la justice Penale justice de proximitl Ed L'Harmattan, Paris/Fran<;:a.

INTERVENyAo

SociAL,

30, 2004

Aux origines de la



INTERVENc_)i,o SouAL, {o,

)(J(),!

'!

hd\

Ines AMARo*

Exdusao social juvenil em Portugal: pistas para reflexao 0 presente artigo pretende desmvolver uma reflexao em torno da temdtica da exclusao social juvenil em Portugal, partindo de uma discussao tedrica dos conceitos em presenc,:a. A exclusao social juvenil serd apresentada como um ftndmeno mu/dimensional no qual se encerram e entretecem velhas e novas problemdticas. Porfim, ensaia-se uma tentativa de colocar alguns pantos de andlise da intervenr;ao, avanr;ando com um conjzmto de pistas para o reequacionamento da mesma. Conclui-se que a transformac,:ao das sociedades modernas poderd comtituir uma oportunidade para o Servir;o Social se reajirmar enquanto campo de concepr;ao de polfticas sociais e enquanto projissao privilegiada de resposta as necessidades eftctivas dos cidadaos.

Introdus:ao 0 presente artigo tern por base uma comunica<;:ao apresentada ao Seminario Europeu - Servi<;:o Social no Novo Milenio: Forma<;:ao, Pollticas Sociais e Emprego, Workshop - Os movimentos de exclusao juvenil e violencia na sociedade contemporanea. 1 E igualmente devedor do trabalho de investiga<;:ao desenvolvido pela autora quer sob a coordcna<;:ao do Professor Doutor Jose Lu{s Garcia, quer sob a coordena<;:ao da * Licenciada em Servic;:o Social pelo ISSSL, Mestre em Comunicac;:ao, Cultura c Tccnologi;l de Informac;:ao pelo Departamento de Sociologia do ISCTE, Doutoranda em Servic;:o Social no ISSSL/ISCTE. Docente do ISSSL. Membra do CISSEI. 1 Iniciativa do Instituto Superior de Servic;:o Social de Lisboa, realizada no audit<'>rio do Instituto Portugues da Juvenrude, nos dias 14 e 15 de Novembro de 2001.


98

I

lnes Amaro

Dr.a Manuela Marinho. Mais concretamente, os temas abordados fazem uma forte referencia aos conteudos do livro Estranhos - juventude e dinamicas de exclusao social em Lisboa. 2 Pretende-se desenvolver uma reflexao em torno da tematica da exclusao social juvenil em Portugal, partindo de uma discussao te6rica dos conceitos em presen<;:a. A exclusao social juvenil sera apresentada como urn fen6meno multidimensional no qual se encerram e entretecem velhas e novas problematicas. Por urn lado, as situa<;:6es de exclusao social nao podem ser dissociadas de dimens6es tradicionais como a famllia, a escolaridade, a etnicidade, a toxicodependencia, a institucionaliza<;:ao e o emprego. Por outro, todavia, estao em emergencia novos focos de desintegra<;:ao que se prendem corn o dealbar de urn mundo tecnologicamente construido em torno de interesses sobretudo econ6micos. Colocam-se, deste ponto de vista, as quest6es do risco, da fragmenta<;:ao laboral, da info-exclusao e da corrosao do caracter. Por fim, ensaia-se uma tentativa de colocar alguns pantos de analise da interven<;:ao, avan<;:ando corn urn conjunto de pistas para o reequacionamento da mesma. Conclui-se que a transforma<;:ao das socicdades modernas podera constituir uma oportunidade para o Servi<;:o Social se reafirmar enquanto campo de concep<;:ao de pollticas sociais e enquanto profissao privilegiada de resposta as necessidades efectivas dos cidadaos.

1. Pobreza e exdusao: duas no<_;:oes te6rica e conceptualmente distintas Reflectir sobre urn tema tao complexo coma o da exclusao social requer que se opere, logo a partida, uma distin<;:ao conceptual importante entre pobreza e exclusao. De facto, se o conceito e no<;:ao de pobreza datam de longe e designam uma condi<;:ao objectiva de carencia, o conceito de exclusao decorre da emergencia das sociedades modernas democraticas de base capitalista e, mais do que designar uma condi<;:ao objectiva, estabelece uma dimensao de comparabilidade entre os cidadaos e os seus niveis 2

Vide bibliografia. 1:-.:TERVE:t\'<;.A.o SociAL, 30, 2004


Exclusi\o social juvcnil em Portugal: pisras para uma rcHcxao

I

99

de vida. Nao se utiliza, habitualmente, o conceito de exclusao para aludir a situa<;:6es de carencia extrema, mas sobretudo generalizada, coma as que se vivem nos paises do chamado terceiro m undo: nesses cas os fa! a-se de pobreza, miseria. 0 termo exclusao aplica-se, antes de mais, as situa<;:6es de carencia que grassam no interior das sociedades ricas, das sociedades de bem-estar, das sociedades ditas do primeiro mundo ou desenvolvidas. E, efectivamente, no seio das sociedades modernas que se preconiza o elogio do prindpio da igualdade e se defendem as vantagens da coesao social e que, inversamente, se perspectiva a desigualdade coma um problema a que as insd.ncias de poder devem dar resposta. E sob este quadro de referencia que faz sentido falar de exclusao social, coma conceito denunciador da fragilidade da equa<;:ao, basilar a propria constitui<;:ao das sociedades modernas, de que progresso industrial e econ6mico seria igual a bem-estar social e abundancia para todos. Pode, por conseguinte, entender-se por exclusao social a reconfigura<;:ao dos fen6menos de pobreza no interior do capitalismo avan<;:ado tecnoglobal. Corn efeito, esta em referencia uma situa<;:ao de extrema carencia e de diferencia<;:ao negativa entre concidadaos pela ausencia de recursos materiais, economicos, culturais, educacionais, sociais, etc. A exclusao social sera, entao, 0 produto do encadeamento de dinamicas e contextos que impelem para a dependencia, para a precariza<;:ao e para a inempregabilidade, colocando os individuos fora da sociedade e fora da protec<_:ao salarial. A exclusao revela, tambem, pela incidencia constanrc sohrc dctcrminados segmentos da popula<;:ao, a contigu idade ex istcnrc cnrrc a persistencia, a extensividade e a sevcridadc da pobrcza c ccrt a cond ir,:(:)cs, contextos e quadros decisionais.

2. A exdusao social juvenil como um fcnomeno multidimensional: das velhas as novas problematicas A referencia a exclusao social 0, sohrctudo, uma referencia a um fenomeno de caracter multidimensiona I, que se traduz na existencia de uma solidariedade ou de um encadcamento de infortunios (a desestrutura<;:ao familiar, segue-se o insucesso escolar, que da origem as dificuldades de inser<;:ao no mercado de trabalho, agravadas pelo facto de se pertencer a uma

lNTERvE:--.:c;:Ao SociAL, 30, 2004


100

I

lnes Amaro

minoria etnica e de se viver num habitat degradado). :E, nao obstante, necessario ressalvar que, ao contrario do que 0 proprio sentido semantico do conceito indica, o exclu!do nao esta na realidade fora da sociedade, nao esra ausente da interacc;:ao social, nao e alheio ao movimento incessante de rela<;:6es produzido pelo Homem em sociedade. Na verdade, o exclu!do nao e mais do que um incluido, corn as suas proprias funcionalidades para 0 todo social, que apenas tern uma forma que lhe e particular de estar dentro. Varias sao as dimens6es atraves das quais e poss!vel caracterizar o problema da exclusao juvenil e, apesar deste ser ainda urn fenomeno relativamente recente, proprio das sociedades modernas, podem distinguir-se ja velhos e novos problemas da exclusao juvenil em Portugal. Os velhos problemas, atraves dos quais 0 fenomeno da exclusao juvenil e analisavel, fazem sentir-se essencialmente nas dimens6es da familia, da escolaridade, da etnicidade, da toxicodependencia, da institucionaliza<;:ao e da (des)inser<;:ao laboral, e sao em larga medida consequencia do atraso estrutural de Portugal, marca da manuten<;:ao por muito tempo e ate tardiamente, quando comparado corn outros parses europeus, de urn regime polltico de ditadura fascista que fazia o elogio da pobreza e da ignorancia na popula<;:ao. Desta forma, se se exclu!rem os estados-membros que aderiram a Uniao Europeia em 2004, 3 Portugal e dos parses da Europa comuniraria aquele que apresenta uma maior taxa de pobreza, urn menor rendimento mensal, uma maior desigualdade e uma maior dispersao nos rendimentos. E, nao obstante, verdade que no contexto europeu, o que contraria a ocorrencia de perfodos de carencia grave e a existencia de direitos sociais adquiridos e de uma cultura, extremamente enraizada, de atribui<;:ao de responsabilidade social ao Estado, pois, nao e negligenciavel a significancia do numero de pobres na Uniao Europeia. No que respeita a familia, vive-se hoje uma epoca que muitos apelidam de crise da familia. Na perspectiva aqui apresentada, fala-se, antes de mais, de transforma<;:ao da familia ao n1vel da estrutura e das fun<;:6es desempenhadas, corn a poss!vel ocorrencia de processos de desresponsabiliza<;:ao parental e de abandono familiar. Corn efeito, o estilo de vida actual, 1 No dia l de Maio de 2004 adcriram a Uniao Europeia o Chip re, a Eslovaquia, a Eslovenia, a Hungria, a Estonia, a Let6nia, a Litu:'tnia, a Pol6nia, Malta c a Reptiblica Checa.

lNTERVEN~;\o SociAL, 30, 2004


Exclusao social juvenil cm Portugal: pistas para uma reflexao

I

101

voltado para a urbanizac;ao, individualizac;ao e utilidade economica, tern conduzido a uma forte reduc;ao do cspac;o de intervenc;ao familiar na socializac;ao e educac;ao dos filhos. 0 fechamento da familia sabre o seu nucleo central (pais e filhos) e a justa ambic;ao da mulher a uma carreira profissional, coma dimensao prepondcrantc da plena rcalizac;ao do seu projecto de vida, sao dois factores importantcs que tcm concorrido para estas mutas:oes, que, nao podcndo scr considcradas negativas a partida, quando aliadas a situa<,:6es como a dcsatcn<.:;lo c a l:dta de supervisao por parte dos pais, a vivencia cm habitats tkgra<hdos c ;1s cxpcricncias de insucesso escolar, podcm scr condutoras de kn<)nwnos de cxclus;io social. Efectivamente, muitas crianc;as sao votadas ao abandono scrn qualquer outra alternativa em termos de socializac;ao que nao sejam o grupo de pares e a televisao, 0 que se, par urn !ado, e fruto de uma desrcsponsabilizac;ao dos pais, par outro, desemboca muitas vezes num fenomeno de abandono familiar por parte do proprio jovem que deixa de acreditar na familia coma lugar de seguranc;a, de aprendizagem e de respeito. A escolaridade, ou a falta dela, revela-se coma uma das mais importantes dimens6es para a analise da exclusao juvenil, uma vez que a instituic;ao-escola se tern vindo a constituir coma urn instrumento de selecc;ao social entre aqueles que podem aceder as estruturas de oportunidades que a sociedade oferece e aqueles que "ficam pelo caminho", iniciando desde cedo uma trajectoria pautada pela conformac;ao ao que as politicas sociais oferecem, as oportunidades que restam e a substituic;ao dos sonhos fantasiosos de crianc;a, nao par projectos de vida mais realistas, mas muitas vezes por urn vazio quanta ao futuro. Ao aflorar esta questao e, todavia, importante clarificar qual e 0 panorama da sociedade portuguesa a este nivel. Na verdade, o retrato geral da populac;ao nacional e o de uma populac;ao corn baixos niveis de escolaridade e corn niveis ainda significativos de analfabetismo, corn trajectorias escolares profundamente marcadas pelo absentismo, pelo insucesso e pelo abandono; caracteristicas que sao ainda mais acentuadas nos segmentos mais pobres. Este panorama anuncia que a massificac;ao do ensino nao se tern vindo a traduzir num cabal indice de sucesso e que ha urn conjunto de expectativas que sao depositadas na escola a que esta nao corresponde, criando sentimentos de frustras:ao e de incompetencia social.

lNTERVENy.~o SociAL, 30, 2004


102

I

lnes Anuro

A etnicidade constitui-se, tambem, de forma significativa numa das dimensoes do fen6meno da exclusao social. Pode, no entanto, parecer paradoxal que Portugal, no contexto europeu, se continue a caracterizar por ser urn pais invulgarmente uniforme em termos de rac;:a, lingua, religiao, cultura, etc.; e por ser dos paises coloniais aquele que men os se miscigenou corn os povos colonizados. 0 processo que na verdade ocorreu em Portugal foi o de muito abruptamente ter passado de pais de emigrac;:ao para pais de destino da imigrac;:ao, que, por sua vez, se tern vindo a concentrar nas zonas urbanas do litoral. Assim, continua a nao existir uma verdadeira concessao de condic;:oes de legalidade, equidade e dignidade as minorias etnicas, que tern de se sujeitar aos postos de trabalho desqualificados e desqualificantes, a uma escola que teima em nao se adaptar as suas nccessidades e a urn mercado habitacional que lhes fecha as possibilidades de acesso a uma habitac;:ao condigna. A toxicodependencia, coma dimensao da exclusao juvenil, e pot路ventura 0 processo que deixa mais a descoberto 0 caracter multidimensional da exclusao social, pais, urn toxicodependente e, na esmagadora maioria das vezes, tambem, urn individuo corn problemas de inserc;:ao !aboral, corn uma traject6ria de insucesso escolar, corn uma socializac;:ao no seio de uma familia desestruturada, etc. E, de facto, usual que a toxicodependencia encerre em si uma pan6plia de situac;:oes problematicas conducentes a uma condic;:ao de exclusao social. Contudo, e preciso nao esquecer que a toxicodependencia e tematizada coma problema e coma indicador de marginalidade numa sociedade que prima pela racionalidade da abstinencia e que faz o elogio de uma atitude de ascetismo mundano, mas que nao deixa de eleger urn conjunto de drogas que sao permitidas (cafe, alcool, tabaco, mas tambem televisao, jogos de computador, etc.). A institucionalizac;:ao de jovens coma esfera correctiva da justic;:a e da intervenc;:ao social desemboca, nao raras vezes, em processos reforc;:adores da exclusao social. 0 afastamento do jovem da sociedade e da vida da p6lis e sua inserc;:ao num meio artificial onde a lei, a regra e a norma tern uma presenc;:a total, nao constitui 0 enquadramento necessaria a realizac;:ao de uma socializac;:ao alternativa a familia, mas dentro dos parametros possiveis de normalidade. Por fim, na enumerac;:ao dos velhos problemas, esta uma dimensao atraves da qual a exclusao se mostra numa das suas faces mais agudas: I~TERVE;-..;e.;::-i.o SociAL, 30, 2004


Exclusao social juvcnil cm Portugal: pistas para uma rcflcxao

I

103

a (des)inserc;:ao !aboral. De facto, parece ser verifidvel uma condic;:ao de duplo insucesso juvenil ao insucesso escolar, segue-se o insucesso em encontrar trabalho. Tendo em conta que nas sociedades modernas ocidentais o estatuto social, o reconhecimento, a dignidade e a auto-estima dependem, em larga medida, do nivel de inserc;:ao do individuo no mundo do trabalho, imediatamente ressaltam as consequencias funestas que pode ter a dificuldade na inserc;:ao !aboral ou a presenc;:a intermitente e predria no mercado de trabalho. Nao obstante, e tambem nesta dimensao que e possivel observar mais nitidamente uma das funcionalidades que a exclusao social tern para a sociedade em geral, pais, sao estas camadas de jovens pouco escolarizados que se vao constituir nas bolsas de mao-de-obra barata e pouco reivindicativa de que a economia, e nomeadamente a economia paralela, se serve, para suprir as suas necessidades mais prementes. Associada a esta dimensao esra a questao, que se comec;:ou a colocar corn maior contundencia a partir da ultima decada do seculo XX, do fim do plena emprego e das bases em que assentam as sociedades industriais. Esta tendencia, embora recusada politicamente, como se pode verificar pelos objectivos politicos da Uniao Europeia, que corn o chamado triangulo de Lisboa estabelece a meta de 2010 para a reconstituic;:ao do plena emprego no espac;:o europeu, tern vindo a ser cada vez mais colocada por importantes autores do pensamento social e economico em termos de uma epoca de transic;:ao de urn para outro modelo de funcionamento da sociedade. Corn efeito, identifica-se o tempo presente corn uma epoca de mudanc;:a, de transic;:ao da sociedade industrial (modernidade) para, na expressao de Manuel Castells, a sociedade informacional ou, nas palavras de Ulrich Beck, a sociedade de risco (pos-modernidade ou modernidade reflexiva). A sociedade informacional e aquela em que a produc;:ao de conhecimento e o processamento da informac;:ao passam a ser as actividades centrais do sistema produtivo, visando essencialmente a produc;:ao de mais conhecimento e o processamento de mais informac;:ao. Segundo Castells (2000 [1996]), estamos ja a presenciar as primeiras configurac;:6es da sociedade informacional, que tern urn tipo de funcionamento em rede e que requer trabalhadores altamente qualificados, corn urn dominio das novas tecnologias, autonomos, bem informados, responsaveis e capazes de fazer individualmente o planeamento do trabalho. INTERVEN<;=Ao

SociAL,

30, 2004


104

I

lnes Anuro

-----~--

--------

Na perspectiva de Beck (1994 [1986]), a sociedade actual caracteriza-se sobretudo por ser de risco, ou seja, por ser uma sociedade em que ninguem esta certo das condi<;:6es de sucesso ou de falha na vida profissional e pessoal: e certo que e necessaria urn n{vel de qualifica<;:6es cada vez mais elevado, mas nao e certo 0 sentido em que estas qualifica<;:6es deverao ser desenvolvidas e que tipo de perfil se espera que o trabalhador tenha. Por conseguinte, nesta nova configura<;:ao das sociedades contemporaneas, em que o Homem atinge a sua plenitude, em que o intelectual ocupa urn lugar de centralidade e em que e permitido ao indiv!duo talhar o seu proprio percurso, a emancipa<;:ao do sujeito e directamente proporcional ao aumento exacerbado do fardo do isolamento social e da responsabilidade individual. E este o contexto de surgimento dos novos problemas de exclusao social. A nova exclusao situa-se, essencialmente, ao n!vel da rela<;:ao dos indiv!duos corn o mercado de trabalho que, cada vez mais, se caracteriza pela opacidade e pela fragmenta<;:ao. Mesmo nao tendo em conta as perspectivas mais radicais que apontam para a ocorrencia, a medio prazo, de urn cataclismo social, fruto de uma ruptura profunda entre os dois extremos da sociedade each vcz mais distantes (pois, os ricos sao cada vez mais urn grupo reduzido, detentor de uma cada vez maior riqueza, e os pobres aumentam e estao cada vez mais distantes da possibilidade de constru{rem urn a trajectoria de inser<;:ao), nao e poss!vel ignorar as for<;:as estruturais que abalam o actual mercado de trabalho prenunciando o fim do trabalho assalariado como forma universal de redistribui<;:ao da riqueza na sociedade. De facto, contemporaneamente recrudescem novas formas de trabalho - coma o tempo parcial, o trabalho independente, o trabalho temporario, o teletrabalho, etc. - que se, por urn lado, apresentam todo urn leque de novas modalidades de presen<;:a no mercado de trabalho, por outro, marcam a emergencia de toda a panoplia de novas situa<;:6es de limbo entre a inser<;:ao e a exclusao, onde certamente se incluem a presen<;:a intermitente no mercado de trabalho, o subemprego, o falso trabalho independente e a sub-remunera<;:ao. Mesmo nas situa<;:6es identificadas como de maior sucesso profissional, autores como Richard Sennett (2000 [1998]) perspectivam estas novas formas de trabalho como tendo efeitos corrosivos para o caracter dos indiv!duos. Corn efeito, o autor em referencia debru<;:a INTERVENc;Ao

SociAL, 30, 2004


l'xclus:io social juvcnil cm Portugal: pisras para uma reflexao

J

105

a sua atenc,:ao sabre os dcitos nef;1sros para o individuo de, por exemplo, se ver impossibilitado de transmit ir aos se us fi Ihos va Iores como o cl a lealdade quando sabe que, profissionalmcnte, dcvc accitar a melhor proposta, uma vez que e claro que a empresa n;io hcsitad Clll dispcllS;lr OS SClJS servic,:os Se encontrar uma oferta m a is vantajosa, ou de const n 1ir um proj\'cto de v id a (incluindo o projecto de familia, realizac,:ao de invest i1ncn1os de vulto, decisao sabre o mimero de filhos) corn base numa idcia de progrcssao ILl carreira e de ascensao no nivel de remunerac,:ao - no amhito do lll()(klo industrial, quando urn individuo integrava os quadros de uma cnlprl'sa, podia corn alguma seguranc,:a prever ate onde poderia ascender c ;I qttc niveis remuneratorios poderia aspirar ao longo da sua carreira e soh re est ;l base podia planear; hoje, este processo ja nao e possivel. Autores COllJO Sennett mostram, na verdade, o lado negro desta ideologia do sel/made man, que muito facilmente derrapa para situac,:oes de exclusao. Acrescenta-se, ainda, a este novo conjunto de problemas a questao da info-exclusao ou da iliteracia funcional, que remete para a situac,:ao de todos aqueles que sao expelidos do mercado laboral por nao conseguirem acompanhar as mudanc,:as no tipo de competencias requeridas pelo mundo do trabalho. Assim, os trabalhadores que nao tiverem na sua agenda a preocupac,:ao de uma constante auto-actualizac,:ao, que nao tiverem uma postura de formac,:ao ao longo da vida e que nao tiverem, a partida, urn dominio m1nimo das tecnologias da informac,:ao e da comunicac,:ao, correm urn serio risco de se tornarem uma presenc,:a excedentaria no mercado de trabalho. Corn efeito, se e certo que a nao aquisic,:ao de determinadas competencias no dominio das novas tecnologias conduz seguramente a processos de exclusao do mercado de trabalho, nada assegura que a posse dessas mesmas competencias se traduza numa trajectoria laboral integradora; ou seja, se a infoexclusao se assume como urn oponente concreto a integrac,:ao social dos individuos nas sociedades contemporaneas, a incerteza e o risco constituem-se no padrao de vida dessas mesmas sociedades.

3. 0 desafio da interven\ao sobre o fen6meno da exclusao social Finda a caracterizac,:ao e analise dos novos e velhos problemas que conduzem a exclusao social, importa perceber quais as implicac,:6es concretas lNTERVENc;Ao

SociAL, 30, 2004


106

I

lnes Amaro

para a intervenc,:ao social. Defende-se, desta forma, que a causa do insucesso de muitas medidas de intervenc,:ao reside no facto de haver uma descoincidencia entre as medidas propostas e as expectativas dos jovens. Esta primeira linha conclusiva chama a atenc,:ao para o facto de que os processos de intervenc,:ao remetem, geralmente, para a construc,:ao de projectos de vida socialmente pouco valorizados - aquisic,:ao do nivel minimo de escolarizac,:ao, ingresso numa actividade profissional pouco qualificada, acesso a baixos niveis de rendimentos, etc. - no quadro de uma sociedade que cada vez mais apela para uma elevac,:ao das expectativas em termos, primordialmente, de consumo, mas tambem de sucessos profissionais e pessoais - a mensagem que e passada nas sociedades de massas e a de que qualquer individuo pode chegar ao topo, e a de que todos podem ter tudo e a de que uma vida feliz passa pcla aquisic,:ao de urn numero minimo (cada vez maior) de bens de consumo. Por conseguinte, os projectos que a intervenc,:ao prop6e aos jovcns muitas vezes, apesar de realistas, nao integram uma dimensao apclativa que responda ao nivel de expectativas neles criado. Por outro lado, convem nao esquecer que os caminhos da inserc,:ao e da exclusao nao sao desconhecidos urn do outro; sao antes duas faces da mesma moeda. Isto significa que, de uma forma geral, o conjunto dos incluidos sabe que tipo de comportamentos teria que adoptar se quisesse enveredar por uma traject6ria de marginalidade, do mesmo modo que os excluidos sabem razoavelmente que direcc,:ao tomar rumo a inclusao; e, alias, not6ria a adesao aos valores tidos por consensuais na sociedade dominante por parte destes jovens. Por conseguinte, nao faz sentido insistir nos prindpios (re)socializadores e (re)educativos como guias orientadores para a intervenc,:ao, pois, 0 que e, antes de mais, necessario e tornar os caminhos da inserc,:ao aliciantes para jovens marcados pelo insucesso, pela frustrac,:ao e por uma forma de encarar a vida extremamente imediatista. Acresce a isto o facto de que a exclusao social e urn fen6meno que assume a figura de urn estado total na vida do indivlduo, aniquilando por completo a sua capacidade social e a sua autonomia. Torna-se, entao, necessario dotar o individuo de capacidades que lhe permitam agarrar e veneer as estruturas de oportunidades presentes na nossa sociedade, que, no caso dos jovens, emanam essencialmente da escola. Trata-se, do mesmo modo, de combater os factores que aumentam a desarticulac,:ao lNTERVEK<;:Ao SociAL, JO, 2004


ExclusJ.o social juvenil em Portugal: pistas para uma rcHcxao

I

107

entre os meios existentes e os fins que pretende alcanc_.:ar em termos de projecto de vida. Em sfntese, reinverter trajectonas de exclusao social juvenil implica desenhar medidas de politica social inovadoras e globais, que deitem um olhar holista sob re o indivfduo; implementar metodologias de intervenc_.:ao que se abram a pluralidade de valores e que nao se direccionem apenas para destinos ja anteriormente recusados; burilar novas tipos de contratualizac_.:ao das ligac_.:oes/relac_.:oes sociais entre, grosso modo, interventores e intervencionados; apostar em metodologias que invistam em dinamicas de reconhecimento social, que favorec_.:am a integrac_.:ao no mundo profissional atraves do desenho de novas perfis nao subjugados a mera racionalidade economicista e que estejam abertas a participac_.:ao juvenil que tenha um cariz mais mobilizador do que tutelar Em suma, e essencial construir com os jovens excluidos projectos de vida que sejam, simultaneamente, realistas e desafiadores, a medida de cada um e capazes de realizarem pessoalmente o indivfduo, que permitam, enfim, a satisfac_.:ao pessoal e a integrac_.:ao social.

Conclusao Na linha do anteriormente exposto, e a laia de conclusao, considera-se importante que o Servic_.:o Social tenha uma perspectiva de globalizafdo na intervenc_.:ao e na assunc_.:ao do seu papel privilegiado como influenciador das politicas sociais, isto e, que, nao pcrdcndo de vista os movimentos socio-economicos mais gcncralizados, que advcm da anunciada transic_.:ao de paradigma e que afectam profundamentc a vida em sociedade e, dentro dela, cada individuo, saiba responder individualizadamente as necessidades e dificuldades de cada um: e pedido ao Servic_.:o Social, hoje com ainda maior acuidade do que no passado, que tenha uma perspectiva global e uma intervenc_.:ao local. Resta acrescentar que, com a diluic_.:ao dos sistemas de protecc_.:ao social e com a correspondente emergencia e proliferac_.:ao do terceiro sector, disponibiliza-se para o Servic_.:o Social uma imensa area de poder no que respeita a conJugac_.:ao do nexo medidas de politica/necessidades do cidadao. 0 Assistente Social e, cada vez mais, o catalizador das filosofias que subjazem a instaurac_.:ao de novas medidas de polftica, da forma como estas


108

I

lnes Anuro

medidas sao postas em pratica corn os seus problemas e as suas virtualidades, das verdadeiras necessidades dos cidadaos e da forma como as referidas medidas de polltica se adaptam ou nao a essas necessidades. Tendo ganho este espa<;:o, o profissional encontra-se numa posi<;:ao extremamente privilegiada para influenciar e contribuir activamente para o desenho de novas politicas sociais. Este podera ser urn dos grandes pontos de desafio para a profissao no seculo XXI.

Bibliografia BECK, Ulrich, (1994 [1986]), Risk Society: towards a new modernity, Sage, Londres. CASTELLS, Manuel, (2000[19%1), The Rise of the Network Society, Blackwell, Oxford. Conselho Europeu de Lisboa (2000), Presidmcy Conclwiom, document 100/1/00, Lis boa. GARCIA, Jose Luis; ]ERONIMO, Hclcna Matcus; NoRBERTO, Rui e AMARO, Maria Incs, (2000), Estranhos - Ju ucnt11de e dinamicas de exclusiio mcial em Lisboa, Celta, Oeiras. MARINHO, Manuela, e AMARO, M aria Ines (2001), "Dossier: Programa TSER- Balan<;:o de Competencias" in Revista Intervenj:lio Social, 11. 0 22, pp. 9-112. SENNETT, Richard (2000 [1998]), A Corrosiio do Cardcter, Terramar, Lisboa.

INTERVEN<:;:Ao SociAL, JO, 2004


I~TERVENyAo SociAL,

30, 2004-: I09-q2

Ines SoAREs *

Da Desorganiza~ao Social a [Nao] Integra~ao - !migrantes de Leste Sem Abrigo na Cidade de Lis boa Este artigo pretende ser um contributo para a reflexlio de um modelo de politicas sociais assente na defisa de uma perspectiva integrada. A presem;:a de imigrantes dos paises da Europa de Leste em Portugal e um fin6meno recente que tem revelado sinais de vulnerabilidade e processos de exclusiio social especificos, nomeadamente as situat;:oes extremas - sem abrigo. No sentido de averiguar os foctores de exclusiio social que se encontram na base deste fin6meno procedeu-se a uma caracterizat;:iio e andlise preliminar das condit;:oes de pm路tida e das condit;:oes de chegada 1zo processo de concretizat;:lio do projecto migrat6rio. A abordagem fiita evidencia uma combinat;:lio entre os enquadramentos s6cio-econ6micm no pais de origem, e os foctores estruturais da sociedade de acolhimento, geradora de situat;:oes de vulnerabilidade e exclusiio. Palavras-chave: imigrat;:iio, Europa de Leste, exclusiio social, semabrigo, Portugal

lntrodus:ao As migra<_;:6es internacionais, fenomeno incontornavel que se caracteriza pela circula<_;:ao de milh6es de pessoas entre paises e continentes, sao simultaneamente consequencia e causa de processos de exclusao social, coma aponta Costa (2002). Por urn lado, os Buxos migrat6rios podem indicar uma reac<_;:ao das popula<_;:6es dos paises excluidos que se dirigem para os paises mais pr6speros onde procut路am encontrar melhores condi路 Sociologa.


llO

I

lnes Soares

s;6es de vida. Por outro lado, estes indivrduos podem deparar-se corn novas formas de exclusao, agora relacionadas corn os processos de integras;ao nos parses de acolhimento, dependentes de multiplos factores. Na verdade, o aumento dos fen6menos imigrat6rios comporta consequencias de ordem s6cio-econ6mica para os parses de acolhimento. Isoladamente, a dimensao do fen6meno em Portugal nao indicaria estar-se perante urn problema social. No entanto, para alem da dimensao, deve atentar-se ao contetldo: "( ... ) pessoas estrangeiras, etnica e culturalmente diferentes. Muitos vivem em condis;6es materiais e sociais degradadas e degradantes. A sobreposis;ao da diftrenr;a com a pobreza e a exclusiio social potencia o impacto dos reais problemas sabre a sociedade e agudiza a imagem negativa dos imigrantes ( ... )." (Costae Baptista, 2002: 10). Por isso, os Buxos de imigrantes em massa provocam uma sensas;ao de crise nas sociedades de acolhimento. Estes sintomas sao agravados quando a diftrenr;a interfere corn o que esta estabelecido. Ora, essa interferencia nao pode deixar de existir quando as sociedades se comp6em de actores cada vez mais diversificados. 0 presente texto resulta de um trabalho de investigas;ao sabre o problema dos imigrantes origin:irios de paiscs do Leste Europeu que se encontram em situas;ao de exclusao social cxtrcma, ou seja, na situas;ao de sem abrigo. 0 principal objectivo c avcriguar accrca dos principais factores de exclusao social que se encontram na base do surgimento do fen6meno numa tentativa de avans;ar com alguns indicadores que permitam a sua caracterizas;ao, ainda que preliminar. Pretcnde-se clarificar os contornos do problema e deixar algumas pistas que possam levar a respostas, sem limitar as possibilidadcs das mesmas.

0 Seculo XXI e os Novos Fluxos Migratorios de Leste Os fen6menos migrat6rios em Portugal tem apresentado alteras;6es significativas ao longo das ultimas decadas. Tradicionalmente referenciada coma exportadora de mao-de-obra, a realidade portuguesa tern vindo a caracterizar-se tambem pela presens;a de Buxos imigrat6rios. A partir de 1974 comes;ou a verificar-se em Portugal o crescimento da imigras;ao econ6mica, o que alterou o fen6meno do panto de vista qualitativo. Comes;aram a chegar a Portugal imigrantes, corn origem lNTERVEi'.':c;.A.o SociAL,

30,

2004


Da Desorganiza~ao Social

a [Nao]

lntcgra~ao

I

Ill

nos PALOP (Paises Africanos de Lingua Oficial Portuguesa), a partir da segunda metade da decada de 70. Mais tarde, na decada de 90, iniciou-se urn fluxo corn origem no Brasil. Nas ultimas duas decadas do seculo XX a popula<;:ao estrangeira em Portugal corn Autoriza<;:ao de Residcncia mais do que triplicou, passando de pouco mais de 58 000 individuos em 1980 para 190 896 em 1999 (Fonte: INE). No entanto, foi no a no de 200 I, eo m a entrada em vigor do regime das Autoriza<;:6es de Permancncia, pcrmitindo a regulariza<;:ao da situa<;:ao de milhares de imigrantcs, que foi possivcl dar visibilidade ao rapido crescimento da imigra~~ao nos t'tltimos anos da decada de 90 com a atribui<;:ao do titulo a 126 901 individuos durante o dccorrcr do ano (Fonte: SEF, Estatistica dos Estrangeiros). Foi tambem este processo de regulariza<;:ao que veio salientar a divcrsifica<;:ao das origens dos fluxos actualmente presentes em Portugal. Para alem da continuidade dos fluxos de origem africana, a dimensao e as caracteristicas do fluxo brasileiro alteraram-se, verificou-se o aumento significativo da imigra<;:ao asiatica e a emergencia de um fluxo dos paises da Europa de Leste corn grande relevancia. Das 126 901 Autoriza<;:6es de Permanencia concedidas em 2001, 68 366 foram a individuos originarios da Ucrania, Moldavia, Romenia, Russia e Bulgaria, os cinco paises mais representados da regiao (Quadro 1). Este grupo de imigrantes come<;:ou a chegar ao pais a partir de finais da decada de 90, e veio alterar o panorama das migra<;:6es em Portugal, quer pelas suas caractedsticas culturais ou sociais, quer pela forma coma se esra a proceder a sua integra<;:ao. Quadro 1 - Distribui<;:ao de Autoriza<;:ao de Permanencia por Nacionalidade em 2001 Nacionalidade

N. 0 Autorizac;ao de PermanCncia

Ucrania

45233

Moldavia

8984

Romenia

7461

Russia

5022 1666

Bulgaria

68366

Total ,,

Fonte: SEI', EstadstJca dos Estrangc!fos

INTERVENc;Ao

SociAL,

30, 2004


112

I

lnes Soares

Tendo em coma que actualmente os titulares de Autorizac;:ao de Permanencia correspondem a 40% da populac;:ao imigrante em Portugal e que todos sao activos (requisito para obter o titulo), e ainda que metade dos titulares de Autorizac;:ao de Residencia, que correspondem a 51 o/o da mesma populac;:ao, sao activos, estima-se que cerea de 66% da populac;:ao estrangeira em Portugal exerce uma actividade profissional, percentagem elevada de activos para que contribuiu o novo regime das Autorizac;:6es de Permanencia (Fonte: SEF, Estatistica dos Estrangeiros). Assim, esra-se "( ... ) perante uma populac;:ao imigrada basicamente masculina e jovem que crescera substancialmente nos proximos anos apenas por via de processos de reunificac;:ao familiar, formais ou informais." (Pires, 2003: 182) Ate ao fim do ano de 2003 foram recebidos no SEF cerea de 14.000 pedidos de reunificac;:ao familiar para titulares de Autorizac;:ao de Permanencia, Visto de Trabalho, de Estudo ou de Estada Temporaria, tendo sido deferidos 6 000. 1 No entanto, e como alerta Pircs, "( ... ) dado o curto tempo de vigencia do novo regime legal, e ainda impossivel avaliar se estamos perante situac;:6es equiparaveis em term os de fixac;:ao no territorio." (Pires, 2003: 175). Ate porque a diversificac;:ao das origens dos imigrantes que chegam ao pais e a alterac;:ao das caracter!sticas de alguns fluxos fazem prever comportamentos difcrenciados. Assim, Portugal entra no novo milenio em processo de mudanc;:a nas dinamicas imigratorias, constituindo-se como urn pais de "( ... ) imigrac;:ao consolidada, imigrac;:ao essa que, de resto, nao e homogenea, ames compreendendo uma diversidade de fluxos e de protagonistas ( ... )" (Machado, 2002: 1). Do ponto de vista imerno, contribuem para este facto o esgotamento das reservas de mao-de-obra devido, em grande medida, ao reactivar dos Buxos emigratorios durante a decada de 90. Ha ainda a acrescentar ageneralizac;:ao de modelos de gestao empresarial baseados na subcontratac;:ao, que criam postos de trabalho de caracter predrio "( ... ) pouco atractivos localmente, e onde tende a ser portanto maior a procura de trabalho imigrante." (Pires, 2003: 184) 1 No momento de apresenta<;:ao destc tcxto os dados de 2004 ainda nao estavam disponiveis.

INTEHVENyAo

SociAL, 30, 2004


Da Dcsorganiza~ao Social

a [Nao] lmcgra<;ao I

113

Do ponto de vista externa pode indicar-se a forte pressao emigratoria derivada das mas condic;:oes de vida proporcionadas nos paises de origem, o que faz de Portugal um pais atractivo, especialmente depois da integrac;:ao europeia. No que diz respeito aos fluxos dos paises do Leste da Europa em particular, essa pressao emigratoria resulta de dois aspectos principais. Por um !ado, a desorganizac;:ao social e economica resultante dos processos de transic;:ao politica e economica a que estes paises esrao sujeitos desde o fim da Guerra Fria. Por outro !ado, a concretizac;:ao do potencial migratorio reprimido pelo regime politico anterior que essa transic;:ao politica e economica veio possibilitar, "( ... ) o 11m da Guerra Fria representou um marco na historia das migrac;:oes globais, pondo fim a um regime politico que manteve artificialmente baixos, por mais de 40 anos, os nfveis de emigrac;:ao mundial." (Massey, citado em Pires, 2003: 183). E ainda importante referir que, contrariamente ao que acontecia com a emigrac;:ao, as migrac;:oes internas em todo o espac;:o da antiga Uniao das Republicas Socialistas Sovieticas e nos paises sob a sua influencia foram incentivadas no sentido de responder as exigencias de mao-de-obra do sistema economico, nomeadamente do sector industrial. Desta forma, a migrac;:ao nao aparece como uma resposta nova na procura de trabalho e melhoria das condic;:oes de vida, a novidade e 0 alargamento das possibilidades de destino. Apesar de se verificar uma reduc;:ao significativa da atribuic;:ao da Autorizac;:ao de Permanencia ao longo dos ultimos tres an os (Quadro 2), esta estara mais relacionada com o facto de as atribuic;:oes do titulo se referirem ainda a actualizac;:ao da situac;:ao de individuos que entraram em Portugal ate 30 de Novembro de 2001 do que corn o fluxo real de pessoas de paises da Europa de Leste para Portugal. Estes numeros nao nos permitem avaliar a dimensao real do fluxo nos anos seguintes. A atribuic;:ao de Vistos de Trabalho poderia ser um bom indicador. No entanto o reduzido numero de atribuic;:oes, que se limita a 12 318 ate 31 de Dezembro de 2003, parece indicar um hiato entre o numero real de entradas e as entradas regulares registadas pelo SEF.

h..:TERVEN<;Ao

SociAL,

30, 2004


114

I

lnes Soares ~--~~-----

Quadro 2 - Evohu;ao da atribuic;:ao de Autorizac;:ao de Permanencia 2001

2002

45 233

16916

2546

Moldavia

8984

3066

582

Romenia

7461

2992

473

R{tssia

5022

1807

218

Bulgaria

1666

1 021

158

Ucrania

2003

Fonte: SEI\ Esrarfsrica dos Estrangeiros

Assim, ao analisar os nt'uneros referentes aos estrangeiros em Portugal, deve-se ter em coma o nt'uncro de imigrantes em situac;:ao irregular, pois ha que considerar aqueles que chegaram a Portugal no periodo posterior a 11 de Novembro de 2001, periodo limite para que pudessem beneficiar desse mesmo regime, e ainda os que nao foram abrangidos pelo novo regime, por nao cumprirem os requisitos. Considerando as pol!ticas de imigrac;:ao cada vez mais restritivas que tern vindo a ser implementadas em Portugal, nomeadamente atraves do Decreto-lei n. 0 34/2003 e do Decreto Regulamentar n. 0 6/2004 correspondente, e associando-as ao crescimento da procura de mao-de-obra estrangeira por parte das etnpresas nacionais, procura que reflecte, no caso da construc;:ao civil, uma "dependencia estrutural de mao-de-obra estrangeira", nas palavras de Machado (citado em Costae Baptista, 2002: 22), verifica-se que estao criadas as condic;:6es para o aumento do fluxo, ou pelo menos para a sua consolidac;:ao, mesmo que o seu recrutamento ocorra na ilegalidade. "Ou seja, existindo recrutamento no destino e disponibilidades na origem, a mediac;:ao tendera a ser tao mais ilegal quanto menor for a institucionalizac;:ao inter estatal da canalizac;:ao do fluxo e maior o grau das restric;:6es a entrada." (Pires, 2003: 181). Alias, pelas caractedsticas do fluxo, nomeadamente no que se refere a distribuic;:ao geografica pelas diferentes regi6es do pais de forma mais equilibrada (Costae Baptista, 2002), contrariando a concentrac;:ao na area metropolitana de Lisboa e Vale do Tejo caracteristica dos imigrantes africanos e brasileiros, verifica-se que este se tern constitu1do corn base num

INTERVENc;:Ao

SociAL,

30, 2004


Da Dcsorganiza~ao Social

a [Nao]

lntegra<;:ao

I

ll5

recrutamento organizado que gere a procura de mao-de-obra imigrante no destino e a procura de oportunidades de emigra<;:ao na origem. 2 Apesar de ser no sector da constru<;:ao civil que estao empregados em maior numero os imigrantes de Leste, a sua presen<;:a e ja significativa no sector agdcola e no sector da industria transformadora. A sua inser<;:ao e todavia, predria. No geral, a popula<;:ao imigrante apresenta taxas de actividade elevadas, mas uma grande parte dos imigrantes situa-se no mercado de trabalho secundario, "( ... ) corn n{veis salariais mais baixos, onde sao praticamente inexistentes praticas contratuais regulamentadas e onde vigora a "desprotec<;:ao" social em caso de desemprego ou doen<;:a." (Costae Baptista, 2002: 19). Mesmo em rela<;:ao aos imigrantes corn v{nculos formalizados, a grande maioria estabelece v{nculos predrios corn os se us contratantes (contratos a term a). Uma das quest6es que pode ser levantada em rela<;:ao a inser<;:ao profissional destes imigrantes esta relacionada corn a forma coma esta tended a evoluir a medida que se for consolidando a sua integra<;:ao no pais, ja que "( ... ) os poucos dados dispon{veis parecem indiciar uma maior qualifica<;:ao profissional dos imigrantes do Leste ( ... ) nao so em rela<;:ao aos imigrantes do ciclo anterior mas tambem em rela<;:ao a popula<;:ao portugucsa em geral ( ... )" (Pires, 2003: 185). Ou seja, verifica-se urn desajustamcnto entre o capital escolar destes imigrantes e a sua inscr<;:ao profissional na sociedade portuguesa. A este facto, pode associar-sc a "( ... ) rcndcncia relativa para uma maior estabilidade c qualidadc do e1nprcgo il mcdida que o tempo de permanencia vai aumcnrando ( ... )" (( :osta c Baptista, 2002: 20) e esperar que esse dcsajusramcnto vcnlu a diminuir.

1. Os !migrantes de Lcstc c a Exclusao Social - Prohlematiza~ao Tratando-se de um lc~IJ(li11CIJO rccentc, sera ainda diflcil caracterizar corn precisao o Buxo imigrat<)rio de Leste, bem coma os processos de Contraria-se, assim, a idcia de que cstc fluxo migratorio e organizado "( ... ) por rcdes de auxilio a imigra<;ao ilegal, com objccrivos bem definidos e a operar em larga escala: trafico de mao-de-obra clandestina." (Palos, 2004: 12), veiculada por entidades publicas, nomeadamentc o SEF. Como alerta Pires, "indcpcndcntcmente do papel que essas organiza<;6es possam ter tido na canaliza<;ao de parte da imigras:ao do Leste, o d.pido crescimento paralelo da imigra<;ao do Brasil mostra quao red ut or seria uma tal explicas:ao dos processos em analise." (Pi res, 2003: 177). 2

INTERVE!'-:c;Ao SociAL, 30, 2004


116

I

lnes Soares

integrac;:ao na sociedade Portuguesa a ele associados, ainda em processo de construc;:ao. No entanto, ha alguns indicadores que alet¡tam para a vulnerabilidade de alguns individuos deste grupo e para a precariedade das condic;:oes de vida em que se encontram, sendo ja perceptiveis situac;:oes de exclusao social 3 • T ambem no que se refere aos fen6menos de exclusao social, este grupo apresenta caracteristicas diferenciadas dos tradicionais fluxos migrat6rios. Uma das principais caracteristicas prende-se corn as estrategias habitacionais. Bruto da Costa e Isabel Baptista (2002) identificam dois grupos quanto as opc;:oes de habitac;:ao no ambito do fluxo de Leste. Por urn !ado, aqueles individuos que optam pela permanencia em Portugal, trazendo as suas familias e que, por isso, optam por uma situac;:ao habitacional mais estavel. Por outro lado, aqueles individuos para quem a emigrac;:ao e urn projecto de curta durac;:ao, numa estrategia clara de poupanc;:a maxima, corn o objectivo de regressar ao scu pais de origem e as suas familias rapidamente e que, por isso, f1Zcm as suas opc;:oes habitacionais pelo criteria do menor custo possivel, utilizando alojamentos disponibilizados pelo empregador ou partilhando casas c quartos com outros imigrantes em condic;:oes de grande prccaricdadc. Outro aspecto ainda a rcferir e que, quer a dispersao geografica, quer a estrategia migrat6ria de cuna durac;:ao corn objectivos de poupanc;:a maxima, sao incompativeis corn o desenvolvimento e a consolidac;:ao de redes de solidariedade formais ou informais que permitam o suporte das situac;:oes de maior vulnerabilidade neste ultimo grupo de individuos. Assim, e corn frequencia que estes individuos se deparam corn situac;:oes de ausencia de apoio e isolamento. Associado ao novo fluxo de imigrantes corn origem nos paises do Leste Europeu, surge o fen6meno da exclusao social que vai ganhando dimensao enquanro um processo que conduz a uma rela~ao deficiraria do individuo ou grupo com a sociedade de que faz parte, que se traduz numa sequencia de rupturas dos la~os sociais (desajil!iation) e na impossibilidadc de <lCeder ao estatuto de cidadania plena. Bruto da Costa (2002) identifica cinco tipos de exclusao social: economico, social, cultural, de origem patologica e por comportamentos auto-destrutivos. Estes tipos correspondem a causas imediatas de diferente ordem que nao sao exclusivas entre si, sobrepondo-sc frcquentemente num [mico individuo, agregado familiar ou grupo. A exclusao social tem consequencias ao nivel dos padr6es de vida dos que por ela sao afectados que se reflectem em "modos de vida da pobreza". (Capucha, 1990) 3 Enrendida

INTERVE:-..:y.~o SociAL, _1o, 2004


Da Dcsorgani;_ar;ao Social,\ rNao] lnregrar;ao

117

naquela que e uma das suas formas mais extremas e tambem mais visiveis, o fenomeno dos sem abrigo 4 , que se traduz no crescimento exponencial destes imigrantes a recorrer aos equipamentos de apoio a esta populac;:ao (Costae Baptista, 2002; Feantsa: Statistical Update) 5• Apesar das dificuldades de integrac;:ao sentidas por quase todos os migrantes quando chegam ao pais que escolheram como destino, por todas as alterac;:6es a habitos e comportamentos que sao exigidas por uma organizac;:ao social distinta, os fenomenos de exclusao social extrema nao sao comuns, nomeadamente quando se tratam de migrac;:6es de caracter laboral, em que os individuos migram na expectativa da melhoria das suas condic;:6es de vida bem como as da sua Cunilia que muitas vezes permanece no pais de origem - atraves da inserc;:ao no mercado de trabalho. Para alem disso, "( ... ) nos paises de origem migram sobretudo aqueles que, possuindo ja alguns recursos, sao mais afectados entre as expectativas de mobilidade e as possibilidades de realizac;:ao dessas expectativas." (Portes, referido em Pires, 2003: 72). Assim, a decisao de emigrar surge de uma mediac;:ao entre os recursos a partida, os custos e os riscos que comporta urn projecto migratorio e as vantagens que desse projecto poderao advir, nao so para o individuo mas tambem para a sua familia. No entanto, como refere Pires, "( ... ) na maioria dos casos, os migrantes, mesmo se migram em func;:ao de urn dlculo racional de custo-beneficios, fazem esse dlculo num espac;:o de comparabilidade muito limitado ( ... )" (2003: 71) Por outro lado, existem facto res sob re os quais o individuo nao tem controle, nomeadamente no que se refere as condic;:6es estruturais do pais de acolhimento (politicas e de recepc;:ao social), que sao determinantes para os modos de inclusao dos imigrantes nas sociedades de chegada (Pires, 2003), pelo que o risco da decisao de partir e elevado. 4 0 ten11o remete para a ausencia de condi<;6cs de alojamento dignas, no entanto, a ausencia de um tecto e apenas uma das multiplas e intensas priva<;6es presentes na sirua<;ao de scm abrigo. 5 No cstudo de Percira, Barreto e Fernandes (200 I) e idcnrificada a emergencia de imigrantes de paises do Lcste Europeu sem abrigo, em mimcro ainda residual, mas com tendencia para aumentar. Tambem os dados referentes aos mentes dos Centros Porta Amiga da AMI durante o ano de 2001 revelam um crescimento destes casos, nomeadamente na cidadc do Porto. Nesse ano dirigiram-se aos Centros Porta Amiga de Lisboa cerea de 432 individuos imigrantes de Leste e do Porto 609.

lNTERVENyAo

SociAL,

30, 2004


118

I

lncs Soares

Os individuos raramente tomam decis6es, sobre a hip6tese de partir ou para onde ir, num vazio. Estas decis6es sao contextualizadas no dominio das sociabilidades. "Households and social networks mediate the relationship betwen the individual and the world system and provide a more proactive understanding of the migrant (.. .)" (Brettell, 2000: 107). As consequencias da decisao de partir, que vao para alem das transferencias de remessas, sao frequentemente sentidas em agregados familiares. "0 calculo dos custos e beneficios implicados numa decisao de eventual migra<;:ao tern tambem que levar em conta considera<;:6es de status e de afirma<;:ao do selfe presentes nas rela<;:6es dos individuos corn as colectividades de origem, e em particular corn a familia, ou seja, tern tambem que se basear em considera<;:6es de sociabilidade." (Portes referido em Pires, 2003: 73) Ou seja, a decisao de migrar eo contetido da escolha migratoria e o resultado de urn processo de deliberafiio colectiva e nao de uma decisiio individual (idem). A grande questao que se coloca c relativa aos factores de exclusao social que se encontram na base do surgimcnto do fenomeno dos sem abrigo imigrantes de Leste. Pode come<;:ar-sc por questionar os motivos que levaram os individuos a sair do pais c as condic;:ocs em que o fizeram, ou seja, a base sobre a qual foi construido o scu projecto migratorio e a forma como se vai repercutir na sua integra<;:ao no pafs de acolhimento. Como apontam Brettel e Hollifield "( ... )outcomes for people who move are shaped by their social, cultural, and gendcred locations and migrants themselves are agents in their behavior, interpreting and constructing within the constraints of structure." (2000: 4). Ou seja, para alem de atentar as condi<;:6es de partida e aos factores estruturais deve-se ainda ter em conta o comportamento dos individuos, actores chave de todo o processo. Assim, sera ainda importante atentar a forma coma o projecto migratorio, depois de construido, e empreendido e processado pelos pr6prios individuos desde o contexto de origem ate ao contexto de chegada. Tendo em conta a "necessidade estrutural" de mao-de-obra nalguns sectores da economia em Portugal, nao parece ser o desemprego a atingir estes imigrantes a causa para tal fenomeno. Para alem disso, o recurso ao recrutamento ilegal como forma de resposta as politicas de imigrac;:ao de caracter restritivo e um indicador de que, ainda que um individuo nao esteja regularizado, podera encontrar soluc;:6es de trabalho, mesmo que 11'\TERVENc,:Ao

SociAL,

30, 2004


Da Desorganiza.;ao Social

a [Nao] !ntcgra<;ao

119

desprotegidas e pouco satisfatorias, que poderiam, no entanto, constituirse como uma estrategia para nao enveredar pelos percursos da exclusao. Assim, o facto de alguns individuos se encontrarem situados num mercado de trabalho claramente secundario onde imperam a precariedade e a desprotecs;ao, nao parece justificar, so por si, 0 surgimento deste fenomeno. Outro aspecto remete para os niveis de escolaridade elevados que sao indicados para os imigrantes de Leste e que fariam esperar uma mobilizas;ao dos recursos de acordo corn processos de integras;ao bem sucedidos. Assim, os factores de cxclusao que se procuram poderao surgir da combinas;ao das condis;ocs de panida dos individuos e das condis;oes que vao encontrar no contexro de chegada. ( )u scja, alguns dos f:1ctores de exclusao estarao presentes j;i no momento do empreendimemo do projecto migratorio. Desta forma, sera a deslocas;ao, e a conscquenre pcrcla de redes sociais de sup01路te que, no contexto de acolhimento, v;io potenciar os factores de exclusao ja presentes e levar a situa<;:ao de sem abrigo. Eventualmente, alguns factores estruturais da sociedade de acolhimento vao-se juntar neste processo e agravar certo tipo de situas;oes de vulnerabilidade. Ou seja, a exclusao social nos imigrantes de Leste que se encontram na situa<;:ao de sem abrigo podera ser reveladora de enquadramentos socio-economicos precarios no pais de origem. Estes enquadramentos, que se prendem com problemas de ordem diversa, tais como o desemprego de longa dura<;:ao de membros do agregado familiar, problemas com o consumo de bebidas alcoolicas ou outras substincias, rupturas e desvinculas;ao familiar, nao levaram a exclusao social extrema no pais de origem, devido a presens;a de redes de solidariedade informais e a estrategias desenvolvidas pelos agregados familiares alargados para lidar com estas situa<;:oes em sociedades profundamente desorganizadas politica, social e economicamente.

2. Pistas para a Analise da Exclusao Social nos !migrantes Rui Pena Pires define o termo migrar;iio enquanto "( ... ) desloca<;:ao inter-sistemas de ordem que inclui processos de desintegra<;:ao (na sociedade de partida) e de (re)integra<;:ao (na sociedade de chegada) dos migrantes", sendo que, neste contexto, sociedade entende-se como "( ... ) um sistema INTERVENC,:Ao SociAL, 30, 2004


120

I

lnes Soarcs ----路

~路---路-~

territorialmente delimitado por urn conjunto espedfico e particular de macrorregras de perten<;:a." (2003: 59), ou seja, nao remete necessariamente para as migra<;:6es internacionais, inclui tambem as migra<;:6es internas. No ambito das migra<;:6es internacionais e dos fen6menos de exclusao social a elas associados a questao territorial parece ser relevante por dois motivos. Por urn lado, as migra<;:6es podem ser entendidas como uma reac<;:ao das popula<;:6es de pa1ses exclu1dos, no sistema mundial, procurando noutro pais as condi<;:6es que nao conseguem obter naquele de onde sao originarios. Desta forma, o migrante pode, logo a partida, ser considerado exclu1do. Por outro lado, chegados aos locais de destino, os imigrantes podem tambem deparar-se corn formas de exclusao social diferentes das que sentiam nos pa1ses de origem. Nao se pode deixar de considerar uma serie de especificidades introduzidas pela condi<;:ao particular dos actores sociais envolvidos, desde logo, o facto de se encontrarem em situa<;:ao de estrangeiro, que lhe acrescenta complexidade na medida em que se trata de"( ... ) uma situa<;:ao a que tende a corresponder um estatuto de redu<;:ao de direitos." (Pires, 2003: 63). Essa exclusao traduz-se, desde logo atraves dos limites impostos no ~unbito da participa<;:ao polltica, excluindo-os do acesso ao estatuto de cidadania plena 6 na sociedade que os acolhe. ~ 0 afastamento do espa<;:o social onde o indiv1duo tinha toda a sua vida organizada, implica a "desparametriza<;:ao do quotidiano do migrante" (Pires, 2003: 74). 0 indivfduo ve-se, entao, afastado de um conjunto de sistemas sociais onde se desenvolviam as suas rela<;:6es sociais e onde estabelecia os la<;:os corn a comunidade em que estava inserido. "0 estatuto de cidadania plena e enrcndido enquanto acesso aos pad roes de vida tidos por aceitaveis, "( ... ) normativamente inscriros nas estruturas sociais c explicitamente consagrados em documentos que exprcssam os grandes consensos que fundam os compromissos entre os membros de uma sociedade." (Capuclu, 1998:210). Segundo Bruto da Costa (2002) este cstatuto devc ser entendido coma possibilidade de rela-;:ao corn urn conjunto de sistemas socias basicos que agrupa em cinco dominios: social, cconomico, institucional, territorial e das referencias simbolicas. Assim, a exclusao social, enquanto nao acesso a esse estatuto, caracteriza-se pela ruptura corn um ou mais destes sistemas sociais. - Mesmo quando se trata de estrangeiros de paises corn acordo bilateral de equipara-;:ao de dircitos corn o pais de acolhimento, a participa-;:ao polftica fica limitada pelo desconhecimento da realidade politica do pais ou da lingua. Estas sao, no entanto, dificuldades ultrapassaveis com o tempo de permanencia no pais de acolhimento. It\TERvu..:c;Ao SociAL, _30, 2004


Da Desorganiza~:io Social 3 [l\Lio]lntcgra~,ao

I

121

0 espa<;:o de tempo que decorre entre a saida do pais de origem e a chegada e integra<;:ao no pais de acolhimento, constitui-se coma um tempo de dupla refirencia em que os la<;:os que o migrante estabelece cam o pais de origem sao atenuados e os la<;:os cam a sociedade do pais de acolhimento ainda estao par estabelecer ou sao pouco consistentes, gerando uma situa<;:ao de grande vulnerabilidade. Ao nivel dos sistemas sociais imediatos, coma a familia, se a migra<;:ao nao implica uma ruptura, implica, desde logo, uma altera<;:ao do padrao relacional estabelecido, na medida em que a distancia assim o obriga. 0 mesmo acontece cam os sistcmas sociais intcrmedios e mais alargados, onde a participa<;:ao do individuo fica limitada, ainda que se mantenham la<;:os fortes e contactos regularcs, nomeadamente atraves de contactos telefonicos ou visitas regulares ao pais de origem. T ambem no domini a economico se identificam aspectos que parecem ter relevancia, quer no que se refere aos activos, incluidos no sistema gerador de recursos, quer no que se refere ao sistema de poupan<;:as. Muitas vezes, na ansia de empreender o projecto migratorio, os individuos optam por se desfazer dos bens que possuem de forma a criar capital para o investimento que tem de ser feito. Assim, quer os activos, quer as poupan<;:as disponiveis, sao esgotados para assegurar a viagem e a documenta<;:ao necessaria para entrar no pais de destino. No entanto, ainda que mantenham activos, coma a sua casa ou uma propriedade agricola, ela esta deslocada em rela<;:ao as necessidades dos individuos pelo que de pouco lhe poderao servir em caso de necessidade. 0 dominio institucional e gravemente prejudicado pela questao da llngua. Em primeiro lugar, parte dos imigrantes, nomeadamente no que se refere aos fluxos de Leste da Europa, nao conhece a lingua quando chega a Portugal. Por outro lado, as proprias institui<;:6es nao se encontram preparadas para lidar cam a diversidade de linguas faladas pelas pessoas que a elas recorrem. Desta forma, o relacionamento destes individuos cam as institui<;:6es fica limitado. No entanto, verifica-se ja uma abertura da sociedade portuguesa a este nivel sendo que um grande numero de servi<;:os tem disponivel informa<;:ao em diferentes llnguas. E ainda de referir um conjunto de servi<;:os criados especificamente para esta popula<;:ao. Ao falar de exclusao social, faz sentido, ainda que por oposi<;:ao, analisar o conceito de integrar;iio social. Este refere-se ao processo de passaINTERVEN<;Ao

SociAL, JO, 2oo-t


122

I

lncs Soares

gem de indivfduos, famllias ou grupos de situac;:oes de exclusao social para uma situac;:ao em que possam aceder ao estatuto de cidadania plena. Urn aspecto muito importante referido por Capucha remete para o facto de que ''A imegrac;:ao social nao implica a anulac;:ao das diferenc;:as, das clivagens e dos conflitos sociais, mas tern por base a ideia de que tais diferenc;:as, clivagens e conflitos nao coloquem certos grupos ou categorias sociais fora das estruturas correntes da sociedade, isto e, de que as diferenc;:as nao se tornem moralmente imoleraveis e contradit6rias em relac;:ao as normas." (1998: 214). No ambito da sociologia das migrac;:oes, o recurso ao conceito de integrar;iio tern por base uma conceptualizac;:ao diferente, nomeadamente a desenvolvida por Rui Pena Pires, que entende integrac;:ao enquanto o processo de desconstruc;:ao das inserc;:oes na sociedade de origem, por urn lado, e a reconstruc;:ao de inserc;:oes na sociedade de destino, por outro. Assim, o problema da integrac;:ao surge ao longo de todo o processo migrat6rio. "Na origem, porque sao processos de desintegrac;:ao, tanto no plano social como no sistemico, que favorecem a constituic;:ao do fluxo; no destino, pot路que a estabilizac;:ao da presenc;:a dos imigrantes passa pela soluc;:ao de problemas de integrac;:ao, no que se refere quer a reconstruc;:ao, pelos imigrantes, dos modos da sua inclusao na ordem interactiva local, quer a compatibilizac;:ao, eventualmente problematica, desses modos de inclusao corn as caractedsticas das sociedades de destino enquanto estados-nac;:ao." (2003: 4) Fernando Lufs Machado apresenta o problema da integrar;iio das minorias imigrantes na sociedade de acolhimento em func;:ao dos nfveis de contraste e de continuidade verificados em relac;:ao a populac;:ao maioritaria em varias dimens6es sociais e culturais, que se traduz em processos mais ou menos acentuados de etnicidade (2002). Estes processos deverao ser analisados atentando a factores de diferenciac;:ao estrutural e nao apenas as diferenc;:as etnicas e raciais, mais visfveis, mas sem a capacidade de reflectir a complexidade e multidimensionalidade destes processos. Desta forma, ''As minorias de contraste social acentuado, cujos membros tenham, nomeadamente, urn perfil socioecon6mico marcadamente desfavorecido, encontram-se numa situac;:ao de exclusao social, ou seja, de nao integrac;:ao." (Machado, 2002: 5) Ja os contrastes de caracter cultural, se combinados

ll'\TERVEN(.Ao

SociAL, )O, 2004


Da Dcsorganiza<;ao Social;\ [Nao] lntegra<;ao

I

123

corn continuidades socioecon6micas, nao parecem constituir-se como factores de exclusao. Qualquer destas perspectivas refere-se a rela<;ao mantida entre os individuos ou grupos e determinado sistema ou espa<;o social que se pode, ou nao, traduzir na sua integra<;ao nesse sistema, quer atraves do acesso ao estatuto de cidadania plena, quer atraves das continuidades e contrastes desses individuos em rela<;ao a popula<;ao maiorid.ria ou mesmo atraves da reconstru<;ao da sua inclusao na ordem interactiva local. Do panto de vista do presente texto, o problema coloca-se na perspectiva da ausencia de integra<;ao na sociedade de acolhimento, enquanto exclusao do acesso ao estatuto de cicbchnia plena, atraves das rela<;6es mantidas entre este grupo particular, o dos imigrantes de Leste em situa<;ao de sem abrigo, e os diferentes sistemas sociais. No entanto, tern-se em coma que o processo de exclusao social pode ja ter sido iniciado no contexto da sociedade de origem, no sentido de ter havido ruptura das rela<;6es sociais no ambito dessa sociedade. Essa ruptura pode constituir-se como causa da desloca<;ao territorial. As rupturas das rela<;6es sociais no ambito da sociedade de origem podem ainda ser um efeito da desloca<;ao territorial. Em ambos os casos, tern como consequencia o surgimento de descontinuidades na sociedade de acolhimento.

3. Os !migrantes de Leste Sem Abrigo na Cidade de Lisboa No sentido de enquadrar o fen6meno particular dos sem-abrigo imigrantes de paises do Leste Europeu8 no fen6meno da pobreza e da exclusao social extrema no contexto da cidade de Lisboa foi, num primeiro momento da investiga<;ao, feita a analise do registo dos utentes da estru-

8

A referida abrangencia do terrno sem abrigo rem implicac;:6es na sua definic;:ao em termos praticos. Por vezes, sao considerados sern abrigo apenas aqueles que dormem na rua ou em centros de acolhimento, no entanto este criteria pode ser insuficiente na medida em que ha pessoas que, apesar de nao dormirern na rua ou em centros, tarnbern nao tern garantidas as condic;:6es minimas de alojamcnro, norneadamente no que se refere a populac;:ao imigrante corn facrores de vulnerabilidade acrcscidos. Apesar de se saber que a exclusao social nao se esgota nas situac;:6es dos individuos que dorrnern na rua ou cm centros de acolhimento, sao estas as situac;:oes conternpladas no ambiro do presente estudo. No arnbito desta investigac;:ao foram lNTERVENc;Ao

SociAL, 30,

2004


124

I lnes Soarcs

tura de emergencia de apoio aos sem-abrigo da CML (C1mara Municipal de Lisboa), que funcionou entre Janeiro e Junho de 2003 no ambito do Piano LX (Piano Municipal de Prevenc;:ao e Inclusao de Toxicodependentes e Sem Abrigo), estando conscientes que o dinamismo economico caracteristico de uma capital e a concentrac;:ao de urn conjunto de servic;:os e infra-estruturas, nomeadamente a presenc;:a de instituic;:6es de apoio a sem-abrigo e/ou imigrantes, podem ser factores que influenciam a concentrac;:ao destes indivfduos na cidade, espac;:o onde desenvolvem as suas estrategias de sobrevivencia 9 • Apesar das limitac;:6es dos dados recolhidos, estes revelaram-se Llteis para os objectivos propostos. Foram apenas considerados genero, idade, nacionalidade e data de ingrcsso e de safda da estrutura, havendo ainda urn campo para observac;:6cs de onde foi possfvel retirar algumas pistas de investigac;:ao. No entanto, a informac;:ao nao foi recolhida de forma sistematica pela organizac;:ao dcsta estrutura, sendo que ha muitas variaveis sem qualquer tipo de indicac;:ao, desaproveitando-se urn contexto privilegiado de recolha de informac;:ao, por urn !ado, e limitando as possibilidades da sua analise, por outro. Adoptou-se, nesta fase, uma perspectiva extensiva corn dois objectivos principais. Por urn !ado, o enquadramento do fenomeno dos imigrantes

contemplados enquanto imigrantes origin~irios da Europa de Lestc, individuos do Cazaquistao e do Uzbequistao. Tratando-se de paises fortemente influenciados pc la ex- URSS e ainda pc la Rr'rssia, compreendc-se que o fluxo destes paises, apesar de serem considcrados paises asi<iticos, tem, em muitos aspectos, caractcristicas scmclhantes e e causado pclo mesmo tipo de factores (transi<;:ao politica e economica) que se observam paises da Europa de Lestc. "Uma das caracteristicas mais marcantes do fenomeno dos sem abrigo em Portugal consiste na sua concentra<;:ao na cidadc de Lisboa. No entanto, nos r'rltimos anos a sua prcsen<;:a tern-se dispersado por outros centros ru¡banos, nomeadamente Porto c Coimbra. (Feantsa, Statistical Update; Pcrcira, Barrcto e Fernandcs, 2001) Contudo, cncccss~irio ter em conta que os imigrantcs de Leste sao os que mais recorrem aos apoios institucionais disponfveis, o que podc levar a sua sobre-reprcscnta<;:ao. Pela experiencia de contacto na situa<;:ao de rua com estes individuos verifica-se, de uma forma geral, uma abertura a intervcns:ao das equipas, nem sempre verificada quando se intervem junto de outros grupos. INTERVE0;c,:.:\.o SociAL, JO, 200.1-


Da Desorganiza~¡ao Social

a [Nao]

lmcgra~ao

I

125

de Leste em situac;:ao de exclusao social extrema no comexto geral do fenomeno imigratorio da sociedade portuguesa. Por outro lado, compreender a dimensao que o fenomeno assume no contexto da populac;:ao sem abrigo da cidade de Lisboa, ja que no local de observac;:ao se juntaram cerea de 841 sem abrigo. Nao sendo possivel seleccionar uma amostra por metodos aleatorios, toma-se este nt'imero coma suficientemente representativo do umverso. Do total de 841 individuos acolhidos pela estrutura da C1mara Municipal de Lisboa, 407 sao de nacionalidade portuguesa e 248 tern outras nacionalidades, sendo que nao ha registo da nacionalidade de 186 individuos. A populac;:ao estrangeira corresponde a 37,9<Yo dos individuos em relac;:ao aos quais ha registo de nacionalidade, o que parece ser urn valor relativamente elevado e revelador do aumento da vulnerabilidade dos imigrantes a situac;:6es de exclusao social 10 • De acordo corn a diversificac;:ao do fenomeno imigratorio em Portugal, verificou-se a presenc;:a de individuos de origens muito diversificadas. Desde individuos originarios de outros paises da Uniao Europeia, ate individuos corn origem no continente asiatico. Ha registos de todos os continentes, exceptuando a Oceania. No entanto, sao os originarios da Europa de Leste (146) os que representam a maior proporc;:ao de populac;:ao estrangeira (58,9%) e incluem imigrantes originarias da Bulgaria, Cazaquistao, Lituania, Romenia, Rt'tssia, Moldavia e Ucrania. Dentro do grupo, e no que se refere aos individuos que recorreram a esta estrutura de apoio espedfica, sao os ucranianos que estao em maior proporc;:ao corn 37,7%, seguidos dos bulgaros (27,4%), dos russos (16,4%) e dos romenos eo m (11%). Os individuos de nacionalidade Moldava e Lituana representam 3,4% em ambos os casos e os do Cazaquistao 0,7%, cam apenas urn registo (Grafico 1).

"' Atendendo ao valor anteriormente apresentado de 14% (Bruto da Costa: 2002), relativo de elemcntos de minorias etnicas, essencialmente imigrantes dos PALOP, cm situa~ao de sem abrigo.

a percentagem

lNTERVE~yAo SociAL, 30, 2004


126

I

lnes Soarcs

Grafico 1 - !migrantes Legalizados e Utentes por grupo de origem

Ucrania

................

~!········63,3

~

J7.7

MoHivia Russia

!""""""""""''--'-''------, 16,4 11,4

Romenia • • • • • 11

~

Lituania

IIAP.+AR.

D ScmAbrigo

Cazaquistao Bulgaria

1"~~-''-'-_ _ _ _ __

0

10

20

27,4

30

40

50

60

70

Fonte: SEF, Estatfsrica dos Estrangeiros

Vale a pena comparar a representa<;ao destas nacionalidades na estrutura de apoio corn a sua representac;ao nos dados referentes aos estrangeiros legais, corn Autorizac;ao de Permanencia ou Autorizac;ao de Residencia em Portugal durante o ano de 2003 (Grafico 1).

E possfvel verificar que,

apesar de se manterem os mais representados, a proporc;ao de indivfduos ucranianos acolhidos nesta estrutura de apoio (37,7%) e inferior ao seu peso no total da populac;ao imigrante. Este facto pode revelar que, sendo, no ambito da imigrac;ao dos pafses de Leste, aqueles que se encontram em maior numero em Portugal, os originarios da Ucrania sao, tambem, aqueles que se encontram mais organizados do ponto de vista das solidariedades e das redes informais de suporte. Por outro !ado, pode ainda ser revelador de urn fluxo mobilizado por redes de recrutamento informais de caracter familiar, ou outro, facilitando, desta forma, a sua integrac;ao. Ja os indiv!duos originarios da Moldavia, que ocupam o segundo lugar entre as populac;6es imigrantes do Leste europeu mais numerosas em lNTERVENt,:Ao

SociAL, 30, 2004


Da Desorganiza~ao Social :1 [Nao] lmegra~ao

I

127

Portugal, representam apenas 3,4% dos imigrantes de Leste em situa<;:ao de exclusao social. Quer a Russia, quer a Bulgaria, siio origens menos representadas entre a populas:ao imigrante deste grupo, sendo que os russos representam 7,6% e os bulgaros 3,4% dos imigrantes do Lcsre europeu. No entanto, a propors:ao de individuos sem abrigo aprescnta valorcs que chamam a aten<;:ao para a sua vulnerabilidade, registando-sc 16,/t<);(J de nacionais da Russia e 27,4% de nacionais da Bulg:iria. Fstcs valorcs podcm rcvclar, para alem da ausencia das referidas rcdcs de suportc, :1 csc:1ssc;. de rccursos corn que estes individuos empreendcram o scu projccto migrat<'lrio. Tamlx'm no caso da Lituania se verifica uma rcprcscnta~:;\o superior entre os individuos sem abrigo relativamcntc a rcprcsenta<;iio rcvclada quando analisados os dados referentes aos indivfduos a residir lcgalmentc em Portugal. Quanta a situas:ao dos originarios da Romenia, podemos verificar que a sua representa<;:ao e equivalente em ambas as situa<;:6es (cerea de 11 o/o). 0 caso do Cazaquistao aparece como residual, em ambos os casos. Do total destes utentes apenas foram registadas onze mulheres. 0 numero nao e surpreendente, na medida em que as mulheres, quando emigram, estao tambem, e nonnalmente, mais protegidas do que os homens. Frequentemente emigram depois dos maridos, quando estes ja conseguiram condi<;:6es de estabilidade, ou vem para casas de amigos que as podem ajudar, ou seja, vem eo m alguns apoios e nao tanto "a aventura" como os homens. E tambem menos esperado, do ponto de vista social, que estas o fa<;:am. No que concerne as idades, existe informa<;:ao relativa a 121 utentes imigrantes do Leste Europeu. Estes individuos situam-se entre os 20 e os 56 anos de idade, encontrando-se todos em idade activa. Entre estes, verifica-se uma maior propor<;:ao de individuos ate aos 40 anos, que representam 57,2%. 0 tempo de permanencia na estrutura variou entre alguns dias e mais de 3 meses, perfazendo, todo o tempo em que este apoio esteve disponivel. Cerea de metade dos individuos permaneceram na estrutura por urn espa<;:o de tempo relativamente curto, ate urn mes, 0 que pode estar relacionado corn o facto de o apoio concedido nesta estrutura ser insuficiente e nao dar uma resposta efectiva as problematicas dos utentes, assumindo um caracter assistencialista que consistia essencialmente em alimenta<;:ao lNTERVEN<;Ao

SociAL,

30, 2004


128

I

lnes Soares

e em local de pernoita. No entanto, e tambem significativo o numero de indivfduos que foi prolongando a sua estadia ate 2 meses, 3 meses e mesmo por mais de 3 meses. Para alguns indivfduos consistiu num apoio importante pois era uma forma de assegurar uma refei<_;:ao, urn banho e urn sftio onde dormir, condi<_;:6es necessarias para procurar urn emprego, ou para a manuten<_;:ao do mesmo. E necessaria ainda referir aqueles que, adoptando uma atitude mais "acomodada", permaneceram nesta estrutura de uma forma passiva. As suas caracterfsticas de flexibilidade permitiram que a ela recorressem indivfduos que nao acediam a ir para outro tipo de estruturas, nomeadamente os que apresentavam problemas de alcoolismo ou toxicodependencia. Dos indivfduos em rela<_;:ao aos quais existe registo sobre a situa<_;:ao legal, dezoito encontravam-se indocumentados. A questao da imporrancia da regulariza<_;:ao dos imigrantes como urn factor de influencia nos processos de integra<_;:ao nas sociedades de acolhimento ou, neste caso, nos processos de exclusao social, parece ser fundamental. De facto, tendo em conta o enquadramento legal da imigra<_;:ao em Portugal, a nao deten<_;:ao de urn titulo valido constitui-se como um factor impeditivo do acesso dos indivfduos em varios domfnios, nomeadamente no acesso ao mercado de trabalho. Um outro aspecto que se foi revelando importante neste grupo tern aver corn comportamentos auto-destrutivos. Constatou-se o uso de drogas, nos indivfduos mais jovens, ou bebidas alcoolicas nos grupos etarios mais altos. Para alem do apoio da C1mara Municipal de Lisboa, alguns destes sem abrigo recorreram a outras institui<_;:6es de apoio a popula<_;:ao imigrante. Onze indivfduos recorreram ao Servi<_;:o Jesufta aos Refugiados, reconhecido pelo apoio que da a popula<_;:ao originaria dos pafses da Europa de Leste, nomeadamente na procura de emprego e no apoio jurfdico, e tres recorreram a Organiza<_;:ao Internacional das Migra<_;:6es onde se podiam inscrever no Programa de Retorno Voluntario. Apenas duas pessoas tinham o apoio da Santa Casa da Misericordia de Lisboa. Estes numeros sao reveladores da falta de capacidade das institui<_;:oes em criarem respostas de apoio e da sua inadequa<_;:ao aos problemas sociais emergentes corn o aumento do fenomeno imigratorio em Portugal.

I NTERVENc,:Ao SoCIAL, 30, 2004


Da Dcsorganiza~ao Social

5. Da DesorganizaÂŤ;:ao Social

a [Nao]lnrcgra~ao

I

129

a [Nao] Integrac;:ao

No segundo momento, foi fcita a caracrcriza<,:ao da exclusao social neste grupo analisando a informac;ao recolhida at raves de conversas informais 11 mantidas corn vinte 12 homcns u. Esras I(Jt;lll1 condm,idas no sentido de recolher o maximo de informac;ao sobre a siruas:iio no pals de origem e o percurso que levou a exclusao no pais de acolhimcnto. Foram definidos os indicadores de exclusao nestc grupo, no smtido de compreender a forma como esta se processa na articulac;ao entre a situac;ao no pais de origem e no contexto de acolhimento. Ou seja, abordou-sc o fenomeno dos imigrantes de Leste sem abrigo enfatizando a an;:ilisc da sua condic;ao migratoria e foi essa mesma analise, corn base em indicadorcs socio-economicos, que permitiu "( ... ) identificar os recursos que podem mobilizar ao longo do processo migratorio, desde os motivos que levaram a decisao de partir, ate a integrac;ao na sociedade de acolhimento. 0 tipo e 0 grau de integrac;ao evidenciados pelos diferentes grupos nao sao, alias, de todo indiferentes a esses diferentes niveis de recursos de partida." (Costae Baptista, 2002: 16). Foram mantidas conversas corn doze individuos de nacionalidade ucraniana, tres de nacionalidade russa, dois bl'dgaros e dois moldavos e ainda corn urn individuo originario do Uzbequistao. Situam-se entre os 22 e os 54 anos, sendo que cerea de dois terc;os se situa acima dos 40 anos (13 individuos) e apenas tres abaixo dos 30 anos. A media de idades neste grupo e de cerea de 40 anos, o que corresponde

11 Apcsar de inicialmente a recolha de informac;ao ter sido pensada na forma de entrevista, chegou-sc a conclusao de que esta surgia como intimidante, inibindo-os de relatar os acontccimcntos e revelar informac;ao importantc. Atcndendo a situac;ao de vulnerabilidade em que se encontram, vcrificou-se alguma desconfianc;a da sua parte relativamente ao interesse revelado no sentido da compreensao dos seus percursos. 12 Estes individuos, nao constituindo uma amostra significativa dos imigrantcs de Lestc sem abrigo na cidade de Lisboa permitiram, arraves desras conversas recolher um conjunto de informac;ao t'rtil para se proccdcr a uma analise preliminar da especificidade dos processos de exclusao social neste grupo. 13 0 facto de nao ter si do entrevistada nenhuma mulher, nao se traGI de uma situac;ao prcmeditada, mas antes resultante do facto de nao ter surgido nenhuma oportunidade de contactar uma mulher na situac;ao de sem abrigo, devido ao reduzido numcro em que surgem nestes contexros.

I NTERVEJ\'C,:Ao SacrAL, 30, 2004


130

I

lnes Soares

a uma media de idades inferior a registada na populac;:ao sem abrigo nacional, de 48 anos para os homens (Costa, 2002: 77). Atentando ao facto de as populac;:6es migrantes serem normalmente jovens, esta discrepancia entre as idades verificadas nos imigrantes de Leste sem abrigo e na populac;:ao sem abrigo em geral surge coma alga esperado. 5.1. Situa<rao na Origem, Motiva<roes e lntegra<rao

0 meio de vida de todos os individuos corn quem se conversou e, primeiramente 0 trabalho e, ainda que nao 0 tenham referido directamente, o desemprego revela-se coma uma causa importante de dificuldades econ6micas no contexto de origem. Assim, e de acordo corn o caracter econ6mico do fluxo migrat6rio da Europa de Leste, as principais motivac;:6es apontadas para a decisao de emigrar prendem-se corn o desejo de melhoria das condic;:6es de vida ou situac;:6es de insuficiencia econ6mica. No entanto, este tipo de motivac;:6es nao e suficiente para que as pessoas sejam levadas a tomar uma decisao desta amplitude: "( ... ) pressupor que existirao migrac;:6es sempre que estivercm em causa problemas de satisfac;:ao de interesses matcriais significa pressupor uma prioridade ontol6gica dcsses problemas sabre outras componentes da existencia humana que condicionam as escolhas sociais." (Pires, 2003: 73). A decisao de emigrar e tomada no ambito familiar e comunirario. 0 desemprego afecta nao s6 os individuos que se encontram desempregados, mas tambem os agregados familiares de que fazem parte, quer do panto de vista econ6mico, quer do panto de vista social, pelo que "( ... ) a decisao sabre uma eventual migrac;:ao pode nao ser sequer uma decisao individual." (2003: 73). Do is dos individuos dizem ter si do pressionados pela familia para emigrar. Pelo menos seis dos entrevistados referem ter familiares deles dependentes economicamente, sendo possivel que se verifiquem situac;:6es identicas que nao foram referenciadas, pais atendendo a condic;:ao perante 0 trabalho do agregado familiar destes individuos, verifica-se que em pelo menos urn caso nao e referida a situac;:ao de dependencia econ6mica, embora os membros do agregado familiar nao se encontrem a trabalhar.

INTERVENyAo

SociAL,

JO, 2004


Da Dcsorganizas:ao Social

a rNao]

lnrcgra.;ao

131

Nestes casos, dificilmente a decisao de m1grar foi tomada individualmente, constituindo-se antes coma uma deliberar;ao colectiva (Helweg, referido emPires, 2003: 73), na medida em que a migrac;:ao aparece coma uma tentativa de soluc;:ao para um problema de ausencia de recursos econcSmicos que e, de facto, um problema de todo 0 agregado familiar. Pode-se aqui levantar a questao da posic;:ao destes individuos no ambito da comunidade, se, perante as dificuldades econcSmicas atravessadas pela familia, nao tomassem uma atitude corn vista a soluc;:ao deste problema. Nomeadamente se for tido em coma que os paises de onde sao originarios vem apresentando, na t:iltima decada, taxas de emigrac;:ao elevadas, ou seja, a emigrac;:ao tern vindo a constituir-se como uma estrategia reconhecida de mobilidade social, como resposta a um contexto desorganizado do ponto de vista politico, econcSmico e social. 0 desemprego e as dificuldades econcSmicas sao atribuidos a situac;:ao socio-econcSmica do pais, que introduz descontinuidades nos modos de vida destes individuos, levando-os a viver situac;:oes criticas. Nesta circunstancia, e mais provavel que os individuos sejam levados a emigrar, ja que, apesar dos "( ... ) custos de insecurizac;:ao presentes em qualquer acto migratcSrio, a valorizac;:ao do seu peso na tomada de decisao tendera a ser menor sempre que a situac;:ao em que ocorre essa tomada de decisao se caracterizar ja por algum grau de insecurizac;:ao coma acontece nos momentos decisivos." (Pires, 2003: 75). Sao apenas dais os individuos que apontam motivac;:ocs de ordem pessoal para a migrac;:ao, o que rcvela que a representac;:ao simbcSlica da migrac;:ao, enquanto estrategia de mobilidadc social, corresponde a uma possibilidade de realizac;:ao das cxpcctativas, aceite entre a comunidade, nomeadamente entre os grupos mais jovens em que estes se situam (cam 32 e 22 anos de idade). Ao analisar as motivac;:oes referidas pelos individuos ao longo das conversas, e de ter em conta que elas nao se constituem como exclusivas, e que as motivac;:oes que levam os individuos a migrar sao multiplas e complexas. Um outro aspecto relevante prende-se corn a informac;:ao relativamente a Portugal, antes do momento de partida. Parece que a informac;:ao que suporta a operac;:ao comparativa sobre a qual foi desenhado o projecto migratcSrio e criadas as expectativas relativamente as vantagens da sua concretizac;:ao, e pouco scSlida e baseada na "( ... ) sobre-representac;:ao INTERVEN<~Ao SociAL,

30,

2.004


132

I

lnes Soares

do sucesso dos migrantes junto das suas colectividades de origem ( ... )" (idem, 76). Este facto e bem ilustrado atraves das palavras de urn dos entrevistados que diz ter vindo para Portugal a procura de "dinheiro, carro e casa". Reconhece que a experiencia nao esta a decorrer de acordo corn as expectativas e diz "nao sabia muito". Assim, para alem de se constituir como urn dos factores que contribuem para a estabilizac,:ao do fluxo migrat6rio, o exacerbar do sucesso dos migrantes junto dos contextos comunitarios de partida, parece promover o desenvolvimento de expectativas elevadas dos individuos que ficam, em relac,:ao aos que partem. Este facto assume relevancia nomeadamente no que se refere as intenc,:6es de retorno. As conversas mantidas parecem indicar que o incumprimento do objectivo de poupanc,:a que levou os indivfduos a sair do pals tern consequencias graves ao nivel da identidade pessoal e social dos individuos e da sua posic,:ao relativa no scio da comunidade de origem e mesmo no seio do agregado familiar. E possivel identificar urn projecto migrat6rio corn objectivos de poupanc,:a que possa garantir o regresso de acordo corn aquilo que e esperado, qucr pclo proprio migrante, quer pela sua familia, assim como pela comunidade. Apesar cla situac,:ao de exclusao em que se encontram, mantem-se a valorizac,:ao e representac,:ao do contexto de acolhimento enquanto espac,:o propicio a reconstruc,:ao clas suas vidas. Este facto e urn pouco surpreendente, atentando a situac,:ao em que se encontram, revelando urn desfasamento entre a representac,:ao da sociedade de acolhimento e as possibilidades objectivas de recuperac,:ao. Assim, o desejo de permanecer em Portugal, pode reflectir a dificuldade de assumir o fracasso do projecto migrat6rio, o que comprometeria a sua credibilidade e valor social no contexto de origem. 0 incumprimento das expectativas depositadas no projecto de migrac,:ao pelo agregado familiar, que permanece na origem, surge como fonte de rupturas familiares, facto que leva estes individuos a serem omissos ou mesmo a esconderem dos familiares as condic,:6es em que se encontram e a reduzirem a frequencia dos contactos corn os familiares no pais de origem. Para alem disso, a situac,:ao de desemprego na origem e socialmente justificada por factores estruturais alheios ao individuo. No entanto, sera mais dificil de justificar 0 insucesso do projecto migrat6rio quando e veiculada uma representac,:ao positiva dos emigrantes nas sociedades de origem. I l'TERVENc;Ao SociAL,

30, 2004


Da Desorganiza~ao Social

a [Niio]

lntegras:ao

I

133

E frequentemente apontado que cste grupo tern niveis de qualifica<;:6es superiores (Costae Baptista, 2002 c Pircs, 2003). Todos os individuos corn quem se conversou tcm pclo menos dcz anos de escolaridade, sendo que grande parte ddcs tem rormas~ao teen ica proflssionalizante ou forma<;:ao superior. Poderia supor-sc que os rccursos em qualifica<;:ocs se traduzem em percursos migratorios mais EKilitados ;l! r;Jvcs de mclhores coloca<;:oes relativas no mercado de trabalho. Contudo, verilica-sc que estes imigranteS Vem Ocupar lugares desqualificados C, frcqt!Cll(CillCil(C, no ambito da economia informal. Este aspecto surge como "( ... ) m a is t!lll dos paradoxos resultantes da descoincidencia sempre possivel cnrrc os l:tctores que, na origem, levam os migrantes a emigrar e as funs:ocs que, no destino viabilizam a imigra<;:ao." (Pires, 2003: 185). Ainda quando se verificam relas:oes laborais formalizadas, os vinculos mamidos sao considerados predrios, na medida em que todos os contratos sao a prazo, ou seja, corn urn periodo de vigencia limitado, que por vezes nao e superior a tres meses. Os contratos a prazo constituem urn factor de vulnerabilidade na medida em que o risco da nao renovas:ao do contrato esta sempre presente, nao garantindo, assim, as condis:oes de estabilidade no emprego. No entanto, os vinculos laborais atraves de contratos a prazo, apesar de predrios, apresentam duas vantagens comparativamente a ausencia de vinculo contratual. Por urn lado, os trabalhadores da economia informal, nao tendo qualquer tipo de vinculo apresentam-se numa situa<;:ao profissional "( ... ) altamente instavel, sendo marcada pelo trabalho a prazo, a tarefa, em tempo parcial ou pelo subemprego, sem quaisquer garantias de continuidade." (Almeida, 1994: 85). Para alem disso, tratando-se de trabalhadores por coma de outrem nao declarados, encontram-se numa situa<;:ao periferica relativamente a regulamenta<;:ao caracteristica do sistema de previdencia, nao tendo acesso as presta<;:6es da segurans:a social. Por outro lado, sao os vinculos contratuais entre trabalhadores e entidades patronais que permitem ao individuo estrangeiro regularizar a sua situa<;:ao legal em territorio portugues. Assim, a ausencia de uma relas:ao contratual formalizada e a insers:ao !aboral no ambito da economia informal, acentua a instabilidade no que se refere ao emprego e a continuidade de urn rendimento, e acrescenta urn factor de vulnerabilidade no que se refere a integras:ao na sociedade INTERVENyAo

SacrAL, 30, 2004


134

I

lnes Soares

de acolhimento ja que inviabiliza a aquisic;:ao de urn titulo que regularize a situac;:ao legal em Portugal. Esta situac;:ao leva a que o proprio facto de estarem indocumentados inviabilize possibilidades de trabalho, criandose assim urn drculo vicioso. 0 problema da ausencia de documentac;:ao e identificado em dezoito indivfduos. Na medida em que tendem a ocupar as posic;:6es mais predrias no ambito do mercado de trabalho, verifica-se urn fluxo consideravel para a situac;:ao de desemprego, bem visivel neste grupo de individuos. Apesar de dezanove deles ja terem trabalhado em Portugal, estao agora desempregados, mesmo os que mantiveram vfnculos formalizados. Tambem no ambito das estrategias habitacionais, se verifica a incidencia de situac;:6es de precariedade. Sao frequentes as situac;:6es de partilha de apartamentos corn outros imigrantes. Pode supor-se que este tipo de estrategia habitacional rcsultaria da estrategia mais ampla de poupanc;:a maxima, como avanc;:am Costa e Baptista (2002). No entanto, considerando o que foi dito em rclac;ao a inserc;:ao profissional destes indivfduos e aos encargos economicos que alguns delcs tern corn a familia nos seus parses de origem, comprcende-sc que o criteria do menor custo possivel pode estar mais relacionado corn a escassez de recursos do que corn a referida estrategia. Este facto pode ser ilustrado pela comparac;:ao entre o pedodo de tempo em que se encontram em situac;:ao de desemprego e o pedodo de tempo relativo a situac;:ao de exclusao social (rua ou centro de acolhimento). E possivel verificar que, em pelo menos metade dos cas os, o tempo em situac;:ao de exdusao social e o tempo de desemprego sao eq uivalentes. 0 recurso a alojamento disponibilizado pelo empregador tambem parece ser significativo. Tern a vantagem de permitir a poupanc;:a dos gastos corn uma situac;:ao habitacional, sendo, por isso, frequentemente procurada pelos imigrantes recem chegados e os que vem sem familiares. No entanto, a utilizac;:ao deste tipo de alojamentos parece colocar os individuos em situac;:ao de maior vulnerabilidade relativamente a abusos por parte dos empregadores. Por outro lado, diminui o seu poder reivindicativo, sendo que os salarios atribuidos, quando o alojamento e cedido, sao normalmente mais baixos do que quando nao ha essa possibilidade.

l;..;TERVE~c;Ao SoCI~\L,

30,

2004


Da

Desorganiza~ao

Social ;, [Nao]

lnregra~ao

135

5.2. Nos caminhos da Exclusao 0 tempo de permanencia 14 na situa<;:ao de sem abrigo faz vanar as atitudes e os comportamentos dos individuos que nela se encontram em muitos dominios, tais como as cstratcgias de sobrevivencia, o relacionamento corn as institui<;:oes e as cstratcgias de inclusao, quando as ha. A dura<;:ao da situa<;:ao de exclusao e a dura~:ao do dcsemprego e em muitos casos coincidente, o que permite afirmar que a integra<;:ao destes individuos em Portugal se faz, essencialmente, atraves das rclac;ocs de trabalho, formalizadas, ou nao. Apesar da rela<;:ao salarial scr fundamental, na medida em que "( ... ) insere plenamente os imigrantes na esfcra economica, deixa-os [no entanto] numa posi<;:ao de marginalidade relativamente ao espa<;:o social, institucional e politico ( ... )" (Machado, 2002: 12). Para alem disso, deve atentar-se a localiza<;:ao periferica no mercado de trabalho em que se encontram, marcada pelos lugares mais desqualificados, desprotegidos e mais mal remunerados, isto e, em posi<;:6es de elevada vulnerabilidade. A inser<;:ao na esfera economica e claramente insuficiente para evitar situa<;:6es de exclusao social, nomeadamente as suas formas mais extremas. Assim, verifica-se que se encontram tambem em localiza<;:6es perifericas do panto de vista da sua inser<;:ao social. Para alem de se encontrarem distantes das familias, disrancia par vezes agravada par situa<;:6es de ruptura, A sirua<;:ao de sem abrigo consiste nu m proccsso dinamico, em que e passive! entrar e sair, e em que o periodo de tempo de permanencia ncssa situa<;:ao tern efeitos de aprofundamento e consolida<;:ao do processo. Assim, e passive! considerar a situa<;:ao de estar sem abrigo coma uma situa<;:ao de transitoriedade, na medida em que dcsta situa<;:ao os individuos podem evoluir em diferentes direc<;:6es. Ou iniciam um processo de integra<;:ao na sociedade repondo o acesso aos diferentes sistemas que sofreram rupturas, ou as rupturas se vao acenruando e os individuos vem a sua situa<;:ao degradar-se progressivamente no sentido em que a reroma dos lac;:os com a sociedade e cada vez mais dificil, passando a viver segundo o padrao da sub cultura desviante caracteristica da comunidade sem abrigo. (Wallace, in Bento e Ban路eto, 2002). Esta distin-;:ao e fundamental no ambiro da interven-;:ao social junta desta popula-;:ao. A intervenc;:ao e normalmente bem aceite por individuos que estiio sem abrigo, que aderem aos apoios no sentido de reromarem os lac;:os corn uma sociedade em rela-;:ao a qual ainda rem referencias. Ja os individuos que siio sem abrigo tendem a rejeitar qualquer abordagem que ulrrapasse a interven-;:ao assistencialista, ou seja, o usufruto que fazem dos servi-;:os e uma estrategia adoptada para garantir a sobrevivencia na sirua-;:ao a que esrao acomodados e nao no sentido de recuperarem qualquer rela-;:ao. 14

lNTERVENC,:Ao

SacrAL, 30,

2004


136

I

lncs Soares

encontram-se isolados do ponto de vista das sociabilidades no contexto de acolhimento. Quando se perguntou qual 0 motivo que os levou a situa<;:ao de sem abrigo, o desemprego foi a resposta indicada pela quase totalidade dos individuos. No entanto, houve ainda quem referisse a ausencia de documenta<;:ao, o consumo excessivo de bebidas alcoolicas ou de drogas e rupturas familiares, como causas para a situa<;:ao de exclusao. Assim, sao metade os que associam tambem outras causas a esta situa<;:ao. Analisando a informa<;:ao recolhida verifica-se que, em quinze casos se pode mesmo atribuir ao desemprego a causa principal para a situa<;:ao de exclusao social extrema. No entanto, quando se verifica que em apenas sete destes casos o desemprego nao teve consequencias ao nivel da adop<;:ao de comportamentos auto destrutivos, como o consumo de bebidas alcoolicas ou de outras subsd.ncias psico-activas, compreende-se que as caracteristicas individuais 15 nao podem ser excluidas quando se pretende compreender um fenomeno desta complexidade. Nao parecem ser ncgligenci;iveis os casos em que a situa<;:ao de exclusao social extrema nao e impudvcl, cm primciro lugar, ao desemprego, mas ao alcoolismo e a toxicodependcncia. Ncstcs casos, o desemprego e, antes, consequencia de uma problcmatica anterior. E interessante verificar que, se por um lado, apresentam o desemprego como a causa primeira da sua situa<;:ao de exclusao, por outro lado, nos seus discursos, foram manifestando outro tipo de problematicas, frequentemente nao observaveis revelando, assim, que apesar de alguma relutancia em assumi-lo de inicio, tem consciencia que a exclusao social e tambem consequencia de outros factores. Relativamente as estrategias de sobrevivencia adoptadas pelos entrevistados verifica-se que ha uma forte adesao ao apoio prestado pelas institui<;:6es que se dedicam a popula<;:ao sem abrigo e a popula<;:ao imigrante. :E frequentemente avan<;:ado que o recurso a estes equipamentos por parte dos imigrantes originarios dos paises do Leste da Europa decorre de uma estrategia habitacional baseada no criteria do menor custo possivel com o objectivo de poupan<;:a maxima (Costae Baptista: 2002, 39). Apesar de se "Segundo Rossi, "( ... ) cmbora os facto res cstruturais gerais possam ajudar a explicar quantas pessoas em detcrminado momento estao sem-abrigo, o estudo clas caracteristicas pcssoais pocle ajuclar a explicar quem pocle chcgar a essa situa~ao." (Bento e Ban路ero, 2002: 32). J~TER\'EN(~.:\0 SOCIAL, )0, 200..j-


Da Dc;organiza<;ao Social i1 [l:\:ao] lntegra<;ao

I

137

verificar um elevado numero de individuos deste grupo a recorrer a estes equipamentos, parece ser um pouco precipitado avanc;:ar com este tipo de explicac;:oes. Ainda que algumas pessoas optem por prolongar a sua estadia nestas estruturas, mesmo depois de terem conseguido inserc;:oes profissionais, pensa-se que tal facto estara mais relacionado com uma estrategia de prevenc;:ao de uma nova situac;:ao de rua, do que propriamente com uma estrategia de poupanc;:a. Alias, aquilo que se verifica e um efeito perverso da resposta institucional, nomeadamente nas respostas de acolhimento. Como ja se viu, o problema dos sem abrigo ultrapassa, na rnaior pane das vczes, o problema da incapacidade de acesso a uma soltH,::io de alojamcmo digna. Prccisamente por, salvo raras excepc;:oes, estc tipo de equipamento apcnas responder as necessidades de alojamento, nao corresponde as expectativas dos utcntes, que acabam por ver a sua situac;:ao arrastar-se sem receberem um apoio integrado capaz de se constituir como uma alternativa concreta a situac;:ao em que se encontram. Desta forma, o tempo de permanencia alargado em Centros de Acolhimento e muitas vezes fonte de frustrac;:ao e de desenvolvimento de formas de acomodac;:ao. Ainda no que se refere as estrategias de sobrevivencia, sao tres os individuos que referem fazer alguns trabalhos ocasionais e dez os que referem "arrumar can路os". A grande maioria desempenha este tipo de actividades como forma de garantir, no caso dos toxicodependentes, as necessidades de consumo no sentido de evitar os sintomas de privac;:ao, noutt路os casos, o acesso a determinado tipo de "luxos" como um mac;:o de cigarros, uma garrafa de vinho, ou uma refeic;:ao quente, numa situac;:ao clara de destitui(lio em que se vem privados de quase tudo. No entanto, um dos entrevistados fez uma utilizac;:ao do dinheiro que juntava a arrumar carros, claramente situada no ambito das estrategias de inclusao. Encontrando-se sem alojamento ha cerea de um mes e meio, tinha um carro, onde dormiu durante cerea de duas semanas, sendo que so posteriormente recorreu ao Armazem. Para procurar trabalho deslocava-se de carro pela cidade e arredores e utilizava o dinheiro para pagar a gasolina. Dizia, ''primeiro precisa trabalho, depois comer", revelando a sua preocupac;:ao com o facto de estar desempregado. Os relacionamentos entre individuos na mesma situac;:ao sao os mais frequentes neste grupo, tendo sido referenciados por 16 entrevistados. INTERVE:-H;Ao

SociAL, 30, 2004


138

I

lnes Soares

Tendem a estabelecer entre si rela<_;:oes de caracter funcional. Estas rela<_;:oes, "( ... ) longe de se poderem constituir enquanto elementos de efectivo suporte," (Baptista em CAIS: 2004, 36) tern urn papel funcional na constru<_;:ao das estrategias e gestao dos recursos que garantam a sobrevivencia. No ambito das estrategias de inclusao, aquela que se constitui como a mais recorrente e a procura de trabalho junta das institui<_;:6es. No entanto, verifica-se que o recurso a este tipo de institui<_;:6es acontece quando os individuos se encontram ja numa situa<_;:ao de vulnerabilidade muito elevada, ou seja, parece s6 recorrerem ao apoio institucional quando ja estao em situa<_;:ao de exclusao social extrema. As estrategias de inclusao adoptadas sao normalmente desenvolvidas nos primeiros meses em que os individuos se encontram na situa<_;ao de sem abrigo, ou seja, enquanto se encontram na fase de exposi<_;:ao a situa<_;:ao. A medida que se vai prolongando a permanencia do individuo nesta situa<_;:ao, estas estrategias tendem a transformar-se em formas de acomoda<_;:ao e estrategias de sobrevivencia. Assim, "uma vez consolidada a situa<_;:ao de fragilidade e de dependencia institucional e a percep<_;:ao de apoios de sobrevivencia neste contexto, assiste-se a emergencia de mecanismos de adapta<_;:ao a vida na rua e ao gradual desaparecimento de expectativas e de iniciativas de reintegra<_;:ao." (Costa e Baptista: 2002, 40).

Conclusao A diversidade dos fluxos migrat6rios, do ponto de vista da sua composi<_;:ao socio-econ6mica, traduz-se em diferentes origens e fun<_;:6es, bem como no desenvolvimento de processos de integra<_;:ao diversificados na sociedade de destino (Pires, 2003). Assim, estes reflectem-se na diversidade das condi<_;:6es de vida dos diferentes grupos de imigrantes, nomeadamente nos fen6menos de exclusao social a eles associados. Apesar de estarem em Portugal ha relativamente pouco tempo, o fen6meno da exclusao social extrema nos imigrantes origina.rios dos pafses do Leste da Europa assume ja uma dimensao de grande visibilidade. A sua presen<_;:a recente no pais pode ser explicativa dessa mesma situa<_;:ao, pela ausencia de redes de suporte informais, por exemplo. A funcionalidade das redes de apoio e limitada pelo seu fraco desenvolvimento e pela incapacidade de cria<_;:ao de respostas para estas situa<_;:6es, iniciadas lNTERVENyAo

SocrAL,

30, 2004


Da Dcsorganiz;u;ao Social

a [Nao ]lnregraqao

I

139

ha pouco tempo. A questao da llngua parece ser outro aspecto importante ja que e uma dificuldade acrescida na procura de trabalho ou no contacto corn as instituic;:6es. Quer o desemprego quer as dificuldades economicas e sociais associadas, sentidas no ambito do agregado familiar, surgem como as principais motivac;:6es para a migrac;:ao. Urn outro aspecto importante para que a migrac;:ao se constitua como alternativa socialmente valorizada para os problemas sentidos remete para a ausencia de alternativas de ambito local derivada da desorganizac;:ao polltica, economica e social, que caracteriza o contexto de partida. Assim, apesar de aparentemente nao terem os recursos, que a partida permitem a elaborac;:ao e concretizac;:ao dos projectos migratorios, nomeadamente no que se refere a informac;:ao pouco rigorosa a que tern acesso relativamente a sociedade de acolhimento, sao levados a tomar a decisao de migrar num contexto em que a emigrac;:ao se tern vindo a consolidar. 0 processo de desconstruc;:ao e reconstruc;:ao das relac;:6es corn o sistema familiar provocadas pela deslocac;:ao territorial apresenta, por vezes descontinuidades que se podem traduzir em rupturas. Considerando ainda que a reconstruc;:ao das relac;:6es de sociabilidade fora do contexto familiar, tarda em assumir contornos consistentes e que, apesar de importantes, dificilmente se constituem como redes sociais de suporte corn capacidadc de resposta para situac;:6es de exclusao social cxtrcma, vcrifica-sc situac;:ocs de privac;:ao de ordem relacional. A inserc;:ao no mercado de trabalho caractcriz;H;c pcla ocupac;:ao dos lugares perifericos, corn Vlt1CUJos prcdrios Oll 110 ambiro da CC0110ffiia informal, associados a postos de trabalho socialmcnte desvalorizados, pouco qualificados e mal remunerados. 0 trabalho e encarado enquanto uma estrategia de poupanc;:a e nao do ponto de vista da valorizac;:ao social do trabalho desempenhado, ou seja, "( ... ) privilegiam urn entendimento dos seus empregos sobretudo como fonte de rendimento e nao tanto como fonte de status, deslocando os factores de honorabilidade da posic;:ao para os efeitos de prestigio que as remessas teriam nas sociedades de origem." (Pires, 2003: 87). No entanto, este tipo de inserc;:ao no mercado de trabalho secundario, para alem de nao permitir qualquer tipo de poupanc;:a, devido ao nivel de insecurizac;:ao associado e aos baixos salarios, p6e em causa a capacidade de assegurar a subsistencia em caso de desemprego. INTERVENc;Ao

SociAL,

30, 2004


140

I

lnes Soarcs

Assim, e possivel verificar que as descontinuidades no ambito do sistema familiar introduzidas pela migras:ao, associadas a precariedade das insers:oes profissionais e ao desemprego, bem coma a precariedade das solus:oes habitacionais a que u~m acesso, se traduzem em baixos niveis de integras:ao social na sociedade de acolhimento e niveis de vulnerabilidade elevados a situas:oes de pobreza e exclusao social, acabando por conduzir a situas:ao de sem abrigo. Coma e possivel notar, "as caracteristicas individuais ou, simplesmente, 0 impacto que alguns acontecimentos desencadeadores podem ter, sao eles proprios de grande relevancia." (Baptista em CAIS: 2004, 35). Sendo o fenomeno da exclusao social extrema caracterizado pela incidencia de mt'iltiplos factores, torna-se dificil identificar causas e consequencias de uma forma isolada, na medida em que estes factores se acentuam e se fundem num processo t'mico de rupturas que vai distanciando os individuos das relas:oes sociais em diferentes dominios. A permanencia na situas:ao de sem abrigo por longos periodos de tempo, faz corn que as estratcgias de inclusao tentadas numa fase inicial se transformem em estrategias de sobrevivencia e formas de acomodas:ao. Assim, cada situas:ao e t'mica e exige Formas de intervens:ao concretas e eficazes para evitar o carte dos las:os quer com a sociedade de destino, quer corn a sociedade de partida. Nao obstante estas situas:oes de exclusao social extrema serem situas:oes residuais no conjunto das populas:oes imigrantes, as situas:oes de vulnerabilidade social a que estao expostos parece ser um L1cto incontornavel.

I NTERVENc;;Ao SociAL,

.Jo, 2004


Da Desorganiza~ao Social

a [Nao]

lmcgra~ao

I

141

Bibliografia BAPTISTA, Isabel (1997), "Os Scm Ahrigo no lm:q;in:irio lnstitucional ", em BARROS, Car! os Pestana c SANTOS, j. CoMES, ( :. (coon!.) ;I llrtf;ifrl(!iO !' rl Rtinlcgrrl(lio Social em Portugal, Lisboa, Ed. Vulgata. BRETTELL e HoLLIFIELD, "Migration Theory Talking J\noss I )isr iplincs" (Cap. I); Heisler "The Sociology oflmmigration" (Cap. I V); BI<F"ITI'I.I., ( :arolinc B., "Theorizing Migration in Anthropology- The Social Construct ion oi' Net works, ldr路nt it ics, Communities and Globalscapes" (Cap. V), in BRETTELI., C:arolinr路 B. <路lloi.I.II'IF.I.IJ, James F., Migration The01y- Talking Across Disciplines, Routlcdgc, l.omlrcs: .WOO. CAIS, Colecranea de Ensaios, Sem-Abrigo e Imigrm;iio, olhares sobrc rl rc,J!irlr~r!t Portugal, Padroes Culturais Editora, Lisboa: 2004.

I'll/

CAPUCHA, Luis, "Associativismo e Modus de Vida num Bairro de Habita<;:ao Social", Sociologia Prob!emrls e Prdticas, N .0 8, 1990, pp. 29-41. CAPUCHA, Luis, Pobreza, "Exclusao Social e Marginalidades" em VrEGAS, Jose Manuel Leite e FrRMINO, Antonio Fin11ino da; Portugr1!, que A1odemidr!de?, Oeiras, Celta Editora, 1998, pp. 209-242. CoRDEIRO, Gras:a Indias; BAPTISTA, Luis Vicente; CosTA, Antonio Firmino da (orgs.), Etnogrrljias Urbanas; Celta Editora, Oeiras: 2003. CosTA, Alfredo Bruto da, Exclusocs Sociais, Gradiva Publicas:oes, Lisboa: 2002. CosTA, Alfredo Bruto da e BAPTISTA, Isabel, Migrar;ocs cos Sem Abrigo, Feantsa- Observatorio Europeu sobre os Sem Abrigo, 2002. ALMEIDA, Joao Ferreira de e outros, Exc!usiio Social: Factores e Tipos de Pobrcza em Portugal, Oeiras, Celta Editora, 1994 (l.a edis:ao: 1992). GARCIA, Jose Luis, Estmnhos: Juventude e Dinamicas de Exclusiio Socirll em Lisbort, Oeiras, Celta Editora, 2000. LEWIS, Oscar, Os Filhos de Sr1nchez, Moracs Editores, Lisboa: 1970. MACHADO, Fernando Luis, Contrrlstes e Continuidr1des: Migmr;iio, Etnicidade e fntegmr;lio dos Guineenses em Portugr1l, Oeiras, Celta Editora, 2002. MACHADO, Fernando Luis e CosTA, Ant6nio Firmino da, "Proccssos de uma Modernidade Inacabada: Mudans:as Estrururais e mobilidade Social" em VIEGAS, Jose Manuel Leite e CosTA, Ant6nio Firmino da; Portugal, que Modernidade?, Ociras, Celta Editora, 1998, pp. 17-44. PEREIRA, Alvaro, BARRETO, Pcdro c FERNANDES, Gisela, Andlise Longitudinal dos Sem-Abrigo em Lisboa: a situar;iio em 2000, Acs:ao Social da C\mara Municipal de Lisboa, 2001

INTERVE:--JyA.o SociAL, 30, 2004


142

I

lnes Soares

PEREIRINHA, Jose A., Pobreza e exclusiio Social: Algumas Rejlexoes Sobre Conceitos e Aspectos de Medir;iio, em FERREIRA, Jose Maria Carvalho (org.), Entre a Economia e a Sociologia, Oeiras, Celta Edirora, 1996 PINTO, Mario Rui Comes, Globalizar;iio Econ6mica Versus Pobreza e Exclmiio Social: Antagonismo ou complementaridade?, Disserta<;:ao de Mesrrado em Economia Inrernacional, Lisboa, Instituto Superior de Economia e Gestao da Universidade Tecnica de Lisboa, Ourubro de 2001 PIRES, Rui Pena (2002), Migrar;oes e Integrar;iio: Teoria e Aplicar;oes guesa, Oeiras, Celta Editora

a Sociedade Portu-

Research Review - Portugal, Feanrsa - Observat6rio Europeu sobre os Sem Abrigo Statistical Update

Portugal, Feantsa

Observat6rio Europeu sobre os Sem Abrigo

Fontes da Internet www.acime.pt www.ine.pt www.sefpt

INTERVENc;:Ao

SociAL,

JO, 2004


lNTERVEN<;:Ao SociAL, 30, 2004: 143-182

Ana Rosalina MATA * Pedro Humberto LoPES* Rute RAMos*

e Partidpa~ao dos Jovens em perigo no Projecto Rua: Percep~oes e Significados **

Mobiliza~ao

A interuen(ilo com joucns em sitllil(.路fio de pcrigo, Jlfl dretl dr1 prcucn(ilO e t~lgo recente em Portugal, sendo o lnstituto de Apoio rl Crirm('a tnn dos grandes impulsionadores, implicando os jouens no trabalho de preven~路iio e criando parcerias com vdrias instituiroes. Este artigo foi baseado no Trabalho de lnvestigariio e e dedicado a interuenriio social com jovens em situarao de perigo, no estudo da implicariio destes no processo de intervenriio nas actiuidades do lAC no Bairro do Condado (Zona} de Chelas), na sua organizariio de acordo com as necessidades dos jovens, atraves das perceproes e consequente avaliariio, para a adaptariio e significados que estes atribuem as intervenroes sociais de que silo alvo.

lntrodu~ao

Este artigo tern como ponto central as percepy6es e os significados que os jovens atribuem as interven<;:6es de ac<;:ao social de que sao alvo. Mais especificamente, definimos como objectivos fundamentais: conhecer a interven<;:ao social existente para jovens em risco, integrada no Projecto Rua - Em Familia para Crescer no Bairro do Condado (Zona J de Chelas), desenvolvido pelo Instituto de Apoio a Crian<;:a; conhecer a interven<;:ao da assistente social no ambito do Projecto Rua; observar o tipo de mobiliza<;:ao e de participa<;:ao dos jovens nas actividades do Projecto; identificar * Licenciados em Servi<;:o Social. ** Premio de Merito Honorato Rosa, ISSSL, 2004.


144

J

Ana Rosalina Mata, Pedro Humberto Lopes e Rute Ramos

as perceps;oes e significados que os jovens em risco tern das intervens;oes de que sao alvo. Sendo o nosso interesse captar a perceps;ao e significados dos jovens, sobre a intervens;ao de que sao alvo, a investigas;ao conduziu-nos a estabelecer uma relas;ao proxima corn a realidade, de forma a conseguir observar essa mesma realidade atraves dos «olhos desses jovens». A integras;ao no ambiente dos jovens e a intervens;ao de que sao alvo por parte do IAC foi definindo a nossa metodologia, como sendo de origem qualitativa.

I. ]ovens em situas:ao de perigo a complexidade de urn conceito 0 conceito de juventude, segundo Jose Machado Pais, e uma «fase da vida marcada por uma certa instabilidade associada a determinados "problemas sociais", insers;ao profissional, falta de participas;ao social, delinquencia, corn a escola, com os pais etc.» 1• Neste conceito encontra-se urn leque de ideias que caractcrizam cstc grupo, que e definido pela sua idade, isto e, por pertencerem a uma dada fase da vida, a definis;ao dos limites das idades depende de institui<,:ao para instituis;ao, de ciencia para ciencia, de projecto para projecto, mas a n!vel geral inicia-se entre 13-14 anos ate aos 18-19 anos. A Lei de ProtecfiiO de Crianfas e ]ovens em Perigo tem por objecto a promofiio dos direitos e a protecfiio das crianfas e dos jovens em perigo, de forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integraf2 (Lei n. 0 147199, de 1 de Outubro, artigo 1. ay,

Considera crians;a ou jovem em perigo quando se encontra, numa das seguintes situas;oes 4 : - Estd abandonada ou vive entregue a si propria; Sofre maus tratos flsicos ou psiquicos; 1

Jose Machado Pais, Cultums juzmzis, Col. Analise Social, INCM, Lis boa, 1993 p. 24. Guia de Legisla(iio e Reczmos, Ministerio do Trabalho e Solidaricdadc, p. 31. .\ Lei de Protec(tlo de Cril!IZ(CIS e ]ovens em Risco. 1 Guia de Legisla(tlo e Rewrsos, p. 31 e segs. 2

INTERVE~c,:.:l..o SociAL, 30, 2004


;vlobiliza<;co e Parricipa<;ao dos _)ovens em perigo no Projccto Rua

145

.E obrigada a actividades ou trabafhos excessivos ou inadequados a sua idade, dignidade e situar;ao pessoaL ou prejudiciais a sua fimnar;iio ou desenvofvimento; Estd sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua seguranr;a ou o seu equifibrio emocionaL.

0 jovem em siruas:ao de perigo e o jovem em risco sao muitas vezes utilizados como sin6nimos. Apesar de a sua reh;:ao ser estreita, diferenciam-se em niveis distintos, sendo «perigo como uma amcac.:a a existencia de alguem, diremos que risco lmais abrangentel c a cmincncia do perigo efectivo» 5. Os problemas que afecram csrc grupo s:io, nomcadamente, o abandono, a ausencia de prorccc.:ao do jovcm por quem dcvcria tcr competencias parentais, negligencia f~lCc as nccessidades afectivas c de dcscnvolvimento da crians:a, abuso sexual, por parte de adultos, abandono cscolar, absentismo escolar (nao tern uma frequencia assidua as aulas, mas est<l vinculado a instiruic.:ao escolar)' trabalho infantil (e to do 0 trabalho que seja susceptivel de comprometer a educas:ao ou prejudicar o desenvolvimento fisico, mental, moral ou social a individuos menores de 16 anos) e condutas desviantes; consumo de substancias consideradas ilicitas (droga) ou ingestao de bebidas alco6licas e ainda a pratica de facto qualificado pela lei como crime. E importante tambem reflectir sobre os criterios que permitem dizer que uma determinada situac.:ao e portadora de risco ou perigo. Joao Seabra Diniz propoe dois eixos: o externo ou social e o subjectivo ou psicol6gico. 0 eixo externo ou social pode-se definir como «Urn grau excessivo de disfuns:ao entre os jovens e a sociedade, que impossibilita uma integrac.:ao positiva no grupo. Impede, da parte do jovem, o sentimento de pertenc.:a que deveria levar a aceitac.:ao de determinadas normas e a organizac.:ao de urn a identidade» 6 • 0 jovem adopta comportamentos que o grupo compreende como sendo agressivos e tende a senti-los como perigosos, disfuncionais, e portanto, a rejeita-los e muitas vezes persegui-los. Partindo desse nivel de compreen5 lnstituto

para o Desenvolvimento Social, Crirmras que vivem em Lar - Caracterizariio Sociogrrifica e Percursos de Vida, p. 20. 6 Joao Seabra Diniz, Riscos para Crianras Numa Sociedade em Mudm1ra- Quais e P01·que?,

p. 19. lNTERVEN<;:Ao

SociAL,

30, 2004


I

146

Ana Rosalina Mata, Pedro Humberto Lopes e Rute Ramos ~~~----~~~~~~~~~

sao, e diffcil encontrar uma ponte comunicacional entre estas duas partes, implicando consequentemente uma interven~ao de caracter especial. «0 que os jovens fazem ou deixam de fazer corn o seu mal-estar depende em parte importante dos modos de expressao que a sociedade lhes permite e a capacidade de reac~ao positiva de que se mostra capaz.>/ 0 se gun do eixo, o subjectivo ou psicol6gico: «Procura ter em coma a situa~ao interna do indivfduo, identificando os principais aspectos da sua dinamica interior que determina este tipo de comportamentos.» 8 Aqui, a situa~ao de risco comporta um grau excessivo de sofrimento psfquico, faltando neste caso a presen~a fisica e disponibilidade afectiva dos adultos, de forma a encontrar o equilfbrio psfquico. Assim, a situa~ao de perigo acontece, nao pela existencia de sofrimento mas por nao existir nenhum elemento que o contrarie, nenhuma presen~a adulta de «boa qualidade (quer quanto a qualidade afectiva quer quanto a qualidade dos materiais que presta) »9 , tornando este sofrimento interior ainda maior. A capacidade de reac~ao positiva que os jovens em situa~ao de perigo podem desenvolver no sentido de contrariar os factores que os condicionam chama-se resiliencia. Resiliencia refere-se as habilidadcs sociais dos indivfduos para a resolu~ao de conflitos, implicando transforma~6cs segundo as capacidades cognitivas para interpretar a situa~ao social. Scgundo Cicchetti e Garmezy10 , sao «caracteristicas de personalidade ou rccurso de enfrentamento que facilitam a supera~ao da adversidade, a sobrcvivencia ao stress e a transcender perdas».

1.1. 0 processo de socializacrao A socializa~ao e «o processo pelo qual alguem aprende os modos duma determinada sociedade ou grupo a fim de que possa funcionar dentro dela. Inclui tanto a aprendizagem quanto a apreensao de padr6es, valores -Ibidem, p. 21 ]oao Seabra Diniz, Riscos para Crianras Numa Sociedade em lvfudan(a- Quais e Pm·que?,

8

p. 21. 9 lbidem. "' Cicchetti e Garmezy citados em Frank!, V.E, Em busca do Sentido, Ed. Si node! e Ed. Vozes, Sao Paulo, 1993. INTERVENc;.\o

SociAL,

30, 2004


Mobiliza~ao e Parricipa<;ao dos Jovens em pcrigo no Projccro Rua

I

147

e sentimentos proprios da sociedade» 11 • No processo de socializa<;ao existe interao;:ao por meio de rela<;oes sociais, entre o jovem e o meio, normalmente de uma forma inconsciente e acidental, em que o jovem se inicia na aprendizagem dos modos da sociedade, para que se integre na sociedade e se torne um membra activo e t'ttil dentro dela. Quando nascemos, ja nos encontramos numa determinada posi<;ao e vamos a os poucos e poucos determinando outras; assim, «cada pessoa possui diversas posi<;oes - posi<;ao de idade, posi<;ao de sexo, posi<;ao de religiao, posi<;ao de nacionalidade, e assim por diante. Ligado a cada posi<;ao encontra-se um padrao de comporramcnro cspcrado, um papel» 12 • T udo is to implica que o ind ividuo con hcs~a o comport a mcnro cspcrado, e valores e sentimcntos que vai adquirindo culturalmcntc. A socializa<;ao ocorrc cm muitos ambicntcs c na intcracc;:io com muitas pessoas e grupos organizados, nomeadamente a famllia, igrcjas, cscola, grupo de camaradas, sendo que «cada agente socializa a crian<;a cm scus padroes e valores pr6prios» 13 • A familia e, especialmente nos primeiros anos, o mais importantc grupo de socializa<;ao. E por intermedio de fortes la<;os emocionais que a crian<;a vai desenvolvendo a sua personalidade e se vai relacionando com o resto da sociedade. A escola tem como fun<;ao transmitir certos valores, conhecimentos basicos e a especificidade da cultura em que se encontra. Ajuda tambem a que a crian<;a comece a ganhar independencia emocional da familia, abrindo-o para novos modelos comportamentais e novas fontes de conhecimento. No grupo de pares, isto e, os membros que se encontram aproximadamente na mesma faixa etaria, pode-se encontrar varias fun<;oes distintas: «Ensinam materia tabu evitada pelas institui<;oes com uma ordem estabelecida e valores convcncionais da cultura, ensinam maneiras e tendencias correntes, especialmentc cm rela<;ao a can<;oes, dan<;a, desportos e outros aspectos da cultura popular.» 14 Ajuda tambem a abrir os horizontes sociais a crian<;a, e formando numa personalidade mais complexa, pois experimenta novos sentimentos diferentes e familiariza com 11

Frederick Elkin, A Crianfa ea Sociedade, Rio de Janeiro, Edi.;:oes Blach, 1960, p. 14.

12

ldem, p. 32

13

Frederick Elkin, A CriaJzfa ea Sociedade, Rio de Janeiro, Edi-;:6es Blach, 1960, p. 63 Idem, p. 85.

1

~

INTERVEN<;Ao SociAL, 30, 2004


148

I

Ana Rosalina MaGI, Pedro Humberto Lopes c Rutc Ramos

jogos, codigos e interesses novos. «A crians;a tern um campo de teste para ideias e caracteristicas previamente apreendidas e adquiridas.» 15 Na tematica dos «jovens em situas;ao de perigo», os agentes referidos anteriormente sao primordiais no processo de socializas;ao da crians;a, quer de forma negativa quer positiva. 0 autor Jose Luis dos Santos Castro, ao realizar um estudo sobre o processo de socializas;ao das crians;as de rua, utilizando dados fornecidos pelo IAC, realiza uma caracterizas:ao familiar dos jovens e este conclui que, por detras de todo o processo, existe na maioria um doloroso processo de adaptas;ao da sua familia ao meio urbano, isto porque sao oriundas «de zonas rurais ou das ex-colonias "normalmente constituidas por trabalhadores nao qualificados, corn baixo grau de escolarizas;ao e que vivem corn alguma precariedade economica, nomeadamente na sua situas;ao face ao trabalho", habitando, essencialmente, os bairros degradados da periferia de Lisboa». E nos bairros degradados que realmente se concentra este tipo de populas;ao, sujeita a processos de exclusao social, que derivam da sua posis;ao social. Tem, na maioria, cm comum rccursos economicos fracos, habilitas;6es deficientes, insucesso escolar, problcmas de saude, etc. Estes locais tambem sao mais penneavcis ao alastramento de problemas sociais como a delinquencia, o vandalismo e a circulas;ao de droga. Assim, estes individuos nao acreditam na possibilidade de mudar a sua vida. Isto devese muito a incapacidade dos pais transmitirem um capital cultural capaz para a integras;ao destes jovens na sociedade envolvente, e de uma educas;ao no sentido de um desenvolvimento saudavel das suas personalidades. Para alem da familia, estes jovens encontram-se em diferentes contextos de socializas;ao (bairro de origem, escola, instituis;6es, rua, grupo de pares), que os exp6em a diferentes normas e valores, e que proporciona a adops;ao de atitudes e comportamentos diferentes dos assumidos pelos pais - o que pode resultar na ruptura familiar. Na escola, a situas;ao de exclusao e particularmente sentida, pois esta nao esta preparada para os apoiar, muitas vezes nao aceita os seus valores e comportamentos divergentes dos habitualmente usados e nao desenvolve instrumentos e metodos de ensino eficazes para a aprendizagem, condenando estes jovens

11

1bidem. ll'TERVE:--:c;Ao SocrAL, _)o, 2004


Mobiliza<;ao c Panicipa<;ao dos Jovens em pcrigo no Projecto Rua

I

149

ao insucesso escolar e complicando ainda mais a mudan<_;:a, de forma a melhorarem as suas condi<_;:oes de vida. Por fim existem tambem os grupos de pares, e este agente social que tem a capacidade de desenvolver de forma positiva, no sentido da aceita<_;:ao, pois ÂŤa adesao aos grupos de pares e uma forma de despiste das angt'tstias inerentes a condi<_;:ao de adolescentes e, no caso dos meninos de rua, obedece ainda ao imperativo de seguran<_;:a e sobrevivencia. Aparentemente a atrac<_;:ao exercida pelos grupos de pares deriva da partilha da mesma situa<_;:a0Âť. 16 No processo de socializac;ao destas cria!1<;:as e poss!vel compreender que, muitas vezes, cstes n;io conscgucm enfrentar a sociedade, porque nao a comprccndcm, ncm sahcm como se rclacionar com ela, pois a familia nao foi capaz de proporcionar () dcscnvolvimcnro para a sua capacita<_;:ao, sendo regida pela lei da sobrcvivcncia c pcla <mcccssidade imperiosa da resoluc;ao de problemas de each dia ... corrcspondcndo a uma logica de imediatismo, que inibe a perspectiva da vida>Y." Por outro lado, estes jovens apresentam a incrivel capacidade de sobreviver em qualquer circunsrancia, ate ao limite de viverem como sem-abrigo, sendo muito importante o grupo de pares, na aquisic;ao de comportamentos e valores que os apore.

1.2. A suburbanizac;:ao Consideramos relevante situar os jovens no seu contexto espacial de vida, um bairro suburbano de Lisboa, relacionando o tema da suburbanidade com a exclusao social. A imporrancia crescente dos subt'trbios no contexto actual do processo de urbanizac;ao justifica a opc;ao por este cspac;o, conotado com frequencia com uma menor qualidade de vida e onde os fenomenos de exclusao social se revestem de peculiaridades proprias. Como pano de fundo para estes fenomenos, encontra-se a progrcssiva tendencia para o aumento da disrancia entre o emprego e a habitac;ao, que reflecte e e o reflexo da expansao suburbana. No entanto, e apesar da sua relevancia nos mais diversos dominios, nao se configura unanime 0 ambito de aplicac;ao da palavra 16

J"

Jose Luis dos Santos Castro, op. cit., 1997, p. 34. Idem, p. 39.

INTERVEN<;Ao SOCIAL, 30, 2004


150

I

Ana Rosalina Mata, Pedro Humberto Lopes c Rutc Ramos

suburbia, quer pela proliferac;:ao de terrnos que se associarn ao espac;:o fora dos lirnites fisicos das cidades e que corn elas se relacionarn, corno, por exernplo, periferia ou arredores, quer pela dificuldade na delirnitac;:ao do espac;:o que lhe corresponde. ÂŤOs subttrbios encontram-se numa relar;iio de proximidade e dependencia perante outra categoria territorial, a cidade, pois so existem se o processo de evolur;iio urbana os produzir.Âť 18

Os subt'1rbios associarn-se corn a expansao das func;:6es habitacionais e econ6rnicas para fora dos lirnites da cidade, corno resposta a urna cornplexidade de factores. Assirn, os suburbios adquirern corno caractedsticas fundarnentais, corn forte caracter urbanizado, densidade, dados de ocupac;:ao elevados, processo de consurno do espac;:o rural de rnaior dinarnica e intensidade, reduzidos vestigios da antiga ocupac;:ao rural, forte ligac;:ao e dependencia dos principias eixos de transportes e ainda os fluxos intensos de pessoas e bens dele para a cidade principal. Ernbora o fen6rneno urbano j;i tenha uma longa hist6ria de rnilenios, nos ultirnos tres seculos e, em particular, na segunda metade do seculo XX, sofreu rnudanc;:as profundas, quer quantitativas quer qualitativas, que alterararn quer os padr6es de distribuic;:ao da populac;:ao quer as l6gicas lucrativas e produtivas das actividades econ6rnicas, as quais, reciprocarnente influirarn nas forrnas e nos ritrnos dos processos de urbanizac;:ao/suburbanizac;:ao. Aqui entendernos urbanizac;:ao corno sendo caracterizada por urna acentuada densificac;:ao no interior das cidades, o que originou urn reforc;:o das suas infra-estruturas, bern corno entendernos suburbanizac;:ao corno estando associada corn o acrescirno de rendirnentos e corn as rnelhorias tecnol6gicas nos transportes, o que corresponde a urna desconcentrac;:ao da populac;:ao e da indt'1stria para as periferias adjacentes. A suburbanizac;:ao irnplicou e irnplica consequencias sociais, corno a pobreza, a exclusao social - segregac;:ao. Aqui entendernos delinear o

18

Augusto G. Cebola, 0 Quotidiano Suburbano como Factor de <<Exclusiio SocialÂť, Lisboa, 1996, p. 39. ll'\TERVENy.\o SociAL, 30, 2004


Mobiliza<;ao e Panicipa<;ao dos Jovens cm pcrigo no Projccto Rua

151

que entendemos como segregas;ao, esta e a consequencia natural da concorrencia entre diferentes grupos pela posse de urn territorio, entenda-se como direito a habitas;ao, e e obvio que os processos de urbanizas;ao, em particular, conduzem a uma arrumas;ao territorial dos estratos sociais, que acentuam as desigualdades e as distincias sociais entre eles. «Esta face da segregas;ao residencial nao se resume, no caso portugues, aos bairros sociais, pois os bairros de lata, os clandestinos, podem tambem exercer esse papel repulsivo. A importincia do estatuto socioeconomico pode manifestar-se tambem nas preferencias por locais associados corn o processo de socializas;ao infantil e juvenil, isto e, corn a proximidade da habitas;ao dos progenitores, procurando a conjugas;ao entre a classe e o estatuto social.» 19 As raz6es socioeconomicas tern aqui urn grande peso; pois verifica-se que produz, de ha muito, urn movimento de exclusao de umas categorias sociais sobre outras, atraves da pratica da alta dos pres;os imobiliarios, o que provoca uma concentras;ao das populas;6es de estratos economicos e socioprofissionais mais predrios em alguns grandes conjuntos de habitas;ao social, suburbana, bem como em bairros de lata, clandestinos. Ja nos referimos atras a questao da exclusao social. Importa aqui situarmo-nos quanto a sua definis;ao ou designas;ao tao correcta e actual quanto possivel. A imrodus;ao da tematica da exclusao social e bastante recente no discurso ciemifico, anos 60-70, sofreu varias reformulas;6es, ligadas a emergencia dos problemas relacionados corn as novas formas de pobreza e de marginalizas;ao. Assim, e actualmente, podemos designar exclusao social como a ultima fase do processo da pobreza, equivaleme a marginalizas;ao social, estando relacionada corn a restris;ao e/ou dificuldade de acesso aos direitos (sociais, dvicos, politicos, etc.), por parte dos cidadaos, a chamada «cidadania incompleta». A exclusao social e urn problema da sociedade, ja que e nela que tern origem e so podera ser resolvida atraves da mudans;a social, que tera de ocorrer no seio dessa mesma sociedade.

19

Augusto G. Cebola,

INTERVENc;.\o SociAL, 30. 2004

Op cit, p. 62.


152

I

Ana Rosalina Mata, Pcdro Humberto Lopes e Rute Ramos

1.3. Intervens;ao na prevens;ao da delinquencia Em 1958, Anna Freud afirmava que «ser normal na adolescencia e, em si mesmo, anormal». Muitos foram os autores que se debruc,:aram sobre este estadio de vida, por si s6 tao complexo. 0 psic6logo E. Erikson compara a adolescencia a «actuac,:ao do artista que salta de urn trapezia para outro - o jovem deixa o abrigo seguro da infancia para agarrar a independencia do adulto; entre urn a L1se e outra fica o voo livre conhecido por adolescencia» 20 • Este autor considera que o jovem atravessa uma crise de idemidade, como ponto de mudanc,:a da sua personalidade, isto e, o adolesceme vive na incerteza quanto ao tipo de pessoa que quer ser ou quanto ao modo como quer vir a ser considerado pelos outros. E no periodo da adolesccncia que e mais associada a delinquencia, corn uma conotac,:ao muito ligada a noc,:ao de criminalidade e aos comportamentos anti-sociais. Conceitos recentes, como desvio social, comec,:am agora a surgir e tendem a ligar-se corn os conceitos de desviancia e marginalidade corn a anti-sociabilidade 21 • As Teorias da Rotulagem designam por desvio qualquer transgressao ao social, grupal ou institucionalmente aceite e definido, em que ha urn processo de imeracc,:ao entre os desviantes e o que os regulam. No estudo da delinquencia juvenil, segundo urn modelo proposto por Alain Touraine 22 , demro de urn a perspectiva da sociologia da acc,:ao, relacionando os conceitos de actor social e de relac,:ao social, verificamos que a delinquencia se manifesta como o efeito de uma exclusao social, ou seja, e urn movimento de resposta a mesma, ja que s6 confrontando a sociedade o jovem se restitui como actor social, criando urn universo social no qual e admitido, reconhecido e aceite, tendo uma imagem gratificante de si mesmo ao desempenhar urn papel. Por urn lado, os jovens sao actores sociais cujas relac,:6es sociais sao decompostas, sao exclufdos socialmente e respondem corn violencia e rejeic,:ao as normas sociais por outro. Esta mesma auto-exclusao do jovem face 20 21

A lain Touraine, cit. cm Jv!anua! de fnvestigariio em Cihzcias Sociais, 1992, p.p. I 16-119. Rui A. Gons;alves, De!iuquhzcia, Crime e Adaptafiio a Prisiio, Quarteto, Coimbra, 2000,

p. 20. 22

Ala in Touraine, cit. cm Jv!anua! de bwestigariio em Cihzcias Sociais, pp. I I6- I I9. INTERVE:-,JC;,\.o SociAL, 30, 200-1-


~lobiliza<;ao c Panicipa<;ao dos Jovcm cm pcrigo no Projccro Rua

I

153

a sociedade constitui uma tentativa de adaptac;:ao social e reestruturac;:ao de si como actor social. As limitac;:6es do tratamento da delinquencia e efidcia do Modelo de Reabilitac;:ao e das intervenc;:6es remcdiativas colocaram em evidencia o desenvolvimento de estrategias de preven<;ao da delinquencia. Prevenc;:ao, segundo o autor Barker 15 , sao acc;:6es levadas a cabo por assistentes sociais e outros para minimi:;,ar e climinar aquelas condic;:6es sociais, psicologicas ou outras que se conhcccm como causas ou que contribuem para uma doenc;:a fisica ou cnHKion;d (' por vczcs problemas socioeconomicos, corn o objcctivo de cstahclccn comli(J)es na sociedade que realcem oportuniclades para que ind iv id uos, f:l!11 il ias e comunidades se realizem positivamenrc. Existem duas conceptualizac;:6es sobre o conceito de prcvcnc;::io aplicadas ao dominio do crime e da delinquencia. Uma inscreve-se no modelo da saude publica, postulando tres tipos de imervenc;:6es preventivas: a) prevenc;:ao primaria; b) prevenc;:ao secundaria; c) prevenc;:ao terciaria. A segunda oriemac;:ao reconhece que a divisao entre prevenc;:ao primaria, secundaria e terciaria e titil para definir a populac;:ao alvo das intervenc;:6es, englobando na primaria, acc;:6es dirigidas a populac;:ao, na secundaria, acc;:6es orientadas para grupos em risco e a terciaria acc;:6es visando a reinserc;:ao dos delinquentes. 24 Deste modo as estrategias de prevenc;:ao sao classificadas em abordagens de prevenc;:ao do crime e delinquencia, tomando como referencia a estrategia adoptada. Tipos basicos de estrategias prevemivas:

Prevenr;ao situacional: as estrategias que se dirigem as circunsrancias em que os delitos podem ser cometidos; Prevenr;ao individual: as estrategias que se centram nos individuos considerados delinquentes potenciais.

23

R. Barker, citado por Martin Bloom, "Primary Prevention Practices", vol. 5, Col. Issues in

Children's and Families' Lives, Thousand Oaks, California, 1996, p. 2. ,., Jorge Negreiros, Delinqubzcim juvenis, 2001, p. 127. lNTERVENc;:.:l.o SoCIAL, 30, 2004


~

-

-

-

Ana Rosalina Mata, Pcdro Humberto Lopes e Rute Ramos -

I

-

154

,,.,.

_________ _

De um modo mais alargado, «podem, assim considerar-se interven~oes preventivas: a) aquelas cujo objectivo consiste em prevenir a emergencia de actos anti-sociais e delinquentes mediante a modifica~ao de facto res que se presume poderem contribuir para a prdtica de actos anti-sociais; b) as interven~oes orientadas para a promo~iio de um comportamento pro-social, na perspectiva de proteger o individuo relativamente ao desenvolvimento de condutas antinormativas; c) medidas visando uma redu~ao das ocasioes susceptiveis de fovorecerem a prdtica de delitos» 25 . A questao fulcra! na prevens:ao dos comportamentos anti-sociais e definir criterios que permitam seleccionar os programas de intervens:ao preventiva que mais se adequem a realidade e que tenham tido avalias:oes fiaveis de eficacia. Actualmente existe um conjunto de abordagens que sao consideradas promissoras: as estrategias bascadas no desenvolvimento de competencias, interven<;:6es ao n!vel familiar c intervens:oes em contexto escolar. Das estrategias baseadas no desenvolvimento de competencias derivam duas orienta<;:6es tc6ricas distintas. A primeira baseia-se numa perspectiva geral que eLl cnCtsc a imporrancia das competencias cognitivas, sociais e comportamentais na aclapta<;:ao social. Destacando a importancia dos processos cognitivos para a compreensao e resolus:ao de conflitos interpessoais. A segunda orienta<;:ao e complementar a primeira e apoia-se nos defices das capacidades neuropsicologicas da crians:a corn comportamentos anti-sociais, principalmente se tais comportamentos tern um infcio precoce. «0

treino de competencias soczazs parte do pressuposto de que os individuos que apresentam comportamentos anti-sociais niio possuem as competencias necessdrias para fimcionar adequadamente em term os interpessoais.» 26

Um outro grupo de estrategias de prevens:ao esta baseado na aprendizagem de competencias de autocontrolo.

25 26

Jorge Ncgrciros, op. cit., p. 128 Jorge Negreiros, op. cit., p. 131 INTERVEN<;:.:\o SoCIAL, 30, 2004


Mobiliza~ao e Participa~oo dos Jovens em perigo no Projccro Rua

I

155

ÂŤ0 autocontrolo tem sido dejinido como a capacidade de o individuo governar o seu comportamento em vista a atingir detenninados fins. Certas estrategias procuram modificar o estilo cognitivo associado a compulsividade mediante a aprendizagem de comandos verbais autodirigidos.Âťr 0 segundo grupo de abordagens de prevenc,:ao esra relacionado corn as intervens:oes centradas no sistema familiar. Os problemas das crianc,:as corn defices neuropsicologicos serao superados se a crianc,:a se desenvolver num ambiente sociofamiliar adequado. 0 ambiente familiar associado cam as caracteristicas das crianc;as cria uma socializac,:ao negativa, ligada a castigos corporais graves e falta de limites que imp6em a crianc,:a. Criando urn drculo coercivo entre os pais e a cnanc,:a. Nesta abordagem, os pais ti~m urn papel fundamental no desenvolvimento de comportamentos anti-sociais, o que resulta na necessidade de urn treino para desenvolver competencias educativas espedficas aos pais corn filhos corn comportamentos anti-sociais. As intervens:oes preventivas em meio escolar tern como alvo as crianc,:as corn comportamentos agressivos, que apresentam frequentemente insucesso escolar relacionado corn problemas de atenc,:ao, fracas capacidades de leitura e defices cognitivos no dom1nio social, sendo estes ultimos os responsaveis pela agressividade para corn os outros. Estas crian<;as em risco caracterizam-se pela falta de suporte familiar, quer ao n1vel de comportamento quer no rendimento escolar. Diversos programas de prevenc,:ao da delinquencia aplicados ao meio escolar centram-se na aprendizagem de competencias coma: empatia, autocontrolo, regulac,:ao emocional e competencias sociais. Diferentes abordagens de intervenc,:ao a delinquencia tern sido desenvolvidas nas ultimas decadas, abordagens estas que se fundamentam na influencia dos actores socioculturais espedficos, que determinam os pressupostos teoricos e as estrategias utilizadas.

2

-

Jorge Negreiros, op. cit., p. 133.

lNTERVENc,:Ao

SociAL, 30,

2004


156

I

Ana Rosalina Mata, Pedro Humberto Lopes c Rute Ramos

«A relafiiO entre delinquencia juvenil e o crescimento urbanfstico desordenado, a exclusiio social, os elevados padroes de consumo e de ascensao e sucesso social, os movimentos migratdrios, bem como as fragilidades das inst!incias tradicionais, euma constataf·iio partilhada intemacionalmente e a ter em conta na adopfiio de polfticas e programas de resposta a esta problemdtica» 28 •

Apesar do objectivo dos programas preventivos «ser o reduzir a exposi<;:ao dos jovens a factores de risco, muitas vezes isso nao e possivel, para estes jovens o objectivo da prevens:ao vai ser o reduzir o impacto de factores de risco promovendo as competencias pessoais e sociais dos jovens e aumentar as competencias parentais» 29 . Segundo Bernard adoptou uma perspectiva de sistemas ecologicos, notanda que as crian<;:as sao criadas em familias, que estao relacionadas corn as escolas e corn a comunidade no geral. Nao se podendo olhar apenas para uma pe<;:a destc tccido social, pot·que urn sistema em equilibrio existe em individuos, famllias, escolas, grupos de pares, institui<;:6es de comunidade. Quando ha um problcma num sector, outros podem entrar e ajudar a alcan<;:ar o equilibrio no desenvolvimcnto do individuo. Deste modo, a preven<;:ao primaria para este autor tern dois objectivos principais: proporcionar que pessoas em risco se ajudem a si proprias e assegurar que existe outro sector no sistema social que esteja presente quando necessario - antes de os problemas ocorrerem. 1.4. Praticas de prevens:ao na intervens:ao social corn jovens N este ponto, reflectimos de urn a forma sucinta, m as muito proxima da realidade que encontramos no campo, aspectos essenciais para o trabalho do assistente social no projecto de interven<;:ao Trabalho com Crianfas de Rua - Em Familia para Crescer, desenvolvido pelo Instituto de Apoio a Crian<;:a. E, ao assistente social, que a institui<;:ao pede para colocar em pd.tica um projecto desenvolvido por este. Assim, a instituis:ao procura-o por '" Margarida Gaspar de Maros et al., Desenuo!vimeJlto de CompethzcirH de Vida zta Preuenrfio do Desajustmnento Social, pp. 9-10. 2 " Margarida Gaspar de Maros et td., op. cit. p. 25. It...:TERVEi'i<;.:\..0 SOCIAL, }0, 2004


Mobiliza<;io e Panicipa<;io dos Jovens em pcrigo no Projccto Rua

I

157

considerar que este tern competencias e capacidades espedficas para este tipo de trabalho de intervenc;ao corn jovens, que nenhum outro profissional tern. Este e chamado para realizar uma determinada pratica, que implica uma actividade consciente do profissional, isto porque implica a «ascensao do homem a consciencia da praxis, que permite superar a visao comum de actividade pratica, para inseri-la em outras formas» 30 • Nao nos queremos alongar neste assunto, mas e importante iniciar esta reflexao te6rica sobre este tipo de pratica relacionando-a corn a imporrancia de uma actividade te6rica, pois e esfa, que vai no final, permitir de urn modo criativo a intervenc;ao na realidade. Neste tipo de actividade pratica humana, existe uma vertente subjectiva, «pm·que representa uma actividade da consciencia» 11 , e uma vertente objectiva, porque incide numa realidade que ultrapassa a consciencia do individuo, existindo urn processo, meios e instrumentos objectivos e urn produto ou resultado objectivo. A actividade te6rica opera-se no pensamento, nao buscando de imediato a transformac;ao da realidade, mas sim elaborar e transformar idealmente, a materia-prima, para fornecer conhecimento sobre a mesma. Queremos assim evidenciar que, neste trabalho social, tal como em todos os outros, existe sempre a necessidade de existir uma interdependencia entre a teoria e a pratica, para que se alcance realmente os objectivos do projecto. Em relac;ao a uma teoria propria do Servic;o Social, esta e inexistente, o que pode trazer problemas de ordem merodol<lgica, mas esta pode de alguma forma ser suprimida quando esclarccidos, pclo profissional, os objectivos do Servic;o Social, c a realidade (objecto) onde o metodo e empregue e a teoria que o oriente. Sendo que em qualquer intervenc;ao onde o Servic;o Social actue, deve preocupar-se em atingir o que e apresentado nesta afirmac;ao, «considera o homem como sujeito que, no decorrer da sua actividade pratico-material, transforma uma situac;ao social-problema actuando sobre si mesmo e sobre o ambiente onde vive, ao mesmo tempo que estabelece novas relac;oes sociais entre ele, os outros homens e a sociedade.» 32 • 30

Maria Carmesia T.M. Editora, 1984, Sao Paulo, p. 31 Maria Carmesia T.M. " M aria Carmesia T.M. INTERVENC,:Ao

SociAL,

30, 2004

Leite, A flltervenfiio em Servifo Social- Visiio Praxio!6gica, Cortcz 45. Leite, 1984, op. cit., p. 4. Leite, J 984, op. cit., p. 107


158

I

Ana Rosalina Mata, Pedro Humberto Lopes e Rute Ramos

Urn projecto de interven<_,:ao corn jovens deve ter em aten<_,:ao tres eixos norteadores: a) A relas:ao corn os jovens

Urn importante elemento, para esta reflexao teria de ser os destinatarios deste projecto, os jovens, o autor Adelino ]. Antunes, defende a impord.ncia de uma atitudc, ÂŤcaracterizada pela presen<_,:a junto dos mentes, atentos aos seus problcmas sem minimizar os seus sofrimentos e as suas angustias. Esta presen<_,:a permitiria fornecer ao jovem toda a informa<_,:ao e condi<_,:oes de que necessita para, ele proprio, se o quiser, operar a mudan<_,:aÂť 33 . Isto imp! ica que urn a das preocupa<_,:oes do profissional e a de conhecer e fazer parte da propria vida dos jovens. A rela<_,:ao implicaria a este profissional abrir os horizontes e multiplicar as op<_,:oes de decisao dos jovens na constru~:ao dos seus projectos de vida. 0 assistente social compromete-se ao total respeito pelo sujeito da interven<_,:ao. E estc que deve sempre, em ultima insrancia, tomar as suas op<_,:oes, a partir de todas as que se podem encontrar na sua frente. Na realidade implica u m trabalho corn muitas frustra<_,:oes, decep<_,:oes do profissional, mas, na vcrdade, ele encontra-se na interven<_,:ao somente como agente facilitador, numa mudan<_,:a que so o jovem sabe o rumo que deve seguir. A sua actua<;ao integra o aceitar as normas e regras de funcionamento do grupo cm que os jovens se encontram, e preocupa<_,:ao constante de ser aceite, implica usar a sua actividade criativa de forma a promover alternativas que permitam aos jovens a possibilidade de poder escolher entre varias op<_,:ocs. Para Cristina de Robertis, entusiasmar urn grupo, especialmente para participar no projecto, abrange diferentes etapas que se realizam por ordem cronologica e por variaveis que se articulam no curso de todo o processo .

.B Adelino J. Antunes, 0 Traba!ho de Rua- Contribwo pam o Estudo das Novas lvletodo!ogias de lnterveltfliO em Traba!ho Social, Instituto Superior Bissaya Ban¡ero - Centra de Invcstiga~ao Formac;:ao e Esrudos, Coimbra, 1994, p. 15.

INTERVEN<; ..\o SociAL, ;o, 2004


Mobilizac;ao c Parricipac;ao dos Jovens cm perigo no Projecto Rua

j 159

b) Etapas do projecto 0 projecto nao provem de um trabalho anteriormente realizado pelo assistente social, portanto sem um desenvolvimento do diagnostico das necessidades da popula~ao e de um trabalho previa com os indiv1duos. Mesmo assim, quando em contacto com o projecto, este deve ter em coma as clarifica~6es e reflex6es sabre os objectivos existentes, ao grupo para qual o projecto foi desenvolvido, a forma coma e concebida a participa~ao dos membros do grupo ea selec~ao de quem faz parte deste. Relativamente ao conhecimento do indiv1duo ou grupo, a melbor forma de recolher a informa~ao necessaria c pcla sua pr<lpria prcscn<;:a 110 mcio, «delinear uma estrategia de aproximac.:ao para alem do conhccimcnto dos b;ibitos diarios, e a percep~ao clara das intcracc.:6cs rclacionais c afcctivas entre o indiv1duo, a familia, o grupo e o meio. Esse conhecimento vai permitir ao agente aperceber-se das inumeras vias de comunica~ao» 31 . Tambem devc estudar as ferramentas e meios que o projecto compreende. Este exerdcio implica o estabelecimento das rela~6es contextuais de coma este projecto aparece e da forma coma se foi desenvolvendo. Outra das etapas importantes no in1cio da interven~ao, estabelecidas por Cristina de Robertis, e a negocia~ao. A aurora diferencia a negocia~ao cam o servi~o empregador e as pessoas directamente implicadas. Neste caso a primeira negocia~ao e realizada inversamente, pais e o IAC que negocia com a assistente social o seu trabalho num projecto. Na segunda negocia~ao, o profissional tera maior responsabilidade, pais «esta negocia~ao tera lugar na primeira reuniao do grupo» 35 , e uma etapa importante e diflcil, pais muitas vezes joga-se o futuro do projecto, na sua primeira abordagem, p01·que para que realmente se alcancem os objectivos do projecto e necessaria que os principais intervenientes 0 aceitem. Sera, assim «preciso explicar, justificar, seu procedimento com o risco de ser criticado, modificado e inclusive recusado pelos proprios intervenientes» 36 , deve-se dar espa~o, nesta etapa, para que os interessa-

34

35 36

Adelino ]. Antunes, 1994, op. cit., p. 29. Cristina de Robcrtis, La Imeruenci6n Co!ectiva en Ti-abajo Social, El Ateneo, 1995, p. 150. Cristina de Robertis, op. cit., p. 150.

INTEHVENyAo

SociAL,

30, 2004


I

160

Ana Rosalina Mata, Pedro Humberto Lopes c Rute Ramos

dos coloquem quest6es, deem a sua opiniao, formulem propostas. Neste processo, o profissional interage corn o grupo para se tornar o lider, ou ser vista coma urn deles, a sua preocupac;:ao e que estes o olhem coma «adulto "invulgar"» 37, ele acerta as normas para conduta do grupo, e urn educador social pela sua formac;:ao e objectivos e e urn adulto disponivel. Se este procedimento cronologico, que guia o assistente social, neste tipo de intervenc;:ao, for omitido, pode colocar em causa, a mobilizac;:ao dos grupos. c) Variaveis existentes no trabalho de intervenc;:ao As variaveis identificadas pela aurora, que poderao estar presentes e que terao urn papel fundamental na vida do grupo, dentro do projecto, sao em primeiro lugar, a distinc;:ao dos objectivos. A aurora apresenta tres niveis, os objectivos do trabalhaclor social, de cada membra do grupo, e depois dos que o proprio grupo dcscnvolve ao longo das suas etapas iniciais de vida. Estes objectivos, «Sao frcqucntcmente complementares, mas as vezes podem tambem ser antag<lnicos, c raramente sao identicos» 38 . No caso presente, existem ainda os objectivos do proprio grupo, pois este distingue-se do desenvolvimento do trabalho do assistente social, complexandose assim esta variavel, mas o importante a reter e a impord.ncia de compreender que no jogo de relac;:6es existente nesta intervenc;:ao encontramos varias forc;:as, objectivos distintos que tern de ser conhecidos, compreendidos e trabalhados com o grupo. A segunda variavel e a composic;:ao do grupo, para que esta exista e necessaria estabelecer urn certo grau de coesao, de cooperac;:ao e de solidariedade. Dais factores sao apresentados por Cristina de Robertis, sao eles o tamanho e a homogeneidade. Em relac;:ao ao tamanho, nao existe uma regra geral para a sua dimensao, 0 importante e que permita a comunicac;:ao interpessoal, isto e, que se consiga urn interd.mbio e conhecimento

r Adelino ]. Antunes, op. cit., p. 37. 8 Adclino J. Antunes, op. cit., p. 150

·'

l~TERVE0<c;Ao SociAL, ;o, 200.~


Mobiliza<;ao c Panicipas:ao dos Jovens em perigo no Projecto Rua

I

161

redproco. De dois grupos existentes no projecto rua, estes estao constitu1dos da seguinte forma: • Grupo dos Dreads, 44 elementos. • Grupo dos Damos e Damas, 27 elementos. Para a realizas;ao do trabalho de investigas;ao, entrevistamos 10 jovens do grupo dos Dreads e 13 do grupo Damos e Damas. 0 criterio de selecs;ao foi a antiguidade no projecto (tinham de estar integrados ha pelo menos 3 anos). Os grupos abrangcm idadcs difcrcmcs, entre os 12 e os 18 anos. Tenramos efectuar essa cscolha tendo cm conra a propors;ao do total de elementos do grupo cm rcla<,~ao ao scxo, para mclhor rdlcctir a constituis;ao dos grupos. A homogeneidade esta intimamente ligada a existencia de intercsscs em comum que motiva as pessoas a participar, mas existem outros factores relevantes, como a idade, o sexo, a classe social, o n1vel sociocultural, etc. Cristina de Robertis da enfase a idade como factor essencial na homogeneidade no grupo de adolescentes. E indispensavel que urn grupo tenha urn certo n1vel de homogeneidade, a fim de assegurar um m{nimo de estabilidade e coesao, mas «O tipo de homogeneidade depended dos objectivos para o grupo, do tamanho deste, o programa previsto etc.» 39 • Mas o contrario tambem e necessaria, isto e, a heterogeneidade e importante para 0 grupo, «pm·que e fonte de confrontas;ao, de aceitas;ao, das diferens;as, de conflitos; e fonte de dinamismo e de vida» 40 . A terceira variavel e a participas;ao e presens;a dos membros do grupo. Esta tambem vai condicionar a vida do grupo. Em relas;ao a participas;ao, importa definir se esta sera voluntaria ou obrigatoria, a primeira e urn prindpio estabelecido e aceite no trabalho corn grupos, mas existem muitas vezes algum grau de imposis;ao, pela instituis;ao, por pressao social, etc. Na presens;a dos membros do grupo esra impl1cita as nos;oes de grupo fechado, se os membros sao fixos, no que se refere ao seu numero e identidade, ou de grupo aberto, onde pode existir uma varias;ao e urn fluxo de participantes. Adelino J. Antunes, op. cit., p. 152. ''" Ibidem, p. 152

19

INTERVENy~\o SociAL, 30, 2004


162

I

Ana Rosalina Mata, Pedro Humberto Lopes e Rute Ramos

Pica claro nesta reflexao que o trabalho corn estes jovens implica proporcionar-lhes o maior capital cultural possivel, que se realiza, tanto pela educac;:ao formal como pela nao formal, sendo importante a implicac;:ao da comunidade envolvente, especialmente a familia e o seu grupo de referencia, e tendo como instrumento principal a(s) relac;:ao(oes) corn o(s) profissional(ais). Ao longo deste processo fica inerente a importancia de sempre reflectir, estudar para agir, para que seja possivel inverter os projectos de vida dos jovens que os colocam em siruac;:ao de perigo. Caracterizacrao dos Grupos Dreads e Damos e Damas Foi importante compreender e conhecer todos os factores presentes na vida dos jovens que fazem parte do projecto. Assim, os dois grupos de jovens que sao alvo da intervenc;:ao, no Bairro de Chelas, podem ser definidos de acordo corn Bloom coma grupos primarios, dado que sao constituidos por grupos de pares, que estabelecem relac;:oes interpessoais pr6ximas, de face a face, no seu quotidiano 41 • Ao nivel familiar - constatou-se que a maioria destes jovens vive corn os pais, mas tambem e significativo o mimero de jovens que nao vive corn urn dos pais, por separac;:ao, por falecimento de urn dos progenitores, ou vivendo corn outros membros da familia, como av6s, tios ou irmaos. Estes dois tiltimos tipos de familia, somados, ultrapassam o mimero de jovens . . que v1ve corn os pals. Muitas das familias sao de origem migrante ou imigrante; a comunidade branca provem do Norte do Pais (Beiras) e a comunidade negra dos PALOPS, na sua maioria guineenses, cabo-verdianos e angolanos. A maioria dos jovens nasceu no bairro, ou tera vindo para este ainda corn meses de vida. A condic;:ao laboral de algumas destas familias e de vinculo predrio e flutuante, corn diversos rurnos, o que dificulta as relac;:oes estaveis de proximidade e afectividade entre os membros da familia, sendo as actividades dominantes a construc;:ao civil e o servic;:o de limpezas e restaurac;:ao, proporcionando uma grande instabilidade econ6mica e relacional, os salarios 41

Martin Bloom, "Primary Prevention Practices", vol. 5, Col. Issues in Cnildren's and

Families' Lives, Thousand Oaks, California, 1996, p. 7. lNTERVEN<;:Ao

SociAL,

30, 2004


I

lvlobiliza<;ao e Participa<;ao dos Jovcns cm perigo no Projecto Rua

163

sao baixos e nem sempre garantidos e as familias sao compostas em media por mais de 6 elementos, o que, em caso de desemprego repentino, agrava a situac;ao familiar destes jovens. Tratam-se na sua maioria de fam{lias cujo funcionamento evidencia uma destruturac;ao na constituic;ao de boas relac;6es entre os membros. Os jovens veem-se condicionados, desde a infancia, a serem responsaveis por si pr6prios e ate por outros membros mais novos da familia, expondo-os a factores de risco, como por exemplo: ausencia de protecc;ao do jovem, negligencia face as suas necessidades afectivas, abandono e absentismo escolar, trabalho infantil, condutas desviantcs e pdtica de crimes. Segundo a assistente social do lAC do Sat<'litc J de Chclas Dr.a Udia, os problemas familiares mais relcvanres sao o alcoolismo e a violcncia ffsica e verbal entre membros das familias. Ao nivel escolar- No Grupo dos Dreads, a maioria (7 dos 16 jovcns acompanhados com regularidade) encontra-se no 7.o ano, sendo o 5. ano, o ano escolar em que se verifica o maior numero de repetencias (9 em 16 jovens acompanhados) e um caso de abandono escolar. Tendo havido outro caso de abandono no 7. 0 ano. No Grupo Damos e Damas, a maioria encontra-se no 9. 0 ano (10 dos 20 jovens acompanhados com regularidade), a ano escolar em que se verifica 0 maior numero de repetencias e 0 ano (6 dos 19 jovens acompanhados), destes 19 jovens abandonaram a escola 5, 3 deles tambem no 7.0 ano. Varios destes jovens ja se confrontaram corn experiencias de repetencia pelo menos uma vez. Neste tipo de grupos e importante apresentar os tipos de habitos socio-culturais que praticam. 0

r

- A maioria dos rapazes joga futebol, em varias associac;6es desportivas dentro (clube Oriental e Marvila jovem) e fora do bairro (Olivais e Sacavenense). - Os jovens dos dois grupos tern o habito de frequentar o Centra Comercial Vasco da Gama, indo para o salao de jogos, ao cinema, comprar roupa de desporto ou simplesmente deambular pelo Centro,

INTERVENc,:Ao SociAL, JO, 2004


164

I

Ana Rosalina Mata, Pedro Humbeno Lopes c Rute Ramos

alguns durante o periodo de aulas, porque para grande parte dos grupos «a escola e urna gran de sec a» 42 , - Neste grupo de jovens, 3 tern neste rnomento processo no IRS, por roubo, urn ja tinha processo antes de iniciada a intervens;ao. - Urn dos jovens encontra-se fora da escola e a traficar e a consurnir estupefacientes. - Existe urna forte relas;ao entre a desocupas;ao e o roubo, pois a desocupas;ao irnplica o estar fora da escola, desinteressados de qualquer forrnas;ao profissional, sern objectivos de vida bern definidos, tornando-os urn alvo facil para o despertar de cornportarnentos desviantes.

Ao nivel do bairro - Os jovens estao integrados nurn bairro social, suburbano, rotulado de violento e de trafico de droga. Tern a sua disposis;ao urna grande rede de transportes, uma grande rnobilidade para fora do bairro, existencia de espas;os de sociabilidade, corno urn jardirn corn cot·eto, igreja, carnpo de futebol, estando ja desenvolvida urna rede de creche e pre-escolar. 2. 0 Processo Metodol6gico A observas;ao da vida quotidiana, da cornpreensao de urn senso cornurn construido perante urna realidade (a intervens;ao do IAC, ao longo dos anos), obriga, como o autor Orzco afirma, a urn exerdcio continua de reflexividade sobre cada urna das decis6es tomadas.

«0 investigador- aqui estaria o rigor do processo qualitativo - deve clarificar a racionalidade que sustenta a tomada de uma ou outra decisiio metodologica e em tomd-la em um determinado momento ou niio. Neste ztltimo se avaliaria o rigor metodologico, niio apenas na aplicar;iio de uma ferramenta de investigar;iio mas na sustentar;iio

Entrevista

a Assistentc Social. INTERVE:--H;Ao

SociAL, 30,

2004


Mobiliza~ao e Parricipa~ao dos Jovens em perigo no Projecto Rua

I

165

adequada das decisoes metodologicas que o investigador vai fozendo no desenvolvimento para dar sentido a seu objecto de estudo.Âť 43 Desta forma, a metodologia escolhida, tendo em conta o caracter descritivo e avaliativo da pesquisa, e a qualitativa. Todo processo envolve o questionamento da propria relevancia do que se investiga e dos marcos teoricos a partir dos quais se observa a realidade, passando evidentemente pelo modo como se constr6i o objecto de estudo e 0 conhecimento, isto e, a pratica metodoi<Sgica que procura tirar sentido dos dados que colhe do mundo cmpirico. Consideramos que, pclos objcctivos da invest iga<,::io, scria a cstrategia abdutiva que nos conduziria a mclhorcs rcsultados. Pois, a cstratcgia abdutiva inclina-se para as considera<;:oes quotidianas rcalizadas pclos actores sociais, que sao rescritas pelo cientista social, numa linguagem sociocicntifica e, assim, encontramo-nos a urn nivel das considera<;:oes do mundo social. Num outro n.fvel, estas redescri<;:oes podem ser desenvolvidas em teorias, que vao alem do conhecimento comum para incluir condi<;:oes (elementos) das quais os actores sociais nao estao conscientes 44 . 0 acesso basico a qualquer mundo social e atraves das considera<;:6es que as pessoas dao as suas proprias ac<;:oes e as ac<;:oes dos outros. Estas considera<;:6es sao dadas ao cientista social pela propria linguagem dos participantes, contendo os conceitos que os participantes usam para estruturar o seu mundo, os significados destes conceitos e as teorias que eles usam para considerar o que vai acontecer. What Schutz, Wine (1958), Douglas (1971, 1974) e Giddens (1976, 1984)45 tern em comum a cren<;:a que a ciencia social deve provir do mundo social, pelo menos inicialmente, pela considera<;:ao que os actores sociais podem dar aos aspectos do seu mundo, e corn interesse ao cientista social. No processo de recolha de dad os utilizamos varias tecnicas, que nos permitiram realizar aproxima<;:oes sucessivas a realidade, de forma a captar 43 Guillermo Orozco Games, La lnvestigacion en Conzunicacion Desde la Perspectiva Cualitativa, Guadalajara: Facultad de Periodismo y Comunicaci6n Social - Universidad Nacional de La Plata!Instituto Mexicano para el Desarrollo Comunitario, AC, 1997, p. 111. "'Norman Blackie, Designing Social Research, Polity Press, Cabridge, 2000, p. 114. 45 Norman Blackie, o.p. cit, 2000, p. 118.

INTERVENc,:Ao

SociAL,

30, 2004


166

I

Ana Rosalina Mata, Pedro Humberto Lopes e Rute Ramos

uma imagem mais nitida da vida quotidiana dos jovens e como eles interpretam e dao significado a essas relac;:oes quotidianas e qual o papel que o lAC desempenha nessas relac;:6es: tais como observac;:ao directa e participante, que durou 4 meses, estivemos corn os jovens em diversas actividades exteriores como a visita ao museu das marionetas, e dentro do espac;:o lAC assistimos a varias reuni6es de grupos, realizamos entrevistas individuais semi-estruturadas aos jovens, e uma entrevista corn a assistente social, de modo a melhor caracterizarmos os grupos, para articular corn as informac;:6es obtidas dos jovens. 0 dialogo corn a assistente social permitiu ainda confrontar essas informac;:6es corn a entrevista de grupo para termos um fiedback, de modo a tcstar a validade dos resultados por nos analisados, e as anotac;:6es de campo que foram a base dos gui6es de entrevista. Para a construc;:ao dos gui6cs das cntrevistas e de urn plano de trabalho, ainda definimos uma fase mctodol6gica de identificas:ao dos elementos-chave pois, apesar da pcsquisa implicar acima de tudo o maior conhecimento possivel do mundo quotidiano dos jovens, tornou-se necessaria uma base de imerpretac;:ao de forma a objectivar tanto quamo possivel os materiais recolhidos no trabalho de campo, de forma a evitar posteriores enviezamentos valorativos e morais, para que o trabalho tivesse validade ciemifica. Consideramos assim importante, no decorrer do estudo, desCl路ever como se realizou o processo de recolha de dados, idemificando as tecnicas utilizadas e realizando alguns comentarios que poderao ajudar na compreensao do trabalho realizado, dos passos metodol6gicos seguidos, bem como da informac;:ao adquirida e sua imerpretac;:ao. 56 depois de, em conjunto corn o leitor, percorrermos a etapa da descoberta da realidade em que incide este estudo, e que seremos capazes de descrever, analisar e interpretar as informas:oes recolhidas, articulando corn os elementos te6ricos utilizados para a construc;:ao do quadro te6rico e novos elementos que nos surgiram no decorrer do trabalho de campo.

lNTERVE~c,:Ao SociAL, 30, 2004


Mobiliza~ao

e Participa<;ao dos }ovens em pcrigo no Projccto Rua

I

167

2.1. Sintese do processo Metodol6gico: • Estudo da lnterven~ao do lAC, corn jovens e crian~as em situa~ao de perigo, no Bairro do Condado, Chelas: Caracteriza<_;:ao do «Projecto Rua- Em familia para crescer», atraves de anaJise documental. Caracteriza<_;:ao das actividades desenvolvidas pelo projecto, atraves de analise documental.

• Estudo dos grupo - alvo da

investiga~ao:

Selec<_;:ao dos jovens de forma cmpirica intencional, segundo os criterios tempo de permanencia no projccto (pclo menos 3 anos) e em rela<_;:ao ao sexo (defini<_;:ao da constitui<_;:ao dos grupos). Orienta<_;:ao: Rela<_;:ao Familiar } Rela<_;:ao Escolar Rela<_;:ao corn o Bairro

Rela<_;:ao corn o lAC

• Recolha de dados no trabalho de campo: Observa<_;:ao Directa e Participante (4 meses), nas actividades exteriores e interiores ao espa<_;:o lAC e reuni6es dos dois grupos. Anota<_;:6es de campo. Entrevistas semiestruturadas, individuais (11, porque atingimos o ponto de satura<_;:ao de informa<_;:ao ao fim de 10 entrevistas) e de grupo, aos jovens Dam os e Damas (1), entrevista Assistente Social (1).

a

An~Hise

dos Dados Recolhidos:

Analise de Conteudo das Emrevistas, Analise Qualitativa das Entrevistas (redu<_;:ao), Apresenta<_;:ao e Organiza<_;:ao dos Dados, lnterpreta<_;:ao dos Resultados, Elabora<_;:ao da Grelha de Analise, (folha resumo de cada entrevista e anota<_;:6es de campo),

INTERVEN<;:Ao

SociAL,

30, 2004


168

I

Ana Rosalina Mara, Pedro Humberto Lopes e Rure Ramos

Guiao de Entrevistas • Reflexao Teorica, • Observac;ao das relac;6es quotidianas Assistente Social- ]ovens.

• lnterpretac;ao dos Dados Recolhidos: Definic;ao dos elementos Chaves de analise, • Observac;ao Directa e Participante, • Construc;ao Teorica. Elaborac;ao de urn a grelha de an;llisc de entrevistas, (Organizac;ao da informac;ao recolhida atravcs dos seguintes elementos: relac;ao Assistente Social- ]ovens, mudanc;as significativas, actividades realizadas no lAC (Zona]), percepc;ao do espac;o lAC, perspectivas futuras e percepc;ao do Bairro ondc vivcm.

3. 0 olhar dos jovens sohre a intervens:ao social Das observac;6es realizadas e dos depoimentos cedidos pelos jovens, atraves das entrevistas, podemos concluir que estes desenvolveram ao longo do tempo perccpc,:ocs e significados positivos da intervenc;ao e da relac;ao corn os tecnicos do lAC. Os jovens do Grupo Damos e Damas, ao transmitirem-nos as suas percepc;6es e significados, apresentam uma capacidade de reflexao e de avaliac;:ao sabre o papel da assistente social, do seu proprio papel na intervenc;:ao, sobre o bairro onde vivem, sobre as dinamicas presentes no grupo onde estao integrados e sobre a forma como se posicionam nos varios contextos da sua vida quotidiana. Objectivam os seus valores e significados atraves dos seus desempenhos e estao motivados em retirar da intervenc;:ao o conhecimento e experiencias, que impulsionem as suas vidas e melhorem as suas capacidades e competencias coma actores sociais participantes numa sociedade cada vez mais individualista e competitiva. 0 lAC desenvolve a capacidade de resiliencia dos jovens, capacidade essa de ter sucesso, de acordo corn o que e aceitavel pela sociedade e que se lhes apresentam no seu quotidiano como urn risco grave de urn resultado negativo, e nos contextos concretos da acc;:ao, no caso destes jovens, a familia, o lAC, os seus grupos de pares, a escola e o bairro.

l:-\TERVENc;Ao SocJ,\L,

30,

2004


;v!obilizac;ao e Participa<;ao dos Jovcns cm pcrigo no Projecro Rua

I

169

0 IAC proporciona-lhes la<;os fortes corn adultos ÂŤinvulgaresÂť, na medida em que se torna num referencial diferente e desejado, satisfazendo e suprimindo as suas necessidades emocionais. Estudamos a partir de elementos-chave, os quais passamos a enumerar e ilustrar corn alguns excertos das entrevistas: A relas:ao assistente social jovens e urn dos mais importantes dememos que encontramos no projecto, caracteriza-se por uma presen<;a sempre dispon!vel junto dos jovens, que facilita o desenvolvimento pessoal e social, ao n!vel das suas perspectivas de futuro e da aprendizagem na gestao dos problemas. Para os jovens, ela represenra a autoridade que lhes imp6e limites as suas condutas dentro das actividadcs do I AC; comprccndem esta autoridade como necessaria, apesar de implicar um esf(x<;o para aceitar e cumprir as regras. A assistente social para os dois grupos de jovens e vista como a pessoa que "representa a lei pela sua identidade" (tomando por referencia a defini<;ao dos varios papeis do autor Adelino Antunes) porque tem autoridade sobre eles no espa<;o IAC, e ela que imp6em os limites e consequencias aos actos que os jovens praticam, e tambem ela que eles identificam como uma das principais organizadoras e a coordenadora das actividades em que os jovens participam.

"0 papel da Lfdia

e mais da organiza?;iio,

manter isto no equilfbrio, nem muito alto nem muito baixo. Ea boss, mesmo, boss, tipo ela que manda, mas no bom sentido, no bom sentido, a Lfdia, por acaso efixe." (Sandro, entrevistado n.o 7). "... manda em nos, leva-nos assim a sftios para a gente conhecer, para fozennos actividades e tipo um guia." (Pedro, entrevistado n. 0 8). "... hd pessoas que niio gostam das coisas que ela diz ... ao fim ao cabo, quando chega ao fim das coisas, chegamos sempre ao ponto em que ela tinha sempre raziio." (Fred, entrevistado n. 0 4).

e

e

Os jovens, para alem deste papel, atribuem-lhe o papel de confidente, mae, melhor amiga e irma, assumindo para eles o lugar de um familiar proximo e dispon!vel, que preenche as lacunas emocionais e relacionais criadas pelo contexto familiar em que vivem.

lNTERVENc;:Ao

SociAL,

30, 2004


170

J

Ana Rosalina Mata, Pedro Humberto Lopes e Rute Ramos ,-----

~-----路-"-

''Para mim e uma amiga, nao so amiga, ela estd aqui para nos ajudar, tipo, se a familia, se a nossa familia td eo m dijiculdades ela pode ir-nos ajudar, se nos precisamos, que ela, de falar com os nosso pais, tipo, temos alguns problemas, ela td para nos ajudar. Eu acho que ela td aqui para nos ajudar, e 0 trabalho de la." (9. 0 entrevistado). "... ea mae do grupo," (6. 0 entrevistado, Apendice 2-A, p. 14). ''Eu levava ela mais, como uma irma, ou como a minha melhor amiga, um bocado de tudo, porque com ela conseguia desabafar. Sentia que com ela estava segura, enquanto com as outras pessoas jd nao" (Ana, entrevistado n. 0 10) 46 .

Atraves das palavras dos jovens, estabelecemos a relac;ao entre o que os jovens obtem do IAC, cm especial pela assistente social e o papel normalmente desempenhado pela familia, parecendo-nos evidente que para eles o IAC preenche vazios deixados pela familia dado que as actividades do lAC pautam-se pelo que elcs mais dao valor a nivel familiar, que e o dialogo e a comunicac;ao, que scgundo Piaget sao factores que promovem a gradual aquisis:ao de independcncia emocional e psfquica, "... o desenvolvimento de urn conceito csdvcl da propria identidade e de urn forte sentimento de auto-estima, aquisi<,:ao de urn sistema etico de valores, o treino do autodominio e da for<,:a de vontade que o manted. ligado a esse sistema, o desenvolvimento de um cspirito de missao e de objectivos profissionais e sociais, o incremento da capacidade para viver em comunidade, o aumento da capacidade intclectual e a aquisic;ao de independencia econ6mica" 47, factores estes que permitem o desenvolvimento das capacidades pessoais dos jovens. 0 respeito e a confianc;a que os jovens tem da assistente social estabeleceu-se e foi desenvolvido ao longo dos anos, pais esta encontra-se no projecto ha sete anos, quando os jovens entram e ela que se encontra no espac;o IAC de Chelas e permanece sem interrupc;6es. E de notar que

46

Todos os names de jovcns referidos nos excerros de cntrevistas sao ficticios. Piaget citado por Jose Ramos de Almeida, Adolescbzcia e Matemidade, Col. Temas Actuais, Funda<;:ao Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1987, pp. 75~76. 47

lNTERVENyAo

SociAL,

JO, 2004


Mobiliza~ao

c Participa~i\o dos Jovens cm pcrigo no Projccto Rua

171

muitos destes jovens que se encontram na faixa etaria dos 15/18 anos, tern contacto corn o IAC desde o 1.° Ciclo. A forma como os jovens caracterizam a assistente social na sua intervens:ao, tern urn paralelismo corn a defini<;:ao do interventor dada por Adelino Antunes como "0 agente invulgar. Pela sua disponibilidade constante e as ideias corn que enriquece os encontros, o agente deve tentar transformar-se num referencial diferente e desejado". 48 As mudans:as significativas para os jovens que foram alvo da interven<;:ao do projecto desenvolvido pelo Instituto de Apoio a Crians:a sentem que esta interven<;:ao mudou significativamcnte alguns aspectos da sua vida e do seu desenvolvimcnto, cspccialmclltc ao nivcl dos h<ibitos de ocupas:ao dos tempos livres. Este factor c bastantc importantc pois tornase urn catalisador ou impulsionador de mudanc;as intcrnas, ao scntirem que o seu tempo esd. mais preenchido corn actividades lt'1dicas, recreativas e pedagogicas, sentem tambem que lhes traz urn maior conhecimento c uma maturas:ao pessoal e relacional que os ajuda a superar problemas ou dificuldades, e a definirem o seu projecto de vida. E ao n{vel do desenvolvimento pessoal e social que os jovens percepcionam uma maior mudan<;:a, referindo que ja tern urn maior conhecimento quer de si proprios, quer no que "... diz respeito ao dom{nio da informa<;:ao sobre o contexto da acs:ao e dos recursos dispon£veis (meio), de forma a racionalidade definir os fins a atingir" 49 , na interacs:ao corn os outros e corn o meio que os rodeia. Estes sentem-se mais confortaveis quando confrontados corn pessoas exteriores ao seu bairro, pois tern uma maior auto-estima e autoconfian<;:a, baixaram as defesas que os levavam a ter comportamentos conflituosos, passando a apostar no dialogo, e a preocuparem-se em mostrar uma imagem mais positiva de si proprios, particularmente sendo jovens residentes em Chelas e tendo por tras deles todo urn estigma, em que se sentiam impelidos a desempenhar o papel que lhes era atn'b u1'do, o de " maus ".

Adelino J. Antunes, 1994, op. cit., p. 37. Isabel Guerra, "Modos de Vida - Novas Percursos e Novas Conceitos", in: Sociologia Problemas e Prdticas, N. 0 13, CIES!ISCTE, Lisboa, s.d. "

"

8

9

INTERVENC,:Ao

SociAL,

30, 2004


172

I

Ana Rosalina Mata, Pcdro Humberto Lopes e Rutc Ramos

Atraves do discurso dos jovens e claro que estes tern consciencia, dum processo de amadurecimento da sua mentalidade, que reflecte urn melhoramento da sua auto-imagem, o que tras comportamentos que reflectem uma necessidade de aceitas;ao pelos outros (demro do grupo de pares, jovens de outros locais e a sociedade em geral) e de promos;ao positiva da sua imagem colectiva, especialmente por quem faz juizos errados sabre os seus modos de vida. E neste contexto que "Se a auto-imagem de uma pessoa e elevada, ela escolha objectivos a altura daquela imagem, fala bastante nas reunioes, espera aceitas;ao e actua para consegui-la, comporta-se coma quem tern status, aceita uma alta posis;ao corn responsabilidade e risco, e escolhe companheiros que se equiparem em imagem e que promovam a sua imagem." 50 'Jd descobri rnais algurna coisa ern rnirn ... digo-lhe jd, aprendi mu ita coisa, eu niio sei por onde corner;ar, e tanta coisa. Agora estou rnais pronto a dar o brar;o a torcer, niio desconflar tanto ... se calhar niio fozia tantos vandalisrnos, digarnos assirn, dantes fozia alguns, agora niio for;o, se calhat~ nenhumrt mesmo." (Sandro, entrevistado n. 0 7). "... este projecto, prd minf){{ tJidrz, rtssirn, trouxe vdrias experiencias, trouxe conhecimentos, trou.x:c o1ganizflr;iio, trouxe liberdtlde, a gente td rnflis vonttlde corn rts pcssorts corn quem fold e tarnbern fl organizar." (Sandro, entrcvistado 11. 0 8)

a

"... enriquece rnflis o grupo, flea fl ser rnais conhecido, fora daqui de Chelas ... flea rl ser conhecido da rnaneira corno e, o que nos querernos fozer ... essas coisas todas ... " (Fred, entrevistado n. 0 4).

Existe uma clara influencia das actividades fora do espas;o IAC que lhes proporciona o contacto corn outros modos de vida, outros quotidianos, e em varios contextos, ate a nivel internacional corn os intercambios juvenis, que os faz expandir os seus horizontes e ter a perceps;ao que existem outras alternativas para o seu futuro e asua realidade, c para a sua maneira de ser. "' Alan F. Klein, Servi~o Social atJ路aves do Processo de Gmpo, l.ivraria Francisco Alves, 2." Edi~ao, Rio de Janeiro, 1979. p. 92. INTERVEN<;:AO SOCIAL, JO, 2004


I\lobiliza~ao e Parricipa~ao dos Jovens cm perigo no Projccro Rua

I

173

"Tipo aqui no bairro e com os amigos, o lAC, nesse aspecto, estd excelente, jd conhe~o, agora conhe~o gandas socios da Pontinha, em vdrios sitios." (Sandro, entrevistado n. 0 7).

Sentem-se mais acompanhados na escola, pelo trabalho de mediac,:ao e sensibilizac,:ao que os tecnicos do lAC realizam junta dos professores, no sentido de melhor compreenderem 0 jovem na sua natureza espedfica. Existe urn trabalho de motivac,:ao baseado num sistema de recompensas que os leva a empenhar-se em obter urn born resultado para conquistar o premia estipulado. Todo este trabalho reflectc-se no seu aproveitamento escolar. "Pd, na escola, ajudou sempre mais um pouco, tipo aqui tiio sempre a dar na caber;a para um gajo estudar, estudar, estudar, ne, siio chatos, siio chatos, mas e assim, se a gente pensar um bocadinho, ve que e para nosso bem." (Sandro, Entrevistado n. 0 7). "Quer um exemplo?- a nivel escolar, quando fomos ao Geres disseram-nos, se oito pessoas passassem de ano, ia tudo ao Geres, come~ou tudo a estudar. " 'A.te passaram doze, ve-ld.)) "Muitos se calhar se niio fosse essa op~iio, se niio lhe dessem isso a escolher nao estudavam." (Entrevista de grupo).

Ao nivel familiar nao sentiram nenhuma mudanc,:a significativa. ÂŤAgora, na fomilia, yd, acho que na fomilia td igual, acho que nao mudou, mmca tive razao de queixa, grar;as a Deus, na fomilia que tenhoÂť (Sandro, entrevistado n.O 7).

A percep~tao das actividades envolvidas no projecto, em que para os jovens as actividades que os mobilizam mais sao as exteriores e que implicam sair do espac,:o IAC/Bairro, que lhes proporcionam maior intercambio especialmente corn jovens de outros contextos, proporciona-lhes adquirir conhecimentos de novas realidades e de novas formas de vida, levando consigo a sua identidade, promovendo uma melhor imagem de INTERVENt:;:Ao

SociAL,

30, 2004


174

I

Ana Rosalina Mara, Pedro Humberto Lopes e Rure Ramos

si e do bairro onde vivem. Sao tambem estas actividades exteriores as que lhes proporcionam maior divertimento e emotividade. « Vamos para ld para nos divertir... As pessoas que nos conhecemos jicaram com uma boa ideia do que anddmos a fozer e do que ainda vamos fozer daqui para a frente que eajudar as crianr;as e fozer tudo por tudo, que epara o nosso bairro enriquecer cada vez mais» (Fred, entrevistado n. 0 4).

Estes nao sentem a necessidadc de mudar ou ter outras actividades pois consideram-se como co-organizadores das mesmas em que as suas opini6es sao valorizadas e importantcs para a consecuc;:ao das actividades. reunioes para folarmos do que e que td mal, 0 que epoderfamos fozer para melhorar aquilo, e assim temos sempre espar;o para darmos m nossas opinioes» (Rita, entrevistado n. 0 9). « ... ,costumamos fozer

Quanta as actividades dentro do espac;:o IAC, os jovens consideram importante o trabalho espedfico que se faz ao nivel do desenvolvimento de competencias especialmente para desenvolver a capacidade de confiar nos outros e em si proprios, bem como o de acatar regras e saberem trabalhar em grupo, respeitando as ideias dos outros e dialogando para chegar a um consenso. Apesar de nao ser muito visivel, os grupos percepcionam a importancia das actividades para a sensibilizas:ao e prevens:ao porque identificam certos factores de risco que poderiam fazer parte das suas vidas, e sentem que desenvolveram competencias para os evitar. Reflectem assim o objectivo dos programas de prevenc;:ao primaria referidos por Margarida Gaspar numa perspectiva sistemica que sao "... o reduzir a exposic;:ao dos jovens a factores de risco, muitas vezes isso nao e possfvel, para estes jovens o objectivo da prevenc;:ao vai ser o reduzir o impacto de factores de risco promovendo as competencias pessoais e sociais dos jovens e aumentar as competencias parentais" 51 •

"Alan F. Klein, op. cit., p. 25. INTERVEN<;:Ao

SociAL, 30, 2004


Mobiliza<;ao e Participa<;iio dos Jovcns cm perigo no Projecto Rua

I

175

"Olha, fiz-me aprender muita coisa na vida, nao me meter em drogas, vi jilmes, de casos de drogas, muita coisa .. , ate hoje dou grar;as a deus em tar no lAC, e nao for;o muitas das coisas que as pessoas podiam estar a fozer, ou que fozem, porque nao tiveram apoios, e isso." (Ana, entrevistado n. 0 10). Esta concepc;ao das actividades, esra de acordo corn a forma de intervir que Adelino Antunes prop6e. ''Assim, ha que, em cada momento, proporcionar a criac;ao de actividades que sejam alternativas aos projectos desviantes do grupo." 52 Para os jovens, as actividades do IAC fazem parte de uma intervenc;ao em que a l6gica nao e trabalhar para os jovcns mas sim corn eles, estando envolvidos no processo.

A percep~ao do espa~o lAC em que os jovens distingucm os objectivos do projecto e da propria instituic;ao, que para eles, e de apoio e ajuda as crianc;as, e as dificuldades ao nivel dos recursos financeiros, necessarios para o desenvolvimento das actividades.

ÂŤ0 lAC, como eu disse hd bocadinho, o lAC abre algumas oportunidades e ensina-nos a nao desperdir;d-las, e mais ou menos isso que eu aprendi ... o lACe para nos ajudar, e por isso e que se chama lnstituto de ApoioÂť (Sandro, entrevistado n. 0 7). As perspectivas futuras onde os elementos predominantes sao a melhoria da formac;ao escolar, estando a maioria dos jovens mais atraida pela ideia de frequentar cursos profissionais, par ser uma soluc;ao que esta mais de acordo corn as suas expectativas profissionais e par se sentirem desmotivados para a frequencia de urn curso geral, havendo, no entanto, no grupo jovens que valorizam a continuidade do percurso escolar, pois entendem ser importante para as suas ambic;6es profissionais futuras.

2 5

Adelino Antunes, 1994, op. cit., p.37.

INTERVENC,:AO SOCIAL, 30, 2004


176

I

Ana Rosalina Mata, Pcdro Humbcrto Lopes e Rute Ramos

«Tipo do jitturo, jd, a Ana teve a folar em alguns cursos, tava a perguntar quem e quer continuar na escola ou desistir ou nao querfozer nada, nao ea melhor opr;ao. Quero continuar a escola, e isso, eu prefiro tirar curso do que continuar a escola, nao tenho muita paciencia, e mesmo assim! » (Sandro, entrevistado n. 0 7). Existe ja uma capacidade de identificar factores de risco a evitar, desenvolvida por intermedio das ae<;:oes de sensibilizas:ao do lAC, e pelas pr6prias vivencias dos jovens, o que os leva a definir aquilo que nao querem para o seu futuro, antes mesmo de afirmarem objectivamente o que querem. As suas percep<;:6es apresentam assim urn desenho do que nao querem para o futuro e os possiveis instrumentos (curso profissional e o lAC), para o desenvolvimento das potencialidades do amanha, construindo deste modo o seu imaginario que e segundo lsabel Guerra "... urn meio cficaz de visualizar o mundo futuro porque projecta no campo do real as possibilidades: permite, assim, detectar as contradis:oes entre o que esta e o que se deseja no campo das possibilidades do amanha." 53

«Quero darjd um passo para a minha vida, muito importante, nao quero tipo andar com esses, a borga, nao para 0 curso, tipo, so para passar o tempo, para dizer a mae que estuda! Nao! Vou trabalhar em que? Nao, quero jd fozer para a vida, nao quero ser um ze-ninguem, ou coisa assim, e pd, quero ser filiz na vida» (Sandro, entrevistado n." 7). 0 futuro para estes jovens encontra-se ligado ao lAC, nao perspectivando a sua saida, pensam assim continuar na institui<;:ao como mediadares de outros jovens e orientadores das actividades, corn o objectivo de retribuirem a ajuda que foram recebendo ao longo dos anos. A familia que gostariam de constituir caracteriza-se pelo respeito e pelo dialogo, bem coma pela uniao, que implica a coabita<;:ao de todos os elementos da familia, na logica de cortarem corn o modelo existente

''lsabel Guerra, s.d., op. cit., 69. lNTER\·E;-..;c;Ao

SociAL. 30,

2004


l\lobiliza~ao c Panicipa~ao dos Jovcns cm pcrigo no Projccro Rua

I

177

e cam o qual cresceram. No entanto, em alguns jovens prevalece a ideia de ser dificil fugir ao modelo familiar que tern, estabelecendo assim uma logica de reprodw:;ao. «E assim, o meu avo nao conseguiu controlar o meu pai. E o meu pai nao me consegue controlar a mim, eu nao vou controlar os meus filhos» (Entrevista de grupo). «Eu quero criar uma familia! » (Entrevista de grupo) A perceps:ao do bairro e urn clemento estruturador da identidade destes jovens, existindo urn forte senrimento de perten<;:a, dado que todos cresceram no bairro e e nele que estabcleccm as suas rela<;:6es sociais mais intensas, com o lAC e grupo de pares, que sao para eles as suas referencias. 0 bairro e espa<;:o que conhecem melhor e onde se sentem seguros e integrados, desconfiando ao primeiro contacto de tudo 0 que e exterior e estranho, o que nao lhes permite aceitar a mudan<;:a, pois tern poucas referencias dessas realidades.

«Ya, curto o bairro, o bairro e fixe, fogo, eu curto o bairro, e fixe, curto bue. Um gajo, ja tem ea os amigos, conhefO isto como a palma da minha mao, e acho que nao trocava, mas para trocar, alto e para o baile!» (Sandro, entrevistado n. 0 7). Os jovens idemificam como os principais problemas do bairro o trafico de drogas, os toxicodependentes, a violencia e a ma fama do bairro. Os tres primeiros sao considerados por estes nao sendo exclusivos de Chelas, existindo noutros bairros :E a ma fama que os preocupa mais, devido aos rotulos que sao atribuidos aos seus habitantes, por parte da sociedade e dos meios de comunica<;:ao em particular, que os exageram e deturpam para dar audiencias e vender essa imagem negativa.

«Dizem-me sempre, ah! moras ali, entao es um vilao, es aquilo e aquilo, mas nao, tu es assim como es assim, e como tudo, ha uma parte boa e uma parte ma» (Wison, entrevistado n. 0 6).

lNTERVENc;:Ao SociAL, 30. 2004


178

I

Ana Rosalina Mata, Pedro Humbcrto Lopes e Rute Ramos

«0 que ha aqui, hd em muitos bairros, como jd tem foma, tem o nomo>. «Isto jd tem r6tul0>>'' (Entrevista de grupo). Nao identificamos o desenvolvimento de pontes corn o mundo exterior ao bairro, para alem das que a instituis;ao IAC lhes proporciona ou indica, coma, por exemplo, a Associas;ao Nacional de ]ovens, a exceps;ao de duas associas;6es desportivas onde alguns jovens praticam futebol e de uma associas;ao recreativa na Pontinha. «Tipo aqui no Bairro e com os amigos, o lAC, nesse aspecto, estd excelente, jd conher;o gandas s6cios da Pontinha, em vdrios sitios»" (Sandro, entrevistado n. 0 7).

Os jovens apesar de nao terem interesse imediato em mudar, referenciaram que se mudassem seria para condis;6es melhores, relacionadas corn urn maior conforto, e um ambiente mais calmo. ".. .Depende do novo local, se fosse para uma vivenda, tipo, um outro bairro, era tipo, um sitio mais.. , niio digamos bairro, era um sitio mais sossegado, campo ao pe de um lago ou ao pe de uma cascata, qualquer coisa, mas sempre com os s6cios, com os amigos." (Sandro, entrevistado n. 0 7).

Quando confrontados corn a hip6tese da inevitabilidade de terem de mudar de bairro, levariam consigo o IAC e os amigos, e poucos levariam os familiares, dadas as caractedsticas (fam!lias reconstru!das, fam!lias monoparentais, e ou em que os jovens estao a cargo de outros familiares coma tios, av6s ou irmaos) e problemas familiares destes jovens (violencia domestica, alcoolismo e negligencia). A maioria levaria o IAC e os amigos pais foram estas as principais referencias no seu desenvolvimento pessoal e social, os quais nao querem perder. Sao estes que lhes proporcionam estabilidade e segurans;a para enfrentarem a mudans;a e o desconhecido. "Levava os meus amigos, se pudesse levar iam todos, era so os amigos, os amigos trazem o resto, levava os amigos e depois arranjava as oulNTERVEN~.:i.o SociAL, 30, 2004


Mobiliza~ao

e Participa~ao dos Jovens cm pcrigo no Projecto Rua

I

179

tras coisas. Silo eles que me acompanham na vida, ate agora foram, sempre eles, estou habituado a eles, por isso e que os levava. A fomilia e difirente, e sempre aquela coisa do dia-a-dia, os amigos, e difirente, os amigos." (Wison, entrevistado n. 0 6). "Daqui do espar;o lAC, eu levava boa memoria, fotos, levava o que? Levava o enderer;o daqui, a morada para me manter sempre em contacto com eles e o telefone e prontos. (Rita, entrevistado n. 0 9).

Os jovens integram na sua identidade o bairro, scndo urn elemento corn o qual percepcionam c agem sob re o mu ndo, que scgu ndo A lda Gon<;:alves permite articular um sisrcma de rcprcscnra<_:iScs c de imagin;irios, corn uma rede de perten<;as e categorias sociais especfficas. 1 '1 0 facto de viverem no Bairro influencia as suas trajectorias sociais, o que intensifica a sua liga<;:ao de afectividade corn este. Apresentam assim o lAC como o principal catalisador no estabelecimento de rela<;6es exteriores ao bairro, nao identificando nenhuma outra institui<;ao corn este fim, nomeadamente a familia.

Concluimos que a interven<;ao do lAC, no Satelite J, se centra fundamentalmente no jovem, pois as principais mudan<;:as significativas ocorrem a nivel psicologico e relacional, bem como ao nivel escolar, nao havendo mudan<;:as significativas a nivel familiar. Podemos interpretar esta percep<;ao dos jovens pela ausencia de interven<;ao social ao nivel familiar, sentindo-se ate alguma substitui<;ao do lAC a familia no papel desempenhado em algumas competencias, tal como o acompanhamento escolar e o apoio emocional, que a familia nao consegue satisfazer. 0 lAC e urn dos principais agentes de socializa<;:ao destes jovens, na medida em que os leva a apreender regras, pelas varias actividades, especialmente as que se realizam fora do espa<;o lAC, pois interagem corn outras institui<;6es, comunidades e jovens, adquirindo novos valores e conhecimentos, que modificam a forma como percepcionam e se relacionam corn a sociedade. "Alda Gon<;:alves, "]ovens: Constru<;:ao Identitario Num Contexto De Exclusao", in lntervm(iio Socia!N. 0 17/18, ISSSL, 1998. INTERVENyAo

SociAL,

30. 2004


180

I

Ana Rosalina Mata, Pedro Humberto Lopes e Rute Ramos

Considerac;oes finais A natureza do Trabalho de Investigac;ao (qualitativa e de estrategia abdutiva) proporcionou uma grande proximidade corn a realidade estudada e a possibilidade de exercitar urn novo tipo de investigac;ao, clando-nos a capacidade de transformar 0 que nos e transmitido pelos utentes em linguagem leiga em linguagem cientifica, o que implicou da nossa parte uma forte articulac;ao teorica e intelectual. Deixamos as nossas percepc;6es sobre o que observamos, especialmente dos jovens. A relac;ao corn os jovens foi muito motivadora, dado que estes nos transmitiram uma imagem diferente da que nos tinhamos e que era fruto dos nossos preconceitos, nao se distanciando daquilo que os meios de comunicac;ao nos transmitiram. Realmente constatamos que a realidade e outra e que Chelas e urn bairro como tantos outros, e que estes jovens tern os mesmos habitos, sentimentos, sonhos e necessidades, tao validos como os outros. Desenvolvemos corn eles uma relac;ao de desenvolvimento mutuo, e admiramos a sua tenacidade c vontade de procurar outras condic;6es de vida mais favoravcis, no scntido de nao reproduzir aquilo que consideram estar errado. 0 que observamos e interpretamos nos jovens do Bairro do Condado, em Chelas, em termos das suas caracteristicas pessoais e processos de socializac;ao, sao comuns a outros jovens da mesma faixa edria, que habitam bairros como o Bairro 6 de Maio, Azinhaga dos Besouros, Estrela de Africa e Casal Ventoso, entre outros, corn quem nos relacionamos tanto no decorrer da nossa vida academica, como profissional. Estes jovens estao em situac;ao de perigo, p01路que vivem em meios problematicos, sendo condicionados por estes, visto nao serem seres isolados e estarem inseridos num sistema ecologico. A vivencia nestes bairros leva a que os jovens adquiram e desenvolvam habitos ou estrategias de defesa, que lhes possibilitem ultrapassar dificuldades e satisfazer as suas necessidades, o que os pode levar a comportamentos desviantes. Comportamentos esses que, se nao forem prevenidos quer pela familia quer pelas instituic;6es onde estao inseridos, como por exemplo pela escola, podem levar a delinquencia e ao insucesso escolar. A familia e a escola sao os responsaveis pela construc;ao de perspectivas de futuro, tendo os assistentes sociais e os professores urn papel fundaINTERVE"'G路~o SociAL, 30, 2004


l\lobiliza~ao e Panicipa~ao dos Jovens cm pcrigo no Projecro RLLa

I

181

mental em prevenir a exclusao escolar, que se manifesta pelo estabelecimento de limites do que e real e do que e possivel, inculcando nos jovens que a saida mais facil em alternativa a escola e a frequencia de cursos tecnico-profissionais, limitando-os a urn universo restrito de possibilidades de trabalho. Desvalorizando ou nao apostando nas suas capacidades, que muitas vezes se encontram por descobrir. Sentimos que e aqui que o Servic;:o Social tern urn papel preponderante, no desenvolvimento da capacidade dos jovens, em alargar o seu horizonte de escolhas, em vez de os limitar, capacitar e implicar a familia no processo de desenvolvimento dos jovens. Como assisrentes sociais, consideramos que e este () caminho para uma interven~::io eficaz com jovens em situac;:ao de perigo.

Bibliografia ANTUNES, Adelino]., 0 l!·abalho de Rua- Contributo pam o Estudo das Novas Metodologias de lnteruenr;ilo em l!·abrdho Social, Institute Superior Bissaya Barreto, Centro de Investigac;ao Formac;ao e Estudos, Coimbra, 1994. BLACKIE, Norman, Designing Social Research, Polity Press, Cambridge, 2000. BLOOM, Martin, Primmy, Prevention, Practices, vol. 5, Col. Issues in Children's and Families' Lives, SAGE, Thousand Oaks, California, 1996. CARVALHO, Palmira e LoPES, Carmen, Projecto Rua - Em Familia para Crescer «Do silhzcio Palavra, Novas Dindmicas, Nouos Desafios», Instituto de Apoio a Crian<;a, Lisboa, 1999.

a

CEBOLA, Augusto J. G., 0 Quotidiano Suburbano como Factor de "Exclusilo Social", Tese de Mestrado em Planeamento Regional e Urbano, Lisboa, 1996. DINIZ, Joao Seabra, Riscos para Crianr;as Numa Sociedade em Mudmzr;a - Quais e Pm·que?, sed., sd. ELKIN, Frederick, A Crianr;a e a Sociedade, Rio de Janeiro - Brasil, Edic;6es Blach,

1960. FRANKL, V. E., Em Busca do Sentido, Sinodel e Vozes, Sao Paulo, 1993. GARCIA, Jose Luis (coord.), Estranhos: juventude e Dindmicas de Exclusilo Social em Lisboa, Celta Editora, Oeiras, 2000. Gow;:ALVES, Alda, "]ovens: construc;ao identitaria num contexto de exclusao", lntervenr;ilo Social n. 0 17-18, Lisboa, 1998.

INTERVEN<;Ao

SociAL, 30, 2004


182

I

Ana Rosalina Mata, Pedro Hurnberto Lopes e Rute Rarnos --·-·-··-·~--

~~~~~~~~~~~~~~~~-

GoN<:,:ALVES, Rui A., Delinquencia, Crime e Adaptarao 2000.

a Prisao,

Quarteto, Coimbra,

GuERRA, Isabel, "Modos de Vida - Novos Percursos e Novos Conceitos", Sociologia - Problemas e Prdticas, n. 13, CIES-ISCTE, Lisboa. 0

INSTITUTO PARA 0 DESENVOLVIMENTO SOCIAL, Crianras Que Vivem em Lar - Caracterizarao Sociogrdfica e Percursos de Vida, Scarpa Impressores, Lisboa, 2000. KLEIN, Alan F., Serviro Social atraves do Processo de Gmpo, Livraria Francisco Alves, 2.a edi<;:ao, Rio de Janeiro, 1979. LEITE, Maria Carmesia, A Intervenrao em Serviro Social - Visao Praxiol6gica, Cortez Editora, Sao Paulo, 1984. MATOS, Margarida Gaspar et al. Desenvolvimento de Compethzcias de Vida na Prevenrao do Desajustamento Social, FMHJ, IRS- MJ, Lisboa, 2000. MINISTERIO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE, Guia de Legislarao e Recursos sobre o Trabalho Infimtil, Col. PEETI, n. 0 1, Lisboa, 1999. NEGREIROS, Jorge, Delinquencias juvenis, Col. Comportamentos, Editorial Noticias, Lisboa, 2001. PAIS, Machado, As Culturas }twenis, Col. An<ilise Social, INCM, Lisboa, 1993. PAIXAO, Rui, "As Interven<;:6es em Rcclc", lmerctCf'OCS n. 0 1. RoBERTIS, Cristina de, La Intervenci6n Colcctillrl en Ti·abajo Social, El Ateneo, Buenos Aires, 1992. TouRAINE, Alain, Manual de Investigarao em Citlncim Socittis, 1992. SouzA, Maria Luiza de, Serviro Social e InstituiuJo. 11 Questao drt Participarao, Cortez Editora, Sao Paulo, 1995. VERNON, R. Wich., Working with Child Abuse and Neglect, SAGE, 1996.

Legislacrao - Lei de Protec<;:ao de ]ovens em Perigo, Parte I, n. 0 204 - 1-09-1999, Didrio da Reptiblica, I Serie A, artigo 1, artigo 3, pontos 1 c 2.

INTERVE:-.;y;\o SociAL,

30,

2004


lNTERVEN<;:r\0

SociAL,

30, 2004: 183-200

Filomena SousA *

"A transi~ao para a vida adulta mas ... o que e ser adulto?" - As praticas e representa~oes sociais sobre o que e ser adulto em Portugal. Esta comunicarlio reftre-se ao trabalho de investigarao que se estd a desenvolver no !inzbito do doutoramento em Sociologia (ISCTE) e que pretende identijicar e caracterizar as representaroes sociais sobre o que eser adulto na sociedade portuguesa. Nesta pesquisa apresenta-se um modelo de andlise que assenta na representarao de ser adulto de ac01¡do com duas diftrentes conceproes: Representariio hegemonica (que prevalece na sociedade portuguesa) - 0 adulto e wn estatuto a atingir eo m a obtenrao de estabilidade na vida profissional, jinanceira e fomiliar. Tem por base o conceito estdtico e linear de adulto muitas vezes promovido por instituiroes corno a escola e a fomilia, contudo, considera-se que esta uma representaflio que nao se coaduna com a realidade das actuais trajectorias complexas, multiplas, e destandardizadas dosjovens. Representa(iio emancipada - Representa(do que jd nao se apresenta como hegemonica mas sim como restrita a alguns jovens adultos/adultos da classe media/media alta urbana. Substitui o cardcter pejorativo e estdtico do conceito de adulto pelo conceito de adulto que implica a ideia de aprendizagem continua, de rwto-realiza[lio pessoal, projissional e aftctiva e segundo o qual a evolurao se dd de acordo com percursos complexos de avan(OS e recuos (Machado Pais, 2001). 0 adulto enquadra-se num modelo pos-modemo de transi[iio para a vida adulta que pode ser vivido e representrtdo segundo um nzodelo positivo de oportunidades, de possibilidades de escolha e experiencias ou um modelo negativo de instabilidade, incerteza, risco e marginaliza[liO (ou da rela(do que se estabelece entre estes do is modelos).

e

• Docente do Instituto Superior de Serviyo Social de Beja. Doutoranda do ISCTE- Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa. Este artigo refere-se ao trabalho de investigayao que esta a ser desenvolvido no ambito do doutoramento em Sociologia do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa (ISCTE) e que pretende idenrificar e caracterizar as praticas e representay6es sociais sobre o que e ser adulto na sociedade portuguesa.


184

I

Filomena Sousa

Apresentas:ao Este artigo parte da hip6tese de que, na sociedade portuguesa, ser e representado socialmente e de forma hegemonica como urn estatuto a atingir corn a obtens;ao de estabilidade na vida profissional, financeira e familiar. Contudo, pressup6e-se que essa representa<_;:ao, que tern como base urn conceito esd.tico, objectivo, disciplinador, estandardizado e linear (na maior parte das vezes promovida atraves de institui<_;:oes como a escola, a familia e o trabalho), nao se coaduna corn a realidade das actuais traject6rias complexas, multiplas, e destandardizadas dos jovens. Esta representa<_;:ao do adulto enquanto est<ltico e muitas vezes entendida pelos jovens, e actualmente por alguns adultos, como uma representa<;ao negativa que define urn estatuto, uma meta a atingir por objectivos definidos no tempo- "ja e tempo de te pm路tares como urn adulto", 0 tempo da inser<_;:ao numa profissao est<ivel, de casar, de ter filhos e "de assentar" e uma representa<_;:ao que implica a aquisi<_;:ao de responsabilidades - profissionais, financeiras e familiares. E a representa<_;:ao de uma fase de vida caracterizada por rotinas, por ter de agir por obriga<_;:ao e nao por prazer, por ter problemas, deixar de ter paciencia para novas ideias e tendencias, ter menos tempo para cstar corn os amigos e para as actividades de lazer, ser adulto pressup6e posturas e atitudes serias e formais. Na investiga<_;:ao em causa considera-se, no entanto, a existencia de uma outra representa<_;:ao do que e ser adulto, desta vez uma representas;ao que caracterizamos como emancipada que ja nao se apresenta como hegem6nica mas sim como restrita a alguns jovens adultos/adultos da classe media/media alta urbana. Uma representa<_;:ao que substitui o caracter pejorativo e estatico do conceito de adulto pelos termos de auto-realiza<_;:ao e desenvolvimento pessoal. A representas;ao emancipada e positiva sobre o que e ser adulto substitui a defini<_;:ao de passagem para a vida adulta e de estabilidade pela ideia de percurso e aprendizagem para a auto-realiza<_;:ao pessoal, profissional e afectiva - a ideia de aquisi<_;:ao de experiencias e conhecimentos, da possibilidade de agir de urn modo mais ponderado, a possibilidade de errar, dizer nao e desistir, o aumento das capacidades de reflexao, compreensao

adulto

l0:TERVENc;:.\o SociAL, ~o, 200.J.


''A rransi<;iio para a vida adulta mas" o que

cscr adulro'" I

185

e criatividade, a possibilidade de aumentar o caracter empatico/assertivo, conciliador, tolerante e cooperante. Impera nesta representac;:ao a ncccssidade de preservar os tempos de sociabilidade com o grupo de amigos, os tempos livres e tempos de lazer que nao sao mais entendidos como contraposic;:ao a tempos presos. 0 trabalho, as novas formas de conjugalidade, a vida bmiliar, domestica e ate mesmo o nascimento do primeiro filho - ate entao considerado como um dos aspectos fundamentais para o jovem adulto assumi r a passagem para a vida adulta - sao entendidos, segundo esta "nova etica de vida", como desafios, fontes de prazer e lazer, de bem-estar, de qualidadc de vida, de desenvolvimento e de realizac;:ao pessoal. Todavia, mesmo correspondendo de modo mais proximo as caractedsticas de uma sociedade pos-moderna repleta de desafios, oportunidades, possibilidades de escolha e onde impera o sentimento de liberdade e aventura essa mesma representas;ao emancipada tambem se reveste de uma dimensao negativa que corresponde a outra "face da moeda" - a instabilidade, o risco, a incerteza e a dificuldade de alguns (nomeadamente jovens de classes menos favorecidas) em criar ou aceder as oportunidades apresentando-se, por vezes, vulneraveis a situac;:6es de exclusao e/ou marginalidade.

1. A Juventude e a transis;ao para a vida adulta Tendo em conta o modelo de transic;:ao para a vida adulta de Galland, sociologo france~s, a juventude e essencialmente definida como uma fase de passagem que se efectua entre quatro limites importantes: o fim dos estudos, o inicio da vida profissional, a partida da casa dos pais e a forma<_;:ao do casal. Assim, por um lado, existe o eixo que vai da escola ao trabalho - eixo publico, escolar/profissional e, por outro lado, existe o eixo que vai da dependencia da familia de origem a forma<_;:ao de urn agregado familiar proprio - eixo privado, familiar/ matrimonial (vide Grafico 1).

I NTERVENC,:Ao SociAL,

30, 2004


186

I

Filomena Sousa

Grafico 1 - Modelo de

Escolaridade

Familia de origem

Transi~ao

para a Vida Adulta

Eixo ptlblico - Escolar/Profissional >

Eixo Privado- Familiar/Matrimonial >

Trabalho

Agregado Familiar Proprio

Contudo, este modelo pode apresentar diferentes configura<_;:6es conforme a coincidencia ou nao dos calendarios dos diferentes limites de passagem.

1.1 0 modelo tradicional de transis:ao para a vida adulta Na verdade, se tivermos em coma a realidade portuguesa de ha vinte anos atras podemos falar de urn modelo de transis:ao tradicional, onde usualmente quando se terminava o cnsino obrigatcSrio iniciava-se uma vida profissional, deixava-se a famllia de origcm c constituia-se famllia prcSpria, usualmente atraves do casamento religioso. 0 modelo tradicional de transi<_;:ao para a vida adulta e urn modelo onde 0 modo de passagem para 0 estatuto de adulto nao e complexificado, e simples, linear e bem delimitado. Fundado cm dois prindpios: o prindpio da instand.neadade da passagem da inH'incia/adolescencia para a idade adulta e o prindpio da concordancia necessaria entre o final dos estudos, o inicio da vida profissional, o casamento e a partida da familia de origem, este modelo nao reconhece socialmente a figura da juventude no processo de entrada na vida adulta, nao a considerando entre as idades da adolescencia e de adulto. 0 modelo tradicional de transi<_;:ao para a vida adulta caracteriza-se, deste modo, por urn forte sincronismo entre limites de passagem e define idades de vida de uma forma homogenea - enquanto a infancia e a adolescencia correspondem aos papeis dos estudantes, da aprendizagem e do estatuto de dependencia familiar; a idade adulta define-se na ocasiao da lNTERVEN<;Ao SoCIAL

30.

2004


"A transi~ao para a vida adulta mas ... o guc

cscr adulto'''

I

187

autonomia econ6mica, residencial e afectiva. Assim, este modelo e muitas vezes considerado enquanto modelo de identificas;ao (facil identificas;ao e distins;ao de papeis e funs;oes do adolescente que estuda e vive corn os pais eo adulto que trabalha e tern familia propria) ou de instalas;ao (onde exrste um percurso univoco e linear de instalas;ao na vida adulta) (vide Grafico 2). Gnifico 2 - Modelo Tradicional da Entrada na Vida Adulta

hm dos

Escolaridade

cst.udoJ

Trabalho

Eixo Escolar - Profissional Viver com os pais em casal

Dcpmrlenrill Ft1wiliar

Vida Eixo Familiar - Matrimonial

I

INFANCIA E ADOLESCENCIA

IDADE ADULTA

I

Para alem deste modelo caracterizar, acima de tudo, a realidade portuguesa de ha cerea de vinte anos atras, ele ainda nao desapareceu totalmente e continua a verificar-se sobretudo junto das classes populares, operarias e rurais, onde e necessaria comes;ar a ganhar a vida cedo e onde 0 casamento e um factor decisivo para a autonomia em relas;ao a da familia de origem. De referir, ainda, que em certas classes superiores, onde se evidenciam valores tradicionais e conservadores, este modelo, para alem de ser praticado de forma diferente, tambem e muitas vezes defendido e perpetuado. Contudo, a partir dos anos 70 este modelo tradicional de entrada na vida adulta e colocado em causa. Acontece que se por um lado "se regista a mudans;a da idade media de transposis;ao dos principais limites, por outro lado da-se uma tendencia crescente das desconexoes entre esses limites" (Galland, 1996: 40). INTERVENyAo

SociAL,

30, 2004


188

I

Filomcna Sousa

0 modelo de identifica<;:aolinstala<;:ao sofre varias press6es tanto corn o prolongamento escolar e o crescimento de aspira<;:6es a mobilidade social coma corn a mudan<;:a no sistema familiar e matrimonial e corn as mudan<;:as nos modos de passagem a vida profissional que sao cada vez mais longos, conduzem menos frequentemente e menos directamente a urn emprego estavel, sendo a rela<;:ao entre os titulos escolares e os lugares de trabalho baixa e no sentido da desvaloriza<;:ao dos diplomas.

1.2 0 novo modelo de transis:ao para a vida adulta Corn as novas condi<;:6es da vida familiar e matrimonial, os novos modos de entrada na vida activa e todas as mudan<;:as socioecon6micas, os antigos sistemas de referencia que estavam na base das formas de transi<;:ao para a vida adulta entre as gera<;:6es mais velhas revelam-se ultrapassadas e invalidas. Na verdade, deixa de ser possivel entender o tempo que medeia entre o fim da escolaridade obrigat6ria e o exerdcio de uma profissao coma urn tempo linear. Estc alonga-sc cada vez mais e perde-se o caracter de instantaneadade que no modclo tradicionallevava a uma irreversivel inser<;:ao profissional. A defini<;:ao do cstatuto de adulto passa agora por urn periodo de indetermina<;:ao. Quando sactn do ensino, obrigat6rio ou superior, a maioria dos jovens passa por urn periodo de interregna entre a escola e o emprego. Os itiner<irios de passagem para a vida activa que caracterizam esse periodo de interregna sao cada vez mais marcados pelo desemprego, o emprego intermitente, forma<;:ao, o subemprego e a inactividade. Esta indetermina<;:ao profissional, familiar e conjugal junto corn a extensao dos tempos de forma<;:ao (essencialmente entre as classes medias e superiores) permite a considera<;:ao social do termo juventude num novo modelo de transis;ao para a vida adulta. Urn madela de experimentar;aa que e definido nao s6 pela indefini<;:ao e dessincroniza<;:ao da integra<;:ao no mundo do trabalho remunerado e a constitui<;:ao da familia como pela "passagem par diversas experiencias sociais, ao longo de urn processo interactivo, feito de ensaios e erros, que pretende chegar a urn compromisso satisfat6rio" (Galland, 1996: 43). Neste modelo as decis6es que o jovem toma sobre a vida profissional ou familiar podem passar-se em tempos completamente diferentes exisI:--;TERvE;-.;(,:.:i..o SocrAL, 30, 2004


"A transi<;co para a vida adulra mas ... o que

e ser adulro''"

I

189

tindo uma diversidade de modalidades de passagem que serao utilizados de acordo corn os grupos e os contextos sociais. As decis6es podem e sao muitas vezes reversiveis evidenciando-se, como ja referimos, o conceito de jovem adulto que pode, por exemplo, terminar os estudos, come<;:ar a trabalhar, deixar de trabalhar, ficar desempregado, coabitar corn um(a) parceiro(a), arranjar urn emprego pred.rio, ser economicamente dependente dos pais, voltar a ter urn emprego esd.vel, casar, divorciar (... ). Nao e possivel, desta forma, falar de urn unico modo tipico e univoco de transi<;:ao dos jovens para a vida adulta. As transir;oes sao nutltiplas, distintas e difirentemente vividas pelos jovens (Mach ado Pais, 199la: 473) (vide Grafico 3). Grafi.co 3 - Novo Modelo de Transis:ao Para a Vida Adnlta

Ensino

O~rigatorio ~ ~"~~

l

Emplrego

Fixo Prib!ito

Formac:;ao Profissional ~

I

--~" Desemprego

~-~~,I

Prolongamento Escolar

Subemprego

1

Esragios

Familia de origem

~

Op<;ao Conjugal

I 1 ""

Viver so ou com Amigos Uniao de facto Casamento

JOVEM ADULTO Percursos possiveis (entre outros) -E----7 Nfveis de inf1uCncia enue a Insen;:ao Protlssional!EstrarCgias Fatniliares e Marrimoniais Forte -----:> Muito Forte -

lNTERVEN<;Ao

SociAL,

30, 2004

1


190

I

Filomena Sousa -----------------------

Segundo este modelo de diversidade de estrategias de Galland, a que Machado Pais chama de modelo das trajectorias yo-yo, a entrada na vida adulta nao se define como urn periodo de crise mas de experimentac;:ao e de definic;:ao progressiva, como uma fase normal do ciclo de vida que nao e marcada por meros problemas psicologicos nem pela marginalidade social, mas por escolhas e soluc;:6es para os problemas de inserc;:ao que, evidentemente, podem ser marcadas por urn trabalho longo e diflcil, por vezes doloroso, de determinac;:ao de identidade e de estatuto. Muitas das dificuldades pelas quais os jovens tern de passar durante os processos de entrada na vida adulta (nomeadamente os jovens das classes medias detentores de maior capital escolar) tern origem na forma como tern sido socializados pela familia e pela escola. As expectativas criadas nem sempre correspondem a realidade, as mudanc;:as nas oportunidades de emprego e tipos de trabalhos, as novas formas de constituic;:ao de familia e as novas interacc;:6es conjugais. Por estes motivos o novo modelo de transic;:ao para a vida adulta tern de ser pautado por uma transformac;:ao gradual das tradicionais normas de referencia pretendendo-se a adaptac;:ao as novas realidades. Assim, se por urn lado o modelo de experimentac;:ao e diversidade de estrategias e influenciado por constrangimentos socioeconomicos, tambem acontece que se deu urn "processo de rcvisao do sistema de referencias normativas tradicionais em que se envolvem, conjuntamente, pais e filhos" (Machado Pais, 199lb: 986). A idade da experimentac;:ao dos modos de ser e, ainda, a idade onde se cultivam os prazeres do encontro, dos tempos de lazer e do grupo de pares. E por excelencia a idade da sociabilidade amigavel apreciando-se as relac;:6es de amizade. 0 novo modelo de transic;:ao para a vida adulta, onde se prolonga a fase de vida que surge associada a juventude, define, deste modo, urn eixo ptiblico que se encontra estritamente relacionado corn mt'dtiplos factores estruturais, corn as transformac;:6es socioeconomicas, as novas formas de desemprego, as novas profiss6es, novos desenvolvimentos sectoriais da economia, etc. E, por outro lado, urn eixo privado que esta sujeito a transformac;:6es sociais, familiares e individuais como o adiamento da idade de casar; o reforc;:o do peso funcional da familia atraves de uma solidariedade

INTERVEN<;;\o SociAL,

30,

2004


''A transis:ao para a vida aJulta mas .. o que

eser adulto'"

I

191

prolongada, corn a ajuda economica, residencial e na procura de emprego; a experimenta<;:ao de rela<;:6es amorosas, as diferentes formas de conjugalidade que podem passar por cxcmplo, pela coabita<;:ao e a uniao de facto, entre outras mudan<;:as que marcam essencialmente os jovens das classes medias. Ou seja, a entrada na vida adulta nao se define como urn periodo de crise, mas urn periodo de experimenta<;~io c de dcfini<;:ao progressiva, uma fase que nao e marcada por meros problcmas psicol()gicos nem pela marginalidade social mas por escolhas e solu<;:6es para os problemas de inser<;:ao que, evidentemente, podem ser marcadas por um trabalho longo e diflcil de determina<;:ao de identidade e de estatuto (Machado Pais, 1991). Este modelo moderno de transi<;:ao para a vida adulta torna-se ainda mais indefinido se considerarmos as perspectivas teoricas que defendem a ideia de que, mais que momentos de passagem, o que importa para os jovens e a constru<;:ao da sua autonomia. Mesmo dependentes dos seus familiares em termos residenciais e financeiros os jovens constroem a sua autonomia, muitas vezes dentro do seu mundo, que e o seu proprio quarto. Essa autonomia pode nao passar por experiencias decisivas mas por momentos esporadicos e mais ou menos voLiteis - como as primeiras vezes: a primeira navega<;:ao na net, o primeiro passeio pelos chat's; a carta de condu<;:ao; o primeiro carro; o primeiro beijo; a primeira curte; a primeira namorada; o primeiro biscate; o primeiro telemovel (que permite autonomia em rela<;:ao a organiza<;:ao dos tempos de comunica<;:ao corn o grupo de amigos - as mensagens a meia-noite e os toques as tres da manha ... ); entre outras primeiras vezes (Bozon, 2002; Galland, 2001; Singly e Ramos, 2002; Cicchelli, 2001 e Roussel, 2001).

2. 0 Conceito de Adulto Quando se pretende realizar uma pesquisa acerca das representa<;:6es sociais sabre "0 que e ser adulto?" depara-se, de imediato, corn uma lacuna da investiga<;:ao social em rela<;:ao a esta fase de vida. A bibliografia que se encontra diz respeito essencialmente a quest6es ligadas a forma<;:ao de adultos remetendo-nos, acima de tudo, para a problematica das necessidades de forma<;:ao, da constru<;:ao de curriculos de forma<;:ao e dos

INTERVENyAo

SociAL,

30, 2004


192

I

Filomena Sousa

metodos pedagogicos. Nesta bibliografia acontece, ainda, serem raros os casos em que se tenta definir de modo mais preciso e profunda o conceito de adulto. Assim, se e corn alguma facilidade que se encontra uma extensa bibliografia sabre quest6es ligadas a infancia, a adolesd~ncia, a juventude e ao idoso, o mesmo nao se passa quando o tema que se pretende trabalhar se desenvolve em torno do conceito de adulto. De referir, no entanto, que se revelaram essenciais para o desenvolvimento da proposta teorica desta pesquisa os estudos de Clarrissa Kulgelberg sabre as imagens culturais dos jovens suecos no infcio da vida adulta (1998) e de Ann Nilsen sabre as representa<;:6es dos jovens noruegueses sabre a vida adulta (1998) 1• Outro dos trabalhos mais recentes e que se debru<;:a sabre a defini<;:ao do conceito de adulto e a obra "A imaturidade da vida adulta" (2000) de Jean-Pierre Boutinet, especialista em forma<;:ao continua. Estc autor tambem se refere a reduzida bibliografia que se encontra sobrc o conceito de adulto, nomeadamente em Fran<;:a, considerando que esta rcalidadc existe pot¡que "falar sobre a vida adulta pode parecer aparentcmcntc banal" (Boutinet, 2000: 13), ou porque a vida adulta e "deixada aparcntcmcnte nas suas antigas certezas como uma idade sem problemas, uma vez definida coma idade de referencia" (Id. Ibidem: 11). Na pesquisa, "rorma<;:ao Percursos e Identidades" (2003) de Ana Maria Costa e Silva, identificam-se diferentes propostas pedagogicas da forma<;:ao de adultos que se baseiam, acima de tudo, na perspectiva psicologica ou no ambito das ciencias da educa<;:ao para identificar caracteristicas que diferenciavam a educabilidade do adulto da educabilidade de crian<;:as e adolescentes. Nestas propostas o adulto cot-responde, usualmente, a "urn estagio pas-formal, (considerarmos a tipologia de Piaget)" (Costae Silva, A. M aria, 2003: 39). Entre as caracteristicas espedficas da educabilidade do adulto evidenciam-se a experiencia, a capacidade de adapta<;:ao, antecipa<;:ao, distanciamento, autonomia e paciencia, que estao descritas no quadro n. 0 4. 1

Nao iremos para ja considerar as cspccificidades e diferenc;as que cxistem entre a sociedadc do Norte e do Sui da Europa e como estas influenciam a existencia de diferentes modelos de passagem a vida adulta, interessa-nos, neste momento, identificar apenas a representa<;ao destes jovens sobre 0 que e "ser adulto". 1:--;rTERvE;...;<>'-o SociAL 30, 2004


"A transi<;ao para a vida adulra m as .. o que

Quadro

11, 0

eser adulro'" I

193

4- Caractedsticas que diferenciam a educabilidade do adulto da educabilidade de crian<;:as e adolescentes

Experiencia

Que possibilita a capacidade de raciocinio e julgamento pertinente. Capacidade de equilibrar situa<;:6es em que outras a que se deve acomodar.

Adapta~tao

e passive! assimilar c

Capacidade para representar, adaptar-se e elaborar projectos sabre o futuro.

Antecipa~tao

Ser capaz de esperar, paciencia para alcan<;:ar objectivos que se concretizarao mais tarde.

Paciencia Distanciamento

Capacidade reflectir e analisar sob re a representa<;:ao de si proprio, 0 lugar que ocupa, quem c, 0 que e capaz de fazer. Capacidade de decisao, mobiliza<;:ao e gestao das informa<;:6es, experiencia e conhecimentos adquiridos.

Autonomia

No entanto, a autora tambem assume que estas caracteristicas nao possibilitam uma defini<;:ao clara do conceito de adulto uma vez que nunca se refere como e que estas caracteristicas se estruturam nas pd.ticas quotidianas dos individuos. Analisando as pesquisas anteriormente referidas e possivel concluir que o conceito normativo e tradicional de adulto assente na ideia de maturidade adquirida e realiza<;:ao definitiva - que nos remete para a perspectiva etimologica da palavra adulto de origem latina adultus definida por aquele "que terminou de crescer"- foi (e muitas vezes continua a ser) urn conceito preponderante, produto de urn quadro tradicional de exigencias imposto e nao questionado desde os meados do seculo XIX ate ao final da Segunda Grande Guerra (Costae Silva, Ana M., 2003: 36). Contudo, apos a Segunda Grande Guerra e sobretudo nos anos 60 e 70, o termo adulto adquire novos significados. Considerando concep<;:6es provenientes da psicologia, psiquiatria e filosofia e possivel identificar 0 desenvolvimento de varias pesquisas (Teilhatd de Chardin, 1959; Carl Rogers, 1961 e G. Lapassade, 1963) que, tendo em coma as mudan<;:as socio-economicas advindas de uma sociedade industrial em expansao e a evidencia do fenomeno da individualiza<;:ao, substitui-se o adulto como estado terminado e estatico pelo adulto enquanto estado inacabado, sujeito a urn continua processo de constru<;:ao e desenvolvimento, o adulto INTERVENyAo

SacrAL, 30,

2004


194

I

Filomena Sousa

"e entendido doravante como perspectiva, uma maturidade vocacional nunca atingida, mas em continua conquista" (Boutinet, 2000: 17). Perante esta nova direc<;:ao que toma a defini<;:ao do conceito de adulto e possivel definir duas posi<;:6es distintas. Assim, se por urn lado se identifica o adulto corn urn processo de constru<;:ao, questiona-se o sentido desse processo e ate meados dos anos 70 varios trabalhos apontavam essencialmente para uma perspectiva optimista - uma corrente assente na perspectiva humanista evolucionista (Carl Rogers, 1961) que fundamentava a existencia de uma orienta<;:ao positiva para todos os homens, o estado inacabado do homem era visto como a possibilidade de progredir, de conservar as suas formas juvenis, a angustia dos individuos face as caractedsticas da sociedade moderna e industrial e considerada como "remanescente, como portadora de esperan<;:as e optimismo" (Boutinet, 2000: 15). A partir dos anos 90, o processo de constru<;:ao ao qual o adulto esta sujeito e questionado segundo uma visao pessimista, o adulto deixa de ser entendido como perspcctiva para ser visto como problema, o desenvolvimento de uma sociedadc pos-industrial, pos-moderna, onde predomina a incerteza, o risco "nao que a modernidade seja mais arriscada do que epocas anteriores (... )' 0 que e novo e a inevitabilidade do raciodnio em termos de avalia<;:ao desses riscos" (Teixeira, 2001: 37) - desordens e situa<;:6es de precariedade, vulneraveis e frustrantes de marginaliza<;:ao promovem a permanente instabilidade (Boulte, P.l995 e Ehrenberg, A., 1991 e 1995). A exemplo desta corrente Boutinet refere a obra de A. Ehrenberg, "L'Jndividu lncertain" (1995), onde o adulto de hoje tern de assumir responsabilidades crescentes e "se a exclusao e limitada, o sentimento de ser excluido, o handicap relacional, a priva<;:ao de ser estao sempre presentes". Tambem "a experiencia contemporanea do individuo e uma interroga<;:ao maci<;:a sobre a incerteza dos lugares" o que leva Ehrenberg a afirmar que "estamos na idade do individuo inseguro" (A. Ehrenberg citado por Boutinet, 2000: 16). Jean-Pierre Boutinet define assim quatro modelos que estao na base da defini<;:ao do conceito de adulto; urn modelo tradicional do adulto estatico, estavel, de maturidade adquirida, que entendemos neste trabalho que ainda persiste como representa<;:ao predominante na sociedade portuguesa sobre 0 que e "ser adulto", e outros tres modelos emergentes que b-.JTERVEN<;Ao

SociAL, 30,

2004-


"A transi<;:ao para a vida adulta mas .. o que

cser adulto'"

195

evidenciaram nos ultimos trinta anos, o do adulto padrao, o do adulto em perspectiva e do adulto como problema (vide quadro n. 0 5). Quadro 5 - Modelos emergentes da vida adulta durante os t.iltimos 30 anos

Periodo Respcitante

Adulto padrao

¡D•>uuu<

Maturidade Vocacional

Adulto em perspectiva

1960-1975

Dcscnvolvimcnto vocacional

Adulto corn problema

1980-1995

Ucsordcm vocacional

Paradigma

Referencia 1norohorin

..

lnstabilidadc

(in Boutinet, 2000: 17)

0 que consideramos perante estas defini<;:6es do conceito de adulto e que todas estas concep<;:6es coexistem actualmente no individuo e na sua forma de "ser adulto". Estabelece-se urn paradoxo particular entre a representa<;:ao tradicional e a representa<;:ao moderna (positivista ou pessimista) do que e "ser adulto". Verifica-se urn dualismo que, tendo em coma a situa<;:ao da sociedade portuguesa, a caracteriza na sua caminhada para a modernidade - a existencia de "mudan<;:a na continuidade" e a "continuidade na mudan<;:a" (Machado, F. L. e Costa, A. Firmino: 1998), a "prematura<;:ao e imaturidade coexistem ao mesmo nivel que pe<;:as da sociedade industrial perduram dentro da sociedade pas-industrial" (Boutinet, 2000: 228). Ou seja, a representa<;:ao do adulto continua a impor-se numa perspectiva de estabilidade - o adulto socialmente inserido e categoria etaria de referencia para as demais categorias etarias -, contudo, o individuo procura de forma volumaria afastar-se dessa impressao de estabilidade, "actuais testemunhos de adultos evidenciam a sua preocupa<;:ao de se manterem jovens o maxima tempo possivel, ate mesmo adolescentes, nunca deixarem de crescer, mantendo-se neotenicos (inacabados), sempre em busca de realiza<;:6es a completar, de ac<;:6es a recome<;:ar corn a preocupa<;:ao de conservar uma rc~stia de juventude, urn gosto permanente do inedito" (Boutinet, 2000: 19). Pat¡em, ao assegurar cada vez menos a sua INTERVENy.\o SOCIAL, 30, 2004


196

I

Filornena Sousa

identificac;:ao a urn estatuto de estabilidade, o "adulto" ve-se ele proprio sem pontos de referencia, por vezes perdido entre mt'dtiplas dependencias, vulneravel, confrontado corn situac;:oes complexas que o ultrapassam. 0 adulto situa-se actualmente numa sociedade de escolhas, decisoes e projectos - projectos profissionais, de carreira, familiares, de orientac;:ao, inserc;:ao, formac;:ao, de reforma, entre outros - contudo, estas decisoes, escolhas e projectos realizam-se cada vez mais sem a protecc;:ao de urn quadro estruturado de identificac;:oes, cada vez mais as decisoes dependem do indiv!duo e da sua capacidade de se auscultar a si proprio. A sensac;:ao e por vezes a de "duplo vazio existencial e societal" (Id. Ibidem: 227). Existem desta forma duas logicas que resumem as diversas perspectivas sobre o que e "ser adulto"; uma que considera o adulto como sujeito equilibrado, estavel, mesmo rotineiro e instalado e outra que reconhece o adulto como urn sujeito que se perspectiva em desenvolvimento numa atitude de experimemac;:ao, de progressao, de formulac;:ao de desejos e concretizac;:ao de projectos (Costa e Silva: 2003) ou como adulto problerna que tern de lidar corn o imprevisto, o risco, a exclusao e a inexistencia de quadros de referencia. Estas duas logicas que se opoem e conferem ao adulto uma definic;:ao paradoxal tambem se podem unir "produzindo urn efeito desmultiplicador numa especie de desestabilizac;:ao da vida adulta" (Boutinet, 2000:19) que leva a assumir uma nova maneira de "ser adulto". Esta nova forma de "ser adulto", a luz do que acontece corn o modelo da diversidade de estrategias e de experimentac;:ao dos jovens e os jovens adultos na transic;:ao para a vida adulta, tambem assume a possibilidade de avanc;:os e recuos nas trajectorias do proprio adulto. Mais que garantir a consolidac;:ao de situac;:oes estaveis, na construc;:ao das novas biografias pessoais, o adulto pretende definir uma autonomia face a urn ciclo de vida dito tradicional. 0 adulto assume que continua, tambem ele, a viver primeiras vezes - quando se divorcia; ao reconstituir familia; no relacionamento corn enteados(as); ao voltar a residir corn os pais; corn o primeiro filho nu m a idade avanc;:ada; no trabalho apos a idade da reforma; corn a primeira rnudanc;:a de emprego; o prirneiro negocio por coma propria; o primeiro investirnento, entre outras novas primeiras

vezes.

lNTERVENyAo

SacrAL,

30, 2004


"A transi<;ao para a vida adulta mas .. o que

e ser adulro?"

197

3. Conclusao Por L'dtimo convem, ainda, referir que esta investigas;ao parte da perspectiva de que a perplexidade face as novas oportunidades surge, na maior parte das vezes, pot路que instituis;6es como a escola e a familia continuam a socializar os jovens segundo o modelo tradicional de transis;ao para a vida adulta - 0 jovem e frequentemente socializado numa perspectiva de se tornar o "adulto" estavel e seguro - o que cada vez menos se enquadra na sociedade em que vivemos, ou seja, esta socializas;ao promove expectativas que usualmente nao correspondem a realidadc. De acordo corn o artigo "Padr6es de vida dos estudantcs universid.rios nos processus de transis;ao para a vida adulta" de Ros;irio Mauritti (200 l), os jovcns que actualmente prolongam os seus tempos escolarcs vivem sob a protccr;ao da famllia de origem, dependem dela financeiramente e usualmente os seus tempos e espas;os estao separados das outras esferas da vida social, nomeadamente do mercado de trabalho, ou seja, as representas;6es dos jovens sobre o que sera a sua vida profissional e familiar partem especialmente da experiencia escolar "e da estrutura de oportunidades criadas ou projectadas nos contextos alargados de sociabilidade que a escola (e a famllia) nu m sentido global - ajuda(m) a fomentar" (Mauritti, 2001: 112). Fazendo urn paralelismo entre o modo como se considera que as instituis;6es vivem actualmente a problematica da passagem para a vida adulta e o que e "ser adulto" corn a perspectiva que Giddens tem sobre o modo como estas encaram fen6menos caracter1sticos da sociedade p6s-moderna, como e o caso da globalizas;ao, nao se pode falar na famllia, do trabalho, da escola e de ourras instituis;6es como se estas nao tivessem que mudar. Giddens chama-lhes de "instituis;6es incrustadas" - "instituis;6es que se tornam inadequadas para as tarefas que sao chamadas a desempenhar (... )". Giddens considera mesmo que "a impotencia que sentimos nao e sinal de qualquer fracasso pessoal, e reflexo apenas da incapacidade das nossas instituis;6es. Precisamos de reconstruir as que temos, ou de as substituir por outras" (Giddens, 2000: 31). Boutinet (2001) que segue a mesma perspectiva de Giddens ao propor que as instituis;6es socializadoras como a escola e a famllia se devem adaptar a nova condis;ao social dos jovens, alerta para a necessidade do desenvolvimento de uma pedagogia "p6s-moderna" onde se explora todas lNTERVEN<;Ao

SociAL, 30, 2004


198

I

Filomena Sousa

as oportunidades e caminhos poss{veis, mesmos que contraditorios, para que os jovens estruturem e organizem situa<;:6es paradoxais 2 , para que nao se inibam a constrangimentos e representa<;:6es preconcebidas, responsabilizando-se pelas suas oportunidades e liberdade de escolha tendo sempre a possibilidade de desistir e voltar awis caso, numa perspectiva de desenvolvimento e realiza<;:ao pessoal, is so se justifique (Boutinet: 2000).

Bibliografia AvANZINI G., ''L'amhropolescence", in L'r!duCtltion des adultes, Paris, Anthropos, 1996. BECK, Ulrich, Risk Society, Londres, Sage Publications, 1992. BRAGA DA CRuz, Manuel et al., "A condic;:ao social da juventude ponuguesa" in Andlise Social, 1984, 20 (81-82), Lisboa, pp. 285-308. BozoN, Michel, (2002), "Des rites de passage aux <<premieres fois禄 une experimentation sans fins", in Agora-Debats!jeunesses, n.O 28, Paris, L' Harmattan, pp. 22- 32 BouLTE, P., L' individu en jl路ichcs, Paris, Desclee de Brouwer, 1995. BouTINET, Jean-Pierre, A Jmaturidade da Vir/a Adulta, 2000, Porto, Res-Editora, Lda. BouRDIEU, Pierre, "Youth is just a word", in: P. Bourdieu, Sociology in Question, 1984, London, Sage Publications Ltd., pp. 143-155. C!CCHELLI, Vincenzo, (2001), ['construction de l'autonomie, Paris, Presses Universitaires de France, pp 144-204 CoLLECTIF, ''L' evolution des valeurs des Europecns", Futuribles, 200, 1995 - Etre adulte, 100 personnalites temoignati de leur experience. Paris, Albin Michel-La Vie, 1996. DEGNIER, Marc-Andre, "Crise de la jeunesse et transformations des politiques sociales en contexte de mutation struturale", in Sociologie et Societes, XXVIII, 1996, 1, pp. 73-88. EHRENBERG A., Le culte de la performance. Paris, Calmann-Levy, 1991. EHRENBERG A., L'individu incertain, Paris, Le Seuil, 1995. EuAs, N., A Sociedade dos !ndividuos, Lisboa, Publicac;:6es D. Quixote, 1993.

2 Coma por cxcmplo, conseguir um emprego que lhes de realiza~ao pessoal nu m a sociedade em que deixou de existir o que anteriormente designavamos como o "emprego para o resto da vida".

lNTERVEN\=f\o SociAL, 30, 2004


"A transis:ao para a vida adulta mas .. o que

c ser adulro'"

199

EuAs N., Du temps, Paris, Fayaid, 1997. GALLAND, Oliver "Precarite et entree clans la vie", in Revue Franraise de Sociologic, XXV, 1984, pp. 49-66. GALLAND, Oliver "Formes et transformations de !'entree clans la vie adulte", in Sociologic du Travail, 1985, 1, pp. 32-53. GALLAND, Oliver "L'entn~e clans la vie adulte en france. Bilan et perspectives sociologiques", in Sociologic et Sociites, Vol XXVIII, n. 0 1, Printemps, 1996, pp. 37-46. GmoENS. A., The transformation ofintimacy: sexuality, love & erotism in modern societies, 1992, Oxford, Polity Press, p. 186. GmDENS, Anrhony, As Comequencias da Modcmidrule, 1992a (1." Ed.), Oeiras, Celta Edirora. GmoENS, A., Modernidade e Identidade Pessoal, 1997, Ociras, Cclta Editora GmoENS, Anthony, Modernizrt~'iio Rejlexiva, 2000 (1." Ed.), Oeiras, Celta Editora. GoKALP, Catherine, "Quand vient !'age des Choix. Enquete aupres des jeunes de 18 a 25 ans: emploi, residence, mariage", 1981, Paris, Presses Universitaires de France, Institut National d'Etudes Dernographiques, Col. Travaux et Documents, cahier n. 0 95. LASH, S., "Reflexive modernization: the aesthetic dimension", in Theory, Culture and Society, 10, 1992. LAPASSADE, G., L'entrie dam fa vie, essai sur!' inachevement humain, Ed. De Minuit, 1963. LESTON BANDEIRA, Mario, '"Crise da Familia' e Novos Protagonismos Sociais", in Mutaroes Sociais Mentalidades e Comportamentos, 1997, Ministerio da Educa<;:ao, pp. 15-35. LIPOVETSKY, Gilles, A Era do Vazio, Lisboa, Rel6gio d'Agua, 1989. MACHADO, Fernando Lu!s, CosTA, Am6nio Firmino, "Processos de uma Modernidade Inacabada", in Jose Manuel Leite Viegas e Ant6nio Firmino da Costa (org.), Portugal, Que Modernidade?, Oeiras, Celta Editora, 1998 (2.' edi<;:ao), pp. 17-44. MACHADO PAIS, Jose, "A constru<;:ao sociol6gica da juventude: alguns contributos", in: Andlise Social, 1990, XX- 1. 0 e 2. 0 (105-106), Lisboa, pp. 139-165. MACHADO PAIS, Jose, Formas Sociais de Transirao para a Vida Adulta- Os ]ovens Atraves dos Seus Quotidianos, Disserta<;:ao de Doutoramento em Sociologia, 1991a, Lisboa, ISCTE. MACHADO PAIS, Jose, "Emprego juvenile mudan<;:as sociais: velhas teses, novos modos de vida", in Andlise Social, Vol. XXVII, n. 0 114, 1991b, Lisboa, ICS, pp. 945-987. MACHADO PAIS, Jose, ''A vida como aventura: uma nova etica de lazer", in Aetas do Congresso Mundial do Lazer, 1992, Lisboa, ICS, pp. 99-110. INTERVEN<;Ao

SociAL, 30,

2004


200

I

Filomena Sousa 路路----

--------

MACHADO PAIS, Jose, Ganchos, Tachos e Biscates -]ovens, Trabalho e Futuro, 2001, Porta, Ambar. MAURITTI, Rosario, "Padr6es de vida dos estudantes universitarios nos processos de transi<;:ao para a vida adu!ta", in Sociologia Problernas e Prdticas, n. 0 39, 2002, Lisboa, Editora Celta, pp. 85-116 MATIAS, Nelson, "A Educa<;:ao ea escola", injuventude Portuguesa: Situar;:oes, Problemas, Aspirar;:oes, Vol. I, Resultados Globais, 1989, Lisboa, ICS, pp. 75-97. Moscovrcr, S., Social Cognition, Londres, Academic Press, 1981. NILSEN, Anna, "Representa<;:6es dos ]ovens acerca da Idade Adulta" in GUERREIRO, M aria das Dares, Trabalho (Coord.), Familiae Gerar;:oes: Conciliar;:iio e Solidariedades, 1998, Lisboa, Celta Editora, pp. 139-143. RoBERTS, Kenneth, PARSEN, Glennys, "Cu!turas de juventude, transforma<;:ao social e a transi<;:ao para a vida adulta na Gra-Bretanha", in Andlise Social, Vol. XXV (105106), 1990 (l.o, 2."), Lisboa, ICS, pp. 167-191. RoGERS, C., Outcoming rt Permn, Hough ton Mifflin, 1961. SINGLY, Fran<;:ois, (2002) "Prcbcc", in RAMOS, Eisa, (2002), Rester enfont, devenir adulte, Paris, I:Harmattan, pp. 9-15 SrLVA, Ana Maria Costa c, "Scr adulto: cstado ou processo?" in Formar;:iio, Percursos e !dentidades, 2003, Coimbra, Quartcto Editora, pp. 36-45. TEIHLARD DE CHARDIN, P., L'rtvenir de l'hormne, Paris, Le Scuil, 1959. TmxEIRA, Eisa Guedes, "Solidao, a busca do outro na era do cu: cstudo sob re sociabilidadc na modernidade tardia", in Sociologia Problemas e Prdticas, 2001, 35, pp. 31-48. VALA,]., e MoNTEIRO, M. B., (org.), Psicologia Social, Lisboa; Funda<;:ao Gulbenkian, 1993, pp. 353-384. ZELDIN, Theodore, Hist6ria intima da Humanidade, Lisboa, Editorial Teorema, 1994.

INTERVENc;:Ao

SociAL, 30, 2004


INTERVENc;:.\o SocrAL, 30, 2004: 201-212

Marlene Braz Rodrigues LouREN<;:O *

Vitimas de Abusos Sexuais Da interven~ao individual a interven~ao em rede 0 autor quer aifatizrlr rl ncccssidrrdc de nflcctir cm Portllgal sobre um paradignza te6rico e tecnico-prritico nos contomos do r1buso scxur1l de formfl a organizar uma politica imegral pm路a prestflr atcnriio lis uftimtls, lis suas fomilias e aos abusadores. Pm'fl isso e urgente criar um cspr~ro de debr~te elltre os uririos projissionais com r1 experiencia no cmnpo do abuso sexual pr1rr1 euoluir nos problemas que a prritiCfl projissimwl coloca, e comribuir para criar uma rede totfll que possfl prestflr fltenriio aos udrios niueis da interuenriio, e que procure identijicflr, cflrflcterizrlr e flnfllisar o trr~jectolcircuito deste pziblico em uririas dreas da interuenriio. Ouro os passos dele no corredor. A madeira do soalho range sempre, como rangem as sofas dos setts sapatos. Fechei a porta mas sei que niio vai adiantar nada. Ele consegue sempre o que quer. ]d OUfO, a maraneta roda devagarinho e sinto a respirariio pesada, 0 /;dlito a cerveja, o suor que lhe escorre do corpo. Encolho-me, mas sei que niio servird de nada. Ele consegue sempre o que quer. E quer-me a mim ...

a

(Mdrio Cordeiro in

Ou~o

os pass os dele no corredor .. .)

A Intervens:ao do Assistente Social nos Servi<;os Medico-legais As principais referencias processuais relativas as competencias dos institutos de medicina legal em materia da pericia medico-legal propriamente dita estao contempladas no artigo 159.0 do Codigo de Processo Penal de

路 Professora Associada do ISSSL. Assistente Social na Delega<;:ao de Lisboa do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML)


202

I

Marlenc Braz Rodrigues Lourcn~o

1987 (pericia medico-legal e psiquiatrica) 1, no Decreto-Lei n. 0 96/2001, de 26 de Maryo (atribuiyoes do Instituto e competencias do Serviyo de Cllnica Medico-Legal) 2 e na Lei n." 45/2004 de 19 de Agosto 3 (realizayao de pericias). Tal como refere Costa Santos (1998) o exame pericial tern as suas regras: tern urn espayo, urn tempo e urn modo que devem ser respeitados. Os medicos, de quem se espera a busca e identificayao da "prova", i.e., "a pesquisa sistematica e o reconhecimento das marcas ou indicios de abuso sexual" (Costa Santos, 1998: 64), deparam-se, no entanto, corn im'tmeras dificuldades que surgem naturalmente acrescidas quando as vitimas sao crianyas e jovens. E o autor enumera algumas delas: a ignorancia, por parte de alguns medicos, de vectores importantes como a epidemiologia; a dinamica e os diversos modos de apresentayao dos abusos sexuais; o conhecimento das eta pas OU estadios do desenvolvimentO das crianyaS (e diferente observar uma crianya de dois anos de idade, uma crianya de oito ou uma jovem); o desconhecimento das regras do exame pericial; o dominio das tecnicas de observayao nestes diferentes grupos edrios (recurso a manipulayao de bonecos, ao desenho, ao jogo, a dramatizayao). Estas questoes sao tanto mais pertinentes quanto se observam, frequentemente, comportamentos relativos ao exame mcdico que incidem quase exclusivamente nas lesoes existentes ao nivel da regiao perineal. 0 exame pericial nao se esgota no acto de identificar a presenya de vestigios traumaticos ou infecciosos, ainda que isso seja necessario e importante. Porem, limitar o exame a esses objectivos equivale, como refere Costa Santos (1998) "a I"( ... ) 1. a perfcia medico-legal C deferida dOS institlltoS de medicina legal, aos gabinetCS medico-legais, a mcdicos contratados para o exercicio de func,:6es periciais nas comarcas ou, quando isso nao for passive! ou convenicntc, a quaisquer mcdicos especialistas ou de reconhecida competcncia para a actividadc medico-legal, nos termos da lei ( ... )". 2 No artigo 2. 0 do referido Decrcto-Lei refere coma atribuic,:6es do Instituto: "( ... ) b) Coopcrar com os tribunais e demais scrvic,:os e entidades que intervem no sistema de administrac,:ao da justic,:a, realizando exames e pericias de medicina legal que lhe forem solicitados, bem como prestar-lhcs apoio tecnico c laboratorial especializado ( ... )". No artigo 27.0 (Servic,:o de Clinica Medico-Legal) pode ler-se: "! - Ao Servic,:o de Clinica Medico-Legal compete a realizac,:ao de exames c pcricias em pessoas, para descric,:ao e avaliac,:ao dos danos provocados na inrcgridade psico-fisica, nos diversos dominios do direito, designadamente no ambito do direito penal, civil c do trabalho, nas comarcas do ambito territorial de actuac,:ao da clclegac,:ao ( ... )". 5 0 artigo 2.0 da Lei n.o 45/2004 de 19 de Agosto de 2004 refere: "1 -As pericias medico-legais sao realizadas, obrigatoriamenre, nas delcgac,:oes e nos gabinetes mcdico-legais do Instituto Nacional de Medicina Legal, adiante design ado por Instituto, nos termos dos respectivos estatutos ( ... )" INTERVE"<;'\o SoCIAL, _10, 1004


Vltimas de Abusos Sexuais- Da intcrvenc;:ao individual ;l intervcn<;J.o cm rcde

203

tocar notas quando o que importa e fazer musica" (Costa Santos, 1998: 65) 4 . A ausencia de sinais f!sicos nao permite, portanto, excluir essa possibilidade sobretudo quando muitos dos observados apresentam outro tipo de sinais e sintomas - os de natureza cognitiva, afectiva e emocional. A desvaloriza<;ao de indicadores importantes, coma, par exemplo, o tipo de interac<;ao corn os acompanhantes da crian<;a de alegado abuso sexual, o relata que ela faz dos acontecimentos e o modo coma descreve as suas queixas (quando consegue exprimir-se verbalmente), a postura, o contacto e as altera<;6es do comportamento 5 comprometem os objectivos da sexologia forense 6 pm路que enferma ainda daquilo que Costa Santos (1998) designa de paradigmrl hirnenocrdtico 7 . 0 exame pericial, de naturcza sexual, rcprcscnta um mcio de prova que nao pode ser limitado tao-so a idcntiflca<;iio de sinais traumaticos ou vesdgios infecciosos, constituindo "uma s!ntesc compreensiva c integrada de todos os elementos apurados, sejam eles de natureza flsica, psicol6gica ou comportamental" (Costa Santos, 1998: 69). Tambem o Assistente Social da Delega<;ao de Lisboa do INML procura contribuir para a mudan<;a de algumas pd.ticas de interven<;ao nesta area. Nesse sentido, o presente ., Nu m escudo efectuado no servic;;o de Cl!nict Medico-legal do lnstituto de Medicina Legal de Lisboa entre 1989 e 1993, vcrificou-se que de num total de 602 alegadas v!timas de abuso sexual, cerea de 77% eram crianc;;as ou adolescentes e destas cerea de 63% nao apresentavam a data da observac;;ao, sinais fisicos de abuso sexual (Madeira, R. & Costa Santos, ]. (1995): "Sexual Offences: some data on alleged victims examined at the Institute of Legal Medicine of Lisbon in a five years period (1989-1993)", Minerva Medicolegal, 115(4): 181-185). 5 As principais alterac;;6es do comportamento sao: o medo e a ansiedade, as perturbac;;6es do sono e os pesadelos, o retraimento, a desconfianr,:a, o mutismo, a passividade ou alheamento, ou, ao inves, a desinibic;;ao ou a erotizac;;ao, a sensar,:ao de que o seu corpo se enconcra sujo ou ferido, o medo de que os orgaos genitais tenham ficado irreparavelmente marcados) 6 Ramo da medicina legal que se dedica, entre mm路as quest6es, ao escudo e investigac;;ao das alegadas v!timas de crimes contra a liberdadc c autodeterminac;;ao sexual. -A incidencia da pedcia medico-legal de natureza sexual na observac;;ao dos orgaos gcnitais externus e, cm especial, do himen, erigido, assim, em sede privilegiada, senao mesmo exclusiva, de prova (Costa Santos, 1998: 67). Esta postura rcmonta aos primordios do seculo e segundo esta, os peritos medicos "deviam fechar os ouvidos e abrir os olhos", querendo eo m isto significar que a unica maneira de garantir a objcctividade do exame consistia em impedir que a observac;;ao pudesse ser de alguma forma contaminada pelas informac;6es relacionadas com os aconcecimentos que !he deram origem. A proposito desta questao Costa Santos contrap6e: "semelhante recomendac;ao ignora que a primeira condic;;ao de objectividade consiste justamente em reconhecer que em tudo existe uma componentc subjectiva (maior ou menor, mas existe). Esta postura nega o valor da informac;;ao (qualquer que seja a sua proveniencia) e a capacidade que o perito deve possuir para gerir a informac;ao obtida e compara-la com os resultados da sua propria observac;;ao (Costa Santos, 1998: 68). lNTERVENy:\o SociAL, 30, 2004


204

I

Marlene Braz Rodrigues Lourcn~o

---.-····---···.

---~-·

- - - -

trabalho visa reflectir algumas questoes que a pratica profissional tern colocado: • o aprofundamento das causas que geram, mantem e reproduzem o fen6meno do abuso sexual; • a necessidade de uma intervew;:ao integrada (global) que imegre as multidimensoes deste fenomeno e que procure mudar as trajectorias das crians:as e dos jovens, das suas famflias e dos abusadores.

0 atendimento efectuado pelo Assistente Social na Delegac;ao de Lisboa do Instituto Nacional de Medicina Legal (DL-INML) Na Delega<;:ao de Lisboa do Instituto Nacional de Medicina Legal (DL-INML) privilegia-se a intervens:ao directa corn as v{timas de violencia sexual (l.a fase de interven<;:ao), o qual pretende constituir o ponto de partida para uma intervens:ao em rede que envolva varios parceiros sociais (2.a fase da interven<;:ao). Atraves de urn conjunto de proccdimentos, o Assistente Social (A.S.) recolhe urn conjunto de informas:ao que permitem a analise e diagn6stico da situa<;:ao social da crian<;:a ou do(a) jovem. 0 resultado depende, como, alias, acontece noutras situa<;:oes, da intersec<;:ao de dois vectores: o primeiro, estreitamente ligado a uma competencia te6rico-metodol6gica e o segundo, escorado no conhecimento tecnico (e nao tecnicista), relacionado corn a utiliza<;:ao dos instrumentos de trabalho e corn as competencias profissionais (treino, familiariza<;:ao, experiencia, etc.). Os instrumentos acima referidos, entendidos como o conjunto de recursos ou meios que permitem a operacionaliza<;:ao da acs:ao profissional, encontram na analise da documenta<;:ao e nas entrevistas corn a crian<;:a ou jovem e seus pais ou familiares, a sua expressao mais relevante. A entrevista efectuada pelo Assistente Social na Delega<;:ao de Lisboa do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) inscreve-se num processo de acolhimento que proporciona: • Um espa<;:o e urn tempo de escuta, bem diversos dos interrogatorios policiais ou administrativos; • A prepara<;:ao para o exame de clinica medico-legal de natureza sexual; INTERVENyAo

SociAL,

;o, 2004


Vitimas de Abusos Scxuais- Da inrerven~oo individual

a interven~ao em rede I 205

• A identifica<;:ao do circuito institucional percorrido pela vitima e seus familiares desde a denuncia/ queixa; • 0 diagnostico da situa<;:ao socioeconomica da familia; • A prepara<;:ao da interven<;:ao com vista a concretizar as medidas que vis am a protec<;:ao da vitima (especialmente quando o agressor se encontra no seio da familia); • 0 encaminhamento para outras institui<;:6es (Ministerio Publico, Comiss6es de Protec<;:ao de Menores, Projecto de Apoio a Familia e a Crian<;:a, Instituto de Apoio a Crian<;:a, Nucleos de Apoio as Crian<;:as Maltratadas e Vitimas de Abusos Sexuais, Tribunais de Familia e de Menores, Centros Distritais de Seguran<;:a Social, Santa Casa de Misericordia, etc.); • A media<;:ao com outros servi<;:os por forma a salvaguardar os direitos das vitimas e das suas familias.

A importancia da entrevista corn as vitimas e os pais/outros familiares A entrevista a sos com a crian<;:a/jovem (quando tal e possivel) incide sobre: o relato verbal, a forma como o "menor" narra/relata o abuso e a sua capacidade em descrever as circunsrancias e fornecer pormenores sobre 0 acontecido; a vivencia do abuso (como e que 0 "menor" descreve um conjunto de vivencias similares as descritas por outras vitimas do mesmo grupo erario); a consonancia/ dissonancia discurso/ comportamento/ afectos; o discurso da crian<;:a em consonancia/dissonancia com a sua idade. Quando da realiza<;:ao da entrevista com a crian<;:a deve ter-se em conta alguns procedimentos, tais como: apresentar a sala onde decorrera a entrevista; familiariza-lo com o espa<;:o; apelar para a imporrancia de nao ter medo e de contar a verdade, orientando-o, sem o pressionar, para o motivo da entrevista; introduzir as quest6es abertas apos a narrativa da crian<;:a de modo a nao produzir "ruidos" na narrativa; usar bonecos e desenhos como auxiliares da narrativa; sintetizar o relato da vitima, nao apenas para completar a informa<;:ao, mas tambem para tentar perceber a sua percep<;:ao e entendimento da experiencia narrada. A entrevista com os pais ou outros familiares tem como finalidade: associar os pais (ou outros familiares) ao processo de apoio, como repreINTERVEN<;:Ao

SociAL,

30, 2004


206

I

Marlenc Braz Rodrigues Lourerwo

sentantes legais da crianc,:a ou coma promotores dos seus direitos; perceber qual a auto-representac,:ao que o familiar tern do alegado abuso sexual, a fim de poder orientar o apoio que deve ser prestado; obter informac,:ao sabre os antecedentes da crianc,:a (saude, desenvolvimento psico-afectivo, educac,:ao I aprendizagem, etc.); prestar apoio (jurfdico, psicol6gico, etc.); maximizar a informac,:ao que ja se obteve sabre a crianc,:a sobretudo em relac,:ao ao alegado abuso sexual; perceber o nfvel de autonomia discursiva da crianc,:a, ou o seu grau de concordancia/ discordancia do relata da mae. Os Servic,:os Medico-Legais nao dispoem, naturalmente, de recursos ou condic,:oes para assegurar uma resposta a diversos problemas identificados em cas os de violencia domestica e/ ou sexual, que, pela sua natureza, transcendem a esfera de competencia do INML. Ainda que na Delegac,:ao de Lisboa, as vftimas sejam cncaminhadas, de forma personalizada, para as instituic,:oes vocacionadas para assegurar a resposta aos problemas identificados trata-se, todavia, de um cncaminhamento casufstico e pontual, corn escassa ou nula informac,:ao de retorno, que podera contribuir para aumentar o numero de atcndimcntos cm dctrimento da sua qualidade de intervenc,:ao - uma situac,:ao que carccc de soluc,:ao. Par outro lado, os diferentes profissionais expcrimentam, de urn modo geral, serias dificuldades em lidar corn os aspectos legais c vice-versa (protecc,:ao do men or). 0 resultado desta dicotomia e que ambas as dimensoes dificilmente se encontram, e nem sempre, se articulam comprometendo, assim, uma intervenc,:ao que se quer global (integrada). Corn efeito, a ausencia de uma rede articulada de intervenc,:ao nesta area tern originado descontinuidade na aplicac,:ao de recursos, programas e acc,:oes isoladas, medidas fragmemadas, pontuais e imediatistas. Se, por urn !ado, se verifica uma falta de acompanhamento e avaliac,:ao da intervenc,:ao, por outro, nao existe uma adequac,:ao e clareza metodol6gica do trabalho a ser realizado, ainda que haja urn certo consenso de que urge acabar corn intervenc,:oes fragmentadas e efectuar acc,:oes preventivas que passam pela familia.

Abuso sexual: da conceps:ao articulada e em rede

a necessidade de uma intervens:ao

0 abuso sexual (familiar e extra familiar) e a explorac,:ao sexual comercial de crianc,:as e adolescentes constituem uma violac,:ao dos seus direitos INTERVENC,:Ao

SociAL, 30, 2004


Vlrimas de Abusos Scxuais- Da intcrvcnc;:J.o individual

a inrervenc;ao cm

rcdc

I

207

humanos e sexuais, dos direitos de urn ser que se encontra em desenvolvimento. Tal coma refere Faleiros et al. (2001), para alem da violayao a integridade Hsica e psicol6gica, ao respeito, a dignidade, a sexualidade responsavel e protegida, e violado 0 direito ao processo de desenvolvimento f{sico, psicol6gico, moral e sexual sadios. Etica, cultural e socialmente, a violencia sexual contra crianyas e adolescentes e uma violayao dos direitos universais, das regras sociais e familiares das sociedades em que esta ocorre. Trata-se, assim, de uma transgressao dos limites humanos, legais, culturais, sociais, Hsicos e psicol6gicos e, neste sentido, constitui urn crime, i.e., o uso e abuso (inumano) da sexualidade da crianya e do jovem. Atendendo a que a comprecnsao do fcncSmeno do abuso sexual e entendida como uma questao social, cultural, ccon<'lmica c polltica, tambem a intervenyao nos abusos scxuais implica, tal como rderc Falciros (2001) privilegiar o sujeito de direitos (nao o cliente), a traject<'lria de mudanya ao inves do problema (visto como individual e isolado), assim como as relay6es sociais e psicossociais ao inves do simples tratamento flsico. A concepyao vigente em Portugal encontra-se, sobretudo, centrada nas acy6es de denuncia, de puniyao e de tratamento. Nao raras vezes, a queixa/ notificayao de urn abuso sexual e o seu percurso nos diferentes fluxos do circuito provocam urn cone de natureza etica e operacional nos percursos ou itinerarios das v1timas, das fam1lias e dos abusadores: o abusador acaba por ficar confinado a uma identidade e a urn lugar - o de destinado a scr punido; o abusado a uma identidade de v1tima - a ser protegida e "tratada". Resulta daqui, uma dicotomizayao em duas realidades distintas: a dos dispositivos legais e processuais e a dos sentimentos, dores e danos. Esta concepyao bipolarizada a partir da queixa/notificayao acaba por actuar paralelamente e, portanto, corn pouca ou nenhuma articulayao (Faleiros, 2001), condenando, assim, a intervenyao que se quer integrada (global). Quando a responsabilizayao do abusador e essencialmente centrada na sanyao/puniyao pelo crime cometido, numa concepyao jur1dico-policial repressiva e punitiva do abuso sexual (a intervenyao ao n1vel deste fen6meno assenta principalmente na puniyao deste), acaba por negligenciar as outras esferas que se prendem corn a defesa de direitos e o atendimento de todas as pessoas envolvidas nas situay6es de violencia sexual (v1timas, familiares e abusadores) e dos seus diferentes danos e sofrimentos. Assim, para alem da condenayao do abusador ou do arquivamento do processo, lNTERVEN<;Ao SociAL, 30, 2004


I

208

Marlene Braz Rodrigues Lourens:o

a imervenyao deve visar a continuidade do atendimento e a garantia dos direitos da vitima, dos seus familiares e do acusado. 0 abuso sexual, entendido como urn fenomeno global, corn consequencias em todas as esferas do individuo, e como garamia e defesa dos direitos tern de passar por urn ordenamento institucional que articule Estado e sociedade. Em Portugal, porem, as medidas de intervenyao possuem frequentemente urn caracter de emergencia e visam essencialmente interrogar, abrir urn processo judiciario, realizar pericias e respectivo relatorio corn vista a obtenyao da prova, tratar a vitima (numa abordagem clinica), afastar a vitima ou o abusador do domidlio, deter prevemivamente 0 agressor (quando is so e possivel)) etc. Ainda que estas acy6es sejam importantes e indispensaveis nao impedem uma outra tendencia ao nivel da intervenyao: passada a situayao de o estado emergencia, proprio da revelayao de urn determinado abuso sexual, verifica-se aquilo que Faleiros (2001) designa de (re)acomodayao as condiy6es objectivas e subjectivas que geraram a violencia sexual, como se tudo "voltasse ao normal", tanto por parte das pessoas envolvidas na situayao quanto de instituiy6es e profissionais que actuam nas mesmas. Assim, as trajectorias dos individuos pouco ou nada se alteram 8 , resumindo-se a intervenyao a puniyao do abusador, ao atendimemo "de emergencia", a reparayao (ocasional) de danos provocados pelo abuso, ao tratamento psicoterapeutico, as medidas de protecyao limitadas ao afastamento do convivio corn 0 agressor (muitas vezes ea crianya que e afastada do seu lar). A simples puniyao do abusador, o atendimento as crianyas e adolescentes vitimas de abuso sexual, essencialmente centrado numa concepyao clinica, centrada na vitima, excluira da intervenyao outros actores e instituiy6es envolvidas, inviabilizando, deste modo, uma abordagem do fenomeno que contemple as suas multiplas dimens6es. Os objectivos do atendimento deverao abranger o atendimemo das situay6es denunciadas e formulada a queixa (situay6es de emergencia), a reduyao dos danos sofridos pelas pessoas envolvidas na situayao, a mudanya das condiy6es objectivas, culturais e subjectivas que geram, mantem e reproduzem ou facilitam a ameaya de abusos sexuais. 8

0 abusador continua a serum abusador, um desempregado, um alcoolico, a mae continua a viver maritalmente com o abusador ou nega a denuncia que acabou por cfectuar, os parentes e vizinhos aceitam a situac;:ao e, pior do que tudo, as instituic;:oes acreditam ter feito o que deviam ou podiam. INTERVEN(;Ao

SociAL,

30, 2004


Vftimas de Abusos Sexuais -, Da intervent;ao individual

a imcrvcns:ao em

rede

I 209

A proposta de Faleiros (2001), amplamente partilhada pela autora, e a de que as acc,:oes de atendimento e defesa de direitos devem possibilitar uma mudanc,:a de trajectoria de vida dos sujeitos, o que implica a cono路etizac,:ao de todos os direitos garantidos na Lei de Protecc,:ao de Crianc,:as e }ovens em Perigo (Lei n.O 147/99, de 1 de Setembro), nas respostas juridicas (Codigo Penal de 1995) e nas pollticas sociais da seguranc,:a social, da sat'tde, educac,:ao, habitac,:ao, etc. Para isso, urge criar grupo (s) de trabalho, corn a participac,:ao de varios interlocutores, tendo par objectivo reflectir o paradigma teorico e tecnicooperativo adoptado em Portugal que, no nosso entender, ainda e reducionista, pot路que esta focalizado em casos isolados, pontuais, e centrado no trinomio denuncia-repressao-responsabilizac,:ao. Ainda que este trinomio seja importante (para dar visibilidade ao problema e para a penalizac,:ao dos abusadores), nao se pode restringir a problematica dos abusos sexuais a esta equac,:ao simplista. E que para alem da denuncia e da responsabilizac,:ao, ha que desenvolver uma pol!tica integral (global) de atendimento as vftimas, suas fam!lias e abusadores. Os profissionais que intervem na area do abuso sexual infantil e juvenil necessitam de equacionar em conjunto os principais problemas que a pratica profissional lhes coloca e contribuir para a criac,:ao de uma rede 9 de atendimento globallarticulada (nao fragmentada). Esta rede de atendimento devera estar atenta aos diferentes nfveis de intervenc,:ao bem como procurar identificar, caracterizar e analisar o pcrcurso/ circuito nas diferentes redes de intervenc,:ao ao n!vel do abuso sexual de crianc,:as e adolescentes: o secretismo (que antecede a revelac,:ao), a revelac,:ao, a queixa/denuncia, 0 atendimento!intervenc,:ao 10 , a investigac,:ao policial, 0 processo judicial, o julgamento, a sentenc,:a. 9 Segundo Faleiros (2001) as redes nao sao absrracr;:oes e constituem, antcs, a articular;:ao de acto res/ organizar;:oes existentes no territ6rio para uma acr;:ao conjunta, multidimensional, eo m responsabilidade compartilhada (parcerias) e negociada. Esta dcfinir;:ao de redc pressup6e a predominancia da perspectiva da totalidade sabre a da fragmentar;:ao, em que as redes constituem processos dinamicos, relacionais e nao organismos burocraticos formais. Assim, a nor;:ao de redes apela para o cruzamento (coma uma rede) de organizar;:oes do Estado e da sociedade, para contratos dinamicos, em movimento e confliro (versus convenios ou protocolos formais) com vista a realizar objectivos em que cada parte potencializa recursos que, juntas, se tornam, mais cficicntcs. 10 !m plica os profissionais e as redes que exercem o poder de intervcnr;:ao dentro das condir;:oes existentes.

INTERVE~c;:Ao SociAL, 30, 2004


210

I

Marlene Braz Rodrigues Loure!ll;o

Para Faleiros (2001), do panto de vista empirico, estes diversos circuitos podem ser agrupados em tre~s fluxos, caracterizados pelas institui<;:oes que os compoem e as fun<;:oes que lhes sao atribuidas 11 : a)

0 Fluxo de Defesa de Direitos

Composto pelos Tribunais de Menores e da Familia, Ministerio Publico, autoridades policiais, diversas organiza<;:oes nao-governamentais, etc., cujas fun<;:oes privilegiam essencialmente a defesa e garantia dos direitos de todos os implicados na situa<;:ao de abuso sexual denunciado, protegendo-os de viola<;:oes aos seus direitos. Este fluxo tern o poder de, corn a for<;:a da lei, determinar ac<;:oes de atendimento e de responsabiliza<;:ao. b) 0 Fluxo de Atendimento Composto pelas institui<;:ocs que executam as politicas sociais (sat'tde, educa<;:ao, seguran<;:a social, trabalho, habita<;:ao, cultura, lazer, etc.), servi<;:os, programas de proteu;:ao especial, bem coma por organiza<;:oes nao-governamentais que actuam nestas areas. As suas fun<;:oes visam: dar acesso a direitos das politicas sociais e de protec<;:ao, prestar servi<;:os, cuidar e proteger. Este fluxo deve tambem dar cumprimento as determina<;:6es oriundas dos fluxos de defesa de direitos e de responsabiliza<;:ao, bem coma prestar-lhes informa<;:oes (Comissoes de Protec<;:ao de Crian<;:as e ]ovens em Risco, Centra de Emergencia Social, Centros de Acolhimentos, Organiza<;:oes nao-governamentais, etc.). c) 0 Fluxo de Responsabiliza<;:ao Composto pelas varias esquadras da Policia de Seguran<;:a Publica, pastas da Guarda Nacional Republicana, as Directorias da Policia Judiciaria, as diferentes Delega<;:oes e Gabinetes do lnstituto Nacional de Medicina Legal, as Varas Criminais e o Ministerio Publico e os Tribunais. As suas fun<;:6es assentam na responsabiliza<;:ao judicial dos autores de viola<;:oes de direitos, proteger a sociedade, fazer valer a lei.

Porque e inexistente, pelo menos em Portugal, urn estudo que procure identificar e analisar os diferentes caminhos, corn fun<;:oes e redes institucionais proprias orientadas para a defesa dos direitos e o atendimento 11

Com as devidas adapta<;:6es para o contexto portugues. INTERVEN<;Ao

SociAL,

30, 2004


Vitimas de Abusos Scxuais- Da intcrvcn~ao individual

a imervcn~ao cm rcclc I 211

das pessoas envolvidas na situas;ao de abuso sexual ha que, para alem deste estudo e do fenomeno em si, implementar uma rede de intervens;ao ao nivel do abuso sexual de crians;as e jovens de modo a: unificar em objectivos comuns os esfors;os de diversas instituis;6es (publicas e privadas, potenciando as sinergias da comunidade); criar urn atendimento integrado/contextualizado as vitimas e suas familias, em suma, reunir as diferentes organizas;6es e intervenientes a volta de urn projecto comum - o combate ao abuso sexual infantil e juvenil. Cabe, assim, aos diferentes profissionais propor as "chefias", aos "poderes de decisao", a adops;ao de medidas tendentes a promover a indispensavel articulas;ao dos servis;os corn as equipas interinstitucionais ja existentes ou a criar, corn vista a uma racionalizas;ao e optimizas;ao dos meios, procedimentos e circuitos 12 •

A operacionaliza\ao desta rede devera ter como principais objectivos: • Possibilitar uma intervens;ao inter-sectorial e inter-institucional; " Instituir a cooperas;ao entre os diferentes operadores da rede coma processo de trabalho, partilhar problemas e solus;6es e construir culturas comuns; • Dinamizar o tecido socio-institucional no sentido de potencializar uma rede de intervens;ao mais eficaz; • Conhecer a realidade social envolvente; • Assegurar aos varios agentes sociais a necessidade de enformarem a sua acs;ao de prindpios teorico-metodologicos e de competencias para a intervens;ao. 0 problema da violencia sexual contra as crians;as e jovens diz respeito a sociedade, tornando indispensavel urn mais amplo debate envolvendo quer as politicas publicas, quer a relas;ao crians;a-familia e sociedade, susceptivel de contribuir para superar as diversas limitas;6es diagnosticadas. 12 Uma tal rede, que associe varios parceiros em torno de objectivos comuns, permitid potencializar a capacidade de interven<;:ao, refon;ar a troca de informa<;:ao, melhorar os resultados da ac<;:ao, rentabilizar os meios, aumentar a capacidade dos recursos disponiveis e permitir a convergencia de recursos.

INTERVEN<;:Ao

SociAL,

30, 2004


212

I

Marlcne Braz Rodrigues Lourenyo

Dai a necessidade de uma reflexao critica sobre as seguintes quest6es:

• Coma pressionar os poderes publicos no sentido de serem criadas respostas adequadas para as verdadeiras causas do problema?

• Coma sensibilizar a sociedade? • Coma mudar a discussao te6rica, a qual se tern centrado no abuso sexual, para urn outro paradigma- o da sexualidade (cultura e padrao civilizacional vigente)? • Coma dar respostas as situa<;:oes sinalizadas (linhas telef6nicas, hospitais, escolas, centros de saude, etc.)? • Coma criar uma rede de interven<;:ao nesta area? Este breve enunciado de umas quantas quest6es, individual e socialmente graves, requer solu<;:6es urgentes, que passam, necessariamente, por uma defini<;:ao colcctiva e articulada de estrategias, envolvendo insrancias governamentais e nao-govcrnamentais, solu<;:6es que, fazendo apelo a saheres diferentes, pressupocm um especial investimento dos assistentes sociais, quer no dominio da rcflexao te6rica, quer no da interven<;:ao pratica.

Bibliografia CoRDEIRO, Mario, OufO os passos dele no corredor ... Cabej:a, Tronco e Mernbros (si informa<,:ao) CosTA SANTOS, Jorge, Prova medica: que prova? Reflexoes sobre os exames periciais em materia de abusos sexuais de rrianfas e adolescentes. Abusos Sexuais em Crianfas e Adolescentes. Lisboa, Associa<,:ao para o Planeamento da Familia, 1998. FALEIROS, Vicente Paula, Estrategias em Servifo Social, Cortez Ed., S. Paulo, 1997. FALEIROS, Vicente Paula, FALEIROS, Eva (coord.), Circuitos e curto-circuitos no Atendimento, Defisa e Responsabiliza~iio do Abuso Sexual contra Criclnftls e Adolescentes no Distrito Federal, Brasflia, CECRIA, 2000. RoDRIGUES, Marlene, 0 Atendimento de Vftimas de Abuso Sexual: A Experiencia colhida no Instituto de Medicina Legal. Revisttl do Centro Portugues de InvestigafiiO em Hist6ria e Tmbalho Social, Lisboa, 1997. RoDRIGUES, Marlene e CoSTA SANTOS, Jorge, "Vftimas de Abuso Sexual: A Ruptura do Silencio", Sexutilidade & Plmzeamento Fmniliar, Lisboa, 11/12, Jul.-Dez., 1996. lNTERVEN<;Ao

SociAL, 30, 2004


lNTERVEN<;:Ao

Ana

OuvEIRA

SacrAL, 30, 2004: 2r3-223

*

Tecnicas em Rede: urn desafio **

Com o prescntc rlrtigo, prctcndi rcflcctir rl prtrtir drt experiencia, sobre umr1 teenier! de intervem;iio em recie, que se r~prese77ta como um r1utentico potencial na intervenr;iio social. Siio grandes os desafios que se colocam hoje ao servir;o social, por isto o espar;o que vai da teoria a prdtica, dr1 compreensiio ao vivido, exige que se encurtem as dist!incias, atraves de uma avaliar;iio constante do agir e de uma reformular;iio constante do modo de fizzer. A questiio de [undo permanece: a transformar;iio da sociedr!de e jirli'tl que isso sejtl umtl ret~lidade e urgente umtl nova atitude, umtl novel mentalidt~de e tl humildt~de suficiente para aprender tl fazer. Hd muitas prdticas que necessitam de ser reformult~dtls; hd muittls politicas que necessittlm de ser activadas; hd muitos pt~peis por definir e muitas responsabilidades por assumir e ninguem se pode excluir deste processo.

1. A Construs:ao de uma Rede de lntervens:ao 0 Desenvolvimento Local assenta no prindpio da proximidade vital, como criteria de selee<;:ao dos espa<;os, segundo o qual, as actividades 路 Licenciada em Servi.;;o Social pelo ISSSL e Pos-graduada em Imerven.;;ao Social em Crian.;;as e ]ovens em Risco; Tecnica Superior de Servi.;;o Social no Centra Social e Paroquial do Campo Grande; Coordenadora Executiva da Associa.;;ao Nacional de Media<;ao Socio-Cultural; Docente no Curso de Servi<;o Social da Universidade Catolica Portuguesa . .. Esta reflexao foi realizada no ambito do modulo "Tecnicas Espedficas de Imerven<;ao Social- Tecnicas em Rede", do I Curso de Pas Gradua<;ao cm Interven.;;ao Social em Crian<;as e ]ovens em Risco Social.


214

I

Ana Olivcira

devem ser realizadas no lugar mais proximo das populac,:6es, o que implica pensar em estrategias que levem a que localmente, se pense de forma global por forma a que o desenvolvimento seja algo constru.fdo da base para o topo, de baixo para cima. Como tal, ha que procurar promover redes localmente constitu.fdas pelos actores locais, de modo a gerar sinergias suficientes para influenciar as decis6es e pollticas do poder central no que diz respeito aos recursos postos ao servic,:o daquele local para promover o desenvolvimento, se necessario, concebidos de proposito para aquela realidade, ajustados a ela: "o local e o lugar privilegiado para fazer face aos problemas surgidos corn a globalizac,:ao, sendo a rede social urn instrumento eficaz, enquanto estrategia". (Ramos, 2003: 121) A Rede apresenta-se como uma tecnica espedfica de intervenc,:ao social, sendo actualmente assumida como cstrategia de polltica social. De facto, a multidimensionalidadc do fenomeno de pobreza e de exclusao imp6e a necessidade de se encontrarcm rcspostas tambem elas multivariadas e direccionadas para os problcmas concretos. Jordi Estivill (1993) defende o accionamento do partcnariado como proposta inovadora aos desafios actuais da sociedadc, ultrapassando os fundamentos corporativistas e o esp.frito de individualismo. Pedro Hespanha (2000) prop6e como frente de combate a marginalizac,:ao o envolvimento da sociedade civil em torno de objectivos de justic,:a social, tirando partido da plasticidade e flexibilidade das formas de solidariedade e das relac,:6es de proximidade e partilha de identidades entre os seus membros. A Rede imp6e-se assim, como uma estrategia fundamental na gestao social e implica uma nova cultura assente no modelo de partenariado, na medida em que pode ser urn reconhecimento da responsabilidade institucional e global de todos os actores, rompendo corn as compartimentac,:6es. E urn prindpio que procura a conjugac,:ao dos diferentes actores das diferentes dimens6es (social, economica e polltica) e dos diferentes sectores, em torno dos pianos integrados de desenvolvimento. Por outro lado, salvaguarda a transversabilidade das acc,:6es, a sua horizontalidade territorial, abrindo e multiplicando recursos. Defino partenariado como: "aquele processo pelo qual dois ou mais agentes de natureza distinta e sem que percam a sua especificidadc, se INTERVE~(;.A.o SociAL, 30, 2004


1ecnicas cm Rede: um desafio

I 215

poem de acordo para realizar alga num tempo determinado, que e mais que a soma deles, ou que cada urn so nao poderia fazer ou que e distinto do que ja fazem, implicando riscos e beneflcios que partilham" (Estivill, 1997: 34). Opto pelo conceito de Rede Social definido coma forum de articulac,:ao e congregac,:ao de esforc,:os, pela Resoluc,:ao do Conselho de Ministt路os n. 0 197/97, de 18 de Novembro: "conjunto das diferentes formas de entreajuda, bem coma das entidades particulares sem fins lucrativos e dos organismos publicos que trabalham no dominio da acc,:ao social e articulam entre si e corn o Governo a respectiva actuac,:ao, corn vista a erradicac,:ao ou atenuac,:ao da pobreza e exclusao social e a promoc,:ao do desenvolvimento social".

2. Tecnicas em Rede: urn novo modo de intervir 0 processo de construc,:ao de uma rede traz em si muitos elementos significativos para o nosso modo de actuar e intervir na realidade. Tendo coma base o conceito de Rede social coma forum de articulac,:ao e congregac,:ao de esforc,:os, cuja finalidade e a erradicac,:ao da pobreza e exclusao social, a concepc,:ao e avaliac,:ao das politicas sociais, a renovac,:ao e a inovac,:ao de estrategias de intervenc,:ao no contexto das dinamicas em presenc,:a e o planeamento estrategico, quais as virtualidades e vulnerabilidades deste tipo de tecnica? As tecnicas em rede devem seguir uma estrategia operacional que assenta no principio da parceria e no reconhecimento de complementariedades, quanta a mim, a sua maior riqueza e a sua maior fraqueza. De facto, as alterac,:oes verificadas nas sociedades actuais, trazem novas problemas e necessidades que exigem formas diferentes de olhar e actuar no social, apelando ao esforc,:o de todos e a utilizac,:ao de varias energias positivas. E hoje evidente a necessidade urgente de uma nova visao estrategica de combate as desigualdades e as lacunas existentes no nosso sistema de protecc,:ao social aos individuos e familias. E no local que os problemas acontecem e tera de ser la que deverao ser encontradas as soluc,:oes para os resolver, de forma integrada e ajustada ao individuo ou familia, envolvendo todas as entidades que actuam numa comunidade. lNTERVEN<;Ao

SociAL, 30,

2004


216

I

Ana Olivcira

A Parceria, apresenta-se coma urn modelo de interven<;:ao privilegiado para repensar outras dimens6es de intervenc;:ao que ultrapassam o isolamento do local. Promover as parcerias de terreno, que de uma forma articulada, possam contribuir para uma uniao de esforc;:os, para resolver ou encaminhar os problemas individuais e ou familiares, sem esquecer os recursos dos proprios e do meio, e certamente uma forma de se conseguir uma actuac;:ao mais eficaz. E fundamental ao nfvel do local, organizar recursos, facilitar e clarificar projectos individuais e ou colectivos e avaliar os recursos ja existentes, partindo preferencialmente do contacto directo corn as pessoas, e esta e de facto uma das grandes vantagens do trabalho em rede. Neste sentido a Rede, assentc no partenariado, e urn desafio que rompe o isolamento e retorno a definic;:ao de partenariado coma: "aquele processo pelo qual dais ou mais agentes de natureza distinta e sem que percam a sua especificidade, se poem de acordo para realizar alga num tempo determinado, que e mais que a soma dcles, ou que cada urn so nao poderia fazer OU que e distinto do que ja fazem, imp]icando riSCOS e beneflcios que partilham" (Estivill, 1997: 34). Entender o Partenariado desta forma pock marcar em muito o dinamismo de uma rede, uma vez que esta se apresenta coma sendo mais que o simples dialogo e menos do que a simples participac;:ao, nao sendo tambem sinonimo de coordenac;:ao ou cooperac;:ao. De facto, uma autentica parceria permite envolver diferentes agentes sociais, que tern formas distintas de actuac;:ao, tern diferentes interesses, diferentes nfveis de poder, construindo respostas inovadoras e tornando possfvel intervenc;:6es que de outro modo seriam impossfveis. 0 Partenariado e neste sentido a Rede, quer recuperar os mecanismos de solidariedade e participac;:ao que funcionaram noutras epocas, recompondo as relac;:6es entre corporac;:6es, querendo encontrar bases comuns. "Neste sentido, apareceria como uma aceitac;:ao superadora das diferenc;:as, e urn saber estar corn os outros num dialogo que permite assumir e distribuir responsabilidades para uma intervenc;:ao posterior" (Estivill, 1997: 35). 0 Partenariado e entao uma recusa de urn modelo caracterizado pela concentrac;:ao de poder e uma distanciac;:ao face aos cidadaos. Seria uma forma de socializar a produc;:ao e a distribuic;:ao do poder, "uma nova I ;-.;TERVE~<;:Ao SociAL,

30, 2004


Tecnicas em Rcde: um desafio

I

217

forma de partilha pelo que as decis6es devem ser partilhadas implicando a populac;:ao e as suas express6es mais ou menos organizadas em processos amplos de dialogo" (Estivill, 1997: 31). Sendo assim, o partenariado implica uma participac;:ao pedagogica e uma negociac;:ao que pode ser conRitual e/ou funcional, mas imprescindivel para intervir. A experiencia no entanto, revela que o processo nao e linear e que a construc;:ao de uma autentica rede exige uma mudanc;:a de praticas institucionalizadas, uma redefinic;:ao e clarificac;:ao de papeis a nivel institucional, criando novos habitos de dialogo e entendimento interinstitucional, o que na pratica nao e pacifica. A passagem do "Eu" para o "Nos" supoe estar ao mesmo nivel e aceitar que a aprendizagem e redproca. A Resoluc;:ao de Conselho de Ministros n. 0 197/97 define quatro prindpios inerentes a estrutura de uma rede social, designadamente de integrac;:ao, de articulac;:ao, de subsidariedade e de inovac;:ao. 0 prindpio de lntegrac;:ao tera de significar uma atenc;:ao especial aos grupos mais desfavorecidos, fazer apelo a sua participac;:ao e apontar para uma acc;:ao concertada e coordenada entre as varias entidades, corn vista a uniao de esforc;:os, saberes e recursos. 0 prindpio de Articulac;:ao aponta para uma cooperac;:ao entre actores que intervem num dominio mais vasto, ou seja considera que a rede deve constituir urn suporte de acc;:ao, permitir criar sinergias entre os recursos e as competencias existentes na comunidade. 0 prindpio de Subsidariedade define-se a partir de uma intervenc;:ao territorializada, propiciadora da participac;:ao das populac;:oes, dos varios agentes, dos servic;:os e entidades locais, que enquanto responsabilidade colectiva devera ser assumida nos diferentes niveis, local, concelhio, regional e nacional. 0 prindpio de Inovac;:ao defende a necessidade de uma constante adaptac;:ao e ajustamento as constantes alterac;:oes do dia a dia, inovando os processos de trabalho e as suas praticas. A definic;:ao destes prindpios traz em si urn conjunto de aspectos que se deve ter em coma quando se fala na construc;:ao de uma rede, ou de urn partenariado, sendo que este nao e minimamente urn processo linear. E neste sentido e importante clarificar o que se entende por parceria e quais os elementos imprescindiveis para que ela resulte, senao a rede pode falhar a partida. INTERVEN<:;:Ao SociAL, 30, 2004


218

I

Ana Oliveira

Pode-se partir do pressuposto que o trabalho de parceria resulta do entendimento redproco entre as partes, que utilizam de modo convergente os seus recursos. No entanto, concordo corn outros autores que nao valorizam tanto o entendimento, salientando as diferenc;:as, a nivel de valores e interesses, afirmando que estes podem ser potenciais ingredientes para uma intervenc;:ao eficaz. Maroy (1997) afirma que e uma ''action commune negociee", ou seja, existe urn confronto inicial, passando para a construc;:ao negociada de uma acc;:ao comum. E talvez o termo "negociac;:ao" seja urn dos que melhor caracteriza a parceria, sugerindo, novas condic;:6es para uma articulac;:ao entre diferentes sectores ultrapassando as clivagens e gerando espac;:os de dialogo e decisao. Faz assim apelo a concorrencia de varios actores locais e traz uma heterogeneidade de interesses, posic;:6es, atitudes, valores, que tornam inevitaveis os jogos de interesse e poder. ÂŤNeste contexto pode considerar-sc como essencial a criac;:ao do 'd eh c amar-se "cuI tura (lo partenana o ," rsto' 'e, uma ab orque po d dagem para acc;:6es comuns, que conta corn as particularidades de cada parceiro e que e, pois, baseada na diversidadeÂť (Rodrigues e Stoer, 1998: 33). A rede nao pode ser so uma distribuic;:ao de recursos, tern que ter efeitos multiplicadores no sentido da mudanc;:a social e isso implica urn circuito entre parceiros de informac;:ao, consulta, decisao implicac;:ao e execuc;:ao, onde nenhum ocupa urn lugar mais importante que o outro, mas simplesmente urn lugar diferente. Esta perspectiva ou se constroi desde 0 inicio ou e dificil implementar este encadeamento que caracteriza um autentico partenariado. A questao fundamental e a de como se constroem re des? E o problema coloca-se desde os alicerces, na forma como muitas vezes sao seleccionados os parceiros, como se definem as regras ou na articulac;:ao estrategica. Nao se da impordncia ao periodo inicial de uma rede, mas encontro que este e essencial para urn eficaz partenariado.

lNTERVENc;:Ao

SociAL, 30, 2004


Tc'cnicas em Rcdc: um desafio

I

219

Considero que existem tres condi<;:oes essenc1a1s ao exerdcio de uma rede: a) Objectivos comuns o que implica a explicita<;:ao por parte de cada interlocutor do objectivo que persegue e a procura de pontos comuns e complementares em rela<;:ao aos objectivos perseguidos, de modo a que se possa, inclusive, formular um objectivo comum, partilhado. Este processo nem sempre e conseguido, o que dificulta em muito o desenvolvimento da parceria, pois rapidamente existe uma sobreposi<;:ao de interesses e objectivos. b) 0 reconhecimento pelos parceiros da sua complementaridade, neste sentido e o reconhecer das diferen<;:as numa partilha do saber, do poder e do agir, sem que o espedfico de cada um seja dispensado. E fundamental, que cada um reconhe<;:a a sua especificidade e a do outro, sem se sentir amea<;:ado. De facto, a questao do Poder e das mais confiituosas do partenariado. Por vezes existe uma "luta" para ver quem detem mais poder, e pode ser o suficiente para minar a parceria. Nao pode haver dominio total de um parceiro, e deve-se ter algum cuidado para que os dominios relativos nao obscure<;:am a implica<;:ao dos outros que rapidamente conduziriam a desmobili:za<;:ao. Deve-se partilhar as decisoes e execut;i-las conjuntamente e estruturar-se para que isso aconte<;:a de facto, mesmo que implique algum confl.ito, que por si so nao e negativo. "Nao e possivel e nem sequer e conveniente imaginar um partenariado isento de carga confiitual (... ) 0 partenariado converteu-se por vezes num amortecedor, noutras num acelerador, nos de mais perto num detonador e nos de mais alem num catalizador de confl.itos" (Estivill, 1997: 64). Neste sentido, muitas vezes os tecnicos tem de assumir um papel de mediadores promovendo o dialogo efectivo entre os diferentes actores, mas para isso os proprios tecnicos tem de interiorizar os prindpios fundamentais do partenariado. c) Por fim, a ultima condi<;:ao e a necessidade do Consenso sobre os objectivos e meios, independentemente de possiveis beneficios dislNTERVEN<;Ao

SociAL, 30, 2004


220

I

Ana Oliveira

tintos, assim como divergencias sobre outros dominios de actividade. Seguindo a proposta de reflexao de Estivill (1997: 71), selecciono alguns requisitos minimos para que o partenariado se possa efectivar:

-

-

-

-

-

0 partenariado e urn processo lento e complexo, que nao realiza automaticamente a partir da soma de vontades. A primeira fase de lanc;:amento e preparac;:ao e fundamental, pela selecc;:ao, explicitac;:ao e definic;:ao dos diferentes actores. E fundamental a formac;:ao, a mudanc;:a de atitudes e mentalidade dos actores. Sem uma modificac;:ao das posic;:oes hierarquicas dominantes e cooperativistas nao se pode avanc;:ar na perspectiva partenarial. Todos os actorcs dcvcm receber gratificac;:oes e resultados. 0 momento de distribuic;:ao dos recursos e critico e por isso deve ser transparente. Os parceiros que se incorporam devcm estar convencidos da eficacia e estrategia do projccto. 0 partenariado tern uma funt,::io real nas actividadcs que propiSe: "nao pode converter-se num grandc tcatro ondc se representa uma pec;:a que nao interessa a ninguern, mas que encontra a sua forc;:a na implicac;:ao dos acto res" (Estivill, 199'7: '71) E importante aprender a convivcr com a dinamica conflitual, que nasce da heterogeneidade.

Por fim e fundamental "encontrar os pontos de equilibrio entre estas tensiSes, atraves do processo de informac;:ao, consulta, decisao, implicac;:ao e execuc;:ao, e 0 que permite definir um partenariado paritario, maduro e enriquecedor" (Estivill, 199'7: 72). A eficacia do partenariado e evidente pois proporciona uma comunicac;:ao entre diferentes instancias, que permite uma partilha de 16gicas de encarar o mesmo territ6rio e consequentemente permite uma acc;:ao interinstitucional e multidimensional. Criam-se novos canais de comunicac;:ao, existe maior informac;:ao, mais espirito cdtico da intervenc;:ao e emergem novas soluc;:oes onde parecia estar tudo esgotado. 1?-:TERVEN<,:.:\o SociAL, _)0, 2004


Tccnicas em Rede: um desafio

I

221

No entanto, nao e pelo facto de falar em parceria ou existir uma rede que o processo esta realizado. De facto, este e lento e nao e automatico, nao sup6e uma simples soma de vontades, mas implica uma mudanc;a de atitude e de mentalidade. Creio que e fundamental entender o que sup6e afirmar que e urn "processo", senao corre-se 0 risco que na primeira tentativa se desista do desafio da parceria, pm路que nao basta 0 querer, ou o convocar, nem sequer o estar presente na reuniao. Eu diria que a rede comec;a muito tempo antes de aparecer oficializada como tal. Existem dificuldades que sao estruturais pelo simples facto da diversidade dos elementos parceiros, das instituic;6es, mas as maiores dificuldades sao funcionais c relacionam-sc com a gestao da rede. Assim, ha que gerir as logicas individuais, com os prazos institucionais, os escassos recursos materiais e ao mesmo tempo ir criando um espac;o propicio de reflexao e decisao sobre os problemas. Na rede nada se pode deixar ao improviso e todos os detalhes devem ser preparados, desde a forma como se gere a ordem de trabalhos, ao tempo de partilha ou como se avalia a intervenc;ao. A parceria tem que fazer sentir aos elementos presentes que "vale a pena". E de facto existem int'tmeras dimens6es na rede que sao geradoras de processos de aprendizagem pessoal, profissional e que provocam mudanc;a social. A Rede sup6e complementaridade, o que se traduz numa superac;ao positiva das diferenc;as, mas tambem no reconhecimento da especificidade individual. Na pratica, as decis6es devem ser partilhadas, negociadas senao corre-se o risco de a entidade promotora ou um dos parceiros assumir com excessivo protagonismo, insinuando-se como o "do no da verdade", impondo objectivos e maneiras de fazer. E fundamental evitar a concentrac;ao de poder e implicar a todos no proprio projecto. No local apercebemo-nos de como e dificil e ao mesmo tempo facil criar respostas que nao sejam compartimentadas, mas como urn parceiro pode bloquear em muito a intervenc;ao. Surgem conflitos, fundados muitas vezes em necessidades de protagonismo e na nao aceitac;ao das diferenc;as que podem par em causa a intervenc;ao. Uma gestao deficiente da rede que nao e eficaz conduz a urn descredito frente a populac;ao e a um desperdicio dos recursos existentes pelo que se deve avaliar de modo mais cuidado e continuado o que se desenvolve no local. lNTERVENc;Ao

SociAL,

30, 2004


222

I

Ana Oliveira

Neste sentido, urn partenariado que nao seja capaz de consenso, de complementaridade e de respeito mutua, pode destruir mais que construir. Cada parceiro e consequentemente cada tecnico tern uma responsabilidade acrescida na tentativa de garantir que os prindpios do partenariado sejam respeitados. Por vezes, os interesses politicos e institucionais, sabrepoem-se ao objectivo inicial de promover a melhoria da qualidade de vida da popula<;:ao. Deste modo, o tecnico deve garantir a constru<;:ao de mecanismos de comunicas:ao efectiva entre todos os intervenientes, o que implica uma visao interdisciplinar, que ultrapassa a visao unicamente multidisciplinar - e o reconhecimento da complementaridade e a conservas:ao espedfica de cada urn que deve ser defendida, na constru<;:ao de urn projecto global comum. Sup6e que cada tecnico se veja na rede coma actor e nao simples espectador, capaz de desencadcar c influcnciar a mudan<;:a. Apesar das dificuldades de uma dinamica partenarial, considero que o trabalho em rede e neste sentido o partcnariado encerra em si uma potencialidade imensa corn capacidade de uma resposta multidimensional aos problemas. E uma forma inovadora de media<;:ao c de solidariedade, corn uma partilha distinta de poder e de hierarquia. Na luta contra a pobreza e a exclusao, 0 partenariado e a estrategia mais adequada para a enfrentar corn o seu cad_cter pluridimensional e dar a esta luta uma perspectiva integral, de integras:ao de todos os actores, assim coma significar o reconhecimento da responsabilidade destes e da sua implica<;:ao. Por isso a minha experiencia afirma que ainda existe urn longo caminho por realizar, mas que o desafio ja foi lan<;:ado e que existe a certeza de que e maior a potencialidade que a vulnerabilidade. Como diria Saint-Exupery: "Pode acontecer, e certo, que varias linguagens te expliquem o mundo ou a ti proprio ( ... ) Todas elas coerentes e solidas", provavelmente so quando entendermos que corn diferentes linguagens, melhor se define a realidade, e corn diferentes olhos melhor se observa a realidade, entenderemos tambem que nessa medida se concebem respostas mais eficazes.

I NTERVEN<;:Ao SociAL,

30, 2004


Tecnicas em Rcclc: um desafio

I

223

Bibliografia EsnviLL, Jordi (Org.) (1997), 0 Partenariado Social na Europa, uma estrategia participativa para a insen;ao, Porto, Cadernos REAPN. GuERRA, Florbela (2000), Avaliar;ao de lmpactes do R.M.G. nas parcerias, Lisboa, Instituto de Desenvolvimento Social. RAMOS, M. Concei<,:ao (2003), Acr;ao Social na Area do Emprego e da Formar;iio Projissional, Lisboa, Universidade Aberta. RoDRIGUES, Fernanda e STOER, Stephen (1998), Entre Parceria e Partenariado- amigos, amigos, negdcios aparte, Oeiras, Ce!ta Editora. Outros Documentos: Documentos de Apoio aos Projectos Piloto da REDE SOCIAL, IDS, 1998. Legislac,:ao: Resolu<,:ao de Conselho de Ministros, n. 0 197/97, de 18 de Novembro.

INTERVENyAo

SociAL, 30,

2004



I:-\TERYEAt.;:Ao SoCIAL, _30, 2004: 2.25-255

Regina Ferreira

VIEIRA

*

Modelo de Escola de Pais para Pais - Promo~ao de Competendas Parentais na Preven~ao Primaria da Toxicodependenda Este artigo e revelador de uma matriz de l:'scolrt de Pais para Pais, experienciada na execurao e avaliarao de projecto de interven~ao social dirigido a pais de crimzras e jovens do concelho de Odivelas, com o objectivo de desenvolvimento de competencias pareJZtais na prevem;ao primdria da toxicodependencia em particular, e das situaroes de risco no geral: Agir em Respomabilidade Partilhada (ARESP). Apresentando-se como um projecto de intervenr;ao colectiva/comunitdria, o ARESP- Odivelas foi concretizado mediante estrategias relacionais de proximidade com os pais formandos e demais parceiros fonnais e informais do concelho de Odivelr~s, promovendo a participarao rlctiva dos vdrios actores no processo de execurao e avr~liarao. As principais acroes desenvolvidas organizarmn-se em tomo de znn programa formativo parr! pr~is assente em tres momentos br!Silares sucessivos: 1) zona primeim acr;iio de fomMr;iio de pais, parr! aproximarao e sensibilizarao da comunidade locale do grupo aivo, em particulr~r, pr~m a temdtica e a dindmicrl do Projecto, nomeadamente para a fonnarao de formadores de outros pr~is; 2) a fonnarao pedag6gicrl de pr~is com componente especifica de prevenr;ao primdria da toxicodependencia, enquanto pim1o reconhecido e certijicado de pr~is fonnr~dores; 3) o exercicio r!compmzhado no contexto da acriio de supervisao pedag6gica de programarao, execurao e rlvaiiar;ao de actividades formativas, concretizadas peios pais formadores, pr~ra outros pais do mesmo concelho, numa l6gica de produr;ao participada de e prlra os pr6prios sujeitos (pares). 0 projecto ARESP expressr~znna metodoiogia de intervenr;iio dindmica e reir~cionai de aprender a aprender com outros sujeitos, pr~rtilhando o conhecimento (do estabeiecido) e construindo o reconhecimmto (no sentido do colectivo/comum) dr!s estrategir~s de relacionmnento socir~i, estabelecido nas redes de relar;ao de proximidade paisjilhos-comunidade, onde se processa a construrao do sujeito na esftra do aftctivo 1 . 路 Mestre em Servi<;:o Social, Docente do ISSSL, Doutoranda em Servi<;:o Social (Programa ISCTEIISSSL), Coordenadora da Equipa Tecnica de Odivelas do Projecto Agir em Responsabilidade Partilhada. 1 Cf. Vicente de Paula Faleiros (2002) sob re a reflexao da construs:ao do sujeito numa perspcctiva relacional, numa logica de proximidade com os outros.


226

I

Rcgina Fcrrcira Vicira

1. Apresentas;ao e fundamentas;ao 0 Projecto ARESP - Agir em Responsabilidade Partilhada - foi estruturado pelo Instituto Superior de Servic;:o Social de Lisboa (ISSSL), no ambito dos seus programas "Cooperac;:ao e Investigac;:ao" e "Extensao a comunidade e promoc;:ao de cidadania activa". Foi promovido em colaborac;:ao corn a Cooperativa de Ensino Superior de Desenvolvimento Social, Economico e Tecnologico, CRL (CESDET), enquanto entidade instituidora do ISSSL. A candidatura do Projecto foi proposta ao Instituto da Droga e da Toxicodependencia (IDT), enquanto entidade co-financiadora e supervisora geral do projecto, no ambito do Programa Quadro Prevenir II. Este programa assenta na filosofia de que a prevenc;:ao das toxicodependencias tern de ser abrangente e assumida enquanto responsabilidade partilhada pelo conjunto da sociedade, conjugando activamente esforc;:os entre os poderes publicos e instituic;:6es privadas, a comunidade escolar e a familia, envolvendo ainda os meios de comunicac;:ao social, segundo uma logica de proximidade aos problcmas. Centra-se especificamente em estrategias de prevenc;:ao prim~1ria de comportamcntos de risco junto da familia, considerando-se este grupo como o primeiro e o principal agente de socializac;:ao na transmissao de afectos e valores, funcionando como modelo de identificac;:ao/referencia no desenvolvimento psico-social da crianc;:a e do JOVem. 0 Projecto ARESP foi implementado em Odivelas e em Beja, mediante o estabelecimento de parcerias entre organizac;:6es e sujeitos/actores locais, desenvolvendo diferentes abordagens e dinamicas de acc;:ao em face das relac;:6es estabelecidas no decorrer do processo de implementac;:ao e execuc;:ao do projecto, nos diferentes contextos socio-geograficos. Em Odivelas, o ARESP decorreu entre Fevereiro de 2003 e Novembro de 2004 e visou desencadear uma estrategia metodologica de sensibilizac;:ao/habilitac;:ao das familias face as reais situac;:6es em que crianc;:as e jovens se confrontam nos dias de hoje em sociedades cada vez mais complexas, portadoras de mtdtiplos desafios e novos riscos. Os eixos de desenvolvimento dessa estrategia privilegiaram desempenhos formativo/

INTERVEN<;Ao

SociAL,

30, 2004


1\ lodelo de Escolas de Pais para Pais

I 227

pedagogicos, nomeadamente: a) o apoio a fun<;:ao educativa dos pais, mediante a aquisi<;:ao de competencias formativas e relacionais privilegiando os conhecimentos na area da preven<;:ao da toxicodependencia; b) o fortalecimento de redes formais e informais no territorio de perten<;:a coma uma componente de dinamiza<;:ao e sustentabilidade dos novas desempenhos de papeis na familia, reconhecendo que o exito da ac<;:ao depende do agir em responsabilidade partilhada entre actores, mediante a constitui<;:ao de vinculos comuns que refor<;:am a identidade colectiva. A op<;:ao pelo concelho de Odivelas deveu-se as rela<;:6es privilegiadas estabelecidas pelo ISSSL no ambito da sua politica de esragios academicos junta de organiza<;:6es pt'rblicas e privadas nesse area geografica, em especial junta da Comissao de Protec<;:ao de Crian<;:as e ]ovens de Odivelas (CPCJO), que se veio a tornar a primeira e principal parceira do Projecto ARESP-Odivelas. 0 concelho de Odivelas, situa-se no Distrito de Lisboa, Regiao da Estremadura, e e composto por sete freguesias: Cane<;:as, Fam6es, Odivelas, Olival Basto, Pontinha, Povoa de Santa Adriao e Ramada, distribuidas numa area de 26,6 km 2 , contando-se uma popula<;:ao de 133 847 habitantes 2 • Integra-se na Area Metropolitana de Lis boa, fazendo fronteira corn os Concelhos de Loures, Sintra, Amadora e Lisboa. A freguesia de Odivelas conta, aproximadamente, cam 11 mil habitantes 3 , na sua maioria jovens em idade activa, a trabalhar no sector terciario, dado serem predominantes as actividades economicas relacionadas cam 0 comercio e servi<;:os. E ainda de salientar a existencia de quatro estabelecimentos de ensino do 2. 0 e 3. 0 ciclo. Atraves dos estudos desenvolvidos no contexto da interven<;:ao social junta de crian<;:as e familias em risco, promovidos pela

2

3

Censos de 2001. Censos de 2001.

INTERVEN<;:Ao SociAL, 30, 2004


228

I

Regina Ferreira Vieira

CPCJO, em rela<;:ao as actividades dos anos de 2002 e 2003, foi poss!vel identificar os seguintes dad os: Quadro 1 Ano 2002

Ano 2003

Total de situac;:oes cntradas

184 processus jovens

Genera

Maioritariamente fcminino

Rac;:a/etnia

Maioritariamente branca; segu id os de negra

Maioritariamente branca; scguidos de negra

Idades

14 anos. Faixa ed.ria dos 11-15

14 anos, seguido de ll-13anos

Area geografica residencia (freguesia)

Pontinha, seguido de Odivelas, Famocs, Olival de Basto e P6voa Sto. 1\driao

Pontinha, seguido de Odivelas, Fam6es e Povoa Sro. Adriao.

Sinalizac;:ao

Escolas FB 2d, 'Jhbunal, PSI' c Escolas EB 2+3, Tribunal ourros hmiliarcs

Tipo de problema

Absentismo Escolar, seguido de abandono, negligencia c maus tratos

Ncgligencia, abandono, abscntismo escolar, e abandono cscolar

Tipo de hunilia

Familia nuclear, seguindo-se a familia monoparental feminina, alargacla e reconstituida feminina

Familia nuclear, seguida de monoparental feminina

Medidas de protecc;:ao aplicaclas

Declarac;:6cs de consentimento, remetido ao MP e medida de acompanhamento junta cla familia

=

345 crianc;:as/

177 processus jovens

=

363 crianc;:as/

Corn base nestes dados foram diagnosticados problemas e identificadas prioridades de interven<;:ao, orientadas para o desenvolvimento de competencias parentais, corn enfase no desenvolvimento das relay6es afectivas, para alem do refor<;:o das rela<;:6es de comunica<;:ao entre os varios agentes INTERVEN~Ao SociAL,

30,

2004


Modelo de Escolas de Pais para Pais

I

229

de sociabiliza<;:ao na comunidade, em especial as escolas, tal como se pode constatar no Quadro 2. Quadro 2

Principais Problemas ldentificados

Grupos da Principais Causas

popula~ao

mais afectados

Sintese dos dados que traduzem a gravidade

do problem a (qualitativos/

Prioridades de Intcrvens:iio

quantitativos)

Escassa oferta de forma~ao para

pais e falta de apoio a fun~ao parental.

- A complexidade da sociedade; - As transformac;:6es no seio das famflias.

Crian~as

e

]ovens

- Procura de apoio a fun~ao parental Desenvolvimento - Inseguranc;:a Competencias dos pais face Pedagogicas as quest6es do no exerdcio da domfnio da fun~ao parental educa~ao

- Impedimenta ao acompanhamento dos filhos por parte Divergencia entre dos pais devido aos os interesses hodrios e ritmos de das famflias trabalho; e as diversas - Desadequa~ao do estruturas funcionamento societarias dos cquipamcntos - escola, sociais bee equipamentos organiza~ao sociais, empresas do trabalho c e sindicatos as diferentes

a

Famflias: enfoque no dcsgastc psicologico c flsico das macs.

Listas de espera nos equipamentos SOCialS e csrabclccimcntos cd ucarivos, considcrados de mclhor qualidadc

Sensibiliza~ao da opiniao ptrblica e das estruturas para uma perspectiva de mudanc;as orgamzacronais c de comportamentos

socialmente mais justos.

necessidades familiares;

Ausencia de Cultura Estilos de Vida saudaveis vs Estilos de Vida Individualistas

INTERVENc;Ao

SocrAL,

Desajustamento entre interesses financeiros/ Famflias organizacionais e dimensao humana

30, 2004

espa~os de

convivCncia, partilha e sociabilidade entre os diferentes grupos etarios

Fortalecimento/ Descnvolvimento das manifestac;:6es de afecto familiar atraves da convivencia e usufruto comum das oporrunidades de lazer.


230

I

Regina I'erreira Vieira

2. Objectivos 0 ARESP teve como prop6sito ajudar pais e maes a tornarem-se agentes conscientes de preven<;:ao e parceiros activos no quadro geral (nacional) de preven<;:ao da droga. As ac<;:oes realizadas procuraram abordar as variaveis que estao na origem dos comportamentos de risco das crian<;:as e JOVens. Foram assim objectivos deste Projccto: • Capacitar os pais na identifica<;:ao de factores de risco e de factores de protec<;:ao, evitando a ocorrencia de comportamentos que comprometam a saude dos seus filhos (nas suas componentes bio-psicosocial); • Criar condi<;:oes s6cio-pedag6gicas para a cria<;:ao e promo<;:ao de uma Escola de Pais para Pais a implamar no Concelho de Odivelas; • Combater o absentismo e abandono cscolar junto de crian<;:as e jovens do concelho de Odivelas; • Prevenir toxicodependencias e comportamcntos delinquentes; • Valorizar o papel das famflias; • Refor<;:ar os mecanismos de inclus;io c intcgra<;:ao social das famllias e de crian<;:as e jovens; • Refor<;:ar as redes formais e inf(mnais de coopera<;:ao atraves da corresponsabilidade parental na cduca<;:ao das crian<;:as e jovens para uma cidadania activa, em parccria corn as estruturas locais. A participa<;:ao dos Pais nas ac<;:oes de f(mna<;:ao do ARESP pretendeu ajuda-los a: • Adquirir maior competencia para compreender o comportamento e os problemas do(s) seu(s) filho(s) ou educando(s), no contexto das diferentes fases de crescimento; • Aprender a identificar factores de risco desencadeadores de comportamentos desviantes nas crian<;:as e jovens; • Aprender a idemificar factores de protec<;:ao ajudando o(s) seu(s) filho(s) ou educando(s) a enfrentar(em) os problemas, prevenindo o desvio; INTERVEN~:\o SociAL, 30, 2004


Modclo de Escolas de Pais para Pais

I

231

• Compreender o meio social e relacional do(s) seu(s) filho(s) (escola, amigos); • Aprender a melhor comunicar corn o(s) seu(s) filho(s) ou educando (s); • Contribuir para o sucesso escolar do(s) seu(s) filho(s) ou educando(s) e apoiando-o na orienta<;ao da escolha de uma profissao; • Trocar experiencias vividas no processo de educa<;ao do(s) filho(s) ou educando(s) corn outros pais; • Construir planos de ac<;ao formativos e informativos para outros pais fora do projecto sobre preven<;ao prim:iria de comportamentos de risco de crian<;as e jovens e das fam!lias no seu conjunto, em especial na componentc cspcdfica das toxicodependencias.

3. Parceiros No ambito pedagogico e financeiro, o Projecto ARESP contou corn o apoio do ISSSL, quer em termos log!sticos e de gestao do Projecto, quer em termos da participa<;ao de elementos do seu corpo docente, participando estes na elabora<;ao da programa<;ao do Projecto e na execu<;ao das acc;oes formativas, assim como nos espac;os de avaliac;ao e confraternizac;ao que marcaram etapas fundamentais da vida do Projecto, contribuindo para o esp!rito de partilha entre os varios actores do Projecto. No ambito local do concelho de Odivelas, para alem dos pais inscritos e participantes no ARESP, foram formalizadas parcerias corn a Federac;ao Regional de Lisboa de Associac;oes de Pais (FERLAP) e corn a CPCJO. No ambito desta parceria, coube a FERLAP, fundamentalmente, o apoio a divulga<;ao do projecto junto das Associa<,:6es de Pais, fornecendo dados de contacto e promovendo a participac;ao activa das associac;oes de pais ao programa de formac;ao. De forma mais pontual, a FERLAP participou nos espac;os de reBexao sobre o desenvolvimento do ARESP em Odivelas e indicou contactos de outros projectos de Escolas de Pais promovidos por Associac;6es de Pais associadas a esta organizac;ao, promovendo-se a troca de experiencias dos objectivos e programas de acc;ao destas iniciativas, coma contributo a reBexao da concepc;ao do modelo de Escola de Pais para Pais a implementar em Odivelas.

INTERVENy;\o SociAL, 30, 2004


232

I

Rcgina Ferreira Vieira

A CPCJO, tal como foi referido, foi a principal parceira no processo. Para alem do apoio no diagnostico das situac;:oes de risco de crianc;:as e jovens e das famflias, atraves dos Relatorios de Actividade da CPCJ, o seu compromisso de participac;:ao foi desempenhado ao nfvel da organizac;:ao e execuc;:ao das acc;:6es jumo dos Pais e dos Parceiros Locais, concretizandose mediante: • Acolhimento da sede da Equipa Tecnica do ARESP de Odivelas, nas suas instalac;:oes; • Apoio logfstico, em especial materiais para acc;:6es de formac;:ao (fotocopias); • Cedencia de espac;:o para espac;:o de divulgac;:ao inicial do Projecto junto dos pais inscritos (processo de candidatura); • Apoio do secretariado administrativo em sede da CPCJO; • Apoio dos seus profissionais, no ambito da supervisao dos estagios academicos de Scrvic;:o Social a decorrer na CPCJO, no contexto de execuc;:ao da acc;ao intervenc;ao na comunidade pelas alunas estagiarias. Em face da relac;ao cstatut~iria de actividades da CPCJO jumo da Camara Municipal de Odivelas (CMO), foi ainda conseguida a colaborac;:ao desta entidade ao longo do Projecto, atraves dos seus servic;:os: Departamento de Assuntos Sociais e Juvemude, Gabinete de Educac;:ao e Gabinete de Saude. Este apoio converteu-se na cedencia de espac;:os para a execuc;:ao das acc;:oes de formac;:ao e para realizac;:ao da sessao de comemorac;:ao do primeiro aniversario do ARESP, assim coma a cedencia de material informativo no apoio a uma das acc;:oes de formac;:ao, promovida por urn grupo de pais formandos para outros pais fora do Projecto. Ainda que sem urn vinculo formal previamente estabelecido aquando a concepc;:ao do Projecto, a implememac;:ao e execuc;:ao local do mesmo contou tambem corn a colaborac;ao das Associac;:oes de Pais das Escolas Secundarias de Odivelas e da Ramada, em particular na divulgac;:ao dos objectivos e actividades do projecto, jumo de pais, organizando espac;:os de reuniao corn as restantes associac;:oes de pais do concelho; o apoio da Direcc;:ao da Escola n. 0 3 de Odivelas na cedencia de espac;:o para formac;:ao numa sala de aula e acesso a sala de formac;:ao do Centra de Recursos e INTERVE::-.:<;:Ao SociAL, ;o, 2004


Modelo de Escolas de Pais para Pais

I

233

Apoio Pedagogico (CRAP), pertencente a CMO, mas cujas instalas;oes se situam dentro do equipamento escolar referido; o apoio do Conselho Directivo da Escola Secundaria de Odivelas na cedencia de espas;o para realizas;ao das acs;oes de supervisao pedagogica e reuniao de pais no contexto de reflexao sobre o modelo de Escola de Pais para Pais em Odivelas; apoio do IDT e da Associas;ao para o Planeamento Familiar na disponibilizas;ao de material pedagogico e informativo para acs;ao de formas;ao promovidas par urn grupo de pais formandos para outros pais fora do Projecto; apoio do "Mundo das Tropelias" e do "Quina", empresas corn fins lucrativos na area da educas;ao de crians;as e jovens do concelho de Odivelas, patrocinando, a primeira, o beberete comemorativo do primeiro ano do ARESP e a segunda, acolhendo as primeiras sessoes de formas;ao pedagogica de pais. Estes apoios a implementas;ao do Projecto foram sucedendo, decorrendo da avalias;ao das necessidades no processo de execus;ao, sendo accionados mediante as relas;oes privilegiadas que os varios intervenientes no processo tinham no terreno, inclusive por parte dos pais formandos, que muitas vezes desbloquearam mecanismos burocraticos organizacionais nao compativeis com os tempos de concretizas;ao de actividades nao previstas, aquando a candidatura do Projecto.

4. Programa de Ac~ao Desenvolvido 0 Projecto ARESP-Odivelas foi concretizado, de forma estrateglCa integrada e dinamica, sob a egide de duas linhas de execus;ao: a) cumprimento dos objectivos e metas estabelecidas no processo de planificas;ao, mediante um conjunto de acs;oes, sistematizadas numa ordem logica de sucessao; b) a realizas;ao de actividades complementares decorrentes do processo de avalias;ao permanente dos resultados obtidos no campo, em especial do sistema de formas;ao e na relas;ao directa corn os pais formandos/formadores. Esclarecendo esta linha estrategica, destacam-se quatro areas de actividade que estruturam o modelo de Escola de Pais aqui em apresentas;ao: A) Desenvolvimento de urn programa de formas;ao direccionado a pais e maes. Este programa estruturou-se em estrategias de divulgas;ao lNTERVENy.:\.o SociAL, 30, 2004


234

I

Regina fcrrcira Vieira

do projecto junta de organismos locais e a pais e maes do concelho de Odivelas, viabilizando o procedimento de recrutamento e inscri<;:ao do publico-alvo no programa formativo. Este incluiu a promo<;:ao das seguintes ac<;:6es:

• "Formac_rao de Pais" (30 horas), combinando os m6dulos de Psicologia de Desenvolvimento, Educa<;:ao para Estilos de Vida Saudaveis e Dinamica de Grupos. A par da reflexao sabre dimens6es tematicas de promo<;:ao de competencias parentais, privilegiou-se a sensibiliza<;:ao dos pais para o desempenho de competencias de formador de pais, mediante o desafio constante de questionamento de cada elemento enquanto membra de urn grupo, desmontando e (re) construindo, diferentes fonnas de educar e de estilos de vida identificados em contextos sociais no concelho de Odivelas, valorizando-se a abordagem numa l6gica de dinamica de grupo. • "Formac_rao Pedag6gica de Pais na Prevenc_rao Primaria das Toxicodependencias" (102 horas), participada pelos pais que frequentaram a forma<;:ao de pais c cujo pcrfil e motiva<;:ao se mostraram consonantes corn o dcsempenho da fun<;:ao de formador de outros pais que se promovc ncstc modelo. Nas 90 horas de componente pedag6gica, foram dcscnvolvidos conteudos programaticos ligados a reflexao sabre os sistemas de forma<;:ao, publicos alvo, legisla<;:ao, teorias, factores e processos de aprendizagem, a rela<;:ao pedag6gica e processos de anima<;:ao de sess6es, metodos e tecnicas formativos, recursos didacticos e planifica<;:ao, privilegiando-se os exerdcios de aplica<;:ao pratica dos conhecimento (simula<;:ao), sempre acompanhado de processos de avalia<;:ao, fundamentalmente qualitativos. Esta ac<;:ao certificou cada urn dos pais participantes, reconhecendo formalmente a sua competencia pedag6gica de formador a desempenhar em qualquer programa formativo de competencias parentais, em especial na componente espedfica da preven<;:ao das toxicodependencias, enquanto componente espedfica da forma<;:ao (12 horas). • "Supervisao Pedag6gica" (28 horas), desenvolvida em dois momentos, visando no primeiro a totalidade dos pais que frequentaram a "forma<;:ao de pais", auxiliando no processo de sensibiliza<;:ao para o perfil de formador de pais, e no segundo momento, orientada para o INTERVENc,:Ao SociAL, 30, 2oo+


Modclo de Escolas de Pais para Pais

I 235

grupo de pais que frequentaram a "formac;:ao pedagogica de pais na prevenc;:ao das toxicodependencias", complementando o seu processo formativo, desta feita, apoiando o processo de planeamento, execuc;:ao e avaliac;:ao de acc;:6es formativas promovidas pelos pais formadores a outros pais do concelho de Odivelas mas externos ao projecto. B) Concretizac;:ao de ac<;oes complementares e decorrentes do processo de implementac;:ao do Projecto na relac;:ao directa de relac;:ao corn os pais formandos, tais como a realizac;:ao de tres sess6es de discussao sobre objectivos, programa de acc;:ao e possivel estrutura juridica e administrativa da futura Escola de Pais para Pais de Odivelas; acc;:ao de reflexao sobre iniciativas de formac;:ao de pais para pais no contexto de comemorac;:ao do primeiro aniversario do ARESP-Odivelas; actividades de convivio entre pais e formadores no final das acc;:6es de formac;:ao, juntando as suas familias. C) lnterven<,rao na Comunidade no ambito da problematica do absentismo e abandono escolar de jovens sinalizados nas escolas EB 2+3 Antonio Gedeao (Arroja) e Gonc;:alves Crespo (Pontinha). D) Supervisao da execu<,rao do Projecto pela equipa responsavel pela gestao, quer atraves dos relatorios mensais de actividades produzidos pelas equipas tecnicas, quer directamente corn a Equipa Tecnica de Odivelas, quer envolvendo a reflexao conjunta corn a Equipa Tecnica de Beja, realizando-se o acompanhamento da metodologia das acc;:6es do projecto e avaliac;:ao do sistema de formac;:ao, mediante a construc;:ao, aplicac;:ao e tratamento dos instrumentos de avaliac;:ao; a produc;:ao de materiais pedagogicos: dois videos pedagogicos e dois CDrom memoriais dos projectos desenvolvidos por ambas as equipas tecnicas; e discussao de modelo(s) de escola de pais para pais na relac;:ao corn os contextos socio-geograficos e dinamicas relacionais estabelecidas.

5. Metodologia de implementas:ao do Programa de Acs:ao 0 Projecto ARESP-Odivelas centrou a sua abordagem numa dimensao de prevenc;:ao primaria das toxicodependencias, desenvolvendo-se meINTERVEN<;Ao SocL\L, 30, 2004


236

I

Rcgina Ferrcira Vieira

diante urn "conjunto de estrategias destinadas a promover estilos de vida sauddveis, englobando a participafiio activa das comunidades, das institui[i5es e dos seus sistemas, numa politica de concertafiio e de articula[iio" 4• Corn o objectivo espedfico de ajudar os pais a tornarem-se agentes conscientes de preven<;:ao e parceiros activos no quadro geral (nacional) de preven<;:ao da droga, o Projecto ARESP no desenvolvimento das suas ac<;:6es, organizadas de forma articulada, promoveu essencialmente estrategias de preven<;:ao informativas, formativas e de capacita<;:ao dos pais na identifica<;:ao de factores de risco e de identifica<;:ao e promo<;:ao de factores de protec<;:ao, evitando a ocorrencia de comportamentos que comprometam a sat'tde (nas suas componentes bio-psico-social). Trabalhou ainda a estrategia de cria<;:ao de alternativas de preven<;:ao, visando de forma mais espedfica a prepara<;:ao de urn grupo de pais e a constitui<;:ao de uma rede de rela<;:6es interpessoais e organizativas (recursos) no sentido de darem continuidade a experiencias de forma<;:ao a outros pais no concelho de Odivelas, em especial para grupos de risco, mediante a cria<;:ao e implementa<;:ao de urn projecto de cscola de pais para pais, cujo modelo possivel foi experienciado pela implementa<;:ao do ARESP.

5.1 Implementas:ao e execus:ao do Programa Formativo Estrategias de divulgas:ao do Projecto e recrutamento de pais Corn o objectivo de divulgas:ao do Projecto no sentido de viabilizar a sua implementa<;:ao no concelho de Odivelas, foram realizadas, pela equipa tecnica constituida pela coordenadora e duas volund.rias finalistas da licenciatura de Servi<;:o Social 5, desde Fevereiro de 2003, reunioes junto dos parceiros e colaboradores, quer no inicio, quer ao longo da implementa<;:ao do Projecto, suportando a apresenta<;:ao mediante instrumentos tais como powerpoint, panfletos desdobraveis e cartazes de apresenta<;:ao de objectivos e estrutura de ac<;:ao do ARESP. ]unto da Comissao Alargada e da Comissao Restrita da CPCJO o ARESP-Odivelas foi apresentado ¡'Diploma da Prcsidencia do Consclho de Ministros, 11 de Otttubro de 2001, p. 15. 5 A Equipa Tecnica do ARESP-Odivclas contou ainda com a colaborat,:ao activa, no ambito da ac<,:ao "lntervent,:ao na Comunidade" de duas estagiarias do 4. 0 ano da licenciatura de Servit,:o Social pelo ISSSL, a desenvolver o seu estagio na CPCJ-Odivelas. INTERVE:-,n;:.:i.o SocrAL, 30, 2004


l\lodelo de Escolas de Pais para Pais

I

237

como recurso de forma<;:ao a pais, a desenvolver no ambito da aplica<;:ao de medidas de acompanhamento a familia de crian<;:as sinalizadas a este organismo, facto que nao veio a registar-se. 0 recrutamento de pais e maes foi realizado mediante a divulga<;:ao do projecto no espa<;:o de tres reunioes de duas Associa<;:6es de Pais do concelho, aproveitando reuni6es ja programadas pelas mesmas que reuniam todas as restantes associa<;:6es de pais do concelho. Foram distribufdos nestes encontros fichas de inscri<;:ao e panfletos informativos sobre o Projecto incluindo contacto corn a equipa tecnica para prestar esclarecimentos. Mediante o preenchimento das fichas de inscri<;:ao e devolu<;:ao a equipa tecnica, foi possfvel caractcrizar os pais candidatos a forma<;:ao, em termos da sua faixa etaria, suas habilita<;ocs litcd.rias, profissao, numero de filhos e idade dos mesmos, contactos e o intcrcssc/motiva<;:ao e disponibilidade (dias da semana) para frequentarem o programa de forma<;:ao, estrategicamente orientado para a forma<;:ao de pais formadorcs de outros pais, visando a constitui<;:ao de equipas de pais formadores futuros para darem continuidade a programas formativos a outros pais do concelho (modelo de Escola de Pais promovido na rela<;:ao entre pares). Os 38 pais inscritos, foram convocados para espa<;:os de reuniao promovidos pela coordena<;:ao tecnica do projecto e realizados num Sabado de manha (31 de Maio), nas instala<;:6es da CPCJO, divididos em grupos mais restritos, onde foram esclarecidas duvidas sobre os objectivos e programa de organiza<;:ao das ac<;:6es de forma<;:ao, em especial da primeira ac<;:ao de "Forma<;:ao de Pais", cujos elementos apresentados nas fichas de inscri<;:ao permitiram uma pre-organiza<;:ao do cronograma da mesma. Compareceram 34 pais que preencheram ainda um questionario sobre a motiva<;:ao de frequentarem um programa formativo de pais no ambito da preven<;:ao primaria da toxicodependencia, identificando o contacto dos mesmos corn esta problematica e o tipo de informa<;:ao ja obtida. Em face dos dados obtidos, foi possfvel constatar que estes pais eram indivfduos maioritariamente corn forma<;:ao superior em areas diferenciadas como a Medicina, a Economia, a Educa<;:ao do Primeiro Ciclo, Informatica e Telecomunica<;:oes, entre outras, seguindo-se de indivfduos corn forma<;:ao secundaria e de seguida, corn o 3. 0 ciclo. Na sua maioria, eram membros de Associa<;:6es de Pais do Concelho de Odivelas. Tratou-se de um grupo homogeneo no que respeita ao genera, equilibrado entre indivfINTERVENyAo

SacrAL,

30, 2004


I

238

Regina Ferreira Vieira

duos do sexo feminino e masculino. As idades predominantes situaram-se nos intervalos de mais de 40 anos, seguindo-se o intervalo dos 26-40. No primeiro a media de idades e de 47 anos; no segundo a media e de 34 anos. Grande parte destes pais tinham filhos adolescentes e adultos, sendo alguns deles ja av6s. Mostraram-se receptivos a pesquisa de informat;:6es e ao debate de ideias ligados aos modelos de educa<;:ao parental. Neste processo de recrutamento de pais e maes foram privilegiados os seguintes requisitos: motiva<;:ao para aprofundarem conhecimentos sobre a promo<;:ao de estilos de vida saudaveis e a preven<;:ao de comportamentos de risco, assumirem o papel de pais formadores de outros pais, disponibilidade para frequentarem as act;:6es de format;:ao, e serem, preferencialmente, pais e maes de crian<;:as e jovens a frequentar o 2. 0 e o 3. 0 ciclos do ensino basico. Em face do programa formativo previsto, foram seleccionados de forma natural (auto-exclusao), principalmente em face da disponibilidade para a frequencia das act;:6es de format;:ao e motiva<;:ao para a format;:ao de outros pais 6 • Foi ainda reajustado o cronograma previsto para a execu<;:ao da "Format;:ao de Pais" conf{mne a disponibilidade horaria dos pais, em face da qual tambem foi combinada a disponibilidade dos formadores e a selec<;:ao do espa<;:o de forma<;:ao. Programa formativo a) "Formar;iio de Pais"

Foram constituidas duas equipas de pais para cobertura a urn total de 28 pais que iniciaram a primeira ac<;:ao de forma<;:ao. Terminaram 24 pais. Esta acs:ao teve um total de 30 horas para cada equipa e foi desenvolvida entre Junho e Outubro de 2003, decorrendo nas instalat;:6es do CRAP pertencente a CMO, integradas no edificio da Escola n. 0 3 do 1.° Ciclo de Odivelas. Foi solicitada a Direc<;:ao desta escola a cedencia de uma sala extra de format;:ao para a realizat;:ao de algumas sess6es em simultaneo a

6

Um l1Lllnero significativo de pais apresentou-se como apen as interessado em frequentar a forma<;ao de pais (primeira ac<;ao de forma<;ao, em face dos conteLrdos formativos, nao querendo continuar para a forma<;ao de formadores de outros pais. I"'TERVENC;:Ao

SociAL,

30, 2004


Modelo de Escolas de Pais para Pais

I

239

decorrer entre as duas equipas de pais formandos, assim coma o acesso aos sanid.rios do pessoal da escola. Dada a falta de recursos materiais, as chaves de acesso as instala<;6es e o papel sanitaria foi adquirido pelo ARESP. Dado o horario estabelecido para a concretizas:ao da ac<;ao de forma<;ao: entre as 20h30 e as 22h30, a equipa tecnica assegurou a abertura, fecho e prepara<;ao dos materiais de forma<;ao, permitindo assim urn contacto de proximidade regular corn os pais e formadores, avaliando o interesse e motivas:ao dos mesmos. A "Formas:ao de Formadores" foi desenvolvida em tres modulos de formas:ao sequenciais: " Psicologia de Desenvolvimcnto (9 horas) - visando a reflexao da imporrancia da familia na prcvcnc;ao do risco, foi realizada a exploras:ao de temas como o sistema familia, identificando as fases, tipologias e problematicas; as eta pas do desenvolvimento infantil corn maior enfase na idade da adolescencia; e identificas:ao e actua<;ao sobre factores de risco. " Educas:ao para Estilos de Vida Saudaveis (9 horas) - foram explorados coma conteudos tematicos: Contextos das crian<;as; o paradoxo: Pensamento do Adulto vs Pensamento da Crian<;a; Infancia e familia; Modelos sociais de inH1ncia; A Escola; A capacidade de educar, ouvindo a crian<;a; Identifica<;ao de contextos sociais no concelho de Odivelas para urn Estilo de Vida Saudavel; Mundos sociais da inH1ncia; o vocabulario do adulto para a educas:ao de estilos de vida saudavel; 0 tempo e a sua relas:ao corn as actividades adequadas a idade da Crian<;a; Elementos essenciais para uma educa<;ao de estilos de vida saudavel; defini<;ao de estilos de vida saudaveis. • Dinamica de Grupos (12 horas) - Visando dotar os pais fOt¡mandos a participarem activamente na redus:ao de riscos, este modulo pretendeu ajudar os pais a compreenderem o processo de tomada de decis6es, a necessidade da comunica<;ao aberta/dialogo e a necessidade da resolus:ao de conflitos no contexto das dinamicas familiares e na conjugac;ao dos papeis dos varios actores sociais na preven<;ao das roxicodependencias, para alem de perceberem as possiveis dinamicas familiares, as relas:oes entre pares e os varios grupos e liderans:as. Nesta medida foram abordados temas como a tomada de deINTERVEN<;Ao SoCIAL, 30, 2004


240

I

Regina Ferreira Vieira

cis6es, os processos de comunica<_;:ao, o relacionamento e dinamicas familiares, pd.ticas parentais educativas e psicopatologia, resolu<_;:ao de problemas, a frustra<_;:ao e o conflito, rela<_;:6es entre pares, grupos e lideran<_;:as, e ainda a responsabilidade de alguns actores sociais na preven<_;:ao do uso e abuso de drogas. Contou corn 3 formadores credenciados e experientes nas areas tematicas desenvolvidas. Os conteudos tematicos e a metodologia de forma<_;:ao aplicada foram reajustados em virtude dos objectivos do modelo formativo de pais em ac<_;:ao, visando a forma<_;:ao de pais formadores, mas na medida das caracterfsticas pessoais e dos modelos educativos evidenciados pelos elementos dos grupos de formandos. No que respeita a metodologia formativa, foram conjugadas tt~cnicas expositivas e dinamicas, privilegiando-se exerdcios praticos a partir da experiencia dos formandos, a auro-reflexao, a "chuva de ideias", o debate, dinamica de grupo.

b) ''Formariio Pedagogica de Pais nrt Prcvcnrlio Primdria das Toxicodependencias" Corn urn total de 102 horas, correspondcu a 90 horas de Componente Pedagogica de Forma<_;:ao, e a 12 horas de componente espedfica de preven<_;:ao primaria das toxicodependencias. Contou corn sete formadores, corn forma<_;:6es de base de Servi<;:o Social, Psicologia e Sociologia, integrando elementos da equipa de formadores rcsponsaveis pelos modulos da primeira ac<_;:ao de forma<_;:ao. Procurou-se a participa<_;:ao de formadores credenciados e corn experiencia nas areas tcmaticas desenvolvidas. Devido as limita<_;:6es de concretiza<_;:ao final do projecto (Outubro de 2004) e em face da dinamica de execu<_;:ao do mesmo, esta ac<_;:ao teve de ser realizada entre Mar<_;:o e Junho de 2004, revelando urn cronograma de execu<_;:ao condensado, exigindo aos pais elevado esfor<_;:o e dinamicas familiares criativas para assegurarem a frequencia assidua a esta ac<_;:ao. Reflexo deste empenhamento foi 0 numero de pais que a frequentaram: iniciaram 18 pais e finalizou corn 16 pais (11 corn Certifica<_;:ao pelo Instituto de Emprego e Forma<_;:ao Profissional (IEFP) e os restantes corn certificado de frequencia emitido pelo ISSSL/CESDET). Este processo formativo foi I NTERVE!\'C,:Ao SociAL,

30, 2004


Modelo de Escolas de Pais para Pais - - -

I

241

~~--~-------

avaliado quer em termos individuais (par formando/por modulo), quer mediante reflexao conjunta reunindo formandos e formadores.

c) "Supervisiio Pedag6gica" Na articula<;:ao das ac<;:6es formativas, face ao objectivo de forma<;:ao de pais para formadores de outros pais, promovendo a continuidade de iniciativas de apoio a fun<;:ao parental promovidas par pais e dirigidas a outros pais, e de acordo corn a reflexao avaliativa da execu<;:ao do projecto, foi decidido pela Equipa Tecnica a realiza<;:ao de duas sess6es de Supervisao, par equipa de pais (nu m total de 21 pais), nu m total de 5 horas para cada equipa. Esta primeira E1se da ao;ao decorreu entre Outubro e Novembro de 2003 e foi dedicada a explora<;:ao da rela<;:ao formador/ formando e objectivos e desafios da ac<;:ao de formar, ajudando os pais a decidir sabre o interesse e motiva<;:ao de frequentar a "Forma<;:ao Pedagogica de Pais na Preven<;:ao Primaria das Toxicodependencias", permitindo tambem a equipa tecnica realizar 0 recrutamento dos pais para esta ac<;:ao tendo em coma os seguintes requisitos: terem frequentado as ac<;:6es de forma<;:ao anteriores, com assiduidade, revelarem capacidade em estabelecer rela<;:6es positivas, capacidade e gosto pela transmissao de informa<;:ao, capacidades de gerar empatia a nivel individual e de grupo e de adquirir competencias pedagogicas, vontade de assumir uma cidadania activa pelo exerdcio do voluntariado social. Em face do processo de homologa<;:ao da ac<;:ao de forma<;:ao pelo (IEFP), apenas foi viabilizada a certifica<;:ao de 12 pais formandos com o Certificado de Aptidao Profissional (CAP). Dada a existencia de 18 pais, interessados em frequentar a ac<;:ao, preenchendo os requisitos referidos, a selec<;:ao dos 12 pais para obten<;:ao do CAP foi realizada mediante os graus mais elevados de habilita<;:ao literaria- e a disponibilidade e compromisso de corresponderem ao normativo de assiduidade estabelecido pelo IEFP. A discussao destes requisitos e a selec<;:ao dos formandos foi realizada mediante reuni6es da coordenadora da equipa junto dos pais, tendo o processo decorrido de forma esclarecida e participada. -Na medida em que o maior grau de habilita<;:ao litedria do formador permite dar formas:ao a graus da mesma categoria e a inferiores, nao resultando o inverso. INTERVEN<;Ao

SociAL,

30, 2004


242

I

Regina Ferreira Vieira

A ac<;:ao de "Supervisao Pedag6gica" propriamente dita, num total de 18 horas, decorreu entre Setembro e in1cio de Novembro de 2004 8 • Constituiu-se complemento a ac<;:ao formativa de pais formadores, auxiliando na programa<;:ao, implementa<;:ao e execu<;:ao e avalia<;:ao de sess6es de informa<;:ao, sensibiliza<;:ao e esclarecimento promovidas pelos pais supervisionados a outros pais do concelho no ambito da preven<;:ao primaria das toxicodependencias; colmatando assim algumas falhas formativas detectadas no ambito da avalia<;:ao junto dos formadores e pais formandos no ambito da forma<;:ao pedagogica de pais 9 • Orientados por uma supervisora, cujo contacto corn estes pais se havia estabelecido desde a primeira fase da ac<;:ao de supervisao, foi estabelecido entre a mesma e os pais a metodologia das sess6es: o grupo foi dividido por escolha dos pr6prios pais em dois subgrupos, realizando-sc encontros de supervisao corn cada grupo e tambem duas sess6es em grupo mais alargado (planeamento da metodologia e avalia<;:ao da ac<;:ao). Participaram urn total 17 pais 10 • N as varias sess6es corn cada sub-grupo, fora m discutidos os projectos de ac<;:6es de forma<;:ao na Preven<;:ao das Toxicodcpendencias, a serem promovidas pelos pais supervisados, oricntadas para pais de crian<;:as 1. 0 a 3. 0 ciclo do Ensino Basico de Escolas de Oclivelas. Foram desenvolvidas, pclos pais, as seguintes ac<;:6es: • Subgrupo 1 Workshop "Educar para Prevenir, Prevenir e Educar': realizado no dia 4 de Novembro de 2004, nas instala<;:6es do Polivalente da Junta de Freguesia de Odivelas; • Subgrupo 2 - ':4o Encontro da Prevenrao", realizado em duas sess6es: nos dias 22 de Outubro na Escola EB1 de Odivelas e 4 de Novembro de 2004 na Escola EB1de Olival de Basto. 8 0 terminus do Projecto estava fixado para final de Outubro de 2004, m as houve necessidade face a avaliac,:ao do processo de execuc,:ao do projecto e seus objectivos de alargar o prazo, autorizado pelo IDT, assegurando os tempos de avaliac,:ao global do projecto e redacc,:ao do relat6rio ate meados de Novembro dcssc ano. ''Fora m realizadas reuni6es periodicas entre a equipa tccnica e os formadores no final de cada modulo e entre a equipa de formadorcs e entre estes c os pais (duas sess6es: no fim da componente pedag6gica e no fim da componeme especifica). 10 Ao grupo de 16 pais que frequemaram a Formac,:ao Pedag6gica de Pais na Prevenc,:ao Primaria das Toxicodependencias juntou-se mais uma mae, psic6loga, recrutada por um dos grupos de pais para desenvolver a sessao de informac,:ao proposta pelo grupo.

INTERVEN<;.~\o SociAL,

30,

2004


Modelo de Escolas de Pais para Pais

I

243

De acordo corn a avalia<;:ao do trabalho realizado corn este pais e os objectivos de forma<;:ao de pais para a forma<;:ao de outros pais, a supervisora propos a Equipa Tecnica a participa<;:ao destes pais numa sessao formativa sobre a tecnica «Teatro/Debate 11 », sob o tema "Ensaiar a propria vida, parar para reflectir e inventar estrategias de ac<;:ao". Foi concretizado na manha do dia 6 de Novembro de 2004 (4 horas), no Auditoria do Instituto Portugues da Juventude (IPJ), dinamizado por actores do Grupo «Teatro Magnetico» e dirigido nao apenas aos pais ja formadores mas tambem as suas familias (esposos, esposas e filhos) e a demais pais convidados pelos primeiros, a equipa de formadores do ARESP e Equipa Tecnica, assim como a alunos do ISSSL. Foram objectivos espedficos: sensibilizar os participantes para esta tecnica, proporcionar aos participantes o accsso a tecnicas inovadoras de interven<;:ao em preven<;:ao e especificamente das toxicodependencias e de uma sexualidade esclarecida e protegida, perspectivar a divulga<;:ao desta tecnica a todos os agentes educativos de Odivelas, atraves deste grupo de participantes. A metodologia urilizada pelo grupo de actores foi a seguinte: I) apresenta<;:ao e explicita<;:ao da tecnica e do tema espedfico de «Teatro/Debate» a explorar; 2) Observa<;:ao e participa<;:ao de uma encena<;:ao-tipo de teatro/debate (pt'tblico vai fazendo o guiao da cena); 3) participa<;:ao do publico pais como actores; d) Debate e reflexao sobre a tecnica observada/ cria<;:ao de um guiao de representa<;:ao futura; 4) Convivio corn todos os participantes no palco. A ac<;:ao de supervisao pedagogica terminou corn uma sessao de avalia<;:ao conjunta entre equipas de pais e a supervisora, reflectindo os objectivos alcan<;:ados de complemento da forma<;:ao de formadores e a propria metodologia da ac<;:ao. 0 "Teatro/Debate", e uma tecnica de teatro social e educativo, urilizado para resolw;:ao de conflitos, de problemas e para debate de temas dificeis. Permite a pesquisa corn alunos e professores, pais, encarregados de educa<;:ao, educadores, interventores sociais; Prornove o debate de ideias, a reflexao a criatividade, o conhecimento; Utiliza personagens-tipo que retratam os proprios destinatarios que se idenrificam imediatarnente corn eles; Cultiva o sentido de festa e o sentido de perten<;a, essenciais na estrutura<;:ao ernocional e social; os temas e os textos sao propostos aos actores profissionais e especialistas desta tecnica que encenam, representam e implicam directamente os destinatarios no palco. Nesta medida foi e e uma tecnica adequada ao tipo e a natureza das Ac<;:6es de Preven<;:ao que serao desencadeadas pelos pais Formandos do Projecto ARESP. 11

INTERVE:-.l<;Ao

SociAL.

30, 2004


244

I

Regina Ferreira Vieira

Ac<5oes complementares ao programa formativo

Foram desenvolvidas outras ac<_;:6es, de rela<_;:ao directa corn os pais formandos e destes corn a comunidade local, nao previstas na programa<_;:ao inicial do Projecto ARESP, cm face da analise do processo de execu<_;:ao do mesmo, tais como:

a) Comemora<_;:ao do primciro aniversario de execu<_;:ao do projecto ARESP em Odivelas, rcalizado no dia 07 de Fevereiro de 2004, no Auditoria da Bibliotcca Municipal D. Dinis. A sessao foi realizada tendo por finalidadc marcar numa sessao formal e junto dos promotores, parceiros c colaboradores e formadores, a entrega dos certificados de fonnac;~io aos pais frequentadores da primeira ac<_;:ao de forma<_;:ao, dando visibilidade ao esfor<_;:o do grupo de pais e ao proprio projecto, construindo novas "pontes" relacionais. A sessao foi ainda animada por uma mesa redonda dedicada ao tema "Escola de Pais: que objectivos c que modelos?", tendo tido como ot路adores de duas experiencias de f(mnac;ao na area das competencias parentais o Dr. Joao Mufioz da Fscola de Pais da Universidade Catolica Portuguesa e a D. Jt'dia Tavares, prcsidente da Associa<_;:ao Portuguesa de Pais Intervenientcs ern Prevcn~:ao (APPIP). Foi ainda promovida uma mesa de reflexao sobrc o desenvolvimento do projecto ate aquela data, COntando COill 0 tcstetnunho de Uill elemento representante do grupo de pais, cscolhido entre os mesmos, assim como representantes da FERLAP, da CPCJO (tambem membros do grupo de pais formandos), assim como do grupo de formadores, servindo assim como espa<_;:o de avaliac;ao. No final foi promovido urn beberete-conv!vio organizado pclos pais formandos.

b) Sessao Solene de entrega de Ccnificados de Aptidao Formativa aos pais que frequentaram a Formac;ao Pedagogica de Pais na Prevenc;ao Primaria das Toxicodependencias, realizada no dia 16 de Julho de 2004, no ISSSL. Mais uma vez dar visibilidade ao projecto, realizando-se uma retrospectiva das acc;6es realizadas no ambito do ARESP-Odivelas, desde Fevereiro de 2003, real<_;:ando o trabalho e empenho dos pais formandos em conjunto corn a equipa de l~TERVEN<;.:\_o

SociAL,

30, 2004


Modclo de Escolas de Pais para Pais

I

245

formadores, equipa tecnica e parceiros e colaboradores formais e informais locais. Estiveram presentes no espa<;:o escola que e o ISSSL, quer os pais formandos, quer seus familiares e amigos que acompanharam e apoiaram o seu processo, para alem dos formadores e representantes de entidades locais e nacionais de responsabilidade em materia de preven<;:ao de comportamentos de risco de crian<;:as e jovens e apoio as familias comae a Comissao Nacional de Crians:as e ]ovens em Risco.

c) Destacam-se os espa<;:os de convfvio realizados, quer por iniciativa da equipa tecnica corn colaborac,:ao dos pais ou mesmo por iniciativa propria dos mesmos, quer coma parte integrante de outt路as ac<;:oes (sessao inicial de recrutamcnto de pais, o "espa<;:o de cafe" no contexto das sessoes de formac,:ao, nas ultimas sessoes de forma<;ao, convidando todos os formadorcs e equipa tecnica, no primeiro aniversario e sessao solene de cnrrcga de certificados CAP, almo<;o convivio de pais convidando l~mnadores e equipa tecnica e mesmo espa<;:os de convivio promovidos nas casas dos pais formandos para relas;ao entre os mesmos). Estcs cspac;os foram considerados elementos fundamentais na estrategia rclacional de proximidade interpessoal, de promo<;:ao do grupo f(mnado por pais, garantindo a relas;ao directa corn toda as suas familias, que tambem participavam nesses encontros. Para alem da vertcnrc al~ctiva, estes momentos constituiram espa<;:os de troca de cxpcricncias numa vertente informal, marcando momentos fortes/paramarcs de acs;ao no desenho de execu<;:ao do projecto ARESP junto dos pais directamente implicados e demais actores sociais da comunidade. d) Realiza<;:ao de sessoes de rdlcxao corn os pais formandos, entre Mar<;:o e Maio de 2004, (num total de tres) corn participas;ao claramente volund.ria dos mesmos, definidas em prol da vontade de alguns pais em discutir o possivel modelo de Escola de Pais a implementar em Odivelas, por iniciativa dos mesmos, funcionando a coordenadora da equipa como apoio/media<;:ao da discussao. A acs;ao decorreu na sala de forma<;:ao/reuniao da Associas;ao de Pais da Escola Secundaria de Odivelas. Tendo sido alguns dos memINTERVEN<;:Ao

SociAL, 30,

2004


246

I

Rcgina Ferreira Vieira

bros do grupo de pais formandos pertencentes aquela Associac;:ao, a proporem e a desenvolverem esforc;:os de autorizac;:ao de ocupac;:ao desse espac;:o. Esta acc;:ao decorreu da vontade do grupo de pais demonstrada no contexto dos espac;:os de avaliac;:ao das acc;:6es de formac;:ao. Foi disponibilizado, pela coordenadora da equipa tecnica, aos pais participantes na segunda sessao, urn documento intitulado "Levantamento de Necessidades e Areas Tematicas", contendo informac;:oes sistematizadas pela coordenac;:ao da equipa tecnica corn base em fontes como: relatorios de actividades da CPCJ-Odivelas ano 2002 e 2003- Caracterizac;:ao Populac;:ao utente; levantamento estatistico de familias de jovens que registaram abandono escolar em duas Escolas do concelho de Odivelas, no contexto do trabalho desenvolvido na Acc;:ao "Intervenc;:ao na Comunidade"; planos de actividades realizadas por algumas associac;:6es de pais do concelho 2002-2003; resultado do questionario inicial de inscric;:ao no ARESP na pergunta: "Indiquc que tipo de assuntos o preocupam no que diz respeito a cducac;:ao dos scus filhos?"; temas abordados na "formac;:ao de pais" ARESP distinguidos como os que tiveram mais interesse e sugcst6es de temas a discutir; levantamento de areas tematicas consideradas de interesse discutir pelos pais no ambito de urn projecto Escola de Pais, produto da primeira reuniao realizada no contexto desta acc;:ao de reflexao sobre a Escola de Pais de Odivelas; e ainda algumas referencias bibliograficas no ambito das competencias parentais. 0 documento serviu de base a discussao de urn futuro projecto de Escola de Pais no ambito das sessoes, ainda que nao aprofundado dado o mimero limitado das mesmas, extinguidas na medida em que os proprios pais chegaram a conclusao nao terem mais disponibilidade para outras acc;:6es para alem dos espac;:os de formac;:ao. No entanto, serviu tambem de informac;:ao base (documento diagnostico) para a definic;:ao dos tern as das acc;:6es promovidas pelos pais formadores no contexto da acc;:ao de "Supervisao Pedagogica". e) Entrevista prestada, em Setembro de 2004, ao Jornal de Odivelas (jornal regional) pela coordenadora da Equipa Tecnica do ARESP Odivelas e por urn representante do grupo de pais formadores, INTERVEN<;:.\o SociAL, JO, 2004


Modelo de Escolas de Pais para Pais

I

247

tendo por objectivo a divulgac;:ao a comunidade do concelho de Odivelas, em especial dos objectivos e actividades ja realizadas pelos pais formandos, servindo ainda, aquela data, para apresentac;:ao das actividades a desenvolver pelos pais formadores junto de outros pais do concelho.

j) Identificac;:ao, no final do projecto, de dois representantes do grupo de pais formadores, por parte dos mesmos, para integrarem futuras reuni6es de parceiros a concrctizarem-se junto de entidades locais como a CMO, mediante propostas de novos projectos de acc;:ao na area do apoio a educac;:ao e func;:ao parental! desenvolvimento de competencias parentais no concelho de Odivelas, dando-se continuidade ao projecto ARESP junto de outros publicos, ainda que privilegiando-se a intervenc;:ao junto de outros pais. Estes representantes serao o elo de ligac;:ao ao grupo de pais formadores junto das entidades e parceiros locais. "Intervenc;ao na Comunidade" Esta acc;:ao foi desenvolvida em paralclo corn o programa formativo a pais por dois grupos de duas estagdrias de Servic;:o Social do 4. 0 ano do ISSSL (primeira fase decorrida enrre Marc;:o e Julho de 2003) e da Universidade Cat6lica de Lisboa (segunda fase decorrida entre Outubro de 2003 e Abril de 2004), no contexto dos esragios desenvolvidos no ambito de intervenc;:ao da CPCJO, sendo orientado tecnicamente por profissionais deste organismo. Foram objectivos espedficos: reduzir a taxa de insucesso eo abandono escolar junto da populac;:ao estudantil das escolas EB 2.3 Gonc;:alves Crespo (Pontinha) e EB 2.3 Ant6nio Gedeao Odivelas (Arroja), seleccionadas em face dos relat6rios de actividades da CPCJO de 2002 e 2003; Intervir junto de familias e jovens corn registo de absentismo e abandono escolar e corn sinalizac;:ao junto da CPCJO (imervenc;:ao de caso), articulando apoios e instituic;:6es, aproximando a relac;:ao familia-escola-comunidade; Promover contactos corn entidades locais (parceiros e colaboradores), sensibilizando para o estabelecimento de redes de apoio (formais e informais) as familias, reforc;:ando os mecanismos de inclusao social e de integrac;:ao lNTERVEN<;:Ao

SociAL,

30, 2004


248

I

Regina Ferreira Vicira

de familias e de crian<;:as e jovens, especialmente os mais desfavorecidos; Refor<;:ar as competencias dos pais/educadores ajudando-os a assumir e a apropriarem-se da sua capacidade de decisao e auto-determina<;:ao, valorizando o papel das famflias e promovendo o fortalecimento da institui<;:ao familiar; organizar actividades, programas e estruturas de incentivo a Escola; prevenir as toxicodependencias e comportamentos delinquentes. Visando estes propositos, e na primeira fase da ac<;:ao, foram realizadas as seguintes actividades: a) Conhecimento das estruturas locais (Escolas Antonio Gedeao e Gon<;:alves Crespo), mediante inser<;:ao das estagiarias nestes espa<;:os; b) identifica<;:ao das situa<;:6es 12 de absentismo e abandono escolar mediante a consulta de documenta<;:ao do registo de faltas das escolas e reuni6es corn os professorcs; c) levantamento/caracteriza<;:ao das familias corn filhos a registarem abandono escolar e absentismo nas duas escolas mencionadas, sendo para isso realizadas analise dos documentos de registo de faltas dos alunos, cntrcvistas corn os alunos e corn as famflias mediante a concretiza<;:ao de visitas domicili<irias e constru<;:ao de grelhas de caracteriza<;:ao das fam!lias; d) tratamcnto dos dad os e apresenta<;:ao dos resultados junto da CPCJO c nos rclatorios aprcsentados ao IDT pela Equipa Tecnica do ARESP-Odivelas; e) Diagnostico e Selec<;:ao das fam!lias alvo de interven<;:ao tendo em coma a existencia de processo aberto na CPCJO, num total de quatro famflias, tendo sido estabelecida rela<;:ao directa corn as mesmas, procurando diagnosticar corn profundidade os problemas apresentados e dinamizando 0 processo de resposta as suas situa<;:6es sociais registadas mediante a colabora<;:ao articulada entre os varios organismos de apoio social existentes na comunidade; f) na rela<;:ao directa corn os jovens sinalizados, foi promovido o desenvolvimento da socializa<;:ao no espa<;:o escolar, mediante a realiza<;:ao de actividades ludicas, recreativas e desportivas, fortalecendo a coesao e auto-estima no processo de reconhecimento das suas capacidades, actividades essas seleccionadas em face do levantamento de interesses realizado junto dos jovens 13 . 0 ponto alto foi a organiza<;:ao de urn desafio de futebol no dia 27 12 Identificac;:ao de 69 casos de abscncismo e abandono escolar no conjunto das 2 cscolas por motivos de transfcrcncia para oucra escola (mudanc;:a de residencia), docn<;a, dados de residencia falsos ou desconhecidos e um caso social. u Dos 60 alunos entrevistados, a maioria (23) dcstacou o clesporto; seguindo-se dos computadores (18) e cla clan<;a c mt'rsica (13).

I~TERVEN<;:Ao SociAL,

30,

2004


1\Iodclo de Escolas de Pais para Pais ~~--

~

I

249

---路路~~路~~---

de Junho de 2003 1\ entre 10 alunos das duas escolas, convidando-se os pais a estarem presentes, ainda que apenas se contou corn a participa<;:ao de uma mae. A organiza<;:ao dos tempos livres dos alunos foi realizada em articula<;:ao corn os professores no sentido de serem promovidas aulas de apoio e actividades educativas corn os alunos, tendo sido mais receptivos e colaborantes professores de uma das escolas. No que respeita em concreto as actividades registadas na segunda fase, o segundo grupo de estagiarias, baseadas nos diagnosticos e actividades promovidas na primeira fase junta dos alunos e suas familias, dedicaram-se ao processo de implanta<;:ao de urn Gabinete de Apoio ao Aluno e a Familia (GAAF), na Escola Ant6nio Gedeao (Arroja-Odivelas), num processo de articula<;:ao corn professores, auxiliares de ac<;:ao educativa e psicologos escolares. Neste contexto, foram desenvolvidas as seguintes actividades: a) Defini<;:ao do regulamenro interno do GAAF; b) Divulga<;:ao dos seus objectivos e actividades na comunidade escolar e parceiros locais; c) Caracteriza<;:ao das necessidades especiais dos jovens sinalizados ao GAAF; d) Levantamento de dados referentes aos novas alunos que entraram na escola e foram sinalizados ao GAAF junta das escolas de origem ou que foram anteriormente frequentadas pelos jovens.

"Supervisao do Projecto ARESP" Esta ac<;:ao pautou-se por actividades de acompanhamento da execu<;:ao do projecto, em especial na supervisao da operacionaliza<;:ao dos seus objectivos, e desenvolvendo procedimentos e instrumentos de caracteriza<;:ao e avalia<;:ao das ac<;:6es executadas. A supervisao do projecto foi realizada a do is niveis: 1) Na logica de acompanhamento das actividades desenvolvidas entre Odivelas e Beja, formando a equipa de supervisores as duas coordenadoras tecnicas, uma da equipa de Odivelas e outra da equipa de Beja, junta das duas tecnicas de supervisao tecnica e financeira junto da Unidade de Consultoria e Forma<;:ao da CESDET; l<ITendo-se associado a comemora<;:ao do Dia Nacional de Luta Contra a Droga (dia 26 de Junho). INTERVEN<;Ao

SacrAL, 30,

2004


250

I

Regina Fcrrcira Vieira

2) Na logica de acompanhamento e implememas:ao do Projecto em Odivelas, constituindo a equipa tecnica, a coordenadora tecnica, as voluntarias e estagiarias de Servi<;:o Social, tendo como imerlocutores os formadores, os parceiros e colaboradores locais, e as tecnicas de supervisao tecnica e financeira junto da Unidade de consultoria e Formas:ao da CESDET. Imerlocutores que iam sendo consultados consoante as areas do projecto a desenvolver ou avaliar. Por raz6es que se prendem corn a disrancia geografica e em face da diferente organizas:ao do programa de formas:ao implementado na relas:ao corn os distintos contextos locais, o primeiro nivel de acompanhamento registou-se de forma pontual e apenas em momentos referentes a acertos de procedimentos comuns entre equipas, tais como: a organizas:ao da equipa de supervisao e estabelecimento de rede de contactos; discussao do preenchimento das fichas de grupos alvo a enviar ao IDT e modelo de apresenta<;:ao dos registos de actividadcs; identifica<;:ao (logotipos) de cada equipa; criterios de selec<;:ao dos pais fcmnandos; meios e estrategias de divulga<;:ao do Projecto; aprcscnta<;:ao das actividades a desenvolver e desenvolvidas; discussao da organiza<;:ao dos materiais pedagogicos, decidindo-se pela produs:ao de dois videos pedagogicos e CDrom's apresentando o registo das ac<;:6es do Projecto; preparas:ao do guiao do video pedagogico de entrevistas a pais. No contexto da implementa<;:ao desta ac<;:ao foram produzidos os seguintes materiais pedagogicos: " Dois videos pedagogicos: "Acordar" (produzido pela equipa de Beja no ambito dos trabalhos produzidos em ateliers de escrita criativa) e "Prevenir corn Afectos" (produzido em conjunto por Beja e Odivelas, recolhendo-se opini6es/relatos sobre as drogas, o acompanhamento escolar, os afectos). Parte dos pais entrevistados nas filmagens em Odivelas foram indicados pelos pais formandos, sendo que as perguntas foram realizadas por urn dos pais pertencente a este ultimo grupo. Estes videos pedagogicos pretendem constituir material a ser utilizado pelos pais formadores ou outros sujeitos no contexto de ac<;:6es de forma<;:ao parental. INTERVENc;:.\o SociAL, 30, 2004


Modelo de Escobs de Pais para Pais

I

251

• Urn CDrom de apresentas;ao do Projecto ARESP- Equipa Tecnica de Odivelas, cujo formato final foi apresentado aos pais formadores, solicitando-se autorizas;6es formais de cedencia de dados (imagem) a todos os intervenientes nestes produtos. As actividades desenvolvidas no quadro da coordena<rao da equipa tecnica, orientaram-se para a operacionalizas;ao das acs;6es planeadas e avalias;ao das mesmas, para a elaboras;ao de registos de actividades mensais e relat6rios a remeter para Unidadc de consultoria e Formas;ao da entidade promotora CESDET, para ser enviado ao IDT, mas tambem para a organizas;ao de outras tarefas nao prcvistas mas decorrentes do acompanhamento do processo, tais como o 1nrtilling de Boas Festas (Natal de 2003) para os pais inscritos no Projccro ARESP e suas famllias e entidades parceiras; a recolha de imagens ao longo do projecto para integrar no CDRom; participas;ao no encontro de rdlcxao das actividades anuais da CPCJO, apresentando as actividadcs do ARESP (divulgas;ao do modelo de dinamizas;ao) junto dos represenranrcs de organismos e entidades locais; medias;ao no contacto dos pais com algumas entidades em Odivelas e Lisboa para cedencia de material pcdag<lgico e informativo para workshop promovido pelos pais formadores a ourros pais do concelho; veiculando informas;6es dirigidas aos pais formandos mediante a organizas;ao de documentos contendo informas;6es sobrc lcvantamento de necessidades no ambito das relas;6es pais-filhos-comunidadc c de recursos de organismos e grupos que se dedicam a iniciativas de apoio a funs;ao parental; realizas;ao de reuni6es corn promotores, parceiros c colaboradores (CESDET, ISSSL, CMO, pais formadores, etc.), para estudar viabilidade de continuas;ao do projecto corn vista ao apoio a formalizas;ao da Escola de Pais em Odivelas e/ ou de assegurar continuidade de acs;ocs de formas;ao parental.

6. Analise dos resultados 0 Projecto ARESP-Odivelas caracterizou-se como urn projecto de acs;ao de cariz s6cio-comunid.rio, na medida em que foram desenvolvidas urn conjunto de acs;oes que expressaram praticas interdependentes e convergentes de veiculas;ao de informas;ao, de desenvolvimento de oportunidades de convivencia e expressao humana, atraves da promos;ao de lNTERVEN<;:Ao SoCIAL, 30, 2004


252

I

Regina Fcrrcira Vieira ------"'"'

- - - -

grupos de encontro e crescimento orientados para a solw;:ao de problemas comuns, mobilizando-se potencialidades individuais e grupais, visando o desenvolvimento de competencias pessoais e sociais dos seus membros. Foram ainda desenvolvidas praticas de formac;:ao/educac;:ao numa optica relacional, fomentando a troca de experiencias 15 . Ainda que nao sob re o mesmo grupo-alvo de pais formandos, foi desenvolvida uma pratica de assistencia social considerada aqui no que se refere ao accionamento, articulac;:ao e optimizac;:ao da rede de recursos sociais dispon!veis para apoio as familias acompanhadas no ambito da acc;:ao "Intervenc;:ao na comunidade" - provisao de servic;:os publicos e privados. Na analise dos resultados de execuc;:ao do projecto, considera-se que este projecto conseguiu mobilizar urn conjunto significativo de pais interessados em identificar comportamentos de risco e mecanismos de resposta na area da prevenc;:ao primaria da toxicodependencia. A adesao dos pais ao projecto correspondeu aos objectivos previamente estipulados, obtendo-se uma percentagem sempre a cima dos H5(Y<l de assiduidade dos mesmos aos programas formativos e outras actividades desenvolvidas, constatando-se o elevado empenho dos mesmos nos objectivos e estrategias do projecto. Foi viabilizado um proccsso formativo de apoio a func;:ao parental, procurando dar respostas a inseguranc;:a dos pais face as questoes do dominio da educac;:ao e promovendo o desenvolvimento de competencias pedagogicas no exerdcio da func;:ao parental e mais especificamente na logica de multiplicac;:ao de experiencias formativas entre pares (de pais para pais). Por outro lado, foram possibilitados espac;:os de convivencia, partilha e sociabilidade entre os pais, tendo como fim t'dtimo criar grupo para a constituic;:ao de uma Escola de Pais em Odivelas. A medida que o projecto se ia implementando e, fundamentalmente, em face da necessidade de recursos de espac;:o para as acc;:oes formativas, as estruturas organizacionais locais foram tomando conhecimento do mesmo, solicitando informac;:oes e dando apoio mediame o solicitado. No entanto, a equipa tecnica confrontou-se com algumas limitac;:oes relativas as estruturas e dinamicas burocraticas de servic;:os complexos como os da CMO, em especial na demora na articulac;:ao entre os servic;:os, situac;:ao 15

Como refere Paulo Freire, ncste tipo de rcla-;:ao "ningucm tem a iniciativa absoluta"

(1970: 8-9). INTERVENt;:Ao

SociAL.

30, 200-1-


Modelo de Escolas de Pais para Pais

I

253

que chegou a dificultar o inicio da ae<;:ao "Formac;:ao Pedagogica de Pais", havendo necessidade de procurar, provisoriamente, uma sala cedida par um equipamento de apoio a infancia privado do mesmo concelho. Projectos que, apesar de uma planificac;:ao inicial se vao construindo a medida das relac;:oes que se vao estabelecendo entre os seus actores, necessitam de explorar estrategias de maior flexibilidade que路 viabilizem cam eficiencia, respostas celeres e adequadas as necessidades. A intervenc;:ao baseada em relac;:ocs de proximidade e assentes numa logica de reflexao partilhada, decorrc num ambiente que e palco de conflitos, fomentados pela relac;:ao de difcrentes interesses e poderes pessoais e organizacionais. Apesar de pro mover a noc;:ao de grupo (de pais formadares), foi notorio os diferentes intcrcsscs e objectivos de alguns pais na sua participac;:ao do ARESP, espelhando-se alguns interesses particulares em detrimento de um projecto conjunro de aposta na formac;:ao de outros pais, mediante a definic;:ao de um projccto concertado de Escola de Pais para Pais em Odivelas, facto que ate :1 data nao se veio a concretizar. Estas situac;:oes foram sendo geridas pela cquipa tecnica, pelos proprios formadares, em especial nos espac;:os de supcrvisao, na relac;:ao de mediac;:ao entre os elementos do grupo de pais, e mcsmo directamente entre os proprios elementos, ajudando a conhecerem mclhor os projectos de cada um e a definirem as suas identidades naquclc contexto. 0 Projecto ARESP orientou a sua actividade formativa numa logica estrategica, dirigida a um grupo de pais corn alguma consciencia dos desafios da func;:ao parental e corn alguma cxperiencia de participac;:ao civica, para alem do dominio de relac;:oes sociais no concelho, na medida em que se pretendeu capacitar os pais nao apcnas de conteudos informativos na area da prevenc;:ao primaria das toxicodcpcndencias para experiencia directa junto das suas familias mas paralclamente formar pais para darem continuidade de formac;:ao a outros pais no concelho. No entanto inicialmente, aquando a divulgac;:ao do projecto, em especial junta das Comissoes Alargada e da Comissao Restrita da CPCJO, o ARESP-Odivelas apresentou-se como recurso de formac;:ao a pais sinalizados como grupo de risco, a desenvolver no ambito da aplicac;:ao de medidas de acompanhamento a familia de crianc;:as sinalizadas a este organismo, assim como foi divulgado junta das Escolas e das familias contactadas no ambito da acc;:ao "Intervenc;:ao na Comunidade". No entanto, nenhuma situac;:ao foi INTERVI~Nc,:Ao SacrAL, 30, 2004


254

I

Regina Perreira Vieira

sinalizada a equipa tecnica a tempo de ser integrada no ambito da primeira ac<;:ao de forma<;:ao "Forma<;:ao a Pais", nao se verificando adequada a inscri<;:ao de situa<;:6es nas ac<;:6es concretizadas a jusante, (ainda que nenhuma situa<;:ao se ten ha colocado). Reflectida esta vertente junto de todos os actores envolvidos no projecto, constatou-se a necessidade futura de investimento no planeamento de actividades formativas organizadas pelos pais ja formadores e entidades parceiras centradas em projectos de continua<;:ao de forma<;:ao de pais, integrando pais corn necessidade de promo<;:ao das suas competencias e responsabilidades parentais, assentes em estrategias relacionais entre pares, de proximidade e troca de experiencias. Outro aspecto que importa destacar no que concerne a projectos de trabalho directo corn pais e maes e a necessaria adequa<;:ao dos tempos de concretiza<;:ao de actividades em hcm1rios compatfveis corn as agendas destes sujeitos, considerando o hcm1rio pos-laboral, os fins-de-semana, mas sempre tentando envolver o resto da Eunilia, ajudando os pais a nao sentirem angt'tstia de estarem a substituir, ainda que em termos pontuais e coma justifica<;:ao de investimcnto na mclhoria das competencias parentais, o tempo ja escasso de convlvio junto dos seus filhos, em familia. Assim, no ambito de urn projccto, fundamentalmente de base de autoconstru<;:ao do campo, foram alcan<;:adas as seguintes metas: • Constitui<;:ao de grupo de pais formadores; • Supervisao da forma<;:ao desenvolvida pelos pais formadores; • Sensibiliza<;:ao da sociedade civil para a cria<;:ao de uma escola de pais formadores; " Funcionamento de redes de coopera<;:ao locais. " Modelagem de uma matriz de escola de pais para pais. Em face dos resultados alcan<;:ados localmente, nomeadamente o grupo de pais formadores e as rela<;:6es de parceria estabelecidos, e tendo em conta o que nao foi conseguido concretizar no espa<;:o temporal deste projecto (uma vez que reportam a dinamicas mais delicadas e complexas), acredita-se nas potencialidades de difusao (reprodutividade) da experiencia de forma<;:ao de pais para pais no concelho de Odivelas. Devem estas ser orientadas para familias mais desfavorecidas, no esfor<;:o de integra<;:ao INTERVEN<;:Ao

SociAL,

30, 2004


J'vlodelo de Escolas de Pais para Pais

I

255

de pais corn carencia acentuada de educas:ao parental, refor<;:ando corn mais expressao, mecanismos de inclusao social e de integras:ao de fam{lias e de crians:as e jovens. Este esfor<;:o pode passar pela formaliza<;:ao da Escola de Pais em Odivelas e/ou pela integras:ao dos pais formadores em ac<;:6es de formas:ao a outros pais, mediante o accionamento de protocolos de participa<;:ao entre entidades e servi<;:os locais, elaborando ac<;:6es inovadoras corn jovens e suas familias. Mas a analise avaliativa do Projecto (processo e resultados), possibilitou fundamentalmente a concep<;:ao de urn modelo de escola de pais cuja estrutura assenta num plano de formas:ao de pais certificado e reconhecido por uma institui<;:ao educativa de nivel superior - o ISSSL -, garantindo a difusao da matriz para outros contextos socio-geogdficos. 0 presente modelo expressa areas multidisciplinares de formas:ao tematica sobre a infancia e a juventude e as rela<;:6es entre pais-filhos-comunidade, forma<;:ao pedagogica de pais formadores de outros pais, para alem de apresentar estrategias de promos:ao de grupos de auto-ajuda e de desenvolvimento de ac<;:6es e relas:6es entre pares, componentes de acs:ao a desenvolver no quadro de uma Escola de Pais para Pais. Todos estes componentes estabelecem-se num quadro de compromisso e responsabilidade partilhados entre unidades psicossociais (pessoas), sociais (organiza<;:6es publicas e privadas, com ou sem fins lucrativos) e politicas (programas e medidas), accionados sob uma matriz de desenvolvimento social e comunitario: pensando globalmente e agindo localmente.

Bibliografia FALCAO, Maria do Carmo Brant de Carvalho, (s.d), A prdtica como desajio para o emino do Servir;o Social, Caderno Tecnico n. 0 10, Sao Paulo, PUC. FALEIROS, Vicente de Paula, (2002), "La critica a una politica del sujeto", Revista de Trabajo Social, n. 0 4, Departamento de Trabajo Social, Universidade Nacional de Colombia, Bogota. FREIRE,

Paulo. (1970), Pedagogia do Oprimido, Rio de Janeiro, Paz e Terra.

Diploma da Presidencia do Conselho de Ministros, 11 de Outubro de 2001. lNTERVENy;\o SocrAL, 30, 2004



Resumes 1 Abstracts



lt\TERVEN"c;:Ao SociAL, 30, 2004: 259-266

Daniel CAROLO

Daniel CAROLO

Social Politics and Young in Social Disadvantage

La politique sociale et les jeunes dans desavantage social

The essay is meant to contribute to a reflection on a social policy model, which stands defending an inregrated perspective. On one hand, the idea is based on the empirical assertion of innumerable gaps and social policies' inability to cope; and, on the other hand, the Social Politics' undeniable potential to articulate policies as a means of guaranteeing the satisfaction of human needs and the accomplishment of well-being.

Cet article pretend apporter sa contribution a la reflexion sur un modele de politiques sociales basees sur la defense d'une perspective integree. Cette idee est basee, d'un cote sur la constatation empiriques des innombrables lacunes ainsi que de l'incapacite des reponses des Politiques socialcs, et d 'u n autre cote sur le potentiel indiscurahlc de la Politique Sociale clans !'articulation des politiques afin de garantir la satishlction des besoins de l'homme et une realisation du bicn-etre.

Keywords: Social policies - Human needs - Basic needs Social handicaps (disadvantages)- Life trajectories (paths)

Politiques sociales Bcsoins de I'Homme - Basic besoin - Handicap Social - Trajectoire de vie

Marina Orrico TAVARES

Marina Orrico TAVARES

"What kind of rights for the citizen with less resources? - The right of information and the municipal social pratice"

"Droits pour les moins favorisees? - Le droit d'information et la pratique du service social municipale!"

The paper intents to analyse the citizen's right of information, concerning the person with less resources that search the social services, for support. In fact, the lack of capacities of this kind of public enforces the responsibility of the social

Avec cet artice j'ai voulu refleter sur la droit d'information qu'assistc au citoycn, en ce qui concerne lequelles qu' ont moins capacites sociales pour pratiquer leur citoyennete. Cet situation renforce la responsabilite du travailleur sociale, done


260

I

lnrerven<;ao Social

worker in clarifing the information's access and the transparency of the Public Administration, in a citizenship's perspective.

il doit aider les citoyens a rechercher ['information necessaire, clans une contexte d'une Administration Publique transparent.

jorge FERREIRA

Jorge FERREIRA

Questions about social pratices near young people

Questions au sujet de pratices social pres des jeunes

This text wants to be a reflection and a debate document in the space of social service professional intervention. Along the work we want to put in question the social practices from institutional position to community services intervention and professional educators. Identify the public network and social solidarity potentialities protecting the child and promoting their social wclEu-e. Present methodical propositions for a professional intervention and social-路services bases on models and technologies of technique-science methods.

Ce texte veut etre une reflexion et un document de discussion clans l'espace de ['interposition professionnel du service social. Au long du texte nous voulons mettre en question les pratiques sociales depuis la position institutionnelle a ['interposition des services sociaux et des professionnels. Idemifiez les potentialites du reseau public et la solidarite sociale clans la protection a !'enfant et promotion de leur bien-etre social. Presentez les propositions methodiques pour une interposition professionnelle des services sociaux bases aux modeles et techniques de sujet technique/ sciemifique.

Ines

Ines

AMARo

AMARO

Youthful Social exclusion in Portugal: tracks for a reflection

Exclusion sociale jeune au Portugal: voies pour une n!flexion

The present article seeks to reflect upon youth social exclusion in Portugal departing from a theoretical discussion on the significallt concepts. Youth social exclusion will be presented as a multidimensional phenomena, in which it is possible to identify and intertwine old and new problematic. In the end, an at-

Cet article reflechit sur l 'exclusion social des jeunes au Portugal, demarre d'une debat theorique des concepts present. Lexclusion social des jeunes est presente comme un phenomene multidimensionnel ou se ferme et se broche des vieux et nouvelle problematisations. A la fin, on place quelques points d'analyse de INTERVEN<;:Ao

SociAL,

30, 2004


Resumes I Abstracts

I

261

tempt to analyse some of the features of the social intervention is developed in order to put forward some clues for its own re-conception. To conclude, it is argued that the process of changing in modern society might be regarded as an opportunity for the standing of Social Work as a field of social policy conception and as a privileged profession to meet the actual needs of citizens.

!'intervention et on donne les traces pour la repenser. On conclue que le transformation des societes d'aujourd'hui peux constitue une opportunite pour le Service Social se reaffirme comme champ de conception des politiques sociaux et comme profession privilegie de reponse aux necessites des citoyens.

ln~s

In~s

SoARES

SoARES

Of the Social Disorganization to [Not] Integration- Immigrant of East Without Shelter in the City of Lisbon

De la desorganisation sociale [pas] a l'integration - immigre d'est sans abri dans la ville de Lisbonne

The presence of Eastern European immigration is a recent trend in Portugal with especificities in social exclusion processes, namely signs of vulnerability and extreme situations - homelessness. The conditions at the departure and at the arrival of the migration project were analysed, the results indicating that the combinations of both socioeconomic framework at the country of origin and structural factors at the chosen destination lead to the development of social exclusion situations. Author keywords: lmmigation, Social exclusion, Homeless, Eastern Europe, Portugal

La presence d'immigrants ongmaires des pays d'Europe de !'Est au Portugal est un phcnomene recent qui s'est traduit en signcs de vulnerabilite et en des proces d'exclusion sociale specifiques, notamment lcs situations extremes - les sansabri. Pour trouver les facteurs qui sont: a l'origine de ce phenomene, on a essaye de caractcriscr et analyser lcs conditions au depart et aussi les conditions a l'arrivee dans le processus de concretisation du project migratoire. Cette analyse montre que !'alliance entre les conditions socioeconomiques au pays d'origine et les conditions structurels au pays d'accueil produit la vulnerabilite et !'exclusion sociale. Mots-cle: immigration, exclusion sociale, sans-abri, Europe de !'Est, Portugal

INTERVEN<;Ao

SociAL,

30, 2004


262

I

lntervcnl=ao Social

Ana Rosalina MATA, Pedro Humberto LoPES e Rute RAMOS

Ana Rosalina MATA, Pedro Humberto LOPES e Rute RAMOS

Mobilization and Participation of the young in danger in street's project: perceptions and meanings

Mobilisation et participation des jeunes en danger dans un projet de rue: perceptions et significations

The intervention with youngsters in risk situation, in the prevention field is recent at Portugal, being the Instituto de Apoio a Crianc;:a, the great instigator, implying the youngsters in the prevention work and building partnerships with several other institutions. The article summarises the Investigation Work and is dedicated to the social intervention with youngsters in risk situation, and the study of their implication on the process of intervention at lAC activities in Bairro do Condado (Zona J - Chelas), their organisation and valuation, for the adaptation according to the youngsters needs trough there perceptions and meanings that they ascribe to the social interventions related to them.

L' intervention a la prevention, avec jeunes en situation de risque c'est recent en Portugal, etant l'Instituto de Apoio a Crianc;:a, le grand impulseur, impliquant les jeunes clans le travail de prevention et constituant partenaires avec plusieurs institutions. L'article presentes une resume de la Investigation avant comme object la intervention social avec des jeunes clans la situation de risque, et I' etude de leur implication sur le prod~s d'intervention aux acrivitcs du lAC clans le Bairro do Condado (Zona J Chelas), leur organisation et evaluation, pour la adaptation d'accord de les necessites des jeunes sur les perceptions et significations qu'ils attribuent a !'intervention social qu'ils sont vise.

Filomena SousA

Filomena SousA

The Transition for the adult life but ... What it is to be adult?

Le Transition pendant la vie d'adulte mais ... Que doit-il etre adulte?

This article refers to the research work that identifies and characterise the social representations of what it is to be an adult in Portuguese society. The analysis model presented in this research is based on the representation of being an adult according to two different conceptions:

L'article en cause a pour objectif d' identifier et de caracteriser les representations sociales de qu'cst-ce qu' etre adulte clans la societe portugaise. De cette forme, nous presentons un modele d'analyse qui repose sur la representation d' etre adulte en accord avec deux concepts distincts:

Hegemonic representation (prevalent in Portuguese society) - The adult is a status attained with the realisation of sta-

Representation hegemonique - L'adu!te est un statut a atteindre avec !'obtention de stabilitc clans la vie professionnelle/fiINTERVEN<;:Ao

SacrAL,

30, 2004


Resumes I Abstracts

bility in professional, financial and family life. Its base is the static and linear concept of an adult often promoted by institutions such as schools and families. However, it is considered that this is a representation that does not relate to the reality of the actual complex, multiple and destandardised life-course of the young. Emancipated Representation - Representation that is not anymore presented as hegemonic but as restricted to some young adults/adults of the urban uppermiddle/middle classes. It replaces the negative and static character concept of an adult, with the adult concept that implies the idea of continuous learning, personal, professional and sentimental autoaccomplishment and according to which evolution is achieved in accordance with the complex passages of advances and setbacks (Machado Pais, 2001). The adult fits into a post-modern model of transition of adult life that can be lived and represented according to the positive model of opportunities, possibilities of choice and experiences, or the negative model of instability, uncertainty, risk and marginalization (or in the relation that is established between these two models).

I

263

nanciere et familiale. L'adulte est per<ru comme statique et sujet a des parcours lineaires caracteristiques d'un modele traditionnel de transition a la vie adulte. Representation emancipee - L'adulte est sujet a un apprentissage continu qui encourage !'auto-realisation personnelle, professionnelle et affective et il evolue en accord avec des parcours complexes de progres et reculs (Machado Pais, 2001). L'adulte s'encadre dans un mode!e post moclerne de transition vers la vie adulte qui peut erre vecu et represente selon un modele positif cl'opportunites et de possibilires de choix et d'experiences ou bicn !!11 modele negatif cl'instabilite, d'inccrtitude et de marginalisation.

Marlene Braz Rodrigues LouREN<;:O

Marlene Br;h Rodrigues LouREN<;:o

Victims of Sexual Abuses - of the individual intervention to the intervention in net

Victimes des abus sexuels - de !'interposition individuelle a!'interposition clans le filet

The author wants to emphasize the need for reflecting in Portugal the paradigm theoretical and technique/ operative in contours of sexual abuse to organize an integral policy to make attention to the

L'auteur veut faire ressortir la necessite de ref!eter au Portugal le paradigme theorique et technique/operatif dans le contours de les abuses sexuels pour organiser une politique integral de faire at-

lNTERVENt;Ao

SociAL,

30, 2004


264

I

lnterven<;ao Social

victims, their families and the abusers. For that is urgent to create a space of debate among the various professionals with experience in the field of sexual abuse to evolve in the problems that professional practice places it, and contribute to create a total network which can pay attention to various levels of the intervention, and which seeks to identify, characterize and analyze the trajectory/ circuit of this public in various areas of the intervention.

tention a les victimes, leurs familles et les abuseurs. Pour c;:a est urgent creer une espace de debar parmi les divers professionnels qui s'entremettre clans le domaine de !'abuse sexuel, en raison de evaluer (ensemble) d'entant plus les problemes qui la pratique professionnelle le place, et contribuer a creer un reseau global qui peut faire attention adivers niveaux de 1' intervention, et que cherche identifier, caracteriser et analyser le parcours/ circuit de ce public clans les divers reseau de !'intervention.

Ana Maria da Costa OuvEIRA

Ana Maria da Costa OuvEIRA

Techniques in Net: a Challenge

Techniques dans le filet: un defi

With the preset article, I pretend to reflect above experience, about one technique of wire intervention, which presents an authenticable potential in the social intervention. The challenges presented to the Social Service today, are big, so the space between theories and practise, the comprehension and the experience of living, demands shorter distances, through the constant evaluation of act and a constant reformulation of the way of doing. The bottom question still remains: the transformation of society, to become reality a new attitude is urgent, a new mentality and humility enough to learn how to do. There are many practices that need to be activated; there are many roles to define; and many responsibilities to assume and no one can be excluded of the process.

Avcc cette article, je pretend reflechit, partie de !'experience sur une technique d' intervention en filet, qui se presente comme un'authentique potentiel clans la Intervention Social. Les defis qui se colloque aujourd'hui a !'intervention social sont trop grands, partout la distance qui va la theorie a la practice, de la comprehension a la experience de vie, exige que la distance erre raccourci en rravers d'une evaluation constat de faire, et une reformulation constant de comme le faire. La principal question qui reste: la transformation de la societe par se tourner realite est necessaire une nouvelle attitude, une nouvelle mentalite et humilite suffisant pou apprendre a faire. I! y a des pratiques qui ont besoin de reformulation, il y a des politiques qui on besoin d'etre active; il y a des roles pour definir et plus responsabilites par assume, et quelqu'un peux pas s'exclut de ces proces. INTERVEN<;Ao

SociAL,

30, 2004


Resumes I Abstracts

Regina Ferreira

VIEIRA

Regina Ferreira

I

265

VIEIRA

Model of School of Parents for Parents - Promotion of parental abilities in the Primary Prevention of the drugs abuse

Modele d'Ecole de Parents pour Parents - Promotion de competences parentales dans la Prevention Primaire de la toxicomanie

This article is revealing of a matrix of School of Parents for Parents, experienced in the execution and evaluation of a project of social intervention directed to the parents of children and young of council of Odivelas, with the objective of development of parental abilities in the primary prevention of the toxic dependency in particular, and the situations of risk in the generality: To Act in Share Responsibility (ARESP). Presenting itself as one project of collective /communitarian intervention, the ARESP-Odivelas was materialize by means of relationary strategies of proximity with the formators parents and too much formal and informal partners of council of Odivelas, having promoted the active participation of various actors in the execution and evaluation process. The main developed actions had been organized around a formative program for parents based at three successive fundamental moments: 1) a first share of parents formation, for approach and sensitization the local community and the publish target, in particular, for thematic and the dynamics of the Project, presented like parents formation for training other parents; 2) the pedagogical formation of parents with specific component of primary prevention of the toxic dependency, while plain recognized and certified of formators parents; 3) the exercise followed in the context of the share of pedagogical supervision of

Cet article est revelateur d'une matrice d 'Ecole de Parents pour Parents, experimente dans !'execution et evaluation de projet d'intervention sociale dirigee aux parents d'cnfants et de jeunes de la commune d'Odivelas, avec l'objectif de developper les competences parentales dans la prevention primaire de la toxicomanic en particulier, et des situations de risque dans le general: Agir dans Responsabilite Panagee (ARESP). En se presentant eo m me un pro jet d 'intervention collective/communautaire, l'ARESP-Odivelas a ete concretise moyennant des strategies relationnelles de proximite avec lcs parents des personnes en formation et autres partenaires formels et informels de la commune d'Odivelas, promouvant la participation active des plusicurs acreurs clans le processus d'execution et I' evaluation. Les principales actions devcloppees se sont organisees autour d'un programme formatif pour parents soient basccs au trois moments fondamentaux successifs: 1) un premieres actions de formation de parents, pour approche et sensibilisation de la communaute locale et du groupe cible, en particulier, pour la thcmatique et dynamique du Projet, notamment pour la formation de formateurs d'autres parents; 2) la formation pedagogique de parents avec composante specifique de prevention primaire de la toxicomanie, tant que claire reconnue et le ccrtificat de parents formateurs;

INTERVEN<;Ao

SociAL,

30, 2004


266 -.,.,

J

lntcrven<;ao Social

~-------

-----·---

~-~~------------

programming, execution and evaluation of formative activities, establish by the parents who did formation, and directed for other parents of the same community, in a logic of participated production of and for the proper citizens (pairs). The project ARESP expresses a methodology of dynamic and relationary intervention to learn how to learn with other citizens, sharing the knowledge (of the established one) and constructing the recognition (in the direction of collective) of the strategies of social relationship, established in the nets of proximity relation father-soncommunity, where it processes the construction of the citizen in the sphere of the affective.

----------···----·

3) I'exercice accompagne dans le contexte de !'action de surveillance pedagogique de programmation, d'execution et d'evaluation d'activites formatives, concretisees par les parents formateurs, pour autres parents de la meme commune, dans une logique de production participee et pour des sujets eux-memes (paires). Le projet ARESP expres une methodologie d'intervention dynamique et relationnelle pour apprendre a apprendre avec autres sujets, partageant la connaissance (de I' etabli) et en construisant la reconnaissance (dans le sens du collectifl commun) des strategies de relations sociales, etabli dans les filets de relation de proximite parents-fils-communaute, ou se traite la construction du sujet dans la sphere de l'affectif.

INTERVEN<:;:AO SOCIAL, }0, 2004


Outros



Resumo de Teses de Mestrado e Doutoramento

Titulo: Crianc,:as institucionalizadas num contexto de exclusao social Ano: 2001 Area Cientfjica: Servic,:o Social Resumo: Aborda o estudo da institucionalizac,:ao de menores em Portugal e a reincidencia familiar desse comportamento num contexto de exclusao social, tendo coma cenario uma instituic,:ao concreta - o Patronato N.a Sr.a de Fatima. Esta tese centra-se numa logica de conhecer para intervir.

Titulo: Meu Filho ... nossa seropositividade: estudo sabre as vulnerabilidades socio-familiares susceptiveis de afectar a crianc,:a filha de mae seropositiva para o VIH Ano: 2003 Autor: BRANCO, Paula Manuela do Vale Afonso Moreira Area Cientfjica: Servic,:o Social Resumo: Analisa o fenomeno de propensao da crianc,:a filha de mae/pais seropositivos para o VIH ser afectada par vulnerabilidades socio-familiares que possam incorrer da vivencia em contexto de seropositividade.


270 [

lmerven<;ao Social

Titulo: Contributos da abordagem comunicacional para o estudo do suiddio consumado no adolescente Ano: 1995 Autor: LouREN<;:O, Marlene Braz Rodrigues Area Cientifica: Servi<;:o Social Resumo: Aborda o modelo comunicacional capaz de apreender os processos de constru<;:ao harmoniosa ou desarmoniosa, da imagem que o adolescente suicida criou acerca do mundo. Aborda o fen6meno do suiddio no adolescente a luz da teoria comunicacional, tendo em linha de coma a constru<;:ao do universo simb6lico onde decorrem essas ac<;:6es. Tenta-se compreender coma e que o jovem assimilou e reproduziu a sua imagem do mundo.

Titulo: A crian<;:a ea delinquencia juvenil na primeira Republica: o processo de jurisdicionaliza<;:ao da infancia em Portugal Ano: 2001 Autor: ToME, Maria Rosa Ferreira Clemente de Morais Area Cientifica: Servi<;:o Social Resumo: Aborda-se o entendimento da crian<;:a e da delinquencia juvenil, que resultou da apropria<;:ao polftica de valores liberais e positivos para a regenera<;:ao da sociedade portuguesa e que se impos cam a revolu<;:ao republicana de 1911, onde se jurisdicionalizou a infancia e se come<;:ou a expressar preocupa<;:ao cam a regenera<;:ao da crian<;:a delinquente.

Titulo: Insucesso escolar: dupla exclusao Ano: 1992 Autor: FREITAS, Maria Dorita Pestana Anjo Area Cientifica: Servi<;:o Social Resumo: Esta disserta<;:ao toma o insucesso escolar, cam origem na escola publica primaria, para objecto de estudo, no contexto da pratica do assistente social em saude escolar na saude publica, na Regiao Aut6noma lNTERVENyAo

SociAL,

30, 2004


Tcsc de Mestr路ado (Resumos)

I 271

da Madeira, RAM, compreendida entre 1979-92. Analisa as formas de romper corn a exclusao e definir estrategias de negocia<;:ao no acesso e alargamento dos direitos.

Titulo: Interven<;:ao Social e Judicial no problema da crian<;:a maltratada Ano: 1998 Autor: FERREIRA, J orge Manuel Leitao Area Cientfjica: Servi<;:o Social Resumo: Analisa-se a Interven<;:ao Social e Judicial no problema da crian<;:a maltratada: e feito urn enquadramento historico e normativo, onde se procura compreender o estatuto e as fun<;:6es do judicial na jurisdi<;:ao de menores e a sua rela<;:ao corn outros interlocutores de natureza social. Aprofunda-se o conceito de crian<;:a maltratada e analisa-se como problema social e enquanto objecto de investiga<;:ao, focalizando o nivel socio-institucional.

Titulo: Categoriza<;:ao e linguagem: estudo sabre o desenvolvimento das actividades de categoriza<;:ao em crian<;:as provenientes de meios sociolinguisticos distintos Ano: 1996 Autor: SrM6Es, Joaquim Eduardo Area Cientfjica: Servi<;:o Social Resumo: Esta tese pretende rever a analise das posi<;:6es teoricas e evidencias experimentais a respeito das rela<;:6es entre a linguagem, o desenvolvimento e o uso, e a categoriza<;:ao nas crian<;:as.

Titulo: Entre desvios e desvarios: estrategias de inclusao social de jovens em situa<;:ao de risco Ano: 2003 Autor: MAIA, Maria Jose Martins Area Cientfjica: Servi<;:o Social lNTERVEN<;:Ao

SacrAL, 30,

2004


272

I

lmervens:ao Social -----路---路路路-

Resumo: A luz de uma sociedade de crise generalizada, multiplas transformas:oes sociais e globaliza<;:ao, a precariza<;:ao, a diversidade e descontinuidade das formas de emprego, problemas familiares e individuais, provocam desajustamentos sociais que tern de ser corrigidos.

Titulo: Corpo, Sexualidade e Violencia Sexual na Modernidade: contributos para uma analise contextualizada da violencia sexual na sociedade portuguesa Ano: 2001 Autor: LouREN<;:O, Marlene Braz Rodrigues Area Cientijica: Servi<;:o Social Resumo: Este trabalho foi realizado corn o prop6sito de contribuir para uma analise de violencia sexual na modernidade. A contribui<;:ao pessoal inspirada sobretudo na experiencia da modernidade, constitui uma vertente mais ampla do fcn(Smcno de violencia e de vitimizas:ao na qual se inscreve a violencia sexual.

Titulo: Definis:ao, avalias:ao c factores psico-sociais do mau trato e negligencias a crians:as na familia Ano: 1996 Autor: CALHEIROS, Manuela Area Cientifica: Servi<;:o Social Resumo: Este estudo e uma analise preliminar do problema de maustratos em Portugal. Avan<;:a corn uma proposta de urn instrumento de avalias:ao do mau trato e negligencia que possa ser aplicado no futuro no ambito institucional e de investiga<;:ao. Desenvolve uma abordagem em analise aos factores psico-sociais associados ao problema dos maustratos e negligencia tendo em considera<;:ao os sistemas de interacs:ao determinantes das relas:oes pais-crians:as.

INTERVENyAo

SociAL,

30, 2004


Tese de Mesrrado (Resumos)

I

273

Titulo: Rupturas violentas da conjugalidade: os contextos do homiddio conjugal em Portugal Ano: 1996 Autor: PAIS, Elza Maria Henriques Deus Area Cientijica: Servi~o Social Resumo: Analisam-se os varios tipos de homiddio conjugal, que se diferenciam pela rela~ao de proximidade relacional existente entre a vitima e agressor, confirmando-se desta forma a existencia de eixos motivacionais e relacionais e a participa~ao de ambos no processo de agressao.

Titulo: Falar Disso ... contributos para compreender a Sexualidade entre Progenitores e Adolcsccntes Ano: 1999 Autor: VILAR, Duarte Gon~alo Rei Area Cientijica: Servi~o Social

Comunica~ao

sobre

Resumo: Estuda a problematica do estabelecimento de comunica~ao sobre quest6es sexuais entre progenitores e jovens. As atitudes praticas parentais na educa~ao dos filhos/filhas, a problematica da educa~ao sexual ser abordada nas escolas e o comportamento de risco adoptado por muito jovens relativo ao assunto em questao.

INTERVEN~Ao SociAL,

30,

2004



Normas para apresentas:ao de originais

1. Todos os rextos propostos para publicayao na Revista lntervent;:ao Social devem ser enviados ao Director da Revista, dacrilografados a 1,5 espayos em paginas A4, acompanhados de disquete corn ficheiro Word em sistema operativo Windows ou Macintosh e indicando a versao do proccssador urilizado. Os graficos ou figuras devem ser elaborados a preto e branco ou cm tons de cinzento.

2. 0 limite maximo de dimensao dos artigos e de 60 000 caracteres, incluindo espayos, notas, bibliografia, quadros, grM1cos e figuras. 3. Os artigos rem que ser obrigatoriamente acompanhados de urn resumo com o maximo de 60 palavras, traduzido em ingles e frances. 4. Ao resumo devem ser acrescentadas 3 a 5 palavras-chave 5. Nos artigos, sugere-se a utilizayao de, no maximo, dois nfveis de titulas;ao, sem numerayao ou com numerayao arabe [e.g.: 1. (capftulo); 1.1. (subcapftulo)].

6. As transcris;oes deverao abrir e fechar corn aspas, ou quando forem superiores a 5 linhas, em texto corn recuo. 7. Os vocabulos em lingua estrangeira devem ser formatados em italico 8. Os destaques no texto devem ser feitos em iralico. 9. Todos os elementos nao textuais (quadros, imagens, graficos, etc.) devem ser identificados corn numerayao arabe continua para cada tipo de elementos. 10. As citas;oes bibliograficas no texto do artigo devem obedecer as seguintes orientay6es: a) Citas;ao: Apelido do autor, ano do trabalho: pagina da citayao. Ex.: (Netto,

1991: 73);


276

I

lnterven~ao Social

b) Remissao: cf. ou ver Apelido do autor, ano do trabalho: pagina de inicio pagina do fim da referencia. Ex.: (cf. Netto, 1991: 73-79). 11. As referencias bibliograficas, sao compiladas no final do artigo, por ordem alfa-

betica de apelidos e devem obedecer as seguintes normas: a) Livro

Apelido, name proprio (ano), Titulo da obra, edi<rao, local da ediyao: editor (eventual data da l,a edi<rao). FALCAO, M. Carmo (1979), Servifo Social: uma nova visiio tedrica, 3.• ed. rev., Sao Paulo: Cortez & Moraes. b) Revista

Apelido, name proprio (ano), "Titulo do artigo", Revista, volume, mimero: pp. pagina inicio artigo - pagina final artigo. GROULX, Lionel-Henri (1994), "Liens recherche et pratique: les theses en presence", Nouveles Pratiques Sociales, 7, 2: 35-50. c) Texto em colectanea

Apelido, name proprio (ano), "Titulo do tcxto", in apelido, name proprio (ed. ou org.), Titulo da obra, pp. pagina inicio texto - pagina final texto, local da ediyao: editor, ediyao e/ou data da 1." edi<rao (eventual). HESPANHA, M. Jose (1993), "Para alem do Estado: a satide e a velhice na sociedade-providencia", in Santos, Boaventura (org.), Portugal- um retrato singular, pp. 315-335, Porta: Afrontamento.

d) Tese Apelido, name proprio (ano), Titulo da Tese. Tipo de Tese. Universidade. ARCANJO, M. Manuela (1991), Andlise e avaliafiio dos sistemrts de seguranr;a social: um modelo aplicado a Portugal. Tese de Doutoramento. Instituto Superior de Economia e Gestao. Universidade Tecnica de Lisboa. e) Documento electronico

Apelido, name proprio (ano), "Titulo do Documento". Enderer;o de localizar;iio na rede, data da consulta (indicando dia, mes e ano) KROGER, Teppo (2001), "Comparative research on social care: the state of the art", www. uta.fi!laitoksetlsospollsoccare, 1103/2002.

I~TERVEN<;:Ao SociAL, 30, 2004


Normas para apresenta~ao de originais

I 277

--------------------------

12. Todos os originais enviados para publicac;:ao devem: a) Conter a versao final do texto pronta a publicar, devidamente revista de even-

tuais gralhas; b) Anexar em formato grafico (TIFF ou JPEG) os ficheiros relativos a quadros, imagens, graficos, etc.; c) Vir acompanhado de elementos (morada e telefone) que permitam, se necessaria, o contacto do Conselho de Redacc;:ao, bem como a forma de referenciac;:ao do autor a inserir no artigo. 13. Os artigos propostos serao remetidos a dois membros do Conselho de Redacc;:ao, que submeterao os seus pareceres por escrito. A decisao relativa a publicac;:ao tera em considerac;:ao os pareceres emitidos. 14. A cada autor serao oferecidos dois (2) exemplares da Revista 15. As opini6es expressas nos anigos sao da responsabilidade dos autores 16. Os originais nao serao devolvidos.

Lisboa, Janeiro 2004

INTERVEN<;:Ao

SociAL, 30,

2004



ISSSL - Instituto Superior de Servi<;:o Social de Lisboa

PROGRAMA DAS COMEMORA~6ES 70 ANOS DO ISSSL Primeira Escola de Assistentes Sociais em Portugal Lisboa 2005-2006

Primeiro Eixo Sessoes Solenes • Sessao de Abertura, presidida pelo Senhor Director, 21 de Abril de 2005 • Sessao Solene Evocativa, presidida por Sua Excelencia o Presidente da Republica. Nesta sessao, serao atribu!dos os Premios do Fundo Honorato Rosa, 16 de Novembro, 10.00 Horas

Segundo Eixo Eventos Cientijicos • J ornadas Etica, Deontologia e /nvestigafiio em Servifo Social: Debates e Problemas Contemporaneos, no ambito do Programa de Doutoramento ISSSL-ISCTE, 4 de Maio de 2005, nas instala<;:oes do ISCTE

• Ciclo Olhares sobre a Cidadania • FragmentafiiO Economico-Social e Cidadania 18 de Maio - 18.00 Horas Eduarda Ribeiro e Ivo Antunes Dias Coordena<_;:ao: Joaquim Caeiro

• /nsustentabilidade e Politica Ambiental. 0 Direito 2 de Junho - 18.00 Horas Viriato Soromenho-Marques Coordena<_;:ao: Mar!lia Andrade

a Cidade


280

I

lnterven<;ao Social

• Dilemas da Educafiio e Cidadania 9 de Junho - 18.00 Horas Maria Manuel Vieira e Rui Canario Coordernac;:ao: Duarte Vilar • Seminario 0 Servifo Social Contemporaneo em Debate: Investigafiio e Modelos de Estado Social, no ambito do Programa de Doutoramento em Servic;:o Social, a realizar em 2006. • Ciclo Teses em Silencio Editorial, 4 ou 5 sessi5es, a realizar em 2006. • Jornadas sobre Novas Tecnologias aplicadas quer a n!vel do sistema politico, quer no campo da intervenc;:ao social, a realizar em Maio de 2006. • Conferencia A Questiio Social Contemporanea e Politicas de Desenvolvimento Humano e Social, a realizar em Marc;:o de 2006.

Terceiro Eixo 0 Artistico-Cultural, o Simb6lico eo Festivo • 0 Social pela Fotografia. • 0 Social pela Poesia. • 0 Social pelo Cinema. • 0 Social pela Musica. E ainda: • Produc;:ao Audiovisual "Rostos fmpares pelos Direitos de Cidadania". • Distinguir, corn Medalha Comemorativa dos 70 Anos, professores e funcionarios que ja completaram ou completam 25 anos de servic;:o no ISSSL, bem como o Instituto Superior de Servic;:o Social de Beja, a Associac;:ao de Profissionais de Servic;:o Social e o Sindicato Nacional dos Profissionais de Servic;:o Social. • Jantar de Celebrac;:ao - Festa, a realizar em Marc;:o de 2006, corn o apoio de uma Comissao de Ex-alunos, como ja aconteceu pelos 50 e 60 anos da nossa Escola. Comissao formada por: Ana Teresa Carvalho Pires, Cristina Rodrigues, Daniel Carolo, Ines Cordovil e Pedro Pina.

lNTERVE~<;:Ao

SociAL, 30,

2004


Programa das Comemora~oes- 70 Ano.1 do ISSSL

I 281

• Sinaletica: conferir a cada sala da Sede do Instituto o nome dos seus directores ja falecidos. • Placa Comemorativa dos 70 Anos, concep<;:ao de Segismundo Pinto, descerrada por Sua Excelencia o Presidente da Republica.

Quarto Eixo A dimensiio editorial • Entre outras publica<;:6es, corn apoio de financiamento externa: - Reedi<;:ao do livro de Mary Richmond, Diagn6stico Social (1917, ed. 1950), obra classica do Servi<;:o Social - Edi<;:ao de 0 Servifo Social Portugues, de autores varios, trabalhos realizados no ambito do I Curso de Mestrado, ISSSL-PUC/SP

Quinto Eixo Divulgafiio • Cartaz Comemorativo • Convite por cada Evento • Autocolante/vinheta • Poster Comemorativo • Regulamento e Cartaz do Concurso "0 Social pela Fotografia"

Colaboradores corn mais de 25 Anos de Servis:o Bernardo Alfredo Cornejo Henriquez Elisete Marques da Silva Ernesto Lufs da Costa Fernandes Francisco Jose Nascimento Branco Maria Helena Pacheco Teixeira da Silva Maria Isaura Reis Maria Jose Viana Queiros Maria Leonor Almeida Maria Odete Santos e Sa Maria Teresa L. Sa Ferreira M. Silva Marflia de Carvalho Seixas de Andrade Miguel Marques de Sousa Orlando Alves Garcia Segismundo Manuel P. Ramires Pinto INTERVENC,:Ao

SociAL,

30, 2004


I lnterven<;ao Social _____ __ _____________ _______ _______

282

_,

,

,,

,

,

Institucionais Instituto Superior de Servi<;:o Social de Beja Associa<;:ao dos Profissionais de Servi<;:o Social Sindicato Nacional dos Profissionais de Servi<;:o Social

Estudantes e Recem-Licenciados agraciados corn os Premios do Fundo Honorato Rosa - ISSSL Melhor Classificas:ao dos 1.0 e 2.0 Anos Rute Cristina Barao Pires da Cruz

Melhor Classificas:ao em Filosofia e Deontologia do Servis:o Social do 5, 0 Ano Ana Vanessa Seabra Costa de Oliveira

Premio de Merito: Trabalho de Pesquisa do 5. 0 Ano Ana Catarina Luz Figueiredo da Silva Ana Isabel da Cruz Fernandes Andreia Filipa Antunes Guerreiro S6nia Maria Cunha Ferreira de Almeida

0 Grupo de Trabalho Ernesto Fernandes (Coordenador) Henriqueta Ribeiro Soares Manuela Portas Regina Vieira

Secretariado Carla Caldeira

Instituto Superior de Servis:o Social de Lisboa Largo do Mitelo N. 0 1 1169-609 Lisboa www.isss.pt lNTERVENc;:Ao

SociAL, 30, 2004


INTERVENC:AO SOCIAL ASSINATURA E NUMEROS AVULSO

Fotocopiar e enviar para o Fax 11. 0 213 512 059

Assinalar com X o produto pretendido

Revista INTERVENr;Ao SOCIAL Esgotados: Nt'uneros I; 2/3 ; 5/G ; 19; 20

Assinat. lnstituiy6es (lO% desc.)

X

Assinatura Particulares

(20% desc.)

X

Assinat. Estudantes

(25% desc.)

X

Nlimcros Avulso

lnterv. Social 2/3

Ano 1985 (l ex.)

3,34 €

lnterv. Social 4

Ano 1986

4,34 €

lnterv. Social 7 e 8

Assinatura 1993

lnterv. Social 11/12

Assinarura 1995 (1 ex.)

11,22€

lnterv. Social 13/14

Assinamra 1996 (1 ex.)

11,22 €

lnterv. Social 15/16 lnterv. Social 17/18

9.00 €

8,00 €

7,50 €

Assinatura 1997

5,00 €

13,72 €

(1 ex.)

Assinatura 1998 (1 ex.)

13,72 € 6,23 €

Interv. Social Especial

lnterv. Sociall9 e 20 Assinatura 1999

18,00 €

16,00 €

15,00 €

10,00 €

lnterv. Social21 e 22 Assinatura 2000

18,00 €

16,00 €

15,00 €

10,00 €

Interv. Social 23/24

Assinarura 2001 (I ex.)

12,47 €

lnterv. Social 25/26

Assinatura 2002 (I ex.)

22,00 €

lnterv. Socia127 e 28 Assinatura 2003

25,20 €

22,40 €

21,00 €

14,00 €

lnterv. Social29 e 30 Assinatura 2004

25,20 €

22,40 €

21,00 €

14,00 € 16,00 €

Interv. Social31 e 32 Assinatura 2005

32,40 €

28,80 €

27,00 €

18,00 €

Descontos validos para estudantes mediante envio de fotoc6pia de documento comprovarivo.

0

pre~o inclui portes de envio.

Indicar Nt'tmero


284

I

lntervens:ao Social -------------

Nome/Instituis:ao _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ - - -

Morada

----

Localidade _____

C6d. Postal __

Telef. ______________ Fax_ __ Email ___ _

- - - - --------·

______

_ ______ N.° Contribuinte ______ _

Profissao/Actividade ___________________

Formas de pagamento: }unto Cheque n. 0 Valor:

_

_ ___ _

Banco

. € (passado a CESDET)

Transferencia Bandria (NIB 003.100004520779546005 do talao)

envro de c6pia

Pagamento atravcs de factura (s6 cmprcsas/instituis:ocs)

Enviar para: CESDET - Unidade de Comunica<;:ao, Edi<;:ao e Marketing Rua Luciano Cordeiro, 90 - 1150-218 Lisboa Tel.: 213 512 040 - Fax: 213 512 059 editorial @cesdet. pt www.cesdet. pt

INTERVENy.\o SociAL, 30, 2004



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.