lnterven~ao
Social n. o 35 (2009)
0 servic;o social no seculo XXI: desafios e oportunidades
lnstituto Superior de
Servi~o
Universidade Lusiada Editora Lisboa • 2009
Social de Lisboa
Mediateca da Universidade Lusiada - Cataloga<;:ao na Publica<;:ao INTERVEN<;:AO SOCIAL. Lisboa, 1985 social I propr. Institute Superior de Servi~o Social de Lisboa ; dir. Maria Augusta Geraldes Negreiros. - N. 1 (Junho 1985)- . - Lisboa : Institute Superior de Servi~o Social de Lis boa, 1985- . - 24 cm. - Quadrimestral ISSN 0874-1611 lnterven~ao
1. Servi~o Social - Peri6dicos I- NEGREIROS, Maria Augusta Geraldes, 1941-2003 CBC
HV4.158
CDU
364.442.2(051 )"540.4"
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02.05.01
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e Acabamentos
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lnterven~ao
social
N. o
35
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SuMARIO EDITORIAL ...................................................................................................................... ...
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CONGRESSO INTERNACIONAL DE SERVI<;:O SOCIAL "0 servi<;o social no seculo XXI: desafios e oportunidades" ...................................
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NOTA DE ABERTURA ...................................................................................................... Joaquim Croca Caeiro
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CONFERENCIAS ···············································································································
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The social, the psychological and the human in social work..................................... Malcolm Payne
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0 Estado providencia e modelo social europeu no seculo XXI. Que possibilidades? Rafael Muiioz de Bustillo Llorente
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PAINEIS ·······························································································································
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PAINEL 1 "Politicas Sociais e Combate
a Pobreza e Exclusao Social" .....................................
65
0 combate a pobreza em Portugal. Estrategia, politicas e desafios .......................... Rute Azinheiro Guerm
67
a pobreza em Portugal
77
Parcerias entre sector publico e terceiro sector no combate a exclusao social - a habita<;ao social no Reino Unido ..................................................................................... Tiago Tavares
89
Contributo para uma reflexao sobre a Maria Eduarda Ribeiro
estrah~gia
de combate
Projecto sentidos: interven<;ao corn popula<;ao sem-abrigo na cidade de Lisboa .... Mafalda Brandiio
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3
Sumario
A prostituta, a mulher ea cidadii. Perspectivas de urn projecto de interven<;:ao social na area da prostitui<;:ao ........................................................................................... Helena S. Fidalgo
105
Impacto da cria<;:ao de salas de consumo vigiado no sentimento de inseguran<;:a das popula<;:oes: explora<;:ao te6rica inicial..................................................................... Miguel Angelo Ferreira Morais Valerio
111
PAINEL 2 "Empreendedorismo Social e Emprego" ......................................................................
131
Inser<;:ao do jovem no mercado de trabalho. Pernambuco programa "emprego jovem" .................................................................................................................................. Miriam Albuquerque
133
A integra<;:ao individualizada. Desfasamento entre rcpresenta<;:oes e expectativas de integra<;:ao no mercado do trabalho social................................................................ Carla Pinto e Dtilia Costa
155
PAINEL 3 "Interven\;aO Social corn Familias" ................................................................................ Breves discussoes sobre a violencia no cenario br<1sileiro .......................................... Simone Albieri Bordonal 0 papel do servi<;:o social na concep<;:ao e execu<;:ao de politicas de habita<;:ao. A pratica profissional em processos de realojamento, segundo uma perspectiva de territ6rio .................................................................................................................. ........ Rita Megre Romeims
173 175
187
Interven<;:ao social em parceria: factores facilitadores e de bloqueio ........................ Dtilia Costa
197
A politica de satlde e o programa saude da familia: a perspectiva do servi<;:o social Wiese, Michelly Laurita
223
PAINEL 4 "Envelhecimento e qualidade de vida" .............. ................ ...... ...... .......... .... .. ...... .. ...... Quando a solidao esta no meio da multidao: o papel dos assistentes sociais no desenvolvimento de estrategias de articula<;:ao entre as familias e as institui<;:oes de acolhimento a pessoas idosas ..................................................................................... Luisa Pimentel
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Sumario
Viver corn qualidade numa sociedade em mudan<;:a ................................................... Gl6ria Ferreira Caracteriza<;:ao das rotinas de vida di{uia de idosos de Castclo Branco. Rotinas de vida diaria de uma idosa de 81 anos. Uma idosa movida pela fe... .................... Ant6nio Jose D. Faustino, Maria Regina G. Freire FaldiD, Patricia M01路eira da Silva, Joana Filipe Gaspm; ]oana Maria Gaspar Mendes e Luciana dos Santos Matias Orienta<;:6es da politica de cuidados domiciliarios: desafios e constrangimentos para o Servi<;:o Social .. ... ... .... ... .. ... ... ... ..... .. ... .. .. ........... ... .. .. ...... ... ... ... .... ... .... .... .. .... ..... .. ..... Maria Irene Lopes B. de Carvalho
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297
PAINEL 5 "Interven~ao
Crian~as"
...........................................................................
313
Interven<;:ao corn crian<;:as .................................................................................................. Dulce Rocha
315
Apoio familiar e aconselhamento parental .................................................................... Tfinia Martins - Associw;iio Passo a Passo
323
Social corn as
PAINEL 6 "A Forrna~ao e os desafios do
Servi~o
Social no Sec. XXI"......................................
333
The training and the challenges of social work in the XXI century ..... ... ... ... .. .. ..... .. . Annamaria Campanini
335
Pensar a forma<;:ao em Servi<;:o Social no quadro da globaliza<;:ao e do espa<;:o tmico europeu ........................................................................................................................ ........ forge Ferreira
351
A importancia dos percursos profissionais na forma<;:ao continua e nas constru<;:6es identitarias dos assistentes sociais .................................................................................. Isabel Passarinho
367
0 e-learning e a forma<;:ao europeia de assistentes sociais: a experiencia da Virclass Eduardo Marques e Helena Mouro
389
e possivel? ....................
397
Servi<;:o Social na modernidade tardia: que empowerment Carla Pinto
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EDITORIAL 0 presente ntlmero da Revista Interven<;ao Sociat do lnstituto Superior de Servi<;o Social de Lisboa, da Universidade Lusiada, cujo formato e a partir de agora anuat publica as aetas e as comunica<;6es apresentadas ao Congresso Internacional de Servi<;o Social realizado em Novembro de 2008 na Universidade Lusiada, subordinado ao tema "0 servi~o social no seculo XXI: desafios e oportunidades", tendo contado com a presen<;a de importantes te6ricos na esfera da interven<;ao social e do servi<;o social nacional e internacional. Destacam-se de entre eles, o Prof. Doutor Malcolm Paine, da Manchester Metropolitan University, Reino Unido, a Prof. Doutora Annamaria Campanini, da l'Universita di Trieste, ItaJia, a Prof" Doutora Lena Dominelli, da University of Durham, Reino Unido, o Prof. Doutor Rafael Mm1oz de Bustillo, da Universidad de Salamanca, Espanha. Quanta as participa<;6es nacionais, tambem se destacam um importante grupo de te6ricos e interventores sociais, de que se destacam o Prof. Doutor Hermano Carmo, da Universidade Aberta, o Prof. Doutor Ant6nio Marques Bessa, do ISCSP, e os Drs Armindo Monteiro e Prof. Doutor Manuel Forjaz. Destaca-se ainda, o conjunto de comunica<;6es apresentado a Congresso e cuja qualidade, inova<;ao e interesse e por demais evidente. A todos eles se deveu, no entanto, o sucesso do II Congresso Internacional de Servi<;o Social e a inten<;ao de voltarmos em 2010 ao III Congresso Internacional, pelo que aqui e desde ja se expressa o nosso agradecimento. Do teor das conferencias apresentadas, se da conta, pois, neste ntlmero da revista Interven<;ao Social, esperando contribuir, como alias, tem sido apanagio, para o debate na esfera da interven<;ao e da protec<;ao social nacional e internacional.
0 Director
Prof. Doutor Joaquim Croca Caeiro
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I
CONGRESSO INTERNACIONAL DE SERVI<_;O SOCIAL "0 SERVI<_;O SOCIAL NO SECULO XXI: DESAFIOS E OPORTUNIDADES"
NOTA DE ABERTURA
Joaquim Croca Caeiro Director do ISSSLIUL
Inicia-se hoje, o Congresso Internacional de Servi<;o Social, cujo tema, DESAFIOS E OPORTUNIOADES NO SECULO XXI, no ambito do Servi<;o Social nao poderia ser mais actual. Seis anos decorridos sobre o I Congresso de Servi<;o Social realizado sob os auspicios do ISSSL e da Rede Nacional de Escolas de Servi<;o Social (RNESS), impunha-se voltarmos a debater o Servi<;o Social em geral e a interven<;ao social em particular. E impunha-se tambem porque, importa merecer a distin<;ao da Ordem da Instru<;ao Publica (Membra Honoraria) com que Sua Ex.g o Presidente da Republica, Professor Anibal Cavaco Silva, agraciou o Instituto Superior de Servi<;o Social de Lisboa, neste ano, e cujo intuito e o de galardoar os altos servi<;os prestados a causa da educa<;ao e do ensino. No espa<;o daqueles seis anos, muitas altera<;oes se verificaram no nosso pais e no mundo, para melhor e para pior. Alguns dos temas entao debatidos, estao hoje desactualizados pela for<;a das circunstancias, mas, a sua grande maioria mantem a actualidade e a necessidade do seu debate. Continuam, pois, a merecer destaque em termos de analise e de uma incessante procura de solu<;oes. Estas ultimas, sao sempre as mais dificeis e no que se refere aos problemas sociais, nem sempre se tornam poss{veis. A constru<;ao de utopias e, por isso, muitas vezes o resultado das tais solu<;oes que se encontram. Os problemas sociais que acompanham as epocas e as circunstancias, que se modificam e se complexificam, continuam a impor, pelo menos, a tentativa de os suplantar. A procura do bem-estar social e por conseguinte, um clever que se impoe a todos quantos se relacionam directa ou indirectamente com a dimensao social. As Universidades, as institui<;oes, os profissionais, os voluntarios, enfim, a sociedade civil em geral, deve ter esse objectivo como prioritario. Num tempo em que o Estado e chamado para tudo e para nada, e onde a sua actua<;ao nem sempre e racional, econ6mica e eficientemente capaz, por desbaratar sem criteria os recursos daqueles que mais se vao esfor<;ando, e necessaria que a sociedade civil, se assuma como capaz de assegurar nao apenas o debate mas tambem as necessarias realiza<;oes do ponto de vista da questao e interven<;ao social. Ao Estado, deve competir apenas a regula<;ao prudente e aplicar corn criteria fundamentado os recursos que cada um de n6s coloca asua disposi<;ao. E tempo de as demagogias que tem no Estado o seu arauto e veem nele a salva<;ao para as suas pr6prias ineficiencias, darem lugar a um pensamento crite-
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Joaquim Croca Caeiro
rioso, responsavel e acima de tudo de procura realista de solw;oes para os problemas que se colocam. 0 que se espera e que o Estado assuma as suas principais fun~oes no que respeita a rela~ao com o mercado: a afecta~ao eficiente de recursos, a redistribui~ao equitativa dos rendimentos e da riqueza ea regula~ao. E ao mercado e a sociedade, ainda que nos tempos que correm, nao seja politicamente correcto assumi-lo, que competem encontrar e assegurar os criterios determinantes da promo~ao do bem-estar social. No que concerne as Universidades, a elas compete o debate e a discussao de novas e velhas ideias, a apresenta~ao de propostas e de medidas que permitam senao a resolu~ao, pelo menos, a melhoria dos aspectos mais negativos que se colocam a sociedade em geral ao nfvel do bem-estar social. E neste sentido, que elas nao podem deixar de estar presentes na sociedade real e conduzir a analise e antecipar os problemas. Nestes termos, um espa~o de seis anos entre a realiza~ao de urn Congresso de Servi~o Social, nao e urn born servi~o prestado a comunidade cientifica e profissional. Fica pois, aqui urn repto que lan~amos a nos pr6prios e a esta comissao organizadora: a realiza~ao de dois em dois anos de urn Congresso Internacional de Servi~o Social, no qual o ISSSL assuma a iniciativa. As institui~oes e os profissionais, por seu lado, sendo o centra da sociedade civil e por excelencia os interventores sociais de primeira linha, devem assumir coma missao principal, para alem da interven~ao que diariamente fazem nos problemas sociais que se lhes colocam, a de perscrutar os novos problemas e antecipar as novas realidades. A competencia dos profissionais, deste modo, fundamental e as institui~oes nao o podem esquecer, sob pena de incumprimento dos seus objectivos fundamentais. E por outro !ado, importante que nos dediquemos a pensar e a procurar as solu~oes que se impoem, corn responsabilidade e racionalidade. Neste contexto, nao possfvet que continuemos a procurar solu~oes de forma indiscriminada para quem teima em as nao querer. Nao possivel que continuemos a aceitar contribuir para todos aqueles que de uma forma ou de outra se assume por sistema coma "free-riders" da sociedade. Nao e possivel que continuemos a contribuir uns, para que outros possam de forma sistematica continuar a receber sem esfor~o o contributo dos outros. Nao passive! que se imponham criterios puramente igualitarios na distribui~ao dos recursos, os quais beneficiam prioritariamente aqueles que em nenhuma circunstancia pretendem contribuir. A equidade na distribui~ao, e pois, cada vez mais, fundamentat atribuindo a cada urn em fun~ao do seu esfor~o e do seu merito, os recursos que todos
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colocam a disposi<;:ao para reparti<;:ao. Tambem a solidariedade deve ser de igual forma equitativa. As medidas de politica tern, pois, de consagrar a equidade no tratar e no receber, no dar e no contribuir. E por tudo isto, e pela necessaria controversia que envolvem os temas que agora se apresentam a Congresso, que se imp6e a reflexao acerca das quest6es sociais. Esta tem, todavia, de o ser plural e isenta de sentimentalismos e reivindica<;:6es sem sentido e sem demagogias, tantas vezes utilizados como forma para alcan<;:ar resultados imediatos, os quais tem, tempos depois, consequencias nefastas quer do ponto de vista econ6mico, quer do ponto de vista politico, quer do ponto de vista essencialmente social. E cujos maiores prejudicados sao as gera<;:6es futuras que veem hipotecado 0 seu futuro sem que 0 possam evitar. Espero que, neste Congresso, que marca tambem o segundo aniversario de integra<;:ao do ISSSL na Universidade Lusfada, se discutam as quest6es sociais, com a racionalidade, a objectividade e a isen<;:ao necessarias. Estao em meu entender, reunidas as condi<;:6es para que este Congresso seja um marco na analise das quest6es sociais, quer pela qualidade dos conferencistas que aceitaram o desafio que lhes colocamos, quer pela qualidade e dimensao da plateia (alunos, institui<;:6es, profissionais) que tambem aceitou acompanhar-nos nesta realiza<;:ao. E, se mais nao fosse, podemos afirmar que o Congresso Internacional em Servi<;:o Social e para ja urn exito, pela adesao de todos v6s alunos, profissionais, institui<;:6es -. Mas tarnbern a irnportancia dos ternas dos ternas que aqui vamos tratar, pela mao de reputados especialistas, nacionais e internacionais, nos garantem a satisfa<;:ao de urn clever curnprido. Ternas corn a irnportancia do papel do Servi(;:o Social na sociedade actual, das politicas sociais e cornbate a pobreza e exclusao social, do ernpreendedorisrno social e ernprego, da reflexao acerca do Estado providencia e o rnodelo social europeu, do servi<;:o social e da luta pela cidadania, da interven<;:ao social corn farnilias, do envelhecirnento e qualidade de vida, da interven<;:ao social corn as crian<;:as ou a forrna<;:ao e os desafios do servi<;:o social, garantern a importancia que atribufrnos a este Congresso. Os conferencistas, a quem desde ja agrade<;:o a sua presen<;:a e a disponibilidade corn que acolherarn o nosso convite, sao certamente dos mais competentes, nacional e internacionalmente para o tratamento de tais temas que continuam a preocupar a sociedade livre e que pretende uma justi<;:a social capaz e eficiente e equitativa para todos, e que s6 o sera verdadeiramente no contexto da resolu<;:ao dos problemas que a afectarn. Cumpre ainda, antes de terminar, dirigir duas palavras de especial agradecimento.
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Joaquim Croca Caeiro Uma para sua Ex.e Dr.e Maria Cavaco Silva que generosamente aceitou o convite para a abertura do Congresso Internacional de Servi~o Social realizado pelo ISSSL-ULL. E para n6s uma honra muito especial poder contar corn a presen~a de V. Ex." na abertura dos trabalhos do Congresso e e tambem urn estfmulo para que possamos continuar a trabalhar no sentido de construir urn Portugal mais justo, uma Universidade mais assertiva no tratamento das questoes sociais e na prepara~ao dos profissionais de amanha que sao os nossos alunos de hoje, corn a qualidade que e apamigio do nosso Instituto. A outra para a comissao organizadora deste Congresso, cuja coordena~ao efectiva a cargo da Dr." Paula Ferreira merece desde ja o meu agradecimento, o mesmo se diga para a Prof. Doutora Marina Antunes e para as Dr.â&#x20AC;˘ Susana Ferreira, Vanda Ramalho, Teresa Silva e Helena Rocha. Finalmente, urn agradecimento para o Nucleo de Estudantes de Servi~o Social. A vossa contribui~ao e e sera sempre fundamental. Tenho dito!
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CONFERENCIAS
THE SOCIAL, THE PSYCHOLOGICAL AND THE HUMAN IN SOCIAL WORK
Malcolm Payne
Professor, Manchester Metropolitan University, UK Tel: +44 (0)20 8768 4511 Email:
m.payne~Dstchristophers.org.uk
Abstract: All social work practice is a social interaction in the form of an encounter between human beings, in which the participants enact a performance that reveals aspects of their humanity and represents their understanding of the real world in which they operate. The human aspect of the encounter, as described in important systems of thought such ass humanistic psychology, secular humanism and human rights thinking, includes a concern both for the psychological and for the social. Death, for example, is an individual experience with psychological impact but takes place within and affects social institutions and relationships. Psychological helping with dying people focuses on emotional and cognitive reactions, social helping reacts also the social relationships and institutions affected in the real world. Social workers do not use discrete practice knowledges directly, but embody them as part of their performance within a practice encounter.t Their pathway into professional practice, the particular balance of the facets of social work that they use, their interpretation of the value complexities in social work practice and their particular selection from the range of knowledges available comes together and creates their distinctive practice and humanity in the social work encounter.
Introduction: social work as performance in a human encounter The starting point is the nature of social work. All social work practice involves an encounter between human beings. This is so for individual, community, family, groupwork practice because, although the aim might be to affect more than one human being, the work is always carried out between human beings. What does this human encounter consist of? I want to describe it in an unusual way: a human encounter involves whole people, in a performance that represents the real world as those people understand it. Why do I use this particular description and why is this characterisation of a human encounter important to social work practice? The answers to these questions follow from the nature of any human encounter. Because it involves interactions between people, it is a social situation. In such situations, people interact according to the social rules that they have learned in their life. Therefore, as they interact, they will reveal themselves to each other, displaying something about the lives they have led, because their interaction will display their social and cultural learning.
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Any encounter is a performance in that people are not able to reveal everything about themselves. Each actor in the situation tries to control the encounter so that other people present see what the actor wants them to see. Their control will not be complete, so other people present may see leakage, that is, they see more about the person than the actor might expect. This happens because information escapes from the actor's control and affects the perceptions of the other people who are present. Also, for much of the time, we are happy to allow people to see many aspects of us and there are aspects of ourselves that we do not consciously see or control. Bringing all these points together, other people make observations and judgements about the whole of what they perceive, not some part of it, and what they perceive includes unintentionally revealed aspects of our life experience and attitudes. As they get to know us better, they will see and understand more about us. This in turn will affect and continuously modify how they act in social situations with us, so their performance will alter as a result of any encounter or the total of the encounters in which they have observed and perceived our performances. This way of seeing social interactions as being like performances in a drama comes from Goffman's (1972) dramaturgical role theory. Encounters are about something. As an encounter continues, therefore, the people involved will provide information to each other about the 'something' in the real world that they are concerned with. Clients represent real world issues that they come to the social worker to deal with. Social workers enact their agency and the profession and activity 'social work'. Therefore, as they perform with each other in the encounter, people disclose information about both these real worlds and about their reactions to and judgements about it. The encounter, though, involves, not the real world itself but, the participants' perceptions, understandings and representations of the real world. These representations of the real world are another opportunity for learning about the actors and modifying our behaviour with them, as well as understanding the real world. This is because the actors compare what the individual is saying about the real world with their own understanding. Their comparison affects both their understanding of the real world and their view of the other actors. If clients find the social worker valuable, they may come to trust their judgements and observation more and their own judgements about the real world may be confirmed, if they thought social workers were helpful, or disconfirmed if they thought social workers were interfering officials. If their current perception that this social worker is valuable disagrees with their past interpretation of the real world, they may trust the social worker less. For example, they may remember that social workers are interfering officials, Or, if they continue to trust the worker, they may change their view of the real world, perhaps coming to think that social services agencies are not so bad after all.
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The social, the psychological and the human in social work, p. 19-J:l
Taking a further step, peoples' performances in an encounter are affected by their role in dealing with the 'something' that the encounter is about, its subject. A role is a set of social expectations, that is, how people in the relevant culture and its ordinary social relations, usually expect others to behave in social situations such as the one they are involved with. These expectations are associated with particular social identities. For example, when a police officer stops a man in the street to ask them a question, we might expect a builder's labourer with a criminal record to behave differently from a senior lawyer of impeccable reputation. We might also expect the police officer to be able to identify many aspects of these social differences instantly from observation, and to adapt this view as the interaction proceeds. Howeve1~ the officer would start by behaving differently to the two people. This example suggests that social position, formal role and the social identity that these factors contribute to interact with and the nature of the encounter to affect behaviour. This way of understanding the social elements of a human encounter is relevant for social work. This is because it suggests that what goes on in a social work encounter will be affected, just as all human encounters are affected, by a variety of cues about someone's social position, identity and behaviour. These cues are understood within the culture and society in which an encounter takes place. The content of a social work encounter are also likely to lead to exchanges about the real world as it is experienced and described by social work practitioners and the people they work with. Taylor and White (2000) show that social workers represent themselves or perform in ways that seek to convince clients that they are effective helpers. Similarly, clients represent themselves or perform to show that they are credible informants and sensible people who have behaved appropriately in the circumstances.
Facets of social work Understanding and researching social work, therefore, requires an understanding of all these aspects of being a human being in interaction with other human beings. Many practitioners find it hard to focus on all these aspects at once, and the most obvious elements of their work are the encounter itself and what it tells us about the individual in front of us. This requirement to engage with both the psychological and the social, and to incorporate a range of perspectives on our practice is contained in the widely accepted IFSW definition of social work: The social work profession promotes social change, problem solving in human relationships and the empowerment and liberation of people to enhance wellbeing. Utilising theories of human behaviour and social systems, social work
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intervenes at the points where people interact with their environments. Principles of human rights and social justice are fundamental to social work. (IFSW, 2000).
However, while both the social and the psychological are included, they are also clearly differentiated. How then is the social worker to include them both, while holding them separate? I want to argue in this paper that social workers achieve this by focusing on the human, that is, the whole person. Moreover, by intervening at the point where the individual person intersects with the social environment, the practitioner incorporates the environment into the human being, because, as we have seen, the human interaction includes the participants' representations of the environment.
Ideas about humanity Three helpful sources of ideas about what it is to be human are derived from: â&#x20AC;˘ Humanistic psychology â&#x20AC;˘ Secular humanism â&#x20AC;˘ Human rights ideas All these have had some influence on social work, but are rarely clearly expressed or differentiated from each other. A number of shared principles can be drawn from these sets of ideas. First, they all focus on the human being as a whole and reject the idea that we should relate to separate aspects of the human being. So, humanistic psychology says we should not focus on the drives and tensions within the psychological make-up of the individual, as for example, psychodynamic theory does. Neither should we focus simply on cognitions or behaviour, as cognitive-behavioural theory does. Instead, we should try to see how emotional and cognitive aspects of an individual interact with each other and create a total human response to the world. Secular humanism sees human beings as rational and capable of using their minds to evaluate the world, make decisions and act upon them. Recognising that rational capacity, human rights ideas suggest that societies are organised in ways that permit human beings the possibility of acting according to their rational minds, and that everyone should be equal in the way that we accord them those freedoms (Payne, 2010, Ch. 1). Secondly, they all emphasise in various ways the human being's integration with their environment. Humanistic psychology sees people's emotions and thoughts as influenced by and influencing their environment; we are changed by what goes on around us and we can make changes in the world
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outside our selves. Secular humanism sees us as formed by socialisation within our social environment and integral to nature and our physical environment. Human rights ideas emphasise how human beings affect and are affected by the world around us. He's (2008) account of the relationship between human rights and social work argues that social work has a responsibility for advocating for clients' needs, for political, social and organisational change that facilitates societies in meeting those needs and community development to empower people to transform the context in which they live to enables needs to be met more readily. Mary (2008) goes further in arguing that social workers have a responsibility to practise in ways that facilitate the sustainability of human society in the natural environment. Thirdly, they all see human beings as having some degree of self-awareness and awareness of their environment. This leads us to see human beings as responsible for the decisions that they make as they interact with the world around them, and it assumes that they have some freedom of choice, even though that freedom may be constrained. Secular humanism, for example, sees people's personal fulfilment as emerging from participation in human relationships that serve human ideals. Fourth, they all propose that human beings have intentionality, that is, they plan for the future and what they think and do incorporates those plans. Since we have seen that these idea assume that they behave rationally, according to secular humanism, humans think through rationally what is happening and acting rationally on those thoughts to plan what we do and act on what we plan. Humanistic psychology sees people as able to influence and be responsible for their social environment in an organised way; they can aim for an environment that facilitates their self-fulfilment. Human rights ideas tell us that human beings are responsible for each other and the world around them, and should respect people's freedoms accordingly. Fifth, they assume that human beings have a degree of liberty and equality. That is, they are usually not completely constrained by their psychological and social make-up. Humanistic psychology says that this enables them to find means of psychological self-fulfilment in their lives. Secular humanism says that there is only this life, so human beings must seek and find the best way of leading their lives. Human rights ideas emphasise our intrinsic equality of human beings and the importance of according people their freedoms.
The 'social' in social work One of the difficulties that many social work practitioners experience is being clear about the social elements of their practice. This is because social workers mainly work interpersonally, and it is easy to see psychological and
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personal reactions to events in people's lives. It is less easy to see how you intervene to affect the social. If we see humanity as being about interpersonal engagement in social relationships, this identifies for us the nature of the 'social' in social work. It is, firstly, social because it deals with social matters: • Social as opposed to educational, medical, environmental or housing issues in government services, for example • Social because it involves and seeks to improve relationships between people • Social because it seeks those improved relationships within a more coherent, cohesive society, and seeks to improve the solidarity among people I that society It is also social because it is practised socially, in interpersonal relation-
ships, and not through providing facilities such as leisure centres or housing, and where it provides services such as material aid or care services, it does so by invoking continuing human relationships to provide these things, and through engaging with people in a joint process of decision-making. Thus, social work is not a bureaucratic accounting of points to receive a service, it always involves a human being, the social worker, engaging with clients and their families to work out jointly what is the best course of action. It always involves the assessment and targeting of practice with an individual. This is so even where the main purpose of practice is to create a package of services. For example, LeBihan and Martin (2006) comparing the provision of six European states in providing services for older people show that this element of individualised assessment is an important aspect of social care services in all of them. What are the social issues that social work deals with? Adams et al (2009) suggest the following: • It is concerned with the experience of human beings in contrast to the
natural, physical world, in the same way that the social sciences deal with social institutions and social relationships rather than geological or physical entitles. • Human beings are social animals, so there is an evolutionary advantage in people collaborating; in getting people to cooperate in their lives; social work helps with this. • It deals with relationships between human beings • It develops people's human characteristics as social animals and works
using the traits and skills that help human beings form and continue their relationships.
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" Interpersonal relationships develop into social institutions; there are two kinds of these - common patterns of relationships such as kinship, families, communities and organisations; we develop ways of operating with these social institutions which reflect our culture - planned and managed social structures such as political institutions, companies and social agencies form established and culturally approved ways of developing human cooperation and dealing with human conflicts " we also develop institutions for collective life, such as communities, and social work particularly operates within these in day care, residential institutions, groupwork and community work. Society is the complete set of these interpersonal social relationships and social institutions; by operating within these social relationships and institutions, social work has an impact on society in general, or at least the particular aspects of society that it works within.
An example: death as social How does this work in practice? Drawing on experience in palliative care, where social workers work within a multiprofessional team of doctors, nurses, ministers of religion and other professions to help people who are dying and their families, we can see a number of elements of this social aspect of practice (Reith and Payne, 2009). In one way, there can be nothing more personal and individual than death; we all die, and only an individual can die; nobody else can do it for us. So how is death social? First, when an individual dies, others are usually present. For example if there is an accident, people cluster round, or observe from a distance. When someone is dying with an illness or from old age, family members are brought to the bedside. Second, when someone dies, all the social relationships that they are part of are irrevocably altered. Even if they are alone, their home must be cleared and sold or re-let; the neighbours will have someone new to live nearby. But usually, the deceased person goes missing from their existing social relationships, even though continuing memories and bonds are maintained by living people with deceased people that they are close to. Third, death, dying and risk of death and dying creates social statuses. People are designated as 'at risk' of dying, if they have a serious illness, 'at risk' of suicide if they are depressed and have other behavioural signs, or children
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are 'at risk' of being killed through abuse. Someone with a serious illness who is likely to die is given a special social status; they may be avoided or they may be tended to. Fourth, there are special social institutions concerned with death: hospices, hospitals, funeral directors, cemeteries, crematoria. These are places, and social institutions, where tasks concerned with death and dying or memorialisation of deceased people are dealt with. Fifth, there are social rituals associated with death and dying. Examples of such rituals are: caring for dying people, or visiting them for the last time, dealing with dead bodies in a culturally acceptable way, certifying and registering death, funerals, memorials, bereavement rituals (Holloway, 2007). There are also impacts on social institutions that are not connected with death. For example, the death of a teacher or a school child has to be dealt with by other children and families. People at the deceased person's workplace have to adjust to the death. If someone dies in a care home, other residents have to manage the fact that one of their number has died. All of these give rise to special social relationships, and this leads in turn to the development of special social services, including end-of-life and palliative care and social work within these services to help deal with the personal consequences that have to be managed. These services are often accessed with help from social workers or similar professionals in non-specialised services. So, we can see here in a particular individual experience brings contact with a whole network of social relations that are affected, and sometimes also brings a need for helping and managing those social relationships. We could look at many other aspects of social relationships in people's lives and identify similar social interactions and social institutions relevant to those experiences, and a similar range of specialised and non-specialised agencies involved in helping with those areas of human life.
The social work and other contributions Not all helping institutions consist of social care services or provide social work help. Maintaining the focus on work with dying and bereaved people, we may see an example of this by looking at the distinction between psychology and social work in helping within end-of-life care. A recent document published by the British Psychological Society provides an analysis of the role of psychologists and lists the roles of psychologists in palliative care (BPS, 2008: 17). Most of these are relevant to social work roles, and at first sight, many social workers might well see this presentation of psychology as representing professional competition in social work services. How-
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ever, here we can see the importance of the focus of particular services and the representation of issues presented by the people involved in a helping reaction. To show this, I look at two examples of the BPS analysis. The first is presented in the psychological text as: 'Dependency issues, such as fear of leaving the hospice/hospital, etc'. How would a social worker represent this issue? I suggest that the primary focus would not be on 'fear' of leaving a hospital or hospice. A social worker is likely to be actively involved in plans to discharge someone from a hospital or hospice, very possibly initiating the discussion with patients and their families about this issue. Any social workers will recognise very real service provision issues involved in creating secure support in a patient's home, ensuring that suitable services are dilvered in the home. The social worker will want to discuss planning with te patient and their family, so that the services and support are appropriate for their particular circumstances. There may be fears, but only very unusually these are 'dependency' on the institution. Far from it, most most patients and their families wish to provide care for dying people in their own homes, and have a very real insecurity about being able to manage someone's needs when they have a serious illness a home. The social worker will recognise and respond to that realistic insecurity; it is a denigration of clients' realistic assessment of their position to treat this as a psychological deficit such as 'dependency'. The second issue is represented in the psychological text as: 'anxiety and depression as a result of diagnosis/prognosis' and as: 'anxiety management interventions'. Anxiety and depression are common in people who are approaching death, and at times simple techniques for relaxation or more complex cognitivebehavioural techniques will assist people in managing these feelings. However, alongside these, becoming aware that people are approaching death raises very real changes in the practical circumstances of individuals and families. They may have to reconstruct their finances to deal with the costs of illness, funeral and changes in family structure (Bechelet et al, 2008), relationships will change, a previously able person adopts a sick role, employment leisure and school arrangements change, expectations for the future change irrevocably. This affects not only the patient's psychological well-being, but also many other members of the family. To see some psychological intervention as the main response to these major social changes is misconceived, although it may be part of the answer. Similar points could be made about most of the roles proposed in this document for psychologists. If, instead of seeing an issue as one of the mind, we see it as a social change in relationships and social institutions of the family and community, we can see that a psychological response, while helpful, is likely only to be part of the answer. Certainly, a practitioner intervening will want to include psychological reactions, but it is an inadequate analysis of the social situation to limit ourselves to psychological responses.
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The social work response to such circumstances is to include both psychological and social issues and reactions in their intervention; this is a more complex analysis leading to a more multifaceted intervention. It is also one that engages with the practicat the policy and political aspects of the situation and the social relationship aspects of it. For example, in these family situations, some of the difficulties is finding a suitable response will engage with gender roles. If a man is dying, the loss of his gender-differentiated role within the family raises the need for changes in gender roles. This, in turn, raises questions about the validity of politicat social and cultural acceptance of limited gender roles in a society. Every social work intervention, if considered carefully, is likely to raise such political and social issues, because it raises changes in social relationships as a particular family or community understand them.
Embodying the social in the human interaction I have argued that the human incorporates both the psychological. Since social work requires a focus on the social, incorporating aspects of the psychological, it must operate within a human interaction. The interaction is a performance in which we represent aspects of ourselves, and clients represent aspects of themselves that each thinks is most relevant to the situation. The client brings some of the facets of their life to the encounter, while the social worker brings parts of themselves, and crucially they bring the professional knowledge and skills of a social worker. Social workers do this by embodying within themselves the character 'social work' in the performance. As in any stage performance, they embody social work. In this encounte1~ they physically and intellectually represent social work in their physical and personal presence. How does this happen? I propose that social workers come to embody 'social work', the profession and activity in themselves, in exactly she same way in which every other person embodies the character of their lives, by 'performing' social work that has become incorporated within them. To understand how this happens, four characteristic aspects of social work stand out in the social worker's personality and behaviour: â&#x20AC;˘ the pathway that they take into social work. As practitioners are socialised into their profession, their previous work and voluntary experience, their training, and its interaction with the family and leisure life all influence how they will practice as a social worker. â&#x20AC;˘ the balance in their practice between the social change, personal empowerment and problem-solving aspects of social work set out in the IFSW definition (IFSW, 2000).
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A practitioner who focuses on problem-solving will operate differently from one whose job role or professional skills focus on social change or empowerment of clients' personal control over their lives. All social workers hold these aspects of social work in balance, and vary their practice according to their skills and preference, the needs of clients and the policies of their agency and the welfare system of which it is part (Payne, 2006). " the way in which they deal with the values complexities in social work. Professional values are not absolutes, offering rules for action, but a rather indications of value complexity that the worker must consider and react to in the situation. For example, a commonly debated professional value is client self-determination, the right of clients to decide on the direction of the social work intervention. Yet every social worker is aware that this is not an absolute, and may be limited by family pressure, legal duties and the general social rulefollowing that restricts everyone's freedom of decision-making. Practice varies to the extent that workers balance these factors in their practice. " the range of social work know ledges that they use in their practice. A recent study (Pawson et al, 2003) identifies several different areas of knowledge that social workers use in their practice. These are: nowledge that comes form the organisation, from policy debate and analysis, from assessment and understanding through interaction of clients and their families and communities, from research and from their own and colleagues' practice experience. Practitioners use these different areas of knowledge in different balances, partly according to personal preference, but also according to the needs of the case. Practitioners vary as they incorporate all these different sources of 'being' as a social worker; their variation is identifiable to them, to other practitioners, managers and to clients in interactions with them. Thus, one social worker may have a background as an administrator, focus mainly on problem-solving, lean towards conventional expectations of clients' self-responsibility and using mainly agency and policy knowledge. Clients, and everyone else, will perceive them very differently from a social worker from a practitioner whose background is in psychology, focuses on personal empowerment, accepts a wide range of ethical behaviours as valid and uses mainly professional and research knowledge.
Conclusion The aim of this paper has been to draw attention to the reality that all social work a social interaction involves human encounters, and to suggest the impor-
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tance of exploring the characteristics of the human beings and of the social in those encounters. Both clients and social workers bring characteristics of their human experience to the encounter, and to understand and research what takes place in social work it is important to look at what those human characteristics are and how they are engaged in the encounter. Examining the general characteristics of humanity, through various perspectives helps us to understand the nature of social work encounters better. It is also important to understand what the 'social' consists of, and how it may be differentiated from the psychological. I have argued that clear differences are identifiable: social work may include the psychological, but its focus is on broader areas of human action. Finally, I have suggested that since social workers bring their humanity to the social work encounter, they must also embody the social construct 'social work' in who they are and how they act within the encounter. They do this by performing 'as a social worker' in the encounter, their particular performance emerging not only from the interaction and their role within in, but from identifiable characteristics of all social workers in all situations. How they embody those characteristics presents them to other people in social interactions as that particular kind of human being 'social work'. The particular performance with the client in a particular situation identifies them as that particular human being 'this social worker'. The performance is only part of them, that aspect of the whole human being that is the social work aspect of them. I argue, then, that we may research and understand social work better by both detailed analysis of social work interactions and also by better understanding of the social characteristics of the people who become social workers and of how particular social workers have emerged from their life experience. It is important to realise that their various professional knowledges do not always directly decide what a social worker is and how they perform, but their social ork is characterised by how they embody those knowledges within themselves as a whole human being as they perform in the social interactions that form the human encounters 'social work'.
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0 ESTADO PROVIDENCIA E MODELO SOCIAL EUROPEU NO SECULO XXI. QUE POSSIBILIDADES?
Rafael Munoz de Bustillo Llorente Universidad de Salamanca*
* Este texto se basa en tm trabajo mas amplio publicado enS. Salvador yR. Mm1oz (eds.) (2007): El Estado de Bienestar en la encrucijada, pp. 129-170. Publicaciones Universidad de Alicante. San Vicente del Raspeig.
1. Introducci6n La UE se encuentra en la actualidad en un periodo de paralizacion institucional. La derrota de Ios referendum frances (29/5/2005) y holandes (1/6/2005) de ratificacion de la "Constitucion Europea" y el posterior fracaso del referendum irlandes del Tratado de Lisboa, iniciativa con la que se pretendia resolver el impasse creado por Ios referenda frances y holandes, junto con el largo periodo de estancamiento de la economia alemana, que solo se empezo a recuperar en 2006 (con un crecimiento del PIB del 2,5 %) para verse sorprendida, junto con el resto de paises de la UE por la actual crisis financiera y economica importada de Estados Unidos, plantean un conjunto de incognitas sobre su futuro mas proximo y sobre sus ambiciones a medio y largo plazo. Esta situacion se refleja de forma clara en la caida en la proporcion de europeos que consideran positivo para su pais la pertenencia a la UE, un 52 % segun el Eurobarometro de Septiembre de 2008, frente al 57 % hace un afio 1 â&#x20AC;˘ Mas a-Lm, de un conjunto de 15 areas de actuacion comunitaria en campos de actualidad, que abarcan desde la cooperacion en materia de I+D o la lucha contra la pobreza en el mundo a la proteccion del medio ambiente, !as actuaciones de la UE consideradas menos satisfactorias por Ios ciudadanos europeos son de acuerdo con la misma encuesta, en una escala del 1 a! 10, precisamente la lucha contra el desempleo (3,8 %), la proteccion de Ios derechos sociales (4,7 %) y el garantizar el crecimiento economico (4,9 %), campos de vital importancia para el bienestar de la poblacion, y sin embargo, y paradojicamente, areas en las que !as competencias comunitarias son muy limitadas 2â&#x20AC;˘ Esta situacion de crisis, sin embargo, no debe hacernos olvidar Ios logros de la UE en sus cinco decadas de singladura. El proyecto europeo nada en 1957 con la intencion de desterrar la tradicional beligerancia franco alemana a partir de un plan netamente economico, y parece que la economia triunfo donde antes fallaron proyectos de caracter militarista, politico o religioso. El "duke
1
El resultado en Portugal es del 50 %. El pais mas satisfecho con su pertenencia a la UE es Holanda con el 75%, seguido, parad6jicamente de Irlanda, con el 73%. Standard Eurobarometer, 69 junio 2008. 2 Special Eurobarometer, 251 the Future of Europe p. 26-7.
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comercio" en palabras de Montesquie (1689-1755) 3, no solo ha acallado a Ios perros de la guerra, sino que ha traido prosperidad a un numero creciente de paises que en sucesivas oleadas han trasformado la Europa de los seis, en una Europa de 25 y proximamente 27 paises. Un proyecto tan ambicioso como el europeo no podia sino generar expectativas e interpretaciones distintas sobre el alcance final de sus intervenciones. Uno de los campos donde probablemente mas se haya notado ese contraste de opiniones sea en el ambito de la politica social. Desde que en los origenes de la UE se discutiera si la convergencia social era un prerrequisito para la formacion de una Union Aduanera o el resultado natural del proceso de convergencia economica que activaria la creacion de dicha union, la politica social ha sido uno de los campos donde los paises se han mostrado mas celosos de su independencia frente a los intentos de mayor intervencion comunitaria en este campo. Este diferencia de opinion sobre el papel de la UE en los campos de la politica social y de empleo se refleja perfectamente en el hecho de que sea precisamente en estos dos campos donde las diferencias de los ciudadanos en lo que se refiere al ambito donde deberian tomarse !as decisiones de politica economica estan mas enfrentadas: en lo que se refiere a la proteccion de Ios derechos sociales un 56 % de los ciudadanos europeos estan a favor de aumentar los poderes de decision en el ambito comunitario, mientras que un 32 % estan a favor de reducirlos, por su parte, en materia de lucha contra el desempleo la relacion es 51 % frente a 37 % (para comparar, en materia de lucha contra el terrorismo un 72 o;., estan a favor de aumentar las competencias comunitarias, frente al12% a favor de reducirlas). Estas paginas tienen por objeto debatir las perspectivas de futuro de la situacion actual de la politica socialde los Estados de la UE. Para ello, en la siguiente seccion se analizara si existe un modelo social europeo, y en su caso, sus caracteristicas. En la seccion tercera se abordaran algunos de los retos a los que se enfrenta el modelo social europeo en el futuro: el trade-off entre eficiencia y equidad, la globalizacion y el envejecimiento demografico. Por {tltimo, en la seccion cuarta se presentaran las principales conclusiones alcanzadas.
2. zExiste un "modelo social europeo"? Desde una posicion pragmatica, una buena forma de aproximarse al conocimiento del nivel de desarrollo del Estado de Bienestar en los distintos paises 3 Vease el Libro XX del Espiritu de la Leyes de Montesquieu, dedicado a !as !eyes en relaci6n al comercio, en el que se senala que "la paz es el resultado natural del comercio", o "el espiritu del comercio produce en la mente del hombre cierto sentido de justicia exacta, opuesto ( ... ) a! robo" o "En todos Ios sitios vemos como la violencia y la opresi6n deja paso a! comercio basado en la economia" Las citas son de la version en hipertexto del Espiritu de /as Leyes disponible en: http://www.constitution.org/cm/sol.txt
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integrantes de la UE es mediante la comparacwn del peso que el gasto social tiene en el FIB de cada uno de ellos. El grafico 1, que recoge el valor de esta variable para Ios paises del Espacio Econ6mica Europeo, Jap6n y EE.UU. es elocuente a! respecto", mostrando la dispersion tan elevada que hay entre Ios Estados miembros en lo que se refiere a! esfuerzo que realizan en protecci6n social, con valores que van del32% de Suecia al12-13% de ]os Estados Balticos. Grci.fico 1 - Gasto social publico como % del PIB, 2005 ?9_7
26.8
21,9 20.H
20 17,7 16,1
1b 12.4
13.2
10
(*)Portugal: 2004. Jap6n y EE.UU: 2003 Fuente: Eurostat y (*) OCDE Social Expenditure Database
socx
Con la finalidad de facilitar la comparaci6n entre paises, en el grci.fico 2 se reproducen estos mismos datos, solo que ahora el gasto social pt!blico como porcentaje del FIB de cada pais se expresa en indices, para un valor de la UE (27) = 100. Expresado en estos tt~rminos vemos que un grupo de paises, integrado por Ios Estados Balticos, Eslovaquia, Ios dos estados insulares de la ampliaci6n, Malta y Chipre, Ios Estados de la ultima ampliaci6n (Rumania y Bulgaria) junto con Irlanda tienen un gasto inferior a! 70 % de la media comunitaria. Mientras que en el extremo superior destaca, junta con Francia, Suecia, con un gasto social media en terminos de FIB superior en casi un 20 'Yt, a la media comunitaria.
"Los datos de Jap6n y EE.UU. no son totalmente comparables con Ios de la UE, ya que !as metodologias de calculo del gasto social de la OCDE y Eurostat son ligeramente distintas, con el resultado de que la OCDE tiene a ofrecer estimaciones ligeramente inferiores de gasto social. Asi y todo, la diferencia entre el gasto social en estos paises y en la UE cs patente.
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Grafico 2- Posici6n relativa del gastos social de los paises del EEE, EE. UU. y Jap6n con respecto al Gasto Social medio de la UE(27), 2005 110
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...- ......... ,............................................... ---•---·-··-·--·-·--·----~·-"---·----------..1
Fuente: Eurostat y elaboracion propia.
Se puede argumentar, sin embargo, que dada la enorme disparidad de niveles de desarrollo econ6mico existente entre los paises de la UE (27), es probable que parte de las diferencias en intensidad de gasto social respondan simplemente a que estamos comparando paises de muy distinto nivel de renta junto al hecho constatado en la historia de la construcci6n del Estado de Bienestar de que a mayor renta mayor esfuerzo en protecci6n social, como si este tipo de programas publicos fueran algo cuya demanda, parad6jicamente, creciera mas que proporcionalmente con el crecimiento de la renta. Con la finalidad de contrastar esta proposici6n y ver hasta que punto las diferencias en GS/ /PIB solo esconden diferencias en el nivel de renta, en el cuadro 3 se han representado Ios valores relativos de renta per capita expresados en Paridad de Poder Adquisitivo y para un indice 100 en el caso del PIB per capita de la IU (27). Como se puede apreciar, el grafico 3 confirma la existencia de una relaci6n positiva entre PIB per capita e intensidad del gasto social, aunque esta variable no anula el "papel'' de la politica, en el sentido de que todavia existen diferencias importantes de comportamiento en materia de protecci6n social atm teniendo en cuenta las diferencias en renta per capita. Asi, por ejemplo, se observa como Irlanda, o Espafia, sin ir mas lejos, presentan un esfuerzo en protecci6n social sensiblemente inferior al que les "corresponderia" dado su nivel de renta (que estaria recogido por el punto correspondiente a ese nivel de PII3 per capita
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marcado por la recta de regresi6n representada en el grafico). En el caso contrario se situan pafses de muy distinto nivel de renta como Suecia o Polonia 5 •
Grafico 3- PIB pc en PPP (UE-27 = 100) y Gasto social (2005) 35
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PIB pc PPP (UE·27:::: 100)
Fuente: Eurostat y elaboraci6n propia.
Este mismo ejercicio se puede realizar incluyendo otras variables, como el nivel de poblaci6n mayor de 65 afios que sabemos es uno de los determinantes del gasto social en la medida en que por h~rmino medio casi la mitad de este- el 44 % coma media en la UE(27) - se dirige a pensiones de jubilaci6n y viudedad 6, sin alterar !as conclusiones obtenidas (Alsasua et al., 2005). Una forma de aproximarnos al peso de la "polftica" en la determinaci6n de las diferencias en protecci6n social £rente al peso de las condiciones objetivas: desempleo, composici6n demografica y nivel de renta (puesto que hemos visto que la renta est<;\ asociada positivamente con el gasto social, es realizando una regresi6n donde la variable dependiente sea el peso del gasto social en el PIB y !as variables independientes el PIB per capita, la tasa de desempleo, la tasa de dependencia de poblaci6n de
5 Es importante no darle a este tipo de ejercicio mas importancia de la de una mera labor pedag6gica relativa a la relaci6n existente entre ambas variables, ya que la geografia de la misma es muy sensible a Ios paises introducidos en la muestra. En este caso, par ejemplo, se ha optado par dejar fuera de la misma a Luxemburgo, que con un indice de renta per capita de 233 alteraba de forma sensible la relaci6n. 6 Datos de 2005, el maxima corresponde a Italia y Polonia, donde alcanzan el 58 % y el minimo a Irlanda, con el 25 %, en Espafia el porcentaje es del40% yen Portugal el44%.
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mas de 65 afios (que afectaria al gasto en pensiones) y la tasa de dependencia de poblaci6n de menos de 16 (que afectaria al gasto en familia). El resultado, recogido en el cuadro 1 confirma la importancia de la politica, o si se prefiere, la ideologia, en la construcci6n del Estado de Bienestar, ya que las variables anteriores solo explican el 46% de las diferencias en gasto social sobre PIB.
Cuadro 1 - Determinantes del gasto social como % sobre el PIB Coeficienles
0,048
PIB per capita (PPC)
(0,024)"' 0,273
Desempleo ('i'o)
(0,307) Poblaci6n menor de IS afios (%)
1,559
Poblaci6n mayor de 64 afios (%)
(0,705) ** 2,135
Constante
(0,574) *** -43,271 ( !9,233) ''*
2
R ajustado
= 0,4606
F (4, 25) = 7, 19***
Observaciones = 30 Nota: Errores estanclar entre parentesis. a! 10%
**'~
signil'icativo a! I%;''''' signil'icativo al 5%;
* signilkativo
Fuente: Elaboraci6n propia a partir de datos de Eurostat, datos de 2005.
Otra forma sencilla de separar cual es la importancia de las diferencias en nivel de renta y Ios distintos niveles de esfuerzo en protecci6n social, esto es, Ios componentes econ6mico, demogrMico y politico, que determinan conjuntamente el gasto social, es a partir del estudio de las diferencias de proteccion social, expresadas en esta ocasi6n en gasto en protecci6n social per capita. El gasto en protecci6n social se puede expresar como el producto del gasto social con respecto a! PIB, la variable que hemos manejado hasta el momento, y el PIB per capita: (1) Gasto social per capita= GS/Pobl.
=
[GS/PIB] x [PIB/Poblaci6n]
Donde al primer factor denominaremos efecto esfuerzo y al segundo efecto renta. A partir de esta expresi6n, y siguiendo el analisis desarrollado en Alsasua et al. (2003), la diferencia en gasto social per capita de un pais con respecto a la
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media se puede expresar como la suma de las diferencias en el factor esfuerzo, las diferencias en el factor renta y el producto de ambas. En el grafico 4 se reproduce el resultado de este ejercicio realizado para los pafses de la UE(15), en el mismo se aprecia como en Dinamarca, por ejemplo, su mayor gasto social per capita se explica prckticamente a partes iguales por su mayor nivel de renta y por su mayor esfuerzo, mientras que en Suecia, todo se explicaria por su mayor esfuerzo. Por el contrario, en nuestro pais el menor gasto social per capita se explica mayoritariamente por el menor esfuerzo realizado, ya que la menor renta per capita del pais solo explica alrededor de una cuarta parte de la diferencia. Otro ejemplo interesante es el de Irlanda, donde su mayor renta compensa en parte su mucho menor esfuerzo. Por ultimo, en el Reino Unido el menor esfuerzo se ve compensado con una mayor renta de forma que al final el gasto per capita se situa en valores proximos a la media.
Grafico 4- Impacto del nivel de esfuerzo (GS/PIB) y el diferencial de renta (PIB pc) en la intensidad de proh~ccion social (Diferencias con respecto a UE-15) 0 0,8
(I) x(2)
ml (2) PJB/POB = rcnta 0 (I) GS/PIB
=esfucrzo
0,6
0,4
0,2 0路
f'if/& ~~
6
cl'
.~
-{!.~
-0,4 -0,6 ------Fuente: Eurostat y elaboraci6n propia.
El analisis desarrollado hasta el momento muestra claramente la existencia de una gran diversidad de opciones en materia de politica social en la UE. Unas diferencias que solo en parte se explicarian por el distinto grado de desarrollo
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alcanzado en los Estados miembros, o por otras caracteristicas sociodemograficas con impacto sobre el gasto social. Pero muy bien podria ocurrir que aunque no se hubiera generalizado un tmico modelo social en los distintos paises de la UE, se estuviera en vias de alcanzarlo. Para comprobar si es ese el caso, se ha procedido a calcular si existe convergencia en materia de politica social, tanto en terminos de esfuerzo (GS/PIB) como en terminos de gasto social per capita. Una de las formas de estimar la existencia de convergencia mas habituales en economia es lo que se conoce como convergencia 0, que no es sino el comportamiento a lo largo del tiempo de la desviacion tipica de la variable cuya presunta convergencia se quiere estudiar a lo largo del tiempo. Como es conocido, la desviacion estandar es una medida de dispersion que nos dice lo cerea o lejos que estan los valores de una muestra de su valor medio, de forma que, en nuestro caso, si la desviacion estandar del gasto social (ya sea como porcentaje del PIB o en terminos per capita) se reduce con el paso del tiempo se hablaria de convergencia 0, y en caso contrario de divergencia. En los graficos 5 y 6 se reproduce el comportamiento de la desviacion estandar de ambas variables, para la UE(15), UE(15) mas los tres paises de la ampliacion de los que disponemos de series de gasto social suficientemente largas, y los pafses del Espacio Economico Europeo. En lo que se refiere al esfuerzo en proteccion social (Gasto social/FIB) en el grafico 5 se observa que, si excluimos a Suiza, Noruega e Islandia, paises del EEE pero no de la UE, en el perfodo 1990-2003 practicamente no ha convergencia (o en todo caso esta es muy debil). Destaca asi mismo el incremento de divergencia en gasto social que se produce en la primera mitad de la decada de los 90, que se explicarfa por la distinta intensidad y forma de enfrentarse de los paises a la crisis de principios de la decada de !os 90. Cuando se amplia un poco mas el horizonte temporal, lo que se puede hacer acudiendo a la base de datos de la OCDF, se observa una ligera convergencia en la decada de los ochenta a lo largo de la cual se produce una caida en un 20 % de la desviacion estandar. Por tdtimo, cuando el analisis se realiza en terminos de gasto social per capita (grafico 6) el resultado es existencia de cierta, aunque debil, divergencia o con respecto al valor medio de la UE, que en 2003 se situaba entorno a !os 5800 â&#x201A;Ź per capita. Como era esperable, la consideracion de los pafses de la ampliacion aumenta la dispersion en terminos de gasto social per capita, pero incluso cuando restringimos la muestra a la UE(15) la tendencia es al crecimiento de la dispersion y no lo contrario.
7
Fuente: OECD(2004), Social Expenditure database 1980-2001 (www.oecd.org/els/social/ expenditure).
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Grafico 5 - Convergencia en gasto social (gasto social/PIE %) en la UE, 1990-2003 5,1 4,9 '0
;:,
1" :s"'
";,.~ ~
c::
4,7 4,5
4,.1 4.1 ----+--des viacion tipica EU (15)
3,9
dcsviacic\n tipica EEE
3,7
--i:t-desviaci6n lipica UE(l8)
+ EEE
3.5 1990
1991
1992
199:>
1994
1995
1996
1997
199H
1999
20<X>
20lll
2002
2003
Fuente: Eurostat y elaboraci6n propia.
Grafico 6 - Convergencia en gasto social per capita, UE (1990-2003) 路HlOO
dcsviaci6n tfpica EEE
----+-- dcsviaci<in tipica EU ( 15) :1500
--i:t-dcsviaci<in tfpica UE(IS)
+ EEE
~
路c.
B
"
c..
3000
t/',
"" G-
',F,
"
2500
"'
1:: w
2000
1500
L--~-~----~----~----~--------------_j
1990
199 I
1992
I 9'13
1994
1995
I 996
1997
199S
1999
2000
20tll
2001
2003
Fuente: Eurostat y elaboraci6n propia.
For lo tanto, se puede concluir que durante la ultima decada las diferencias existentes en politica social en el conjunto de los Estados miembros de la UE no han mostrado una tendencia significativa a su reducci6n. Ello no quiere decir necesariamente que la vieja idea de que la convergencia econ6mica promovida por la integraci6n acabaria por conducir a una convergencia en los modelos de protecci6n social sea err6nea, pero cuanto menos indica que ese
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proceso esta siendo mas largo de lo que se esperaba, entre otras cosas por el freno que se ha producido en el proceso de convergencia economica o en FIB per capita 8 . For lo tanto, y a la luz de lo discutido mas arriba, se puede defender que no existe un modelo social europeo, entendido como una serie de directrices generales de organizacion de la proteccion social vigentes en todos Ios paises de la UE que clan lugar a comportamientos similares de Ios estados miembros en lo que se refiere a esfuerzo de proteccion social. Como veremos mas adelante, existe toda una literatura que intenta diferenciar distintos modelos de proteccion social en Europa atendiendo precisamente a !as caracteristicas distintas de Ios mismos, una actividad que seria ociosa si realmente hubiera un modelo social europeo. Es mas, ello no se puede achacar a la incapacidad de la UE de ponerlo en marcha, ya que han sido Ios paises miembros Ios que han mostrado mucho cuidado durante el proceso de construccion europea en dejar la politica social a! margen del mismo, a! menos en sus aspectos fundamentales 9 â&#x20AC;˘ Es por ello que hablar de "modelo europeo" solo tenga sentido como una metafora a la hora de comparar el capitalismo de ambos lados del Atlantico: por un !ado la vision de la "vieja Europa", donde se considera importante contar con mecanismos de proteccion del individuo ÂŁrente a Ios imponderables del mercado (desemplco, pobreza) y de la propia existencia (vejez, enfermedades), por otro, la vision de Estados Unidos, donde el papel asegurador del estado seria mucho menor, y donde el peso de la proteccion ÂŁrente a !as contingencias antes referidas recaeria en mucha mayor medida sobre el individuo. En este sentido, a! final, el debate no es tanto sobre la oportunidad o no de la politica social, sino sobre cual es el ambito mas adecuado para su desarrollo: el pliblico en el caso europeo (y aqui si cabe la generalizacion) y el privado en el caso de EE.UU. Este ultimo elemento es importante porque a menudo escapa de la vision de Ios analistas: lo que diferencia Ios modelos de proteccion social a ambos lados del Atlantico no es tanto Ios recursos dedicados a su cobertura (que tambien), sino la importancia relativa de Ios ambitos pt:1blicos y privados. A modo de ejemplo, en el cuadro 2 se reproduce el gasto total en salud de EE.UU., Espai1a y Suecia; como se puede apreciar, en EE.UU., con un sistema sanitario basado en la cobertura privada donde solo aquellos muy pobres (Medicaid) o mayores
" Mientras que entre 1960 y 1973 la tasa de reducci6n de la dispersion del PIB per capita en el n1Icleo de la UE(S) era de 3,9 % anual, y en la UE(15) del 3 %, en cl periodo de 1973 a 1998 se redujo a! 2% en el primer caso y a! 0,2 % en el segundo, Secretariado de la United Nations Commission for Europe (2000). 9 No es este el lugar para tratar con detalle el proceso de construcci6n de la Europa social, el lector interesado puede consultar el capitulo 10 de Mui\Joz DE BusTILLO y BONETE (2002), donde se hace un repaso de la historia y contenido de la politica social comunitaria.
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de 65 anos (Medicare) tienen acceso al sistema publico de salud, el gasto total es muy elevado, pero la parte financiada ptiblicamente es mucho menor (en terminos relativos) que en Espana o en Suecia, en el otro extremo.
Cuadro 2- Volumen y financiaci6n del gasto en salud Rstados Unidos Espana Suecia
....
Gasto en salud/PJB '!C 15,2 7,7 9,4
..
% Gasto publico 44,6 71,3 85,2
% Gasto privado . 5~,4 28,7 14,8
Fuente: World Health Report 2006, p. 180-182.
Esta contraposicion entre Ios modos de organizar la proteccion social en EE.UU. y la Union Europea (con todas sus diferencias) subyace a otro de los gran des debates de politica economica de nuestro tiempo, quizas el "gran debate" si consideramos que el debate sobre las virtudes y defectos de los sistemas de planificacion y el sistema de mercado esta periclitado debido a la virtual desaparicion del primero como modo de organizacion social. Nos referimos a la compatibilidad entre el Estado de Bienestar y las virtudes de eficiencia productiva y asignativa de la economfa de mercado, en otras palabras, la compatibilidad entre el crecimiento economico y la distribucion de riesgos e ingresos que subyace a las actuaciones del Estado de Bienestar. Esta es una preocupacion a la que no es ajena la Comision Europea, que siempre ha actuado como defensora del "modelo social europeo" como uno de Ios elementos identitarios de la Union Europea. En Ios terminos elegidos por la Comision al presentar la Agenda de polftica social 2000-2005: "En el futuro, la modernizacion del modelo social europeo, mediante la inversion en !as personas y de la construccion de un Estado de bienestar activo, sera crucial para mantener los valores sociales europeos de solidaridad y justicia mejorando al mismo tiempo Ios resultados economicos". La que probablemente sea una de !as declaraciones mas importantes y ambiciosas del Consejo Europeo, la Declaracion de Lisboa de 2000, en vuelve a hacer referenda a la conexion existente entre ambas areas, la proteccion social y el crecimiento economico, al plan-tearse como "objetivo estrategico" el "convertirse en la economfa basada en el conocimiento mas competitiva y dinamica del mundo, capaz de crecer economicamente de manera sostenible con mas y mejores empleos y con mayor cohesion social". Aunque Ios orfgenes mas remotos del debate sobre la compatibilidad de las actuaciones del Estado de Bienestar con el mantenimiento de Ios incentivos necesarios para que una economfa de mercado crezca de forma continua se situan en la decada de Ios 70, sino antes, el factor que ha colocado de nuevo esta polemica en el centro de todos Ios proyectos de reforma del Estado de Bienestar ha sido el estancamiento sufrido por la economfa europea en la decada
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de !os 90 coincidiendo con un espectacular aumento de la productividad y el empleo en !os Estados Unidos, fen6menos que han llevado a plantearse en algunos ambitos si el precio que estaban pagando !os estados europeos de bienestar en terminos de reducci6n del crecimiento econ6mico no seria demasiado alto.
3. Los retos de la politica social en Europa El Estado de Bienestar es una instituci6n que ha demostrado su fortaleza y viabilidad a lo largo de mas de media centuria de vida, en un contexto econ6mico y polftico cambiante. Sin embargo, en la actualidad la intensidad de algunas de las transformaciones experimentadas por la economia mundial plantea retos significativos y en algunos casos desconocidos y novedosos. Las ultimas paginas de este capitulo tienen como finalidad repasar algunos de los retos mas importantes a !os que se enfrentan !os Estados de Bienestar en Europa en esta primera decada del siglo XXI y por ende la politica social comunitaria. El primero de estos retos ya es antiguo y tienen que ver con la alteraci6n de !os incentivos de Ios individuos a participar en el mercado derivado de la existencia de prestaciones sociales e impuestos para financiarlas. Me refiero al viejo problema de la existencia de una relaci6n de sustituci6n entre eficiencia y la equidad. Esta cuesti6n, que es endemica al debate sobre la compatibilidad entre Estado de Bienestar y Mercado (Mm1oz de Bustillo, 2000), aparece ahora con renovada fuerza asociada a la cuesti6n de la euroesclerosis analizada mas arriba y al problema del desempleo. Un ejemplo de ello lo encontramos en el reciente trabajo Globalization and the Refonns of the European Social Models 10 del economista belga y antiguo asesor del Presidente de la Comisi6n Europea, Andre Salir, discutido en la reunion informal del 9 de septiembre de 2005 del Ecofin celebrada en Manchester. En este documento, partiendo de la existencia de distintos modelos de Estado de Bienestar en el marco de la UE, Sapir defiende que tales modelos se pueden diferenciar en funci6n de su impacto en terminos de reducci6n de !as desigualdades sociales (equidad) y su efecto sobre la eficiencia del funcionamiento de la de la siguiente manera: Eflciencia
Baja Equidad
A Ita Baja
A Ita
Modelo Continental Modelo Mediterr::ineo
11 '
SAPm, Andre, "'-Globalization and the Reform of European Social Models", Journal of Common Market Studies, Vol. 44, Issue 2, pp. 369-390, June 2006 Available at SSRN: http:// ssrn.com/abstract=902989 or DO I: 10.1111/j. 1468-5965.2006.00627.x
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De acuerdo con este esquema en la UE convivirian cuatro modelos distintos de Estado de Bienestar: el escandinavo, caracterizado por alcanzar, como hemos visto, buenos resultados tanto en tt'§rminos de eficiencia como en terminos de bienestar, el Mediterrimeo que fracasarfa en ambos frentes y Ios modelos anglosaj6n y continental en donde la existencia de una sustituci6n entre eficiencia y equidad se manifestarfa a favor de la equidad en el ultimo y a favor de la eficiencia en el primero. Las conclusiones de este planteamiento son claras: (1) el EB es compatible con buenos resultados en terminos de equidad y eficiencia, pero nada garantiza que en la practica tal combinaci6n se alcance, (2) necesidad de reformar Ios EB para acercarlos en la medida de lo posible a situaciones en !as que !as ganancias en eficiencia o equidad se hagan sin perdida en la otra variable del modelo. Este planteamiento, aunque no exento de atractivo, tiene, a! menos, dos debilidades. La primera tiene que ver con la tipologfa de EB utilizada. Desde el seminal trabajo de Espin Andersen (1993), es comLm la uti lizaci6n de una u otra tipologfa para ordenar el complejo mundo de la praxis de la politica social. Sin embargo, numerosa literatura reciente sobre la cuesti6n nos alerta de que estas tipologfas que ordenan el caos de la realidad han de ser utilizadas con la maxima cautela, ya que a menudo Ios pafses que comparten un mismo modelo tienen tantas diferencias entre sf como las que puedan tener con respecto a otros parses ubicados en modelos distintosll. En palabras de Scruggs y Allan (2006): "Ios estados de bienestar en la realidad son muy distintos de Ios modelos puros y a menudo son casos hibridos; la cuesti6n de la tipologia de estados ideales de bienestar no se puede resolver de forma satisfactoria dada la ausencia de modelos te6ricos fm¡males y Ios resultados todavia no concluyentes del analisis comparativo" 12 â&#x20AC;˘ Ello no nos debe llevar a abandonar el uso de estas tipologias, pero si obliga a hacerlo con las maximas cautelas. La segunda cuesti6n tiene que ver con la forma concreta en la que hacer operativa la cuesti6n de la eficiencia y la equidad. Empezando por esta Llltima, aunque existen numerosas formas de entender la equidad y la justicia econ6mica13, si identificamos esta con la desigualdad en la distribuci6n de la renta, basta con acudir a cualquiera de Ios indicadores de distribuci6n disponibles
C. BA~IBRA (2006) "Research Note: "Decommodification and the worlds of welfare revisited" Journal of European Social Policy, February 1, 2006; 16(1): 73-80, o MANUELA ARCANJO (2006) Ideal (and Real) Types of Welfare State, Working Papers, Department of Economics, Institute for Economics and Business Administration (ISEG), Technical University of Lisbon. 12 L. ScRuccs and J. ALLAN (2006) "Welfare-state decommodification in 18 OECD countries: a replication and revision" Journal of European Social Policy, February 1, 2006; 16(1): 55- 72. 13 Vease ambos conceptos en ESTEVE Y Mui\Joz DE BusTILLO (2005). 11
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para acercarnos de forma sintetica a! comportamiento de un modelo en terminos de equidad. La medicion de la eficiencia sin embargo es mucho mas compleja. Sapir resuelve el problema asociando eficiencia con un bajo nivel de desempleo, lo que desde mi punto de vista es simplificar excesivamente la cuestion, ya que, a lo sumo, la tasa de desempleo puede ser un indicador de la eficiencia de funcionamiento del mercado de trabajo (y ni siquiera eso es seguro si tenemos en cuenta, por ejemplo, que en !os antiguos paises del Este de Europa antes de la transicion !as tasas de desempleo eran muy bajas, Lsignificaba ello que sus economias eran eficientes?). Mas aun, se podria argumentar que solo cuando una economia alcanza determinado nivel de eficiencia se puede permitir tener activos desempleados. Una alternativa imperfecta, pero atm asi mas proxima a lo que se entiende por eficiencia productiva seria el PIB per capita y su tasa de crecimiento. Esto es, la capacidad de producir bienes y servicios por habitante, que se puede expresar coma: (2) PIB pc= PIB/P = PIB/h x h/L x L/P donde P es la poblacion totat h son !as horas totales trabajadas y L la poblacion ocupada. 0 lo que es igual: (3) PIB p.c. = rri . j . e, donde rri es la productividad por hora, j la jornada media de trabajo anual y e la tasa de empleo definida coma ocupados sabre poblacion total. Por su parte e se puede expresar coma: (4) e = E/P = E/L x L/L1s-6s x Lis6s/L = (1-u). a. a*
donde E/L es tasa de ocupacion definida coma poblacion ocupada con respecto a poblacion activa, y por o tanto coincide con 1 - la tasa de desempleo (u), L/L 1s- 65 es la poblacion activa con respecto a la poblacion potencialmente activa, a, (entre 15 y 65 anos) 14 y L 15 _65 /L es una variable exclusivamente demografica que recoge el peso de la poblacion potencialmente activa en la poblacion totat d. Por lo tanto, el PIB p.c. se podra expresar coma: (5) PIB p.c.=
rri.
j . (1-u). a. d,
Lo que significa que la produccion per capita dependera de lo productivo que sean Ios trabajadores cuando trabajan (+t de la duracion de la jornada !aboral (+), de la tasa de desempleo (-), de cuantos trabajadores potencialmente activos quieran trabajar (+) y del peso de Ios trabajadores potencialmente activos en la poblacion total. ---1 "
50
16 aiios en el caso de Espm1a.
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Pues bien, cuando se analiza la eficiencia de algunos de los estados presuntamente ineficientes bajo esta 6ptica (cuadro 3), se observa que las diferencias fundamentales en PIB per capita entre estos paises y EE.UU. estan no en la productividad por hora sino en la jornada !aboral anual y la tasa de empleo. Asi, por ejemplo, tanto Francia como Alemania, dos paises con Estados de Bienestar ineficientes en el esquema de Sapir, tenian en 2002 productividades por hora trabajada superior a la de EE.UU., de forma que es la diferencia en jornada !aboral en primer lugar, y en tasa de ocupacion en segundo y a mucha distancia, la que explicaria la mayor parte de la diferencia final en terminos de PIB per capita en favor de EE.UU: en 2002 la jornada anual media efectiva de trabajo en EE.UU era de 1830 horas, mientras que en Francia era de 1437 yen Alemania de 1438.
Cuadro 3 - Descomposici6n de las diferencias en PIB per capita con respecto a EE.UU. de los paises de la UE(lS), Noruega, Suiza y Jap6n (2002) FIB por
hora (EE.UU. = 100) 11:·
Luxembunm Norue!Sa Belgica Irlanda Francia Pabes Bajos Alemania Dinaman:a Austria lla1ia Finlandia Suecia Suiza Reino Unido Espa1'\a Grecia Poi1Luwl Jap6n
125,4 121.2 110.8 10Y.~
-···-
107.1 [06.3 104.7 101.0 100.7 98.5 90.4 K8.9 87.2 86.2 73.8 61.8 54.1 75.8
Efecto de la jornada anual j -2 I ,0 -34,3 -17,2 -11,7 -22,1 -31,1 -24,0 -19.8 -19,0 -13,4 -13,0 -13,8 -15,5 -10,2 -2,6 1,9 -4,6 -4.0
PIB por Efecto de Efecto de persona la tasa de la tasa de ocupada ocupaci6n actividad (EE.UU. 0-u) a = 100) ' 33,5 0,4 ' 104,5 6,1 0,6 'i 869,9 I 93,6 -4,1 -12.3 ' 97,7 0,3 -7,5 85,0 -4,9 -5.2 75,2 0,7 3,1 80,8 -4,0 I -2,6 1 -0,3 81,2 4,7 ----i 81,7 -4,2 85,1 -8.1 ! 77,4 -4.5 I 0.9 I I -0,5 4,2_ 7~_,_1_ __ ! 71,7 11,4 Ul I 7(1, 1 -0,6 -1,1 I -5,9 -6,6 71,2 63,7 -3,2 -I! ,3 ··--···--··---, 49,6 0,1 1,9 1 I I -1,0 71 8 36 ··~
Efecto demografico d
1,1 -2,1 -1,3
1.5 -I ,8
1,3 0,7 -0,3 1,6 0,9 0,3 -2,3
1.2 -0,9
1,5 0.4 0,8 07
.
PIB pc (EE.UU. = 100)
139,5 91,4 75,9 92,1 73,1 80.4 ------------74,9 85,5 78,7 73,6 74,1 7o,5 86,1 73,5 60,2 --·-- · - 49.6 ·--52,4 75 l
Fonte: McGuckin y van Ark (2005), p. 10.
Coma conclusion, no parece que se le pueda achacar a los EB continentales un impacto negativa sabre la eficiencia en terminos globales, aunque si pueda tenerlo en mercados concretas. Por otra parte, si en Europa hay una preferencia mayor hacia el ocio, y esta se manifiesta en una menar jornada de trabaja, dificilmente se puede interpretar tal resultada en terminas negativos. Siempre habra alguien que explique tal opcion camo resultado de los elevados impuestos que hay que pagar en las paises con un Estada de Bienestar desarra-
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Rafael Muf\oz de Bustillo Llorente
llado, que desincentivan el trabajo (aunque muy frecuentemente las jornadas mas largas esten asociadas a rentas mas elevadas, en contra de lo que deberia ocurrir si este fuera el caso ), si bien ello no anula la explicaci6n alternativa de una mayor preferencia por el ocio. Otra cuesti6n distinta es la tasa de participaci6n, aunque como se puede ver en el grafico 7, de una primera vision no parece existir ninguna relaci6n clara entre la tasa de actividad y el peso del gasto social con respecto al PIB. Es mas, algunos de Ios paises con mayor tasa de actividad coinciden con paises, coma Ios escandinavos, con un gran desarrollo del Estado de Bienestar, que puede actuar coma incentivo al empleo (en la medida que el empleo es tambien puerta de acceso a muchas prestaciones sociales) y a la vez facilitar la incorporaci6n de la mujer al mercado de trabajo mediante una buena oferta de infraestructuras publicas para el cuidado de personas dependientes (nifios y ancianos).
Grafico 7- Tasa de actividad y gasto social publico como % del PIB (2003) 35,0 • Suecia
Dinarnarca 30.0
Bclgic1t
(!)
e::
. Austria Alemanta+ jafses Bajos
It alia
\:,~
Finland~+
ofcia
25,0
•
8
• Dinamarca
\
+
... Slllza
• Nonrcga Rei no Unido
*- lslaiidia
Pprfl!o'l!
Ltlxcr~iurgc>
+ Hungria + Polonia + Espaila + R. Chcca
s; § 20,0
"
• E s Iovaqtna
()
Atlqrali~
• + +Jap6n lrlanda
15.0
Nucva Zclanda • Canada
+
EE.UU.
10,0 40
45
50
55
65
60
70
75
80
85
Tasa de actividad (%)
Fuente: OECD Labour Statistics Database y Eurostat
El segundo de Ios retos es la tan temida y omnipresente globalizaci6n. Existe una literatura tan ingente sobre la globalizaci6n y sus efectos que no se puede pretender hacer justicia a tema tan enjundioso en unas pocas paginas, por lo que nos conformaremos con sefialar algunas de !as vias por las que la creciente globalizaci6n puede ejercer presi6n sobre Ios Estados de Bienestar modernos 15 • 15
52
Para mas detalles vease Mui\ioz
DE
BUSTJLLO (2000) y RoDRIK (1997).
Lusfada.
lnterven~ao
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0 estado providencia e modelo social europeu no seculo XXI. Que possibilidades?, p. 35-62
Quiza la optica mas efectiva de tratar este tema sea pensando en Ios Estados de Bienestar como maquinarias institucionales que, de diferentes formas, generan una distribucion del producto social distinta de la que se derivaria del funcionamiento del mercado: el juego combinado de impuestos, transferencias y prestaciones de servicios en especie genera transferencias a veces espaciales, otras veces entre generaciones, a veces entre clases sociales, otras a lo largo del ciclo vital del individuo. Pues bien, el funcionamiento de este complejo sistema de redistribucion del producto depende de la capacidad que tengan Ios agentes economicos contribuyentes netos de resistirse al mismo. En este contexto, la globalizacion supone un aumento de !as vias de escape, lo que altera el poder relativo de trabajadores, empresas y sector publico a favor de aquellos factores mas moviles (capital) yen contra de aquellos otros con mayores costes de movilidad. Ello, por si solo no tiene que suponer el fin del Estado de Bienestar y el vaciamiento de poder del Estado, como ha menudo se defiende 16, pero si genera una nueva situacion a la que Ios Estados de Bienestar han reaccionado con cambios de distinto orden que van desde una politica de acceso a prestaciones sociales mas exigente con la finalidad de controlar unos costes que en un mundo abierto tienen implicaciones mayores en tE~rminos de perdida de competitividad, a cambiar el sistema impositivo a favor de impuestos indirectos, con menor capacidad redistributiva y la reduccion de Ios impuestos sobre el capital, el factor mas movil. En este campo es indudable que la UE podria haber avanzado mas en la puesta en marcha de medidas que evitaran las dinamicas de competencia fiscal (a la baja) entre los Estados miembros con la finalidad de atraer o conservar inversiones. En todo caso, cuando se analiza el efecto - via aumento de Ios costes laborales - de las prestaciones sociales (recordemos que en el conjunto de la UE las empresas financian, mediante cotizaciones sociales de uno u otro tipo el 39 % de las prestaciones sociales) a menudo se comete el error de mirar solamente el efecto que estas tienen sobre Ios costes laborales, pensando que su reduccion y eliminacion equivale directamente a una reduccion de estos. Sin embargo, en la medida en que tales costes van dirigidos a financiar fundamentalmente las pensiones y las prestaciones medicas, es razonable pensar que en todo caso, con o sin Estado de Bienestar, Ios trabajadores van a tener que hacer frente a tales gastos, por lo que la unica diferencia sera que ahora estos pasaran a denominarse de otra manera, Ios famosos "benefits" del mundo estadounidense, o simplemente salarios, recayendo ahora en Ios trabajadores la responsabilidad de administrarlos de forma que se protejan ante ambas contingencias: enfermedad y vejez. Por poner un ejemplo, el coste para General Motors de la contribucion al seguro medico de sus trabajadores de supone unos 1.500 $ por coche produ-
1 "
L.
WEISS
Lusfada.
Para una vision critica de esta moderna leyenda urbana del Estado sin poder vease (1998): The Myth of the Powerless State. Cornell University Press.
Interven~ao
Social, Lisboa, n." 35/2009
53
Rafael Mm1oz de Bustillo Llorente
cido, de forma que no es extrafio que las grandes corporaciones se hayan convertido en defensores de la instauracion de una sanidad universal publica en EE.UUY. En la misma linea, en su articulo de opinion en el New York Times (7/ 25/05) Toyota, moving Northward (Toyota se muda a! norte), Krugman comenta la decision de Toyota en el 2005 de construir una nueva planta para la produccion del Rav4 en Ontario, frente a localizaciones alternativas en Ios estados del sur de Ios EE.UU. con ventajas impositivas; la razon: la baja formacion de la mano de obra disponible junto con la existencia de unos elevados costes de seguro medico a Ios que no tiene que hacer ÂŁrente directamente en Canada. La Globalizacion, con su secuela de deslocalizacion productiva, tambien aumenta el poder de !as empresas a la hora de negociar convenios colectivos con sus trabajadores, algo que no afecta directamente a! Estado de Bienestar, pero si a! bienestar de Ios trabajadores, ya que muy frecuentemente !as ganancias de competitividad suponen una perdida de bienestar para Ios trabajadores bien en terminos de esfuerzo en el puesto de trabajo bien en terminos de deterioro de sus condiciones de trabajo. Recientemente el semanario Business Week, se hacia eco de que BMW habfa "evitado" el traslado de parte de su produccion fuera de Alemania mediante la firma de un nuevo convenio que le permitira, mediante la reorganizacion del trabajo, aumentar su capacidad productiva en un 40 o;,, sin tener que pagar horas extraordinarias, ademas muchos puestos de trabajo no tendran derechos a pluses salariales por trabajar Ios sabados, todo lo cualle permitira ahorrar hasta un 20 % de la nomina de la plantilla 18 â&#x20AC;˘ Un tercer factor de conexion globalizacion-Estado de Bienestar es la creciente presion migratoria a la que se enfrentan los pafses de la UE. Aunque, de nuevo, las caracterfsticas de Ios pafses de la UE son muy distintas en lo que a este factor se refiere: los hay emisores (Polonia o Letonia, por ejemplo) y receptores, y dentro de estos, pafses con una experiencia continuada en la acogida de trabajadores extranjeros como Alemania, Francia o el Reino Unido, y otros como Irlanda o Espafia pafses otrora emisores de emigrantes y ahora receptores, en todos las casos la existencia de un flujo importante y mantenido en el tiempo de inmigracion puede afectar al Estado de Bienestar por distintas vfas. El primer lugar, es posible que, debido a sus caracterfsticas socioeconomicas Ios inmigrantes tengan una tasa de acceso a determinadas prestaciones sociales mas elevada que el resto de la poblacion. En segundo luga1~ e independientemente de lo anterior, si - como ocurre en nuestro pafs - el incremento de poblacion inmigrante es muy intenso en muy poco tiempo, aumentara tambien la poblacion protegida, lo que exigira de un aumento de gasto que no siempre se materializara en un contexto de preocupacion por el deficit publico y aver-
17
PAUL KRuCMAN:
"Ailing Health Care", The New York Times (4/11/2005). "BMW Keeps the Home Fires Burning", Business Week, May 30, 2005.
w GAIL Eoc,IoNDSON:
54
Lusiada.
Interven~ao
Social, Lisboa, n." 35/2009
0 estado providencia e modelo social europeu no seculo XXI. Que possibilidades?, p. 35-62
sion al aumento de impuestos, lo cual puede generar un deterioro de la calidad de Ios servicios prestados. En tercer lugar, se crean nuevas necesidades de actuacion publica dirigidas a garantizar la integracion de la poblacion inmigrante, algo de lo que puede depender el exito 0 fracaso futuro de una sociedad en donde la diversidad etnico-cultural es la tonica. Por ultimo, la presencia de poblacion inmigrante puede generar mayores problemas de integracion en el mercado de trabajo de aquellos colectivos de trabajadores que tengan competencias similares a Ios inmigrantes (normalmente, pero no solo, trabajadores poco cualificados y con bajos niveles de educacion), lo que supondra un aumento potencial del grupo de ciudadanos en riesgo de exclusion. Todo ello puede afectar al Estado de Bienestar, y a su respaldo social, mas alla de cual sea el saldo en terminos de uso de programas publicos y contribucion a los ingresos publicos del colectivo de emigrante, un saldo que boy por boy y dada la composicion de edad de la poblacion emigrante, en nuestro pais parece ser favorable a las areas del Estado. El ultimo de los retos a Ios que se enfrenta el Estado de Bienestar que vamos a tratar en estas paginas es de una naturaleza distinta y responde al proceso de envejecimiento demografico derivado del aumento de la esperanza de vida de las personas en un contexto de reduccion de la natalidad. Mientras que a principios del siglo XX la esperanza de vida a! nacer en los paises de la OCDE se situaba en los 34,5 ml.os, y la mitad de los nacidos no llegaba a los 50, un siglo mas tarde esta alcanza Ios 78 ml.os. Este comportamiento, que comparte Espa1l.a con el resto de ]os paises de su entorno, es novedoso no tanto por que no haya habido en la historia de la humanidad personas tan longevas, sino por que nunca tanta gente habia vivido tantos ml.os. La novedad, por lo tanto, esta en la democratizacion de la vejez, o en el advenimiento de lo que Perez Diaz (2003) denomina la madurez de masas. Ello significa que cada vez mas gente alcanza una edad madura: de Ios hombres nacidos entre 1956 y 1960 en Espana el 89% alcanzara la edad de 50 a1l.os (el 93% en el caso de ]as mujeres), y la esperanza de vida a esa edad sera de casi 33 anos en el caso de ]os hombres y 38 en el de las mujeres 19 â&#x20AC;˘ Paralelamente se ha producido una reduccion muy significativa en la tasa de fertilidad, de forma que a comienzos del siglo Espafia se situaba en el grupo de paises con menor tasa global de fertilidad (numero de nacimientos por cada mil mujeres entre 15 y 49 anos): en 1975 esta tasa era de 79,2, mientras que en 1998 era de 35,6. Desde entonces ha habido un ligero aumento, hasta rozar 42 en 2005, explicado sobretodo por el fuerte aumento de la poblacion inmigrante acontecido desde 2002 20 â&#x20AC;˘ 19
CAJJEE I PLA (1999), reproducido en
PEREZ DfAZ (2003), p. 145. INE, Indicadores demografico basicos. Tasa global de fecundidad, por 1000 mujeres. Total nacional. 20
Lusfada. Interven-;ao Social, Lisboa, n. 0 35/2009
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Rafael Mufioz de Bustillo Llorente
Coma se puede apreciar en el cuadro 4, que reproduce las estimaciones de la tasa de dependencia demografica (poblaci6n 65 y + I poblaci6n 15-64) de los paises de la UE(25) para el periodo 2005-2050, en todos los paises, aunque con distinta intensidad, los factores antes aludidos daran lugar a un aumento del peso de la poblaci6n de mas de 64 aftos con respecto a la poblaci6n potencialCuadro 4 - Tasa de dependencia demografica (poblaci6n 65 y +/poblaci6n 15-64) UE(25) y paises candidatos (*estimaciones) (%)
EU (25)
1995
2005*
2015*
2025*
2035*
2045*
2050*
22.1
24,9
28,9
35,7
44,8
51,0
52,8
EU (15)
23.0
25,9
30,1
36,3
46,3
52,0
53,2
A1cmania
22,5
27,8
32.0
39,3
52,6
54,9
55,8
Austria
22.5
23,6
28,1
34,5
47,1
51,5
53.2
BCJoka
23,8
26,3
29,1
36,5
45,1
47,8
48,1
Chip re
17,2
17,7
22,1
29,3
34,7
38,2
43,2
Dinamarca
22,7
22,6
28,7
33,8
40,4
42,0
40,0
Eslovaquia
16,3
16,3
19,1
28,1
34,2
44,5
50,6
Eslovcnia
17,4
21,7
25,9
35,8
44,5
52,1
55,6
Espana
22.3
24.5
27.7
33.6
45,9
63.2
67.5
Estonia
20,2
24,1
26,3
31,3
34,5
39,1
43.1
Finlandia
21,1
23,7
31.6
41.4
47,0
46,1
46,7
Fmncia
23.0
25,3
29,5
36,9
44,1
47,2
47,9
Grecia
22,2
26,8
30.3
35,5
44.3
55.2
58,8
Hungrfa
20,9
22,8
26,7
34,5
36,9
45,9
48,3
Irlanda
17,8
16,5
19,9
25,2
31,6
40,9
45,3
--路路
Italia
24,0
29,4
34,3
39,7
52,4
64,6
66.0
Lctonia
20,5
24,1
26,3
30,7
34,9
39,9
44.1
Lituania
18,5
2:?_2_ 1---路24,2
29,2
36,5
Lu)(emburgo
20,6
21,2
22,8
27.7
35,1
41,]_ 1---- 44,9 . 36,6 36,1
Malta
16,3
19,2
25,7
33,8
35,5
38,0
Pafscs Bajos
19,3
20,7
26,0
32,5
40,3
40,2
38,6
.f.(llonia
16,6
18,7
21.7
32.8
37,1
44,3
51,0
Portugal
21.9
25.2
28.8
34,7
43.4
54.7
58.1
40,6
R. Checa
19,3
19,8
26,8
35.0
39,0
51,2
54,8
Rcino Unido
24,3
24,4
28,1
33,2
41,4
44,2
45,3
Suecia
27,4
26,4
32,0
36,5
40.6
41,2
40,9
Bulgaria
22.2
24,9
29,0
36,9
43,7
55,4
60,9
Rumania
17,6
21,1
22.1
28,5
34,4
46.1
51.1
..
Fuente: Eurostat.
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Lusiada.
Interven~ao
Social, Lisboa, n." 35/2009
0 estado providencia e modelo social em路opeu no seculo XXI. Que possibilidades?, p. 35-62
mente activa: en un extremo, Espana y Portugal aparecen en el ail.o 2050 como Ios paises con una mayor tasa de dependencia demografica alcanzando el 67 % en el caso de nuestro pais, en el extremo inferior se situarian Ios Paises Bajos y Luxemburgo, donde este indice no alcanzaria el 40 %. Este aumento de la tasa de dependencia demografica tiene Ios siguientes efectos sob re Ios sistemas de protecci6n social: (1) en la medida en que las personas de mayor edad son las que hacen un uso mas intenso de Ios sistemas de salud, es posible que aumente el caste del mismo, (2) aparici6n de nuevas necesidades de asistencia social asociadas al aumento de personas dependientes (personas de edad con limitaciones a la hora de atender sus necesidades cotidianas), este fen6meno se vera potenciado por la progresiva reducci6n del recurso a la ayuda familiar derivada de Ios nuevos modos de vida (mantenimiento de residencia independiente por parte de las personas mayores y aumento de la tasa de actividad femenina, la poblaci6n normalmente encargada de proporcionar tales cuidados), (3) aumento del gasto en pensiones, que en la actualidad (2003) supone (pensiones de vejez y supervivencia) el 46 % del gasto social en la UE - el 44 % en Espana - lo que equivale al 12,4 y 8,5 a~c, del PIB respectivamente. De estas tres cuestiones, la tercera es la que ha recibido mayor atenci6n por sus implicaciones financieras y en terminos de diseno de Ios sistemas de pensiones. Basicamente, y alimentado por la publicaci6n de un informe por parte del Banco Mundial en 1994 21 , se ha considerado que Ios sistemas de pensiones basados en el principio de reparto (Pay as you go o sistemas PAYG en terminologia inglesa), mediante Ios cuales !as cotizaciones a la Seguridad Social de Ios trabajadores en activo financian directamente !as pensiones de Ios trabajadores jubilados, era especialmente vulnerable a este proceso de aumento de la tasa de dependencia demografica, ya que ello suponia que un numero cada vez menor (a! menos en terminos relativos) de trabajadores tendrian que financiar !as pensiones de un numero creciente de pensionistas. En este contexto se proponia bien cambiar radicalmente el sistema de pensiones, pasando a un sistema de capitalizaci6n mediante el cual cada trabajador aportara a una cuenta individual el equivalente a sus cotizaciones actuales y financiara su pension (de forma actuarial) con los fondos acumulados - y los intereses devengados por estos una vez alcanzada la edad de jubilaci6n, o bien mantener el sistema de reparto actual pero complementandolo con otros dos, uno basado en la capitalizaci6n de naturaleza obligatoria, y otro, tambien de capitalizaci6n, de naturaleza voluntaria, aunque incentivado fiscalmente. Un ejemplo paradigmatico de este tipo de razonamiento lo encontramos en las declaraciones de Juergen B.
21
Vease World Bank (1994).
Lusfada. Interven<;ao Social, Lisboa, n. 0 35/2009
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Rafael Mui'\oz de Bustillo Llorente
Donges director del Instituto de Politica Economica de la Universidad de Colonia y hasta 2002 presidente del Consejo Aleman de Expertos Economicos: "En el sistema de pensiones tambh~n hay que hacer reformas. El cambio demografico no permite una financiaci6n basada en el reparto porque cada vez hay menos cotizantes. Los j6venes actuales financian la jubilacic'm de sus padres, pero cuando ellos sean mayorcs no habra j6venes que financien la suya. Hay que avanzar hacia sistemas de capitalizaci6n. Que la gente joven empiece a crearse su propio plan de pensiones para independizarse de la evoluci6n demogrMica. Una forma de ahorro, que organice el Estado, pero este individualizado" (El Pais 28/11/ 2005).
Este planteamiento, que como hemos visto supone cambiar la naturaleza del componente cuantitativamente mas importante del Estado de Bienestar y responsable de la desaparicion de una de !as causas mas importantes de la pobreza: la ausencia de recursos en la tercera edad, encierra, sin embargo, un importante (e inexcusable) error de interpretacion ya que independientemente de que el sistema sea de reparto (como el actual sistema de Seguridad Social) o de capitalizacion (Ios sistemas privados de pensiones donde la pension de cada uno depende del ahorro realizado y de su rentabilidad), Ios futuros jubilados dependeran de la futura poblacion activa para obtener sus bienes y servicios. Algo que necesariamente tiene que ser asi, ya que son Ios activos Ios que generan con su trabajo tales bienes y servicios. Por ser rigurosos, hay un sistema que permite a Ios futuros jubilados independizarse de la evolucion demografica: almacenar bienes en grandes contenedores y consumirlos poco a poco en el futuro, algo que no es ni viable ni practico, aunque solo sea pm¡que Ios servicios, una parte creciente de nuestro consumo, no son almacenables. Si descartamos esta opcion, hagan lo que hagan Ios trabajadores actualmente activos, en el futuro dependeran de lo que produzcan otros. Y si su nt1mero es mas reducido debido a! proceso de envejecimiento de la poblacion, entonces necesariamente, menos personas tendran que "financiar" a mas pensionistas independientemente de como obtengan estos el derecho a parte de lo producido, ya sea por tener activos financieros acumulados en sus planes de pensiones, ya sea por tener derecho a una pension de jubilacion a! haber cotizado a la SS (y por lo tanto contribuido a financiar las pensiones de Ios entonces jubilados) durante un numero minimo de anos. Todo ello significa que independientemente de cuales sean las virtudes de uno y otro sistema ambos son igualmente vulnerables a! proceso de envejecimiento poblacionaJ22â&#x20AC;˘ Por otra parte, existen razones para ser cautamente optimistas en lo que se refiere a la sostenibilidad del sistema de pensiones en nuestro pais. En primer 22 Un ana!isis de esta cuesti6n con detalle se puede encontrar en BusTILLO (2005)
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Lusfada.
Interven~ao
ESTEVE Y
Mur\ioz
DE
Social, Lisboa, n." 35/2009
0 estado providencia e modelo social europeu no seculo XXI. Que possibilidades?, p. 35-62
lugar, las estimaciones de poblacion, a decir de Ios demografos, tienen una fiabilidad que no va mas alia de Ios 25 afios, con lo que bien pudiera ocurrir que futuros cambios en las tendencias demograficas (aumento del numero de hijos por muje1~ por ejemplo) aliviaran el aumento de la tasa de dependencia. De hecho, las estimaciones recogidas en el cuadro anterior ya habrian quedado obsoletas al no incluir el fuerte aumento de poblacion derivado de la intensa ola inmigratoria experimentada en Espal'i.a desde comienzos de este siglo, que se materializa en un aumento inesperado de la poblacion de mas de dos millones y medio de habitantes en el periodo 2000- 2005. En segundo lugar, el indicador realmente relevante para el analisis de este tipo de cuestiones es la tasa de dependencia economica, que considera en el denominador no el conjunto de poblacion potencialmente activa sino aquellos que estan ocupados. Puesto que Espana tiene una relativamente baja tasa de actividad (68,7% 拢rente 80% de Dinamarca) y una relativamente alta tasa de desempleo, en el futuro sera posible compensar parte de ese crecimiento de la tasa de dependencia demografica con un aumento de la tasa de actividad y de la tasa de ocupacion de forma que la tasa de dependencia economica varfe en menor magnitud. Por otra parte, de igual forma que el proceso de envejecimiento supone el aumento de determinados gastos, la reduccion de la poblacion infantil supone el ahorro de otros costes. De hecho, si se define la tasa de dependencia economica en h~rminos de poblacion menor de 16 ai1os y mayor de 64, Ios dos grupos poblacionales supuestamente dependientes, con respecto a ocupados, la imagen cambia de forma significativa ya que en 1985 habia 2,5 dependientes por ocupado mientras que en 2004 la dependencia se habia reducido a 1,5. Obviamente se puede argumentar que no es lo mismo la dependencia de Ios menores de 16 aii.os que la de Ios mayores de 65, aunque solo sea p01路que la primera se da normalmente en el ambito de la familia y por lo tanto no intervienen- masque marginalmentelas instituciones del Estado de Bienestar, mientras que el segundo tipo de dependencia implica una redistribucion de ambito social. Un razonamiento, el anterior, que siendo valido no invalida el hecho que desde el punto de vista de Ios recursos involucrados en el mantenimiento de ambos colectivos, Ios dos suponen una merma de bienes y servicios producidos para aquellos que lo producen. A modo de ejemplo, y sin otra finalidad que la meramente ilustrativa dada la debilidad de !as estimaciones disponibles sobre comportamiento futuro de la poblacion, en el grafico 8 se recoge el resultado de una simulacion "a vuela pluma" de !as implicaciones que tendrian sobre la evolucion de la tasa de dependencia economica estas consideraciones. Como se puede apreciar el aumento de la tasa de ocupacion y de la tasa de actividad permiten mantener practicamente constante la tasa de dependencia economica de mayores de 65 hasta la decada de 2030, mientras que la tasa de dependencia economica total cae hasta !as misma fecha alcanzando al final de la decada de 2020 un valor muy bajo, proximo a la unidad (la mitad del existente medio siglo antes). Seria
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Rafael Mufioz de Bustillo Llorente
solo a partir de esta fecha cuando aparecerian Ios aumentos en la tasa de dependencia, con lo que el problema no seria en ningl'm caso un problema que se manifestaria en el corto-medio plazo. Pero siendo importante estas consideraciones, el elemento crucial a la hora de garantizar el mantenimiento y viabilidad del sistema de pensiones es el comportamiento de la productividad. Como hemos visto mas arriba, el PIB per capita depende de la productividad y de un conjunto de variables demograficas y del mercado de trabajo. Pues bien, es perfectamente posible que en presencia de una poblaci6n ocupada estancada o incluso decreciente se produzcan aumentos en el PIB per capita siempre y cuando la productividad crezca con suficiente intensidad. Ese escenario, lejos de ser una mera posibilidad te6rica, es el que ha caracterizado a Espana desde la decada de 1950 hasta el cambio de siglo, con una poblaci6n ocupada que en Ios anos ochenta se mantenia, como en la decada de Ios cincuenta, en el entorno de Ios 12 millones de personas, y un PIB que era casi cinco veces mayor a! existente en 1954. En definitiva, en un contexto de productividad y creciente, de ser necesario un aumento de !as cotizaciones sociales o Ios impuestos para hacer £rente a] aumento del gasto en pensiones, este repercutiria negativamente en el crecimiento del nivel de vida de Ios trabajadores en mucha menor medida de lo que ocurriria en un contexto de productividad estancada.
Grafico 8- Tasa de Dependencia en Espana
3,0r--------------------------------------------------------------------, -
-
65 y +/Ocupados
2,5
Supuestos de la simulaci6n: I) Proyecciones de poblaci6n del !NE [\justadas para recoger et aumento de poblad6n inmigrante afios 2002-2005. 2) Aumento de la tasa de actividad hasta el 0,8 (2026) 3) Reducci6n de la tasadedesempleo hastael3,3% (2015)
2.0
1.5
1,0
0,5
--
~--~
-
--------~--
~~~~~
--
O,OL-~~--~~~~------~~~----~--~----~--~--~~----~--~~
~~~~~~~~~~~~0~~~~~0*~~~~~ ~ ~ ~ ~ ~ ~· ~· ~· ¥ ¥ ¥~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~-~· ~-~
(*) 1977-2004 INE (1". tr.), 2005-2049 simulaci6n.
Fuente: Elaboraci6n propia a partir de datos y estimaciones del INE (proyecciones de poblaci6n Base Censo 2001: escenario 1 y poblaci6n residente)
60
Lusiada. Interven<;ao Social, Lisboa,
11.
0
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0 estado providencia e modelo social europeu no seculo XXI. Que possibilidades?, p. 35-62
Por lo tanto, mas alla de la creacion de un fondo de pensiones como el contemplado en el Pacto de Toledo de la reforma del sistema de pensiones espaftot o el retraso de la edad de jubilacion, una polftica adecuada de reforzamiento de la viabilidad del sistema de pensiones pasa por potenciar la educacion y la inversion en infraestructuras y en I+D, factores todos ellos que deberian repercutir en un aumento de la productividad a largo plazo. Desde esta optica, el verdadero problema de la sostenibilidad del sistema de pensiones es garantizar una economia dinamica y con productividad creciente. En todo caso, y atendiendo a !as estimaciones de la UE, Ios insostenibles niveles de gasto futuro en pensiones no parecen ser tan insostenibles como se pretende, si tenemos en cuenta que el gasto en pensiones estimado por la UE para el 2050 para Espafta: 15,6 %, esta una decima de punto por debajo del gasto de Italia en este concepto en 2003, no pareciendo que ello haya derivado en un cataclismo de la economia italiana.
4. A modo de reflexi6n final Estas paginas comenzaban planteando la cuestion de si existia un modelo social europeo, para ofrecer una respuesta negativa en el sentido de que la politica social no gozaba de la misma importancia y consideracion en Ios distintos Estados miembros ni pareda que en Ios {Iltimos ai1os se hubiera producido una convergencia en sensibilidades y presupuestos, comprobando, asi mismo, que !as diferencias no eran achacables en su totalidad a Ios distintos niveles de desarrollo de estos. No obstante, se defendia que la idea de modelo social europeo se podia utilizar como metafora de una forma distinta de entender la economia de mercado frente a! otro gran centra de poder economico: Ios Estados Unidos. Con este marco de referenda, la ultima parte del trabajo se dedica a repasar, necesariamente de forma apresurada, algunos de Ios retos a Ios que se enfrentan Ios diferentes Estados de Bienestar que conforman el modelo social europeo. La compatibilidad entre eficiencia y politica sociat el centro de las preocupaciones de la Comision Europea en los ultimos aftos, el impacto de la globalizacion sobre Ios sistemas de proteccion social y el envejecimiento de la poblacion aparecen como tres factores a los que Ios Estados de Bienestar europeos tendran que dar respuesta en los proximos aftos. Somos de la opinion que en ningun caso, ni de forma separada ni combinados, nos encontramos ante restricciones infranqueables al mantenimiento del Estado de Bienestar, aunque indudablemente estos cambios exigiran de este adaptaciones que en algunos casos pueden llegar a traicionar algunos de sus principios fundacionales. El paso de sistemas de proteccion social pasivos a sistemas de proteccion social activos, incentivadores del trabajo, seria una de esas manifestaciones de ese cambio. En todo caso, en la medida en que la
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Rafael Muf\oz de Bustillo Llorente
globalizacion supone un aumento de la inestabilidad de !as economias, tiene sentido pensar que esta reforzaria la raison de etre de! Estado de Bienestar, precisamente la proteccion con respecto a! riesgo. En este sentido el informe de Perspectivas del Empleo de la OCDE correspondiente a 2004 reconoce el papel de !as politicas de proteccion activa para hacer frente a Ios castes de desplazamiento de trabajadares derivados del proceso de apertura de Ios mercados a! comercio exterior. En definitiva, hay que recordar que el proceso de globalizacion ha sido en parte una construccion politica, y que, a! menos en otras ocasiones, este tipo de proceso se ha demostrado reversible, de ahi que para su conservacion sea importante conseguir que el mismo se produzca sin impactos negativos impartantes sabre la poblacion, alga en la que Ios instrumentos nuevos y viejos del Estado de Bienestar tiene ventajas comparativas. En un mundo donde seg{m nos dicen cada vez hay mas riesgo (la sociedad del riesgo de Beck, 2002), y donde la gente es adversa a este, no parece que tenga sentido desmontar la institucion mas eficiente par ahora conocida de aseguramiento social. En este sentido, quiza el riesgo mas impartante a! que se enfrente el Estado de Bienestar venga par otro !ado y sea que Ios cambios en la distribuci6n de la renta asociados a la potenciacion del mercado, la apertura comercial, la desregulacion !aboral y el cambio tecnico pueden generar una perdida de respaldo a! mismo coma resultado de la dualizacion o segmentacion social.
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PAINEIS
PAINEL 1 "POLITICAS SOCIAlS E COMBATE A POBREZA E EXCLUSAO SOCIAL"
0 COMBATE A POBREZA EM PORTUGAL. ESTRATEGIA, POLITICAS E DESAFIOS
Rute Azinheiro Guerra Gabinete de Estrategia e Planeamento Ministerio do Trabalho e Solidariedade Social
Para alern de urna breve caracteriza<;ao da situa<;ao da pobreza no nosso pais, a presente cornunica<;ao aborda as principais vertentes da estrategia nacional de cornbate a pobreza e exclusao social, nao deixando de ter ern conta a politica europeia nesta materia. E equacionado o irnpacto que as politicas sociais tern vindo a surtir junta das condit;6es de vida e de bern-estar dos individuos. As situa<;oes diagnosticadas no arnbito da pobreza e desigualdade pressupoern o refor<;o das politicas sociais quer na cornponente da protec<;ao social e de ernprego, quer na cornponente da educa<;ao/qualifica<;ao. Nao obstante o esfor<;o que vern sendo feito, continua a constituir-se corno desafio a superm路, a nivel nacional e europeu, a verdadeira interliga<;ao entre as politicas rnacroecon6rnicas, de ernprego e de coesao social. Sera, ainda, desejavel urn rnaior esfor<;o de integra<;ao das varias politicas sociais, refor<;ando a estrategia de !uta contra a pobreza e a cornponente da inclusao social, que surge nao s6 pela dirnensao rnonetaria, rnas tarnbern pela garantia dos direitos basicos de cidadania.
Contexto Europeu Os estudos sabre Pobreza ern Portugal tern sido fundarnentais para a consolida<;ao do reconhecirnento politico do problerna, tendo dado origern a defini<;ao de uma estrategia de politicas inclusivas e de cornbate a pobreza. Datarn do inicio da decada de 90 os prirneiros prograrnas de !uta contra a pobreza a nivel nacional. No entanto, e na Cirneira de Lisboa ern Mar<;o de 2000 que Portugal e os restantes Estados membros da Uniao Europeia (UE) assurnirarn o cornprornisso de produzir urn irnpacto decisivo na erradica<;ao da pobreza ate 2010. 0 cornprornisso assumido tern vindo a ser reafirmado em Conselhos Europeus posteriores. As politicas de cornbate a pobreza e exclusao social ern Portugal que entretanto forarn desenvolvidas tern corno base urna estrategia definida no contexto europeu, charnando-se a aten<;ao, em particular para: - A Recornenda<;ao de 1992 (aprova criterios cornuns de recursos rninirnos e convergencia dos objectives e politicas de protec<;ao social); - Tratado de Arnesterdao (1997) - artigos 136Q 137Q reconhecern o papel da EU na !uta contra a exclusao social;
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Comunica<;ao da Comissao Europeia relativa a uma 'Estrategia Concertada para modernizar a Proteo;ao Social': - Consenso generalizado sobre a necessidade de combater eficazmente as situa<;:6es de pobreza e exclusao social que, embora corn intensidades e express6es diferenciadas ao nfvel dos Estados membros, persistem como urn fen6meno preocupante a nfvel europeu; Cimeira de Lisboa (Mar<;:o de 2000) - A coesao social e assumida enquanto eixo da estrategia global da Uniao para alcan<;ar o seu objectivo estrategico de "tornar-se a economia do conhecimento mais competitiva e dinamica de nfvel mundial, capaz de urn crescimento econ6mico sustent<ivel, acompanhado de uma melhoria quantitativa e qualitativa de emprego e de maior coesao social". Esta cimeira ganhou, pois, uma importancia decisiva ao definir para a Europa urn novo objectivo estrategico enunciado na formula do triangulo de Lisboa, de crescimento econ6mico, mais e melhor emprego e mais coesao social. Nesse contexto foi assumido o seguinte compromisso: " ... a necessidade de produzir urn impacto decisivo na erradica<;ao da pobreza e da exclusao social ate 2010"; A nfvel nacional o combate a pobreza e as desigualdades sociais enquanto prioridade na linha de governa<;:ao politica, assentou desde entao em sucessivos Planos Nacionais de Ac<;ao para a Inclusao, enquadrados, a nfvel Europeu, por uma Nova Estrategia de Coopera<;ao na area social corn base no designado Metodo Aberto de Coopera<;ao (MAC), onde os pafses partem de: i) uma abordagem descentralizada corn base em objectivos comuns; iii) planos nacionais e indicadores comuns, iv) urn acompanhamento permanente da estrategia, no ambito do Comite de Protec<;ao Social; v) Urn processo corn vista a aprendizagem mtttua, atraves do acompanhamento multilateral, onde se inclui o programa comunitario de intercambios e os Peer Reviews; vi) a participa<;ao activa de todos os actores e por ttltimo vii) promo<;ao de uma maior coopera<;:ao entre o Conselho europeu e a Comissao europeia resultando na elabora<;ao dos relat6rios conjuntos. Em 2005 a Comissao elabora urn relat6rio intercalar sobre a Estrategia de Lisboa, onde o balan<;o feito sobre a mesma e heterogeneo. A par dos incontestaveis progressos permanecem tambem lacunas e atraso evidentes. As dificuldades reveladas pela conjuntura econ6mica europeia e internacional levam a revisao das metas fixadas no ambito da estrategia. Volta a dar-se centralidade ao crescimento econ6mico e ao emprego, nesta Estrategia de Lisboa Renovada, onde sao definidas as Linhas Directrizes Integradas (Grandes Op<;6es de Politica Econ6mica + Linhas Directrizes para o emprego) e implementados os programas Nacionais de Reforma (novo ciclo de 3 anos).
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Foi tambem adoptada uma nova Agenda Social constituindo o rumo da politica social europeia ate 2010, ano proposto para combate a pobreza e exclusao. Neste contexto surge a designada Racionaliza~ao (streamlining) do Metodo Aberto de Coordena~ao na area social, que significa uma maior simplifica~ao integra~ao coordena~ao existentes (inclusao social, pensoes e cuidados de sailde de longa dura~ao). A elabora~ao das estrategias nacionais de protec~ao social ficara subordinada a tres grandes objectivos comuns: a) Promover a coesao social e a igualdade de oportunidades para todos, atraves de politicas de inclusao social e sistemas de protec~ao social adequados, acessiveis, financeiramente viaveis, adaptaveis e eficientes; b) Interagir de perto corn os objectivos de maior crescimento econ6mico e mais e melhores empregos fixados em Lisboa e com a estrategia de desenvolvimento sustentavel da UE ; c)
Refor~ar a governa~ao, a transparencia e a participa~ao dos agentes relevantes na concep~ao, aplica~ao e acompanhamento das politicas.
Por outro !ado, foram tambem definidos novos objectivos de inclusao a que os Estados-membros deverao obedecer no desenho dos seus pianos. Estes foram concebidos de modo a contribuirem para urn impacto decisivo na erradica~ao da pobreza e da exclusao social, garantindo: d) o acesso universal aos recursos, direitos e servi~os necessarios a participa~ao na sociedade, prevenindo e combatendo a exclusao e lutando contra todas as formas de discrimina~ao a ela conducentes; e) a inclusao social activa de todos os cidadaos, promovendo a participa~ao no mercado de trabalho e combatendo a pobreza e a exclusao; f) que as politicas de inclusao social sao bem coordenadas e contam corn envolvimento de todos os niveis do governo e agentes pertinentes (incluindo as pessoas que vivem na pobreza), que sao eficientes e integradas em todas as politicas puNicas relevantes, designadamente as politicas econ6micas e or~amentais, de educa~ao e forma~ao e os programas dos fundos estruturais (nomeadamente o FSE).
Indicadores Estatisticos Persistindo em Portugal como uma das realidades sociais mais preocupantes, em 2006 o risco de pobreza atingia cerea de 18% dos individuos (23'Yo em 1995). A incidencia da pobreza monetaria revela que as crian~as e as pessoas idosas sao dois dos grupos mais vulneraveis a situa~oes de pobreza, respectivamente
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21 por cento e 26 por cento eram pobres em 2006 (face a 18 por cento da popula~ao total). 0 fenomeno da pobreza come~a tambem a evidenciar-se em alguns grupos, como e o caso das familias monoparentais, familias onde existem desempregados e trabalhadores de baixos salarios.
Risco de pobreza, 2004-2006 (%)
{Portug.JI)
(Portugal)
(Portugal)
sm R1sco de pobr~za na popula9%io total 'aiJ Rtsco dg pobreza nos tdosos
m~
2006 (UE25-)
Risco de pobreza nas cnan<;as
Fonte: Eurostat, Statistics of Income and Living Conditions (SILC)
0 sistema de seguran~a social assume urn papel importante na redu~ao das desigualdades e do risco de pobreza monetaria, ainda que o efeito redutor que estas transferencias possam representar seja muito mais significativo para a media de paises da Uniao Europeia do que em Portugal. Nao obstante o que ha a fazer, Portugal tern vindo a efectuar urn esfor~o no sentido do refor~o de protec~ao social nacional. Se observarmos a distribui~ao patente no grafico abaixo, em 2004 as despesas corn pens6es e saude sao as categorias cuja despesa mais cresceu em percentagem do PIB, entre 200 e 2004 representando neste ultimo ano 10,9% do PIB. Por outro lado estas duas categorias representam cerea de 72,5% da despesa corn protec~ao social.
Despesa em proteq:ao social, por
2000 (PT)
2001 (PT)
& Go&n9a'Cv1d-3dos de
Sa;.id%
2002 (PD
fun~ao,
2003 (PT) -+
em % do PIB, 2000-2004
200< {PT)
SobfeotuBnc~a !&
201JJ (UE25)
Outras f'..lfl!f0Bs
Fonte: Eurostat, European System of integrated Social Protection Statistics (ESSPROS)
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Risco de pobreza antes e ap6s transferencias sociais, 2006 (%) 50 45
40 35 30
25 20
15 10
5 0 Antes de quaJsquer transfer&nc1as socrafs
Antes de trans-ferenc1as soua1s a excep;;ao de pensOes
ApOs transtmencras soc1a!s
Fonte: Eurostat, Statistics of Income and Living Conditions (SILC)
Estrah~gia
Nacional
No entanto, tern sido visivel uma ligeira melhoria, a qual nao e alheia a introdw;:ao de urn conjunto de novas medidas, e metodologias de interven<;:ao corn urn papel significativo na articula<;:ao e no refor<;:o das dinamicas de inclusao. No contexto actual e para os pr6ximos anos, o Piano Nacional de Ac<;:ao para a Inclusao (PNAI), materializa a estrategia nacional de inclusao social. Apesar da despesa em protec<;:ao social estar muito abaixo dos montantes gastos na media da UE e sobretudo no que se refere aos paises n6rdicos, Portugal apresenta uma evolu<;:ao positiva. Dados de 2006 mostram que em Portugal as transferencias sociais (incluindo pensoes) fazem com que o risco de pobreza diminua de 40% para 18%. 0 impacto das transferencias sociais na redu<;:ao da pobreza em Portugal (cerea de 22 pantos percentuais) e muito menor par compara<;:ao corn a media da UE (27 pantos percentuais). 0 impacto das politicas sociais nas condi<;:oes de vida e de bem-estar dos individuos e de algum modo, ainda que genericamente e de modo insuficiente, traduzida pelo indicador apresentado acima. Na verdade, a avalia<;:ao do impacto da interven<;:ao estatal sobre a pobreza, em particular de alguns grupos mais vulneraveis como sejam as crian<;:as e os idosos e uma tarefa complexa, na medida em que existem diversas medidas de politica social e fiscal que influenciam o bem-estar dos individuos e dos agregados familiares. Importa pois desenvolver e aprofundar alguns dos estudos, surgidos nos ultimos anos, como e o caso dos elaborados pelo Prof. Carlos Farinha Rodrigues, no ambito do RSI. As politicas de combate a pobreza e exclusao social em Portugal foram desenvolvidas ate 2000 a partir de uma estrategia definida no contexto europeu, atraves de programas espedficos destinados a publicos alvo ou areas geograficas em concreto. As melhorias verificadas nas condi<;:oes de vida ja no periodo 1995-2001 ficam a dever-se a um conjunto de novas metodologias de interven<;:ao das quais
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se salienta o PNAI. Para ah?m destas o aumento das despesas corn protec<;ao social e urn maior numero de riscos e situa<;oes cobertas, bem como a altera<;ao de criterios que permitiram a elegibilidade que vieram a possibilitar que urn maior n{tmero de pessoas acedesse a presta<;6es e a equipamentos sociais, permitem evidenciar o esfor<;o nacional que se come<;ou a desenvolver em torno do sistema de protec<;ao social. Desde a primeira gera<;ao de PNAIS que o objectivo de redu<;ao da pobreza foi assumido como grande desafio ao nfvel nacional. Corn o PNAI 2001-3 o objectivo de inclusao social passou a revestir-se de urn caracter transversal e intersectorial, nesse contexto a necessidade de delinear estrategias claras e integradas para dar resposta aos desafios de inclusao imp6s-se, tendo em conta tambem o Piano Nacional de Emprego, entre outros, que desempenharam urn papel central na consecu<;ao do objectivo de combate a pobreza. A Estrategia Nacional 2008-2010: enquadra-se no Metodo Aberto de Coordena<;ao que preve para este novo ciclo uma continuidade dos objectivos comuns europeus e uma actualiza<;ao das estrategias nacionais tendo em linha de conta a resposta as principais recomenda<;6es e desafios identificados pela Comissao Europeia; Adopta uma linha de continuidade face as prioridades politicas assumidas no ciclo anterior refor<;ando uma resposta integrada aos objectivos e desafios para o conjunto dos pilares; Promove uma melhor articula<;ao e integra<;ao estrategica corn o PNR, melhorando a visibilidade das prioridades sociais no ambito da Estrategia para o Crescimento e Emprego. No contexto das principais tendencias e para fazer face aos principais desafios que o pais enfrenta, a defini<;ao das prioridades nacionais para a protec<;ao social e inclusao social para o perfodo 2008-2010 assenta em dois eixos estrategicos de interven<;ao e seis objectivos estrategicos: Eixo 1 I Fazer face ao impacto das altera<;oes demograficas • Apoiar a natalidade e a infancia • Apoiar a concilia<;ao entre a actividade profissional e a vida pessoal e familiar • Promover o envelhecimento activo corn qualidade e prevenir e apoiar a Dependencia Eixo 2 I Promo<;ao da inclusao social (redu<;ao das desigualdades) • Promover a inclusao social activa • Melhorar as condi<;6es de vida em territ6rios e habitats mais vulneraveis • Favorecer a inclusao social de grupos espedficos, nomeadamente Pessoas corn deficiencias ou incapacidades, !migrantes e minorias etnicas, Pessoas sem-abrigo
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A actual estrategia de protec<_;ao e inclusao social estrutura-se, ainda, em torno de um quadro no qual a politica econ6mica, a politica de emprego e a politica social se refor<;am mutuamente, assegurando uma progressao paralela na cria<_;ao de emprego, na competitividade e na coesao social. Constituindo o sistema de seguran<;a social um instrumento privilegiado na redu<_;ao da desigualdade, nao tem contudo demonstrado a eficacia necessaria, quando comparado com a generalidade dos paises europeus. As situa<;6es que tem vindo a ser diagnosticadas ao nivel da pobreza e exclusao social pressup6em o refon;:o das politicas sociais, quer na componente da protec<;ao social e emprego mas tambem na questao de educa<_;ao/qualifica<;ao. Nao obstante o esfor<_;o que tem vindo a ser feito, continua como desafio a superar, a nivel nacional e europeu a verdadeira interliga<;ao entre as politicas macroeconomicas, de emprego e coesao social. Sera ainda desejavel um esfor<;o de integra<;ao das varias politicas sociais, refor<_;ando a estrategia de !uta contra a pobreza e a componente social que surge nao so pela dimensao monetaria mas tambem pelos direitos basicos de cidadania. Acima de tudo, a adop<_;ao desta Estrategia de Politicas Sociais Integradas representa um passo fundamental para o refor<;o e consolida<_;ao do modelo social portugues. Constitui simultancamente um desafio e uma oportunidade. Oportunidade para a defini<;ao estrategica do modelo de desenvolvimento que se perspectiva para Portugal e para que se procurem novas vias, mais eficazes, de promo<_;ao da coesao social, mas acima de tudo um desafio de modernidade e um compromisso para a constru<_;ao de uma sociedade mais justa, mais equitativa e mais coesa.
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CONTRIBUTO PARA UMA REFLEXAO SOBRE A ESTRATEGIA DE COMBATE A POBREZA EM PORTUGAL*
Maria Eduarda Ribeiro CIESIISCTE
,. Esta comunica.;ao tem por base o trabalho de Eduarda Ribeiro, Emilia Castanheira e Jsabel Roque de Oliveira, realizado para a Comissao Nacional Justi<;a e Paz, "Contributo para uma estrategia de luta contra a pobreza" (a publicar).
l.Qual tern sido o impacto da politica social no combate
apobreza, em Portugal?
A nossa taxa de risco de pobreza, antes dos impostos e transferencias sociais e definida na acep<;ao mais frequentemente utilizada pelo EUROSTAT, que corresponde a um limiar de pobreza igual a 60% da mediana dos rendimentos monetarios, situou-se num nivel ligeiramente abaixo do da media europeia (25% e 26%, respectivamente para Portugal ea UE15, em 2006, tdtimo ano relativamente ao qual se dispoe de informa<;ao). Contudo, a taxa e mais alta em Portugat do que na media europeia, quando se entra em conta com as transferencias (18% e 16%, respectivamente).
Taxas de risco de pobreza (Em percentagem)
1998 2001 2006
Antes das transferencias UE15 24
24 26
Antes das transferencias Portugal 27
2t1 25
Depois das transferencias UE15
15 16 16
Depois das transferencias Portugal 21 20
18 ~~
Fonte: EUROSTAT
Sendo assim, pode-se concluir que, apesar da expansao da despesa social e da introdu<;ao de algumas politicas inovadoras, na decada de 90, o sistema de protec<;ao social em Portugal continua a revelar-se menos eficaz, em rela<;ao ao objectivo da redu<;ao da pobreza, quando comparado com os padroes europeus. De facto, entre n6s, o crescimento do peso das despesas com a protec<;ao social tem vindo a crescer a ritmo elevado, em contraste com a quase estagna<;ao encontrado para a media europeia. 0 total das despesas com a protec<;ao sociat em percentagem do Produto Interno Bruto, mantinha-se contudo inferior (25A%) ao registado na media da UE15 (27,5%), em 2006.
Lusiada.
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Maria Eduarda Ribeiro
Despesas corn protecc;;ao social em percentagem do PIB UEI5
Portugal
27 27 27,5
1998 2001 2006
i
20,9 22,7 25,4
Fontc: EUROSTAT
Podemo-nos por isso perguntar o que continua a falhar na condw;:ao da nossa polftica de !uta contra a pobreza, apesar da descida constatada na nossas taxas de pobreza desde 1995, descida essa que foi mais rapida do que a observada na taxa de pobreza da media europeia, que conheceu mesmo uma subida nos tres ultimos anos, relativamente a 2003. Evolu~ao
das taxas de pobreza, em Portugal e na EU15 (Depois das transferencias sociais)
25 20
E (])
-... Cl ctl
15
J-:-::151
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(])
0
10
(])
a..
5 0 ~ ~ ~ ~ ~ c ' ~ ~ ~ 0 ~ ~~~~~#######
Anos Fonte: EUROSTAT
De referir, contudo, que apesar desta descida, a taxa de pobreza em Portugal se mantinha, em 2006, entre as mais elevadas da Uniao Europeia, mesmo quando se entra em conta corn a tota!idade dos 27 membros da Uniao.
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Contribute para uma reflexao sabre a estratcgia de combate
a pobreza em Portugal, p. 77-88
Taxas de pobreza por paises da UE27, em 2006 (Depois das transferencias sociais) 25 20 (j)
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PAJSES Fonte: EUROSTAT
Refira-se que a taxa portuguesa era, em 2006, igual a da Estonia e da lrlanda (18'Yo ), verificando-se con tu do uma melhoria na posi<;:ao relativa do pais, ja que em 2000, ano a partir do qual se dispoe de informa<;:ao para quase todos os estados membros, Portugal ocupava a pior posi<;:ao, com uma taxa de pobreza da ordem dos 21%. Sem querer diminuir os progressos apesar de tudo registados em Portugal, importa ter presente que a defini<;:ao de pobreza adoptada pelo EUROSTAT se traduz em limiares de pobreza substancialmente mais baixos para nos do que para a media europeia. Assim, em 2006, o limiar de pobreza em Portugal era da ordem dos 4386 e 9212 euros anuais, contra 9256 e 19438 euros anuais, na media da UE15, respectivamente para uma pessoa so e para uma familia constituida por 2 adultos e 2 menores de 14 anos.
2. For<;;as e fraquezas da estrategia da luta contra a pobreza em Portugal Uma vez que Portugal faz parte da Uniao Europeia, o combate a pobreza tern estado ligado as politicas comunitarias de erradica<;:ao da pobreza. Em 1997, com a aprova<;:ao do Tratado de Amesterdao ficou legalmente estabelecida a interven<;:ao da Comissao Europeia para promover a coopera<;:ao entre os diferentes estados membros, nesta area.
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Nos ultirnos anos, tern-se sucedido varias gera<;5es de Piano Nacionais de Ac<;ao para a Inclusao, sujeitos ao rnetodo aberto de coordena<;ao, visando a !uta contra a pobreza ea exclusao social. Muito ernbora estes Pianos nao constituam o Lmico instrumento de combate a pobreza, assumem uma relevancia consideravet ja que procurarn cobrir urn vasto leque de Programas, Politicas e Ac<;oes, sujeitos a regras comunitarias de fundamenta<;ao, concretiza<;ao e avalia<;ao. Existem alguns objectivos e medidas comuns aos varios estados rnembros, mas cada pais pode inovar e adaptar a estrategia definida a nivel cornunitario as suas condi<;oes espedficas. Muito embora estes Planos representem, na sua concep<;ao, urn progresso nitido em rela<;ao a estrategia prosseguida anteriormente, designadamente no que respeita aos seus prindpios orientadores, a inten<;ao de abordar as causas estruturais da pobreza corno fen6meno muldimensional e a procura de identifica<;ao dos principais factores de vulnerabilidade, tern sido apontadas varias fragilidades 1, que terao provavelrnente impedido a obten<;ao de resultados mais satisfat6rios. Porque a apresenta<;ao dos Planos de Ac<;ao para a Inclusao e apresentada noutra cornunica<;ao, limitar-me-ei a uma aprecia<;ao critica da estrategia que !he tern estado subjacente, limitando-rne porem aos pontos que, em meu entender, sao os mais relevantes. Em termos gerais, sao os seguintes os aspectos merecedores de aprecia<;ao: a) Visibilidade e participariio
E necessario assegurar uma maior visibilidade a estrategia de !uta contra a pobreza, quer junto dos seus agentes executantes, quer da sociedade em geral. Esta exigencia e tanto rnais necessaria quanto se verifica que a elimina<;ao da pobreza nao e sentida pela sociedade portuguesa, pese embora alguns avan<;os recentes 2, corno urn designio a atingir. Dai que a estrategia contra a pobreza seja apenas conhecida por uma rninoria, directamente irnplicada nos diferentes niveis da sua elabora<;ao, execu<;ao e avalia<;ao. Falta urn debate serio, que envolva o poder ptlblico e a sociedade civit que coloque a questao da pobreza no centro da agenda politica. Os media tern chamado a aten<;ao para os numeros sobre a pobreza, constantes de relat6rios de varias organiza<;6es internacionais, mas irnporta nao ficar apenas pela divulga<;ao pontual desses ntuneros e avan<;ar para urn compromisso consequente. 1
Nomeadamente ah路aves de Relat6rios de Avalia<;ii.o encomendados a peritos independentes. Veja-se, a prop6sito, a Resoluc;ao da Assembleia da Rept1blica que contextualiza a pobreza como uma viola<;ao dos direitos humanos, a qual podera contribuir para uma mudan<;:a de paradigma, ampliando as nossas responsabilidades em criar condi<;6es que viabilizem a concretiza<;iio do direito a nao ser pobre. 2
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Desse compromisso resultara tambem o incentivo a participa<;:ao da sociedade e a forma<;:ao de agentes de mudan<;:a, desde 0 nivel da administra<;:ao publica ate ao nivel local. E certo que o metodo aberto de coordena<;:ao impoe urn processo de participa<;:ao que envolve varios actores, designadamente os parceiros sociais. Mas e preciso melhorar a participa<;:ao, que nao se deve limitar a uma mera consulta, mas provocar urn maior envolvimento e responsabiliza<;:ao dos actores, em todas as fases do processo. Em particular, importa evitar estruturas burocraticas, encontrar um ponto de equilibrio entre as varias entidades chamadas a colaborar e acordar na partilha de poderes entre elas. 0 trabalho em parceria devera ser desenvolvido, o que se prende com questoes culturais por parte das organiza<;:oes que sao mobilizadas para actuar no combate a pobreza. Particularmente importante seria poder contar com o envolvimento dos pr6prios pobres nos programas a eles dirigidos, o que aponta claramente para ac<;:oes de "empowerment", no sentido de os pobres poderem exercer o direito de negociar e influenciar essas ac<;:oes desde o inicio. Uma tal actua<;:ao permitiria tambem favorecer o combate a subsidio-dependencia e permitiria encontrar solu<;:oes sustentaveis, que impedissem que a situa<;:ao de pobreza se prolongasse por tempo demasiadamente longo. Contudo, estao ainda largamente por explorar as potencialidades de uma participa<;:ao mais alargada dos pobres nas politicas e programas que lhes dizem respeito. As experiencias inovadoras neste dominio sao insuficientemente reconhecidas e replicadas. Em particular, a economia social e o desenvolvimento de servi<;:os colectivos de proximidade constituem instrumentos privilegiados de inclusao social e de combate a pobreza. Identificar os factores de bloqueio e dinamizar estas formas de organiza<;:ao da vida econ6mica e social aparece assim como uma prioridade a ter em conta nas estrategias de combate a pobreza.
b) A luta contra a pobreza como eixo transversalua conduri'io das politicas ecou6micas e sociais A prioridade concedida a !uta contra a pobreza obriga a coloca-la como eixo transversal na condw;:ao das politicas econ6micas e sociais. Mais particularmente, e necessaria reflectir sobre a pobreza no debate a prop6sito do crescimento. Apesar de decadas de elevado crescimento econ6mico chegou-se ao inicio do seculo XXI sem grandes progressos no dominio da luta contra a pobreza. Pelo contrario, o crescimento tern-se muitas vezes realizado em detrimento do bem-estar de categorias sociais mais desfavorecidas e gerado, inclusivamente, maiores desigualdades. Assim, e hoje defendido que se o crescimento econ6mico pode ser uma condi<;:ao para lutar contra a pobreza, nao e suficiente para assegurar a sua redu<;:ao. Dai que organiza<;:oes como as
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Nat;:6es Unidas e o Banco Mundial, corn vasta experiencia em programas de !uta contra a pobreza, em paises em desenvolvimento, tenham cada vez mais vindo a insistir sobre a not;:ao de "crescimento favoravel a os pobres". Muito embora nao exista ainda uma definit;:ao consensual sobre o que se deve en tender por crescimento favoravel a os pobres" 0 que se pretende e que o crescimento tenha efeitos sobre o bem-estar das populat;:6es, especialmente as mais vulneraveis. Ha que reconhecer, porem, que se abre aqui urn vasto campo de controversia. Que tipo de medidas sao susceptiveis de induzir urn "crescimento favoravel aos pobres"? Parece importante, em relat;:ao a este ponto, definir qual o papel do Estado nas estrategias de !uta contra a pobreza e na obtent;:ao de resultados positivos para os estratos populacionais mais desfavorecidos, sem esquecer o importante envolvimento de outros actores sociais. Para alem da controversia a prop6sito do papel do Estado, afigura-se crucial ter presente que a pobreza e urn fen6meno complexo e multi-sectorial, que exige uma abordagem integrada e coordenada. A condut;:ao da politica econ6mica nao pode, portanto, ignorar as causas da pobreza, bem como as medidas necessarias para as ultrapassar. Nao e possivel deixar apenas as politicas sociais a correc<;:ao dos efeitos desfavoraveis da politica econ6mica sobre os estratos mais pobres. Particularmente importante e prever, desde o inicio, os impactos que certas medidas vao ter sobre as condit;:6es de vida dos pobres, bem como o seu impacto no aparecimento de novas balsas de pobres. Importa igualmente proceder ao seu acompanhamento e avaliat;:ao, de modo a poder corrigir atempadamente eventuais efeitos negativos. Sendo assim, o objectivo da redut;:ao e eliminat;:ao da pobreza deve estar presente na definit;:ao da politica macro-econ6mica e informar todas as politicas ptlblicas de ambito sectorial relevantes. Estas devem ser coordenadas. E certo que a concretizat;:ao da estrategia de !uta contra a pobreza vai ter que ser realizada a nivel regional e, mesmo local, o que implica adequada articulat;:ao entre os diferentes niveis de intervent;:ao. Existe em Portugal urn conjunto muito vasto de programas e medidas de combate a pobreza, mas a respectiva coordenat;:ao e articulat;:ao, a nivel nacional, regional e local, esta longe de ser a desejavel. Importa por isso refort;:ar esta componente, de modo a assegurar coerencia estrategica e a evitar efeitos que se anulam mutuamente. Em particular, a !uta contra a pobreza tera que ser urn eixo transversal na condut;:ao das politicas econ6micas e sociais, ultrapassando as dificuldades de levar a pratica este principio de "mainstreaming". 11
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c) Operacionalidade da estrategia Existem falhas ao nivel da implementa<;:ao da estrategia da !uta contra a pobreza. Corn vista a melhorar este aspecto, sera de procurar uma maior clareza
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e simplifica<;ao, bem como uma hierarquiza<;ao dos objectivos, ja que nao e possivel conceder a mesma importancia a todos eles. Parece-me preferfvel existir urn numero mais reduzido de objectivos, corn comprovada importancia estrategica, do que dispersarmo-nos, como acontece actualmente, por urn numero excessivamente vasto de medidas. Por outro !ado, as metas e os calendarios para as alcan<;ar devem ser definidos corn clareza, o que permitira urn acompanhamento mais eficaz do processo, nos seus diferentes niveis. A disponibilidade de estatisticas adequadas para o acompanhamento e avalia<;ao de todas as fases do processo e tambem fundamental, para que se possa proceder a aferi<;ao das metas adoptadas. Convem entretanto referir que tern sido feitos progressos, no que respeita a constru<;ao dos indicadores indispensaveis ao seu acompanhamento, mas que havera que prosseguir corn estes esfor<;os, sobretudo no que diz respeito a disponibilidade atempada de alguns dados estatisticos, designadamente dos relativos aos rendimentos.
d) Avalia{:iio do processo A aprecia<;ao peri6dica dos resultados conseguidos e imprescindivel, no sentido de corrigir os erros, refor<;ar medidas e alterar ou abandonar iniciativas que se revelaram menos ajustadas. Para alem do acompanhamento e avalia<;ao realizadas pelas entidades mais directamente ligadas a implementa<;ao da estrategia de !uta contra a pobreza, imp6e-se a realiza<;ao de avalia<;6es, por parte de 6rgaos independentes, designadamente das Universidades. Ainda que o metodo de coordena<;ao aberta imponha processos de avalia<;ao, tera que ser refor<;ada, entre nos, a preocupa<;ao corn esta vertente, no sentido de se criar uma autentica "cultura de avalia<;ao". Importa tambem ter presente que muitos dos objectivos a atingir s6 podem ser alcan<;ados a medio prazo, o que obriga tambem a proceder, para alem do curto prazo, a avalia<;6es que cubram periodos de tempo mais longos. Para tanto, torna-se necessaria definir indicadores estruturais mais amplos, que possibilitem a quantifica<;ao dos impactos das ac<;6es sobre a pobreza, o conhecimento do ponto de partida relativamente a cada uma das metas, a disponibilidade de indicadores de controle de qualidade, de participa<;ao e de satisfa<;ao dos utentes sobre as ac<;6es preconizadas, etc. Os resultados das avalia<;6es devem ser divulgados e conhecidos.
e) Adequa9iio aos condicionalismos especificos de Portugal Ha que chamar a aten<;ao para uma melhor adequa<;ao entre a estrategia que tern vindo a ser adoptada e as caracteristicas da pobreza em Portugal. Consti-
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tuindo os trabalhadores pobres a parcela mais importante dos empobrecidos, causa perplexidade o facto de nao existir uma aposta mais forte nas medidas que !he sao destinadas. Para tanto, seria necessaria agir sobre a reparti<;:ao funcional dos rendimentos, ou seja, actuar tambem sobre a forma<;:ao dos rendimentos. As politicas redistributivas continuam a ser necessarias para combater a pobreza, mas nao deixa de ser preocupante o facto de se observar que, entre nos, a proteq:ao social tern menor impacto na redw;:ao da pobreza do que na generalidade dos pafses europeus. Esta constata<;:ao assume particular importancia na actualidade, ja que os beneficios trazidos pela constrw;:ao do Estado de Bem-Estar (ainda que menos desenvolvido, em Portugal) estao a conhecer uma erosao significativa, por raz6es relacionadas nao so corn a sua sustentabilidade, amea<;:ada pelas transforma<;:6es que se fazem sentir na esfera economica, mas tambem por uma cultura e mentalidade dominantemente de cariz mercantilista.
3. Desafios futuros Termino corn uma breve referenda aos desafios que se colocam no futuro a condu<;:ao da polftica de combate a pobreza. A curto prazo, vamos ter que nos confrontar corn a actual crise financeira e economica, que coloca serias questoes em termos de coesao social e de !uta contra a pobreza. Como fazer para que as consequencias da crise nao se repercutam mais pesadamente sobre os mais frageis e vulneraveis? E preciso encontrar urn consenso sobre as medidas a tomar em rela<;:ao a estes grupos da popula<;:ao, de modo a prevenir as consequencias mais graves sobre a respectiva situa<;:ao. A medio e longo prazo, importa ter fundamentalmente em conta tres desafios: a continua<;:ao do aprofundamento da globaliza<;:ao, o envelhecimento da popula<;:ao portuguesa e os fluxos migratorios. Hoje, sabe-se que o processo de globaliza<;:ao tern sido acompanhado, para alem das vantagens conseguidas, nomeadamente nas economias emergentes, por situa<;:6es que penalizam gravemente largos estratos da popula<;:ao, sobretudo quando as regras do comercio e dos fluxos de capitais nao se apoiam numa regula<;:ao "justa". Como vai ser a nova ordem mundial? Que tipo de regula<;:ao vai emergir desta crise? Qual o seu impacto sobre os pafses, regi6es e estratos populacionais mais pobres? 0 envelhecimento da popula<;:ao coloca quest6es relacionadas nao so corn a sustentabilidade do sistema de pens6es, mas tambem de adequa<;:ao das respastas da protec<;:ao social as necessidades espedficas dos idosos, nomeadamentc cm termos de cuidados de saude. De acordo corn projec<;:6es feitas para
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os pafses da Uniao Europeia 3, o envelhecimento da popula<;ao portuguesa esta a processar-se a um ritmo elevado, prevendo-se um aumento das despesas ligadas a este grupo populacionat largamente superior ao da media da UE15 e UE25. Quanto aos fluxos migrat6rios, recorda-se que Portugal se tornou pais de destino para urn n{unero crescente de imigrantes, estimando-se que os cidadaos estrangeiros representem, actualmente, cerea de 9% da popula<;ao activa e 4,5% da popula<;ao residente. A migra<;ao deve continuar a crescer no futuro, colocando exigencias crescentes quanto a inser<;ao social dos imigrantes na sociedade portuguesa. A situa<;ao social dos imigrantes atingiu tra<;os especialmente duros no caso da imigra<;ao irregular. Esta chegou a assumir, nalguns anos, volumes muito significativos, tambem em resultado de urn sistema de entradas muito burocratizado e ineficiente, o que obrigou a processos de legaliza<;ao extraordinarios. Finalmente, nao quer deixar de abordar uma questao importante, que pode contribuir para a mudan<;a de paradigma em rela<;ao a pobreza. Trata-se de colocar a questao em termos de "direitos". Assim, ha que rcconhecer, tal como estao a fazer numerosas institui<;6es internacionais, como e o caso da UNESCO e do Conselho da Europa, que a pobreza e uma viola<;ao dos direitos humanos. A principal ideia subjacente a uma abordagem que estabelece uma liga<;ao entre a pobreza e os direitos humanos e a de que as politicas e as institui<;6es voltadas para a !uta contra a pobreza devem basear-se explicitamente nas normas e nos valores estabelecidos pela Declara<;ao Universal dos Direitos Humanos. De facto, os direitos humanos decorrem de normas e valores morais universalmente reconhecidos e refor<;ados por obriga<;6es legais, que fornecem urn quadro normativo para a formula<;ao de politicas nacionais e internacionais, designadamente as relacionadas corn a !uta contra a pobreza. Nesta ordem de ideias, a erradica<;ao da pobreza (como objectivo final que inspira a sua redu<;ao gradual) torna-se uma questao da ordem da obriga<;ao legal que ultrapassa a obriga<;ao moral ou caritativa. A abordagem que se tern vindo a referir apresenta virtualidades importantes. Em primeiro lugar, permite passar de uma l6gica de identifica<;ao das necessidades dos pobres para o do reconhecimento dos seus direitos. A questao que se coloca e a da contradi<;ao entre o generalizado reconhecimento internacional dos direitos humanos, atraves da adesao a leis e tratados internacionais que todos tern a obriga<;ao legal de respeitarem, e a formula<;ao timida de estrategias de combate a pobreza, tantas vezes limitadas a atender manifesta<;6es agudas e parcelares deste fen6meno, sem ousar definir como finalidade ultima, a sua erradica<;ao.
3 EPC/AWG: TI1e impact of ageing on public expenditure: projections for the EU25 Member States on pensions, health care, long-term care, education and unemployment transfers (2004-2005), Special Report nY 1/2006-Annex.
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PARCERIAS ENTRE SECTOR PUBLICO E TERCEIRO SECTOR NO COMBATE A EXCLUSAO SOCIAL - A HABITA<;AO SOCIAL NO REINO UNIDO
Tiago Tavares Consultor Social- TESE
1.
Introdu~ao
Nas ttltimas decadas do seculo XX, o recuo na provisao publica de servisociais levou a reestrutura~ao do Estado de Bem-estar social ('welfare state) na Europa (Pierson, 1996). As principais medidas destas reformas foram o acentuar das responsabilidades dos cidadaos, correspondentes aos seus direitos, a promo~ao da igualdade de oportunidades e as politicas de inser~ao profissional (Lewis, 2004). Introduziram-se alguns prindpios de mercado no sector publico, a come~ar pelo uso crescente de protocolos que regulam a prestac;:ao e o financiamento de servic;:os, o que veio exigir especificac;:oes mais rigorosas e maior transparencia na sua gestao. Alguns destes protocolos foram estabelecidos entre os governos e as organizac;:oes do terceiro sector, no que se traduziu na constituic;:ao de parcerias, sobretudo ao nivellocal. A ideia de parceria passou a ser vista como soluc;:ao para urn conjunto de problemas complexos e tornou-se omnipresente no discurso politico. Ao mesmo tempo, foi dada cada vez maior importancia ao envolvimento das comunidades na implementac;:ao das politicas, como resposta a urn aumento da pobreza e da exclusao social (Geddes, 1997). ~os
2. Conceito de Parceria, vantagens e questoes Vamos primeiro tentar explicar quais as implicac;:oes deste novo discurso politico, centrado nas parcerias. Neste contexto, o termo parceria refere-se a urn tipo espedfico de acordo, e nao apenas urn processo informal de colaborac;:ao e entreajuda. Sera util adoptarmos a noc;:ao de parceria local proposta por Geddes (1998), baseada em quatro caracteristicas: - 'uma estrutura organizacional que desenvolve e implementa politicas; - a mobilizac;:ao de uma coligac;:ao de interesses e o compromisso de urn conjunto de diferentes parceiros; - uma agenda comum e urn programa de acc;:ao multi-dimensional; - corn o objectivo de combater o desemprego, a pobreza e a exclusao social, e de promover a coesao social e inclusao' (p. 15).
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Esta abordagem a provisao de servi<;:os sociais tem varias vantagens, para alem da redu<;:ao dos gastos ptlblicos. Desde logo, pela maior proximidade das organiza<;:6es do terceiro sector aos grupos socialmente excluidos, ganha-se uma maior capacidade de chegar a essas pessoas. Ao congregar as sinergias de individuos e organiza<;:6es de diferentes sectores da sociedade, criam-se tambem mais oportunidades para a criatividade e inova<;:ao. For outro lado, as respostas as complexas necessidades sociais podem ser mais eficazes se houver uma conjuga<;:ao de esfor<;:os de diferentes agentes, em que cada um contribui com algo unico que acrescenta valor - sejam recursos, capacidades ou rela<;:6es. Alem disso, o processo de formaliza<;:ao associado ao estabelecimento de uma parceria obriga as organiza<;:6es do terceiro sector a evoluir em profissionalismo e transparencia, o que normalmente se vai repercutir numa subida da qualidade do servi<;:o (Kendall, 2003). Como se pode imaginar, a interac<;:ao entre organiza<;:6es de diferentes sectores tem os seus problemas. Nas rela<;:6es entre o governo eo terceiro sector colocam-se quest6es de recursos e poder. Como as organiza<;:6es sem fins lucrativos geralmente tem recursos pr6prios nmito escassos, torna-se necessario o financiamento publico. No entanto, ao tornarem-se totalmente dependentes do dinheiro vindo da entidade ptlblica, irao sentir alguma pressao para aceitar sem questionar os procedimentos das autoridades. Se isto acontece, podem acabar por trair a missao da organiza<;:ao. Em rela<;:ao aos graus de participa<;:ao de cada institui<;:ao nos processos de decisao, e necessario verificar se as organiza<;:6es do terceiro sector sao ouvidas na elabora<;:ao das politicas, ou se apenas sao chamadas no final para implementar os servi<;:os. Se o Estado transfere para estas organiza<;:6es a responsabilidade de prestar servi<;:os sociais, tambem devera delegar-lhes responsabilidades na defini<;:ao e avalia<;:ao das politicas sociais. (Craig and Taylor, 2002). 0 impacto das parcerias nas organiza<;:6es do terceiro sector tambem e consideravel. Frimeiro, estas organiza<;:6es muitas vezes tem de ir buscar ajuda especializada para a defini<;:ao e gestao dos contratos, actividade para a qual nao costumam estar preparadas. Tambem tem de fazer um esfor<;:o para responder a requisitos organizacionais mais exigentes. Alem disso, os processos mais complexos de formaliza<;:ao e monitoriza<;:ao podem desencorajar as organiza<;:6es mais pequenas (Craig and Taylor, 2002). Se os acordos sao a curto termo, o que acontece frequentemente, o pessoal vive na incerteza sobre o futuro. Muitas vezes, a coopera<;:ao da lugar a competi<;:ao entre organiza<;:6es do terceiro sector, na disputa pelo reconhecimento publico. For ultimo, e como ja foi dito, se a organiza<;:ao do terceiro sector se sente obrigada a conformar-se com os requisitos do parceiro publico, pode afastar-se da sua missao (Alcock et al, 2004).
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l'arcerias entre sec. p1ib. e terc. sec. no com.
a excl. social
a hab. soc. no Reino Unido, p. 89-96
Em jeito de conclusao, estes sao os factores essenciais para uma parceria cficaz: Tern de existir bons canais de comunica<;:ao entre as organiza<;:6es publicas e do terceiro sector, para que a informa<;:ao possa circular e se construa uma rela<;:ao transparente. Os objectivos e a dura<;:ao da parceria devem ser claros, e o ideal e que todos os parceiros estejam presentes desde o inicio ao processo da parceria. - Para evitar os problemas mencionados acima, a entidade publica deve dar recursos suficientes a organiza<;:ao do terceiro sector, mas ao mesmo tempo reconhecer a 'necessidade desta prosseguir os seus prop6sitos' (Craig and Taylor, 2002, p.142), de forma a mitigar as desigualdades de poder entre os parceiros.
3. A
habita~ao
social no Reino Unido
0 sector da habita<;:ao social no Reino Unido representa cerea de 20% do total de casas naquele pais - o que equivale a cerea de 4 milh6es de familias. Enquanto que no p6s-Segunda Guerra este tipo de habita<;:ao estava destinado a pessoas corn diversos graus de rendimento, a partir de 1980 o recurso a habita<;:ao social passou a concentrar-se nas familias corn maiores dificuldades. Entre os moradores deste tipo de habita<;:ao, a taxa de emprego e cada vez mais baixa (de 47% em 1981 passou a 32% em 2006), e existe uma grande propor<;:ao de pessoas corn deficiencia, familias monoparentais e minorias etnicas. Por essa razao, as entidades que gerem estas casas- autarquias ou associa<;:6es do terceiro sector (housing association) - tern urn papel preponderante na regenera<;:ao das zonas mais carenciadas (Hills, 2007). Nesta missao, devem contar corn o apoio de urn conjunto de parceiros: moradores, housing associations, proprietarios privados, construtores, organiza<;:6es do terceiro sector, representantes de comunidades de minorias etnicas, servi<;:os de saude, servi<;:os sociais e policia (DETR, 2000). Vamos come<;:ar por apresentar uma entidade inexistente no contexto portugues. As housing associations sao organiza<;:6es sem fins lucrativos que an路endam casas a baixo custo a pessoas corn necessidades especiais. 0 seu caracter nao lucrativa significa que os excedentes financeiros sao reinvestidos na manuten<;:ao das propriedades ou na constru<;:ao de novas. As primeiras associa<;:6es surgiram no seculo XIX, por iniciativa de filantropos, em resposta as condi<;:6es de habita<;:ao durante a Revolu<;:ao Industrial. No Governo de Margaret Thatcher os munidpios deixaram de poder financiar a constru<;:ao de habita<;:ao social corn impostos municipais e os seus inquilinos
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ganharam o direito a comprar as casas onde moravam corn grande desconto, o que reduziu o stock das autarquias; por outro !ado, os subsidios para a constru<;ao foram canalizados para estas associa<;oes, que ganharam maior protagonismo. Dentro de uma politica de redw;ao de custos, foi tambem incentivada a transferencia de stock dos munidpios para as associa<;oes. Actualmente existem cerea de 1400 associa<;oes no Reino Unido, que gerem aproximadamente 1.8 mihoes de unidades habitacionais- incuindo-se aqui varios projectos para casos de satlde mental, pessoas corn problemas de drogas ou alcool, ex-reclusos ou vitimas de violencia domestica (Hills, 2007). A actividade das associa<;oes e fortemente regulada pela Housing Corporation, uma entidade publica supervisionada pelo Ministerio das Comunidades e Governo Local. Esta entidade atribui subsidios que cobrem uma percentagem da constru<;ao de casas novas as associa<;oes que cumprem os requisitos que lhes permitem obter o estatuto de "parceiro para o desenvolvimento". Outro agente importante e a Audit Commission, a entidade fiscalizadora do Estado, que realiza inspec<;oes peri6dicas a todas as associa<;oes, classificando os seus servi<;os entre 0 e 3 estrelas. Urn dos principais factores a ser avaliado e a capacidade de agir em parceria corn as autoridades locais na gestao das necessidades habitacionais. Depois de apresentados os principais intervenientes, resta explicar a que niveis se concretiza a parceria na provisao de servi<;os aos mm路adores, e como estes servi<;os combatem a exclusao social (Reid, 2001). Em primeiro lugar, e de referir a pm路ceria estabelecida para gerir a atribui<;ao de casas, que implica urn acordo formal entre cada munidpio e as associa<;6es que operam na sua area. As autarquias continuam responsaveis pelo registo das pessoas que precisam de habita<;ao e sao classificadas, por grau de necessidade, numa lista de espera; quando uma propriedade de alguma associa<;ao fica vaga, o lugar sera, em prindpio, ocupado pelo primeiro da lista. Cada vez mais este processo e feito corn recurso as tecnologias, proporcionando maior escolha entre varias casas possiveis aos candidatos. A partir daqui, a responsabilidade das associa<;oes nao se resume a manter as casas e cobrar rendas. Elas tern a obriga<;ao de intervir como primeiro ponto de contacto para os seus moradores em situa<;oes de conflitos de vizinhan<;a, violencia domestica e racismo, bem como de tomar medidas que previnam a sua ocorrencia. Para isso, empregam urn conjunto de assistentes sociais e animadores s6cio-culturais, recorrendo tambem a parcerias corn outras organiza<;6es do terceiro sector. Desenvolvem ainda urn conjunto de projectos corn vista a promover o empoderamento dos moradores, a sua inser<;ao no mercado de trabalho e a ocupa<;ao dos jovens. Corn o objectivo de promover a regenera<;ao urbana, e promovida nao s6 a constru<;ao de novas casas de qualidade, mas tambem urn grande programa de
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Parcerias entre sec. ptib. e terc. sec. no com.
a excl. social- a hab. soc. no Reino Unido, p. 8Y-Y6
recuperac;ao de casas corn poucas condic;6es. Ha urn conjunto de requisitos de conservac;ao e salubridade para que todas as casas possarn atingir o estatuto de decent homes, e cada associac;ao tern de ter urn piano calendarizado. Neste processo sao envolvidos parceiros dos sectores da arquitectura e da construc;ao. Outro exernplo de parceria e o servic;o de adaptac;6es nas casas, para pessoas corn dificuldades de rnobilidade. Intervern neste servic;o os terapeutas ocupacionais que fazern uma avaliac;ao dos casos, os agentes tecnicos que procedern as reparac;oes, as associac;6es que divulgam o servic;o e identificam potenciais beneficiarios, e os munidpios que concedem subsidios para este fim. Finalmente, e de salientar a participac;ao dos moradores como requisito transversal a toda a actividade do sector. Eles sao convocados para desenhar os padr6es de qualidade dos servic;os e para avaliar se estao a ser curnpridos. 0 Conselho de Administrac;ao das associac;6es inclui obrigatoriamente alguns rn01路adores, que recebern a forrnac;ao necessaria para exercerern esse papel. A forma coma os moradores sao envolvidos nas decis6es e urn dos principais aspectos avaliados pelas inspecc;6es da Audit Commission.
4. Conclusao A acc;ao em parceria no sector da habitac;ao social no Reino Unido, desde os anos 80, foi urn veiculo para varias mudanc;as: introduziu uma cultura de eficiencia nos servic;os; trouxe maior escolha para o "consumidor", desde a atribuic;ao das casas ate ao pagamento das rendas; e focou a acc;ao na regenerac;ao urbana, atraves da melhoria do parque habitacional e da promoc;ao de projectos sociais para varios grupos-alvo. Desta forma, o investimento publico e acompanhamento das parcerias na habitac;ao sao tidos como prioridades no cornbate a exclusao social - pela prornoc;ao do direito fundamental a urna habitac;ao digna e pelo desenvolvirnento das cornunidades locais corno veiculo para a inserc;ao.
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PROJECTO SENTIDOS: INTERVEN\=AO COM POPULA<;AO SEM-ABRIGO NA CIDADE DE LISBOA
Mafalda Brandao Coordcnadora do Projccto Scntidos
Resumo: 0 MSV - Movimento ao Servi<;:o da Vida desenvolve atraves do projecto Sentidos, desde 2003, um apoio tecnico e continuado com a popula<;:ao sem-abrigo e pedinte da cidade de Lisboa, em especial da zona da Baixa-Chiado. A finalidade deste projecto e promover o exerdcio da cidadania junto da popula<;:ao beneficiaria, intervindo directamente junto desta, por meio da sua equipa de rua. Ao estabelecer rela<;:6es de confian<;:a, procura criar motiva<;:ao e abrir espa<;:os para um processo de auto-suficiencia e (re)inser<;:ao. Nesta interven<;:ao sao apresentadas as diversas estrategias definidas no ambito deste projecto. Em primeiro lugar tem-se em conta a circunstancia pessoal de cada individuo, de forma a encaminhar para respostas que se adaptem as suas necessidades e capacidades. Este processo so e possivel mediante a avalia<;:ao das causas do processo de marginaliza<;:ao a um nfvel individual, do acompanhamento sistematico das situa<;:6es identificadas e da verifica<;:ao da continuidade do processo de reinser<;:ao, ap6s o encaminhamento. Em segundo lugar, sao desenvolvidas ac<;:6es de sensibiliza<;:ao com dinamicas de grupo e debates em alunos do 5.Q ao 12.Q ano de escolas da cidade de Lisboa, que visam despertar a consciencia social dos jovens para as questoes da pobreza e exclusao social, contribuindo para a educa<;:ao de cidadaos informados e livres de preconceitos, relativamente a esta popula<;:ao. Em terceiro lugar, em Dezembro de 2006 foi criada uma Comunidade de Pratica, com o objectivo de promover uma reflexao te6rica e de criar uma linguagem comum entre os actores da cidade de Lisboa que intervem ou investigam na area das pessoas em situa<;:ao de sem-abrigo. Este grupo reline-se mensalmente e e constituido por representantes de institui<;:6es lisboetas, da autarquia e investigadores sociais.
Projecto Sentidos:
interven~ao
corn
popula~ao
sem-abrigo na cidade de Lisboa
0 MSV - Movimento ao Servi<;:o da Vida desenvolve atraves do projecto Sentidos, desde 2003, um apoio tecnico e continuado com a popula<;:ao sem-abrigo e pedinte da cidade de Lisboa, em especial da zona da Baixa-Chiado. Surgiu inicialmente, a pedido da Camara Municipal de Lisboa, ap6s a identifica<;:ao da necessidade de uma equipa de interven<;:ao de rua com popu-
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la<;:ao sem-abrigo numa area restrita da cidade de Lisboa (freguesias da Encarna<;:ao, Madalena, Martires, Sacramento, Santa Justa, Sao Jose, Sao Nicolau, Sao Paulo e Se). 0 Projecto Sentidos actualmente concretiza-se atraves de tres vertentes espedficas e diferenciadas: a equipa de interven<;:ao de rua, as ac<;:oes de sensibiliza<;:ao escolar e a implementa<;:ao de uma Comunidade de Pratica relacionada corn a tematica das pessoas sem-abrigo. Seguidamente sera apresentada sucintamente cada uma destas vertentes, respectivamente nas sec<;:oes 1, 2 e 3. Uma questao preliminar reside no conceito utilizado sobre quem se considera uma pessoa em situa<;:ao de sem-abrigo. Existe urn conceito que foi adoptado em Portugal em 2007, no qual se considera pessoa sem-abrigo aquela que, independentemente da sua nacionalidade, idade, sexo, condi<;:ao socio-econ6mica e condi<;:ao de saude fisica e mental, se encontre sem tecto, vivendo num espa<;:o publico, alojado em abrigo de emergencia ou corn paradeiro em local precario, ou sem casa, encontrando-se em alojamento temporario destinado para o efeito.
1. A equipa de
interven~ao
de rua
A finalidade do Projecto Sentidos consiste em promover o exerdcio da cidadania junto da popula<;:ao beneficiaria, atraves de uma interven<;:ao directa, por meio da sua equipa de rua, que actualmente e composta por tres tecnicos. Estes tecnicos tern forma<;:ao em Servi<;:o Social e Psicologia. Contudo, nao se pode afirmar que numa equipa de rua trabalham tecnicos de servi<;:o social, psic6logos, soci6logos, etc, mas antes que trabalham tecnicos corn essa forma<;:ao, que tern uma interven<;:ao comum. Essa forma<;:ao diferenciada e considerada imprescindivel para uma interven<;:ao global mais abrangente (como no exemplo do "elefante na sala", onde cada urn olha para uma parte do elefante, nao o reconhecendo, mas sendo a equipa multidisciplinar ja capaz de o identificar enquanto "elefante"). Saliente-se que enquanto algumas equipas providenciam a provisao das necessidades mais basicas (habitualmente equipas compostas por voluntarios), a estrategia de interven<;:ao da equipa do Projecto Sentidos e a de ir ao encontro das necessidades das pessoas sem-abrigo e pedintes actuando atraves da constru<;:ao de uma rela<;:ao de confian<;:a. 0 pressuposto e acreditar-se que o estabelecimento de uma rela<;:ao de confian<;:a tern urn papel importante no processo motivacional para a auto-suficiencia, reabilita<;:ao e (se adequado) (re)inser<;:ao na comunidade. Para o prop6sito desta interven<;:ao acredita-se ser necessario avaliar as causas do processo de marginaliza<;:ao a urn nivel individual, acompanhar as
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situa<;:oes identificadas, encaminhar para as respostas existentes na comunidade e verificar sempre a continuidade do processo ap6s o encaminhamento, de forma a que a interven<;:ao tenha em conta a circunstancia pessoal de cada indivfduo. A circunscri<;:ao da area de interven<;:ao a zona espedfica da Baixa de Lisboa proporciona a utiliza<;:ao de estrah~gias de actua<;:ao particulares nesta zona e, por se tratar de uma area onde a flutua<;:ao de pessoas em situa<;:ao de semabrigo e constante, a presen<;:a de uma equipa de rua e fundamental. A vantagem da equipa do Projecto e sobretudo o facto de conhecer nao apenas a popula<;:ao, mas tambem o territ6rio e a sua dinamica, o que permite uma maior profundidade tanto ao nivel da identifica<;:ao de altera<;:oes na dinamica da popula<;:ao sem-abrigo que permanece nesse territ6rio, coma tambem na capacidade de compreender o significado e antever as tendencias que poderao implicar essas altera<;:oes e, ainda, as altera<;:oes na propria comunidade. As estrategias utilizadas traduzem-se, pais, no aprofundar do conhecimento da realidade e dinamica do espa<;:o fisico onde o trabalho evolui e na possibilidade de manuten<;:ao de urn contacto personalizado e assfduo corn cada indivfduo (na maior parte das situa<;:oes contactos bissemanais), permitindo o estabelecimento de rela<;:oes de confian<;:a e facilitando a presta<;:ao de urn apoio psico-afectivo. No que consiste, em suma, o papel de urn tecnico de rua? Antes de mais, identifica situa<;:oes de vulnerabilidade, informa e abre op<;:oes de escolha. "Liberta" constrangimentos para que a pessoa possa decidir mais livremente o seu rumo de vida. Promove ainda a cria<;ao de vfnculos, ao servir de interlocutor entre os indivfduos e as institui<;:oes, ao criar aproxima<;:oes destes aos servi<;:os e a outros drculos relacionais. Podemos afigurar coma comum nesta popula<;:ao a desvincula<;:ao; desvincula<;:ao esta que aumenta corn o tempo e se reflecte ao nivel das rela<;:oes pessoais, de pares e para corn as pr6prias institui<;:oes. No projecto Sentidos nao se pretende reinserir todas as pessoas que estao na situa<;:ao de sem-abrigo, mas apoia-las para que possam exercer a sua cidadania, centrando-se a actua<;:ao na pessoa e na dimensao humana e nao somente nas suas problematicas. Ha a procura de urn diagn6stico completo centrado nas necessidades, capacidades e respostas existentes, respeitando sempre a liberdade de decisao de cada individuo. Por conseguinte, a dificuldade de urn trabalho de rua encontra-se precisamente na dificuldade de diagn6stico: porque a popula<;:ao e heter6genea, parque existem co-morbilidades e problematicas multiplas (patologias mentais, dependencias, carencia econ6mica, indocumenta<;:ao, ... ), porque e dificil destrin<;:ar por vezes o que e primario do secundario, e porque havendo geralmente uma preocupa<;:ao, por parte das institui<;:oes que intervem corn esta popula<;:ao, corn a reinser<;:ao das pessoas, estas acabam por ter para corn os tecnicos urn
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discurso "fachada", transmitindo o que cada tt~cnico tern a expectativa de ouvir e nao o que se aproxima mais da sua realidade. E, portanto, trabalho de uma equipa de rua conseguir entender o que esta por tras do aparente. Coma forma de maior conhecimento sobre esta problematica e porque nao existe nenhuma forma<;:ao espedfica sobre esta nem sobre a sua interven<;:ao, foram criadas mais duas vertentes do Projecto Sentidos no final de 2005 e de 2006: Sensibiliza<;:ao Escolar e Comunidade de Pratica.
2.
Sensibiliza~ao
Escolar
A vertente de Sensibiliza<;:ao escolar pretende actuar corn crian<;:as e jovens do 5.Q ao 12.Q ano de escolas da cidade de Lisboa, atraves de ac<;:6es de sensibiliza<;:ao corn dinamicas de grupo e debates, que visam despertar a consciencia social dos jovens para as questoes da pobreza e exclusao social, contribuindo para a educa<;:ao de cidadaos informados e livres de preconceitos, relativamente a esta popula<;:ao. Pretende-se desta forma chegar aqueles que vao ser os futuros interventores directos na sociedade, e para quem e importante que temas actuais e reais coma a pobreza e a exclusao social sejam tratados de uma forma pratica e acessivel, por tecnicos que trabalham diariamente corn popula<;:6es excluidas, contribuindo de forma a minimizar os preconceitos e as generaliza<;:oes frequentemente utilizadas em rela<;:ao a popula<;:ao pobre ou sem-abrigo e que nao contribuem quer para a melhoria da auto-imagem destas pessoas, quer para a imagem que tern aos olhos da sociedade.
3. A Comunidade de Pratica Em Dezembro de 2006 foi criada uma Comunidade de Prcitica, corn actores da cidade de Lisboa que intervem ou investigam na area das pessoas em situa<;:ao de sem-abrigo. Este grupo reune-se mensalmente e e constituido por representantes de institui<;:6es lisboetas, da autarquia e investigadores sociais. A Comunidade de Pratica tern como finalidade promover uma reflexao e uma analise, bem sustentada teoricamente, do fen6meno da popula<;:ao sem-abrigo, ao nivel das suas diversas vertentes (conceitos que mobiliza, representa<;:6es sociais que evoca, problematicas que estao associadas, solu<;:6es que suscita, etc) e nos varios niveis que implicam a interven<;:ao corn pessoas a vivenciar esta situa<;:ao. Desta forma, a Comunidade de Pratica permite que a interven<;:ao seja pensada e planeada corn base em aprecia<;:6es e reavalia<;:6es constantes do fen6meno
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como um todo com movimentos constantes, que interessa ser apreciado e abordado de maneira conforme asua natureza dinamica. Ha que ter em considera<;ao que as representa<;oes dos membros da comunidade (e dos actores em geral) determinam a interpreta<;ao que e feita da realidade da "rua". Estas representa<;oes sao elas pr6prias fruto quer da reflexao, mais ou menos profunda, que e feita acerca do material recolhido no relacionamento directo com a popula<;ao sem-abrigo, quer da partilha e confronto de perspectivas com os outros tecnicos e investigadores, em particular, e com a sociedade em geral. Embora seja possivel destrin<;ar estas duas esferas de reflexao, e evidente que nao e possivel concebe-las em separado e que ambas tem que ser consideradas, se se pretende evitar os preconceitos e o fechamento sobre pontos de vista pr6prios. 0 balan<;o do Projecto Sentidos demonstra a importancia da Comunidade de Pratica, pois e atraves do melhor conhecimento desta realidade e da discussao entre os diversos intervenientes na sociedade que mitos e preconceitos vao caindo, abrindo espa<;o para a reflexao e, logo, para um maior conhecimento e interven<;ao com esta popula<;ao. Em sintese, procuramos ilustrar como as tres vertentes de interven<;ao expostas sao indispensaveis e complementares: intervir junto da popula<;ao beneficiaria, na perspectiva de um refor<;o da sua cidadania; preparar o cidadao comum para um olhar sobre a popula<;ao beneficiaria que seja conforme os objectivos gerais do projecto; e promover o debate e o cruzamento de experiencias como determinante essencial da forma<;ao de um tecnico de rua.
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A PROSTITUTA, A MULHER E A CIDADA. PERSPECTIVAS DE UM PROJECTO DE INTERVENc;AO SOCIAL NA AREA DA PROSTITUic;AO
Helena S. Fidalgo Centra de Acolhimento e Orienta<:;tio aMulher Obra Social das Irmtis Oblatas do Santissimo Redentor Tel: 218880192 • Fax: 218880206 Email: helenafsilva@gmail.com
"Mulheres de rua? .. Mulheres de esquina? Mulheres de vida alegre? ... Este ultimo nome pretende tapar a verdadeira realidade que a imensa maioria das mulheres que exercem a prostitui<;:ao esconde. Sera "alegres" so por safrem a rua exibindo-se de todas as fonnas possfveis para sobreviver? Onde esta a sua alegria quando sao vftimas de todos os tipos de violencia e explora<;:ao" (Zabalza, Maria Angeles, 2005). A sociedade em geral condena, sem saber e sem conhecer, quem sao as mulheres e como e a vida de uma mulher prostituta. Nos dias de hoje, a prostitui<;:ao surge em diferentes contextos e corn dif~rentes actores, estando associada ao trafico de seres humanos, explora<;:ao sexual e !aboral, ao crime organizado, por sua vez a imigra<;:ao ilegal sempre associadas ao estigma e exclusao dos direitos humanos. Desde 1987 em Lisboa, a Obra Social das Irmas Oblatas do Santissimo Redentor desenvolve urn trabalho de humaniza<;:ao junta da mulher que se prostitui na rua. Este trabalho e desenvolvido atraves de urn Programa de Inclusao corn a Mulher em Contexto de Prostitui<;:ao de Rua e tern por base os prindpios orientadores dos fundadores da Congrega<;:ao: o respeito pela mulher prostitufda, a aceita<;:ao do ritmo individual, a escuta activa e atenta aos sinais de cada mulher, acreditar na possibilidade de mudan<;:a e o incentivo para que as mulheres sejam as protagonistas da sua propria vida. No fundo, torna-se evidente que estas mulheres devem ser encaradas como cidadas de plena direito na nossa sociedade. Este programa de inclusao inicia-se no proprio local (a rua) onde a mulher se encontra a prostituir, atraves do denominado Encontro na Rua. Nestes encontros, as equipas constitufdas por tecnicos e mulheres, que no passado ja exerceram a prostitui<;:ao, estabelecem uma rela<;:ao empatica e de confian<;:a permitindo, prevenir comportamentos sexuais de risco e ainda informar e encaminhar para os servi<;:os da comunidade. Posteriormente as mulheres sao encaminhadas para o Gabinete de Acompanhamento em Regime Ambulatorio (GARA), onde sao disponibilizados de forma gratuita e livre os acompanhamentos sociais, psicologicos e jurfdicos, assegurando assim as necessidades prioritarias diagnosticadas. Este servi<;:o proporciona a mulher urn acompanhamento individual e personalizado que, de acordo corn a sua liberdade, se mobiliza para a procura de apoio. 0 apoio e disponibilizado de forma continuada, independentemente da op<;:ao tomada pela Mulher de manter a prostitui<;:ao, ou iniciar outro projecto de vida.
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Posteriormente as mulheres e-lhes proposto iniciarem urn projecto designado Sou Mulher e Cidadfi composto por dois momentos Identidade Pessoal e Novas Oportunidades - Certificar:;fio Escolar. Nesta fase, a mulher decide deixar a rua por 3 horas diarias e aceita, por urn lado, re-construir o seu eu, e por outro lado, aumentar a sua escolaridade. A identidade pessoal diz respeito aquilo que uma pessoa e num determinado momento do seu tempo existencial e aquilo que sera no percurso cronol6gico. Como podemos depreender, a identidade pessoat constitui uma dimensao complexa e abrangente do Ser Humano, corn variaveis como a personalidade, a cultura, o universo sociat emocionat afectivo, etc. Deste modo, pode dizer-se que a identidade pessoal constitui tambem urn auto-conhecimento, que deve visar o funcionamento adaptativo da pessoa, corn o objectivo de proporcionar urn projecto de vida livre, consciente e realizador. E nesta perspectiva que vemos nesta etapa, urn espac;o que permite a mulher ter uma possibilidade de auto-conhecimento, de reflexao, acc;ao livre e autentica, para poder descobrir-se e assim optar pelo seu projecto de vida, aquele que na verdade e o seu. Sem uma identidade pessoal s6lida, torna-se mais dificil a escolha consciente e a consequente integrac;ao adaptada. Urn desenvolvimento disruptivo, quer a nivel psicol6gico quer sociat compromete de forma negativa a construc;ao identitaria e a possibilidade de urn auto-conhecimento suficiente, que possibilite o desenvolvimento de uma auto-estima saudavel e securizante. E este o compromisso interventivo que se prop6e as mulheres nesta fase. Muitas quest6es, por vezes, nao tern respostas faceis, necessitam de ser trabalhadas de forma diferenciada entre as mulheres, corn a ajuda dos tecnicos e professores das actividades. Esta abordagem requer, obviamente, que a mudanc;a seja feita a urn ritmo que depende da evoluc;ao individual de cada mulher. Esta etapa e composta por diferentes sess6es, como o grupo terapeutico, saude, informatica, olhar o mundo e ainda as competencias sociais. Segundo McFall (1982), a competencia consiste na adequabilidade e qualidade da execuc;ao global de uma tarefa particular e urn termo avaliativo, que reflecte o julgamento de alguem acerca da adequac;ao da execw;:ao de determinada tarefa. E evidente que para ser ajustado, urn comportamento nao precisa de ser excepcional mas sim adequado. Termos conhecimento de nos mesmos e dos outros e uma componente essencial da competencia social. As pessoas que nao tern consciencia das necessidades e interesses dos outros, ou dos seus proprios interesses, necessidades ou comportamentos, e improvavel que funcionem de forma competente. Do mesmo modo, e importante estarmos conscientes do que queremos, sentimos, pensamos e fazemos, de forma a planearmos e ajustarmos as nossas acc;oes. Paralelamente aldentidade Pessoal as mulheres encontram-se num processo de Novas Oportunidades, que lhes permite obter um aumento da escola-
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A prostituta, a mulher ea cidada. Persp. de urn proj. de interv. soc. na area da pros., p. 105-109
ridade. Toda esta etapa permite a mulher preparar-se para uma mudan<;a, que pode ou nao acontecer no imediato, a integra<;ao profissional. Muitas vezes, esta integra<;ao e composta por conquistas e derrotas, que continuam, se a mulher assim o entender, a ser partilhadas no acompanhamento tecnico. 0 programa de interven<;ao social, realizado na Obra Social das Irmas Oblatas do Santfssimo Redentor, e dinamico sendo constantemente adequado as altera<;oes que 0 fenomeno da prostitui<;ao envolve, pois 0 conhecimento obtido atraves da interven<;ao permite uma abordagem pertinente e eficaz para as mulheres. Para quem vive ou sobrevive da prostitui<;ao, torna-se urgente medidas que lhes confiram direitos, mas de modo a que o negocio nao seja fomentado. As mulheres que optem por exercer a prostitui<;ao, devem ter essa liberdade e autonomia, de forma a que o proxenetismo nao se aproveite desta situa<;ao. Em rela<;ao as mulheres que optem por sair da rua, devem ter condi<;6es para tal aconte<;a, sendo apoiadas de forma a encontrar as respostas adequadas as situa<;oes individuais. 0 papel do tecnico de servi<;o social nesta institui<;ao, permite ao projecto uma abordagem a nfvel individual e a nfvel do grupo, pelo que se obtem uma dimensao mais global e abrangente no conhecimento de cada mulher e assim estar mais consciente e atento as reais necessidades de cada mulher. A nfvel global e urgente o combate ao trafico e a prostitui<;ao for<;ada, tendo que existir por parte dos governos um maior investimento, de forma a que sejam punidas as redes criminosas e a todos os que lucram e actuam nesta area.
Bibliografia McFALL, R. (1982), A review and reformulation of the concept of social skills, Behavioral Assessment, 4, 1-33. ZABALZA, Maria Angeles (2005), Quem levou o meu ser? Mulheres de Rua, Lisboa, CML Divisao da Imprensa Municipal.
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IMPACTO DA CRIAc;AO DE SALAS DE CONSUMO VIGIADO NO SENTIMENTO DE INSEGURANc;A DAS POPULAc;6ES: EXPLORA~AO TEORICA INICIAL
Miguel Angelo Ferreira Morais Valerio Instituto Superior Politecnico de Gaia
Introdw;;ao Este trabalho, foi realizado no ambito da unidade curricular de Politicas Sociais do curso de Mestrado em Politica Social e Servi<;:o Social do Instituto Superior de Servi<;:o Social do Porto e tem como tematica principal o potencial impacto da cria<;:ao de salas de consumo vigiado no sentimento de inseguran<;:a das popula<;:6es. 0 Decreto-Lei 183/2001 de 21 de Junho apresenta as condi<;:6es necessarias para a cria<;:ao de salas de consumo vigiado. Estas salas, tambem conhecidas como salas de consumo assistido ou, na giria, como salas de chuto, apresentamse como sendo locais onde os toxicodependentes poderao efectuar os seus consumos em maiores condi<;:6es de seguran<;:a. Contudo, e embora a legisla<;:ao portuguesa preveja estas respostas desde 2001 ainda nao foi implementada nenhuma em Portugal. Nao obstante, tem-se originado muito debate ptlblico e politico sobre esta tematica, numa diversidade de varia<;:6es. Falamos do local onde implementar estas respostas, da moralidade do Estado em criar locais para comportamento considerados como incorrectos, entre outros. 0 objectivo inicial deste trabalho passava pela realiza<;:ao duma revisao te6rica sobre o potencial impacto da cria<;:ao de salas de consumo vigiado no sentimento de inseguran<;:a das popula<;:6es dos locais onde essas respostas sociais fossem criadas. Contudo, verificamos que ainda nao existem repercuss6es sobre esta rela<;:ao na literatura cientifica. Alias, a propria existencia de estudos sobre as duas tematicas independentes ainda nao sao uma realidade muito presente nessa mesma literatura, o que nos obrigou a reestruturar a ordena<;:ao deste trabalho de forma a apresentarmos uma explora<;:ao te6rica sobre as duas tematicas abordadas: salas de consumo vigiado e sentimento de inseguran<;:a. Assim, apresentamos um primeiro capitula onde realizamos um enquadramento desta estrutura nas politicas de redu<;:ao de danos, apresentamos o tipo de servi<;:o legalmente previsto para Portugat e os resultados conhecidos da implementa<;:ao das salas de consumo vigiado noutros paises. Num segundo capitula, procedemos a uma revisao te6rica sobre o sentimento de inseguran<;:a, apresentando as diferentes perspectivas de explica<;:ao. Sendo que consideramos que essas perspectivas encontram-se intimamente re-
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Miguel Angelo Ferreira Morais Valerio
lacionadas entre si, propomos no final deste segundo capitulo um modelo te6rico integrativo e explicativo do sentimento de inseguran<;a. Esta estrutura<;ao, permite-nos concluir sobre os possiveis impactos que a cria<;ao de salas de consumo vigiado terao no sentimento de inseguran<;a das popula<;oes residentes nos locais onde a legisla<;ao portuguesa preve a cria<;ao destas estruturas.
Salas de Consumo Vigiado Os locais criados especificamente para o consumo de drogas ilicitas tem sido designadas, entre outras, como "salas de injec<;ao", "locais de injec<;ao supervisionada", "centros de injec<;ao medicamente supervisionados", "salas de consumo assistido" ou "salas de consumo vigiado", sendo estas duas ultimas as mais utilizadas em Portugal. Neste trabalho, utilizaremos a designa<;ao de "salas de consumo vigiado", pelo facto de ser esta a designa<;ao proposta pelo Instituto da Droga e da Toxicodependencia (IDT) no piano "Horizontes 2008" (IDT s.d.). As primeiras salas de consumo vigiado (SCV) surgiram na decada de 1970 na Holanda, no ambito dum quadro legal algo inconsistente (O'Shea, 2007) originando, ao longo dos anos, alguns recuos na consolida<;ao das mesmas. Contudo, devido ao aumento do n{tmero de utilizadores de drogas injectaveis (UDI's) que se concentravam em espa<;os pttblicos, estas salas come<;aram a proliferar na decada de 1990. Na decada anterior, na Sui<;a, e com objectivos identicos, foram tambem criadas SCV, tendo a primeira surgido em 1986. Ainda com o objectivo de diminuir o consumo a "ceu aberto", surgiu em 1994, em Frankfurt a primeira SCV da Alemanha (Dolan et al., 2000). Na actualidade, sao diversos os pafses onde as SCV estao a ser implementadas (Canada, Australia, Espanha, Noruega, entre outros) ou, pelo menos, a fazer parte do debate politico dos pafses, como e o caso de Portugal. A cria<;ao deste tipo de respostas nao deixa, contudo, de ser alvo de um conjunto diverso de criticas aos seus prindpios e pressupostos de funcionamento, as quais nao sao estranhas as posi<;oes assumidas nas Conven<;oes das Na<;oes Unidas de 1961, 1971 e 1988 que estimulam e incitam os paises signatarios a utilizar drogas apenas para fins medicos e cientificos (Bullington, 2004; O'Shea, 2007). Nao obstante, o aumento de patologias infecto-contagiosas (como o HIV /SIDA ou diferentes tipos de Hepatite) tem contrabalan<;ado o debate na cria<;ao das SCV entrando assim nas propostas de metodologias de redu<;ao de danos de diversos paises (Green, Hankins, Palmer, Boivin, & Platt 2003). Neste pressuposto, importa agora esclarecer o que se entende por politicas de redu<;ao de danos.
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Impacto da cria<;ao de salas de cons. vigiado no senti. de inseg. das popula<;iSes, p. 111-130
Enquadramento das SCV nas Politicas de
Redu~ao
de Danos
Embora existam referencias a redw;ao de danos desde a decada de 1920, este paradigma apenas ganhou evidencia na ultima decada do seculo XX (Ritter & Cameron, 2006) podendo ser definida (International Association of Harm Reduction) como sendo o "conjunto de polfticas que visem a redw;ao de danos de sat!de, sociais e economicos associados ao uso de substancias psicoactivas" (s.d.). Contudo, esta defini<;:ao deste conceito apresenta-se como sendo de estrutura<;:ao complexa tendo em conta a ambiguidade que pode estar presente nesta nomenclatura, visto que todas as interven<;:oes na area da toxicodependencia visam (nao so, mas tambem) a redw;ao dos danos sociais, economicos e de saude associados ao consumo de drogas (Bullington, 2004; Bullington, Bollinger, & Shelley, 2004). Assim, e de forma a ser possivel uma conceptualiza<;:ao concreta deste conceito, e que ao mesmo tempo permita distinguir o mesmo de outras tipologias de interven<;:ao nas toxicodependencias, importa estruturar um conjunto de prindpios subjacentes a esta interven<;:ao de redu<;:ao de danos. Lenton & Single (1998) propoem tres caracterfsticas fundamentais para a defini<;:ao duma estratcgia de redu<;:ao de danos. Estes autores, consideram que a enfase da interven<;:ao deve estar na redu<;:ao dos danos como sendo o objectivo principal (e nao a redu<;:ao do uso), que estas interven<;:6es visem individuos que continuam a usar drogas e que possam apresentar, por si mesmas, resultados comprovaveis dessa diminui<;:ao dos danos. No mesmo sentido, Ritter & Cameron (2006), associam a estas caracteristicas a necessidade de aceitar-se que as drogas sao urn aspecto da sociedade que nunca conseguira ser eliminado, enquadrando a interven<;:ao num quadro de saude publica assente nos prindpios do humanismo e do pragmatismo. Alias, a presen<;:a dum modelo de satlde publica e defendida como sendo fundamental para este tipo de interven<;:ao, devendo os profissionais aceitar que os problemas relacionados com o consumo de drogas deve enquadrar-se no sistema de sat!de e nao no de justi<;:a criminal (Bullington, 2004). Consequentemente, e nesta logica que assenta a cria<;:ao e o surgimento das SCV, que sao apresentadas como politicas que visam retirar os consumidores de Iocais abandonados, permitindo realizar os consumos das substancias em condi<;:oes que minimize as consequencias do mesmo na saude dos individuos (Rhodes et al., 2006; Wolf, Linssen, & Graaf, 2003), apresentando como possiveis riscos do consumo publico (ou a "ceu aberto") e consequentes (receios de) interrup<;:6es na injec<;:ao das substancias, a transmissao de HIV, danos vasculares e infec<;:6es bacteriologicas (Rhodes et al., 2006). A cria<;:ao destas respostas, sugerem os autores, permitiria ainda, para alem da redu<;:ao dos riscos acima referenciados, diminuir as situa<;:6es inconve-
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nientes e incomodas para corn a popula<;ao nao consumidora que tern que lidar lado-a-lado corn estes comportamentos de consumo (Rhodes et al., 2006). A estes argumentos, contrapoem-se as ideias de uma interven<;ao nas toxicodependencias que deve assentar na num paradigma livre de drogas, onde a interven<;ao nao se fa<;a atraves da promo<;ao de comportamentos nao legais (Bullington, 2004).
As Salas de Consumo Vigiado em Portugal Embora nao existam SCV em Portugal, a sua existencia esta prevista legalmente desde 2001, corn a aprova<;ao do Decreto-Lei 183/2001 de 21 de Junho 1â&#x20AC;˘ Este Decreto-Lei pressupoe a cria<;ao dum conjunto diferente de respostas 2 e "o seu enquadramento normativo e integra<;ao num sistema global e coerente, clarificando os termos e as bases em que os agentes podem desenvolver a sua actividade, subordinados a avalia<;ao e controlo sistematicos e tendo como objectivos nucleares a protec<;ao da saude pttblica e da sa{tde individual, em estreita correla<;ao corn a clara inten<;ao de sensibiliza<;ao e encaminhamento para o tratamento." (Presidencia do Conselho de Ministros, 2001) As norm as para a cria<;ao das SCV (ou Programas para consumo vigiado, no texto da lei), seguem os pressupostos/normativos presentes noutros paises, apresentando como objectivos (art. 65.Q) a promo<;ao da assepsia no consumo intravenoso, diminuindo os riscos inerentes ao consumo, promovendo urn servi<;o mais proximo dos consumidores de forma a possibilitar o trabalho de sensibiliza<;ao e encaminhamento para tratamento. 0 funcionamento das SCV pressupoe (art. 67.Q) a distribui<;ao de seringas, agulhas, filtros, agua destilada, acido citrico, toalhetes, entre outros de forma manual, nao podendo ser frequentado, simultaneamente, por mais de 10 pessoas (caso se trate de instala<;6es fixas) ou 2 pessoas (em caso de instala<;oes moveis), sendo o acto de consumo da responsabilidade do proprio consumidor, que devera (art. 68Y) ter mais de 18 anos de idade e uma situa<;ao (avaliada pelos profissionais) de dependencia profunda.
' 0 debate sobre a cria.;ao das SCV tem gerado, a semelhan.;a do que tem acontecido em todos os locais onde tem surgido propostas de cria.;ao das SCV, debates pttblicos e politicos sobre as reais consequencias das mesmas em Portugal, embora como verifiquemos posteriormente, a literatura cientifica aponte no sentido das vantagens da sua cria.;ao. Contudo, o debate associado a esta tematica nao assenta apenas em criterios passiveis de ser avaliados cientificamente, mas tambem em pressupostos de cariz politico e ideol6gico (ver, por exemplo Radio Televisao Portuguesa, 2007) 2 Gabinetes de apoio a toxicodependentes sem enquadramento s6cio-familiar; Centros de acolhimento; Centros de abrigo; Pontos de contacto e de informa.;ao; Espa.;os m6veis de preven.;ao de doen.;as infecciosas; Programas de substitui.;ao em baixo limiar de exigencia; Programas de troca de seringas; Equipas de rua e Programas para consumo vigiado.
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Segundo os preceitos legais, a SCV devera ter uma equipa tecnica corn pelo menos um enfermeiro ou outro pessoal tecnico de saude devidamente capacitado para prestar primeiros socorros, tendo como responsavel tecnico um profissional da area psicossocial (art. 69Y). Estas respostas deverao funcionar (art. 70Y) em "zonas de grande concentra<;ao de consumidores por via endovenosa, nao podendo ser instalados em espa<;os ou centros residenciais consolidados [e] tanto quanto possivel, evitar a exposi<;ao a nao utentes" (pp. 360-1).
Resultados da Cria<;ao de Salas de Consumo Vigiado Como verificamos no capitulo anterior, os principais objectivos da cria<;ao de SCV passam pela promo<;ao de condi<;6es mais higienicas para os actos de consumo de drogas, diminuindo os riscos desses comportamentos para a saude dos consumidores, alterando ainda os padr6es de consumo e diminuindo os constrangimentos que tal actos (quando praticados publicamente) causam aos restantes elementos da popula<;ao. Embora os resultados do ultimo relat6rio anual do Observat6rio Europeu da Droga e da Toxicodependencia (2007) aponte para uma melhoria dos dados ao nivel das transmiss6es de HIV e hepatite B e para uma estagna<;ao no caso da hepatite C, verifica-se que ainda se situam a niveis elevados "o que sublinha a necessidade de garantir a cobertura e a eficacia das praticas de preven<;ao locais" (p. 80), sendo importante assim, verificar os resultados obtidos nas SCV, visto ser este um dos prindpios e pressupostos basilares da sua interven<;ao. De seguida, apresentamos uma revisao dos resultados de diversos estudos realizados no ambito das SCV. Verifica-se desde logo, uma escassez de estudos sobre esta tematica, provavelmente influenciada pela juventude deste tipo de respostas sociais, sendo que a maior parte dos artigos publicados reflecte o tipo de interven<;ao realizada, a apresenta<;ao das metodologias, as normas de utiliza<;ao (Kimber, Dolan, Beek, Hedrich, & Zurhold, 2003). Este fact01~ associado a algumas especificidades concretas de cada legisla<;ao (Anoro, Hundain, & Santisteban, 2003; I. v. Beek, 2003; Broadhead, B01路ch, Hulst, & Farrell, 2003; Dolan et al., 2000; Fischer, Rehm, Kim, & Robins, 2002; Wood et al., 2005), condiciona a possibilidade de generaliza<;ao dos resultados 3 . Os estudos existentes centram-se essencialmente na analise do impacto das SCV no consumo publico de drogas, nos auto-cuidados de sa{lde, na parti-
3 Embora estas alterat;6es de pais para pais nos modelos de funcionamento e regras das SCV sejam uma realidade, a semelhant;a do que a legislat;ao portuguesa preve, a maior parte das SCV existentes, foram criadas (I. v. Beek, 2003) em locais onde o consumo e realizado de forma publicae aberta (open drug scenes), associado a um tambem visivel trafico de estupefacientes.
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!ha de seringas, ao nfvel das overdoses registadas e fatalidade das mesmas, no recurso a outros tipos de interven<;ao. Verifica-se ainda a existencia de estudos algo isolados sobre a influencia destas respostas no crime e sobre a opiniao publica em rela<;ao as mesmas.
Impacto na Consumo Publico de Drogas Os dados existentes indicam que a existencia de SCV induz uma diminui<;ao nas situa<;5es de consumo publico de drogas e consequente diminui<;ao do inc6modo que estas situa<;oes representam para as popula<;5es onde essas situa<;5es se verificam. Uma das SCV sobre a qual tem sido realizados mais estudos (Vancouver) apresenta dados positivos. Num estudo prospectivo publicado em 2004 (Wood et al.) os autores encontraram redu<;5es significativas nos consumos publicos de subst1ncias por via endovenosa, por parte dos clientes desta resposta social. Estes dados agora apresentados, foram posteriormente comprovados por outros estudos dos mesmos autores (Petrar et al., 2007; Wood et al., 2005; Wood, Tyndall, Qui et al., 2006). No caso do estudo mais recente (Petrar et al., 2007) 71% da popula<;ao inquirida (n=1082) referiu uma redu<;ao de consumos em pttblico. Estes dados apresentam-se em consonancia com os estudos realizados em Hamburgo (Zurhold, Degkwitz, Verthein, & Haasen, 2003) que, embora com resultados inferiores (40%) apresentam um aumento da redu<;ao de acordo com o aumento da assiduidade nas salas.
lmpacto nos Auto-Cuidados de Saude Tambem no que respeita a uma maior consciencializa<;ao para os riscos dos comportamentos de consumo, parece existir uma influencia da frequencia das SCV. No estudo realizado em Hamburgo, ja anteriormente referido, sao varios os resultados que apontam neste sentido (Zurhold et al., 2003). 37% da amostra total (n=517) refere terem mais cuidado com a higiene e a limpeza pessoal, sendo que a frequencia da preocupa<;ao referida correlaciona positivamente com a frequencia da assiduidade ao servi<;o, apresentando-se estes dados em consonancia corn os referidos por Kimber et al. (2003). Tambem outros estudos vem confirmar os dados aqui obtidos, apresentando mais de 20% dos indivfduos que frequentam uma SCV em Hannover, altera<;5es nos seus comportamentos higienicos devido a terem uma maior consciencializa<;ao da importancia dos mesmos (Stoever, 2002), sendo encontrada tambem melhorias num outro estudo realizado junto dos clientes da SCV de Vancouver (McKnight et al., 2007)
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Impacto na Partilha de Seringas Esta redw;,:ao do numero de consumos realizados em publico e consequente aumento dos consumos realizados nas SCV e as melhorias nos auto-cuidados de satide, parece estar directamente associado com a diminuic;:ao da utilizac;:ao partilhada de seringas, ate pela maior disponibilidade da mesma nestes locais, sendo que os diferentes estudos realizados em Vancouver (Kerr, Tyndall, Li, Montaner, & Wood, 2005; Wood et al., 2004) apontam todos neste sentido
Overdoses e Mortes relacionadas com o consumo de Drogas Um aspecto onde a impacto das SCV parece ser deveras importante e no ambito das overdoses e das mortes relacionadas com o consumo de drogas, apresentando a literatura internacional resultados que demonstram a importancia que este tipo de respostas pode ter quer na diminuic;:ao das primeiras, quer (quando acontecem) no auxilio rapido e eficaz de forma a impedir situac;:6es de falecimento (Kimber et al., 2003). Num estudo realizado junto de 13 SCV na Alemanha, Holanda e Suic;:a (Kimbe1~ Dolan, & Wodak, 2005) verifica-se que durante os anos de 1998 e 2000 ocorreram uma media de 70,5 overdoses por ano, sendo que nenhuma resultou numa situac;:ao de morte. No mesmo sentido, ou seja sem mortes relacionadas corn overdoses, apresenta-se um outro estudo realizado junto da populac;:ao frequentadora da SCV de Vancouver (Kerr, Tyndall, Lai, Montaner, & Wood, 2006). Os dados existentes sobre o numero de overdoses ocorridas apontam para uma diminuic;:ao face a sua percentagem na populac;:ao consumidora nao frequentadora das SCV (Kimber et al., 2005).
As SCV como Pontes para Outros Servic;:os Dos poucos estudos que avaliam esta variavel (Kimber et al., 2005; Kimber et al., 2008; Stoever, 2002), verifica-se que estes servic;:os podem ter influencia nos encaminhamentos para outros servic;:os de saude, nomeadamente para programas de tratamento livres de drogas. Nao obstante, e como refere Kimber et al. (2005, p. 8) "a utilidade das SCV enquanto fontes de encaminhamento depende necessariamente da capacidade dos sistemas locais satisfazerem as necessidades dos clientes" 4 â&#x20AC;˘
" Estes dados remetem-nos desta forma, para a necessidade destas estruturas, ao serem criadas, nao se apresentarem como um fim em sim mesmo, mas como mais uma estrutura de
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Crime Como refere Stoever (2002) uma das criticas iniciais a estes servic;os passavam pelo receio da concentrac;ao de toxicodependentes nestes locais e consequente aumento do crime directamente ou indirectamente associado a toxicodependencia. Contudo, os estudos realizados nesta area (Freeman et al., 2005; Wood, Tyndall, Lai, Montaner, & Kerr, 2006) e onde sao comparadas taxas de incidencia criminal antes e ap6s a abertura das SCV, nao apresentam diferenc;as estatisticamente significativas que suportem esse receio inicial.
Outros Estudos Como referimos anteriormente neste trabalho, existe ainda urn conjunto de estudos isolados onde se analisam as relac;oes entre as SCV e diversas variaveis. Urn estudo realizado em Ontario, Canada (Cruz, Patra, Fischer, Rehm, & Kalousek, 2007), sobre a opiniao publica face a existencia de SCV, apresenta dados que vem em consonancia corn os que sao apresentados por (Kimber et al., 2003), revelando que 60% da populac;ao inquirida (n=885) concordam corn a disponibilidade de SCV para dependentes de heroina. Urn outro estudo que importara aqui abordar pela carga politica que tern no debate ptiblico (Kerr et al., 2007), refere-se a analise sobre a possibilidade das SCV serem uma fonte de promoc;ao do consumo de substancias por via endovenosa. No referido estudo, realizado em Vancouver, os dados apontam para que tal situac;ao nao seja uma realidade, visto que num total da amostra (n=1065) o numero medio de anos deste tipo de consumo era de 15,9 anos, e que apenas urn individuo referiu que o primeiro contacto corn substancias por esta via ter sido na SCV.
0 Sentimento de Inseguranc;a 0 conceito de sentimento de inseguranc;a ja nao e apenas a de "uma reacc;ao emocional caracterizada por uma sensac;ao de perigo e de ansiedade [ ... ] devido a ameac;as de danos existentes no meio envolvente e que de alguma forma estao associadas ao crime" (Garofalo, s.d., cit. por Magro, 2001, p. 99) e vai muito alem do problema concreto da criminalidade, assumindo actualmente
apoio a popula<;:ao toxicodependente, que devera ser devidamente enquadrada num mais lato programa de interven<;:ao que articule interven<;:6es na area da redu<;:ao de danos, mas tambem na area da preven<;:ao, do tratamento e da reinser<;:ao.
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elevada relevancia por motivos relacionados corn o aumento do crime, a aten<;ao dada a vftima (Boutellier, 2001), a sua utiliza<;ao polftica e no ambito das polfticas de protec<;ao por parte dos governos internacionais (Sa, 2000), ao discurso social (Machado, 2004), e a urn sentimento de perda de controlo, no caso de ser vitimado(a) e correspondentes consequencias (Cusson, 2006). Desta forma, o conceito de sentimento de inseguran<;a remete-nos para uma representa<;ao social do contexto onde os indivfduos [enquanto pessoas singulares ou pertencentes a urn grupo ou uma comunidade] estao inseridos (Frias, 2004). A importancia do estudo do sentimento de inseguran<;a, revela-se tambem na necessidade de conhecer uma situa<;ao que poe em causa o bem-estar da popula<;ao, visto que popula<;oes corn maior nfvel de sentimento de inseguran<;a promovem comportamentos protectores que muitas vezes resultam num isolamento social, que por seu lado tambem promove o aumento deste sentimento. (Amerio & Roccato, 2005; Briceno-Le6n & Zubillaga, 2002; Jackson, 2006), desenvolvendo urn ciclo vicioso que aprisiona a popula<;ao ao seu proprio sentimento de inseguran<;a, diminuindo consideravelmente a sua qualidade de vida, o seu bem-estar e a sua satisfa<;ao corn o suporte social existente. Ja anteriormente referimos (Valerio & Mendes, 2007) a existencia de tres grandes modelos te6ricos explicativos do sentimento de inseguran<;a e, tambem af, tivemos a oportunidade de "sugerir que estas diferentes perspectivas poderao fazer parte de urn modelo geral de explica<;ao do sentimento de inseguran<;a." (p. 28).
Modelos Explicativos do Sentimento de
lnseguran~a
A semelhan<;a do que verificamos corn o estudo das SCV, tambem a preocupa<;ao corn o suporte te6rico do sentimento de inseguran<;a e recente (Beek, 2004) 5 â&#x20AC;˘ No artigo anteriormente realizado, e ap6s a analise de todos os modelos te6ricos existentes6, apontamos para a sua possfvel conjuga<;ao em apenas tres: perspectiva criminal, perspectiva das incivilidades e perspectiva de desorganiza<;ao social. Apresentamos de seguida urn resumo destas tres perspectivas, de forma a possibilitar, posteriormente, a apresenta<;ao dum modelo integrativo explicativo do sentimento de inseguran<;a. 5 Embora, contudo, o estudo do sentimento de inseguran<;a na criminologia seja uma tematica bastante presente na literatura internacional. 6 Na analise realizada, encontramos dezassete (17) diferentes nomenclaturas, sendo que em diferentes casos, a {mica altera<;iio e a da nomenclatura do modelo teorico e, em outros, verifica-se a agrega<;iio ou desagrega<;iio de modelos abordados por outros autores.
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Perspectiva Criminal A perspectiva criminal (que inclui os trabalhos de (Beek, 2004; Bissler, 2003; Farrall, Bannister, Ditton, & Gilchrist, 2000; Katz, Webb, & Armstrong, 2003; McCrea, Shyy, Western, & Stimson, 2005) assenta a sua base num conjunto de variaveis relacionadas directamente corn o indivfduo e a forma como o mesmo percepciona individualmente a perigosidade para coma sua pessoa de uma determinada situa<;:ao. Aqui estao presentes variaveis como a vulnerabilidade, a vitima<;:ao directa e vicariante e as suas pr6prias caracteristicas s6cio-demogrMicas. Para estes autores, o sentimento de inseguran<;:a surge associado a urn sentimento de vulnerabilidade nos indivfduos que se vejam como vulneraveis, naqueles que foram vitimas de crime e naqueles que estao mais pr6ximos de vitimas de crime (vitima<;:ao vicariante). Isto e, para a perspectiva criminal, e a percep<;:ao de risco, associado aos recursos (pessoais e sociais) existentes que !he permitam defender-se (McCrea et al., 2005), que origina o sentimento de inseguran<;:a. Neste caso, quanto maior for o sentimento de vulnerabilidade dum individuo, maior sera o seu sentimento de inseguran<;:a. Real<;:a-se o facto da nao obrigatoriedade da ocorrencia de crime para que o sentimento aumente, bastando para tal o conhecimento da situa<;:ao e a identifica<;:ao corn a pessoa que foi vitima (Esteves, 1999; Evans & Fletcher, 2000; Frias, 2004; Katz et al., 2003).
Perspectiva das Incivilidades Vimos acima que o sentimento de inseguran<;:a pode nao estar directamente relacionado corn o risco de vitima<;:ao de urn individuo. Na tentativa de explicar a existencia do sentimento de inseguran<;:a nesses locais, os autores associados a esta perspectiva, adaptaram o modelo te6rico de Wilson e Kelling (1982, 1989) que sugerem que em determinadas situa<;:6es "arranjar janelas quebradas7 faz mais para reduzir o crime que o convencional policiamento orientado para os incidentes" (1989, p. 46). 0 que se pressupoe (Bissler, 2003; McCrea et al., 2005) e que a existencia das designadas perturba<;:6es sociais (existencia de individuos sem-abrigo, toxicodependentes, ruido sonoro ou crian<;:as mal-comportadas) e perturba<;:6es fisicas (actos de vandalismo, carros e casas abandonadas, graffitis, seringas ou lixo) cria
J "Broken Windows" no original ing!es. Este termo da nome ao modelo te6rico desenvolvido pelos autores (Wilson & Kelling, 1982), sendo urn modelo explicativo nao do sentimento de inseguran<;:a, mas do crime em geral.
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um sentimento de inexistencia de controlos sociais informais. Assim, o sentimento de inseguran<;:a surge com o entendimento das incivilidades 8 (as perturba<_;:oes sociais e fisicas) como sendo um sinal claro e antecipado de perigo, nao sendo portanto necessaria a verdadeira ocorrencia de actos criminais. (Bissler, 2003). Tambem aqui verificamos a existencia do ciclo vicioso acima referenciado, visto que as medidas preventivas tomadas pelos individuos originam uma diminui<;:ao da coesao e estabilidade do local onde habitam, provocando consequenternente um sentimento de inseguran<;:a ainda maior (Katz et al., 2003; Robinson, Lawton, Taylor, & Perkins, 2003).
Perspectiva da Desorganiza<;:ao Social Ao contrario da perspectiva anterior, que centra a sua analise nos aspectos de interpreta<;:ao individual das comunidades, a perspectiva da desorganiza<;:ao social assenta os seus pressupostos nc. forma corno um determinado individuo entende a estrutura da comunidade onde mora. ea existencia (ou inexistencias) de redes sociais informais. 0 sentimento de inseguran<;:a e aqui explicado pela inexistencia (ou a sua existencia em baixo nivel) de processos sociais num determinado local, como a reciprocidade entre vizinhos, o sentido de comunidade e o controlo social informal (e consequentes praticas criminais), estando assim, assente nas percep<;:oes das dinamicas das comunidades (Katz et al., 2003). Urn outro pressuposto importante nesta perspectiva, passa pelo facto da convivencia com pessoas de diferentes backgrounds culturais originar urn aurnento no sentirnento de inseguran<_;:a, tendo em conta a dificuldade de compreensao e interpreta<;:ao dos valores, atitudes e comportamentos desses individuos e consequente aumento da incerteza e da falta de confian<;:a (Beek, 2004; Katz et al., 2003).
Conjuga~ao
das Perspectivas
De acordo com McCrea (2005), e como podernos verificar pela apresenta<;:ao das diferentes perspectivas (quadro 1), todas elas apresentam pontos cornuns e que, obrigatoriamente as relaciona, e que se pode observar graficarnente no quadro seguinte.
s Embora esta seja a tradw;:ao existente na literatura nacional, pensamos que seria preferivel uma adapta<;:ao mais directa (ofensas ao bem-estar) do termo original (welfare offences), pelo facto de se tornar mais claro a sua propria defini<;:ao.
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Quadro 1 - Representa\ao Grafica das Perspectivas
~~········
lncivilidades
r-
Percep<;ao do Risco
1--
Sentimento de !nseguranc;a
+ Graves Consequ~ncias
+ Perspectiva criminal Perspectiva das incivilid a des
Falta de Controlo
Perspectiva da desorga niza<;iio social ........
Adaptado de: McCrea et al., 2005, p.ll
Embora o quadro acima apresentado represente as principais rela<;:6es existentes entre as perspectivas do sentimento de inseguran<;:a, consideramos que nao evidencia de forma clara todas as rela<;:6es existentes entre as diferentes perspectivas. Assim, e como forma de ultrapassar essa lacuna, apresentamos de seguida um novo modelo de interpreta<;:ao das diferentes perspectivas te6ricas do sentimento de inseguran<;:a, com a identifica<;:ao das inter-rela<;:6es que consideramos existir e que apresentam como fundamentais para uma explica<;:ao coerente e clara do mesmo.
Modelo Integrativo do Sentimento de lnseguran\a Como referiamos e como podemos verificar no quadro seguinte (quadro 2), existem um conjunto de influencias que nao estavam presentes no quadro anterior e que consideramos fundamentais para uma clara e correcta interpreta<;:ao do sentimento de inseguran<;:a. Este novo quadro assente nas perspectivas anteriormente abordadas, pressup6es a possibilidade de pensarmos o sentimento de inseguran<;:a duma forma integrativa.
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Quadro 2- Modelo lntegrativo do Sentimento de
Inseguran~a
origina alteragao dos ...
risco
sentimento de inseguranca
devido as medidas de seguranga
consequencias
0 Perspectiva criminal Perspectiva das incivilidades
+ sentimento de de controlo
Perspectiva da desorganizagao social
Assim, e para alt~m das relac;:oes ja existentes e acima explicadas, pensamos ser fundamental considerar neste modelo a influencia que o surgimento do sentimento de inseguranc;:a tern nos processos sociais e na estrutura do local de habitac;:ao (perspectiva da desorganizac;:ao social), no sentimento de falta de controlo (perspectiva criminal) e, de acordo corn o modelo das janelas quebradas (Wilson & Kelling, 1989), no aumento das incivilidades num determinado local, devido tambem as estrategias de seguranc;:a pessoal que cada individuo desenvolve. Estas ligac;:oes, para alem de apresentarem a estrutura de drculo vicioso, que anteriormente falamos, alargam essa mesma ideia a todas as outras perspectivas. Para alem desse aspecto, nao podemos esquecer a influencia que a existencia de comportamentos criminais pode ter na perspectiva criminal, e a interferencia da existencia de incivilidades na perspectiva da desorganizac;:ao social. Por fim, consideramos ser ainda importante evidenciar que, se a estrutura do local influencia os processos sociais existentes nesses locais, essa ligac;:ao acontece nos dois sentidos, sendo que os processos sociais existentes tambem influenciam os moldes de organizac;:ao do respectivo local. Como referimos, consideramos estar na presenc;:a, nao de tres diferentes perspectivas, mas de urn modelo que, embora possamos subdividir em diferentes
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componentes explicativas, encontram-se intimamente relacionadas entre si, exercendo influencias mutuas que condicionam a manuten<;ao e/ou a altera<;ao do grau do sentimento de inseguran<;a existente.
Conclusao As principais conclus6es possiveis de ser retiradas deste trabalho passam pela verifica<;ao da existencia de resultados positivos corn a implementa<;ao das salas de consumo vigiado. Estes resultados repercutem-se na melhoria dos auto-cuidados de saude (representando uma maior consciencializa<;ao dos toxicodependentes) e que sao visiveis pela diminui<;ao do consumo pttblico de substancias, a diminui<;ao da partilha de seringas e, uma diminui<;ao do numero de overdoses e mortes relacionadas corn o consumo de substancias. Releva-se tambem o facto do numero de mortes como resultado de overdoses que ocorreram em salas de consumo vigiado ser bastante diminuto quando comparado corn a realidade do mesmo local, mas em toxicodependentes que nao frequentam essas respostas sociais. Estes servi<;os apresentam-se ainda como sendo urn local onde e realizado urn trabalho de motiva<;ao e encaminhamento para tratamento que tern obtido algum sucesso. Verificou-se ainda o nao aumento do consumo e da criminalidade, directa ou indirectamente associada a toxicodependencia nos locais onde as salas de consumo vigiado foram criadas, locais esses que, na sua maioria, sao zonas de elevado consumo de substancias, o que permite alguma generaliza<;ao de dados para Portugal, visto que o Decreto-Lei 183/2001 de 21 de Junho (que cria a possibilidade de implementa<;ao destas salas em Portugal) impede a sua cria<;ao noutros locais que nao sejam zonas de grande concentra<;ao de consumidores e impedindo que o sejam em centros residenciais consolidados. Parece-nos evidente que os locais previstos para a implementa<;ao destas respostas sociais sejam os bairros sociais dos grandes centros urbanos. Contudo, torna-se necessario bastante precau<;ao na generaliza<;ao destes dados para Portugal, visto ser necessario definir claramente, caso a cria<;ao destas estruturas avance, as estrategias e modos de interven<;ao profissional, sendo certo que os mesmos podem levar a outros resultados, evidenciando assim a necessidade da realiza<;ao de estudos locais sobre a implementa<;ao destes servi<;os. Neste sentido, e de forma a possibilitar corn mais coerencia e rigor, a compara<;ao entre estudos realizados neste ambito, torna-se necessario a realiza<;ao de investiga<;6es articuladas, onde sejam utilizados instrumentos validados internacionalmente. A explora<;ao teorica aqui realizada tinha como objectivo subjacente a cria<;ao de hipoteses para uma possivel tese de mestrado a realizar no ambito do
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lmpacto da
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de salas de cons. vigiado no senti. de inseg. das
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curso de Mestrado em Politica Social e Servi<;:o Social do Instituto Superior de Servi<;:o Social do Porto, que visa uma avalia<;:ao pro-activa e de contributo cientifico para o debate politico sobre a cria<;:ao destas estruturas, sob a tematica do impacto das mesmas no sentimento de inseguran<;:a da popula<;:ao e, consequentemente, no bem-estar e qualidade de vida dessa mesma popula<;:ao. Como ja foi referido, nao existe na literatura cientifica estudos que avaliem o impacto que a cria<;:ao das salas de consumo vigiado podera ter na altera<;:ao do sentimento de inseguran<;:a das popula<;:6es dos locais onde esses servi<;:os possam vir a ser implementados. Torna-se necessario assim, proceder agora a uma articula<;:ao entre os diferentes dados obtidos sobre as salas de consumo vigiado e sobre os modelos teoricos do sentimento de inseguran<;:a e, evidentemente, do modelo integrativo por nos proposto. Parece-nos claro que nos locais onde as salas de consumo vigiado foram implementadas, e desde que em locais onde exista grande concentra<;:ao de consumidores, podera significar uma diminui<;:ao do sentimento de inseguran<;:a da popula<;:ao desses locais, visto que: â&#x20AC;˘ nao tern tido impacto na criminalidade registada nesses locais nem no aumento da frequencia das zonas habitacionais por toxicodependentes (o que de a cor do corn os model os teoricos significaria uma manuten<;:ao do sentimento de inseguran<;:a); â&#x20AC;˘ estes servi<;:os tern significado uma diminui<;:ao do consumo publico de drogas e de ganhos de saude publica (o que, sendo consideradas como perturba<;:6es fisicas e sociais conduziria a uma diminui<;:ao do sentimento de inseguran<;:a). Assim, e na logica do modelo teorico integrativo por nos apresentado, esta diminui<;:ao do sentimento de inseguran<;:a poderia significar uma altera<;:ao da estrutura do local de habita<;:ao e dos proprios processos sociais, conduzindo a uma menor percep<;:ao de risco e de sentimento de falta de controlo. Nesta sequencia, e tendo como pressuposto os dados obtidos, tal significaria a cria<;:ao do ciclo vicioso do sentimento de inseguran<;:a que implicaria uma maior diminui<;:ao do mesmo. Seria tambem importante avaliar qual a opiniao da popula<;:ao dos locais onde as salas de consumo vigiado possam vir a ser implementadas (sendo que a literatura apresenta opini6es positivas), acreditando que essa opiniao possa ser preditora do sentimento de inseguran<;:a, ou seja: â&#x20AC;˘ uma opiniao positiva sobre a cria<;:ao destes equipamentos levara a uma diminui<;:ao do sentimento de inseguran<;:a aquando da sua implementa<;:ao; â&#x20AC;˘ uma opiniao negativa sobre a cria<;:ao destes equipamentos originara urn aumento do sentimento de inseguran<;:a aquando do seu surgimento.
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Obviamente, existem aqui urn conjunto de variaveis que teriam de ser controladas. Desde logo, a avaliac;ao do real conhecimento do tipo de servic;o prestado pelas salas de consumo vigiado e do impacto das mesmas no quotidiano desses locais. Criamos assim uma hip6tese de estudo que pressupoe a diminuic;ao do sentimento de inseguranc;a corn a criac;ao das salas de consumo vigiado, se estiver assegurado que os resultados obtidos em Portugal sejam semelhantes aos que tern sido atingidos em locais onde estes equipamentos ja estao em funcionamento e desde que exista uma opiniao positiva face a estas salas por parte da populac;ao, visto que o sentimento de inseguranc;a uma reacc;ao emocional individual, sendo certa a necessidade de avaliar. Sendo, obviamente, impossivel essa certeza, consideramos que sera urn contributo importante avaliar todo este impacto e o tipo de servic;os suplementares que a populac;ao residente nos locais onde as salas de consumo vigiado possam ser implementadas ache importante criar, como forma de ultrapassar as perturbac;oes sociais e fisicas existentes nos locais.
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PAINEL 2 "EMPREENDEDORISMO SOCIAL E EMPREGO"
INSER~AO DO JOVEM NO MERCADO
DE TRABALHO PERNAMBUCO - PROGRAMA "EMPREGO JOVEM"
Miriam Albuquerque Universidade Federal de Pernambuco
Corn a adot;:ao de urn modelo economico dentro da 16gica da "acumulat;:ao flexfveP", a partir dos anos 80 e principalmente nos anos 90, o Brasil passou por transformat;:oes significativas no mundo do trabalho corn consideravel aumento do desemprego. Ao mesmo tempo, observa-se no Pais urn interesse crescente acerca das polfticas publicas de emprego. Em 1994, o Ministerio do Trabalho apresentou proposta de reformulat;:ao do Sistema Nacional de Emprego (SINE) que seria modificado para urn Sistema Publico de Emprego (SPE). Em 1995, foi implantada a polftica de qualifica<;:ao profissional envolvendo o poder publico, o setor empresarial e a sociedade civil. 0 objetivo era a presta<;:ao de servi<;:os de atendimento integrado e descentralizado ao trabalhador, corn polfticas de Intermedia<;:ao de Mao-de-Obra (IMO), Seguro-Desemprego (SO), Qualifica<;:ao Profissional e Gera<;:ao de Emprego e Renda. Para que isso acontecesse foram criados: o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) eo Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT). Desse modo, diante das elevadas taxas de desemprego que acometia todos os trabalhadores e principalmente os trabalhadores jovens, eles deveriam ser qualificados ou re-qualificados. Em termos gerais, existe o costume de identificar qualificat;:ao como requisito do posto de trabalho. Relaciona-se a difusao dos equipamentos informatizados e flexfveis as novas exigencias de habilita<;:ao da for<;:a de trabalho. 0 Brasil desponta na virada do novo milenio, corn 35 milhoes de jovens na faixa etaria de 15 a 24 anos e, segundo o Censo Demografico de 2000, corn uma taxa media de desemprego juvenil de 20,1 %. Em 2005, 4,2 milhoes de jovens procuravam emprego e o desemprego juvenil assumiu dimensao numerica superior ao desemprego do adulto, que se situa, naquele ano, em 4,3 milhoes de pessoas acima de 24 anos. Para a cidade do Recife existiam 210 mil jovens de 18 a 24 anos e, segundo o Departamento Intersindical de Estatistica e Estudos
1 "A Acurnula<;ii.o Flexivel e rnarcada por urn confronto direto corn a rigidez do fordisrno. Ela se ap6ia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos rnercados de trabalho, dos produtos e padroes de consurno. Caracteriza-se pelo surgirnento de setores da produ<;ii.o inteirarnente novos, novas rnaneiras de fornecirnento de servi.;:os financeiros, novos rnercados e, sobretudo, taxas altarnente intensificadas de inova<;ii.o cornercial, tecnol6gica e organizacional". (HARVEY, 1996, p. 140)
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S6cioecon6micos (DIEESE, 2004), a taxa de desemprego em 2003, foi de 21,8%, em 2004 ampliou-se em 1,4% chegando a 22,1% de trabalhadores desempregados, no ano de 2005. Coma instrumento alternativo para a solw;:ao do desemprego juvenil no Estado, o Governo de Pernambuco lanc;:ou em 2000 o Programa "Emprego Jovem" que passou a tratar prioritariamente a ausencia de qualificac;:ao profissional desse ptlblico de 15 a 24 anos, como se esse fator fosse determinante para conquista de emprego. Esse tipo de proposta tern a sua origem na percepc;:ao de~ que as tendencias da atividade produtiva provocam urn constante aumento dos quesitos de qualificac;:ao e, para acessarem urn posto de trabalho ou para se manterem empregados, os trabalhadores deveriam buscar recorrentemente a sua qualificac;:ao. Urn culto obsessivo ao empreendedorismo e a empregabilidade foi vendido como alternativa as mazelas do mercado de trabalho. Neste artigo, o desemprego e a precarizac;:ao das relac;:oes de trabalho sao compreendidos como fenomenos hoje estruturais, que atingem uma grande massa de trabalhadores, mas que estao vivenciados sobretudo individualmente, possibilitando respostas e estrategias individuais, como aquelas que possibilitam o sofrimento moral, que culpabiliza a vitima. A 16gica neoliberal parece colocar para a sociedade de mercado a seguinte questao: afinal, se o emprego existe em algum lugar, a culpae de quem se desemprega. Evidentemente tal diagn6stico desloca o problema da ausencia de vagas de seu eixo central: a dinamica economica.
2. 0 Jovem ea perspectiva do Trabalho nos dias atuais Ao longo dos anos 1990, a medida que o desemprego aumentava, ampliava-se a discussao sabre a necessidade de politicas publicas de emprego no Pais, o que pressionou o Governo Federal a adotar novas medidas de enfrentamento do desemprego. Ate entao, o Pais percebia o desemprego como urn fenomeno passageiro, que a partir do momento em que a economia se ajustasse ao novo modelo economico o mesmo diminuiria e quic;:a desapareceria. Tudo isto era devido a transic;:ao de uma economia fechada, corn elevada protec;:ao, para uma economia aberta e mais competitiva. As causas do crescimento do desemprego eram atribuidas as novas tecnologias e ao desequilfbrio entre demanda e oferta no mercado de trabalho. Existia urn consenso social na ideia de que a revoluc;:ao tecnol6gica da microeletronica e da informac;:ao era uma das maiores vilas que levava ao desemprego juntamente corn a rigidez do mercado de trabalho, fruto de uma legislac;:ao trabalhista que impedia o ajuste necessaria entre oferta e demanda por trabalho, alem dos custos deste serem atribuidos a valores altos (Barbosa e Moretto, 2006). Essa concepc;:ao deixou de !ado o fato de que o
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Jnscn;ao do jovem no mercado de trabalho. Pernambuco- programa "emprego jovem", p. 133-154
desemprego era consequencia do novo processo de reestrutura<;:ao produtiva e do insatisfat6rio crescimento economico do Pais. A mencionada decada de 1990 findou e o fenomeno do desemprego nao desapareceu. Em 1999, bateu recorde o numero de empregos destruidos- tres milh5es -, atingindo mais de dez milh5es de brasileiros (Mattoso, 2001). No novo milenio muitos trabalhadores continuam desempregados, segundo Pochmann (2001, p. 106), "[ ... ] nao existem mais estratos sociais imunes ao desemprego, que se transformou em urn fenomeno de grande propor<;:ao". Dessa forma, estabelece-se a programatica neoliberal, que, do ponto de vista politico-ideol6gico, afirma a necessidade do Estado Mfnimo como forma de resguardar os preceitos "democraticos" do livre mercado e equacionar as "desigualdades" por intermedio da retomada do crescimento economico. Essa nova etapa de acumula<;:ao do capital se expressa por meio da desregulamenta<;:ao, da privatiza<;:ao e da abertura da economia ao exterior como medidas adequadas as necessidades da nova etapa do progresso de acumula<;:ao do capital. Nesse sentido, os governos que se sucederam no Brasil, nos anos 1990 esfor<;:aram-se para implementar as medidas politicas, economicas e sociais embasadas nas "orienta<;:oes" do Consenso de Washington 2â&#x20AC;˘ Nesse Consenso foi decretado urn receituario a ser seguido por paises que necessitam obter credito externa. Os professores Belluzzo e Almeida (2002, p. 374), ilustram da seguinte maneira: Adotado pelos paises da America Latina, esta apoiado em quatro pressupostos: a) A estabilidade de prec;:os cria condic;:oes para o calculo economico de longo prazo, estimulando o investimento privado; b) A abertura comercial (e valorizac;:ao cambial) impoe disciplina competitiva aos produtores domesticos, forc;:ando-os a realizar ganhos substanciais de produtividade; c) As privatizac;:oes e o investimento estrangeiro removeriam gargalos de oferta na ind{tstria e na infra-estrutura, reduzindo custos e melhorando a eficiencia; d) A liberac;:ao cambial, associada a previsibilidade quanto a evoluc;:ao da taxa real de cambio, atrairia poupanc;:a externa em escala suficiente para completar o esforc;:o de investimento domestico e financiar o deficit em conta corrente.
Acompanhando esse movimento do Consenso de Washington, os discursos provenientes de varios setores da sociedade civil - como os empresarios, por exemplo - alinham-se em torno da necessidade de uma "uniao de todos" para superar a crise economica e a urgencia de uma reforma de Estado. Da mesma maneira, os governos buscam o apoio de entidades da "sociedade civil", 2
Segundo MONTANO (2003, p.29): [... ] em novembro de 1989 realizou-se uma reuniao entre os organismos de financiamento internacional de Bretton Woods (FMI, BID, Banco Mundial), funciom\.rios do governo americano e economistas latino-americanos, para avaliar as reformas economicas da America Latina, o que ficou conhecido como Consenso de Washington".
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principalmente das Organiza<;:oes Nao Governamentais (ONGs) e das Organiza<;:6es Sociais Civis de Interesses Pttblicos (OSCIPs). 0 Estado se curva aos imperativos do capital e se transforma em agente indutor declarando que deve criar condi<;:oes necessarias para restabelecer a liberdade de mercado mediante programas de libera<;:ao da economia e privatiza<;:ao de ajustes nos or<;:amentos publicos. 0 Estado se transforma, no mundo todo, num verdadeiro protagonista desses novos tempos. (Draibe, 1995; Fagnani, 2005; entre outros). Neste cenario de novos tempos marcados por urn novo processo de acumula<;:ao do capital e, coma consequencia, por fortes desigualdades sociais, o Brasil desponta corn uma popula<;:ao de 184 milhoes de pessoas, das quais 96 milhoes compoem a Popula<;:ao Economicamente Ativa (PEA) e 11,4 milh6es encontram-se desempregadas. Ja a popula<;:ao jovem e representada, de acordo corn a PNAD 2005, por 35 milhoes de pessoas na faixa etaria de 15 a 24 anos, que equivalem a 20% da popula<;:ao do Pais. A taxa media de desemprego juvenil e de 20,1 %, e, segundo o Censo Demografico de 2000, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE), 50% dos 35 milhoes de jovens do pais, entre 15 e 24 anos, estao fora da escola. 0 fato de o Brasil chegar ao novo milenio corn 35 milhoes de jovens fez eclodir a discussao conceitual, em diferentes areas do conhecimento, sobre a tematica juvenil, do que e reconhecidamente definido por ser jovem, nos dias atuais. A medicina, a psicologia, a estatistica, entre outras, costumam adotar o criteria etario estabelecido pela UNESCO: de 15 aos 21 anos, o individuo e considerado jovem. A maneira de considerar jovem o individuo pertencente a uma determinada faixa etaria tenta romper corn a tradicional fase de transi<;:ao entre infancia e a idade adulta ou, segundo Castro e Abramovay (2002, p 25), "[ ... ] do jovem coma aquele que nao e, mas esta por vir a ser". Ainda, segundo essas autoras, para alem do carte etario, essa defini<;:ao implica uma transversalidade, pois confronta vivencias e oportunidades de uma serie de rela<;:oes sociais, coma trabalho, educa<;:ao, genera, ra<;:a, etnia, etc. Embora a juventude seja considerada, geralmente, como totalidade cujo principal atributo e dado pela faixa etaria na qual esta inscrita, deve-se toma-la, segundo Bourdieu (1983); Machado Pais (1996), entre outros, como urn conjunto social diversificado, para que diferentes tra<;:os e perfis da juventude sejam relacionados ao pertencimento de classe social, a situa<;:ao economica, aos interesses e oportunidades ocupacionais e educacionais espedficos. Queremos chamar aten<;:ao para a pluralidade juvenil, ressaltando que nao existe uma s6 juventude, mas diversas juventudes que possuem significados distintos para individuos de diferentes classes sociais e que vivenciam essa fase de maneira heterogenea, segundo contextos e circunsti1ncias especificas. Diante dessa pluralidade juvenil, 0 fenomeno do desemprego nos primeiros anos do seculo
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XXI atinge toda diversidade dos jovens. 0 Pais inicia o seculo com o registro do aumento do desemprego juvenil: em 2001, eram 3,5 milh6es de jovens procurando emprego e, em 2005, quase 4,2 milhoes. 0 desemprego juvenil assumiu dimensao numerica superior ao desemprego do adulto (entre os trabalhadores acima de 24 anos, existiam 4,3 milhoes de desempregados, em 2005). Para muitos jovens, a condi<;:ao de atividade vem sendo marcada por situa<;:6es de desemprego recorrente, sem possibilidade de constru<;:ao de uma trajetoria de ascensao social na vida profissional, conforme se observou no passado nao tao distante. No Brasil, sao 1,8 milhoes de jovens entre 15 e 24 anos que procm路am emprego3 e a possibilidade de urn jovem se tornar desempregado e cerea 3,8 vezes maior do que a de um adulto a partir de 25 anos; ja nos pafses desenvolvidos, a chance de que um jovem se veja desempregado e 2,3 vezes maior do que a dos adultos acima de 25 anos. Dados do IBGE, relativos a junho de 2004, revelam que enquanto para os adultos presentes no mercado de trabalho 8 em cada 100 se encontravam desempregados, no caso dos jovens, essa cifra saltava para 24,5 em cad a 100, ou seja, tres vezes mais. A inser<;:ao produtiva do publico juvenil tambem sofreu modifica<;:6es nesse infcio do seculo; 0 grupo etario corn maiores dificuldades de inser<;:ao e 0 de jovens de 16 a 17 anos, cujo trabalho sem carteira profissional, em 2005, alcan<;:ava 50% do total das ocupa<;:6es remuneradas. As ocupa<;:6es que nao geram rendimentos monetarios, como trabalho sem remunera<;:ao, trabalho na produ<;:ao e na constru<;:ao para uso proprio, chegavam a representar quase 30% dos trabalhadores jovens ocupados de 16 a 17 anos. Quanta as atividades desenvolvidas por jovens no Brasil, segundo dados da PNAD 2005, sao ocupa<;:6es de destaque para esse segmento social servi<;:os e comercio, visto que 36% dos jovens trabalhadores estavam ocupados em atividades variadas do segmento social e 23% do comercio. No que diz respeito aos demais, 19% vendiam sua for<;:a de trabalho na agricultura, 16%, na industria e 5,5%, na constru<;:ao civil. Para os jovens, especificamente na faixa de idade de 18 a 20 anos, nota-se que a ocupa<;:ao na administra<;:ao publica foi a que cresceu com taxas anuais mais elevadas - crescimento de 6% ao ano. Nesse contexto de baixo crescimento economico, de falta de postos de trabalho multiplicam-se as problematicas das questoes sociais 4 em rela<;:ao ao desemprego no Pais. A necessidade de um modelo politico e social que busque
3 PoCI-IMANN, M. Situar;fio do jovem no mercado de tmba/ho: um balanr;o dos 1iltimos 10 anos (1995-2005). Campinas: Cesit IE-Unicamp, 2007. 4 Neste artigo, adota-se o entendimento de IAMAMMOTO (1998 p.77-79). "A Questao Social nao e senao as expressoes do processo de forma<;:ao e desenvolvimento da c!asse operaria e de seu ingresso no cenario politico da sociedade exigindo seu reconhecimento por parte do Estado e do empresariado. Como observa a autora, a evolu<;:ao da questao social apresenta duas face indissociaveis: uma configurada pela situar;:ao objetiva da classe trabalhadora,
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responder aos anseios e necessidades por meio de uma agenda de a<;:6es efetivas, transparentes e democraticas executadas em forma de politica publica, se faz presente nessas condi<;:6es, proporcionando respostas e solu<;:6es aos graves problemas sociais do desemprego. Nesse sentido, o governo brasileiro, desde o final da decada de 1990, adotou polfticas publicas para auxiliar a inclusao dos jovens, mas as mesmas se configuraram em iniciativas isoladas e de baixo alcance nas esferas estaduais e municipais. A partir de 2003, instituiu-se o Programa Nacional de Estimulo ao Primeiro Emprego, que durou apenas tres anos, vindo a finalizar em 2006. Mesmo assim, pode ser esta considerada a primeira iniciativa nacional de cornbate ao desemprego juvenil. Em Pernambuco, a situa<;:ao nao e diferente: dos 35 milh6es de jovens brasileiros, o Estado concentra 1.691.145, significando aproximadamente, 1% da popula<;:ao brasileira, 4,8% dos jovens brasileiros e 20,1% da popula<;:ao pernambucana. A PEA Jovem e composta de 1.018.137 pessoas, das quais 809.273 estao ocupadas e 208.864 procurando emprego (20,5% da PEA Jovem). Dos jovens ocupados, 34,8% recebem de V2 a 1 salario mfnimo mensal,S refletindo a precariedade do trabalho corn seus baixos salarios para esse ptlblico juvenil. Outro dado importante e que a maior taxa de desocupa<;:ao esta nos jovens de 18 a 24 anos (20,9%) corn 9 a 11 anos de estudo, ou seja, os jovens desempregados nessa faixa etaria provavelmente estao no Ensino Medio; isso significa dizer que a popula<;:ao juvenil que atingiu o Ensino Medio no Estado esta corn maiores dificuldades de acessar o mercado de trabalho, que, por sua vez, nao absorve a mao-de-obra disponivel e escolarizada. Nesse sentido, o Governo de Pernambuco procurou responder as manifesta<;:6es sociais do desemprego juvenil corn a polftica publica estadual de qualifica<;:ao e inser<;:ao do jovem no mercado de trabalho denominado "Emprego Jovem". 0 Programa "Emprego Jovem" procurou trabalhar individuos sem experiencia anterior de trabalho, oriundos de familias de baixa renda corn escolaridade variando do Fundamental ao Ensino Medio desde que inscritos na Agencia do Trabalho (AT) 6 â&#x20AC;˘ As a<;:6es desenvolvidas pelo Programa Emprego Jovem dada historicamente, face as mudaw;as no modo de produzir e de apropriar o trabalho excedente, como frente a capacidade de organiza<;ao e !uta dos trabalhadores na defesa de seus interesses de classe e na procura de satisfa.;ao de suas necessidades imediatas de sobrevivencia; outra, expressa pelas diferentes maneiras de interpreta-la e de agir sobre ela, propostas pelas diversas fra<;6es dominantes, apoiadas no e pelo pod er do Estado". 5 Salario minima de referenda de outubro de 2004: R$ 260,00. Fonte: PNAD 2005. 6 Os servi.;os ofertados pela Agencia do Trabalho em todas as suas unidades, num total de 22 Agencias no Estado de Pernambuco sao integrados ao Sistema Pliblico de Emprego, Trabalho e Renda do Pais SPETR, com a oferta da Intermedia<;ao de Mao-de-obra - IMO, Qualifica<;ao Profissional, Acesso ao Cn§dito, Emprego Jovem, Expedi<;ao de Documentos e Atendimento ao Seguro-Desemprego.
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visavam promover o desenvolvimento pessoal, social, educacional e profissional dos jovens, oportunizando-lhes trajet6rias de vida socialmente integradas. A evolw:;:ao do Programa se deu ao longo dos seis anos de existencia de acordo corn as necessidades apresentadas no Estado pela demanda juvenil. No primeiro ano, o Programa restringiu-se apenas a abrangencia da intermedia<;ao de mao-de-obra juvenil para as empresas que se dispusessem a contrata-la mediante incentivo financeiro do Estado. Em 2001, o governo nao demorou a perceber que o mercado de trabalho pernambucano era seletivo e as exigencias das empresas demandavam urn trabalhador, ainda que jovem, corn niveis de qualifica<;ao elevados. Logo, passou a adotar a<;oes, por meio de cursos de qualifica<;ao, corn finalidade de proporcionar melhoria de condi<;oes de empregabilidade dos jovens. Criou-se a modalidade Preparando para o Primeiro Emprego (PPE), corn cursos de carga horaria de 320 horas, dividido em tres m6dulos, corn o objetivo de oferecer uma capacita<;ao multidisciplinar, alem de uma bolsa mensa! (no valor de R$ 80,00 a epoca) pela participa<;ao nos cursos. Desde o inicio, o Programa, a fim de selecionar as unidades executoras, entidades responsaveis por executar o projeto, ou seja, ministrar as aulas de acordo corn as modalidades estipuladas utilizou-se das diretrizes do Sistema Publico de Emprego, Trabalho e Renda (SPETR) corn a publica<;ao de edital publico, sele<;ao das entidades, contrata<;ao das mesmas, negocia<;oes de metas. Uma vez selecionadas, via edital, as entidades passaram a ser cadastradas na AT, seguindo preenchimento contratual e obriga<;oes juridicas. 0 Programa contou ainda corn o sistema tecnol6gico e informacional do Cadastro de Entidades do Programa Estadual de Qualifica<;ao Profissional (CADPEQ), que tinha por objetivo sistematizar as informa<;oes e subsidiar a equipe tecnica da propria Agenda do Trabalho. Esse sistema informacional facilitou a dinamica institucional e aproximou, ainda que por meio da Internet, as entidades executoras corn o Programa e sua equipe tecnica. Em 2002, foi implantado no Estado a Lei de Aprendizagem (Lei n.10.097/ /2000), em parceria corn as Delegacias Regionais do Trabalho (DRT/PE). Desse modo criou-se a modalidade Jovem Aprendiz, sendo encaminhados 234 jovens, pela Lei da Aprendizagem, para dez empresas privadas pernambucanas, na area de servi<;os. Esses jovens fizeram parte de urn total de 1.720, treinados em cursos de 240 horas na modalidade Preparando para o Primeiro Emprego. A modalidade Jovem Aprendiz, criada coma Lei da Aprendizagem, visava atender as necessidades de qualifica<;ao e intermedia<;ao dos jovens para empresas. Essa modalidade atendia os jovens de 14 a 17 anos, faixa de idade posteriormente ampliada para 24 anos, corn cursos de 320 horas, da modalidade Preparando para o Primeiro Emprego, na fun<;ao espedfica para os cargos das empresas. Nos anos seguintes foram criadas novas modalidades: em 2005 criou-se a modalidade A\'6es de Qualifica\'ao Profissional de Nivel Tecnico, objetivando
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capacitar jovens que cursavam o Ensino Medio em cursos corn safdas intermediarias e cursos de habilita<;:ao de nfvel tecnico. A cria<;:ao dessa modalidade seguiu orienta<;:6es da PNAD (2005) que apontou que o Estado possufa uma popula<;:ao jovem de 15 a 24 anos que freqi.ientava a escola no Ensino Medio no montante de 335.964 jovens, ou seja 43,1% dos jovens. Em 2006 criou-se a modalidade Qualifica<;:ao Profissional e Empreendedorismo Juvenil para os jovens que possuiam seus pr6prios neg6cios ou queriam vir a desenvolve-los. Essa modalidade denotou uma nova reorganiza<;:ao social £rente a reestrutura<;:ao produtiva dos anos 1990 no Pais que motivou, diante da escassez de empregos formais, a diversifica<;:ao das possibilidades de ocupa<;:ao da popula<;:ao. Entretanto, carece de uma maneira geral ao segmento juvenil uma vivencia profissional previa que conduz ao amadurecimento das rela<;:6es formais do mundo do trabalho e propicia urn alicerce para o desenvolvimento de atividades profissionais corn mais seguran<;:a. 0 jovem, segundo Claudio Dedecca: (... ) esta chegando ao mercado de trabalho e precisa adquirir experiencia; para adquirir experiencia e necessario interagir corn outros que ja se encontram no mercado de trabalho. Posteriormente, esse trabalho assalariado da informa~ao, da habilidade, da conhecimento, e ai ele pode transitar para uma situa~ao de trabalho autonomo. A maioria dos trabalhadores autonomos e o associativismo sao formas marcadas pela presen~a da popula~ao de idade mais avan~ada, cm especial daquela corn mais de 39 anos 7 • ·
Por fim, o governo lan<;:ou, ainda no ultimo ano da sua execu<;:ao, a modalidade Emprego Social direcionada para jovens que nao concluiram o Ensino Fundamental e em situa<;:ao de vulnerabilidade social da Regiao Metropolitana do Recife. 0 publico-alvo era composto de jovens de rua e suas competencias profissionais estavam longe de atender as necessidades do mercado de trabalho. Dessa forma, a modalidade continha cursos corn carga horaria de 240 horas compreendida no repasse de conhecimentos de informatica (SOh), Habilidade Espedfica (140h) e Orienta<;:ao Profissional (20h). Sintetizando a evolu<;:ao do Programa Emprego Jovem e suas modalidades, pode-se considerar que houve, ao longo dos seis anos, amplia<;:ao das metas (numero de jovens atendidos pelo Programa), recursos e munidpios contemplados, conforme tabela abaixo.
---~··-·~····~
7
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http://www.acaoeducativa.org.br/base.php?t"'TTger_02321&y=base&x=Inger_OOOl&z=O
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Tabela 1- Meta do Numero de Jovens, Municipios Atendidos, Modalidade de Cursos e Total de Recursos, segundo os anos de atendimento do Programa Jovem em Pernambuco- 2001-2006 Modalidade de Cursos do Programa Ernpresa Jowm
A no
2001
1.500
PPE
1.337.000,00
2002
!.720
PPE, Aprcndrz
1.334.486.90
2003
2.035
6
PPE, Aprendiz,
1.083 983_10
2004
1.933
11
PPE, Aprendiz,
1978.206.11
2005
2.792
19
PPE, AprcndiL. Tccnico.
3.070,805, 00
2006
6.551
46
PPE. Aprendiz, Tecnico. Qualil1ca<;co Emprccndcdorismo c Emprcgo Social.
e
10.389.426.98
Fonte: Documentos da Agencia do Trabalho. Elabora<;:iio propria.
3. Jovens qualificados e jovens colocados As ac;:oes de qualificac;:ao social e profissional e suas modalidades buscavam promover o desenvolvimento pessoal, social, educacional e profissional de modo a permitir aos jovens oportunidades de trajet6rias de vida socialmente integradas. Os cursos foram oferecidos nas areas de Arte e Cultura, Agropecuaria e Agroindustria, Artesanato, Comercio, Construc;:ao Civile Naval, Educac;:ao e Meio Ambiente, Gastronomia, Gestao, Industria, Informatica e Telecomunicac;:oes, Moda e Confecc;:ao, Saude e Estetica, Servic;:os Diversos, Transportes e Turismo. Conforme ressaltado ao longo deste estudo, o Programa Emprego Jovem compreendeu a execuc;:ao de cursos de qualificac;:ao profissional para jovens de 16 a 24 anos, contemplando cinco modalidades corn cargas horarias e perfis espedficos. Sao elas: Preparando para o Primeiro Emprego; Emprego Social; Cursos de Nivel Tecnico; Jovem Aprendiz; e Qualificac;:ao Profissional e Empreendedorismo Juvenil.
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Tabela 2- Jovens Qualificados pelo Programa Emprego Jovem e Jovens Desempregados em Pernambuco, no periodo de 2001-2006 .)ovens Pernamhucanos A no Desempregados~'~*
2001
r-----···---··-
()ualificados
IH0.166 ~·
1.500 ------
···---··----···
2002
173.986
1.720
2003
183.885
2.035
2004
203.026
1.933
2005
208.864
3.052
2006
182.707
6.551
Total
-
16.791 9
* Fonte: IDGE-PNAD. Relat6rios de A<;6es de Apoio da do Trabalho.
a Gestao dos anos de 2004 a 2006 e Agen-
As a<;6es foram financiadas, a partir de 2003, corn recursos do Tesouro Estadual, oriundos do Fundo de Combate e Erradica<;ao da Pobreza (FECEP), cujos investimentos foram de R$ 10,3 milh6es para a qualifica<;ao de 16.791 jovens participantes do Programa, atendendo 45 munidpios do Estado, em 2006 (ver tabela 8). Quanta aos jovens colocados, no periodo de 2000 e 2001, foi criada a Lei 11. 892, de 12 de dezembro de 2000, que estimulou a contrata<;ao de jovens pelas empresas, a partir da dedw;:ao de ICMS. Este modelo nao teve a adesao da classe empresarial, pois o recebimento de bonus foi considerado bastante burocratico por parte dos empregadores. Alem desta questao, o universo de empresas corn possibilidade de adesao ao Programa ficou limitado, haja vista que nem todas pagam JCMS. Em decorrencia desta situa<;ao, o Governo decidiu reformular a legisla<;ao, e passou a vigorar a Lei 12.181/2002 regulamentada pelo Decreta 24.506, de 9 de julho de 2002. Neste caso, a parceria firmada junto aos empregadores deu-lhes o direito de receber urn incentivo financeiro de ate R$ 1.800,00 por cada jovem contratado, sendo distribuido em seis parcelas mensais de R$ 300,00.
~ Jovens desempregados da faixa ctaria de 16 a 24 anos, de todas as classes sociais. ' Este quantitativo difere do apresentado nos Relat6rios Oficiais do Govcrno, onde consta urn ntm1cro total de qualificados da ordem de 23.653 jovens, no mesmo pcriodo da tabcla. A difercn.,:a e que, nesta tcse nao sao computados os jovens da Modalidadc de Incentivo ao Accsso ao Ensino Superior (PREVUPE).
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0 empregador ficava obrigado a abrir um novo posto de trabalho por um periodo de 12 meses e receber jovens encaminhados pelo SINE/Agencia do Trabalho (AT), alem de estar regular com as obriga<;:oes fiscais, trabalhistas e previdenciarias. 0 Programa apresentou, no periodo de 2002 a 2006, os resultados apresentados na tabela abaixo.
Tabela 3 - Coloca<;:oes com Incentivos Financeiros no Mercado de Trabalho, pelo Emprego Jovem no Estado de Pernambuco, segundo os anos no periodo de 2002-2006 !
lcolocac;.Ocs c.om Inc.cntivos Finnnceiros
ANOS
I
~umcro de Coloca~ocs
1
alor Total Pago
I
2002
1138
R$ 92.442,21
"003
1199
R$ 300.583.54
i I
2004
I
1195
RS 275.559.59
I
2005 2001l
1165 11:10
R$ 259.200.21 R$ 258.350,00
I
OTAL
1927
R$ 1.1 X6.135.00
Fonte: Agencia do Trabalho/SINE-PE. Programa Emprego Jovcm.
Os dados da tabela acima mostram, no periodo de 2002 a 2006, o aumento crescente de verba aplicada, ano a ano, nas coloca<;:oes com incentivos financeiros no mercado de trabalho pelo Programa e o aumento no numero de jovens inseridos no mercado de trabalho. Diante dos baixos resultados atingidos, 927 jovens empregados ate 2006, a partir da lei de incentivo ao Primeiro Emprego Estadual, o governo continuou buscando alternativas para a inser<;:ao dos jovens no mercado formal de trabalho. Em 2002, firmou-se a parceria com a Delegacia Regional do Trabalho (DRT) implementando a modalidade Jovem Aprendiz de acordo com a Lei da Aprendizagem (Lei 10.097/2000), cuja finalidade e contribuir para a forma<;:ao profissional do jovem. A programa<;:ao prevista em lei incluiu a contrata<;:ao dos jovens por parte de empresas identificadas e orientadas pela DRT/PE, o acompanhamento dos mesmos na Escola Basica e a participa<;:ao simultanea em cursos de qualifica<;:ao social e profissional, cuja carga horaria e de 320 horas, distribuidas em nove meses.
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Registra-se, no periodo de 2002 a 2006, a contrata<;:ao de 1.018 jovens no formato da Lei da Aprendizagem, por empresas publicas e privadas, conforme Relat6rio Final das Atividades Desenvolvidas 1999 a 2006, da Agencia do Trabalho-SINE/PE. No periodo de 2003 a 2006, o PNPE, intermediou 128 jovens para o mercado de trabalho. 0 governo federal, preocupado corn a baixa adesao do setor empresarial, realizou uma serie de mudan<;:as na legisla<;:ao e no sistema que operacionalizava o Programa Nacional de Estimulo ao Primeiro Emprego. Desse modo, o governo, corn as modifica<;:6es, tornou o Programa mais flexivel, permitindo ao empresariado, caso achasse necessaria, fazer recortes nas suas solicita<;:6es de genera, escolaridade e residencia dos jovens que desejassem contratar. Ate entao o referido Programa tinha seu banco de dados programado para encaminhar o jovem no formato de "fila {mica", ou seja, quem estava na vez. Coma exemplo: se urn empresario solicitasse urn jovem para trabalhar em uma oficina de autom6veis e se, na vez do banco de dados, estivesse inscrita uma jovem, o sistema criado nao permitia que os tecnicos da AT mudassem a sequencia, vindo a encaminhar uma pessoa do sexo masculino. Assim, teria que ser encaminhada a pessoa da vez, mesmo que nao preenchesse as necessidades do perfil da vaga. Pode-se constatar, ao se observar o baixissimo numero de jovens colocados no mercado de trabalho, no periodo de 2003 a 2006, pelo PNPE, a falta de adesao das empresas aos programas de estimulo a inser<;:ao de jovens no mercado de trabalho. Dificuldades coma documenta<;:ao, baixa escolaridade, pouca qualifica<;:ao e inexperiencia desses candidatos sao alguns dos fatores que dificultaram o processo de absor<;:ao, por parte das empresas, desse segmento de trabalhadores, alem da "fila unica" ja citada acima. Outra questao abordada por Aratljo e Lima (2003, p 14) e o fato das empresas almejarem eficiencia e produtividade, requisitos usualmente associados a trabalhadores corn nivel de escolaridade bem mais elevado do que os beneficiados por programas como o PNPE e Emprego Jovem. Isso denota uma contradi<;:ao interna da concep<;:ao do PNPE, reproduzida no Estado de Pernambuco pelo Emprego Jovem, como reproduzida desde o antigo Planfor, e coma no atual Piano Nacional de Qualifica<;:ao (PNQ), conforme os autores acima citados:
c
[... ] a maioria da for<;a de trabalho alcan<;ada pelo Programa 10 composta por trabalhadores cujo nivel de escolaridade nao c compativel corn os requerimentos de assimila<;ao de conhecimento tecnico inovador, em geral demanclando por atividades dos segmentos mais modernos da economia.
10
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0 Programa de que falam os autores Lima e Armijo refere-se ao Planfor.
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do jovem no mercado de trabalho. Pernambuco- programa "emprego jovem", p. 133-154
0 grafico a seguir retrata a realidade dos programas sociais com intermedia<;:ao subsidiada pelos governos.
Grafico 1 - Coloca<;:6es de jovens no mercado de trabalho pelo Programa Emprego Jovem em Pernambuco, segundo o Emprego Jovem, Programa Nacional de Estimulo ao Primeiro Emprego (PNPE) e Jovem Aprendiz no periodo de 2002-2006
1.018
1200.
Errprego Jovem
PNPE
Jovem Aprendiz
Fontc: Agencia do Trabalho ate outubro de 2006.
Apesar da reformula<;:ao feita na legisla<;:ao dos Programas, tanto o estadual quanto o federal, os resultados de contrata<;:ao de jovens a partir do incentivo financeiro nao atingiu metas significativas para o volume de jovens que buscavam a sua inser<;:ao 11 â&#x20AC;˘ Pode-se observar que, mesmo com subsidio financeiro, as empresas pernambucanas absorveram apenas 927 jovens num periodo de quatro anos. Somados esses 927 jovens com os da modalidade Jovem Aprendiz, corn o quantitativo de 1.018 jovens, o Programa Emprego Jovem, em sua modalidade incentivada, colocou no mercado de trabalho 1.945 jovens de 2002 a 2006 12 â&#x20AC;˘
11 Segundo o banco de dados do SIGAE, o universo de jovens inscritos no Programa Emprego Jovem, no periodo de 2000 a 2006, chegava a atingir um n{Jmero aproximado de 100 mil na faixa de idade de 16 a 24 anos. 12 A Agencia do Trabalho so possui dados da coloca<;iio de jovens no mercado de trabalho via incentivos financeiros a partir de 2002, mesmo tendo iniciado o Programa Primeiro Emprego em 2000. Em 2000, a Lei lan<;ada na forma de dedu<;ao do ICMS niio conseguiu exito, o processo foi lento e burocratico nao registrando adesao do empresariado. Em 2002 foi Regulamentada nova Lei transferindo os incentivos em parcelas mensais, quando se iniciou a adesao dos empresarios e o encaminhamento de 138 jovens ao mercado de trabalho.
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Apesar da pouca extensao, percebe-se que houve urn crescimento de 16% dos jovens colocados em 2006, quando comparado ao ano de 2002 e, no total, 927 jovens foram colocados no mercado de trabalho formal durante todos os anos de implantac;:ao do Primeiro Emprego, o que nada alterou na baixa capilaridade do Programa, conforme ja mencionado neste capitula. Corn essa baixa adesao aos Programas estadual e federal, em 2005 a Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania (SDSC) encomendou ao IPSA uma pesquisa denominada "Pesquisa de Mao-de-Obra Juvenil e Divulgac;:ao dos Programas Emprego Jovem e PNPE" que tinha por objetivo, segundo relat6rio final da propria pesquisa (2005, p. 5): Realizar urn levantarnento junto ao conjunto de ernpresas situadas na RMR, Caruaru e Petrolina, sobre o interesse na contratac;ao de jovens, corn idade entre 16 a 24 anos, que buscarn o prirneiro ernprego; identificar ocupac;oes rnais ofertadas e investigar a dernanda por qualificac;ao profissional. Adernais, no contato corn a ernpresa divulgarn-se os referidos Prograrnas, corn intuito de buscar a adesao de cada ernpresa - via incorporac;ao de jovens ao quadro de pessoal.
Observou-se, posteriormente a pesquisa realizada durante o ano de 2005, que pouco se ampliou o numero de jovens contratados pelo Programa Emprego Jovem (passou-se de 165 adesoes, em 2005, para 230 novas adesoes, em 2006, e para o PNPE houve urna completa estagnac;:ao do processo de adesao dos empresarios, refletindo apenas uma nova contratac;:ao em 2006). Na verdade, o que se observa no Estado de Pernambuco, durante os seis anos de existencia do Programa Emprego Jovem, segundo dados da SDSC do Governo do Estado e a Agenda do Trabalho, e que existia urn outro caminho de contratac;:ao dos jovens, denominado popularmente de "processo de intermediac;:ao por demanda espontanea", que nao possuia incentivo financeiro a contratac;:ao de jovens. Essa outra forma de contratac;:ao de jovens atendia aos interesses dos empregadores, pois desvinculava as empresas dos entraves burocraticos via exigencias legais obrigat6rias dos Programas Sociais Governamentais e pos-sibilitava, em algurnas situac;:oes, a identificac;:ao de jovens trabalhadores por parte dos empresarios de acordo corn o perfil da vaga de trabalho existente. Percebe-se que, para aqueles jovens na faixa de idade entre 16 e 29 anos 13, houve urn aumento das contratac;:oes nas empresas privadas. Esse fato
13
0 Banco de Dados da Intermediac;ao de jovens da Agencia do Trabalho so fornece o recorte da faixa ctaria de 16 a 29 anos. E importante ressaltar que nem todos os jovens de 16 a 29 anos colocados no mercado de trabalho foram qualificados pela Agencia do Trabalho.
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e independente de incentivo financeiro por parte do Estado, conforme tabela 4, de 2000 a 2006. Esse processo vem responder as novas formas de flexibilizac;:ao do trabalho que adquire grande importancia economica e social em todo Pais. Tabela- 4 Jovens Colocados no Mercado de Trabalho por Intermediac;:ao Nao Incentivada, segundo os anos - 2000-2006 Jovens
A no
colocados no Mercado Espontanca*
de
Trabalho
corn
lntermedia~ao
2000
1.789
2001
5.614
2002
11.054
2003
15.072
2004
29.366
2005
23.929
2006
17.011
Total
103.835
Fonte: Agencia do Trabalho. Elaborat;ao propria. *De 16 a 29 anos, conforme consulta ao SIGAE.
Dessa forma, no gerat foram colocados 105.908 jovens (incentivo + nao incentivo), o que confirma que as empresas possuiam o interesse em contratar jovens, conforme os resultados da "Pesquisa de Demanda de Mao-de-Obra Juvenil e Divulgac;:ao dos Programas Emprego Jovem e PNPE" realizada em 2005, que apontou que das 3.542 empresas pesquisadas, "62A% possuem interesse na contratac;:ao de jovens e 23,3% nao revelaram tal interesse" (p. 21), porem, sem ser por adesao a programas sociais via incentivo financeiro.
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Grafico 2- Coloca<;6es de Jovens no Mercado de Trabalho pela Agenda do Trabalho em Todas as Modalidades14 2000 a 2006
29.779 15.463
2000*
2001
2002
2003
2004** 2005** 2006**
Fonte: UT/Agencia do Trabalho- Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania. * Implanta<;:ao do atual modelo de gestao da Agencia do Trabalho (fevereiro). ** Atendimento a jovens de 16 a 29 anos.
Corn base nos dados analisados anteriormente, pode-se perceber que, em Pernambuco, no periodo de 2001 a 2006, foram qualificados 16.791 jovens15 de 16 a 24 anos, em diversas modalidades ao longo do desenvolvimento metodo16gico do programa. Percebe-se ainda que, para o periodo de 2000 a 2006, foram intermediados para o mercado de trabalho 105.908 jovens de 16 a 29 anos, seja de forma incentivada (2.073 corn idade de 16 a 24 anos do Emprego Jovem) ou de forma espontanea (103.853 corn idade entre 16 e 29 anos).
14
Modalidades: PNPE, Jovem Aprendiz, Intermedia<;:ao Incentivada e lntermedia<;:ao
Aberta. 15
Exceto os participantes da Modalidade A<;:6es de Incentivo ao Accsso
a Universi-
dade.
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Tabela 5- }ovens Desempregados, Qualificados e Colocados no Mercado de Trabalho em Pernambuco, segundo a intermedia<;:ao incentivada e intermedia<;:ao espontanea no periodo de 2001-2006 Jovens Colocados no Mercado Formal de Trabalho Ann
Jovcns Desemprcgados''
Jovcns Qualificados
Intermedia~Uo
I
Inter-
lncentivada
media~ao
1-------,-----,--------1 E • ... Emprego .Jovem '. spontanca·!' PNPE * .Jovem Aprendiz
I
ITota~ lntetme-
de
diados***
.
I
2000
!:::<:';
1789
s.614
I s.614
11.054
111.426
11.789 )-~---+-----+----+-----+-----~~ --~--~--~--------+!------! ~·'
2001
IR0.166
1.500
12002
173.986
1.720
138
2:14
12003
183.885
2.035
199
188
4
15.072
I115.463
2004
203.026
1.933
195
191
27
29.366
29.779
2005
20R.R64
3.052
165
242
96
23.929
24.432
12006
182.707
6.551
230
163
17.011
17.405
I I
!
t---------
1
Total
[___ __ ~---
-
--- . .
16.791
927
1.018
-·
---
--------·--·
128
------- -----
103.835
1105.908
"-------~--------'-------------···---L ...... ----------'----------~----"-----
* Fonte: IBGE - PNAD, corn exce<;iio para o ano de 2000, por tcr ocorrido o Censo DcmogrMico ** De 16 a 29 anos, conforme consulta ao SIGAE *** Somat6rio das intermedia<;6es incentivadas e espontaneas **** Nao foi computado nesta tabela o ntlmero aproximado de 67.696 jovens qualificados corn recursos do FAT, considerando o percentual amostral identificado pelo Relat6rio de Acompanhamento de Egressos 2000, tendo em vista que esta amostra representa estratificadamente o universo pesquisado. Pon?m nem todos os jovens qualificados estiveram relacionados corn a demanda governamental, uma vez que 70% da demanda por qualifica<;ao eram oriundas das Comiss6es Municipais de Emprego.
A tabela acima mostra a rela<;ao assimetrica entre os jovens intermediados corn incentivo (total de 2.073), ou seja, que entraram no mercado de trabalho porque 0 governo pagou incentivo a empresa empregadora; versus jovens intermediados sem incentivo (total de 103.835), que sao os que entram no mercado por demanda espontanea, sem interferencia alguma do Estado. 0 total de jovens intermediados para o periodo de 2002 a 2006, de acordo a tabela, mesmo considerando a faixa etaria de 25 ate 29 anos nao incluida na a<;ao de intermedia<;ao incentivada, foi de 98.505, sendo 96.432 por demanda espontanea e 2.073 por intermedia<;ao incentivada.
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0 numero baixo de jovens que conseguiram exito na busca via subsidio do Governo por emprego, explica-se em parte pelas empresas, de forma geral, optarem pela liberdade de gerir seus neg6cios sem a interferencia do Estado. De maneira geral no Pais, e principalmente na cidade do Recife, por exemplo, o mercado tern preferencia por absorver jovens na faixa de idade acima dos 20 anos, conforme foi constatado na pesquisa realizada pelo IPSA (Pesquisa de Demanda de Mao-de-Obra Juvenil, e Divulga<;:ao dos Programas Emprego Jovem e PNPE) encomendada pela SDSC no ano de 2005: Eimportante mencionar que, das empresas em analise, 35,1% revelaram que demandam jovens a partir de 20 anos de idade. P01路tanto, urn numero significativo de empresas nao absorve jovens na faixa de 16 a 19 anos (2005, p. 17). Compromissos corn obriga<;:6es fiscais e trabalhistas, impostos nos contratos dos Programas Publicos Sociais de Incentivo a Inser<;:ao dos Jovens no Mercado Formal de Trabalho, tambem parecem ser urn empecilho na forma<;:ao de parcerias entre a iniciativa privada e a publica, pelo fato de muitas empresas nao cumprirem as exigencias legais determinadas pelo Governo. Como o trabalho e central na vida das jovens, por ser o principal meio de integra<;:ao na sociedade, a inser<;:ao desse pttblico nesse cenario e essencial para 0 desenvolvimento social, psicol6gico, familiar e profissional dessas pessoas. Pelo fato de o trabalho, na sociedade atual, ter adquirido sentido etico e valor moral, assumindo o sentido de urn clever social, algo que traz dignidade ao ser humano; o ambiente de trabalho tornou-se urn grande canal de sociabilidade humana. Diante dessa centralidade, o jovem brasileiro de maneira geral e aqui neste estudo, o jovem s6cio-economicamente desfavorecido, possui dois caminhos: ou acessa o mercado de trabalho se submetendo as suas normas e exigencias, mesmo encontrando-se em posi<;:ao bastante desfavoravel na disputa pelo posto de trabalho ja escasso; ou o acessa por meio das politicas sociais existentes que estimulem a qualifica<;:ao profissional e busquem a inser<;:ao produtiva. Importante ressaltar que aqui a inser<;:ao !aboral por meio de Programas governamentais nao parece surtir efeitos positivos. A resposta encontrada pelo Governo de Pernambuco, na formula<;:ao de suas polfticas publicas de juventude para inser<;:ao no mercado de trabalho, reflete uma tendencia nacional de valorizar a Qualifica<;:ao Profissional desse publico, tendencia essa que pode ser observada ainda na tabela 11, no item "jovens qualificados". Isso demonsh路a a inversao estrategica do Programa Emprego Jovem que, a partir do foco na concessao de subsidios as empresas para atingir o objetivo de empregar os jovens, passou para o foco no investimento em qualifica<;:ao. Corn isso, o Governo pretendeu diminuir sua rela<;:ao de interven<;:ao corn a iniciativa privada e passou a investir na capacidade do jovem em conquistar o espa<;:o almejado. Voltando para a tabela 1, na pagina 143, pode-se perceber que a modalidade Preparando para o Primeiro Emprego (PPE), responsavel pela Qualifica<;:ao dos
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jovens para o mercado de trabalho, encontra-se presente de 2001, desde sua criac;:ao no Programa Emprego Jovem, ate 2006, ultimo ano do Programa. Isso demonstra o esforc;:o do Governo Estadual em priorizar a polftica publica de Qualificac;:ao Profissional. Ao fazer isso, o governo reflete uma visao da relac;:ao Educac;:ao X Trabalho em que a formac;:ao profissional e vista como resposta para minimizar o desemprego. A qualificac;:ao (escolaridade e formac;:ao profissional) se transfonnou no fetiche capaz de romper esse processo. Somas vultosas estao sendo gastas no mundo inteiro para requalificar trabalhadores. Os resultados sao pifios se mensurados a partir da reinserc;:ao no mercado de trabalho, como atestam pesquisas em varios paises. (SEGNINI, 2000, p. 77).
4. Conclusoes Infelizmente, o Pais e aqui neste artigo, o Estado de Pernambuco perdeu decadas desconsiderando ou dando enfoque equivocado a importancia da qualificac;:ao profissional para a competitividade, a organizac;:ao do mercado de trabalho e o perfil e a distribuic;:ao de renda. No Brasil, os anos 1980 foram caracterizados por uma crise e uma instabilidade economica sem que a polftica de qualificac;:ao ocupasse algum espac;:o. A existencia do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) em 1990, foi considerado urn passo relevante, mas corn enfoque claramente compensat6rio, em razao do abandono da politica de emprego associada ao crescimento econ6mico.Entre 2001 a 2006, urn volume ponderavel de recursos foi gasto corn polftica de qualificac;:ao, as quais nao tiveram resultados tao positivos, sendo predominante os seus resultados negativos. E no caso do Estado de Pernambuco, o Programa "Emprego Jovem" buscou a inserc;:ao do jovem no mercado formal de trabalho via o incentivo da qualificac;:ao profissional. Desse modo, os dados analisados refletem pouca importancia para tal esforc;:os da iniciativa publica, uma vez que se observa uma maior inserc;:ao no mundo produtivo por meio da intermediac;:ao espontanea que absorveu 103.835 jovens no periodo de 2000 a 2006. Os jovens oriundos de Programas e Projetos governamentais apesar de serem qualificados profissionalmente nao obtiveram tanto sucesso assim (2.073 jovens). Esses numeros refletem os pifios resultados da polftica publica do Programa "Emprego Jovem" de Pernambuco. Acredita-se que o Pais necessita rever estrategicamente a sua politica de qualificac;:ao, abandonando o seu enfoque compensat6rio e deve associa-la a dinamica econ6mica compreendendo-a como pec;:a relevante da polftica de crescimento articulada coma polftica de elevac;:ao da produtividade e da competitividade da economia brasileira.
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A INTEGRA<;AO INDIVIDUALIZADA. DESFASAMENTO ENTRE REPRESENTA<;OES E EXPECTATIVAS DE INTEGRA<;AO NO MERCADO DO TRABALHO SOCIAL
Carla Pinto Docente no Instituto Superior de Ciencias Sociais e Politicas/UTL; Doutoranda em Sociologia (ISCSPIUTL); Mestre em Sociologia; Licenciada em Politica Social (ISCSPIUTL) Email: cpinto@iscsp.utl.pt
Dalia Costa Docente no ISCSP-UTL; Doutoranda em Sociologia da Familia na Universidade Aberta; Mestre em Sociologia pelo ISCSP-UTL; P6s-graduar;iio em Ciencias Criminais pelo Instituto Superior de Ciencias da Saude (Lisboa); Licenciatura em Politica Social Email: daliac@iscsp.utl.pt
Resumo: Pretendemos corn esta cornunica<;:ao analisar as irnplica<;:6es do desfasamento entre o contexto s6cio-laboral do Servi<;:o Social contemporanea e as representa<;:6es e expectativas de inser<;:ao profissional de alunos de Servi<;:o Social. Ternos por base urn estudo sobre representa<;:6es do rnercado de trabalho e expectativas de inser<;:ao profissional dos alunos de licenciatura ern Servi<;:o Social do ISCSP/UTL. Foi realizado urn inquerito por questiona.rio auto-administrado, por urn processo de arnostragern intencional (N=104 alunos de licenciatura do ano lectivo 2007/2008 corn urna idade media de 22 anos [18;53], e distribui<;:ao por sexo de 8 alunos do sexo masculino e 96 do sexo ferninino). 0 actual contexto s6cio-laboral do Servi<;:o Social reflecte necessariarnente as complexas caracteristicas das sociedades de capitalisrno avan<;:ado, ern transi<;:ao acelerada de paradigrna civilizacional. Salientarn-se os processos de atomiza<;:ao dos sujeitos, a "certeza da incerteza", o risco corno pano de fundo da vida quotidiana. Face a este contexto, os dados empiricos revelam que os alunos tern uma representa<;:ao consistente do mercado de trabalho do Servi<;:o Social, caracterizando-o corno inseguro e de acesso dificil. Contudo, as suas expectativas de inser<;:ao profissional nao sao negativas, tanto no acesso pessoal ao rnercado de trabalho, como na perspectiva de carreira e de autonornia profissional, indicando urn desfasamento. Os dados ernpiricos suscitam a hip6tese de urn processo de adapta<;:ao individualista as condi<;:6es de risco do rnercado de trabalho corn eventuais efeitos sobre as praticas profissionais. Palavras-chave: Representa<;:6es sociais; expectativas; risco; inser<;:ao no rnercado de trabalho
1. Introdu<;ao Vivernos numa epoca ern turbilhao. Na hist6ria humana ja ocorreram rnuitos outros periodos de transforrna<;:ao profunda, rnas nunca corno agora o seu ritmo de mudan<;:a foi tao grande e tao rapido. Como se a hist6ria tivesse passado a seguir mais o_ ritmo das maquinas do que o ritmo humano. Sentimos quotidianamente as dores de parto de uma profunda mudan<;:a civilizacional: sabemos que ja nao estamos na modernidade industrial, mas o que vern a seguir ainda nao acabou de se definir. Isso nao invalida o facto de ja podermos inteligir, bem
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coma viver, algumas caracteristicas desse novo mundo novo. A sociedade con-
temporanea e conturbada, ambivalente, incerta, fragmentada, plural, desorientada (Giddens, 1997, 1998, Parton, 1996). Neste contexto de incerteza, o sujeito aparece-nos cada vez mais isolado e desprotegido face aos riscos que enfrenta. E este sujeito tendencialmente individualizado e atomizado, que deve ser o responsavel pelas suas escolhas e responsabilizado pela sua vida. Isto implica que cada sujeito se deve encontrar permanentemente em reflexao, em ana.Iise de informa<;:ao e de conhecimento, para poder escolher face as incertezas. A realidade e assim (re)produzida quotidianamente pela reflexividade dos sujeitos. Prestes a enfrentar urn periodo de mudan<;:a pessoal num contexto de grande incerteza, os alunos de licenciatura sao levados a reflectir sobre o seu percurso formativo e perspectivas de inser<;:ao profissional, conjungando diferentes fontes de informa<;:ao e diferentes 16gicas de ac<;:ao a fim de elaborarem urn projecto pessoal de defini<;:ao profissional credivel e securizante. Foi este processo dinamico que nos propusemos explorar na nossa reflexao.
2. A sociedade de risco: a certeza da incerteza 0 soci6logo alemao Ulrich Beck (1998) definiu o mundo contemporanea ocidental como uma "sociedade de risco", que corresponde ao inicio de uma nova modernidade, a modernidade reflexiva. Se a modernidade simples, da epoca industrial, modernizou o mundo antigo, isto e, as sociedades tradicionais, a modernidade reflexiva e a moderniza<;:ao da sociedade industrial. Anthony Giddens prefere utilizar a expressao "modernidade tardia" para se referir ao actual periodo civilizacional, no qual assistimos ao radicalizar das implica<;:6es da modernidade. Giddens (1997:3) entende a modernidade como uma cultura do risco, pm路que o conceito de risco se tornou fundamental para o modo coma os individuos organizam o mundo social, a semelhan<;:a da tese de Beck. Na sociedade de risco, ao contrario do que se passava na primeira modernidade, os riscos da sociedade industrial passam a ser centrais na esfera publica e privada, de tal modo que a 16gica de produ<;:ao dos riscos suplanta a 16gica da produ<;:ao de riqueza (Beck 1998). Na sua analise das implica<;:6es da tecnologia moderna, Beck defende que a susceptibilidade dos individuos ao risco se tornou a mais importante divisao social, mais do que a classe social e a capacidade de produ<;:ao de riqueza. Nao se trata da supera<;:ao da divisao de classes, mas da sua secundariza<;:ao enquanto 16gica estruturante. As desigualdades sociais passam a ser analisadas sobretudo em termos de diferentes vulnerabilidades aos riscos e diferentes potencialidades de gestao dos mesmos. Esta importancia do risco revela-se particularmente no facto de que as maiores preocupa<;:6es dos individuos estarem agora centradas na necessidade
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A integrac;ao individualizada. Desf. entre rep. e exp. de int. no mere. do trab. social, p. 155-172
de diminuir a ansiedade eo medo em resultado dos riscos percepcionados. Beck argumenta que a "comunalidade da necessidade" se sobrep6e a "comunalidade da ansiedade" provocada pela inseguranc;,:a da sociedade de risco. Podemos ver claramente esta tendencia na esfera econ6mica. A nova modernidade trouxe tambem urn novo modo de capitalismo, denominado de varias formas, consoante diferentes autores. Richard Sennett fala de urn "capitalismo flexfvel" (2001 ), elegendo a flexibilidade como o aspecto chave, enquanto que Bennett Harrison (citado em Sennett, 2001) !he chama "capitalismo impaciente", em virtude da preferencia demonstrada por este modo capitalista por rapidos retornos de capital. Embora possamos encontrar diferentes denominac;,:oes, encontramos igualmente alguns consensos no que diz respeito a muitas das caracterfsticas desta nova fase do capitalismo. Aquela que se apresenta como essencial e a da f!exibilidade. Uns preferem concentrar-se nas suas vantagens, outros elegem as suas desvantagens, cada autor posicionando-se numa especie de eixo de demonizac;,:ao /santificac;,:ao da flexibilidade. Independentemente de entendermos a flexibilidade como a nova panaceia ou como uma arma de destruic;,:ao civilizacional, falar de f!exibilidade implica falarmos tambem de risco e de incerteza. Mais flexibilidade implica maior assumpc;,:ao de riscos e maior ansiedade na gestao das decis6es. Como a noc;,:ao de risco tem maiores conotac;,:6es negativas, a de flexibilidade pode ser usada de forma a escamotear a carga emocional dos efeitos do modos operandi capitalista (Sennett, 2001). A flexibilidade encerra uma ambiguidade interna da maior importancia: ela implica maior liberdade de acc;,:ao que depois se revela como menor liberdade de acc;,:ao. Num contexto flexfvel, e presumfvel que os indivfduos possuam maior liberdade de decisao e maior potencialidade de autonomia. Contudo, este cenario parece presumir igualmente uma igualdade de poder entre os sujeitos, nomeadamente de negociac;,:ao ou de acesso a recursos importantes, e como tal nao se verifica, nem todos tem de facto a mesma liberdade de acc;,:ao face a incerteza. 0 proprio sistema desenvolve outros meios de controlo (corn particular destaque para as tecnologias de comunicac;,:ao). Nas novas formas de controlo avanc;,:adas pelos esquemas da flexibilidade, Sennett encontra um sistema de poder que se baseia em tres elementos (Sennett, 2001): - a reinvenc;,:ao descontfnua das instituic;,:6es, - a especializac;,:ao flexivel da produc;,:ao, - e a concentrac;,:ao de poder sem centralizac;,:ao Este sistema de poder fragiliza os indivfduos, num contexto de potencializac;,:ao da instabilidade, quer seja atraves de profundas mudanc;,:as organizacionais (reengenharia, downsizing .. ., ao sabor da moda de gestao do momento), da necessidade da criac;,:ao continua de novidades nos produtos postos no mercado ou atraves de uma linha de comando que, por ser sobretudo em rede mais do que em piramide, pode dar a ilusao de descentralizac;,:ao do poder de decisao.
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0 novo capitalismo, como qualquer outra das suas modalidades, implica novos modos de rela<;ao, novos contextos profissionais e de trabalho. 0 capitalismo industrial assentava numa 16gica de progressao linear, de continuidade e estabilidade, criando e alimentando expectativas de mobilidade social ascendente e narrativas de longo prazo. Pelo contrario, o novo capitalismo assenta na transitoriedade das rela<;6es sociais (Toffler, 1980), na incerteza e ambiguidade, no lema "nada de longo prazo" (Sennett, 2001:34), na desconstru<;ao da progressao linear, seja em termos de carreiras, de local de trabalho, de fun<;6es, de ciclo de vida, etc. 0 novo capitalismo organiza-se preferencialmente a volta de "projectos", de programas, processos por defini<;ao temporarios e envolvendo urn esquema de organiza<;ao ad-hoc (Sennett, 2001, Toffler, 1980). A tese de Richard Sennett e a de que o lema "nada de longo prazo" corr6i processos e valores essenciais: a confian<;a, a lealdade e a entrega m{ttua (Sennett, 2001:37). Nao e muito dificil chegar a esta conclusao, quando sabemos que os la<;os sociais, e particularmente os la<;os sociais fortes, levam bastante tempo a formarem-se. Ora, a flexibilidade corresponde a urn tempo fragmentado: de fins e (re)come<;os continuos, quando, por oposi<;ao, precisamos de tempo e de certa estabilidade para elaborarmos identidades consistentes, projectos de futuro, la<;os de solidariedade e de intimidade corn os outros. No capitalismo flexivel, nao ha narrativa partilhada, nem destino partilhado e partanto 0 caracter corr6i-se: nao e passive! uma narrativa pessoal e colectiva coerente e estavel (Sennett, 2001). 0 novo capitalismo transporta uma l6gica de movimento rapido ininterrupto, a necessidade de inovar sempre, de agir sempre, em consonancia corn o ditado: "parar e morrer". A passividade dos sujeitos e das institui<;6es e sin6nimo de fracasso, de obsolescencia. Dai o medo do "nao agir", de ficar para tras, quando ninguem espera por quem fica para tras. P01路tanto, ha que mostrar ac<;ao, empenho, decisao. E, deste modo, e necessaria que os sujeitos estejam sempre em processo de avalia<;ao, reflexao, actualiza<;ao.
2.1. Reflexividade
No pensamento de Giddens (1997, 1998) a modernidade caracteriza-se por urn extremo dinamismo em resultado de tres aspectos principais: em primeiro lugar a separa<;ao do tempo e do espa<;o, o seu esvaziamento, que permite o desenvolvimento das rela<;6es sociais em vastas extens6es de espa<;o e tempo, e a possibilidade de falarmos em sistemas globais. Urn segundo aspecto refere-se adescontextualiza<;ao das institui<;6es sociais, possivel atraves dos sistemas abstractos, dos mecanismos das "garantias simb6licas" e dos "sistemas periciais". Entende-se por garantias simb6licas os meios de troca que possuem valores-padrao aceites em diferentes contextos espaciais e temporais, de que e exemplo
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maior o dinheiro. Os sistemas periciais referem-se a modos de conhecimento tecnico, ou pericialidade profissional, cuja validade e independente dos sujeitos que usam esse conhecimento. Estes sistemas periciais nao se limitam a area tecnol6gica-cientifica, mas invadem todos os aspectos da nossa vida, mesmo as rela<;:oes interpessoais mais intimas. Todos os sistemas periciais dependem da confian<;:a dos sujeitos, definida como "a seguran<;:a na credibilidade de uma pessoa ou na fiabilidade de um sistema" (Giddens 1998:24). Todos os sistemas abstractos criam espa<;:os de seguran<;:a para os individuos, da mesma forma que criam igualmente extensas areas de inseguran<;:a, onde nada pode ser dado como adquirido (Giddens 1997). Um terceiro aspecto do dinamismo da modernidade e a reflexividade omnipresente, ou seja, a possibilidade de constantes reajustamentos e altera<;:oes, mesmo radicais, nas rela<;:oes sociais e interpessoais a luz de novos conhecimentos ou informa<;:oes. A esta luz, vemos que o risco no contexto da modernidade tardia e muitas das vezes esquivo a um calculo claro, pois 0 quadro de conhecimentos valido esta sempre sujeito a mudan<;:a. Segundo Giddens (1997:4) "a auto-identidade, o self, torna-se num empreendimento organizado reflexivamente", que se traduz na manuten<;:ao de narrativas biograficas que apresentam coerencia, embora sejam revistas continuamente. Para tal e necessaria que o individuo fa<;:a constantes escolhas, em negocia<;:ao com o conhecimento pericial sobre os riscos que corre em cada escolha. Contudo, nesta sociedade de risco, os individuos perdem gradualmente muita da confian<;:a depositada nos peritos cientificos, nao conseguindo fazer sentido das informa<;:oes muitas das vezes claramente contradit6rias das opinioes tecnicas sobre o que e ou nao "arriscado". Este clima de falta de confian<;:a produz extrema ansiedade nos individuos, que tem de ser resolvida socialmente. Toda a sociedade trata de produzir um contexto de "seguran<;:a ontol6gica" (Giddens 1997, 1998) aos seus membros, uma confian<;:a no sentido da realidade das pessoas e das coisas que acontecem a sua volta. Esta produ<;:ao de seguran<;:a e enfatizada pela necessidade de controlo exigida pelo discurso da modernidade. A sociedade de risco acontece num sistema de "controlo humano aberto" do mundo social e do mundo natural (Giddens 1997). 0 conceito de risco, que e por defini<;:ao relativo a acontecimentos futuros, torna-se assim num processo de domina<;:ao do destino, do futuro incerto, das incertezas. Giddens avan<;:a com uma expressao particularmente bem conseguida: do que se trata e de "colonizar 0 futuro", atraves do calculo dos riscos por meio de um pensamento simulador. Mas este processo esta sempre em constante reformula<;:ao, numa permanente monitoriza<;:ao reflexiva do risco. Nas palavras de Beck (2000:2), a moderniza<;:ao reflexiva consiste na "possibilidade de uma (auto)destrui<;:ao criativa" da sociedade industrial, e uma modernidade de "autoconfronta<;:ao". 0 ambiente de continua reflexividade da
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modernidade tardia torna dificil a precisa delimita<;:ao dos riscos: eles estao em constante fluxo de reformula<;:6es - o que e born hoje pode ser mau amanha e vice-versa. Ulrich Beck, ao contrario do que poderiamos supor de uma leitura superficial dos seus argumentos, nao advoga uma posi<;:ao pessimista em rela<;:ao a nova modernidade: e na reflexividade da modernidade, isto e, na radicaliza<;:ao da moderniza<;:ao, que as sociedades humanas poderao sobreviver aos riscos criados. Beck (2000) considera que a mais importante questao a que tern os de responder na sociedade de risco e precisamente saber "como queremos viver". Somente atraves de uma radicaliza<;:ao reflexiva do processo democratico, de que os novos movimentos sociais de base ecologista sao disso exemplo, poderemos chegar as melhores respostas, que nos afastem da destrui<;:ao anunciada pelos riscos modernos. A resposta estara numa modernidade reflexiva preocupada corn as suas consequencias e corn os seus riscos (Beck 2000).
2.2. Sujeito individualizado
Como defende Lash (2000), a modernidade reflexiva veicula urn programa de individualiza<;:ao, urn Eu cada vez mais liberto dos la<;:os comunitarios e institucionais. Mas ao mesmo tempo urn Eu que pode ser cada vez mais dependente de outros sistemas. Este processo de individualiza<;:ao leva-nos a enfrentar urn grande paradoxo: o do individuo ter menos liberdade, tendo mais liberdade, isto e, maior liberdade em rela<;:ao a tradi<;:ao, e as tradicionais estruturas de domina<;:ao, mas maior dependencia do estado, dos sistemas de protec<;:ao social formais, ou mesmo da pura necessidade. Corn a modernidade, o individuo e obrigado a ser livre: e esperado que cada individuo seja urn cidadao activo, participante totalmente responsavel pelas suas escolhas. Ao ser responsavel, o sujeito e responsabilizavel (Culpitt, 1999; O'Malley, 2004, 2008). Em consonancia, o novo capitalismo atomiza igualmente os individuos, potencializando o processo de individualiza<;:ao, pelo qual a identidade do Eu se sobrep6e a identidade do Nos, o que Elias denomina de Sociedade dos individuos (Elias, 2004). Para Norbert Elias, o processo de civiliza<;:ao e urn processo de individualiza<;:ao, em que cada vez mais as fun<;:6es de protec<;:ao e de controlo deixam de ser desempenhadas por colectivos hereditarios (clas, familia, comunidade), ou outros como a corpora<;:ao ou classe social, e passam a se-lo por colectivos estatais mais centralizados e progressivamente urbanizados. Neste processo de civiliza<;:ao I individualiza<;:ao passamos de colectivos mais restritos e pequenos, para colectivos cada vez maiores, nos quais as possibilidades de interven<;:ao do individuo podem ser claramente restringidas, devido a urn maior distanciamento relativamente aos centros de poder, e, deste modo, diminui<;:ao real da capacidade dos individuos influenciarem as decis6es do colectivo maior. Cada sujeito ganha uma maior margem de escolhas
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e alternativas, podendo decidir mais por si mesmo. De facto, pode e tem de decidir cada vez mais por si mesmo. A regula<;ao dos indivfduos e cada vez mais individual, mais interna, auto-regula<;ao. A enfase na responsabilidade individual e na auto-regula<;ao leva a promo<;ao do empowerment individual como capacita<;ao para agir, indispensavel para os sujeitos serem os tao desejados cidadaos activos e auto-governados (O'Malley, 2004, Pinto, 1998). Nos colectivos mais restritos e fechados, predomina a perspectiva do N6s. Nas sociedades mais industrializadas passa a predominar a perspectiva do Eu. Como afirma Elias, "o facto de se atribuir um valor mais elevado aquilo que distingue as pessoas umas das outras, ou seja a sua identidade do Eu, do que aquilo que elas tem em comum, ou seja a sua identidade do N6s, e uma caracteristica da estrutura das sociedades mais evolufdas dos nossos tempos" (Elias, 2004:178). Nas sociedades mais desenvolvidas, isto e, mais complexificadas, mais diferenciadas, com maior especializa<;ao de fun<;6es, temos lugar a mais alternativas, mais decisoes de escolha e, pm路tanto, mais riscos. No momento presente, de integra<;ao planetaria e globaliza<;ao, em que a humanidade e cada vez mais o nfvel de sobrevivencia mais importante, estamos ainda a criar e testar meios de participa<;ao mais concreta na vida global (Elias, 2004). Nao se trata de escolher a identidade N6s ou a identidade Eu: elas nao existem em exclusao, precisam uma da outra. Trata-se antes de definir o equilibrio de uma e outra, o equilibrio Eu I N6s.
3. Procedimentos metodol6gicos Os objectivos deste estudo 1 sao analisar as representa<;6es e as expectativas de inser<;ao profissional dos alunos de Servi<;o Social do ISCSP/UTL do ano lectivo 2007/2008, aferindo as possfveis descontinuidades entre as representa<;6es do mercado de trabalho destes alunos em periodo de forma<;ao e as expectativas individuais de virem a integrar o mercado de trabalho a curto/ medio-prazo. A recolha de dados consistiu na realiza<;ao de um inquerito por questionario autoadministrado a uma amostra intencional de 104 alunos. A amostra e composta por 8 alunos do sexo masculino e 96 alunas do sexo feminino. A idade media situa-se nos 22 anos com um intervalo entre os 18 e os 53 anos. Para o tratamento de dados recorremos ao SPSS (Statistical Package for Social Sciences, versao 15).
1
Os resultados apresentados fazem parte de um estudo realizado no ISCSP por uma equipa de investiga<_;iio integrada par oito elementos (Carla Pinto; Da!ia Costa; Margarida Mesquita; Maria Joiio Militiio; Maria Jose Silveira; Rosaxia Ramos; Stella Antonio; Maria Vitoria Mouriio). 0 objectivo geral consiste em estabelecer um panto de partida para a monitoriza<_;iio da inser<_;iio profissional dos Licenciados em Servi<_;o Social pelo ISCSP.
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4. Integra\'ao individualizada: o desfasamento entre representa\'oes e expectativas de integra\'ao pessoal No contexto de risco e de reflexividade corn responsabiliza~ao do individuo pela sua sorte, procuramos perceber como e que os alunos de licenciatura de servi~o social constroem o mercado de trabalho no qual irao entrar em breve, e como perspectivam as suas possibilidades de integra~ao laboral. Como representam os futuros profissionais o campo do trabalho social? Interiorizaram ja a representa~ao de incerteza e instabilidade? Face a este contexto dificil, como constroem a sua confian~a? Como se posicionam em termos de projecto reflexivo do Eu? Representat;iio do contexto: o risco e a precariedade do mercado de trabalho 0 mercado de trabalho e predominantemente considerado como precario. Principalmente se considerarmos a propor~ao de sujeitos que o considera como precario (56,7%; £=59) e de sujeitos que o considera como sendo muito precario (10,6%; f=ll), representando 67,3% da amostra (£=70). Os alunos que representam o mercado de trabalho como estavel sao 13,5% (£=14) da amostra e apenas 1,9°/t, (£=2) o representa como urn mercado de trabalho muito estavel. Nesta resposta existem 18 sujeitos (17,3%) que respondem nao saber o grau de precariedade do mercado de trabalho.
Tabela 1 - Precariedade do mercado de trabalho ll 59
E muito estiivcl
14 2
Tabela 2 - Acesso ao mercado de trabalho
Edificil E muito dificil
56
53,8
13
12,5
0 acesso ao mercado de trabalho para o exerdcio do Servi~o Social e representado como sendo dificil por mais de metade dos sujeitos (53,8%; £=56). Correspondem a 13,5% (£=14) da amostra os sujeitos que consideram que o
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acesso ao mercado de trabalho vai ser facil. Uma propon;:ao ligeiramente inferior (12,5%; £=13) considera que este acesso sera muito dificil. A avalia<_;:ao deste elemento constitui uma projec<_;:ao para o futuro, o que podera contribuir para o facto de 20,2% (£=21) de respostas em que os sujeitos referem nao saber como vai ser o acesso ao mercado de trabalho quando terminarem a sua forma<_;:ao.
Tabela 3 - Perspectivas de carreira Boas
29
Razoaveis M<is
54 12 9
51,9 11,5
A representa<_;:ao das perspectivas de carreira no trabalho social concentra-
se na posi<_;:ao intermedia da escala, corn a maior parte dos alunos a referir perspectivas de carreira razoaveis (51,9%; £=54). Em 27,9'Ya (f=29) dos casos manifesta-se uma perspectiva claramente positiva projectando muito boas e boas perspectivas de carreira. Comparando este indicador corn as expectativas pessoais de progressao na carreira fica mais evidente uma tendencia para os alunos considerarem as possibilidades individuais de uma forma mais favoravel do que a representa<_;:ao que expressaram em rela<_;:ao ao que o mercado de trabalho possibilita em termos gerais.
Tabela 4 - Expectativa de progressao na carreira
Muito boas Boas Razo<'iveis
Mas Muito Mas Total
0
5,8 43,3 37,5 5,8 0,0
104
100%
6 45 39 6
Numa escala de cinco pontos, variando entre muito boas e muito mas, a maior propor<_;:ao de respostas esta no grau 'boas' (43,3%; £=45) seguindo-se o grau 'razoaveis' (37,5%; £=39) e exequo os graus situados nos extremos da escala, 'muito boas' e 'mas', cada uma corn uma propor<_;:ao de respostas de 5,8% (£=6). Esta distribui<_;:ao de opini6es em rela<_;:ao a progressao parece estar em consonancia corn as expectativas de autonomia profissional.
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0 trabalho social como vocat;;ao 0 investimento pessoal manh~m-se independentemente de o mercado de trabalho ser representado como preca.rio e de dificil acesso. Isto pode estar ligado a motiva<;:ao para 0 desempenho desta profissao. A motiva<;:ao mais representada na escolha da licenciatura em servi<;:o social e de ordem pessoal e afectiva sugerindo a voca<;:ao. 'Gostar de ajudar os outros' e a categoria de respostas mais escolhida (51,5%; ÂŁ=53) seguida de uma categoria que pode remeter-se aos mesmos factores embora seja formulada em termos de profissao ('querer ser assistente social', que representa 25,2%; ÂŁ=26 das respostas).
Tabela 5 -
Motiva~ao
para a escolha da licenciatura 26 53 ,) ' 7 3 3
Qucrcr scr
Gostar de ajudar os outros Scr uma liccnciatura com boa cmprcgabilidaclc Por sugestao clc outros Para progrcdir na carrcira
Nenhuma razao cm especial
2,9 2.9
A motiva<;:ao para a escolha da licenciatura parece coerente corn a ideia dominante de representa<;:ao do trabalho social enquanto resposta assistencial. A representa<;:ao do trabalho social como 'ac<;:ao de analise da realidade corn vista a mudan<;:a social' remete para uma postura mais tecnica. Comparativamente, esta representa<;:ao parece-nos m a is evidenciada na motiva<;:ao 'querer ser assistente social'. A interpreta<;:ao destes dados nao deve ser dissociada do facto de os sujeitos da amostra estarem ainda em processo de forma<;:ao. 0 trabalho social e associado a uma ideia de 'resposta assistencial junto de pessoas' em 52,9% (ÂŁ=55) das respostas representando urn pouco mais da metade da ideia predominantemente associada a profissao.
Tabela 6 -
Representa~oes
do Trabalho Social
ou necess!Cia<lcs Rcsposta assistcncial junto de pcssoas Ac<;iio de am\lisc da rcalidade eo m vista itmudan<;a social
Resposta 1mcctwta a problernas mcll\'!clua1s
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Da ana!ise do posicionamento dos inquiridos face a um conjunto de afirma<_;oes, podemos indiciar o entendimento de uma postura maioritaria de voca<_;ao pelo trabalho social. Uma voca<_;ao-missao que o sujeito assume, apesar das tendencias da sociedade moderna.
Tabela 7 - 0 Trabalho Social tolalmente Concordo
Discordo
egratificante
42 3
A maioria dos inquiridos, 56,3% (£=58), concorda totalmente com a ideia de que o trabalho social e gratificante. Ao todo, 97,1% estao de acordo com esta afirma<_;ao. Estes dados parecem-nos coerentes com a principal motiva<_;ao dos alunos para escolherem a licenciatura, que foi precisamente o desejo de quererem ajudar outros. Esta voca<_;ao voltada para o outro e sentida em si mesmo coma gratificante, mesmo quando o trabalho social nao e percepcionado como oferecendo outros atractivos, como veremos mais a £rente.
Tabela 8 - 0 trabalho social vai ser cada vez mais necessario '-·"'"'""''"" lotalmcnte Concordo
39,4
Discordo
1,9
A maioria dos alunos inquiridos tambem e de oprmao que o trabalho social sera cada vez mais necessaria: 58,7% (£=61) concordam totalmente com esta afirma<_;ao, e ao todo 98,1% estao de acordo com esta ideia. Parece-nos que a clara maioria dos alunos acredita num futuro no qual o trabalho social tem lugar e legitimidade, embora tambem sintam que a sociedade actual menospreza a ajuda social. A maioria dos inquiridos concorda com a ideia de que no mercado predomina a procura do lucro (52,9%, £=55, concordam e 19,2%, £=20, concordam totalmente), e que as actividades de apoio social sao secundarizadas face a este imperativo.
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Tabela 9 - 0 mercado esta focalizado no lucro e as actividades de apoio social sao secundarizadas Concordo totalmente Concordo Discorclo
20 55
19,2 52,9 26,0
27
De igual modo, urn total de 61,6% considera que o trabalho social e uma profissao pouco prestigiada (51,0%, f=53, concordam e 10,6%, f=ll, concordam totalmente corn esta afirma<;ao). Mesmo sendo representada maioritariamente como pouco prestigiada, e como tal pouco prestigiante, os alunos defendem claramente a sua op<;ao formativa como gratificante do ponto de vista do profissional, como vimos anteriormente. Temos ainda que mais de V4 dos inquiridos, 38,5'Yo discordam da afirma<;ao, tendo, portanto, uma visao mais prestigiante da profissao.
Tabela 10 - 0 trabalho social Concordo totalmcntc Concordo Discordo
e uma profissao pouco prestigiada 11 53 35
10,6 51.0 33,7
Os inquiridos tambem consideram maioritariamente que o trabalho social nao proporciona grandes vantagens materiais aos seus profissionais, vantagens estas que pudessem sustentar uma op<;ao meramente materialista da profissao. Quanto a remunera<;ao, apenas 7,1% (f=7) concordam que se ganha bem no trabalho social, contra 92,8% que discordam (76,55%, f=75, discordam, e 16,3%, ÂŁ=16, discordam totalmente).
Tabela 11 - Ganha-se bem no trabalho social Concordo totalmcntc Concordo Discordo
0,0
0 7
7,1 76.5
75
Apenas 10,9% concordam que o trabalho social proporciona regalias ao trabalhador (7,9, f=8, concordam e 3,0%, f=3, concordam totalmente), contra 89,1% que discordam (75,2%, f=76, discordam e 13,9%, f=14, discordam totalmente).
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Tabela 12 - 0 trabalho social proporciona varios beneficios ao trabalhador (senhas, telem6veis ... ) Cuncordo totalmente Concordo
Discordo
76
3,0 7,9 75,2 l
Relativamente a autonomia profissional, a maioria dos inquiridos, 78,8%, discordam que o trabalho social permite serum trabalhador autonomo (63,1 %, £=65, discordam, e 8,7%, £=9, discordam totalmente). Contrariamente a esta representa<;:ao maioritaria, as expectativas pessoais de autonomia sao positivas. A expectativa de autonomia profissional no exercicio de uma profissao no Servi<;o social parece estar em consonancia cam a representa<;ao acerca das perspectivas de carreil·a. A maior parte dos sujeitos espera vir a possuir grande autonomia no desempenho da profissao (55,8%; £=58). 24% (£=25) dos sujeitos esperam vir a ter pouca autonomia no exercicio profissional. Nesta questao, 14,4% (£=15) dos sujeitos da amostra refere que nao sabe coma sera a autonomia profissional que tera.
Tabela 13 - 0 trabalho social permite ser urn profissional aut6nomo
Concordo Discordo
25 65
24.3 63,1
9
Tabela 14- Expectativa de autonomia profissional Muito grandc Grandc Pcqucna Muito pcqucna
58 25 2 15
55,8 24,0 1,9
Os alunos favorecem sobretudo a ideia de que se o individuo for capaz, consegue integrar-se no mercado de trabalho, e nao e necessariamente par ter melhores notas ou par ter cunhas. Parece-nos que podemos identificar uma perspectiva dominante que sugere urn entendimento coerente cam uma visao individualizada da integra<;ao profissional, cabendo ao sujeito demonstrar as
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capacidades certas de envolvimento e empenho que !he abrirao as portas do m undo !aboral. E preciso ser-se "capaz". A maioria dos inquiridos, 71,5%, discorda da afirma<;ao que s6 quem tern cunhas e que consegue arranjar trabalho na area social (63,7%, £=65 discordam da afirma<;ao, e 7,8%, £=8, discordam totalmente). Cerea de urn quarto da amostra, 25,5% (£=26) concordam corn o peso das cunhas na inser<;ao profissional, e apenas 2,9% (£=3) concordam totalmente. Quanto a importancia das notas de licenciatura na inser<;ao profissional, a
Tabela 15 -
So quem tern cunhas e que consegue arranjar trabalho nesta area
totalmente Concordo Discordo
26 65
25,5 63.7
maioria dos inquiridos, 74,8%, discordam que os alunos corn boas notas conseguem sempre arranjar trabalho (63,1 %, £=65, discordam corn a afirma<;ao, e 11,7%, £=12, discordam totalmente). Na posi<;ao contraria, voltamos a ter cerea de urn quarto dos respondentes: 20,4% (£=21) concordam corn a afirma<;ao, e 4,9% (£=5) concordam totalmente.
Tabela 16- Os alunos corn boas notas conseguem sempre arranjar trabalho
Concordo Discordo
Tabela 17- Quem Connl!'do totalmcntc Concordo Discordo
21 65
20.4 63.1
12
11
e capaz consegue ser bem sucedido profissionalmente 61 18
58,7 17,:1 I
Uma clara maioria dos inquiridos, 81,8%, concordam que quem e capaz consegue ser bem sucedido profissionalmente: 58,7% (£=61) concordam e 23,1% (£=24) concordam totalmente com esta ideia. Menos de um quarto da amostra discorda: 17,3% (£=18) discordam e meramente um caso discorda totalmente.
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Conclusao Da analise dos nossos resultados, verificamos um desfasamento entre representac;oes do mercado de trabalho e expectativas de integrac;ao pessoal por parte dos alunos. 0 mercado !aboral de trabalho social e percepcionado como precario e de acesso dificil, embora com potencial para proporcionar uma elevada gratificac;ao pessoal, gerando utilidade social. Contudo, o trabalho social e visto igualmente como proporcionando pouca autonomia, baixa remunerac;ao, poucos beneffcios, sendo pouco prestigiante para o profissional. Face a este contexto de precariedade e risco, os sujeitos elaboram estrategias pessoais de integrac;ao securizantes. A partir da analise dos dados ganha consistencia a hipotese de uma adaptac;ao do "Eu" ao contexto dominante num sentido optimista. Esta estrategia fica patente nomeadamente na dissonancia encontrada entre as representac;oes e as expectativas em relac;ao as perspectivas de progressao na carreira; de autonomia no desempenho profissional; assim como da confianc;a na capacidade de cada um para o sucesso profissional. Enquanto a representac;ao do mercado e negativa, as expectativas pessoais sao mais optimistas e positivas. Nesta postura, a identidade do "Eu" pode individualizar-se do contexto do "Nos", entendido como mais dificil e precario. 0 risco associado ao mercado de trabalho esta ligado a um "Nos" difuso, sobre o qual cada um dos sujeitos tem menor capacidade de controlo. A confianc;a, associada a capacidade individual para lidar com este contexto, parece estar ligada a vocac;ao como principal vector da escolha profissional. A representac;ao predominante do trabalho social enquanto resposta assistencial ao Outro contribui para reforc;ar esta hipotese de interpretac;ao.
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PAINEL 3 "INTERVEN<;AO SOCIAL COM FAMILIAS"
BREVES DISCUSSOES SOBRE A VIOLENCIA NO CENARIO BRASILEIRO
Simone Albieri Bordonal Assistente Social, formada pela Universidade Estadual Paulista "]Ulio de Mesquita Filho"IUNESP-Franca, mestranda pelo Programa de P6s-Graduar:;ao em Servir:;o Social pela mesma universidade e membra do Grupo de Estudos "Teoria Social de Marx e Servir:;o Social" Email: simonebordonal@ig.com.br.
Resumo: 0 presente trabalho tern par objetivo ampliar o debate a respeito da violencia, em suas mt'!ltiplas formas e manifesta~oes, a partir de breves discussoes, sabre essa questao e de uma anidise sabre a violencia dentro das especificidades brasileiras. Coma a vio!encia e inerente ao capitalismo, na medida em que este avan~a e se modifica no decorrer desse processo, tambem aquela adquire novas configura~oes e alcan~a outras dimensoes. No Brasil, par exemplo, ha urn conjunto de rela~oes fortemente marcadas par tra~os tradicionalistas, que remontam os prim6rdios da forma~ao do pais, tais como o mandonismo, a politica de favores, o patrimonialismo, negligenciando constantemente as fronteiras entre o publico e o privado, endossados pelo antigo jargao da "unidade nacional", do grande "Projeto do pais que s6 pode dar certo". Aqui, as leis nunca sao iguais para todos, pois existe quase sempre a possibilidade de "brechas" que dao margem a outras interpreta~oes que geralmente favorecem alguns e condenam mais facilmente a outros. A inten~ao aqui se delineia apenas na tentativa de construir uma reflexao que busca apoiar-se em elementos da realidade, em termos gerais, sem detrimento da considera~ao das particularidades nacionais e locais, ressaltando sempre a historicidade dessa problematica e a impossibilidade de esgota-la aqui. Palavras-chave: Violencia- capitalismo-realidade brasileira.
Discutir a violencia, inevitavelmente, e sempre uma tarefa desafiadora, uma vez que se trata de um fenomeno bastante complexo e que vem muitas vezes chocando a sociedade e instigando ainda mais para um repensar sabre essa questao, alem da necessidade de posicionamento frente a ela. A violencia transborda os limites da seguran~a publica, das questoes criminais. Ela esta presente e disseminada pelas diferentes esferas da vida social, e assume conota~oes relacionadas diretamente com a ordem capitalista vigente, de modo inerente. Portanto, e impassive! discuti-la sem a considera~ao dos jogos de fon;as sociais, das altera~oes no mundo da produ~ao e no papel do Estado, etc., de um !ado, e das peculiaridades nacionais e locais, de outro. No caso do Brasil, par exemplo, alem desses processos mencionados, e passive! afirmar que ainda permanecem fortes tra~os de tradicionalismo, clientelismo, favoritismo e patrimonialismo, pautando as rela~oes sociais. Essas
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especificidades brasileiras ajudam a entender certos posicionamentos e vis6es de mundo a respeito da violencia, principalmente, no que se refere a criminaliza<;ao da pobreza e as ideias de limpeza social tao ocorrentes no pais, onde tanto a violencia urbana como a chamada violencia estrutural, alcan<;am indices cada vez maiores, mas sem que seja dada a estas quest6es a devida aten<;ao. 0 Brasil, desde sua forma<;ao territorial e afirma<;ao como Estado-na<;ao ate seus sucessivos movimentos de retra<;ao e crescimento economico, esteve vulneravel as influencias e decis6es do "Centro Capitalista", seja quando da expansao colonial e competi<;ao interestatal europeia, seja dos momentos de transi<;ao da hegemonia inglesa para a norte-americana e dos ciclos de expansao capitalista. A decada de 1930, por exemplo, foi aberta corn aquilo que se poderia chamar de urn movimento rumo ao desenvolvimento e a modernidade, no qual grandes mudan<;as iriam acontecer, nao obstante a persistencia dos "resquicios" do tradicionalismo. A partir dai, haveria urn rompimento corn o sistema representado e dirigido pela oligarquia agro-exportadora. No entanto, ao contrario do que comumente aconteceu em outros paises, quem tomou a frente e conduziu esse processo de transi<;ao nao foi propriamente a burguesia, mas setores dissidentes da propria oligarquia, ou seja, nao se pode falar em uma participa<;ao daquela e menos ainda em grandes mobiliza<;6es populares. Tambem nao contou de inicio, essencialmente, corn mecanismos de violencia e radicalismo, ao contrario, foi realizado de "cima para baixo" pela propria elite insatisfeita corn os abusos e diferen<;as de ate entao 1â&#x20AC;˘ "Fazer a revolu<;ao antes que o povo a fa<;a" e o modo mais claro de revelar o carater corn o qual ela seria levada a cabo, ou seja, uma revolu<;ao prevista, conduzida e inadiavel, fruto mesmo de uma situa<;ao insustentavel como a do periodo precedente e na qual, mais cedo ou mais tarde, a sociedade nao iria comportar e aceitar de maneira passiva, visto que as press6es ja vinham acontecendo. Pois bem, o BrasiF sempre buscou a modernidade, nem que fosse "comprada" de fora, o que nao deixou de ser pura fachada da tao "boa situa<;ao" de agro-exportador curtida por suas elites agrarias. Mas, como a moderniza<;ao tornara-se sinonimo de desenvolvimento, seria preciso sonhar corn ele, primeiro a convite (o que nao ocorreu) e depois se submetendo a estrategia de desenvolvimento dependente do capital externo (pttblico e privado), pois afinal, era preciso "estar aberto ao mundo", inserido na globaliza<;ao. Se por urn !ado os entraves colocados ao desenvolvimento economico brasileiro, devido as restri<;6es externas ligadas a questao da balan<;a de pagamento,
1 Accio, A., BARBOSA, A., e CoELHO, H. Politica e sociedade no Brasil, 1930-1964. Sao Paulo: Annablume, 2002. 2 Cf. FtOJ{J; MEOEIROS, Polarizaqno mundial e crescimento. Petr6polis, RJ: Vozes, 2001.
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dependem dos regimes monetarios e das estrategias geo-politicas internacionais, de outro, apesar da expansao industrial e da implementa<;:ao das institui<;:oes, processou-se, paralelamente, a amplia<;:ao das diferen<;:as que separam ricos e pobres, no sentido de uma crescente ma distribui<;:ao de renda, diga-se, sustentada e controlada de modo autoritario por meio de um "pacto conservador", que acolhe as conquistas da modernidade sem, contudo, alterar as estruturas dominantes, fundadas em decisoes "de cima para baixo" 3 â&#x20AC;˘ Assim, a cada surto expansivo, uma crise, quase sempre acompanhada de fraturas politicas e institucionais, acabando por ceder as pressoes externas e internas. Nesses momentos, o autoritarismo repressivo encontrava respaldo, mas sem deixar de ser "marionete" das "oligarquias" e do capital. Desse modo, as diferen<;:as tornam-se uma questao de ordem interna, fruto das estrategias de poder da classe dominante, presente desde o periodo agrario e permanente mesmo apos as mudan<;:as politicas, administrativas, financeiras e institucionais. As elites politicas e economicas facilmente assumiram os receituarios neoliberais de transnacionaliza<;:ao da economia, com os processos de privatiza<;:oes e desregulamenta<;:ao dos mercados, bem como de flexibiliza<;:ao nas rela<;:oes de trabalho e de enxugamento do Estado (Estado Minimo), prolixos de discursos de corte dos gastos publicos e de "responsabilidade social", mas sempre sob a egide do velho "pacto conservador". Entao, de acordo com esses mesmos discursos, era preciso modernizar as rela<;:oes capital-Estado, ja que as empresas e institui<;:oes pl'1blicas haviam se tornado inviaveis, incompe¡ tentes, nao competitivas e nao lucrativas, em contraste com um "mundo globalizado". Em continuidade a esses discursos, era preciso acabar com o clientelismo e o corporativismo, mas a realidade tem mostrado em pleno seculo XXI, por exemplo, um verdadeiro comercio de apoio parlamentar dentro do proprio Congresso, alem de inl'1meras den{mcias de corrup<;:ao envolvendo membros do proprio governo. Arantes 4 discute um processo que denomina "brasilianiza<;:ao da sociedade", caracterizada justamente pela separa<;:ao das ra<;:as por classes, pela horizontalidade das lutas de classes, gerando hostilidade entre os grupos de base ao inves de uma revolta contra o "topo", pela extraterritorialidade das camadas superiores e o seu empenho em veneer os la<;:os politicos legais, o "desaburguesamento" da classe mediae "reproletariza<;:ao" do operariado industrial, enfim, um estado tao profundo de desigualdade, capaz de dividir a sociedade em duas partes, em que uma se desobriga de qualquer responsabilidade e
3
Ibid ..
â&#x20AC;˘ ARANTES,
In: F10m;
MEDEIROS,
op. cif., 2001.
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a outra grita, "sufocada e sem alento", devido a crescente explora<;:ao. Alem disso, ocorreria uma especie de hierarquia de comando: a plutocracia internacionalizada que toma as decisoes, seguida dos "manipuladores simbolicos", intelectuais que executam as decisoes de forma mais "amortecedora" 5 â&#x20AC;˘ Seguindo essa 16gica, a midiatiza<;:ao6 trataria de despolitizar as crises, as tensoes e os assombrosos estados de violencia, e onde o proprio Estado criaria tambem uma conota<;:ao positiva a esse paradoxo de violencia e solidariedade. A sociedade brasileira conserva, sob novas roupagens, urn misto de rela<;:6es pautadas pelos tra<;:os do mandonismo, do favoritismo e do patrimonialismo, misturando modernidade e tradicionalismo, numa verdadeira invasao do ptlblico pelo privado, corn 0 antigo engodo de que e "preciso fazer 0 bolo crescer para depois dividir" e do sonho da ' gran de na<;:ao que pode dar certo". Aqui, as ideias de que as problematicas sociais sao apenas //falhas", 'ldesvios", que a qualquer momento desaparecerao, sem que maiores rupturas e transforma<;:6es precisem acontecer "criam raizes e dao frutos": 1
A sociedade brasileira e violenta, autoritaria, vertical, hierarquica e oligarquica, polarizada entre a carencia absoluta e o privilegio absoluto. No Brasil ha bloqueios e resistcncias a institui<;ao dos direitos econ6micos, sociais e culturais. Os meios de comunica<;ao de massa e os setores oligarquicos nos fazem crer que a sociedade brasileira e ordeira acolhedora, pacifica, e que a violcncia e urn momento acidental, urn surto, uma epidemia, urn acidente, algo temporario que, se bem tratado, desaparece. E que pode ser combatido por meio da repressao policial. Mas, na verdade, a violencia e o modo de ser da sociedade brasileira 7 â&#x20AC;˘
5 Essa visao parece nao contrastar corn o que Gramsci diz: "Cada grupo social, nascendo no ten¡eno originario de uma fun<;iio essencial no mundo da prodw;:ao econ6mica, cria para si, ao mesmo tempo, de urn modo organico, uma ou mais camadas de intelectuais que !he dao homogeneidade e consciencia da propria fun<;iio, nao apenas no campo econ6mico, mas tambcm no social e no politico: o empresario capitalista cria consigo o tecnico da indt'1stria, o cientista da economia politica, o organizador de uma nova cultura, de um novo direito, etc." (GRAMSCI, Ant6nio. Concepqiio dialetica da hist6ria. 9:' ed. Rio de Janeiro: Civilizat;:iio brasileira, 1968, p. 3). 6 Uma discussao mais aprofundada a respeito do papel da midia foge aos limites deste texto. Nao resta dt'tvida que a midia possui uma tendencia marcadamente maniqueista e preciso nao tomar esse mesmo caminho ao fazer as ana!ises sobre ela, ate porque seria um tanto ingenuo esperar ou acreditar que num contexto dominado pela logica de mercado, que a midia, ou melhor a grande e lucrativa empresa midiatica, nao "dan<;asse conforme a mt'tsica" dos interesses do capital. Mas, ao inves de se travar uma !uta do bem contra o mal, e preciso !er criticamente sua a<;ao na sociedade, permeada de contradit;:6es, isto ao mesmo tempo que veicula informat;:6es, cultura e entretenimento, traz embutido ou estampado ideologias, mas nao e passive! determinar que ela tenha o pod er de "controlar" a opiniao e a criticidade de todos. 7 CHAUi apud GouvilA, Gra<;a. Congresso interamericano, em Brasilia [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por Simonebordonal @ig.com.br em Set. 2006, p. 1.
c
c,
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E frente a todo esse quadro tipicamente brasileiro que e possivel afirmar que o Brasil convive de fato corn a violencia estrutural 8, a qual frequentemente e naturalizada, transmutada sob diversas outras denominac;:6es, adiada para 0 segundo piano dos assuntos parlamentares e governamentais, tratada como questao de policia, como "lixo social" a ser varrido. Nao e, portanto, ao acaso a confusao entre pobreza e violencia, materializada na criminalizac;:ao do pobre, por urn !ado, e do negro 9, de outro, presentes desde as origens do pais. Tambem nao e por acaso que os progn6sticos de "limpeza social", para os que nao se "enquadravam" nos moldes do sistema, sempre encontraram acolhida entre as elites, sem deixarem de ser disseminados por amplos setores da sociedade brasileira, cuja fama de alegre, acolhedora e livre de preconceitos gera a ilusao de que nao ha COnflitOS de classes 10 : (... ) as classes populares carregam o estigma da suspeita, da culpa e da incrimina<;;ao permanente. A sociedade brasileira e uma sociedade em que a classe dominante exorciza o horror as contradi<;;6es, promovendo a ideologia da uniao nacional a qualquer pre<;;o. Se recusa a trabalhar os conflitos, pm¡que eles negam a ideia mitica da boa sociedade pacifica e ordeira 11 â&#x20AC;˘
Neste cenario envolto em contradic;:oes, as leis quando nao sao antiquadas e petrificadas, sao fluidas demais, de modo a facilitar a transgressao e a impunidade, como e 0 caso das pr6prias leis relativas a criminalidade, por exemplo, que malgrado as atuais modificac;:oes, em geral, abrandando as penas, inclusive para os chamados crimes hediondos, sem contar o clima de impunidade corrente no Congresso Nacional, deixando claro que a lei nunca e "igual para
" Em rela.;:ao a essa questao e preciso lembrar que: " (... ) A teoria marxista (... ) implica na ideia de que, de um !ado, nao ha hist6ria autonoma da economia, do pensamento, da religiao, etc ... , mas tambem que, por outro !ado, nao ha, se olharmos o conjunto da hist6ria, primazia que se repita de direito e necessariamente para este ou aquele setor particular da vida social. Este, repetimos, constitui sempre uma totalidade estruturada, com a reserva, contudo, de que o tipo preciso de cada estrutura particular varia mais ou menos depressa no decorrer do tempo." (GOLDAMNN, op. cit., p. 110). 9 Concep.;:6es como estas podem ser encontradas em diferentes obras da literatura brasileira. Alberta da Costa e Silva faz um apanhado geral de al~:,>cunas das ideias presentes em autores conhecidos, como Silvio Romero e Oliveira Viana, que mais tarde se retrataria, manifestadas na apologia do branqueamento, como aspira.;:ao de "melhorar a ra.;:a". (CoSTA E SILVA, In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Viagem incompleta: a experiencia bmsileira. Sao Paulo: Senac, 2000, p. 21). 10 "A ftuia da violencia tern algo a ver com a destrui.;:ao do "outro", "diferente", "estranho", corn o que busca a purifica<;:ao da sociedade, o exorcismo de dilemas dificeis, a sublima<;:ao do absurdo embutido nas formas de sociabilidade e nos jogos das for<;:as sociais." (IANNI, Octavio. Capitalismo, violencia e terrorismo. Rio de Janeiro: Civiliza<;:ao Brasileira, 2004, p. 168) 11 0-JAUi apud GouvEA, op. cif., 2006, p. 1).
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todos". Some-se ainda, e o pi or, a nao efetiva<;:ao dos direitos garantidos ern lei, que na pratica sao constanternente violados, sern que haja puni<;:ao para estas viola<;:6es. Isso por·que: (... ) as leis sao armas para preservar privilegios, jamais tendo definido direitos possiveis para todos. (... ) Em vez de figurarcm urn polo publico de poder e regulac;:ao dos conflitos as leis aparecem como inuteis e in6cuas, feitas para serem transgredidas e nao transformadas. Uma situac;:ao violenta transformada num trac;:o positivo quando a transgressao e elogiada como urn "jeitinho brasileiro" 12 •
e
E se, por urn !ado, a violencia estrutural vitirniza grande parcela da popula<;:ao, sob as forrnas acirna referidas, a violencia urbana nao fica atras. De acordo corn urna pesquisa divulgada pela Organiza<;:ao dos Estados Ibero-arnericanos para a Educa<;:ao, a Ciencia e a Cultura (OEI), o Brasil e o 3° entre 84 paises ern rnortes por horniddios entre jovens, sendo o prirneiro, entre 65 paises, ern rnortes por arrnas de fogo. Esses indices de rnortes violentas, especialrnente entre os rnais jovens, superarn ate rnesrno alguns pafses ern guerra 13 • Segundo os dados do IBGE 14, houve urn aurnento da violencia desde a decada de 1990 15, evoluindo ate 2002. As rnortes por violencia, a partir de entao tiverarn ligeira queda, sern contudo deixarern de se rnanter ern niveis bastante altos, principalrnente entre os hornens. As tabelas abaixo revelarn a propor<;:ao de rnortes por violencia, envolvendo jovens entre 15 e 24 anos, de ambos os sexos, entre as regioes brasileiras entre 1990 e 2004, ern que se pode perceber o aurnento das rnortes violentas nos anos de 1990 (as quais giravarn ern torno de 62,96 % entre o sexo rnasculino e 30,54 % entre o sexo ferninino), ate 2002, quando atingiu o apice de 70,7% entre o sexo rnasculino e 34,1% entre o sexo ferninino. A partir de entao, os nt1rneros corne<;:ararn a dirninuir ate chegar ern 2004, aos 68,7% entre o sexo rnasculino e 33,8% entre o sexo ferninino, corn exce<;:ao do Sui e do Nordeste para ambos os sexos:
12
Ibid., p. 2 ALYES, Ariel de Castro. Analise. Agencia Carta Maior, Sao Paulo, Dez. 2006. Disponivel em: <http:/I agenciacartamaior. uol.com. br/templa tes/ analiseMostrar.cfm? coluna_id~3411> Acesso em: 16 Dez. 2006. 14 IBGE. Proporr;fio de 6bitos violentos, na faixa etfzria de 15 a 24 anos par sexo e Grandes Regii5es 1990-2004. Disponivel em: <http:/ /wwwl. ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/ images/512_1235_870438.gif> Acesso em 16 Dez. 2006. 15 Note-se que justamente neste periodo o Brasil entrou na onda da reestruturac;:ao produtiva, e que tambem o mundo do chamado crime organizado claramente amalgamou outras formas de estruturac;:ao, sem cillvida, nos moldes dos grandes neg6cios lucrativos. 13
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Tabela 1 - Propor~;ao de mortes violentas no total de 6bitos, na faixa etaria de 15-24 anos por sexo nas regioes entre 1990 e 2004-Homens
~ .
Brasil
Nordeste
Norte
Sudeste
Sui
CentroOeste
.
1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004
60,3 60,2 61.6 63,R 68,9 69,4 70,7 6B
44,4 51,3 55,7 56,R 60.7 56,2 55,2 50,2
Homcns 52,1 52.6 54,R 57,1 60,3 56,3 56,8 57,5
63,9 63,4 63,7 66,2 74,8 77,7 79,6 77,4
61,5 59,5 63,7 66,7 68,8 67,0 70,0 69,6
63,7 63,3 M, I
67,6 64,9 68,9 70,1 71,3
Fonte: IBGE- Estatisticas do Registro Civil.
Tabela 2- Propor~;ao de mortes violentas no total de 6bitos, na faixa etaria de 15-24 anos por sexo nas regioes entre 1990 e 2004- Mulheres
~ s
Brasil
Norte
Nordeste
Sudeste
Sui
Centro¡ Ocstc
28,3 28,4 30,0 33,0 33,0 33,9 34,1 33,8
18,9 21,0 24,6 28,3 21\,5 25,5 27,3 24,9
Mu! heres 22,2 24,4 23,0 26,7 27.7 26,0 24,3 25,7
30,1 28,1 31,0 32,3 35,3 38,6 39,2 38, I
33,3 36,0 38,4 40,4 35,2 36,7 39,3 41,3
34,6 34,3 35.8 46,9 38,5 39,0 36,9 36,4
.
1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004
Fonte: IBGE- Estatisticas do Registro Civil.
Segundo os dados da Organiza<;:ao dos Estados Ibero-Americanos para a Educa<;:ao e a Cultura, divulgados pela Agenda Carta Maior, 93% das vitimas da violencia sao homens, sendo que 0 indice entre a popula<;:ao negra e de 73,1% mais elevado que entre os brancos, revelando que: 0 neoliberalismo brasileiro (... ) se sustenta atraves da discrimina<;ao e da exclusao social de uma grande parcela da popula<;ao, criando urn cem\.rio propicio para a prolifera<;ao de homiddios e encarceramentos, visando a garantir os interesses das elites economicas e sociais. 0 capitalismo exerce o controle social aprisionando e matando uma parcela cada vez mais crescente da sociedade 16 â&#x20AC;˘ 16
Ibid., p. 2.
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Por outro !ado, de acordo corn as informac;:oes do Dieese, divulgadas pela Folha de Sao Paulo, em 14 de Setembro de 2006, cerea de 45,5% dos jovens entre 16 e 24 anos estao desempregados e a maioria dos ocupados, 70)% em Sao Paulo, nao consegue conciliar trabalho e estudo. Outrossim, quando se diz que a falta de espac;:o no mercado de trabalho tern afetado cada vez mais jovens de inumeras maneiras, podendo inclusive abrir lacunas para o envolvimento desses jovens no mercado ilegal e bem mais lucrativa das drogas, nao se trata de uma relac;:ao ja de antemao determinada, fixa e mecanicamente trac;:ada, mas antes de urn olhar sobre certos aspectos da realidade que permitem, por exemplo, espac;:os para que se criem inumeras expectativas e desejos que, concretamente, se tornam demasiado distantes das condic;:6es de vida desses jovens. De fato, nao e passive! discutir violencia autonomizando-a dos processos historicos nos quais ela se insere, materializando-se de diversas formas e conteudos, tornando-se mais aguda na medida em que transbordam e se aprofundam as contradic;:6es proprias de uma sociedade marcada pela extrema desigualdade sociat por estruturas sociais conservadoras e ambiguas, sem prejuizo da busca pelo progresso (para poucos), pela curta experiencia democratica e por opc;:6es economicas predatorias e "anti-sociais": (... ) "Uma forma determinada de produc;ao determina, pois, formas determinadas de consumo, de distribuic;ao, de troca, assim como certas rela~oes destes diferentes momentos entre si. .. " (... ) a relac;ao corn o todo torna-se a determinac;ao que condiciona a forma de objetividade de todo o objecto; toda a mudanc;a essencial e importante para o conhecimento manifesta-se como mudanc;a da relac;ao corn o todo e por isso mesmo como mudan<;:a da propria forma de objetividade. (... )"Urn negro e urn negro, s6 em certas condi<;:oes se torna urn escravo" 17 â&#x20AC;˘
Considera~oes
finais
A violencia e urn fenomeno marcadamente historico, de multiplas faces e sem uma causa {mica, cujas manifestac;:6es se materializam de diversas formas por todo o tecido sociat e que tern alcanc;:ado outros patamares, assumindo novas roupagens, muitas vezes dificeis de serem desveladas e compreendidas. Frente a todos esses aspectos, fica claro que uma abordagem orientada apenas por uma visao politica da questao torna-se insuficiente, uma vez que o ser social nao e caracterizado somente por sua action politique. Tambem nao e passive! reduzir o fenomeno da violencia aos problemas de policia, ao acreditar que somente as possiveis alterac;:6es no codigo de leis penais ou medidas palia-
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MARX
apud LuKACS, op. cit., 28.
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tivas de seguran<;:a ptlblica seriam a solu<;:ao, embora se reconhe<;:a que possa haver a necessidade de revisao das leis e a<;:oes nesses ambitos. Percebe-se o quanta e redutivo afirmar que apenas as reformas no aparato policial e no Judiciario solucionariam as questoes relativas a violencia, quando, na realidade, torna-se cada vez mais imprescindfvel uma transforma<;:ao social, que, certamente, passa pela reafirma<;:ao dos direitos, mas que nao se resume apenas a isso, mas envolve a constru<;:ao de novas bases societarias. E urn tanto limitado acreditar que somente praticas locais levariam a revolu<;:ao, de urn lado, ou que a violencia poderia ser a for<;:a motriz da revolu<;:ao, de outro. Somente a partir da busca de se desvelar esses processos por inteiro. Esse desafio nao pertence obviamente apenas aos profissionais do Servi<;:o Sociat mas estes tambem sao impelidos pela propria realidade a trabalharem essas questoes, aproveitando ao maxima todos os espa<;:os existentes para a a<;:ao e criando outros, a partir da emula<;:ao dos esfor<;:os coletivos, das lutas de resistencia contra as barbaries dessa ordem societaria, discutindo e questionando junta corn a popula<;:ao usuaria os diferentes aspectos dos processos em decurso na sociedade, descobrindo o que se encontra por "detras dos bastidores" da vida social. Entretanto, para esse caminho nao existem receitas prontas ja de antemao, mas, urn repensar coletivo a respeito das problematicas tangentes a sociedade, pode-se revelar uma boa forma de se come<;:ar a trilhar por outros rumos, dos quais a violencia, de forma gerat nao fa<;:a parte.
Referencias bibliograficas Accro, A., BARBOSA, A., e CoELHO, H. Politica e sociedade no Bmsil, 1930-1964. Sao Paulo:
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0 PAPEL DO SERVI~O SOCIAL NA CONCEP~AO E EXECU~AO DE POLITICAS DE HABITA~AO. A PRATICA PROFISSIONAL EM PROCESSOS DE REALOJAMENTO, SEGUNDO UMA PERSPECTIVA DE TERRITORIO
Rita Megre Romeiras Licenciada em Investigar;iio Social Aplieada e mestranda de Servir;o Social e Politica Social, na Universidade Lus6fona de Humanidades e Tecnologias. Investigadora do Centra de Investigar;iio em Servir;o Social no Espar;o Lus6fono - CISSEL.
Resumo: 0 Servi<;:o Social tern vindo a assumir urn papel preponderante em multiplos dominios de interven<;:ao que sao abrangidos pela ac<;:ao das autarquias !ocais, entre os quais a habita<;:ao social. Procurando responder ao desafio de partilhar experiencias que possam de algum modo contribuir para firmar a identidade do Servi<;:o Sociat propomo-nos em primeiro lugar relatar a experiencia recente de interven<;:ao num processo de realojamento, levado a cabo pela Cimara Municipal de Loures, no Empreendimento da Quinta das M6s, em Camarate. Privilegiando uma perspectiva empirica desta opera<;:ao, e reconhecendo desde logo a importancia de equipas multidisciplinares, abordar-se-ao os diferentes niveis a que obedeceu a pratica profissionat numa equipa constituida por uma elevada percentagem de assistentes sociais, sem descurar uma reflexao acerca dos possiveis caminhos que reformulem e fundamentem esta mesma pratica. Considerando que Servi<;:o Social e tambem investiga<;:ao, por forma a que a realidade e a pratica se relacionem cada vez mais, propomo-nos igualmente dar enfoque ao processo de realojamento numa perspectiva de territ6rio, assumido como o "chao da cidadania", que espelha a comunidade, cultura e rela<;:6es sociais que envolvem as pessoas e as suas hist6rias de vida, abordando desta forma a tematica alvo da tese de mestl路ado em curso, cujo titulo provis6rio e "Dialogo entre o territ6rio e os modos de vida das familias realojadas no Concelho de Loures". Tentar-se-a assim defender a convic<;:ao de que as politicas sociais s6 poderao ser eficazes se adoptada uma interven<;:ao direccionada para o contacto de proximidade corn as pessoas, que viabilize a capta<;:ao de emo<;:6es, motiva<;:6es e interpreta<;:6es das suas pr6prias experiencias, extraindo da massa uniforme que constitui a materia prima das politicas sociais, a singularidade dos sujeitos. Palavras-chave: Habita<;:ao Social; territ6rio; pratica profissional; identidade do Servi<;:o Social.
Introdu~ao
"As pessoas nao sao coisas que se ponham em gavetas". Esta e uma afirma<;:ao de Isabel Guerra, que desde o inicio se constituiu como urn prindpio
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basico orientador da minha pratica profissional, na area da habita<;:ao social em contexto autarquico. Actualmente, pode considerar-se que a habita<;:ao e urn direito fundamental, que influencia o acesso a outros direitos fundamentais e o facto de os indivfduos terem ou nao uma vida digna, constituindo-se essencial para requerer documentos de identifica<;:ao, para procurar urn emprego e para o fluir de uma vida familiar dita normal. Sao multiplos os diplomas nacionais e internacionais que reflectem e reconhecem o direito a uma habita<;:ao. Destacamos a titulo de exemplo a Declara<;:ao Universal dos Direitos Humanos, a Constitui<;:ao da Republica Portuguesa, no seu artigo 65.Q, a Carta dos Direitos Fundamentais da Uniao Europeia e a Carta Social Europeia. Nao obstante, o acesso a uma habita<;:ao condigna, deve compreender nao so urn domfnio ffsico, isto e, urn espa<;:o adequado as necessidades das famflias, mas tambem urn domfnio social, que permita a privacidade eo desenvolvimento das rela<;:oes sociais, e ainda urn dominio legal, que proporcione a posse exclusiva e legal da habita<;:ao, atraves de uma ocupa<;:ao segura. 0 respeito por estes tres domfnios esteve presente na recente opera<;:ao de realojamento que a Camara Municipal de Lom路es concretizou no Empreendimento da Quinta das Mos, em Camarate, experiencia que nos propomos partilhar, de forma sucinta, no que concerne objectivamente aos diferentes niveis de interven<;:ao dos trabalhadores sociais envolvidos e que nos conduzirao a breves reflexoes quanto a experiencias que o Servi<;:o Social tern empreendido e possiveis caminhos a desbravar pelo mesmo.
Urna experiencia da pratica: urn processo de realojarnento 0 Empreendimento da Quinta das Mos e constitufdo por 210 fogos, corn tipologias diversificadas (de TO a T5), por forma a responderem as necessidades dos agregados domesticos que se encontravam a residir em nucleos degradados de barracas. Corn esta medida, que se insere nas linhas estrah:~gicas da polftica de habita<;:ao do munidpio de Loures, foram realojadas famflias recenseadas no Programa Especial de Realojamento em 1993, provenientes de mt!ltiplas freguesias do concelho, nomeadamente Camarate, Unhos, Frielas e Prior Velho, tendo-se cumprido tambem o objectivo de erradicar urn dos nucleos de barracas que se situava na Quinta das Mos, em Fetais. A equipa da area social acompanhou todo o processo de realojamento, que teve infcio no primeiro trimestre de 2007, corn a selec<;:ao dos futuros residentes do ernpreendimento. Na altura do arranque da vertente social do realojamento, as novas habita<;:6es encontravam-se ja numa fase de constru<;:ao avan<;:ada, sem
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que tivesse sido passive! a inclusao do olhar dos trabalhadores sociais no que diz respeito ao planeamento arquitect6nico, facto que nao pode ser interpretado como intencional e que ira por certo merecer novos rumos. A fase de pre-realojamento envolveu igualmente um intenso trabalho social junto das familias a realojar, que englobou diferentes formas de ao;:ao, designadamente atendimentos sociais, visitas domiciliarias, e um moroso tratamento processual que visou a actualiza~ao dos agregados familiares, cuja constitui~ao, como se compreende, foi alvo de transforma~oes desde 1993 a esta parte. Foi igualmente da responsabilidade da area social a concep~ao e execu~ao de diversos f6runs comunitarios, que utilizando metodos participativos, pretenderam fornecer bases facilitadoras a todo o processo de transi~ao, partindo tambem das ideias e opinioes que a propria popula~ao transmitiu e partilhou. Foram abordadas tematicas tao diversas como a importancia das rela~oes de vizinhan~a, economia domestica, apropria<;:ao do novo espa~o, gestao dos espa~os comuns, esclarecimentos quanto ao calculo e aplica~ao das rendas sociais, questoes ambientais, utiliza~ao dos recursos naturais e seguran~a. E muito dificil descrever a carga emocional inerente ao momento de entrega das chaves as familias e dos dias que se seguiram, que foram acompanhados por uma equipa permanente no terreno. A primeira visita as habita~oes; a azafama das mudan~as; a frase proferida por tantos: "eu nao quero levar nada velho para a casa nova"; a expectativa quanta aos novas vizinhos, em grande parte devido as diferentes origens culturais; as dificuldades inerentes aos mais idosos que sentem de uma forma mais profunda o "peso" da mudan<;:a; a esperan~a numa vida melhor ... E quanta ao futuro? Um primeiro apontamento, em sequencia do que acima ja foi dito, prende-se com a falta de dialogo entre as ciencias humanas, a arquitectura e a engenharia, que deveria na nossa opiniao, ganhar um novo fO!ego. A prop6sito deste assunto gostariamos de citar Jean-Michel Leger, soci6logo frances, que defende que: "A evolu~ao das formas de habitar e objecto de um debate permanente: as transforma~oes demograficas e societais tem implica~oes na estrutura e mobilidade do parque habitacional. Os modos de consumo e os gostos culturais cruzam-se comas variaveis da composi<;:ao do grupo domestico para fazer emergir uma procura da diversidade arquitect6nica ... " (2001: 41). No entanto, se consideramos que a interven~ao dos Assistentes Sociais e preponderante neste panto, nao deveremos simplesmente aguardar que as transforma<;:oes ocorram, cabendo-nos a responsabilidade de agir, de apresentar propostas de trabalho concretas, baseadas na experiencia de terreno que e tao rica, mas que raramente se encontra sistematizada. 0 processo de realojamento nao ira quedar-se por aqui, exigindo agora um trabalho de fundo por parte de toda a equipa municipal, e de uma forma
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muito proxima pelos trabalhadores sociais que irao acompanhar os percursos de vida das familias, cujo principal objectivo sera contribuir para que nao seja atribuida ao empreendimento das M6s, a representa<;ao negativa caracteristica dos bairros sociais. De modo a evitar este tipo de representa<;6es, apresentamos de seguida algumas ideias que nos podem ajudar a reflectir sobre este assunto. Urn dos possiveis caminhos, e a consciencializa<;ao acerca dos riscos e potencialidades do territ6rio em que aquela popula<;ao se movimenta. Territ6rio este que nos e apresentado por Dirce Koga (2003:33), "como o chao concreto das politicas, a raiz dos numeros e a realidade da vida colectiva". A autora considera igualmente que o territ6rio e o palco para o exerdcio da cidadania, onde se processam as diversas rela<;6es sociais, rela<;6es de vizinhan<;a e tambem de poder. E da mesma forma no territ6rio que se revelarn as desigualdades sociais e que se manifestam as diferen<;as das condi<;6es de vida dos cidadaos. De acordo corn Milton Santos (citado por Koga, 2003:35), o territ6rio nao constitui urn conceito, pois s6 pode ser considerado como tal a partir do momento em que e pensado no contexto do seu uso e considerando os individuos que nele se movimentam. Isto significa que s6 e possivel construir uma no<;ao de territ6rio se consideradas as rela<;6es existentes entre este e as pessoas que nele vivem. Na perspectiva de Koga (2003), o territ6rio assume diferentes "interfaces", que demonstram a sua complexidade, e que devem ser representados nas politicas publicas, uma vez que permitem uma visao global da questao social. A "dimensao territorial" pode entao introduzir renova<;ao para a concep<;ao de politicas sociais, na rnedida em que nao se restringe as necessidades dos individuos, focando-se nas rela<;6es que os sujeitos estabelecem corn o seu quotidiano. E importante as pessoas serem assumidas como sujeitos e nao apenas como carenciadas, sendo que uma abordagem atraves da analise do territ6rio vai permitir o desvendar "das manifesta<;6es de sofrirnentos, desejos, expectativas, etc." (Koga 2003:39), e a descoberta da dimensao subjectiva da realidade. E tambem corn base nesta dirnensao e na riqueza deste contacto de proximidade, que se poderao encontrar as ferramentas necessarias para que os profissionais possam ser cada vez mais, obreiros das politicas sociais. Na expectativa de desvendar os contornos que assume o dialogo entre territ6rio e os modos de vida das familias realojadas no concelho de Loures, encontro-me actualmente a preparar a tese de mestrado em Servi<;o Social e Politica Social, cujos resultados, se for bem sucedida, espero poder partilhar corn todos v6s, num momento futuro de reflexao.
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Conclusoes e alguns apontamentos para uma intervenc;ao futura Os profissionais que trabalham no terreno, e aqui nao estamos apenas a referir-nos a area da habita<;ao social, sentem por certo 0 peso e a dureza do trabalho diario, seja pela complexidade das hist6rias de vida corn que nos defrontamos, seja pelas exigencias burocraticas que tao intensamente nos absorvem e tao pouco tempo nos deixam para reflectir. Justifica-se por isso, tal como sugeriu Aldafza Sposati, na sua visita a Portugal em Man;:o deste ano 1, criar "supervisoes de apoio e de restaurac;ao do desgaste dos recursos humanos", que, entre outras medidas, suportem a base cientffica do Servi<;o Social. Outro dos eixos que consideramos importante trabalhar, desta feita na area da habita<;ao, e a expansao de habitos de avalia<;ao. Num pequeno estudo academico desenvolvido em Abril de 2008, e tendo como referenda as dezoito autarquias da Area Metropolitana de Lisboa, pudemos concluir que nao existe uma cultura de avalia<;ao sistematica das politicas ou dos programas de habita<;ao. Sao desenvolvidas sim, avalia<;oes peri6dicas (trimestrais, semestrais ou anuais), das medidas ou programas em sequencia dos pianos de actividades municipais. As avalia<;oes existentes acabam desta forma por ser fragmentadas e nao permitem uma visao global dos seus efeitos, que possam conduzir a uma reformula<;ao e adapta<;ao das linhas orientadoras. Ora, esta realidade faz-nos concluir que e necessaria mais do que uma avalia<;ao de desempenho, que mesmo sendo imprescindivel, uma vez que nos permite o acesso a uma diversidade de informa<;oes acerca da realiza<;ao dos programas, e tambem limitada, dado que produz um grande vazio quanto a sua efectividade e processos. Na nossa opiniao, e recorrendo a experiencia de terreno junto dos beneficiarios de programas de habita<;ao, esta inexistencia de habitos de avalia<;ao gera situa<;oes em que os pr6prios individuos, pese embora inconscientemente, evidenciam sinais de que avaliam ou pelo menos reflectem e tern uma opiniao sobre as politicas que lhes sao destinadas. Desta forma, demonstram interesse em conhecer a legisla<;ao que fundamenta os programas, questionam pormenores praticos da aplica<;ao dos mesmos, emitem opinioes e exprimem muitas vezes alternativas a determinados procedimentos. Esta "sede" de participa<;ao espelha eventualmente, a necessidade de serem desenvolvidos mais mecanismos que a incentivem, podendo constituir-se como um factor conducente ao sucesso das politicas e da ac<;ao do Servi<;o Social. Queremos no entanto acreditar que o panorama portugues, no que concerne a avalia<;ao de politicas de habita<;ao, podera a medio prazo ser alvo de uma evolu<;ao positiva, no ambito do Piano Estrategico Nacional para uma 1
Conferencia subordinada ao tema "Riscos e vulnerabilidades sociais, desafios para a proteo;iio da cidadania no terceiro mih~nio", proferida no dia 1 de Abril de 2008, na Universidade Lusofona de Humanidades e Tecnologias.
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Politica de Habita<;ao- 2008/2013, cuja proposta se encontra neste momento em debate ptlblico. A proposta deste Piano EstratE~gico preve no seu Eixo 5 a implementa<;ao e monitoriza<;ao das politicas de habita<;ao e projecta urn Observat6rio da Habita<;ao e Reabilita<;ao Urbana, que pretende constituir-se como urn "forum de debate, continuamente alimentado por informa<;6es de monitoriza<;ao das dinamicas habitacionais ptiblicas e privadas ... "(Piano Estratt~gico, Sumario Executivo:45). Este Eixo justifica-se pelo reconhecimento da necessidade de analisar os impactes das propostas das politicas publicas, pretendendo-se "co-produzir corn os actores locais" as estrategias das politicas de habita<;ao. Iremos acompanhar expectantes o desenvolvimento deste projecto para urn Piano Estrategico de Habita<;ao, que esperamos contribua para a desconstru<;ao e reconstru<;ao das pr6prias politicas. 56 atraves de uma avalia<;ao sistematica, se conseguirao "series hist6ricas" que permitam detectar se determinado programa esta a gerar os efeitos esperados. Assumimos algum risco ao afirmar que, se os impactos dos programas de habita<;ao fossem avaliados hoje em Portugal, possivelmente seriamos conduzidos para a necessidade nao apenas de uma Politica de Habita<;ao Social, mas tambem de uma Politica Social de Habita<;ao, de acordo com o que afirmou Maria Joao Freitas 2 â&#x20AC;˘ Isto para que sejam abrangidas outras solu<;6es ptlblicas, mistas e privadas que englobem nao so aqueles que vivem em barracas, mas tambem todos os que tem vindo a entregar as suas casas aos bancos por se encontrarem sobre endividados, e todos os que se encontram "camuflados" em institui<;6es, pens6es, casas de familiares ou noutras situa<;6es analogas, situa<;6es estas que nao lhes conferem o direito de acesso a uma habita<;ao condigna. E com o surgimento de grupos cada vez mais heterogeneos de popula<;ao que necessita da interven<;ao de politicas publicas de habita<;ao, de que forma devera ser planeada a interven<;ao no futuro? Este planeamento nao vai por certo dispensar a pondera<;ao sobre uma reflexao de Dirce Koga (2003:243), em que a autora afirma que " 0 risco de estigmatiza<;ao dos territ6rios excluidos e maior quanto maior for o direcionamento de politicas pre-formuladas". Esta focaliza<;ao das politicas devera ser alvo de precau<;6es, mas nao nos demove da opiniao, e tendo tambem em considera<;ao a ausencia de avalia<;ao constatada, que todos os esfor<;os devem ser encetados para que, de uma forma seria e promovendo sempre a participa<;ao activa de todos os actores sociais envolvidos, cada vez mais equipas, que integrem tambem assistentes sociais, se aventurem no grande desafio que e a avalia<;ao. Gostariamos tambem de sublinhar a importancia de os profissionais interiorizarem a relevancia de uma ac<;ao dialectica entre investiga<;ao e pratica,
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Entrevista ao Mensario "Solidariedade". Confederat;:ao Nacional das Instituit;:oes de Solidariedade. (2006).
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baseada numa constrw;:ao colectiva, que privilegie o feed-back dos sujeitos acerca das investiga<;:oes de que se constituem alvo, atribuindo-lhes poder. Este e um factor que singulariza a investiga<;:ao em Servi<;:o Social. Somos no entanto de opiniao, que a constru<;:ao colectiva de que falamos s6 e possfvel se revertida a tendencia de um Servi<;:o Social "de gabinete", o que implica a necessidade de os profissionais viverem cada vez mais o territ6rio em todas as suas dimensoes, palco dos processos de exclusao e inclusao social. Nesta perspectiva faz todo o sentido desenvolver uma "pratica contextualizada" e uma "pratica etica e politicamente vinculada aos interesses dos mais desprotegidos no processo social", tal como defende Maria Jose Queir6s (2005). Mas, para agir, os assistentes sociais tem de se questionar, mantendo-se actualizados acerca da evolu<;:ao do conhecimento e de como o mesmo pode integrar a sua pratica. Neste sentido identificamo-nos com a proposta do Servi<;:o Social Construtivista, que aponta para uma pratica (podemos dizer uma arte), que valoriza a rela<;:ao entre o profissional e o utente e que reconhece estarem nos pr6prios sujeitos os recursos que poderao abrir novas possibilidades positivas. Uma arte que para ser revelada, reclama ainda por uma maior uniao da comunidade profissionat e por uma constru<;:ao conjunta de solu<;:oes para as constantes muta<;:oes, necessidades e riscos da sociedade, que desenhe e reforce a identidade da profissao no presente e no futuro. E porque nao influenciarmos um futuro em que se materialize a ideia de Boaventura Sousa Santos expressa em 2001 numa das suas reflexoes: e essencial transportar para as cidades uma nova forma de afirmar os direitos humanos, diferente da liberal. Assim, evocamos, tal como o autor, as "onze demandas, reivindica<;:oes", do Movimento Zapatista, no Mexico, no que concerne aos direitos humanos: terra, trabalho, habita<;:ao, alimenta<;:ao, satlde, educa<;:ao, independencia, liberdade, democracia, justi<;:a e paz. Estes direitos nao podem perdurar isoladamente. Unidos, farao por certo "um mundo novo". Um "mundo novo" para o qual todos poderemos contribuir, construindo uma pratica que nos permita olhar para as pessoas com curiosidade e interesse. Curiosidade em conhece-las, investigando, e interesse em agir para transformar. Olhar para as pessoas nao com a compaixao de outros tempos, mas com muita paixao ... Sempre!
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INTERVEN<;AO SOCIAL EM PARCERIA: FACTORES FACILITADORES E DE BLOQUEIO
Dalia Costa Docente no ISCSP-UTL; Doutoranda em Sociologia da Familia na Universidade Aberta; Mestre em Sociologia pelo ISCSP-UTL; P6s-graduat;;iio em Ciencias Criminais pelo Instituto Superior de Ciencias da Sazide (Lisboa); Licenciatura em Politica Social Tel.:(+ 351) 213619430 â&#x20AC;˘ Fax:(+ 351) 213619442 Email: daliac@iscsp.utl.pt Web Site: http://www.iscsp.utl.pt
Resumo: As parcerias constituem uma estrat<~gia de interven<;:ao social emergente num contexto de transforma<;6es nas modalidades de relacionamento entre o Estado e o sector nao-lucrativo na promo<;ao de bem-estar social. Esta forma de inter-relacionamento produz efeitos sobre os arranjos institucionais formados para lidar com os problemas sociais e sobre as praticas de interven<;:ao social. Amplamente identificada como boa pratica, a interven<;:ao social em parceria nao pode ser considerada panaceia, nem constitui um acontecimento. E um processo e nao se define por regulamenta<;:ao mas tem que lidar com um conjunto de factores anteriores a implementa<;:ao e desenvolvimento. Tendo como referencia os contextos, estes factores contribuem para explicar as iniciativas de constitui<;:ao de parcerias e justificar a sua nao-emergencia. Considerando as parcerias existentes em Portugal Continental que se constituiram para lidar com o problema da violencia domestica propomo-nos identificar os factores presentes na sua emergencia. 0 objectivo e identificar os factores de sucesso (promotores e facilitadores) e os factores que actuam como barreiras (podendo mesmo representar bloqueios) no desenvolvimento de parcerias entre os actores sociais que comp6em o sistema e interven<;:ao social que lida com a problematica da violencia domestica. Palavras-chave: Interven<;:ao social; Parceria; Violencia domestica
1. Relacionamento entre o Estado e o sector nao-lucrativo A inter-rela<;:ao do Estado com as organiza<;:6es do sector nao-lucrativo (ONL) e sustentada por tres prindpios: subsidiariedade, que enuncia a proximidade entre as instancias que intervem nos problemas e os cidadaos; co-responsabilidade dos actores sociais; e autonomia das iniciativas particulares de solidariedade social. A aten<;:ao cientifica votada a analise da mudan<;:a no relacionamento do sector nao-lucrativo (SNL) com o Estado tornou-se um imperativo com a denominada crise do modelo de Estado de bem-estar (crise financeira e de legitimidade dos modelos de protec<;:ao social). Esta crise agravou-se e tornou-se mais visivel nos anos 1980 na maior parte dos paises do Ocidente. Em reac<;:ao, ocorreram processos de reforma da Administra<;:ao publica com resultados que se fizeram sentir nos anos 1990 no sentido do aprofundamento
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da interao;:ao do Estado com as organizac;:6es nao-lucrativas (ONL) na prestac;:ao de servic;:os sociais. Em Portugal a influencia da Europa e de organizac;:6es internacionais mareau a orientac;:ao da politica social desde meados da decada de 1960. Foi sobretudo a partir de 1965 que aumentou a proporc;:ao de acordos de cooperac;:ao estabelecidos entre o Estado e o SNL a coberto dos quais se desenvolveu a intervenc;:ao social directa e de proximidade (relacional e geografica). Na actualidade, o exerdcio da acc;:ao social continua a ser principalmente feito atraves da cooperac;:ao entre o Estado e Instituic;:6es particulares de solidariedade social (IPSS). 0 Estado reconhece e valoriza a acc;:ao desenvolvida pelas ONL na prossecuc;:ao dos objectivos da seguranc;:a social (Lei de Bases da Seguranc;:a Social nY 17/2000 de 8 de Agosto). 0 papel do Estado fornecedor de bem-estar so se manifestou nos anos 1970 e desde entao tem sido realizada de forma complementar em relac;:ao a iniciativas da sociedade civil. Ate ai o Estado era um agente suplementar da acc;:ao das ONL e das familias e o padrao de organizac;:ao do bem-estar caracterizava-se pelo estatismo e colectivismo. Isto numa altura em que na Europa ja se acentuava a crise dos Estados de bem-estar em desenvolvimento desde o final da II grande guerra. A organizac;:ao das politicas sociais e feita em contexto de contenc;:ao financeira internacional, de escassez de recursos nacional, mas de vontade politica orientada por ideais universalistas (Carreira,1996; Barreto,1996). Num sistema misto de bem-estar social com uma configurac;:ao que se reparte entre o sector publico eo SNL, uma das atribuic;:6es do Governo e assegurar a existencia de redes de prestac;:ao de cuidados em detrimento da administrac;:ao de hierarquias. Estas redes: (i) sao integradas por diversos actores sociais; (ii) que usam processos mais flexiveis na resposta as solicitac;:6es da populac;:ao e (iii) que se espera que sejam mais eficientes do que a actuac;:ao da Administrac;:ao; (iv) sao planeadas e implementadas atraves de processos de participac;:ao da base para o topo; e (v) sao dotadas de natureza e valor juridico autonomo. Os objectivos pretendidos sao a diversidade nos agentes, nos modelos e nos procedimentos de intervenc;:ao; a equidade, com adequac;:ao das respostas as necessidades e a hierarquia entre as necessidades; a eficiencia, com melhoria do equilibrio entre os recursos e os feitos; a participac;:ao social, com estimulos dirigidos a sociedade civil e ao seu envolvimento directo na promoc;:ao de qualidade de vida; e responsabilizac;:ao partilhada e solidaria entre actores sociais institucionais, sistema-cliente (consumidores de bens, utilizadores de servic;:os e beneficiarios de medidas) e os cidadaos em geral. A subsidiariedade mantem-se o prindpio basilar, com efeitos sobre a prestac;:ao de apoio ao estabelecer que este se deve disponibilizar a partir da esfera mais proxima do cidadao e que a actuac;:ao do Estado e o ultimo recurso, accionado na impossibilidade ou incapacidade de actuac;:ao dos anteriores e depois de esgotado o seu potencial.
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A intersectorialidade e uma estrategia de formula<;ao e de implementa<;ao de politicas pt!blicas, fundamentalmente de politica sociais, que tende a ser usada no combate a problematicas multicomplexas. Esta estrategia traduz uma das vertentes da mudan<;a de paradigma na Politica Social. Esta dimensao foi acentuada na ultima decada do seculo XX corn a concep<;ao dos problemas sociais como sendo multivariados e multicomplexos e implicando estrategias de interven<;ao para lidar corn os mesmos assentes na colabora<;ao entre varios sectores e institui<;oes. Os conceitos invocados sao a complementaridade (na ac<;ao), a integra<;ao (da interven<;ao) ea coerencia e consistencia (nas respostas, entre ac<;oes de interven<;ao). A abordagem sistemica serve de suporte teorico para justificar que os fluxos de troca entre sectores se intensifiquem gerando-se sinergias e aumentando a capacidade para resistir a elementos externos que representem amea<;as e que estao fora do controlo do proprio sistema.
2. A interven<;ao social Canastra (2008 in Carmo, 2008) observa a complexidade crescente dos papeis associados a interven<;ao sociat referindo que a 16gica industrial homogeneizadora do trabalho social tern vindo a perder consistencia, dando lugar a tres novas tendencias: 1) o nascimento de novas modalidades de interven<;ao social mais flexf-
veis, proximas e personalizadas, mais situadas, menos intermediadas e mais concertadas, visando o desenvolvimento pessoal e social dos sistemas clientes; 2) uma mudan<;a de paradigma de interven<;ao, mais orientado para a reconstru<;ao das capacidades de ac<;ao dos actores (empowerment) e para o desenvolvimento das suas competencias, e menos orientado para a promo<;ao de qualifica<;oes formais; 3) a emergencia de novas actores na area da interven<;ao sociat como os agentes de desenvolvimento locat os agentes de inser<;ao sociat os mediadores sociais, os mediadores interculturais, entre outros. Na culh!ra de interven<;ao social nos servi<;os de sociais e humanos (Mauret 2003) predomina a metafora biomedica. Urn processo de interven<;ao tern inicio
no diagnostico da situa<;ao de cada caso. Normalmente os desvios sao representados como disfun<;oes (de comportamento, funcionamento, organiza<;ao, inser<;ao). Segue-se uma fase de defini<;ao de estrategias e objectivos da interven<;ao. A avalia<;ao deste processo faz-se normalmente aquando do seu encerramento e em fun<;ao da elimina<;ao ou atenua<;ao de factores negativos identificados no diagnostico, determinando a eficacia da ac<;ao. A avalia<;ao foca o sucesso de curto-prazo
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ou imediato medindo a mudanc;a enquanto substituic;ao das situac;oes de disfunc;ao por outras adequadas e funcionais, aproximadas da norma padronizada do comportamento. Do mesmo modo, a avaliac;ao da intervenc;ao tende a ser orientada para aferir o desen1penho do profissional e/ou o cumprimento das actividades e das tarefas planeadas (corn maior ou menor grau de participac;ao de todos os interessados). A 16gica da avaliac;ao ea correcc;ao de desvios. As desvantagens deste paradigma sao a abordagem centrada no individuo (que se mantem mesmo nas situac;oes em que o sujeito no processo de intervenc;ao e a familia) e no momento presente (corn tendencia para acumular acc;oes devido ao desconhecimento de intervenc;oes anteriores, dos seus resultados e da sua avaliac;ao). A eficiencia de urn modelo desta natureza passa por implementar uma cadeia de intervenc;ao ininterrupta ou corn o minimo de constrangimentos nas ligac;6es entre sub-sistemas. Como consequencia, o processo de intervenc;ao recorre muito ao encaminhamento e cada sub-sistema realiza urn diagn6stico adequado a sua area de intervenc;ao especializada a partir do qual vai intervir. A necessidade de urn diagn6stico e piano de intervenc;ao pr6prios e maior quanto mais especifica e a problematica e menor e a troca de informac;ao dentro do sistema-interventor. 0 envolvimento do sujeito muitas vezes limitase ao consentimento informado para a intervenc;ao e ao cumprimento de tarefas que o sistema-interventor considera como as mais adequadas a situac;ao. As tarefas sao acordadas entre o profissional e o sistema-cliente e justificadas corn base em argumentos que deixam pouca margem para a contestac;ao ou para a proposta de alternativas pelo sistema-cliente. For urn !ado, este conhece menos o funcionamento do sistema de respostas e nao possui a experiencia acumulada pelo profissional em lidar corn esse sistema. Para alem de ter menos poder por falta de especializac;ao, encontra-se numa situac;ao de vulnerabilidade. Ambos condicionam a necessidade de confiar num sistema pericial (Giddens,1997). As tarefas do sistema-cliente incluem accionar outros servic;os e solicitar a intervenc;ao de outros profissionais. De acordo corn a metafora biomedica, esta forma de intervenc;ao remete para a prescric;ao. Num modelo de intervenc;ao corn estas caracteristicas podera existir uma perversidade associada ao facto de competir ao sistema-cliente fazer a gestao do processo. Esta dimensao reveste-se de grande importancia quando e discutida no piano te6rico-conceptual do principio de empowerment e no piano operativo da pratica de encaminhamento. Usando a mesma metMora, a avaliac;ao das prescric;oes clinicas demostra que os individuos apropriam a organizac;ao da terapeutica ea ajustam ao seu quotidiano. Normalmente voltam a procurar ajuda apenas quando surge um novo sintoma ou quando se instala uma situac;ao aguda ou de crise. 0 modelo de intervenc;ao em que cada sub-sistema esta habilitado para lidar com necessidades especificas faz com que a intervenc;ao seja mais centrada
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sobre os problemas e menos sobre os sujeitos, orientando-se para a identifica<;:ao das fraquezas e disfun<;:oes e nao das for<;:as e dos recursos do sistema-cliente (como a sua rede de suporte social, por exemplo). Isto para alE~m de a fragmenta<;:ao do processo de interven<;:ao acabar por afectar directamente a coordena<;:ao no processo de interven<;:ao. Este modelo valoriza pouco a interac<;:ao dentro do sistema-interventor e entre este e o sistema-cliente. Trata-se de urn modelo bem-intencionado, o que pode contribuir para a sua persistencia. Todavia, pode tambem contribuir para urn agravamento da situa<;:ao do sistema-cliente, principalmente quando as necessidades sao vastas e implicam varias respostas dos diversos sectores. Pode ainda contribuir para aprofundar uma imagem de dispersao e de falta de coordena<;:ao do sistema-interventor. 0 esgotamento de recursos tern sido a questao mais discutida situando o debate na rela<;:ao custo/eficiencia dos processos em detrimento de se questionar o modelo de interven<;:ao predominante e debater os pontos fortes e as fraquezas na eficacia dos processos de interven<;:ao. Com uma problematiza<;:ao desta natureza, colocar-se-ia no centro do debate a interven<;:ao social. Esta discussao implicaria p6r em causa o processo de interven<;:ao, as formas de inter-relacionamento entre o sistema interventor e sistema-cliente e entre as entidades do sistema interventor. Esta area de reflexao e apenas uma dimensao em que equacionar o relacionamento entre o Estado e as ONL se manifesta como central.
3. A intervenc;;ao em parceria como paradigma de intervenc;;ao 3.1. As orientac;;oes programaticas da intervenc;;ao social em situac;;oes de violencia domestica
A interven<;:ao social em parceria constitui uma orienta<;:ao e uma caracteristica dominante das polfticas e das praticas emergentes em diversas areas. Manifesta-se corn maior expressividade na area da presta<;:ao de cuidados de proximidade. Enquanto actua<;:ao directa que implica urn conjunto de ac<;:oes de interven<;:ao, sao varios os desafios que se colocam. As transforma<;:oes que implica ao nivel das praticas de interven<;:ao directa contribuem de uma forma estimulante para a inova<;:ao mas envolvem processos de mudan<;:a suscitando diferentes formas de lidar corn a mudan<;:a. 0 desafio principal e a resistencia a mudan<;:a. Este desafio coloca-se, como diziamos, ao nivel das praticas profissionais mas tambem, em simultaneo, ao nivel das polfticas. A forma estruturada de lidar corn os problemas sociais expressa em pollticas publicas usa este mecanismos como vector fomentador de inova<;:ao e gerador de mudan<;:a. Nao obstante, e importante reconhecer (e recordar) que esta forma de lidar corn os problemas sociais nao e recente. A hist6ria do servi<;:o social relata varias experiencias.
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No relat6rio que contem os primeiros resultados da avalia<;ao de acompanhamento da Rec(2002)5 efectuada pela CDEG em 2005, a 'coopera<;ao sistematica inter-agencia' e definida como uma coliga<;ao orientada que inclui todas as entidades relevantes, da administra<;ao ou voluntarias, as quais a mulher recorre para obter apoio e procurar ajuda, e que tern como finalidade garantir uma interven<;ao rapida e eficaz'. A sua importancia e atribuida a urn reconhecimento das limita<;6es encontradas nas respostas singulares. 0 tema da igualdade de genero foi apresentado como urn dos cinco objectivos principais da coopera<;ao europeia para o desenvolvimento na comunica<;ao da Comissao Europeia ao Parlamento Europeu e ao Conselho Europeu acerca da ajuda ao desenvolvimento (em Agosto de 2007 1). A atribui<;ao de prioridade a este tema tern promovido o seu reconhecimento como objectivo transversal pela maior parte dos Estados-membros tornando o genero urn tema central (mainstreamed) nas politicas e nas ac<;6es dos Estados. Esta tendencia por uma op<;ao politica explicita acarreta a disponibilidade de linhas de financiamento para projectos que incidam sobre tematicas de igualdade de genero e empowerment de mulheres. Ao adaptar esta nova abordagem, a Uniao Europeia abriu as portas para as (novas) discuss6es sobre as formas de eliminar a desigualdade de genero (The VAW Monitor newsletter, Outubro 2007, www.stopvaw.org). No Roteiro para Igualdade entre Homens e Mulheres (2006-2010) a questao da violencia contra as mulheres em todas as suas formas e definida como uma viola<;ao dos direitos fundamentais, fazendo-se apelo a urgencia de os Estados-membros a eliminarem. No prefnnbulo do diploma legal em que se publica o III Plano Nacional Contra a Violencia Domestica (2007-2010) (IJTPNCVD) (Resolu<;ao do Conselho de Ministros n.Q 83/2007) afirma-se como finalidade programatica 'a prossecu<;ao de uma ac<;ao concertada que mobilize as autoridades publicas nacionais e as organiza<;6es nao governamentais para que todos, de uma forma sustentada, unam esfor<;os e combinem iniciativas multiplicadoras de novas metodologias e abordagens ao fen6meno.' No plano, a necessidade de mobiliza<;ao e identificada no sistema pt1blico e na sociedade civil organizada visando directamente todos os actores sociais que comp6em o sistema-interventor. 0 objectivo definido pelo Governo e expresso no piano e dar um salto qualitativo nas politicas publicas no combate a violencia de genero em geral. A eficacia na interven<;ao e identificada corn a dinamiza<;ao de urn trabalho conjunto entre as estruturas existentes. Na introdu<;ao afirma-se que 0 plano 'e urn desafio a articula<;ao entre as varias institui<;6es que trabalham nesta area, nomeadamente as que prestam apoio as vitimas e as que dirigem a sua interven<;ao aos agressores' (capitulo I).
2 Communication from the Commission to the European Parliament and the Council: Gender Equality and Women Empowerment in Development Cooperation, Commission of the European Communities, 3 August 2007 (http://ec.europa.eu/development).
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A op<;ao governamental e orientada no sentido de uma politica de preven<;:ao do problema social. As medidas que traduzem esta politica inscrevem-se sobretudo na esfera de actua<;:ao do Estado envolvendo varios ministerios e agentes da Administra<;:ao. Mesmo assim, o plano refere que as medidas previstas constituem em simultaneo 'um forte incentivo a sociedade civil para que acrescente valor nestas areas estrategicas de interven<;:ao, quer no seu ambito espedfico de ac<;:ao, quer em regime de parcerias'. 3.2. A interven<;ao social em parceria
As parcerias representam abordagens sistematicas a interven<;:ao orientadas para a presta<;:ao de servi<;:os sociais. Estas abordagens pretendem constituir-se como uma resposta integrada aos problemas, em colabora<;ao entre os envolvidos e compreensiva ou holistica e abrangente. Na pratica, corn as parcerias formam-se sistemas de ambito comunitario entre organiza<;:6es de varios sectores (envolvendo principalmente o sector publico e o sector nao-lucrativo e muito raramente o sector lucrativa ou os actores sociais no mercado nesta area dos servi<;:os sociais) e entre os profissionais dessas organiza<;:6es que lidam corn os problemas sociais de forma directa ou indirecta, prestando servi<;:os sociais e humanos e de proximidade (Mauret 2003), assentes numa dinamica de interac<;:ao relacional. Representam um tipo de resposta compreensiva (envolvendo todos os interessados) e coerente (corn respostas articuladas entre si) transformando-a num sistema, o qual e usado ao nivel comunitario, dedicado a um ambito de ac<;:ao local. As parcerias correspondem a uma forma de organizar a resposta a problemas sociais. Este tipo de resposta normalmente tem inicio corn uma identifica<;:ao de falta de coordena<;:ao nos sistemas e que investe na reuniao e na conjuga<;:ao de esfor<;:os dos diversos interessados, os quais na maior parte das situa<;:6es ja estao envolvidos e empenhados na promo<;:ao de respostas. Os criterios que actuam como pressupostos para a interven<;ao em parceria sao a promo<;:ao de um trabalho em colabora<;:ao (i) na partilha de recursos; (ii) na coordena<;:ao de servi<;:os para se atingir determinados beneficios comuns a todos os interessados (Ornelas e Moniz, 2007); (iii) na coordena<;:ao de pessoas (profissionais e cidadaos); e (iv) na ac<;:ao de interven<;:ao propriamente dita (em que todos participam corn o seu contributo e todos sao co-responsaveis nao s6 por uma quota-parte no processo e interven<:_:ao mas por toda a interven<:_:ao). A estrategia de resposta a problematica da violencia domestica assenta na co-responsabiliza<;:ao e no envolvimento dos varios actores sociais implicados. A implementa<;:ao desta estrategia configura diferentes formatos e arranjos inter-institucionais que sao considerados como modelos de implementa<;:ao da estrategia e situados ao nivel das praticas de interven<;:ao.
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Numa interven<;ao social em parceria os varios parceiros mantem-se dispersos na comunidade, independentemente de a forma adoptada ser a rede, forum, conselho, comite, equipa, grupo ou outra, e do modelo de intervew;ao ser Lmico ou nao. Esta caracteristica distingue as parcerias de outros modelos de interven<;ao integrada e que envolvem trocas intensas entre as organiza<;6es. Entre estes estao, par exemplo, o modelo de loja Lmica em que os servi<;os estao to dos concentrados nu m espa<;o unico (cujo caso paradigmatico em Portugal e a 'Loja do Cidadao' onde se concentram balc6es de varios servi<;os correspondendo ao one-stop-shop). Ainda o modelo em que a interven<;ao se processa em coopera<;ao inter-institucional ea coordena<;ao e assegurada por uma figura (o gestor de caso) ao qual compete fazer a articula<;ao entre as varias entidades envolvidas no processo de interven<;ao. Neste modelo a diferen<;a fundamental e que as atribui<;6es funcionais e tecnicas do gestor de caso incluem a concentra<;ao da informa<;ao e posterior distribui<;ao corn dissemina<;ao entre os membros envolvidos no processo. A dispersao geografica que caracteriza as parcerias pode ser entendida coma uma vantagem para o sistema resultando num elemento positivo para o processo de interven<;ao. Encontramos a vantagem desta dispersao em dois domini os: 1) aumenta a quantidade de possibilidades de uma situa<;ao de violencia domestica ser conhecida, entrar em contacto corn o sistema de apoio e ser disponibilizado o necessaria suporte a vitimas; 2) favorece a difusao da mensagem a comunidade de que as institui<;6es estao preocupadas com o problema social da violencia domestica, reconhecem a sua existencia na comunidade, valorizam as experiencias das vitimas e envolvem-se no prop6sito de contribuir para melhorar o seu bem-estar. Todas as organiza<;6es estao reunidas e unidas no combate a este problema social e veiculam esta mensagem apopula<;ao. Estes factores estao ligados corn a importancia de envolver numa parceria 0 maxima de organiza<;6es presentes na comunidade, independentemente de serem de ambito comunitario ou nao, em termos da sua actua<;ao e da sua competencia. 0 importante e que se estao presentes na comunidade, se envolvam nos problemas que afectam a popula<;ao e se empenhem na interven<;ao sobre os mesmos. Estes factores tem ainda outra implica<;ao para que constituam realmente uma vantagem. A necessidade de articular uma resposta sistemica ao problema da violencia domestica numa unica parceria, evitando dispersao de esfor<;os, de recursos e falta de consistencia na mensagem veiculada a popula<;ao. A mensagem que a forma de actuar das organiza<;6es pretende significar e a coesao em torno de um problema social. Se existir mais do que uma pm路ceria na mesma
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comunidade para lidar corn o mesmo problema social, este facto pode ser interpretado pela popula<;:ao como representando falta de coerencia, de consistencia e de entendimento institucional. A existencia de outras redes na mesma comunidade dedicadas a lidar com outros problemas sociais espedficos ou criadas a pmtir da necessidade de reorganiza<;:ao administrativa (como a Rede SociaF), a nosso ver, nao representa falta de consistencia do sistema-interventor. Todavia, podera criar dificuldades praticas na concilia<;:ao de horarios e suscitar limites nos recursos humanos aos quais se exige uma participa<;:ao em varios organismos em simultaneo. Fazendo parte de uma area de tarefas dos profissionais de interven<;:ao social, 0 facto e que a interven<;:ao directa nao deve ser prejudicada. A partida, esta dificuldade coloca-se corn maior acuidade nas organiza<;:oes corn poucos profissionais e/ou de pequena dimensao. 0 efeito perverso que daqui podera advir e que por esta via aumente a probabilidade de estas organiza<;:oes estarem ausentes das parcerias ou fazerem parte destes sistemas mas serem pouco activas ou estarem pouco presentes no seu funcionamento (na realiza<;:ao de tarefas, nos grupos de trabalho, nas reunioes, nas ac<;:oes de forma<;:ao, nas ocasioes de celebra<;:ao ou outros momentos da vida da parceria que contribuem ara que os parceiros se conhe<;:am melhor entre si e se estimule a cria<;:ao e aprofundamento de rela<;:oes informais). Enquanto estrah~gia de interven~ao, a parceria pode ter diversas origens. As Na<;:oes Unidas, com base num criteria de classifica<;:ao de ambito territorial, distinguem as parcerias quanta a iniciativa (Estrategias,2003) considerando: (i) a ac<;:ao de grupos situados na comunidade, dando lugar a uma coordena<;:ao de ambito local; (ii) a ac<;:ao de grupos interorganizacionais, que tendem a ser intersectoriais tambem, desenvolvendo trocas no ambito regional; e (iii) a ac<;:ao governamental, originando coordena<;:ao ao nfvel nacional. A coordena<;:ao de base comunitaria (com origem e integrada por grupos e/ou organiza<;:oes situados na comunidade) e identificada com o reconhecimento da dimensao publica do fen6meno da violencia domestica, implicando o Estado no combate ao problema. E desta forma que os actores sociais institucionalmente organizados e implementados nas comunidades sao considerados
2 A Rede Social (criada na sequencia da Resolu<;ao de Conselho de Ministros 197/97) impulsionou um trabalho de parceria alargada focado no planeamento estrategico da interven<;ao social local, envolvendo actores sociais de diferente natureza e diversas areas de interven<;ao. A Rede Social e entendida como o instrumento por excelencia de operacionaliza<;iio dos planos nacionais, constituindo-se como a 'parceria das parcerias' que congrega as diferentes politicas sociais que visam a promo<;iio do desenvolvimento social.
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recursos na resposta publica. As Na<;6es Unidas consideram que enquadram esta situa<;ao paises coma o Canada, os EUA, a Australia, e Portugal (Estrategias,2003). Nestes paises o envolvimento do Estado, corn a promo<;:ao de politicas publicas, foi posterior ao envolvimento de grupos e/ou organiza<;6es de base comunitaria, cuja ac<;:ao contribuiu para o reconhecimento publico do problema e sequente actua<;ao. Noutras situa<;:6es em que o reconhecimento pttblico nao impulsionou o Estado na defini<;:ao de politicas sociais ou nao ocorreu de forma generalizada, as institui<;oes e/ou grupos existentes na comunidade envolvem-se de forma aut6noma no combate ao problema e organizam-se, articulando-se entre si para dar resposta as necessidades sociais. As Na<;:6es Unidas destacam o grupo comunitario La Morada: Casa de la Mujer, em Santiago do Chile; o Movimento Mulheres Contra a Violencia, no Belize; o Projecto Musasa, no Zimbabwe, a ONC Proshika (corn actua<;:ao nos meios rurais e orientada para a violencia devido ao dote), no Bangladesh; a Clinica Integral de la Mujer de CONAMUS, em El Salvador (Estrategias, 2003). Estes actores sociais tendem a ser identificados coma grupos criticos pelo Estado. Seja de uma ou de outra forma, a comunidade e o sangue da parceria (WolfÂŁ, 2003) e o bem-estar geral da comunidade a b{tssola que orienta as formas de interven<;:ao. Na sociedade portuguesa o envolvimento de ambito comunitario e estimulado ao nivel institucional, isto e, definindo as organiza<;:6es coma os principais interessados num esfor<;:o desta natureza e corn estas caracteristicas e expectativas de realiza<;ao. Nao se verifica o envolvimento de individualidades ou de lideres carismciticos da comunidade (coma acontece nos EUA, par exemplo nas Coliga<;:6es no Illinois, Allen, 2005); nem se verifica o envolvimento de outros interessados que nao possuam natureza institucional. A ausencia que merece maior desataque e a das pr6prias vitimas corn experiencias de violencia domestica. A sua presen<;a e uma situa<;ao mais frequente nos EUA e na Inglaterra. Ambos sao igualmente contextos em que a interven<;:ao social e muito estimulada e feita em grupos de ajuda m(ttua. 0 contexto assume uma importancia de tal forma grande e complexa, afectando a iniciativa ou emergencia das parcerias, o seu desenvolvimento ou persistencia e as formas e processos de funcionamento, que nao deve ser olhado apenas coma uma variavel. A complexidade da organiza<;ao social e da interpreta<;:ao do problema social em determinado periodo cronol6gico fazem corn que tenha que se aceitar que o contexto e um agregado de variaveis. 0 mesmo pressuposto de analise se aplica no ambito local. A parceria que se constitui em determinada comunidade reflecte essa comunidade. Dela fazem parte um conjunta de variaveis, sobretudo de ordem cultural, que sao espedficas daquele tecido social.
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3.3. Boa pnitica ou panaceia? As parcerias configuram uma ac<;ao comunitaria coordenada e traduzem a dimensao visivel de uma abordagem de base comunitaria que pretende melhorar a resolu<;ao de problemas que afectam as comunidades. Poderemos remeter a genese desta ac<;ao a tres dimensoes. Ainda que possam ser separadas analiticamente, na realidade estao correlacionadas refor<;ando-se mutuamente. 1. Dimensao pragmatica, partindo das dificuldades quotidianas sentidas pelos profissionais na interven<;ao directa corn a popula<;ao e entre si; 2. Dimensao politica em que programaticamente esta estrategia e sugerida como tendo capacidade para melhorar a eficiencia das politicas publicas; 3. Dimensao te6rica, quer ao nfvel da concep<;ao da violencia domestica como um problema de Direitos Humanos e da comunidade; quer ao nivel da sustenta<;ao da parceira como uma boa pratica na interven<;ao em situa<;oes de violencia domestica.
Destacando a dimensao pragmatica por ser aquela em que o contributo dos profissionais e preponderante para a iniciativa para a ac<;ao, esta tende a ter inicio com a identifica<;ao da ineficiencia do sistema de respostas vigente em determinado momento e em rela<;ao aquele problema social especifico. Esta constata<;ao na maior parte das vezes decmTe das organiza<;oes (servi<;os e agendas) que fazem parte do sistema-interventor e resulta de uma avalia<;ao empiricamente sustentada feita a partir da pratica profissional quotidiana e da experiencia acumulada ao lidar com os outros elementos do sistema-interventor e com os sujeitos que procuram suporte social junto dos servi<;os. Um dos objectivos das parcerias e estabelecer uma estrutura, que se traduz em diferentes arranjos organizacionais, atraves da qual se pretende facilitar mudan<;as directas no sistema de respostas as necessidades e problemas dos cidadaos e indirectas ao nivel sociat sobre a concep<;ao dominante de determinado problema social. Uma das finalidades das parcerias constituidas para lidar corn o problema da violencia domestica e demonstrar a necessidade de envolver todos os cidadaos na intolerancia a este fen6meno. Desta forma, a defini<;ao de violencia domestica identifica-a inequivocamente como uma questao que diz respeito a toda a sociedade e nao apenas aos sujeitos que estao directamente envolvidos e afirma-se, de uma forma clara eo mais explfcita possivel, o empenho das institui<;oes e dos profissionais em promover e liderar uma ac<;ao de mudan<;a na sociedade. As parcerias definem o problema social como tendo origens na comunidade (sociedade) e nao nas famflias. Esta concep<;ao do problema tem como fundamento retirar o onus de responsabilidade pela situa<;ao da vitima da mesma e situar o problema como questao estrutural decmTente das formas como as
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sociedades se organizam e como representam os homens e as mulheres e as rela<;:6es entre eles tambem no matrim6nio enquanto expressao da intimidade daquelas rela<;:oes ente os sexos. Esta concep<;:ao assente numa interpreta<;:ao de genero, serve para justificar a existencia das parcerias enquanto esfor<;:o de base comunitaria envolvendo as iniciativas da sociedade civil que se organizam em entidades para lidar corn a violencia domestica de uma forma aut6noma, em rela<;:ao ao Estado e entre si. A actua<;:ao das parcerias dirige-se para o sistema de interven<;:ao sobre a violencia domestica focando a sua reorganiza<;:ao como meio ou estrategia para melhorar a sua actua<;:ao e aumentar a sua eficiencia. A abordagem sistemica da o enquadramento te6rico a implementa<;:ao das parcerias enquanto estrategia para lidar corn a violencia domestica. A meta consiste em estabelecer uma rede de apoio que esteja disponfvel e seja acessfvel a vftimas directas de violencia domestica e as suas famflias (corn destaque para as crian<;:as); que aproveite o sistema legal na sua maxima capacidade de protec<;:ao; que reforce a intolerancia social na comunidade em rela<;:ao a violencia domestica; e que aumente o nfvel de responsabiliza<;:ao do agressor, envolvendo a sociedade na mudan<;:a de normas e de atitudes que contribuem para a persistencia da violencia domestica (Pence e Shepard, 1999). 0 Pojecto Duluth pode ser considerado a interven<;ao pioneira na concep<;:ao e implementa<;:ao de uma resposta comunitaria coordenada a violencia domestica sobre as mulheres. Os activistas envolvidos na concep<;:ao e na organiza<;:ao deste projecto no inicio dos anos 1980 tinham poucas experiencias similares em que se basear. No presente contamos corn a experiencia do Projecto Duluth e de outros que se inspiraram naquele e que adoptaram outras formas de organiza<;:ao adequando-se ao contexto, a representa<;:ao da violencia domestica enquanto problema socialmente construfdo e culturalmente influenciado, e adequando-se as expectativas e as necessidades concretas da popula<;:ao. 0 principal objectivo das parcerias e melhorar a eficiencia do sistema de respostas as situa<;:6es de violencia domestica que afectam as famflias; gm路antir que as vitimas tern acesso a bens e servi<;:os capazes de aumentar a sua protec<;:ao e de tornar efectivos direitos sociais garantidos; minimizar a revitimiza<;:ao decorrente da necessidade de a vitima ter que relatar a sua situa<;:ao a cada urn dos profissionais que vai sendo envolvido no processo de interven<;:ao; aumentar a seguran<;:a da vitima atraves da activa<;:ao e do envolvimento efectivo dos varios 6rgaos e mecanismos de conten<;:ao do risco e de protec<;:ao da sua seguran<;:a e que estao ao seu dispor; evitar que a vitima 'caia entre as falhas do sistema' (Troy, 2001) e estimular a prossecu<;:ao do processo de ajuda ate estarem asseguradas as condi<;:oes de seguran<;:a e promovido o bem-estar da vitimas; e aumentar a responsabiliza<;:ao do agressor em rela<;:ao ao seu comportamento de vio!encia.
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Esta responsabiliza<;ao e feita em termos individuais e sociais. Quer assegurando que 0 agressor e responsabilizado criminalmente, quer incentivando a comunidade a envolver-se na conten<;ao dos comportamentos de violencia na familia exercendo controlo social informal, como ocorre em rela<;ao a outros comportamentos considerados inaceitaveis, lesivos das normas sociais e intoleraveis pelas comunidades que levaram o legislador a definir a reac<;ao social mais gravosa de todas inscrevendo o comportamento no dominio penal considerando-o crime. 0 desenvolvimento de politicas e de praticas de interven<;ao coordenadas fazem parte de um processo de mudan<;a da interven<;ao em que se passa de uma ac<;ao de protec<;ao individual da vitima para se lidar com a problematica da violencia domestica no seu todo. A condi<;ao elementar para a constitui<;ao e para a eficacia de uma interven<;ao em parceria e a participa<;ao de quem intervem lidando com as situa<;oes. Estes elementos ocupam uma posi<;ao-chave nas comunidades e desempenham um papel fundamental no processo de interven<;ao. A implementa<;ao de uma parceria implica que o trabalho de cada um seja organizado no sentido de passar a fazer parte de uma resposta com estas caracterfsticas e no sentido de se envolver e empenhar na prossecu<;ao de uma finalidade {mica e partilhada por outros. Tendencialmente, a interdependencia e mais global envolvendo os elementos que compoen1 a rede e o meio, e envolvendo varias unidades organizacionais e nao apenas uma rede de profissionais de diversas areas ou disciplinas. Sendo mais global e abrangente tambem significa que e mais complexa. For causa da dificuldade envolvida na coordena<;ao entre diferentes actores sociais, muitas comunidades come<;am por desenvolver respostas compreensivas envolvendo a coopera<;ao, sem que haja coopera<;ao efectiva entre os servi<;os, muito menos colabora<;ao, todavia, as organiza<;oes encetam processos de liga<;ao entre si com a finalidade de facilitar as respostas a violencia domestica. Um efeito promovido por este tipo de resposta e que cada actor social presente (ou representado numa estrutura que de corpo ao processo de colabora<;ao; uma institui<;ao ou organiza<;ao) tem que definir o seu papel, compreender a sua identidade e identificar as suas fun<;oes e as dos outros. Isto implica um processo de analise sobre si mesmo incluindo a sua vantagem e os seus limites a actua<;ao, envolvendo que se esclare<;a e que se assuma (publicamente ou perante os pares) os valores que orientam a interven<;ao. 0 que parece estar em mudan<;a e uma reafirma<;ao do compromisso das pessoas e das organiza<;oes para com as causas que defendem, para com a visao que tem para a sociedade e que procm路am concretizar por uma via legitima nas sociedades plurais que implica constituir organiza<;oes para actuar no espa<;o p{Iblico e exercer uma forma de ac<;ao politica especifica.
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4. A Interven<;ao Social em parceria como resposta
avioH~ncia domestica
4.1. 0 que se problematiza? Na implementa~ao de polfticas publicas nao basta a defini<;ao formal de medidas e de estrategias de ac<;ao. A vontade de distintos actores sociais para implementar as medidas e desenvolver as estrategias tambem nao e suficiente. 0 que sabemos e que estao em causa processos que sofrem influencias de diversos factores e que estes factores e a sua importancia relativa sao variaveis em fun<;ao dos contextos. Na sociedade portuguesa, a defini~ao programatica de encetar uma ac<;ao concertada que seja sustentada e tenha a capacidade para mobilizar as autoridades pt!blicas e as ONC, enquanto estrategia de interven~ao nas situa<;oes de violencia domestica, a implementar no ambito local, manifesta-se em cinco casos de parcerias formalmente institucionalizadas. A diversidade de experiencias no seio de cada uma das parcerias e entre as parcerias dota-as de uma caracterfstica fundamental: a heterogeneidade. Ainda que a estrategia programatica orientadora da organiza~ao do sistema de respostas a violencia domestica seja a mesma, na pratica traduz-se em diferentes modelos. Cada um dos modelos envolve parceiros distintos, possui formatos especificos e adopta modos de organiza~ao e de funcionamento que lhes conferem identidade. As formas adoptadas em cada um dos contextos e pelos diversos actores sociais que se envolveram no processo de constitui~ao de uma parceria como modo de actuar no problema social variam. Este facto, relacionado com as caracterfsticas inerentes as parcerias que supra se identificaram tern um interesse sociol6gico acrescido em rela<;ao a influencia da comunidade como variavel contextual e implica duas considera<;6es de ordem metodol6gica: 1." cada parceria pode ser tomada como urn caso te6rico por se distinguir como caso tmico; 2. 9 as condicionantes de cada um dos casos sao de ordem macrossocial, envolvendo factores culturais e estruturais, como a distribui<;ao desequilibrada de organiza<;oes e de servi<;os no territ6rio nacional cuja cobertura em termos de respostas ao problema social nao e homogenea; de ordem mesossocial, envolvendo factores tambem do tipo cultural, como a iniciativa para a ac<;ao que revela dinamicas distintas conforme as organiza<;6es em causa e a sua capacidade para mobilizar outras organiza<;oes; e de ordem microssocial, envolvendo factores de cariz individual como a existencia e disponibilidade de figuras carismaticas e a sua capacidade para agir como lideres ao nfvel da comunidade.
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A diversidade de estruturas e de formas de organiza<;ao e influenciada pelas diferentes traject6rias de desenvolvimento de cada parceria e pela heterogeneidade de abordagens, de metodos e de praticas profissionais na interven<;ao social.
A Pergunta orientadora da pesquisa A questao que colocamos e quais sao os elementos que estao subjacentes destas parcerias nos seus respectivos contextos? Vamos procurar dar resposta a esta pergunta a partir a identifica<;ao dos factores presentes no inicio da traject6ria de desenvolvimento das parcerias, ou seja, aquando da iniciativa para a ac<;ao.
a emergencia
A Abordagem Te6rica adoptada A abordagem sish~mica fornece o enquadramento te6rico a partir do qual se perspectiva este fen6meno. Cada parceria e tomada como urn caso. A pesquisa assume urn cariz explorat6rio. Os casos de parceria existentes em Portugal continental em Abril de 2008 foram todos incluidos.
A Selecr;iio dos Casos Os criterios que estiveram subjacentes caracteristicas destas parcerias:
a selec<;ao dos casos enunciam tn2s
1. a institucionaliza<;ao formal da ac<;ao social dotando-a de caracter
organizacional suportado pela existencia de urn documento que sustente o processo de colabora<;ao traduzindo o compromisso assumido pelas entidades. Os protocolos de colabora<;ao definem as entidades que se constituem coma parceiras; assumem formal e publicamente urn objectivo comum; e-lhes atribuido urn papel e fun<;oes sociais definindo-lhes um estatuto; este estatuto e relativo, uma vez que se define face aos restantes parceiros e para urn processo de parceria em concreto; este estatuto refor<;a a no<;ao de interdependencia e, ao mesmo tempo, situa as raizes desta interdependencia mais na sua dimensao relacional do que na sua dimensao politica; 2. serem parcerias activas, implicando uma efectiva presta<;ao de servi<;os com concretiza<;ao de actividades de atendimento e de acompanhamento, presumindo-se a existencia de processos de interven<;ao directa em desenvolvimento. Estar em actividade durante o periodo de recolha de dados representa uma existencia de facto, situando as parcerias no piano da
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ao;ao, excluindo as situa<;:oes da existencia de urn protocolo de colabora<;:ao mas que nao passa do piano da inten<;:ao e as situa<;:oes em que os processos de colabora<;:ao sao denominados redes ou parcerias tendo coma referente o encaminhamento da pessoa-cliente entre organiza<;:oes mas sem trocas efectivas e sem que estas sejam promovidas; 3. a interven<;:ao de ambito comunitario, implicando uma delimita<;:ao precisa do territ6rio geografico da ac<;:ao e que a origem (as rafzes) das iniciativas estejam nas comunidades. Corn este criteria situam-se as parcerias coma elementos que sao parte integrante das comunidades e do seu complexo de rela<;:oes sociais.
Os procedimentos de pesquisa Neste artigo o objectivo e identificar os factores que estao em causa e que sao mencionados de forma explicita pelos profissionais em entrevista. Os sujeitos de entrevista sao considerados informantes privilegiados baseando-se a entrevista, par isso, na compreensao da sua experiencia. 0 guiao de entrevista (semi-directiva) e suficientemente flexivel para se adaptar a 16gica do discurso de cada sujeito. Foram conduzidas duas entrevistas em cada um dos casos de estudo (N=S): ao impulsionador da ideia de constituir uma parceria, mais ligado a concep<;:ao e a emergencia da ac<;:ao; e ao actual coordenador da parceria, mais ligado a implementa<;:ao, organiza<;:ao e funcionamento da parceria. Devido a finalidade desta apresenta<;:ao optamos por suprimir as cita<;:oes que sustentam a identifica<;:ao dos factores e privilegiar a inventaria<;:ao dos mesmos. No processo de tratamento e anaJise de dados a abordagem situa-se no paradigma interpretativo.
0 Objectivo Identificar os factores que actuam coma facilitadores e/ou promotores e os factores cuja influencia bloqueia ou constrange o processo de emergencia de parcerias na interven<;:ao social de ambito comunitario em situa<;:oes de violencia domestica, do panto de vista dos profissionais de interven<;:ao social.
As Cntegorias de Clnssificnr;iio Consideramos que estes factores podem ser divididos em factores promotores e/ou facilitadores no processo de emergencia e consolida<;:ao de uma parceria e factores constrangedores ou de bloqueio desse mesmo processo.
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Os limites Aqui limitamo-nos a concentrar o foco de aten~ao na fase inicial do processo, p01路em, estes factores e os seus efeitos podem manifestar-se e actuar ao longo do processo de desenvolvimento das parcerias. Estas sao, por defini~ao, realidades mutaveis que se caracterizam pela flexibilidade, volatilidade as condi~oes e circunstancias de contexto e pelo facto de nunca se considerar que o processo de desenvolvimento de uma pm路ceria esta concluido ou encerrado. 4.2. As parcerias na resposta
aViolencia Domestica em Portugal
A Rede de Apoio a Mulheres em Situa\ao de Violencia institucionalizouse por iniciativa da Camara Municipal de Montijo. E composta por 17 parceiros, sendo 13 da Administra~ao publica e quatro do sector nao-lucrativo. A entidade de suporte, que fornece supervisao e realiza forma~ao e a Associa~ao de Mulheres contra a Violencia (AMCV). Tomando como referencial o ano de 2008, a Rede tem sete anos de existencia. 0 protocolo de colabora~ao e de 2005. 0 Forum Municipal de Cascais contra a Violencia Domestica institucionalizou-se por iniciativa da Camara Municipal de Cascais. E composto por 28 parceiros, sendo 15 da Administra~ao publica e 13 do sector nao-lucrativo. Esta corresponde a pm路ceria de maior dimensao. A entidade de suporte, que fornece supervisao, realiza forma~ao e coordena estudos de investiga~ao e a Centro de Estudos para a Interven~ao Social (CESIS). 0 Forum Municipal tem 10 an os de existencia. 0 protocolo de colabora~ao e de 2004. A Rede Inter-Institucional de Apoio a Mulheres Vitimas de Violencia Domestica e uma parceria cuja iniciativa pertence a uma IPSS de cariz e orienta~ao religiosa. A ordem religiosa das Irmas Doroteias acolheu esta iniciativa do Centro Social Comunitario Casa Nossa Senhora do Rosario, na Figueira da Foz. A Entidade de Suporte e que fornece supervisao eo Grupo V!!! (Violencia: Informa~ao, Investiga~ao, Interven~ao). A parceria e composta por oito entidades, sendo quatro da Administra~ao publica e as outras quatro do sector nao-lucrativo. A Rede corresponde ao caso em que a parceria tem uma dura~ao mais prolongada, com 17 anos de existencia. 0 protocolo de colabora~ao e de 2004. 0 Grupo Violencia: Informa\ao, Investiga\ao, lnterven\ao (Grupo V!!!) constitui uma pm路ceria que emergiu na area da satlde mental, acabando por ser institucionalmente com identificada com o Hospital Sobral Cid, em Coimbra. A Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra e a Funda~ao Bissaya Barreto estiveram envolvidas na iniciativa em paridade com o Departamento de Psiquiatria do Hospital. Todos actuam como entidades de suporte a iniciativa e assumem a supervisao e forma~ao. Esta parceria e composta por onze parceiros. 0 Grupo tem 13 anos de existencia. 0 protocolo de colabora~ao e de 2003.
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0 Grupo de Trabalho de Violencia e Maus-Tratos tern origem no subsector da saude envolvendo a iniciativa do Departamento de Psicologia Centro Hospitalar de Torres Vedras. Esta parceria e composta por nove parceiros. Dos casos de estudo, este e o mais recente. 0 Grupo tern cinco anos de existencia. 0 protocolo de colabora<;:ao e de 2004. 0 caso de parceria que nao foi estudado e a Rede de Apoio Integrado a Mulher em Situa<;:ao de Risco. Esta Rede existe na ilha de Sao Miguel, na Regiao Aut6noma dos A<;:ores. A dura~ao do processo de iniciativa das parcerias, entre empreender as primeiras acc;oes para constituir uma parceria e por o processo 'em marcha' revela a idiossincrasia de cada caso. No caso do Grupo de Torres Vedras demorou urn ano; no caso do Forum Municipal de Cascais, demorou cinco anos: de 1998 a 2003). Estes dois representam os casos em que se verifica menor passagem de tempo ente definir a forma e o foco e organizar e agir. Os casos em que a dura<;:ao deste processo e maior sao a Rede na Figueira da Foz eo Grupo V!!! em Coimbra, respectivamente corn 13 anos: de 1991 a 2004; e corn nove anos: de 1994 a 2003. A media de tempo entre o 'come<;:ar' as actividades em parceria e a sua institucionaliza<;:ao (corn formaliza<;:ao de protocolo de colabora<;:ao) sao sete anos (variando num intervalo corn urn minimo de urn ano e urn maximo de 12 anos). A influencia de factores de ordem estrutural como a distribui<;:ao nao-equitativa dos servi<;:os no territ6rio nacional nao e de menor importancia. A cobertura geografica da protec<;:ao atraves da disponibilidade de servi<;:os nao esta assegurada. Manifesta-se uma tendencia para a concentra<;:ao de servi<;:os sociais e humanos cm geral e de servi<;:os de apoio a situa<;:6es de violencia domestica no litoral do pafs e nas cidades de dimensao media e grande. 4.3. A complexidade das Parcerias
Organizar diversas entidades num sistema unico implica (re)descobrir a identidade de cada uma (o seu papel, posi<;:ao e fun<;:6es sociais); os valores que orientarn a sua actua<;:ao; a traject6ria que as conduziu ate aquele ponto, lidando corn influencias externas e factores incontrolaveis para alem das decis6es internas; a identifica<;:ao das for<;:as rnas tambem da fragilidade e dos desafios que continuarn presentes (alguns corn dezenas de anos e aos quais e mais diffcil dar resposta do que a outros recentes); corn processos de troca, de partilha e de cornunica<;:ao que envolvem negocia<;:ao e cedencia, produzindo efeitos sobre estruturas, modos de funcionamento e dinamicas de atribui<;:ao de poder e de responsabilidades. Sendo uma das vantagens dos processos de parceria, a interdisciplinaridade e a presen<;:a de profissionais de diferentes areas de ac<;:ao e corn diferen<;:as na sua forma<;:ao de origem pode representar urn obstaculo que se traduzira
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em pontos de vista divergentes sobre a problematica, os factores que lhe estao subjacentes e a orienta<;ao da interven<;ao que !he e dirigida. Esta e uma dificuldade corn a qual cada membro da parceria tern que lidar, implicando urn esfor<;o para evitar a tendencia para encarar as coisas do ponto de vista espedfico do seu sector (Cardoso, 2007:25). A este obstaculo juntam-se outros como a resistencia em adoptar uma abordagem conjunta; a falta de recursos corn maior ou menor competi<;ao por recursos entre os varios organismos, prejudicando a congrega<;ao de esfor<;os entre si; o facto de este processo representar em si mesmo um desafio as estruturas e hierarquias organizacionais existentes; a quantidade de trabalho e a eventual falta de apoio aos profissionais por parte das organiza<;oes de origem; uma atitude de nega<;ao da existencia do problema levando a uma resistencia a congrega<;ao de esfor<;os; uma incompreensao do problema e da sua dinamica (Estrategias, 2003). Em suma, tratando-se de um processo de mudan<;a a sua repercussao e ampla e implica mudan<;as em pianos distintos, desde a concep<;ao da problematica ate a equa<;ao da responsabilidade de cada um pela vida em comunidade. 4.4. Factores presentes no processo de emergencia de parcerias A classifica<;ao dos factores presentes no processo de emergencia de parcerias para a interven<;ao social na violencia domestica e dicot6mica separando apenas entre os factores que sao entendidos pelos profissionais de interven<;ao social como favorecendo o processo e aqueles que sao entendidos como factores que constrangem a emergencia de parcerias para lidar com o problema social. a apresenta~ao nao segue qualquer ordem hierarquica entre os factores.
Factores favorecedores A percep\ao de cada profissional de interven\aO social da necessidade e das vantagens de colaborar corn outros profissionais parece sobrepor-se e anteceder a decisao da organiza<;ao de se envolver num processo de parceria. Entre os fundamentos para a mobiliza<;ao para a ac<;ao, os de ordem pragmatica sao rnais relevantes. E na pratica de interven<;ao directa que os interventores sociais vao definindo esta vantagem de colaborar entre si. 0 processo depois implica sensibilizar e mobilizar a organiza<;ao da qual fazem parte para que lhes permita e de autonomia para agir em colabora<;ao, ao mesmo tempo que suscita o envolvimento da organiza<;ao propriamente dita. 0 conhecirnento do papel e das cornpetencias de cada urn eo reconhecirnento da cornplernentaridade na ac\aO sao dois factores que tendem a ser apresentados como estando inter-relacionados. A no<;ao clara da interdepen-
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dencia na intervenc;:ao e a representac;:ao do processo de intervenc;:ao como unico e pertencente ao sistema-cliente que esta numa situac;:ao de violencia domestica sao essenciais. Estes dois factores estao ligados entre si e remetem para outras quest6es de pesquisa. 0 tipo de relac;:ao social e de interacc;:ao entre os interventores sociais e mais fluida, flexivel, informal e menos burocratica comparativamente ao tipo de relac;:oes sociais envolvidas entre as organizac;:oes. 0 facto de as trocas informais, do tipo cara-a-cara se processarem de forma horizontal pode favorecer mudanc;:as nas formas de relacionamento entre as organizac;:oes das quais os profissionais fazem parte? A ser assim, o que esta em causa e uma possibilidade de as relac;:oes sociais modificarem a cultura organizacional. A lideran~a carismatica favorece a emergencia de urn processo de intervenc;:ao em parceria. A importancia deste factor e enunciada sobretudo em relac;:ao a mobilizac;:ao para a acc;:ao. 0 facto e que a necessidade e as vantagens de colaborar podem ser reconhecidas e os agentes sociais estarem conscientes delas. Todavia, passar a acc;:ao implica assumir que se vai mudar e depois agir, efectivamente. Normalmente verifica-se uma tendencia para resistir a mudanc;:a de habitos. Para alem deste elemento de ordem individual, a cultura organizacional da organizac;:ao da qual o interventor social faz parte pode ser mais favorecedora ao imobilismo do que a inovac;:ao. 0 carisma de urn lider normalmente e descrito como uma capacidade para envolver os outros de tal forma que a vontade de intervir vai ganhando consistencia e se gera urn clima descrito como sendo de contagia da energia do lfder e dos que vao aderindo a ideia de mudanc;:a. A energia, o carisma e a disponibilidade para assumir o risco inerente a passagem a acc;:ao sao atributos necessarios ao empreendedorismo. Todos podem estar presentes em cada urn dos parceiros mas um deles e normalmente identificado como aquele que liderou o empreendedorismo colectivo. A existencia de oportunidades para aprofundar o contacto informal entre profissionais. A existencia de trocas profissionais anteriores reforc;:a o peso deste factor. Em ambos, o que esta em causa e a construc;:ao de relac;:oes sociais assentes na confianc;:a e no interconhecimento. A supervisao h~cnica e externa revela-se importante por implicar uma perspectiva 'desapaixonada' e men os envolvida na dimensao pragmatica das parcerias. Pressupondo-se que o envolvimento quotidiano na intervenc;:ao directa, na interacc;:ao entre parceiros e na necessidade de lidar corn limites a intervenc;:ao que nao estao sob o controlo dos profissionais podera contribuir para que os obstaculos sejam definidos de uma maneira distinta. A presenc;:a e intervenc;:ao de urn profissional externa aparceria (sobretudo nao implicado nesta dimensao operativa, uma vez que pode fazer parte integrante correspondendo a um dos parceiros) pode contribuir para reformular os problemas, abrir novas perspectivas de questionamento e de analise. A questao da supervisao tem sido pouco
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atendida na interven<;:ao social em geral mas e urn dos elementos referido por todos os entrevistados como essencial para o desempenho quotidiano das ac<;:oes de interven<;:ao. 0 apoio explicito de entidades superiores podendo envolver diversos tipos de apoio. 0 apoio financeiro e o apoio politico sao os mais referidos como l!teis ou necessaries. Nao obstante o apoio financeiro nao constituir factor promotor das parcerias em nenhum dos casos. E urn factor facilitador do desenvolvimento das iniciativas. 0 facto de o apoio ser explicito implica uma dimensao simbolica que se expressa no reconhecimento pl!blico por parte da tutela em rela<;:ao ao esfor<;:o que esta a ser feito. Para alem do reconhecimento formal existente nos diplomas legais, a visibilidade pl!blica que a iniciativa assume na comunidade dota este elemento de uma importancia grande. Na maior parte das vezes, aquela dimensao simbolica e enfatizada aliando uma cerimonia pl!blica com a comemora<;:ao de um dia expressivo dotando o processo de parceria de urn significado social maior e entendido por todos os cidadaos. Na maior parte dos casos de estudo fez-se coincidir a assinatura do protocolo de colabora<;:ao corn uma celebra<;:ao para a qual foram convidados altos representantes governamentais e que se realizou em datas como o Dia Internacional da Mulher (dia 08 de Mar<;:o). Factores de bloqueio A inercia dos servi~;os sociais e humanos e a existencia de pouca tradi~;ao cultural de relacionamento inter-institucional, remetendo para uma pratica de interven<;:ao social em que cada organiza<;:ao conhece pouco as restantes e interage com os outros profissionais apenas em situa<;:oes em que tem que faze-lo, nao as procurando ou promovendo. Este aspecto e salientado pelos entrevistados quando referem que as ac<;:oes de forma<;:ao sao os l!nicos momentos em que se encontram corn outros colegas. Uma especializa~;ao profissional (cientifica, tecnica e/ou nos procedimentos) muito aprofundada promove a existencia de 'linguagens diferentes' e dificulta os processos de comunica<;:ao e de troca, logo, cria obstaculos na constitui<;:ao de parcerias. Os dois sub-sectores mais visados sao a justi<;:a e a sal!de. Na area da justi<;:a, a aproxima<;:ao a interven<;:ao social e feita atraves dos profissionais do instituto de Reinser<;:ao Social e dos delegados do Ministerio publico em algumas parcerias. Na area da sal!de, os enfermeiros e entre os medicos, os da area da sal!de mental, sao aqueles profissionais que revelam maior disponibilidade para se envolverem nas parcerias. De salientar que a referenda a justi<;:a nao inclui as policias (PSP e GNR) focando os Tribunais enquanto institui<;:oes e os orgaos coadjuvantes na aplica<;:ao da justi<;:a. 0 medo de perder poder, prestigio, autoridade ou a amea<;:a a identidade parece estar relacionada coma existencia de desequilibrios de poder nas comu-
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nidades corn procura de protagonismo por parte de alguns actores sociais. Mesmo que sejam individualidades estao representados em organiza<;:oes. Nao obstante, o que parece estar em causa e o carisma e a capacidade para exercer lideran<;:a na comunidade afirmando a sua posi<;:ao e opinioes. Ainda que a maior parte das organiza<;:6es de interven<;:ao social tenha vontade de se envolver numa parceria nao enfrenta este tipo de lideran<;:as. Na maior parte das vezes a justifica<;:ao avan<;:ada e o evitamento do confronto. A essencia de urn processo de colabora<;:ao e a partilha, o que implica que nenhum individuo ou organiza<;:ao assuma o controlo da situa<;:ao nem o protagonismo na iniciativa. 0 processo envolve a forma<;:ao de consensos desenvolvendo-se num contexto de rela<;:6es de poder. Daqui que os processos de negocia<;:ao estejam naturalmente presentes. A capacidade para negociar e a disponibilidade para fazer cedencias de posi<;:6es estao presentes ao longo de todo o processo de interven<;:ao social em parceria, apesar de a sua influencia se fazer sentir mais em momentos criticos como o do inicio da ac<;:ao. A existencia de regras e de procedimentos estatutarios limitativos remete-nos para os aspectos negativos da burocracia. Os estatutos e outros documentos de natureza similar servem para definir e orientar processos. A sua utilidade e prever os comportamentos corn a finalidade de reduzir 0 recurso a discricionariedade aumentando a garantia de direitos ao sistema-cliente num processo de interven<;:ao. Em algumas situa<;:6es a sua inadequa<;:ao pode representar urn obstaculo a ac<;:ao impedindo mesmo a constitui<;:ao de uma interven<;:i'io em parceria. Isto acontece tambem quando sao demasiado rigidos e afectam a autonomia do profissional para se envolver numa parceria representando a sua organiza<;:ao. A falta de apoio politico esta relacionada corn o elemento anterior quando os profissionais sentem que as chefias dentro da sua organiza<;:ao nao apoiam o envolvimento na parceria. Este factor e referido mais vezes para fazer alusao ao apoio politico de nivel macro e de ambito governamental. Mesmo que a orienta<;:ao programatica seja a da constitui<;:ao de parcerias como estrategia de interven<;:ao em situa<;:6es de violencia domestica, os profissionais transmitem urn sentimento de pouco apoio por parte das entidades que representam o Coverno nesta materia (corn destaque para a Comissao para a Igualdade de Genero (CIG) e o Instituto de Seguran<;:a Social (ISS). Uma elevada rotatividade de profissionais, contribui para que as rela<;:6es sociais informais e de confian<;:a sejam interrompidas. Mais do que 'pessoalizar' o profissional que representa uma organiza<;:ao na parceria, o que parece estar em causa sao as rela<;:6es sociais e o que estas representam para a parceria, seja em termos do tempo investido na sua constru<;:ao, seja em termos da sua qualidade. Em termos do grau de profundidade. As rela<;:oes sociais pr6ximas tornam os processos de troca mais fluidos e agilizam os contactos. Ao mesmo
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tempo, a confian<;:a promove a participa<;:ao nas reuni6es e o envolvimento nas tarefas e actividades. Nas situa<;:6es em que as parcerias constituem grupos de trabalho, estes tendem a funcionar melhor quando as rela<;:6es entre as pessoas sao mais informais.
5. Conclus6es Uma parceria e urn processo de constru<;:ao de rela<;:6es entre pessoas que expressam a sua vontade, disponibilidade e empenho para encetar transforma<;:6es nas formas de actuar na interven<;:ao social; nas formas de organizar a resposta a violencia domestica; e na abordagem ao problema social valorizando a etica da interven<;:ao social na promo<;:ao e na condu<;:ao de mudan<;:a social. 0 facto de as parcerias terem urn ambito comunitario nao se limita a circunscrever o seu ambito de actua<;:ao nem tern como proposito restringir as entidades parceiras. A logica subjacente a esta dimensao da ac<;:ao e a do desenvolvimento comunitario. Do ponto de vista da promo<;:ao de politicas sociais a abordagem na resposta ao problema social e 'de baixo para cima'. A comunidade enquanto territorio geografico e a orienta<;:ao programatica enquanto campo de actua<;:ao e de implementa<;:ao desta estrategia, constituem o contexto para a ac<;:ao. Para alem do contexto, que define o enquadramento, os actores sociais em cada comunidade decidem agir em determinado momento. De urn ponto de vista teorico, a decisao para a ac<;:ao e o empenho na prossecu<;:ao de objectivos sao factores de motiva<;:ao bastante importantes. Porem, nao sao suficientes. 0 objectivo de conhecer os factores que estao presentes no momento em que a decisao e a vontade sao como que submetidas ao teste da realidade, levou-nos a tentar perceber o que pode representar urn obstaculo e o que favorece o desenvolvimento de uma parceria de interven<;:ao em situa<;:6es de violencia domestica. Conclui-se que a classifica<;:ao dos factores numa tipologia dicotomica e util para se avan<;:ar na analise mais profunda da rela<;:ao que pode existir entre eles. 0 objectivo aqui seria perceber de que forma e que uns podem anular ou atenuar os outros. No entanto, entre o deve e o haver tendencialmente racional deste tipo de analise fica o que e central na parcerias. 0 que esta em causa sao sistemas de rela<;:6es humanas. Assim, na implementa<;:ao de uma estrategia corn esta base e finalidade assente em interrela<;:6es, interferem variaveis que fazem parte de todas as rela<;:6es humanas, como o poder; e interferem processos que, por defini<;:ao, nao sao continuos, nem lineares, nem nos parece que seja possivel analisa-los sem perceber qual e 0 sentido que lhes e atribuido por quem neles se envolve. 0 que se manifesta nas parcerias e que a iniciativa de mudan<;:a pertence ao sistema formalmente organizado para prestar apoio a popula<;:ao nas situa-
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c;:oes de violencia domestica. Esta e a parte visivel que se traduz numa representac;:ao em arranjos institucionais que podem ser tornados coma modelos unicos. A mudanc;:a pretendida, todavia, nao se limita ao sistema-interventor. As finalidades de mudanc;:a podem ser perspectivadas em tres dimensoes: no processo de intervenc;:ao social directa; ao nfvel comunitario envolvendo a comunidade em que o sistema-interventor esta presente; e ao nfvel da sociedade coma urn todo. A importancia das parcerias para promover mudanc;:as sobre a violencia domestica enquanto problema social pode manifestar-se na transformac;:ao das praticas de intervenc;:ao colocando em perspectiva as vantagens do encaminhamento, do envolvimento das redes de suporte informal no processo de intervenc;:ao profissional. Ao nfvel comunitario, o potencial de mudanc;:a extravasa o ambito da reorganizac;:ao dos servic;:os quando os mobiliza para a acc;:ao e gera uma consciencializac;:ao da necessidade de mudar e de empreender acc;:oes efectivas para provocar mudanc;:a. A transic;:ao de uma abordagem em que se 'espera' que ocorra uma mudanc;:a 'de mentalidades' para uma mentalidade em que se planeia racionalmente ou de forma orientada a mudanc;:a que se pretende.
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A POLITICA DE SAUDE E 0 PROGRAMA SAUDE DA FAMILIA: A PERSPECTIVA DO SERVI<;O SOCIAL
Wiese, Michelly Laurita Assistente Social. Mestre em Servir;o Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutoranda em Servir;o Social pela Pontificia Universidade Cat6lica de Siio Paulo (PUC/SP). Estagio de Pesquisa de Doutoramento na Universidade Lusofona de Humanidades e Tecnologias. E-mail: michelly_w@hotmail.com.
Introdw;ao No Brasil desde o ano de 1993 tern-se implantado no ambito da politica de satlde o Programa Saude da Familia (PSF) que tern por objetivo, contribuir, a partir da aten<;ao basica, na reorienta<;ao do modelo assistencial, em conformidade com os prindpios do Sistema Unico de Saude (SUS). 0 programa e entendido como uma estrategia de fortalecimento das diretrizes do SUS que sao universalidade, integralidade, equidade, acesso, informa<;ao, entre outros. 0 Assistente Social e considerado um profissional de saude no Brasil desde 1999 coma Resolu<;ao No. 383/99 do Conselho Federal de Servi<;o Social (CFESS), com isso ocupando espa<;os importantes na area de satlde. Um destes espa<;os e o PSF que busca com um conjunto de profissionais trabalhar no ambito da aten<;ao basica garantindo a<;oes de preven<;ao e resolutividade dos problemas de saude. 0 Assistente Social trabalha com o social, com as demandas sociais e por se entender que saude nao e somente ausencia de satlde, faz-se imprescindivel que nas equipes de PSF possam estar integradas profissoes que lidam com o social. Neste sentido, entende-se que o profissional de Servi<;o Social tem uma forma<;ao espedfica que lhe confere com propriedade a olhar o social buscando juntamente com os demais profissionais a constru<;ao de praticas vinculadas ao social ampliado p01路que tem na questao social a base de sua funda<;ao como especializa<;ao do trabalho. Assim, pode-se afirmar que o Assistente Social se insere, no interior do processo de trabalho em saude, como agente de intera<;ao entre os diversos niveis do SUS e com as demais politicas sociais setoriais, constatando que o seu principal produto parece ser assegurar - pelos caminhos os mais tortuosos - a integralidade das a<;oes.
Desenvolvimento 0 debate sobre a saude no Brasil teve um avan<;o significativo no que tange a sua constitui<;ao enquanto politica de direito, principalmente, nos marcos da reforma sanitaria e, posteriormente, coma Constitui<;ao Federal de 1988. Nesta perspectiva, o proprio conceito de saude ampliou-se sendo entendida em dimensao politica, economica, ideologica, social, operacional, de prindpios
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e diretrizes. A concep<;ao de saude ganha outra dimensao, deixa de ser vista de maneira abstrata e passa a ser compreendida em seu sentido mais abrangente "considerada como resultante das condi<;5es de alimenta<;ao, habita<;ao, educa<;ao, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terrae acesso a servi<;os de saude" (Bravo, 1996, p. 77). Neste sentido, entende-se que a saude e uma questao social, e ela se configura como tal "quando e percebida e assumida por urn set or da sociedade, que tenta, por algum meio, equaciomi-la, torna-la publica, transforma-la em demanda politica, implicando em tensoes e conflitos sociais" (Wanderley, 2000, p. 59). Isto leva a identificar na pratica profissional que, embora, haja uma propasta de polftica de sat!de baseada nos prindpios da universalidade, integralidade, acessibilidade, entre outros, a pratica dos profissionais tern mostrado dificuldade em perceber que a sat!de nao envolve somente no uso de medicamentos e exames cada vez mais sofisticados e precisos, ou seja, tern-se a dificuldade de desvencilhar-se do modelo biomedico. Nao e raro o relata de usuarios/pacientes que nao sao ouvidos em suas queixas e historia de vida, repleto de elementos que indicam que saude nao e somente ausencia de doen<;a e que a constru<;ao da propria doen<;a esta vinculada aos processos sociais, politicos, economicos. Estas considera<;oes referendam a ideia de que se esta num momento de mudan<;a e de transi<;ao de urn modelo de aten<;ao a saude centrada no modelo biomedico para a implementa<;ao de outro, centrado na prote<;ao e na promo<;ao da saude. A inversao de urn modelo faz parte de urn processo historico lento, gradual, conflituoso que gera resistencias ao novo. Isto reflete diretamente no modo de atua<;ao dos profissionais, dirigentes politicos ou de toda uma comunidade envolvidos corn esta politica. Entende-se que o SUS busca concretizar urn modelo de aten<;ao a saude, pautado em seus prindpios e, nas a<;oes de preven<;ao, promo<;ao e recupera<;ao da saude atraves da vigilancia a sat1de. Isto leva a considerar que a sat1de nao e apenas ausencia de doen<;a e envolve identificar e trabalhar corn os varios fatores que configuram 0 processo saude e doen<;a. Isto exige do profissional, a<;oes que estejam pautadas na defesa da integralidade das a<;oes, na promo<;ao, preven<;ao e recupera<;ao da sat!de e entende-la em seus mais diversos aspectos, nao reduzindo a compreensao da mesma apenas vinculada a dimensao biol6gica. Merhy (1997), ao discutir como se estruturam e se gerenciam os processos de trabalho nos servi<;os de saude, destaca que os profissionais necessitam "modificar o cotidiano do seu modo de operar o trabalho no interior dos servi<;os de sat!de, ou os enormes esfor<;os de reformas macro-estruturais e organizacionais nas quais nos temos metido, nao servirao para quase nada" (p. 72).
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Nesta dire<;ao, a pesquisa que se destaca neste trabalho analisa a articula<;ao da categoria social no contexto das praticas dos profissionais do PSF, que teve como campo de pesquisa o munidpio de Blumenau - Estado de Santa Catarina. A dire<;ao teorica assumida entende a saude como uma das expressoes da questao social, que tern em seu interior dois modelos assistenciais antag6nicos (flexneriano 1 e produ<;ao social da saude 2 ) que buscam efetivar seus prindpios atraves de concep<;oes de saude/doen<;a, da caracteriza<;ao de uma politica e de uma perspectiva do social. Neste contexto, encontram-se inseridos os profissionais de saude efetivando atraves de suas praticas e concep<;oes modelos de saude, corn uma perspectiva para o social. A pesquisa realizada foi de cunho qualitativa, utilizando-se da tecnica da observa<;ao participante, da entrevista nao estruturada e o uso do diario de campo. Foram pesquisadas tres equipes de PSF no munidpio de Blumenau em suas praticas profissionais cotidianas: triagem, visitas domiciliares, grupos tematicos, reunioes de equipe e conselho local de saude. Corn estas praticas objetivou-se identificar o conceito de social dos profissionais; as demandas da popula<;ao trazidas ate a unidade de saude e quais destas sao consideradas como sociais; dos encaminhamentos dados as demandas sociais e na identifica<;ao do(s) profissionais que se ocupam corn estas demandas.
1 Modelo flexneriano se consolida coma paradigma pelas recomenda<;6es do relatorio Flexner, publicado em 1910, pela Fundac;:ao Carnegie, que teve amplo financiamento par parte de fundac;:6es privadas americanas no periodo de 1910 a 1930, cujas principais conclus6es foram: Definic;:ao de padr6es de entrada e ampliac;:ao, para quatro anos, da durac;:ao dos cursos; introduc;:ao do ensino laboratorial; estimulo a doccncia em tempo integral; expansao do ensino clinico, especialmente em hospitais; vinculac;:ao das escolas medicas as universidades; enfase na pesquisa biologica como forma de superar a era empirica do ensino medico; vinculac;:ao da pesquisa ao ensino; estimulo a especializac;:ao medica e controle do exercicio profissional pela profissao organizada (MENDES, 1996, p. 238). 0 paradigma flexneriano esta vinculado ao conceito de saude e doenc;:a como ausencia de doenc;:a e constitui uma ancora que permite sustentar a pratica sanitaria da aten<;ao medica. Dentre algumas caracteristicas que a singularizam, pressup6e a enfase no "mecanicismo, no biologismo, no individualismo, na especializa<;ao, na tecnificac;:ao e curativismo" (MENDES, 1996, p. 238-239). 2 Contrapondo-se ao paradigma flexneriano, Mendes (1996) prop6e a adoc;:ao do paradigma da produc;:ao social da sai1de, cujos fundamentos estao na teoria da produc;:ao social, que partem do pressuposto de que "tudo que existe e produto da a<;ao humana na sociedade, abrangendo desta forma a prodw;:ao de bens e servic;:os econ6micos e nao-econ6micos" (p. 240). A teoria da produc;:ao social busca resgatar a realidade em sua dimensao global e superar o conceito de produ<;ao econ6mica restrita, incorporando coma produc;:6es sociais, a produc;:ao politica, organizativa, ideologico-cultural, cognitiva, etc. A produc;:ao social e entendida como o "agir social de um ator que sup6e o uso de recursos econ6micos, de poder, de conhecimentos e em que essa produ<;ao reverte-se para o ator-produtor coma acumulac;:ao e desacumula<;ao de novos recursos econ6micos, recursos de podet~ valores e conhecimentos" (MENDES, 1996, p. 240).
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Constata-se que discutir o social nao tern sido uma tarefa f<kil, embora surja corn for<;a nos diversos campos do conhecimento e da sociedade. 0 seu aprofundamento ainda e urn desafio. 0 social e uma categoria constitutiva da propria sociedade que perpassa todas as relac;:6es, esta presente em cada ato, contexto ou fato. Neste sentido, nao ha como pensa-lo sem atrela-lo as relac;:6es sociais estabelecidas na sociedade3 â&#x20AC;˘ Porem, o fato do social estar presente em todas estas rela<;6es nao o exclui da possibilidade de ser entendido e conceituado de diversas maneiras. Na pesquisa desenvolvida, duas foram as hip6teses levantadas para a questao do social, ou seja, encontrar-se-ia urn social restrito, caracterizado pela enfase na carencia 4 ou em sua perspectiva ampliada vista sob a enfase do direito 5 â&#x20AC;˘ A partir destas considerac;:6es, igualmente e o desafio da discussao do social no ambito das praticas profissionais e que neste estudo, procura identificar e analisar o conceito de social para os profissionais, o reconhecimento das demandas sociais e suas formas de encaminhamento, bem como o profissional que assume trabalhar corn estas demandas. Ao se destacar, inicialmente, o conceito de social expresso pelos profissionais, constata-se que a concepc;:ao que norteia o entendimento do mesmo, reflete diretamente sobre as praticas desenvolvidas, principalmente, no reconhecimento ou nao das demandas sociais. 0 social enquanto conceito e entendido pelos profissionais como: "problema e caso de dificil soluc;:ao", "problema social que gera angustia", "socialligado a situa<;6es burocraticas". Estes conceitos foram expressos diante de algumas situac;:6es vivenciadas como: conflito familiar, usuario corn tuberculose sem 3
A realidade tem mostrado que o social pode assumir varias configurat;:6es. 0 social pode adquirir carater de justit;:a, igualdade e universalidade. Pode ser identificado como desenvolvimento social, politicas sociais, economia solidaria e resgate das dividas sociais. Muitas vezes, o uso do social tem a conotat;:ao de recursos destinados nos ort;:amentos sociais de governos e empresas, setores sociais atendidos pelas igrejas e por fundat;:6es e "6rgaos especificos que tem por natureza atribuit;:6es nas chamadas areas sociais, tais como conselhos de assistencia social e conselhos tutelares; individuos - os denominados excluidos sociais" (WANDERLEY, 2000, p. 171). 4 Historicamente, o conceito do social e identificado de forma restrita, tendo no economico o seu contrario, representando o eficiente, o enfoque a ser dado na solut;:ao para uma sociedade forte. Esta concept;:ao remete ao entendimento de que o social esta desvinculado da sociedade, pois nao e eficiente, vinculando-se a ideia da carencia. Ribeiro (2000) explicita que o social e a sociedade sao duas categorias que se encontram atualmente separadas uma da outra e no discurso dos governantes e dos economistas, a sociedade veio designar o "conjunto dos que detem o poder economico, ao passo que o social remete, a uma politica que procura minorar a miseria" (p. 19). 5 0 social atrelado a perspectiva do direito esta pautado na defesa de uma sociedade construida na garantia da universalidade dos direitos sociais, na cidadania, na emancipat;:ao humana e no enfrentamento das desigualdades sociais, refort;:ando que o social nao pode ser pensado fora das relat;:6es sociais que se estabelecem, seja na vida cotidiana individual, grupal e de sociedade.
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adesao ao tratamento, mulher separada corn tres filhos e sem renda, familias em precarias condi<;:oes de higiene, violencia domestica, usuarios acamados, negligencia dos filhos, fome e drogas. Mas ao mesmo tempo em que os profissionais identificam as demandas sociais, em muitas situa<;:6es as mesmas nao sao reconhecidas e consequentemente ficam sem encaminhamento ou sao considerados segredos de familia ou das quais nao se deve interferir. Identifica-se, tambem, neste processo, que as demandas expressas pelos usuarios aos profissionais, principalmente 0 medica, refletiam uma dada demanda sociat mas que foi considerada apenas como uma questao de sintoma. Esta pratica revela que a sociabilidade e os componentes coletivos da doen<;:a sao excluidos, influenciando no diagnostico e na conduta profissional ÂŁrente as demandas e queixas dos usuarios. Conseql.ientemente situa<;:oes de conflitos advindos do cotidiano sao captados e tratados como patologias ou doen<;:as mentais. "Ou seja, que problemas familiares e sociais se transformem em problemas estritamente biologicos e atinentes aos atos medicos, de forma tambem exclusiva" (Mendes, 1996, p. 242). 0 destaque dado pelo autor de que os problemas familiares e sociais se transformam em problemas patologicos, pode ser constatada nas praticas profissionais das equipes de saude da familia (ESF) quando houvc i1 VD a familia corn historico de violencia, ou como ja destacado nas situ<1c;:6cs de doen<;:as profissionais em que a pratica profissional se rcstringiu a identific<1r e agir sobre o sintoma. Esta questao leva a questionar a propria rela<;:ao profissional/ usuarios e destaca-se: 0 modelo de atenfiio medica para pobre na arte de curar, seja pela mecanizafiio da relafiiO medico!paciente, pela perda de carisma do medica, pela hostilidade crescente entre midicos e pacientes, pela propria natureza do processo de trabalho em que a diagnose impas-se a terapeutica, pela perda da totalidade do corpo humano e pelo deslocamento do sujeito coma centra e objetivo da medicina (MENDES, 1996, p. 243).
Esta discussao leva a constata<;:ao de que as praticas profissionais ainda estao enraizadas no modelo biomedico/flexneriano. Isto evidencia que as formas organizativas de urn local de trabalho em saude podem mudar, mas as concep<;:6es de saude e de seu modelo vao determinar em que medida os profissionais se vinculam a uma pratica restrita ou ampliada corn o processo saude/ /doen<;:a, incluindo a perspectiva para o social. Estas constata<;:6es levam a questionamentos fundamentais, quando se resgata o conceito de saude e o modelo assistencial que se expressa corn estas praticas profissionais. Entende-se que, a partir do momento, em que o social e urn problema de dificil solu<;:ao, revela-se a propria concep<;:ao restrita de saude, no sentido da
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nao identifica<;ao porque a saude envolve outros determinantes e nao apenas a ausencia de doen<;a. Neste sentido, o conceito de saude e tornado em sua negatividade como ausencia de doen<;a a partir do modelo flexneriano, estruturando-se como "uma resposta social organizada sob a forma da pratica da aten<;ao medica, nos marcos da medicina cientifica" (Mendes, 1996, p. 241). Por isso, concorda-se corn Laurel! (1983), que e preciso avan<;ar de uma explica<;ao biol6gica da doen<;a para a constru<;ao de uma interpreta<;ao do processo saude/doen<;a, tendo como eixo o seu carater social, gerando urn novo conhecimento e novas praticas profissionais. Esta postura oferece a possibilidade de abordar a problematica de sa{tde como fenomeno coletivo e como fato social que tern implica<;oes para a pratica profissional, pois alem de uma interpreta<;ao do processo saude/doen<;a, tambem insere bases sociais que a possam impulsionar e sustentar. Acrescenta-se a esta discussao a necessidade dos profissionais reaprenderem o trabalho, a partir de dinamicas relacionais atraves de diversos conhecimentos, sendo este o espa<;o em que transita nao apenas o mundo "cognitivo, mas a solidariedade profissional e esta presente na boa pratica de interagir saberes e fazeres e pode se mostrar eficaz na constitui<;ao de modelos assistencias centrados no usuario" (Franco e Merhry, 2003). Superar concep<;oes e praticas relacionadas ao modelo biomedico/ flexneriano impoe tambem a constnt<;ao social de uma nova pratica sanitaria, ou seja, a vigilancia da saude amparado no paradigma da produ<;ao social de sa(tde. Neste sentido, as estrategias de interven<;ao da vigilancia da saude estao amparadas na promo<;ao da saude, preven<;ao das enfermidades e acidentes e a aten<;ao curativa, podendo "ser urn instrumento para a constru<;ao de uma nova modalidade de aten<;ao: outra forma de ver a interven<;ao sobre o coletivo e o individual e outras questoes para o saber cientifico sobre a sa{tde e a doen<;a" (Mendes, 1996, p. 244). Constata-se entao, que as praticas profissionais ainda estao centradas em cada especificidade profissional e e a partir delas que se atua e nao diante de uma demanda expressa em sua complexidade que determina que tipo de pratica sera realizado para gar路antir no conjunto das a<;oes e o encaminhamento de uma solu<;ao. Neste sentido, produzir saLtde nao se esgota nas especificidades profissionais, na clfnica, na epidemioJogia Oll somente a vigiJancia a saude, mas na constru<;ao de outros campos de conhecimento competentes que impliquem o processo relacional corn o usuario, a partir de a<;oes acolhedoras, de escutas qualificadas corn responsabilidade perante estas a<;oes, pois tecem os vfnculos sociais. A partir disto: 0 usunrio que chegn no servir;o, portndor de um problenzn de snitde qunlqun; trnz
consigo registros de sun hist6rin pregressn e presente, que fnzem parte dn subjetividnde.
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Um11 11r;iio de smide e{ic11z, necessit11 entende-/11, necessit11 operar sabre o seu territ6rio. Ha situll(;oes em que niio c11be 11 perspectiv11 d11 cum, ou de resolur;iio c/inic11, m11s sim 11 construr;iio de um usunrio que 11dministre melhor o seu proprio sofrimento (FRANCO e MERIIY, 2002, p. 119).
Acrescenta-se a perspectiva de praticas acolhedoras e de vinculo a questao do cuidado, que se operacionaliza a partir de diversos conhecimentos que se articulam em um conjunto de saberes que em rela<;:6es interce<;:oras com o usuario produzindo o cuidado. Resgata-se entao, que a produ<;:ao do cuidado em saude requer o acesso as tecnologias necessarias (duras, leveduras e leves) que devem ser comandadas pelas tecnologias leves, bem como o uso dos diversos conhecimentos que cada profissional de saude detem, "articulando de forma exata seus nt1cleos de competencia espedficos, com a dimensao de cuidador que qualquer profissional de saude detem" (Franco e Merhy, 2003). Constata-se entao, que as demandas consideradas sociais pelos profissionais da ESF, sao trabalhadas de maneira pontual, focat isolada e fragmentadas, pois sao considerados casos e problemas de dificil solw;ao. Este enfoque caracteriza a a<;:ao profissional nao vinculada ao cuidado, a cria<;:ao do vinculo, do acolhimento alem das a<;:6es estarem. centradas no individuo e na supera<;:ao do sintoma/doen<;:a. Isto evidencia que o reconhecimento ou nao de demandas sociais, necessariamente nao efetiva uma pratica vinculada ao social entendido em sua perspectiva ampliada, mas na carencia. A partir da discussao das demandas sociais, as mesmas podem ou nao ser identificadas. Quando identificadas recebem algum tipo de interven<;:ao profissional mesmo que seja o encaminhamento a outros 6rgaos, secretarias ou servi<;:os. Mas, o fato de ser reconhecida e encaminhada, nao significa efetivamente trabalhar com o social. Ha um repasse para outras instancias e tem um cm路ater focal. A saida encontrada pelos profissionais e trabalhar estas demandas buscando amenizar algumas carencias que se evidenciam, nao entendendo que as mesmas estao inseridas num contexto maior de necessidades das quais os usuarios se encontram. Estas a<;:6es focais se operacionalizam em todas as atividades desenvolvidas como triagem, VD, grupos tematicos. Nas situa<;:6es de triagem quando da identifica<;:ao de apenas situa<;:6es de doen<;:as e nas formas de acolhimento vinculadas a figura do medico. Nas VD, quando sao consideradas atividades apenas de acompanhamento e tratamento de doen<;:as, ou quando os profissionais nao entendem como um recurso que possibilita identificar o usuario inserido em seu meio de vida e das rela<;:6es comunitarias. Nos grupos tematicos, quando os mesmos, em sua maioria, nao sao entendidos como uma demanda social potencializadora de educa<;:ao em saude, res-
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tringindo a praticas vinculadas a enfase na doen~a e corn tecnicas que restringern a participa~ao. Isto explicita os conceitos restritos de social destacados por Wanderley (2000) e se rernetido as praticas profissionais evidencia a rnesrna rela~ao porque e entendido corno problerna hist6rico e, p01路tanto, nao e responsabilidade dos profissionais, pois esta atrelado a problemas macro estruturais, justificando que a safda para estas questoes esta no equacionamento dos problemas economicos, politicos e financeiros. Consequentemente as a~oes desenvolvidas acabam sendo focais porque nao ha uma discussao ampliada das a~oes a serem realizadas pelas ESF que deem conta de responder as verdadeiras dernandas colocadas pelos usuarios e comunidade como urn todo, ou seja, usuario-centrada. Para que a perspectiva usuario-centrada seja efetivada ha que se operar urna reestrutura~ao produtiva de saude, implicando na mudan~a do modelo assistencial. Neste sentido Franco e Merhy (2002) destacam: No entendimento que temos, reorganizar a prodw;iio de smlde, significa alterm路 os processos de trabalho, a partir da reinvenr;iio de suas tecnologias. Processos de trabalho que tem coma fonte inumeros campos de saberes e operem de modo multiprofissional, centrados em tecnologias lcves e leve-duras. Rompendo cam o atual modo de prodw;iio da smlde, que se resume a realizaqiio de procedimentos centrados nos profissionais e que utiliza tecnologias mais estruturadas, duras e leve-duras (p. 122).
Ao se preconizar o uso da tecnologia !eve em saude que compreende os vfnculos e acolhirnento corn os usuarios, possibilita que as praticas de acolhimento nao se vinculem apenas a urn profissional como constatado no desenvolvimento das praticas de acolhimento realizadas pelas ESF que se centra na figura do medico e apresentam dificuldades em reconhecer as reais queixas e necessidades dos usuarios. Estas constata~oes evidenciam e refor~am que o atual modelo de assistencia a saude se caracteriza como produtor de procedimentos, visto que a "produ~ao de servi~os se da a partir da clfnica exercida pelo medico o qual utiliza principalmente as tecnologias duras/leveduras" mesmo frente a proposta de modelo de produ~ao social da satlde (Franco e Merhy, 2003). 0 fato dos profissionais desenvolverem praticas de grupo, VD, triagem, grupos tematicos, nao garante que estejam construindo urn novo modelo de sat1de, p01路que ainda se enrafzam nas velhas concep~oes de doen~a e da fragmenta~ao do conhecirnento e das praticas profissionais. Neste sentido, resgatando o conceito do social para os profissionais, constata-se se tratar de uma categoria marginal, pois nao consideram que podem e devem ser trabalhados por eles, mas acabam jogando esta responsabilidade para outros profissionais pautados no discurso e pratica centrados na dificuldade de resolverern os problemas sociais, porque nao tern solu~ao.
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Esta questao evidencia outro ponto importante: a vincula.:;-ao do social ao profissional Assistente Social, pois o mesmo e categorial no sentido em que e espedfico de uma profissao, constatada inclusive nos momentos em que se solicitou a pesquisadora, em fun.:;-ao de sua forma.:;-ao profissional em Servi.:;-o Social, intervir enquanto tal para resolver os casos sociais. Em algumas situa.:;-6es os profissionais faziam questao que a pesquisadora identificasse e confirmasse que as situa.:;-6es caracterizadas como sociais eram de fato sociais. A questao da especificidade do social enquanto vinculada a uma profissao e evidenciada tambem quando se presencia a ansiedade por parte da ESF que possui o profissional de Servi.:;-o Social residente 6 inserido na equipe, trazendo para este profissional a responsabilidade {mica para a solu.:;-ao dos casos e problemas sociais. Para as ESF que nao possuem o profissional de Servi.:;-o Social, as demandas reconhecidas como sociais sao encaminhadas para as assistentes sociais da Secretaria Municipal de Assistencia Social (SEMAS), pois se trata de uma secretaria espedfica que trabalha corn os problemas sociais. 0 profissional que na sua maioria encaminha a esta secretaria e a enfermeira, que necessariamente nao e 0 profissional que identifica as demandas sociais, mas que sao repassadas atraves do ACS. Neste sentido, Machado (2002) destaca que: 0 enfermeiro aparece coma e/ernento articulador da equipe. Ele desempenha imlmeros papCis: e respons!tvel pelo planejamento, pelo atendinzento, pc/a supervisiio dos outros profissionais (auxiliar de enfennagem e ACS) e, na maioria das vezes, pelos cantatas extenws e articulaq8es interinstitucionais (p. 199).
Porem, se existem situa.:;-6es em que o social nao e trabalhado ou encaminhado a outros profissionais ou orgaos, ha demandas em que os profissionais consideram-se aptos a trabalhar, pois envolve identificar usuarios merecedores desta a.:;-ao, caracterizando uma pratica que conduz ao julgamento moral. Exemplifica-se esta situa.:;-ao corn a doa.:;-ao de roupas, que foi identificada por uma enfermeira como uma necessidade social, mas so recebe "ajuda quem merece, quem cuida da roupa e tern casa limpa, quem valoriza o que recebe" (Wiese, 2003). A dificuldade de identificar, compreender e se dispor a trabalhar corn o social, tambem recai na questao da forma.:;-ao, pois tradicionalmente os profissionais sao formados para trabalharem com a doen.:;-a e, conseqiientemente, se trabalha corn 0 social sob enfoque da carencia, porque nao e entendido como um dos determinantes que comp6e a satide.
6 Refere-se ao Assistente Social residente, o profissional que se vincula a Residencia Multiprofissional em Saude da Familia que tem amplitude nacional e visa a formac;ao de profissionais capacitados para o trabalho no PSF.
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Isto contraria as posi~oes defendidas por Piancastelli et all (2000) que entendem que as institui~oes de forma~ao profissional tern conseguido formar profissionais mais preocupados corn aspectos que envolvem a saude e nao apenas corn a doen~a. Concorda-se, corn Ros (2000), que destaca que o fato de se conhecer a complexidade do objeto saude, nao tern garantido que a pratica profissional esteja embasada nesta compreensao, pois ainda os p6los de forma~ao profissional vinculam-se ao modelo biomedico. Estes sao indicativos que os caminhos da forma~ao profissional se caracterizam por num processo gradual, conflituoso na concretiza~ao de novas concep~oes e praticas.
Considera<;oes finais Diante das quest6es e considera~oes pontuadas ao longo deste estudo sobre o social no ambito das praticas profissionais, muito mais que alcan~ar respostas, buscou-se problematizar o objeto de pesquisa, constatando ser uma tematica complexa e que conduz a outros questionamentos. Esta discussao conduz a reafirma~ao da defesa da universalidade, da equidade e da integralidade das a~oes, que busca efetivar a constru~ao de urn novo modelo de saude, atraves do SUS, alem de conter em seus principios elementos essenciais da perspectiva de direito. A universalidade pm路que implica no direito de acesso aos servi~os de sat!de para todos os usuarios; a equidade e a defesa da justi~a pm路que as diferen~as sao consideradas e recebem tratamento igualitario e; na integralidade pautada na percep~ao do usuario como urn todo e integrante de uma comunidade que tern o direito de receber assistencia integral. O'Dwyer e Leite (1997) destacam que o principio que fundamenta o SUS e a sat!de como direito social, que se "coloca como urn direito do povo e clever do Estado, conquistada corn a participa~ao do cicladao, da familia, da sociedade, das empresas e outros setores sociais" (p. 91). Acrescenta-se ainda que alem do direito universal e igualitario estar garantido constitucionalmente, os determinantes das condi~oes de sat!de, articulam dois setores: "o social eo economico. Ultrapassam uma visao de direitos e politica social que tern prevalecido no pais, de pensar esse dominio como o da distribui~ao de bens e servi~os, autonomizando em rela~ao a esfera da produ~ao" (Nogueira, 2002, p. 155). Neste sentido, a reafirma~ao do papel do Estado frente a defesa de uma politica de saude vinculada ao sus e fundamental, para a constru~ao de urn projeto contra hegemonico a 16gica neoliberal que leva a mercantiliza~ao dos servi~os e que se constitui o contraponto do processo de desmonte do Estado no Social.
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0 que se presencia e urn processo de mercantiliza<;ao e privatiza<;ao na saude que tern forte presen<;a de mecanismos mediados pelo mercado, "destinados aos diferentes segmentos sociais, corn uma particulariza<;ao, de direitos, de atendimento que, no ambito do Estado, deveria ter cm路ater universal" (Carvalho, 2002, p. 60). Constata-se entao, que a constru<;ao de praticas profissionais vinculadas ao social na dimensao do direito exige entender que existem no interior da politica de satlde, dois projetos de modelos assistenciais antag6nicos em conflito, que inclui uma perspectiva diferenciada para o social. Isto faz da saude urna questao social que necessita ser explicitada a ponto de abalar a hegemonia e permitir a constru<;ao de urn projeto contra hegem6nico. A partir deste entendimento, defende-se que a proposta que busca concretizar uma perspectiva de direito para a saude que, implica na visao ampliada de social e 0 modelo de produ<;ao social da saude, contrariamente ao modelo flexneriano pautado na logica do mercado, da focaliza<;ao da politica de saude e da carencia para 0 social. Remetendo estas discussoes para o ambito das praticas profissionais, e imprescindivel que os profissionais incorporcm como valor que o social esta presente em todas as rela<;oes, seja na politica de sat1de, cm um dialogo com o usuario, nas demandas que sao atendidas, numa queixa do usuario centrada no sintoma, mas que reflete todo urn contexto social e de vida que marca este sujeito. Isto envolve o desenvolvimento de praticas vinculadas ao acolhimento em seu sentido amplo, organizando a<;oes usuario-centradas, ouvindo e respeitando a opiniao dos usuarios, enfrentar e entender que 0 social nao e apenas um problema de dificil solu<;ao, urn caso, que esta isolado do contexto, mas que exige do conjunto dos profissionais praticas que vinculem as reais necessidades de saude de sua comunidade. Franco e Merhy (2003) destacam esta questao enfatizando que um modelo assistencial centrado no usuario propoe, "um processo de trabalho multiprofissional e determinado por tecnologias leve/leveduras, com a produ<;ao do cuidado, entendido enquanto a<;oes de Acolhimento, Vinculo, Autonomiza<;ao e Resolu<;ao". Para os profissionais isto exigira o entendimento de que o objeto de sua a<;ao e a produ<;ao do cuidado por meio da qual se atinge a cura e a satlde e que todo profissional e um trabalhador da satlde, destacando que: Isto pode ser real, se pensarmos que todo profissional de sm~de, independente do papel que desempenha coma produtor de atos de saude, e sempre wn operndor do cuidado, isto e, sempre atua clinicmnente, e coma tal deveria ser capacitado, pe/o menos, para atuar no terreno especifico das tecnologias /eves, modos de produzir acolhimento, responsabiliza~i5es e vinculos (FRANCO e MERHY, 2003).
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Pensar praticas profissionais vinculadas ao social, na sua perspectiva ampliada, requer a reorganizat;ao do processo de trabalho que supere at;oes e saberes medicos coma centralidade dos modos de fazer assistencia. A proposta deve estar vinculada, a partir da "estrutura assistencial e a partir de equipes multiprofissionais", alem da necessidade de uma "at;ao que reorganize o trabalho do medica e dos outros profissionais, atuando nos seus processos decis6rios que ocorre no ato mesmo da produt;ao de saude" (Franco e Merhy, 2003). Neste sentido, a proposta do PSF, enquanto estrategia de reorganizat;ao da atent;ao basica pode ser o mentor e possibilitador da construt;ao de novos conceitos e praticas que possam garantir efetivamente urn modelo baseado na construt;ao social da sat!de, nao se vinculando a ideia e pratica de saude para pobres, eminentemente focalista e de superat;ao das carencias, mas que sua estrategia podera ser fortalecida e fortalecedora dos principios do SUS. Refort;a-se que as praticas profissionais devem estar atreladas a integralidade das at;oes e reconhecer que os servit;os de atent;ao primaria envolvem at;oes promocionais, preventivas e curativo-reabilitadoras, "providas de forma integrada, por meio da vigilancia da saude, e que as intervent;oes da saude da familia conformam uma totalidade que engloba os sujeitos do sistema e suas inter-relat;oes corn os ambientes natural e social" (Mendes, 1996, p. 278). Neste sentido, a proposta do PSF enquanto estrategia de reorganizat;ao da atent;ao basica e vinculada aos principios do SUS, tambem fica estremecida, uma vez que as at;oes sao focais e atuam na carencia e entao o que se vai construindo e urn PSF para pobres, ou urn PSF que esteja vinculado aos interesses da flexibilizat;ao da satJde. A partir desta concept;ao, as at;oes de satlde e as formas de acolhimento continuarao a serem desenvolvidas centradas na figura do medica, na enfase do conhecimento fragmentado, nas praticas de grupos tematicos entendidos coma espat;o de discussao de doent;a, ou seja, centram-se na velha 16gica de que satlde e ausencia de doent;a. Por isso, ao se entender que sat1de nao e apenas ausencia de doent;a, estes outros olhares possibilitarao num processo coletivo e conjunto, corn os profissionais tradicionalmente formados a trabalhar na area da sat1de, a construir novas praticas profissionais embasadas no real objeto cla sat1de que e o cuidado. 0 indicativo desta sugestao se pauta quando se constata que o social, uma categoria essencial na sat1de, e entendido pelos profissionais coma alga marginal que se reflete nas praticas corn at;oes focais e fragmentadas. A ansiedade dos profissionais, corn relat;ao ao Assistente Social, para trabalhar corn as demandas sociais, tambem, e entendida coma urn indicativo de que os mesmos talvez estejam querendo demonstrar que e necessaria frente a complexidade da realidade social, urn olhar nao centrado na doent;a. Neste sentido, entende-se que o profissional de Servit;o Social tern uma format;ao especffica que !he confere corn propriedade a olhar o social e o direito
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buscando juntamente corn os demais profissionais a constrw;ao de praticas vinculadas ao social ampliado p01路que tern na questao social a base de sua funda<;:ao como especializa<;:ao do trabalho. 0 desafio que se coloca entao para os profissionais de Servi<;:o Social e desenvolver a capacidade de desvelar a "realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir de demandas emergentes no cotidiano. Enfim, ser urn profissional propositivo e nao s6 executivo" (Iamamoto, 1998, p. 27). Costa (2000) constata que a inser<;:ao dos assistentes sociais na satlde e cada vez mais requisitada pelas "instancias de gerenciamento dos servi<;:os de saude, em todos os niveis e apontam para a necessidade da a<;:ao dos profissionais na composi<;:ao das equipes dos servi<;:os publicos de saude" (p. 36). Acrescenta-se ainda que: A objetivar;:ifo do tmbalho do Assistente Social, neste campo da prestar;:ifo dos servir;:os, e composta par uma grande diversidade e volume de tarcfas que evidencimn a capacidade desse profissional para lidar cam uma gama heterogenea de demandas, derivadas da natureza e do modo de organizar;:ifo do trabalho cm sm1dc, bem coma das contradir;:oes intcrnas e extemas ao sistema (Idem, 2000, p. 62).
Assim, pode-se afirmar que o Assistente Social se insere, no interior do processo de trabalho em saude, como agente de intera<;:ao entre os diversos niveis do SUS e corn as demais politicas sociais setoriais, constatando que o seu "principal produto parece ser assegurar- pelos caminhos os mais tortuosos- a integralidade das a<;:oes" (Idem, 2000, p. 62). Enfim, concluindo-se, estes sao alguns aspectos que buscam evidenciar a importancia desta tematica para a realidade na qual se insere a politica de saude e as praticas profissionais. Igualmente as hip6teses levantadas sabre o social foram confirmadas, uma vez que se constatou a existencia do social restrito no ambito das praticas profissionais. Ainda sao urn desafio a constru<;:ao de praticas vinculadas em sua perspectiva de direito. Por isso, sabe-se que as questoes abordadas e aprofundadas nesta pesquisa nao objetivam trazer respostas prontas ou solu<;:oes definitivas, ao contrario, buscam problematizar a tematica e trazer ao olhar de todos os profissionais envolvidos corn a saude a pensar que polltica e praticas sao construidas. A constru<;:ao da discussao do social no ambito das praticas profissionais foi urn desafio constante e quer-se que o mesmo continue a instigar outros profissionais para o mesmo desafio, publicizando estas questoes em busca de caminhos que conduzam a politica de saude de fato para a universalidade, eqi.iidade, integralidade, de direito e que o social em sua perspectiva de direito esteja contemplada.
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PAINEL 4 "ENVELHECIMENTO E QUALIDADE DE VIDA"
QUANDO A SOLIDAO ESTA NO MEIO DA MULTIDAO: 0 PAPEL DOS ASSISTENTES SOCIAlS NO DESENVOLVIMENTO DE ESTRATEGIAS DE ARTICULA(:AO ENTRE AS FAMILIAS E AS INSTITUI(:OES DE ACOLHIMENTO A PESSOAS IDOSAS
Luisa Pimentel Escola Superior de Educa9ilo do Instituto Politecnico de Leiria
0 mote da reflexao ... 0 Conceito de qualidade de vida (que da o mote a reflexao no ambito deste painel) e multidimensional, impreciso e, por isso mesmo, passive! de interpreta<;:6es muito diversas. Ao analisarmos os factores que permitem definir os padroes de qualidade de vida, temos de considerar as suas componentes materiais e objectivas, de quantifica<;:ao e mensura<;:ao relativamente simples, e as suas componentes emocionais e subjectivas, singulares na sua essencia e, por consequencia, dificeis de avaliar. E sobre esta componente subjectiva, alicer<;:ada na inconstancia das emo<;:6es e das percep<;:6es individuais da realidade, que me proponho reflectir. A qualidade de vida na velhice, tal como em qualquer outra etapa da nossa trajectoria de vida, e fortemente influenciada pela forma como interagimos com os outros e pela percep<;:ao que temos do nosso papel nas redes relacionais a que pertencemos ou a que desejariamos pertencer. Nao raras vezes, a institucionaliza<;:ao interfere na configura<;:ao e na dinamica dessas redes, podendo comprometer a inser<;:ao do idoso nas mesmas. Os processos de desvincula<;:ao e de ruptura trazem, frequentemente, a solidao e esta, por sua vez, contribui para uma percep<;:ao negativa da qualidade de vida. Pm路que a solidao e uma constante no discurso das pessoas idosas institucionalizadas, porque esse sentimento decorre, em grande medida, da progressiva ou da subita ausencia das pessoas proximas, e pm路que este e um congresso de Servi<;:o Social, proponho-me reflectir sobre o papel dos assistentes sociais na defini<;:ao de estrategias de articula<;:ao entre as familias e as institui<;:6es que acolhem pessoas idosas. A minha preocupa<;:ao e aproximar a reflexao teorica da pratica profissional, ainda que algumas das propostas que apresento possam parecer desadequadas a certas realidades sociais e institucionais e precisem de ser ajustadas. Que me perdoem os colegas, que estao no terreno e que conhecem melhor as complexidades e as perplexidades da interven<;:ao, pelas pinceladas de idealismo contidas nas minhas palavras.
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Sobre a solidao ... A solidao, apesar de ser altamente influenciada por factores sociais, e uma experiencia essencialmente individual e subjectiva, uma vez que cada urn a sente ao seu modo e !he atribui diferentes significados. Uma pessoa que viva sozinha pode nao experimentar qualquer sentimento de solidao e sentir-se plenamente integrada nas suas redes relacionais; enquanto que outra, que viva corn a familia ou mesmo em institui<;ao, pode sentir-se completamente exclufda de qualquer rede relacional e esquecida pelos que a rodeiam. Assim, a solidao prende-se corn a ausencia, real ou imaginada, de la<;os/vfnculos que ligam as pessoas aos "outros" significativos. Como refere Jose Machado Pais "a solidao traduz-se num desencontro corn o outro, nalguns cas os consigo mesmo." (2006: 19). Numa pesquisa que realizou recentemente (Pais, 2006), o autor apercebeu-se de que as mais inquietantes defini<;6es de solidao chegam dos idosos. Possivelmente pm路que nao havera solidao mais sofrida do que aquela que e por eles vivida. Na sua opiniao, o sentido da vida depende do significado que as pessoas tern umas para as outras. Se nao houvesse a necessidade do outro nao haveria lugar ao isolamento e a solidao, pois ninguem se sente em solidao se nao sente a necessidade da presen<;a do outro. Esta e a face mais insuportavel da solidao vivida por alguns idosos, ao constatarem que deixaram de ter significado para os outros. 0 sentimento de solidao esta, assim, associado aruptura ou fragiliza<;ao dos vinculos sociais. E uma experiencia percebida como desagradavel e negativa, que acontece quando ha urn desequilfbrio entre as rela<;6es socials reais e as rela<;6es sociais desejadas ou quando as redes socials ficam deficitarias ou sao percebidas como deficitarias do ponto de vista quantitativo e qualitativo. "Podemos escolher o isolamento, mas nao escolhemos nunca a solidao, porque esta e sofrimento, sinal de urn desequilfbrio na rela<;ao organismo/meio." (Pitaud, 2004:50) Essas rupturas e a falta de oportunidades de interac<;ao que daf decorre, podem estar relacionadas, entre outros, corn: factores objectivos e/ou materiais como a distancia geografica que separa as pessoas de potenciais espa<;os e agentes de interac<;ao, factor de extrema relevancia para os idosos que residem em zonas desertificadas; os problemas de sat1de e as dificuldades de mobilidade, que impossibilitam as pessoas de sair de casa e, logo, reduzem as suas possibilidades de interac<;ao; ou os baixos rendimentos, que inviabilizam o acesso a bens e servi<;os que facilitariam a integra<;ao social (dificuldade de realizar viagens, de aceder a espa<;os culturais, etc.). - factores sociais e relacionals como os conflitos com pessoas da familia ou corn amigos, que propiciam o distanciamento afectivo; o afastamento
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do mercado de trabalho (reforma), que esta, muito frequentemente, ligado a uma diminui<;iio substancial da rede de rela<;6es e das oportunidades de convivio; a perda de pessoas pr6ximas, muito comum nesta etapa da traject6ria de vida; entre muitos outros factores. Mas nao e facto de estarmos em espa<;os muito povoados que nos faz sentir menos s6s. E necessario que as pessoas que nos rodeiam sejam significativas, que se tenham criado afinidades mutuas, e e necessario que os espa<;os de vida nos sejam familiares, reconhecidos como nossos. 0 recurso aos equipamentos sociais pode ser uma forma de atenuar os efeitos do isolamento, nomeadamente a falta de seguran<;a, de cuidados ou de convivio, contudo, nem sempre contribui para a diminui<;ao do sentimento de solidao, podendo ate acentua-lo. 0 facto das pessoas sairem dos contextos de vida que lhe sao familiares leva a rupturas que podem ser dramaticas. Convem nao ignorar que, para alem dos la<;os interpessoais, tambem se criam la<;os corn os objectos e corn os espa<;os, sendo que alguns nos dao conforto e garantem a continuidade e a estabilidade tao essenciais ao bem-estar individual. Por outro lado, para o idoso, a institucionaliza<;ao pode representar a rejei<;ao e o descomprometimento da familia, fazendo-o sentir-se indesejado e agravando o sentimento de abandono.
Sobre a institucionaliza<;ao ... 0 fen6meno do envelhecimento demografico coloca as sociedades ocidentais perante urn conjunto de dilemas de dificil resolu<;ao. Face as actuais condi<;6es sociais, econ6micas e culturais, a institucionaliza<;iio surge para muitas pessoas idosas e para as suas familias como uma inevitabilidade. Mas sera que a institucionaliza<;iio se constitui sempre como uma boa solu<;ao para a resolu<;iio dos problemas identificados? Ate que ponto esta op<;iio podera contribuir para excluir as pessoas idosas dos contextos sociais em que se movimentavam? Quais as estrategias que os profissionais sociais podem adoptar para compreender esta realidade e para evitar ou diminuir possiveis processos de exclusao e de isolamento social? Qual o papel que a articula<;ao corn as familias assume na interven<;ao dos profissionais?
Face
a crescente procura das institui<;oes de acolhimento, o que fazer?
Por muito que as institui<;oes que acolhem pessoas idosas tenham evoluido qualitativamente, por muito que queiramos contrariar as imagens depreciativas
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que路 se enraizaram no senso comum, inventando novos nomes para os equipamentos existentes, a institucionalizac;:ao sera sempre urn processo complexo e ambivalente, que resulta de escolhas dificeis e que, corn alguma frequencia, compromete as relac;:6es sociais e os sentimentos de pertenc;:a. E inegavel que muitas pessoas encontram nos Lares a resposta para muitos dos seus problemas: desfrutam do conforto que nunca tiveram, usufruem de cuidados que nao teriam ao permanecer em casa, sentem a seguranc;:a de urn acompanhamento especializado e contfnuo, mas tambem sao muitos os que, a par de tudo isto, sentem que foram arrancados das suas vidas e coagidos a aceitar urn destino que nao escolheram, mas que lhes e apresentado como a {mica alternativa. Entao, face a uma realidade que nos mostra que muitas famflias continuarao a recorrer aos lares para assegurarem os cuidados aos seus elementos mais idosos, ha que analisar cada situac;:ao corn responsabilidade e humanidade e intcrvir de forma a minimizar os seus efeitos negativos. Para tal, e imperioso que consideremos dois pressupostos:
- 0 primeiro prende-se corn o que acabei de referir e reforc;:a a ideia de que a institucionalizac;:ao e, quase sempre, urn processo complexo e constrangedor para as pessoas nele envolvidas e que, assim sendo, os varios agentes institucionais tern de dar toda a atenc;:ao a pessoa que e acolhida e aos seus familiares. 0 internamento nao pode ser encarado de animo !eve, como se de urn banal acontecimento de vida se tratasse. Desta forma, o acolhimento deve ser planeado e conduzido corn muito cuidado e nunca deixado ao acaso ou nas maos de pessoas que nao tern qualquer tipo de formac;:ao ou sensibilidade para o assunto. E importante que a tarefa de "acolher o idoso" seja marcada na agenda dos tecnicos como urn compromisso importante, ao qual nao devem faltar e para o qual devem reservar urn "tempo de qualidade". Acolher nao se pode limitar a assinatura de urn conjunto de documentos ou a explicar todos os procedimentos, regras e normas que devem ser respeitados por ambas as partes; acolher tern de ser urn tempo dedicado especialmente ao idoso. Urn tempo para o ouvir, para esclarecer as suas d{lvidas, para o acompanhar e para estar atento as suas manifestac;:6es mais subtis. 0 segundo pressuposto e 0 de que 0 papel da familia e dos amigos e fundamental para que o processo de adaptac;:ao e de integrac;:ao se fac;:a sem riscos para o bem-estar e para o equilibrio do idoso. Esta premissa pressup6e que se desenvolva urn trabalho de articulac;:ao corn as pessoas que fazem parte do universo relacional do idoso de modo a que as teias nao se rompam definitivamente.
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Entao, o que e preciso analisar seriamente para perceber a escassez de envolvimento das familias e para estimular a sua presen~a nas institui~6es? - Conhecer bem as familias e tentar identificar as limita<;oes que enfrentam para dedicar tempo ao seu idoso, os factores de resistencia ao seu envolvimento ea importancia que atribuem ao mesmo. As pessoas nao se afastam necessariamente porque querem, por vezes, e dificil conciliar as exigencias e as solicita<;oes presentes em todas as esferas em que se movimentam e precisam que sejam criadas as condit;oes para que venham a instituit;ao; Conhecer bem o idoso e o seu percurso de vida para compreender a importancia que este atribui a relat;ao com a familia, para conhecer os contornos das interact;oes, as cumplicidades e os possiveis focos de conflitualidade. Nem sempre a ausencia da familia se deve a falta de interesse ou a desumanidade dos seus elementos, por vezes, existem episodios na trajectoria comum que justificam ou ajudam a entender esse afastamento; Conhecer bem a instituit;ao e os factores que podem potenciar ou dificultar o envolvin1ento das familias, pois nem sempre as instituit;oes estao receptivas a presen<;a das mesmas ou desenvolvem as estrah~gias necessaxias a estimulat;ao dessa present;a.
E, pm路tanto, necessaria fazer um estudo cuidadoso que conduza a elaborat;ao de um bom diagnostico da situat;ao, para, em funt;ao da especificidade e da singularidade de cada trajectoria individual e de cada dinamica familiar, se possam delinear estrategias de intervent;ao. Que estrategias de
interven~ao
podem ser implementadas? 1
Uma das funt;oes essenciais dos assistentes sociais, em sociedades que se alicer<;am em teias de relat;6es cada vez mais rarefeitas, e a de prevenir processos de desvinculat;ao e de reconstruir/restabelecer vinculos sociais. 0 nosso trabalho perderia algum sentido se as redes sociais e familiares tivessem capacidade, em auto-regula<;:ao, de ultrapassar todas as suas tensoes e aglutinar todos os seus elementos em ton1o de causas comuns que, ainda assim, respeitassem as vontades e as necessidades individuais. Mas, em grande parte dos
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Este e um mero exercicio de reflexao que nao pretende ser exaustivo e que nao decorre de qualquer estudo empirico sobre a realidade social. E ainda um exercicio que nao ignora os esfon;os feitos pelos tecnicos sociais no seu quotidiano profissional e que reconhece as limita<;:oes que se colocam a prossecw;ao de algumas das ideias apresentadas.
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casos, nao e isso que acontece. As tens6es sao diffceis de gerir, os interesses dos varios intervenientes sao muito diversos, os antagonismos podem ser impeditivos do dialogo e os consensos sao diffceis de alcant;:ar. E no reconhecimento de que esta incapacidade das redes para encontrarem formas de resolut;:ao dos seus problemas se reflecte no bem-estar dos mais velhos, que a intervent;:ao dos tecnicos sociais ganha sentido. Esta intervent;:ao pode estruturar-se em torno de varias estrategias:
- Estrategias de informa~Zio e sensibiliza~Zio sobre o impacto que a opt;:ao da institucionalizat;:ao pode ter para o bem-estar psicol6gico e emocional do individuo, uma vez que nem sempre os familiares e os amigos estao atentos ou despertos para as reais implicat;:6es deste acontecimento. E necessaria levar as pessoas a pensar sobre o assunto e alerta-las para a essencialidade da sua present;:a e da manutent;:ao ou refort;:o dos lat;:os existentes. - Estrategias de negocia~Zio que permitam delinear modalidades de articulat;:ao entre as familias e a instituit;:ao. Cada familia tern os seus recursos, as suas dificuldades, as suas "manhas" e e preciso saber quem esta disponivel para fazer urn maior acompanhamento ao idoso. Este e, talvez, urn dos trabalhos mais demorados e mais dificeis de concretizar, pois implica conhecer bem a rede familiar, entrar em contacto corn os seus varios elementos e facilitar a articulat;:ao entre eles. Passa por ajudar as pessoas a reflectir sobre a sua vontade e sobre as suas possibilidades de envolvimento no quotidiano do idoso (sem emitir juizos valorativos acerca das posit;:6es assumidas), por ajudar a identificar constrangimentos e a potenciar recursos, por atenuar a sobrecarga de alguns elementos da rede e a desmobilizat;:ao dos restantes, por mobilizar sinergias no sentido de uma partilha de responsabilidades. - Estrategias de sedu~Zio que lembrem a familia e aos amigos que sao fundamentais na vida do idoso e que a instituit;:ao esta receptiva a sua present;:a. Podemos estimular o idoso a presentear as pessoas mais pr6ximas corn pequenas lembrant;:as, enviar convites personalizados, criativos e apelativos para as festas e datas especiais, enviar postais de Natal ou de aniversario, entre outros ... - Estrategias de facilita~Zio que promovam a vinda das familias a instituit;:ao e criem condit;:6es para que estas se sintam confortaveis e bem acolhidas. E importante ter urn horario de visitas o mais alargado possivet espat;:os acolhedores e apraziveis, onde as pessoas se sintam confortaveis e possam conversar corn alguma privacidade. E necessaria, tambem, facilitar os contactos por todos os meios: telefone, carta, internet ...
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Quando a solidao esta no meio da multidao: o papel dos assistentes sociais ... , p. 241-249
Estrategias de confrontafiiD, quando todas as outras falharam e os tecnicos se apercebem que os familiares se afastam e se desinteressam. Nao falo de uma confronta<;ao hostil e culpabilizadora, mas e sempre possivel telefonar para lembrar que ja nao vem ha algum tempo, alertando para as implica<;6es negativas da sua ausencia.
Nota conclusiva Havera sempre idosos largados e esquecidos nas institui<;6cs; havera sempre familias que nao estao receptivas aos nossos esfor<;os e as nossas propostas; havera sempre institui<;6es que nao cumprem o seu dever de acolher e apoiar, respeitando a dignidade do individuo; havera sempre dirigentes que nao reconhecem a importancia do trabalho de acolhimento e de acompanhamento das pessoas que residem nos lares; havera sempre profissionais que nao assumem que trabalham corn pessoas que vivem situa<;6es de vulnerabilidade e de fragilidade, porque vem a sua autonomia e a sua capacidade de decisao comprometidas ou pm路que perderam as referencias que os orientaram ao longo da vida. As dificuldades estarao sempre presentes no quotidiano de quem se prop6e fazer urn trabalho de qualidade, e, por isso, nao deverao ser desculpa para baixar os bra<;os e nada fazer, corn o argumento de que mais ninguem se preocupa ou de que e tao mais facil manter tudo como esta. Enquanto profissionais responsaveis e conscienciosos devemos estudar cada situa<;ao corn a aten<;ao que merece e desenhar estrategias que permitam atenuar o isolamento das pessoas que vivem nos lares. Conhecedores dos obstaculos e dos entraves mais facilmente os conseguirem ultrapassar ou, pelo menos, minimizar. Como dizia o poeta:
"(. .. ) Pedras no caminho? ... GuaJ-do-as todas, um dia vou construir um castelo ... " fERNANDO PESSOA
Bibliografia citada PAIS, Jose Machado (2006), Nos rastos da solidao. Deambula<;oes sociol6gicas, Porto: A.mbar. PITAUD, Philippe (2004), "Acerca dos lac;os sociais. Reflexao sobre o isolamento c solidao entre os idosos", Futurando nQ 11112113, pp. 45-55.
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VIVER COM QUALIDADE NUMA SOCIEDADE EM MUDAN<;A
Gl6ria Ferreira UL- ISSS
lntrodu~ao
Este artigo pretende apresentar alguns dos resultados obtidos numa pesquisa, efectuada no ambito de rnestrado ern servi<;:o social, subordinada ao terna - Combater o isolamento promover a inclusao, anirna<;:ao e qualidade de vida para idosos institucionalizados. Consideramos que envelhecer e urn processo rnuitas vezes delicado e doloroso, se as politicas sociais nao perrnitern que o idoso disponha de urn conjunto de respostas sociais satisfat6rias que lhes proporcione algum bern-estar e qualidade de vida. As teorias do envelhecirnento defendern que o idoso deve rnanter-se activo, deve ser respeitado nos seus habitos de vida e preferencias e que se deve cultivar a inser<;:ao social. Desta forma, pesquisarnos se para os idosos seria irnportante participarern nos prograrnas de ocupa<;:ao e se os rnesrnos contribuiarn para o cornbate a solidao, prornoviarn a inclusao e favoreciarn a qualidade de vida. No decorrer deste artigo encontrarn-se alguns resultados que ernergirarn das respostas obtidas e que nos parecern oferecer urn aurnento da qualidade de vida e de bern - estar pessoal, no que considerarnos ser a ultima etapa das suas vidas. Tal estudo, salienta a irnportancia do Servi<;:o Social e o papel que os Assistentes Sociais devern desernpenhar, corno prornotores de urna dinarnica institucional, que seja geradora de qualidade de vida e va de encontro as necessidades e interesses dos seus clientes.
Sobre a pesquisa Nos EUA, a partir dos anos 40, e na Europa, a partir dos anos 60, ernergern as preocupa<;:6es no carnpo politico e social, corn servi<;:os dirigidos para a Terceira Idade, (Vaz, 1988). Ern Portugal, nos anos 50, dao-se os prirneiros passos no carnpo da geriatria e, a partir de 1974, as politicas para a Terceira Idade sofrern urn irnpulso integrando-se no sisterna de proteq:ao social, inspirado no rnodelo europeu. Os diversos equiparnentos, corno os lares e centros de dia, rnultiplicarn-se para atender as diferentes necessidades dos seus clientes. Os lares ficarn rnais dirigidos para idosos corn grandes necessidades e dependencias, para os que vivern s6s ou nao tern familia; os centros de dia dirigern-se para os idosos que ainda estao no uso das suas faculdades e disp6ern de rnobilidade
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suficiente para garantir a sua autonomia ffsica. Sao estes idosos, institucionalizados nos lares e centros de dia, o objecto do nosso estudo. - 0 que representara para eles a expressao "Qualidade de Vida?". - 0 que sera para urn idoso, afastado do seu meio naturat da sua familia, da sua comunidade, uma vida corn qualidade? Do conjunto das nossas interroga<;:6es anteriores, emerge naturalmente a questao de partida: "Em que medida a animafiio sociocultural podera contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos idosos institucionalizados?" No universo dos idosos institucionalizados optamos por quatro institui<;:6es de solidariedade sociat situadas geograficamente em ambientes urbana, semi-urbana e rurat na regiao da grande Lisboa e no Baixo Alentejo, concelho de Odemira: Lar e Centra de Dia Padre Dehon, em Linda-a-Velha, Oeiras, (meio urbana); lar de Colos, (meio rural), e lar e centra de dia de Odemira, (meio urbana), ambos da Santa Casa da Misericordia de Odemira; lar e centra de dia da Associa<;:ao D. Ana Pacheco, em Saboia, (meio semi-urbana), Odemira; e lar e centra de dia da Associa<;:ao de Reformados, Pensionistas e Idosos da freguesia de Sao Teotonio, (meio semi-urbana), Odemira. Escolheu-se uma amostra corn 50 elementos a partir destas institui<;:6es: 8 utentes de Sao Teotonio, 5 de Saboia, 20 de Oeiras e 17 dos lares da Santa Casa da Misericordia de Odemira, perfazendo urn total de 19 homens e 31 mulheres, ja que as mulheres se encontram institucionalizadas em maior numero que os homens. 0 criteria de escolha envolveu apenas a boa sat1de mentat mas foi alea-torio em cada institui<;:ao, garantindo-se a representatividade e qualidade da amostra. Assim foi possivel verificar as influencias do sexo, da idade e da escolaridade no conceito de qualidade de vida para estes idosos, extrapolando depois os resultados para o conjunto dos idosos institucionalizados em lares e centros de dia. A investiga<;:ao tinha como principais objectivos: Analisar os processos da Anima<;:ao Sociocultural na promo<;:ao da Qualidade de Vida dos idosos e identificar estrategias metodologicas de ac<;:ao do Servi<;:o Social; Analisar o significado de "qualidade de vida" para os idosos institucionalizados; Identificar os indicadores de qualidade de vida para estes idosos; Analisar o impacto que as inter-rela<;:6es da 1ASC Idosos- QDV tern nas metodologias da interven<;:ao do Servi<;:o Social.
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(ASC), Anima<;iio Sociocultual; (QDV), Qualidade de Vida.
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0 processo de envelhecimento
Os valores As sociedades humanas organizam-se em volta de certos conjuntos de valores que traduzem os seus desejos de bem-estar e de felicidade. Tais conjuntos de valores, caracterizando as culturas, nao sao universais, mas isso nao impede que haja valores universais. E o caso da vida e da dignidade humana. No modelo de organiza<;ao das sociedades ocidentais, cujos valores sao controlados pela religiao, pela politica e pelo tecido empresarial, podemos destacar o valor da vida, a dignidade humana eo direito ao 6cio.
A vida e a dignidade humana A vida e o primeiro dos valores nas sociedades humanas, razao porque a sua defesa e importante, e necessaria e e incontornavel. Por esse facto a grande maioria dos paises aboliu a pena de morte das suas praticas judiciais. Mesmo quando se tira a vida a uma pessoa, seja qual for a causa, esta-se afirmando a vida como o valor mais importante do Homem. Os desejos de bem-estar e de felicidade que enformam os valores, sao afinal os suportes para se poder viver com dignidade. Deste modo a dignidade humana nao pode limitar-se a patamares de idade, mas estende-se desde o ber<;o ao leito final. Tao digno e o recem-nascido, como o jovem, como adulto e como o mais velho. Todos sao humanos. E neste entendimento que a Lei condena quem comete crime de morte, seja a vitima jovem ou de muita idade; que condena a tempo de prisao quem atenta contra a dignidade pessoal de cada um, novo ou mais velho. Todos somos iguais no que respeita a estes direitos. Nesta perspectiva, colocam-se algumas interroga<;6es: como cuidar dos mais idosos de modo a garantir-lhes a vida e a dignidade a que tem direito? Como proporcionar-lhes uma vida com qualidade? Como lidar com a quebra do equilibrio entre jovens e velhos 2, sendo que cada vez ha menos jovens e cada vez ha mais pessoas muito idosas? Numa sociedade em transforma<;ao como virao a ser encarados os mais velhos, uma vez que sao fonte de grandes preocupa<;6es morais e econ6micas?
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Quando nos referimos as pessoas de mais idade, oscilamos entre o uso das designac;oes de velho, idoso, senior, veterano, receando atingir a pessoa na sua dignidade. Chegamos a dizer que idoso e pessoa com muita idade e que velho e pessoa senil. Neste trabalho usamos indiferentemente os termos velho e idoso, com o seu significado de pessoa que ja viveu muitos anos. 0 seu significado situa-se na escala: crian.;:a, jovem, adulto e velho.
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A quebra de valores tradicionais e a emergencia de outros valores transformam a sociedade e sao causa da convivencia de paradoxos quase intransponiveis. Por exemplo, enquanto por urn !ado continua-se a defender a vida, pelo outro evita-se a vida corn o controlo da natalidade ou o aborto; enquanto por urn !ado se aboliu e condenou a escravatura, pelo outro criam-se novos modelos de escravos, os dependentes de terceiros; enquanto por urn !ado afirmamos que todos sao iguais e se proclamam as virtudes da democracia, pelo outro cada urn se torna mais egoista, nada mais existindo que o seu Eu e os seus interesses. Parece que existe uma necessidade inconsciente de todos procurarem a mesma polariza<;:ao, sem reparar que polos iguais se repelem constantemente. Dai que os valores da sociedade sejam debeis e sistematicamente substituidos.
0 direito ao 6cio 0 6cio que aqui defendemos nao se confunde corn a pregui<;:a ou corn a indolencia. De modo mais positivo, ele significa descanso, repouso ou recreio e podera ser orientado de modo a poder-se atingir urn desenvolvimento harmonioso de todas as faculdades, nao deixando de ter em conta a idade de cada urn. Ja na Lei Moisaica, corn alguns milhares de anos, se defendia o repouso, nao como urn direito mas como urn dever: "Considerai que ]ave vas impos o repouso" (Ex. 16, 29). 0 lazer e p01路tanto indispensavel para que se viva corn satisfa<;:ao. ]unto corn a vida e corn a dignidade da pessoa humana, e urn valor de extraordinaria importancia. 0 6cio envolve varios aspectos importantes da vida, podendo ser repouso ou actividade. Repouso ou actividade, o lazer e indispensavel ao equilibrio do organismo, qualquer que seja a idade. 0 desenvolvimento das actividades de anima<;:ao sociocultural tern como ponto de partida esta necessidade de equilibrio. Se o direito ao ocio se nos apresenta como urn valor importante na nossa sociedade, ele e naturalmente extensivo a todos os escaloes etarios, e extensivo tambem aos mais idosos. Falar do envelhecimento e dos cuidados necessarios nesta fase da vida, e por urn !ado, dizer quase o 6bvio e por outro, enumerar urn conjunto de meios que de todo nao estao presentes na nossa sociedade. A Psicogeriatria e so uma face do problema porque embora nao sendo restritiva e redutora, engloba uma popula<;:ao que adoece, mas deixa de fora necessariamente uma fatia da popula<;:ao que sofre, contudo, nao a podemos considerar doente: os abandonados pela familia, os carentes de meios, os afectados por doen<;:a organica e todos os outros cujo denominador comum e a ma qualidade de vida. Sao cidadaos que muitas vezes vao ao medico, consomem cuidados de saude mas e outra a sua patologia e a necessidade de ajuda poe-se a outro nivel. Estao desmoralizados, as vezes deprimidos, mas a medicina nao tern respastas para aliviar o estado de espirito resultante deste tipo de situa<;:6es.
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Os idosos e toda a complexidade de vida desta popula<;:ao carece de uma abordagem diferente, que estrategicamente permita prevenir o adoecer, mobilize as pessoas para uma vida saudavel, disponibilize meios e recursos para actuarem antes do eclodir das situa<;:6es disfuncionais, articule politicas e actores dos varios departamentos de ac<;:ao social, de modo a facilitar a vida e a ultrapassar as dificuldades deste grupo social. Segundo, Ant6nio Reis Marques, e necessaria retomar a ideia de um plano estrategico para a geriatria - Plana Geriatrico Nacional - possibilitando a anima<;:ao, funcionalidade e saude dos idosos, dando-lhe oportunidades para levarem uma vida agradavel, prevenir-Jhe o mais passive! as patologias e abrindo as portas dos "armazens" em que muitos se encontram. E evidente que um plana deste tipo nao e nenhuma "varinha magica", nao vai concerteza responder a todas as necessidades, nem evitar alguns problemas espedficos desta idade, mas permite dar aos idosos actividade fisica, retira-los do isolamento, facilitar-lhes as rela<;:6es interpessoais, tornar o acesso aos cuidados de saude mais facil, melhorar o relacionamento do idoso com muitas das institui<;:6es vocacionadas para o seu auxilio. Sem esta previa ac<;:ao sociocultural nao e possivel dar dignidade a existencia na 3." idade, pelo que toda a geriatria fica desvirtuada e imputada de eficacia na sua ac<;:ao. 0 Envelhecimento e um processo universal, inerente a todos os seres vivos (Aiken, 1995). Varios autores dividiram o processo de envelhecimento em tres componentes, sendo o primeiro o processo de envelhecimento biol6gico, resultante da crescente vulnerabilidade e maior probabilidade de morrer, o segundo o envelhecimento social, em rela<;:ao aos papeis sociais adaptados as expectativas da sociedade, e o terceiro o envelhecimento psicol6gico, definido pela autoregula<;:ao do individuo a nivel da tomada de decis6es e opini6es. Estes tres componentes do envelhecimento tem uma influencia decisiva no comportamento do ldoso. Ao longo do processo de envelhecimento, as capacidades de adapta<;:ao do ser humano vao diminuindo, tornando-o cada vez mais sensivel ao meio ambiente que, consoante as restri<;:6es implicitas ao funcionamento do idoso, pode ser um elemento facilitador ou um obstaculo para a sua vida. Com o declinio progressivo das suas capacidades fisicas, e tambem devido ao impacto do envelhecimento, o idoso vai alterando os seus habitos e retinas diarias, substituindo-os por ocupa<;:6es e actividades que exijam um menor grau de actividade. Esta diminui<;:ao da actividade, ou mesmo inactividade, pode acarretar serias consequencias, tais como redu<;:ao da capacidade de concentra<;:ao, reac<;:ao e coordena<;:ao que, por sua vez, podem provocar processos de auto-desvaloriza<;:ao, diminui<;:ao da auto-estima, apatia, desmotiva<;:ao, solidao e isolamento social.
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0 Assistente Social deve ter como objectivo ajudar o idoso a encarar o seu envelhecimento como urn processo natural, de forma positiva e adequada, e a reconhecer a necessidade da manuten<;:ao das actividades fisicas e mentais ap6s os 65 anos (idade a partir da qual se considera que o individuo entra na Terceira Idade) (Morgenstern, 1992). No interior da grande maioria dos Lares para idosos, a vida destes e bastante pobre no que respeita a acontecimentos de vida, pelo que uma das fun<;:6es do Assistente Social, em coopera<;:ao corn os animadores ou terapeutas ocupacionais, passara pela elabora<;:ao de programas de interven<;:ao corn o objectivo de melhorar a qualidade de vida dos idosos institucionalizados (Ribeiro e Felgueiras, 1995). A mesma qualidade de vida pode ainda ser mais explicita se o Assistente Social organizar actividades de anima<;:ao social, no sentido de manter ou ate mesmo melhorar as capacidades fisicas e mentais do idoso. Ao nivel da anima<;:ao social para idosos institucionalizados, podem ser desenvolvidos diversos tipos de actividades, como por exemplo exercicio fisico ligeiro, sess6es de leitura de contos e poemas, visionamento de filmes e posterior discussao sobre os mesmos, sess6es de discussao de temas propostos, actividades de trabalhos manuais como corte e colagem, bordados, rendas e tape<;:aria, corn posterior exposi<;:ao dos trabalhos realizados, culinaria, passeios ao ar livre, visitas a museus, idas ao teatro, passeios ao ar livre, etc. 0 Assistente Social deve tambem ter em aten<;:ao os idosos que se encontrem acamados na Institui<;:ao, e desenvolver algumas actividades em que os mesmos possam participar. Esta nao e uma tarefa facil mas, por exemplo, pode ser elaborado um "Jornal da Institui<;:ao", corn hist6rias, poemas, ÂŁrases, ditados populares, anedotas e receitas, recolhidas junto dos idosos, acamados ou nao. 0 jornal pode tambem ter urn espa<;:o destinado a uma breve apresenta<;:ao de novos utentes da Institui<;:ao, datas de aniversario, calendario das actividades a desenvolver, sugest6es, enfim ... Antes da passagem a pratica das diversas actividades acima descritas, ou outras que se revelem adequadas a situa<;:ao, e fundamental que proceda a um diagn6stico sobre a capacidade psicol6gica e fisica de cada urn dos individuos, no sentido de perceber quais as necessidades reais de cada idoso relativamente a cada uma das actividades propostas. Outro aspecto fundamental eo de que as actividades de anima<;:ao devem ser realizadas corn o maior numero possivel de participantes, pelo que se deve tambem fazer um estudo sobre quais as actividades que mais agradam aos utentes da Institui<;:ao e, logo, aquelas em que eles se sentem mais motivados a participar. Urn terceiro aspecto a considerar e a propria disponibilidade da Institui<;:ao, bem como se a mesma tem capacidade em termos de espa<;:o fisico para realiza<;:ao das actividades.
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0 Modelo Triangular "ASC-IDOSO-QDV" 0 valor da vida permanece em rela<;ao aos mais idosos, qualquer que seja o seu estado de saude e de independencia. Consequentemente os mais idosos tem direitos que devem ser respeitados. Foram eles que, antes, desenvolveram e fizeram prosperar a sociedade em que vivem pelo que nao sera. aceitavel o seu abandono no fim das suas vidas. Manter a vida do idoso parece ser relativamente facil, ainda que possa ser onerosa. As institui<;oes de solidariedade social estao preparadas para lhes proporcionar alimenta<;ao racional, os cuidados de higiene necessarios, para os rodear de um mfnimo de conforto e para lhes facultarem os cuidados de saude necessarios. Isso e imprescindfvel para a sua qualidade de vida, mas nao basta. Ha outras necessidades, indispensaveis, que tem de ser satisfeitas: a de comunicar, de recreio, de agir, de ocupar-se, de aprender e essas necessidades podem ser saciadas atraves da anima<;ao sociocultural. Encontramo-nos assim ante uma trindade de ac<;ao: a Anima<;ao Sociocultural (ASC), o Idoso e a Qualidade de Vida (QDV). Quais as interac<;oes que se estabelecem neste modelo?
IDOSO
ASC
QDV
Modelo triangular ASC-IDOSO-QDV
A Qualidade de Vida Em 1964 o Presidente dos Estados Unidos, Lyndon Johnson, afirmou que os objectivos niio podem ser medidos atraves dos balanr;os dos bancos, mas atraves da qualidade de vida que proporcionam as pessoas. Usava-se assim, pela primeira vez, a expressao de qualidade de vida. Pode dizer-se, portanto, que a expressao qualidade de vida tem rafzes no contexto polftico (Fleck, 1999a; Noli, 2000). Historicamente e a partir dos anos 60 do sec. XX que a expressao de QDV (Qualidade de Vida) passa a ter urn uso cada vez mais frequente, enquanto termo cientffico, embora o conceito seja ainda ambfguo, por falta de uma defini<;ao precisa (Wolfensberger, 1994). 0 conceito de qualidade de vida e subjectivo, baseando-se em
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percepr;oes pessoais sabre smlde e bem-estm~ sendo de realr;ar que cada individuo tem uma ideia diferente acerca dos factores que para ela contribuem e lhes atribui uma importancia diferente (Bowling, 1997). 0 conceito de qualidade de vida e vago, leva a concepr;oes subjectivas e conflituantes devido a vida humana ser complexa, e ao potencial das pessoas para se auto-realizarem ser variavel. (Nahas, 1994). Para uma boa saude e qualidade de vida, ha ainda que considerar a inser<;:ao e a integra<;:ao do homem no seu meio social e ambiental. Para que isso ocorra e necessaria criar condir;oes que favorer;am o desenvolvimento de todas as potencialidades humanas e a sua interacr;iio com ozttros seres, atraves das diversas formas de relar:;iio social, alem dos processes de preservar:;iio, regenerar:;iio e revitalizar;iio dos recursos naturais e dos ecossistemas. (SQV - Saude e Qualidade de Vida). Verificamos, assim, que a qualidade de vida nao tern uma defini<;:ao universal. Ela depende de muitos factores como: o habitat, a cultura, o sexo, a idade, o contexto em que e estudada. Houve portanto a necessidade de procurar saber qual o conceito medio de QDV, junto dos idosos institucionalizados. Adoptamos, como ponto de partida, uma defini<;:ao de qualidade de vida: a percepr:;no do individuo sabre a sua posir;iio na vida, dentro do contexto dos sistemas de cultura e valores nos quais esta inserido, levando em conta os seus objectivos, expectativas, padroes e preocupar:;oes. (WHOQOL Group, 1994:28). Por outro lado elaboramos urn questionario de 49 perguntas, abarcando os nfveis ffsicos, psicol6gicos, independencia, rela<;:6es sociais, ambiente e espiritualidade, que distribufmos por 50 idosos de varias institui<;:oes, sedeadas nos concelhos de Oeiras (area da grande Lisboa) e Odemira (area do baixo Alentejo). 0 metodo utilizado, consistia em que numa primeira fase, os idosos seleccionavam as 24 quest6es mais significativas das 49 propostas. Depois, das 24 escolhidas, seleccionavam apenas as 12 que consideravam mais importantes. Finalmente, dessas 12, escolhiam apenas as 6 que consideravam indispensaveis para uma boa qualidade de vida. 0 resultado final mostrou-nos que para os idosos abrangidos pelo estudo, os aspectos mais importantes sao: Ter o carinho da familia (46%); Ter cuidados de saude (44%); Estar bem acomodado (38%); Ter fe (38%); Ter boa alimenta<;:ao (28%); Ter paz interior (26%). Os resultados permitem-nos apreciar estes elementos como fundamentais ea considera-los para a qualidade de vida dos idosos. 0 mesmo questionario foi aplicado a 20 Assistentes Sociais que desempenham as suas fun<;:6es nos equipamentos abrangidos pelo estudo e tinha como objectivo verificar a rela<;:ao empatica entre os varios intervenientes (idosos e assistentes sociais). Os resultados foram os seguintes: Ter cuidados de saude (88%); Estar bem acomodado (50%); Ter o carinho da familia (50%); Ter paz interior %0%); Costar de si proprio (38%). Nos dados obtidos verificamos algumas diferen<;:as, no entanto, existem algumas convergencias, mas, corn diferentes pontua<;:6es.
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Ter o carinho da familia e a coisa mais importante para os idosos. Daf que os Assistentes Socias diligenciem ocasi6es de encontro entre os idosos e seus familiares. Este contacto corn os idosos demonstrou a profunda preocupa~ao que os idosos tEhn em rela~ao as suas familias: "ter os carinho da familia", "nao ser pesado a familia"," saber que deixou frutos", no sentido de que deixou descendencia. No entanto a familia tradicional sofre press6es externas que vao, aos poucos, alterando o conceito de familia. Actualmente as altera~6es da familia sao provocadas por inumeros factores como sejam a emancipa~ao da mulher, os processos migratorios, a actividade profissional, a comunica~ao social, a mistura de culturas, o consumo, a propria tecnologia. A rigidez moral do passado abranda, torna-se mais permissiva, e surgem os novos conceitos de familia: familias monoparentais, familias ampliadas os consangufneas, familias comunitarias, familias de acolhimento, familias homossexuais. Embora a familia nuclear persista como a unidade mais comum da organiza~ao social, a verdade e que os la~os familiares estao enfraquecendo. A socializa~ao da crian~a inicia-se muito cedo, nas creches e infantarios, no exterior do ambiente familiar. Pais e filhos apenas se encontram ao fim do dia, e por pouco tempo. Quando os filhos crescem e os pais envelhecem, sao os filhos que nao tem tempo para os pais e, num qualquer momento, vao os mais idosos corn destino aos lares, por iniciativa propria, para nao serem pesados a familia, ou por iniciativa dos filhos porque nao tern condi~6es para tratar deles. Quando se da a institucionaliza~ao estara dado o primeiro passo para o isolamento social, para a solidao. E aqui que o Assistente Social tern de intervir, procurando que os seus clientes tenham uma actividade dirigida, ponderada e funcional, corn base em projectos de anima~ao que resultem da uma pesquisa comum, elaborada pela dupla tecnico/idoso. A actividade e uma area do Servi~o Social que se imp6e. A Animat,;iio Sociocultural
Desde a mais remota antiguidade que o homem sentiu a necessidade de traduzir o seu proprio "eu", eo do seu grupo social, nas mais variadas manifesta~6es culturais: musica, dan~a, cantares, proverbios, lendas, que se foram transmitindo de gera~ao em gera~ao nas feiras e romarias, nas festividades ligadas as esta~6es do ano, as colheitas, a religiao, ao despontar do novo ano. Delas deriva a maneira moderna de animar, mais abrangente e corn objectivos que ultrapassam a simples necessidade de recreio. E o caso da Anima~ao Sociocultural, pratica educativa cujos passos estao intimamente ligados as sucessivas mudan~as de concep~ao da cultura.
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Sao varios os modos de encarar a anima<;:ao sociocultural. Para Jacinto Jardim (2002), a anima<;:ao e dar vida; dar alma, sopro; infundir animo; infundir valor e energia. Para outros e uma forma de organizar o tempo livre, urn meio de emancipa<;:ao pessoal e social atraves da cultura; uma forma de participa<;:ao, de forma<;:ao permanente, de cria<;:ao cultural, de educa<;:ao de adultos ou de educa<;:ao permanente, urn instrumento da democracia da cultura para todos. Uma politica de anima<;:ao procura especialmente que todo o tempo nao dedicado ao trabalho seja verdadeiramente urn tempo livre, quer dizer, tempo susceptfvel de ser qualificado por uma pessoa. 0 tempo livre apresenta-se coma
uma zona privilegiada da animac;ao somente na medida em que, panda em jogo atitudes, exigencias pessoais e valores diferentes daqueles que presidem as relac;i5es laborais, introduz uma nova dinfimica das relac;i5es no conjunto da vida social. (Grosjeany y Ingberg, 1990:91 e 92). No caso dos idosos institucionalizados, o tempo livre e urn capital valioso que deve ser aproveitado nos programas elaborados pelo Servi<;:o Social. Tendo em conta a complexidade e amplitude da anima<;:ao, verificamos que, tal como para a qualidade de vida, tambem para a anima<;:ao nao existe uniformidade de defini<;:oes, mas destacamos a defini<;:ao dada pela UNESCO, para a actividade corn os mais idosos: "A Animac;ao Sociocultural e um conjunto de praticas sociais que tem coma finalidade estimular a iniciativa, bem coma a participac;ao das comunidades no processo do seu proprio desenvolvimento e na dinfimica global da vida s6cio-politica em que estiio integrados". Mais simplesmente, em rela<;:ao aos idosos institucionalizados, agrada -nos que a ASC seja urn conjunto de ac<;:oes que contribuam para o seu bem-estar e para a melhoria da sua qualidade de vida. No inicio do sec. XXI, segundo dados do INE, (2001), a popula<;:ao portuguesa era constituida por 10.356.117 individuos, dos quais 1.709.099 (16.5%), eram idosos e 16% tinham menos de 14 anos. A popula<;:ao activa cifrava-se em apenas 15%, nao permitindo dar resposta as necessidades dos mais idosos, em termos de equipamentos. 0 fndice de envelhecimento correspondia a 1.02, (102 idosos por 100 jovens), esperando-se que em 2050 atinja o valor de 3.98, quase quatro vezes maior, o que significa urn envelhecimento muito acelerado da popula<;:ao. Esse envelhecimento, origina altera<;:oes na sat1de mental dos idosos e nas diferentes fun<;:oes do organismo. A progressiva diminui<;:ao das suas capacidades fisicas vai alterando os seus habitos e substituindo-os por actividades cada vez menos exigentes, em termos de esfor<;:o e de concentra<;:ao. Esta reduc;ao de actividade tem reflexos negativos: perda de capacidade de concentrac;iio e de reacc;iio, perda de auto-estima, desmotivac;iio, solidiio e isolamento social. (Jacob, L., 2003). No seguimento das disposi<;:oes assumidas na I Assembleia Mundial das Na<;:oes Unidas, em 1991, e na II Assembleia Mundial, realizada em Madrid em
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2002, foram considerados dois objectivos que deverao orientar as polfticas de intervel1<;ao na area senior: 0 envelhecimento deve ser activo; A sociedade e feita por todas as pessoas, em todas as idades Kofi Anam, afirmou nesta Assembleia que e preciso tra<;arem-se politicas ajustadas para envelhecer sao, aut6nomo, activo e plenamente integrado. Por seu lado, em 1987, Havinghurts, situou a actividade como base de um envelhecimento saudavel, como conclusao de um estudo sabre pessoas com idades entre os 50 e os 90 anos. Nesse trabalho verificou-se que as pessoas mais adaptadas e que sobreviviam mais anos eram as que realizavam maior actividade, habitual ou nao, mas da sua preferencia. A optimiza<;ao do envelhecimento activo, envolve quatro areas de interven<;ao. Segundo Salvador Carulla (2004): Promover a saude eo ajuste fisico e prevenir a dependencia; Optimizar e compensar as funr;oes cognitivas; Incrementar o desenvolvimento afectivo e da personalidade; Maximizar o envolvimento social. A modalidade de anima<;ao que mais se ajusta aos idosos institucionalizados e, naturalmente, a de contexto social, porque tem em conta apoiar as institui<;6es na resolu<;ao dos problemas dos seus clientes. No entanto, a maioria dos lares tem popula<;6es que rondam as tres dezenas de utentes, popula<;ao muito heterogenea, muitas experiencias de vida, de profissoes, de escolaridade, de nivel social, de estados de saude, de habitos, de preferencias e muitos sem sonhos ou projectos de vida. Por isso os cuidados aos idosos, contrariamente aquilo que se poderia crer, nao se improvisam: apoiam-se em no<;6es te6ricas e praticas especificas e administram-se num contexto de colabora<;ao, de amor e de respeito entre os mais idosos, as suas familias e todos os intervenientes. (Louise e Danielle, 1995). Torna-se necessaria que os Assistentes Sociais tenham consciencia de que os idosos institucionalizados tem perfis muito diferenciados, grande nivel de sedentarismo, carencia afectiva e ausencia de familiares. Por isso tem de ser auscultados nos seus gostos e preferencias, nas suas capacidades fisicas e mentais, nas suas opinioes, sempre que queiram definir um piano de actividades tendo esses idosos como popula<;ao alvo. A participa<;ao do idoso tem de ser inteiramente voluntaria e pode ser facilitada quando a pratica de actividades fisicas, como rotina diaria dos idosos, se tornar mais atraente pela partilha dessas actividades com outras pessoas. As pessoas podem ocupar os seus tempos livres com actividades recreativas, com o fim de se descontrair, de se divertir, de se realizarem pessoalmente, de criarem alguma coisa ou de transcender os pr6prios sentidos. A ASC pode, em rela<;ao aos idosos institucionalizados, desempenhar o papel de organizador, de coordenador, de intermediario, de catalizador das vontades, contribuindo assim para a satisfa<;ao das necessidades basicas de distrac<;ao, de ocupa<;ao e de comunica<;ao, mas nao se pode impor a vontade dos
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idosos. Para poder ernergir algurna ernpatia entre as partes, o idoso, a anirna<;:ao e 0 proprio anirnador, e necessario que 0 idoso adira voluntariarnente ao projecto. Corn o intuito de tentar perceber qual as preferencias dos rnais idosos sobre as actividades de anirna<;:ao e qual o irnpacto que as rnesrnas causavarn nas suas vidas, realizararn-se 20 entrevistas, sendo os individuos escolhidos aleatoriarnente e pertencentes a arnostra. Entre as vinte e urna actividades descritas no guiao de entrevista, verificou-se que as preferencias vao para os passeios (85%); festas (80%); convivios (75%); col6nias de ferias (60%); trabalhos rnanuais (55%); jornal de parede (40%); reunioes (35%); canto coral (30%); ginastica (30%); expressao plastica (25%); actividades religiosas (20%); bailes (15%); clubes de reflexao (15%); jogos tradicionais (10%); costura, expressao corporal, culinaria, desporto, jardinagern, todas corn (5%); Arraiolos (O'Yo), e nenhurna actividade (10%). Quanto ao grau de satisfa<;:ao por ter participado nas actividades pode-se verificar o seguinte grafico: Quanto a questao "Acha que os idosos devem estar sempre ocupados cam alguma coisa para fazer? Porque?" granjeou urn leque de justifica<;:oes rnuito di-
90 !Wl Satisfeito
1111 Descontraido o Bem-estar oAiegre 1111 Feliz ll1l Cansado III!Triste 0 Aborrecido 1111 Ansioso
0
versificado. De notar que, rnesrno aqueles que nao colaborarn nas actividades de anirna<;:ao, sao de opiniao que os idosos devern estar sernpre ocupados porque: As actividades siio boas para passar o tempo e esquecer o passado; Devemos estar sempre ocupados para niio passarmos uma velhice aborrecida; Porque ajuda a passar o tempo e ficamos benz dispostos; Sim, pm路que ajudam a fazer alguma coisa; Se estivermos ocupados o tempo passa melhor e niio damos em pensar na vida e nas doen~as; Sim, para niio pensarem na idade e para se sentirem felizes; Estar ocupado e indispensrivel seniio morremos de tedio; Quando niio hri actividades euma tristeza: estamos s6s, ea/ados, tudo parece feio; E muito importante para se distrairem e para niio perderen1 as
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capacidades que tem; Sim pm·que deixa as pessoas bem dispostas e sem pensar na vida; Sim, pm·que se n{io podemos fazer o que faziamos em novas podemos fazer outras coisas; Sim pm·que isso Jaz-nos bem; Sim, pm·que se fica mais tranquilo; Sim, para nao estarmos a boa vida; Sim, pm·que nao se sentem tao isolados e ajuda-os a man ter-se fisicamente e sobretudo moralmente. Este grau de satisfac;ao demonstrado pelos entrevistados, permite-nos assegurar que a animac;ao sociocultural e um instrumento e estrategia de acc;ao muito tltil, capaz de intervir favoravelmente na qualidade de vida dos idosos. Interessa agora abordar as inter-relac;oes que se desenvolvem entre os tres vertices do modelo em que os participantes, ou sujeitos, sao os idosos institucionalizados. A relat;ii.o IDOSO-QDV
S6 faz sentido falar em qualidade de vida se a ligarmos ao homem 3 . Do mesmo modo s6 faz sentido falar da idade se a ligarmos ao objecto a que se refere. A QDV esta intrinsecamente relacionada com a dignidade do ser humano, uma vez que se o homem nao desfrutar de uma qualidadc de vida aceitavel estara prejudicada a sua liberdade de acc;ao e de exprcssao, duas caracteristicas da QDV e da dignidade. A pessoa mais idosa mantem essa dignidade porque a dignidade do homem se mantem por toda a vida. Consequentemente, a sociedade, obrigada a desenvolver uma vida com qualidade para todos os seus membros, tera tambem de o fazer em relac;ao aos mais idosos, seus membros de direito, como o eram enquanto jovens e depois adultos. A QDV dos idosos supoe o seu conforto, os cuidados de saude, a liberdade de se expressar, de acreditar, de agir, de se conservar na comunidade a que pertence. Pode afirmar-se que quanto mais se favorecer a QDV de um idoso melhores serao as condic;oes para que envelhec;a bem, sem sobressaltos, com alegria e sem temores. A boa QDV pressupoe a inclusao, a satisfac;ao e a felicidade do idoso.
A relat;ii.o ASC-QDV
Verificamos que entre as necessidades b<isicas do homem, em qualquer idade, se encontram a de comunicar com os seus semelhantes, de aprender, de agir segundo as suas crenc;as e valores, de ocupar-se com vista a sua realizac;ao e de ree1·ear-se. Cada uma destas necessidades tem uma func;ao psicol6gica e um ambito de acc;ao: A comunicac;ao e um processo que permite que as pessoas
3 Estamos apenas a pensar no homem, mas pode estender-se o conceito a qualquer outro ser vivo.
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se tornem acessiveis umas as outras trocando opinioes, experiencias, informat;6es e mesmo sentimentos.Ela compreende tambem a sexualidade, que se exprime desde a primeira infi'incia ate a velhice, na escolha das roupas, nas relat;6es sociais e na auto-afirma<;ao. Na comunicat;ao estao implicados os sentidos, a inteligencia, a percep<;ao, as emo<;oes, as pessoas, o ambiente, a educa<;ao, a cultura e o estatuto social. Aprender e, de algum modo, distrair-se, na medida em que seja uma maneira de estar diferente da habitual. Nao e apenas adquirir conhecimentos, e tambem continuar a mudar, a evoluir, a crescer pessoalmente. E interagir corn as outras pessoas. A aprendizagem e o envelhecimento nao se opoem apesar de serem muitos os preconceitos quanto as capacidades dos mais idosos. Pensa-se, por exemplo, que as pessoas se tornam menos inteligentes quando envelhecem, que deixam de ser capazes de aprender, que se esquecem de tudo, que nao sao capazes de pensar correctamente, que deixaram de ter criatividade, quando afinal a realidade e muito diferente, pois, os idosos conservam a capacidade de aprender se colocados em situa98es apropriadas ou se lhes for permitido aprender ao seu proprio ritmo. (Leclerc, 1980). No contexto do envelhecimento poden1 verificar-se algumas perdas de memoria ou maior dificuldade de raciocinio, no entanto, algumas opinioes da comunidade cientifica defendem que esta perda de inteligencia efacilmente compensada pela maior sabedoria que estas pessoas podem transmitir. (Ravinel,l987, p. 62). A necessidade de se ocupar, tendo em vista a sua auto-realizat;ao, esta directamente ligada corn os diferentes papeis sociais vividos e assumidos por urn individuo. 0 seu bem-estar, a sua qualidade de vida, implicam o respeito pelas suas cren<;as e espiritualidade, as suas certezas, os valores que defende e segundo os quais vive. Segundo Berger & Maillhoux-Poirier, os papeis sociais vividos sao tres: 0 papel primario, que se define em fun<;ao da idade, do sexo e do estadio; 0 papel secundario, em que o individuo se assume para desempenhar papeis ligados ao seu estadio de desenvolvimento e ao seu papel primario; 0 papel terciario, que e temporario e livremente escolhido. Recrear-se, pode ser apreendido como distrair-se, descontrair-se, divertirse, criar ou transcender os pr6prios sentidos. As barreiras 16gicas que se opoem a distrac<;ao sao a falta de motiva<;ao, a depressao, a vergonha, a falta de vontade e a falta de conhecimento. A animat;ao pode ajudar a corrigir estes sintomas. Em qualquer area, a animat;ao sociocultural e urn processo naturale sistematico que pretende consegui1~ por intermedio de objectivos claros, uma organizat;ao e planifica<;ao de grupos de pessoas, mediante a participa<;ao activa para realizar projectos eficazes e optimizantes e transformat;ao da realidade social. No caso dos mais idosos, para se conseguir esses bons resultados, o modelo de animat;ao tern que ter em conta os destinatarios, o contettdo das actividades, o territ6rio de interven<;ao, a tipologia do animador, (Froufe,1990), e os ambitos de
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animac;ao definidos pelo Conselho da Europa: cultural, social e educativo, isto e, a actividade, a comunidade e a pessoa. A acc;ao e o dinamismo que se podem desenvolver corn a ASC nao se orientam tanto para a transformac;ao da realidade social quanta para as relac;oes sociais, preferencialmente onde a comunicac;ao e os sistemas de relac;ao estejam mais desorganizados. Para isso apoia-se numa metodologia de intervenc;ao, em permanente dialogo interdisciplinar corn as ciencias sociais, dentro da politica cultural e na forma de actividade educativa-formativa. 0 estudo da actividade humana e importante para a identificac;ao de mudanc;as e contradic;oes no contexto em que e desenvolvida a actividade. Este conceito de actividade compreende todo o sistema da pratica humana e incorpora os participantes ou sujeitos, as relac;oes de mediac;ao coma a mediac;ao do trabalho e as ferramentas, e o ambiente particular, ou comunidade, onde a actividade se desenvolve. Tendo em conta o modelo de qualidade de vida na velhice (Lawton, 1991), podemos ver que a ASC, nas suas diversas modalidades, pode contribuir para o bem-estar psicol6gico, reduzindo factores negativos que agem sabre o idoso, coma a despersonalizac;ao, a desinserc;ao familiar e Bem-estar psicologico
t11 11
"'
Qualidade de
+==+
,_/ /\,.,
t11
11
"'
Condi~oes
Competencia comportamental
Vida percebida
+==+
ambientais
Modelo de QDV (Lawton, 1991)
comunitaria, o tratamento nao personalizado e a monotonia. Par outro lado pode desenvolver as capacidades sensoriais e mot01路as, evitar o atrofiamento intelectual, melhorar os tempos de laser, combater a inactividade, despertar a curiosidade e a capacidade de memoria, permitindo a percepc;ao de uma qualidade de vida agradavel e melhorando os comportamentos. A ASC tem ainda a vantagem de agir sobre as pessoas que, mesmo lidando corn os idosos, desenvolvem quddros de gerontofobia, de agismo e de babeismo. As actividades conduzem os observadores a entender a velhice de modo mais correcto, perdendo os medos de tudo o que diz respeito aos idosos
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e a velhice, abandonando as formas de discrimina<;ao corn base na idade, e a tendencia de os tratar como se fossem crian<;as. Sao vantagens que, associadas ao caracter gerontol6gico/geriatrico de algumas das actividades, parecem aconselhar a anima<;ao para os idosos institucionalizados. A qualidade de vida dos idosos nao difere, na sua essencia, da qualidade de vida das pessoas em gerat uma vez que tern por base a saude, as capacidades funcionais individuais, a capacidade para adquirir conhecimentos e o modo como usa o tempo. Dai resulta o seu proprio comportamento social. A ASC tern isso em aten<;ao e organiza-se de modo a que os projectos de anima<;ao vao ao encontro da defesa da sat1de, do desenvolvimento das capacidades funcionais e cognitivas dos utentes e do born aproveitamento dos seus tempos livres, fases que se encontram escalonadas na piramide de Lawton:
COMPORTAMENTO SOCIAL USODOTEMPO COGNI(:AO CAPACIDADE FUNCIONAL SAUDE
Hierarquia das Competencias Comportamentais (Lawton, 1991)
0 comportamento sociat em termos da institui<;ao em que vivem, reflectira o exito das actividades. Mas pode a ASC interferir positivamente na area da saude? Segundo Okuma (1998), estudos em gerontologia vem demonstrando que a actividade fisica, aliada a outros aspectos, como a alimenta<;ao adequada e habitos de vida apropriados, podem melhorar em muito a qualidade de vida dos idosos. E embora existam certas interroga<;6es em rela<;ao ao papel da actividade fisica no processo de envelhecimento, ha muitos dados que revelam o beneficia de facto para aqueles que a praticam, em rela<;ao a sat1de fisica, mentat psicol6gica e social. A actividade fisica pode ser uma grande aliada na defesa e conserva<;ao da sat1de, desde que bem concebida. E mesmo considerada uma das 15 areas prioritarias em termos de saude ptlblica. 0 homem s6 valoriza aquilo que na realidade preenche situa<;6es de carencia. No caso dos idosos institucionalizados existem carencias especificas, como e o caso da exclusao social. Para suprir essas carencias ha que ter em conta os valores, principalmente os de ordem espiritual. Na medida em que se vao suprimindo essas carencias a qualidade de vida dos idosos valoriza-se. A busca da boa qualidade de vida consiste mais em procurar situa<;6es agradaveis, que transmitam prazer, do que em evitar os aborrecimentos e os problemas. Consiste mais na actividade, na anima<;ao, do que na fuga aos aspectos negativos do quotidiano.
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A
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ASC-IDOSO
Os primeiros contactos do Assistente Social com o grupo de idosos nem sempre !he e favoravel e podera, se nao houver preparac;ao adequada, sentir-se frustrado. Realmente e embarac;oso perguntar a um idoso o que gosta de fazer e ter como resposta uma desculpa do tipo: "hoje estou cansado(a), prefiroficar aqui a
Der TV". A solidao e o ponto critico que muitos dos mais idosos atingem depois de todas as perdas que sofreram: a familia, os amigos, o ambiente e a posic;ao social, a que se pode acrescentar a sensac;ao da sua propria inutilidade, produzida pela vergonha das suas incapacidades e dependencias e pela menor atenc;ao que lhes e prestada. Nos contactos efectuados com os idosos verificamos, entre outros, o caso da "D. Maria", senhora de 88 anos, que perdeu o marido ha alguns meses atras. 0 seu casamento era um daqueles casamentos bem conseguidos: compreensao, carinho, entendimento e paz. 0 primeiro grande desgosto foi a perda da filha, levada desta vida, ainda nos seus quarenta e poucos anos. Corn o passar do tempo, o casal envelheceu, as limitac;oes foram aparecendo e acabaram os dois por se acolherem no mesmo Jar, em Odemira. 0 marido, cinco anos mais velho do que a "D. Maria", acabou por falecer algum tempo depois. A "D. Maria" ficou mais s6, nos seus 88 anos, lamentando-se de que o marido poderia ainda estar ao pe dela e depois partirem juntas. Recolheu-se entao num certo mutismo, desprendeu-se do gosto pela vida e repetia continuamente: ja nao estou ea a Jazer nada .. .ja viDi tempo demais. Isolou-se de tal forma que ate !he custa que o filho a venha buscar para a levar uns dias para sua casa, em Lis boa - "eu s6 quero estar s6 ... faz-me confusao estas coisas ... " Eis como, neste caso, se atingiu a perigosa escolha da solidao. As hist6rias que conduziram outros idosos para a solidao sao semelhantes. Apesar de tudo, constatamos que os programas de animac;ao ajudam a combater eficazmente este estado depressivo. E necessaria estar sempre presente, falar, acompanhar, animar, pm路que o idoso solitario dificilmente podera perceber uma vida com qualidade, quer atraves dos sentidos, quer atraves do pensamento. A solidao torna tudo muito sombrio a sua volta. A ASC, segundo Waisgerberf, (2000), e um elemento tecnico que permite ajudar os individuos a resolverem colectivamente os seus problemas e que pode implicar-se em todos os dominios da actividade humana, em todos os problemas da vida em grupo, mesmo nos problemas especificos dos idosos pois nao violenta a vontade dos idosos, mas apela para o seu altruismo. Quando falamos de um projecto de vida, envolvemos habitualmente uma noc;ao de futuro: um projecto de vida inicia-se em dado momento e pretende-se que se prolongue ao longo da vida, por tempo indeterminado. No caso dos mais idosos, o futuro nao tem o mesmo significado dos tempos da juventude.
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Ao falarmos de projecto de vida em rela<;:ao aos idosos institucionalizados, estamos revelando o modo de viver o seu dia a dia sem sobressaltos, da melhor forma possivel, corn a dignidade a que todo o ser humano tern direito. Urn projecto de vida para idosos institucionalizados envolve o bem-estar psicol6gico e emocional, a auto-estima, os estados de humor, a ansiedade e o stress, a depressao e a solidao, o gosto pela vida. Ora a anima<;:ao, como vimos acima, intervem em todas estas areas, corn resultados muito positivos. Os idosos entrevistados, manifestaram os efeitos que as ac<;:oes de anima<;:ao lhes proporcionavam: bem-estar geral, satisfa<;:ao, descontrac<;:ao, alegria e felicidade, o que significa que foram quebrados os estados de stress, de ansiedade, de solidao e de depressao, constituindo uma vantagem para eles pr6prios. A analise do modelo ASC-IDOSO-QV, parece evidenciar a necessidade de se desenvolverem projectos e estrategias de anima<;:ao que consigam atrair urn mimero cada vez maior de utentes das institui<;:oes e, paralelamente, reduzir o nttmero de idosos inactivos, alheios ao con路er do tempo, sem sonhos. Este e urn objectivo que desafia o Servi<;:o Social. Como conclusao, reafirmo a importancia da manuten<;:ao de alguma actividade corn os mais idosos e o facto de as sugestoes de actividades presentes neste texto serem apenas algumas das diversas actividades que podem vir a ser realizadas. Tudo depende do nt1mero de idosos, da sua capacidade ffsica e psicol6gica, da imagina<;:ao e capacidade de adapta<;:ao do Assistente Social, e tambem da propria Institui<;:ao. Assim, como o arco-iris e formado a partir de urn conjunto de cores, onde cada uma tern o seu significado, como por exemplo: o Vermelho representa a luz; o Laranja, a cura; o Amarelo, o sol; o Verde, a calma; o Azul, a Arte; o Lilas, o espirito, igualmente, tambem cada urn dos indivfduos institucionalizado devera ser ouvido, tendo em conta a sua hist6ria de vida, o seu processo de envelhecimento e os projectos de vida e as actividades de anima<;:ao devem reflectir as suas vontades e interesses. Todo o pessoal adstrito a Institui<;:ao devera ser sensibilizado, para que o projecto global de ac<;:ao seja, apenas o ponto de partida para a elabora<;:ao de urn projecto de interven<;:ao individual adequado, tendo em conta os interesses, as necessidades e a singularidade de cada urn.
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CARACTERIZA~AO DAS ROTINAS
DE VIDA DIARIA DE IDOSOS DE CASTELO BRANCO ROTINAS DE VIDA DIARIA DE Ul\1A IDOSA DE 81 ANOS UMA IDOSA MOVIDA PELA FE ...
Ant6nio Jose D. Faustino Docente da Unidade Curricular de Gerontologia Professor-Adjunto de Ciencias da Motricidade- Escola Superior de Educar;ifo de Castelo Branco Email: a.faustino@ese.ipcb,.pt
Maria Regina G. Freire Falcao Patricia Moreira da Silva Joana Filipe Gaspar Joana Maria Gaspar Mendes luciana dos Santos Matias Estudantes do Curso de Servic;o Social
Resumo: A presente investiga<;:ao teve como objectivo analisar a rotina diaria de uma idosa que vive na cidade de Castelo Branco, registando a sua mobilidade fisica, relacionamento corn outras pessoas, assim como o tempo que a idosa dedica a cada uma das suas actividades. 0 estudo baseou-se na realiza<;:ao de entrevistas narrativa e semi-estruturada com registo audiovisual, elabora<;:ao do piano diario de ocupa<;:ao temporal, registo fotogrc\.fico, elabora<;:ao de mapas subjectivos da sua habita<;:ao, rua e outros locais que frequenta. Efectuamos ainda o devido acompanhamento nas suas tarefas quotidianas, pelos locais que habitualmente frequenta. Inicialmente caracterizamos o comportamento da idosa no seu ambiente diario para posteriormente compreendermos o seu universo, avaliar o seu dinamismo e actividade fisica. Procuramos conquistar a confian<;:a da idosa e conhece-la atraves de uma retrospectiva feita pela propria. Os dados obtidos foram tratados em percentagem, visualizada atraves de grc\.ficos circulares. Atraves da sua analise pode-se concluir que a idosa apesar da idade que possui, mantem-se bastante activa, pm路que mesmo passando a maior parte do tempo em casa, realiza actividades que exigem mobilidade e esfor<;:o.
1. Introdw;;ao
0 presente estudo faz parte de um Projecto cujo desenvolvimento se orienta em fases distintaS, das quais a primeira COlTesponde a identifica<;:ao das caracterfsticas do comportamento de idosos de acordo com os seus quadros de vida. Para o efeito temos em curso uma investiga<;:ao sobre o actual "status quo" das realidades adaptativas da motricidade dos idosos em fun<;:ao das condi<;:oes de vida e dos constrangimentos fisicos, sociais c culturais da sociedade actual. Na sua operacionaliza<;:ao procedemos a um levantamento dos modos de interpreta<;:ao do "mundo" da vida dos idosos pelos pr6prios idosos com base em metodos qualitativos como: Piano diario de ocupa<;:ao temporal do idoso Mapas subjectivos e objectivos da habita<;:ao e do bairro
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- Entrevistas de propriedade - Documentat;:ao fotografica - Entrevistas narrativas Entrevistas semi-estruturadas. Este projecto s6cio-ecol6gico procm路a enquadrar-se em preocupat;:oes recentes quanta ao estudo do envelhecimento. A extensao da esperant;:a de vida obriga a uma atent;:ao particular a uma fase de vida humana ate agora ignorada -a velhice. A velhice e uma idade vulneravel em que para alem da decadencia fisica e intelectual se acrescenta exclusao social. Este estudo foi realizado no ambito da unidade curricular de Gerontologia, do Curso de Servit;:o Social, pretendendo-se conhecer os habitos, tarefas e actividades da idosa, bem como o seu percurso de vida.
2. Revisao da Literatura Neste panto dedicado a apresentat;:ao do enquadramento te6rico procuraremos analisar alguma literatura produzida no ambito das rotinas de vida diaria, corn incidencia em estudos semelhantes. Azeredo (2001) tendo por objectivo conhecer como os idosos inscritos na sua lista de medica de familia despendem o seu tempo, realizou uma entrevista semi-estruturada, posteriormente sujeita a uma analise de contet1do, corn 65 utentes idosos (corn 65 ou mais anos), tendo concluido que: (i) muitos idosos vivem s6s (44,2%), embora tenham familiares pr6ximos; (ii) o idoso procura ocupar o seu tempo, de acordo corn a sua cultura (a maior parte eram analfabetos ou apenas possuiam a instrut;:ao primaria) e poder econ6mico; (iii) a televisao tern urn lugar de destaque na vida do idoso; (iv) passear e uma actividade desejada, mas que, para muitos, nao e passive!; (v) ler e frequentar centros de leitura ou de outras actividades intelectuais, ainda nao esta muito enraizada nos costumes destes idosos. Faustino, Almeida, Vinagre, Brito, Cunha & Furtado (2007) estudaram uma idosa de 65 anos, residente em Castelo Branco. Era uma idosa que trabalhava 75 horas semanais e que mantinha urn born relacionamento corn a sua familia. A actividade que a idosa desenvolvia durante mais tempo, era o segundo emprego como empregada domestica. Contrariamente ao que acontece ao longo da semana, no fim-de-semana as actividades sem movimento e dentro de casa
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predominam. Esta idosa passava a maior parte do tempo de forma activa. Concluiram que devido a sua actividade profissional, a idosa se mantinha bastante activa e consciente das suas faculdades. Faustino, Cordeiro, Fonseca, Xavier, Dias, Aleixo & Silva (2007) estudaram uma idosa de 73 anos, residente em Castelo Branco. Era uma idosa que ocupava a maior parte do seu tempo com actividades domesticas e dentro de casa. A idosa nao passava muito tempo fora de casa. Dedicava-se a costura, tarefa que !he ocupava uma grande parte do dia. Concluiram que os seus dias de semana sao rotineiros, nao variando muito ao fim de semana. Faustino, Ferreira, Silva, Silva, Esteves & Corino (2007) estudaram uma idosa de 76 anos, que era vit1va, duma classe social media/alta, que vivia num apartamento em bloco habitacional em Castelo Branco. A idosa passava mais tempo em casa nos fins-de-semana, enquanto nos dias de semana passa mais tempo fora. A actividade mais realizada era passear e passava a maior parte do seu tempo acompanhada. Durante o seu tempo livre, esta idosa nao praticava qualquer tipo de actividades com exigencias de movimento. Concluiram que a idosa procurava ocupar o seu dia-a-dia realizando tarefas, mantendo-se assim activa. Faustino, Freitas, Marques, Gaspar, Dias & Cabral (2007) estudaram uma idosa de 77 anos, residente com tres dos seus seis netos em Sao Miguel D' Acha. Esta idosa praticava muitas actividades dentro de casa. Ao fim-de-semana a rotina diaria desta idosa altera-se. Todos os sabados deslocava-se a Monsanto onde a filha vive e no domingo regressava para a sua terra. A idosa praticava a maioria das actividades sozinha e admite ter alguma dificuldade em exercer actividades que exigem esfon;:o fisico. Faustino, Gomes, Martins, Trindade & Marques (2007) estudaram um idoso de 76 anos, residente em Castelo Branco. Este idoso era uma pessoa bastante activa, mantendo a actividade profissional e inumeras actividades (leccionava varias aulas na USALBI, praticava hidroginastica, frequentava o ginasio e desempenhava cargos associativos). Este idoso passava muito tempo fora de casa devido as suas actividades. No fim-de-semana tinha um horario mais !eve. Concluiram ser uma pessoa muito lucida a nivel psicologico e que gostava de se sentir actualizado. Este senhor nao corresponde ao estere6tipo do idoso que ainda existe na nossa sociedade, visto que para alem de continuar a exercer a sua actividade profissional, fazia trabalho voluntario e esfon;:ava-se por aprender coisas novas. Gostava de se manter activo fisico e mentalmente. Faustino, Magalhaes, Romao & Barrau (2007) estudaram uma idosa de 71 anos, residente na Barroca do Zezere (Fundao). Esta idosa dividia o seu tempo entre as tarefas domesticas, as actividades agricolas e os seus animais e realiza as suas actividades na companhia do marido. Esta idosa realiza as suas actividades principalmente fora de casa. Durante a semana ocupa o seu tempo a
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trabalhar e desenvolve actividades corn mobilidade. E uma idosa que tern consciencia do seu meio envolvente e da localizar;ao dos varios locais que frequenta. Faustino, Marr;al, Dias, Sousa, Antunes & Tiberio (2007) estudaram uma idosa de 87 anos, institucionalizada no Centro de Dia da Santa Casa da Misericordia de Castelo Branco. Esta idosa apesar de institucionalizada tinha uma grande autonomia, constatavel atraves das actividades realizadas na Instituir;ao e fora da mesma. A idosa continuava a ter uma vida activa. Conclufram que a idosa que estudaram e urn exemplo a seguir, na medida em que a sua boa disposir;ao e perspectiva de vida "contaminam" as pessoas que a rodeiam. Faustino, Paz, Estevao, Carvalho, Martins & Barbosa (2007) estudaram uma idosa de 64 anos, residente em Castelo Branco. A actividade mais realizada por esta idosa durante a semana era a actividade profissional, enquanto no fim-de-semana era a actividade domestica. Esta idosa era sedentaria pois nao praticava nenhuma actividade fisica e as suas deslocar;oes fora de casa eram feitas de automovel. Esta idosa era alguem cuja rotina nao se modificava muito ao longo da semana. Faustino, Santos, Abreu, Fonseca, Lopes & Pires (2007) estudaram uma idosa divorciada de 72 anos, institucionalizada no Centro de Dia da Santa Casa da Misericordia de Castelo Branco. Esta idosa tinha como habilitar;oes literarias a 4.~ classe, sabendo ler e escrever. A actividade corn que ocupava mais tempo durante a semana era ver televisao. A maioria do tempo gasto pela idosa era corn actividades sem movimento, visto que a maior parte do dia encontrava-se sentada a conversar corn as amigas. A idosa dispunha de bastante autonomia, a qual utilizava para ir fazer compras sozinha, ir a farmacia e passear. Esta idosa apresentava uma boa nor;ao do tempo e do espar;o e possufa objectos que estimulavam a motricidade fina.
3. Objectivos do estudo
Corn este estudo propomo-nos prestar urn contributo para uma caracterizar;ao das rotinas de vida diarias dos idoso, pretendendo-se verificar: - Que tipo de tarefas realiza a idosa no seu dia-a-dia. De que forma ocupa o seu tempo e coma o gere na realizar;ao das suas tarefas diarias. Qual o grau de autonomia de mobilidade da idosa. Quais os locais que tern como habito frequentar no dia-a-dia. Que percepr;ao tern do espar;o onde se desloca para realizar as suas actividades. - Coma estabelece as suas relar;oes interpessoais e como interpreta o seu curso de vida.
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E inten<;ao do nosso estudo procurar dar resposta aos seguintes objectivos: Caracterizar as actividades que a idosa realiza no seu quotidiano. 2- Comparar as actividades realizadas nos dias de semana com as realizadas no fim-de-semana. 3 - Comparar as actividades realizadas dentro e fora de casa. 4 - Analisar o grau de autonomia de mobilidade no espa<;o em que desenvolve as suas actividades semanais. 5 - Comparar as actividades realizadas sozinha e acompanhada. 6 - Comparar as actividades realizadas com e sem mobilidade. 7 - Analisar os factos significativos que marcaram o seu percurso de vida.
4. Metodos e procedimentos
Os metodos de investiga<;ao harmonizam-se com os diferentes fundamentos filos6ficos que apoiam as inquieta<;oes e as linhas orientadoras de uma investiga<;ao (Fortin, Cote & Vissandjee, 2000: 21). Face as questoes enunciadas e aos objectivos do nosso estudo, procedemos a uma abordagem por triangula<;ao, que consiste na «Utiliza9iio de diferentes metodos conzbinados, no interior do mesmo estudo>> (Reidy & Mercier, 2000: 322). Serve para comparar dados obtidos com a ajuda de varios processos num mesmo estudo. De acordo com as mesmas autoras, a triangula<;ao tipo e aquela em que se «rerinem tnetodos qualitativos e quantitativos» (ibidem). A triangula<;ao provoca um discurso cientffico interessante que permite estabelecer uma finalidade de investiga<;ao susceptivel de satisfazer a diversidade e a complexidade dos fen6menos em estudo, podendo tambem real<;ar os la<;os entre as teorias, a investiga<;ao e a pratica nos diversos contextos e atraves de mt!ltiplas conceptualiza<;oes (Banik, 1993; Kimchi, Polivka & Stevenson, 1991). Para Sohier (1988), a triangula<;ao fornece uma 16gica contemporanea para aumentar a coerencia entre os fundamentos filos6ficos de uma disciplina, as suas constru<;oes te6ricas e a corrente de investiga<;ao. Deste modo, a complementaridade dos metodos de investiga<;ao quantitativos e qualitativos aumentam a fiabilidade dos resultados. Hoje e consensual a importancia de uma abordagem plurimetodol6gica como estrategia eficaz no estudo dos fen6menos
<<as metodologias quantitativas ou qualitativas que as enquadram niio se opi5em, antes se complementam» (Lalanda, 1998: 872). Contudo, na nossa investiga<;ao, para alem de triangula<;ao de metodos, tambem utilizamos a triangula<;ao dos dados, que consiste numa colheita de dados <<junta de diversas fontes de infonnar;iio ... a fim de estudar um mesmo fen6meno» (Reidy & Mercier, 2000: 323).
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Apesar de utilizarmos a triangulac;ao na investigac;ao que nos propomos realizar, e fundamental explicitar que partimos de uma perspectiva fenomenol6gica. No entender de Bogdan & Biklen (1994), o investigador fenomenologista procura compreender o significado que os acontecimentos tern para pessoas vulgares, em contextos particulares. De acordo corn os mesmos autores «OS fenomenologistas enfatizam a componente subjectiva... Tentam penetrar no m undo conceptual dos sujeitos .. ., cam o objectivo de compreender coma e qual o significado que constroem para os acontecimentos das suas vidas quotidianas». Procurando descobrir a essencia do fen6meno em estudo e o sentido que os sujeitos lhe atribuem, o nosso estudo incide «sabre o universo perceptual de pessoas que vivem uma experiencia>> (Rousseau & Saillant, 2000: 149) que interessa a pratica da acc;ao social. Tendo em conta os objectivos e as caracteristicas do estudo, enveredamos por urn tipo de estudo explorat6rio descritivo analitico. 1) Classifica.mo-lo como explorat6rio porque estudos do tipo da investigac;ao que preconizamos desenvolver sao poucos numerosos, e tambem como nos afirmam Selltiz, Jahoda, Deutsch & Cook (1974: 59), este tipo de estudos «enfatizam a descoberta de ideias e discernimentos>>, permitindo conhecer as caracteristicas de uma determinada realidade. 2) Assume tambem urn caracter descritivo, uma vez que pretendemos descrever o universo perceptual do sujeito que vivencia uma experiencia. Para Marconi & Lakatos (1996: 20), estes estudos <<descrevem um fen6meno ou situa<;iio, mediante um estudo realizado em determinado espa<;o-tempo>>. Estes estudos visam descrever os factos e fen6menos de determinada realidade (Trivifios, 1992). 3) Possui tambem uma vertente analitica, dado que nos permite compilar os dados disponfveis, o mais detalhadamente possfvel, de modo a poder analisar-se e compreender melhor o fen6meno. Para o desenvolvimento da investigac;ao que nos propusemos realizar foi necessaria utilizar varios instrumentos de recolha de dados, uma vez que se pretendia recolher informac;oes relativas a: - Onde moram os idosos? (a habitac;ao, o lar, o bairro) - Como moram os idosos? (como e que a moradia/o apartamento esta configurado) - Para onde os idosos vao ou tern de ir? (pergunta dirigida para "o local", por exemplo: lar; instituic;oes para actividades de idosos como centros de dia; locais de consumo como supermercados; farmacias; hospitais; ... ) - Como vao os idosos para esses locais? (pergunta dirigida para "o caminho", por exemplo: a pe; de carro ou de autocarro; sozinho, corn amigos; ... ) - Como os idosos veem a sua habitac;ao/lar?
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-
Coma os idosos veem o seu bairro?
-
Coma os idosos interpretam a sua residencia
- Que aparelhos/material de movimento os idosos possuem? - Que tipos de jogos os idosos conhecem? - Quais sao os "lugares reais de jogo"? Neste ponto procedemos a caracterizas;ao do caso estudado e a uma descris;ao das condis;oes de realizas;ao e de observas;ao utilizadas para a consecus;ao do estudo. 4.1. Estudo de Caso A idosa que estudamos e viuva tern 81 anos de idade e vive num apartamento, que divide corn a irma, numa avenida central da cidade de Castelo Branco. Tern uma filha adoptiva que criou em conjunto corn a sua irma. Em seguida, procedemos a descris;ao e justificas;ao dos metodos utilizados no presente estudo. 4.2. Metodologia No sentido de encontrarmos quer as pistas orientadoras para esta pesquisa, quer os contributos para a definis;ao do quadro te6rico de referencia, recorremos as entrevistas narrativas e as entrevistas semi-estruturada, que tern ÂŤC01110 ftmr;iio principal revelar determinados aspectos do fen6meno .. ., completar as pistas de trabalho sugeridas pelas suas leituras>> (Quivy & Campenhoudt, 1998: 69). A aplicas;ao de uma entrevista estruturada a idosa prende-se corn o facto de se pretender recolher informas;oes sobre a forma como ela distribui as suas actividades ao longo do dia, que complemente a informas;ao em funs;ao das acs;oes que facilitam ou coibem, onde decmTem, corn quem, o que, coma. Este instrumento permite-nos a obtens;ao de dados no ambito de 3 dominios: I - Conhecer o que esta a idosa a fazer? II - Saber quanto tempo esta a idosa a fazer determinada coisa? III- Saber onde esta a id os a a fazer algo (dentro ou fora da habitas;ao )?
E composta por questoes abertas, estas estao menos sujeitas a influencia do investigador, permitindo uma maior veracidade, uma vez que favorecem a livre expressao, sendo tambem uteis para explicitar as perguntas fechadas (Pardo de Velez, 1997). Utilizamos ainda a narrativa e a entrevista semi-estruturada sobre os acontecimentos da vida, metodos cujo objectivo e obter mais conhecimento biografico para conhecer melhor a idosa. Lusiada. Interven<;ao Social, Lisboa, n. 0 35/2009
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0 objectivo da entrevista narrativa e dar a narradora a oportunidade de falar sobre a sua propria vida, numa ordem e corn nucleos de decisao propria. A narradora deve ser apoiada para falar sobre as suas experiencias e as vivencias, aquelas que tern algum significado para si proprio na sua vida quotidiana, na sua historia de vida. Desta forma recebem-se informa<;:6es sobre as conexoes que a narradora desenvolveu para si propria, quais as interpreta<;:6es que ela tern da propria historia de vida e que acontecimentos estao relacionados e pertencem ao mesmo grupo. Quando a narradora pairava ou nao sabia mais o que falar, passou-se para uma entrevista semi-estruturada. Corn este tipo de entrevista devem-se questionar os ambitos do curriculum vitae da idosa que nao foram mencionados na entrevista narrativa. Levar a idosa a pensar em alguns acontecimentos, come<;:ando, por exemplo, quando entrou para a escola, quando mudou de bairro/aldeia/vila/cidade/ profissao/local de trabalho. A entrevista na sua modalidade de semi-estruturada, constitui urn instrumento privilegiado na investiga<;:ao qualitativa, nomeadamente na de cariz fenomenologica, pois como afirmam Fortin, Grenier & Nadeau (2000: 247) «O respondente cria as suas respostas e exprime-as pelas suas pr6prias palavras». Tambem Trivifios (1992) advoga que esta tecnica de recolha de informa<;:ao, para alem de valorizar a presen<;:a do investigador, permite que o informante possua a liberdade e a espontaneidade necessarias, contribuindo deste modo para o enriquecimento da investiga<;:ao. De acordo corn Fortin, Grenier & Nadeau (ibidem), nas entrevistas semiestruturadas utiliza-se «Wn guiiio cam as grandes linhas dos temas a explorar>>. A escolha e .a formula<;:ao das perguntas orientam-se pelo quadro teorico do projecto - a vida de movimento dos idosos, pelo que se construiu urn guiao que serviu de referencia a condu<;:ao das entrevistas, de forma a obter dados no ambito de 4 dominios: A) Dos itens- tempo e espa<;:o. - <<Gosta de ser responsavel pela organiza<;:ao (de ser autonoma) do seu tempo ou prefere as horas marcadas?» - <<Gosta mais de passar o tempo dentro ou fora de casa? Porque?» - <<0 que e voce e as suas amigas fazem dentro de casa? Pm·que?» - «0 que e voce e as suas amigas fazem fora de casa? Porque?>> B) Do relacionamento corn o bairro. <<Gosta da sua residencia? Pm·que?» - <<Gosta do bairro onde mora? Porque?>>
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C) Do eu e do meu proprio corpo. -
«Costa de actividades «Costa de actividades <<Costa de actividades <<Se nao gosta, porque
em que precisa de usar o seu corpo? Pm·que?>> em que tenha de se movimentar? Porque?» em que use a for<;a corporal? Pm·que?» e que nao gosta, quais as razoes?»
D) Do corpo social (eu e as minhas amigas).
- «Como e que se ve em rela<;ao as suas amigas? Vizinhas? Colegas do lar? Colegas do clube?» 4.3. Procedimentos Estabeleceu-se urn contacto previa corn a participante a fim de lhe pedir a sua colabora<;ao e explicar os objectivos do estudo. Ap6s a sujeita revelar vontade em participar no estudo procedeu-se a marca<;ao das entrevistas. Iniciamos o estudo corn a recolha do piano diario de ocupa~ao temporal, completado corn uma entrevista narrativa semi-estruturada sobre o tempo do dia todo, tendo sido estas aplicadas pelas responsaveis da investiga<;ilo e lcvadas a cabo no domidlio da sujeita, na Igreja dos Padres Redentoristas c no Hospital Amato Lusitano de Castelo Branco durante tres semanas. Estas foram gravadas em audio e video corn a devida autoriza<;ao da participante. A dura<;ao de cada entrevista variou de 30 a 60 minutos. Concluida a execu<;ao de cada uma delas, procedeu-se a audi<;ao e ao visionamento integral e respectiva transcri<;ao para papel. Posteriormente fez-se a ana.Iise atraves da tecnica de ana.Iise de conteudo, tendo assim emergido varios blocos tematicos. Num segundo momento solicitamos a idosa para realizar urn desenho dos lugares que tern significado no seu mundo de vida. Num terceiro momento realizou-se a entrevista narrativa. Foi realizada no Cabinete do Voluntariado do Hospital Amato Lusitano, no dia 19 de Mar<;o de 2008, directamente em suporte papel corn a dura<;ao de 45 minutos. Num quarto momento realizou-se a entrevista semi-estruturada. Foi executada na Capela do Hospital Amato Lusitano, no dia 8 de Abril de 2008, gravada em registo audio e registada em suporte papel; a dura<;ao nao excedeu 60 minutos. Ap6s a execu<;ao desta entrevista realizou-se a audi<;ao integral e a respectiva transcri<;ao para documento escrito. Num quinto momento, procedeu-se a entrevista fotografica. Registando os diferentes locais frequentados pela idosa no seu dia-a-dia, no dia 18 de Abril de 2008, teve a dura<;ao de 3 horas. Seguiu-se uma visita ao domidlio de forma a observar e registar a idosa em pleno desempenho das suas tarefas.
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Em todos os momentos, aquando da recolha de dados, foi assegurado ao participante a confidencialidade das respostas, e «importante garantir aos potenciais sujeitos a confidencialidade das informar;i5es» (Fortin, Brisson & Coutu-Wakulcayk, 2000: 122).
5. Apresenta<;ao, tratamento e discussao dos dados Neste ponto procedemos a apresenta<;ao, interpreta<;ao e discussao dos resultados, feita em torno dos objectivos de estudo formulados. Os dados recolhidos atraves dos instrumentos estruturados foram posteriormente submetidos a tratamento. Utilizou-se uma analise descritiva, pelo que os dados de caracteriza<;ao do sujeito sao apresentados em quadros (ver em anexo) e graficos de distribui<;ao de frequencia relativa (percentual). Dubouloz (2000: 307) preconiza que ap6s uma colheita de dados, ha uma fase preliminar a analise propriamente dita, que e a da organiza<;ao dos dados
<<Uma vez que um certo con teudo foi colhido a partir de entrevistas, ... e necessaria organizar estes dados para que eles possmn ser analisados». Ap6s a organiza<;ao dos dados foram realizadas leituras repetidas do texto das entrevistas, a fim de estabelecer contacto corn as narrativas do sujeito e conhecer o texto, como diz Bardin (2000: 96) «deixando-se invadir por impressi5es e orientar;i5es». Dubouloz (2000: 316) acrescenta que esta fase serve para «entrar no contexto do texto familiarizando-se com a experiencia relatada .. ., de forma a descobrir nelc o scntido global>>. As quest6es de codifica<;ao sao pertinentes no decorrer de uma analise de conteudo. Assim, o sistema de codifica<;ao passou pela escolha das categorias, facilitando, deste modo, uma arruma<;ao sintetica e significante do conte(tdo dos discursos. Vala (1986: 110) afirma que as «categorias sno os clcmentos chavc do c6digo do analista>>. Nesta investiga<;ao optou-se por construir as categorias a posteriori. Esta decisao e corroborada por Vala (1986: 111) quando afirma que «a construr;ao de urn sistema de categorias pode ser feito a priori ou a posteriori, ou ainda atraves d.a combinar;ao d.estes dois processos>>. Uma vez construfdas as categorias, passamos a identifica<;ao das sub-categorias existentes, tendo-se procedido a identifica<;ao das unidades de registo, que para Vala (1986: 114) eo «segmento d.eterminado de conteudo que se caracteriza colocand.o numa determinada categoria». E de salientar que sao os objectivos e a problematica da investiga<;ao que determina a natureza das unidades a utilizar. Fortin (2000: 329) afirma que a «interpretar;ao dos resultados e uma etapa dificil que exige um pensmnento critico da parte do investigador».
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Caracteriza~ao
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e tratamento
Os dados foram recolhidos ao longo de uma semana de observa<;ao (semana padrao), tendo em conta o tempo eo tipo de actividades que pratica. Os dados provenientes da observa<;ao foram tratados em computador corn a ajuda de software (Microsoft Excel 2003 -Microsoft Corporation). Para as variaveis que estudamos serao apresentados os resultados da observa<;ao, na sua expressao de trabalho (em percentagem) e as conclusoes, em fun<;ao dos objectivos de estudo formulados. Para uma melhor interpreta<;ao dos dados relativos as actividades diarias houve necessidade de agrupar algumas actividades. Deste modo num primeiro momento consideramos: '" Tarefas domesticas: aquelas que a idosa executa dentro de casa, coma limpar a casa, arrumar a cozinha, fazer a cama. " Refei~6es: momentos do dia em que a idosa prepara as refei<;oes (pequeno-almo<;o, almo<;o, lanche, jantar) e se alimenta. " Ver televisao: momentos do dia em que a idosa assiste a programas nos canais televisivos. " Actividades ocupacionais: momentos relativos as tarefas de voluntariado que a idosa realiza (ir ao voluntariado, distribui<;ao da comunhao ao domidlio, ir as compras). " Momentos de lazer: outras ocupa<;oes que a idosa realiza (rezar, ler livros ou jornais, conversar com familiares. Num segundo momento estas actividades foram agrupadas em termos de serem realizadas dentro ou fora de casa e, finalmente, foram agrupadas em termos de exigirem mobilidade ou nao par parte da idosa. A formula adoptada para calcular as percentagens foi a seguinte: Os resultados sao apresentados e discutidos respeitando a seguinte ordem: 1. 2. 3. 4. 5. 6.
Actividades/Tarefas realizadas em casa (semanais); Actividades/Tarefas realizadas fora de casa (semanais); Actividades/Tarefas realizadas em casa (fim-de-semana); Actividades/Tarefas realizadas fora de casa (fim-de-semana); Actividades com/sem mobilidade; Tarefas realizadas sozinha e acompanhada.
5.2. Analise dos resultados Neste ponto procedemos a apresenta<;ao e interpreta<;ao dos resultados, feita em torno dos objectivos de estudo formulados.
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Da analise do piano diario de ocupa<;:ao temporal verificamos que: a idosa tern por habito levantar-se todos os dias as 8horas da manha, levando sensivelmente uma hora a realizar a sua higiene pessoal, tomar o pequeno-almo<;:o e arrumar o seu quarto; quando esta despachada, sai de casa para ir a missa e seguidamente dirige-se para o Voluntariado, onde presta auxilio aos doentes. Esta actividade e praticada de 2." a 6." feira, cerea de 2:30 minutos no periodo da manha; as actividades realizadas entre as 15:30 e as 17:30 variam de dia para dia da semana. Assim, a 2." feira, 4." feira e 6." feira a idosa realiza actividades como: fazer renda e leituras diversas; enquanto que nos restantes dias da semana (3." feira e 5." feira) executa tarefas domesticas, como limpar o p6, o chao, varrer e passar a ferro. Apresentamos no Grafico 1 o valor das actividades realizadas em casa durante a semana.
Grafico 1 - Actividades realizadas em casa durante a semana
Dormir 38%
Tarefas domesticas 8% Renda 2% Leitura 2% familia 8% V er televisao 21%
Da analise realizada sobre o tempo que a idosa despendeu em actividades realizadas em casa durante a semana pode verificar-se que a actividade que ocupa mais tempo e dormir (38%, que corresponde a 2100 minutos por semana). Consideramos o dormir no grafico, apenas por ser uma ac<;:ao realizada em casa, todavia as restantes tarefas que surgem no presente grafico e que assumem importancia para o nosso estudo, uma vez que sao actividades que revelam alguma mobilidade e autonomia por parte da idosa (21% a ver televisao, 18% a confeccionar e degustar as refei<;:6es e 2% a fazer renda e leitura).
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Apresentamos no Grafico 2 o valor das actividades realizadas fora de casa durante a semana.
Grafico 2- Actividades realizadas fora de casa durante a semana Percursos a 30%
pe
V ol untari ado 50%
Da analise realizada sobre o tempo que a idosa despendeu em actividades realizadas fora de casa durante a semana pode-se verificar que ocupa a grande maioria do seu tempo no Voluntariado (50%), sendo que ir aMissae a actividade de menor relevo. Apresentamos no Grafico 3 o valor das actividades realizadas em casa ao fim-de-semana.
Grafico 3- Actividades realizadas em casa ao fim-de-semana Refeivoes 17%
Dormir Tarefas domesticas 13%
Leitura 4% Ver televisao ; 20%
\ Conl..â&#x201A;Źrsa cl a famma 9%
Da analise realizada sobre o tempo que a idosa despendeu em actividades realizadas em casa durante o fim-de-semana, pode verificar-se que tal como durante a semana, dormir ea actividade que ocupa maior percentagem (34%),
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seguido de ver televisao (20%). A leitura e a reza aparentemente tern menor percentagem (4% e 3% respectivamente), no entanto, tendo em conta que ao considerarmos o fim-de-semana estamos apenas a referir dois dias par compara<;ao corn o resto da semana (cinco dias), verifica-se que proporcionalmente a idosa le mais ao fim-de-semana. Apresentamos no Grafico 4 o valor das actividades realizadas fora de casa ao fim-de-semana. Grafico 4 - Actividades realizadas fora de casa ao fim-de-semana Distribui<;ao da comunhao ao domicflio 15%
lda
a pra<;a 6%
Percursos a pe 39%
Passeios/Programas cl a famma 9% 31%
Da analise realizada sobre o tempo que a idosa despendeu em actividades realizadas fora de casa durante o fim-de-semana pode-se verificar que os percursos a pe que a idosa faz sao a actividade m a is relevante (39% ), seguida do tempo na missa (31 %), sendo a ida a Pra<;a a actividade menos relevante (6%). Ao fim-de-semana, a rotina da idosa revela diferen<;as pouco significativas relativamente ao plano do registo semanal. Constata-se que a idosa aproveita os sabados para fazer compras na Pra<;a, no periodo da manha que semanalmente dedica ao Voluntariado. Dedicando as tardes de sabado para passeios corn a irma e confraterniza<;ao corn a familia. Aos domingos a idosa ministra a distribui<;ao da comunhao por visita domiciliaria aos doentes. Dedica o seu tempo das tardes de domingo em programas corn a familia, semelhante ao que acontece aos sabados a tarde, aproveita ainda para se informar das noticias semanais. As actividades que a idosa realiza ao fim-de-semana sao na sua maioria de tear activo, ou seja, requerem mobilidade e esfor<;o par parte da sujeita na sua execw;ao. No periodo das 20:30 as 01:00, as actividades realizadas sao as mesmas ao longo da semana e fim-de-semana. Desta forma destacam-se tarefas como: ver televisao, rezar e por fim dormir.
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Apresentarnos no Grafico 5 o valor das actividades realizadas ern casa e fora de casa.
Grafico 5 - Actividades realizadas em casa e fora de casa Actividades fora de cas a 21%
Actividades em cas a 79%
Da analise realizada sobre o tempo que a idosa despendeu ern actividades realizadas ern casa e fora de casa, pode verificar-se que a rnaioria decorrern ern cas a (79% ), passando apenas 21% do seu tempo fora de cas a. Apresentamos no Grafico 6 o valor das actividades realizadas corn e sern mobilidade.
Grafico 6- Actividades corn e sem mobilidade
SI Mobilidade 43%
Da analise realizada sobre o tempo que a idosa despendeu em actividades com e sem mobilidade, pode verificar-se que a maior parte das actividades exigem movimento (57%), enquanto que 43% sao sem movirnento. A maioria das actividades que requerem mobilidade sao realizadas fora de casa, como sejam ir a missa, ir ao voluntariado e ir as compras, enquanto que em casa realiza menos actividades que exijam mobilidade. Apesar da idosa passar grande parte do tempo em casa continua a ter uma vida muito activa e a gostar de ocupar o seu tempo com actividades que exijam mobilidade.
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Apresentamos no Grafico 7 o valor das actividades realizadas sozinha vs acompanhada. Da analise realizada sobre o tempo que a idosa despendeu em actividades realizadas sozinha vs acompanhada, pode-se verificar que realiza a maior parte
Grafico 7- Actividades realizadas sozinhalacompanhada
33%
67%
das suas tarefas sozinha (67%). Isto e devido ao facto de ser bastante aut6noma, cuidando da sua irma e ainda, coordenando sozinha o Voluntariado. Apresentamos no Grafico 8 o valor das actividades realizadas corn e sem esforc;o.
Grafico 8- Actividades realizadas corn e sem esfon;o SI Esfon;:o 39%
Esfor9o 61%
Da analise efectuada sobre as actividades realizadas corn e sem esforc;o, pode verificar-se que a fatia do esforc;o surge corn uma percentagem consideravel (61 %), confirmando que a idosa e uma pessoa activa. E nosso entendimento que a idosa pode ser considerada bastante activa tendo em conta que grande numero dos sujeitos desta faixa etaria apresenta indices de mobilidade bastante reduzidos, ou em alguns casos mesmo inexistentes. A elaborac;ao do desenho do mapa dos locais que frequenta (ver Figura 1), permitiu-nos verificar que a idosa tern uma boa noc;ao da localizac;ao espacial dos lugares, pois desenhou sozinha o mapa subjectivo. A idosa realizou tambem urn desenho da sua habita<;ao (ver Figura 2).
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Figura 1- Mapa subjectivo dos locais que frequenta
Figura 2- Desenho subjectivo da
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habita~ao
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E de salientar que nao realizamos a entrevista de inventario, uma vez que a idosa nao tern por habito jogar, visto ter grande parte do seu dia ocupado. Assim, nao lhe resta muita disponibilidade para esse tipo de actividades. Os {micos objectos de que e proprietaria e fazem parte da ocupa~ao do seu tempo, se e que assim se podem considerar, sao a renda, a televisao e os livros/ /jornais. A televisao e os livros/jornais sao instrumentos que podem ser encarados coma inibidores de movimento, ja a renda pode considerar-se uma actividade de motricidade fina. Da analise da entrevista narrativa, foi possivel constatar todos os periodos que marcaram a vida da idosa, desde a infancia ate aos dias de hoje. Estas informa~oes foram importantes para o nosso estudo, uma vez que se tornou mais facil conhecer a idosa, em diversos dominios sobretudo a nivel da sua personalidade. A idosa em analise come~ou por ser Professora do Ensino primario e mais tarde exerceu no Ensino Secundario, estando aposentada ja ha alguns anos. Casou ja corn uma idade avan~ada (42 anos), mas o casamento apenas viria a durar quatro anos por doen~a prolongada do marido que viria a falecer. Tendo o sonho de ser mae adoptou uma rapariga, proveniente duma familia numerosa que vivia corn dificuldades, a qual criou juntamente corn a irma. Foi uma tarefa ardua, pois teve de lutar para combater as "mentiras" que a filha adoptiva contava e a sua pregui~a, mas conseguiu que se formasse em Engenharia. Depois da aposenta~ao dedicou-se ao Voluntariado, desempenhando fun~oes de Coordena~ao no Voluntariado do Hospital Amato Lusitano. E uma mulher devota, movida pela Fe, que frequentou cursos coma o de Ministra Extraordinaria da Comunhao. Podemos afirmar que esta entrevista foi deveras gratificante para ambas as partes, uma vez que para a idosa, tambem foi uma forma de se abrir connosco e navegar por periodos inesquedveis da sua vida, que e sempre importante para fortalecer o ego de uma idosa desta idade. Em rela~ao a entrevista semi-estruturada, tentamos elabora-la de forma a conhecer e perceber a sua rela~ao corn a comunidade envolvente, o que sentia relativamente aos espa~os que frequentava, se praticava exerdcio fisico, os principais gostos na sua habita~ao, como organiza o seu tempo e onde gosta mais de o disponibilizar. Esta entrevista, revelou-se de extrema importancia para o estudo, uma vez que nos informou de forma mais explicita os aspectos pertinentes da vida da idosa actualmente. Podemos constatar que a idosa, revela uma grande autonomia, relativamente a gestao do seu tempo, actividades, escolhas. Atraves do plano de ocupa~ao diario constatamos que a idosa sai de casa todos os dias de manha, deslocando-se a pe para a igreja e para o voluntariado no Hospital, realizando estes percursos frequentemente a pe. 292
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Para a!t~m das actividades realizadas fora de casa, a idosa habitualmente, durante a semana, passa os periodos da tarde em casa, realizando diversas actividades coma por exemplo, execw;ao de tarefas domesticas, leitura, renda ...
6. Conclus6es Em fun<;:ao das analises efectuadas ao longo do estudo, e passive! reunir as principais conclus6es. A idosa estudada tern 81 anos de idade, ficou viuva ha 31 anos e reside em Castelo Branco, dividindo a residencia corn a sua irma. Foi Professora do Ensino Primario e posteriormente do Ensino Secundario, encontrando-se aposentada. - A idosa realiza urn grande ntimero de actividades que requerem mobilidade, quer fora de casa (como ir a missa, ir ao voluntariado e ir as compras) quer em casa (onde realiza menos actividades). Muitas destas tarefas diarias exigem algum esfon;:o que ela consegue ultrapassar. Diariamente levanta-se pelas 08h00, saindo de casa pela manha, deslocando-se a pe para a Igreja e para o Hospital, realizando estes percursos a pe. Durante a tarde realiza actividades domesticas, ao final da tarde depois de jantar, ve televisao e reza antes de se deitar por volta da 01h00. Quando comparadas as actividades realizadas ao longo da semana corn as realizadas ao fim-de-semana verificou-se existirem poucas diferen<;as. - A idosa dedica grande parte do seu tempo, ainda que no enfraquecimento das suas for<;as, a prestar servi<;os a comunidade corn a pratica do voluntariado. E extremamente empenhada nas actividades que realiza, participando activamente na Coordena<;ao do Voluntariado da Liga dos Amigos do Hospital Distrital. E uma mulher devota, movida pela Fe, que frequentou varios cursos coma seja o de Ministra Extraordinaria da Comunhao. A idosa revela uma grande autonomia, quer em termos de gestao do seu tempo, quer das actividades e das escolhas que faz. Pela forma coma gere o seu tempo, podemos afirmar que revela total autonomia e independencia. - Quanto a sua no<;ao de espa<;o, podemos verificar que mantem uma boa percep<;ao do espa<;o onde realiza as suas actividades, pois elaborou os mapas subjectivos demonstrando urn conhecimento dos percursos. Ao compararmos o seu mapa subjectivo corn o mapa objectivo, apesar de algumas imprecis6es, percebemos que o seu desenho revela uma boa no<;ao das localiza<;6es geograficas.
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E uma
pessoa extremamente simpc'ttica e comunicativa, o que faz corn que conquiste aten<;ao e a confian<;a de todos os que a rodeiam. Possui uma personalidade forte, tendo como principais ideais a justi<;a, a solidariedade, a responsabilidade e a organiza<;ao.
7. Recomenda<;6es
As conclusoes inerentes a este trabalho apontam algumas recomenda<;6es e sugestoes que nos parecem importantes para futuras investiga<;oes neste ambito. Pesquisas a realizar poderiam ser orientadas numa perspectiva semelhantes, em que mantendo as hip6teses formuladas fosse possfvel: Na amostra - aumentar o numero de observados e/ou o numero de observa<;oes. Nos instrumentos - considerar outras formas de determina<;ao de variaveis quantitativas, que nos possam permitir urn conhecimento mais exacto das mesmas; diversificar o tipo de variaveis de estudo, por forma a que possibilitassem outros tipos de analise. No tratamento - utilizar procedimentos estatfsticos mais potentes, na sua capacidade de rejei<;ao de hip6teses nulas, que permitam maior seguran<;a nas analises. Na certeza de que as conclusoes definitivas sobre este campo de investiga<;ao ainda estao por encontrar, pensamos que so urn conhecimento mais profundo da problematica nos permitira urn melhor conhecimento da mesma, para o que aqui deixamos a nossa modesta contribui<;ao.
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ORIENTA<;OES DA POLITICA DE CUIDADOS DOMICILIARIOS: DESAFIOS E CONSTRANGIMENTOS PARA 0 SERVI<;O SOCIAL
Maria Irene Lopes B. de Carvalho Assistente Social, Docente do Curso de Servir;o Social da ULHT, Doutoranda em Servir;o Social pelo ISCTE Email: mariacarvalho21@hotmail.com
Introdu~ao
Esta comunicac;:ao pretende dar conta das novas orientac;:oes da politica de cuidados domicili<irios na Europa e em Portugal relativamente a necessidade da mesma ser integrada entre a area da saude e a area social, articulada entre os varios actores corn responsabilidade nesta area: estado, sociedade civil solidaria e familias; orientada para as expectativas das pessoas idosas dependentes e familiares cuidadores no sentido de promover a autonomia e a qualidade de vida destes. Estes prindpios exigem coordenac;:ao locaC de base comunitaria, planificac;:ao, gestao e avaliac;:ao do processo de prestac;:ao de servic;:os, profissionalizac;:ao e direcc;:ao por objectivos, h~cnicas de gestao, indicadores para o controle da gestao, trabalho de equipa, multidisciplinaridade, formac;:ao e investigac;:ao. Neste enquadramento questionamo-nos quais as implicac;:oes destas orientac;:oes para a intervenc;:ao do Servic;:o Social nesta area? Para explorar esta ideia efectuamos uma entrevista semi-dirigida a quatro coordenadores de servic;:os de apoio domiciliario em instituic;:oes particulares de solidariedade social na zona metropolitana de Lisboa. Verificamos que estas novas orientac;:oes colocam questoes ao Servic;:o Social que tanto podem constituir-se como desafios e ou constrangimentos face a exigencia da melhoria da intervenc;:ao atraves do trabalho em equipa e da utilizac;:ao de instrumentos que permitam aferir, em igual circunstancia, as necessidades das pessoas idosas dependentes e dos familiares cuidadores e simultaneamente integra-las no plano de cuidados, na sua execuc;:ao e monitorizac;:ao, construindo mecanismos de protecc;:ao efectiva. Mas tambem na mobilizac;:ao de recursos de modo a que os mesmos possam responder a multiplicidade de necessidades aferidas nos diagn6sticos corn a populac;:ao visada neste ambito da politica.
1. No~ao de cuidados e de politica de cuidados domiciliarios
Cuidar remete para urn processo multidimensional que "faz parte da vida das pessoas e envolve tarefas de prestar e de receber cuidados implicando relac;:oes e sentimentos, reciprocidade, interdependencia e custos" (Moss e Cameron, 2002:6). Este processo implica assistencia e apoio a grupos mais vulneraveis, como crianc;:as, pessoas adultas idosas e/ou deficientes nas actividades
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da vida diaria necessarias ao seu bem-estar, tanto por trabalho pago ou nao pago, como profissional ou nao profissional, podendo ser desenvolvido na esfera privada ou publica (cf. Daly e Lewis, 2000; cf. Kroger, 2001). E uma actividade que envolve rela<;:6es que implicam prestar cuidados fisicos, emocionais e relacionais, efectuados atraves de normas e quadros sociais dos que recebem e prestam cuidados no contexto comunitario 1 dando esta, visibilidade aos mesmos (Rodriguez, 2005: 112). A no<;:ao de cuidados no ambito da politica social e utilizada para identificar uma diversidade de servi<;:os que englobam varias areas, organizados em equipamentos sociais por valencias, associados ao sector publico e privado, prestados por entidades lucrativas ou nao lucrativas, e incluem tarefas de caracter social, saude e pedag6gicas, prestadas por profissionais, familia, amigos e voluntarios. Esta no<;:ao integra multiplas interac<;:6es de nfvel micro, meso e macro, corn liga<;:6es entre a esfera publica, designadamente entre as orienta<;:6es de politica na area social, sat1de e educa<;:ao e os regimes de estado, onde estao inseridos os actores sociais, determinando modos de actua<;:ao distintos e abrangendo m{!ltiplos grupos, como deficientes, pessoas idosas, doentes dependentes e crian<;:as e jovens e o cuidador familiar. A analise da politica de cuidados nesta perspectiva permite compreende-la nao s6 como "urn suporte para grupos de pessoas sem o qual nao poderiam efectuar a sua vida quotidiana, mas como urn processo de integra<;:ao na comunidade, implicando a promo<;:ao de mecanismos de bem-estar social e de qualidade de vida 2" (Kroger, 2001:7), associado a ideia de autonomia 3 â&#x20AC;˘ E neste contexto conceptual que surge a no<;:ao de politica de cuidados domiciliarios como urn dos meios privilegiados para aumentar a qualidade de vida e a autonomia dos individuos. Esta refere-se aos cuidados necessarios a manuten<;:ao da vida 1
A no-;:ao de commltnity care est<} associada a organiza-;:ao dos cuidados no Reino Unido. Actualmente, os cuidados integram complementarmente os cuidados organizados e prestados no ambito formal e inform.al. Os community care, sao da responsabilidade das municipalidades e tem como objectivo prestar uma diversidade de cuidados as crian-;:as, maes com filhos pequenos, apoio na maternidade, pessoas com deficiencia e pessoas idosas, a nivel preventivo, de reabilita<;ao e tratamento, incluem os cuidados no domicilio mas tambem os cuidados residenciais. Os community care integram cuidados sociais e de sa{\de e estao relacionados com o "social cnre" que remete para o trabalho de cuidar de pessoas dependentes e doentes, sejam crian-;:as, idosas ou deficientes. Noutros paises, a terminologia associa-se mais aos cuidados sociais do que aos cuidados de sai1de, dependendo da forma como estao orga-nizadas as politicas de cuidados as pessoas dependentes, crianc;as, deficientes, pessoas idosas ou doentes. 2 Por qualidade de vida entende-se "a percep<;ao que cada pessoa tem da sua posi<;ao no contexto cultural, sistema de valores, relacionados com os seus objectivos de vida e expectativas face a sua concretiza-;:ao. A qualidade de vida das pessoas idosas e largamente determinada pela habilidade de manter a autonomia e a independenciaY' (ALBER ET AL., 2004:1; OMS, 2002).
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Orientac;oes da polftica de cuidados domi.: desafios e const. para o
Servi~o
Social, p. 297-312
das pessoas idosas e em situa<;ao de dependencia no contexto familiar e comunitario4. Estes cuidados tern como objectivo a manuten<;ao do quotidiano familiar (Guerreiro, 2001), tendo em vista a protec<;ao, promo<;ao e autonomia das pessoas idosas em situa<;ao de dependencia e do seu cuidador familiar.
2. Orienta<;6es para a concep<;ao e concretiza<;ao da politica de cuidados
domiciliarios A no<;ao de politica de cuidados domiciliarios remete para uma charneira entre areas, responsabilidades, modos de actua<;ao e beneficiarios numa perspectiva de welfare mix. Neste sentido deve integrar duas areas fundamentais: a area da saude e area social. A saude integra os cuidados de enfermagem, de reabilita<;ao e de medicina e remete para os cuidados de saude preventivos, de tratamento, reabilita<;ao e paliativos com diferentes niveis de interven<;ao enquanto ac<;6es conjuntas pr6-activas que potenciem, no sentido de um modelo integrado e compreensivo, produtor de qualidade de vida. A area social integra o apoio psicossociale emocional do Servi<;o Social e remete para a satisfa<;ao das necessidades fundamentais, como a alimcnta<;ao, a higiene pessoal, mas tambem para as necessidades humanas, implicando um processo de autodetermina<;ao, liberdade e direito a integra<;ao social do individuo e do grupo familiar na comunidade. A area social e de saude deve ser articulada com outras respostas sociais complementares, entre os cuidados formais e os informais. Os cuidados formais devem ser organizados e prestados por organiza<;6es, que podem ser lucrativas, nao lucrativas e/ou publicas. Estas organizam cuidados em lares, residencias temporarias, assim como centros de dia e/ou de noite, centros de convivio e tambem servi<;os prestados no domidlio da pessoa idosa e suportes para a familia cuidadora. Estes equipamentos ou servi<;os tem a finalidade de desenvolver actividades preventivas da dependencia quando esta ainda nao esta instalada, mas tambem de reabilita<;ao de longo termo ou de curto prazo, assim como cuidados curativos e de longo prazo e cuidados palia---路路---
路' A etiologia da palavra autonomia esta associada a ideia de liberdade, emancipac;ao, e indepcndencia. A autonomia significa a "capacidade de controlar, enfrentar e apreender por iniciativa propria, decisoes pessoais acerca do modo de vida de acordo corn as nonnas e referencias proprias assim como desenvolver as actividades basicas da vida diaria" (Lei 39/ /2006: 299, lei de promocion de la autonomia personal Y atent,:ao a las personas en situacion de dependencia em Espanha; e OMS, 2002). Neste sentido analitico, das pessoas idosas e em situat,:ao de dependencia, a autonomia refere-se a participat,:ao e escolha do modo de vida que se quer ter implicando nesse processo o exercicio de direitos de cidadania das pessoas que se encontram dependentes fisica, psiquicas e intelectual.
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tivos, podendo ser efectuados no ambito do sector lucrativa e do mercado de servi<:;os pessoais por empregadas domesticas. Os cuidados informais sao prestados quer por cuidadores familiares quer por vizinhos, amigos e voluntarios e podem ser pagos e/ou nao pagos. A nova gera<:;ao de politica introduz a possibilidade do trabalho de "cuidar" efectuado dentro da familia ser integrado nas orienta<:;oes da politica, constituindo-se, o cuidador familiar, urn dos beneficiarios da mesma enquanto recurso complementar. A politica de cuidados domiciliaria e igualmente configurada para abranger varios grupos, como doentes dependentes e pessoas corn deficiencia, e nao apenas as pessoas idosas. Esta estrutura<:;ao da polftica de cuidados domiciliarios que aqui se propoe orienta-se para a comunidade no sentido de ser articulada e integrada assim coma para a promo<:;ao da autonomia e qualidade, significa que deve ser centrada nas pessoas, nas suas expectativas, associada a uma abordagem compreensiva. A politica deve ser coordenada e desenvolvida no ambito comunitario e responder as necessidades das pessoas melhorando a sua qualidade de vida. Requer igualmente uma responsabilidade partilhada entre os agentes implicados na concretiza<:;ao da mesma com claro predominio para os desejos e expectativas dos beneficiarios dos suportes. Exige a passagem da no<:;ao de politica de apoio no domidlio para a no<:;ao de politica de "servi<:;os e apoios no domidlio" (Rodriguez, 2005). Significa que deve incluir urn conjunto diversificado de respostas comunitarias que possam responder as m(J!tiplas situa<:;oes das pessoas quer em institui<:;oes quer no domidlio. Os cuidados no domicilio devem ser complementados corn uma ampla perspectiva de apoio e servi<:;os comunitarios e de proximidade e prestados por equipas multidisciplinares. A qualidade dos servi<:;os pressupoe que as pessoas participem activamente na escolha dos cuidados que querem receber e onde os querem receber. 0 que e que isto significa? Na pratica quer dizer que os utilizadores destes suportes devem ser entendidos coma clientes dos mesmos e que as organiza<:;oes devem funcionar segundo padroes do mundo empresarial tendo em vista a satisfa<:;ao do cliente. Esta forma de organizar os cuidados para as pessoas idosas exige coordena<:;ao mas tambem uma certa hierarquiza<:;ao dos niveis de cuidados a prestar com clara prevalencia para a dimensao da preven<:;ao primaria (Rodriguez, 2005). Segundo a autora a dimensao preventiva deve ser a base de uma piramide hierarquica, onde estao presentes por ordem de importancia, os cuidados de curto termo centrados sobretudo na convalescen<:;a e reabilita<:;ao, os cuidados de longo termo associados a manuten<:;ao de determinadas situa<:;oes agudas e dos cuidados paliativos para situa<:;oes especificas de fim de vida.
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Orienta~6es
da polftica de cuidados domi.: desafios e const. para o
Servi~o
Social, p. 297-312
3. A intervent;ao do Servit;o Social na politica de cuidados domiciliarios em Instituit;oes de solidariedade A interven~ao na area da presta~ao de cuidados exige "planifica<;ao, gestao e avalia~ao do processo de presta<;ao de servi<;os, assim como profissionaliza~ao e direc<;ao por objectivos, tecnicas de gestao, indicadores para o controle da gestao, trabalho de equipa, multidisciplinariedade, forma<;ao e investiga~ao" (Rodriguez, 2005: 118). Este procedimento e fundamental para a produ<;ao de padr6es de qualidade de vida socialmente aceitaveis para este grupo populacional. Este padrao deve responder as expectativas de vida das pessoas e inclui dimens6es afectivas, emocionais, relacionais, fisicas, materiais, desenvolvimento pessoat autodetermina<;ao e direito a integra<;ao social (Rodrfguez, 2005: 119). Foi a partir desta perspectiva que a partir da decada de noventa, com mais efectividade a partir de 2001, o governo do reino unido adoptou o plano denominado The National Service Frarnework for Older PeopleS - NSFOP 2001 (Lliffe e Drennan 6, 2004: 257-261). Este plano dirige-se a todas as pessoas com 65 e mais anos, tern a dura<;ao de 10 anos e rege-se pelos seguintes prindpios: o primeiro refere-se ao respeito pela individualidade de cada pessoa centrada na nao discrimina<;ao e na satisfa<;ao das necessidades e expectativas do mesmo. 0 segundo refere-se a concretiza<;ao de cuidados intermedios como novo conceito a que as pessoas idosas devem ter acesso. Estes incluem uma multiplicidade de cuidados inclusive cuidados em casa corn equipamentos especializados cujo objectivo e prevenir as hospitaliza<;6es desnecessarias. 0 terceiro orienta-se para a presta<;ao de cuidados baseados na evidencia implicando uma analise efectuada por especialistas e o quarto e ultimo a promo<;ao de uma vida activa e saudavel. Para a concretiza~ao destes prindpios foi adoptado urn processo de intervent;ao denominado de case managemenf consubstanciado no assessement in neds 8 isto e avalia<;ao das necessidades. Este processo efectuado por uma equipa multidisciplinar pressup6e a identifica<;ao e analise do individuo e familiar que vao beneficiar do case 1nanagement. Segue-se o assessement in neds dos beneficiarios e das necessidades dos servi<;os e urn plano de cuidados que inclua as actividades e servi~os para fazer face as necessidades diagnosticadas assim como a coordena<;ao e referenciat;ao as equipas respectivas para a implementa<;ao do plano e por ultimo a monitoriza<;ao da situa<;ao de modo a ir configurando e adaptando o plano as situa<;6es. Este processo pode sofl路er algumas 5 Este plano visa transformar o sistema de saude e social para as pessoas idosas e dependentes 6 Os autores discutem as virh1alidades do plana tendo presente o eixo a que se refere a obrigatoriedade da intervent;ao corn as pessoas que tenham 75 e mais anos. 7 Gestao do Caso. 'Avaliat;ao de necessidades.
Lusfada.
Interven~ao
Social, Lisboa, n. 0 35/2009
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Maria Irene Lopes B. de Carvalho
varia<;6es das dimens6es a aferir consoante o profissional que participe no mesmo. No caso dos medicos as vari<iveis centram-se na area da saude e se for urn assistente social centram-se nas dimens6es sociais tais como a fragilidade social da pessoa idosa o nivel de cuidados necessarios a serem prestados, a responsabilidade pelos cuidados e o nivel de satisfa<;ao dos utilizadores face aos mesmos. Os gestores dos casos no Reino Unido como em Portugal sao predominantemente assistentes sociais. 0 Servi<;o Social esta associado a interven<;ao corn pessoas mais idosas desde a sua institucionaliza<;ao, porque desde sempre as pessoas idosas constituiram urn grupo social associado a fragilidade social. A interven~ao do Servi<;o Social implica a analise do risco subjacente a cada grupo, a cada contexto, a cada realidade na qual intervem. Nesta linha de analise quisemos saber de que modo os coordenadores dos servi<;os de apoio domiciliario organizados pelas institui<;6es de solidariedade se preocupavam corn estes prindpios na sua intervenc;:ao e de que modo coordenavam o processo e procediam a interven<;ao social corn as familias de idosos e ou corn idosos a cargo. Foram efectuadas entrevistas semi-dirigidas a quatro condenadores corn forma<;ao em Servi<;o Social a trabalhar em institui<;6es de solidariedade social (ECl; EC2; EC3; EC4). Vejamos entao a percep<;ao da interven<;ao nos servi<;os de apoio domiciliario tendo em conta a perspectiva do coordenador do servi<;o corn forma<;ao em Servi<;o Social.
3.1. A
interven~ao
interven~ao
junto das familias de idosos e corn idosos a cargo: directa
Teoricamente os coordenadores dos servi<;os prestam apoio psicossocial e aten<;ao individualizada, centrada na pessoa idosa em situa<;ao de dependencia, no grupo familia e na comunidade mais alargada. Neste processo consideram as dimens6es psicol6gicas, sociais, culturais e espirituais e o modo como se podem constituir em factores de risco e factores protectores impeditivos ou favorecedores de urn envelhecimento activo (participa<;ao, satlde e protec<;ao) ou de urn envelhecimento bem sucedido. A interven<;ao profissional deve promover a autonomia (cf. Rodriguez, 2005: 112), nao de uma forma estrita relacionada corn os aspectos funcionais, mas de uma forma mais ampla enquanto direito a participa<;ao e livre escolha relativamente as decis6es que lhe dizem respeito. Segundo as coordenadoras o primeiro contacto corn o utilizador e efectuado ou na institui<;ao ou no domidlio. Este processo denominado de acolhimento para o diagn6stico incide em primeiro lugar no estabelecimento de uma rela<;ao de confian<;a; na recolha de dados pessoais, familias e de integra<;ao comunitaria e na transmissao de informa<;ao face aos servi<;os disponfveis e face aos direitos dos utilizadores.
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Lusiada.
Interven~iio
Social, Lisboa, n." 35/2009
Orienta~oes
Senri~o
da politica de cuidados domi.: desafios e const. para o
SociaL p. 297-312
Quadro I - Dimens6es sociais do acolhimento para o diagn6stico l .. nH.'t.'sso de
N'
~~coJhrmento
de
resp{)sfas
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'"''""''"""'""",. uma n:Ja~·,;lo
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ECI FC.l
Oll\·it. dialogar. s;1hcr '' pcrcurso Ouvir, dia!ngar rom o f:_nniliar Pcrc(:hcr o~ probkmas ~..:as ~..:au:-;a~
f~tmllia
Criar 1:.mpa1ia
Elll1..'Hd~r o~
Mo'>trar db.pnnihilidadc
fv1o:-.trar CiJJnprccJh<lo fat\-' an wohkma a ~rl..'scntad;.) Fate!' com que a pc~soa c~h:ja i1 Vl)ntadc- para fa!ar
prohkma.., apn.:-.,cnwdo-;
ITI; EC2: E(\1
cm ajudar de prnhk:mas rwniliaf(''> f--E-,-~.,p·c....c!--all-,-. i·-, d-c-a,-1-lL-.,-,...,.--"--l-clccd-c!-l!-.i-l~'i·L-.a-r-~-J~-i;l-!c-rc-·\-\t'~-d;:-"-P-L'-'>~;;;:-~t-l-n-HJ0-,.-o-m_o_l~(;j-·-· Rccolha
qu~;r :-.er tr;:t!_";<Hc..h.->~.,-~----::--,---------:-:-+=~=:-::--l
Hi! het.: tk idt:ntidade cnnt!'lbuinll', :..L·guran\;a ~ndal
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Idcntificu;;'h) JWS.,nal
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ECI; EC2 FC.i
ECI; EC2 EU; ITI
Sahcr o hiswrial dinil..·o 0 rdaiorio mi'Jico
ECI <h rciH.lim.;:ilhh
ECI; EC2 EC'l: EC4
~ t.k:;..pcs~~~
Comp~lrtkipa(J[i)
familiar
J)~,.·dUt.,'(t{'S fiX<b
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4
lnformat;:io lral"llli.'ida
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EC2
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di;.;ponfvci-; na inqitui\An c
disponf\"L'i'i
Modo <.k' ac~~so
SAD
Entn.:g:a de rcgulamcnto c
dabor~l\'Jo
do contrato
0 tipo de comida; n acondkionamento de a!imentos, horas de cmn:ga; funcionamcnto das marmita:-.; modo d~ ~.:ntn:ga; tipo de contacto para cntrar denim ~-a sa (chavc \)U campainhn"-)---:---:'7"---:-:---
Qucill-J" a ajudanl~ familiar: os hnnlrios~ os dia:-.~ como
t~
romo n :.crvi\·o p!\'.Stado n:<.:lamar
EC I :1T1~-'"
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EC'2
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ECI:
EC.~
N.:1o in formam a {..'.xis.tl'ncia do livro d~...·
ECI; J~C~~
lnforma ;...otm.~ ih cnnta<.:tns instihH.'ionais e o modo contacwr Mostra disponihilidadl...' p:tra t'('-;olth;~1o de problrmas qLll' surj<l!H duramc a prc~ta\J.o dns
J:('J; ECJ
·os lnftmna a
EC I
St'f\'i
cxist~ncia
Jo livro de n:dama\(;cs c
llln:-.tra dispnnibilidad~ p:mi ir quando cl a quer n~damar
Fonte: entrevistas semi-dirigidas
Lusfada.
Interven~ao
bu~rar
EC4
a rx:ssoa
a coordenat;;ao do SAD
Sociat Lisboa, n. 0 35/2009
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Maria Irene Lopes B. de Carvalho
As dimensoes mais valorizada por todas as coordenadoras referem-se ao pedido de informac;:ao de dados pessoais e familiares, relativamente asituac;:ao de saude e economica assim como a ideia de estabelecimento de uma relac;:ao de confianc;:a corn o utilizador. A dimensao menos valorizada prende-se corn aspectos relacionados corn o nivel de integrac;:ao social assim como a informac;:ao transmitida face aos servic;:os disponiveis. Associado ao acolhimento esta o registo dos factos observados em ficha propria. Esta ficha inclui varios itens que vao desde a identificac;:ao pessoal e familiar; a escalas de medic;:ao da dependencia; ao historico da prestac;:ao dos cuidados e ao contrato de prestac;:ao de cuidados.
Quadro 11 - Conteudos da ficha do processo social Conteudos da flcha do processo pessoais Dad os familia res
e
Escalas de medi~;ao da dependencia Histllrico cl a dosenh;o
Contrato
presta~;ao
N" de respostas
Foto
ECI
ECl
Contactos pessoais Momdas de farniliares Contacto de pessoa de referenda
ECl ECI
Situa.;:fto econ6mica (receitas e despesas) Situa<;ao de saudc e mcdicao;:ao
ECI ECl
Tipo de alimcnta~t\o
ECI
Dependcncia ffsica. cognitiva e intelcctual
ECI
Sol idao e isolarncnto
EC3; EC4
Regis to dos contactos
ECI
Ponto da situw;:ao
ECI
Servi,:os prest<rdos
EC4
Cornparticipa<;fto
EC4
Fonte: entrevistas semi-dirigidas
a coordcna<;ao do SAD
0 registo em ficha propria ainda nao e valorizado pela coordenac;:ao, parque nem todos evidenciam esse processo nas respostas. Decorrente da analise das situac;:oes a coordenac;:ao elabora urn piano de cuidados sob a forma de contrato de prestac;:ao de servic;:os. 0 plano inclui varios componentes: o servic;:o prestado; a organizac;:ao dos cuidados; a identificac;:ao da pessoa que o presta; o custo dos cuidados; as expectativas dos utilizadores e a avaliac;:ao do processo.
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Luslada.
Interven~ao
Social, Lisboa, n." 35/2009
Orienta~6es
da polftica de cuidados domi.: desafios e const. para o Servi<;o Social, p. 297-312
Quadro Ill- Componentes do piano de cuidados N"
Componcntcs do
Integnu;iin do
I ntegra<;iio da
piano de cuidados
utilizador
familia cuidadora
respostas
Nao
ECl; EC2; ECJ
Seni\os prestados
Tipo
d~
cuidados (higienc, ajuJas tecnicas, cuidados continuados; limpcza do domicilio e servi~os aliment~H;Ii.o,
de
--::-------路-路----路t-e~xtc~r.c:n<~J~'--.,..-----~路-if--:-:-------~---+=~-==:-::----! Organiza~.;iio do proeesso de Dias e hora' d; pn:stac;ao Nao E( 'I; EC2 presla<;iio dos ('Uidados Pessoa
IJlH?
presta apoia
Nao
EC2
Valor a pagar por cada scrvi<;n
Nao
EC2
Ouvir
Prcvalece familia
Nao
Famflia ~upcrvisora
ldenlificac;ilo da pc>Soa que pr~sta
0 custo dos culdados
Expectativas utilizadores
dos
Avalht<;iio du prncesso de prestar cuidados
fonte: entrevistas semi-dirigidas
o apoio ou pessoas
a
vontade
da
ECI: EC2; EC3 ECI
a coordenac;:ao do SAD
Numa analise mais cuidada as respostas verifica-se que o piano e elaborado pela coordenat:;:ao centrado nas denominadas necessidades do utilizador "per si" mas sem interferencia deste. Os cuidados a prestar dirigem-se exclusivamente a pessoa idosa e nao ao familiar cuidador, quando existe. No piano efectuado a expectativa dos familiares prevalece face a vontade das pessoas idosas. Os familiares tornam-se supervisores dos cuidados prestados pelo SAD. Quando se iniciam os servit:;:os procede-se ao acompanhamento do processo de prestat:;:ao dos cuidados. Verifica-se que este processo e efectuado em tres modalidades: nas reunioes periodicas corn as ajudantes de act:;:ao directa; na analise dos registos dos cuidados prestados e nas visitas domiciliarias. Contudo a primeira e a ultima sao predominantes no processo de acompanhamento. Quadro IV - Modalidades de acompanhamento do processo de interven<;ao Modalidade de acompanhamento do processo
Reuniocs pcri6Jicas corn as <~judantcs de ac<;ao Jirecta Analise dos registos de prest:wao dos cuidados visitas domicilhlrias, contactos telef6nicos (situa<;oes de fracrilidade social) Fonte: entrevistas semi-dirigidas
Lusfada. Interven<;ao Social, Lisboa,
No de respostas
ECl; EC2: EC3; EC4 ECI ECl; EC2; EC3; EC4
acoordenac;:ao do SAD !1.
0
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Maria Irene Lopes B. de Carvalho
Existe tambem a preocupa<;:ao em efectuar o acompanhamento em casos espedficos que se prendem corn situa<;:ao de depressao ou stress familiar; apoio em situa<;:oes de luto e na preven<;:ao da violencia. No entanto esses apoios sao esporadicos e dirigidos exclusivamente para as pessoas que manifestem esses problemas. 0 coordenador remete as respostas em casos de depressao ou stress ao cuidador para outras institui<;:oes da comunidade. Contudo nos casos de luto e de violencia existe uma aten<;:ao mais substantiva do Servi<;:o Social nomeadamente na denuncia das situa<;:oes de violencias a entidades competentes e na procura de outras respostas que promovam o bem estar do utente.
Quadro V- Apoio social em Situa~oes
familiar
Apoio ao luto
ou
Stress
especificas N" de respostas
Proccdimcntos
especificas
Dcprcssl\o
situa~oes
I Encaminha para a Psk61oga do Ccntro de Saudc
ECI
Apoio Social
ECI
Apoio da Psic61oga
EC4
i\poio da Ajudantc Familiar /Acc;ao Dirccta
EC3
Apoio da Estagiaria de Psicologia
EC2
Participa no vel6rio c missa
EC2
Condo!Cncias
I EC I; EC2; EC4
Contacta o familiar sobrevivo para integrar os servi<;os da
I
ECI: EC3
institui<;iio Mobiliza a fatnflia para anoiar o idoso competentcs
Encaminha para Jar
---路--Nuo responde Fonte: entrevistas scmi-dirigidas
EC2
a coordenac;ao do SAD
Em suma verifica-se que o processo de interven<;:ao directa centra-se na pessoa per si, descurando outras dimensoes mais alargadas do individuo como a interac<;:ao corn o grupo familia, de vizinhan<;:a, de recursos institucionais entre outros. Habitualmente o diagn6stico ou o assessement in neds centra-se nas necessidades do individuo tendo como referenda os servi<;:os que necessita e nao as "reais necessidades" do utilizador numa perspectiva alargada. Esta modalidade de ac<;:ao impulsiona uma certa adequa<;:ao dos recursos existentes a pessoa que recorre ao mesmo. Significa que ha uma adequa<;:ao da pessoa ao servi<;:o, e esta usufrui dos cuidados que sao possiveis prestar pela institui<;:ao. 0 centro da interven<;:ao nao e o utente mas os recursos existentes, pois a satisfa<;:ao das suas necessidades depende da disponibilidade dos mesmos.
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Podemos tambem inferir que o acompanhamento social e efectuado em fun<;:ao da maior fragilidade social por isso nem todas as pessoas usufruem desse acompanhamento. Nao existe uma avalia<;:ao final do processo sobretudo quando os utilizadores nao necessitam mais dos cuidados. Ao contrario do modelo de politica de cuidados, defendida anteriormente, centrado na comunidade e na autonomia do cidadao, este tipo de interven<;:ao coloca o servi<;:o, enquanto recurso, coma o centro da ac<;:ao e nao o utilizador dos servi<;:os. Neste sentido considerar-se que o mesmo nao promove a autonomia do utilizador. 3.2 -A coordena<;ao da equipa: interven<;ao indirecta
Os coordenadores dos servi<;:os de apoio domiciliario tem como fun<;:ao a gestao do caso e a coordena<;:ao da equipa prestadora dos cuidados. Estas equipas sao maioritariamente compostas por Assistentes Sociais e ajudantes de aq:ao directa/ajudantes familiares.
QuadroVI- Composi<;ao da equipa ECI
EC2
EO
EC4
I Assistcntc Social 7
I Assi,tente Social :'i
I Assbtcntc Social l:'i
I A~sistcntc Social
Auxiliarcs de Ajudantc~ familiMc~
0
0
()
6
TCcnko de Fisiotcrapia
()
0
Total
8
(J
17
18
Profissionais a tempo integralna equit>a
Total
de prest<wao de cuidados C'wrdcnadoras do SAD familiarcs ou Direcw
AjlHlant~s
Ac~ao
Ajudantcs
de
Fonte: entrevistas semi-dirigidas
10
49
a coordena<;ao do SAD
Em todos os servi<;:os de apoio domiciliario estudados as ajudantes de ac<;:ao directa apresentam-se em maioria relativamente a outras forma<;:oes. Num servi<;:o existem ainda as auxiliares de ajudantes familiares e em dois servi<;:os tecnicos de fisioterapia. Corn esta estrutura<;:ao pode questionar-se ate que ponto existe multidisciplinaridade? Estas equipas sao disciplinares e nao multidisciplinares pois falta-lhe outros saberes tais como o do enfermeiro, do medico, do psic6logo e do terapeuta entre outros. Corn recursos humanos escassos vejamos o que fazem os coordenadores do SAD, assistentes sociais entrevistados. Urn das fun<;:oes e supervisao da presta<;:ao dos cuidados pela equipa de ajudantes familiares. Este procedimento e predominantemente efectuada em reunioes de equipa complementadas corn outros instrumentos tais como as visitas domiciliarias, conversas informais e o registo do servi<;:o prestado.
Lusiada.
Interven~ao
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Quadro VII - Supervisao dos cuidados Supervisao dos cuidados
N" de respostas
Nas reunioes de equipa
EC l; EC2: ECJ
Yisitas domiciliarias
EC2; EC4
Convcrsas informais com as Registo do
servi~;o
;~juclantes
EC3
prestaclo
Fonte: entrevistas semi-dirigidas
ECI: EC4
a coordenac;:ao do SAD
Das modalidades identificadas pela coordena~ao as mais frequente sao as reunioes de equipa. Como ja vimos anteriormente relativamente ao acompanhamento da interven~ao, as reunioes constituem o meio privilegiado para avaliar o processo de presta~ao dos cuidados: Estas reunioes sao efectuadas semanalmente. Os assuntos tratados nas reunioes vao desde assuntos pessoais associados a conflitos da equipa, ao ponto da situa~ao face a presta~ao dos servi~os, a planifica~ao dos servi~os e a defini~ao de objectivos e tarefas. Quadro VIII - Assuntos tratados nas reunioes de equipa Assuntos tratados nas reuniOes
N" de respostas
Gestiio de conflitos/cocsilo da cquipa
EC!; EC2: EC3
Analise dos casos /ponto cla sitmH;iio
ECl; EC2; EC4
Dcfinir objcctivos de trabalho requeridas para os mesmos
c
as
compctencias
EC2; EC4
Planificac,;iio do scrvic,;o c dcfinic,;ilo de tarcfas
EC2; EC4
Apresentac;:ilo de novas situac;:oes
ECl
Qucst6es eticas
EC2
Melhorur os scrvic,;os
EC4 路---路---------------
Fontc: entrevistas semi-dirigidas
a coordenac;:ao do SAD
A supervisao da presta~ao de cuidado, ou a monitoriza~ao dos cuidados, e efectuada atraves do olhar das ajudantes familiares, isto e da percep~ao que cada uma tern do caso em questao. Existe pouco espa~o para efectuar visitas
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Interven~ao
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Orienta<;6es da politica de cuidados domi.: desafios e const. para o Servic;o Social, p. 297-312
domiciliarias ou adoptar outros procedimentos para aferir a expectativa ea avalia<;:ao do utilizador face ao servi<;:o prestado, que permitam cruzar a informa<;:ao fornecida pela ajudante familiar ou de ac<;:ao directa No fundo sem instrumentos precisos nem outros meios para aferir o discurso destes profissionais torna-se diffcil a coordena<;:ao efectuar a gestao do caso tendo em conta as expectativas dos utilizadores. Na verdade a ajudante familiar torna-se neste processo a pessoa que presta os cuidados e efectua a supervisao e avalia<;:ao do processo.
Para concluir Em suma a politica de cuidados e de cuidados domiciliarios em Portugal tem tendencia e seguir os guidelines europeus e mundiais relativamente aos cuidados a prestar as pessoas idosas dependentes nomeadamente: potenciar 0 metodo aberto de coordena<;:ao no sentido reconfigurar novas formas de ac<;:ao e de financiamento nesta area; aumentar a participa<;:ao das mulheres no mercado de trabalho sobretudo na area dos cuidados, promover servi<;:os de apoio a familia cuidadora; promover a forma<;:ao no sentido de qualificar os servi<;:os; aumentar a dura<;:ao dos cuidados a prestar as pessoas idosas e aos familiares cuidadores; optimizar os recursos existentes e criar novas modalidades incluindo o pagamento dos cuidados familiares prestados; incluir servi<;:os de suporte psicologico e informativo as familias; investir em centros especializados de apoio para as pessoas com demencias assim coma adoptar metas de avalia<;:ao e monitoriza<;:ao da presta<;:ao dos servi<;:os adoptando standards de qualidade (cf. Mestheneso e Triantafillou, 2005). Contudo no nosso pais existe ainda muito a fazer nesta area. Pois apesar de existir uma lei de cuidados continuados os servi<;:os de apoio domiciliario existentes no ambito da solidariedade social tem algumas fragilidades como por exemplo uma coordena<;:ao efectiva dos suportes; uma organiza<;:ao do processo de presta<;:ao que enuncie indicadores precisos que sejam possiveis efectuar diagnosticos multidisciplinares e que sejam passiveis de medir, isto e operacionalizar num piano de ac<;:ao; a qualifica<;:ao dos recursos humanos e recursos logisticos substantivos e a articula<;:ao entre as institui<;:oes com recursos complementar, assim como promover uma cultura de participa<;:ao dos utilizadores dos servi<;:os nas decisoes que lhes dizem respeito.
Bibliografia ALBER, Jens, JAN DELHEY, WOLFGANG KECK, e RICARDA NAUENBURG, (Eds.) (2004), Quality of Live in Europe, First European Quality of Live Survey 2003, Luxembourg, Office for Official Publications of the European Communities. DALY, Mary, e JANE LEWIS (2000), The concept of social care and the analysis of contemporary welfare states, British Journal of Sociology, nY 51 (2), pp. 281-298.
Lusiada. Interven<;ao Social, Lisboa, n. 0 35/2009
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Maria Irene Lopes B. de Carvalho
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PAINEL 5 "INTERVENc;AO SOCIAL COM AS CRIANc;AS"
INTERVEN<;AO COM CRIAN<;AS
Dulce Rocha Instituto de Apoio a Crian~a
Falar de interven<;:ao social corn crian<;:as depois das comunica<;:6es de dois dos mais talentosos especialistas nacionais nesta area da protec<;:ao das crian<;:as e particularmente diffcil, p01路que ha 0 risco de repetir ideias, mas e tambem um desafio e uma oportunidade, na medida em que procurarei abordar o tema sob uma perspectiva mais pratica. 0 exercicio das minhas fun<;:oes caracterizou-se sempre por uma liga<;:ao profunda ao quotidiano da ac<;:ao, quer na magistratura, quer nas Comissoes Nacionais a que tive a honra de presidir (primeiro na CN dos Direitos da Crian<;:a, depois na CNPCJR), quer agora no Instituto de Apoio a Crian<;:a e, assim, como, necessariamente, foram diversas as nossas experiencias, procurarei nao vos desiludir. Pensei entao transmitir-vos a aprecia<;:ao que fa<;:o da importancia da ac<;:ao do Servi<;:o Social no ambito da protec<;:ao das crian<;:as em risco, que tem sido a minha area de trabalho desde ha cerea de vinte anos. A minha experiencia no Tribunal de Menores de Lisboa, onde iniciei o exerdcio de fun<;:oes em Julho de 1991 foi muito enriquecedora. Foi atraves dela que tomei contacto com um conjunto vasto de casos, designadamente de maus tratos cuja gravidade reclamava a maior urgencia na decisao, mas foi tambem ai que tomei consciencia de que a decisao justa exigia um conhecimento profundo da situa<;:ao familiar. Sei que ontem ouviram ja a Or" Milice Ribeiro dos Santos e a Dr." Lama Telles falar da interven<;:ao social com familias e por isso esta facilitada ja a conclusao que vos avancei, mas nunca sera demais salientar que o sucesso da interven<;:ao com a crian<;:a depende decisivamente do conhecimento que se tem sobre a sua familia, das suas capacidades, das suas competencias, e sobretudo da rela<;:ao que se estabeleceu entre a crian<;:a e a sua familia. Ou seja, nas mais diversas situa<;:oes, embora deva esclarecer melhor que se tratava de casos participados coma de perigo para a saude, seguran<;:a ou bem-estar das crian<;:as, era manifesto que nao bastava fazer uma fotografia estatica do facto que determinara a interven<;:ao. Mostrava-se indispensavel obter informa<;:ao rigorosa sabre as condi<;:oes sociais da familia e que permitisse perceber as interac<;:6es entre todos os membros do agregado familiar. Ora, era justamente esta visao, tipo filme em movimento, que s6 os relat6rios dos tecnicos de Servi<;:o social possibilitavam, e que habilitavam o Tribunal a proferir uma decisao justa e segura.
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Assim, e basicamente por reconhecer a importancia do trabalho prestado pelos tecnicos de servi<;:o social na area das crian<;:as em risco que entendo da maior actualidade este congresso. Digo risco, pm路que quase sempre o risco social antecede o perigo e inttmeras vezes havia ja urn acompanhamento anterior por parte de tecnicas de servi<;:o social, antes de ter sobrevindo o facto que motivou a participa<;:ao. Saliento, mais uma vez, que obtive a confirma<;:ao da indispensabilidade do vosso trabalho em todas as fun<;:6es que exerci relacionadas corn a protec<;:ao das crian<;:as, quer no Tribunal, quer nas Comiss6es Nacionais, mas foi tambem af que me apercebi da importancia de dois prindpios fundamentais para o sucesso: Urn tern a ver corn a necessidade de uma interven<;:ao nao intrusiva, respeitadora das dinamicas proprias de cada familia, e da sua privacidade. 0 outro diz respeito a interven<;:ao de coopera<;:ao. Coopera<;:ao corn as famflias, procurando buscar tudo o que se possa traduzir em capacidades, para desenvolver as suas competencias, designadamente parentais, e coopera<;:ao corn outros servi<;:os ou institui<;:6es da comunidade. Isto leva-nos a uma abordagem corn o objectivo da responsabiliza<;:ao das familias, atraves de uma cultura participativa que vise a sua progressiva qualifica<;:ao para a autonomia. E afinal o que se chama "empowerment". E a observa<;:ao sistematica dos casos e os estudos de investiga<;:ao-ac<;:ao que se tern feito vem conduzindo a conclusao no sentido de que nao havera sucesso sem posturas de coopera<;:ao, visto que ela implica a informa<;:ao, vista como urn direito, e so assim podera chegar-se a responsabiliza<;:ao, que pressup6e, para ser adequada, o respeito pelo prindpio da interven<;:ao minima, que todos vos tao bem conhecem e que significa que so devera ser feita a interven<;:ao que seja indispensavel. Por outro lado, se for viavel, sera sempre preferfvel a obten<;:ao de consenso. Essa e a via que a Lei de Protec<;:ao da Crian<;:as e Jovens em Perigo decididamente diz que deve escolher-se sempre que possivel. No entanto, isto nao significa que num contexto de viola<;:ao efectiva de direitos, ou de perigo, ou ate porventura em situa<;:6es caracterizadas por uma pluralidade de factores de risco nao se imponha uma actua<;:ao que, por visar a protec<;:ao da crian<;:a pode nao passar pela via consensual. E que o primeiro prindpio a que deve obedecer a interven<;:ao social corn crian<;:as e justamente 0 do "superior interesse da crian<;:a", que significa que, sem prejufzo da considera<;:ao devida a outros interesse legitimos, devera atender-se prioritariamente aos interesses e direitos da crian<;:a. Este e urn conceito indeterminado por natureza, mas e aconselhavel que se procure concretiza-lo, ou talvez melhor, densifica-lo, atraves da consagra<;:ao
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corn
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legal expressa do maior numero passive! de direitos da crian<;:a que consideremos fundamentais de acordo corn os conhecimentos cientificos actuais. De qualquer forma, enquanto nao houver consagra<;:ao expressa, sera importante que os prindpios orientadores da interven<;:ao sejam interpretados de uma forma actualista e que se tenha em aten<;:ao que o "superior interesse da crian<;:a" integra, por exemplo, o direito a ser ouvida sobre os assuntos que !he digam respeito. Na verdade, nao obstante o prindpio da audi<;:ao obrigatoria, sao conhecidas as dificuldades que sao sentidas pelas crian<;:as em todos os estudos realizados, nao apenas entre nos, como tambem a nivel internacional, em fazerem ouvir a sua voz. Aquando da revisao do Codigo Civil, ha 30 anos, Portugal foi pioneiro na consagra<;:ao desse direito. So onze anos depois, em 20 de Novembro de 1989, a Conven<;:ao sobre os Direitos da Crian<;:a viria a dar uma enfase especial a estes direitos de participa<;:ao, que se revelam essenciais para a aceita<;:ao das decisoes. Dez anos depois, a nossa Lei de Protec<;:ao veio refor<;:ar este direito, atraves do prindpio da audi<;:ao obrigatoria, mas a pratica nem sempre tern correspondido a essa visao da crian<;:a como sujeito autonomo titular de direitos. Respeitar este direito a participar nas decisoes sobre o seu destino e, nao so uma exigencia legal, como preteri-lo representa, por vezes, urn enorme sofrimento para a crian<;:a, que assim se ve desconsiderada, sem direito a palavra. Queria falar-vos tambem de outro aspecto, cada vez mais relevante para contextualizar a crescente imporHincia do vosso trabalho: como sabem, tern havido nos ultimos anos, urn movimento grande de desjudicializa<;:ao de diversas materias que antes eram tratadas obrigatoriamente nos Tribunais e passaram a ser da competencia de instancias decisorias de natureza nao judicial, administrativas ou comunitarias. Ha, alias, agora uma grande discussao sobre a legitimidade destas novas instancias, discussao essa, patrocinada pelo Dr. Marinho Pinto, Bastonario da Ordem dos Advogados, que nao se conforma corn a dimensao dessa desjudicializa<;:ao. Eu propria confesso ter alguma dificuldade em aceitar a extensao de todas estas reformas, na medida em que defendi corn bastante convic<;:ao a necessidade de criar Tribunais especializados, onde estivessem colocados Magistrados corn forma<;:ao espedfica, designadamente na area de Familia e Menores, que e ainda hoje a designa<;:ao legal, pese embora nao me identifique corn a palavra "menores", quase duas decadas depois da aprova<;:ao da Conven<;:ao sobre os Direitos da Crian<;:a. Mas como referi, no entendimento dos que, como o Senhor Bastonario, acham demasiado extensa a desjudicializa<;:ao que se tern vindo a operar na sociedade portuguesa, deveria haver materias sob reserva dos Tribunais, sempre
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que estejam em causa conflitos graves sobre valores essenciais da vida em comunidade. Tenho dito que a natureza dos factos e que deveria determinar as competencias das instancias de decisao e nao a vontade daqueles que deram causa a interven~ao.
No caso de viola~oes graves dos direitos das crian~as pelos pais, por exemplo, maus tratos graves, abusos sexuais, ou abandono de recem-nascido, em que ha urn conflito de grande significado entre o agressor e a crian~a, e em que e pouco provavel a obten~ao de consensos, parecer-me-ia justificar-se a tal excep~ao da reserva dos Tribunais, porque me e dificil aceitar que dependa da vontade do agressor a escolha da instancia de decisao. Estou convicta que o tempo ha-de demonstrar que porventura teremos ido longe demais na desresponsabiliza~ao dos Tribunais, que sao afinal os 6rgaos de soberania que as sociedades civilizadas criaram para a resolu~ao dos conflitos entre as pessoas. Mas porque jamais as leis imperfeitas devem ser justifica~ao para alguem que se propos ajudar as crian~as, temos de seguir em ÂŁrente. E o que e certo e que estas reformas se traduzem na atribui~ao de uma cada vez maior responsabilidade aos tecnicos de servic;:o social. Na area da intervenc;:ao social corn crianc;:as, os Tecnicos de Servi~o Social nao deixaram de desempenhar as fun~oes que habitualmente lhes estavam cometidas, mas agora tern outras, visto que fazem parte de urn vasto conjunto de instancias de decisao, que sao as Comissoes de Protecc;:ao de Crian~as e }ovens. As CPCJ sao urn verdadeiro chamamento a responsabilidade social e a cidadania. Como entidades oficiais, corn uma composic;:ao interinstitucional e interdisciplinar~ sao centros privilegiados que promovem uma cultura de partilha e de trabalho em parceria, o que e urn extraordinario desafio comunitario, em que a etica do cuidar merece especial referenda. Sao, de facto, fun~oes muito exigentes, visto que as Comissoes de Protecc;:ao sao chamadas a decidir sobre urn vasto conjunto de materias e em situac;:oes de manifesta gravidade. 0 arU 3.Q da Lei de Protecc;:ao de Crian~as e }ovens em Perigo menciona de uma forma nao taxativa situac;:6es que evidenciam urn perigo para a crianc;:a. No entanto, nao obstante a enumera~ao seja a titulo exemplificativo, o Instituto de Apoio a Crian~a, em documento que apresentou no Parlamento, defendeu que a redacc;:ao deste preceito revelava a adop~ao de urn conceito restrito de perigo, muito associado a vitima~ao de crianc;:as, nao se favorecendo assim a preven~ao. For isso, o Instituto de Apoio a Crian~a preconizava nesse documento uma ponderac;:ao sobre a necessidade de consagrac;:ao legal expressa de outras
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situa<;oes indiciadoras de perigo alargando o seu ambito, por forma a conferir-lhe urn conteudo preventivo. Sao situa<;oes menos obvias, sob o ponto de vista do perigo, por nao ter havido ainda viola<;ao de direitos, mas que nem por isso deixam de representar urn enorme sofrimento para as crian<;as se nao se tiver em conta o seu superior interesse e nao e claro que possam ser integradas em qualquer das alineas do art.Q 3.Q da Lei de Protec<;ao. Trata-se dos casos em que a protec<;ao da crian<;a passa por evitar rupturas afectivas, cujas consequencias podem causar graves prejuizos no desenvolvimento harmonioso da crian<;a. 0 Tecnico de Servi<;o Social e pois, nao so chamado a prestar toda a informa<;ao relevante, como e mesmo interpelado a pronunciar-se e por vezes a tomar parte activa na decisao sobre a forma de prevenir esses danos, quando pela experiencia e sobretudo corn base nos conhecimentos actuais da ciencia, e previsivel que a descontinuidade traduzida na mudan<;a de guarda, por exemplo, venha necessariamente a determinar serias perturba<;oes a nivel psiquico. Dai a ideia (que teve muitos precursores, entre os quais o Cons. Armando Leandro que acha que a lei integra ja esse direito, atraves de uma interpreta<;ao sistematica), de reflectir sobre a necessidade de clarificar melhor o conceito de superior interesse, propondo a consagra<;ao legal expressa do direito da crian<;a a preserva<;ao das suas rela<;oes afectivas profundas estruturantes e de referenda. 0 Instituto de Apoio a Crian<;a propos, por isso, que fosse introduzida uma nova alinea no art.Q 4.Q da Lei de Protec<;ao (sobre os prindpios orientadores da interven<;ao) que consagrasse o prima do da continuidade das rela<;oes afectivas profundas, por forma a respeitar aquele direito. Por tudo isto, vemos que e essencial trabalhar em equipa, porque ha materias corn as quais nao estamos tao familiarizados e sobre as quais nao temos conhecimentos suficientes que nos habilitem a uma decisao adequada e justa. Durante todo o meu exerdcio, aprendi que era indispensavel obter informa<;ao privilegiada sobre a qualidade das rela<;oes familiares. Muitas vezes, era absolutamente vital a avalia<;ao psicologica da situa<;ao, pelo que o relatorio social tinha de ser complementado pelo psicologico e casos havia em que por se indiciar comportamento patologico nos intervenientes se mostrava tambem necessaria recorrer aos peritos da psiquiatria. A consciencia de que os varios saberes nao se confrontam, mas se complementam e tambem valiosa, p01路que por vezes podera haver a tendencia para nos considerarmos donos do conhecimento sobre urn caso, quando ja tivemos urn semelhante, por exemplo, sobretudo se formos pressionados pela urgencia. Mas tenho a certeza de que quanto mais soubermos, mais respeito teremos pelos conhecimentos dos outros e uma coisa e certa tambem: quanto mais
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aprendermos, melhor qualidade teremos nos nossos diagn6sticos e mais facilmente pediremos ajuda, nos casos mais complexos. Assim, e tambem corn agrado que felicito este Congresso tambem pelos subtemas que escolheu, pois vejo que ha urn painel espedfico para reflexao sobre a forma<;:ao e os desafios do servi<;:o social no sec. XXI. Tudo afinal para que como dizia Jorge de Sena saibamos homenagear em cada dia a "honra de estarmos vivos".
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APOIO FAMILIAR E ACONSELHAMENTO PARENTAL
Tania Martins - Passo a Passo Associar;iio de Ajuda Psicossocial Email: passoapasso@sapo.pt passoapasso.sintra@sapo.pt Site: www.passoapasso.org
ÂŤResposta social vocacionada para o estudo, a preven~ao e o apoio socio-terapeutico a crian~as e jovens em situa~ao de risco social ou de perigo, bem como as suas familias. A interven~ao centrada na familia, atraves de uma abordagem integrada dos recursos da comunidade e e desenvolvida por equipas multidisciplinares, tendo em vista a melhoria da qualidade de vida da popula~ao alvo ... uma resposta inovadoraÂť
e
(Ministerio da Segumnr;a Social, 2004)
1. Quem Somos Somos uma Institui<;:ao de Solidariedade Social, reconhecida como IPSS (Institui<;:ao Particular de Solidariedade Social ) pelo Decreto-Lei n.Q 118/02 de 22 de Maio de 2002. A "Passo a Passo" surge como resultado de varias preocupa<;:oes e inquieta<;:oes por parte de urn grupo de profissionais de Saude e de Justi<;:a, que tern como ambi<;:ao prevenir a institucionaliza<;:ao de crian<;:as atraves de urn apoio multidisciplinar prestado as familias e suas crian<;:as consideradas em risco psicossocial. Esta Associa<;:ao, sem fins lucrativos, pretende que o maior numero de crian<;:as e familias, usufrua deste apoio construido para elas e corn elas.
2. Missao Prevenir o abandono efectivo, a ausencia de figuras parentais, a fragilidade psicossocial ou mesmo a delinquencia infanto-juvenil. Em Portugal, mais de 16 mil crian<;:as encontram-se institucionalizadas. Provem de familias socialmente fragilizadas, impossibilitadas de promover e assegurar o bem-estar e afecto necessarios ao desenvolvimento dos seus filhos. Este e urn numero dramatico que tern vindo a aumentar. Nas maternidades e hospitais, nascem diariamente crian<;:as em situa<;:ao de risco social. Logo ap6s o nascimento, ficam a aguardar que surja uma vaga
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em instituic,;oes sociais para onde sao posteriormente encaminhadas. E urn problema grave, principalmente para a integridade psicol6gica da crianc,;a que se ve privada de afecto e acompanhamento da famflia, fundamental para o seu desenvolvimento humano. Para prevenir a institucionalizac,;ao de crianc,;as e os problemas que daf possam surgir, a Associac,;ao "Passo a Passo" presta apoio as famflias corn dificuldades, logo ap6s o nascimento da crianc,;a, de forma a que estas assumam corn afecto e efectiva responsabilidade a educac,;ao dos seus filhos.
3. Objectivos A Associac,;ao "Passo a Passo" visa: • Estabelecer de imediato uma relac,;ao crianc,;a/famflia, nas situac,;oes consideradas em risco psicossocial; • Promover e defender a dignificac,;ao da maternidade e paternidade; • Proteger a crianc,;a e o jovem corn vista ao seu desenvolvimento integral; • Proteger a famflia, tendo em vista a efectivac,;ao de todas as condic,;5es que permitam a realizac,;ao pessoal de todos os seus membros; • Colaborar corn os pais e as maes, promovendo a realizac,;ao da relac,;ao de vinculac,;ao; • Prevenir a institucionalizac,;ao infantil.
4. Popula-;ao-Alvo • Crianc,;as e Famflias em Risco
5. Servi-;os Atraves de urn conjunto integrado de servic,;os, a Associac,;ao "Passo a Passo" ajuda a criar as condic,;oes psicossociais necessarias a urn desenvolvimento equilibrado da crianc,;a. • Possui equipas multidisciplinares formadas por: Assistente Social, Psic6loga, Educadores, Enfermeiros e Nutricionista; " As equipas funcionam junto das famflias das crianc,;as como referenda de apoio; • Presta apoio domiciliario; " Suporte material, que passa por apoio em: medicamentos; alimentos; roupas; transportes; generos ...
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• Assistencia cornportarnental - Ajudar a realizar tarefas, desbloquearnento de situa<_;oes ligadas a questoes de ernigrantes ilegais; desernprego; acesso a servi<;o de saude e outros. • Apoio ernocional/aconselharnento. • Colabora corn varias universidades e institutos na orienta<;ao de estagios, trabalhos de investiga<;ao das licenciaturas de servi<;o social e psicologia.
6. Area Geografica Abrangida • • • •
Lisboa Loures Arnadora Sintra
7. Protocolos/Parcerias Estabelecirnento de protocolos corn: * Associa<_;ao Ajuda de Ber<;o(2001); * Associa<;ao de Ajuda ao Recern-Nascido da Maternidade Alfl·edo da Costa (2001); * c&irnara Municipal de Lisboa (2003); * Ministerio da seguran<;a Social (2004); * Associa<_;ao Hurnanidades (2005); * Servi<;o de Pediatria do Hospital Fernando da Fonseca (Arnadora/Sintra) (2005); * Funda<;ao Calouste Gulbenkian (2005); * Girnara Municipal da Amadora (2005); * Cruz Verrnelha Portuguesa (Delega<;ao da Arnadora) (2005); * CPCJ da Arnadora (2005); * Adesao a Rede Social na cidade de Lisboa (2006); * APF - No arnbito do projecto de apoio a gravidas adolescentes na freguesia de Marvila (2006); * Maternidade Dr. Alfredo da Costa (2007); * Banco Alirnentar Contra a Fome ( 2008) * Banco de Bens Doados (2008) * Carnara Municipal de Sintra (2008)
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E ainda corn: * Universidade Lus6fona, Universidade Lusiada/Instituto Superior de Servic;:o Social de Lisboa, Instituto Superior de Psicologia Aplicada de Lisboa; Universidade Tecnica de Lisboa- Instituto Superior de Ci€mcias Sociais e Politicas.
8. Sintese das Aq:oes Desenvolvidas no Ambito Social mais Significativas • Novembro de 2002: Apresentac;:ao publica da Associac;:ao "Passo a Passo", no monumento dos Descobrimentos corn o apoio da Camara Municipal de Lisboa; • Realizac;:ao do Congresso Nacional sobre Crianc;:as em Risco, "Vidas sem encanto", realizado em Maio de 2003, em articulac;:ao corn a Maternidade Alfredo da Costa e Associac;:ao Ajuda de Berc;:o; • Setembro de 2004: Inicio da intervenc;:ao psicossocial corn as crianc;:as e as familias nos concelhos de Lisboa e Loures; • Outubro de 2005: Inicio da intervenc;:ao no concelho da Amadora; • 2006: Intervenc;:ao integrada no Projecto Urban II- Lisboa; • Marc;:o 2007: Inicio do Projecto ADIS/SIDA- "Viver corn as Diferenc;:as" para mulheres gravidas ou maes portadoras do virus VIH (+) - sem zona geografica de abrangencia- Apoio a Coordenac;:ao Nacional para a Infecc;:ao VIH/SIDA; • Junho de 2008 - Inicio do Projecto - "Viver corn as Diferenc;:as" para mulheres gravidas ou maes portadoras do virus VIH (+) - sem zona geografica de abrangencia - Apoio a Coordenac;:ao Nacional para a Infecc;:ao VIH/SIDA; • Actualmente acompanhamos desde o inicio da nossa intervenc;:ao 565 crian«;as. Estao em acompanhamento actual 338 crianc;:as e familias consideradas em risco psicossocial pelos Hospitais, CPCJ's; ECJ's; Seguranc;:a Social e outras IPSS' s, que sem o apoio e acompanhamento da Associac;:ao estariam institucionalizadas. • Desenvolvemos na Escola Basica do 1Q Ciclo do Vale de Alcantara urn programa de formac;:ao de competencias dirigido a cerea de 80 crianc;:as, dinamizado por uma equipa multidisciplinar (Assistente Social, Psic6loga e Nutricionista).
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9. Sintese de Indicadores Psicossociais de 379 de 2007)
Crian~as
Problematicas associadas as familias das
e 206 Familias (dados
crian~as:
%
Imigrante
19,79
Pobreza
19,26
Filhos de maes portadores de HIV
16,89
Desorganiza<;:ao familiar
14,78
Saude Mental
7,39
Maternidade Adolescente
7,38
Negligencia
6,07
Toxicodependente
5,28
Alcoolismo
3,17
Maus Tratos
0
Entidades Sinalizadoras: Saude Entidades de Justi<;:a Outras
49,87% 44,85% 5,28%
<
CPCJ's 27,44% Equipas de Acessoria ao Tribunal 7,41%
APOIO ALIMENTAR: 2 Toneladas por mes APOIO EM MEDICA(:AO: protocolo corn 2 farmacias Taxa de Adesao das Familias: 95%
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Timia Martins
Passo a Passo
565
Crian~as
para
interven~ao
corn 227 familias
Em acompanhamento actual
338 Crian<;:a 169 Familias
227 Crian<;:as corn processo encerrado
7,1%
40 Crian<;:as por nao adesao da familia (17 familias)
5,7%
26 Crian<;:as nao tinham indica<;:ao
4,6%
Em 2006 a Passo a Passo foi nomeada pela Funda<;:ao Calouste Gulbenkian para o Raymond Georius Prize for Innovative Philanthropy in Europe, promovido pela Network of European Foundation. 0 caracter inovador e 0 merito da interven<;:ao, foi conhecido pelo juri internacional responsavel pela selec<;:ao do projecto candidatos, levando-o ate a fase finat onde apenas tres projectos disputaram 0 premio.
10. 6rgaos Sociais Direc~ao
Presidente: Manuel Francisco Freitas e Costa (Professor Catedratico Jubilado e Ex-Director do Servi<;:o de Pneumologia do Hospital de Santa Maria Vice-Presidente: Gon<;:alo Cordeiro Ferreira (Presidente da Sociedade Portuguesa de Pediatria e Director do Servi<;:o de Pediatria do Hospital D. Estefi'mia) Tesoureira: Irene Gomes de Matos (Voluntaria do Hospital de D. Estefania e da Maternidade Dr. Alfredo da Costa) Secretaria: Maria de Fatima Monteiro Xarepe (Coordenadora do Servi<;:o Social da Maternidade de Dr. Alfredo da Costa) Vogais: 1.~ Maria de Assun<;:ao Nascimento (Assistente Social do Hospital Curry Cabral) 2.~ - Maria Isabel Lavinha Marques (Nutricionista da Maternidade Dr. Alfredo da Costa) 3.~ - Maria Manuela Martins Portas (Professora Universitaria - Assistente Social)
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Assembleia Geral Presidente: Maria do Rosario Correia de Oliveira Morgado (Juiza Desembargadora do Tribunal de Rela<;:ao de Lisboa) Vogais: V- Joana Marques Vidal (Procuradora da Republica) 2.~- Paulo Alexandre Pereira Guerra (Juiz do Tribunal de Familiae Menores de Coimbra) Conselho Fiscal Presidente: Isabel Maria Freitas e Costa (Assistente Social e Coordenadora do Nucleo de Toxicodependencia da Maternidade de Dr. Alfredo da Costa) Vogais: 1:'- Maria Jose Silva Alves (Chefe de Servi<;:o /Obstetricia da Maternidade Dr. Alfredo da Costae Responsavel pela Consulta de Adolescentes) 2.â&#x20AC;˘ - Maria Teresa Tome Correia (Pediatra da Maternidade Dr. Alfredo da Costae reponsavel pela Consulta de Genetica)
11. Contactos Sede da Associa<;:ao Passo a Passo Morada: Av. Ceuta Norte, Lote 8, Loja 2- 1350-410 Lisboa Telefone: 21 362 27 93 Telem6vel: 96 156 46 48 Fax: 21 362 27 94 E-mail: passoapasso@sapo.pt Site: www.passoapasso.org Nucleo de Sintra: Morada: B.Q Almeida Araujo, Moradia 33- 2745- Queluz de Baixo (Junto ao Palacio) Telem6vel: 92 6814782 E-mail: passoapasso.sintra@sapo.pt
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PAINEL 6 "A FORMA<;AO E OS DESAFIOS DO SERVIc;O SOCIAL NO SEC. XXI"
THE TRAINING AND THE CHALLENGES OF SOCIAL WORK IN THE XXI CENTURY
Annamaria Campanini President EASSW
In my presentation I will explore the situation of social work education in Europe, underlining the effects and the demands arising after the application of the Bologna process. Looking at the challenges of the XXI Century, I will stress the importance of developing innovative experiences in training, that focus more on competences and on an international dimension in education Social work education initially grew in Europe at different stages from the beginning of XX th century till the end of the second world war, but also had a new and important "rebirth" after the crash of the communist regime in the central eastern part of Europe. In the last two decades the creation or re-opening of social work education in eastern European countries has been of considerable significance. What does 'social work' mean today and what currently are the social professions being referred to in different European countries? Authors like Lyons, Lawrence (eds.2006) and Lorenz (2006), among others, deal with the topic of social professions in Europe, with a particular focus on the role covered by education in preparing social workers. Education in social work is worthy of such a sustained focus, because of its unique nature in reflecting specific cultural and contextual dimensions. Historical backgrounds, social policy trends, pedagogical and disciplinary relationships and 'politics' all have implications for the way in which training in social work has been established in different countries. Local factors and European policy developments are all important elements in determining in what way social work education is evolving in terms of structure, curricula and pedagogical issues.
1. The state of the art
Many initiatives have been taken during the last decade in social work education, and our intention here is to offer an, albeit impressionistic, overview of the situation of social work education in Europe, from different actors in the field. We can refer to some that have involved many different countries, such as the thematic networks ECSPRESS (1999) and EUSW (2002/2008). In the book 'European Social Work. Commonalities and Differences' (Campanini, Frost 2004) representatives of 24 different European nations presented the 'state of the art' of social work in their countries. Through this work it was possible to
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have a clear image of some commonalities and also many differences in social work education at different levels. Other research has been undertaken following this, for example by Martinez (2007), specifically on social education in the wake of the Bologna process and structures across Europe and on fieldwork education/ placements in fifteen European countries (Campanini, forthcoming). From these studies it is evident that meaningful differences between European countries persist in a number of ways: - in the kind of institutions which provide this education. Besides countries that have entrusted the formation in more or less recent times to the university sector, there are countries that have also developed learning routes in higher private or public institutes. In some nations (such as Poland ,Lithuania, Portugal) there is the simultaneous presence of various educational contexts. The church has significant involvement in social work education in Eastern European countries such as Hungary and Romania where the social work training can be linked with the preparation to become a deacon. It is also important to note how the type of educational context can influence the consideration given in the society to the title, e.g. 'social worker', and how it is linked to the relevance and meaning that are attributed to every type of formative institution in the various nations. It is interesting to note how the insertion into the university rather than in other contexts, not only produces one different legitimation of the social worker role (as happen in the Italian experience), but also leads to a more or less elevated status of the profession. Moreover, access to advanced courses (e.g. research doctorates) can be more difficult if the students have not undertaken a university degree, but have attended educational institutions such as the Fachhochshulen in Germany or the Hogeschoolen in the Netherlands. - in the duration of the training/education period. In some places, at the time of the first research done in the EUSW context, there were curricula of only three years for example in Spain and in Belgium, while other countries responded, in accordance to the guidelines issued by the Bologna Declaration and social work education, articulating the educational path in a three years-plus-two years pattern (e.g. Italy, Norway, Estonia). Some states maintained a curriculum of four years (the Netherlands, Greece, Cyprus, Germany, Iceland) while in other countries the title of social worker was awarded after the attendance of a five year course (Portugal). At the present many changes have happened due to the need to restructure the education path in accordance with the Bologna Process and the situation appears still fluid and in a continuous change, but not always having successfully harmonized the dif-
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ferences of duration of the first and the second cycles (eg. Sweden decided for a 3+2 pattern, while Spain defined the curriculum in 4+ 1). - in the disciplinary components of the curricula. It is generally true that the disciplines which form the base of social work education make reference to the human sciences of sociology, psychology and pedagogy. These are placed side by side with social policy and legal studies. In some Eastern European countries, such as Romania and Hungary, theology is studied. The different emphasis given to these disciplines prepares students to undertake different roles and contributes to professional differentiation. Where some countries show an awareness of counselling and therapeutic social work activities (such as the Scandinavian countries), others focused their contribution on educational and pedagogical issues (such as Germany, Denmark, Luxembourg and the Netherlands). Some countries give specific attention to community and youth work or probation (Great Britain); others follow a more generalist approach in social work (Italy, Finland). Some countries discuss activities more connected with practical and economic help (many Eastern countries such as Estonia and Lithuania, where there is a major fight against poverty), or with advocacy (social advocates in the Netherlands) and work (occupation, employment) problems. - in professional practice preparation - variously referred to as 'placement', 'fieldwork' or 'practice education' there are many differences both in relation to the number of hours dedicated to social work theory and supervised practice and regarding the modalities within which the training is carried out. In a recent analysis (Campanini, forthcoming) of 18 curricula in 15 different European countries we found a variation of number of hours dedicated to field placements from 2050 ( in France) to 210 (in Estonia) with a different criteria in the definition of the relationship between number of credits and number of hours. Also different is the articulation of this experience along the curricula: some times the field placement is full time in one block (Sweden, Germany) but in many other countries it is spread throughout the whole curricula with some amount of hours for each year. Differences are also evident in the role of other personnel involved with the student in 'placement' experience: supervisor, tutor, practice teacher, field instructor are some of the different names with which the same function can be designating, or in other cases these titles designate the specific roles being played by the same person. Further differences are notable in the evaluation processes that can range from being quite general and not impacting greatly on
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the attainment of the degree, regardless too of the quality of the experience (for example in Italy) to being strictly regulated in terms of quality, learning and student achievement, (e.g. G.B.). - In relation to teaching methodologies. The role of teachers on social work courses can be quite different and is strictly related to the idea of "learning process" predominant within a national context. Active learning has a very strong background and presence in Scandinavian countries, with specific tools and evaluation processes more oriented to help the student to be the principal actor in their own learning process and to develop a critical and self reflective attitude. Contrary to this, in Italy more conventional methods are used, based on: the traditional notion of an expert lecturer imparting knowledge to educable and eager lg students. Interestingly within specific systems even the lay out of rooms can reinforce the specific philosophy. In Italy it can be very difficult to find flexible shapes and settings away from the formal auditoria which restrict teachers in allowing the development of more participative methods. ITC technologies are slowly entering into social work education, for example in the Norwegian led initiative of a virtual classroom: 'Virclass' and are very useful for organisng pan-european modules with mixed teachers and students from different countries (see the Virtual Campus experience www.virclass.net) - In research and theory production. These aspects are mentioned as important elements for the enhancement of social work education. In some nations, such as Sweden, a long tradition of PhD studies links to intensive publication of research in social work. In some other countries (e.g. Estonia, Czech Republic, Italy and Spain) this process is seen as a fundamental challenge for the future of social work. There are problems linked with the positioning of education in social work inside or outside the university, both in relation to having the possibility of students achieving research degrees, and also in relation to the expectation that teachers will be research active (Lyons, 2006) - In the European orientation. Involvement and participation in European projects and activities is rather high in nearly all countries and in various ways social work has been pursuing and realizing the aim of opening itself to inter-European comparisons in social work education. In many countries the opportunities made available by the European Community (such as Erasmus, Socrates, Leonardo) are being used. Many countries have involvement in student mobility and teaching staff exchange. These activities have also been developed in some places in relation to periods of intensive study on specific topics (such as the intensive pro-
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grams) and to the particular initiatives such as international weeks, which are open to contributions from teachers of various nations. The attempt to open education to a wider vision is also demonstrated by the insertion within the curricula of modules that address various aspects of social work from a comparative perspective. There are some interesting experiences of summer schools (eg. FachochSchule Alice Salomon in Berlin, Yliopisto University in Rovaniemi, Finland, but also the ones held in Parma and in Dorbirn by the EUSW TN), some international master courses (MACESS in Maastricht, Goteborg University) and also some attempt to create a specific course which awards the title of 'Bachelor of intercultural and international social work' (as in Copenhagen). In spite of these initiatives, some difficulties still remain. Primarily these are: the students and staff's insufficient knowledge of languages (eg. France, Great Britain, Italy, Spain); problems of the temporal structure of the courses and the economic costs of studying abroad, all of which can limit the mobility of the students. Some reluctance to operate transnationally might also be pointers of an inward facing attitude, whereby European engagement and dimensions are still not perceived as opportunities. Students then fail to develop intercultural and international professional competences, which are now seen as core competencies in many parts of Europe.
2. The Bologna Process Currently we are witnessing a particular phase within higher education. Since the 1980s, the European Commission has defined a series of measures with the key objective of developing and improving the European component within the teaching world, alongside further enabling the geographical mobility of students. The Socrates and Erasmus mobility programmes have had, and are having, without any doubt, great impact upon the creation of a European identity; they have helped develop better understanding of any underlying problems, and have encouraged a shared knowledge base to evolve. One of the needs identified, a need which moved the European Union to highlight the importance of an intercultural dimension within student learning, has been the need to prepare younger generations for life in a society increasingly characterized by cultural and linguistic diversity, so that they may identify concrete actions with which to fight racism and xenophobia. The Socrates Erasmus programme measures have made possible to enhance the student mobility and the ECTS system, to develop Joint Programmes to encourage academic acknowledgment and contribution toward the exchange of experiences and innovation
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processes, therefore enhancing the quality of teaching; to support teaching staff exchanges and intensive programmes. Through the Bologna declaration (1999), an initiative of 29 European Governments, a process was established, with the objective of creating a European Space of Higher Education by 2010. The aim was to increase both the employment prospects and geographical mobility of European citizens, and enhance the concept of European higher education in the world. This required a concrete shift towards: • Easily readable and comparable systems of degrees • The creation of a structure founded upon two cycles (BA & MA), using the European credits system (ECTS) • Promotion of geographical mobility for students, teachers, researchers and administrative staff, and recognition of experiences within a European context • European co-operation in quality assurance with a view to develop comparable criteria and methodologies. The Bologna Declaration has been followed by three communiques: Prague (2001), Berlin (2003) and Bergen (2005). Each of these steps brought further developments in the harmonisation process, and highlighted different aspects. The Prague Communique stressed the importance of lifelong learning as an essential strategy within the European Higher Education Area; enabling social work to face the challenges of competitiveness and new technology, whilst also improving social cohesion, equal opportunities and quality of life. The Berlin Communique emphasized the importance of research, alongside research training and interdisciplinarity, in maintaining and enhancing the attractiveness of higher education in Europe. Another aspect highlighted was the need to develop an agreed set of standards, procedures and guidelines relating to quality assurance, to ensure an adequate peer review system had been put into place. Connected with the topic of comparability, the communique invited the member states to develop a framework of comparable and compatible qualifications for their higher education systems, which would seek to describe qualifications in terms of workload, level, learning outcomes, competences and profile. It is also interesting to note the fact that the different levels of degree should have different orientations and varying profiles, in order that they accommodate a diversity of individual, academic and labour market needs. First cycle degrees should give access, in the Lisbon Recognition Convention sense, to second cycle programmes. Second cycle degrees should give access to doctoral studies. The Berlin Communique recommends the introduction by 2005 of a universal "diploma supplement"; this must be annexed to each certificate. The intention being, to facilitate recognition of titles across all European coun-
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tries, in accordance with the Lisbon Convention (1998). In the diploma supplement, the types of institution for example, and the level of the degree, are described in greater detail, allowing both greater confidence and comparability between countries. An important step within this harmonisation process could be identified through the "Dublin Descriptors"; the product of an informal group of specialists originating from different countries, who unite under the banner of "The Joint Quality Initiative" (www.jointquality.org). The expected attributes of a student are clarified within these descriptors. Knowledge and understanding, application of this knowledge and understanding, making judgements, communication skills, learning skills: this list further refines the description of the expected attributes of a student. These specific qualities are graduated and matched to the demands of the perceived successful completion of the first, second and third Bologna cycles, and highlights the progressive steps between these cycles. In many countries, discussions of the changes required to revise the educational systems in order to meet the demands of the Bologna process, let alone the action required to implement these, are still ongoing. Yet in parallel, at the end of 2000, the project 'Tuning Educational Structures in Europe' was submitted to the European Commission, and is still working toward an overall objective of implementing discussion and reflection upon the changes Bologna has brought to educational structures and study content. The process of reforming; a direct effect of the political decision making of education ministers to converge, requires a 'tuning' of curricula, in terms of structures, programmes, and actual teaching. Although is very important to protect the rich diversity within European education, at the same time, it is necessary to identify competences and learning outcomes, and to design, construct and assess the qualifications provided throughout this education. Four lines of approach have been developed: • generic competences • subject-specific competence (skills, knowledge and content) • the role of ECTS as a transfer and accumulation system • approaches to learning, teaching, assessment and performance in relation to quality assurance and control The final reports 1 (2003) and 2 (2005), from the Tuning project, contain guidelines and practical examples. Of great interest to social work could be the specific analysis made of nursing education, which contains many similarities, and has therefore considerable potential for transferability. An aspect of considerable importance is that of quality assurance. 'The European Network for Quality Assurance in Higher Education' was established in 2000, in order to promote European co-operation in the field of quality assurance.
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In November 2004, the General Assembly transformed the Network into, the European Association for Quality Assurance in Higher Education (ENQA). The idea of the association originates from the European Pilot Project for Evaluating Quality in Higher Education (1994-95) which demonstrated the value of sharing and developing experience in the area of quality assurance. Following this idea, but also looking at the document on Global Social Work Standards (2005), approved by international social work organisations (IASSW and IFSW), the European Association of Schools of Social Work promoted, together with other associations, a specific agency, ENQASP (The European Association for Quality Assurance in Social Professions). Their aims are to develop a frame of reference for study programs within the European field of social professions, and to establish the principal of awarding a European quality label for social-work study programs. The Bergen meeting of the education ministers (2005), see above, took note of the significant progress made in three priority areas: the degree system, quality assurance, recognition of degrees and periods of study. The communique emphasized the importance of higher education in further enhancing research, and stressed the importance of this research in underpinning higher education, bringing economic and cultural development within our societies, and providing social cohesion. It is also noted that efforts to introduce structural change and improve the quality of teaching should not detract from the effort to strengthen research and innovation. As was explored in the recent book, Social Work in Europe: Educating for change (Lyons and Lawrence, 2006), the past two decades have witnessed significant changes, not only in the construction of Europe, but also within the education of the social professions in many countries. This changing process also affected social work education, though the consequences were different. On the one hand, it provides a strategic opportunity to augment professional growth and progress within social work. As Juliusdottir (2006) argues, through a reflexive process of becoming more academic, conditions are created for a dialogue to emerge between social work and academic culture, which could lead to interdisciplinary understanding and mutual respect. Being a part of the culture of other academic disciplines facilitates fresh motives for training and active participation in the social worker's own knowledge production through research and other theoretical activity, bringing social work both confidence and status in society. Lastly, this may also lead to both increased compatibility and mobility in times of increasing globalization and shared labor markets. Christine Labonte (2004) also emphasizes the possibility, which emerged through the introduction of a tiered academic structure, of retaining a generic program at Bachelors level, then providing a greater degree of specialization, required particularly for the new professional fields, by offering specially tailored Masters programs. The 'advanced' study program is thus conceptualised as part of spe-
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cific 'skilling' or reskilling and lifelong learning. However, one simultaneous disadvantage of the three plus two structure is that it contains;the danger of reducing the professional element of training, by subjecting it to purely academic quality criteria, and what is more, academic criteria that are largely not defined from within an 'indigenous' discipline' (Lorenz, 2006, p.54). Other problems might arise from the differing levels of importance accorded to the BA and MA in different countries; connected to the historical and cultural context of education in each country. Moreover, one set of trends would promote the awarding of the social work qualification after an overall five year academic package, whereas the other views the MA as an area for specialisation, often connected with 'advanced' (for example, managerial) tasks. On a connected but somewhat different point, Walliman (2004) emphasizes the dangers of an educational structure too exclusively responsive to, and tied up with market needs. He links this with the dangers of out and out competition between education providers, which might lead to a process of privatisation within education, analogous with the suggestions driven by the General Agreement on Trade in Services (GATS). This could lead to a creation of university programs for elites with higher level of costs and less offer of equal opportunities of access for everybody.
3. Global challenges In Europe we are facing different challenges: the ageing of populations with both the risk of exclusion from participation in mainstream society, and also problems connected with care for illness, disability or loneness; migration processes with their controversial and complex effects and their impacts on societies in terms of social inclusion and the embracing of diversities; the effects of globalization in lifestyle; relationship structures that can cause individual and family problems; the poverty that is still present in many countries; managerialism and its influence on the organization of welfare systems. Taking into account these challenges, social work has to deal with a general shift from state to civil society, from welfare to workfare logic, with an increased presence of third sector and no-profit social services and a service delivery market. The impact of globalization at local level requires "cross-cultural understanding, comparative social policy, concern with global problems, a general worldview, knowledge of a common profession worldwide, international practice, intergovernmental social welfare, and a sense of collegiality with social workers in other countries" ( Healy 2001) but also as the document on Global Standard underlines, we have to stress the importance of the inclusion of cultural, ethnic diversity and gender issues in the training.
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'Racialised' identities, are considered by Lena Dominelli as new challenges for Social Work Education. Focusing on anti-racist social work, the author proposes a model useful in helping students in "focusing on their own individual agendas" [ 2006, p.lOO] and working on these personal concerns. Starting from this point, she argues, it is possible to facilitate a deeper understanding of the meaning of difference, diversity, structural inequality and thus orient them towards an anti-racist practice. In this scenario there is a great need for a committed social work in communities to support personal and social responsibility and to contribute to social cohesion. It requires social workers who are able to invest in the development of resources of individuals and of local communities, involving all the major participants in elaborating and verifying processes and the means of constructing actions, able to work with whole subjects and not simply user categories, to engage fully with their points of view and their systems of thinking. The key questions this raises, then, are: how to teach students to face this complexity; how to improve their own consciousness and ability to respond at the social work mission to enhance human rights and social justice; how to help students to acquire a non bureaucratic attitude and to develop a 'political' role in the most useful sense of the term? The problem is, as Morin (1977) states, "transforming the discovery of complexity into a method of complexity". Given these perspectives, the use of competences and modularization structure in the social work training curricula can become an important tool. Leaving the logic of teacher oriented processes and shifting the paradigm to student learning process is very important. This can improve their reflective and critical attitudes and their ability to connect theory and practice in a knowledge spiral. Work on competences is something very different to simply teaching skills. It involves knowledge, insights, Us and attitudes which can be used in a professional setting to handle different situations. Modularisation requires the integration of different disciplines in relation to research, methodology and practice, not only a mixture of a variety of discourses related to the subject. Open intercultural perspectives in education are also an important aspect in relation to the two fundamental actors within the process: The teacher and the student. The exchanges that can be undertaken stimulate the teachers to become acquainted with theoretical approaches different from the ones typical of their home Country, to compare their knowledge with new didactic methodologies, but also to consolidate those common bases that have a transnational value and can constitute a corpus of scientifically validated and shared knowledge. Moreover, the difference of both contexts and social policies, allows a close
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understanding of specific elaborations of problems. From this, lecturing and tutoring staff will be able to draw material to enhance the content and range of teaching in that particular subject in their own country which will allow the future social workers whom they are educating a broader range of practice competencies and theoretical knowledge for working with just such problems. To end the isolation of merely operating at a national level, to feel part of an international community facilitates a "curiosity" of attitude ('what is different here, how is it and what can I learn from it?', for example), as well as a mental receptiveness to change and innovation. Therefore, the concrete possibilities offered by exchanges: to activate networks and through these understand comparatively, for example, relevant theory, formative methodologies, problems, interventions is establish. It can be asserted that the semi-permanence of the student in a foreign Country offers important opportunities in itself; not only because of learning a whole range of new ideas, but also in relation to the processes of acquisition of the same knowledge. Steeped in a new situation, the student is encouraged to test their ability to orient him/herself in a new context, to collect information, to ask questions in order to understand a different reality from the one he/she is accustomed to and of which they have no existing orientation. Moreover, this experience facilitates the process of correlation and comparison between different situations, characterizing the common aspects and the specific elements of each situation; it speeds up the abandonment of rigid premises, pre-constituted certainties, and stereotypes, and instead opens the mind towards multiple hypotheses in relation to both solutions and participation. It also helps the student to understand the links between theoretical frames of reference and concrete actions and between the constraints of social policies and the choices of organization of the services. A further and not less important aspect of student's exchange visits, is the possibility offered from the extended stay in another nation to learn and/or to consolidate knowledge of a language different from the mother tongue. At the level of personal education, then, the experience of being in a foreign country in this way introduces many triggers particularly meaningful to you. The first necessary step to encouraging students to undertake this productive experience can be understood as helping to 'cut off of the umbilical cord', sometimes still much in evidence in our students. In Italy e.g. the average of the age of the students enrolled into the Degree course in Social work is quite low, often students have concluded their advanced education, without any experience of work and, in the vast majority, they still live at home with their family. We know for example in Italy the phenomenon of the so-called "long adolescence of the young adult" is formative and that this might lead to autonomy and differentiation from the parents becoming somewhat problematic.
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This aspect is not negligible; there can be resistance by students to receiving the idea of a period in a foreign country. Perhaps we can assume that those who take up this opportunity are already walking in the road of autonomy, and perhaps we can also consider that even at its most simple, this experience offers a student the possibility to reflect on his/her personal orientation and problems. The decision to undertake the experience of exchange may well force the student to detach from their certainties and from habits, to face a change, to experience the unknown; it puts him/her in the situation of having to take decisions, to face daily problems without the support of the family, friends and the group of reference. It confronts him/her with another culture that may open up different models of living, other rules and habits. New adaptations may be demanded which call for the qualities of initiative and mediation. The student is placed in a position for reorganizing his/her own points of reference, to interrogate him/herself on the adequacy of their own systems of meanings and respect for a new world that introduces elements and characteristics not automatically referable to the mental maps of the observing subject. The ability to understand the differences, to insert them inside a wider context for giving a sense of alternative parameters referred to in an other culture, is an extremely useful exercise, in that it prepares the student concerned with fundamental abilities for the future profession. The lived experience of' diversity' can render far deeper and more acute reflection on possible discriminatory attitudes to several types of diversity: of race, sex, age, social condition, physical or psychical handicap .. Other important experiential and formative dimensions for social work students in becoming 'the foreigner' are for example that of understanding the experience of functioning in a different language and hence loosing the "power" embedded in a language well known and interiorised. This connects to experiencing the difficulty of listening and decoding. The frustration regarding the restriction of the ability to express him/herself, can help the student to understand better and J:o identify the difficulties of others he/she will meet; for example, service userscoming from other cultures. The problems deriving from the professional use of 'technical' languages - specialised, potentially incomprehensible to those outside 'the know' and sometimes misused - in the social work field are also made obvious. Within the European context this kind of experience, needs to be improved and structured in a more regular way in our curricula, to be able to enhance the level of social work , helping both teachers and students to develop the kind of intercultural attitudes so necessary in this new century. As Walter Lorenz states: "Internationalising social work means critically questioning the conventional boundaries of solidarity, questioning the ideological assumptions, dressed up as economic arguments , behind measures of exclusion, pushing out
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the boundaries of solidarity beyond the European to a global perspective and ultimately contributing to a shift from the welfare discourse to the human rights " (Lorenz 1994, p. 168/169).
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PENSAR A FORMA<;AO EM SERVI<;O SOCIAL NO QUADRO DA GLOBALIZA<;AO E DO ESPA<;O UNICO EUROPEU
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Resumo Pensar a forma<;:ao em Servi<;:o Social no quadro da Globaliza<;:ao econ6mica e Social, bem como do Espa<;:o Unico Europeu, assume particular desafio e estimulo nao s6 para os investigadores sociais mas tambem para os profissionais (Assistentes Sociais), que diariamente sao chamados a intervir na diversidade de dinamicas sociais vivenciadas na sociedade actual. Esta comunica<;:ao procm路a promover uma reflexao sobre a forma<;:ao em Servi<;:o Social revista no conjunto das orienta<;:6es da Declara<;:ao de Bolonha para o Ensino Superior, numa rela<;:ao estreita corn os prindpios e fundamentos do Servi<;:o Social (Direitos Humanos, Auto-determina<;:ao, Justi<;:a Social, Dignidade Humana), no contexto de urn modelo de forma<;:ao superior orientado para o segmento de mercado baseado no Ensino - Aprendizagem de competencias. Pensar a forma<;:ao em Servi<;:o Social num periodo da Hist6ria Mundial, caracterizada por: Urn novo paradigma da Sociedade, identificado corn a cidadania social; Uma crise econ6mica mundial, cujo debate retoma o "capitalismo"; - Urn espa<;:o unico europeu, facilitador da livre circula<;:ao de Pessoas e Trabalhadores em 2010; - Urn modelo social europeu em debate; - Uma diversidade cultural e etnica cada vez maior envolta no prindpio da igualdade, da cidadania e da democracia. T6picos, questoes, interroga<;:oes que procuram fazer desta comunica<;:ao urn desafio, mas essencialmente urn convite ao debate de ideias e prindpios transformadores de valores para a forma<;:ao em Servi<;:o Social. Esta comunica<;:ao e essencialmente urn convite ao debate de ideias e prindpios transformadores de valores para a forma<;:ao em Servi<;:o Social. Segundo a defini<;:ao Internacional de Servi<;:o SociaP "A profissao de Servi<;:o Social promove a mudan<;:a social, a resolu<;:ao de problemas nas rela<;:6es humanas e o empowerment e a autonomia da pessoa para melhorar o seu bem-estar. 1
2001 da AIETS e FITS.
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0 Servi<;:o Social, atraves da utiliza<;:ao de teorias do comportamento humano e dos sistemas de protec<;:ao social, intervem nos problemas das pessoas no contexto social envolvente. Os prindpios dos direitos humanos e da justi<;:a social sao fundamentais para o Servi<;:o social. A interven<;:ao do Assistente Social nao e improvisada, mas sim baseada num conjunto de conhecimentos de diferentes disciplinas, que !he permitem definir urn quadro metodol6gico proprio no marco das Ciencias Sociais e Humanas. M. Richmond (1922), considerava existir o mesmo espa<;:o cientifico e profissional nas disciplinas que constituem as ciencias sociais, restringindo a cada uma delas urn campo particular de metodologia, de constru<;:ao de objectos e objectivos. 0 Assistente Social elabora o plano da sua interven<;:ao, a partir da compreensao das situa<;:oes problema do Sujeito que o procura, no quadro da missao que lhe esta confiada, no contexto social em que a situa<;:ao emerge, de forma a garantir uma resposta adequada e eficaz ao pedido. E um profissional que precisa de uma forma~ao Humana, que lhe permita estabelecer uma rela<;:ao corn o sujeito, uma forma<;:ao Te6rica, que lhe permita organizar urn plano de interven<;:ao ajustado ao problema do Sujeito e facilite urn discurso interdisciplinar corn outros actores e saberes intervenientes no problema e uma forma<;:ao Tecnica na utiliza<;:ao de metodologias adequadas e eficazes na resposta ao problema do Sujeito e desenvolva a sua cidadania activa atraves da capacita<;:ao e empowerment das competencias pessoais, sociais, interpessoais, relacionais e laborais. Ao nivel te6rico-pratico o Assistente Social necessita de ter uma forma<;:ao orientada para a interven<;:ao e para a investiga<;:ao que o prepare na identifica<;:ao e defini<;:ao da tematica, problematica e problema social objecto da sua ac<;:ao bem como na utiliza<;:ao das politicas publicas e dos recursos sociais comunitarios que facilitem a resposta social a dar ao sujeito e a satisfa<;:ao das suas necessidades. Outra dimensao importante na forma<;:ao do Assistente Social eo dominio da Etica e da Deontologia Profissional como garante de urn exerdcio profissional sem preconceitos e ou juizos de valor sobre o Sujeito. 0 Assistente Social no seu quotidiano profissional cria as condi<;:oes necessarias ao dialogo com os sujeitos da sua interven<;:ao. Na rela<;:ao de ajuda ou abordagem individual o Assistente Social come<;:a por estabelecer corn o sujeito uma rela<;:ao de confian<;:a, considerada como prindpio fundamental no processo de interven<;:ao. 0 Assistente Social sustenta o seu plano de interven<;:ao no prindpio da Autodetermina<;:ao da Pessoa, garantindo-lhe respeito e liberdade nas informa<;:6es que quer confiar ao profissional. No estabelecimento da rela<;:ao de confian<;:a e necessario que o Assistente Social leve o Sujeito a compreender a sua missao e as regras eticas da sua inter-
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ven<;ao, nomeadamente ao segredo profissional. Este e urn processo reflexivo para o Assistente Social e para o Sujeito, permitindo ao profissional percepcionar o grau de adesao ou nao do Sujeito ao plana de interven<;ao social definido. Possibilita ainda reflectir e criar uma interac<;ao corn os parceiros envolvidos na ac<;ao e compreender continuadamente as mudan<;as operadas no Sujeito. E ainda importante referir os fundamentos eticos e teoricos da Interven<;ao do Assistente Social na Rela<;ao de Ajuda, tendo presente que esta e uma rela<;ao plural e interactiva entre dois sujeitos humanos. 0 Servi<;o Social tal como a Sociologia, a Psicologia, a Antropologia utilizou e utiliza os quadros teoricos das ciencias sociais e humanas e na rela<;ao de ajuda come<;ou por utilizar a Ajuda Psicossocial personalizada, orientada por quatro ordens de valores ou sejam: Os valores Humanistas, que centram a sua aten<;ao no Homem e no respeito de si mesmo; Os valores democraticos que desenvolvem as condi<;6es necessaxias ao desenvolvimento da sua personalidade e a sua participa<;ao social e dvica na sociedade; Os valores politicos e Economicos, que promovem o prindpio da subsidiariedade e da igualdade de oportunidades e de direitos sociais; Os valores Educativos, sustentados na dimensao cientifica do saber onde o profissional se apoia e fundamentam o seu plano de interven<;ao. No dominio etico, o profissional deve saber respeitar e usar na sua interven<;ao os prindpios de singularidade, de liberdade e autodetermina<;ao de cada cidadao, o respeito de intimidade e a vida privada da pessoa, a autonomia da pessoa reconhecendo-lhe competencias e capacidades, e de interdependencia face aos direitos e deveres que sao reconhecidos a todo o Cidadao em sociedade. E tambem importante real<;ar a etica da responsabilidade social e a etica da comunica<;ao. 0 Servi<;o Social na sua genese foi influenciado por teorias psicologicas, de psiquiatria e da psicanalise. 0 metodo de Case - Work (Mary Richmond) muito marcado pela psicanalise que influenciou a interven<;ao do Assistente Social na dimensao de Escuta psicossocial do Sujeito na rela<;ao de ajuda sem desvalorizar a dimensao da interven<;ao colectiva (familiar, grupal e comunitaria). Tendo o Servi<;o Social de Casos ÂŤcase work>>, se apoiado teoricamente na pedagogia, na biologia e na psicologia social, actualmente assume urn quadro teorico interdisciplinar juntando aos saberes anteriores; teoria de antropologia, direito e economia, embora pelo processo progressivo da pesquisa tenha hoje uma metodologia mais especifica e orientada para os seus principios e missao. A Interven<;ao individualizada do Servi<;o Social centra-se essencialmente nos dominios externos e relacionais do sujeito, nomeadamente no que respeita
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as quest6es de emprego, inser<;ao comunitaria e no acompanhamento da pessoa corn vista a resolu<;ao dos seus problemas e ou das suas limita<;6es. A Interven<;ao Social de Ajuda a Pessoa sustenta-se no prindpio da cidadania activa criando e promovendo as competencias de participa<;ao do sujeito na constru<;ao do seu projecto e autonomia de vida, devolvendo ao mesmo a sua dignidade como pessoa e garantindo-lhe o direito de Autodetermina<;ao decorrente da Declara<;ao Universal dos direitos do Homem. Na rela<;ao de ajuda e ainda importante que o profissional estabele<;a algum distanciamento entre a pessoa e a situa<;ao problema que a mesma apresenta. Este distanciamento e importante, como forma de garantir o reconhecimento de Cidadania da pessoa pelo profissional e ao envolver na sua propria interven<;ao enquanto actor e parceiro. A interven<;ao Social de ajuda a pessoa, suporta-se numa rela<;ao de respeito mutuo em que a pessoa tanto e actor e sujeito que tern direitos e deveres. Presentemente, a rela<;ao de ajuda ganha particular aten<;ao no dominio da Educa<;ao Especial, dominio que interage simultaneamente entre o EU (a pessoa) eo SOCIAL (o meio). E uma interven<;ao centrada sobre a pessoa que visa essencialmente valorizar as suas capacidades e competencias activas de forma adequada e adaptada ao ritmo da pessoa. Carl Rogers e urn autor importante neste tipo de interven<;ao, nomeadamente sobre o desenvolvimento da pessoa, centrado numa interven<;ao nao directiva, refor<;ando o envolvimento da pessoa na sua propria ac<;ao de forma empatica. 0 Servi<;o Social hoje, nao pode continuar a aplicar os seus prindpios fundamentais, nomeadamente os Direitos Humanos e a Justi<;a Social, atraves da norma, ou seja, por urn mero exerdcio de execu<;ao de uma ac<;ao determinada superiormente (ex. ordem juridica), tern de o fazer pelo desenvolvimento de competencias, reconhecidas como capacidades individuais e colectivas na pessoa, no cidadao que o torna capaz e lhe da autonomia para esse exerdcio de aplica<;ao de direitos e justi<;a social, o que designamos por promo<;ao da cidadania. Este e urn exerdcio mais exigente, mas em minha opiniao mais tecnico e mais profissional, integrado na chamada sociedade do conhecimento. Urn Assistente Social capacitado para acompanhar a mudan<;a do modelo de estado e sociedade, caracterizado pelo processo da globaliza<;ao, que imp6e ao dominio social o fortalecimento de uma cidadania social activa. A Cidadania Social na Era da Globaliza<;ao e urn conceito desenvolvido por Marshall e outros, que se baseia nos direitos civis, politicos e sociais, que pressup6e a interven<;ao do Estado Na<;ao na realiza<;ao de metas propostas pelos programas sociais. A cidadania social fundamenta-se nos prindpios de igualdade, da participa<;ao, da responsabilidade social e da diversidade social.
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Valoriza a constrw;:ao de uma identidade social e a tomada de decisoes responsa.veis em relac;:ao ao estilo de vida de cada pessoa. A cidadania global, baseia-se na identidade etnica e em interesses econ6micos comuns. A cidadania social activa, exige ao sujeito nao so que seja parte de um contexto social, mas que tenha tambem uma noc;:ao social de si mesmo. A dependencia que se estabelece numa relac;:ao pessoal pressupoe uma reciprocidade baseada no reconhecimento mutuo do valor de igualdade da pessoa. A era da Globalizac;:ao requer para alem de um provedor de assistencia social, um plano de desenvolvimento de novos conceitos em relac;:ao corn o direito e a identificac;:ao de novas formas de responder as necessidades do ser humano. Urn Assistente Social cujo domfnio te6rico-cientifico lhe permita criar instrumentos de intervenc;:ao profissional aplicados a: - Referenciac;:ao/ sinalizac;:ao do problema social; Elaborac;:ao do diagn6stico social sobre o problema; Registo da informac;:ao recolhida durante o processo de intervenc;:ao atraves de grelhas de registo; Analise dos resultados obtidos pelo processo de intervenc;:ao atraves de grelhas de analise que permitam avaliar a mudanc;:a produzida e os constrangimentos ocorridos no processo interventivo; A avaliac;:ao do problema atraves da identificac;:ao do fndice de gravidade atraves de escalas e indicadores sociais; - Avaliac;:ao dos resultados atraves dos objectivos predefinidos ou por escalas de satisfac;:ao; E avaliac;:ao de impacto no utente, no profissional, na organizac;:ao e na comunidade. Estas ferramentas de intervenc;:ao, obrigam o Assistente Social a associarem a investigac;:ao e o estudo da sua pratica, do seu objecto de trabalho e das polfticas publicas por forma a criar maior assertividade e eficacia corn a aplicac;:ao das chamadas respostas sociais. Se no inicio, M.Richmond 2 apresenta o diagn6stico social como resposta ao desafio da criac;:ao de urn metodo processual que conduz a identificac;:ao de objectividades e que separa 0 metodo assistencial do metodo cientifico, significando a formulac;:ao de hip6teses e uma descric;:ao interpretativa sobre os problemas das pessoas. Na actualidade Liliana Sousa, Pedro Hespanha, Sofia Rodrigues e Patricia Grilo (2007:61) 3, defendem que "o diagn6stico tal como e efectuado resulta factual, linear e fragmentado,
e
"Diagn6stico Social" [1917] e "0 Que Serviqo Social de Caso" [1922]. Familias Pobres: Desafios a Intervenr;:ao Social. Coleo;:ao Sistemas, Familias e Terapias 11. Ed. CLIMEPSI. 2
3
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Jorge Ferreira pressupondo que, sem a elimina<;ao das causas, os problemas nao serao resolvidos. Ora, na grande maioria dos casos, as causas fazem parte do passado e, por isso, dificilmente poderao ser alteradas ou eliminadas. Os diagn6sticos focam os problemas individuais dos elementos da familia: olha-se cada problema e nao os padr6es de interac<;ao, nem como os problemas se incluem nessas interac<;6es. 0 diagn6stico nao se debrw;:a sobre as interven<;6es ja tentadas (formais e informais) e resultados". Segundo Seikkula, Aunkil e Eriksson (2003), o profissional tern de ter a capacidade de mobilizar competencias dos clientes. Ao nivel do debate te6rico, considero que o Servi<;o Social nao deve desviar-se dos seus prindpios e fundamentos e que deve continuar a valorizar a Pratica como constrw;:ao e aprofundamento do seu quadro te6rico de referencia. A insen;:ao do Servi<;o Social nas Ciencias Sociais e Humanas, confere-lhe legitimidade no conhecimento e utiliza<;ao de quadros te6ricos diversificados como por exemplo - teorias sociol6gicas, teorias antropol6gicas, teorias psicol6gicas, teorias clinicas, teorias de justi<;a e outras de expectrum mais restrito e especifico de acordo corn o problema em analise. Referenciais te6ricos que consolidam uma forma<;ao em Servi<;o Social que capacita os seus profissionais para uma interven<;ao de qualidade na realidade social complexa e multifacetada. Na sociedade contemporanea os problemas sociais caracterizam-se por uma diversidade de dimens6es que interactuam junto das pessoas, das organiza<;6es e das comunidade locais de forma transversal e interdisciplinar sobre as quest6es sociais e os saberes disciplinares. Questao, muito caracteristica do Servi<;o Social, na medida em que o obriga a conhecer urn <<construto>> te6rico diversificado no dominio das ciencias sociais e humanas que identificam e definem o seu marco te6ricometodol6gico. Este e urn exerdcio que acompanha o Servi<;o Social desde a sua genese e em minha opiniao o devera continuar a acompanhar, de forma aprofundada e inovadora atraves dos contributos da investiga<;ao. Na sociedade actual, reconfigurada no paradigma da Globaliza<;ao Social e do Partenariado, ganha for<;a o debate de Kant no que concerne a que o Ser Humano e Superior a Qualquer Pre<;o, emergindo neste debate a dialectica entre "tudo tern urn pre<;o" e "tudo tern uma dignidade". Ideia refor<;ada no preambulo da Declara<;ao Universal dos Direitos do Ho m em (1948)," o reconhecimento da Dignidade a todo o ser Humano e dos seus direitos iguais para todos constitui o fundamento da Liberdade, da Justi<;a, e da Paz no m undo". Proclama ainda como direitos fundamentais do Homem a Dignidade e o Valor da Pessoa Humana, de igualdade entre Homens e Mulheres. 0 artigo primeiro precisa que "todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos".
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Abrimos o debate sobre a Dignidade da Pessoa enquanto Ser Humano e sobre as quest6es da equidade social no quadro de uma reflexao mais ampla denominada de Discrimina~ao Positiva. Nesta perspectiva deve o Assistente social na rela~ao de ajuda ter em conta os prindpios expressos na Carta Social Europeia dos Direitos Fundamentais ou seja: ponto Ill «lgualdade>>, IV <<Solidariedade>>, bem como estar atento a interpreta~ao dos direitos sociais de forma favoravel as pessoas em dificuldade. 0 Servi~o Social no quadro das Ciencias Sociais e Humanas consiste numa forma~ao cujo perfil profissional e definido pela sua dimensao operativa, cuja capacidade de concretiza~ao e de ac~ao deve estar cada vez mais baseada em instrumentos e ferramentas tecnicas e cientificas. Este quadro de prindpios e fundamentos te6rico-cientificos para o Servi~o Social na actualidade encontram sustenta~ao nas orienta~6es da Declara~ao de Bolonha, quando esta prop6e como aquisi~ao de competencias profissionais ao nivel do: V Ciclo (Licenciatura):
• Conhecimento e compreensao num determinado campo de estudo quer a nivel te6rico, quer a nivel pratico (conhecimento da actividade do seu campo de estudo). • Aplicar os seus conhecimentos e compreensao a um nivel profissional e que demonstrem as suas competencias atraves da resolu~ao de problemas dentro do seu campo de estudo. • Capacidade para recolher e interpretar informa~ao relevante e efectuar analises capazes de serem usadas na resolu~ao de problemas sociais, cientificos ou eticos. • Transmitir informa~ao, ideias, problemas e solu~6es quer a um publico especialista, quer a um publico nao-especialista. • Capacidade de aprendizagem necessaria para continuarem a estudar com um elevado grau de autonomia. 2.Q ciclo (Mestrado):
• Conhecimento e compreensao de materias que complementem e acrescentem algo mais ao tipo de conceitos associados ao primeiro ciclo, e que forne~am a base e originalidade necessarias para 0 desenvolvimento de aplica~ao de ideias num contexto de pesquisa. • Aplicar o seu conhecimento e compreensao e capacidade de resolu~ao de problemas em ambientes novas ou pouco familiares em contextos mais abrangentes.
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Jorge Ferreira • Capacidade para integrar conhecimento e lidar corn a complexidade de forma a formular conclus6es corn informa<;:ao limitada ou incompleta, mas que incluam reflex6es ao nfvel das responsabilidades sociais e eticas. • Transmitir as suas conclus6es tal como os conhecimentos e argumentos que estao na base de tais conclus6es quer a uma audiencia de especialistas, quer a uma audiencia de nao especialistas, e de uma forma perfeitamente clara. • Capacidade de aprendizagem necessaria para continuarem a estudar de uma forma dirigida a ele proprio (estudante) ou autonoma. 3.Q ciclo (Doutoramento):
• Compreensao sistematica de urn campo de estudo, e dominem totalmente as tecnicas e metodos de pesquisa associados a esse campo. • Habilidade para conceber, projectar, implementar e adaptar urn processo de pesquisa. • Contribui<;:ao atraves de uma pesquisa original que tenha desenvolvido urn corpo de trabalho consideravel, algum do qual tenha sido alvo de reconhecimento merito nacional e internacional. • Efectuar analises crfticas, avalia<;:ao e sfntese de ideias novas e complexas. • Comunicar corn os seus colegas, corn o corpo academico e corn a sociedade em geral sobre a sua area de trabalho. • Promovam no contexto academico e profissional, avan<:;os tecnologicos, sociais e culturais numa sociedade baseada no conhecimento.
A
forma~,;ao
em
Servi~,;o
Social na Actualidade
Na sociedade contemporanea a forma<;:ao em Servi<;:o Social nao deve continuar envolvida no debate classico se e ou nao uma ciencia social, ou se e uma disciplina cientffica das ciencias sociais, ou se e uma profissao mas sim num quadro de urn Espa<:;o Unico Europeu para o Ensino Superior no quadro das orienta<;:6es da Declara<;:ao de Bolonha de forma igual a qualquer outra area cientffica das ciencias sociais obrigando ao reconhecimento do Servi<;:o Social coma domfnio cientffico no Sistema Universitario. As novas orienta<;:6es para o ensino universitario advem da Estrategia de Lisboa (Mar<;:o 2000) e dos seus grandes objectivos estrategicos: economia baseada no conhecimento, na competitividade, na coesao social e no crescimento sustentavel, aliando moderniza<;:ao e inova<;:ao nos processos de trabalho, gestao e emprego.
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Esta dinamica confere novo papel aos sistemas de forma<;:ao e educa<;:ao, orientados para a cria<;:ao de centros de excelencia, de investiga<;:ao e de produ<;:ao de conhecimento. Movimento que assenta em dois aspectos essenciais para uma economia baseada no conhecimento, ou sejam, a coesao social corn forte investimento nas pessoas e combate a exclusao social e integra<;:ao plena do cidadao na sociedade do conhecimento. 0 papel da ciencia, da educa<;:ao e da cultura ao servi<;:o da Economia e da Inclusao social. A Conferencia de Berlim (19.Set.2003) salienta a investiga<;:ao, a interdisciplinaridade e a qualidade da forma<;:ao, orientada para a sociedade digital e tecnol6gica e para a utilidade social do conhecimento. E importante reconhecer neste quadro o Papel do Ensino Superior na constru<;:ao da nova Sociedade baseada no conhecimento; â&#x20AC;˘ Relevancia da Investiga<;:ao para o desenvolvimento Tecnol6gico, Social e Cultural;
â&#x20AC;˘ 0 refor<;:o dos Pilares essenciais de qualquer sociedade: Cidadania; Cultura; Ciencia; Inova<;:ao. A declara<;:ao de Bolonha antecedida pela declara<;:ao da Sorbone4 cujo objec-
tivo era a "harmoniza<;:ao da estrutura do ensino superior no sistema Europeu". A declara<;:ao de Bolonha5 estabelece os objectivos gerais para a cria<;:ao de urn Espa<;:o Europeu de Ensino Superior ate 2010.
Os Objectivos de Bolonha e as
muta~oes
no paradigma de ensino
Promover a mobilidade, flexibilidade e comparabilidade, baseado no sistema de transferencia de creditos europeu (ECTS), tendo em vista a promo<;:ao da empregabilidade, e a promo<;:ao da coesao europeia, atraves do conhecimento e da inova<;:ao, num espa<;:o europeu competitivo e atractivo. Concretizar o desenvolvimento de urn novo paradigma de organiza<;:ao do ensino, centrado no aluno e nos objectivos da forma<;:ao, atraves do qual se procede a uma passagem do sistema curricular tradicional, baseado na justaposi<;:ao de conhecimentos, para urn sistema centrado no desenvolvimento de areas curriculares alargadas, desenhadas em fun<;:ao dos objectivos e na mobilidade da forma<;:ao a prosseguir.
4
Assinada em Maio de 1998 pelos ministros do ensino superior da Fran<;a, It<'llia, Reino Unido e Alemanha. 5 Assinada em 19 de Julho de 1999 pelos ministros de educa<;iio de 29 paises da Uniiio Europeia.
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Jorge Ferreira Reconverter o papel da universidade, claramente vinculado a um modelo de cidadania activa e da universalidade da democracia, liberdade (na investiga<;:ao e forma<;:ao) e multiculturalidade. Novos desafios das institui<;:6es de ensino superior: emprendedorismo, inova<;:ao, excelencia, merito, criatividade, flexibilidade e a capacidade do risco. Bolonha imp6e uma nova ordem para a forma<;:ao superior ou seja orientada para o segmento de mercado, pelo que integra no seu processo dimens6es como: Altera<;:ao curricular dos pianos de forma<;:ao; - Rela<;:ao de parceria entre Universidade e Sociedade Civil; Internacionaliza<;:ao e Transferencia de ECTS; Responsabilidade individual do aluno no processo de forma<;:ao, criando o chamado curricula aberto. Bolonha traz consigo uma das dimens6es mais fortes e fundamental constru<;:ao de um espa<;:o {mico ew路opeu mais coeso, ou seja:
a
- Promover um Sistema de forma<;:ao Superior na Europa, assente na responsabilidade de preparar/ formar profissionais (tecnicos e investigadores) com impacto e consequencia na sociedade Europeia e no Desenvolvimento econ6mico sustentavel e na coesao social. A concep<;:ao de Servi<;:o Social sustentada em prindpios de Conhecimento e Saber Te6rico, reconhecidos como recursos necessarios ao desenvolvimento de uma interven<;:ao eficaz com o sujeito. Este processo ao nivel Europeu representa Vantagens e Desvantagens para a forma<;:ao em Servi<;:o Social. - Tem vantagens na integra<;:ao da forma<;:ao em Servi<;:o Social no sistema de ensino superior no Espa<;:o Europeu, garantindo-lhe um reconhecimento e um espa<;:o academico igual, no que respeita aos diferentes ciclos de forma<;:ao (Licenciatura, Mestrado e Doutoramento), um debate cientifico no dominio das Ciencias Sociais e Humanas atraves nao s6 da sua rela<;:ao de coabita<;:ao no sistema universitario mas essencialmente atraves da investiga<;:ao aplicada e estudos comparados. Tem desvantagens, relativamente a sua tradi<;:ao no sistema universitario e rela<;:ao de coabita<;:ao (monoforma<;:ao), comparado com as restantes areas cientificas das ciencias sociais e humanas (Sociologia, Antropologia, Filosofia, Psicologia, Direito). Esta tradi<;:ao caracterizada, de falta de debate cientifico na academia no dominio do Servi<;:o Social, pode desvirtuar a sua "missao" e essencialmente a sua natureza de piano de forma<;:ao com uma forte componente de pratica.
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E uma
forma~ao orientada para a leitura das praticas profissionais atraves
de quadros te6ricos espedficos que desenvolve competencias profissionais no Assistente Social para uma interven~ao fundamentada, coesa e orientada por metodologias de Servi~o Social ao nivel individual e colectivo nos problemas sociais das pessoas e das comunidades locais.
Urn Piano de Formac;;ao para o Presente e o Futuro
Definir hoje corn urn horizonte futuro urn plano de forma~ao em Servi~o Social, obriga a ter em presen~a urn conjunto alargado de instrumentos de natureza Internacional, Europeia e Nacional, citando aqui apenas os de natureza Internacional e Europeia, como sejam: - A Declara~ao Universal dos Direitos Humanos; - A Declara~ao sobre progresso e desenvolvimento social de 11/12/1969 da Assembleia-geral das Na~oes Unidas; Global Standards for the Education and Training of the Social Work Profession (general Assemblies of IASSW and IFSW, Adelaide, Australia, 2004); - Estudo Mundial sobre os problemas e prioridades sobre o Bem-estar Social para o Desenvolvimento realizados desde 1968 pelo departamento de Assuntos Econ6micos e Sociais Internacionais das Na~oes Unidas/ /Nova York (1986); - Carta Social Europeia dos Direitos Fundamentais, pontos Ill ÂŤlgualdade>>, IV <<Solidariedade>>; - Resolu~ao da Assembleia-geral das Na~oes Unidas n.Q 32/130 de Dezembro de 1977 ÂŤDireitos Humanos e liberdades fundamentais>>; Delibera~oes do Grupo de Trabalho da Comissao de Direitos Humanos sobre urn protocolo Opcional ao Convenio Internacional sobre Direitos Econ6micos, Sociais e Culturais (ICESCR), ano 2007 e 2008; - Resolu~ao 67/16 sobre fun~oes, forma~ao e estatuto dos Assistentes Sociais do Comite de Ministros do Conselho da Europa; - Recomenda~ao de 2001, da Comissao de Ministros do Conselho da Europa para os Estados Membros sobre fun~oes e atribui~oes dos Assistentes Sociais; 0 C6digo de etica dos Assistentes Sociais - prindpios e criterios, da Federa~ao Internacional dos Assistentes Sociais de 1976; Os Tratados da Uniao Europeia - Amsterdam (1999), Nice (2001), Lisboa (2007). 0 Plano Tecnol6gico e a Sociedade de Informa~ao. - IBSA- Indicators, Benchmarks, Scoping and Assessment.
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Jorge Ferreira Urn Piano de Estudos que habilite o profissional de Servi<;o Social (o Assistente Social) corn competencias de: - Capacidade para trabalhar numa rela<;ao de parceria corn as pessoas, familias, grupos, organiza<;oes e comunidades as suas necessidades, interesses e constrangimentos; - Capacidade para planear, implementar, avaliar, reprogramar a prcitica profissional; - Capacidade para apoiar as pessoas e promover nelas a sua Cidadania e Co-responsabilidade partilhada; - Capacidade para intervir em situa<;5es de emergencia, crise e de risco social; - Capacidade para administrar e gerir organiza<;5es e servi<;os sociais e especialmente a sua pratica profissional na organiza<;ao corn a utiliza<;ao da metodologia e tecnicas de Supervisao. Em sfntese, urn profissional corn competencias para: -
Intervir; Investigar; Analisar; Avaliar; E utilizar conhecimento em Servi<;o Social (saber), actualizado a partir das melhores praticas (saber fazer) e aceitar rever e actualizar o seu conhecimento (saber ser).
Defendo, que urn piano de estudos para o l.Q ciclo de estudos deve integrar nos seus conteudos formativos, sobre:
- Fundamentos do Servi~o Social - principios e conceitos, metodos e tecnicas de Servi<;o Social (individual, familia e colectivo ), teorias (diagn6stico) e estrategias de interven<;ao social e de comunica<;ao em Servi<;o Social; Politicas publicas e sistema de protec~ao social - medidas de bemestar social, conceptualiza<;ao e operacionaliza<;ao de respostas sociais, enquadramento institucional e administra<;ao de servi<;os sociais (rede pt!blica, rede privada e rede de solidariedade social); Modelos de lnterven~ao em Servi~o Social e problemas sociais contemporaneos - desenvolvimento humano e interac<;ao entre Homem e Sociedade ou Cidadao e Meio Social, igualdade Versus Desigualdade, dependencia e vulnerabilidade social, estrutura social e diversidade social e cultural; Ferramentas h~cnicas do Servi~o Social - Atendimento social, Acompanhamento social sistematico, Visita domiciliaria, Entrevista, Observa<;ao,
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Informa<;ao social, relat6rio social, caracteriza<;ao s6cio-familiar, Supervisao, pericia social, plano individual de readapta<;ao, acordo de promo<;ao e protec<;ao, plano individual educativo, Avalia<;ao de caso, Escalas e Tecnologias da informa<;ao e comunica<;ao. Praticas Supervisadas e forma<;ao experiencial em Servi<;o Social- unidades curriculares de forma<;ao pratica em exerdcio onde se experimenta o Saber, o Saber Fazer e o Saber Ser atraves da correla<;ao que se estabelece entre Teoria e Pratica e Pratica e Teoria.
Conclusoes Torna-se necessaria questionar os planos de forma<;ao em Servi<;o Social e a sua rela<;ao corn a produ<;ao do conhecimento no quadro das novas orienta<;6es para o Ensino Superior no Espa<;o Europeu e no processo de Globaliza<;ao Econ6mica e Social: 'r A integra<;ao do "conhecimento" produzido nos conteudos das unida-
des curriculares do Plano de Estudos pelos professores e alunos; 'r Rela<;ao do "conhecimento" corn o mercado (lnfluencia ou Condicio-
nante). 'r Rela<;ao do "conhecimento" corn as Politicas Publicas (Aplica<;ao ou
Avalia<;ao). 'r Rela<;ao do "conhecimento" corn mobilidade de recursos humanos especializados e a livre circula<;ao de pessoas e trabalhores no Espa<;o Europeu. y Questionar e avaliar 0 papel dos profissionais no ambito: • da aplica<;ao do conhecimento; • da promo<;ao do conhecimento; • da inova<;ao do conhecimento.
'r Neste ambito torna-se necessaria rever: • Os planos curriculares de Servi<;o Social no dominio da produ<;ao de conhecimento, no quadro: • Dos Direitos Humanos, Sociais e Culturais; • Das novas tecnologias; • Da sociedade da informa<;ao; • Da globaliza<;ao; • Das redes e do partenariado; • E da Cidadania Social.
'r Na actualidade, na minha opiniao o plano de estudos de Servi<;o Social nao deve continuar a ser generalista tendo em conta a diversidade e
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complexidade dos problemas soCials e o tempo de dura<;:ao da sua forma<;:ao. No entanto reconhe<;:o que ha urn conjunto de ferramentas e instrumentos h~cnicos que tern de ser comuns na forma<;:ao em Servi<;:o Social de forma a criar unidade e identidade profissional. A Investiga<;:ao em Servi<;:o Social deve ser reconhecida como elemento essencial a produ<;:ao do conhecimento, numa Sociedade orientada por quadros te6ricos e etico politicos de cidadania social, constituindo por si s6 uma exigencia a comunidade do conhecimento e da ac<;:ao. A Sociedade actual prop6e a reconstru<;:ao do Modelo Social e de Coesao Social no dominio das praticas e nao apenas no dominio das ideias, o que constitui urn desafio e urn compromisso para a forma<;:ao em Servi<;:o Social.
Bibliografia BARREYRE, Jean-Yves et BouQUET, Brigitte, Nouveau dictionnaire critique d'action sociale. Editions mise a jour. Travail Social Bayard, Paris 2006. BouFFANT, le Chantal et GuELAMINE, Faiza, Guide de l'assistante sociale. Institutions, Pratiques professionnelles, Status et formation. Ed. DUNOD. 2." Edi<;ao, Paris, 2005. FERREIRA, Jorge M. L., A pratica profissional do Assistente Social numa interven~iio niio direcliva. Revista Interven<;ao Social nY 8. Ed. pelo Instituto Superior de Servi<;o Social de Lisboa, 1994. RoBERTIS, de Cristina, Methodologie de !'intervention en travail social. Nouvelle edition, Ed. Bayard, Paris 2007. ROBERTIS, Cristina, LEPLr\Y, Eliane, PASCAL, Hcnri. L'intervention sociale d'aide a la personne. Conseil Superieur du Travail Social. Editions ENSP. Rennes, 1998. RICHMOND, E. Mary (Preface de Brigitte Bouquet, Les methods nouve/les d'assistance. Le Service Social des cas individuals. Editions ENSP. Rennes 2002. SILYA, Ilda Lopes R. do, Mary Richmond - um olhar sabre os fundamentos do Serviqo Social, Ed. CBCISS Rio de Janeiro, 2004. TOURAINE, Alain, Sciences Humaines, nQ 42, aout- septembrep. 56. Editions Fayard, Paris 1994. UNIOPSS, Accompagnement social et insertion, Editions Syros, Paris, 1995.
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A IMPORTANCIA DOS PERCURSOS PROFISSIONAIS NA FORMA<;AO CONTINUA E NAS CONSTRU<;OES IDENTITARIAS DOS ASSISTENTES SOCIAlS
Isabel Passarinho Doutoranda em Ciencias da Educar;iio, na especialidade de Formar;iio de Adultos Faculdade de Psicologia e Ciencias da Educar;iio, Universidade de Lisboa
Resumo: Nesta interven<;:ao, num primeiro momento, tenta-se equacionar a institucionaliza<;:ao do Servi<;:o Social como profissao que, tendo como uma das referencias hist6ricas o pensamento humanitario, assume legitima<;:ao profissional plena com o estabelecimento de uma nova rela<;:ao entre o Estado e Sociedade Civil. Partilha-se a concep<;:ao de Chris Rojek (1988) de que a crise cultural do Servi<;:o Social moderno esta relacionada com o fossa entre a linguagem e o significado, entre a representa<;:ao e a ac<;:ao, enraizadas numa sociedade que ja nao existe. Na crise de modelo de sociedade, a privatiza<;:ao e a desregula<;:ao sao meios de ajustamento estrutural do Estado a nova economia global - um processo simultaneo de globaliza<;:ao e localiza<;:ao com consequencias ao nivel da perda de legitimidade e autoridade politica e com a erosao do projecto de modernidade, onde a educa<;:ao como um todo perde a sua arienta<;:ao (Finger e Asun, 2003:106). Esta realidade, a que alguns autores chamam p6s-moderna, tem no individualismo uma caracteristica marcante, quer para a pratica da educa<;:ao de adultos, quer para a ac<;:ao social. A comunica<;:ao, num segundo momento, procm路a apresentar um estudo ainda explarat6rio sobre a forma<;:ao, com especial enfoque na autoforma<;:ao, procurando identificar as aprendizagens realizadas nos percursos profissionais dos assistentes sociais, os significados que lhes atribuem e quais os processos das suas constru<;:i5es identitarias.
Introdu~ao
Abordar o problema das rela<;:i5es entre a farma<;:ao continua e as constru<;:i5es identitarias e, na perspectiva que utilizo de "pratica-investigadara", come<;:ar par falar de n6s ... os e as assistentes sociais, os que exercem a profissao, os que investigam e os que leccionam (sendo estes exerdcios par vezes cumulativos ou alternados)- na tentativa de questionar e procurar respostas. Assim, podemos come<;:ar por perguntar quais as concep<;:oes e praticas que temos da profissao e do campo profissional e cientifico e de que formas entendemos a rela<;:ao com o conhecimento? Coma nos identificamos profissionalmente, para n6s, entre n6s e para os outros?
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Poderemos ainda, perguntar-nos que rela<;ao estabelecemos entre os saberes te6ricos e os saberes provenientes da pratica e como fomos aprendendo a "tornar-nos" assistentes sociais? E afinal, o que e isto de ter uma profissao? Ter uma habilita<;ao academica (elemento tido como identitario por excelencia) e sin6nimo deter uma profissao? Para alem da forma<;ao inicial formal, que outros aspectos influenciam a traject6ria profissional e a(s) constru<;ao(oes) identitaria(s)? Alimentando a discussao de como as profissoes estao hoje preenchidas por uma plenitude de campos profissionais, o que por hip6tese, as torna muito pouco fieis a uma identidade {mica, tenho vindo a utilizar a investiga<;ao empfrica no ambito do meu processo de doutoramento para demonstrar que sao as rela<;oes humanas e as rela<;oes corn o saber que estao fundamentalmente em causa na transi<;ao paradigmatica que atravessamos. Os paradigmas actuais de referencia das teorias contemporaneas da Educa<;ao/Forma<;ao e as orienta<;oes das Politicas Educativas fundadas sobre a Forma<;ao ao Longo da Vida sao, em parte, resultantes da evolu<;ao da pesquisa sobre os processos complexos da constru<;ao da autonomia, da identidade e da autoforma<;ao permanente. Mas sao tambem resultantes da evolu<;ao dos modelos de regula<;ao da educa<;ao escolar e da forma<;ao profissional, bem como das suas rela<;oes corn a economia e corn o mercado de trabalho. Parto da convic<;ao de que as transforma<;oes da actualidade e os modelos e as estrategias de desenvolvimento em curso nao podem ser analisadas apenas nos niveis institucional, politico ou sociol6gico; pelo contrario, devem ser investigadas tambem no seio das suas interdependencias corn a vida dos indivfduos e corn a constru<;ao e reconstru<;ao continua das suas identidades. Neste ambito sobressai tambem uma critica a uma concep<;ao de ÂŤacumula<;ao de conhecimentos>> e a defesa de uma maior inter-rela<;ao entre a forma<;ao inicial e a forma<;ao continua. Optando, diria que me situo na concep<;ao de identidade filiada na perspectiva interaccionista 1 onde se perspectiva a ac<;ao humana como algo que se constr6i na comunica<;ao frente a frente, corn os outros, e nao estritamente
1 0 interaccionismo simb61ico teve origem nos E.U.A ., surgindo ligado aos principios filos6ficos do pragmatismo defendidos, entre outros, por autores como William James, George Mead e John Dewey que consideravam que a pessoa humana e o produto das interaq:oes sociais, nomeadamente das que se produzem a partir da linguagem e do jogo. No ambito da sociologia, o interaccionismo tern-se constituido como polo centralizador do debate de ideias, alimentando diversas perspectivas interpretativas e dinamicas da problematiza-;:ao social. 0 objectivo do interaccionismo e a estrutura da experiencia individual na vida social (Goffman, 1993).
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comandada pelas normas e valores sociais impostos, reconhecendo a participa<;ao activa dos sujeitos na constrw;:ao da sua identidade. A questao das socializa<;:oes e da identidade remete-nos por sua vez para o conceito de profissionaliza<;:ao e para a dinamica de uma profissao. As representa<;:6es que os profissionais fazem de si mesmos (bem como as representa<;:6es que os outros fazem da profissao e dos profissionais) dependem das cren<;:as, valores e referencias culturais que se adoptam no quotidiano, mas tambem de patrim6nios simb6licos herdados e construidos ao longo dos tempos. Na perspectiva escolhida das Ciencias da Educa<;:ao mobilizo o entendimento de Barbier sobre a forma<;:ao de adultos como "laborat6rio de prriticas novas." (Barbier et al 1991, p.75), partilhando aqui uma questao de fundo que tem percorrido a experiencia deste processo de investiga<;:ao: procurar entender como os adultos se formam. No caso escolhido, dos assistentes sociais, fora do contexto formal da educa<;:ao, mas no contexto formal e informal das rela<;:oes de trabalho com os varios intervenientes dos processos de interven<;:ao social. Um dos principios definidos, nesta nova epistemologia da forma<;:ao, e o de que aprende-se em todos os lugares e circunstancias da vida, intencionalmente ou nao, sendo as aquisi<;:6es escolares formais (que continuam a validar os conhecimentos) apenas uma parte reduzida do saber global (ser, pensar, fazer, sentir) que cada adulto possui, desenvolve e constr6i.
A legitima~ao profissional do assistente social no quadro de novas entre o Estado e a Sociedade
rela~oes
Ao percorrer os processos de emergencia, institucionaliza<;:ao e de profissionaliza<;:ao do Servi<;:o Social, damo-nos conta da diversidade de formas que podem tomar as teses sobre o Estado e as suas politicas sociais e pretende-se sobretudo evitar a conota<;:ao de neutralidade que, por vezes, lhe e atribuida. Sobre a concep<;:ao de Estado, opoem-se as perspectivas pluralistas e marxistas, divergindo fundamentalmente nas suas concep<;:oes sobre a rela<;:ao do Estado com a Sociedade. As teorias pluralistas 2 tendem a supor que o Estado e bastante aut6nomo em rela<;:ao a sociedade 3, enquanto as teorias marxistas definem o Estado pelo seu compromisso com a classe dominante, atribuindo-lhe um papel de mediador de conflitos no interior dessa mesma classe.
2
Resultantes da emergencia e desenvolvimento da teoria politica pluralista, no ambito da teoria liberal. 0 pluralismo e apresentado COITIO a reintrepreta<;:ao do ÂŤbem COITIUITI>>, assumindo o Estado uma posi.;:iio de arbitro neutro. 3 0 que tem justificado uma posi<;:iio de aparente neutralidade perante os diferentes grupos de interesse, colocando o Estado fora dos conflitos sociais.
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Actualmente, em nada diminui a complexidade e a diversidade de analises e a necessidade de urn continuo aprofundamento, quer sobre a analise do Estado para a compreensao das politicas sociais, quer sobre a natureza do Estado na sociedade capitalista. Jacques Donzelot (1994) questiona corn alguma ironia se a virtude do «Social» nao sera resultante de uma dupla nega<;:ao 4 de duas ideias igualmente sedutoras e enganosas: uma ordem civil naturalizada e uma ordem politica que se cumpriria no sentido historico? 0 «Social» aparece, assim, como urn registo hibrido, na impossibilidade, quer de obedecer a uma imposi<;:ao politica das massas, quer de acantonar-se na protec<;:ao da sociedade civil. Entre nos e ate hoje, a sociedade portuguesa e caracterizada por urn «atraSO» nao so no estabelecimento da democracia juridico - politica do estado de direito, como tambem por uma tardia e restrita efectiva<;:ao de direitos sociais enquanto garantia do Estado de Bem-estar Social. Esta forma de regula<;:ao social nao tern tido por fundamento o equacionamento de garantias sociais, nem a produ<;:ao estatal de cuidados universalistas. Basicamente, o papel das politicas sociais no quadro de urn "semi-Estado Providencia", tern si do o de uma resposta remediativa aos desequilibrios e nao se tern mostrado capaz de gm·antir uma sustentada progressao na !uta contra a pobreza. As mudan<;:as do t!ltimo seculo na organiza<;:ao do capitalismo - o seu alcance global, as inova<;:oes tecnologicas revolucionarias, a centraliza<;:ao em empresas e institui<;:oes financeiras gigantes e transnacionais - resultaram no aumento de assimetrias (no interior das regioes dos paises ditos desenvolvidos, entre paises 'ricos' e paises 'pobres', entre o norte industrializado eo sui subdesenvolvido), e na exclusao de grande numero de cidadaos da participa<;:ao economica, social e politica. Assim, no discurso politico a no<;:ao de <<progresso>> passa a ser substituida pela de «mudan<;:a social>>, alvitrando a possibilidade do nascimento de urn «social do terceiro tipo>> que, num registo proximo de Bourdieu, seria urn social que passou para o campo da sociedade, tentando abranger quer o campo do Estado, quer o campo do mercado. Assim, as dttvidas surgidas na decada de 70 do seculo passado, sobre a viabilidade economica do Estado de bem-estar universalista, deram lugar na decada de 80 a profundas altera<;:oes nas despesas sociais dos or<;:amentos publicos, nos novos metodos de prover e administrar os servi<;:os, na adop<;:ao de esquemas de privatiza<;:ao e subcontrata<;:ao, que visavam retrair o Estado (Rodrigues, 1999:40). 4
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Como nas opera<;:oes matematicas, negativo com negativo, da positivo.
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As posi<;:oes e teses desenvolvidas ao longo das ultimas decadas tern desenhado, de formas muito variadas, perfis das actividades estatais no dominio do bem-estar, defendendo quer a resistencia do Estado-providencia, (corn mais ou menos renova<;:ao e reordenamento), quer a sua extin<;:ao (ideal supremo numa sociedade de mercado ). Neste debate, o contributo de Robert Castel apresenta como essencial a perda da identidade pelo trabalho baseada na condi<;:ao de assalariado, num clima de precaridade estabelecida. Apesar disso, identifica o Estado social como urn actor central que face a determinadas estrategias desempenha o papel de preparar transi<;:oes. Alertando ainda para a ideia de que o Estado-providencia tambem e produtor de individualismo. Assim, o estado de bem-estar e certamente paradoxal. Por urn lado, ele e extraordinariamente popular, por rela<;:ao ao mundo imediato dos direitos a pensoes e beneficios de milhoes de cidadaos. Por outro lado, a verdadeira escala do seu crescimento e uma das mais notaveis caracteristicas do mundo p6s-guerra e permanece uma das mais dominantes, embora por vezes imperceptive!, das institui<;:oes do mundo moderno. Na crise do Estado-providencia e possivel identificar 2 eixos de interpreta<;:ao: urn, defendido pelas correntes conservadoras, que retomam as teses liberais e assumem que o Estado e urn mau administrador dos recursos publicos e, outro, que radica a sua critica na incapacidade do Estado-providencia se ajustar as mudan<;:as na sua propria estrutura, preconizando a tese da reorienta<;:ao para fazer face as mudan<;:as. A ancilise de Boaventura Sousa Santos considera que a fase de transi<;:ao do Estado de bem-estar, contem elementos novos e contradit6rios por rela<;:ao ao que foi o paradigma dominante. Na concep<;:ao de Santos a transi<;:ao paradigmatica do Estado "... Preenche em parte a sua dimensao de bem-estar transferindo prerrogativas estatais para instituiqi5es e associaqi5es nao estatais, sempre que e necessaria concretizar inovaqi5es sociais" (Santos, 1990:258) Nas ultimas decadas no mundo do trabalho, as transforma<;:oes ocorridas tern tambem produzido modifica<;:oes significativas para o Servi<;:o Social, reordenando o mercado formal de trabalho dos assistentes sociais, quer no ambito das suas condi<;:oes objectivas e subjectivas de trabalho, quer nos seus espa<;:os s6cio-ocupacionais. Destacam-se: â&#x20AC;˘ a metamorfose do Estado (historicamente o grande empregador de Assistentes Sociais), corn a consequente altera<;:ao de papel das politicas sociais e o reordenamento e redimensionamento das suas fun<;:6es;
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â&#x20AC;˘ a "refilantropizat;:ao" da questao social, onde se esbatem os direitos sociais e as necessidades das classes mais pobres sao remetidas para o mercado e/ou tornadas objecto de responsabilidade individual, submetidas a benevolencia e a solidariedade; â&#x20AC;˘ a transferencia de servit;:os estatais para a sociedade civil, atraves de sectores comunitarios e organizat;:6es nao governamentais. Por relat;:ao a urn passado feito de praticas assistenciais, mais ou menos filantr6picas, subscreve-se que o compromisso estatal corn a politica social celebra a orientat;:ao para politicas configuradas: I) numa relat;:ao tensional de interesses antag6nicos; II) numa concept;:ao de desigualdades sociais como problema colectivo que devera suprir necessidades sociais; III) numa articulat;:ao corn momentos e contextos espedficos. Por tlltimo, ressalvaria que nas ultimas decadas as transformat;:6es que se produziram nos mecanismos de regulat;:ao social tiveram consequencias nao s6 por relat;:ao a crise dos Estados-nat;:ao, mas tambem nas suas funt;:6es sociais. E mais particularmente, no papel do Trabalho Social face a politica social, pois este esta no centro de contradit;:6es e de mudan<;as nas nossas sociedades. "A par das dificuldades relativas a sua interve111;iio face aprodw;iio e distribuic,;iio de recursos para um desenvolvimento apoiado, assiste-se, face aglobalizac,;iio das economias, a um desajuste do estado, que se tornou demasiado pequeno para resolver os grandes problemas da vida e demasiado grande para resolver os pequenos problemas da vida." (Rodrigues, 1999:55) E se a "questiio social" era, desde a revolut;:ao industrial ate a crise do infcio da decada de 70, a das condit;:6es de vida dos trabalhadores e dos mecanismos de explorat;:ao e dominat;:ao capitalista geradores de desigualdades sociais, alguns autores concluem que nos paises desenvolvidos essa questao tendeu para a resolut;:ao corn o pacto social em que se fundaram os Estados- Providencia e as economias do bem-estar. Mas esta ÂŤresolut;:aO>> nao se verificou uniformemente nem corn constancia temporal. Desde os anos 60 que cresceram as vozes dissonantes em relat;:ao os modelo de desenvolvimento prevalecente e a desligitimat;:ao do "modelo fordista-keynesiano-familiar. Nos anos 90 a tendencia acentuou-se corn o desemprego em massa, atribuido a exigencias de racionalizat;:ao de efectivos, por via das mutat;:6es tecnol6gicas, e a alterat;:ao da composit;:ao social dos grupos excluidos, despolotou a negat;:ao das bases compensat6rias do Estado Providencia. "0 novo paradoxo do social e produzir respostas cada vez mais individualizadas, cujo modelo e o do percurso individual de inserc,;iio construido em torno de uma larga gama de ofertas de servic,;os alternativos do emprego, no quadro de uma ret6rica da
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resposta global e regional a questiio social em lugar das estrategias ja desvalorizadas da assistencia." (Autes, 2000: 265) A recusa da media<;ao dos aparelhos centrais do Estado preparou o terreno para a regula<;ao descentralizada que assentou em procedimentos de implica<;ao, dando lugar a urn novo tecido institucional, na procura de transferir para a base os problemas e os conflitos que emergem ou se concretizam localmente. Ou seja, e pretendido conseguir no piano local, as convergencias possiveis sobre as questoes que afectam a vida econ6mica e social, atraves do confronto e do debate entre adversarios que desta forma se transfonnam em parceiros, obrigados a encontrar solu<;oes. Mais uma vez pode-se constatar a distancia entre o pensamento te6rico e os resultados praticos obtidos pela aplica<;ao das medidas de politica, dado que nao foram atingidos os objectivos previstos: I) nao foram reduzidos os problemas e a importancia dos conflitos; II) nao ficou facilitada a arbitragem; III) nem contribuiu para a mobiliza<;ao da sociedade e para a coesao e restabelecimento dos la<;os sociais. Na sequencia das altera<;oes contextuais e do insucesso dos metodos tradicionais de protec<;ao social e de ajuda social, nasce urn novo metodo de ac<;ao que consiste em responder a reivindica<;ao pela oferta de implica<;ao, num prindpio da ÂŤcontratualidade da ac<;aoÂť (Donzelot, 1994). Surgem entao os procedimentos operativos baseados nas no<;oes de missao, de contrato e a Metodologia de projecto, dando lugar a politicas sociais transversais. Mas tambem ai, "o certo e que niio se encontra, na fundamentar;iio dessas vias,
uma problematizar;ao e uma configurar;iio do social cam base numa nor;iio de social abrangente, que englobe o mundo da vida assim coma o mundo da politica e o mundo do pensamento de forma articulada." (Andrade, 2001: 105). Face a diversidade de perspectivas, importa, recensear possibilidades plurais de entendimento, onde a <<profissiio-oficio>> de Servi<;o Social possa ancorar conhecimentos, perspectivas e competencias, tambem elas fazendo parte das caracteristicas distintivas das profissoes. Afinal de contas, o Servi<;o Social, nao foi engendrado por si proprio. Ele surge como parte de uma estrategia de classe, no momento em que o Estado assume para si o tratamento das questoes sociais e onde as politicas sociais inauguram urn mercado de trabalho para os assistentes sociais, apostadas em produzir "reformas na ordem" e em integrar as classes mais desfavorecidas. Assumindo que "o camp a de Servir;o Social (... ) contribui para a manutenr;ao da ordem social, desempenhando um papel na reprodur;iio social". (Andrade, 2001: 180), tambem se sabe que ele e sobredeterminado pela aplica<;ao de medidas de politica, exercidas no campo institucional que o limitam, regulam e condicionam.
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Os autores consultados divergem em perspectivas antag6nicas: desde as concep<;:6es que consideram a profissao como uma decorrencia necessaria da racionaliza<;:ao e organiza<;:ao da filantropia e da assistencia social; outras, que defendem que o diferencial entre as actividades caritativas e o Servi<;:o Social estaria localizado no sistema de saber, no estatuto te6rico da profissao e na sua fase tecnico-instrumental e, outras ainda, que defendem que a profissao nasce no interior de urn projecto reformista conservador e localiza-se nos pedidos hist6ricos e sociais, comprometidos corn a manuten<;:ao da ordem social. Nesta ultima perspectiva e assumido que "a profissiio tern sido frequentemente convertida em instrumento de realiza~iio do capital, raziio pela qual a critica e a autocritica realizadas pela profissiio remetem ao acerva tecnica-instrumental e niia a sua instrumentalidade aa capitalismo, donde a perspectiva integrativa e adaptativa, de caracter reformista" (Guerra, 2001:273). Por outro lado, os tradicionais empregadores de Assistentes Sociais - o sector ptlblico, as empresas e as institui<;:6es privadas sem fins lucrativos - ampliam os vinculos de trabalho precarios, flexibilizando os contratos e introduzindo os contratos por tempo parcial. "Ha evidencias de que haje a requisi~iia e por especialistas, que primam par uma interven~iio microsc6pica, que actuam em equipas multidisciplinares, mantenda qualidade e pe1jarmance dentro de padri5es de racianalidade. E uma requisi~iia par prafissi5es tecnacratizadas" (Guerra, 2001 :287). Estimula-se sobretudo as actividades de gestao, administra<;:ao e racionaliza<;:ao dos servi<;:os, transformando o Assistente Social num trabalhador temporario ou microempresario, prestador de consultadoria ou assessoria. Segundo alguns autores, para deixar de fazer mais do mesmo, ou como refere Illich, para ultrapassar OS <<mecanismos contrapradutiVOS>>, e preciso abrir crise, querer mudar a sociedade, pensar o futuro de forma prospectiva, o que implica uma altera<;:ao profunda nos comportamentos individuais, sociais e no papel do Estado. Nesta linha, assume particular importancia o conceito de Desenvolvimento Alternativo como urn processo de empowerment social e politico cujo objectivo a longo prazo e reequilibrar a estrutura de poder na sociedade, tornando a ac<;:ao do estado mais sujeita a presta<;:ao de contas, aumentando os poderes da sociedade civil na gestao dos seus pr6prios assuntos e tornando as empresas socialmente mais responsaveis. Aqui, a inova<;:ao envolve a redefini<;:ao dos papeis entre o estado, a sociedade civil e a economia empresarial, corn aten<;:ao especial as novas formas de participa<;:ao politica no planeamento, na ac<;:ao comunitaria, na organiza<;:ao econ6mica e nas rela<;:6es de genero nas comunidades domestica e politica. Sendo o campo profissional atravessado por paradoxos, controversias e alguma constancia entre urn humanismo-cristao e uma <<critica anticapitalista
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romantica», sera, cada vez mais importante alimentar a reflexao quer sobre as narrativas historicas, quer sobre os fins e meios utilizados, bem como as suas implica<;:oes, tanto para a sociedade coma para o corpo profissional. 0 debate esta instituido para alem da instrumentalidade do Servi<;:o Social (e da eficacia dos seus resultados), gerando-se no questionamento da direc<;:ao social desses resultados, nos objectivos, nas finalidades, nos prindpios etico-politicos e nos fundamentos te6rico-metodol6gicos, onde as racionalidades se confrontam e articulam.
0 Assistente Social como sujeito da sua forma.;:ao e da sua constru.;:ao identitaria A porta de entrada pelas Ciencias da Educa<;:ao, em «corrente de ar>> corn muitas outras contribui<;:oes que pretendem formar urn quadro te6rico-metodol6gico multireferenciado, tern-se revelado fecunda para interrogar o campo profissional e para consolidar a oportunidade de uma anatise (auto) compreensiva dos processos e das 16gicas de forma<;:ao para tentar encontrar pistas que aumentem o conhecimento sobre as formas «Coma se formam os assistentes sociais». En tendo que os movimentos 'do' e 'no' campo de Servi<;:o Social em ordem a sua sobrevivencia, consolida<;:ao e autonomia (corn todas as rupturas e continuidades que isso implica) ganhariam em realizar urn <<processo de depura<;:ao»5, onde o Servi<;:o Social se orientaria para o que o distingue e o define na sua particularidade. A no<;:ao de construr;iio de identidades profissionais de Claude Dubar (1991) e em si mesma uma alternativa a no<;:ao de profissionalismo. No profissionalismo, as competencias e a etica estao definidas a priori para 0 grupo socioprofissional enquanto categoria sociologica classica. Na no<;:ao de constru<;:ao de identidades profissionais, a socializa<;:ao profissional nos contextos de trabalho e central e o seu produto sao as identidades profissionais individuais e colectivas, onde a realiza<;:ao profissional e a criatividade social se constroem mutuamente. 0 que acabo de referir nao implica que urn ou outro conceito deva prevalecer, mas antes que a op.;:ao realizada resulta dos objectivos e do quadro conceptual mobilizado para a investiga<;:ao que, apesar de tudo, se inscreve num deslocamento de interesses (constatavel em muitas outras investiga<;:oes) da "sociedade das profissoes" para as "comunidades de profissionais". Arriscando o meu ponto de vista, diria que esse e urn processo que passa necessariamente por (re) constru<;:oes identitarias, e que tera de alterar alguns 5
Conceito de Bourdieu (1989:70).
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sinais (e caracteristicas tambem) socialmente reconhecidos coma integrantes da identidade profissional (para n6s e para os outros) se quiser ver refor<;:ada a sua utilidade social e a sua efica.cia simb6lica. Refere Vicente Paula Faleiros (1996), que "0 Servic;o Social precisa aprofundar e
reorientar a sua tradic;fio capacitadora, deixando de lado o caracter de adaptac;fio, do treinamento, refor(o de hlibitos, e adoptando a perspectiva critica, formadora, da aprendizagem da aprendizagem nas condiqoes cada vez mais complexas do quotidiano, onde se exigem mudanqas de perspectiva, mudan(as de traject6ria e mudanqas de condic;oes." Mas no processo de constru<;:ao do Servi<;:o Social (disciplina e pratica) subsiste o problema da segmenta<;:ao entre a teoria e a pratica, nao obstante o reconhecimento da necessidade de uma epistemologia integrada que proporcione uma estrutura te6rica significativa para a interven<;:ao. A nfvel da profissionaliza<;:ao do Servi<;:o Social pode constatar-se o reavivar de dilemas 6 recolocados pelas condi<;:oes de trabalho e pela persistencia de uma ac<;:ao profissional intuitiva, mais inspirada na experiencia pessoal do Profissional e nos pedidos e formatos organizacionais, do que em referenciais te6rico-metodol6gicos. A pratica profissional, para deixar de ser tida como <<repetitiva, pragmatica ou empirista>>, precisa que os profissionais saibam articular os saberes praticos, normativos e pedag6gicos e vincular as interven<;:6es no quotidiano a urn processo de constru<;:ao e desconstru<;:ao permanente das categorias que permitem a critica e a autocrftica do conhecimento e da interven<;:ao. Donald Schon (1996) aborda esta questao do ponto de vista de urn «dilema entre o rigor e a pertinencia>> e utiliza uma metafora muito interessante para expressar a distin<;:ao entre «OS profissionais das terras altaS>> (os que optam por uma pratica profissional estritamente tecnica e podem fazer urn uso eficaz das teorias e das tecnicas provenientes da pesquisa) e os «profissionais das terras baixas>> (aqueles que se comprometem deliberadamente corn os problemas complexos mas cruciais e que, se lhes pedirmos para descreverem os seus metodos de investiga<;:ao, falam de experimenta<;:ao, de tentativa e erro, de intui<;:ao e de improviso). Assim, as identidades profissionais, refere Du bar (1988) "constituenz nfio apenas maneiras de viver (e dizer) o trabalho e de lhe dar um sentido, mas tambem formas de contar e antecipar o ciclo de vida profissional, socialmente condicionado pela origern social, pela fonnac;ao inicial e pela traject6ria anterior. Sao «mundos» estruturantes de tipos de narrativas e permitem categorizar as experiencias profissionais de cada um. Mas s{io tambem constrw;oes s6cio-hist6ricas que justificam os dispositivos de
6
Por exemplo, o suposto caracter missionario, a falsa auto-representac;:ao da profissao como vocac;:ao e a hist6rica tendcncia da substituic;:ao da intcrvcnc;:ao profissional por actividadcs voluntarias.
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integrac;ao, de diferenciac;ao e de exclusoes sociais. Ancoradas nas formas «colectivas» da divisao do traballw, elas estao tambem 110 seio dos processos «individuais>> (de construc;ao, de crise e de reconstruc;ao) da definic;ao e do reconhecimento de si." 0 Trabalho, refere o mesmo autor, tera que ser simultaneamente considerado ao nfvel societal, ao nfvel organizacional e ao nfvel dos actores. Se a no<;:ao de trabalho neste ultimo nfvel, em liga<;:ao corn a no<;:ao de identidade faz parte do arsenal conceptual de numerosos soci6logos do trabalho, a defini<;:ao de identidade permanece problematica e os seus numerosos contextos te6ricos de utiliza<;:ao permanecem plurais. Parece, portanto, que o uso do termo pelas sociologias implica, cada vez mais, urn trabalho de elabora<;:ao problematica que necessita de tomar em considera<;:ao as duas pontas da corrente que vai dos factos macro-sociais marcados por transforma<;:oes maiores nas polfticas econ6micas e nas rela<;:oes de for<;:a entre classes, aos processos micro-sociais atraves dos quais os indivfduos acedem a formas, cada vez mais, diversificadas de perten<;:a subjectiva e de defini<;:ao de si mesmos e dos outros.
A crise cultural do Servi<;:o Social
Ao longo da hist6ria da profissao 7 verifica-se a influencia (mais do que a capacidade de influenciar) de todas as altera<;:oes e mudan<;:as societarias e de correntes de pensamento, a nfvel econ6mico, politico e social. Ou, como diria Yolanda Guerra (2001), e numa perspectiva mais determinista, a profissao e «O produto de urn arranjo te6rico-polftico-doutrinario» . Sendo uma profissao muito permeavel (quase camale6nica), os desempenhos profissionais tern sofrido profundas mudan<;:as, na tentativa de gerar valor (e reproduzir valores) para cada circunstancia e tempo hist6rico. Na actualidade e, em resultado da fragmenta<;:ao provocada pela transferencia de multiplos servi<;:os do sector publico para 0 privado, da especializa<;:ao crescente das fun<;:oes dos Assistentes Sociais e do avan<;:o para urn trabalho em maior proximidade corn outros profissionais cabe, cada vez mais, perguntar: - 0 que e, afinal, ser assistente social? Esta e necessariamente uma questao de respostas multiplas, tendo em conta sobretudo as diversidades de quadros conceptuais de referencia e de con-textos e pedidos organizacionais, mas e simultaneamente a tradu<;:ao de uma necessidade de os assistentes sociais questionarem a(s) sua(s) identidade(s).
7 Ao longo deste trabalho utiliza-se a designa<;ao de profissao para o Servi<;o Social, recrutando a perspectiva interaccionista, embora nao se esque<;a a controversia desta op<;iio por urn conceito pouco consensual.
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As identidades profissionais, diz-nos Dubar (2006), sao maneiras socialmente reconhecidas para os indivfduos se identificarem uns aos outros, no campo do trabalho e do emprego. E, neste ambito, fornece pelo menos tres significados para a palavra 'crise', consoante ela se aplica ao emprego (o mais corrente), ao trabalho (o mais complexo) ou as relar;oes de classe (o mais escondido). Em relar;ao ao primeiro, a crise de emprego decorre do esgotamento do modelo da modernizar;ao e da racionalizar;ao, na linha de autores como Schumpeter e Weber, assente na dupla empresa-mercado como vector de racionalizar;ao orientada para a procura de lucro, do domfnio do tempo e da capacidade de conquistar e conservar posir;oes vantajosas. A esta dfade junta-se o «actor publico», capaz de assegurar as condir;oes de inovar;ao e regular as trocas, numa 16gica «reguladora>> corn o objectivo do «bem comum>>; Em relar;ao ao segundo, a crise do trabalho, decorre de mudanr;as contradit6rias e sobretudo da crise da «identidade de offcio>> 8, marcada por urn «nOS>> e pelo «COmLmitario>> agora desvalorizados. A transformar;ao de uma <<profissao-offcio>> numa <<actividade>> incerta, mal reconhecida e problematica constitui urn exemplo da crise identitaria, no sentido da sociologia interaccionista9 • Todas as formas anteriores de identificar;ao a colectivos ou a papeis estabelecidos tornaram-se problematicos. 0 modelo da competencia supoe individuos racionais e aut6nomos que gerem as suas formar;oes e os seus periodos de trabalho, segundo uma 16gica de <<maximizar;ao de si>>. Em relar;ao ao terceiro, a crise das relar;oes de classe, coloca-nos na intersecr;ao de 2 paradigmas, de duas formas de pensar os lar;os entre construr;ao de individualidade e construr;ao social. No primeiro, o social como relar;ao de classe, existem papeis bem definidos, onde o assalariado s6 pode construir a sua identidade em uniao corn outros e onde o conflito e urn momento de construr;ao do <<actor colectivo>> que busca uma identidade nova, ao mesmo tempo pessoal e <<societaria>>. No segundo, confrontam-se em simultaneo as 16gicas de gestao do <<sucesso econ6mico>> e as 16gicas salariais do <<reconhecimento identitario>>, corn uma marcada crise da adesao sindical.
"Segundo Dubar (2006) a identidade de oficio e o exemplo-tipo de identidade comunitaxia que supoe a existencia de uma 'comunidade' no seio da qual se transmitem 'maneiras de fazer, de sentir e de pensar' que constituem ao mesmo tempo valores colectivos e referenciais pessoais." Esta forma identitaria categorial, supoe a predorniniincia do colectivo sobre os individuos que a compoem ao mesmo tempo que a interoriza-;ao da normas em materia de qualifica-;ao, de progressao salarial ou de direitos adquiridos. 9 Pondo em questao a distin-;ao dos funcionalistas entre «ocupa-;oes>> e «profissoes>>, os investigadores desta corrente tentaram perceber como e que a vida profissional constituia um percurso (career) atravessado por crises, marcado por incertezas, viragens e provas, confrontando com problemas de defini-;ao de si mesmo e de reconhecimento pelos outros.
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Estarnos nurn tempo ern que todas as forrnas de identifica<;6es a colectivos ou a papeis estabelecidos tornararn-se problernaticas e onde parece ganhar expressao urna forma rnuito individualista (rnas tarnbern rnuito incerta) de ter urna ÂŤidentidade ern redeÂť ligada a urna <<sociedade ern rede>> que se constr6i atraves da rnundializa<;ao. Esta forma apostada na ÂŤrealiza<;ao de si>>, nurn contexto de forte cornpeti<;ao, coloca os individuos na obriga<;ao de afrontar a incerteza ea precaridade, tentando dar-lhe sentidos. Mas esta forma nao estara tarnbern ern crise identitaria perrnanente? Estes riscos, entre outros, inscrevern-se curiosarnente nurna tendencia crescente para desenvolver regras e procedirnentos para o trabalho, que lirnitarn a autonornia tecnica e que substituern valores profissionais por regras deterrninadas pelo estado e pela organiza<;ao. Mas, para outros autores de inspira<;ao neornarxista, a naturaliza<;ao dos processos sociais e a 6ptica da fragrnenta<;ao e da forrnaliza<;ao estao presentes no Servi<;o Social desde sernpre, na totalidade dos elernentos que cornp6ern o acervo cultural da profissao: desde a perspectiva do conhecirnento ate ao arnbito dos valores, objectivos, praticas, instrurnentos e tecnicas. Salientarn que os conhecirnentos e os valores sao retirados de carnpos diferentes, constituindo urn referendal profundarnente eclectico rnas, as rnais das vezes, cornprornetido corn a rnanuten<;ao da ordern social. Estas e outras diversidades assinalarn a necessidade de equacionar a questao da constru<;ao da(s) identidade(s) profissional(ais) ern rela<;ao corn a questao da profissao. A crise cultural do Servi<;o Social e, assirn, encarada por Rojek (1988) corno urna condi<;ao generalizada nurna sociedade na qual as palavras perderarn o significado e onde a linguagern herdada do Servi<;o Social tradicional rernete o 'cuidar' ou a 'ajuda' para urn certo efeito ilus6rio na sociedade, na rnedida ern que e apaziguante a cren<;a de que algo esta a ser feito para aliviar o sofrirnento e a opressao. A linguagern oficial do Servi<;o Social, que se tornou urn firn ern si rnesrna equivale, segundo Rojek, a urn placebo que da o conforto de urn pensarnento e urna ac<;ao reais acerca do que esta errado rnas que e, de facto, urn substituto para ambos. A crise e urna expressao banalizada ern Servi<;o Social. Mas a crise que aqui se pretende evidenciar e a que e trazida pelas profundas duvidas instaladas na sociedade acerca do valor do Servi<;o Social na sociedade, sendo que rnuitos assistentes sociais tarnbern questionarn o seu papel e o seu prop6sito na sociedade actual. Apesar do sentirnento de crise ser real e arnplarnente difundido, os terrnos que os assistentes sociais usarn para debater a crise sao rnuitas vezes lirnitados, corn recurso a exernplos que evidenciarn a tendencia para pensar atornisticarnente os problernas sociais e para analisar as crises corno epis6dios isolados.
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Mais do que nunca, a oposi<;ao individuo/colectivo nao permite compreender os processos em curso e as crises que suscitam porque o que parece estar em causa e a substitui<;ao de uma forma social por outra, a passagem de uma socializa<;ao de dominante <<comunitaria>> a uma socializa<;ao de dominante <<societaria>> (Weber). A passagem do comunitario ao societario implica uma modifica<;ao da propria estrutura da identidade pessoal, o aparecimento de novas formas de subjectividade e a conversao identitaria que faz passar os individuos de membros submissos a sujeitos actores, embora muito mais expostos e incertos. Nestes processos, saliento a importancia da apropria<;ao duma linguagem propria como processo de constru<;ao do profissional reflexivo e coma desafio essencial das rela<;oes societarias, tanto na esfera privada, como profissional ou ptlblica.
Algumas notas de urn estudo explorat6rio Para ilustrar as posi<;oes defendidas recorro a reflexao sobre as sinopses das entrevistas realizadas a tres colegas Assistentes Sociais, entre Mar<;o e Agosto de 2006, das quais resultaram narrativas centradas nos respectivos percursos profissionais. Parece ter ficado claro em todas as narrativas o significado das aprendizagens ao longo da vida profissional, do ponto de vista formal (corn a procura de forma<;ao pos-graduada, ou de uma segunda licenciatura), e do ponto de vista nao formal e informal, onde os entrevistados referem as aprendizagens realizadas corn os pares, nos contextos e corn os outros agentes em presen<;a. Estes percursos de forma<;ao continua, nem sempre sao percepcionados pelos entrevistados como fontes de conhecimento, como refere urn dos entrevistados a proposito da tomada de consciencia que fez quando frequentava o Mestrado "foi um bocado aprender e perceber que uma pessoa aprendeu muito mais durante os percursos profissionais do que pensa. (. .. ) E no meio daquele pessoal todo Jiquei estupefacto que sempre sabia mais do que pensava." Por outro lado, a fragilidade teorica do Servi<;o Social e abordada pelos tres entrevistados como urn handicap. Diz Rita 10, outra entrevistada: " ... e depois tem uma coisa complicada que e terem a mania que sabem tudo. A gente niio sabe de tudo. Da uma pincelada. E talvez par isso eque sabemos trio pouco de nada." Fernando 11 , por seu lado, critica o empirismo da profissao "E-se pratico naquele sentido em que se Jaz um conjunto de tarefas, e pomos toda a gente a mover, niio sabemos para que, para onde. " 10 11
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0 pressuposto aqui uti]izado e 0 de que OS processos de fonna\=aO nao SaO independentes da hist6ria de vida dos sujeitos, e o ÂŤformar-se>> decorre em estreita liga\=ao com esta e com os saberes e a experiencia global que as pessoas detem e conseguem mobilizar na sua forma\=ao. Para Claude Dubar (1997a), e notoria a importancia do desempenho profissional como o polo decisivo do processo de produ\=ao da profissionalidade, sendo o processo de constru\=ao identitaria, nesta perspectiva, o resultado do confronto entre o percurso biografico e um contexto de ac\=ao empirica. Se defendermos que o problema da mudan\=a (individual e colectiva) das praticas profissionais e, acima de tudo, Ul11 problema de socializa\=aO profissional, entao, essa mudan\=a supoe o desenvolvimento, no contexto de trabalho, de uma dinamica formativa e de constru\=ao identitaria que corresponde a reinventar novas modalidades de socializa\=aO profissional. Sendo que essa reinven\=ao so e possivel na ac\=aO, donde resulta que os processos formativos passam a instituir-se como processos de interven\=ao nas organiza\=oes de trabalho (Canario, 1998: 19). Nesta perspectiva, importa aos assistentes sociais, como diz o ditado popular "niio deitar fora a crian9a cam a agua do banho", ou seja, apesar da recente legitima\=ao de um saber conquistado por via academica, nao esquecer o dominio da aprendizagem experiencial que e perspectivada no sentido "de uma capa-
cidade para resolver problemas, mas acompanhada por uma fornw9iio te6rica e!ou de uma simboliza9iio" (Josso, 1989). No trabalho empirico realizado, ainda de caracter exploratorio e, especificamente sobre a(s) identidade(s) da profissao, o leque de posi\=oes e variado, embora nao revele antagonismo. Um dos entrevistados, Fernando, diz: "0 Servi9o Social e uma coisa tiio aberta, tiio humanista que acaba por se esboroar. Niio tens suporte nenhum, o pessoal agarra-se aonde?" e acrescenta "0 Servi9o Social niio me deu grandes mode/os. Se calhar, se tivesse tido mode/os, aonde e que poderiamos ter ido! ", Rita refere " ... que se ha coisa que define o nosso campo e a mistura, eo estar por dentro. Se a gente niio conseguir estar por dentro, estar proximo, niio agarra nada." Maria 12 refere, numa abordagem mais individualizada que, " ... na mesma linha que me fez optar pelo Servi9o Social, ou seja, provocar que as pessoas sejam donas de si pr6prias. Provocar que as pessoas tenham direito ao seu projecto de vida. Provocar que as pessoas sintam as contrariedades coma provis6rias e niio definitivas." Nas duas mulheres entrevistadas a identidade profissional parece ter contribuido fortemente para os seus processos de constru\=ao pessoal; o mesmo nao parece ter sucedido com o entrevistado Fernando.
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Alias, Rita refere-o de uma forma explicita: "A gente rnesrno que niio esteja a trabalhar, rnesrno que esteja de ferias, ... pais e, a gente tem isto colado il pele. Para onde quer que va, niio consegue ver por outros olhos." Em todas as entrevistas apareceram situa<;6es de "empowerment" nos pr6prios percursos profissionais, muitas vezes traduzidas na mobilidade profissional, em busca de contextos e de desempenhos mais satisfat6rios e num certo sentimento de autonomia, como profissionais. Por outro lado, as imagens positivas superam as negativas, em todas as entrevistas. Contudo, quando generalizam nas suas narrativas e falam dos outros, os tres entrevistados argumentam corn situa<;6es/sentimentos de falta de poder e autonomia. Maria refere: "Mas tenho muita pena da apropria<;iio que o Estado fez da profissiio. Porque penso que isso ernpobrece. (. ..) Tornou os Assistentes Sociais ftmcionarios."; Rita usa metaforas passivas de "mata-borrao" e de "virose", coma se a profissao deixasse uma reduzida margem de op<;6es: "Acho que urn a das nossas caracteristicas e ser urn bocado "mata-borriio ". 0 Servi<;o Social, e assirn urna virose que a gente apanha e que mmca rnais cura. Depois viio aparecendo os sintornas, umas vezes da tosse, outras vezes da dor de garganta, mas esta ea - e urna virulencia acurnulada. Fernando refere: "N6s temos sido rnanipulados, eo elo rnais fraco, terno-nos deixado manipular em termo politicos, e niio se tern batido o pe ... Depois tambem tern a ver cam uma cultura ... da consensualidade... a to do o custo. Niio se criam rupturas ... " Estando ainda em pleno trabalho de investiga<;ao empirica, procuro os significados do trabalho, entendendo por eles a componente das identidades profissionais que diz respeito a liga<;ao corn a situa<;ao de trabalho, simultaneamente a actividade e as rela<;6es de trabalho, ao compromisso de si proprio na actividade e ao reconhecimento do outro. Neste ambito, enuncio apenas as tres tendencias em materia de trabalho que fui buscar a Claude Dubar: If
- ÂŤ0 trabalho como resolu<;ao de problemas - <<0 trabalho como realiza<;ao de competenciasÂť - <<0 trabalho como rela<;ao de servi<;O>>.
Conclusao A constru<;ao identitaria e resultante de urn processo de rela<;6es recursivas e dial6gicas entre a Pessoa e os Grupos Sociais envolventes, o que permite, por urn lado, a constru<;ao permanente e evolutiva da autonomia complexa da
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pessoa, corn a constrw;:ao de sentido e a intencionalidade das suas acc;oes e, par outro !ado, a evoluc;ao da sociedade. Para os investigadores, e cada vez rnais irnportante colocar ern perspectiva duas series de dados e de aproxirnac;oes: i) os elernentos biograficos, que perrnitern cornpreender as traject6rias, os itinerarios e os carninhos-visoes do rnundo e de si pr6prios; ii) e os elernentos estruturais, que permitern analisar as politicas e praticas de ernprego, de trabalho e de formac;ao.
E no cruzarnento destas duas perspectivas que a noc;ao de identidade, enquanto processo dinarnico, torna todo o seu sentido. Coma diz N6voa, "A forma~ao nao se constr6i par acumula~ao (de cursos, de conhecimentos, ou de tecnicas), mas sim atraves de um trabalho de reflexividade critica sabre as pniticas e de (re) constru~ao permanente de uma identidade pessoal. Par isso e tao importante investir a pessoa e dar um estatuto ao saber da experiencia." (N6voa, 1991a, p. 23). Coma tarnbern e irnportante identificar o conceito de reflexividade (Turner~ 1990) que faz apelo a inteligibilidade dos rnecanisrnos de auto-identidade. Mas, sendo pela experiencia que os adultos aprendem, atendendo ao seu significado na sua hist6ria pessoal e aos seus efeitos rnotivadores e desencadeadores de novas aprendizagens, nurn percurso de construc;ao de saberes (Dominice, 1984), trata-se essencialrnente de rnobilizar essa experiencia nurn quadro conceptual de produc;ao de saberes. Assirn, parte-se do conceito de que a produc;ao da vida, atraves da apropriac;ao dos processos de forrnac;ao, acornpanha as rnudanc;as e a produc;ao da profissao de assistente social. A forrnac;ao ao longo da vida e urn processo que perrnite a ernergencia da singularidade do sujeito e a auto organizac;ao colectiva do seu rneio envolvente. E nesta linha que evoco certos investigadores ern Educac;ao quando falarn de «auto-eco-co forrnac;ao» para definir o paradigrna da forrnac;ao continua dos sujeitos ea construc;ao de autonornia, ou do «empowerment». Esta autonornia, quer seja considerada no plana individual, quer no piano colectivo, nao nos fornece urna resposta autornatica a todas as questoes que nos interrogarn. Contudo, permite debruc;ar-nos sabre n6s pr6prios, individual e colectivarnente, para reflectir sabre as nossas praticas, realizar sinteses, recriar a etica da discussao, envolver-nos na vida colectiva e/ou participar no processo de regulac;ao social. Pensar a forrnac;ao (diz Arniguinho, 1992:34) "transfonna-se numa reflexiio sabre o modo coma os individuos se formam; sabre a forma coma os adultos se apropriam de um determinado tempo e espa~o educativos e o integram no seu percurso de forma~iio; sabre aquilo que e de facto significativo e formador na vida de cada um; sabre a maneira Lusfada.
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coma as experiencias e os saberes profissionais, sociais e culturais podem ser mobilizados no processo global de formar;iio. Assim, em vez de formar preferem falar em formar-se ou educar-se, numa clara alusiio a que, em qualquer caso, a formar;iio pertence sempre aqueles que se formam, atraves de um processo reflexivo sabre si proprio, sabre as situar;oes, os acontecimentos e as ideias." Para Josso (2002) a procura de compreensao dos processos de forma<;ao de adultos e indissociavel da globalidade da pessoa no seu continuum de vida e 0 trabalho biografico e, nesta perspectiva, urn dos meios para nos manter em contacto corn a totalidade de si proprio e para evitar ser agitado pelas prioridades estabelecidas pelos outros, encorajar uma presen<;a reflexiva nas actividades que fazemos e desenvolver uma distancia<;ao critica em rela<;ao a convic<;6es que nos servem de referencias nas nossas maneiras de pensar e de trabalhar. Refere a proposito que "Se aprender a aprender parece ter-se tornado um dos objectivos da educar;iio primriria e secundriria, niio parece evidente para toda agente que aprender a aprender e estar consciente de coma se faz para aprender, a fim de poder melhorar as suas competencias na gestiio da sua aprendizagem e de autofacilitar a tarefa nas aprendizagens novas" (Josso:2002:108). Nesta sequencia, nao resisti a associar o conceito de "nao-lugares" 13 a possibilidade de que a profissao de Assistente Social se torne uma "nao-profissao", tendo-se apenas a si propria por referenda, sem atender ao compromisso corn uma dimensao etica, historica e politica e corn urn modelo de sociedade comprometido corn os prindpios de direitos humanos e de justi<;a social. "0 que e novo niio e que o mundo niio tenha, ou tenha pouco, ou menos, sentido, e antes que experimentemos explicita e intensamente a necessidade quotidiana de lhe dar um: dar um sentido ao mzmdo, e niio a certa aldeia ou a certa linhagem. Esta necessidade de dar um sentido ao presente, seniio ao passado, e a contrapartida da superabundfincia de acontecimentos que corresponde a uma situar;iio que poderiamos dizer de "sobremodernidade", a fim de darmos conta da sua modalidade essencial: o excesso" (Auge:2005). Este "excesso" de que fa la Auge, corn teorias, acontecimentos, coisas, perspectivas, fontes de informa<;ao, ... nas suas diferentes modalidades, acentua paConceito de Aucli, Marc (2005:74) que refere a prop6sito "A viagem constroi umn relllqfio ficticin entre o olh11r e 11 p11isagem. E, se chnm11mos ÂŤespaqoÂť ii pnitica dos lug11res que define especificnmente n vi11gem, devemos aind11 acrescentar que ha esp11qos em que o individuo se experimentn coma espectador sem que a naturez11 do espectfzculo para ele conte renlmente. Coma se 11 posiqfio de espectndor constituisse o essencinl do espectfzculo, coma se, em zlltima analise, o espectndor (.. .)fosse para si proprio o seu proprio espectfzculo. (.. .) 0 espaqo do vinjnnte sera nssim o arquetipo do nfio-lugar. (.. .) estnmos em condiqi5es de redescobrir a evocaqfio profeticn de espaqos onde nem 11 identidade, nem a relaqfio, ne m a historia faze m verd11deimmente sentido, em que a solidiio se experiment11 coma superaqfio ou esvnziamento da individualidade, em que so o movimento das imngens deixn nntever par inst11ntes iiquele que as ve fugir e que as a/ha n hipotese de um pnssado e 11 possibilidade de um futuro". 13
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radoxos e institui a complexidade. Para este autor o defice simb6lico, o excesso de imagens conduz ao desaparecimento do «pensamento do outro» e nomeadamente, a oculta<;ao do conflito substitufdo pelo consenso e pelo seu reverso, a «exclusao>>. E como refere Sousa Santos (2005) o excesso de teorias em desequilfbrio sobre o que ainda esta, constitui em simultaneo urn deficit te6rico e urn grande desafio.
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0 £-LEARNING E A FORMA\=AO EUROPEIA DE ASSISTENTES SOCIAlS: A EXPERIENCIA DA VIRCLASS
Eduardo Marques Instituto Superior Miguel Torga Email: Eduardo@ismt.pt
Helena Mouro Instituto Superior Miguel Torga Em ail: helenamouro@netcabo. pt
Introdu~ao
Esta nossa comunica~ao resultou de um trabalho de partilha, de reflexao e experiencia, tendo como objectivo central demonstrar como o e-learning em Servi<;:o Social, pode relegitimar no contexto da sociedade global o projecto etico-politico que assumiu aquando da sua institucionaliza<;:ao profissional. Par outras palavras, a emergencia do Servi<;:o Social est;} directamente relacionada com o exerdcio profissional da interven<;:ao ao n!vel das desigualdades, que passou por uma interven<;:ao de caracter!sticas micro e evoluiu no sentido me so. Pm·em no contexto da sociedade global, o exerdcio da interven<;:ao em termos macro apresenta-se como um novo desafio corn que se confronta o Servi<;:o Social contemporanea. Mas se este desafio vai necessariamente precipitar, a curto prazo, uma desconstru<;:ao para a reconstru<;:ao das praticas profissionais, processo este que pode passar por uma via de destradicionaliza<;:ao que nao e incompativel com a sua inova<;:ao, vai igualmente desenvolver a necessidade de que a sua missao profissional seja revalidada culturalmente e socialmente, recriada a sua visao e reinventado o seu exerdcio como profissao de compromisso comas causas sociais e coma defesa dos direitos humanos. Face as novas realidades que em termos concretos ou absolutos se poem ao exerdcio profissional dos assistentes sociais, logo se coloca a seguinte questao: QUE FORMAC::AO ACADEMICA DEVE SER DESENVOLVIDA PARA PREPARAR A FORMAC::AO DOS ASSISTENTES SOCIAlS DO FUTURO? Como todo o auditoria deve compreender esta questao nao sendo facil, nao pode, todavia, tornar-se num novo "calcanhar de Aquiles" que nos pode conduzir a uma "desordem" dentro do "ethos" da profissao. Dai que, tomando como referencias axiais: • 0 projecto etico-politico do Servi<;:o Social; • Os desafios que se poem a contextualiza<;:ao do exerdcio profissional dos assistentes sociais na sociedade da informa<;:ao; • A responsabilidade social que a profissao deve assumir na constru<;:ao de uma cidadania global; • A internacionaliza<;:ao na forma<;:ao; • Os avan<;:os na mobilidade de emprego; • A constru<;:ao teorica da macro-interven<;:ao social e profissional,
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a forma~ao em Servi~o deva sofrer as necessarias adapta~6es de forma a que nao se desvincule dos seus prop6sitos profissionais, nem tao pouco negue a importancia que para a mesma tern a sua moderniza~ao. Falar de moderniza~ao em Servi~o Social implica recriar a forma~ao academica de forma a que as praticas profissionais se mantenham aferidas a dinamica e exigencias da sociedade informacional. Foi corn base no reconhecimento da importancia em que o Servi~o Social responda as novas exigencias do presente, e desenvolva projectos de aferi~ao da forma~ao aos desafios que se desenham para o futuro, que o Instituto Superior Miguel Torga se empenhou em desenvolver e participar no projecto VirClass. Corn este projecto, pretendemos accionar novas plataformas de forma~ao quer em termos academicos, quer em termos de forma~ao continua. Atraves das novas vias de comunica~ao contribuimos: • para a aproxima~ao entre pares (digo, parceiros academicos internacionais corn as mesmas responsabilidades na forma~ao dos futuros assistentes sociais); • a divulga~ao transversal do conhecimento em Servi~o Social; • a prepara~ao em novas metodologias de interven~ao profissional; • para a constru~ao de uma cultura de debate, de participa~ao e de consciencia global; • o reequacionamento da politica de compromisso corn a igualdade; • para o surgimento de novos processos de inter-ac~ao profissional ; • o desenvolvimento de urn servi~o social de caracteristicas internacionais; • na qualifica~ao do desempenho profissional; • na cria~ao de novas competencias que permitirao defrontar a politica de competitividade existente ao nivel das profiss6es sociais; • desenvolver uma identidade inovadora que contrarie a imagem domestica que, por vezes, invade o exercicio profissional; • capacitar para uma forma de agir profissional que assenta na democratiza~ao da democracia e na defesa da macro-interven~ao como via de reinven~ao dos processos de interven~ao sobre a divisao entre paises ricos e pobres. 0 ensino a distancia conhecida por e-learning constitui-se assim como urn novo prop6sito institucional do Miguel Torga que tendo sido iniciado na base de uma atitude de "aventura", come~ou a criar o seu espa~o proprio no quadro da forma~ao dos assistentes sociais para o futuro. Fruto de uma aten~ao acrescida tanto sobre a dinamica da VirClass, como sobre o impacto que o e-learning pode exercer sobre o agir profissional, acreditamos que a forma~ao em Servi~o social via e-learning e ja hoje uma realidade internacional veiculada atraves da Internet e que possibilita a auto-aprendizagem, corn a media~ao de recursos didacticos sistematicamente organizados,
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apresentados em diferentes suportes tecnologicos de informac;:ao, utilizados isoladamente ou combinados, vao permitir aumentar a inovac;:ao e a qualidade da formac;:ao em Servic;:o Social.
Projecto Virclass 0 projecto VirClass (Sala de aula virtual para o Servic;:o Social na Europa) foi criado em 2003 e foi liderado pela Bergen University College (Noruega), em cooperac;:ao corn 11 Universidades Europeias, entre elas o Instituto Superior Miguel Torga, que participaram activamente no desenho do plano curricular, de urn livro virtual e no desenvolvimento do curso online - "European Social Work". Este curso funciona atraves da plataforma ItsLearning, na qual foi acoplado urn livro virtual audiovisual interactivo, que e composto por lic;:oes, animac;:oes pedagogicas e urn caso pratico em filme, dividido em 11 capitulos. Os valores basicos e as caracteristicas do modelo pedagogico da VirClass, estao em sintonia corn os criterios derivados do processo de Bolonha, tais como: transparencia; aprendizagem reflexiva, participativa, colaborativa, centrada na resoluc;:ao de casos e tarefas especificas e transparencia. A avaliac;:ao e mediante a construc;:ao de urn portfolio pelo aluno; e feita uma planificac;:ao semanal das aprendizagens eo sistema de avaliac;:ao assenta na escala A-F. Todo o processo se baseou no sistema de creditos europeu (ects), como medida de trabalho do aluno. Num ambiente virtual, estudantes e professores na Europa, cooperam, partilham informac;:ao sobre servic;:o social nos seus paises e aumentam a sua literacia digital. Corn a VirClass, mais de 180 estudantes de 15 paises Europeus, colaboraram no seu processo de aprendizagem, atraves da troca de conhecimentos corn os seus colegas e foram apoiados por professores de oito paises europeus envolvidos no curso. Dos resultados obtidos anualmente sobre a avaliac;:ao da qualidade do curso, e manifesto o alto grau de satisfac;:ao, tanto por parte dos alunos como dos professores. A VIRCLASS e uma ferramenta eficaz para os objectivos da Declarac;:ao de Bolonha e para a Estrategia de Lisboa e pode ser flexivel, aberta, inovadora, mas acima de tudo e uma oportunidade educacional inovadora para estudantes e assistentes sociais, que lhes permite adquirir novas competencias numa Europa e muito especialmente num mundo global.
0 Curso Virclass Actualmente o curso Virclass e composto por 2 modulos. Integra professores das diferentes universidades participantes no projecto, que colaboraram no desenho do curso e na selecc;:ao dos materiais de estudo a oferecer aos estudantes, tendo sempre como fio condutor uma perspectiva comparativa em servic;:o social.
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A VirClass permite introduzir no ensino do servic;o social os objectivo da educac;ao aberta a distancia, possibilita e potencia novas oportunidades de internacionalizac;ao de alunos e professores e fomenta uma abordagem inovadora no uso das tecnologias da informac;ao e comunicac;ao, como um instrumento para o fornecimento de novos materiais de aprendizagem. Com a VirClass estudantes europeus, tomaram contacto com os desafios do servic;o social na Europa, aumentaram a sua literacia digital e experimentaram cooperar internacionalmente atraves de um curso de e-learning.
0 livro Virtual A ideia de produzir um Livro Virtual, surge como resultado de um curso piloto de e-learning "Social Work in Europe- Commonalities and Differences". Com o apoio do Media Centre da Bergen University College (HiB), foi iniciado o projecto de construir o livro virtual em que a cooperac;ao entre todos os parceiros envolvidos, teve um papel fundamental. As decis6es respeitantes as partes e conte{Idos em que o livro foi dividido, foram tomadas em conjunto pelos "e-professores" participantes com a colaborac;ao de especialistas do Media Centre. A combinac;ao da competencia pedag6gica e tecnica, experiencia em pedagogia e-learning e a produc;ao de materiais digitais pelo Media Centre, transformou este desafio numa experiencia de trabalho muito apreciada pelos professores de servic;o social. 0 processo inclui-o a traduc;ao de diferentes conceitos profissionais do servic;o social, numa expressao visual e tecnica significativa para os alunos. A obtenc;ao de permiss6es para usar materiais de diferentes autores foi tida em considerac;ao de modo a garantir e controlar a qualidade do livro. 0 resultado final e um livro que contem meios diversificados de aprendizagem, como textos, animac;6es (triggers), lic;6es em video, video-clips de um caso pratico sobre uma familia emigrante. Cada meio de aprendizagem do livro virtual, permite ao professor relaciona-lo com uma tarefa. Os "e-professores", tem no livro virtual um poderoso aliado, que lhes permite usar varios meios de aprendizagem numa grande diversidade de actividades e relaciona-los com tarefas e exerdcios que os alunos tem de fazer durante o curso. Esta abordagem permite personalizar as abordagens pedag6gicas em func;ao de cada aluno em presenc;a. 0 projecto VirClass revelou ser um instrumento para o progresso do servic;o Social na Europa, que funciona bem num ambiente de aprendizagem assente na Internet, pelo que com as necessarias adaptac;6es, melhorias e desenvolvimento de novas funcionalidades, sera um inevitavel contributo a formac;ao dos recursos humanos em Servic;o Social na Europa mas tambem noutras partes do mundo designadamente nos Pafses de Lingua Oficial Portuguesa. E esse o
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seu desafio, e essa a sua natureza, e esta a nova proposta que o Instituto Superior Miguel Torga esta a desenvolver no sentido de promover a acessibilidade na forma<;:ao e qualifica<;:ao dos profissionais de Servi<;:o Social.
WWW.V!RCLASS.N ET
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SERVI<;O SOCIAL NA MODERNIDADE TARDIA: QUE EMPOWERMENT EPOSSIVEL?
Carla Pinto Docente no Instituto Superior de Ciencias Sociais e Politicas!UTL; Doutoranda em Sociologia (ISCSPIUTL); Mestre em Sociologia; Licenciada em Politica Social (ISCSPIUTL) Email: cpinto@iscsp.utl.pt
Resumo: 0 objectivo desta comunica<_;ao e partilhar algumas reflexoes a volta do conceito de empowerment, que temos vindo a desenvolver no ambito de uma disserta<_;ao de doutoramento sobre as representa<_;oes e praticas do empowerment dos trabalhadores sociais portugueses. 0 Empowerment aparece-nos como val01~ prindpio politico e tecnico/ metodologico e como instrumento das politicas sociais e do trabalho social. Todavia, a rosa tern espinhos: o conceito revela-se polissemico, multidisciplinar, multidimensional, e tambem ambiguo, controverso, diferentemente entendido e experienciado pelos sujeitos. Nao raras vezes o empowerment apresenta-se mais como slogan legitimador das ac<_;oes no piano teorico, e menos como uma pratica de interven<_;ao corn identidade propria. Perante diversos entendimentos de empowerment possiveis, e relevante reflectir sobre que tipo de empowerment e efectivamente desenvolvido pelos profissionais no terreno. Esta questao sobre a pratica profissional remete-nos para a missao do proprio servi<_;o social. No contexto dificil da modernidade tardia no qual vivemos e trabalhamos, que pratica de servi<_;o social e possivel e qual a desejavel? Que empowerment queremos? Que empowerment e possivel corn os condicionamentos socio-politicos actuais? Palavras-chave: Empowerment, Servi<_;o Social, modernidade tardia.
"When most people agree with you, worry." (Rappaport, citado em Perkins, Zimmerman 1995:572)
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0 trabalho social reflecte necessariamente o contexto societal no qual se (re)produz. Uma praxis profissional que teve desde o seu inicio uma missao de interven<_;ao/reordena<_;ao do social nao pode deixar de expressar intensamente todos os dilemas e tensoes sociais que a envolvem. E certo que a sociedade contemporanea vive urn periodo conturbado de transforma<_;ao civilizacional: sabemos que ja nao estamos numa sociedade de modernidade industrial, mas
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ainda nao e claro o que vira a seguir, pois esta ainda em vias de o ser. As rapidas mudan<;as sociais que experimentamos diariamente nao param de transformar o entendimento do social, sem que se cristalize uma imagem clara e coerente. Tambem o Passado, que rapidamente simplificamos ao analisa-lo, nao era tao coerente e "limpido". Apenas tendemos a apreende-lo dessa forma, depurada e, coma tal, mais legivel enquanto realidade. Mas nao nos pudemos esquecer que essa aparente simplicidade nunca acontece: o que parece homogeneizado, nao 0 e, se procurarmos mais atentamente todas as tens6es, conflitos e idiossincrasias que a vida em colectivo sempre produz. Cada epoca e melhor ou pior a disfar<;ar as diferen<;as, passando uma imagem social coesa e mais facilmente compreensivel, porque simplificada. Mesmo que os dominadores escrevam a historia, nao quer dizer que os dominados deixem de existir. 0 trabalho social nunca foi tema simples. Sempre foi discutivel, ambiguo, em tensao e conflito. Nunca parou de se (re)criar, e e isso mesmo que faz agora. Face a urn mundo conturbado, transitorio, incerto, ambivalente, em que mil opostos convivem, mais ou menos pacificamente, o trabalho social procura, de novo, urn discurso vencedor, legitimador e estruturante. Cremos que o conceito de empowerment desempenha urn papel importante neste processo, pois remete-nos nao so para as quest6es da praxis, mas tambem para as da teoria, e da filosofia do trabalho social. Num artigo de 1996, o canadiano Yann Le Bosse falava do empowerment coma de uma utopia tomada a serio (Bosse, 1996). Gostariamos de retomar esta ideia para reflectirmos. Nao sera o empowerment uma utopia do servi<;o social? Urn desejo (ir)realizavel do discurso predominante do servi<;o social? Ate que ponto os trabalhadores sociais sao formados academica e profissionalmente para poderem realizar o ideal de empowerment (bem como outros dificeis ideais humanistas)?
2. Definindo empowerment 0 termo "empowerment" 1 encontra-se hoje quase omnipresente nos mais variados dominios de reflexao e de ac<;ao. 0 Empowerment aparece-nos como valor, principio politico e tecnico I metodologico e coma instrumento do trabalho social. Encontramos o empowerment como prindpio das politicas sociais, Consideramos que c preferivel nao traduzir este termo, comummente aceite nos discursos politicos e academicos na sua versao inglesa. Contudo, se o desejarmos traduzir para portugues, os termos que nos parecem mais correctos serao os de "empoderamento", "empoderar" ou "empoderado", pois sao a tradu~ao mais fie! ao sentido basico do termo em(power)ment, que tem a no<;ao de "poder" como central. Dai Yann Le Bosse tambem defender a tradu~ao de empowerment em frances coma expressao "poder de agir" (Bossli, 2003). 1
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nacionais, da Uniao Europeia e em multiplas Declara<;6es de principios e de ac<;ao internacionais. A abordagem centrada no conceito de empowerment remonta (pelo menos de uma forma mais consciente e programatica) a finais da decada de 1970, nos EUA, e a partir do final da decada de 1980 assistimos a sua implementa<;ao e aceita<;ao como paradigma, cada vez mais dominante, no servi<;o social e noutras profiss6es de ajuda 2 (Adams 1996, Perkins, Zimmerman 1995, Pinto 1998). Dificilmente conseguimos escapar ao conceito. Todavia, a rosa tem espinhos: o conceito revela-se polissemico, multidisciplinar, multidimensional, e tambem ambiguo, controverso, diferentemente entendido e experienciado pelos sujeitos. Revela-se como uma verdadeira constela<;ao de defini<;6es. Nao e de todo nossa inten<;ao dizer o que o empowerment "deve ser", qual a defini<;ao correcta e a menos correcta. 0 empowerment e um conceito "escorregadio" a defini<;6es, con testa do e polemico. A sua ambiguidade e bem evidente quando nos situamos num plano das ideologias politicas (Adam 1996; Zippay 1995). Quer a "direita", quer a "esquerda" utilizam o empowerment nos seus discursos e politicas sociais e econ6micas, mas a operacionaliza<;ao do conceito nao e semelhante: acabam por partilhar um termo e nao um conceito. A primeira posi<;ao prefere enfatizar o empowerment dos individuos face ao poder do Estado, enquanto que a segunda perspectiva tem um entendimento sobretudo colectivo do conceito, enfatizando o seu sentido de transforma<;ao social. Mas no plano das praticas de empowerment, nota-se igualmente muitas vezes uma discordancia entre os autores te6rico-academicos e as praticas de terreno (Ninacs 1995). Inicialmente, o aparecimento do conceito de empowerment na interven<;ao social esteve ligado a interven<;6es mais alternativas. Contudo, o desenvolvimento do conceito levou-o a ser adoptado pelo mainstream academico e politico, sendo actualmente um conceito "confortavel e inquestionavel", e dando lugar, nao raras vezes, a uma fluida "ret6rica do empowerment". De facto, a ambiguidade do empowerment ajuda precisamente a sua utiliza<;ao generalizada, mas muitos autores temem que neste processo de adop<;ao geral o empowerment tenha perdido as suas caracteristicas essenciais, de natureza mais radical (Bosse, 1996). Definimos noutra ocasiao o empowerment como "um processo de reconhecimento, cria<;ao e utiliza<;ao de recursos e de instrumentos pelos individuos, grupos e comunidades, em si mesmos e no meio envolvente, que se traduz num acrescimo de poder - psicol6gico, socio-cultural, politico e econ6mico que permite a estes sujeitos aumentar a eficacia do exercicio da sua cidadania"
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Um novo paradigma em oposic;ao ao denominado "modelo medico" ou paradigma do tratamento (ADAMS 1996; Pinto 1998).
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(Pinto 1998:252). Uma outra defini~ao que gostariamos de referir e a do Cornell Empowerment Group que apresenta o empowerment como "urn processo intencional continua centrado na comunidade local, envolvendo respeito mLttuo, reflexao critica, etica de cuidados e participa~ao grupal, processo pelo qual pessoas a quem falta uma parte igual de recursos valorizados ganha urn acesso acrescido e maior controlo sobre esses recursos" (citado em Perkins, Zimmerman 1995:570). Em menos palavras, uma outra defini~ao, a de Atkinson (1999), para quem o empowerment e entendido como transforma~ao das rela~6es de poder e domina~ao subjacentes a produ~ao da desigualdade e desvantagem social. Coma pod em os no tar em apenas estas tres defini~6es (de urn total muito alargado de possiveis defini~6es), qualquer conceptualiza~ao de empowerment radica nao s6 no conceito de poder 3, mas tambem na constata~ao dos diferenciais de poder que existem nas sociedades e de uma valora~ao axiol6gica desses diferenciais. 0 empowerment implica a possibilidade real de mudar os desequilibrios de poder, seja a nivel individual ou colectivo 0 empowerment e, p01路tanto, um conceito "radical". Acredita-se na mudan~a (mais social ou mais individual), acredita-se que o futuro pode, e deve, ser construido pelos individuos. 0 empowerment e, simultaneamente, um valor e um modelo te6rico de compreensao dos processos de exerdcio de controlo e de influencia sobre as decis6es que afectam a vida dos sujeitos, corn as consequentes orienta~6es para a pratica desses processos (Zimmerman 2002 b). Enquanto valor, o empowerment direcciona-nos conscientemente para a identifica~ao de capacidades e potencialidades, e menos para o diagn6stico de incapacidades, deficiencias, ou factores 3
0 poder e uma realidade omnipresente e multiforme, e um clemento "integrante na constitui<;ao das praticas sociais" (G!DDEC:S 2000:12). Contudo, e dos conceitos sociais mais contestados. Os diferentes significados de poder multiplicam-se. A maneira como definimos poder e dcpendente da posi<;ao te6rica adoptada e da matriz valorativa prosseguida. Para a abordagem de empowerment, 0 poder tem m{Jltiplas fontes ou naturezas, e e infinito, pois e gerado continuamente atraves das interac<;oes sociais. 0 poder e uma rela<;ao estruturada em termos de domina<;ao/submissao. Segundo ADRlAC:O MoRElRA (1979), o poder entendido como uma rela<;ao entre a capacidade de obrigar ea vontade de obedecer. Para Giddens, "[d]o ponto de vista conceptual, o 'poder' encontra-se situado entre duas no<;oes mais amplas: a de capacidade transformadora, por um !ado, ea de domina<;ao, por outro. 0 poder e relacional, mas s6 opera atraves da utiliza<;ao da capacidade transformadora tal como esta e gerada pelas estruturas de domina<;ao" (GmDEC:S 2000:89). Deste modo, o poder implica "rela<;oes de autonomia e depenclencia reproduzidas atraves da interao;:ao social"(GmDENS (2000:91). Mesmo a parte com menos poder tem algum grau de autonornia, e inversamente, o mais aut6nomo apresenta aspectos de dependencia. Foucault defencle igualmente que onde existe uma rela<;ao de poder, existe resistencia (SMART 1985:77). Toda a rela<;ao de poder implica uma "potencial 'estrategia de !uta' (SMART 1985:134). Foucault defencle que a rela<;ao de poder exige a presen<;a de dois elementos essenciais: por um !ado, deve existir o reconhecimento de que a parte/o Outro sobre a qual se exerce o poder e um individuo (ou entidade colectiva) que age; por outro !ado, a existencia de um leque alargado de possiveis respostas, reao;oes ou efeitos. Desta forma, Foucault cliferencia as rela<;oes de poder cla violencia ou do determinismo fisico.
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de risco. Direcciona-nos mais para a promo<;:ao do que est;:\. bem e das potencialidades na situa<;:ao, e menos para o que esta errado, para o que nao funciona (Perkins, Zimmerman 1995; Zimmerman 2002 b). Segundo Marc Zimmerman (2002 b), devemos ter em considera<;:ao os seguintes aspectos em termos do entendimento te6rico do empowerment: primeiro, temos de considerar que o empowerment e uma variavel continua e nao dicot6mica (trata-se menos de uma questao de estar ou nao empoderado, mas sobretudo de estar mais ou menos empoderado, num determinado contexto de espa<;:o-tempo). Em segundo lugar, o empowerment varia no tempo, nao necessariamente de forma linear - nao e um processo que se possa dizer estar acabado. Terceiro, o empowerment tem de ser definido num contexto espedfico e numa popula<;:ao espedfica - nao existe um padrao que sirva para se entender o empowerment em todas as situa<;:oes e com todas as popula<;:6es. Nao temos medidas universais de empowerment, nem tal e desejavel. Por fim, o empowerment e multidimensional, englobando diferentes niveis de analise, desde 0 individual, ao grupal, o organizacional e o comunitario. 0 empowerment individual visa as variaveis interpessoais e comportamentais dos sujeitos; o empowerment a nivel organizacional debru<;:a-se sobre a mobiliza<;:ao e oportunidades de participa<;:ao dos sujeitos, e o empowerment comunitario visa as estruturas s6ciopoliticas ea mudan<;:a social (Zimmerman 2002 b). Para Zimmerman (2002 b), os tres conceitos fundamentais da teoria do empowerment sao: a) o controlo; b) a consciencia critica e c) a participa<;ao. Por controlo entende-se a capacidade real ou percebida de influenciar decisoes. A no<;:ao de consciencia critica refere-se ao entendimento das estruturas do poder, como os agentes causais sao influenciados e se podem mobilizar recursos. A participa<;:ao e entendida, por sua vez, como ac<;:ao realizada no sentido de alcan<;:ar resultados desejados. Temos visto muitas vezes o conceito de empowerment ser entendido, e mesmo traduzido, como participa<;:ao. Todavia, a participa<;:ao e uma dimensao do empowerment que nao esgota 0 conceito. Em rela<;:ao ao conceito de controlo, ha que referir a importancia da teoria da aprendizagem do comportamento de impotencia (learned helplessness theory), do psic6logo norte americano Seligman (1975), que influenciou fortemente as praticas de empowerment (Payne 1991). Seligman defendeu que os individuos que experimentam situa<;:6es onde as suas ac<;:6es nao tem qualquer efeito sobre o que lhes venha a acontecer sao condicionadas a nao esperar dos seus comportamentos resultados tlteis na maioria das situa<;:oes. 0 estado de helplessness e um estado psicol6gico que resulta frequentemente de situa<;:6es incontrolaveis, isto e, situa<;:oes nas quais 0 resultado e independente das respostas voluntarias do sujeito. Os sujeitos aprendem quando os resultados sao incontrolaveis. Os efeitos desta aprendizagem sentem-se ao nivel das motiva<;:6es (nomeadamente na motiva<;:ao para iniciar respostas voluntarias noutras situa<;:6es), aprendiza-
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gem (deficits na capacidade de aprendizagem de novos comportamentos e de re-associa<;:ao entre comportamentos e resultados esperados), e emo<;:oes (o indivfduos come<;:a por temer a situa<;:ao que nao consegue controlar, mas, ao aperceber-se que nada do que fa<;:a tera efeito, torna-se ansioso, desesperado e resignado - o comportamento de impotencia torna-se geral). Seligman (1975) reflectiu na aplica<;:ao da sua teoria a varias situa<;:6es sociais, em particular em contextos educacionais e de pobreza. Uma vez que a pobreza diminui as escolhas efectivas de resposta para os sujeitos, estes sao frequentemente expostos a situa<;:6es incontrolaveis ao longo da vida, e em particular durante a infancia. Em consequencia dos efeitos da aprendizagem da impotencia, as popula<;:6es pobres podem nao "ver" as oportunidades, as altera<;:oes das regras e a possibilidade de controlo das situa<;:6es. 0 empowerment coloca uma importancia vital na capacidade de ac<;:ao. Ac<;:ao conjuntamente corn reflexao, mas reflexao para agir (Bosse, 1996, 2003, Ninacs, 2003). S6 assim o sujeito pode tomar controlo sobre a sua vida, participar activamente no seu mundo, na sua defini<;:ao.
3. Praticas de empowerment Usar urn determinado conceito nao e uma escolha inocente ou neutra. Cada conceito apresenta-se corn uma agenda propria que devemos estar conscientemente empenhados a prosseguir se o utilizarmos. E o que se passa corn o empowerment, que em especiat por lidar corn o conceito de poder, se torna extremamente politizado e "diffcil" de operacionalizar. Segundo Yann Le Bosse (1996, 2003), os postulados da perspectiva de empowerment sao os seguintes: 1. em primeiro lugar, a perspectiva de empowerment reconhece e implica
a complementaridade das competencias dos actores em jogo, isto e, implica uma redefini<;:ao das praticas profissionais, no sentido do trabalho entre parceiros. Na rela<;:ao profissional estao em jogo diferentes tipos de competencias, por urn lado as do profissional enquanto perito tecnico, e por outro, as competencias da experiencia de uma determinada biografia, da experiencia de vida que qualquer cliente traz. As varias competencias sao igualmente importantes para 0 processo de ajuda, embora sejam diferentes. 0 papel dos interventores numa perspectiva de empowerment e antes de mais 0 de parceiros colaboradores, facilitadores dos processos de mudan<;:a. Os interventores nao sao vistos como os detentores do verdadeiro conhecimento ou como peritos inquestionaveis e incontestaveis. 0 sujeito-cliente e 0 perito na sua vida, e no seu processo de mudan<;:a. 0 locus do poder deve estar no indivfduo. Esta
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assen;ao leva a uma necessaria "suspensao da descren\=a" nas potencialidades e capacidades dos sujeitos, exige que se tratem os clientes corn respeito verdadeiro, como pares no processo de mudan\=a, e que se assuma a defesa do sistema cliente. Isto e, temos de assumir uma pratica de advocacy, entendida como sendo a representa\=ao e defesa do cliente junto das institui\=6es publicas e sociais, e da sociedade em geral. For vezes, no trabalho corn as popula\=6es mais marginalizadas e vulnerabilizadas, a defesa e aparentemente contra 0 proprio sistema cliente, que reproduz as valora\=6es negativas, da sua domina\=ao. Ao suspendermos a nossa descren\=a, a ac\=ao consequente e a da valida\=ao do sistema cliente, o que comporta o reconhecimento das suas capacidades de expressao e partir dessa expressao no processo de ajuda. em segundo lugar, o empowerment enfatiza a ac\=ao, a capacidade de ac\=ao de cada sujeito para prosseguir os seus objectivos e ganhar controlo sobre a sua vida. mas este agir e urn agir em conjunto. 0 empowerment salienta a importancia da ac\=ao colectiva na altera\=ao dos equilibrios de poder. A pratica de empowerment conduz-nos sempre a no\=ao de comunidade, pois, como defendia Freire, ninguem se liberta sozinho - os homens libertamse em comunhao (Freire 1975), libertamo-nos uns aos outros. A consciencia crftica, OU conscientiza\=aO, traduz a ideia de que 0 individual e politico. Podemos considerar varios niveis na consciencializa\=ao: temos antes de mais a consciencia colectiva (o individuo, grupo ou comuni-dade nao estao isolados num problema); numa dimensao mais alargada do colectivo tern os a consciencia social (os problemas quer individuais quer colectivos sao influenciados pela organiza\=ao social) e por fim a consciencia politica (as solu\=6es dos problemas, que radicam na estrutura e organiza\=ao sociais, passam necessariamente pela mudan\=a so-cial, e pm路tanto pela ac\=ao politica) (Ninacs 1995:79). A consciencia critica, por sua vez, exige a participa\=ao na vida colectiva, numa acep\=ao de cidadania activa. outro pressuposto do empowerment e a aC\=aO preferencial junto de popula\=6es excluidas e marginalizadas. Se a meta e o aumento de poder, e facil percebermos que a aten\=ao recaia antes de mais sobre os que tern menos poder, sobre os que sao contemplados corn parcelas injustamente diminuidas de poder. por fim, a perspectiva de empowerment pressup6e a ac\=ao em diferentes niveis e dimens6es de ancilise, distintos mas interdependentes. Envolve nomeadamente os niveis individual, grupal, organizacional e comunitario. Embora tendo dinamicas e processos pr6prios, cada nivel esta indissoluvelmente ligado aos outros, influenciando-se mutuamente, sendo que o empowerment conseguido num nivel potencializa pos-
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siveis ganhos de poder noutro nivel. Mas se e certo que as mudanc;:as num dos niveis estao ligadas a mudanc;:as noutros niveis, nao o estao de forma determinante ou necessaria. Pm路tanto, nao e correcto estar a pensar que se se trabalhar apenas um nivel ou aspecto do empowerment, os outros se !he seguirao sem que eu os trabalhe explicitamente. Temos sempre de ter estrategias espedficas para cada nivel. 0 empowerment total tern de levar em conta os diferentes niveis. Deste modo, o conceito de empowerment remete-nos para a velha questao do micro-macro, mais uma vez salientando que e errado fazer tal divisao na pratica.
4. Modernidade tardia: pluralidade, fragmentac;:ao, individualizac;:ao Uma das mais importantes dinamicas da actual fase da modernidade e a pluralidade de discursos, a fragmentac;:ao das 16gicas, a predominancia da diversidade (Beck, 1998, Giddens, 1997, 1998). A valorizac;:ao do individuo acentua precisamente a validac;:ao das escolhas de cada um, exponencializando a diversidade e a pluralidade (Beck, Giddens, Lash, 2000). Quando a enfase e colocada nas identidades do Eu, temos maior pluralidade de discursos, de "verdades". Quando a enfase se encontra nas identidades colectivas do Nos, tal facilita a elaborac;:ao de "grandes narrativas", discursos mais homogeneos e integradores. Na primeira modernidade, ainda se evidenciavam os discursos claramente hegemonicos, particularmente narrativas teleologicas, dos sentidos sociais. 0 servic;:o social, precisamente urn dos filhos mais vigorosos desta primeira modernidade, alcanc;:ou nessa fase o seu proprio discurso hegemonico (Pm路ton, 1996). No actual contexto de pluralidade e fragmentac;:ao, tornou-se mais diffcil, tambem para o servic;:o social, a manutenc;:ao da sua unidade e especificidade. Por isso se salienta hoje uma maior diversidade quer no campo teorico, quer metodologico, quer pratico, quer ainda axiologico do servic;:o social. 0 servic;:o social tern vindo a enfrentar uma serie de desafios identitarios importantes, que vemos como um processo que visa a recriac;:ao do servic;:o social para o novo periodo da modernidade no qual comec;:amos a viver (Parton, 1996). Neste momento, gostariamos de referir apenas alguns desses desafios, centrados directamente nas praticas do trabalho social. Sao desafios que evidenciam uma dupla tensao sobre o servic;:o social, exercido quer pelas disposic;:oes politicas, quer pela propria sociedade: 0 servic;:o social e pressionado, por urn !ado, a standartizac;:ao, de medidas, de soluc;:oes, de procedimentos, e por outro !ado, a diversidade, a flexibilidade, a criatividade. Esta tensao vem juntar-se a ambiguidade do duplo mandata do servic;:o social de controlar e disciplinar (normalizar), e emancipar I transformar (Parton, 1996).
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Por um lado, temos a necessidade de redefini<;:ao do relacionamento profissional com os sistemas cliente. A valoriza<;:ao do cliente, do seu poder, o estatuto de parceiro na rela<;:ao de ajuda, parece-nos fazer parte deste processo de por em questao o servi<;:o social. Velhas posturas tecnicas tem de ser ultrapassadas, distancias sociais tem de ser diminuidas, e o poder do profissional tem de ser re-equacionado em favor do cliente. No nivel organizacional as mudan<;:as tambem se multiplicam. As rela<;:oes nomeadamente de vinculo laboral dos profissionais de servi<;:o social tornam-se mais incertas e precarias, aumenta a rotatividade dos tecnicos, trabalha-se em projectos temporarios, depende-se de financiamento incerto, em organiza<;:6es flexiveis e ad-hoc (Toffler, 1980). 0 servi<;:o social tambem tem de adaptar-se as profundas mudan<;:as no Estado Social: assump<;:ao de esquemas variados de policy mix na presta<;:ao de bens e servi<;:os de bem-estar social, certa tendencia, variavel de pais para pais, de residualiza<;:ao e privatiza<;:ao dos direitos sociais, enfase no controlo de gastos sociais, preferencia por medidas de capacita<;:ao individual para a integra<;:ao social, e medidas de curto prazo. A todos os niveis, o servi<;:o social tem de responder ao desafio da despolitiza<;:ao dos problemas e das interven<;:oes (Joaquim, 2008), e a instrumentaliza<;:ao dos profissionais (que, contudo, sempre existiu). Varios estudos nacionais e internacionais (Andrade 2001 a, Gutierrez, DeLois, GlenMaye 1995; Gutierrez, GlenMaye, DeLois 1995 entre muitos outros) tem vindo a mostrar. Faz-se predominio das interven<;:6es individualizadas relativamente as interven<;:6es de mudan<;:a social, ou seja, 0 predominio dos aspectos individuais e psicologicos relativamente aos aspectos socio-politicos sobretudo uma interven<;:ao centrada nas necessidades urgentes, sem que pare<;:a haver recursos, temporais, humanos e outros, para processos de interven<;:ao mais globais de mudan<;:a socio-politica. Afinal, a mudan<;:a dos individuos acaba por parecer mais acessivel e controlavel do que a mudan<;:a das estruturas, sentida como muito mais dificil e incerta. Em face desta situa<;:ao, nao e de estranhar que se evidenciem nos trabalhadores sociais sentimentos de resigna<;:ao face ao contexto adverso (Joaquim, 2008) e a persistencia de uma auto-imagem nao muito positiva. Parece-nos que o exercicio coarctado do servi<;:o social, espartilhado na sua missao de mudan<;:a social, ajuda fortemente a existencia destes sentimentos.
5. (Re)Construindo o
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social: que empowerment?
0 servi<;:o social sempre foi caracterizado pela diversidade: de papeis, de publicos-alvo, de organiza<;:6es, de metodologias. 0 contexto presente parece-nos
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salientar este facto, e nao simplesmente aument<:i-lo. Hoje em dia o servi<;:o social esta mais vulneravel a desconstru<;:ao I reconstru<;:ao permanente dos seus modelos e finalidades. Entende-se que esta mais sujeito a uma "maior diversidade, incerteza, fragmenta<;:ao, ambiguidade e mudan<;:a" (Parton, 1996: 12). 0 servi<;:o social ja nao tern uma solu<;:ao clara e inquestionavel a oferecer aos seus publicos-alvo, mas esta em processo de procura. As situa<;:6es de incerteza sao simultaneamente amea<;:as e oportunidades. Pensamos o empowerment como uma via util na recria<;:ao do servi<;:o social. Urn conceito que ajuda o servi<;:o social a encontrar e a re-centrar-se em finalidades legitimadoras, ea enfrentar as dinamicas societais. Urn conceito que obriga o servi<;:o social a redefinir-se e a empenhar-se nessa redefini<;:ao. Que obriga a reflexividade seria e constructiva. 0 empowerment volta a enfatizar a uniao do sujeito corn o seu contexto, a indissolubilidade dos varios niveis de analise da pessoa-na-situa<;:ao, a uniao do micro e macro da pratica social. A perspectiva de empowerment volta a alinhar o servi<;:o social corn a procura da justi<;:a social e da mudan<;:a social corn vista ao desenvolvimento de cada ser humano e das sociedades que formam, valores que o servi<;:o social quer continuar a assumir como seus. Sabemos que o contexto social, econ6mico, politico e cultural, favorece e promove urn empowerment sobretudo ao nivel individual. Nao deixa de ser empowerment, mas e urn empowerment incompleto, vulneravel. 0 empowerment que s6 e intencionalmente desenvolvido ao nivel individual parece-nos ser urn empowerment "coxo", espartilhado nas suas potencialidades. E necessaria investir nas outras dimens6es, e para tal tambem e preciso apostar mais na forma<;:ao nas tecnicas e processos de mudan<;:a colectiva e s6cio-politica. 0 mesmo e dizer do trabalho social centralizado na interven<;:ao corn os individuos e suas familias, mas que trabalha pouco a dimensao mais macro da interven<;:ao. Foi o proprio trabalho social que tomou a si a missao da justi<;:a social, da transforma<;:ao social. Se nao desenvolve esta missao do mesmo modo que o relacional-psico, entao e urn trabalho social que fica aquem de si mesmo. Mas estarao os profissionais preparados para agir no macro? Pensamos que provavelmente nao. Por exemplo, do ponto de vista academico, temos valorizado a interven<;:ao individual, e descurado o ensino/aprendizagem das metodologias de mudan<;:a social. Do mesmo modo que os aspectos da interven<;:ao psicossocial sao aprendidos, tambem e necessaria formar os trabalhadores sociais nos processos e tecnicas pr6prios da mudan<;:a s6cio-politica. Ha que estabelecer urn melhor equilibrio entre estas duas especificidades, uma vez que 0 que e pretendido e uma conjuga<;:ao harmoniosa dos dois aspectos na pratica do trabalho social. No contexto portugues, este defice de competencias nao e apenas uma questao formativa, e tambem uma questao de cultura dvica da sociedade portuguesa, isto e, da limitada cultura dvica geral.
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A transforma<;:ao social dos (des)equilibrios de poder nao acontece como dadiva de quem tem mais poder: e preciso lutar por essa transforma<;:ao, de modo intencional e continua. E fundamental que os trabalhadores sociais invistam nos processos de mudan<;:a s6cio-politica, aprendendo e praticando formas de mudan<;:a social e nao apenas pessoal. E fundamental que participem dos processos de decisao politica, que o queiram fazer, o saibam fazer e que lutem por isso.
6. Conclusoes Sera entao o empowerment uma utopia ou uma distopia? Cremos que o empowerment e nao s6 possivel, coma particularmente necessaria como valor e pratica do servi<;:o social na actualidade. Mas este conceito exige urn empenho maior na missao do servi<;:o social e dos trabalhadores sociais para corn a justi<;:a social e para com mudan<;:a social. Se nao for assim, entao o empowerment sera mais utopia do que urn "inedito viavel", sera mais desejo do que realidade.
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