ANO XIV- 2004 N. 0 29
INSTITUTO SUPERIOR DE SERVI<;:O SOCIAL DE LISBOA INSTITUTO SUPERIOR DE SERVI<;:O SOCIAL DE BEJA CESDET- Cooperativa de Ensino Superior de Desenvolvimento Social, Econ6mico e Tecnol6gico, CRL
Ano XIV- 2004- N.o 29 www.cesdet. pt Director Dirw;:ao da CESDET - Maria do Rosario Serafim Subdirectores Direc<;:ao do lnsrituto Superior de Servi<;:o Social de Lisboa- Jorge Ferreira Direc<;:ao do lnstituto Superior de Servi<;:o Social de Beja- Noemia Ramos Conselho de redacfiio Sarah Banks (Universidade de Durham), Josefina Figueira-McDonought (Universidade Estatal do Arizona), Maria Carmelita Yazbek (Ponuficia UniversidaC!e Cat6lica de S. Paulo), Octavia Vazquez Aguado (Un ivers idade de Huelva), Lena Domine lli (Universidade de Southampton), Christine Labonte-Roser (Faculdade de Servi<;:o Social de Berlim), Helene Jaco5son Pettersson (Universidade de Kelmar) , Duarte Vilar (ISSSL), Maria ]ltlia Cardoso (ISSSL), Elza Pais (ISSSL), Maria Jose Guerra (ISSSB), Ana Paula Firas (ISSSB), Eduardo Tome (ISSSB) CoordenafiiO editorial e revisiio Sonia Luz Secretariado Administrativo Carla Rufino Periodiciclade
Assinrtturas:
Timgem
Scm estra l
Assinarnra annal 2004 (N. 0 28 e 29) Portugal: Esrudantes € 2 1,00; Particulares € 22,40; Tn srirui~6es € 25,20 Estrangeiro: Europa € 31,80; Timor, S. Tome e Principe e Gu ine: € 27,40; Resto do Mundo € 36,60
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N. 0 29 EV.P : € 14,00
Edi~ao
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Sumario Editorial Artigos 11
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Ethical Challenges for Social Work Sarah Banks
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I 0
reconhecimento da condir;ao etica dos cidadaos- um imperativo etico para o servir;o social Maria do Rosario Serafim
53 I A responsabilidade como categoria etica fundante de uma estetica renovada de pessoa Maria Jose Guerra
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I
Olhares femininos sobre aetica: Carol Gilligan e Nel Noddings Manuela Marinho
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I
A condir;ao etica das instituir;oes sociais Paula Nobre de Deus
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I
Os direitos humanos na perspectiva do desenvolvimento sustentdvel e a formar;ao em servir;o social Grac,:a Andre e Hans Walz
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I
Etica y Trabajo Social Jose Luis Sarasola Sanchez-Serrano
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I
Por uma carta etica da intervenr;ao social Ernesto Fernandes
153
I
Diversidade etica: Assimilar;ao ou Multiculturalismo Antonio Duarte, Marta Santos e Silvia Grosa
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I
Etica de genero ou o genero da etica Joaquim Fialho e Alexandra Pontes
195
I
Pensamento e Ac~iio inclusivos. Comunica~iio Intercultural e Gestiio da Diversidade na Prdtica do Trabalho Social Edwin Hoffman
Resenr;oes
221
I
0 Sentido das Idades da Vida Maria de Lourdes Quaresma, Ana Alexandre Fernandes, Dinah Ferreira Calado e Micael Pereira
Recenseado por Julia Cardoso
Testemunhos
227
I
Maria de Lourdes Pintasilgo por Tilia Fonseca
231
I
Sophia de Mello Breyer Andresen por Mariano Calado
237
I
Resumes/Abstracts
245 I Normas para apresentar;iio de originais
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Editorial A edis:ao deste numero da Revista Intervens:ao Social representa mais um passo na concretizas:ao de um projecto editorial de mudan<;:a, iniciado no n{tmero anterior. Para alem da sua apresenta<;:ao, configurada num novo visual grafico, o seu conteudo obedece a ops:ao de um maior envolvimento da comunidade cientifica e academica dos Institutos Superiores de Servi<;:o Social de Lisboa e Beja. Na verdade, e gratificante assinalar que grande parte dos artigos aqui reunidos sao assinados por docentes e discentes destas duas escolas, caminho que queremos continuar a prosseguir. Por outro lado, a reconstitui<;:ao do conselho de redacs:ao, aberto agora a personalidades da area do servi<;:o social de renome internacional, vern trazer um valor acrescentado significativo a esta area cientifica. 0 tema que trazemos para reflexao - a etica na contemporaneidade - e de uma pertinencia fundamental para o servis:o social actual, face a crescente multiplicidade e complexidade das problematicas sociais que influenciam o nosso ethos profissional. Analisar e equacionar algumas dessas particularidades foi o nosso objectivo para esta edis:ao e o resultado aqui esra: um variado conjunto de reflex6es que testemunham algumas das preocupa<;:6es actuais do ponto de vista da etica e da deontologia profissional. 0 artigo Ethical Challenges for Social Work, testemunhando a larga experiencia e reflexao de Sarah Banks, conceituada professora da Universidade de Durham (U.K) nas areas da etica e do servi<;:o social e aurora de significativa bibliografia sobre esta tematica, salienta algumas das conflitualidades, dificuldades e desafios eticos que envolvem o quotidiano profissional dos trabalhadores sociais, sobretudo no que se refere a relas:ao com os utentes, com as instituis:6es e face aos deveres profissionais. Na opiniao da autora as acmais tendencias sociais e politicas tern implica<;:6es eticas significativas, o que exige uma revisao dos tradicionais conceitos da etica profissional.
0 reconhecimento da condir;iio itica dos cidadiios - um imperativo para o servir;o social, artigo elaborado por Maria do Rosario Serafim, salienta a
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importancia de alguns prindpios eticos do servis:o social, tais como a autonomia, a liberdade, a participas:ao, a justi<,:a social, entre outros, recorrendo ao contributo conceptual de autores fundamentais para a reflexao etica do servis:o social na contemporaneidade como Kant, Habermas ou Hannah Arendt. Nesta mesma linha de reflexao, Maria Jose Guerra, revisitando o conceito de ser pessoa, seleccionou como tema A Responsabilidade como Categoria Etica Fundante de uma Estitica Renovada da Pessoas e cuja reflexao acentua a urgencia de se descristalizarem rela<,:6es conceptuais acerca do homem e do mundo, no sentido de se reinventar a pessoa e o conceito de responsabilidade, renovando-se alian<,:as e consensos sabre regras e prindpios marais universais. A proposito da etica do cuidado, Manuela Marinho, no artigo intitulado Olhares femininos sobre a etica sistematiza o pensamento de Carol Gilligan e Nel Noddings que, em sua opiniao, se aproxima das proposi<,:6es do servi<,:o social. Nesta abordagem feminina, a moralidade, centrada nas responsabilidades relacionais que temos uns para com os outros, e marcada pelas identidades de genera e, em ultima analise, pelo direito a diferens:a e pela satisfas:ao das necessidades particulares do Outro. A etica e uma dimensao angular na analise das possibilidades assumidas pela sociedade civil em Portugal, particularmente nas instituis:oes sociais, reveladoras de fragilidades humanas, tecnicas, materiais e financeiras que influenciam atitudes e comportamemos dos profissionais que a( trabalham. Paula de Deus reflecte acerca deste dilema ao escrever sabre A condi~iio etica das institui~iies sociais, no pressuposto de que os percursos profissionais, porque se fazem e refazem nas rela<,:6es com o outro, no caso o sujeito-cidadao-de-direitos-deveres, exigem competencia e implicam compromissos orientados para a finalidade da acs:ao que desenvolvem. 0 respeito pelos direitos do homem e o desenvolvimento sustentivel sao temas centrais do servis:o social, na opiniao de Gras:a Andre e Hans Walz. 0 artigo sabre Os direitos humanos na perspectiva do desenvolvimento sustentdvel e a forma~iio em servis:o social sublinha uma actuas:ao profissional baseada na ciencia e na etica e chama a atens:ao para a pertinencia dos prindpios e valores eticos e a partilha de saberes, numa perspectiva l NTERVEN<;:Ao SOCIAL,
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intercultural e inter-religiosa. Do mesmo modo, o fundamento etico das decis6es morais que estao subjacentes ao exerdcio profissional do trabalhador social, e destacado por Jose Luis Sanchez-Serrano no seu artigo sobre Etica e trabalho social o que, na sua opiniao, e urn aspecto que faz com que a etica, enquanto etica civil mfnima, deva ser actualizada para que possa dar resposta a problemas actuais como a imigrac,:ao, a interrupc,:ao da gravidez, a eutanasia, etc. Por fim, este conjunto de reflex6es acerca da etica em servic,:o social termina com Por uma carta etica, de Ernesto Fernandes, resultado da sua longa e partilhada reflexao sobre o servic,:o social, em contexto de formac,:ao para profissionais da intervenc,:ao social. Nesta carta, consubstancia-se a pertinencia de referenciais etico-polfticos comuns aos profissionais direccionados para a defesa e promoc,:ao da cidadania e identificam-se prindpios e valores indivorciaveis da pratica profissional, atraves de quatro dimens6es essenciais: os publicos a quem se destina a acc,:ao profissional, os colegas e outros profissionais com que se trabalha, as organizac,:6es-instituic,:6es responsaveis pelas medidas de polftica e entidades empregadoras e o proprio profissional. No artigo seguinte, Diversidade etica: assimila~iio ou multiculturalismo, tres recem licenciados, Antonio Duarte, Marta dos Santos e Silvia Grosa, partilham alguns dos resultados da sua investigac,:ao do 5.0 ano, no Curso Superior de Servic,:o Social. Acentuando o respeito pelo outro, postulam a indispensabilidade do respeito e reconhecimento da(s) cultura(s) dos imigrantes e das minorias etnicas, enquanto aspectos espedficos a ter em conta nas mudanc,:as da sociedade e dos indivfduos e sobretudo, para a auto-estima do imigrante. Nesta mesma linha de problematizac,:ao, Joaquim Fialho e Alex'!-ndra Pontes equacionam a Etica do genero ou o genero da etica. Pressupostos para uma igualdade de oportunidades entre mulheres e homens, pois acreditam que se torna fundamental a passagem de uma etica conformista de aceitac,:ao de praticas desiguais perante o genero, para urn agir reflexivo baseado numa etica da igualdade entre generos. A traduc,:ao da comunicac,:ao de Edwin Hoffman sobre "Pensamento e ac~iio inclusivos", da auto ria de Maria Ines Amaro, em bora nao directaI NT ERVENr;Ao SOCIAL,
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mente relacionada com o tema da etica, torna-se indispensavel ja que o autor aborda urn conjunto de preocupa<_;:6es/reflex6es acerca do aumento do numero de grupos etnicos existentes nas diferentes sociedades europeias e a rela<_;:ao desse crescimento com o desenvolvimento de reorias e instrumentos particulares de apoio a praticas profissionais de natureza mais reflexiva. A recensao de Julia Cardoso a prop6siro do livro 0 sentido das !dades da vida. !nterrogar a solidao e a dependencia, editado pela CESDET, sistematiza as suas ideias principais e percorre os seus diversos capftulos. Porque este livro inaugura uma nova linha de edi<_;:ao da CESDET e porque a sua qualidade cientffica e not6ria, bern como a da equipa que realizou este estudo, recomendamos a sua leitura a todos os interessados no tema da gerontologia. A inclusao de uma sec<_;:ao intirulada Testemunhos jusrifica-se por nao querermos deixar de prestar uma homenagem a duas figuras impares da nossa sociedade, que recentemente nos deixaram: Sophia de Mello Breyner Andresen e Maria de Lurdes Pintasilgo. Porque achamos que aqueles que esriveram perro destas duas personalidades, seja atraves de uma convivencia regular, seja atraves da leirura e conhecimento dos seus legados polfrico-filos6ficos e literarios, seriam os que melhor poderiam partilhar connosco algumas das suas particularidades mais significativos. A esse desafio acederam de imediato Mariano Calado e Tilia Fonseca e e esse o testemunho que nos deixam neste numero da Revista Interven<_;:ao Social. Por fim, salientamos a nossa convic<_;:ao em querer continuar a aperfei<_;:oar esta nova linha editorial. Para isso, contamos com a colabora<_;:ao de roda a comunidade cientifica e academica, quer nacional, quer internacional, ligada ao servi<_;:o social.
Os Direcrores do ISSSL, do ISSSB e da CESDET
I NTERVENc;:Ao SOCiAL, 29, 2004
ARTIGOS
l NTERVEN<;:AO SOCIAL,
Sarah
BANKS
29, 2004: ll-24
*
Ethical Challenges for Social Work This article examine some ofthe ethical challenges focing social workers and social work as a profession at the present time. The focus is on ethics in a professional context, that is, professional ethics. Professional ethics covers topics relating to how professionals should act in relation to service users and others and what kinds ofpeople professionals ough to be.
Introduction
Social work by its very nature is fraught with conflicts and difficulties. In this article I will examine some of the ethical challenges facing social workers and social work as a profession at the present time. I will use the term "ethical" in a broad sense to cover matters relating to how human beings treat each other and their environment what actions are regarded as right or wrong and what traits of character are good or bad. The central questions in ethics are normative ones relating to: 'what should Ilwe do?' or 'how should Ilwe live?' This article has a particular focus on ethics in a professional context, that is, professional ethics. Professional ethics covers topics relating to how professionals should act in relation to service users and others (such as how much autonomy professionals should have or give or how they should distribute their resources of time and money) and what kinds of people professionals ought to be (honest, trustworthy, reliable, compassionate). This article is based largely on experience in the UK and draws on some research interviews with professional practitioners. Whilst each *Senior Lecturer - University of D urham (U. K) Author of Ethics and Values in Social Work (1995) , Ethics, Accountability and the Social Professions (2003), Managing Communit)' Practice: Principles, Policies and Programmes (with H ugh Butcher, Paul Henderson and Jim Robertson) (2003), Teaching Praticai Ethics for the Social Professions (with Kirsten N 0hr) (2003), etc.
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country has distinctive laws, policies, professional cultures and systems of organising social work, there are nevertheless some common trends affecting social work in all European countries (see Lorenz, 2001). So it is hoped that the content of the article will be relevant more widely. The question 'What are some of the important ethical challenges facing social work and social workers today?' will be considered in two parts: â&#x20AC;˘ What are some of the broader trends and themes in society, social and public policy that have ethical implications for social workers and that have implications for our traditional conceptions of professional ethics? â&#x20AC;˘ What are the ethical issues and dilemmas that individual social workers identify as problematic in their everyday practice? I will conclude with some indications about how social work and social workers might respond to these challenges.
Ethical implications of broad trends in society, social and public policy This section of the paper outlines some of the broad trends and policies that provide the context within which to locate the specific ethical problems and dilemmas reported by professional practitioners. It is argued that these trends and policies have significant ethical implications for the organisation and practice of social work.
I) Privatisation and the growing role of the market in social care Harris (2003) describes social work as a 'quasi-business'. In the UK a large proportion of the provision of residential and day care for older people and people with disabilities is now provided by the private sector as opposed to the state or charities. In some countries this is happening faster than others, but even in countries with a strong state sector or notfor-profit organisations, the principles of business are being applied, encouraging cost consciousness on the part of social workers, with a danI NTERVEN~:Ao
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ger that efficiency may become more important than effectiveness or ethics. There is a concern with the distribution of resources - with the utilitarian principle of promoting the greatest good of greatest number of people - as social workers become managers of budgets and are concerned with the rights and needs of whole populations, rather than just one client. This provides the context for some of the dilemmas and problems experienced by practitioners in relation to maximising welfare and promoting distributive justice.
2) The fragmentation and specialisation ofsocial work The term 'fragmentation' is used to describe a number of trends, which lead to social workers doing increasingly differentiated and specialised jobs in a range of organisations. These specialised jobs may relate to criminal justice, community care, child protection, mental health, work with asylum seekers or minority ethnic groups, for example. There is a move away from the concept of the generic social worker. This can be regarded as a threat to the professional identity and professional values of social workers and causes uncertainties about professional roles.
3) The growth ofmulti-disciplinary working Recent developments in health and welfare emphasise and require that members of different professional groups should work together. In the field of child protection, for example, this may involve social workers cooperating with police, doctors, health visitors and teachers. The aim is to improve services, to make better-informed decisions and to remove overlap or gaps in services. This can result in conflicts of values and loyalties between professionals in the team, and/or a blurring of boundaries (see Banks, 2004: Irvine, Kerridge, McPhee & Freeman, 2002; Mayo & Taylor, 2001). One of the issues raised by multi-disciplinary working is whether it is counter-productive for each profession to retain its own set of unique values or ethical principles. This also challenges the professional identity of social workers. !NTERVENc;:Ao
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4) The declining public trust in proftssionals and a concern for more accountability The decline in trust has led to the development of quality standards and procedures by government and employers, which have served to reduce professional autonomy and discretion. As one social worker commented: 'you can spend so much time ticking boxes that you can actually forget that there's people that need to be helped'. In the UK there has been a massive growth in recent years in detailed sets of government guidelines, procedures and checklists relating, for example, to how to conduct a risk assessment in a child protection case or how to assess needs and plan care packages (see Banks, 2004, Ch. 6). This can be regarded as part of what has been termed 'the new managerialism' (Clarke, 1998; Newman, 2000). In addition to government guidance, each social work agency is developing its own codes of practice and procedures, which specify what a social worker is required to do in order to conduct a proper investigation and assessment of a service user's needs.
5) The rise of the 'consumer' movement and demands for service user and community participation (consumerism and radicalism) There are several trends at work here. Some are market-oriented, with a focus on consumer rights to complain or to choose alternative services. But there are also more radical demands for citizenship rights from minority groups, such as people with disabilities or minority ethnic groups. Demands for community participation, anti-oppressive practice and respect for difference.are challenging the notion of professional power and expertise (Dominelli, 2002).
6) A growing concern with the responsibilities of citizens {'communitarianism') The notion of 'active citizenship' is developing, with the requirement that professionals should not be paternalistic, but should encourage peolNTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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pie to take responsibility for their own lives (Etzioni, 1995). This leads to more stress on empowerment and the need for social work practitioners to have skills in community development and preventive work.
7) Questioning of universal values ('postmodernism')
Social work values tend to be based on idea of universal rights and duties. Codes of ethics often refer to the United Nations Declarations on Human Rights and the Rights of the Child. However, the idea that there is one common set of values applying to all countries and cultures is being questioned. The universal values focus on respect for the individual regardless of ethnicity, gender, ability, religion, and so on. Yet it is increasingly recognised that individuals' identities are formed through their ethnicity, religion and so on. Western individualist liberal approaches could be regarded as inappropriate for working with groups whose values reflect more collectivist traditions . This raises the question of how we should handle this relativism or pluralism.
The implications of these broad trends The traditional model of the social worker as a professional practitioner with a unique professional identity, special expertise and adhering to a professional code of ethics is under threat from the trends outlined above. Many of the trends and policies can be characterised as 'bureaucratic' and 'managerialist'. They represent an increasing emphasis on the use of procedures and guidelines, based on the notion of the social worker as a technician or manager rather than an independent professional. Increasingly the focus of the work is on agency guidelines and efficiency rather than professional values or the rights and needs of the service users. As part of the bureaucratic/ managerialist trend, it could be argued that employers are now looking for social workers with the necessary skills and knowledge to perform particular functions and that professional values are either unnecessary or an impediment to effective working. The employer does not want a worker committed to promoting service INTERVEN~~AO SOCIAL,
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users' rights or to working for social justice. What is wanted is someone who can perform a technically correct risk assessment or maximise scarce resources, for example. The worker's loyalty should be to the employing agency rather than to the profession; guidance should come from agency codes and procedures rather than the professional code of ethics. The differences between these approaches can be summarised in Table 1, where they are characterised as the 'professional' and the 'bureaucratic/managerialist'. Table 1: Models of social work practice (tal{en from Banks, 2001, p. 145)
Professional
Bureaucratic! Managerialist
I Committed! 2 Radical
social worker as
professional
official! technician
equal/ally
power ftom
professional expertise
organisational role
competence to handle situation
service user as
client
consumer
equal/ally
focus on
individual workeruser relationship
servtce provision
1 Individual empowerment/ 2 Societal change
guidance ftom
professional code of ethics
agency rules and procedures
personal commitment/ ideology
key principles
users' rights to self-determination , acceptance, confidentiality, etc.
agency duties to distribute resources fairly and to promote public good
1 empathy, genurneness 2 raising consciousness, collective action
organisational setting that would best facilitate this
private practice or large degree of autonomy in agency
bureaucratic agency m voluntary, statutory or private sector.
independent voluntary agency or campaigning group.
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Another challenge to the traditional conception of the professional social worker, is from a more radical position. The social movements seeking equality and justice for people who have traditionally been oppressed and excluded (people with disabilities, minority ethnic groups, lesbian and gay people, for example) are challenging social work to change its paternalist practices (often associated with professionalism). In addition, where state policies and institutional practices are contributing to inequality and oppression, the radical approach to social work would advocate that the social worker should take the side of the service user to become part of a movement for social change. However, the scope for such radical activity becomes less as the managerialist and business culture grows in social work.
The ethical challenges facing individual social workers in their everyday practice
I recently conducted some interviews with professional practitioners in the UK. I was concerned to ascertain their views about the ethical implications of the changes in professional practice in recent years. This involved conducting 32 individual and three group interviews with senior practitioners working in the social welfare field. (social work, youth work and community work). As shorthand I will refer to these practitioners as 'social workers', but it is important to bear in mind that I am using a broad definition of 'social worker' to describe those practitioners working in what we might term 'the social professions' (see Banks, 2004, pp 1-2; Lorenz and Seibel, 1999). This covers practitioners involved in social care and informal education/social pedagogic work with a range of vulnerable, troublesome or 'disadvantaged' user/client groups. As part of the interview process, practitioners were asked to give examples of ethical dilemmas or problems experienced in their practice. I did not define 'ethical' or 'dilemma/problem', as I wished to hear practitioners' own accounts of what they thought fitted this description. In analysing the content of the accounts given by the practitioners, I considered the extent to which the ethical issues they were raising were new, or whether they were traditional issues manifested in the new or lNTERVENc;:Ao SOCIAL, 29, 2004
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changing context of the trends identified above. I concluded that the substantive issues are representative of the familiar themes and issues that have been identified in the professional ethics literature over the last two decades, but the details and complexities are different. In reading the ethical accounts, several broad themes were identified that are discussed below.
Individual and community autonomy This is a very broad heading, which applies to many of the ethical accounts given by these practitioners. The question of how much choice, responsibility and power a service user or group of participants should have in a professional context is perhaps the most common ethical issue in professional practice. At an individual level it is often framed as a choice between promoting or respecting an individual's choice versus a concern for their welfare and/or the needs and interests of others. The case of a man with alcohol problems who wished to remain at home despite the social worker's judgement that he was at 'significant risk' is a good illustration. At a community or neighbourhood level, a manager reported having to decide between the preferences and choices of a small group of active residents and the broader and long-term interests of the wider community. These dilemmas and problems inevitably lie at the heart of social welfare work, which operates within a framework of care and control, yet aims also to empower, educate and promote democratic participation. Although this is an 'age-old' conflict in the work, some of the tensions are further intensified in the current climate in which the pressures to promote the participation and self-determination of service users are increasing alongside the sometimes contradictory desire to reduce or eliminate risk (see Banks, 2003). The tensions between trends towards flexibility, local responsiveness and community and service user participation (communitarianism, consumerism, radicalism) on the one hand and the centralising regulatory state (bureaucracy and accountability requirements) on the other, furnish the context for these very particular dilemmas and problems. INTERVEN<;:AO SOCIAL, 29 , 2004
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Maximising we/fare/distributive justice Issues of rationing and prioritizing came up several times. For example, youth workers used to working with a broad age range of young people, questioned the recent requirement to target their time and resources at specific 'problematic' groups. A social worker commented on the frustrations of balancing the need to respond to crises (child protection) while maintaining close and trusting relationships with particular young people looked after by the social services department. Her job had just changed to involve child protection responsibilities as well as child care. The question of how to maximize the use of scarce resources is a constant issue for public services, but the growth of awareness of and emphasis on efficiency and effectiveness raises new challenges for practitioners.
The role ofthe professional practitioner The question of where the boundaries of professional work lie is another traditional ethical issue for professional practitioners. It relates not just to the boundaries between being an ally/friend as opposed to a distant professional expert, but also to the question of what is one's professional duty? While the vexed question of defining and maintaining boundaries is a long-standing one, the precise nature of the debates does change over time as policies and priorities shift. Youth workers, social workers, nurses and police officers operating in the inter-professional context of a youth offending team reported issues arising from the blurring of boundaries between professional roles, including questions of how to handle confidential information. The demands for partnerships, inter-agency, multi-disciplinary and inter-professional working in the social welfare and regeneration fields are providing new contexts to test out the old-established boundaries of the different professions and their distinctive roles and ethical codes.
Professional values, professional autonomy and professional integrity Several respondents mentioned value conflicts with colleagues and lNTERVEN<;:Ao SOCIAL, 29, 2004
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their employing agencies. Whilst this is not a new issue, for some of the practitioners working in multi-professional settings it may raise conflicts, dilemmas and tensions that are less apparent in work in settings dominated by a single profession, such as social services departments or youth work agencies (see Banks 2004, Chapter 5, for a discussion of inter-professional ethics). Again this was particularly apparent in a youth offending team context, where a youth worker reported having to choose between quitting the job or compromising his own values about respect for young people. In another team, a health professional found himself required to breach what he regarded as his professional commitment to strict patient confidentiality. He articulated this in terms of a threat to his professional judgment and autonomy: 'as an individual professional, you know, I have the right to decide what is best for the interests of that person who I'm dealing with.'
Poor/ineffective work There were many accounts of practitioners being required/expected to do work that was regarded as ineffective, unnecessary, 'ridiculous' or damaging (for example, the stigmatizing effect of taking people into the mental health system) and stories of poor practice by other professionals (for example, the police undoing the good work of the community workers). Such stories about 'other professionals' are well-recognised ways of performing moral aspects of professional identity (White and Stancombe, 2003, p. 112) and fall into the category of what Dingwall (1977) calls 'atrocity stories'. These types of accounts sometimes take the form of frustrations or challenges - that is, the practitioner giving the account was often a passive observer, or a frustrated participant. Several practitioners gave such accounts alongside comments like: 'that's what I'm expected to do' (a social worker referring to that fact that service users have to sign a contract for a service before they know the cost). Again, these types of stories are nothing new, although they may reflect a growing sense of frustration and powerlessness amongst practitioners (see Jones, 2001). lNTERY ENQ\0 SOCIAL,
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Concluding comments There are no easy answers to the ethical challenges outlined in this paper. However, I will conclude the article with three points for further consideration.
1) The importance ofcritical reflection and debate
It is essential to encourage a culture of discussion and questioning amongst students on training courses; practitioners in their teams; and practitioners from different teams and different agencies. I have taught ethics to social work students in France, Finland, Portugal and Sweden. In all these places the students have appreciated the chance to discuss their own dilemmas and case studies with each other, and some have commented that that had never done this before (Banks, 2002). It is not necessary to have separate courses in ethics, but ethics does need to be identified and covered in the teaching and learning. Textbooks, discussion documents, case studies for discussion can all help (see Banks and N0hr, 2003).
2) Supporting social workers to recognise and challenge their employers and central government about systems that inhibit good and ethical practice
It is important to develop skills not just in reflection, but to develop 'reflexive' and committed practitioners. Reflexivity entails social workers subjecting their own knowledge and value claims to critical analysis and becoming aware of the dominant professional constructions influencing their practice (Taylor and White, 2000, p. 35). It may involve recognising how they themselves are part of systems of domination and oppression. A commitment to a collective set of values that entails promoting social justice and challenging inequalities and oppression is essential if social work is to maintain its integrity. There is currently a need to raise the profile of the profession and redefine and reaffirm the values of social work. lNTERVEN~~Ao SociAL, 29, 2004
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3) Finding a balance between developing more and more procedures and rules, and recognising the need for good judgement. It is important that social workers do not rely solely on procedures for doing 'the right' action and are prepared to modify or ignore them when necessary. As one of the senior managers in a social work office commented to me in an interview: Procedures are guidelines, and not tablets of stone. You've got to use your intelligence, you've got to kind of look at them in the context of people, and in the context of situations, and procedures can't cover every eventuality. There are times when you just have to use your brain and judgement, and people say 'well, what if I get it wrong?' and I say, 'Well, you know, you get it wrong then'. If we're not paid for our judgement, then what are we paid for?
There is a tendency to regard 'professional ethics' as standards of behaviour, prescribed by a professional association, a regulatory body or employer in the form of rules (such as, 'do not have sexual relations with a service user'). However, this is just one aspect of what we might want to include under the heading 'professional ethics'. Other aspects of professional ethics might include the articulation and discussion of key values and principles underpinning the work of an occupational group (such as 'the promotion of the self-determination of service users') and the cultivation of workers with certain character traits or dispositions (such as trustworthiness or empathy). As the moral philosopher Peter Singer (1997, p. vi) comments: The problem is that most people have only the vaguest idea of what it might be to lead an ethical life. They understand ethics as a system of rules forbidding us to do things. They do not grasp it as a basis for thinking about how we are to live.
It is the argument of this paper that in facing the ethical challenges inherent in social work today, it is very important that social workers develop the confidence and ability to make their own considered judgements, rather than to seeking always to follow a rule. lNTERVEN<;:AO SOCIAL,
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Maria do Rosario S ERAFIM*
0 reconhecimento da condis:ao etica dos cidadaos - urn imperativo para o servis:o social Com o presente artigo pretende-se reflectir acerca de alguns temas eticos, como sejam a autonomia, a acriio a 路itica, a justira social, entre outros, tendo subjacente a relevancia dos postulados teoricos de autores como sejam Kant, Marx, Rawls ou Habermas, quer para a compreensiio da mudanra de paradigma na ciencia social modema, quer para a configurarlio das novas determinaroes que configuram o Serviro Social na actualidade. A convicriio de que o exercicio profissional dos Assistentes Sociais, porque orientado p ara a satisfariio das necessidades humanas e para o bem-estar social, implica o reconhecimento da condifiiO etica dos cidadiioslutentes tem subjacente a nofiiO de que a consciencia etica estd vinculada a um corpo de valores comuns orientados para o mundo do desejdvel e do ideal. Em suma, reafirma-se que o Servifo Social estd aliado a urn compromisso etico, a responsabilidade social e mesmo, a urn dado projecto de vida, que contemple a garantia do respeito pela autonomia, pela afirmariio da vida pela vontade, pelo exercicio da acriio critica e interveniente, pelo respeito pela equidade e justifa social, num espafO p ziblico plural e democrdtico.
Nada no nosso tempo e rnais duvidoso, penso eu, do que a nossa atitude p erante o mundo. ( ..) Po is o mundo niio e hurnano sopor ser feito por seres hurnanos, e niio se toma hurnano sopor nele se fazer ou11ir a voz hurnana, mas sim, e so, quando se torna objecto de didlogo. Por rnuito que as coisas do mundo nos afictern, por rnuito profundamente que nos abalern e nos estimulern, so se tomarn humanas para nos quando podernos discuti-las com os nossos semelhantes.
Hannah Arendt
1. Etica, Valores e Servis;o Social
0 Servis;o Social coexiste com uma realidade cada vez mais complexa, * Professora Associada do Instituto Superior de Servi<,:o Social de Lisboa.
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diversificada e plural, o que exige uma aprofundada e continua reflexao, do ponto de vista etico, filos6fico e politico. A complexidade dos fen6menos, o avolumar de problemas sociais e suas multiplas express6es, a crise do Estado Social e, em suma, o novo quadro s6cio-hist6rico, econ6mico e politico em que vivemos remete-nos, na condic;:ao de Assistentes Sociais, para a impord.ncia da reflexao acerca das quest6es eticas do tempo presente e para a necessidade imperiosa de uma ideia prospectiva acerca dos pilares fundamentais sob os quais se edifica esta profissao. Como presenre artigo pretende-se reflectir acerca de alguns temas eticos do tempo presente, tendo subjacente a ideia de que o seu aprofundamento e relevante, quer para a compreensao da mudanc;:a de paradigma na ciencia social moderna, quer para a configurac;:ao de novas determinac;:6es no Servic;:o Social. A convicc;:ao de que o exerdcio profissional, parque orientado para a satisfac;:ao das necessidades humanas e para o bemestar social, se deve equacionar enquanto realizac;:ao de urn servic;:o publico, na verdadeira acepc;:ao da palavra, implica o reconhecimento da condic;:ao etica de todos os cidadaos com quem trabalhamos, a exigencia de qualidade ao nivel da resposta institucional e/ou organizacional que se oferece, a procura constante de uma maior competencia no desempenho tecnico, o rigor cientifico, a regularidade no estudo e investigac;:ao dos problemas sociais e a clareza na identificac;:ao e diagn6stico das suas determinac;:6es hist6ricas, econ6micas, sociais e pollticas. 0 conhecimento e a analise da matriz etico-filos6fica de alguns autores, tais como Kant, Habermas, Rawls, entre outros, permite uma melhor compreensao dos seus fundamentos conceptuais e possibilita uma melhor inrerligac;:ao de alguns dos seus postulados com os valores, prindpios e finalidades do Servic;:o Social e que provoca, em certa medida, uma reanalise e reinterpretac;:ao do C6digo Deontol6gico dos Assistentes Sociais e motiva a que se questionem deveres, direitos e atitudes destes profissionais, no pressuposto que o actual C6digo, nao sendo urn manual estanque e rigido, apenas deve ser usado enquanto instrumento auxiliar de avaliac;:ao do agir profissional, adequado as determinac;:6es eticas e deonto16gicas do tempo presente 1 â&#x20AC;˘ 1
Sobre esta materia, importa salienrar os rel evantes contriburos de Sarah Banks, no seu livro Etica y valores en el trabalho social, no que se refere ao argumento apresentado acerca da natureza dos lNTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
0 reconhecimenro da condi<;:ao etica dos cidadaos - um imperativo para o servi<;:o social
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A compreensao que o profissional tern que ter para com o cidadao/utente, exige uma intervenc;:ao que tenha por base o respeito, a tolerancia e a aceitac;:ao de uma cultura do interconhecimento, na perspectiva de que o exerdcio profissional deve assentar numa base comum e firme, constitufda pelos seus elementos essenciais: urn corpo de valores (atitudes), urn corpo de conhecimentos (investigac;:ao e produc;:ao de conhecimento) e um conjunto de tecnicas que dao origem a um repert6rio interventivo (Bartlett, 1993), que permita o diagn6stico, a avaliac;:ao e o planeamento de situac;:oes problema e possibilite um trabalho continuado e de qualidade com indivfduos, grupos, organizac;:oes, instituic;:oes, ao nivel da concepc;:ao, avaliac;:ao e desenvolvimento de medidas de politica social, em coerencia com os prindpios exigidos pela profissao de Assistente Social. Dado que a significac;:ao estetica dos valores corresponde ao desejavel e se organiza, numa dada comunidade, atraves de um processo interactivo e de um contexto preciso, os valores estao necessariamente ligados a urn sujeito, que os ordena e estabelece, segundo os prindpios em que acredita e de acordo com as finalidades que considera determinantes na acc;:ao humana. Ora, o entendimento da relatividade dos valores e fundamental para se equacionar a forte relac;:ao do Servic;:o Social com um referencial teorico objectivado para determinadas finalidades de acc;:ao social, circunscritas a urn dado contexto social e profissional e orientadas para um objecto de intervenc;:ao preciso: "a situac;:ao social-problema, soma de elementos constitufda pela interacc;:ao das personalidades dos indivfduos, dos valores da sociedade, da percepc;:ao destes pelos indivfduos, dos recursos das pes so as e do ambiente e das aspirac;:oes e/ ou necessidades de ambos (... ) na realidade a situac;:ao-problema e constitufda pelas falhas no funcionamento social" (Vieira,1985:133). De facto, o perfil formal dos valores em servic;:o social esta edificado na base de uma trilogia, inscrita em finalidades, objectivos e metodologias de intervenc;:ao, configurada a uma dada realidade social. Ora, distriproblemas e dos dilemas eticos com que se deparam os Assistenres Sociais no seu desempcnho profissional, bern como OS de Jam es Rachelis - Elementos de rllosofia Morale Peter Singer Etica Prdtica e Um sd mundo -A etica da Globalizarao, que ajudam a conrextualizar, de uma forma pratica, alguns desses dilemas na sociedade actual. [NTERVENC,:AO SOCIAL,
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buindo-se os valores num sistema de polos referenciais de urn dado imaginario, os seus tra<;:os comuns situam-se na economia resultante das trocas comerciais e da regulamenta<;:ao comunicacional, enquanto processos simbolicos (Resweber, 2002) e, nesse pressuposto, pode-se dizer que as finalidades sao eixos constituintes da matriz conceptual do servi<;:o social, composta por urn quadro de conhecimentos, valores e metodologias. Atendendo a que os Assistentes Sociais orientam a sua interven<;:ao para a satisfa<;:ao de necessidades humanas espedficas e para a garantia dos direitos humanos e efectiva<;:ao da protec<;:ao social, trabalhando para o hem estar e realizas:ao pessoal dos seres humanos, esta profissao exige, uma consciencia etica vinculada a urn corpo de valores comuns a profissao, enquanto conjunto de atitudes a ter em coma na rela<;ao com os cidadaos/utentes, como sejam, o respeito pela vida, a dignidade do ser humano, a auto-determina<;:ao/autonomia do sujeito, a participac;ao activa e democdtica na vida social, a nao discriminac;ao, a justi<;:a e a responsabilidade social, em conformidade com urn sistema politico e social justa e equitativo. Alias, o Codigo Deontologico de Servic;o Social, adoptado da Federac;ao lnternacional de Assistentes Sociais (FIAS), em 1993, pela Associas:ao de Profissionais de Servi<;:o Social de Portugal, reconhece estes valores como essenciais a uma pratica profissional qualificada e qualificante ja que, sendo esta profissao uma "actividade de mediac;ao interpessoal profissional (... ), tanto pode reforc;ar os direitos dos utentes, como pode por em risco esses mesmos direitos (Organizac;ao das Nac;6es Unidas, 1999:25-26). Assim, estando as finalidades do Servic;o Social orientadas para urn mundo ideal que resulta, em suma, de opc;6es individuais, dos movimentos sociais e de contextos sociais, culturais e politicos precisos e sendo os valores a expressao dos desejos representativos de algumas das referencias humanas, orientadas para urn mundo melhor, pode-se dizer que o servic;o social esra aliado ao compromisso etico, a responsabilidade deontologica e mesmo, a urn dado projecto de vida porque: "Hi valor, desde que o sfmbolo brilhe com a luz do significante. Entao, o ideal torna-se realidade, isto e, efeito simb6lico. Eis como a justiya ideal se revela na figura do s!mbolo e como a figura do s!mbolo se apresenta sob os trayos cintilantes do significado. Eu sinto, subi-
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tamente, que essa justir;:a, que me era exterior, me compromete, tal com esta verdade, que se escondia sob as vestes da norma. Compreendo que nao ha justir;:a, onde nao houver sujeitos equitativos, que nao ha verdade, onde nao houver sujeitos veridicos" (Resweber, 2002:34).
A dimensao intersubjectiva dos valores, a par da centralidade relacional e comunicacional da intervenc;:ao em servic;:o social confere, pois, urn sentido preciso e relevante ao facto de cada profissional poder estabelecer e ordenar a acc;:ao segundo prindpios, quer por si identificados, quer seleccionados pelo cidadao/utente, na medida em que "sem valor nao ha comunicac;:ao possfvel; pois o elo social existe apenas quando se reactivam os valores impllcitos, aceitando-os e propondo-os para reinterpretac;:ao" (Resweber, 2002:38). Este postulado tern urn forte significado para o Servic;:o Social porque ao exerdcio profissional se interligam urn conjunto de expectativas e objectivos resultantes do desejo e da experiencia e que, se aceitam como validos para urn dado projecto social pois, conforme ja referido, os valores so se tornam efectivamente valores com a sua aceitac;:ao/apropriac;:ao e reinterpretac;:ao, por cada sujeito. A capacidade dos seres humanos se identificarem uns com os outros, atraves dos valores significa, entao, a possibilidade que estes tern de partilhar, entre si, e de seleccionar, em conjunto, regras de conduta e de acc;:ao, por si estabelecidas num acordo cuja base tenha sido a mediac;:ao e os discursivos argumentativos. Nesta base de entendimento, o significado de alguns conceitos que, do ponto de vista do servic;:o social, sao fundamentais para o bem-estar social dos cidadaos, tais como a autonomia, o agir no espac;:o publico, a justic;:a social, a demoe1路acia, a liberdade, a igualdade, a acc;:ao e a polltica, entre outros, esta relacionado com considerac;:6es te6ricas e epistemol6gicas de alguns dos fil6sofos da modernidade, tais como Kant, Hegel, Nietzche, Marx, Habermas, Hannah Arendt e J. Rawls, entre outros, objectivando alguns dos nexos fundamentais da relac;:ao etica, deontologia e servic;:o social. Antes, porem, de destacar algumas das ideias essenciais dos autores referidos, importa considerar o valor etico da utilidade, proposto pelos fil6sofos utilitaristas ingleses Bentham e J. Stuart Mill, e que advem do INTERVEN<;:AO SOCIAL,
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desejo de harmonizar interesses comuns com 0 maximo bem-estar social, au¡aves de uma certa engenharia social e da normalizas:ao da distribuis:ao social da felicidade pelo maior numero poss!vel de indiv1duos 2 â&#x20AC;˘ Hoje, estes pressupostos utilitaristas sao questionaveis do ponto de vista etico pois, nem sempre, 0 que e bom para 0 maior numero de pessoas, esta de acordo com os limites de um bem-estar que respeite as diferens:as, as particularidades e os direitos e/ou deveres de toda uma comunidade. Estas criticas advem de se considerar arriscada a conceps:ao de iguais patamares de bem estar para todos os indiv!duos e sao, ainda, mais acutilantes do ponto de vista da justic;:a e da economia, porque esta generalizac;:ao, advogam alguns autores (J. Rawls, 1981; Sem, 2002) , trazendo serios riscos para o acentuar das desigualdades sociais, implica a garantia que os direitos individuais nao sejam violados, em favor do um bem geral da colectividade. Assim, a ideia de que a felicidade, enquanto bem ultimo, e equacionada na base de uma moral comum, deixa em aberto muitas interrogac;:6es acerca da resolus:ao dos problemas que atingem grupos sociais mais vulneraveis e que sao objecto de analise!intervens:ao por parte do servis:o social, tais como o racismo, a violencia, os abusos sexuais, a criminalidade, a fome, a exclusao social, entre muitos outros. Com efeito , do ponto de vista dos urilitaristas, a conceps:ao da economia do bem-estar relaciona-se com a ideia de que as unicas coisas validas para 0 dlculo etico e para a avaliac;:ao do Estado Social sao as utilidades individuais homogeneizadas e, nesta base, as limitas:6es desta perspectiva referem-se, sobretudo, ao enfraquecimento da economia e seu distanciamento da etica, pois o exito de uma pessoa nao pode ser julgado a priori e, exclusivamente, em termos do seu bem-estar (Sem, 1999) . Sob este ponto de vista, o que 2
0 utilitarismo classico avalia a moralidade de uma ac<;ao em fun <;ao das suas consequencias e da felicidade, enquanto bern supremo e desejavel para todos. 0 utilitarismo, enquanto prindpio moral, pode ser considerado uma co mbina<;ao de tn~s requisites mais elementares: o wel farismo (we/forism), que requer que a bondade de um estado de coisas seja fun<;ao apenas das informa<;6es sobre utilidade relativas a esse estado; o ranking pela soma (sum-ran!?ing), requerendo que as informa<;oes sobre utilidade relativas a qualquer estado sejam conforme o somat6rio de todas as utilidades desse estado eo consequencialismo (consequ entialism), requerendo que toda a escolha - de ac<;6es, institui<;6es, motiva<;6es, regras etc. - seja, em ul tima analise, determinada pela bondade dos estados de coisas decorrentes (Sem, 1999:55). I NT ERVEN<;:AO SOCIAL,
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Amartya Sem 3 contesta e, justamente, a concep<;:ao de que o bem-estar de uma pessoa nao se pode restringir a satisfas:ao dos seus desejos e nao e a unica coisa valiosa. De facto, e concordando com o argumento relativo a pluralidade e diversidade de bens, deve-se dar maior aten<;:ao aos direitos e liberdades, nao os considerando apenas como urn conjunto de restri<;:6es deontol6gicas e inflexiveis, mas tambem, enquanto possibilidade de escolha de alternativas de ac<;:ao que coincidam com o seu proprio objectivo ou, mesmo, com a satisfa<;:ao desse objectivo por uma dada comunidade. A inevid.vel existencia de uma certa tensao e ambiguidade entre o interesse social e o individual recomenda pois, urn contacto estreito das muitas disciplinas com a etica. Sob este ponto de vista, Sem (2003) enfatiza o papel dos valores e normas no comportamento individual e deixa claro que nem todos os individuos sao vivamente marais e se guiam por valores, devendo necessariamente considerarem-se as suas diferens:as e a mutabilidade de prioridades e nonnas por cada urn dos sujeitos. Nessa medida destaca-se, uma vez mais, a relevancia dos valores nos padr6es de comportamento, podendo estes serem fulcrais para a concep<;:ao e defini<;:ao das politicas publicas e induzirem mesmo, mudan<;:as sociais e econ6micas que ajudem os individuos a serem cidadaos participativos, na perspectiva que devem assumir a responsabilidade do desenvolvimento e da mudanfa do mundo em que vivem (Sem, 2003:285-287). Efectivamente, interessa reconhecer que o(s) problema(s) etico(s) sao equacionados na base de uma fundamenta<;:ao filosofica que, em ultima analise, elucida acerca de uma orienta<;:ao etico-politica precisa e ajuda a enquadrar metodologicamente diversas perspectivas de interven<;:ao, tanto
'Amarthya Sem nasceu na India em 1933 e foi premia Nobel da Economia, em 1998 . Aprofundou quest6es da economia e redistribui c;ao d e rendimentos e focali zo u, na sua obra, a importiincia da articulac;ao da etica com a eco nomia. Foi um dos criadores do IDH (fndice de Desenvolvimento Humano), indicador elaborado pela ONU, ao路aves do qu al se mede a qualidade de vida das pessoas em varios pafses. Do ponro de vista de Amartya Sem existem quatro caregorias di srinras de informac;oes relevantes sa bre uma pessoa que abrangem a realizac;ao de bem-estar, a liberdade de bem estar, a realizariio da condiriio de agente e a liberdade da condiriio de agente. No form ato tipico da corrente dominante da economia do bem-esra r, essa pluralidade reduz-se inadequadamente a uma {mica categoria grac;as a um duplo procedim ento: co nsiderase a liberdade valiosa apenas instrumentalmen te e sup6e-se que a condic;ao de agente de toda a pessoa se orienta exclusivamenre para os se us interesses individuais (sublinhado meu). l NTERVEN<;:AO SOCIAL, 29 , 2004
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ao nivel da racionalidade dos meios e efidcia da ae<;:ao como, sobretudo, ao nivel dos objectivos e finalidades da intervenc;:ao. Tal como referiu Karl-Apel "a situac;:ao humana e urn problema etico para o ser humano" (1994:193) e a exigencia de responsabilidade moral para com a humanidade e, sem duvida, urn desafio que ultrapassa o servic;:o social, porque a situac;:ao hodierna da crise da humanidade e do ser humano, requer a reconstruc;:ao de uma responsabilidade etica convergente com a resoluc;:ao positiva dos problemas sociais por sujeitos de acc;:ao que aceitam, de urn modo consciente, a exigencia da sobrevida da especie e da continuac;:ao da evoluc;:ao humana, como uma finalidade comum (Karl-Apel, 1994). Recorde-se igualmente, a este prop6sito, Kofi Annan, Secret<irio-Geral das Nac;:6es Unidas, quando referiu, na Cimeira da Terra sobre o Desenvolvimento Sustentavel, em 2003, que "o mundo de hoje, que enfrenta o duplo desafio da pobreza e da poluic;:ao, precisa de iniciar urn tempo em que se transforme e gira bern o planeta, urn tempo em que fac;:amos o investimento que ha ja tanto tempo deveriamos ter feito por urn futuro seguro". Resta pois, a convicc;:ao de que o pensamento estrategico, ligado ao desenvolvimento econ6mico e social, tern que estar fortemente ligado a uma consciencia moral (Kolberg, 1981), que ajude a humanidade a evoluir para urn estadio de maior maturidade e identidade pessoal e colectiva, que supere a indispensavel reconstruc;:ao racional e emocional das competencias humanas. A problematica etica do tempo presente, a par da necessidade de uma etica da responsabilidade, confere assim, ao mundo da vida, o lugar ideal para a adopc;:ao de prindpios eticos, na convicc;:ao de que o homem tern uma capacidade suprema para desenvolver essas competencias e para atingir o estadio mais elevado de consciencia moral. Basta apenas querer!
2. Algumas perspectivas etico-filos6ficas a prop6sito de alguns valores comuns ao servic;:o social
2.1. A autonomia do sujeito A compreensao da ruptura epistemol6gica com a modernidade, inaulNTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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gurada por I. Kant\ ao conceber a teoria da razao e do conhecimento humano, permite restabelecer urn conjunto de quest6es que objectivam, com clareza, as finalidades sociais da interven<_;:ao profissional que realizamos, a natureza do papel que cada urn tern na sociedade e, em ultima analise, provoca interroga<_;:6es acerca da especie de pessoa que pretendemos sere como nos queremos relacionar uns com os outros. Na verdade, o idealismo critico, erguido na base do imperativo da moral e do uso publico da razao, foi aprofundado por Kant, que concebeu urn complexo edificio moral para a modernidade, na cren<_;:a da validade universal dos juizos de valor. 0 conceito kantiano assenta no entendimento que 0 unico absoluto que existe e 0 clever do imperativo categ6rico, situado para alem dos homens e decisivo para a resolu<_;:ao dos assuntos dos humanos. 0 seu pensamento postula a ideia de urn forte sentido da moral e do clever, consubstanciado na exigencia da razao e no reconhecimento da autonomia do sujeito. Sendo a autonomia a unica fonte de avalia<_;:ao dos actos humanos, que nao devem seguir as suas naturais inclina<;:6es emotivas devendo, por isso, anular os sentimentos morais fora da ordem racional e das normas morais, e ao sujeito, que compete escolher as finalidades das ac<_;:6es que realiza, sob o controlo da razao e na base da experiencia moral dos seus actos. Assim, a consciencia reflexiva do sujeito etico, em Kant, vinculada a valores e finalidades associadas a lei moral, e ordenada por urn principia que deve ser aceite por todos os seres racionais: o principia do imperativo categ6rico, enquanto faculdade do ser humano agir, de acordo com a sua capacidade racional e vontade, expressa pelo clever. Deste modo, Kant, acreditando no cad.cter absoluto das regras morais, transfere o m6vel da conduta da emo<_;:ao para a razao, considerando como eticamente valida a exigencia do agir segundo prindpios moralmente validos e que se expressam por tres postulados eticos - 0 principia da universalidade, que traduz a importancia da universalidade da lei moral: "age apenas segundo uma maxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se tome lei universal" (Kant, 1995:59); o principia ' Immanuel Kant (1724-1804) nasceu em Koenigsberg e consagrou a sua vida ao estudo da razao e do conhecimento humano. 0 seu pensamento influenciou, posteriormente, toda a filosofia. Aurar de inumeros livros significativos para a modernidade, entre os quais A Fundamentarao da
Metafisica dos Costumes, a Critica da Raziio Pura e a Critica da Raziio Prdtica. INTERVEN<;:Ao SOCIAL, 29, 2004
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da finalidade, atraves do qual Kant recomenda que se tratem sempre as pessoas como urn fim e nunca como urn meio: "age de tal maneira que uses a humanidade tanto na tua pessoa, como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como urn fim e nunca simplesmente como urn meio" (Kant, 1995 :69) e o princfpio da autonomia, enquanto principia supremo da moralidade, em que so a vontade garante a dignidade pessoal e cuja consciencia moral advem da autonomia enquanto legisladora universal: "age de tal maneira que a tua vontade se possa considerar como sendo autora da lei universal a qual se submete" (Kant, 1995:81). Kant, defensor da autonomia do sujeito, pugnou pela universalidade das normas morais e o valor das suas premissas que, nao obstante serem hoje confrontadas com interroga<_;:6es serias acerca da sua validade e adequabilidade tern, ainda hoje, implica<_;:6es importantes para o agir humano. Considerando que a ideia fundamental da sua teoria se situa ao nivel dos deveres e das restri<_;:6es relativas aos procedimentos dos homens, a inova<_;:ao Kantiana consiste em fazer notar que qualquer observa<_;:ao que se considere como razao para urn dado procedimento deved., igualmente, ser tida em conta noutras situa<_;:6es iguais. Ora, bern sabemos o quanto esta orientac;ao e hoje eticamente pertinente para a analise e avalia<_;:ao de urn conjunto de procedimentos, de natureza pessoal, institucional, publica ou mesmo colectiva, da sociedade onde nos inserimos. Urn outro aspecto que importa frisar refere-se a imporrancia que Kant atribui ao valor da dignidade humana. Do seu ponto de vista "no reino dos fins tudo tern urn pre<_;:o ou uma dignidade. Quando uma coisa tern urn pre<_;:o pode-se por, em vez dela, qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa esra acima de todo o pre<_;:o e portanto, nao permite equivalente, entao ela tern dignidade" (Kant, 1995:72) e, sob esse ponto de vista, os seres humanos nunca podem ser usados como urn meio para atingir urn determinado fim, dado que sao agentes livres com competencias pr6prias para escolher o melhor caminho e tomar as suas pr6prias decis6es, guiados pela razao. Importa salientar que estas ideias influenciaram consideravelmente as primeiras formulac;6es do pensamento conceptual do Servi<;:o Social, quando se postula que o cidadao/utente, enquanto sujeito da interven<_;:ao, deve ser sempre considerado no quadro da sua dignidade pessoal, na aceita<_;:ao da sua condi<_;:ao l NT ERVEN<;AO SOCIAL,
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humana e na base do respeito pelos direitos humanos, tal como descrito por Harriet Bartlett: "Se tomarmos as caracteristicas iniciais do Servic:;o Social de um compromisso com o aux{lio as pessoas e com o aperfeic:;oamento de suas condic:;6es, a par com a sensibilidade e com a disciplina profissional, teremos um bom comec:;o para uma base profissional. Se acrescentarmos agora os corpos de valor e de conhecimento, nitidamente estabelecidos, desenvolvidos e usados em conjunto, teremos dilatado consideravelmente o potencial da profissao" (Harriet Bartlett, 1993:277).
2.2. 0 homem enquanto ser social K. Marx\ urn dos fil6sofos da desconstrw;:ao do seculo XX, fez apelo a urgencia da transforma<;:ao do mundo e denunciou a falsidade de urn sistema que impedia melhores condi<;:6es materiais de existencia para todos. 0 seu metodo critico-dialectico, para analise e estudo da realidade social, econ6mica e politica, influenciou grande parte do pensamento politico moderno e provocou uma ruptura com a moral universal distanciada, cada vez mais, de uma etica da vida e da transforma<;:ao do mundo. Para Marx, o valor capital assumiu urn significado hist6rico preciso pois, na sua perspectiva, a vida humana foi condicionada, a partir de uma dada epoca, por urn valor mercantil que abandonou as raz6es do sujeito e se constituiu por urn legado oriundo do trabalho. Com efeito, Marx, atraves do metodo critico-dialectico de analise e interpreta<;:ao da hist6ria e da realidade social, elege as categorias da totalidade e do trabalho incidindo em valores de natureza econ6mica e social a mercadoria eo dinheiro- que, na sua opiniao, nao sao mais do que instrumentos de aliena<;:ao de urn sujeito, desapossado da sua for<;:a de trabalho e fragmentado na vida social. Sendo que, para Marx, a personalidade 5
Karl Marx, (1818-1883) economista, fil6sofo e socialista alemao, nasceu em Trier, formou-se em Filosofia em 1841, embora tenha renunciado a carreira universiraria. Em 1848 publica, em Paris, o Manifisto do Partido Comunista, obra marcante do movimento politico e social dos tempos modernos. A sua extraordinaria capacidade originou um volume consideravel de obras dedicadas ao aprofundamento da realidade econ6mica, social e politica entre as quais se destaca 0 Capital, a Contribui(:iio a Critica da Economia Po!itica, a Ideologia Alema, entre muitos outros.
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humana e influenciada pelas rela<;6es de trabalho e de produ<;ao, a centralidade destas categorias implica que, do seu ponto de vista, a consciencia dos homens resulte dessas rela<;6es e do seu caracter eminentemente social, que se traduz no seu postulado de que "nao e a consciencia dos homens que determina o seu ser mas e, pelo contrario, o seu ser social que determina a sua consciencia" (Marx, 1975:28-29), na convic<;ao de que o modo de produ<;ao da vida material condiciona todo o processo da vida social, polltica e espiritual do homem. Sob o ponto de vista deste importante filosofo e poHtico da modernidade interessa, pois, mudar a natureza das rela<;6es sociais para mudar a vida dos homens e Marx entendeu, de uma forma bastante clara, a rela<;ao causal entre o modo das for<;as produtivas e a forma das rela<;6es sociais, reprodutoras de toda essa complexidade articula<;ao. Efectivamente a categoria trabalho, enquanto produ<;ao de bens materiais e, para Marx, a formula que concretiza a rela<;ao activa do homem com a natureza e cuja evolu<;ao corresponde ao desenvolvimento das for<;as produtivas. Entendida numa perspectiva de reconhecimento dos valores politicos e no pressuposto da capacidade do homem para agir conscientemente, a concep<;ao marxiana de etica e dirigida a emancipa<;ao humana e ac<;ao, ou praxis dos homens, e a potencialidade para criar novos valores que objectivem a mudan<;a/transforma<;ao revolucionaria da ordem social. E ai esta, justamente, a responsabilidade dos homens, enquanto elementos activos na transforma<;ao das rela<;6es materiais de existencia e de subsistencia, na base do enunciado de Marx "a cada urn segundo as suas capacidades, a cada urn segundo as suas necessidades". Assim, subjacente a sua teoria esta a cren<;a na materialidade do homem, que fundamenta a inevitabilidade hist6rica de transforma<;ao dessa vida material porque, contrariamente a historicismo de Hegel, que inaugura a subjectividade atribuindo fortes poderes a consciencia dos homens, a filosofia de Marx advoga que o homem, enquanto ser social, tern que modificar as suas condicionantes estruturais e transformar activamente a realidade em que vive 0 metodo critico-dialectico de Marx, concebe o proletariado como sujeito historico capaz de subverter a ordem economica e de superar a moral burguesa com a consequente adesao consciente a valores eticos que possibilitem a supera<;ao da sua condi<;ao economica e social desigual e a reconstru<;ao , au路aves de uma criticidade dirigida a urn sujeito emancipa[ NTERVEN<;:Ao SOCIAL, 29, 2004
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do e livre, da base da fundamenta<;ao ontologica da vida social. A etica tern pois, para Marx, urn caracter revolucionario e transformador e apoiase nos valores da liberdade e da emancipa<;ao.
2.3. A afirmas;ao da vida pela vontade humana Com a inversao dos valores tradicionais, eternos e ficticios e pela afirma<;iio de valores vitais que nascem da afirma<;ao da vida, Nietzsche 6 impos uma marca singular em toda a obra filosofica contempodnea. A contesta<;iio ao papel da moral e da religiao conduziu-o a reavalia<;ao dos valores estabelecidos para a sociedade ocidenta, na base de cren<;as religiosas, e a criticar a forma como Deus foi pensado, att路aves do mundo das aparencias, da folsidade e da moral do ressentimento. Tudo o que as afastava do costume e do codigo moral era transgressao e afastamento da expressao da vontade de Deus e, por essa razao, na sua critica ao ideal moral, a morte de Deus nao significa mais do que o abandono de conceitos e ideias que, na realidade, ja haviam morrido ha muito tempo, reconhecendo que a vida deve ser explicada por si propria. Nietzsche, considerado como urn dos filosofos que prop6e urn pensamento antimoral, promove urn deslocamento da tipologia dos valores gra<;as a uma nova abordagem e interpreta<;ao da realidade ou, apenas, a uma outra maneira de compreender a natureza humana. A valentia, o merito, a ousadia e 0 desafio a norma sao valores que fortalecem e tornam mais confiante o sujeito e, por isso, considerados validos por Nietzsche para que, da vontade de poder, nas<;a urn Super Homem que aceita a vida em toda a sua plenitude, mesmo nos aspectos mais inaceidveis ou negativos porque nos, seres humanos, temos que ser criadores dos nossos proprios valores e devemos ser livres para os escolher. 0 homem novo, o Super Homem, eo homem que valoriza o seu corpo, o seu desejo, as suas 6
Friedri ch Nietzsche (1844-1900) nasceu em Roecken, uma regiao da Prussia. Filho de pais luteranos, escolheu o estudo da filosofia, tendo sido professor de filologia, em Basileia. 0 seu pensamenro incide, sobretudo, na comesta<;:ao da racionalidade, da cultura e civiliza.yao do ocidente. Autor de inumeros livros tais como Ecce Homo, A Origem da Tragedia, A Genealogia da Moral, entre outros.
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paix6es e as suas emo<_,:6es. E o novo homem que recusa toda e qualquer moral e que se op6e ao dever e a obriga<_,:ao moral: "Numa epoca qualquer, em algum tempo mais robusto que o actual, sera necessario que venha este homem redentor do grande amor e do grande desprezo, este esp!rito criador cuja for<;:a do impulso o ford ir cada vez mais Ionge de todo o sobrenatural, o homem cuja solenidade sera menosprezada pelos povos como se fosse uma fuga. (... ) Este homem do futuro que nos ha-de libertar do ideal do presente e da sua natural consequencia, o grande tedio, o niilismo; este sol do Meio-Dia e do grande ju!zo; este salvador da vontade, que ha-de restituir ao mundo a sua felicidade, e a sua esperan<;:a; este anriniilista, este vencedor do nada, e necessario que venha um dia ... (Nietzsche, 1997:80).
0 niilismo, representando a crftica a valores externos a vontade do sujeito, encontrari nessa ruptura a for<_,:a criadora de uma nova aurora porque, em rigor, os valores s6 existem quando sao a expressao da vontade humana pois, para Nietzsche, "o homem prefere a vontade do nada, ao nada da vontade" (1997:133). A filosofia de Nietzsche, embora souhesse como era diHcil essa op<_,:ao, pressup6e urn sujeito, individual ou colectivo, interveniente e implicado numa realidade que pode ser por si transformada, dado o seu poder para sair de urn sistema de valores que rejeita, ou seja, urn sujeito que interfere no sentido da experiencia e que renuncia a moral dominante e, por isso, lan<_,:ou 0 desafio de sair desse sistema, invertendo-o e lans:ando-o na conta de urn sujeito livre e criador. 0 niilismo nao e mais do que a emergencia de uma outra ideia de valor e de vida, na base de urn ideal a definir e conquistar. 0 pensamento de Nietzsche, embora muito criticado, contem virtualidades interessantes, tanto para o quadro referencial do Servi<;:o Social, como para a intervens:ao social, em geral. Com efeito, nao e ut6pico pensar-se que toda a energia criadora do homem, quando liberta das amarras de uma moral externa aos seus verdadeiros interesses, pode ser canalizada para a cria<;:ao de novas valores que atendem a modificar as f01路mas de vida, numa sociedade corrompida e desgastada. 0 processo de transmutar;ao de valores que Nietzsche prop6e encerra, em si, urn quadro auton6mico e libertador muito interessante, na expectativa da crias:ao de valores lNTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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pr6prios pelos humanos, aspecto que deve ser valorizado face ao actual contexto politico da humanidade.
2.4. A importancia da discussao no ideal comunicacional A herans;a cdtica de Habermas 7 , que aprofundou as consequencias da racionalidade tecnica na vida social, destaca o peso do desenvolvimento tecnico na vida politica e institucional que, associada a urn conjunto de finalidades instrumentais e comandada pela razao instrumental, passou a ser exterior a ontologia do ser social, atingiu todos os espas;os da vida social e despolitizou a vida dos homens, transformando profundamente as suas relas;6es produtivas, sociais e culturais. A reflexao de Habermas acerca da genese do pensamento tecnocratico, da industrializas;ao da cultura e da legitimas;ao do poder do Estado, tern por base o reconhecimento da intersubjectividade e da natureza relacional e dial6gica da experiencia vivida, no quadro de uma racionalidade e ideal comunicacional e, nesse sentido, o discurso sup6e uma componente reflexiva e critica bastante acentuada, de modo a que o sujeiro ultrapasse o sensa comum e possa aceder as pretensoes de validade. Assim, a reconcilias;ao do politico com o etico, deixa de ser equacionada, por Habermas, na base de uma obrigar;ao moral mas, antes, no quadro das exigencias da vida democratica e no pressuposto de uma etica da comunicar;ao com base na razao argumentativa. No contexto da filosofia politica contemporanea, as premissas ontol6gicas de Habermas, em torno desta racionalidade comunicacional, envolvem a exigencia da discussao e da argumenta<_;:ao, num espa<;:o publico crltico, interveniente e plural. A sua ideia de comunicas;ao, acentuando a imporrancia da intersubjectividade, reconhece nela todo o potencial de criticidade da linguagem, apontando para a dimensao etica da vida humana como base da interacs;ao entre sujeitos capazes de pensar, falar e agir. 7
Jurgen Habermas, filosofo alemao conremporaneo, sociologo, jornalista e professor uni versitario, nasceu em 1929 e e urn dos mais importantes pensadores da actualidade. Na sua vasta bibliografia valorizou a opiniao publica e o espa~o publico critico e, nessa base, edificou a teoria da ac~ao comunicativa, apontando para a reconstru ~a o da moralidade e da critica reflexiva.
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Este quadro conceptual e de importincia fundamental para o servic;o social uma vez que, como se sabe, na metodologia de intervenc;ao, o primado da linguagem e da comunicac;ao e urn factor fundamental no relacionamento entre o Assistente Social e o cidadao/utente (e tambem entre Assistentes Sociais com outros profissionais). Sendo urn relacionamento profissional entre pessoas, deve ser empatico, verdadeiro, de interacc;ao dinamica e temporaria, tendo como objectivo capacitar o cliente a resolver, par si, as dificuldades da situac;ao social-problema em que se encontra. Neste caso, trata-se de uma relac;ao com urn movimento redproco, onde ha uma interacc;ao com o cidadao/utente que exp6e o seu problema, que apresenta as suas dificuldades, que responde a algumas perguntas e em que o Assistente Social escuta, pergunta, discute e/ou sugere alternativas. Em suma, o Assistente Social comunica com o cidadao/utente, aceita-o tal como ele e, e utiliza multiplas tecnicas para estabelecer empatia para com o(s) seu(s) interlocutor(es) e conhecerlaprofundar a situac;ao problema que se apresenta (Vieira, 1985:155-173), na convicc;ao da indispensabilidade da afirmac;ao da dignidade humana e respeito pela autonomia do sujeito. Assumindo uma postura dialectica e ontologica e acreditando que o mundo se reproduz materialmente conforme os resultados e consequencias da acc;ao do homem, Habermas elege, na sua teoria do agir comunicacional, a esfera da comunicas:ao como aspecto essencial da vida moderna, a qual confere uma dimensao cr1tica e intersubjectiva, na presunc;ao de determinadas pretensoes de validade 8 que asseguram o potencial de uma praxis comunicativa, no quadro de uma complexa rede de interacc;oes sociais. A sua teoria critica, claramente dirigida a urn projecto etico de urn sujeito critico, lucido e reflexivo reequaciona a problematica do espac;o publico, enquanto verdadeira possibilidade de fortalecer outras formas de auto-organizas:ao e de participac;ao alargada dos cidadaos, atraves de um discurso critico e racional. A etica da comunicar;lio e do discurso de Habermas desenvolve-se, pais, num espac;o de interacc;ao e de reflexao de uma dada comunidade sustentada pela criac;ao de novas valores eticos 8
Habermas invoca 4 assert;:6es de validade que devem ser defendidas em discurso, ou seja, an路aves do aperfeit;:oamento verbal do orador aquila que se diz tern que ser significante, verdadeiro, justificado e sincero (Habermas, 1990). INTERVEW:;:Ao SOCIAL, 29, 2004
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estabelecidos em conformidade como agir estrategico, a razao comunicacional e a acc;:ao crftica, orientados para a emancipac;:ao humana. Habermas procurou localizar as raizes sociais das transformac;:6es que podem devolver a esfera publica 9 a sua forc;:a inicial, enquanto espac;:o de critica racional e, desse modo, confere ao espac;:o publico urn papel marcante na democracia processual e atribui grande valor a discussao real, aargumentac;:ao e ao trans-subjectivo, em oposic;:ao ao autoritarismo e centralismo. Assim, o seu modelo comunicacional, que parte da diferenc;:a individual das opc;:6es pollticas dos cidadaos, e estabelecido na base da liberdade comunitaria que favorece a discussao real, arraves dos processos de intercompreensao activados pela racionalidade e lucidez que resulra da discussao pratica da experiencia de vida. Este postulado e mais uma referencia fundamental ao Servic;:o Social: a razao comunicacional de Habermas remere-nos, uma vez mais, para a importancia de urn sujeito vinculado a urn projecto social e politico, inserido num espac;:o dial6gico e de interacc;:ao subjectiva, que acredira nas suas capacidades para criar outras determinac;:6es hist6ricas que nao a alienac;:ao e a apatia politica.
2.5. A acc;:ao critica no espas;o publico Outra das figuras que se destaca no pensamento politico contemporaneo ocidental, pela sua forte critica ao conformismo social, e Hannah Arendt 10 entusiasma da experiencia hist6rica da polis, enquanto modelo interessante da politica e nao apenas como mero procedimento criticohermeneutico da literatura moderna. As suas considerac;:6es acerca da importincia da esfera publica, remetem-nos para a importancia do agir, ' A esfera publica, enquanto categoria hist6rica, rem func;:6es politicas e de mediacrao entre o Estado e a sociedade, passando a ter relevancia polftica quando a vida das pessoas privadas se rorna uma questao publica (Haberm as, 1990). 10 H annah Arendt (1906-197 5) nascida em Hannover, parte para os Esrados Unidos em 1941 , onde obteve a cidadania americana em 1951. Foi uma das mais fortes opositoras ao rotalitalismo que enrao invadiu a Europa e viveu durante as duas guerras mundiais. 0 se u livro A Condi[iio Hu mana (1958) e uma das obras nod.veis do pensamento politico do seculo XX sabre a civilizac;:ao moderna. l NT ERVEN<;:Ao SOCIAL, 29, 2004
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num espa<;:o politico em que os homens podem entrar em rela<_;:ao livre e consciente uns com os outros. Na sua perspectiva, a acr;ao, enquanto faculdade fundamental da vita activa, e enquadrada por tres condi<_;:oes fundamentais da nossa existencia humana: o ambiente em que o homem vive e que, enquanto animallaborans, assegura a sua existencia atraves do labour, o conjunto de artefactos que ele fabrica, enquanto homo faber, atraves do trabalho e, por fim, a ac<_;:ao mediada pelo discurso. 0 poder so nasce quando as pessoas agem em conjunto, como refere Hannah Arendt (1991:33) e e na essencia dessa ac<_;:ao conjunta que os cidadaos se podem unir na polis, retomando a dimensao grega do espa<;:o publico. A pluralidade e, para Arendt, urn dado a nao ignorar e, nessa medida, acentuou a glorifica<_;:ao da palavra, da vida mental e do poder cognitivo do homem porque, na sua opiniao, somos seres pensantes e, como tal, temos capacidade para fazer mais com esse poder, do que usa-lo meramente como urn instrumento para conhecer e fazer. Do ponto de vista etico Arendt deu enfase a dimensao polttica da acr;fio humana, valorizando a ac<_;:ao que surge desvinculada de interesses privados e mercantis e privilegiando prindpios e valores associados a denuncia da decadencia do homem publico na modernidade. Na sua perspectiva, a decadencia da politica moderna e a incapacidade das institui<_;:oes politicas resolverem os problemas, advem de urn pensamento artificial que reina na filosofia politica a que ela chama "o reino do artificialismo" e que impede de vera politica como urn espa<_;:o de liberdade no campo das rela<_;:oes humanas. Nesse sentido, a sua proposta encaminha-se para a durabilidade da ac<_;:ao politica e tern presente a verdadeira dignidade ontol6gica e onde a etica esta muito mais fundamentada no caracter relacional da dimensao humana, do que baseada em prindpios utilitaristas ou funcionalistas, integrados num dado sistema moral artificial.
2.6. A justi~a social na conduta humana
A justa distribui<_;:ao dos bens materiais, estabelecida de uma forma equitativa e na base de urn acordo entre uma dada comunidade social, e uma das finalidades incluidas no caracter contratualista da teoria da justilNTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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s;a de]. Rawl 11 â&#x20AC;˘ Com efeito, este fil6sofo contempod.neo, que ultrapassou os ideais kantianos de autonomia e razao moral optou, claramente, por urn ideal de espas;o publico marcado pela liberdade, justi~a social e pluralidade ideo!Ogica, atendendo a que a autonomia, face as multiplas convics;oes marais e ideol6gicas dos individuos, nao e 0 unico fundamento valido para uma ordem social justa, plural e tolerante. Na sua opiniao, as faculdades marais que podemos partilhar numa dada comunidade devem-se orientar no sentido de justi<;:a e de uma outra conceps;ao do bern, conferindo urn papel importante a equidade na conduta humana, na base de urn pensamento plural e democratico. A ideia de justi<;:a social, estabelecida par Rawls, confere maior responsabilidade ao Estado Social, enquanto sistema politico que organiza a solidariedade e as diferentes formas de justis;a, na base do respeito pelos direitos sociais, pela liberdade e pela diferens;a, sendo que sao as instituis;6es, representativas dos cidadaos, as entidades responsaveis par essa justa distribuis;ao. Com efeito, a justis;a social, regulada pelos direitos humanos12, civis, politicos e sociais, conforme divisao estabelecida por T.H. Marshall, implica a defesa de urn sistema de justis;a da qual ninguem possa retirar vantagens ou seja, de algum modo, prejudicado, em resultado de uma posi~iio original comum, numa sociedade bern ordenada. Rawls compreendeu o papel do Estado enquanto garante dos direitos, au¡aves da ordenas;ao de criterios para os diferentes mecanismos de escolha, criando condis;6es para a sua discussao no espas;o publico e para uma "John Rawls ((1921-2002) foi professor de Filosofia Politica na Universidade de Harvard e autor de varios livros tais como Uma Teoria da justifa (1971), 0 Liberalismo Politico (199 3) on de desenvolveu a sua teoria da justic;:a e atraves dos quais suscitou a mais viva discussao acerca do contratualismo moderno e da filosofia morale pol! rica. 12 A Declarac;:ao Universal dos Di reiros do Homem, de 10 de Dezembro de 1948, redigida principalmente por Rene Cassin, e reiterada pela Declarao;:ao de Direitos Hurnanos de Viena, de 1993, subscrita por 171 Estados, tern subjacente urna etica humanista onde se pode reconhecer que a problematica dos direitos humanos, de extensao universal e sob o signo da indivisibilidade, e uma questao etica fundamentada na justip social e no reconhecimenro dos direitos dos cidadaos e pelo respeiro da dignidade humana. A base filos6fica dos direiros humanos tern subjacente a sanc;:ao da opressao de urn a dada comunidade ou pessoas e sobretudo, a eliminac;: ao das condic;:6es que, por si, podem ser geradoras de violencia e violac;:ao aos direitos hurn anos. 0 Estado, enquanto garante dos direitos humanos, deve respeitar e garantir a efecrividade do conerato social segundo o qual concede ao homem o estatuto de cidadao. !NTERVEN<;:AO SOCIAL,
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justa reparti<;:ao entre os seus membros, nao s6 enquanto distribui<;:ao equitativa dos bens, mas tambem enquanto forma de assegurar as reais condi<;:6es para a sua concretiza<;:ao. 13 0 contributo de Rawls e significative para a formula<;:ao operacional do Servi<;:o Social face as novas problematicas sociais, na medida em que ajuda a ponderar acerca do justa e da reparti<;:ao equitativa de bens, no quadro das politicas sociais. E e justamente em resultado desta reflexao, que surgem algumas interroga<;:6es acerca dos principios gerais e valores que devem prevalecer, num acordo com uma dada comunidade ou num acordo/contrato com urn cidadao/utente, assim como ajuda a equacionar acerca das condi<;:6es reais de decisao politica, que temos presente no actual quadro profissional e institucional. Importa referir que Rawls, ao aprofundar este modelo de justi<;:a social, nao rejeita o modelo da economia de mercado, embora reconhe<;:a a necessidade de ajustamentos ao nfvel da redistribui<;:ao secundaria, a fim de se evitarem grandes disparidades sociais. Por outro lado, a liberdade, enquanto valor primordial para]. Rawls, esta inclufda nas diversas etapas da sua estrategia conceptual de justi<;:a e, nessa medida, sao diversas as raz6es que publicamente (public reasons) se podem admitir como validas, num hipotetico acordo entre cidadaos de uma dada comunidade. Na critica que este autor faz ao utilitarismo tern subjacente urn procedimento ideal para a efectiva<;:ao dos prindpios de justi<;:a social e, nesse pressuposto, acentua dais prindpios determinantes - o principia da igualdade eo prindpio da diferens;a - au路aves dos quais o sujeito decide par si proprio, de uma forma solitaria, acerca do que considera mais conveniente. A metafora do veu da ignorancia, par si criada, enquanto mero exerdcio analitico, nao significa mais do que o reconhecimento de interesses diferentes e multiplos dos indivfduos, nas sociedades actuais e que nao basta 13
t interessante referir o contributo de Marc-Ferry quando, a prop6siro da sua reflexao acerca dos direiros humanos, refere a importancia do espac;:o publico enquanto espa~o etico de reconhecimento. Na sua formulac;:ao os direitos mom.is estao associados a ideia de que o espac;:o publico nao e apenas um espac;:o dramaturgico de manifestac;:ao, mas tambem urn espac;:o etico de reconhecimemo em que a etica se associa a politica, enquanto Iugar privilegiado de expressao e de revelac;:ao dos caracteres humanos. Chama direitos morais aqueles direitos que envolvem a vulnerabilidade moral da pessoa e, por essa razao, tambem lhes chama direitos-persona!idade. (Ferry, 2000). INTERVEN<;:Ao SOCIAL,
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a boa vontade para se ultrapassarem as situac;:oes de injustic;:a e desigualdade social. Nesta conformidade, o procedimento selectivo para a definic;:ao do melhor criteria para o justa e, quanta a Rawls, uma vantagem estrategica para o restabelecimento de uma vida justa, livre e democdtica e em que os cidadaos se revem como actores intervenientes, numa situac;:ao fict.lcia de igualdade entre seres humanos, e que acreditam que a sua escolha sera a que melhor considerarem para si 14 â&#x20AC;˘ Rawls concebe urn modelo de uma sociedade bern ordenada a partir da adesao a prindpios que orientam as escolhas dos indivlduos e da sua faculdade do sentido de justic;:a face aos seus reais interesses e necessidades e, nesta perspectiva, agir de uma forma justa implica o reconhecimento de uma cultura pol!tica concebida num espac;:o publico de equidade e de realizac;:ao humana, atraves de urn acordo livre e consensual entre as pessoas comuns.
3. Por uma cultura etica do reconhecimento no servi<_;:o social Dos diversos referenciais etico-filos6ficos e politicos atds identificados sobressaem urn conjunto de postulados pertinentes para a reflexao acerca dos valores e finalidades do servic;:o social, tais como a autonomia do sujeito e a intersubjectividade, o agir num espac;:o publico plural, crftico e interveniente, a afirmac;:ao da vida, a discussao critica e reflexiva, a justic;:a social, a dimensao polftica da acc;:ao humana, entre muitos outros. Nunca e demais dizer o quanta se sente, no quotidiano profissional, a dificuldade em concretizar alguns destes prindpios e como estas ideias sao condicionadas, ou mesmo bloqueadas, por razoes diversas de natureza politica, social, institucional e econ6mica. Na verdade, muitas das decisoes tomadas no campo da politica social esrao dependentes, em larga medida, de opc;:oes ideol6gicas, econ6micas e financeiras que nem sempre '
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Por urna questao de espac,:o, nao se aprofundam, neste artigo, as ultirnas considerac,:6es de Rawls acerca do equilfbrio reflexivo e dos seus tres esradios: equilibria reflexiva esn¡ita, equilibria reflexiva ampla e plena equilibria reflexiva, ernbora estas noc,:6es sejarn ve rd adeirarnente irnportantes pois adrnitern a relatividade da pretensao universalista dos principios de justic,:a, face a necessidade de se atingir urn acardo razoavel entre os cidadaos nurna saciedade bern ardenada.
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correspondem, lamentavelmente, ao respeito pelos ideias de justi<;a social, democracia, participa<;ao e muitos outros. Mas, como salientado, o Servi<;o Social, assenta em pilares de natureza ideo-politica e teorico-filosofica, cujo conhecimento e aprofundamento se torna hoje, mais do que nunca, uma exigencia para o ethos profissional e esta responsabilidade cabe nao so as escolas que ministram esta forma<;ao, como tambem aos investigadores e profissionais que, na area do servi<;o social, tern vindo a dar os seus contributos teoricos. Tambem aos alunos que optam por esta aprendizagem lhes e devido urn papel activo e consciente, que passa pela aceita<;ao de uma maior responsabiliza<;ao da sociedade e dos indivlduos, no que se refere a esfera publica e por uma ruptura com urn pensamento homogeneo e conservador. A meu ver, a tarefa principal consiste, pais, em adequar os valores e prindpios essenciais do servi<;o social a novas modelos teorico-metodologicos emergentes, em resultado dos novas contextos, problemas sociais e por conseguinte, novas formula<;6es cientificas. 0 Estado, enquanto regulador dos direitos sociais e o principal agente responsavel pelo bem-estar social na nossa sociedade, e urn dos principais empregadores dos Assistentes Sociais; e bern sabemos o quanta e diflcil "gerir" situa<;6es problema nos sectores publico e privados, com cantornos tecnicos, jurldicos e financeiros bastante complexos e, muitas vezes, com solu<;6es desajustadas da verdadeira dimensao do problema. Alem disso, muitas das medidas, porque universais e impessoais, criam dificuldades acrescidas e, por vezes, descaracterizam o proprio Servi<;o Social tornando-o desadequado, ineficaz e burocratico, esquecendo-se que se trata de respostas a VIDAS HUMANAS. Por isso, Amartya Sem prop6e, com toda a clareza, que as op<;6es economicas tenham sempre subjacente OS interesses etiCOS que devem orientar a vida das pessoas: 0 bem humano com toda a pluralidade de aspectos importantes que podem enriquecer os seres humanos associados a essa dimensao, na perspectiva de que a prosperidade economica deve ser convergente com a expansao da liberdade, do capital humano e da etica social. A actual questao social e marcada por uma ampla heterogeneidade e complexidade. Os problemas sociais sendo, de urn modo geral, materia de justi<;a social, envolvem decis6es institucionais e colectivas e estao configurados por dinamicas locais, nacionais e mesmo internacionais e, nesI NTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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sas circunstincias, as ferramentas que devem estar dispon{veis referem-se a uma responsabilidade etica que entenda e respeite a condis;ao humana e que permita visualizar, atraves da preservas;ao e prevens;ao de situas;6es problema, os efeitos quer imediatos, quer de longo prazo dessas medidas. Par outro lado, tendo subjacente os ideais de progresso do nosso tempo, deveremos pugnar, mais do que uma modernidade tecnica ou par urn falso modelo tecnico e racional para a intervens;ao social, par uma modernidade etica, o que implica o nosso compromisso perante a sustentabilidade do planeta e a perenizas;ao da vida, na crens;a de que as maquinas da burocracia e indiferens;a tern que ser substituidas pelas armas da integridade e criatividade do homem, do respeito pela vida, tal como refere Hans Jonas, e condis;6es de sobrevivencia da humanidade, ultrapassando a grande possibilidade de auto-destruis;ao da humanidade. Os mecanismos de tomada de consciencia, construidos em torno de uma pratica reflexiva e critica, contribuem para fortalecer aquila que vulgarmente se chama consciencia etica de sujeitos que partilham, em comum, o mesmo mundo. Sera esta a condis;ao da era pos-moderna: que a responsabilidade moral se passa a situar no individuo e nao nas regras marais, concebidas par legisladores e estabelecidas par codigos de etica: "a responsabilidade moral e a mais pessoal e inalianavel das posses humanas eo mais precioso dos direitos humanos. Nao pode ser eliminada, partilhada, cedida, penhorada ou depositada em custodia segura. A responsabilidade moral e incondicional e infinita e manifesta-se na constante tortura de nao se manifestar a si mesma suficientemente" (Bauman, 1997:285). Na etica discursiva actual, o imperativo categorico ja nao basta para orientar a vida dos homens na terra. No campo do juizo etico, o sujeito, deixando de ser prisioneiro de urn discurso moral e normativo, tern que estar comprometido com certas finalidades, inseparaveis de urn projecto de mudans;a, em que os ideais de justis;a, democracia, liberdade e equidade presidam a ordem politica e a sua vida quotidiana, enquanto sujeitos livres e conscientes, que podem criar as suas proprias regras de vida em comum. Na era dos homens vazios e preocupados apenas com as suas vidas privadas (e com as de outros considerados de figuras publicas), "nao sao os valores que faltam no nosso mundo, mas sao os sujeitos que faltam aos val ores" (Resweber 2002:1 07). Torna-se, pais, indispensavel o recolNTERVENc;:Ao SOCIAL, 29, 2004
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nhecimento da condic;:ao etica dos cidadaos, o que implica que nos remetamos para a sua verdadeira condic;:ao etica: a capacidade de auto-reflexao e auto-consciencia que estimule o compromisso e responsabilidade social e que possa responder, plenamente, pela jusric;:a, ao bern estar social dos individuos e das comunidades. Sob este ponto de vista, os prindpios eticos sao fundamentais para orientar a conduta profissional e elucidar quanto as melhores opc;:6es deontologicas porque, como foi atr<is referido, os valores coexistem com ideias, ideais e aspirac;:6es e sao referenciais importantes para a acc;:ao pessoal e profissional. Tendo consciencia que a realidade social, institucional e politica que envolve os profissionais de servic;:o social e marcada por interesses variados e dificuldades multiplas, relacionadas nao so com a crise economica e financeira que Portugal atravessa, como tambem pela crise do Estado Social, o esgotamento de urn modelo de decisao politica centrado, fundamentalmente, na partidocracia, e preciso reconhecer que a nossa margem de intervenc;:ao e curta e, por vezes, bastante constrangedora. A este proposito, convem ressaltar que os Assistentes Sociais actuam, muiras vezes, em situac;:6es carregadas de moralidade, conservadorismo e mesmo autoritarismo o que exige, tao so, que o arsenal de opc;:6es e escolhas seja acompanhado da lucidez, maturidade e poder suficiente para "tentar" contrariar muitas dessas situac;:6es desvantajosas e, assim, ultrapassarem-se alguns sentimentos de culpae de impotencia que tantas vezes se carregam no dia a dia. Nesse sentido, importa cada vez mais manter a exigencia da qualidade da intervenc;:ao em servic;:o social, no respeito pelas regras democd.ticas e pela crescente teimosia em manter vivos os valores essenciais da profissao de Assistente Social: o respeito pela dignidade humana, a autonomia e a autodeterminac;:ao do sujeito, conferindo-lhe uma responsabilidade etica crescente nas decis6es a tomar, aceitando as particularidades e diversidades e reafirmando, como prindpio fundamental, o respeito do homem pelo outro homem, enquanto sentido mais profundo da intervenc;:ao social, tal como postula Levinas, com a etica da alteridade. A par da relativizac;:ao dos valores e dos novos desafios que se colocam ao servic;:o social de hoje, importa, pois, nao parar de interrogar os seus fins ultimos e as finalidades que dao sentido a esta profissao. 0 ethos, ou aquilo que somos au路aves do exerdcio profissional, e reconhecido pela singularidade de se tentar solucionar os problemas sociais incentivando l NTERVEN<;:Ao SOCIAL,
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uma consciencia cdtica que proporcione a mudanc;:a das componentes do sistema e a valorizar a etica, enquanto possibilidade de realizac;:ao e valorizac;:ao individual e profissional. Obviamente que, sob este ponto de vista, os valores sao essenciais ao Servic;:o Social pois, enquanto alicerces, ajudam a perspectivar os melhores criterios de conduta profissional e a reconhecer, na deontologia, uma ferramenta de apoio a decisao acerca do justo e do adequado, quando Se enfrentam OS multiplos dilemas e problemas que envolvem o nosso exerdcio profissional. Nesta era pos deontologica, concordando com a designac;:ao de Lipovetsky, a ideia da plasticidade e da flexibilidade e, quanto a mim, uma possibilidade infinita de se poder mudar tudo aquilo que nao agrada, ou, tao so, desviarmo-nos de urn espac;:o que nos incomoda e procurar-se outro, de acordo com os ideais de vida ou onde nos sintamos bern. Esta postura facilita o convivio positivo com a diferenc;:a e a aceitac;:ao da interminavel e permanente tensao entre o singular e o plural, entre o uno e o multiplo, o particular e o geral, permitindo reaprender a viver num tempo do imprevisto e do improvavel. Acredito que seremos capazes de inventar novos caminhos, na base do pluralismo e da diversidade e que saberemos reclamar por outros, que ajudem a alterar o actual sentido das coisas e a fortalecer a capacidade imaginativa dos homens e mulheres do tempo presente para acabar com a desigualdade e injustic;:a social. Importa frisar que a perspectiva pos-moderna da etica, emancipada de uma falsa consciencia e de objectivos irrealizaveis (Bauman, 1997), requer urn novo enamoramento das causas da humanidade e do mundo, Iiberto dos preconceitos da modernidade e, com isso, pode tornar a nossa vida mais etica e verdadeira, pelo reconhecimento da pluralidade de caminhos e vontades humanas, considerando-os como desafios que fortalecem a dimensao emancipatoria e as relac;:oes de uns com os outros. Uma etica que acredita na relac;:ao e na intersubjectividade, na compreensao da identidade humana e que reconhec;:a as responsabilidades individuais e colectivas, na perspectiva da democratizac;:ao do processo decisorio. 0 novo suj eito nao sera mais urn mero destinarario da exigencia moral das multiplas instituic;:oes coercitivas, mas antes, usara a sua liberdade de escolha e opc;:ao, para fortalecer a sua responsabilidade etica. A ideia do respeito pela ambiguidade (Baumam: 1997) assinala justamente essa essencia do ser humano e a aposta na capacidade e intuic;:ao moral dos homens para INTERVEN<;:i\0 SOCIAL, 29, 2004
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poderem viver juntos, asua medida, sem necessidade do apoio de normas juridicas despersonalizadas. Significa optar pela repersonalizar;iio da condura humana, refon;:ando a moral individual e reconstruindo o nosso edificio etico na certeza de que somos capazes de pensar 0 que queremos, enquanto artesaos de urn desenvolvimento humano que pode destronar a ilus6ria universalidade dos valores morais: "e a sociedade, e a sua existencia continua e seu bem-estar, que se tornam possfveis pela competencia moral dos seus membros" pois (... ) "nao h:i prindpios fixos que se possam aprender, memorizar e desenvolver para escapar de situac;:6es sem born resultado e poupar-se do amargo gosto posterior (chame-o de escnipulos, culpa ou pecado) que vern sem pedir na esteira das decis6es tomadas ou realizadas. A realidade humana e confusa e ambfgua e tambem as decis6es morais, diversamente dos prindpios filos6ficos eticos abstractos, sao ambivalemes. E nesse tipo de mundo que devemos viver" (... ) "e a modernidade sem ilus6es" (Bauman, 1997:41).
Por fim, nunca e demais salientar que reconhecimento da condi<;ao etica dos cidadaos implica que a sua conduta se oriente para finalidades por si escolhidas onde os valores, numa esfera ideal de realiza<;ao humana, assumem uma centralidade not<ivel. Sao eles que provocam as escolhas de vida, sao eles que interferem nas expectativas perante a resolu<;ao dos problemas, SaO eles, em suma, que guiam as diversas op<;oes perante OS varios possfveis. Eles estao necessariamente connosco, porque fazem parte do universo das emo<;6es, dos afectos e do mundo de vida que e, por defini<;ao, singular, individual e esteticamente diferenciado, num planeta muitas vezes desumanizado e composto de estranhos e fragmentos. Nao podemos ficar indiferentes a forma como terminamos o seculo XX e ao modo inseguro e insensato como iniciamos o novo, porque a nossa responsabilidade e grande, quer enquanto cidadaos do mundo, quer enquanto profissionais do campo social, que sabem para onde querem ir. A par de urn enorme progresso material da tecnociencia computadorizada e de grande expansao e globaliza<;ao do mundo econ6mico e financeiro e de uma acentuada interliga<;ao em rede, precisamos de restabelecer, com toda a confian<;a e com a urgencia que merece, a base etica da nossa vida em sociedade, que ajude a reconstruir a nossa condi<;ao huma[NTERVEN<;:AO SOCIAL,
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na. Por isso, e urn imperativo etico pensar-se na condi~ao etica e deontologica do ser humanos e na sua capacidade de relacionamento, tornando possivel a recria<_;:ao de uma comunidade auto-consciente com possibilidades para reinventar outra(s) combina~ao(6es) de atitudes de respeito pelo bem-estar e justi~a social, ultrapassando o individualismo, o egoismo, a indiferen<_;:a, a injusti~a e a apatia em que vivemos e que condiciona uma interven~ao dvica, participada e consciente no espa~o social onde nos msenmos porque. (..) o mundo em que as pessoas nascem nao e mais visto como decretado pelo fodo, mas como um aglomerado de possibilidades. Pode-se moldar tanto o mundo quanta a si mesmo. Pelo menos em nossa imaginaj:ilo, nao hd limites para as possibilidades de "moldarmos o mundo ': Podemos tomar nas maos o destino do mundo. Assim como o nosso futuro depende de nos, o do mundo tarnbem. Como podemos transformar as possibilidades em destinos, e agora questao nossa. Agnes Heller
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A responsabilidade como categoria etica fundante de uma estetica renovada da pessoa 0 exercicio de reflexao que realizamos possui um tronco tripartido de explanar;ao conceptual unido pela temdtica sugerida no titulo dado: A responsabilidade como categoria fimdante de uma estetica renovada da pessoa. Num primeiro momento, mostramos a necessidade de descristalizar relar;oes conceptuais acerca do homem e do mundo, provocando a urgencia da rejlexao sobre etica e apontando para 0 fimdamento desta, que e a pessoa. Num segundo momento, numa primeira parte, centramo-nos nos trar;os caracterizadores da pessoa elevando-a a categoria fimdante da etica, como ser transcendente por excelencia; numa segunda parte, repensamos o conceito de responsabilidade, inerente ao conceito de pessoa, a luz da filosofia de Paul Ricouer. Finalizamos com um breve comentdrio ao exercicio realizado.
"Mientras las cosas tienen precio, las personas ponen precio porque valen, de ah! que elias sean Ia medida y lo mensurante, no lo medido." Carlos Diaz in Que es el personalismo Comunitario?
1. A necessidade de "descoisificaflio" conceptual - reflexao filos6fico-
pratica Vivemos na e da exterioridade, num mundo cujo eixo referencial sao os sentidos, que inebriam e que, segundo a formula<;ao plat6nica, apenas nos oferecem a mudan<;a, o devir e a corrup<;ao. Percebendo o corpo como janela de abertura aos outros e ao mundo, * Doutora em Filosofia. Docente do Institute Superior de Servit;:o Social- Beja.
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esquecemos que podem existir, para alem desta, outras magnificas dimens6es que nos ligam a tantas outras formas de estar e de ser. Ficamo-nos pela percep<;:ao, esquecendo que tambem existem diversos modos de consolidar a constru<;:ao do envolvente. No fundo, o que na verdade esquecemos e que a real mudans:a comes:a em nos, quando aprendemos a nao coisificar pensamentos e conceitos, a nao cristalizar no obvio aquila que se empobrece por se-lo. Urge, pais, problematizar e instaurar a duvida como metoda, para nao vivermos, qual "escravo" prisioneiro da ''Alegoria da Caverna'' que, tomando a sombra pela realidade, da origem a primeira grande alienas:ao do ser humano: acreditar que conhece o autentico, quando de facto, se limita a viver o seu inverso. Mergulhar na atitude consciente da interroga<;:ao e a pedra angular do edificio da constru<;:ao do ser pessoa, ja que e a unica arma de luta contra a tirania do habito e a fors:a da indiferen<;:a. E, como diz Savater, (1998:73-83) isso implica fugir da imbecilidade. Como poderemos mudar a Historia e transformar o mundo, se nao realizarmos uma metanoia? Como poderemos ter uma visao inter-pessoal e social assertiva, se nao nos considerarmos interpretes e transformadores da realidade e, ao inves, apenas espectadores? A criatividade intelectual do homem e abundante, intensa e interessante do ponto de vista da diversidade conceptual, cada vez mais especializada e interrelacionada. Contudo, a exterioridade impera na maior parte da nossa produs:ao cientifico-literaria. Numa ansia de conquista, voltamo-nos para o fora e esperamos que nos possa construir urn dentro. Mas, o descontentamento generalizado dos que pensam so nos direitos e nunca nos correlativos deveres mostra a continua desilusao que torna presente o absurdo de Camus. Que nos resta, entao, quando tudo se torna urn absurdo? Talvez a resposta possa ser dada por Sua Santidade o Dalai Lama quando, num livrinho 1 plena de humildade e de verdade, a boa maneira ' cf. Dalai Lama, (2003) Etica para o novo milenio, Lisboa: Presen.;:a. Nesta obra encontramos trechos como os que vamos transcrever e que sao bern elucidativos do que queremos transmitir - "Na sua obsessao, esbanjam a felicidade de sonho que e suposto as riquezas trazerem. 0 resultado e urn inferno constante, partilhados que estao entre o medo do que pode acontecer e a esperan.;:a do lucro e atormentados por sofrimentos mentais e emocionais lNTERVEN<;:Ao SociAL, 29, 2004
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dessa Mulher que foi Teresa de Avila, nos refere a expectativa com que, em 1959, ano em que foi para o exilio, se confrontou como mundo ocidental e, ao contrario do que julgava encontrar - urn mundo de bemestar e felicidade, proveniente do desenvolvimento da cultura cientificotecnologica e, de urn relativo desenvolvimento economico, fruto do liberalismo capitalista- deparou-se com urn sentimento generalizado de descontentamento. Como se o reverso de se ter tudo do ponto de vista material e de se consumir cada vez mais provocasse o esvaziamento intenor. Por esse motivo, a atitude filosofico-pratica sera lixo, quando nao contribuir para uma reflexao atenta sobre a existencia do homem no mundo. Para se constituir tal, necessitamos voltar a Aristoteles e com ele considerar a prioridade da actividade contemplativa. Contemplar, numa atitude do ocio grego, e 0 melhor ponto de partida para uma reflexao que se quer etica. E e de Etica que queremos falar. Nao com a veleidade de sermos originais, sim com a pretensao de fazermos uma anamnese ao contributo da reflexao global sobre o ser humano. A este designaremos com o epiteto maior que conhecemos: o de Pessoa. E que, nao basta falar de homem. E preciso revisitar esse conceito entretanto esquecido por alguns: ser pessoa porque, a etica so se enraiza no seu nucleo central e na sua fundamenta<;ao por excelencia que e a pessoa. Este e, pois, o assunto de que nos ocuparemos seguidamente.
2. A pessoa como eixo fundante da etica e a sua relas;ao com as grandes categorias de uma filosofia pratica 2.l.Tras;os essenciais do perfil da pessoa em redor da questao: transcendencia Boecio, no seculo V-VI, declara-a "substancia individual de natureza racional", misto de corpo material que representa o que sob-estd perante mesmo se exteriormente parecem ter uma vida inreiramente bern sucedida e conford.vel. Isto manifesta-se no elevado nivel e na frequente presen<;:a de ansiedade, descontentamento, frustra<;:ao, incerteza e depressao, prevalecenres nas popula<;:6es dos paises materialmente mais desenvolvidos. lNTERVEN<;:AO SOCIAL,
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as coisas (para usar terminologia aristotelica), nao se ajustando a estas por ser individual de natureza racional e, pela mesma razao, afastando-se igualmente das plantas por serem seres vegetativos e dos animais por mergulharem essencialmente no sensitivo. Estas distinc;:6es, que encontramos ja na Antiguidade Grega, nao eram utilizadas em relac;:ao a noc;:ao que aqui tratamos, mas antes a de homem, uma vez que so com o aparecimento do Cristianismo, ao distingui-lo das coisas, objectos manipulaveis, e que podemos apelidar de nossas, surge o que nao pode ser penenc;:a de ninguem, pois possui dignidade propria que emana da sua natureza, isto e, a pessoa. Ja Justiniano igualmente damava, de urn ponto de vista juridico, sera pessoa a andtese do escravo que, por pertencer a alguem, so possui deveres, nunca direitos. Este conceito e uma invenc;:ao da modernidade, decorrente do espirito do seculo das Luzes. E a individualidade, da pessoa, que a diferencia e distingue das demais individualidades com quem se relaciona e que, qual movimento dialectico, pelo processo continuo da comunicac;:ao, seja de que tipo for, se constitui e ergue na transcendencia da sua singularidade. Refira-se, porem, que esta transcendencia se estabelece segundo tres dimens6es distintas. Primeiramente, em relac;:ao ao proprio eu, na projecc;:ao continua que faz nascer a dimensao tao idealizada a que se chama futuro. Em segundo lugar, em relac;:ao aos outros que, tal como eu sao pessoas com quem e para quem vivo, mas a quem nao me reduzo. Par fim, numa abertura vertical, a que o povo Judeu sempre designou de inominado, isto e "aquele cujo nome nao se pode pronunciar"' a transcendencia afirma-se como fruto da multiculturalidade, como Aquele que possui, em cada cultura, a venerac;:ao maxima e e, par paradoxa! que parec;:a, designado pelos names mais distintos, segundo as respectivas hierofanias. Sea terceira destas dimens6es nao e aceite par muitos, na sua perspectivac;:ao de vida, as duas primeiras sao-no seguramente. E sao-no porque o homem aprende, pela socializac;:ao e enculturac;:ao continuas, as regras e os valores proprios da situac;:ao historico-cultural em que se encontra. Assim sendo, parece ser impensavel uma individuac;:ao em abstracto, pelo que somas conduzidos a conhecida afirmac;:ao de Ortega y Gasset: "0 homem e ele e as suas circunstincias." Por elas e nelas cresce e se permite que o INTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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material genetico original se consolide, desenvolvendo potencialidades e fazendo surgir o seu ethos. Sao, pois, o caracter e a personalidade que, ao constituirem a intimidade - a morada interior de que somos iminentemente responsaveis -, nos afastam em definitivo das restantes especies. E, tal como Fukuyama refere, "o factor X", aquilo que vulgarmente traduzimos como urn salto qualitativo na linha da evolU<;:ao humana (cf. Fukuyama, 2002: 229-232). Salientemos, porem, que esras "circunsdncias" nao podem, nem devem, retirar a pessoa a sua originalidade criativa no campo do agir, desresponsabilizando-a das consequencias da realizacrao e da efectivacrao da sua motivacrao e vontade. 0 ethos e a intimidade que sup6e sao fundamento da nossa transcendencia e da nossa individualidade. Conduzem-nos, na rede conceptual etica em que trabalhamos, ao conceito de unicidade, tambem ele caracterizador da pessoa. Lembremos que, erimologicamente, o vodbulo pessoa vern do latim persona, lembra a mascara dos actores dos teatros gregos, cujos edificios, sumptuosos pelo espacro ocupado, mais faziam sobressair essas figuras tambem de "carne e osso", para usar a expressao de Unamuno, e que representam esse ou este palco onde, de urn modo ou outro, nos movemas, umas vezes como actores principais, outras como actores secundarios ou ate mesmo como figurantes. E neste palco social, nesta individualidade que e a nossa e a de cada urn, sobressai a dimensao corporea indiferenciada da psiquica ou cognitiva. A pessoa, tal como o individuo e Una, e urn. I-Ia muito que perdeu sentido a dimensao dualista grega acerca de uma alma num corpo. Esse corpo pelo qual, indiscutivelmente, existimos (ainda que, como ja tenho afirmado, Descartes o negue por quest6es metodologicas) liberta-nos do etereo e do puro espirito, materializa-nos. Por ele sentimos, amamos, -como diz Carlos Diaz ''Amo, logo existo" (Diaz, 2002: 103) queremos, odiamos, criamos, valoramos, agimos, conhecemos e nos damos a conhecer, somos tarefa (lembrando Kant e a visao da pessoa como aufgabe!). Por ele nos relacionamos (segundo aspecto da transcendencia) numa convivialidade social e comunicativa, fundante da tarefa que tambem so mos. lNTERVENy\0 SOCIAL,
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Nao desaparecemos no mundo, criamos o mundo. Criamos o mundo, porque nos criamos a nos mesmos, num processo de caminho dclico e dialectico. 0 nosso suporte 6ntico e ontologico permite-nos manter a unidade e a individualidade e, ao mesmo tempo, irmo-nos transcendendo pelo dinamismo da ac<_;:ao, quer esta englobe o pensamento e a consciencia, quer nao. Encarada quer como produ<_;:ao, execu<_;:ao ou praxis ... a unicidade e inalted.vel. Nao e pelo facto de ser sujeito e objecto da ac<_;:ao que surge a inalienabilidade e a impord.ncia da sua capacidade transformadora. Bern pelo contrario, ganha urn sentido de responsabilidade e autodetermina<_;:ao unico. Estes dois conceitos, responsabilidade e autodetermina<_;:ao, implicam a no<_;:ao de consciencia e so se podem viver plenamente quando esta se formar bem. Mas, como esta ultima expressao corre o risco de interpreta<_;:oes multiplas, uma vez que nao coincidimos acerca do mesmo sentido do bem, somos obrigados a indagar: o que significa formar bem? A boa maneira Kanteana, tal como para nos, tal implica a no<_;:ao de autonomo. Para Kant, ser autonomo significa dar-se a si mesmo a lei que permite saber como agir. Como o homem possui nao apenas a faculdade da razao mas tambem a sensibilidade, e necessaria encontrar "urn princfpio objectivo, enquanto obrigante para uma vontade", ou seja, urn imperativo (Kant, 1960:45). Ainda que nao optemos pela terminologia Kanteana de imperativo (quer este seja hipotetico ou categorico), somos herdeiros da sua "razao pratica" e reconhecemos no homem essa capacidade unica de saber racionalmente optar, escolher, avaliar, julgar, por si mesmo e, tanto quanto e poss!vel, sem a interferencia dos outros, do grupo de penen<_;:a, da famllia. Contudo, nao esque<_;:amos que, mesmo nas decis6es mais intimas, estamos condicionados por normas sociais, habitos interiorizados, tambern inconscientes, que nos movem sem nos apercebermos, e que as nossas convic<_;:6es mais enraizadas, pretensamente originais, sao apenas fruto do reconhecimento que nos transmitii路am do mundo. A consciencia, sendo evolutiva, passa pelo processo de aquisi<_;:ao de normas, numa fase de heteronomia para uma fase derradeira de autonomia, revelando, ass1m, a propria autonomia e heteronomia do homem. lNTERVENC,:AO SOCIAL, 29, 2004
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Como afirma Madinier, no seu ja classico, Consciencia Moral, a heteronomia, "exprime a nossa dependencia relativamente a uma ordem de coisas que nao podemos impunemente modificar.( ... ) Mas a consciencia da tambem testemunho da nossa autonomia: as suas leis nao sao posturas policiais, imposi<;ao exteriores. Sentimo-nos interessados nas suas prescri<;6es, pois que estas traduzem uma exigencia intima do nosso ser e, em cerro sentido, sao a revela<;ao da nossa vontade mais autentica e profunda." (Madinier,1960: 12-13) E e porque somos, racionais, conscientes, livres e autonomos, que somos responsaveis. Por tudo isto, somos transcendentes! E e por via dessa transcendencia que recusamos todas as perspectiva<;6es que nos igualam aos demais animais.
2.2. Analise da problematica da responsabilidade centrada em torno do pensar de Paul Ricouer - o si, o outro e as instituis;oes Tal como a transcendencia da pessoa, tambem o conceito de responsabilidade, que a caracteriza, pode ser visto em tres dimens6es. Em primeiro lugar, sou responsavel pelos meus proprios actos, pela minha propria constru<;ao ontica. E K. Wojtyla quem nos diz: "La conciencia de realizar un determinado acto, de ser actor de ese acto, lleva consigo el sentido de responsabilidad por el valor moral de ese acto. Me vivo, pues, a mi mismo, a mi propria persona, como causa eficiente del bien o del mal de mi propria persona. El valor etico refuerza el sentido del vinculo que se da entre acto e persona." (Diaz, 2002: 67) Em segundo lugar, sou responsavel pelos outros. Paul Ricoeur chamalhe solicitude, Heidegger fala de cuidado, o Cristianismo designa-o por caridade, o Socialismo e a modernidade dizem solidariedade ... enfim, multiplos conceitos que, de forma alguma plenamente sinonimos, possuem a transversalidade suficiente ao nivel do significado, para os podermos apresentar numa visao de conjunto. Em terceiro lugar, sou responsavel pela sociedade e respectivas institui<;6es e estas por mim mesmo. Quer queira, quer nao, sou um feixe de numeros que me identificam lNTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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(numero de bilhete de identidade, cartao de contribuinte, cartao do sistema de saude ... que, muitas vezes, curiosamente, mais do que seria do nosso agrado, subordinam o nome proprio pelo qual nos sentimos seguros ao responder) e me transformam num cidadao, expectante de justi<_;:a, que interfere com as varias institui<_;:6es sociais e delas pretende uma respasta. Analisemos, mais atentamente, cada uma destas dimens6es, lembrando urn artigo de Paul Ricouer, "Ethique et Morale" (Ricoeur, 1990:6), em que o autor define o objectivo da Etica da seguinte forma: " visee da la vie bonne, avec et pour les autres, dans les institutions justes." 2 Em rela<_;:ao ao primeiro termo, "visee de la vie bonne", Ricouer (1990:6) refere-nos que so e possivel uma vida boa pela estima de si. Esta surge em dois pianos: "Ce qui est fondamentalement estimable en soimeme, c' est deux chones : d' abord la capacite de choisir pour des raisons, de preferer ceci a cela, bref la capacite d' agir intentionnellememt, c' est ensuite la capacite d'introduire des changements dans le cours des chases, de commencer quelque chose dans le monde, bref la capacite d'initiative. En ce sens, l' estime de soi est le moment reflexif de la praxis: c' est en appreciant nos actions que nous nous apprecions nous-memes comme en etant l' auteur, et done comme etant autre chose que de simples forces de la nature ou de simples instruments." A inten<_;:ao e a capacidade de iniciativa significam, segundo a nossa perspectiva, dois dos aspectos do salta qualitativo (face as outras especies), ou "Factor X", como ja referimos. Deste modo, ha que cuidar de nos mesmos! Nao significa, este cuidar, viver nem solipsistamente, nem tao pouco de forma egoista e egocentrica, como se o nosso umbigo fosse o axis mundi que, ligando a terra e o ceu, se percebesse como fonte emanente da cria<_;:ao. Dizemos isto, porque, como nos encontramos numa sociedade profundamente individualista, corremos o perigo de nos centrarmos so nas nossas quatro paredes. 2
Antonio de Oliveira Fernandes, em 1996, publicou um livro intitulado "Paul Ricouer- Sujeito e etica'', (por nos referenciado na bibliografia do artigo) no qual fez uma analise detalhada do escrito original que Ricouer escreveu, a pedido da Revista Portuguesa de Filosofia, no ano de 1990 e de que nos servimos neste momenta em virtude da pertinencia e clareza de exposic,:ao que apresenta, bem como pela actualidade que a tematica que decidimos desenvolver comporta. lNTERVEN<;:AO SOCIAL,
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0 desejo da vida boa representa, sim, a possibilidade de escolha, de opc;:ao, donde P. Ricoeur falar de intenc;:ao e de capacidade de iniciativa. Nao precisamos de urn imperativo, a nao ser o da consciencia. E esta nao e so racionalidade, mas tambem normas e sentimentos. Afastamonos da moral Kanteana, sentimo-nos mais a vontade, no mar do existencialismo e do personalismo. Como construtores da existencia e da pessoa que a sustem, ao desejarmos a vida boa pela estima de si, nao podemos ignorar o outro. Logo, esta estima envolve OS demais. Mas, como e que poderemos fazer esta ligac;:ao? Qual acto reflexo, reconhec;:o no outro alguem que tambem e capaz de iniciativa e de escolha, numa dimensao dialogante. Desta forma, encontramos o segundo objectivo da Etica, "avec et pour les autres", no conceito de solicitude. P. Ricoeur mais uma vez o diz: Estime de soi et sollicitude ne peuvent se vivre et se penser l'une sans l'autre. Dire soi n'est pas dire moi. Soi implique l'autre que soi, afin que l'on puisse dire de quelqu'un qu'il s'estime soi-meme comme un autre ( . .) toi aussi tu es un etre d'initiative et de choix, capable d'agir selon tes raisons, de hierarchiser des buts ; et, en estimant bons les objects de ta poursuite, tu es capable de t'estimer toi-meme. (Ricoeur, 1990:7). A pessoa existe na alteridade e na relac;:ao. Nao basta dizer com Ortega que sou eu e as minhas circunsd.ncias. Carlos Diaz lembra-nos esta concepc;:ao: "somos yo-y-tu, tu-y-nosotros, y lo somos da forma tan ineludible, que ni siquiera vale afirmar, como lo hace Ortega Y Gasset, que "Yo soy yo y mis circunstancias", sino que "yo-soy-yo-y-mis-circunstantes", unicamente personas: las cosas y los animales son circunstancias, las personas son circunstancias, las personas son circunstantes porque forman parte de mi propria vida." (Diaz, 2002:90). Ora, se eu me penso insubstituivel e defendo o meu "patrimonio" como unico, tenho de aceitar e compreender que os outros tambem tern as mesmas faculdades e direitos que eu. Por isso, a regra biblica por excelencia "nao fac;:as aos outros 0 que nao gostarias que te fizessem" pode tambem traduzir-se por: nao penses OS OUtfOS COffiO nao gostarias que eles te pensassem a ti. Nao os penses desprovidos de capacidades cognitivas, afectivas, valorativas... nada somos sem os outros e estes nada sao sem nos! :E necessaria, pois, que reforcemos a nossa consciencia do facto. lNTERVEN<;:Ao SoCIAL, 29, 2004
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Claro, que esta visao dos outros pode ser feita com lentes muito diferentes, modificando significativamente a questao da responsabilidade pelo outro ou podendo ate elimina-la. Nao e hora de nos concentrarmos na questao do outro, que por si merece tratamento diferenciado e especial, mas nao resistimos a sublinhar uns tras;os possiveis e opostos desta visao. Exemplificamos com dois filosofos do seculo XX, Sartre e Levinas. Como corremos o risco de nos repetir, achamos por bern citarmos urn nosso escrito anterior, em relas;ao ao modo como Sartre ve o outro: ÂŤ0 homem surge como paixao inutil, a vida como urn palco em que somos espectadores de nos a nos mesmos, fazendo a farsa na procura do que sabemos nao poder encontrar. Os outros sao "1' enfer" ( ... ) o outro so existe porque eu o objectivo e o torno "en-soi", para o outro eu so existo porque me tornei para ele urn en-soi. Este ser-homem-objecto traduz-se pelo olhar. "( ... ) le pour-soi s'eprouve comme objecte dans l'univers sous le regard de l'autre." 0 outro quando me olha viola a minha interioridade, rouba-me os meus actos, tudo o que sou. Despeme e mostra ao mundo a minha nudez, retira-me a mesmidade que constitui a minha transcendencia. Perante tal, respondo objectivando-o pois so assim o poderei transcender. "Cette limite a rna liberte est, on le voit, posee par la pure et simples existence d' autrui, c' est-a-dire par le fait que rna transcendence existe pour une transcendence."Âť (Guerra, 2000: 148). Pelo contrario, em Levinas, OS outros nao sao 0 inferno, 0 seu olhar nao me rouba a minha liberdade, mas glorifica-me pelo rosto. Assim o aponta: "0 rosto recusa-se a posse, aos meus poderes ( ... ) o rosto fala-me e convida-me assim a uma relas;ao sem paralelo com urn poder que se exerce, quer seja de fruis;ao quer seja de conhecimento. (Levinas, 1988:176) E, noutra passagem, refere: ( ... ) o rosto ( ... ) eo incontivel, leva-nos alem. ( ... ) a relas;ao com 0 rosto e etica. 0 rosto e 0 que nao se pode matar ou, pelo menos, aquilo cujo sentido consiste em dizer. "tu nao mataras". (Levinas, 1988:78-79). Buber fara a diferens;a entre a relas;ao "eu-ele", que significa posse, a lembrar a visao sartreana do outro e "eu-tu" no sentido do encontro. Para 0 autor, aquele que diz tu nao possui nada, 0 tu e uma presens;a iluminante. (cf. Entralgo, 1988: 213-214). lNTERVEN<;:AO SOCIAL,
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Tal como Levinas e Ricoeur estrutura a questao etica em torno do outro e da responsabilidade. As varias posi<;:6es apresentadas suscitam-nos uma multiplicidade de quest6es. Como nos podemos sentir responsaveis pelos outros, quando estes sao "o inferno"? Como aceder ao dialogo, se o proprio olhar do outro me rouba a liberdade? Quereremos perder o que desde a mais tenra idade queremos conquistar, a liberdade? Aquilo por que lutamos a todos os nfveis? Ainda que, por essa for<;:a movente da exterioridade, algumas dimens6es da propria liberdade fiquem ou esquecidas ou escondidas, com vergonha ou impossibilidade de se fenomenolizar. Por exemplo, vejamos a questao fundamental da democracia que e a liberdade de expressao. Temos, de facto, liberdade de expressao em situa<;:6es de emprego predrio ou desemprego? Em situa<;:ao de desnivel de papeis sociais? ... So e possivel falar de responsabilidade para com o outro se efectivamente podemos falar de eu-tu, na expressao de Buber, ou, com Levinas, do outro como rosto. Atentemos nas palavras deste ultimo sobre o tema em "Etica e lnfinito". ( ... ) a responsabilidade [e a] estrutura essencial, primeira fundamental da subjectividade. Entendo a responsabilidade como responsabilidade por outrem, partanto, como responsabilidade por aquilo que nao fui eu que fiz, ou nao me diz respeito; ou que precisamente me diz respeito, e por mim abordado como rosto. ( ... ) Sou eu que suporto outrem, que dele sou responsavel. ( ... ) A minha responsabilidade nao cessa, ninguem pode substituir-me. ( ... ) trata-se de afirmar a propria identidade do ser humano a partir da responsabilidade, isto e, a partir da posi<;:ao ou da deposi<;:ao do eu soberano na consciencia de si, deposi<;:ao que e precisamente a sua responsabilidade por outrem. A responsabilidade e o que exclusivamente me incumbe e que, humanamente, nao posso recusar. Este encargo e uma suprema dignidade do unico. Eu, nao intercambiavel, sou eu apenas na medida em que sou responsavel. Posso substituir a todos, mas ninguem pode substituir-me. Tal e a minha identidade inalienavel de sujeito. E precisamente neste sentido que Dostoievsky afirma: "Somos todos culpados de tudo e de rodos perante todos, e eu mais do que os outros." (Levinas, 1988: 92-93). Isso significa que, por esta responsabilidade pelo outro, como lembra INTERVENC,:AO SOCIAL, 29, 2004
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Levinas, me sei e sinto digno, quer acredite que esta dignidade me advem da minha natureza, de ser pessoa, quer me considere participante da sua constru<;:ao. Kant pode, pois, afirmar que: as coisas tern pre<;:o, o homem tern dignidade. Por isso nos incita: "Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio." (Kant, 1960: 68). Daqui se infere que a pessoa nao pode ser urn meio, porque isso seria rebaixar a sua propria categoria e perder o fundam ento absoluto da Etica, o garante de todos os seus pressupostos. Urn numeno, livre e auton6mo, que foge a toda a determina<;:ao causal, nunca podera ser urn meio, apenas urn fim, deste modo nao ignoramos a responsabilidade que nos suscita. Gandhi, no oriente, e Lanza del Vasto, no ocidente, os profetas da nao-violencia, perceberam muito bern a solicitude e a atitude de tratar o homem sempre como urn fim. A solicitude e, assim, a atitude que sup6e o mais debil, o mais enfraquecido, aquele que, por motivos circunstanciais, se encontra num degrau inferior. E, no caso do servi<;:o social, o cliente em rela<;:ao ao assistente social. Supoe uma rela<;:ao de face a face e desigualdade, uma vez que nao nos encontramos no mesmo patamar de fun<;:6 es/ papeis ou estatuto social. Nao eo mesmo pedir ou dar, ainda que o que pede tenha direitos e o que dd os reconhe<;:a. Seria muito born, no desenvolver da nossa capacidade responsabilizativa, que, frente ao outro que se encontra em situa<;:ao de inferioridade, nos lembrassemos das ocasi6es em que, de dadores, passamos a mendigos, para podermos acolher de forma interiorizada, o conceito de solicitude. E facil compreendermos esta ideia se nos lembrarmos das situa<;:6es em que estendemos a mao, por uma esmola, por exemplo, num hospital, em que somos tratados como mais urn doente e gostarfamos de ser tratados como o unico, sabendo que temos direitos. Pagamos impastos, a Constitui<;:ao preve o direito a saude ... Mendigamos igualmente, quando o medico se esqueceu dos seus deveres e, facto curiosa, a fragilidade humana e tao grande que somos capazes de agradecer. .. A responsabilidade pelo outro torna-me participante nas rela<;:6es sociais, nao permitindo que me feche ao dialogo e a possibilidade de manifesta<;:ao das mais variadas opini6es que, infelizmente, por motivos i NTERVENy\0 SOCIAL, 29, 2004
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de aposta relativista, sao reconduzidas para o foro do particular, nao tendo ninguem aver com ninguem, a nao ser obviamente quando o assunto do outro tambem me diz respeito a mim. E, ainda assim, pesando sempre as minhas proprias vantagens ... Atitude tao relativista dificulra a vida democratica e os consensos etico/morais, que por sua vez, dificultam o agir social. Sobre esta questao, Sarsfield Cabral, refere com muita lucidez que: ''A propria tendencia individualista liberal para tudo privatizar conduz nao s6 a deixar ao livre criteria privado de cada urn os problemas marais, como (e este e o ponto fulcra!) convida a evitar falar sabre tais assuntos, sobretudo em publico. Recorde-se que os individualistas liberais consideram irremediavelmente incomensuniveis as concep<;:6es do bern perfilhadas por cada pessoa, logo insuscept!veis de abordagem racional intersubjectiva. ( . .. ) A posi<;:ao aqui advogada e precisamente inversa. Defende-se que a comunica<;:ao intersubjectiva e publica sabre temas eticos substantivos e nao apenas possfvel como indispensavel. E indispensavel a dois titulos: como concretiza<;:ao da autonomia da pessoa e da inerente liberdade democratica ( ... ) e como condi<;:ao de possibilidade da forma<;:ao desses consensos. " (Cabral, 2001 :63) Ap6s termos demonstrado que a no<;:ao de pessoa e essencial e fundante da questao etica e que cada urn e, em primeiro lugar, responsavel por si, sendo que, num quadro de valores hierarquizante, se segue a dimensao etica de sermos-uns-com-os-outros, percebemos que 0 modo como concebemos os outros corresponde ao modo como nos relacionamos com eles e vice-versa. Varios sao os tipos de rela<;:ao com o outro, desde o conflito, a aniquila<;:ao, a nao agressao, a caricia, ao amor, a igualdade, a responsabilidade solidaria ... Nos primeiros dois tipos de rela<;:ao com os outros, podemos colocar a explora<;:ao, o poder desenfreado, tiranico, a domina<;:ao entre indivfduos, entre na<;:6es, as guerras, civilizacionais ou outras. Estas atitudes sao o contrario da responsabilidade solidaria, que so e possfvel, com o terceiro objective da etica, pensada por Ricouer. Referimo-nos a questao da justi<;:a nas institui<;:6es sociais. Por institui<;:ao, Ricoeur entende: "( ... ) toutes les structures du vivre ensemble d'une communaute historique, irreductibles aux relations lNTERVENC::AO SOCIAL, 29, 2004
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interpersonnelles, et portant reliees a elles en un sens remarquable que la notion de distribution - qu' on retrouve dans 1' expression de justice distributive- permet d'eclairer." (Ricouer, 1990:8). As instituic;6es tern a sua guarda a justic;a, que Ricoeur considera, a boa maneira de Ulpiano, como: "constante e perpetua vontade de dar a cada urn o seu direito". A vida boa nao se limita a si mesmo ou as relac;6es inter-pessoais, tambern se alarga a vida institucional. Esta nao sup6e a desigualdade das relac;6es com os outros, mas a igualdade uma vez que se funda na justic;a. Deste modo, a sua responsabilidade e velar para que essa igualdade seja urn direito obtido e nao, urn nao direito. Nao e por mero acaso que Arist6teles considera ser a justic;a a virtude por excelencia, a partir da qual todas as outras sao possiveis, bern como a vida na polis. Referindo-se a Arist6teles, diz Ricoeur: "Son probleme est de former l'idee d'une egalite proportionnelle qui maintienne les inevitables inegalites de la societe dans le cadre de 1' ethique: a chacun en proportion de sa contributions, de son merite, telle est la formule de la justice distributive, definie comme egalite proportionnelle." (Ricouer, 1990:9). Porque somos diferentes, no quadro te6rico da unicidade da pessoa, nao podemos ter em vista a noc;ao de justic;a sem ser na visao de justic;a como igualdade proporcional. Sem este ultimo adjectivo, a justic;a seria urn ideal ut6pico, jamais alcanc;avel. Se considerarmos que a familia deixou de ser o grande suporte de apoio aos individuos, quer na sua fase de infancia, quer enquanto idosos, uma vez que sao as instituic;6es que garantem, de algum modo, a responsabilidade pertencente ao nucleo familiar, percebemos a importancia do trabalho mediador das instituic;6es e a necessidade de serem justas. Se, de urn ponto de vista te6rico, podemos discutir a natureza da justic;a, e considera-la, com Arist6teles, como uma virtude ou, de urn ponto de vista diferente, com Rawls, como urn dever, o que na verdade interessa ao comum dos cidadaos e que a sociedade em que se inserem seja justa. E se hoje tanto se fala nesse tipo de justic;a a que chamamos social, e seguramente porque esta nao esta manifesta! 0 grito de sofrimento humano que ecoa por todo o planeta e, cada vez mais, a denuncia da injustic;a. Os media ajudam nesta revelac;ao, ou desvelac;ao, como Heidegger lNTERVEN(AO SOCIAL,
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designa a descoberta da verdade. Naturalmente, o mundo nao se encontra pior do que no passado- ainda que alguns "velhos do Restelo" nos estejam continuamente a bombardear com este slogan - o que seguramente esd. e mais a descoberto, mais desvelado e tambem, e nossa obrigas:ao dize-lo, mais manipulado. Para realizar o terceiro objectivo da etica proposro por Ricouer e podermos viver num universo em que exista corresponsabilidade total, inclusive em termos planetirios, ja que a morada humana nao se reduz apenas ao si, ao outro e as instituis:6es mas tambem a natureza (a grande mat路ada do homem)' e necessaria urn a etica dial6gica. Habermas e Apel, exemplos desta proposta de Erica, apresentam uma nova versao do imperativo da etica Kanteana, apostando na capacidade da fala, plenamente humana, em que, a partir desta, e possivel urn consenso possibilizador da efectivas:ao dos direitos humanos, ao reconhecer a todos como pessoas com capacidade para encontrar normas validas universais. Sobre a necessidade de uma etica global da responsabilidade, Adela Cortina (2003: 39), num artigo com esta mesma designas:ao, afirma: El compromisso de proteger los derechos pragmdticos y humanos es expresivo de una responsabilidad, que no puede ser individualmente asumida, sino que mds bien exige la creacion de instituciones adecuadas para protegerlos. De ahi que hablemos de un "Principia de Corresponsabilidad" que complementa al principio individual de responsabilidad. Sin embargo esta corresponsabilidad brota de una fuente mds profunda, que es La del "reconocimiento reciproco': entre los interlocutores actuales y virtuales del discurso, como seres autonomos, igualmente legitimados para participar en los discursos. Solo si el reconocimiento reciproco es la categoria bdsica de la vida social, y no el individuo ni La comunidad, tiene sentido hablar de una etica universal da la corresponsabilidad. A etica global so e possivel pela constatas:ao par parte dos seres humanos de que, entre eles, existe uma Ligatio que gera uma ob-ligatio. Para alem da responsabilidade individual, necessitamos de instituis:6es que possam velar pela efectivas:ao da referida categoria etica. 0 caminho proposto por Adela e o reconhecimento redproco. Quanta mais pr6ximos na relas:ao, mais responsaveis nos sentimos. Deste modo, uma mae sente-se seguramente menos responsavel pela vizinha do lado do que pelo l NTERVENC::AO SOCIAL, 29, 2004
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seu filho. Dai a autora falar que a obriga<;:ao (sentimento desencadeante da responsabilidade) nasce da ligatio. A ideia de que o objectivo final da Etica e a responsabilidade, fundamentando-se no modelo de responsabilidade parental e alargando-o a natureza, e tambem proprio de Jonas. Este filosofo judeu do seculo XX (de grande actualidade e proximidade no tempo, se pensarmos que faleceu em 1993) pode, pais, enunciar o novo imperativo etico para os agentes de um mundo de tecnocratas, como o nosso: ''Age de tal modo que os efeitos da tua ac<;:ao sejam compativeis com a permanencia de uma vida humana autentica na terra." (Jonas, 1995: 40) 0 autor lembra-nos ainda que a responsabilidade e alargada a questao ecologica. Como se depreende, e urgente um renovar de alian<;:as, um fundamentar de consensos sabre regras ou prindpios universais marais, se nao desejamos a de1路rota das democracias, se queremos um mundo mais justa, uma natureza em que seja apetedvel viver e um tipo de governo onde todos possam ter direito a auronomia de escolha, tendo como coroLirio o clever da responsabilidade.
3. Breve comenta.rio final
Ao finalizar este exerdcio, sentimos necessidade de um breve comentario, a laia de conclusao sabre 0 mesmo. Primeiramente, para referir que a motiva<;:ao para escrever sabre a tematica desenvolvida prende-se com a urgencia da reflexao filosoficopratica num mundo onde muito se tem dito sabre direitos, esquecendo com frequencia os correlativos deveres/responsabilidades. Em segundo lugar, pela necessidade de repensar o conceito que designamos de fundante da Etica e que e a no<;:ao de pessoa - a pessoa que necessita renovar e descoisificar a sua visao do mundo, renovando o proprio mundo, percebendo-se como agente transformador, transcendente nos varios dom{nios par nos sugeridos. Perante esta necessidade de renova<;:ao ou actualiza<;:ao de vontades, propomos um novo olhar, uma nova sensibilidade a que chamamos de estetica e que consideramos no titulo atribuido ao artigo. A nova aisthesis e a consciencia do imperativo: responsabilidade. lNTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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Uma responsabilidade que se estende ao Globo, a recordar a necessidade de considerarmos o fen6meno da Erica global mas que parte de cada urn. Seria 6ptimo que a interioriza<;:ao da consciencia da responsabilidade nos levasse a dizer com Socrates, mais vale sofrer uma injusti<;:a que comete-la! Por ultimo, queremos salientar que, pela densidade e abertura do tema tratado, o artigo e apenas urn apontar de possibilidades, de caminhos de reflexao, sem pretens6es de outro genera. As tematicas sao inesgod.veis e o escrito limitado por quest6es de ordem formal e temporal.
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Olhares femininos sobre a etica: Carol Gilligan e Nel Noddings 0 artigo pretende apresentar, de form a sucinta, o pensamento das mttoras feministas americanas Carol Gilligan e Nel Noddings, dada a importancia do seu contributo para o desenvolvimento de uma perspectiva sobre o desenvolvimento moral e a Etica que se denomina Etica do Cuidado e cuja influencia no Servi(o Social estd bastante presente, embora pouco identificada.
0 interesse pela perspectiva das mulheres sobre a Etica, adveio da constataqao ja antiga de que homens e mulheres tern olhares diferentes sobre (quase) rudo, o que, em vez de ser urn constrangimento, como habitualmente e considerado, pode constituir uma enorme oportunidade para o desenvolvimento global dos actores sociais e, consequentemente, para a intervenqao do Serviqo Social. Sendo a Etica, urn dos meus campos academicos de aprofundamento, constitui, tambem, urn desafio compreender e tornar visfvel algumas posiq6es de Mulheres sobre esta materia, visto que sao muito pouco referenciadas na propria formaqao espedfi.ca em Filosofi.a e em Erica. 0 desenvolvimento de uma abordagem feminina neste domfnio, tern sido, sobretudo, construfda a partir da segunda metade do sec. XX, sendo geralmente associada as perspectivas feministas sobre 0 desenvolvimento moral e sobre 0 comportamento etico, associando a sua utilizaqao as profiss6es que implicam relaqao directa com urn "Eu" concreto, nomeadamente as tradicionalmente femininas, onde o Serviqo Social se indui. A literatura feminista sobre Etica, designadamente auroras como Carol Gilligan, Nel Noddings, Martha Nussbaum, Josefina Mcdonough, entre outras, tern chamado a atenqao para o facto do "sujeito moral" nao * Licenciada em Servic;o Social (ISSSL) e Filosofia (FLUL), p6s-graduac,:ao em Psicologia da Educac,:ao (ISPA), audirora de Defesa Nacional (IDN), professora de Servic,:o Social e de Filosofia e Deonrologia (ISSS L).
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ser neutro, ou seja, ter genera, o que significa que ha dais tipos de "sujeito" - o masculino e o feminino - embora, historicamente, nas sociedades ocidentais par raz6es culturais e, muitas vezes, tambem religiosas, o "sujeito moral" tenha sido sempre o Homem, como generaliza<;:ao da Humanidade, i.e., assumido como universal, como a unica forma de viver a Erica e a Moralidade. De facto, embora ao longo dos tempos e dos textos, se possam encontrar de forma dispersa, as propostas das mulheres sabre a materia, dissonantes do padrao habitual (veja-se, no sec. XVIII, Mary Wollstonecraft), e no seculo rerminado ha pouco que se desvenda e consolida a legirimidade de uma abordagem feminina a Erica, estruturada como "Erica do Cuidado", a qual constitui,alias, uma area essencial e incontornavel do pensamento etico contempod.neo. Em Portugal, a utiliza<;:ao deste conceito e recente, embora algumas personalidades, como Maria de LUl路des Pintasilgo , Maria Augusta Negreiros, entre outras, tenham integrado o termo nalguns textos e/ou interven<;:6es publicas. E, embora se verifique que urn numero cada vez maior de textos introduz o conceito, muitas vezes, acontece que as "fanres" permanecem na sombra e, consequentemente, a sua origem e clarifica<;:ao, como se a sua denominas:ao fosse do obvia que dispensa maior explicita<;:ao. E, se se constata, par urn lado, a existencia de uma continua produ<;:ao teorica sabre a materia, par outro, tambem se conhecem criticas sabre esta perspectiva, 0 que significa que e urn "assunto vivo", que interraga as pessoas, sejam academicas ou outras, nomeadamente, aquelas que, na sua acs:ao se confrontam, todos os dias, com dilemas concretos, que tern rostos e names tambem conCI路etos. A escolha das auroras Carol Gilligan e Ned Noddings para uma primeira abordagem do tema deve-se ao facto de terem sido, de alguma forma, pioneiras no seu tratamento teorico.
Carol Gilligan- "Uma voz diferente" Carol Gilligan, feminista americana, nascida em 1936 e psic6loga, especialista em Desenvolvimento Moral, professora na Harvard Graduate I NTERVENc;Ao SOCIAL,
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School e noutras instituic;6es, e foi assistente de Kohlberg. 0 seu livro de referencia- In a different voice (1982) - constituiu urn dos momentos de viragem para uma reflexao diferente sobre a Erica. A posic;ao de Gilligan reivindica a existencia de duas formas distintas, mas igualmente validas, de assumir decis6es morais, as quais correspondem tambem as duas diferentes identidades existentes - masculina e feminina - tornando visivel a importincia da singularidade da perspectiva feminina, que e par da masculina, e nao sua subordinada, posic;ao esta que estabeleceu uma diferenc;a face ao pensamento tradicional. A autora assinala que a abordagem masculina, nas sociedades ocidentais, se centra em prindpios gerais basicos e no respeito pelos outros; deste modo, a moralidade imp6e limites, tendo uma "orientac;ao para a justic;a". Por seu !ado, na abordagem feminina, a moralidade centra-se no facto das pessoas terem responsabilidades umas para com as outras, sendo urn imperative cuidar delas, o que constitui, "uma orientac;ao para a responsabilidade (que e) descobrir e avaliar o real e reconhecer a complexidade do mundo" (Gilligan, 1982) A aurora construiu esta sua posic;ao a partir da analise critica que fez da teoria do desenvolvimento moral que o seu mentor, Kohlberg (na sequencia de Piaget), criou, o qual por sua vez, se baseou exclusivamente em entrevistas feitas apenas a homens e rapazes brancos (o que e, no minimo, estranho, dada a multiculturalidade secular da sociedade americana).Assim, Gilligan, au路aves dos resultados desse estudo e dos de outro, por si realizado, sobre a posic;ao das mulheres face ao dilema do aborto, constatou que o "no central" das opc;6es femininas se situava, sobretudo, na avaliac;ao que as mulheres abrangidas pela investigac;ao fizeram sobre o impacto que a decisao que tomassem (independentemente do seu sentido) teria na relac;ao com o(s) outro(s), sendo o aspecto relacional fundamental para essa mesma tomada de decisao. Gilligan assinala tambem, como referencia, as conclus6es de uma outra investigac;ao realizada por Janet Lever sobre a forma como as crianc;as se relacionam com os jogos e as respectivas regras; neste caso, verificou-se que, enquanto os rapazes gostam de jogos com regras complexas e as multiplas discuss6es acerca da sua interpretac;ao parecem ser mais gratificantes do que o proprio jogo, as raparigas, segundo a observac;ao desta I NTERVENC,:AO SoCIAL, 29, 2004
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aurora, preferem jogos mais curtos e menos complexos e, quando os argumentos sao seriamente discordantes negoceiam as regras para que ninguem se sinta mal. Assim, segundo Gilligan a descric;ao de homens e mulheres fazem de si pr6prios/as conduz a resultados diferentes, a saber: â&#x20AC;˘ As respostas das mulheres tern urn ponto comum, que, para a aurora, constitui o fio condutor das suas vidas, ou seja, integram identidade e intimidade, pais descrevem-se atraves das relac;6es que estabelecem, estando geralmente, no centro de uma rede relacional, expressando temor quanta ao isolamento, privilegiando, assim, as 16gicas de integrac;ao. â&#x20AC;˘ As respostas dos homens, permitem verificar que estas se definem habitualmente de urn modo individualista. 0 "EU" masculino afirma-se pela separac;ao, pais os homens fazem uma distinc;ao entre si e os outros, dando primazia ao seu percurso individual. Por isso, geralmente rem urn drculo de "conhecidos" mas nao tern (ou tern poucos) amigos intimas, e temem, sobretudo, as relac;6es de intimidade. Para Gilligan, este padrao mantem-se durante a vida adulta: as mulheres preferem preservar as relac;:6es, mesmo que tenham de alterar as regras do "jogo" afectivo, enquanto os homens, maioritariamente, secundarizam as relac;6es. Esta dicotomia marca todo o percurso dos homens e das mulheres desde a infancia e ao longo da vida, e se, como adultos, os padr6es de relac;ao pessoal SaO dispares, tambem 0 sao OS padr6es da relac;ao etica. Embora considere que ambos os sexos tern capacidade para analisar os assuntos eticos das duas perspectivas, Gilligan refere ainda que tendem a seleccionar uma das abordagens , dependendo esta selecc;ao da forma como se veem a si pr6prios/as. Relembra que, se a auto-imagem, como e sabido, estrutura as formas de olhar o mundo, entao tambem explica as formas como homens e mulheres tomam decis6es marais de formas diferentes; o facto de, nas sociedades ocidentais habitualmente terem sido tomadas como verdadeiras apenas as que os homens expressam, domiI NTERVEN<;:AO SOCIAL,
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nando a teoria moral, e enformando o respectivo padrao de desenvolvimento, tornou possivel que as mulheres tenham sido consideradas menos "maduras", pelo facto das suas prioridades serem outras. Gilligan rejeita os argumentos biologicos sobre o desenvolvimento da moralidade. Segundo a aurora a maior necessidade relacional das mulheres deve-se sobretudo a "identidade feminina'' que, embora diferente da "identidade masculina" e igualmente construida desde a infancia. E, consequentemente, tal necessidade de relacionamento leva a logica da Erica do Cuidado, centrada na realidade das rela<_;:6es interpessoais e que valoriza a responsabilidade, a capacidade de resposta que inclua o afecto, a aten<_;:ao para com o outro, sendo, pois, uma Erica que se apoia numa maior compreensao do mundo humano, e que, se conrrap6e a uma Erica da Jusris:a de que Rawls e paradigma, a qual consubstancia OS ideais de autonomia, independencia e auro-suficiencia. Mas, entao, o que distingue estes dois tipos de Etica? Segundo esta autora, e nao so a quantidade, mas, tambem, a qualidade das rela<_;:6es entre as pessoas. Na sua abordagem, os direitos individuais, a igualdade perante a lei, o "jogo limpo", que consrituem a matriz de uma etica da Justi<_;:a, podem ser defendidos sem a cria<_;:ao de la<_;:os pessoais com os outros, visto que a Justi<_;:a e impessoal. Todavia, a sensibilidade para com os outros, a lealdade, a responsabilidade, o auto-sacrificio, reflecrem envolvimento interpessoal, preocupa<_;:ao, integra<_;:ao, fundamentais para a vida. A regra, por melhor que seja, e vazia, se nao a habira o quotidiano humano. Na perspectiva da "Erica do Cuidado", as pessoas, ao permitirem aos outros sentirem dor, tornam-se, elas proprias, responsaveis por essa dor, constituindo imperativo a romada de arirudes para a prevenir ou aliviar. A partir da consolida<_;:ao do "direito a diferens:a'' Gilligan (re)consrroi os conteudos e os niveis de desenvolvimento moral estabelecidos por Kohlberg, propondo que, para as mulheres, se estruturem da seguinte forma: â&#x20AC;˘ 0 primeiro e o estadio egoista, individual egocentrico, que consiste na perspectiva das crian<_;:as, centradas em si proprias; â&#x20AC;˘ 0 segundo e o da moral convencional, no qual, a medida que crescem (e porque culturalmente esra tern sido a matriz), as rapangas ]NTERVEN<;:AO SOCIAL,
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aprendem a preocuparem-se com as outros (os irmaos mais novas, as avos, os pais), o que as leva a considerarem errado centrarem-se sobretudo nos seus proprios interesses, passando a valorizarem principalmente os interesses dos outros, negligenciando, muitas vezes, os seus; • 0 terceiro e 0 estadio pos-convencional, que corresponde ao processo de aprendizagem das raparigas de que e necessaria 0 equilibria entre os dais tipos de interesses, nao devendo, qualquer deles, ser ignorado, mas tambem que a "chave" fundamental, a liga<_,:ao com os outros e que qualquer relac;:ao envolve, pelo menos, duas pessoas e que, se qualquer uma delas nao esta bern nesse processo, e a propria relac;:ao que fica comprometida, o que podera originar urn dilema etico-moral (parece tao evidente, tao simples e, no entanto, e tao complexo!). Esta perspectiva, a semelhan<_,:a da de Kohlberg, contem uma logica de progresso, de desenvolvimento, sendo cada etapa mais complexa, mais "madura" do que a anterior. De facto, embora Gilligan nao estabelec;:a qualquer relac;:ao entre estes estadios e a idade, (o que Piaget e Kohlberg fazem) considerando uma maior fluidez neste processo de maturac;:ao que, ao progredir, permite a descentrac;:ao da logica de sobrevivencia individual e a transi<_,:ao, arraves de logica do auto sacriflcio como bondade, para a compreensao do que cada pessoa e, com identicos direitos e deveres relarivamente ao outro, o que constitui o cerne do Cuidado, originando o principia da nao-violencia, ou seja, o imperativo de nao magoar os outros e o proprio Eu. A alterac;:ao de estadio produz-se mais atraves das mudanc;:as no sentido do Eu do que das mudan<_,:as na capacidade cognitiva. Para Gilligan, as diferenc;:as do sentido etico entre mulheres e homens correspondem aos aspectos relevantes que umas e outros valorizam e que sao (cf Gilligan, 1984):
A voz dos homens • Teoria • Justi<_,:a/ gratifica<_,:ao • Autonomia individual
A voz das mulheres • Modelo • Racional • Emocional
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• Independencia • Regras estritas • Direitos individuais • Conflitos de direitos • Certo/Errado • Aqui e agora • Rapidez • Menos centrado no cuidado • Hierarquia/ comando • Receio de intimidade
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• Impacto nas relac,:oes • Eu-em-relac,:ao • Compaixao • Responsabilidade • Preocupac,:ao e cuidado • Abstracc,:ao • Contextualizac,:ao • Focalizac,:ao no futuro • Criac,:ao de expectativas • varias "tonalidades" • Interdependencia • Redes laterais relacionais • Orientac,:ao para as pessoas • Evitac,:ao da dar • Receio da falta de intimidade
Assinala ainda que as diferenc,:as identificadas tornam as equipas mistas (mulheres/homens) capazes de excelencia profissional, vista que, habitualmente OS comportamentos sao comp]ementares, (orientac,:ao para a tarefa e orientac,:ao para a relac,:ao) o que permite uma visao muito mais abrangente dos problemas e das soluc,:oes, o que deveria constituir uma orientac,:ao para a gestao dos Recursos Humanos. Em sintese, a relac,:ao entre a justic,:a e o cuidado sao, pode-se dizer, as duas faces do "juizo moral" que nao e assexuado, mas antes, tern duas identidades equivalentes e legitimas. Assim, Gilligan mostrou como as vozes das mulheres, desde que entendidas por direito proprio na sua propria integridade, chamam, sempre chamaram, alias, a atenc,:ao para factores da experiencia humana que foram (e sao ainda) silenciados e desqualificados. A "voz diferente" e, pais, a voz relacional.
Nel Nodding - 0 Cuidado Nel Noddings, filosofa da Educac,:ao e professora de Etica Feminista, em Stanford University e Columbia University (EUA), com o seu livro lNTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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Caring: a feminine approach to Ethics and Moral Education (1984) outra das "biblias" desta abordagem ja enunciada por Gilligan, refon;:ou a perspectiva de uma Erica do Cuidado. A partir da relas:ao mae/filhos e professora/alunos, Noddings identifica a Erica do Cuidado como uma orienta<;:ao moral superior a das teorias de Justi<;:a baseadas em prindpios e regras, pais considera que esta Erica esta suportada na "atitude que expressa as nossas memorias mais precoces sabre o facto de termos sido acarinhados e da nossa acumulas:ao de memorias, que respeitam, simultaneamente, ao acto de termos sido cuidados (acarinhados) pelos outros e vice-versa'' (Noddings, 1984: 5). Para a aurora, em prindpio, todas as pessoas experienciaram, mesmo que fugazmente, a situas:ao de terem sido cuidadas, e tambem de terem cuidado de outras, e, por isso, reconhecem como boa esta abordagem; alias, considera que rejeitar o Cuidado como prindpio e rejeitar uma das condi<;:6es basicas do desenvolvimento humano e da sociabilidade. 0 Cuidado e, para Noddings, superior, porque envolve uma atens:ao espedfica as necessidades particulares do Outro, que e uma pessoa concreta, criando-se, assim, uma relas:ao imediata de identificas:ao, a que a autora denomina de engrossment. Tal significa uma rela<;:ao global, intensa, que ocupa todo o tempo, toda a aten<;:ao, todo o interesse. Assim, de alguma forma, todos foram e sao "cuidadores de" e "cuida)) dOS par . Como as suas proprias palavras estabelecem "cuidar envolve distancia do quadro de referencia proprio, para ter aten<;:ao ao do outro. Quando nos cuidamos, consideramos o ponto de vista do outro, as suas necessidades objectivas, e as suas expectativas face a nos. A nossa atens:ao, o nosso envolvimento mortal, esta focalizado no outro, nao em nos proprios. As nossas raz6es para agir rem a ver, simulraneamente, com os desejos do outro e os elementos objectivos da sua situas:ao problematica'' (Noddings, 1984:24). 0 Cui dado toma como element a estruturante da acs:ao moral as necessidades concretas, priorizando-as sabre a abstrac<;:ao que os prindpios e os programas constiruem. Para Noddings, entao, o que as teorias marais conhecidas perdem, (porque desqualificam) e a relas:ao com as pessoas concretas, olhando-as ate, muitas vezes, como estranhas, estrangeiras, ameapdoras da logica de [NTERVEN<;:AO S OCIAL,
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generaliza<;ao que o Ju!zo Moral habitualmente produz, visto que, grande parte das vezes, nao se "encaixam" no padrao definido. Noddings, refere tambem que o Cuidado, em si mesmo, nao s6 requer contacto pessoal como varia conforme os indiv!duos e as situa<;6es, pelo que 0 que e born para uma determinada pessoa numa determinada situa<;ao, pode nao ser born para outra pessoa nourra sirua<;ao. Como assinala: "Visto que tanto depende da experiencia subjectiva das pessoas envolvidas nos encontros eticos, as condi<;6es raramente sao "suficientemente similares" para que eu declare que tu cleves fazer o que eu devo fazer". (Noddings, 1984) 0 objectivo da Erica do Cuidado, "(-) consiste em procurar discernir o tipo de quest6es sobre as quais devo pensar" (Noddings, 1984:13-14) quando cuido dos outros. E, embora Noddings argumente que o Cuidado representa uma moralidade universal, assinala tambem que apenas ocorre nas rela<;6es pr6ximas, sendo, por isso, muito variavel e sujeito aos ju!zos do "dador do cui dado". 0 Cuidado desenvolve-se em drculos de pessoas (amigos ou 1ntimos) que estao ligadas entre si. Estes drculos, para Noddings ( 1984:46-48) podem rransformar-se em cadeias de afectos, quando os membros de urn drculo se relacionam com elementos de outro, ou mesmo com estranhos, quando reconhecem que essa e a aritude moral cotTecra, criando-se, assim uma "rela<;ao Erica do Cuidado" Mas, embora esra 16gica se possa desenvolver em drculos infinitos, Noddings rejeita a perspecriva de "urn cuidado universal", i.e, de todos para todos visto que considera "imposs!vel de actualizar" podendo "perverter" o sentido da Erica do Cuidado, romando-a abstracta e formal. Uma pessoa (urn cuidador) s6 pode cuidar de urn numero limitado de outros que necessitam de ser cuidados, pois cada urn deles deve ser tratado de forma espedfica, adequada a sua sirua<;ao, sem generaliza<;6es ou prindpios formais: Consequenremenre, Noddings considera rambem que o compromisso com o Cuidado, cria "o clever de promover o cepricismo e uma aplica<;ao nao insritucional, visto que, no sentido profunda, nenhuma instirui<;ao ou na<;ao pode ser erica ( .... ) s6 pode apreender, em termos gerais, o que os indiv!duos gostariam de ter feito em situa<;6es concretas" (Noddings, 1984:1 03). Neste senrido, prop6e mesmo o afasramento do mundo lNTERVEN~AO SOCIAL, 29, 2004
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agreste da lei e da politica para aqueles e aquelas que tern uma perspectiva de Cuidado. Em suma, para Noddings, o Cuidado sendo elemento estrururante de Etica, op6e-se ao ponto de vista masculino, que se afirma imparcial. Esta "imparcialidade" para Noddings e desadequada, porque exige a distancia relativamente a totalidade das situas;6es concretas, retirando-lhes os aspectos que se possam considerar moralmente relevantes e generalizaveis, o que fragmenta e desqualifica todo o tipo de raz6es morais proprias que as mulheres habitualmente expressam e que advem de urn conhecimento detalhado, mas global (holistico) que costumam ter das realidade. Nesta perspectiva, a interdependencia relacional que se estabelece entre "quem cuida'' e "quem e cuidado" obriga a uma "imersao total," a urn "compromisso total com as necessidades, interesses e preocupas;6es da pessoa que precisa do cuidado. Nao se trata apenas das atitudes que ambos revelam, - de cada urn para com o outro - que sendo importantes, nao bastam, pois e fundamental que o Cuidado se objective em Acs;ao, em mudans;a, tendo que ser reconhecido, para se legitimar. Obviamente que as posis;6es de Gilligan e de Nel Nodding, sao, como todas afinal, controversas e as criticas sao tambem muitas, nao so dos que consideram que esta perspectiva esta datada, porque tern havido grandes alteras;6es, pelo menos formais, no binomio homem-mulher, sendo que as altera<;:6es de paradigma sao quase insustentaveis, mas tambem de muitas feministas, que consideram, pelo comrcirio, que esta abordagem continua a inferiorizar as mulheres face aos homens, visto que ass ume a existencia de diferens;as entre os generos, tomando como bons os aspectos das mulheres que tern sido, desde sempre, apontados como negativos. As principais criticas referem, por urn lado, quanto a Gilligan, que esta se refere afinal apenas a diferentes formas de desenvolvimento da moralidade e ao facto das teorias morais conhecidas nao incluirem o elemento essencial que e o "olhar feminino"; por outro lado, assinalam que a perspectiva de Noddings e restrita, embora possa ser util para profiss6es em que a nos;ao de dependencia e muitas vezes apropriada, considerando, todavia, ser fundamental o desenvolvimento de uma generalizas;ao e da existencia de imparcialidade.(cf Chetwynd, 2002:4), que permita passar da esfera privada para a esfera publica, porque so assim se podera adquirir uma verdadeira legitimas;ao conceptual. lNTERVEN<;:i\0 SOCIAL,
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Embora se verifique que possa haver varias maneiras de definir o Cuidado, existe urn "nucleo duro" identico em todas essas defini<;6es e que e a enfase na relayao concreta entre as pessoas, partindo das necessidades reais de indiv1duos espedficos, em circunstancias tambem espedficas e num tempo proprio (cf.Dancy 1992), e, neste sentido, as teorias morais tradicionais que enfatizam os prindpios gerais e as regras de ac<;ao , distanciam-se da compreensao das atitudes morais conct路etas e das qualidades pessoais. Assim opor a "Erica de Justi<;a" a "Erica do Cuidado" nao parece, actualmente, razoavel. 0 facto de Gilligan e Noddings terem apontado essas diferen<;as, tern tido o merito de tornar cred!vel conceitos e comportamentos considerados menores porque conectados com as mulheres, demonstrando quao fundamentais sao para a compreensao do ju!zo morale, portanto, da propria humanidade. Refira-se que e a propria Gilligan que assinala que no esradio posconvencional da moralidade, como a apresenta, a "voz da justi<;a" e a "voz do cuidado" podem misturar-se num "unico som humano". Esta e, alias, a perspectiva que o Servi<;o Social tern defendido, no sentido da concretiza<;ao de uma justi<;a que cuida, que efectivamente se preocupa visto que a realiza<;ao completa do potencial humano depende da uriliza<;ao de ambas as abordagens. Tal, provavelmente, nao mais e do que a (re)actualiza<;ao do velho imperativo categorico Kantiano, que obriga a agir "de tal forma que trata a humanidade, tanto na sua pessoa como na de qualquer outro, sempre e simultaneamente, como urn fim em si mesmo e nunca simplesmente como urn meio" ...
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FERREIRA, Maria Luisa Ribeiro (Org) (2001), Tambem hd Mulheres Fi!Osofos, Lisboa, Editorial Caminho GILLIGAN, Carol (1982), In a different voice: Psycological theory and women's development, Cambridge, MA: Harvard University Press KANT, Immanuel (2002), Fundamentariio da Metafisica dos Costumes, Lisboa, Edi<;:6es 70 NYE, Andrea (1988), Teoria Feminista e as Filosofias do Homem, Rio de Janeiro, Editora Rosa dos Tempos NODDINGS, Nel (1984), Caring, a feminist approach to ethics and moral education, Berkeley: University of California Press RACHELS, James (2004), Elementos de Filosofia Moral, Lisboa, Editora Gradiva
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A condic;ao etica das instituic;6es sociais Na drea social, em particulm; consideramos que a tftica e uma dimensao angular na analise das possibilidades de protecr;ao social pela sociedade civil. As amplas responsabilidades assumidas pelo terceiro sector em Portugal, fozem que seja necessdrio promover o debate sobre a competencia da Sociedade Civil, organizada numa diversidade de formas, para assumir um papel complementar do Estado.
Introdu~ao
Com este artigo pretende-se partilhar uma reflexao critica sabre a importancia da etica nas instituic;:6es sociais. A hip6tese base e que a relac;:ao em causa pode ser descrita pelo padrao de voo em V do banda de gansos. A ideia subjacente e que a forc;:a dos outros e a nossa propria forc;:a e que e na relac;:ao como outro que se constr6i o percurso. 0 termo "instituic;:6es sociais" e utilizado como sin6nimo de Instituic;:6es Particulares de Solidariedade Social (IPSS), por uma questao de simplificar a designac;:ao do D ecreta-Lei n. 0 119/83 e refere-se apenas as associac;:6es de solidariedade social, independentemente do tipo de apoio prestado. 0 recurso a legislac;:ao jusrifica-se, por esta enquadrar as IPSS em termos de direitos dos cidadaos as quais, estando devidamente previsras, deixam de ser uma forma de organizac;:ao/ regulac;:ao social ad-hoc. 0 quadro legal nao pode ser entendido como urn constrangimento limitador da acc;:ao, mas como uma oportunidade dos cidadaos participarem activamente no processo de desenvolvimento social. A solidariedade social permite colmatar vazios deixados pelo Estado, desenvolver iniciativas inovadoras e beneficia da capacidade criativa de cidadaos comprometidos com a mudanc;:a. * Assistente Social. Docente do Insti tuto Superior de Servic;:o Social de Beja
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No texto utiliza-se o termo beneficiario tal como no proprio Decreta-Lei, mas esta op<_;:ao (em detrimento dos conceitos: popula<_;:ao-alvo, destinarario, utente ou diente) tern urn fundamento ideologico e etico. 0 beneficiario e concebido como sujeito-cidadao-de-direitos-deveres, que usufrui efectivamente de urn servi<_;:o, pensado a partir das suas necessidades e de que e parte. 0 beneficia do cidadao representa urn valor acrescentado para a comunidade. 0 interesse em se trabalhar sabre a dimensao etica nas institui<_;:6es sociais, emerge do confronto quotidiano com desafios desta natureza. Este trabalho constituiu uma oportunidade por excelencia para estruturar o pensamento e abordar criticamente uma realidade complexa que esta com frequencia votada ao sabor da sensibilidade e nem sempre do born senso. 0 trabalho encontra-se dividido em 5 sec<_;:6es. Na primeira sec<_;:ao apresenta-se uma slntese teorica das ideias subjacentes a reflexao e analise realizada. Os autores seleccionados sao referencias magistrais do pensamento, pelo que, se espera nao estar a desvirtuar de algum modo quest6es que sao de uma enorme profundidade. A preocupa<_;:ao subjacente e dar urn contributo modesto mas rigoroso para a problematiza<_;:ao da tematica em estudo. Em seguida parte-se da constru<_;:ao de uma visao geral da etica para a sua operacionaliza<_;:ao. A segunda sec<_;:ao explana algumas das dinamicas proprias das institui<_;:6es sociais para melhor se compreender o significado da etica nestes contextos. Alem disso, nela sao tambem precisadas as no<_;:6es de moral, etica e deontologia, conceitos que se interceptam e jogam em torno do mesmo eixo. A tentativa da sua operacionaliza<_;:ao ajuda a ler a identidade destas institui<_;:6es e as nuances da sua postura na comunidade. A terceira sec<_;:ao centra-se sobre a pertinencia de cada institui<_;:ao social definir com dareza a sua missao, objectivos e valores, condi<_;:ao do seu crescimento. Estas dimens6es funcionam como catalizadores dos membros da equipa e da comunidade em geral. Cada urn tern de encontrar o seu espa<;:o de participa<_;:ao e dar o seu contribuir para a equipa e para a comunidade. Na quarta sec<_;:ao aborda-se a questao das rela<_;:6es interpessoais no seio das institui<_;:6es sociais, por referencia a uma etica colectiva - o padrao etico da institui<_;:ao. Em destaque estao os volunrarios, no papel INTERVEN<;:Ao SOCIAL,
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de argumentistas de uma obra que nunca esra conclu1da, e de actores. Nesta pe<;:a todas as pessoas tern urn papel e responsabilidades no seu sucesso. E condi<;:ao de partida desejar ser urn dos actores. A ultima sec<;:ao do trabalho analisa a razao de existencia destas institui<;:6es. E por existirem pessoas com necessidades que nao estao satisfeitas que a comunidade se organiza para criar servi<;:os. 0 valor da solidariedade fala mais alto do que o do individualismo. Em causa esta a forma que determinados cidadaos organizaram para se relacionarem com outros cidadaos- a etica da rela<;:ao mediada pela institui<;:ao. Talvez seja a et ica, como d izem alguns, uma causa perdida. Indiscutivelmente o e, se entendermos por etica a rea liza~ao de uma utopia. Seja como for, a responsabilidade etica nao e mais do que a capacidade de responder aos valores que queremos preservar e manter (Camps 1994: 86) .
1. Pressupostos teoricos Enquadrar para ser melhor
E inegavel
que a interven<;:ao social deve estar comprometida com valores eticos: valores essencialmente humanos. Entenda-se o humanismo como a caracterfstica fundamental da pessoa, como ser moralmente responsavel. A socializa<;:ao clama por urn mundo mais civilizado, comprometido com as suas funda<;:6es marais e igualmente crftico das estruturas e atitudes sociais. A cultura humana universal dificilmente subsiste a margem da dimensao etica. Embora a historia dite que o valor humanidade nao e universalmente respeitado em todos OS tempos e lugares. A etica sup6e uma rela<;:ao de proximidade com o outro, implica rostos com desejo de dialogar. A esta rela<;:ao pre-existe uma moral nao circunstancial que transcende o suj eito imediato. As convic<;:6es e op<;:6es do indiv1duo e a liberdade na rela<;:ao eu-tu deverao acontecer num tempo e num espa<;:o de referencial etico. 0 que esra em causa e a constru<;:ao de valores comuns na rela<;:ao - nos, como plataforma para a participa<;:ao e para o dialogo, condi<;:6es a organiza<;:ao ! NTERVEN <;:AO SOCIAL,
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de uma cidadania activa. No entanto, o Homem, em consciencia, pode agir de acordo com a sua estrategia pessoal. A reflexao proposta baseia-se em Kant, John Rawls e Victoria Camps. E quase impossivel pensar a morale a etica ignorando Kant, mas o desenvolvimento de Ralws com a teoria da Justi~a e fundamental para se compreenderem as grandes quest6es da actual sociedade democratica e fornece as bases para construir uma visao critica dos desafios do Estado de bern estar social. Victoria Camps permite ter uma perspectiva mais humanista e solidaria da sociedade. Kant apresenta o sentido primeiro da etica: a ac~ao por dever. 0 Homem nao age para obter satisfa~ao ou por utilidade mas por respeito a lei universal. Por exemplo, uma institui~ao social presta urn servi~o de acordo com o valor que cada beneficiario tern condi~6es de pagar, padendo inclusive ser gratuito. A sua ac~ao e simplesmente conforme ao dever se apenas tiver este procedimento numa perspectiva concorrencial e partanto, para acompanhar mais pessoas do que outras institui~6es da comunidade, obtendo vantagens da comparticipa~ao financeira do Estado. Ao actuar por considerar ser esse o seu dever e nao como urn meio para atingir urn fim, esta a agir por dever. A ac~ao nao acontece para atingir urn objectivo mas pela "maxima'' que integra. As normas que determinam a conduta humana sao para o filosofo "maximas" que pelo seu valor o sujeito quer que se convertam em leis universais. Este imperativo categorico complementa-se com urn outro que dita "age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca apen as como urn meio" (Navarro et Martinez 1983: 177). Cada Homem e urn fim em si proprio, o que se aplica tanto ao outro como ao sujeito. A ac~ao tern de ser a supera~ao de si proprio, e dos seus interesses para ser uma experiencia que fundamenta a sua existencia. A lei moral interior determinara urn sentido de vida. A atitude sed decisiva para se definir se uma coisa e moralmente correcta, nao sao as consequencias que sao decisivas. A liberdade reside precisamente em se actuar de acordo com a razao, em vez de se ficar aprisionado no egoismo, abrindo espa~o a uma etica de boa vontade. 0 Homem tern capacidade de discernimento entre o bern e o mal, tern autonomia para decidir sobre as leis que regem a sua INTERVEN<;'AO SOCIAL, 29, 2004
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vida. 0 salto para a utopia da maturidade humana reside na seguinte convicc;:ao: "todos OS homens sabem 0 que e justo e 0 que nao e, e nos sabemo-!o nao apenas porque 0 aprendemos mas tambem porque e inerente a nossa razao. Kant achava que todos os homens tinham uma raziio prdtica que nos diz sempre o que e justa e injusto no dominio da moral" (Gaarder 1995: 295).
0 contributo de John Rawls advem de ter exposto magistralmente as bases da de uma teoria da justic;:a que sirva de criteria para a distribuic;:ao dos bens no Estado de bern estar. 0 desenvolvimento da tese de Rawls advem da teoria do contrato social, desenvolvida por Locke, Rousseau e Kant. Em Rawls, a ideia condutora e que os prindpios da justic;:a estao na base do acordo original. 0 conteudo do acordo nao decorre da adesao a uma sociedade ou a uma forma de governo, mas na aceitac;:ao de certos prindpios morais (Rawls 1993). 0 filosofo estabelece com primeiro prindpio da justic;:a, a liberdade igual para todos, o que so se realiza se existir igualdade de oportunidades. Por sua vez, a concretizac;:ao deste objectivo permitira ao Estado proteger e assegurar a liberdade igual para todos, o que exige que todos possam ter oportunidade para aceder a posto de responsabilidade ou de tomada de decisao. A igualdade de oportunidades clama por uma repartic;:ao desigual dos bens basicos por forma a favorecer os mais desfavorecidos, nomeadamente na educac;:ao, no acesso ao emprego, e na protecc;:ao expressa de quem esteja numa situac;:ao de vulnerabilidade em geral. Numa sociedade ordenada, as instituic;:oes do Estado tern a func;:ao de procurar uma maior justic;:a atraves da redistribuic;:ao dos servic;:os, a qual radica no prindpio da diferenc;:a: e necessaria repartir desigualmente para dar mais aos que menos tern. Ralws introduz o prindpio da equitatividade. A justic;:a, para alem de se traduzir em pollticas concretas no sentido de se construirem sociedades mais justas, tern de ser interiorizada pelos individuos como valor, para que se tornem eles proprios solidarios. A solidariedade complementa a justic;:a e e urn apoio para a sua realizac;:ao, INTERVEN<;:AO SOCI AL,
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na medida em que permite denunciar as injustis;as e colmatar as suas insuficiencias. Tal como refere o filosofo, "temos de nos voltar para os outros a fim de atingirmos a excelencia que nao conseguimos realizar ou de que estamos destitufdos. A actividade colectiva da sociedade, as multiplas associa't6es e a vida publica mais ampla que as governa, apoia os nossos esfor'ros e provoca a nossa contribui'rao. No entanto, o bem que e atingido pela cultura comum excede em muiro o nosso trabalho, no sentido em que deixamos de ser meros fragmentos: a parte de n6s pr6prios que realizamos directamente associa-se a um sistema mais justa e mais vasto, cujos objectivos defendemos. " (Rawls 1993: 401).
Esta reflexao simplifica em muito o pensamenro de ambos os filosofos mas constitui uma base para se reflectir as instituis;6es sociais e para que se jusrifique a sua existencia. Victoria Camps permite compreender melhor a nos;ao de corresponsabilidade do sujeito. Educar para a liberdade, pressup6e formar pessoas responsaveis que nao necessitam da norma escrita para actuarem, que aprendem a pensar por si e a saber explicar as raz6es da sua actuas;ao. Para quem a consciencia moral se adquire au路aves da autonomia. Esta capacidade torna-nos responsaveis das acs;6es e das omiss6es na relas;ao com o outro. A responsabilidade individual tern uma dimensao privada, em que o sujeito tern de responder perante si proprio, e uma dimensao publica que o compromete com os diferenres papeis que assume. Quanto mais publico for 0 papel mais assumida e a responsabilidade, nao e sendo por isso menos necessaria. Numa democracia ser cidadao significa tomar consciencia da forma como se vive em sociedade, dos problemas colectivos e aborda-los com sensibilidade e respeito. Nesse contexto, esd-se peranre a dimensao da corresponsabilidade social, em que nao e apenas o Estado que tern a missao de dar resposta aos problemas e conflitos sociais, mas tambem compete ao cidadao responsabilizar-se por participar na sua resolus;ao. No quadro de uma etica de direitos, que exigimos respeitados, alguem tern de promover os deveres correspondentes, que tambem sao de todos. Segundo Victoria Camps, "os valores da liberdade, da igualdade, da I NTERYEN<;:AO S OCIAL,
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vida e da paz obrigam-nos a ser mais justos, mais solidarios, mais tolerantes e mais responsaveis. A todos e a cada urn" (Camps, 1994: 23). Para os gregos, a etica nao se resumia a urn conjunto de deveres ou a urn codigo de prindpios, mas sobretudo a aquisi<_;:ao de habitos e atitudes que determinavam uma dada maneira de conceber a vida e de a viver, e a forma<_;:ao de urn caracter (Camps, 1994).
2. Porque falar de etica em instituis:oes sociais? As pessoas implicadas em instituis;oes sociais pretendem que a missao e os objectives prosseguidos correspondam as necessidades do meio. As institui<_;:6es, enquanto associas;6es da sociedade civil, tern de ter presente que antes de mais sao expressao da comunidade em que estao inseridas e que esta rem expectativas quanta a boa resolus;ao dos seus problemas. Nessa trama relacional as institui<_;:6es rem necessariamente de ter o foco direccionado para os destinararios da sua inrerven<_;:ao. Os desafios sao diversos quando os organismos tern de chamar a si a resposta a pessoas em situa<_;:ao de vulnerabilidade social pelos mais diversos motivos e tern de defender OS intereSSe$ e direitos de grupos que nao tern capacidade de representas;ao ou tern dificuldade em se fazerem ouvir. 0 compromisso com o meio e com os destinatarios exige que na gestao dos organisrnos e nos servis;os oferecidos a rnissao e os objectives estejam claros e sejarn interiorizados par todos OS colaboradores. Neste ambito a questao da qualidade das relas;6es humanas no seio das instituis;6es deve ser obj ecto de uma aten<_;:ao particular. E irnportante desenvolver urna atitude de escuta versus autoritarismo e tambern de respeito pelo outro, o que exige simultanearnente disponibilidade, maturidade, e urn sentido pouco comum de responsabilidade. Daqui resulta a necessidade de prornover igualrnente a iniciativa, a autonornia e a polivalencia, no exerdcio das fun<_;:6es e na execus;ao das tarefas. Outro aspecto a ponderar e a responsabilidade das organiza<_;:6es nao governamentais no contexto da crise do Estado providencia que se perspectiva que evolua no sentido de rnenos Estado. A garantia da satisfa<_;:ao de direitos sociais e sobretudo o seu caracter universal, esta a ficar cada l NTERVENt;:Ao SOCIAL,
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vez mais comprometida. A relas;ao Estado-Sociedade Civil encontra-se confrontada com o estabelecimento de novas formas de partenariado. Esta tematica justificaria s6 por si urn trabalho, nao sendo aqui objecto de uma reflexao espedfica. A pertinencia de se abordar a etica como referencia matricial das instituis;6es a intervir na area social parece justificada: directores, tecnicos, voluntarios e todos os colaboradores confrontam-se com quest6es desta ordem que os interpelam individual e colectivamente.
2.1. Dilemas das instituic;oes sociais A par das quest6es de ordem etica com que se confrontam as instituis;6es, existem dificuldades de outra ordem que condicionam a sua dinamica de forma mais ou menos expllcita: 1) Uma das dificuldades relaciona-se com a resposta aos desafios suscitados pela gradual complexidade dos problematicas sociais e com a escassez de recursos humanos, materiais e financeiros para os enfrentar. Como conciliar as exigencias inerentes a qualidade dos servis;os, a diversidade de necessidades sociais e a escassez dos recursos? Em certas situas;6es os valores defendidos pela organizas;ao podem ficar seriamente comprometidos. 2) Nesse ambito importa destacar que embora nas instituis;6es estatais e com fins lucrativos os responsaveis saibam que os salarios ou as promos;6es nao sao a unica forma de motivar OS colaboradores, e que sao necessarias outros tipos de intervens;6es para atingir aquele objectivo, nas instituis;6es sem fins lucrativos esta necessidade ainda e maior. Regra geral, nao existem recursos financeiros para se estruturarem as carreiras e os salarios sao por vezes substancialmente inferiores aos dos profissionais que desempenham as mesmas funs;6es em instituis;6es estatais. 3) Uma outra questao refere-se com a conjugas;ao entre os valores promovidos pela organizas;ao com os dos colaboradores no cumprimento da missao e dos objectivos da organizas;ao. Como e que e possivel assegurar que as pessoas beneficiarias dos servis;os sejam respeitadas em conformidade como que se preconiza? 4) A quarta questao prende-se com o respeito pela confidencialidade que abrange todos os colaboradores da organizas;ao. Que atitudes e comlNTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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portamentos importa desenvolver para garantir que toda a intervenc,:ao respeita este prindpio base? A confidencialidade nao e aqui entendida como uma barreira a comunicac,:ao, que interfere inclusive com o trabalho em equipa e interinstitucional. A informac,:ao deve circular na medida em que for util para a boa resoluc,:ao das situac,:6es e como condic,:ao da eficacia das respostas. Mas devera prevalecer o primado do respeito pelo direito das pessoas a vida privada. Os quatro dilemas identificados sao partilhados pela maioria das organizac,:6es, publicas ou privadas e de qualquer sector. Na area social e nas organizac,:6es sem fins lucrativos constituem uma questao relevante, por se considerar que estio muito comprometidas com o meio, proximas das pessoas que pretendem ajudar e que entre os seus c9laboradores contam com a participac,:ao de voluntirios, pessoas imbuidas dum forte desejo de ajudar mas nem sempre com preparac,:ao suficiente para os desafios a que se lanc,:am. E evidente que nem todas os organismos tern o mesmo tipo de motivac,:6es na intervenc,:ao, mas considera-se que esses requisitos fazem parte de uma sociedade civil que se mobiliza e se organiza porque esti empenhada com a resoluc,:ao dos problemas que atingem a comunidade e para OS quais nao existe resposta suficiente por parte do Estado.
2.2. Conceitos a explorar: como o faro! estd para o navio Antes de se avanc,:ar importa esclarecer alguns pontos essenciais a persecuc,:ao da analise da tematica. Desde logo ha que distinguir moral e etica, precisar OS motivos desta distinc,:ao, e definir deontologia. Na linguagem quoridiana as palavras moral e etica surgem geralmente como sinonimo, utilizando-se uma e ourra para designar a mesma realidade. No entanto, pode-se acrescentar que a moral e atribuido urn sentido mais positivo e a etica urn conteudo mais neutro, com uma dimensao ideologica. A moral tambem surge associada a urn determinado tipo de educac,:ao e de controle social, de cariz tradicional e conservador. Por seu lado, a etica apela a responsabilidade e a consciencia das pessoas. A distinc,:ao entre moral e etica e necessaria afim de se compreender urn pouco melhor o que esta em jogo na articulac,:ao da acc,:ao com prindINTERYEN<;:AO SOC!AL. 29. 2004
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pios, regras, valores e finalidades que lhe sao impostas ou propostas. Esta distin<;:ao revela o tipo de afirma<;:ao das institui<;:6es, oscilando entre uma atitude de regula<;:ao, em que a interven<;:ao se desenvolve centrada na institui<;:ao, e uma atitude de articula<;:ao, em que o centro da interven<;:ao sao as pessoas beneficiarias do servi<;:o e se preconiza a mudan<;:a. Entende-se que a moral e da ordem do clever, ajuda a responder a questao: "Que e que eu devo fazer?" e pode definir-se como urn conjunto de regras que guiam os seres humanos na sua apreensao do bern e do mal e que regulam as suas condutas individuais e colectivas (fortin, 1995). Em qualquer moral temos tres aspectos a considerar: 1) a afirma<;:ao de fins particulateS e Uffi fim ultimo que todos OS Seres devem procurar e a promo<;:ao de meios para os alcan<;:ar; 2) urn conjunto de valores, o mesmo sera dizer criterios para julgar as ac<;:6es e as pessoas que as realizam, 3) urn conj~nto_ e prescri<;:o~formuladas em vista a atender urn fim concreto que se tmpoe. ,_ Por sua vez, a etica ajuda a responder a questao "Como viver?", podese definir como a reflexao, a analise e a critica, sobre as regras e os fins que guiam a ac<;:ao humana, ou seja, os juizos de aprecia<;:ao sobre os actos qualificados de bons ou de maus. A etica pode entender-se como a procura da arte de viver que apela a criatividade e a responsabilidade para alem das exigencias da moral (Fortin, 1995). "Ao conrrario de outros seres, vivos ou inanimados, nos seres humanos, podemos inventar e escolher em parte a nossa forma de vida. Podemos optar pelo que nos parece bom, quer dizer, conveniente para nos, frente ao que nos parece m au e inconveniente. E, como podemos inventar e escolher, podemos enganar-nos, que e uma coisa que nao cosruma acontecer a castores, abelhas e termitas ... se preferires e aquila a que se chama etica" . (Savater 1993: 26)
Assim, pode-se dizer que tanto a moral como a etica sao necessarias na condu<;:ao da vida. A primeira e "eticamente justificada e a segunda moralmente legitimada" (Fortin, 1995: 28) . Isto significa que a moral indica o que se deve fazer, quais sao as regras a seguir para atingir urn fim particular. A etica como processo reflexive incentiva a procurar qual e o melhor fim a prosseguir e apreciar a pertinencia das regras que se imp6em no sentido de atender a esse fim. I NTERYEN Q\0 SOCIAL,
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Savater (1993), em toda a sua simplicidade, define a moral como o conjunto de normas e condutas aceites como validas, enquanto a etica e a reflexao sobre porque e que as consideramos validas. Finalmente a deontologia pode definir-se como a parte da moral que toea mais particularmente as condutas profissionais; sera 0 conjunto de deveres e de responsabilidades marais que incumbem aos profissionais no exerdcio da sua profissao (Fortin, 1995). Segundo Wilding, os codigos deontologicos sao ferramentas politicas construidas para servir como evidencia publica das inten<;:6es e dos ideais profissionais e constituem guias reais de conduta para os profissionais (Banks, 1997). Os valores podem entender-se como a imporrancia que se atribui a qualquer coisa, e onstituem uma referencia. Neste sentido distinguem o essencial do acessorio, o justificavel do injustificavel e o significativo do insignificante. Os valores sao objecto de uma escolha, de uma op<;:ao em detrimento de outra. A moral, etica e a deontologia tern urn conteudo valorativo, da mesma forma que a missao e os objectivos de urn organismo. A inter-rela<;:ao dos conceitos em analise pode sintetizar-se no esquema apresentado (Fig.1). Os val ores sao a referencia da moral e da etica. A deontologia expressa uma determinada moral e enforma uma determinada etica, sera urn conceito s{ntese da maneira como cada profissao se afirma. Embora fosse dispensavel referir que a deontologia e apenas uma das dimens6es de qualquer profissao, ainda assim e de considerar que nas profiss6es fortemente marcadas pelo vector relacional, no Servi<;:o Social em particular, esta dimensao e naturalmente uma questao-chave. Figura 1
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0 valor do respeito pela confidencialidade, por exemplo, pressup6e rela<;:6es de confian<;:a entre as varias pessoas implicadas na presta<;:ao de urn servi<;:o, podendo constituir urn problema de ordem moral, etica ou deontologica. Em causa estao: valores pessoais, tanto do profissional que presta o servi<;:o como de quem o recebe, e valores do organismo; regras para enquadrar esses valores e que funcionam como balizas necessarias para assegurar urn servi<;:o de qualidade, e a missao particular e objectivos do organismo. Alem do clever fazer, ha que ponderar as consequencias de determinada atitude a partir dos varios sistemas implicados (cliente, profissional e institucional) e avaliar a quesrao a luz da deontologia de cada profissao implicada.
3. A missao, os objectivos e os valores de instituis:oes sociais 3.1. A missao e os objectivos As organiza<;:6es tern urn determinado paradigma cultural, quadro referencial que define a maneira de pensar e de fazer as coisas. Esta cultura organizacional e entendida como: "o conjunto dos objectivos, das inten<;:6es, dos valores indiscut{veis partilhados pelas pessoas, membros de uma organiza<;:ao ... " (Bertrand et Guillermet 1988: 126). As institui<;:6es sociais deverao tamar muito a serio o processo de elabora<;:ao e difusao da cultura organizacional, definindo claramente o que defendem e desejam ver interiorizado pelos seus colaboradores. A cultura organizacional tern duas fun<;:6es importantes (Bertrand et Guillermet 1988). Por urn lado, mobilizar as energias e direcciona-las para os objectivos da organiza<;:ao. Por outro lado, centralizar os comportamentos em torno de orienta<;:6es da ac<;:ao. E importante que cada urn interiorize a matriz organizacional e que as suas motiva<;:6es e comportamentos tenham correspondencia para que desempenhem correctamente a missao da institui<;:ao. A institui<;:ao social existe para produzir mudan<;:as nos individuos e na sociedade. 0 primeiro passo e definir a missao de forma operativa para que nao constitua uma mera declara<;:ao de inten<;:6es, por exemplo "a nossa missao e ser uma institui<;:ao informada e comprometida com a prolNTERVEN<;:Ao SoCIAL,
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tecc;:ao dos direitos, primeiro das crianc;:as (0 - 18 anos) vftimas de maus tratos e, em seguida, da infancia em geral" - a prova definitiva nao e a beleza ret6rica mas a acc;:ao concreta (Drucker 1993). Desta forma todos os colaboradores podem identificar o seu contributo para alcanc;:ar o objectivo. E necessaria converter a missao em aspectos espedficos e identificar objectivos e metas. Desta forma sera possfvel avaliar o sucesso da missao, no exemplo referido tratava-se de saber em que termos a instituic;:ao estava a proteger as crianc;:as. A missao devera, assim, ser objecto de analise e revisao caso os objectivos nao estejam a ser cumpridos de acordo com o seu prop6sito matricial. A etica e a qualidade sao dimens6es da mesma realidade. Ao redefinirem-se os objectivos e indispensavel efectuar urn exame criterioso das tarefas exequfveis e das mais uteis, e daquelas que tern uma utilidade marginal ou que ja nao sao muito importantes. Os lideres devem manter uma visao estrategica sabre a situac;:ao actual das instituic;:6es sociais, por referencia as necessidades dos beneficiarios da acc;:ao e aos apelos da comunidade. Segundo Peter Drucker, "quest6es de imporrancia primordial talvez passem a segundo plano ou, inclusive, deixem de ter sentido. Devera manter-se sempre alerta ou, de contrario, converter-se-a muito depressa numa pec;:a de museu" (Drucker 1993: 22). As instituic;:6es sociais sao expressao da vitalidade de uma comunidade, emergem de uma vontade dinamica de construir uma sociedade melhor. Enquanto recurso exponencial do meio tern de estar constancemente a aferir as oportunidades que lhe sao oferecidas. Necessitam de oportunidades, competencias e compromissos no quadro de uma etica de proximidade ao meio. A analise das oportunidades pressup6e que as instituic;:6es tern noc;:ao da utilidade da sua intervenc;:ao, a partir dos recursos de que disp6em: financeiros, materiais, humanos, e sobretudo da competencia. Alem da preocupac;:ao em dar uma resposta, ha que ter urn bam desempenho. A area social e particularmente sensfvel a esta questao, na medida em que esta em causa a vida das pessoas, com frequencia numa condic;:ao de vulnerabilidade (pessoas idosas, crianc;:as, pessoas portadoras de deficiencia ou com doenc;:as que comprometem a sua vida, entre outras). lNTERVEN<;:AO SOCIAL, 29 , 2004
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A missao implica compromisso. E condi<;:ao de partida que os cidadaos que intervem na area social, os profissionais inclusive, possuam urn esp.frito de missao. Ter convic<;:ao que o seu desempenho faz a diferenc;a; acreditar que independentemente de nao resolverem os problemas em toda a sua extensao, a interven<;:ao nas situa<;:6es que lhes estao proximas faz a diferen<;:a, quer seja para uma pessoa, urn grupo ou uma comunidade. No compromisso, o mais importante e cada colaborador fixar-se na tarefa e nao em si proprio. Este movimento de "descentrafiio" do sujeito significa que nao e 0 proprio 0 protagonista da interven<;:ao mas que se ele realiza no cumprimento da missao. Como ja foi referido este eo dominio de uma etica de fins: OS colaboradores confrontam-se COffi 0 desafio do que cada urn realmente e e tern como sentido de vida. Aqui nao subjaz uma logica naif de acreditar no born homem. Em causa esra rao so, o confronto com uma realidade em que escasseiam os recursos de toda a ordem. 0 principal recurso sera o compromisso e a criatividade de cada urn com a missao da institui<;:ao. Ao mesmo tempo, a missao projecta-se a longo prazo. Existem objectivos a curto prazo e resultados imediatos que sao importantes, mas e necessaria energias e urn forte esfor<;:o colectivo para prosseguir caminho.
3.2. Os valores Os valores contribuem de forma muito espedfica e importante para a cultura organizacional, conferindo urn toque especial a prestac;ao dos servi<;:os. A missao e os objectivos da institui<;:ao necessitam de urn compromisso muito particular com valores para que adquiram consistencia etica. A maneira como cada colaborador se posiciona perante a institui<;:ao tambem esta relacionada como facto de ele se identificar ou nao, com os valores preconizados. Na proxima secc;ao havera ocasiao para desenvolver mais este aspecto a proposito do trabalho em equipa. Numa institui<;:ao social os valores vao consubstanciar o sentido de missao colectiva. A sua fun<;:ao privilegiada sera regular as rela<;:6es entre OS varios actores. Existem, pelo menos, quatro dom.fnios em que e necessaria pensar os valores: 1) os beneficiarios; 2) a institui<;:ao (com responsabilidades concretas); 3) a equipa de colaboradores internos; 4) os colabo[NTERVEN<;:AO SOCIAL,
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radores externos (a comunidade). A qualidade das rela<;:6es humanas assenta fundamentalmente na etica da institui<;:ao, expressa na atitude de cada urn dos seus membros. E evidente que se esd. numa area particularmente sensivel- primeiro, em materia de consciencia individual; e segundo, no plano de deontologias diversas. Mas o contrario tambem acontece, ou seja, dita a historia que o foco de tensao pode partir da propria institui<;:ao, quando esta, de forma hegemonica, imp6e valores que colidem de todo com valores pessoais dos seus colaboradores. Quando tal se verifica e importante que em conjunto se opte, por uma estrategia de nao prejudicar o beneficiario do servi<;:o. 0 acompanhamento da pessoa A podera transitar para outro colaborador. As quest6es etnicas, as relacionadas com sexualidade ou violencia, sao exemplos de materias onde os conflitos de valores se podem fazer sentir. Se nao existir born senso nas institui<;:6es sociais, como nas organiza<;:6es em geral, quest6es com uma dimensao limitada, podem facilmente evoluir para problemas graves, sobretudo de ordem moral e etica, para OS quais a SOCiedade tambem nao tern respostas faceis (Matos 2001). Ao longo do artigo sao dados contributos para a defini<;:ao do que poderia ser urn codigo de etica das institui<;:6es sociais. A missao, OS objectivos e os valores jogam-se no campo da maturidade e da democraticidade da sociedade civil. As institui<;:6es ja erguidas, advem de uma sociedade com determinada cultura mas sao expressao de uma cidadania activa e participativa que nao tern de ser ad.vica. 0 sentido das institui<;:6es sociais e a mudan<;:a social, pelo que, o repto esd. lan<;:ado: construir juntos uma etica comum. Em Portugal, em particular, na area social o conservadorismo significa deficit de garantia de direitos sociais. A administra<;:ao publica nao interiorizou ainda a existencia destes direitos. Assim, nesta materia nao existe uma pratica e uma ideologia de servi<;:o (Santos 1990). A modernidade reclama por sinais vivos de inova<;:ao, por valores capazes de desafiar as praticas instituidas. E certamente a mudan<;:a vira de quem tern melhores condi<;:6es, pela sua propria identidade, para desenvolver uma atitude informal, flexivel e proxima dos cidadaos - as institui<;:6es baseadas na comunidade. INTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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"Nao e s6 a aj uda que dao ao Estado na consecw;ao de certas tarefas de indole social ou econ6mica que afectam, sobremaneira, as populac:;6es mais carenciadas que o Estado deixou de assegurar, mas tambem o novo ediflcio de valores que transportam consigo - mais solidariedade e altru!smo entre os homens - modeladores do funcionamento social das instiruic:;6es" (Matos 2001: 365) .
4. As relac;oes interpessoais no seio dos organismos e a etica que as sustenta 4.1. A etica no trabalho em equipa Actualmente e recorrente as institui<;:oes preocuparem-se com o investimento nos recursos humanos como form a de potenciar a qualidade do servi<_;:o. Como refere Peter Drucker, "uma das grandes for c:;as com que contam es tas organizac:;6es resulta de que os seus membros (nao rodos, muiros deles) trabalham ... por uma causa ... esta circunstancia cria ... uma responsabilidade enorme a instituic:;ao: manter viva essa chama e nao permitir que a rarefa se transforme num simples "emprego" (Drucker 1993: 162).
Nas institui<_;:6es sociais a qualidade das rela<_;:6es humanas pode ser, inclusive, urn factor fortemente condicionante da sua propria viabilidade. Os desafios a desmobiliza<_;:ao dos mais empenhados sao multiplos. O s profissionais confrontam-se constantemente com as suas fragilidades perante a dimensao e complexidade dos problemas sociais, num cenario em que a gestao dos recursos institucionais e potencialmente dificil. A etica e a moral jogam-se segundo as consciencias e interesses individuais. E necessaria construir 0 c6digo de etica da institui<_;:ao. Este sera 0 cenario em que cada urn tera de representar o seu papel e fazer as suas op<;:6es. Dir-se-a que a equipa se assemelha a imagem do cubo magico, uma figura que joga com a criatividade. As pe<_;:as rodam sobre o mesmo eixoo eixo da etica, tern de ser manipulado com precisao para que nao se desencaixe e o jogo s6 fica completo quando cada face do cubo tern uma cor- uma etica comum, tantas eticas quanto as fun<_;:6es. INTERVEN<;A o SOCIAL,
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A equipa oferece-se como urn recurso, tanto para os seus membros, como na abordagem aos problemas. Neste sentido devera ser urn espac,:o de contenc,:ao das inseguranc,:as e desalentos dos profissionais, estimulando a sua capacidade de ultrapassar as adversidades sem se deixarem desmobilizar. 0 confronto com problemas eticos deve estar balizado por urn contexto solidamente preparado para os integrar. Nas siruac,:6es mais stressantes, a equipa pode funcionar como urn factor de controle da pressao e como espac,:o de seguranc,:a. Contudo a equipa nao e uma realidade padronizada e estatica, mas sim urn espac,:o de vitalidade, resultado da interacc,:ao de quem a constitui. 0 trabalho em equipa e urn processo idiossincratico, expresso na formula: 1+1=3. A obra e exigente e a equipa oferece-se simultaneamente como fonte de inspirac,:ao e como potencial espac,:o de conflito. Enquanto fonte de motivac,:ao tern o seu expoente maximo na interiorizac,:ao por parte de cada pessoa, das metas da organizac,:ao como as suas pr6prias metas. Este processo de transformac,:ao potencia a qualidade das respostas e dos resultados. Enquanto espac,:o de conflito, e preciso dizer que quando as pessoas trabalham em conjunto, os conflitos sao naturais. A existencia de espac,:o para divergencias e urn indicador de qualidade na saude da equipa. A tensao suscirada pode ser bastante benefica, se as organizac,:6es a utilizarem de forma positiva, promovendo a convergencia de perspectivas, paix6es e inspirac,:6es. Afigura-se fundamental reflectir como e que o relacionamento dentro da equipa afecta quem somos e qual o impacto que temos nas pessoas com quem trabalhamos. Na area social a relac,:ao oferece-se simultaneamente como condic,:ao de partida e como instrumento de trabalho. Os colaboradores da instituic,:ao estao confrontados com o imperativo de serem exigentes com a sua formac,:ao pessoal. As capacidades de autocontrole, assertividade e participac,:ao, entre outras, sao competencias que tern de adquirir independentemente do tipo de trabalho ou do nivel de hierarquia em que se encontrem posicionados. Os colaboradores que desempenhem func,:6es tecnicas devem preocupar-se em transformar as suas caractedsticas pessoais em competencias profissionais, requisito que nao esra presente noutras areas profissionais. INTERVEN<,:AO SOCIAL, 29, 2004
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Nos profissionais a intervir na area social a capacidade de estabelecer relac,:ao e por inerencia de comunicar, emerge como o denominador comum. Os responsaveis das organizac,:6es tern urn papel fundamental na construc,:ao de uma etica da equipa. E necessaria personalizar as organizac,:6es criando condic,:6es a participac,:ao dos seus elementos e a identificac,:ao com uma filosofia comum de actuac,:ao. A lideranc,:a nao devera ser entendida como urn exerdcio de poder mas de animac,:ao, permitindo que a sua forc,:a se oferec,:a como urn animo para o grupo prosseguir viagem. Em prindpio cada autoridade tern o seu proprio espac,:o e autonomia no desenvolvimento dos objectivos da instituic,:ao, e como tal nao sera eticamente adequado que os dirigentes invadam o terreno tecnico e viceversa. A etica da colaborac,:ao proxima e continua, sera urn factor chave em organismos que pela sua propria identidade nao terao estruturas rigidas e excessivamente burocratizadas. A autoridade dos responsaveis das organizac,:6es, advem da propria comunidade, mais concretamente dos socios das instituic,:6es sociais (associac,:6es), e e uma autoridade decisoria e avaliativa; eles determinam as opc,:6es e os objectivos globais, e procuram criar condic,:6es a sua efectivac,:ao. A autoridade tecnica advem dos conhecimentos teoricos, das habilidades metodologicas e executivas para desenhar, avaliar e realizar de forma competente as acc,:6es (VIDAL 1999). Os dirigentes tern o papel de fornecer uma especie de bussola orientando os restantes colaboradores na direcc,:ao da organizac,:ao. A estes cabe a ardua tarefa de potenciar a interiorizac,:ao do paradigma cultural por parte de todos os elementos da organizac,:ao. Desta forma estao a criar condic,:6es para a integrac,:ao das pessoas e a construir uma matriz etica. Segundo Bernard Diridollou (2000), a etica pressup6e da parte dos responsaveis: I) que desenvolvam gradualmente uma relac,:ao de confianc,:a com os outros colaboradores; 2) que tratem os colaboradores de forma equitativa; 3) que estabelec,:am relac,:6es simples e directas porque o tempo das cidadelas ja nao existe. Estao os diversos tipos de colaboradores das instituic,:6es sociais preparados para estes desafios? Cada urn devera ter daras as expectativas que a organizac,:ao tern em si, o que espera dele e a melhor forma de responder. A darificac,:ao das expectativas facilita o processo de autonomia do profissional. As expectativas nao podem ter uma func,:ao redutora das competencias de cada urn, lNTERVEN<;AO SOCIAL,
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tornando-as a dimensao da sua fragilidade e limita<;:6es profissionais. Em exerdcio e no decurso do trabalho em equipa cada urn teni possibilidade de desenvolver as suas competencias. A participa<;:ao deve ser fortemente estimulada pelos dirigentes, atraves da cria<;:ao de espa<;:os para que tal aconte<;:a. Ja se viu da imporrancia de os colaboradores serem informados sobre os seus papeis e fun<;:6es no contexto da cultura organizacional. Mas a informa<;:ao nao pode ser apenas no sentido descendente, a comunica<;:ao deve ser estimulada em ambos os sentidos. 0 dialogo entre OS varios nfveis da hierarquia e fundamental para que todos estejam sensibilizados para os desafios que a interven<;:ao coloca. Cada urn deve ter oportunidade de exprimir as suas ideias num clima de confian<;:a, potenciador da forma<;:ao de vfnculos e da coesao de uma organiza<;:ao. A confian<;:a resulta do compromisso e empenhamento de todos na organiza<;:ao. Como foi referido anteriormente e uma condi<;:ao essencial para o seu crescimento. As equipas dificilmente subsistem sem cumplicidade entre os seus membros, tendo cada urn a plena consciencia que faz da for<;:a dos outros a sua propria for<;:a. Cada elemento tern de se deixar desafiar e estar disponfvel para construir. A iniciativa tern uma dimensao marcadamente individual e assenta no prindpio de cada urn aceitar a sua responsabilidade enquanto membro da equipa. 0 desejo de contribuir para o trabalho do grupo pode ser estimulado mas a sua concretiza<;:ao parte de cada urn. A iniciativa podera ser urn indicador da capacidade de cada colaborador interiorizar a cultura institucional e assumir a causa da institui<;:ao como sua. E importante que todos tenham consciencia que o seu desempenho faz a diferen<;:a, optando por ser parte da solu<;:ao e nao parte do problema. A etica exprime-se att路aves dos actos.
4.2. A etica na relas;ao com os voluntarios Nas institui<;:6es sociais existe urn tipo de colaboradores que sendo comum em outras institui<;:6es apresenta algumas quest6es particulares: os volunrarios. A razao da sua existencia esta associada a das proprias institui<;:6es que emergem da sociedade civil. ] NT ERVEN(AO SOCIAL,
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As direc<;:6es destas institui<;:6es sao em prindpio e na sua maioria, constituidas por cidadaos que a titulo pessoal se organizam para dinamizar respostas de apoio social. Desde logo as fun<;:6es de lideran<;:a estao lhes adstritas. Por outro lado, colaboram na interven<;:ao directa em tarefas semelhantes aos funcionarios, relacionando-se com os beneficiarios dos servi<;:os ou nao. Nessa conformidade colocam-se determinados desafios eticos que importa ponderar. Quando a lideran<;:a de uma institui<;:ao radica na boa vontade dos cidadaos para contribuirem para urn mundo melhor e no seu compromisso com uma causa, facilmente se percebe que a dinamica da institui<;:ao depende muito do perfil pessoal desses cidadaos. Esta condi<;:ao pode interferir, de forma positiva ou negativa, com a etica e a qualidade da resposta de toda a equipa. Urn dos aspectos a ter em considera<;:ao e quando os cidadaos sao movidos exclusivamente por interesses pessoais que residem na obten<;:ao de algum tipo de vantagem. A institui<;:ao pode acabar por orientar-se segundo a agenda secreta de quem a dirige e desviar-se da sua missao, inflexao que pode colocar em causa a sua propria sobrevivencia. Mas partindo do pressuposto que existe uma etica construtiva por parte dos cidadaos, ha que pensar que a leitura que os colaboradores voluntarios fazem da realidade social com que trabalham pode basearse sobretudo na sua propria moral. As consequencias desse facto podem-se fazer sentir junto dos proprios beneficiarios da institui<;:ao. Uma tenta<;:ao a evitar sera que eles sobreponham as suas convic<;:6es as competencias tecnicas ou que restrinjam os direitos dos beneficiarios da institui<;:ao. Quando OS voluntarios colaboram na intervenyaO e importante que se sintam parte da equipa. A sua integra<;:ao implica uma atitude de proximidade e de dialogo, criando-se espa<;:os de troca de experiencias. Quando intervem directamente com os beneficiaries por vezes confrontam-se com situa<;:6es de uma enorme intensidade emocional para as quais nem sempre estao preparados por exemplo, no trabalho com pessoas idosas ou com crian<;:as institucionalizadas. Urn dilema etico frequente e a partilha de informa<;:6es que as pessoas que estao acompanhar lhes transmitem. Devem manter em segredo informa<;:6es que perspectivam ser relevantes para os profissionais? Os volunra!NTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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rios nao tern propriamente urn c6digo deontol6gico, embora tenham prindpios norteadores da sua ac<;:ao, a nao ser que estejam a colaborar no exerdcio das suas competencias profissionais. Na sequencia desta analise, uma estratc~gia para contornar esta questao seria a existencia de urn cadigo de etica da institui<;:ao. Uma outra questao a ponderar e o facto dos volundrios nem sempre terem oportunidade de realizarem de imediato as tarefas para as quais estao motivados. E necessaria que sejam desafiados a interiorizarem a missao da institui<;:ao e valorizar o seu contributo. A filosofia matricial de onde emergem as institui<;:6es sociais e os desafios que enfrentam ao longo do seu percurso, justifica que as institui<;:6es tenham uma atitude de respeito e responsabilidade para com os volundrios, enquanto colaboradores essenciais na persecu<;:ao dos objectivos da institui<;:ao. Segundo Pierre Fortin (1995), para urn volunrario se implicar num institui<;:ao social deve ter capacidade de empatia, ser discreto, honesto, generoso, e gostar da popula<;:ao com quem a institui<;:ao trabalha. Na ausencia de conhecimentos profissionais e importante que adquira forma<;:ao mfnima sobre as areas em que vai colaborar, alem de forma<;:ao continua que torne o seu desempenho o mais qualificado possfvel, no contexto do ambiente organizacional. As responsabilidades dos voluntarios tern de ser equacionadas a partir da sua fun<;:ao na institui<;:ao, colocando-se-lhes os desafios que sao ineremes a essas fun<;:6es, acrescidos da sua condi<;:ao de voluntarios. A boa vontade e urn dos requisitos de quem deseja comprometer-se na constru<;:ao do tecido social, mas a complexidade das problematicas e as caracteristicas das institui<;:6es sociais exigem urn pouco mais de quem pensa que e suficiente dar. Partimos da condi<;:ao que o voluntario escolhe e exerce a sua actividade de livre vontade. No entanto, esta vontade deve ser reflectida. Alem disso passara por transforma<;:6es ao longo do seu exerdcio. Depois de tudo o que se disse nesta sec<;:ao sobre a idiossincrasia das institui<;:6es sociais, qual sera o caminho a seguir no sentido da constru<;:ao de: uma etica de co-responsabilidade, uma etica de servi<;:o e uma etica do cuidar? (Ministerio da Seguran<;:a Social e do Trabalho 2003). Este: JNTERVENy\0 SOCI AL,
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OS GANSOS VOAM EM V Descobriu-se que a medida que cada ave bate as asas, estabelece uma eleva<;:ao para a ave que imediatamente a segue. Ao voar numa forma<;:ao em V o Banda no seu conjunro atinge uma maior amplitude de voo na ordem de pelo menos setenta e urn por cento, do que se cada ave voasse sozinha. Como no padrao de voo dos gansos e inquestiomivel que as pessoas que parrilham urn sentimento de com unidade podem chegar onde querem muito mais depressa e com maior facilidade porque caminham com a vanragem umas das ourras.
5. A etica na relas:ao com os beneficiarios e com a comunidade
Outra ave o mesmo bando 5.1. Os beneficiarios Os beneficiarios determinam as instituic,:6es sociais. Este valor e fundamental. Se as instituic,:6es sociais o elegerem, as suas iniciativas terao muito mais probabilidades de corresponderem efectivamente as necessidades das pessoas. A sua assunc,:ao vern demarcar a passagem para uma cultura centrada nos beneficiarios. Das instituic,:6es sociais sao esperados servic,:os assentes em prindpio tais como: proximidade, acessibilidade, continuidade, flexibilidade e adaptac,:ao. A natureza desta instituic,:6es, nao se compadece com uma relac,:ao distante e autoritaria com os beneficiarios. 0 respeito pela igualdade e pela capacidade de autodeterminac;ao e fundamental em organismos de comunidade. Quando os llderes destas instituic,:6es sao voluntcirios sem formac,:ao espedfica para o exerdcio, pode existir a tentac,:ao de pretenderem criar uma relac,:ao paternalista da institui<;ao para com os seus beneficiarios. Outra quesrao a reflectir, e a capacidade de representa<;ao das institui<;6es sociais face aos interesses da popula<;ao beneficiaria. A pratica das ac<;6es comunitarias contribui para a cria<;ao e refor<;o de novas espac,:os democraticos (Lamoureux et al 1999). Enquanto associa<;6es da sociedade JNTERVEN<;:AO SOCIAL,
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civil que capacidade de mobiliza<_;:ao rem para se compromererem com a reivindica<_;:ao de direiros para os mais desfavorecidos? 0 seu compromisso como Esrado e com a comunidade possibilira-lhes assumir uma interven<_;:ao activa nesta materia? Esta nao deveria ser uma das suas fun<_;:6es? Quanro a interven<_;:ao tecnica, 0 grande desafio dos profissionais e inregrar na sua pratica os valores debatido ao logo deste artigo. A etica da instituis:ao e a deonrologia dos diversos tipos de profiss6es devem caminhar lado a lado. E necessario que sejam pensadas criricamente e interiorizadas no desempenho tecnico. As quest6es susciradas na rela<;:ao de ajuda SaO comuns aquelas COffi que OS profissionais de insritui<,;:6es da area social, em geral se confronram. Na intervens:ao social a fundamenta<;:ao teorico-merodologica para desencadear uma acs:ao transformadora, necessira de ser mediada pela rela<_;:ao etica. A deonrologia pode ser oferecida como urn instrumento de trabalho. Segundo Millersos, "uma etica profissional pode ser urn codigo formal ou uma aproxima<_;:ao informal" (Banks 1995: 84).
5.2. A etica na relas:ao dos organismos com a comunidade As institui<;:6es sociais estao por natureza ligadas ao meio em que se inserem. 0 olhar tern de ser direccionado tambem para o exterior, exigindo que "todos se elevem para ver melhor". A etica da institui<;:ao rem de ser inregrada no contexto dos sistemas envolventes, nomeadamente na rela<;:ao com institui<;:6es da comunidade e com os cidadaos em geral (Bertrand et Guill em en t 19 8 8). Na dimensao tecnica, geralmente a parceria surge como condi<;:ao de uma inrervens:ao eficaz. A diversidade de apoios solicitados pelos beneficiarios cria a necessidade de trabalhar com outros servis:os. Na actualidade, a multidimensionalidade e multifactorialidade dos problemas nao se compadece com instituis:6es fechadas ao exterior, exigindo a defini<;:ao de preocupa<;:6es e interesses comuns com vista ao estabelecimenro de redes concertadas de interven<;:ao. E necessaria existirem circuiros claros na resposta aos problemas, com a definis:ao de competencias e procedimentos espedficos de cada organizas:ao e servi<;:o. A tendencia ainda e improvisar respostas como se fosse l NTERVEN<;:AO SOCIAL,
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sempre a primeira vez que o problema surge. Nas instituic,:6es sociais, a questao e particularmente sensivel devido a sua proximidade com as pessoas e como compromisso com uma determinada missao (Fortin 1995). A frustrac,:ao facilmente se apodera das equipas e desmoraliza os mais audazes. Quantas vezes nao surge a duvida sobre a propria utilidade dos recursos sociais e a razao da sua existencia? Na relac,:ao interinstitucional urn dos desafios mais dificeis de gerir e que alias, ja foi enunciado, e o da confidencialidade. Uma forma de o abordar e partir do prindpio da utilidade da informac,:ao. Os profissionais apenas se tern de concentrar no que e essencial para melhorar a situac,:ao de vida das pessoas, respeitando o direito a decisao informada. Em principia, e o beneficiario dos servic,:os que tern capacidade de decisao sobre a partilha de informac,:ao interinstitucional, mas nem sempre a questao e pacifica. Em determinadas circunsrancias surgem dilemas em que e necessaria trocar informac,:6es, em tempo util, para garantir interesses superiores. Por exemplo, quest6es relacionados com a vida (relativo a doenc,:as sexualmente transmissiveis) ou de conflito de interesses (maus tratos a crianc,:as). Esta e uma das situac,:6es em que seria nao apenas importante que existisse urn c6digo de etica nas instituic,:6es, mas sobretudo que existissem pautas de actuac,:ao para quem trabalha no mesmo territ6rio com problemas que se tocam e sao semelhantes. Nessa perspectiva, sera dificil as instituic,:6es sociais nao terem como valor as parcerias, no quadro de uma etica da comunicac,:ao. 0 fortalecimento dos beneficiarios (empowerment) esta directamente relacionado com o fortalecimento do tecido social, decorrente de urn processo de articulac,:ao de recursos, oferecendo-se como redes de capital humano e social disponivel para a mudanc,:a social (Faleiros 1999: 43). A fim de completar esta secc,:ao, importa mencionar a relac,:ao da instituic,:ao com a comunidade enquanto expressao de expectativas na missao das instituic,:6es sociais. DE facto, e importante que estas se interroguem sobre a sua responsabilidade perante a comunidade. Mas e necessario nao esquecer que as pr6prias instituic,:6es tern expectativas em relac,:ao a essa mesma comunidade. As instituic,:6es sociais dependem do suporte do meio em que estao inseridas. Por urn lado, dele advem colaboradores-chave para a persecul NTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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s;ao da sua missao- os voluntaries. E, por outro lado, como nao tern fins lucrativos e os seus recursos financeiros sao geralmente insuficientes para fazer face aos desafios, as instituis;6es sociais necessitam do apoio de instituis;6es privadas com capacidade financeira e do contributo de particulares. A contribuis;ao destes sed. tanto maior, quanta for a sua energia para dinamizarem iniciativas de solidariedade social. A relas;ao das instituis;6es sociais com a comunidade, cria diferentes tipos de compromisso que e necessaria gerir por referencia a valores claros. A missao reclama pela etica.
Considera<;oes finais "Na vertente critico-dialectica, a etica nao possui esse caracter formal. Esta indissociavelmente ligada a todas as express6es da vida do ser social, marcada pelos aetas quoridianos dos indivfduos e, partanto, por uma dimensao pratica. " (Sales 2001: 113).
Este artigo, realizado a partir de pesquisa teorica e da leitura da realidade quotidiana, apresenta uma serie de quest6es com o objectivo de estimular, alimentar e facilitar a reflexao. A etica nas instituis;6es sociais pode ser pensada sob OS mais diversos angulos. Mas percorrido 0 percurso, fica a convics;ao de que seria interessante que a par de estatutos e regulamentos de funcionamento, existisse urn espas;o proprio para urn codigo de etica da instituis;ao. Esta reflexao constitui urn mero ensaio sobre uma dimensao vital da vida das instituis;6es sociais. Como e que ainda e possivel que continuemas a pensar que a etica, em particular no dominio social, e urn assunto secundario? Nao que haja aversao ao tema, mas na pratica quantas instituis;6es sociais dedicam o seu tempo a reflectir e debater a etica institucional? Mais do que urn fim, a questao coloca-se pela essencia destas instituis;6es, tanto dos valores de base, como pelo valor do respeito pelos seus beneficiaries. A materia e sensivel e exige uma atirude honesta, responsavel e muita lucidez. Ja se viu que nem todos tern a mesma preparas;ao e os interesses podem ser muito heterogeneos. Entao de quem teria de partir a iniciativa? Que dinamicas se deviam gerar? A primeira quesrao e saber se a iniI NTERVEN(AO SOCIAL,
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ciativa teria de emergir de dentro ou de fora da instituic,:ao e a quem e que competia desenvolve-la. Desta analise resulta uma convicc,:ao: a existir o debate teria de ser participado por todas as partes implicadas. A Sociedade Civil nao esta sozinha neste campo, tern inequivocamente o Estado como parceiro de jogo. Quando 0 lema e 0 desenvolvimento humano, 0 objectivo nao e decidir quem ganha mas contribuir para o bern estar comum, segundo uma etica de co-responsabilidade. A ideia do codigo de etica nao encerra a tematica. 0 codigo e apenas urn guia; e necessaria criar urn clima facilitador do dialogo aberto e tambem que as atitudes pessoais e profissionais sejam conformes aos valores defendidos pela instituic,:ao. Quando ha urn compromisso com urn caminho deste tipo nao se pode desvalorizar a moral das pessoas envolvidas. Por conformidade com a propria natureza da etica e com a opc,:ao conceptual apresentada inicialmente, e necessaria manter urn espirito aberto e uma atitude de ir ao encontro do outro, reflectindo e analisando em conjunto o sentido das coisas. 0 imperativo do clever ficaria reduzido se se perdesse a liberdade de cada urn optar. Em vez de uma etica que procura o desenvolvimento do sujeito, ter-se- {a uma etica autoritaria que de acordo com a presente explanac,:ao seria uma nao-etica. A autodeterminac,:ao qualifica o exerdcio da cidadania porquanto pressuposto da liberdade.
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Agradecimentos Este trabalho foi realizado no ambito da disciplina "Quest6es de Erica na Sociedade Contemporanea" no I Curso Mesn路ado em Servic;:o Social do ISSSB, com docencia de Maria Jose Guerra a quem presto os meus agradecimentos.
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Os direitos humanos na perspectiva do desenvolvimento sustentavel e a forma~ao em servi~o social Articular o conceito de Direitos do Hornem com o de Desenvolvimento Sustentdvel e prioritdrio na formarao dos futuros Assistentes Sociais, tendo em conta a cornplexidade das nossas sociedades actuais. Este aspecto implica a participar;iio e a cooperar;iio entre campos profissionais diferentes e uma mudanr;a de contez拢dos e de atitudes que ajudard a responder as necessidades dos cidadiios.
1. 0 Servic;:o Social como uma profissao dos Direitos Humanos segundo a proclamac;:ao das Nac;:oes Unidas em 1992 1.1 A orientac;:ao intercultural A profissao de Servic;:o Social, ao trabalhar com gt路upos espedficos, como sejam as crianc;:as, familias, deficientes, doentes mentais ou grupos marginais, trabalha tambem com pessoas de diferentes culturas. Essas pessoas, nao sao so OS imigrantes de Cabo Verde, ou so pessoas da India pedindo asilo, ha ainda todos os outros nascidos e chegados de diferentes palses e que nao possuem sequer documentos, como por exemplo um passaporte do seu pais de origem. A urgencia de uma visao multicultural e relativa a cada situac;:ao espedfica, torna-se obvia na form ac;:ao em Servic;:o Social, tendo em conta a estrutura complexa das nossas sociedades. Uma outra razao para esta urgencia, e o contexto da globalizac;:ao das nossas sociedades, que entendido por uns como trazendo consequen* Gra<;:a Andre e docente na Licenciatura em Servi<;:o Social na Universidade Catolica Porruguesa de Lisboa. Hans Walz e docente de Sociologia, Erica e Serviyo Social na dimensao intercultural na Universidade Tecnica (Engenharias e Serviyo Social) em Weingarten, no Sul da Alemanha.
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cias positivas para o mercado e para o comercio, provoca por outro lado, efeitos negativos, no incremento dos problemas sociais a nfvel local e global. No seu texto "A formas;ao apos Auschwitz" Theodor W. Adorno (1966) apresenta as raz6es historicas para esta urgencia, de uma visao intercultural na formas;ao, reportando-se em primeiro lugar aAlemanha e depois a outros pafses. Adorno (197: p. 88) da como exemplo o assassfnio em massa dos cidadaos pelo regime hitleriano: A lic;:ao de Auschwitz e que nunca mais se deve repetir devera ser a principal finalidade da formac;:ao. E mais importante que qualquer outra finalidade, e eu penso que nao deveremos explicar porque. Dar raz6es e assumir a monstruosidade do que aco nteceu.
As propostas de Adorno, para a formas;ao podem indubitavelmente ser aplicadas ao Servis;o Social. Tendo em conta o sucedido em Auschwitz poderia o mesmo transferir-se para outras esferas como adverte Adorno (1971: p. 103): Amanhii poderd ser a vez de outro grupo que niio os judeus; talvez os idosos ... ou os intelectuais, ou simplesmente os grupos marginais. A jilosojia que suporta esta posiriio Lembra-nos muitas vezes o movimento revivaLista do Nacional-Socialismo. Este grupo de pessoas niio e certamente adepto de uma sociedade de comunicariio a nivel internacional. Acabariio por- considerar- para si pr6prios e para os outros, que o que aconteceu foi do seu ponto de vista, muito importante.
A partir da proposta de Adorno, o pedagogo Franz Poggeler (1990: p.28), conclui que a orientas;ao intercultural e "urn dos prindpios fundamentais de qualquer educas;ao do futuro". Ap6s Auschwitz eabso!utamente evidente que uma formariio s6 e reconhecida desde que permita que todas as pessoas tenham uma vid-a digna, independentemente da origem, etnia ou religiiio. Isso deve ser de tal forma evidente, que niio poderd estar dependente de qua!quer questionamento raciona! menos consent!ineo com o que se entende por dignidade humana.
A base cientifica teorica do Servis;o Social orientado para a intercultui NTERVENy\0 SOCIAL,
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ralidade, resulta de uma altera<;:ao de perspectiva da nossa visao do mundo, que parte de uma visao universalista, para uma privada, de uma visao exclusivamente determinista, para uma inclusiva e holistica.
1.2 A urgencia de se adoptar uma perspectiva global orientada para os valores eticos ... Por vezes e muito diflcil gerir os problemas de outras culturas. A sua situa<;:ao pode ser de tal modo diflcil, que acontece frequentemente, emergirem conflitos de ordem cultural ou etica. Se as mulheres mu<;:ulmanas que foram maltratadas pelos seus maridos, defendem esta forma de tratamento porque permitida pelo Corao, nos ocidentais nao o entendemos. Contudo, podemos nao reagir porque nao nos diz directamente respeito. Mas se urn grupo de jovens de uma etnia imigrante, a residir no nosso pais, organizado em gang, exprime o seu poder, molestando-nos, a{ ja reagimos. Valera entao a pena, ter-se em conta a necessidade de se desenvolver uma posi<;:ao etica, isto e uma reflexao cdtica sobre como valoramos 0 que nose dado observar, seja qual for a situa<;:ao. Como povos acolhedores, nao podemos tambem esquecer as nossas pr6prias atitudes quanto desenvolvemos atitudes racistas, face a outras culturas ou contra cidadaos que apresentam urn passaporte estrangeiro por exemplo. Afinal importa, quando perante conflitos de natureza intercultural ou de discrimina<;:ao racial, concentrarmo-nos nas seguintes quest6es: â&#x20AC;˘ Em que circunsd.ncias posso fazer cedencias sem entrar em serias contradi<;:6es? â&#x20AC;˘ 0 que e importante para mim mesmo se isso nao e importante para 0 cliente? 0 que e que parece problematico, mas discutivel? â&#x20AC;˘ 0 que e que nao e definitivamente admissivel? Certamente ha o perigo de se dar uma resposta influenciada por uma perspectiva cultural ou mesmo preconceituada. As experiencias de maior ou menor sucesso vividas anteriormente, com determinados grupos, podem condicionar os profissionais na avalia<;:ao da situa<;:ao. INTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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Gras:a Andree Hans Walz
Porem e indispensavel que o Servi<;o Social tenha uma visao solidaria alargada e nao confinar-se a provincianismoso Uma orienta<_;:ao baseada na ciencia e na etica, pode ajudar a resolver conflitos entre culturas e valores diferenteso A troca de informa<_;:6es e debate entre profissionais a nfvel internacional, pode sempre refor<_;:ar a comunica<_;:ao intercultural.
lo3 A proclamas;ao num "Manual" A necessidade de uma discussao mais alargada, sobre valores humanos basicos e os problemas decorrentes da viola<_;:ao dos Direitos Humanos, tern crescido nos ultimos anos, como resultado da mobilidade das popula<_;:6es, dos fluxos migratorios e da globaliza<_;:aoo Membros do Centro dos Direitos Humanos das Na<;6es Unidas, em Geneva, A Federa<_;:ao lnternacional dos Assistentes Sociais (IFSW) e a Associa<_;:ao lnternacional das Escolas de Servi<_;:o Social (IASSW), decidiram considerar o Servi<_;:o Social como uma profissao dos Direitos Humanoso Este auto-conceito dos Assistentes Sociais, que trabalham e ensinam no ambito dos Direitos Humanos, remete para a Declara<_;:ao dos Direitos Humanos de 10 de Dezembro de 19480 Esta Declara<_;:ao e uma recomenda<_;:ao e nao um tratadoo Em 1992 quando as Na<_;:6es Unidas proclamaram o ano dos Direitos Humanos, foi percorrida uma etapa essencial para esta confirma<_;:ao internacional. Proclamou-se que a partir daquela data os Direitos Humanos, nao eram apenas uma obriga<_;:ao universal, mas eram vistos como uma parte fundamental do direito internacional. Para confirmar esta exigencia, em 1992, o Centro para os Direitos Humanos, em conjunto com a IFSW e a IASSW, publicou o Manual para as Escolas e Profissionais de Servi<;o Social, com o titulo Direitos Humanos e Servifo Social (Na<_;:6es Unidas et al (2) 1994) 0 Em 1995, no seu congresso em Lisboa, a delega<_;:ao Europeia da IFSW e IASSW acolheram as recomenda<_;:6es daquele Manual, afim de serem consideradas nas praticas e forma<_;:ao dos Assistentes Sociaiso Moderado por Hans Ellenberger ( Associa<_;:ao Sufssa de Servi<;o Social) e Faizal Azaiza (Escola de Servi<;o Social da Universidade de Haifa/Israel) foi apresentado um Workshop sobre "Religiao, Servi<;o Social e Direitos Humanos" 0
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Como abordagem principal procurou-se centrar Servi<;:o Social como uma profissao dos Direitos Humanos para de seguida, se considerar as orienta<;:6es do Codigo de Prindpios da Federa<;:ao lnternacional dos Assistentes Sociais na versao aprovada em 1994 na Assembleia Geral do Sri Lanka. Este trabalho suscitou urn aprofundamento de conceitos, melhor conhecimento dos conteudos do Manual e sua divulga<;:ao junto dos estudantes das respectivas universidades e profissionais presentes.
1.4 Os conteudos do Manual 0 Manual contem uma vasta informa<;:ao, de diferentes declara<;:6es, conven<;:6es e instrumentos das Na<;:6es Unidas, referentes aos Direitos Humanos. Entre varios aspectos eles incluem: • aspectos relevantes de conven<;:6es internacionais contra todas as formas de discrimina<;:ao racial, Conven<;:ao contra a Tortura, Conven<;:ao sobre os Direitos da Crian<;:a; • informa<;:ao sobre a Organiza<;:ao lnternacional do Trabalho; WHO e instrumentos regionais no campo dos Direitos Humanos em Africa, America do Norte e America do Sul e Europa; • e finalmente informa<;:ao sobre documentos ainda em prepara<;:ao referentes aos Direitos Humanos. A primeira parte do Manual reporta-se a quest6es basicas e de natureza filosofica na articula<;:ao dos Direitos Humanos com o Servi<;:o Social e consequentemente as seguintes quest6es: • • • •
Que direitos sao OS Direitos Humanos; 0 que eo Servi<;:o Social; Como se desenvolveu o conceito de Direitos Humanos; Qual e o conteudo filosofico de conceitos como independencia, liberdade, igualdade, justi<;:a, solidariedade, reportados aos Direitos Humanos; A terceira parte do Manual (pp. 43-82), reporta-se a propostas de aplica<;:ao do conceito dos Direitos Humanos, na forma<;:ao dos Assisten!NTERVEN<;:Ao SoCIAL,
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tes Sociais. Oun路os assuntos tratados referem-se a pobreza, discrimina~ao sexual, etnia, religiao, ambiente e desenvolvimento. Esta parte do Manual, reporta-se ainda as problematicas espedficas de grupos vulneraveis, como sejam, as das crian~as, mulheres, idosos, deficientes, reclusos, refugiados ou popula~ao imigrante. A conclusao desta parte do Manual, e composta por oito exemplos sobre a forma de tratar profissionalmente, as infrac~6es no cumprimento dos Direitos Humanos, nos diferentes paises. E reconhecido, que este Manual, contem documentos fundamentais, e ainda propostas importantes para a comunica~ao entre profissionais de diferentes campos de interven~ao social, o que pode ajudar a refor~ar a sua identidade a partir de urn c6digo de prindpios, e justificar uma base cientffica da interven~ao pratica.
2. A essencia do conceito
2.1 As necessidades humanas universais como raiz dos Direitos Humanos Silvia Staub-Bernasconi (1995;2000: p.l55f), foi uma das primeiras vozes a demonstrar a importancia dos Direitos Humanos, na forma~ao e representa~ao do Servi~o Social entre a comunidade mais vasta. No seu artigo, "0 auto-conceito do pro fissional de Servi~o Social", (1995) ela demonstra que os Direitos Humanos, podem oferecer ao Servi~o Social, a possibilidade de abandonar a aliena~ao a que foi votado pelas outras institui~6es que tern o poder de ajudar, para uma posi~ao cientifica independente ou melhor, para uma fundamenta~ao te6rica. Esta aurora desenvolve a seguin te tese: Os Direitos Humanos sao a resposta, local e global, as necessidades humanas fundamentais. Ao responder a estas necessidades, o Servi~o Social pode recuperar uma base cientifica para o seu auto conceito. Isto significa que o Servi~o Social baseado nas necessidades, e prioritario em rela~ao as fun~6es que lhe esrao atribuidas por urn servi~o. Para fundamentar esta tese, Staub-Bernasconi demonstra que o desenvolvimento do INTERVENQ\0 SOCIAL, 29, 2004
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Servi<;:o Social, no espa<;:o germamco, e caracterizado por ser demasiado burocratico, por compara<;:ao, com a pratica do Servi<;:o Social na America Latina nos anos 60, ap6s a fase da reconceptualizas:ao. N este tipo de pratica, a aurora considera que os Assistentes Sociais, tomam as necessidades das popula<;:6es e seus recursos como prioridade na sua interven<;:ao, e nao a fun<;:ao e a regulas:ao. "Esta posi<;:ao nao traz nada de novo", diz a aurora; ela foi proclamada em 1921 na "utmost radicaliy" (radicalismo extrema) por Ilse Arlt, uma das primeiras fundadoras da teoria do Servi<;:o Social. Algum tempo antes, de M aslow e Rogers, avan<;:arem com as suas ideias sobre esta quesrao, ja Arlt tinha desenvolvido uma teoria das necessidades humanas reportadas a sentimentos de frustra<;:ao perante a doen<;:a, as mas condi<;:6es habitacionais, a pobreza, desemprego e falta de perspectivas face ao futuro. Finalmente Staub-Bernasconi (1995:p.320) conclui: Considerando as etapas de desenvolvimento da teoria do Serviro Social, a categoria de necessidade ganhou um significado central. Ela pode ser considerada como a origem de diferentes teorias que abriram caminho a novas formas de lidar com a realidade social, especialmente no que se reporta a criariio de novas recursas.
2.2 Os fundamentos para urn conceito de Servis:o Social de base cientifica independente Tomando em considera<;:ao o conceito de necessidade como conceito base para os Direitos Humano s e tambem para o Servi<;:o Social, Staub-Bernasconi, seguindo Werner Obrecht (1995), distingue m~s categorias de necessidades: 1. Necessidades biol6gicas para protegermos o nosso corpo de qualquer agressao; 2. N ecessidades fisicas para estimular os nossos sentidos, entender o mundo que nos rodeia e assim podermos integrar-nos nele; 3. Necessidades sociais como por exemplo apoio emocional, participa<;:ao social, dignidade. lNTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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Na base da pesquisa em referencia, assumiu-se que estas necessidades sao atributos de todos os seres humanos e por isso aplicaveis em todo e qualquer lugar. Assim sendo, uma explicac;:ao te6rico-cientifica dos Direitos Humanos, existe e aplica-se ao mesmo tempo, na sua dimensao pratica quer a n!vellocal, global e tambem "glocal". A orientac;:ao do Servic;:o Social segundo as necessidades humanas basicas e os Direitos Humanos que respondem a estas necessidades, tern a qualidade de urgencia. No documento Etica e Servifo SocialPrincipios e Criterios (IFSW, Assembleia Geral do Sri Lanka 1995), esta urgencia foi proclamada nos seguintes termos: o Servic;:o Social nao e uma profissao com valores ao gosto de cada urn, e uma profissao dos Direitos Humanos. A questao dos prindpios dos Direitos Humanos e da justic;:a social como fundamentais, foi enfarizada, na mais recente definic;:ao de Servic;:o Social, aprovada a Assembleia General da IFSW e IASSW em Montreal em 2000. Na base deste autoconceito de Servic;:o Social, podemos concluir que qualquer que seja a instituic;:ao onde trabalhem os Assistentes Sociais, a obrigac;:ao e a responsabilidade do Servic;:o Social emerge directamente das necessidades dos cidadaos.
2.3 A interpretas;ao antropol6gica do conceito dos Direitos Humanos articulada com o conceito de dignidade e auto-determinas;ao Em muitos relat6rios sabre o ensino dos Direitos Humanos para estudantes de Servic;:o Social (e.g Banks, 1995; Reichert, 2003) esta estabelecido que deve existir uma interacc;:ao permanente entre a acc;:ao e uma atitude reflexiva sabre essa mesma pratica, tendo como conteudos eticos subjacentes, os inerentes aos dos Direitos Humanos, e que devem ser transmitidos aos estudantes. A atitude basica consignada no termo "direito humano" tornar-se-a mais compreensiva se olharmos ao sentido antropol6gico da palavra "direito" e de acordo com as ra!zes etimol6gicas deste termo e que em varias llnguas tern as vers6es, right (ingles), recht (alemao), direito (porrugues) ou droit (frances): No dicionario etimol6gico (e.g. Kluge, 1989: p. 586) encontramos a seguinte informac;:ao sabre o significado original da palavra "direito". 0 INTERVEN(.AO SOCIAL,
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termo direito remete ao Indo Europeu, reg = dirigir, liderar para o sincSnomo do Latim regere e para o termo Grego, oregein = estirar e finalmente para o Indiano antigo, irajyati = organizar, liderar. Este significado etimolcSgico da palavra direito, justifica o fundamento antropolcSgico de Direito Humano: organizar-se a si proprio, determinar-se. Este significado e a base dos tn~s objectivos centrais dos Direitos Humanos: dignidade, autodetermina<;:ao e justi<;:a. Os Direitos Humanos nao sao uma oferta do exterior, ou um favor de um qualquer governo: eles sao direitos inatos e inalienaveis e privilegios fundamentais que pertencem a todos os indiv1duos como ser humano. Podem-se ganhar ou perder alguns direitos, civis por exemplo, mas o direito a ser-se um ser humano, e inerente a qualquer mulher, homem ou cnan<;:a.
2.4 A orienta<;:ao de genero e as dimensoes interculturais Dentro do significado antropolcSgico dos Direitos Humanos, nas nossas Universidades quer em Lisboa, quer em Weingarten, tem-se tentado junto dos estudantes, ensinar atraves do trabalho em grupo e no treino das atitudes. No ambito deste trabalho, nao se pode ignorar a perspectiva, das rela<;:6es de genero e da interculturalidade, quer em seminarios, aulas ou outros momentos de forma<;:ao.
3. A influencia das tradi<;:oes ocidentais que estao na base dos Direitos Humanos Se os Direitos Humanos contem nos seus fundamentos, como valores, a dignidade, autodetermina<;:ao e justi<;:a, pode entender-se que isto decorre de uma articula<;:ao entre documentos fundamentais do ocidente e do oriente. Tais documentos podem ser entendidos como as raizes que originaram o desenvolvimento dos Direitos Humanos. Obviamente, na nossa literatura ocidental, aparecem mencionados mais frequentemente as bases judaico-cristas ou ocidentais dos Direitos Humanos, do que aparecem mencionadas as bases orientais. lNTERVENc;Ao SOCIAL, 29, 2004
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3.1 Avalias:ao da independencia dos Direitos Humanos em relas:ao aos valores ocidentais
Desde que se abriu o debate sobre a predominancia dos valores ocidentais no conceito dos Direitos Humanos que aparecem fortes argumentos, reportados ao modelo colonialista de como, por exemplo, os povos asiaticos foram pressionados a aceitar este conceito. Contudo hoje, especialistas asiaticos, confirmam que os valores base das tradic;:6es asiaticas incluem valores como dignidade, autodeterminac;:ao e justic;:a. Assim sendo, pode considerar-se que o conceito dos Direitos Humanos tal como e entendido e valido tambem para as populac;:6es asiaticas e como base etico-legal no contexto mundial. Eu-Jeung Lee (1998) da Coreia do Sul, docente de Ciencia Politica na Universidade de Halle, Alemanha, confirma: " Mesmo que os politicos autoritarios da Asia oriental o neguem, a dignidade humana e a critica ao exerdcio do poder sao componentes centrais da doutrina Confucionista." De acordo com Lee, numa discussao entre o ocidente eo oriente constatar-se-a que sera necessaria harmonizar as respectivas tradic;:6es sobre democracia e o conceito dos Direitos Humanos. Como consequencia deste aspecto a autora comenta: (A) perspectiva simplista da dicotomia negro-branco entre o Oriente e Ocidente, tem predominado nos ultimos tempos. Esta 6ptica, traz-nos algum embara~o, quanta a um real didlogo, entre ocidente e oriente sobre os Direitos Humanos. Na medida em que os Direitos Humanos e a democracia tem sido propagados somente como valores ocidentais, o ocidente acaba por desempenhar o papel do dono desses conceitos. Esta ideia recorda o passado colonial em que exactamente o ocidente violou os Direitos Humanos e a democracia. Na mente das popula~oes da Asia oriental ainda permanece esta humilha~lio. E por esta razlio, que r! tao fiicil os regimes autoritdrios daquela regiao, usarem o seu orgulho nacional contra o ocidente. As politicas ocidentais junto da Asia no que se refire aos Direitos Humanos, deveriam, tentar de forma empdtica, uma orienta~lio quanta aos Direitos Humanos e democracia, que contemplasse a cultura asiatica e as suas tradi~oes.
Faradsch Sarkuhi (1998), urn cientista namano e activista dos lNTERVEN<;:AO SOCIAL,
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Direitos Humanos, tem uma visao semelhante, a partir da perspectiva do Islao:
E importante niio olhar para o Isliio de fonna ideoldgica . Toda a gente tem de pensm; sabre o seu proprio percurso de vida em liberdade, sem receio e vive-lo de uma forma independente. (. . .) Se os intelectuais do ocidente e certamente os governantes aceitarem o didlogo connosco, numa perspectiva critica, entao ele ford todo o sentido. E importante que o ocidente pense seriamente sobre os Direitos Humanos e nao o fora, so quando lhe dd jeito.
4. Direitos Humanos e Desenvolvimento Sustend.vel
4.1 A Conferencia do Rio de Janeiro de 1992 Nao se pode dizer que os Direitos Humanos tem sido entendidos como um conjunto de artigos de natureza dogmatica e rigida. Ha quest6es eticas que lhe sao inerentes, ao que se deve acrescentar as dimens6es globais e regionais em que se tem desenvolvido o conceito. Este desenvolvimento tem que ver com os tres principais pilares dos Direitos Humanos - dignidade, autodeterminac;:ao e justic;:a social - e com as condic;:6es de vida dos seres humanos no contexto global e regional. Em consequencia desta coexistencia, parece tornar-se necessaria que todos os seres humanos se responsabilizem por construir o seu futuro numa dimensao de participac;:ao e cooperac;:ao, tendo em conta as condic,:6es para uma vida de qualidade que terao de contemplar as dimens6es, ecol6gica, social e econ6mica. 0 significado e interesse desras dimens6es colectivas do nosso futuro comum, foi proclamado em 1992 na Conferencia do Rio de Janeiro, em que mais de 178 pafses de todo o mundo se comprometeram em realizar, o conceito de Desenvolvimento Sustentavel. A essencia da mensagem do conceito Desenvo!vimento Sustentdve! fora ja expresso no chamado "Brundrland- Report" em 1987: Desenvolvimento Sustentdvel, significa responder lNTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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presente, sem comprometer a capacidade das Juturas germ;oes de responder as suas prdprias necessidades.
Esta orientac,:ao veio a ser retomada no principia 3 da Declarac,:ao do Rio, com a seguinte exigencia: 0 direito ao desenvolvimento, deverd ser realizado de forma a que as respostas as necessidades das actuais gera(Oes, niio comprometam as foturas geraroes, no que se reporta as suas necessidades de desenvolvimento e ambientais.
4.2 A cooperac,:ao interdisciplinar como atitude de responsabilidade atraves da participas;ao Reconheceu-se que o conceito de Servic,:o Social, como uma profissao dos Direitos Humanos, poded. ser desenvolvida em qualquer parte do mundo, partindo das necessidades humanas. Dentro do conceito de Desenvolvimento Sustentavel, estas necessidades tern sido consideradas nos contextos ecologico, social e economico. Considerando a complexidade da maior parte das tarefas atribuidas ao Servic,:o Social, tanto na dimensao teorica como pratica, elas so poderao ser resolvidas an路aves de uma cooperac,:ao imerdisciplinar, uma vez que as profiss6es de outros ambitos da ciencia como engenheiros, tecnicos, economistas, advogados, arquitectos e outros, estao mais sensibilizados para o conceito de Desenvolvimento Sustendvel do que para o conceito dos Direitos Humanos, como estao os profissionais de Servic,:o Social. Parece pais adequado enfatizar-se a articulac,:ao de uma orientac,:ao das atitudes em prol da dimensao antropologica dos Direitos Humanos com uma dimensao futura inspirada pela Agenda 21 no que se reporta as dimens6es ecologica, social e economica da vida humana. Esta ligac,:ao, entre os dais conceitos, sob o principia Direitos Humanos orientados para o Desenvolvimento Sustentdvel (Walz, 2000), pode ser vista como uma base de natureza cientifica, para a coopera<;:ao a escala global , local e "glocal". Ha ja exemplos visiveis em projectos de interven<;:ao comuniraria, ou outros como e pratica do trabalho em Servic,:o Social (Andre & Walz, 2003) atraves do trabalho em parceria com medicos, gesINTERVEN<;:AO SOCIAL,
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tores, arquitectos paisagistas, juristas, empresarios, engenheiros e politicos.
5. Conclusao
5.1 Conteudos e atitudes sao ambos importantes Como se salientou att路as, e muito importante o ensino dos Direitos Humanos articulado com o conceito de Desenvolvimento Sustent:ivel, em primeiro Iugar para se reconhecer, treinar e reflectir, as atitudes inerentes e no que elas tern de comum e de diferente entre os varios profissionais e a partir dar formar para o que ha de comum e de diferente em cada conceito. Tanto no campo teorico, como na pratica profissional estas competencias devem ser desenvolvidas.
5.2 Supervisao de esd.gio com estudantes num projecto de intervenc;:ao local Considera-se que a supervisao pedagogica, proporciona boas possibilidades para treinar e reflectir atitudes e conteudos e a sua interdependenCla.
Como exemplo refira-se o trabalho desenvolvido com urn grupo de estudantes de Servic;:o Social de uma Universidade portuguesa que desenvolveu projectos de trabalho junto de uma comunidade residencial. Urn dos estudantes desenvolveu urn projecto de apoio a uma organizac;:ao de moradores, cujas metodologias de inrervenc;:ao passavam pela implementac;:ao e concretizac;:ao do plano de actividades daquela associac;:ao, suportada em estrategias de participac;:ao lideradas pelos seus c01-pos sociais. 0 projecto destinava-se a apoiar os membros daquela associac;:ao, imigrantes, oriundos de Cabo Verde principalmenre e tambem de outras ex-colonias portuguesas, em processo de realojamento num bairro social. As actividades planificadas em assembleia de associados reportavam-se as areas onde aqueles moradores em fase de inregrac;:ao, encontravam o maior numero l NTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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de lacunas na resposta as suas necessidades por parte dos servi<;:os oficiais e elas eram: - apoio social em situa<;:6es pontuais nao cobertas pelos orgamsmos oficiais; - actividades de natureza, recreativa, cultural e desportiva no Bairro; - actividades de manuten<;:ao e arranjo dos espa<;:os circundantes e tratamento de residuos; - actividades de incremento do intercambio com grupos congeneres e visibilidade da sua associa<;:ao; - espa<;:o de apoio juridico a situa<;:6es em processo de legaliza<;:ao. Supervisor de estagio e estudante estiveram atentos a alguns prindpios importantes, no que se refere a complexidade do processo de participa<;:ao destes cidadaos, considerando as suas caracteristicas pessoais, promovendo-se o exerdcio da cidadania, e recusando-se todos as atitudes conotadas como xenof6bicas, baixa auto-estima e ainda comportamentos de rejei<;:ao entre diferentes etnias. Este projecto com os c01路pos sociais da associa<;:ao de residentes foi positivo tanto quanto foi possivel, generalizar trocas e coopera<;:ao entre os diferentes moradores chegados de diferentes partes do mundo, e desafiando as suas capacidades de participa<;:ao no desenvolvimento da expressao de cada cultura presente. Porque a vida acontece todos os dias em diferentes dimens6es, viver numa comunidade de vizinhos, requer nao s6 condi<;:6es de alojamento, mas tambem nao menos importante, urn processo de integra<;:ao reportada a uma perspectiva de desenvolvimento local sustentcivel. Verificou-se ser indispensavel a participa<;:ao e coopera<;:ao de actores internos e externos ao Bairro, arrastando consigo outros servi<;:os e respectivos profissionais desde o sector da saude, saneamento basico, urbanismo, servi<;:os de auditoria, gestao, poderes autcirquicos, gabinetes juridicos ate aos tecnicos de obras. Residentes - homens e mulheres - estudantes, supervisores e outros actores sociais, verificaram quanto era necessaria trabalhar em conjunto para aprender como faze-lo em cada dia e da melhor forma, numa tentativa de garantirem a sustentabilidade das suas ac<;:6es e tendo em coma o que os membros daquela associa<;:ao desejavam concretizar. lNTERVEN<;:AO SOCIAL,
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6. A mudans:a de perspectiva
A articulas:ao do conceito do Servi<;o Social como uma profissao dos Direitos Humanos com o conceito de Desenvolvimento Sustent<ivel orienta-nos para as seguintes mudan<;as de perspectiva nos campos teorico e pratico: • Quanto aos conteudos teoricos: a passagem de uma compreensao determinista e mecanicista para uma de participa<;ao e mais holistica; • Quanto a visao do mundo no que se refere as rela<;6es entre na<;6es culturas e religi6es: parte-se e uma visao colonial e universal para uma visao federalista, inter-cultural e inter-religiosa; • Quanto as rela<;6es de genera: parte-se de uma perspectiva de conflito entre generos ou de neutralidade, para uma perspectiva de partilha de saberes como orienta<;ao de prindpio.
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Jose Luis Sarasola SANCHEZ-SERRANO*
Etica y trabajo social La proftsidn del Trabajador Social tiene Ia ineludible necesidad de una regu!acidn etica que tiene que p!asmarse en unos Codigos Deonto!dgico que oriente Ia intervencidn del proftsiona!. E! porque es obvio: existe unos minimos desde la etica, de deberes exigib!es a los trabajadores socia!es en su quehacer correcto, y en segundo Iugar tal regu!acidn surge del propio seno de Ia proftsidn, independientemente de cuestiones po!fticas o re!igiosas y basada en principios de atencidn integral a los usuarios que acuden a! trabajo social.
1. lntroducci6n: aclaraciones eticas La ETICA en trabajo social es un concepto basico tanto en la docencia como en la intervenci6n cotidiana. Los seres humanos y los profesionales del trabajo social, no obramos de manera inconsciente, lo hacemos de forma deliberada y las teor!as eticas van a permitir fundamentar racionalmente una moral que hemos de aplicar en nuestro ejercicio profesional como trabajadores sociales en nuestra intervencion profesional. La palabra ETICA proviene del griego ETHOS, que significo "lugar don de se vive", "casa'' y que posteriormente paso a significar el "caracter", "el modo de ser" o incluso la "costumbre", (mos-moris: la moral) yes que la ETICA se relaciona intimamente con la MORAL, confundiendose en ocasiones ambos terminos sinonimizandose sus conceptos. Podemos conceptuar la moral como un conjunto de valores, principios, normas de conducta, prohibiciones ... de una comunidad, que forma un sistema coherente dentro de un contexto historico en tiempo y forma, y que sirve como ideal, como modelo de conductas deseables y aceptadas, al estar de este modo establecidas. * Profesor Titular do Departamento de Trabajo Social de Ia Universidad Pablo de O lav ide de Sevilha (Espanha).
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En contraposicion la ETICA no nos sugiere o impone normas ni conductas, no dice directamente lo que debemos hacer. Su cometido no es inmediato, directo, sino que aclara que es la MORAL y como se ha de aplicar esta MORAL. Para nosotros trabajadores sociales nos aclarara como hemos de intervenir en los distintos ambitos de nuestro quehacer profesional. La ETICA constituye una reflexion sabre el hecho MORAL, busca las razones para justificar un sistema moral u otro. Encontramos definida la etica por distintos autores: "Entendemos por etica una forma de organizar las conductas obedeciendo a alguna razon. Esta razon puede ser un principia superior al individuo que ejerce un tipo de autoridad moral o bien puede responder a una decision personal sabre su propia forma de actuar" (Gaitan y Zamanillo, 1992: 52). "Lo etico comprende, ante todo, las disposiciones del hombre en la vida, su caracter, sus costumbres y naturalmente, tambien su moral [es] su ' modo o forma de vida' en el senti do hondo de la palabra" (Zubiri, 1994: 259). "La etica desde sus origenes se ha gestado como un saber que se propone ofrecer orientaciones para la accion de modo que actuemos racionalmente, es decir que tomemos decisiones justas y buenas, y justamente recibe el nombre de ETICA porque tales decisiones exigen cultivar las predisposiciones a tomarlas hasta que se conviertan en habito, incluso en costumbre" (Cortina, 2003: 18). "Conjunto de reglas morales que regulan la conducta de las personas en general, o en un campo espedfico" (Gran Enciclopedia Universal , 2004: 4629). Y para terminar con la aclaracion del concepto ETICA no podemos olvidar que los conocimientos los fijamos atendiendo a la evolucion de los mismos, y a ella procedemos de manera rapida, siguiendo a Espasa Calpe (2004: 4629). En Socrates y Platon esta presente una reflexion etica autonoma. Aristoteles funda la etica filosofica, plantea la relacion entre normas y bienes, clasifica las virtudes eticas que nos van a servir para fijar el arden que se sigue desde el Estado y van a tener su origen en el habito y la costumbre. INTERVEN<;i\0 SOCIAL, 29, 2004
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Las escuelas postaristotelicas van a establecer una jerarqufa de aspectos concretos hacia los cuales aspiran las personas y por las cuales medimos la moralidad de sus aetas. Tras la aparici6n del cristianismo lo etico queda incluido en lo religioso. Para ella se suprimieron aspectos hedonistas, naturalistas y auton6micos de las escuelas griegas. Los siglos XV al XVII ven el desarrollo de importantes corrientes neoestoicas, con fil6sofos de la talla de Spinoza y Descartes. Los problemas de nuevo cufio presentados a individuos y comunidad en el siglo XVII conduce a reformulaciones radicales de las teorfas eticas, como las teorfas fundadas en el egofsmo de Hobbes, las del realismo politico de Maquiavelo o la de sentido moral de Hutcheson. A partir de Kant la etica experimenta una transformaci6n radical, al formular una etica formal ' aut6noma y rigoricista. La influencia de Kant se extendi6 por todo el siglo XIX junto a otras corrientes idealistas alemanas como la de Fichte. Surgen nuevas corrientes ETICAS como la utilitarista, la intucionista inglesa, el evolucionismo etico y la antimoral de Nietzsche. En la etica contemporanea, influida por la etica Kantiana, encontramos a Hare, Kohlberg, Apel, Habermas y Rawls. En las paginas de la obra "El mundo de Sofia", (Gaarder, 1994) encontramos gran parte de estos autores y sus teorias de una forma didactica y amena, asf como en la obra "Historia de la Filosoffa" de Garda Maurifio y Fernandez Revuelta.
2. La etica en el Trabajo Social En la estructura social hispano-lusa aparecen actualmente nuevas formas de pobreza, situaciones marginales excluyentes y nuevas culturas en la forma de presentar y atender demandas desde los servicios sociales. Todo ella en un mundo donde la globalizaci6n se sittla en un primer plano, la inmigraci6n pasa a ser un fen6meno de primera magnitud, la esperanza de vida hace que la expectativa de nuestros mayores vaya en continuo avance, tanto es que pasamos del 15% de poblaci6n mayor de 65 afios por primera vez en nuestra historia, unido todo a la universalizaIN'fERVENt;:AO SOCIAL, 29, 2004
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cion de la educacion, salud y servicios sociales lo que crea un nuevo sentido tanto desde las politicas sociales como de los tecnicos que intervienen con esos usuarios y de los propios usuarios. La ETICA para los trabajadores sociales viene en gran medida expresada en el C6DIGO DEONTOLOGICO de la PROFESI6N de DIPLOMADO en Trabajo Social, ya lo dice un preambulo: (1999: 5). La elabomcion del presente codigo viene marcada por !a necesidad de establecer un marco de regulacion de los principios eticos J' criterios proftsionales por los que se deberd regir La proftsion de diplomado en trabajo socia!lasistmte social a La luz de los principios J' criterios de La etica del trabajo social aprobados por !a AsambLea GeneraL de La Federacion IntemacionaL de Trabajadores SociaLes cefebrada en CoLombo, Sri Lanka, deL 6 aL 8 de juLio de 1')')4; los derechos contenidos en Ia Decfaracion UniversaL de Derechos Humanos de las Naciones Unidas J' otros acuerdos internacionales derivados de esta Decfaracion, J' fa Constitucion EspanoLa de 1')78. Con eL presente Codigo se aseguran una serie de principios J' lineas de actuacion, otorgando a los dipLomados en trabajo sociaL/ asistentes sociales, un marco normativo que fovorezca su independencia, credibiLidad, honestidad e intervencion respetuosa, correcta J' adecuada a las caracteristicas )' necesidades de los usuarios, que Les permita utilizar los savicios con las debidas garantias. Estas garantias son igualmente fundamentafes para Los propios proftsionafes, ya que es impmcindible que cuenten con un marco legal perfectamente delimitado en el que apoyar su actuacion proftsional, frente a posibles injerencias o altaaciones en su Labm~
Los codigos de etica profesional son el lugar apropiado para encuadrar y fijar las normas y criterios que rigen la profesion de los/as trabajadores sociales. Esto es posible por la preocupacion de los Colegios Profesionales por propiciar Codigos que regulen la profesion del Trabajo Social y del ejercicio que de la misma hacen los/as profesiones del Trabajo Social. Los codigos eticos, al regular la actividad de los trabajadores sociales en el ejercicio de la profesion, protegen a los usuarios de las malas pd.cticas profesionales, de la falta de profesionalidad y de rigor tecnico, del desconocimiento de la intervencion o de los recursos sociales .... , asimismo regula las conductas profesionales de los trabajadores sociales con otros/as f NTERVEN(JiO SOCIAL,
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de su profesion, otros/as colegas o compafi.eros profesionales (educadores, psicologos, abogados ... ) y la sociedad en general. Los codigos eticos ademas proporcionan gu1as a las que se someten a dichos codigos para darles gu1as en cuanto se enfrentan a dilemas morales en su practica profesional, como puede ocurrir con el secreta profesional que segun el codigo ames expuesto en su capitulo VI regula. Articulo 3 5. - El secreta profesional es un derecho y un deber del diplomado en trabajo social/ asistente social; derecho y deber que permanecen incluso despues de haber cesado Ia prestacion de los servicios profesionales. Artkulo 36. - El diplomado en trabajo social! asistenre social debe guardar secreta de todo lo que los usuarios/ clientes le transmitan y conHen, as{ como de lo que conozca en su ejercicio profesional. Tanto la recogida como la comunicacion de datos debe ser restringida a las necesidades de la intervencion profesional. Articulo 37. - La informacion que le sea requerida al profesional a efectos estadfsticos, de planificacion, evaluacion de programas u otros, debe facilitarla sin los datos identificativos de los usuarios/ clientes. Articulo 38. - Los sistemas de informatizacion de los datos contenidos en fichas, historias, expedienres e informes sociales deben garantizar el derecho a la intimidad del usuario/ clienre, siendo el acceso a la citada informacion restringido a los profesionales directamenre implicados en la practica profesional. Articulo 39. - La inrerrupcion o finalizacion de la relacion profesional o la muerte del usuario/ cliente no exime al diplomado en trabajo social! asistente social del deber de guardar el secreta profesional. Articulo 40. - No se vulnera el secreta profesional en los siguientes supuesto. a) Por Ia realizacion de la actividad profesional en equipo, siempre que lo que se revele sea necesario para la intervencion profesional. b) En la relacion y colaboracion del diplomado en trabajo social! asistenre social con otros profesionales de distinto ambito tecnico o de otras disciplinas, siempre que dicha colaboracion se produzca en el marco de la intervencion profesional. c) Si con el mantenimiento del secreta profesional se produj era un perjuicio al propio usuario/ clienre, por causa de su incapacidad i NTE RVENc;'AO SOCIAL, 29, 2004
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Hsica o ps!quica, o se dafiaran los intereses de terceros declarados mcapaces o no. d) Para evitar una lesion notoriamente injusta y grave que la guarda del secreta profesional pudiera causar al profesional o a un tercero. e) Cuando el profesional fuera relevado del secreta profesional por el propio usuario/ cliente o sus herederos. Dicho acto de relevo debera constar por escrito. (1998: 16-17). Ahora bien, a fin de realizar todas esras funciones, un c6digo ha de consistir en un conjunto de normas y criterios precisos que permitan a los clientes y a otras personas saber que deben esperar de los profesionales y a los profesionales que deben de hacer en cada caso en tanto que son profesionales (Salcedo, 2000: 59). Para Garda Roca esta etica que fundamentada Ia moral moderna seria una acci6n movida por el deber, los principios u los ideales, y las acciones sedan m01路ales cuando se pudiesen justificar en virtud de principios reglas o imperativos universales (1994: 93). Ahora vamos a referirnos a situaciones conct路etas donde la etica y el trabajo social se dan la mano y las respuestas que damos los profesionales en base a la aplicaci6n de c6digos ericos o estan anticuadas o presenran respuestas ambivalentes. Ejemplo 1. 0 : Recientemente se ha estrenado la pelicula de Alejandro Amenabar "Mar adentro" que trata el rema de la eutanasia, aspecto no legalizado en la acrualidad en nuestros respectivos paises, el articulo 4-5 del c6digo de Erica del Consejo General de DTS dice: Articulo 4. "Todo ser humano posee un valor unico". Articulo 5. "Cada individuo tiene derecho ala autorrealizaci6n. Y en su articulo 31 nos habla de cooperar con entidades que proporcionen servicios adecuados, (lease la entidad sanitaria y el mantenimiento de la vida mientras sea posible). ~Que hacer desde el trabajo social? La respuesta puede venir regulada en los c6digos eticos europeos para el trabajo social como lo hace el c6digo americana de la NASW (Asociaci6n Nacional de Trabajadores Sociales Estadounidenses), de 1997: l NTERVEN<;:AO S OCIAL, 29, 2004
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Articulo 1.01: "La responsabilidad principal de los trabajadores sociales consiste en fomentar el bienestar de los clientes. En general los intereses de los clientes son prioritarios, sin embargo, !a responsabilidad de los trabajadores sociales hacia la sociedad en general o las obligaciones juridicas espedficas pueden en ocasiones aumentar la lealtad debido a los clientes, y de esto se informara a los clientes". Ejemplo 2. 0 : En Ia ciudad de Sevilla se ha terminado con un asentamiento chabolista en el barrio sevillano de los Bermejales, los hechos brevemente explicados ocurrieron como sigue; El 28 de julio del 2004 sobre las 7 de la manana una empresa constructora abona 42.000 euros a cada una de las familias chabolistas instaladas en un asentamiento, desde hacia mas de 15 afios, para construir viviendas en el solar que han de desocupar. El dinero llega en un furgon blindado de la empresa "Seguritas" con escolta policial, y se les entrega a los chabolistas la cantidad estipulada en billetes de 500 euros dentro de bolsas de plastico transparente. Los chabolistas firman un recibo en el que se comprometen a la compra de luna vivienda en cualquier sitio de la ciudad menos en el Poligono Sur (barrio de Sevilla con zonas muy deterioradas y marginales sobre las que existen diversos planes de intervencion). Despues de la polemica decision tomada por el Ayuntamiento de Sevilla donde existe un pacto de gobierno de dos partidos de Izquierda (PSOE-IU), se creo una Comision de Investigacion que en el momento que escribimos esto no ha concluido sus trabajos. Desde el punto de vista de la etica y el trabajo social este asunto es un desproposito la forma de acabar con un asentamiento chabolista por parte de un Ayuntamiento eso es utilizar el simi! de "toma el dinero y cone" 2no existe otros procedimientos?, 2se ha estudiado la situacion de las familias?, 2se ha hecho un seguimiento?, 2se han buscado recursos sociales y de vivienda para paliar su situacion?, 2se saben que es de las familias? ... La administracion publica no puede actuar de esta manera, si es legal los tribunales lo determinaran, pero lo que si podemos afirmar que no es moral, ni etica la forma con la que se ha terminado con el asentamiento chabolista. lNTERVENC,:AO SOCIAL, 29, 2004
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Y t1Uestra reflexion es: 2Y los trabajadores sociales que han intervenido en ese asentamiento desde ONG y desde las propias estructuras sociales del Ayuntamiento de Sevilla (Unidad de Trabajo Social-Zona de Trabajo Social)?. 2Se han opuesto?, 2se han establecido en comisiones para tratar el problema? ... , puesto que el articulo 33 del Codigo Deontologico de Ia Profesion de Diplomado en Trabajo Social dice textualmente: Ante prdcticas no eticas de alguna organizacion o entidad que lesionen los derechos ylo dignidad de usuarioslclientes el diplomado en trabajo social/ asistente social debe utilizar todos los medias eticos posibles para acabar con las prdcticas no eticas cuando las lineas de actuacion, procedimientos )' prdcticas estdn en conjlicto directo con los principios eticos del trabajo social.
Pero no quedaria completamente comentado este ejemplo si no analizaramos la actuacion del colegio oficial de Diplomados en Trabajo Social de Sevilla que ante esta situacion social verdaderamente inusual y problematica acaecida en la ciudad de Sevilla han debido de pronunciarse y de encabezar alguna actuacion que al dia de hoy no se ha producido.
Ejemplo 3. 0 : La informacion confidencial puede definirse como un hecho o una condicion, o los conocimientos que de ellos se derivan, que pertenece ala vida privada de una persona y que, normalmente, se halla escondida a los ojos de los demas. Existen tres tipos de informacion confidencial: el secreto natural, el secreto bajo palabra y el secreto confiado. El secreto natural consiste en una informacion que, si se revela, danaria o causaria una injusta tristeza a una persona. La obligacion de guardar el secreto natural afecta a todos, con independencia de la naturaleza de las relaciones. Tal vez se haya conocido el secreto a traves de un pariente, de un amigo, de un extrafio o de un profesional. Quiza haya llegado al conocimiento del trabajador social de manera oficiosa, fuera de las relaciones profesionales. Normalmente se trata de una informacion que dafiaria la reputacion, real o aparente, del cliente. La revelacion a los demas de un delito real, pero oculto, de una persona constituye una violacion etica conocida por difamacion. La base del derecho a los secretos naturales es el derecho natural del hombre a su reputacion. El trabajador lNTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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social, por tanto, tiene la obligacion de salvaguardar tal tipo de informacion relativa al usuario, aun cuando haya conocido como individuo privado, siempre que, naturalmente, no exista un derecho de otra persona que domine al derecho del cliente, como por ejemplo desvelar a un hijo el amante de su madre/padre. El secreta bajo palabra es aquel en que el trabajador social ofrece la seguridad o hace la promesa, despues de conocer la informacion secreta, de que no la divulgara. La materia objeto del secreta bajo palabra puede abarcar hechos difamatorios sabre la vida personal del cliente, que no desea que sean revelados, como por ejemplo el antiguo ejercicio de prostitucion de una usuaria. El secreta confiado al trabajador social con el acuerdo previa, como por ejemplo la cuantia de los ingresos que tienen los usuarios, explicito o implicito, de que no la revelara. La materia objeto puede comprender o no un secreta natural. El secreta confiado supone un acuerdo contractual entre dos personas, que obliga al confidente a guardarlo incluso si la materia no riene naturaleza difamatoria. En la labor social, la reserva abarca los tres ripos de see1路eros. Sin embargo, de manera mas general, el secreta profesional del trabajo social es el secreta confiado. Aun cuando el no exprese verbalmente la naturaleza contractual de su revelacion, y aunque no diga: "Le doy esta informacion solo con la condicion de que no la revele", existe siempre la presuncion de que se hace un contrato racito. Por tanto, el trabajador social tiene Ia obligacion etica, nacida de ese contrato, de guardar la confidencia. Los trabajadores sociales no han necesitado teorizar respecto a Ia naturaleza de esa obligacion, porque su conciencia de profesionales siempre los indujo a aceptar totalmente el principia reserva, basado en la ETICA. Lease el Codigo Deontologico (1999: 16) ardculos 35-36 comentados anteriormente.
3. Consideraciones finales Las convicciones eticas morales del trabajador social se caracterizan por ser llevadas a cabo con sentido universal, es decir que lo que un trabajador/a social considera validos en su conciencia personal y profesional I NTERV EN~:Ao S OCIAL,
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los es porque se presenta como valida para cualquier otro trabajador/a social e igual circunstancia. Lo que debemos de evitar es lo que ocurre en esta sociedad, entendida como aldea global pero tambien glocalizada (Sarasola, 1998: 65) en Ia cual las convicciones eticas de cada trabajador/a social parecen ser una posicion etica mas entre Ia variabilidad y multiaparicion de otras posiciones incluso contradictorias. Es basico llegar a entendimientos entre todos los profesionales desde niveles micro hasta macro, porque Ia etica en una profesion no puede concebirse como un mosaico de morales diversas, sino que debe resultar de un consenso entre las diversas opciones. En trabajo social debemos evitar que los asuntos eticos del resultado de nuestra intervencion profesional no sea tan solo una etica individual con un modelo personal segun nuestra situacion contractuallaboral, sino que este basado en una justicia y bienestar colectivo, el nivel que adquiera este compromiso etico sera el que marcara Ia -catadura moral de nuestra sociedad. Ya Giner (1992: 23) enunciaba Ia desaparicion de una clara vision de lo que es el "bien com lin" por una nocion de "por el in teres general", mientras que el primero es previa al individuo, el segundo es resultado de las negociaciones entre los distintos colectivos y sabre todo recordemos que suelen imponerse aquellos que cuentan con suficiente poder e influencia para imponer su opinion. Y para finalizar a su vez queremos prevenir al trabajador social de lo que actualmente nos venden por etico y por moral (ver ejemplo de erradicacion del chabolismo en los Bermejales), que noes mas que Ia politizacion de estos aspectos, ya que Ia Administracion local, regional y nacional que Ia ciudadan{a elige para que nos gobierne determina que es el interes comun y cuales son las prioridades para llevarlo a cabo. Y Ia etica deja de residir en grandes principios y pasamos a tratarla como una cuestion practica, descuidandola y dejando a los profesionales sin norte ni gu{a en su ejercicio profesional. Debemos pensar desde la profesion del Trabajo Social en una ETICA actualizada que diese respuesta a problemas actuales como Ia intervencion con las personas inmigrantes que llegan a la peninsula sin papeles, temas como Ia interrupcion del embarazo, Ia eutanasia, Ia reinsercion de pedel NTERVENc;:Ao SOCIAL, 29, 2004
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rastas, Ia realizacion de intervenciones e informes para separar menores de su familia biologica, la intervencion con mayores en residencias privadas sin las garandas necesarias, el incumplimiento de derechos de personas discapacitadas, la atencion a personas "sin techo" ... Joan Carrera (2003: 17) aboga par una Etica Civil Minima, asimismo el mundo profesional del Trabajo Social, encabezado par profesionales comprometidos y colegios profesionales serios han de acometer esta reformulacion etica que tanto necesitamos.
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INTERVEN<;:Ao SOCIAL,
Ernesto FERNANDES
29,2004: 139-152
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Por uma carta etica da intervenfiiO social 0 documento "Por uma Carta Etica da lntervenriio Social" consubstancia a reflexiio produzida e aprofimdada em quatro contextos de formariio permanente para profissionais da intervenriio social, entre 2001 e 2004. 0 campo da intervenriio social integra profissionais de formariio acadbnica diversa, aconselhando a constntriio de referencias etico-politicas comuns. Neste sentido, o documento reflecte uma concepriio baseada na articu!ariio entre o "cientifico-tecnico '; o "erico-politico" e o "esthicoexpressivo ". Eixos indivorcidveis da prdtica profissional, direccionada para a defesa - educarao - promoriio da cidadania, que requer uma nova cu!tura civica, sustentada na indivisibilidade dos direitos humanos. A Carta reflecte tambem a necessidade de superar as tres dimensoes tradicionais (os publicos, objecto-sujeito da intervenriio; os colegas e outros profissionais; as organizaroes-instituiroes e a sociedade), explicitando uma quarta dimensiio etica: 'os valoresldeveres para consigo proprio'~
Apresenta~ao
A presente Carta eo resultado de urn processo de informac;:ao-formac;:ao e de reflexao em grupo, materializado em tres Seminarios para profissionais da lntervenc;:ao Social, sob o titulo Projecto societal e projecto profi.ssional: a incontorndvel reftrencia~iio etico-polttica da interven ~iio social, organizados pelo Programa de Eliminac;:ao da Explorac;:ao do Trabalho Infantil - PEETI, Foz do Arelho, Novembro de 2001, e pela Universidade dos Ac;:ores - Instituto Superior de Servic;:o Social de Lisboa, em Ponta Delgada, Abril de 2002, e no Polo de Angra do Herolsmo, Janeiro de 2003. E, ainda, formador do Curso Etica, Deontologia e Servi~o Social, * Relator. Docente do Instituto Superior de Servic;:o Social de Lisboa e da Universidade dos A.yores, em cooperac;:ao cientffica de docentes, no Curso de Licenciatura em Servic;:o Social, desde 2000/2001.
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organizado pela Associas:ao dos Profissionais de Servi<;:o Social - APSS, em Mar<;:o de 2004. Participantes em numero de cento e sessenta pessoas. Esta quarta versao representa o trabalho de aprofundamento desenvolvido sobre o texto inicial e condensa uma participa<;:ao academico-profissional diversa (licenciados em Servi<;:o Social, Sociologia, Psicologia, Antropologia, Anima<;:ao, Politica Social e em varias areas do ensino). Na qualidade de formador, nos Seminarios referidos, coube-me exercer a funs:ao de relator.
Considerandos
A modernidade, na era da globalizas:ao, tern vindo a escancarar as desigualdades, nomeadamente entre classes sociais e entre paises. Urn tempo deficirario na emancipa<;:ao que promete e avassalador na barbarie que cumpre. Como opor resistencia activa e propositiva a re-emergencia do capitalismo selvagem (Leao Xlll, 1893)? A modernidade, ancorada na "razao - ordem - progresso", mercantilizou o nosso modo de vida segundo uma cultura de div6rcio entre "verdade- bern- belo". Como inverter esta marcha de loucura da normalidade (Arno Gruen, 1995)? Como cuidar da "condis:ao humana", segundo a etica do poder de perdoar e do poder promessa a cumprir? Vale libertarmonos do conceito de hom em como "natureza", vale apreender o homem e a humanidade em sua condis:ao, s6cio-historicamente construida (Hannah Arendt, 1958). Neste contexto de interroga<;:6es, a etica ressurge como necessidade/imperativo contra a vida consentida, em busca da vida com sentido (Carmo Ferreira, 1998). Assim e em ruptura com os moralismos, aprendermos juntos que e uma ilusao/ocultas:ao divorciar: projecto socierario e projecto profissional. A interven<;:ao social deve fundar-se numa tripla referencia<;:ao: cientifico-tecnica (verdade), etico-politica (bem) e estetico-expressiva (belo). Uma etica basica deve formatarlconferir sentido a diversidade dos saberes academicos (assistentes sociais, professores, psic6logos, sociol6gos, antrop6logos, animadores ... ) dos profissionais que integram as equipas e protagonizam projectos e actividades de interven<;:ao. ] N TERVEN<;:AO SOCIAL,
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A constru<_;:ao de uma deonrologia (do gr. deontos - necessidade + logollogia) da interven<_;:ao, sempre sociocultural, devera compreender quatro dimensoes: os valores/deveres para com os publicos, objecto- sujeito da interven<_;:ao; os valores/deveres para com os colegas e otltros profissionais; os valores/deveres para com as organiza<_;:6es-institui<_;:6es e a sociedade; os valores/deveres para consigo proprio. Sao quatro dimens6es em rela<_;:ao redproca, que constituem a pessoa-profissional como eixo crucial: aprender a ser. Uma constru<_;:ao/caminhada estetico-expressiva que se alimenta e fomenta o aprender a conhecer, o aprender a fazer e o aprender a viver juntos (UNESCO, 1996). Uma etica profissional nao apenas direccionada para a intervens;ao psicossocial (as pessoas, as familias, os grupos, as comunidades locais), mas combinadamente orientada para a intervens;ao sociopolitica (os problemas e as politicas sociais), questao menosprezada pelos profissionais da interven<_;:ao sociocultural. Persiste uma falsa ideia sabre o politico, ou seja, sabre o homem como ser da polis (animal politico, como disse Aristoteles, no sec. v A.C.). Considera-se que a Declaraflio Universal dos Direitos do Homem (ONU, 1948) constitui o quadro valorativo de referencia, consubstanciado em outros documentos internacionais que especificam prindpios ou direitos em fun<_;:ao da idade, do genera, da condis;ao social ou de situas;6es singulares (a nao discrimina<_;:ao da mulher, os direitos da crians;a e do jovem, os imigrantes, os refugiados, as etnias, o confronto pafses ricos/ paises pobres, o desmando da sociedade sabre a natureza). Sao referencias internacionais que Portugal reconhece e tern vindo a consagrar na legislas;ao nacional. Sao referencias para a reinvens;ao da democracia como hdbito quotidiano (Mary Richmond, 1922) ou como modo de vida (Gisela Konopka, 1964). No caso do nosso pais, e da maior importancia nao subestimar uma heran<_;:a cultural de alienas;ao, radicada em dais pilares: o sociopolltico de deus - pdtria -familia e o ideocultural de fatima - fado - futebol. Sao habitus, disposis;6es subterrineas e duradouras (Pierre Bourdieu, 1997), que formatam o nosso universo simbolico-cultural e se constituem como obsraculos ou capital perverso para a consolidas;ao e aprofundamento da cidadania democratica. Se a intervens;ao social nao atender aos efeitos simbolicos e as consequencias sociopolfticas deste lastro do nosso passado recente, lNTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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reproduzira praticas assistencialistas e de esmola, por natureza antidemocrdticas (Mary Richmond, 1922). Revertendo o div6rcio da modernidade entre verdade-bem-belo, vale perguntarmo-nos: a intervens;ao social nao se dimensiona como acto teenice e de arte? Pela afirmativa, e contrariando a cultura de matriz econ6mico-social da intervens;ao, com Adorno (1951), diria: Toda a obra de arte e urn crime a baixo pres;o (Adorno, 200 1: 111). A intervens;ao social profissional e, de facto, urn modo de agir na polis, com saber cientifi.co-tecnico, mas combinadamente com "sentido" (valores/etica) e com "estilo" (expressividade/estetica). Urn modo de subverter a (des)ordem estabelecida pela crias;ao de alternativas, muitas sem aparato publico e reconhecimento social imediato (crime a baixo pre~o). Assim, concordamos em adoptar esta CARTA ETICA, reconhecendo que a auto-reflexao e a reflexao partilhada constituem o campo de crias;ao da consciencia etica, em banda larga, condis;ao para uma postura sustentada na diversidade e pluralidade dos actores sociais, tendo a liberdade individual e o respeito solidario dos direitos-deveres humanos como finalidade, radicados no valor primeiro da vida e da dignidade do ser humano. Sabemos que, entre a pulsao do sonho e o chao do real, o presente com sentido se constr6i com paciente persistencia e em educa~iio na cidade (Paulo Freire, 1991). Por isso, concordamos em adoptar a presente Carta, reconhecendo que a complexidade da vida, traduzida em cada situas;ao conct路eta, nos convoca para o aprofundamento e, sempre, para a reflexao partilhada em equipa, para que a deontologia seja sobretudo urn quadro de referencias e nao urn catecismo. Nesta perspectiva, sao valores basicos do trabalho social profissional (ONU, 1992) os seguintes: 1. Vida; 2. Liberdade e Autonomia; 3. lgualdade e Niio Discriminafiio; 4. justifa; 5. Solidariedade; 6. Responsabilidade Socia拢路 7. EvolufiiO, Paz e Niio Violencia; 8. Relafiies entre o Homem e a Natureza.
Neste quadro de referencias, assumimos o compromisso de cumprir e aprofundar esta l NTERVEN<;:Ao SoCIAL,
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Carta 1. Os val ores/ deveres para com os publicos, objecto-sujeito da intervenc;:ao a) 0 valor/clever de respeitar a dignidade do ser humano - crianc;:a, jovem, adulto ou idoso, normal ou estranho, nacional ou estrangeiro, cuidando de compreenderlapreender a sua historia de vida pela teia-rede das suas relac;:6es sociais e pelas suas puls6es individuais. A singularidade das situac;:6es individuais, socio-familiares e comunid.rias e a multiculturalidade devem ser cuidadosamente analisadas e compreendidas, condic;:ao necessaria para uma intervenc;:ao adequada e contextualizada. Importa romper com a sobrevitimizac;:ao do chamado cliente, ainda tao enformadora dos modos de trabalho tecnico, quando se posiciona com objectivos "muito ambiciosos" ou de "projecc;:ao" da sua propria vitimizac;:ao enquanto tecnico. Uma pedagogia socratica ou dial6gica recomenda-se como alternativa a pedagogia bancdria ou anti-dial6gica, segundo Paulo Freire (1997), porque importa ser facilitador-provocador de auto-estima, autonomia e sentido critico do cidadao/utente, e, por isso, de reconhecimento das suas mudanc;:as de trajectoria ("elogiar/reconhecer o sujeit 0 ") .
b) 0 valor/clever de cuidar da participac;:ao do sujeito-objecto da intervenc;:ao pela criac;:ao de condic;:6es intersubjectivas facilitadoras da expressao, implicac;:ao e co-responsabilidade nos projectos/actividades de remediac;:ao, prevenc;:ao ou resoluc;:ao dos problemas identificados. A participac;:ao, encarada como fortalecimento do poder pessoal e dvico (empowerment) dos socialmente em desvantagem (Mary Richmond, 1922), e uma dimensao fundamental para a construc;:ao do seu projecto de vida e decisao nas opc;:6es possiveis e adequadas ao seu percurso (a haver ambic;:ao, seja a do cliente). Cuidar, por isso, do auto-diagn6stico e da informac;:ao sobre os recursos disponiveis para fomentar a auto-gestao e decisao pelos proprios. INTERVENC::AO SOCIAL,
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c) 0 valor/clever de defender-educar-promover a indivisibilidade dos direitos (civico-politicos, econ6mico-sociais e culturais) do cidadao-publico da intervenyao, sem a qual o respeito pela integridade da pessoa, o respeito da vida e do cosmos se convertem em humanismo abstracto e antropocentrico ou em meta-discurso que nao cuida, no presente, do homem actual- geray6es vindouras - natureza. Visar a cidadania democratica (civil e social) obriga 0 profissional a advocacia social, ser representante-patronodefensor do cidadao face as falhas ou a ausencia, insuficiencia ou inadequayao de resposras as necessidades e problemas sociais, manifestos ou emergentes. d) 0 valor/clever do respeito mutua, segundo 0 principia de que 0 tecnico e o cliente tern direitos e deveres, que devem ser pedagogicamente explicitados e construidos ao longo da intervenyao, atendendo aos ritmos de apropriayao e eventuais regress6es de percurso. Contrato social, respeitado pelas partes, mas sobretudo em relayao pedag6gica pelo tecnico. e) 0 valor/clever da confidencialidade e do sigilo profissional como respeito pela relayao de confianya com os utentes e pela informayao de que se toma conhecimento no acto tecnico, ou seja, a defesa do principia da discriyao e da reserva como requisitos da relayao de ajuda, seja crianya ou jovem, seja adulto ou familiar, seja, sobretudo, estranho. A discriyao e a confidencialidade devem pautar tambem a relayao com colegas e organizay6es, sem deixar de investir na necessaria cooperayao entre tecnicos e entre serviyos. 0 consentimento previa das pessoas-cliente e incontornavel. Contra a devassa, esta em causa o direito a privacidade. Principia etico complexa e, por isso, a requerer explicitayao normativa (v. Projecto de Estatuto da Ordem dos Assistentes Sociais, Cap. IV- Deontologia Profissional, Lisboa, 2002).
2. Os valores/ deveres para com os colegas e outros profissionais a) 0 valor/clever da reciprocidade enquanto processo intersubjectivo l NTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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de permuta e complementaridade de saberes, experiencias, resultados e opini6es, por vezes, confrontacional, cuidando de colocar os objectivos dos projectos de intervens:ao como decifrador de qualidade, contra o corporativismo academico-profissional. 0 valor de repartir responsabilidades, partilhar vantagens pela cooperas:ao e de estabelecer/respeitar prioridades, adoptando a avalias:ao como procedimento metodol6gico essencial, quer como auto-avalias:ao, quer como avalias:ao sistematica dos projectos/actividades. Importa reconhecer que "trabalho em equipa'' nao deve ser confundido com "trabalho com uma equipa". b) 0 valor/clever da integras:ao dos novas colegas, cuidando da sua inserc:;:ao pela informas:ao sabre a legislas:ao, organica da instituis:ao, os projectos em curso, a redistribui<;:ao de competencias e tarefas e o acompanhamento e supervisao, para que os novas recursos sejam exponenciadores de melhoria da qualidade dos servis:os a prestar ao cidadao. c) 0 valor/clever da consideras:ao/respeito pelos colegas e todos os outros profissionais, cuidando da qualidade da relas:ao e da participas:ao de todos, segundo uma l6gica de envolvimento e co-responsabilidade que promova uma cultura organizacional democratica e de servi<;:o a comunidade/cidade, rompendo com o elitismo, a burocratiza<;:ao e o centralismo, que bloqueiam ou impermitem dinamicas ascendentes. d) 0 valor/clever da colaboras:ao na formas:ao dos futuros profissionais, sabendo acolher e apoiar os estudantes-formandos na sua formas:ao academica, assumindo-se como formador - supervisor em cooperas:ao com a Universidade e a Escola.
3. Os valores/deveres para com as organizas:oes- instituis:oes e a sociedade a) 0 valor/ clever da lealdade institucional, traduzida, nomeadamente, INTERVEN(,AO SOCIAL, 29, 2004
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no esforc;:o de desburocratizar e de assegurar a missao juddico-institucional de servicro a sociedade para a qual foi criada, ou seja, colaborar activamente para a actualizacrao da legitimidade social da organizac;:ao, trabalhando as conflitualidades entre servicros, tecnicos e cidadaos, cuidando da participacrao destes para a modernizacrao dos servicros. Urge romper com o modelo tradicional da adminisrrac;:ao dos servicros sociais publicos att路aves de canais de comunicac;:ao adequados e facilitadores da acessibilidade e da cooperac;:ao entre tecnicos e instituic;:6es. b) 0 valor/ clever da contratualizac;:ao - parceria, segundo uma logica de negociac;:ao, que rentabilize os recursos humanos e materiais dispon{veis e promova a efid.cia, na base duma cultura do reconhecimento em oposicrao a cultura do mal-dizer. Para a construcrao de parcerias-redes, aconselha-se o investimento na intersubjectividadelinformalidade da relac;:ao entre pessoas-colegas para condicionar e pressionar a mudanc;:a da hierarquia - burocracia, do desperdfcio dos recursos (sempre escassos) e do paroquialismo institucional, cultura que teima em persistir nos servic;:os sociais publicos face a Sociedade Civil e ao Mercado. Urge desenvolver uma cultura de parceria, deficidxia entre nos, atraves de uma comunicac;:ao decifravel pelos parceiros. c) 0 valor/clever da igualdade de oportunidade e da equidade (discriminac;:ao positiva- dar mais a quem tern menos, para viabilizar o direito a igualdade de oportunidades, em tempo util de vida), cujo garante deve ser o Estado de direito democdxico, a quem compete promover a efectivac;:ao dos direitos humanos (dvico-politicos, economicosociais e culturais), em colaborac;:ao com as organizac;:6es da sociedade civil e com o mercado. A justic;:a social- imperativo etico da cidadania democratica (civil e social) - constitui-se como eixo imediato e estrategico do desenvolvimento alternativo, em oposic;:ao a logicas regulacionistas e de primazia de criterios economicistas. Mesmo em termos economicos, vale antes prevenir que remediar, requerendo comunicac;:ao e cooperac;:ao entre os servic;:os para melhorar a qualidade das medidas/respostas as necessidades e problemas sociais. lNTERVEN<;AO SOCIAL, 29, 2004
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d) 0 valor/dever de investir no fortalecimento da sociedade civil (familia e outros grupos primarios, associac;:oes-organizac;:oes nao governamentais, movimentos sociais), ou seja, a imporrancia da Comunidade enquanto campo de relac;:oes proximas-horizontais, de base territorial ou centrada na defesa de causas comuns, que sensibilizam e alargam a consciencia critica dos cidadaos e simultaneamente os mobilizam como forc;:a de pressao e de iniciativas propositivas para aprofundar a democracia (democracia participativa) e balizar o poder fragilizado dos Estados e o poder avassalador do Mercado, no tempo da globalizac;:ao. A perspectiva do desenvolvimento social (ONU, 1995) sustenta-se nas riquezas humanas (afectivas, mentais, fisicas) como finalidade e motor do desenvolvimento, que investe na educac;:ao para o desenvolvimento contra a subeducat;!io de todos, como, desde ha decadas, disse Josue de Castro. e) 0 valorldever de participar nas associac;:oes da sua categoria profissional enquanto espac;:o privilegiado de produc;:ao de consciencia colectiva, de formac;:ao, defesa e afirmac;:ao publica da profissao e dos profissionais, nomeadamente face aos poderes publicos (central, regional e local) e particularmente para a manutenc;:ao, garantia e ampliac;:ao dos direitos sociais. f) 0 valor/dever de divulgar- criar opiniao publica sobre os projectos e actividades inovadores para ir construindo urn novo senso comum (Boaventura Sousa Santos, 1991), rompendo com a cultura da peste (Albert Camus, 1947 ) ou da cegueira (Jose Saramago, 1995), da dramatizac;:ao e do desencanto, pressionando os media para a prestac;:ao de urn servic;:o publico anti-imbecilizante, ou seja, de fomento de uma profunda cultura civica (Anthony Giddens, 2000): solidaria e de co-responsabilidade.
4. Os valores/deveres para consigo proprio a) 0 valorldever da autenticidade enquanto posrura/atitude, sempre em construc;:ao, de coincidencia ou aproximac;:ao entre as palavras e INTERVEN<;:AO SOClAL, 29, 2004
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os actos, entre parecer e ser. Requer o desenvolvimento de capacidades que tern por nome: motiva<_;:ao, auto-reflexao, auto-conhecimento, introspec<_;:ao, esperan<_;:a, responsabilidade. Toler!incia e uma vida de verdade (Hans Kung, 1999) para consigo proprio, pelo reconhecimento das limita<_;:6es e das capacidades proprias. b) 0 valor/clever da compett~ncia, incluindo a vertente de "gestao social", enquanto capacidade de desempenho, sustentada numa postura de pesquisa, seja pela forma<_;:ao permanente, pos-gradua<_;:ao (academica ou profissionallespecializa<_;:ao), pela supervisao, nomeadamente, a centralidade da forma<_;:ao em exerdcio (pensar e avaliar as pdticas em equipa), e, particularmente, a auto-forma<_;:ao, entendida como tempo que cada urn permite a si proprio, trabalhandose. Assim, a competencia e urn designio/projecto pessoal que compreende 0 cietifico-tecnico, 0 etico-politico e 0 estetico-expressivo. Pela auto-reflexao (uma hora por dia para estudar, UNESCO, 1997) gere-se - controla-se tambem as emo<_;:6es e sofrimentos que as vidas de outros em nos desencadeiam, requerendo/reivindicando as institui<_;:6es tempo, dentro do horario laboral, para a reflexao investiga<_;:ao. Importa romper com o praticismo em nome da produtividade e qualidade do acto tecnico. Importa considerar tambern que as profiss6es de interven<_;:ao, pela sua complexidade, aconselham vivamente que cada urn descubra e se exercite nas artes, a nivel de cria<_;:ao e/ou frui<_;:ao. Tocar outras linguagens (corporal, plastica, fic<_;:ao e poesia, ecologica) e refundar-se como pessoa, estetica e terapeuticamente. c) 0 valor/clever da realiza<_;:ao pessoal, sustentada na autenticidade e na competencia, para que o acto tecnico seja de efectivo servi<_;:o ao cidadao e, por isso, socialmente util, bern como, pessoalmente gratificante para o profissional. Vale, na interven<_;:ao sociocultural, a qualidade da rela<_;:ao (seio energia- empatia- lucidez) com o sistema-cliente, porque a interven<_;:ao profissional e tambem urn acto de poesia: Partimos. vamos. Somos, como disse Sebastiao da Gama, em 0 Sonho (1971). A interven<_;:ao e tambem urn acto de cria<_;:ao: Equilibrados no flo fino e lNTERVEN<;:Ao
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leve da vara. 0 jogo do que eos absorve. Porque o inventam, como nos diz Sophia de Mello Breyner Andersen, em 0 Buzio de Cos (1997) .
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]NTERVEN<;:AO SOCIAL,
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Antonio DUARTE, Marta SANTOS e Silvia GROSA*
Diversidade etica: Assimilac;ao ou Multiculturalismo A crescente heterogeneidade das sociedades com a intensificafaO das migrafi5es e das interacfi5es etnicas, a globalizafaO das relafOes interculturais e os movimentos em fovor dos direitos humanos apontam direcfi5es que jd nao podem ter suporte nos conceitos tradicionais de cultura e de relativismo cultural. 0 respeito pelo outro diforente r! cada vez mais em funfao do modo como sao reconstruidas e modificadas as interacfi5es do que do aprisionamento dos homens nas fronteiras de definifi5es estdticas. Face a estas realidades torna-se indispensdvel a problematizafaO do conceito de cultura de modo a considerd-la uma elaborafao colectiva, em transfonna(aO constante, em que a cultura dos imigrantes e das minorias sao aspectos especfjicos a ter em conta nas mudaJz(as das sociedades e dos individuos. Valores como dignidade, libn路dade, autonomia, responsabiliza(ao, para com a sociedade e para consigo proprio, acesso a bens primdrios e bens publicos, sao fundamentais para a eleva(ao da auto-estima do imigrante.
lntroducrao
1. A lrnigracrao como Questao Social 1.1. Conceito e desenvolvirnento hist6rico da irnigracrao A irnigra<_;:ao e o processo de entrada de grupos de popula<_;:ao nurn pais ou nurna regiao adrninistrativa, diferente da de origem, por urn deterrninado periodo de tempo. E urn fen6rneno que esta intrinsecarnente ligado a quest6es de ordern polltica, econornica e social, tanto do pais de origem como do pais receptor. A rnigra<_;:ao esta relacionada corn o * Alunos finalistas da Licenciatura em Servic;:o Social - ISSSL.
154 I Antonio Duarte, Marta Santos e Silvia Grosa
facto do Homem procurar uma maior estabilidade e melhores condi<;:6es de vida 1 • Apesar do crescimento significativo de imigrantes oriundos da Europa, America do Norte e do Sui e sobretudo dos Paises Africanos de Lingua Oficial Portuguesa (PALOP) nos anos 80, os primeiros fluxos migratorios para Portugal remontam aos anos 60, aquando do processo de industrializa<_;:ao e entrada de Portugal na EFTN, que fez com que a economia do pais se abrisse ao estrangeiro e, consequentemente, aumentasse a fixa<;:ao em Portugal. Por outro lado, o desenvolvimento do turismo e a consequente entrada de capitais estrangeiros canalizados para o Algarve fez aumentar o numero de ingleses e alemaes ali fixados (cf Esteves, 1991: 20). Na decada de 90 , assiste-se a uma altera<_;:ao nos fluxos migratorios em Portugal: verifica-se a chegada de novas popula<;:6es provenientes do con·tinente americano e especificamente do Brasil. "0 quadro das altera<;:6es do actual fluxo migratorio e complementado sobretudo com a chegada dos trabalhadores das antigas republicas socialistas" (Alvarenga, 2002: 28). Os imigrantes da Europa de Leste entram no espa<;:o Schengen 3 au·aves de paises como a Alemanha e a Austria, sendolhes permitida a livre circula<;:ao nos paises aderentes a esta conven<;:ao, entre os quais se insere Portugal (cf Dias, 2002: 329) .
1.2. Caracteriza<_;:ao da popula<_;:ao imigrante em Portugal No que se refere aquestao socio-demogd.fica, a popula<;:ao estrangeira com residencia legal no nosso pa1s 4 apresenta as seguintes caracteristicas tipicas: 'No entanto, a maioria dos autores como Malheiros (C. 1996: 45), Ferreira e Rata (C. 2000: 310), Pires (C. 2003: 61) sao unanimes em considerar, que a principal causa da imigra~ao e de ordem economica. 2 European Free 11-ade Association - Associa~ao Europeia de Comercio Livre surgiu att·aves do Tratado de Estocolmo assinada em 1960, tendo como fundadores o Reina Unido, Austria, Sui~a, Suecia, Noruega, Dinamarca e Portugal. 3 Paises pertencentes a Uniao Europeia: Alemanha, Austria, Belgica, Chi pre, Dinamarca, Eslovaquia, Eslovenia, Espanha, Estonia, Finlandia, Fran~a, Grecia, Hungria, Irlanda, Italia, Letonia, Lituania Luxemburgo, Malta, Paises Baixos, Portugal, Polonia Reina Unido, Suecia e Republica Checa. ' Att·aves da analise dos dados referentes a popula~ao estrangeira residente em Portugal, disponibiINTERVENc;:Ao SOCIAL,
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" Concentra<;:ao residencial na area metropolitana de Lisboa 5; " Peso desproporcional do grupo etario 24-45 anos; " Inser<;:ao no mercado de trabalho no grupo de ocupa<;:6es socialmente pouco valorizadas, designadamente, " ( ... ) na categoria de trabalhadores da produ<;:ao das industrias extractiva e transformadora e condutores de maquinas fixas e de transporte" (Baganha, 1998: 258). Contudo, quando estas caracteristicas sao desagregadas por nacionalidades, torna-se evidente que a popula<;:ao imigrante em Portugal apresenta duas tipologias bern diferentes: 1. a) Essencialmente composta por imigrantes provenientes de paises europeus e do Brasil, evidenciando uma elevada percentagem de empregadores e empregados por coma propria e uma estrutura ocupacional em que o peso das profiss6es cientificas, tecnicas, de directores e quadros superiores administrativos remete este grupo da popula<;:ao para o topo da estrutura s6cio-profissional portuguesa. No entanto, a imigra<;:ao de maode-obra desqualificada proveniente do Brasil tern vindo a aumentar. 2. a) Caracteriza-se por individuos naturais dos Paises Africanos de Lingua Oficial Portuguesa (Cabo Verde, Angola e Guine-Bissau) e urn numero reduzido de imigrantes oriundos do Zaire, Senegal, Paquistao, Romenia e Moldavia. Este grupo situa-se claramente na base da estrutura s6cio-profissional portuguesa (Idem).
1.3. Modelos de integras:ao dos imigrantes Os imigrantes formam minorias 6 culturais com n{veis de integra<;:ao, lizados pelo SEF no site da Internet- www.sef.pt- dos anos 1999, 2000, 2001 e 2002, pode concluir-se que o n(unero de imigrantes residentes no nosso pais tem aumentado gradualmente, sen do Africa o principal continente de origem, seguin do-se a Europa e a America. 5 No que se refere a distribui<;:ao espacial em Portugal, verifica-se que entre 1999 e 2002, o distt路ito de Lisboa se mantem como o mais atractivo para os imigrantes, seguindo-se Faro, Set(rbal e Porto (www.sef.pt). 6 As minorias "sao grupos posros em siruac;ao minoritaria pelas rela<;:6es de forc;a, e de direiro, que lNTERVENc;:Ao SOCIAL,
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discrimina<;ao social, e modos de vida diferentes, contribuindo, como refere Almeida et al., para a existencia de exclusao social e aglomera<;6es locais de pobreza urbana (cf. 1998: 6-7). Bruto da Costa refor<;a esta ideia quando refere que estes grupos sofrem de dois ou tres tipos de exclusao (Bruto da Costa, 1998: 67-75): • A pobreza, enquanto priva<;ao por falta de recursos; • Exclusao territorial, quando residem em bairros onde exista uma elevada concentra<;ao de imigrantes; • E cultural, vista que os aspectos culturais podem suscitar problemas de integra<;ao. Deste modo, "e preciso ter em conta que nem todas as trajectorias migrantes conduziram a niveis razoaveis de desafogo economico e a estatutos sociais nao marginalizantes. Pelo contrario, uma frac<;ao significativa destas popula<;6es tem-se vista remetida, no ponto de chegada, a novas condi<;6es sociais de carencia e exclusao, constituindo parte muito importante da pobreza urbana que tende a aglomerar-se nos bairros de lata, zonas velhas e degradadas das cidades e bairros de habita<;ao social" (Almeida et al., op. cit.: 7). Perotti (2003) sugere uma tipologia de modelos de processos de integra<;ao dos imigrantes, dividida de tres f01·mas: Assimila<;ao, Melting Pot e Multiculturalismo. 0 modelo da assimila<;ao caracteriza-se pelo estabelecimento de rela<;6es entre os imigrantes e a sociedade do pais de acolhimento "na base de uma passagem unilateral (conformiza<;ao) aos modelos de comportamento da sociedade de acolhimento, modelos esses que se imp6em a personalidade do migrante eo obrigam a despojar-se de todo e qualquer elemento cultural proprio (descultura<;ao e despersonaliza<;ao)" (Perotti, 2003:47). A assimila<;ao tern subjacente a existencia de do is tipos de papeis: por urn lado, urn papel dominante e, por outro, urn papel de passividade da cultura que esta em minoria. os submetem a outros grupos no seio de uma sociedade global cujos interesses estao a cargo de urn Estado que opera a discriminacrao, quer par meio de estatutos juridicos desiguais (politicas de apartheid), quer gracras aos prindpios de igualdade dvica ( ... )" (Rouland, 1991 :224 cit in Perotti, 2003:50). INTERVEN<;:Ao SOCIAL,
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No modelo Melting Pot as tradi<;6es dos imigrantes, mais do que se dissolverem em favor das tradi<;6es dominantes, misturam-se para formar novas culturas (cf. Giddens, 1992: 300).
1.3 .I. Multiculturalismo
0 conceito de Multiculturalismo (e as politicas e estrategias de respasta a uma sociedade multicultural) tern sido incorporado no lexica politico, nao como reflexo de uma nova e complexa realidade social e cultural, mas para caracterizar urn tipo de tendencia que e comum aos pa{ses da Europa comuniraria. Encontramo-nos perante urn novo exemplo de ÂŤimagem de centroÂť caracteristica dos pa{ses semiperifericos: o termo sociedade multicultural traduz a expressao de uma sociedade do bemestar, prospera, cosmopolita e acolhedora de imigrantes, caracteristicas das sociedades ocidentais (Bonal op. cit.: 9). Segundo lturra (2000), o Multiculturalismo nao e urn problema social em si, mas apenas o resultado de uma constru<;ao social e politica sobredimensionada que funciona como urn discurso retorico eficaz para resolver determinados problemas sociais e dissimular outros 7 â&#x20AC;˘ A multiculturalidade nao e apenas a coexistencia de diversas etnias dentro dum mesmo territorio e com a mesma lei, "e ( .. .) a coexistencia de grupos com logicas diferentes e, In extremis, com historias diferentes, unificados pela decisao da maioria eleita que manda, e tern a ilusao de podermos ser pessoas que coexistem da mesma maneira" (Iturra, 2000: 27). Giddens (1992) refere que este modelo e o mais adequado para promover o desenvolvimento de uma sociedade genuinamente pluralS, onde se reconhece a igualdade das muitas culturas distintas (cf. Giddens, op. cit.: 300). 7
Tal nao significa a inexistencia de conflitos culturais, determinados pelo choque entre culturas (isto e, estilos de vida, formas de ver o mundo). Contudo, trata-se de conflitos com origem provavel em conflitos sociais previos entre individuos ou entre individuos e institui<;:6es (Bona! op. cit.: 9). 8 "0 Pluralismo permite as coisas existirem individualmente ou terem, cada qual, a sua forma particular" (James Cit. in Cuvillier, 1956: 140). lNTERYEN<,~AO SOCIAL,
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Marques e Bruto da Costa partem do conceito de Multiculturalismo para definir e desenvolver o conceito de uma sociedade multicultural. 0 primeiro autor refere que a multiculturalidade proporciona "a integra<;:ao harmoniosa de diferentes povos e culturas numa mesma sociedade de acolhimento" (Marques, 2003: 56). E ainda de sublinhar que a sua constru<;:ao permite urn enorme enriquecimento cultural e o cruzamento de tradi<;:6es e mem6rias (Idem). Para Bruto da Costa, "o verdadeiro desafio cultural ( . . . ) parece estar na escolha entre uma sociedade multicultural ( . . . ) e uma sociedade intercultural" (1998: 75). Neste contexto, a sociedade multicultural e entendida como aquela na qual diferentes culturas existem, respeitando-se mutuamente. Por outro lado, nas sociedades interculturais para alem de existir urn respeito mutuo entre as diferentes culturas, os seus elementos deverao interagir, dialogar e conhecerem-se sem perderem as suas caracteristicas pr6prias (Idem). Estes modelos permitem verificar que existem diferentes formas de um imigrante se integrar, ou nao, numa sociedade, vista que o conceito de integra<;:ao e encarado como um processo gradual pelo qual os imigrantes se tornam activos e participantes na vida econ6mica, social, dvica, cultural e espiritual do pa.ls receptor: "Tratando-se de culturas minoritcirias e de cultura dominante, o conceito de integra<;:ao op6e-se a no<;:ao de assimila<;:ao e indica a capacidade de confrontar e de trocar - numa posi<;:ao de igualdade e de participa<;:ao - valores, normas, modelos de comportamento, tanto da parte do imigrante como da sociedade de acolhimento" (cf. Perotti, op. cit.: 49). Po rem, segundo Giddens (1992) , a maio ria das pollticas governamentais oficiais estao dirigidas para o caminho da assimila<;:ao, tendo esta efeitos negativos e positivos (cf. op. cit. 300). 0 imigrante depara-se muitas vezes com algumas dificuldades nomeadamente quando, em situa<;:6es de crise econ6mica, e vltima de reac<;:6es xen6fobas e visto como alguem ÂŤque tira o empregoÂť aos nacionais. Par outro lado, alguns grupos de imigrantes nao aceitam a cultura, a tradi<;:ao e a realidade dos palses receptores, mantendo-se a margem e contra o sistema (cf. Marques, op. cit. 55). Poderiamos dizer que o Multiculturalismo e a reivindica<;:ao pela diferen<;:a trazem o apelo do reconhecimento e da garantia de direitos de INTERVEN<;:AO SOCIAL,
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diversas identidades, tais como o negro, a mulher, o homossexual, o indigena, o imigrante. Neste sentido, e importante salientar que o processo de marginalizac,:ao, provocado por estas caracteristicas espedficas de urn conjunto de individuos, tern sido muitas vezes, "a forc,:a-matriz para esse grupo se reconhecer enquanto grupo que partilha uma identidade e tambem uma situac,:ao social desfavoravel." (Candau, www.oi.acime.gov.pt). Dai nao ser dificil perceber o porque das ÂŤreivindicac,:6es multiculturaisÂť estarem marcadas pela indignac,:ao e muitas vezes pela violencia. 0 multiculturalismo e algo perturbador, que tira a seguranc,:a e a sustentac,:ao de muitos aspectos da vida social. "A teoria multicultural traz a tona as contradic,:6es da sociedade ocidental que se professa universalista 9 e igualiraria, mas que diante dos questionamentos multiculturais descobre-se monocultural e profundamente marcada pela desigualdade." (Idem)
1.4. Direitos Universais e Direitos Humanos A aplicac,:ao teorica dos Direitos Universais encontra-se devidamente expressa sob a forma de documentos (leis, tratados, convenc,:6es, etc.), parecendo existir uma total salvaguarda do seu cumprimento. No entanto, o fenomeno da globalizac,:ao coloca em perigo a aplicac,:ao pratica e o respeito por estes direitos. Vermeulen (2003) sublinha que "a globalizac,:ao 10 que coloca em crise os Estados Nac,:ao e a pos-modernidade 11 traz o esbatimento de fronteiras Segundo a Declarac;:ao Universal dos Direitos do Homem, considerando os Estados membros de se comprometerem a promover, em cooperac;:ao com a Organizac;:ao das Nac;:6es Unidas, o respeito Universal e efectivo dos direitos do homem e das liberdades fundamenrais (Direitos Humanos e Servic;:o Social, 1999: 121) 10 Processo pelo qual a populac;:ao do mundo a to rna cada vez mais humana em uma sociedade (... ) a globalizac;:ao tornou-se conhecida como estrategia de mercado, embora continua a haver controversia, no sentido de perceber ate que ponto esta esrrategia global leva em conra as diferenc;:as culturais. f. o processo pelo qual determ inada condic;:ao ou entidade local estende a sua influencia a rodo o globo e, ao faze-lo, desenvolve a capacidade de designar outra cond ic;:ao social ou enridade rival. (CÂŁ Albraw, 1992: 340). " Este co nceito op6em-se ao formalismo, universalismo e elitismo da modernidade. Considera-
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e todos os cruzamentos e misturas (... ) 0 Estado Na<;:ao e alvo de amea<;:as tanto do exterior como do interior; do exterior att路aves da genese de identidades e de associa<;:6es politica supra-nacionais; do interior, att路aves do aparecimento de novas identidades. (Cit. in Observat6rio da Imigrafiio, Rui Marques, 2003: 4) A complexidade dos direitos humanos reside em que eles podem ser concebidos, quer como globaliza<;ao hegemonica, quer como globaliza<;ao contra-hegemonica. Enquanto forem concebidos como direitos humanos universais, os direitos humanos tenderao a operar como "localismo" 12 globalizado (Santos, 1997: 18). A sua abrangencia global sera obtida a custa da sua legitimidade local. Para poderem operar como forma de globaliza<;:ao contra-hegemonica, os direitos humanos tern de ser reconceptualizados como multiculturais (Idem: 19). Contudo, os direitos humanos nao sao universais na sua aplica<;:ao. Todas as culturas tendem a considerar os seus valores maximos como os mais abrangentes, mas apenas a cultura ocidental tende a formula-los como universais (Ibidem). Neste sentido, a questao da universalidade dos direitos humanos contraria OS seus proprios prindpios, pois a aplica<;:ao dos direitos humanos e uma questao particular, espedfica da cultura ocidental, dependendo em muito do pais que a adopta. A marca ocidental, ou melhor, ocidental-liberal do discurso dominante dos direitos humanos pode ser facilmente identificada em muitos outros exemplos: na Declarafiio Universal de 1948, elaborada sem a participa<;:ao da maioria dos povos do mundo; no reconhecimento exclusivo de direitos individuais, com a unica excep<;:ao do direito colectivo a autodetermina<;:ao, o qual, no entanto, foi restringido aos povos subjugados pelo colonialismo europeu; na prioridade concedida aos direitos dvicos e politicos sobre os direitos economicos, sociais e culturais e no reconheci-
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-os como pretens6es arrogantes e da mais importancia a conceitos como o localismo, particularismo, regionalismo, reinventando os estilos tradicionalistas. A sua concep<;:ao baseia-se numa abertura descentralizada a estilos ou experiencias reprimidas e a cultura do outro, do diferente (mulheres, gays, negros, terceiro mundo). ( Cf. Outhwaite et al., 1996 :474). Boaventura de Sousa Santos refere o localismo como sendo a introdu<;:ao de urn padrao cultural espedfico noutra cultura, neste caso, a escala mundial (Cfr. Santos, 1997: 14). lNTERVEN<;:AO SOCIAL,
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mento do direito de propriedade como o primeiro e, durante muitos anos, o unico direito economico (Idem: 20). Todas as culturas sao relativas, mas o relativismo cultural 13 enquanto atitude filosofica e incorrecto. Todas as culturas aspiram a preocupas;oes e valores universais, mas o Universalismo cultural, enquanto atitude filos6fica, e incorrecto. Desta forma, contra o Universalismo ha que propor dialogos interculturais em sociedades isomorficas. Por outro lado, contra o relativismo e necessaria desenvolver criterios politicos para distinguir politica progressista de politica conservadora, capacitas;ao de desarme, emancipas;ao de regulas;ao (Idem: 21).
1.5. Politicas de imigra<_;:ao da Uniao Europeia A Uniao Europeia como instituis;ao (e urn dos maiores simbolos) da civilizas;ao ocidental pode ser analisada, relativamente a questao do Multiculturalismo, a luz da afirmas;ao anterior. No entanto, do ponto de vista teorico, qualquer politica de imigras;ao de urn pais membra da Uniao Europeia tern em consideras;ao multiplos aspectos, que se prendem principalmente com:
â&#x20AC;˘ 0 respeito pelos direitos e a integras;ao pela via do trabalho e da cidadania 14 dos migrantes nas sociedades de acolhimento; Podemos chamar relativismo cultural a ideia de que muitos costumes e praticas que variam de sociedade para sociedade, como os habitos alimentares, as cerim6nias de casamento ou o estilo de vestuario, sao relatives a culrura: nao ha uma maneira de comer, casar ou vestir que seja universalmente melhor do que rodas as outras. No contexte de sociedades modernas culwralmente heterogeneas, o relativismo cultural desvaloriza-se no projecto de realiza<;:ao de uma sociedade multicultural baseada na abertura intercultural e na panilha de elementos culturais comuns que permitem interac<;:6es num clima de respeito e justi<;:a. (www.multiculturalismo.pt). '' A Cidadania e o estatuto de perten<;:a de um individuo a uma comunidade articulada, que lhe confere um conjumo de direitos e obriga<;:6es. Porem, nao e so esse sentimento de perren<;:a que lhe confere o exercicio de cidadania. Cidadania significa mais do que votar, fazer peti<;:6es ou faze r parte de uma organiza<;:ao nao governamental. Significa estar atento as decis6es que sao romadas em prol da comunidade, agir, ter voz activa, quer em f6run s de debate publico, quer arraves de manifesta<;:6es ou ourros. Exercer uma cidadania activa significa, desta maneira, es tar atento e participar activamente em todos os aetas de decisao que impliquem o futuro da comu-
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• 0 elo de ligac;:ao que os migrantes representam na relac;:ao entre o pais de origem e o pais de acolhimento, no ponto de vista do desenvolvimento econ6mico e social; • 0 combate a imigrac;:ao ilegaPS, como seu cortejo de marginalidade, tanto nos paises de origem e de transito como nos paises de acolhimento, e em particular o desmantelamento das redes criminosas transnacionais de que OS migrantes ilegais sao vitimas, por vezes, · (Ccrr. www.ol.aClme.gov.pt · · rG) mesmo, mortals. ' . Reportando esta questao a Portugal, verifica-se que os princ1p10s enunciados na Constituic;:ao Portuguesa, relativos a imigrac;:ao, nao divergem daqueles que tambem se encontram na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniao Europeia. Estes prindpios fundam-se em valores universais que sustentam as politicas e que desenvolvem a legislac;:ao para ser aplicada (disto e expressao a incorporac;:ao da Carta dos Direitos Fundamentais da Uniao no Tratado Constitucional) o que permite garantir os direitos dos estrangeiros, dos migrantes, dos nao nacionais, pelo que constituira a exigencia de que temos o dever de manifestar a maior expansao dos direitos do homem e do cidadao, para que se tornem validos os direitos universais. (Ibidem) No actual contexto portugues, no quadro de urn projecto humanista assente na convicc;:ao que e poss!vel construirmos urn mundo de seres humanos livres e iguais em direitos e dignidade, destacam-se alguns objectivos mobilizadores: • A promoc;:ao de politicas de integrac;:ao que garantam a todo os trabalhadores imigrantes urn tratamento igual a todos os trabalhadores nidade. 0 conhecimento dos teus direiros, enquanto cidadao europeu, e o primeiro passo para possas exercer no reu dia-a-dia o reu estaturo de cidadao de pleno direiro na UE. (www.gov.pt) Ll A imigrac;:ao ilegal rrata-se da presenc;:a "de residenres estrangeiros com aurorizac;:ao de residencia e/ou Carta de rrabalho invalida ou, pura e simplesmente, inexistente. Esta imigrac;:ao esco nde uma realidade complexa e deve-se a varios tipos de situac;:oes: ou a pessoa entrou ilegalmente no territorio sem qualquer autorizac;:ao de residencia, ou entrou legalmenre mas prolongou a sua estadia de form a ilegal ou nao teve a sua aurorizac;:ao de residencia renovada'' (Rugy, 2000: 4) . " Interve11<;:ao do Ministro da Adminisrrac;:ao Interna no encerramento do Seminario «lmigrac;:ao, Diversidade e Mu!ticulturalismo na furura Constituic;:ao Europeia» 2004-03-25. INTERVEN<;:Ao SOCIAL, 29, 2004
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nacionais, e assegure a rodos eles, legais ou ilegais, o respeito pelos direiros humanos 17 ; • A promo<;:ao do conhecimento da lingua portuguesa entre os imigrantes; • A promo<;:ao do conhecimento da identidade cultural dos varios grupos de imigrantes, de forma a possibilitar o seu efectivo reconhecimento como seres humanos; • 0 empenho efectivo do Estado na solu<;:ao das quest6es relacionadas com a imigra<;:ao clandestina, nomeadamente, att·aves de acordos bilaterais entre os paises de e/imigra<;:ao e de projectos de coopera<;:ao espedficos e oportunidades mais amplas de obten<;:ao da permanencia legal no pais; • A forma<;:ao dos agentes da Administra<;:ao Publica sabre a realidade da imigra<;:ao, o respeito pela dignidade de cada pessoa, independentemente da sua origem; • Promover uma concep<;:ao positiva da imigra<;:ao a partir daquilo que a hist6ria nos mostra. A imigra<;:ao nao constitui uma amea<;:a a identidade cultural dos povos, mas pelo contrario representa uma enorme oportunidade para que estes se enrique<;:am com novas experiencias e saberes alargando-lhes os horizontes. (www.oi.acime.gov.pt).
2. Contributos Etico - filos6ficos na perspectiva da imigra~ao
2.1. A Conceps:ao de Dignidade Humana (Kant) Todas as culturas possuem concep<;:6es de dignidade humana, mas 17
Os Direiros Humanos podem ser definidos, em termos gerais, como aqueles direitos que sao inerentes a nossa natureza e sem os quais nao podemos viver como seres humanos. Tem um cad.cter universal e aplicam-se a todas as pessoas sem discrimina<;ao. 0 respeiro pelos direitos do individuo rem de ser garantido em todas as ocasi6es, independememente das circunsrancias ou dos sistemas politicos. Estes direiws so podem ser restringidos se o individuo ou grupo ameaqar privar terceiros do exerdcio de direiros equi valentes ou de valor comparavel. (cf. O N U , Direiros Humanos e Servi<;o Social, 1999: 22).
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nem todas elas a concebem em termos de direitos humanos. Torna-se, par isso, importante identificar preocupa<_;:6es isomorficas entre diferentes culturas. Tomando como premissa a afirma<_;:ao de Kant: As coisas tem prer;o. 0 Homem tem dignidade; cabe garantir a ideia de que, como Ser Humano, todo o imigrante possui inerente a si o valor da dignidade, nunca constituindo uma mercadoria, apesar de, na maioria dos casas, as principais raz6es para a emigra<_;:ao, se prenderem com o trabalho. 0 imigrante <<VendeÂť a sua mao-de-obra, a sua capacidade de exercer qualquer actividade, geralmente ao servi<_;:o de outrem (o imigrante e urn trabalhador assalariado, sendo que, em apenas alguns casas, se constitui num profissional liberal). No entanto, esta situa<_;:ao nao torna o imigrante numa mercadoria. 0 homem nao deve ser considerado urn meio, mas sim urn fim: "Pegar no homem, fazer dele urn meio para se conseguir seja o que for, e efectivamente relativizar 0 homem, e atribuir imediatamente urn pre<_;:o ao homem. Numa palavra, e negar-lhe o valor, e negar-lhe a dignidade." (Rosa, 1996: 227). A dignidade, segundo o Padre Honorato Rosa, baseia-se em tres fundamentos: 1) 0 homem e um ser pessoal, o qual possui uma identidade absolutamente unica, a qual esta associada a liberdade, ( ... ) ''A pessoa e alguem que nao e de ninguem, tern a livre disposi<_;:ao de si propria''; 2) "( ... ) 0 homem e uma pessoa corporal ( .. )", ou seja, e urn elemento integrador do mundo, situado num espa<_;:o e num tempo espedficos; 3) Finalmente, o homem e um ser comunitdrio, pais vive em conjunto com outros seres humanos, numa rela<_;:ao de interac<_;:ao, a qual e vital para a sua existencia (Rosa op cit. 229).
Estas sao as premissas para a vivencia do homem de uma forma digna, as quais, no entanto, nao constituem urn patrimonio intocavel e garantido. Pelo contrario, sao condi<_;:6es permanentemente amea<_;:adas par outros valores que colidem com o valor supremo da dignidade humana: "( ... ) a dignidade humana e qualquer coisa amea<_;:ada, tanto de fora - ac<_;:ao de for<_;:as materiais e de outras pessoas - como de dentro, INTERVEN<;:Ao SOCIAL,
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visto que a dignidade do homem e confiada ao poder que tern de dispor de si livremente" (Rosa op. cit.: 229). Deste modo , segundo o autor podemos destacar o caso dos imigrantes: a coae<;:ao psicol6gica; as condi<;:6es de vida infra-humanas (estas associando-se ao comercio de maode-obra barata e as condiyoes de trabalho degradantes que reduzem OS trabalhadores a meros instrumentos de lucro, sem respeitar a personalidade livre e responsavel da pessoa humana). Alem destas amea<;:as externas, o autor chama a aten<;:ao para aquelas que emanam do interior do homem: "H a tambem ameas;as qu e provem de dentro, do interior do pr6prio homem, ja que a dignidade e alguma coisa que e confiada a livre disposi-;:ao que o homem tern a seu pr6prio respeito. A minha dignidade e ao mesmo tempo urn dom, e urn ideal, E qualquer coisa que tenho de fazer (... ) posso recusar fazer-me uma pessoa digna ( ... ) desinteressa r-me de me realizar tal como a minha pr6pria constitui-;:ao me pede e exige" (Rosa, op. cit.: 230).
No caso dos imigrantes, esta amea<;:a e ainda mais real: estes constituem-se como indiv!duos que integram uma realidade que lhes e a partida alheia, enfrentando o desconhecido sob a forma de uma cultura diferente (cujo grau de diferencia<;:ao e ainda mais acentuado quando se trata de individuos de outras partes do mundo que integram a cultura ocidental, e vice-versa). Os imigrantes iniciam uma nova trajectoria de vida, tendo de adoptar estrategias de imegra<;:ao. A etica fundamenta-se para Kant numa acep<;:ao volunraria de responsabilidade e de lei, nao particular, mas sim, de intens;ao universal. Segundo este fil6sofo nao pode haver moral nem etica sem compromisso, responsabilidade, cumprimento da fun<;:ao, ou utilizando a sua terminologia, sem imperativo da lei, ou "clever". Contudo, compreender em conjunto liberdade e autonomia, por urn lado, e "clever" e imperativo por outro, constitui o principal desafio da etica moderna.
2.2. 0 Prindpio da Responsabilidade Social (Hans Jonas) Tendo como contraponto o imperativo categorico de Kant, o autor l NTERYEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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Hans Jonas 18 , enfatiza a novidade dos imperativos eticos na era da civilizas:ao tecnol6gica. 0 imperativo categ6rico de Kant: Universalismo, tern como sustentas:ao e fundamemas:ao a ideia de contradis:ao l6gica ou de discordancia da vontade, quando razao pratica, consigo mesma. 0 criteria de validas:ao e, portanto, l6gico e nao repousa na sua aprovas:ao ou nao, da moral. Para este autor nao existe contradis:ao logica na representas:ao da humanidade. Neste sentido, o autor tenta definir urn imperativo adequado a nova forma de agir do homem e ao novo tipo de homem e o objecto que nele esra envolvido. Traduz-se da seguinte forma: ''Age de maneira tal que os efeitos da tua acs:ao sejam compariveis com a permanencia de autentica vida humana sabre a terra'', ou entao "Age de maneira tal que os efeitos da tua acs:ao nao sejam destrutiveis da possibilidade de autentica vida humana futura na terra" . 0 autor defende que o sujeito pode querer o seu proprio fim, o da humanidade, sem incorrer em contradis:ao. Refere ainda que nao remos o direito de escolher o nao ser de futuras geras:oes em proveito do ser da geras:ao presente ou da subsequente. 0 novo imperativo etico, ao contrario, nao se dirige ao comportamento do indiv.fduo privado, mas sim, a acs:ao colectiva do homem, a que se destina. A esfera a que se destina nao e de dom.fnio individual, mas sim ao dom.fnio de polftica publica, afectando a humanidade como urn todo. 0 ponto de partida de Jonas e fundamentar uma nova etica da responsabilidade, partindo do reconhecimento do caracter de dever-ser da autentica vida humana sabre a terra e preservar as condis:oes em que o homem se desenvolveu.
2.3. 0 Principia da Justis:a e da Igualdade (Rawls) Em todas as sociedades existem desigualdades econ6micas, soCials e culturais, entre os imigrantes e os indiv.fduos naturais do pals receptor. 18
Poi urn dos proeminentes pensadores da sua gerac;ao devida a convicc;ao da inseparabilidade de etica e metafisica e da realidade dos valores no centro da vida. 0 objective deste autor incide principalmente sobre a etica fund amentada com a ideia do dever e da responsabilidade do agente humano relativamente a natureza das suas atitudes perante a vida, visando as fururas gerac;6es. l NTERVEN<;:AO SOCIAL,
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Desta forma, John Rawls, 19 prop6e uma teoria 20 que permite findar as desigualdades existentes entre os cidadaos de uma mesma sociedade (os quais, a partida, englobam indivfduos de varias nacionalidades): "As desigu aldades economicas e sociais devem satisfazer duas condi<;:6es: primeiro, rem de esrar ligados
a posi<;:ao e ca rgos
aos quais todas as pessoas
rem acesso de acordo com a igualdade equirativa de oportunidades; e segundo, tem de ser para o maior beneficia possivel dos membros menos favorecidos da sociedade (principia da diferen<;:a) " (Rawls, 1997:35) .
Ou seja, e uma teoria cujo prindpio maximiza a possibilidade de uma distribui<;:ao equitativa dos rendimentos. Se esta base minima for ( . . . ) garantida pela nova sociedade, cada participante, por sua iniciativa e criatividade, encontrara as formas justas de ampliar os seus rendimentos e bem-estar material. A partir dos mais desfavorecidos, os prindpios da justi<;:a21 como equidade garantem a todos os indivfduos o acesso inicial mfnimo, proporcionalmente justa e suficiente, aos bens primarios. (cf. Pegoraro, 2000: 75). Deste modo, a sociedade deve proporcionar ao imigrante, o que Rawls considera como bens primarios, isto e, sao bens necessarios a sobrevivencia digna de todos os indivfduos, bens aos quais rodos querem e devem ter acesso, uteis independentemente de quais sejam seus pianos pessoais de vida (exemplos: riqueza (dinheiro), os direitos e liberdades, poder, oportunidades e o auto-respeito). Rawls acredita que estes bens sao necessarios para o estabelecimento da cidadania democratica e que as pessoas morais livres e iguais necessitam de cada urn deles para alcan<;:ar seus fins tHtimos (sendo que estes fins ultimos devem ser definidos pelos proPensador americana que elaborou a obra: A Teoria da j ustira - 1971 e 0 Liberalismo Politico 1993. 2 째 Cenrra-se na Teoria da Justi<;:a - jusric;:a nao como virtude, nem como um direito, mas sim, como um principia fundad or de uma sociedade bem ordenada - baseada num novo contrato social (cf. Pegoraro, 2000: 68). 21 0 conceiro de justi<;:a social define um criteria para a atribui<;:ao de direiros e deveres nas institui<;:6es da sociedade e define a distribui<;:ao adequada dos encargos e beneficios da coopera<;:ao social (Rawls, 199 1: 28). A teoria da justi<;:a proposta por Rawls visa reordenar as institui<;:6es principais responsaveis pela distribui<;:ao dos bens em sociedades democraticas e/ou sociedades bem ordenadas (Felipe, 2001: 136). 19
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prios cidadaos, e nao pelo Estado). Por sua vez, os hens publicos sao bens necessarios para garantir condi<;:6es dignas a vida colectiva, isto e, a preserva<;:ao da qualidade da vida em comum, bens que todos devem possuir de modo indivisivel, isto e, todo o bern que nao pode ser oferecido a cada pessoa individualmente, como forma de garantir que todos o tenham, mas que deve ser oferecido a todos de forma nao discriminatoria. (Felipe, 2001: 115). Assim, o imigrante ( . .) deve ter direito igual ao mais extenso sistema de liberdades basicas que seja compativel com urn sistema de liberdades identicas para todos os outros" (Rawls, 1991: 68). Este principia e direito da liberdade permite garantir ao imigrante os direitos de participa<;:ao politica, de opiniao, de reuniao, de consciencia, de religiao etc. Como tambem, assegura a escolha livre da actividade principal da qual obtem o seu rendimento, pois e atraves deste que ele passa a ter acesso aos bens de consumo, tais como, maior conforto na habita<;:ao, urn lazer mais sofi.sticado, e vestuario e alimentos mais refinados (Felipe, op cit: 131). 0 acesso justo a todos esses bens leva a pessoa, neste caso, o imigrante a possuir, na concep<;:ao de Rawls, de urn dos bens morais mais valiosos: o da auto-estima. Esta resulta da convic<;:ao profunda de ser respeitado pelo poder publico, e de saber que esse respeito lhe assegura condi<;:6es de vida digna. A elevada auto-estima de uma pessoa constitui-se an¡aves da afirma<;:ao continuada de seu valor moral inalienavel da liberdade para desenvolver e realizar o seu projecto vida de modo pleno, no meio de todos (Idem: 78).
3. Contributos Etico-sociais na perspectiva da imigra<;:ao
3.1. As Redes de
Interven~ao
Social com os Imigrantes
Com a popula<;:ao imigrante poder-se-a dizer que o Servi<;:o Social exerce duas fun<;:6es fundamentais: â&#x20AC;˘ Informa sobre aspectos diversos (exemplo: aspectos legais, normativos e recursos); l NTERVEN<;:Ao SOCIAL,
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â&#x20AC;˘ Medeia entre o imigrante e as entidades publicas e privadas, a fim de facilitar e promover a integra<;ao destes na sociedade de acolhimento (cf Galvin e Franco, 1996: 73). Sendo o Servi<;o Social uma profissao de defesa dos Direitos Humanos, que preconiza a igualdade, a justi<;a social e a defesa dos imigrantes vftimas faceis de situa<;6es de explora<;ao, em situa<;ao de abuso no trabalho, discrimina<;ao social e racismo, e imperativo que se desenvolvam medidas de aconselhamento nos paises receptores, de defesa e ac<;ao na luta para a aplica<;ao/consecu<;ao dos Direitos Humanos e que se pensem novas modelos de integra<;ao da diferen<;a. Segundo Bamford eta!., os Assistentes Sociais devem combater o tratamento discriminat6rio dos migrantes e esdarece-los quanta aos direitos que lhes assistem, colaborando com organismos e entidades numa base multidisciplinar (cf. 1999: 93). Neste sentido, o Servi<;o Social deve estar atento as condi<;6es de vida individuais e sociais de imigrantes que procuram criar raizes num novo espa<;o cultural. A situa<;ao em que cada urn se encontra e o resultado de relacionamento e influencia mutuos entre eles pr6prios e o seu novo meio ambiente. A interven<;ao dos profissionais de Servi<;o Social tern como objectivo fundamental promover o desenvolvimento das capacidades sociais, ao nfvel cognitivo (conhecimento), ao nfvel relacional (rela<;6es interpessoais e grupais) e ao nfvel organizativo (interac<;ao entre individuos e organiza<;6es). 0 contributo do Servi<;o Social no ambito da tematica da imigra<;ao, assenta a sua interven<;ao na integra<;ao dos imigrantes, a qual se traduz, como ja foi referido, numa necessidade primordial para a sua vivencia na sociedade de acolhimento. Esta integra<;ao passa pela constru<;ao de redes de apoio social, as quais deverao ser compostas, quer por membros da sociedade de acolhimento, permitindo, assim, a permuta cultural entre os imigrantes e os referidos membros; bern como, o contacto com os individuos em situa<;ao semelhante, isto e, imigrantes, com os quais podera haver uma melhor integra<;ao pela via da identifica<;ao mutua. A interven<;ao dos assistentes sociais, deste modo, objectiva a capacita<;ao dos imigrantes para a integra<;ao plena na nova sociedade, sendo que uma das formas para atingir esse objectivo, e au¡aves da representa<;ao dos mesmos, em institui<;6es de apoio a tematica da imigra<;ao, para a defesa dos seus l NTERVEN(.AO SOCIAL,
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direitos, bern como, da cria<;:ao de redes de suporte social. De acordo com Garbarino (1983) e Walton (1986) citados por Payne (2001) , "esta analise centra-se tanto em grupos formais de apoio planificado, como na capacita<;:ao de assistentes informais ou naturais para que ajudem amigos, vizinhos e membros da familia que precisam de ser ajudados". Ainda segundo estes autores, "os trabalhadores sociais dirigem essencialmente a sua aten<;:ao para o trabalho com redes de clientes e para os la<;:os institucionais que formam urn padrao na vida quotidiana dos clientes" (Payne, op. cit.: 11). 0 objectivo e identificar redes sociais formais e informais, assim como estende-las e torna-las utilizaveis para ajudar o cliente (neste caso, o imigrante). As redes podem ser mais ou menos densas ou de qualidade variavel, dependendo, respectivamente, da quantidade de contacto entre partes espedficas da rede e o valor que lhes e atribuido. Podem igualmente ter uma variedade de caracteristicas (como estarem relacionadas como lar, o trabalho, o lazer, a assistencia). Trabalhar em rede, segundo Garbarino, pode ser tanto do tipo pessoal como social. 0 trabalho pessoal utiliza a for<;:a psicologica e as aptid6es dos clientes com o proposito de melhorar a sua competencia por meio da auto-ajuda e da capacita<;:ao. Neste sentido, as redes estao relacionadas com a forma<;:ao de aptid6es sociais e com os enfoques radicais de capacita<;:ao. A ajuda social utiliza o estimulo e o retorno para estimular os sistemas de apoio do cliente. Tanto a ajuda pessoal como a social procuram investir em clientes que estao capacitados para se envolverem com uma rede e podem assim oferecer recursos a outros enquanto estao eles pr6prios estao a ser ajudados. No trabalho social convencional, os clientes sao ajudados, e depois saem do sistema de ajuda; neste tipo de enfoque, eles permanecem no sistema de ajuda para ajudar outros. 0 papel do assistente social e o de urn intermediario entre pessoas, mais do que a independencia do cliente. (cf. Idem: 211-212) 0 assistente social e "urn fornecedor de poder, mais do que urn simples fornecedor de servi<;:os" (Idem: 212)
3.2. A perspectiva de Sarah Banks Segundo Sarah Banks (1997) " ( ... ) o Assistente Social tern a obri[ NTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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gac;:ao de respeitar a necessidade e ajudar a activar o potencial do utente". Oeste modo, os Assistentes Sociais devem ter o compromisso de: • Tratar de igual para igual o individuo, independentemente da rac;:a, genera, classe, etc. • Compreender e responder ao impacto da estigmatizac;:ao e da discriminac;:ao seja qual for o motivo; • Demonstrar uma consciencia anti-racista e combater o fen6meno tanto a nivel individual como institucional; • Desenvolver uma compreensao com as quest6es de genera e demonstrar anti-sexismo na pratica profissional; • Reconhecer a necessidade de promover politicas e praticas que nao sejam discriminat6rias e anti-opressivas. (Banks, 1997: 40-42). Banks faz a distinc;:ao entre quest6es eticas, problemas eticos e dilemas eticos no Servic;:o Social. As questoes eticas preenchem a profissao de servic;:o social (incluem tambern aquelas quest6es que aprimeira vista parecem ser problemas "legais" ou "tecnicos") na medida em que tern lugar no contexto de bem-estar, baseado em principios de justic;:a social e bem-estar publico, onde o assistente social tern uma capacidade/dever profissional na sua relac;:ao como utente. Os problemas eticos surgem quando o assistente social se depara com uma decisao moral dificil. Os dilemas eticos surgem quando se depara com uma situac;:ao em que tern de escolher entre duas alternativas inadequadas que podem implicar urn conflito entre prindpios morais e nao est:i clara qual sera a opc;:ao mais correcta, (isto e, a selecc;:ao entre duas alternativas igualmente inadequadas em relac;:ao ao bern estar humano). (cf Banks, op. cit: 26). Porem, nao ha respostas faceis aos problemas e dilemas eticos no servic;:o social. No entanto, considera-se que e imprescindivel que o profissional seja sensivel e fac;:a uma analise reflectida com base em cada situac;:ao e em casos concretos. Assim, a Federac;:ao Imernacional de Trabalhadores Sociais acreditam e defendem a existencia de direitos universais e induem como parte do seu c6digo etico as Declarac;:6es dos Direitos Humanos. lNTERVEN(.AO SOCIAL, 29 , 2004
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3.3. Etica e os prindpios deontologicos do Servi<_;:o Social com base nos imigrantes Uma vez que a Etica e uma componente indispensavel para a pratica do assistente social, enquanto profissional, nao podemos deixar de referir os prindpios que orientam a sua acc;:ao. Podemos encontrar estes prindpios na D eclarar;lio Internacional dos Principios Eticos do Servir;o Social e no C6digo de Deontologia em Servir;o Social. Estes documentos constituem a base da analise sabre os valores e prindpios do Servic;:o Social na intervenc;:ao com imigrantes. Cada Ser Humano tem um valor unico em si mesmo o que justifica o respeito moral por essa Pessoa 22 â&#x20AC;˘ 0 prindpio aqui apresentado e o da individualizar;lio, onde se entende que toda pessoa e diferente da outra. E que toda pessoa tern a necessidade de ser reconhecida como tendo valor, possuindo dignidade inata; que necessita de ser tratada como unica. Assim, individualizac;:ao e o reconhecimento das qualidades do utente (imigrante), o qual deve ser tratado como um ser humano individual que tern o direito de fazer as suas escolhas. Kisnerman (1991) refere que nao se tern insistido suficientemente no facto de que todo o ser humano faz parte de uma cultura, contendo um sistema de normas e valores interiorizados com uma concepc;:ao de vida e um acumular de experiencias positivas e negativas, e que tudo isso emerge quando nos relacionamos com ele, devendo ser o ponto de partida para nos unirmos com essa pessoa, reactivarmos as suas potencialidades, atingirmos a realidade e fazer com que actue nela e com ela (cf. 1991: 66 - 67) e assim reconhecer o valor do ser humano como indiv!duo unico na sua cultura e historia de vida tendo como referencia a seguinte norma: "Procura entender cada cliente, individualmente, o sistema social em que esra envolvido, as condicionantes que afectam o seu comportamento e acompanhamento, assim como os servic;:os que lhe deveriam ser prestados".23 22
Prindpio 2.1. 1. da Declara<;:ao Universal dos Prindpios Eticos do Servi<;: o Social, APSS, 1996:
4. 23
Norma geral de conduta etica 3.2.1. do Codigo Internacional de Deontologia para o Assistente Social, APSS, 1996:11. l NTERVEN<;:Ao SOCIAL,
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Cada indivfduo tem direito asua autodeterminaflio, ate ao limite em que isso nao desrespeite os iguais direitos dos outros e tem a obrigafliO de contribuir para o bem-estar da sociedade 24 â&#x20AC;˘ Para Kisnerman, urn dos objectivos da profissao de Servic;:o Social e o empenho na autodeterminac;ao dos clientes baseado na crenc;:a da universalidade da dignidade humana. Para alcanc;:ar o principia da autodeterminac;:ao o assistente social tera que ter em atenc;:ao a seguinte norma: ''Ajudar o cliente- ou a sociedade a alcanc;ar a auto-realizac;ao e atingir 0 maximo potencial dentro dos limites dos respectivos direitos, seus e dos outros. 0 servic;:o deve ajudar o cliente a entender e a usar o relacionamento profissional, promovendo as suas aspirac;:6es e interesses legltimos". 25 Este principia baseia-se no direito que o cliente (imigrante) tern de fazer a sua propria escolha. ( ... ) 0 que pressup6e liberdade de decidir e de agir, ou seja, o assistente social nao deve impor alternativas, mas sim apresenta-las ao cliente, para que este conhec;:a os seus pr6prios recursos bern como os da comunidade, estimulando-o e motivando-o, mas sem criar dependencia, respeitando-o. (Cf Kisnerman, op cit: 69). Os assistentes sociais tem um compromisso com os princfpios de ]ustifa Social 26 â&#x20AC;˘ A luta pela democracia 27 , pela expansao e consolidac;:ao da cidadania, continua a ser uma tarefa primordial para os assistentes sociais. Com isto, os assistentes sociais estao a contribuir para a criac;:ao de novas valores eticos, centrados efectivamente na liberdade e na justic;:a social de modo a assegurar a universalidade do acesso aos bens e servic;:os relativos aos programas e pollticas sociais, bern como a sua gestao democratica. (cf Paiva, 2000: 190). 24
Princfpio 2.1. 2. da Declarac;:ao lnrernacional dos Princfpios Eticos do Servic;:o Social, APSS,
25
Normas de Servic;:o Social em relac;:ao com OS clientes etica 3.3.4. do Codigo Internacional de Deontologia para o Assistente Social, APSS, 1996: 14. Prindpio 2.1. 4. da Declarac;:ao Inrernacional dos Prindpios Eticos do Servic;:o Social, APSS,
1996:4 .
26
1996:4. '
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E um sistema politico no qual o povo toma, e rem o direito de tomar as decisoes basicas determi nantes a respeito de quest6es importantes de polfticas publicas. (cf. Ruvillier, 1956: 57) E um tipo de organizac;:ao politica em que dominam as tendencias igualirarias. Este conceito supoe, como fundamento, as vomades individualizadas entre as quais se estabelece o acordo que funda a ordem social. (cf. Outhwaite eta!, 1993: 179-1 80) .
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"A justi<;:a, tal como a democracia e a liberdade 28 , pressup6em a dignidade de cada urn e os direitos do ourro; solicita, por conseguinte, a reciprocidade e a equivalencia, a partir do reconhecimento da igualdade dos homens entre si. ( ... ) Nao se u·ata, portanto, de direitos naturalmente adquiridos ou assegurados, mas de fruros do amadurecimento de uma consciencia colectiva e da intensa mobiliza<;:ao politica em pro! da equidade, apesar das diferen<;:as e desigualdades de facto (Idem: 190-191).
Os assistente sociais devem colocar os seus objectivos, conhecimentos e experiencia ao servifo dos individuos, dos grupos, das comunidades e da sociedade, apoiando-os no seu desenvolvimento e na resolufl.iO dos seus conjlitos individuais ou colectivos ou consequencias que dai advem 19 • 0 Servi<;:o Social preocupa-se com a protecs;ao das diferens;as individuais e de grupo, sendo muitas vezes obrigado a servir de mediador entre as pessoas e o Estado ou outras autoridades, a defender causas particulares e a garantir protecs;ao nas situas;6es em que a acs;ao estatal em prol do bern comum ameas;a os direitos e liberdades de determinadas pessoas ou grupos. 0 prindpio referido pressup6e uma consciencia social com diferens;a, visto vivermos numa sociedade plural, o que exige o dever da tolerincia para com aquele que tern urn ideal de felicidade diferente e exige uma predisposis;ao para respeitar projectos alheios que tern urn valor diferente do nosso. (cf. Tome, 1999: 51). Assim, pensar a etica da justi<;:a para o Servi<;:o Social e pensar na etica como urn compromisso com a solidariedade e a tolerancia, na complexidade das dinamicas da sociedade. Espera-se que os assistentes sociais providenciem o melhor apoio possivel a toda e qualquer pessoa que procure a sua ajuda e conselho, sem discriminafl.iO com base na deficiencia, cor, rafa, classe social religiiio, lingua, convicfoes politicas ou opfoes sexuais 30 • 0 conceiro de liberdade e uma categoria filosofica que expressa a rela<;:ao entre a actividade do homem e as leis objectivas da natureza e da sociedade. Os idealistas consideram a liberdade como autodetermina<;:ao do espirito, como livre arbitrio, como possibilidade de processes segundo a expressao da vomade nao determinada por condi<;:6es exteriores. (c£ Rosental at al, 1972: 157) . 29 Principia 2.1.5 . da Declara<;:ao Internacional dos Principios fticos do Servi<;:o Social, APSS, 1996: 5. 30 Principia 2.1.6. da Declara<;:ao lnternacional dos Prindpios fricos do Servi<;:o Social, APSS, 1996: 5. 28
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Este e o principia primordial em relas:ao a tematica em questao, refere-se a elimina<;:ao de todas as formas de preconceito, incentivando 0 respeito a diversidade, a participa<;:ao de grupos socialmente discriminados e a discussao das diferens:as no exerdcio profissional, sem ser discriminado, nem discriminar, por quest6es de inser<;:ao de classe social, genera, etnia, religiao nacionalidade, op<;:ao sexual, idade e condis:ao flsica" (cf. CFESS, 1993 cit. in Barroco, 2001: 205). 0 assistente social: "deve enrender o cl iente na sua toralidade do fen6meno causa-efeiro. Aceid-lo significa, independentemenre do que tenha, diga ou fac;:a, transmitir-lhe uma atitude positiva de compreensao, so lidariedade frate rna e de ajuda, controlando a participac;:ao emocional ao assumir um papel profissional. A essencia da ajuda e sempre uma boa relac;:ao, atraves dela, o assistente social deve reconhecer os factores internos e externos que co ndicionam a condura humana" (Kisnerman, 1991: 73).
Os assistentes sociais respeitam os Direitos Humanos bdsicos de individuos e grupos, consignados na Declarafiio Universal dos Direitos Humanos das Nafoes Unidas e em outras convenfoes internacionais.31 Segundo este prindpio e necessaria, que os profissionais de servi<;:o social lutem nos espa<;:os institucionais e nas rela<;:6es quotidianas, pela integridade, respeito, liberdade, autonomia, dos imigrantes, que sao submetidos ao sofrimento, a dor fisica e a humilhas:ao. E neste sentido, que estes profissionais devem seguir o Codigo de Erica que sinaliza, urn espirito e uma postura baseados numa cultura humanisrica e essencialmente democratica. Oeste modo, os objectivos da intervens:ao dos assistentes sociais com imigrantes sao: • • • •
Promover a melhoria das condi<;:6es de vida (ao nivel material); Garantir o acesso a servi<;:os da estrutura bdsica da sociedade; Regular!legalizar a situa<;:ao profissional, escolaridade etc.; Facilitar a insers:ao social e prevens:ao de comportamentos desviantes;
" Principia 2.1.7. da Declarac;:ao Inrernacional dos Prindpios Ericos do Servic;:o Social, APSS, 1996: 5. lNTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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• Promover o estabelecimento de interacs:oes positivas entre estas comunidades e a sociedade envolvente; • Mediar conflitos favorecendo um desenvolvimento s6cio-emocional positivo; • Colaborar na definis:ao e assegurar o acompanhamento e dinamiza<;:ao das pollticas activas de combate a exclusao; • Estimular boas relas:oes para superar preconceitos e discrimina<;:ao. (cf. Paiva, op cit.: 185). Em s1ntese, cada vez mais e imprescind1vel a intervens:ao do assistente social como forma de contribuir para a melhoria das condi<;:oes de vida dos imigrantes e proporcionar a sua integras:ao na sociedade, no respeito pela sua identidade e cultura de origem para que gozem de dignidade e oportunidades identicas, para eliminar as discriminas:oes e combater o racismo e a xenofobia.
3.4. Propostas de reflexao aos profissionais de Servis:o Social em relas:ao aos imigrantes 0 aumento da populas:ao imigrante em Portugal despoletou uma nova area de intervens:ao ao Servi<;:o Social, devido as dificuldades de integras:ao com que se deparam e os consequentes problemas que da1 advem. No sentido de promover a sua integras:ao, e fundamental questionarse sabre as possibilidades do agir dos profissionais de Servi<;:o Social. Desta forma, Bamford et al., enunciam algumas questoes relativas a actua<;:ao destes profissionais, nomeadamente: • De que forma podem facilitar a integras:ao dos imigrantes no pais de acolhimento? • Compete a estes profissionais desempenhar um papel especial na promos:ao de uma imagem positiva dos imigrantes? • Tendo em coma a Declaras:ao Universal dos Direitos do Homem, qual a posi<;:ao destes profissionais relativamente aos imigrantes (par exemplo, Direito a protecs:ao contra a discriminas:ao; direito a conINTERVEN<;:AO SOCIAL,
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dic;:6es de trabalho justas e favod.veis; direito a uma remunerac;:ao igual par trabalho igual; direito a urn nivel de vida suficiente)? â&#x20AC;˘ Sera que os profissionais acreditam que os imigrantes enriquecem a cultura do seu pais? â&#x20AC;˘ Que areas sao necessarias explorar para que o Servic;:o Social possa ser prestado de forma mais eficaz aos imigrantes? (Bamford et al. op. cit.: 94)
4. Nota Conclusiva A diversidade, complexidade e amplitude das definic;:6es existentes sabre migrac;:6es leva-nos a entender a migrac;:ao internacional como um fen6meno que esta intrinsecamente ligado a quest6es de ordem politica, econ6mica e social, tanto do pais origem como do pais receptor. Neste sentido a migrac;:ao e os fen6menos que a ela se relacionam estao directamente ligados com o facto do Homem procurar uma maior estabilidade e melhores condic;:6es de vida. Os modelos (Assimilac;:ao, Melting Pot e Multiculturalismo) permitem verificar que existem diferentes formas de urn imigrante se integrar, ou nao, numa sociedade, vista que o conceito de integrac;:ao e encarado como urn processo gradual pelo qual os imigrantes se tornam activos e participantes na vida economica, social, dvica, cultural e espiritual do pais receptor: "( ... )Tratando-se de culturas minoritarias e de cultura dominante, o conceito de integrac;ao op6e-se a noc;ao de assimilac;ao e indica a capacidade de confrontar e de trocar - numa posic;ao de igualdade e de parricipac;ao valores, normas, modelos de comportamento, tanto da parte do imigrante como da sociedade de aco lhimento" (Perotti, op. cit. : 49).
Os multiculturalistas defendem que tal como o Universalismo, a igualdade e urn equivoco, temos antes de mais, perceber de que igualdade se fala, se de renda, status, direitos, crenc;:as religiosas, costumes culturais. A igualdade pretendida pelos monoculturalistas nao engloba o conjunto de todos os cidadaos, porque exclui inumeros individuos. Par mais contradit6rio que parec;:a, o Multiculturalismo defende que nao ha nada mais lNTERVENC,:AO SOCIAL, 29, 2004
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universal que as diferenc;:as humanas, o que na verdade nos vern a caracterizar: sermos todos diferentes. Muitos de nos, ainda nao aprendemos a respeitar o que nos torna diferenre dos outros. A crescente heterogeneidade das sociedades com a intensificac;:ao das migrac;:6es e das inreracc;:6es etnicas, a globalizac;:ao das relac;:6es interculturais e os movimentos em favor dos direitos humanos apontam direcc;:6es que ja nao podem ter suporte nos conceitos tradicionais de cultura e de relativismo cultural. 0 respeito pelo outro diferente e cada vez mais em func;:ao do modo como sao reconstruidas e modificadas as inreracc;:6es do que do aprisionamento dos homens nas fronteiras de definic;:6es esraticas. Face a estas realidades torna-se indispensavel a problematizac;:ao do conceito de cultura de modo a considera-la uma elaborac;:ao colectiva, em transformac;:ao constante, em que a cultura dos imigranres e das minorias sao aspectos espedficos a ter em conra nas mudanc;:as das sociedades e dos individuos. E esta a perspectiva de cultura na diversidade que esd implicito urn Multiculturalismo critico, isto e: • Que vise mudanc;:as culturais; • Que conceptualize e questione a hegemonia do grupo etnico dominante, • Que de lugar a expressao das culturas minoridrias, • Que promova a igualdade real de oportunidades. Para tal, e necessaria estabelecer prindpios comuns numa cultura democratica, com fortes denominadores comuns em permanenre mudanc;:a, sem determinismos baseados na tradic;:ao e na autoridade. Como e do conhecimento geral e ao Estado que cabe a tarefa de executar medidas politicas. Contudo, e a sociedade civil, nacional e europeia, que cabe tambem, em materia de imigrac;:ao, urn papel essencial. Nesse senrido, todos somas responsaveis pela integrac;:ao assenre no respeito pela diferenc;:a, pelo fomento do respeito mutua e da compreensao entre as pessoas de origens e culturas diferenres, de modo a evitar situac;:6es de marginalizac;:ao que corroem as sociedades e prejudicam o seu progresso economico, e facilitam, alem do mais, o discurso xenofobo. A este aspecto esra associado urn «novo» conceito de responsabilidade social, fundamentado na ideia do dever e da responsabilidalNTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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de do agente humano relativamente a natureza das suas atitudes perante a vida. Devemos respeitar aquele ou aquela que fala diferente, que tern ourras cren<;as, que pertence a outra cultura, a outra gera<;ao e a outra classe social. Sendo assim, todas as pessoas sao - distintas, especiais e interessantes na sua maneira de ser. Devemos valoriza-las e temos que aprender a conviver com as diferen<;as. E e essa mensagem que a sociedade tern de evocar a todos os seres humanos a respeito deste fenomeno ao nosso mundo globalizado. Deste modo, valores como dignidade, liberdade, autonomia, responsabiliza<;ao, para com a sociedade e para consigo proprio, acesso a bens primarios e bens publicos, sao fundamentais para a eleva<;ao da auto-estima, neste caso, do imigrante. Tambem, a consciencia etica e uma componente indispensavel na pratica profissional dos Assistentes Sociais. A capacidade de proceder em conformidade com as quest6es que se colocam a uma sociedade multicultural, e urn aspecto essencial a qualidade de servi<;o prestado aos urentes em tempos de mudan<;a. Com a chegada maci<;a de pessoas- imigrantes, os Assistentes Sociais podem tentar aliviar as tens6es an路aves de uma ac<;ao de aconselhamento exercida em coopera<;ao com imigrantes anteriormente chegados com membros do actual grupo. A sua ac<;ao e tambem de importincia vital para garantir a presta<;ao de urn aconselhamento jur!dico eficaz e enquanto participantes na gestao do auxllio humanitario e na administra<;ao ao n!vel de recursos humanos. Os Assistentes Sociais devem estar sensibilizados para estas fun<;6es e deverao colaborar com organismos que se ocupam da presta<;ao de aux!lio humanitario e outras entidades, numa base interdisciplinar. Para alem disso, os profissionais devem combater o tratamento discriminatorio e colocar os seus conhecimentos ao dispor das associa<;6es de migrantes e grupos de auto - ajuda, se estes o solicitarem. Assim, "Codigo de Erica preconiza a defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socializas:ao da participa<;ao e do poder politico e da riqueza socialmente produzida. Nesta perspectiva, implica a defesa intransigente da cidadania, capaz de estender-se tanto aqueles que criam a riqueza e dela nao se apropriam, quanta aos excluidos do mercado de trabalho, preservando e INTERVEN<;:AO SOCIAL,
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ampliando os direitos civis, sociais e politicos. Em outros rermos, sirua o projecto profissional em urn horizonte solidario com a constitui.,;ao hist6rica de individuos sociais livres" (Iamamoro, 2000:103).
Em sintese, a profissao do Servi<;:o Social e primordial para a integra<;:ao dos imigrantes na sociedade de acolhimento. Desta forma, torna-se impresci ndivel referir algumas perspectivas, que devem ser levadas em considera<_;:ao por estes profissionais e, que tambem as fa<_;:am "chegar" a outros profissionais, para que juntos consigamos construir urn mundo melhor, principalmente em beneficia das gera<_;:6es vindouras. • Articular a densidade hist6rica da pd.tica do servi<_;:o social com as novas solicita<_;:6es resulrantes do processo de recupera<_;:ao/expansao do sistema econ6mico; • Investir de forma concreta na produ<_;:ao de conhecimentos no campo te6rico-metodol6gico do servi<_;:o social; • Esvaziar o "conservadorismo" consubstanciado em aritudes profissionais de cad.cter corporativista; • Consrruir novas culturas de representa<_;:ao do exerdcio profissional; • Criar novas modelos de respostas profissionais; • Aprofundar a qualifica<_;:ao profissional atraves da consrru<_;:ao de uma rela<_;:ao de sintonia entre a forma<;:ao academica, a metamorfose do mercado profissional e as estrategias de recria<_;:ao do servi<_;:o social no tempo hist6rico; • Parrilhar da hist6ria do conhecimento socialmente acumulado, permitindo-lhe afirmar-se como uma profissao "culta"; • Assumir urn maior proragonismo no processo de gesrao social (www. pessoal.sercamtel.com. br).
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Agradecimentos
Uma men.yao especial ao Sr. Tim6teo e a D. Mariana, membros da Associa.yao para a Defesa dos Direitos do Imigrante, pelo contributo que nos foi dado de extrema interesse e importancia, relativo a sua experiencia de imigra.yao no nosso Pais. Agradecemos tambem a Professora Doutora Rosario Serafim, pela oportunidade que nos deu para a publica.yao do presente trabalho. Agradecemos tambem as nossas colegas do 5. 0 .ano da Turma 2, Yanda Alves e Eduarda Peres pela presen.ya e colabora.yao prestada ao longo de todo o nosso trabalho. Muito obrigado a todos pela colabora.yao prestada.
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l NTERVEN(.Ab SOCIAL,
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Joaquim FIALHO e Alexandra PONTES*
Etica de genero ou o genero da etica Pressupostos para uma igualdade de oportunidades entre mulheres e homens 0 artigo apresenta, de forma pratica, os pressupostos para a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. E defendida a passagem de uma etica conformisra de aceita~tao de praticas de desigualdade para urn agir baseado numa etica de igualdade. 0 paradigma desse agir nao e mais 0 da promo~tao de igualdade mas 0 da conso lida~tao da igualdade entre generos.
Etica e acs;ao humana: consideras;oes enquadradoras Os pressupostos da etica remetem-nos para uma tentativa real de encontrar o Iugar do homem, bern como a reflexao sobre os seus actos, comportamentos, cren<_;:as e suas inten<_;:oes. Esta etica, enquanto processo d e descoberta, procura uma especie de psicanalise dos actos, numa perspectiva de justi<_;:a e do clever sere estar. Todos n6s agimos em conformidade com expectativas . Neste quadro, encontramos as nossas expectativas em rela<_;:ao as ac<_;:oes, ou seja, o que pretendemos atingir, os nossos objectivos e anseios; numa dimensao mais ampla, o nosso projecto de vida. Como factor externo , surge uma dimensao de conformidade, condicionada por urn agir extdnseco, isto e, o que os outros esperam da nossa ac<_;:ao. 0 cenario privilegiado onde esta ac<_;:ao etica se desenvolve e, inquestionavelmente, o da relac;ao com o outro. Sao as nossas praticas quotidia* Joaquim Fialho - Assistente Social. Mestre e doutorando em Sociologia pela Universidade de Evo ra. Investigador na area de Igualdade de Oportunidades. Alexandra Pontes - Assistente Social. Tecnica da Unidade de Formayao e Consultoria da CESDET.
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nas que, na rela<;:ao como outro, nos fazem, por algumas vezes, ponderar o nosso comportamento, quer isto dizer, reflectir sabre a nossa ac<;:ao. Desde a origem do homem que se privilegia a rela<;:ao com o outro, atribuindo-se urn carisma moral e religioso a essas ac<;:6es. Este outro, nao e o vazio. Trata-se do proximo, a pessoa com quem interagimos nas nossas pd.ticas. Esras pd.ticas sao as praticas do bern, da felicidade e da sa convivencia, pressupostos basicos para a etica, em sentido amplo. Por vezes temamos encontrar fundamentos para legitimar a nossa condura. 0 homem, enquanto ser social, projecta as suas praticas no quadro duma conduta social condicionada. Os usos e costumes inerentes a determinado contexto s6cio geografico, sao os fundamentos para a nossa ac<;:ao e, consequentemente, o bar6metro da nossa etica. Nas nossas praticas agimos orientados por causas individuais que nos sao transmitidas atraves de varias gera<;:6es e que vamos assimilando com o fluir do tempo. Todavia, a nossa ac<;:ao nao e esratica. E dinamica e racional, e obedece tambem a valores que vamos adquirindo por via das emo<;:6es e das reac<;:6es. Agimos orientados pelas praticas do habito e da tradi<;:ao cultural. Agimos, numa perspectiva de "normal ou patol6gico" como reac<;:ao ao que os outros esperam de n6s, na prossecu<;:ao do comportamento socialmente cot-recto, por oposi<;:ao ao desvio. Esta etica, que aqui denominamos «etica da ac<;:aO» e uma etica conformista. Age em fun<;:ao da expectativa que o «outro» rem relativamente a nossa pessoa. Vejamos. Porque e que de manha tomamos o duche e nos vestimos? Porque e que nos penteamos e olhamos para o espelho? Porque e que entramos no cafe do nosso bairro pela manha e dizemos born dia? Porque e que ficamos incomodados quando o outro reage com a indiferen<;:a? Porque e que agimos de determinada maneira a mesa dum restaurame? Porque e que a postura que mantemos no nosso local de trabalho e bern diferente da que mantemos na rela<;:ao familiar? Estas sao algumas simples quest6es, meramente exemplificativas de como agimos em rela<;:ao ao que os outros esperam de n6s. Esta etica da ac<;:ao que aqui fazemos referencia e uma etica maliciosa. Este conformismo das ac<;:6es pode funcionar como agente perpetuador de praticas de desigualdade entre mulheres e homens das quais a hist6ria e pr6diga. Esta etica, ou melhor, a falta dela, e a razao de ser da necessidade de operacionaliza<;:ao da igualdade entre mulheres e homens. l NTERV EN<;:i\0 SOCIAL,
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genera da etica
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Hist6ria e etica: uma evoluc;ao lenta Questionar o papel do homem e da mulher ao Iongo dos tempos e uma tarefa complexa. Nao se trata do comar uma "story" a boa maneira inglesa mas, tentar reflectir sobre a caminhada pela igualdade e, chegar ao fim da "history" e concluir que muito ja foi feito, num quadro onde muito ha para fazer. Desde a pre-hist6ria que as mulheres ocupam urn papel secundario nas sociedades em que se inserem. Mesmo assim, e neste pedodo da economia de subsistencia que se lhes reconhece urn papel de alguma proeminencia. Asseguravam a reproduc;:ao das tribos e, por se desconhecer o papel do homem na fecundac;:ao , eram muitas vezes sacralizadas como s1mbolos de fecundidade e vida. 0 ciclo de reproduc;:ao das plantas e o papel de «guardias do fogo» eram algumas das circunsd.ncias que colocam as mulheres numa situac;:ao de relevo. Obviamente que esta visao, ainda que meramente ilustrativa, reflecte sobre o estado inicial da civilizac;:ao com avanc;:os, mas muitos mais recuos para o papel da mulher na sociedade. A seguir a este pedodo, a condic;:ao da mulher sofre uma forte inversao. No quadro da economia de produc;:ao, desenvolve-se a agricultura e a pastorfcia; o homem fixa-se em terras ferteis e junto aos rios; edificam-se as primeiras aldeias; descobrem-se fontes de energia (agua e vento); desenvolvem-se tecnicas para trabalhar a terra e comec;:am a desenvolverse os transportes, ainda que rudimentares, assentes na navegac;:ao e no carro de rodas. 0 papel da mulher sofre uma reduc.;ao. Da amiguidade aos nossos dias a hist6ria fez-se sobretudo de "grandes homens" (apesar de nao gostarmos desta expressao) e de submissao do "sexo fraco" 1 Aristoteles (384-322 a.c.) proferiu uma frase que, reflecte bern o ponto de partida das mulheres nesta caminhada: "As mulheres (tal como os escravos), sao semelhantes a coisas ina' E urn termo forte que ainda hoj e e associado a mulher. Trata-se dum consideras:ao de genera que a hisroria ainda nao diluiu e que simboliza o muiro que ainda ha por fazer relativamente averdadeira sociedade de igualdade e sa convivencia entre mulheres e homens. lNTERvEN<;:i\0 SOCIAL,
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nimadas agindo sem saber o que fazem, tal como o fogo arde sem saber que queima"
Os arrepios que podem resultar desta reflexao aristotelica, multiplicam-se se olharmos para os nossos dias e verificarmos que ainda ha empresas que tern alguma relutancia em contratar mulheres; governos maioritariamente constituidos por homens, entre outras situa<;:6es que referiremos mais a frente. A analogia que podemos estabelecer entre Aristoteles e os nossos dias e que esravamos no inicio da civiliza<;:ao e que, desde ai, muito se fez, mas muito ha ainda por fazer. Evidentemente que se registaram metamorfoses significativas no papel da mulher ao longo da historia. A celebre Padeira de Aljubarrota, a Rainha Santa Isabel, D. Leonor, Mariana de Alcoforado, Josefa de 6bidos sao, entre muitos, alguns dos nomes de mulheres portuguesas que tiveram urn papel de relevo, numa sociedade que nao gostamos de denominar de ÂŤmachistaÂť. 0 termo machista e viscoso e gerador de graves considera<;:6es de genero. Em nosso entender o machismo, enquamo antonimo de feminismo, torna a constru<;:ao da igualdade uma causa unica e exclusiva das mulheres. Na verdade nao e. A etica que aqui anunciamos, enquadrada pela felicidade e pela procura do lugar das mulheres e dos homens na sociedade, faz-se a duas vozes. Nao se trata de eliminar as inevitaveis diferen<;:as biologicas, mas de erradicar estereotipos, cren<;:as e preconceitos que envolvem mulheres e hom ens. "Os homens da vida politica discursam melhor que as mulheres" e as "mulheres sao mais dotadas para a vida domestica'' sao considera<;:6es de genero que, entre muitas outras, ainda perduram em alguns segmentos da nossa sociedade e que condicionam a nossa etica, atraves da ac<;:ao conformista, ao que OS OUtrOS esperam de nos.
A situa<;ao actual Muito esta feito em materia de igualdade de oportunidades entre mulheres e homens. Muito tambem falta fazer. INTERVENC,:AO SOCIAL, 29, 2004
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Nao confundamos esta matura<_;:ao da sociedade com uma «guerra de sexos» em que as mulheres rasgam os soutiens como forma de reivindicar o lugar dos homens. Esta logica de igualdade que aqui aludimos e uma logica que pretende ir ate aos limites da etica e do genero. E possivel uma sociedade sem barreiras e feita a duas vozes. Os homens tambem tern de perceber o quao e importante a sua envolvencia nesta matura<_;:ao social. Como e sabido, nos nossos dias, muitas sao as mulheres que abdicam da sua vida familiar e do nascimento dos seus filhos para se dedicarem a uma carreira profissional que nao se compadece com outro tipo de expectativas de caracter familiar. Entramos na logica da etica conformista, em que agimos de acordo como que o «nosso patrao» espera de nos: a maximiza<_;:ao da nossa produtividade. Muitas sao tambem as mulheres que abdicam do casamento. A sujei<_;:ao a uma vida familiar, entre outras raz6es, pode ser urn entrave colocado por uma sociedade que nao se compadece com perdas de tempo. Afinal, que sociedade e esta? Apesar dos visiveis progressos, sobretudo no pos-25 de Abril, muito ainda ha por fazer. No campo profissional o genero impera e coloca obstaculos a uma participa<_;:ao sa e equilibrada. Dizem alguns patr6es (felizmente cada vez menos) que as mulheres faltam muito ao trabalho porque tern de prestar assistencia a familia; sao urn elemento perturbador em ambiente de trabalho; nao tern for<_;:a fisica; nao tern autoridade e a sua disponibilidade para a prossecu<_;:ao dos objectivos da empresa e menor que a dos homens. Obviamente que todos estes argumentos sao passiveis de discussao e de resolu<_;:ao att·aves duma consistente politica de concilia<_;:ao familiar e profissional. Infelizmente ainda perduram e condicionam a ac<_;:ao de homens e mulheres nos diferentes quadrantes da sociedade. Basta olharmos para algumas areas profissionais e verificamos que se mantem tendencias do passado. Profiss6es tradicionalmente femininas e outras tradicionalmente masculinas. E a propria conformidade que aqui temos referido que condiciona os acessos ao mercado. As mulheres continuam mais ligadas a areas profissionais, como por exemplo, os servi<_;:os pessoais, textil, vestw1rio e estetica e os homens dedicam-se a areas como a constru<_;:ao civil, metalurgia e metalomednica. INTERVEN<;:Ao SOCIAL,
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Na polltica, o quadro e mais grave. Basta olharmos para o nosso Parlamento ou ate mesmo para a constitui<;ao do Governo e procedermos a uma contagem para posteriormente chegarmos a uma conclusao. Este agir da conformidade que a etica tradicionalista nos prop6e chegou a fase da sua ruptura. E preciso repensar as pd.ticas e partir para uma proposta de operacionaliza<;ao duma verdadeira igualdade de oportunidades entre mulheres e homens, na qual as considera<;6es de genero geradas pela etica conformista nao tern lugar.
Pressupostos para a etica da igualdade Repensar a igualdade de oportunidades no quadro duma etica anticonformista e que tern subjacente uma ruptura com os quadros sociais e culturais reprodutores da desigualdade e a tarefa que nos diz respeito. Nao so a nos, enquanto tecnicos e signatarios deste artigo de reflexao, mas a todos os cidadaos, nos mais diversos quadrantes da vida, dando consistencia ao que hoje chamamos pomposamente de «responsabilidade social». A nossa reflexao deixa aqui urn conjunto de pressupostos orientadores para a ruptura com a etica conformista e consequente consolida<;ao duma nova etica de genero: • A igualdade nao e urn processo que so implica as mulheres. Nao e feminismo. Pressup6e uma filosofia de vida que implica urn equilibria na vida social de mulheres e homens. • A igualdade esra na Lei. Foi pela mao do direito que se fez a discrimina<;ao. Agora e pela mao do direito que se faz a mudan<;a para a igualdade. • A participa<;ao equilibrada entre homens e mulheres na vida familiar e profissional e urn dos pilares decisivos para a igualdade. • A maternidade e urn valor humano que nao pode ser desencadeador de discrimina<;ao no acesso ao mercado de trabalho. • Enquanto os cuidados de familia estiverem sobretudo nas maos das mulheres nao havera igualdade. • A igualdade nao e sinonimo de inversao de papeis sociais. l NTERVEN<;:AO S OCIAl,,
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• 0 trabalho e a familia devem ser reorganizados (flexibilidade, redes de apoio a familia, incentivos a participa<;:ao equilibrada de mulheres e homens nas varias dimens6es). • A maior participa<;:ao dos homens na vida familiar e vantajosa para a harmonia do casal e para o desenvolvimento psicossocial equilibrado por parte dos filhos . • E preciso divulgar boas praticas ao nfvel da concilia<;:ao da vida familiar e profissional. • As empresas devem ser sensibilizadas para as vantagens da concilia<;:ao familiar e profissional. • 0 tratamento social da igualdade deve OBRIGATORIAMENTE implicar mulheres e homens, em ruptura com perspectivas feministas. • A igualdade nao e uma «guerra de sexos», nao e uma luta de feminisras, nao e a substitui<;:ao de lugares de homens por mulheres! • Enquanto existirem, por exemplo, manuais escolares, orgaos de comunica<;:ao social e mentalidades adversas a mudan<;:a, a reprodu<;:ao dos papeis tradicionais de genera continuara a ser uma realidade. • E necessaria o refor<;:o de mecanismos de actua<;:ao no controle ao n!vel do acesso ao emprego. • A igualdade nao pode ser apenas uma «bandeira polltica». Deve ser . uma pratica das nossas vidas. • 0 acesso das mulheres ao emprego deve ser promovido em situa<;:ao de igualdade com os homens e sem julgamentos estereotipados. • "De pequenino e que se torce o pepino". Actuar junto de estabelecimentos de ensino para uma efectiva EDUCAc;Ao PARA A IGUALDADE.
• Os processos de recrutamento no acesso ao emprego deverao ter por base juris paridrios. • Promover ac<;:6es de sensibiliza<;:ao em igualdade de oportunidades junto de empresarios e gestores. • Todos nos temos a responsabilidade social de agir e denunciar a reprodu<;:ao de imagens e valores que reproduzem a desigualdade. • Cada urn de «nos» e urn agente estrategico na constru<;:ao da igualdade de oportunidades. • A igualdade nao devera ser imposta. Deve ser aceite como uma pratica social de normalidade. lNTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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â&#x20AC;˘ A igualdade e pais, uma partilha equilibrada da vida social, polltica, familiar e profissional.
A forma<;:ao de agentes estrategicos: urn caso Nao se pense, apesar da pertinencia que elas assumem, que estas coisas de igualdade se fazem por decreta. Nao basta falar em igualdade de oportunidades, ha que concretizar o conceito au¡aves de ao;6es de caracter intervenrivo que fomentem a equidade e a cidadania e que visem a atenua<;ao das desigualdades existentes. 0 relata que aqui deixamos, sabre a forma<;ao em igualdade de oportunidades e o prindpio do muito que ainda ha para fazer nesta materia. Nao foi mais uma ac<;ao de forma<;ao que se realizou, meramente centrada na absor<;ao de fundos comunitarios. A experiencia vivida com o grupo e a certeza de que dali sairam agentes estrategicos imbufdos da vontade de multiplicar praticas de igualdade e denunciar situa<;6es adversas, da-nos garantias de que esta forma<;ao em igualdade e urn lugar estrategico para a ruptura de algumas rotinas desajustadas aos nossos dias. Durante cerca de tres meses, do ze formandos (seis homens e seis mulheres), com forma<;ao na area das ciencias sociais e humanas frequentaram uma ac<;ao de "forma<;ao inicial de formadores em igualdade de oportunidades". A reflexao sabre a situa<;ao actual e a analise de casas concretos das dfspares realidades profissionais em que actuam foi, inquestionavelmente, urn espa<;o de crescimento e de abertura de novas focos de interven<;ao. E att¡aves da analise e reflexao do quotidiano familiar e profissional que se definem estrategias de interven<;ao visando a mudan<;a de atitudes e comportamentos. A realidade das autarquias desconhecedoras da poHtica de igualdade entre mulheres e homens; a interven<;ao comuniraria em diferentes pontos do pais, principalmente em zonas mais rurais fortemente enraizadas em modelos tradicionais; as grandes multinacionais na area da restaura<;ao cuja interven<;ao pode ser maximizada mediante simples aetas, com efeitos multiplicadores por todo o pais; os agentes do comercia e do turismo; a implementa<;ao de programas de promo<;ao de igualdade em movimentos associativos com objectivos de cariz educativo; estas l NTERVENC,:AO SOCIAL, 29, 2004
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foram algumas das abordagens pertinentes e inovadoras que o empenhado grupo de formandos trouxe para a discussao.
Consideras:oes finais A ignorancia humana ha muito pouco tempo percebeu que uma sociedade democratica e civilizada se constroi entre homens e mulheres, dia apos dia, acto apos acto, palavra apos palavra. Pensar uma sociedade na qual a igualdade surge como urn simples acto isolado e marginal a outras tantas praticas sociais, e estar a construir barreiras visfveis e invisfveis, impeditivas da participac;:ao social, polftica e economica de mulheres e homens. Nesta fase, o paradigma ja nao e o da promoc;:ao da igualdade. Superou-se a fase da douta ignorancia. A hora e de implementar;iio de praticas consistentes que ajudem a desenvolver transformac;:oes nos valores e praticas sociais e culturais promotoras da desigualdade. Estamos perante o paradigma da consolidac;:ao da igualdade. Esta consolidac;:ao rompe com as praticas retrogradas e culturais construfdas no quadro da etica conformista cujas praticas de genera acentuavam o fossa entre mulheres e homens. Os tempos que se aproximam sao de procura da felicidade e da harmonia, rumo a uma etica igualitaria e sem barreiras de genera. Este equilibria entre mulheres e homens segundo a matriz de igualdade de genera, tern tambem par base o primado da justic;:a social. Todos, independentemente do sector ou area profissional, temos uma palavra a dizer. Esta !uta pela harmonia e felicidade social e de todos. Se no dia a dia todos nos desenvolvermos urn simples acto de implementa<;ao da igualdade, paulatinamente veremos os resultados. Contudo, talvez a nossa fraqueza de nao termos suficiente maturidade para esperar resultados diffceis nos conduza a praticas desiguais. Vamos ser fortes e encarar a igualdade como o fulcra do desenvolvimento social.
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TN TERVEN <:;:AO SOC IAL,
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Edwin HOFFMAN*
Pensamento e Acs:ao inclusivos Comunicas:ao Intercultural e Gestao da Diversidade na Pratica do T rabalho Social Tradus:ao: Maria In~s Amaro**
0 mlmero cada vez mais alargado de grupos etnicos existentes nas diftrentes sociedades europeias coloca aos trabalhadores sociais e suas chefias a seguinte questiio: que teoria e que imtrumentos podem ser desenvolvidos para a pratica do trabalho social e sua supervisiio, nos quais a noriio de 'etnicidade' esteja profondamente enraizada? A resposta a esta questiio deve ter um caracter din!imico: o reconhecimento de que as pessoas silo capazes de ser actoras na formariio da etnicidade como um aspecto das suas identidades em permanente mudanra. 0 artigo inicia-se com uma breve descririio do contexto holandes e prossegue com uma analise dos riscos das abordagens cultumlistas e antiracistas. Em seguida, proponho um modelo inclusivo de Gestiio da Diversidade e um modelo inclusivo de Comunicar;iio Intercultural. For fim, o modelo TOPOl e apresentado como um passive! 'instmmento de analise' para detectar as diftrenr;as e mal-entendidos culturais que causam ruido na comunicariio.
Nota de apresentas;ao
No Verao de 2001, o Departamento de Forma<_;:ao e Presta<_;:ao de Servi<;:os da entao ISSSCoop, por iniciativa da Dr.' Rosario Advirta e do Dr. Michel Binet, organizou uma Escola de Verao, dirigida a profissionais e investigadores sociais. 0 tema central proposto foi o das rela<_;:6es inter* Professo r na Fonrys Hogescholl Social Work Eindhoven (Holanda).
** Docente e investigadora no ISSSL, com trabal ho realizado na area das minorias emicas, nomeadamente, ao nivel dos cidadaos originarios dos PALOP e do povo cigano.
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culturais, no ambito do qual se convidaram diversos especialistas nacionais e estrangeiros a apresentarem os seus comributos. Ao Iongo de uma semana realizaram-se conferencias, debates, workshops, grupos de discussao, mesas redondas sobre diversas problematicas espedficas ligadas ao tema central da interculturalidade. 0 presente artigo constitui-se, entao, no resultado de uma das comunica<;:6es apresentadas ness a iniciativa pelo Professor Edwin Hoffman e que se considerou que seria um dos contributos de maior qualidade produzidos pela Escola de Verao. Nesse sentido procedeu-se a tradu<;:ao do texto que encontra agora oportunidade de ser publicado. Maria Ines Amaro
1. Introdw;:ao 0 numero cada vez mais alargado de grupos etnicos existentes nas diferentes sociedades europeias coloca aos trabalhadores sociais e suas chefias a seguinte questao: que reoria e que instrumentos podem ser desenvolvidos para a pd.tica do trabalho social e sua supervisao, nos quais a no<;:ao de 'etnicidade' esteja profundamente enraizada? A resposta a esta questao deve ter urn caracter dinamico: o reconhecimento de que as pessoas sao capazes ser actoras na forma<;:ao da etnicidade como um aspecto das suas identidades em permanente mudan<;:a. 0 presente artigo tem como base a minha experiencia de formador e consultor e comporta dois aspectos: ao nivel da comunica<;:ao interpessoal (trabalhadores sociais/clientes e supervisores/empregados), gostaria de introduzir uma abordagem tedrica sistemica pluralista da comunicar;iio intercultural (Hoffman e Arts, 1994) e, ao nivel da gestao de uma organiza<;:ao com uma for<;:a de trabalho e uma clientela multi-etnicas, faz-se uma abordagem inclusiva da gestiio da diversidade. A minha contribui<;:ao inicia-se com uma breve descri<;:ao do contexto holandes e prossegue com uma analise dos riscos das abordagens culturalistas e anti-racistas. Em seguida, proponho urn modelo inclusivo de Gestao da Diversidade e um modelo inclusivo de Comunica<;:ao Intercultural. Por fim, o modelo TOPOl e apresentado como urn possivel 'instrulNTERVEN( AO SOCIAL, 29, 2004
Pensamento e acc;:ao inclusivos
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menta de analise' para detectar as diferenc;:as e mal-entendidos culturais que causam ru.fdo na comunicac;:ao.
2. 0 contexto holandes A minha contribuic;:ao parte do contexto da sociedade multi-etnica holandesa, com 15 milh6es de habitantes, dos quais cerca de 5% sao os oficialmente designados 'al6ctones'. 'Al6ctones' sao as pessoas que, elas pr6prias ou urn dos seus progenitores, nasceram fora do pa.fs. Em oposic;:ao aos aloetones, OS 'autoctones' SaO OS holandeses 'originais/nativos' (ate que gerac;:ao Se podera ser holandes 'puro'?). Os al6ctones sao migrantes das antigas col6nias holandesas, migrantes trabalhadores, refugiados, requerentes de asilo e ciganos. Os grupos mais alargados sao originarios do Suriname (1995: 278.000), da Turquia (1995: 264.000), de Marrocos (1995: 219.000), de Aruba e das Antilhas (1995: 93.000) (Shadid, 1998: 11). Os al6ctones sao o grupo alva do governo holandes porque tern uma posic;:ao socio-econ6mica mais fraca nessa sociedade: par exemplo, n.fveis de desemprego e de abandono escolar desproporcionalmente elevados. 0 governo (Van Boxtel, 1999) lanc;:ou recentemente quatro planos de acc;:ao para melhorar a situac;:ao dos al6ctones no que concerne a Juventude, o Desempre-go, a Discriminac;:ao e a Comunicac;:ao. No que respeita a cidadania dos al6ctones, existe a possibilidade de dupla nacionalidade e esta consagrado o direito ao voto e a ser-se eleito para o governo local. 0 artigo 1. 0 da constituic;:ao da Holanda pro.fbe a discriminac;:ao e o racismo. Politicamente, os partidos de extrema direita na Holanda nao sao muito significativos, mas, par outro lado, a resistencia contra os que procuram asilo e crescente. Uma ultima caractedstica importante do clima pol.ftico holandes e o modelo consensual ou, em holandes, o chamado Poldermodel: varios interesses sao ridos em conta pela consulta e compromisso mutuos.
3. Riscos das abordagens culturalistas e de algumas abordagens anti-racistas 0 contexto demografico deixa clara que na Holanda os trabalhadores I NTERVEN<;:AO SOCiAL, 2 9, 2004
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sociais e as suas chefias tern que contactar com clientes e colegas al6ctones. De uma forma geral, na Holanda a maior parte destes profissionais estao efectivamente motivados para tomar em consideras:ao a dimensao etnica na sua pratica diaria. Requerem informas:ao de base (cultural) concreta sobre como recrutar mais pessoal al6ctone, como gerir equipas multi-etnicas e como lidar com os desentendimentos e conflitos com que se defrontam na comunicas:ao devido as diferentes origens etnicas dos clientes, colegas e empregados. Organizas:6es monoculturais que iniciaram o processo de tomar em linha de conta a 'etnicidade', como na Suecia, podem ter as mesmas quest6es e gostaria de apontar os riscos de algumas das abordagens de comunicas:ao intercultural e de gestao intercultural que tentam responder a essas quest6es. As respostas usuais as quest6es dos trabalhadores sociais e das suas chefias em muito se relacionam com a comunicas:ao intercultural e as teorias de gestao (por exemplo, Eppink, 1985; Pinto, 1991; Hofstede, 1984; Trompenaars, 1993). Estes estudos debrus:am-se sobre culturas nacionais distintas e as suas caracteristicas ou sobre dimens6es das culturas nacionais, como a cultura das classes altas e a cultura das classes populares (Hall, 197 6), a dist:lncia do poder, incerteza/ evitamen to, colectivismo/individualismo e feminilidade e masculinidade (Hofstede, 1984). Os estudos sao importantes porque a sua intens:ao e evitar 0 etnocentrismo e o racismo, au路aves da divulgas:ao da diversidade de culturas etnicas e nacionais. Nao obstante, estas teorias sao muito arriscadas quando sao tomadas como indicativas de como comunicar com pessoas com uma origem etnica ou nacional diferente. Este tipo de abordagem intercultural e chamado de culturafilo (Glastra, 1994; Leeman, 1996) ou culturalista (Shadid, 1998): a enfase e posta nas diferens:as culturais ernicas ou nacionais e sao esses problemas culturais que sao considerados o problema de fundo da convivencia inter-etnica pessoal e profissional. A abordagem culturalista reduz a interacs:ao entre pessoas com origens etnicas diferenciadas a uma situas:ao isolada, unica e microsc6pica e rejeira, desra forma, o conrexto societal com estruturas de poder historicamente desenvolvidas. Esta perspectiva obscurece a visao dos processos de dominas:ao e exclusao social. Husband (1991) alerra que, desta forma, a pratica do trabalho social "etnicamente sensitiva' pode facilmente tornar-se numa modificas:ao superficial, culturalmente informada, da prestas:ao de servilNTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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<;os no interface cliente/trabalhador. lsto pode ocorrer em contextos onde os problemas estao ja pre-definidos e sem questionar as estruturas institucionais existentes. Como tal, esta metodologia pode facilmente tornar-se numa sofisticada forma de servi<;o paternalista e institucionalmente racista, que pode reclamar ser orientada para o cliente, mas que nunca se aproximad de ser conduzida pelo cliente" (Husband, 1991: 6 5). Outro risco e 0 de que OS aloctones sao descritos na sua cultura etnica estatica e sao transformados em objectos culturais. A abordagem culturalista sugere que a comunica<;ao de uma pessoa e unidimensional, determinada pela sua propria perten<;a a urn determinado grupo etnico. Os trabalhadores sociais aprendem, por exemplo, que, para clientes marroquinos ou turcos, por defini<;ao, eles pertencem ao grupo exterior; os trabalhadores sociais nao pertencem ao grupo interno que e a familia, assim, OS clientes marroquinos e turcos tern grandes dificuldades em contar-lhes os seus problemas privados e pessoais. Ainda mais detalhadamente, os trabalhadores sociais podem ser avisados de que, se visitarem uma familia marroquina ou turca em casa, ser-lhes-a oferecido muito cha. Se nao quiserem mais cha, devem introduzir a colher do cha no copo com a parte convexa virada para cima. A abordagem culturalista aponta sobretudo para a perten<;a tradicionalmente etnica de uma pessoa e apresenta essas caracteristicas, ao mesmo tempo, como estaticas, imuraveis e fixas e como completamente determinantes do pensamento e ac<;ao dessa pessoa. Rejeita o significado dinamico das pdticas quotidianas de negocia<;ao, coopera<;ao e conflito: as pessoas nao sao unicamente o produto da cultura, mas tambem urn produtor de cultura (Tennekes, 1995). A etnicidade e vista como uma identidade dada naturalmente e na sua essencia (Steiner Khamsi & Spreen, 1996) e nao como 'apenas' uma das diversas identidades socialmente construidas, que em conjunto formam a identidade 'hfbrida', multicultural e multipla que cada pessoa tern e que e constantemente construida em interac<;ao com o meio ambiente social (Hall, 1992; Bhabha, 1996; Hall & Du Gay, 1996). Stuart Hall (1994) utiliza o conceito de urn "sujeito pos-moderno, que e concebido sem uma identidade assegurada, essencial e duradoura. A identidade torna-se uma 'celebra<;ao movente': esta continuamente a ser construfda e modificada em rela<;ao a diferentes f01路mas, nas quais somos representados ou nomeados nos sistemas culturais que nos rodeiam" (Hall, 1994: 182f). INTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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A critica a abordagem culturalista tambem conta com algumas an8Jises anti-racistas que tendem a reduzir as multiplas auto-representay6es e identidades sociais dos indivfduos a manifestay6es de algumas identidades colectivas binarias impostas como 'preto'/'branco', racista/anti-racista e agressor/v.ftima (Steiner Khamsi & Spreen, 1996). Appiah (1995) resiste contra a 'prisao' desta identidade grupal quando se refere a situayao no Quebec, onde alguns habitantes querem fazer com que os franc6fonos 'etnicos' eduquem os seus filhos em frances e afirma: "Creio (... ) que em certo sentido os mesmos limites sao ultrapassados quando alguem reclama que eu organizo a minha vida em torno da minha 'raya' ou da minha sexualidade" (Appiah, 1995: 186). Ourros riscos de algumas abordagens anti-racistas SaO 0 caracter moralizante ('os bans anti-racistas e OS maus racistas') e 0 pressuposto de que 0 racismo e a unica e totalmente abrangente explicayao massiva para a exclusao das minorias etnicas nas interacy6es interpessoais e na sociedade (Van Dijk, 1987, 1993). Actualmente, as multiplas fOl路mas de discriminayao e de favorecimento sao muito mais importantes. A analise deve centrar-se nas situay6es, conex6es e nas relay6es em que a discriminayao e o favorecimento se fazem notar e se acumulam. Havera antes a necessidade de outras construyoes multiplas que nao sejam as ja referidas construy6es binarias para localizar adequadamente as posiyoes nas interacyoes sociais: por exemplo, uma mulher marroquina, jovem, com urn nfvel elevado de educayao, com urn estatuto econ6mico e social alto e estabelecida versus um homem surimaneshindu, velho, com urn menor nfvel de educayao, com urn estatuto econ6mico baixo e recem-chegado (Penninx, 1988; Bader & Benschop, 1988; Van den Berg, 1992; Steiner Khamsi & Spreen, 1996). Na minha pratica de f6rmayao e consultoria verifiquei que ambas as abordagens culturalista e anti-racista, tal como foram anteriormente descritas, nao apoiam os trabalhadores sociais e supervisores na sua interacyao diaria com pessoas com origens etnicas diversificadas. A abordagem culturalista e algumas abordagens anti-racistas conduziram ageneralizayao e ao estere6tipo ('Todos os indianos sao assim .. .'), a exotizayao e ao evitamento da interacyao ('A comunicayao com urn al6ctone e demasiado diferente, demasiado diffcil...'), a tolerancia passiva ('Eu tenho a minha cultura; tu tens a tua e eu respeito-a e tolero-a. Ponto final.'), ao abuso da cultura como uma desculpa ou uma legitimayao ('Agora estamos na Holanda e l NTERVENy\0 SOCIAL,
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fazemos isto desta forma' ou, por outro !ado, 'Faz parte da minha cultura nao permitir que a minha filha va a escola') e a paralisac;:ao ('Com tanto medo de errar e de ser acusado de discriminac;:ao ou, pior, de racismo ... ').
4. Urn modelo inclusivo de comunicac;:ao intercultural 0 Pensamento e Acc;:ao Inclusivos ao interligarem os prindpios da Igualdade Reconhecida e da Diversidade Reconhecida sao tambem aplidveis a abordagem da comunicac;:ao intercultural que defendo. Para apoiar a comunicac;:ao no Terceiro espac;:o hibrido e para evitar os problemas da abordagem culturalista e de algumas abordagens anti-racistas, desenvolvi o modelo TOPOl para a analise e para a intervenc;:ao na comunicac;:ao (interetnica). Este modelo inclusivo tern as suas bases filosoficas no pluralismo (Procee, 1991) e teoricas na teoria geral dos sistemas (Watzlawick et al., 1967).
4.1 - Uma abordagem pluralista da comunicac;:ao intercultural 0 filosofo holandes Procee (1991) desenvolveu o pluralismo como a 'propria' mistura do relativismo (particularismo) com o universalismo (comunicativo) (Procee, 1991: 58). A essencia do universalismo e a ideia da 'unidade' na ou para alem da diversidade dos fenomenos empiricos. 0 universalismo assume urn sistema geral e universal de valores e normas que se aplicam a todos. 0 relativismo e a concepc;:ao filosofica da 'diversidade': o reconhecimento da especificidade de uma pessoa, de urn grupo ou de uma tradic;:ao, ou seja, nao ha padr6es absolutos, apenas sao validos OS padr6es locais. A realidade nao e uniforme mas pluriforme: consiste em diferentes realidades locais cada uma com as suas proprias interpretac;:6es. Os contextos locais sao fenomenos unicos, com urn valor particular e nao devem ser reduzidos a uma base comum. A comunicac;:ao entre pessoas pertencentes a estas diferentes realidades locais e quase impossivel, assim, a tolerancia mutua devera ser urn trac;:o destas interacc;:6es. 0 universalismo vai contra os limites quando se transforma em absolutismo e monismo e supervisiona, regulando, as l NTERVEN(.AO SOCIAL,
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realidades locais. Neste sentido, o universalismo torna-se etnocentrico e racista (por exemplo, quando a cultura ocidental, 'branca', racional e tomada como o padrao para as 'outras' culturas 'subdesenvolvidas'). 0 relativismo, por seu turno, vai COntra OS Jimites quando conduz a tolerancia passiva e a indiferenc;a perante culturas diferentes (Procee, 1991). 0 pluralismo tenta ultrapassar estes limites do universalismo e do relativismo. Retira deste ultimo a ideia de que a linguagem, o conhecimento, a moral e a ciencia sao produtos historicos e que as pessoas estao enraizadas em tradic;oes culturais. Do universalismo (comunicativo) toma a perspectiva de que as realidades locais e os seus produtos culturais nao estao totalmente separados uns dos outros: as interacc;oes sao poss{veis e podem fazer emergir algo de novo. Partindo das palavras chave do universalismo comunicativo e do relativismo, respectivamente 'unidade' e 'diversidade' interactivas, Procee (1991) desenvolve a noc;ao chave do pluralismo: 'diversidade interactiva' ou 'interacc;ao heterogenea'. 0 esforc;o pluralista na interacc;ao e importante para transcender OS quadros de referencia ja existentes. Da interacc;ao algo 'melhor' pode resultar, em termos de esquemas de interpretac;:ao mais extensivos e melhor adequados e da abertura de horizontes dos participantes envolvidos. As interacc;6es pluralistas podem prevenir a tolerancia passiva e outros perigos das abordagens culturalistas e de algumas abordagens antiracistas. 0 pluralismo estimula a 'interacc;ao heterogenea' (Procee, 1991) e desafia a abertura do dialogo e a partilha de responsabilidade, atraves do mutuo questionamento sobre OS respectiVOS pontos de vista e opini6es (Wildemeersch, 1992).
4.2- Uma abordagem te6rica sistemica da comunicac;ao intercultural Assente no pluralismo e em busca de uma alternativa para uma abordagem culturalista e anti-racista, desenvolvi uma abordagem comunicativa teorica sistemica da comunicac;:ao intercultural. 0 meu ponto de partida e o estudo do De Interakie Akademie de Antuerpia, na Belgica, que se desenvolve pragmaticamente conforme a teoria geral dos sistemas, tal como foi elaborada por Watzlawick (Watzlawick et al., 1967; Baert, I NTERVENt;AO S OCIAL,
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1987, 1991, 1993; Mattheeuws, 1983, 1988, 1990; Peeters, 1989; Steens, 1993). A teoria dos sistemas assume que a comunica<;:ao de uma pessoa so pode ser entendida au路aves da compreensao da sua rede de sistemas sociais: 'cor', etnicidade, genero, idade, familia, educa<;:ao, religiao, profissao, regiao, estatuto economico e social, etc. Cada urn destes sistemas sociais caracteriza-se por uma determinada cultura da qual uma pessoa pode retirar uma identidade social ou colectiva aliada a urn sentimento de perten<;:a. Durante a sua vida cada individuo passa por e permanece em diversos sistemas sociais; ao comunicar com cada urn desses sistemas o individuo desenvolve uma identidade multicultural, multipla e em permanente mudan<;:a. "Todo o individuo e composto por uma combina<;:ao unica de orienta<;:6es culturais e influencias diferentes e todas as pessoas pertencem a grupos culturais muito diversos. E importante que reconhe<;:amos a influencia de muitas culturas nas nossas vidas. Com base na nossa heran<;:a e experiencias de vida, cada urn de nos desenvolve a sua propria identidade multicultural idiossincdtica" (Kreps & Kunimoto, 1994: 3). 0 facto de que cada pessoa tern uma identidade multicultural torna toda a comunica<;:ao interpessoal intercultural. Assim, qual a razao de se manter a distin<;:ao entre comunica<;:ao 'comum' e comunica<;:ao intercultural? Urn outro ponto e o de que tematizar a comunica<;:ao intercultural apenas faz sentido se for tratada como uma subdivisao da comunica<;:ao interpessoal (Gudykunst & Kim, 1984; Bolten, 1994). Esta questao tambern se coloca pelo facto de que a comunica<;:ao real nao se desenrola entre culturas ou na<;:6es, mas sempre numa interac<;:ao interpessoaltmica. Neste sentido, o conceito intercultural nao pode ser directamente ligado ao conceito comunica<;:ao. ''As culturas sao urn nivel diferente da analise logica dos seus membros individuais. As culturas nao falam umas com as outras; os individuos falam. Neste sentido, toda a comunica<;:ao e comunica<;:ao interpessoal e nao pode ser nunca comunica<;:ao intercultural. A 'cultura chinesa' nao pode falar com a 'cultura japonesa', a nao ser atraves do discurso do individuo chines com o individuo japones" (Scollon & Scollon, 1995: 125). Devido a este aspecto pessoal unico da comunica<;:ao, da identidade l NTERVEN<;i\0 SOCIAL,
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multipla multi-cultural de cada pessoa e do caracter heterogeneo de cada sistema social (incluindo os sistemas baseados na nacionalidade, etnicidade e linguagem), nao faz sentido diferenciar a comunicac;:ao intercultural da comunicac;ao 'geral' intracultural. Deste ponto de vista, o adjectivo 'multicultural' e redundante, porque nao acrescenta nada ao conceito de comunicac;:ao e apenas repete o que e inerente em cada acto de comunicac;ao: ter sempre presente a questao da existencia de diferentes quadros de referencia cultural. Desta forma, a questao que se levanta e a de perceber porque nos mantemos presos ao conceito de comunicac;:ao intercultural? Penso que faz sentido continuar a utilizar o termo se o conceito de comunicac;:ao intercultural nao se confinar a comunicac;:ao entre pessoas com diferentes origens etnicas, nacionais ou lingu.fsticas. D e facto, a bagagem cultural dos interlocutores afecta o desenvolvimento da sua comunicac;ao, mas esta bagagem pode ser relacionada com as culturas nacionais, com as culturas etnicas, com as culturas juvenis, com as culturas organizacionais e, entre outras, com as culruras de genera (Tannen, 1986). A influencia destas culturas pode ser objecto de estudos cientificos ou de atenc;ao profissional durante uma conversac;:ao. E esta abordagem da comunicac;:ao que definirei como comunicac;ao intercultural. A adjectivac;:ao 'intercultural' significa urn foco espedfico nos aspectos culturais que afectam a comunicac;ao mutua entre interlocutores. Assim, comunicac;ao intercultural e a comunicat;iio interpessoal em que hd uma atent;iio explicita as dimensoes culturais que aftctam a comunicat;iio. Tal como foi anteriormente explicitado, as dimens6es culturais podem estar relacionadas com muitas culturas. A comunicac;:ao inter-etnica, a comunicac;ao entre homens e mulheres, a comunicac;ao entre jovens pertencentes a diferentes culturas juvenis, a comunicac;:ao entre pessoas pertencentes a diferentes culturas organizacionais ou de departamento , sao ramos do 'tronco' da comunicac;:ao intercultural. Com esta abordagem te6rica sistemica espero conseguir urn alargamento de horizontes na conversac;ao com pessoas com diferentes origens etnicas. As pessoas nao esrao imediatamente nem apenas prontas para dar uma explicac;ao etnica cultural ao comportamento do outro: ele(a) age desta forma devido a sua origem etnica; nem que 0 outro explique 0 seu comportamento dizendo: 'esta e a minha cultura'. l NTERVEN<;:i\0 SOCIAL,
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4.3-0 modelo TOPOl 0 modelo TOPOl e urn modelo teorico sistemico pluralista que operacionaliza as diferenc;:as culturais em cinco locais ou areas fundamentais da comunicac;:ao onde podem ocorrer falhas comunicativas: Ungua (= linguagem), Ordem, Pessoas, Organizac;:ao e Inrenc;:oes.' As diferenc;:as e os mal-entendidos na comunicac;:ao podem ser localizados nestas cinco areas. 0 modelo tambem oferece diferentes estrategias para a intervenc;:ao. Tal como foi referido, o modelo e baseado no trabalho do De Inreraktie Akademie de Antuetpia/Belgica, onde uma equipa multidisciplinar elaborou pragmaticamente os axiomas de influencia (Watzlawick et al., 1967) . A De Interal<:tie Akademie elaborou quatro dos cinco axiomas de Watzlawick. 0 quinto axioma, de simetria e complementaridade na definic;:ao da relac;:ao, surgi!-1 de investigac;:oes posteriores como uma supersimplificac;:ao do segundo axioma, nao acrescentando nada aos restantes axiomas (Mattheeuws, 1986). Os quatro axiomas sao: 1. a influencia das pessoas com, e especialmente sem, palavras. 2. o que eu creio ser a verdade, nao e necessariamente a verdade para o outro. 3. a comunicac;:ao e urn processo de influencia que tern urn nivel de conteudo e urn nivel de relac;:ao. 4. nao e possivel nao comunicar: todo 0 comportamento e comunicac;:ao. Estes quatro axiomas sao os pontos de partida do modelo TOPOL Com base na minha experiencia pratica, acrescentei urn quinto axioma: 5. a comunicac;:ao e influenciada pelo contexto organizacional. Tenho consciencia de que este quinto axioma e de uma categoria diferentes da dos outros quatro axiomas da De lnteraktie Akademie, mas o contexto organizacional e uma dimensao importante par si so, devido aos seus efeitos na comunicac;:ao profissional com os clienres. ' Em ingles, Tongue, Order, Persons, Organization and Intentions/TO POI. (n. r.). l NTERVENc;:AO SOCIAL, 29, 2004
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Com base nestes cinco axiomas, estabeleci cinco areas do modelo TOPOl: Lingua (a linguagem da comunica<;ao e o primeiro axioma),
Ordem (o segundo axioma), Pessoas (o terceiro axioma), Organiza<;ao (o acrescentado quinto axioma) e Inten<;6es (o quarto axioma). Escolhi esta sequencia porque em grego TOPOl significa 'lugares': plural de 'lugar' (ver tambem topografia). Analogos a este senti do, Lingua, Ordem, Pessoas, Organiza<;ao e Inten<;6es sao os 'locais' na comunica<;ao onde se pode parar, durante ou ap6s a conversa<;ao, para identificar possiveis diferen<;as e mal-entendidos. Neste sentido, rodo o 'lugar' oferece possibilidades de detectar ou prevenir mal-entendidos . Na pratica da comunica<;ao, os lugares Lingua, Ordem, Pessoas, Organiza<;ao e Intens;6es estao muito estreitamente interligados uns aos outros. Os locais sao apenas artificialmente distinguidos para que possam ser claramente identificados. Na comunica<;ao tern que se lidar com todos estes locais em todos os momentos. A mais-valia do modelo TOPOl em rela<;ao a abordagem culturalista e a algumas abordagens anti-racistas e a perspectiva mais alargada que se consegue ter da comunica<;ao entre pessoas com origens etnicas diferenciadas. No modelo TOPOl e tornado em considera<;ao urn numero diversificado de aspectos a partir dos quais se podem construir hip6teses sobre onde e que a comunica<;ao poded eventualmente correr mal ou ficar impossibilitada. Quanta mais hip6teses se puderem formar, maiores serao as possibilidades de se manter a comunica<;ao aberta ou de a voltar a abrir. 0 modelo TOPOl nao oferece de antemao informa<;ao fixa sobre as origens etnico-culturais, nem se centra na etnicidade ou 'cor' de uma pessoa. Isto significa que trabalhar com o modelo TOPOl estimula a interac<;ao (pluralismo): nao ter medo de cometer erros, mas estar aberto e reflectir e trabalhar com os efeitos da comunica<;ao. 0 modelo TOPOl tambem cria espa<;o para a perspecriva, o ponto de vista e a auto-representa<;ao dos al6crones em si mesmos (Shadid, 1998; Chen Starosta, 1996). Por outras palavras: o outro e desafiado a definir a sua propria identidade (a area Pessoas) e a partilhar a sua interpreta<;ao da realidade ou, mais concretamente, da situa<;ao em apre<;o (a area da Ordem). Para alem disso, o modelo TOPOl toma as rela<;6es sociais de poder em linha de conta perguntando, por exemplo, a lingua de quem e que estao a lNTERV EN <;:AO S OCIAL,
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falar (a area da Lingua); a posi<;:ao dos interlocutores; as regras, procedimentos e leis dominantes (a area Organiza<;:ao) e questionando (em todas as areas do TOPOl) a influencia das representa<;:6es sociais prevalecentes no meio am bien te na comunica<;:ao (Moscovici, 1981; Hinnenkamp, 1991). A minha abordagem a comunica<;:ao intercultural implica que em toda a conversa<;ao - e tambem com alguem de etnia diferente - todos podem continuar a ser genuinos, nao no sentido de ficarem presos aos seus valores, not路mas e habitos, mas no sentido de manterem a espontaneidade. 0 factor decisivo na comunica<;:ao e a atitude perante o outro. Se a atitude for de esfor<;o, preocupa<;ao e sinceridade, entao pode confiar-se na integridade quando as coisas resultam de forma diferente do que se esperava. Ao m esmo tempo, e necessaria trabalhar com OS efeitos da comunica<;ao, uma vez que e sempre o outro quem determina o efeito da minha comunica<;ao. E importante estarmos conscientes e reconhecermos o efeito da nossa comunica<;ao no outro e toma-lo como o ponto de partida da proxima comunica<;ao. D este ponto de vista, podem - e muitas vezes isso e inevitavel - cometer-se "enos" na comunica<;ao. A comunica<;ao interpessoal e profundamente influenciada pelo contexto social mais alargado com as suas prevalecentes imagens, ideias e produ<;ao discursiva (as representa<;:6es sociais). E por esta razao que as pessoas nao sao assim tao livres na atribui<;:ao de sentido ao que e dito e na compreensao dos outros. 0 que as pessoas dizem e compreendem umas das outras e, nao tanto uma questao de quererem, mas uma questao de serem capazes de (Cronen, 1987). Isto faz da comunica<;ao urn processo extremamente complexo e torna as diferen<;as e os equivocos inevitaveis em qualquer comunica<;:ao. Se se tomar consciencia desta complexidade da comunica<;ao (tambem com alguem com uma origem etnica diferente), e possivel manter a calma quando a comunica<;ao fica bloqueada e tentar encontrar as diferen<;as e os mal-entendidos que a esrao a dificultar. 0 modelo TOPOl pode ajudar a detectar as diferen<;as e mal-entendidos que estao a causar disturbio na comunica<;ao; tambem sugere interven<;6es para voltar a abrir a comunica<;ao. Finalizo a presente contribui<;:ao com algumas vis6es gerais esquematicas do modelo TOPOl, o modelo TOPOl: analise e o modelo TOPOl: interven<;ao. l NTERVEN<;:iiO S O CIAL,
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4.4- Visoes gerais esquematicas do modelo TOPOl
4.4.1 - 0 modelo TOPOl Locais na comunicas;ao onde podem ocorrer diferens;as e mal-entendidos
LINGUA (Linguagem) Significados: 0 que e que significam as palavras e a linguagem nao-verbal?
ORDEM 'Pontos de vista': Quale o ponto de vista de cada pessoa?
PESSOAS Identidades: Quem e a ourra pessoa (para si mesma e para o outro)?
ORGANIZA<:;AO 'Organiza~iio': Qual e a influencia da 'organizas;ao'?
INTEN<:;6ES 'Dar o seu melhor': 0 que e que faz cada pessoa dar o seu melhor?
4.4.2 - 0 modelo TOPOl: Analise: questoes para detectar nas conversay6es interpessoais, diferenyas culturais, 'discriminayao' e 'racismo.'
'Locais'
Quest6es
LfNGUA
0 que e significam as palavras e a linguagem nao-verbal? â&#x20AC;˘ Em que lingua e que cada pessoa fala?
Significados
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• 0 que e que cada pessoa diz? • 0 que e que a linguagem nao-verbal de cada pessoa significa? • Qual e a interpretac,:ao que fazem da linguagem verbal e naoverbal uns dos outros? • Qual e a influencia do meio naquilo que cada pessoa diz, faz e compreende? ORDEM 'Pontos de vista'
Qual e 0 ponto de vista de cada pessoa? • Qual e 0 ponto de vista ou l6gica de cada urn? • Qual e 0 angulo, interesse, papel ou lealdade de cada urn? • Qual e o quadro de referencia de cada urn: opini6es, valores e normas? • 0 que e que todos tern em comum? • Quais sao as diferenc,:as? • Qual e a influencia do meio no ponto de vista de cada urn?
PESSOAS Identidades
Quem e cada urn? • Como e que cada urn se ve a si mesmo? • Como e que cada urn ve OS outros? • Como e que e o relacionamento mutua? • Qual e a influencia do meio na forma como cada urn percepciona o outro?
ORGANIZA~AO
Quale a influencia da 'organizac,:ao'? • Quale a influencia 'da propria organizac,:ao': posic,:ao de poder, func,:ao, tempo dispon!vel, agenda e objectivos, regras, acordos, procedimentos ... ? • Qual e a influencia da 'organizac,:ao' da(s) outra(s) pessoa(s): posic,:ao de poder, gestao do tempo, familiaridade com a organizac,:ao, procedimentos, regras ... ? • Qual e a influencia da 'organizac,:ao' no contexto mais 'alargado': posic,:6es de poder, procedimentos, servic,:os dispon!veis, maneiras (cultura organizacional), facilidades, regulamentos, legislac,:ao ... ?
'A organizafiio'
INTEN~OES
'Dar o seu melhm.'
INTERVENC::AO SOCIAL,
0 que e que faz cada pessoa dar o seu melhor? • 0 que e que faz com que cada urn de o seu melhor e como? • 0 que e que no contexto significa 'dar o seu melhor'? • Como e que cada pessoa da a entender ao outro que considera que este esta a dar o seu melhor? • Todos se sen tern reconhecidos pela forma como dao o seu melhor? • Todos percebem a diferenc,:a entre intenc,:6es e efeitos de dar o seu melhor? 29, 2004
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4.4.3 - 0 modelo TOPOl: lnterven<_;:oes para abrir a discussao em conversa<_;:oes interpessoais, diferen<_;:as culturais, 'discrimina<_;:ao' e ' ractsmo . ' 'Locais'
Quest6es
LINGUA
0 que e significam as palavras e a linguagem nao-verbal? • Percepcionar as palavras e a linguagem nao-verbal em varios sentidos. • lnvestigar os significados. Explicar os significados. • Dar feed-back. Pedirfeed-back. • lnvestigar a influencia do meio nos significados.
Significados
ORDEM
'Pontos de vista'
PESSOAS
Identidades
Qual e 0 ponto de vista de cada pessoa? • Pedirlconvidar o outro a apresentar o seu ponto de vista. • Escutar activamente. • Empatia: identificat;:ao com a visao e a experiencia. • Apresentar e clarificar o seu ponto de vista. • Mencionar os pontos comuns e p6-los em posit;:ao de destaque. • Clarificar as diferent;:as e deixa-las como sao. • lnvestigar a influencia do meio na visao de cada pessoa. Quem e cada urn? • lnvestigar ou perguntar em que papel ('como quem') o outro fala. • Escutar activamente. • Empatia: identificat;:ao com a visao e com a experiencia. • Reflectir e/ou clarificar em que papel ('como quem') se esta a falar. • lnvestigar a influencia do meio na forma como todos se autopercepcionam e percepcionam os outros.
ORGANIZA<:;:AO
Quale a influencia da 'organizat;:ao'?
.ll o1ganizar;ao'
Nivel interpessoal: • • • •
Clarificar, explicar a propria 'organizat;:ao'. Reorganizar (modificar) a propria 'organiza<;ao'. Saber sobre a 'organiza<;ao' da outra pessoa. lnvestigar a influencia da 'organiza<;ao' no meio.
Nivel da gestao: • Gestao da diversidade. 0 que e que faz cada pessoa dar 0 seu melhor? • lnvestigarlobservar em que e que 0 outro deu 0 seu melhor. • Empatia: identificar e sentir o proprio modo de agir (= reconhecer) naquilo em que o outro esra a dar o seu melhor. lNTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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• Demonstrar, ou por exemplo dizer, (= reconhecer) que se percebe em que e que 0 outro esra a dar 0 seu melhor. • Investigar o que e que o outro entende por reconhecimento. • Investigar onde e por quem o outro se sente reconhecido. • Investigar a influencia do meio naquilo que cada um entende por 'dar o seu melhor'. • Clarificar em que e que se esta a dar o seu melhor. • Observar (e fazer com que o outro observe) os efeitos da forma como cada um deu o seu melhor.
5. Pontos de sfntese
Este artigo trata da questao de como os trabalhadores sociais e as suas chefias podem p6r em funcionamento a oferta de servic,;os 'etnicamente sensitivos', requeridos por pessoas pertencentes a urn conjunto alargado de grupos etnicos minoritarios. A abordagem culturalista e algumas abordagens anti-racistas a esta questao cotTem o risco de conduzir a generalizac,;6es e a criac,;ao de estereotipos sobre OS membros dos grupos etnicos, a tolerancia passiva, ao abuso da cultura ou da etnicidade como uma desculpa ou uma legitimac,;ao de pd.ticas inaceitaveis e a paralisac,;ao na comunicac,;ao e na gestao. Uma resposta alternativa e dada em dois n!veis do trabalho social: uma abordagem inclusiva da comunicat;iio intercultural e da gestao da diversidade. Com base nos prindpios da Igualdade Reconhecida e da Diversidade Reconhecida, o Pensamento e Acc,;ao lnclusivos abrem a possibilidade de tambem tomar em linha de conta a diversidade etnica (incluindo a dos aut6ctones). Alguns criterios que, de urn ponto de vista 'etnico', uma organizac,;ao pode utilizar para este pensamento e acc,;ao inclusivos sao: 1 -A vontade de empregar proporcionalmente al6ctones na organizac,;ao. 2 -A representac,;ao dos al6ctones nas diferentes func,;6es e nos diferentes n!veis da organizac,;ao. 3 - 0 desenvolvimento da carreira dos empregados al6ctones. 4- A que grupos al6ctones e a quantos a organizac,;ao chega. 5 - 0 conhecimento, a atitude e as competencias dos empregados e INTERVENc;:Ao SOCIAL, 29,
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dos gestores para interagir com e servir clientes e colegas com origens etnicas diferentes. 6 -As possibilidades dos empregados e clientes al6ctones se sentirem comprometidos com a organiza<;ao com respeito, entre outros aspectos, a composi<;ao etnica do pessoal e das equipas; a cultura da organiza<;ao; a participa<;ao (formal) dos empregados no conselho; a decora<;ao do ediHcio e das salas (posters, quadros de informa<;ao), as actividades para o pessoal (aniversarios, festas). 7- A acessibilidade da comunica<;ao e a disponibiliza<;ao de informa<;ao aos clientes e empregados al6ctones. No que concerne a comunica<;ao intercultural, foi introduzida uma abordagem pluralista te6rica sistemica. 0 pluralismo resiste a forma fechada do universalismo: monismo e absolurismo; porque para o pluralismo a realidade nao e fechada. Todas as interpreta<;6es da realidade sao, em prindpio, limitadas e so parcialmente racionais. E, por isso, impossfvel obter conclus6es definitivas. 0 pluralismo tambem se op6e ao relativismo 'extrema', que surge da ideia de culturas fechadas e separadas. A interac<;ao entre pessoas de diferentes culturas e possfvel e mesmo necessaria. Nao e a cultura, nem as normas locais e absolutistas que sao centrais para o pluralismo, mas o ser humano que opera numa multiplicidade de rela<;6es (sistemas sociais). As pessoas estao historicamente determinadas e sao seres socializados e, em consequencia, tern uma 'visao' da realidade relativa e limitada. 0 conceito chave do pluralismo e a 'diversidade interactiva', construfdo, respectivamente, nas palavras de c6digo do relativismo (diversidade) e do universalismo comunicativo (unidade interactiva). Para o pluralismo e importante estabelecer a interac<;ao como forma de transcender os quadros de referencia existemes. Da interac<;ao algo 'melhor' tern que ser originado em termos de esquemas de imerpreta<;ao 'mais alargados', 'mais adequados' e de uma extensao dos horizontes das pessoas envolvidas. Um conceito de teoria sistemica da comunica<;ao intercultural elege, como ponto de partida, que cada pessoa ('al6ctone' ou 'aut6ctone') fa<;a parte de uma variedade de conex6es sociais (sistemas) caracterizadas por uma dada cultura. Ao interagir com os diferentes sistemas sociais onde se encontram ou onde costumavam encontrar-se, as pessoas desenvolvem INTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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uma identidade plural, multicultural que inclui varias identidades. Neste sentido, a identidade etnica e a 'cor' sao 'apenas' duas das diferentes identidades sociais possfveis das pessoas. Dependendo da sua biografia e do contexto social, a pessoa demonstra uma ou mais identidades sociais. 0 caracter plural e multicultural da identidade de cada urn faz com que cada comunica<_;:ao interpessoal, com ou sem diferen<_;:as etnico-culturais, seja caracteristicamente intercultural. Para alem deste alargamento da perspectiva anti-racista e culturalista, baseado na teoria dos sistemas, o pensamento sistemico oferece uma ideia circular de comunica<_;:ao: comunica<_;:ao como urn processo de contfnua influencia mutua entre, por urn lado, as pessoas envolvidas e, por outro, entre essas pessoas e o contexto social mais alargado. As representa<_;:6es sociais e as perspectivas sociais, sendo o conceito da ja mencionada influencia do contexto social, relacionam os micro eventos da comunica<_;:ao interpessoal com os macro eventos da sociedade. Partindo da teoria dos sistemas e de uma concep<_;:ao de cultura dinamica e heterogenea, desenvolvi uma nova defini<_;:ao de comunica<_;:ao intercultural. Ate ao presente, por via de uma abordagem largamente culturalista, a comunica<_;:ao intercultural foi apenas entendida como comunica<_;:ao entre pessoas com diferentes origens etnicas, nacionais ou lingufsticas. Todavia, analisando a questao a luz da teoria dos sistemas, tal como demonstrei anteriormente, toda a comunica<_;:ao (tambem entre membros do mesmo grupo etnico) e, por defini<_;:ao, intercultural. Nesta perspectiva, a adjectiva<_;:ao intercultural e superflua porque nao acrescenta nada de novo a ideia de 'comunica<_;:ao', repete simplesmente 0 que e comum a toda a comunica<_;:ao: que na comunica<_;:ao esra sempre presente a questao das diferentes origens culturais. Neste sentido, senti necessidade de estabelecer uma nova defini<_;:ao do conceito de comunica<_;:ao intercultural. A origem cultural das pessoas em comunica<_;:ao influencia sempre o decorrer dessa comunica<_;:ao. Esta origem cultural pode estar relacionada com varias culturas, como as culturas nacionais, as culturas etnicas, as culturas juvenis, as culturas organizacionais e as culturas espedficas de genero. A influencia destas culturas na comunica<_;:ao pode ser urn objecto de investiga<_;:ao ciendfica e urn ponto de focagem durante uma conversa. Na comunica<_;:ao diaria (incluindo a profissional) ha, na minha opiniao, quest6es de comunica<_;:ao intercultural quando uma ou mais pessoas em INTERVENC,:AO SOCIAL, 29, 2004
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comunicac;ao prestam uma atenc;ao explicita aos factores culturais (em diversas dimens6es) que influenciam a sua propria comunicac;ao. A comunicac;ao intercultural, como uma disciplina espedfica, investiga a influencia dos factores culturais na comunicac;ao. E esta abordagem a comunicac;ao que quero designar de comunicac;ao intercultural. A adjectivac;ao 'intercultural' significa a arenc;ao explicita (academica e profissional) prestada aos aspectos culturais que influenciam a comunicac;ao mutua entre pessoas em comunicac;ao. Assim, estabelec;o a seguinte definic;ao de comunicac;ao intercultural: comunicac;ao intercultural e a comunicac;ao na qual e prestada uma atenc;ao expHcita as dimens6es culturais que a influenciam. Para a pd.tica do trabalho social o modelo TOPOl e urn instrumento de analise e intervenc;ao para descobrir e lidar com as diferenc;as e malentendidos na comunicac;ao. 0 modelo TOPOl e baseado nos axiomas de influencia, inicialmente propostos por Watzlawick et al. (197 4), quatro dos quais foram retrabalhados pela De lnteraktie Akademie. TOPOl e urn acronimo para (as palavras holandesas que significam) Lingua ou Linguagem, Ordem, Pessoas, Organizac;ao e lntenc;6es. Esta sequencia particular foi escolhida porque o acronimo TOPOl (o plural de 'topos') em grego significa 'lugares'. Em analogia com este sentido, Linguagem, Ordem, Pessoas, Organizac;ao e lntenc;6es sao lugares ou areas na comunicac;ao onde as diferenc;as culturais e os mal-entendidos podem ser idenrificados e minorados. A area Organizac;ao nao advem dos axiomas de Watzlawick et al (1974) , mas foi acrescentada devido ao contexto organizacional (institucional) social e profissional no ambito do qual situo a comunicac;ao inter-etnica. As cinco areas do TOPOl sao, de facto, especificac;6es comunicativas da 'cultura' e da 'discriminac;ao'. Por outras palavras: na comunicac;ao interpessoal a 'cultura', as 'diferenc;as culturais', a 'discriminac;ao' eo 'racismo' podem ser observados, trabalhados ou feitos objectos de discussao, atraves da analise da forma como se manifestam nas areas da Linguagem, Ordem, Pessoas, Organizac;ao e lntenc;6es da comunicac;ao.
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RESEN<:=6ES
0 Sentido das Idades da Vida Interrogar a solidao e a dependencia
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Maria de Lourdes Quaresma, Ana Alexandre Fernandes Dinah Ferreira Calado Micael Pereira Lisboa: Cesdet Edi~6es, 2004, 208 p.
Editada em Junho de 2004 pela CESDET com o apoio da Funda<;:ao Calouste Gulbenkian, a obra "0 Sentido das Idades da Vida: interrogar a solidao e a dependencia" e o resultado de uma pesquisa efectuada no ambito de urn projecto transnacional que integra investigadores das Universidades de Marselha, Barcelona e Milao e do Instituto Superior de Servi<;:o Social de Lisboa - docentes do curso de p6s-gradua<;:ao em Gerontologia Social. A publica<;:ao esta dividida em duas partes: a 1. a integra os resultados do trabalho desenvolvido pela equipa de investigadores portugueses Maria de Lourdes Quaresma, Ana Alexandre Fernandes, Dinah Ferreira Calado e Micael Pereira; a 2.a parte inclui artigos relacionados com as pesquisas efectuadas pelos parceiros estrangeiros, designadamente o artigo de Philippe Pitaud, coordenador cientifico do projecto. Pretendendo o estudo analisar a relevancia e interdependencias entre solidao, defices de autonomia e papel das redes sociais de base, e partindo da hip6tese de que, no Sul da Europa, os canais naturais de apoio e protec<;:ao dos individuos mantem uma expressao consideravel e constituem urn importante factor de integra<;:ao dos cidadaos mais velhos, a obra relata o percurso investigativo, a informa<;:ao obtida e urn conjunto de reflex6es que nos ajudam a entender melhor as tendencias da sociedade portuguesa no que diz respeito nao so as altera<;:6es demograficas como tambem as mudan<;:as na estrutura s6cio-familiar e no quotidiano da
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JUlia Cardoso
vivencia das nossas gera<;6es idosas. Tais ref1ex6es apoiam-se nos testemunhos das pessoas idosas que constituiram o objecto de estudo. Desta diversidade e complementaridade se comp6e a obra, dividida em 5 capitulos. Ana Alexandre Fernandes aborda algumas das transforma<;6es sociais inerentes ao envelhecimento demografico, privilegiando as que dizem respeito a vida familiar, a organiza<;ao dos tempos de vida, as implica<;6es da reforma na vida dos individuos e sua rela<;ao com os sistemas de protec<;ao na velhice. Maria de Lourdes Quaresma, coordenadora da pesquisa em Portugal, desenvolve o tema da dependencia e confronta-nos com a questao da sua associa<;ao a velhice - associa<;ao simplista que ignora que, para alem das raz6es biologicas, a dependencia esta intrinsecamente ligada a factores como rendimentos, habitat, acesso aos cuidados de saude, a informa<;ao a ao conhecimento, a existencia de uma rede relacional. "Velhice - solidao ou vida com sentido?" e a interroga<;ao que identifica a parte apresentada por Dinah Ferreira Calado: a autora, analisando os testemunhos dos idosos sobre as suas trajectorias pessoais e as suas atitudes perante as perdas e as rupturas com que se vao defrontando, condui nao so da necessidade de urn sistema de comunica<;ao em diferentes niveis que efectivamente funcione, como da imporrancia das redes de solidariedade- familiares, amigos, vizinhan<;a- na manuten<;ao do sentido da vida na popula<;ao idosa, sentido da vida definido como "a dinamica do futuro ( ... ), urn ir-alem que configura o mundo para nose que, ao dar-lhe existencia, vai permitindo que nos apercebamos do sentido da nossa propria identidade" Viver a vida com "sentido" significa, entre outras coisas, resiliencia. Micael Pereira analisa nesta obra, para alem da rela<;ao entre "0 Tempo de Vida e a Vivencia do Tempo", o tema "Isolamento e Resiliencia". Baseando-se no conceito de resiliencia definido por Manciaux e Tomkiewicz, o autor refere as circunsrancias em que se produz e a sua rela<;ao com o isolamento, identificando o perfil do resiliente. Os testemunhos que nos sao apresentados comprovam a existencia de alguns factores que influenciam a resiliencia: diversifica<;ao de actividades ao longo da vida, capacidade de romper as rotinas, de fazer amigos e de cultivar a amizade, de fixar-se numa vida interior propria, de desenvolver a vida espiritual, sao algumas das caracteristicas reconhecidas. Classificando a !NTERVEN<;:Ao SOCIAL,
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resiliencia como "urn tricotar da vida" que deve ser desenvolvido na velhice, chama a aten<;:ao para o facto de a resiliencia nao clever ser confundida com invulnerabilidade ao sofrimento decorrente das perdas e rupturas que vao acontecendo ao longo da vida; pode comportar alguns riscos com possibilidade de minimiza<;:ao se existir "uma rede de apoio afectivo, algum desapego e a centra<;:ao em val ores". Julia Cardoso Assistente Social, Mestre em Servi~o Social, Coordenadora do Departamento de P6s-Gradua~ao do ISSSL
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TESTEMUNHOS
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TESTEMUNHOS MARIA DE LOURDES PINTASILGO
Tilia FONSECA *
Uma personalidade impar Se no decm路so da hist6ria ha pessoas que com a sua presen<;:a, a sua palavra, a sua ac<;:ao, projectam uma nova luz sobre a realidade, testemunham que outros caminhos sao poss{veis, antecipam novas configura<;:6es para o nosso viver pessoal e colectivo, a Eng. Maria de Lourdes Pimasilgo incarnou, ao longo da sua vida, essa singularidade. Assumindo o seu empenhamento como missao, rasgou tais sulcos de mudan<;:a que fizeram dela uma mulher tao presente e tao inteira no grupo informal quanta nos cargos que desempenhou, designadamente em multiplas inst:lncias internacionais. 0 que e fascinante no seu pensamento e a capacidade de criar e aplicar 0 seu saber, desenvolvendo diferentes angulos de visao, aceitando e imegrando as ideias que vao surgindo pela voz dos outros, atenta a escuta das suas experiencias de vida, das suas esperan<;:as e desesperan<;:as. Era como se tomasse o semir e as dares dos outros como bussola de novos trilhos, de solu<;:6es inovadoras e urgentes qual provedora das angustias do mundo. 0 legado em que essa escuta se tornou mais vis1vel a escala planetaria e na forma como presidiu aos trabalhos da Comissao Independeme para a Popula<;:ao e Qualidade de Vida e organizou as sess6es de trabalho e as Audi<;:6es Publicas que deram origem ao livro Cuidar o futuro -um progra-
ma radical para viver melhor. Na entrevista conduzida por Maria Joao Seixasi, diz-se "uma pessoa fascinada pelo saber e por passear entre os saberes, (... ) movida pelo dever, * Assistente Social/Sociologa. Aposentada do Instituto de Reinser.yao Social. ex-Docenre do ISSSL 'Publica, 4 de Novembro de 2001
228 I Maria de Lourdes Pintasilgo
urn dever que e como uma chamada do futuro para agora . .E urn dever que diz que e preciso fazer isto que ainda nao foi feito. (... )o terceiro tra<;:o e uma sensa<;:ao de perten<;:a sem limites ao mundo". 0 compromisso e a radicalidade que tais tra<;:os transportam estao igualmente presentes em dois momentos bern conhecidos da sua vida publica: a nomea<;:ao e o desempenho do cargo de Primeira Ministra e a candidatura a Presidencia da Republica. No designado Governo dos cem dias aquando da apresenta<;:ao do programa do governo na Assembleia da Republica, a sua afirma<;:ao de prioridade aos mais desfavorecidos e as medidas que preconizou suscitaram na classe polltica mais conservadora urn clamor hostil. No que respeita assim a sua decisao:
a candidatura a Presidencia da
Republica justifica
Candidato-me porque, com a eleifiio presidencial, podemos encetar urn ciclo revitalizador da vida nacional. Candidato-me porque as formas diversas do conformismo, do fotalismo que geram solufoes repetitivas, e urgente contrapbr o realismo da inovafiio e das respostas criadoras. Candidato-me porque a etica obriga a buscar caminhos para que aquilo que e tido como sendo o possivel, se aproxime cada vez mais daquilo que e niio so desejdvel mas imperiosamente necessdrio. Por isso, a minha candidatura a Chefia do Estado inclui uma propasta e urn apelo. Uma proposta: aceitarmos as novas exigencias que se poem a todos nos e mobilizarmos os recursos que em nos estiio latentes. Urn apelo: formarmos em conjunto uma Republica de cidadiios que seja tambem a ÂŤterra de fraternidadeÂť com que sonhdmos urn dia.
A hostilidade prevalece pelos tempos fora, a ponto de constituir urn lastro de opacidade deliberada, silenciando o seu relevante papel em insdncias internacionais. Lembram-se alguns: Embaixadora de Portugal e Membra do Conselho Executivo na UNESCO; Membra do Conselho da Universidade das Na<;:6es Unidas; Deputada ao Parlamento Europeu; Membra do Conselho da Ciencia e da Tecnologia ao Servi<;:o do Desenvolvimento Na<;:6es Unidas; Membra do Grupo de Trabalho da OCDE sobre "A Mudan<;:a Estrutural eo Emprego das Mulheres"; Presidente do Grupo de lNTERVENC,:Ao SOCIAL, 29, 2004
Uma personalidade impar
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Trabalho sobre"Igualdade e Democracia" do Conselho da Europa; Presidente do Conselho Directivo do lnstituto Mundial de lnvestigas:ao sobre o Desenvolvimento Econ6mico, da Universidade das Na<;:6es Unidas; Presidente do ÂŤComite des SagesÂť "Para uma Europa dos Direitos Civicos e Sociais" da Comissao da Uniao Europeia; Membro do Conselho de lnterAcs:ao de Ex-Chefes de Estado e de Governo; CoPresidente da Comissao Mundial de Globalizas:ao. A nivel nacional era Membro do Conselho Nacional de Etica para as Ciencias da Vida desde 1991 . Perante esta disparidade, muito do seu pensamento sabre tao diversos campos esd. alheio aos portugueses. Como iremos fazer para mobilizar todo esse patrim6nio que nos legou? Provavelmente quando houver suficiente abertura na sociedade potuguesa varias iniciativas de homenagem se tornado possiveis (nome de pra<;:a ou rua, repouso no Panteao Nacional...), mas do seu pensamento que faremos n6s?
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TESTEMUNHOS SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
Mariano CALADO *
A Sophia de Mello Breyner Andresen que eu conheci Sophia e a Poesia. E o golpe de asa que nos enche a alma sedenta de mais longe . .Eo pensamento moldado em arte, num a-vontade de quem respira. E a fonte criadora de um imaginario real e comovente. E um perfume saudavel de maresia. E um corajoso rasgar dos nevoeiros da duvida com as maos cheias de sol e sonho. Sophia canta em versos que sao esperan<;:a e coragem para quem a le. Os seus versos sao recortados em alvoradas de um dia diferente, onde se descortina a visao de um sol com luz para toda a gente. A liberdade canta nas maos da poetisa, solta-se, como gaivota, nos seus livros de poemas (Poesia I, Dia do Mar, Coral, No Tempo Dividido, Mar Novo, 0 Cristo
Cigano, Livro Sexto, Geografia, Dual, 0 Nome das Coisas, Navega[oes, Ilhas, Musa e 0 Buzio de Cos e Outros Poemas), mas igualmente, com for<;:a e simplicidade, na prosa dos seus Contos Exemplares e nas Hist6rias da Terrae do Mar e ainda nos seus deliciosos livros para crian<;:as (A Menina do Mar, A Fada Oriana, 0 Cavaleiro da Dinamarca, 0 Rapaz de Bronze). Alias, portal obra, Sophia foi, entre outras distin<;:6es, galardoada com o Premio Cam6es (1999), o Premio de Poesia Max Jacob (2001) e o Premio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana (2003). Mas porque outros o fizeram ja, nao e sobre a sua obra de poeta e prosadora que desejaria debru<;:ar-me, mas sim sobre a faceta, que eu conheci, da Sophia cidada empenhada no desenvolvimento do seu pais, inteligencia alevantada no culto do respeito e da liberdade. Faceta que, no entanto, e imposs{vel separar da sua produ<;:ao literaria.
* Ex-docente Local.
do ISSSL, licenciado em Psicologia Social e Mestre em Hisr6ria Regional e
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Sophia de Mello Breyner Andresen
Porque 0 poema e A liberdade 1 Abre a porta e caminha Cdfora Na nitidez salina do real 2
Nao tive o privilegio de conviver muito de perto com Sophia de Mello Breyner Andresen. Mas, com Sophia, tive, de facto, o prazer de uma aproximas:ao particular. Do tempo em que, nesta terra que e a nossa, eramos alheios a quem, OS que nela governavam, tentavam impor a mordaya do silencio. Porque, com Sophia, tive o privilegio de subscrever, que me lembre, pelo menos m~s manifestos, tres documentos em que, face ao despotismo e a arrogancia do poder de entao, varios de nos, ligados pela circunsrancia de ser cat6licos e afrontando com todos os obstaculos facilmente imaginaveis num regime onde a censura era pao nosso de cada dia, tomaram a iniciativa de publicitar 0 que pensavam e lhes nao permitiam que livremente dissessem, arrostando, e bern de ver, com a perseguis:ao (e, porventura, a prisao), do poder polftico. E assim, em Fevereiro de 1959, subscrevemos, com mais quarenta e um companheiros, um documento chamando a aten<;:ao para «As relafiies entre a Igreja e o Estado e a liberdade dos Catolicos», rela<;:6es que se pavoneavam distorcidas e falseadas, interesseiramente hip6critas. Nos prindpios de Mar<;:o seguinte, e escrita e divulgada, arrostando, de novo, a forte repressao policial, uma «Carta a Salazar sobre os servifos de repressiio do regime», denunciando as persegui<;:6es e as sevicias da policia polftica. E, mais uma vez, tive o privilegio de, com mais quarenta e tres companheiros, subscrever tal documento ao lado de Sophia. A unica resposta que os seus subscritores obtiveram foi, como escreveu mais tarde o Padre Felicidade Alves, «um processo-crime, de que foram depois amnistiados, embora continuassem a ser muitos deles perseguidos politica e economicamente». ' 0 Nome das Coisas. ' Musa. l NTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
A Sophia de Mello Breyner Andresen que eu conheci
I 233
Eram esses uns tempos conrurbados, tempos em que, poucos dias ap6s a divulga<;:ao daqueles documentos, se da a chamada ÂŤrevolta da SeÂť na qual estiveram envolvidos alguns dos seus subscritores, que entao (eu incluido) foram presos. Foi quando explodiu urn renovar de consciencias, urn novo despertar para a realidade. Sophia, alma aberta para as inquieta<;:6es que a todos nos dilaceravam, sofredora e comovida, da-se a continuar a luta atraves dos seus versos, onde a coragem grava iniludiveis pegadas de esperan<;:a:
Nunca choraremos bastante quando vemos 0 gesto criador ser impedido Nunca choraremos bastante quando vemos Que quem ousa lutar e destruido Por tror;as por insidias por venenos E por outras maneiras que sabemos Tao sdbias tao subtis e tao peritas Que nao podem sequer ser bem descritas 3 Ou tambem:
Quando a pdtria que temos nao a temos Perdida por silencio e por renuncia Ate a voz do mar se torna exilio E a luz que nos rodeia e como grades 4 Eram tempos diflceis. Tempos de convulsao. Tempos do aparecimento da candidatura oposicionista do General Humberto Delgado a Presidencia da Republica, acontecimento perturbador da paz corrupta do seguidismo farisaico da Uniao Nacional. Tempos de discurso de Salazar em que, auto-proclamado cat6lico num pais dito cat6lico, sustentava veladas amea<;:as a Igreja.
0 velho abutre e sdbio e alisa as suas penas 3
4
Livro Sexto. Idem.
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29, 2004
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I
Sophia de Mello Breyner Andresen
A podridao lhe agrada e seus discursos Tem o dom de tornar as almas mais pequenas 5 Eram tempos do aparecimento da corajosa carta de D.Antonio Ferreira Gomes, Bispo do Porto, pondo o declo na chaga do absolutismo e farisa{smo governamental e que, por isso mesmo, tera pago tal gesto com urn forc,:ado ex1lio de dez anos. Mas eram tambem tempos de esperanc,:a ao redor da figura extraordinaria do Papa Joao XXIII e do anuncio do renovador Condlio Vaticano II.
Nesta hora limpa da verdade epreciso dizer [a verdade toda 6 E Sophia encontra-se e reencontra-se na luta pela justic,:a e pelo respeito devido aos cidadaos:
Meu canto se renova E recomer;o a busca De um pais Liberto De uma vida limpa E de um tempo justo 7 Alias, com o processo de renovac,:ao anunciado e com a substituic,:ao do Latim pelo Portugues nos textos liturgicos, por impulso daquele Condlio, tive ainda o privilegio de participar num trabalho comum com Sophia, ao ser convidado a integrar urn dos varios grupos de estudo entretanto constitu1dos e no qual ela era uma das figuras mais notavets. Tempos que continuavam de luta, com o dolorosamente sentido falecimento, em 1963, de Joao XXIII e o cobarde assassinato de Humberto Delgado, em 1965. E Sophia continuava, para nos, como uma referencia: 5
Cern Poemas de Sophia, Inrrod. de Jose Carlos de Vasconcelos. 0 Nome das Coisas. 7 Geografia. 6
l NTERVEN<;Ao SociAL, 29, 2004
A Sophia de Mello Breyner Andresen que eu conheci I 235
Este e o tempo Da selva mais obscura Ate o ar azul se tornou grades E a luz do sol se tornou impura Esta e a noite Densa de chacais Pesada de amargura 8 Mas, ainda mais:
Tempo Tempo Tempo Tempo
de solidiio e de incerteza de medo e tempo de trair;iio de injustir;a e de vileza de negar;iio
Tempo Tempo Tempo Tempo
de covardia e tempo de ira de mascarada e de mentira que mata quem o denuncia de escravidiio
Tempo Tempo Tempo Tempo
de coniventes sem cadastro de silencio e de mordar;a onde o sangue niio tem rastro de amear;a 9
Ainda em 1965, em Outubro, foi redigido e divulgado, afrontando mais uma vez a censura e a persegui<_;:ao policial, urn outro documento, mais exaustivo, que ficaria conhecido pelo ÂŤManifesto dos 101 Âť, que tantos foram os seus subscritores. Sophia la estava. Lutadora, com a esperan<_;:a renovada num dia que tardava.
8 9
Mar Novo Livre Sexto
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Sophia de Mello Breyner Andresen
Ate que, em 1974, numa madrugada de Abril, Sophia, cidada consciente e solidaria, sofredora e liberta de esperar, reencontra o prazer de cantar, de espalhar a sua alegria e a sua certeza de liberdade e de justi<;:a pelas dunas da sua praia de sonho, pelas ondas do seu mar de querer:
Esta ea madrugada que eu esperava 0 dia inicial inteiro e limpo Onde emergimos da noite e do silencio E livres habitamos a substancia do tempo
10
Com Sophia de Mello Breyner Andresen, referencia de uma gera<;:ao, aprendemos a sonhar e a saber que, para alem dos nevoeiros da duvida, ha uma madrugada de certeza. Ha uma alvorada de esperan<;:a. 0 que e preciso e saber, com simplicidade e com a generosidade de quem ama, que nao se rasgam nevoeiros sem termos o sol na mao.
10
0 Nome das Coisas. INTERVENt;AO SOCIAL, 29, 2004
l NTERVEN<;:AO SOClAL,
29, 2004: 237-244
Resumes I Abstracts Sarah
BANKS
Sarah
BANKS
Defis ethiques pour le Travail Social
Ethical Challenges for Social Work
Cet article examine quelques defi.s ethiques qui afronte les travailleurs sociaux et le travail social comme profession du temps present. Le foyer est sur l' ethiq ue d ans un contexte professionnel, ainsi, sur l'ethique professionn el. L' ethique profession nel couvre les top iques sur Ia fac;:on comme se devront etre en activite les profissionaux avec les usufruitiers du service et d' autres et le ripe de personne les professionaux envie etre.
T his article examine some of the ethica l challenges facing social workers and social work as a profession at the present time. The focus is on ethics in a professio nal context, that is, profess ional ethics. Professional ethics covers topics relating to how professionals should act in relation to service users and others and what kinds of people professionals ough to be.
Maria do Rosario SERAFIM
Maria do Rosario SERAFIM
Le reconnue de Ia condition ethique des citoyens - un imperatif ethique pour le service social
The recognition of citizens ethical condition - ethical imperative for Social Work
Cet article reflechit sur les principaux themes ethiques qui sont imp ortants pour le travail social, Ia auronomie, !'action critique, !a justice social et au tres, et a subjacent les references theoriques de Kant, Marx, Rawls et Habermas qui sont impo rrants pour Ia comprehension de changement de paradigme dans Ia science social moderne et pour Ia configuration des determinations qui configurenr le travail social dans Ia actualite. La croyance qui !'exercise profissionnel des travailleurs sociaux et leur travail est oriente pour Ia satisfaction des besoins humains et pour le bi en - etre social,
This article hi ghlights so me actual ethi c the mes, whi ch are relevant for Social Work, like autonomy, equity, social justice and equity, analysing some theoretical references from relevant authors like Kant, Marx, Rawls or Habermas. Their contributions are import ant for the und ers tanding of the p aradigm a tic models of the modern social science and the new d etermin ation s of the soc ial work, in a quite difficult social and economic context. The beli ef that the practise of the social workers, working in welfare programs, is direct with the human needs
238 I lnterven<;:ao Social
implique reconnalrre qui Ia condition ethique des citoyens/usufruitiers a sousjacent Ia consideration qui la conscience ethique est attache a un assemblage des valeurs communes orientes pour le desirable et pour !'ideal. En conclusion, cet article dit que le travail social est lie a un compromis ethique, a la responsabilite social et a un certain project de vie qui contemple dans un espace public pluriel et democratique la garantie du respect pour la autonomie, Ia afirmation de la vie pour la volonte, !'exercise de l'action critique et intervenant et le respect pour I' equite et justice social.
satisfaction, implies the recogmtJOn of the ethical condition of the human being and demands an ethical conscience connected to values, oriented to a desire or an ideal world. The text concludes that the social service is linked to the ethical engagement, to the ethical responsibility and to a project of life oriented to the active citizenship, the respect of the autonomy, assertion of life, acting in accordance with critical and reflex ions positions, in a plural public sphere with respect for equity and fairness.
Maria Jose C. Almeida de Sousa GUERRA
Maria Jose C. Almeida de Sousa GUERR
La responsabilite comme categorie ethique fondatrice d'une esthetique renouveIee de la personne.
The responsibility as an ethic category, the foundation of a renewed aesthetics of the person
:Cexercice de reflexion que nous realisons possede un rronc rriparti d' explanation conceptuelle uni par Ia thematique suggeree dans le titre donne: la responsabilite comme categorie fondatrice d'une esthetique renouvelee de Ia Personne. Premierement nous montrons la necessite de "decristalliser" les rapports conceptuels sur l'homme et le monde, provoquant l'urgence de Ia reflexion ethique et remettant vers le fondament de celle-ci, qui est la Personne. Deuxiemement, dans une premiere partie nous nous centrons sur les traits qui caracterisent la personne en l'elevant a la categorie fondatrice de 1' Ethique, comme un etre transcendant par excellence; dans une deuxieme partie, nous repensons le concept de responsabilite;
The exercise of reflection which we have made has a body divided into three parts of conceptual explanation united by the ropic suggested in the tide: the responsibility as a category of a renewed aesthetics of the Person. At a first moment we show the need for a "de-crystallization" the conceptual relationships about Man and the world, bringing about the urgency of an ethical reflection and a pointing at its foundation which is the Person him/herself At a second moment, we firstly focus on characteristic features of a person, rising the person to the founding category of ethics as a transcending being; secondly we rethink the concept of responsibility which is inherent to each Person, according to Paul Ricouer's philoINTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
Resumes I Abstracts I 239
inherent au concept de Personne, a Ia lumiere de Ia philosophie de Paul Ricoeur. Nous finalisons avec un bref commentaire al'exercice realise.
sophy. We end up by making a brief comment on the essay accomplished.
Manuela MARINHO
Manuela MARINHO
Regards feminins sur l'ethique: Carol Gilligan et Nel Noddings
Female looks on ethics: Carol Gilligan and Nel Noddings
Ce article prese nre, d ' une fac;:on sucinte, Ia perspective des feministes americaines -Carol Gilligan et Nel Noddingsen ce que concerne le development moral et ÂŤ l' Ethique du Soin Âť, dont !'influence dans le Service Social est tres importance, meme quand elle n'est pas recconnue d'une fa<;:on explicite.
This article pretends to present,in a short way,perspectives of American feminists Carol Gilligan and Nel Noddings about the feminist po sition over the moral development and the raising of Care Ethics, which are very important for Social Work, although not well identified.
Paula Nobre de DEUS
Paula Nobre de DEUS
La condition ethique des instituitions sociales
The ethical condition of social institutions
Les importances responsabilites endossees par le secreur terciaire au Portugal obligent de promouvoir le debar sur Ia competence de Ia societe civile constituee en organes differencies, afin de jouer un role supplementaire a celui de 1' etat. particulierement, dans le domaine social, on considere que l'ethique soit une dimension angulaire en ce qui concerne !'analyse des possibilites de Ia protection sociale par Ia societe elle-meme.
The wide responsibilities encompassed by the third sector in Portugal promote the need to debate the competence of the Civilian Society, which can be organised under very different forms, to establish itself as an alternative to the Governmental Institutions. Particularly in what concerns the social intervention area, we consider ethics to be of paramount importance in the analysis of the possibilities of social protection presented to the civilian society.
INTERVEN<;:i\0 SOCIAL,
29, 2004
240 / Interven<;:ao Social
Gra~a
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ANDRE e Hans Walz
Gra~a
ANDRE e Hans Walz
Le concept des droits de l'homme dans Ia perspective du developpement soutenable et Ia formation en travail social.
Humans Rights in a sustainable development perspective and social work education.
Le concept des Droits de !' Homme, articule avec celui du Developpem en t Soutenable, est considere comme urgent pour Ia formation des futurs Travailleurs Sociaux a cause de Ia complexite de nos communautes d' aujourd' hui. Cel ui-ci apporte un travaille de participation et cooperation entre differents champs professionnels avec leurs defis dans des contents et attitudes ce qui va aider a trouver des reponses aux necessites des ciroyens.
Articulated Human Rights and Sustainable Development concepts are understood as a priority in the future Social Workers education, considering the present complexity of our societies. This aspect brings pertinent the participation and cooperation between different professionals challenging contents and attitudes supporting the answers to the citizen needs.
Jose Luis Saracola SANCHEZ-SERRANO
Jose Luis Saracola SANCHEZ-SERRANO
Ethique et travail social
Ethics and Social Work
La profession du travailleur social a Ia necessite d'un regulation ethique qui avait que se determiner sur codes deonrologiques qui orient Ia intervention du professionnel. C'est clair ; il y a des minimes ethiques, des devoirs exigibles aux travailleurs sociaux pour leur affair e correct. Secondement, cette regulation naltre du propre dessein de Ia profession, independamment des questions politiques ou religieux et est fondee sur les principes d'atention integral aux usufruitiers du travail social.
Social Worker profession has the inescapable necessity of an ethical regulation that had to be determined on deontological codes which orients the intervention of the professional. That 's obvious: it exists ethics's minimums, indispensables duties to the social workers task correction. Secondly, such regulation arises from the own model of the profession, independently of political or religious questions and is founded on the principles of integral attention to the users of social work.
lNTERVENc;Ao SOCIAL, 29, 2004
Resumes I Abstracts
I 241
Ernesto FERNANDES
Ernesto FERNANDES
Pour une carte ethique d'intervention social
Ethical letter for Social Intervention
Le document Pour une carte ethique d'intervention social presente la reflexion produit et aprofondee dans les quatre contextes de formation permanent pour profissionaux d'intervention social entre 2001 et 2004. Le champ d'intervention social accueil profissionaux de differents formations academiques et recommande a la construction de references ethiquespolitiques communes. Le document reflete une conception fondee dans 1' articulation entre le axe scientifique-technique, le axe ethiquepolitique et le axe esthetique-expressif. Ceux-ci sont indissolubles dans la pratique profissionnel qui est adressee a la defense/education/promotion de la citoyennete. Cette citoyennete envie une neuve culture civique et est fondee sur l'indivisibilite des droits humains. La carte reflete aussi la necessite de superation des troix dimensions traditionnels (les publics, object-sujet de l'interventio, les collegues et autres profissionaux, les organizations-instituitions et la societe) et explicite une quart dimension ethique: les valeurs/ devoirs envers soimeme.
The document Ethical Letter for Social Intervention presents the reflection produced and deepened at four contexts of continuing education for social intervention professionals, between 2001 and 2004. Social intervention field integrates professionals from different academic formations, advising to the construction of common ethical-politics references. In this direction, the document reflects a conception based on articulation between the axis scientific-technician, ethical-politician and the aesthetic- expressive one. Those axles are insoluble in practical professional, which is addressed to the defense-education-promotion of the citizenship that requires a new civic culture, supported in the indivisibility of the human rights. The letter reflects also the necessity to surpass the three traditional dimensions (the public, object and subject of the intervention; the colleagues and other professionals; the organizations/institutions and the society), and clarifies one fourth ethical dimension: values/duties towards himself.
Antonio DUARTE, Marta SANTOS, Silvia GROSA
Antonio DUARTE, Marta SANTOS, Silvia GROSA
Diversite ethique : assimilation ou multicultures
Ethical diversity: assimilation or multicultures
La Croissante heterogeneite des societes, avec !'intensification des migra-
The growing heterogeneity of societies with the intensification of migrations
INTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
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lntervenc;ao Social
- - - - - - - - - ---------- - - - 路 - 路 - - - - tions et des interactions ethniques, !a globalisation des relations interculturelles et les mouvements en faveur des droits des droits humains, pointent des directions qui ne peuvent plus se fonder sur les concepts traditionnels de culture et de relativisme culture!. Le respect pour !'autre different, s'etablit de plus en reconstruites et modifiees les interactions, plut6t que de l'emprisonnement des hommes dans les frontieres de definitions statistiques. Face a ces realites, !a problematisation ou concept de culture devient indispensable de fa<;on a!a considerer comme une elaboration collective, en constante transformation, ou !a culture des immigrants et des minori tes sont des aspects specifiques a tenir en compte dans les changements des societes et d es individus. D es valeurs comme !a dignite, Ia liberte, l'autonomie, Ia responsabilisation envers !a societe et envers nous-meme, l'acd:s aux biens primaires et publics, sont fondamentaux pour !'elevation de !'auto estime de !'immigrant.
and ethnical interactions, the globalization of intercultural relationships and movements defending H uman Rights, point to directions that are no longer supported by the traditional concepts of culture and cultural relativism. The respect towards the other one who is different depends even more on the way interactions are rebuild ed and changed, instead of a common way to see human beings strictly attached to static frontiers. Facing this reality urges the problematizarion of the concept of culture consedering it as a colective elaboration and a constant transformation, where the immigrant and minoritie's culture are specific aspects that must be considered in the evo lution of societies and their individuals. Values as dignity, liberty, authonomy, responsabilization towards society and towards human being himself and also access to primary goods and public goods, are fund ame nt al to raise selfesteem among immigrants.
Joaquim FIALHO e Alexandra PONTES
Joaquim FIALHO e Alexandra PONTES
Ethique du genre ou le genre d' ethique
Ethic genders studies and kinds of ethics
l.;article mettre en avant, d'une fa<;o n pratique, les presuppositions pour l'egalite d'oportu nites entre hommes et femmes. Ont defend !a passage d'une ethique conformiste qui accepte Ia pratique d'inegalite pour un agir basee sur une ethique d' ega!ite. Le paradigme de cet agir n' est jamais !a promotion d'egalite mais !a consolidation d'egalite parmi genres.
The article intends to present, in a practical form, presuppositions for the equality of chances between men and women. It defends the necessarily passage from an ethical conformist who accepts the practice of inaquality for one to act based in equality ethics. The paradigm of this kind of action is not any more the promotion of equality but the consolidation of the equality between genders. lNTERVEN<;:AO SOCIAL, 29, 2004
Resumes I Abstracts I 243
Edwin HOFFMAN
Edwin HOFFMAN
Pensee et action inclusif
Inclusive thought and action
Le nombre croissant de groupes ethniques chez Ia population de chaque societe europeenne impose aux ouvriers sociaux et a leurs directeurs Ia question: quelle theorie et quelle instruments peuvent erre developpes pour Ia pratique en matiere sociale de travail et sa gestion, dans lesquelles Ia notion de '!' appartenance ethnique 'est fermement incluse. La reponse a cette question devrait avoir un caractere dynamique: Ia reconnaissance qui peuplent peuvent exercer l'agence dans Ia formation de I' appartenance ethnique comme aspect changeant constamment de leur identite. Cet article commence par une description coune du contexte hollandais et continue avec une analyse cultural et quelques approches anti-raciste. Puis I' aut our a raffine un modele indus de gestion de diversite et un modele indus de communication interculturelle. Enfin le T.O.P.O.I.model est presente comme un 'analyseinstrument' possible pour detecter les differences et les malentendus culturels inquietants dans Ia communication.
The increasing number of ethnic groups within the population of each European society imposes on social workers and their managers the question: what theory and which instruments can be developed for the social work practice and its management, in which the notion of 'ethnicity' is firmly embedded. The answer to this question should have a dynamic character: the acknowledgment that people are able to exercise agency in the formation of ethnicity as a constantly changing aspect of their identity. This article starts with a short description of the Dutch context and continues wth an analysis of the risks of the culturalistic and some anti-racist approaches. Then I elaborate an inclusive model of Management of diversity and an inclusive model of Intercultural Communication. Finally the T.O.P.O.I.-model is presented as a possible 'analysis-instrument' to detect the disturbing cultural differences and misunderstandings in the communication.
lNTERVEN<;:AO
SOCIAL, 29, 2004
INTERVEN<;:AO SOCIAL,
29, 2004: 245-248
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I
Interven~ao
Social
a) Citac;ao: Apelido do autor, ana do trabalho: pagina da cita<;:ao. Ex.: (Netto, 1991: 73) b) Remissao: cf. ou ver Apelido do autor, ano do trabalho: pagina de inicio- pagina do fim da referencia. Ex. : (cf Netto, 1991: 7379). 11. As referencias bibliograficas, sao compiladas no final do artigo, por ordem alfabetica de apelidos e devem obedecer as seguinres normas: a) Livro
Apelido, nome proprio (ana), Titulo da obra, edi<;:ao, local da edi<;:ao: editor (eventual data da 1.a edi<;:ao). FALCAO, M.Carmo (1979), Servi~o Social: uma nova visiio te6rica, 3.a ed. rev., Sao Paulo: Cortez & Moraes. b) Revista Apelido, nome proprio (ana), "Titulo do artigo", Revista, volume, /era: pp. pagina inicio artigo - pagina final artigo. (GROULX, Lionel-Henri (1994), "Liens recherche et pratique: les theses en presence", Nouveles Pratiques Sociales, 7, 2: 35-50.
1 路
c) Texto em colectanea Apelido, nome proprio (ano), "Titulo do texto", in apelido, nome proprio (ed. ou org.), Titulo da obra, pp. pagina inicio texto pagina final texto, local da edi<;:ao: editor, edi<;:ao e/ou data da 1.a edi<;:ao (eventual).
HESPANHA, M. Jose (1993), "Para alem do Estado: a saude e a velhice na sociedade-providencia", in Santos, Boaventura (org.), Portugal- um retrato singular, pp. 315 - 335, Porto: Afrontamenro. d) Tese
Apelido, nome proprio (ana), Titulo da Tese. Tipo de Tese. Universidade. I NTERVEN<;:AO SOCIAL,
29 , 2004
Normas para apresenta<;ao de originais I 247
ARCANJO, M. Manuela (1991), Analise e avaliaft'io dos sistemas de seguranfa social: um modelo aplicado a Portugal. Tese de Doutoramento. Instituto Superior de Economia e Gestio. Universidade Tecnica de Lisboa. d) Documento electr6nico
Apelido, nome proprio (ano), "Titulo do Documento". EnderefO de localizaft'io na rede, data da consulta (indicando dia, mes e ana). KROGER, Teppo (2001), "Comparative research on social care: the state of the art", www. uta.fi!laitoksetlsospol/soccare, 1/03/2002. 12. Todos os originais enviados para publica<_,:ao devem: a) Canter a versao final do texto pronta a publicar, devidamente revista de eventuais gralhas; b) Anexar em f01路mato grafico (TIFF ou JPEG) os ficheiros relativos a quadros, imagens, graficos, etc.
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13. Os artigos propostos serao remetidos a dais membros do Conselho de Redac<_,:ao, que submeterao os seus pareceres por escrito. A decisao relativa a publica<;ao tera em considera<_,:ao os pareceres emitidos. 14. A cada autor serao oferecidos dais (2) exemplares da Revista 15. As opini6es expressas nos artigos sao da responsabilidade dos autores 16. Os originais nao serao devolvidos.
Lisboa, Janeiro 2004 INTERVENc;:Ao SOCIAL,
29, 2004
Teaching Pratical Ethics for the Social Professions Edited by Sarah Banks and Kirsten Nohr
Nos tiltimos anos tem-se dado maior atens:ao ao papel da etica na sociedade. Nas profiss6es de ambito social, onde as pessoas sao responsaveis uma pelas outras e pelas suas necessidades, as quest6es eticas aparecem sempre como dilemas eticos - situa<;:6es complicadas e dificeis de resolver. No Projecto Europeu da Etica Social (European Social Ethics Project - ESEP), urn grupo de professores e investigadores de diferentes institui<;:6es envolvidos na educas:ao e formas:ao de profissionais da area social, tern vindo a trabalhar para desenvolver metodos de ensino da etica com vista a encorajar os estudantes a exercerem "uma pratica profissional reflexiva". Os membros deste grupo desenvolveram varios pequenos projectos de pesquisa, utilizando questionarios individuais e grava<;:6es em video de discuss6es de grupo que tern ajudado a esclarecer como e que os alunos aprendem e a desenvolver materiais de ensino e aprendizagem. 0 amago deste livro foca os resultados do trabalho da ESEP e formula a seguinte questao: como deverao os professores encorajar os estudantes a desenvolverem qualidades e aptid6es que lhes permitam saber como agir em situa<;:6es dificeis que envolvam dilemas e problemas eticos? Escrito num estilo claro e acessivel, mostrando em detalhe metodos de docencia e exemplos de materiais para utilizar na sala de aula, o livro sera de grande valor para professores, orientadores e profissionais das areas do servi<;:o social, pedagogia social, servi<;:o comunirario, trabalho juvenil, bern COffiO para OS profissionais que trabalham nas areas proximas do apoio e satide. 0 livro esta escrito em ingles, mas faz uso de ideias e literatura de diferentes paises eUl¡opeus - da Finlandia a Portugal, pelo que recomendamos a sua leitura a todos os professores interessados nestas materias. Teaching Pratical Ethics for the Social Professions Coordena<;:ao de Sarah Banks e Kirsten Nohr Publicado em 2003 por FESET - Formation d'Educateur Sociaux Europeens www.feset.dk â&#x201A;Ź 19,00 + portes de envio As encomendas podem ser solicitadas para o seguinte enderes:o: Centerleder Kirsten Nohr CVU Kobenhavn & Nordsja:lland Titangade 11 DK-2200 Copenhagen N phone: +45 35 86 85 60 e-mail: kn@cvukbh.dk
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SAUDE E INTERVEN<;:AO SOCIAL ADMINISTRA<;:AO SOCIAL GERONTOLOGIA SOCIAL ECONOMIA SOCIAL NO DESENVOLVIMENTO LOCAL TOXICODEPENDENCIA E INTERVEN<;:AO SOCIAL INTERVEN<;:AO SOCIAL COM CRIAN<;:AS E ]OVENS EM RISCO SOCIAL MARKETING SOCIAL: MFTODOS E TECNICAS PARA A INTERVEN~AO SOCIAL (em associaqao com o ISCTE CURSO DE ESTUDOS AVANC,::ADOS
A FAMILIA- DINAMI CAS, MUDAN<;:AS, INTERVEN<;:AO MESTRADO EM SERVI<;:O SOCIAL DOUTORAMENTO EM SERVI<;:O SOCIAL (em associa<;:ao como
ISCTE)
ESTATUTO DE ALUNO EVENTUAL
Categoria de aluno extra-curricular, licenciado em Servi~o Social ou em outra area, que prerenda frequentar ou realizar disciplinas de um plano de escudos ministrado no ISSSL (forma~ao graduada e p6s-graduada). Confere certificado de frequencia com ou sem avalia~ao na(s) disciplina(s), seminario(s) e m6dulos frequentados.
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B ~Jd
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L!CENCIATURA
Servis:o Social
4ANOS
P6S-GRADUA<;:OES
Medias:ao Gestao de Unidades Geriatricas
MESTRADO
Mestrado em Servis:o Social (em protocolo com o ISSSL)
INFORMA<;:OES
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Ana 1985 (I ex.) Ano1986 Assinatura 1993 Assinatura 1995 (1 ex.) Assinarura1996 (I ex.) Assinarura 1997 (1 ex.) Assinatura1998 (I ex.) Assinatura 1999 Assinatura 2000 Assinatura 2001 (I ex.) Assinatura 2002 (I ex.) Assinatura 2003 Assinatura 2004
Assinatnra
Assinatura
lnsttitui~6es
X Particulates
X Estudantes
(10%desc.)
(20% desc.)
(25% desc.)
9,00 €
8,00 €
7,50 €
18,00 € 18,00€
16,00 € 16,00 €
15,00 € 15,00 €
25,20 € 25,20 €
22,40 € 22,40 €
21,00 € 21,00 €
X
lndicar Numeros Niunero Avulso
X
3,34 € 4,34€ 5,00 € 11,22€ 11,22€ 13,72€ 13,72€ 6,23€ 10,00 € 10,00 € 12,47 € 22,00 € 14,00 € 14,00 €
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