Intervenção Social - 38

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Intervenção Social nº. 38 (2.º semestre de 2011)

Actas do II Congresso Internacional de Serviço Social Compromisso para uma nova geração

Universidade Lusíada Editora Lisboa • 2012


Mediateca da Universidade Lusíada – Catalogação na Publicação INTERVENÇÃO SOCIAL. Lisboa, 1985 Intervenção social / propr. Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa ; dir. Maria Augusta Geraldes Negreiros. N. 1 (Junho 1985)- . – Lisboa : Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, 1985- . - 24 cm. - Quadrimestral ISSN 0874-1611 1. Serviço Social - Periódicos I – NEGREIROS, Maria Augusta Geraldes, 1941-2003 CBC CDU ECLAS

HV4.I58 364.442.2(051)”540.4” 02.05.01

Ficha Técnica Tútulo Proprietário Director Subdirector Secretariado

Intervenção social

N.º 38 (2.º semestre 2011)

Fundação Minerva – Cultura – Ensino e Investigação Científica Jorge Manuel Leitão Ferreira Duarte Gonçalo Rei Vilar Paula Isabel Marques Ferreira

Conselho científico nacional

Jorge M.L. Ferreira (ISSSL - Universidade Lusíada de Lisboa / ISCTE-IUL); Marina Manuela Antunes (ISSSL Universidade Lusíada de Lisboa); Duarte Rei Vilar (ISSSL - Universidade Lusíada de Lisboa / ISCTE-IUL); Maria Helena Fernandes Mouro (Instituto Superior Miguel Torga); Helena da Silva Neves dos Santos Almeida (Faculdade de Psicologia e de Ciências de Educação - Universidade de Coimbra); Juan Mozzicafreddo (ISCTE-IUL); Maria Irene Lopes Bugalho de Carvalho (ISSSL - Universidade Lusíada de Lisboa); Marília de Carvalho Seixas Andrade (Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias); Maria Rosário A. Oliveira Serafim (ISCTE-IUL); João Ferreira de Almeida (ISSSL - Universidade Lusíada de Lisboa); Gabriela Moita (ISSSP)

Conselho científico internacional

Andrés Arias Astray (Escuela Universitaria de Trabajo Social - Universidad Complutense de Madrid); Annamaria Campanini (Università degli Studi di Milano-Bicocca); Belén Morata García de la Puerta (Universidad de Granada); Édina Evelyn Casali Meireles de Souza (Departamento de Fundamentos do Serviço Social – Faculdade de Serviço Social – Universidade Federal de Juiz de Fora); María Eugenia Garma (Escuela de Trabajo Social - Facultad de Ciencia Política y Relaciones Internacionales - Universidad Nacional de Rosario); Juna Jesus Viscarret Garro (Universidad Pública de Navarra); Marie Lacroix (École de Service Social - Faculté des Arts et des Sciences - Université de Montréal); Rosana de C. Martinelli Freitas (Universidade Federal de Santa Catarina)

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Sumário pp. 5-6

Sumário Saudação de boas vindas Social Work values for the XXI Century: Human Rights and the ethic of the gift Mag. Andrea Trenkwalder-Egger............................................................................... 25 Formar Assistentes Sociais para uma mediação em Direitos Humanos Graça Maria André ..................................................................................................... 35 “Serviço Social e envelhecimento ativo: Teorias, práticas e dilemas profissionais“ Maria Irene Lopes B. de Carvalho ............................................................................. 45 Coparticipação e novos desenhos investigativos em Serviço Social: Insider/ Outsider Team Research Michel G. J. Binet e Isabel de Sousa ........................................................................... 61 Imigração, Transculturalidade e Inclusão Maria do Rosário Farmhouse ..................................................................................... 89 A investigação em Serviço Social: Modelos para a Compreensão da Realidade Jorge M. L. Ferreira...................................................................................................... 99 Profissão, ciência e cidadania: desafio para o Serviço social no século XXI Antonio López Peláez ................................................................................................ 115 O endividamento relativo à habitação, das famílias residentes num bairro social, em Lisboa Marlene Almeida ........................................................................................................ 135 A qualidade e a persistência das aquisições identitárias dos assistentes sociais em Portugal Maria de Lurdes Fonseca e Rute Roda .................................................................... 147

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Sumário

Ciganos e Mediação: Estudo exploratório sobre o sentido da mediação em contexto institucional na perspetiva de um informante-chave Cristina Coelho ........................................................................................................... 183 O Relatório Social - expressão de um processo de Perícia Social Regina Ferreira Vieira ................................................................................................ 205 Problemas e desafios da investigação em Serviço Social Problems and challenges of social work research Berta Pereira e Maria Cidália Queiroz .................................................................... 233 A investigação do Serviço Social em Portugal: potencialidades e constrangimentos Jorge M. L. Ferreira; Helena Rocha e Paula Ferreira ............................................. 253 “A investigação do Serviço Social em Portugal: potencialidades e constrangimentos.” Esboço de um Percurso a partir de uma Experiência Associativa (AIDSS) Joaquim Silva .............................................................................................................. 259 Mensagem de encerramento do II Congresso Internacional de Serviço Social Marina Antunes .......................................................................................................... 271 Conclusões Jorge M. L. Ferreira .................................................................................................... 275 Programa ..................................................................................................................... 281

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Saudação de boas vindas Saúdo, calorosamente, todos os presentes e agradeço o apoio na realização deste importante evento para o Serviço Social a todos os que trabalham, ensinam e investigam nesta área científica. • A todas as individualidades, que se disponibilizaram para integrar a Comissão de Honra deste Congresso, quero agradecer o gesto de apreço por esta iniciativa do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa e do Centro de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social; • A todas e a todos os colegas que integram a Comissão Científica o muito obrigada por nos permitirem demonstrar que o Serviço Social é o mais importante, independentemente da nossa pertença institucional ou académica; • Saúdo e agradeço a todos os participantes nas mesas pelo esforço de preparação das comunicações que, com certeza, contribuirão para o debate e diálogo interdisciplinar permitindo, assim, o aprofundamento dos conhecimentos em Serviço Social; uma palavra de apreço para os palestrantes estrangeiros que tanto esforço fizeram para estar aqui presentes a partilharem connosco os seus conhecimentos e propostas. • À Drª Cristina Martins que representa neste II Congresso de Serviço Social do ISSS a tão prestigiada International Federation of Social Workers e também o Professor David Jones. À Professora Graça André por representar o Grupo de Trabalho para os Direitos Humanos da IFSW. • Agradeço à Professora Fernanda Rodrigues, na qualidade de Presidente da Associação de Profissionais de Serviço Social, pela honra que nos dá com a presença e mensagem. • Um agradecimento especial para os Serviços da Universidade Lusíada que tornaram possível este Congresso, destaco aqui os nomes da Drª Cristina Moita, Drº Helder Machado, Drº Paulo Pinto e da designer Cristina Valdoleiros a quem se deve o expressivo logotipo deste Congresso Internacional; • A todas as doutorandas docente Paula Ferreira, Teresa Silva, Helena Rocha, Vanda Ramalho, Helena Teles e Anabela Correia; às alunas e alunos da licenciatura e mestrado que estão envolvidos no apoio logístico da orLusíada. Intervenção Social, Lisboa, n.º 38 [2.º semestre de 2011]

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ganização deste evento. • Ao Professor Ricardo Futre, responsável pelo apontamento musical e presença de uma banda constituída por alunos da licenciatura de Jazz e Música Moderna da qual é coordenador. • Por fim um agradecimento ao meu colega Jorge Ferreira, Coordenador do CLISSIS, pelo papel decisivo em toda a organização deste Congresso, imprimindo-lhe um cunho no caminho do aprofundamento da investigação em Serviço Social. O presente Congresso tem como tema “Compromisso para uma nova geração” que integra dois sub-temas “Uma nova geração de compromissos para o Serviço Social no século XXI” e “A construção do conhecimento em Serviço Social” pelo que, durante dois dias, teremos aqui um espaço de partilha de conhecimento e de objectivos estratégicos para o reforço e a afirmação do Serviço Social em Portugal. Pedimos a vossa compreensão para algumas dificuldades que venham a ocorrer durante os trabalhos mas estou certa de que, com engenho e arte, sairemos deste espaço de reflexão com a satisfação do reencontro e diálogo entre colegas com preocupações comuns. É com profunda satisfação que testemunho a presença de um número alargado de profissionais, docentes, investigadores e alunos e de uma forte adesão a este II Congresso Internacional em Serviço. Social. Obrigada a todos. Por delegação do Senhor Reitor dou por abertos os trabalhos.

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Social Work values for the XXI Century: Human Rights and the ethic of the gift Mag. Andrea Trenkwalder-Egger Senior Lecturer for Social Work at the MCI, Management Center Innsbruck; Austria studied Social Work Social Sciences

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The current ethical values for social work are undoubtedly based on the idea of the human rights. Remember the Universal Declaration of the human rights in article 1 which says: “All human beings are born free and equal in dignity and rights. They are endowed with reason and conscience and should act towards one another in a spirit of brotherhood.” This universalistic approach of humanism is also reflected in the Code of Ethics of the International Federation of Social Work (IFSW). In the definition about social work of the IFSW you find the following connection to the human rights idea: “Principles of human rights and social justice are fundamental for social work.” Therefore we can say that social work is a human rights profession. But how are human rights realized?

Human Rights and market economy An essential precondition to ensure a decent life is the satisfaction of basic human needs. In the following presentation I want to question whether it is possible to realize human rights within our form of economy and, if not, do we have an alternative? If we have an alternative to which ethics is this new form of economy connected? In recent months the traditional market economy has been criticized after a long period of acceptance. This period was characterized by the fact that economic thinking has influenced many areas of society, including fields such as social work which traditionally stayed outside the logic of the market system. The influence of economic thought resulted in social work clients being referred as customers. Social services, Universities, schools and even churches became custumer-orientated. But the neoliberal changes in many social areas were not particularly successful. The gap between rich and poor has become greater in the last few years. In Europe 20% of all children are in danger of poverty. In the year 2008 35% of children of lone parents were at risk of poverty.

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The Western economy is also responsible for creating environmental disasters. Remember the oil spill in the Gulf of Mexico or the Hungary’s toxic sludge disaster. This and other disasters are caused by the character of capitalistic economy which needs ever-increasing economic expansion. Also, the impact of natural disasters has become much worse because of the motives for economic profit as we saw in New Orleans or a few months ago in Fukushima. The traditional market economy failed in handling the challenges of natural disasters. On the contrary it often causes them.

The problem with the distribution of goods to meet human needs So we can say that our traditional economy based on the expansion of the market has not proved to be very efficient in meeting human needs. More and more people drop out of the markets. Key needs remain unsatisfied, and people’s existence is threatened. The traditional economy was not very helpful in meeting human needs which is a precondition for the realisation of human rights. And this is strange that the economy fails in this respect because the market economy is justified by the idea that it meets human needs and satisfies them effectively. You can read this in nearly every textbook on economics: “Economics studies the allocation, distribution, and utilization of resources to meet human needs. A central element in the economic problem, then, is the allocation of scarce recourses among alternative uses. Resources (human, physical and financial) are limited in supply while human needs and desires are infinite.” (Ison, Wall, 2007, p.4) The traditional economy is based on the fundamental idea that human needs are infinite while the resources are finite. But is this assumption true? Are recourses limited and human needs are unlimited? I think we have to question the key tenet of our economic ideology that needs and desires are infinite and the economic resources are scarce. Maybe it is true in terms of desires but not for our basic needs. In May 2011 UN Food and Agriculture Organisation (FAO) published that one-third of the world’s food produced for human consumption is lost or wasted each year. With all the wasted food on earth we could feed the world population three times.

Human needs a basic of Social Work theories The idea that the number of needs is limited is not new. We all know Maslow’s hierarchy of needs. There is also a tradition in social work theory which is based on the concept of human needs.

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I want to remember the great Austrian social work theorist Ilse Arlt who distinguished 13 different human needs that must be satisfied in order for men and women to live in dignity. These needs are •Nutrition •Housing •Personal care •Clothing •Recreation •Air •Education •Cultural development •Access to legal safety •Family life and social networks •Medical assistance and health care •Accident prevention •Training for economic efficiency. Arlt published her theory of needs in 1958. She claims that, if one of these needs is neglected over a period of time, there is a risk to the existence of the whole person. Social work must therefore focus on creating the conditions under which needs can be fulfilled. Ilse Arlt laid the foundation for current theories of needs in social work. A contemporary social work theorist is Werner Obrecht. In his theory needs are tensions, which have to be balanced. He distinguishes three kinds of needs: biological needs; psycho needs and social needs (Obrecht 2006, 144) Biological needs are physical integrity; regeneration; sexual activity and reproduction. Psycho needs, for example are perceptual and sensory stimulation; needs for effective skills, rules, and (social) norms. Examples for Social needs are emotional care; social participation, autonomy, social recognition. These needs are just some of the 17 needs Obrecht distinguished. This theory of well differentiated basic needs is related to the Aristotelian concept of the good life. The central question is, what do we need for living a good life? Martha Nussbaum’s (1998, 1999) capability approach takes us in a similar direction. Nussbaum, a specialist of Aristotelian philosophy, created a list of capabilities. The task of society is to create conditions so that people can develop these capabilities. The same applies to the satisfaction of human needs. People must have access to resources to meet their needs. It is not enough if the access depends on the

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system of exchange because then a great number of people are excluded from a life of dignity. The question is whether we have an alternative form of economic distribution to meet human needs.

The economy of exchange and the economy of gift To develop capabilities or to satisfy our needs we have to interact with others. For some of these needs we have to get goods and services. There are at least two different ways to get the goods we need: we can buy them or they are shared with us. And this leads over to two different kinds of economies in existence: the economy of exchange which is common in the public arena, and the gift economy which is important in our private sphere. Now have a look to the assumption of the traditional market. In traditional economy goods are regarded as scarce and human needs as infinite. The belief in the never-ending nature of needs is the engine of the market where the principle of supply and demand regulates the exchange of products. In this form of economy people meet as customers. A customer is defined by his or her capacity to be creditworthy. But there is another economy, the economy of gift. In our private sphere we still base our actions on a different principle than the traditional market system. Our family life is not regulated by the market system, at least I hope it isn´t. Imagine you have a family with 3 children? What will happen when you introduce an exchange economy into your private household? Will they ever have a chance to grow up? What happens to the members of the family who do not have anything of value to exchange? And what happens to the needs of people in our society who are not able to produce and earn money? In order to find another form of rational distribution which does not neglect the very young, the old and the disabled. I think that the gift economy is an interesting supplement to our traditional economy of exchange. The basic idea of the gift economy is that human needs are limited. Men, for example, can eat a lot of food but after a while everybody will be full. Another basic idea is that enough resources are available therefore it is no problem to share them. In this form of economy the sustainability of the resources plays an important role. Next to the private sector the gift economy is also found in new movements often connected with new technologies, such as the free software movement (Stallman 2002), the so called ‘costs nothing’ shops or give away shops or free share shops and free services like ‘Sofasurfing’, and so on.

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What does the gift economy mean? Until now there are several theorists who have analysed the concept of gift in society and it seems that today scientists are rediscovering the phenomenon of the gift. One of the first who analyzed societies in which the gift played an important role in public was Marcel Mauss, the nephew of Durkheim. Marcel Mauss sientifically explored the gift economy in the 1920s. He analysed traditionally forms of economy of Polynesian people as well as Native Americans and old forms of practices of exchanges in Europe. There he discovered the so called “gift economy”. Mauss underlined that the acceptance of the gift leads to an obligation to respond. To give, to receive and to return are the three components of the gift economy. At the end of the 20th century the great Sociologist Pierre Bourdieu (2007) dealed also with the gift economy. I think that Bourdieu´s approach is very interesting for social work. For him the gift is characterized by the risk that no response will happen. Otherwise it is not a gift but an exchange. The gift recipient has the freedom to respond or not to do so. The gift recipient in contrast to the consumer can decide if he or she will give something back, what he or she will give back and when the response of the gift will happen. Consequences for the field of Social Work? If we follow the gift-economy than the client is not a customer who has to give something back. The client has the freedom to give something in return of the help but he or she can also refuse to do so. The gift is defined by two conditions: Although there is an expectation for a response, the return of the gift has to be voluntary. There has to be a risk that the return will not happen. Otherwise it is not a gift but an exchange. You also have to distinguish gifts from alms. Alms are a special form of gifts which cannot be responded to. If it is not possible for the gift recipient to change the role and to give something back, then he or she has received alms instead of gifts. Think about beggars, they are not able to change role. Therefore, alms always go in one direction. Be aware that alms have the tendency to fix social problems by strengthening social hierarchies. They don’t solve social problems. But nevertheless alms may be necessary, especially in emergency situations. Because social work as well as economics has to fulfil the task of meeting human needs we have to question in which form this happens: as an exchange, as gifts or as alms. I think it is very important to distinguish between exchange, gift and alms and to question our activities in social work. Therefore, I want to analyze the role of the actors, the activity and the ethics of these different forms of economy.

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The condition for the exchange of goods is that buyers and sellers are free and isolated from each other. They should not be related because it is always bad to ‘do business among friends’. A further condition is that there is a balance of power between buyers and sellers. If the exchange taking place is done between two unequal people such as adults and children, the buying and selling is problematized. To regulate the market it is important that both partners are equally strong. Equality is the main principle in the market system not only between sellers and buyers but also all customers have to be treated equally. This is the strength of the market system because you can neglect the differences between people. Therefore, you do not have to consider factors such as different cultures. In contrast the gift is not shared between equals, but with someone who is in a way special for the donor. Donor and recipient are connected by a special relationship. They do not have to know each other. But the donor wants to achieve or obtain a special value by giving, for example solidarity, justice or human dignity. The donor is always in the stronger position but the roles are not fixed. The recipient can change the role and determine if and when and what he or she will give back. People who receive alms are always in a lower position than the donor. They are not able to give something back. Alms have the tendency to fix the status quo, they stabilize the dominant power relations. Therefore, alms are not an appropriate way to solve social problems. They consolidate them. But sometimes they may help a situation not to get worse. The ethical basis of the exchange economy is that the partners are convinced about the procedural justice of the interaction. They would not buy or sell if they believed that they would thereby be disadvantaged. Other values, such as whether this product could be necessary for a good life, are unimportant. Justice does not play an important role in the gift economy. But there is always a value and this is the motive for sharing gifts. People share goods because they love their children and partner, they want to improve the situation of people in a difficult situation or they want to realize human dignity, and so on. They want to make a value come true. The gift economy is related to the Aristotelian teleological ethic. For social work this means that gifts have to be given to realize human rights. To guarantee human dignity and to realize human rights we have to guarantee that everybody can meet their needs. Alms are often given because of religious reasons or an ethic of compassion. Distribution by exchange economy excludes a lot of people – the young, the old, the disabled, and everybody who is not economically productive. Alms are also problematic because they fix social hierarchies because the recipient of alms is not allowed to become active and to give something back.

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Gift economy in practise The gift economy in the form of the “unconditional basic income” is one possibility to establish an access for everybody. A basic income is an income unconditionally granted to all on an individual basis, without means test or work requirement. That means everybody should receive enough money to meet his or her needs because of his membership in society. The unconditional basic income must not be alms as people have to have the possibility to participate in society. They should have the option to change the role and to give something in return as volunteer work, cultural work or political work, and so on. The financial viability of the “unconditional basic income” has often been proved. It would go beyond the scope of this presentation to discuss this in detail. You can get more information about the unconditional basic income on the website of globalincome.org It has also been proved that the gift economy works today, as the free software movement shows. The great hindrance to the implementation of the unconditional basic income comes from ideological thinking which strengthens the power relations of the exchange economy. We have to deconstruct the terror of procedural justice. If we act as sellers and buyers everywhere (and not only in the marketplace), everything and everybody becomes a product. If we let the exchange economy define social work, clients who are not able to exchange something will be soon labelled “social parasites “ as we call in Austria. If we consider people as animals, we are dehumanizing them. To implement the gift economy in our society we need a new way of thinking: First: The amount and nature of our needs are limited. Second: There are enough resources to meet our needs. Therefore Social work has to develop a theory of human needs and to point out that to meet human needs is more a distribution problem than a problem of shortage. Finally I want to introduce a very interesting project witch closely follows the idea of the gift economy. The so called “free stores” or “no costs stores” are shops where you can get everything for free. For the purpose of this presentation I will refer to this shop as a “free store” in German they are calld “kost nix”: Money is not necessary to shop at the free store. One is able to simply turn up and find three objects that you may take away with you. Not only do you not have to pay but there is also no expectation of anything in return. People are encouraged to bring things that they no longer need at home. They can do this freely but it is not an obligation. In fact there are always more people bringing items than taking them away.

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The organizers of these projects do not consider themselves as charities or social projects but rather as a fundamental example of how a gift economy could work. At the end of my presentation I want to close with the words of Mahatma Gandhi who said: ‘There is enough for everyone’s need but not for everyone’s greed.’

Literature Arlt, Ilse von (1958): Wege zu einer Fürsorgewissenschaft. Wien: Verl. Notring der Wiss. Verbände Österreichs. Bourdieu, Pierre; Beister, Hella (2007): Praktische Vernunft. Zur Theorie des Handelns. Dt. Erstausg., 1. Aufl., [Nachdr.]. Frankfurt am Main: Suhrkamp (Edition Suhrkamp, 1985 = N.F., 985). Food and agriculture organization of the United Nationa (FAO) (2011): Global Food looses and food waste. Düsseldorf online: http://www.fao.org/fileadmin/user_upload/ags/publications/GFL_web.pdf [11/11/2011] Ison, Stephen; Wall, Stuart (2007): Economics. 4. ed. London: Financial Times Prentice Hall (Frameworks). Mauss, Marcel (2009): Die Gabe. Form und Funktion des Austauschs in archaischen Gesellschaften. 8. [Aufl.]. Frankfurt am Main: Suhrkamp. Nussbaum, Martha (1999): Gerechtigkeit oder Das gute Leben. Suhrkamp, Frankfurt am Main. Nussbaum, Martha C. (1998): Menschliches Tun und soziale Gerechtigkeit. Zur Verteidigung des aristotelischen Essentialismus. In: Steinfath, Holmer (Hg.): Was ist ein gutes Leben? Philosophische Reflexionen. 2. Aufl. Frankfurt am Main: Suhrkamp (Suhrkamp-Taschenbuch Wissenschaft, 1323), S. 196–234. Obrecht, Werner (2005): Ontologischer, sozialwissenschaftlicher und sozialarbeitswissenschaftlicher Systemismus – Ein integratives Paradigma der Sozialen Arbeit. In: Hollstein-Brinkmann, Heino; Staub-Bernasconi, Silvia: Systemtheorien im Vergleich. VS Verlag für Sozialwissenschaften. Wiesbaden. 93-172 Obrecht, Werner (2006): Soziale Arbeit als Handlungswissenschaft. Zum Thema, Aufbau und Inhalt der gleichnamigen Vorlesung an der Hochschule für Soziale Arbeit in Zürich im Rahmen der Bachelor- Lehrgänge. Zürich. Stallman, Richard M; Gay, Joshua (2002): Free software, free society: selected essays. 1st. ed. Boston, Mass.: Free Software Foundation. United Nations: Universal Declaration of Human Rights. Adopted December 10, 1948.GA.Res.217 AIII. United Nations Document a/810. New York:UN

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Formar Assistentes Sociais para uma mediação em Direitos Humanos Graça Maria André Universidade Católica Portuguesa

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Falar sobre a formação dos Assistentes Sociais para uma Mediação em Direitos Humanos para colegas que no dia a dia intervêm nas mais variadas problemáticas, ou que no seu trabalho de docência são desafiados pela complexidade dos temas a desenvolver junto dos futuros profissionais, os estudantes de Serviço Social, muitos deles também aqui presentes, poderá ser uma boa oportunidade para se reflectir, questionarmo-nos e partilhar dúvidas, tendo em conta a complexidade que o tema oferece. Como fazê-lo sem “beber” das teorias para entender os conceitos; conhecer as “razões” dos vários autores; rever e apreender a realidade que nos envolve como suportes para a formação destes futuros interventores, os Assistentes Sociais? Parte-se pois do princípio de que só conhecendo, podemos posicionarmo-nos e assim agir ou melhor dizendo, intervir. Por referência ao título desta comunicação interessa concentrarmo-nos no conceito de Direitos Humanos. Se se tiver em consideração o significado etimológico da palavra direito, verifica-se que ele justifica o fundamento antropológico, base dos três objectivos centrais dos Direitos Humanos, ou seja o respeito pela dignidade, a autodeterminação e a justiça. Os Direitos Humanos não são uma oferta do exterior ou um favor de um qualquer governo: eles são direitos inatos, inalienáveis e privilégios fundamentais que pertencem a todos os indivíduos como seres humanos, e que esperam poder realizar. Eles estão ainda consignados na Ética do Serviço Social na sua Declaração de Princípios, segundo a Federação Internacional dos Assistentes Sociais (IFSW, 2004), como princípios a respeitar de par com outros dois, a dignidade humana e a justiça social. Mas em que sociedade nos encontramos hoje? Podemos considerar sem reservas a concretização dos três objectivos centrais dos Direitos Humanos, no que frequentemente se designa de sociedade de risco, mudança e de vulnerabilidade? Ao designar-se uma sociedade como “sociedade de risco” é porque nela se identifica um conjunto de aspectos negativos (riscos), que superam os aspectos positivos os quais escapam ao controlo social, ameaçando o exercício da cidadania. Para Ulrich Beck (1994) a “sociedade de risco” será uma forma sistemática de lidar com o acaso e a insegurança induzida e introduzida pela própria modernização.

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Como factores inerentes a uma sociedade de risco podem considerar-se a rápida industrialização; a exploração da natureza; os processos da produção de riqueza, sendo identificados prejuízos para a vida humana a nível global, afectando todos, no seus direitos fundamentais, nomeadamente os grupos mais fragilizados. Há ainda um conjunto de fenómenos decorrentes, que sem grande esforço conseguimos dar conta nas suas várias manifestações, nos países mais industrializados, como sejam: os impactos do processo de globalização; individualismo; desemprego; sub – emprego; problemas nas relações de género; crise ecológica; turbulência dos mercados financeiros; alteração nos padrões sociais e aumento das desigualdades. As transformações sociais induzidas por vários factores, acima referidos, dão lugar a um contexto de vulnerabilidade, que para Marc-Henri Soulet, (2009) deve ser entendido nas suas manifestações como um fenómeno social mais do que como resultado de um problema de natureza individual. Este autor justifica a sua posição, referindo dois tipos de sociedade conforme o conceito de solidariedade que lhe foi estando subjacente ou seja, a transformação de uma sociedade marcada por uma “solidariedade objectiva” para uma sociedade onde predomina uma “solidariedade subjectiva”. .Ao falar de “solidariedade objectiva” refere-a como estando suportada no princípio de que todos os membros de uma dada sociedade são responsáveis por essa sociedade no seu conjunto. As compensações a nível educativo e social eram atribuídas aos indivíduos tendo em vista que cada um pudesse assumir uma cidadania política na realização da democracia. Partia-se da regra da “mão invisível” que promoveria no mercado um equilíbrio entre a oferta e a procura, aparecendo as politicas de distribuição como remedeio, a posteriori, aceitando-se uma organização económica no paradigma do liberalismo mas, desde que se lhe colocassem limites. Ao referir-se à “solidariedade subjectiva” Henri – Soulet, identifica-a como sendo caracterizada por um espírito de concorrência, entendido como um valor alimentado através das políticas públicas. Observa a predominância de um enquadramento neoliberal onde é estimulado o desejo de se participar cada vez mais (solidariedade subjectiva) sendo cada um considerado formalmente como “igual”entre todos. Porém na visão deste autor, os mecanismos que se criam para atender as situações singulares por recurso às políticas de redistribuição, não fazem senão legitimar as desigualdades. Há a contenção das desigualdades e não a promoção das igualdades. O que tudo isto significa em termos do exercício da cidadania se se atender ao art.º 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, onde pode ler-se: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.(art.º 1º Declaração Universal os Direitos do Homem, ONU, 1948)? O texto desta Declaração de 1948, onde estão contempladas as três gerações e di-

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reitos, Direitos de 1ª geração, Civis e Políticos (art.º 1 – 21); Direitos de 2ª geração, Sociais Económicos e Culturais (art.º 22 - 27); Direitos de 3ª geração, Colectivos (art.º 28 - 30), comportam um conjunto de exigências, que face ao novo conceito de solidariedade, “solidariedade subjectiva”, desenvolve algumas tensões por via de um novo tipo de contrato. A liberdade é para ser exercida mas salvaguardando a igualdade, enquanto a soberania do indivíduo é promovida, reforçando o egoísmo e o individualismo. Estas tensões, neste modelo de “solidariedade subjectiva”, são reguladas através de medidas de integração (inserção social) para que cada um tenha o seu lugar através de mecanismos de coesão social ou vão sendo ainda desenvolvidas estratégias para a contenção dos desvios. Não mais se é responsável em bloco o que configurava o que se designou de “sociedade sólida”, mas antes os resultados da acção dependem agora da acção dos seres humanos para o que passou a designar-se como “sociedade líquida”. Na “sociedade líquida” as politicas de coesão social fundamentam-se em regras comuns e não valores absolutizados: cada um pode exprimir os seus valores. A contenção do desvio não se faz por politicas de redistribuição mas por politicas habilitadoras ou seja tenta-se a realização das diferenças e das possibilidades. A integração faz-se pela participação mais do que pelo trabalho. Pretende-se dar responsabilidade individual, investir no capital humano, aparecendo o risco como uma oportunidade. O fundamento da acção humana é o agir, sendo os membros da sociedade líquida entendidos como actores autónomos e realizados. A máxima é : “Posso ascender socialmente se eu quiser…” Porém este tipo de postura que é estimulada, transporta consigo alguns constrangimentos dado que se está a falar de uma sociedade de grande sofrimento. Tudo o que cada um deseja depende da sua escolha. Cada um é agente da sua própria fragilidade / vulnerabilidade parecendo libertar-se de quaisquer constrangimentos, mas ao fazer as suas escolhas defronta-se com um conjunto de incertezas sobre as consequências dessa mesma escolha. As protecções neste contexto acabam por não ser tão “iguais” para todos. As protecções são internas e diferem de pessoa para pessoa, acabando cada um por ficar mais ou menos afectado pela vulnerabilidade e em situação de sofrimento sempre que houver limitações a nível do seu capital humano, social e relacional. Segundo a sociologia do desvio, desvia-se quem não é capaz de integrar as regras. Aqui as regras são estas: ser-se actor; eleitor e autónomo. Neste quadro de referência torna-se pertinente colocar uma serie e questões: será que os Assistentes Sociais como interventores sociais dispõem de meios para ajudar os cidadãos a assumirem este papel de responsabilização individual como uma oportunidade de serem os sujeitos nas suas trajectórias de vida? A que necessidades básicas se propõem responder junto das populações em situação de pobreza e exclusão social, para que aquelas possam, realizar-se nos seus direitos de cidadania?

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Segundo Doyal & Gough (1991), todos temos as mesmas necessidades básicas e elas devem ser satisfeitas como a concretização de um direito dos seres humanos cujo grau de emancipação é medido pelo nível de optimização dessas necessidades. Os autores referem-se a dois tipos de necessidades, para si, básicas e universais: as necessidades de sobrevivência física e as de autonomia pessoal, que consideram como condições fundamentais para a participação social e o poder que permite a cada indivíduo atingirem etapas superiores de desenvolvimento. Sobre as necessidades de sobrevivência, referem-nas como estando para além da dimensão biológica, implicando o desenvolvimento de competências manuais, mentais e emocionais. Quanto às necessidades de autonomia pessoal, entendem-nas como inerentes ao desenvolvimento de competências na formulação de metas consistentes e estratégias, com vista a promover os interesses de cada cidadão, tendo em conta as iniciativas para a sua concretização. Mas o que pode afectar a satisfação das necessidades de autonomia de uma pessoa? O nível de compreensão que conseguiu atingir sobre si próprio, sobre a sua cultura, sobre o que é esperado de si, devendo a confiança intelectual ser reforçada; a capacidade psicológica desenvolvida para formular opções por si próprio (capacidade cognitiva e emocional); o acesso a oportunidades objectivas que propiciem agir conforme (liberdade de acção, liberdade política, reflexão crítica). Tendo em conta o papel que é pedido ao Assistente Social na satisfação das necessidades básicas e universais do cidadão, interessa conhecer que competências promover na sua formação, para que estejam em condições de respondera ao que é esperado. Para se poder aprofundar esta área de conhecimento parte-se da posição de Jim Ife (2004). Este autor entende a intervenção dos Assistentes Sociais como só fazendo sentido, se a mesma se direccionar para a realização dos Direitos Humanos. Para que esta orientação se concretize numa intervenção coerente com os valores daqueles Direitos, deve ter-se em conta um conjunto de dimensões que terão de estar contemplados na formação, como sejam: conhecimentos sólidos em várias matérias como fundamento da sua prática; domínio das metodologias de Empowerment; domínio de competências que lhes permitam entender cada pessoa como ser singular no contexto universal. Mais concretamente, quanto ao domínio de uma base sólida de conhecimentos como fundamento da prática dos Assistentes Sociais, Ife, refere a pertinência de um conjunto conhecimentos sobre a dimensão axiológica da intervenção; capacidade de articular teoria / prática; estar informado sobre os constrangimentos estruturais que permitam uma nova leitura de cada sociedade onde assenta a sua intervenção; assumir a modernidade / pos-modernidade como paradigmas da contemporaneidade; desenvolver uma visão holística da pessoa; ter conhecimentos sólidos sobre a história do Direitos Humanos, isto é, conhecer os constrangimentos e intermitências na sua realização, ao longo das várias gerações em que se desenvolveram estes direitos, para que possam servir como referenciais

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pertinentes, na intervenção em Serviço Social. Quanto ao domínio das metodologias do empowerment o autor chama atenção para a necessidade de se desenvolverem práticas dialógicas na comunicação com os cidadãos na resolução das suas dificuldades; ter-se em conta a defesa da democracia participativa em todas as diligências dos profissionais; respeitarem-se as relações de género num quadro de igualdade; não se usarem estratégias de intervenção que de alguma forma possam suscitar dúvidas sobre qualquer tipo de pressão exercida junto dos cidadãos, com apelo à violência; acautelar a identificação das necessidades a partir dos próprios utentes, e não partir de modelos preconcebidos pelos Assistentes Sociais ou no referencial exclusivo das linhas de politica dos serviços. Neste conjunto de competências para as quais os Assistentes Sociais devem ser preparados, Jim Ife refere ainda a pertinência de se ter em conta cada pessoa como ser singular no contexto universal, isto é analisar as situações para além de uma visão dualista. Ou seja ter em conta uma dimensão pessoal e politica do sujeito em situação de necessidade; salvaguardar as dimensões do publico e do privado de cada caso e fazer a sua leitura conforme; não escamotear as dimensões culturais de cada comunidade, grupo ou individuo mas salvaguardando a sustentabilidade das diferenças, face a posições mais ou menos extremistas; ter em conta a forma como se articulam na gestão dos problemas os níveis micro, meso e macro e explorar as suas potencialidades, quer na leitura dos acontecimentos quer na condução de processos e mudança; entender o que é local e o que é global e saber prever os impactos mais e menos visíveis na agregação destes espaços de transformação. Helena Neves Almeida (2001), não deixando de referenciar as práticas do Serviço Social a uma vertente de controlo com vista à integração dos indivíduos, vem reforçar uma outra dimensão da intervenção, como seja a luta pela liberdade dos indivíduos para a valorização da sua cidadania, assumindo-se diferentes perspectivas segundo as características do “ locus” da intervenção seja ela a nível micro, meso ou macro. Mas para Helena Almeida a posição do Assistente Social é também uma posição de intermediário nos mecanismos de protecção social que em seu entender é estruturante do “saber”, do “saber fazer” e do “saber estar” de cada profissional, afirmando esta autora a pertinência de uma abordagem às praticas de mediação em Serviço Social. Estes paradigmas de formação que direccionam os Assistentes Sociais como mediadores de Direitos Humanos, e na gestão dos mecanismos de protecção social, apelam também a um conjunto de estratégias a ter em conta na sua formação. Poderá mesmo falar-se em se direccionar a resolução dos conflitos para a realização da justiça social, um outro princípio ético da profissão? Assim sendo não se estará senão a gerir o poder ilegítimo para que os Direitos Humanos se possam realmente efectivar, em contextos de risco e vulnerabilidade. Para Silvia Staub-Bernasconi (2004), uma autora que tem defendido o Serviço Social como uma profissão dos Direitos Humanos, seguindo o paradigma

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de Jim Ife, afirma que deve perspectivar-se o conceito de mediação na óptica da gestão de poderes ilegítimos que constrangem os direitos de cidadania dos indivíduos ou grupos mais fragilizados e seu poder. Nesta óptica poderá afirmar-se que falar de mediação e de empowerment significa falar de dois conceitos complementares. Se se quiser entender quais as duas abordagens implícitas nas práticas do Serviço Social, ao considerar-se a complementaridade das metodologias de mediação e empowerment, a autora reporta a abordagem individual entendida para si, como o conceito de counseling, e reporta ainda uma abordagem tendo em vista a defesa dos Direitos Humanos através das práticas do Serviço Social como uma intervenção direccionada para as estruturas e organizações. Isto é, o envolvimento de recursos, instrumentos e procedimentos, implicando a responsabilização e participação dos actores sujeitos de direitos e para o reforço de regras, que consideram dever promover-se. Para a autora, se um processo de mediação falha isso quer dizer que a parte que detém mais poder não está disposta a repartir esse poder e respectivas regalias. Justifica-se assim o recurso ao empowerment entendido aqui como reforço do poder dos mais fragilizados, para fazer face aos mais poderosos, por recurso ao paradigma da (in) justiça social que estará na origem da maior parte dos conflitos. Porém não se pode chamar um processo de empowerment só o reforçar o outro e estimula-lo nos processos de mudança para se tornar mais poderoso. Este trabalho usual no histórico do Serviço Social, em dadas circunstancias não se pode aceitar como suficiente. Os profissionais de Serviço Social apresentam muitas dificuldades em trabalhar com as relações de poder, e isso tem fragilizado a intervenção no histórico da profissão. Os Assistentes Sociais segundo a óptica de Staub- Bernasconi, têm demonstrado alguma incapacidade em identificar quanto este conceito entendido de forma “nebuloso” é destrutivo para os grupos mais oprimidos, pois estes profissionais parecem-lhe estar convencidos de que o poder se alcança só pela retórica. Retiremos alguns ensinamentos das recomendações de Staub-Bernasconi, uma autora que desde há longos anos se tem preocupado em investigar, debater e inovar no campo do Serviço Social como uma profissão direccionada para a realização dos Direitos Humanos: - Falar de poder significa falar-se de oportunidades de pressionar, na direcção pretendida, indivíduos ou grupos, por meios de influência directa ou indirecta com o apoio de leis já institucionalizadas, que devem ser entendidas e fruídas como uma salvaguarda; - Falar-se em empowerment em Serviço Social deve querer dizer que os indivíduos devem poder reivindicar da base até ao topo para se poder designar como reivindicação legítima; - Devem construir-se estratégias para se desenvolverem as influências necessárias, de forma a responder-se a essas reivindicações, se preciso for, contra a vontade daqueles que se recusam a negociar.

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Caros colegas da prática, da academia e caros futuros colegas, hoje ainda, estudantes de Serviço Social, a partir do que aprendemos e apreendemos, do que passamos a conhecer (saber), temos de assumir uma posição e assim conforme, teremos de agir, melhor dizendo, intervir.

Referências Bibliográficas ALMEIDA, Helena Neves(2001).Conceptions et Pratiques de la Médiation Sociale. Les modèles de médiation dans le quotidien professionnel des assitants sociaux. Coimbra : Fundação Bissaya Barreto- Instituto Superior Bissaya Barreto. BECK, Ulrich ( 2008[1986]).La société du risk. Sur la voie d`une autre modernité. Paris: Editions Flammarion. DOYAL, Len & GOUGH, Ian (1991). A Theory of Human Need. London: Macmillan. IFE, Jim (2004 [2001]). Human Rights and Social Work. Towards Rights - Based Practice. Cambridge: University Press. IFSW (2004) Ethics in Social Work Statement of Principles.(www.ifsw.org) ONU (1948). Declaração Universal dos Direitos do Homem. Genebra: ONU. SOULET, Marc-Henri (2009). Processos de vulnerabilização e de re – orientação das políticas públicas nas sociedades actuais. Universidade Católica Portuguesa de Lisboa: Conferência para o Mestrado em Serviço Social, em 16 Novembro 2009. Notas manuscritas. STAUB – BERNASCONI, Silvia (2004). Mediation and Empowerment – two complementary approaches to social justice and to Human Rights practice. Comunicação ao Congresso Mundial do IASSW /IFSW. Adelaide-Australia, 2-5 Outubro.

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“Serviço Social e envelhecimento ativo: Teorias, práticas e dilemas profissionais “ Maria Irene Lopes B. de Carvalho Docente da Universidade Lusófona de Lisboa e ISSSL-Universidade Lusíada de Lisboa mariacarvalho21@hotmail.com

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Resumo: Este artigo analisa os problemas sociais contemporâneos em contexto de globalização, a crise económica e financeira, a fragilidade dos estados e das políticas públicas e sociais, a distribuição desigual de recursos e o envelhecimento da população, numa perspectiva crítica. Problematiza o modo como, em tempos de cris,e as políticas conceptualizam o envelhecimento, orientado para a optimização de oportunidades e cruza-o com a intervenção do serviço social. Nesta linha de pensamento reflete sobre os dilemas da prática e pondera uma abordagem humanista para a intervenção do serviço social nesta área. Palavras-chave: Envelhecimento, serviço social, práticas profissionais, dilemas, humanismo

Summary: This article examines the contemporary social issues in the context of globalization, the economic and financial crisis, the fragility of states and public and social policies, the unequal distribution of resources and an aging population, a critical perspective. Questions, the way in times of crisis conceptualize aging policies aimed at optimizing opportunities and relates it to the intervention of social work. In this line of thought reflects on the dilemmas of practice and weighs a humanistic approach to social work intervention in this area. Keywords: Aging, social work, professional practices, dilemmas, humanism

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1 – Questões e objetivos da comunicação O envelhecimento da população constituiu um dos maiores desafios das sociedades actuais. No contexto de crise esta questão tem sido objecto de debates sistemáticos em todos os países do mundo. A Europa é um mais territórios envelhecidos e onde a crise financeira e económica tem colocado em causa as instituições políticas com impatos negativos na vida dos cidadãos sobretudo para os jovens que procuram o primeiro emprego e para as pessoas mais velhas. Estas transformações têm reconfigurado a questão social onde os movimentos sociais exigem uma nova ordem. Na estratégia europeia 2010 é assumido que “a crise anulou anos de progresso económico e social e expôs as fragilidades estruturais da economia europeia” (EU, 2010, 5). A questão coloca-se nas mediações do poder económico com as orientações políticas, com claro prejuízo para estas últimas no que diz respeito ao bem-estar social dos cidadãos. A soberania dos estados e do espaço político é (re) partida, quer dizer, que é exercida num espaço local e simultaneamente internacional e global. A responsabilidade social, implícita no pacto (entre estado e sociedade) é construída por uma burocracia supra-nacional, como por exemplo a União Europeia e Organização das Nações Unidas. Quem tem o poder de decisão nesse sistema são as entidades que detêm o poder económico e simbólico. O poder, na sociedade em rede, é exercido pelas empresas, mercados financeiros onde se geram novas formas de controlo político e económico com implicações desprotectoras para a vida das pessoas. O mundo “está a evoluir rapidamente e os desafios de longo prazo - globalização, pressão sobre os recursos, envelhecimento da população - tornam-se mais prementes” (EU, 2010: 5). No que diz respeito ao envelhecimento verifica-se que a esperança média de vida aumentou e a natalidade diminuiu na maioria dos países do mundo. As pessoas vivem cada vez mais anos e a sociedade vai ter de se adaptar ao envelhecimento da população conceptualizando-o enquanto desafio. A ideia é a de que todas as gerações sejam capazes de continuar a apoiar-se umas às outras e a viver juntas pacificamente. Independentemente da crise financeira e dos efeitos nefastos que a mesma tem para todos os cidadãos é assumido que as transformações demográficas têm de ser encaradas como uma oportunidade que pode trazer soluções inovadoras para muitos dos actuais desafios económicos e sociais. Somos desafiados a construir uma sociedade onde os mais velhos tenham um lugar ativo e proactivo e que colectivamente, com as políticas e as práticas integrem acções que promovam o planeamento urbano, o desenvolvimento rural, os transportes públicos, o acesso aos cuidados de saúde, a política familiar, a educação e a formação, a protecção social, o emprego, a participação cívica, o lazer, entre outros. Como fazer isto? A concretização dessa ideia exigirá uma nova avaliação e reformulação das políticas económicas e sociais. Esta é uma tarefa da

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responsabilidade de todos os agentes onde o serviço social adquire um papel de relevo. É a partir desta ideia que se pretende problematizar a relação entre o serviço social e o envelhecimento em contexto actual de incerteza, associado à crise económica e financeira. Consideramos as teorias, as práticas e os dilemas profissionais em presença e procuramos reflectir sobre os mesmos, tendo como referencia a construção de uma sociedade proativa onde as pessoas mais velhas se constituam como mais-valia na superação das dificuldades. Para atingir os objectivos propostos privilegiamos uma metodologia qualitativa de análise de documentos e de orientações da política e relacionamos com a intervenção do serviço social nesta área. Num primeiro momento reflectimos sobre a relação do serviço social com o envelhecimento destacando as questões da longevidade relacionadas como a necessidade de cuidados de saúde e sociais, com uma sociedade inclusiva, acessível e sem barreiras arquitectónicas e ou simbólicas que combatam a discriminação e a exclusão dos mais velhos. Relacionamos a perspectiva do envelhecimento ativo com o serviço social considerando a sua natureza e fundamentos e as orientações teóricas no que diz respeito à intervenção social. Num segundo momento problematizamos as práticas e os dilemas profissionais dando exemplo de questões que se colocam na intervenção considerando o modo como, em contexto de crise, o serviço social promove o envelhecimento ativo das famílias de idosos e com idosos a cargo que se encontram em situação de risco e de vulnerabilidade social. Por último ponderamos uma teoria para a prática do serviço social nesta área fundada no humanismo.

2 – Serviço social e envelhecimento ativo: desafios O serviço social é uma área do conhecimento no âmbito das ciências sociais e humanas e uma prática social que se desenvolve na sociedade, no âmbito das políticas públicas e sociais, com uma relativa autonomia de critérios e com uma responsabilidade social (cf. Andrade, 2001; Carvalho et al, 1998). O Serviço social pode ser conceptualizado sob o ponto de vista natureza (correntes filosóficas e ideológicas) dos seus fundamentos (ciências sociais e humanas) e da especificidade da prática profissional. Habitualmente é considerado no serviço social um objecto material – associado ao conhecimento sobre o serviço social e a sociedade – e um objecto formal – associado ao conhecimento decorrente da prática profissional relacionado com as políticas e com as problemáticas (cf. Aristu, 2004; Garcia (cood), 2006).

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Figura 1 – Matriz do Serviço Social segundo Hare (2008)

Internacionalmente é assumido que o serviço social promove a mudança, como uma acção em progresso de adaptação e readaptação aos problemas do quotidiano. Os sujeitos e as organizações interagem entre si e definem estratégias a cada momento para resolver problemas. O serviço social está associado aos direitos humanos, ao bem-estar e ao desenvolvimento pessoal e social mais do que uma ideia em progresso é um fato associada a práticas humanistas e compreensivas (cf. Payne, 2011) e a intervenções antiopressivas, antidiscriminatórias e críticas (cf. Adams, et. al (Ed) 2009; cf. Dominelli, 2004). A autodeterminação e o princípio da justiça social são fundamentais na ação do serviço social e fazem parte da sua natureza. Estes influenciam os fundamentos teóricos. Na prática significa por um lado defender os direitos, a autonomia a participação dos sujeitos e por outro lado desafiar a desigualdade potenciando a coesão social, isto é a valorização dos sujeitos na sociedade independentemente da sua posição social. Os assistentes sociais desenvolvem a profissão inserida em organizações estruturais do estado central e local, em redes sociais e em organizações da sociedade civil e desenvolvem relações de ajuda, interagem com as pessoas, tendo em conta o ambiente (cf. Payne, 2006). No âmbito das políticas sociais desenvolvem actividade de concepção, de mobilização, de desenvolvimento social e de acção directa junto das populações. Neste contexto, mais do que um processo, a intervenção do serviço social no âmbito da política é o resultado de uma convergência, um percurso cruzado, entre os fundamentos (objecto formal) e a sua operacionalidade (objecto funcional) do qual resulta uma interacção entre concepções teóricas, problemas e gestão de políticas públicas e sociais (interacção - ambiente/sujeito).

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A intervenção do serviço social privilegia a compreensão dos fenómenos a nível macro, meso e micro orientada para a reflexividade humana onde os indivíduos são concebidos como sujeitos da acção. Actualmente privilegia-se a convergência de abordagens teóricas sob a forma de modelos (cf. Viscarret, 2007). Estes são socialmente construídos permitindo uma aproximação compreensiva que implica “mergulhar no problema” e simultaneamente distanciar-se dele, exercício requerido a qualquer disciplina científica. Os profissionais de serviço social são desafiados a compreender a complexidade dos problemas e a actuar sobre os mesmos desenvolvendo relações de ajuda compreensivas e integradas, fundadas na justiça social. Habitualmente o envelhecimento é conceptualizado sob o ponto de vista demográfico, da idade cronológica, da idade fisiológica e biológica, da idade psicológica e da idade cultural e social – Figura 2. Esta análise disciplinar cruza-se com abordagens ou mais pessoais ou mais generalistas, designadamente as que abordam o envelhecimento sob o ponto de vista i) individual; ii) do sistema familiar; iii) intergeracional; iv) do poder e género; v) dignidade e direitos humanos e vi) do desenvolvimento da sociedade tendo como referência o individualismo, o capitalismo e os agismos. Além destas concepções há ainda uma abordagem do envelhecimento sob o ponto de vista das práticas e das representações que sociais que nos dá quadros de referencia para a análise da noção de velhice, de velho e de pessoas idosas. Figura 2 - Sistemas de acção do Envelhecimento

Fonte: figura efectuada pela autora Nesta linha de análise têm sido considerados alguns modelos que explicam o envelhecimento. O primeiro enfatiza o envelhecimento saudável, orientado para a saúde como uma forma positiva de viver a velhice e, o deficit em saúde,

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como uma forma negativa de viver o fazer. O segundo modelo refere-se ao envelhecimento bem sucedido. Esta perspectiva proactiva analisa o envelhecimento como um percurso cruzado, entre os aspectos negativos e positivos, no ciclo de vida, considerando que se estes dois aspectos forem controlados o processo de envelhecimento será bem sucedido. O terceiro modelo refere-se a uma perspectiva que considera o envelhecimento sob o ponto de vista produtivo, que as pessoas mais velhas devem estar inseridas no mercado de trabalho, formal e informal (voluntário) por mais anos e por último um modelos que tem sido disseminado nestes últimos anos o do envelhecimento activo. Este modelo orienta-se para a convergência de abordagens teóricas dos modelos anteriores no sentido da optimizando o processo de envelhecimento. O envelhecimento ativo foi conceptualizada em 2002 pela OMS e pela ONU como uma forma de contrariar o efeito nefasto do envelhecimento relacionado com a discriminação que as pessoas mais velhas começaram a ter na sociedade. Desta forma o envelhecimento ativo foi definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002) como o processo de optimização das oportunidades para saúde, participação e segurança, a fim de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas envelhecem. A ideia é a de que as pessoas compreendam seu potencial para a construção do bem-estar ao longo da vida e participem na sociedade de acordo com suas necessidades, desejos e capacidades, oferecendo-lhes esta protecção adequada, segurança e cuidados quando necessitam de assistência. A grandiosidade e a bondade deste pensamento implica na prática otimizar as oportunidades para a saúde física, social e mental e permitir que as pessoas mais velhas tenham um papel activo na sociedade para desfrutar de uma qualidade de vida o mais autónoma e independente possível. Como fazer isso? A ideia é a de criar uma sociedade intergeracional que satisfaça as necessidades de cada um e de todos implicando adaptações urgentes nas políticas de família e soluções inovadoras que tenha em conta o ciclo de vida e que promova as pessoas idosas na sociedade. O serviço social tem uma relação próxima com as teorias em presença associadas ao desenvolvimento social e aos direitos e dignidade humanas e à optimização das capacidades dos sujeitos. Significa que os sujeitos têm um papel relevante na acção, tendo em conta as suas capacidades, independentemente da situação de vulnerabilidade em que se encontra. Esta mais do que um conjunto de princípios pressupõe acções. Num contexto de crise global e de crise de legitimidade e financeira do estado o investimento nas políticas sociais é posto em causa no que diz respeito à defesa dos direitos dos cidadãos. Actualmente as políticas centram-se efectivamente nos sujeitos mas enquanto clientes, como consumidor do serviço e não como sujeito de direitos, utente, dos serviços. Esta orientação prática faz toda a diferença, quando se fala em otimização do envelhecimento ativo. Tem sido com este quadro de referência que os profissionais de serviço social têm tido a responsabilidade de gerir o envelhecimento em contextos de cres-

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centes necessidades, de orçamentos escassos e orientado cada vez mais segundo guidlines, e para a avaliação da intervenção realizada. Este tipo de intervenção é denominada de accountability na terminologia inglesa (cf. Adams, et. al (Ed) 2009; cf. Dominelli, 2004). Significa uma intervenção que é controlada por orientações das instituições com orçamentos restritos e que se traduz na selectividade de necessidades, não em função das expectativas dos sujeitos mas em função das possibilidades existentes nas organizações. Este procedimento, efectuado para racionar os recursos, potencia o crescimento das desigualdades e põem em causa a justiça social e a coesão social.

3 – As práticas e dilemas do serviço social numa sociedade envelhecida Quando falamos das práticas e dos dilemas da intervenção do serviço social na área do envelhecimento do que estamos a falar? Ao serviço social interessa a questão demográfica, social e política. Mas o que interessa especialmente ao serviço social, como refere Phillipson (2002: 58), é o aumento das pessoas muito idosas, sobretudo porque são estas que estão mais vulneráveis a problemas sociais e de saúde associados ao risco de pobreza, solidão, isolamento, necessidade de cuidados alargados e diferenciados, questões de discriminação pela idade, questões de violência e de pressão sobre os recursos no que diz respeito à sustentabilidade dos sistemas de protecção social e de saúde. São estas algumas das questões que desafiam o conhecimento e a intervenção do serviço social na área do envelhecimento. A questão da dependência funcional e cognitiva está associada ao aumento de doença degenerativas como as demências, Parkinson e outras doenças crónicas e incapacitantes como osteoporose e artrite, diabetes, doenças cardíacas, doenças oncológicas. A maioria das pessoas idosas vive com o cônjuge e a maioria das vezes vive só. Se analisarmos o género, no envelhecimento, verificamos que as mulheres vivem frequentemente mais sós do que os homens, com agravamento do risco de pobreza e que nos homens que vivem sós, a probabilidade de cometerem suicídio aumenta. As pessoas idosas para além das doenças associadas a dependências, necessitam de uma maior extensão de cuidados pessoais, sociais e de saúde num quadro de diminuição de recursos familiares, cuidadores informais e de recursos financeiros para investir em serviços Outra das questões que interessa ao serviço social é a necessidade de apoio ao cuidador informal numa altura de desinvestimento dos recursos formais, como os cuidados continuados, cuidados no domicílio, residenciais e outros recursos como as ajudas de apoio entre outros. As famílias são as primeiras cuidadoras de idosas e a crescente complexidade dos cuidados requeridos coloca em risco essa prestação. Nestes últimos anos as políticas têm investido na formação, informação e apoio as famílias cuidadores, contudo a sua extensão é limitada. Os cuidadores

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são na sua maioria a esposa e a esposo também idosos, as filhas e os filhos. Estes últimos têm uma dupla jornada de trabalho com emprego fora e dentro de casa. Os que experienciam estas situações queixam-se da falta de apoio e manifestam a sua incapacidade física e psíquica para continuar a prestar cuidados. Desde sempre os profissionais de Serviço social foram chamados para a administrar e gerir recursos sociais e para o estabelecimento de relações de ajuda junto das pessoas idosas e ou das famílias de idosos. A sua actuação insere-se no âmbito das políticas públicas e sociais. No que diz respeito à política de integração social e de protecção dos idosos a mesma tem sido sistematizadas nos Planos Nacionais de Acção Inclusão - PNAI, 2008-2010. Uma análise mais atenta a este documento verificamos que as orientações de política, relacionadas com a problemática do envelhecimento, está interligada com a questão demográfica, ao aumento do número de idosos na população, ao consequente aumento da dependência, pobreza, isolamento e solidão. A ideia de envelhecimento ativo não está explicitamente incluída nestas medidas de política. Estas integram uma concepção genérica sobre os direitos básicos de cidadania e centram-se fundamentalmente no modo como os idosos podem ter acesso à satisfação de necessidades básicas como a alimentação, ambiente, mobilidade, e não ao modo como podem exercer a autonomia, liberdade, participação, autodeterminação, princípios inerentes aos direitos humanos. No âmbito das políticas o processo de envelhecimento é conceptualizado tendo como referência dois pólos, o negativo e o positivo, os quais nem sempre se cruzam. Em termos negativos o envelhecimento relaciona-se com problemas de pobreza, exclusão, solidão, isolamento e discriminação pela idade e as políticas orientam-se para atenuar estes problemas em vez de os prevenirem, e em termos positivos articula-se com determinadas actividades que as pessoas idosas podem participar, por serem autónomas em termos funcionais. Nesta política os idosos são concebidos como consumidores passivos e não como sujeitos ativos. Apesar desta posição, nestes últimos anos, foi efectuado um investimento na melhoria da qualidade da resposta segundo os princípios da qualidade. Estes requerem por um lado a melhoria da qualidade dos serviços prestados (recursos logísticos e humanos) tendo em conta a satisfação dos “clientes”. A finalidade desta ideia é a de humanizar os serviços e promover as pessoas idosas que usufruem dos serviços, contudo estas orientações podem ser questionadas pois ao consideram os idoso clientes dos serviços, podem torná-los meros consumidores passivos dos serviços e não cidadãos ativos. As instituições de solidariedade, que tem a responsabilidade de promover o envelhecimento ativo, orientam as suas práticas para a satisfação de necessidades humanas fundamentais em função não das expectativas dos clientes mas das possibilidades das instituições (Carvalho, 2010). São escassos as que se preocupam com os sujeitos e orientam a acção para promoverem os direitos humanos e sociais e no sentido de potenciar as capacidades dos idosos. Num contexto de crise estas instituições, com respostas para idosos, estão cada vez mais a ser di-

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reccionada para a satisfação de necessidades não de acordo com as expectativas e necessidades dos clientes mas em função dos recursos escassos existentes. Esta realidade coloca questões dilemáticas para a intervenção do serviço social (cf. Dominelli, 2009). Vejamos o exemplo seguinte: A Maria é uma assistente social responsável pelo serviço de apoio domiciliário numa freguesia urbana. Esta resposta social, criada na década de oitenta, com o objectivo de prestar cuidados aos idosos da freguesia prestava cuidados a cerca de trinta pessoas idosas dependentes e funcionava com um grupo de ajudantes familiares de seis funcionárias que efectuavam a refeição e a higiene do domicílio. Todas as pessoas idosas usufruíam de apoio de cerca de 3h por dia. Nos anos 2000 o crescente aumento do número de pessoas idosas agravou a procura e foi necessário reorganizar o serviço de apoio domiciliário. Como o orçamento da instituição era escasso, não foi possível contratar mais funcionárias, e a direcção, juntamente com a assistente social, reformulou o modo de acesso e de prestação de cuidados. A partir desta data para aceder ao serviço cada pessoa idosas tinha de ser avaliada, e respeitar os critérios de acesso, no que diz respeito à necessidade efetiva do mesmo: estar dependente. Depois de seleccionado cada cliente teria acesso a cuidados somente uma hora por dia e estes incluíam exclusivamente higiene pessoal e limpeza do domicílio. Esta só era efectuada no espaço onde a pessoa idosa permanecia por mais tempo: o quarto e a casa de banho. Além disso foi contratualizada uma empresa de catering para distribuir almoços. Estes guidelines foram introduzidos no processo de acreditação da qualidade. Esta reformulação permitiu prestar apoio a mais 20 pessoas idosas. A lista de espera diminui mas aumentou a insatisfação dos clientes. Os clientes começaram a queixar-se do tipo de refeição e muitos deixaram de a receber, optando por outras alternativas. As famílias que procuram apoio nesta resposta não vêm as suas necessidades satisfeitas e por isso têm definido estratégias de apoio aos idosos nem sempre adequadas, como por exemplo deixar os idosos fechados em casa quando o familiar, filho, filha, vai trabalhar. As funcionárias, ajudantes familiares, reclamam constantemente do acrescimento de trabalho e das situações cada vez mais problemáticas que assistem. Consideram já não ter condições para exercer a profissão e muitas estão frequentemente de baixa médica por problemas de saúde. Para fazer face a esse quadro a instituição autorizou a contratação de funcionárias em trabalho temporário. Estas revelam fraca formação para esta função e encontram-se frequentemente insatisfeitas com o tipo de vínculo profissional o que perturba a motivação para a prestação dos cuidados a idosos. Nestes últimos anos a assistente social tem verificado e diagnosticado problemas mais complexos, associados a necessidades de cuidados sociais e também de saúde, relacionados com o aumento de doenças degenerativas e outras doenças crónicas e incapacitantes, acrescido de problemas familiares relativamente à

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dificuldade que as mesmas têm de prestar cuidados e a habitações desadequadas e degradadas e sem condições de habitabilidade. O orçamento da instituição é cada vez mais escasso. Apesar de, comparativamente, em anos anteriores o rendimento dos idosos ter aumentado, o mesmo não consegue fazer face às despesas do quotidiano no que diz respeito às despesas da habitação, saúde e de subsistência. A instituição luta constantemente por uma execução orçamental que potencie mais-valias no sentido de estas serem investidas na melhoria das respostas. Mas actualmente o tempo é de desinvestimento nesta área e por isso o problema complexificou-se colocando em risco a prestação de cuidados a todas as pessoas. A Maria depois de um dia de trabalho vai para casa e não consegue dormir pois não sabe como pode alterar as práticas da instituição e responder às necessidades crescentes os idosos e das suas famílias num contexto de crise económica, de desinvestimento das respostas e de burocratização do serviço. Casos como estes desafiam a intervenção dos assistentes sociais na área do envelhecimento. O que fazer? Como desenvolver respostas com qualidade fundamentadas nos direitos humanos e sociais? Como promover as expectativas e optimização das competências das pessoas idosas? Como proteger as pessoas idosas? Como apoiar /formar/apoiar as famílias cuidadoras? Como proporcionar a melhoria da prestação dos cuidados e melhorar a formação dos colaboradores? Tendo em conta as dificuldades como motivar os colaboradores para a prestação de cuidados? Como integrar outros profissionais para responder aos problemas actuais? Como optimizar recursos escassos num quadro de necessidades crescentes? Como promover a cidadania dos idosos? Como desafiar os direitos negativos no caso dos idosos mais vulneráveis? Como promover a justiça social? Como fazer isto? Casos como estes, associados, por vezes, a realidades “esquecidas” e “escondidas” desafiam o serviço social a pensar e a agir no sentido de defender os interesses dos clientes, implicando renovar o compromisso do serviço social para com as pessoas, fundado no humanismo proativo.

4 – Uma teoria para a intervenção do serviço social no envelhecimento ativo Neste artigo consideramos que a natureza e os fundamentos do serviço social, estão associados aos direitos humanos e a teorias que valorizam a acção do sujeito em interacção com a sociedade, sendo esta posição que legitima a sua existência como disciplina científica. Consideramos que para além desta abordagem, macro, o serviço social é também uma profissão inserida em determinada orientação de política e associada a temáticas como a do caso do envelhecimento e das problemáticas relacionadas com o mesmo. Estas duas conceptualizações não são dissociadas entre si,

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mas antes se polarizam uma com a outra, é isso que acontece quando falamos da intervenção do serviço social no âmbito do envelhecimento com pessoas idosas. Perguntamos qual a teoria que melhor pode responder a esse desafio em tempo de crise económica e social e de incerteza? Numa obra recente sobre o serviço social humanista, Malcolm Payne (2011) revisita essa abordagem e propõe que o serviço social reformule a sua prática fundada nessa perspectiva sobretudo quando intervém com pessoas em situação de vulnerabilidades complexas e multiproblemáticas. Mas antes de problematizarmos essa questão, interessa saber o que é o serviço social humanista? O humanismo pode ser conceptualizado como uma filosofia ou sistema de verdade que dá importância á capacidade do ser humano utilizar a racionalidade, de pensar e de actuar, de viver a vida tendo em conta o ambiente (Payne, 2011: 5). O humanismo não é religião. O humanismo centra-se na racionalidade rejeitando a ideia de entidade divina que governa a vida apesar de existir uma corrente que relaciona a capacidade humana á capacidade religiosa. Pyane (2011: 5) identifica as principais fontes onde pudemos encontrar ideias acerca da palavra humanismo: humanismo pode ser conceptualizado do ponto de vista secular relacionado com a psicologia humanista e relacionado com os direitos humanos. O serviço social humanista enfatiza o valor da dignidade humana, do bem-estar e do cuidar dos outros como parte importante da responsabilidade social (Payne, 2011). A ideia é a de que todos os seres humanos participem, juntos, nas relações sociais e beneficiem a sociedade como um todo para alcançarem uma maior realização pessoal. O humanismo considera, de uma forma integrada, o pensamento racional, artístico, criatividade e imaginação, defendendo que nenhuma é mais importante do que a outra. O objectivo é o desenvolvimento humano nesta constelação, tendo em conta a inovação, avaliação crítica das ideias e das acções. Em paralelo, a democracia, os direitos humanos e a liberdade pessoal ajudam a alcançar a realização pessoal. Sob o ponto de visa científico, o serviço social humanista, está associado à fenomenologia psicológica e à fenomenologia sociológica, ao construtivismo e o interacionismo simbólico. Também está associado às interacções dos sujeitos tendo em conta uma ordem social (Goffman), a importância das relações sociais (Foucault), e a capacidade de reflexividade Giddens (as pessoas desenvolvem redes de suporte para fazer face às questões do quotidiano) (Payne, 2011:27: cf Grey e Webb, 2009; Thompson, 2010). Na prática o que significa isto? Significa que abordagem humanista orienta-se para a compreensão da experiencia e das significações do sujeito, tendo em conta o ambiente, os princípios e valores e a cultura de determinada sociedade. Nesta perspectiva, a relação de ajuda centra-se no discurso, no diálogo, na narrativa: isto é, o que sentem, o que pensam e como actuam os sujeitos face aos problemas do quotidiano. Este processo nutre-se de elementos culturais, sociais e simbólicos que depois de interpretados transformam-se em conduta. Os humanistas consideram

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o indivíduo como um processo em construção onde a visão particular de cada um deve ser considerada. A compreensão deste referencial é muito importante para desenvolver processos compatíveis com a advocacy e com a negociação de processos de equidade tendo em conta a justiça social. Nesta linha de análise o assistente social é um facilitador, orientador da acção, desafiador dos direitos negativos e defensor dos direitos sociais dos sujeitos fundados na justiça social. É com estes princípios que a intervenção do serviço social faz sentido no âmbito do envelhecimento ativo.

Para concluir O envelhecimento tem transformado a sociedade, a legislação e as atitudes para com as pessoas idosas. Este grupo teve sempre uma importância para o serviço social tendo nestes últimos anos adquirido um interesse mais significativo. Neste grupo social são os que revelam mais vulnerabilidade que se destacam na intervenção social. Esta, inserida num quadro de referencia de crise económica e assume-se como um desafio para o serviço social. Como optimizar oportunidades dos grupos mais vulneráveis? A intervenção do Serviço Social tem como finalidade optimizar as oportunidade e promover as pessoas idosas possibilitando a reconstrução da sua vida tendo em conta as circunstâncias sociais e de saúde em que se encontram. Para além desta relação a intervenção inclui o apoio aos cuidadores familiares. São estes hoje que requerem acções positivas e substantivas para continuarem a apoiar os seus idosos. A abordagem humanista centra-se na atenção ao outro e no respeito e dignidade humana, desafia a discriminação negativa, potencia a discriminação positiva, desenvolvendo intervenções que reconheçam e defendam as capacidades, a autonomia e a autodeterminação dos clientes idosos e dos familiares cuidadores sob pena do paradigma do envelhecimento ativo ser um equívoco.

Bibliografia ADAMS, Robert, Lena DOMINELLI and Malcolm PAYNE (ed). Critical Practice in Social work. 2ª edition. London: Palvrave, macmillan, 2009. ANDRADE, Marília, Campo de intervenção do Serviço Social, autonomias e heteronomias do agir, Intervenção Social, nº 23/24, 2001. ARISTÚ, Jesús Hernández, Trabajo Social en la Postmodernidad, Libros Certeza, Zaragoza, Espanha pp. 39-78, 2004. Carvalho, Maria Irene Lopes B. de, Os Cuidados Domiciliários em Instituições de Solidariedade Social no Concelho de Cascais. Lisboa: ISCTE-IUL, 2010. Tese de doutoramento. Disponível em www:http://hdl.handle.

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Maria Irene Lopes B. de Carvalho

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Coparticipação e novos desenhos investigativos em Serviço Social: Insider/Outsider Team Research Michel G. J. Binet1 GIID-CLUNL / CLISSIS Isabel de Sousa CLASintra / CLISSIS

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Bolseiro FCT.

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Introdução Os projectos de investigação na área do Serviço Social podem ser desenhados e pilotados de forma a envolver os assistentes sociais como co-investigadores, e isso, em todas as suas etapas, desde a definição dos objectos de estudo até a aplicação e disseminação de resultados, passando pela recolha e análise dos dados bem como pela elaboração em co-autoria de relatórios, comunicações e publicações. Sob a designação de Insider/Outsider Team Research (Investigação I/O), Jean M. Bartunek e Meryl R. Louis (1996) propõem um método que explora e operacionaliza, pelo trabalho em equipa, a co-participação de investigadores de fora (outsiders) e profissionais de dentro (insiders) em estudos intensivos das práticas profissionais observáveis in situ, nos locais de trabalho (workplace studies) onde emergem e se organizam. Este método de investigação coparticipativo, que apresenta muitas afinidades com a abordagem etnometodológica dos saberes incorporados na acção situada, desenvolvida em várias áreas profissionais (Drew & Heritage, 1992; Rawls, 2008; Samra-Fredericks & Bargiela-Chiappini, 2008; Koester, 2010) assim como no Serviço Social (Montigny (de), 2007), segue uma orientação qualitativa que privilegia estudos de caso baseados em pesquisas de campo (fieldwork) etnográficas (Lassiter, 2005; Schensul et al., 2008; Binet, 2010; LeCompte & Schensul, 2010), orientação qualitativa cujos fundamentos e cujo alcance serão o objecto de algumas considerações preliminares, tornadas necessárias por controvérsias metodológicas mal saneadas, susceptíveis de travar o desenvolvimento desta abordagem na investigação em Serviço Social. Apresentados etapa por etapa, os príncipios orientadores da investigação I/O, potenciadores da coparticipação, serão exemplificados, mediante a exposição de um Projecto que os aplicou, dentro de limites que serão especificados: O Interagir Comunicacional na Intervenção Social. Análise da Conversação Aplicada ao Serviço Social2. Este Projecto, doravante designado pelo acrónimo ACASS, coordenado por Michel G. J. Binet (GIID-CLUNL / CLISSIS) em parceria 2

Dados de apresentação do Projecto: http://www.clunl.edu.pt/PT/?id=1498&det=1308&mid=50

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com Isabel de Sousa (CLASintra / CLISSIS), contou com a colaboração de uma rede de profissionais de vários serviços da Rede Social do Concelho de Sintra, que co-participaram ao longo dos anos 2007 e 2008 na constituição de um corpus de gravações de mais de 50 horas de atendimentos sociais (Binet & Freitas, 2008). A metodologia de Bartunek e Louis permite apontar direcções de pesquisa, incompletamente seguidas no Projecto ACASS, que desafiam investigadores e profissionais interessados, a trabalhar em equipa na superação da falsa oposição entre a teoria e a prática, entre saberes—articulados—no—discurso e saberes— articulados—na—acção—em—contexto, mediante o desenho e a co-pilotagem de estudos qualitativos de locais de trabalho, quadros organizacionais de exercício e de reinvenções locais da profissão de assistente social.

0. O pano de fundo dos debates metodológicos: considerações preliminares Qualquer proposta de teor metodológico tem por pano de fundo debates e controvérsias que condicionam a sua recepção e a justa apreciação da sua validade e do seu alcance. Os desacordos abrangem os próprios termos do debate. Com efeito, reduzir o debate a uma oposição entre métodos quantitativos e métodos qualitativos acarreta o risco de pôr à margem das discussões questões que, paradoxalmente, mais contributos têm para oferecer: as referentes às modalidades da efectiva ou potencial articulação de ambos os métodos no terreno da investigação empírica. Os êxitos alcançados pela quantificação nas ciências físicas e biológicas permitiram às matemáticas e às estatísticas acumular um elevado capital de prestígio científico, que se alargou às ciências sociais e humanas, ao preço de um “fetichismo dos números”, de uma “quantofrenia”, não sem, é verdade, debates e controvérsias, que nunca cessaram de ressurgir na história destas disciplinas. Não se trata aqui de negar aos métodos quantitativos um lugar a ocupar na investigação em ciências sociais e no Serviço Social. Trata-se sim, de denunciar e questionar a hegemonia que lhes é, demasiadas vezes, concedida sem discussão: a quantificação do saber não é o único modelo de cientificidade inquestionavelmente habilitado a dominar o campo inteiro da produção científica nas nossas áreas disciplinares. A quantificação impõe uma orientação de pesquisa que privilegia o inquérito por questionário, método de recolha e de análise de dados importante, mas nem sempre o mais apropriado ao estudo de determinados objectos e fenómenos. E, de facto, existem nas ciências sociais e humanas vastos domínios de investigação onde os métodos qualitativos impuseram a sua supremacia, o que convida a uma reavaliação crítica das relações de dominação e de subordinação prevalecentes entre estes métodos no desenho dos projectos de investigação em Serviço Social. «Contra a definição restritiva das técnicas de recolha de dados que leva a

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conferir ao questionário um privilégio indisputado e a ver apenas substitutos aproximativos à técnica-rei em métodos no entanto tão bem codificados e válidos como os da pesquisa etnográfica (...), é preciso (...) devolver à observação metódica e sistemática o seu primado epistemológico». (Bourdieu et al., 2005: 65) Longe de se conformarem a um estatuto subordinado e menor de dados-ainda-por-quantificar ou de dados-em-primeira-aproximação-de-carácter-exploratório, os saberes qualitativos resultantes da observação etnográfica podem contrapor um modelo de cientificidade que estabelece a sua solidez e a sua validade. Os dados de observação etnográfica proporcionam, nomeadamente, descrições ricas e detalhadas de possibilidades de organização de acções concertadas de tipos definidos, atestadas empiricamente num caso singular ou num corpus de casos múltiplos, que têm por quadro de ocorrência uma ou várias culturas organizacionais localmente observadas. Um único caso bem estudado habilita assim o observador/leitor a reproduzir o saber-fazer eficaz de um modo operatório atestado no seio de uma comunidade profissional local. «O facto de Malinowski (1963) se revelar incapaz de indicar se todas ou apenas uma parte precisamente quantificada (65 % ou 65,278%, por ex.) das canoas das Ilhas Trobriand eram construídas de acordo com as cadeias operatórias e as acções rituais por ele observadas no terreno não desqualifica o saber bem documentado que elaborou. Retomando um argumento de Garfinkel, não são percentagens e informações quantitativas deste teor mas sim as descrições documentadas do observador de terreno que melhor contribuem em habilitar o investigador a dominar e reproduzir em contexto real o “saber-fazer” dos interactantes». (Binet, 2011: 31)

1. Sociologia das profissões e etnografia dos locais de trabalho (Workplace Studies): práticas—em—contexto—situacional Os locais de trabalho (Workplace) constituem uma importante unidade de análise, pelo facto de corresponderem a um nível-chave de organização das práticas profissionais. A etnografia regista, por observação não reactiva (“naturalista”) (Peretz, 2000; Rodrigues, 2010), a organização local de práticas profissionais não provocadas ou modificadas para efeitos de estudo. Os saberes profissionais articulam-se no agir situado, mais do que nos discursos “fora-de-contexto” (gerados em situações de entrevista, fora do local de trabalho e de um curso de acção situada), o que confere à pesquisa etnográfica um lugar de destaque nos Workplace Studies (Tope et al., 2005; C. Hall & White, 2005; Zickar & Carter, 2010). Incompletas e généricas, as regras inerentes às pré-definições socio-institucionais das situações profissionais precisam de ser completadas por um trabalho

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interactivo de co-ordenamento da interacção, atento às contingências e singularidades da mesma: «A inadequação de todo o conjunto de regras e a relação que liga estas regras ao carácter permanentemente problemático de situações intrinsecamente contingentes, são os conceitos-chave implicados no termo de indexicalidade». (Phillips, 1978: 63)»container-title»:»Sociology»,»page»:»55 -77»,»volume»:»12», »issue»:»1»,»abstract»:»The paper seeks to criticize the account of language and meaning implied by and underlying the metatheory of ethnomethodology in the work of Garfinkel. In doing so it focuses on the notions of `indexicality› and the `practices› by which its repair is achieved. The notion of `indexicality›, in at least some of its statements, is shown to depend on a familiar, but probably erroneous, account of `meaning›, which holds that `meaning› is deeply connected to `experience›. Other theoretical approaches which share this assumption about meaning are shown, by the example of the empiricist approach to language, to lead to similar specifications of `members› problems› and the necessary repair of indexicality. It is suggested that in involving the knowledge gained in `experience› in accounting for how members understand language, Garfinkel renders the meaning of terms indefinitely problematic through scepticism about that knowledge. This illuminates several issues. First, it suggests that far from being an approach to sociology strikingly consistent with the philosophy of language of the later Wittgenstein, as has been frequently claimed, Garfinkel›s version of ethnomethodology is in fact very like the theories of language and meaning that Wittgenstein rejected. Secondly, it suggests that instead of having uncovered a new area of empirical investigation, Garfinkel›s `Ethnomethodology› remains obstinately theoretical and metaphysical: where, as is obvious, some new things have been learned about the social world by those working in the perspective, the connection to the metatheory is incidental, and those results may be seen best as belonging to other perspectives, e.g. sociolinguistic structuralism. Thirdly, it confirms the now familiar argument that the notion of `indexicality› cannot be used as a basis for a criticize of `orthodox› sociology.»,»DOI»:»10.1177/003803 857801200104»,»author»:[{«family»:»Phillips»,»given»:»John»}],»issued»:{«date -parts»:[[1978]]},»accessed»:{«date-parts»:[[2011,9,30]]}},»locator»:»63»,»label»:» page»}],»schema»:»https://github.com/citation-style-language/schema/raw/ master/csl-citation.json»} O enfoque etnometodológico na incompletude das regras (Garfinkel, 2007: 79 & 89) é a primeira etapa de um movimento argumentativo conducente à delimitação de um campo de investigação de escala micro—analítica e à construção de um objecto de estudo: a acção situada, decomposta em práticas, métodos e procedimentos in loco. «(...) il est évident qu›il faut davantage que de simples références à l›existence de règles normatives, si l›on veut qu›une théorie de la société ne soit pas statique et qu›elle tienne compte des contingences de l›interaction quotidienne. Une théorie des normes exige donc un modèle de la façon dont l›acteur accumule et traite

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l›information» sur les «(...) scènes d›interaction négociées dans lesquelles se produit l›organisation sociale. (...) La production de contextes sociaux concrets est l›oeuvre continue de ceux qui y participent». (Cicourel, 1979: 106 & 107) O comportamento local não é completamente determinado por regras sociais pré-definidas. Esta tese potencia o retorno do actor na agenda da investigação sociológica. Um actor situado, a quem compete agir em contextos inacabados, incompletamente definidos e regulamentados3. «A ordem social (...) não é uma «ordem encontrada», mas sim «realizada» [practical accomplishment]». (Wolf, 1979: 147) Observar de dentro e de perto as práticas dos Assistentes sociais (Hall & White, 2005) nas suas interacções mútuas (Urek, 2005) e com os utentes (C. Hall et al., 2003) só é possível com o consentimento dos profissionais, dos utentes e das instituições. O desafio que então se levanta é o da co-participação dos profissionais na abertura de terrenos de observação em contextos institucionais e no estudo conjunto das suas próprias práticas profissionais.

2. Saberes de dentro e de fora: coparticipação e diálogo “intercultural” Definir como “saber profissional” uma capacidade de acção observável em contexto laboral ou um capital de informações e de conhecimentos mobilizados na pilotagem local de cursos de acção é operar um acto de construção teoricamente enquadrado que é preciso examinar como tal. A sobrevalorização do saber académico acumulado fora dos locais de trabalho pode induzir uma desvalorização dos saberes dos profissionais que emergem e se consolidam dentro dos locais de exercício da profissão, o que fomenta um divórcio altamente prejudicial da teoria e da prática. Etnográfos e etnometodólogos desarmam esta falsa oposição, atribuindo o primado aos saberes que se articulam na prática-em-contexto-local (Christopher Hall et al., 2003: 18), posição ratificada por Bartunek e Louis: «Implicit or local theories are sets of heuristically developed rules of practice people use to make sense of the situations they commonly encounter, to weigh action alternatives, and to account for environmental contingencies they observe and experience». (Bartunek & Louis, 1996: 5) «Thus, it is important for outside researchers to take seriously the local theories of those who participate in their studies. The examples we present below incorporate such attention and respect». (Bartunek & Louis, Op. Cit.: 6) 3

«On a more general level, it appears that the “competente use” of a given rule or a set of rules is founded upon members’ practiced grasp of what particular actions are necessary on a given occasion to provide for the regular reproduction of a “normal” state of affairs. A feature of the member’s grasp of his everyday affairs is his knowledge, gained by experience, of the typical but unpredictable occurrence of situational exigencies that threaten the production of desired outcomes» (Zimmerman, 1970: 237).

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O conhecimento e reconhecimento dos saberes das diversas categorias de profissionais pertencentes a uma dada organização é uma questão indissociavelmente científica e política. Os saberes tendem a ser valorizados de acordo com os respectivos estatutos socioposicionais na estrutura organizacional, dos seus detentores. Certos saberes carecem de visibilidade, enquanto outros, como os certificados por graus académicos, são celebrados e recompensados (no plano salarial ou da progressão na carreira, por ex.) pela cultura da organização. Há saberes conotados como politicamente correctos, por reforçarem a auto-imagem da organização promovida pela sua direcção, enquanto outros são politicamente incorrectos, por contradizerem essa auto-imagem. Existem saberes integrados ao funcionamento organizacional; outros marginais ou intersticiais, ou, pelo menos, tratados como tais. Saberes e poderes organizam-se mutuamente, mediante estratégias de gestão das informações autoreferenciais de actores ciosos de controlar a avaliação dos seus desempenhos, processo que pode travar a investigação ou, ao contrário, contribuir para o seu empowerment, uma vez clarificado o compromisso científico e deontológico dos investigadores em valorizar e optimizar as competências dos profissionais, no decurso de um trabalho de equipa que, sempre que necessário, garante protecção, anonimizando dados e fontes. Ao desenhar pesquisas não pilotadas de fora e de cima-para-baixo (top down) mas sim co-pilotadas de dentro, de fora e de baixo-para-cima (bottom up), a metodologia I/O não expropria os profissionais do seu próprio trabalho gerando sobre ele heterodiscursos escapando ao seu controlo: «Do members of settings that are being studied have a right of ownership over the interpretation of their own experience? (…) Outside researchers often have acted as if they were the “possessors and controllers” of legitimate interpretations of a situation». (Bartunek & Louis, 1996: 63) «(...) insiders may want to make sure that their own voice is heard». (Bartunek & Louis, Op. Cit.: 60) Etnográfos e etnometodólogos contribuem numa maior valorização do capital humano das organizações, mostrando e demonstrando que o universo dos saberes gerados organizacionalmente supera, pela sua riqueza, o dos saberes formalmente geridos. Neste caso, o saber de fora, detido pelos investigadores (outsiders), não é vocacionado a ignorar, desconhecer, subavaliar, desautorizar, desacretidar o detido pelos profissionais (insiders) das organizações. Bem ao contrário, o saber académico se define no quadro desta abordagem como um saber de 2.º grau, um saber acerca de saberes de 1.º grau incorporados nas práticas dos profissionais. Este saber de 1.º grau não se articula no discurso sobre a prática mas sim dentro da própria prática no curso da sua realização, com um carácter tendencialmente pré-reflexivo (Garfinkel, 2007: 99; Rodrigues, 2001: 176 & 187; Binet, 2002), que tem implicações no plano da operacionalização de uma metodologia de investigação habilitada ao seu estudo: questionários administrados e entre-

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vistas conduzidas fora dos contextos de ocorrência das práticas que pretendem inquirir proporcionam, convém insistir e repetir, dados superficiais e lacunares. Podemos perspectivar a investigação I/O como uma metodologia que promove um diálogo intercultural entre saberes entranhados na acção e saberes sobre a acção, num cruzamento de olhares de dentro e de fora constitutivo da abordagem etnográfica: «(...) as each engages with the relative foreigner who is her partner in the venture, that party›s own world is made to some extent more foreign in her own eyes. The native›s usually tacit knowledge is thus made accessible through questions reflected in the outsider›s questioning looks». (Bartunek & Louis, 1996: 18) The insider «(...) was pulled away from his intense connectedness to the setting through his conversation with the outsider». (Bartunek & Louis, Op. Cit.: 18–9) Os saberes resultantes de uma tal metodologia qualitativa potenciam a construção de teorias enraizadas (grounded theories) nas práticas observadas (no duplo sentido de estudadas e executadas) nos terrenos profissionais (Glaser & Strauss, 1995; Sarangi, 2005), permitindo a reconciliação da teoria e da prática, objectivo que deve orientar a política da investigação em Serviço Social (Peräkylä & Vehviläinen, 2003).

3. Insider/Outsider Team Research: desenho das etapas investigativas A investigação I/O é uma metodologia qualitativa de base etnográfica que incentiva o envolvimento dos profissionais (insiders) «(...) na geração de saberes sobre as suas próprias actividades» (Bartunek & Louis, 1996: 16), mediante a sua integração e participação numa equipa de investigação, co-pilotando um estudo de caso por inquérito de terreno (P. A. Adler & P. Adler, 1987; Dwyer & Buckle, 2009). Bartunek e Louis desenham um processo de investigação em dez etapas, no intuito de proceder a um levantamento, o mais completo possível, das múltiplas oportunidades e formas de coparticipação entre outsiders e insiders interessados em trabalhar em equipa:

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Desenho(s) Investigativo(s) I/O: etapas e co-participação

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10.

Constituição da Equipa de Investigação I/O: Quem escolhe quem ? Relações de trabalho Problemáticas e Questionamentos: o que se procura saber ? Planeamento e preparação da Inquirição: que dados e como ? Recolha(s) de dados Análise(s) e Interpretação(ões) dos dados Relatórios e Resultados Acções e Aplicações locais Produção académica Disseminação

Fonte: Bartunek & Louis, 1996: 25 Estas etapas, didácticas, pretendem ordenar o texto da exposição, mais do que estruturar linearmente os processos investigativos: «For the sake of discussion, we will discuss activities and events associated with conducting joint I/O work as if they occurred in chronological sequence and as discrete stages. It is rarely the case, however, especially in qualitative research (...)». (Bartunek & Louis, 1996: 23) Este aviso de Bartunek e Louis é de facto oportuno, para conjurar o risco, bem real, de leituras empobrecedoras que encaram estas instruções e dicas como uma receita a aplicar tal e qual, atitude contra-producente, incompatível com a lógica da descoberta que orienta heuristicamente a investigação qualitativa, como sublinhou muito bem José Machado Pais (2002: 19, 32–3, 43 & 152), que fazemos questão de citar, dada a importância do risco aqui sinalizado: «A lógica de descoberta que caracteriza a sociologia do quotidiano afasta-se da lógica do “preestabelecido”, que condena os percursos de pesquisa a uma viagem programada, guiada pela demonstração rígida de hipóteses de partida, a uma domesticação de itinerários que facultam ao pesquisador a possibilidade apenas de ver o que os seus quadros teóricos lhe permitem ver». (Pais, 2002: 19) Na «(…) aplicação de métodos qualitativos os desenhos de investigação são emergentes e em cascata, uma vez que se vão elaborando à medida que a investigação avança. Os questionamentos são contínuos e as reformulações constantes, em função da descoberta de novos dados e de novas interpretações. Esta metodologia flexibiliza os procedimentos de investigação, permitindo uma adequação às múltiplas realidades que se vão descobrindo. Contrariamente aos desenhos de pesquisa positivistas – em que o quadro teórico de partida marca o desenvolvimento sequencial do processo de pesquisa –, prevalecendo uma lógica demonstrativa de hipóteses de investigação que se filiam nesse quadro teórico, os desenhos qualitativos são aberto: abertos ao inesperado [serendipity], (…) prevalecendo uma lógica de descoberta». (Pais, 2002: 152) 70

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Mais do que um desenho único a seguir sem alteração, a exposição de Bartunek e Louis, ordenada sob a forma de etapas, abre um campo de múltiplos desenhos possíveis que se adequam às dinâmicas singulares de cada equipa, aos objectos sob estudo e às «injunções (…) vindas do terreno» (Bromberger, 2004: 116). Como dizia Mills (1980: 240), no plano da metodologia, é contraproducente, logo, errado, confundir rigidez e rigor. O manual de métodos e técnicas provavelmente mais usado no ensino universitário e na orientação de pesquisas em Portugal, o Manual de investigação em ciências sociais da co-autoria de Raymond Quivy e Luc Van Campenhoudt, formaliza um método em sete etapas (retroagindo umas sobre as outras), objecto de leituras rigidificadoras, contra as quais os seus autores tentaram alertar, lançando um aviso que não foi até agora suficientemente ouvido: «(...) a construção teórica e o trabalho empírico não se seguem forçosamente na ordem cronológica e sequencial, em particular na observação etnológica. É cada vez mais evidente que o processo de investigação não consiste em aplicar um conjunto de receitas precisas, numa ordem predeterminada (...)». (Quivy & Campenhoudt (Van), 1998: 233–4) «À semelhança da field research [pesquisa de terreno], certos estudos não seguem rigorosamente o encadeamento de etapas que foi apresentado até aqui. As hipóteses e mesmo as perguntas são susceptíveis de evoluírem constantemente durante o trabalho de terreno. Em contrapartida, o trabalho empírico será regularmente reorientado em função de aprofundamentos sucessivos do quadro teórico. Encontramo-nos aqui perante um processo de diálogo e de vaivéns permanentes entre teoria e empirismo (...)». (Quivy & Campenhoudt (Van) 1998, pp.235–6)

3.1. Constituição da Equipa de Investigação I/O: Quem escolhe quem? A iniciativa da investigação pode partir de membros (insiders) da organização ou de investigadores de fora (outsiders). Este dado é susceptível de alterar substancialmente as modalidades de abertura do(s) terreno(s) sob observação e de constituição de uma equipa I/O. Todas as coisas sendo iguais, o primeiro figurino (iniciativa vinda de dentro) facilita a abertura de terrenos, a mobilização de insiders e a sua coparticipação activa, bem como a obtenção de resultados susceptíveis de aplicações. Nestes casos, compete a insiders escolher fora da organização investigadores da sua confiança, partilhando interesses de pesquisa relevantes para o estudo projectado e disponíveis para trabalhar em equipa. No segundo caso, os investigadores devem conquistar a confiança, cativar o interesse e apelar à participação de insiders. Este processo, de desfecho incerto, repleto de desafios, ganha sempre em poder contar com o apoio de “aliados” de dentro — introdutores, mediadores e facilitadores — que potenciam a capitali-

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zação de contactos e de relações conducentes à abertura de terrenos. O grau de envolvimento nos cursos de acção sob estudo é um critério relevante para a escolha de insiders, juntamente com aspectos relacionados com a disponibilidade, a motivação, a abertura à inovação e a novos olhares sobre o seu universo laboral. Outro critério a ter em conta na constituição de uma equipa é o da diversidade das categorias e das equipas de actores, bem como dos estatutos no continuum I/O: desde investigadores completamente de fora até membros de longa data da organização, passando por pessoas em situações intermediárias. Em certos casos, aspecto não mencionado por Bartunek e Louis, pessoas categorizadas como “utentes” podem igualmente vir a integrar a equipa de investigação, ao abrigo da mesma metodologia, que, ao reconhecer a legitimidade das suas vozes e dos seus pontos de vista (Offer, 1999: 13), reencontra os caminhos da investigação-acção e da acção comunitária (Park et al., 1993). Após várias diligências infrutíferas ao longo do ano 2006, Michel G. J. Binet, sociólogo e antropólogo, docente do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa (ISSSL), tentou mobilizar o seu capital de contactos e de relações no seio do ISSSL, na expectativa de conseguir apoios facilitando a abertura de terrenos institucionais e a dinamização de um projecto investigativo de Análise da Conversação Aplicada ao Serviço Social (ACASS), incidindo sobre o interagir comunicacional na intervenção social. O alcance potencial da aplicação desta abordagem micro-analítica no domínio do Serviço Social chamou a atenção de Isabel de Sousa, Assistente Social, membro do Conselho Local de Acção Social (CLAS) de Sintra, docente do ISSSL, que aceitou juntar-se a Michel Binet para com ele formar, no começo do ano 2007, o primeiro núcleo da equipa de um projecto que se enquadrou logo à partida na metodologia I/O. Investigador de fora, Michel Binet trabalhou no desenho e na fundamentação do projecto, tirando proveito de reuniões de trabalho com Isabel de Sousa, que, por sua vez, apresentou este desafio ao Núcleo Executivo do CLAS de Sintra. Este Núcleo acolheu o projecto com entusiasmo e promoveu a sua divulgação dentro da Rede Social, através de um Workshop - apresentação do projecto e apelo à participação dos profissionais -, realizado no dia 02 de Maio de 2007, que contou com a presença do Presidente da Câmara Municipal de Sintra que, por inerência de funções, era também o Presidente do CLAS. O apelo à participação lançado ao longo do Workshop foi bem correspondido: perto de 30 profissionais manifestaram por escrito o seu interesse em participar na investigação, êxito que muito deve ao trabalho prévio realizado localmente, em torno da construção da Rede Social. A etapa seguinte consistiu na obtenção das autorizações superiores necessárias ao arranque do projecto nos vários serviços envolvidos, processo levado a cabo pelos insiders da equipa em curso de constituição, em articulação com o CLAS. No termo desta fase, ficou constituida uma equipa de mais de 20 insi-

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ders, pertencentes a serviços da Câmara Municipal de Sintra, de três Juntas de Freguesia, do Centro Local de Apoio aos Imigrantes (CLAI) e de um Centro de Saúde, que também abriu as portas dos seus serviços de saúde infantil e materna, serviços que interagem entre si no âmbito da mesma Rede Social. Do lado da investigação, também encontramos uma equipa. Michel Binet não trabalhou isoladamente mas sim como investigador integrado em duas unidades de investigação: o Grupo de Investigação sobre a Interacção Discursiva do Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa (GIID-CLUNL) e o Centro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social (CLISSIS). Michel Binet frequentou a primeira edição do Seminário de Análise da Conversação, ministrado por Adriano Duarte Rodrigues, em 2006-2007, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL). O Seminário, que se prolongou sob a forma de um Grupo informal de investigadores (Grupo de Estudo em Análise da Conversação - GEAC) e que foi mais tarde formalizado sob a designação supracitada (GIID-CLUNL), constituiu à volta do projecto um ambiente científico que contribuiu na sua orientação e dinamização. Coordenada por Adriano Duarte Rodrigues, esta equipa era então composta por Tiago Freitas (Instituto de Linguística Teórica e Computacional - ILTEC), Ricardo de Almeida (CLUNL), Inês Alexandre (doutoranda em Psicologia na Universidade de Coimbra) e, um pouco mais tarde, por Isabel Tómas (FCSH-UNL - CLUNL). Tiago Freitas acompanhou e apoiou activamente o projecto (Binet & Freitas, 2008), auxiliando na escolha dos gravadores digitais adquiridos pelo CLUNL e iniciando Michel Binet na utilização de programas de transcrição, anotação e análise de gravações. Michel Binet, Tiago Freitas e Ricardo de Almeida organizaram sessões de trabalho no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, na Universidade Lúsiada de Lisboa, no intuito de divulgar a Análise da Conversação junto dos corpos docentes e discentes. O CLISSIS disponibilizou instalações e computadores para um Atelier de Transcrição, coordenado por Michel Binet. É neste quadro que David Monteiro integrou o projecto, e acabou por se tornar membro do GIID-CLUNL. Mais tarde, o desenvolvimento do projecto chamou a atenção de Isabella Paoletti, investigadora de renome internacional, que também se juntou à equipa, integrando o GIID-CLUNL. Os conceitos de insider e de outsider são dotados de um valor relativo (Narayan, 1993). É relativamente a um actor ou conjunto de actores precisamente definidos que cada um se define, a cada momento, como outsider ou insider perante o universo em estudo, como no caso de uma assistente social estudando uma minoria étnica à qual pertence (Kanuha, 2000), sendo simultaneamente membro de três comunidades (étnica, investigativa e profissional), o que abre, no espaço de cada interacção, um leque de estratégias de actualização de facetas identitárias plurais e estratificadas (Poutignat & Streiff-Fenart, 1995: 128–9), que os conceitos de insider e de outsider permitem descrever detalhadamente. Outsider relativamente aos membros dos serviços participando na inves-

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tigação, Michel Binet tornou-se em certa medida um insider entranhado no domínio do serviço social, do ponto de vista, nomeadamente da comunidade de investigadores sem ligação particular a este campo profissional. Por sua vez, insider pertencente ao universo profissional em estudo, Isabel de Sousa é, ao mesmo tempo, membro de uma unidade de investigação. Se a pesquisa corre bem, as identidades de outsider e de insider não são passíveis de uma definição fixista e essencialista; são definições correlativas, plurais e dinâmicas, renegociadas no curso de um processo investigativo, no termo do qual, mediante uma interculturação voluntária, os investigadores adquirem saberes e competências dos profissionais e reciprocamente.

3.2. Relações de trabalho O trabalho em equipa I/O tem por base relações de respeito mútuo, mantidas no quadro de uma comunicação, intercultural em vários dos seus aspectos. A metodologia I/O explora a heuristicidade potencial da mediação do olhar do outro sobre o nosso mundo, um mundo que nos é tão familiar que acaba por correr o risco de passar despercebido aos nossos próprios olhos, deixando a sua organização, tal como uma evidência invisível a si mesma, escapar por uma parte essencial ao nosso escrutínio. Falamos com fluência uma língua cuja organização se articula na nossa prática da fala-em-interacção mais do que num discurso científico incidindo sobre ela. Participamos ordenadamente em acções concertadas, aplicando procedimentos metódicos que se articulam e dão a observar na nossa prática mais do que no discurso sobre a nossa prática. Esta organização metódica da nossa prática profissional considerada a uma escala interaccional, uma parte importante de carácter pré-reflexivo, i. e. anterior e exterior à nossa reflexão consciente e sistemática mas, por isso, não menos operante, eficaz e racional, é um continente por descobrir, cujo estudo é potenciado por um olhar estranho (outsider), estranhando e questionando, “détour” (Balandier, 1985) ou mediação pelos quadros referenciais e pelas matrizes de questionamento de outra cultura, que ajuda a operar a “revolução sociológica” (Caillois, 1964: XIII–XIV; Simon, 1991: 162–5) permitida pela ruptura com a “atitude natural(izante)” (Schütz, 1998; Binet, 2002), típica do “nativo” perante a ordem familiar do seu mundo: «(...) as each engages with the relative foreigner who is her partner in the venture, that party›s own world is made to some extent more foreign in her own eyes. The native’s usually tacit knowledge is thus made accessible through questions reflected in the outsider’s questioning looks». (Bartunek & Louis, 1996: 18) Bartunek e Louis defendem a necessidade de uma contratualização, formal ou informal, das relações no seio da equipa, a qual passa por uma definição clara mas renegociável dos graus e das formas de participação de cada um, numa cadeia operatória que não assenta necessariamente numa igual participação de

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todos, mas pode sim comportar papeis diferenciados e complementares, sob reserva desta divisão do trabalho resultar de um processo negocial (Bartunek & Louis, 1996: 23–4). Na rede de colaboração consentida do Projecto «O Interagir comunicacional na Intervenção social» (ACASS), o equacionamento de certas questões foi particularmente importante para a coesão das relações de equipa: as modalidades de solicitação e registo do consentimento prévio dos utentes (Rodrigues & Binet, 2010) e a anonimização dos dados, nomeadamente. Vários insiders manifestaram a expectativa de um retorno personalizado (supervisão dos seus próprios atendimentos), o que obrigou em várias ocasiões a uma ronda de esclarecimento e negociação acerca dos objectivos visados e passíveis de serem alcançados num horizonte temporal definido. A vida do Corpus é longa e múltipla: os dados recolhidos prestam-se a múltiplas análises e formam uma base empírica cujo valor científico se prolonga por um tempo indefinido. Dito por outras palavras, do ponto de vista dos investigadores, o projecto científico não tem data marcada de antemão para ser dado como terminado, de uma vez por todas. Este aspecto levanta uma questão não tratada por Bartunek e Louis: como manter activa uma colaboração I/O fora de um cronograma preciso? Esta questão consta da nossa agenda actual.

3.3. Problemáticas e Questionamentos: o que se procura saber? Deparamos aqui com uma “injunção paradoxal”, entre uma gestão por objectivos e a recusa por parte do método indutivo de qualquer tentativa de préconstrução teórica dos seus objectos de estudo (Have (ten), 2005: 38; Monteiro, 2011). De acordo com uma lógica de descoberta progressiva, interesses de pesquisa e saberes emergem da análise dos dados mais do que de um trabalho de planeamento, anterior às primeiras observações de terreno. Mas, para efeitos de abertura destes mesmos terrenos e de dinamização da equipa, é preciso intencionalizar o projecto de investigação com referência a objectos de estudo predefinidos. Entre outros autores4, coube ao etnógrafo da comunicação e sociolinguista interaccionista John Gumperz (1989) o papel de fundamentar, no texto de apresentação do Projecto (Binet, 2007), numa fase anterior à recolha dos dados, uma predefinição de objectos de estudo do Projecto ACASS, mediante os conceitos de “índices e convenções de contextualização” e de “competência e flexibilidade 4

Autores citados: Zimmerman, 1974; Labov, 1976; Levinson, 1982; Coulon, 1987; Goffman, 1987; Kerbrat-Orecchioni, 1990; Goffman, 1991; Hymes, 1991; Bakhtin, 1992; Bachmann Cristian et al., 1993; Augé, 1994; Roulet, 1999; Borzeix & Fraenkel, 2001; Bourdieu, 2001; Rodrigues, 2001; Sperber & Wilson, 2001; Garfinkel, 2007, etc.

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comunicativas”: «[P]recisamos de falar para afirmar os nossos direitos e as nossas qualificações». (Gumperz, 1989: 10) Dado que «a aquisição de convenções de contextualização resulta da experiência interactiva do interlocutor; (…) da participação de um indivíduo em determinadas redes de relações», os «(…) locutores de origem étnica [ou social] diferente não são capazes de dominar [plenamente] os critérios formais que permitem dar informações ou elaborar uma conversa contextualmente pertinente nas situações onde eles têm pouca experiência directa (...). […] Qualquer que seja a situação, uma entrevista formal ou um encontro informal, o problema essencial para todos aqueles que não se conhecem e que devem entrar em contacto consiste em conseguir estabelecer uma “flexibilidade comunicativa”, isto é, em conseguir adaptar as suas estratégias ao seu auditório e aos signos tanto directos como indirectos [trocados], de tal maneira que os participantes sejam capazes de controlar e de compreender pelo menos parte do sentido produzido pelos outros». (Gumperz, Op. Cit.: 24 & 21, respectivamente) As «(…) características formais da mensagem presentes em superfície constituem a ferramenta usada pelos locutores e pelos alocutários para respectivamente assinalar e interpretar a natureza da actividade em curso, a maneira como convém compreender o conteúdo semântico e a maneira como cada frase reenvia ao que precede ou ao que se segue. Estas características constituem o que designamos por índices de contextualização (…) [os quais] devem ser estudados (…) em contexto e nos processos em que ocorrem». (Gumperz, Op. Cit.: 28) Os «(…) locutores se apoiam no seu conhecimento das diversas maneiras de falar para categorizar os acontecimentos, inferir a intenção e deduzir expectativas (…). Toda esta informação é crucial para a manutenção de uma participação empenhada na conversação e para o êxito das estratégias de persuasão». (Gumperz, Op. Cit.: 27)5 Os fenómenos abrangidos pelo campo de estudo assim definido foram listados e discutidos no Workshop de apresentação do Projecto aos insiders, «sem preocupação de exaustividade»: trocar saudações confirmativas dos papéis sociais e iniciar a interacção conversacional; anunciar e modalisar polifonicamente, numa présequência, a transmissão subsequente de uma decisão negativa contrária às expectativas do utente; colocar perguntas que invadem a “privacidade” do utente à luz de certas normas sociais, neutralizando preventivamente as suas prováveis reacções de defesa perante tal ameaça territorial; manter um registo actualizado da história conversacional; referir um terceiro (delocutário) com quem locutor e alocutário mantêm relações distintas; reformular; concordar sem se vincular; gerir a sobreposição de dois estatutos de participação na situação interlocutiva (exemplo: o utente é o nosso vizinho); etc.. Fundamentar e desenvolver cada item desta listagem levaria-nos-ia a sair 5

Traduzido por Tânia Matos (Atelier de Tradução ACASS).

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dos limites da presente comunicação. Foram reproduzidos, tão somente, para exemplificar o trabalho realizado no decurso da dinamização do Projecto ACASS, correspondente a esta etapa da metodologia I/O.

3.4. Planeamento e preparação da Inquirição: que dados e como? O planeamento e a preparação da etapa seguinte (recolha de dados) é um trabalho coparticipativo que se posiciona num ponto de um continuum que tem como pólos opostos o desenho em conjunto do plano de inquirição e respectivos instrumentos de recolha, por um lado, e a formação de insiders à aplicação de instrumentos operacionalizados exclusivamente pelos outsiders, por outro lado. A pesquisa de campo pode começar por uma fase de observações flutuantes, sem focos de atenção prédefinidos, que prepara, mediante um levantamento de quadros interaccionais envolvidos na organização do trabalho e no funcionamento dos serviços, uma fase seguinte, de observações focalizadas das unidades de análise de escala interaccional delimitadas. Estas observações focalizadas podem contemplar o recurso a técnicas auxiliares de registo, que permitem a constituição de corpora: fotografias, gravações áudio e filmagens (Binet, 2010, 2011): «Novos meios tecnológicos de registo, gravações e filmagens permitem a constituição de corpora de dados que capturam e documentam com uma riqueza de detalhes sem precedentes o desenrolar sequencial de comportamentos interaccionais. Este salto qualitativo no plano dos registos e da granularidade descritiva [(Schegloff, 2000)] por eles tornada possível precipitou nos anos 60 a emergência de um novo paradigma investigativo que desde então enriquece as pesquisas realizadas em várias áreas disciplinares: a Análise da Conversação (Heritage, 1988: 131; Goodwin & Heritage, 1990: 289). Emergente, este paradigma interaccionista delimitou e quadriculou um espaço teórico-metodológico capaz de tirar proveito das novas possibilidades de registo proporcionadas pelo avanço tecnológico (…)». (Binet, 2011: 38–9) No que respeita às técnicas de entrevista, mais ou menos directivas, individuais ou em grupo (focus group), com ou sem recurso a técnicas de elicitação (Clark-Ibáñez, 2004), é possível diversificar as respostas dadas à seguinte pergunta, no âmbito da metodologia I/O: quem entrevista quem ? Os insiders podem, com efeito, entrevistar-se uns aos outros, o que permite encurtar a distância socioposicional que separa entrevistador-entrevistado (Bourdieu, 1993), bem como habilita o entrevistador a enriquecer a matriz de questionamento das entrevistas, pela mobilização de saberes de dentro. A pesquisa documental é outra vertente a ter em conta no desenho do plano de inquirição. As nossas relações são em parte “ruling relations” (Smith, 2005: 10), i. e. relações organizadas pela mediação de textos institucionalizadores de normas, perante as quais somos, ou podemos vir a ser, convocados a prestar contas:

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«Texts are key to institutional coordinating, regulating the concerting of people›s work in institutional settings in the ways they impose an accountability to the terms they establish». (Smith, 2005: 118) 6 Documentos primários são produzidos independentemente da pesquisa, no quadro do normal funcionamento do sistema de acção (Ribeiro, 2003: 349). Uma parte-chave das cadeias operatórias da acção social organizam-se na interface da oralidade e da escrita. As trocas verbais ocorridas em atendimentos sociais são traduzidas em “géneros escritos institucionais” (Pugnière-Saavedra, 2008) pertencentes a sistemas de informação e processos de decisão. Em sentido inverso, despachos e deferimentos escritos são retraduzidos oralmente para serem comunicados aos utentes em sede de atendimento (Maynard, 1997)”container-title”:”Research on Language and Social Interaction”,”page”:”93-130”,”vo lume”:”30”,”issue”:”2”,”author”:[{“family”:”Maynard”,”given”:”Douglas W.”}],”issued”:{“date-parts”:[[1997]]}}}],”schema”:”https://github.com/citation-style-language/schema/raw/master/csl-citation.json”} . O presente sob estudo, incessantemente reproduzido e organizado a um nível interaccional, é também o produto de uma história passível de ser parcialmente recuperada mediante a pesquisa e a crítica de documentos primários. Estes dados são parcialmente quantificáveis para efeitos de análise. A vertente quantitativa do plano de inquirição pode contemplar a operacionalização e administração de questionários, sob reserva de lhes ser atribuído o lugar subordinado que ocupa na pesquisa de terreno, que privilegia a observação naturalista, evitando interferir, pela inquirição, no normal desenrolar de interacções que pretende compreender de perto e de dentro, de acordo com uma perspectiva emica (Mauss, 1967: 21 & 210). Dado o seu objecto de estudo, o interagir comunicacional na intervenção social, o plano de inquirição do Projecto ACASS assentou em observações in situ, focalizadas nos atendimentos realizados nos serviços sociais dos insiders e ao domicílio de utentes (Binet & Félix, 2008), com recurso a uma técnica auxiliar de registo principal: gravações áudio. Entrevistas individuais e de grupo, com recurso a técnicas de elicitação (comentário de trechos de transcrição de atendimentos e de fotografias da organização dos locais de trabalho), completaram a base empírica do estudo. 6

Esta direcção investigativa seguida pela pesquisa documental permite uma melhor contextualização da análise interaccional, a qual, dada a intrínseca incompletude dos regulamentos e textos normativos, permanece no entanto o foco principal do estudo: «(...) in the organizational sense, the contexts open up different actor positions and thus also call up different clienthoods (...). This does not, however, signify that the client positions in organizations would be completely defined and simply waiting for someone to fill them. The actors evoke the roles in their interaction, and many variations are possible. (...) Thus, clienthoods are always ultimately produced in local negociation. This is why it is necessary to study in detail the practices in which this negotiation takes place (...)» (Christopher Hall et al., 2003: 17–8).

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Um plano de inquirição próprio a cada serviço participante no estudo foi definido de forma concertada, mediante reuniões de trabalho entre outsider e insiders, no decurso das quais se calendarizou a circulação, entre os serviços, dos cinco Gravadores Zoom H2 adquiridos pelo CLUNL e afectados ao Projecto. Estas reuniões foram também o palco de breves acções de formação sobre o manuseamento dos Gravadores. O CLAS planeou a implementação, no território do Concelho, do circuito de recolha e substituição dos cartões de memória dos Gravadores.

3.5. Recolha(s) de dados Outsider(s) e insiders podem recolher os mesmos dados ou dados de teor diferente. «Insiders working with outsiders can be involved in data collection in a variety of ways. (…) Sometimes insiders alone collect the data». (Bartunek & Louis, 1996: 32) De acordo com a divisão do trabalho negociada no Projecto ACASS, a constituição do Corpus de gravações, principal base empírica do estudo, ficou a cargo dos insiders, que asseguraram as seguintes tarefas, no seio dos respectivos serviços: • Gravação dos seus próprios atendimentos (mediante consentimento esclarecido prévio de cada utente); • Preenchimento da Ficha de Registo de cada atendimento gravado (metadados); • Recolha (parcial) da “documentação escrita primária” (relatórios, informações sociais, etc.) dos atendimentos gravados; • Recolha e substituição dos Cartões de memória. «Com o recurso a gravações e filmagens, o trabalho de observação pode se realizar numa fase investigativa posterior ao registo. A tal ponto que as operações de registo (por ex.: verificar as pilhas e o espaço disponível no cartão de memória do gravador ; informar e pedir a autorização para gravar ; ligar e desligar o gravador ; e preencher a ficha de registo com os metadados do acontecimento registado) podem ser confiadas a “pessoas—recursos” que colaboram no terreno, no normal desempenho das suas funções profissionais, tornando desnecessária (pelo menos para a realização dos registos) a presença do investigador no local de cada gravação (Baude, 2006: 59 & 68)». (Binet, 2011: 39) «la projection du film (qui peut être faite au ralenti), permet à l’ethnologue de revoir indéfiniment, s’il le souhaite, le même rituel, le même geste, la même attitude; la réalité fuyante est immobilisée dans le temps et demeure en quelque sorte à la disposition de l’enquêteur». (Rouch, 1968: 464)

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A equipa de investigadores de fora mobilizaram-se e organizaram-se em função da etapa seguinte.

3.6. Análise(s) e Interpretação(ões) dos dados As metodologias de trabalho promovem a dinâmica de equipa que define a investigação I/O, fomentando a participação dos insiders, nesta etapa, que corresponde ao âmago da actividade científica e isso no interesse de uma pesquisa desenhada para permitir aos profissionais fazerem ouvir a sua voz, co—pilotando análises conducentes a resultados susceptíveis de aplicações relevantes, no teatro das suas operações laborais. Influências mútuas e hibridação dos saberes de dentro e de fora podem ser reforçadas por meio de estratégias que reforcem o trabalho em equipa, como elaborar e pôr a circular documentos de trabalho in progress, sujeitos a leituras cruzadas, comentários e discussões alargadas dentro da rede de coparticipantes I/O. A metodologia I/O permite apontar direcções a desenvolver em futuros projectos de investigação coparticipativa. Neste ponto preciso, o Projecto ACASS não tirou o máximo proveito do potencial associado à presente etapa, o que condiciona a sua plena reapropriação pelos profissionais que nele participaram. Tal facto deve-se, em parte, a um factor susceptível de travar a coparticipação, não sinalizado por Bartunek e Louis: o recurso a uma abordagem analítica muito especializada, no caso presente, a análise da conversação que, pela sua tecnicidade, dificulta a coparticipação no plano aqui considerado. O desenho investigativo mais conveniente consistiria em desdobrar com clareza duas fases de análise: uma reservada aos outsiders com formação especializada no domínio, outra alargada aos insiders, assente em técnicas de apresentação e discussão capazes de polarizar as atenções de grupos de trabalho sobre trechos de transcrição e análise, sem necessidade de formação prévia. Esta direcção corresponde a uma questão cada vez mais premente, que a equipa I/O do Projecto ACASS está vocacionada para continuar a trabalhar, retomando um percurso já iniciado, sob a forma de duas Jornadas de Estudo realizadas em 2008 e 2009, no âmbito das quais se realizou um Workshop juntando insiders e outsiders, em torno de trechos de transcrição de atendimentos gravados no decurso do Projecto (Workshops «A acção social em micro-análise no Concelho de Sintra. Estudo de casos», 06-06-2008 e 04-03-2009). A metodologia I/O leva a desconstruir os papeis assimétricos de formadores e de formandos, abrindo espaços de trabalho animados por uma lógica de “interformação”, de entrecruzamento de saberes de dentro e de saberes de fora, que constituem momentos que são indissociavelmente formativos e investigativos. Do lado dos outsiders, a organização do seu trabalho de equipa em torno do Corpus e da sua análise contemplou as seguintes actividades: • Armazenamento e organização do Corpus ACASS;

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• Dinamização de um Atelier de Transcrição • Programa ELAN • Adaptação das Convenções de Transcrição de Gail Jefferson (2004); • Adopção de Plataformas de teletrabalho e colaboração on line; • Base bibliográfica Zotero GIID (mais de 1100 itens) • Dropbox GIID (mais de 500 artigos, livros e teses em versão integral, formato PDF – Metadados ACASS – Working Papers GIID); • Data Sessions (sessões de análise de trechos de transcrição); • Reuniões GIID. 3.7. Relatórios e Resultados Os relatórios de investigação I/O podem seguir uma metodologia coparticipativa no duplo plano da sua elaboração e da sua apresentação. A sua co-autoria (Joint authorship) reitera a metodologia acima indicada: um primeiro autor, por regra geral um investigador de fora experiente na matéria, elabora uma primeira versão do relatório, submetida a seguir a leituras e comentários conducentes ao seu enriquecimento, em regime presencial e/ou de teletrabalho. Em caso de divergências, a regra consiste em respeitar a polifonia de vozes, dentro do mesmo documento ou, se oportuno, em documentos separados. O trabalho científico gerado ao abrigo do Projecto ACASS não deu lugar a elaboração formal de um Relatório final. O actual volume da produção científica tendo por base empírica o Corpus ACASS autoriza a ponderar esta possibilidade, sob reserva de ver primeiro estes resultados discutidos nos espaços de interformação I/O supracitados, que planeamos desenvolver.

3.8. Acções e Aplicações locais Esta oitava etapa corresponde a um dos principais pontos fortes da metodologia I/O: ao recolher e analisar dados microcontextualizados com o concurso dos próprios profissionais, os resultados das investigações I/O oferecem garantias reforçadas de relevancia emica, i. e. do ponto de vista dos insiders, que ocupam uma posição privilegiada para a operacionalização de resultados passíveis de aplicações, dentro dos microcontextos laborais estudados, e isso no pleno respeito da sua autonomia profissional. «The fact that setting insiders are often «permanent» members of the setting means that they typically are in a position to have much more influence over activities taking place in the setting than are outsiders (including consultants)» (1996: 38). (Bartunek & Louis, 1996: 38) A lógica da capacitação na autonomia assenta no respeito dos “territórios”, das esferas de acção e responsabilidade de cada um. Cada profissional continua a

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pilotar o seu trabalho com autonomia, no quadro de uma cultura organizacional no entanto mais rica e mais aberta a novas escolhas e novos procedimentos. Como acima indicado, projectamos dinamizar de novo workshops de interformação, que encaramos como um dos espaços privilegiados para desenvolver aplicações derivadas dos dados e dos resultados do Projecto ACASS e isso em estreita colaboração com profissionais. À escala do processo investigativo no seu todo, a primeira e a última palavra pertencem aos insiders: os saberes em estudo são articulados e rearticuláveis na prática-em-contexto-local, ao abrigo de um processo coparticipativo.

3.9. Produção académica Perante a tendência a uma sobrevalorização da produção académica por parte dos investigadores vinculados ao meio universitário, Bartunek e Louis (1996: 36) fazem questão de sublinhar que este não é o mais importante dos resultados que se esperam de um projecto desenhado e pilotado de acordo com a metodologia I/O. Derivados e validados na prática, os saberes académicos revestem um estatuto “secundário” na óptica da metodologia I/O, que afirma o primado dos saberes locais constitutivos dos mundos laborais. É preciso, no entanto, evitar encarar como mundos separados os camps profissionais, formativos e investigativos. Podemos sustentar que a investigação I/O permite criar sinergias entre estes três campos, que podem materializar—se sob a forma de currículos e percursos que se consolidam investindo nestes três tabuleiros. Podemos até acrescentar que o Serviço Social Português, que se afirmou no duplo plano profissional e académico, oferece condições favoráveis a uma política de investigação I/O. A produção académica resultante na data de hoje do Projecto ACASS, contempla, além de várias comunicações em eventos e documentos de trabalho, a defesa de um Trabalho Final de Curso de Doutoramento, a entrega de uma Dissertação de Mestrado, a aguardar a defesa, numa data a coincidir com uma estadia de Lorenza Mondada (2006), investigadora de renome internacional que aceitou integrar o respectivo júri, bem como uma Tese de Doutoramento, que será entregue em Fevereiro 2012. Duas comunicações em eventos e um documento de trabalho foram ainda elaborados em regime de co—autoria I/O.

3.10. Disseminação O que singulariza a metodologia I/O é o seu empenho em organizar eventos e publicações que tornam visível a lógica coparticipativa que anima os projec-

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tos de investigação, incentivando as co-autorias, inclusive entre investigadores e profissionais desprovidos de capital académico. Os workshops e as acções de formação são também formas de disseminação valorizadas pela metodologia I/O, mediante reformulações visando incutir-lhe uma maior dinâmica interformativa e coparticipativa. Em caso de elaboração de Manuais de Boas Práticas, os insiders passam a desempenhar um papel preponderante, por recusa de aceitar um caminho que consiste em confiar tamanha responsabilidade a uma autoridade académica distante de práticas profissionais que desconhece, mas pretende regulamentar. A definição retrospectiva de cada pesquisa como “projecto-piloto-a-replicar” é inerente à lógica da investigação qualitativa que consolida os saberes passando do estudo intensivo de um caso único ao estudo não menos intensivo de um corpus de casos múltiplos (Binet, 2011). Nos dias 15 e 16 Julho 2011, se realizou na FCSH-UNL um Workshop Internacional sobre « Ética e Metodologia da investigação sobre interacções discursivas » (GIID-CLUNL / ILTEC), que contou com a presença de Lorenza Mondada e Susan Speer como oradoras principais, bem como de Adriano Duarte Rodrigues, Isabella Paoletti, Paulo Gago, Marcia Del Corona, Marilena Fatigante, Ricardo de Almeida, David Monteiro, Michel Binet, etc., investigadores do domínio da Análise da Conversação que tiveram nesta ocasião a oportunidade de reunir e de trabalhar em conjunto, em diálogo com investigadores de áreas afins (etnografia, linguística, serviço social, geografia, museografia, etc.). Planeamos, no prolongamento do Projecto ACASS, dinamizar um Grupo de Investigação I/O, que permita abrir um espaço de investigação em Serviço Social privilegiando abordagens qualitativas, workplaces studies e estudos intensivos de casos seguindo a metodologia etnográfica coparticipativa aqui apresentada.

Em jeito de conclusão Para encerrar este texto, duas citações de Bartunek e Louis, que focam dois pontos essenciais da metodologia I/O. O primeiro consiste em reencontrar e replicar o caminho seguido pelos antropólogos na interface da observação e da participação, abrindo o estudo a uma participação activa dos membros dos mundos socialmente organizados, sob investigação. O segundo reforça o primeiro, salientando que pela coparticipação, a investigação se torna mais habilitada a se situar na perspectiva emica que a define, incorporando nos saberes de fora pontos de vista e saberes dos insiders. «(...) any inquiry into human systems needs to involve the human members of those systems as active participants in the inquiry rather than merely as passive subjects, respondents, informants, or practitioners». (Bartunek & Louis, 1996: 63) «We believe that one of the best ways to bring insiders› perspectives to a

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research project is to have them work as team members, as co-inquirers with outside researchers throughout the research process». (Bartunek & Louis, Op. Cit.: 4)

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“Imigração, Transculturalidade e Inclusão” Dr.ª Maria do Rosário Farmhouse Alta Comissária da Imigração e do Diálogo Intercultural1

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Resumo elaborado pela Mestre Vanda Ramalho, investigadora do CLISSIS, doutoranda em Serviço Social pela ULL e docente da Universidade Lusófona do Porto.

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«Somos todos diferentes... O que é belo num sítio, pode parecer feio ou ridículo noutro». Spier, P.,1991 A Exma. Alta Comissária iniciou a sua comunicação saudando a mesa e os presentes, agradecendo a oportunidade de informar a classe profissional dos Assistentes Social e os futuros profissionais, sobre alguns dados das tendências recentes da imigração em Portugal e sobre o trabalho que tem sido levado a cabo pelo ACIDI, I.P. no sentido da promoção da transculturalidade e da inclusão social dos imigrantes.

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Transcreve-se uma síntese das palavras proferidas e da apresentação digital realizada pela Dra. Rosário Farmhouse: “O ACIDI, I.P. tem um trabalho alargado na inclusão dos imigrantes e das comunidades de etnia cigana. Facto relevante visto que o número total de imigrantes aumentou de 150 milhões em 2000 para 250 milhões actualmente. Destes cinco milhões de portugueses estão espalhados pelo mundo.

Em 2010 o nº de estrangeiros oficialmente em Portugal era de 445.262, sendo as principais nacionalidades representadas as do Brasil, Ucrânia, Cabo Verde, Roménia, Angola, Guiné Bissau, Reino Unido, China, Moldávia e S. Tomé e Príncipe. 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 10º

País Brasil Ucrãnia Cabo Verde Roménia Angola Guiné-Bissau Reino Unido China Moldavia São Tomé Príncipe

Nº 119.363 49.505 43.979 36.830 23.494 19.817 17.196 15.699 15.641 10.495

Relativamente à concentração dos imigrantes em território nacional, cerca de 42% dos imigrantes estão concentrados na Grande de Lisboa, seguindo-se Faro com 16%.

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Maria do Rosário Farmhouse

Já no que concerne aos modelos de gestão da diversidade cultural, Portugal é um dos países que segue um modelo de políticas de integração, por oposição a modelos de assimilação (modelo francês) e de segregação (modelo alemão).

Falando da qualidade das políticas de imigração, entre 31 países, Portugal ocupa o segundo lugar das melhores políticas de integração, proporcionando soluções de interacção e interculturalidade. A exclusão social afecta sobretudo as segundas e terceiras gerações de descentes de imigrantes, que apresentam dificuldade, quer em identificar-se com a cultura portuguesa, quer com cultura de origem das suas famílias.

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O ACIDI, I.P, tendo em vista a promoção da inclusão social dos imigrantes, é um Instituto Publico que tem como Missão e atribuições: • Promover o acolhimento e a integração dos imigrantes e minorias étnicas • Combater todas as formas de discriminação, através de acções positivas de sensibilização, educação e formação, • Incentivar o exercício de uma cidadania plena por parte dos imigrantes e minorias étnicas, • Promover a interculturalidade, através do diálogo intercultural e inter-religioso, com base no respeito pela Constituição, pelas leis e valorizando a diversidade cultural num quadro de respeito mútuo. Um trabalho realizado a partir de princípios-chave tais como a Igualdade, no reconhecimento e garantia dos mesmos direitos e oportunidades; o Diálogo, na promoção de uma comunicação efectiva; a Cidadania, na promoção da participação activa no exercício dos direitos e dos deveres; a Hospitalidade, no saber acolher a diversidade; a Interculturalidade, no enriquecer no encontro das diferenças; a Proximidade, no encurtar das distâncias para conhecer e responder melhor e a Iniciativa, na atenção e capacidade de antecipação. Princípios aplicados através de duas grandes áreas de intervenção pública na questão da imigração - o acolhimento e a integração, que se materializam em diferentes medidas e serviços: • Centros Locais de Apoio à Integração dos Imigrantes; • Centros Nacionais de Apoio ao Imigrante (Lisboa, Porto e Faro); • Gabinete de Resposta Emergência Social; • Linha SOS Imigrante; • Serviço de Tradução Telefónica • Gabinete de Apoio às Comunidades Ciganas; • Programa “Português para Todos”; • Promoção do Empreendedorismo Imigrante; • Rede Gabinetes Inserção Profissional; • Programa Escolhas Para a concretização dos objectivos do ACIDI, I.P. foram ainda criados 16 centros de apoio local à integração e desde 2004 dois centros nacionais de apoio ao imigrante. Desde 2003, foi criada a linha SOS que desde 2006 responde em 60 idiomas, através de linhas de tradução telefónica. Existem ainda desde 2007 gabinetes de apoio à comunidade cigana e o programa gratuito e certificado de ”Português Para Todos”. Em 2008 surgiram os centros de resposta de emergência social, e desde 2010 a formação para o empreendorismo imigrante associada à Rede de Gabinetes de Inserção Profissional. O Programa Escolhas é gerido pelo ACIDI desde 2001 e visa promover a inclusão social de crianças e jovens provenientes de contextos socioeconómicos

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Maria do Rosário Farmhouse

mais vulneráveis, tendo em vista a igualdade de oportunidades e o reforço da coesão social, apresentando 5 áreas de intervenção: - Inclusão escolar e educação não-formal; Formação profissional e empregabilidade; Dinamização comunitária e cidadania; Inclusão digital; Empreendorismo e capacitação. Pela primeira vez está a ser definido um Plano Estratégico de Integração das Comunidades Ciganas 2012-2020, por desafio da União Europeia dentro das medidas de política do combate à Pobreza. Em termos da sensibilização da Opinião pública/Participação o ACIDI recorre também a diversos instrumentos: • Portal (www.acidi.gov.pt) • Boletim Informativo (BI); • Programa “Nós” – RTP2 – Domingos 9h50 • Programa “Gente Como Nós” – Antena 1 – sábados 13h30 • Prémio Jornalismo; • Seminário para jornalistas; • Bolsa de Formadores; • Projecto de Mediação Intercultural em Serviços Públicos; • Projecto dos Mediadores Municipais; • Observatório da Imigração; • Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial; • Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração; • Gabinete de Apoio Técnico às Associações de Imigrantes É este conjunto integrado de medidas e serviços que operacionaliza o II Plano Nacional de Integração dos Imigrantes (PII 2010-2013), actualmente em vigor:

Um Plano que conta com a participação de 10 Ministérios e que abrange 17 áreas de intervenção, 90 medidas e 404 metas e que conta ainda com um a plataforma electrónica de acompanhamento dos imigrantes. Um plano apostados numa maior educação intercultural e no desenvolvimento de competências interculturais para a população em geral:

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Para terminar a minha intervenção e agradecer uma vez mais a oportunidade à organização do Congresso, resta-me informar que será lançado em Dezembro de 2012 pelo Observatório para a Imigração o resultado do estudo ‘O Peso dos Imigrantes na Segurança Social Portuguesa’. O estudo conclui pela existência de um baixo peso de custos, no que concerne à despesa social com prestações sociais destinadas a imigrantes, sendo que a maior despesa com a imigração é, neste momento, no pagamento de transferências sociais relativas à maternidade, pelo que se conclui mais uma vez que a presença de comunidades imigrantes em Portugal representa uma riqueza social e cultural e também em termos financeiros um potencial para a riqueza do país e um contributo positivo para as contas da Segurança Social. Muito obrigada!”

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“A investigação em Serviço Social: Modelos para a Compreensão da Realidade” Jorge M. L. Ferreira Professor Auxiliar Universidade Lusíada Lisboa (ISSSL) Professor Auxiliar Convidado ISCTE – IUL Diretor CLISSIS e Revista Intervenção Social

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RESUMO A presente comunicação desenvolve uma reflexão sobre a prática do, assistente social baseada na investigação em Serviço Social e sobre os seus contributos para a teorização desta área do conhecimento. Desafia o assistente social a analisar a realidade social atual e a questionar o seu saber e conhecimento de forma a sustentar uma matriz de intervenção adequada aos princípios do Serviço Social no contexto atual das políticas públicas e sociais. Termina com a proposta de um exercício reflexivo aos profissionais, professores, investigadores e estudantes do Serviço Social. As mudanças e as transformações ocorridas na sociedade contemporânea impõem ao Serviço Social recorrer à investigação como caminho seguro e rigoroso para interpretar a realidade social e a sua complexidade de forma a encontrar respostas eficazes e adequadas ao objeto de intervenção. A centralidade no sujeito na intervenção do assistente social, contribuiu para a rutura com os modelos clássicos baseados no positivismo, estruturalismo e marxismo, integrando as dimensões cognitivas, ética, e política da prática profissional. Segundo Restrepo “A investigação qualitativa como perspetiva subjetiva, de reconstrução social da realidade, constitui uma via fecunda de aproximação ao conhecimento, descoberta e revalorização dos sujeitos histórico-sociais com os quais se constrói a prática profissional do Serviço Social dotando-a de novo sentido.” (Restrepo, 2003:130). Na prática profissional do Serviço Social, identificamos diferentes tipos de conhecimento: o conhecimento comum, do tipo explicativo baseado na vida quotidiana do sujeito de intervenção, o conhecimento teórico fundamentado em teorias específicas, que suportam a intervenção na dimensão subjetiva da vida quotidiana do sujeito e o conhecimento científico baseado na investigação, esta consiste num processo sistemático e rigoroso que se realiza com o propósito de recolher informação sobre a realidade social ou problemas sociais. O rigor da linguagem e terminologia da investigação carece de ser incorporada na prática profissional do assistente social, fundamental para concretizar o processo de comunicação e circularidade do conhecimento promovendo o reforço da Identidade Profissional.

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O objeto de investigação define-se e constrói-se em função de uma problemática e de uma teoria. À que diferenciar problemas de Investigação e problemas de Intervenção, os primeiros formulam perguntas que requerem resposta pela investigação, (suporte à prática profissional), os segundos referenciam-se a situações que dizem respeito a pessoas, famílias, comunidades e requerem uma resposta social. Neste âmbito o assistente social tem de ter competência teórico-cientifica para converter um problema da prática profissional num problema de investigação construído por preposições, indagações ou hipóteses. A realidade social da sociedade contemporânea, carateriza-se por complexa e interdisciplinar na sua compreensão, registando-se na atualidade alguns equívocos no campo profissional no domínio da compreensão do modelo de estado e de sociedade, em particular do Sistema de proteção social. Neste âmbito poderemos colocar em debate, alguns elementos, como: Estado Providência; Modelo Social Europeu; Sociedade Providência; ou um sistema de proteção social orientado pelo orçamento de Estado. Neste caso um modelo flutuante. Sobre esta questão deixamos ao leitor a pergunta: - Qual a compreensão dominante no Serviço Social? A matriz teórica do conhecimento dominante sugere-nos que o profissional domine as correntes do pensamento clássico e contemporâneo de forma a compreender o presente e perspetivar uma intervenção inovadora para o futuro, com base no esquema seguinte: 1º DOMÍNIO NA COMPREENSÃ O DA REA LIDA DE SOCIA L

CORRENTES DE PENSAMENTO (CLÁSSICO E CONTEMPORÂNEO):

Marxismo

Positivismo

Estruturalismo

Sistémico

Ecológico

Correntes económicas:

Keynesianas

Neo-Liberais

Liberais

O assistente social enquanto interventor e gestor de gastos sociais públicos recebe na sua formação académica uma preparação teórica e prática que associa conhecimentos científicos das ciências sociais, politicas e económicas tornando a sua ação eficiente e eficaz tanto na dimensão do sistema de proteção social como na dimensão do bem-estar e qualidade vida do cidadão (pessoa). No contexto da complexidade social em que mergulha a sociedade contemporânea confrontada com um quadro social de cidadania ativa, de desenvolvimento de competências, autonomia do sujeito e com políticas económicas de restrição da ação social justificadas pela crise económica e financeira, exige ao

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assistente social a reorganização das práticas sociais sem perda de direitos sociais do cidadão em sociedade. De acordo com o esquema seguinte: NA ACTUALIDADE A CORRENTE DE PENSAMENTO PREDOMINANTE:

SISTÉMICO

ECOLÒGICO

ESTRUTURAL

Correntes económicas:

Neo - Liberal

LIBERAL

QUAL O IMPACTO NA PRÁTICA PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL?

Atualmente consideramos que o assistente social na compreensão da realidade social e da sua prática profissional necessita de dominar as teorias: sistémica, ecológica e estrutural de forma a organizar respostas sociais sustentadas nas correntes económicas neoliberais com indicadores claros de dimensões liberais colocando em “perigo” os direitos sociais e o estado social na garantia de uma cidadania ativa de todo o cidadão em sociedade. Em termos teóricos podemos apoiarmo-nos nos contributos de Colligwood (2005), no que o autor designa da teoria circular do conhecimento, como podemos analisar através do esquema seguinte: 1º estádio da Teoria Circular:

Conhecimento

Competências

Teoria

Circular KIT

Valores

e

Ética

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Segundo o autor, a teoria circular do conhecimento fornece-nos um Kit constituído por conhecimento (formação), competências (saber), valores (Ser) e ética (princípios), possibilitando-lhe uma intervenção adequada e ajustada ao contesto, á politica e ao sujeito. 2º estádio da Teoria Circular

Teoria que informa

Teoria para a intervenção

Desenvolv. Humano Risco e Resiliência Sistemas Saúde mental Danos

Centrado na pessoa Trabalho Compet. Sociais Hist. Vida genograma

Num 2º estádio a teoria circular do conhecimento envolve-nos numa reflexão dedutiva sobre a informação disponibilizada pelas teorias do conhecimento, designando-as como teoria que informa (clarifica a dimensão concetual do profissional) e numa reflexão indutiva sobre a potencialidade dessa informação disponibilizada pela teoria para a intervenção do assistente social sustentada e orientada para uma prática sólida e coesa no domínio do argumento científico. 3º estádio da Teoria Circular: conhecimento, competências e valores

Competências

Conhecimento

Teoria para intervenção

Teoria da Informação

Comunicação Habilitações Avaliação Advocacia Instrumentos técnicos: (Informação e relatório social)

Legislação Politicas Procedimentos Contexto organizacional Recursos Diferença; Diversidade; Poder Pessoal, Profissional, Escolha questões organizacionais

Valores

e

Ética

Num 3º estádio o autor demonstra que a teoria circular do conhecimento associa a teoria e a prática, valorizando um perfil profissional do assistente social preparado para agir na complexidade da sociedade e dos problemas sociais.

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No entanto e com base na investigação realizada por Ferreira (2010) no âmbito do Serviço Social nas comissões de proteção de crianças e jovens em Portugal e quando questionados os assistentes sociais envolvidos no estudo sobre os suportes de apoio utilizados pelos mesmos na prática profissional concluímos: SUPORTES DE APOIO Á INTERVENÇÃO PROFISSIONAL CATEGORIA

Ordem de Suporte Indicado

Informação legislativa

Orientações de superiores

Decisões emanadas dos tribunais

Medidas operativas definidas pelas politicas sociais

Conhecimentos teórico-metodológicos

Recurso ao trabalho em rede

Princípios éticos e valores profissionais

Saberes experienciais

Instrumentos Técnico - Operativos

Supervisão

10º

Tecnologias da Informação e Comunicação

11º

Bibliografia

12º FONTE: Ferreira;2010

Pelos dados da tabela anterior, verificamos que ao contrário da teoria circular do conhecimento defendida por Colligwood (2005) os conhecimentos teóricos-metodológicos são referidos pelos assistentes sociais em 5º lugar e os princípios éticos e valores profissionais em 7º lugar, questionando o papel do assistente social no quadro das políticas sociais e da sociedade contemporânea. Na formação do assistente social a epistemologia e a teoria em Serviço Social assumem como função: - A aferição de uma linguagem conceptual científica que seja universal e não particular em função do contexto societário onde se insere. - Acumulação - caso não exista uma teoria adequada a investigação permite construir uma nova teoria através do processo de generalização empírica. - Precisão - facilita a comunicação e uma linguagem científica. - Orientação - apoio na adequação da teoria ao objeto observado ou de estudo/pesquisa. - Correlação - as teorias demonstram como os conceitos se articulam uns com os outros. - Interpretação - a teoria promove uma interpretação: visualiza um problema concreto ou define diferentes cenários. Predição - a perspetiva preditiva da teoria, sobre o sujeito humano, promove alteração na intervenção, desenvolve novas ações futuras. Propõe a revisão da

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matriz teórica e metodológica. A formação do assistente social certifica este profissional para a conceção, organização, diagnóstico, planeamento, gestão e avaliação de práticas suportadas no conhecimento científico e teórico-metodológico, reconhecidas como prática informada em Serviço Social. O Assistente Social desenvolve a sua intervenção com o objetivo final de criar oportunidades para o desenvolvimento das capacidades individuais e coletivas, para que cada cidadão possa exercer os seus poderes e responsabilidades individuais e sociais (Cidadania social activa/ empower). O Serviço Social no quadro do paradigma construtivista e na perspetiva de desenvolvimento social e humano, promove a igualdade de oportunidades e a não discriminação e o ato de empoderamento, (empower). Sem esquecer no quadro dos Direitos Humanos: a participação; autonomia e auto-determinação. É importante refletir a questão do método em Serviço Social na construção do seu objeto científico. O método leva a uma precisão do objeto de intervenção, estudo e pesquisa. No entanto o assistente social apresenta dificuldades na definição do seu objeto, nomeadamente no processo de definição de conceitos e terminologia específica, o que solicita um aprofundamento do mesmo. As práticas dos assistentes sociais encontraram no processo de intervenção um elemento sistemático e estruturado: estudo, diagnóstico, planeamento, implementação, avaliação e sistematização e / ou pesquisa. (Restrepo, 2003; Robertis, 2003; Ferreira, 2011). A construção social do conhecimento é essencialmente um processo indutivo, muitas vezes baseado no conhecimento ontológico do profissional. O Seculo XXI colocou ao Serviço Social o desafio da reflexividade e da reorganização das práticas sociais no quadro da crise económica e financeira que a Europa atravessa e em particular Portugal intervencionado pelo programa Troika. Analisemos agora a cronologia de procedimentos políticos com impacto nas práticas do Serviço Social: • 2010 – o governo socialista aprovou o plano de estabilidade e crescimento; • 2011- assinado o memorando da Troika: U.E; BCE; FMI. • 2011- o governo social democrata de coligação aprova documento de estratégia orçamental : 2011 – 2015. O Plano Estabilidade Crescimento (2010), implementa um conjunto de medidas na área social, caracterizadas por medidas de austeridade com a justificação da necessidade de reduzir a despesa pública, despesa fiscal, despesas com pessoal, despesas com as prestações sociais: • Rendimento Social Inserção; • Alteração no regime do subsídio de desemprego; • Prestações familiares; • Pensões. Este programa de estabilidade e crescimento (2010) apresenta como orientações: • 1- A unificação das metodologias e rigor de aplicação das prestações de

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solidariedade social; • 2- Reforço das regras de aceitação de ofertas de emprego como substitutivas das prestações de rendimentos de trabalho e das prestações de solidariedade para adultos ativos; • 3- Eliminação das medidas excecionais criadas no domínio do emprego e políticas sociais. Uma consequência do referido programa manifesta-se através da alteração das medidas de proteção social, que representavam em 2005 uma despesa de 18,5% do Orçamento de estado e em 2009 uma despesa de 21,9%, representando um aumento de 3,4% da despesa pública em gastos sociais. O PEC em 2010 operacionaliza medidas de redução da despesa pública (inversão das politicas sociais – de crescimento para redução comparada com o período 2005-2009). Passamos agora a uma análise mais pormenorizada dessas medidas: - Alteração nas prestações familiares: - Imposição de critérios para receber a medida. (500 mil famílias perdem o abono de família). Concluímos que um direito passa a uma necessidade, a sua atribuição é feita em função da prova de necessidade do agregado familiar. - Rendimento Social de Inserção: - Impacto na metodologia de acompanhamento da intervenção social; Fiscalização domiciliária dos beneficiários da medida; Verificação semestral dos rendimentos dos beneficiários; Penalização de falsas declarações; Cruzamento de dados com as bases fiscais para verificação de rendimentos do beneficiário. (Reforço da metodologia de controlo, com forte enfoque numa ação administrativa e menos técnica. Questão que impõe aos assistentes sociais reflexividade e aplicação dos conhecimentos, valores e princípios éticos no exercício da sua profissão.) - Subsídio de Desemprego: - Redução do valor da prestação face ao salário recebido; - Ativação do beneficiário em idade ativa na inserção em programas de qualificação escolar e profissional e inserção profissional; - Fiscalização e penalização de recusas indevidas de emprego pelo beneficiário. O memorando da Troika (2011), introduz medidas mais austeras no âmbito das despesas sociais, nomeadamente: - Subsídio de desemprego, redução do valor da prestação face ao salário recebido em 60%; Tempo máximo para usufruir do subsídio de desemprego é reduzido de 3 anos para 18 meses. (Paradoxo, quando temos uma elevada taxa de Desemprego. Dupla consequência: Perda de emprego e perda de subsídio de desemprego = aumento da exclusão e precariedade social).

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O documento de Estratégia Orçamental 2011 – 2015 do governo português, definiu as medidas: - Reorganização do Estado: - Programa de Redução e Melhoria da Administração Central (PREMAC): redução de 15% de serviços da administração central e cargos dirigentes relativamente ao verificado em finais de 2010; reorganização dos serviços desconcentrados da Administração Central; utilização de serviços partilhados (base dos serviços partilhados está a ideia de permitir às organizações ganhos de competências e de economias de escala: redução de custos e prestação de serviços de alta qualidade). - Redução do “Estado Paralelo”: - Realização de análise detalhada do custo/benefício de todas as entidades públicas e quase públicas (incluindo associações, fundações e outros organismos em todos os níveis da Administração Pública); Identificado por institutos, fundações, entidades públicas empresariais e empresas públicas ou mistas ao nível da administração central, regional e local; - Do resultado da avaliação, decidir sobre a respetiva manutenção ou extinção, bem como sobre a continuação ou cessação dos apoios financeiros. - Gestão de Recursos Humanos na Administração Pública: - Redução de efetivos nas Administrações Públicas (redução anual de cerca de 2% entre 2012 e 2014. Na área da Defesa (pessoal militar) em, pelo menos, 10% durante o período entre 2011 e 2014). - Congelamento de salários e de promoções/progressões (A redução média em 5% dos salários do sector público ocorrida em 2011 irá manter-se em 2012) Este documento de estratégia orçamental até 2015 define como medidas sectoriais ao nível dos ministérios que representavam 50,6% do total da despesa do Estado: - Solidariedade e Segurança Social, - Saúde, - Educação e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Analisamos agora em específico as medidas a aplicar em cada ministério: - Educação e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior: Ensino Pré-Escolar: - Supressão de ofertas não essenciais no Ensino Básico; revisão criteriosa de planos e projetos associados à promoção do sucesso escolar; - Reavaliação e reestruturação da iniciativa Novas Oportunidades; - Outras medidas de racionalização de recursos, nomeadamente quanto ao número de alunos por turma, no ensino regular e nos cursos EFA (“Educação e Formação de Adultos”). - Racionalização da rede escolar, designadamente o encerramento de escolas do 1.º ciclo com um número de alunos reduzido e a agregação de escolas em agrupamentos; ajustamento dos critérios relativos à mobilidade

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docente, racionalizando os recursos humanos da educação. Saúde - Política do medicamento: (promoção da utilização de genéricos, revisão do sistema de preços); - Prescrição e monitorização: (obrigatoriedade da prescrição eletrónica de medicamentos); - Racionalização de recursos e controlo da despesa: (centralização das compras e serviços partilhados, Plano de Redução de Custos nos Hospitais, revisão da tabela de preços do SNS); - Medidas estruturantes: (revisão do modelo das taxas moderadoras; racionalização da oferta de cuidados hospitalares); (Deste conjunto de medidas estima-se, uma redução significativa da despesa em 2012). Segurança Social: - Congelamento das pensões à exceção das pensões mais baixas; - Aplicação de uma contribuição especial com incidência sobre as pensões acima de 1500€; - Reforma dos Sistemas de Prestações de Desemprego: redução do prazo contributivo para acesso ao Subsídio de Desemprego de 15 para 12 meses; A redução do período máximo de concessão do Subsídio de Desemprego a 18 meses; a definição de um limite máximo do valor; a redução do valor da prestação de Subsídio de Desemprego ao fim de 6 meses de atribuição (no mínimo em 10%); a majoração do subsídio de desemprego, a casais desempregados com filhos a cargo. Exemplos: - Aumento dos transportes públicos (criação de um cartão especial para os mais pobres {principio discriminatório}; - Aumento do IVA da Eletricidade e Gás de 6% para 23%; - Alteração no número de crianças por instituição de infância {de 1metro e meio quadrado por criança reduziu para 1 metro}; - Alteração na legislação laboral {maior facilidade de despedimento}. O conjunto das medidas de austeridade assume um forte impacto nas práticas do Serviço Social? - Redução das políticas sociais; - Redução dos Serviços sociais da sociedade civil (falta de recursos financeiros); - Redução da oferta de emprego e precariedade no emprego; - Aumento do custo de vida das famílias; - Redução de 5% a 10% no salário dos funcionário públicos; - Outros. O contexto sociopolítico convida os assistentes sociais a questionarem-se sobre o seu papel profissional no campo politico, social, institucional e comuni-

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tário, sobre: - Que fundamentos e princípios de Serviço Social reforçar em período de crise? - Qual o marco teórico a privilegiar? (Assistencial, Interventivo, Participativo,…) - Que suportes utilizar na prática profissional num período com políticas sociais frágeis? (Valorização do sujeito, das competências, da formação, qualificação, outros). Um novo domínio do Serviço Social emerge com maior pertinência ou seja o da investigação em Serviço Social, de forma a consolidar práticas sociais baseadas em argumentos teóricos e em meios de prova. As mudanças ocorridas na sociedade contemporânea impõem ao Serviço Social recorrer à investigação como processo rigoroso para interpretar a realidade social e a sua complexidade de forma a encontrar respostas adequadas às necessidades sociais. A investigação em Serviço Social deve centrar-se no Sujeito de intervenção do assistente social. Este processo contribui para a rutura com os modelos clássicos baseados no positivismo, estruturalismo e marxismo, integrando as dimensões cognitivas, ética e política da prática profissional. Na prática profissional do assistente social identificamos diferentes tipos de conhecimento: - Conhecimento comum, do tipo explicativo baseado na vida quotidiana do sujeito de intervenção, - O conhecimento teórico fundamentado em teorias específicas, que suportam a intervenção na dimensão subjetiva da vida quotidiana do sujeito - E o conhecimento científico baseado na investigação, esta consiste num processo sistemático e rigoroso que se realiza com o propósito de recolher informação sobre a realidade social ou problemas sociais. Segundo, Parson (2003), o conhecimento em Serviço Social possibilita ao profissional (assistente social), uma intervenção ao nível: - Organizacional, governânça e atividades de regulação do Serviço Social; - Da prática do dia-a-dia, integrado num determinado contexto; - Dos sujeitos, obtido através da experiência; - Da investigação: obtido de forma sistemática e na base de uma estratégia metodológica. Através do processo de investigação aplicado na prática profissional, o assistente social ganha maior rigor da linguagem e terminologia sobre o domínio do seu conhecimento e área de atuação. Vocabulário que carece de ser incorporada na prática profissional do assistente social, considerado fundamental para concretizar o processo de comunicação e circularidade do conhecimento promovendo o reforço da Identidade Profissional. Através da investigação o assistente social constrói o seu objeto de estudo em função da problemática de intervenção e de um quadro teórico de referência.

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O Indutivo na prática do Assistente Social Na prática profissional do assistente social a indução assume particular impacto na caracterização do modelo predominante de investigação em Serviço Social, ou seja a investigação qualitativa. A que dá Voz aos sujeitos (dimensão de Direitos Humanos). A investigação como fonte de conhecimento deve ter a capacidade de informar a prática profissional, produzindo compreensões e interpretações que atuem como chave para intervir na complexidade da dinâmica da realidade social. A investigação em Serviço Social não serve apenas para dar suporte teórico-metodológico às práticas mas também para as transformar, sendo este um imperativo ético - (empowering holístico). (Hugh McLaughlin; 2008). Deixo ao profissional uma pergunta para reflexão em equipa: Que implicações da investigação na prática profissional do Assistente Social? Concluindo esta minha intervenção algumas notas de reflexão. A invisibilidade da investigação em Serviço Social: - Que impacto assume a investigação nas práticas profissionais do Serviço Social? - Como circula o contributo da investigação pelos planos de formação, pelo exercício profissional e pelas políticas sociais? - Onde se arquiva o conhecimento científico resultante das teses de doutoramento, dissertações de mestrado e relatórios de projetos de investigação? - Onde está a publicação? O futuro da Investigação em Serviço Social: - O Serviço Social passa presentemente por um período de significativa mudança. No presente o corpo profissional é graduado (1º ciclo), um número significativo de mestres (2º ciclo) e um acréscimo de doutores promovido pelos cursos de doutoramento em Serviço Social. (Graus académicos e títulos profissionais reconhecidos pela comunidade cientifica). - O Estudante de Serviço Social para se licenciar tem de demonstrar competência profissional através da prática. O difícil é analisar e avaliar essa competência, e se são capazes ou incapazes de usar as evidências da pesquisa atual em Serviço Social para uma prática eficaz. Relatório sobre Investigação em Serviço Social para o século XXI (Revista de Serviço Social UK (2006)): - È importante reconhecer a investigação como suporte para uma prática informada. - O Governo Inglês Criou o SCIE. O executivo escocês desenvolveu a pesquisa pela WEB (www.researchweb.org.uk), melhorando o acesso à investigação pela prática. - Promover uma prática baseada em evidências (evidence-based).

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Jorge M. L. Ferreira

- A investigação em Serviço Social deve centrar-se nas práticas de forma a garantir maior especificidade do seu campo de pesquisa face às outras áreas das ciências sociais. Vou terminar com uma proposta, convidando todos os envolvidos no Serviço Social a realizarem o seguinte exercício: O exercício procura ajudá-lo (a) a identificar as áreas de Serviço Social onde deseja trabalhar: Apresentamos um conjunto de áreas onde pode trabalhar. Identifique por ordem de prioridade: Sujeitos de intervenção; Famílias; Grupos; Organizações; Comunidades. Em OFF - Se realizasse-mos o exercício provavelmente maioritariamente responderiam: - “Trabalhamos todas” ou “isso é só uma área”. - Uma possibilidade muito veiculada pelo principio de “ser uma formação generalista”, mas - Se cada área tem uma complexidade igual ou superior a outra no domínio da compreensão teórica e operativa para uma resposta eficaz, pergunto - Como profissional, como argumenta a sua preparação técnica e científica? Questão 1 • Descreva as razões da ordem de escolha (de acordo com a prioridade manifestada)? Questão 2 • Descreva uma área de escolha para exercer a sua atividade profissional como assistente social e explique as razões da escolha? Questão 3 • Identifique uma situação/problema em que tenha realizado uma intervenção, de acordo com a área escolhida anteriormente. • Qual o quadro teórico – metodológico e o suporte instrumental, que usou para resolver essa situação/ problema? Eventuais resultados do Exercício: No final do exercício teríamos muitas perguntas, muitas dúvidas, muito debate sobre: Competências; Funções; Atribuições; Princípios éticos; Prática, experiência; Entre outras. Processo: - No final teríamos concluído um processo reflexivo sobre o conhecimento em Serviço Social. - È aqui que se inicia o 1º momento científico do Serviço Social definido por método reflexivo (Reflexividade), que nos orienta para um princípio epistemológico, suportado na Investigação. - Este orienta-nos para a Teoria que define os modelos de intervenção, adequados à prática profissional; - E cada modelo utiliza um conjunto de instrumentos, aos quais se asso-

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“A investigação em Serviço Social: Modelos para a Compreensão da Realidade” pp. 99-113

ciam métodos e técnicas especificas no domínio do Serviço Social, - Definidos em função do problema, do sujeito de intervenção, do contexto organizacional, social, familiar e comunitário, das políticas públicas e políticas sociais e dos sistemas de proteção social. Prática reflexiva (presente no Serviço Social Critico): Mais do que visar a constituição de um conhecimento estabilizado, pretende o desenvolvimento das capacidades de reflexividade e de ação, tendo em vista o engajamento entre “as nossas ‘verdades’, ‘histórias’ e ‘construções’ e as dos outros” (Parton et al, 1998: 248).

BIBLIOGRAFIA Bobbie, R. Earl; Rubin Allen (2008). Research Methods for Social Work . 8ª Edição International Student Edition. USA. Thomson, broocs/cole. Hepworth, Dean H. e als). (2010). Direct Social Work Pratice. Theory and Skils. Eighth Edition.USA. Ed. BROOKS/COLE Cengage Learning. ISBN- 13: 9780-495-60167-8 McLaughlin, Hugh (2008). Understanding Social Work Research.London. Sage Publications. Zastrom, Charles H. (2010). The Practice of Social Work. A Comprehensive Worktext. 9th. Edition. USA. Ed. Brooks/Cole, Cengage Learning.

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Profissão, ciência e cidadania: desafio para o Serviço social no século XXI Prof. Dr. Antonio López Peláez Catedrático de Universidad Departamento de Trabajo Social Facultad de Derecho UNED alopez@der.uned.es

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Resumo Nesta comunicação, analizamos três desafios que têm de afrontar os profissonais dos serviços sociais no século XXI: em primeiro lugar, no âmbito académico, reforçar a sua cientificidade, estabelecendo protocolos de intervençâo rigorosos e replicáveis e favorecendo o desenvolvemento da pesquisa científica na matéria; em segundo lugar no ámbito das grandes especializações da matéria , favorecer o desenvolvimento das intervençãos sociais comunitárias em as nossas sociedades do bem estar (num contexto de crise econômica e mitificação do individualismo neodarwinista); em terceiro lugar, tomando en consideração coletivos específicos em situação de vulnerabilidade, afrontar a invisibilidade dos jovens em o nosso Estado de bem estar. Palavras-chave: Serviços sociais, ciência, ciudadania, juventude Título: Profesión, ciencia y ciudadanía: retos para los Servicios Sociales en el siglo XXI Resumen En esta ponencia, analizamos tres retos que tiene que afrontar los profesionales de los Servicios Sociales en el siglo XXI: en primer lugar, en el ámbito académico, reforzar su cientificidad, estableciendo protocolos de intervención rigurosos y replicables, y favoreciendo el desarrollo de la investigación científica en la disciplina; en segundo lugar, en el ámbito de las grandes especializaciones de la disciplina, favorecer el desarrollo de la intervenciones sociales comunitarias en nuestras sociedades del bienestar (en un contexto de crisis económica y mitificación del individualismo neodarwinista); en tercer lugar, tomando en consideración colectivos específicos en situación de vulnerabilidad, afrontar la invisibilidad de los jóvenes en nuestro Estado del Bienestar. Palabras clave: Servicios Sociales, ciencia, ciudadanía, juventud

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Title: Profession, Science and Citizenship: Challenges for Social Work and Social Services in the 21st century Abstract In this article, we discuss three challenges facing social work as a scientific discipline and profession in the 21st century. First, in the sphere of academia, it is essential to strengthen the scientific foundations underlying social work by establishing rigorous and replicable intervention protocols and promoting scientific research. Secondly, in the specialized fields of the discipline, it is necessary to contribute to the development of community social work in our welfare societies; particularly in a context of economic crisis and the mythification of neo-Darwinian individualism. Finally, we must take greater account of specific vulnerable groups and address the invisibility of young people in our welfare state. Keywords: Community social work, science, citizenship, social services, youth

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1. Introducción La madurez siempre es un buen momento para reflexionar sobre lo que ha ocurrido. Sobre el camino que se ha seguido, y sobre las posibilidades que se abren en el futuro inmediato. Después de consolidarse científicamente con los nuevos Grados en Trabajo Social, con los nuevos Másteres oficiales en el área de conocimiento del Trabajo Social y Servicios Sociales, y con el Doctorado en Trabajo Social, podemos preguntarnos cuáles son los nuevos retos que afrontan los profesionales del Trabajo Social en el contexto español y europeo. Desde mi punto de vista, en el ámbito de los Servicios Sociales, si tomamos en consideración el carácter dual de nuestra disciplina, como el de muchas otras (por un lado, ciencia, por otro, profesión de ayuda con rigurosos protocolos de intervención), el principal reto es, precisamente, lograr una mayor vinculación entre la investigación académica, la evaluación científica del entorno, y el diseño, puesta en marcha, desarrollo y evaluación de la propia actividad de los trabajadores sociales desde patrones científicos. Hay que lograr, como en el resto de las ciencias sociales, una mayor comunicación entre la Academia y la Profesión. Brevemente, vamos a analizar tres retos para los Servicios Sociales en el siglo XXI: su nivel científico, la nueva vigencia del Trabajo Social Comunitario, y el papel de los jóvenes en nuestras sociedades del bienestar.

2. Reforzando el carácter científico de los Servicios Sociales Nuestra disciplina (y nuestra profesión) se configura desde sus inicios en función de la respuesta hemos dado a tres cuestiones. Por un lado, la democracia y la ciudadanía, que nos lleva a considerar a los otros como sujetos de su propia historia. Por otro lado, la experiencia de las desigualdades, la pobreza, los procesos de exclusión social, la situación de vulnerabilidad (que permite definir nuestra profesión como una profesión de ayuda). Y, finalmente, lo específico de las primeras trabajadores sociales es que buscan afrontar democracia y vulnerabilidad desde un enfoque científico, dando origen a nuestra disciplina (Richmond 1917 (2005)). La experiencia de un mundo que nos desasosiega se encuentra en el origen de nuestra ciencia, que busca ser pragmáticamente relevante. Y tiene un doble objetivo: formar profesionales, y potenciar a los ciudadanos para que puedan actuar como tales. Desde este punto de vista, la legitimidad del Trabajo Social como disciplina científica se encuentra en su orientación a la acción, y por eso el Trabajo Social como disciplina científica se une, indefectiblemente, al Trabajo Social como profesión. Tanto la enseñanza académica como las investigaciones en el ámbito del Trabajo Social tienen como objetivo final formar observadores críticos de la realidad, pero también formar buenos profesionales que se enfrentan a la experiencia patológica del mundo. Y se trata de unos profesionales imprescindibles que hacen frente a nuevos y viejos retos, a nuevas y viejas opor-

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tunidades en torno a las cuales desarrollamos nuestras trayectorias vitales. La pregunta por nuestra capacidad de proyectar y construir el futuro, va unida a la evaluación estricta de nuestro pasado y nuestro presente, de las posibilidades y constreñimientos que se derivan de nuestro contexto, de nuestra capacidad, de nuestras inercias personales y sociales, y de nuestra voluntad para diseñar el futuro posible. En las Ciencias Sociales, y específicamente en el Trabajo Social, utilizando los términos de Jaspers, el camino del conocimiento, del logos, tiene siempre en el desorden, en lo patológico, en el dolor, en la desigualdad, en la injusticia, en definitiva, en el pathos, la experiencia primera. De ahí que nuestra disciplina, el Trabajo Social, se caracterice por ser un logos, un conocimiento, urgido por la acción, que busca convertirse en una techné, en una práctica transformadora. El Trabajo Social debe considerarse una disciplina científica, una profesión que ejerce los conocimientos y técnicas establecidos después de una contrastación rigurosa, y en ningún caso puede limitarse a un conjunto de buenas intenciones, o de experiencias prácticas personales, producto de la casualidad, y que no pueden ser reproducidas. Lo que los trabajadores sociales necesitan son herramientas, técnicas, cuestionarios, metodologías, y teorías, que sean comunicables, que permitan avanzar en el conocimiento de la realidad, que permitan evaluar de forma adecuada el entorno, y que puedan obtener resultados que no dependan solamente de una pericia individual intransferible, sino sobre todo de la formación científica y la experiencia profesional (Fortune, McCallion, Briar-Lawson 2010). Desde esta perspectiva, se puede afirmar que la dinámica de la investigación científica en Trabajo Social es la siguiente: “la aplicación de la teoría a la práctica del trabajo cotidiano y su traducción posterior a una metodología más precisa”, que permita testar a su vez modelos y técnicas (Ranquet 2007: XX).

3. De los vínculos líquidos a la exclusión sólida: revitalizando las intervenciones comunitarias en el ámbito de los Servicios Sociales En el ámbito específico del Trabajo Social Comunitario, en la segunda mitad del siglo XX, podemos señalar una paradoja fundamental: en los países en vías de desarrollo, la intervención social comunitaria ha tenido un papel, y tiene todavía hoy, fundamental. Los retos sanitarios, de infraestructuras, educativos, que afectan a comunidades indígenas, solo podían abordarse tomando en consideración a la comunidad como tal, favoreciendo su autoorganización, su presencia en el debate público, en los medios de comunicación, transmitiendo sus denuncias y los procesos de empobrecimiento y desestructuración en los que estaban inmersas dichas comunidades (tanto en su propia vida personal, como en la degradación del medio ambiente). Sin embargo, en los países desarrollados, hasta la actual crisis económica, las intervenciones sociales comunitarias han perdido vigor, y en muchos ámbitos ni tan siquiera se diseñan en los Servicios Sociales. El individu-

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alismo, el modelo de gestión de prestaciones que se ha implantado en España, y la excesiva burocratización de la actividad de los trabajadores sociales, ha llevado a un cierto abandono de la dimensión comunitaria. Pero la crisis económica ha vuelto a poner de relieve, justamente, su vigencia en el entorno actual. Los principales retos para la intervención social comunitaria, en los países con un estado del bienestar consolidado, pueden organizarse en cuatro grandes ámbitos: la puesta en valor de la experiencia comunitaria, las estrategias para afrontar mediante dicha experiencia los procesos de desafiliación y exclusión, la redefinición de la actividad profesional de los trabajadores sociales, y el reto de las nuevas tecnologías como aceleradores de la experiencia comunitaria. - En primer lugar, la recuperación de la legitimidad de la comunidad como ámbito para la acción colectiva. Tanto culturalmente, como en función del desarrollo institucional del Estado del Bienestar, la comunidad ha ido perdiendo relevancia, sustituida por la labor de las instituciones públicas, por un lado, y por el creciente individualismo, por otro. Si analizamos la labor profesional diaria de los trabajadores sociales en cualquier institución pública, lo que podemos denominar la intervención social comunitaria ocupa un reducido lugar. Es necesario recuperar un concepto de comunidad basado en la participación, en la ciudadanía, en el respeto al disenso democrático, y por supuesto la legitimidad de las decisiones tomadas democráticamente. Una comunidad que se define por el objetivo u objetivos que quiere alcanzar en cada caso concreto, pero que también se define por el proceso de enriquecimiento que permite en cada ciudadano al compartir y debatir, al participar, y al convertirse en sujeto de su propia realidad histórica. Una comunidad que tiene que ser, necesariamente, cosmopolita, porque nos encontramos inmersos en sociedades interculturales en las que el conflicto entre identidades debe dar paso a la capacidad de construir juntos nuestro futuro. Recuperar nuestra identidad, que se decide en la preocupación por los otros, con-ciudadanos, en los que producimos nuestra ciudadanía al tratarlos como tales ciudadanos. Este es un proceso que tiene que ver, a su vez, con una doble cuestión. Por un lado, es necesario superar las definiciones de lo comunitario en clave defensiva, como lugar de refugio para los iguales que comparten una identidad estable. En nuestros barrios y ciudades, los ciudadanos tenemos intereses muy diferentes, y nuestra procedencia étnica, geográfica y cultural puede ser muy diversa. Frente a los modelos de comunidades como lugares de recogimiento, enclaustramiento y aislamiento, los trabajadores sociales tienen que ser capaces de articular y dejar articularse movimientos comunitarios reales, en los que puedan coincidir ciudadanos con diferentes perspectivas que se organizan en función de objetivos compartidos. Por otro lado, hay que tener en consideración que en nuestras sociedades interculturales, las personas pueden organizarse en función de identidades étnicas, religiosas o de otro tipo, que se caracterizan por defender solo los intereses de los que pertenecen a ellas, y con ello, negando, si llegan a predominar, la afirmación de aquellos que no comparten dichas características.

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Es decir, los trabajadores sociales deben tomar en consideración lo que podemos denominar la tendencia a la fuga y el aislamiento (como podemos ver ejemplarmente en urbanizaciones privadas, en las que se refugian personas que detentan grandes recursos económicos detrás de costosos sistemas de seguridad), y también la tendencia contraria, hacia el dominio del espacio público y los recursos por parte de comunidades organizadas que se afirman de forma excluyente. Tanto en su versión de “reducto”, como en su versión “expansiva”, ambas tendencias constituyen riesgos que el trabajador social debe tomar en consideración en su intervención social comunitaria. - Íntimamente vinculado con el apartado anterior, el segundo reto que afronta el Trabajo Social Comunitario va más allá de afirmar la legitimidad de la comunidad como ámbito de intervención y como sujeto de acción colectiva. Hay algo más: la realidad cotidiana del proceso de desafiliación que experimentan nuestros conciudadanos, la ruptura o pérdida del vínculo social (que nos deja aún más indefensos ante los retos de la vida). Los procesos de exclusión social, como hemos mostrado con detalle al analizar la trayectoria vital de los denominados trabajadores con bajo salario o trabajadores pobres en la década de los años 90 en España (López Peláez 2005), (en la fuerte crisis económica y social previa a la que comienza en el año 2007) conllevan pérdidas, rupturas, situaciones de aislamiento, y un aumento de la vulnerabilidad social (más grave en aquellos que han perdido sus vínculos sociales y se instalan en la precariedad permanente). A la vez, la transformación de la familia o las familias, última barrera que nos protege de la exclusión social (Del Fresno 2011), nos sitúa en un contexto diferente. Y la propia heterogeneidad de la población, con más de un 10 por ciento de población inmigrante, nos obliga a una evaluación más detallada de los procesos de desafiliación, de los vínculos sociales que se debilitan. Con un objetivo claro: recrear vínculos sociales como nuevo objetivo, para hacer posible la propia evolución personal de cada uno de nosotros. Es necesario establecer programas, metodologías de investigación y técnicas de intervención que permitan recuperar nuestra capacidad de vincularnos, de reencontrarnos, de fiarnos y de confiarnos en la mirada y la acción de cada uno de nosotros mismos, de nuestros familiares, de aquellos que se integran en los grupos a los que pertenecemos, y finalmente, de las comunidades en las que nos integramos y que nos permiten realizarnos. Se trata de fortalecer la confianza en uno mismo y en los demás, desarrollar nuestro “empowerment”, nuestras capacidades personales, grupales y comunitarias. Y para ello, es necesario vincular a las personas a sus redes de pertenencia. En el ejemplo con el que comenzábamos en el inicio de este capítulo, el proyecto para la educación para la paz en Nicaragua y Guatemala, en el cuestionario se preguntaban aspectos básicos de sus redes de pertenencia, de sus comunidades, para poder actuar reforzando dichas redes de pertenencia y afrontando comunitariamente el problema de la violencia en el seno de la familia. Desde una perspectiva basada en los derechos de la ciudadanía, la participación en proyectos comunitarios pone de relieve hasta que punto los derechos sociales y las obli-

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gaciones sociales van unidas: en la preocupación por los derechos propios y de los demás, debatiendo y analizando la educación, se objetiva rápidamente la necesidad de contribuir a la financiación del sistema educativo de la comunidad. Tenemos derechos, sí, pero también tenemos obligaciones. Nuestros derechos, si no nos organizamos estructuralmente para garantizarlos, transformándolos en capacidades, en los términos formulados por Sen (Sen 2010), dejan de serlo. Igualmente, nuestras obligaciones, para hacer posible el ejercicio de dichos derechos, si no se cumplen y se organizan adecuadamente, hacen imposible su ejercicio práctico. La emancipación de cada persona no puede lograrse sin vínculos, sin una comunidad a su vez emancipada. Quizás la excesiva lejanía entre el individuo aislado y el Estado al que se considera un extraño, ha llevado ha justificar la evasión de impuestos, y también la reducción de prestaciones, como si fueran una simple decisión graciable de un ente lejano, que pierde legitimidad progresivamente, como la pierden también quienes lo dirigen, la clase política. Recuperar el vínculo entre ciudadanos, Estado, y clase política, exige una revitalización de la experiencia de lo comunitario, una mayor proximidad a las preocupaciones de los demás, y una participación más activa en las decisiones. La democracia se sustenta en la preocupación por el otro, por los con-ciudadanos, y, para preocuparse, hay que ocuparse de aquello que nos preocupa. La exaltación del individualismo, la complejidad de la burocracia, y la profesionalización de la política como actividad, ha llevado, en sociedades de consumo de masas, a una cierta indiferencia hacia lo público, que no se ha materializado en un abandono de las preocupaciones, sino en una deslegitimación de la actividad política, de la actividad comunitaria, y por lo tanto, de la propia democracia representativa. Podríamos preguntarnos, como pequeño test sobre nuestra predisposición a trabajar por el bien común (que también es el nuestro), si estaríamos dispuestos a ser nombrados presidentes de nuestra comunidad de vecinos, y dedicarle el tiempo necesario… Necesitamos revitalizar nuestros vínculos, la preocupación por los otros y la dignidad de la vida pública. Y para eso, es necesario el Trabajo Social comunitario. - El tercer gran reto que hay que afrontar en los próximos años podemos formularlo de la siguiente manera: la reinvención del Trabajo Social en un entorno de crisis (Featherstone 2011). El Trabajo Social como profesión, y el Trabajo Social como disciplina científica que da soporte y permite el desarrollo de la profesión, (introduciendo estándares científicos de evaluación, diseño, intervención y evaluación final de los resultados obtenidos), tiene que hacer frente a un doble proceso. Por una parte, la redefinición de las políticas sociales y sus profesionales en un entorno diferente al de las décadas centrales del siglo XX. Se demandan nuevos derechos y, consiguientemente, nuevas prestaciones. A la vez, se produce una burocratización de la profesión, identificada con la gestión de dichas prestaciones, y, en el caso español, el limitado número de trabajadores sociales lleva a que la mera gestión de las prestaciones se convierta en su actividad profesional ordinaria, agotando en ella su tiempo de trabajo. Por otra parte, los recursos dis-

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ponibles disminuyen, y en un contexto en el que parecía que el aumento de recursos era la norma, nos encontramos con una mayor precariedad en la financiación. Y, consecuentemente, con una mayor precariedad en la carrera profesional de los trabajadores sociales, que desempeñan su actividad en instituciones públicas o privadas obligadas a reestructurarse. El aumento de los problemas, derivados también de la mayor proporción de personas solas en una sociedad que mitifica el individualismo, el aumento de la exclusión social, y la precarización de las condiciones de vida de sectores cada vez más amplios de la población, también introduce nuevas demandas a las que hacer frente. Y, en último lugar, podemos señalar la transformación de los modelos de gestión, que, con menos recursos, deben hacer frente a mayores problemas, y en los que se introducen criterios de eficiencia importados del sector privado. Tienen que readaptarse en función de los objetivos de las políticas sociales, de la condición de ciudadanos de aquellos que acuden a los servicios sociales, y también de la evolución y requerimientos de los profesionales del Trabajo Social. Una de las formas de adaptarnos a la crisis (y también a la presión neoliberal que defiende una menor intervención del Estado), que se ha consolidado en los últimos años, es la siguiente: la transferencia al sector privado, o al sector asociativo, de un número mayor de recursos, prestaciones y servicios. - El cuarto gran reto para la renovación del Trabajo Social comunitario tiene que ver con la utilización de las nuevas tecnologías de la información y la comunicación. Cierta burocratización, individualización y aislamiento en nuestras sociedades urbanas, complejas, coinciden con un modelo prestacionista en el que la carga de trabajo burocrática favorece que la actividad profesional del trabajador social se orienta hacia la mera gestión de prestaciones. La intervención social comunitaria perdía vigor, a la vez que los cauces de participación democrática se reducían la las reclamaciones a los partidos políticos, la participación en las elecciones, y el papel que juegan los sindicatos. Volcados en el consumo, en una sociedad de masas con cierto nivel de bienestar y una visión individualista y competitiva de las relaciones con los demás, la participación, clave de la democracia y también clave de la vida comunitaria, se difuminaba, a la vez que la política se profesionalizaba y se alejaba de la vida cotidiana de la población. La consecuencia clara ha sido, desde nuestro punto de vista, la desafiliación a partidos políticos y sindicatos, y la falta de participación en actividades colectivas. Sin embargo, las nuevas tecnologías han roto ese escenario: las redes sociales nos permiten, (como ha puesto de manifiesto el movimiento de los internautas contra la Ley Sinde y el canon digital, o el movimiento del 15 M en Madrid primero, y después en toda España), salir del anonimato y vincularnos con los afines. Permiten acelerar la difusión de noticias, permiten nuevas formas de votación y participación a través de los medios de comunicación electrónicos. Permiten realizar convocatorias y movilizar a personas que, de otro modo, no accederían con tanta facilidad a la información. Y, sobre todo, permiten que los que participan en dichas redes sociales se sientan protagonistas de su historia, la compartan (desde fotos hasta ideas o

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manifiestos), encuentren un altavoz para sus demandas, y puedan recuperar sus vínculos sociales perdidos en el anonimato de la vida urbana. La respuesta de los trabajadores sociales no puede ser otra que diseñar lo que denominamos el “trabajo social en la red” (López Peláez 2010b). Por ejemplo, en el ámbito del Trabajo Social con grupos se diseñaban hace más de 40 años dinámicas de grupos basadas en el teléfono, y ahora, con las nuevas tecnologías de comunicación, todo es más fácil: puedes verte en Internet, puedes encontrar aquellos que coinciden o discrepan con tu forma de pensar, puedes quedar en un lugar físico o virtual, puedes agruparte y puedes buscar información, y todo ello en tiempo real. Internet se está colonizando con las reglas de juego de nuestras sociedades avanzadas, y desde la pornografía hasta los casinos virtuales, se reproducen nuestras formas de vida. Hay que ocupar ese espacio virtual y redefinir nuestras metodologías para diseñar el trabajo social comunitario en la red y a través de la red. En la red se dan nuevos y viejos procesos de exclusión, y a la vez, a través de la red podemos reforzar nuestros vínculos comunitarios.

4. ¿También son invisibles los jóvenes en los Servicios Sociales? Los jóvenes constituyen un ámbito clave para nuestra disciplina: muchos procesos de vulnerabilidad y de exclusión social comienzan en la juventud. Y pueden derivar en trayectorias fallidas por una doble razón: porque en las políticas sociales y en los Servicios Sociales los jóvenes no encuentran programas y profesionales que les permitan afrontar los desafíos de su vida; y porque realmente se conviertan en un colectivo invisible, en un doble sentido (invisibles para los Servicios Sociales, y que los Servicios Sociales sean invisibles para ellos). Desde nuestro punto de vista, las investigaciones sobre las dos dimensiones básicas que caracterizan la vida de los jóvenes (el mercado de trabajo, -lo que se denomina la transición profesional-, y la independencia entendida como constitución de una nueva unidad familiar en un nuevo hogar –lo que se denomina transición familiar-), deben complementarse con el análisis de los programas destinados a los jóvenes en los Servicios Sociales. Por dos motivos. En primer lugar, para ver el modelo de juventud y el modelo de integración social desde el que están diseñados, y que nos permiten analizar cómo se percibe a los jóvenes desde las políticas sociales. En segundo lugar, porque precisamente los Servicios Sociales constituyen la última barrera institucional contra la exclusión social. En las trayectorias fallidas de los jóvenes, hay que preguntarse por el papel que juegan los Servicios Sociales, y también por el discurso de los jóvenes respecto a los mismos. La mayor o menor utilización de los recursos disponibles en los Servicios Sociales puede interpretarse en función de mayor o menor adaptación a las demandas de los jóvenes y a sus situaciones de riesgo reales, pero también puede interpretarse en función de la mayor o menor invisibilidad que tienen dichos programas y recursos para los jóvenes.

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Las manifestaciones del movimiento 15 M de 2011, organizadas en una red global de protestas el 15 O de 2011, han puesto de relieve dos cuestiones. En primer lugar, la problemática de los jóvenes (pero no solo de ellos), invisibilizada en la denominada agenda pública, pero dolorosamente experimentada por cada joven y cada familia: altos niveles de paro, bajos salarios, movilidad social descendente y falta de expectativas. La mayor parte de la población española, por ejemplo, ha experimentado una fuerte solidaridad y complicidad con estos movimientos porque, independientemente de que si está de acuerdo o no con sus lemas o planteamientos, sí que se está de acuerdo con la difícil situación que viven nuestros jóvenes. En segundo lugar, los jóvenes han experimentado lo que Martha Nussbaum denomina la capacidad de afiliación: ser capaz de vivir con los otros, de reconocerlos y tomarlos en consideración, de relacionarnos, y de tratarnos como seres dignos con el mismo valor unos que otros (Nussbaum, 2001). Los jóvenes, a través de las redes sociales, han sido capaces de abandonar los sueños solipsistas neoliberales, y olvidarse de un mundo definido como un mercado en el solo podemos desarrollar trayectorias individuales y aceptar las reglas de juego ya establecidas. Y se han vinculado unos con otros, hasta lograr convertirse en parte de la agenda de los medios de comunicación y de los partidos políticos. Se han comunicado, se han reconocido, se han organizado, y han permitido poner de relieve la situación de vulnerabilidad en la que se encuentran (tanto en el ámbito laboral, como en el ámbito de la salud o en el de los riesgos laborales (López Peláez 2007). En este contexto, las trayectorias fallidas de los jóvenes se encuentran con una respuesta institucional muy limitada, en el ámbito de los Servicios Sociales. Limitada por tres cuestiones: - En primer lugar, por los recursos y profesionales disponibles, concentrados en su mayor proporción en el primer nivel de atención. En este sentido, se destinan menos recursos a los Servicios Sociales especializados, en los que se engloba la juventud. La crisis económica refuerza esta situación, y pierden peso los jóvenes como usuarios de los Servicios Sociales, a la vez que se diseñan menos programas para ellos. Al acudir a los Servicios Sociales, como cualquier otro usuario, los jóvenes demandan un trato cercano, profesional, y valoran las orientaciones específicas de los trabajadores sociales para obtener la ayuda solicitada. En este sentido, habilitar un espacio en las redes sociales para interaccionar con los jóvenes y tomar en consideración sus demandas, y evaluar el servicio que se les presta, puede favorecer una mayor y mejor interacción entre los trabajadores sociales y los jóvenes. - En segundo lugar, por la propia invisibilidad de los programas, para los propios jóvenes. Aquí juega un papel fundamental la evaluación correcta de los nuevos retos para su propia trayectoria, definidos en función de la interacción en la red (tanto en el acceso a recursos, personas, instituciones, cuanto en función de nuevas patologías), y el diseño de programas

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de intervención social con colectivos de jóvenes específicos que tenga en cuenta los problemas educativos y laborales a los que hacen frente, pero también sus pautas de interacción como nativos digitales. - En tercer lugar, la heterogeneidad de los jóvenes, y de sus situaciones vitales, demanda más y mejores estudios en el ámbito de la metodología de la intervención social, que tomen como punto de partida la situación de los jóvenes, sus aspiraciones, su contexto, y la potenciación de sus capacidades para que puedan desarrollar sus proyectos vitales, como muestra la perspectiva del empowerment y el Trabajo Social con jóvenes (Segado Sánchez-Cabezudo 2011). Para ello, hace falta una mayor especialización de los trabajadores sociales, y una mayor flexibilidad de los programas y de la asignación de recursos. Y, sobre todo, hace falta una mayor participación de los jóvenes en la definición de dichos programas, y en el diseño, desarrollo y evaluación de los mismos (y de los trabajadores/as sociales que participan en los mismos). Desde nuestro punto de vista, podemos resaltar tres características de los Servicios Sociales, en relación con los jóvenes: - En primer lugar, como tales Servicios Sociales, se trata de un espacio de adultos para adultos, en el que prima el modelo de integración social establecido en términos de empleo e independencia familiar, y en el que el joven usuario se encuentra inmerso en un mundo de adultos: las reglas de juego, el estilo relacional, las expectativas. Los profesionales del Trabajo Social con los que interactúan tienen un modelo de integración basado en la prevención de los riesgos (consumo de sustancias psicoactivas, violencia familiar, fracaso escolar, desempleo), y no tanto en formar a los jóvenes para que adquieran un mapa u hoja de ruta con la que gestionar desde su identidad su propia trayectoria. Además, ante las dificultades para gestionar su trayectoria (búsqueda de empleo, y búsqueda de vivienda), lo más habitual suele ser, excepto en los casos de violencia doméstica, favorecer que permanezcan en el hogar familiar, con una mentalidad proteccionista que colisiona con la voluntad de independencia de los propios jóvenes que acuden a los Servicios Sociales. En definitiva, los Servicios Sociales se caracterizan por su carácter prestacionista (centrados en la distribución de recursos y asignación de prestaciones), por la búsqueda del mayor nivel de prestaciones sociales posibles, en un mundo de adultos para adultos, en el que los jóvenes experimentan dificultades reales para verse reconocidos como tales (Vidal 2009). - En segundo lugar, la complejidad de las trayectorias juveniles, y los factores que intervienen, tanto externos como internos a cada sujeto que decide, no son muchas veces tomados en consideración para diseñar los programas que se llevan a cabo con los jóvenes. Al contrario, se interviene con los jóvenes en función de aquellas características negativas en torno a las que se articula la actividad profesional de los trabajadores sociales:

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delincuencia, fracaso escolar, y otras etiquetas negativas que influyen en cómo se define la “solución” al problema: la vuelta a colegio, a la vida ordenada, al consumo según las pautas establecidas… Es decir, al no tomar en consideración el discurso de los jóvenes sobre sí mismos, y sus capacidades, la intervención social a menudo se diseña simplemente como una mera prevención de las conductas más o menos disruptivas de los jóvenes. Frente a esta tendencia, en el ámbito del Trabajo Social con jóvenes se están desarrollando programas de intervención basados en el análisis de su problemática específica, buscando precisamente acceder a aquellos jóvenes que no pueden ser atendidos mediante la orientación genérica de los programas de los Servicios Sociales (van Ewijk 2010). - En tercer lugar, al igual que nuestro Estado del Bienestar, los Servicios Sociales (tanto en sus programas de intervención social, cuanto en la prestación de recursos), se ha definido en función de la protección de un colectivo específico, la población mayor de 65 años, y ha relegado a un segundo plano a los jóvenes y las políticas de juventud. El carácter asistencialista y prestacionista y la especialización en la Tercera Edad se refuerzan mutuamente, y configuran un modelo en el que los jóvenes no se encuentran reconocidos, y, además, en el que los recursos disponibles para los jóvenes son de mucha menor envergadura que los disponibles para el colectivo con mayor edad. En este punto, como se ha señalado con particular agudeza, el Estado del Bienestar español toma como punto de partida la solidaridad familiar. Es la familia la que se encarga de la socialización de los jóvenes (Moreno Mínguez 2009), es la familia la que se ocupa de responder a sus demandas (incluida la de independencia, de ahí que esta se retrase en el tiempo), y la que garantiza la solidaridad intergeneracional, actuando como un auténtico Estado del Bienestar. Y el Estado se especializa en la provisión de la competencia educativa y profesional. La mayor longevidad, y los problemas derivados de la falta de autonomía personal, han tratado de ser afrontados mediante la popularmente denominada ley de la dependencia. Sin embargo, las altísimas tasas de paro juvenil, la prolongada convivencia con la familia de origen, y también la caída de la natalidad, no han generado ninguna ley ni se han presupuestado recursos comparables con los que se destinan a la protección de la autonomía personal. En este punto, las comparaciones con otros países de la Unión Europea ponen de relieve dos cuestiones: en primer lugar, que no se puede probar que la mayor inversión en la tercera edad se realice a costa de una menor inversión en los más jóvenes, lo que pone de relieve que, más que una situación de competencia, lo que se detecta es una situación de invisibilidad de los jóvenes respecto a otros colectivos (Börsch-Supan 2007); y, en segundo lugar, que la media de gasto social en jóvenes es bastante más baja en España, Italia o Portugal, que en Dinamarca o Suecia (Chiuri y Del Boca 2008)). Esta asimetría quizás puede explicar por la invisibilidad del

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colectivo de jóvenes en los países más familistas (que les lleva a emplear menos recursos, independientemente de los que se dedican a las personas de mayor edad). A la vez, la mayor visibilidad social y política de las personas mayores podría explicar el mayor gasto social en la tercera edad. En cualquier caso, para los jóvenes, al tener como referente de protección social a su propia familia, los Servicios Sociales también se vuelven invisibles. La invisibilidad de los jóvenes, tal y como hemos señalado, no implica que sus problemas no existan. Por ejemplo, como hemos podido comprobar en los proyectos de investigación sobre metodologías de intervención social que hemos llevado a cabo en la provincia de Segovia desde el año 20061, tomando como punto de análisis la actividad de los Centros de Acción Social (CEAS), los jóvenes constituyen un colectivo cuantitativa y cualitativamente poco significativo en la prestación de servicios y en la atención de necesidades. Entre otras razones, porque la categoría “joven” es menos relevante que otras a la hora de asignar los recursos. En el Sistema de Atención a Usuarios de Servicios Sociales (SAUS) que utiliza la Junta de Castilla y León, la realizar el registro de la prestación, la categoría “joven” es una de las 18 categorías disponibles. Solo se puede registrar una categoría para codificar al usuario, y, frente a esta categoría, en el registro de prestaciones se da prioridad a otras, como “mujer”, “familia” o “minoría étnica”. Por ejemplo, tomando como referencia las categorías con las que se corresponden las demandas de los usuarios de los Servicios Sociales en Castilla y León (año 2006), el 48.4% se corresponde con la categoría “personas mayores”; el 19,8% con “familia”, el 7,9% con “personas con discapacidad”, y el 4,7% con “otras categorías”, en la que se incluye a los jóvenes. De igual modo que en el modelo de Estado del Bienestar familista de los países del sur de Europa, la familia actúa como principal mecanismo de prevención de la exclusión social, y el aparente bienestar de la población no puede llevarnos a evaluar positivamente precisamente la falta de recursos destinado a los más jóvenes. En nuestros Servicios Sociales, los requisitos formales de participación, y la importancia de la juventud como tal, no pueden hacernos olvidar precisamente que un modelo fundamentalmente prestacionista no hace frente a las necesidades de los jóvenes en relación con sus trayectorias vitales, tanto laborales, como familiares y de residencia, y de desarrollo cultural y personal. Persisten las necesidades, y, de igual forma que la familia opera como red de protección, en nuestro contexto multitud de Ong´s y de fundaciones llevan a cabo numerosos proyectos de intervención social con jóvenes. Los trabajadores sociales de las instituciones públicas a menudo se encuentran desbordados por un modelo de prestaciones burocratizado, que les requiere todo su tiempo, y en los congresos 1

Proyecto de investigación “Trabajo social y metodologías de intervención social en la provincia de Segovia” (2006-2010). Investigador principal: Antonio López Peláez. Financiación: Caja de Ahorros de Segovia y Centro Asociado de la UNED de Segovia.

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de Trabajo Social se viene demandando precisamente la recuperación del ámbito de la intervención social, más allá del asesoramiento y la información sobre las prestaciones disponibles. La tendencia que parece consolidarse, como podemos observar en la Ley 16/2010, del 20 de diciembre, de Servicios Sociales de Castilla y León, es la de redefinir al trabajador social como un profesional centrado en la prestación de servicios, que tiene que gestionar un catálogo sistematizado y amplio de prestaciones previamente establecidas (y en la que “participación” de los usuarios se ha convertido prácticamente en un argumento retórico). Una parte muy importante de la jornada laboral de cada trabajador social se emplea en la atención individualizada y la gestión de prestaciones como valoraciones de dependencia, o la renta garantizada de ciudadanía. Se trata de prestaciones de marcado carácter asistencialista, y asignadas en su mayoría a colectivos de mayor edad. En definitiva, la gestión burocrática de tareas y la propia invisibilidad como tal de la categoría “juventud” en los sistemas de gestión de las prestaciones, producen un distanciamiento entre los trabajadores sociales y los ciudadanos en general, y en particular con los jóvenes. Tanto desde el ámbito de la sociedad civil, como desde las propias instituciones, este proceso que podemos describir como una “deriva burocrática” de la actividad profesional de los trabajadores sociales, unido a la invisibilidad de los jóvenes como colectivo, ha generado una doble reacción, que tiene que ver con una cuestión clave: cómo hacer frente a la situación de vulnerabilidad de los jóvenes, y a la probabilidad de que se encuentren inmersos en trayectorias fallidas. Por un lado, existe una preocupación creciente por el distanciamiento creciente entre los jóvenes y los Servicios Sociales, por la baja utilización que los jóvenes hacen de los escasos recursos disponibles. Por otra parte, una de las estrategias más comunes en Ayuntamientos y Diputaciones es convocar concursos para seleccionar a Ong´s o fundaciones que desarrollen los proyectos de intervención, abandonando en parte el ámbito de la intervención social directa. Una de las consecuencias de esta estrategia que podemos denominar “externalizadora” es la falta de viabilidad presupuestaria de muchas de estas intervenciones, que necesitan financiación plurianual. Muchos programas se pueden ver paralizados abruptamente en función de las subvenciones de las que se dispone, y, al no contar con el respaldo de una institución pública que responde a la voluntad de los ciudadanos (como un Ayuntamiento), tienden a diseñarse los proyectos de intervención en función de las subvenciones posibles, y no en función de las demandas de los ciudadanos o de la propia viabilidad técnica del proyecto de intervención social (que puede requerir, lógicamente, una mayor duración temporal). Para hacer frente a esta invisibilidad, desde el ámbito del Trabajo Social y los Servicios Sociales, pueden establecerse diversas estrategias. Derivadas de los resultados de nuestro proyecto de investigación en la provincia de Segovia, podemos proponer las siguientes: - En primer lugar, es necesario favorecer la participación de los jóvenes en la definición, desarrollo y evaluación de los programas que llevan a cabo

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los Servicios Sociales. El alejamiento de los jóvenes refleja tanto la falta de adecuación de las prestaciones y servicios a sus trayectorias vitales, cuanto la especialización de nuestro Estado del Bienestar en colectivos de mayor edad. Todo ello favorece la vulnerabilidad y fragilidad de sus trayectorias. - En segundo lugar, es necesario desarrollar los Servicios Sociales on-line, y utilizar las redes sociales y los recursos digitales, para poder atender a una ciudadanía joven que es ya nativa digital. La fragilidad de las trayectorias, y nuevos retos y desafíos para los jóvenes, se desarrollan en la red. Y, a la vez, la red nos permite redefinir nuestras metodologías de intervención social. - En tercer lugar, la tendencia hacia la burocratización de la actividad profesional de los trabajadores sociales, y el carácter prestacionista de nuestro sistema de bienestar, no puede producir una “externalización” de la intervención social con jóvenes, desapareciendo como actores los Servicios Sociales. Deben diseñarse programas de intervención social desde las instituciones públicas (y también desde organizaciones privadas) que tomen como referencia las trayectorias vitales de los jóvenes, con el objetivo de reforzar sus capacidades para dirigir sus propias vidas, convirtiéndose en sujetos de las mismas.

4. Conclusiones: De la ayuda como asistencia a la ayuda como reconocimiento (la fundamentación ética de los Servicios Sociales en el siglo XXI) Utilizando la descripción que hemos empleado con anterioridad, como logos y como techné, el Trabajo Social y los Servicios Sociales constituyen una disciplina apasionante. Desde el principio, ha sido una profesión de ayuda, pero en el sentido derivado de la ciudadanía y la Ilustración: se trata de hacer posible desarrollar nuestra trayectoria vital afrontando retos y oportunidades en una sociedad en la que nos reconocemos como sujetos, como dignos, y como copartícipes de nuestra vida en común. El Estado del Bienestar y las políticas sociales en el siglo XXI, y también los Servicios Sociales, tienen que afrontar el reconocimiento de la ciudadanía del otro, estableciendo un modelo de cargas y responsabilidad compartidas, en la que el ciudadano no puede ser reducido a un mero usuario o un simple número. Hay que desarrollar nuevos enfoques teóricos en nuestra disciplina, y también favorecer una redefinición de la profesión que pueda hacer frente a la burocratización y la mera gestión de prestaciones. La crisis económica, y la deslegitimación que los planteamientos más individualistas realizan de lo comunitario, no pueden hacernos olvidar el componente estructural presente en las situaciones de vulnerabilidad en las que desarrollamos nuestras trayectorias vitales. Por ello, entre los numerosos retos que tiene que afrontar los Servicios So-

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ciales como disciplina científica y como profesión en el siglo XXI, hemos analizado, sin mayores pretensiones de exhaustividad, tres desafíos (dimensión científica, especialización en el ámbito social comunitario, y los jóvenes). Y podemos establecer las siguientes conclusiones: en primer lugar, en el ámbito académico, debe reforzarse precisamente su cientificidad, estableciendo protocolos de intervención rigurosos y replicables, y favoreciendo el desarrollo de la investigación científica en la disciplina; en segundo lugar, en el ámbito de las grandes especializaciones de la disciplina, hay que potenciar el desarrollo del Trabajo Social comunitario en nuestras sociedades del bienestar (en un contexto de crisis económica y mitificación del individualismo neodarwinista); en tercer lugar, tomando en consideración colectivos específicos en situación de vulnerabilidad, debe afrontarse la invisibilidad de los jóvenes en nuestro Estado del Bienestar.

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O endividamento relativo à habitação, das famílias residentes num bairro social, em Lisboa Marlene Almeida Mestre em Serviço Social – ISCTE - Lisboa E-mail: marlene.b.almeida@gmail.com

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Resumo O endividamento relativo à habitação, das famílias residentes no parque habitacional público da cidade de Lisboa, é um fenómeno que afecta mais de 40% dos agregados. Este constitui um dos maiores problemas de gestão da autarquia e um desafio para o Serviço Social. A presente investigação visa melhorar a prática profissional dos assistentes sociais que trabalham num gabinete de bairro da empresa que gere a habitação social de Lisboa. Através desta será obtido um corpo sólido de conhecimentos da realidade social, que optimizará a intervenção profissional junto das famílias com dívida, referente a habitação social. Face ao exposto, o objectivo geral é explorar e descrever os factores que originam o endividamento, relativo à habitação, das famílias residentes no bairro social da Horta Nova, em Lisboa. O endividamento é um fenómeno multifacetado, pelo que optou-se por analisá-lo a partir de variáveis: demográficas, económicas, psicológicas, sociais, habitacionais e institucionais. Para o efeito, foi levado a cabo um estudo exploratório, apoiado numa abordagem qualitativa. Os dados foram obtidos através de entrevistas em profundidade, realizadas a uma amostra constituída por 14 agregados residentes no bairro da Horta Nova. Os dados destas foram tratados através da análise de conteúdo com o auxílio do programa informático Atlas.ti.. Palavras-chave: Habitação social; endividamento; abordagem qualitativa; investigação em serviço social. Abstract The indebtedness concerning housing, of families living in social housing, in the city of Lisbon, is a phenomenon which affects more than 40% of households. This is one of the major problems of municipal management and a challenge for the Social Work. This research aims to improve the professional practice of social workers who work at company’s office that manages social housing. Through this, one will achieve a solid knowledge of social reality, which will optimise the professional intervention with indebted families, related with social housing. In light of the above, the general objective is to explore and describe the

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factors that cause the indebtedness concerning housing of the families residing in the neighbourhood of Horta Nova, in Lisbon. Indebtedness is a multifaceted phenomenon, so we opted to analyze it from demographical, economic, psychological, social, residential and institutional variables. An exploratory study supported by a qualitative methodology was conducted. The data was obtained through in-depth interviews, conducted to a sample consisting of 14 households in the neighbourhood of Horta Nova. The data was processed through content analysis using Atlas.ti. computer software. Keywords: Social housing; indebtedness; qualitative methodology; research in social work.

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Introdução De uma constatação da prática profissional, de um assistente social que trabalha num gabinete de bairro da empresa que gere a habitação social de Lisboa, surgiu a necessidade uma intervenção social, todavia, tornou-se imperativo fundamentá-la no conhecimento aprofundado dessa realidade, de modo a contrariar a tentação de “diante do real, aquilo que cremos saber com clareza ofusca o que deveríamos saber” (Bachelard, 1996, p. 18, citado em Baptista, 2001). A presente comunicação encontra-se dividida em quatro partes. Na primeira será abordado o enquadramento teórico, o alicerce de qualquer investigação, que nos permitirá obter um retrato da habitação e do endividamento em Portugal, com destaque para o município de Lisboa. Na segunda parte, depois de despoletada a pergunta de partida, serão apresentados os procedimentos metodológicos que permitirão responder à questão suscitada. A terceira parte incide sobre a apresentação e a análise dos dados obtidos, com especial destaque para os provenientes da análise de conteúdo das entrevistas em profundidade. Por último, nas reflexões e conclusões, serão discutidos os resultados obtidos à luz da teoria e dos objectivos estipulados. Serão indicadas as limitações do estudo e sugeridas novas possibilidades de investigação, uma vez que esta encontra-se em permanente construção.

Enquadramento teórico A habitação é um direito social consagrado na Constituição da República Portuguesa, pelo que o Estado mune-se de políticas de habitação que procuram promover esse direito. A habitação social é uma dessas políticas, tendo como principais destinatários as camadas menos favorecidas da população. Não obstante, o imperativo do Estado em promover a habitação condigna para todos, à semelhança dos países da Europa do Sul, Portugal caracteriza-se por uma fraca intervenção pública na habitação e por um predomínio da propriedade privada (CET et al., 2007). No stock habitacional português, a habitação social tinha um peso de 4,5%, em 2003. Em 2010, a cidade de Lisboa detinha o maior parque habitacional público, com um total de 26 644 habitações. A escassez de respostas estatais remeteu as famílias para a propriedade habitacional, processo facilitado com o acesso ao crédito, contribuindo para que, em 2004, 78% do endividamento global das famílias, em Portugal, fosse referente à habitação, de acordo com os dados do Banco de Portugal (CES, 2006, p. 1819). Por endividamento entende-se o saldo devedor de um agregado familiar, pode resultar de uma ou mais dívidas, neste último caso utiliza-se a expressão de multiendividamento. O conceito de endividamento global é utilizado quando às dívidas de crédito se combinam outras, como por exemplo as relativas a serviços, ao Estado, etc. (Marques, et al., 2000, p.1).

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Face ao exposto, as famílias residentes em habitação social, na cidade de Lisboa, não se enquadram no endividamento relativo ao crédito de habitação, pois liquidam uma renda de acordo com os rendimentos apresentados pelos elementos adultos do agregado (não se ignorando os dependentes). Tal facto, não impede que contraiam dívida para com a habitação, conforme se pode verificar pelos dados divulgados, em Janeiro de 2008, no estudo efectuado pela Câmara Municipal de Lisboa (CML), Contributos para um Novo Modelo de Gestão, onde se verifica que 41% das famílias tem dívida para com a habitação social (CML, 2008).

Procedimentos metodológicos Tendo em conta que estas famílias têm a prestação mensal relativa à habitação adequada ao seu rendimento e às possíveis instabilidades que esse possa ter, que não têm crédito habitação (uma das principais fontes de endividamento em Portugal) e que já são beneficiadas pelo Estado com uma habitação condigna, surge a inquietação que conduziu à presente investigação: quais os factores que originam o endividamento, relativo à habitação, das famílias residentes em habitação social, em Lisboa? A relevância da resposta a esta questão prende-se com: a escassez de estudos para além das dívidas de crédito, a ausência de investigação sobre os motivos da dívida na área da habitação social e a necessidade de intervenção imediata apoiada num conhecimento científico da realidade social. Face ao exposto, o objectivo geral desta investigação é explorar e descrever os factores que originam o endividamento, relativo à habitação, das famílias residentes no bairro social da Horta Nova, em Lisboa. Como objectivos específicos apontam-se: aferir o nível de endividamento relativo à habitação, dos agregados residentes no bairro da Horta Nova; aferir os factores subjacentes ao tipo de endividamento em estudo e contribuir para o Serviço Social participar na definição de estratégias de intervenção para a prevenção do endividamento relativo à habitação, das famílias residentes em bairros sociais. O endividamento é um fenómeno multifacetado, pelo que optou-se por analisá-lo a partir das seguintes variáveis: a sócio-demográfica (sexo, idade, composição do agregado, escolaridade e profissão); a económica (rendimentos, despesas, poupança, participantes activos no orçamento familiar); a social (ciclo de vida, socialização económica, as comparações sociais e suporte social); a psicológica (estratégias de financial coping, locus de controlo, atitudes); a habitacional (satisfação com a habitação – tipologia, tamanho das divisões, qualidade da construção, prédio onde vive; valor da renda e percepção do valor da renda) e por último, a institucional (percepções: da GEBALIS, EEM, da actuação da GEBALIS, EEM, da forma de cálculo da renda e da actuação da empresa perante as dívidas). Para o efeito, foi levado a cabo um estudo exploratório, apoiado numa

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abordagem qualitativa. Os dados foram obtidos através de entrevistas em profundidade, realizadas a uma amostra constituída por 14 agregados residentes no bairro da Horta Nova, em Lisboa. Para a construção desta amostra, os 461 agregados foram tipificados conforme o tipo de devedor (não devedor, devedor ligeiro, devedor médio e devedor crónico) e o tipo de família (família de uma só pessoa, família nuclear sem filhos, família nuclear com filhos, família nuclear monoparental e família complexa). Após este procedimento foram escolhidas 14 famílias, por conveniência. Os dados das entrevistas foram tratados através da análise de conteúdo com o auxílio do programa informático Atlas.ti. Apresentação de resultados De acordo com os dados recolhidos, em Janeiro de 2010, as famílias residentes no bairro da Horta Nova tinham uma renda média de 76,15€, uma mínima de 3,04€ e a máxima de 402,92€. Atendendo ao universo do bairro, 75,05% dos agregados liquidavam uma taxa de ocupação inferior a 100,00€ e apenas 1,52% ultrapassava os 301,00€. No que concerne ao nível de endividamento, o bairro da Horta Nova apresentava um débito total de 325.792,09€, correspondente a 4142 recibos, 184 famílias com dívida para com a Gebalis, EEM, isto é, 39,92% dos agregados residentes devedores.

Ilustração 1: Percentagem por escalões de meses em divida Quanto à duração da dívida, de acordo com a tipologia proposta na presente investigação, existiam 90 agregados devedores ligeiros (1-12 meses em débito), 34 médios (13-24 meses em débito) e 60 crónicos (> 24 meses em débito). De modo a aprofundar os dados obtidos em relação ao bairro, foi analisada a amostra dos 14 agregados, onde se começou por aferir que, os que tinham dívida à Gebalis, EEM (9) encontravam-se multiendividados, uma vez que, à excepção de um, todos apresentavam duas a cinco dívidas de outro tipo (ex. cartão de crédito e dívidas a estabelecimentos comerciais do bairro).

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A insuficiência de rendimentos é uma das variáveis apontadas pelos devedores como uma das causas do endividamento. Porém, a amostra não confirma esta ideia, uma vez que os rendimentos não apresentam discrepâncias entre devedores e não devedores. Apenas duas famílias não devedoras efectuam aforro com o fim de se precaverem de oscilações de rendimentos ou de crises acidentais: “Acha? Se eu conseguisse fazer poupanças não devia dinheiro à GEBALIS”(E6, P.2). Os restantes agregados não têm margem para poupança, pelo que o orçamento é vivido e gerido tendo em conta o presente. O tamanho do agregado e a existência de crianças não apresentam discrepâncias na amostra pelo que, não se pode afirmar que existe uma relação directa entre estas variáveis e o endividamento. Contudo, apurou-se que a participação de todos os adultos no orçamento familiar é fulcral. Não obstante o cálculo de renda contabilizar os rendimentos de todos os adultos, na prática nem todos contribuem para as receitas, principalmente quando se tratam de filhos: “Ele tem 25 anos. Ele tem a privacidade dele, embora more comigo” (E6, P.61). Nas variáveis habitacionais tentou-se apurar, de uma forma simplificada, a satisfação residencial dos moradores. Após vinte anos de coabitação, o descontentamento é generalizado em relação à qualidade da construção, à sobrelotação das habitações e à má apropriação dos lotes por parte de alguns moradores. No entanto, verifica-se que, se por um lado, os realojamentos resolvem problemas habitacionais, por outro, criam laços de dependência entre agentes e receptores da habitação aliados a uma desresponsabilização mútua na criação e conservação da qualidade habitacional e de vida (Freitas, 1993). A insatisfação face ao valor da renda não é um sentimento generalizado, sendo alvo de insatisfação por parte dos devedores ligeiros e crónicos, que recorrem às comparações sociais com outros agregados para justificarem o elevado montante que lhes é aplicado. Quando se fala em motivos de endividamento para com a habitação, o valor da renda nem chega a ser abordado. Para os não devedores as causas são internas: má gestão do orçamento familiar, a secundarização da renda na lista de prioridades e a ausência de consequências. Veja-se: “Olhe, se elas não pagassem ao banco, também não iam para a rua? É verdade que há pessoas que têm dificuldades, mas por vezes não pagam porque não se organizam, porque não metem a renda em primeiro, pois já sabem que não lhes acontece nada” (E4, P.34). Para os devedores as causas são externas: o desemprego, problemas de saúde e insuficiência de rendimentos. Tome-se como exemplo: “Não é que eu me sinta bem com isso, mas eu não consigo. Quando chega ao dia de pagar a renda, muitas vezes já não tenho dinheiro. (…) E para ser sincera, nós sabemos que a GEBALIS é mais tolerante e vamos deixando ficar. (E 10, P. 13 e 14). Os entrevistados reiteraram a justificação do seu endividamento perante a renda, fazendo referência a crises acidentais que abalaram gravemente o seu orçamento familiar: o desemprego, o falecimento de um elemento da família e problemas de saúde. Apesar das justificações apontadas serem objectivas, da

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análise de conteúdo sobressaem as comparações sociais face às rendas em débito de outros agregados: “Penso tantas vezes: “será que me metem na rua?”. O meu filho diz logo: “Oh mãe, para nos porem na rua, têm de pôr outras pessoas” (E6, P. 27); “Há injustiças. Eu sei que devo. Mas há pessoas aí que devem trezentos, quatrocentos, quinhentos, seiscentos, setecentos e oitocentos contos. Eu só devo cento e quarenta contos. E eu sou doente. Estive mal” (E14, P. 28). A decisão do pagamento da renda da habitação não diz apenas respeito a um planeamento racional, mas ao que vão apreendendo ao longo do tempo, no seio dos grupos a que pertencem. Esta situação é ainda mais complexa, se se atender que devido à situação de desemprego, de baixa escolaridade e de poucos recursos económicos dos endividados, as saídas do bairro são escassas, pelo que os grupos de referência circunscrevem-se ao mesmo. Lea, Webley e Walker (1995) referem-se à existência de uma “cultura de endividamento”, onde as pessoas conhecem sempre alguém à sua volta que está em dívida e inclusive consideram-se pertencentes a uma sociedade onde o endividamento é aceitável. É justamente esta a ideia comprovada na investigação, no entanto, enquanto os não devedores mostram a sua indignação alertando para a ausência de prioridades por parte do endividados e de punição por parte da GEBALIS, os devedores assumem uma atitude de compreensão, embora reprovando a situação de débito: Oh, eles também têm. Aqui quase tudo tem dívida. Olhe, conheço aí uma rapariga que tem quase cinquenta mil euros de dívida. Mas também a renda que ela tem é muito alta. Mas há mais gente. Por isso, as pessoas já não estranham (E10, P.34) Outra característica a realçar é: as prioridades de pagamento. Para os devedores, não só o pagamento da taxa de ocupação é secundarizado em prol do pagamento de outras dívidas, como também a falta de planeamento das despesas e a opção racional pela dívida (como estratégia de gestão do orçamento familiar) contribuem para o incumprimento do pagamento das rendas: “Eu podia, quando recebesse o rendimento pagar, mas sei que se pagar esse encargo, vai faltar-me em algum lado. Então opto por pagar tudo de casa, menos a renda” (E11, P. 84). Esta última ideia é reforçada nas estratégias de gestão financeiras, onde se constata que a maioria dos entrevistados utiliza estratégias que promovem um maior equilíbrio do orçamento familiar, enquanto alguns dos devedores são verdadeiros gestores das suas dívidas, com pagamentos e atrasos estratégicos para retardar as cobranças: “Pronto, eu faço assim, um mês pago a renda, outro não pago. No mês em que não pago a renda, o que faço é pagar duas de TV Cabo e ando assim, para não me cortarem” (E13, P. 1). Em termos institucionais, os agregados consideram-se satisfeitos com a GEBALIS, embora seja unânime que deverá existir maior rigidez e menor tolerância, de modo a não serem criadas injustiças sociais perante aqueles que cumprem com as suas obrigações. O mesmo se passa em relação ao cálculo de renda, pese embora não devesse contabilizar todos os elementos adultos (ex. filhos), o problema não está no cálculo propriamente dito, mas sim na desigualdade de dados apurados devido: agregados com rendimentos não declarados; agregados com

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alterações na sua composição não declarada. Em relação aos procedimentos da empresa face à divida, os próprios devedores criticam os montantes em débito e a ausência de qualquer punição, pelo que consideram que a empresa é bastante tolerante para com este tipo de comportamento: “Porque nós falamos e sabemos que se não pagamos a água ou a luz vêm cortar e vocês mal ou bem, não nos metem na rua. Pelo menos até agora isso não aconteceu”. (E10, P. 42). Os não devedores são ainda mais críticos, referem que a empresa cria desigualdades, devido à falta de rigidez para com os agregados que não cumprem com o pagamento da renda: “A culpa disto é da Gebalis não os obrigar ou castigar de alguma maneira. Porque até é injusto para os outros, que pagam e se for preciso fazem sacrifícios” (E4, P.41). Sugerem que sejam adoptadas medidas firmes, nomeadamente desocupações. Por último, os moradores dão várias sugestões à empresa: reavaliação e fiscalização de agregados, rendimentos e rendas; notificação de agregados devedores; desocupação, flexibilidade de acordos de pagamentos; maior proximidade dos serviços com a população, entre outras.

Conclusões e reflexões Face ao exposto, a primeira conclusão desta investigação é a de que o fenómeno do endividamento carece de uma análise multidimensional, ou seja, não pode ser reduzido a variáveis económicas ou à simples análise dos débitos. Para a sua explicação é necessário atender-se a variáveis demográficas, económicas, sociais, psicológicas, institucionais e habitacionais, cada uma com a sua especificidade na compreensão global do fenómeno. Uma segunda conclusão é que os agregados com débito à GEBALIS acumulam outro tipo de dívidas, pelo que em situações de crises acidentais, incumprem com a entidade que se revela mais tolerante ao débito. Aqui sobressai um problema grave, não só da Gebalis, EEM mas do Estado, em geral: a executoriedade da dívida. A impunidade face ao não pagamento da renda contribui para a prorrogação do débito, sendo esta uma situação causadora de desigualdades sociais, quer para com os que residem no parque de arrendamento público e cumprem com as suas obrigações, quer para com os que não têm acesso a uma habitação social, embora vivam em condições muito precárias e anseiam por essa oportunidade. A terceira conclusão conduz à cultura de endividamento relativo à habitação social instalada no bairro da Horta Nova, que torna o comportamento tolerável e com probabilidade de ser repetido, tendo em conta os grupos de referência existentes, que em contextos de pobreza e de pouca mobilidade espacial e social restringem-se ao espaço “bairro”. Uma quarta conclusão remete para a posição crítica dos moradores face à actuação da GEBALIS em relação aos agregados com dívida e às sugestões dadas

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para a colmatar. Desde as actualizações das rendas e dos agregados até às desocupações, é solicitada intervenção para uma gestão social e habitacional justa. Julga-se que urge colocar em prática a renda apoiada a todas as famílias e o regulamento de gestão da habitação social (em fase de conclusão). Uma quinta conclusão chama a atenção para o facto de 90 dos 184 agregados com dívida serem devedores ligeiros, isto é, terem de 1 a 12 recibos em débito. Não obstante os outros tipos de endividamento julga-se que, a intervenção com os devedores ligeiros é fulcral, uma vez que estão numa fase inicial do incumprimento. Por último e indo de encontro com o terceiro objectivo da investigação, considera-se que o primeiro passo do serviço social é começar por dar o seu contributo através da investigação da realidade social, de modo a que a intervenção que se venha a propor não esteja assente em ideias pré-formadas. Mary Macdonald (in Polansky, 1996, pp.15-23) reforça esta ideia defendendo que a função da investigação do trabalhador social assenta “na contribuição que traz para o desenvolvimento de um corpo sólido de conhecimentos que sirva às suas metas e aos seus meios, expandindo, aperfeiçoando e tornando mais científico o saber que serve de base à sua prática: “o conhecimento buscado pela investigação é um conhecimento novo”, uma adição ao que já se tem” (citado em Baptista, 2001, pp. 34-35). Para além do exposto, o objectivo da atribuição de uma habitação social é a promoção da mudança social e a emancipação das populações residentes em contextos de pobreza (valores partilhados pelos Serviço Social). Com o endividamento, todo este processo pode entrar em retrocesso, uma vez que em última instância, a desocupação está prevista como sanção máxima. Nestas situações, a questão habitacional irá voltar a colocar-se e a condição de pobreza agravar-se-á. Tendo em conta que o Serviço Social partilha dos valores da habitação social, insiste-se que a prevenção/intervenção deverá ser feita junto de todos os moradores, com especial incidência nos devedores ligeiros, de modo a que se evite o agravamento do problema e se identifiquem outros que estão a despoletar a situação de endividamento. Com isto, garantir-se-á igualmente o valor da justiça social, perante as famílias que estão em lista de espera para uma habitação municipal e que poderão sentir-se penalizadas perante as que a detêm e não cumprem com as suas obrigações. Tal como em todas as investigações, existem limitações a serem apontadas: a abordagem quantitativa não foi aprofundada e devido ao constrangimento do tema e ao tipo de estudo algumas variáveis não foram mais exploradas. Para aprofundar o conhecimento da problemática em causa, indicam-se novas linhas de investigação: analisar o endividamento do ponto de vista da actuação da Gebalis, EEM; realizar um estudo quantitativo em um ou mais bairros. Em suma, termina-se esta comunicação defendendo que a investigação é o caminho para o reafirmar da identidade do serviço social.

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Referências Baptista, Myrian Veras (2001) - A Investigação em Serviço Social, São Paulo, Veras Editora. CES (2006) - Desemprego e sobreendividamento dos consumidores: contornos de uma “ligação perigosa, Coimbra, Universidade de Coimbra. CML (2008) - Habitação municipal: contributos para um novo modelo de gestão, [em linha]. Disponível em: WWW:<URL:http://habitacao.cm-lisboa.pt/ CET, URIC-UPORTO, A. Mateus e Associados (2007) - Plano Estratégico Nacional para uma Política de Habitação 2007/2013, [em linha]. Disponível em: WWW:<URL:http://www.planoestrategicohabitacao.com/docs/Guidelines_Diagnostico_abr07.PDF Freitas, Maria João (1993) - Acções de realojamento e re-estruturação dos modos de vida: um estudo de caso, tese de doutoramento em Sociologia, Lisboa, ISCTE. LEA, Stephen [et al.] (1995) - Psychological factors in consumer debt: Money management, economic socialization, and credit use, Journal of Economic Psychology, (16), 681-701 MARQUES, Maria Manuel Leitão (Coord.), Vítor Neves, Catarina Frade, Flora Lobo, Paula Pinto e Cristina Cruz (2000) - O endividamento dos consumidores, Coimbra, Almedina.

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A QUALIDADE E A PERSISTÊNCIA DAS AQUISIÇÕES IDENTITÁRIAS DOS ASSISTENTES SOCIAIS EM PORTUGAL Maria de Lurdes Fonseca ISCSP-UTL Rute Roda FP-UL

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1. CONTEXTUALIZANDO O PROBLEMA 1.1. Introdução Dir-nos-á a economia que um mundo de recursos escassos é necessariamente um mundo de escolhas, isto é, um mundo alinhavado em torno da irredutível necessidade da concessão ante o custo de oportunidade. Assim é, de facto, e a ciência, parte do mundo, não é naturalmente imune a esse natural estado de coisas. Em ciência, aliás, o drama que a escassez implica agudiza-se desde logo pelo gigantismo da empreitada auto-proposta – naturalmente, quanto maior o caminho que medeie entre um princípio e um fim, mais se manifestará o custo da concessão por efeito de acumulação através do articulado que concretiza o meio, simplesmente porque não haverá como limitar em projetos longos e ambiciosos a multiplicação da necessidade da escolha. Fossemos todos génios, possuidores de tempo ilimitado, de capacidades perenes e de recursos infinitos e a escolha não se poria. Como não é esse o caso, a necessidade da escolha e da seleção de uma metodologia para a sua realização colocou-se, coloca-se e tem efeitos não dispiciendos na atividade científica. A escolha mais essencial da ciência, num mundo que é o da escassez e o do compromisso, é aquela que se desenha na alternativa entre generalização e especialização. Na senda de conquistar o desconhecido, a ciência não deixou nunca de almejar ao pleno: à especialização na especialidade e à especialização na generalidade, como caminho para, no (re)encontro de ambas, verdadeiramente conhecer. Contudo, por melhores que sejam os intuitos, demasiadas vezes as práticas se vêem aquém deles. E o princípio divide et impera tem custos gerais, como os da tendência para a compartimentalização ou para o oposicionismo, assim como custos particulares, em especial para algumas temáticas como aquelas que melhor se acomodam nas fronteiras das especialidades ou na transversalidade através delas, e que, consequentemente, ao posicionarem-se em “território de ninguém” ou em território especialmente propício ao conflito (e à acrescida complexidade), sofrem tanto da tendência à desvalorização como do risco incrementado de inadequado tratamento teórico. Seria especialmente eficaz o princípio de “dividir para conquistar” se, à semelhança da empreitada guerreira, fosse a ciência um empreendimento direti-

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vo, global, homogeneamente regulado e transversalmente hierarquizado. Nesse caso, as suas escolhas, necessárias, ganhariam o potencial maior de tenderem quer para a maximização da racionalidade e da coerência, quer para fazer revelar economias nos custos associados à escassez, o que não deixaria de contribuir de modo mais expedito, eficiente e eficaz para o alcance do objetivo em última instância visado: encurtar o caminho que eventualmente conduzirá à realização cabal do conhecimento. De facto, verificamos que a especialização fez e faz-se em ciência mais ao sabor do contexto histórico, da oportunidade teórica e do interesse pontual (muitas vezes claramente egoísta), que ao sabor do que seriam os interesses unificados e potencialmente unificantes, a que a especialização, que tem o intuito final da reunião globalizante, deveria estar indelevelmente subordinada. Nalguns casos, naturalmente, por motivos intrínsecos e/ou contextuais, os custos de uma irracional especialização são muito maiores que noutros. Em Sociologia, poucas questões são tão afetadas negativamente pela dispersão dos princípios da escolha especializadora e pela atomização das práticas da especialização que a sociologia das questões laborais. Neste caso, tradições teóricas de base muito distintas, especificidades socioculturais muito significativas, particularismos sociolinguísticos relevantes, conceptualizações político-administrativas particulares e até interesses emancipatórios sociais privados, conduziram facilmente a uma multiplicação especialmente ampla de especialidades dedicadas a tratar exatamente as mesmas temáticas, o que não deixou de atrasar o avanço no seu entendimento. Ora, naturalmente esse panorama traçado ao nível das especialidades sociológicas laborais não deixou de acarretar consequências para o estudo das diversas temáticas laborais especializadas, a análise das identidades profissionais incluída. O estudo da identidade profissional, de facto, foi vítima nessa esteira da irracionalidade especializadora, por duas razões essenciais: porque a sua integridade ontológica saiu comprometida pelo arranjo especial das disciplinas que lhe são afins, isto é, porque a sua unidade resultou fragmentada do mosaico de interesses e contextos particulares que caracterizaram cada especialidade proposta, e porque as lógicas socio-históricas do desenvolvimento das disciplinas especializadas científicas e a distinção dos seus carizes teóricos e aplicados, têm contribuído para uma especial dispersão de esforços analíticos. Depois, ao ser uma temática de qualidade especialmente transfronteiriça, isto é, especialmente talhada para a necessidade da interdisciplinaridade e da interespecialização, não deixou também de ser afetada por um atraso teórico e empírico especialmente relevante face a temáticas laborais mais facilmente acomodáveis à especialização efetivamente traçada.

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1.2. Os enclaves da análise sociológica laboral e as consequência para o estudo identitário profissional Comecemos por analisar a razão mais ampla que vitimou a análise sociológica da identidade profissional: a fragmentação das especializações laborais em Sociologia, isto é, a fragmentação institucional do enquadramento científico que analisou o problema. São duas, ou melhor quatro, se olharmos com maior especificidade, as principais tradições analíticas da análise sociológica laboral que interessam destacar a propósito da temática específica que nos ocupa. Duas: a de inspiração anglosaxónica e a de inspiração europeia (de facto europeia continental polarizada em França). Quatro: duas que se enquadram na primeira inspiração: a Sociologia Industrial e a Sociologia das Profissões, e duas que se enquadram na segunda: a Sociologia do Trabalho e o que chamaremos de Accionalismo “Idealista” (também chamado de pós-marxista). Desenvolveram-se estas quatro contrapondo-se a par, cada uma na sua margem do Atlântico e no seu tempo específico: a Sociologia Industrial americana anteposta à do Trabalho francesa (essencialmente no segundo quartel do século XX) e a Sociologia das Profissões americana anteposta ao Accionalismo “Idealista” francês (particularmente no terceiro quartel do século XX). Mais recentemente, com especial interesse para a análise da identidade profissional, há a destacar o desenvolvimento do que baptizámos como um Microculturalismo laboral traduzido nas incursões mais recentes (e influentes) da sociologia laboral francesa e que se tem procurado unificar à Sociologia das Profissões que não cessou de florescer desde a sua fundação funcionalista parsoniana (no início dos anos 30 do século passado). Trata-se das correntes que coexistem hoje como referenciais fundamentais da análise da identidade profissional e que assim se posicionaram desde a última década do século XX. Será fácil entender a que nos referirmos quando falamos das quatro escolas citadas e ao Microculturalismo laboral que acrescentámos, se identificarmos as suas lideranças principais: Sociologia Industrial herdeira de Adam Smith, Charles Babbage, Frederick Winslow Taylor e Jules Henri Fayol, polarizada em Elton Mayo; Sociologia do Trabalho herdeira de Karl Marx e Pierre-Joseph Proudhon e de um pendor historicista economicista, aberta em especial pelo Traité (1961-2) de Georges Friedmann e Pierre Naville; Sociologia das Profissões fundada nas escolas clássicas de Talcott Parsons e Everett Cherrington Hughes e amadurecida em especial no triângulo Eliot Freidson, Magali Sarfatti Larson e Andrew Abbott; e Accionalismo “Idealista” polarizado em torno da influência determinante de Alain Touraine na sociologia francesa renascida do pós-Segunda Guerra Mundial. Por fim, é a escola de inspiração culturalista de Claude Dubar (pontualmente com Pierre Tripier), fortemente inspirada no seu culturalismo em Renaud Sainsaulieu e realizada em torno de uma interpretação particular, qualitativa e etnobiográfica da grounded theory, que referimos na essência, quando falamos em Microculturalismo laboral. Naturalmente deixamos de fora vultos importan-

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tes da análise sociológica laboral e outros que a influenciaram no âmbito das suas construções provenientes de outras especializações (como George Herbert Mead, Erving Goffman, Pierre Bourdieu ou Jürgen Habermas), mas não contributos determinantes para a análise especializada da temática que neste momento nos ocupa, cremos. É curioso constatar que uma sociologia continental europeia que sempre tendeu para a macrossociologia é hoje a principal representante da microssociologia laboral (o que não passa sem crítica interna - cf. Gaulejac, 2001), quando a sua contraparte além-Atlântico se movimenta hoje no sentido de um cada vez maior alcance em escopo, ainda que se mantenha essencialmente mesossociológica, por ser exatamente isso que, tipicamente, a Sociologia das Profissões de hoje é. Porque dizemos ser esta história um obstáculo? Pela especial fragmentação das análises da identidade profissional que levaram a estudos dificilmente intercomunicantes, claramente circunscritos e pouco ou nada sinergéticos, porque enraizados em pressupostos, interesses e pendores demasiado contrastantes. O quadro abaixo explica essa fragmentação:

Tradição

Liderança principal

Tónica

Pendor

Sociologia da Indústria

Mayo

Mesossocial (de tendência micro)

Orientação economicista, racionalizadora.

Sociologia do Trabalho

Friedmann

Mesossocial (de tendência macro)

Orientação positivista, de determinismo tecnológico.

Sociologia das Profissões

Freidson

Mesossocial

Pendor sistemático, político e operativo coletivo.

Accionalismo “ideológico”

Touraine

Macrossocial

Ideológico, de economia política.

Microculturalismo laboral

Dubar

Microssocial

Pendor culturalista, etno-gráfico, fenomenológico.

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Tradição

Identidade profissional

Identidade conflitual identitária

Sociologia da Indústria

Negociada

Não. Identidade decorrente da complementaridade no sistema produtivo.

Sociologia do Trabalho

Herdada

Não. Identidade herdada do contexto emergente do condicionante tecnológico.

Sociologia das Profissões

Negociada

Sim. Identidade negociada com o Estado, o cliente e as restantes profissões.

Accionalismo “ideológico”

Herdada

Sim. Identidade decorrente da qualidade conflitual social pósindustrialista.

Construída

Sim. Identidade deriva do contraste intra-profissional e do contexto pessoal.

Microculturalismo laboral

Quadro 1. Caracterização das Tradições Sociológicas Laborais. Ora, o facto é que pouco se tem feito em sociologia laboral para unificar estas tradições e só acresce à complexidade da questão a qualidade particularmente transfonteiriça da problemática por referência ao arranjo atual da especialização científica, o que redunda na circunstância de a este “retalho” sociológico laboral podermos (e devermos) ainda adicionar o “retalho” psicológico e psicossociológico, bem como o proveniente da Sociologia da Educação.

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Tradição

Sociologia das Profissões

Microculturalismo laboral.

Conceitos essenciais

Profissionalização, Jurisdição, Projeto Profissional.

Formação Contínua, Socialização.

Intuito analítico

Dimensionalidade

Fases do ciclo

Metodologias privilegiadas

Identidade profissional como meio.

Tendência unificadora –identidade (do grupo).

Aquisi­ ção

QualiQuantitativas. Inquirição e Análise Documental. Análise Estatística e de Conteúdo.

Identidade profissional como fim.

Tendência dispersiva – identidades (dos subgrupos e indivíduos).

Desenvolvimento

Qualitativas. Etnobiografia e Análise de Conteúdo.

Quadro 2. Tónicas dominantes da análise contemporânea da Identidade profissional. Depois, como referimos, outra razão mais circunscrita vitimou a análise sociológica da identidade profissional. Trata-se da fragmentação do objeto interna às próprias tradições. Em Sociologia, no que respeita à análise das identidades profissionais, estamos hoje perante duas tradições maioritárias que possuem intuitos, fins, princípios e racionais muito seus (Quadro 2), e que se têm aplicado pouco no uso intensivo de referenciais externos. A Sociologia das Profissões tem analisado a identidade profissional centrando-se essencialmente no seu significado instrumental para a análise da profissionalização, centrando-se em: 1) microprofissionalização entendida como processo aquisitivo de uma identidade profissional (identificada com o período formativo), condição necessária para o acesso à profissão e para a congruência e unidade grupal desta; 2) profissionalização como culturalmente condicionada, dado que o projeto profissional (Larson, 1977) só terá capacidade de ter sucesso mediante a evolução coletiva das práticas e a unificação sub-cultural do grupo. Na Sociologia das Profissões, estudar identidade profissional tem pois sido mais estudar as condições de algo (em sentido estratégico) que estudar esse algo objetivamente. De facto, a Sociologia das Profissões tem dado previlégio ao estudo da identidade profissional (por estar longe dos seus intentos essenciais) como algo demasiadamente linear: algo que se adquire nas escolas e se mantém e que, se evoluindo pontualmente, progredirá em conjunto com o sistema escolar encimado que este é, tipicamente, pela elite da própria profissão. Deste modo, a Sociologia das Profissões tem dado menos destaque à variação da identidade profissional no âmbi-

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to da profissão quando não em grupos específicos, estratégicos para a autonomia profissional e para a explicação da concorrência que lhe é interna, geralmente os formativos. Tem também dado menos destaque à análise da identidade pós-aquisição, nomeadamente no modo como esta evolui em fases específicas do ciclo de vida profissional, dado que de certo modo a identidade profissional não é mais que aquisição a validar quando se exercem os processos de gatekeeping, ou algo a sedimentar e assegurar por representar unidade, congruência e homogeneidade, condição essencial de sucesso na negociação de prerrogativas no âmbito do sistema profissional. Por seu turno, o Microculturalismo laboral tem-se centrado mais no profissional e na interligação da evolução identitária com a formação ao longo da vida, que no estudo dos processos aquisitivos dessa identidade e sua articulação com a evolução posterior. Igualmente tem desconsiderado a análise da identidade como elemento do sistema profissional mais vasto e instrumento essencial na evolução da qualidade profissional de uma ocupação. E a metodologia? Bem, a intercomunicabilidade metodológica do estudo da identidade profissional realizado por ambas as tradições, tem sido especialmente preocupante. O Microculturalismo laboral é qualitativo e etnográfico e essencialmente inamovível nesse seu posicionamento, tendo a Sociologia das Profissões usado antes um referencial muito mais dominante em metodologia sociológica (aquilo que Dubar chamaria “sociologia clássica”), baseando-se na análise quali-quantitativa e na inquirição social. Na sequência do que foi dito é de destacar que: 1) a sociologia da identidade profissional carece hoje, essencialmente, de uma interpretação macrossociológica, abandonados que foram os referenciais clássicos que nesse sentido poderiam prover; 2) na ausência do interesse específico do tema para a Sociologia das Profissões que se tem manifestado na secundarização do mesmo, a própria dimensão mesossociológica da análise da identidade profissional tem sido limitadamente intentada e teoricamente pouco desenvolvida; 3) a persistência de uma visão etnográfica do fenómeno tem limitado a variação metodológica e condicionado a capacidade de extrapolação dos dados; 4) sistematicamente tem sido teorica e metodologicamente apartada a fase da aquisição identitária profissional inicial (a fase pré-profissional) da análise da qualidade identitária profissional, deixando-se às especialidades educacionais a análise da primeira e às especialidades laborais a análise da segunda, o que, aberrante, desde logo sob o ponto de vista da Sociologia das Profissões ou da Educação, não tem parecido especialmente aberrante ao Microculturalismo laboral. 1.3. A análise da identidade profissional dos Assistentes Sociais portugueses Em Portugal os estudos que se têm debruçado sobre a identidade profisional têm sido formatados genericamente na mesma forma que se tem usado para a análise do caso dos Assistentes Sociais. A tradição da Sociologia das Profissões

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tem sido usada apenas pontualmente no âmbito dos estudos identitários profissionais, desde logo porque essa tradição serviu mais para a análise lata do projeto profissional (isto é, o lugar atual e a evolução próxima passada e futura da profissionalização grupal ou ocupacional, isto é mesossocial), tendo-se demasiadas vezes decurado os aspetos identitários desbloquedores da ascenção social coletiva. Tradição Dominante Sociologia das Profissões Dominante Microculturalismo laboral.

Centros CESSSUCP

CiedUM, FP(CE)UL, IPL

Estudos paradigmáticos

Temáticas

Francisco Branco (2009)

Nível de sedimentação da identidade e impactos no estado do projeto profissional

Ana Maria Costa e Silva (2001), Cristóvão Margarido e Ricardo Vieira (2007), Isabel Passarinho (2008, 2009)

Registo e interpretação das identidades individuais e subgrupais dos Assistentes Sociais

Quadro 3. Classificação dos enquadramentos teóricos dominantes dos investigadores nacionais da Identidade profissional dos Assistentes Sociais. A dominante do Microculturalismo laboral tem sido claramente maioritária e tem gerado uma análise quase exclusivamente microssociológica da identidade profissional que, naturalmente, não pode ser senão insuficiente, por mais interessante e rica que tenha sido – e foi. No caso do Serviço Social destaca-se o trabalho de investigação desenvolvido no âmbito da Universidade Católica Portuguesa (CSSSS) como principal representante da dominante Sociologia das Profissões, e o trabalho desenvolvido na Universidade do Minho (Cied), no Instituto Politécnico de Leiria (Ciid) e na Universidade de Lisboa (FP(CE)). De facto, se fôssemos mais rigorosos, deveríamos deixar em branco o trabalho realizado em torno da dominante Sociologia das Profissões, pois salvo alusões pontuais e inacabadas (feitas também por outros preocupados com a profissionalização do Serviço Social em Portugal), pouco se tem tratado a questão identitária no âmbito das análises da profissionalização do Serviço Social português (como faz por exemplo Welbourne, 2009, ainda que se refira mais ao conceito de cultura profissional que de identidade). As análises inspiradas essencialmente na dominante do Microculturalismo laboral têm chegado a resultados interessantes, ricos, mas circunscritos e, naturalmente, muito pouco extrapoláveis. Deve dizer-se aliás que essas análise são ainda bastante os prolegómenos de algo, pois não chegam verdadeiramente nunca a propor traços específicos que possam atribuir conteúdo à definição identi-

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tária dos Assistentes Sociais, dado que se focam muito mais na hermenêutica do processo identitário que na empiria da identidade.

2. ESPECIFICANDO A ABORDAGEM 2.1. Estratégia investigativa E se o mundo é o da escassez; e se a escassez constrange a escolha; e se a escolha implica custos, custos associados quer à metodologia usada para escolher, quer àquilo que se escolhe, fará sentido no caso da ciência não apenas entender como a constrange a especialização científica, mas também pontualmente contribuir para uma desconstrução do ordenamento usado como referencial, por forma a tentar limitar o impacto das perdas associadas à posição assumida, usando de orientações mais ecléticas. O nosso estudo bebe pois da tradição da Sociologia das Profissões no seu cariz eminentemente mesossociológio, na sua dimensionalidade tendencialmente unificadora e na sua metodologia quantitativa. Bebe por outro lado do Microculturalismo cultural no seu sentido menos estratégico que caracterizador, menos instrumental que objetivo e na conceptualização ampla dos processos tomados como definindo a construção da identidade. Centra-se tanto na fase aquisitiva como do desenvolvimento identitário, analisando pois a identidade através de uma perspetiva de evolução ao longo do seu ciclo de vida. O estudo assume os seguintes pressupostos centrais: 1) a identidade é algo pessoal e social que se cria e evolui através de um processo transaccional contínuo (Dubar, 1997), sendo possível hipotetizar contudo, com a Sociologia das Profissões, que a aquisição identitária é a fase mais determinante desse seu ciclo de vida (Freidson, 1986); 2) a identidade reporta-se a tomadas de posição relativas a todas as instâncias do sistema profissional e a inferências transaccionais no âmbito desse sistema: o profissional, a profissão, as profissões concorrentes, o cliente, o Estado e a sociedade em geral (seguindo o esquema de Abbott, 1988); 3) podemos identificar um momento crítico para a mensuração identitária: a fase de transição entre a aquisição e a “utilização” que se identifica com o ingresso na profissão (momento de operacionalização do gatekeeping – Freidson, 1986) e constitui uma baseline progressiva ou retroativa para ambas as fases. Este estudo tem as seguintes limitações essenciais: 1) analisa identidade apenas através da auto-avaliação identitária, seguindo a metodologia de Dubar (1997, 1992, 1998); 2) desconsidera as especificidades biográficas do estabelecimento e evolução da identidade; 3) ao ser cross-section concretiza-se numa análise evolutiva imperfeita que, especialmente no caso de uma ocupação de expansão recente em Portugal, pode tornar a análise sensível a processos socio-históricos particulares, perturbando a medição final ao medir também algo que

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não se pretende medir. O estudo tem um objetivo geral: caracterizar a identidade profissional dos Assistente Sociais isto é, dar um conteúdo a essa identidade. Tem também um objetivo particular: testar a hipótese de que a qualidade identitária profissional resulta de um processo continuado no âmbito do qual a aquisição é uma fase perfeitamente semelhante às restantes, bem menos determinante do que, especialmente a Sociologia das Profissões e da Educação têm pressuposto. Esta hipótese instrumentaliza-se através do conceito operativo, valorativamente neutro, que propomos, de “retrocesso identitário profissional”. Assume-se que a relevância da fase aquisitiva face à(s) restante(s) será tão maior quanto menor for o nível de retrocesso no padrão identitário da fase profissional face ao estabelecido na fase pré-profissional. O conceito de identidade profissional é neste estudo operacionalizado em três grupos de dimensões: a) dominante da interpretação da identidade profissional própria (EU); b) dominante da interpretação dos princípios e capacidades nucleares da profissão (NÓS); c) imagem detida acerca do cliente (ELES). Excluímos propositadamente dado o limite deste artigo as outras instâncias que corporizam o sistema profissional, ainda que o estudo mais vasto desenvolvido as considere. O estudo é de tipo cross section, isto é, na impossibilidade de ser longitudinal em sentido puro – acompanhando uma amostra ao longo da totalidade do seu percurso formativo e profissional (44 anos, em média), colhe amostras de diversos indivíduos posicionados atualmente em fases diferentes do percurso. Estabeleceu-se uma baseline analítica que avalia a situação identitária dos indivíduos que acabaram de se licenciar (identificados como 4º ano, dado que a inquirição ocorreu após o fim do 7º semestre dos cursos) e os que se licenciaram há menos de um ano e não tiveram ainda nenhuma experiência profissional específica, e que é usada para comparações a montante: o que estabeleceu a especificidade identitária padrão adquirida pelos recém-graduados e manifestada na baseline, e usada para comparações a jusante: como evoluiu a identidade consoante grupos sucessivos de antiguidade da experiência profissional até à reforma. Na baseline busca-se identificar um núcleo identitário duro, traduzido nas aquisições mais relevantes e homogéneas da evolução dos percursos formativos do seu momento inicial ao final. Dependendo do modo como esse núcleo duro evoluirá assim se analisará a importância mais ou menos determinante da aquisição inicial na padronização dos constantes identitários ao longo da evolução na carreira.

2.2. Métodos e técnicas de investigação A metodologia, quantitativa, recorreu à técnica de inquirição por questionário. Visaram-se todos os estudantes de Serviço Social portugueses e todos os

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Assistentes Sociais. A inquirição decorreu entre Abril e Junho de 2011. Os estudantes de Serviço Social foram inquiridos presencialmente sempre que se obteve autorização para tal junto das Escolas que ministram a licenciatura, o que ocorreu no caso da Universidade de Coimbra, da Universidade Técnica de Lisboa, do Instituto Superior de Serviço Social do Porto e do Instituto Politécnico de Beja. Inquiriram-se em sala de aula alunos dos 1º, 2º e 3º ano. Os alunos do 4º ano e alunos ausentes foram inquiridos eletronicamente usando das facilidades oferecidas pelas escolas e pela divulgação inter-pares. Em relação às restantes escolas praticou-se a inquirição eletrónica facilitada pelas Direções dos Cursos, pelos órgãos representativos dos alunos e por divulgação inter-pares. Foi possível assim obter a participação de alunos de todas as escolas onde esta formação inicial se oferece. Os licenciados em Serviço Social foram inquiridos com recurso à preciosa colaboração da APSS – Associação de Profissionais de Serviço Social, que se dispôs a divulgar o estudo e a apelar à colaboração junto dos seus associados. Adicionalmente foram contactados grupos de Assistentes Sociais presentes nas redes sociais, IPSS e Organismos públicos caracterizados pela presença relevante de profissionais da área, bem como solicitada em geral a divulgação inter-pares. No caso dos alunos, registou-se aproximadamente 57% de inquiridos presenciais e 43% de não presenciais. No caso dos Assistentes Sociais 100% da inquirição foi eletrónica. O peso da inquirição eletrónica obrigou a que fossem tomadas medidas rigorosas de verificação da efetiva identidade dos respondentes, não obstante o controlo do acesso à resposta. Assim, foram desconsideradas as respostas que não deixaram pelo menos uma via de contacto para eventual validação e testaram-se uma em cada três inquirições eletrónicas através de verificação por telefone e/ou e-mail da efetiva qualidade do respondente.

2.3. Apresentação da amostra Foram inquiridos e posteriormente validados os questionários de 605 estudantes e 659 Assistentes Sociais de todos os distritos, alunos e graduados de todas as Escolas onde o curso é e foi ministrado (Anexo 1). Tendo em conta a dimensão de Assistentes Sociais registados como em atividade no Ministério do Trabalho (último ano disponível 2009) 3.953 e não obstante a sua subvalorização em face das situações profissionais precárias ou inexistentes na especificidade, podemos ainda assim ter esse número como indicativo (na ausência de outro) e a partir dele indicar um erro global, para um intervalo de confiança de 95% de 3,5%. Quanto aos estudantes, se usarmos como referencial os numeros clausus do ano passado e os multiplicarmos por quatro (um para cada ano letivo), reportar-nos-emos a um universo anual de cerca de 3244 estudantes estudantes de Ser-

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viço Social o que, embora seja sobrevalorizado pelas perdas anuais é impossível imediatamente refinar na inexistência de dados de desistências, transferências e de insucesso escolar. A mecânica especial da contabilização do erro estatístico torna isso contudo essencialmente irrelevante. Dada a nossa dimensão amostral teremos um erro de 3,6% se considerarmos um universo de 3244 estudantes mas, como reduzir o universo só melhorará o erro, acrescentamos apenas que um decréscimo no universo estimado em 50% baixar-nos-ia o erro para 3,2%. É pois prudente aceitar que no caso dos alunos o nosso erro real estará provavelmente entre os 3,6% e os 3,2%, ambos erros extremamente baixos. Se consideramos estudantes e profissionais no seu todo, aliás, o erro descerá para 2,5% para o mesmo intervalo de confiança. A amostra distribuiu-se pelos momentos do percurso pré-profissional, pela baseline e por níveis de antiguidade profissional crescentes do seguinte modo: 197 alunos do 1º ano, 181 alunos do 2º ano, 165 alunos do 3º ano, 123 alunos na baseline , 150 indivíduos até 2 anos de experiência profissional, 171 indivíduos de 3 a 6 anos de experiência profissional, 80 de 7 a 10 anos, 85 de 11 a 15 anos, 42 de 16 a 20 anos, 42 de 21 a 30 anos e 10 de 31 a 40 anos. Os atributos identitários avaliados e o modo como eles se agrupam nos eixos analíticos considerados está retratado na imagem seguinte: EU – Atributos/ Eixos

ELES - Atributos/ Eixos

Técnico (1), Cientista (1), Educador (4), Inter-ventor (3), Gestor (2), Facilitador (4), Cuidador (4), Especialista (1), Dinamizador (3), Burocra-ta (2), Animador (3), Investigador (1), Empre-endedor (3), Humanista (4), Profissional (1), Organizador (3), Político (2), Administrativo (2), Coordenador (2), Conciliador (4)

a) Necessitados, b) Clientes, c) Amigos, d) Utentes, e) Familiares, f) Beneficiários, g) Excluídos, h) Desafiados, i) Cidadãos, j) Contribuintes, k) Companheiros, l) Explorados, m) Parceiros, n) Pessoas comuns, o) Desafortunados, p) Doentes, q) Requerentes, r) Fragilizados, s) Ajudados, t) Esquecidos

EIXOS: (1) Técnico-Científico, (2) Político-A-dministrativo, (3) Dinamizador, (4 ) Cuidador

EIXOS: (1) Administrativo-Funcional, (2) Emoti-vo-Pessoal, (3) Integrados, (4) Excluídos

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NÓS Valores – Atributos/ Eixos

NÓS Capacidades - Atributos/ Eixos

a) Justiça na ação, b) Igualdade no tratamento, c) Profissionalismo na conduta, d) Responsabilidade na ação, e) Lealdade institucional, f) Respeito pela diferença, g) Orientação altruísta, h) Dedicação ao cliente, i) Orientação para os fracos, j) Transparência na ação, k) Compaixão na relação, l) Orientação empática, m) Respeito pela privacidade, n) Atualização técnica constante, o) Cooperação institucional, p) Motivação para a mudança, q) Orientação solidária, r) Empenho na ação, s) Compromisso com a verdade, t) Respeito pelo outro

a) Conhecer as leis, b) Entender as pessoas, c) Acompanhar os casos, d) Instruir os processos, e) Comunicar com eficácia, f) Aplicar as técnicas, g) Agir interdisciplinarmente, h) Ter iniciativa, i) Trabalhar em grupo, j) Fomentar parcerias, k) Conhecer as culturas, l) Identificar os bloqueios, m) Conhecer a política pública, n) Incentivar à autonomia o) Conhecer a teoria, p) Fazer formação contínua, q) Saber diagnosticar a situação, r) Dinamizar as vontades, s) Fomentar a responsabilização, t) Realizar o aconselhamento

EIXOS: (1) Relação Cliente, (2) Princípios, (3) Funcional, (4) Orientação

EIXOS: (1) Formação, (2) Relação, (3) Instrução, (4) Ação

Quadro 4. Atributos identitários e sua organização em eixos analíticos.

3. RESULTADOS DO ESTUDO 3.1. Eu: interpretação dominante da identidade própria No que se refere à identidade profissional própria, verifica-se um processo de aquisição no período de formação pré-profissional, relativamente a 4 papéis (Gráfico 1): - Interventor, que ascende da identificação por 65,5% dos alunos do 1º ano e 56,9% dos do 2º ano, para 69,1% dos inquiridos na baseline; - Dinamizador, que ascende da identificação por 42,1% dos alunos do 1º ano e 39,8% dos do 2º ano, para 51,2% dos inquiridos na baseline; - Empreendedor, que ascende da identificação por 13,7% dos alunos do 1º ano e 23,2% dos do 2º ano, para 40,7% dos inquiridos na baseline; - Facilitador, que ascende da identificação por 10,7% dos alunos do 1º ano e 22,7% dos do 2º ano, para 30,1% dos inquiridos na baseline. Considerando a prevalência da importância destes papéis ao longo da carreira de Assistente Social, fazem parte do núcleo duro identitário, composto por

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aqueles traços que se adquirem na fase pré-profissional e pressistem ao longo da carreira os papéis do Empreendedor e Dinamizador do Eixo Dinamizador e o papel de “Facilitador, do Eixo Cuidador:

Gráfico 1. Aquisições identitárias da fase pré-profissional (EU). - Empreendedor - importância mantêm-se até aos 11-15 anos de carreira (32,2%-38,7%), ascendendo nos 16-20 anos (57,1%) e decrescendo abaixo da baseline, nos 21-30 anos (33,3%) e 31-40 anos (20,0%); - Dinamizador - importância mantêm-se ao longo da carreira (45,2%-50,0%), com uma ascendência aos 21-30 anos (61,9%). - Facilitador - importância ascende até aos 10-16 anos de carreira (66,7%), decrescendo dos 21-30 anos (52,4%) aos 31-40 anos (30,0%) Não se inclui no núcleo duro o papel de Interventor, na medida em que revela um retrocesso de importância entre o início e os 7-10 anos de carreira (60,8%58,8%), revelando uma manutenção de importância similar à da baseline somente a partir dos 11-15 anos (64,3%-70,0%). Relativamente à evolução da importância dos presentes papéis ao longo da carreira, a leitura do Gráfico 1, realça que: - os 16-20 anos de carreira são um ponto de inversão de importância para os papéis de Facilitador e Empreendedor, que descem respetivamente de 66,7% para 30,0% e de 57,1% para 20,0% nos 31-40 anos de carreira; - os 7-10 anos de carreira são um ponto de inversão de importância para o papel de Interventor, que ascende de 58,8% para 70,0% nos 31-40 anos de carreira. Relativamente a retrocessos identitários na identidade profissional própria (Gráfico 2), por efeito da aquisição pré-profissional, verifica-se a atenuação da importância de 5 papéis:

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Gráfico 2: Retrocessos identitários da fase pré-profissional (EU). - Técnico, que re-gride da identifica-ção por 46,7% dos alunos do 1º ano e 39,2% dos do 2º ano, para 29,3% dos inquiridos na baseline, apresentando uma manutenção desde o início de carreira até aos 21-30 anos (26,7%33,3%). Regride depois para se situar abaixo da baseline nos 31-40 anos (20,0%), o que contudo tem reduzido significado dado o incremento especial do erro estatístico nessa classe. - Humanista, que regride da identificação por 47,2% dos alunos do 1º ano e 56,9% dos do 2º ano, para 43,9% dos inquiridos na baseline. Este papel continua a regredir ao longo da carreira, até aos 21-30 anos (42%-33,3%), apresentando no entanto uma ascensão de relevo nos 31-40 anos (80,0%), ascenção de novo, cuja importância deve ser desvalorizada devido à muito reduzida dimensão amostral. - Educador, que regride da identificação por 39,6% dos alunos do 1º ano e 39,2% dos do 2º ano, para 31,7% dos inquiridos na baseline. O conceito apresenta ainda uma regressão ao longo da carreira, até aos 16-20 anos (19,0%), situando-se a sua importância ao nível da baseline entre os 21-40 anos (26,2%-30,0%). - Cuidador, que regride da identificação por 26,4% dos alunos do 1º ano e 18,2% dos do 2º ano, para 13% dos inquiridos na baseline. O conceito apresenta ainda uma regressão ao longo da carreira, até aos 21-30 anos (2,4%) mostrando-se extremamente regular na recusa progressiva dele feita ao longo da carreira. - Coordenador, que regride da identificação por 29,9% dos alunos do 1º ano e 19,9% dos do 2º ano, para 19,5% dos inquiridos na baseline. Este papel assume-se no entanto como de aquisição na fase profissional, ascendendo de 28,0% no início de carreira para 40,0% nos 31-40 anos.

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ANOVA

Post-Hoc

F

g.l.

1,068

10

0,384 n.s.

1,383

10

0,182 n.s.

Eixo Dinamizador

2,503

10

0,006

Eixo Cuidador

1,099

10

0,359 n.s.

Eixo TécnicoCientífico Eixo PolíticoAdministrativo

p

Sig.

**

Grupos

Bonferroni

2º ano – BASELINE

0,005

n.s. - Não se verificam diferenças significativas ( a=0,05) * - Verificam diferenças significativas a um nível de significância de a=0,05 ** - Verificam diferenças significativas a um nível de significância de a=0,01 Quadro 5. Comparação de médias entre os grupos (EU). Verificam-se diferenças significativas entre os grupos ao nível do Eixo Dinamizador (ANOVA; F=2,503; g.l.=10; p=0,006). No final do período pré-profissional (baseline) os inquiridos tendem a ter uma identidade onde os papéis do eixo dinamizador (média=1,91) têm uma importância significativamente superior ao 2º ano da faculdade (média=1,52) (Bonferroni=0,005).

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Gráficos 3 a 6: Evolução da posição nos eixos face à baseline (EU). Não se verificam diferenças significativas entre grupos, ao nível do Eixo Técnico-Científico (ANOVA; F=1,068; g.l.=10; p=0,384), do Eixo Político-Administrativo (ANOVA; F=1,383; g.l.=10; p=0,182) e do Eixo Cuidador (ANOVA; F=1,099; g.l.=10; p=0,359).

3.2. Nós: valores e capacidades nucleares da profissão No que se refere aos princípios nucleares da profissão, verifica-se um processo de aquisição no período de formação pré-profissional, relativamente a 5 valores (Gráfico 7):

Gráfico 7. Aquisições identitárias da fase pré-profissional (NÓS - Valores). Lusíada. Intervenção Social, Lisboa, n.º 38 [2.º semestre de 2011]

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- Respeito pelo outro, que ascende da identificação por 47,2% dos alunos do 1º ano e 54,7% dos do 2º ano, para 60,2% dos inquiridos na baseline; - Atualização técnica constante, que ascende da identificação por 17,3% dos alunos do 1º ano e 19,3% dos do 2º ano, para 25,2% dos inquiridos na baseline; - Respeito pela privacidade, que ascende da identificação por 22,3% dos alunos do 1º ano e 19,9% dos do 2º ano, para 42,3% dos inquiridos na baseline; - Justiça na Ação que ascende da identificação por 30,5% dos alunos do 1º ano e 33,7% dos do 2º ano, para 39,8% dos inquiridos na baseline; - Responsabilidade na Ação, que ascende da identificação por 28,4% dos alunos do 1º ano e 29,8% dos do 2º ano, para 37,4% dos inquiridos na baseline. Considerando a prevalência da importância destes valores ao longo do exercício da profissão e carreira de Assistente Social, incluem-se no núcleo duro os papéis de: - Responsabilidade na Ação, cuja importância ascende até aos 16-20 anos de carreira (54,8%), decrescendo nos 21-30 anos (33,3%) mas revalorizando-se aos 31-40 anos (50,0%) - Atualização Técnica Constante, cuja importância ascende até aos 21-30 anos de carreira (45,2%), decrescendo para menos de metade e abaixo da baseline aos 31-40 anos (20,0%). Não se incluem no núcleo duro: - o Respeito pelo Outro, na medida em que revela um retrocesso de importância entre o início e os 21-30 anos de carreira (59,3%-38,1%), só ascendendo para uma importância similar à da baseline nos 31-40 anos (60%); - o Respeito pela Privacidade, na medida em que revela um retrocesso de importância entre o início e os 31-40 anos de carreira (30,7%-20,0%), mas revelando uma importância similar à da baseline entre os 11-15 anos e os 16-20 anos (44,7%-40,5%); - a Justiça na Ação, na medida em que revela um retrocesso de importância entre o início e os 21-30 anos de carreira (29,3%-16,7%), só revelando uma importância similar à da baseline aos 31-40 anos (40,0%); Relativamente a retrocessos identitários na interpretação dos princípios nucleares da profissão (Gráfico 8), por efeito da formação pré-profissional, verifica-se a atenuação da importância de 5 valores:

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Gráfico 8. Retrocessos identitários da fase pré-profissional (NÓS - Valores). - Igualdade no Tratamento, que regride da identificação por 48,2% dos alunos do 1º ano e 48,1% dos do 2º ano, para 29,3% dos inquiridos na baseline. Este valor assume-se no entanto como de aquisição na fase profissional, ascendendo de 37,3% no início de carreira para 38,1% nos 16-20 anos, regredindo no entanto para uma importância abaixo da baseline dos 21-40 anos (16,7%-10%); - Dedicação ao Cliente, que regride da identificação por 31% dos alunos do 1º ano e 32,6% dos do 2º ano, para 15,4% dos inquiridos na baseline. Este valor continua a regredir ao longo da carreira, até aos 21-30 anos (14,7%-4,8%), apresentando no entanto uma ascensão de nota nos 31-40 anos (30%); - Orientação Empática, que regride da identificação por 21,8% dos alunos do 1º ano e 30,9% dos do 2º ano, para 15,4% dos inquiridos na baseline. O valor apresenta uma regressão ao longo da carreira, até aos 31-40 anos (10%), situando-se a sua importância ao nível da baseline entre os 3-10 anos (22,8%-27,5%).

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Post-Hoc

ANOVA Eixos

Eixo Relação Cliente

Eixo Princípios

F

g.l.

p

Sig.

10,532

10

0,000

**

1,592

10

0,103

n.s.

Eixo Funcional

4,529

10

0,000

**

Eixo Orientação

1,244

10

0,258

n.s.

Grupos BASELINE – 1º ano - 2º ano Até 2 anos AS – 1º ano - 2º ano - 3º ano 3 a 6 anos AS – 1º ano - 2º ano - 3º ano 11 a 15 anos AS – 1º ano - 2º ano - 3º ano 16 a 20 anos AS – 1º ano - 2º ano 21 a 30 anos AS – 1º ano - 2º ano - 3º ano --3 a 6 anos AS – 1º ano - 2º ano - 3º ano 7 a 10 anos AS – 2º ano 11 a 15 anos AS –2º ano ---

Bonferroni p

0,000 0,001 0,000 0,000 0,001 0,000 0,000 0,010 0,000 0,000 0,001 0,001 0,005 0,000 0,000 0,003

---

0,018 0,002 0,018 0,016 0,012 ---

n.s. - Não se verificam diferenças significativas a um nível de significância de a=0,05 * - Verificam diferenças significativas a um nível de significância de a=0,05 ** - Verificam diferenças significativas a um nível de significância de a=0,01 Quadro 6. Comparação de médias entre os grupos (NÓS - Valores).

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- Motivação para a Mudança, que regride da identificação por 56,3% dos alunos do 1º ano e 60,2% dos do 2º ano, para 53,7% dos inquiridos na baseline. Após os 2 anos de profissão o valor continua a apresentar uma regressão ao longo da carreira (46,2%-20%%). - Empenho na Ação, que regride da identificação por 24,4% dos alunos do 1º ano e 19,9% dos do 2º ano, para 18,7% dos inquiridos na baseline. Este valor apresenta uma manutenção ao longo da carreira profissional, até aos 7-15 anos e nos 31-40 anos, ascendendo a sua importância acima da baseline, entre os 16-31 anos (26,2%-35,7%). Não se verificam diferenças significativas entre os grupos ao nível do Eixo Princípios (ANOVA; F=1,592; g.l.=10; p=0,103) e do Eixo Orientação (ANOVA; F=1,244; g.l.=10; p=0,258). Verificam-se diferenças significativas entre os grupos ao nível do: - Eixo Relação-Cliente (ANOVA; F=10,532; g.l.=10; p=0,000) a um nível de significância de 0,01. Nos 1º e 2º anos da faculdade, os inquiridos tendem a identificar-se com mais valores do Eixo Relação-Cliente que no final do período pré-profissional. Nos 1º, 2º e 3º ano da faculdade, os inquiridos tendem a identificar-se com mais valores do Eixo Relação-Cliente que entre o início e 6 ano de carreira e entre os 11 e os 30 anos de carreira; - Eixo Funcional (ANOVA; F=4,529; g.l.=10; p=0,000) a um nível de significância de 0,01. Verifica-se uma menor tendência para identificação com valores do Eixo Funcional nos 1º, 2º e 3º ano da faculdade, que entre os 3 e os 6 anos de carreira. Verifica-se uma menor tendência para identificação com valores do Eixo Funcional no 2º ano da faculdade, que entre os 7 e os 15 anos de carreira.

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Gráficos 9 a 12: Evolução da posição nos eixos face à baseline (NÓS - Valores). No que se refere às capacidades nucleares da profissão, verifica-se um processo de aquisição no período de formação pré-profissional, relativamente a 4 capacidades (Gráfico 13):

Gráfico 13. Aquisições identitárias da fase pré-profissional (NÓS - Capacidades). - Incentivar a Autonomia, que ascende da identificação por 51,8% dos alunos do 1º ano e 50,8% dos do 2º ano, para 62,6% dos inquiridos na baseline; - Agir Interdisciplinarmente, que ascende da identificação por 11,7% dos alunos do 1º ano e 17,1% dos do 2º ano, para 41,5% dos inquiridos na baseline; - Trabalhar em Grupo, que ascende da identificação por 24,9% dos alunos do 1º ano e 28,7% dos do 2º ano, para 41,5% dos inquiridos na baseline; - Fomentar Parcerias, que ascende da identificação por 18,8% dos alunos do 1º ano e 19,9% dos do 2º ano, para 34,1% dos inquiridos na baseline; 170

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A qualidade e a persistência das aquisições identitárias dos Assistentes Sociais ... pp. 147-182

Considerando a prevalência da importância destas capacidades ao longo do exercício da profissão e carreira de Assistente Social, incluem-se no núcleo duro somente os papéis de: - Agir Interdisciplinarmente, cuja importância ascende até aos 31-40 anos de carreira (40,7%-60,0%) - Fomentar Parcerias, cuja importância ascende até aos 16-20 anos de carreira (40,5%%), decrescendo para o nível da baseline aos 21-30 anos (33,3%) e ficando abaixo aos 31-40 anos (10%); - Agir Interdisciplinarmente, cuja manutenção de importância verifica-se entre os 7-10 anos e os 16-20 anos 31-40 anos de carreira (62,5%-64,3%), se bem que decresça abaixo da baseline entre o início de carreira e os 3-6 anos (54,7%-50,9%) e os 21-30 anos e os 31-40 anos (35,7%-30,0%). Não se inclui no núcleo duro o Fomentar Parcerias, na medida em que revela um retrocesso de importância entre os 3-6 anos e os 21-30 anos (30,4%-28,6%), apresentando-se ao nível da baseline somente antes dos 2 anos (38%) e dos 31-40 anos (40,0%). Relativamente à evolução da importância dos presentes capacidades ao longo da carreira, a leitura do Gráfico 13, realça que os 21-30 anos de carreira são um ponto de inversão de importância para as capacidades de Incentivar a Autonomia e Fomentar Parcerias, que descem respetivamente de 64,3% para 30% e de 40,5%% para 10% aos 31-40 anos de carreira. Relativamente a retrocessos identitários na interpretação das capacidades nucleares da profissão (Gráfico 14), por efeito da formação pré-profissional, verifica-se a atenuação da importância de 5 capacidades:

Gráfico 14. Retrocessos identitários da fase pré-profissional (NÓS - Capacidades). - Entender as Pessoas, que regride da identificação por 41,6% dos alunos do 1º ano e 38,7% dos do 2º ano, para 19,5% dos inquiridos na baseline.

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Esta capacidade regride ainda ao longo da carreira, a partir dos 3-6 anos (16,4%-10%); - Conhecer as Leis, que regride da identificação por 24,4% dos alunos do 1º ano e 23,2% dos do 2º ano, para 14,6% dos inquiridos na baseline. Esta capacidade revela-se como de manutenção na fase profissional, apresentando-se no entanto relativamente acima da baseline aos 11-15 anos (21,2) e 31-40 anos (20%); - Aplicar as Técnicas, que regride da identificação por 24,9% dos alunos do 1º ano e 16% dos do 2º ano, para 13,8% dos inquiridos na baseline. Esta capacidade apresenta-se como de manutenção ao longo da carreira. ANOVA

Post-Hoc

F

g.l.

p

Sig.

Grupos

Bonferroni p

Eixo Formação

2,144

10

0,019

*

---

---

Eixo Relação

0,695

10

0,729

n.s.

---

---

Eixo Instrução

2,121

10

0,020

*

7-10 anos AS – 1º ano

0,036

**

BASELINE – 1º ano -2 anos AS – 1º ano - 2º ano 3-6 anos AS – 1º ano - 2º ano 7-10 anos AS – 1º ano - 2º ano 11-15 anos AS – 1º ano - 2º ano 21-30 anos AS – 1º ano

0,012 0,000 0,005 0,000 0,004 0,000 0,008 0,002 0,029 0,004

Eixos

Eixo Ação

5,882

10

0,000

n.s. - Não se verificam diferenças significativas a um nível de significância de a=0,05 * - Verificam diferenças significativas a um nível de significância de a=0,05 ** - Verificam diferenças significativas a um nível de significância de a=0,01 Quadro 7. Comparação de médias entre os grupos (NÓS - Capacidades).

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Verificam-se diferenças significativas entre os grupos ao nível do: - Eixo Instrução (ANOVA; F=2,121; g.l.=10; p=0,020) a um nível de significância de 0,05. No 1º ano da faculdade, os inquiridos tendem a identificar-se com mais capacidades do Eixo Instrução que entre os 7 e 10 anos de carreira; - Eixo Formação (ANOVA; F=2,144; g.l.=10; p=0,019) a um nível de significância de 0,05. Apesar da presente significância, não são identificadas diferenças entre os grupos (Bonferroni); - Eixo Ação (ANOVA; F=5,882; g.l.=10; p=0,000) a um nível de significância de 0,01. No 1º ano, verifica-se uma tendência para uma menor identificação com capacidades do Eixo Ação, do que no fim da formação pré-profissional (baseline) e do percurso profissional até aos 15 anos de carreira e entre os 21 e 30 anos de profissão. Verifica-se uma menor tendência para identificação com capacidades do Eixo Ação no 2º ano, do que no percurso profissional até aos 15 anos de carreira. Não se verificam diferenças significativas entre os grupos ao nível do Eixo Relação (ANOVA; F=0,695; g.l.=10; p=0,729).

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Gráficos 15 a 18: Evolução da posição nos eixos face à baseline (NÓS - Capacidades). 3.3. Eles: identidade atribuída ao cliente No que se refere à imagem detida acerca dos clientes, verifica-se um processo de aquisição no período de formação pré-profissional, relativamente a 4 conceitos (Gráfico 19):

Gráfico 19. Aquisições identitárias da fase pré-profissional (ELES).

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- Cidadãos, que ascende da identificação por 74,6% dos alunos do 1º ano e 80,7% dos do 2º ano, para 94,3% dos inquiridos na baseline; - Utentes, que ascende da identificação por 56,3% dos alunos do 1º ano e 65,2% dos do 2º ano, para 76,4% dos inquiridos na baseline; - Clientes, que ascende da identificação por 33% dos alunos do 1º ano e 35,4% dos do 2º ano, para 42,3% dos inquiridos na baseline ; - Pessoas comuns, que ascende da identificação por 32,5% dos alunos do 1º ano e 37,6% dos do 2º ano, para 38,2% dos inquiridos na baseline. Considerando a prevalência da importância destes conceitos ao longo do exercício da profissão e carreira de Assistente Social, incluem-se no núcleo duro somente os conceitos de: - Cidadãos, cuja importância mantém-se até aos 7-10 anos de carreira (86,7%88,8%), ascendendo depois até aos 31-40 anos (97,6%-100,0%); - Clientes, cuja importância mantém-se até aos 11-15 anos de carreira (38,0%44,0%%), ascendendo acima da baseline após os 16-20 anos (57,1%-50,0%); - Pessoas comuns, cuja importância ascende até aos 11-15 anos (44%-43,5%), desde abruptamente aos 16-20 anos (26,2%) e ascende depois para o nível da baseline entre os 21-40 anos (42,9%-40,0%). Não se inclui no núcleo duro o conceito de Utentes, na medida em que revela um retrocesso de importância entre o início de carreira e os 31-40 anos (66,0%-50,0%), regressão essa mais significativa até se considerarmos este grupo derradeiro. Relativamente a retrocessos identitários na imagem detida acerca dos clientes (Gráfico 20), por efeito da formação pré-profissional, verifica-se a atenuação da importância de 3 conceitos:

Gráfico 20. Retrocessos identitários da fase pré-profissional (ELES).

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- Fragilizados, que regride da identificação por 60,4% dos alunos do 1º ano e 61,9% dos do 2º ano, para 43,1% dos inquiridos na baseline. O conceito de fragilizado assume-se no entanto como de aquisição na fase profissional, ascendendo de 54,7% no início de carreira para 70% nos 31-40 anos; - Excluídos, que regride da identificação por 50,8% dos alunos do 1º ano e 38,7% dos do 2º ano, para 38,2% dos inquiridos na baseline apresentando uma manutenção do início de carreira até aos 3-6 anos (40,7%-39,2%), a sua importância regride entre os 7-15 anos (26,3%-28,2%) e ascende acima da baseline entre os 16-40 anos (40,5%-60%); - Necessitados, que regride da identificação por 46,2% dos alunos do 1º ano e 36,5% dos do 2º ano, para 23,6% dos inquiridos na baseline. O conceito apresenta ainda uma regressão ao longo da carreira, até aos 16-20 anos (24,7%-14,3%), situando-se a sua importância ao nível da base line entre os 21-40 anos (19%-20%). Verificam-se diferenças significativas entre os grupos ao nível dos Eixos: - Eixo Administrativo-Funcional (ANOVA; F=4,959; g.l.=10; p=0,000) a um nível de significância de 0,01. No 1º ano da faculdade, verifica-se uma menor tendência para identificar os destinatários do ponto de vista administrativo-funcional, que no final do período de formação pré-profissional e ao longo do percurso profissional, até aos 20 anos de carreira. - Eixo Emocional-Pessoal (ANOVA; F=4,081; g.l.=10; p=0,000) a um nível de significância de 0,01; No 1º ano da faculdade, verifica-se uma menor tendência para identificar os destinatários do ponto de vista emocional-pessoal, que entre os 3 e os 15 anos de carreira. No 2º ano da faculdade, verifica-se uma menor tendência para identificar os destinatários do ponto de vista emocional-pessoal, que entre os 11 e os 15 anos de carreira.

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ANOVA Eixo

s

Eixo Administrativo-Funcional

F

4,959

Post-Hoc g.l.

10

p

0,000

Sig.

**

Eixo Emocional-Pessoal

4,081

10

0,000

**

Eixo Integrados

1,320

10

0,214

n.s.

Eixo Excluídos

13,528

10

0,000

**

Grupos

Bonferroni

BASELINE – 1º ano -2 anos AS - 1º ano 3-6 anos AS - 1º ano 7-10 anos AS - 1º ano 11-15 anos AS - 1º ano 16-20 anos AS - 1º ano BASELINE – 1º ano 3-6 anos AS - 1º ano 7-10 anos AS - 1º ano 11-15 anos AS - 1º ano - 2º ano --BASELINE – 1º ano - 2º ano -2 anos AS - 1º ano - 2º ano 3-6 anos AS - 1º ano - 2º ano 7-10 anos AS - 1º ano - 2º ano - 3º ano 11-15 anos AS - 1º ano - 2º ano - 3º ano 16-20 anos AS - 1º ano - 2º ano 21-30anos AS - 1º ano

0,000 0,000 0,005 0,000 0,006 0,031

0,032 0,050 0,011 0,001 0,011 ---

0,000 0,015 0,000 0,021 0,000 0,000 0,000 0,000 0,006 0,000 0,000 0,048 0,000 0,018 0,002

n.s. - Não se verificam diferenças significativas a um nível de significância de a=0,05 * - Verificam diferenças significativas a um nível de significância de a=0,05 ** - Verificam diferenças significativas a um nível de significância de a=0,01

Quadro 8. Comparação de médias entre os grupos (ELES). Lusíada. Intervenção Social, Lisboa, n.º 38 [2.º semestre de 2011]

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- Eixo Excluídos (ANOVA; F=13,528; g.l.=10; p=0,000) a um nível de significância de 0,01. No 1º ano da faculdade, verifica-se uma maior tendência para identificar os destinatários do ponto de vista de excluídos, do que entre o final do período de pré-profissionalização (baseline) e ao longo do percurso profissional, até aos 30 anos de carreira. No 2º ano da faculdade, verifica-se uma maior tendência para identificar os destinatários do ponto de vista de excluídos, do que entre o final do período de pré-profissionalização (baseline) e ao longo do percurso profissional, até aos 20 anos de carreira. No 3º ano da faculdade, verifica-se uma maior tendência para identificar os destinatários do ponto de vista de excluídos, do que entre os 7 e os 15 anos de carreira.

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Gráficos 21 a 24: Evolução da posição nos eixos face à baseline (ELES). 3.4. Discussão das conclusões No que respeita à identidade própria, integram o núcleo duro identitário dos Assistentes Sociais três papéis: o de Dinamizador, o de Empreendedor e o de Facilitador, sendo estatisticamente significativos os ganhos que ocorrem ao nível do eixo dinamizador quando se compara o 2º ano de formação e a baseline. Há dois papéis cuja recusa se incrementa de modo cada vez mais veemente ao longo do ciclo de vida identitário: o de humanista e o de cuidador, claramente ligados aliás, note-se, aos perfis do Serviço Social pré-moderno. Os eixos analíticos desenhados mostram evoluções contraditórias muito significativas ao longo do ciclo de vida identitário profissional. O “nós” foi avaliado através do pedido de identificação dos valores e capacidades mais importantes para o trabalho de um assistente social. Quanto aos valores integram o núcleo duro identitário a Responsabilidade na Ação e a Atualização Técnica Constante, que ganham relevância num caminho que vai tendendo a fazer revelar perdas no eixo relação-cliente que são essencialmente compensadas por aquisições no eixo funcional. A conclusão por este sentido compensatório é aliás reforçada quando olhamos para as perdas mais significativas e regulares pós-baseline: as que ocorrem em Dedicação ao Cliente e em Orientação Empática. Quanto às capacidades nucleares do Assistente Social, destacam-se duas características que integram o núcleo duro: o Agir Interdisciplinarmente e o Fomentar Parcerias. Ao longo do ciclo de vida identitário ocorre também aqui uma substituição essencial: perda progressiva da identificação com capacidades do eixo instrução à medida que se incrementa a identificação com capacidades do eixo ação. Quanto às regressões mais significativas merece destaque uma: ocorre a perda progressiva da importância associada à capacidade de Entender as Pessoas. Quanto ao “eles”, nomeadamente ao destinatário dos Serviços do Assistente Social nota-se a predominância, com entrada no núcleo duro identitário os perfis de Cidadão, Cliente e Pessoa Comum. É forte a tendência de substituição do eixo excluídos pelo eixo integrados, sendo especialmente forte essa aquisição na fase

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pré-profissional. Não é contudo verdade que essa linha perpasse a totalidade dos grupos de antiguidade profissionais, pois ocorre uma inversão genérica dos padrões entre os Assistentes Sociais mais antigos, o que pode ser mais efeito geracional do que resultado, em absoluto, de maior número de anos de experiência. Os resultados mostram serem consideráveis os níveis de retrocesso identitário profissional, isto é, que há uma renegociação relevante das aquisições identitárias consolidadas ao longo da fase pré-profissional, ainda que indiquem ao mesmo tempo que existe um grupo nuclear de aquisições que tendem à prevalência e que podem identificar-se como um núcleo duro identitário. Resultados como aqueles que alcançámos validam claramente quer o interesse da exploração identitária microssociológica e macrossociológica, pois se é certo que o padrão existe e um núcleo identitário claramente delimitado e persistente existe de facto, também é certo que a análise agregada condizida ao nível do grupo não explica a elevada variação individual e a aparente existência de padronização ao nível de diversos traços, perfis e atributos.

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Ciganos e Mediação: Estudo exploratório sobre o sentido da mediação em contexto institucionalna perspetiva de um informantechave Cristina Coelho IPP/Escola Superior de Educação de Portalegre E-mail: cristinamrc@hotmail.com

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Resumo Este texto decorre de uma investigação exploratória em que se pretendeu conhecer o sentido que os mediadores profissionais de etnia cigana atribuem à mediação que realizam em contexto institucional, tendo em conta que o projeto de criação da figura do mediador cigano emana de um poder institucional não cigano. Procura-se identificar e compreender o significado atribuído aos processos de mediação de, e pelos mediadores de etnia cigana através do testemunho de um informante-chave. Os resultados da investigação apontam para uma perspetiva de continuidade do formato de mediação tradicional/cidadã própria às pequenas sociedades de interconhecimento. Esta perspetiva permite entender a particularidade da forma como o entrevistado prevê a inserção institucional dos mediadores ciganos: procura a participação nas realidades e exigências contemporâneas e a facilitação de fatores de integração social que sabe residirem na cultura dominante, mas de forma vigiada, para que não haja introdução de ruturas com o sistema de valores e referências do grupo. Palavras-chave: Serviço Social / etnia cigana/ mediação / contextos multiculturais

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Introdução O processo de atribuição de sentido corresponde à construção de uma visão do mundo, isto é, de si próprio, da sua relação com os outros e da sua relação com o mundo. No contexto da intervenção social, em especial em contextos multiculturais, onde circulam vários actores, com diferentes posições na estrutura social e com interesses diversos, os significados que cada um atribuiu à realidade social, que é uma construção, divergem, ou não. A sua conjugação, realizada através de processos de negociação que são, por si, mediações, é um fator que propicia o sucesso da intervenção social. Assim, procura-se, com este texto, contribuir para um melhor conhecimento dos quadros de referência que os mediadores ciganos em contexto institucional mobilizam quando trabalham com técnicos e populações e como justificam o seu trabalho no contexto de uma tripla relação: consigo próprio, com os outros e com a sociedade em geral. O trabalho empírico consistiu na realização de entrevistas não estruturadas a um informante-chave e foi exigente em tempo, conversas e viagens, determinantes para o estabelecimento de uma relação de confiança. A pesquisa assumiu um carácter exploratório, visando aumentar a experiência e a familiaridade com o problema estudado com vista a torná-lo explícito e, assim, elaborar prioridades e instrumentos de investigações futuras. O informante-chave foi selecionado de entre um universo de mediadores pelas suas caraterísticas de bom conhecedor do campo da mediação, tanto numa perspetiva institucional, como na da mediação cidadã. Por outro lado, algum protagonismo assumido ao nível da liderança de processos de interlocução entre os grupos ciganos e o conjunto social envolvente conduziu à sua consideração como peça-chave, porque detentor de uma leitura abrangente da realidade da mediação cigana. Valorizou-se, assim, uma visão em primeira-mão e com o sentido da experiência pessoal. Esta opção metodológica enquadra-se numa linha de investigação qualitativa que se focaliza no ponto de vista dos atores/sujeitos. A metodologia escolhida ganha pertinência uma vez que a investigação se debruçou sobre um grupo social, pouco ouvido por um lado, que conta pouco sobre si por outro, e que não tem deixado, ao longo da sua História, traços escritos sobre a sua atividade e existência.

Alguns conceitos e modelo de análise É importante referir que quando falamos de integração de minorias étnicas, e em especial quando associada a de grupos em situação de desfavorecimento social, consideramos que o que efetivamente constituiu o bloqueio a uma melhor e mais plena integração social reside na vulnerabilidade ligada às condições sociais, económicas e políticas de vida das pessoas. A integração não pode ser sinónima de homogeneidade cultural, ainda que a dimensão cultural mereça especial atenção no âmbito das sociabilidades com a sociedade envolvente.

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O conceito de mediação, na sua aceção mais antiga, corresponde a uma definição jurídica que é a da resolução de conflitos entre duas partes, privadas ou públicas, através da ação de uma terceira pessoa neutra na procura de um acordo. Para que este aconteça, o estabelecimento de canais de comunicação entre as partes é uma condição indispensável para encontrar soluções que satisfaçam os interesses de ambas as partes. Ao longo dos anos, o conceito evoluiu e, de forma simultânea, o alargamento dos seus domínios (mediação social, comunitária, sociocultural, familiar, etc.), e, assim, também se diversificaram os perfis dos mediadores. Na literatura consultada, podem identificar-se duas correntes principais e gerais de mediação segundo a sua natureza: a mediação institucional e a mediação cidadã (Almeida, 2001; Six, 1995). Para Six (1995), trata-se da mediação «homem» e da mediação «mulher», respetivamente. A primeira é realizada por mediadores que integram o organigrama institucional; são figuras profissionalizadas, formadas especificamente para o exercício das funções de mediação. Provêm de um poder estabelecido. A segunda é realizada por mediadores que emergem dos seus próprios grupos, surgindo de forma natural num contexto interacional pautado pela confiança. Questionando a especificidade da mediação em contextos multiculturais, optámos pelo conceito abrangente de mediação intercultural apontado por Gimenez (1997: 142) e que se integra na tipologia apresentada: «modalidade de intervenção de terceiros, em e sobre situações sociais de multiculturalidade significativa, orientada para o reconhecimento do Outro e para a aproximação das partes, para a comunicação e compreensão mútua, para a aprendizagem e o desenvolvimento da convivência, para a regulação de conflitos e de adequação institucional, entre actores sociais ou institucionais etnoculturalmente diferenciados». A mediação em contextos multiculturais realiza-se com o objectivo de oferecer consistência ao laço social existente e reconstruir os fragilizados ou inexistentes entre pessoas e grupos pertencentes a culturas diferentes e entre estas e o conjunto da sociedade. Trata-se de constituir traços de união e catalisar percursos de socialização a fim de integrar as diferenças, não de forma arbitrária, mas através do reconhecimento do Outro enquanto Outro, isto é, operar uma mediação sociocultural entre si/nós e o(s) Outro(s). Por esta via, a mediação cumprirá uma função facilitadora dos fatores de integração social, favorecendo a visibilidade social e o sentimento de pertença a um conjunto mais vasto através, por exemplo, da criação de oportunidades de entrada no mundo do trabalho ou no sistema educativo. Facilita o reconhecimento social, ou seja, o reconhecimento do valor da contribuição do Outro para uma comunidade concreta. Significa isto que o mediador vai enfrentar mecanismos de exclusão mais ou menos difusos no interior do conjunto da sociedade envolvente e um dos seus papéis será opor-se ao desenvolvimento daqueles baseados em estereótipos e preconceitos (Guglielmonti, 1998). Para uma melhor compreensão do percurso de análise realizado, veja-se a figura 1:

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Figura 1: Esquema conceptual sobre o contexto interacional de construção dosentido da mediação. Parte-se da consideração da mediação enquanto busca da (re)instauração dos laços sociais e da facilitação dos fatores de integração social, com intervenção a 2 níveis: interindividual (micromediação) e societal (macromediação) (Almeida, 2001, Six, 1995). Helena de Almeida (2001) expõe a vertente da mediação enquanto mecanismo de regulação social: “a regulação social analisa-se como o conjunto de mecanismos através dos quais se criam, se transformam e desaparecem as regras. A regulação social toma a forma de mediações que têm como característica o fator de serem duais: simultaneamente sociais e interindividuais. Elas preenchem, nesta regulação, uma dupla função, latente e manifesta, ‘fazer sociedade’ e ‘regular conflitos’” (Almeida, 2001: 44). Nesta acepção, a mediação desenvolve-se a dois níveis: o nível interindividual, que corresponde à sua concepção enquanto modo não contencioso de regulamentação de conflitos, sob a égide de uma terceira pessoa e que corresponde à micromediação; um nível societal, macromediação, enquanto ação que relaciona dois termos a fim de constituir ou desenvolver o laço social. Six (1995: 34), refere-se a estes dois níveis como a «função mediação», que se «exprime não só nas relações interpessoais mas também nas relações que cada um pode ter com as instituições e entre outros, com as administrações destas últimas”. Ambas, micro e macromediação, constituem um continuum que varia segundo a forma como os atores representam o processo. Neste contexto, consideram-se, na análise, as partes envolvidas na mediação: grupo de pertença, onde se inclui a família e a rede primária de recursos (ou laço horizontal) (ver nº 1 da figura 1) e as organizações e técnicos, inseridas na rede de organizações sociais que compõem o conjunto social e que constituem a rede secundária de apoio

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(laço vertical) (ver nº2 da figura 1). A ação do mediador cigano, que opera a partir de um contexto institucional, será atravessada por uma dimensão coletiva (ver nº 3 da figura 1) oriunda dos objetivos, significações e intencionalidades dadas à mediação nesse contexto, e também pelos objetivos e significados emergentes do seu grupo de pertença. A dimensão individual (ver nº 4 da figura 1) integra o próprio mediador com o seu percurso de vida, as suas expetativas e projetos enquanto indivíduo e a sua inserção em redes de recursos e influências. Neste contexto, que é interacional, constrói o sentido (ver nº6 da figura 1) do que faz, através do que pensa de si, dos outros e da sociedade em geral. Este sentido é expresso no seu discurso acerca do que faz, acerca de si próprio (percurso, situação atual, expetativas/ projetos), dos outros (grupo de pertença e organizações) e da sociedade em geral (problemas sociais).

A MEDIAÇÃO NA PERSPETIVA DE UM INFORMANTE-CHAVE O percurso Sobre o seu percurso, o informante-chave referiu a boa integração social de que o seu grupo familiar gozava no seu contexto de origem e, actualmente, auto percepciona-se como ‘homem de respeito’, ‘zelador’ da cultura e tradições ciganas. Eu sou… (pausa) tenho uma temperamento mais ou menos positivo dentro da minha cultura, sou considerado uma pessoa ponderada e dando algumas ideias dentro da área de, de, de... do conceito, pronto, do conceituado cigano, de algumas lógicas que se vão perdendo, naquelas que se vão aproveitando sobre o saber estar e o saber para bem da cultura”. A figura masculina de ‘homem de respeito’ desempenha, no âmbito dos grupos ciganos, funções de autoridade no seio das relações de parentesco, não tanto por causa da idade (ainda que muitas vezes sejam os anciãos), mas pelo seu percurso de vida, conduzido com correção e ‘dignidade cigana’ e pela detenção de determinadas qualidades como a “justiça, o ‘dom da palavra’, o fato de agir e interagir de forma correta com as pessoas na sua generalidade, quer sejam ciganos ou não ciganos” (Mendes, 2005, p.153). Se tiver conquistado o “prestígio como ‘homem de respeito’, a sua autoridade pode ultrapassar o grupo familiar e parental para que outras famílias ciganas o procurem para lhe pedir conselhos, podendo, inclusivamente, actuar como mediador em caso de conflito” (ibidem). O exercício da mediação, no caso do informante-chave é anterior à sua inserção institucional, pois o papel de mediador era já exercido no seio do seu grupo de pertença, já na adolescência. Neste âmbito, a mediação, realizada em contexto institucional, profissionalizada, surge como o seu projeto para os jovens ciganos, não para si. Outro projeto/expetativa é o convívio entre crianças e

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jovens ciganos e não ciganos, favorecendo o conhecimento mútuo como meio de desconstrução de estereótipos e preconceitos. “Porque há uma altura de pré-primária ou da escola… o melhor meio, no meu pensamento, de inseri-los logo nesta juventude.... não é depois de 10, 15, 20 anos”. “Pô-los a conviver… é que nascem amizades...”.

O contexto de mediação As instituições No discurso do entrevistado, a questão da integração institucional, surge eivada de referências à não participação nas dinâmicas das organizações (não participam em reuniões, não são envolvidos na discussão das situações ou de estratégias de intervenção) e aos potenciais conflitos com os técnicos com quem trabalha directamente. “Há um gabinete qualquer, dá a impressão que gostam de mim, olha o sr. [mediador] e tal, mas se for analisar bem os macaquinhos que eles têm na cabeça…”. “O problema é não me gramam porque eu faço o bem… a mentalidade do [técnico] que não se importa, quer é pô-los na rua, se eles estão a ocupar... têm que ir para a rua, né?”. O conflito é referido em estado latente entre os vários elementos, por via de linhas diferentes de pensamento e de intervenção nas situações, decorrendo daqui a desarticulação das ações e o sentimento de isolamento. “É muito bonito ao princípio e depois acabam por largá-lo e deixá-lo à deriva. Aí ele perde o interesse”. “Também depois deixa de ser protegido ou deixa de… ou começa por estar sózinho, quando só se apercebe das coisas depois das reuniões, não tem contato com as reuniões, não tem contato com nada, é apenas um empregado normal, portanto já não tem… perde o interesse”. A forma como descreve a relação e as práticas conjuntas com outros profissionais sugere uma continuidade, em contexto profissional, da segregação que se verifica em relação aos grupos ciganos, pois indicia tolerância da presença do mediador na equipa, não chegando a haver rentabilização do trabalho conjunto e das suas competências específicas. Sugere, assim, uma dinâmica administrativa de gestão das relações com o público cigano, sobre o qual existe a expetativa de que seja conflituoso, requerendo do mediador cigano um papel de controlo e amortecimento, no acesso a benefícios sociais e no âmbito de recursos escassos. No que diz respeito às expetativas dos técnicos sobre o seu trabalho, as respostas são vagas, deixando, no entanto, expressa a ideia de uma expetativa de atuação no conflito instalado, excluindo a possibilidade de um trabalho de prevenção.

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“Num certo sentido acho bem que elas tentem resolver os problemas sem a minha coisa.... só que às vezes elas aldrabam certas e determinadas coisas... em vez de fazerem comigo, fazem como elas querem e depois só me chamam, quando eu já não posso fazer nada...” As atividades de mediação surgem, no discurso do entrevistado, com o objetivo último de defesa do grupo de pertença, procurando a aplicação de princípios de justiça que, sendo os seus, corresponderão, alguns, também a critérios institucionais. Enquadram-se, nestes últimos, a gestão de pedidos que considera injustos, e da pressão que alguns elementos de etnia cigana exercem no sentido de superar critérios que definem o acesso a benefícios sociais. “Agora no outro dia também houve um que andava a chatear que queria uma casa e eu não gosto de mentiras, não gosto..... eu sei a vida que eles têm, por vezes não faço de intermédio.. como é que se diz?”. “Às vezes…porque eu sei... tens um jaguar... se tem um jaguar não precisa de um (pausa) vejo as coisas mas não.......... pronto! (pausa). Agora foi dada uma casa, foi dada uma casa também... eu não quis estar… não me quis meter... depois dou-me mal”. O seu papel, enquanto mediador cigano, complexifica-se, em contexto institucional, tanto mais que o discurso do entrevistado indica a clara perceção de que a mediação se inscreve em processos de poder institucional, ou seja, numa relação de poder entre maioria e minoria e que o cigano goza, neste âmbito, de uma baixa credibilidade e prestígio social. “ [exemplificação com situação de Rendimento Social de Inserção] eu vou como mediador, mas eu vou tentar compreender a sua parte, o seu ódio que está lá dentro e tentar tirá-lo para fora, né..? Se vai falar, eles foram malcriados para mim, eles disseram-me isto, disseram-me aquilo... e tu foste malcriado para a doutora? Para a outra vez não faças isso. Vai consistir em que você desabafa e depois começo eu a falar. Porque ele está ao pé de mim e fica calado quando ele está cheio de razão. E eu estou a fingir que lhe estou a dar razão a si. É isto que não é ser verídico, não é...?”. Luísa Cortesão et al. (2005, p.68) refere-se à organização sociocultural dos grupos ciganos e ao fraco domínio de alguns instrumentos cognitivos que lhes “permitam esgrimir os seus direitos a médio ou a longo prazo”, como fatores de impedimento de conquista de credibilidade. Nesta consciência residem ~duas das principais dificuldades do entrevistado: não perder a confiança do seu grupo, pois, com ela, desmoronará a sua ‘dignidade cigana’, o seu principal capital... “Depois acabo por mentir aqueles meus colegas que são ciganos, mas eu ao fim e ao cabo não sou político... Portanto os políticos mentem-me também, não é? porque são mentirosos, não é? Porque eles é que são ciganos, não é? eu que sou um cigano verídico e com a realidade da vida, vou completamente mentir aos meus...perco a minha credibilidade perante os meus”. «Depois levo uma ação social, depois levo um psicólogo e depois qualquer dia mandam-me assim... olha vai dar mas é psicologia a outro, para outro lado,

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que a gente já estamos fartos de ti… a gente queremos é uma casa, a gente queremos é uma escola, a gente queremos é água, a gente queremos... e vocês querem aqui é ganhar o dinheiro das instituições». …e deter um domínio suficiente dos instrumentos próprios de uma cultura que não é a sua, mas que lhe podem permitir lidar melhor com a desigualdade de poder. “Se eu tivesse aqui mais 7 ou 8 anos de estudo, de....eu sabia muito mais, procurando aquilo que eu sei mais o estudo”. “Escrever para uma instituição de....uma instituição de certo mérito, é completamente diferente... uma questão de uma oração e podem interpretar de muitas maneiras, portanto, senão for bem direcionada”. O seu discurso denota um sentimento de dupla vulnerabilidade e com ela a denúncia da sua impotência para agir. “Sinto-me incapacitado por não poder fazer nada, não poder ajudar...”. “Tem de haver outra coisa.. mas, como é que se faz? Como?! Eu não posso fazer mais... Eu não posso reivindicar com insistência, tenho é de falar todos os dias mas com, com, com... senão não me recebem. Tenho que ser ponderado, tenho que ter educação, tenho que ter.....”.

O grupo de pertença O grupo de pertença do entrevistado é considerado, por este, como detentor de fortes raízes culturais e de práticas específicas. A relação entre os membros do grupo é marcada pela expectativa de lealdade. “Eu, pessoalmente, olho para um cigano, sem ser racista, puro a 100%, que sei que ele não me vai deixar mal, sei que ele, que no meio de....de....não me vai desestabilizar… não sei... há tanta coisa em comum que é difícil”. “da mesma forma como uma mulher cigana consegue encobrir, que vai até ao fim, que sofre as consequências e essas coisas todas, os problemas que tem por causa dessa vigarice que eu fiz... e não me vai deixar, desiludir… pelo contrário me apoia, né...?”. Fernandes (2005:13) nota que a necessidade de afirmação étnica é “uma função da adversidade do meio social envolvente, acentuando-se, nestes casos, a tendência para o fechamento e para a vivência das tradições próprias”. As relações que se estabelecem entre as famílias ciganas e os grupos sociais que os rodeiam são dominadas pela oposição Nós ciganos/Eles não-ciganos. Os ciganos identificam-se por referência à população com quem convivem e à qual não se associam (Fernandes,2005; Liégeois, 2001). Em Portugal, o termo senhor designa, na generalidade, os indivíduos não-ciganos e a oposição não é pontual nem insólita: ela inscreve-se no quotidiano dos indivíduos. O Outro, quer seja uma pessoa apreciada ou não, próxima ou desconhecida, é sempre assim qualificado. Nesta oposição reside um fator importante de resistência aos processos de

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assimilação. O discurso do informante-chave sobre a relação entre ciganos e não ciganos reflete estas dimensões, apontando as seguintes características: Independência face aos não ciganos, ao ‘resto’ da sociedade, compensada por uma forte integração no grupo de pertença… “A gente não precisa deles, a gente hoje em dia temos uma vida....a gente vai à venda com uma carrinha que custa 3 €, levamos 7 ou 8 ou 10 ganhamos 1 conto, vimos para nossa casa, comemos o que queremos”. …reforçada por um sentimento de desconfiança generalizada… “Temos sempre uma desconfiança com vós que nunca..... se... porque com o ritmo, com os anos e anos, nunca conseguimos ter uma confiança em vocês, né...? somos muito amigos, muito amigos, muito amigos mas quando na área da dificuldade as águas dividem-se logo completamente...”. … as relações com os senhores são pontuadas de exceções, pelo reconhecimento de capacidade de escuta do outro. Segundo o entrevistado esta capacidade surge aliada ao seu nível cultural. “E depois, do outro lado, quanto mais culta é a pessoa, melhor o escuta... é... e isso é uma grande dificuldade também... quanto mais a cultura do outro lado é maior, tem licenciatura e mais educação, mais.....Antes quero falar com um secretário, com um ministro, com isto, com aquilo do que tar a falar com o tio João da rua...”. Para um não cigano tornar-se cigano é uma impossibilidade… “No meio de......determinadas coisas...dá sempre a sua.......nunca aprende, nunca aprende, é muito raro aprender aquilo que nós temos, que está interiorizado em nós....”. …no entanto, o informante-chave demonstra tolerância face ao casamento misto e, assim, à integração no seio do grupo de elementos exteriores. “E nós compreendemos porque...compreendemos porque temos as nossas filhas e temos que, que levar com aquele que não é cigano”. “Antigamente era completamente diferente, mas agora pronto....como as nossas filhas gostam dessas pessoas que não são ciganas, os pais....pronto a gente tem que os aproveitar, né? É assim, né?”. Interessante é notar a tolerância do entrevistado face ao casamento misto. Este é, tradicionalmente, endogâmico e, enquanto tal, é uma prática que favorece a reprodução social e cultural dos grupos ciganos. É considerado por Mendes (2005, p.133) como um “acto constitutivo do grupo familiar e das relações de parentesco, assumindo particular relevância na estruturação e coesão interna do grupo étnico cigano”. A abertura do entrevistado relativamente ao casamento misto, ainda que nos termos de “temos de levar com eles” ou “temos de os aproveitar”, indicia um certo grau de assimilação. Relativamente aos problemas que os grupos ciganos enfrentam, aponta um indicador que conduz à perceção da assimilação dos grupos ciganos e que é a perda de valores associada ao tráfico de droga. Teresa San Román (1997:203)

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afirma que “a venda de droga supõe a aplicação da estratégia tradicional de produção que combinava integração precária-marginalidade-ilegalidade ou as alternava, e, ao mesmo tempo, é (…) o veículo mais potente de assimilação dos ciganos à nossa sociedade”, ainda que por um dos piores lados do mundo não cigano. “Houve uma invasão de culturas intermédias, houve uma invasão de dinheiro da droga, disto e daquilo e do outro em que o cigano muitas vezes perdeu a sua dignidade, a sua resposta de verdade e perdeu-se muito na conceituação da realidade cigana”. “Portanto, em princípio... à uma nós não a vamos buscar, portanto ela cai como passarinhos que caem aqui… depois acontece que depois quem fica bem, fica bem com a droga e não se lembra... é os bons carros, é as vivendas e... depois desse tar rico tenta os mais pobres, portanto é uma situação que vai... vai-se acumulando, vai-se infiltrando... é um mal que veio para mal de todos”. O tráfico de droga, sendo grave para o conjunto da sociedade, apresenta consequências específicas para os ciganos. Por um lado, tem implicado o agravamento da representação que a sociedade dominante tem dos ciganos, através do desenvolvimento do estereótipo do cigano-traficante. Este fato tem gerado fortes tensões com a sociedade envolvente e agravado o controle institucional sobre os grupos ciganos. Por outro lado, a nível interno, o tráfico implica cisões, pois o enriquecimento de uns sugere formas de autoridade que não gozam da legitimidade tradicional, uma vez que corroem a hierarquia tradicional, as estruturas parentais e as solidariedades. Outro dos problemas referidos é a falta de desenvolvimento dos grupos ciganos, no sentido em que apresentam um baixo domínio dos modos de funcionamento e dos meios técnicos mais elementares que lhe permitam enfrentar a cultura dominante de uma forma afirmativa. “Num certo desenvolvimento, aquele em que estamos, ainda estamos tão atrasados que ainda não temos a capacidade para nos desenvolvermos a nós próprios”. “É mais uns 20 ou 30 anos de atraso, atraso na questão do conhecimento, na questão da escolaridade que é aquilo que nos realmente falta...”. “Depois não podemos, não temos uma escolaridade, não temos cidadania, não temos educação, não podemos arranjar um emprego. Temos de andar com o burrito tic tic tic…”

A sociedade em geral De uma maneira geral, o discurso do informante-chave centra-se na sua perceção dos mecanismos conducentes a uma forte diferenciação social dos grupos ciganos e na hostilidade do meio, identificando processos de desvalorização e exploração da diferença, sempre definida pela negativa.

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A este propósito, Mendes (2005, p.190) explicita, de forma sintética, alguns conceitos importantes para a leitura dos dados: “a segregação remete para práticas que colocam à distância e afastado o grupo racizado, reservando-lhe espaços próprios, mais ou menos restritos, enquanto a discriminação impõe ao grupo racizado um tratamento diferenciado em diversos domínios da vida social, inferiorizando os modos e as formas segundo os quais ele participa”. “Nós não temos justiça, grandes injustiças, temos aqueles problemas que eles não têm voz, não sabem onde é que hão de ir, não sabem onde é que se hão de dirigir e quem eles têm..?”. A discriminação surge, no discurso, traduzida em ausência de reconhecimento das capacidades das pessoas ciganas e do valor social do seu contributo conduzindo, no plano prático, ao impedimento de desenvolvimento de projetos/atividades. Aponta este tratamento como desmotivador de um desejo de maior participação social. A motivação e mobilização para a participação social dos grupos, maioritários ou minoritários, dependem do reconhecimento que realizam das vantagens para a conformidade às normas dominantes (Walgrave, 1994). Neste caso, nenhuma vantagem parece ser reconhecida e as tentativas surgem frustradas. “Ainda o medo das outras instituições...não nos dá aquilo que nós sabemos fazer facilmente... Como a questão de ser presidente de uma associação, ou de médias empresas, de certas e determinadas coisas que não se precisa de ser licenciados”. “Eu até cheguei a dizer à [mediadora cigana]... em particular... tu queres uma creche, senão ta dão, andas por aqui e por ali... porque não lhe dão uma crechezinha dela...? Para aqueles meninos? Uma creche com 2 ou 3 meninas ou 2 ou 3 doutoras..... não havia problema e ela não perdia o tipo dela”. O racismo surge na entrevista na sua faceta de mecanismo de exclusão, indiciando práticas de perseguição e parte integral da socialização das crianças e jovens: “Não foi aos animais que lhes cortaram a água mas foi às pessoas em si, porque hoje em dia já não há poços, não há isto, não há aquilo e onde é que aqueles ciganos... têm realmente de comprar água para beberem e os animais... não dão... e isso é desumano...”. “Há aqui uma questão de racismo, que é aquilo que faz toda a diferença... faz com que nós não cedemos o braço um do outro, portanto, nós procuramos integrar-nos, mas depois...”. “Sentem, as crianças sentem, mas é na questão de outro termo, é na questão da brincadeira… o cigano quer andar na roda, na brincadeira ou no jogar à bola, vai sentindo… vai crescendo”. A assimilação é outro aspecto abordado, relacionando a integração profissional e escolar em contextos não ciganos com o risco de “perder o tempo” de preparação para as actividades da ‘vida de cigano’, deixando, depois, o indivíduo cigano vulnerável nos espaços ciganos e agravando a mesma nos

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espaços não ciganos. Este é um aspecto abordado enquanto fator de resistência à frequência escolar. “E depois deixou de ser cigano… que é aquilo que eles próprios queriam, né? E agora vamos ver, que agora não tem os alicerces de vida.... agora não tem.... vai vender camisolas.....”. “Andou 13 ou 14 ou 15 anos, no fim de 15 anos nunca chegaram a fazer um contrato de trabalho e durante 15 anos nunca foi... e ao fim de 15 anos... mandaram-no embora porque já não tinham falta dele, usaram outro de outro lado, outro que não é cigano, portanto.... mandaram aquele... e o rapaz disse, né...? o cigano disse, mas vou embora porquê? Ando aqui há 14 ou 15 anos, perdi o meu tempo de cigano, não aprendi aquilo que havia de aprender como cigano”. Outros problemas, relacionados com a ação das instituições, prendem-se com a falta de vontade política e a incapacidade das organizações para promover a integração social. “Falta desse apoio, falta na questão de diretivas que possam elevar-nos a acompanhar outras culturas, em que não há uma vontade das instituições governamentais nem das outras instituições”. O seu discurso denota a consideração de que as organizações que trabalham com ciganos reforçam as representações negativas. “Estas instituições que dão o nome para ajudar os ciganos (…) que os ajudem, hãn... na questão da educação e da cidadania, hãn...porque estas instituições é que estragam o nome, o nome completamente nosso, né...?(zangado)”. “Porque há instituições que estão a trabalhar connosco há 35, 40 anos, nunca conseguiram formar uma criança, nem mesmo com o 9 º ano, nunca conseguiram fazer nada deles, portanto, eu aproveitava até para dizer que se não conseguiram fazer nada dessas crianças, desses ciganos que retirem, realmente, o nome que têm das instituições que têm o nome com o cigano”. A falta de confianças nas instituições é expressa, pelo entrevistado, como descrença na sua capacidade inclusiva. “Portanto se não consegue captar um que seja mesmo cigano puro... portanto... não há mesmo vontade... por isso eu digo que já não acredito em nada do que esta gente diz”. “Não os aproveitam... Não aproveitaram o [mediador cigano institucional], não aproveitaram este que é o [formador cigano] nem o irmão, não aproveitaram aqueles do Porto, não aproveitaram o de Braga e portanto...”. Liégeois (2001, p.47) defende que os poderes públicos têm consciência da negatividade excessiva com que a sociedade envolvente representa a população cigana. A consciência falha, no entanto, quando não se dão conta de que as suas próprias imagens, a forma como designam o Outro e em que baseiam políticas e organizam respostas, são, igualmente, erradas. ‘Arrumando-os’ em categorias como “o grupo mais desfavorecido”, “o mais necessitado”, atribuem a si próprias “com alguma ligeireza, o dever e consequentemente o direito, de intervir socialmente, estipulando que as dinâmicas culturais, sociais e económicas dos

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Ciganos são apenas recordações” (ibidem). Estas representações acabam por naturalizar a sua exclusão, pois “a banalização produz a indiferença que avaliza qualquer proposta política de controle, disciplinamento e minimização das suas mazelas” (Carvalho, 1994, p.86).

O MEDIADOR CIGANO As funções atribuídas ao mediador em contexto institucional, sistematizadas a partir do discurso do entrevistado, são seis. Uma primeira refere-se à melhor comunicação estabelecida pelo mediador cigano, baseada numa relação de confiança, e à qual se associa outra função: a de oferecer segurança aos elementos do grupo de pertença na relação com as organizações. “Dar-lhe a entender, embora as técnicas falem (...) mas o cigano fala depois à cigana e, então, a maneira como os ciganos vão compreender é a maneira que eles vão acreditar nesse mediador porque ele tem maneiras para falar, não tão teoricamente, mas à maneira dele, ele fala para eles e esse mundo é compreendido à maneira, porque não… porque eles julgam que ele está a falar verdade”. Esta ideia vai de encontro à desconfiança, tema já abordado, face às instituições. Desta decorre um sentimento de vulnerabilidade societal que é definido por Walgrave (1994, p.88) como o risco que se corre, aquando do contato com as instituições sociais, de falta de poder para fazer valer interesses. “ [em situação de absentismo escolar]que a aluna tenha medo e não queira ir à escola, portanto se for isso, o mediador consegue levá-la, levá-la à escola e ver qual é o problema”. Por outro lado, é apontada uma função a nível da regulação da relação com as instituições, organizando-a, numa lógica de representação do grupo. “Ó Quim tu vais fazer aqui de mediador entre os ciganos e a Câmara, portanto, vais falá-las... vais ver... fazer um apanhado, não interessa... se o presidente acreditasse nele, naquilo que ele dizia, umas coisas pode falar, outras não pode falar, né...? portanto... sabia das condições mais ou menos das coisas que eles querem... escusavam de ir lá de cima 50 ciganos todos a gritar ao mesmo tempo, fazia um apanhado do que eles queriam, porque isto é... porque cada caso é um caso, cada problema é um problema, né...?”. “Sr. Comandante da polícia, este casal vai para Espanha durante 2 ou 3 meses se houver alguma coisa, faz favor, diga-me alguma coisa que eu procuro, que eu telefono para eles... é do desemprego?... o que é que é? ai é uma multa... fugiu com a carta, fugiu sem a carta, o carro tinha sido apreendido... uma coisa qualquer, depois vai com 20 ou 30 contos ao advogado.... e o cigano volta ao seu lar onde estão os seus pais e os seus filhos...”. Neste nível, o da comunicação entre agentes institucionais não ciganos e indivíduos/grupos ciganos, o mediador tem a função de explicitar normas e problemas culturais do grupo cigano para ambas as partes...

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“Explicar o comportamento... não vá agora a professora... tens de almoçar, tens de comer carne, a carne faz bem, menina! Mas a criança não vai explicar porquê, que é um conceituoso fora, diferente, da outra cultura e não vai dizer porque as outras pessoas, as outras meninas se vão rir daquela dizer que não pode comer carne, não é?”. “Ora o que é que se encontra aqui...? É a maior parte das vezes os alunos e os professores não serem compreendidos...”. “E o mediador às técnicas o que pode ser feito, o que pode ajudar, o que é que não pode ajudar, qual é.... na questão de educação dos pais, na questão da educação da higiene, na questão de qual o problema de não foi naquele dia à escola, até pode ser um problema que o aluno tenha... como é? “. Neste âmbito surge a função de apoio individualizado a elementos de etnia cigana, referenciando-se ao contexto escolar. “Realmente como ele tem o 7º ou 8º ou 9º ano pode muito bem ensinar aqueles alunos mais atrasados...”. A mediação cumpre, também, a função de promover mudanças no seio do grupo, no sentido de um maior conhecimento que lhes permita uma melhor adaptação ao mundo contemporâneo. “É bastante bom saber para que ele possa dar muito, muito conhecimento àqueles que ele vai intermediar, porque sabem que não pode ser tudo realmente como os ciganos querem e fazer-lhe compreender, a certos e determinados, que a vida vai-se modificando pouco a pouco...”. Sobre o mediador cigano, o informante-chave traça um perfil onde todas as características giram em torno da sua emergência a partir do próprio grupo, sendo esta a garantia de legitimidade para mediar no contexto do grupo de pertença, das organizações não ciganas e do todo social. “Se calhar até há outro que fala muito melhor, pronto mas os outros deramlhe aquela base, né..? aquela base para ele falar, para estar à vontade”. “é aquele que está porque todos os outros pais, primos lhe consentiram... vai lá tu falar”. Esta legitimidade será conquistada através de provas dadas de uma boa interiorização e prática do ‘conceituado’ cigano (valores e normas). Neste, o informante-chave, inclui a interdição à função de mediação às mulheres. Denota, no entanto, tolerância perante este fato, justificando-o pelo seu desejo de desenvolvimento. “Eu já me ultrapassa essas coisas todas...ultrapasso tudo porque...agora cá está... quero é que se desenvolva. Mas muitos dos meus colegas com a minha idade, com as minhas maneiras... já normalmente, já não olham muito bem para a [mediadora institucional], para o trabalho que ela faz....“ “É preciso mesmo ser um cigano e pensar que naquela altura quando está a falar com os ciganos, ou está dentro de uma comunidade cigana, ele tem de ser cigano normalmente”. “Quando chega aos 16 anos, 17, 18 anos ele para entrar dentro do grupo tem

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de ter as suas condições também, não pode ser drogado, não pode ser... eh… não pode ser desrespeitador para os seus, tem de ter em conta que... que realmente... que é aquilo que eu disse de estar dentro da comunidade, né...?”. O mediador cigano que actua em contexto institucional é, também, diligente junto das organizações e na resolução dos problemas do seu grupo de pertença… “Como eu disse ao princípio tem de ser, tem de mexer, não pode ser um qualquer, tem de ser mesmo ele próprio…”; …possui uma capacidade inata para a mediação… “Um mediador... quem é mediador normalmente nasce logo, né?”; “E a mediação está cá dentro... o que a faz cá dentro são as investidas da vida.. acho que nós somos sociais sem esse curso, acho que nós temos cá..” …associada à capacidade de liderança… “O mediador tem de ser...ele tem que ser líder, ele tem que ter comunicação… isto nasce com a pessoa”. …e conhecimento sobre a cultura dominante. “Por ex. o [mediador cigano institucional] é considerado uma pessoa da nova geração de ciganos, portanto é um menino que sabia um bocadinho de inglês, um bocadinho de francês, desenvolvido”. O processo de socialização configura a fatia formativa mais relevante, pois traduzir-se-á na construção de uma consistente identidade: uma identidade étnica de resistência que permita a partilha do mundo social, a veicule e transmita à sua volta. Desta forma, a reprodução social e cultural não corre tantos riscos. A formação formal do mediador, a realizada em contexto não cigano, ainda que reconhecida, surge como um complemento às aprendizagens realizadas nos contextos informais da “vida de cigano”, estes sim, indispensáveis. “Aprender a questão da cidadania e cultura e saber estar e de educação”. “Não interessa (se estudou) não é a questão do 9º ano, é a questão da prática que se apanha a falar inglês, de falar francês... se for ver no Algarve qualquer miúdo cigano fala correta ou melhor...corretamente, porque habitua-se a vender a calça, o sapato, a querer enganá-los, o relógio, a caneta e portanto chega sempre um tempo em que é completamente...não precisa ir à escola...”. Desta forma, o cumprimento das funções do mediador cigano, em contexto institucional, será feito com a segurança de não pôr em causa os modos de vida e os seus equilíbrios internos.

CONCLUSÃO Quando em contexto institucional, o mediador cigano entra no coração da sociedade dominante, na sede de um contexto de relações de poder entre minoria/maioria que se estabelecem no quadro geral das instituições do grupo maioritário. As organizações onde os mediadores ciganos se inserem, são instituições pertencentes à cultura dominante, destinadas a produzi-la e

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a reproduzi-la e, assim, a procurar a normalização das relações sociais. Estas organizações, destinando-se a promover a integração social, detêm, em si, os próprios mecanismos da exclusão. Para o informante chave, o grupo cigano, enquanto minoritário, apresenta uma situação de desvantagem no que diz respeito ao acesso a recursos e ao poder, e a posição institucional do mediador cigano reflete essa situação. Almeida (2001, p.68) refere que a posição institucional, a ocupada na pirâmide hierárquica de uma instituição, condiciona, entre outros aspectos, o poder de opção e de decisão relativamente ao próprio trabalho, pois influencia o acesso a informação e a capacidade de participar nas decisões e linhas programáticas da própria organização. Desta forma, a capacidade de ação do mediador é muito condicionada ao contexto institucional e esta ideia é expressa pelo entrevistado quando refere aspectos como o não reconhecimento do mediador, a ausência de trabalho em equipa e o isolamento. Haverá encontro entre os objectivos atribuídos pelo mediador cigano à mediação e os das instituições? A lógica institucional remete para a sua realização de forma a evitar/amortecer conflitos entre os serviços e os seus utilizadores mas a sua pertinência social reside no seu potencial de humanização dos serviços, através do estabelecimento de uma comunicação adequada, permitindo a superação dos seus disfuncionamentos administrativos e burocráticos. Ou seja, se perspetivada como simples forma de melhorar a eficácia da prestação de serviços, a mediação empobrece o seu carácter de reconstrução das relações sociais e de criação de laços comunicacionais. A interculturalidade é mais do que o reconhecimento de diferenças e a sua aceitação. Implica algo mais difícil que é a criação de dinâmicas dialógicas e de enriquecimentos mútuos. Implica o reconhecimento do Outro, das suas capacidades e competências. A independência requerida pelos grupos ciganos, a forte identidade étnica, o seu fechamento defensivo, parece não se compadecer com esta realidade institucional e o discurso do informante chave denota estratégias marginais à perspetiva institucional, desenvolvidas em função do seu grupo de pertença. Nesta linha de pensamento e relativamente ao entendimento feito pelo informante-chave sobre a mediação cigana em contexto institucional, desenha-se a ideia de que o cigano, quando adere ao projeto institucional de mediação, o faz numa perspetiva de continuidade do formato de mediação tradicional/cidadã própria às pequenas sociedades de interconhecimento. Este configura o formato próprio à mediação existente e praticada pelos grupos ciganos para a regulação das relações de parentesco e das relações com o exterior; enfim, para resolução dos problemas da vida quotidiana. A mediação, sendo exercida pelos homens de respeito, cumpre duas funções: por um lado, a preservação do conceituado cigano, por outro, a garantia de uma relação com as instituições que deverá ser vigiada. Vigiada porque, nesta relação, existe o risco de intrusão de elementos do exterior que não deverão impor-se como fator de desestabilização do seu estilo de vida, ao ponto de os alterar. Na perspetiva do informante-chave, o mediador

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cigano deverá gozar da legitimidade oferecida pelo grupo de pertença, sendo esta a garantia da possibilidade de uma intervenção adequada, dada a relação de desconfiança generalizada, e contenciosa, existente entre grupos ciganos e instituições não-ciganas e a necessária manutenção de equilíbrios internos. Este modo de apropriação da mediação em contexto institucional inscreve-se nas estratégias privilegiadas de relação com as instituições não ciganas: dominar um mínimo de códigos utilizados pelos seus interlocutores quotidianos, os nãociganos (uma área que permite exemplificar esta ideia é o da relação com a escola, cuja frequência é realizada durante o período bastante para a aprendizagem da leitura e da escrita). Daí que a formação dos mediadores realizada pelas organizações assuma um valor relativo, reconhecendo, no entanto, a importância do domínio de elementos da cultura dominante. Se o futuro mediador tiver passado com sucesso a prova da construção da dignidade cigana, isto é, tiver construído uma forte identidade e conquistado o respeito de cigano a 100%, pode assumir funções no exterior, porque terá os instrumentos necessários para controlar o processo de assimilação. O próprio informante-chave exprime opiniões que surgem, já, como valores flexibilizados (tolerância face ao casamento misto, protagonismo associativo) e, neste sentido, assimilações. No entanto, estas não parecem afastá-lo do seu caminho cigano. Esta perspetiva permite entender a particularidade da forma como o entrevistado prevê a inserção institucional dos mediadores ciganos: procura a participação nas novas realidades e exigências contemporâneas e a facilitação dos fatores de integração social que sabe residirem na cultura dominante, mas de forma vigiada, para que não haja introdução de rupturas com o seu sistema de valores e referências. A emergência dos mediadores ciganos pode constituir, efetivamente, um ponto de mudança nas formas de relacionamento entre ciganos e não ciganos, com especial incidência na relação com as organizações. O mediador, constituindo o potencial de uma ponte entre grupos cultural e socialmente diferenciados, é um agente importante para a promoção de diálogos e aproximações. Como Dagnino (1994, p.109) refere, há que realizar “um processo de aprendizado social, de construção de novas formas de relação, que inclui de um lado, evidentemente, a constituição de cidadãos enquanto sujeitos sociais ativos, mas também, de outro lado, para a sociedade como um todo, um aprendizado de convivência com esses cidadãos emergentes que recusam permanecer nos lugares que foram definidos social e culturalmente para eles”.

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Boa tarde a todos os presentes: colegas de profissão, alunos e demais participantes… Um especial cumprimento às minhas colegas de mesa e o meu agradecimento à Exma. Sra. Directora do ISSSL, Profª Doutora Marina Antunes e ao Exmo. Sr. Director do CLISSIS, Prof. Doutor Jorge Ferreira pela iniciativa de realização deste II Congresso Internacional de Serviço Social; agradecimento que estendo às Comissões Científica e Organizadora que conferem o rigor e qualidade científicas e operativas a este evento. O compromisso com a produção de conhecimento na área disciplinar e profissional do Serviço social está definido no Código Deontológico dos Assistentes Social e ficou-me vincado pelo plano de estudos do agora designado 1º ciclo, que frequentei no ISSS de Lisboa entre 1991 e 1996. Tenho tentado cumprir na minha trajectória profissional este compromisso, da forma mais activa possível, mediante a produção de actividade investigativa no âmbito do Mestrado e Doutoramento em Serviço Social, na minha inserção em Centros de Investigação, e na publicação de alguns artigos de reflexão sobre o campo de intervenção do Serviço social. Não obstante ser um dever ético-político dos Assistentes Sociais, mas principalmente porque acredito que o é, é este compromisso com a produção de conhecimento sobre o campo do Serviço Social que viabiliza, como refere Ines Amaro (2008) ”a identificação de uma área específica de saberes”, enquanto “(…) um contributo fundamental para a ocupação de um espaço de jurisdição/expertise e para a definição de uma identidade própria da profissão.” SLIDE 2 Este é pois um espaço privilegiado de divulgação dos saberes produzidos pelos Assistentes Sociais. A comunicação que vos trago decorre da minha dissertação de Mestrado que defendi em 2003 sob o tema “O Relatório Social no Processo Tutelar Educativo”. Apesar da distância temporal considero (e espero que partilhem da minha opinião) que reflectir convosco os desafios da instrumentalidade para o Serviço social, é um tema sempre actual. A dissertação de mestrado foi fruto do meu interesse pessoal em realizar um estudo sobre uma actividade funcional dos Assistentes Sociais, materializada num instrumento de trabalho - o Relatório Social – onde pretendi captar o seu significado, construído na intercepção da intervenção social com a intervenção

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judicial e identificar qual o seu impacto na construção do campo profissional do Serviço Social. O tema deste estudo decorreu da minha inquietude desenvolvida no exercício profissional entre os anos de 1997 e 2000, na qualidade de Assistente Social num Centro de Acolhimento Temporário infantil. Foi um trabalho desenvolvido numa dinâmica de trabalho interdisciplinar (assistente social, educadora de infância, psicóloga, magistrado/consultor jurídico) com vista à definição de Projectos de vida (“projecto de promoção e protecção”) para cada uma das crianças acolhidas. O projecto de vida da criança era definido mediante o diagnóstico realizado com base nas informações recolhidas sobre a situação da criança na perspectiva bio-psico-social. A decisão sobre o Projecto de Vida cabia ao Tribunal de Família e Menores competente. Para a aplicação de medida tutelar, o juiz solicitava o relatório social, para apresentação como meio de obtenção de prova. Na procura de respostas à minha inquietude quotidiana, constatei que a falta de estudos cientificamente fundados nesta área, limitava o estabelecimento de conclusões sobre o mérito ou demérito do uso dos relatórios sociais fornecidos pelo IRS aos Tribunais. Em concreto, pretendeu-se que o estudo contribuísse para a definição do campo do Serviço Social no sector político administrativo da Justiça, reflectindo sobre a categoria de instrumentalidade da profissão, assente numa dimensão comunicacional e simbólica, que ganha legitimidade no contexto da intervenção judiciária onde é estruturado um processo de intervenção social para um fim preciso. Pretendeu-se contribuir para a reflexão da definição do campo profissional assistentes Sociais, no contexto da dinâmica de administração da Justiça. Reconhecido como uma «prática de instrução de dossiers complexos» (Baynier et Chopart, in Chopart (2000: 62), o relatório social é um documento escrito, produto de um processo complexo de recolha, análise de informações, dados, factos recolhidos sobre indivíduos através de várias técnicas e estratégias1. No contexto do trabalho social, Jacques Riffault considera que “escrever sobre o outro é enfim, escrever o outro, interrogar e colocar em ordem as imagens que fazemos dele, transformando a nossa relação com o mesmo, contribuindo para a sua transformação.” (Riffault, 2000: 142 – tradução livre). Regista-se assim o poder comunicacional da escrita que o Relatório Social adquire enquanto instrumento de mediação, nomeadamente no contexto das práticas judiciárias na área tutelar educativa e que é expressão de um processo de “perícia social”. O relatório social, desde a recolha de dados (estudo social) até ao seu corpo escrito, é ordenado pela norma jurídica afirmada no texto da Lei Tutelar Educativa (L.T.E.) e legitimado por um órgão de soberania judicial (Tribunal de Família e Menores), apresentando-se como “meio de obtenção da prova”, cuja finalidade é “(...) auxiliar a autoridade judiciária no conhecimento da persona1

O que Foucault (1963) apresenta como «a descrição dos sujeitos».

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lidade do menor, incluída a sua conduta e inserção sócio-económica, educativa e familiar.”2. É elaborado por um profissional qualificado, com carreira técnica superior, enquadrado na categoria de técnico superior de reinserção social pertencente administrativamente a um órgão auxiliar da administração da justiça (o Instituto de Reinserção Social), instituição reconhecida como serviço especializado de intervenção social na Justiça. O processo de elaboração do relatório social, enquanto instrumento técnico, enquadra-se na função de assessoria técnica ao Tribunal3, engloba uma metodologia específica de trabalho que merece ser explicitada, e traduz-se num documento escrito que expressa um conjunto de informações sobre um indivíduo e sobre o contexto sócio-familiar do mesmo, constituindo-se como meio de obtenção da prova, apoiando a formação da decisão dos magistrados (Procuradores e Juizes). É pois um enunciado performativo. Sendo um instrumento legal, cuja elaboração é da competência de um profissional (técnico superior de reinserção social), os seus objectivos e a sua função sócio-jurídica, os tipos de informação que presta, o seu formato, os métodos, as técnicas e as estratégias que esse profissional utiliza para a sua elaboração, a importância que é atribuída pelo magistrado ao documento, a importância que o próprio profissional atribuí ao instrumento e o significado (configuração) que o instrumento ganha num processo de atribuição de justiça, são elementos que influem na construção do campo profissional dos referidos profissionais. Campo esse legitimado por critérios de qualificação, competência teórico-metodológica e autonomia, gerando um determinado compromisso ético-político que define o seu projecto profissional. O relatório social surge assim como instrumento revelador de percepções e atitudes: exprime uma visão sobre o comportamento anti-social ou desviante e da finalidade da intervenção social/profissional nessa problemática; exprime práticas profissionais (individuais) criativas ou burocratizadas, situadas na dimensão da instrumentalidade assente em lógicas instrumentais ou em razões emancipatórias.

O RELATÓRIO SOCIAL NA LEI TUTELAR EDUCATIVA O Relatório Social (R.S.) ganhou expressão no contexto da intervenção judicial, em especial no âmbito da organização formal dos processos judiciais na área penal e tutelar. 2 3

Lei tutelar Educativa, 166/99 de 14 Setembro, artº 71, alínea 1 e 2. No âmbito OTM78, art. 53º encontrava-se enquadrado na diligência de Inquérito; no âmbito da presente L.T.E. (artº 71º) podem ser ordenados pela entidade judicial quer na fase de inquérito, quer na fase jurisdicional. É ainda considerado igualmente como meio de obtenção da prova no âmbito do Código do Processo Penal (Cfr. Art.º 65º, § 2).

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No âmbito da Organização Tutelar de Menores (OTM) e de acordo com Alves (1984:s.p.), o R. S. surge como documento que expressa o processo de inquérito social, correspondendo este à “(...) colheita, e consequente informação ao juiz, de dados tão objectivos quanto possível, que melhor reportem a situação pessoal do menor, todo o envolvimento da sua história familiar, o significado do incidente ou do momento que o implicou no processo tutelar, e o tratamento ou projectos que, a nível da intervenção social ou de pedagogia, imediatamente se tenha imposto e tenha sido feito.” Esta afirmação vem indicar que, durante anos, foi negligenciado o reconhecimento das capacidades teórico-metodológicas dos profissionais de Serviço Social e de outras profissões de intervenção social, nomeadamente as capacidades de diagnóstico4. Esta situação deve-se à absolutização do papel decisório dos magistrados, em especial dos magistrados judiciais (juiz), assim como a uma postura instrumental da profissão do Serviço Social orientada, segundo a lógica funcionalista, para uma resposta que se pretende imediata e eficaz. Foi principalmente na área do penal que os técnicos de reinserção social começaram a introduzir nos seus relatórios menções de opinião do técnico (pareceres) acerca do tipo de pena a aplicar (na possibilidade de vir a ser considerada a culpabilidade do arguido e a necessidade de uma sanção) (Cf. Pereira, 1998: p. 437). Apesar da necessidade sentida pelos magistrados em defender o princípio da obtenção da verdade material, pelo qual o Tribunal “constrói autonomamente as bases da sua decisão”5, ligada ainda ao princípio da livre apreciação da prova6, facto é que a análise do indivíduo e «da sua circunstância», do seu conjunto individual, em que a noção de personalidade manifestada no facto se impõe ao juiz como algo que importa conhecer de forma tanto quanto possível amadurecida pelo contributo de assessoria especializada, é algo que os magistrados rapidamente conhecem como essencial à determinação e fundamentação de aplicação de uma medida tutelar (ou de protecção). Entendido numa perspectiva de totalidade, na lógica profissional da praxis (conhecimento em inter-relação com a acção, e vice-versa), Faleiros (1983: 93) considera o diagnóstico não como “(...) uma tarefa isolada de coleta pura e simples de dados, mas de elaboração e de colocação de estratégias para uma modificação na relação de forças frente ao problema colocado.” Desmontando a palavra, dia (através) gnosis (conhecer), faz-se uma aproximação ao seu significado científico, significando “conhecer através” ou “por meio de”. O diagnóstico social pressupõe a identificação do tipo e dimensão dos problemas e necessidades observadas na realidade social, identificar as características e causas desses mesmos problemas, hierarquizando-as (estabelecendo prioridades), identificar recursos disponíveis e compreender o contexto onde se irá desenvolver o projecto de intervenção (previsão do impacto), equacionando todos os elementos em presença. (Cf. Ander-Egg, 1986:57) 5 Dias, Figueiredo, cit por Rodrigues e Duarte-Fonseca, 2000: 43. 6 Cf. art.º 127º, CPP. 4

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As solicitações de relatórios na área de crianças e jovens e de família passaram de 1990 a 1996 de 3.070 a 24.330. De acordo com a análise estatística realizada por Pereira (1998) mais de 50% dos relatórios sociais produzidos pelo IRS são de jurisdição de menores (tutelar) e família (cível). Em relação a relatórios pré-sentenciais e perícias de personalidade solicitados ao IRS passaram de 1990 a 1995 de 4.848 a 10.344. De acordo com informação estatística de Outubro de 2010 da DGRS, no âmbito tutelar educativo, a DGRS recebeu um total de 4.930 relatórios e audições dos quais, 3.980 na fase pré-sentencial e 950 na fase pós-sentencial (total de 9.860). Destacam-se, na fase pré-sentencial, o relatório social, relatório social com avaliação psicológica e o relatório de perícia sobre personalidade que totalizam 3.873 registos.7 De acordo com Pereira (1998), a importância do Relatório Social para a recolha de factos pelo Tribunal foi adulterada, uma vez que foram sendo solicitados de forma indiscriminada relatórios apenas como mero procedimento administrativo, não trazendo mais valia especial aos elementos já presentes no processo; por outro lado serviram de base a lógicas de gestão temporal de acumulação de processos; e ainda foram solicitados pelo M.P. com o objectivo de com maior facilidade obter informações úteis. No entanto, ainda de acordo com este autor, a dimensão positiva da elaboração de relatório residiu na sua utilidade: “(...) na sua esmagadora maioria os relatórios foram importantes para a definição da medida da pena, trazendo (...) contributo útil e de outra forma difícil de obter para o bem fundado da decisão, ainda que (...) sem utilidade relevante no campo das penas não privativas da liberdade.” (1998: 439). Facto é que a informação contida nos relatórios pode ser usada com ignorância ou ser menosprezada, nomeadamente no que se refere à proposta de medidas (alternativas ao internamento, por exemplo), atendendo aos códigos de referência dos magistrados, nas intuições ou juízos subjectivos ou pressões corporativas. No contexto da Lei Tutelar Educativa, o R. S. ganha relevo no corpo da lei enquanto meio de obtenção da prova8, a par da Informação9 (art.º 71). Este docu(Martins, Paula, Direcção de Serviços de Estudo e Planemento, Outubro de 2010: 16) Distingue-se do meio de prova (ver Livro III do CPP– da prova; Título II) significando este último o meio pelo qual se extrai a prova do facto (crime cometido). Os meios de obtenção de prova (Titulo III) utilizados na acção investigatória, da LTE visam auxiliar o magistrado na determinação ou não da necessidade de educação para o direito. Para além dos meios de obtenção da prova previstos no CPP, com a LTE junta-se-lhes o R.S. e a Informação. Destes documentos o magistrado pode considerar a existência de elementos de prova, devendo este profissional fazer a apresentação dos mesmos. 9 A diferença entre estes dois meios de prova reside em dois aspectos: prazo de apresentação aos autos (informação em 15 dias; o relatório social em 30 dias) e as entidades às quais são solicitados (A informação – aos serviços do IRS ou a outros serviços públicos ou entidades privadas; o relatório social – apenas solicitado ao IRS). Para os casos de aplicação de medida de internamento em regime aberto ou semi aberto o relatório 7 8

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mento define a estrutura matriz dos demais instrumentos de assessoria técnica produzidos pelo IRS, e é resultado de um trabalho qualificado e de rigor teórico-metodológico, englobando a apresentação de conclusões (engloba proposta de medida e meios de concretização da mesma), cujo processo de estudo e diagnóstico parametrizado pelos fins a que o relatório se propõe. No processo tutelar educativo, o R.S. pode ser solicitado quer na fase de inquérito (orientada pelo Procurador da República, representante do Ministério Público); quer na fase jurisdicional (orientada pelo Juiz). O pedido formal do R.S. baseia-se no princípio da obtenção da verdade material10 no quadro do processo tutelar educativo, justificando-se o seu pedido pela «natureza da prova» (que compreende simultaneamente o facto e a personalidade). O R.S. é requisitado pelo Tribunal, mediante pedido formal (escrito) às equipas de extensão do Instituto de Reinserção Social, pedido orientado pela coordenação da equipa aos Técnicos Superiores de Reinserção Social que se apresentam como especialistas na área tutelar educativa. Apesar do seu carácter alternativo, dependente da necessidade de informação sentida pelo magistrado, o R.S. ganha fundamento teórico que o legitima no contexto da intervenção judicial: o seu espaço aparece assegurado pelo papel que representa no contexto humano e social da infracção, pela manutenção, como refere Faget (1997: 804) de um princípio democrático da justiça dentro dos mecanismos processuais cada vez mais administratizados11. social deverá conter avaliação psicológica. A introdução da «informação» (em primeiro lugar ao nível do processo penal) como novo instrumento (...) visa formalizar uma (...) necessidade de fornecer aos tribunais uma resposta mais simples e estritamente dirigida às suas necessidades concretas (...)”, substituindo o relatório social e não proporcionando ao juiz a mais valia qualitativa que a intervenção do TRS constituía sobre a personalidade e condições de vida do arguido. (Pereira, 1998: 444). Ainda que, segundo o mesmo autor, a mais valia qualitativa que a intervenção do técnico de reinserção social pode trazer às solicitações concretas sobre a situação pessoal, familiar, escolar, laboral ou social do arguido, tudo dependerá do pedido concreto do juiz e da latitude de resposta que for dada ao técnico, “podendo correr-se o risco de tribunais voltarem à atitude dos tempos em que, com todo o respeito pelo apoio dado por essas entidades, se pediam informações à GNR, ao Pároco ou ao Presidente da Junta de Freguesia.” (1998: 444) 10 A noção de verdade material, não confundida com verdade ontológica, remete para uma “verdade judicial, prática e processualmente válida” reconhecida no direito processual penal. No âmbito da LTE esta verdade material ganha particularidades olhando à defesa dos interesses do jovem, dado se ter em consideração a existência de contextos e situações (bio-psico-sociais) diferentes da idade adulta, assim como não serem dispersas fontes e pugnar pela necessária discrição das mesmas. O RS como meio de obtenção da prova justifica–se por esta referência às fontes, para além da natureza da prova (que envolve o facto e a personalidade). Cf. Rodrigues e Duarte-Fonseca, 2000: 45. 11 Expressão da visão humanizadora e ressocializadora do Movimento de Defesa Social protagonizado por Marc Ancel e cuja influência marcou o legislador português na letra

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Na relação directa com a actividade processual judicial, e de acordo com o legislador, a função material/instrumental do R.S. é auxiliar o Procurador da República e o Juiz no conhecimento da personalidade, conduta (anterior e posterior à infracção), inserção sócio-económica, educativa e familiar para avaliar a necessidade de educação para o direito, auxiliando à decisão do magistrado12, procurando responder às suas necessidades de informação para a aplicação da LTE - averiguação da necessidade de educação do menor para o direito. Contribui para a construção da dimensão cognitiva da atitude do magistrado, face ao problema ou situação descrita, no processo de decisão, na medida em que fornece informações e conhecimentos que o técnico superior de reinserção social recolheu e captou (pretendendo-se, no plano da verdade material, que sejam elementos expressivos da situação real - objectividade dos factos), fazendo uso de uma metodologia de estudo definida no campo quotidiano das inter-relações sociais. O R.S. é assim resultado de um diagnóstico produzido sobre os dados captados na relação estabelecida com o jovem infractor, sua família e seu espaço sócio-educativo, registando o profissional de intervenção social o seu parecer sobre a necessidade ou não de educação para o direito do jovem. De acordo com estudos efectuados por Faget (1997) sobre os «enquêtes sociales rapides», na dinâmica processual judicial em França, o pedido destes instrumentos é realizado por mecânica processual ou depende da satisfação do magistrado com base no factor utilidade (para a ponderação da necessidade de educação do menor e a aplicação da medida adequada), utilidade que assenta na confiança na informação que o documento revela (face às condições de realização das entrevistas, tempo para realizar o estudo, experiência técnica, conhecimento da lei e do processo legal). A confiança atribuída pelo magistrado ao R.S. produzido pelo agente responsável pelo processo de perícia social (o TSRS) depende principalmente de critérios de caracterização (representação social). De acordo com o resultado do estudos, o grau de satisfação varia consoante o grau de comunicação entre actores (Magistrados e Técnicos), construída no eixo duma relação profissional de natureza vertical. A intervenção social no contexto da intervenção judicial na área tutelar educativa é legitimada fundamentalmente pelo «resultado do domínio do instrumental técnico» e operativo. Neste contexto, a legitimidade profissional baseia-se num suposto estatuto de cientificidade (dado que sintetiza o conhecimento no campo psicossocial), atribuindo ao profissional um estatuto sócio-técnico.

da lei do Código Penal português que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1983 e que ainda hoje se encontra em vigor. 12 A decisão no contexto do processo tutelar educativo inclui critérios objectivos e típicos (pena a adequar ao tipo de infracção/crime cometido) e subjectivos (necessidade ou desnecessidade de educação do menor para o direito) Lusíada. Intervenção Social, Lisboa, n.º 38 [2.º semestre de 2011]

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A INSTRUMENTALIDADE: RAZÃO INSTRUMENTAL OU LÓGICA EMANCIPADORA De acordo com Guerra (2000: 23), a instrumentalidade do trabalho do Assistente Social neste domínio, baseada na dimensão do caso, apresenta-se ao nível da “(...) peculiaridade operatória, ao aspecto instrumental-operativo das respostas profissionais (ou nível de competências requeridas) frente aos pedidos das classes de onde advém a legitimidade da profissão (...)”. A lógica de racionalidade instrumental garante as dimensões de eficiência e eficácia. É apresentada como instância de controlo, de resposta imediata a pedidos, baseada em cálculos racionais e na racionalidade manipulatória. A mesma autora adianta que “(...)a exigência pelo imediatamente instrumentalizável converte o saber em técnica, melhor dizendo, num sistema de referência metodológica que objectiva a manipulação técnica, um saber objectivamente formal (e não intencional) e tecnicamente aproveitável.” (Guerra, 2000:28) . A razão instrumental, não equaciona o referencial ético-político e estratégico para a acção, ou seja não expressa a cultura profissional, mas apenas reflecte a perspectiva integrativa e adaptativa, de carácter reformista da intervenção normalizadora do Estado. Pontes (1996: 57) adianta que o pedido institucional (neste caso do tribunal) aparece à imediaticidade como um fim em si mesmo e aparece ao intelecto profissional despido de mediações, parametrada por objectivos técnico-operativos. No entanto, a instrumentalidade pensada consciente e criticamente no quadro da mediação (numa lógica emancipadora), perspectiva a transformação social e cumpre o projecto sócio-histórico e político da profissão de Serviço Social, dado que relaciona as análises micro e macro, pensando e vinculando os instrumentos teóricos, políticos e técnicos aos objectivos, finalidades e valores profissionais e humano-genéricos (Cf. Guerra, 2000: 23). Este nível só é possível mediante uma acção reflexiva possibilitada por uma postura investigativa, de produção de conhecimento e auto-conhecimento, viabilizando a dimensão de autonomia profissional e consequentemente o re-conhecimento profissional. O Serviço Social é, tal como refere Faleiros (1999: 107), no «campo da política do quotidiano», chamado a aliar o seu saber-poder ao processo de decisão judicial sobre a vida do jovem que cometeu uma infracção considerada crime. Tem por objecto o sujeito (jovem infractor) e o seu campo de actuação dá-se numa conjuntura política e económica, onde resultam políticas sociais (que expressam trajectórias), que procuram responder a interesses e necessidades concretas (como é o caso da LTE na resposta à delinquência juvenil em Portugal). Nesta medida, a intervenção profissional situa-se num contexto de relações de forças (Tribunais – Estado/IRS - assistente social - jovem infractor e sua família), onde o papel do Serviço Social ganha uma dimensão de mediação registada no domínio da re-

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-produção e re-presentação13. O complexo papel mediador do Serviço Social, no contexto destas duas dimensões, está dependente da definição de uma metodologia pensada no quotidiano e orientada para a defesa dos sujeitos vulneráveis na perspectiva do empoderamento (empowerment), enquanto expressão da possibilidade do exercício da cidadania.

OS EIXOS DE SUSTENTAÇÃO DA PERÍCIA SOCIAL O Relatório Social exprime um processo de “perícia social” produto da intervenção social, protagonizada por técnicos com qualificação e competência, no âmbito de uma relação de assessoria. Este estatuto de assessoria, traduz-se, segundo Mioto (2001), num estatuto de «perito social»14, dado que o técnico superior de reinserção social, por critérios de qualificação e competência profissionais, desenvolve uma acção de perícia social, enquanto área de especialidade técnica, sustentada pelos eixos da qualificação profissional, da competência teórico-metodológica e da autonomia que pressupõe um compromisso ético-político inerente às finalidades da profissão. A perícia, é definida por Mioto (2001: 146) como: “(...) um processo através do qual um especialista (...) realiza o exame de situações sociais com a finalidade de emitir um parecer sobre a mesma. (...) o parecer nada mais é que a opinião técnica sobre uma determinada situação social emitida por um assistente social ou por uma equipa de assistentes sociais.” Emissão de uma opinião fundamentada, que judicialmente é solicitada, subsidiando a tomada de decisão da entidade requerente, respeitante à vida das pessoas envolvidas. De acordo com a mesma autora, 13

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Segundo Faleiros (1999: 100 e ss.)a re-produção indica a dinâmica de relação entre o trabalho e o processo de sobrevivência da força de trabalho no dia-a-dia, onde o Serviço Social surge não só como profissão assalariada e portanto também submetida a normas políticas como é o elo de ligação dos sujeitos activos e temporariamente afastados do processo produtivo. Esta dimensão encontra-se intimamente ligada à re-presentação, enquanto expressão da construção da identidade, resultado das relações simbólicas entre os indivíduos no quotidiano. Refere o autor que “A re-presentação envolve manifestação da cultura, da ideologia, do eu, da vida diária e das relações de classe de maneira heterogênea e confusa. A identidade de classe não é mecânica. (...) Ser sujeito implica mediação do político, isto é, do poder. Este poder significa expressar-se, aliarse, refletir, recusar, dispor de si, estabelecer estratégias, definir demandas, chamar o adversário à luta, construir o cenário do confronto.” (Faleiros, 1999: 102) Este estatuto é conferido a um serviço (instituição) e a um profissional ao qual é reconhecida competência (que se traduz em confiança) pela tradição do apoio técnico que desenvolve, pela especialização no conhecimento de um problema social, pela competência técnica e teórico-metodológica que expressa, etc.

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“A perícia social no judiciário tem a finalidade de conhecer, analisar e emitir parecer sobre situações vistas como conflituosas ou problemáticas no âmbito dos litígios legais visando assessorar os juízes em suas decisões. Pode constituir-se em um meio de prova, pois trata-se de uma declaração técnica.” (Mioto, 2001: p. 153). Aparentemente contraditório com o que foi referido no âmbito do R.S. (enquanto meio de obtenção de prova) reconhecido pelo legislador, no entanto observa-se na prática (no estudo) que as informações constantes no R.S. são cada vez mais utilizadas como fundamento (citadas) da redacção das decisões, e ainda que não solicitando formalmente um parecer (opinião fundamentada), os magistrados atribuem importância às propostas (de medida) e à sua fundamentação (da justificação da necessidade ou não de educação para o direito) presentes no R.S. A realização de uma perícia social expressa-se através de um processo complexo, que passa pela definição de um percurso de aproximação a uma determinada situação social num determinado momento da história das instituições, do profissional e dos próprios sujeitos envolvidos na situação. Esse percurso é definido pelo profissional de acordo com as finalidades e as possibilidades com as quais o profissional se confronta. Podem ser elas as características da própria situação social e dos sujeitos nela envolvidos; a formação profissional do perito, onde se inclui competência teórico-metodológica e ética, a experiência profissional e a própria trajectória individual; as relações estabelecidas entre o assistente social, a situação social e os sujeitos nela envolvidos; os objectivos e lógicas e modelos de funcionamento institucionais e as condições objectivas para a realização da perícia, como por exemplo o tempo e as possibilidades de acesso a sujeitos chaves para o estudo da situação. Segundo Mioto (2001) o compromisso ético que está inerente ao processo de perícia social expressa os princípios e as normas do exercício profissional (intervenção) contidas no Código de Ética do Assistente Social e que respeitam à defesa dos direitos humanos; à ampliação e consolidação da cidadania; a posição em favor da equidade e justiça social; à não-discriminação por questões de classe social, género, etnia, nacionalidade, religião, opção sexual, idade e condição física. Em específico, no que respeita ao exercício da profissão, prevalece o dever de informar os sujeitos da perícia dos objectivos do seu trabalho e garantir-lhes informações sobre o mesmo e a manutenção do sigilo (no caso judiciário – segredo de justiça). Para além dos princípios da profissão, o desempenho da mesma na jurisdição de menores exige o cumprimento dos princípios enunciados na própria LTE, nomeadamente o princípio da intervenção mínima. A intervenção social, inerente à acção do perito social, orienta-se pelos seguintes princípios: a) Cada situação é uma situação a ser descoberta; b) O Processo da perícia é também um processo de intervenção; e c) Implicações que a perícia social tem na vida dos sujeitos envolvidos. a) «Cada situação é uma situação a ser descoberta» - indica uma tomada de

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posição sobre a condução do trabalho pericial. Quando é requisitada/solicitada a perícia social, entra-se em contacto com uma situação social que já aparece pré-definida por alguém: pelos sujeitos que fazem parte da situação ou por outros profissionais que transmitem o que acontece e apresentam a situação (informações constantes nos autos policiais, por exemplo). Por outro lado, os profissionais têm esquemas de interpretação de situações pré-estabelecidas, construídas através da experiência profissional e pessoal, facto que pode levar à definição a priori do que se passa na situação e com os sujeitos envolvidos. As pré-definições e a forma de se articularem podem comprometer a finalidade da perícia social, daí a necessidade de definir princípios tais como o perceber que é importante ouvir as versões e interpretações de outros, devendo, no entanto, segundo Mioto (2001: 150) ser entendidas como trabalho inicial e não como definição da situação. A descoberta da situação concretiza-se quase exclusivamente pelo observar e ouvir, pela reflexão que, segundo Mioto (2001: 151) permite redefinir a situação. Refere Mioto (2001: 151) que “Através das definições e redefinições que acontecem ao longo do processo é que se constrói o parecer social. b) O processo da perícia é também um processo de intervenção - implica a interacção com uma situação e com elementos que a integram; o agente está a interferir na mesma, produzindo modificações. O conhecimento e a intervenção não são dois momentos estanques. Nesta medida, e no que respeita à perícia social, indica que o processo traz implicações sobre a vida das pessoas envolvidas na situação em questão. c) Por fim, terceiro princípio, que decorre do 2ª: as implicações que a perícia social tem na vida dos sujeitos envolvidos podem ser constatadas quer no âmbito do momento de realização da perícia (recolha de dados), quer no âmbito do parecer emitido atendendo ao impacto que o mesmo terá para a vida das pessoas envolvidas. O parecer emitido por escrito (relatório social) traduz-se na exposição pública da vida de uma ou mais pessoas e cuja posição assumida sela o destino de vidas dado que é subsidiário para uma tomada de decisões: aplicação ou não de medidas educativas – passagem da fase de inquérito à fase jurisdicional. Daí a necessidade do perito avaliar as possíveis implicações que o seu parecer poderá ter para o futuro dos sujeitos envolvidos e suas relações, mais directamente, mesmo tendo em consideração o impacto da medida no contexto da sociedade. Identificam-se como os eixos de sustentação da perícia social e legitimadores da acção profissional os seguintes: a qualificação (englobando o processo de formação profissional formal/credenciamento: inicial e continua); a competência teórico-metodológica (reflectindo a dimensão da aplicação adequada do conhecimento científico e técnico: eficácia e eficiência; pressupõe um processo de formação profissional continuo, englobando dimensões formais e informais); e a autonomia (que se expressa fundamentalmente a partir do impacto da elaboração e produção do conhecimento).

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QUALIFICAÇÃO A qualificação surge, segundo Autés (1999: 228) no espaço profissional como a aquisição de Saberes passíveis de serem credenciadas. A qualificação profissional é adquirida mediante um processo de formação15, relacionando elementos estatutários referentes à profissão (Cf. Autés, 1999: 225). Neste sentido, a qualificação engloba três dimensões: 1) a qualificação do trabalho pressupõe uma formação inicial escolar, reunindo os atributos profissionais que o indivíduo apreende, sendo reconhecidos e retribuídos socialmente mediante o credenciamento16 que legitima esses atributos. 2) Mediante a transformação dos processos técnicos, a qualificação dos trabalhadores equivale à qualificação dos postos de trabalho. 3) A qualificação é um produto social, sendo-lhe reconhecida uma utilidade social; ganha um status que define o quadro de classificações das diferentes A formação profissional é entendida como necessidade decorrente do progressivo grau de especialização, resultado da divisão sócio-técnica do trabalho, produto da Revolução Industrial. Tem como objectivos: 1) Proporcionar ao indivíduo um conhecimento global do complexo cultural. 2) Fornecer treino para um ajustamento económico do indivíduo. 3) Promover a investigação especializada em determinado ramo do saber. 4) Oferecer ao indivíduo uma formação social, isto é, esquemas de ajustamento ao ambiente e à complexidade das relações sociais (cf. Vásquez e Rios, 1987: 407). A formação profissional visa dotar os indivíduos de conhecimentos, capacidades e competências, no sentido alcançarem uma qualificação profissional efectiva, que proporcione a obtenção de um emprego, a sua conservação e progressão profissional, e ainda um desempenho produtivo e eficiente. Esta formação não se limita à aquisição passiva de conhecimentos específicos. Visa a aplicação activa dos conhecimentos que o sujeito já dispõe, bem como a aquisição activa de novos conhecimentos e habilidades - aprender a aprender. Envolve também a assimilação de uma filosofia e princípios que irão reger a maneira de pensar, agir e influir do indivíduo (cf. Vieira, 1989: 15).Desta forma, a formação profissional é entendida como um processo dialéctico e permanente que incorpora as contribuições decorrentes da prática profissional: da inserção da profissão e dos próprios profissionais na sociedade. Exige a compreensão das dinâmicas e condicionamentos que a sociedade impõe, a resposta e conquista de novas e potenciais alternativas de actuação e o desenvolvimento de um projecto profissional e social colectivo, historicamente situado. O conceito de formação profissional engloba dois processos sequenciais: o primeiro, designado por Formação Profissional Inicial, e o segundo, designado por Formação Profissional Contínua. 16 O credenciamento profissional é obtido mediante diploma e pelo mandato, assegurado pelas instituições de formação e pelas organizações profissionais. A formalização da qualificação é realizada através dos diplomas de formação profissional inicial e de processos de formação profissional contínua, de âmbito formal (anos de serviço, cursos e acções de formação), passíveis de lhes ser atribuídas classificações no mercado de trabalho ao nível das carreiras e a sua correspondência em remunerações. A construção de classificações encontra-se em constante renovação na medida em que é fruto de um jogo de forças mantido entre o Estado, as Organizações Profissionais, as Escolas. 15

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profissões no mercado de trabalho e a sua hierarquia. Voltando à dimensão de credenciamento (gatekeeper17) legitimador, este é obtido pela via institucional (instituições formais de educação superior responsáveis pela educação e treinamento), instituições essas reconhecidas pelo Estado e pelas organizações sociais. A formação académica e o exercício profissional geram a identidade profissional. Nestes dois eixos, a estrutura da formação profissional (que tem um percurso histórico) tem por função estruturar perfis: identidades e representações (nomeadamente colectivos). O credenciamento é prova da qualificação de uma formação profissional, englobando esta última, quer a formação inicial18 quer a formação profissional contínua19 (F.P.C.). A expressão gatekeeper é apresentada por Freidson reconhecendo ao profissional a qualificação de interpretação e juízo (perito) sobre uma dado fenómeno social. Nesta reflexão Negreiros refere que “(...) os sistemas de credenciamento estabelecem a relação entre o conhecimento formal adquirido e o exercício da profissão, legitimando a aplicação social desse saber. (1993: 30) 18 Por Formação Profissional Inicial (F.P.I.) entende-se toda a formação que tem por objectivo a aquisição de capacidades indispensáveis ao início do exercício profissional, habilitando o indivíduo para desempenhar tarefas específicas de uma profissão. A F.P.I. surge como a primeira fase de um processo de desenvolvimento profissional e pessoal, evolutivo e continuado, constituindo o primeiro programa completo e estruturado que engloba a formação profissional de base e a especialização profissional. A F.P.I. habilita ao desempenho de uma profissão, em duas acepções: ocupation e profession. O termo ocupation designa o “(...) conjunto dos empregos (...) reconhecidos na linguagem administrativa, na classificação nacional das profissões (...).“ (Negreiros, 1993: 10). Nesta acepção, profissão combina certo tipo de conhecimentos ou perícias, distinguindose pelo nível e duração da aprendizagem e integra um estatuto, prestígio e poder, participando dos efeitos da estratificação social. Para Freidson (cit. por Negreiros, 1993: 11), profession “(...) são aquelas ocupações que têm em comum credenciais atestando um grau de nível superior de educação e que são pré-requisitos para postos de trabalho com poder de decisão e de controlo (...). Educação superior pressupõe a apresentação de um corpo formal de conhecimentos, uma «disciplina profissional».“ Este corpo de conhecimentos consubstancia-se numa cultura profissional, remetendo para uma série de competências que fazem do indivíduo um profissional: “- o saber, isto é, o conjunto de conhecimentos gerais ou especializados que é preciso possuir (conhecimentos teóricos ou (...) linguagens científicas e técnicas);- o saber fazer, que diz respeito à utilização de instrumentos e de métodos em contextos específicos;- o saber ser ou o saber fazer social, isto é atitudes e comportamentos dos indivíduos em contexto profissional e os modos desejáveis de agir e de interagir (...)- o saber aprender, na medida em que as exigências e as características das situações profissionais evoluem e obrigam a permanentes actualizações;- o fazer-saber, tendo em consideração o papel educativo primordial (...)” (Nóvoa, 1992: 39). 19 A Formação Profissional Contínua (F.P.C.) engloba o conjunto dos processos formativos organizados e institucionalizados, que se seguem à formação profissional inicial, cujo 17

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COMPETÊNCIA TEÓRICO-METODOLÓGICA Em íntima relação com a dimensão de qualificação, encontra-se a dimensão da competência profissional. A noção da competência impõe-se num espaço de economia mundializada (ou globalizada), em que se exige aos profissionais e às organizações de trabalho, flexibilidade e individualização, ao mesmo tempo uma dimensão relacional (simbólica) para actuar quer dentro dos colectivos de trabalho, quer ao nível do contacto com as pessoas. A competência não é algo a que se acede, não se refere apenas a saberes formais ou ao conhecimento das instituições, da sua funcionalidade ou ao conhecimento e respeito pelas normas e regras da vida social; diz respeito a aquisições de experiências requeridas pelos actos de trabalho que se consideram eficazes. São aquisições transformadas pela acção, mediante a utilização de saberes (adquiridos formal ou informalmente), traduzindo-se no acto eficaz. 20 Num tempo em que se lida com a instabilidade, incerteza, mudança e complexidade dos fenómenos sociais, os conhecimentos e técnicas alteram-se rapidamente, tornando-se manifestamente insuficiente a aposta no Saber e no SaberFazer. Neste sentido, o ênfase coloca-se no Saber-Ser, enquanto dimensão relacional e de construção contínua; como aptidão de relação com outros quer directamente, quer num espaço de relação hierárquica ou entre pares. Situações que remetem para o desenvolvimento de capacidades de adaptação às situações21, capacidade de mudança, criatividade e inovação. O conceito de competência engloba assim os dois primeiros níveis de saber, juntando a teoria e a técnica face à prática, numa dimensão relacional, formando uma totalidade. No conceito de competência é acentuada a perspectiva do sujeito22, no senobjectivo visa contribuir para recriar o perfil profissional, bem como, possibilitar a adaptação às transformações tecnológicas e técnicas e, favorecer a promoção social dos indivíduos e a sua consequente contribuição para o desenvolvimento cultural, social e económico. 20 Na perspectiva da formação profissional contínua, surgem como exemplos de processos formativos geradores de competências por excelência, os métodos activos e com grande relevância os métodos centrados na relação inter-individual como a supervisão (formal e informal) e o trabalho em equipa. 21 Exige a capacidade de analisar e resolver problemas mediante estratégias e técnicas adequadas. 22 Nesta perspectiva inclui-se um outro paradigma da Formação Profissional Contínua: a Auto-Formação. Este conceito traduz a ideia de que o sujeito é o principal responsável pelo seu próprio processo de formação e aprendizagem, revelando a aptidão para aprender activamente. Esta responsabilidade traduz-se na capacidade de gestão e controlo do processo pedagógico (métodos, recursos e circunstâncias), psicológico (motivação e projectos individuais) e social (determinismos educativos, modalidades

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tido do seu envolvimento no processo construtivo de aprendizagem e de construção de aptidões23. Mediante um comprometimento24 e cumplicidade baseado numa postura reflexiva25, a competência profissional ultrapassa a dimensão individual (realização de si), manifestando a competência colectiva. Este processo combina assim na sua globalidade várias dimensões entre as quais a sócio-política da profissão, na medida em que a actuação do profissional relaciona o eixo de actuação de uma profissão no contexto da sociedade. Nesta dimensão questiona-se o papel da profissão no contexto social, os porquês da sua utilidade, como surgiu e como se transforma – função social. Interligada está a função da estruturação da formação e o credenciamento e legitimação dessa formação. E ainda a dimensão da construção dos saberes que reflecte o esforço de argumentação da acção sobre o conhecimento e vice-versa, mediante a procura de respostas eficazes aos problemas, pressupondo também a dimensão ética no quadro de relação com o outro. Por fim, a relação da dimensão do investimento no trabalho. Esta dimensão corresponde ao comportamento/ relação que o indivíduo estabelece com a tarefa - investimento que é motivado por elementos externos e internos. É neste contexto que Autès (1999: 232) refere que “(...) a competência é a mestria técnica das operações realizadas no quadro institucionais e modos de ser e de estar). A pessoa é considerada como um sistema vivo e aberto, em permanente interacção com o contexto, o que influencia o seu processo de desenvolvimento. Neste processo contínuo de trocas, em que o percurso de aprendizagem é condicionado, mobilizado e promovido pelo meio, o sujeito tem capacidade de actuar, auto produzindo-se. O percurso de auto-formação engloba, em última análise, três funções: a função instrumental, que o profissional utiliza para enfrentar e resolver problemas; a função dialogal, que lhe permite comunicar; e a função de auto-reflexão, para que possa compreender-se a si próprio, visando a criação autónoma de uma entidade própria e singular. O indivíduo forma-se através do desenvolvimento e estruturação da capacidade de pensar, apreendendo conhecimentos teóricos - nível cognitivo (Saber); do aperfeiçoamento e controlo dos afectos e sentimentos, assumindo determinadas atitudes e comportamentos - nível afectivo (Saber-Estar); e, do exercício e melhoramento das capacidades de agir - nível activo (Saber-Fazer). O projecto de educação permanente consubstancia-se assim na regeneração e promoção do indivíduo. (Adaptação da investigadora, Co-autora de Correia et al., Motivação para a Formação Profissional Contínua, Trabalho final de curso da Licenciatura de Serviço Social, ISSSL, 1996, p. 42 e ss.) 23 Esta perspectiva diz respeito ao envolvimento do indivíduo na produção (reconhecida como «obra» por Hannah Arendt) de toda a actividade social organizada. 24 Uma forma de comprometimento do profissional é a formação permanente, requisito fundamental `a “afirmação de um perfil profissional propositivo” (Cf. Iamamoto, 2000:p.145) 25 Como processo de auto-avaliação (Cf. Lishman, 1998) e auto-conscientização. Beck enuncia nos seus discursos e obras a necessidade de uma sociedade reflexiva (modernidade reflexiva) – (1992:155-182) Lusíada. Intervenção Social, Lisboa, n.º 38 [2.º semestre de 2011]

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do trabalho, mas também é resultante da socialização, da subjectivação e da formação da personalidade.”. Reflectir sobre o significado da competência para o Serviço Social, considerando o conceito como não independente da qualificação, significa ter em conta a exigência desse mesmo processo quer do ponto de vista da sociedade, quer pelo compromisso da própria profissão no seu papel de intervenção/acção no espaço social e para com a humanidade. Desta feita deve estar inerente à profissão e como elemento constituinte dos programas de estudo da formação. Exercendo-se e construindo-se no espaço social e relacional, o Serviço Social confronta-se permanentemente com situações limite e com a necessidade (esperada pela própria sociedade) de produzir respostas imediatas para as situações e para os indivíduos. Esta relação directa obriga à competência na dimensão ética e técnica. A competência técnica, segundo Mioto, (2001: 147), “(...) refere-se à habilidade do profissional na utilização dos seus instrumentos de trabalho, a qual condiciona a qualidade técnica da acção profissional.” Consideram-se como instrumentos o conjunto de recursos ou meios que possibilitam a operacionalização da acção profissional. Como ferramentas básicas seleccionadas pelo assistente social para a realização da perícia social, nomeadamente na fase de estudo social, identificam-se os seguintes: a entrevista, a observação (normalmente no contexto da entrevista), visita domiciliária e documentação contida em dossiers. Desta feita, como diz Autès, no âmbito do trabalho social, a competência será jamais uma simples questão de mestria técnica (Cf. Autès: 1999, 235). O confronto com outras profissões sociais no mesmo terreno social, para além das situações complexas que caracterizam os problemas sociais, obriga o Serviço Social a justificar a sua competência, mediante o investimento e desenvolvimento individual e colectivo (dimensão relacional) na dimensão técnica, na dimensão teórico-crítica26 e dimensão sócio-política. A competência em Serviço Social é assim constituída na relação do Saber, Saber-Fazer e Saber-Ser. Segundo Mioto (2001: 149) a competência teórico-metodológica “(...) refere-se à base de conhecimento que o assistente social deve dispor para desenvolver a perícia social, tanto em termos de organização do processo, como para a efectivação da análise sobre a qual repousará o parecer social”. Esse conhecimento refere-se quer às políticas e programas sociais como sobre a matéria sobre a qual opina, neste caso sobre o problema social da delinquência juvenil e as suas interrelações com outras esferas da sociedade (dimensão de mediação). 26

Que inclui a fundamentação teórica dos problemas mediante a análise e diagnóstico das situações numa perspectiva de investigação teórico-prática. A reflexão e estudo dos problemas quais os quais trabalha dá ao profissional maior segurança na proposta de métodos e técnicas a utilizar, ao mesmo tempo ao publicar esses estudos, garante um espaço de discussão com outros saberes, contribuindo, em última análise para a «emancipação humana » (Cf. Negreiros, 1999: 358)

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No entanto, no processo da peritagem social não há um guia operativo fixo e acabado para a realização da perícia social, dadas as circunstâncias da situação em estudo e avaliação e possibilitando a aplicação do conhecimento da sua área de saber académico e o conhecimento acumulado nomeadamente da experiência dos profissionais ao longo da sua prática profissional (exigindo uma dinâmica ilimitada de novas construções e criatividade). Este facto permite discutir aspectos gerais da sua operacionalização.

AUTONOMIA A autonomia surge como elemento muito importante para o desenvolvimento da perícia uma vez que esta tem como objectivo a emissão de uma opinião profissional. Esta posição só é possível se “(...)o profissional tiver liberdade para decidir sobre os caminhos que o levarão à formação de tal opinião”: sujeitos a serem envolvidos no estudo social, a escolha dos instrumentos operativos para realizá-lo, assim como a documentação a ser utilizada, por exemplo. A autonomia está intimamente relacionada com a elaboração e divulgação do conhecimento27 produzido pelo profissional sobre o seu campo de actuação/ intervenção profissional. Está também prevista no código de ética da profissão e pressupõe o compromisso ético do profissional de Serviço Social. O conhecimento abstracto confere a autonomia profissional (sobre o próprio trabalho) e garante a sobrevivência da profissão no competitivo sistema de profissões. (Rodrigues, 1997: 112). A especialização do saber delimita as várias áreas do saber aplicado aos múltiplos sectores da vida humana, mediante uma estrutura de conhecimento formal. Este conhecimento específico é realizado através de um conhecimento académico (institucional e credencial) que realiza as tarefas de legitimação, investigação e instrução, garantindo à profissão a sua protecção jurídica face à interferência externa, protegendo o seu espaço no mercado. O conhecimento formal é caracterizado pela racionalidade, que mensurada, garante a sua eficiência funcional, manifestada não apenas na técnica e tecnologia mas também na lei, na gestão das instituições, na economia, em suma, no funcionamento da sociedade moderna. Trata-se de um instrumento de poder, que tanto pode ser utilizado para melhorar a vida humana (pela aplicação de métodos e técnicas científicas a 27

Epistemologicamente assente no programa sócio-cultural, proposto pela Ilustração, reflexo da manifestação do projecto Iluminista trans-histórico que surgiu na Grécia Antiga, atravessou o período medieval e rompeu com a visão teocêntrica, elevando a condição da Autonomia do sujeito (visão antropocêntrica), a Sociedade Moderna constroi-se sobre os pilares do Conhecimento (enquanto essência da criação da esfera da Liberdade do Homem), da Razão e da Liberdade. (Cf. SANTOS, 1991:11).

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problemas sociais), como ser ameaçador da democracia na medida em que pode ser apropriado politicamente para justificar decisões que visam apenas o controlo e dominação ideológica da acção humana (em desfavor da democracia). (Cf. Freidson, 1986: 8) A produção de conhecimento pelo profissional fornece-lhe argumentos para realizar uma análise crítica sobre os modelos, as técnicas e os instrumentos impostos pelos manuais, a questionar uma resposta imediata aos problemas a que é chamado a resolver; autonomiza a sua escolha tendo como referência as finalidades do seu projecto profissional (numa base de compromisso ético-político), distinguindo o acessório do essencial. Entendida a identidade profissional, tal como a social, como processo28, claras foram as consequências de um movimento profissional colectivo que trouxe valiosas repercussões no estatuto e prestígio da profissão, quer no contexto da divisão social do trabalho, quer ao nível da produção de conhecimentos contribuindo para a construção de saberes em Serviço Social e consequentemente preparar a profissão para responder com competência às solicitações e desafios sociais29. O conhecimento em Serviço Social e a partir dele e a formação em Serviço Social são assim dimensões do campo da profissão sobre os quais se deve activar a consciência colectiva. Actualmente o Serviço Social encontra-se num processo acelerado de construção do seu campo, sendo o próprio objecto de pesquisa e análise, numa perspectiva de autonomia – situação que está em risco pela falta de regulação dos plaA identidade social é uma construção resultante do processo de socialização combinando a dimensão objectiva e subjectiva enquadrada em sucessivos tempos e espaços. Para Goffman, a identidade social combina dois processos identitários: o biográfico e o relacional. Estes dois processos encontram-se intimamente relacionados uma vez que combinam actos de atribuição e de pertença da identidade, nas componentes para os outros e de si (Goffman cit. por DUBAR, 1991:111-128). A identidade é reconhecida e construída por e nos investimentos relacionais dos indivíduos, na definição de formas de acesso ao poder mediante o estabelecer de normas e valores grupais. A articulação entre estes dois processos combina a identidade social e profissional construída a partir de categorias fornecidas pelas instituições família, escola, empresa, e identidades ligadas a saberes, competências e imagens de si, expressas pelos indivíduos nos sistemas de acção em que se incluem, confrontando-se com os outros. Nesta lógica de reflexão, a identidade profissional é igualmente uma construção, ainda que mais particularizada. O espaço profissional engloba várias dimensões: a especialização, a organização colectiva e controlo colegial, padrão ético, prestação de um serviço público e a especialização do saber. (Negreiros,1993:11). 29 Tendo como referência a conquista de direitos civis e sociais, o Serviço Social ganha relevo no campo de trabalho profissional não apenas devido ao redimencionamento da formação académica mas também ao facto das práticas interventivas desenvolvidas junto a determinadas categorias profissionais como as crianças e os jovens terem sido viabilizadas dada a sua configuração jurídico-legal, como é exemplo, a intervenção dos TSRS, funcionários do IRS, ser chamada a intervir na LTE (delinquência juvenil). 28

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nos de formação inicial e das regras do mercado de trabalho para os Assistentes sociais dado ainda não existir uma Ordem Profissional que zele pelos seus próprios interesses A especialização pelo conhecimento e o domínio dos discursos e da prática sobre determinado assunto ou campo social garante o fortalecimento do campo do Serviço Social nomeadamente ao nível do capital político que marca o reforço da identidade da profissão e a defesa do seu campo face a novas profissões. Ganha a designação de projecto ético-político, na medida em se estrutura em valores éticos, expressos (também mas não só) no Código de Ética, prescrevendo normas de comportamento profissional, identificando directrizes (direitos e deveres) para a relação que os profissionais estabelecem com os seus indivíduos alvo da sua intervenção, mas também com outras profissões e organizações e instituições sociais; para além desta vertente, a dimensão ética envolve ainda, escolhas teóricas, ideológicas e políticas. Daí a designação política na medida em que é um projecto que assenta, segundo Netto (2001: 24) na luta pela equidade e justiça social, consolidação da cidadania enquanto garantia dos direitos (civis, políticos e sociais) e definido numa lógica democrática. Para atingir estas finalidades, na relação directa com a profissão de Serviço Social, este projecto exige o que Netto (2001: 24) refere como “o compromisso com a competência” que, segundo o mesmo assenta no “aprimoramento intelectual do assistente social” apenas viável através de uma constante postura investigativa reconhecida como princípio de (auto) formação permanente. AS ETAPAS DA PERÍCIA SOCIAL no processo de elaboração do Relatório Social O Processo de “perícia social” engloba três etapas sucessivas: 1º) Estudo Social; 2º) Parecer social; 3º) Redacção do Relatório Social.

ESTUDO SOCIAL 1ª etapa) o Estudo social corresponde ao processo utilizado para “(...) conhecer e analisar a situação, vivida por determinados sujeitos ou grupos de sujeitos sociais, sobre os quais fomos chamados a opinar.” (Mioto, 2001,p. 153). Consiste na utilização de técnicas que permitem a abordagem aos sujeitos envolvidos na situação: entrevistas, observação, visita domiciliária e análise de documentos – meios através dos quais o perito operacionaliza a abordagem da situação. O Estudo social inicia-se com o contacto do A.S com a solicitação/pedido e com as informações sobre a situação social que existem e são lhes colocadas à disposição (informações documentais e/ou orais e informais pelos colegas). Este contacto passa pela leitura atenta e análise da documentação e informação disponível e pela elaboração do plano de trabalho, obedecendo a duas definições: a) à selecção e a hierarquia de contactos com os sujeitos envolvidos é que serão contacta-

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dos; b) selecção das técnicas e dos instrumentos a serem utilizados. Segue-se o contacto directo com os sujeitos e através da sua percepção acerca da situação; o profissional pode decidir pelo contacto com outros indivíduos ou entidades ou definir outros instrumentos de recolha de dados com vista ao aprofundamento do conhecimento da situação, garantindo um estudo o mais abrangente possível. É neste contacto directo com o jovem e a sua família, assim como com outros sujeitos relacionados com a situação (professores, monitores, médicos, entre outros) que se revela a dimensão de intervenção social, que suplanta o objectivo de recolha de informação e a produção do documento solicitado pelo Tribunal; dimensão que o documento não consegue expressar na sua amplitude. De acordo com Mioto (2001:154) o processo de abordagem dos sujeitos deve ser documentado, uma vez que esta documentação servirá de base à efectivação da análise da situação e da elaboração do relatório social. O fim da abordagem da realidade dá-se quando se avalia que os dados recolhidos são suficientes para a análise da situação social, ponderando-se os elementos que são limitadores do estudo exaustivo, como o tempo e dificuldade de acesso a sujeitos-chave para a compreensão da situação. Segue-se fase de análise, enquanto exame minucioso dos dados obtidos, tendo como objectivo sistematizar os aspectos relacionados à situação estudada com vista à sua compreensão abrangente e articulada. Neste momento as referências teóricas são fundamentais. A análise comporta um primeiro momento de descrição e um segundo momento de interpretação. Estes momentos são condicionados pelas construções teórico-metodológicas que o A.S. dispõe durante todo o processo de trabalho. Na abordagem no âmbito da LTE, o profissional tem de analisar dados relativos ao menor, sua personalidade e conduta, relacionando-os com as dimensões familiares, económicas e sociais. A qualidade do estudo depende assim da abrangência e profundidade das informações obtidas, i.e, da competência técnica do perito, associada à sua competência teórico-metodológica, fundamentalmente na relação com o objecto de estudo assim como com o seu compromisso ético. Segundo Mioto (2001: 155) “este conjunto garante a pertinência e a consistência da análise interpretativa” do estudo.

PARECER SOCIAL 2ª etapa - parecer social - constituindo-se na opinião fundamentada que o assistente social emite sobre a situação estudada, apresentado-a em forma de proposta de aplicação, ou não, de medida tutelar educativa e, no caso positivo, qual a medida mais adequada. Esta proposta baseia-se na análise realizada no âmbito do Estudo social, retirando deste os aspectos mais pertinentes, sustentando e fundamentando o parecer. A elaboração do parecer terá como eixo organizador, segundo Mioto (2001: 155), o teor da solicitação efectuada (objectivo e orientação do pedido) e deve ser estruturada apresentando as questões eleitas como mais

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pertinentes da situação e ainda propondo alternativas para resolução do problema – enquanto o próprio parecer. Este deve ser fundamentado com relação aos principais aspectos da análise: implicação na vida das pessoas envolvidas, prevendo formas de ajuda, ou apresentando prognósticos. No caso das dimensões em análise numa dimensão pré-sentencial, surge como principal eixo a avaliação da necessidade de educação para o direito manifestada na prática do facto, facto ao qual corresponde uma dada configuração penal tipificada e que tem correspondência directa ao tipo de medidas previstas na LTE. O profissional vai então graduar essa necessidade, reflectindo sobre as necessidades concretas do jovem, identificando (ou não) a medida que melhor responderá à situação, tendo em conta as dimensões de adequação e exequibilidade, dependente adesão do jovem30 à mesma e capacidade de ser posta em prática no meio social (recursos)31. A proposta de medida, para além da constatação de factos, advém de um processo de levantamento de dados que é relacional e dinâmico (técnico–cliente-família-meio-instituição), espaço onde se realizam negociações e se levantam possibilidades de contrato social. A proposta de medida exprime um parecer (um compromisso e uma responsabilidade técnica e ética do profissional) fruto de um trabalho de mediação que é É ao mesmo tempo uma categoria reflexiva e ontológica, pois a sua construção se consolida tanto por operações intelectuais, como valorativas, apoiadas no conhecimento crítico do real (...).” Comunica, pois, a posição do profissional (Assistente Social) no processo. No contexto da elaboração do parecer, pode ainda o profissional comentar pontos obscuros do próprio estudo indicando as causas dessa obscuridade assim como fazer sugestões sobre a necessidade de outros pareceres e indicar procedimentos futuros relacionados com a situação.

REDACÇÃO DO RELATÓRIO SOCIAL 3ª etapa e última etapa do processo de perícia social - A redacção do Relatório Social. O Relatório Social é o documento resultante do processo de perícia social e inclui o registo dos aspectos mais pertinentes do estudo (factos) e o parecer emitido, sendo reconhecido como um enunciado de verdade. É um instrumento de comunicação, dado que expressa uma actividade social através da palavra32; Segundo Norman Bishop (1990), o relatório social é um veículo de abordagem contactual na sentença, dado que pressupõe a colaboração activa do delinquente na negociação da medida que mais se ajusta à sua situação. 31 No caso de proposta de tarefa a favor da comunidade, é importante expressar que tipo de tarefa e onde pode ser desenvolvida (em que instituição). Esta definição fornecerá ao magistrado garantias de exequibilidade, pesando na sua decisão a favor da mesma, se considerar adequada face aos factos em presença no processo. 32 Dimensão defendida pela Escola de Palo Alto apresentada sob a metáfora do modelo orquestral. Segundo Winkin (1981:7-8), “A comunicação é concebida como um sistema 30

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comunica o produto do trabalho desenvolvido por um profissional qualificado e competente realizado numa perspectiva de intervenção social. Desta feita, expressa o significado do facto revelado pelo infractor e descreve sujeitos, interpreta o que observou e prescreve33 na forma de conclusão uma orientação que pode marcar a vida dos sujeitos que descreve (micro) e mesmo influenciar a visão sobre a generalidade dos jovens infractores (macro). De acordo com Almiro Rodrigues (1990: 175) (e no caso para a realização da função de inquérito) este documento deve ser “(...) essencialmente descritivo, dos factos ou das situações objectivamente observáveis. Deverá (...) captar informações e só informação fáctica.” Esta posição é igualmente partilhada por Amaral (1984: s.p.) que os “(...) relatórios são tanto quanto possível objectivos, isto é, contêm a descrição dos factos e não juízos e conclusões”. Esta posição defendida por magistrados surge como limitada (limitadora) face ao conhecimento teórico e tecnicamente reconhecido aos profissionais de intervenção social que o IRS emprega aos quais o Tribunal (pela própria configuração da LTE) solicita a sua assessoria técnica; controverso face à dimensão analítica na perspectiva diagnóstico-operativa que inerente ao princípio de uma profissão de intervenção social como é o caso do Serviço Social. Bray (1977:109-132) apresenta uma série de directrizes de redacção do relatório social, assegurando a sua qualidade, ou seja o corresponder ao seu objectivo ou função na administração da justiça. Neste sentido, o profissional ao organizar a informação no documento terá de assegurar que a mesma seja entendida com clareza pelo seu destinatário directo (magistrados) ou por outros sujeitos como o jovem ou o seu defensor (advogado). Da categoria “Conteúdo”, a autora apresenta como dimensões de análise: a exactidão, a pertinência, a objectividade. O garante da exactidão do documento quanto às informações prestadas é realizado através de: a) estabelecer o grau de certeza de cada informação; b) narrar factos relatados por terceiros assinalando a sua fonte; c) não colocar noções vagas como “Gostam muito”, ou “O pai era muito severo”; d) apoiar todos os dados em factos objectivos; e) sublinhar informações contraditórias; f) relatar esforços ou diligências que não fez, justificando-se. No de múltiplos canais, nos quais o actor social participa a todo o instante, quer queira quer não: pelos seus gestos, olhar, silêncio, ou nomeadamente pela sua abstenção... Na sua qualidade de membro de uma certa cultura, ele faz parte da comunicação como o músico faz parte da orquestra. Mas nessa vasta orquestra não à chefe nem partitura. Qualquer um joga sem acordo com o outro. “. A analogia da comunicação como uma orquestra quer explicar como cada indivíduo participa na comunicação antes que seja a sua origem ou resultado. A imagem da partitura invisível significa muito particularmente o postulado fundamental duma gramática do comportamento que qualquer um utiliza nas trocas diversas que realiza com os outros. O modelo orquestral permite introduzir o fenómeno social na comunicação que o termo em inglês ou em francês coloca bem: pôr em comum, a participação, a communion.. 33 Cf. Bourdieu, 1998:135.

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que se refere à pertinência das informações descritas, estas têm de ser enquadradas e adaptadas ao fim em vista; por outro lado há que seleccionar os elementos relevantes, facto que requer disciplina de pensamento. Em termos da objectividade, esta tem de ser garantida através da redução da subjectividade, possível através do esforço de concentração em cada uma das operações de raciocínio: observação, análise, escolha, expressão. Há que fazer permanentemente um esforço de objectividade, tendo presente elementos como: a influência da opinião pública; estereótipos sobre o cliente; tendência para defesa do cliente (desculpabilização); não se deixar influenciar por pressões do cliente ou do seu defensor na tentativa de garante da posição de aliado do técnico; reflectir sobre se a redacção exprime parcialidade ou imparcialidade. No entanto, o critério da objectividade não deve servir de justificação para sistematicamente o profissional se abstenha de interpretar factos ou emitir uma opinião, sendo este o seu espaço de criatividade e de realidade e que exprime um olhar vivo sobre a realidade, desde que garanta a sua justificação. Por outro lado, é uma forma de dar prognósticos sobre as possibilidades de (re)inserção do cliente. Da categoria “Forma”, a autora apresenta como dimensões de análise: a ordem lógica, a coordenação, a clareza, concisão e a correcção da forma. A ordem lógica é o garante do aspecto dinâmico da redacção. Para a sua concretização, propõe-se a realização prévia de um plano do relatório, ordenando os dados em função do que se julga ser necessário ao juiz: ordem analítica dos assuntos - importância da ordenação dos factos: quer seja por uma ordem cronológica (narração dos acontecimento importantes produzidos pelo indivíduo ou as suas etapas de desenvolvimento), ou mediante um processo verbal (factos agrupados conforme a fonte de onde provêm). Na redacção há que evitar capítulos longos e densos, sendo preferível a criação de sub-títulos. Assegurar-se que os títulos e sub-títulos correspondem às divisões lógicas estabelecidas e se os assuntos tratados correspondem aos títulos. O destaque e numeração gráfica dos títulos com caracteres de clara e rápida apreensão das diferenças entre os títulos e sub-títulos. Outro aspecto essencial é a apresentação do material: claro, uniforme e limpo. No que respeita à coordenação, importante é o relacionar dos factos com o cliente (menor em referência no processo), dado que é ele o centro de interesse. Quanto à clareza, as preocupações recaem sobre a escolha certa das palavras que exprimam com limpidez a ideia que se pretende relatar. Ainda a concisão, referindo-se ao objectivo de eficácia: informar com o mínimo de palavras e o uso de frases simples. Por fim, a correcção da forma: a redacção deve ser realizada em estilo sóbrio e correcto; reduzir a terminologia profissional, assim como palavras pomposas e expressões herméticas; evitar o calão e expressões familiares; moderar o tom das frases, banindo superlativos e advérbios de modo; utilizar o presente do indicativo, dado imprimir mais movimento à narração; reler com cuidado o que se escreveu para verificar a lógica do texto detectando erros de pontuação e gramaticais ou ortográficos (incluindo gralhas). O relatório social deve finalizar com a indicação da data e assinatura do profissional clarificando a sua área

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profissional, chamando este a si a responsabilidade do seu conteúdo e entrega. Ao nível das duas últimas categorias de análise, ao nível do “Emprego de Formulários”, que se apresentam úteis para lembrar dados indispensáveis de análise e redacção, desde que não demarquem apenas como úteis a recolha dos dados indicados (aqueles e não outros possíveis, ie, limitando a categoria da possibilidade do novo ou do diferente, do inesperado, enquanto expressão da incerteza que marca a contemporaneidade) ; por fim, quanto à “Difusão do relatório” esta deve obedecer a critérios técnicos e éticos. Desta feita, o técnico deve informar a autoridade que o solicitar, dar a conhecer ao cliente e dar a conhecer ao advogado de defesa. Atendendo aos limites da escrita no que se refere à própria justificação ou argumentação dos factos escritos, é reconhecida na lei a possibilidade sempre que o M.P. ou o juiz solicitem, a actualização ou informação complementar e ouvir-se em esclarecimentos os técnicos que subscrevem os referidos instrumentos. (art.º 71, n.º 4) A escrita tem de ser capaz de produzir acção e a letra tem de expressar imagens – saber bem escrever é pois uma competência técnica, ética e política do Assistente Social que expressa o seu trabalho de perícia social.

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Problemas e desafios da investigação em Serviço Social Problems and challenges of social work research Berta Pereira Granja Doutorada em Ciências do Serviço Social pela Universidade do Porto, Professora auxiliar no ISSSP. berta.granja@isssp.pt Maria Cidália Queiroz Doutorada em Sociologia pela Universidade do Porto, Professora Auxiliar no ISSSP cidalia.queiroz@isssp.pt

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Resumo Conhecer em serviço social significa compreender os problemas sociais como fenómenos sociais totais que têm origem no funcionamento das estruturas e relações sociais, sem negar a particularidade dos processos individuais e agir com a missão de prevenir e reparar os disfuncionamentos estruturais que impedem os mais desfavorecidos de acederem aos recursos indispensáveis para se construírem como cidadãos de parte inteira. O saber em Serviço social exige sínteses teóricas construídas com a mobilização de conhecimentos disciplinares da psicologia, sociologia, antropologia e economia entre outros. Assumimos como objecto do serviço social, a mudança dos sistemas de oportunidades, a promoção de dinâmicas de relacionamento social e a superação do pronunciado défice de participação cívica. A constituição do Serviço Social como disciplina científica produtora autónoma de conhecimentos sobre a transformação da realidade social exige investimento numa epistemologia da prática como fonte impulsionadora da investigação que resulte de uma actividade reflexiva que envolva profissionais, investigadores e populações numa articulação fecunda entre os saberes teóricos e a prática, onde a teoria orienta e guia a prática e esta por sua vez alimenta a teoria. Palavras chave: Epistemologia da prática, prática reflexiva Abstract Knowledge in social work means to understand the social problems as global phenomena which have origin in the functioning of structures and relationships, without denying the peculiarity of individual procedures. It is also to act with the goal of preventing and repairing the structural disfunctioning hindering the most ill –favoured of acceding to the essential resources to build themselves as full citizens. To know in social work demands theoretical syntheses built upon the mobilization of different subjects such as psychology, sociology, anthropology and economy, not to mention others.

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We assume as object of social work the changing of opportunity systems, the promotion of relational dynamics and the overcoming of the deep deficit of civic participation. The formation of social work as a scientific subject, an autonomous producer of knowledge on the transformation of social reality, demands social investment an epistemology of practice as a stimulating source of research. Therefore, it must be result of a reflexive activity involving professionals, researchers and population in a productive articulation between theoretical and practical learning where the theory guides the practice and practice on its turn, supports theory.

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O Serviço Social como disciplina profissional 1 - Princípios teórico-epistemológicos sobre a prática interventora do assistente social Se compreendermos que todos os problemas sociais são o produto de fenómenos sociais totais, isto é, radicam em complexas articulações de factores segregados em diversos domínios da vida social, não deixaremos de assumir que a intervenção do serviço social só pode atacar a fonte dos problemas se o seu modo de conhecer for sustentado por uma abordagem interdisciplinar. As exigências da intervenção confrontam os profissionais com os objectos reais e situações concretas em toda a sua espessura, complexidade e inter influência recíproca de elementos e processos. Não se compadecem com o isolamento analítico de uma dimensão restrita do real, e por isso impõem o recurso aos contributos de uma pluralidade de perspectivas e de métodos. O quadro teórico de referência do serviço social é o indivíduo no seu contexto desenvolvimental, cultural, familiar, comunitário e de trabalho. Uma das marcas da boa prática de serviço social é o reconhecimento da individualidade dos sujeitos a respeito dos quais os trabalhadores sociais têm que identificar necessidades, objectivos e recursos, e com os quais devem construir uma relação terapêutica. A prática de serviço social dirige-se a problemas sociais, ou seja, a problemas da vida, tais como a carência de rendimentos, o desemprego, o isolamento e rupturas de nos laços sociais, a violência doméstica, os riscos vividos por crianças e jovens, nomeadamente o abandono escolar e o insucesso. Estes são problemas sociais complexos que requerem uma perspectiva do indivíduo no seu envolvente social. Os indivíduos que procuram o serviço social fazem-no por causa de uma combinação complexa de situações e sintomas; nem sempre são capazes de expressar ou entender o que lhes acontece; podem ser necessárias intervenções em diversos domínios da vida que ocorrem em tempos diversos; as necessidades dos indivíduos podem mudar no decorrer da intervenção pelo que há que definir novos objectivos. A intervenção tem uma lógica de percurso, com passado, presente e futuro que se inter influenciam e estimula inevitavelmente confrontos entre o agir profissional e o crescente conhecimento científico acumulado; obriga a articular as lógicas do agir profissional com as lógicas dos sistemas e actores onde e com quem interage; constrange os profissionais a escolhas e decisões que desencadeiam afectos e emoções num processo contínuo e dinâmico, sempre em mudança entre a ruptura, o inesperado mas também a estabilidade, a resistência à transformação como afirma ROBERTIS (1991). Também DOMINELLI considera que: «Social work research has to meet new challenges in engage with those that bedevil research more generally. Crucial to this are: (…)Finding new methodolo-

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gies that will meet the specific concerns of practice, namely discovering ways of dealing with uncertainty and ambiguities. (Dominelli, 2005:236)» BOUQUET (1989) refere que os problemas do saber agir profissional dos assistentes sociais têm consequências na investigação devido à heterogeneidade dos campos de prática, aos problemas vividos de forma particular pelas populações, às dificuldades em obter validação e generalização e aos problemas de ética que se colocam nos processos de investigação.

2 - Objecto do serviço social Fundar a autonomia do serviço social como disciplina profissional envolve uma reflexão sobre o seu objecto teórico, o que, a nosso ver, remete para a identificação dos principais processos e dinâmicas sociais indutoras de disfuncionamentos estruturais que comprometem o desenvolvimento psicossocial de numerosos indivíduos. Compreender as articulações entre fenómenos estruturais, compreensíveis através de disciplinas como a sociologia, a ciência política, a economia, e os fenómenos psicológicos, analisáveis pela psicologia, é um requisito fundamental para escapar à tendência das políticas sociais actuais para interpretar os factores psicológicos como principais determinantes da vulnerabilidade dos indivíduos. Sem esta ruptura, que implica articular as dimensões estruturais e psicológicas das condutas individuais, não será possível evitar a culpabilização do indivíduo pelos seus próprios problemas. Definir o serviço social como disciplina profissional cuja missão é prevenir e reparar os disfuncionamentos estruturais que impedem muitos indivíduos, em especial os que ocupam as posições mais desfavorecidas da estrutura social, de acederem a recursos indispensáveis para se construírem como cidadãos de parte inteira, leva a construir o seu objecto em torno de várias questões teóricas fundamentais que determinarão também níveis diferentes de intervenção e investigação e metodologias diversificadas. Assim podem considerar-se: 2.1 - O nível macro que remete: a) Para os processos estruturais da produção e reprodução das desigualdades sociais nos vários contextos da vida social, atribuindo particular relevância à crise generalizada dos mecanismos de integração social e processos de desfiliação social b) Para o papel do Estado na protecção dos interesses dos grupos menos favorecidos e na superação do carácter estrutural da pobreza; 2.2 - O nível meso que remete: a) Para o nível institucional e organizacional, para os processos de construção das relações sociais b) Para a experiencia associativa que pode constituir os cidadãos em actores colectivos, com potencial para gerar poder e negociar a partilha dos recur-

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sos socialmente disponíveis e pode comportar potencialidades muito positivas, quer em matéria de criação de interacções densas e de sentimentos de pertença assentes na partilha de valores comuns, quer na construção de regras e contratos explícitos. 2.3 - O nível individual que remete: a) Para um trabalho dirigido para o interior profundo, sobretudo quando as exclusões múltiplas e longamente estabelecidas contribuíram para instalar estruturas internas, em que os sentimentos de fracasso e as atitudes de desistência são elementos nucleares. Assim a construção do objecto do serviço social poderá centrar-se em pelo menos, três ordens de problemas cruciais para a existência dos indivíduos que correntemente recorrem à intervenção dos profissionais de serviço social: • A mudança dos sistemas de oportunidades numa grande diversidade de domínios da vida social, tais como a educação, a qualificação profissional, a cultura, o habitat, a saúde, o emprego, as relações sociais, o prestígio social, etc., com o objectivo de alterar, duradouramente, os mecanismos que geram manifestações extremadas de desigualdade social e, até mesmo, exclusão social; • A promoção de dinâmicas de relacionamento social que, nestas mesmas áreas, possam estreitar as distâncias entre indivíduos pertencentes a diferentes grupos sociais ou, por outras palavras, tecer laços orgânicos entre actores e grupos com recursos culturais, relacionais, económicos e simbólicos diferenciados e interromper processos de desfiliação social; Restabelecer, restaurar e reforçar a coesão social no sentido de uma melhor comunicação, interacção entre os diferentes sistemas sociais que suportam a vida em sociedade na actualidade, em função dos desfasamentos e rupturas dos diversos sistemas sociais como a família, a educação, o emprego, o habitat, protecção social e o próprio sistema político; • A superação do pronunciado défice de participação cívica que caracteriza os grupos socialmente vulneráveis, sem ceder à ingenuidade de acreditar que a participação dos excluídos se torna realidade por mera enunciação do princípio, sem requer sérios e persistentes investimentos na qualificação e dos indivíduos; Fortalecer e estimular a criação de laços sociais primários e secundários como os actores colectivos e o associativismo, para o desenvolvimento da participação e enriquecimento da vida social, para enfrentar o crescente individualismo, atomização social e enfraquecimento do associativismo e da sociedade civil, visando fortalecer o poder dos mais frágeis, resgatando a sua cidadania, autonomia, auto estima. Princípios orientadores para a construção do conhecimento que garantam a autonomia do Serviço Social como disciplinam profissional:

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• Construção de sínteses teóricas interdisciplinares adequadas à apreensão dos processos, dinâmicas estruturais e funcionamentos institucionais geradores de contradições, rupturas, vulnerabilidades e, mesmo, de exclusões sociais com mobilização de conhecimentos relevantes, conceitos e teorias originários da sociologia, psicologia, economia, entre outras ciências sociais. • Desenvolvimento de competências para a leitura e interpretação dos problemas sociais concretos numa perspectiva de complexidade, a partir do cruzamento e comunicação entre ferramentas teóricas específicas das principais Ciências Sociais. Essa capacidade é uma das que tanto escasseiam entre as profissões intelectuais do âmbito da intervenção social que se confinam a abordagens atomizadas e sem comunicação entre si. • Produção de diagnósticos cientificamente fundamentados sobre os problemas sociais, para criar modos de intervir efectivamente capazes de atingir as dinâmicas sociais que estão na origem dos problemas sociais. • Identificação e compreensão das interacções profundas, muitas vezes ocultas e ocultadas, entre condições de existência, material, social e simbólica, e a formação da subjectividade dos indivíduos, porque as condições de existência, os modos de vida e as sociabilidades dos indivíduos são fortemente determinados pelas lógicas de produção e reprodução de desigualdades sociais. • Superação critica da ideia, infelizmente muito corrente nas políticas sociais, de que é possível produzir mudanças no indivíduo sem passar pela alteração das suas condições de existência, incluindo as relações sociais em que este toma parte, quer assegurando o acesso a recursos materiais fundamentais, pela alteração das condições de existência, quer proporcionando contextos de socialização que facultem sociabilidades socialmente heterogéneas, estimulem a vida em grupo e proporcionem a apropriação de recursos culturais e cognitivos adequados às exigências da inclusão nas sociedades dos dias de hoje.

O Serviço Social como produtor autónomo de conhecimentos sobre a transformação da realidade social 1- Problemas de investigação em Serviço Social Na perspectiva da construção do indivíduo como resultado de processos de articulação entre condições objectivas e subjectivas importa propor alguns exemplos de problemas de intervenção profissional, relacionados com o trabalho dos assistentes sociais com famílias e populações abrangidas pelo Rendimento Social de Inserção, que se podem constituir como problemas de investigação em serviço social: 240

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• Como implicar instituições e profissionais na criação de estruturas de formação escolar e profissional sensíveis às particularidades sócio culturais do quadro relacional a que os filhos dos excluídos estão sujeitos para evitar e tratar as graves rupturas na transição para a vida adulta. • Como mudar atitudes e comportamento de crianças, adolescentes e jovens face à escola? Como provocar mudanças na actividade profissional dos professores e a ruptura epistemológica com as representações e expectativas negativas a respeito de certos grupos de alunos, com o etnocentrismo de classe, com os ideais pedagógicos e noções de eficácia criados a partir do conceito de aluno ideal? Como enfrentar humana e pedagogicamente a multiculturalidade, os conflitos de valores e de modelos de socialização, as subculturas juvenis de oposição à escola e o ensino colectivo em turmas de composição social heterogénea? Como estimular a experimentação de uma escolaridade que permita apreender a realidade e adquirir os meios para agir no e sobre o mundo. • Como provocar mudanças significativas na interpretação dos indivíduos cujas práticas dissidentes são sistematicamente interpretadas como resultado das suas próprias dificuldades, incapacidades e decisões, descurando completamente a organização e esquemas de funcionamento da escola, assim como a importância das representações dos professores? • Como provocar as mudanças internas adequadas a um desempenho parental consonante com as exigências da inclusão social nas sociedades actuais, na ausência de políticas que providenciem às famílias, os meios materiais indispensáveis para que a energia psíquica e emocional dos progenitores não se esgote totalmente na luta diária pela obtenção do mínimo vital? • Como suprir a escassez do tempo que os pais dispõem para dedicar aos filhos ou de momentos conjuntamente vividos por todos? • Como suprir a oferta de equipamentos sócio educativos, em quantidade e qualidade e assumidamente organizados na perspectiva de ajudar as famílias no desempenho das tarefas inerentes à educação e empenhados em trabalhar a incomunicabilidade entre os vários sistemas sociais que hoje disputam a socialização dos mais jovens? • Como criar estruturas colectivas que interrompam a segregação social do indivíduo, que proporcionem a alteração dos sistemas de valores e de sentido e enquadrem e organizem o seu quotidiano numa perspectiva de elevação dos recursos culturais, designadamente através da aquisição de conhecimentos científicos e técnicos, da reformulação de disposições relacionais e quadros simbólicos, da descoberta de grupos de referência que induzam a identificação com um projecto de ascensão social que tornem possível interromper a carreira de assistido ou de desviante? • Como advogar a causa dos mais desmunidos, fazendo a demonstração das carências dos meios objectivos que os impedem de se desenvolver

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de acordo com os padrões socialmente estabelecidos, como, por exemplo, angariando recursos colectivos? • Como promover a inserção no emprego como factor central na vida dos indivíduos, sabendo-se que as possibilidades de contrariar os processos de desregulamentação alargada das actividades económicas, de flexibilização do sistema de emprego e de emagrecimento dos sistemas de protecção social não estão ao alcance dos profissionais? • Que tipo de relação estabelecer com as pessoas que usufruem do Rendimento Social de Inserção de modo a sobre elas não fazer recair a culpa da sua situação de dependência? Como inverter os caminhos do abandono de si próprias e da desistência, condutas que, não raro, se mascaram sob a aparência de irresponsabilidade, ausência de consciência cívica, parasitismo, entre outros? • Como refazer a energia necessária para enfrentar os obstáculos se o caminho é demasiado longo, exigindo um esforço árduo, tanto mais difícil de suportar quanto as suas vidas quotidianas estão recheadas de frustrações, desconforto e privação de muitos dos pequenos prazeres? • Como alimentar a convicção que é possível superar o pessimismo da lucidez que resulta da análise dos pesados constrangimentos estruturais que hoje precipitam a vida de muitos milhares de pessoas na incerteza e na privação? • Quais as margens de poder instituinte que restam perante uma engrenagem tão poderosa como a que vem imparavelmente conduzindo à liquidação das conquistas mais admiráveis das lutas sociais dos dois últimos séculos? • Como inflectir os processos de exclusão das pessoas menos favorecidas, numa sociedade em que as mudanças aceleradas no plano económico e técnico apelam ao constante investimento na qualificação? • Como contrariar valores e comportamentos de resignação e implicar as pessoas na procura de soluções para os graves problemas que envolvem a produção, a organização do trabalho, o desemprego e a formação na nossa sociedade? • Como demonstrar que é possível reconciliar estes excluídos do sistema escolar, jovens e menos jovens com o saber e que é possível impedir que neles se instale definitivamente uma resignação fatalista, que é possível, enfim, arrancá-los à descrença de si próprios. • Como demonstrar que a reprodução da pobreza não é uma fatalidade? • Como desenvolver a resiliência entre os Assistentes sociais para que eles próprios, não se deixem desencorajar pelas frequentes «recaídas» dos beneficiários na tentação da desistência e abandono de qualquer projecto. Por exemplo, face a uma família com uma criança com “dificuldades no seu desenvolvimento cognitivo”, a tomada de decisão a respeito da intervenção re-

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quer que o assistente social seja capaz de utilizar criticamente os conhecimentos teóricos disponíveis sobre o assunto, nomeadamente para poder avaliar a pertinência da atribuição desse diagnóstico. Na realidade, com demasiada frequência, é possível constatar que a psiquiatrização de certas condutas infantis está longe de resultar da aplicação de métodos rigorosos de diagnóstico, da mesma maneira que é possível verificar que muitos especialistas ignoram que um comportamento aparentemente idêntico pode resultar de factores diversos, sendo que, neste caso, não raro se classificam como problemas de desenvolvimento cognitivo, comportamentos que, de facto, são devidos a problemas relacionais que, por sua vez, precipitam problemas afectivos, resultantes de um encadeamento de factores sociais severamente opressivos e, não raro, desencadeadores de perturbação psicológica. Admitindo que se trata mesmo de dificuldades cognitivas, o papel do assistente social vai para além desse problema em si, uma vez que o seu tratamento não pode dispensar a análise dos recursos e das dificuldades que pais e professores devem ultrapassar a fim de ajudar as crianças portadoras deste tipo de problema. Não pode pois dispensar a adesão de pais e professores a um plano de acção cuja concretização será sempre incerta na precisa medida em que depende das suas características individuais, designadamente motivação, acesso à compreensão do problema, disponibilidade para se envolverem no tratamento. A complexidade do problema envolve uma variedade de acções de apoio em domínios tão diversos como a prestação de informação relevante a pais e professores, a aquisição de competências parentais em matéria de gestão comportamental, a terapia familiar, a intervenção na escola.

2 - Investigação em Serviço Social - conceptualização, experimentação e validação de modelos de intervenção teoricamente construídos Convictos de que a divisão taylorista do trabalho, entre os que concebem e os que executam, comporta efeitos particularmente perversos, que comprometem severamente as possibilidades de produzir a autonomização e inserção social dos excluídos, consideramos desejável mobilizar a produção de pensamento sobre os modos de intervir mais eficazes. PAVIANI refere que as áreas de conhecimento como o serviço social: «Para se afirmarem como domínios autónomos precisam de teorias próprias. Necessitam construir unidades novas de conhecimento a partir de outras matérias como economia, sociologia, educação, administração, etc. Fica claro, no entanto, que o desenvolvimento de teorias e métodos próprios, em cada nova área do conhecimento, passa pela transformação de múltiplos conhecimentos em unidades logicamente fundadas”» (PAVIANI, 2004:34)

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Assim a investigação em serviço social precisa especificamente de garantir as seguintes premissas: • Produzir pensamento e evidência empírica sobre modos de intervir que proporcionem soluções adequadas à superação dos problemas sociais; invenção e experimentação de protocolos de intervenção susceptíveis de oferecer referências inovadoras relativamente ao exercício da actividade profissional. • Passar das teorias à intervenção transformadora que está longe de ser redutível a um mero consumo de teorias explicativas do real; exige um intenso trabalho de conhecimento das “leis” sociais que as ciências sociais ajudam a descobrir e a mobilização para a construção de programas de acção adequados à sua superação. • Romper com o praticismo e com modos de intervir artificiais porque são comandados por leituras que fragmentam arbitrariamente a realidade em função dos quadros teóricos específicos de cada disciplina, o que implica constituir os problemas como fenómenos sociais totais (problemáticas teóricas capazes de identificar e relacionar as suas múltiplas causas, por forma a rejeitar modos de intervir fragmentados). • Produzir conhecimento próprio baseado na interactividade entre os vários tipos de saber, teóricos, processuais, práticos e saberes-fazer, segundo uma dialéctica susceptível de gerar retroacções e enriquecimentos mútuos. • Evitar o vício que consiste em tratar procedimentos técnicos, independentemente do diagnóstico dos problemas e da sua construção teórica e, além disso, o vício de conceber pretensos instrumentos técnicos independentemente da reflexão sobre os processos de transformação em que eles adquirem sentido e eficácia. A constituição do Serviço Social como disciplina científica muito terá a ganhar se investirmos numa epistemologia da prática como fonte impulsionadora da investigação centrada na superação dos problemas e na transformação social1. MARTINEZ confirma esta necessidade ao afirmar: «La necesidad de que el Trabajo Social se interese no sólo por la transformación social sino también por la elaboración de procedimientos para la acción, es decir, por la creación de teorías sobre la acción y estrategias para la acción.» (MARTINEZ, 2001: 305) Também MAYER (2002) afirma como um desafio para a profissão se conso1

MOSCONI (2001) afirma que as diferenças entre o saber teórico e o saber de acção não atribuem autoridade aos produtores de saber teórico sobre os que desenvolvem a acção, implicam antes uma relação de cooperação.

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lidar e afirmar, a construção da capacidade de o grupo profissional explicar claramente quem é e o que faz, o que exige que se assumam como atores profissionais reflexivos. DUCHAMP (1989), afirma que a actividade profissional exige uma reflexão permanente que se desenvolve num espaço de transacções múltiplas com respostas a inventar. Esta construção teórica exige o auto-reconhecimento e a explicitação permanente dos esquemas de pensamento e acção, sob a forma de saberes processuais, procedimentos do serviço social, a partir da própria acção, que demonstrem a capacidade de articulação fecunda entre os saberes teóricos e a prática, onde a teoria orienta e guia a prática e esta por sua vez alimenta a teoria. PAYNE afirma que a articulação entre teoria e prática: «It involves reflecting theoretically with clients and also with colleagues, making reflection-in-action and reflection after the event in everyday part of what social workers do. Also, it means having the self-confidence to be open about your ideas and willing to experiment, alongside your clients, in putting your ideas into action» (Payne 2002: 137) O conhecimento sobre a disciplina profissional pode estruturar os diversos saberes e propor grelhas abertas de leitura das experiências e hipóteses operacionais, como esboços da acção, sem a pretensão de encontrar as estratégias infalíveis, e permitir aos profissionais mobilizar os saberes de acção necessários para enfrentar as situações e sistemas com que se confrontam na prática como sujeitos e actores: • Assumir uma epistemologia que toma a prática como matéria-prima da produção de saberes que não são directa nem mecanicamente dedutíveis da teoria; a prática não é remetida para o estatuto de mera consumidora de saberes teóricos (produzidos no âmbito da investigação fundamental) mas condição de produção da própria teoria • A emancipação social dos excluídos requer profissionais altamente qualificados, não técnicos executantes, pretende desenvolver uma efectiva valorização do trabalho de terreno, uma real implicação na interacção com os que são atingidos pelas vulnerabilidades sociais, as mais diversas, posicionamento que tem significado sobre o estatuto epistemológico, político e ético que conferimos à prática e à formação do assistente social. Por isso a concepção da prática que assumimos recusa a submissão a velhas dicotomias que a reduzem a um subproduto menor e remetem a intervenção directa junto dos excluídos para os profissionais menos qualificados, que não possuem mais do que uma pretensa formação técnica, como se fosse possível adquiri-la sem formação teórica • Não recear o contacto com os excluídos, nem deles fugir com o receio de sermos contaminados pela sua ausência de estatuto social, nem, tão pouco, passar ao lado dos dilemas que se deparam aos que quotidianamente interagem com os cidadãos excluídos ou socialmente vulnerabilizados

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• As exigências da prática em toda a sua complexidade confrontam o profissional com o facto incontornável da realidade social, que não pode ser explicada por uma única ciência, mas que exige sínteses teóricas complexas e é coerente com as exigências da intervenção não assistencialista, pois confronta os profissionais com objectos reais que são fruto da inter influência recíproca de elementos e processos que só podem ser apreendidos se houver ruptura com o isolamento analítico de uma dimensão restrita do real. • Considerar a criação de contextos interactivos propícios ao envolvimento dos actores, procurando negociar interesses, convicções, crenças, hábitos, expectativas, aspirações, conhecimentos, preconceitos com a análise crítica dos dispositivos de acção a implementar. A acção combina lógicas diversas que ligam o actor a cada uma das dimensões de um sistema. O actor é obrigado a articular lógicas de acção diferentes; é a dinâmica gerada por esta actividade que constitui a subjectividade do actor a sua reflexividade. A cooperação entre as instituições de formação e as organizações onde trabalham assistentes sociais configura-se como um elemento de reforço identitário pelo reconhecimento da investigação, aplicação dos seus resultados e formação contínua de profissionais, numa ligação permanente entre o exercício profissional, a formação para actualização dos profissionais e enriquecimento da disciplina. Este investimento cooperativo na investigação na e sobre actividade profissional, é fundamental para tomar distância, contestar e comparar, verificar a coerência entre variáveis reguladoras dos problemas e as estratégias de acção para os resolver. CROZIER afirma sobre a necessidade de reflectir sobre a acção: “(…) quem não reflecte, perde de vista os constrangimentos, põem dificuldades que são obnubilados pelo objectivo. Os que conseguem, são os que sabem manter um olhar frio sobre a reflexão antes de mergulhar no calor da acção.» (CROZIER, 1995: 217-218) Uma prática reflexiva obriga a explicitar o pensamento pela mediação de conceitos, permite nomear, reconstruir os problemas e (re)construir a experiência. Esta perspectiva de investigação obriga a construir e consolidar parcerias entre investigadores e profissionais de terreno em ordem a: • Seleccionar os dados pertinentes dos fenómenos e identificar padrões inovadores na actividade profissional, de tal forma que possam vir a ser reconhecidos, explicitados, transmissíveis e reproduzíveis, assim passando a constituir fontes do saber profissional; • Especificar o que deve ser feito a fim de suscitar uma esperança de transformação;

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• Fornecer uma narrativa de valor inestimável para os trabalhadores sociais e populações. Conta uma história acerca do esforço interventivo que liga o enredo, as personagens, a situação, as intenções e as metáforas centrais de forma coerente e acessível.

A investigação como componente a reforçar e consolidar na identidade do assistente social Para que a investigação seja uma componente da identidade profissional é necessário estimular as interacções no campo profissional, pois a identidade não se constrói isoladamente precisa de experiências relacionais para se formar, pressupõe interacção, actividade cooperativa, processos de decisão, supervisão, pedido de ajuda ou conselho, debate contraditório ou avaliação. Segundo SCHÖN um profissional é reflexivo quando toma a sua actividade como objecto de reflexão. «Les praticiens sans réflexion se limitent au même temps qu’ils se détruisent» (SCHÖN, 1994: 344) Para PERRENOUD a reflexão é uma prática intelectual para construir conhecimento sobre a acção: «C’est une suite d’opérations intellectuelles, dont les états mentaux ne sont que le point de départ, un état temporaire ou le point d’arrivée. On peut considérer cette suite d’opérations comme une «pratique intellectuelle». Elle est aussi souvent une pratique langagière, dialogique et sociale» (PERRONOUD, 2005: 36)» Esta construção parte do ângulo de visão do profissional, da sua leitura e interpretação dos problemas particulares e da relação que estabelece com os fenómenos sociais mais globais e evolução da sociedade. Essa reflexão deve ser feita para poder deliberar sobre os dados pertinentes dos fenómenos, com base numa actividade analítica que viabilize o recorte dos objectos de conhecimento e intervenção, identifique os padrões regulares verificados na actividade profissional para que possam ser reconhecidos, explicitados e transmissíveis, constituindo então uma fonte do saber profissional. NETO (2000) acrescenta que a análise da acção profissional não pode ser só a análise do saber fazer dos procedimentos profissionais que se desenvolvem na actividade. A análise da actividade integra a descrição do que os profissionais sabem fazer dos seus processos reflexivos e críticos, dos processos de aprendizagem do saber agir e tem que ultrapassar a leitura empirista da própria actividade, onde a teoria não está desvinculada da acção mas explica a dinâmica social e orienta as possibilidades da acção nos processos sociais. A postura reflexiva depende da ética, do assumir de responsabilidade co-

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lectiva sobre a disciplina profissional, da disposição para enfrentar o erro e o aperfeiçoamento de competências. As acções profissionais, as reuniões, os encontros formais e informais proporcionam sequências de reflexividade aberta que, embora ocupem tempos limitados, funcionam como grelhas de filtragem identitárias, onde as escolhas são orientadas pelo saber fazer profissional. Falar é autorizar-se a falar, significa ter auto estima e discurso próprio em primeira pessoa. Estes debates e discussões têm condições para proporcionar: • A procura de perspectivas teóricas das ciências sociais para explicação dos problemas colocados à acção profissional, a sua permanente actualização; • O aumento da percepção dos hiatos entre a teoria e a acção, a conjugação de generalismo das ciências sociais com a especificidade da acção; • A construção de perspectivas mais lúcidas sobre realidade favorecendo a intenção - como uma disposição para olhar o mundo como objecto de saber, como procura de sentido. Para desenvolver um diálogo reflexivo é preciso dominar conceitos, ter reportórios estruturados de experiência para ser possível interpretar a realidade, analisar e construir representações operacionais. Como afirma BANKS (1997) os profissionais reflexivos reflectem sobre a prática e aprendem com ela, constroem conhecimento e desenvolvem capacidades, identificam mais facilmente os dilemas e conflitos éticos e suas origens, consolidam confiança nos seus próprios valores, estão preparados por isso para correr riscos e assumir responsabilidade moral pela acção profissional. A acção dialógica nas suas diferentes formas é um elemento constitutivo da actividade dos assistentes sociais e a linguagem colectiva que a permite, recria identidades colectivas inseparáveis das identidades individuais que as suportam. E se essa linguagem adoptar uma forma mais estruturada e de formalização, assumindo a forma escrita, pode valorizar o profissionalismo do grupo, atribuir significado a novos sistemas de legitimação, consolidar as formas de identidade profissional, dar materialidade e visibilidade ao discurso sobre o trabalho que se torna objecto de pensamento. A prática reflexiva pode ocorrer durante a actividade ou depois e pressupõe as seguintes considerações: • Utilizar o saber adquirido e formalizado como instrumento de inteligibilidade sobre o social, sobre as suas estruturas, leis, relações entre factores, sentidos e lógicas de encadeamento dos processos e dinâmicas sociais, conceitos e hipóteses explicativas para interpretar e explicar a realidade social; • Estabelecer mediações, converter determinantes sociais em estratégias sem ignorar as componentes e factores psicológicos individuais; • Construir novos saberes sobre o funcionamento do social e conceptualizar representações das relações entre objectos, acontecimentos, ou situações, com intenção de produzir inteligibilidade sobre a realidade social em que

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se desenvolve a acção profissional;

• Escrever, objectivar e formalizar as práticas, ser capaz de as codificar; ter espírito científico com intenção de produção de representações intelectuais novas sobre a actividade profissional que possam ser comunicáveis a outrem. Gambrill (2006) afirma que esta actividade reflexiva exige o desenvolvimento de algumas características necessárias nos investigadores e profissionais: coragem, curiosidade, empatia intelectual, humildade, integridade e persistência2. Os contributos desta autora sobre a EBP (Evidence-Based-Practice) e a literatura crítica sobra a mesma reforçam a necessidade de formar profissionais de serviço social reflexivos, utilizadores de capacidades de pensamento crítico nas tomadas de decisão e capazes de recorrer a múltiplas fontes de conhecimento. Reforça, ainda, que os princípios centrais da boa prática de serviço social passam pela abordagem sistemática de uma dada área problema e pela utilização de literatura empírica centrada na análise das melhores práticas existentes. Só o conhecimento profundo do quadro teórico subjacente às práticas fundadas na evidência abre oportunidades de modificar e adaptar os modelos em função da análise das realidades concretas, evitando o seu uso estereotipado. Adoptar um dado modelo de intervenção não dispensa os profissionais de dominarem a produção teórica relevante sobre a conduta humana. Só assim serão capazes não somente de avaliar criticamente o próprio modelo, mas também de descobrir mais caminhos.

Conclusão A investigação em serviço social pode produzir conhecimentos partindo da experiência desde que os produtores desse conhecimento utilizem fundamenta2

A necessidade de deter competências de investigação é explicitamente parte integrante do Código de Ética dos profissionais americanos e reconhecida como uma componente da formação em serviço social. Neste país, apesar desse reconhecimento do valor da investigação pelos formadores de serviço social, certo é que a análise de 10 revistas de serviço social, nos anos oitenta, demonstrou que a investigação rigorosa e apoiada numa metodologia complexa era muito reduzida. Um grupo de trabalho criado pelo National Institute of Mental Health, em 1991, para avaliar a investigação em serviço social salientou a falta de investigação no seio da profissão e a não adequação da formação dos trabalhadores sociais neste plano. Esta perspectiva é assumida pelo Council on Social Work Education que, em 2008, estabeleceu nos planos de estudos do 1º e 2º ciclos que os trabalhadores sociais implementam intervenções baseadas em estudos empíricos, avaliam a sua própria prática e utilizam os resultados da investigação a fim de aperfeiçoar a prática, as medidas de política e a oferta de serviços sociais. Cf. Gambrill, 2003, Dietz, Westerfelt and Barton, 2004

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ção teórica consistente, métodos rigorosos e tecnologias adequadas bem como procedimentos de validação e debate. A sua legitimação dependerá do grau de formalização, dos métodos de recolha e observação, dos processos de validação, da sua codificação explícita e escrita, pela sua publicidade e pela organização em larga escala dos dispositivos de investigação. O serviço social é uma disciplina profissional cujo reconhecimento pela comunidade científica se está a construir e que busca a sua autonomia epistemológica e metodológica. A investigação em serviço social pode desenvolver métodos e esquemas de análise sobre o saber agir para reorganizar, recriar o saber agir e os saberes provenientes das teorias sociais e humanas e verificar a sua validade na acção. A investigação consolida e valoriza os diversos tipos de saberes, os provenientes da experiência que emergem da acção, os teóricos que se investem depois de reapropriados, os processuais que guiam os processos desencadeados na acção, os éticos que definem as opções a tomar, os saberes fazer já formalizados. A investigação em serviço social é condição fundamental para a formação dos profissionais. A disciplina para ser ensinada precisa de construir modelos práticos de intervenção, que tornem coerentes as estratégias e o processo de acção com articulação com modelos teóricos elucidativos e explicativos que dêem sentido e significado às actividades profissionais. A transferência do conhecimento para a acção suscita, designadamente, a questão de saber se este é suficientemente claro para guiar a prática, se fornece orientações adequadas para as actividades do profissional, se contém suficientes pormenores a ponto de permitir a replicação de um modelo no terreno com indivíduos e situações reais.

Bibliografia BANKS, Sarah (1995). Ética y valores en el trabajo social. Barcelona: Paidós. BOUQUET, B. (1989). Savoirs et pratiques sociales. DUCHAMP, M.; BOUQUET, B. ; DROUARD, H. La recherche en travail social. Paris: Centurion. pp. 63-114. CROZIER, M. (1995). La crise de l’intelligence: essai sur l’impuissance des élites à se réformer. Paris : InterEditions. DOMINELLI, L. (2005). Social Work Research: Contest knowledge for practice. ADAMS, R.; DOMINELLI, L.; MALCON P. Social Work Futures. New York: Palgrave Macmillan, pp. 223-236. DIETZ, T. ; WESTERFELT, A. ; BARTOB, Al. (2004). Incorparating practice evaluation with the field practium. Journal of Baccalaureate Social Work. Vol. 9, nº 2, pp. 78-90. DUCHAMP, M. (1989). Spécificités de la recherche en travail social. DUCHAMP, M. ; BOUQUET, B.; DROUARD, H. La recherche en travail social. Paris: Centurion. pp. 115-166. GAMBRILL, E. (2003). Evidence-based practice: sea change of the emperor’s new clothes?. Journal of Social Work Education. Vol 39, nº 1, pp. 3-23.

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Problemas e desafios da investigação em Serviço Social ... pp. 233-251

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“A investigação do Serviço Social em Portugal: potencialidades e constrangimentos” Jorge M. L. Ferreira Professor Auxiliar Universidade Lusíada Lisboa (ISSSL) Professor Auxiliar Convidado ISCTE – IUL Diretor CLISSIS e Revista Intervenção Social Helena Rocha Membro da direcção da Revista Intervenção Social Investigadora do CLISSIS Doutoranda em Serviço Social Paula Ferreira Assistente Universidade Lusíada Lisboa (ISSSL) Investigadora do CLISSIS Membro da direcção da Revista Intervenção Social Doutoranda em Serviço Social

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1. Apresentação do centro de investigação O CLISSIS - Centro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social - é uma estrutura integrada no Instituto Lusíada de Investigação e Desenvolvimento, dependente da Fundação Minerva, Cultura - Ensino e Investigação Científica. O CLISSIS destina-se a desenvolver um conjunto de programas de investigação no domínio do serviço social e das ciências sociais em geral, conducentes à construção de conhecimento e hipóteses explicativas de problemas sociais, bem como de métodos, técnicas e estratégias de intervenção para a sua resolução. Ao nível das suas principais actividades científicas destacamos: • Avaliar e testar teorias, modelos e estratégias de intervenção do serviço social com base em estudos teóricos e empíricos; • Aprofundar o conhecimento de problemas sociais e económicos da sociedade portuguesa, suas consequências nos domínios da coesão e integração sociais, recorrendo para isso a teorias e a modelos do domínio das ciências sociais; • Treinar jovens investigadores e participar activamente em projectos de investigação no quadro de outras instituições de âmbito internacional. Neste momento, o centro encontra-se estruturado em três linhas de pesquisa, a saber: 1. Sociedade do conhecimento, mutações do social e serviço social; 2. Desenvolvimento, avaliação, metodologias e estratégias de intervenção e serviço social; 3. Políticas públicas, bem-estar social e organizações sociais. E encontra-se inscrito na Fundação de Ciência e Tecnologia, no grupo “Sociologia, Antropologia, Demografia e Geografia”, com o nº 4012. Independentemente da estrutura formal do CLISSIS, propõe-se uma organização funcional que estabeleça de forma clara uma relação entre o centro de investigação, a formação Pós-Graduada (2º e 3º ciclo), a formação graduada (1º ciclo) e com as instituições sociais da sociedade civil. Com o objectivo de maximizar sinergias e potencialidades inerentes aos recursos científicos do CLISSIS, foram propostas como áreas de investigação:

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Jorge M. L. Ferreira; Helena Rocha e Paula Ferreira

- Serviço Social & Justiça/ Direitos Humanos; - Serviço Social & Saúde; - Serviço Social & Educação; - Serviço Social & Desenvolvimento Local; - Serviço Social & Idosos/ Envelhecimento; - Serviço Social & Habitação; - Serviço Social & Emprego e Formação Profissional; - Serviço Social & Multiculturalidade (Imigração, minorias, etnicidade); - Serviço Social & Família, Infância e Juventude. - Sistemas de protecção e bem estar social; - Economia social e responsabilidade social; - Epistemologia e teoria do Serviço Social; - Gestão e administração de Serviços Sociais. Os objectivos subjacentes a esta organização são os seguintes: • Efectivar uma prática de investigação no domínio do Serviço Social e nas áreas da Intervenção Social; • Fidelizar grupos de investigação que fomentem e promovam a investigação em Serviço Social e áreas afins; • Organizar eventos científicos nos domínios de investigação do CLISSIS; • Dinamizar actividades de desenvolvimento do CLISSIS como centro de investigação no domínio do Serviço Social e da Intervenção Social; • Estimular a promoção de redes europeias e internacionais de pesquisa no domínio do Serviço Social e da Intervenção Social; • Realizar projectos de investigação nos domínios científicos do CLISSIS através de grupos de investigação, em associação com outros centros de investigação e em regime de assessoria; • Acompanhar e orientar trabalhos de investigação no âmbito do mestrado e doutoramento em Serviço Social e Gerontologia Social; • Apoiar e estimular a produção do conhecimento e a publicação em Serviço Social. Do ponto de vista do desenvolvimento de actividades científicas, a estratégia desta unidade de investigação assenta em três eixos de orientação: • Estudos: programas, projectos e avaliações sociais à medida. Diagnóstico social e planos de desenvolvimento social. Estudos comparados sustentados em redes de pesquisa; • Investigação-acção: proposta por grupos de trabalho dirigidos por um investigador doutorado do CLISSIS, associada à formação dos 1.º, 2.º e 3.º ciclos de estudos, com forte relação com os assistentes sociais orientadores de estágios curriculares e estabelecimento de parcerias com instituições sociais públicas, privadas e de solidariedade social nos domínios de interesse deste centro de investigação; • Investigação pura: proposta por grupos de trabalho dirigidos por um in-

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vestigador doutorado do CLISSIS, caracterizada por uma investigação inédita e inovadora em temas sociais com pertinência para o conhecimento e debate do Serviço Social na sociedade contemporânea.

2. Produção de conhecimento A produção do conhecimento assenta, na nossa perspectiva, na articulação de três eixos de actuação: • Desenvolvimento de projectos de investigação, • Organização de eventos científicos e • Publicação. Relativamente ao desenvolvimento de projectos de investigação, o CLISSIS tem procurado desenvolver trabalhos sobre temas actuais e relevantes no âmbito do Serviço Social e áreas afins (disciplinares, interdisciplinares, transdisciplinares) contando, neste momento, com 5 grupos de investigação sobre as seguintes temáticas de pesquisa: 1. Problemas Sociais Contemporâneos em Serviço Social 2. Formação Informal. Contributos éticos e deontológicos em Serviço Social 3. Intervenção Social e a pessoa idosa 4. Estudos Urbanos e Intervenção Territorial 5. Serviço Social e Educação Neste âmbito foram ainda estabelecidos protocolos com outros Centros de Investigação, como forma de reforçar a produção de conhecimento em Serrviço Social e Intervenção, nomeadamente com o Centro de Investigação em Território, Arquitectura e Design (CITAD) e a Universidade de Granada. Já no que se refere à organização de eventos cientificos, o CLISSIS tem procurado promover de forma activa e continuada a organização de conferências, debates, mesas redondas e encontros cientificos, congregando especialistas de várias áreas de actuação, nacionais e internacionais. Para além disso tem procurado promover junto dos seus investigadores a participação com comunicações em eventos cientificos nacionais e internacionais. Ainda quanto às publicações, tem sido política do CLISSIS promover a publicação de Workpapers, artigos cientificos e livros de investigadores do centro de investigação. Neste eixo destaca-se sobretudo o esforço que tem vindo a ser realizado no sentido de retomar a publicação periódica e regular da Revista Intervenção Social, que vai neste momento no seu 37º número, e que conta com a publicação dos números 38º e 39º ainda no decorrer do primeiro semestre do próximo ano. Como forma de divulgação dos resultados e produtos do CLISSIS demos ainda início à reorganização do website do centro, que se apresenta agora com um novo layout e que procura assumir-se como um instrumento interactivo e promotor de uma maior aproximação e partilha entre os investigadores e a comunidade.

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Jorge M. L. Ferreira; Helena Rocha e Paula Ferreira

3. Desafios Relativamente aos desafios que enfrentamos actualmente, consideramos que estes podem ser traduzidos em três tipos: a) Aliança do centro de investigação com a formação (1º, 2º e 3º ciclo) Trata-se de uma aliança que temos procurado desenvolver e que consubstancia na divulgação e sensibilização junto dos estudantes dos diferentes graus de ensino (1º, 2º e 3º ciclo) para a importância da investigação e a produção de conhecimento na área do Serviço Social e Intervenção Social. A necessidade de promover uma cultura de investigação tem levado o centro de investigação a procurar formar jovens investigadores e a desenvolver essa aprendizagem no estudante a partir do 1º ciclo de estudos. Pese embora se trate de um processo em curso, o registo gradual de alunos dos diferentes graus de ensino no centro e a sua participação activa em alguns dos projectos que temos vindo a desenvolver fazem-nos querer estar no bom caminho nesta matéria, tendo o seu contributo vindo a constituir uma mais-valia para a qualificação das práticas de Intervenção Social, da formação e qualificação dos modelos de gestão institucional, da intervenção territorializada e da qualidade de vida das pessoas, cuja finalidade é a promoção da cidadania social. b) Aliança com os profissionais Neste domínio os resultados são ainda fracos. Com efeito, a congregação de esforços e a troca de experiências e reflexões entre investigadores e profissionais tem-se revelado como um trabalho que, embora necessário para a consolidação e crescimento do Serviço Social enquanto saber científico, nem sempre se tem conseguido efectivar. Neste sentido, consideramos como pertinente associar profissionais numa perspectiva de primeiro contacto com a pesquisa através de Focus Group, com vista a fomentar uma maior aliança entre a investigação e a prática e que permita uma circulação de informação e conteúdos mais construtiva e mais eficaz nos resultados das práticas profissionais (evidence based pratice). c) Aliança com a Sociedade e com as Politicas Sociais Neste âmbito a relação tem-se revelado relativamente ambígua, assumindo a forma de projectos de investigação, mas que em alguns casos são avaliações de projectos e programas sociais. O importante é conceptualizarmos se a investigação em Serviço Social não poderá assumir também o domínio da meta avaliação aplicada a projectos e programas sociais. Muito obrigado!

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“A investigação do Serviço Social em Portugal: potencialidades e constrangimentos.” Esboço de um Percurso a partir de uma Experiência Associativa (AIDSS)1 Joaquim Silva Associação de Investigação e Debate em Serviço Social

1

Comunicação apresentada no 2.º congresso internacional de Serviço Social, do ISSSL Universidade Lusíada - 25 de Novembro de 2011.

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Resumo O artigo, que serve de base á comunicação, procura focar-se na evolução da Investigação do Serviço Social em Portugal, a partir dos dois espaços que não tem conseguido a melhor articulação: o lugar da praxis e o locus universitário. A AIDSS, apareceu situando-se nesta charneira e a sua experiência serve de base a uma Ideia para a organização da Investigação em serviço social em Portugal.

mo.

Palavras-chave: Investigação; Serviço Social; Teoria/prática; Associativis-

Abstract The main article, witch we make our goals must focus on Portuguese development, of social work investigation, particularly the relation between the “academic field” and “the practice field”. AIDSS, a Portuguese association for development of investigation and life old formation, is the main subject on evaluation of is practice on this theme. Key Words: Investigation; Social Work; Theory/Practice; Associative.

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Joaquim Silva

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1. A Investigação Como Prática da Praxis - Uma Ideia a Organizar A questão da Investigação em serviço social, interliga-se com o que é particular, na prática profissional, considerando o serviço social (segundo Vicente Paulo Faleiros), como uma prática profissional ou de acção sócio/política, como o coração desta nossa disciplina, das ciências sociais e da intervenção social. E neste campo, é algo que temos vindo, enquanto processo de formação, de crescimento académico e profissional, a discutir, no campo da afirmação, quer de um corpo teórico próprio, quer de práticas generalizadas de Investigação, incentivadas a partir da formação inicial, e aperfeiçoadas pelo, domínio das diversas metodologias, nos campos quantitativos e qualitativos no campo da Investigação. Portanto, o serviço social, não se reduz á execução, á aplicação das determinantes textuais e técnicas das políticas sociais Martins (2002), implica também, a sua critica e concepção, desenvolvimento e avaliação, e nisto tudo o balizamento por quadros de conhecimento, derivados de processos científicos, portanto de investigação, tendo como horizonte a intervenção social (Baptista, 2001), ou seja, a “compreensão do real e constitui-se num meio de resposta aos desafios que se colocam historicamente” (Martins, 2002). Ainda neste sentido, Myriam Baptista (2001), transmite-nos, que “da mesma maneira que a educação, o serviço social configura uma intervenção sobre as questões que decorrem das relações sociais” então, (,…)” a investigação científica que realiza tem por objectivo adquirir conhecimentos sobre essas questões…”. Não sendo recente, esta orientação para a Investigação, conhecer as transformações societárias, com particular ênfase para aquelas que se situam no campo da Intervenção Profissional, das práticas de mudança que se constituem, das novas faces do trabalho e do mercado, das caraterísticas dos cidadãos e cidadãs que recorrem ao serviço social, das problemáticas, ancestrais ou novas, no entanto, a estratégia, central para a profissão, mantêm-se, de desenvolvimento de uma postura investigativa nos assistentes socais, continuada pela pós formação, ou formação contínua, através dos seus agentes. E podemos a locar, aqui que na última década são inúmeros os profissionais que buscam, a qualificação profissional, e com ela a produção de conhecimento e investigação, ao qual tem faltado visibilidade e estratégia de divulgação e marketing social. Aliás muitos dos trabalhos dos nossos profissionais são á posteriori aproveitados por outros profissionais que, por força de uma outra visibilidade organizativa ou corporativa, são notícia de média, e vinculam-se como novos processos de intervenção psicossocial. Falta, uma política profissional, continuada (Martins, 2002), que se traduza em práticas de investigação, supervisão, inscritas nos horários de trabalho, e alargadas aos profissionais de serviço social.

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Uma política que não reduza a investigação científica no campo profissional, a um locus “conventual” (local de disputa da episteme, sem pele), ou a um locus tecnocrático (da pele revestida), sem considerar os sujeitos históricos (Miriam, 2001).

2. Avanços da Investigação nas Dinâmicas das Pós graduações e Constrangimentos Ainda, e pensando já na organização das estruturas académicas, para e na Investigação, algumas outras considerações poderemos agregar. O esforço iniciado, na década de 90 do século passado, nos Institutos Superiores Universitários de Serviço Social, após a conquista da Licenciatura, esforço de recriar um espaço próprio de Investigação. Continuado ainda no início da década de 2000, com a criação de centros de Investigação, as pós graduações no âmbito do Mestrado e Doutoramento, são exemplo positivo de um caminho de consolidação da investigação em serviço Social. No entanto, neste reino, e ao longo da 1ª década deste século, com o desenvolvimento do processo de Bolonha, resultou na criação de, salvo erro, 21/22 cursos de serviço social, de carácter universitário e politécnico, resultando, porque o processo de maturação de mestres e doutoral, não era suficiente, por um lado deficit de qualificação de docentes de serviço social nesses cursos, por outro lado, num processo de transição algo turbulento, aonde os Assistentes Sociais, na maioria das situações não foram ouvidos e com isso questões preocupantes, nasceram, que põe em causa o processo de qualificação científica, no plano académico, pela via da investigação, nomeadamente, e citando, Alcina Martins (2008): - o peso da área do serviço social na formação do 1º ciclo - que formação consolidada teórico - metodológica e ético - política - que preocupação em garantir a investigação desde o 1º ciclo - que utilização e divulgação da investigação produzida por Assistentes Sociais Neste contexto é preocupante, muitas das instituições que formam Assistentes Sociais, não terem programas conexos/articulados de Mestrados e Doutoramentos, e não investirem, especificamente em Centros de Investigação que elejam o Serviço Social como área prioritária (Martins, 2002). Ressalvando aqui, os, Centro de Investigação em Ciências do Serviço Social (ISSSP), o Centro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social (CLISSIS), CENTRO DE ESTUDOS DE SERVIÇO SOCIAL E SOCIOLOGIA da U. Católica pólo de Lisboa, Centro de Estudos e investigação em Serviços Sociais (ISMT). Fora, deste quadro e mais independentes de Instituições Universitárias temos a AIDSS e o CPIHTS.

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3. Ideias para A Organização da Investigação em Portugal A dimensão da Investigação em Serviço Social no nosso país poderá orientar-se a partir de três eixos centrais: - As unidades de investigação autónomas, geridas por Assistentes Sociais/ investigadores do serviço social, que produzam investigação numa interface entre a academia e o terreno da praxis, e simultaneamente funcionem como divulgadores (CPIHTS); - As unidades de investigação centradas no plano académico, mais vocacionadas para a investigação pura, se bem que na área do Serviço Social este conceito seja discutível; - As unidades de investigação/formação e edição, que se posicionam mais como unidades de transferência do conhecimento produzido, quer nas universidades, quer a partir da praxis, através da formação e da publicação (AIDSS). Devendo, como é lógico, existir um diálogo contínuo entre todas estas unidades, e outras de áreas afins, estas num diálogo que busque processos transdisciplinares.

ma.

Autonomização das Linhas de Financiamento como Disciplina Autóno-

Os apoios/ a subsidiação a esta actividade deverá obedecer a duas componentes privada e pública: Na pública através do FCT, como disciplina autónoma, na privada através de Fundações e outras Instituições que possam intervir na área académica e ou profissional, também com linhas de financiamento autónomas.

4. AIDSS Neste campo tem-se situado a AIDSS, que assume-se como instituição de charneira, i.e., que desde 2000, tem efectuado um caminho, no sentido de potenciar o diálogo através da formação, entre a produção de investigação e a sua utilização na praxis, pela via da formação e da divulgação, situando-se como unidade de formação do 3º nível no âmbito das ideias que supra definimos. O historial conduziu recentemente á criação de uma estrutura exclusivamente vocacionada para a área formativa, nos diversos níveis, e tendo como escopo ou missão (o IFHS). A nossa preocupação é adequar a formação, de curta, média e longa duração (cursos de especialização), às necessidades dos profissionais, fundamentalmente, promovendo o conhecimento produzido, no campo profissional e académico.

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Gráfico 1: Participação do formando

Gráfico 2: Habilitações literárias do formando

Gráfico 5: Profissão do formando

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Gráfico 7: Curso frequentado pelo formando

Curso frequentado pelo formando

Fi(fi) Curso Básico de Criminologia - 1.ª edição

18 (10.2%)

Curso Básico de Criminologia - 2.ª edição

15 (8.5%)

Curso Contextos e Dimensões da Intervenção Social

14 (7.9%)

Workshop Coaching ao Empreendedorismo Social

12 (6.8%)

Curso Tomada de Decisão Ética em Intervenção Social

12 (6.8%)

Formação em Gestão de Conflitos 1.ª edição

22 (12.4%)

Curso de Coaching à Prática Gerontológica

16 (9%)

Os Sistemas de Protecção de Menores e a Intervenção Centrada na Família - 1.ª edição

20 (11.3%)

Formação em Gestão de Conflitos 2.ª edição

15 (8.5%)

Os Sistemas de Protecção de Menores e a Intervenção Centrada na Família - 2.ª edição

19 (10.7%)

Políticas Sociais e Família… Rumo à Garantia de Direitos Sociais e Promoção Social

14 (7.9%)

Total

177 (100%)

Obs. Na variável ‘Curso frequentado pelo formando’ foi possível considerar como casos válidos a totalidade dos 177 casos observados.

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Gráfico 8: Pertinência dos conteúdos programáticos

Gráfico 9: Articulação entre teoria e prática

Gráfico 10: Desenvolvimento de capacidades de compreensão dos fenómenos e temas abordados

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Gráfico 13: Aquisição de novos conhecimentos para aplicação prática na vida profissional

Questões Pertinentes: - Formação condutora de Investigação, que por sua vez refaz conhecimento… - Maior articulação entre a AIDSS/Instituições Empregadoras e Instituições Universitárias… - Validação de competências úteis, mecanismos de auto organização reconhecidos focalizados nesta temática que possibilitem que esta aquisição tenha reconhecimento externo (FCT exemplo) … - Definição de modelos de formação, p.e., para área de Serviço Social, coorganizados entre as diversas instituições promotoras da Formação ao Longo da Vida, articulados com Instituições produtoras de conhecimento científico, Investigação aplicada….

Conclusão Em conclusão, o panorama da investigação no serviço social português, tem evoluções positivas, mas mantêm algumas condicionantes estruturais, que convergem, na autonomização desta disciplina, enquanto área de investigação, quer no quadro da FCT, quer no quadro das diversas estruturas politécnicas e universitárias que formam assistentes sociais, bem como estratégia de acção no âmbito do grupo profissional.

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Joaquim Silva

Bibliografia Baptista, Myriam Veras (2001). A Investigação em Serviço Social. Lisboa - S. Paulo, CPIHTS e Veras. Faleiros, Vicente Paula (1994). Memorial. Brasília, UnB. Martins, Alcina (2002). A Investigação em Serviço Social Perspectivas Actuais. In Actas do I Congresso Nacional de Serviço Social. Lisboa, APSS. Martins, Alcina e Tomé, Rosa (2008). O estado Actual da Formação em Serviço Social - problemas e desafios á organização profissional. Comunicação na 19ª conferência Mundial de Serviço Social, IFSW e CFESS. Coimbra, CPHITS, http://www.cpihts.com/. Santos, José Álvaro (2011). A Ética e a Ética em Serviço Social. Porto, AIDSS.

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Mensagem de encerramento do II Congresso Internacional de Serviço Social Marina Antunes Directora do ISSS-UL

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Mensagem de encerramento do II Congresso Internacional de Serviço Social pp. 271-274

Em nome do Instituto Superior de Serviço Social - Universidade Lusíada (ISSS-UL) e do Centro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social (CLISSIS) congratulo-me com a excelente qualidade dos trabalhos e resultados e com o ambiente de grande entusiasmo e fraternidade vivido por todos os que tornaram realidade este II Congresso Internacional de Serviço Social. A todos os participantes, alguns dos quais vieram de longe, agradeço a vossa entusiástica presença e forte adesão a este espaço de reflexão, de convívio e diálogo interdisciplinar e interinstitucional. São o testemunho de que as/os assistentes sociais estão hoje, como ontem, a tomar a palavra e a intervir, participando ativamente nos fora de debate, troca de saberes e experiências. Aos professores e investigadores, que deram rosto à apresentação de comunicações, o nosso muito obrigada pelo excelente trabalho e qualidade das intervenções, que contribuíram para elevar o patamar científico deste II Congresso. Às/aos assistentes sociais e outros profissionais, que estiveram presentes, o desejo que os ensinamentos e conclusões deste Congresso se possam tornar guias e ferramentas para a intervenção social, na esfera da sua ação de trabalho. As interrogações que nos colocaram, a curiosidade suscitada nos debates, de ontem e de hoje, fazem com que me atreva a concluir que 2012 vai ser, com certeza, um ano de encontro e de trabalho em rede para que, os conhecimentos e pistas de trabalho aqui equacionadas pelas palestrantes e público, possam constituir o fermento de uma nova geração de compromissos para o Serviço Social do século XXI. A todos as/os alunas/os do 1º, 2º e 3º ciclos de estudo em Serviço Social do ISSS-UL, que apoiaram a organização do II Congresso, o muito obrigada pelo excelente trabalho. Aos Serviços da Universidade Lusíada, responsáveis por meses de preparação intensiva e por estes magníficos dois dias de trabalho coletivo, um agradecimento muito especial pela competência na superação das dificuldades e pelo brio que depositaram nesta iniciativa do Instituto Superior de Serviço Social. Podemos afirmar que sentimos uma verdadeira solidariedade profissional! A todos os que integraram a Comissão Organizadora, na pessoa do Professor Jorge Ferreira, o meu especial agradecimento pela forma solidária e profissio-

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Marina Antunes

nal com que se empenharam nos trabalhos deste evento. Por fim que deixar o meu agradecimento à Administração da Universidade Lusíada, na pessoa do Senhor Chanceler Professor António Martins da Cruz, ao Senhor Reitor, Professor Diamantino Durão e ao Diretor da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Professor Carlos Motta, o facto de terem criado condições para que o II Congresso Internacional de Serviço Social tenha tido a dimensão e o êxito que todos pudemos testemunhar. A todos o meu profundo agradecimento e o desejo de um bom regresso a casa. 25 de Novembro 2011

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Conclusões Jorge M. L. Ferreira Professor Auxiliar Universidade Lusíada Lisboa (ISSSL) Professor Auxiliar Convidado ISCTE – IUL Diretor CLISSIS e Revista Intervenção Social

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A missão de um Congresso consiste no encontro de saber e conhecimento, actualização, questionamento e divulgação, que promove a reflexão, o debate e a inovação de questões actuais que reforçam e ampliam a identidade científica e profissional de uma área do conhecimento. No caso, o Serviço Social. Pensamos que este Congresso cumpriu essa missão. Este Congresso abordou várias dimensões da sociedade contemporânea, tanto no domínio científico, teórico e prático do Serviço Social, destacando-se essencialmente a sua centralidade nas PESSOAS, como testemunha o próprio tema do Congresso “Serviço Social: Compromisso para uma nova Geração”. Este congresso tratou ao nível macro: - da agenda global para o Serviço Social no século XXI; - o associativismo da classe profissional ao nível nacional, europeu e internacional; - o contexto macro-económico e social da sociedade contemporânea, no quadro da globalização e da crise económica e financeira e suas consequências nas medidas de austeridade social, com impacto nas medidas de protecção e acção social. Ao nível micro aprofundamos e questionamos: - a análise da realidade social, aprofundada e sustentada em processos de investigação e fundamentos teóricos, no domínio do Serviço Social, sobre os problemas socias contemporâneos e em particular as questões sociais ligadas aos direitos humanos, participação, autonomia e cidadania social. - a formação, qualificação dos assistentes sociais e a sua relação, interacção com os movimentos da prática profissional, com os sistemas e modelos de protecção social. - a interiorização da matriz científica do Serviço Social, através da investigação, ao nível dos estudantes, professores, investigadores e profissionais. Ao nível geral importa realçar neste congresso o exercício promovido pelo mesmo, baseado numa filosofia de colaboração e organização, no que diz respeito à: - problematização das questões do Serviço Social – formação, prática e investigação; - comunicação e diálogo entre actores e agentes diferenciados e implicados no Serviço Social – professores, investigadores, estudantes, profissionais, sujei-

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tos, observadores externos; - iniciativa e promoção do encontro e debate de ideias que reforçam e contribuem para o aprofundamento da identidade profissional do Serviço Social; - a visibilidade internacional do Serviço Social Português; Verificou-se ainda neste congresso um espírito de grupo, de corpo profissional, de convivência e de partilha que se fez sentir, promotor de uma coesão social forte entre os Assistentes Sociais. A expressão deste ambiente demonstra maturidade, responsabilidade, humildade, ou seja, conhecimento. Para finalizar, referir que este Congresso deixa em aberto vários campos com fortes possibilidades de promoção de redes que favoreçam e estimulem o encontro, a reflexão e a produção de conhecimento em Serviço Social, tanto pela via da formação, como da prática e da investigação, construtor de uma Cidadania Social Forte promotora de Bem – Estar e Direitos Humanos. Referimos ainda a aprovação por aclamação das 4 recomendações seguintes: 1ª Recomendação Dirigida ao Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social O 2º Congresso Internacional de Serviço Social, subordinado ao tema “Serviço Social: Compromisso para uma nova geração”, realizado nos dias 24 e 25 de Novembro de 2011 e reunido na Universidade Lusíada de Lisboa/ Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, recomenda ao Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social que, no quadro das medidas de austeridade contempladas no Orçamento de Estado para 2012, no âmbito da acção social e do processo de reconfiguração das medidas e respostas sociais, sejam auscultadas como parceiros de concertação social a Associação dos Profissionais de Serviço Social, as Universidades e Institutos que ministram a formação em Serviço Social nos 1º, 2º e 3º ciclos de ensino, por forma a garantir o princípio da participação, da equidade e da justiça social. Lisboa, 25 de Novembro de 2011 2ª Recomendação Dirigida às Escolas de Serviço Social O 2º Congresso Internacional de Serviço Social, subordinado ao tema “Serviço Social: Compromisso para uma nova geração”, realizado nos dias 24 e 25 de Novembro de 2011 e reunido na Universidade Lusíada de Lisboa/ Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, recomenda às Universidades e Institutos que ministram os cursos de Serviço Social que, no âmbito da formação, qualificação e investigação em Serviço Social, dêem continuidade à Rede Nacional de Escolas de Serviço Social (RNESS) como forúm de debate, reflexão e inovação no

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domínio científico do Serviço Social. Recomenda ainda que a entidade responsável pela organização deste congresso desenvolva as medidas necessárias com vista à concretização desta missão. Lisboa, 25 de Novembro de 2011 3ª Recomendação Dirigida ao Sr. Ministro da Educação e Ciência O 2º Congresso Internacional de Serviço Social, subordinado ao tema “Serviço Social: Compromisso para uma nova geração”, realizado nos dias 24 e 25 de Novembro de 2011 e reunido na Universidade Lusíada de Lisboa/ Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, recomenda ao Sr. Ministro da Educação e Ciência, no sentido do aprofundamento e desenvolvimento e do conhecimento científico em Serviço Social, com impacto nas práticas de intervenção do Serviço Social na concretização das políticas sociais (nacionais e europeias), da coesão social e do Bem-Estar Social, centradas no quadro da cidadania activa, que: 1) seja inscrita na Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) a área de Serviço Social enquanto domínio científico autónomo no quadro das ciências sociais; 2) seja garantida a participação de doutores em Serviço Social nas comissões de avaliação de projectos e programas científicos, como impulso para o desenvolvimento da investigação em Serviço Social em Portugal e que assegure o acesso e a participação de investigadores desta área científica, em condições de equidade, a bolsas e incentivos à promoção e divulgação da produção científica. Lisboa, 25 de Novembro de 2011 4ª Recomendação Dirigida aos professores de Ética e Direitos Humanos em Serviço Social O 2º Congresso Internacional de Serviço Social, subordinado ao tema “Serviço Social: Compromisso para uma nova geração”, realizado nos dias 24 e 25 de Novembro de 2011 e reunido na Universidade Lusíada de Lisboa/ Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, recomenda aprofundar a partilha da dimensão axiológica, holística e ético-política da formação em Ética e Direitos Humanos no Serviço Social (1º, 2º e 3º ciclos), enquadrando a sua orientação nos quatro pilares da Agenda Global para o Serviço Social, conforme a comunicação do professor David Jones:  Sustentabilidade  Dignidade  Desigualdades socioeconómicas  Relações Humanas A criação de um espaço de co-construção identitária do Serviço Social, par-

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tindo das experiências pedagógicas e profissionais, é um imperativo académico, institucional e profissional que urge desenvolver e consolidar, desafiando os profissionais, académicos e investigadores a operacionalizarem, no seio da APSS, uma maior reflexividade crítica nos diversos campos e domínios da intervenção social. Lisboa, 25 de Novembro de 2011

A Organização do Congresso Professora Doutora Marina Antunes Professor Doutor Jorge Ferreira

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Alto Patrocínio Sua Excelência O Presidente da República

Comissão de Honra Professor Dr. António Martins da Cruz – Chanceler das Universidades Lusíada Professor Doutor Diamantino Durão – Magnífico Reitor da Universidade Lusíada de Lisboa Professor Doutor Nuno Crato – S. Exa. O Ministro da Educação e Ciência Professor Doutor Gary Bailey – Presidente da International Federation of Social Workers (IFSW) Dra. Maria do Rosário Farmhouse – Alta Comissária para a Imigração e Diálogo Intercultural Dr. Pedro Santana Lopes – Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa Dra. Cristina Fangueiro – Presidente do Conselho Directivo da Casa Pia de Lisboa Dr. Emílio Rui Vilar – Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian Dra. Manuela Ramalho Eanes – Presidente do Instituto de Apoio à Criança Professora Doutora Fernanda Rodrigues – Presidente da Associação dos Profissionais de Serviço Social

Comissão Científica Dr. David Jones Professor Doutor Duarte Vilar Professor Doutor Fernando Pereira Professor Doutor Ivo Dias Professor Doutor João Ferreira de Almeida Professor Doutor Jorge Ferreira Professor Doutor Juan Viscarret Professor Doutor Nicolai Paulsen Professora Doutora Berta Granja Professora Doutora Helena Mouro

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Programa

Professora Doutora Helena Neves Almeida Professora Doutora Maria do Rosário Serafim Professora Doutora Maria Emília Ferreira Professora Doutora Maria Irene de Carvalho Professora Doutora Marília Andrade Professora Doutora Marina Antunes

Organização ISSSL / UL – Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa / Universidade Lusíada CLISSIS – Centro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social

24 de Novembro de 2011 UMA NOVA GERAÇÃO DE COMPROMISSOS PARA O SERVIÇO SOCIAL NO SÉCULO XXI 09h00 – Recepção dos participantes 09h30 – Sessão de Abertura Magnífico Reitor da Universidade Lusíada de Lisboa – Prof. Doutor Diamantino Durão Director da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – Prof. Doutor Carlos Motta Directora do Instituto Superior do Serviço Social de Lisboa – Prof. Doutora Marina Antunes 10h00 – Conferência de Abertura “Global agenda for social work and social development “ Dr. David Jones – Representante do Presidente da IFSW para a Agenda Global Moderadora: Dra. Cristina Martins – Comissão Executiva da IFSW Europa 10h45 – Pausa para café 11h00 – Painel 1 “Desafios do Serviço Social numa era de incertezas” Dra. Cristina Martins – IFSW Europa Prof. Doutora Fernanda Rodrigues - Presidente APSS Moderador: Prof. Doutor Jorge Ferreira – Director do CLISSIS 12h00 – Almoço Livre

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Programa

14h00 – Painel 2 “Serviço Social no Século XXI, uma profissão de valores” Prof. Doutora Andrea Trenkwalder-Egge - Manager Center Innsbruck – Entrepreneurial School “Formar Assistentes Sociais para uma Mediação em Direitos Humanos” Mestre Graça Maria André – Universidade Católica Portuguesa Moderadora: Prof. Doutora Maria do Rosário Serafim 15h30 – Pausa para café 16h00 - Painel 3 “Problemas contemporâneos e estratégias globais para a Intervenção Social” Prof. Doutora Maria Irene Carvalho – Universidade Lusíada de Lisboa / Universidade Lusófona de Lisboa “Coparticipação e novos desenhos investigativos em Serviço Social: Insider/Outsider Team” Mestre Michel G. J. Binet – Universidade Lusíada de Lisboa Mestre Isabel de Sousa – Investigadora do CLISSIS Moderador: Prof. Doutor Duarte Vilar

17h00 – Conferência de Encerramento “Imigração, Transculturalidade e Inclusão” Dra. Maria do Rosário Farmhouse – ACIDI Moderadora: Prof. Doutora Marina Antunes 18h00 – Encerramento dos trabalhos Lançamento de Revista de Intervenção Social Performance de grupo de Jazz da Universidade Lusíada 25 de Novembro de 2011 A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO EM SERVIÇO SOCIAL 09h30 – Painel 1 “A investigação em Serviço Social: Modelos para a Compreensão da Realidade” Prof. Doutor Andrés Árias Astray – Universidade Complutense de Madrid Prof. Doutor Jorge Ferreira – ISSSL / Universidade Lusíada de Lisboa Moderadora: Professora Doutora Helena Neves Almeida 11h00 – Pausa para café

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Programa

11h15 – Painel 2 “Serviço Social na Contemporaneidade: Controvérsias de uma Profissão” Prof. Doutor António Lopez – Universidade UNED de Madrid Prof. Doutora Inês Amaro – Universidade Católica Portuguesa Moderadora: Professora Doutora Marília Andrade 13h00 – Almoço Livre 14h00 – Apresentação de Papers – Auditório 1 “Investigação Aplicada em Serviço Social: A Investigação na Acção“ • O endividamento relativo à habitação, das famílias residentes num bairro social, em Lisboa Dra. Marlene Almeida • Viver, trabalhar, dizer e aprender com os «ecossistemas» da pobreza: A(s) construção(ões) identitária(s) d@s Assistentes Sociais entre o avesso das profissões e os fragmentos do Estado de Bem-Estar Dra. Isabel Passarinho • A Qualidade e a Persistência das Aquisições Identitárias dos Assistentes Sociais em Portugal Dra. Maria de Lurdes Fonseca / Dra. Rute Roda Moderadora: Professora Doutora Helena Mouro

Apresentação de Papers – Auditório 2 “Investigação Aplicada em Serviço Social: A Intervenção ‘com sentido’ ” • A democratização da informação: Atribuição do Serviço Social e caminho para o acesso aos serviços de saúde Dra. Madalena da Cunha Rocha/ Dra. Jessica da Silva Ribeiro/Dra. Sarah de Lima da Silva • Ciganos e mediação - Estudo exploratório sobre o sentido da mediação em contexto institucional na perspectiva de um informante-chave Dra. Cristina Coelho • O Relatório Social - expressão de um processo de Perícia Social Dra. Regina Ferreira Vieira Moderadora: Mestre Júlia Cardoso 15h30 – Pausa para café 15h45 – Debate “A Investigação do Serviço Social em Portugal: Potencialidades e Constrangimentos” Prof. Doutora Berta Granja – Centro de Investigação em Ciências do Serviço 284

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Social Prof. Doutor Jorge Ferreira – ISSSL / Universidade Lusíada de Lisboa Prof. Doutora Helena Mouro – Centro de Estudos e investigação em Serviços Sociais Mestre Joaquim Paulo Silva – Associação de Investigação e Debate em Serviço Social Moderador: Professor Doutor João Ferreira de Almeida 18h00 – Conclusões do Congresso e declaração de intenções face à investigação em Serviço Social Chanceler das Universidades Lusíada – Prof. Dr. António Martins da Cruz Director da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – Prof. Doutor Carlos Motta Directora do ISSSL – Prof. Doutora Marina Antunes Director do CLISSIS – Prof. Doutor Jorge Ferreira

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PRÓXIMO NÚMERO DA Revista Intervenção Social. Nº39 «Temas de Serviço Social e Intervenção Social» Publicação – Julho de 2012 Endereço: Pelo Correio postal: Revista Intervenção Social Universidade Lusíada Lisboa Instituto Superior Serviço Social Lisboa Avª da Junqueira nº 188 a 195 1349 – 001 Lisboa Portugal

Direcção da Revista: Director – Professor Doutor Jorge Ferreira socialjorge@sapo.pt Subdirector – Professor Doutor Duarte Vilar duartevilar@apf.pt

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