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INTERVEN~AO
SOCIAL
13 I 14 Dez. 1996
Dossier:
SERVI~O
SOCIAL E DIREITOS HUMANOS
Pelo
soo Aniversario da
Declara~ao Universal dos Direitos Humanos
Me m 6 r i a:
Comemora~oes
dos
60 anos do 1555
INSTITUTO SUPERIOR DE SERVI~O SOCIAL Departamento Editorial
INTERVEN~AO
SOCIAL
SEMESTRAL Director Francisco Branco
Secretariado Administrativo Jose Almendra
Conselho de
Redac~,;ao
Carlos Jacgues, Dinah Ferreira, Elza Pais, Ernesto Fcrnandcs, Fcrnando J. Micacl Pereira, Fatima Goulao, Fernanda Encarna~;ao, Francisco Branco, Hirondina Chitas, Joaguim Caeiro, Jorge Cabral, Jose Lufs Garcia, Maria Augusta Negreiros, Maria Jose Queiroz, Mariano Calaclo, Marilia Anclracle, Marlene Braz, Orlanclo Garcia, Rosario Serafim e Rosario Simao.
Propriedade J.S.S.S.- Instituto Superior de Servi<;o Social, C. R. L. Edi~,;ao
e Assinaturas
Instituto Superior de Servi<;o Social DEPARTAMENTO EDITORIAL Rua Bernardo Lima, 3 !ISO LISBOA Tel. 352 02 87 Fax 354 52 I 0 e- mail: isss.ecli torial@ mail. telepact. pt
Assinatura Anual Institui~;oes
Incli vidual Estudantes do ISSSL e ISSSB Estrangeiro Execu~,;ao
Tipografia Guerra, Yiseu Dep6sito legal n. o I 18240/97 Tiragem 1500 exemplarcs
3.500$00 2.250$00 1.250$00 25 USD
INTERVENCAO ,
SOCIAL Ano VI- n. 0 13/14- Dez.1996 ED ITOR IAL
Dossier:
SERV I ~O
SOCIAL E DIRE ITOS IIUMA NOS
Direilos Hulnmws. Tres ques/oes pom 1111111 bo!ol/io pelo ji11uro Viri ato Soromenho Marques lnle rven~ao
e Se rv i~o Social. A cenlralidade dos direilos lul/11(1110.1' pam a renova(路rio do Se rv i~o Social Ernesto Fernandes
Fonna~ao
em Servi~o Social para unw pralica significalil'a
Teresa Rossel
A nova cenlralidade dos direilos sociais e os desafios afonna~rio e inlerven ~cio em Servi~o Social Francisco Branco
Estreita vereda para o caminho de wna hist6ria intenninavel - Exercfcio avolta de wn programa de curso Hirondi na Chitas
Esco/as de
Servi~o
Social - Fun cionamento democralico e aprendizagem da cidadania
Aurora Matias
Fomwlion en Servi~e Social: Contextos e processos de aprendizagem da cidadania Lufsa C. Pinto e Berta Granja
A Conferencia lntemacional sabre fJOpula ~ao e desenvo!vimenlo Ana Vicente
Dossier Bibliograico- Direitos Humanos em Portugal ARTIGOS
Crise do Estado-Providencia e recompos i~rio da il1tervenrrio social Marc- Henry Soulet
flllerreuriio Social, I J//.J, 1996
fndice
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Seni(;o Social, marginalizm;clo e polftica social Alcina Monteiro
(Des)Construir a solidariedade, tramformar a assistencia J. Figueiredo Santos
A sociedade actual, a form([l;clo em Servit;o Social ea insel'l;clo dos Assistentes Sociais 1zo mercado de trabalho- algumas reflexoes Dinah Ferreira
A Sociedade dos Mediae as Questoes Sociais. Realidade mt Simulacro Aida Ferreira
Contributos da abordagem comunicacional para o estudo do suicfdo consumado na adolescencia Marlenc Rodrigues
Memdria: COMEMORA~OES DOS 60 ANOS DO ISSS Os 60 anos do ISSS- Entre a histdria e os desafios dofitturo Francisco Bran eo
Relatdrio das Comemora1:8es Ernes to Fernandes- Comissao Executiva
Fundo Honorato Rosa- !SSS Sessclo de
Lcuz~amento
do Livro de Honorato Rosa- A Dignidade Hwnana
PREMIO HONORATO ROSA- ISSS 1996
Actu({l;c/o do Assistente Social Promotora de Cidadmzia na Transir,:c7o Pds-Modema M." Irene Carvalho, Rosa Silva, M." do Rosario Vicente e S6nia Garcia
NOTICIARIO
Programa de Douramento em Servi('O Social PUC/SP -ISSS ENOS- Rede Europeia de Assistentes Sociais de Empresa Livro "SetTir,:o Social1w Feminino" Publiccu;oes do ISSS- Departamento Editorial Nomzas para apresent([l;c/o de originais
Interrenr<io Social, 13/14, 1996
EDITORIAL Este mimero da revista lntervenfiio Social tem como destaque o tema Servi9o Social e Direitos Humanos, sendo publicado num momento particularmente significativo. Quando sair {/ es/01111){1 011. 0 13/14, inicia-se l/111 perfodo que culnzinara, em 10 de Dezembro de 1998. o comemomcao do 50. 0 Aniversario da Declara~'Cio Universal dos Direitos do Homem. Neste quadro, o 1SSS dedica a esta relevante queste7o um primeiro espaco de amilisc c rcflcxr7o pmjectando dar nova tradw;Cio editorial a esta materia ao longo do ano de !998.
0 Estado, quando assume a forma histdrica de Estado Pro\•idfJncia -- Welfare State, vai gradualmente reconhecer e proteger os direitos sociais e ecmu5micos, inco!porando e profissionalizando o movimento histdrico do SeJTi\·o Social. 0 desenvolvimento do Sen;ifo Social como profisse7o esta estreitamente associado ao processo histdrico de reconhecimento e institucionalizav7o dos Direitos !Junwnos e particulamzente dos Direitos Sociais. A partir dos anos 60, a intervenfCIO do Servi9o Social cruza-se de modo inequ(voco com os direitos da terceira gerafCIO, os Direitos CulturaL~ (tambem de signados direitos pds-materialistas) de grande actualidade e relevancia. Hoje, 1w sua acfdO profissional, os trabalhadores sociais reportam-se aos Direitos !Jumanos como totalidade indivisfvel, sendo pofeitamente clara a articulafCIO dos direitos sociais, direitos culturais e direitos civis e polfticos em algumas das mais relevantes problematicas sociais com que se enfrentam no presente. 0 contezido inequivocamente humanista que marca a cultura profissional do Servi9o Social e o facto do seu itinerario, como fornw9Cio acadbnica e profisse7o, se1: indissociavel do processo de democratiza9Cio dos direitos do homem e das sociedades, pode conduzir a uma certa naturalizafCIO da dimense7o dos Direitos do !Jomem como dimense7o intrfnseca do Servi9o Social que importa ultrapassar com empenhado trabalho de reflexe7o cr(tica, de r~forma curricular e de desenvolvimento da didactica de ensino-aprendizagem no domfnio dos Direitos !Jwnanos. A formafCIO para os Direitos Humanos no quadro da FormafCIO em Servi9o Social deve ser equacionada, sem preju(zo de outras dimensoes, a tres n(veis: il a forma9Cio tedrica e cultural sobre os Direitos Humanos; ii/ o treino e experimenta/men'e/1\iio Social, 13/N, !996
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Editorial
r,;Cio dos dilemas profissionais face aos Direitos Humanos (envolvendo a dirnensCio tecnico-operativa e a maturar,;Cio s6cio-emocionaf); iiil a pesquisa, tomando como objecto o desenvolvimento e as violar,;oes dos Direitos Humanos. Em Portugal, nos actuais figurinos de formaf·Cio, verifica-se que a formafc10 te6rica e cultural dos Direitos Humanos ultrapassa qualquer especzficidade curriculm; pelo que sao varias as areas cient(ficas que incidem sob re este don1fnio. Esta-se pois 1w generalidade dos casos face a um curriculum transversal, e pluridisciplinw; facetas com reconhecidas potencialidades se m chivida, masque apresentam nfveis insuficientes de integrar,;Cio e coerencia. 0 treino e experimenta9Cio dos dilemas profissionais face aos Dire itos Humcmos e ll171{{ dimensCio que e basicamente assegurada na formafCiO dos Assistentes Sociais pela componente dos estdgios e pela supervisao formativa e seminarios, que em regret os acumpanham, enquantu modelo de formaf·Cio. Hoje afigura-se necessario complexificar este modelo de nwdo a garantir oportunidades de forma~·ao aprofundada, requerendo a sua complementarizar,;Cio com recursu a outras estmtegias de aprendizagem focalizadas especificanzente nos Direitos Humanos cumo mostram algwnas e~\perierzcias divulgadas no Semindrio Europeu das Escolas de Serl'ifo Social que se realizou em 1995 em Lisboa. A pesquisa sistematica ea monitori::.urao do progresso e viohtfs.·tio dos Direitos Hummzos e wna dimensCio que, pesem embora os inigualdveis recursos empfricus dos trabalhadores sociais, conhcce upcnas um estdgio inicialno nosso pafs, requerendo o clam refoi{O desta cmnponente na prdtica das escolas portuguesas. Algumas perspectivas neste J!lano fhtssarao pela defini~Cio de wn Programa Temdtico Interdisciplinar sabre os Direitos llumanos, explfcita e efectivamente integmdo, enquanto dimensCio estrutumdom dos Pn~jectos de Forma\'GO. A reali?.ClfGO de Cursos Livres sob re esto temdtica. 1\ orgoniza1·ao de Ateliers sabre Direitos Humanos, enquanto esJHIC;'OS de e.\perimenta\·ao e debate aberto aos estudantes sem necessaria vincula~'tio com o Piano Curriculw: A dinami::.arCio de Cfrculos de Estudos e Pesquisa sobre os Direitos llumanos, integrados por docentes e formane/os de cursos de p6s-gradua1·11o ocodemica e profissional. Se estimule, aproveitando as possibilidades abertos pelas noms tecnologias de infomwrCio, a cria\'Cio de (uma) Rede(s) e/ou grupos de discussclo emturno de areas espedjlcas como por exemplo, direitos sociais, raci.snw, minorius etnims, .... Outm dimenstio essencial cL educafao para cidadania e Direitos Hwnanos eo entendimento da Escola com(J contexto e processo de aprendizagem, como esJXl\'O de socializa~·ao, de pratica e interiorizarCio de m/ores e atitudes promotoros dos Direitos Humanos. Asswnem porticu{ar significodo os plonos do organizo~·ao inslmerrenrdo Social. 131!-1-. 1996
Editorial
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titucional, da organizaf·ao e gestao democratica da escola, do espa~o de aula enquanto espa~o de exerdcio da cidadania, da rela~ao cam a comunidade. 0 Dossier Serviro Social e Direitos Humanos inclui um conjunto de artigos que encerram contribui~oes pertinentes sabre esta problematica. 0 enqucidramento hist6rico da genese dos Direitos do Homem e da Declaraf·do Universal de 1948 e traf·ado pelo artigo introdut6rio de Viriato Soromenho Marques que perspectiva igualmente a/guns dos importantes perigos que actualrnente pendem sabre os Direitos Humanos. Ernesto Fernandes tra~a 110 seu texto, o quadro s6cio-histdrico da institucionalizaf·ao e evolu~ao das profissoes da interven~ao e aponta wn conjunto de perspectivas para interven~ao do Sen;i~o Social radicada numa cultura dos Direitos Humanos. Numa perspectiva convergente, Francisco Branco explora rela~oes entre as tendencias actuais das polfticas sociais e os Direitos Sociais e a sua centralidade para a fonnaf·clo e ac{clo do Servi~o Social. Segue-se um conjunto de textos centrados nas questties da j(mnacc/o em Serl'i~·o Socialna perspectiva dos Direitos Humanos. Teresa Rossel destaca a import/inda ji111dmnental dos valores, da utopia e do pluralismo como exigencias do que qual if/ea unw.fimna~·cio em Servi~o Social para uma pratica significativa. Hirondina Chitas reflecte, em tomo de uma experiencia de formaf·O.o concreto, a articula~ao do ensino-aprendizagem de d(ferentes metodologias de intervencc/o em Sen;ico Social cam a perspectiva dos Direitos Humanos. Os textos de Aurora Matias, Lufsa Pinto e Berta Granja, focalizam a importancia jimdamental da escola enquanto contexto formativo fimdamental aaprendizagem e experimentaf·O.o dos Direitos do Homem. 0 Liltimo trabalho, da autoria de Ana Vicente, analisa a Cm1ferencia Jnternacional do Cairo sobre Populacao e Desenvolvimento cam destaque para as dimensoes mais directamente relacionadas com os Direitos das Mu/heres. Finalmente, integra-se wn dossier bibliograjico sabre publicacoes editadas em Portugal sobre os Direitos Homem 110 perfodo de vigencia da Declaracc/o Universal dos Direitos do Homem. Trata-se de um primeiro traballw, a ser complementado cam uma pesquisa mais alargada de fimdos bibliograficos especializados, e que estamos certos constituira um significativo contributo para o estudo desta problematica em Portugal, nos 1iltimos 50 anos.
Este mimero da Intelwncao Social integra igualmente wn conjunto de Artigos sabre tematicas diversas algumas das quais com rela~ao cam a problematica dos Direitos Humanos. 0 texto de Marc-Henry Sou let aborda a questao da recomposicao do campo do trabalho social na sua articulacao cam a crise do Estado-Providencia e as modifica~i5es registadas nas formas de intervencao do Estado. Alcina Monteiro explora, 110 seu artigo, a relcJ~ao Servico Social, margi11alizacao e polfJntcJTenrao Social, 13/J./, 1996
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Editorial
social, atraves da analise das perspectivas te6rico-culturais e socio-pollticas que atravessam diferentes abordagens dos fen6menos de marginaliza~ao e do modo coma tem sido consideradas pelo Servi~o Social. De Figueiredo Santos, publica-se um trabalho sabre o campo da assistencia em Portugal tendo par objecto as IPSSS, em que o autor ensaia captar a racionalidade propria deste espa~o e mode la institucional na sua rela~ao cam o Estado. Dinah Ferreira centra-se no seu texto nas questao da jon1w~路ao em Sen1i~o Social no contexto das transfonna~oes micro e macro sociais no final do seculo XX, detendo-se igualmente na ancilise da inser~ao dos Assistentes Sociais no mercado de trabalho. 0 texto de Aida Ferreira analisa o tratmnento dados as questoes sociais na actual sociedade dos media interrogando as razoes do destaque medicitico aos problemas sociais que afectam os grupos sociais mais desprotegidos. 0 Llltimo artigo publicado e da autoria de Marlene Rodrigues, explorando a autora os contributos da abordagem comunicacional para o estudo do suicfdio consumado na adolescencia u partir de pesquisa emp{rica baseada mo metodo de "aut6psia psicol6gica ". 0 mimero 13114 da lnterven~ao Social re1ine igua!mente comunica~oes, trabalhos e materiais que constituem wna Memoria das Comemora<;oes dos 60 anos do /SSS, acontecimento que pela sua re!ev{inciu instituciona! nao podia deixar de ter tradu~ao editorial, como aconteceu, a/his, noutras ocasiOes hist6ricas como a celebm~ao dos 50 anos de existencia do lnstituto. Neste contexto, procede-se a publica~路ao do trabalho distinguido co1n o Prbnio de Merito Honorato Rosa - ISSS 1996- Actua~ao do Assistente Social Promotora de Cidadmiia na Transi~ao P6sModerna, trabalho de pesquisa em Servi~o Social realizado no [unbito do 5. o ano da Licenciatura e da autoria de M." Ire ne Carvalho, Rosa Silva, M." do Rosario Vicente e S6nia Garcia
Finalmente, da-se destaque neste mimero da lnterven~ao Social, pela sua relevfincia institucional, ao Programa de Doutoramento em Servi<;o Social desenvolvido cw abrigo do protoco!o de coopera~ao institucional PUC-SP e ISSS. A este programa, que tern coordena~ao do Departamento de P6s-Gradua~c7o Academica do ISSS, estci associado wn projecto de pesquisa a ser realizado em Portugal e no Brasil sob a tematica - Configura<;oes contemporfineas da questiio social: repercussoes nas polfticas sociais e no processo de trabalho do servi<;o social brasileiro e portugues. A Revista Interven~ao Social tem, a partir deste mimero 13114, um novo Director e um Conselho de Redac~ao renovado na sua constitui~路ao. Interrenrao Social, 13114. 1996
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Editorial
Neste mlmero introduzem-se algumas alteraf路oes de natureza grafica e OJ;~ani颅 zativa, pretendendo-se no proximo mimero dar continuidade ao esfor~o de melhoria do design grafico, cl integra~iio de resumos dos artigos publicados, cl publicaf'iio de resenhas e recensoes, cl o1;~aniza~ao de dossiers bibliograficos tematicos, i1 publica~ao dos sumarios de revistas internacionais de Servif'O Social e cihzcias sociais. Para alem destas melhorias, a nova equipa procurcmi consolidar e ampliar o espa~o institucional da Revista do ISSS, garantir a periodicidade senzestral da sua publicaf路O.o e conferir-lhe uma nova dindmica editorial, dando expressao quer c/s dindmicas internas de produ~ao de conhecimento quer cl rela~ao cam a sociedade portuguesa e aos trabalhadores sociais. Francisco Branco
InterFenrao Social. 13114. 1996
DIREITOS HUMANOS TRES QUESTOES PARA UMA BATALHA PELO FUTURO Viriato Soromenho Marques
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0 nosso objectivo, ao cntrarmos no ano cm que se comcmora a passagem de meio seculo sobre a publica9ao da Dcclan19ilo Universal dos Direitos do Homem das Na96es Unidas, em 10 de Dezembro de 1948,6 propor ao lcitor a consiclera9ao de a1guns t6picos de reflexao, associados a viva actualidadc dcstc tcma, cstruturados em torno de tres questoes centrais.
r.a Questao: Os direitos humanos nao sao lineares nem irreversfveis. A preocupa9ao com os direitos humanos, nao apenas com a sua enuncia9ao formal, mas com o esfor9o para a sua integra9ao no corpo do direito positivo, nomeadamente, no ambito do direito constituciona1 dos diversos pafses nao come9ou em 1948. As Na96es Unidas tiveram o merito de retomar o fio de um novelo que havia ficado enrodilhado por mais de um seculo e meio. A identifica9ao de uma esfera de direitos humanos pessoais e patrim6nio da cultura europeia. Essa identifica9ao, e contemporanea do grande esfmw e da largufssima constela9ao conceptual que designamos como a epoca e o movimento da Modernidade. Sera sem dfvida uma das mais complexas ironias da hist6ria do pensamento verificarmos que a fonte matricial dos direitos humanos abrigou no seu interior a gesta9ao do conceito moderno de Estado, precisamente essa nova entidade, tambem ela filha da Modernidade, que seria, ao mesmo tempo, tanto a condi9ao do gozo efectivo como o maior inimigo do respeito desses direitos.
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Professor Associado da Universidade de Lisboa.
l11tetw11\ao Social, 13114, 1996
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Viriato Soromenho Marques
Maquiavel, La Boetie, Jean Bodin, Althusius, entre outros, silo pensadores, simultaneamente do Estado moderno, mas tambem do cidadilo moderno, com os seus direitos e deveres deduzidos numa 16gica secular e racionalista. Lt1tero, Calvino, Bartolomeu de las Casas, Francisco de Vitoria, entre outros, silo pensadores da categoria de pessoa, em senticlo metaffsico e teol6gico, e nessa medida autores funclamentais para a compreensao do pendor universalista e abstracto do direito natural, essa bandeira comum das muitas escolas dos direitos da humanidacle que ate ao final do seculo XVIII fizeram ouvir a sua voz na Europa e nas Americas. 0 seculo XVIII terminou assinalado por clois acontccimentos que modificariam completamente as expectativas, ate af optimistas e cxpansionistas, dos direitos human os: A Revoluc;ao Americana de 1776 que traiu o alcancc cmancipat6rio e libertador da sua Declarac;ao fundadora com os sucessivos compromissos que fizeram conviver, ate a Guerra Ci vi] (1861-1865), a ret6rica da li bcrdaclc eo m o flagelo e a degrac!ac;ao da escravatura de base racial. A Revoluc;ao Francesa de 1789, que gorou as esperanc;as internacionalistas por ela suscitadas, primeiro pelo fanatismo do Terror, e depois pela meticulosa aventura imperial napole6nica. Quando os vencedores de Napoleao I se reuniram em Viena, no ano de 1815, a ic!eia de Direitos Humanos estava associada a essa dupla desilusao. A fraternic!ade do genero humano que ela supunha tombou no mais profundo descredito. Aesquerda ea direita os estandartes desfraldados eram outras. A fraternidade ja nao era internacional. 0 altar da Patria, da Lingua, do Imperio e da Tradic;ao (real ou mitologicamente urdida), falavam mais forte do que os direitos da humanidade. As revoluc;oes ja nao se faziam, para regenerar o genero humano, mas para impor uma ditadura de classe. A propria noc;ao de um direito natural nao escrito, mas superior fonte inspiradora da renovac;ao de todas as lei escritas, foi catalogada no arquivo das ideias pouco serias. 0 positivismo e 0 historicismo jurfdicos tornaram-se imperativos. 0 direito coincidia, agora, com as aspirac;oes nacionais. Ao ponto da loucura e do pesadelo. Um dos exercfcios intelectuais mais honfveis, aincla hoje, e a leitura dos diplomas jurfdicos que o zeloso espfrito germanico nao se coibiu de elaborar lnten'eil('c1o Social, /31/-l, 1996
Direitos Humanos . Tres Qucstocs para uma Batalha pclo Futuro
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para dar cobertura em letra de lei as visoes dantescas de Hitler e do nacional-socialismo. Sem Hitler nao teria existido, porventura, a Declarac;ao Universal dos Direitos do Homem das Nac;oes Unidas. Foi a sua visao do mundo, onde a Humanidade nem como conceito zool6gico existia, o pesadelo de opereta bufa, mas sangrenta, de arianos e sub-humanos, de senhores e escravos, de bestas de carga e de super-homens, de mulhere-parideiras e guerreiros louros, de campos de extermfnio e jovens alegremente desfilando em cem1rios primaveris, foi esse Carnaval tn1gico que comoveu a comunidade internacional, despertando-a para o facto de que os direitos humanos, como conceito-reitor da vida polftica, estavam adormecidos ha cento e cinquenta anos. Os direitos humanos nao eram irreversfveis. 0 consenso que os tinha trazido para a ribalta no final do seculo XVIII era fragil e tinha-se quebrado. A Declarac;ao das Nac;oes Unidas nao se limitava a ser uma rcposic;ao. Era, antes, urn recomec;o. Urn convite a que fossem procurados e encontrados fundamentos mais s6lidos. 2." Questao: os direitos humanos nunca estao garantidos. Tornou-se comum, entre os fil6sofos, juristas e soci6logos classificar os direitos humanos em estratos hist6ricos. Terfamos um primeiro estrato, constitufdo pelos direitos polfticos, que foram o objectivo central das lutas reformadoras e revolucionarias seculo XVIII: liberdade de crenc;a e pensamento, direito a tratamento perante a lei, direito a participac;ao na vida publica, direito ao habeas corpus, etc .. Ao longo do seculo seguinte teria sido consolidado um segundo estrato de direitos humanos fundamentais. Desta vez de ambito econ6mico e social. Para a sua constituic;ao teria sido decisiva a !uta do movimento operario. Corn efeito, sem essa !uta nao seria concebfvel o Welfare State contemporaneo. A garantia de direitos sociais no trabalho e na aposentac;ao. A assistencia na doenc;a, enfim, toda a pan6plia de predicados que integram os actuais sistemas de seguranc;a social. Finalmente, a segunda metade do seculo XX teria assistido a consagrac;ao de um terceiro, e ate mesmo de urn quarto estratos. Eles contemplariam desde os direitos dos animais e da Natureza (ou do ambiente, num acepc;ao mais vasta e rigorosa), ate a renovada afirmac;ao dos direitos dessa maimia esquecida que sao as mulheres, bem como o despertar das velhas e novas minorias, dos homossexuais aos doentes da SIDA. lnterrenriio Social. 13114, 1996
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Viriato Soromenho Marques
Esta interpreta~ao hist6rico-reconstrutiva por estratos ou gera~5es tern, contudo, o inconveniente de criar nos cidadaos a cren~a totalmente injustificada de que existe uma correspondencia entre grau de antiguidade no reconhecimento dos direitos e o grau seguran~a na garantia dos mesmos. Num mundo e num pafs onde urn cidadao pode ser agredido sem motivo justificativo numa esquadra de polfcia, em que se assinam contratos de trabalho e de demissao, em simultaneo, para se ter acesso em condi~5es deploniveis ao direito ao trabalho, em que os sistemas de seguran~a social ro~am a falencia a medio prazo, deixando uma sombra de inquieta~ao nas camadas cm plena idade activa e contributiva, num mundo de progressiva inseguran~a, importa recordar que cada cidadao tern de ser um soldado dos e pelos seus direitos funclamcntais. Eles, seja qual for a sua gera~ao ou estrato, jamais estarao garantidos scm o compromisso individual e colectivo pela sua intransigente e simultanea defcsa. 3." Questao: Os direitos humanos sao tambem direitos que se estendem ao futuro ea Natureza. 0 pior inimigo dos direitos humanos no limiar do seculo XXI , constitufdo por uma concep~ao estreita e antropocentrista de humanismo. A principal amea~a que impende hoje tanto sobre a humanidade como sobre os direitos individuais de cada cidadao resulta do inaudito e incontrolado poder tecnocientffico acumulado.
E urn poder que escapa ao controlo democratico, encontrando-se nas maos de uma minoria ambiciosa, disseminada pelas sete partidas geograficas, econ6micas e ideol6gicas do mundo. 0 humanismo bo~al (no fundo um pseudo-humanismo), geralmente a sua marca distintiva comum. Em nome do papel central do Homem, devastam os recursos naturais, derrubam e queimam as florestas, arrasam os habitats de milhares e milhares de especies que connosco compartilham esta delicada habita~ao planetaria, contaminam a agua e o ar, envenenam as cadeias alimentares, deixam atras de si a marca do deserto e da devasta~ao.
Eesta mesma criminosa ideologia, falsamente antropocentrista, que cria mega16poles em que ninguem pode viver com decencia, que arrasta milh5es e milh5es de crian~as para a escravidao de urn trabalho precoce, ou para a mendicidade, as dependencias e a mendicidade, promovendo a ruptura das comunidades e dos seus valores. infeiWII('ilO
Social. 131/4, 1996
Direitos Humanos . Tres Qucst6cs para uma Batalha pclo Futuro
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No final do seculo XX, os direitos humanos tern de caracterizar-se pelo respeito profundo pela sustentabilildade ecol6gica e ambiental do Planeta, pm·que s6 essa sustentabilidade poder garantir a base vital em que repousam os direitos das gera96es futuras. As condi96es indispensaveis para que tambem elas possam prosseguir a marcha, tantas vezes terrfvel, mas igualmente fascinante, da continua9ao inventiva da Hist6ria.
1nten•tn("!lo Social, 13114, 1996
INTERVEN<;AO E SERVI<;O SOCIAL. A centralidade dos direitos humanos para a renova~ao do servi~o social 1 Ernesto Fernandes * A prolifera~ao das profissoes de intcrven~ao social recomencla uma leitura s6cio-hist6rica clas concli~oes que foram palco da sua institucionaliza~ao e evolu~ao (professores, assistentes sociais, animadores, ... ), base te6rica necessaria para a constru~ao de novas perspectivas profissionais enrafzadas na hist6ria e numa nova cultura dos direitos humanos. Profissoes historicamente estruturadas na divisao entre o educacional, o social e o cultural com a consequente oculta~ao do politico, prevalecenclo a interven~ao psico-social em detrimento da s6cio-polftica. Entendo que, num contexto de crftica e re-inven~ao clas solidariedades tradicionais, a renova~ao do Servi~o Social devera combinar tres areas essenciais do processo de democratiza~ao dos direitos do homem e da sociedade: a administra~ao social, a advocacia social eo desenvolvimento local. 1. UMA LEITURA SOCIO-HISTORICA DA INTERVEN<;AO
A prolifera~ao recente das profissoes de interven~ao social, particularmente entre n6s, suportadas em distintas forma~oes academicas de nfvel superior (servi~o social, polftica social, sociologia, psicologia, seguran~a social, anima~ao, educa~ao social), recomenda uma leitura s6cio-hist6rica das condi~oes de emergencia e institucionaliza~ao da interven~ao social em suas diferentes modalidades, nas sociedacles ocidentais. Abordagem que se revela necessaria para uma descoberta de novas 1 Comunica9ao apresentada no Seminario Europeu Direitos Humanos e IFSW c ICSW, Lisboa, 27-30 de Abril de I995. '路 Docente no ISSSL.
lnten路encdo Sociol, 13/14, 1996
Ac~ao
Social, organizado par
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Ernes to Fernandcs
perspectivas enrafzadas na hist6ria. Dcscoberta que e fruto de escolhas e construyao, como refere Hobsbawm: Se porem ja nao podemos acreditar que a hist6ria nos vai oferecer a safda cm-recta, tambem nao cremos que nos ofcreya a errada. 0 que ela oferece e uma opyao sem qualquer estimativa clara da probabilidade da nossa escolha. A evidencia de que o mundo no seculo XXI sera melhor nao e para desprezar (... ). A unica coisa certa acerca do futuro 6 a de que este a todos surpreendera ate aqueles que mais hajam avanyado no carninho que a ele conduz (Hobsbawm, 1987: 419-420) 1.1 A visibilidade tragica da questdo sociol e o cnji'Ctquecimento da orclem da caridade no contexto do capitalismo !iheml A dupla revo1uyao (revoluyao polftica franccsa c rcvoluyao industtial britanica) abre um cic1o de transformayi5es aceleradas em todos os domfnios da vida e das relayi5es sociais, gerando igualmente a questao prolctaria. Nas palavras de Leao XIII, na encfclica Rerum Novarum, em 1891: Efectivamente, os progressos incessantcs da industria, os novos caminhos em que entraram as artes, a alterayao das rclac,:ocs entre os operarios e os patri5es, a afluencia da riqueza nas maos de um pcqucno nC11ncro ao !ado da indigencia da multidao, (... ), deu em resultado final urn tcmfvcl conflito. Neste perfodo, o do capitalismo liberal ou sc!vugc111 (Leao XIII), sao os direitos ci vis e politicos (direitos de primeira gerayao) quc vao sendo progressi vamente reconhecidos e protegidos. Quanto a questao social permanece 0 silcncio liberal ea tese de que 0 pobre e responsavel pela sua pobreza. Coube ao movimcnto operario e a cultura de oposiyao que se foi fmjando entre o sofrimento, a mortc c a luta, inventar a sua defesa atraves das mutualidades, cooperativas, associac,:ocs recreativas e culturais, sindicatos e partidos. Ao Estado, como garante da lci c da ordem, coube manter a tradiyao de intervenyao supletiva na base da protccyao dos invalidos (bons pobres) e da repressao dos valid os (maus pobres ). Apesar da secu1arizayao ideol6gica e polftica em curso, no domfnio social persiste o papcl das igrejas e das suas instituiyi5es de caridade.
lnterrenrao Social. I3114. 1996
Interven<;ao e Serviqo Social
1.2 A emergencia e institucionaliza~ao das profissoes de
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interven~ao
no con-
texto do capitalismo organizado
E, a partir do ultimo quartel do sec. XIX, na transiyao do capitalismo liberal para o capitalismo monopolista, que o Estado assume de forma sistematica e progressivamente ampliada a consagrayao e a protecyao dos direitos sociais para fazer frente aquestao social ou questao proletaria, denunciada como um temfvel conflito. Estavam amadurecidas as condiy6es sociopoliticas e te6rico-idel6gicas (nascimento, em particular, da sociologia) para re-orientar e fundamentar em bases cientfficas certas praticas de auxflio social e de instruyao, conferindo-lhes profissionalidade e legitimayao social. Os professores (N6voa, 1991) e os trabalhadores sociais/assistentes sociais (Netto, 1992: 11-17) afirmam-se como categorias profissionais no quadro da divisao sociotecnica do trabalho em sociedades estruturalmente transformadas pela 16gica do capital. Assim, as polfticas sociais definem o espayo de inseryao destes novos profissionais, convocados para regular conflitos, atenuar as consequencias sociais da industrializayao - urbanizayao e promovcr a educayao, quer escolar, quer nao formal (educayao social). Nas condiy6es sociais e politicas emergentes do p6s-gucrra, a cxpansao do Estado Providencia, que se traduziu no reconhecimento de novos dircitos sociais (econ6micos e sociais) e na criayao de novos servi9os sociais publicos, possibilitou a diversificayao das profissoes de intervenyao social, particulannente na area da Animayao. Novas necessidades de subsistencia vao justificar a institucionalizayao e o desenvolvimento de projectos e actividades de natureza ludico-criativa, destinados em especial a crianyas e jovens. Eo reforyo da educayao informal para completar/equilibrar a escola-instruyao. Ignorando-se mutuamente, estas tres profissoes passam a ocupar territ6rios de fronteiras fechadas: professores para a educayao, assistentes sociais para o social c animadores para a cultura (Ander-Egg, 1984). Este fronteirismo entre o educacional, o social e o cultural com a consequente ocultayao do politico e rcsponsavel pela redu9ao das praticas aintervenyao psico-social. No entanto, em todas elas, e cada uma na esfera do seu saber profissional fala a linguagem da educayao como dimensao das suas praticas s6cio-relacionais. No caso do Serviyo Social, reconhece-se, desde o infcio da profissao, que a sua identidade consiste na administra~ao e execu(iio dos servi(路os sociais atraves de uma prdtica de cunho educativo (Iamamoto, 1992: 166). Educayao entendida como self-help, capacitayao, auto-determinayao, cooperayao, quer para a expansao da personalidade e desenvolvimento das diferenyas, quer para a democracia como habito quotidiano ou modo de vida, justiya social e progresso da especie humana tornando 11/ten路eJI!;iio Social, 13//4, !996
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melhores as relay5es sociais (expressoes de autores classicos do Serviyo Social, como Mary Richmond, Gisela Konopka, Gm路don Hamilton, Murray Ross). No seu itinerario, o Serviyo Social vai incorporar teorias e conceitos de diferentes disciplinas cientfficas, prevalentemente da sociologia, psicologia e antropologia para definir a sua especificidade enquanto disciplina de intervenyao, primeiro como Serviyo Social de Caso, e, no p6s-guerra, como Serviyo Social de Grupo e Serviyo Social de Comunidades. A natureza eminentemente operativa da profissao leva a enfatizar uma 16gica de metodos e tecnicas com consequencias para a identidade e estatuto te6rico do Serviyo Social. Bartlett identifica, ate ao final dos anos cinquenta, as seguintes baneiras ao pensamento integrativo em Serviyo Social, responsaveis pela sua subalternidade no contexto das Ciencias Sociais: - atitudes anti-intelectuais: focalizayao sob re a unicidade do indivfduo (o seu valor, a sua dignidade, os se us sentimentos, o seu crescimento ), sentindo como ameaya a generalizayao e a teoria, valorizando em consequencia a sensibilidade e a intervenyao como arte; - resistencia aabordagem dedutiva: fixayao na experiencia, confianya demasiada em feixes limitados de teoria, resistencia em considerar hip6teses globais ou quadros de referencia amplos para a compreensao dos elementos essenciais e unificadores da profissao, independentemente dos metodos (caso, grupo, comunidade) e dos campos (familia, menores, empresa, rural, ... ); - abuso da abordagem demoCJ路atica: atitude que absolutiza a liberdade individual do profissional, acentuando o sentir e agir de cada um em detrimento do pensar e conhecer, bloqueanclo ou rclardando a identidade do Serviyo Social como categoria s6cio-profissional; - abordagens actuais da acyao social: prcssionado por condiyoes de aumento e complexidade dos problemas sociais (pobrcza urbana, direitos civis dos negros, ... ), regressao para formas de inlervenyao imediata em prejuizo das operayoes de concepyao e planeamento clas politicas sociais, afectando a posiyao institucional da profissao. Esta consciencia crftica assume uma primeira superayao na Definiyao Operacional da Pratica do Serviyo Social, em 1958, por iniciativa da Associayao Nacional de Assistentes Sociais dos EUA, e traduz-se na identificayao de elementos comuns a nfvel te6rico e valorativo como base para toda a pratica do Serviyo Social (Bartlett, 1970).
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Interven~ao
e
Servi~o
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1.3 A diversifica~ao das profissoes de
interven~ao
social e os desafios coloca-
dos pela crise civilizacional A partir do final dos anos 60, novas tens6es e novos conflitos se agudizam. Ea emergencia de uma crise de contornos civilizacionais que toma lugar na cena internacional e nas nossas consciencias. A crise do Estado Providencia e apenas uma dimensao da policrise que afecta o mundo inteiro e que Paulo VI definiu na Populorum Progressio nestes termos: Hoje, o fen6meno importante de que todos devem ter consciencia e o facto da universalidade da questao social.( ... ) Os povos da fome dirigem-se hoje, de modo dramatico, aos povos da opulencia (Paulo VI, 1967: n. 0 3). A mundializa9ao da questao social (o drama norte/sul) vai produzir a consciencia de novos valores e posturas e a necessidade de uma nova ordem internacional. De novo, a ONU, na Carta dos Direitos e Deveres Econ6micos dos Estados, em 1974, reconhece que a questao e politica e que as rela96es econ6micas sao a base do problema do desenvolvimento - subdesenvolvimento: Os estados devem cooperar corn vista a tornarem mais racionais e equitativas as rela96es econ6micas internacionais e encorajarem a realizct9ao de altera96es estruturais no contexto de uma economia mundial cquilibrada, de acordo com as necessidades e os interesscs de todos os pafscs, em especial dos pafses em desenvolvimento, e devcm tomar mccliclas apropriadas para atingir este objectivo (ONU, 1974: Art. 8. 0 ). Contudo, os sinais da crise persistem e alastram-se e a velha ordem resiste. Violados os clireitos human os, a paz nao e possfvel porque ela e fruto da justi9a, como denuncia Joao Paulo II, na encfclica Sollicitudo Rei Socialis: As popula96es exclufdas da reparti9ao equitativa dos bens, destinados originariamente a todos, poderiam perguntar: por que nao responder com a violencia a quantos sao os primeiros a tratar-nos com violencia? E se a situa9ao se examinar aluz da divisao do mundo em blocos ideol6gicos - ja existentes em 1967 -, com as consequentes repercuss6es e dependencias econ6micas e polfticas que isso acarreta, o perigo revela-se muito maior (Joao Paulo II, 1987: n. 0 10). A interven9ao sistematica da lgreja, desde os finais do seculo passado, advertindo para a distin9ao entre a orclem da justi9a e a ordem da cariclade, tem uma l11terre111'<1o Social, 13114. 1996
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expressao forte nas pniticas das comunidades de base animadas pela Teologia da Liberta~;ao, sobretudo no Terceiro Mundo. Assim, apesar da cultura dominante que proclama solenemente os direitos do homem, a visibilidade da sua viola~;ao e cada vez mais manifesta. As desigualdades polfticas, s6cio-econ6micas c culturais presentes, mesmo nas sociedades ditas desenvolvidas, sao geradoras de urn mal-estar que mergulha na perplexidade e/ou na indiferen~;a muitos dos cidaclaos. A cultura oficial, ocultando a realidade dos factos, defende a estabilidacle da dcsorclcm, convocando/distraindo os cidadaos para o consumo e para o sucesso individual. Rc-instala-se o capitalismo liberal, a lei da selva, encoberta pelo Estado de Dircito que negligencia, na pnitica, a satisfa~;ao dos direitos e faz coro corn o discurso da solidariedade para iludir a natureza polftica e etica das desigualdades sociais. Paradoxalmente, coincide com csta crisc, o nascimento de uma nova consciencia e de novas lutas sociais pelos direitos humanos, articulando aos direitos de liberdade e aos direitos de igualdade, novos dircitos - os direitos culturais (a paz, o anti-racismo, a nao-discrimina~;ao da mulhcr, o ambiente, o patrim6nio, a subjectividade como direito adiferen~;a). Lutas c rnovimcntos sociais que apontam para os valores da indiviclualidade e da cidadania it cscala do planeta. Sao os caminhos da revolu~ao cultural para re-orientar a revoluc;ao industrial do seculo passado, como refere Josue de Castro. Revolu~;ao simb61ico-cultural porque os direitos humanos - historicamente reconhecidos em perioclos distintos c tao desigualmente protegidos no quotidiano - devem ser encarados na sua necessaria interclependencia para a defesa e relan~amento da democracia e construc;ao da paz. Ea era dos direitos da terceira gera~ao, os direitos p6s-materialistas, corno analisa Boaventura de Sousa Santos (Santos, 1994: 203-241). Eneste contexto de crise, que, por urn lado, segundo a 16gica da divisao sociotecnica do trabalho, novas profissoes e praticas de intervcn~ao se institucionalizam nas areas da pedagogia, da comunica~;ao, da administnt~;ao, do consumo (Crapuchet e Salomon, 1992), e, por outro, se instala a crisc c as tcntativas de reformula~;ao das profissoes de interven~;ao historicamente primeiras (professores, assistentes sociais, animadores). No caso do Servi~;o Social, este processo de crftica e renova~;ao da profissao data de meados dos anos 60, particularmente nos E.U.A e em varios paises da America Latina. Este movimento de reformula~;ao do Scrvi~o Social, limitado acritica dos aspectos tecnico-operat6rios da interven~;ao ou questionando, mesmo rompendo, corn as perspectivas societarias que sustentaram o Servi~;o Social como disciplina (historicamente atravessado como dominante pelas referencias te6rico-ideol6gicas do liberalismo e do funcionalismo), teve porem em comum a denuncia da inope1ntervenr[to Sncio/, 13/14, 1996
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rancia e da falencia do Servi9o Social tradicional, conforme analisa Paulo Netto (Netto, 1991). 0 Servi9o Social, polarizado ate aos anos 60, na interven9ao psico-social, vai passar a equacionar a sua dimensao sociopolitica, retomando urn veio da sua tradi9ao, corajosamente protagonizado por Jane Addams (1861-1935), figura pioneira do Servi9o Social e rnilitante dos direitos humanos (Premia Nobel da paz em 1931), que afirmava nao terem os traba1hadores dos settlements o direito de se implicarem na vida de uma comunidade e ignorarem a politica (Martinez, 1991: 138-46). Aberto o tempo do debate plural e de experimenta96es alternativas estimuladas por condi96es s6cio-politicas de evidente dramaticidade, o Servi9o Social redescobre-se e e redescoberto como parceiro de viagem dos outros cientistas sociais, num presente de crise dos paradigmas dominantes, te6ricos e politicos. No caso de Portugal, a traject6ria geral enunciada para a interven9ao e para o Servi9o Social apenas encontra condi96es favoniveis com o 25 de Abril atraves da institucionaliza9ao do Estado de Direito, do reconhecimento do ensino das ciencias sociais, do desenvolvimento da investiga9ao social e da expansao do mercado de trabalho para os interyentores sociais. A investiga9ao, a forma9ao permanente e a p6s-gradua9ao em Servi9o Social sao eixos cruciais da renova9ao que, hoje, ocorre em Portugal, num contexto plural de profiss5es sociais e de perspectivas de interven9ao.
2. PARA UMA INTERVEN<::AO DO SERVI<::O SOCIAL RADICALMENTE COMPROMETIDA COM OS DIREITOS DO HUMANOS Segundo o Art. 28. 0 da Declara9ao Universal dos Direitos do Homem, Toda a pessoa tern o direito ao estabelecimento de uma ordem social e intemacional em que os direitos e liberdades proclamados nesta Declara9ao alcancem plena eficacia. Mas diz igualmente no n. 0 1 do Art. 29. 0 : Toda a pessoa tern deveres para corn a comunidade, pois s6 nela e que pode desenvolver livre e plenamente a sua personalidade. Nas condi96es actuais, a desordem e bastante, a consciencia desta complexidade e insuficiente e a perplexidade/confusao e mais que muita. 0 desenvolvimento de poucos pafses eo subdesenvolvimento da maioria e, segundo Josue de Castro, urn problema de sub-educa9ao, nao apenas do Terceiro Mundo mas do mundo inteiro. Esta em causa urn modelo de desenvolvimento que gerou dialecticamente o crescimento econ6rnico de uns tantos ea pobreza da maioria. Daf, a necessidade de construir uma estrategia global de desenvolvimento que niio separe a economia do humano, mas que, pelo contrario, considere o homem, os grupos humanos, toda a humanidade, coma o objectivo final do desenvolvimento (Castro, 1971: 34). Ou lnte!vellfGO Social, 13114, /996
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como referiram os Ministros Europcus Rcsponsavcis pelos Assuntos Culturais, na Declara9ao Europeia sobre os Objcctivos Cultmais (4." Conf., Berlim, 1984): A finalidade das nossas socicdadcs c pcrmitir a cada um a realiza9ao individual na liberdade e no respeito solichlrio dos dircitos do homem; tal realiza9ao passa pela cultura que constitui o !'actor L'ssrtlcial dum desenvolvimento harmonioso das sociedades, juntamentc com os l'actorcs sociais, econ6micos e tecno16gicos; as riquezas humanas- afcctiv;1s, tnctltais, ffsicas- constituem a finalidade e o motor do desenvolvimcnto. Para esta estrategia, que assenta na intcrdcpt'tldi'ncia como um facto (familia e outros grupos primarios, localidades, rcgii'\cs, pals, n1undo), surge-nos a solidariedade como um valor, se essa for a nossa cscolha. se tivcrmos a liberdade ea ousadia de a querer. A ret1exao que proponho, desenvolvida cm trabalho rcccntc (Fernandes, 1994), entra em ruptura com os esquemas tradicionais de conccbcr c praticar a solidariedade, quer como re-emergencia da caridadc. qucr co111o curidade laicizada e socializada (Manuel Sergio), pm路que estas ocull<ltll a vioi<H,;ilo dos direitos humanos, manipulam mediaticamente os sentimentos dos cidadf1os c rcprocluzem a sub-educa9ao cfvico-cultural. Trata-se de pensar a sol idaricdadc como valor, investimento e princfpio estruturaclor do desenvolvimcnto pt.路s~;oal c L路olcctivo. Daf, concebe-la numa perspectiva relacional e policentrica, tendo pm hasc unw visao integracla dos direitos humanos (cfvico-polfticos, econ(Hnico sociais L' culturais). A solidariedade numa perspectiva relacional (da escala minossoci<ll il cscala macrossocial) implica a imbrica9ao de dois processos: por um Iado, os <~clort路s sociais intcgram-se em conjuntos mais vastos, de perten9a ou de rcl'cri'ncia, l' co1n cks se identificam, se solidarizam e se responsabilizam: processo de particip<H;ito/cidadania; por outro, os intervenientes tendem a diferenciar-se, a autonontil<~l se, a aprcndcr/construir o seu lugar e a sua responsabilidade singularcs: pmLTSS() de participa9ao/subjectividacle. Colocar em termos relacionais a solidaricdadc L; conkrir-lhc uma dimensao nao apenas etica, mas sobretudo cultural, porquc se prctcndc l'aeilitar e instituir novas pnlticas de socializa9ao e novos estilos de vid<~. ;tpost<~dos na qualidade do viver e nao no nfvel de vida, como tem sido a pauta das nossas sociedacles e do modelo institufdo pelo projecto social da modernidadc. A solidariedade numa perspectiva polici'ntrica comprccncle distintas c articuladas ordens, tendo por condi9ao uma pcdagogia polftica: a solidariedade de cada um com o seu mais proximo para aprecnder c L'Xcrcitar a soliclariedade com os outros locais, o nacional, a europa eo mundo. Tais ordcns s;\o: a ordem das solidariedades publicas (autarquias, governos rcgionais e central, uniao europeia, insU1ncias interlnterrenrii!J S'ociuf. 13/f.f-. 1996
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nacionais); a ordem das solidariedades pr6ximas, horizontais, ascendentes (interindividual, familiar, comunitc'iria, associativa, movimentista); a ordem das solidariedades particulares segundo a 16gica do mercado (servi~os sociais e industrias do lazer); a ordem das solidariedades profetico-religiosas e da caridade evangelica, entendidas como antecipa~ao, denuncia c rcferencia de gcncrosidadc cm socicdadcs de complcxidadc crcsccntc c multiculturais (Gandon, 1993). E, ncstc quadro conceptual, que cntcndo rccolocar a intcrven~ao do Servi~o Social, dcstacando tres areas csscnciais para o proccsso de dcmocratiza~ao dos dircitos do homem e da sociedade. Estas areas sao a administra~ao social, a advocacia social c o dcscnvolvimcnto local.
Renovar a Administra\ao Social A intervcn~ao do Estado c consequcnte constru~ao de uma administra~ao no domfnio social, dcsdc o ultimo quartcl do sec. XIX, sofreu uma cvolu~ao que se traduziu na passagcm de uma conccp~ao lcgalista, rcgulamcntadora, fiscalizadora e de controle (protec~ao do homem no trabalho) para uma concep~iio mais alargada com objcctivos de promo~ao, anima~ao e cria~ao de oportunidades (protec~ao do homem nas suas condi~oes sociais de existencia). Este movimento de estatiza~iio do social, nas sociedades centrais, vai ser contrariado, a partir da decada de 60, com a descentraliza~ao polftica e administrativa e com o crescente recurso a parceiros da sociedade civil. Hoje, apesar da moda neo-liberal, a explosao e agravamento dos problcmas sociais exigem c tornam imperativo o papcl do Estado na polftica social e reclamam uma nova administra~ao social. Nesta perspectiva, a democratiza~ao dos servi~os sociais e um vector essencial da democratiza~ao da vida social e compreende: - Maior envolvimento e participa~ao dos cidadaos na administra~ao dos servi~os, particulannente atraves das suas organiza~oes (associa~oes sociais e culturais, sindicatos, empresas), para inverter o autoritarismo, a burocracia e o isolamento dos servi~os em rela~ao asociedade civil. Implica, portanto, estabelecer uma polftica de dialogo, de negocia~ao e contratualiza~ao com os parcerros socrars. - Democratiza~ao do acesso aos servi~os, garantido por um sistema de servi~os sociais publicos gcridos pelo Estado e pelas Autarquias. Trata-se de consolidar o Estado Providencia atraves de uma polftica social sobretudo direccionada para a correc~ao das desigualdades, hoje, em manifesto crescimento, pois o mercado pode ser utilizado para melhorar o atendimento e a coordeln!cn路enrao Social, 13114. IYIJ(J
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nayao, mas nao para determinar direitos ou participayao num estado de bemestar (Khan, 1973: 23). - Funcionamento interno democnitico dos serviyos, racionalizando recursos, reconhecendo competencias e equacionando interesses e capacidades para qualificar e adequar as prestay5es. Sem uma cultura institucional democnitica que privilegie o debate, a formayao em exercfcio e a autoridade partilhada, persistini a 16gica de aparelho e a politica do guiche. - Aumento dos poderes decis6rios do tecnico contra a 16gica descendente, burocnHica e autoritaria que nao favorece posturas de lealdade, empenhamento e cooperayao, mas antes estimula o espfrito de funcionario publico e desencadeia interesses e lutas meramente corporativos entre as diferentes categorias profissionais corn flagrante prejufzo para a qualidade do serviyo. A conquista de maior autonomia e o excrcfcio das responsabilidades e seus riscos apontam para novas qualidades profissionais compativeis comas capacidades de mediayao dos conflitos, de facilitador do dialogo e da negociayao entre a administrayao e os cidadaos, hojc, cxigidas aos tecnicos.
Investir na Advocacia Social Pm路que a desigualdade da protecyao das necessidadcs c interesses sociais dos diferentes grupos esta inscrita na propria formulayao dos dircitos ou porque os direitos consagrados nao sao aplicados, a intervenyao deve visar a Iuta pcla mudanya do direito e a !uta pela aplicayao do direito vigente. A funyao de advocacia social constitui o intervenlor corno patrono, protector e representante do cidadao junto da administrayao, como analisa Alfred Kahn referindo-se a reformulayao do papel do assistente social nos EUA, no contexto dos anos 70. Diz o autor: A advocacia de "casos", levacla a serio, conduz aclescoberta de que alguns problemas nao poclem ser resolvidos clevido a normas inadequadas e afalha das instituiy5es. Leva tambem a indagar se a eficiencia nao exigiria o tratamento "por atacado" de alguns problemas. Em suma a aclvocacia de casos leva tarnMm aadvocacia de classe (Kahn, 1973: 32). Esta competencia revela-se particularmente pertinente para a nossa sociedade, pm路que como sabemos - e gritante a cliscrepancia entre o reconhecimento e a protecyao efectiva dos direitos. Julgo, no entanto, que o exercfcio desta advocacia nao s6 exige outro empenhamento e consolidayao das organizay5es profissionais dos assistentes sociais, como exige formas superiores de coopera9ao e pressao por parte dos diferentes profissionais que interagem no campo social.
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Apostar no Desenvolvimento Local Afirmada a indispensabilidade do papel dos poderes publicos atraves de polfticas sociais sobretudo orientadas para a correcyao das desigualdades sociais e das assimetrias regionais, exigindo medidas de discriminayao positiva para melhor distribuiyao do bem-estar e dos sacriffcios, assiste-se concomitantemente a um surto de iniciativas e projectos de desenvolvimento local. A re-emergencia da sociedade civil como sociedade providencia representa um factor forte de democratizayao e de humanizayao da vida social. Fen6meno em expansao nas sociedades centrais e com larga visibilidade entre n6s, potenciando a nossa tradiyao de solidariedades de parentesco, de vizinhanya e comunit<1ria, tradiyao que persiste em virtude da nossa condiyao de pafs semi-periferico. Neste caso, nao vale a auto-desvalia e o sentimento de atraso que nos caracterizam face a europa-mito. Estes projectos, que ultrapassam cm Portugal uma centena, scgundo estudo coordenado por Roque Amaro (ISCTE, 1992), apresentam caracteristicas diferenciadas e sao atravessados por algumas ideias-forya como sejam: - Sao projectos de base teiTitorial, ou seja, que privilegiam a sua pertenya e a sua incidencia local/comunitaria; - Sao projectos que valorizam a participayao das populay6es e que pretendem suscitar e mobilizar as capacidades de iniciativa existentes nas comunidades locais; - Tem, em geral, como objectivo o desenvolvimento integrado, abarcando varias areas de intervenyao, articulando diferentes grupos e sectores e pressupondo uma abordagem interdisciplinar; - Privilegiam as zonas mais marginalizadas das sociedades actuais (zonas rurais, zonas suburbanas degradadas, desempregados, crianyas e jovens, idosos, reformados, deficientes, mulheres isoladas, minorias etnicas, etc.); - Apresentam soluy5es inovadoras. Sendo evidentes as potencialidades que encerram estes projectos, sao identificadas limitay6es, entre as quais destaco: - Dificuldade em levar a pratica o objectivo de participayao alargada das comunidades abarcadas pelos projectos; - Falta de enraizamento de alguns grupos ou equipas promotores das iniciativas; - Tendencia para o localismo (auto-suficiencia e fechamento dos seus horizontes); lnteJWIIfiiO
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- Falta de recursos (financeiros, humanos, materiais, etc.); - Excessiva dependencia do exterior (em ideias, recursos humanos, mercados, etc.); - Excessivo controle por parte da Administra9ao Publica; - Dificuldade em levar apratica uma perspectiva interdisciplinar, por falta de tecnicos de algumas areas; - Deficientes bases econ6micas e de gestao, apropriadas a este tipo de projectos; - Pouca liga9ao corn grupos e centros de investiga9ao. Sao limita96es, algumas excessivas e bloqueadoras das iniciativas e vontades locais se nao for acontecendo a renova9ao da administra9ao e a qualifica9ao e empenhamento dos tecnicos, tambem dos assistentes sociais presentes em muitos dcstcs projectos. Como afirmava Augusto Santos Silva, na Sessao de Abertura de "Manifesta" (Assembleia e Feira do Desenvolvimento Local, Setembro, 5 a 9 de Outubro de 1994), o desenvolvimento local como processo end6gcno, sustentado e participado, recorrendo a metodologias de intcrven9ao intcgracla, apresenta vantagens para a resolu9ao ou redu9ao dos quatro problctnas cruciais da socicdade portuguesa: o futuro do mundo rural, a cria9ao de cmprego, a pobreza e exclusao social eo desenrafzamento social da cscola. Consiclero, pela sua gravidade, um quinto problema: o analfabctismo literal c funcional e a baixa escolaridade. 0 saber e a cxpcriencia acumulados pelo Servi9o Social a nfvel do desenvolvimento comunitario e do servi9o social de comunidades, desde o p6s-guerra e em Portugal des de os an os 60 e eo m outra liberdade p6s-25 de Abril (V arios, 1988), convocam estes profissionais para que, em pm路ceria com os outros interventores, saibam escolher e firmar esta via a1ternativa de desenvolvimento. Um desenvolvimento que se sustenta do exercfcio efectivo da cidadania como pratica da demoet路acia directa, participativa, ascendente e descentralizada. Um desenvolvimento que e fruto da educat;ao como uma disciplina do curcicter que, ao in\'Cs de favorecer as tendencias pussionais, a expunsclo do sentimento, o pendor pum o demagogia, a histerico dmmoti;:,a~路ao do vida plib!iccr, fosse 11111 desem'Oh'imento da iniciotiva, dcr \'ontade de cricrr umo sociedade melhm; do responsobilidade, do auto-domfnio, do !ibe rta~路ao quotidiana, do selj~govemment (Sergio, 1954: 16 ). Trata-se da constru9ao da sociedade aberta, sujeita a fort;as de tremendo pocler dcstruidor mas que podem ser dominadas atraves da !uta pela liberdade igual como acreditava Karl Popper (Espacla, 1994 ). Esta !uta pela liberdctde igual continua a requerer saber, poesia e persistcncia. Requer uma cultura de solidariedade que e fruto da educa~ao para a liberclade e para Inrcncnrao Social. !31/.f.. /i.J9()
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a cidadania. Uma cultura ousada de reconciliayao entre o pao eo luar, como nos diz Sophia de Mello Breyner em Lusitania: Os que avan9am de tl-ente para o mar E nele enterram como uma aguda faca A proa negra dos seus barcos Vivem de pouco pao e de luar. Assim, a !uta pela liberdade igual, sendo uma questao etica, requere em primeiro lugar uma nova cultura que abra horizontes novos para a solidariedade e para o direito a esperan9a ea utopia, como nos interpela Natalia Correia em 0 Sol nas Noites eo Luar nos Dias I: As pessoas caem como folhas E secam no p6 do desalento Se nao as leva consigo A furia poetica do vento. REFERf~NCIAS BIBLIOGRAFICAS
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lnten路enr路<lo Sociol, 13114, 1996
FORMA<;AO EM SERVI<;O SOCIAL PARA UMA PRATICA SIGNIFICATIVA
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Teresa Rossell *
"A Utopia como iclcia final para esta ou para a outra vicla, parece, ser necessaria para um presente vibrante" ( Jorge Wagensherg) No ultimo Seminario Europeu das Escolas de Servi<_:o Social clebrucei-me sobre o tema do Servi<;o Social como disciplina, tendo cm vista cnfatizar a necessidade de constituir uma area de conhecimentos especffica do Servi<_:o Social no ambito clas ciencias sociais. Referia-me entao a responsabilidade que as Escolas e Departamentos universitarios de Servi<;o Social tem na conceptualiza<;ao das expcriencias profissionais, na investiga<;ao e na cria<;ao de referenciais te6ricos e conceptuais que permitam adequar as respostas profissionais as neccssidades actuais de cada contexto particular, c proceder a transferencia de conhecimento que permita ao servi<;o social progredir num conhecimento mais profundo do seu campo de interven<;ao. Neste seminario, declicado ao tema Forma<;ao em Servi<;o Social para o Progresso dos Dircitos Humanos, suscito a qucstao da importancia dos valorcs e finaliclades do Servi<;o Social, c a necessidacle de promovcr os se us conteudos essenciais entre os estudantes da nossa profissao. 0 trabalho social nasce de um desejo e de uma motiva<;ao social subjacente. Do desejo de ajudar pessoas em situa<;ao de necessidade, do desejo e do interesse em encontrar solu<;oes para uma situa<;ao de dcsigualdade que, dcsde o final do seculo 1 Comunica~ao de abertura do Seminario da Associaqao Europeia das Escolas de Servi~o Social- Dircitos Humanos e Forma~ao em Servi~o Social- Lisboa, Abril 1995. Dircctora da Escola Unil'ersitaria de Trabalho Social de Barcelona, Ex-Presidcnte da Associa9ao Europeia clas Escolas de Servi~o Social .
llllcn'<'lli'llO
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Tcrcsa Rossel
se torna mais patente a medida que o processo de industrializagao avangava. Pessoas que se envolveram nesta tarefa, algumas de elas, futuros trabalhaclores sociais, nao cumpriam, no entanto, uma fungao clefinida e reconhecida pela sociedade, eram pedagogos, enfermeiras, fil6sofos, cicntistas ou simplesmente cidadaos que com animo altruista dedicavam o seu tempo c esforgos as modificagao de condigoes aclversas que afectavam as pessoas mais nccessitadas. 0 esforgo ea influencia dos pioneiros do Servigo Social contribui para a reforma das leis, a criagao de servigos e a organiz<H;ao da ajuda social. As ideias e propostas, eo conteudo filos6fico dos primciros lfdcrcs do servigo social superaram sempre a propria intervengao em termos concretos. Por outro !ado, as contribuigoes no campo clas ciencias sociais e educagao, de alguns dclcs como Mary Richmond, Jane Acldams, Alice Salomon, E. Randuska, entre outros, continuam a ser hoje pertinentes. De validade actual, porque a for9a moral c ctica do seu conteudo implicadas num ideal, ou talvez numa utopia inspiradora e marco de um caminho, uma direc9ao de progresso na concepgao da ajuda social, diffcil de alcangar e de desenvolver em todas as suas vertentes. 0 Servigo Social define-se como uma profissao orientada para valores sociais, e a sua iclentidade, a do Servigo Social c dos trabalhadores sociais, radica tanto nas suas contribuigoes tecnicas como na sua dimensao etica e moral e, a sua projecgao em face de objectivos transformaclorcs, individuais e comunitarios, esta para alem da acgao concreta. A tal ponto is to 6 assim que poderia considerar-se que nao e Servigo Social qualquer acgao que nao promova na sua finaliclade, uma melhor qualidacle de vida, uma vinculagao com o meio, uma maior responsabilizagao, a tomada de consciencia, um maior conheei men to, a justa reivindicagao ou a soliclariedade. Em definitivo, a promogao dos valores humanos e sociais. Assim, do ponto cle vista do Servigo Social poderiamos consiclerar que nao existe progresso tecnico ou bcm-estar social se nao se regista evolugao na realizagao dos valores e direitos humanos, ja que sem eles, o progresso seria um falso ou pseudo progresso, e nao ha avango na consecugao clo respeito pelos Direitos Humanos se este reconhecimento exclui qualquer pessoa ou grupo. A concretizagao dos direitos sociais e uma realizagao do seculo XX c rcprcscnta o culminar de um processo cheio de obstaculos e dificuldades. 0 ideal de igualclade entre os homens foi o motor de grandes transformagoes sociais e a sua concretiza~ao em direitos representa uma conquista do progresso humanos irreversivel, menos pelas suas possibilidades de aplicagao em toda a amplitude, que pelo valor que contem enquanto aspiragao e com possibilidacle de reivindicagao, com o qual se inclica um caminho claro a reconhecer. Deste modo, a Declaragao Universal dos Direitos do Homem adoptada pela Assembleia das Nagoes Unidas em Paris, no anode 1948, lntcrrenriio Social. 131 f.!. I 990
Forma~ao
cm Scrviqo Social para uma Pn'ilica Significativa
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ea sua amplia~ao no anode 1968, sao uma referencia obrigat6ria para a maioria dos paises em que se estabeleceu um estado de direito. Devemos recordar que a Declara~ao Universal dos Direitos do Homem foi elaborada num periodo em que, no fim da Segunda Guerra Mundial, os princfpios legais e morais haviam sido violados, e de novo o desejo e o ideal de constru~ao de um mundo melhor, o desejo de igualdade entre os homens e a capacidade para inventar vias de desenvolvimento e progresso em todas as esferas: cientifica, social e humana. No entanto, a adesao aDeclara~ao Universal dos Direitos do Homem de pafses cujos sistemas econ6micos nao prosseguem precisamente a igualdade de oportunidacles, ou melhor dizendo, a cria~ao de condi~oes para a igualdade de oportunidades entre os seus membros questiona os ideais em que estes se baseavam, ja que o mesmo sistema gera condi~oes de competitividade, individualismo e desafios sociais muito dificeis de ultrapassar pclos grupos menos favorecidos da popula~ao. Temos entao qu,e o mesmo sistema que advoga igualdadc produz inevitavelmentc a desigualdade. E por esta razao que e preciso um forte sistcma de protcc~;ao ou "repara~;ao" como tem sido ate agora o sistcma de Bcm-Estar Social cuja redc de servi~os, programas e recursos satisfazem cm grande medida as ncccssidadcs basicas da popula~;ao. Ainda assim, os paises que desenvolveram este modclo nao tcm de algum modo podido, impedir fen6menos da exclusao, pobreza ou violencia. Violencia que vai ganhando protagonismo nos ultimos anos por causa do fanatismo religioso, corrup~ao polftica, criminalidade, etc .. Neste sentido o aumento dos grupos que nao respeitam os Direitos Humanos, vem aumentando, c este facto constitui uma preocupa~;ao importante a nfvel politico, profissional e de cidadania. Num sistema de progresso como e o desenvolvimento das leis de protec~ao social, podem observar-se como, paralelamente, se desenvolvem fen6menos de burocratiza~;ao, atitudes passivas, ou falta de participa~;ao. Definitivamente um anquilosamento e ineficacia nos servi~;os criados para o atendimento social, ao mesmo tempo que um crescente numero de pessoas sao exclufdas desses servi~os, pm路que nao conhecem as vias de acesso ou porque nao cumprem os requisitos necessarios. Podemos igualmente observar nalguns casos que o avan~;o da legisla~ao em defesa de certos direitos, como os direitos das crian~;as, pode ter, se nao fore m justamente aplicados, efeitos perversos ao descontextualizarem-se dos criterios legais aplicados na vida real, e ao oficializarem as vias de solu~ao de conflitos cmocionais e relacionais. Por vezes, mn excesso de legisla~;ao, ou a sua ma interpreta~;ao pode provocar o efeito oposto relativamente aos direitos cuja defesa estamos prosseguindo. lntcn路enrllo Social. 13/J.-1, Jl-)96
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As leis e os servi~os sociais publicos, como observa Brian Munday, obedecem a do is tipos de justifica~ao: uma "expressiva e outra "instrumental". A justifica~ao expressiva refere-se aos servi~os sociais como o expressao dos valores dominantes numa sociedade particular e de acordo corn o modo como os problemas e necessidades devem ser resolvidos. Por outro !ado, a justifica~ao instrumental obedece a criterios de administrativos e de gestao, e esta relacionada corn a despesa publica. Estas dimensoes nao sao em princfpio contradit6rias entre si mas, corn frequencia, os criterios administrativos, corn rela~oes a curto prazo predominam sobre o criteria de valor que se expressa por resultaclos a mais longo prazo. Os trabalhadores sociais confrontam-se corn frequencia corn urn dilema entre as necessidades e problemas que a popuhl~ao apresenta, o seu desamparo, sua incapacidacle para dar solu~ao aos seus conflitos, e as organiza~oes que supostamente tern que aliviar ou resolver estes problemas. Os trabalhadores sociais amedida que se registava o desenvolvimento doWelfare State assumiram em grande medida o papel de representantes das organiza~oes, e em grande medida, subordinam-se-lhes cada vez mais. No momento actual quando tem que assumir um maior controle sobre os recursos, o seu papel de ajuda psicossocial transfere-se, em maior grau, apresta~ao de recursos sociais corn o qual se pode produzir urn processo regressivo da sua fun~ao. Em tempo de crise a procura social refere-se principalmente a satisfa~ao das necessidades basicas e desse modo o trabalhador social pocle chegar a assumir urn papel de "gestor da pobreza e exclusao" (Ubieto, 1989). Os profissionais, por um lado, introjectam o mal-estar dos utentes e, por outro, insistem e expressam o seu proprio mal-estar e solidao. Deste modo muitos trabalhadores sociais sentem-se totalmente paralisados. S6 os que, em tais circunstancias, poclem desenvolver ac~oes criativas e inovadoras estao em condi~oes de superar esta situa~ao. Para isso os trabalhadores sociais nao poclem perder a sua identidade como profissionais independentes que, ainda que trabalhando no quadro de uma organiza~ao, clispoem de recursos pessoais e colectivos para enfrentar o abandono, a injusti~a ou miseria que sofrem os utentes, e actuar paralelamente em favor da den(mcia c da supera~ao clessas situa~oes. Enecessaria nao limitar a responsabilidade do papel profissional seja qual foro nfvel de interven~ao: a aclministra~ao de servi~os, a interven~ao directa ou a pesquisa. Enecessario integrar referencias colectivas em ordem a completar e complementar o trabalho individual. lntcn'ellf'c/O Soci(l{, 13//{ 1996
Formac;ao cm
Servi~o
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Social para uma PrRtica Significativa
Como promover um trabalho social significativo entre os estudantes? Estas podem ser algumas ideias talvez ut6picas: 1. Distinguir entre imposit;:ao e proposit;:ao de valores e ideologia. Basica-
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mente, os estudantes devem confrontar as suas pr6prias atitudes e valores e o seu nfvel de coerencia. As Escolas devem manter e mostrar vivos ideais e compromissos. Num ambiente em que a am!lise, a crftica e o pluralismo de ideias esteja presente e encoraje o estudante a participar nele. Sensibilizar os estudantes para situat;:5es e problemas desconhecidos para eles. Ajuda-los a contactar com as dificuldades e sofrimento dos outros c ajuda-los a explorar diferentes significados e formas de relacionamento. Estimular a criatividade e iniciativa dos estudantes e o scu confronto com situat;:5es novas nas quais dcvam assumir dccisocs e responsabilidades para promover assim atitudcs e criterios inovadorcs. A inovat;:ao, a criatividade ea indcpcndcncia de criterio mantcrao no futuro profissional a sua autonomia, a partir da qual podcra situar-sc alem dos limites da organizat;:ao e das pr6prias leis. Suscitar diferentes formas de solidariedade e de coopcrat;:ao que tcnham project;:5es e perspectivas distintas. Fomentar o surgimento de ideias c de valores participados. Finalmente fomcntar no estudante a imaginat;:ao c o desejo de participar e contribuir para a construt;:ao de um mundo melhor.
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Tradw;cio do castelhano de Francisco Branco
lnterrenriio Social, /3//-1, /996
A NOVA CENTRALIDADE DOS DIREITOS SOCIAlS E OS DESAFIOS AFORMA<;AO E INTERVEN<;AO EM SERVI<;O SOCIAL 1 Francisco Branco
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Adoptamos como eixo desta comunica~ao, sobre a tematica dos desafios e perspectivas que hoje se colocam as Polfticas Sociais, aos Direitos Humanos e ao Servi~o Social, a problematica dos direitos sociais. Tres vectores justificam esta perspectiva de analise. Em primeiro lugar, os limites observados na concretiza~ao dos direitos sociais, apesar da institucionaliza~ao do Estado Proviclencia, claramente comprovados na actualidade de fen6menos sociais como a pobreza e exclusao social. Em segundo lugar, a necessidade de repensar e perspectivar os direitos sociais face as mudan~as e transfonna~oes sociais das ultimas clecadas designadamente a crise econ6mica e a dinamica p6s-industrial. Em terceiro lugar, a pertinencia em reanalisar a teoria da cidaclania de Marshall, face aos limites conceptuais que hoje e possfvel assinalar aquela que e sem duvida uma das principais contribui~oes sobre os "direitos". Esta delimita~ao do tema nao quer no entanto significar a adop~ao de uma concep~ao de Direitos Humanos que independentize os Direitos Sociais dos Direitos Civis e dos Direitos Polfticos, aquilo que Marshall designou de "Welfare without citizenship" (Marshall, 1965 citado por Roche 1992:37). 2 1 Comunica~ao apresentada no painel Polfticas Sociais, Direitos Humanos e Servi~o Social, Seminario Europeu das Escolas de Scrvi~o Social, Lisboa, Abril-Maio 1995. Mestre em Servi~o Social, docente no TSSSL. ! Nunca e de mais acentuar a relevancia dos Direitos Civis e Politicos na realiza~ao dos Direitos do Homem. Basta !er os jornais todos os dias para comprovar o abismo que nos separa desse prop6sito (veja-se notfcia s sobre: 0 Relat6rio da Amnistia Internacional sabre os Direitos Humanos das Mulheres, Maio 1995 in 0 Publico 28 de Abril 1995; Escravatura de crimwas no Paquistiio e a morte do activista Iqbal Masih, de 12 anos in Time, I Maio de 1995).
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Nao significa tambem necessariamente, uma concep~ao que hearquize os Direitos Humanos e coloque como primeira prioridade a concretiza~ao dos Direitos Sociais. 3 Finalmente nao sustenta uma perspectiva que ignore os direitos da terceira gera~ao, os Direitos Culturais (tarn be m designados direitos p6s-materialistas) e a sua relevancia actual ou o desconhecimento da cmergencia de uma nova esfera de direitos (da 4.a gera~ao) relacionados designaclamente coma bio-etica (Bobbio, 1992:6). Na sua ac~ao profissional os trabalhadores sociais reportam-se e enfrentam-se com os Direitos Humanos como totalidade indivisfvel sendo perfeitamente clara a articula~ao dos direitos sociais, direitos culturais e direitos civis e polfticos em algumas das mais relevantes problematicas sociais que hoje se lhes colocam. Mas subjacente ao eixo escolhido para a comunic<wao est{t a ideia da centralidade dos direitos sociais para o Servi~o Social, nao s6 por uma aproxima~ao hist6rica e empfrica do Servi~o Social, mas tambem pm路que se considera que a completa realiza~ao dos direitos civis e polfticos e impossfvel sem a satisfa~ao dos direitos econ6micos e sociais como se afirma no Manual clas Na~oes Unidas "Human Rights and Social Work" (1994: 5).
I. "A guerra (pelos direitos sociais) continua!"
A nossa abordagem reporta-se, quer enquanto referencia quer como contraponto, aconcep~ao de Cidadania de Marshall ( 1950/63). Na sua obra Citizenship and Social Closs ( 1950) Mar路shall conceptualiza a cidadania como constitufda por trcs elementos ou partes distintas cuja emergencia se verificou nos llltimos tres seculos: os direitos civis, os direitos politicos e os direitos sociais. Os direitos civis, emergindo no sec. XVIII, garantem a liberdade individual ea igualdade perante a lei. Incluem o direito de propriedade e de contrato, o direito a liberdade de pensamento e de cxpressao, a liberdade religiosa, o direito de associa~ao, o direito de iniciativa econ6mica. Os direitos politicos, estabelecidos durante o sec. XIX, respeitam ao direito de participar no exercfcio do poder polftico e, designadamente, o direito de votar e ser votaclo, o direito a exercer cargos publicos.
' Nao discutimos ncsta comunica9ao a questiio suscitada pelo te61ogo Leonardo Boff, com base na realidade dos pafses do Terceiro Munclo, da hierarquia dos direitos e da prioriclacle dos clireitos sociais. lnterrell('c1o Social, 13114. /99()
A Nova Centralidade dos Direitos Sociais
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Os direitos sociais, institucionalizados no decurso deste seculo, dizem respeito aos serviyos e beneficios sociais traduzindo-se na garantia de urn nfvel de vida mfnimo conforme as circunstancias hist6ricas concretas. Estes direitos sao, segundo Marshall, essencialmente realizados atraves dos serviyos sociais e do sistema educativo (Mm·shall, 1992: 8). Eo conjunto destes direitos que para Mm·shall constitui o sistema de direitos de cidadania. Forma de igualdade de estatuto como membro de uma comunidade social nos Estados modernos. Marshall ve os direitos sociais como urn prolongamento dos direitos civis e polfticos os quais contribuem para o exercfcio efectivo dos direitos sociais. Para o autor os direitos sociais traduzem 0 progresso da igualdade ou democracia face a liberdade do mercado. Sao relevantes e corn fundamento os limites que se atribuem a tcoria de Marshall. Limites de cariz conceptual por um !ado, limites quanto a concretizayao da suas ideias traduzidas historicamente na institucionalizayao c dcscnvolvimcnto do Estado Providencia por outro. De alguns dcstes aspectos nos ocuparcmos aqui, mas queremos primeiro enfatizar o que se afigura como um importantc contributo do seu pensamento, da sua "utopia" se se quiser: a sua ideia de cidadania social como direito a usufruir de "um padrao razoavel de bem-estar econ6mico e de seguranya" ("right to a modicum of economic security") eo direito de "participar integralmente na heranya social e na vida de ser civilizado de acordo com os padroes prevalecentes na sociedade" (Mm·shall, 1992: 8). Mm·shall enfatiza claramente a importancia de uma provisao basica de canicter universal como via para a constru~ao de um estatuto de maior igualdade social assente na solidariedade social (Fraser e G01·dan, 1994: 90-107). Uma questao de novo no centro do debate sobre as polfticas sociais e que Marshall claramente antecipou. A persistencia da pobreza, apesar da reduyao de algumas das desigualdades sociais sob o Estado Providencia, a emergencia de novos mecanismos de exclusao social, a "nao cidadania" como situayao extrema que afecta grupos sociais fortemente marginalizados, questionam naturalmente a teoria de Marshall enquanto prova de que 0 progresso da igualdade face aliberdade do mercado foi incompleto, limitado. Mas tao importante como esta constatayao e a clara consciencia de Marshall sobre a tensao entre capitalismo e cidadania social, expressa na forma inequfvoca: "cidadania e sistema capitalista de classes tem estado em guerra" (citizenship and the capitalist class system have been at war) (Marshall, 1992. 18). Ecerto que Mm·shall escrevia em 1950, antes p01tanto dos "anos dourados" do Estado Providencia, mas hoje podemos dizer, na 1inha de pensamento de Mm·shall, que a lnte/WIIf'!JO Social. 13114, 1996
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"guerra continua", mesmo quando, ou por isso mesmo, a cidadania social est<i no centro do debate sobre as polfticas sociais. Reportando-se atradiyao polftica dos Estados Unidos da America, Fraser e Gordan (1994) assinalam hoje, a hegemonia de uma concepyao de cidadania centrada nas liberdades cfvicas e direitos civis (concepyao de cidadania civil). Segundo as autoras assiste-se ao desenvolvimento de um discurso sobre a cidadania com uma completa ausencia de referencia acidadania social. Em consequencia, a tendencia observada, quanto aprovisao de bens e serviyos sociais, e para a centrayao em duas formas extremas, a oposi9ao contrato - caridade. 0 contrato de trocas de equivalentes ea caridade unilateral e inteiramente voluntaria sem reconhecimento de direitos e obrigay5es comunitarias, onde a so1idarieclade social como interdependencia e a reciprocidade nao-contratual estao auscntcs. Aquem Atlilntico, tem-se reafirmado a irnportancia do modelo europeu do Estado providencia, como acontece c1aramcntc no Livro Verde (1993) e no Livro Branco da Polftica Social (1994) mas a crncrgencia, em simuW:lneo, de "uma nova questao social" como assinala Rosanvallon ( 1995) recoloca de uma forma crftica e sensfve1 a questao da cidadania social. Ncste contexto, a perspectiva da cidadania como problema de inclusao e exclusao, na linha de Marshall, ganha uma nova centralidade (Steenbergen, 1994: 1-9 ).
11. Os direitos sociais em analise e a questao dos novos direitos sociais! Bobbio (1992: 5-6) afirma que "os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, sao direitos hist6ricos, ou seja nascidos em certas circunstancias, caracterizadas por lutas em clefesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, nao todos de uma vez e nem de uma vez por todas". A ideia de que a cidadania em geral e os clireitos sociais em particular sao o resultado de um processo hist6rico inacabado, e que a questao do progresso cla igualdacle face a 1iberclacle do mercado continua em aberto, claramente, no nosso tempo, nao obsta a necessidade de repensar e perspectivar os direitos sociais face as mudan9as e transfonnay5es sociais das ultimas decadas (crise econ6mica e p6s-industrialismo, crise do Estaclo Providencia, emergencia de uma cu1tura p6s-moclerna, ... ) e face a importantes limites conceptuais da teoria da cicladania de Mm路shall. Destaco dois pontos de reflexao. Em primeiro lugar, o contexto pas-industrial e os novos direitos de cidadania. Em segundo lugar a questao dos clireitos sociais e a perspectiva dos deveres de cidadania. lnterrenrtlo Social.
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0 contexto pos-industrial e os novos direitos de cidadania 0 processo de des-industrializa9ao e reestrutura9ao industrial registado nas decadas de 70 e 80 trouxe como principais efeitos, no campo que aqui nos intcressa, o crescimento massivo do desemprego na Europa (e igualmente nos EUA) associada a uma dinamica de flexibiliza9ao !aboral que tem colocado crescentes problemas aos direitos sociais e econ6micos na esfera do trabalho. Seguran9a no funcionamento do mercado trabalho, no rendimento, no emprego, seguran9a social, salario-mfnimo, restri9ao do despedimento, condi96es de saude e segunm9a no trabalho, ... sao direitos associados ao Welfare State hoje claramentc em questao. Um desemprego estrutural de longa dura9ao emerge com um dos mais graves problemas sociais contcmporaneos c arrasta consigo muitos outros problemas sociais e formas de exclusao social. 0 emprego/dcscmprcgo ccm si mcsmo um dos mais importantes mecanismos de inclusao/cxclusao social, gcrador de novas formas de pobreza e multiplicador de novas exclus5cs sociais pclas cxigcncias crcsccntcs c selectividade do mercado de trabalho. Muitos sao os autores que consideram que as sociedades industrializadas nao terao no futuro capacidade de gcrar e garantir emprego para todos de uma forma continuada. E ainda que a partir do final dos anos oitenta se tenham registado factores que tornam menos negro e apocalfptico o cenario, designadamente por via do crescimento do emprego nos scrvi9os, da dinamica demografica que desacelarou a entrada dos jovens no mercado de trabalho e da multiplica9ao e crescimento das formas de trabalho precario e "flexfvel" (part-time, trabalho temporario, trabalho no domicflio e auto-emprego) o desemprego e o sub-emprego deverao persistir em nfveis muito elevados na Europa. Eneste quadro que se multiplicam as propostas de polfticas activas de emprego e as propostas mais radicais de polfticas de "partilha do trabalho" (Gorz), do "direito a um desemprego util e criativo" e "polfticas de tempo livre" (Illich). Roche (1992: 177) assinala que os pensadores pos-keynesianos reconhecem que "tais polfticas de distribui9ao de trabalho requererao tambem uma radical desconec9ao do rendimento do emprego ea cria9ao de uma nova garantia universal de rendimento mfnimo". Os problemas assim colocados exigem uma reforma da distribui9ao de rendimentos e a consagra9ao de um novo direito social de cidadania, designadamente o direito a um rendimento basico. Esta e a via preventiva, a longo prazo, dos problemas gerados pelo desemprego e sub-emprego e a mais adequada estrategia de limita9ao da pobreza (Roche, 1992: 163-190). lnterml('do Social. 13114, 1996
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Tratando-se de um esquema que requer a mudanya radical da politica fiscal e do sistema de beneffcios sociais as propostas referidas por Roche baseiam na suposiyao de uma aplicayao gradual (10 anos ). Mais uma vez, e mais ate do que a avaliayao dos custos econ6micos deste modelo e das exigencias de reforma do sistema de "welfare" que ele implica, o principal ponto de debate e polemica, torna a estar centrado na velha problematica liberal da "etica do trabalho". Curiosamente cabe registar que a insistencia nesta vertente do incentivo I desincentivo do trabalho ocorre num perfodo em que nao ha trabalho para todos e nao e mesmo seguro que o venha a haver quer para a actual populayao desempregada quer para os pobrcs c cxclufdos que deveriam superar a sua fragilidade atraves do emprego e inseryao no mercado de trabalho. Dito isto nao esUi naturalmente em causa a ncccssidade de integrayao deste novo direito social num sistema de direitos e devcrcs dos ciclaclaos. Veja-se que autores que advogam a necessidade de uma profunda reforma social do sistema de emprego, do trabalho na sociedacle actual, enfatizam o "clever social do trabalho" entendido como trabalho-equivalente ("labour-equivalent") ao seu consumo social (Gorz) ou um desemprego uti! e criativo (Illich). Em fundo, o que de novo est<i em causa e a opyao entre um sistema de beneficencia voluntaria, ou esquemas assistenciais selectivos, que atraves cla relayao directa permitam distinguir os "bons pobres" dos "maus pobres", os "bons clesempregaclos" dos "maus desempregaclos" ou antes "a aplica9ao de um principio de universaliclade que elimine o julgamento moral sobre o direito a beneficiar ou nao do apoio cl a colectividade" (Paugam, 1993: 105) perspecti va convergente com a 6ptica dos direitos humanos 4. Eesta a experiencia que em Fran9a se procura prosseguir pela articulayao do reconhecimento ao direito a um Renclimento Mfnimo, (Revenue Minimum ci'Insertion), com o clever de participayao em actividades de inseryao social, clesenvolvidas atraves de parcerias alargadas Estado - Sociedade Civil, na perspectiva de um "projecto de inseryao aberto e sobretuclo negociado entre o beneficiario e os responsaveis locais da ac9ao social" (Paugam, 1993: 110). Este parece ser, ou talvez melhor continuar a ser, um desafio fundamental as politicas sociais actuais na perspectiva dos Direitos Humanos. Mar路shall de algum modo antecipou esta questao na sua elabora9ao sobre os direitos sociais. A complexidade dos problemas sociais estruturais que emergiram nas Ultimas decadas, na Europa e em Portugal, reclamam que ele seja consiclerado de forma seria e rigorosa.
~ Nesta perspectiva se situa Pascale Boucaud (1993) no seu texto "Le droit au revenu minimum comme droit fondamental de la personne en Europe".
Interren~fio
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A questao dos direitos e a perspectiva dos deveres de cidadania 5
Ehoje claro que a ideia de Marshal! de que a consagrayao dos direitos sociais constituiria o estadio final da cidadania nao tem fundamento. Desde entao tem-se assistido aemergencia de novas geray5es de direitos e ao desenvolvimento de problemas que colocam a necessidade de reinventar c repensar a cidadania. No recente trabalho The Condition of Citizenship (Stecnbergen, eel., 1994) abordam-se clesignaclamente questoes como as cla cicladania cultural, da ciclaclania nao-racial e nao-sexista, cla cidadania ecol6gica, da cidaclania global, da cidadania europeia, .... Interessa-nos aqui realyar a importancia do movimento feminista e do movimento ecol6gico pelas questoes que suscitam aconcepyao da cidadania de Marshall, ou acloptanclo a clesignayao de Roe he ( 1992) ao "paradigma dominante cla cidadania social". 0 movimento feminista ao clamar pelos direitos das mulhcrcs cvidcncia que a concepyao de cidadania social historicamente institucionali;ada corrcspondia a uma cicladania dos homens 6 constituindo as mulheres como cidadaos de scgunda classc 7â&#x20AC;˘ Igualmente, e de um modo insofismavel, o reconhecimento efectivo dos direitos das mulheres implica deveres nao apenas do Estado mas igualmente devcres de outros membros da comuniclacle, e em primeiro lugar, naturalmente, dos homens. 0 movimento ecologista coloca igualmente, pela via dos factores ambientais, a questao da rela9ao entre direitos e deveres nas dinamicas intra e intergeracionais. Por estes e outros movimentos e problemas, c por via igualmente da crftica conservadora 8, se coloca hoje a nccessidade de equacionar a questao cla cidadania e particularmente dos dircitos sociais nao s6 em termos de um discurso dos direitos mas igualmente de um discurso dos deveres, deveres do Estaclo mas tambem devc-
5 Na abordagem deste aspecto temos coma referencia principal o trabalho de Maurice Roe he ( 1992) Rethinking Citizenship, designadamente "Rethinking Social Citizenship Rights. Duties and Capitalism" (Cap. 9). 6 Segundo Rochc os fundadores do Welfare State (Titmuss, Marshal!. Bevericlge) omitiam ou clesvalorizavam a concli~ao feminina da cidadania. A divisao sexual do trabalho implicou a divisao sexual dos clireitos e deveres sociais entre homens enquanto "ganhadores do pao" e as mulheres coma "maes" e "donas de casa". Os direitos sociais das mulheres consignados numa primeira fase do Welfare State eram decorrentes da condi9ao de contribuinte dos maridos. 7 A estratifica9ao da cidaclania social nao se processou apenas em fun9ao do sexo mas igualmente da etniciclacle, cleficicncia, ocupa9ao I profissao, idade, 8 A crftica conservadora tem-se tracluzido sobretudo na defesa dos deveres na famflia e no trabalho num "back to the basics''.
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res pessoais e deveres colectivos (das comunidades, das organiza~oes empresariais lucrativas, ... ). Esta e hoje uma dimensao presente em todos os dorninios das polfticas sociais. 0 direito social asaude articula-se corn o clever dos cidadaos promoveram a sua salide atraves de habitos e comportamentos saudaveis, das comunidades locais e das empresas respeitarem as normas de qualidade ambiental e de produ~ao de bens, ... . 0 direito aeduca~ao, requer, inquestionavelmente, a ac~ao do Estado por via das polfticas educativas e sociais adequadas, mas igualmente, os deveres dos pr6prios estudantes e das famflias, da comunidade educativa em que a escola se insere, das empresas e do mercado competitivo em gcral. As polfticas de cidadania tern sido durante gera~oes formuladas, nas suas metas, nas suas lutas, num discurso dos direitos. No final do sec. XX torna-se tambem necessario falar, de agir e de compreender, como linguagem de cidadaos a responsabilidade pessoal e a obriga~ao social, num discurso de deveres assim como de direitos. E deste modo que Maurice Rochc tcnnina o seu livro Rethinking Citizenship colocando sem duvida uma pcrtinente questao para a abordagem da cidadania nos nossos dias. Um ponto de rcflexao ea meu ver fundamental face a anecessidade que se vem suscitando de urn discurso dos devercs no domfnio da cidadania. Trata-se da questao de que precisamos pensar as polfticas sociais, nao na base do conceito de igualdade, medida pelas oportunidaclcs, iguais perante a lei, de acesso a bens e servi~os sociais, mas do ponto de vista da cquidade, avaliada pelos resultados em termos de padroes heterogeneos de qualidadc de vida, o que implica reconhecer que as diferen~as sociais, econ6micas culturais, exigem que se pense o tema da igualdade cam desigualdade. 0 conccito de igualdade de oportunidades subjacente aconcep~ao de cidadania de Mar路shall s6 sera real quando as oportunidades forem desiguais. Esta em causa a necessidacle de uma discrimina~ao positiva (Sposati 1991, Branco 1993) pois que a dialectica direitos-deveres e atravessada por uma clara diferencia~ao social e cultural, e deste ponto de vista, as condi~oes do exercfcio da cidadania enquanto deveres e responsabilidades pessoais sao desiguais. Como os trabalhadores sociais sabem, esta e alias uma questao essencial aconcep~ao dos programas e medidas de polftica social. Esta em causa a necessidade de refazer e reactualizar a rela~ao da sociedade consigo mesma, de renovar e aprofundar um cultura democratica de participa~ao social e educa~ao para a cidadania, que de uma forma nao regressiva, pautada pela "ordem da justi~a" e nao da "ordem da caridade" (Fernandes, 1994 ), e multi-solidaria enfrente os desafios dos direitos humanos no nosso tempo na Europa e no Mundo.
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A Nova Centralidade dos Direitos Sociais
Ill. Cidadania e Servi\O Social: desafios
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aforma\aO e ac\aO profissional
As questoes que suscitamos como a centralidade dos direitos sociais, a actualidade e pertinencia da analise da cidadania na perspectiva da inclusao-exclusao, os novos direitos sociais no contexto pas-industrial, a dialectica direitos-deveres, sao, a nosso ver, quest6es pertinentes para o Servi9o Social. Destaco tres aspectos na formayao dos trabalhadores sociais.
Os deveres de cidadania e o papel dos assistentes sociais na constru\ao do utente-cidadao Esta dimensao prende-se corn a dimensao educativa da ac9ao do Servi9o Social enquanto profissao que potencia rela96es inter-pessoais e sociais como modo e condi9ao de expressao e desenvolvimento humano e desenvolve valores, atitudes e habilidades capazes de desencadear a progressao individual e colectiva (Falcao, 1979:27). As estrategias de auto-desenvolvimento dos utentes, de potenciayao da sua participa9ao social, e da sua constru9ao enquanto utentes-cidadaos sao pr6prias ao serviyo social ou pelo menos a algumas das suas significativas tradi96es. 0 serviyo social esta pois particularmente bem posicionado para contribuir para o aprofundamento da dialectica direitos-deveres de cidadania. Requer-se neste piano, ao nfvel da forma9ao base, o aprofundamento da forma9ao em diferentes problematicas e metodologias especificas de interven9ao e igualmente no que se refere as novas tendencias das po!iticas sociais contemporaneas e mais especificamente aos processos de auto-ajuda e solidariedade associativa no quadro de um novo papel atribufdo a "sociedade providencia".
Os direitos sociais e a administra\ao dos direitos pelos assistentes sociais Uma dimensao que importa refor9ar na forma9ao base dos assistentes sociais e a dimensao etica comprometida com os direitos humanos. Tratando-se de um domfnio tradicional da fmma9ao ele requer no entanto aprofundamento no sentido do treino e desenvolvimento de capacidades dos assistentes sociais para o respeito dos direitos civicos, politicos e culturais dos utentes nos servi9os e organiza96es de administra9ao das po!iticas sociais. Os trabalhos deste seminario sao neste sentido urn importante contributo. Depoimentos de assistentes sociais, estudos sobre o percurso pessoal das pessoas apoiadas pelos serviyos sociais e designadamente pelos servi9os de assistencia fnteJWIIi'{)o
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social, ensaios diversos, chamam a aten~ao para o efeito de estigmatiza~ao e de desqualifica~ao social que se processa pela rela~ao dos individuos e familias corn estes servi~os. "0 recurso aassistencia tern sido muitas vczcs descrito coma uma prova humilhante que pode introduzir uma mudan~a profunda no itinen\rio moral dum indivfduo. A frequencia regular dos servi~os de ac~ao social ecorn efeito, a manif'csta~ao autentica da dependencia e, por isso mesmo, de inferioridade social" (... ) A atribui~ao da assistencia pode, em ccrtos casos, ser vivido coma uma cerimonia de degrada~ao estatutaria na medida em que o atcndido c ncsta ocasiao designado publicamente coma um inclividuo pertencente a uma categoria com Llln cstatuto pouco honravel. "(Serge Paugam, 1991:25")
Associada a esta dimensao encontra-sc a vcrtcntc do papel do utente, enquanto cidadao, no processo de apoio/ajuda, quer pclo rcconhccimento c valoriza~ao das suas capacidades quer pela considera~ao da sua vontade e participa~ao na defini~ao do processo de ajuda, o que aponta para urna 16gica de contratualiza~ao corn o utente nao no sentido de imposi~ao de contraparticlas mas no reconhecimento do direito de participa~ao do beneficiario no "contrato" corn a colectividade (veja-se a experiencia francesa do RMI). "0 desafio maior que hoje ecolocado it ac<,:ao social, eque ela seja capaz de identificar os parametros sobre os quais deve estruturar a intcrvcnyao social para responder as exigencias da participa~ao'' (1. Madeira, 1991:209).
Neste quadro de pensamento ganharn extrema pertinencia a forma~ao etica e deontol6gica e o treino e capacita~ao para aspectos que podem reduzir os impactos negativos e perversos sobre a idcnticlade dos individuos e os factores que podem contribuir para a revaloriza~ao da iclentidade pessoal dos utentes, como: - o sigilo rigoroso sobre os problemas apresentados pelos utentes garantindo o seu direito ao nao cscancaramento e publicita~ao da situa~ao pessoal e familiar - a flexibiliza~ao e humaniza~ao dos procedimentos institucionais -a participa~ao do utente no diagn6stico e projecto de ajuda evitando a prescri~ao e pedagogia institucional
0 papel dos assistentes sociais na objectiva~ao, reformula~ao e alargamento dos direitos sociais Esta dimensao prende-se corn a climensao politica da ac~ao do Servi~o Social enquanto profissao que implementa, acciona ou cria recursos sociais e processos de informa~ao e participa~ao (Falcao, 1979:27). lnten路cnrao Socio/, 13/N. 1996
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Os trabalhadores sociais detem urn conhecimento profundo, ainda que muitas vezes particularizado dos problemas sociais persistentes e emergentes, da desadequa~ao das medidas de polftica, das praticas selectivas na aplica~ao das polfticas sociais, urn contacto que podemos qualificar de unico corn as polfticas sociais e os seus utentes. Esta condi~ao objectiva pode permitir aos assistentes sociais, por urn !ado, desempenhar urn importante papel de advocacia social e por outro lado, contribuir de forma decisiva para a visibilidade dos problemas sociais e fen6menos de exclusao social e fornecer contributos valiosos para novas estrategias e medidas. A advocacia social, na perspectiva da metodologia desenvolvida nos Estados Unidos nos anos sessenta, em que o trabalhador social e chamado a exercer o papel de protec~ao e representa~ao do utente junto da administra~ao, ganha no actual contexto uma nova actualidade e pertinencia face as desigualdades persistentes na formaliza~ao dos direitos e nas discrimina~oes registadas na sua aplica~ao. 0 desempenho desta fun~ao requer um conhecimento aprofundado do enquadramento normativo dos direitos humanos eo treino de competencias especfficas como a negocia~ao, litfgio e arbit~agem , assertivness entre outras (Bateman, 1995) o que remete para 0 refor~o na componente CUITicu]ar das metodologias especfficas de interven~ao e dos instrumentos e in stitui~oes mientadas para a defesa dos Direitos Humanos. 0 desempenho do papel acima referido no quadro das polfticas sociais requer o desta componente do ensino na 6ptica dos direitos humanos como totalidade, privilegiando embora os direitos sociais. Neste senticto deve ser dado mais destaque a esta area disciplinar na estrutura curricular e designadamente ao estudo dos paradigmas, teorias, concep~oes da cidadania e valores subjacentes; o treino da analise dos sistemas e medidas de polftica social e seus efeitos sociais; a informa~ao e analise sobre as questoes tecnicas e polfticas envolvidas nos mais relevantes debates actuais. Mas esta enfase implica o reequacionamento dos modelos de forma~ao de base. Um estudo comparado dos programas de forma~ao em diversos pafses europeus, publicado pela revista britanica Journal of Social Policy 9, revelava que a tradi~ao da forma~ao em servi~o social, corn excep~ao do Reino Unido e dos pafses n6rdicos, nao valoriza de modo claro as questoes das polfticas sociais. No caso portugues essa vertente ainda que presente, deve a nosso ver ser claramente refor~o
refor~ada 10 .
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Referido por Christian Bachmaan (s/data). Bartlett ( 1970) identificava como urn dos factores que mais afecta va a pos i ~ao institucional da profissao a interven ~ao centrada em ac~oes imediatas em prejufzo das opera~oes de concep~ao e planeamento das polfticas sociais. 10
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Esta vertente reclama igualmente pensar a questao de ac~ao colectiva dos assistentes sociais. As polfticas sociais elaboram-se num processo dialectico no interior da esfera das rela~oes sociais na qual interagem diferentes actores: -os grupos de interesse constitufdos e os movimentos emergentes que exercem a fun~ao de PRESSAO sobre o sistema politico-partidario; - os partidos que assumem a DELEGAc;.:Ao de interesses neste sistema; -a burocracia do Estado a quem esta cometida a ADMINISTRAc;.:Ao, isto ea transforma~ao, em programas de ac~ao, dos fins definidos pelos responsaveis politicos; -os diferentes corpos de profissionais e tecnicos trabalhadores sociais que realizam a PRESTAc;_:Ao da aten~ao apopula~ao. (Dore e Gaudreau, 1989:247). Nesta perspectiva colocam-se assim aos Assistentes Sociais diferentes nfveis e formas de participa~ao na elabora~ao das politicas sociais. No trabalho citado analisam-se, com base na experiencia mais recente nos Estados Unidos e Canada, a interven~ao aos nfveis da pressao, delega~ao e administra~ao. Ressalta a ideia que nestes pianos, a participa~ao dos trabalhadores sociais se tem desenvolvido sobretudo atraves de estrategias de pressao, de "lobbying" sob a forma de movimentos de pressao social e coliga~oes sobre problemas especificos. Fica menos visfvel nestas cxperiencias particulares na America do Norte, o papel dos trabalhadores sociais na clabora~ao das politicas sociais nos nfveis superiores da administra~ao publicae as contribui~ocs da pcsquisa na analisc c clabora~ao das polfticas sociais. De qualquer modo coloca-sc claramcntc um dcsafio aos assistcntcs sociais, i1s sLws associa~oes representativas. Joga-sc aqui um dircito-ckvcr cfvico dos trabalhadores sociais, da sua cidadania individual c colcctiva. Eque, como diz o poema de Sophia de Mcllo Brcyner: Vemos, ouvimos e lemos, nao podemos ignorar! REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS BACHAMANN, C (s/d.), Changer cw quotidien, Paris, Etudes Vivantes, sidata. BATEMAN, Ncil (1995), Admcacr Skills: a hundbookfiJr human senoice professionals, Hants- Great Britain, Arena, 1995. BOBBIO, Norberto ( 1992), A Lra dos Direitos, Sao Pau1o, Editora Campus, 1992. BRANCO, Francisco ( 1993), Crise do Estado Providencia, universa1idade e cicladania: Lli11 program a de ac~ao e investiga~i\o para o servi~o social, Sen路i~路o Social & Sociedade. Sao Pau1o, Cortcz & Moraes, 1993, n.0 41. /nterre!l\'(/0
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ESTREITA VEREDA PARA 0 CAMINHO DE UMA HISTORIA INTERMINA VEL Exercicio avolta de urn programa de Curso
Hirondina Chitas
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INTRODm;AO 0 Tema Direitos do Homem e, sem duvida, uma hist6ria intcrminavcl. Dircitos do Homem e formar;ao em Servir;o Social, eis uma escolha para cstc Col6quio Jnternacional que traduz a preocupar;ao dos profissionais, num momento cm que nao s6 se alarga o "viveiro dos mais clespojaclos", mas tambem todas as desigualdadcs se agravam (R. Castel). Teria sido desejavel criar em cada Escola uma dinamica que permitisse obter um olhar cruzado e dinamico de programas do Curso, estagios e iniciativas diversas, afim de distinguir o sentido da sua relar;ao com o tema, no presente contexto social. Entao, a escolha de sub-temas tornar-se-ia significativa do e para o conjunto cla Escola. S6 que todos n6s somos solicitados por interesses multiplos cuja compatibilidade recfproca, no tempo e no espar;o, se torna quase impossfvel. Apresenta-se a sua traclur;ao livre com uma ou outra precisao, ja que foi dircctamente escrito em frances. Vale a pena referir que elamentavel e ate inadmissfvel que tenha sido publicado com inumeras gralhas, algumas delas provocando alterar;oes de sentido.
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Docente no ISSSL.
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No entanto, um simples olhar sobre a lista tematica e de nomes dos conferencistas faz-me supor que as grandes linhas, actualmente consideradas mais importantes, nao deixarao de ser tratadas. Decido aultima hora dar o meu contributo a esta reflexao, por diminuto que seja. Neste texto, em portugues, sempre direi que a minha decisao se ficou a clever ao mal estar que senti ao ver o Instituto de Lisboa tao pouco representado no Col6quio. Quanto ao contributo que entendo dar sobrc o lema em causa: sabemos que no tempo acelerado em que vivemos, pontuado por acontccimentos cada vez mais da ordem da realidade virtual, a Pessoa e geralmcntc csquccida. E nao s6 a pessoa do outro! A este respeito, o que acontece com o programa cujo titulo pouco agradavel e "Metodologias Especfficas de Intervcnc;ao Social" (M.E.I.S.S.)? Sobrevoando, fagamos o exercfcio.
DESCRI<;:AO SUMARIA DO PROGRAMA Comecemos por referir o seu cspac;o no quadro do Piano de Estudos: a disciplina de MEISS, inscrita no 4. 0 ano do Curso, diz respeito aintervengao social junto do indivfduo, famflia e pequenos grupos. 0 ano passado, corn uma colcga da clisciplina, re-equacionamos a 16gica do programa. Entao, acordamos tratar as Metodologias por forma a produzir um trabalho cujo movimento evidenciasse a pessoa-sujeito, a pessoa-cidadao, a pessoa-meio social, com a sua famflia c redes de solidariedade. Tal percurso tinha o seu termo nas Metodologias Integradas. Respondendo a esta 16gica, abordamos os seguintes modelos: 1. Abordagem Psico-social cujo acento t6nico foi posto na Entrevista de Ajuda; 2. A intervengao em Favor do Utente (Advocacy); 3. Abordagem Sistemica da Famflia; 4. Intervengao na Rede; 5. Intervengao Integrada. 路Trabalho demasiado longo, mesmo para uma disciplina anual. Demasiado Ion go tambem para dele dar conta no tempo e espago atribufdos a este exercfcio. lnterm1f'c7o Social, 13/J.I. /996
Estreita Vereda para o Caminho de uma Hist6ria lnterminavcl
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Assim, no que se refere a este programa visto a luz dos Direitos do Homem, a minha opyao vai no sentido de procurar o que acontece a Pessoa ao longo do nosso processo de trabalho. Ao faze-lo, nao se trata em particular de render homenagem ao "Nascimento oficial", digamos, dos Direitos do Homem corn o personalismo. Gostaria sim de reflectir convosco a volta de algumas relay6es centradas na acoplagem principal que, segundo J. Mourgeon, esta emjogo na hist6ria dos Direitos do Homem: Pessoa-Poder.
Ecerto que, face a metodologias tao pr6ximas do indivfduo, nao ultrapassando sequer 0 ambito dos pequenos grupos, pode parecer estranho procurar descobrir ate que ponto a pessoa nelas adquire presenya manifesta. Mas, precisamente, sera assim tao evidente a sua presenya? Evidencia a questionar. ARMADILHAS DA NOSSA LOGICA Logo a partida coloca-se uma questao: porque e que, na nossa concepyao do programa, tivemos necessidade de proceder as ja referidas divisoes pessoa!sujeito, pessoa!cidadao, pessoa!meio social, corn respectivas condiy6es de existencia? Eclaro que ha boas razoes, criadas dentro de uma igualmente boa 16gica consensual: nao se pode fazer tudo ao mesmo tempo, somos obrigados a por acentos t6nicos aqui e ali, segundo a prossecuyao de objectivos eo objecto em estudo. Recai sobre o aluno fazer a sfntese, mais ou menos elaborada ... Mas convem desde ja notar que, por exemplo, nao temos sempre consciencia de dividir quando empregamos, indiferentemente, os termos pessoa ou indivfduo. Tambem entendemos que entre sujeito e cidadao a diferenya corre em favor do ultimo pm路que, "foryosamente", inclui 0 primeiro. Pois bem, a questao pode estar precisamente nas divisoes e inclusoes implfcitas a que procedemos a medida em que, no processo de trabalho, colocamos os nossos acentos t6nicos. No automatismo das inclusoes sempre mais globais, a pessoa tornase subjacente e, eventualmente, cada vez mais longfnqua.
Acerca de modelos - alguns questionamentos No nosso caminhar metodol6gico, depois de trayar um quadro mais ou menos geral de 16gicas e concepy6es de diferentes modelos, optamos por comeyar pela 111/ervenqiio Sociol, /3114, 1996
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entrevista de Ajuda amaneira rogeriana, nao directiva, de trabalhar. E o momento mais nftido em que uma pessoa pode estar com outra pessoa. Sera por isso mesmo que este trabalho comporta grande dificuldade para a maior parte dos alunos? E-lhes diffcil desenvolver atitudes de compreensao, preferindo atitudes explorat6rias, mais pr6ximas da sua condigao de estudantes dentro dos contextos habituais de aprendizagem; tambem recorrem com frequencia a atitudes avaliativas e mostram gosto em usar atitudes de suporte, estilo bom-conselho. A partir da concepgao de utente e de profissional subjacente a estas atitudes, tudo se passa como se fosse muito diffcil, ou impossfvel, juntar pessoa e fungao. A representagao que tem da profissao faz corn que o estudante- e nao s6- tente colocar-se perante o outro com um olhar, questocs, raciocfnios cuja proveniencia tende a estar sernpre mais ligada a essa reprcscntagao profissional do que apessoa. A pessoa esta la, "forgosamente", mas ... subrnersa- e quantas vezes a que profundidade!- pela fungao. De resto, o utcntc nao solicita geralmente outra coisa, sobretudo o utente que pertence a"zona de exclusao" social (R. Caste!). Por isso, nesta acoplagem Pessoa - Fungao o segundo termo leva a melhor, pelo angulo da representagao do saber fazer profissional assim entendido. Nesta divisao pode inscrever-se, insidiosamente, urn olhar o outro tambern ele submerso numa especie de fungao designante marginal, delinquente, desempregado, enfim toda a especie de categorias "prontas a servir". Acontece que a fungao e tambem identitaria e da poder, mesmo aquela que tem por tarefa a defesa de direitos dos sem direitos. De resto, nao sao assim tao raras as situagoes em que este "mesmo" adquire maior propriedade se for traduzido por "principalmente" ... Postulamos ja que toda a hist6ria dos Direitos do Homem se passa na relagao Pessoa-Poder. Torna-se, entao, necessaria questionar o poder. Nao s6 o dos outros ou o dos que tem mais poder real. Nos limites em que situamos a nossa ref1exao, torna-se necessaria questionar o nosso proprio poder e o que damos ao utente, ao colega, etc. Ate pm路que todos conhecemos o fen6meno demasiado cmTente - o poder atrai pocler. No que rcspeita ao primeiro modelo e, concretamente, ao trabalho "centrado na pessoa", os riscos de a esquecer parecem minimizados, ja que e ela 0 proprio objecto de conhecimento. Este facto leva-nos, porem, a omitir que nao se trata apelnren路en,路dn Sncial. 13/1-1. 1996
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nas da pessoa do utente, rnas tarnbern da do assistente social. Esta separa~ao, ou rnesrno desfocagern, e operada porque estarnos, rnetodologicarnente, ocupados corn a ideia de que possufrnos forrna~ao, conhecirnentos para observar e o dever de cornpetencia na ac~ao a desenvolver corn o utente-observado - objecto do nosso trabalho. Na fun~ao assirn entendida, apenas o utente aparece como objecto, ainda que o nosso objectivo seja ode, corn o nosso saber ea nossa presen~a, leva-lo a fazer urn percurso em que de "objecto se tome sujeito". Esta postura, tanto mais agravada quanto rnais defensiva for, pode bloquear a carninhada de auto-conhecirnento, progressivo e a dois. Neste caso, nao sei qual das duas pessoas ficara, de facto, rnais implfcita: se a do utente, se a do assistente social. Irnplfcitos, be m justificados, e claro ... Mesrno quando duas pessoas se encontrarn face a face, ha um jogo de escondidas feito das respectivas necessidades de, em confian~a, se revelarern. Mas o rnedo arranja mil disfarces que a tornam pouco acessfvel aos outros ea si propria (persona-mascara). E o medo, pela inseguran~a que provoca, torna-se urn serio obstaculo a realiza~ao pessoal. Realiza~ao que significa, aqui, consciencia da sua dignidade, do seu valor como ser humano. Consciencia tambem das suas prenogativas que lhe conferern o direito de escolher, de dizer sim e nao, de se afirmar (J. Mourgeon). Ora, nos sabernos bem que nern todos os utentes podem beneficiar deste trabalho nao directivo, fazendo apelo a um desenvolvimento pessoal mais profundo. Para alem das dificuldades de pensar o que se sente e de o verbalizar, e necessario ter uma disponibilidade que nao e nada imediata quando o universo do nosso utente e o da rniseria e/ou aquele em que se encontram os bodes-expiatorios da sociedade. Se ao medo, ainseguran~a, se acrescenta a rniseria ... e bern arduo trabalhar para a realiza~ao da pessoa. E, alern disso, olhar-se a si proprio nao sera urn luxo? Os miseraveis tem mais que fazer. Eo assistente social? Talvez !he baste ser gentil e desembara~ado, habil no entretecer de novos fios la onde o sistema social esga~a ou apresenta buracos. Afinal de contas, o assistente social tem de ser tao "criativo" quanto o sao os exclufdos e "sobreviventes" de quem se ocupa. Certas expectativas sociais relativas lnten路en(l!O Social, 13114, 1996
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a este profissional sao bem marcadas por "contamina~5es" de tipo inadaptado-adaptador. Ede sobrevivencia que muitas vezes se trata no trabalho quotidiano. Entao, sob a pressao das condi~5es de vida, o A.S. despacha-se demasiado a enviar a pessoa ao psic6logo, sob forma de indivfduo. Estas condi~5es conduzem-nos a reflcctir sobrc o modelo de lntervenf'ClO em Favor do Utente. Este modelo pressup5e que se peya ao utcntc para assumir o papel que a "sociedaclc" lhe atribui- ode vftima. Claro que se acrcsccnta uma condi~ao: "vftima que nao o quer scr". Ou seja: trabalhamos com um utcntc cuja revolta assumida pode tornar-se um instrumento ao seu servi~o, poclc tornar a defcsa dos seus direitos ou mesmo tentar transformar prenogativas cm clircitos. Pelo mcnos assim o esperamos n6s, no domfnio dos direitos hoje inclufdos no que chamamos a "Questao Social". 0 utente nao viveni sozinho esta revolta; o profissional oferece-se para aumentar o seu potencial pondo-o em contacto com outros, dentro de condi~5es de vida similares. Esta certo. Mas, no mesmo movimento, produzimos catcgorias de pessoas-problema. As vftimas e o seu grupo: os desempregados, os que nao tem habita~ao digna, etc., etc. Outras tantas ciladas identitarias. Quanto ao papcl de vftima, ainda que digamos que e uma vftima que nao o quer ser, havcria muito a dizer, mas ficara para uma proxima vez. Remeto os interessados a rcflcctir sobrc o sistema de vitimiza~ao, visto por Rene Girard. 0 certo e que, neste modelo, o accnto t6nico vai ser posto nas estrategias de Claro que, para bem ncgociar 6 necessaria apreender o indivfduo e os seus trunfos, mas apesar das prccau~ocs c respeito mutuos permitam-me a expressao- e para melhor o manobrar! negocia~ao.
Eque ... o tempo aperta, cprcciso scr cl'icaz, somos obrigados a centrar-nos nas estrategias. Trata-se de, corn subtilcza 6 certo, medir o nosso poder com outros poderes. A nossa ac~ao e "em favor do utcnte" que, bem inclufdo no seu grupo, na sua categoria, pede emprestada a nossa voz para ter direito apalavra. Admitamos que a nossa negocia<;ao foi um sucesso - um direito foi reconhecido ou mesmo(!) um novo direito nasceu. Todos, utentes e assistente social se sentirao felizes e mais fortes. S6 que, na cadeia de poderes, estes sentimentos terao tambem a sua hierarquia- do utente, passando pelo A.S., pelos chefes administraInterren~y/o
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tivos encontrados pelo caminho, ate ... la em cima. Este sentimento de "mais forte" nao sera igualmente repartido. Eque, sem querer ou mesmo sem desejar, a cacla exigencia mostramos quem e 0 mais forte. Ainda que perdendo batalhas e o Poder que detem a for~a de estipular, ceder ou nao e isso nunca o fara contra si proprio. Ainda mais: as batalhas sao do interesse de uma categoria- os sem emprego, por exemplo; os que o tem gastam a sua energia a preserva-lo, em tempo de emprego precario. Que solidariedade e poss!vel? Tambem o Interventor em favor do utente partilha do mesmo dilema: se a batalha da negocia~ao e perdida e os direitos nao reconheciclos, segunclo esle moclelo, ele tem o clever de o denunciar de forma apropriada. Mas tera ele coragcm de denunciar o Poder por ineumprimento? Talvez quem tiver garantia de emprego e nao apenas trabalho. A generalizar-se o uso actual tornar-se-a bcm raro a competi~ao ou a vida e quase uma palavra de ordem. De resto, ja ha quem, ampliando o efeito, tenha operado uma muta~ao subtil: a competi~ao e a vida. E... o que acontece acoopera~ao? Olhando sob um outro angulo, os pr6prios nomes tambem produzem categorias de poder. E nomes tais como mediador, guia, educador, conscientizador sao talvez demasiado usados para qualificar a nossa ac~ao profissional. Algumas destas formas de ver, de frequente colorido moralista ou de vaidade menos consciente, s6 trazem vantagem a quem assim se considera. Nao ao utente. Vantagem que, de resto, sera mais aparente do que real. Esperemos que a evolu~ao do conhecimento e da etica permitam ver mais claro, mais finamente, mais justo. Sera esta esperan~a apenas "um ar do tempo?" E que a revisao do modelo sistemico, na minha experiencia actual de terapia familiar, faz-me muito sentido. Limitar-me-ei a referir brevemente o aspecto que se segue. Teoricamente, estamos longe do profissional-observador que sabe, diagnostica e prescreve. 0 profissional e reposto no movimento de que faz parte descle logo que se encontre com o sistema familia, formando assim o sistema terapeutico. Torna-se simples movimento que perturba, que, pela sua presen~a activa, provoca lnteJwnrilo Social, 13//.J, /Y96
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outra coisa, outras visoes diferentes da hist6ria da familia. Participa da construc;ao de outras hist6rias possfveis, cuja trama e inventada pelos actores, eles pr6prios her6is ou parias a procura de sentidos comuns mais satisfat6rios. Quanto ao nosso papel, por enquanto mais na teoria do que na pratica, esta mais perto do fen6meno e e bonito porque nao sornos mais impelidos ao uso de ornamentos de saber, omnipotencia, "bondade", etc. para tentar urn trabalho bem sucedido. Trabalho que nao emais o "nosso", mas ccornurn ao profissional ea familia. Significa ganho para as pessoas; quanto it func;ao, tarnbem nao perdera ja que o saber sera rnenos mistificado. A distancia pcssoa-func;ao sera reduzida. Teoricamente ... Quanto a pnitica, veremos comec;am os primeiros passos desta danc;a em que despimos ornamentos cle podcr, sob apadrinhamento cientffico. Nunca fiando, teremos de estar atentos aos novos disfarces desta nudez ... A mistificac;ao eum absurdo. Horkheimer poe uma questao importante, a saber, "violeneia e absurdo nao sao, no fundo, a mcsma coisa?" Ea violencia eantagonista da tolerancia. Isto nao quer dizer que se possa excluir a violencia da luta pelos direitos do Homem. Nao tern sido mesmo possivcl. Mas e absurdo que a acrescentemos em toda a cadeia de relac;oes: cada ancl dcssa cadeia sentira, ou dar-se-a ares de sentir mais o seu poder, mas a custa da sua propria pessoa e da de outros. Para terminar Voltemos mais gencricamente as metodologias, a prop6sito da posic;ao antimetodol6gica tomada por alguns assistentes sociais .. A principal razao avanc;ada parece ter aver, precisamente, corn a fragmentac;ao dos campos de intervenc;ao. Este pocle ser tambem o fundamento-base para o modelo de Intervenc;ao Integrada. Sera, entao, talvez legitimo deduzir que ha bastante consenso para reconhecer que a fragmentac;ao eum problema a resolver. No entanto, para a questao que agora nos ocupa, parece-me que as intervenc;oes integradas, bastas vezes amarradas a cadeias estrategicas, tambem deixam a Pessoa demasiadamente implicita. No bin6rnio Pessoa-Poder, a relac;ao continua por inverter, da a vantagem ao Poder. Tudo se passa como se trabalhassemos no sentido da dignidade da pessoa enquanto palavra de ordem, finalidade. Faltam-nos os meios para a tornar presente. Quem disse que os meios sao mais importantes que os fins? Entre eles tem-nos fallntcrrcnrclo Social. 131/.f-. !996
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tado a unidade de um metodo e mais rigor. Eque, a cada volta dos nossos discursos pragmaticos, das nossas actt1a96es colocadas quantas vezes sob o signo da urgencia, do "e preciso fazer qualquer coisa ate ver", da divisao do trabalho entre A. S. e utente, de etc., etc., estaremos a fazer o que nao queremos. Corremos o risco de moldar a pessoa anossa maneira, de a tornar mais adaptive! aos objectivos visados que n6s consideramos bons, em suma, mais manejavel para a nossa boa causa. Tornala-emos entao mais objecto do que sujeito e cidadao. Assim, nao sera de espantar que "a pessoa-finalidacle natural dos direitos do homem" fique sempre adiada. Diz-se que as finalidacles poclem sempre esperar! Teremos muito que fazer se, pelo menos, trabalharmos no sentido de diminuir a cadeia dos pequenos-grandes poderes, incluindo o nosso, para fazer emergir e tornar presente a pessoa - a nossa e a do outro. Entao, estou persuaclida de que teremos mais legitimidade e convic9ao na defesa dos Direitos do Homem face ao Pocler real.
lntenâ&#x20AC;˘enrdo Social, 13114. 1996
ESCOLAS DE SERVI<;O SOCIAL FUNCIONAMENTO DEMOCRATICO E APRENDIZAGEM DA CIDADANIA M." Aurora Matias
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INTRODU<;:AO Na sua pnitica os Assistentes Sociais lidam csscncialmcntc com indivfduos, famflias, grupos e popula~oes que sofrem de tais carencias que os impcclcm de terem acesso a educa~ao, asaUcle, a seguran~a social e ao trabalho c conscqucntemente estao impedidos de praticar os direitos civis e polfticos no sentido dos seus interesses. Os Assistentes Sociais actuam sobre todas as necessidades dos indivfduos que vivem em situa~ao de exclusao e pobreza. No seu espa~o de interven~ao, atravessado por varias contradi~oes, os exclufdos procuram conquistar e apropriar-se de bens e servi~os, e obter mais poder 1• Por sua vez os Assistentes Sociais procuram exercer uma media~ao entre a popula~ao e as institui~oes/organiza~oes, fornecedoras de bens e servi~os, procurando articular as necessidades com o acesso a condi~ao de usuario dos servi~os. As condi~oes em que se efectua a media~ao e o sentido que lhe eatribufdo poderao contribuir para a aquisi~ao da cidadania, 2 ou, pelo contrario, transformar os indivfduos em usuarios servis de bens e servi~os, incluindo do proprio Servi~o Social. 0 sentido e o resultado da pratica dos Assistentes Sociais dependem de condi~oes externas aprofissao e de condi~oes internas. Entre estas, considero de particular importancia a forma~ao que os futuros profis-
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Docente no ISSSL. Falcao, 1986, pag. 9-30. 2 A cidadania segundo Mm·shall ''t~ o conteudo da pertcn9a igualitaria a uma dada comunidade politica, afere-se pelos direitos e deveres que o constituem e pelas institui96es a que da azo para ser socialmente eficaz. A cidadania nao, por isso monolitica: econstitufda por diversos tipos de direitos, institui96es e produtos de hist6rias sociais diferenciadas protagonizadas por grupos sociais diferentes", In Santos, 1994, cap. 8, pag. 210. 1
llllen•ell('!IO
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sionais adquirem nas escolas por ser af que formam ou fundamentam o seu quadro de referencias te6rico!ideol6gico e aprendem o ser e o fazer profissional. Sendo a aquisi~;ao da cidadania, por parte dos sujeitos alvo da interven~;ao, a questao central da pnitica profissional, procurarei reflectir sobre alguns aspectos que nas escolas, poderao contribuir para a aprendizagem dessa pratica: • • • •
0 ensino/aprendizagem da teoria A produ~;ao de conhecimentos c sua difusao e utiliza~;ao As rela~;oes com o exterior A gestao democratica e o trabalho ern eonjunto
0 ENSINO APRENDIZAGEM DA TEORIA 0 ensino/aprendizagem da teoria cm qualquer curso do ensino superior nao pode assumir urn caracter meramente pragmatico, pronto para uso imediato. A aquisi~;ao dos fundamentos tc6ricos para o exercfcio de uma profissao deve ser inserido num sistema mais vasto quL~ permita interpretar e desenvolver a tradi~;ao cultural da sociedade e formar a consciencia polftica dos estudantes. Actualmcntc, toma for~;a uma corrcnte que dcl'cndc a despolitiza~;ao do ensino superior e a sua instrumentaliz<H;ao dirccta a proclu~;ao 1. Esta universidade concebida como fabrica, transmitinl, ainda que de forma nao explfcita, um determinado universo cultural e polftico/idcol6gico, sobre o qual nao se tera o mesmo controle que se teria, se essa transmissao fosse explicita. Esta conente, embora assumindo formas especfficas, pocle desenvolver-se, pelo menos na Escola de Servi~;o Social de Lisboa, ao por-se em questao o excesso do ensino te6rico e o canicter polftico desse ensino e sobretudo o seu enfeudamento as correntes Marxistas predominantes no Servi~;o Social da America Latina. A estas posi~;oes alia-se o enfado e o des interesse da maioria dos estudantes por toda a informa~;ao que conotem com polftica. Temos de dar aten~;ao e debater estas tendencias, pois embora reconhe~;amos que existem problemas na rela~;ao entre a aprendizagem do saber, do saber ser e do saber fazer, a causa nao reside na excessiva aprendiza-
Habermas, 1989. p<\g. l a 3. lnten·en~·ao
Silcial, 1311-1. JYIJ6
Escolas de
Servi~o
Social- Funcionamento DemocrMico e Aprcndizagem da Cicladania
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gem da teoria ou no seu enfeudamento a essas correntes. Esta, em nossa opiniao, na forma pouco sistematizada e pouco coordenada da transmissao da teoria que acarreta sobrecarga para os alunos e ocupa o espac;o que deveria ser dedicado areflexao crftica e ao debate corn vista ao desenvolvimento das capacidades e atitudes. Por outro lado, a confusao frequente entre instancias de aprendizagem te6rica e pratica e as deficientes condic;oes pedag6gicas, dificultam ainda mais o equilfurio entre as tres dimensoes da aprendizagem. Corn risco de regressarmos ao estatuto de simples tecnicos, preparados para o agir mas nao para o agir pensado, nao podemos descurar a formac;ao te6rica nem retirar a esta a dimensao cultural e polftica. A formac;ao polftica que defendemos nao significa partidarizac;ao ou imposic;ao de uma visao do mundo, mas sim a aquisic;ao numa pcrspectiva crftica de informac;ao necessaria acompreensao do clesenvolvimcnto cla cicladania, sem cscamotear as circunstancias e forc;as que contribufram para cstc dcscnvolvimcnto; relaciona-se coma aquisic;ao de informac;ao, sobre as lutas que se travaram em defcsa dos Direitos do Homem e sobre as correntes de pensamcnto c o scu contributo para essas lutas; relaciona-se tambem corn o desenvolvimento da reflexao mctaf6rica sobre o sentido do desenvolvimento do Servic;o Social no que diz respeito a sua visao do mundo, a sua relac;ao com a pratica c concretamente com o desenvolvimento da cidadania. A formac;ao polftica e o debate politico deve ainda preparar os estudantes para a aprendizagem do funcionamento democratico que devera eliminar toda a forc;a que nao seja a do melhor argumento e em que a decisao da maioria deve ser aceite apenas como substituto do consenso nao conscguido por impossibilidade de continuar a discussao. Esta forma de funcionamento democratico deve aplicar-se tanto ao trabalho cientffico como atomada de decisoes praticas 4. A formac;ao cultural e polftica deve ser complementada pelo desenvolvimento de incentivos aparticipac;ao em organizac;oes de estudantes, na gestao democratica das escolas e em outras associac;oes e movimentos que lutam pela defesa dos direitos dos cidadaos, pela qualidade de vida e do ambiente. Essa participac;ao clever repercutir-se pela atribuic;ao de creditos na valorizac;ao cunicular dos estudantes.
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Habennas, 1988, pag. 7.
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A forma9ao cultural e polftica para ser coerente deve assentar na pnitica das escolas, como institui96es intervenientes, no apoio directo a associa96es e movimentos de defesa do cidadao, no fomento ou incentivo a cria9ao de novas associa96es, nas tomadas de posi9ao publicas sobre situa96es de marginalizarao e exclusao social, no tornar visaveis novas carencias e no identificar formas de ac9ao inovadoras.
A PRODUyAO DO CONHECIMENTO E SUA DIFUSAO E UTILIZAyAO A produ9ao do conhecimento - uma das furwoes do Ensino Superior - torna-se particularmente premente corn a aquisi9ao da liccnciatura e do grau de mestre. Aparece como urn dos indicadores da avalia9ao do Ensino Superior, sendo fundamental para a afirma9ao da forma9ao em Servi9o Social, no contexto universitario. Porem, por muito importantes que sejam os aspectos formais, nao e com eles que estamos hoje preocupados mas sim corn o contributo que a produ9ao de conhecimentos pode dar ao processo de especifica9ao dos Dircitos do Homem e ao seu alargamento a novos sujeitos, na avalia9ao da eficacia da interven9ao dos Assistentes Sociais na questao da cidadania e na constru9ao de moclelos alternativos de interven9ao. Sem a produ9ao do saber estarfamos conclenados a !er a realiclacle pela perspectiva de outros e a ficar confinados a dimensao interventiva da profissao. Se por urn !ado a produ9ao do conhecimento cientffico, muito recente na nossa profissao, por outro, temos a sorte de acontecer num contexto em que come9a a ser clara a necessidade de se priorizarern as ciencias sociais e humanas, de se democratizar a produ9ao do saber e de se conesponsabilizar cientistas e cidadaos pela aplica9ao dos seus resultados :;. Pela necessidade de ruptura com o senso cornum, a produ9ao do saber tern ficado confinada as comuniclades cientificas retirando aos cidadaos a capacidade de participar, enquanto actividade cfvica, no desenvolvimento da sociedade e na constru9ao de regras para viver sabiamente 6. Esta situa9ao poder alterar-se se os cientistas adquirirern a capacidade de usar o saber para revalorizar outras formas de saber nao cientifico, tornando-se a universidade urn espa9o privilegiado de encontro de saberes 7. Nesta nova situa9ao o saber passar a ser valorizado pela sua utili5 6
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Santos, 1994, cap. 8, pag. 193-200. Santos, 1994, cap. 8, pag. 193-200. Santos, 1994, cap. 8, pag. 193-200. lnterl'enrflo Social. IJ/14. 1996
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dade social, na medida em que for usado pelos cidadaos para a constru9ao solidaria dum mundo orientado pela etica e em que a tecnica, vista como meio, que oferece vantagens e riscos, que devem ser calculados, atraves de processos democraticos. A capacidade que a universidade demonstrar de abertura ao exterior, ultrapassando o seu tradicional elitismo de classe, sera o melhor indicador da sua democratiza9ao. Estas considera96es sobre as tendencias desejaveis para a investiga9ao na universidade, tao caras a nossa profissao, por se referirem a valores, que pelo menos idealmente, sempre temos defendido, vem refor9ar algumas linhas orientadoras para a investiga9ao nas escolas de Servi9o Social, promissoras em rela9ao ao desenvolvimento da cidadania: • A escolha dos objectos de investiga9ao deve obedecer a criterios de utilidade, priorizando as preocupa96es da pratica profissional, nomeadamentc a necessi-. dade de esclarecer processos de exclusao que csta sociedade continuamente produz; • Essa escolha, a programa9ao das investiga96es e a sua concretiza9ao, devem contar com a participa9ao directa dos varios sujeitos implicados (profissionais, dirigentes e clientes); • Os resultados devem ser discutidos entre investigadores e sujeitos implicados e conduzir a elabora9ao de projectos de interven9ao; as escolas devem participar na elabora9ao, execu9ao e avalia9ao desses projectos, dando assessoria tecnica, realizando ac96es de fonna9ao ou novas investiga96es, procurando articular de forma uti! o saber cientifico e a pratica profissional; • Professores e alunos devem estar implicados directamente nestes projectos que servirao de espa9o privilegiado para aferir a rela9ao da teoria corn a pnitica.
AS RELA<;OES COM 0 EXTERIOR No contexto do Ensino Superior, as Escolas de Servi9o Social mantem rela96es privilegiadas corn o exterior nomeadamente corn dezenas de institui96es onde os alunos realizam os seus estagios e trabalhos de investiga9ao. Esse contacto mantem-se ainda atraves dos departamentos de Forma9ao Permanente e de P6s-Gradua9ao. lntervell!;ao Social, 13114, 1996
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Destas relat;5es advem vantagens para as instituit;5es a quem sao prestados servit;os e para as escolas, na format;ao dos seus alunos. A questao que coloco e, em que medida essas relat;5es sao suficientemente rentabilizadas atraves de projectos comuns de forma a permitirem: â&#x20AC;˘ A sistematizat;ao clas praticas mais inovadoras e a sua difusao; â&#x20AC;˘ 0 envolvimento de profissionais, estudantes e professores, atraves de formas de parceria vantajosas para todas as partes; â&#x20AC;˘ 0 alargamento da prestat;ao de servit;os por parte das escolas, nomeadamente atraves de actividades de assessoria tecnica, supcrvisao e investigat;ao. As relat;5es corn o exterior nao podem rcsumir-se aos locais de est<igio. As escolas devem estreitar as relat;5es entre si e corn as organizat;5es profissionais, apoiando as suas iniciativas e solicitando-lhes parcccr sobre a Polftica de Format;ao. Escolas e organizat;5es profissionais deverao formar opiniao e tomar posit;ao publica sobre problemas importantes para a profissao c para grupos de populat;ao privilegiados pela nossa intervent;ao. Estas relat;5cs prcssup5em um trabalho sistematico ern conjunta. As Escolas de Servit;o Social dcvcrao inserir-se no espat;o universitirio, participando no debate da Universidadc sobre si propria, realizando protocolos de colaborat;ao para acesso a bibliotecas c ccntros de docurnentat;ao, bem como para a troca de professores para leccionar dctcrminadas materias sobretudo a nfvel de P6s Graduat;ao e para a realizat;ao cm comum de projectos de investigat;ao. Por ultimo, parece-nos fundamental que as escolas participem em organizat;5es que defendam os Dircitos do Homem, a protect;ao dos animais e do ambiente e fomentem a criat;ao de cspat;os de debate sobre estas quest5es.
A GESTAO DEMOCRATICA E 0 TRABALHO EM CONJUNTO A gestao democn'itica das escolas nao pode desligar-sc do processo mais geral de democratizat;ao da sociedade, que condiciona o seu funcionamento interno. Apesar disso, aproveitando os recursos legais ao nosso dispor, poderemos transformar sua gestao interna num importante instrumento para aprendizagem da cidadania.
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Por outro lado, a democratiza~ao interna parcce-nos ser uma condi~ao essencial para que as escolas possam enfrentar os multiplos desafios que hoje se lhes colocam - desafios de natureza global, que atravessam todo o espa~o universitario 8 e dos quais nao nos podemos alhear e outros mais cspecfficos, relacionados com a nossa traject6ria profissional. Para isso, nao basta que a gestao demoCl路atica se limite ao cumprimento de rituais eleitorais e ao funcionamento de determinados 6rgaos mais ou menos reprcsentativos dos diferentes interesses. E necessaria, em nosso entender, que se crie e desenvolva uma cultura democratica viva, pm路que sem ela, os 6rgaos de gestao esvaziam-se, os seus actos perdem o sentido, acabando por ser menos eficazes do que os de uma gestao autocratica. A cria~ao de uma cultura democratica viva, nao possfvel sem o envolvimento dos alunos na vida das escolas e a sua participa~ao na defini~ao de normas pedag6gicas e no controle da sua aplica~ao, no debate de qucstocs importantes sobre o processo de ensino/aprendizagem, sem a sua auto-organiza~ao c participa~ao no movimento associativo. 0 envolvimento dos estudantcs na vida da cscola poclc scr, cm nosso entender, potenciado, pelos seguintes aspectos: - Comportamento dqs docentes e sua rela~ao com os estudantcs; - Desenvolvimento de condi~ocs materiais e pedag6gicas; Desenvolvimento de praticas de gestao baseadas na transparencia, na salvaguarda dos interesses institucionais e no estfmulo ao trabalho colectivo. 0 comportamento dos docentes e a sua rela~ao com os estudantes Os docentes condicionam o comportamento dos estudantes pela rela~ao privilegiada que mantem com estes. Cabendo-lhe a organiza~ao e direc~ao do processo de ensino/aprendizagem e nomeadamente do processo de avalia~ao, sao os principais responsaveis pela cria~ao de uma cultura democratica nas escolas. Para isso o espa~o/aula dever ser organizado de forma a permitir aos alunos serem sujeitos no seu processo de aprendizagem e matura~ao e motiva-los para intervir na vida da escola e na sociedade, o que pressupoe por parte dos professores um nivel de coerencia e rigor em rela~ao ao cumprimento de requisitos cientffico/pedag6gicos basicos, tais como: -
distribui~ao atempada do programa da disciplina, clarificador quanto a exigencias de aprendizagem, conteudos e apoios bibliograficos, metodos de ensino/aprendizagem e formas de avalia~ao.
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- estabeleeimento de uma rela\;iio eontratual, que clarifique responsabilidades mutuas quanto a eondi\ocs do ensino/aprendizagcm, partieipa\ao dos alunos e formas de avalia\ao. eumprimento de normas cm vigor na eseola, definidas e aeeites demoeratieamcntc, nomeadamcntc o Regularnento de Avalia\ao de Conhccimentos, cspeeialmente no que diz respcito ainforma\ao e registo atempado dos rcsultados da avalia\ao dos estudantes. estfmulo c respeito pelo trabalho indcpendcntc dos estudantes, nao lhes impondo aulas ou tarcfas nao prcvistas, cumprindo o honirio estabclccido ou avisando-os antccipadamente quando nao possa eomparecer. - cria\ao de espa\o para reflexao e troca, partindo do prineipio que o professor nao pode ensinar tudo e que por isso o fundamental ser ensinar a aprender e a pcnsar. disponibilidade para apoiar os alunos fora da aula, na prepara\ao de trabalhos para apresentar ao coleetivo, ou na prcpara<,:ao de instrumentos para reeolha de dados no exterior, assumindo a responsabilidade pela qualidade dcsscs trabalhos. - contribui\ao para o desenvolvimcnto na escola de urn clima de trabalho gratificantc, assente no respeito nnJtuo, na solidariedadc, numa atitude intclcctual crftica e flexfvel bcm como no respeito de normas de etica, propfcio ao desenvolvimento do scntido de rcsponsabilidade individual e colcctiva. Desenvolvimento de condi<,:iks matcriais e pedag6gicas. 0 desenvolvimento duma cultura dcrnocnitiea nao assenta apcnas no comportamento dos docentes e na sua boa vontade, cxige a eria\ao de condi\oes materiais e pedag6gicas basicas tais como: - espa\O de trabalho para alunos, para trabalho de professores com alunos e dos professores entre si; - constitui\ao de turmas de dimensao adequada em que se tome possivel conhecer os alunos; estfmulos adequados que permitam o envolvimento dos doeentes em tarefas de produt,:ao de conhecimcntos, de dinamiza\ao cientifica/cultural da escola e de partieipa\ao em actividades de extensao comunitaria; - moderniza\ao dos servi\os, cspeeialmente da Biblioteca e Secretaria Escolar, bem eomo a cria\ao de um centro de recursos audiovisual. lnterml('r!o Social, /3114. /996
Escolas de Serviqo Social- Funcionamcnto Dcmocratico c Aprcndizagem da Cidaclania
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Estas mudmwas exigem a defini9ao de uma polftica que vise o aumento de receitas pelo recurso apresta9ao de servi9os e aparticipa9ao em projectos financiados, assim como a definiyao de criterios mais rigorosos para acesso ao curso e o alargamento de medidas de apoio aos estudantes com dificuldades. Desenvolvimento de praticas de gestao baseadas na transparencia, na salvaguarda dos interesses institucionais c no estfmulo ao trabalho colectivo Como dissemos a gestao democnitica esvazia-se se limitada ao processo eleitoral peri6dico, seguido de um desinteresse generalizado. Deverao entao, os 6rgaos eleitos, encontrar meios para que o seu trabalho nao se isole da comunidade escolar mas antes se apoie nela. Entre esses meios destacamos: -a informa9ao regular sobre o que esta em jogo em cacla momento, tornando transparentes as decisoes que se vao tomando; - a cria9ao de canais organizados para circulayao da informa9ao e ausculta9ao previa atomada de decisoes importantes; -a institucionalizayao de horarios de atendimento abertos a todos, que permitam resolver rapidamente algumas disfuny5es, bem como o troca de informay5es sobre o funcionamento da escola; - 0 incentivo a fonnas de trabalho colectivo, o debate de temas de interesse geral e de questoes de natureza pedag6gica, desenvolvimento de programas para assinalar acontecimentos significati vos. Medidas como as assinaladas contribuirao para criar dinamismos que transformarao a escola num local onde se ensina e aprende, onde se debatem ideias e praticas onde se produz conhecimento e sobretudo oncle se aprende a agir democraticamente. Em sfntese, a pratica da transparencia, tornacla possfvel por uma infonna9ao permanente e a dinamiza9ao de formas de trabalho colectivas garantirao o desenvolvimento de uma cultura democratica e a salvaguarda dos interesses institucionais que em nosso entender passam, nesta fase, pelo enfrentar dos seguintes desafios: - melhoria da qualifica9ao dos docentes - desenvolvimento da produ9ao do conhecimento - revaloriza9ao e aprofundamento das rela96es com o exterior. lnterl'en(路!lo Social. 13114, 1996
M aria Aurora Matias
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CONCLUSAO Reafirmamos a convic~ao de que a democratiza~ao interna das escolas de Servi~o Social e fundamental para a aprendizagem da cidadania e condi~ao para o enfrentar dos desafios que hoje se lhcs colocam. Nao querendo defender urn estatuto especial para a nossa profissao, nao ha duvida que, pelo facto de diariamentc lidannos corn popula~oes exclufdas ou em risco de exclusao, nos econferida uma responsabilidade especial na !uta pela cidadania, contra as diferentes formas de exclusao, que esta sociedade constantemente segrega. As escolas de servi~o social nao curnprirao os seus objectivos se nao prepararem te6rica e praticamente os futuros profissionais para enfrentar esta questao fundamental da sua pratica. Para isso, tem de tornar-se referencias importantes, pelo que ensinam, pelo seu funcionamento interno e pelas rela~oes que mantem com o exterior. BIBLIOGRAFIA BOBBIO, Norberto- A Era dos Direitos. Edit ora Campus, 1992. CRISTOV AO, Artur c Portela, Jose- A Fxtcnslio Rural e a Uni1•ersidade: Contribllto para wna r~flexlio. in Publica~;oes ''Universidade de Evora", Cadcrnos de Extensao Rural n. 0 I, 1992. FALCAO, Maria do Carmo -A Prcitica Social na lvlodernidade, in, Interven~;ao Social n. 0 4, Edi~;ao ISSS, 1986 pag. 9 a 30. HABERMAS- JOrgem, Tmmrd a Rational Societr, Cambridge. Polity Press, 2." Edi~;ao, 1989. SANTOS, Boaventura de Sousa -- Pela l'vhlo de A/ice. 0 Social e o Politico 1w P6s-klodemidade, Porta. Afrontamento, 3." Edi~;ao 1994.
lnlnwn(·clo Social, 131/4, 1996
FORMA<;AO EM SERVI<;O SOCIAL: CONTEXTOS E PROCESSOS DE APRENDIZAGEM DA CIDADANIA Lu(sa C. Pinto e Berta Granja
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Assistiu-se, em Portugal, logo ap6s o 25 de Abril de 1974, a introdu~iio de profundas mudan~as na Forma~ao em Servi~o Social, mudan~as que implicaram todos os que mais direetamente contribuiam para a forma~ao dos Assistentes Sociais. Do amplo debate adata iniciado e de real~m· o consenso gerado em torno do discurso que, reconhecendo o pragmatismo que mar·cava as praticas do Assistentc Social, preconizava o abandono de um modelo de cultura profissional que dissociava ciencia e interven~ao. A critica ao pragmatismo que ha muito tempo imperava no Servi~o Social colocou em primeiro plano nao s6 a questao dos problemas de conhecimento, com destaque para os instrumentos te6ricos indispensaveis acompreensao dos processos sociais como, tambem, a dos problemas relacionados com a produ~ao da mudan~a social em situa~oes reais. A ruptura com o praticismo a cientffico que caracterizava as praticas do Servi~o Social- e que tao decisivamente contribuiu para a inferioriza~ao s6cio-profissional do Assistente Social - expressou-se no abandono de uma forma~ao alicer~ada em conhecimentos predominantemente etico-religiosos e algumas no~oes dispersas do dominio da psicologia e do direito (forma~ao dita te6rica) e de uma forma~ao pratica que se circunscrevia amanipula~ao instrumental e banalizada desses conhecimentos. Desde essa data que urn dos maiores desafios que se tem colocado aforma~ao em Servi~o Social consiste, com efeito, em procurar dotar os Assistentes Sociais de saberes que os tornem aptos nao s6 a produzir leituras cientificamente informadas da
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Docentes no ISSS Porto.
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realidade social mas tambem a elaborar estrategias de intervenyao adequadas amodificayao das dinamicas sociais geradoras de mU!tiplas formas de exclusao sociaL Sao exemplo do esforyo empreendido ncste domfnio as alteray6es verificadas nos pianos de curso ao longo destes vinte anos. De rea!yar a importancia atribufda aos sa be res provenientes das diferentes disci plinas das Ciencias Sociais e o papel decisivo que os estagios/semimirios desempenham na eonsolidayao da formayao dos Assistentes Sociais. Pela articulayao coerente de saberes teoricos e praticos, as instancias de estagio/seminario visam dotar os futuros Assistentes Sociais da capacidade de problematizar os fen6menos que integram o campo de acyao do Serviyo Social e definir estrategias de acyao, a partir dos problemas que se colocam aos profissionais de Serviyo Social nos diferentes contextos institueionais. As escolas investiram, assim, particularmente no abandono de uma formayao marcada pela dicotomia e a hierarquizayao de sabcres entre conhecimentos "puro" e "aplicado", "te6rico" e "pratico", absolutamcntc incompatfveis coma afirmayao de um modelo de cultura profissional que associa conhecimento cientffico do social e intervenyao em problemas reais. Serias tem sido, tambem, as exigencias no que respeita as necessarias articulay6es entre saberes disciplinares por forma a nao inviabilizar a Uio requerida interdisciplinaridade, matriz estruturadora de uma formayao qualificada dos Assistentes Sociais. E condiyao de enriquecimcnto e eficacia da formayao que esta se apoie em sfnteses te6ricas, cujo aperfeiyoan1cnto contfnuo se revela indispensavel para quem procura apreender a complcxidacle dos processos sociais. Contudo, as exigencias de uma polftica de formayao que pretende contribuir para a aprendizagem e o desenvolvimcnto dos direitos do homem e do cidadao nao se esgotam nos aspectos enunciados. Formar 1\.ssistentes Sociais nao e, senao, formar cidadaos particularmente aptos a contrariar os mecanismos sociais que constituem obstaculos ao exercfcio efectivo do direito de ser cidadao. Tl路ata-se de garantir a construyao de um tipo de profissional cuja particularidade reside na sua competencia para promover a cmancipayao de indivfduos e grupos socialmente marginalizados, por forma a que scjam efectivamente reconhecidos como sujeitos de direi tos. De sublinhar que, para as catcgorias e grupos mais submetidos aos processos de discriminayao e de vulncrabilidade soeiais, a cidadania e algo que se encontra fora do seu horizonte de possibilidadcs. Para numerosos indivfduos e grupos o reconhecimento da cidadania nao significa aincla senao um sonho ou uma utopia, na medida em que a afirmayao dos direitos nao ultrapassa o simples enunciado de princfpios. 0 enunciar dos direitos nao basta para produzir realidade, ele expressa sobretudo lntenenrao Sociul. 13//{ 19Y6
Forma~ao
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um conjunto de inten<;6es e de projectos que se revelam insuficientes para garantir a sua concretiza<;ao. Ultrapassar esta insuficiencia supoe que os Assistentes Sociais promovam interven<;6es susceptfveis de introduzir mudan<;as nao somente ao nfvel das condi<;6es culturais mas, sobretudo, no dos contextos econ6micos que impedem os indivfduos de aceder aos recursos de que depende a sua dignidade pessoal e social. Os Assitentes Sociais deverao ainda estar aptos a empreenderem ac<;6es orientadas para a cria<;ao de estruturas e dinamicas s6cio-institucionais que estimulem o desenvolvimento das capacidades dos agentes sociais e os torne aptos a tomar parte nos processos de decisao. Assegurar o reconhecimento da cidadania supoe entao que os Assistentes Sociais se empenhem em contrariar os mecanismos e processos que transformam os indivfduos em objectos, em instrumentos das decisoes e vontades daqueles que detem o poder e que, no seu exerc1cio actuam se gun do processos que favorecem meramente a cria<;ao de consumidores passivos dos seus produtos. Garantir a forma<;ao deste tipo de Assistcntcs Sociais obriga, scm duvida, a construir, no interior do proprio contcxto cscolar, estruturas e pnl!icas que se opoem areprodu<;ao das hierarquias sociais e ao alheamento dos estudantes da gcstao dos diversos domfnios da vida institucional. Com efeito, a organiza<;ao da vida cscolar deve favorecer o exerc1cio quotidiano da participa<;ao, da autonomia e da crftica construti va. A transmissao de conhecimentos nao e por si s6 formadora. Os processos de forma<;ao nao podem ser qualificantes nem para os professores nem para os estudantes se, para alem de darem a conhecer os instrumentos indispensaveis acompreensao do social e do agir comunicacional, nao garantirem a coerencia e valoriza<;ao dos saberes transmitidos pela participa<;ao de todos no quotidiano da vida escolar. S6 assim eles poderao assegurar as condi<;6es favoraveis atomada de conscicncia e a vivencia efectiva dos direitos do cidadao. Os conteudos de forma<;ao que fazem referencia ao exercfcio dos direitos sao em si mesmos manifestamente incapazes de contrariar as rela<;6es de exterioridade com o conhecimento e de promover a interioriza<;ao e utiliza<;ao adequada dos saberes disponfveis. Esta a razao pela qual e fundamental procurar promover o aperfei<;oamento dos model os de funcionamento institucional de modo a constituir a escola num contexto de socializa<;ao capaz de prolongar os esfor<;os desenvolvidos, depois de 1974, ao nfvel da consistencia te6rico-metodol6gica da forma<;ao. Para os futuros Assitentes Sociais, a participa<;ao nos diversos domfnios da vida escolar constitui um terreno crucial de aprendizagem de capacidades -de argumenta<;ao, de rela<;ao com a difelnten路enrao Social, /3114, 1996
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ren9a, de organiza9ao e de mobilizayao sem as quais se torna impossfvel influenciar os processos sociaiso Uma estrategia de multiplicayao de ocasioes de apredizagem do debate democratico, de implicayao activa na organiza9ao e na gestao de projectos colectivos e, sem duvida, indispensavel para assegurar a coerencia da forma9ao de profissionais implicados na promo9ao do desenvolvimento econ6mico e social. 0
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No espa9o mais restrito da sala de aula, a forma9ao dcve igualmente implicar os sujeitos em toda a sua globalidade de sercs humanos; cla nao pode limitar-se unicamente a constru9ao de conhecimentos tcoricos, ignorando a constru9ao da personalidade, o desenvolvimento afectivo, o crcscimcnto e orienta9ao da sensibilidade e a forma9ao de valores morais que o conhccimcnto nao pode dispensar, tratando-se do conhecimento da sociedade humana, scrn esquecer, tambem, a dimensao cstetica que faz parte intcgrante do humanoo Trata-sc de formar para conhecer o "possivcl", para agir neste "possfvel" o que significa: viver com a fragilidade das inccrtczas sobre o social, a sua opacidade, assumir a precaridade das soluy5es, decidir no mcio do "caos" e tcr a lucidez necessaria para nao ficar paralizado pela complexidacle, a multiplicidade das variaveis, das causas, efeitos, interacy5es e concxocso Definidas como mudan9as qualitativas do saber, do saber aprender, ser c fazer, as aprendizagens necessarias sao de divcrsos tipos: - existenciais; - da compreensao e da explica9ao; - instrumentais e pragmaticaso Para que todas elas se possam rcalizar e necessaria implicar os estudantes na globalidade do seu ser, fazendo apclo a sua emo9ao, afectividade, sensibilidade, a sua racionalidade, as suas exigcncias esteticas e eticaso A forma9ao em Servi9o Social, que promove a valoriza9ao e defesa dos direitos do homem, s6 tera correspondencia em materia de aprendizagens verdadeiramente significativas e geradoras de mudan9as ao nfvel dos saberes, das atitudes, dos comportamentos, das leituras interpretativas e explicativas do real se, as pr6prias praticas pedag6gicas e as experiencias vividas no espayo/tempo da formayao, integrarem elas mesmas o exercfcio dos direitos da cidadania e uma intervenyao crftica constante com vista ao aprofundamento do seu reconhecimento e aplicayaoo httetWII(o<lo
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Quais sao os direitos que as pn'iticas pedag6gicas e o espa9o/tempo da formayao permitem identificar e desenvolver? Nao podem ser direitos definidos em termos abstractos, mas direitos que se inscrevem no quadro das condi9oes sociais globais, da evolu9ao hist6rica da forma9ao em Servi9o Social, das verificadas em cada estabelecimento de ensino, das condi96es que regulam o exercicio da fun9ao professoral e das que sao definidas pela origem, hist6ria e projectos dos indivfduos e dos grupos que procuram esta forma9ao. Um primeiro direito dos estudantes eo direito ao sucesso escolar. Este, no contexto universitario, parece serum problema exclusivo dos estudantes. Quando chegam ao ensino superior os estudantes estao ja fortemente marcados por uma longa experiencia de escolarizayao em que a procura legftima de notas elevadas para poder concorrer no mercado de trabalho nas condi96es mais favoraveis os conduz sobretudo a procurar adaptar-se. E por esta razao que geralmente eles nao criam problemas pedag6gicos aos professores e tentam responder as suas exigencias que, na maioria dos casos, se limitam a rcstitui9ao de conhecimentos te6ricos debitados ao longo dos cursos ou procurados nos manuais ou nas obras dos autores indicados. Esta restitui9ao s6 raramente corresponde a interiorizayao de novas representay5es, apoiando-se, por um lado, sobre conhecimentos recentemente adquiridos e, por outro, sobre a experiencia e saberes anteriores; ela nao podera assegurar, de forma alguma, a aquisi9ao de representayoes construidas de forma "inteligente", susceptfveis de criar novas categorias, novas estruturas mentais, novos comportamentos e atitudes que, em situayao de intervenyao, permitam desenvolver leituras apropriadas e um "saber fazer" criativo e ajustado amultiplicidade e complexidade das situa96es sociais. Um outro direito dos estudantes e o de aprender e, mais ainda, o direito de aprender a aprenda A aprendizagem e um processo permanente de multiplas transiy5es entre as representayoes do mundo que temos como adquiridas e outras, mais recentes, que nos procuramos estabilizar e articular entre si, a fim de construir novas representay5es e eliminar as outras. Aprendizagem significa para cada um compreende1; quer dizer tratar em conjunto, aprender elementos do mundo e da vida e integra-los no seu universo pessoal de forma a construir sistemas de representa9ao pessoais, cada vez mais pr6ximos da realidade. Segundo Meirieu (1994:41 ), a aprendizagem "e uma hist6ria que poe em presenya algo que ja existe e uma interven9ao exterior, uma hist6ria em que se confrontam sujeitos e onde trabalham e se articulam, nunca facilmente, interioridade e exterioridade, aluno e professor, estruturas cognitivas existentes e novos contributos (... )". lnteJWJI('cio Sncial, 13114, 1996
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Num tal processo, os estudantes tern necessidade de autonomia a fim de desenvolver urn trabalho intelectual pessoal que exige o dominio das tecnologias que sao proprias deste tipo de trabalho. Se gun do Pineau (1991:31 ), "a solidao - pela ausencia de outros- remete a vontade ou a for~a do sujeito para si proprio", para as suas fragilidades, as suas ignorancias. Mas a solidao e fundamental para o desenvolvimento de estrategias autonomas do cerebro, para o exercicio da faculdade de auto-organiza~ao.
Em todo o caso, para que o tempo de estudo individual possa ser formador, e preciso saber-se aonde se dirigir para ter acesso ao saber, ter adquirido as estruturas e processos mentais que suportam o pensamento, quer dizer, o encadeamento de conceitos, a sua combina~ao e articula~ao scm ajuda do exterior. Tudo isto implica igualmente que se tenha o dominio da palavra, que estejemos capazes de nos pronunciar sobre os saberes apreendidos. Tudo isto so se adquire em constante interac~ao com o fonnador, corn o grupo, atraves de exercfcios de produvao escrita e oral e de acordo com rftmos que sao muito difcrentes segundo os individuos. Apoiar o estudante de modo que ele construa o scu proprio caminho de acesso ao saber, que ele aprenda a manipular manuais e livros, organism路 as suas notas pessoais, as suas contribui~oes orais, e uma importante funvao do professor que pretende que o estudante aprenda a aprender. Os estudantes tem necessidade de conhecimentos e referencias teoricas legitimados e reconhecidos pela comunidadc cientffica. Mas, para que estes conhecimentos se tornem operatorios, e preciso que eles sejam contextualizados e sistematizados, integraveis nos conhecimentos anteriores e futuros; e preciso ainda que a sua utiliza~ao em contextos concretos de trabalho e de vida seja visfvel, que os estudantes disponham de espa~os para debater, oralmente ou por escrito, os saberes em causa, desenvolver actividades de investiga~ao individual e colectiva, enfim, que os processos de avalia~ao de conhecimento, durante todo o percurso de forma~ao, sejam conhecidos e transparentes. Neste sentido, o exercicio do direito de aprender a aprender requer dois tipos de condi~oes fundamentais: a qualidade da comunica~ao entre o estudante, o grupo e o professor e o acompanhamento do professor no processo de aquisi~ao e de exercfcio de metodologias de aprendizagem operativas. 0 direito c1 conumica~ao e um direito inerente a existencia dos indivfduos e da especie. A capacidade de comunica~ao e um factor de desenvolvimento positivo da rela~ao pedagogica e pressupoe da parte do professor capacidade de escuta e descentramento face ao estudante, aos seus desejos e as suas necessidades. Escuta e descentramento sao, com efeito, condi~oes necessarias a aprendizagem da racionalidade e da logica do outro de forma a ser capaz de por em causa as suas represenlnterreni路ao Social. 13/14. /996
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tat;6es e de percorrer o caminho indispensavel para poder ou consolida-los ou altera-los, no decurso de um processo de construt;ao de novas estruturas mentais. Capacidade de comunicat;ao significa ainda relat;ao de proximidade, utilizat;ao de uma linguagem comunicativa que permita estabelecer pontos de contacto entre diversas racionalidades, a do estudante, do professor e da disciplina objecto de aprendizagem. As dificuldades de comunicat;ao funcionam frequentemente como factores de bloqueamento das aprendizagens. Elas impedem objectivar a experiencia, integra-la na construt;ao de novas operat;6es mentais que sao constitutivas dos proccssos de aprendizagem. Enquanto que detentor instituido do saber, tendo o poder de falar e escrever sobre este saber, o professor exerce um poder simbolico sobre o grupo estudante. A fim de gm路antir a todo o risco o seu sucesso, os estudantes procuram integrar-se na racionalidade do professor uma vez que ela representa a cultura escolar. Ora, para que o processo pedagogico possa conduzir a maturidade e autonomia intelectuais dos estudantes, e da racionalidade do estudante que e necessaria partir, e a esta que se torna necessaria dar ocasiao para se exprimir e se reconstruir, ultrapassando a inibit;ao que pode criar no estudante a consciencia dos seus limites. Consequentemente o estudante deve disp6r de numerosos momentos e ocasi6es para se exprimir. Se eles se limitam aos momentos da avaliac;ao. estes tranformam-se em julgamentos cle ignorancia. Se eles sao numerosos e integram constantemente o processo de ensino-aprendizagem, eles constituem-se, pelo contrario, em instrumentos de avaliayao que permitem fazer o balant;o dos recursos existentes e dos que ainda faltam, bem como identificar os metodos que permitirao adquirir os recursos que conclicionam o acesso ao saber. 0 grupo e a sua dinamica interactiva poclem revelar ao professor os problemas e bloqueamentos sentidos, a distancia entre as diversas logicas e racionalidades responsavel pelas dificuldades de acesso as novas representat;6es, objectos de aprendizagem. Enecessaria uma certa proximidade para que o formador possa apoiar a integrat;ao de novos saberes aos contextos e meios familiares dos estudantes e poder construf-los de novo. Mirieu (1993:94) chama a atent;ao sobre o paradoxo da relat;ao eclucativa, no decurso da qual o educador deve ser por sua vez, e de forma adequada, proximo e distante, "manifestar sem escrupulos a sua diferent;a, dm路-se a conhecer naquilo em que e mais suceclido e, no mesmo instante, testemunhar da sua extrema proximidade, deixar perceber a emot;ao partilhacla, a inquietude do meclo, o sinal palpavel da sua humanidade". 0 educador cleve representar para o estudante uma referencia de identificat;ao proxima, que !he e possfvel atingir, mas suficientemente clistante para fazer despontar o desejo de saber, de conquistar um dia este saber. hllfiWII{'clO
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A sistematiza~ao da informa~ao, a sua estrutura~ao l6gica, constituem um outro imperativo fundamental para que o estudante possa contextualiza-la e apreender a sua coerencia interna. Se a constru~ao da rela~ao pedag6gica exige do professor todo um trabalho de prepara~ao que faz apelo a sua racionalidade e asua capacidade organizativa, ela requer igualmente o seu entusiasmo e paixao pelo saber, apelando ainda asua capacidade de improvisa~ao. Para ser consistente, toda a improvisa~ao supoe um grande domfnio do saber acompanhado de qualidades de intui~ao e sensibilidade que permitem tratar, ao longo das interac~oes no seio do grupo, a especificidade dos percursos individuais em materia dos saberes multidisciplinares, de supera~ao do conhecimento do senso comum e de defini~ao de saberes que o campo de conhecimento em causa poe em jogo. Para ganhar em for~a e poder transformador, a comunica~ao pedag6gica nao pode dispensar a expressao emocional, a dramatiza~ao de situa~oes de comunica~ao nem tao pouco os elementos de sedu~ao, de importancia fundamental para que o desejo de saber, motor de toda a investiga~ao e constru~ao do conhecimento, possa emergir. A forma~ao deve ser pensada a partir do que ela representa efectivamente para a vida dos estudantes, de maneira a implica-los; mas, coloca-los no centro do processo, implica que se lhes reconhe~a o direito it crftica ea auto-reflexividade. Cada individuo acede ao saber de uma maneira que lhe e propria, construida em fun~ao da sua hist6ria pessoal. Epor isso que o estudante tem o direito de ser considerado como wn ser global, integrando toda a densidade ea dinamica da vida que se desenrola no interior de diversos espa~os transversais (R. Barbier 1991 :245): - um espa~o pessoal no qual o sujeito existencial e um "ser de rela~oes humanas", dotado de um universo pulsional conflitual e de uma "palavra especifica"; - um espa~o organizacional no qual ele e antes de tudo um "actor social" e um ser que fala a "linguagem" do seu grupo; - um espa~o institucional no qual ele e entao um "agente" principalmente reprodutor de estruturas sociais conformes, mas igualmente um "desviante" dotado de uma negati vidade instituinte; - um espa~o cosmo-ecol6gico no qual o sujeito existencial se reconhece como um "elemento relegado" a um conjunto mais vasto e transpessoal com o qual ele interage de uma maneira holistica. Compreender e integrar as interferencias entre estes espa~os, as suas dialeticas parciais e variaveis e condi~ao necessaria ao desenvolvimento do processo de aprendizagem. lnterrenrdo Social. 13/H 1996
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Ao longo deste, o estudante tem ainda o direito de encontrar os elementos de constnu;ao da sua propria identidade profissional e de construir os seus projectos individuais, respondendo as suas motiva~oes e expectativas em materia de integra~ao no mercado de trabalho. Mas o processo de aprendizagem poe igualmente em jogo o professor, como ser dotado de direitos de cidadania. 0 direito de acesso ao saber pedag6gico deve ser-lhe reconhecido por forma a que ele possa ser um construtor do conhecimento pedag6gico e nao um ignorante especializado, dominando o seu saber, mas ignorando tudo o resto e, em particular, a sua responsabilidade em materia de sucesso ou de fracasso dos estudantes. Para que a sua experiencia enquanto educador possa ser auto-formadora, ele deve poder exercer o direito aauto-reflexividade pedagr5gica e dispor, para este efeito, de momentos e espa~os especfficos com outros formaclores c com os seus estudantes. 0 exercfcio eficaz da fun~ao de formador dcpcndc ainda cstrcitamcntc do reconhecimento do direito cls condi\路6es de traba/ho c a unw relacrio solaria/ estrlvel que !he permita estar na escola e nao simplcsmcntc passar na cscola. A pedagogia do adulto em forma~ao e uma pcdagogia cla singularidadc c o professor s6 podera contribuir para o sucesso das aprendizagens dos cstuclantcs c da sua pr6pria fotma~ao apoiando-se nesta singularidade. Ele devera pois ter a possibilidadc de conhecer os estudantes, as suas expectativas e os saberes que efectivamente j<1 dctem. Mais ainda, esta preocupa~ao nao pode limitar-se a cada professor c ao seu campo de saber. 0 estabelecimento de ensino deve criar dispositivos de comunica~ao que garantam ao professor o acesso as informa~ocs nccessarias, fornecendo simultaneamente aos estudantes espa~os de rcaliza~ao de actividades que permitam a emergencia de conhecimentos para alem do espa~o-tempo do curso. Os dispositivos institucionais podem evitar o isolamento de cada mini processo Professor-Estudante-Saber fazendo circular a informa~ao a fim de descobrir, de encorajar, de apoiar e de divulgar as experiencias criadoras e ferteis do ponto de vista das aprendizagens. Para que a experiencia pedag6gica de cada professor scja formadora, ela deve podcr ser objecto de reflexao crftica da sua parte como da parte de outros professores e dos diversos agentes que intervem no processo de forma~ao. Aprofundar o problema da concretiza~ao destes direitos obrigar-nos-ia a abordar os problemas actuais do Ensino Superior em Servi9o Social, em Portugal, sublinhando particularmente a sua ausencia do ensino superior publico ea falta de apoios publicos visando garantir que o acesso a este sector de forma~ao corresponda a um direito para todos os que, tento tido sucesso no ultrapassar de outras barreiras da selec~ao, podem aspirar ao ensino superior. lntownriio Social, 13114, 1996
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lntm·o1\'!lo Social. 13114. 1996
A CONFERENCIA INTERNACIONAL SOBRE POPULA<;AO E DESENVOLVIMENTO Ana Vicente
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Em Setembro de 1994, os governos de 182 paises membros da ONU reuniram-se no Cairo para perspectivarem a populavao eo desenvolvimento num mundo em crescente interdependencia e intercomunicavao. A Conferencia Internacional sobre Populavao e Desenvolvimento inseriu-se num conjunto de grandes Conferencias Mundiais, promovidas pela ONU, que se seguiram ao fim do sistema comunista e que tem como caracterfstica comum um olhar integrado sobre as quest6cs que abordam. Foram cssas Conferencias: a Cimeira Mundial sobre a Crianva (Nova lorquc 1990), a Conferencia das Nav6es Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro 1992), a Conferencia Mundial sobre Nutrivao (Roma 1992), a Conferencia Mundial sobre Direitos Humanos (Viena 1993). Tal como foi o caso em todas estas grandes Conferencias, mas que ja tinha sido pratica na I Conferencia Mundial sobre as Mulheres, reunida no Mexico em 1975, a Conferencia do Cairo foi acompanhada por um Forum de Organizav6es nao-governamentais. Ai houve ocasiao para, de uma forma informal, muitos milhares de pessoas vindas de todo o mundo debaterem os seus anseios e os seus sonhos. De alguma forma esse fermento foi comunicado a Conferencia Oficial e enriqueceu seus trabalhos. Alias, os adquiridos na Conferencia do Cairo, foram por sua vez incorporados nos documentos aprovados nas duas grandes Conferencias Mundiais que !he succderam. A saber, a Cimeira do Desenvolvimento Social (Copenhaga, Marvo de 1995)
Ex-Presidente da Comissao para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres. !nterl'enrclo Social, 13!14, /996
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ea IV Conferencia Mundial das Nay5es Unidas sobre as Mulheres (Pequim, Setembro, 1995). No final da Conferencia do Cairo foi aprovado urn Programa de Acyao abrangendo 16 Capftulos. Vale a pena enunciar os tftulos desses Capftulos, pois comunicam-nos muito acerca do conteudo de um Programa que in1 influenciar as politicas de muitos pafses e tambem as polfticas das agencias das Nay6es Unidas, tais como a Organizayao Mundial de Saude, o Fundo das Nay5es Unidas para as Actividades da Populayao, a UNICEF, a UNESCO ea Organiza9ao Internacional do Trabalho, assim como o Programa que a todos da cobertura conheciclo pelo Programa das Na96es Unidas para o Desenvolvimento. E prevejo que cssa influencia vai perdurar pelo menos durante duas clecadas. Sao eles: 1) Prefimbulo; 2) Princfpios; 3) 0 intmelacionamento entre popula9ao , crescimento economico sustentado e desenvolvimento sustentavel; 4) Igualdade de genero, equiclade c cmpoderamento das mulheres; 5) A famflia, os papeis, direitos, composi9ao c cstrutura; 6) Crescimento populacional e estrutura; 7) Direitos reprodutivos e sauclc rcproclutiva; 8) Saude, mobilidade e mortalidade; 9) Distribuiyao da popula9ao, Urbaniza9ao e imigra9ao interna; I0) Migrayao internacional; 11) Populayao, descnvolvimento e educayao; 12) Tecnologia, investiga9ao e desenvolvimento; 13) Ac9ao nacional; 14) Coopera9ao internacional; 15) Parceria corn o sector nao-govcrnamcntal; 16) Seguimento da Conferencia. Varios pafses, sobretudo islfimicos, apresentaram reservas a alguns paragrafos do documcnto, nomeadamente aos conteudos que mais directamente tinham a ver com os direitos das mulheres, com a sexualidade ou corn a heran9a. Foi este o caso do Irao, Paquistao, Ubia, Iemen, Egipto, Indonesia, Argelia, Afeganistao, Sfria, Koweit, Jordania, Malasia e Emirados Arabes Unidos.
Eclaro que 0 Programa de AcyaO I e urn texto demasiadamente longo e e por vezes repetitivo, mas constitui o resultado de diffceis consensos. apesar de tudo e um texto que sera muito inspirador para quem trabalha no servi9o social, na educayao e na saucle, quer seja no sector publico ou no privado e ainda para as organizay5es nao-governamentais. A Conferencia e os temas em debate tiveram uma imensa cobertura mediatica que se iniciou muito antes de Sctembro de 1994 e que se deve em parte as controEste Programa encontra-se adisposi~ao dos leitores no Centro de lgualclade e para os Direitos clas Mu! heres em Lis boa e no Porto. 1
Documenta~ao
da Comissao para a
intCI'I'ell('ciO
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A Conferencia lntcrnacional sabre Popula<;ao e Dcscnvolvimcnto
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versias e resistencias em torno das tematicas em discussao, levantadas por con路entes de opiniao oriundas de meios islamicos ou cat61icos ultraconservadoras. Como sempre e apesar do sensacionalismo ou da falta do rigor que tambem fazem parte, lamentavelmente dessas coberturas, essa atenc;ao por parte dos meios de comunicac;ao social foi largamente positiva p01路que ilustrou para a opiniao publica a interrelac;ao de muitas questoes do quotidiano com que os indivfduos e as comunidades se debatem. Urn ano depois do Cairo, por ocasiao da Conferencia de Pequim, uma ONG Norte Americana, Earth Summit Watch, deu conta de urn estudo que tinha sido realizado em 53 pafses que tinham estado presentes no Cairo, a fim de avaliar se as suas polfticas e programas tinham sido de alguma forma marcadas pelos princfpios inclufdos no Programa de Acc;ao. Conclufu-se que 46 desses 53 pafses tinham alterado as suas polfticas Portugal, como todos os outros pafses da ONU, foi convidado a apresentar um Relat6rio Nacional seguindo um guiao pre-estabelecido, a fim de que o Secretariado da ONU pudesse fazer analises comparativas a nfvel mundial. Um grupo de trabalho coordenado pela Dr.a Maria Jose Carrilho, INE, integrando representantes de varios departamentos, incluindo a Comissao para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres (a qual foi representada pela Dr." Dina Canc;o), preparou cuidadosamente esse Relat6rio. Os trabalhos da Conferencia propriamente ditos, foram coordenados, como e usual, pelo MNE. A delegac;ao portuguesa, intersectorial na sua composic;ao, era chefiada pelo entao Secretario de Estado da Cooperac;ao, Dr. Brioza e Gala. Se em termos comparativos mundiais, Portugal tern evidentemente razoes para estar satisfeito com os progressos realizados nos Ultimos 20 anos, ha no entanto polfticas nacionais que poderiam ser revistas a luz da reflexao safda do Cairo. Penso que a analise do Programa, tendo em vista a elaborac;ao de urn conjunto de Recomendac;oes a Administrac;ao Publica, as ONG e aos media nacionais seria um trabalho interessante a realizar por um grupo de alunos/as e professores/as do Instituto Superior de Servic;o Social.
0 governo portugues subscreveu sem reservas o Programa do Cairo, mas contudo nao tomou ate a data qualquer decisao relativamente a aplicac;ao em Portugal desse Programa. Nao foi constitufdo urn grupo de trabalho ou de acompanhamento /!11errenrilo Social, 13114, 1996
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e avalia~ao que teria que ser rnultidisciplinar e envolver tarnbern as ONG. Da rninha leitura do Prograrna penso que as polfticas nacionais nas seguintes areas mereciarn reflexao. Indicarei as palavras-chave inclufdas nesse Programa retiradas de urn docurnento preparado pelo Secretariado da Conferencia: Analytical tools for the study of the Draft Programme of Action of the International Conference on Population and Development: Comparison with the World Population Plan of Action and the Mexico City Recommendations and Index of' key concepts. Sao elas: saude reprodutiva; estatuto das rnulheres; adolescentes; SIDA; violencia contra as rnulheres e contra as crian~as; aborto; envelhecirnento: papel das ONG; analise de custos; coopera~ao corn PALOPfs e outros; sisterna de avalia~ao da aplica~ao do Prograrna; recolha de dados; polfticas de desenvolvimento; deficientes; ambiente; famflia; urbanismo; educa~ao; inforrna~ao; infertilidade; responsabilidade/estatuto/papel do homem; migrantes - irnigrantes; pobreza; qualidade dos servi~os; racismo; refugiados; educa~ao sexual; doen~as sexualrnente transmissfveis; familias monoparentais; seguran~a social; forrna~ao dos profissionais de saUde, do servi~o social. Urn dos conceitos mais elaborados no Cairo foi a questao da saude reprodutiva a qual foi definida no Paragrafo 7.2, corno sendo urn:
"estado de plena bem-estarffsico, psfquico e social, e niio apenas a mera ausencia de doen~路a ou enfennidade, em tudo o que diz respeito ao sistema reprodutivo bem coma cls suasfimcc)es e processos. Assim, a saLide reprodutiva implica que as pessoas possam fer uma vida sexual satisfat6ria e segura e que tenham a capacidade de se reproduzirem, bem coma a liberdade de decidir se, quando e corn que frequencia o fazem. Esta Liltima condiqiio implica os direitos de homens e mulheres serem informados e terem acesso a metodos de planeamento familiar da sua escolha, que sejam seguros, eficazes, de custos suportaveis e aceitaveis, bem coma a outros metodos, da sua escolha, de regulaqiio da fertilidade que nao sejam contrarios Ci lei, e ainda o acesso a sen!i~路os de smide adequados que permitam its mulheres terem uma gravidez e parto seguros, e ofereqam cws casais as melhores oportunidades de terem crianqas saudaveis ". Quanto ao aborto, tambem motivo de muita controversia quantas vezes mal intencionada, o Prograrna de Ac~ao no Ponto 7.24, diz explicitarnente que:
"Os govemos devem dar passos adequados no sentido de ajudarem as mulheres a evitar a pratica do aborto que em caso algum deve ser promovido enquanto metodo de planeamento familim: Devam ainda prestar um tratamento humano e aconselhamento Cis mulheres que tenham recorrido ao aborto". lntn-venrdo Social. 13114. IY96
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Popula~ao
e Desenvolvimenlo
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Um dos atentados mais graves aos direitos humanos das mulheres consiste na pnitica de mutilay6es genitais ainda largamente aplicada sobretudo em alguns pafses de Africa subsahariana, mas que e tambem muito cmTente no Egipto. Ate ha pouco tempo e apesar do imenso sofrimento ffsico e psfquico que causavam, essas mutilay6es, eram questao tabu nunca referida em Conferencias das Nay6es Unidas. Esta pnitica chocante e condenada nomeadamente no Panigrafo 7.35, onde se aborda a violencia contra as mulheres. 0 Panigrafo diz o seguinte:
"A violencia contra as mulheres, em particular a violencia domestica e a violar;clo, subsistem de forma alargada e um mimero crescente de mulheres encontra-se em risco de contrair SIDA ou outras doenr;as sexualmente transmissfveis, em resultado de comportamentos sexuais de alto risco par parte dos seus companheiros. Em determinados paf.5es, pniticas prejudiciais que visam controlar a sexualidade das mu/heres tem conduzido a urn enorme sofrimento. Entre elas encontra-se a prdtica da mt.ltilac{/o genital feminina, que constitui uma violar;clo de direitos fundamentais e wn risco paro a smide das ntulheres cam consequencias para toda a vida." Considero que as mais valias do Cairo foram reforym路 a certeza que e preciso trabalhar de uma forma interdisciplinar ou ate quem sabe, acabarmos de vez com esta "arrumayao" artificial que sao as disciplinashireas tais como: acyao social; satide; educayao. 0 Cairo sublinhou ainda que e evidente: o trabalho nunca est<'i feito pois as pessoas, cada uma tinica e irrepetfvel, nascem e morrem passando por muitas fases da vida, requerendo distintos serviyos, respostas ou desafios de acordo com essas fases. Foi aprofundada a noyao que sao as pessoas que devem estar no centro das polfticas de desenvolvimento - e que as pessoas nao sao uma identidade neutra ou abstracta, mas tem uma face feminina ou masculina que as marca e as identifica. Ficou tambem a perspectiva que nao s6 ao Estado cabe toda a responsabilidade de proporcionar os serviyos que permitam as cidadas ou cidadaos disfrutar dos seus direitos e responsabilidades reprodutivas. Poderao estudar-se, por exemplo, esquemas em que o Estado apoia as pessoas de men ores recursos que se dirigem a um serviyo privado. A promoyao do estatuto das mulheres (empowerment, palavra inglesa plet6rica de significados dinamicos - que a Academia das Ciencias de Lisboa considera IntcJwncao Social. 13114. 1996
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poder ser traduzido pela palavra empoderamento ), como condi9ao basica do respeito pelos direitos humanos e respectivo exercfcio, constitui uma condi9ao necessaria e fundamental para que possa haver desenvolvimento. Foi esta a grande questao que esteve presente de forma transversal e integrada em todos os temas da Conferencia. Os pafses-membros nos seus discursos oficiais em plenario repetiam, uns a seguir aos outros, que sem a promo9ao do estatuto das mulheres nao podia haver desenvolvimento. Mesmo aqueles pafses com culturas dominantes que fazem excluir as mulheres da cidadania, sentiram-se compelidos a reconhecer que corn a exclusao de metade da humanidade nao era possfvel prosseguir objectivos de desenvolvimento. Assim, esta Conferencia representa um passo muito importante no reconhecimento de que e necessaria e urgente uma partilha do poder entre mulheres e homens na esfera publicae privada. 0 Cairo tambem pos em questao, embora nao de forma explfcita, o modelo econ6mico vigente e as condi96es que apresenta face aos objectivos do Programa de Ae9ao. Citarei o discurso pronunciado na Conferencia pela Eng." Maria de Lourdes Pintasilgo, Presidente da Comissao Inclependente sobre a Popula9ao e a Qualidade de Vida. Ela criticou esse modelo econ6mico dominante da seguinte forma: "El~f'atisa
a produf路[w; trata o explora~cio dos recursos naturais conw se estes fosse m uma forma de rendimento apoiado nwn fun do de investimento inesgotdvel, enquanto a metaj(m1 apropriada sera que estamos a gastar reservas de capital; ncio considera a degradaf路IJo ambiental fazendo reflectir os se us custos nas estruturas de JHe~路os; e assume que maior consunw eequivalente a maior bem-estw: (... ) 0 erro principal consiste na ideia de que o Produto Nacional Bruto ewn indicador de bem-estw; enquanto eapenas a medida dos servi~os e produtos (recom.endados) acrescentaria eu, produzidos num pafs, e os bens materiais nao sign if/cam automaticamente qualidade de vida."
Quando olhamos o numero medio de crimwas por mulher em Portugal, que ronda 1.4, podemos sugerir que um dos grandes problemas nacionais ea diffcil concilia9ao da vida privada, publicae profissional das mulheres e dos homens e a persistente atribui9ao de uma sobrecarga de trabalho nao-remunerado as mulheres. Podemos mesmo falar em termos de greve a maternidade e a paternidade, greve esta contudo realizada com muito sacriffcio e com muito sofrimento, pois impede-nos de ter o n(unero real de filhos que gostarfamos de ter. Greve com a qual nao se vislumbra nenhuma preocupa9ao polftica nem tao-pouco reflexao a nfvel sindical ou patronal. lntern!n~路ao
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A Conferenc ia Internacional sobre
Popul a~ao
e Desenvol vimento
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Conforme escreveu a Prof." Amelia LeiHio na Revista Portuguesa de Satide Publica (Vol. 12, n. 0 4- Out. Dez. de 1994):
"De realr;ar ainda que em comparar;iio com as anteriores, este Programa estci muito mais orientado para as necessidades e problemas dos indivfduos e niio das popular;oes, estando subjacente a todo o documento que a chave para se conseguir os objectivos aprovados estci no aumento da qualidade de vida de cada um e de todos."
Erninha convicyao que estas grandes Conferencias e nomeadamente a do Cairo sao de grande utilidade pois reforyam a vontade polftica, sublinham as contradiy6es e as hipocrisias dos poderes polfticos, dao mais forya as organizay6es nao-governamentais. Fazem avanyar a reflexao , aprofundam novos conceitos, apontam para paradigmas distintos. Os seus efeitos nao se fazem sentir nem a curto nem a medio prazo mas sao etapas fundamentais na construyao dos valores.
lnretwnr!io Social, 13114, 1996
DOSSIER BIBLIOGRAFICO Maria Aires Carmo
*
No ambito das Comemora~oes do 50. 0 aniversario da Declara~ao Universal dos Direitos Humanos, o Instituto Superior de Servi~o Social de Lisboa tomou a iniciativa de efectuar urn levantamento bibliografico sobre a respectiva tematica, o qual permitisse averiguar o modo como os Direitos Humanos foram contemplados pela produ~ao literaria e cientffica portuguesa e qual a sua influencia no contexto social de ha 50 anos a esta parte. Deste modo, a pesquisa foi definida dentro dos seguintes criterios: cxigia-se um levantamento de toda a documenta~ao escrita em lingua portuguesa, publicada em Portugal e sob re Portugal (ou sobre territ6rios a ele ligados ), entre o ano de 1948 e a actualidade. Nao foram exclufdas, no entanto, publica~oes em lingua estrangeira, desde que traduzidas para portugues e que abordassem temas relativos a Portugal ou que fossem consideradas obras de referencia. Este levantamento e uma primeira fase do trabalho, ja que compreende somente a documenta~ao acessfvel nas institui~oes (Bibliotecas Publicas e Universitarias, Centros de Documenta~ao, etc.), cooperantes corn a Biblioteca Nacional, na Base Nacional de Dados Bibliograficos. Nao estao integradas nesta listagem quaisquer referencias bibliograficas dos catalogos das Bibliotecas do ISSS de Lis boa , do ISSS de Beja e dos ISSS de Coimbra e Porto. No que diz respeito a Lisboa, o processo de informatiza~ao catolografica em curso (de modo ha sua futura integra~ao na base de dados referida), impediu a consulta e a referencia da sua documenta~ao neste levantamento. Na necessidade de integrar documentos mais actuais, optou-se pela consulta do CD-ROM em linha SOCIOFILE, base de dados de resumos analfticos sobre Ciencias Sociais e que cobre a produ~ao mundial de documentos, actualizada ate meados do ano corrente. *
Documentalista.
b1ten路enrao Social, 13114, 1996
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Maria Aires Carmo
Na organizayao das referencias bibliognlficas, o criterio tido em conta, foi a necessidade de facilitar ao utilizador, a consulta do Dossier Bibliografico - Direitos Humanos, permitindo-lhe observar, dentro duma conjuntura hist6rica, o interesse que foi desenvolvido por assuntos ligados aos Direitos Humanos em Portugal. Consequentemente, os documentos estao organizados por ordem cronol6gica, especificamente por decadas. Dentro de cada uma delas, a organizayao e efectuada por tipo de documento (monografias e artigos e/ou publicay5es peri6dicas). Cada uma das tipologias tem uma ordenayao alfabetica por autor/responsavel. Na existencia de mais que uma referencia bibliografica do mesmo autor/responsavel em cada decada, estas scrao ordenadas cronologicamente. Na ausencia de autor/responsavel, o documento e ordenado alfabeticamente pelo tftulo. Alguns dos clocumentos estao repetidos, embora com editoras e/ou clatas clifcrcntes. No intuito de facilitar a localizayao ffsica dos documentos inclusos no Dossier Bibliografico- Direitos Humanos, e apresentada, em nota final, uma listagem clas instituiy5es onde os mesmos se encontram accssfveis. BIBLIOGRAFIA Dccada de .'iO
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Lisboa: A.I. -
SEBASTIAO, Joao- Crianc;as da rua: marginalidade e sobrcvivencia. Sociologia: prob!emas e prlitim. Dir. J. Manuel Paquete de Oliveira. Mcm Martins: Europa-America. n. 0 19 (Jan. 1996): p.83-107. Listagem das instituic;oes onde os documcntos incluidos no "Dossier Bibliogrrifico - Dircitos humanos'' se encontram acessiveis. BN (Biblioteca Nacional) BPMP (Biblioteca Publica Municipal do Porto) BPMYNG (Biblioteca Publica de Vila Nova de GaiaJ BPYNG (Biblioteca Publica Municipal de Vila Nova de Gaia) CCF (Comissao para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres- Divisao de Documentac;ao, lnformac;ao e Publicac;oes /ex-Comissao da Condic;ao Feminina) DARMAD (Centro de Documentac;ao da Madeira) ESAC (Escola Superior Agraria de Coimbra) ESEB (Escola Superior de Educac;ao de Bcja) ESECB (Escola Superior de Educac;ao de Castclo Branco) ESEL (Escola Superior de Educal,'iiO de Lisboa) ESES (Escola Superior de Educac;ao de Setubal) ESEY (Escola Superior de Educac;ao de Viseu) ESTGFR (Escola Superior de Tecnologia e Gestao de Faro) GPAT (Gabinete de Estudos e Planeamento da Administrac;ao do Territ6rio) GPCCD (Gabinete Portugues do Combate contra a Droga) MEIIE (Ministerio da Educal,'iio- Instituto de Inova9ao Educacional. Ccntro de Documenla\ao c Infonna9ao) MESICT (Ministerio do Emprego e da Seguranc;a Social Direcyao de Servii,'OS de Informal,'iio Cientifica e Tccnica) MPAA (Ministerio do Planeamento e Administra9ao do Tcrrit6rio- Direc9iio Geral de Autarquia) MSDGSA (Ministerio da Saude- Direcyao Geral de Saude) MSDGSA (Ministerio da Saude- Direcc;ao Geral de Saude. Gabinete de Documental,'ao e Divulga9ao) UACSD (Universidade dos A9ores- Servic;os de Documentayao) UASCD (Universidade dos Ayores- Servi9os de Documental,'iio) UASD (Universidade do Algarve- Servi9o de Documenta9ao e lnformac;ao /Biblioteca de Gambelas) UCBG (Universidade de Coimbra- Biblioteca Geral) UCCD25 (Universidade de Coimbra- Centro de Documental,'ao 25 de Abril) UCFA (Universidade de Coimbra- Faculdade de Farmacia) UCLE (Universidade de Coimbra- Faculdade de Letras- Biblioteca Central) ULICS (Universidade de Lisboa- lnstituto de Ciencias Sociais) ULLE (Universidade de Lisboa- Faculdade de Lctras) ULSD (Universidade de Lisboa- Servic;os de Documental,'iio) UNLESP (Universidade Nova de Lisboa) UPFE (Univcrsidade do Porto Faculdade de Economia) UPJ.PII (Universidade Cat6lica- Biblioteca Joao Paulo 11) UPLE (Universidade do Porto- Faculdade de Letras- Biblioteca Central) UTADLE (Universidadc de Tras-os-Montes e Alto-Douro- Letras) Lisboa, 24 de Novembro de 1997 Jntcn'enrilo Social, 13/J.I, 1996
CRISE DO ESTADO-PROVIDENCIA E RECOMPOSI<;AO DA INTERVEN<;AO SOCIAL Marc-Henl)' Sou/et* Intitulci cstc artigo «Crisc do Estado-Providencia c rccomposi9ao da intcrvcn9ao social». Nas paginas de que disponho, nao cntro, cvidcntcmcntc, numa analisc profunda mas simplcsmcntc cxponho as linhas rclcvantcs c csclarc9o o movimcnto das transforma96cs ja obscrvavcis. Isto nao significa no cntanto que cu imagine que se assistc a uma mudan9a total do trabalho social, ou que cstc siga intcgralmcntc os caminhos dclincados. Provavclmcntc, as minhas obscrva96cs incitam sobrctudo a uma rccomposi9ao do trabalho social? Rccomposi9ao que vera cocxistircm formas tradicionais, se ouso dizcr, do trabalho social, c formas mais modcrnas, scm por isso scrcm imcdiatamcntc qualificadas de inovadoras. Mas basta de rodcios prcliminarcs. Entremos no iimago do assunto. Estarcis de acordo comigo cm que os tempos mudam para o trabalho social. Se nao cstais vcrdadciramcntc pcrsuadidos, pois talvez tcnhais chcgado muito recentcmcntc ao univcrso animado do trabalho social, perguntai aos trabalhadores sociais que conhcccram a idadc de ouro, esse tempo em que nos podfamos pcrmitir o luxo da auto-contcsta9ao. Esta crise de identidadc intcrna, vcrdadciro instrumento de intcgra9ao, csta hoje ultrapassada. Tcrminados os «maus pcnsamentos» dos trabalhadores sociais. Tcrminados os anatemas que se lhe atiravam acara (trabalhador social igual a polfcia). Acabadas as injun96cs que funcionaram como vcrdadcs primordiais (a normaliza9ao, o controle, a domestica9ao do Outro com um 0 grande, irrcdutfvcl ao cilindro compressor da sociedade modcrna c que funcionava como o sintoma da patologia desta). Eis-nos hojc pcrante uma crisc de lcgitimidadc, alimentada principalmentc do exterior, atraves das crfticas do Estado-Providencia. Esta crisc cstrutura-sc a volta duma procm·a de rcabilita9ao do trabalho social c alia-se desta vez a um instrumento de mudan9a. Scm csquecer os avan9os sociais das quatro ultimas decadas, pcrmitidos pclas transferencias sociais e por uma polftica redistributiva, somos obrigados a constatar uma crisc do funcionamcnto c uma crisc das fina-
Professor da Universidade de Fribourg- Ciitedra de Trabalho Social.
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liclacles do Estado-Providencia. Desde ha alguns anos nao faltam as interroga96es sobre a eficacia de um sistema de ajudas, de presta9ao e de ac96es que, qualquer que seja a especificidade nacional da sua organiza9ao, e agora apresentado como pesado, burocratico, afastado das pessoas, gerador de custos elevados, sem que as contrapartidas se manifestem realmente a favor dos mais desfavorecidos. I. EM PRIMEIRO LUGAR DE QUE CRISE SE TRATA?
Pergunta cliffcil p01路que engloba uma multiplicidade de aspectos e e sustentada por um grande numero de interesses. Para resumir, poder-se-ia dizer que ela se confunde com a crise do modelo social-democrata do Estado. Simplesmente, enecessaria compreender o significado da evoluyao recente da estrutura polftica e da organizayao do Estado-Providencia, e caracterizar a transforma9ao observavel na interven9ao do Estado a favor da promo9ao do bem-estar. Transforma9ao que tem efeitos consideraveis sobre o futuro de partes intciras da sociedade, particularmente dos grupos profissionais encarregados desta intcrven9ao. Pode-se assim descrever esta crise atraves de dois aspectos estreitamente relacionados. 1. Uma crise econ6mica.
Num contexto internacional de estagna9ao do crescimento, esta crise econ6mica, que atravessa o Estado-Providcncia, situa-se a dois nfveis. a) Uma cri se de financiamento.
Mas se se pode dizer, com razao a meu ver, que o impasse financeiro em que se encontra o Estado-Providencia nao reflecte senao o problcma do grau de socializayao toleravel dum certo numero de bens e de servi9os 1, e necessaria constatar que se multiplieam em todos os pafses ditos desenvolvidos, para nao citar senao estes, os anuncios de cortes nos or9amentos sociais, os debates sobre a redu9ao dos defices sociais, a fragilizayao de certas presta96es soeiais ... 0 fosso cresce entre as despesas sociais cada vez maiores e os recursos fornecidos pelos impostos. Ora a multiplicayao das formas de recusa de um aumento dos impostos induz uma reduyao das possibilidades do Estado-Providcncia. Mas mais gravemente, a crise global que atravessa a economia no seu conjunto, redobra esta crise de financiamento. A res-
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ROSANV ALL ON P., Lu crise de I'Etat-Providence, Paris. Seuil, 1981. lnterrenrtlu Social. !311-1. 1996
Crise do Estaclo-Providcncia e
Recomposi~ao
cla Interven\·ao Social
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truturayao do sistema econ6mico, a mudanya dos instrumentos de produ9ao, a polftica de !uta contra a inf!ayao ... , tudo isso participa na modifica9ao das nossas sociedades modernas. E o desemprego aumenta continuamente a par das dificuldades de manuten9ao do nfvel das presta96es dos ditos dcsempregados. Alem disso, em conformidade, a clientela do trabalho social evolui. A dualizayao da sociedade e o surgimento da nova pobreza, para nao falar senao nas manifestay5es mais mediaticas da crise, nao traduzem somente um acrescimo quantitativo da dita clientela. Indicam uma modifica9ao c uma diversifica9ao qualitativa desta. As famflias marginais, alergicas as normas profissionais que constitufam o nucleo duro da clientela, e preciso doravante juntar: os desempregados no fim do perfodo de direito a presta9ao social respectiva, os jovens que esgotaram todos os est<igios possfveis, as mulheres s6s que nao podem conciliar a vida profissional e a educa9ao dos filhos, as vftimas do endividamento e do pequeno credito, os sem domicflio fixo, etc. Categorias mais culpabilizantes do que culpadas. Trata-se muitas vezes, efectivamente, de popula96es onde se nota uma ausencia quase total de dimensao moral na emergencia do seu sofrimento social, sofrimento que afecta alem disso as popula96es relativamente estranhas e/ou rebeldes a toda a tentativa pedag6gica. Ede facto a paisagem inteira da ac9ao social que e perturbada por esta modifica9ao do contexto socio-econ6mico. «As missoes do social estavam ontem focalizadas sobre a reduyao das desigualdades ea integra9ao de popula96es especfficas, relativamente homogeneas; hoje juntam-se a elas as focalizadas na !uta contra a marginalizayao de populay5es heterogeneas e instaveis: o aumento do desemprego, a precariedade dos rendimentos das famflias, assim como a evoluyao da composi9ao destas ultimas, contribufram para alargar e diversificar os publicos dos servi9os sociais e tornar mais pesadas as tarefas destes ultimos» 2. b) Uma cri se de eficacia.
A crise que atravessa profundamente o Estado-Providencia e, evidentemente, a que se manifesta atraves das duvidas sobre a eficacia deste. Assiste-se, apesar da extensao dos meios investidos, a manutenyao ou ao ressurgimento das desigualdades ou da marginalidade. Resumamos as principais considera96es 3: as polfticas sociais produzem, dentro da 16gica dos efeitos perversos, resultados muitas vezes ' RATOUIS A., «Redefinir le travail social- reorganiser !'action sociale», in Renconrre, n. 0 87, 1993, p. 16. 1 Ver a sintese muito clara de FRAGNIERE J.P., Materiauxpour /'etude de la po!itique socia!e en Suisse, Geneve, Presses de I'Universite de Geneve, 1993, nomeadamente o capitulo 3: La crise de I'Etat-Protecteur. Fait ou mythe? lnffll'<'ll('()a Social, 13114. 1996
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diametralmente opostos aos seus objectivos fundamentais; por exemplo, concebe-se que a ajuda social tem efeitos que nao incentivam o trabalho. Estas politicas sociais sao incapazes de se adaptarem atransforma~ao da estrutura das necessidades, associada aos seus pr6prios resultados, e continuam a apoiar medidas antiquadas, empenhando-se continuamente na procura da satisfa~ao de novas necessidades. Finalmente, as polfticas sociais sao um amontoado de medidas sem coerencia entre si, regidas por um crescimento em estratos. Apresentam limites claros ao nivel dos seus efeitos distribuidores. Se a redistribui~ao horizontal e incontestavel, dos saudaveis para os doentes, dos activos para os nao-activos, etc., e preciso verdadeiramente interrogar-se se a redistribui~ao vertical existe e se os beneficios sociais nao se reportam, quase sempre, as categorias medias e intermediarias. Alem disso a 16gica do sistema de ac~ao social acaba por afastar-se das suas finalidades. 0 burocratico, o corporativismo, o lobbying, a tecnocracia tornam mais complexas, pouco legiveis e mesmo ilcgfvcis, as politicas sociais para aqueles mesmos a quem elas se destinavam. Tudo isto, ligado acrise de financiamento acima invocacla, obriga a rever a 16gica das polfticas sociais. A admissao da necessidade de efectuar escolhas e estabelecer prioridadcs doravante, e sem duvida nenhuma a mudan~a mais manifesta. Inferem-sc claf duas consequencias importantes: o desenvolvimento de polfticas sociais e de act;ocs programadas, por um lado, a passagem quase obrigat6ria pela avalia9ao, por outro. Para existir e durar, uma poHtica social, um programa, uma ac9ao devem, de ora cm diante, fazer prova da sua utilidadc e da sua eficacia. 2. Uma crise ideologica. Esta dimcnsao da crisc do Estado-Providencia e pclo menos tao importante como a primeira. Gira em torno duma dupla interroga~ao. A duvida sobre a igualdade como finalidade social por um lado, os limites cla solidariedade mecanica por outro. «A crise da soliclarieclade provem da decomposi9ao ou, mais exactamente, da desloca9ao do tecido social criada mecanicamente e involuntariamente pelo desenvolvimento do Estado-Providencia. Ja nao ha suficiente «social» entre o Estado e os individuos. Epor isso que os limites do Estado-Providencia devem apreender-se a partir das formas de sociabilidade que ele induz e nao principalmente a partir do grau de socializa~ao da procura (percentagem dos impostos obrigat6rios)» 4.
" Pontos postos em cvidcncia muito ccclo por ROSANV ALLON P., La crise de I'L'tat-Proridence, Paris, Seuil, 1981, p. 48. lnterrl!n~·ao
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Crise do Estado-Proviclcncia c
Rccomposi~ao
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a) A igualdade em discussc/o.
0 programa do Estado-Providencia, se se pode dizer, assentava ideologicamente na liberta~ao da sociedade da necessidadc e do risco, estabelecendo utopias concretas sabre o futuro da sociedade. Ora, talvez mais do que o abrandamento do crescimento, e a crise das representa~oes do futuro que suscita problemas. Hoje, este ja nao e pensado como o prolongamento duma tendencia, como a rcaliza~ao dum movimento na direc~ao da felicidade. Mais ninguem fala de progressos sociais vindouros. 0 que domina, ea perspectiva de manter os direitos adquiridos face a uma amea~a plausfvel. Propomo-nos, o melhor possfvel, consolida-los perante os novos efeitos da crise, defende-los arduamente no pior dos casos. 0 pedido de igualdade social, distinto do pedido de igualdade cfvica, perde o seu sentido como vontade colectiva de redu~ao das desigualdades. Tem um pre~o econ6mico pesado sem compensa~ao ideol6gica e ja nao tem simbolicamente efeito real (redu~ao das desigualdades marginais, preserva~ao dos direitos adquiridos), nem praticamente orienta~ao ideol6gica. Torna-se quase ilegftimo, o que tende a cxplicar, entre outros aspectos, a recusa de aumentar os impostos para sustentar algo que ja nao tem visibilidade socialnem densidade ut6pica. b) Os limites da solidariedade p~iblica.
Na 16gica dura, se podemos usar esta expressao, do Estado-Providencia, o agente central da solidariedade eo Estado que se substitui aos indivfduos e aos grupos. A solidariedade deve ser abstracta para existir. A segunda dimensao da crise ideol6gica do Estado-Providencia consiste por conseguinte na interroga~ao sabre o fundamento de um talmonop6lio. Invisibilidade do social, solidariedade medinica, rela~oes sociais impessoais, decomposi~ao do tecido social. .. tudo is to incita a redefini~ao das rela~oes entre solidariedades publicas e solidariedades privadas numa 16gica de economia mista de bem-estar. Efectuada a caracteriza~ao desta crise do Estado-Providencia, de modo abreviado, quais sao entao as consequencias. Ousaria dizer : a apari~ao dum novo paradigma do Estado-social que delineia uma rela~ao diferente com as popula~oes e novas rela~oes entre a sociedade civil e o trabalho social.
II. UMA MODIFICA(:AO DA FORMA DE INTERVEN<;AO DO ESTADO Expliquemo-nos. Qual e este novo paradigma? Primeiro, tracemos as linhas de for~a do Estado-Providencia classico para que possamos compreender as diferen~as Intnwn(路ilo Socio/, 13/I{ I 996
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fundamentais em termos comparativos. 0 Estado-Providencia cl<issico assentava sobre uma l6gica de interven9ao crescente do Estado no campo das rela9oes sociais em face do constante aumento de necessidades insatisfeitas, e consecutivamente ao relativo fracasso ou a insuficiencia da auto-organiza9ao da sociedade. Este estatismo, ousemos a palavra, conduziu assim atransforma9ao das organiza9oes espontaneas da sociedade num sector para-estatal funcionando na base de subven9oes est:1veis e legitimadas pela satisfa9ao publica das necessidades. Resumamos, entao, a ideia de base : socializa9ao da procura e delega9ao da oferta a servi9os convencionados parapublicos ou semi-privados 5. A nova configura9ao do Estado-social, que se delineia actualmente, pode ser designada pelo ten11o Estado-incitador; alguns falaram de Estado-impulsionador ou de Estado-animador, mas a ideia ea mesma de facto. A partir duma am'ilise da crise baseada na nao tomada em conta dos particularismos sociais, na indiferencia9ao da ac9ao do Estado, na nao considera9ao das rela9oes sociais, ve-se assim reactivada a «subsidiaridade» desde os anos de 1980, principalmente corn as l6gicas liberais da desregulamenta9ao. Esta segunda idade da «subsidiaridade» repousa numa l6gica de auto-organiza9ao da solidariedade. Mas esta procede desta vez duma incita9ao do Estado que, se deseja integrar as estrategias dos actores privados na distribui9ao dos servi9os e mesmo na elabon19ao clas polfticas publicas, quer faze-lo segunclo uma l6gica organizacional cocrcntc c controlavcl, na qual clc continua a desempenhar urn papel importantc, particularmcnte na conccptualiza9ao cla auto-organiza9ao. Trata-se de facto cluma polftica de «subsidiaridade» em que o Estado impulsiona ele mesmo a auto-organiza9ao, o seu quadro e a sua legitimidade, criando situa9oes favoniveis para a sua emergencia ou incitando organiza9oes, dele safdas, a integrarem certos programas na sua actividade. 0 que clifere fundamentalmente, pelo contn'irio, do Estado-Providencia classico, eque nao ha mais subven9oes regulares para estas organiza9oes, mas subven9oes pontuais de programas, de projectos precisos. Por consequencia, assiste-se a uma divisao do trabalho entre actores publicos e actores privados, na base cluma coopera9ao conflituosa, levanclo os actores privaclos a desenvolverem as suas ac9oes em conformiclade com esta polftica de «subsidiariclade». Deve-se no entanto insistir que nao se trata cluma clelega9ao pura e simples. Se se trata de facto cluma transferencia de tarefas, anteriormente asseguraclas pelo Estaclo, para os actores privaclos, esta faz-se num quadro programatico no ambito clas polfticas publicas.
5 Movimento muito bem analisado na bien-etre, Geneve, FNRS, 1993.
Sui~a
por CATTACIN S. & BUTSCHI D., Le modNe suisse du
lnterren(·cio Sociol. /3/f.l. /996
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Esta reformula9ao do Estado-social da lugar a uma reelabora9ao das polfticas sociais. 0 movimento parece comum a muitos paises. Seria certamente longo e arriscado entrar em pormenores sobre as disposi96es de cada Estado, mas temos que constatar que se assiste, mais ou menos segundo os paises, aemergencia de novos processos animados por esta 16gica de impulso/anima9ao do Estado. Estes novos processos podem caracterizar-se em quatro pontos. - Sao transversais relativamente a organiza9ao habitual da ac9ao publica. Apoiam-se em dispositivos experimentais nao generalizaveis sobre a base do direito e mobilizam frequentemente varias administra96es. Por esta razao, estao colocados sob a tutela de miss6es, isto e, de organismos temporarios criados a este fim. - Sao exemplares, pois sao consolidados por uma forte mediatiza9ao, especialmente anivellocal, afim de obter a implica9ao/adesao do maior numero possivel de actores. Nao poderiam, neste sentido, permanecer o apanagio somente dos que os conceberam. - Sao territoriais. Ainda que suscitados e financiados pelo Estado, estao colocados sob a responsabilidade de actores locais e assentes num espa9o social caracterizado. E o espa9o, e ja nao um perfil de pessoa na posse de direitos ou uma popula9ao-alvo, que se torna objecto privilegiado das politicas sociais. A escala da responsabilidade politica coincide entao com a escala do tratamento concreto dos problemas. - Sao suportados pelos processos de concerta9ao, isto e, colocados sob o signo de uma pm路ceria fortemente valorizada, quando nao e mesmo for9ada, implicando a ac9ao de multiplas institui96es e profissionais em territ6rios delimitados, e tambem dos pr6prios utentes. Os objectivos destes novos processos sao multiplos: discernir os problemas gra9as a um conhecimento mais detalhado do terreno; elaborar solu96es mais adaptadas e mais ajustadas ao solicitado; melhorar as interven96es na base do seu caracter pontual e diversificado; globalizar a ac9ao associando interven96es econ6mica, educativa, sociocultural, urbanfstica, social, ate mesmo policial; diminuir as despesas publicas delimitando melhor as prioridades e hierarquizando as ac96es; orienta9ao e adapta9ao permanente, efectuando no quotidiano, o mais pragmaticamente possivel, os melhoramentos tornados necessarios pela evolu9ao da situa9ao ... As criticas, no entanto nao faltaram, particularmente em termos de ganhos politicos. Estas novas polfticas sociais foram de facto interpretadas como urn meio: de aperfei9oar o controlo da popula9ao, encorajando sob pretexto de participa9ao, uma lntfll'ell('<io
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auto-regula~ao dos conflitos; de minimizar as oposi~oes de classe estabelecendo uma concerta~ao entre os actores sociais afim de encontrar solu~oes realistas para questoes concretas; de desresponsabilizar o Estado fazendo-o assumir a responsabilidade aescala local; de isolar tenitorialmente em compartimentos estanques as praticas sociais, impedindo assim as liga~oes horizontais entre actores dispersos; de despolitizar os interesses inscrevendo-os numa cena isolada dos interesses nacionms. 6 ...
Nao vamos retomar o estudo dos meritos e limites destes novos processos. Sobretudo, queria consagrar-me agora ao exame das suas consequencias para o exercfcio e finalidades do trabalho social. Epreciso de facto interrogarmo-nos se as formas concretas deste novo paradigma das polfticas sociais nao designam um outro conteudo de interven~ao social, se nao contribuem para transformar progressivamente os modos de exercer as profiss5es do social. Todavia, longe de mim, espero, o fascfnio cla novidacle, a cegueira da busca desesperacla duma revolu~ao, fosse ela profissional. Nao se pode negar, efectivamente, que as moclaliclades de interven~ao que se encontram cleste modo promovidas, correspondem em parte a evolu~oes internas de certas praticas profissionais do trabalho social. Epreciso conceber esta recomposi~ao nao somente como o procluto de restri~oes externas mas igualmente como o resultaclo de 16gicas encl6genas na csfcra do trabalho social, particularmente as da ac~ao global, do clcsenvolvimcnto, da anima~ao que ja opunham o grupo territorial a um caso individualizado ou a uma pessoa na posse de direitos.
Ill. DE QUE RECOMPOSI<;:AO SE TRATA? Este novo contexto do Estado-social ao procluzir novas concep~5es das polfticas sociais induz novas formas de ac~ao social que coexistem com formas mais antigas. Tale pelo menos a ideia que eu queria defender aqui. Examinemo-la de mais perto. Eu distingo tres transforma~oes notaveis, mais contradit6rias do que coerentes, que nao inovam raclicalmente pois seguem sobretudo tendencias ja existentes na esfera do trabalho social. Trata-se de facto dum exacerbar de praticas ja em vigor, como ja sublinhei. Mas antes queria acentuar um outro aspecto concomitante, ainda que menos directamente ligado : o aumento cla piedade na polftica
" Ver a crftica precoce que fez J.P. GARNIER, <<ÂŤLocaliser>> le social ou ÂŤsocialiser>> le local>>, in ÂŁspaces et socieres, le tral'(lil social et le local. ll. 0 40, janvier-juin 1982, pp. 3-13. lnter\'enrdo Social. 13114. 1996
Crisc do Estado-Proviclcncia c Rccomposi<;ao c\a lntcrven<;ao Social
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1. 0 aumento da piedade na politica. Quais sao, de facto, os fundamentos actuais da ac~ao social? Sobre que estabelecer a interven~ao social hoje? Sobre o respeito pelo ser humano? Sobre a afirma~ao dos seus direitos? Nao tanto dos direitos positivos, direitos que o homem pode reivindicar da sociedade, mas direitos do homem com um grande H, direitos fundamentais que caracterizam o facto de ser homem, aqui entcndido como ser humano gencrico. Num impulso unanime, todos respondemos que o fundamento ultimo da interven~ao social c a salvaguarda da integridade da pessoa, a restaura~ao da dignidade humana de modo a se restituir a capacidade de estar inserido numa sociedade que rcconhece a todo o homem direitos inaliem\veis. Uma tal evidencia merece todavia ser questionada. Eu queria esbo~ar brevemente uma am\lise do que me parece constituir hoje o fundamento da interven~ao social. Tres t6picos difercntes, provenientes contudo duma mesma economia geral, obscurecem a paisagem: 1. 0 t6pico da compaixao baseado na proximidade de existencias infelizes e do sofrimento corporal. 2. 0 t6pico da urgencia inscrito na necessidade de agir e na obriga~ao de resultado imediato que se impoe, nao podendo scr diferido, pois nao foi regulado a tempo. 3. 0 t6pico do risco assente na dimensao alarmista de situa~oes extremas envolvendo a obriga~ao de assistencia as pessoas em perigo e a necessidade duma protec~ao segura da sociedade e dos seus membros contra o perigo que alguns destes representam. Em vez de esclarecer aqui os termos destas op~oes, queria sublinhar que se trata de variantes duma unica economia geral fundada sobre a evidencia social e moral duma ac~ao a favor do melhoramento da condi~ao dos seres humanos e da afirma~ao dos seus direitos de viverem dignamente. A esta economia geral, denomina-la-ei, utilizando por extrapola~ao, uma expressao de Hannah Arendt 7, uma polftica da piedade. Quer dizer que se pode, penso eu, juntar a compaixao, a urgencia eo risco numa categoria generica, o humanitario. Ora, esta categoria, antes de encontrar a sua expressao pratica na ac~ao, humanitaria evidentemente, mas nao somente, de tal
7
ARENDT H., Essai sttr la rel'O!ution. Paris, Gallimard, 1967.
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forma invade os valores profissionais da intervenyao social, implica necessariamente uma expressao publica. Mas em que se traduz esta integrayao do modelo da piedade na polftica? Dois aspect os:
Prima: 0 deslocamento duma categoria religiosa, a caridade, meio egofsta de obter a salvayao na terra, ja que a esmola apaga o pecado, para uma categoria laica, o humanitario altrufsta e a sua lei de opressao minima, para retomar uma expressao de Bernard Kouchner «Uma s6 regra, pm·em feroz : proteger as minorias e os oprimidos. Porem sem ilus6es visto que estas minorias podem tornar-se opressivas» 8. Mas a base permanece identica nesta transferencia; ela elabora-se em termos morais. Baseia-se na representayao dum desvio da norma entre o que e eo que cada urn pensa que deve ser. Estabelece uma ruptura da ordem das coisas concebida como normal e desejavel para o homem. Repousa sobre uma transgressao do bem ou do correcto tal como a sociedade o definiu. Em resumo, a base assenta sobre a consciencia do intoleravel ou do insuportavel inspirando-se numa paleta de sentimentos e no registo de indignayao. Todavia, sup6e-se uma eondiyao para que funcione esta apreensao moral do mundo. Durkheim ja a tinha concebido ao dirigir a sua critica de amoralidade acaridade, amoral porque nao e universal por esscncia. «Para que a caridade possa ser praticada, e necessaria que alguns aceitem nao a fazer ou que nao estejam em estado de a fazer». 9 0 que enuneiara ainda mais explicitamente Hannah Arendt, meio scculo depois, ao criticar a Revoluyao Francesa que, a seus olhos, abandonou a questao da liberdade em proveito duma polftica da piedade. A autora afirma que para que esta se desenvolva, importa que sejam identificados dois conjuntos de homens desiguais no piano da felicidade e da infelicidade.
Secunda: esta clivagem infeliz I nao infeliz nao e suficiente para que se elabore uma polftica. Como exprime Lue Boltanski na sua obra sobre o sofrimento a distancia «estas duas classes devem estar, por outro lado, suficientemente em contacto para que as pessoas felizes possam observar, directamente ou indirectamente, a miseria dos infelizes, embora suficientemente distantes ou desligadas para que as suas experiencias e as suas ac96es possam permanecer separadas» 10 . Para que se possa falar propriamente duma polftica de piedade, importa igualmente que seja ' BATTAT M. & KOUCHNER B., Le devoir d'ingerence, Paris, Denoel, 1982, p. 2!. '! DURKHEIM E., L'Mucation mom/e, Paris, PUF, 1976, p. 50. 10 BOLTANSKI L., La souffrance ii distance, Paris, ed. A.M. Metaille. 1993, p. 18. lnteJ'\'Cil('do Sociol, /3114, /996
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feita a passagem para retomar a expressao de Wright Mills, das provay6es pessoais a interesses da sociedade: umas pedindo um empenhamento individual para aliviar o sofrimento visfvel do proximo; outros supondo o desenvolvimento duma acyao colectiva tendente a erradicar as situay6es insuportaveis em termos sociais. Esta passagem repousa sobre o espectacular do sofrimento, no sentido etimol6gico do que fala aos olhos, do que chama a atenyao e do que se impoe a imaginayao. Esta exposiyao necessaria, sem experiencia directa, nao e tanto para ser entendido como charity-entertainement, quando a televisao representa o papel de fada boa, tornando vedetas a miseria ou a infelicidade, mas concebida como uma condiyao da acyao polftica, bem alem duma generalidade de ordem espiritual, isto e, como uma unificayao das expressoes individuais do sofrimento, superando a sua dispersao e a sua irredutibilidade profunda, fazendo-as equivaler no espayo e no tempo. Mas para que o espectaculo permita a expressao de «performativos», quer dizer, que mantenha os elos da misericordia, apesar da distancia, e garanta ao espectador a continuidade da responsabilidade moral na situayao de sofrimento dos outros, convem teatralizar. Tudo depende, efectivamente, da qualidade da comunicayaO a distancia. Uma polftica da piedade repousa neste sentido prioritariamente sobre categorias eloquentes e de apresentayao exemplares que sejam todavia indiferentes a singularidade dos corpos sofredores ou miseraveis, assim expostos, como diz cruamente Luc Boltanski «E aquela crianya que nos faz chorm·, mas qualquer outra crianya consegui-lo-ia da mesma maneira» 11 •
2. 0 retorno aassistencia Dois factores me parecem suster um tal movimento, o qual, e preciso reconhece-lo, se faz sempre contra a vontade dos trabalhadores sociais. a) Um forte pedido de ajudas individuais consecutivo ao aumento do desem-
prego e aapari~ao de novas pobrezas.
0 trabalho administrativo dos dossiers, a intervenyao caso por caso, tornaram-se o essencial do trabalho em certos sectores. Hoje, e preciso, efectivamente, gerir uma clientela cada vez mais empobrecida, solicitando em massa ajudas financeiras,
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BOLTANSKI L., op. cit., p. 22.
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impossfvel de acompanhar corn profundidade a longo termo, tendo em conta a urgencia. As assistentes sociais sao cada vez mais solicitadas para preparar e preencher o dossier dos abonos, e frequentemente relegadas ao seu gabinete. Alem disso, a rarefacyao dos meios efectivos de pessoal, face ao aumento massivo da clientela precipita este movimento. 0 acrescimo da carga de trabalho (o numero de dossiers por trabalhador social) e entao tal que a centrayao no assistencial torna-se urn reflexo de salvaguarda 12 . Acabam assim por recorrerem unicamente a soluyao financeira. Epreciso perguntar entao se o trabalho social cumpre ainda as suas missoes originais, se nao esta mesmo em contradiyao corn elas, quando apenas distribui meios pecuniarios. Nao se assiste a um deslocamento, apenas iniciado, dos papeis de assistente social para secretario/a social? Nao se assiste a afirmayao de uma nova funyao, comparavel ao delegado social em certas administray5es francesas 13 servindo de agente de ligayao e de retransmissao de informayao entre a administrayao central eo seu pessoal, cujas competencias primordiais sao o domfnio dos textos em vigor em todo o campo da acyao social e a capacidade para gerir os dossiers de forma a adequar as necessidades cxprcssas pelo pessoal e as medidas e acy5es da polftica social cla referida administrayao. b) Uma tendencia para a dissocia1·ao entre a assistencio e o educativo conse-
cutiva ao acrescimo das popu!a\·r!es problemciticas, mas igualmente et diversijlcaf·[w qualitativa destos.
A 16gica classica cla ac9ao social consistia na articulayao destes clois termos, na propensao para condicionar a obtcnyao da assistencia com a observancia dos preceitos educativos. Ora, os trabalhaclores sociais encontram-se cacla vez mais em face a situay5es de urgencia e face a popula96es necessitanclo prioritariamente cluma maior assistencia financeira, que torna caduca a vontade eclucativa. Nao se reeduca alguem que perdeu o seu trabalho. Epreciso compreencler que esta pessoa e praticamente incapaz de estar receptiva a um trabalho pedag6gico. «Tendo em conta este pedido reduzido de assistencia, refractario ou incompatfvel a toda presta9ao educativa, a funyao de trabalho social orienta-se quer se queira quer nao em redor da procura dos melhores meios para satisfazer as suas necessidades materiais e financei-
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Ver sobre estc assunto o dossier pertinente do Mmzde de 19 a 20 de Setembro de 1993. «Les assitantes socialcs contre les elus locaux>>. 13 Um inquerito em curso que fazemos para o Co111111issariat Ghzeral au Plane o lv!inistere de la Fonc· lion Publique em Fran~a rcvclou-nos toda a importancia desta figura <<profissional» completando e/ou concorrendo com a figura profissional de assitante social na achninistra~ao publica em Fran~a. interren(·ao Socio/, /3/f.J. /996
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ras» 14 • Como recentemente chamava a atenc;ao M. F. Marques, secretc'iria geral do Comite Nacional das escolas de servic;o social de Franc;a: «Neste perfodo cm que prima a urgencia, deixemo-nos de acompanhamentos e terapias de longa durac;ao para os utentes ou os clientes, de acc;oes de prevenc;ao, mesmo de formac;oes permanentes longas nas quais os trabalhadores sociais seriam chamados a rever os seus metodos» 1-". E como ela mesma acrescenta, mesmo se os metodos de intervenc;ao em tempos de crise como a aproximac;ao global e a analise sistemica parecem melhor adaptados a uma sociedade em risco de dualismo, «nao serao suficientes para fazer face a uma situac;ao que necessita de intervenc;ao de varios outros actores sociais». Assiste-se assim ao aparecimento duma diferenciac;ao cada vez mais acentuada entre o tecnico social e o trabalhador social, stricto sensu, que encontramos tambem, coma substituic;ao parcial dos educadores especializados por ajudantes medico-psico-pedag6gicos, no acompanhamento de deficientes. E esta diferenciac;ao, ja em vigor no Quebec, nao leva logicamente a uma diferenciac;ao dos percursos de formac;ao?
3. 0 desenvolvimento da rede A transformac;ao dos modos de intervenc;ao do Estado favorecc, espccialmente, iniciativas de parceria. A rede valoriza-se assim como pratica institucional. Entao, a questao subjacente ea seguinte: a importancia concedida arede nao tende a modificar a abordagem do publico e portanto a transformar a intervenc;ao? A l6gica de retracc;ao do Estado, associada a uma l6gica profissional favoravel a que o meio assuma os encargos, incita, de facto, quer-me parecer, a trabalhar de outra forma, privilegiando a colaborac;ao com o utente e o seu meio e a romper com a predominancia duma definic;ao profissional da procura social. A responsabilizac;ao do meio e o apelo ao suporte natural sao, assim, entendidos como o meio de reequilibrar a dinamica das relac;oes sociais de intervenc;ao 16 • Estas modalidades repousam sobrc uma concepc;ao de coproduc;ao de servic;os como condic;ao indispensavel para facilitar um tratamento eficaz dos problemas sociais de acordo com a nova problema-
P Como o sublinhava recentemente Jacques DONZELOT, «L'entree en politique de !'action sociale», in Pour «l'ingenierie a/'asscwt du tramil sociaf>,, nov.-dec. 1998, p. 11. 15 MARQUES l\1. F., <<Travail social en periode de fracture. Agir sur les causes ou sur les effets,, in Rencontre, n. 0 87, 1993. pp. 26-27. 17 Ver a este respeito, os textos seguintes: LESEMAN F. & CHAUME C., Famil/e-providence, Montreal, ed. Saint-Martin, 1989; GAY J., L'illlerl'enant professionnel face i1l'aide nature/le, Chiroutimi, Gaetan Morin, 1984.
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tica do Estado-incitador. Os problemas sociais sao, portanto, definidos como insuficiencia do colectivo. A ac~ao social deve assim reanimar as solidariedades maltratadas e voltar a dar as popula~oes urn dorninio na gestao das dificuldades que encontram. Os intervenientes profissionais tern entao como objectivo apoiar as iniciativas fundadas sobre solidariedades efectivas.
Eneste sentido que se pode falar de renova~ao da pnitica do interventor profissional. As suas fun~oes mudam de natureza: torna-se mediador, dispensado das fun~5es administrativas, para se consagrar a dinamica do meio social, ao relan~ar destas solidariedades. Assemelha-se a um gestor de recursos e servi\OS. ÂŤColocados perante as diferentes l6gicas de ac~ao que se cruzam no terreno, estes actores do desenvolvimento tern necessidade de dinamizar as energias locais mobilizando grupos existentes, organizados ou nao. Isto supoc o conhecimento das redes sociais que tecem a vida dos bairros e dos concelhos afim de fazer deles os actores do projecto de desenvolvimento. Trata-se de explicar a ac~ao, de obter a adesao dos grupos, de reconhecer os elementos competentes e de lhcs dar a autoridade necessaria para assumirem este encargo. Assim, os actorcs do clcsenvolvimento conduzem-se como mediadores entre as diferentes l6gicas, mas tambem como parceiros duma nova cidadaniaÂť 17 . Em term os de redes, e prcciso conceber do mesmo modo o suporte natural (famflia, amigos, vizinhan~a), as estruturas associativas alternativas (cooperativas, grupos, associa~oes) como os rccursos institucionais poclenclo contribuir para a dinamiza~ao cla ajucla. Estes profissionais das redes sociais e estes animadores clas solidariecladcs locais, clesignaclos mesmo de super-profissionais, clevem actuar sob um cluplo registo, o da media~ao e o da parceria. Resumindo rapidamente, poder-se-ia dizer que, se em tempos de crescimento, os trabalhadores sociais tiveram de detectar as necessidades, em tempos de crise devem encontrar recursos e geri-los da melhor maneira. Dura missao ! 4. 0 aparecimento duma nova figura profissional Deviclo a reconfigura~ao das formas de interven~ao do Estado, os trabalhadores sociais sao solicitados para investir em novas formas de ac~ao, as suportadas pelas politicas que procuram um tratamento global dos problemas da seguran~a, do alojamento, da inser~ao profissional ou social. Os trabalhadores sociais estao, neste
17 WARIN P.. ÂŤLes rcscaux relationnels, une nouvelle reterence de politiques sociales>>, in Pour r<Reseaux. insertion, citovennete et mobilisation sociale>>, 1992, p. 47.
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sentido, confrontados com uma indetermina~ao relativa das tarefas que lhes incumbem. Tem que efectuar as suas tarefas classicas e, ao mesmo tempo, integrar novas missoes, fazendo prova de novas competencias, sob pena de se verem desacreditados. Novas competencias que repousam sabre fundamentos radicalmente diferentes da interven~ao. Pode-se rapidamente caracteriza-las atraves de tres elementos. A complexidade dos problemas e a transversalidade dos modos de interven~ao opoem-se asingularidade dos indivfduos e aespecializa~ao do acompanhamento; a negocia~ao colectiva deliberativa dissocia-se da pratica da analise racional; o apoio sabre os responsaveis politicos diferencia-se do apelo a16gica singular das administra~oes. Por isso nao e surpreendente constatar o facto de que os trabalhadores sociais, na sua nomea~ao tradicional, se posso assim dizer, tem concorrencia no exercfcio destas competencias novas. Aparecem novas denomina~oes (chefes de projecto, coordenadores sociais, agentes de desenvolvimento, para nao dizer engenheiros sociais ... ) qualificando postos que escapam muitas vezes aos profissionais instalados em proveito de militantes ou profissionais vindos de outros horizontes. 18 Identifiquemos esta nova figura profissional. Epossfvel, creio eu, circunscreve-la a partir de dois elementos a priori um tanto ou quanta paradoxais. Primeiro, exigencias de independencia num universo ligado directamente a polftica. Apesar da sua condi~ao de assalariados das insUincias polfticas locais, estes profissionais dispoem ou impoem importantes margens de liberdade, fundadas mais sabre a transversalidade dos problemas do que sabre a sua propria tecnicidade. Fazendo funcionar uma l6gica horizontal de rede em vez duma 16gica vertical do aparelho, transgridem a inercia habitual e as dependencias hierarquicas 19 • Neste sentido, definem, em parte, o seu cargo e o seu modo de exercfcio, aproveitando as
18 0 que sublinha J.N. CHOP ART: <<Face ao de.\·envoivimento duma nom cu/tura contraruai caracterizando os dispositivos montados. as profissoes sociais estao mal inseridas JWS institui~oes e nos serl'ir;os m~~a nizados de maneira vertical e hierarquica e intimados peio mimero dos organismos que os empregam a limi/ar-se estritamente as missoes que ihes sao confiadas. Assim as proj)ssoes sociais viram, em a/guns anos, expiodir a no~·ao unifica/1/e de trabaiiw social. Pi or ainda: esta marca de garantia romou-se pouco a poucosin6nimo de arcafsmo. As <<IIO\'as profissoes" do social dispersaram-se emmassa. Nesta conjuntura, 11111 pouco do comrato que ontem as ligava a sociedade inteira de.~fez-se. Muitos destes profissionais selllem-se hoje conw os <<Operarios Especiaii;:ados>> dum social imobikado, sem esperwzr;a de requalificar;ao nem perspectim real de carreira>>. CHOP ART J.N., «La conversion des travailleurs sociaux>>, in MARTINET J.L., Les educateurs aujourd'hui, Toulouse, Privat, !993, p. !70. 19 ,,A independencia do engenheiro social face aos parceiros da opera~·ao e nclo obstante um trunfo importame do ponto de l'ista metodo/6gico. Inrestindo no sucesso da operar;do imeresse.1· que /he serao prdprios, daf recebera uma auroridade que faciiirara a escuta e por conseguinte o obten~·c/o dum consenso. Nao estando vincuiado a uma colectividade particular, a sua experiencia enriquecer-se-6 cmn as siruar;i!es mais di1·ersas e af ainda, a sua autoridade serd refor~ada. A sua equidistdncia coioca-o nunw situa~·do de rerceiro mediadon>.
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oportunidades que lhes sao oferecidas. Isto implica, evidentemente, que eles conhe~am os minimos recantos da paisagem institucional mas tambem que tenham compeH~ncia na constitui~ao e negocia~ao dos dossiers. Segundo, urn realismo pragmatico, ultrapassando a confusao entre fins ultimos e ac~oes concretas e afirmando o papel de parceiro indispensavel do trabalho social face aos politicos na discussao dos problemas sociais. Isto pressupoe a valoriza~ao da eficacia, para nao dizer da rentabilidade, da interven~ao social, avaliada atraves de ac~oes concretas. Estes «empresarios da ac~ao social» integraram os valores da eficacia e do rendimento do mundo produtivo. E o universo referencial do interveniente social passa ostensivamente do discurso com conota~ao pedag6gica para a palavra do especialista em desenvolvimcnto social. A 16gica da avalia~ao ea do lan~amento de programas refor~am o caracter duma competencia que se torna, por consequencia, meia tecnica, meia politica. Em conclusao da apresenta~ao destas cvolu~oes, eu gostaria de sublinhar o que, a meus olhos, aparece como a tendencia mais significativa. Talvcz a mais profunda, pois transversal aos diferentes pontos prcccclcntcmente enumeraclos. A saber, o declinio do educativo. A cultura profissional «cl<1ssica» repousava prioritariamente sobre o trabalho pedag6gico, a transforma~ao cla pessoa, a rela~ao dual, a ac~ao psico-cducativa. Esta cultura alarga-sc, ao piano mediatico nomeadamente, a novas referencias em redor de prioridadcs de inser~ao socio-profissional e de gestao de dualismo da sociedade. Estas ultimas privilegiam, em maior numero, valorcs (eficacia, avalia~ao) que se aproximam do mundo econ6mico. A unidade cultural a volta da qual se tinham constitufdo as profissoes sociais dispersa-se. Alem disso, a intrusao de intervenientes exteriores, ao acabar com o monop6lio do exercfcio eo imperativo da urgencia que se impoe como um dado de base do trabalho quotidiano, criam um processo de desqualifica~ao do conjunto das profissoes sociais. 0 trabalho social tradicional e posto em causa no que concerne, nomeadamente, por um lado, a ac~ao social global, nas suas dimensoes preventivas e promocionais face a diversifica~ao dos publicos e dos processos, e por outro, 0 acompanhamento social que implica uma interven~ao a longo prazo e perspectivas do futuro de toda a sociedacle. Expliquemo-nos. Os trabalhadores sociais sempre inscreveram, pouco ou muito, as suas praticas profissionais na perspectiva cluma transforma~ao dos comportamentos da sua clientela. Nao se tratava tanto de ajudar as popula~oes de que estavam encarregaclos, como de lhes ensinar a tornarem-se aut6nomas e a movimentarem-se na sociedade. Este motor clas icleologias e das praticas profissionais assentava indubitavelmente na sensa~ao de viver numa sociedade em plena expanInrerreii(Jio Sociul. 13/f../, /996
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sao aproximando-se inexoravelmente do bem-estar de todos ou quase 20 . Ora, esta acc;ao educativa nao pode mais exercer-se, nomeadamente pm·que os modos de intervenc;ao veiculados pelo Estado-incitador supoem tendencialmente outras maneiras de fazer e sobretudo afastam qualquer visao a longo prazo. Dum !ado, efectivamente, o trabalho social tem como objecto a gestao dos exclufdos sem possibilidades ou mesmo esperanc;a de se juntarem ao «pelotao». Por outro !ado, o proprio publico do trabalho social mudou e transformou as suas proprias exigencias. Como o sublinha J. Ion : «A observac;ao mostra, de facto como, com a propria institucionalizac;ao do trabalho social, a clientela Uovens pre-delinquentes mas tambem macs de famflia e isolados) aceita cada vez menos entrar num processo pedagogico e vem cada vez mais, pelo contnirio, aprocura de ajudas concretas (ajudas financeiras ou locais de ferias ou estagios profissionais), sabendo lidar corn toda a panoplia de possibilidades e de profissionais» 21 • 0 fundamento educativo da intervenc;ao encontra-se assim inadaptado agestao de populac;oes totalmente estranha a uma sociedade dualista cujas categorias superiores se lhes tornam inacessfveis. 0 desafio e, pois, imenso. 0 trabalha social nao tcm outro apoio scnao o duma competencia tecnica em desconexao parcial com as situac;ocs sociais problematicas como comas injunc;oes que !he sao ditadas pelo debate polftico, sem outra modalidade de acc;ao senao a negociac;ao provisoria e delimitada em vista a um compromisso localizado com parceiros mais ou menos coagidos. Nestas condic;oes, o trabalho social nao assiste ao reajustamento das suas condic;oes de exercfcio e a renovac;ao parcial das suas competencias? Orientamo-nos, no entanto, para uma nova tecnologia social? Ye-se aparecer uma nova "especie" de intervenientcs dotados duma competencia de generalistas? Estes «politecnicos do social» como lhes chama Vincent de Gaulejac 22 , capazes de analisar em profundidade uma dada situac;ao e daf tirar as consequencias ao nfvel da acc;ao, sao tecnocratas sociais polivalentes na encruzilhada do trabalho polftico e da acc;ao social? A ver. 0 futuro proximo moderara talvez este optimismo. Entretanto, um fenomeno parece bem tangfvel: a explosao do involucra generico «trabalho social» sob o qual tinham sido unificadas as profissoes sociais, tanto por
° Como o cxplica claramente ION, nao se deve dissociar este modelo psico-educativo do contcxto em que ele se inseria. <<Quando o desemprego niio era seniio defraca extensiio e na maior parte dos ve:es temporario, a intervenriio educati\'11 tinlw tempo para se desenvo/ver: a reinser~·iio ... esfa\'(/ quase sempre ao termo da acriim>, in MARTINET J.P., op. cit., p. l 85. 21 ION J., Le tra\'1/i/ social a /'epreuve du territoire, op. cit., pp. 168-169. 22 DE GAULEJAC V., «L'ambivalence des polytechniciens du social>>, in Pour, op. cit., pp. J 29-134. 2
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razoes de canicter corporati vo como por circunstancias conjunturais do crescimento, assistindo-se assim a diversificat;:iio das profissoes do social. Neste caso, como consequencia inelutavel, uma verdadeira restruturat;:iio do trabalho social. Esta renovat;:iio em profundidade passa certamente pela obrigat;:iio de repensar a format;:iio, pela necessidade de redefinir as tarefas e pela urgencia de revalorizar os estatutos dos trabalhadores sociais 23 , mas sobretudo talvez por uma reflexao de conjunto da funt;:iio polftica do trabalho social, de modo que ele nao seja confinado apenas ao domfnio tecnico, numa sociedade que produz de maneira endemica e quase «normal» a exclusao. «0 trabalho social em tempo de crise continua politicamente por inventar» 24 . Tradu~ao de Ana Theias REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ARENDT H.- Essai sur la revolution, Paris, Gallimard, 1967. BA TT AT M. & KOUCHNER B. -Le devoir d'ingerence, Paris, Dcnoel, 1982. BOLTANSKI L.- La souffrance it distance, Paris, eel. 1\.M. Metaille, 1993. CATTACIN S. & BUTSCHI D.- Le modele suisse du /Jien-etre, Geneve, FNRS, 1993. CHOP ART J.N.- «La conversion des travailleurs sociaux», in MARTINET J.L., Les educateurs aujourd'hui, Toulouse, Privat, 1993. DE GAULEJAC V.- «L'ambivalence des polytcchniciens du social», in Pour, op. cit., pp. 129-134. DONZELOT, Jacques- «L'entree en politiquc de !'action sociale>>, in Pour «<'ingenierie i'tl'assaut du travail social», nov.-dec. 1998, p. 11. DURKHEIM E.- L'education morale, Paris, PUF, 1976. FRAGNIERE J.P.- Materiaux pour !'etude de la politique sociale en Suisse, Geneve, Presses de l'Universite de Genevc, 1993. GAY J.- L'intervenant professionnel face ctl'aide naturelle, Chiroutimi, Gaetan Morin, 1984. ION. Jacques- Le travail social i'tl'epreuve du territoire, Touluse, Privat, 1990. J.P. GARNIER- ««Localiser>> le social ou «socialiser>> le local>>, in Espaces et societes, le travail social et le local, n. 0 40,janvier-juin 1982, pp. 3-13. LEPRINCE, Freclerique e STROLH, Helene- "Evolution du travail social>>, Documentation Fran~aise LESEMAN F. & CHAUME C.- Famille-providence, Montreal, eel. Saint-Martin, 1989.
' 1 Um grupo de trabalho intitulaclo «Evohtf·ao do tra/Jalho social>> no ambito cla comissao Coesc7o social e preven~·c7o das exclusoes do Commissariat General au Plan do Estado frances arriscou-se a fazer propostas neste senticlo. Ler-se-a com interesse o relat6rio desta comissao publicaclo recentemente na Documentation Fran~aise sob a clirecgao de Freclerique LEPRINCE e Helene STROLH. ~" ION J., Les travail/curs sociaux sont-ils encore un groupe professionnef?. op. cit., p. 186.
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Crise do Estado-Providencia e Recomposi<;flo da Intcrvcn<;flo Social
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SERVI<;O SOCIAL, MARGINALIZA<;AO E POLITICA SOCIAL Alcina Monteiro
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A interven9ao relativamente a fen6menos de marginaliza9ao e/ou exclusao (social, econ6mica, polftica e cultural) aos mais diversos nfveis de incidencia (individual, familiar ou de sectores mais ou menos amplos da popula9ao) sempre se inscreveu (e inscrevera) no ambito da ac9ao dos assistentcs sociais. Esta caracterfstica que persistcntemente tem acompanhado o Scrvi9o Social decorre da nao menos persistcntc manifcsta9ao dos problcmas de marginaliza9ao e/ou exclusao, nas suas multiplas c/ou mais ou mcnos cxtensas cxprcssocs ao nfvcl das condi96es de vida da popula9ao, qualqucr que seja o contcxto social de rcfcrencia. Se e certo que os problemas sao identicos, os mecanismos e processos sociais que historicamente sao produzidos e accionados pela sociedade para os enfrentar (e/ou atenuar) sao contextualmente muito diversos. Eno quadro desses processos que, na nossa perspectiva, podera ser elucidada a natureza da interven9ao profissional, na sua vincula9ao aqueles mecanismos e/ou nos tra9os que !he sao, eventualmente, particulares. Daf que tenhamos privilegiado debater a rela9ao «Servi9o Social, Marginaliza9ao e Polftica Social» atraves das perspectivas te6rico-culturais e/ou socio-polfticas que, de modo mais significativo, moldam diferentes abordagens dos problemas associados a fen6menos de marginaliza9ao (os designados problemas sociais ), em contexto dos pafses ocidentais. A enfase do debate sera colocada nos quadros de
Docento no ISSS do Porto. Este arligo e uma versao revista das participa~6es sobre o tema, apresentadas em semim\rios organizados no ambito dum projecto inter-universitario de coopera~ao entre escolas de Servi~o Social (TEMPUS JET 4191), que cnvolveu a participa~ao de docentes da Escola Universitaria de Trabalho Social de Barcelona, Universidade de Ljubljana-Eslovenia. Universidade Janus Pannonius de Pecs-Hungria e Instituto Superior de Scrvi~o Social do Porta, desenvolvido de 1992 a 1995 com o apoio do Programa TEMPUS. 1
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amilise que influenciam e informam aquelas perspectivas, mais especificamente no modo como tern sido incorporados e/ou problematizados pelo Servi~o Social, em momentos particulares do seu percurso e/ou na diversidade que actualmente caracteriza a profissao. Desse modo sao tambem abordados alguns dos tra~os distintivos da interven~ao profissional, nomeadamente os que a demarcam doutras formas de interven~ao, sejam de natureza profissional e contextualmente concorrentes, ou do tipo das pniticas voluntarias que historicamente a antecedem e que, em certa medida, vem sendo revitalizadas na actualidade. «Repara~ao»
Moralizadora (e/ou punitiva) na pobre/marginalizado.
modela~ao
da «ajuda» ao
Nas sociedades tradicionais, as necessidades e/ou condi~oes de vida das popumarginalizadas (econ6mica, social e politicamente) sao mantidas na esfera da responsabilidade privada (do indivfduo, famflia e/ou da sociedade religiosa), refor~ada pela ac~ao punitiva de medidas accionadas pelo Estado para proteger a sociedade dos indivfduos «problematicos» e/ou punir os «falsos necessitados». S6 quando os fen6menos de marginaliza~ao e/ou priva~ao sao perspectivados como problematicos para a sociedade (assim adquirindo a designa~ao de sociais) sao tomados como uma questao de interesse publico, a serem tendencialmente inclufdos na esfera de competencias dos poderes politicos. As necessidades sociais que lhe estao associadas deixam de ser considerados exclusivamente como uma questao «privada», cuja solu~ao e imputada a responsabilidade dos indivfduos ou famflias afectados, para se tornar uma «questao publica», do interesse geral e responsabilidade do colectivo social numa passagem mediada pela ac~ao do Estado atraves da Polftica Social. Retomemos as abordagens que tradicionalmente tendem a considerar os problemas sociais como quest6es privadas, a enfrentar pelo indivfduo (ou famflia) e, subsidiariamente pela ac~ao reparadora da caridade mais ou menos organizada. A extensa manifesta~ao dos fen6menos de marginaliza~ao sempre suscitou (e continua suscitando) a organiza~ao da caridade e/ou da solidariedades privadas na base de outras prioridades, que nao as reais necessidades da popula~ao marginalizada, nomeadamente a moraliza~ao da vida social e/ou a racionaliza~ao de recursos. Dentre as tradicionais organiza~6es privadas de caridade, muitas das quais permanecem e/ou foram revitalizadas em contexto em·opeu, referimo-nos particularmente as designadas Charity Organization Society (COS), considerada a sua hist6rica influencia na delimita~ao dos contornos do Servi~o Social nos pafses industrializados do ocidente. la~6es
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Scrvi~o
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Estas organiza~oes de caridade, que os assistentes sociais sempre identificaram como o quadro de emergencia da profissao, baseavam a sua ac~ao no entendimento de que «O pobre era pobre porque se recusava a trabalhar», propondo-se impedir as «fraudes», controlar e/ou punir socialmente os «falsos» necessitados e «Servir» os «verdadeiramente necessitados», atraves da subordina~;ao da «ajuda» (ou repara~;ao da necessidade) a criterios morais. Subjacente um quadro de valores do designado «Darwinismo Social», centrado na ideia de que do conflito social resultani o triunfo da «competencia dos mais aptos» 2• Neste quadro o discurso associado aos «vencidos» e irracional, contnirio a ideia de «progresso» (que inevitavelmente exclui os mais fracos). Desse modo e legitimada e racionalmente defendida a responsabiliza~ao do «pobre» e/ou excluido pela pobreza e/ou outras vulnerabilidades. Nesta 6ptica os problemas sociais sao atribuidos aincapacidade dos indivfduos, incapazes para um contributo positivo (funcional) na sociedade e, consequentemente um obstaculo aideia de «progresso» 3. Justifica-se a puni~ao e/ou marginaliza~;ao dos «responsaveis» pelos problemas (os indivfduos afectados e suas famflias), para prevenir ou eliminar da sociedade os membros nao contributivos. A «ajuda», pela assistencia filantr6pica ou caritativa e considerada, no mesmo quadro de valores, como basicamente geradora de dependencia e da manuten~ao (ou eventual agravamento) dos problemas sociais, consequentemente perspectivada pela 16gica moralizadora de preven~;ao das (eventuais) fraudes e/ou abusos. Em correspondencia com esse entendimento, prevalece o can'icter residual e selectivo da ajuda, sempre inferior areal necessidade dos indivfcluos seleccionaclos (em fun~;ao das suas caracterfsticas pessoais) e dependente da vontacle de quem a concede. Esta a perspectiva que parece ser veiculada pela reactualiza~;ao de praticas tradicionais, justificacla e apoiada cm propostas de «moraliza~;ao» (preven~ao da fraude e/ou da subsfdio-depenclencia) e/ou de «solidariedade» (seja baseada na tradicional pratica da caridade ou numa rela~;ao contratual conforme regras do mercado). Qualquer pretendida consensualidade na abordagem (tradicional ou moclerna) dos clesignados problemas sociais, com que por vezes se busca legitimar o formato clas polfticas e praticas institucionais, remete o seu debate para os quaclros te6rico-culturais e/ou socio-pollticos que a sustentam e, eventualmente problematizam. De
Comissao Gulbcnkian Sobre a Rccstrutura~ao das Ciencias Sociais (I 996), para abrir as Ciencias Sociais (Rclat6rio), Europa-America, Lisboa. ! KEEFE. T. e MA YPOL, D. (I 993), <<Social-Historical Context>> in Relationships in Social Serl'ice Practice: Context and Skills. Brooks/Colc, !vlontey, California. 2
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igual modo a pretensa uniformidade que subjaz a algumas das formulac;:oes do Servic;:o Social, nomeadamente as tendencias que, no contexto europeu, vem sendo moldadas pelo discurso da crise de valores e/ou da racionalizac;:ao de recursos remete-nos para os vectores que concorreram para a sua institucionalizac;:ao e, ontem como hoje, tendem a moldar a intervenc;:ao dos assistentes sociais. Nas sociedades industrializadas do ocidente a institucionalizac;:ao do Servic;:o Social e historicamente marcada pela articulac;:ao de dois vectores principais, que se interpenetram e reforc;:am mutuamente na delimitac;:ao dos contornos gerais e tendencialmente uniformizadores da profissao. Dentro desses limites gerais sao (tendencialmente) integradas (ou rotuladas de marginais) as orientac;:oes divergentes e/ou que problematizam diferentemente a abordagem dos problemas sociais, sejam radicadas em tradic;:oes te6rico-culturais e/ou em particularidades nacionais. • Um primeiro vector e referenciado ao contexto de edificac;:ao de um projecto socio-polftico, reformador e/ou de modernizac;:ao da sociedade, no qual se inscrevem e sao delimitados os trac;:os gerais da profissao e que (tendencialmente) desvalorizaria as tradicionais praticas de assistencia privada (filantr6picas e/ou caritativas). A institucionalizac;:ao do Servic;:o Social ocorre num contexto de desvalorizac;:ao de anteriores pnlticas assistencialistas, como tambem das tradicionais formas coercitivas de controle social, e simultaneamente de edificac;:ao de um novo modo de aborclar as questoes sociais. Neste quadro, os problemas de marginalizac;:ao/privac;:ao sao tendencialmente tomados com questao de interesse publico, suscitanclo intervenc;:oes socio-polfticas que rompem com o voluntariado (e voluntarismo) clas traclicionais formas privaclas de ajuda aos «pobres e marginalizados». A profissionalizac;:ao do Servic;:o Social significou (apenas neste aspecto) uma ruptura eo m o voluntariado das acti vidades (e dos agentes) da assistencia filantr6pica, mas ao mesmo tempo incorporou (em nfveis e graus diversos conforme os contextos socio-polfticos) valores e procedimentos que lhe eram pr6prios. Daf a hist6rica polarizac;:ao da intervenc;:ao dos assistentes sociais, nas suas variadas e sempre renovadas expressoes, de que sao exemplo (entre outros) a tradicional ambivalencia (e tensao) entre a prestac;:ao de servic;:os versus acc;:ao educativa e/ou terapeutica, entre problemas sociais versus indivfcluos com problemas. • Um segundo vector de amHise refere-se amatriz te6rico-cultural que informa a institucionalizac;:ao da profissao nos pafses ocidentais. Esta matriz constituiu-se pela articulac;:ao cluma racionalidade positivista (tecnico-instrumental) com a tradic;:ao filos6fica de um humanismo cristao (e conservador), incorporando (ou nao) o ideario individualista. Afirma-se como um quadro geral que lnteJTC'II\'iiO
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legitima e sustenta, no piano te6rico-cultural, as orienta~oes para uma privatizados designados problemas sociais (mesmos quando considerados uma questao para a sociedade ), remetendo as suas causas para tra~os ou fragilidades dos indivfduos. Um quadro positivista que legitima a subalterniza~ao da interven~ao relativamente a reflexao e a fixa~ao do Servi~o Social no terreno da execu~ao. Reduzida esta a aplica~ao de procedimentos tecnicos e/ou modelos operativos dispensa-se de um quadro de leitura da sociedade e factores de marginaliza~ao econ6mica, social e cultural. Esta subalterniza~ao da interven~ao (consequentemente dos problemas sobre que incide) e refor~ado por uma tradi~ao filos6fica que, na base da suspei~ao do pensamento secularizado faz apelo aos valores tradicionais para humanizar as tecnicas e, sobretudo, para relativizar os problemas/necessidades sociais face a prioritaria moraliza~ao da sociedade. ~ao
Nos pafses europeus de tradi~ao cat6lica a emergencia da profissao esta marcadamente associada a urn projecto conservador, que se propunha reformar a sociedacle pela moraliza~ao da vida social e restaura~ao dos valores da familia tradicional. Referimo-nos ao designado de «Catolicismo Social», um quac!ro etico-moral e modo de interven~ao na sociedade, um projecto socio-cultural que evoluiu para um projecto socio-polftico de oposi~ao as ideias e propostas liberais, configurando-se como uma proposta de reforma da sociedadc pela restaura~ao de padroes culturais e quadros de vida e de trabalho tfpicos da organiza~ao social pre-capitalista. A partir do seu nucleo central, Le Play ea sua Escola, expande-se na Europa do sec. XIX e moldara a abordagem dos problemas de marginaliza~ao e exclusao, constituindo-se tambem a matriz original do Servi~o Social europeu. Econhecida a sua influencia na institucionaliza~ao e oricnta~ao da forma~ao nas primeiras escolas de Servi~o Social nos pafses europeus com tradi~ao de um catolicismo conservador, de que c exemplo o caso de Portugal sobretudo nos primeiros anos do Salazarismo. Dentro da mesma tracli~ao cultural, o designado catolicismo social «progressista» (em contexto de final do sec.) nucleado pelos princfpios doutrinarios (doutrina social) re-actualizados por Leao XIII, para responder as questoes que se colocavam nas sociedades industrializadas do seu tempo, prolongara a sua influcncia no Servi~o Social sendo adoptado como unico (e excludente) quadro etico-filos6fico da profissao para a generalidade das escolas e dos profissionais. Este quadro, construfdo pela revitaliza~ao da filosofia tomista (neo-tomismo) e difundido e proposto como grelha de leitura dos fen6menos de marginaliza~ao e/ou exclusao econ6mica e social e, simultaneamente, um guia para a interven~ao na sociedade e solu~ao para os problemas ditos sociais. Em refor~o da importancia e actualiclade deste quadro te6rico-cultural refira-se a sua ex tens a (re )vitaliza~ao, quer atraves da difusao cla doutrina social de Leao XIII (tornada actual nos anos 90), como tambem atraves de Inre/Tcnrilo Social, Ll!J-1. /91)0
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propostas de interven~ao face aos extensos problemas de marginaliza~ao ou exclusao social, algumas das quais apenas transpoem (sem outras media~oes) para a actualidade solu~oes engendradas ha mais de urn seculo. A subordina~ao do Servi~o Social aquela matriz filosofico-doutrinaria tem como corolario a aceita~ao da tese de que o mundo (homem e sociedade, tal como a natureza) constitui a ordem natural subordinada, ou a subordinar, a uma ordem sabrenatural, corn a consequente naturaliza~ao das desigualdades sociais e/ou fen6menos de marginaliza~ao, mesmo que de expressao diferenciada confonne o quadro das polfticas estatais e tradi~oes hist6ricas e culturais de cada pafs. Adoptando o primado da moral na interpreta~ao das questoes sociais e/ou no enfrentamento das suas manifesta~oes no quotidiano da vida dos indivfduos e famflias, o Servi~o Social incorpora uma certa desconfian~a/desprezo pelas contribui~oes do pensamento cientffico secularizado (nao humanizado), com o que se refor~a e legitima o pragmatismo empiricista da interven~ao. Este quadro filos6fico-doutrinario, se m deixar de moldar o pragmatismo da interven~ao dos assistentes sociais sera progressivamente desvalorizado corn a laiciza~ao da profissao, atraves das influencias a que se torna permeavel, nomeadamente do Servi~o Social norte-americano no p6s-guerra, ou ainda pela busca de mais diversificados enquadramentos te6ricos e tecnico-operativos em perfodos mais recentes. 0 Servi~o Social norte-americano, menos permeado pela influencia do catolicismo, constituiu a sua matriz original a parlir de um quadro etico-filos6fico mais flexfvel, um humanismo cristao que incorporava o ideario liberal que tornou a profissao mais permeavel as contribui~;oes Le6ricas das ciencias sociais de raiz positivista. Sao disso expressao os clesenvolvimentos tecnico-instrumentais com que buscava a operacionaliclade e eficacia cla interven~ao, perspectivada por uma aborclagem que, de acorclo com aquele quadro, reduz os problemas sociais as suas manifesta~oes individualizadas e/ou como efeitos perversos dos processos de moderniza~ao (econ6mica), ou seja, como questoes privadas de origem e responsabilidade individual ou familiar. A media<;ao politica na regula<;ao publica dos ÂŤproblemas sociaisÂť A profissionaliza~ao do Servi~o Social ocorre pela institucionaliza~ao da qualific<wao dos seus agentes e enquadramento institucional de interven~ao, o que significa a sua vincula~ao as dinamicas societais em que se inscreve 4.
4
NETTO, Jose Paulo ( 1992). Capitalismo Monopolista e Senoico Social, S. Paulo. Cortez. inrerrcn\¡iio Social.
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A condi~ao de «profissional» significa que o desempenho nao depende da vontade propria mas de uma qualifica~ao conforme procedimentos reconhecidos pelo Estado, caucionadora do acesso ao mercado de trabalho e/ou do enquadramcnto institucional da interven~ao em organiza~5es publicas ou privadas. Este enquadramento significa a vincula~ao da interven~ao profissional a processos que escapam ao seu controle, decorrentes das organiza~oes de enquadramcnto, como tal inscrita na dinamica gcral da sociedade. Como e sabido a «qualifica~ao» profissional e institucionalizada (e esclarecida) no contexto das mudan~as (econ6micas, sociais e polfticas) verificadas nas sociedades industriais do ocidente, no final do seculo S, sendo ,justificada e legitimada num quadro estrategico de abordagem dos fen6menos de marginaliza~ao. Mais do que a extensa visibilidade das manifesta~oes daqueles fen6menos no quotidiano de vida das popul<l~oes concentradas nas cidades industriais, foi o reconhecimento politico do seu potcncial erosivo e/ou socialmente destabilizador que exigiu novas media~5es para lidar com as questoes sociais nos pafses de capitalismo democn'itico. Por exigencias socio-econ6micas, redefine-se um novo quadro de interpreta~ao dos problemas sociais, constitufdo a partir duma progressiva erosao do ideario individualista do liberalismo e incorpora~ao de elemcntos dum humanismo igualitario. Atraves do protagonismo e ac~ao organizada de movimentos sociais e polfticos (sindicatos e partidos ), radicais e/ou reformadores, a extensa marginaliza~ao e/ou explora~ao dos trabalhadores e suas faml1ias ascendem a arena do debate publico, o que colocava a questao da coesao social na agenda das prioridades polfticas. Nesta perspectiva 0 enfrentamento daqueles problcmas e deslocado para 0 espa~o da esfera publica, a ser (ainda que nao necess<'iriamcntc) inscrito na agenda das prioridades polfticas. 0 foco da observa~ao dcsloca-se para a compreensao dos factores estruturais e papel das for~as sociais na cria~ao c sustcnta~ao da pobreza, opressao e marginaliza~ao social dos grupos mais vulneraveis. 0 foco da ac~ao reparadora sobre os indivfduos em situa~ao de reconhecida vulnerabilidade social, a ajuda filantr6pica!caritativa aos que a merecem ou as ac96es punitivas para os restantes, tende a ser deslocado para a reforma da sociedade como garantia de coesao e estabilidade social. As desigualclades sociais nao s6 sao reconhecidas como reclamam crcscentementc a interven9ao dos poderes polfticos na regula~ao publica das condi~oes de vida e de trabalho. 0 Estado envolve-se progressivamente numa abordagem publica dos problemas sociais, com expressao na institucionaliza~ao de novos mecanismos Atente-sc acria~ao clas primeiras escolas de Servi~o Social no final do sec. passaclo, EUA (1898) e Aleman ha ( 1898). 5
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de regulayao social (legislayao social e !aboral, esquemas de protec9ao contra riscos e/ou assistencia publica para os grupos mais vulnen'iveis). Estes mecanismos sao institucionalizados no ambito da ac9ao do Estado como complementares da regula9ao pelo mercado e simultaneamente compensat6rios das insuficiencias da familia e assistencia filantr6pica, configurando a Polftica Social nas sociedades industrializadas e de democracia liberal. Estes processos, pcla sua natureza polftica e estrategica, exigem (e justificam) «novos» e/ou mais «adequados» mecanismos de media9ao Uurfdico-administrativos, polftico-institucionais, ideol6gico-culturais e/ou socio-profissionais) que contextualizam a institucionaliza9ao do Servi9o Social como profissao. A cren9a dominante nos contributos da tecnica para a modernizayao da sociedade traz associada a exigencia de racionalidade das reformas c, consequentemente refor9a a necessidade de qualifica9ao de agentes adequados (os assistentes sociais entre outros profissionais) asua formula9ao e implementa9ao. Refira-se a este prop6sito, o caso Alemanha de Bismark onde a institucionalizayao das primeiras medidas de polftica social (os seguros sociais obrigat6rios) no final do scculo, ocorre a par da institucionaliza9ao da qualifica9ao academica dos novos profissionais. Ou ainda o caso dos EUA coma cria9ao do curso de Servi9o Social no quadro da universidade, atraves do pioneirismo de algumas trabalhadoras sociais, com destaque para Jane Adams pclo seu protagonismo politico na lideran9a do movimento das «Settlement House», como tambem na elabora9ao e implemcnta<;ao de polfticas e programas de «rel'orma gradual e democratica» da sociedade. A profissionalizayao do Servi9o social surge historicamente associada aintrodu<;ao da media<;ao polftica na abordagem dos problemas sociais como uma questao publica. A intcrven9ao profissional, desde a sua institucionalizayao aos mais recentes desenvolvimentos e orienta96es, esta assim vinculada a polftica social e ampliayao dos poderes do Estado na regulayao social. Tambem desde a sua institucionalizayaO 0 ServiyO Social e permeado pela ambivalencia que caracteriza as estr<Mgias de abordagem publica dos problemas de marginalizayao, com expressoes varias no seu percurso hist6rico. Na sua emergencia, a profissionalizayao dos assistentes sociais foi polarizada em torno de duas tendencias, concorrentes na defini9ao dos contornos e orienta9ao cla interven9ao profissional, na base das respectivas perspectivas de abordagem dos problemas sociais nas socieclades inclustrializaclas 6: • Uma clesenvolvida por Mary Richmond (Nova York) a partir da experiencia das «Charity Organization Society», tendcndo a defenir os problemas sociais
6
ZJ\STROW. Charles 11986), Sociol \Vfifitre institutions, Dorsey Press. Chicago. Intcrrenrilo Sociuf. 131/-1, Jf.JI.J6
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pelas suas manifesta~oes individualizadas, como incapacidade do «cliente» para lidar (ou se ajustar) coma sua situa~ao social. Perspectiva o Servi~o Social pelo modelo caritativo, como ac~ao de auxilio individualizado e sobretudo de «aconselhamento» do «cliente», posteriormente racionalizada como ac~ao de natureza terapeutica pela incorpora~ao da influencia da terapia Freudiana. • Outra perspectivada por Jane Adams (Chicago) que associa o Servi~o Social as «reformas societais» a promover pela ac~ao local e medidas de polftica social, complementadas por ac~oes de cunho educativo (relativo aos valores e competencias exigidas pela industrializa~ao ). Os problemas sociais resultam, nesta abordagem, das modernas condi~oes de vida nas grandes cidades, engendradas pelos processos de industrializa~ao e concentra~ao urbana, cujo enfrentamento se coloca com uma questao de interesse publico. Esta diversidade sera integrada e tendencialmente anulada no quadro da matriz te6rico-cultural de origem, que moldara a abordagem (publica) dos problemas sociais pelo quadro etico-moral das tradicionais praticas caritativas e/ou filantr6picas e/ou por uma racionalidade tecnico-instrumental (originaria dum pensamento social secularizado). Desse modo o Servi~o Social afasta-se progressivamente do terreno em que emerge, uma abordagem publica dos problemas sociais inscrita num projecto reformador de natureza socio-polftica. Des se modo a interven~ao profissional tendera a nao potenciar o seu vinculo hist6rico a media~ao de polfticas sociais, particularmente nos desenvolvimentos que persistentemente tendem a perspectivar o Servi~o Social por numa abordagem psicologizante daqueles problemas de marginaliza~ao social.
Psicologiza<;ao dos «problemas sociais» na orienta<;ao terapeutica da interven<;ao No perfodo entre as guerras, face a extensao dos problemas sociais, efeitos da guerra e crise econ6mica, o descredito na ideia de progresso do Darwinismo Social faz-se acompanhar de uma certa descren~a na interven~ao dos governos e/ou nas possibilidades de reforma social. Ainda que nao tenham sido eliminadas as reformas introduzidas, a ideia de transforma~ao global, democratica e gradual da sociedade e abandonada e/ou desacreditada. Tornam-se prevalecentes as interpreta~oes que tomam os problemas sociais pelas suas expressoes mais ou menos individualizadas, conforme o foco de analise entendidas como tra~os psicol6gicos e/ou psico-sociais, desvio a norma e/ou desorganiza~ao, com o que se justifica as interven~oes de tipo terapeutico e/ou ressociahuen·enriio S'ocial, 13/J.J, 1996
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lizantc sobre a fonte ou causa dos problemas de priva~ao e marginaliza~ao (indivfduos, famflias e/ou o seu meio proximo). Nesta desloca~ao do foco de abordagem dos problemas sociais o Servi~o Social norte-americano re-elabora a sua matriz te6rico-cultural atraves de uma mais extensa integra~ao de contributos do pensamento social da epoca, as teorias de raiz positivista (psicol6gicas, sociol6gicas ou socio-psicol6gicas) que buscavam responder aquestao de como manter a ordem e consenso entre os varios elementos da sociedade. Por umlado, citando autores norte-americanos dirfamos que o Servi~o Social se enamorou pela psicologia e terapia Freudiana, no que se destaea o pioneirismo de Mary Richmond, redefinindo o clientc (indivfduo ou familia) eomo fonte de problemas e, eonsequentcmente, tomado como objecto de intcrven~ao (terapeutica) dos assistentes sociais 7. Por outro os desenvolvimentos funcionalistas das teorias sociais norte-americanas, colocando a enCase da analise social no comportamento dos actores e/ou nos actores, seus pcnsamentos e ac~oes 8, fornecem ao Servi~o Social a visao do mundo (home me sociedade) e no~oes interpretativas dos problemas de marginaliza~ao e/ou exclusao que racionalmente justifieam as orienta~oes terapeuticas e/ou ressocializantes da interven~ao. E partilhada a no~ao gcral de que a sociedacle c fcn6menos sociais sao parte dum orclem natural, cuja estabilidacle e coesao c mantida atraves de valores simb61icos e/ou etico-morais, normas e institui<;ocs sociais, os quais sao consensualmente aceites e, conscqucntemente deverao ser respeitaclos pela generalidade dos indivfcluos. Em corresponclencia a esta leitura idcalizacla (e naturalizada) da organiza~ao da socieclacle, os problemas sociais (pobrcza, marginalidacle ou outros) apenas poclem ser descritos e explicados por caracterlsticas do indivfduo (ffsicas, psfquieas ou morais ), cl a familia (desorganiza<;ao, desajustamento ou outras clisfun~oes) e/ou ao nfvel sub-cultural de certos grupos de popula~ao (eoloeados em desvantagem pelos se us pr6prios valores culturais ). Assim os problemas soeiais silo retirados do terreno da decisao polftica e o seu enfrentamento explfeita ou implicitamente desvinculado da responsabilidade p(tblica ou colocados como nao questao para a sociedade (perspectivada como sistema social), com o que se acentuara uma interpreta~ao psicologizante dos mesmos. Este modelo de interpreta<;ilo das questoes sociais e orienta~ao terapeutica da interven<;ao do Servi<;o Social sao transpostos para a Europa clo p6s 2." Guerra, por influencia das ideias e visao de munclo veiculadas pelos Estados Unidos, nomeada7 KEEFE, T. e MA YPOL, D. ( 1993), <<Social-Historical Context禄 in Relationships in Social SeJTice Practice: Context and Skills, Brooks/Colc, fvlontcy. Calift\rnia. ' Rcfira-sc. entre outros. os contributos de autores como: Gcorge Herbert Mead. t'v!ind, Self' and Socict\'(/d ou Talcott Parsons, The Structure of' Social Action.
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mente atraves dos apoios financeiros e/ou tecnol6gicos garantidos no ambito do plano MarshalL 0 Servi~o Social europeu, como referfamos menos permeavel aos pensamento social de raiz positivista, adoptara aqueles modelos operativos sem romper com a tradi~ao cultural (cat6lica) que o promovera, tendendo a integra-los dentro do quaclro filos6fico-cloutrinario do catolicismo sociaL Esta integra~ao sera necessariamente permeacla de contradi~oes entre, por um lado, os contributos dum pensamento social secularizaclo (desenvolvimentos funcionalistas das ciencias sociais de raiz positivista) que tomam a realidacle pelos factos observaveis e objectivados e, por outro laclo, as interpreta~oes filos6ficas da doutrina social (cat6lica) que se opoe aquelas interpreta~oes dos fen6menos sociais suborclinando a ordem natural (homem e sociedade) a uma ordem sobrenatural idealizada. De comum uma leitura idealizada da socieclade (tal como a natureza ordenada, equilibrada e, tambem, naturalmente coesa e consensual) ea consequente naturaliza~iio dos fen6menos de marginaliza~ao, priva~ao e exclusao social, tomados estes pelas suas manifesta~oes objectivadas (observaveis ao nfvel dos indivfduos e/ou familias). Estas no~oes que o Servi~o Social integra na sua matriz te6rico-cultural, como modelo interpretativo dos problemas sociais c, simultaneamcntc, como fundamento e justifica~ao das praticas, sejam empiricistas ou, mais ou menos racionalizadas pela utiliza~ao de procedimentos tecnico-operativos. No seio da profissao nao e uniforme a interpreta~ao daquele quadro te6rico-cultural, dependente da maior vincula~iio ao pensamento secularizado ou as orienta~oes da doutrina social da lgreja. Uma certa tensao entre essas perspectivas, cujas contradi~oes sao associadas as incompatibilidades das no~oes que integram, resultara numa tendencia para progressiva laiciza~iio da profissiio (mais permeavel a recep~ao dos contributos das ciencias sociais) e, simultaneamente numa certa radicaliza~ao do pragmatismo que se dispensa os quadros te6ricos e analfticos sobre a sociedade e os problemas sociais. Em qualquer das interpreta~oes o Servi~o Social integra e intcrioriza os pressupostos da sua subalternidade: • uma divisiio hierarquizada do saber, a que cmTesponde a subordina~ao da interveiwao a no~oes que !he sao fornecidas pelas disciplinas sociais ditas cientificas (e/ou a principios eticos e valores sobre-naturais) c uma quase mistifica~ao dos procedimentos operativos (tomados como objectivos profissionais); • a naturaliza~iio dos problemas de marginaliza~ao/priva~ao, tomados pelas suas manifesta~oes individualizadas como tambem a privatiza~ao das «Solu\Oes», de acordo com os mesmos pressupostos primariamente da responsabilidade individual e/ou familiar. !wen·enrao Social, 13114, 1996
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Na base destes pressupostos, a interven~ao profissional sera fixada como ac~ao junto (sobre) os indivfduos e famflias «problematicos», uma ac~ao terapeutica e/ou educativa que re-atualiza as tradicionais praticas de ajuda (racionalizadas pela utiliza~ao de procedimentos tecnico-operativos). 0 Servi~o Social, particularmente em contexto europeu, auto-excluiu-se (e/ou e excluido) duma abordagem dos problemas sociais como questao de interesse publico corn o que se desvincula dos processos de media~ao polftica, fixando-se no teneno supostamente neutro da «execu~ao terminal das polfticas sociais» atraves da administra~ao de servi~os e/ou apoios de tipo psicol6gico ou psico-social aos excluidos.
Recontextualizando a marginaliza~ao social: em questao a racionaliza~ao de recursos ou o interesse publico. 0 Servi~o Social ao integrar elementos originarios de matrizes te6rico-culturais varias, e eventualmente incompatfveis, incorpora e reproduz tensoes conceptuais que concorreram para a laiciza~ao da profissao e se constituem factor, entre outros, de re-constru~ao da sua matriz (ou matrizes) disciplinar. Aquela aparente vulnerabilidade tornou o Servi~o Social permeavel a outras leituras da sociedade e problemas sociais, potenciando a diversifica~ao dos seus quadros te6rico-metodologicos e, eventualmentc, uma ruptura coma sua matriz te6rico-cultural convencional (de origem e/ou desenvolvimentos posteriores) ea redefini~ao do seu tradicional espa~o de interven~ao nos processos de regula~ao social. Esta diversifica~ao do referencial abstracto da profissao vem sendo elucidada em analises produzidas pela categoria profissional, tambem elas partindo de pressupostos 16gicos diferenciados: • Umas, inscritas na matriz convencional, ainda que privilegiem uma visao pragmatica da ac~ao profissional nao se tern clispensado de reflectir a teoria (ou tcorias) que enformam os moclelos de interven~ao adoptados. • Outras, numa perspectiva crftica, vem privilegiando a adop~ao de estatutos te6ricos que possam elucidar a dinamica da realidade social e constituir-se em rcfcrencial abstracto que, num dado contexto socio-hist6rico, enforma e orienta a ac~ao profissional. Sobre a referida diversidacle sao elucidativas as analises e debates em torno cla questao dos paracligmas do Servi~o Social 9, com o que se designa as referencias 9 Refira-sc, dcntre outras: HOWE, Davicl ( 1987) anlmroductionto social Work Theory, Aldershot, Hants. Wilclwoocl House.
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analfticas e conceptuais que balizam e direccionam a intervenyao do assistente social num dado momento hist6rico. Conforme a amilise desenvolvida por David Howe, os diversos paradigmas de referencia elucidam a diversidade das praticas e projectos profissionais que, na actualidade, caracterizam o Servi9o Social na area das ciencias sociais e humanas, como tambem esclarece a nao uniformidade do perfil (ou perfis) profissional do assistente social, qualquer que seja o espa9o e campo de interven9ao. As correntes do Servi9o Social que tem adoptado uma perspectiva crftica (ou de ruptura) relativamente a matriz te6rico-cultural mais convencional (pm·que partilhada por mais amplos sectores profissionais) tendem a deslocar o enfoque da analise, das tradicionais explica96es individualistas e/ou psicologizantes dos problemas de marginalizayao/privayao, para o quadro institucional e contexto societal em que podem ser descritos e explicados 10 . Parte-se do entendimento de que numa sociedade marcada pela oposi9ao de grupos e interesses em competi9ao, as desigualdades sociais (de riqueza, estatuto e poder) sao estruturadas em fun9ao da situa9ao de classe, genero, ra9a, religiao ou outros factores de marginalizayao/privayao, nao imputaveis a tra9os ou falhas pessoais, da responsabilidade dos indivfduos e/ou famflias. Nesta perspectiva, os problemas sociais sao analisados e explicados a nfvel estrutural da sociedade, pelo que nao podem ser resolvidos por procedimentos tecnico-operativos (de natureza terapeutica e/ou ressocializante) e/ou por mecanismos administrativos de controle social. Na actualidade, como noutros contextos hist6ricos, o confronto com fen6menos de ampliayao da pobreza e marginalizayao de grupos especfficos e/ou sectores mais ou menos alargados da populayao, a par da extensa inser9ao da interven9ao profissional nos processos de regula9ao desses fen6menos, vem suscitando no Servi9o Social uma tendencia a polariza9ao das abordagens dos problemas que !he estao associados. • Umas que tendem a acentuar as dimens5es gestionaria e/ou terapeutica da intervenyao dos assistentes sociais, subsidiadas e refor9adas pela utilizayao de contributos te6ricos e procedimentos tecnicos (e/ou administrativos) originarios das disciplinas sociais e humanas. Assim, a extensao dos problemas de marginalizayao e priva9ao que todos conhecemos no espayo em·opeu, em con-
10 Dois movimentos merecem particular destaque neste processo de renova~ao do Servi~o Social: a) 1110\'imento de Reconceptua/iz.arao na America Latina; b)Servi~·o Social radical no Canada e E.U.A ..
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texto de crise econ6mica e social, parece ter vindo a revitalizar e/ou reforyar no Serviyo Social 11 : • a tendencia privatista e psicologizante dos problemas sociais com uma acentuada orientayao terapeutica da intervenyao profissional (qualquer que seja a unidade de intervenyao e problematica trabalhada), • em articulayao e/ou complementada por uma perspectiva gestionaria, moldada pela 16gica da prioritaria racionalizayao de recursos como objectivo social (e consequentemcnte profissional) e modelo orientador da prestayaO de serviyOS as populayOCS. • Outras que vem questionando a funcionalidade do Serviyo Social as formas de controle e administrayao dos problcmas sociais, particularmente pelo confronto da sua extensao e reforyo na proporcionalidade da extensao das manifeslay6es dos processos de marginalizayao e/ou privayao ao nfvel das condiy6es de vida e de trabalho dos inclivfduos e famflias (que constituem a clientela do assistente social). Nesta linha sao paradigmaticos os desenvolvimentos iniciados com o movimento de reconceptualizayao da A.L. e que se prolongam, a partir da decada de 70, atraves das diversas correntes do designado Serviyo Social Radical (Canada e E.U.A.). Numa primeira fase, os questionamentos no seio do Serviyo Social tenderam a acentuar a explicayao estmtural (dcterminista) dos problemas sociais e, consequentemente, negar a acc;ao nas instituic;oes (em particular as estatais) pela desvalorizac;ao da polftica social no atendimento de necessidades sociais. A mudanya ao nfvel societal mais amplo (em oposic;ao ao nivel individual) e por isso entendida como forma de enfrentamento dos problemas sociais e, consequentemente colocada como objectivo profissional. A partir dos anos 80, em contexto de desvalorizayao dos direito sociais e retracc;ao do designado Estado de Bem-Estar, a par da a extensa visibilidade dos problcmas e processos de marginalizayao e/ou privayao, vcm sendo amadurecidas e consolidadas no Servic;o Social perspectivas crfticas de enfoque dialectico 1" na 11 LORENZ. Waiter (1991), <<Social Work Practice in Europe: Continuity in Diversity>> in:Social Work and the Europmn Conununitv, J. K. P. Ltcl, Lonclrcs. '' Bascamo-nos nas contribui~oes cla j<\ dcsignada "Escola>> do Servit;o Social Estrutural (Canacl<\ c E.U.A.), particularmente MULLALY. Robert (1993). Structural Social H"ork: ldeologr, Tlieorr and Practice, McClcllancl Stcwart. Toronto-Canada. Sobre est a qucstao consideramos exemplar o percurso recente do Servi~o Social no Brasil. a justificar uma referencia particular para a profissao. Esta expcricncia nao e aqui valorizacla daclo ser comum, entre os colcgas europcus, negar o interesse dos contributos procluziclos em contexto Latino-Amcricano pela sua eventual inacleqm19ao para o espa9o europeu.
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Scrvi~o
Social,
Marginaliza~ao
e Polftica Social
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abordagem dos problemas sociais e orienta9ao te6rico-metodol6gica da interven9ao profissional. Dentre outras, refira-se o designado Servi9o Social Estrutural cuja enfase e colocada na ref1exao critica da sua vincula9ao hist6rica aos podercs do Estado e Politica Social, para dai rctirar orienta96es para a sua interven9ao na realidade contemporanea. Nesta perspectiva o Servi90 Social rejcita uma leitura descontextualizada e naturalizada dos processos sociais que se traduz numa visao idealizada da ac9ao e politica estatal e, consequentemente, numa intervcn9ao focalizada nas manifestay5es individualizadas dos problemas sociais e psicologizayao do seu ÂŤtratamentoÂť. De igual modo considera inadequadas as interpretay5es deterministas que caracterizaram a ortodoxia das criticas e propostas estruturalistas da categoria profissional (ou de sectores mais radicalizados). Tal como a tradi9ao mais convencional csta COITente constr6i falsas dicotomias entre o individuo c o mundo social, agora pela sua enfase nas determinay5es sociais rompe radicalmente com aquela tradi9ao c reorienta a intervenyao para a mudan9a a nfvel societal. 0 enfoque dialectico enfatiza as contradiyoes e tensoes que caracterizam a sociedadc c processos sociais contemporancos focalizando, ao nfvel da am11ise, as rela96es entre os individuos (e se us problemas) e o contexto societal pela media9ao da organizayao e ac9ao (politica) do Estado (nomeadamente a politica social). A abordagem das diversas formas de marginaliza9ao social (econ6mica, sexual, racial, religiosa ou outras), suas rela9oes mutuas e relevancia para os grupos marginalizados, nesta perspectiva e scmpre mediada pelos poderes do Estado, no sentido do seu rcfor9o e naturaliza9ao e/ou das necessidades e autonomia da popula9ao marginalizada. A media9ao cstatal, pela sua natureza estrategica, potencia simultaneamente diferentes alternativas na abordagem dos problemas sociais, ou seja: como dificuldades ou perturbay5cs privadas (do sujeito individual), logo excluidas da esfcra de competencias dos podcres publicos e/ou como problemas da (e para) sociedade, transformadas em questoes publicas e como tal inscritas na agenda das prioridades politicas. Muitos dos problcmas que hoje atingem os individuos e familias que recorrem aos servi9os sociais, quaisquer que sejam os factores ou manifesta96es da situa9ao de privayao e/ou marginaliza9ao, tem a sua genese ou sao consequencia de processos globais e/ou transformay5es aescala internacional ou mundial. 0 conhecimento dos factorcs de ordem estrutural, que permitem contextualizar e compreender aqueles problemas, coloca-se hoje como uma cxigencia para o Servi9o Social, nomeadamente: â&#x20AC;˘ como possibilidade unica de melhorar a sua propria capacidade de intervenyao face a processos de priva9ao e/ou marginalizayao, facilmente ocultados fnterrenrao Social, 13/14, 1996
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pela premencia e crescente extensao das suas manifestay5es individualizadas, cuja reflexao se coloca como exigencia profissional; â&#x20AC;˘ como exigencia social de abordagem dos problemas/objecto de intervenyao dos assistentes sociais como questao de interesse publico, crescentemente reclamada pelas multiplas e complexas expressoes localizadas de processos de marginalizayao e situay5es de risco social de origem mais ou menos longfnqua; â&#x20AC;˘ como contributo a mobilizayao e/ou reforyo das capacidades daqueles que sendo vftimas dos processos de marginalizayao estao privados do potencial (humano e social) necessaria para compreensao e construyao de respostas (individuais ou colectivas) para as questoes que os envolvem. Face aextensao e natureza dos problemas com o Serviyo Social ehoje confrontado, a tradicional intervenyao psicologizante ou terapeutica (ao nfvel individual ou familiar) tomando os problemas sociais pelas suas manifestay5es (pobreza, angustia, desemprego, violencia, inseguranya, doenya ou outras) constitui-se em si mesma factor de marginalizayao. Dos contributos da profissao para o enfrentamento publico daqueles problemas, pela sua deslocalizayao do espayo privado para o terreno das quest5es publicas dependen1, na nossa perspectiva, a legitimayao social e te6rica do Serviyo Social na actualidade.
lnterrenrdo Sot¡ial. 13/l.J, 1996
(DES)CONSTRUIR A SOLIDARIEDADE, TRANSFORMAR A ASSISTENCIA Nao ha vcntos l'avoraveis para quem nao sabe para onde quer ir.
J. Figueiredo Santos
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A reflexao de sfntese que ora reveste a forma de artigo, esta embrionariamente ligada aprodu~ao da investiga~ao de que rcsultou a tese de mestrado. Proeura dar conta, em esbo~o, de alguns tra~os fundamentais dos limites da experiencia assistencial em Portugal, tomando como cnfoquc o modclo institucional que caraeteriza espa~os polftico-administrativos, li\o adversos da cul!ura portuguesa- as I.P.S.S. 1 - no que se serviu, como suporte empfrico, da analisc de um estudo de caso em profundidade. Reflete-se af, sem analgesicos, a questCio de se saber se essa modelaf路clo institucional e, ou nCio, possuida de uma racionalidade que nlio pe1jilha a solidariedade como um fim, mas tCio s6, como metafora de suporte de uma acqCio que a si rnesmo se justifica como fim. Se por um !ado se aposta na comprccnsao e explica~ao da sua ac~ao, dando conta da fei~ao anton6mica do seu modelo basico de gestao na supcra~ao das "demands", por outro, procura-se esbo~ar a vertente gnoseol6gica da sua transforma~ao, nos limites da consciencia possfvel, a qual reflete a necessidade de se repensar o "campo" 2 assistencial, a ac~ao dos seus agentes e das institui~oes de suporte. Mestre em Servi9o Social pela Pontificia Universidade Cat6lica deS. Paulo. Docente no ISSSB e Professor adjunto na Escola Superior de Gestao, Hotel aria e Turismo da Universidade do Algarve. Presidente da Direc9ao de uma IPSS. 1 Leia-se Institui96es Particulares de Solidariedade Social. ' 0 tenno reporta-se ao conceito de campos sociais ensaiado por Bourdieu como "espa9os estruturados de posi96es (ou postos) cujas proprieclades dependem da sua posi9ao nesses espa9os e que podem ser analisados independentemente das caracteristicas dos seus ocupantes". (Bourdieu, 1980: 113). haerrfll('t/o Social, /3114, 1996
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Esta reflexao parece impor-se, quer pelas caracterfsticas da actual conjuntura polftica, quer pela importancia crescente que o campo assistencial, face acrise e virtual finamento do Estado-Providencia. Mau grado esta postura, tida por hiperlucida, poder provocar algum desconforto, reflete as IPSS como espac;o de densificac;ao e desestruturac;ao de modos de vida, perifericos em relac;ao asociedade civil, em que o ser e o agir das IPSS nao pode, compreensivelmente, deixar de ser trazido a esta discussao, senao em termos t6picos, e a importancia do Estado como detentor de capitais modeladores da sua acc;ao, talvez excessiva para quem persiste em ver nele urn mero epifen6meno da economia 3. Impoe-se, como preambulo do debate, clarificar a nossa identificac;ao com o voluntariado e todos aqueles que dao o seu melhor, pensando, no mais das vezes, a solidariedade como acc;ao filantr6pica de estreito cunho moral, relevando a simbolicidade inserta na gratuidade dos servic;os por si prestados. Mais, a nossa identificac;ao nao se produz no seio de uma an<llise de agenciamento da sua acc;ao, conquanta nao se consideram aqui como meros agentes de uma estrutura, mas como sujeitos socialmente preponderantes. Tal identificac;ao, porem, nao impede que se fac;a o entendimento de que a solidariedade socialnao tem que ser o que quer que seja, para alem do que estruturalmente pocle ser. Por isso, importa que as praticas sociais de que as instituic;oes se apropriam, nao se confundam com a acc;ao do voluntariado, nem se ocultemnuma mfstica supervaloradora da sua acc;ao, numa tentativa de superac;ao discursiva dos limites do que sao, a fim de, virtualmente, poderem ser avaliadas por aquilo que nao sao. Na verdade, a solidariedade social e, antes de mais, uma acc;ao politica rendida a "racionalidade aritmetica e estatfstica" do Estado-Providencia. Ela nao se independentiza da experiencia econ6mica, polftica e cultural da modernidade e, consequentemente, da emergencia, formac;ao e natureza dos Estados e dos mecanismos de que se rodeiam para sobreviver, no seio da traject6ria do Estado Liberal ao Estado-Providencia. A solidariedade, assim analisada, gesta-se como forma de racionalizac;ao do campo da assistencia social, sujeita a mudanc;as hist6rico-culturais que tem produzido mutac;oes da acc;ao social, tal como hoje se conhece. Como figura que estrutura a racionalidade no campo da assistbzcia, a solidariedade procura minimizar os efeitos das diston;oes provocadas pelo mercado, no quadro de uma racionalizarao geral da sociedade e do Estado, por entre a desintegrarao ea fragmentarao de modos de vida dos indivfduos provocadas pela e.\periencia novecentista.
Nao c o caso. para o autor do artigo. lnteJTell('!lo Social. 13114. 1996
(Des)construir a Solidarieclade, Transformar a Assistencia
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Mas, a solidariedade ne/a e marcada por uma perspectiva Linica, pelo que importa pluraliza-la, separando (para unir), as diferentes l6gicas racionais que tre.spassam e sustentaculizam as d(ferentes formas de solidariedade para melhor caracteriza91io da identidade do campo assistencial. Pode-se perscrutar a(, diferentes l6gicas racionais que importa observm: 1 - Uma, a da racionalidade instrumental entincheirada lW monetarizaf路lio da assistencia 'l, cavada por uma l6gica agressiva que se estrutura no trilho do modelo liberal. Af domina uma racionalidade mercantil que propoe a solidariedade como espa~o mercadorizado de servi~os, que se entretecem na responsabiliza~ao integral das famflias e dos indivfduos, ocultada por uma acessibilidade aos equipamentos exclusivamente arbitrada pela garantia simb6lica dinheiro, geradora de uma recorrente irracionalidade. 2 -- Outra, a 16gica da racionalidade humanista, que se produz na forma de mutualistas, nascidas em Portugal no seculo XIX, "face ainseguran9a do operariado frente a certo tipo de riscos de existencia- da doen9a amorte, passando pelo desemprego, os acidentes de trabalho e as doen9as profissionais, a invalidez ea velhice" 5. Neste espa~o, as transferencias sao efectuadas horizontalmente, no seio do mesmo grupo social, cujos membros detem o mesmo estatuto s6cio-profissional e nfvel de rendimentos. Estas transferencias nao passam por uma l6gica de custo beneffcio, como a que se anteve na solidariedade social liberal e, evidenciam uma rela~ao empatica activa, fundada num sentimento de semelhan~a de condi~ao de modos de vida. associa~oes
3 - Uma outra figura racional decmTente da 16gica da solidariedade e a que se designa de racionalidade escatol6gica, ou "racionalidade referente a valores [ou seja] pela cren9a no valor- etico, esterico, religioso". Esta ac~ao e hist6ricamente marcada pelas tarefas organizativas da Igreja, que se podem agrupar sob a designa~ao de "beneficencia" e que emergem, com a desagrega~ao e o caldeamento cultural do Imperio Romano.
" Designa-se de monetariza9ao da assistencia, a centravao dessas pn\ticas na garantia dinheiro, entrincheiraclas na gesta9ao do Estado-Providencia, provenicntes, par um lado da universaliza9ao clas reformas e a introdu9ao da figura do idoso nos circuitos de consumo, que sugerem uma mudan9a nas rela96es sociais de produ9ao de servi9os de uma fei9ao esmoh\stica para uma natureza contratualista. 5 Vide, para o efeito, Fernando Maia in Seguranra Social em Portugal, evoluf路lio e tendencia. Lisboa, Secretaria de Estado da Segrurmwa Social. lmcn路en{'iiO Social, 13114, 1996
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Sob o signo do clever moral, esta tipologia assistencial, detem uma visao sacralizada da miseria social, que se produz de forma marginal aos fundamentos estruturais da sua produ~ao. Mais que a necessidade do "beneficiario", e a festa liturgica que orienta as ac~5es dos benfeitores. Foi bem preciosa para o seu tempo. 4- Finalmente, emerge e desenvolve-se a racionalidade burocratico-contabil, com as iniciativas dos primeiros governos liberais a partir de 1850, entrando-se, no campo da solidariedade social que reveste a forma de Institui~5es de Assistencia Social (na designa~ao de que actualmente se recobrem- Institui~5es Particulares de Solidariedade Social), que incorporam ac~5es mistas, norteadas por um perfil de benemerencia mais qualificada e menos arbitraria, em que os sistemas periciais de controle e organiza~ao do Estado se articulam as organiza~5es publicas e privadas de assistencia. A sua identidade foi-se contruindo numa modela~ao assistencial hfbrida que, aqui e agora, se discute.
Solidariedade inteira versus solidariedade de exclusao Remeter os indivfduos para uma 16gica de solidariedade integral, implica desenha-la como ac~ao de contra-corrente ao criterio da "produtividade" que representa um dos valores mais caros da cultura moderna. A civiliza~ao industrial que devota as capacidades de cria~ao e crescimento pessoais a urn elevado grau de utilitarismo, em fun~ao de saberes incorporados ao trabalho de transforma~ao e de domfnio da natureza, reve-se na valora~ao dos indivfduos entre trabalho e nao trabalho. Se a solidariedade enfermar desta 16gica, a eticidade dos actos e da sociabilidacle que sustentam a 16gica de uma soliclarieclade inteira, clesqualificam-se no criterio da economicidade dos resultados prosseguidos, acabanclo a soliclarieclacle como sin6nimo de uma l6gica racional produtiva, em que os pocleres institucionais no campo da assistencia se colocam como guardias da finalidade tecnol6gica do sistema produtivo.
Poder-se-ia falm; neste caso, de uma solidariedade de exclusao certificadora da aq:ao econ6mico-produtiva do sistema, e nao de uma ac~ao de afrontamento de um complexo e distorcido problenza de ordenamento societal. 0 que a analise do quoticliano revela, e que a solidarieclacle social se orienta para um humanitarismo, de fins afectos a mundovisao claqueles que gerem a concli~ao de lnten路enrlio Socic1l. 1311-1. 1996
(Dcs)construir a So!idariedade. Transformar a Assistcncia
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ser pobre, despossuido, exclufdo. A pobreza ecuidada e apoiada nos limites de uma aq'tio de manuten~ao, mas nao de supressao dessa condi~ao.
Eque, a solidariedade ao operar na redU<;ao universalista do egoismo, nao foge, como interesse altruista, a um ordenamento social tutelado, hegemonizado por intercsses particulares. A idcia de que a solidariedade e uma ac<;ao que recobre interesses antag6nicos ou no mfnimo concorrenciais tem, desde logo, assento epocol6gico na medievalidade, e pode ser perscrutada a partir da obra de Fernando da Silva 6, nomedamente nas referencias feitas ao perfodo que vai do seculo XII ao scculo XV, em que a assistencia surge como polarizador de conflitos "entre o poder real eo clero, [que] mais dwna vez atingiram os limites da assistencia, principalmente quando os reis procuravam limitar os ab us os da amortiza~ao." Compreender-se-a que, toda a visao abstratizante que coloquc a metafora da solidariedade fora da matriz dos interesses que visa ocultar, conduz aperda de visao de toda a sua dramaticidade. Ela esta sujeita a um tributo concreto ao confronto com a organizat;ao moderna da produ<;ao, ordenada se gun do os mecanismos de mercado. A visao mistificadora da solidariedade nao s6 podera lan<;ar o veu da ignorancia acerca da subordinat;ao de interesscs de grupos sociais a outros, como deixar inconscientes as dificuldades da ultrapassagcm dos limites que a actual ac<;ao social encerra. 0 "social" radica na socicdadc, no modo de produ<;ao e nos valores que estruturam a solidariedade, pelo que quaisquer considera<;oes accrca desta metafora, nao podem sobrevoar a implemcnta<;ao de pollticas sociais que nao se inauguram sem resistencias estruturais. Um dos seus centros problcmaticos e, desde logo, a natureza da regulat;ao do Estado, que se prende com a sua racionalidade politica. Com efeito, o Estado, problematiza e equaciona necessidadcs, quando se encontra apto a dar-lhes resposta. Um outro problema reside no facto da solidariedade, nos moldes em que decmTe a sua ac<;ao, se integrar bem num sistema tfpico de sociedade de benesse, que prossegue o duplo escopo da gm路antia de tregua social, realizando por af o natural desafogo do mercado. Convem, por isso, que se observe que a solidariedade, numa perspectiva de racionalidade social, isto e, de solidariedade inteira, e antitetica desta solidariedade de facto, amarrada a uma tradit;ao cultural que toma a sua ac<;ao como norma moral
6 Vide Fernando da Silva Correia, in "Estudos sabre a Hist6ria da Assistencia- Origens e Forma~ao das Miseric6rdias P01tuguesas".
lllffiW!I('IiO
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suprapositiva de conduta, como ideal de virtude, de voluntariosa generosidade e de respeito, tomados como rela~ao assimetrica com os pobreso Esta solidariedade reduz-se, na sua essencia, cl fun~Cio caritativa e .filantr6pica entronizada na palea~Cio selectiva da pobreza, com. caracterf5ticas casufsticas, loca/istas, territorialistas, em que a inexistencia de um sistema integrado de assistencia provoca uma chspersCio e in~ficacia tremendos, em materia de recursos materia is e humcmos, sem que, por enquanto, seja exequfvel pensar num afrontmnento preventivo da pobreza, conquanto o providencialismo e o assistencialismo ao .fundarem a sua aq·c7o na di.ferencia~Cio de espa~os sociais, nunca equacionarc7o, em comwn, a supera~·ao das causas originarias da pobrezao Por isso, campo da assistencia refwzdido neste prindpio de solidariedade sincretica, nc7o se apropria del a coma um .fim, mas apenas como um guia para a ac~c7o que tem corno objectivo justificar os fins das insti tui~·/Jes conw um fim em si 1nesmoo Importa, assim, que se discuta a questao cla solidariedade como tentativa de supera~ao destes limites, ou seja das balizas protcctoras das regras liberais de julgamento da pobrezao Julgamento que impoe uma limita~ao reciproca entre direito e moral, remetendo o conjunto das obriga~ocs sociais para "criterios de juri discidade"o Uma questao a saber e "( .. o) como e que, 1za economia liberal das obriga~/Jes, direitos e deveres sCio articulados? E, sobretudo, como se encontmm delimitadas as e.sfems respectivas de uns e de outroso A primeira questc7o ea das relaf·/Jes entre direito e moral; a segunda, a dos limites entre estes dois tipos de obriga~/Jes .. ,, soczazs Trata-se de compreender que o direito, na vida colectiva, tem abrangido as ac~oes passiveis de constrangimento contratual e que o sistema nao se reduz apositividade do direito, na medida em que a esfera das obriga~oes se encontra indissoluvelmente ligada a obriga~oes morais e sociaiso 0 providencialismo moderno, na moral e no direito liberais, esclarece o sentido da argumenta~ao liberal para a nao atribui~ao de direitos ao pobreo Um deles "( .. o) consiste em denunciar os e.feitos perversos da caridade: socorrer os pobres deve ter por objectivo libertd-los da pobreza; a caridade nCio sara a pobreza,o ela mantemna, ela 4c1z» os pobres, conferindo-lhes interesse em se-loo 0 argumento volta a denunciar a ineficacia ea contradi~"c7o das prciticas de caridade legal: dai direitos aos pobres e tereis pobres:" 7 Localizar o direito na equiva!Cncia cla troca significa perceber a pobreza coma a reclcmza~c7o de um direito sem contrapartida de deveres que essa categoria do 0
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Fran~ois
Ewald in "LOEtat-Providence, Paris, Grasseto 1986. lnterrencdo Social. 13114, 1996
(Dcs)construir a Solidariedade, Transfonnar a Assistcncia
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direito supoe. Trata-se de uma perspectiva visceral da economia polftica liberal, que "( ... ) conduz a ver 1w existencia de desigualdades sociais um facto politicamente positivo e conciliador de uma fimf'ciO estrutural na rela~c7o de bemJazer". Nao e que o direito liberal nao anuncie a experiencia da universaliza~ao da reciprocidade. Do que se trata e de perceber que esta reciprocidade encerra uma ideia fictfcia e apriorfstica de igualdade. A solidariedade subjacente a moral liberal encerra a mesma problematica da redistribui~ao do produto do trabalho, como nao passfvel de agendamento num quadro legislativo, constituindo, mesmo, uma amea~a afonna~ao do direito como tal. 0 liberalismo institui a espontaneidade caritativa como primeira forma de racionaliza~ao da solidariedade e, s6 tardiamente, se rende a uma co-responsabiliza~ao social com a pobreza. Para os liberais, cumpre ao Estado garantir a livre disposi~ao dos meios produtivos ea ordem social que nela assenta, pressupondo para este ordenamento a autonomia da maior parte da popula~ao. Esta concep~ao, p01·em, nao suporta uma confronta~ao seria com a realidade, p01·que e precisamente a maioria dos indivfduos que nao s6 nao possui a propalada autonomia, como foi apartado dos meios de a produzir. Na actualidade, a passagem para uma interven~ao mediadora do Estado de Bem Estar, supoe a admissao da contradi~ao entre igualdade polftica e desigualdade econ6mico-social, daf que o Estado seleccione, para o seu ambito de ac~ao, uma interven~ao redistributiva. 0 equilfbrio societal nao e mais eonseguido automaticamente pelo livre jogo dos interesses individuais e da concorrencia. Mas a racionalidade polftica do Estado, ao inves de incrementar a autonomiza~ao de espa~o dirigido a uma economia social, racionaliza a solidariedade tutelando-a na triagem da condi~ao dos pobres, impoe aassistencia uma residualidade benemerente, e envolve o campo na produ~ao de um sistema pericial (assistentes sociais e outros perfis profissionais) dirigido a desconfian~a, a suspei~ao radicada na questao do engano do proprio Estado. Ha muito que se passou de uma benemerencia escatol6gica, baseada numa rela~ao de dom, sem reciprocidade, para uma presta~ao de servi~os a troco de poder e dinheiro, esbatendo-se a solidariedade do seu caracter tradicional. A solidariedade social hodierna nao se reve mais na amizade, no amor desinteressado pelo proximo, com que se pretende ocultar a forma de ordenamento social, mas antes numa rela~ao polftica marcada por uma rota de interesses em colisao. Pensar a solidariedade supoe uma !uta intrepida pela ultrapassagem dos Iimites impostos por tais interesses. Por isso, a nenhum de n6s aproveita, uma virtual falta de lucidez que fa~a embutir a solidariedade em mantos discursivos envoltos por rela~oes abstratas, que contrariem a ideia de que o que esta em jogo e outra coisa que nao uma distribui~ao vertical dos rendimentos, trespassada por ac~oes onde lnten•e!l('do Social, /3114, 1996
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sobressaiem os interesses contra as necessidades. Mais do que isso, a problematica que se coloca central nas nossas rela~oes cam o Estado-Providencia e, em ultinw analise, a avalia~ao da capacidade de ele se manter ou nao, progressivo, is to e, de acessibilizar a satisfa~ao plena do prindpio da diferen~a, concentrando na sorte dos mais despossu(dos, o respeito pela igualdade equitativa de oportunidades, pela satisfa~ao dos bens primarios, e pela subordina~ao ao respeito dos seus direitos e libe rdades fundwnentais dos indivfduos. A solidariedade nao e wna figura neutral. E, precismnente, a metafora que oculta uma ac~ao rendida aos efeitos distributivos resultantes da produr;ao. Nao se trata de uma solidariedade abstracta, mas de uma ac~ao racional de que o Estado-Providencia se apropria, baseada numa distribui~ao vertical, unilateral, de parte dos rendimentos nacionais.
0 cliche das parcerias na solidariedade 0 que se denomina de solidariedade social, pode significar no campo da assistencia social, a oculta~ao de uma rela~ao desigual, vazia de reciprocidade, na medida em que os agentes no campo assistencial persistem em ac~oes apriorfsticas em rela~ao a sua "clientela". Esta posi~ao estrutural, empurra para a ncga~ao de que a ac~ao se desenrole entre parceiros e que seja orientada pelas expectativas daqueles corn quem se dizem solidarios. A solidariedade social mostra-se na forma de uma rcla~ao orientada segundo as expectativas (tambem aritematizadas, por for~a da reprodu~ao do Estado em si, da racionalidade aritmetica e estatfstica) de cada um dos campos de gcstao dos indivfduos, como parcciros sociais que se substituem aqueles que dessa ac~ao sao dcstinatarios. A sua ac~路ao correspondem interesses subjectivamente avaliados e 11wrginais cl participo(路ao das popula~oes destinatarias dessas ac~oes. Trata-se de uma aq路ao j(mnal, racionalmente condicionada pelo Estado como ac~ao probabi!{.~tica, embora de caracter regular, tomada de acordo "corn urn sentido visado em media" que rejcita a ideia de uma rela~ao sujeito-sujeito. Como ac~ao vertical, nega sentido as afei~oes em profundidade, a empatia, para traduzir-se na expressao de uma racionalidade polftica que recobre um cenario de interesses antag6nicos que o Estado procura manter em equilfbrio dinamico. Expressa-se sob uma forma cujo sentido resulta das expectativas medias negociadas no seio das rela~oes tensionais no campo, produzidas pelos corpos directivos das institui~oes, advindas do acto gestionario em si e para si, isto e das rela~oes sociais entretecidas pelo exercfcio de poderes simb6licos na sociedade civil, tensoes lllfC'ITell\'c7o Sociol. /31/4, 1996
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direccionadas ao Estado, nurna antinornia de conflito/consertac,:ao de que resulta urn quadro contratual, que rernete as IPSS a urn cornprornisso de feic,:ao exclusivarnente administrativa e operacional, cam o objectivo da perpectua~ao da domina~'ao polftica do Estado no campo, que remete as Institui~oes para a plasticidade da sua ac~ao, num espa~o fronteiri~o entre o direito e o nao direito. Na verdade, as regularidades no campo, nomeadamente as que se traduzem pela transferencia regular de capitais econ6micos do Estado as Instituic,:oes, nao se baseiam na vigencia normativa do direito, mas numa "convenc,:ao" determinada pelas relac,:oes de forc;a em jogo. 0 carnpo da solidariedade social tem, sobre si, o crivo de uma racionalidade normativa do Estado, condicionada a interesses subjectivamente avaliados de um modo exclusivo pelos poderes institucionais, isto e, a interesses que excluem o direito dos agidos a publicitac,:ao dos seus interesses. Se os interesses dos agentes, nomeadamente o voluntariado, coincidem, em hip6tcse, com o dos agidos (utentes) e, no mfnimo, estranha uma relac,:ao "solid<1ria" que nao tenha como primeiro objcctivo a criac,:ao de condic;oes apalavra do agido, aceitando-o como parceiro, como agente no espac,:o publico. Pensar as parcerias implica, por isso, o estabelecimento de um dialogo constante com os mais implicados, nao como grupos destinatcirios, porque af estarao sempre em causa concepc,:oes deficitarias dos indivfduos, mas como movimentos sociais portadores de interesses intrfnsecos.
0 nao direito e a coopera~ao corn o Estado Um dos eixos por que passa a periodicidade tensional entre Estado e Instituic,:oes, e o do modelo convencionado da acc;ao. As Instituic,:oes obrigam-se ao estabelecimento de acordos negociados por enquadramentos conjunturais que, flutuando no espac,:o publico, funcionam como forma de pressao pr6-activa da satisfac,:ao dos seus interesses. A solidariedade que o Estado produz, socializa responsabilidades tao amplas quanto vagas, traduzidas pelo discurso jurfdico como "reconhecimento do papel das instituic,:oes particulares de solidariedade social". 0 eixo da discussao passa pela questao da autonomia jurfdica das instituic,:oes sociais, cuja menorizac,:ao eindiciada pela tutela do Estado. Nao se trata de confundir autonomia com desregulamentac,:ao liberal do sector, a fim de que a solidarieade assuma urna a forma de exclusao mais perversa. Do que se trata ede pugnar por compromissos que ultrapassem o campo de clever moral do Estado para com as lnter\'enrao Social, 13/1{ /996
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IPSS, e que se baseiem numa postura de direito positivo, que justifique a assmwao integral de deveres e obriga~oes de ambas as partes. A "Constitui~ao da Republica Portuguesa" que come~a por articular duas figuras centrais: a individualidade ea universalidade. Por urn lado, todos os indivfduos gozam de prerrogativas de cidadania e nessa condi~ao se sujeitam a uma igualdade formal de direitos e deveres perante a lei, ou seja a urn universo das rela~5es sociais determinadas pelo Estado. Por outro, ao particularizar de tal modo essas rela~oes, acaba por denegar quer o sentido substantivo quer mesmo o crivo formal dessa universalidade. 0 reconhecimento, ou legitima~ao da forma~ao de esferas perifericas, e sustentado , no caso, pela cria~ao espa~os sociais de que o Estado se socorre para a domina~ao de modelos assistenciais que o acto requer que sejam bem delimitados. Ao anuir ao reconhecimento formal do direito de constitui~ao de "associa~oes de solidariedade social", socorre-se de figuras de financiamento e regula~ao, implementando com elas o cankter restritivo do clireito. Longe de implementar a forma~ao de uma existencia aut6noma, o Estado fonnaliza-se como instancia de domina~ao no auto-reconhecimento do seu clireito tutelador, e quantas vezes arbitrario. Cita-se, a tftulo de exemplo, a acqao fiscalizadora sobre as IPSS sem uma lei quadro inspectiva que obvie a que tal acqao dccorm sob a forma de wn despotismo esclarecido. A nossa Constitui~ao, no seu artigo 63. 0 , e clara a respeito cla reserva para o Estaclo, da gestao polftica do moclelo 8. A razao que o Estado invoca para o tutelamenta institucional e a dos "interesses publicos em jogo e o bem comum em vista" 9 que, afinal, nao ocultam o vasto rol de clemissoes que seriam supostas nao deverem ter lugar, no quadro duma polftica prescrita pelo tutelamento. As IPSS sao colocadas pelo Estado numa zona pltistiw do nao direito para o que este se serve de tres mecanismos fundamentais nas rela~oes sociais. 1 - 0 reconhecimento como primeira forma de media~ao polftica, cultural, econ6mica e ideol6gica, em que o Estaclo se manifesta como produtor de "proble-
' A Constitui~ao da Republica Portuguesa, ap6s revisao constituciOI~al em 1989, publicada no Diario da Republica n째 !55 de 8 de Julho clesse ano, em alusilo ao artigo, disp6e: "E reconhecido o direito de constitui<;:ao de institui~6es particulares de solidarieclacle social nao lucrativas eo m vista aprossecu<;ao dos objectivos de 0 0 0 seguran~a social consignaclos neste artigo, na alfnea b) do 11. 2 do artigo 67. , no artigo 69. , na alfnea d) do n. 0 I do artigo 70. 0 e nos artigos 71. 0 c 72. 0 , as quais sao regulamentaclas por lei e sujeitas a fiscaliza<;ao do Estaclo.'' 9 Vide Decreto-Lci 519-G 2179 de 29 de Dezembro de 1979. 10. 0 Suplemento- !." serie. lnterre!l\'<io Social. /3/I.J. 1996
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mas sociais que a ciencia social, a maior parte das vezes, mais nao faz que ratificar tomando-os para si como problemas sociologicos." Reconhecer nao significa ceder a constitui9ao autonomica de decisoes tomadas pela sociedade civil, mas dispor de regras de articula9ao as expectativas de procedimentos tomados pelo Estado como politicamente conectos. 0 reconhecimento expressa-se nas formulas estatutarias com que o Estado recobre as institui96es, constituindo-se, por assim dizer, o guiao da sua admissao na esfera publica. Um dos preceitos formais passa pelo registo cadastral, que faz prova da natureza identitaria das IPSS, atraves do qual institui, em simuWineo, as condi96es de acessibilidade aos fundos publicos 10 . 0 reconhecimento obtido atraves da figura do registo - vefculo formal perante o Estado, concretizado em "requerimentos das institui9i5es interessadas, dirigidas a Direc9ao-Geral de Seguran9a Social" - sem 0 qual as institui96es nao tem acesso aos fundos publicos, visa dar garantias ao Estado da apropria~路ao pelas instituif路i5es, da formula s6cio-jurfdica de deslegitillWf'Cio da caridade legal. A formula retoriza o nao direito como direito, num autentico paradoxo legislativo. Observe-se, a este respeito, o conteudo do Decreto-Lei 119 no que toca ao "direito dos beneficiarios". Coloca-se aqui, a pertinencia de se saber coma abordar direitos reais dos bcneficiarios se eles nclo se/a beneficiarios de direito. Esta questao pode ser objecto de uma analise fundada no princfpio de que a condi9ao de beneficiario associada ao direito reuniria dois patamares jurisdicionais: o primeiro diz da condi9ao de potencial beneficiario, isto e, o indivfduo extra-muros que requere o internamento, e que se sujeita a aprecia9ao subjectiva da sua proposi9ao de usufrutuario dos servi9os. Nao se ve que haja aqui um sujeito de direito. Uma segunda vertente diz respeito a apropria9ao pelo utente da condi9ao de sujeito de direito, uma vez que ao ser admitido na institui9ao, passando pela carga dos fundos publicos, seria pensavel que o Estado fizesse valer a condi9ao de parceiro social para inaugurar um rol de direitos dos indivfduos no seio das Institui9i5es. Ora, do campo dos direitos dos beneffciarios, colhe-se unicamente a retorizaw 0 decrcto lci e expressivo sobre a conforma~ao das Institui~6es ao modelo preconizado pelo Estado. "Enquanto entidades que facultam servi~os ou presta~6es, as instituiy6es. quando registadas nos termos de cstatuto, fazem parte do sistema de seguran~a social referido no artigo 63. 0 da Constituiyao, pelo que sao rcconhecidas, valorizaclas e apoiadas pelo Estaclo que as orienta e tutela, as coorclena e subsidia." Dec.-Lci 119-G 2/79, Cap. I, Art. 2. 0 , pan\grafo I do Estatuto clas lnstituiy6es Privadas de Solidariedade Social. Este decreto vem a ser revogado pelo 119/83, 1." serie 11. 0 46 de 25/3/83 que no que respeita ao registo determina que "As institui~6es registadas nos termos do artigo anterior [registo criado e regulamentado por portaria do ministro da tutela1 adquirem automaticamente a natureza de pessoas colecti vas de utiliclade publica ... " lmerrcns路clo Social, !311-1, 1996
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yao do direito como cobertura do nao direito. 0 artigo 5. 0 do aludido decreto especifica que: 1 -Os interesses e os direitos dos beneficiarios preferem aos das pr6prias instituiy6es, dos associados ou dos fundadores. 2- Os beneficiarios devem ser respeitados na sua dignidade e na intimidade da vida privada e nao podcm sofrer discriminay6es fundadas em criterios ideol6gicos, polfticos, confeccionais ou raciais. 3 - Nao se consideram discriminay6es que desrespeitem o disposto no mimero anterior, as restriy6es de ambito de acyao que correspondam a carencias especfficas de determinados grupos ou categorias de pessoas. E prossegue no seu art. 13. 0 , paragrafo I alfnea a) que compete ao orgao de administrayao gerir a instituiyao e representa-la, incumbindo-lhe designadamente: a) Garantir a efectivayao dos direitos dos beneficiarios. Sao visfveis os esforyos vaos do Estado para, com este modelo assistencial, abordar a solidariedade como questao de dircito, colocando na mesma fornada do "beneffcio" e do favor, uma perspectiva assimctrica de direitos dos "bencficiarios", ja que, como o mesmo decreto dispoc apagina 643, "A solidariedade social exerce-se (... ) em domfnios (... ) em que as ncccssidadcs sociais dos indivfduos e das famflias encontram apoio e resposta na gcncrosidade e capacidade de intervenyao pr6prias do voluntariado social organizado." 0 direito circunscreve-se ao exercfcio da "generosidade" dos podercs institufdos, e nao a uma acyao jurfdica que funcione como garantia dos indi vfduos sob a alyada da poder institucional. Equivale a dizer, que a generalizayao do Estado como pessoa de direito nao faz sentido na forma como se incorpora no modelo assistencial, uma vez que as suas re!ay6es com as institui~oes sao legitimadas por cenarios de virtuosas generosidades e nao por uma acyao contratual na qual se defincm, positivamente, direitos e deveres ou obrigay6es mutuas. 0 reconhecimento da natureza de "utilidadc publica" das TPSS pelo Estado, de que o rcgisto dispoe automaticidade, significa: I) o reconhecimento do Estado pelas Instituiy6es, como prolongamento te6rico de respostas aos problemas que ele anuncia; 2) a obtenyao por parte das instituiy6es mediante a garantia do exercicio da filantropia, de um conjunto de iscny6cs que incentivem a sua gestao patrimonial. A acyao das IPSS acaba por se legitimar nos limites das "obrigay6es sociais" dcterminadas pelo Estado. fllle!Ten(dO
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Ao enunciar as Associay5es de Soliclarieclacle Social como associay5es de clireito, o Estaclo nao prescreve obrigay5es positivas ou negativas. A passagem de funclos publicos nao exige que a acyao do Estaclo se realize nas Instituiy5es, em princfpios de igualclacle dos inclivfcluos, de universalizayao de acessos, mas em clepenclencias entorpececloras cla ciclaclania. 0 Estaclo nao penetra o espayo institucional como gm路ante cla liberclacle, cla protecyao e cla justiya dos ciclaclaos sob o clomfnio do pocleres institucionais. Se um dos fins do Estaclo e, em hip6tese, a justiya social, ele nao a realiza no campo cla assistencia social, conquanto cleixa a clescoberto as mecliay5es necessarias a interferencia nos arbitrios de um racionalismo estreito do pocler institucional, proclutor de normativiclacle subjectivista que nao satisfaz a justiya enquanto tal. 0 paracloxo reside no facto do Estaclo legitimar como pessoas de clireito publico, exclusivamente com intentos tutelaclores, associay5es morais que funclam a sua acyao social na escolha moral dos inclivfcluos que a elas se associam. 0 "clireito" ilus6rio (clireito como pratica normativa de um sistema juriclico positivo) que aqui se fund a, sob a egicle da moral, mais nao faz que recobrir uma ordenayao organica e funcional de uma experiencia cuja eticidade se encontra num estadio de nao incorporayaO do clireito. Se a etica supoe a exclusao do clireito, se a moral e a formula incorp6rea de um clever ser kantiano, o social esta ai jogaclo num conjunto de praticas a-sociais, julganclo e jogando a condiyao social dos inclivicluos numa responsabilizayao moralizadora e individualistica cla sua condiyao. Se o clireito nao se fmja no campo como um instrumento a clisposiyao do sujeito objectivado da aq;ao institucional, se nao funciona como "modo de constituiyao de uma identidade colectiva", o que se acaba por legitimar e uma dominayaO sobre sujeitos individuais de nao clireitos. A este modelo de reconhecimento, um outro se lhe associa- o Registo Nacional de Pessoas Colectivas, oncle as Instituiy5es ganham identificayao patronal. Por esta via o Estaclo certifica o clever contributivo cla patronaliclade das instituiy5es perante o sistema nacional de seguranya social, implicando-se numa outra contradiyao. Por um lado, subvenciona as IPSS atraves de funclos publicos; por outro recupera, por via da dupla iclentidade, funclos devidos a qualquer iclentidacle patronal, por inerencia cla comparticipayao de 21% sob os vencimentos globais iliquidos pagos aos trabalhadores ao seu serviyo. Um segundo mecanismo eo da subvenf'iio. Tambem a circulayao de capitais nas IPSS, provenientes do Estado, radica nao num clireito que assiste as Instituiy5es, mas numa rclayao <ifacultativa e benevola禄. A subvenyao produz-se numa multiplicidade tatica e a coberto de tres 16gicas: 1 - a concessao de iseny5es tributarias. 2 - a emissao regular ordinaria, de periodicidade mensal, dirigida a gestao do quolnren'ell{'tlo Social, 13/1 ..f. 1996
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tidiano institucional e materializada pelos denominados "acordos de coopera9ao". 3 a emissao extraordim1ria consignada em PIDDAC (Piano de Investimento e Despesas de Desenvolvimento da Administra9ao Central ). A primeira institui uma rela9iio mecfmica com determinadas pniticas de consumo institucional. A segunda redunda numa liberalidade devota que a autoridade do Estado traduz na condi9ao de "entidade tutelar". Os denominados "acordos de coopera9ao" materializam-se numa contratualidade retorizada, desordenada e inconsequente. A sua prescri9iio qualitativa incide no "bom funcionamento dos servi9os", numa "boa estrutura de recursos humanos qualitativa e quantitativamente adequada", na "acessibilidade a frequencia estatfstica dos "utentes" aos equipamentos", se m prever padr5es de aferi9ao 11 • Convenio sujeito a denuncia, o "acordo de coopera9ao" e um instrumento de poder arbitn'irio ja porque, nao obstante, nao definir deveres e obriga9oes das institui9oes, preve a cessa9iio dos apoios financeiros do Estado "sempre que se verifiquem circunstancias que inviabilizem a sua subsistencia, designadamente nos casos de grave e reiterada viola9ao de deveres". Quais? Nos "acordos de coopera9ao", o Estado compromete-se a remunerar os servi9os prestados pelas institui9oes, atraves de um sistema de calculabilidade linear, gestada nu ma racionalidade instrumental de valora<;iio de um "trabalho a pe9a" Y Este sistema mostra-se altamente clistorcido pela falta de equidade na reclistribui~ao dos fundos publicos. Permanecem, calculabilisticamente, estranhas ao Estado: I -a avalia~ao da capacidade econ6mico-financeira das institui~oes em fun~ao
cla qualidade dos servi~os que se "obrigariam a prestar"; 2 as caracterfsticas micro-econ6micas das zonas de implanta~ao; 3 - as condi~oes s6cio-econ6micas dos indivfduos e suas famflias. 0 modelo distributivo dos fundos publicos, ao ignorar os valores sociais incorporados na assistencia, fundamenta uma pratica de mera retoriza9ao do social. Pm·que as institui9oes cabe suportar, no contexto desta "coopera9ao" aritmetica, "( ... ) a diferen9a entre as comparticip<woes devidas pela Seguran9a Social.( ... ) e os custos de manuten~ao dos equipamentos ou servi9os prestados 13 , "rentabilizando o
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Elernentos extratados ir pag.3 do tcxto do ·'acordo de coopcra.;ao" cclebrado ern 2/l2/92. Esta exprcssao racional instrumental vern patenteada no anexo ao acordo de coopera9ao de 2/l2/9l. a comparticipayao financeira formulacla pela multiplica9ao do pre9o unitario por idoso, pela frequencia ao equipamento. 11 ''Despacho normativo 41/87, art. IV parag. I". 12
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seu patrim6nio;" e promovendo uma gestao eficaz dos recurs os human os, 14 as IPSS sao constrangidas para ac~oes que contrariam os seus principios e valores norteadores de partida. Os acordos de coopera~ao traduzem formas escriturais de passagem dos fundos ptiblicos aos privados, sem que as institui~oes participem na discussao da 16gica que fundamenta a atribui~ao de valores homogeneos correlacionados a sua gestao. Esta rela9ao que nega qualquer reciprocidade de direitos e deveres, afasta em definitivo a pre{igz1ra9ao de parcerias sociais e consagra a dependencia e domina9ao das IPSS. Todavia, a verdade e que as IPSS tem incorrido na disputa tensional dos fundos ptiblicos, nao se remctendo para a contesta~ao da racionalidade calculabilfstica subjacente ao pagamento do "trabalho a pe~a", antes alinhando nessa 16gica quantitativa dos montantes moneuirios em jogo. Trata-se de uma disputa racionalizada que tem como estrategia reactiva a obten~ao de valores que permitam fazer face aos conflitos entre poderes institucionais e o trabalho na !uta pela reposi~ao do seu poder de compra. 0 Estado fica-se por um conhecimento meramente contabil da ac~ao das institui~oes, na qual nao e relevante o "controle de resultados", ou melhor, o que as inspec~oes privilegiam sao os resultados contabeis, nao os sociais. A ac~ao estatal e relegada a uma completa inac~ao na aferi~ao e reorienta~ao dos desvios institucionais da "solidariedade social", ao negligenciar requisitos que respeitam cl ereq路ao de direitos, cl universaliza9ao de acessos, cl padroniza9ao de uma qualidade assistencial sustentada par uma produ~路do e implementa9clo de saberes qualijzcados. 0 Estado demite-se de um poder instrumental co-operacionalizador de mudan~as fundamentais a actualiza~ao de respostas as demandas emergentes que se operam no quotidiano e impede as IPSS de participa~ao na eo-defini~ao de polfticas no campo assistencial. A autonomia do poder das IPSS, traduzida na "livre" produ~ao de servi~os, expressa-se na desarticula~ao das praticas institucionais que, uma vez desconjuntadas das estrategias de ambito global, eomprometem irremediavelmente a ascese de uma polftica de assistencia social. Esta nclo polftica acaba por amarrar a filantropia a uma pratica contabil de expressc7o liberalizante e manter a pobreza mun manto de selectividades, acantonadas em apoios do Estado que se revelam, pela metodologia da sua aplica9ao, desvinculados do colectivo social, sujeitos a uma caridade intennitente, circunstancial e paleativa, contraria a um sistema assistencial integrado, com potencialidades preventivas.
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Ibidem pan\g. 2, alineas a) e c).
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Esta 16gica perverte a relayao corn o real social, atraves de uma funyao desviante que releva a razao do monetarismo, mas nao das pessoas. Faz prevalecer o ratio econ6mico, e nao uma proporcionalidade de reposiyao de desigualdades sociais no seio dos serviyos prestados pelas instituiy5es. Nao estabelecendo qualquer correlayao racional entre a valorayao econ6mica da resdistribuiyiio ea estratificayao social que a natureza e modo de prestayao do serviyo encerra, produz, nas instituiy5es, anti-corpos ad versos de uma acyao solidaria (entendida aqui no estrito senso de acyao institucional redistributiva). As instituiy5es confrontam-se assim, com uma acyao estruturante que inverte o sentido de uma praxeologia social e fractura os fins institucionais. As IPSS, ao interagirem corn a racionalidade administrativa da 16gica da subvenyao estatal, nao tem contestado vivamente os seus mecanismos de financiamento. Tern-se acedido a fazer parte de um governo paralelo da pobrcza, na rectaguarda da Seguranya Social. A terceira figura modeladora e a da subvenyao que, traduz a presenya de uma nova constelayao polftica e econ6mica. A subvenyao extraordinaria via (PIDDAC) promove a feiyao meritocratica das relay5cs Estado/lnstituiy5es em materia de aplicay5es monetarias. Por esta via, o Estado subvenciona, pcrcentualmente, sob jufzo unilateral, os custos globais dos investimentos dirigidos a "criayao e remodelayao dos estabclecimentos, 15 se m que as suas "ponderay5es" e criterios de atendimento prioritario veiculados a"adequayao" ou "dcsadequayao as necessidades da comunidade" 16 constituam objecto de apreyo polftico, isto e, se localizem num espayo dia16gico com as IPSS. As verbas estao sujeitas a aferiyao da capacidade de suporte pela instituiqao da totalidade dos custos de investimento. A passagem destes fundos publicos ejurfclicamente estabelccicla numa rela9iio inversa da capacidade institucional de entesouramento. 0 regime pecuniario da subvenyao, nos moldes em que e praticado, fomenta o providencialismo econ6mico das instituiy5es, circunstancia que poclc concluzir a um racionalismo aclministrativo que aqui se clenomina de para-mercantil. 17 As institui96es que pretendam efectuar a remodelayao de infraestruturas ou equipamentos, ou criayao de novos espayos institucionais, obrigam-se a assegurar a "chsponibilidade do terreno adequado cl constru~'Cio do estobelecimento e seus cus 1 '
Vide Portarias n.'' 7/81. D.R !." seric 11. 0 3 de 5/1/8. e n. 0 138/88 de I cle Mar~o. D.R. n. 0 50 cle 1/3/1988. Documento climanaclo da enticlacle tutelar intitulaclo "Resumo clas portarias n.'" 138/88 e 284/88 cle 4 clc ivlaio", p. 1. 17 Com o conceito. queremos clesignar uma acyao interna das IPSS, tendencialmente orientada por princfpios de cficacia na procluyao de servi\OS, em que a climensao calculabilfstica cla actividade se orienta atnm?s de catcgorias etico-econ6micas. isto e. por catcgorias valoraclas numa llimensao s6cio-econ6mica trespassada por vcctores estatutarios de aprecia~ao dos incliYfcluos. via clo prcstfgio social. do parentesco. cla religiao. cla politica. 16
lnte/TOI{'clo.")ociul. 13/f../. 11)90
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tos", correspondendo o financiamento a uma percentagem que osci!a entre 65 e 80% do custo integral da obra, "(. .. ) se obtenha multiplicanda o mimero de utentes a abranger pe!o custo m(v.:imo!utente, d~finido para cada tipo de estabe!ecimento." 18 â&#x20AC;˘ De novo a 16giea conUibil sobrevoa o social, encapotada no estfmulo as "iniciativas criadoras num domfnio particu!armente nobre do exercfcio da solidariedade social da sociedade civil". Trata-se de uma 16gica de dupla conten~ao: por um lado, das despesas estatais, por outro, da periferiza~ao dos prop6sitos de investimento das IPSS, por importa~ao imposta pela 16gica contabil do Estado. A oculta~ao dos criterios de reparti~ao destas garantias publicas, por um !ado destrona a ideia de realiza~ao eomum, pm¡ceria com o Estado. Por outro, mantem as institui~oes numa disputa isolada e eoncorrencial na acessibilidade aos fundos publicos, por outro ainda, fomenta praticas de valoriza~ao de fundos pr6prios que distorcem as pnlticas sociais das IPSS que, supostamente fmjariam a sua identidade. A disputa concorrencial aos fundos publicos ajusta-se ao universo fechado da nao interae~ao das institui~oes entre si e diz, por outro lado, de um interesse inconsciente das mesmas, na manuten~ao da falta de regras do jogo . 0 interesse individualfstico das IPSS substantiva o seu impedimento na acessibilidade a visibiliza~ao dos fundos, reduzindo a possibilidade de !uta por uma justi~a distributiva mais equitativa, que a existencia de regras modificaria, permitindo-lhes discutir a sua enuncia~ao. Neste contexto, as institui~oes vivem numa agonia e desprazer dial6gicos nas rela~oes com o Estado. 0 volume financeiro da gestao das institui~oes nao resolvido pelos fundos publicos acaba por cumprir as familias e aos "utentes", na forma de ae9oes em carga sobre a sociedade civil. A media~ao estatal constr6i-se de molde a produzir media~ao institucional, na combina9ao de "beneffcios", no policiamento das familias e na examina9ao s6cio-econ6mica dos utentes. E necessario que estejamos conscios da natureza e implica96es desta ac~ao, se levada aos extremos da aceita9ao de uma polftica soeialliberalizadora. A subven~ao pela negativa traduz-se em formas de nao pagamento, ou transferencias indirectas as institui~oes, por contribui96es devidas ao Estado, tendo na sua essencia a ver com positividades selectivas, sob a forma de tranferencias indirectas. As isen~oes funcionam como jurisdiciza9ao de ac96es nas quais o Estado figura como parte descomprometida do agir institucional que, paradoxalmente, controla, transferindo para as institui9oes as tensoes resultantes da consuma9ao dessas garan" Consulte-se para o efeito a Portaria 138/88, de I de lnterl'(:nrao Social. 13/J.J, 1996
Mar~o.
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tias de rendimentos, apelativas de uma estrategia gestiom'iria patrimonialmentereplicada. Um terceiro mecanismo relacional consubstancia-se na contrata~ao que, em tese, significa o aluguer de uma produyao de servi9os que o Estado periferiza. 0 Estado, ao contratar os serviyos das I.P.S.S., incorre numa dupla estrategia racionalizadora. Por umlado, subtrai-se areivindica9ao publica, ao transferir para terceiros, actividades cuja problematica, em termos de produyao directa, deixaria de apresentar justifica9ao discursiva de um problema afecto a minorias locais. Por outro, ao contratar terceiros, na forma em que o faz- atraves de uma rela9ao burocn1tica, documentalista e iiTadicada da avaliayao das ac96es liberta-se de custos atraves da produ9ao de descomprometimentos. A terceirizayao por parte do Estado e muito peculiar. Se terceirizar implica uma redefini~ao dos poderes dos parceiros, relcl~oes nzais horizontais e interactivas entre ambos os contraentes, a relaf·Cio Estado I institui~oes ewn equ(voco em materia de parcerias. As relaf·oes Estadolinstitui~oes, ao inves de constituirem uma envolvente contratual de enfrentamento nultuo da problemdtica social, rejlectern a construf·Cio de tensoes relacionais decalcadas numa contratualidade que, privilegiando apenas um dos lados, mantem uma domina~ao cmtag6nica dafonna~ao de parcerias. Uma cultura administrativa de parcerias envolve um tratamento dialogante contrario a uma dominayao tutelar. "A contrataf·Cio de parceiros pressupiJe wn jogo negocial com regras novas, adaptadas caso a caso, mas onde sempre sejwn contempladas modifica~oes 1w cultura empresarial, aprimorando-se o conhecimento ea i11forma~ao, reconhecendo-se efectivamente que o saber adquire supremacia em larga escala". Trata-se de uma terceirizayao singular, pela inexistencia de trocas voluntarias que satisfa9am na informayao, na busca de soluy6es conjuntas, no comprometimento mutuo a qualificayao dos serviyos parceirizados. 0 Estado oculta, com a propala9ao cleste moclelo como auton6mico consubstanciado no clecreto-lei 119, uma politica a-social que importa alterar. Entre o modelo supletivo do Estado Novo e o subsidiario da nova Republica o que verclacleiramente mucla e a metoclologia. A autonomia institucional orientada pela "estatfstica e aritmetica polfticas" tem, entre outras, como estrategias ocultas: a) o enfraquecimento do pocler reivindicativo dos clirigentes das IPSS. b) 0 descomprometimento total do Estado relativamente aos encargos com os seus trabalhadores. c) A clarificayao formal e material clo caracter patronal destas associay6es, para quem e remetido o "oclioso" dos cont1itos laborais. lnren·enrtlo Sot·ial. 13114. 1996
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Fica cavado o ilus6rio do social, traduzido num liberal laisser-faire, laisser-passer, desviante de uma solidariedade de direito, progressivamente enclausurada na racionalidade polftica do Estado.
As IPSS numa logica racionalidade social As propostas de solu9ao imediatas sao sempre um equfvoco. Por isso importa que as IPSS pensem solu96es na questao fundante da solidariedade, no equacionamento de um ordenamento da vida que garanta, de forma justa, uma elei<;ao orientada para 0 direito dos indivfduos a defini9a0 da sua propria vida. Fundar esta 16gica, significa iluminar a razao dos indivfduos para o beneffcio de uma maior capacidade comunicacional, que lhes permita uma decisao opcional orientada a uma forma ilustrativa de ambi9ao legftima de perspectivarem um futuro de boa vida, numa estrutura que possa conjugar a expressao do realizavel com uma elei9ao adequada das suas experiencias. Torna-se necessaria uma clarifica9ao racional de um conceito de justi9a, a destrin9a entre o que pode constituir uma distribui9ao «arbitraria» e uma distribui9ao equitativa das vantagens da vida social, traduzida na maximiza9ao de direitos em extensao, das liberdades fundamentais compatfveis com o conjunto das liberdades globais. Um segundo princfpio radica no reordenamento das desigualdades econ6micas, em ordem a satisfa9ao do mais amplo beneffcio dos membros com menos vantagens na sociedade, e na abertura total da acessibilidade a condi96es de igualdade equitativas de oportunidade na "cultura pziblica de uma sociedade democratica". A discussao nao sera pacifica porque quer o utilitarismo e quer o igualitarismo parecem condenados a elei9ao de incompatibilidades. Com efeito, trata-se de aprofundar "A concep9iio de justi(,·a que defende uma divisiio social das responsabilidades: enquanto que a sociedade aceita a responsabilidade de 1nanter a igualdade equitativa de oportunidades e das liberdades fundamentais e de fornecer a cada um unw parte equitativa dos outros bens primarios, os cidadiios e as associa98es aceitam a responsabilidade de modificar e de ajustar os seus fins em fim9ao dos bens primarios que eles possam ch~fi'utm:" A igualdade de oportunidades nao e uma mera redu9ao a contempla9ao jurfdica formal, mas o desimpedimento efectivo de que a origem social dos indivfduos constitua factor de inacessibilidade as oportunidades de acesso!ingresso as diversas fun\Oes e supoe a presen9a de institui96es que tenham for9a polftica suficiente para gm·antir a faculdade de realiza9ao de talentos e capacidades iguais a todos os grupos sociais, via da acessibiliza9ao plena aos diversos nfveis de educa9ao. lnren·enrilo Sociol, 13/J.I, 1996
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J. Figueircdo Santos
A equidade na igualdade resultaria da neutraliza~ao das influencias perversas do estatuto social, da origem s6cio-familiar, das carencias instituicionais sentidas e sua influencia nas possibilidades de acesso a diferentes posi~oes sociais dos individuos. 0 princfpio da diferen~a, para ser equitativo, requer uma justifica~ao especial e compativel com desigualdades consideradas em materia de bens minimos, de rendimentos e de bem-estar. Se o princfpio da diferen~a nao exige igualdade pura e simples, e em fun~ao da ja assegurada propriedade de bens minimos em que ele rege a distribui~ao. Nao haja equfvocos quanto a conceitos banalizadores introduzidos no espa~o publico e engendrados em princfpios democraticos de uma sincretica igualdade juridica. Eimperativo que se busque uma terceira op~ao, que nao se jique pelas alternativas sempre eternas da democracia formal de nao desdiferenciar a diferen{a, ou de um sistema segregativo que faz urna diferen~路a entre as diferen~as. Um modelo socialmente justo obriga-se, no mfnimo, a arrolar criterios racionais para a discussao da justi~a. Sem que a justi~a pretenda equacionar a resolu~ao universal dos problemas dos indivfduos, ela eleven! ser objecto de publicita~ao de um projecto de vida comum em sede racional, que aceda adiversidade das necessidades de cada ser, no respeito por um sistema de vida integrado. Da articula~ao dos modelos cxistentes ea criar devera nascer uma convergencia racional de interac~oes que condensem a experiencia indiviual e colectiva.Trata-se de conceber um mundo de preocupa~ocs estruturadas que se munam de uma mobilidade longitudinal e transversal, que mantenham uma unidade de solidariedades a desenvolver no repovoamento das cidades desertificadas, atraves de um isolamento que nao e o resultado da ausencia ffsica, mas da oconencia massiva, da densifica~ao banalizadora. 0 equacionamento, discussao e implementa~ao de criterios racionais de justi~a nao pode remeter-se a wna resposta meramente jilantr6pica, por muito respeitdveis que sejam os esfor~os singularizadores das IPSS. Tem assento em polfticas socais que respondam et problemdtica da desigualdade no plano de garantias individuais de direitos sociais universais dos indivfduos, atreitos a wna redistribui~路ao de bens, que articule novas rela~oes entre os homens com a economia, o espw;o, o tempo, a 1nem6ria ea comunidade, como garantia de reapropria~ao social de uma vida boa. A constru~ao da humanidade supoe um esfor~o de equidade entre as possibilidades materiais e a razao dos individuos, como justifica~ao do uso que fazem dos bens. A vida nao se reduz a actos lineares e mecanicistas da oferta e da procura. A experiencia vital, vale como espa~o de transforma~ao das condi~oes de existencia do homem na perspectiva da sua participa~ao plena na vida. lnten路en~路ao
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(Des)construir a Solidariedade, Transformar a Assistencia
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0 social nao pode carrear um sentido periferizador regulado atraves de um residualismo filantr6pico, nem ser secundarizado perante o econ6mico, retalhando oo indivfduos em duas l6gicas. Implicar a razao no acto econ6mico, e dar satisfayiio ao empreendimento de ac96es orientadas para a efectividade das aspira96es de uma comunidade hist6rica. Significa dizer que o princfpio da "economicidade" s6 encontra foro de racionalidade hist6rica ao incorporar a solidariedade como representa9ao de uma rela9ao antitetica da objectiva9ao dos indivfduos, isto e, da sua transforma9ao em objectos os pobres - potenciadora da supera9ao do defice do humano numa rela9ao de verdadeira reciprocidade entre os homens. E nesta base que importa construir urn novo mundo relacional que articule as rela96es entre econ6mico e social. S6 essa inversao destituini de sentido a solidariedade como uma moral reflexiva do direito do trabalho que mantem largas franjas sociais da popula9ao num estado de degrada9ao material e de descompromisso intergeracional. A solidariedade e uma questao pziblica que se aplica aarquitectura da sociedade coma um todo, pelo que importa perceber que qualquer tentativa da sua redu~ao acaridade e cl benemerencia, constitui unw resolu~ao inadequada de wn problema pziblico. Importa real9ar que a filantropia tem, "grosso modo", funcionado como forma de escamoteamento do direito de cidadania dos indivfduos e do fomento de polfticas sociais, a troco da caridade e da bencmerencia. E nao se confunda filantropia, ou seja, amor a humanidade revestido de uma racionalidade social de procura de ascese das condic;oes de vida dos inclivfduos, corn o filantropismo 19 â&#x20AC;˘ Nao se trata de liquidar a filantropia, mas de guindar as institui96es a uma polftica integrada no espa9o publico, de !uta por urn campo que pressupoe a cria9ao de pocleres auto-gestionarios dos indivfduos, isto e, aut6nomos em relayao aaparelhagem tecnocratica que se instala no mundo formalmente administrado, orientando o modelo assistencial "para o campo das polfticas sociais pziblicas" Remetidos a um div6rcio da condi~ao de parceiros de direito, do conhecimento integrado dos problemas, dos meios analfticos para conlwcer o proprio sistema em que estci inserido, e do modo coma usar tais ol~jectivos de forma rigorosa e politicamente adequada, nunca sera possfvel pensar uma autenticidade auton6mica das lnstitui~oes. Nao haja ilusoes, tal coma um 1nonte de peclras nao eum castelo, assitn, tambem o racionalismo jurfdico-contabil do Estado sobre as IPSS s6 cessarci, cmno 29 Por filantropismo pretendc-se denominar um sistema norteado por uma 16gica de singularizayao que sup6e pniticas radicadas em concepy6cs deficitarias e altamente distorcidas, de controle dos indivfduos, de adversidade a uma 16gica de rnclhorarnento da sua condi9ao que, a coberlo de urna tutela solidarista se envolvc corn conceitos ingenuos de pobreza, provocando a obsoletizayao do carnpo da assistencia.
lnten¡enrlio Social, 13/l..f. 1996
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J. Figueireclo Santos
elemento moralizador da aplicarao dos dinheiros p~iblicos, atraves da aplicarao de polfticas p~iblicas caucionadas pela criarao de expectativas comuns e pela avaliarc7o dos resultados, isto ebaseadas em programas de acrao perspectivados como polftica social orientada para o "campo dos direitos sociais e a universalidade da protecrao social", postura que requer a luta por wna participarao 1w definirao dessas polfticas, par parte das IPSS. Por certo que este modelo configurar-se-ia bem mais ajustado as necessidades de "integra9ao social" dos individuos e menos distorcido em rela9ao as aspinl96es mais profundas da sociedade portuguesa. Tennina-se, muito provavelmente, onde Rmty come9aria: "Na minha utopia, a solidariedade humana seria vista( ... ) conw um objectivo a atingir (... ) pela imaginarc7o, pela capacidade imaginativa de ver em pessoas estranhas companheiros de sofrimento. A solidariedade nao e descoberta pela reflexao, mas sim criada (... ) com o aumento da nossa sensibilidade aos pormenores especificos da dor e da hwnilharao de outros tipos, nao familiares, de pessoas. Urna sensibilidade assim aumentada torna mais diffcil marginalizar pessoas diferentes de nos por se pensar que «eles nao sentem da mesma maneira que nos sentirfamos» ou que «terti sempre de haver sofrimento e, assim sendo, porque nao havemos de os deixar a eles sofrer?))." (Rm'ty)
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Inten•en(·ao Social, 13/N, 1996
A SOCIEDADE ACTUAL, A FORMA<;AO EM SERVI<;O SOCIAL E A INSER<;AO DOS ASSISTENTES SOCIAlS NO MERCADO DE TRABALHO 1 Dinah Ferreira
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Ao confrontar-me com o honroso convite da Direc9ao da Escola para, nesta oportunidade, dizer alguma palavras, deparei-me com a duvida da escolha do tema. Tratando-se, porem, de uma ocasiao em que se alia a formaliza9ao da abertura do Ano Lectivo com a entrega de Diplomas aos recem-licenciados, obviamente me ocorreu fazer algumas considera96es sobre a sociedade actual, aforma~ilo em Servi~o Social e a inser~ilo inicial dos Assistentes Sociais no mercado de trabalho, e isto tambem pm路que: -as polfticas sociais portuguesas se confrontam, actualmente, com a implementa9ao de uma medida (o Rcndimento Mfnimo Garantido) que exige um considenivel acrescimo de intcrven9ao social qualificada, tanto quantitativa quanto qualitativamentc; - o nosso Instituto atravessa uma fase de reflexao sobre o actual Piano de Estudos; -a inser9ao profissional dos reccm-licenciados em Servi9o Social deixou, nos ultimos anos, de se fazer quase automaticamente e passou a apresentar Japsos de tempo que, embora de muito menor expressao do que aqueles que atingem outros licenciados da area clas ciencias sociais, merece ja alguma preocupa9ao por parte das Escolas. Tentarei, pois, deixar aqui algumas consiclera96es que nos permitam cruzar estas tres realidades. Assistente Social, Mestre em Sociologia, docente no ISSSL, membro do CPIHTS-Centro Portugues de em Hist6ria e Trabalho Social. 1 Comunicar路do apresentada em 28/2/97, por ocasiao da Abertura do Ano Lectivo 1996/97 do Instituto Superior de Servi~o Social de Lisboa e da Entrega de Diplomas aos Licenciados de 199!196. Investiga~ao
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Dianh Ferrcira
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1. Na sociedade actual, a ideologia liberal e o capitalismo monopolista, na sua racionalidade egocentrica e individualista, de orientayao hegem6nica, conquistadora, de sucesso a todo o custo, de competiyao sem limites, alastra a todos os niveis da vida social e a sua 16gica de mercado conconencial pretende imp6r-se a tudo e a todos. Contra esta 16gica de competiyao desenfreada, tentacular, se tern levantado, em todo o mundo, algumas vozes e, entre elas, o Grupo de Lisboa. No seu trabalho Limites a Competiyao (1994), o Grupo de Lisboa traya urn perfil dos maleficios da competiyao excessiva e propoe algumas formas de a combater, atraves da clarificayao de objectivos a perseguir e dos meios a mobilizar para atingir esses mesmos objectivos. 0 perfil trayado e desolador, mas realista: "- num contexto de liberalizayao e desregulamentayao do mercado, a mobilidade do capital financeiro e industrial, a nfvel mundial, esta a ultrapassar a organizayao reguladora fundada no Estado-Nayao; [... ] - a legislayao !aboral e os programas de bem-estar social sao enfraquecidos, ou lentamente destrufdos, ao mesmo tempo que o desemprego massivo se torna numa das principais quest5es sociais para os pr6ximos 15-20 anos, e que a competitiviclade entre as empresas locais se anuncia como a melhor via para a criayao de novos postos de trabalho; a exclusao social, a intolerancia e a clesarticulayao entre regioes esui a aumentar; [... ] - o adiamento ou o cancelamento de legislayao sobre protecyao do ambiente sao cada vez mais solicitados, para beneficio da competiyao." (Grupo de Lisboa, 1994:20-21). Todos sabemos como o Estado-Providencia e o contrato social tem sido a base da moderna sociedade industrial e como constituiram um enquadramento favoravel a aceitayao do capitalismo ao nfvel clas varias nayoes. Em Portugal, e tambem sabido, o Estado-Providencia nunca chegou, verdadeiramente, a existir e, quanto ao contrato social, assiste-se, neste momento, a um esforyo entre o Governo e os parceiros sociais no sentido de uma formalizayao mais abrangente. Habitualmente, embora se verifiquem algumas cliferenyas entre paises que o acloptaram, e entre regioes, o contrato social orienta-se por quatro preocupayoes fundamentais:
- 0 direito oo trabolho • emprego duradouro • pleno cmprego • melhoria das condiyocs de trabalho (sal{trios, indemnizayoes, hod.rio semanal, participayao dos trabalhadores) • acordos colectivos e sobre tecnologia. !nfi:'ITCII('c1o
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A Socieclaclc Actual a
Forma~ao
em
Scrvi~o
Social
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-A luta contra a pobreza • garantia de urn rendimento minima • outras formas de assistencia social para combate a pobreza e a cxclusao social. -A protecc;iio contra os riscos sociais • seguran~a social e/ou outras medidas de seguros para protegcr os trabalhadores e as suas familias contra a doen~a, os acidentes, o desemprego, a motte. -A promoc;iio de igualdade de oportunidades • despesas publicas na area da educa~ao, da forma~ao profissional, dos transportes, da cultura e do lazer. • medidas discriminat6rias positivas em favor de areas menos privilegiadas e de grupos e minorias sociais em elevado risco social. (Grupo de Lisboa, 1994:65). Vale a pena salientar como o atraso de Portugal na adop~ao de polfticas sociais consequentes e significativas face as necessidades da popula~ao permite que, numa altura em que todas as sociedades industrialmente avan~adas estao a virar, ou ja viraram, em maior ou menor grau, a pagina da hist6ria do moderno contrato social e do Estado-Providencia,/Portugal esteja ainda numa fase de implementa~ao de algumas dessas medidas. E o caso, entre outros, do Rendimento Minima Garantido, susceptivel, ate, de gerar algumas pcrplcxidades nos Assistentes Sociais, ao vcrem temas tao tradicionais no ambito interno da profissao, como os ligados a questoes estrategicas e tecnico-metodol6gicas de interven~ao, a objectivos de fortalecimento de cidadania ou de inversao de traject6rias de exclusao, tornarem-se questoes publicas, debatidas e assumidas por polfticos e por outros profissionais. Veja-se o debate actual sobre a pobreza e o caso da propria Ac~ao Social como uma polftica que ganha visibilidade. E necessaria saber gerir estas novas realidades e desenvolver sinergias que levem a praticas mais consequentes e mobilizadoras das potencialidades de todos os sujeitos nelas implicados. De resto, a questao das polfticas publicas para a area assistencial e uma qucstao do maior interesse e que suscita controversia ha, por exemplo, muitos que sao levados a classifica-la de assistencialismo, o que e, de facto, uma visao altamente influenciada pelo pensamento liberal individualista, como muito be m aponta Aldaiza Sposati ( 1996: 54), em lugar de a enquadrarem na matriz dos direitos sociais e da luta pela cidadania. Por outro lado, podemos estar certos de que o desemprego que atlige todos os pafses em·opeus e, tambem, os pafses americanos e asiaticos e que e considerado IIIICJWII('iio
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pelo Grupo de Lis boa (1994) e por muitos outros analistas, a grande questao social para os pr6ximos 20 anos, nao deixan1, corn certeza, de continuar a afectar, tambem, a popula~ao portuguesa, corn todas as consequencias nefastas que !he estao associadas. Ao nfvel interno do proprio Servi~o Social, o afastamento do mercado de trabalho por parte de muitos profissionais, em especial dos recem-licenciados, poden'l levar a que a procura de emprego, a precaridade deste e o receio de o perder, a !uta pela sobrevivencia, prevale~am sobre a afirma~ao etica do exercfcio profissional. Torna-se cada vez mais evidente como sao globais os problemas que afligem as neste fim de seculo e como terao de ser procuradas respostas, tambem globais, capazes de os enfrentar. Teremos de caminhar no sentido de uma governa~ao global efectiva, atraves de mecanismos de coopera~ao mistos (em vez da governa~ao exclusivamente baseada em mecanismos de mercado), mecanismos fundados na valoriza~ao de princfpios, regras c institui~oes- como os de liberdade, democracia, solidariedade, justi~a social, eficiencia e eficacia econ6micas. Nao tenhamos duvidas de que aquilo que e pensado a nfvel global tern for~osa足 mente de ser valido (sob risco de nao ser o caminho adequado) para as nossas micro-dimens6es, tern de ser valido para agirmos localmente. E, assim, poderemos pensar, com o Grupo de Lisboa, que existem alguns princfpios basicos que devem inspirar e orientar a nossa actua~ao. Ou seja: popula~oes
"os instrumentos que utilizamos devem ser cooperativos; - a sociedade civil global deve ser apoiada, encorajada e responsabilizada; - como corolario do princfpio anterior, as ac~oes, comportamentos e experiencias locais devem ser sistematicamente reconhecidas e apoiadas a nfvel global; -a diversidade cultural deve ser explicitamente validada e promovida" (Grupo de Lisboa, 1994:205). 2. Neste contexto de articula~ao entre o micro e o macro-social, como se situa o Servi~o Social e como perspectiva os seus caminhos e a forma~ao dos seus agentcs, ncstc final do seculo XX? As profiss6es, como realidades hist6ricas, dificilmente apresentam rafzes de sentido unico e, se bem que a sua institucionaliza~ao se possa atribuir, concretamente, a uma qualquer entidade ou grupo social, com raz6es estrategicas imediatas mais ou menos evidentes, num dado contexto hist6rico, a sua genese tera de ser procurada no evoluir das sociedades, nos complexos dinamismos das rela~6es sociais, no desenvolvimento das ideias, na emergencia das ideologias. Eneste quadro que se podera entender a pertinencia da tese de Alcina Martins (1995) sobre a genese do lnterrenrao Social. /3114. 1996
A Sociedade Actual a
Forma~ao
em
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Servi~o Social portugues, arrancando-o da exclusiva e tradicional raiz doutrinaria ligada aIgreja Cat6lica, que lhe tem sido atribufda por variados autores e abrindo um veio laicista e socialista na sua genese, ligado ao ideario republicano de assistencia publica e de solidarismo. Este eixo nao estara, no entanto, tao temporalmente afastado da pratica e da cultura profissional do Servi~o Social portugues. Serao prova disso nao s6 o facto de o corpo profissional aparentemente nao ter sido afectado de forma negativa pelas convulsoes que, ao nfvel dos servi~os publicos c privados, atravessaram o perfodo p6s 25 de Abril de 1974, mas tambem a experiencia sindical organizativa dos Assistentes Sociais nos anos que precederam 1974 (Ferreira, 1992), ao estabelecer la~os de solidariedade coma !uta de outros trabalhaclorcs e ao promover um grancle movimento participativo nos debates internos da profissao, os quais congregaram, pela primeira vez na hist6ria do Servi~o Social cm Portugal, o interesse e a participa~ao massiva dos Assistentes Sociais de todo o Pafs. Estes sinais, de facto, parecem apontar no scntido da presen~a de uma cultura solidaria, visfvcl nos anos 70, no seio do Servi~o Social portugues. Eque a cultura profissional nao se constr6i a partir das inten~oes e estrategias dos instituidores formais da profissao, quaisquer que sejam essas entidades e os seus contextos mas, antes de mais, a partir da vivencia dos seus agentes, quer entre si, na cria~ao dos seus signos e ritos, qucr na sua inter-rela~ao com a sociedade global, no conjunto dos sentidos, significaclos, imagens, representa~oes as mais diversas, que outros e eles pr6prios atribucm as suas ac~oes, numa multiplicidade de dinamicas, de valores e de concep~oes culturais presentes em cada um, enquanto sujeitos hist6ricos que sao. Nesta constru~ao da cultura profissional tem tambem um papel estruturante as Escolas, contribuindo, entre muitos outros aspectos, para o aparecimento do modelo cultural ligado a associa~ao ou a dissocia~ao entre ciencia e profissao, tra~o que constitui, tambem, indicador importantc do movimento interno das profissoes.
Como tem entao carninhado, cm Portugal, a forma~ao em Servi~o Social?
E sabido que nao ha qualquer tradi~ao de organiza~ao entre as Escolas de Servi~o
Social em Portugal e que os contactos entre elas sao pontuais, salvo no processo que antecedeu o reconhecimento do grau de Licenciatura e que congregou, ate 1989, todas as estruturas do Servi~o Social portugues, embora nao tenha havido um protagonismo igual por parte de todas as Escolas do Pafs em todo esse processo. E quanto aos cunfculos escolares? Da mesma forma nao existe qualquer tradi~ao de entendimento formal entre elas, nem Portugal tem obrigatoriedade legal de currfculo mfnimo. lnteiWII\'!lo Social. 13114, /996
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No que respeita ao Instituo Superior de Servi~o Social de Lisboa e consicleranclo o estuclo de Ernes to Pernancies de 1985 (Pernancies, 1985: 123-141 ), nestes 62 an os que levamos de existencia, o cuniculo de forma~ao sofreu sete altera~oes significativas, ou seja, poclemos clizer que estamos na vigencia do 8. 0 Piano de Estuclos. Os perfoclos de vigencia clestes Pianos de Estuclo tem siclo muito irregulares, acompanhanclo ou abrinclo caminho para a evolu~ao historica cla profissao, quer do ponto de vista teorico-metoclologico, quer do ponto de vista do contexto social. 0 actual Piano de Estudos, que atingini no proximo ano lectivo o seu decimo segundo ano de vigencia e, se excluirmos o primeiro, que foi iniciado em 1935 e se conservou ate 1956, o de maior permanencia. A seguir ha apenas o de 1960, que se conservou onze anos. Todos os outros se conservaram entre um e oito anos. Neste percurso, o perfil socio-economico e o universo cultural dos alunos (e, pm路que nao clizer, tambem dos professores) tem sofriclo um empobrecimento; e embora a ausencia de estudos mais antigos nao nos pennita fazer compara~5es fiaveis, e possfvel constatar, atraves cla observa~ao directa cla realidade historica e de uma pesquisa de 1994 (Ferreira, 1994), que, por exemplo, 30% dos grupos domesticos de origem dos licenciados de 1990 sao provenientes cla categoria socio-profissional de operarios industriais e assalariados agrfcolas,路 que 24% sao de trabalhadores independentes e agricultores e que apenas 9% provem de quadros intermedios, tecnicos e ciellff[icos. Ainda corn base no mesmo estudo, verificamos que 64% dos pais nao tem mais do que a instru~ao primaria e que apenas 7% tem um grau de instru~;ao de nivel superior, baixando este para 3% no caso das maes. Alias, o empobrecimento socio-economico e cultural do conjunto da populagao escolar, cujas causas se poderao ir buscar, entre outros factores, ademocratizagao do ensino superior, e certamente comum a toda a Academia. No caso do Servi~;o Social, este abaixamento do universo cultural dos alunos e, pm路cm, concomitante aexigencia de maior qualifica~;ao intelectual e cultural derivada da propria necessidade de consolida~;ao academica, o que nao deixa de constituir urn a contradi~;ao, j<1 apontada por Paulo Netto ( 1996:11 0) considerando a realidade brasileira. No que respeita arevisao do actual Piano de Estudos do ISSSL, abrem-se grandes eixos de debate, nomeadamente os contcudos teorico-metodologicos, a rela~ao teoria-pratica e a investiga~ao e constru~ao do saber, todos de igual relevancia, pois que constituem os pilares onde assenta a forma~ao em Servigo Social. 0 eixo que debatera as questi5es te6rico-metodol6gicas, no que ao proprio Servigo Social diz respeito e que tem preliminannente aver com o que Suely Gomes lnterren\路ao Sociol. /3/N. IYY6
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Costa (1995: 60) chama de "campo te6rico de interesse profissional", e altamente polemizador. A mesma autora identifica esse "campo te6rico de interesse profissional" com a protec~ao social, o que me parece poder conduzir a um grave estreitamento do Servi~o Social, na medida em que apenas se propoe "recuperar a materia te6rica substantiva coma qual se construiu a profissao", csquecendo todos os avan~os de um seculo de actividade e de estudo. A polemica desenrolar-se-a tambem a partir das contesta~oes a referencia usual na profissao da matriz marxista, que remete para os quadros analfticos das rela~oes capitalistas de produ~;ao e do controlo social, que alguns consideram hoje inadequa~oes te6ricas, contesta~ocs que Paulo Netto tao bem analisa no seu artigo "Transforma~oes societ<1rias e Scrvi~o Social" (1996: 87 -132). Ha que estar, tambem, atento aos contributos significativos que a recente literatura tem encaminhado (Robcrtis, 1994; Battini, 1995; Netto, 1996; Faleiros, 1996; Sposati, 1996; entre outros). Porem, e segundo Pau1o Netto, estas crfticas nao se aprcsentam como anti-marxistas mas apenas dirigidas a ortodoxia, ou dogmatismo, e as lacunas. No primeiro caso, a crftica vai no sentido de "amp liar", "abrir", "flexibilizar" a perspectiva te6rica, incorporando autores como Habermas ou Foucault e, no segundo caso, salientando objectos que os anos 80 nao contemplaram, tais como as questoes de genero, de cultura, de minorias, etc. Alias, os aspectos ideol6gicos repercutem fortemente na educa~ao em geral e na forma~ao dos Assistcntes Sociais em particular e nao deverao ser, por isso mesmo, deixados na penumbra. Ora, na esteira de um esclarecido e corajoso texto sobre o estado de degrada~ao a que chegou a Educa~ao cm Portugal, que Filomena M6nica publicou no "Caderno Vida" do Semanario "Independente", no passado dia 14, Joao Carlos Espada, pronunciando-se a seu favor, da-nos conta, no jornal "Publico" do dia 17, dos fortfssimos movimentos de opiniao que, nos E.U., reclamam hoje que se ponha ten11o a concep~ao nihilista que invadiu as escolas, a televisao e a cultura de massas, corroendo - e sao suas estas palavras - "os padroes e as referencias que scrvcm de aliccrcc a civiliza~ao liberal". Carreando argumentos a favor da sua tese, testemunha, tambem, a luta dos ultimos anos de Karl Popper contra a doutrina da "self-expression" (ideia de que a essencia do liberalismo reside no elogio da "auto-expressao", da "expressao autentica" das inclina~oes individuais), doutrina que Karl Popper considerava totalmente contraria ao liberalismo, ao racionalismo crftico e a modera~ao, afirmando que, "se nao combatermos esse nihilismo nascente, voltaremos ao homem das cavernas, comandado pelas emo~oes e pelos instintos, ignorante das tradi~oes e das normas de conduta, cultivando o oculto eo misticismo, a deriva num mundo sem padroes." illfOTell('dO
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Afirma ainda Joao Carlos Espada que essa !uta de Karl Popper tern sido continuada por academicos e intelectuais americanos de grande reputayao, como Lipset, James Q.Wilson e Gertrude Himmelfarb. E termina o seu artigo indicando os objectivos da !uta desses grandes movimentos de opiniao, que se pronunciam: - a favor do liberalismo tradicional - e a favor da educayao liberal, da busca da exce!encia e da educayao do canicter. Vem isto a prop6sito de fazer notar que, embora o ponto de partida analitico de uma dada realidade possa ser comum a varias posiy5es ideol6gicas, as propostas de acyao social e politica para a ultrapassar apresentam-se, normalmente, bastante diferentes e as inteny6es daqueles grandes movimentos de opiniao americanos, tao claramente expressas no citado diario portugues e que certamente nao colhem a concordancia da autora do texto que citei inicialmente, constitutem afinal um testemunho exemplar da ideologia neo-liberal que vem alastrando na nossas sociedades ocidentais, nao sendo Portugal uma excepyao. Tendo como matriz filos6fica o utilitarismo, de raiz inglesa, corn origem no seculo XVIII e com Jeremias Bentham (nao e certamente por acaso que a politica da Sr." Tatcher lhe era tao proxima, sendo-lhe ate atribufda a frase "nao ha sociedade, s6 indivfduos"), o liberalismo exalta o merito pessoal, o gosto do risco, o espfrito de competiyao. Tem uma forte componente psicol6gica e faz apelo, como se viu, a uma educayao do caracter. Vale a pena determo-nos aqui um pouco, soco!Tendo-nos de Orlando Lourenyo (1992) e tendo tambem em vista as reflexoes que vimos fazendo sobre a formayao em Serviyo Social. Eque 0 apelo aeducayaO do caracter levanta 0 problema da existencia de diferentes propostas educativas consoante a perspectiva te6rica que se adopta, estando a educa~Cio do caracter ligada a teoria da aprendizagem social e ao desenvolvimento moral que acentua a componente comportamental, isto e, acentua a questao de interiorizar e "seguir normas e regras consideradas correctas pelos membros de uma dada sociedade" (Lourenyo, 1992: 28), o que leva a um relativismo etico, sendo impossfvel sustentar que urn determinado sistema etico seja moralmente mais avanyado que outro. Desta forma, o nfvel moral de urn indivfduo acaba por reflectir os padroes morais que sao valorizados por determinada sociedade, e daf a importancia da influencia dos chamados nwdelos poderosos (como pais ou companheiros ... ) e de praticas educativas de socializayao, onde se nao da grande importancia ao envolvimento activo do sujeito, mas, sim, a praticas de doutrinayao, fazendo do sujeito urn po~o de virtudes. lnlnwn(路!lo Social. 131/4, 1996
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A proposta liberal da educa~ao pelo canicter tende a avaliar o desenvolvimento moral dos individuos pelo numero e frequencia de comportamentos, classificados de imorais ou morais nas chamadas situa~oes de resistencia ou tenta~ao. A esta concep~ao behaviorista de educa~ao do caracter contrapoem-se outras, como a psicanalitica e a estrutural-construtivista, pr6ximas de escolas psicol6gicas dinamicas, mais ligadas a ideologias que perspectivam a mudan~a social, sendo que a corrente estrutural-construtivista defende que cada pessoa se transforma e se constr6i em interac~ao com o meio. Esta perspectiva desenvolvimentista -que, encerrando uma proposta de desenvolvimento pessoal e social, encerra, consequentemente, uma proposta de desenvolvimento moral-, contrapoe a educa~ao do caracter, propria do liberalismo, a educa~'Cio para a justifa. Aqui, a t6nica recai no raciocinio (e nao nos conteudos) e na construqao de princfpios eticos (e nao na doutrina~ao) e defende que o desenvolvimento moral assenta na construqao de principios morais e de justi~a, que estao muito alem das normas morais e sociais vigentes, contra as quais, por vezes, e necessario lutar para defender a justi~cl. 0 principio da justi~a- e oportuno clarificar- "e um dos principios substantivos de moralidade, que estipula uma orienta~ao deontol6gica, ou seja, uma orienta~ao etica e moral em que o valor dos actos e intrinseco a eles pr6prios e nao prove m das consequencias que dai resultam. 0 principio da justi~a estipula que se trate o outro como fim, nao como meio, ou entao que se tratem as pessoas de modo igualitario". (Louren~o, 1992: 224 ). A educa~ao para a justi~a proclwna, por isso, a nao neutralidade no estudo cientifico do desenvolvimento moral; entende a ac~ao moral como um todo que abarca nao apenas a conduta mas tambcm a motiva~ao cognitiva interior; aceita alguns principios eticos susceptfveis de ser aplicados a todas as pessoas em quaisquer circunstancias e a obriga~ao de lhes obedecer sempre; d~fende que a ac~ao s6 e moral quando for subjectivamentc entendida como tal; admite a possibilidade da mesma filosofia, ou estrutura moral, estar subjacente a respostas de conteudo moral muito diferente e admite, tambem, a ideia de que os principios morais resultam mais da actividade estruturante do sujeito do que da influencia directa do meio; e, por ultimo, assume que a orienta~ao da ac~ao humana e pore para principios, tendo a orienta~ao para a justiqa como princfpio moral basico e man tendo que a justi~a e o aspecto mais estrutural do juizo ou raciocinio moral. A educa~ao para a justi~a, nas suas vertentes cognitiva e social, considera importante tanto a estimula~ao do raciocinio moral quanto a vivencia em comunidades justas, onde o sentido do eu, do outro e dos principios, sejam preocupa~oes constantes. Nao sendo possfvel nem apropriado fazer aqui outros desenvolvimentos desta questao, acrescentarei apenas que as pesquisas que tem sido efectuadas, relaciolnrerrenriio Social, 13114, 1996
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nando o pensamento moral e a ac~ao moral, tern demonstrado grande consistencia entre estes dois parametros, ou seja, que os sujeitos de raciocfnio moral mais elevado sao os que tendem a viver mais de acordo corn o que acham que deve ser feito, o que parece vir dar razao aos te6ricos do estrutural-construtivismo, dos quais o mais notavel e Kohlberg (Louren~o, 1992), que, desde os finais dos anos 60 tern vindo a dedicar a esta problematica urn intenso labor. Penso que fica, tambem, demonstrado como op~oes te6ricas ao nfvel da pedagogia e da interven~ao social se encontram tao intimamente relacionadas corn ideologias e objectivos sociais. Defendo, par isso, a integraqiio curricular da Psicologia do Desenvolvimento Moral1w fonnaqiio inicial dos Assistentes Sociais, com objectivos niio apenas informativos mas tambem formativos e numa linha de educaqiio para a justi~路c1. Deter-nos-emos, agora, urn pouco sobre o eixo que cobrira toda a problematica em torno da relaqiio teoria-prdtica, e que devera polarizar alguns debates importantes, entre os quais o do "perfil profissional". No que respeita ao perfil do Assistente Social, e interessante vermos o que Vicente Faleiros ( 1995) avan~a ao afirmar que o perfil tecnico de vera dar lugar a um perfil de negociador, de articulador de polfticas, de dinamizador de parcerias e de solidariedades, profundamente implicado na rela~ao Estado/Sociedade, sem deixar de ser crftico c comprometido corn os direitos sociais: "Esse perfil implica nao s6 um conhecimento te6rico dos paradigmas, de suas limita~oes e de sua potencialidade explicativa relativa, mas tambem a aquisi~ao da seguinte forma~ao: a) conhecimento das conjunturas, for~as, actores e sujeitos implicados na ac~ao social, incluindo a rela~ao Estado/Sociedade; b) capacidade de vincula~ao dos direitos sociais e da cidadania a vida quotidiana, sabendo, pois, enfrentar as pressoes por clientelismo, corporativismo, paternalismo; c) capacidade de elabora~ao de estrategias de interven~ao social relati vas aos direitos e ao atendimento de vftimas de viola~ao de direitos sociais, de fragiliza~ao de sua traject6ria individual e social; d) capacidade de gestao das questoes sociais corn manejo dos fluxos modernos de indicadores, informa~ao, informatica, multimedia e redes de comunica~ao, num exercfcio crftico; e) conhecimento das questoes sociais especfficas que se colocam na agenda da sociedade, por exemplo, sida, drogas, gravidez na adolescencia, meninos de rua, vftimas de violencia, planeamento familiar, renda mfnima; e Intelren\路ao Social. /3/J.I. /9Y6
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j) capacidade de abordar as diferentes formas de pm路ceria na interven9ao social e de desenvolver a participa9ao e a solidariedade." (Faleiros, 1995:24).
Uma outra dimensao do perfil do Assistente Social e o falso problema da dicotomia intelectual/tecnico. Esta visao dicot6mica de cariz positivista, e que faz uma separa9ao quase absoluta entre aqueles que pensam e aqueles que executam, acredito ter sido ultrapassada no seio do Servi9o Social. A pnitica profissional do Assistente Social sempre exigiu uma forma9ao altamente qualificada, que !he permitisse compreender os fen6menos sociais e os problemas que afectam os indivfduos, os grupos e a sociedade em geral, por forma a gizar estrategias e modelos de interven9ao capazes de enfrentar esses problemas e isso nunca lhes causou (aos Assistentes Sociais de uma maneira geral) qualquer desconforto quanto a desempenhos desenvolvidos em ac9ao directa, quer corn indivfduos ou pequenos grupos, quer em tra-balhos de terreno com comunidades. Persiste, no entanto, na realidade portuguesa, a auto-denomina9ao dos Assistentes Sociais como tecnicos, em detrimento do uso do seu titulo profissional, o que tem as suas rafzes s6cio-hist6ricas na luta por um estatuto no seio da Fun9ao Publica em Portugal, no infcio da decada de 70, aquando da cria9ao das carreiras tecnicas, numa altura em que a reivindica9ao do reconhecimento como tecnico era altamente importante no seio da categoria, nomeadamente em termos salariais. Esta autodenomina9ao que, de certa maneira, tera contribuido para a const1路u9ao de uma eventual representa9ao social dos J\ssistentes Sociais como tecnicos e, tambem, para consolidar essa auto e hetero imagem, nao deixan'i, infelizmente, de perdurar ainda por algum tempo. Ainda no que respeita a questao de o perfil profissional e a sua pretensa articula9ao corn o mundo do trabalho de uma forma extremamente forte, e um debate bastante delicado. Se e certo que uma rela9ao positiva com o mercado de trabalho e condi9a0 para uma inser9a0 profissional rapida e nao traumatizante para OS recem-licenciados, nao e menos verdade que se podera correr o risco de a forma9ao se ligar directa e exclusivamente as necessidades empfricas daquele, sempre pontuais, transit6rias, imediatistas, com todos os inconvenientes que isso acarretaria se se deixasse de equacionar, globalmente, a problematica da forma9ao. Aqui se colocarao tambem os aspectos ligados ao que actualmente em Portugal se vem chamando de especializa9ao mas que, em minha opiniao, apenas configura uma forma9ao atomizada, inconsequente, altamente redutora e descaracterizante da profissao. A necessidade de forma9ao direccionada a alguns problemas especfficos da nossa realidade social nao pode ser ignorada mas deve ser adquirida atraves dos espa9os lntcrl'enrao Social, 13114, 1996
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pedag6gicos dos semimirios tematicos e de cadeiras de op~ao, devendo todos eles apresentar formas organizativas de grande flexibilidade, consolidando-se tambem a grande responsabilidade das Escolas na forma~ao permanente, a exemplo da nossa experiencia institucional. 0 mesmo parece ser defendido por Paulo Netto (1996). Os sinais do munclo do trabalho nao podem ser as unicas fontes de alimenta~ao das questoes da forma~ao. A resposta directa sera sempre uma resposta fundamentalmente tecnico-instrumental e o que e necessario e ser-se capaz de arquitectar respostas alternativas e de estabelecer prioridades, muito embora tambem se deva ser possuidor de grande eficiencia e eficacia operativa. Quanto ao ultimo eixo que nomeamos, o da investiga~ao e constru~ao do saber, o da pesquisa em Servi~o Social, alem de atravessar, de forma clara, todos os debates, a sua inser~ao no currfculo tern permitido: - constituir-se como insH1ncia pedag6gica de grande alcance; - valorizar as aptidoes intelectuais; criar oportunidades privilegiadas de integra~ao de experiencias praticas e conhecimentos te6ricos; - despertar formas criativas de pensar a realidade e de encontrar caminhos alternativos e cliferentes estrategias para a interven~ao - formular objectos e objectivos inovadores; - contribuir para a constru~ao de novos conhecimentos e novas respostas ... P01路em, se a inser~ao cla investiga~ao na forma~ao inicial dos Assistentes Sociais parece ser uma questao completarnente pacffica (Ferreira, 1993), ja os aspectos organizativos e a abertura ou fechamento do Servi~o Social a diferentes metodologias de investiga~ao requerem um profundo debate. Embora a investiga~ao em Servi~o Social aponte para uma rnaior frequencia no recurso a metodologias qualitativas, isso nao podera ser entendido como uma forma de confinar a investiga~ao ern Servi~o Social a tal ou tal metodologia, ou mesmo a balizar a amplitude dos objectos da investiga~ao. De qualquer modo e salvaguardando estes cuidados, parecc ser de incentivar e desenvolver a colabora~ao entre investigadores (mesmo em forma~ao) e profissionais e entre a Escola e as entidades empregadoras. Este aspecto, algo deficitario na pratica dos seminarios de Investiga~ao em Scrvi~o Social, nao tem facilitado a constru~ao de uma cultura de associa~ao entre ciencia e profissao, nem "a adop~ao, por parte do profissional, de uma postura investigativa", de que nos fala Alcina Martins ( 1997) no seu trabalho mais recente, apontando-a como uma das condi~oes para o desenvolvimento da investiga~ao em Servi~o Social. lnterrell('ilo Social. /311-1. 1996
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3. A ultima questao que me propus abordar diz respeito Assistentes Sociais no mercado de trabalho.
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ainser~ao inicial dos
Com base no estudo ja referido (Ferreira, 1994), podemos dizer que, um ano depois da Licenciatura, em 1991, 90.6% dos Assistentes Sociais se encontravam empregados e 5.7% estavam na situa~ao de desemprego involuntario, devido este, no entanto, em 2.8% dos casos, a uma atitude selectiva, e, nas restantes situa~oes, a interioridade dos locais de residencia. A localiza~ao dos empregos era bastante dispersa, abrangendo 17 concelhos em 7 distritos do continente, sendo os mais significativos Lisboa, com 24.7% e Setubal, com 10.4%. No que respeita ao tempo de ingresso no mercado de trabalho, verificou-se que a maioria (60.4%) aguardou apenas de 1 a 5 meses, 16.7% aguardaram de 6 a 9 meses e s6 8.3% aguardaram de 9 a 11 mescs. A precaridade do trabalho era uma realidadc evidente, visto que apenas 27% apresentavam um vfnculo sem termo certo e 70.8r/o tinham trabalho precario, sendo que, destes, 56.2% com termo certo ou tarcfciro c 14.6% em presta~ao de servi~os. As entidades empregadoras foram, na sua maioria, as IPSS, com 41.7% (sendo 12.5% Miseric6rdias) e a Fun~ao Publica com 37.4% (Ministerio do Emprego e Seguran~a Social, actual Ministerio da Solidariedade e Seguran~a Social, 24.8%; Ministerio da Saude, 6.3%; Ministerio da Justi~a, 4.2%; e Ministerio da Educa~ao, 2.1% ). As Autarquias apareciam com 6.3cYo dos postos de trabalho iniciais. E como se apresentan1, actualmente, o mercado de trabalho, para integrar os Licenciados que hoje recebem os seus diplomas? Nao por ser optimista, mas interpretando os sinais dos tempos, parece-me que a tendencia do mercado de trabalho dos Assistentes Sociais e expansionista. Corroborando esta leitura, ainda recentemente, neste mesmo local, o Adjunto do Ministro da Solidariedade e Seguran~a Social informava a abertura, em breve, de um grande numero de postos de trabalho no seu Ministerio. Finalmente, e concluindo: Numa realidade social que se apresenta globalmente orientada por uma l6gica de mercado conconencial e que tende a excluir, cada vez mais, maior numero de pessoas, a promoqao do desenvolvimento humano e social e inadiavel e urgente. Neste quadro, o mercado de trabalho do Serviqo Social tendera a expandir-se, mas exigira profissionais altamente comprometidos com a justi~a e com os direitos humanos e sociais, pelo que os Assistentes Sociais devem obter uma formaqao que coloque a educaf路O.o para a justiqa ea aquisiqao da dimensao etica da profissao ao mesmo nfvel dos aspectos te6rico-metodol6gicos e instrumental-operativos. hlfeJWII('<IO
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A SOCIEDADE DOS MEDIAE AS QUESTOES SOCIAlS REALIDADE OU SIMULACRO? Aida Ferreira
*
INTRODU<;AO Falar da sociedade dos Media e das Questoes Soeiais, Realidade ou Simulacro suscita de imediato algumas clarifica~oes. 0 fulcro do enuneiado, em meu entender reside nas "Questoes Sociais". A Realidade ou Simulacro relacionam-se com o tratamento dado pelos Media aos diversos problemas sociais. No primciro caso (Realidade) significaria que a complexidade, extensao e problermitica das muitas e diversas questoes sociais deveriam ser abordadas pela comunica~ao social numa perspectiva positiva ou factual. 0 real tal qual "e" tal qual "existe" isto c, o constituinte do real actual. Numa perspectiva Kantiana o real seria dado no limite da experiencia atraves da percep~ao do proprio objecto ---- a realidade - entendida substantivamente. Esta, estaria assim ligada ao conccito de entendimento ea consciencia do proprio objecto. No segundo caso (Simulacro) os Media abordariam as questoes sociais como uma "imita~ao", "semelhan~a", "aparcncia enganosa", em suma como uma imagem da realidade. Seria a face negativa do "Real". Seria atraves desta negatividade que se percepcionaria como nem tudo de que se fala corresponde a Realidade. Clarificada a dicotomia Realidade ou Simulacro questiona-se: Sera que no primeiro caso os Media teriam um comportamento positivo e no segundo um comportamento negativo? As questoes sociais, exactamente porque sao inscritas na dimensao da complexidade humana, nao permitidio apenas e somente uma abordagem em aproxima~oes sucessivas? *
Docente no ISSSL.
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Aicla Ferreira
Nao sera desejavel que os varios actores, o profissional, o politico, o cidadao an6nimo contribuam, cada urn a seu modo, corn o seu conhecimento para o desvendamento da realidade? Estas interrogay6es s6 aspiram a situar a complexidade da questao - "realidade social". Pretendem igualmente considerar a comunicayao social, parte integrante dessa realidade, e, por conseguinte, do sistema social onde a mesma se insere. Colocadas estas reflexoes a abordagem do tema sera feita sucintamente, numa perspectiva de enquadramento social, muito fundamentado no pensamento de Hannah Arendt. Num primeiro momento situarei as questoes sociais na Modernidade e as Polfticas Sociais enquanto decisao polftico-econ6mica. Num segundo momento referirei os Media e a sua aproximayao a Realidade. Num terceiro momento questionarei uma situayao social apresentada num programa de televisao.
1- MODERNIDADE I QUESTOES SOCIAlS Nas civilizay6es ocidentais vivemos todos sob a influencia do paradigma da Modernidade imperando um modelo global de racionalidade cientffica iniciado nas Ciencias Exactas no seculo XVI, nas Ciencias Naturais no seculo XVIII e desenvolvido nas Ciencias Sociais ou Humanas ap6s o seculo XIX. A partir do Iluminismo e pelo uso da "Razao" que o ser humano organiza as sociedades, propoe-se promover a igualdade e justiya social e promete a "felicidade" para todos. Estes tres ultimos seculos, onde o humano se liberta de uma transcendencia definidora e orientadora do seu destino, produziram indubitavelmente, sobretudo no seculo XX, grandes avanyos cientffico-tecnol6gicos para o bem da humanidade. Produziram tambem, no dizer de Hannah Arendt: "o mal absoluto" de tal modo que "a nossa epoca interligou de modo tao estranho o bom e o mau". Aconteceram o anti-semitismo, o imperialismo e o totalitarismo tornando-se urgente o apelo a "novos princfpios polfticos" e a uma "nova lei na Terra" que abranja a humanidade, mas cuja forya e controle derive de entidades territoriais e nao de um governo mundial. (cf. Arendt, 1978: 11) Uma outra realidade tambem violenta, mas de uma violencia por vezes silenciosa e silenciada por artimanhas dos varios poderes instituidos, e a das desigualdades e injustiyas sociais. A textura desta realidade tem sido uma constante nas democracias ocidentais, cujo sistema econ6mico, assente num Liberalismo desenfreado, exclui e impede lurerml('do Social, 13//{ /996
A Sociedade dos Media e as Quest6es Sociais: Rcalicladc ou Simulacro'?
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uma grande percentagem de homens e mulheres, (estas em maior mimero) do aces so a bens essenciais para a sua manutenyao e desenvolvimento como seres humanos. As questoes, resultantes das rela96es sociais de desigualdade, apelam a novos mecanismos organizacionais de distribui9ao e redistribui9ao do rendimento, e a novas oportunidades de vida no sentido de redu9ao dessas mesmas desigualdades. Surge assim o projecto de Estado Social. 0 Estado implementa polfticas sociais em areas fundamentais ao bem-estar-social: Saude, Educa9ao, Seguran9a Social, Emprego e AssisU~ncia Social. Surge assim a ÂŤUtopiaÂť do princfpio da igualdade como um dos fundamentos da Modernidade, cuja discrepancia com o real viviclo "( ... )coloca todos os homens na mesma inseguranya; daf a necessidade do Estado dar alguma seguran9a ao indivfduo que se sente amea9ado por todos os se us semelhantes." (Arendt, 1978:20 I). A media9ao do Estado oferece alguma esperan9a de uma relativa equidade. 0 bem-estar e a resolu9ao de problemas de saude, educayao, assistencia deixa assim, de pertencer ao ambito da "esfera privada" e passa a fazer parte da "esfera publica" atraves da responsabilidade do Estado. Paralelamente, a acumula9ao da riqucza por parte da burguesia deixa igualmente de ser assunto privado para passar a fazcr parte da esfera publica com a protec9ao do Estado atraves de legisla9ao sobrc o direito apropriedade. Tal como refere Hannah Arendt: "Por transcender os limites da vida humana, o crescimento automatico e contfnuo da riqueza alem das necessidades e possibilidades de consumo pessoais, que ea base da propriedade individual, torna-se assunto publico e sai da esfera da simples vicla privada. Os interesses privados que, por sua propria natureza, sao temporarios, limitados pela durayao natural da vida do homem, podem agora fugir para a esfera dos negocios publicos e peclir-lhes emprestado aquele tempo infinito necessario aacumula9ao continua." (1978:207). 0 Estado assegura na esfera publica a "promo9ao cla igualdade" aos trabalhadores, atraves das polfticas sociais, rcpondo, (por princfpio) os meios necessarios a satisfa9ao das necessidacles de consumo pessoal. Assegura tambem a burguesia o clireito de acumula9ao continua de riqueza, para alem da vida humana, atraves cla transmissao de bens legislada e regulamentada pelo direito de familia. Surge assim, a extin9ao da diferen9a entre as esferas privada e publica e a submersao de ambas na "esfera social". (cf. Arendt, 199la: 79). 0 "social" emerge como resultado de um sistema polftico-economico, ele mesmo gerador de desigualdades socio-economico-culturais. Os principios de liberdade, igualdade e solidariedade, norteadores das sociedades modernas, traduzem-se para uns poucos, na liberdade de acumular riqueza que o tempo de vida nao consome, e, para muitos outros, numa "Necessidade" permanente, ameayadora da propria vida. lntermu;iio Social, 13114, 1996
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Aicla Ferreira
A visibilidade desta realidade "tal quale", isto e, (na sua essencia), questionaria nao apenas o proprio sistema como a tradu~ao pnitica dos seus principios. Mas, o modo, a forma e a extensao dessa visibilidade passa nas sociedades actuais pela interven~ao dos Media.
2- OS MEDIA- UMA APROXIMA<";AO AREALIDADE A sociedade dos Media (Imprensa, Radio, Televisao, Cinema, Revista, Cartaz Publicitario) e parte integrante das sociedades capitalistas em que vivemos. A comunica~ao social e uma industria que congrega varios interesses, (do econ6mico ao !aboral) tendendo para o crescimento ou expansao. Cria emprego e cria riqueza. Vive num clima de competitividade desde a escala local a mundial. As aceleradas transforma~oes tecnol6gicas e o fen6meno da massifica~ao e competi~ao atingem valores fundamentais dando lugar prioritario ao "maximo lucro". Segundo Adriano Rodrigues: "A chamada cultura de massas nao e ao fim e ao cabo mais do que o discurso jornalistico que corresponde ainstaura~ao desta esfera an6nima que se articula coma transferencia da convivialidade para o domfnio privado, discurso que se define como produto formal regiclo pelas leis do mercado econ6mico, que se apresenta como discurso da opiniao publica para garantir o seu valor de troca universal." (1985:12) Deste modo todas as dimensoes da vida social (ate mesmo as esferas da intimidade e subjectiviclade) sao objecto de informa~ao mediatica criando reflex os comportamentais, (de )formando e alienando a opiniao publica. 0 cicladao deixa de ser elemento activo na cria~ao de opiniao, para passar a consumidor de mensagens. Neste quadro, onde a iconografia surge como primeira realidacle, coexistem tambem direitos substanciais alicer~antes da democracia como por exemplo o da participa~ao atraves da palavra. A liberdade de expressao e um fundamento do estado democratico e nao deve em caso algum subordinar-se a qualquer tipo de censura, mas sim obedecer a regras de objectividade e a possibilidade sempre aberta da crftica, igualmente objectiva. Se o direito a informa~ao e essencial ao fortalecimento da opiniao publica, a garantia da democracia e a estrutura~ao dos direitos de cidadania, seria antitetico que no seu exercicio se violassem outros Direitos Fundamentais da Humanidade. No entanto, a liberdade de imprensa pode muitas vezes colidir com valores de ordem individual. /ntnTell\'!111 Social. 13/14. /996
A Socicdadc dos Media c as Questiies Sociais: Realiclaclc ou Simulacro'l
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Ha exemplos diarios desse tipo de conflitos, parecendo nao haver duvidas que a maior parte deles dizem respeito a quem detem maior poder economico e politico. Na realidade, como afirma o jornalista Humberto Mm¡cos, ha um ruido ensurdecedor em rela~ao as figuras publicas "casos gate" e um si!encio sepulcral em rela~ao ao cidadao comum. 0 cidadao anonimo e mais desprotegido perante o poder dos mediajudiciaria e psicologicamente. (cf. 1993:70-74). Considerando que as "Questi5es Sociais" a que o tema se refere respeitam a toda a sociedade, mas tem a sua incidencia real nos grupos mais desfavorecidos e mais desprotegidos, aqueles onde impera a Necessidade e dificilmente tern o direito a palavra e o direito a serem ouvidos, poder-se-a colocar a seguinte questao: qual a fun~ao social dos Media relativamente a estes grupos? As questi5es sociais sao pela sua propria natureza complexas. Nao ha nenhum profissional, mesmo especializado que detenha o saber "total" sobre nenhuma delas. A constru~ao e a visibilidade dessa realidade depende nao so de varios intervenientes, como tambem dum quadro de analise contextualizado, onde as dimensi5es: pessoal, psicologica, familiar, comunitaria e das politicas sociais do Estado, bem como da globaliza~ao da economia, sao essenciais. So nesta interdependcncia 6 possivel (re )construir os fact os e as notfcias. Impera por um lado, 0 respeito pelos direitos de personalidade: 0 direito a palavra, 0 clireito a imagem, o direito a auto-representa~ao, significando esta a escolha e a oportunidade de dar-se a conhecer perante os outros, e, por outro lado, a revela~ao do real oculto, nao visivel sem uma analise aprofundada, mas perceptive] no sistema regulador que influi nas vidas das mulheres e dos homens que habitam a Questao Social. Seria paradoxal, no momento em que os paises se tornaram quase de imediato vizinhos uns dos outros atraves da auto-estrada da comunica~ao social, haver um simulacro do "real" fisicamente proximo. Os Media nao tem como objectivo fazer justi~a, mas sim e apenas contribuirem para o "direito de se ser informado" e "de se informar" correctamente. A conquista da liberdade de informar e de ser informado e um combate e um debate permanente com vista a um encontro mais humano entre os cidadaos de cada pais e entre os habitantes desta "aldeia global".
3- UMA SITUA(,:AO SOCIAL NOS MEDIA (coma conclusao) Apos term os visionado parte da primeira pe~a do programa "Casos de Policia" da SIC, passaclo a 21 de Abril de 1994, sobre "tres crian~as completamente abandonadas" em Paio Pires - Seixal, queria apenas levantar algumas questi5es para o debate posterior, de acordo com a linha de pensamento presente na minha interven~ao. lotcnco('i/O Sociol. 131/4. /Y96
Aida Ferreira
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Os Media ao tornarem visfveis situay6es sociais limite, pretenderao: l - criar audiencia (logo lucro) atraves do espectaculo da miseria? 2 Promover soluy6es casufsticas e imediatistas apelando a uma solidariedade que e tambem em si mesma espectaculo? 3 - Fazer o jogo da "sociedade visfvel" apresentando apenas "casos" de aparente excepyao? 4- Contribuir para "levantar o veu" duma realidade muito mais profunda e alargada? 5 Desempenhar (como 4. 0 . poder) uma funyao social relativamente as quest6es sociais? BIBLIOGRAFIA AACS- Alta Autoridade para a Comunicagao Social (1993), Comunicagao social e Direitos Individuais, Lisboa: Alta Autoridade para a Comunicagao Social, Semin{lrio, Jun. ( 1993), A Violencia nos Meios de comunicagao, Lis boa: AIta Autoridade para a Comunicagao Social, Co16quio Intcrnacional, Out. ( 1992), 0 Pluralismo na Comunica<;ao Social, Lis boa: AIta Autoridade para a Comunicagao Social,Col6quio Intcrnacional, Jun. ARENDT, Hannah ( 1978), 0 Sistcma Totalitario, Lis boa: Do m Quixotc. (1991a), A Condigao Humana, Rio de Janeiro: Forcnsc Univcrsit<iria, 5." ed. ( 1991 b), Homens em Tempos Sombrios, Lisboa: Rc16gio DfAgua. BOBBIO, Norberto ( 1992), A Era dos Direitos, Rio de Janeiro: Campus Ld. MAR COS, Luis (1993), 0 Poder dos Media c os Direitos lndividuais, Lisboa: Alta Autoridadc para a Comunicw;ao Social, Jun. pp: 67-75. MORA.Jose ( 1991 ), Diciom\rio de Filosofia, Lis boa: Dom Quixote. RODRIGUES, Adriano ( 1985). ÂŤ0 Publico e o PrivadoÂť, Re vista de Comunica<;ao e Linguagens Lis boa: (2). pp:7-13.
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CONTRIBUTOS DA ABORDAGEM COMUNICACIONAL PARA 0 ESTUDO DO SUICIDIO CONSUMADO NA ADOLESCENCIA I Marlene Braz Rodrigues
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RESUMO Este trabalho e urn resumo da disserta~ao corn que a A. obteve o grau de Mestre pela Pontificia Universidade Cat6lica deS. Paulo, no ambito do II Mestrado em Servi~o Social. A investiga~ao efectuada assenta no modelo comunicacional capaz de apreender os processos de constru~ao da imagem que o adolescente suicida criou acerca do mundo. Privilegiaram-se os problemas segundo as seguintes determinantes: a) problemas de comunica~ao nos nfveis individual, familiar e social; b) constitui~ao da imagem simb6lica do adolescente na rela~ao corn os outros;
c) ruptura da comunica~ao. 0 objectivo foi abordar o fen6meno do suicfdio na adolescencia aluz da teoria comunicacional, tendo em linha de conta a constru~ao do universo simb6lico onde decorreram essas ac~oes. Tentou-se concretizar este objectivo definindo a situa~ao de comunica~ao e analisando os aspectos simb6licos. Procurou-se compreender, atraves da interpreta~ao ou da representa~ao do seu trajecto de vida, como e que o jovem assimilou e reproduziu a sua imagcm do mundo. Utilizou-se a Aut6psia Psicol6gica (A.P.) como metodo de estudo do suicldio consumado, dada a impossibilidade de aceder directamente ao objecto de estudo.
Assistente Social, com o grau de Mestre, e Docente no ISSSL. Resumo da Disserta~ao de Mestrado apresentada a Pontiffcia Universidade Cat61ica de S. Paulo, Brasil, 1995. I
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Pelo facto da A.P. se basear, em grande parte, em testemunhos, descri~oes e impressoes fornecidos por terceiros, habitualmente familiares, amigos ou pr6ximos, pode haver neste processo depoimentos permeados de respostas ou justifica~oes do suicfdio. Paralelamente, propos-se um complemento metodol6gico da A.P. visando tormi-la mais eficaz, designadamente na defini~ao de medidas de preven~ao e interven~ao nesta area.
INTRODU(:AO 0 suicfdio e, ainda, considerado s6cio-culturalmente estigmatizante. Nao constituindo crime face a nossa lei, nao deixa, por esse facto, de ter consequencias ao nfvellegal, social e religioso, e, por via disso, a uma certa oculta~ao do suicfdio, sob a forma de acidente ou de motte por causa natural. 0 estudo do suicfdio consumado depara-se com inumeros obstaculos: a unica fonte de informa~ao disponfvel sao as estatfsticas dos 6bitos, segundo as causas de mot'te. Este registo e imperfeito porque se admite seja desvirtuado por mecanismos de oculta~ao do suicfdio, levando a sub-registos que alteram a realidade ... incompleto, porque sao escassos os elementos assinalados relativamente aos suicidas e as circunstancias que envolveram a passagem ao acto. Outras fontes, como as ligadas aos familiares, tendem a distorce-lo, nao s6 ao nfvel da declara~ao como da explica~ao.
Por outro !ado, se, de uma forma gent!, o suicfdio e uma preocupa~ao da nossa sociedade, o suicfdio do adolescentc constitui urn alerta para algo que vai mal e que justifica uma interven~ao urgente. 0 que leva um jovem a suicidar-se e uma questao que necessariamente levantamos ao lermos as paginas dos jornais, onde o fen6meno e abordado com grande frequencia. Sendo a adolescencia uma etapa da vida onde as contradi~oes estao presentes, mas tambem a aventura de viver, quais serao os principais motivos que levarao um jovem a passagem ao acto? 0 que leva um jovem a desistir da vida? Para alem do que tem de enigmatico ao nfvel individual, denotando um sofrimento de que muitas vezes s6 conhecemos o resultado e poucas vezes as causas, tambem a preocupa~ao das intitui~oes com este assunto tende a ser dramatizada. De certa maneira, todos sentimos que cada suicfdio e uma acusa~ao a sociedade. 0 aumento das taxas de suicfdio entre os jovens mais refor~a esta sensa~ao ou suslllte/WIIf'dO
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peita. Estas e muitas outras quest6es tem levado muitos especialistas de diversas areas a debruyarem-se sobre o suicfdio.
RAZOES DA ESCOLHA DO OBJECTO A experiencia profissional da A. decorreu entre 1989 e 1992, no Serviyo de Aco1himento (S.A.) do Instituto de Medicina Legal de Lisboa (I.M.L.L.). Este serviyo, numa primeira fase, aparcccu cspecialmente vocacionado para dar conta da racionalizayao do circuito de informayao operada no I.M.L.L. (a circulayao interna dos elementos de informayao relevantes em todas as situay6es que requeriam exames complementares, pois a informayao veiculada pelas entidades que contactavam directamente corn a oconencia ou com a vftima - serviyos de urgencia hospitalares, Polfcia Judiciaria, Polfcia de Seguranya Publica e outras autoridades -, raramentc satisfazia os requisitos mfnimos exigidos pela aut6psia medico-legal). Numa segunda fase, foram-lhe associadas outras componentes: uma componente de investigayao, por forma a contribuir para o estudo das causas de morte, designadamente da mmte violenta; uma componente fonnativa, destinada a apoiar acy6es de formayao, cstagios academicos, etc.; uma componente de apoio ao utente, visando prestar informayao sem a quebra de sigilo, dcsdramatizar situay6es peculiares e encaminhar situay6es para as instituiy6es considcradas mais adequadas. 2 A utilizayao da "aut6psia psicol6gica" no S.A. enquanto metodo de estudo do suicfdio visava: 1. determinar os factos mais significativos da vida do suicida, bem como estabelecer algumas correlay6es acerca do acto, atraves do estudo retrospectivo; 2. fornecer elementos tidos por importantes para uma futura acyao preventiva no campo do suicfdio; 3. apoiar, ao nfvel psicol6gico, os sobreviventes, com especial realce para a familia do suicida.
A criayao deste serviyo, pioneiro no nosso pafs, deve-se a Costa Santos (1 988). 0 contacto directo com os familiares, amigos ou pr6ximos das vftimas autopsiadas no IMLL, ea entrevista personalizada com esta populayao, permitia reconstituir, de forma sistematica, os antecedentes da vftima, as circunstancias da morte e outros
' COSTA SANTOS, J. Serviro de Acoihimellfo- Da lnformariio rl Preven~路cio. Acta Medica Portuguesa; 1-99, 1988. lntt!WII('iio
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elementos uteis para a determina~ao da etiologia medico-legal. Esta era uma via de acesso ao estudo do suicidio consumado, atraves da pesquisa do contexto onde este se inscrevia (ao nfvel individual, familiar e social), corn vista a elabora~ao de urn modelo de interven~ao dirigido aos familiares e aos potenciais indivfduos que possufam comportamentos de alto risco de suicfdio, numa 6ptica de articula~ao interinstitucional. Wio podemos dcixar de real~ar que o interesse sobre o suicfdio no jovem, partiu do contacto directo que tivemos corn os seus familiares. A falta de resposta para questoes que estcs nos colocavam ("porque"?, "qual a razao"?) e as nossas pr6prias questoes sem resposta, foram a mola que nos levou ao estudo do acto que consideramos, como outros ja o disseram, o mais humano de toda a humanidade. OBJECTO E OBJECTIVOS DA INVESTIGA<;::AO 0 suicidio em geral, pode ser considcrado um acto individual e, um pouco como as palavras bem conhecidas de Albcrt Camus, o reduto da liberdade. Todavia, se tivermos em conta Kant 3, haveria uma distin~ao entre as decisoes intra-dirigidas dos aclultos (mais macluras e de ccrta forma mais aut6nomas) e as extra-clirigidas dos jovens, onde as decisoes deixam transparecer urn desenvolvimento incompleto da personaliclade e da maturidadc. Partindo deste pressuposto, e nao querendo excluir a existencia de factores de divcrsa Indole que concluzem apassagem ao acto, o suicfclio do aclolescente teria, cm principio, a ver corn factores cliferentes daqueles que, no aclulto, conduzem apassagem ao acto. 0 conhecimento empfrico sugere que a presen~a de determinaclos factores, como sejam a desvaloriza~ao cla auto-imagem, a perturba~ao da rela~ao com os outros, um maior ou menor grau de desintegra~ao nas matrizes familiar e social, permite, desdc logo, direccionar o problema do suicfdio, em particular do suicfdio juvenil, como algo que nao relevasse tanto de uma decisao voluntaria, quanto de um aprisionamento situacional. Nessa perspectiva, a imaturidade e vulnerabilidade dos jovens mais facilmente os tornariam presas de determinadas situa~oes. Estas situa~6es foram objecto da analise que tentamos levar a cabo, procurando-se definir algumas linhas de referencia da nossa amostra e, aluz do estudo de casos, tentou-se captar o sentido e as condi~oes subjacentes ao suicfdio neste grupo etario. Pro1 Kant 1795. in "0 Que eo Iluminismo", coloca a t6nica na maturiclacle. Mas tambem se sabe que cxistem aclultos ''imaturos路路.
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curou-se, essencialmente, averiguar as condi~oes suicid6genas, propiciadoras do suicfdio. Segundo a nossa hip6tese, o suicfdio seria uma safda para detenninada situa~ao e, assim sendo, constituir-se-ia como volunt<iria ~. Por outro !ado, e segundo um estudo efectuado sobre o suicfdio em Portugal 5 as taxas de suicfdio se gun do a classe etaria entre os 15-19 an os, em 1955, 1960, 1965 e 1970, seriam respectivamente: 4.8, 5.2, 2.6 e 4.1, por 100.000 habitantes, ainda que estes valores oficiais mere~am alguma reserva em virtude de nao terem tido em conta os dados referentes ao envelhecimento da popula~ao, que tem aumentado nas ultimas decadas. Face ao aumento do numero de suicfdios na popula~ao jovem e pelo facto de nao existir, em Portugal, um conhecimento sistematizado, o objectivo deste estudo foi o tentar uma aproxima~ao acompreensao da conduta suicida e dos contextos em que esta se inscreve, na faixa etaria dos 11 aos 21 anos. A utiliza~ao da aut6psia psicol6gica (A.P.), como metodo de estudo retrospectivo das mortes cuja aut6psia foi efectuada no I.M.L.L. 6, constituiu um instrumento pioneiro na area do Servi~o Social (pelo menos em Portugal), tendo a A. trabalhado na area do atendimento directo e personalizado dos utentes - familiares, amigos e pr6ximos, dos indivfduos autopsiados no IMLL, durante os anos de 1989 a 1991 7. Foi por via desta interven~ao que a A. ficou sensibi1izada para este tipo de tematica (o suicfdio juvenil), decidindo encetar a presente pesquisa. Efectuadas varias leituras, sucedeu-se a fase preliminar de invcstiga~ao, baseada na sua experiencia de trabalho, em que procurou definir o problema a ser investigado, o qual passou pela seguinte questao: Existencia ou nao de consonancia entre alguns aspectos dos percursos de vida por nos estudados e os factorcs de risco recenseados pelos principais autores e que contribuem para o suicfdio consumado dos indivfduos de ambos os sexos com idades compreendidas entre os 11-21 anos, residentes na area da Grande Lisboa e autopsiados no I.M.L.L? Deste modo, dos resultados desta investiga~ao esperava-se identificar alguns modos ou tipos de suicfdio, tendo em conta o seguinte trajecto de analise:
~
Pretenderfamos que fosse outra (safda) mas trata-se de compreender e nao de julgar. Freitas E. 0 Suicfdio em Portugal no Sec. XX: Elcmentos Empfricos pam wna Pesquisa, Centros de Estudos Demognificos, 1981. 6 Quem introduziu esta tecnica em Portugal foi J. COST A SANTOS (1986), no ambito do Scrvi~o de Aco1himento do IMLL. 7 COSTA SANTOS, J.; FREITAS, E.; BARROS. 0. 0 Suicfdio Consumado- nota metodolrigica. 5
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• A modernidade, a experiencia e a subjectividade: a representa\ao da morte Corn este ponto pretendia-se reconstruir as condi~oes da experiencia, quer ao nivel hist6rico, quer ao nivel social e psicol6gico, que poderiam ajudar a compreender os comportamentos suicidas, passando pelos seguintes momentos: a)
interpreta~ao
da modernidade como epoca em que se transformam as condida experiencia tradicional, quer ao nfvel espacial (crescente urbaniza~ao ), quer ao nfvel da altera~ao das estruturas familiares, quer, ainda, ao nfvel psicossocial (individualismo crescente ); b) amilise dos processos de transforma~ao da subjectividade a partir da modernidade e das formas de representa~ao do indivfduo; c) amilise da crise dos valores sociais e concomitante transforma~ao da representa~ao da morte (morte desvalorizada/valorizada na nossa civiliza~ao ). ~oes
• Caracterizar os suicidios consumados dos individuos autopsiados no I.M.L.L. na seguinte perspectiva: - 0 suicfdio como uma forma de comunica~ao paradoxal: • como uma forma de mudar a comunica~ao; • como a ultima forma de comunicar. - Proceder acaractcriza~ao dos scguintes nfveis: a) Individual- alguns tra~os da personalidade e eventual psicopatologia; b) S6cio-familiar; c) Simb6lico-comunicacional.
• Avaliar a autopsia psicologica como nu~todo de estudo do suicidio consumado, aplicado no presente trabalho. Pelo facto de nao se poder aceder directamcnte ao objecto de estudo e a A.P. se fundar, em grande parte, em testemunhos, descri~oes e impressoes fornecidos por terceiros, habitualmente familiares, amigos ou pr6ximos, estes tcstemunhos poderiam constituir depoimentos permeados de respostas/justifica~oes do suicfdio. Pretendeu-se investigar a seguinte correla~ao central: Detenninados aspectos psico-sociais conduzem a perturba~oes do clescnvolvimento na adolescencia, os quais podem refor~ar a conduta suicida.
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A experiencia que a A. teve no S.A. com os familiares, amigos ou pr6ximos dos indivfduos autopsiados no IMLL, levou anecessidade de investigar ate que ponto o suicfdio do adolescente estaria associado a perturba~oes da comunica~ao, com especial incidencia nos contextos familiar, profissional e escolar (eo le gas e amigos). Como problematica central deste trabalho, no suicfdio do adolescente privilegiaram-se os problemas da comunica~ao 8 como principais determinantes: a) problemas de comunica~ao nos nfveis individual, familiar e social colegas/ /amigos, escola/emprego ); b) constitui~ao da imagem simb6lica do adolescente na rela~ao com os outros; c) ruptura da comunica~ao. 9 Pm路tindo do facto de que o suicfdio e um fen6meno complexo, multidimensional e multideterminado, a A. procurou trabalhar apenas um dos aspectos que !he parecia central para a pesquisa. Assim sendo, nao pretendia invalidar nem esgotar toda a problematica do suicfdio, mas tentar acrescentar algum conhecimento a todo um trabalho que tinha vindo a ser feito nesta area. Daf a sua inten~ao ao enveredar pela analise comunicacional do suicfdio, tendo em aten~ao a dimensao da comunica~ao para se evitar as crfticas que se tem vindo a fazcr cm rcla~ao a algumas teorias que, apesar de importantes, privilegiam apcnas algumas dimcnsocs. A abordagem comunicacional apelava para uma visao integrada c, para se come~ar a desenvolver um trabalho articulado ao nfvcl do suicfdio, pareceu-lhe que um dos pontos de passagem seria a analise do suicfdio como comunica~ao paradoxal, ou seja, o problema
Nao se pretende dizer que uma dificuldade na comunica~ao leva ao suicfdio. 0 adolcsccntc podc procurar um outro tipo de solu~ao. Preocupa somente aA. saber ate que ponto cstc tipo de modelo contribui para aumentar a capacidade explicativa do fen6meno suicida. tendo em conta, desde ja, que existem outras solu~6es, outros procedimentos e outros caminhos. Por exemplo, Lllll jovem pode sublimar determinado conflito c direccionar quase toda a sua vida para a arte. Outros podcrao sair de casa (fugir) abandonando a familia, outros cntrcgarem-se adroga, rompcndo coma estrutura. Tal como refere Bateson (1968), na sua analisc sobre a estrutura do double-bind, s6 se pode "sair" mudando de nivcl. No caso vertentc, o adolescente "sai"' atraves da passage m ao acto, mas manli!m-se no mesmo nivcl (o suicidio seria o culminar de todo Lllll processo que se tornou "sufocantc" e que funciona como uma especie de ""armadilha"') 9 Uma questao e colocar o problcma da comunica~ao como senclo uma variante (e que pcnsamos nao tcr si do suficientemente traballlada). Outra questao reside no facto de que a abordagem comunicacional e mais integrativa, pm路que permite articular o individual, o familiar eo social e tambem o simb6lico, o discursivo. A ruptura comunicacional e basicamente tudo aquilo que a A. vai desenvolver do ponto de vista da teoria de Bateson. Essencialmente p6e-se a hip6tese de que essa ruptura da comunica~ao e propiciadora de tlln acto falhado na rela~ao e que levaria ao suicidio. 8
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da comunicayao - a ruptura comunicacional e a constituiyao de imagens simb6licas. Parece existir, por outro !ado, uma estreita relayao entre os problemas da comunicayao e o isolamento social, na medida em que, de uma forma geral, o indivfduo que nao conseguia comunicar tendia a isolar-se (ainda que possa ter uma relayao com outros factores, tais como o desenvolvimento an6malo do indivfduo, as doenyas mentais ou as perturba96es da comunica9ao, em sentido la to). Uma sub-hip6tese pode ser extrafda: as perturba96es da comunica9ao conduziam ao isolamento social do adolescente. Pensou-se ainda que o jovem poderia estar de tal forma pressionado sem, no entanto, conseguir fazer um corte com o meio. Tentou-se, deste modo, determinar quais os princfpios que interrelacionados, poderiam fornecer maior plausibilidade a uma situa9ao que se designou de double-bind (no sentido de aprisionamento), e que seria vivenciada pelo jovem de tal forma que s6lhe restaria como unica safda, a sua auto-destrui9ao. 10 Tentou-se ainda definir: a) as situay5es da comunica9ao em que se movem os sujeitos- tornou-se necessaria determinar a situa9ao de comunica9ao e considerar que nessa comunica9ao existiam varios momentos, em que um deles poderia ser um momento descritivo, i.e., a reconstru9ao de uma parte objectiva do processo de comunica9ao, atraves da tecnica de entrevista (A.P.) (e perante os dados recolhidos) junto dos familiares, amigos e pr6ximos do adolescente suicida, procurando acentuar os aspectos objectivos; b) os aspectos simb6licos- a maioria dos elementos sobre o universo do adolescente vinham dos familiares, amigos ou pr6ximos, que de certa forma produziam uma representa9ao da representa9ao (esta ultima, fornecida pelo adolescente em vida, aos seus familiares e amigos) do universo do aclolescente. Por outro laclo, na constru9ao cla imagem simb6Iica do aclolescente e cla forma como este via a sua inser9ao s6cio-familiar, pensou-se que a analise
111 Nesta sub-hip6tese pode-se questionar "quem primeiro p6s ovo?". Pensamos. numa primeira retlexao que tanto a comunica~ao disfuncional como o isolamento tcm de estar presentes. Podem existir situayoes em que a estrutura comunicacional eproblematica e asfixiante, originando uma certa incapaciclacle de responder as mensagcns vindas do adolescente ou haver uma destruturayao da personalidadc que impede o jovem de funcionar dentro dos parametros comunicacionais normais. levanclo. igualmcnte. a uma ruptura.
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dos elementos produzidos pelo adolescente (cartas, diarios, desenhos, anotanotas de despedida, etc.) poderia ser muito importante. No fundo, tratou-se de juntar a interpreta~ao da familia, todos os elementos que 0 proprio elaborou sobre a sua vida. ~oes,
Deste modo, tentou-se concretizar o que se pretendia investigar, definindo a de comunica~ao, incluindo os aspectos simbolicos, onde se procurou compreender como e que o jovem constituiu a imagem do niundo e como a produziu (e, de certa forma, podermos acompanhar esse processo ), atraves da interpreta~ao ou da representa~ao do seu trajecto de vida. Entre outros, foram estudados os seguintes aspectos: situa~ao
I - auto-estima - habitos toxicos (alcool e consumo de substancias ilfcitas) - problemas do foro psiquiatrico (nomeadamente a depressao) - perturba~oes comportamentais/comportamentos anti-sociais II- as dificuldades do jovem comunicar ao nivel: a) familiar b) social (isolamento ou contactos muito reduzidos com o exterior - amigos, colegas de emprego ou de estudo, grupo de perten~a, vizinhan~a, etc.) Em rela~ao a auto-estima e perturba~oes do comportamento associadas ao alcoolismo e consumo de substancias toxicas ilicitas, referimo-nos a incapacidade de encontrar satisfa~ao na vida social; dificuldade em manter rela~oes estaveis; sentimento de exclusao; dificuldade de inser~ao escolar e profissional. Em rela~ao as dificuldacles de comunica~ao do jovem, ha a referir duas questoes essenciais: o seu processo de autonomiza~ao e a questao da propria comunica~ao. Sobre o primeiro ponto, pretendeu-se compreender: a separa~ao gradual dos pais e a evolu~ao da capacidade de clecisao do jovem; a progressiva independencia em rela~ao aos pais. 0 segundo ponto prendeu-se coma questao da comunica~ao: como os progenitores se relacionavam com a familia; qual o estilo de lideran~a da familia; como eram tomadas as decisoes em casa; modo dos pais lidarem com os filhos (autocnitico- negocia96es raras, sendo as regras e as decisoes impostas; permissivo - lideran~a dos pais fraca ou irregular com negocia96es infindaveis; democratico- determina~oes dos pais negociadas e explicadas, existindo regras de funcionamento, mas flexfveis); relacionamento do jovem coma familia constitufda, os amigos, grupo, colegas de emprego e estudo. Inrern'nrilo Social, 13/l.J. 191)6
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II. OBJECTO DA PESQUISA Considerando o suicfdio um fenomeno pluridimensional e multideterminado, tornou-se imprescindfvel efectuar uma problematizayao das abordagens classicas do suicfdio, que foram classificadas como psiquiatricas, sociologicas, psicanalfticas e outras, tendencialmente mais integrativas. Para efectuar a problematizayao do suicfdio teve-se em conta o estudo e analise das concepyi5es tradicionais ao nfvel da: a) Psiquiatria/psicanalise; b) Sociologia Atraves dessa problematizayao, procurou-se repensar o caminho percorrido nesta area, ate aos nossos dias, criticando-se a posiyao unilateral que as abordagens classicas acabaram por impor. Assim sendo, a abordagem psiquiatrica do suicfdio pareceu-nos ter, de uma forma geral, uma visao deste fenomeno muito individualizante, ao contrario da abordagem sociologica que era globalizante. Estas concepyi5es pareceram-nos insuficientes, dada a especificidade da sua leitura e daf a nossa opyao por um quadro tcorico que tivcsse uma perspectiva integrada, com vista a constituir um instrumento de amllise mais adequado para este fenomeno. Por outro lado, e uma vez que a A. tinha a experiencia acumulada de tres anos de entrevistas atraves da A.P. aos familiares dos suicidas, levou-nos a analisar a propria A.P., uma vez que esta parecia basear-se fundamentalmente nos pressupostos de diagnostico que estiveram na origem da sua criayao nos E.U.A., Canada e Franya e posterior generalizayao a outros pafses como o nosso.
Ill. A OP~AO TEORICA DA PRESENTE INVESTIGA~AO: 0 MODELO COMUNICACIONAL A nossa intenyao foi construir uma abordagem integrada do fenomeno do suicfdio do adolescente, tendo em linha de conta a propria construyao do universo simbolico onde decorreram essas acyi5es, implicando, para isso, duas vias: I) a avaliayao das gran des concepyi5es simbolicas da modernidade, da experiencia, da subjectividade e da representayao da morte; 2) a analise dos aspectos microssociologicos atraves do interaccionismo simbolico e dos seus metodos lnteJTenrdo Sociul, 131/4, 1996
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Na concept;:ao global, designada por A Modernidade, a ldentidade e a Repreda Morte, partiu-se da teoria da experiencia moderna, tal como ela hoje se constitui em autores como Giddens (1994 ). Sendo um campo de investigat;:ao muito complexo, nao deixa de possuir algumas determinantes comuns aos grandes autores: a anomia dos valores, uma maior fragmentat;:ao das relat;:oes socio-familiares, um maior isolamento dos individuos e, pm·tanto, toda uma carga de responsabilidade em termos da sua decisao, questoes ja colocadas por Durkheim, Max Weber e Marx. senta~ao
Em relat;:ao a este ponto, abordaram-se as questoes que se prendem com as transformat;:oes dos valores das instituit;:oes tradicionais, da identidadc c da rcprcscntat;:ao da mmte, com o surgimento da modernidade, utilizando como quadro referencial teorico os seguintes autores: Giddens (1989, Goffman (1993) Habermas (1987), para as questoes da modernidade, da identidade e da experiencia e, Foucault (1993) e Elias (1987), para a representat;:ao da mmte a partir da modernidade e para a teoria simbolica. Quando da analise das grandes concept;:oes simbolicas da modernidade teve-se em conta as questoes que se prendiam comas transformat;:oes dos valores das instituit;:oes tradicionais com o surgimento da modernidacle. Procurou-se detectar alguns complexos estruturais dos processos de civilizat;:ao, relacionando-os com alguns dos problemas com que os jovens se confrontam hoje em dia (anomia dos valores, maior fragrnentat;:ao das rclat;:oes socio-farniliares, maior isolamento dos indivfduos, etc.). Avant;:ou-se para uma abordagemmais macro, na medida ern que se admitiu que a constituit;:ao de determinada imagem transcenderia a act;:ao individual ou familiar, pois estaria relacionada com a sociedade moderna que produziria determinados valores e act;:oes que ultrapassavam o individuo e os seus contextos micro. Valorizou-se o universo simbolico do jovem e nao apenas a relat;:ao que este estabelece com a familia, o qual eentendido como o conjunto das relat;:oes o mundo proprio do jovem pois considera-se que a famflia deixa de sera unica estrutura mediadora entre o jovem e a sociedade, verificando-se uma crescente preponderancia do conjunto de relat;:oes que constitui o universo simbolico do jovem, i.e., o mundo proprio formado quer pelas relat;:oes com os outros, quer pelo conjunto da expericncia c da forma como cla eapropriada, quer, ainda, pela propria imagem simbolica que eles tem de si proprios. Assim sendo, o simbolico seria a forma como o jovem veria a sua experiencia e que seria mais abrangente do que as abordagens psicologicas e sociologicas. lmen•ellrilo Social, 13114. 1996
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Considerou-se, como pressuposto, que a ocorrencia de uma forte ruptura desse universo simb6lico 11 criaria as condiyoes para uma destruiyao da comunicayao e, eventualmente, para uma resposta a essa ruptura, que passaria pelo suicfdio 12 , razao p01·que se tornou necessaria analisar a reconstruyao dos mundos simb6licos em que se movem os jovens e cada jovem por si, atraves da sua cultura em geral e as formas de mediayao simb6lica (cartas, desenhos, anotay5es, diarios, etc.). Assim sendo, como problematica central privilegiaram-se os problemas da comunicayao, uma vez que: . a) Se assume que o suicfdio e um feri.6meno pluridimensional e multidetermi-
nado; b) Nao existe uma tese ou um metodo suficientemente abrangente para o seu
estudo; c) Do ponto de vista da A., o suicfdio e um problema essencialmente interaccional, i.e., comunicacional (no sentido lato do termo). Deste modo, nas interacyoes e que se construiria a identidade do individuo e, sendo assim, poder-se-ia observar todo um processo que conduziria ao suicfdio no adolescente; d) 0 paradigma comunicacional pode integrar determinados aspectos que escapariam as teorias tradicionais. Optou-se, assim, por um modelo comunicacional capaz de apreender os processos de constituiyao da imagem do mundo do indivfduo potencialmente suicida. Por analogia ao modelo orquestral 1', partiu-se do pressuposto da existencia de dois 11 A simbolicidacle nao emais clo que a forma como intuitivamente o jovem aprendeu e procluziu o mundo. a cxpcriencia. Oaf a sua importfincia no caso do S.A. -a sua intui~ao do munclo c da cxperiencia, de uma ou de outra forma nao !he permitiu comunicar ou teria uma comunica~ao clisfuncional porque o jovem suicicla construiu imagens simb6licas que impeclem a interacyao. Torna-sc ncccssario analisar a reconstru~ao do mundo simb61ico em que se move m os joYens c cada jm·cm por si, atravcs da sua cultura cm gent! c as formas de mediayao simb61ica (media. cartas, clesenhos, anota~6es. etc.) Saliente-se a importancia de autores como Elias ( 1987) que rcfcrc que o conhccimcnto do mundo passa por: a) Resultaclo clas experiencias pessoais (o viviclo): bl Sfmbolos que rcprescntam o munclo. pois csta c urn a concli~ao humana de conhecer e comunicar sobre ele 1 •.• evidente que todos n6s podemos tcr ·'quebras" na intcrac\ao sem, no en tanto. passarmos ao acto sui' cida. Parece-nos, pois, que no suicfdio haven\, a partir de um determinado momento. uma acumula~ao de factorcs que "disparam". originando uma reacyao cm cadcia, ou c comp1ementarmente a esta e como uma especie de postulado - a cxistencia de um mfnimo deles que tern cle estar presentes para que o suicfdio ocorra. L' Winkin Y. (1981). Lu Nourelle Cmnwzicution- Textos apresentados de G. Bateson, et a!, Seuil, 25-26. A analogia it orquestra tem como objectivo a forma como cada indivfduo participa na comunie<t(:ao. As variantcs particularcs da musica de um clcterminaclo concerto poclem ser concebiclas como amilogas as estrutu
lntc/Tcnrao Soctul. 13/J.I.. JYI)6
Contributos cla Aborclagem Comunicacional para o Estudo do Suicfdio
jl)l)
nfveis 14 na comunica9ao perturbada ou disfuncional: o primeiro, em que haveria uma desarmonia de sons que poderia ter origem num fundo musical (abarcando a maioria dos instrumentos), mais remoto e que por diversas razoes (relativas ao desenvolvimento do jovem, aos aspectos individuais, arelayaO familiar e arelayaO com a escola, profissao, amigos e colegas) estaria em dessintonia; o segundo, baseado na dissonancia de um ou outro instrumento musical, (que s6 pontualmente se encontraria desafinado) estando relacionado com os acontecimentos mais recentes da vida do adolescente, os chamados lzfe-events, que, por sua vez, estariam na origem de uma especie de ruptura comunicacional brusca (nao tanto processual), e precipitariam a passagem ao acto. Na abordagem macro, tentou-se determinar quanto possfvel, ao nfvel da acti vidade social, os aspectos da simbolicidade, i.e., o comunicacional (sentido la to) uma vez que a comunica9ao do adolescente suicida seria disfuncional, existindo um certo numero de imagens simb6licas que impediriam o jovem de participar na interacyao s6cio-familiar, considerando-se que: -a comunica9ao est<i amplamente implantada na comunidade; -a constitui9ao da imagem do mundo e a forma da identidade do "sujeito moderno" e amplamente determinada pelo mundo da comunica9ao; - a ruptura da imagem simb6lica do mundo do jovem, designadamente nas suas redes s6cio-familiar (pais, amigos, colegas, professores) poderia precipitar a passagem ao suicfdio, pois cri aria condi96es para a destrui9ao da comunica9ao. Tendo por objectivo uma analise contextual do suicfdio sob o ponto de vista individual, socio-familiar e simb6lico-comunicacional, admitiu-se, apartida, que 0 suicidio consumado poderia ser uma tentativa de mudar a comunica9ao ou a ultima forma de comunicar, - pelo que, a analise integrada da problematica do suicfdio, tendo como base o modelo comunicacional, pareceu-nos a mais adequada. Sobre o problema da comunica9ao no suicfdio optou-se por utilizar a teoria dos nfveis, fazendo a distin9ao entre os diversos nfveis: individual, simb6lico, contexto interrelacional, com a familia e pr6ximos.
ras comunicacionais. 0 modelo orquestral aprescnta-se para a comunica~ao como um fen6meno social, i.e., "o p6r em comum a comunhao, a participa~ao". Por outro lado, em cada caso, a execu~ao mostran\ tun estilo c particularidades pr6prias mas, ainda assim, haver<\ uma linha condutora com uma configura~ao geral. Ao utilizar uma teoria comunicacional do tipo orqucstral, abandona-se a ideia linear (telegrMica) dcfendida pelo modelo classico. P A A. aplica o modelo orqucstral como analogia para pensar a pluralidade das dimens6es, enquanto que Winkin est<\ mais preocupado em mostrar uma alternativa que, no caso, euma teoria. /wer\'ellffl/1 Social. 13/14, 1996
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Por outro !ado, teve-se em conta o problema da identidade e da subjectividade. 0 problema da identidade esteve presente nesta pesquisa, na medida em que se colocou como hip6tese que o suicfdio seria uma destrui9ao da pessoalidade simb6lica do indivfduo, daquilo que o constitui simbolicamente e que, no fundo, seria destrufdo quando este passasse ao acto (destrui9ao ffsica). 0 problema da subjectividade foi importante, porquanto constituiu uma hip6tese explicativa do problema suicida, o problema da identidade simb6lica - o individuo que se destr6i fisicamente, ja se destruiu simbolicamente. Tal como no suicfdio de outros jovens, existe um conjunto de sitm196es sociais que sao potencialmente produtoras de uma ambiencia suicidaria. Este ultimo aspecto foi urn dos nfveis que se procurou analisar neste trabalho. Utilizou-se como quadro conceptual o da Escola de Palo Alto, mas tentou-se transpor este referencial tc6rico no caso do gesto suicida. De facto, qualquer que seja a sua configura9ao, existe quase sempre no gesto suicida uma dimensao relacional importante, pois sendo um comportamento que se enquadra numa situa9ao interaccional, adquire um valor de mensagem, i.e., de comunica9ao. Deste modo, partiu-se dum duplo registo explicativo para o suicfdio consumado: o do conflito intrapsiquico e o da comunica9ao familiar e social. Com vista a fundamentar teoricamente a investiga9ao, a A. socorreu-se de: a) Habermas ( 1987), que defende que o agir do homem moclerno tem uma componcnte comunicacional; e . b) Mais operativamente, das teses de Bateson (1968) sobrc a comtmica9ao paradoxal e os seus efeitos. Ill. 1. OP~AO PELA COMUNICA~AO PARADOXAL Optou-se pela comunica9ao paradoxal pelos seguintes moLivos: a) 0 modelo comunicacional permitir aprcender os processos de constitui9ao da imagem do mundo do adolescente suicida. Fazendo-se a analogia ao modelo orquestral de Winkin ( 1981) partiu-se da existencia de dois nfveis comunicacionais (no sentido lato) que seriam disfuncionais: a. I. 0 primeiro cm que existiria uma desarmonia de sons com origcm num fundo musical, no sentido em que abarcaria a maioria dos instrumcntos e que scria mais remoto (mais ligado ao desenvolvimento do aclolescente c a lnten路cnr(/o Soclilf. 13/1-1. 1996
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rela9ao - jovem/familia/escola/emprego) e que estaria em dessintonia, constituindo aquilo que desigmimos por uma "ruptura comunicacional mais processual"; a.2. 0 segundo, baseado na desarmonia de um ou outro instrumento musical e que estaria na origem de uma ruptura comunicacional brusca, que precipitaria a passagem ao acto (life-events). 0 SUICIDIO E A COMUNICA(:AO PARADOXAL Ora, como: - A teoria de Bateson (1968) procura compreender os efeitos da comunica9ao no comportamento, partindo-se do estudo da comunica9ao como um processo interactivo; - Nao se pode deixar ao acaso os problemas da identidade e entendendo-se esta como toda a constru9ao do individuo na rela9ao com o outro, com o mundo e coma experiencia (o mundo da vida); - Nesta investigayao se privilegiou a abordagcm comunicacional, nomeadamente o modelo de Bateson (double-bind) que se baseia igualmente nas interacyoes dos sujeitos, restringinclo-se aqui mais ao campo da comunica9ao paradoxal. Procurou-se compreender quais os principios que, interrelacionaclos, levariam a uma situa9ao de "double-bind", no sentido de "aprisionamento" e cuja unica saida seria o suiciclio. Para isso, tornou-se necessaria analisar a dupla-vinculayao e suas principais caracteristicas: 1." 0 individuo esta implicado numa rela9ao intensa e torna-se muito importante para este determinar o tipo de mensagem que lhe ecomunicada por forma a responder adequadamente; 2." 0 individuo fica preso na situa9ao (double-bind) na medida em que lhe emitem dois tipos de mensagens em que uma contradiz a outra; 3." 0 individuo eincapaz de metacomunicar sobre as mensagens que lhe sao transmitidas de forma a saber qual delas deve ser objecto da sua resposta. 0 double-bind e, afinal, a discrepancia entre aquilo que se observa ou se pensa e aquilo que, perante cluas mensagens contradit6rias, seria mais plausivel observar e pensar. InltiWII('tlO Social, I 3/I 4. I 996
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No caso do jovem suicida este nao conseguiria metacomunicar (comentar a insparadoxal que !he e dada) e daf a sua sitLm~ao "armadilhante", na medida em que nao poderia sair ou mudar de nfvel (nfvel conflitual) af ficando retido. Por outro !ado, e como existe uma sitLJa~ao paradoxal que invade a interac~ao, o equilfbrio psicol6gico eo comportamento do jovem seriam afectados o que abalaria o seu universo. tru~ao
Em suma, dirfamos que o suicfdio: - Representa uma fuga perante a impossibilidade de sair de nfvel e de metacomumcar; - Seria a ultima forma de comunicar; -No piano das significa~oes apareceria como uma comunica~ao paradoxal tendo em conta o contexto processual (etapas) e especffico em que se da; - Teria uma dimensao relacional importante, uma vez que seria urn comportamento que se enquadra numa situa~ao interaccional, adquirindo o valor de mensagem, de comunica~ao. III. 2. A AUTOPSIA PSICOLOGICA (A.P.): UM METODO LIGADO A MORTE E AO MORRER ... Dada a impossibilidade de aceder directamente ao objecto de estudo, esta investiga~ao utilizou a Aut6psia Psicol6gica (A.P.) 15 como metodo de estudo do suicfdio
15 "Ao 1ongo destas duas u1timas decadas, a aut6psia psico16gica tem vindo a ser utilizada por diversos autores (Shneidman, 1969, 1973, 1981; Weisman, 1967, 1974; We ism an e Kastenbaum, 1968; Hib1er, 1978; Rudestam, 1979; Termansen, 1986) sobretudo para responder a uma ou mais das seguintes questiSes originariamente enunciadas por Shneidman ( 1969)":
"-Qual o tipo de morte mais provavel" (pennite acecler as diferen<;:as individuais e inserir o diagn6stico da causa de morte no contexto psicossocial em que est a ocorreu, tentando procurar uma i16gica, um sentido ); - Porque eque o indivfduo cometeu o suicfclio'? (quando a morte einequivocamente de etiologia suicida, permite determinar o factor ou factores precipitantes do acto, reconstruinclo as motiva<;:i'ies do sujeito, as suas atitudes em rela<;:ao a vida, etc.): - Como morreu o indivfduo, e porque naquele momento'1 (raziSes de natureza s6cio-psico16gica que tenham 1evado o indivfduo apassagem ao acto naque1e e nao em qua1quer outro momento)". - Com base no trabalho desenvo1vido por a! guns destes autores ea nossa experiencia pessoa1 (Costa Santos, 1988, 1989), afigura-se-nos 1egftimo e pertinente juntar uma outra questao, nao men os re1evante que as anteriores- Necessitam os familiares do falecido de medidas de apoio, e, em caso afirmativo, quais? (a morte de uma pessoa pode causar desorganiza~ao ou mesmo ruptura no seio da familia, e, quando resulta de um suicfdio, podera agravar cssa descompensa<;:ao psicol6gica, pm·que, para ale m do processo de luto que acompanha a perda, o facto de ser um suicfdio podera adicionar o caracter especialmente tragico desta morte (problemas de culpa, estigma social, etc.)" (Costa Santos, 1991, p. 11). lnten•en,·ao Social. 13114. 1996
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consumado. Por esta razao, tornou-se necessaria abordar com algum pormenor, este metodo. A A.P. e um metodo qualitativo cuja estrategia de investiga~ao e a descri~ao contextual dos acontecimentos na sua sequencia temporal e a independencia da orienta~ao processual da analise efectuada. Os metodos utilizados na aut6psia psicol6gica tem como objectivos: -a recolha e interpreta~ao dos elementos de informa~ao de natureza social, psicol6gica, medica e outros, considerados importantes para a reconstitui~ao dos antecedentes pessoais e familiares do falecido, os tra~os de personalidade, estilo de vida, dinamica s6cio-familiar e profissional, os acontecimentos de vida recentes que tenham sido potencialmente traumatizantes, a conduta do suicida nos dias que precederam a sua morte e as circunstancias em que esta viria a oconer. A metodologia para a recolha desta informa~ao baseia-se na entrevista eo m pessoas previamente referenciadas, analise de dados provenientes de diversas fontes, e, em certos casos, o exame do local on de a mot'te tenha ocorrido .... um metodo privilegiado de obter elementos relevantcs atraves de contacto personalizado com familiares, amigos, colegas, medico assistente e outros, que se encontrem em condi~oes de fornecer informa~oes uteis. Sao entre vistas semio-estruturadas, possuindo caracterfsticas das entrevistas de questoes abertas e da entrevista clfnica- da primeira, pela existeneia de um questionario previamente definido, da segunda, por路que o entrevistador podera retirar um maior grau de liberdade na comunica~ao verbal e de aceder a um maior nfvcl de profundidade, complexidade e riqueza informativa. De salientar que o que se poclc recolher ao nfvel da informa~ao situa-se ao nfvel do quadro onde se inscrcve a imagem do suicida ou aquilo que dela e possfvel captar. E isto passa pela descri~;ao da sua personalidade, dos seus tra~os caracteriol6gicos, do seu estilo de vida, de atitudes para consigo e com terceiros, da dinamica da estrutura pessoal e do contexto hist6rico-social em que este se inseria. A entrevista podera privilegiar os acontecimentos que precederam a morte, mas, ainda assim, a anamnese pessoal e familiar devera ser tao exaustiva quanto possfvel, de modo a permitir uma compreensao sobre a traject6ria existencial do suicida de modo a descortinar-se possfveis conela~oes motivacionais ou outras entre o seu modo de ser e a passagem ao acto consumado. No fundo, o que interessa ao observador ea reconstitui~ao (aquilo que do indivfduo possamos perceber), inserindo-nos no seu modo de ser habitual (o seu modo de funcionamento, as caracterfsticas de personalidade, o modo de reagir perante llllerrenrao Social, 13114, 1996
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dificuldades e conflitos, o seu gran de isolamento, etc.), i.e., o que faz parte da sua identidade, da consciencia de ser ele proprio uma pessoa, mas que e sempre filtrada pelo sujeito obscrvador porque nao se tem contacto com o proprio. A imagem surge como que reflectida, introduzindo desde logo alguns enviesamentos, mas intcressa, ainda assim, tentar perceber aquilo que no entender dos familiares ou de outros entrevistados, e referido como o modo de funcionamento habitual do suicida (integrando aspectos individuais e re!acionais). As entrevistas constituem o principal instrumento da autopsia psicologica. Todavia, tal como assinala Costa Santos (1991 ), ainda que constituam a mais importante fonte de informayao, nao se deve ignorar os dados oriundos de outras fontes, tais como: os registos documentais existentes (relatorios policiais, relatorios de serviyos sociais, certificados e receitm!rios medicos, registos hospitalares, fichas biograficas da identidade empregadora, apolices de seguro, cartas ou notas de despedida, notfcias de imprensa); exame do local onde ocorreu o suicfdio (avaliayao da posiyao do cadaver em relayao aos objectos situados nas imediay5es, eventuais lesoes do Mbito externo, cxistencia de manchas de sangue, vomitos ou outras, os indfcios de actos preparatorios, a presenya de armas, embalagens de medicamentos, de produtos toxicos, etc.). LIMITES METODOLOGICOS Nao existe um metodo formalmente isento de crfticas e ainda que observando todos os procedimentos metodologicos, a autopsia psicologica, nao constitui uma excepyao. Assim sendo, passaremos a referir algumas das suas limitayoes: nao se poder aceder directamente ao objecto de estudo; a autopsia psicologica (A.P.) se fundar, cm grandc parte, em testemunhos descriy5es e impressoes fornecidos por terceiros, habitualmente familiares, amigos ou proximos, podem constituir depoimcntos permeados de explicay5es sobre o gesto suicida. Ainda seguindo Costa Santos (1991, p.p. 25-31 ), procura-se efectuar um agrupamento de factores que podem interferir com os resultados da observayao: l. o Facto res circunstanciais- a cxistencia de suicidados que viviam completamente isolados e sem famflia, ou que nao mantinham relay5es com esta; 2.째 Factores pessoais Trata-se de factores que dependem grandemente dos intervenientes, em especial, dos entrevistados: a recusa dos familiares e amigas em fornecerem informay5es sobre o falecido; o muito desigual grau de conhecimento que os respondentes manifestam em relayao ao parentc que se suicidou; as dificuldadcs, devidas a limitay5es de ordem cultural. InteJTtnrdo Sodul, 13!14. 19Y6
Contributos
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3.° Factores interaccionais - Trata-se de factores resultantes da interac9ao gerada no decurso da entrevista face-a-face; 4.° Factores de controlo- muitas informa9oes raramente sao passiveis de confirma9ao atraves de outras fontes. Finalmente importa destacar a necessidade de se saber distinguir entre os factos observados e a interpreta9ao desses factos. Todos estes factores podem produzir distor9oes, o que levou Costa Santos (1991) a escrever que a entre vista funcionaria a semelhan9a de um sistema optico, susceptivel de produzir, como sucede com este em rela9a0 a]uz, determinados fenomenos de a]gum modo equiva]entes areflexao, arefrac9a0, adifrac9a0, ainterferencia e ate adecomposi9a0 de a]guns e]ementos da informa9a0, tudo dependendo do SeU angu]o de incidencia OU da ]ente utiJizada, ou, o mesmo e dizer, da prepara9ao e experiencia do entrevistador e dos instrumentos de pesquisa utilizados. Como ja foi referido, nao e possivel uma abordagem fenomenologica em sentido estrito ou uma abordagem sistemica. Sobre este ultimo aspecto, o que colhcmos em termos de informa9ao sao retratos , que nos sao fornecidos por diferentes pcssoas, diferentes meios de informa9ao, diferentes pe9as, e tentar reconstituir a partir destes elementos a tal aparencia ou a imagem do sujeito a investigar. Apesar disso, ha sempre a possibilidade de entrecruzar as informa9oes recolhidas, valorizando aquelas que sao coincidentes, sem prejuizo de, existindo outras contraditorias, se reflectir sobre estas. Estc tipo de retrato ou de imagem que nos e fornecida, tem de ser valorada em fun9ao de um contexto. Sendo a abordagem sistemica uma abordagem dinamica, envolvendo varias pessoas, entre as mais o proprio sujcito, ela esta, no caso vertente, comprometida. Com efeito, nao faz sentido falar-se numa abordagem sistemica quando o sujeito esta ele proprio excluido porque faleceu. A perspectiva de tratamento, de percep9ao e de conceptualiza9ao da investiga9ao e que sera sisternica, na medida que nao visa pesquisar uma causalidade estrita. A AUTOPSIA PSICOLOGICA: INVESTIGAc;_:Ao E PREVENc;_:Ao DO SUICIDIO Muito do que conhecemos actualmentc sobre o suicfdio deve-se acontribui9ao dos Centros de Preven9aO do Suicidio e ainvestiga9aO desenvolvida por suicidologistas e psiquiatras que utilizaram a A. P. como metodo de estudo. Quase todas estas contribui9oes se deveram areconstitui9ao sistematica das historias de vida dos suilnten¡en('!lo Socio/, /3/14, /996
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cidados ou, no mfnimo, das suas motiva~5es, estilo de vida, crises existenciais, etc. Foi esta informa~ao que sugeriu pistas para a preven~ao do suicfdio. Relvas, citado por Costa Santos (1991), ilustra bem a complexidade dos movimentos associados a morte e ao luto na familia, apontando a existencia das suas condi~5es e riscos, bem assim como a eventualidade da sua patologiza~ao e a consequente necessidade do apoio a familia nesta situa~ao.
0 familiar do suicidado, dada a natureza particular desta morte, pode ter uma maior dificuldade em renunciar ao ente querido. Os sentimentos de culpa frequentemente presentes, poderao conduzi-lo a um processo de luto, no qual o trabalho de elabora~ao da perda resulta incompleto. Alem disso, o suicidio constitui ainda um acto estigmatizante e tabu. Por tal motivo, o repudio e a falta de apoio social sao factores com os quais os familiares do suicidado sao confrontados. A nossa experiencia ensina-nos que, ao longo da entrevista da A.P., se consegue estabelecer uma empatia e um dialogo, quebrando-se urn silencio quase que imposto do exterior, falar livremente sobre coisas ha muito caladas e expressar temores, angustias, sentimentos e fantasias que facilitam o confronto com a realidade.
IV. RECOLHA E ANALISE DOS RESULTADOS 0 Nucleo de Estudos do Suicidio (N.E.S.) de Lisboa (I.M.L.L.)
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e o Instituto de Medicina Legal
0 N.E.S., em colabora~ao com o I.M.L.L., pretendeu realizar um estudo sobre comportamentos de risco nos adolescentes, inserido num piano que tem como objectivos a preven~ao destes comportamentos (que estao na origem de uma das principais causas de morte nos jovens) eo apoio as famflias dos que se suicidaram. Neste ambito, surgiu a possibilidade de integra~ao na equipa do N.E.S., em Feverciro de 1993. Para tal, foi celebrado um protocolo entre a referida equip a, compos la por medicos, psic6logos e um soci6logo e o Instituto de Medicina Legal de Lisboa, cuja colabora~ao ficou assegurada pelo director do respectivo servi~o de Psiquiatria Forense e pela A.
16 0 N.E.S. surgiu em 1987, no ambito da Clfnica Universitaria de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria, sendo coordenado pelo Prof. Daniel Sampaio.
lnterrenr<io Social.
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As entrevistas aos familiares iniciaram-se em Setembro do mesmo ano. Da programac;ao definida para a investigac;ao, destacam-se as seguintes acc;oes: 1. Realizac;ao de aut6psias psicol6gicas em casos de jovens suicidados e outros que faleceram de mmte violenta e foram autopsiados no I.M.L.L. e cuja etiologia nao esta definida (cas os de trucidamento por comboio, acidentes de viac;ao, acidentes nao especificados e mortes de causa indeterminada); 2. Definir;ao do escalao etario, baseado em diversos autores e, em especial, na tese de doutoramento de Daniel Sampaio (1985) ( 11 - 21 an os); 3. Triagem dos casos a estudar, definindo-se corno criterios de inclusao da amostra os seguintes: - Individuos residentes na area da Grande Lisboa, englobando, cleste modo, os seguintes Concelhos: Lisboa, Oeiras, Cascais, Sintra, Loures, Vila Franca de Xira e Amadora; - inclependentemente do local de recenseamento, os falecidos na area cla Grande Lisboa com resiclencia igual ou superior a 1 ano;
SUJEITOS E METODOS Utilizou-se uma metodologia essencialmente qualitativa, baseada no estudo de casos, sem preocupac;ao de generalizac;ao estatistica e de representatividade da amostra. Os dados foram obtidos a partir do estudo de 10 casos de adolescentes que se suiciclaram. Toclas as familias foram entrevistadas segundo a mesma metodologia (A.P.). Solicitou-se a presenc;a da familia nuclear e, sempre que possivel, cla alargada e ainda a presenc;a de arnigos/colegas significativos. Nos 10 cas os pretendeu-se fazer uma distinc;ao: nos primeiros 6 reconstruiu-se o universo relacional do jovem atraves dos resultados da entrevista efectuada aos pais; nos restantes, para alem desta informac;ao pudemos juntar elernentos elaborados pelo proprio e proceder a sua analise, o que, no nosso entender, foi esscncial para o estudo do suicidio consumado. A apresentac;ao da inforrnac;ao obtida foi agrupacla segundo as seguintes representar;oes: - 10 entrevistas que constituem a representac;ao que os pais, amigos ou pr6ximos tinham do universo individual e s6cio-familiar do jovem suicida 17
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S6 se apresentam alguns resultados pelo facto do estudo ser muito extenso.
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Marlene Braz Rodrigues
- 10 representar;:oes dos peritos - aferir;:ao corn os especialistas em relar;:ao a cada caso, especialmente no que diz respeito a possfveis contradir;:oes entre a sua representar;:ao ea dos familiares. - 3 representar;:oes do mundo do proprio, i.e., relatorio de psicologia, elementos elaborados pelo proprio como diario, frases, poemas, desenhos e nota de despedida.
Descri\ao dos Metodos: Diagn6stico Os 10 casos correspondiam a jovens de ambos os sex os, dos 11 aos 21 an os, residentes havia pelo menos 1 ano na area da Grande Lisboa, autopsiados no I.M.L.L., cuja causa de morte tivesse sido o suicidio 18 â&#x20AC;˘ Foram exclufdos os casos de morte equfvoca ou indeterminada ou casos de overdose.
Colheita da Jnformcu;ao a) Envio da carta informativa; b) Entrevistas aos familiares, amigos ou proximos: utilizou-se uma entre-
vista semi-estruturada cujo guiao foi desenvolvido pelo NES e pelo IMLL. Numa fase inicial, foi submetida a urn pre-teste efectuado pela equipa, atraves de "role-play". A entrevista foi sempre realizada por uma equipa multidisciplinar, composta por assistente social e/ou sociologo, psiquiatra e psicologo. Foram entrevistadas 10 famflias. 0 intervalo entre as mortes dos jovens e a realizar;:ao das entrevistas variou entre 3 meses e 1 ano. As entrevistas foram efectuadas em casa dos familiares coma presenr;:a dos pais e irmao(s) e, por vezes, com colegas da escola e do trabalho. Num caso esteve presente um professor do JOVem.
>K A A. era respons<\vel pela triagem dos casos dos jovens autopsiados no I.M.L.L, entre os 11 e os 21 anos, em 1992 (2. 0 semestre), 1993 e 1994, cuja etiologia medico-legal fosse suiciclio ou as mortes que se configurassem como equivocas.
lnterren,¡!lo Social. 13114, 1996
Contribulos da Abordagem C:omunicacional para o Estudo do Suicfdio
(QUADRO
209
!)
Caracteristicas Gerais da Amostra Caraclerfsticas Gerais ~ I0 Casos Ra~a
Naturalidade nacionalidade
Estado Civil
Residencia
Cauc. 9
Ponugucsa 9
Solt. 9
Mist. I
Cabovcrdiana I
Viv. Marital I
Toe! os na zona da grande Lis boa
ldade
Sexo ldade
F
M
16
()
I
6M
17
2
I
18
I
I
20
()
I
21
I
2
~-~
Situa~ao
llabilita~ocs
Profissional
Estuclante
Trabalhador
Dcsocupaclo
Outro
5 ,.,
3
1
I ''*
:;-: +路:..
Litcrarias
Basico Completo Sec. Geral Completo Sec. Compl. Completo Universitario Completo Univcrsitario incompleto
1 1 I I I
I era estudante trabalhador. Cumpria pena em Est. Prisional.
Sexo: 0 sexo masculino (6 casos) predomina sobre o feminino (4 casos). ldade: As idades variam entre os 16 e os 21 anos. Ra~a: Todos os indivfduos eram caucasianos aexcepyao de tun caso de raya mista. Nacionalidade: Todos os inclivfcluos eram de nacionalidade portuguesa. Naturaliclade: Aexcepyao de tun ea so (Cavo Verdc ), era m todos naturais de Portugal. Estaclo Civil: Apenas um jovem vi via maritalmente, scndo solteiros os restantes indivfduos. Residencia: Todos residiam na zona da grande Lis boa. Estrato Social: Segundo Graffard ~ Classe II-3: classe Ill -5: Classe IV-2. lnten路enciio Social, 13//-1, 1996
Estrato Social Classe !I 2 Classe Ill 5 Classc IV 2
210
Mar!ene Braz Rodrigues
(QUADR02) Anamnese Pessoal - Infiincia Como era em crian9a Par to Eut6cico Disf6cio lncobadora lnfiincia Normal Fobia Esco1ar Convu1s6es febris
9
Alcgre I Afectuosa
6 2
Tfmida I Alegre I Afectuosa
I
I
Aiegre I Afectuosa
p
7 I I
Tfmida I Triste
Pais-ate 6 anos 3 Poster: Vive ate aos 15 anos Cl mae e depois cl pai
8 Separaf'clo dos pais Mae-ate 2 anos Posteriormente: AmasiCreches I
I
Anamncsc Pcssoai- Adolcsccncia Reiacionamento com: Amigos Bom Razoavel Mau
Professores
Co1egas
6 Bom I Razmivel 2 Mau
4 Bom I Razoavcl 4 Mau
Grupo Perten9a
â&#x20AC;˘
4 Desporti vo/Re1igioso 2 ou Estudanti1 3 Nao tinha
4 5
Quando tinha problcmas cm que confiava Esco1 aresiProfiss ionais
PessoaisiScnti mcntais Nao confiava qua1quer tipo De prob1emaslsentimento
Pai !viae Maellrma Irma/Madastra Amigos I Mae Outros famiiiares
I I I I 2 I
Mae Mae!Irma Irma!Madastra Outros/lvlae Amigos Outros familiares
2
I I
2 1 1 I
Ocupa9ao dos tempos Li vres Actividades Desportivas
Amigos
Recreati vaslcuiturais 3
3
*
*
Namorar * 2
S6zinho * (!er, ver TV, ouvir musica, escrever, sozinho no quarto) 9
Resposta de escoiha mu1tipla lnterrelli'ao Social. 13/14. 1996
Contributos da Abordagcm Comunicacional para o Estuclo clo Suicfdio
2ll
As areas avaliadas fora m: lnfancia- Estudo de possiveis problernas surgidos durante a gravidez eo parto. Hist6ria evolutiva da infancia (psicol6gica, sornatica e interaccional). Adolescencia- Estudo do grau de relacionarnento do jovern corn os farniliares, arnigos, colegas, professores, vizinhos e grupo de perten~a, personagens significativas, ocupa~ao de tempos livres, esbo~o da opersonalidade e grau de isolamento. S6cio-familiar- Estudo dos habitos familiares, redes relacionais e dados s6cio-econ6rnicos. No relacionamento intrafamiliar procurou-se analisar o tipo de interac~ao entre os adolescentes e os pais, a autoriclacle destes, a rela~ao entre os progenitores e as suas preocupa~oes face a cscola, saude, companhias c problemas pessoais dos adolescentes. No relacionamcnto extrafamiliar analisaram-se as rcla~5es sociais do jovem, do pai, mile e da familia como um todo, com os amigos, colegas, familiares e vizinhos. Acto suicida - Colheram-se dados sobre a data, hora, local, meio utilizado, ultima actividade realizada c sobrc tcntativas anteriores de suicidio ou verbaliza~ao da inten~ao. Suicidios ou tcntativas de suicidio na familia, actos preparat6rios, acontecirnentos recentcs (fij()-events), notas de despedida. Avalia~ao de e!ementos psicopatol6gicos - as classifica~oes diagn6sticas foram estabclecidas com base num conjunto de perguntas elaboradas pela equipa do NES. CARACTERISTICAS GERAIS DO ACTO SUICIDA
Tentativas de suicfdio anteriores - Dois jovens do sexo masculino fizeram 2 tentativas anteriores. Nao houve qualquer tentativa anterior em 7 casos, distribuidos do seguinte modo: 4 do sexo feminino e 3 do sexo rnasculino. Num caso, desconhece-se se houve ou nao tentativa anterior. Preparativos apenas I caso deixou objectos bem visiveis. Local - A maioria dos casos ocorreram na residencia: 5 no quarto do proprio, 1 na cas a de banho, 2 no exterior da residencia (precipita~ao) e 1 na garagem. Somente 1 caso ocorreu fora da zona de residencia, pois suicidou-se na cela de isolamento de urn estabelecirnento prisional. Hora- a maioria suicidou-se entre as 18H-24H (5 casos). Dois casos suicidaram-se entre as OH-6H. Em 3 desconhecia-se a hora do suicidio. Pessoas 1w proximidade -Em 4 casos o suicidio ocorreu com pessoas na proximidade. Em 6 casos nao existiam familiares, amigos ou outros nas proximidades onde ocorreu o suicidio. Intenenrao Social. 13/14, /996
Marlene Braz Rodrigues
212
(QUADRO 3) Anemnese do acto Suicida Preparativos
s
Local Desc.
N
Hora
Quarto do jovem W.C. Ext. Residencia (Precipit.) Garagem Residcncia Outro Cela de Estabelecimento Prisional
Mes
5 ISh- 24h I Oh-6h 2 Desc. 2 --
Pessoas na proximidade
s
Desc.
N
s
N
Des c.
-
~
I
Mensagcm -路
s
N
Des c.
s
N
Desc.
s
N
Desc.j
5 3M 2F
4 2M 2M
1
7 2M
3M
1
1
8
I
Metodos Utilizados lntoxicayao por pesticicla Enforcamento Defcnestrayao Intoxicayao p/ mcdicamentos Arm a de fogo
3 2 I I I 2
-
Tentativas Anteriores
Verbaliza~ao
Aviso Previo
5 Janeiro 2 Fevereiro 3 Mar~o Abril Junho Outubro
4F N.o
M
F
.\
I 2 2
2 1
.l
2
-
I 1
I
0
0
I
1
0
I
Aviso previa- Nao houve aviso previo (ultimas horas) da parte do jovem em 6 dos casos. Somente 2 disseram a arnigos que nesse dia se iriam suicidar. Num caso desconhece-se se houve ou nao aviso previo. Em 5 casos, os adolescentes tinharn verbalizado a ideia de suicidio anteriormente (3 do sexo rnasculino e 2 do feminino). Nao o fizerarn em4 casos (sendo 2 do sexo fcrninino e 2 do masculino). Num caso desconhece-se se houve verbaliza\ao da idea9ao suicicla. Mensagenz- a maioria nao deixou mensagern (8 casos) A FAMILIA DO JOVEM SUICIDA As rela\oes intrafamiliares dos adolescentes suicidas sao caracterizadas por: grandes dificuldades e conf!itos; ausencia de empatia; falta de disponibilidacle recfproca para o di<llogo; falta de apoio e sensa\ao de abandono mutuo. lntCIW!Ii"<io
Social. 13/U, /996
Contributos da Abordagem Comunicacional para o Estudo do Suicfdio
213
(QUADRO 4) Anamnese S6cio-Familiar Rela~oes
Familiares
Habitos Familiares
Atitudcs de Outros
Atitudc Familiar
Ha cxcep(?ilO de um bom relacionamento eo m amigos c familiares, a familia, ~m conjunto tcm baixo grau de relacionamento (colegas, vizinhos, etc.) Familia com um bom grau de relacionamento com C:s colegas e amigos e baixo com familiarcs c vizinhos. 0 jovem tinha um fraco relacionamento com familiarcs e vizinhos Baixo ou inexistente grau de rclacionamcnto por p<lrlC dos pais e do jovcm.
S6 a mile executava tarcfas domesticas, lndiferen\'a bem como cuidar dos filhos. Encontros e hostil idadc de famflia mais alargaJa no Natal c outras datas festivas. Local de encontro da famflia: ferias. fins-de-semana c visita a familiares A mile executava as tarcfas domestic as Indifcren\'a e cuidava dos filhos. Assuntos ccon6mica~ cstavam a cargo do pai. Encontros de familia no Natal, outras datas fcstivas c fins-de-semana.
Baixo 2rau de relacionamento cll1s pais e da famflia no seu conjunto c geral e por parte do jovcm (excep,ao padrinhos do jovem e alguns vizinhos) A famflia tem um fraco grau de relacionamento com ~migos, colegas e vizinhos, com excep\'ao de alguns familiares ... com o jovem a situa~ao e semelhante Grau de relacionamento nulo.
A mae executava as larcfas dOllll\ticas llostilidadc Dificuldade na e educal'iio dos filhos. As.snntos ccon<lcomunicaqao. micos da rc.spon.sabilidadc do pai. Raros rnonwntos com a famflia alargada, pois cncontravam-se cm Cabo Vcrde. Assnntos ccon6micos geridos pclos Compreensao Compreensao c Uniao pais. companhciro Rchr\'ao muito A familia cm conjunto rcalizava variaagradclvcl dfssimas tarefas e tinham encontros coma familia mais alargacla.
S6 o pai tinha podcr de decisao sobrc
Assuntos econ6micos geridos pelos Compreensao pais. A familia em coniunto realizava variadas tarefas c tinl1am encontros corn a
f amflia mais ala~路_gada. 0 jovcm tinha tun baixo grau Assuntos econ6micos decididos pc Ios
de relacionamento cam os colegas e vizinhos e bom cam~ amigos e familiares. Grau de rclacionamento nulo ao nfvel de colegas e vizinhos. Exceptuam-se alguns amigos c familiares. Baixo grau de relacionamenta cam a familia. 0 inverso em rela~ao ao jovem.
N/R
assuntos econ6micos. A familia niio tinha por habito encontrar-sc, exccp\iio feita no Natal.
pais. Cabia amae as tarefas domcsticas e cuidar dos filhos. Encontros familiares cm datas festivas.
N!R
Indifcrenca c hostilid;{clc
Rela~iio
Jovcm/Mcio Familiar
Indifcren\'a
Dificuldade na comunica~ao.
Agrad;\vcl ou niio conformc as circunstancias Os familiares mais pr6ximos preocupavam-sc apenas com o futuro profissional do jovem. llostilidade intcrcalada com alguns momcn~ tos de compreensao.
Dificuldadc na comunicaqao
Comprecnsao
DificuldaJc na comunical'ilo
Comprcensao
Agradtlvel mas cmn algumas dii'iculdaJcs na
Or\amento familiar cabia aos pais. S6 o Compreensao Compreensao (mac) pai decidia assuntos econ6micos. Tarefas domesticas (pais). Muitas actividades em conjunto (famflia). Familia com baixo grau de Or~amento familiar c assuntos econ6- Comprcensao Compreensao c relacionamento, o ~nesmo micos gcridos pelos irmaos. Poucas e toleriincia tolcriincia (especialmcnte a nfaconteccndo com o jovem. actividades realizadas em conjunto. vel ccon6mico)
/oten'enrao Social, 13!14, 1996
Dificuldadc de comunica9ilo c rcla~ao desagratbvcl
comunicLH;J.o.
Dificuldadcs na comunica<;rto
(especialmente pai e irma) Dificuldacle na comunica<;ao
Mar!ene Braz Rodrigues
214
De foram geral os pais destes jovens tern as seguintes caracteristicas: - sao autoritarios; entendem-se mal; - nao parecem preocupar-se corn os problemas pessoais (escolares, sentimentais, profissionais, imagem negativa) dos filhos. Na maioria dos casos verificou-se que os adolescentes suicidas tinham urn elevado gnm de isolamento social e as suas famflias mantinham fracas relac;:oes, i.e., possuiam urn baixo grau de relac;:oes sociais significativas em relac;:ao a amigos, colegas, vizinhos e outros familiares. ACONTECIMENTOS PRECIPITANTES (QUADR05) Principais Factores Precipitantcs "Life Events" • Dcprcssao. • Sintomas deprcssivos, climinui~ao do rendimento escolar c incapacidade de manter as restantes actividacles. • Tcndencias perfeccionistas e incapacidade de agucntar o nfvcl de expcctativas a que os pais estavam habituados. • Ruptura de ligw;oes afcctivas, especialmcntc namorado(a) com tentativas frustadas de reconcilia~ao. • Morte de namorada. • Suspeita de HIV e consumo de t6xicos. • Agrcssao Amae e dificil adapta~i\o Amuclan~a (mcio rural para meio urbano). • Abanclono da actividacle escolar si conhecimento dos pais e castigo severo do pai que passaria pela ruptura relacional mais significativa. • Discussi\o com os pais. • lsolamcnto provocado pela reclusao.
Verificou-se uma acumulac;:ao de acontecimentos traumaticos antes do suicidio. CARACTERISTICAS PSICOPATOLOGICAS Constata-se a prevalencia de depressao como quadro psicopatol6gico. DISCUSSAO: 0 SUICIDIO DO ADOLESCENT£ - QUE SIGNIFICADO? Quase todos os casos que foram objecto deste estudo indicam e ilustram que o adolescente estaria inserido num sistema disfuncional, instavel, em desequilibrio, e que nao conseguiria organizar-se por·que estaria em crise. Esta situac;:ao de crise lntnwn(·do Social, 13114. /996
Contributos cla Aborclagcm Comunicacional para o Estudo do Suicfdio
215
prender-se-ia corn dificuldades de comunica~ao 19 no seu sistema relacional. De facto, nos casos estudados, a grande maioria dos adolescentes tinha dificuldades em comunicar no sistema familiar. Os adolescentes em causa sentiam-se incapazes de negociar e confrontar os seus objectivos com as finalidades conjuntas do sistcma, numa fase do ciclo familiar onde essa negocia~ao e imprescindfvel. (QUADRO 6)
Elementos Psicopatol6gicos Perturba~6es
no Desenvolvimento
Nao Si m- Frequentou consultas em Psicologia desde os 6 an os Si m- Desde os 14 an os por alteraqao do comportamento Sim - Desde os 13 an os frequentava consultas de psiquiatria Nao
Actualmente TratamentcU':'J<lll i<ttrico Nao Nao
Deoressao - Psicose Sindrome depressi vo Sfndroma depressi vo
Si m
Sfndroma depressivo
Nao- Ha cerea de I ano que nao ia aconsulta Si m- Acompanhamento cerea de 5 meses antes de falecer
Sfndroma depressivo
Nao Nao
Nao Nao
Nao Sim sem tratamento
Nao Nao
Comportamentos sugestivos de depressao. Comportamentos estranhos, bizarros, desadequados (surto psic6tico) (?) Sfndrome depressivo Depressao com alcoolismo e toxicodependencia. HIV + ('I) Sem depressao ou psicose Sfndrome depressivo
0 adolescente suicidado parece ter tentado outras alternativas que visavam "sair", "fugir" do nfvel conflitual onde se encontrava "preso". Ainda assim, agita-se enquanto asua volta, mais propriamente na famflia, a "rigidez ou se mantem ou se agudiza". Esgotadas as suas for~as, pouco a pouco come~a a imobilizar-se num manifesto comportamento de sucessivas desistencias. Ha como que uma ambivalencia entre o querer desesperadamente sair daquele nfvel sufocante e a insuficien-
19 Entende-se dificuldade de comunicar como a distorqao ou ausencia de comunicayao na familia e/ou entre o adolescente eo seu meio familiar e social gerando um bloqueio comunicativo (Fazenda, 1990, p. 123)
l11ter\'e11riio Social, 13114, 1996
216
Marlene Braz Rodrigues
cia (pelo menos para o adolescente) de alternativas 20 . Na maioria dos nossos casos, tudo levou a crer que os adolescentes quiseram fugir ou desistir de todo urn mundo conflituoso e problematico. Saliente-se que existem elementos que, apesar de nao serem entendidos pela familia como "sinais", constituem, ainda assim, condi~oes m6rbidas que antecedem o suicfdio possuindo uma carga comunicacional muito forte 21 . De uma forma geral os resultados deste estudo parecem demonstrar a existencia de varios factores que contribuem para o suicfdio juvenil. 0 jovem suicida sofreria urn triplo fracasso (individual, familiar e social) no seu desenvolvimento o que determinaria uma visao negativa de si proprio, provavelmente de lenta organiza~ao desde a infancia. Como ressalta do estudo, a maioria dos adolescentes que constituiram o objecto da investiga~ao puseram radicalmente em causa, a qualidade da interac~ao corn o outro. Foi urn investimento total na atribui~ao de sentido a vida que falhou. Assim sendo, a morte do mundo simb6lico seria anterior amorte ffsica e o jovem seria incapaz de se projectar no futuro de forma positiva. 0 suicfdio surgiria como unica conduta possfvel activa e voluntaria. 0 NIVEL DE COMPREENSIBILIDADE DA A.P.: APRESENTA\=AO DE CASOS 22 A A.P. pretende ter urn certo grau de validade, nomeadamente pela maneira como atraves do questionario controlado pelos especialistas, procura compreeender os aspectos individuals e sociais do suicfdio. Da analise da aplica~ao deste metodo, ressalta a sua importancia para apreender uma serie de condicionantes que, de outro modo, ficariam obscuras. Pela nossa parte, procurou-se mostrar que na maioria dos casos essa contribui~ao e menor que a resultante do alargamento a outros elementos, menos mediatizados pelos informadores e, que sao como que uma especie de resfduos do mundo simb6lico do jovem suicida.
20 Ou nao consegue ver alternativas ou nao as consegue alcan~ar, porque se sente preso a uma teia que se roi organizando asua volta. 21 Nos casos estudados alguns dos adolescentes, tinham lido o jornal "0 Crime", feito desenhos, eSCl路ito notas, etc. No original apresentam-se os resultados de 6 casos. Dada a sua extensao s6 se apresenta um caso, a titulo ilustrativo.
lnterren(路!lo Social, 13/f.i. /996
Contributos da Abordagem Comunicacional para o Estudo do Suicfclio
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1. A., 18 anos, solteira - entrevista corn os pais, 3 amigos e 1 professora 23 ANAMNESE PESSOAL/INFANCIA Sob o ponto de vista clfnico a gravidez de que nasceu A. decorreu normalmente. Nesse mesmo periodo houve dificuldades exteriores que nao foram clarificadas (ao falar no assunto, a mae de A. chorou e revelou ansiedade). 0 parto foi dist6cico. Pouco mais se destaca em termos de perturba~oes ao nfvel do seu desenvolvimento, somente se assinala um traumatismo craniano aos 4-5 anos, sem consequenciasgraves. Esteve sempre ao cuidado dos pais. Era a filha mais nova (a irma tem 21 anos). Era uma crian~a alegre e afectuosa, sendo desinibida no contacto social, com a! guns epis6dios de agressividade. ANAMNESE PESSOAL/ADOLESCENCJA Os presentes referem que A. tinha um bom rclacionamento com os amigos, colegas e os professores. Pertencia a um grupo dcsportivo (nata~ao) e outro de teatro. Vivia com os pais e irma no clomicflio familiar. Quando tinha problemas de ordem escolar (A. estava no 12. 0 Ano), confiava-os a mace a um amigo, e os de ordem sentimental, a uma amiga c a mae. Os problemas relacionaclos com o seu projecto profissional eram repartidos coma sua professora de Expressao Dramatica. A sua personalidade e descrita como sociavel, extrovertida, expansiva. Muito exigente e responsavel no trabalho (perfeccionista), investindo muito no trabalho escolar. Reagia as dificuldades corn isolamento e passando a hum or deprimido, com irrita~ao e agressividade. Fisicamente era parecida com o pai e no feitio, coma mae. Os seus tempos livres eram ocupados com actividades recreativas e culturais (gostava muito de desenhar e pintar), com os amigos, a conversar ou a ouvir musica, saindo regularmente a noite. Sozinha, gostava de !er e ver T.V. ELEMENTOS PSICOPATOLOGICOS Nao teve perturba~5es no seu processo de desenvolvimento. Nao frequentava consultas de psiquiatria e, aparentemente, nao tinha sintomatologia de depressao ou de psicose. Ultimamente estava quase sempre triste, preocupada, irritada e ansiosa.
,., Em todos os casos (I 0) foi efectuada uma recolha de daclos semelhantc a este caso. Dad a a sua cxtensao s6 o faremos em rclayao a este caso. Jmaren~-ao
Social, 1311-1. !YI.J6
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ANAMNESE SOCIO/FAMILIAR Dos av6s, s6 o av6 paterno tinha falecido (rondava os 80 anos). Os pais sao casados. 0 pai e recepcionista de profissao e a mae e domestica.
0 pai tem o curso industrial e e empregado semi-qualificado ... caracterizado como uma pessoa fechada, pouco comunicativa e muito alheada dos problemas familiares. A mae possui os estudos primarios, sendo descrita como alegre, sociavel, extrovertida, carinhosa e comunicativa.
0 pai tem um baixo grau de relacionamento com os colegas, amigos, familiares e vizinhos. A mae tem um baixo grau de relacionamento com amigos e familiares e born coma vizinhan~a. A famflia no seu conjunto nao se relaciona com outros amigos e tem um baixo grau de relacionamento com os restantes familiares. 0 inverso se verifica em rela~ao a A. Efectivamente ela relacionava-se muito com os seus colegas e amigos e pouco coma famflia e vizinhos. Era habitual o encontro com outros familiarcs cm momentos especificos, como acontecia, por exemplo, no Natal e em casamentos. Quanto aos habitos familiares: o or~amento familiar era gerido pelos pais, mas s6 o pai decidia sobre os assuntos econ6micos. A realizayao de tarefas domcsticas, cuidar dos filhos e confeccionar as refei~oes, cabia aos pais. Era habitual a famflia tomar as rcfei~ocs, passar os fins-de-semana e ferias em conjunto. A. era a principal protagonista dos momentos de humor e brincadeira na famflia. A atitude familiar face aos problemas da jovem era de compreensao (atitude principalmente da mae) sendo a mesma em relayao aatitude dos outros em rela~ao a A. A relayao dajovem com o meio familiar e caracterizada pela existencia de dificuldades de comunica~ao (boa relayao corn a mae e conflituosa com o pai ea irma). ANAMNESE DO ACTO SUICIDA
0 suicidio da A. foi por enforcamento, no quarto da sua residencia, no mes de Janeiro, entre as 18-24h, depois de ter ido a 1." hora da aula de expressao dramatica, onde tinha proposto um projecto para futuras aulas. Faltou a2." parte da aula. Veio para casa e encontrou o ex-namoraclo com quem discutiu por nao !he ter trazido uma cassete. Procurou a sua melhor amiga que, por razoes cliversas, nao p6cle acompanha-la nem ouvi-la. lnterrenrdo Sot'iul, 13/14, 1996
Contributos da Abordagem Comunicacional para o Estudo do Suicidio
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Chegada a casa, foi para o seu quarto e comec;:ou a chorar, tendo sido encontrada e inteiTogada pela irma sobre o motivo de tal comportamento. De imediato reagiu com alguma irritac;:ao, batendo coma porta do quarto. A irma saiu com o namorado e foram ao cafe. Quinze minutos depois foi procure'\-la ao quarto e ja tinha ocorrido o suicidio: enforcara-se com uma corda de ginastica enrolada ao cinto do seu robe, pendurando-se nos cabides da parte interior da porta do seu quarto. Quando se suicidou nao havia al~uem nas proximidades. Nao sao conhecidas tentativas anteriores de suicidio, mas ja verbalizara o desejo de o fazer. Nao sao conhecidos suicidios nem tentativas de suicidio na famflia. Nao tinha conhecimento de tentativas de suicidio, mas tinha sabido que um amigo de infancia se tinha suicidado nos ultimos 6 meses. Os acontecimentos de vida mais recentes estao em parte, relacionados com a sua actividade escolar e com a ruptura com o namorado. De facto, no infcio do ano lectivo, terminou a relac;:ao com o namorado, mantendo, no entanto, uma "amizade", um "contacto" regular com este. Surgiram alguns epis6dios de irritac;:ao nesta interacc;:ao. Por outro lado, durante o mcs de Janeiro comec;:ou a verificar-se da parte de A., um comportamento que se traduzia por uma maior disforia e irritabilidade, especialmente com a irma e com a mac. Por vezes, "muito triste, com dores de cabec;:a e roendo as unhas". A mae pensa que a razao deste quadro se prende pelo facto de A. estar no final do 1. 0 perfodo do 12. 0 Ano e serum ano lectivo muito exigente por ser crucial na passagem para o cnsino superior. Na semana anterior ao suicfdio, faltou as suas aulas preferidas. Falou coma professora dos seus projectos futuros na area academica: teria afirmado que nao podia cursar Medicina por falta de medias (projecto anti go) e que, portal motivo, optaria por Engenharia ou Biologia, rcvelando ambiva!encia e indecisao entre estes dois cursos e um outro, na area das Artes (razao pm路que tinha longas conversas com a professora de expressao dramatica sobre o comportamento dos pais desta, quando da sua decisao em fazer o rcfcrido curso). Aparentemente, o absentismo a estas aulas deveu-se ao facto de ter passado um fim-de-semana com uma amiga, fora de Lis boa, qualificando-o de "espectacular". A. nao deixou vestfgios que permitam concluir da organizac;:ao de actos preparat6rios. Nao deixou mcnsagcm. NOTA: foram observados varios desenhos efectuados por A. alguns meses antes da passagem ao acto, onde figuravam esboc;:os de quartos e decorac;:ao e em que ela aparecia, sozinha, num canto do "quarto", "encolhida". lllfe/Tenrtlo Social, 13/J.J, 19Y6
220
Marlene Braz Rodrigues
CONCLUSOES PARCIAIS No caso vertente, conseguiram-se alguns elementos para alem da representa<;:ao dos pais, ainda que insuficientes. Torna-se necessaria a recolha de outros elementos para depois os cruzar, constituindo-se, assim, uma representa<;:ao muito mais rica do acontecido. Tuclo indica que a riqueza destes elementos nao cleve ser deixada ao acaso da investiga<;:ao, senclo necessaria a sua integra<;:ao no conjunto como um elemento essencial. Estes elementos do adolescente "fora" das representa<;:oes dos pais sao essenciais do ponto de vista comunicacional. Mas nao o e menos o quarto, a sua clisposi<;:ao, os pertences, os livros ou discos, as anota<;:oes amm路gem dos livros, etc., pois cleste modo e que se permite distinguir as respresenta<;:oes ou mundos e depois trabalhar sobre eles, averiguar da sua coerencia, encontrar os pontos de ruptura simb6lica, etc. Talvez daf possa vir uma compreensao alargacla do fen6meno do suicfdio. 0 ALARGAMENTO COMUNICACIONAL DA A.P.: APRESENTA~AO DE CASOS EM QUE EXISTEM ELEMENTOS ELABORADOS PELO PROPRIO 24 Verifica-se que a inclusao de elementos provenientes do mundo da vida dos jovens suicidas, consolida e prolonga os resultaclos cla A.P. Atraves do estuclo cle 3 casos, procura-se colocar esta questao em evidencia.
S., 17 an os, solteira, (entre vista efectuada eo m os pais e irmaos) 25 ELEMENTOS ELABORADOS PELO PROPRIO ADOLESCENTE Who could live without hope? (retirado do seu proprio diario) JULHO 26
...
Tinha uma comunica<;:ao privilegiacla com o seu diario:"O/d diariosinho, tudo bem?" Nesta data muitos sao os acontecimentos que trouxeram novos ventos asua 2路' Nesta pesquisa (conforme o original) existcm os seguintes dados elaborac!os pelo proprio: um diario (caso \), uma folha com ti-ases e desenhos (caso 2) e uma nota de despedida. Paralelamente existe um relat6rio de acompanhamento psicol6gico (caso 2) quando cste tinha 10 anos. Estes elementos sao muito importantes pois ilustram um outro tipo de rcprcsentay6es que a A.P. devc ter em conta para maior fiabilidade da informa~ao. 25 Este caso teve o mesmo tratamcnto do anterior para a\em dos elementos e\aborados pela propria (diario). Por razoes de espaqo, so se apresentam os elementos elaborados pela propria. S. era a segunda de uma fratria de tres. zr. Este relato antecede 6 meses o seu suicfdio.
lntm路en(路c]o Social. /J/1-1. 1996
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vida: comeyou a namorar oZ., irmao de B., que tem marido e dois filhos c vive ainda com os cunhados eo primo ... "eJifim o "chato" e que o Zfuma cavalo e cada vezfuma mais." Poucos dias depois de ter iniciado a relayao eo m o Z. teve de ir para ferias coma familia. Este facto deixa-a triste: "0 Z vai ficar mais triste do que eu, porque ele pelo que diz, gosta muito, mas muito de mim, e infelizmente eu ainda nc7o posso dizer a 1nesma coisa, s6 posso dizer que 1ne sinto muito bem ao pe dele e que ele e montes de meiguinho para mim." "Dificuldade", "medo" de dizer que se liga a alguem. Parece nao saber quais os riscos que corre em se ligar (parece ser uma atitude projectiva, na medida em que e a S. que se sente muito triste ). Cerea de cinco semanas depois, a S. nao esUi em Lisboa. Queixa-se de estar longe do Z. e nao poder comunicar com este. Referc aincla: "estou na praia com o meu pai, e clam, as coisas mds da minha vida tem quase todas o name dele pelo 1neio." A S. continua a ter uma leve espcran~;a no scnticlo de o namorado ir ao seu encontro, pondo a hip6tese de lhe pagar as dcsloca~;oes. Sente-se s6zinha (apesar de estar com a famflia nuclear) e o facto de ter conversado com um jovem e ouvir musica, fe-la mais feliz. A nostalgia daquelas notas musicais, especialmente os "slows transportam-na para o momento do reencontro com o Z.:" tenho a impressao que me agarm a ele e que choro de tanta alegria ... Fantasia a! guns momentos que deseja, apesar de introduzir dad os da realidade como exemplo: "... bern mas isso eo que eu penso e c1s vezes as coisas torcem-se todas e nao acontecem coma nos queremos." Uma novidade deixou-a feliz: "o facto de saber que as aulas come9am a 16 de Setembm: quer dizer que entre 10 e 1I sou capaz de ir para Lisboa ... s6 faltam 3 ou 4 semanas, que bom, acho que vou come9ar a delirw:" Cerea de uma semana depois, comeyam as suspeitas sobre a falta de notfcias do namorado: "nao sei o que se passa mas nc7o acredito que ele nao tenha 5 minutos para me poder telefonm: Nao falo eo m ele hd cerea de 12 dias ... quarta-feira escrevi-lhe mas na sexta a carta ainda nao tinha chegado."
Ja passaram alguns dias ea S. continua longe de Lisboa (em ferias): "Stlo 221700 da noite, jd nao aguento mais, estou a fazer uma fmia danada para nao chorw; ja nc7o aguento mais tempo em X, quem Lisboa, quem a P, quem aB e quem o Z, apesar de nao ter a certeza se ele ainda me quer... Sera que ele ainda me quer? e uma pergunta que eu ja9o a mim mesma constantemente mas que tenho medo cla resposta." lntnwnrao Social, 13/14, !996
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Para aS. oZ. e que gosta muito dela (projec~ao) . Aqui deixa transparecer os seus medos em rela~ao aos afectos? Receia confrontar-se corn o abandono afectivo, neste caso doZ.? Parece que a sua escolha afectiva vem no sentido de mais uma vez confirmar o pouco que ela sente que significa para os outros. De facto, aS. come~a a sentir-se muito s6, longe de todos aqueles corn quem consegue comunicar.
Ja em Lisboa, refere a possibilidade de se matar ... AS. revolta-se contra o pai, que ela considerava o responsavel por todo o mal que lhe acontece: "eu sempre disse que o meu pai me destruia a vida e de ha uns meses para ea tenho tido provas. Tu do ia hem eu tinha o meu precioso Z ... mas la veio o meu pai e levou-me, a mim e a todos, pam fora de Lis boa, ficando la 2 meses. Resultado, pef'(li o Z:' A mae nao aparece praticamente no discurso dela, resumindo-se a duas referencias, uma de agressao e outra de abanclono ("a minha miie niio me ajuda nem me compreende"). Ser-lhe-a mais facil agredir o pai do que a mae? Parece que, mesmo assim, o pai ainda cla um espa~o para ser "criticado e agredido pela S. Corn a mae isto e vivido quase como uma impossibilidade. Responsabiliza o pai de lhe tornar a vida ainda pi or: "agora deu-lhe para embirmr por tudo e par nada e para me proibir de sair s~ja para ondefm: Segundo e/e e casa-escola, escola-casa." Tenta sair desta situa~ao que a come~a a sufocar, agravada por agress5es ffsicas violentas, por parte dos pais: " .. .lza uns dias atras apanhei wna tareia da minha mde, cmn 11111 cabo de electricidade c lz()je j(;i do meu pai, eo m a corda do cc7o. la pensei em sair de casa mas a B. disse-nze que era nwito nova." A B. (irma doZ.) e uma especie de "tabua de salva~ao" para aS. Ate ela diz para nao pensar em tal situa~ao, pois nao parece muito viavel. Perante este quadro, aS. vive armadilhada, procurando a todo o custo fugir, mas sente-se desorientacla: "Eu nc7o sei mais o que fnzeJ: Estava a permtr em estudar ate aos 18 anos o que clava para fazer o 9. 0 mw, 111as agora ja niio seise aguento ate la. Na volta, o mellwr e fi.tgi r se der tu do be m se nc7o der ou se for apanlwda, o 1nellwr e fingir que estou doida para ir pam o JLilio de Matos me fazer os 18 ou senc7o matar-me, nc7o me mato pm路que assim nun ea me poderei vingw:" Parece-nos que ela ainda tenta arranjar alternativas, alternativas essas pouco "sadias", que oscila entre a "loucura", que ja e uma forma de mm'te afectiva, e a morte (clestrui~ao voluntaria do corpo ). A letra cla S. alterou-se a meio do seu discurso, reflectindo a desorganiza~ao que ela sente e que esta a viver. Continua clesesperaclamente a querer sair daquele nfvel familiar conflituoso e "armaclilhante" (quer sair, mas nao consegue). Aincla se agita, mas parece estar prestes a sufocar: "mais uma vez apanhei com o fio da electriciIntcncnrao Sociur 13/J-/-, JYY6
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dade, desta vez porque cheguei as 7h30 a casa. 0 esuipido do meu pai, deu-me tanta, chamou-me vadia e cabra. Maldida a hora em que o Z acabou comigo, sim p01路que se n6s ainda andassemos de certeza que ele ja me tinha tirado daqui. Eu disse que nao queria morrer para me poder vingar mas agora nao me apetece mais nada senao matar-me mesmo. A minha mae acabou-me de dizer que o dijfcil foi o meu pai come~ar a bater-me."
Volta a idealizar algo que parece nunca ter existido, mas ainda assim que a faz agarrar a vida. Quando se confronta com o abandono afectivo do Z. e o fim. No dia seguinte, aS. est<i ambivalente. Mudou de ideias: desiste de se matar para matar o pai: ".. .ja nao me vou matar mas alguem vai morra 0 meu pai vai experimentar o gostinho do 605 FORTE, depois eu quero ver quem e que me vai bater mais." A agressividade aparece aqui como uma defesa. Ao eliminar o agressor, libertar-se-ia das agressoes. Tenta de novo planear a sua vida, em termos de uma autonomia que deseja desesperadamente encontrar: "mais unw vez mudei de ideias, desta vez vou falar coma G. e pedir-lhe se me pode receber em casa del a por uns tempos ate eu arranjar para onde ir nem que eu tenha que ir trabalhar para wn bar nocturno, de certo que e melhor do que morm:" Chegou um momento decisivo para aS., tenta fugir de novo aquela estrutura familiar: pretende fugir de casa e deixar uma mensagem para os pais para que estes a nao procurem e acrescenta: "Deus queira que eu tenha a coragem de fa!ar cam a G. e De us queira que ela me aceite." Deseja ardentemente "estar cam o pessoal bacano", essencialmente pessoas relacionadas eo m o ex-namorado (a mae, a irma e alguns amigos deste). Perto do Natal, aS. parece estar mais compensada. Falou com oZ. e sua irma, que a apoiaram: "0 Z. disse-me que eu posso processar o meu pai 110 Tribunal de Menores e disse-me tambbn que se ele me batesse de novo, para o chamcn: ... certo quefoi 1w brincadeira mas mesmo assim foi bacano. A B. tambem me disse que contau ao pai de la o que o meu pai me fez e ele ficou muito zangado." A S. ficou gratificada pelo facto de alguem se importar com ela e dentro deJa reacende-se a esperan9a ... Afinal, nao e s6 no seu proprio diario que se pode ler, em rodape: Quem pode viver sem esperan9a?. Se, nessa altura, aS. parece desejar uma outra familia na tarde tudo se torna mais cinzento, come9ando a sentir-se cada vez mais oprimida, quase a sufocar: "Tu do aminha volta me aperta ... tu do cl minha volta me aperta. Continua, no entanto, agarrada a ideia de se poder libertar, de lnten'Cil('clo Social, 13/14, 1996
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fugir:" s6 consigo pensar em falar cam a av6 L. ... era tiio bom que ela me aceitasse lci em casa de la. Eu passava a viver cam a av6 L. e cam o S1: A., cam o Z cam aB., cam o 1., cam o N, cam o I e em parte cam a M. e o marido de/a. Eu nao encontro palavras para expressar o quanta esta ideia me agrada." Parece existir um grande apelo, quase de desespero. De 22 de Dezembro ate 7 de Janeiro, existe um grande hiato no diario,- uma epoca tradicionalmente muito importante (Natal, Ano Novo) em termos familiares e simb6licos. Dia 7 de Janeiro e a letra da S. esta irreconhecivel e encontra-se com muito medo das reac~6es dos pais perante o quotidiano: "tenho medo. A minha mile niio me ajuda nem tenta compreender... s6 pensam em bater e em castigos." Sente-se completamente isolada, incapaz de sair desta teia onde se encontra, que e o nfvel familiar armadilhante: "0 N. tambem s6 grita e poe defeitos e defeitos. 0 M. (inniio) s6 bate, bate, bate. Vou fugir porque se o meu pai souber que eu desisti cla escola, dci-me wna sova e depois leva-me todos os dias para X (local de ferias) e eu niio quero." Sera o infcio de uma atitude de desistencia de si propria? Por outro !ado, parece que ninguem ouve ou esta atento aos se us apelos (o irmao mais novo tem conhecimento da aquisi~ao do pesticida, a ausencia da escola parece nao ter si do notada por professores e colegas) Tudo parece ruir a volta da S., e que parece nao conseguir aguentar as consequencias de ter desistido da escola sem o pai saber. Teme a possibilidade de voltar de novo para o local de ferias, o que ainda a faz sentir mais isolada. AS. cncontra-se, para alem de tudo, dividida entre o amor e o abandono, por um lado, e entre a dependencia total dos pais (no sentido afectivo) eo desejo de autonomia, por outro. A unica alternativa de vida esbo~ada parece ser a de tentar arranjar uma familia "adoptiva" no sentido afectivo, o que se lhe afigura pouco viavel. Sem qualquer motivo para continuar a viver, evidencia isolamento e o "nao dialogo" familiar. AS. nao perspectiva qualquer safda, que nao seja a da fuga. Tratando-se aqui de um suicfdo como fuga, ha uma ideia de idealiza~ao que aS. faz em rela~ao afamilia do namorado ea "quebra" dessa mesma iclealiza~ao. 0 sentimento de confian~a e completamente abalado, de modo que a situa~ao actual e sentida como insuportavel ("tu do cl minha volta me aperta ... ") e funciona como um factor precipitante de um longo processo de afastamento social e familiar, vivenciado pela adolescente desde ha muito tempo. A aclolescente pretencle ser inclepenclente e, simultaneamente, e-lhe muito cliffcil consegui-lo (divisao entre a depenclencia dos pais eo desejo de autonomia). Exis/nrcJTCIIr<io ,Social. 13/1-1, !()96
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tern, por outro lado, dificuldades por parte dos pais em negociarem as regras que definem a hierarquia familiar. A jovem tem uma atitude de desistencia, de exclusao, de nao participa9ao ("niio me apetece mais nada seniio matar-me mesmo").
C., 20 anos, solteiro (entrevista corn os pais) PARECER DA PSICOLOGA QUANDO TOMOU CONHECIMENTO DO SUICIDIO DO CY
"Ejectivamente, havia uma certa tendencia amorbidez, traduzida no seu gosto par desenhos e objectos relacionados cam a morte, mas que me pareciam muito inseridos em aspectos culturais ... A depressiio intrapsfquica aliada a um comportamento num registo de inibi~;iio era o que me apontava para um certo risco de passage m ao acto, mas niio no sentido do suicfdio. Penso, que sendo um rapaz superiormente inteligente (a os 10 anos eo m tendencia aracionaliza~;iio ), provavelmente, JW adolescencia, tornou-se particularmente aguda a constela~;iio da sua baixa auto-estima (conw~;ou a lidar muito mal eo m a .falta de comunica~;iio/a.fecto par parte da famflia: anteriormentc ./(JZia .fi.lgas sistcmaticas para outras situa~;oes, na adolescencia direccionou para o prr5prio ). Pen so que, quando existe uma tendencia ao agir nos depressivos, podenws supor que na adolescencia ela pode, eventualmente traduzir-se por uma passage m ao acto (suicfdio ). Neste rapaz is to niio era evidente (talvez porque apenas tivesse um ligeiro colorido depressivo ?)". A psic6loga continua o seu parecer refor9ando agora a ruptura de C. com a namorada: "o re.for~路o da perda do objecto que esta situa~;iio avivou, tornou-se actual e fe-lo reviver a origem da sua "depressiio" (parece que traduzida por uma carencia afectiva desde a infancia, por uma ma elabora9ao dos afectos, o que tem muito aver com todo o tipo de rela9ao familiar). ALGUMAS DOS POR C.
CONSIDERA~6ES
SOBRE NOTAS E DESENHOS EFECTUA-
De uma forma geral os desenhos efectuados por C. demonstram que este erealista, apesar de "zangado eo m a vida", utilizando uma certa ironia na forma como
27 C. era acompanhado por uma psic6loga desde os I0 an os. No presente caso existe mu ita infonna\;ao resultante de relat6rios da psic6loga . Dada a sua extensao torna-se impassive! a sua apresenta91i0.
lntetWJJ(路ao Social, 13114. 1996
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Marlcnc Braz Rodrigues
se expressou .... o caso de urna "cara que ele constr6i corn as seguintes palavras: HO MERDA ou: "QUANDO SE AMA FICA-SE TAO CEGO COMO UM MORCEGO As 3HOO DA TARDE EM PLENA RUA "
Por outro !ado, C. tern urna boa nor;ao do real:
"SO SE DEVE GOSTAR DO QUE SE TEM, OU PODE-SE FICAR INVEJOSO"
C. e puro, rnas sirnultanearnente nao se "rnostra", nem se relaciona muito, por uma questao de defesa: "NAO SEJAS 0 QUE NAO ES MAS NAO MOSTRES TOTALMENTE 0 QUE ES"
Por outro !ado, algumas das suas expressoes revelam uma grande preocupar;ao com os outros: "USAR DESCARTAVEIS
SO AS CAM/SAS DE VENUS, NAO AS CONFUNDAS COMAS PESSOAS"
C. convive muito bem com a morte, por questoes culturais, corno ja foi por n6s referido. Para C., a mmte faz parte do seu quotidiano, e algo tratado como proximo e ate familiar materializado em desenhos de uma caveira, de uma cruz, etc. No fundo, a questao da morte e uma questao pratica, principalmente quando a vicla nao e suficiente para ele, que acha que mais vale enterra-la. C. nunca teve com o pai uma relar;ao como clesejaria. Parecc-nos que o elemento sol, que tantas vezes aparece nos seus escritos, esta ligaclo afigura paterna: "0 SOL APARECE ENTRE AS ARVORES EU DESAPAREr;O ENTRE A ESCURIDAO SEM ME APERCEBER DE QUE EA MINHA VIDA SEM SOL" lnteJTe!l~'clo
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Um outro exemplo, em que se sente uma grande carencia afectiva, apelando para aquela "falha" de amor: "QUANDO SE PEDE SOL E SETEM LUA NAO VALE A PENA LUTAR PELA VIDA ELA VAI SER NEGRA"
Ha como que um apelo apresen<;a do pai e este nao estava presente (ou era lua). Como ja foi referido, C. soft路era de fobia escolar e esta esta fortemente ligada aimagem materna. C. sentia-se rejeitado pela mae e procurava insistentemente o pai que, por sua vez, estava ausente. Algumas referencias fornecidas por C., demonstram a enorme solidao em que se encontra: "QUANDO TE SENTES MAL EA MAIS NO MUNDO RESUME-TEA TUA INSIGNIFICANCJ;\ E ISOLA-TE DO MUNDO PELA VIDA OU PEW J\MOR QUANDO SEE DERROTADO PERDE-SE A VONTADE DE LUTAR"
Sera que C. nao teni perdido a vontade de lutar pela vida? "NAO CHOVE, MAS AS MINHAS IAGRIMAS MOLHAM 0 CHAO. COMO SE TAL ACONTECESSE"
C. vive um grande sentimento de solidao/isolamento, pois nunca teve as rela<;oes que desejaria. A mae e aband6nica, procurando refugio no pai, que nao corresponde. A namorada funciona como a "ultima gota de agua". Investe tudo nesta rela<;ao pois as outras nao deram certo, mas nem mesmo ela !he da o afecto que desejava. Procura-a para uma reconcilia<;ao, pois sente que eo unico elo que ainda resta. Mas em vao ... ja nada faz sentido, nem existe outra safda. "SE ESTIVERES ENTERRADO NA MERDA NUNCA PE9AS UMA MAO PARA TE PUXAR, ESSA MAO PODE-TE ENTERRAR MAIS MESMO QUE NAO QUEIRA" lnter\'enrao Socio/, 13114, 1996
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CONCLUSAO Esta segunda vertente de amilise dos dois ultimos casos de (S. e C.) mostra uma clara diferenya relativamente aos casos em que os investigadores nao conseguiram obter dados do proprio jovem. Nao e totalmente indiferente que estes elementos sejam casuais, estando presentes em cerea de 25% a 30% dos casos analisados. Na verdade, quando se ve a sua riqueza, 0 colorido da vida, OS trayOS do sofrimento, percebemos que nao e possfvel captar todo urn conjunto de informayao essencial para a compreensao do suicfdio, na absoluta ausencia do jovem desaparecido, contando-se apenas corn a sua "presenya na investigayao e limitando-se esta a testemunhos, por mais que sejam controlados tecnicamente, como tambem nao deve ser deixado ao acaso o facto de terem sobrevivido ou nao alguns elementos da investigayao. 56 se tern a ganhar em integni-los plenamente. Parece-nos ser insuficiente o tratamento dos materiais, pois seriam necessarias outras metodologias, nomeadamente para a imagem, o texto e os elementos estilfsticos (roupa, quarto, livros, etc.). A A.P. continua a ser urn elemento primario, mas que podera integrar-se nos processos mais amplos que constituem o universo comunicacional e simb6lico do adolescente suicida. Apesar de permitir reatar o problema, e manifestamente insuficiente, necessitando-se de mais tempo, pois descobrir o jovem que se suicidou e tambem uma forma de intervir junto dos que ficaram e de descortinar factores importantes para a prevenyao do suicfdio.
V. CONCLUSOES 1. AVALIA<;AO DA AUTOPSIA PSICOLOGICA
Para alem das conclus6es que foram extrafdas da analise dos casos, importa finalizar corn algumas recomenday6es quanto avalidade da A.P. Assim, no que diz respeito ao intervalo de tempo deconido entre a morte e a realizayao da A.P., parece importante uma breve reflexao sobre este aspecto da investigayao: a) o espayo de tempo entre o suicfdio e a realizayao da entrevista variou, con-
forme ja foi assinalado: nos casos em que este intervalo de tempo foi mais curto teve as suas vantagens, sobretudo pela maior facilidade em captar as emoy6es da familia. Por outro !ado, houve desvantagens, sendo esta situayao ilustrada por urn caso, que apesar de nao fazer parte da "amostra" parece lnterven(路ao Social. 13/14. 1996
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importante referir: a familia pediu mais tempo, a fim de se sentir minimamente capaz de tornar a reviver a perda; b) o espa~o de tempo mais longo entre o suicfdio e a realiza~ao da entre vista: houve vantagens, uma vez que o processo de luto estava mais avan~ado e os mecanismos de defesa da familia estavam mais elaborados. Por outro lado, existem desvantagens, na medida em que a familia pode oferecer resistencias em rela~ao a realiza~ao da entrevista, talvez p01路que tenha racionalizado o que sucedeu, criando uma imagem coerente e inexpugnavel. Face ao que anteriormente foi avaliado a A. propoe que a A.P. seja realizada entre 1 e 3 meses; c) a discrepancia numerica entre as representa~oes dos familiares (9) e a dos peritos (9) e os elementos elaborados pelos proprios (3), parece existir uma certa logica em rela~ao a esta diferen~a, uma vez que o proprio faleceu so existindo representa~oes fornecidas pelos familiares, amigos ou proximos; d) em rela~ao a "outras representa~oes" passfveis de constituirem elementos empfricos fiaveis, pensa-se que, tanto na presente como em futuras pesquisas, sera importante alm路gm路-se as fontes de colheita de informa~ao aos amigos, colegas, professores e outros elementos elaborados pelo proprio que sejam significativos 28 e) apesar do que foi referido na alfnea anterior, existe ainda assim um ultimo aspecto que deve ser levado em conta- o suicfdio do adolescente parece levar, na maioria dos casos, a um maior grau de isolamento das famflias. Frequentemente a famflia "l'echa-se", nao permitindo a "entrada" de outros clementos. Torna-se muito complicado 29 e penoso para a famflia autorizar a presen~a de outras pcssoas que possam colaborar na A.P., dada a sua importancia no universo relacional do adolescente.
28 A A. depois de avaliar a aplicabiliclade desta tecnica ea sua adeqm19ao face a este tipo de investiga9ao, pensa ser imperativo num proximo estudo sobre esta tcmatica, proceder-se ao alargamento das fontes, contactando-se com amigos, colegas, professores e outros elementos significativos na vida do sujeito e que sejam fornecidos pela familia, quando da realiza9ao da entrevista. Nao foi em vao que as famflias entrevistadas no presente estudo, receberam uma carta onde se apelava para a colabora9ao da familia nuclear, dos amigos e pr6ximos da pessoa que faleceu. 29 Os familiares dos adolescentes que se suicidaram fawn depoimentos impregnados de inumeras emo96es, desde a hostilidade, sentimento de culpa, cri se psicol6gica profunda, nega9ao do acto, etc. Estas emo96es estao presentes na constru9ao das representa96es do suicidio e nao sao meros sentimentos, mas antes "respostas" ao gesto suicida.
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Se por urn !ado, este aspecto parece ser relevante, por outro, prop6em-se dois tempos diferentes para o mesmo caso (dada a existencia de cas os do nosso estudo que podem ilustrar esta situa~ao ): - uma sessao da A.P. para a familia; - e sess6es da A.P. para colegas, amigos, etc. Esta proposta podeni evitar retrac~6es por parte dos diferentes grupos e optimizar a informa~ao, tornando-a mais fiavel. Como se parte do princfpio de que nao basta "falar corn", mas e preciso "reviver com", este tipo de actua~ao por parte dos investigadores, exigira tempo e aten~ao a cada um (dos amigos e colegas) 30 . f) No suicfdio consumado destes jovens verificou-se que eles desejavam fugir e desistir de todo urn conjunto de problemas de varia ordem. Dai que a representac;ao do suicidio dos casos aqui apresentados seja a fuga 31 .
Testou-se, no presente trabalho, uma certa validade da A.P. mesmo nos moldes tradicionais, pois permitiu indicar-nos, atraves do estudo da anamnese pessoal do adolescente suicida, comportamentos sugestivos de psicopatologia que, se detectados precocemente, poderiam ter sido objecto de uma maior e melhor actuac;ao por parte dos especialistas, pais e educadores. A A.P. foi urn instrumento que permitiu a compreensao de aspectos e tendencias do processo 32 , e obter, com uma boa mm路gem de seguranc;a (fiabilidade da informa~ao), uma certa tipologia do suicidio. De facto, a A.P., atraves da recolha de elementos sobre a anamnese pessoal, s6cio-familiar e do acto, permitiu aceder acompreensao de todo urn processo que conduz ao suicidio, desde a dificuldade de comunicac;ao na familia ao elevado grau de isolamento social, por exemplo. Em rela~ao aos dados sobre a familia do suicida seria importante aprofundar o estudo das relar;6es familiares, tendo em vista apreender melhor os aspectos comunicacionais destas relac;oes. Dai que se possa concluir que a utilizac;ao da A.P. foi positiva para a compreensao destes 10 casos e, por outro !ado, constituiu-se como uma tecnica importante a
Pensamos que reunir todos os amigos fornccc rcsultados diferentes do que falar com cada um. Estcs tipos de suicfdio rcferem-se as caracterfsticas principais observadas, i.e., os aspectos/tcndcncias no acto suicida. '' Trata-se, sobretudo, de procurar uma compreensao, pois nao se pode explicar complctamente o acto suicida. ;o 31
illfCI'I'CII\'<iO
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um nivel pritmirio, na medida em que a entrevista com os pais do adolescente constitua um passo para um outro nivel ou outros mundos (elementos elaborados pelo proprio: diarios, anota~5es em livros, desenhos, correspondencia ou outras indica~5es fornecidas pelos pais, como professores, psic6logos, amigos, etc.). 2. A AUTOPSIA PSICOLOGICA EA PREVEN<;AO A nossa proposta vai no sentido de se alargar o metodo, de se ter em conta varias fornecer um conjunto de informa~ao forma a que se possa descortinar com uma maior fiabilidade quais os factores que podem levar ao acto suicida na adolescencia 33 . Como intervir e prevenir, e a grande questao. De certo que nao se prop5e um modelo de controlo de todos os jovens e de todas as familias. Torna-se necessaria intervir sobre as imagens sociais da morte e do suicidio, sobre as imagens da juventude e confronta-las com as condi~5es da sua realiza~ao, fornecendo outras imagens, por exemplo, atraves dos media, das novelas, etc.
representa~5es, varios mundos que poderao que permita a preven~ao de outros casos, por
Por outro !ado, trata-se de acentuar o contributo da Assistente Social (A.S.) nos grupos interdisciplinares, pois este profissional intervem no concreto (dai a sua especial aten~ao ao particular), que constitui uma interven~ao importante ao nivel do suicidio, da morte e do sofrimento em geral 34 . Constata-se que, nestas familias existem, muitas vezes, situa~5es de exclusao social e de pobreza e que o encontro atraves da A.P., para alem de proporcionar um apoio ao nivel da saude mental, pode e deve serum trabalho de levantamento e interven~ao na rede formal e informal destas familias, atraves de um acompanhamento as familias e posterior encaminhamento para institui~5es que possam dar respostas aos problemas anteriormente diagnosticados pela A.S. 35 . Para muitos estudiosos, os familiares, amigos ou pr6ximos do suicida constituem uma popula~ao de alto risco. Existem, no entanto, varias reac~5es face ao suiJ.l No caso do NES, identificam-se os factorcs de risco, a partir da tentativa de suicidio. Este principio nao deve ser utilizado para o caso do suicidio consumado, pois se se obtiver dados sobre a A.P., reformulada segundo a nossa proposta, podera obter-se a identifica~ao de factores mais especificos em rela\ao ao suicfdio consumado e, portanto, para a sua prevetwao. 1' A mmte de um ente querido. neste caso o suicfdio de um filho pode acarretar uma situa9ao de desestrutura9ao familiar ou individual. 35 Estc tema foi objecto de um trabalho elaborado pela A., no ambito do 11 Mestrado em Servi9o Social para a disciplina coordenacla pela Prof. Doutora Maria do Carmo Falcao (Rodrigues. 1993 ).
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cidio de alguem proximo e os estudos nesta area tern demonstrado a necessidade de se intervir ao nfvel dos "sobreviventes" segundo o tipo de rela9ao que estes mantinham corn o suicida no momento da sua morte 36 . As contribui96es que os diversos estudos tern fornecido sobre os factores de risco no suicidio sao inegaveis. A sua divulga9ao atraves dos meios tradicionais parece ainda assim insuficiente para uma efectiva preven9ao ao nfvel deste fen6meno. Assim, sugere-se a utiliza9ao de: a) casos paradigmaticos que cheguem ate aos jovens, por exemplo, atraves da anima9ao em meio escolar; b) tecnicas de dramatiza9ao; c) consciencializa9ao dos problemas dos jovens, dos efeitos negativos das imagens gerais dos media (exemplo: tratamento adequado de telenovelas)
3. NOTA FINAL Tornam-se necessarias novas metodologias, a reformula9ao dos objectivos de interven9ao e da preven9ao, a elabora9ao dos metodos de questionario e de estatfstica, que se entendem como meras fontes de controlo da analise. Dada a complexidade do fen6meno do suicidio nenhum metodo ou teoria o pode compreender na sua totalidade, mas tambem nao ha razao para nao utilizar livremente tudo o que con-
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As investiga96es efectuadas pela Universidade York de Toronto I chegaram a conclusao de que os individuos mais susceptfveis de sofrerem com o suicidio eram as maes, as esposas e os filhos. Outras pesquisas evidenciaram grande dificuldade, por parte de alguns pais, de sobreviverem aos seus filhos, por esta situa9ao nao corresponder ao decurso normal da Hei da vida. Em Toronto, num Centro especia lizado (Centro Survivors Support Program, de Toronto, Canada) efectuou-se o reagrupamento de individuos segundo o tipo de rela9ao que os - sobreviventes mantinham eo m o suicida no momento da sua morte, chegando-se as seguintes conclusoes: I. os que conseguiam prever o suicidio, resolviam mais rapidamente a crise; 2. os que, apesar de estarem mais conscientes das vivencias do suicida e ainda assim previam o desenlace, continuavam a interrogar-se:- se eu ao menos tivesse ... ; 3. o terceiro e ultimo grupo era constituido por individuos que nao lhes passava pela cabe9a a possibilidade de tal morte, nem mesmo tinham consciencia de todo um conjunto de circunstancias que levaram a passagem ao acto. Para estcs, foi muito dificil admitir a realidade do suicidio, sobretudo, numa fase de luto recente. De facto, a experiencia sugere que a utiliza9ao da A.P., neste ultimo grupo emuito dificil e praticamente inutil em termos de obten9ao de infonnayao, pois os familiares negam o suicidio. Por outro !ado, o contacto com as familias permitiu, de uma forma geral, verificar um menor grau de relacionamento eo aparecimento de doen9as do fOro psiquiatrico, como, por exemplo, a depressao, ap6s o suicidio do jovem. Atraves da A.P., detectam-se comportamentos de risco que necessitam de uma nipida interven9ao ao nivel da saude mental. lnten路en\路do Social. 13114. /996
Contributos da Abordagem Comunicacional para o Estudo do Suicidio
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tribua para urn rnelhor conhecirnento e, consequenternente, para urna preven~ao rnais eficaz. Estarnos convictos, ao terrninar esta investiga~ao que e preciso urn rnodelo rnais interactivo, que seja capaz de rnaxirnizar as vantagens da A.P.. Esse rnodelo deve ser de base interaccionista (relacional), sirnb6lica e cornunicacional. Este trabalho procurou dar urn pequeno passo nessa direc~ao. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ATKINSON, J. M. 1978- Discovering Suicide-Studies in the Social McMillan.
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lntetwnrao Social, 13114, 1996
OS 60 ANOS DO ISSS: ENTRE A HISTORIA E OS DESAFIOS DO FUTURO Francisco Branco
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Procedemos hoje ao encerramento solcnc das comemora9oes dos 60 anos de vida da nossa institui9ao, sensivelmcntc um ano dcpois de, num gesto simb6lico, termos aberto oficialmente o programa das comemora9oes em Beja, na delega9ao do ISSS, na ocasiao do encerramcnto do ano lcctivo em que se completou o primeiro curso da licenciatura em Servi9o Social af ministrado. Como assinahimos no programa c!as comemora9oes a celebra9ao c!a funda9ao do Instituto assumia, no actual contexto de forte expansao da area das Ciencias Sociais e Humanas e de cresccnte exigencia colocada ao ensino superior em Portugal, uma relevancia fundamental. A sua comemora9ao deveria contribuir para a valoriza9ao do capital hist6rico do Servi9o Social, aprofundamento dos la9os com a sociec!ade portuguesa, com as organiza9oes profissionais e com as personalidades comas quais o Instituto manteve ou tem mantido rela9ao. Igualmente, as iniciativas a desenvolver c!everiam constituir uma oportunidade de reflexao sobre os desafios que se colocam ao Instituto. E face a este desic!erato que me proponho proceder a um breve balan9o das comemora9oes, pontuar alguns dos mm路cos hist6ricos significativos na vic!a do Instituto e ensaiar uma reflexao sobre alguns dos principais desafios que se colocam a nossa institui9ao. I
Ao longo de c!ez meses o ISSS vestiu o olhar de verde e fez a festa dos seus 60 anos. Atraves de ciclos de debates em Lisboa e Beja estivemos em rela9ao com per*
Presidente da Direc9ao do ISSS. Comunica9ao proferida na Sessao Solene de Encerramento das Comemora96es dos 60 anos do ISSS, Lisboa, Maio 1996. 1
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Francisco Branco
sonalidades do meio academico, profissional e de organiza~oes sociais, partilhando e debatendo quest6es de relevante actualidade. Atraves de jornadas nacionais e regionais o ISSS estabeleceu contacto estreito corn organiza~6es empregadoras e profissionais trazendo areflexao temas relevantes para a forma~ao em Servi~o Social ea politica de rela~ao e apoio acomunidade. Realizamos, corn organiza~ao da Associa~ao de Estudantes, urn ciclo de cinema sobre os direitos humanos e as minorias. Lan~amos urn processo interno de reflexao sobre a revisao do Piano de Estudos tendo igualmente promovido atraves da Coordena~ao Geral de Estagios urn encontro de reflexao sobre esta materia como os orientadores dos locais de estagio. Recentemente, promovemos o Encontro sobre Forma~ao em Trabalho Socialmodelos de rela~ao teoria-pratica na forma~ao, corn a participa~ao de diversas escolas europeias corn que o ISSS mantem la~os de coopera~ao. Na passada 3." feira, procedemos ao lan~amcnto do livro sobre a obra e a vida do Padre Honorato Rosa, urn momento de grande significado no quadro destas comemora~oes.
Igualmente criamos o Fundo Honorato Rosa - ISSS corn a finalidade de promover o desenvolvimento do ensino e da pesquisa de alunos e professores na area do Servi~o Social I Polfticas Sociais, atravcs de apoios a actividades de pesquisa, ensino e difusao relevantes para o descnvo!vi111ento desta area. Hoje, na primeira actividade realizada no ambito deste Fundo, proccderemos a atribui~ao do premio de merito Honorato Rosa - ISSS. 0 balan~o e a nosso ver muito positivo e cstamos certos que a realiza~ao das actividades nao concretizadas, quer pela sua natureza quer por exigencias de organiza~ao, como o Congresso previsto para Novembro, refor~arao ainda mais esses resultados. Em nome da Direc~ao do ISSS quero agraclecer aos docentes e personalidades que aceitaram o nosso convite para intcgrar a Comissao de Honra. Quero igualmente agradecer aos membros cla Comissao Executiva. Expresso igualmente os meus agraclecimentos a todos quantos, directa ou indirectamente, contribufram para a viabiliza~ao clas actividades clestc programa de comemora~oes. Quero finalrnente agracleccr, a Cinemateca Nacional, Carnara Municipal de Beja, ao Instituto Alernao, a Secretaria de Estado da Seguran~a Social, os apoios logfsticos e financeiros que nos concecleram. II
A hist6ria deve ser escrita pelos historiadores, pelos investigadores em geral, quando o tempo ja permitiu a decanta~ao dos factos e contextos e a distancia, e/ou lnteiTOl('do
Social, /J/14, 1996
Os 60 Anos do ISSS: Entre a Hist6ria e os Desafios do Futuro
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mesmo o desaparecimento ffsico de alguns dos seus principais protagonistas, permitem o arrefecimento das paixoes, envolvimentos e interesses. Aceito no entanto o risco de pontuar mm路cos, contextos e figuras que teceram e vem tecendo a nossa hist6ria institucional, e que numa interpreta~ao pessoal, apoiada em alguns estudos e pesquisas e numa vivencia institucional de quase 25 anos, me parecem relevantes no percurso e constru~ao da identidade do Instituto. Trata-se de assumir urn risco necessaria, contra a cultura do esquecimento, contra o branquemento da hist6ria, contra a auto-desvalia. 0 Instituto tern razoes para se orgulhar do seu percurso hist6rico, como primeira escola superior de ensino particular do pafs, corn relevantes servi~os prestados a sociedade portuguesa e as suas institui~oes e organiza~oes sociais. Mas a riqueza do ISSS nao se confina ao seu papel social e utilidade publica. 0 Instituto condensa, hoje, urn importante patrim6nio cultural e cientffico. No plano da cultura organizacional e de gestao, o Instituto deve valorizar o facto de ser detentor de uma cultura democratica e participativa . A democratiza~ao das estruturas de gestao, a participa~ao dos diferentes actores institucionais na vida da Escola, o reconhecimento do direito de expressao, organiza~ao e participa~ao dos estudantes, professores e funcionarios e uma aquisi~ao institucional que, sendo naturalmente potenciada pela liberdade que Abril de 74 devolveu ao pafs e aos portugueses, marcou a experiencia da Escola pelo menos desde o infcio dos anos 60. Nestes 60 anos de actividade, e particularmente tambem desde os anos sessenta, o Instituto Superior de Servi~o Social, ensaiou, estruturou e consolidou uma concep~ao de forma~ao dos profissionais da interven~ao social que deve ser destacada como o seu principal patrim6nio e riqueza e lhe permitiu alcan~ar uma posi~ao singular no contexto europeu. Num contexto socio-polftico particularmente diffcil e avesso as Ciencias Sociais, o ISSS soube desconfessionalizar o ensino, construir uma concep~ao do Servi~o Social como profissao e basear a sua forma~ao no quadro das Ciencias Sociais e Humanas. 0 Plano de Estudos elaborado em 1983/84, e implementado em Outubro de 1985, instrumento relevante do processo que conduziu ao reconhecimento da licenciatura em Servi~o Social, sintetizou urn percurso em que a forma~ao em Ciencias Sociais e a perspectiva da Interven~ao Social se articularam de uma forma progressivamente mais rica e potenciadora. Outro patrim6nio com futuro do ISSS, e o lugar que desde sempre foi reservado aos estagios curriculares na forma~ao em Servi~o Social. Presentes no primeiro Plano de Estudos oficial de 1939, os estagios tern constitufdo ate ao presente uma componente estrutural da forma~ao, concebidos como nfvel defomwfiio prcitica, de Inte~ww;do
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Francisco Branco
servi(:o et comunidade e de rela[,:aO cam a vida social ea profissao, acompanhando naturalmente a sua orienta~ao as transforma~5es da linha enformadora da forma~ao. Este importante patrim6nio cultural e cientffico, e produto hist6rico do cruzamento rico de pessoas e projectos diversos. De entre muitos que fizeram a hist6ria da nossa institui~ao nestes seus 60 anos de vida, o Padre Honorato Rosa, foi indiscutivelmente uma das personalidades que marcou profundamente a hist6ria do Instituto e que contribuiu decisivamente para a afirma~ao da escola e do Servi~o Social como disciplina das Ciencias Sociais e Humanas orientada para a Interven~ao Social. A democratiza~ao das estruturas institucionais, a renova~ao e profissionaliza~ao do corpo docente, a corajosa abertura aos desafios sociais e politicos do seu tempo, uma concep~ao alargada e integrada da voca~ao institucional recobrindo as areas da forma~ao permanente, divulga~ao e extensao cultural, assessoria e pesquisa social, a viragem para uma nova polftica de forma~ao em Servi~o Social fundada nas Ciencias Sociais e Humanas, sao alguns dos principais vectores de uma nova orienta~ao polftico-institucional e cultural que o Instituto percorreu corn o Padre Honorato Rosa. 0 documento programatico que propos adiscussao dos professores ao iniciar o seu mandato, e que a oportunidade da publica~ao do livro sobre a sua obra e personalidade, trouxe de novo a lume, euma prova eloquente da visao institucional de Honorato Rosa. Convido-vos a todos a le-lo, na convic~ao de que descobrireis que muitas das orienta~5es e prop6sitos que veem marcando a nossa vida colectiva mais recente, ja ha muito integravam o nosso patrim6nio, o projecto de ser, Escola Superior Universitaria. A direc~ao colegial por si constitufda teve na Dr." Margarida Abreu um destacado elemento, pelo seu papel relevante no csfor~o de reflexao crftica, conceitua~ao e perspectiva~ao da forma~ao em Servi~o Social e da profissao. Na sua condi~ao de professora e sub-directora produziu obra escrita de indiscutfvel pertinencia e essencial ao estudo do Servi~o Social em Portugal. Quando Abril nos visitou, o Instituto ja vinha treinado, desde os anos sessenta, para a modernidade (Fernandes, 1985). A nfvel da forma~ao, as linhas de evolu~ao estavam tra~adas desde 1972/73, e a experiencia de gestao que se tinha desenvolvido permitiu a Escola encontrar as solu~5es institucionais adequadas a transi~ao para um novo contexto s6cio-polftico. Nos anos imediatos, a ac~ao da Instituto e marcada por dois prop6sitos essenciais: a integra~ao na organica do ensino superior oficial e a articula~ao da forma~ao em Servi~o Social com as outras areas das Ciencias Sociais. Muitos esfor~os foram neste sentido desenvolvidos sendo de destacar a participa~ao no Grupo de lnterren(路tlo Social, 13114, !996
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Trabalho Encarregado da Reorganiza9ao dos Pianos de Estudos dos Cursos de Ciencias Sociais, que previa a cria9ao da Licenciatura em Servi9o Social. Processos corn o mesmo objectivo foram desenvolvidos corn a Faculdade de Ciencias Sociais e Humanas da Universidade Novae o ISCTE. 0 prop6sito de ser parte integrante do Ensino Superior Publico e parceiro de outras forma96es universitarias na area das Ciencias Sociais e Humanas nao foi atingido mas constitui uma referencia institucional que importa resgatar. Nessa fase da vida do Instituto permito-me destacar duas figuras marcantes: os docentes Ernesto Fernandes e Manuela Portas, membros de diferentes e sucessivos Conselhos Directivos entre 1974 e 1984, e principais responsaveis pelo ~rojecto que animou o Instituto neste periodo riquissimo da nossa vida colectiva. A sua lideran9a estao igualmente associados a cria9ao do Departamento de Formayao Permanente (1981 ), o lan9amento da Re vista Intervenyao Social (1984) e a decisao estrategica de elabora9ao e de aprova9ao do Plano de Estudos da Licenciatura em Servi9o Social (1983/84), corn a dura9ao de 5 anos, que viria a ser implementado no ano lectivo 1985/86. A partir de 1985/86 o rcconhccimcnto do grau de licenciatura passa a ser o principal objectivo institucional. Num longo e importante movimento, que mobilizou o meio academico e o corpo profissional, o reconhecimento da Licenciatura em Servi9o Social veio a ser consagrado em Setembro de 1989. Acto de justi9a no reconhecimento social da profissao e da forma9ao ministrada pelo Instituto, este processo teve, nesta fase decisiva, na Dr. a Maria Augusta Negreiros, a principal protagonista por parte do ISSS. A sua determina9ao politica e persistencia foram decisivas para a sua concretizayao. Sob a sua lideran9a o ISSS veio igualmente a desenvolver, a partir de Fevereiro de 1987, o Programa de Mestrado e Doutoramento em Servi9o Social, atraves de um protocolo de interdimbio com a PUC-SP, linha essencial ao desenvolvimento da Escola. Outro marco relevante nesta fase da vida institucional foi a constituiyao, em Abril de 1986, da Cooperativa Instituto Superior de Servi9o Social, CRL, materializando a op9ao pela forma cooperativa como via de ultrapassar a situa9ao de indefiniyao juridico-institucional em que o ISSS se encontrava desde 1974. Registe-se na defesa e anima9ao da solu9ao cooperativa o papel do Dr. Jorge Cabral que viria a ser o seu primeiro presidente da Direc9ao. Neste breve olhar pela hist6ria dos 60 anos da nossa institui9ao cometemos inevitavelmente o pecado da omissao. Por desconhecimento, por proximidade e envolvimento tambem. Todos sabemos que o percurso das institui96es e a sua cultura e um produto colectivo. A actual direc9ao do Instituto quer pois igualmente significar um agradecimento geral a todos quantos, ontem e hoje, tem tecido e actualizado 1nterren\路ao Social, 13114. 1996
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este Projecto. Permitam-me no entanto, no contexto desta sessao, destacar ainda as figuras da Dr." Maria Carlota Lobato Guena directora da Escola entre 1950 e 1963 e de quem o Instituto e profundamente devedor de reconhecimento. A Dr." Maria Leonor CotTea Botelho, que assumiu a Direc9ao do ISSS ap6s a morte do P. Honorato Rosa, num perfodo particularmente dificil da vida institucional. 0 Dr. Carlos Augusto Fernandes de Almeida, director do ISSS entre 1968 e 1973, corn urn destacado papel na consolida9ao do modelo de forma9ao, na inova9ao das pniticas pedag6gicas e nos dispositivos de gestao e participa9ao. Entrei como aluno no Instituto, no perfodo da sua Direc9ao e posso pois testemunhar a riqueza do espago formativo que soube potenciar. 0 Dr. Mario Lages que assumiu a Direc9ao do Instituto em Dezembro de 1973 e que veio a integrar o primeiro Conselho de Gestao ap6s Abril de 1974. Ill
0 Instituto Superior de Servi9o Social dispoe hoje, pesem embora todas as dificuldades, de urn estatuto institucional estavel e de urn reconhecimento academico traduzido na atribui9ao da licenciatura e mestrado em Servi9o Social. Neste quadro, a divisa "integra9ao ou morte" que os estudantes do ISSS escolheram como sua bandeira, pode parecer hoje falha de sentido, pois nem a integra9ao se consumou nem a morte ocorreu. Importa no entanto tomar consciencia que o Instituto paga ainda hoje os custos da sua nao integragao no sistema de ensino superior publico e convfvio cientffico corn outras forma9oes universitarias na area das Ciencias Sociais e Humanas. A autonomia institucional se potenciadora e vantajosa em muitos pianos, explica igualmente os atrasos acumulados em termos de estrutura9ao, moderniza9ao e desenvolvimento organizacional. A uni-disciplinaridade, se facilitadora da defesa de urn estatuto academico e profissional, e limitadora do processo de constru9ao de uma identidade divergente, num campo aberto e partilhado, corn outras areas de conhecimento e especialistas da interven9ao social. Neste sentido ser institui9ao privada de natureza cooperativa tern significado tambem a falta de apoio estatal a uma organiza9ao que ate hoje tern assegurado uma forma9ao que nao e proporcionada pelo sistema publico de ensino e que, sem fins lucrativos, tem ao longo da sua existencia desempenhado urn relevante papel de utilidade social. Ser uni-disciplinar tern significado estar limitado na participa9ao directa no debate cientffico e academico no meio universitario das Ciencias Sociais. Ter obtido o reconhecimento academico da forma9ao e atingido estabilidade jurfdica foi porventura o dobrar do Cabo das Tormentas do Servi9o Social e do ISSS, mas a nossa viagem continua no entanto em demanda do Oriente. Sao muitas lnter\'eni路clo Social, 13114, 1996
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e complexas as tarefas e desafios que tem que necessariamente integrar o nosso programa de acyao institucional nos pr6ximos e decisivos anos. Num plano, mais imediato, em face das actuais exigencias sociais, do novo enquadramento normativo do ensino superior particular e cooperativo, e da perspectiva da avaliayao do ensino superior publico e privado, colocam-se ao ISSS importantes desafios: - a qualificayao cientlfica e pedag6gica do seu corpo docente, factor essencial a consolidayao e aprofundamento da qualidade de ensino, para o que concorre igualmente a necessidade de revisao e aperfeiyoamento do Piano de Estudos da Licenciatura; - o reforyo da cooperayao institucional com instituiy6es universitarias; -a melhoria das condiy6es funcionais e de conforto para os que em Lis boa e Beja, aqui trabalham e estudam, atraves do alargamento e beneficiayao das instalay6es; -a criayao das condiy6cs institucionais a autonomizayao do Polo de Beja; -a modernizayao das estruturas administrativas ea melhoria e alargamento dos serviyos de apoio aos cstudantes (Biblioteca, Centro de Rccursos de Informatica, Centro de Recursos Audiovisuais, etc ... ); - o aprofundamento da polftica de apoio social aos estudantes. Num piano mais estrategico destaco duas linhas essenciais. Em primeiro lugar a definiyao de um piano de desenvolvimento estrategico que posicione o ISSS no contexto actual do sistema de ensino superior e especificamente do sub-sector particular e cooperativo. Trata-se de um campo que, ainda que se registe a presenya reguladora do Estado, e cada vez mais uma area sujeita as regras da economia competitiva e aberta, o que significa que a posiyao no mercado de ensino passa a ser decisiva para a sobrevivencia das escolas-empresas ainda que empresas-cooperativas. 0 ISSS precisa pois, sem prejufzo de exigir e negociar com o Ministerio da Educayao melhores condiy6es de apoio ao seu desenvolvimento, de realizar uma seria avaliayao das suas vantagens estrategicas e desenvolver a sua capacidade competitiva, que hoje ja nao passa, como no passado, pelo valor das propinas cobradas. Em segundo lugar, o aprofundamento da polftica de desenvolvimento cientffico da Escola. Importa nao perder de vista que, o que hoje esta em causa nao e mais somente a ruptura da ciencia com o senso comum, mas, como assinala Boaventura Sousa Santos, a grande questao que se coloca actualmente a Universidade (e aos cientistas) eo de abrir caminho para uma nova relayao entre ciencia e senso comum, isto e, a produyao de um saber pratico que ajude a dar sentido e autenticidade aexislnteJWil('<iO Social, 13114, 1996
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Francisco Branco
tencia humana (Santos, 1987). Assim sendo efundamental que a politica cientffica nao desvalorize a formagao pnitica, a area dos estagios, e invista seriamente na qualificagao dos docentes e no desenvolvimento te6rico-metodol6gico desta area essencial ao aprofundamento da qualidade do ensino-aprendizagem. Simultaneamente e necessaria que a qualificagao cientffica dos docentes nao promova a formagao de especialistas sem capacidade pedag6gica, sentido da realidade social e pensamento crftico, num cientificismo fechado e academicista. Do mesmo modo, outra vertente do desenvolvimento da politica cientffica passa pela necessidade de maior delimitagao das areas de especializagao, de "expertise", da escola em termos de pesquisa e produgao de conhecimento, vertente essencial aclarificagao das suas vantagens comparativas e potencialidades na relagao corn outras entidades e instituigoes universi tarias.
IV Uma ultima palavra para os finalistas da licenciatura em Servigo Social. V6s ides iniciar a vossa vida profissional em condigoes de exercicio exigentes quer pelo contexto profissional propriamente dito quer pelo contexto social. Urn contexto profissional caracterizado por uma importante taxa de desemprego de licenciados num quadro de significativa expansao da area das Ciencias Sociais e Humanas, pela alteragao da natureza do trabalho, pela sua maior precaridade e pelo crescimento do trabalho independente. Urn contexto social marcado por importantes problemas sociais como o desemprcgo, a pobreza e a exclusao social. Condigoes exigentes pois vos esperam. Estamos certos que sabereis honrar a vossa formagao e o vosso diploma, valorizando uma cultura profissional referenciada pelos Direitos Humanos e Sociais e abragando o vosso trabalho corn profissionalismo, generosidade e paciente esperanga. A Escola espcra estar aaltura de vos proporcionar oportunidades de formagao ao longo da vossa vida profissional e conta convosco como interlocutores privilegiados para continuar a manter fortes lagos de relagao corn a sociedade portuguesa e as suas organizagoes. Bern hajam!
lnteJWil('<lo Social. 13114, 1996
COMEMORA<;OES DOS 60 ANOS DO ISSS, 1935-1995 Ernesto Fernandes
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1. Significado das comemorac.;oes Completaram-se, a 17 de Mar9o passado, 60 anos de normal e regular funcionamento do Instituto. Criado em 1935, o ISSS pode pois apresentar como seu pergaminho ser a primeira escola superior de ensino particular em Portugal. 0 Instituto tern conhecido ao longo dos seus 60 anos de vida urn processo de desenvo1vimento e afirma9ao, apresentando-se como uma escola de ensino superior particular corn um importante patrim6nio cientffico e cultural e com relevantes servi9os prestados a sociedade portuguesa e as suas institui96es e organiza96es sociais. A celebra9ao da funda9ao do Instituto assume, no actual contexto de forte expansao da area das Ciencias Sociais e Humanas e de crescente exigencia colocada ao ensino superior em Portugal, uma relevancia fundamental. A sua comemora9ao deve contribuir para a valoriza9ao do capital hist6rico do Servi9o Social, aprofundamento dos 1a9os corn a sociedade portuguesa, corn as organiza96es profissionais e corn as personalidades com as quais o Instituto manteve ou tem mantido rela9ao. Igualmente, as iniciativas a desenvolver devem constituir uma oportunidade de reflexao sobre os desafios que se colocam ao Instituto e a forma9ao em Ciencias Sociais para a Interven9ao Social.
2. Programa SESSAO PUBLICA DE APRESENTAyAO DO PROGRAMA ISSS- Lis boa, 17 de Mar9o de I995 - 18 horas • Apresenta9ao do Programa Preliminar das Comemora96es pelo Dr. Francisco Branco, Presidente da Direc9ao do Instituto • Anuncio da constitui9ao da Comissao de Honra e da Comissao Executiva *
Relator da Comissao Executiva das
lntnwn~·i/o
Social, 13/14, 1996
Comemora~6es.
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Ernesto Fernandes
SEMINARIO EUROPEU DAS ESCOLAS DE SERVI<::O SOCIAL- DIREITOS
HUMANOSEFORMA9AOEMSER~90SOCML
Lisboa, Hotel Alfa, 30 de Abtil, 1 e 2 de Maio de 1995 Na sequencia dos Serninarios Europeus das Escolas de Servi9o Social (Barcelona - 1987, Liege- 1991, Turirn- 1993) e sob a egide de urna iniciativa conjunta da Federa9ao Internacional das Associa96es de Assistentes Sociais e da Associa9ao Europeia de Escolas de Servi9o Social, coube a Portugal a organiza9ao deste Serninario: Francisco Branco, Presidente (ISSS de Lisboa), Ernilia Corga Machado (ISSS de Coirnbra), Helena Neves Alrneida (Instituto Bissaya Barreto), Lufsa Costa Pinto (ISSS do Porto) e Paula Vieira (ISSS do Porto) Configura9ao: Conferencias, paineis e 4 workshops • Direitos Hurnanos na Forrna9ao ern Servi9o Social • Escolas de Servi9o Social: Contextos e Processos de Aprendizagern da Cidadania e dos Direitos Hurnanos • Direitos Hurnanos e Etica Profissional • Modalidades de Coopera9ao entre as Escolas de Servi9o Social para a Promoyao da Investiga9ao Social Participantes: 130 pessoas de 25 pafses, representando 86 Escolas de Servi9o Social SESSAO SOLENE DE ABERTURA DAS COMEMORA<::OES ISSS - Beja, 6 de Julho de 1995 - 17 horas • Abertura da sessao pelo Presidente da Direc9ao do ISSS, Dr. Francisco Branco • Comunica9ao do Prof. Doutor Lufs Moita, Presidente do Conselho Cientffico: Contornos da Ideia de Sociedade • Mensagem de representante dos finalistas do 1.° Curso de Licenciatura em Servi9o Social em Beja • Assinatura de Protocolos de Coopera9ao: Camara Municipal de Beja, Direcyao Regional de Educa9ao do Alentejo e Hospital Distrital de Beja • Actua9ao da Tuna Academica do ISSS - Beja e Porto de Honra • Jantar - Convfvio de professores, estudantes, funcionarios e profissionais CICLO DE DEBATES EM LISBOA 9 de Novembro de 1995- 18 horas, Goethe Institut- Lisboa 0 DESENVOLVIMENTO LOCAL. A REINVEN<::AO DA DEMOCRACIA? • Abflio Fernandes, Presidente da Camara Municipal de Evora • Francisco Branco, Instituto Superior de Servi9o Social lnten·enrilo Social, /3114, 1996
Comemora~iies
dos 60 A nos do JSSS, !935-!995
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16 de Novembro de 1995 - 18 horas, Goethe Institut- Lis boa A SOCIEDADE DOS MEDIA E AS QUESTOES SOCIAlS: REALIDADE OU SIMULACRO? • Aida Ferreira, Instituto Superior de Serviyo Social de Coimbra • Miguel Portas, Jornalista do Expresso • Paquete de Oliveira, Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa 23 de Novembro de 1995 - 18 horas, ISSS - Lisboa RELIGIOSIDADE E DES-SACRALIZA~AO. A TRADI~AO E 0 MODERNO? • Ant6nio Matos Ferreira, Centro de Estudos Hist6ricos - Univ. Cat6lica • Frei Bento Domingues, Te6logo • Micael Pereira, Instituto Superior de Serviyo Social 28 de Novembro de 1995 - I8 hon1s, Goethe Institut- Lis boa PROFISSIONALIZA~AO E 0 GENERO. AS PROFISSOES ESCOLHEM 0 SEXO? • Cristina Gomes da Silva, Escola Superior de Educayao de Setubal • Nuno Caiado, Instituto de Reinseryao Social • Virginia Ferreira, Faculdade de Economia- Universidade de Coimbra JORNADAS 0 ISSS E A COMUNIDADE REGIONAL 9 de Novembro de 1995-9.30117.30 horas, ISSS- Beja Organizay6es e tecnicos com quem o ISSS mantem relay6es de cooperayao, estabelecimentos de ensino superior, profissionais de Serviyo Social, professores e alunos do ISSS. Abertura pelo Presidente da Direcyao do Instituto, Dr. Francisco Branco e pelo Eng. 0 Vftor Silva, vereador da Camara Municipal de Beja. Comunicayao: A experiencia do ISSS ao Nfvel da Formayao na Relayao com a Comunidade Regional, pelas Dr.as.Ant6nia Lufsa Silva, Emilia Santos e Karla Moura. Painel: A Universidade ea Comunidade Regional, participayao do ISSS, Associayao de Municfpios do Distrito de Beja e Esdime. /11/en·ellriio Social, 13114, 1996
Ernesto Fernandes
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Grupos de Trabalho: A realidade s6cio-econ6mica da regiao c a formayao em Serviyo Social 0 aprofundamento do papel dos cstagios e da investigayao na relayao corn a comunidade 0 desenvolvimento de actividadcs de cxtcnsao na perspcctiva da prestayao de apoio acomunidade
Manijesta98es culturais JANTAR COMEMORATIVO DOS 60 /\NOS 29 de Novembro de 1995 - 20 horas, Lisboa Convidados, professorcs, estudantcs, funcionarios, profissionais, familiares e amigos, de ontem e de hoje.
Organiza9Cio: Ex-alunos - Edmundo Martinho, Lufs Cruz e Silva e Ines Cordovil JORNADA RENDIMENTO MfNIMO Ci/\R/\NTIDO: Urn Novo Passo para a Cidadania? 14 de Dezembro de 1995, 10 - 18 horas, I!otcl Penta- Lis boa, Abertura pelo Presidente da Direcyao do !nstituto Superior de Serviyo Social
Primeira Sessdo: ABORDAGEM PO! ,(TIC/\ • Paulo Pedroso, Adjunto do Ministro da Solidariedade e Seguranya Social • Jose Penedos, representantc clo Cirupo Parlamentar do PS • Rui Rio, representante do Grupo Parlamentar do PSD • Lino de Carvalho, represcntantc do Grupo Parlamentar do PCP • Nuno Correia da Silva, rcprcscntantc do Grupo Parlamentar do PP Segunda Sessao: ABORDAGEM SOCIAL • J. Ant6nio Pereirinha, prokssor do !SEG • Maria do Carmo Tavarcs, rcprcscntante da CGTP • Padre Vftor Melfcias, rcprcscntantc da Uniao c\as Miseric6rdias representante da Uniao c\as IPSS Encerramento pelo Ministro da Solidaricc\ade e Seguranya Social Organiza9clo: Professores dos Scminarios de Investigayao em Serviyo Social lntt'l"l'£'11\iw
Social, 131/-1, J99fj
Comemora~6es
dos 60 Anos do ISSS, 1935-1995
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JORNADAS INTERNAS - REVISAO DO PLANO DE ESTUDOS DE 1985 9 de Janeiro de 1996, ISSS -Lisboa, Sessao de abertura pelo Presidente da Direc9ao do Instituto, Presidente do Conselho Cientffico e Representante do Conselho Pedag6gico. Entre Janeiro e Maio: discussao alargada a toda a Escola, recolha de contributos e elabora9ao de documentos - sfntese a ser presente aos 6rgaos academicos JORNADAS NACIONAIS -- 0 SERVI<;::O SOCIAL NO SEC. XXI ISSS - Lisboa Destinatcirios:
Escolas de Servi9o Social, Associa96cs de Profissionais, Empregadores Publicos e Privados, Empregadores do Sector Social, Associa96es Sindicais e Associa96es de Estudantes, Especialistas das Ciencias Sociais e Interven9ao Social. 25 de Janeiro de 1996 Abertura pelo Presidente da Direc9ao do ISSS 1. 0 Painel: A Forma9ao em Servi9o Social em Portugal- realidades e estrategias Instituto Superior de Servi9o Social - Lisboa, Instituto Superior de Servi9o Social de Coimbra, Instituto Superior de Servi9o Social do Porto, Instituto Superior Universitario Bissaya Barreto Coordenafiio: Francisco Branco- ISSS 2. 0 Painel: 0 Contexto Portugues no Sec. XXI- visoes prospectivas Soromenho Marques - FLL CoordeTwf路iio: M." Luis Rocha Pinto- FCSH I ISSS 26 de Janeiro de 1996 3. 0 Painel: Novos Cenarios para o Mercado de Trabalho dos Assistentes Sociais M.a Margarida Chagas Lopes - ISEG Acacio Catarino - Caritas Portuguesa CoordeTWfiio: Dinah Ferreira 4. 0 Painel: A Etica nas Rela96es Sociais - Abordagem para o Exercicio Profissional Manuel Jose Carmo Feneira- FLL Lufs Moita- UAL I ISSS Coordenafiio: F. Micael Pereira- ISSS lnterrenrao Social, /3114, 1996
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Ernesto Fernandes
Conclusoes das Jornadas Encerramento pelo Presidente do Conselho Cientffico do ISSS CICLO DE DEBATES EM BEJA 1 de Fevereiro de 1996, Quinta-feira, 18 horas, ISSS- Beja ALENTEJO: IDENTIDADES E DESAFIOS • Claudio Torres (Campo Arqueo16gico de Mertola) • Joao Cordovil (Economista- Area Desenvolvimento Regional) • Rogerio Roque Amaro (ISCTE) Poesia popular e artesao ao vivo 7 de Fevereiro de 1996, Quarta-feira, 18 horas, ISSS - Beja ALENTEJO: REALIDADES E POLfTICAS SOCIAlS • Rui Sousa Lopes (Administra9ao Regional de Saude - Beja) • Jose Ilheu (Universidade de Evora I ISSS) Coro da Camara Municipal de Beja 13 de Fevereiro de 1996, Ter9a-feira, 18 horas, ISSS- Beja
EDUCA~AO PARA 0 DESENVOLVIMENTO: PRATICAS E PERSPECTIVAS
• Ant6nia Raminhos (Camara Municipal de Evora) • Ernesto Fernandes (Instituto Superior de Servi9o Social) Tuna do Instituto de Beja CICLO DE CINEMA MINORIAS Cinemateca Portuguesa- Lisboa 11 de Mar9o de 1996- 18.30H Dom Za Vesanje - 0 Tempo dos Ciganos, de Emir Kusturica 12 de Mmw de 1996- 18.30H Pixote, A Lei do Mais Fraco, de Hector Babenco 13 de Mar9o de 1996- 18.30H Working Girls- As Profissionais do Sonho, de Lizzi Bor·den lntervenrdo Social, 13114, /996
Comemon19iScs dos 60 Anos do ISSS, 1935-1995
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14 de Mar9o de 1996- 18JOH 0 Banquete de Casamento, de Ang Lee 15 de Mar9o de 1996- 18JOH One Flew Over The Cuckoo's- Voando sabre um Ninho de Cucos, de Milos Forman Organizaqiio: Associa9ao de Estudantes do Instituto em colaborayao corn a Cinemateca Portuguesa Museu do Cinema, MAR\=0 MES DA MULHER ISSS Lisboa 6 de Mar9o de 1996, 17JOH lgualdade e Direitos das Mulheres Mesa Redonda: Eloisa Perista e CIDM 8 de Mar9o de 1996, 17 JOH Masculino e Feminino,· A Constru~·ao Social da Diferenqa Conferencia: Ugia Amancio 19 de Mar9o de 1996, 17 JOH A Mu/here a Famflia Conferencia: Karin Wall Organizaqiio: Professores dos Semimhios de Investiga9ao do 5. 0 Ano
COLOQUIO RENDIMENTO MfNIMO GARANTIDO E ESTRATEGIAS DE LUTA CONTRA A POBREZA NO CONTEXTO SOCIAL DO ALENTEJO 23 de Mar9o de 1996, Audit6rio do NERBE- Beja Objectivos • Animar urn debate sobre o Rendimento Minimo Garantido como medida de Politica Social orientada para a luta contra a pobreza • Contribuir para uma reflexao sobre estrategias de luta contra a pobreza no contexto social do A1entejo lnten·enrlio Social, 13114, 1996
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Ernesto Fernancles
Convidados • Representante do Ministerio da Solidariedade e Seguran~a Social • Eng. Victor Silva- Vereador da Carnara Municipal de Beja • Dr. Eugenio da Fonseca- Sec~ao Distrital de Beja da Uniao das IPSS
Programa Abertura dos Trabalhos pelo Governador Civil de Beja Interven~ao dos Convidados Intervalo Debate
ENCONTRO FORMAC,:AO EM TRABALHO SOCIAL- INTERCAMBIO UNIVERSITARIO NO CONTEXTO EUROPEU 29 e 30 de Abril de 1996, ISSS - Lisboa Escolas de Trabalho Social Europcias (Orebro - Suecia; StavangerNoruega; Aarhus- Dinarnarca; Helsinquia Fin!andia; Col6nia e Koblenz Alernanha; Lancaster e Londres- Rei no Unido; Liege e Geel- Belgica; Paris - Fran~a; Barcelona- Espanha; Maastricht Holanda) Institui~oes Cooperadoras no ambito do Prograrna Erasrnus e dos estagios Associa~oes Representati vas de Assistentes Sociais Escolas de Servi~o Social Professores e alunos do ISSS Manifesta~ao
cultural
Jantar corn anirna~ao circense no Chapit6
SESSAO DE HOMENAGEM A HONORATO ROSA (docente e Director do Instituto, 1953-1968) 7 de Maio de 1996 - 18 horas, /SSS - Lisboa •
Comunica~ao
do Presidente da Direc~ao do Instituto sobre o scntido da homenagem: cria~ao do Fundo Honorato Rosa- ISSS (Fundo corn a finalidade de promover o desenvolvimento do ensino e da pesquisa na area do Servi~o Social I Politicas Sociais, atraves do apoio a actividades de investiga~ao, ensino e difusao relevantes para o descnvolvimento desta area; financiamento por ISSS, CRL e subscri~ao anual de contribuintes pessoais e colectivos, entiIntnwn(·do Social. 1311-1. 1996
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Comemorayoes dos 60 Anos do ISSS, 1935-1995
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dades publicas e privadas) e edi~ao do Livro A Dignidade Humana. As Coisas tem Pre~o. 0 Homem Dignidade (em co-edi~ao coma Multinova) Interven~ao do Senhor Bispo D. Albino Cleto em representa~ao do Senhor Cm·deal Patriarca Apresenta~ao do Livro pelo Dr. Ernesto Fernandes (organizador do Livro) e pelos estudantes: Ana Dias, Catarina Sabino, Henrique Joaquim eVictor Silva Leitura da Acta de cria~ao do Fundo e tomada de posse dos membros do Conselho Directivo do Fundo: Presidente, por inerencia, Dr. Francisco Branco, Presidente da Direc~ao do Instituto; Dr. Ernesto Fernandes e Dr. Miguel de Sousa (convidados) Actua~ao da Tuna do Instituto de Lisboa Porto de Honra
ABERTURA SOLENE DO I MESTRADO EM SERVI\=0 SOCIAL 21 de Maio de 1996, 17 horas, ISSS- Lisboa Ap6s os Cursos de Mestraclo rcalizados no ambito do Protocolo PUC/SP o Instituto e autorizado a ministrar o Mestraclo em Servi~o SociaL Inte l'Vellfi5es: Hirondina Chitas, Presidentc cla Direc~ao do ISSS, CRL Alcina Martins, Professora do Mestrado Maria Augusta Negreiros, Coordenadora do Departamento de
ISSS,
P6s-Gradua~ao
SESSAO SOLENE DE ENCERRAMENTO DAS COMEMORA\=OES 10 de Maio - 17 horas, ISSS -Lis boa • • • • • •
Comunica~ao do Prcsidente da Direc~ao do Instituto, Dr. Francisco Branco: 60 Anos do Instituto Superior de Servi~o Social- Entre a Hist6ria e os Desafios do Futuro Leitura da Mensagem do Senhor Presidente da Republica Mensagens da Direc~ao da Cooperativa ISSS-CRL, Conselho Cientffico, Conselho Pedag6gico e Associa~ao de Estudantes Atribui~ao do Premio de Merito Honorato Rosa- ISSS Atribui~ao da Medalha Comemorativa dos 60 Anos do ISSS aos Membros da Comissao de Honra e a Personalidades da Hist6ria do Instituto Homenagem a professores e funcionarios com 25 ou mais anos de servi~o, com atribui~ao da Medalha Comemorativa dos 60 Anos do ISSS
lnterl'enrilo Social, 13/14, /996
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Ernesto Fernandes
• Entrega de Diplomas aos Licenciados do Curso 1990/95 • Actua~ao da Tuna Academica do ISSS • Porto de Honra GUIA ISSS, Outubro de 1996 Publica~ao informativa sobre a Licenciatura em Servi~o Social, a hist6ria, estatuto institucional, organiza~ao e funcionamento do ISSS, da responsabilidade da Direc~ao do ISSS.
3. Medalha comemorativa e homenageados Corn concep~ao plastica de Segismundo Pinto, docente do Instituto, e realizada a titulo gracioso, foram editados 300 exemplares da medalha comemorativa dos 60 Anos do ISSS. Na qualidade de membros da Comissao de Honra foram agraciados :Prof. Doutor Lufs Moita, Prof. Doutor Manucl Farto, Dr. Jorge Cabral, Dr." Maria Augusta Negreiros, Dr. Fernando Micael Pereira, Dr." Manuela Portas, Prof. Doutor Francisco Pereira de Moura, Dr." Margarida Abreu, Dr. Carlos Augusto Almeida, Dr." Joaquina Madeira, Dr." Teresa Abrantes, Dr." Fernanda Rodrigues. Foram igualmente agraciados pelo seu papel na hist6ria do Instituto, as personalidades: Dr." Maria Cm·lota Lobato Guerra, Dr." Maria Leonor Correia Botelho e Prof. Doutor Mario Lages. Aos professores e funcionarios, em exercfcio ou em situa~ao de reforma, corn 25 ou mais anos de servi~o, foi-lhes atribufda a medalha: Fernando Micael Pereira, Maria Augusta Negreiros e Maria Manuela Portas (contemplados ja pela sua perten~a aComissao de Honra); Edite Maria Almas, Maria Amelia Farpela, Miquelina Gouveia, Sara David Lopes e Maria de Lurdes Eliseu; Maria Leonor Gaspar de Almeida e Isaura Reis, por raz5es pessoais, declinaram o agraciamento.
4. Apoios e colabora~ao A nfvel de conferencistas e outros participantes nos debates ou jornadas, a coladeu-se em termos graciosos.
bora~ao
A nfvel institucional, registe-se a colabora~ao das seguintes entidades: • Faculdade de Economia de Coimbra • Goethe Institut Lissabon • ACOS - Associa~ao de Cria~ao de Ovinos do Sui lntelwnran Sncial. 13114. 1996
Comcmorar;ocs dos 60 Anos do ISSS. 1935-1995
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A nfvel financeiro ou logfstico • Secretaria de Estado da Seguranya Social • DGV da Uniao Europeia • Junta Nacional de Investigayao Cientffica c Tccnol6gica • Caixa Geral de Dep6sitos • Banco Comercial Portugues • Camaras Municipais: Lisboa, Amadora, Cascais, Ociras, Cuba • Fundayao Calouste Gulbenkian Internamente, toda a colaborayao dos docentes foi em termos volunUirios, bem como a dos funciom'irios quando realizada para alem do seu horario de trabalho.
5. Comissao de Honra Em representafaO do Conse/ho Cientfjlco Prof. Doutor Lufs Moita (Presidente do Conselho) Prof. Doutor Manuel Farto Dr. Jorge Cabral Membros designados na base da sua antiguidade conw docentes Dr." Maria Augusta Negreiros Dr. Fernando Micael Pereira Dr." Manuela Portas Membros convidados com base lW sua relaf·clo hist6rica com o ISSS Prof. Doutor Francisco Pereira de Moura Dr." Margarida Abreu Dr. Carlos Augusto Almeida Membros convidados a tftulo individual pe/o seu pape/no quadro da profissclo Dr." Joaquina Madeira Dr." Teresa Abrantes Dr." Fernanda Rodrigues
6. Comissao executiva Francisco Branco, Presidente da Direcyao do ISSS Anabela Gomes, Docente em Beja Dinah Ferreira, Docente em Lisboa lnten'l'll{'iio Social, 13/14, 1996
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Ernesto Fcrnancles
Duarte Vilar, Docente em Lisboa Edite Almas, Funcionaria em Lisboa Ernesto Fernandes, Docente em Lisboa Ines Amaro, Associa~ao de Estudantes de Lisboa
7. Materiais de divulga\ao â&#x20AC;˘ Programa Preliminar ISSS 60 ANOS 1935-1995, Beja, Julho de 1995 â&#x20AC;˘ Cartaz ( 1000 exemplares ), Programa (3000 exemp1ares) e Auto-colante de Correspondencia (1500 exemplares): concep~ao e orienta~ao grafica de Jose Manuel Bastos Soares (Mestre em Artes Visuais).
lnterrenr<lo Social, 13/U. 1996
FUNDO HONORATO ROSA - ISSS 0 Instituto Superior de Servi~o Social, no quadro das comemora~oes dos seus 60 anos de existencia, que se completaram em 1995, decidiu instituir um fundo designado Fundo Honorato Rosa - ISSS, em memoria do docente (19531-968) e director do Instituto no perfodo 1963-1968 Neste contexto e para dar a conhecer o pensamento e a personalidade de Honorato Rosa, o ISSS ea Multinova editaram, em 1996, A Dignidade Humana. As Coisas Tem Pre~o. 0 Homem Dignidade (Escritos e Depoimentos), organiza~ao de Ernesto Fernandes.
1. Finalidades e Actividades 1.1 0 Fundo tem como finalidade promover o clesenvolvimento do ensino e da pesquisa nas Areas do Servi~o Socia1/Polfticas Sociais, atraves de apoios a actividades de pesquisa, ensino e difusao relevantes para o avan~o dos conhecimentos nestas areas. 1.2 0 Fundo promove anua1mente uma conferencia, seminario ou jornadas na area da filosofia, da etica ou deontologia, por ocasiao do aniversario de Honorato Rosa (Dezembro). A primeira iniciativa teve lugar a 15 de Janeiro de 1997, coma Conferencia "A Etica nas Rela~oes Profissionais: a quem responde, quem hoje se responsabiliza" proferida pelo Dr. Fernando Micael Pereira. 1.3 0 Fundo instituiu o Premio de Merito Honorato Rosa- ISSS para trabalhos de pesquisa em Servi~o Social, realizados no 5. 0 Ano da Licenciatura em Ser0 0 vi~o Social: 1. premio no valor de 350.000$00 eo 2. premio de 150.000$00, nos termos do respectivo Regulamento. A primeira atribui~ao teve lugar em 1996. 1.4 0 Fun do decidiu atribuir Prcmios 1997, para: 1 o ciclo da Licenciatura em Servi~o Social (media de todas as disciplinas do 1. 0 e 2. 0 Anos); disciplina de Filosofia e Deontologia, do 5. 0 Ano da Licenciatura em Servi~o Social. illlcn'ellrdo Sociol, 13/14, /996
Intcrven~fto
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Social
1.5 0 Fundo em ordem aexpansao da sua actividade decidiu criar o Cfrculo de Membros do Fundo, constituido por todas as pessoas que contribuam com uma quota anual nao inferior a 10.000$00 e/ou ofereyam a sua colaborayao em trabalho voluntario, dentro das suas disponibilidades. 2. Financiamento 0 Fundo serc1 financiado atraves dos seguintes processos: Uma contribuiyao anual do ISSS, CRL Uma subscriyao anual realizada junto de entidades publicas e privadas Contribuiyao anual do Cfrculo de Membros do Fundo Uma subscriyao anual aberta a contribuintes pessoais Donativos f) Resultaclos da aplicayao financeira dos recursos do Fundo, bem como das iniciativas por ele promovidas a) b) c) d) e)
De todas as contribuiyoes sera passada declarayao para efeitos de deduyao no IRS e outros efeitos lcgais. Outras contrapartidas serao equacionadas no ambito da actividade do Funclo
3. Funcionamento 3.1 Comite Directivo 3.1.1 0 Comite Dircctivo e constitufdo pelo Presidente da Direcyao do Instituto, que preside, por um representante da Cooperativa ISSS, CRL e por um professor da area de Servico Social convidado. 3.1.2 Sao competencias do Comite Directivo: Elaborar e aprovar o Regulamento do Premio de Merito e outros Regulamentos necessarios ao seu funcionamento. b) Proceder adivulgayao publica do Fundo e das suas actividades. c) Promover a recolha de fundos de financiamento do Fundo e gerir os seus recursos. d) Elaborar e divulgar, anualmente, Relat6rio referente aactividade do Fundo. a)
3.1.3 0 Comite convoca e fomenta a colaborayao voluntaria do Cfrculo de Membros do Funclo. lnteiTen~'{io
Social. 13114, 1996
Fundo Honoralo Rosa--· JSSS
261
3.2 Comite Cientifico
3.2.1 A fun<;:ao do Comite Cientffico do Fundo competencia do Conselho Cientffico do ISSS. 3.2.2 Sao competencias do Comite Cientffico: a) Dar parecer sobre o Regulamento do Premio de Merito e outros Regulamen-
tos Designar anualmente o Juri do Premio de Merito c) Propor a integra<;:ao de actividades no ambito do Fundo e dar parecer sobre propostas da mesma natureza apresentadas a titulo nominal ou institucional. b)
Lisboa, Setembro de 1997
lnren•enu1o Social, 13114, 1996
PREMIO DE MERITO HONORATO ROSA-- ISSS 0 Instituto Superior de Servi~o Social, no quadro das comemora~oes dos seus 60 anos de existencia, que se complctaram em 1995, dccidiu instituir um fundo designado Fundo Honorato Rosa- ISSS, em memoria do docente e director do Instituto no periodo 1963- 1968, no ambito do qual se criou um premio de Merito Honorato Rosa- ISSS, a atribuir anualmente, de acordo com o seguinte regulameno. 1. 0 Ao Premio Honorato Rosa- ISSS poderao conconer todos os trabalhos de pesquisa em servi~o social realizac!os no ano lectivo anterior ao da abertura do concurso no ambito da Licenciatura cm Scrvi~o Social no ISSS (Lisboa e Beja). 2. 0 Os trabalhos apresentac!os a concurso c!evem obrigatoriamente revestir a forma de um texto para publica~ao em revista peri6dica que nao pode ultrapassar as 30 paginas dactilografadas a 1,5 espa~os em formato A4. 3. 0 0 1. 0 premio tera o valor de 350.000$ eo 2. 0 premio- 150.000$. 4. 0 Os premios serao atribuidos na Conferencia Anual por ocasiao do nascimento de Honorato Rosa, a ter lugar, anualmente, em Dezembro. 5. 0 Os trabalhos concorrentes deverao ser entregues ate adata limite de 15 de Julho, posterior aabertura do concurso, sob a forma de 3 exemplares e respectiva c!isquete (formato texto em Windows ou Macintosh). 6. o 0 Juri sera constituido por um presidente e do is vogais c!esignac!os pelo Conselho Cientifico do ISSS. 7. 0 0 Juri podera decidir nao atribuir premios se o nivel dos trabalhos concorrentes nao for considerado suficiente. Podera tambem, se for justificavel, atribuir men~oes honrosas. 8. 0 0 Juri devera tornar publicas as suas decisoes ate ao dia 15 de Novembro. lnten路en("ln Social, 13114. 1996
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Interven~ao
9. 0 Juntamente corn o trabalho deven1 ser entregue a seguinte que fican1 aresponsabilidade da Direc~ao do ISSS.
documenta~ao
Social
i. Documento assinado, onde se declara Ter conhecimento e aceita~ao do regulamento, e requerendo ser admitido a concurso. ii. Identifica~ao completa dos autores. iii. Declara~ao de autoriza~ao de publica~ao pelo ISSS. 10. 0 Os trabalhos concorrentes nao deverao conter o nome do(s) autor(s) ou indica~oes que permitam a sua identifica~ao. 11. 0 Da clelibera~ao do Juri nao ha lugar a recurso ou
reclama~ao.
12. o Os trabalhos cientfficos enviados para o concurso nao serao devolvidos. 13. 0 0 ISSS procuran1 vabilizar a publica~ao dos trabalhos premiados. 14. o As questoes omissas no presente regulamento serao resolvidas pela Direc~ao do ISSS ou Comite Directivo do Funclo Honorato Rosa logo que este se encontre constitufdo. Fevereiro de 1997.
fnterrenrdo Social. /3/1-J. !996
MEMORIA DA SESSAO DE APRESENTAc;AO E LANc;AMENTO DO LIVRO HONORATO ROSA Ernesto Fernandes
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A sessao teve lugar no dia 7 de Maio de 1996, pelas 18 horas, na sede do Instituto. Abriu a sessao o Presidentc da Direc~ao do Instituto, Dr. Francisco Branco, que, por inerencia, preside ao Comitc Directivo do Fundo Honorato Rosa- ISSS. Na sua interve1wao, retoma o Prcambulo do livro (p. 13 15) e anuncia as finalidades e programa do Fundo, confonne Folheto disponfvel e divulgado. Na sequencia, sao prof'eridas palavras de apre~o pessoa1, de significado da publica~ao do livro e da cria~;ao do Fundo pelo Senhor Bispo D. Albino Cleto em representa~ao do Senhor Cardcal Patriarca. A apresenta~ao do livro A Dignidade Hwnana. As Coisas Tem Pm;o. 0 Homem Dignidade coube ao Dr. Ernes to Fernandes, na qualidade de autor-organizador desta obra de Escritos e Depoimentos: Este livro eum acto de justi~a. Um acto que enobrece os editores e faculta a cada um de n6s a revisit<ll;'ao do encontro com o Padre Honorato. Encontro, tambem, de cada um consigo na aposta de caminhar entre o chao e o transcender-se. Encontro que se estende a si que nao tcve o milagre de comunicar com Honorato Rosa. Sobre esta pessoa invu1gar, sobrcpoe-sc a personalidade, o homem, os seus escritos. Como disse o escritor Ruy Belo, seu aluno na Faculdade de Letras, o olhar enchia-nos do seu espfrito de tolerancia. Esta iniciativa editorial, enquadrada nas comemora~oes dos 60 anos do lnstituto, visa honrar o docente de Filosofia e Moral, desde 1953, e o director, entre 1963 e 29 de Fevereiro de 1968, data do seu falecimento.
Membro da Comissi\o do FHR- ISSS. lnterrcnrtio Social, 13/1{ 1996
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Erncsto Fernandes
A concep~ao e estrutura do livro materializa a percep~ao do Dr. Fernando Melro sobre o Padre Honorato quando diz: Mestre mais do "pensar" que dum "pensamento" ao modo de Socrates ou, no quadro da Filosofia Modema, ao jeito de Pascal, dando et intuir;ao mnorosa mais razc7o que a razao dos conceitos, o Padre Hmwrato nao se extinguiu cmn a sua morte no nosso quotidiano. Cada wn de nos decerto o encontra vivo na sua propria caminhada. Assim sendo, juntou-se a Parte I - Escritos de Honorato Rosa, de natureza filos6fica e moral, ordenados segundo uma sequencia cronol6gica, uma Parte II Depoimentos, para dar visibilidade a dimensao da sua personalidade, como testemunham Alvaro Miranda Santos, Ant6nio Serrao, Fernando Belo, Germano Cleto, Joao Resina Rodrigues, Luis Moita, D. Manuel Falcao, Margarida Abreu, Maria Vitalina Lea! de Matos, entre outros. A preceder, e para unir, as duas partes do livro, pensando particularmente naqueles que nao o conhecem, uma Biobibliografia. 0 titulo escolhido A Dignidade hwnana. As Coisas Tem Pre~¡o. 0 Homem Dignidade, designa~ao de um artigo do Padre Honorato publicado depois da sua morte, constitui um desafio central para este nosso tempo de viragem e incerteza, que procuramos seja de vivencia e defesa apaixonacla e solidaria dos direitos humanos. Com esta obra cumpre-se um desejo por tantos expresso e em multiplas circunstancias formulado. Um acto de justi~a. Um acto de resistencia a Cultura do esquecitnento (Elena David). Ditas estas palavras de apresenta~ao do livro, entremos pela porta dos seus conteudos: â&#x20AC;˘ da Biografia e dos Escritos ja lcvantados de Honorato Rosa â&#x20AC;˘ e de trcs depoimentos que nos rcportam a contextos fortes da sua vida: a Igreja, a Faculdade de Letras, o Instituto Superior de Servi~o Social. Leitura encenada de Textos por estudantes: -
Biografia (p. 23-24), Victor Silva Bibliografia (p. 25-27), Ana Dias e Victor Silva Depoimento de D. Manuel Falcao (p. 269-270), Henrique Joaquim Depoimento da Prof. Doutora Vitalina Lea! de Matos (p. 289-291 ), Ana Dias Depoimento da Dr.a Margarida Abreu (p. 271-279), Catarina Sabino
Pelo Padre Honorato, meu professor de Hist6ria da Filosofia Moderna, aceitem um reconhecido obrigado pela colabora~ao tao alargada que torna possivel devolver em livro e actualizar, na cidade, a presen~a edificante desta personalidade da Cultura humanista e democratica. Uma cultura de denuncia e por isso ag6nica; uma lllle/WII('<1o
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ivlemoria da Sessao de Apresentac;ao c Lanc;amcnto do Livro 1-fonoruto Roso
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cultura de anuncio e por isso de aposta e utopia. Uma cultura radicada no homem concreto, tendo a soliclariedade como paixao e lugar de transcenclencia. Ou9amos o nosso lembraclo, o Padre Honorato: A relaqao homem-mundo aparece como fundamental lW nossa \'ida. Nds aparecemo-nos a nds pr6prios coma a!guem que precisa de se projector 110 mundo para se 1ibertor do mundo. E um paradoxo muito grande esta nossa existhzcia no nnmdo ... A 1wssa existencia come~'a por oparecer imergida, submersa, 110 mundo. 0 mundo parece realrnente dominci-!a por todos os fad os ... No entanto, o homem anseia por quebrar os !aqos desta prisclo. Civiliza9ao e Cristianismo A paragem, a insta!a~ao tclo j(icil, lilo tentonte, em situct~'cies que compmzem, 1w mediocridade contente, ou em sittlil('rJI:'s qui:' deprimem, abandono desanimado, traem o homem. Servi9o Social e Educayao Cultivando o mundo, o homcm cultiva-se a si prdprio. Humanizar o numdo, tornar o mundo marcado pelo lwme11t de ./(mna a que ne le o lwmem \'im mais como homem, e (/() mesmo tempo lm;~er () hmnem Cl uma lwmanidade moiOI: Humanizando o mundo, o homem hwnaniza-se a si mesnw; cultivando o mundo, o lwmem cultiva-se a si prdprio. Cultura
A sessao encerrou-se com a actua9ao da Engatatuna- Tuna do Instituto Superior de Servi9o Social, em fcsta c com um Porto de Fratcrnidade.
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ACTUA<;AO DO ASSISTENTE SOCIAL PROMOTORA DE CIDADANIA NA TRANSI<;AO POS-MODERNA I M. a Ire ne Carval!w M. a Rosario Viceme Rosa Silva S6nia Garcia INTRODU~AO
"A zlnica coisa de que podemos ter a certeza ede que o mundo que vai nascer do actual rearranjo dos va/ores, das c-ren9as, das estruturas sociais e econ6micas, dos conceitos e sistenws politicos, 1w realidade das diversas perspectivas, sera diferente de tudo aquilo que actua/mente imaginamos". 2
E neste cemirio, e enquanto profissionais inseridos no campo das ciencias sociais que urge questionarmo-nos sobre o que realmente esta a acontecer. Ao faze-lo, nao podemos assumir uma atitude passiva de fim de seculo, mas sim usar o nosso corpus de saber especffico 3 onde se inserem problematicas, teorias, conceitos, que apontam linhas de fundo para a nova ordem s6cio-econ6mica, e os instrumentos que nos possibilitarao uma tomada de posi~ao. Esta constata~ao aliada apaixao pela defesa dos direitos humanos e da cidadania orientaram um trabalho mais vasto de investiga9ao sobre o Servi~o Social e Cidadania na transi~ao P6s-Moderna, tendo como objectivo responder aquestao se como futuros Assistentes Sociais seremos capazes de dar uma resposta colaborante na sua constru9ao e efectiva~ao. 1 Premio de Merito Honorato Rosa -ISSS, 1996 baseado em trabalho final de lnvestiga~ao em Serviqo Social apresentado no ano lectivo 1994/95. 2 Peter F. Druckcr, Sociedade p6s-capita!ista, Lis boa, Difusao Cultural, 1993, p. l 0 1 Cf., Pirrc Bourdieu, 0 Poder Simb6/ico, Difel, 1989.
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0 artigo agora apresentado e uma sumula da investiga9ao e encontra-se dividido em tres partes. A primeira analisa os conceitos de cidadania, modernidade e pos-modernidade, prosseguindo corn uma abordagem da cidadania enquanto projecto da modernidade e pos-modernidade, nas suas vertentes, cfvica, social, cultural e ecologica. A segunda situa o servi9o social na modernidade, propondo urn modelo de actua9ao promotor de cidadania enquadrado na pos-modernidade, corn as suas componentes: cultura profissional, capital cultural e ideologico e autonomia. A terceira parte diz respeito ao resultado do confronto empirico do modelo elaborado corn a realidade social dos Assistentes Sociais, ou seja e a descri9ao da cultura profissional, do capital cultural e ideologico e autonomia dos profissionais de Servi9o Social socios da A.P.S.S. (Associa9ao de Profissionais de Servi9o Social) que trabalham na area Metropolitana de Lisboa, tendo como referencia o modelo elaborado.
1 - CIDADANIA, MODERNIDADE E POS MODERNIDADE A abordagem da cidadania na modernidade e pos-modernidade exige, antes de mais, uma precisao conceptual. Modernidade entende-se enquanto paradigma socio-cultural emergente entre os seculos XVI a XVIII, que se institucionaliza nos finais do sec. XVIII, principios do sec. XIX, a par corn o desenvolvimento do capitalismo nos paises centrais. Este projecto societario, radicalmente diferente do anterior (antiguidade/idade media) encontra a sua explica9ao e especificidade nao na logica de produ9ao capitalista, mas numa revolu9ao socio-cultural mais ampla iniciada corn o Renascimento/Humanismo e corn a ascensao do mercantilismo (sec. XVI, XVII) que lan9ou as bases da economia capitalista mundial (integrada por rela96es comerciais e industriais (bem como de uma nova reflexividade onde a certeza da lei divina foi substituida pela certeza da razao e da observa9ao empirica). A modernidade marca a passagem de regimes absolutistas para o Estado-na9ao e Estado democratico; de uma economia rural, para urn capitalismo individual e liberal, de uma racionalidade divina para uma outra positivista. A modernidade consubstancia-se no positivismo e iluminismo, concretizando-se e desenvolvendo-se no capitalismo e industrialismo. Para Giddens a modernidade assenta em quatro dimensoes institucionais: capitalismo, industrialismo, vigilancia e poder militar. 0 capitalismo diz respeito a acumula9ao de capital no contexto de mercados concorrenciais de trabalho e bens. 0 industrialismo significa a transforma9ao da natureza, ou seja, desenvolvimento do ambiente produzido. A vigilancia refere-se ao controle da informa9ao e supervilnterrenr<lo Social. 13/14, 1996
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sao social enquanto que o poder militar se caracteriza pelo controle dos meios de violencia no contexto da industrializa~ao da guerra. Boaventura de Sousa Santos define a modernidade enquanto projecto socio-cultural, caracterizado pelo desiquilibrio entre duas dimensoes deste conceito: um excesso de regula~ao e um deficite de emancipa~ao. A cada dimensao cmTesponde um principio: do Estado, do mercado e da comunidade no pilar da regula~ao; e por tres racionalidades: estetico-expressiva da arte e literatura, moral-pratica da etica e do direito e cognitivo-instrumental da ciencia e da tecnica (orientar a vida pratica dos cidadaos). Tanto as dimensoes como os respectivos principios, sofrem cruzamentos. «A racionalidade estetico-expressiva articula-se privilegiadamente corn o principio da comunidade, por·que e nela que se condensam as ideias de identidade e de comunhao (... ) A racionalidade moral-pnitica liga-se preferencialmente ao principio do Estado, (pois a este( compete definir e fazer cumprir um mfnimo etico para o que e dotado do monop6lio da produ~ao e da distribui~ao do direito (... ) a racionalidade cognitivo-instrumental tern uma cmTespondencia especifica corn o princfpio do mercado, nao s6 pm·que nele se condensam as ideias da individualidade e da concotTencia ( ... ) como tambem pm·que ja no seculo XVIII sao visfveis os sinais da conversao da ciencia numa for~a produtiva» 4. 0 desiquilfbrio apontado caracteriza-se pela tendencia determinadora de cada pilar, quer seja o determinismo de Estado, de mercado ou de comunidade; no caso do pilar da emancipa~ao, a esteticiza~ao, a juridifica~ao ou a cientificiza~ao da realidade social. Para Touraine a modernidade define-se «precisamente [por esta] separa~ao crescente entre o mundo objectivo, criado pela razao de acordo corn as leis da natureza e o mundo da subjectividade, que e, antes de mais, o do individualismo ou, mais precisamente, ode um apelo aliberdade pessoal? A modernidade destruiu o mundo sagrado, simultaneamente natural e divino, transparente a razao e obra de cria~ao. Nao o substituiu pelo mundo da razao e da seculariza~ao, remetendo os fins ultimos para um mundo que o homem nao seria capaz de alcan~ar, mas impos a separa~ao entre um sujeito que desceu do ceu sobre a terra, humanizado, eo mundo dos objectos, manipulados pelas tecnicas. Substituiu a unidade de um mundo criado pela vontade divina, pela Razao ou pela Hist6ria, pela dualidade da racionaliza~ao e da subjectiva~ao. [Modernidade deve ser redefinida] «como a rela~ao, carregada de tensoes, entre a razao e o sujeito, a racionaliza~ao e a subjectiva~ao, o esp1rito do Renascimento e o da Reforma, a ciencia e a liberdade.» 5
~ Boaventura de Sousa Santos, Pe/a Miio de A/ice, 0 Social eo Polftico na P6s-Modemidade, Ed. Afrontamento, 3." ed. 1994, p. 7. 5 A1ain Touraine, Crftica da Modemidade, Lisboa, lnstituto Piaget, 1994, p. 13.
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Eo que se entende por P6s-Modernidade? Este termo suscita alguma polemica por parte dos cientistas sociais. Ha autores que defendem que vivemos actualmente numa sociedade p6s-moderna, como e o caso de Lyotard. Enquanto outros sao de opiniao de que nao se esgotaram ainda todas as dimens5es da modernidade, como por exemplo Habermas e Boaventura Sousa Santos. No nosso estudo privilegiamos o autor portugucs, que considera que a p6s-moclernidade nao e o tenno mais adequaclo para indicar a supera~ao do paradigma cultural da modernidade, nem mesmo o perfil do novo paracligma que se avizinha, e que nas sociedades centrais se pode ja vislumbrar. ÂŤMas, afalta de melhor, e um nome autentico na sua inadequa~ao.Âť 6 Para o autor a p6s-modernidade deve serum momento inquietante ou de oposi~ao, que rompa com as caracterfsticas reguladoras da modernidade que se vislumbram actualmente. Uma p6s-modernidade de cmancipa~ao que ve novamente o princfpio da comunidacle a ocupar a sua ccntralidacle na vicla social. Ou seja, uma p6s-moderniclade de ideologia nao individualista, mas holfstica; de uma moral nao linear, mas dial6gica (on de novos valorcs sao cxperimentados e assumidos numa rela~ao de dialogo intersubjectivo ); uma p6s-modernidade de valores p6s-materialistas, de dignidade e autonomia do indivfcluo, de integridade das condi~5es ffsicas cla vida, igualdade e participa~ao, e fonnas de organiza~ao social pacfficas e solidarias. Sobressai a reflexividade constitutiva c total que se op5e a visao fragmentada, compartimentada da realidade social (qucr seja no tocante ao discurso cientffico, quer seja no do senso comum). Esta rcflcxividade sera a mais valia, a for~a de domfnio da sociedade p6s-moderna. No cntanto, nesta epoca torna-se mais visfvel a territorializa~ao e reparticulariza~ao das praticas sociais, precisamente como necessidade de recuperar uma identidadc, solidariedade perdidas; entretanto, abafadas pela solidariedade mecanica e pclos cxccssos do capitalismo: consumismo, narcisismo, hedonismo, passividade ... Renascem as comunidades locais, ncccssarias nao s6 ao novo equilfbrio polftico, devido ao velho modelo do Estado-na~ao, que sucumbe aos transnacionalismos e regionalismos politicos e econ6micos (cvapora-se a posi~ao central do Ocidente), como tambem aos grupos que vccm as suas lcgitimidades amea~adas. Mas o Estado subsiste, ja nao enquanto protector, cntidacle central, mas enquanto uma organiza~ao ao !ado de tantas outras. As suas cstruturas institucionais descentralizam-se, e as necessiclades serao respondiclas numa divisao entre este e as entidades privaclas. Da globaliza~ao societaria e planetaria irrompe com nova for~a e pertinencia o localismo eo regionalismo. A ciencia p6s-moderna, demarca-se por um novo corte epistemol6gico. Reconhece que e uma entre tantas outras formas de conhecer a reali-
' Boaventura de Sousa Santos, op.cit., p. 70. lnterl¡rnr/io Social. 13114. /996
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dade, que e um conhecimento ret6rico e nao in temporal, de cariz etico e que embora sendo horizontal porque permeavel a outros conhecimentos, nao despreza o senso comum, ultrapassa-o. E por Cidadania? Marshal! no seu livro Citizenship and Social Class, foi o primeiro autor a teorizar a questao da cidadania. Ainda hoje a sua teoria constitui um marco importante, para aqueles que a querem estudar. 0 autor explica a natureza da cidadania na Inglaterra do p6s-guerra, tendo esta surgido no moderno Estado-nat;ao e no contexto da evolut;ao hist6rica cla sociedade capitalista. A sua caracterizat;ao assenta na relat;ao entre cidadania e classe social. Cidadania e consiclerada como um status adstrito acondit;ao de pleno membro de uma comunidade. 0 indivfduo que possui o referido status goza de igualdade no que concerne aos direitos e deveres que lhes estao associados. Cidadania eo desenvolvimento dos direitos cfvicos, polfticos e sociais. 7 Por sua vez Bryan Turner aborda a cidadania atraves dos movimentos sociais. 0 desenvolvimento hist6rico dos direitos de cidadania resultaria dos movimentos sociais. «Turner( ... ) diz que houve quatro "ondas" (... ) no desenvolvimento da cidadania moderna: a primeira teve como consequencia a remot;ao da propriedade da definit;ao de cidadao; a segunda removeu o sexo; a terceira onda redefiniu a importancia dos lat;os et<1rios e familiares para os clireitos de cidadania; e uma quarta onda (... ) alarga a cidadania atribuindo direitos a natureza e ao meio ambiente.» 8 Touraine foca a cidadania atraves da abordagem polftico-democrritica. A qual consiste na conscicncia de pertent;a a uma socieclade polftiea, e na vontade de participar na vida democrritica. «Ser cidadao, e sentir-se rcsponsavel pelo bom funcionamento das instituit;5es que respeitam os direitos do homem e permitem urna representat;ao das ideias e dos interesses.» 9 Finalmente consideramos a cidadania um processo dinamico pela obtent;ao de oportunidades de participat;ao, pelo exercfcio, ampliat;ao e reestruturat;ao dos direitos classicos de cidadania (cfvicos, polfticos, sociais); e pela criat;ao de novos direitos (ambientais, regionais, culturais, ... ). Percepcionamo-la, neste prisma, como nova cidadania, por resultar do conjunto constitufdo pela cidadania classica e pela cidadania colectiva (novos direitos, oportunidade de participat;ao e ressurgimento do colectivo ).
7 J. M. Barbalet, A Cidadania, Lisboa, Edi~ao Estampa, 1989, p. 18. s J. M. Barbalet. op. cif.. p. I56. 9 Alain Touraine, op. cit., pp. 391-92.
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1.2- POR UMA NOVA CIDADANIA A p6s-modernidade e uma epoca de transiyao, constatando-se uma viragem de superayao das dimensoes institucionais dos prindpios da modernidade: estado, mercado, comunidade, racionalidade. Neste quadro de analise, entendemos a cidadania p6s-moderna enquanto processo emancipat6rio do excesso de regulayao do paradigma s6cio-cultural da epoca moderna. A !uta por uma nova cidadania comeya a delinear-se nos anos 60, quando se verifica a falencia do modelo social e polftico do Estado-providencia, e o surgimento do movimento estudantil e operario. Segundo Touraine 10 a crise de Maio de 1968, em Franya, marca nao o triunfo ou o renascimento do movimento operario, mas antes a sua extinyao. 0 que renascia era a centralidade dos conflitos, a importancia clas imagens, e a construyao dinamica dos actores sociais, estilhayando as visoes consensualistas e as teses da despolitizayao ou da desideologizayao clas socieclacles. A cidadania p6s-moderna que subescrevemos e pois, emancipat6ria. Nao e apenas politica, mas tambem pessoal, social e cultural, sendo alcanyada nao s6 atraves das lutas, dos NMS (novos movimentos sociais), mas tambem pela «16gica da cidadania».11 Significa que uma vez conquistados os direitos dvicos surgiram a seu tempo outros tipos de direitos de cicladania, ou seja, consubstanciados os direitos cfvicos e polfticos, a 16gica do funcionamento institucional da democracia permitiu o surgimento de outros clireitos como os sociais, econ6micos, ambientais. Preconiza uma nova concepyilo de direitos humanos, ja nao resignacla com a mera promulgayao, mas cada vcz mais atenta «as pniticas quotidianas em que se satisfazem efectivamente as necessiclacles basicas, nao s6 as necessidades materiais, mas tambem as afectivas e expressivas; aquelas cuja satisfayao nos confere um sentido e urn lugar no mundo, num mundo de cicladaos.» 12 Esta nova cicladania inclui, para alem dos direitos classicos, novos clireitos que Boaventura designa de terceira gerayao- direitos culturais (a paz, o anti-racismo, o ambiente, o patrim6nio); estes sao direitos mais expressivos e simb6licos que se materializam numa nova qualidade de vicla.
10 Touraine citado por Joao Freire, Sociologia do Traballw- Uma introdurclo, Porto, Edi96es Afrontamento, 1993, p. 322. 11 Juan Mozzicafredo, «Ciclaclania e Estado Proviclencia», in AA VV, aetas doll Congresso Portuguf!s de Sociologia, Vol. 11 Lisboa Eel. Framentos e Associa9ao Portuguesa de Socio1ogia, 1992, p. 674. 12 Boaventura Sousa Santos, Os Direitos Hwrwnos rw Pr5s-Modernidade. Coimbra, Oficina do C.E.S, 11. 10, Junho 1989, p. 13. 0
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Ao nfvel da jurisdi<;ao, a nova cidadania defende formas politico-jurfdicas que incentivem a autonomia, combatam a dependencia burocnitica, personalizem as competencias inter-pesssoais e colectivas; para al6n de as personalizar, torna-se tambem necessaria localiza-las. A nova legalidade nao pode portanto, ser abstracto-homogenea, ela deve estar atenta as novas formas de exclusao social baseadas no saber, sexo, ra<;a, qualidade de vida e no consumo. Uma nova legalidade exige tambem urn novo modelo democratico e de Estado. Exige assim, uma nova democracia contraria a representativa, ou seja, oposta a disUincia, diferencia<;ao entre representantes e representados, e a redu<;ao da participa<;ao politica ao mero exercicio do voto. Urge a constru<;ao de uma democracia participativa, que dcpenda de uma nova consciencia politica, concretizavel no nfvel de informa<;ao, de crfticidade e participa<;ao de cada cidadao. Assim, esbo<;am-se no sector publico novas estruturas institucionais, descentralizadas, menos hierarquicas e burocratizadas, mais permeaveis a participa<;ao dos indivfduos. Neste ambito, os NMS - Novos Movimentos Sociais- sao o exemplo da !uta por uma democracia participativa. Visam nao s6 a criac;ao de novos direitos, mas tambem a expansao dos ja proclamados (ex.: movimento ecologista, pacirista, de minorias etnicas, etc.). A nova cidaclania sera resultado da politiza<;ao da pratica social, dos NMS, de novas estruturas institucionais e democniticas; de novas racionalidades que revalorizam o principio da comunidade e que colocam a descoberto o canicter heterogeneo cla sociedacle. Cidadania hoje, implica p6r a descoberto o hiato existente entre promulgac;ao e cfectiva<;ao dos direitos ja consquistados. Esta e uma clarifica<;ao que possui uma vertente de superac;ao, ou seja, que torne possfvel o ultrapassar desta situa<;ao pela consciencia crftica e participa~ao activa dos indivfduos. A nova cidadania ÂŤtanto se constitui na obriga<;ao politica vertical entre os cidadaos e o Estado, como na obriga<;ao politica horizontal entre cidadaos.Âť 13
2- SERVI(::O SOCIAL: UMA "INVEN(::AO" DA MODERNIDADE 0 perfodo entre o scculo XVI eo final do seculo XIX e chamado por Hobsbwm 14 a era das revolu<;i5es, Revolu<;ao Francesa (politica) e Revolu<;ao Industrial (cientffico-tecnica). Este tambem chamado perfodo do Capitalismo Liberal, 15 caracteriza-
11 Boaventura Sousa Santos. op. cit., p. 239. " Ernesto Fernandes, <<Os Direitos Humanos e Praticas Sociais- Uma leitura s6cio-hist6rica>>. Rel'isto do Serl'i('O Social. numero especial, Abril 1995, pp. 17-23. L' Boaventura Sousa Santos. op. cit.. p. 73.
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-se por uma serie de alteray5es e transforma9oes que se operam em todos os domfnios da sociedade. A Revolu9ao Francesa (1789) e o modelo das revolu9oes burguesas (Inglaterra e E.U.A.), atraves das quais se consolidajurfdicamente, o Estado liberal burgucs com as suas institui9oes jurfdicas, polfticas, culturais e sociais (direitos cfvicos). A neutralidade do Estado eo requerimento mais evidente da nova ordem polftica. A fun9ao do Estado limita-se aformula9ao "Laisser Faire, Laisser Passer", e a sua missao e a de preservar a ordem, proteger a propriedade, a vida, a integridade ffsica e moral dos cidadaos. Estas ideias constituem o pilar do Estado liberal burgues, reduzindo-o a mera fun9ao de polfcia. Por outro !ado, a Revolu9ao cientffico-tecnica constitui o factor mais importante na acelera9ao da mudan9a hist6rica, uma vez que as tranforma9oes tecnicas irao incidir directamente nos principais factores econ6micos: trabalho, produ9ao e relay5es entre os meios e a for9a de trabalho. Produz-se uma clara divisao entre os que possuem os meios de produ9ao - burgucsia c os que detem a for9a de trabalho - openirios. A Revolu9ao Francesa e Industrial sao geradoras de transformay5es aceleradas em todos os domfnios da vida c das relayoes sociais, gerando uma serie de desigualdades e de desiquflibrios sociais, aos quais foi chamado a questao social ou proletaria. As sociedades centradas na ordcm da caridade «sao confrontadas com uma muta9ao de valores (... ) (que perconizam uma nova ordem) da justi9a baseada na virtude laica da beneficencia como divisa da fraternidade para substituir acaridade» 16 • Enesta conjuntura que surge o Scrvi9o Social, como forma de dar resposta as contradiy5es do modo de produ9ao capitalista (questao social). Aquando da sua emergencia tem subjacente estes dois modelos: o da caridade, de influencia religiosa; eo da justiya, de influencia libcral-filantr6pica. No ultimo quartel do seculo XIX, no perfodo do capitalismo organizado, a questao social agudiza-se, com a gera9ao de maiores dcsigualdades. Os trabalhadores cram cada vez mais pobres e os capitalistas cada vez mais ricos e monopolistas. Surgem entao varios tipos de respostas que pretendem fazer face a questao social. 0 movimento operario !uta por uma sociedade mais igualitaria, por um maior protagonismo dos trabalhadores na vicla publica. Estes associam-se em mutualidades, cooperativas e sindicatos. No final do seculo os trabalhadores dividiam-se entre uma sociedade mais justa igualdade - ou uma sociedade mais livrc - liberclacle. Deste dilema emergiu uma nova ideologia - a social democracia - cuja base eram as reformas sociais dentro da sociedade burguesa-liberal, visando a igualdacle de oportunidades. A Igreja por sua vez toma tambem posiyao perante a questao social, coma encfclica Rerum Novarum, onde denuncia a pobreza dos trabalha-
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Ernesto Fernancles, op. cit., p. 18. lnten·enrclo Social. 1.511-1. 1996
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dores, defendendo a interven<;:ao do Estado, por forma a criar medidas que protegessem os trabalhadores. E nesta conjuntura da modernidade que o Servi<;:o Social emerge como profissao. Eram necessarios trabalhadores especializados para dar resposta aos problemas dos operarios e das suas famflias. Sao entao criadas as primeiras escolas de Servi<;:o Social. Este contexto marcou o sentido e orienta<;:ao do Servi<;:o Social, baseando-se mais nos princfpios da Doutrina Social da Igreja (caridade ), do que nu m posicionamento crftico, face a realidade social. Neste primeiro momento do desenvolvimento do Servi<;:o Social privilcgiava-se mais a voca<;:ao, as qualidades pessoais e a disposi<;:ao para servir. Com a crescente afirma<;:ao do Servi<;:o Social na sociedade, tornou-se necessario acrescentar as habilidades morais e pessoais, a forma<;:ao tecnica e cientffica para o aclequaclo exercfcio da pratica profissional. Com o Estado de Bem Estar da-se um passo em frente no sentido da profissionaliza<;:ao do Servi9o Social; este deixa de ser perspectivado como uma actividade organizada com o intuito de bem fazer, passando a ser uma forma de actua<;:ao social requerida pela sociedade no quadro das polfticas sociais. 0 Servi<;:o Social deixa de encarar os problcmas a um nfvel individual, onde a actua<;:ao que se perspectivava nao fa alem da famflia (situa<;:ao familiar do indivfduo em causa), para intervir tanto a nfvel micro como macro. 0 final dos anos 60 ---no perfodo do Capitalismo desorganizado 17 - e marcado por tensoes sociais e novos conflitos. A nfvel da profissao esta decada marca o infcio da busca de uma nova legitimidade para o Servi<;:o Social. 0 movimento de reconceptualiza<;:ao emerge, de facto, com as teorias neomarxistas que influenciaram este perfodo. A dimensao polftica da pratica profissional ganha um novo entendimento: nao se limita apenas aos organismos estatais, adquirindo uma dimensao universal e inerente a sua actua<;:ao, de forma a ser mais consciente e crftica. Esta no<;:ao potencializa uma visao mais ampla do ser humano enquanto cidadao inserido na sociedade. De real<;:ar que na sua vertente mais radical (America Latina) o movimento de reconceptualiza<;:ao defendia a desinstitucionaliza<;:ao do Servi<;:o Social, sendo este legitimado apenas pela populw;:ao-objecto de interven<;:ao. Deste modo, se no seu aparecimento o Servi<;:o Social foi legitimado pela classe burguesa e posteriormente pelo Estado, no movimento de reconceptualiza<;:ao e legitimado pela popula<;:ao. Hoje em dia a legitima<;:ao continua a ser uma questao pertinente, que nao se coloca apenas ao Servi<;:o Social, mas tambem a outras profissoes inseridas nas ciencias sociais; ou seja, conseguir o equilibrio entre a legitimidade que !he
17
Boaventura Sousa Santos. op. cit., p. 79.
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advem do ambito institucional e dos que sao alvo da sua
actua~ao,
e uma meta a
alcan~ar.
Embora o Servi~o Social apresente ainda hoje uma pesada heran~a hist6rica de "assistencialismo/humanismo e de pragmatismo!imediatista" 18 , torna-se urgente reequaciom1-lo nos pianos te6rico-metodol6gico, tecnico, relacional e cultural, para que possa, face acomplexidade da sociedade p6s-moderna que se vislumbra, ter o seu lugar ao !ado das outras profiss5es do ambito das ciencias sociais, enquanto tecnico especializado para a interven~ao social. 0 Servi~o Social define-se hoje como uma pnitica social, isto e, desenrola-se na sociedade e produz efeitos sociais, corn uma competencia especialista ou tecnica, de onde lhe advem uma autonomia de criterios e simultaneamente uma responsabilidade social.
2.1 - ACTUA(.:AO DO ASSISTENTE SOCIAL PROMOTORA DE CIDADANIA Inegavelmente Servi~o Social/Cidadania constituem-se enquanto rela~ao historicamente legitimada, onde a institucionaliza~ao/profissionaliza~ao do Servi~o Social acompanha o processo de expansao cla cidadania - de direitos cfvicos e polfticos para direitos sociais. Neste final de seculo e de novo a hist6ria, com a complexidade do momento de transi~ao onde nos situamos, que obriga a um reposicionarnento desta rela~ao, no Servi~o Social. De facto, a par da consensual proclama~ao dos direitos de cidadania, sobressai corn agudeza o deficit de efectiva~ao dos mesrnos; e urna nova consciencia c Jutas sociais pelos direitos ja conquistados e por novos direitos. Esta conflitualidade/ambiguidade - proclama~ao/efectiva~ao - revela-se, tambem no quotidiano dos assistentes sociais. Assim, a actua~ao profissional que defendemos e tambem ela emancipadora, a semelhan~a da p6s-modernidade e cidadania descritas. Esta actua~ao nao constitui a cidadania, mas pode contribuir para a efectiva~ao da mesma; ou seja, e uma actua\ao de posicionamento crftico face aos excessos da modernidade, que possui, como diz Weisshaupt 19 um objecto da pratica, «constitufdo pelas falhas de institucionaliza~ao das rela~5es sociais»; e um objecto institucional; « aquilo sobre o qual
1 ~ Maria Augusta Ncgrciros, As Representa(.·6es Sociais cla Profissclo de SoTi('O Social, Lisboa. Instituto Superior de Servi~o SociaL 1995, p. 87. 19 Weissaupt. Jean R., As Fwzr6es Sr!cio-Institucionuis do Serri('O Social. S. Paulo, 1985, p. 70.
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Actua9iio do Assistente Soc ial Promotora de C idadani a
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poden1 reivindicar o monop6lio da legitimidade profissional», este ultimo cm·acterizado pelo estabelecimento da cidadania efectiva da popula~ao. Actua~ao entendemo-la pois, enquanto actua~ao profissional, ou seja, conjunto de interven~oes levadas a cabo pelo assistente social que se traduzem no exercfcio de competencias e atribui~oes de ambito institucional; o que nao exclui igualmente novos campos de actua~ao para o servi~o social (nomeadamente enquanto profissao independente ). Na sociedade portuguesa a actua~ao profissional enquadra-se primordialmente a nfvel institucional, o que faz do Servi~o Social uma profissao tecnico-assalariada. De facto, a ac~ao profissional devido ao seu caracter institucional e maioritariamente de pres ta~ao de servi ~o s, move-se na complexidade e na contraditoriedade. «E neste espa~o complexo e contradit6rio que se move a ac~ao profissional. Evidentemente o assistente social (como qualquer outro profissional), no contexto institucional, nao goza de absoluta autonomia na defini~ao da forma e dos rumos que ira imprimir ao seu trabalho. 0 assistente social, quando nao esta em postos de mando, e aliado, na maioria das vezes, das decisoes tecnicas e polfticas que repercutem directamente na sua actividade. No entanto, ha, sem duvida, uma relativa margem de manobra que pode e deve ser utilizada no seu trabalho, corn competencia tecnica e objectivos. Assim como o Estado e as in s titui ~oes nao sao homogeneas e monolfticas, a pratica do servi~o social tambem nao e linear e impermeavel as co n tradi ~oes que operam no seu interior, criando condi ~oes objectivas para tentativas de mudan~as criativas e politicamente comprometidas corn os interesses [dos cidadaos] » 20 Inser~ao institucional nao constiui pois, factor negativo para uma actua~ao promotora de cidadania. Se relacionarmos a afirma~ao de Raquel Raichelis corn a analise que Alain Touraine 21 fa z .da «sociedade programada» da p6s-modernidade, depressa nos aperceberemos, que a nossa posi~ao de - assistentes sociais - na nova divisao de classes, enquanto profissao tecnico-assalariada, nao e em nada desfavoravel a traject6ria da cidadania. A questao reside em "merecermos" e preservarmos tal estatuto. Antevendo uma sociedade onde o lugar na estrutura social e o acesso aos lugares de domfnio se fazein atraves do uso de novos meios de poder, o conhecimento ea informa~ao , o autor coloca a dualidade entre classes dominantes e classes dominadas. No grupo dos dominantes encontram-se os tecnocratas (decisao polftica), burocratas (grandes organi za~oes publicas e privadas), e os racionalizadores (passam para a execu~ao tecnica a racionalidade societaria). No grupo oposto, os domi-
20
21
Raquel Raichelis, Legiti111idade Popular e Poder Pt.iblico, S. Paulo, Cortez Edit ora, pp. 155-156. Joao Freire, op. cit. , pp. 331-332.
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nados, sao formados pelos dirigidos em geral, os empregados administrativos e os operadores dos sistemas tecnicos de pura execu~ao. Para alem da estratifica~ao de classe referida (grupo dos dominantes e dos dominados), ha tambem lugar para os "independentes" (especialistas e peritos altamente qualificados ), e para os nucleos de resistencia as classes dominantes. Estes nucleos «aliam um nfvel suficiente de recursos de conhecimento e informa~ao, geral e especializado, a determinadas condi~oes de socializa~ao da actividade, de constru~ao de identidades psicologicas e simbolicas de elabora~ao de estrategias colectivas. E o caso das profissoes cientffico-tecnicas assalariadas, dos estudantes do ensino superior, dos investigadores e tccnicos dos laboratorios, gabinetes de estudo e outras "fabricas de conhecimento"» 22 ; e e aqui que nos situamos. Ficou explfcito que numa sociedade pos-moderna ou «programada» como lhe chama Touraine, a cidadania efectiva da popula~ao esta ligada, ou passa pela qualifica~ao dos interventores sociais e portanto tambem dos assistcntcs sociais. A qualifica~ao e um conjunto complexo de saber-fazer, de competencias, que podem ser adquiridas tanto pela experiencia como pela forma~ao, ou melhor ainda, por estes dois vectores indiscutivelmente associados. Por outro lado, a qualifica~ao diz tambem respeito aos relacionamentos sociais; dcvendo a sua abordagem ser nao so tecnica, mas tambem socio-polftica. Na verdacle, Boavcntura Sousa Santos afirma verificar-se, no dualismo educa~ao-trabalho, um certo retorno ao «gencralismo enquanto fonna~ao nao profissional para um desempenho pluriprofissionalizaclo.» 23 «Face as incertezas do mercado de trabalho e a volatilidade das forma~oes profissionais que ele reclama, considera-se que e cada vez mais importante fornecer aos estudantes uma forma~ao cultural solida e ampla, quadros teoricos e analfticos gcrais, uma visao global do mundo e das suas transforma~oes de modo a desenvolver neles o espfrito critico, a criatividade, a disponibilidade para a inova~ao, a ambi~ao pessoal, a atitude positiva perante o trabalho arduo e em equipa, e a capacidade de negocia~ao que os preparem para enfrentar com exito as exigencias cada vez mais sofisticadas do processo produtivo.» 24 0 assistente social so podera, na sua actua~ao, promover a cidadania se ele proprio tiver um posicionamento de actor social, se ele proprio fOr cidadao. Ele e cida·· clao enquanto sujeito fortemente infonnado sobre questoes politicas, da actualidade e tecnicas; que faz uso da sua criticidade e que participa na conduta da vida social.
22 2 ' 21
Joao Freire, op. cit. p. 333. Boaventura Sousa Santos, op. cit., p. 172. Ibidem. lnterrenrdo Social. 13//.J. 1996
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Como cidadao e-lhe "exigida" uma eficacia politica e tecnica que se desdobra no nivel de informa\;iio e na possibilidade de se exprimir de modo adequado e tambem de influenciar. E assim que a cidadania experenciada enquanto sujeito social, repassa para a sua pratica social e para os sujeitos-alvo do seu agir profissional. Assim, destacam-se como dimensoes determinantes de uma actua\;iio promotora de cidadania, nao s6 a autonomia profissional, mas tambem a cultura profissional e o capital cultural-ideol6gico. a)- Cultura Profissional
Rclativamente acultura profissional consideramo-la enquanto conjunto de valores, normas e representa\;6es que orientam a sua interven\;iiO, sendo constitufda pelos padroes cognitivo-cientfficos e deonto16gicos. 0 primeiro e composto pelos conhecimentos te6ricos e capacidades tecnicas c o segundo pelos prindpios eticos orientadores da sua intervenyao ou seja, os padroes morais, de valores e normas da profissao. Em termos de padrao cognitivo-cientifico csta cultura profissional consubstancia-se numa s61ida forma9ao academica de base que, segundo Iamamoto deve ter ... solido suporte te6rico-metodol6gico ... uma prepara9ao no campo da investiga\;iio .. e uma expcriencia pratica consistente e c!ivcrsificada ...  cs. Consideramos que a mudan\;a curricular a que foi sujeito o curso de Servi9o social (passagem a licenciatura - ano lectivo 1989/90) constituiu um passo em frente no sentido de proporcionar esta forma\;iio academica de base s61ida. Eigualmente importante a formayao ao longo da vida (ac\;6es de forma\;iiO, cursos de p6s-grac!uayao, mestrados, forma96es noutras areas, etc), traduzindo-se num aumento de conhecimento e na utilizayao deste por forma a desenvolver uma interven\;iiO mais eficaz; um conhecimento aprofundado c alargado que constitua uma significativa fonte de poder. Consideramos ainda como elemento importantc a antiguidade profissional, nao porque os anos de exercicio da profissao, s6 por si, possam constituir elemento de qualificayao do agir profissional, mas uma antiguidade (com maior ou men or numero de an os de exercicio. da profissao) que permita ao profissional "experimentar-se" a si mesmo na actua9ao, relativamente ao corolario dos seus conhecimentos e valores profissionais; aprendenclo com os erros e sucessos; corrigindo clesvios c alterando traject6rias a essa intencionalidacle que esta na busca do seu projecto profissional. Isto e, uma antiguiclacle que s6 produz saber se estiver embuicla cluma ~ 5 Marilcla Villela Iamamoto, l?enomr:fio e Conserl'adorismo no Sen¡i('O Social - Ens<1 io., Crfticos. S. Paulo, Cortez Eclitora, 1991. p. 164.
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retlexividade constante da pnltica. Estes profissionais devem ter subjacente que a rela~ao entre teoria e pnitica cotTesponde a uma associa~ao entre ambas, possibilitando-lhes exprimirem-se de modo adequado e tecnico na actua~ao, aumentando a sua capacidade de intluencia face aos outros profissionais e asociedade em geral. Por outro lado e urgente conceber uma cultura profissional em que exista uma pluraliclacle de papeis profissionais, isto e, o Servi~o Social nao se restringe actualmente apenas a um papel (interven~ao); ele acompanha o percurso clas profissoes no ambito clas ciencias sociais, poclenclo optar-se pela pesquisa, forma~ao, etc ... Quanto aconcep~ao do grau de autonomia o profissional deve concebe-la como resultaclo de competencias especificas. Se ele e actor, a autonomia nao e resultado de algo exterior ao profissional, depende do uso que ele faz dos "se us saberes". Nao existe sobrecletermina~ao cla Institui~ao ou da socieclacle. Na sua actua~ao o profissional analisa os problemas sociais tendo subjacente a estes as teorias sociais. Estas constituirao um suporte tecnico e te6rico para a interven~ao. 0 assistente social pocle reformular e construir ainda a teoria explicativa dos problemas sociais a partir da sua actua~ao. A rela~ao que se estabelece entre problemas sociais e teorias sociais permite aclquirir s61ida prepara~ao te6rica e metoclol6gica, possibilitando a capacidade de construir e manusear conhecimentos operat6rios e de enfrentar com destreza, flcxibilidade, criatividade e competencia uma diversidade de solicita~oes profissionais. No que respeita aos padroes deontol6gicos inerentes a cultura profissional, o assistente social cleve exprimir as preocupa~ocs deontol6gicas que aliem a qualidade te6rica acapacidadc tccnica e a responsabiliclade social. 0 profissional cleve estar consciente que a sua actua~ao tcm inerente uma responsabiliclacle para com a socieclade. A sua ac~ao e socialmente responsavel pelo desenvolvimento/clireccionamento da vida dos sujeitos-objecto do seu agir profissional. E exigido ao profissional que atribua a si proprio e nao a outros o principal encargo de construir/definir o seu exercfcio profissional. A profissao e encarada nao como trabalho condi~ao de vida, mas como trabalho realiza~ao, com t6nica na qualidade de vida e na realiza~ao pessoal b)- Capital Cultural-Ideo16gico
Capital cultural-ideol6gico define-se enquanto posicionamento de actor social, consubstanciado nos valores societais, pessoais e nos bens culturais adquiridos. Consideramo-lo composto pela participa~ao social e politica e pelo sistema de valores pessoais e societais, consumos culturais cultivaclos e contextos de opiniao. A participa~ao social caracteriza-se pela perten~a a associa~oes (culturais, despm路tivas, religiosa, politicas, etc ... ), e pelo seu envolvimento nestas. A participa~ao lntcn路enrtlo Social, 1311-1, 1996
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polftica diz respeito ao uso que faz do direito de voto e pela pertenc;a a movimentos, partidos ou 6rgaos polfticos. Em suma, estes sao instrumentos por excelencia no exercfcio da cidadania. 0 sistema de valores engloba os pessoais e os societais. Os pessoais incluem as identidades (formas de pensar e conceber a vida) e as orientac;oes pessoais. Quais sao os grupos e contextos com os quais os actores sociais se identificam, aos quais sentem pertencer? As referencias identitarias polarizam-se habitualmente em referencias micro e macro. Embora as referencias culturais actuais sejam complexas, consideramos que o ideal-tipo de profissional devera na sua matriz valorativa orientar-se para identidades (formas de pensar e conceber a vida) que realcem os lac;os sociais colectivos, ou seja, identidades mais globalizantes. Devera ainda "fugir" ao excesso de narcisismo e materialismo (orientac;oes pessoais autocentradas) que tanto caracterizam a modernidade, optando por orientac;oes pessoais mais s6cio-centradas (conviviais e activistas). Como diz Touraine «os que consomem a sociedade em vez de a produzir e transformar sao submetidos aos que dirigem a economia, polftica e informac;ao. A linguagem das propagandas e das publicidades tende a ocultar constantemente este conflito central e a impor a ideia de que a organizac;ao da sociedade responde a "ncccssidades", quando eesta organizac;ao que constr6i necessidadcs que nao sao artificiais, ecerto, mas que estao conformes aos interesses do poder» 26 . Em relac;ao aos valores societais sao constituidos pela concepc;ao de democracia, pelo posicionamento dos individuos face as instituic;oes e pelos valores em relac;ao ao progresso e civilizac;ao. Embora a democracia seja uma "velha conquista" das sociedades ocidentais, constata-se actualmente uma exigencia de revitalizac;ao da mesma, ou seja, prcconiza-se uma maior participac;ao dos cidadaos na vida polftica, deixando a dcmocracia de ser apenas representativa (mero uso do voto), para ser tambem participativa. Esta consiste «na igualdade de todos os cidadaos na determinac;ao dos assuntos publicos, concretizando-se na participac;ao de cidadaos diferentes em condic;oes de igualdade na eleic;ao dos representantes das instituic;oes polfticas». 27 A participac;ao dos cidadaos subjacente ao modelo democratico-participativo poder-sc-ia definir como o direito e o clever que tem todos os cidadaos, tanto a nfvel individual como colcctivo, de tomar parte de forma directa e activa nos processos de tomada de decisao que afectam o desenvolvimento do bem-estar social. Isto destrona um posicionamcnto derrotista, paralelo ou de descredito total
26
Alain Touraine, Crftica da Modemidade. Lisboa, Instituto Piaget, 1994. p. 277. Anna Abella, «La participacion ciuclaclana: un camino a meclio recorrer>> in Re1•ista del trabail social, R.T.S,.ll. 0 134, Juny 1994, pp. 29-30. '
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do individuo face as institui96s em geral; posicionando-se de forma construtiva/activista. No que concerne ao Estado defende uma simbiose entre Estado interventor/iniciativas da sociedade. Destinguem-se assim, diversos niveis de participa9ao: A informa9ao e um instrumento que possibilita a igualdade de oportunidades para os cidadaos de concederem tudo aquilo a que tem direito; a liberdade para poderem tomar decisoes (uma maior informa9ao permite tomar melhor as decisoes) eo primeiro e principal instrumento que facilita aos cidadaos exercer os seus direitos e ter acesso ao conjunto de recursos e actividades; a Consulta: o individuo tem a possibilidade de lhe ser solicitada opiniao ea Decisao/Ac9ao: o indivfduo, activa e directamente, gere e participa na avalia9ao e no controlo de tomada de decisoes. Relativamente aos valores civilizacionais defendidos destacam-se os p6s-materialistas, os unicos capazes de promover a cidadania emancipat6ria que assumimos. No contexto cla actua9ao promotora de cicladania, assume tambem importancia o interesse pela aquisi9ao de informa9ao geral e especifica (tecnica) ea frequencia de eventos culturais, ou seja, consumos culturais cultivados. Numa sociedade p6s-moderna, em que a nova fonte de poder residin\ no saber, e perceptive! a importancia da dimensao que temos vinclo a clelinear, o capital cultural-ideol6gico. c)- Autonomi({ Projissional
Autonomia segundo Philippe Bernoux 2s ccntenclicla enquanto liberclade relativa dos profissionais dentro da institui9ao. Consideramo-la dividida em autonomia administrativa e especialista ou tecnica. A autonomia aclministrativa diz respeito a posi9ao hien\rquica que o profissional ocupa na organiza9ao, assim como aos recursos e meios postos asua clisposi9ao. A autonomia especialista ou tecnica refere-se ao conhecimento, ao saber tecnico e ao saber especializado. E composta pela competencia profissional, intencionalidade da ac9ao e comunica9ao. Ao nfvel da competcncia profissional consicleramos importantes o conhecimento e a experiencia para a resolu9ao de problemas; a capacidade de negocia9ao com os outros profissionais e com a organiza9ao; a capacidacle de elaborar estrategias e de construir c definir o scu objccto de intervenyi'io, enquadrando-o no contexto da socicdade global e das politicas sociais sectonms. A comunica9ao refere-se acapacidadc de gerir e de utilizar os canais de comunicayao existentes; de aceder a toda a informa9ao existente na organiza9ao e de
Philipc Bernoux, La Sociologic des Organizations, Paris Seuil, 1985. hucn路cnrao Social, 13/l.f.. JY96
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transmitir as suas ideias de uma forma clara e assertiva. S6 dando um significado a sua actua~ao, gerindo o risco e as potencialidades, isto e, conferindo-lhe uma intencionalidade, e que o profissional poden1 recusar as atitudes assistencialistas, assumindo-se um interventor social qualificado. 3- "ACTUA(:AO PROMOTORA DE CIDADANIA" DOS SOCIOS DA A.P.S.S. QUE TRABALHAM NA AREA METROPOLITANA DE LISBOA Face ao ideal tipo de actua~ao promotora de cidadania e nosso objectivo descrever a cultura profissional, o capital cultural e ideol6gico e autonomia profissional dos Assistentes Sociais pertencentes a base de sondagem utilizada: Listagcm dos profissionais s6cios da A.P.S.S. que trabalham na area metropolitana de Lisboa. A estrategia metodol6gica insere-se num estudo nao experimental descritivo. A um universo de 288 unidadcs foi aplicado a formula estatfstica de estimativa para popula~oes finitas, rcsultando uma amostra de 137 unidades, as quais foram selecionadas aliat6riamcnte.O instrumento de pesquisa eleito foi o inquerito. No final conseguiram-se realizar 74 inqueritos a profissionais de idades c sectores de actua~ao diversos. As idadcs variam desde os 28 anos ate aos 64 anos, no entanto importa referir que a media de idades era de 43 anos. Isto e a maioria ja tinha uma vasta experiencia profissional. Os profissionais inquiridos trabalham predominantemente em IPSS/ Associar;ocs/lgreja- 21 (28% ), Hospitais/Centros de Saude- I8 (24% ), organism os do cstado (Departamentos da Seguran~a social) I4 (19% ), autarquias 14 (19% ), emprcsas 5(7%) c institui~oes de ensino e forma~ao I(1%) e outros com I(I%). Nao foram considcradas hip6teses pclo facto de todas as varaveis do modelo serem importantcs c influircm na promo~ao da cidadania, nao importa saber quem promove mais a cidadania mas tao s6 aproximar o modelo da realidade, de modo a descrever a cultura profissional, o capital cultual e ideol6gico e autonomia profissional. CULTURA PROFISSIONAL Em rela~ao as varfaveis que compoem os padroes cognitivos e deontol6gicos inerentes a cultura profissional dos inquiridos foi constatado 0 seguinte: quanto a forma~ao ao longo da vida, verifica-se que relativamente a frequencia de ac~oes de forma~ao, a maioria 71 (96%) dos inquiridos responde que habitualmente participa em ac~oes de forma~ao, somente 3( 4%) responderam que nao. Em rela~ao ao lmen路enrrlo Social, 13114, 1996
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numero de ac~5es de forma~ao frequentadas nos ultimos dois anos, 50 inquiridos responderam afirmativamente. Destes, 31 (42%) frequentaram nos Ultimos dois anos 1-3 ac~5es de forma~ao; 16 (22%) frequentaram 4-7 ac~5es de forma~ao; 3( 4%) frequentaram 8-10 ac~5es de forma~ao. Existe ainda urn numero significativo de nao respostas, 24 (32%) profissionais; o que resultan1 ta1vez do facto da pergunta exigir, por vezes, consulta de documenta~ao. A dura~ao das ac~5es de forma~ao, e prodominantemente de curta dura~ao, 1-3 dias para 54 (73%) dos inquiridos e 4-7 dias para 11 (15% ), sendo irre1evante o numero de profissionais que frequenta ac~5es de forma~ao de longa dura~ao 4(5%) de 1 mesa 6 meses e 5(7%) nao responderam. Este facto e ta1vez revelador de uma forma~ao ao longo da vida pouco consistente, uma vez que a informa~ao recebida neste perfodo de tempo nao poden1 ser muito profunda. Os temas das ac~5es de forma~ao sao diversos, estando em primeiro lugar, a toxicodependencia, a exclusao social, polftica social entre outros. Associando os temas a dura~ao das ac~5es de forma~ao talvez possamos questionarmo-nos, se a forma~ao ao longo da vida destes profissionais nao sera marcada mais por infonna~ao generalista; nao se verificando tendencias de aprofundamento e escolha de tcmas mais especfficos. A tendencia que se vcrifica na actual gestao das organiza<;;5es, de aposta numa polftica de recursos humanos, onde a forma~ao continua dos quadros tecnicos e uma op~ao, nao se encontra ainda fortemente implantada nas organiza~5es de interven~ao social. Sistematizar a informa~ao recebida, ap6s as ac~5cs de forma~ao, e indicador do nfvel de aquisi~ao e reflexao do conhccimcnto adquiriclo; implicando a comunica~ao escrita e a sua divulga<;;ao, tambcm atravcs dos canais formais cla organiza<;;iio. Os profissionais estao conscientes da importi\ncia destes aspectos, por isso quando questionaclos se tem por habito, no cspa~o institucional, sistematizar a informa~ao recebicla nas ac~5es de forma~ao, 51 (69%) afirmam faze-lo e 21 (28%) responde m negativamente. Quanto atransmissao da informa~ao sistematizada, 54 (73%) inquiriclos afirmam realiza-lo e 18 (24clc.) referem que nao, 2(3%) nao responderam. Quando questionaclos sobre quem tcm a iniciativa da sistematiza~ao da informa~ao recebicla nas ac~5es de forma~ao 36 (49%) referiram faze-lo por sua propria iniciativa, 18 (249'o) nao responde m, 12 ( 16%) pelos superiorcs hierarquicos e 8(1 0%) pelos colegas. Quanto a transmitirem a informa~ao recebida nas ac~5es de forma~ao, verifica-se que 54 (73o/c) dos inquiridos respondem afirmativamente e 20 (27%) que nao. Embora esta informa~ao seja maioritariamcntc transmiticla oralmente (40% das respostas) e informalmentc (21% das respostas). Somente 15o/c das respostas obtidas indicam transmitir a infonna~ao por escrito. Apesar dos profissionais consiclerarem sistematizar a informa~ao, nao o fazem de facto, uma vez que este processo s6 c alcan~ado quando e escrito e veiculado institucionalmcntc. flllt'ITCIU,'/io
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Relativamente a outra forma9ao superior, 20 (27 %) profissionais referem possuir outra forma9ao superior. 50 (68 %) nao possuem outra forma9ao superior e 4(5 %) nao respondem. A situa9ao da maioria dos assistentes sociais inquiridos contrasta novamente com a tendencia da sociedade actual, que torna comum a obtenyao de outros graus academicos para alem da licenciatura, nomeadamente a p6s-gradua9ao e mestrados. Os 20 profissionais que dizem ter outra forma9ao superior superior, esta e na sua maioria relativa a outra Licenciatura 14 (19%). No que diz respeito a antiguidade profissional - 21 (28%) - iniciaram a sua actividade entre 1980-84, 17 (23 %) iniciaram entre 1970-74, 12 (17 % ) iniciaram entre 1975-1979, 8 (10%) iniciam entre 1990-95,7 (10%) iniciaram entre 1985-89, 6 (8%) iniciaram entre 1965-69, e 3 (4%) iniciaram em 1960-64. Para 67 (91 %) dos inquiridos a antiguidade profissional e um factor determinante para aumentar a capacidade de reflexao crftica e sistematiza9ao da sua pnitica. Somente 4 (5 %) dos profissionais responderam que a antiguidade e um factor para ascender na categoria profissional. Da correla9ao estabelecida entre a concep9ao de antiguidade profissional e Institui96es onde trabalham os profissionais inquiridos, constata-se que a Institui9ao nao in fl ui na concep~ao de antiguidade profissional. A concep9ao de antiguidade enquanto modo de aumentar a capacidade de reflexao crftica e sistematizayao da sua pn1tica adquire maior importancia, do que ascender na categoria profissional ou adquirir prestfgio profissional e institucional. No que concerne a rela9ao entre teoria e pratica a maioria, 68 (92%) inquiridos, concebe a re l a~ao entre ambas. Somente 3 (4%) dao primazia a pratica e 3 (4%) referem que a teoria comanda as op96es da pn1tica. Perante a questao quais as referencias te6ricas em que se baseia, 34 (46%) inquiridos nao souberam responder a pergunta, 30 (41 %) nao responderam e s6 10 (14%) inquiridos souberam responder. Dos profissionais que nao souberam responder inclufam-se indica96es incorrectas de modelos te6ricos, respostas que nao se referiam aquestao, indica96es de nomes de artigos. Os autores mencionados na questao relativa as referencias te6ricas subjacentes a interven9ao do profissional, os autores de Servi9o Social constitufram 44% das respostas, 19% das respostas indicaram autores de Psicologia e 5% das respastas referiram autores de Sociologia. Embora estas percentagens nao tenham muito significado, pois ao se identificar os autores verificamos que a maioria nao eram actuais, leva-nos a sup6r uma falta de suporte te6rico actualizado o que podeni impossibilitar a adequa9ao da interven9ao a"nova" explica9ao dos fen6menos sociais; p01·que se estes nao sao homeostaticos tambem o nao sao as teorias sociais. Quanto aos papeis profissionais concebfveis a maioria das respostas (45 %) concebe o Servi9o Social como interven9ao-investiga9ao; 18% como profissao liberal; como interven9ao 17%; como investiga9ao 13% das respostas. Em termos de concepyao, os profissionais concebem uma pluralidade de papeis profissionais. lmen•ellf <iO Social, /3/ /4, 1996
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Em rela9ao ao modo como concebe as rela96es entre problemas sociais e teorias sociais, 52 (78%) dos inquiridos afirmam que as teorias constituem instrumentos de reformula9ao da interven9ao social, 8( !I%) responderam que os problemas sociais nao se compadecem com teorias e 8( 11%) que as teorias sociais permitem clarificar os problemas sociais. Em rela9ao a concep9ao do grau de autonomia, 47% das respostas evidenciam o grau de autonomia como condi9ao e resultado de competencias especfficas; o grau de autonomia econsiderado resultado do ambito institucional em 31% das respostas e I0% indicam que a autonomia eresultado do poder hierarquico. A opiniao dos profissionais quanto a concep9ao do grau de autonomia encontra-se dividida em dois campos, uma que sublinha que esta e"conquista" do saber-fazer dos profissionais e outra que considera ser concedida pelas institui96es e pelos superiores hierarquicos Quanto as prcocupa96es dcontol6gicas para 32 (43%) dos inquiridos a sua principal preocupa9a0 deonto!6gica em rela9a0 a profissao ea!iar a informa9a0 te6rica a capacidade de realiza9ao pratica, 15 (20%) referem como preocupa9ao deontol6gica pcnsar nos problemas dos seus clientes c resolve-los rapidamentc, 12 (16%) consideram a resolu9ao dos problemas sociais em fun9ao da sua responsabilidade social o mais pcrtinente deontologicamentc, e 12 (16%) apontam como principal preocupa9ao deonto16gica aumentar os conhecimentos em fun9ao da responsabilidade social. Quanto ao grupo que refere scr sua preocupa9ao deontol6gica aliar a teoria a pratica, poderemos apontar como possfvel explica9ao que a simbiose teoria-pnitica e algo nao conseguido na actua9ao dos profissionais; ou seja, afirmam que a teoria deve ser aliada a pratica, mas csta alian9a nao e conseguida. Os que referem preocupar-se com a resolu9ao rapida dos problemas dos seus clientes, aproximar-se-ao de uma visao imediatista da actua9ao profissional. Se aliarmos a terceira e quarta preocupa96es referidas temos ainda um nl1mero consideravel de profissionais- 113 (24- 32%) que se enquadra no que consideramos sera defini9ao actual de servi9o social em furwao da responsabilidade social. Da correla9ao estabelecida entre as teorias sociais/problemas sociais e as principais preocupa96es deontol6gicas dos inquiridos refor9a a caracterfstica que temos vindo a constatar, o facto de atribuirem importancia a simbiose teoria-pratica, nao a conscguindo operacionalizar. 58 inquiridos concebcm as teorias sociais como instrumcnto de reformula9ao da interven9ao social, destes, 29 tern como principal preocupa9ao deontoJ6gica relativamente a profissao 0 aJiar a informa9a0 te6rica a capacidade de realiza9ao pratica; 9 optam deontologicamente por pensar nos problemas dos clientes e resolve-Ios rapidamente; I0 optam deontologicamente por resolver os problemas sociais em fun9ao da sua responsabilidade social e 9 optam por aumentar os conhecimentos te6ricos em fun9ao da sua responsabilidacle social. illtenâ&#x20AC;˘ell\'[to
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Os problemas sociais nao se compadecem com teorias sociais para 8 dos inquiridos; destes, 4 tem como principal preocupa~ao deontol6gica pensar nos problemas dos seus clientes e resolve-los rapidamente. Relativamente aidentifica~ao com a profissao, temos a escolha do curso de servi~o social, como l.a op~ao para 47 (64%) dos profissionais. No en tanto 26 (35%) inquiridos responderam que o curso servi~o social nao foi a sua primeira preferencia. Das razoes para a escolha de um curso a que tem mais importancia e a realiza~ao pessoal atraves do trabalho para 63% das respostas; adquirir conhecimento e prepara~ao para uma interven~ao mais informada na vida social com 49% das respostas; adquirir conhecimento, completar a forma~ao e desenvolver as potencialidades pessoais com 45 % das respostas. Os valorcs obtidos estao de acordo com as dinamicas sociais e os valores relativos ao trabalho das sociedades actuais, ou seja, a passagem do trabalho condi~ao de vida, para o trabalho instrumento e realiza~ao pessoal., "com t6nica na qualidade de vida e na realiza~ao pessoal na esfera privada".29 A quem se atribui o principal encargo de construir/definir os papeis profissionais, a maioria dos profissionais afirma ser da sua responsabilidade o encargo de construir e definir os papeis profissionais, 65 (88% ). Em suma, em rela~ao adimensao Cultura profissional dos inquiridos salienta-se a contradi~ao presente na rela~ao quadro te6rico-interven~ao; revelando-se uma ambivalencia entre as op~oes conceptuais dos profissionais e a realidade operativa da sua actua~ao. Embora defendam opinioes que associam estes dois elementos, nao demonstram aliar a teoria apratica. E entao possivel falar-se em cultura de associa~ao na forma como os profissionais concebem a rela~ao teoria e pratica e no seu oposto, isto e numa cultura de dissocia~ao quando passamos a visualiza~ao de tal rela~ao. A cultura de associa~ao entre teoria e pratica e not6ria no facto da maim路ia dos inquiridos conceber a antiguidade profissional como factor determinante para aumentar a capacidade de reflexao critica e sistematiza~ao da pratica; a rela~ao entre a teoria e pnitica como associa~ao entre ambas; a rela~ao entre as teorias sociais e problemas sociais como refonnula~ao e tecnicidade operat6ria. Quanto acultura de dissocia~ao e constatada: numa forma~ao ao longo da vida pouco consistente dado que, apesar da maioria dos inquiridos referir frequentar ac~oes de forma~ao, fazem-no de forma pouco regular, estas sao na sua maioria de curta dura~ao. Outro factor importante e a sistematiza~ao da informa~ao recebida, que e realizada na sua
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Joao Ferreira de Almeida, Portugal- Os Pr6ximos 20 Anos. Lisboa, 1990 pp. 94-95. '
lnterrell('c/o Social, 13114, 1996
Funda~ao
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maioria informalmente revelando uma apropria<;ao pouco aprofundada desta informa<;ao; no facto da a maioria dos inquiridos nao saber definir as referencias te6ricas em que se baseiam e de nao responderem a questao; na principal preocupa<;ao deontol6gica face a profissao centrar-se na sua maioria no aliar a informa<;ao te6rica a realiza<;ao pnhica, assim como na resolu<;ao nipida dos problemas dos seus clientes, sendo revelador de uma simbiose teoria/pnitica, nao conseguida. Evisfvel ainda na cultura profissional dos inquiridos: uma concep<;ao de pluralidade de papeis para o servi<;o social; uma concep<;ao do grau de autonomia dividida entre autonomia como resultado de competencias especfficas e autonomia como resultado do ambito institucional; e de referir ainda que os profissionais atribuem a si pr6prios o principal encargo de definir o seu papel profissional; e identificam-se com a profissao enquanto instrumento e realiza<;ao pessoal. CAPITAL CULTURAL- IDEOLOGICO Em rela<;ao as variaveis que compoem a participa<;ao social e polftica, o sistema de valores pessoais e societais, os consumos culturais cultivados e os contextos de opiniao temos, em rela<;ao ao primeiro, que a maim路ia dos profissionais nunca pertenceu ou pertence a associa<;oes. A percentagem mais elevada 6 a da associa<;ao sindical, a qual pertencem 32 inquiridos, 10 ja pertenceram. A associa<;oes cu1turais pertencem 25 inquiridos e ja pertenceram 9; as desportivas pertencem 21 inquiridos, ja pertenceram 13; a associa<;5es religiosas pertencem 15 e ja pertenceram 19; 19 inquiridos pertencem a outros tipos de associa<;5es, nomedamente de solidariedade social, de apoio a educa<;ao, associa<;oes de bairro e de apoio a saude. Em rela<;ao ao activismo, 20 (27%) inquiridos referem participar nas associa<;5es a que pertencem. A maioria, 48 (65%) nao participa. Os que participam dedicam mensalmente a associa<;ao a que pertence ate lOh e de 11-20h, incluindo-se na presta<;ao de trabalho tecnico (40% das respostas), participa<;ao nas actividades culturais (30% das respostas) e ac<;oes de forma<;ao (13% das respostas) organizadas pela associa<;ao e perten<;a aos orgaos directivos ( 17% das respostas). Os dados obtidos em rela<;ao a participa<;ao contextualizam-se na sociedade portuguesa e partanto, seguem as tendencias que se verificam nesta. Braga da Cruz 30 refere que se tem verificado um declfnio da participa<;ao social, para o qual o individualismo e hedonismo (presentes na modernidade) tem contribuido. Por outro !ado, refere ainda constatar-se que os valores predominantes na sociedade portuguesa incitam
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Manuel Braga cla Cruz. <<A
Participa~ao
Social c Politica>> in Portugal Hoje, Maia, INA, 1995, p. 353. lntt-'1Tr!IIU70
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pouco a participa~ao social, uma vez que a adop~ao de valores p6s-materialistas entre n6s emenor do que noutros pafses da Europa. Em rela~ao a participa~ao eleitoral e institucional, quase todos os profissionais afirmam fazer regularmente uso do voto- 69 (93% ). No entanto a participa~ao institucional dos inquiridos e quase nula, uma vez que somente 5(7%) profissionais pertencem a orgaos, partidos ou movimentos politicos, o que demonstra baixos nfveis de participa~ao polftica por parte dos assistentes sociais inquiridos. Em rela~ao as identidade, formas de ver e conceber a vida, as identidades classistas revelam uma forte rela~ao dos profissionais aos cfrculos restritos de rela~oes sociais quotidianas (50%). A percentage m de respostas referentes as identidades globalistas tambem sao significativas (37% das respostas). As identidades localistas sao valores com pouca expressao- 13% das respostas. Ao nfvel do quadro valorativo-cognitivo dos profissionais constata-se uma coexistencia de identidades micro e macro; tendencia que se verifica na sociedade portuguesa. 31 Nas orienta~oes pessoais destacam-se as s6cio-centradas, 52 (70%) dos profissionais. 19 (26%) inquiridos identificam-se por orienta~oes auto-centradas, neste ambito adquirem maior importancia as s6cio-centradas activistas. Somente 48 (65%) optam por orienU1~oes s6cio-centradas/activista; 22 (23%) inquiridos optam por orienta~oes s6cio-ccntradas/convivial c com menor destaque para as auto-centradas/narcisistas 3( 4% ). A analise do sistema de valores societais e no que se refere a concep~ao da democracia, verifica-se que a maioria dos inquiridos, 65 (88%) possuem uma concep~ao participativa da democracia, 6(8%) dos inquiridos possuem uma concep~ao representativa, verificando-se que 3(4%) inquiridos nao responderam. Relativamente ao posicionamento dos inquiridos face as institui~oes em gcral, observou-se que confrontados com um posicionamento construtivo/activistavisao positiva do papel institucional na sociedade e possibilidade do indivfduo contribuir para a estrutura~ao institucional - a grande maioria das respostas (91%) revelam este posicionamento. Relativamente ao posicionamento derrotistasupremacia da institui~ao; o indivfduo nao tem qualquer influencia no decurso da estrutura institucional, as respostas indicam uma elevada discordancia (84% ). No que concerne ao posicionamento paralelo - aproveitamento das institui~oes para ambito pessoal, indivfduo a margem das institui~oes; constata-se que 50% das respastas apresentam esta perspectiva. No que se refere ao posicionamento de descredito total das estruturas institucionais - supremacia da livre iniciativa; individualismo acentuado; 73% das respostas indicam discordancia com esta visao. Quanto
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Cf Joao Ferreira de Almeida op. cit., p. 115.
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ao posicionamento dos indivfduos face a interven~ao do Estado, 66% das respostas posicionam-se na 6ptica de um Estado 100% interventor, embora seja relevante a percentagem de respostas que discordam, 34%. Em rela~ao ao Estado liberal, 51% das respostas vai no sentido da concordancia enquanto 50% discordam; a grande maioria situa-se no posicionamento simbiose Estado/Sociedade - 86%. A concordancia elevada face ao posicionamento construtivo-activista e a discordancia igualmente elevada em rela~ao ao posicionamento derrotista e de descredito total, remetem-nos para uma visao em que a sociedade civil podeni e deveni ter um papel importante na constru~ao e desenvolvimento das institui~5es; contrastando coma% de respostas que afirma concordar com um posicionamento paralelo face as institui~5es, real~ando a perspectiva utilitaria do indivfduo face as institui~oes. Como podemos interpretar este posicionamento? Talvez possamos encontrar a resposta no «estadualismo» 32 e «paternalismo» 33 ainda presentes na sociedade portuguesa (heran~a das varias decadas de autoritarismo) e que Brag a da Cruz refere como «factores bloqueadores do desenvolvimento do civismo indispensavel a participa~ao social e democratica.l1 Confrontados com valores materialistas e p6s-materialistas, a maioria das respostas (57%) incidia nos valores p6s-materialistas sendo irrelevante a percentagem de respostas (43%) que se identificam com valores materialistas. Os valores p6s- materialistas predominantes sao: a sociedade menos impessoal ( 14% das respostas) e enfatizar a solidariedade primaria/secundaria (14% das respostas). Quanto aos valores materialistas os predominantes sao: economia estavel (9% das respostas) e diminiu~ao do crime (6% das respostas). Asemelhan~a das identidades tambem aqui se verifica uma tendencia para a coexistencia de dois tipos de valores. 0 interesse e aquisi~ao de informa~ao geral e especffica, em rela~ao a compra de livros e dominante a percentagem de inquiridos que diz efectua-lo regularmente, 67(91%). Em rela~ao a quantidade de livros que compram por ano, 31 (42%) afirmam adquirirem entre 6 a 12livros por ano. 0 genero de livros predominam sao os livros de lazer (32% ), seguidos de publica~5es das ciencias sociais (31% ). A area do servi~o social e leitura privilegiada por 20% dos inquiridos. 72% sao assinantes de publica~5es peri6dicas, enquanto 28% nao. Ao se analisar o tipo de publica~5es de que os profissionais sao assinantes constata-se que 34% das respostas privilegia a area de servi~o social. Enot6rio o interesse por temas da sua area de interven~ao (21% das respostas). Com 20% das respostas situam-se as publica~5es de informa~ao. Ao se aprofundar os livros e autores que os inquiridos se 1
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Manuel Braga da Cruz, op.cit .. p. 353. Ibidem. Ibidem. illten·eii\'!IO
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encontravam a !er no perfodo de aplica~ao do inquerito (Julho 95) verificou-se que 30 inquiridos (41%) se encontrava a !er 1livro, 19 (28%) profissionais encontravam-se a !er 2 livros e 5 (7%) nenhum livro. 45% dos livros referenciados situam-se dentro da fic~ao liteniria. Constata-se nao serem privilegiadas as leituras cientffico-tecnicas. Questionados quanto a leitura de jornais 73 (99%) profissionais afirmaram realini-lo. Relativamente a frequencia com que leem jornais 41 inquiridos (55%) dizem que o efectuam 1-2 vezes por semana; 32 inquridos (43%) refere que leem quase todos os dias. Quanto ao numero de horas que os inquiridos dedicam a ver televisao por semana verifica-sc que a maioria 40 (54%) ve menos de !Oh. Os programas preferidos incidem sobre informa~ao (23% das respostas), actualidades (18% das respostas) e fi1mes (17% ). Os eventos culturais escolhidos 31% incidem sobrc exposi~oes; 26,4 sobre cinema e 17% sobre concertos. Relativamente a participa~ao em eventos culturais no ultimo sementre 56 (76%) pessoas participaram, 16 (20%) nao participaram. Os meios que contribuem para a forma~ao de opiniao dos inquiridos incidem em dois polos: os mass media ( jornais aprcsentam 22% respostas, a televisao 20% ); a rede primaria (amigos e colegas com 19% das respostas e a familia corn 11% ). Quanto aos meios onde emite opiniao o local de trabalho surge como local privilegiado com 31% das respostas; seguindo-se a rede primaria (entre amigos 30% e entre familiares 24% ). Resumindo, em rela~ao a dimensao capital cultural-ideol6gico, os profissionais inquiridos real~am relativamente a participa~ao social e polftica, nfveis baixos de participa~ao;visfveis no baixo associativismo e no quase inexistente activismo (envolvimento na associa~ao).A participa~ao institucional e tambem praticamente nula. Os inquiridos nao pertencem a 6rgaos, partidos ou movimentos polfticos. 0 sistema de valores e por sua vez, marcado pela coexistencia de duas tendencias: em rela~ao as identidades - entre micro e macro - e em rela~ao aos valores de progresso e civiliza~ao - entre materialistas e p6s-materialistas. Os inquiridos revelam maioritariamente, orienta~oes pessoais s6cio-ccntradas e uma concep~ao participativa da democracia. Relativamente ao posicionamento do indivfduo face as institui~oes em geral, a maioria dos inquiridos tern um posicionamento construtivo/activista. Quanto ao posicionamento face ao Estado, a maioria revela um posicionamento de simbiose entre estado interventor-sociedade. No que se refere aos consumos culturais cultivados, os dados obtidos evidenciam um consumo regular de informa~ao geral, notando-se uma lacuna no que diz respeito ao consumo de informa~ao cientffico-tecnica. Este facto vem confirmar a afirma~ao atras mencionada relativamente a existencia de uma cultura de dissocia~ao entre a concep~ao te6rica e a pratica dos inquiridos. IIIIC/WIIf'lill
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AUTONOMIA PROFISSIONAL Em rela~ao as variaveis que compoem a autonomia administrativa especialista ou tecnica em rela~ao as fun~oes exercfdas na institui~ao, a maior parte dos inquiridos situa-se na gestao operacional 44 (59%), situam-se na gestao intermedia 24 (32%) e 7 (9%) na gestao de topo. A categoria profissional dos inquiridos, 24 (32%) profissionais sao tecnicos superiores de servi~o social principal; 20 (27%) profissionais sao tecnicos superiores de 1." classe e 15 (20%) sao tecnicos superiores de servi~o social de 2.a classe e 3 (4%) inquiridos sao assessores. Relativamente a autonomia para desenvolver 0 que planeia, a maioria dos inquiridos - 40 (54%) responde "as vezes"; 25 (34%) consideram ter autonomia e somente 7 (1 0%) consideram nao ter autonomia. Quanto aos recursos e meios a sua disposi~ao, 46 (62%) afirmam possuir recursos e meios disponfveis para a sua interven~ao; contudo 26 (35%) profissionais responde m que nao. Os inquiridos que afirmam nao possuir recursos/meios para a interven~ao que planeiam apresentam as scguintes propostas para resolver o problema: 51% das respostas incidem na exposi~ao aos superiores hierarquicos da necessidade de maiores meios e recursos, 44% das respostas incidem sobre a procura de recursos cm novos parceiros sociais fora do ambito institucional, 5% das respostas incidem na op~ao referente a dirninui~ao das despesas. Em rela~ao a compctencia profissional, ao inquirir os profissionais sobre quem constr6i o seu objecto de interven~ao, 41% das respostas revelam que e o assistente social que o realiza; 29% das respostas rcfcrem que e realizado instituciona1mcnte e 19% das respostas evidenciam que o objccto de interven~ao e construfdo por superiores hierarquicos. A constru~ao do objecto de interven~ao e um componente essencial para a cornpetencia profissional. Mediante este criteria verificamos que: uma parte consideravel dos inquiridos - 36(49%) nao sabe de linear o objecto da sua interven~ao. Facto explfcito atraves de respostas como: "o utente", "a marginalidade", "area dos idosos", "a institui~ao como sistema aberto no qual existem e interagem varios subsistemas". 30 (41%) inquiridos sabem definir o objecto de interven~ao, constitufdo pela popula~ao-alvo, inserido numa prob1ematica no ambito de determinada institui~ao. Constata-se que 8(1 0%) dos inquiridos tambem nao responderam a esta questao. Da corre1a~ao entre Institui~oes onde trabalham e constru~ao do objecto de interven~ao verifica-se que os profissionais que nao sabem responder ou nao respondem pertencem maioritariamente a IPSS/ Associa~oes13 inquiridos; a Hospitais/centros de saude - 12 inquiridos e a Autarquias- 10 inquiridos. Quanto a eficacia das mecliclas de Polftica Social sectorial, os inquiriclos 39(53%) consicleram que estas tem eficacia parte clas vezes; 19 (26%) sao cla opiIntcn路enrdo Social. JJ/1-1, /99()
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niao que as politicas sociais sao ineficazes. Somente 9 (12%) atribuem eficacia a estas medidas. Relativamente as respostas de alterayao das medidas de polftica social, verifica-se que 31% das respostas propoem maior eficacia destas; incluem as seguintes medidas: Polfticas sociais localizadas, heterogeneas, aumento das pens6es sociais, assistencia medica eficaz, avaliayao e estudo das necessidades dos beneficiarios da seguran9a social! revisao das medidas de politica social em conformidade. No ensino, igualdade de oportunidades, rede escolar publica, rela9ao efectiva escola/comunidade, forma9ao cultural e civica dos professores, valorizayao remunerat6ria dos professores, redefini9ao da polftica para a juventude. Ainda, 22% das respostas refere o aumento de recursos materiais e humanos e maior qualificayao, dos profissionais e 14% aponta a necessidade de alterayao e efectiva9ao da legis1ayao. Questionados quanto ao acesso a informa9ao existente na institui9ao onde trabalham, verifica-se que 34 inquiridos respondem "as vezes", 29 afirmam ter acesso a toda a informa9ao e 10 afirmam que nao tem acesso. Relativamente a questao referente ao que o profissional considera mais importante para aceitarem as suas ideias no ambito institucional, verificou-se que dos 63 inquiridos que responderam a esta questao, 24 optaram como menos importante "estar hierarquicamente numa posi9ao superior". Dos 61 inquiridos que responderam a questao, 25 optaram como pouco importante "ter uma elevada categoria profissional". Dos 63 inquiridos que responderam a questao, 26 consideraram como sendo muito importante "ter capacidade de transmitir as suas ideias de forma clara e assertiva". Dos 61 inquiridos que responderam aquestao, 19 consideraram pouco importante utilizar uma linguagem objectiva e conducente a uma representa9ao mental do que se pretende" e o mesmo numero de inquiridos consideraram-na relativamente importante. Dos 62 inquiridos que responderam aquestao, 19 consideram relativamente importante "ser coerente no conteudo mensagens que transmite". Resumindo, quanto adimensao autonomia, ao nivel da competencia profissional e flagrante a nao definiyaO do objecto de intervenyaO por parte dos inquiridos, quer por nao o saberem definir, quer por nao terem respondido aquestao. Por outro lado, se desta competencia fazem parte a aquisi9ao de conhecimentos para a resoluyao de problemas, torna-se evidente a posi9ao nao privilegiada destes profissionais, patente na pouca consistencia da forma9ao ao longo da vida; no escasso consumo de informa9ao especialista ou tecnica e no facto de nao saberem indicar as referencias te6ricas em que se baseiam na sua actua9ao. Os profissionais posicionam-se maioritariamente na gestao operacional, facto que podera explicar considerarem que s6 por vezes possuem autonomia para desenvolverem o que planeiam. A maioria dos inquiridos possui recursos/meios para desenvolver a sua interven9ao lntelwnrclo Social, /3//4, 1996
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CONSIDERA~OES FINAlS
Consideramos que nos situamos numa posi~ao favonivel enquanto profissao a traject6ria da cidadania, delimitando para tal, como determinantes de uma actua~ao promotora de cidadania, a cultura profissional o capital cultural-ideol6gico ea autonomia profissional. Estabelecendo compara~ao dos dados obtidos com o ideal tipo construfdo percepcionam-se tendencias por vezes convergentes, por vezes divergentes em rela~ao a este. Regra geral os profissionais inquiridos estao bem situados ao nfvel do sistema de disposi~5es integrando representa~5es e valores que segundo o ideal tipo contribuem para a actua~ao promotora de cidadania. 0 factor explicativo sera talvez o de que as preferencias ou o sistema de representa~oes e tambem resultado de condi~5es especfficas de surgimento e reprodu~ao. Ou seja, na sociedade actual torna-se cada vez mais insistente o alerta para a adop~ao de valores e comportamentos de nova cidadania aos quais os inquiridos nao sao indiferentes estando estes ate mesmo numa situa~ao privilegiada enquanto interventores sociais. Contudo verifica-se urn distanciamento relativamente ao sistema de ac~ao concreta. Constatamos que sao positivamente valorizados representa~5es, comportamentos e valores. Mas nos indicadores de ac~ao concreta constata-se um afastamento em rela~ao ao que essa valoriza~ao faria supor. No entanto, se optarmos por conceber que estas preferencias poderao a seu tempo materializar-se - na verdade o sistema de disposi~5es intervem tambem na defini~ao das estrategias e comportamentos dos actoresentao este facto revela-se positivo para uma possfvel ou futura actua~ao promotora de cidadania. Por outro !ado, se optarmos por conceber que « o essencial da experiencia do mundo social ( ... ) se opera na pratica aquem do nfvel da representa~ao e da expressao verbal» 35 , entao os inquiridos nao se posicionam positivamente face a actua~ao promotora de cidadania. BIBLIOGRAFIA ABELLA, Anna; «La participacion Cuidadana: un Camino a Medio Recorrer» Revista Del Trabail social. n. 0 134, Juny 1994, RTS, Barcelona. p. 29 e 30. ALMEIDA, Joao F. de; PINTO, Jose M., A ln\·estigacclo nas Ciencias Sociais, 4." eel., Lisboa, Editorial Prescn~a. Lcla .. 1990. ALMEIDA, Joao F. de, «Democracia, Desigualclacles, Valorcs>>, Revista Crftica de Ciencias Sociais, Junho 1991, pp. 29-34.
11.
0
32,
" Joao Ferreira cle Almeicla, «Portugal- os Pr6ximos, 20 Anos, Valorcs e Representa~6es Sociais>> in Temas Actuais, VIII Vol. Lisboa. Funcla~ao Calouste Gulbenkian, 1990, pp. 1-2. lnten'en~·(/o
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do Assistentc Social Promolora de Cidadania
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lnterrenr<lo Sociol. /3/U, 1996
PROGRAMA DE DOUTORAMENTO EM SERVI(:O SOCIAL PUC/SP- ISSS Firmado em 1986, entre a Pontificia Universidade Cat61ica de Sao Paulo e o Instituto Superior de Serviyo Social de Lisboa, iniciou-se em 1996/97 o Programa Especial de Doutoramento em Serviyo Social que tem por objectivo oferecer a possibilidade de finali zayao da formayao avanyada, em nfvel de doutorado, para os atuais Mestres em Serviyo Social, dos Institutos portugueses de Lisboa e Porto. Sao objectivos fundam entais do Programa Especial de Doutoramento em Serv iyo Social: - oferecer a possibilidade de finalizayao da form ayao avanyada, em nfvel de doutorado, para os atuais Mestres em Serviyo Social, dos Institutos de Lisboa e Porto, que obtiveram sua titulayao ao abrigo do Protocolo, firmado em 1986, entre a PUC-SP eo ISSS ; - formar profissionais, pesquisadores e docentes de alto nfvel academico e cientifico, que atuem no ambito do Serviyo Social e em areas conexas do campo das Ciencias Sociais; - incrementar a pratica da investigayao, numa perspectiva interdisciplinar, possibilitando conhecimento rigoroso da realidade portuguesa, neste momento peculiar de sua hist6ria, e oferecer contributo efectivo para a intervenyao em Serviyo Social e para a Polftica Social; - investir no apri moramento da pratica de docencia superior em Serviyo Social, em uma perspectiva interdisciplinar, e em estreita relayao com a investigayao. A estrutura academica do Programa tem como Area de Concentra~ao a direcyao etico-polftica do processo de trabalho do serviyo social na relayao Estado/Sociedade/Mercado, com as seguintes linhas de pesquisa • Serviyo Social, trabalho e questao social • Serviyo Social, democracia e cidadania • Transformay6es societarias, modernidade e Serviyo Social lnte~wnrao
Social, 13114, /996
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0 Programa sera desenvolvido atraves de Cursos, Seminarios e Actividades Programadas, onde se destaca a realizar;ao do Estagio de Investigar;ao. Como parte integrante do Programa sera realizado um projecto de pesquisa, a ser realizado em Portugal e no Brasil, denominado : "Configura~oes contemporaneas da questao social: repercussoes nas politicas sociais e no processo de trabalho do servi~o social brasileiro e portugues" e tem por objectivo o estudo comparado sobre a realidade polftica, social e econ6mica de ambos os pafses, procurando apreender as novas manifestar;oes da questao social no contexto das transformar;oes do fim do milenio. As mediar;oes hist6ricas que alteram os processos de reprodur;ao da vida social expressam-se tanto no campo das polfticas sociais como no das praticas institucionais transformando necessariamente a acr;ao profissional dos assistentes sociais, indicando as possibilidades de recriar;ao do seu exercfcio. A apreensao cientffica desta realidade s6 e viabilizada atraves da pesquisa.
lnten路enr路ilo Sociol. 13/I.J. 1996
ENOS- EUROPEAN NETWORK ON OCCUPATINAL SOCIAL WORK Rede Europeia de Assistentes Sociais de Empresa 0 ENOS e uma rede Europeia de Assistentes Sociais de Ernpresa, nascida em ideia no 15.째 Coloquio Europeu de Acyao Social realizado em Julho de 1989, na Holanda, sob o patrocfnio do International Council on Social Wellfare (ICSW), associayao internacional representada ern Portugal pelo Conselho Portugues de Cooperayao e Interdirnbio de Servi9os Sociais (CPCISS). Este col6quio promoveu um encontro subordinado ao terna "Trabalho e nao Trabalho nos anos 90Dimensoes Econ6micas, Sociais e Humanas ". Decorrente do debate agendado sobre o Serviyo Social do Traba1ho emergiu nos seus participantes a preocupayao de constituir uma Recle Europeia Europeia de Assistentes Sociais de Empresa, que respondesse <1s mutay5cs que se cstavam a sentir numa Europa, agora 1ivre de fronteiras, com todas as implica96es ccon6micas, sociais e humanas, que se anteviam num futuro proximo. Da Holanda traz-se esta preocupayao e caberia a Assistente Social de Empresa portuguesa presentc neste encontro, dinamizar um grupo que viesse a participar no proximo encontro. Assim, em Setcmbro de 1990, realizou-se um novo encontro que, entre outros patrocinadores, foi apoiado pelo Centra Europeu de Politica Social e Pesquisa de Viena, pe1a Escola de Servi9o Social de Midden da Holanda, e em que estiveram presentes delegayi5es de varios pafses da Europa, nomeadamentc da Alemanha, Ho1anda, Irlanda Suecia, Sufya e Portugal. Para alem da constitui9ao do ENOS, este teve tambem por objectivo dar aos Assistentes Sociais de Empresa na Europa a oportunidade da troca de experiencias, tecnicas e ideias sobre o Servi9o Social de Trabalho, respeitando a identidade cultural de cada Membro. 0 ENOS teria ainda por funyao a organiza9ao de encontros, designadamente reunioes, conferencias, Workshops e visitas de estudo, com o fim de melhor conhecer e definir a identidadc do Serviyo Social do Trabalho, bem como a divulgayao de informayao sobre assuntos relevantes, ficando todos os membros de hlfc(rtnrrlo Sociul. 13111, 1996
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ENOS- European Network on Occupatinal Social Work!
desenvolver ac~oes de divulga~ao peri6dicas, criando a Newsletter como elo de liga~ao entre as varias delega~oes. Os estatutos preliminares, os quais estao ainda em vigor, preveem que podem ser membros do ENOS os profissionais que exer~am Servi~o Social do Trabalho, em organiza~oes ou escolas, e as pessoas que possuam grau academico em Servi~o Social ou ciencias afins. A estrutura do ENOS e tambem constitufda pela comissao coorclenadora e pelo grupo executivo. Os pafses que constituem o ENOS sao representaclos por um coordenador, que exerce fun~oes por 3 anos , o qual pode ser reeleito por mais um mandato. Por sua vez, o Grupo Executivo e constitufdo por tres membros, nomeados pelo Grupo Coordenador. Presentemente constituem o ENOS, a Austria, Belgica, Fran~a Alemanha, Grecia, Irlanda, Israel (1), Noruega, Portugal, Suecia, Suf~a, Holanda e Espanha. 0 2.掳 Congresso Europeu do ENOS teve lugar em Portugal , em Vale de Lobos, em Outubro de 1991, e reuniu 70 tecnicos de 12 pafses da Europa. Debru~ou-se sobre o tema "0 Bern Estar Social nas Empresas- 0 Serviro Social de Empresa numa perspectiva lnterdisciplinar". Posteriormente manteve-se a realiza~;ao de congressos europeus com a mesma periodicidade que tiveram lugar na Suf~a, Grecia e Fran~a e cujas tematicas abordadas foram: "0 Serviro Social no Turbilhao das Organizaroes", "0 Serviro Social do Trabalho na Prepara~'tio para a Safda da vida activa: Reforma e PreReform a" e "A coesao Social nos Loutis de Trabalho ", respectivamente. Esta nesta data em prepara~ao o 6. 0 Encontro do ENOS , a realizar em 1998, desta feita na Suecia. Os varios temas tratados nos Congressos Europeus, entretanto realizados, revelam preocupa~oes das Assistentes Sociais de Empresa, justificando-se plenamente a existencia do ENOS enquanto local privilegiado de encontro para reflexao e discussao das novas prciticas para novos problernas. 0 servi~o Social de Empresa, com as suas praticas I interven~ao especfficas esta preparado para responder aos desafios do quotidiano em meio !aboral, centrado no Homem, na sua inter-rela~ao com a familia, comunidade e rede social alargada. lnten路en~路({o
Social. 13/J../.. !990
ENOS -
European Network on Occupatin al Soc ial Work
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Presentemente a Comissao Coordenadora econstitufda por um representante de cada pais membro, estando o Secretariado a funcionar na Suf<;a. Nesta data a Coordenadora Nacional ea Dra. Maria Emilia Nicolau, Assistente Social do Banco de Portugal, que esta adisposi<;ao para qualquer esclarecimento ou informa<;ao adicional sobre o ENOS.
Cl Israel possui tun estatuto especial por nao ser um pafs Europeu. llltenâ&#x20AC;˘ellftlo Social, 13114, 1996
Servi~o
Social no Feminino
Corn edi ~ao do CPIHTS - Centro Portugues de In vestiga~ao em Hist6ria e Trabalho Social, e organiza~ao de Alcina Martins e Alfredo Henriques, foram recentemente publicadas as Aetas das Jornadas Internacionais Servi~o Social no Feminino realizadas em Lisboa em Julho de 1995. Nesta publica~ao reunem-se comuni ca~6es que versam as tematicas do Protagonismo das Mulheres na Traject6ria Hi st6rica do Servi~o Social , a Abordagem Feminista do Serv i ~o Social, A Di scrimin a~ao e Violencia sobre as Mulheres e os Direitos das Mulheres, suas Organiza~6es e Movimentos. Inclui-se ainda uma bibliografia tematica sobre a materia. Trata-se de uma publica~ao de inegavel interesse e que se insere no projecto de trabalho do CPIHTS- SERVI<;:O SOCIAL NO FEMININO.
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Os pedidos de aquisi~ao podem ser dirigidos a CPIHTS , Rua Saraiva Carvalho n.0 235, 1. 0 Dt. 0 -1350 Lisboa- Tel./Fax 3511 395 64 77- E-mail: cpihts@ip.pt.
lmenâ&#x20AC;˘enriio Social, /3//4, 1996
Departamento Editorial - Pub/ica96es Ma Augusta Geraldes Negreiros, "As Representay6es Sociais da Profissao de Servi90 Social", Lisboa, ISSS-DPG, 1995 2.000$00 PVP
Francisco Branco Municfpios e Polfticas Sociais em Portugal, Lisboa, Departamento Editorial do ISSS, 1998 2.000$00 PVP
"A Dignidade Humana As Coisa tern Pre9o. 0 Homem Dignidade". Escritos e Depoimentos sabre Honorato Rosa. Organizador: Ernesto Fernandes lnstituto Superior de Servigo Social1 /Multi nova, Lisboa, 1996 PVP 2.400$00
Aetas do Seminario Europeu das Escolas de Servi90 Social Direitos Humanos e Forma9ao em Servi9o Social, Lisboa, (AEESS, ISSSL, ISSSP e ISSSC- ed. conj.), 1997 2.000$00 PVP
Pedidos a: Departamento Editorial ISSS Rua Bernardo Lima, 3 1150 LISBOA Tel. 352 02 87 Fax 354 52 10 e-mail: isss.editorial.@mail.telepac.pt
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flll er renr iio Social. 131/4, 1996