Revista do Instituto Superior de Servi({o Social Lisboa Ano V - n. o 11/12 - Dez. 1995 Pcig.
NOTA DE ABERTURA PROGRAMA DO SEMJNARJO
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Sessao de Abertura do Seminario SeJTi(·o Social e Socia/ade- INVESTIGAR 0 AGIR M." Augusta Negreiros Luis Moita Aldafza Sposati
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Gene se, Emergencia e lnstitucionali~a~·ao do Se1Tir;o Social Portugues- Escola Normal Social de Coimbra Prof:' Dr." Alcina Martins
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Comentador:
35
Prof. Dr Jose Paulo Netto
A Formar;ao Academica dos Assistentes Sociais- uma retrospectim crftica da institucionali~a~·ao do Seni~·o Social em Portugal D." Alcina Monteiro
43
Comentador:
77
Prof. Dr. Stephen Stoer
As Representar;oes Sociais da Profissao de
Sen·i~·o
Social
Dr." Maria Augusta Ncgreiros Comentador:
Prof. Dr. Albino Lopes
81
105
A Pr6tica dos Assistentes Sociais: u11w con versa heurfstica Dr." Maria 1-!elena Nunes
109
Comcntador:
123
Prof:' Dr." Aldafza Sposati
l11sucesso escolar: dupla exc/usc/o Dr:' Dorita Freitas
129
Comentador:
153
Prof. Dr. Sergio Gnkio
A questc/o da Inserr;ao Profissional dos Insl({icientes Renais Cr611icos ea Estrategica Terapeutica Dr." Beatriz Cotlto
!59
Comentador:
181
Dr:' Tilia Fonseca
Mu11icfpios e Polfticas Sociais em Portugal Dr. Francisco Branco
183
Comentador:
209
Prof. Dr. Jose Ant6nio Pereirinha
0 Estado, a Sociedade ea Questao da Habitar;ao em Portugal- !960/1976 Dr." Marflia Andrade
213
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lnterven(:iio Social
Fag.
CONFERENCIA
Transformaroes e Tendencias da Socialade Portuguesa Prof. Dr. Jose Maclureira Pinto
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DEBATE
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IN DICE DOS NUMEROS ANTERIORES
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EDITORIAL Com o presente numero fecha-se um ciclo da Rn•ista Inten·en~·c7o Social, ciclo iniciado e apoiado por uma equipa, Conselho de Redac9ao e Secretariado de Redac9ao, que sempre trabalhou, defendendo e sustentando a constru9ao deste projecto. Foi longo o caminho percorrido. Nas paginas dos diferentes numeros da Revista Inten·en~'c/o Social esta reflectida a hist6rica traject6ria da !uta e dos avan9os do Servi9o Social em Portugal nesta decada: no domfnio da qualifica9ao academico-cientffica, no terreno s6cio-profissional e no campo da investiga9ao e produ9ao de conhecimentos. No domfnio da qualifica9ao academico-cientffica, pelo reconhecimento dos graus academicos de licenciatura e Mestrado em Servi9o Social. No terreno s6cio-profissional, pela legitima9ao c reconhecimento do nfvel da forma9ao auferida, pela forte altera9ao conseguida a nfvel das carreiras profissionais e da divisao s6cio-tecnica do trabalho, e, pelo alargamento das polfticas public as e da qualifica9ao das respectivas praticas profissionais. 0 campo da investiga9ao sofreu importantes altera9oes. A integra9ao curricular da investiga9ao a nfvel dos cursos de licenciatura e as pesquisas de Mestrado e Doutoramento vieram fornecer um novo quadro propiciador da produ9ao de conhecimentos na area de Servi9o Social, o qual esta Revista tem acolhido e divulgado. Para encerrar este ciclo apresentamos um numero totalmente dedicado apublica9ao de artigos resultantes de comunica9oes apresentadas no SEMINARO: SERVI\=0 SOCIAL E SOCIEDADE- INVESTIGAR 0 AGIR, produzidas a partir das primeiras teses de Mestrado e Doutoramento bem como o respectivo coment<1rio de um especialista em cada tematica. Tt·ata-se portanto, de um numero significativo e que constitui um marco na produ9ao de conhecimentos em Servi9o Social em Portual. 0 projecto da Re1·ista Inten•en~c7o Social em que fui chamada a participar desde o infcio, foi um projecto arduo, de diffcil concretiza9ao, dado o est<idio inicial da produ9ao de conhecimentos na area de Servi9o Social no nosso pafs. Desta forma, se justificam momentos de irregularidade na edi9ao de alguns numeros publicados.
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blitorial
Este foi e e um projecto positivo que valeu a pena e que significou um avan~o qualitativo no "campus'' do Servi~o SociaL pelo espa~o que criou. pela visibilidade social que possibilitou e pelo debate te6rico que promoveu. Ao terminar o exercfcio das minhas fun~oes de Directora da Re1路ista lnten路en~c7o Social quero manifestar o meu reconhecimento a todos os que nele colaboraram: aos autores, que com as suas ideias e a sua palavra deram forma e conteudo a Rel'ista lnteJwn~路clo Social. aos elementos do Secretariado de Redac~ao e do Conselho de Redac~ao que ao longo destes anos. havendo embora dificuldades, ajudaram a tra~ar este percurso e a manter de pe este projecto e aos leitores que com o seu interesse o justificaram e valorizaram. Presentemente, a Reristo lnter\'enrclo Sociol atingiu. quanto a mim. um novo patamar de maior consistencia. apresentando uma participa~ao portuguesa mais destacada. com maior nfvel de elabon1~ao em termos te6ricos a que nao sao estranhos os Mestrado e doutoramento em Servi<.;o Social em curso no nosso pals. Nao tenho, portanto duvidas em afirmar que tem condi~oes para serum projecto com futuro. Morio Augusto Gem/des Negreims
SESSAO DE ABERTURA
PROGRAMA DO SEMINARIO SERVI(:O SOCIAL E SOCIEDADE- INVESTIGAR 0 AGIR ORGANIZADO PELO DEPARTAMENTO DE POS-GRADUA<;:AO DO ISSS DE LISBOA
Dia 7106194 9.30 h.- SESSAO DE ABERTURA HISTORIA E TRAJECTORIAS 10.00 h.- Ge11ese. Emerge11cia e f11stitucio11akar'Cio do Serl'i('o Social Portugues Escola Normal Social de Coimbm Oraclores: Dr." Alcina Martins !SSSC Comentaclores: Prof. Paulo Netto PUC-SP 11.00 h. - Intervalo 10.30 h.- A Fonl1au7o Amdemicu dos Assistentes Sociuis- Unw Retrospcctim Crftica da Jnstitucicmoko(·clo do Serl'iro Social em Portugul Oraclores: Dr." Alcina Monteiro ISSSP Comcntadorcs: Prof. Stephen Stoer FPCE-UP 12.30 h. -Debate REPRESENTA(OES E PRATICAS 14.30 h.- As Representa('i5es Sociuis du Projissclo de Scn·i\·o Social Oraclorcs: Dr." l\1." Augusta ISSSL Comentaclores: Prof. Albino Lopes ISCTE 15.30 h.- Interva1o 16.00 h.- A Prciticu dos Assistcntcs Sociais: Unw Com·er.\u J-Jeurfstica Oraclores: Dr." M.·' He1ena Nunes ISSSP Comentadores: Prof:' Alclafza Sposati PUC-S. Paulo 17.30 h. -Debate
Dia 8106/94 INSER(AO/EXCLUSAO 9.30 h. -Mcl e. 11clo hci sr5 w11a: A/)({11c/o11o de Redm Nuscidos Numa Gm11de lv!atcmiducle Urbana Oraclores: Dr." lvlanue1a Bizarro ISSSL ' ' Comentaclores: Prof." A1dafza Sposati PUC-S. Pau1o
10.30 h. -!nsucesso Escolor: Duplo Exclus{io Oraclores: Or:' Dorita Freitas CRS-SERAS Madeira Comentaclores: Prof. Sergio Gn\cio FCSH-UN 11.30 h. - lntervalo 12.00 h.- A Quest!lo do lnseJ"I;c7o Projissionol dos lnsujicienles Renoi.1 Crdnicos ea Estmtegio Tempeutico Oraclores: Or:' M." Beatriz Cot!lo ISSSL Comentaclores: Dr." Tilia Fonseca 13.00 h. -Debate PO LIT! CAS SOCIAlS E 0 DIRE !TO DE HABIT AR 15.00 h.- Municfpios e Polfticos Sociais em Portugal Oraclores: Dr. Francisco Branco ISSSL Comentaclorcs: Prof. J. Ant6nio Pereirinha ISEG-UT 16.00 h. - lnte1·valo 16.30 h.- 0 Estado, o Sociedode ea Questc7o da Hobiwrc7o em Portugo/-1960/1976 Oraclorcs: Dr." Mmflia Anclracle ISSSL Comentaclores: Arq. 0 Nuno P011<l'i FA-UP''' 17.30 h.- Debate Dia 9/06194 SERYI~O SOCIAL E SOCIEDADE 09.030 h.- Tran~fonnor;Oes e TendCncios do Sociedode Portuguesa :;: Oraclores: Prof. Jose Maclureira Pinto FE-UP * Conferencia
10.15 h.- Debate I0.45 h. - Intervalo 11.00 h. -lm'estiga('{io e Serriro Sociol * Oraclores: Prof. Paulo Netto ''' Conferencia 11.45 h. -Debate 12.30 h.- SESSAO DE ENCERRAMENTO
•'• Em s·irtude de nao nos tcr sido entregue pelos autorcs o material escrito. as comunicaqocs cm referencia nao aparcccm publicadas.
SESSAO DE ABERTURA DO SEMINARIO "INVESTIGAR 0 AGIR" De' M." Augustc/ Negreims ':'
Sr. Prof. Lufs Moita, Presidente do Consclho Cientffico do lnstituto Superior do Social de Lisboa. Sr." Prof." Aldafza Sposati. Coordenadora dos Programas Internacionais do P6s-Gradua~ao da Pontificia Uni\ ersidade Cat6lica de S. Paulo. meus senhores e minhas senhoras. caras colegas. e com grande satisfa\ao que cm nome do Departamento cle P6s-Gradua~ao do lnstituto Superior do Scrvi~o Social de Lis boa e da Comissao Organizadora dou as boas \ indas a todos e me congratulo com tao elevada participa~ao neste Semim1rio. cxprcssi\ a do interesse que suscitou. Este Semim1rio e resultante do proccsso clcsenvol\路ido desde 1987 no ISSSL na p6s-gradLm~ao em Servi~o Social cm cooper<l\ao com a Pontificia Univcrsidade Cat6lica de S. Paulo e significa uma viragem no proccsso de produ~ao te6rica clo Scrvi~o Social neste pafs constituindo-se o primeiro semin<1rio realizado com estes objectivos em Portugal. Efectivamente, todas as comLmic<wocs apresentadas sao o resultado de pesquisas desenvolvidas sobre o agir e os actores na sociedade portuguesa no ambito dos Mestrados e Doutoramentos. Etudo isto que pretenclemos debater e partilhar socialmente convosco certos de que, a partir de agora. nao mais poderemos afirmar a inexistencia de sistematiza\ao de conhecimentos cm Servi~o Social em PortugaL o que releva a importancia da investiga~ao que hoje ja constitui espa\OS pr6prios atraves da cria~ao de centros de investiga~ao. Esta produ\ao nao e circunscrita ao Servi~o Social na medida em que estabelece Lllll di<llogo com outras areas das Ciencias Sociais e com este debate inaugura a socialin1~ao dos conhecimentos ate agora acumulados e convida esta audiencia a aprecia-los e a expressar no debate o significado desta contribui~ao para o Servi\O Social Portugues. Muito obrigada a todos. Scrvi~o
Coordcnadora do Dcpartamcnto de P6s-Graduaq<1o do lnstituto Supcriur de Scn iqo Social de Lis boa
Intervcn~ao
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Doutora Aldafza Sposati
Social
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Meu born dia a todos, meu born dia ao Prof. Sr. Doutor Luis Moita, ProP Dr." Augusta Negreiros e quero aqui, em nome da Pontificia Universidade Cat6lica da cidade de S. Paulo, estar saudando este Semimirio e esta sauda~ao e muito mais (quero tornar isto muito claro) que uma mera formalidade, uma formalidade de um acordo, e muito mais. Ela passa, eu diria ate, usando urn termo, talvez inusitado, por uma cumplicidade de compromisso com a produ~ao cientifica no Servi~o Social. Dizia a Prof." Augusta que estamos em tempo de viragem e, talvez seja significativo, faz agora sete an os, que este processo deu inicio. Ele deu inicio em 1987, a partir dele muitas lutas foram travadas no Servi~o Social portugues, vit6rias obtidas, como foi a vit6ria da licenciatura, e temos aqui um resultado a apresentar a comunidade do Servi~o Social, acomunidade cientifica, que sao as primeiras teses ao nivel de doutorado e ao nivel de mestrado sobre o Servi~o Social Portugues. Constr6i-se assim a particularidade hist6rica do Servi~o Social Portugues. Instala-se corn isso o estatuto tambem de cientista para o Servi~o Social quando, com o seu contributo, ele vai sistematizar os conhecimentos e coloca-los ao servi~o da sociedade cientffica portuguesa e muito mais que isso, eu diria tambem, este conhecimento para que possa serum conhecimento de enfrentamento da exclusao social. Atentemos que estamos ao final do seculo e atentemos que a contribui~ao desta profissao que se deu a este seculo, encena portanto, urn contributo organizado. Entendo que neste momento este Seminario ao possibilitar este debate, como bem disse a Prof." Augusta Negreiros, ele seguramente estara, tambem, eu diria, contaminando os Assistentes Sociais, atraves deste convite, para que ampliem, nestes centros de investiga~ao, esta produ~ao cientffica. Quero aqui agradecer a possibilidade de que a PUC deS. Paulo tem sido participe deste processo e que eu entendo um processo que se autonomiza a cada momento mais, inclusive corn este momento, e que os produtores deste conhecimento se apresentam acomunidade do Servi~o Social. Entao os meus agradecimentos por estar aqui, os meus cumprimentos a todos os professores que partilharam deste processo, os meus cumprimentos em especial a este grupo de Assistentes Sociais, pioneiros que botaram todas as suas for~as, energias, para produzir estes primeiros documentos, estas primeiras teses, estas primeiras disserta~5es, e que agora inclusive, continuam na sua traject6ria preocupados em cada vez mais ampliar o estatuto do Servi~o Social Portugues. Muito abrigada e minhas saucla~oes.
Coordenaclora dos Programas Intcrnacionais do P6s-Gractuayao eta Pontiffcia Universidade Cat61ica de S. Paulo
lnvestigar o Agir
Doutor Lufs Moita
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Compreendem que eu hesite entre umas meras palavras de circunstancia ea apetencia que da transmitir-vos algumas reflexoes acerca dos panos de fundo que a propria realiza~ao deste Seminario envolve. You fazer um compromisso: tenho a no~ao que isto e uma sessao de abertura, nao e ainda a sessao de trabalhos, as questoes substanciais virao a seguir, de qualquer modo gostava de saudar, em nome do Conselho Cientffico do lnstituto Superior do Servi~o Social de Lisboa, o Departamento de Pos-Gradua~ao que leva a efeito esta iniciativa, alias ela toda impossivel, como e bem claro para os presentes, sem uma estreita colabora~ao coma Pontiffcia Universidade Catolica de S. Paulo. Essa conjuga~ao tem tido uma historia fecunda e de que tambem este Seminario e um bom exemplo. Sonhei a importancia que tem a cria~ao no Instituto de um Departamento de Pos-Gradua~ao. Ja existia um Departamento de Forma~ao Permanente, existe agora este de Pos-Gradua~ao. Isto significa que a Escola, provavelmente cada vez mais, cncontra a sua identidade de uma escola continua onde, sem prejuizo do valor que atribui aforma~ao inicial, reconhece os seus limites e projecta a sua forma laboratorial da reflexao cientffica para alem do periodo da licenciatura ou da forma~ao inicial. Isso e uma questao, como imaginam, estrategica, e a qual nos atribuimos grande importancia e nesse aspecto nao e demais salientar a importancia de seminarios como este que sao por sua vez tambem uma especie de afloramento, de projec~ao do Departamento de Pos-Gradua~ao para um publico mais alargado, fazendo-nos beneficiar a todos dos trabalhos de pesquisa que estao em curso. Forque reparem, e agora reportando-me brevissimamente ao proprio titulo dos dias que aqui nos juntam, do "Investigar o Agir": visto um pouco de fora, pm路que nao sendo eu da vossa profissao, tenho nonnalmente uma leitura de observador atento acerca dessa questao, o Servi~o Social foi-se deferindo a si proprio como forma de interven~ao bem pratica nas realidades sociais. Euma profissao com uma notabilissima identidade, com uma cultura propria mas virada, como bem sabem, para a interven~ao social. 0 que e interessante e importante e que pouco a pouco tambem este Servi~o Social foi-se identificando e definindo como area do saber, digamos assim, como area cientffica do saber. E e nesse sentido que a equa~ao "Investigar o Agir" faz sentido. Eporque ha uma reflexao sobre a pratica que adquiriu, como vcem, as fronteiras e os contornos de uma area cientffica e que isso em nada prejudica, bem pelo contrario, que seja uma profissao virada para a interven~ao. E desse cruzamento dos saberes sobre as praticas, no fundo, que faz sentido momentos como este *
Presidente do Conselho Cientffico do lnstituto Superior de Servi9o Social de Lis boa
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Jntervenyao Social
onde esses mesmos cruzamentos aparecem, provavelmente, corn maior evidencia do que o costume. Enfim, sao apenas sublinhados desta natureza que eu gostava de introduzir neste momento a saudar a iniciativa, a desejar os melhores exitos para estes tres dias de trabalho de todos v6s.
COMUNICA<;OES E
COMENTARIOS
GENESE, EMERGENCIA E INSTITUCIONALIZA<;AO DO SERVI<;O SOCIAL PORTUGUES -A ESCOLA NORMAL SOCIAL DE COIMBRA Alcina Martins
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INTRODU<;AO- A Investiga~ao, o Servi~o Social e os estudos historicos sobre a profissao em Portugal. Tradicionalmente, a tendencia das profissoes ligadas a pnitica, ao inves das que estao ligadas a teoria, e para nao realizarem investiga9oes. Nao sendo uma situa9ao exclusiva do Servi9o Social, verifica-se, hist6ricamente, que nas profissoes voltadas para a pratica sao raros os profissionais que desenvolvem trabalhos de investiga9ao. A divisao social do trabalho ao separar produtores de conhecimento e interventores na realidade fez desviar destes ultimos a perspectiva de poderem participar na explica9ao dos fen6menos e problemas sociais com os quais se confrontam no dia a dia, no exercfcio profissional. Neste sentido, se, por um !ado, os Assistentes Sociais nao eram solicitados a terem uma interven9ao significativa no trabalho de investiga9ao, por outro !ado, a forma9ao desenvolvida nas escolas tambem nao refor9ava o incremento desta actividade. Os Assistentes Sociais nao eram formados de modo a dominar o proprio processo de constru9ao do conhecimento nas ciencias sociais, as suas diversas estrategias te6rico-metodol6gicas e os instrumentos analiticos. 0 ensino dos metodos e tecnicas de investiga9ao ficava-se por um objectivo residual e instrumental- o uso de tecnicas na interven9ao dos Assistentes Sociais (Martins, 1993a: 5, 7 e 12). Em Portugal, a forma9ao em Servi9o Social ate as ultimas decadas, nao se preocupava em formar Assistentes Sociais investigadores, mas Assistentes Sociais interventores, em que estava quase ausente o desenvolvimento de uma atitude de investiga9ao a partir da pratica profissional. * Doutora em Servi~o Social, Professora no lnstituto Superior de Serviyo Social de Coimbra. investigadora do Centro Portugues de Investiga~ao em Hist6ria e Trabalho Social (CPIHTS).
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lnterven~ao
Social
Ora, a atitude pragmatica tern tendencia a consolidar-se, amedida que as solicita96es de caracter imediatista, feitas aos Assistentes Sociais nos servi9os os levam a procurar respostas tambem imediatas, descurando a preocupa9ao em conhecer e aprofundar as rela96es que esses problemas tern corn a sociedade, a urn nfvel menos imediato e aparente, e em reflectir c avaliar as consequencias deste tipo de activJsmo. Em pafses como os Estados Unidos, o Canada eo Brasil esta situa9ao ja se alterou ha algumas decadas. Em Portugal, sera sobretudo a partir de meados dos anos 80, corn a alten19iio dos pianos de cstudos, que conduziram ao reconhecimento da Jicenciatura, que e conferida gran de importancia aqualifica9a0 te6rica e metodol6gica surgindo a investiga9ao como urna componente integrante da forma9ao. 0 estabelecimento de uma rela9ao mais cstreita entre Servi9o Social e investiga9ao academica tera lugar corn a realiza9ao dos cursos de mestrado em Servi9o Social, sendo criado o primeiro curso, cm 19~7, ao abrigo do programa de coopera9ao e intercambio entre a Pontiffcia Univcrsidade Cat6lica de Sao Paulo eo Instituto Superior de Servi9o Social de Lisboa. Constituem ja frutos deste processo os trabalhos de investiga9ao apresentados neste Seminario ÂŤServi9o Social e Socicdadc- Investigar o AgirÂť, a cria9ao de Nucleos e Centros de Investiga9ao fora c dcntro das Escolas de Servi9o Social e a public<wao de varios trabalhos realizaclos no ambito do Mestrado. Para alem da investiga9ao acac!emica, a investiga9ao como aproxima9ao ao conhecimento da realidade social e estratcgia que possibilite repensar a pratica, produzindo conhecimento corn vista ao cquacionar de novas respostas sociais, tem dado alguns passos, nos ultimos anos, com os novos desafios que se tern colocado aprofissao. Pelo que acabamos cle referir, nao constitui estranheza que a hist6ria e a traject6ria do Servi90 Social Portugues, s6 muito rccentemente, se tenha constituido em objecto de investiga9ao para os pr6prios J\ssistcntes Sociais. No periodo p6s 25 de Abril de 1974 a am\lise da rela9ao da profissao com a sociedade portuguesa, na nova conjuntura socio-politica marcada pela instaura9ao da democracia e dos direitos sociais, lcva Assistentes Sociais a escreverem sobre a cria9ao das Escolas de Servi9o Social c a fcmm19iio nelas conferida, tendo subjacente a preocup<wao em situar a origem da profissao no regime salazarista. Estes trabalhos, apesar de escassos e com abordagcns muito pontuais rompem com a tradi9ao dos estudos hist6ricos serem feitos por pessoas externas a profissao- e de uma forma geral por homens - como sejam os medicos e juristas que acompanharam ou participaram no processo de institucionaliza9ao do Servi9o Social Portugues. Em meados dos anos 80 no contexto da !uta pelo reconhecimento do curso de Servi9o Social como licenciatura e das comemora96es do cinquentenario do Instituto Superior de Servi9o Social de Lisboa registam-se novas incurs5es, e com uma
lnslitucionaliza~ao
do Servic;o Social Ponugucs
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maior amplitude da amllise hist6rica da profissao no anterior regime- o Estado Novo. Com a realiza9ao do primeiro Mestrado de Servi9o Social, em Portugal a hist6ria da profissao constitui-se em objecto de investiga9ao, no ambito de algumas disciplinas do curso e de disserta96es de mestrado. A cria9ao, no ambito do Mestrado, do «Nucleo de Hist6ria do Servi9o Social Portugues» e a investiga9ao que levei a cabo, juntamente com outros colegas, tem subjacente a preocupa9ao de, nesta nova etapa da profissao e enquanto Assistentes Sociais, promovermos e assumirmos a investiga9ao sobre a nossa profissao que continua a ser tao pouco conhecida de nos pr6prios e da sociedade portuguesa. Uma das questoes latentes com que nos confront<'imos enquanto Nucleo- o actual CPIHTS - Centro Portugues de Investigayao em Hist6ria e Trabalho Social -era saber se o processo de genese e profissionalizayao do Servi9o Social Portugues era um processo linear, contfnuo, homogeneo, concretizado no Estado Novo, como faziam crer os trabalhos existentes, ou se, pelo contn'irio, era um processo mais rico, complexo, contradit6rio, fruto do confronto com anteriores projectos para o Servi9o Social Portugues, com outras orienta96es e tendencias provenientes de sectores da sociedade portuguesa; e, nesta sequencia, quais as tendencias internacionais do Serviyo Social que mais teriam influenciado a constru9ao da profissao em Portugal.
I- APRESENTA<;Ao DA INVESTIGA<;AO Genese, Emergencia e Institucionaliza\ao do Servi\o Social Portugues - A Escola Normal Social de Coimbra. 0 processo da genese, emergencia e institucionaliza9ao do Servi9o Social Portugues constituiu o objecto central da minha investigayao, tendo, num segundo piano, privilegiado a analise da segunda escola de Servi9o Social criada em Portugal (1937)- a Escola Normal Social de Coimbra, hoje Instituto Superior de Serviyo Social de Coimbra (1).
Esta investiga~ao foi realizada no ambito do Programa de Estudos P6s-Graduados em Servi~o Social da Pontificia Universidade Cat61ica de Sao Paulo, tendo defendido nesta Universidade, em 1993. a tcse de doutoramento em Servi~o Social «Genese, Emergencia e lnstitucionaliza~ao do Servi9o Social Portugues- Escola Normal Social de Coimbra>>. Agrade9o aminha professora orientadora Myrian Veras Baptista e ao professor Fernando Catroga as orienta96es recebidas no decurso da investiga9ao e os comentarios e sugestoes feitos pelos professores doutorcs que integraram a banca examinadora, composta por Myrian Veras Baptista, Fernando Catroga, Jose Paulo Netto, Yara Maria Aun Khoury e Maria Carmelita Yasbek. quando da defesa da tese. (
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Interven~ao
Social
Considerando que o Servi9o Social se constr6i historicamente e se explica pela trama de relayoes sociais, polfticas e culturais e pelas suas contradi96es, nao se podendo dissociar dos projectos societais, procurei analisar como e que a Republica e o Estado Novo concebiam o Servi9o Social e o lugar que !he atribufam. Procurei ainda apreender nas difcrcntcs conjunturas s6cio-hist6ricas, as principais influencias polfticas, correntes de pensamento clas Ciencias Sociais e do Servi9o Social ao nfvel internacional, os movimentos cla sociedacle civile as polfticas do Estado que maior impacto tiveram na constru9ao do Serviyo Social Portugues e na Escola Normal Social de Coimbra. 0 perfodo temporal que se abarcou comprccndeu a segunda metacle do seculo XIX ate 1945, porque e nesse contexto hist6rico que a profissao e institufda ao nfvel internacional e em Portugal, no quadro do dcscnvolvimento capitalista, a Questao Social ganha uma outra relcvancia, a partir dos ultimos anos do seculo XIX e princfpios do seculo XX. A Segunda Guerra Mundial corresponde, por seu !ado, afase de institucionalizacao do Servir;o Social Portugucs, com a criar;ao de Escolas, integrar;ao de Assistentes Sociais nos servir;os pC1blicos e a passagem para uma nova etapa da polftica social do Estado Novo, com o incremento do Estatuto de Assistencia Social e das estruturas corporativas, e coma criar;ao, em 1950, do Sindicato Nacional de Assistentes Sociais, Educacloras Familiares e outras profissionais do Servir;o Social.
1 - As rela\oes Estado e lgreja do Regime Liberal ao.Estado Novo. Privilegiei como principal eixo de analise as relar;oes entre o Estado e a Igreja em Portugal, do regime liberal ao Estado Novo, na medida em que a Questao Religiosa condensa alguma das contradir;oes s6cio-polfticas que a sociedade portuguesa atravessa neste perfodo. A partir da implantar;ao do liberalismo afirma-se o controlo do Estado sobre a Igreja, ou seja a sujeir;ao da instancia religiosa ao poder civil, contrariando as ambir;oes hegem6nicas e teocraticas internacionais cla Igreja cat61ica. No entanto, o anti-clericalismo liberal nao e sin6nimo de uma posir;ao anti-religiosa ou anti-cat6lica, sendo a religiao cat6lica considerada pclas varias Constituir;oes liberais, como a religiao oficial do Estado portugues. 0 anticlericalismo liberal foi, antes de mais, um anticongreganismo que alargava a tradir;ao antijesuftica, que ja vinha do tempo de Pombal, e que se foi definindo como um projecto secularizador, apostado em destruir a hegemonia cultural e o poder econ6mico da Igreja (expropriar;ao dos bens das m¡dens religiosas), em ordem a reforr;ar a tradi9ao regalista do Estado portugues (Catroga, 1993: 588). Nas ultimas decadas do seculo XIX e no infcio do seculo XX, o anticlericalismo e alargado e aprofundado, inserindo-se numa estrategia cultural mais ampla, que se
Institucionaliza~ao
do
Scrvi~o
Social Portugucs
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identifica com a estrategia de laicizayao da sociedade portuguesa. Versao mais militante e radical da secularizayao, pretendia 芦nao s6 demarcar as esferas da sociedade civile religiosa, mas tambem contrapor a esta ultima uma concepyao dessacralizadora do universo, da hist6ria e do homem, em ordem a superar ea substitutir a religiao em todas as dimens5es: cultural, institucional e sociabilitaria禄 (Catroga, I 988: 5). Constitui fonte inspiradora desta estrategia, o positivismo, que a partir dos anos 70 se transforma numa verdadeira corrente de opiniao, fundindo-se no republicanismo, de fei9ao demo-liberal, vindo a diluir-se, na decada seguinte. num cientismo, que encara a ciencia como a forma definitiva do saber humano e verdadeiro motor de acelerayao da evoluyao da humanidade.
1. I.
Questiio Social e Questiio Religiosa e as estrategias de seculariza(路iio, laicizar;ao e recristianizar;tzo da sociedade portuguesa.
0 fomento do laicismo pela ac9ao politica, dos an os 90 ate 1910, est<i associado aos grupos de livre-pe11sadores, a ma9onaria, e aos movimentos republicano, socialista e anarquista, que pugnam pela separa9ao das Igrejas do Estado, pelo ensino obrigat6rio laico e gratuito (condi9ao primeira para a interioriza9ao dos novos valores dessacralizados), pela secularizayao dos actos essenciais da existencia, nascimento, casamento e morte - e pela legalizayao do div6rcio. Esta reac9ao ao clericalismo esta directamente associada as posi96es ultraconservadoras da Igreja Cat6lica oficial, que se afirma anti-liberal e anti-socialista, recusando a modernidade, a racionalidade, a ciencia e a democracia, aliando-se polfticamente as foryas monarquicas e as classes possidentes. Com a implantayao da Republica as primeiras medidas do governo provis6rio dao continuidade e reforyam a campanha anticlerical desenvolvida anteriormente, sendo decretada, em 1911, a separa9ao do Estado das Igrejas. A reac9ao da Igreja Cat61ica nao se faz esperar, ap6s esta lei, que a expropria de bens m6veis e im6veis, !he retira a personalidade jurfdica, nao respeitando a autonomia eclesiastica em assuntos religiosos. As relay5es diplomaticas com o Vaticano sao rompidas, vindo a Igreja, a partir de 1917, com a cria9ao do Centra Cat61ico Portugues, a intervir polftica e eleitoralmente pela defesa das suas reivindica96es cat6licas. A ac9ao desenvolvida por este partido da Igreja vai permitir que, no sidonismo, sejam reatadas as relay5es de Portugal com a Santa Se, regressem algumas m路dens religiosas, para as areas tradicionais da educa9ao e da assistencia, recrudescendo as obras de assistencia. No perfodo da Ditadura Militar (1926-1933), a Igreja ve reconhecida a liberdade de ensino religioso particular ea colaborayao de cat6licos do seu partido- Oliveira Salazar e Mario de Figueiredo- no novo governo.
Interven<;ao Social
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No perfodo de constru~ao do Estado Novo (1933-45), o Centro Cat61ico Portugues sera dissolvido, sendo a Igreja afastada da gestao polftica da sociedade e remetida para a ac~ao religiosa e social. A cria~ao da A~ao Cat6lica Portuguesa, em 1934, insere-se nessa polftica, constituindo uma das principais organiza~6es que desenvolvera a estrategia internacional de recristianiza~ao da sociedade. 0 Estado Novo, em alian~a corn a Igreja, adoptara simultaneamente esta estrategia, opondo-se, tambem por esta forma, ao processo de laiciza~ao e ao que isso significava em termos de uma sociedade moderna, assente nos princfpios da racionalidade, do secularismo, do individualismo e da democracia, que a Republica tinha pretendido edificar. Neste sentido, a amllise do processo de constru~ao do Servi~o Social Portugues - genese, emergencia e institucionaliza~ao - faz-se a partir das rela~6es Estado-Igreja e da confluencia destes dois processos, de sentidos opostos, a Questao Social e a Questao Religiosa, que estiveram na base da genese e emergencia de profiss6es medico-sociais, e em diversas propostas para institutir o Servi~o Social em servi~os publicos e privados. A estrategia de recristianiza~ao da sociedade portuguesa, no perfodo de constru~ao do Estado Novo por int1uencia dos valores da Igreja, da sua doutrina social, da A~ao Cat6lica Portuguesa e do corporativismo que vao determinar a institucionaliza~ao do Servi~o Social Portugues, a criac;ao de escolas, a forma~ao nelas ministrada e a abertura do mercado de trabalho i1s Assistentes Sociais. Outras preocupa~6es de am1lise estiveram presentes neste trabalho: a organizac;ao da protecc;ao social e das Polfticas Sociais e a influencia do Movimento Higienista e de Medicina Social; a repercussao da constitui~ao das Ciencias Sociais, em particular a escola da Ciencia Social de Le Play, a Pedagogia, a Psiquiatria, a Psicologia Experimental na cria~ao de novos servic;os e na forma~ao profissionalizante de Assistentes Sociais; relacionar a construc;ao da profissao e a origem social das primeiras Assistentes Sociais com a situac;ao clas mulheres portuguesas, o seu protagonismo e os Movimentos de Mulheres Cat6licas e de Feministas. II- APRESENTA<;AO DE ALGUNS DOS RESULTADOS DA INVESTI-
GA<;AO. 1 - 0 Projecto Republicano e a Genese e Emergencia do Portugues.
Servi~o
Social
A genese e emergencia do Servi~o Social Portugues surge no contexto do ideario republicano, coexistindo no regime monarquico a icleia nascente de Servi~o Social com as denominadas ÂŤprotoformas do Servic;o SocialÂť, que correspondem a diversas formas e praticas de organiza~ao da Assistencia Social, como seja o sistema de Elberfeld, as "Charity Organization Society" (COS) e os "settlements".
Institucionaliza,ao do Servi9o Social Portugues
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0 republicanismo portugues, alem de reafirmar os valores da Revolu9ao Francesa da liberdade, igualdade e fraternidade, vai evoluir, a partir dos anos 80, para a apologia de urn programa que sustentava os ideais da solidariedade. Esta dimensao que integrava os varios programas dos partidos politicos republicanos e democraticos, com maior ou menor radicalidade, assentava sobretudo nos ideais e nos princfpios eticos do altruismo e da solidariedade, pretendendo combater o individualismo extremo e os socialismos mais radicais. 0 peso do ideal solidarista no projecto social que o republicanismo foi apresentando contribuiu para que surgisse como alternativa aos socialismos revolucionarios e de Estado e ao liberalismo monarquico (Catroga, 1991: 239). 0 solidarismo nao se confundindo com propostas estatizadoras no campo econ6mico, visava, no entanto, integrar no ambito dos direitos fundamentais, os direitos sociais, como o ensino obrigat6rio, gratuito e laico, o direito a assistencia, ao trabalho, ea associa9ao, mediante o crescimento do associativismo, do contratualismo e de uma interven9ao do Estado, em materias consideradas como condi9ao essencial para a concretiza9ao individual desses direitos e a reafirma9ao da sociedade civil em rela9ao ao poder politico. Trata-se de certo modo de uma sfntese democnitico-liberal, conciliando a ideia dos direitos sociais com a justi9a liberal. 0 solidarismo e a laiciza9ao da sociedade portuguesa vao influenciar de forma significativa a alternativa que os republicanos pretendem construir a forma como a pobreza e encarada; a interven9ao da Igreja e a caridade no campo da assistencia. Reivindicando a separa9ao da Igreja da assistencia, contrapoem o desenvolvimento da associa9ao, da solidariedade, a forma9ao de agentes laicos para intervirem em novas organiza~oes sociais e nas existentes, que, ate af, estavam maioritariamente dependentes da Igreja e da ac9ao das m路dens religiosas. Os republicanos pugnam pela existencia de um servi9o publico que levasse a promo9ao social, constituindo a instru9ao o motor do progresso, que estaria presente em todos os domfnios da vida social. Defendem a reorganiza9ao dos servi~os de assistencia publica, a cria9ao de servi9os de saude cuja ac9ao de profilaxia impedisse o desenvolvimento de epidemias, doen9as infecto-contagiosas, a tuberculose, a sffilis e outras doen~as venereas e contribuisse para reduzir a taxa de mortalidade infantil, atribuindo grande importancia as ac96es de infonna9ao e esclarecimento dos princfpios e praticas sanit<irias, que o movimento higienista de medicina social ja entao preconizava. Ao poder religioso e as ac96es das congrega96es, havia que contrapor o poder medico ea fonna9ao de pessoallaico. Neste sentido, no infcio do seculo XX, Miguel Bombarda defende a laiciza9ao e profissionaliza9ao da enfermagem e a forma9ao de pessoallaico para as organiza96es de assistencia, a luz do que vinha sendo feito em pafses como a Alemanha, Fran9a, Inglaterra e Estados Unidos. Em Portugal, a situa9ao da beneficencia publica, filantr6pica e da Igreja, ate ao final do seculo XIX, e de verdadeira desorganiza9ao, descoordena9ao, revelando
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Interven~iio
Social
incapacidade de resposta perante as consequencias sociais do desenvolvirnento capitalista. Corn vista a passagern da esmola a uma caridade organizada, institucional, alargando o clever individual a urna ac~ao colectiva, tem infcio, nos primeiros anos do seculo XX, nas institui~5es de assistencia particular, corn liga9ao ao rnovimento social catolico, iniciativas precursoras de assistencia social, alargando-se posteriormente as organiza~5es filantropicas e de assistencia publica. Nestas iniciativas esta presente a abordagern filantropica do pauperismo, que rompe corn a perspectiva de encarar os pobres como os verdadeiros responsaveis pela sua situa~ao e passa a considerar necessaria apreender o «meio», a comunidade onde a pobreza se manifesta, baseando-se a organiza~ao dos socorros e a intervcn~ao junto dos pobres numa avalia~ao previa da situa~ao, inserindo-os numa rela~ao de troca que lhes exige a modifica~ao da sua conduta (Bee, 1994: 48 e 49). A partir do ultimo decenio do sec. XIX ate 1910 cato1icos que apoiarn as directrizes da democracia cristae defendem o sindicalismo catolico, corno alternativa ao movimento operario, as ideias socialistas e a cstrategia laicista da sociedade portuguesa, desenvolvem iniciativas no carnpo da assistcncia, que respondam as situa~5es de pobreza, ja nao exclusivamente pela csmola. Neste sentido, destaca-se a reorganiza~ao de socorros domiciliarios pcla Misericordia do Porto. Quando nos EUA e na Inglaterra as "Charity Organization Society" (COS) fazem os primeiros cursos de assistencia social para os visitadores, que sao de uma forma geral profissionais que investigam as situa~5cs c as causas da pobreza, promovendo praticas de assistencia social, as influcncias internacionais na experiencia levada a cabo pela Misericodia do Porto sao sobretudo da assistencia social alema e francesa, desenvo1vidas na segunda metadc do secu1o XIX, especificamente, o sistema d'Elberfeld (1853) e a experiencia do "Office Central des Ouevres de Bienfaisance" de Paris, criado em 1890 com o apoio da Sociedade de Economia Social de Le Play (Savoye, 1987: 491 ). A Misericordia do Porto face ao crcscimento industrial e demografico registado, superior ao da cidade de Lisboa, e que se manifestava na grande afluencia a cidade de popula~5es a procura de trabalho e de melhores condi~5es de vida, prop5e que se criem agencias de procura e oferta de trabalhadores e que se assegure uma coordena~ao geral de servi~os de beneficencia, naquela cidade. Em 1901 sao reorganizados os socorros domiciliarios e criado o regulamento para a sua distribui~ao. A cidade fica dividida em circunscri~5es e estas em sec~5es, existindo em cada uma delas dois visitadores a quem compete averiguar das necessidades. Os visitadores sao do sexo masculino, nomeados pela Mesa da Misericordia entre os irmaos ou pessoas de reconhecida respeitabilidade. Fazem o recenseamento dos pobres, classificando-os, com vista a atribui~ao das ajudas (Ribeiro, 1905: 26 e 27). Os resultados desta experiencia estao longe do trabalho desenvolvido nas s "Charity Organization Society" (COS) e nos «settlements» ingleses e americanos,
lnstitucionaliza~ao
do
Servi~,:o
Social Portugucs
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quando a institucionalizar;ao e profissionalizar;ao da assistencia social eram ja uma realidade. A Misericordia do Porto pretendia que este tipo de assistencia fosse de acr;ao voluntaria e, ao contrario do que se verificava noutros pafses, nao so teve dificuldades em recrutar voluntarios para desempenharem funr;oes de visitadores, como deparou com a sua falta de formayao, sendo infrutfferos os apelos feitos a partir de 1906, a colaborayaO de mulheres. 0 obscurantismo, a grande influencia das forr;as conservadoras e particularmente do clero sobre a Mulher, a sua condiyao de menoridade jurfdica e social em relayao aos homens, a alta taxa de analfabetismo e a falta de instruyao, sao factores que convergem para essa situayao. A Misericordia do Porto, para ultrapassar este impasse, tera de recorrer a cooperadores assalariados (A Medicina Contemporanea, 1907: 311 ), sendo aprovado em 1908 a constituiyao de um corpo de enfermeiros, com uma secyao feminina, para prestarem um serviyo de enfermagem e assistencia domiciliaria, dirigido particularmente as parturientes pobres. As referencias internacionais, nesta altura, sao ja as do Departamento de Beneficencia de Lille, onde Albert Calmett desenvolve o metodo de tratar a tuberculose simu1taneamente no dispensario e no domicflio -, exigindo, a partir de 1901, a acyao do trabalhador de assistencia (ÂŤassistant ouvrierÂť) (Calmett, 1901: 14). Esta experiencia francesa constitui, por sua vez, uma das principais influencias das primeiras praticas de Servir;o Social nos hospitais dos Estados Unidos, segundo o seu promotor Richard Cabot (1905), quando nesse pafs ja se tinham criado as primeiras escolas para a formayao dos novos profissionais os Trabalhadores Sociais (Cabot, 1920: 13). Em Portugal, o regime republicano dara, no entanto, a1guns passos significativos no movimento de instituir a profissionalizayao da assistencia. A Republica portuguesa, terceira ao nfve1 europeu, depois da Franr;a e da Sufya, imp1anta-se em 1910, como uma tentativa promissora de, apos o derrube da monarquia e a instaurayao da democracia polftica, poder responder mais caba1mente a Questao Social, registando grande influencia da mar;onaria em contraposiyao a Igreja Catolica, que se aliara as forr;as monarquicas e conservadoras. No sentido de cumprirem a componente solidarista, os republicanos tomam varias medidas sociais, que refletem uma certa sensibilidade perante a Questao Social, como seja a criayao dos seguros sociais obrigatorios, as leis sobre arrendamento urbano, acidentes de trabalho e regulamentar;ao dos horarios de trabalho e o reconhecimento de a1guns direitos, como o de associayao, a greve, do ensino obrigatorio gratuito e neutro e o direito a assistencia. Neste domfnio e preconizado que os pobres que se encontrem na impossibi1idade de fazerem face as suas necessidades, por motivos de doenya ou idade tenham direito a assistencia publica. Recusam a esmola e a caridade contrapondo a solida-
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Intervenyao Social
riedade, o esfor~o e o trabalho dos indivfduos e a educa~ao como meios que levariam aperfectibilidade e aemancipa~ao dos homens. A reorganiza~ao dos servi~os de Assistencia Publica e feita segundo o sistema de Elberfeld e, com o intuito de descentralizar os servi~os, e criada a Obra dos Dez, que fica a cargo das Juntas de Par6quia, sendo ainda criado o Fundo Nacional de Assistencia, as Tutorias de Infancia e a Federa~ao Nacional dos Amigos e Defensores das Crian~as. Em 1911, sao criados os De1egados de Vigilancia, de ambos os sex os, para trabalharem junto das Tutorias de Infancia, a semelhan~a dos «probation officers» criados nos Estados Unidos, em 1899. Inicia-se deste modo a profissionaliza~ao da assistencia a menores -que por qua1quer razao nao podem ser educados na familia - sob clara influencia norte-americana e com a preocupa~ao de lhes ser dada uma forma~ao especializada. 0 privi1egiar da assistencia a rnenores e a cria~ao daqueles profissionais esta directamente associado a importancia que os republicanos atribuem a educa~ao como meio de prevenir o crime, a delinquencia e a marginalidade, devendo a socializa~ao dos menores pautar-se pelos valores da racionalidade cientffica e da autonomia, em oposi~ao aos valores religiosos. A importancia atribufda aaprendizagem de um offcio, ao inves de ac~oes meramente repressivas das «tendencias viciosas», tem subjacente a ideia de, atraves do trabalho, se criarem oportunidades para os jovens, o que lhes permitiria encontrar o seu lugar na sociedade, quando saissem dos asilos ou das famflias rurais que os acolhessem. A assistencia na Republica constitui-se num espa~o deintermedia~ao entre o mundo da integra~ao e da marginaliza~ao, em que e feita uma media~ao, regula~ao e gestao especffica de grupos da popula~ao (Bee, 1994: 234 e 235). Como a assistencia publica nao se dissocia de uma estrategia de classifica~ao e diferencia~ao dos pobres, a assistencia, na Republica, nao e concebida corno direito para todos os pobres. A par da laiciza~ao dos agentes de educa~ao e da escola ter um lugar singular na forma~ao e reconhecimento dos indivfduos como cidadaos, os enfermeiros e os agentes da assistencia publica laicos, ao participarem do projecto social mais amplo de cria~ao do Homem Novo, ensinariam os valores de uma moral social laica, baseados nas ideias de liberdade, igualdade e solidariedade e em que a existencia de direitos implicava o cumprimento de deveres. Nos anos 20, a enfermagem laica e desenvolvida e varias propostas de especializa~ao sao feitas por republicanos, com vista a cria~ao de enfermeiras sociais ou escolares, visitadoras de puericultura, no sentido de se superar a inexistencia de um Servi~o Social organizado em hospitais, dispensarios, institui~oes de higiene ou previdencia e centros de trabalho. Eexemplo disto, a proposta feita, em 1920, ao Ministerio cla Instru~ao pela Inspec~ao Geral da Saniclade Escolar e Ministerio do Trabalho, de se formarem enfermeiras escolares (Boletim cla Inspec~ao Geral de
Institucionaliza~ao
do
Servi~o
Social Portugucs
Sanidade Escolar, 1923: 152), que aliassem a educa9ao a higiene, tendo subjacente a concep9ao de educa9ao republicana. Esta incidia sobre todas as facetas da pessoa, encarada na sua totalidade, disciplinando tanto o corpo, como a racionalidade e a moralidade, mediante o fomento dos sentimentos de altrufsmo e de solidariedade colectiva. 0 Movimento Feminista Portugues, no seu I Congresso ( 1924 ), tambem defende a profissionaliza9ao da assistencia para as Mulheres, particularmente no campo da assistencia a men ores e nas Miseric6rdias (Brazao, 1925: 236 e 25 1). Os primeiros ensaios de Servi9o Social vao ter lugar nesse ano, 1924, no Sanatoria Popular de Lisboa (Miranda, 1926), sendo proposto por medicos a profissionaliza9ao e o instituir do Servi9o Social nos hospitais, na linha do ÂŤCase-WorkÂť e do Trabalho Social norte-americano, neste tipo de servi9os (Rumina, 1925). A instabilidade polftica da Republica, com a forn1a9ao de 45 governos e de 30 partidos, em 16 anos, as varias tentativas de restaurar a monarquia, a crise social e financeira do Pais, que mantinha, comas col6nias rela96es tfpicas de pafses centrais e, com a Inglaterra, rela96es caracterfsticas de pafses perifericos, tornam o regime republicano impopular, goradas as expectativas de, ap6s a implanta9ao da democracia polftica, a Questao Social ter uma solu9ao. Neste contexto, o Servi9o Social nao tera o incremento, que se perspectivara, de refor9o ao projecto republicano. 0 Servi9o Social e encarado na Primeira Republica como uma forma laica de prestar assistencia, dirigida particularmente as crian9as e menores, nao se identificando com os valores da Igreja cat6lica e tendo por base os valores da solidariedade, de uma moral socia1laica e as concep96es republicana de educa9ao.
2 - Os primeiros ensaios de pniticas e de escolas de influencias norte-americanas do Trabalho Social.
Servi~o
Social e as
No decurso da Ditadura Militar (1926-1933), o desenvolvimento da Medicina Social, no p6s-Primeira Guerra Mundial, leva a cria9ao de dispensarios de higiene social, postos de infancia, hospitais psiquiatricos, e de novos profissionais como as Visitadoras Sanitarias e as Enfermeiras Visitadoras de Higiene, que passam a ter uma fonna9ao especializada. As propostas de se institutir o Servi9o Social alargamse a servi9os como as Miseric6rdias, as institui9oes de Assistencia Materno-Infantil e os Tribunais de lnfancia, perante a insuficiencia da forn1a9ao e ac9ao dos unicos profissionais de assistencia- os Delegados de VigiHincia. Em 1928, o Instituto de Orienta9ao Profissional faz o primeiro ensaio de Escola de Servi9o Social destinada aforma9ao cientffica, pedag6gica, psicol6gica e socio16gica dos Delegados de Vigilancia e demais trabalhadores dos Tribunais de lnfancia, sendo estudados os problemas de Servi9o Social e a aplica9ao do Servi9o Social
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Interven~iio
Social
de casos individuais. Este ensaio, segundo os moldes do Trabalho Social norte-americano e corn programa aprovado por despacho do Ministro da Justi~a, segue as orienta~oes do 1.° Congresso Internacional de Protec~ao a Infancia e o 1.° Congresso Internacional de Servi~o Social, realizado em Paris, em Julho de 1928 (Ramos, 1928: 43 a 47). Como este ensaio nao levou a cria~ao de uma Escola de Servi~o Social, sucedem-se as propostas para que outros organismos, como as Faculdades de Medicina, criem escolas de Servi~o Social (Dias, 1936: 92). Ja no inicio da constru~ao do Estado Novo, em 1934, realiza-se o 1.° Curso de Assistencia Social, para Visitadoras Sanitarias, a cargo da Direc~ao Geral de Saude, nao sendo ainda conotado o Servi~o Social corn orienta~oes de teor etico/religioso (Lemos, 1934: 155). Nesse mesmo ano, o Instituto de Orienta~ao Profissional faz segunda tentativa para ultrapassar a inexistencia de uma escola de Servi~o Social, promovendo a forma~ao de «Observadores Sociais». 0 eurso constitui urn novo ensaio do estudo do Servi~o Social, apresentando preocupay5cs coma rela~ao teoria-pratiea e as experieneias do Servi~o Social sistematizado, na linha do Trabalho Social desenvolvido por Mary Richmond (Vasconcelos, 1934: 27 a 32). 0 Servi~o Social Portugues, ate a sua institucionaliza~ao, e principalmente int1uenciado pelo Trabalho Social norte americano e pela forma como foi divulgado pelo Movimento Higienista, na Europa (Richmond, 1926). Trata-se de uma versao em que e refor~ada a psicologiza~ao cla forma~ao e a adapta~ao dos indivfduos a sociedade (Delille, 1929 e 1930), ao invcs da dimensao sociol6gica do Trabalho Social norte-americano, com a sua inser~ao no movimento de Reforma Social, nao sendo feitas alus5es ao Trabalho Social mais radical, como o desenvolvido nos «Settlements» por Jane Addams (Bentley, 1960: 24 a 27). Em Portugal, s6 nas revistas das organiza~5es feministas e que vamos encontrar referencias a Jane Addams, uma das principais protagonistas deste tipo de trabalho, grande lutadora pelos direitos das Mulhcrcs e das crian~as, sendo-lhe atribufdo o premio Nobel da Paz, em 1931 (Stratcnwcrth, 1992:85 a 104). Apesar destas propostas e ensaios, realizados no regime republicano, a institucionaliza~ao do Servi~o Social aprcsentara outras orienta~5es e influencias. 3 - A Institucionaliza<;ao do Servi<;o Social Portugues na conjuntura de alian<;a do Estado Novo com a Igreja.
Na fase de constru<;ao do Estado Novo (1933-1945) (Cruz, 1988: 41), e no contexto internacional da Guerra Civil de Espanha, do fascismo e do nazismo, Salazar pretende concretizar uma alternativa a Assistencia Social e ao Servi<;o Social que vinha sendo feito noutros pafses que, na sua opiniao, levava ao comunismo (Edu-
Inslilucionaliza<;iio do Scrvi<;o Social Portug:ues
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Ca9aO Nacional, 1935: 2 e 3). 0 unico partido permitido, a Uniao Nacional, propoe no seu 1.掳 Congresso (1934) a cria9ao de escolas de Servi9o Social (Uniao Nacional, 1935: 397), sendo as Assistentes Sociais definidas, passados cinco an os, como dirigentes id6neas, responsaveis, conscientes e activas cooperadoras da Revolu9ao Nacional, que tem de racionalizar e individualizar a assistencia, moralizar os costumes e contribuir para a forma9ao da consciencia nacional (Decreta Lei n. 0 30135 de 14 de Dezembro de 1939). Rejeitando o tipo de interven9ao estatal da primeira Republica e de pafses democraticos, o Estado Novo, entre 1937 e 1945, reserva-se, no piano social, a fun9ao de coordena9ao e fiscaliza9ao da iniciativa dos particulares. Desoficializa institui96es publicas, aposta num trabalho com voluntarios ou profissionais nao diplomados, promove a assistencia domiciliaria em detrimento da hospitaliza9ao e das institui95es asilares, respondendo a Questao Social com a assistencia corporativa. Esta dirige-se prioritariamente, afamflia baseando-se numa ac9ao de doutrina9ao e educa9ao nos valores morais, cristaos e nos princfpios do Estado Novo (Saavedra, 1940). No perfodo da 2. 0 Guerra Mundial, com o reactivar da oposi9ao e das lutas sociais contra o aumento do custo de vida e os efeitos da guerra, o Estado Novo e obrigado a recuar nos prop6sitos de desoficializa9ao e desprofissionaliza9ao, reconhecendo o Estatuto de Assistencia Social, de 1945, a profissao de Servi9o Social como indispensavel na persuasao das pessoas a colaborarem activamente com os organismos de assistencia e com o Estado Novo (Diario das Sessoes, 1944: 83). As Assistentes Sociais sao, deste modo, integradas nos principais servi9os publicos, como servi9os prisionais, servi9os de assistencia, hospitais, dispensarios, Juntas de Provfncia, organiza96es corporativas e organiza96es femininas do regime como a Obra das Maes pela Educa9ao Nacional, a Defesa da Famflia ea Mocidade Portuguesa Feminina, mantendo a vertente educativa ou moral e a fun9ao de adapta9ao dos indivfduos asociedade. A Igreja, remetida que foi pelo Estado Novo para a esfera da ac9ao social, nao podendo contar com a for9a das m路dens religiosas, alvo do anticlericalismo, necessita de preparar elites cat6licas que participem no governo, nas organiza96es publicas e nas de assistencia; interessa-lhe que as Assistentes Sociais entrem nos meios operarios, prestem assistencia e difundam a doutrina social da Igreja, em colabora9ao com os movimentos da Ac9ao Cat6lica Portuguesa, inserindo-se na estrategia mais ampla de recristianiza9ao da sociedade. A forma9ao das Assistentes Sociais e a cria9ao das escolas de Servi9o Social, ficarao sob orier1ta9ao da Igreja, seguindo o apelo internacional da Uniao Cat61ica lnternacional de Servi9o Social (UCISS) (Rubbens, 1935: 7 e 8). Mas a oficializa9ao destas escolas, as orienta96es a que devem submeter-se e o controlo que o Estado exerce sob re a forma9ao (ao nfvel dos pianos de estudo e dos Exames de
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Intcrven~ao
Social
Estado), revelam que a interven~ao do Estado controlava, a priori, a forma~ao destes profissionais, apesar de serem privadas as escolas onde se formavam. Sendo uma das vertentes da alian~a do Estado e da Igreja, no campo social, nao deixa de ser significativo o intervencionismo do Estado, de forma a que as escolas e as Assistentes Sociais mantivessem uma adesao incondicional aos seus principios ideol6gicos e aconcretiza~ao dos seus projectos politicos.
4 - A Escola Normal Social e a influencia de diversas tendencias do Servi\o Social Frances. 0 estudo sobre a Escola Normal Social de Coimbra tambem revelou que o seu processo de constru~ao foi complexo e contradit6rio, pois que, sendo a Escola criada, em 1937, por um grupo de Franciscanas Missiom1rias de Maria, de origem francesa, a hist6ria oficial quase o silenciou, ao identificar esta iniciativa com o Professor Bissaya Ban路eto. Em 1940, a congrega~ao faz diligencias para adquirir o titulo de propriedade desta Escola, mas apercebe-se que Bissaya Barreto, na qualidade de presidente da Junta da Provfncia da Beira Litoral ja o tinha adquirido, ficando a Escola, a partir dessa altura, dependente daquela organiza~ao de administra~ao regional, actualmente Assembleia Distrital de Coimbra. Atravessada pelos interesses do Estado e da Igreja, a Escola Normal Social e influenciada pela politica materno-infantil da Junta da Provfncia da Beira Litoral, por sectores pr6ximos da democracia crista c do socialismo personalista e por diversas tendencias do Servi~o Social Frances (como o socialismo municipal ea corrente higienista), que a primeira directora, Constance Davon, vai protagonizar. Formam-se, exclusivamente, nesta escola Enfermeiras Puericultoras Visitadoras de Infiincia, sob clara influencia do Servi~o Social Frances e das Escolas de Puericultura da Faculdade de Medicina de Paris e Escola de Enfermeiras Visitadoras do Comite Nacional de Luta contra a Tuberculose, que preparavam para o Servi~o Social nos Dispensarios Antituberculose. A forma~ao de Assistentes Sociais polivalentes na Escola Normal Social de Coimbra esta por seu !ado associada ainfluencia do socialismo municipal de Henri Sellier - Ministro de Saude Publica do Governo da Frente Popular - no Servi~o Social Frances. Esbo~ando-se os cantornos de um Servi~o Social cuja polivalencia e centrada na famflia e organizado em fun~ao de um sector geograficamente delimitado, o Assistente Social tem a seu cargo todos os problemas de cada uma das famflias num sector da cidade, sendo responsavel pela resposta aos mais variados tipos de pedidos, quer seja de emprego, de assistencia, habita~ao, etc. 0 Estado Portugues, em 1939, determina as orienta~5es a que a Escola Normal Social se deve submeter e as altera~5es a efectuar no piano de estudos, salientando-
Inslilucionalizac;iio do
Servi~o
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Social Portugues
-se a introdu~ao da forma~ao jurfdica-constitucional do Estado Corporativo ea forma~ao religiosa, ate af inexistentes. Numa altura em que o conhecimento das Ciencias Sociais e menosprezado, disciplinas como Sociologia, Economia Polftica, Psicologia Experimental e Psiquiatria fazem parte da forma~ao das Assistentes Sociais, desde os primeiros anos.
5 - 0 protagonismo das Mulheres no processo de Social Portugues.
constru~ao
do
Servi~o
A profissao de Servi~o Social e exclusivamente feminina, ate aos anos 60, vindo na pratica a contrariar os desfgnios do Estado e da Igreja de verem as mulheres, com raras excep~oes, confinadas afamilia, aeduca~ao dos filhos e ao trabalho domestico, abandonado o mercado de trabalho. 0 Servi~o Social conta no seu processo de constru~ao com o envolvimento directo de mulheres, que se tinham salientado em varios sectores da vida portuguesa como as primeiras deputadas. Sao tambem mulheres que dirigem as escolas de Servi~o Social e integram os orgaos de gestao, participam no debate parlamentar sobre o Servi~o Social e na forma~ao das Assistentes Sociais, tendo as organiza~oes de mulheres cat6licas e do movimento feminista portugues apoiado a cria~ao da profissao de Servi~o Social (Martins, 1993 b).
6- As primeiras Assistentes Sociais formadas pela Escola Normal Social de Coimbra. 0 estudo sobre as primeiras Assistentes Sociais formadas na Escola Normal Social, mostra que se tratava de mulheres cat6licas, com uma boa cultura geral, comparativamente coma maioria das mulheres portuguesas, pertencendo a famflias que possuiam medios ou altos rendimentos. As alunas faziam a sua inscri~ao na escola, em media, com 26 anos, nao terminando o curso cerea de metade das inscritas. Ate 1945, formaram-se nesta escola 22 Assistentes Sociais. Passados dez anos, uma em cada tres, nao exercia a profissao e 15 trabalhavam maioritariamente em servi~os publicos localizados em zonas urbanas e litorais, sendo um ter~o destas profissionais casadas, nao se podendo reduzir o Servi~o Social a uma profissao de mulheres solteiras. Apesar do Feminismo Cat6lico considerar que as mulheres que exerciam uma profissao deveriam renunciar a cargos de chefia, posi~oes de autoridade, subordinando-se adisciplina e organiza~ao dos homens (Martins, 1941: 143), a pratica da profissao veio demonstrar que varias foram as Assistentes Sociais a ocupar cargos
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Intervcn~ao
Social
de direcyao e de chefia, registando-se urna grande rnobilidade e o ascender destas rnulheres, por via da profissao a novos lugares da administra9ao e a cargos politicos. Na decada de 40, nao s6 o Serviyo Social se encontrava no topo das profissoes rnedico-sociais, corno o seu desenvolvirnento nas decadas seguintes, corn urn acrescimo substancial do nurnero de Assistentes Sociais, contraria a tendencia para a diminuiyao da percentagern da populayao activa feminina, verificada nos anos 50 e 60. 0 Servi9o Social veio assim alargar os destinos pessoais e as escolhas profissionais das mulheres, contribuindo para o processo de ernancipayao da condi9ao social das mulheres portuguesas. Como nota conclusiva da investigayao que realizei, gostaria de realyar que: 1. 0 - 0 processo de constru9ao do Serviyo Social Portugues revelou-se complexo e contradit6rio, encontrando-se a sua genese e emergencia no contexto do ideario republicano. 2. 0 - Enquanto movimento instituintc acompanhou a traject6ria do Servi9o Social ao nfvel internacional, especificamente do Trabalho Social norte-arnericano, sendo proposta a sua profissionalizayao por republicanos, medicos, juristas, feministas, associandos aos Movirnentos Higienista, de Medicina Social, de protecyao a menores e ao dcsenvolvimento das Cicncias Sociais, tendo subjacente os ideais do projecto republicano. 3. 0 - A Institucionaliza9ao do Servi9o Social Portugues, na conjuntura de alian9a do Estado Novo com a Igreja, vem servir tanto os interesses do Estado quanto os da Igreja. Esta, sendo um pilar da polftica assistencial do regime, contribui juntamente com a profissao de Servi9o Social, para a edificayao de um Estado Corporativista e nao para a cria9ao de um Estado Providencia com o desenvolvimento de direitos e polfticas sociais, existente em pafses democraticos. Neste contexto, o Servi9o Social sustentar-se-a noutras inf!uencias internacionais, particularmente nalgumas correntes do Serviyo Social de expressao franc6fona e noutros valores que o tornam predominantemente doutrinario, corporativo e conservador. Por Llltimo, consciente que muitas das questoes que apresentei e levantei ficam por responder e aprofundar, desejo que pr6ximos trabalhos sobre a hist6ria do Servi9o Social Portugues venham desvendar outras tantas facetas do seu processo de constru9ao e traject6ria neste seculo, contribuindo com novos elementos que conduzam, porventura, a revisao de interpreta96es oficiais, conferindo a investigayaO hist6rica sobre o Serviyo Social a importancia eo significado, ja reconhecidos noutros pafses.
Institucionaliza~ao
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do Servi<;o Social Portugucs
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COMENTARIO ACOMUNICA<;AO SOBRE 0 TEMA: GENESE, EMERGENCIA E INSTITUCIONALIZA<;AO DO SERVI<;O SOCIAL PORTUGUES -A ESCOLA NORMAL SOCIAL DE COIMBRA Pela Praf Doutor Jose Paula Netto
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"Eu queria agradecer a oportunidade de participar nesta mesa, e neste Seminario; estarei aqui, creio que no Ultimo dia; e agradecer especialmente a oportunidade de retomar o dialogo com o trabalho de investigayao da Alcina. Porque eu fiz parte, acompanhei um pouco a elaborayao desse trabalho e tive oportunidade de participar da arguiyao da Alcina la em Sao Paulo. Uma arguiyao que contou com uma banca de professores brasileiros e a presenya de um historiador portugucs, o Professor Doutor Fernando Catroga, e e importante fazer essa men~ao p01路que seria muito diffcil avaliar o trabalho da Alcina sem um olhar portugues, e o Prof. Fernando Catroga contribuiu na discussao do trabalho da Alcina com uma intervenyao bastante significativa. Eu queria pontuar rapidamente algo que e um pouco externa ao trabalho mas eu creio que ajuda a entender a significa9ao do trabalho da Alcina. Originalmente a investiga~ao da Alcina devia servir de base a uma dissertayao de Mestrado. Ela preparou todo o material coma sua orientadora e a banca que examinou previamente esse material concluiu que o porte, a magnitude da investiga~ao eram de tal ordem que ela sustentava uma tese de Doutoramento. Eu acho que e importante chamar a aten9ao para isso porque do panto de vista academico isso significa, sobretudo quando os criterios de avaliayao sao rigorosos (e no caso da PUC-SP sao, de facto, muito rigorosos), isso significa que ha uma consistencia te6rico-metodol6gica a!em de qualquer tipo de discussao. Eu queria fazer apenas tres observa~oes (e serao apenas mesmo tres observa~6es) sobre o trabalho da Alcina Martins. Nao e por acaso que ela demorou tanto tempo. E ela s6 chegou em Coimbra no finalzinho: ela primeiro passou por tudo e
Professor da Universidadc Federal do Rio de Janeiro- <\rea de
Scrvi~o
Social.
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Interven~ao
Social
ate chegar a Coimbra foi pouquinho, na exposi~ao dela. Eque na verdade a tentativa da Alcina ea tentativa de uma hist6ria do Servi~o Social em Portugal. No fundo menos que a emergencia, desenvolvimento e institucionaliza~ao, se trata de construir ou de contribuir na constru~ao da Hist6ria do Servi~o Social Portugues. Essa e uma tarefa que mostra uma enorme ousadia. Os materiais prcvios cxistem mas ainda sao pm·cos. E uma coisa est<i clara: em todos os pafses onde o Servi~o Social, atingindo a sua maturidade academica, intelectual, ele mesmo reconstr6i a sua hist6ria. Esse e um trabalho colectivo, nao e um trabalho de um unico investigador e e absolutamente impossfvel elaborar uma hist6ria do Servi~o Social enquanto trabalho individual. E por isso e de saudar, inclusive, a cria~ao do Centro Portugues de Investiga~ao em Hist6ria e Trabalho Social que seguramente vai aglutinar os varios pesquisadores que se debru~am sobre esse objecto. Bom, eu fiz questao de pontuar que e uma tarefa gigantesca pm·que as qualidades, eu diria, a for~a do trabalho da Alcina expressa essa iniciativa pioneira mas ainda eu diria, apesar de uma articula~ao com outros investigadores da mesma tematica, e uma iniciativa individual. E eu aponto isso pm·que no futuro seguramente o trabalho da Alcina sera reescrito. Daqui a dez anos, se o olhar sobre a hist6ria do Servi~o Social em Portugal permanecer o mesmo, alguma coisa esta errada, nao e? Nao e possfvel, por mais que a gcnte valorize 0 trabalho da Alcina (eu YOU falar nisso logo em seguida), ele, evidcntcmente, e um trabalho limitado, e um trabalho que tem limita~oes. Da singularidade do esfor~o, da ausencia de materiais prcvios e, muito especialmente, do conjunto de tematicas a que a Alcina foi obrigada a recorrer para construir esse paincl. Eu dizia: a Hist6ria do Servi~o Social nao e uma tarefa individual. E pm·que? Pm·que e uma peculiaridade na reconstrw;ao hist6rica do Servi~o Social. Reconstruir a hist6ria do Servi~o Social e reconstruir todo o background, toclo o caldo cultural numa dada sociedade num tempo localizado. Mas e tambem reconstruir as suas institui~oes, as suas organiza~oes s6cio-politicas, as suas formas de socializa~ao pela via cla educa~ao formal e, especialmente, reconstruir praticas sociais que servem de suporte ao novo clesenvolvimento profissional. Isso e um universo term\tico, um universo de objectos que nenhum investigaclor indiviclualmente cla conta e esgota. 0 que a Alcina fez foi exactamente isso: ela pegou em meados do seculo XIX e rastreou praticas sociais, institui~oes sociais, organiza~oes sociais e chegou ate o imediato p6s guerra. Euma aventura fascinante !er o texto da Alcina (eu lamento, inclusive, que esse texto nao seja mais acessivel; aincla esta na forma de tese). Eum texto muito agradavel, muito bem eserito e que tem trcs aspectos que fazem a for~a do trabalho da Alcina Martins.
Gencsc. Emcrgencia c Institucionalinr<;i\o do Servi<,路o Social
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Primeiro aspecto que eu gostaria de enfatizar: a Alcina nao partiu de hipoteses aprior{sticas. El a nao elaborou uma hipotese, foi a investiga~ao (e investiga~ao e basicamente sobre fontes documentais, a que ela faz), ela nao criou uma hipotese, tratou determinado material e a partir de a{ fundou, comprovou ou refundiu as suas hipoteses. 0 processo de investiga~ao da Alcina foi diferente: ela primeiro se apropriou das informa~oes, ela primeiro penetrou nesse objecto meio complicado, um pouco nebuloso que e o Servi~o Social em Portugal. So depois de ter feito todo um trabalho exploratorio ela levantou algumas hipoteses que ela foi rectificando, foi corrigindo, foi modificando ao longo da propria investiga~ao. Eu diria que o primeiro aspecto a atentar no trabalho da Alcina e o facto de nao haver um apriorismo, uma concep~ao apriorfstica, ou seja, ela mergulhou nas suas fontes documentais buscando com muita flexibilidade o proprio movimento desse objecto que ela queria captar que era a historia do Servi~o Social. Mas cuidado, isso nao significa que a Alcina nao tinha uma concep~ao da profissao. E esse e o segundo ponto que eu gostaria de ressaltar. 0 merito da reconstru~ao historica da Alcina e que em nenhum momento ela cede a uma dupla tenta~ao que e constante quando nos tratamos de pensar o Servi~o Social. A primeira tenta~ao e a tenta~ao que eu chamo de internalista: e explicar o Servi~o Social por si mesmo, e olhar endogenamente, nos olharmos (porque se trata de nos) atraves do nos so umbigo, como se o Servi~o Social fosse a institui~ao mais importante do mundo e como se ele se auto-explicasse, como se a modifica~ao das pn\ticas, a altera~ao das concep~oes teoricas no interior do Servi~o Social desse conta do seu significado social. A esse vies internalista corresponde um outro que e o vies externalista. Ede imaginar o seguinte: o Servi~o Social nao tem nenhum significado social espedfico, nao tem nenhuma particularidade, ele e simplesmente um fenomeno, um produto secundario directo de um conjunto de causalidades sociais. Pois bem, a Alcina conseguiu evitar isso que eu chamo de uma dupla tenta~ao na medida em que ela pm路tiu de uma concep~ao teorica muito precisa do que fosse o Servi~o Social. Ela aludiu isso aqui muito rapidamente: quando ela diz "0 Servi~o Social e uma divisao social e tecnica do trabalho"- no fundo ea conccp~ao dcsenvolvida por alguns companhciros do Senri~o Social segundo a qual, pensar o Servi~o Social e localizar o seu significaclo na rede, na malha das rela~oes sociais. Entao, a partir da! eu diria que essa foi a chavc heur!stica, o ponto arquimedico da pcsquisa da Alcina. Essa concep~ao de Servi~o Social permitiu a ela cxplorar um amplo e heterogeneo material historico scm perder o rumo porque cla pas sou a pensar o Scrvi~o Social como constitu!do, prccisamente, de ccrtas particularidades de um processo e respostas a questocs muito clcterminadas (por isso cla vai pontuar o ideario liberal, o ideario republicano, a questao dos higienistas, o Estado corporativo, etc ).
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0 segundo elemento: ela parte de uma concep~iio te6rica. Quem faz pesquisas sem concep~iio te6rica ou est<i enganado ou esta enganando, niio e? 0 penultimo ponto que eu queria assinalar e o extremo cuidado que a investigadora teve ao tratar dos cont1itos e contradi~oes na constitui~iio do Servi~o Social portugues. Eu acho que esse e um elemento muito rico da pesquisa da Alcina na medida em que mostra que as coisas niio foram nem lineares, nem tranquilas, nem tiveram os seus desdobramentos naturais. Antes foram resultado de varios confrontos: confrontos ideais, confrontos culturais. confronto de poder. Nesse sentido me parece que fica uma chave, fica uma sugestiio de pesquisa extremamente fecunda que a Alcina niio aprofunda na tese del a (e ne m tin ha condi~oes de fazer) que e buscar um pouco a raiz social desses cont1itos, ou seja, niio ficar apenas na constata~iio que o servi~o social resulta de varios confrontos e varios projectos que se contrapuseram, alguns que foram abandonados, outros mais desenvolvidos. Mas eu diria: fica para os investigadores presentes e futuros o instigar para aprofundar a raiz social desses cont1itos, ou seja, porque e que o servi~o social portugues niio tem uma hist6ria linear? E se eu digo isso e porque eu acho que o belfssimo trabalho da Alcina (da para ver que eu sou entusiasmaclo com ele, niio e?) tem tambem alguns pontinhos que precisam ser mexiclos no senticlo de avan~ar mais a pesquisa. Eu me recorda (e isso foi objecto de um longo debate nosso): a icleia, a no~iio de laiciza~iio que a Alcina utiliza me parece que cleve ser mais precisacla, deve ser mais elaborada. 0 proprio eixo que ela privilcgiou, "Estado e Igreja", sugere que, embora ele tenha sido extremamente fecunclo, sera que niio ha outros personagens, por onde passam as classes sociais, por onde passa a expressiio dos movimentos sociais (ainda que levemos em conta que o perfodo que ela institucionalmente analisa e um perfodo de repressiio a qualquer tipo de mobiliza~iio, etc.) e muito pouco provavel que para alem da epiderme, do tecido visivel da sociedade portuguesa, niio se estivessem gestando certas concep~oes, e mais do que isso, certas formas de ac~iio social que escapam seguramente a um olhar que parte dessa rela~ao entre apenas o Estado e a Igreja (embora esse "apenas" seja extremamente rico no trabalho da Alcina). Um outro aspecto que eu acho necessario aprofundar (e a Alcina nao da conta disso- como nenhum investigador individual da conta) sao as influencias estrangeiras. Ela passeia da Europa para os Estados Unidos com uma facilidade ... Eu me lembro quando eu estava examinando a tese eu disse: "Meu Dens, como eu sou burro!!!" Porque o que ela cita de gente, de obra, de eventos !... Eu disse: "Eu preciso de estudar essa coisa toda ... "Ha uma riqueza de informa~oes na tese da Alcina que e algo que escapa ao controle de qualquer observador individual. Agora, mesmo essa inicial, panoramica, esse retomar desses veios necessitara seguramente de um aprofundamento para mostrar como e que, nao apenas essas icleias chegam a Portu-
Genese, Emergencia e
Institucionaliza~ao
do
Servi~o
Social
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gal, mas sao os sujeitos sociais, para alem de personalidades, quais sao os sujeitos socrms que as encorporam. Termino chamando a aten9ao para uma coisa: eu comecei dizendo que a Historia do Servi9o Social e sempre uma historia, e trabalho colectivo, especialmente porque nos, assistentes sociais, nao temos a qualificayao, a prepara9ao, a capacitayao para fazer historia. 0 trabalho da historia para nos e um duplo desafio: primeiro a gente tem que serum pouco double de historiador e isso nao pode ser simplesmente uma maquilhagem, e preciso incorporar os metodos da pcsquisa historica. Na nossa forma9ao esta ausente. 0 segundo problema se constitui precisamente naquele conjunto de temas, de objectos, de processos, que o historiador de Servi9o Social tem que dar conta. Eu estou convencido que o trabalho da Alcina nao e um trabalho definitivo no sentido de que novas pesquisas serao feitas e algumas hipoteses seguramente serao rectificadas. Mas ele e absolutamente definitivo enquanto um trabalho seminaL Hoje (na verdade tem mais de um ano isso, a partir do momento em que o trabalho se concluiu) e absolutamente impossfvel pensar a Historia do Servi9o Social em Portugal sem o trabalho da Alcina. Ou seja, ele e bastante provisorio em termos das conclusoes que ele encaminha mas ele e absolutamente definitivo como uma fonte obrigatoria de referencia para a pesquisa do Servi9o Social e nao so. Quem quiser recuperar todo o ideario da segunda metade do seculo XIX que foi direccionado para a ac9ao social, seja ele dos higienistas, seja as concep96es jurfdicas, seja o proprio debate do papel do publico e do privado na sociedade portuguesa inevitavelmente tera que recorrer ao trabalho da Alcina. Sobre esse aspecto ele concretiza muito bem essa estranha dialectica de permanencia e de efemero. Ele e permanente (tenho certeza) na medida em que marca um ponto de partida solido para futuras investiga96es e sera necessariamente efemero na medida em que essas novas investiga96es rectificarao resultados. Muito obrigado."
Este trabalho merece muito mais ret1exao do que aqucla que aqui pocle scr feita e ncsse sentido gostaria de dcsafiar todos os profissionais de Servi<;o Social e de outr:~s profissiies afins. sobrctudo os que estivcrcm ligados ao ensino, a k-lo e a estuda-lo com alguma prot\mdidadc, na mcdida cm que ha nesta investiga\-ao materia muito intercssante para uma reclabora~-ao do percurso te6rico que clever;) constituir J base da forma\-ao dos assistentes sociais no futuro. Em segundo lug:~r sinto bastantc cntusiasmo com o facto de uma materia que e especifica da psicologia social (o cstudo das rcpresenta<;iics sociais) ter constituido o ponto de partida para esta pesquisa que procura desccr <10 interior da profissao. Achei particularmentc intercssante as quatro interpreta~iics, propostas a nossa, rdkxao, do pensar colectivo sobrc a profissao dos assistentes sociais. E algo que se apresenta extrcrnamente bem construido, que vale a pena rclcr, retrabalh:tr e revcrificar. Albino Lope'
(Pro/(ss,n do ISCTE)
MARIA AUGUSTA NEGREIROS AS REPRESENTAC,::OES SOCIAlS DA PROFISSAO DE SERVIC,X) SOCIAL - Uma an<Hise empfrica em comexro aurarquico INSTITUTO SUPERIOR DE SERVIC,::O Departamenro de Pt'>s-Gradua<;ao
SOCIAL
DE
LISBOA-
A FORMAc;AO ACADEMICA DOS ASSISTENTES SOCIAlS: Uma retrospectiva critica da institucionaliza~ao do Servi~o Social no ÂŤEstado NovoÂť C) Alcino Monteiro
0 prcsente trabalho procura reflectir o Serviyo Social em Portugal, atraves duma abordagem socio-hist6rica da Forma9ao Academica dos Assistentes Sociais no quadro das contradi96es do Estado Novo e Politica Social corporativa e assistencialista. A am'ilise desenvolvida privilegiou a forma~ao enquanto elemento estruturante da profissao (entre outros), atraves do qual o Serviyo Social foi institucionalizado, e reconhecido e reproduzido na sociedade portuguesa. Adoptando uma perspectiva critica tomamos como preocupa9ao central o indagar a diversidade, mudan9as e/ou rupturas nas estrategias polfticas em que se inscrevem, procurando identificar espayos e/ou momentos de autonomia do Servi9o Social (e da institui9ao academica) na construyao da sua propria traject6ria na sociedade portuguesa. Partimos das ret1ex6es do Servi9o Social como profissao inscrita na divisao socio-tecnica do trabalho que se institucionaliza nas sociedades industrializadas do ocidente como alternativa (racionalizada) as tradicionais formas de assistencia filantr6pica, para nos interrogarmos sobre algumas das caracterfsticas da sociedade portuguesa que, eventualmente, terao moldado um particular desenvolvimento da Forma9ao dos Assistentes Sociais em Portugal. A institucionaliza9ao do Servi9o Social e historicamente referenciada a cria9ao das primeiras escolas em pafses centrais, em contextos socio-politicos que articulam (com tens6es varias) movimentos pela ampliayao e consolida9ao do Estado democratico com o processo de organiza9ao e expansao do capitalismo. Neste quadro a
n
1 ( ) Este artigo bascia-se no trabalho de disserta~ao do Mestrado em Servi~o Social, apresentado na Pontificia Universiclade Cat61ica deS. Paulo em 1992. (') Ver. entre outras, os trabalhos: IAMAMOTO e CARVALHO (19B6). RELA~"OES SOCIAlS e Sfl{V!I;O SOCIAL no BRASIL, S Paulo, Cortez: MARTINELLL M.L. ( !989), SERVIC:O SOCIAL: fl)ENT!DADE E AUENAC:AO, S. Paulo, Cortez.
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coesao social torna-se uma questao publica a que o estado liberal responde pela institucionaliza~ao de novas formas de interven~ao- as politicas sociais- que marcaram a emergencia do Estado de Bem Estar. A op~ao por esta nova estrategia de coesao social traduz-se pela garantia politica do comprometimento estatal com a reprodu~ao de condi~5es elementares de existencia e, simultaneamente, significou uma ruptura ou desvaloriza~ao das tradicionais formas de assistencia filantr6pica, pela familia, igreja ou caridade privada, manifestamente insuficientes face aexpressao social das necessidades nao asseguradas pelo mercado. Como estrategia de coesao, as polfticas sociais exigem novas especializa~5es, adequadas aelabora~ao e execu~ao de tais medidas, entre as quais se inscreve a institucionaliza~ao do Servi~o Social nas sociedades industrializadas do ocidente. Neste contexto, a vincula~ao hist6rica do Servi~o Social ainterven~ao no ambito da Polftica Social C) configura-se como um dos principais tra~os constitutivos e Iegitimadores da institucionaliza~ao da profissao nos pafses centrais. Como se coloca esta rela~ao na institucionaliza~ao do Servi~o Social em Portugal, tendo presente as particularidades hist6ricas da sociedade portuguesa e a sua inser~ao na semiperifria do sistema mundial? A condi~ao semiperiferica de Portugal (") sao associadas algumas das especificidades da sociedade portuguesa, nomeadamente uma particular articula~ao de um capitalismo tardio, dependente e/ou de desenvolvimento desigual com a permanencia de rela~5es sociais e modos de produ~ao de tipo pre-capitalista, desse modo uma sociedade pouco (ou nao uniformemente) moldada por rela~5es sociais capitalistas. Uma caracterfstica heterogeneidade e fragmenta~ao de agentes e estruturas econ6micas e sociais confere (ou exige) uma particular centralidade ao Estado nos processos de regula~ao, a par da persistencia de rela~5es e solidariedades de base familiar que tem compensado e/ou substitufdo a insuficiente provisao econ6mica e social, complementadas ou nao pelas tradicionais formas de subsistencia e assistencia filantr6pica ou caritativa. Estas caracterfsticas, do nosso ponto de vista, refor~am o Estado como enquadramento analftico e contexto de elucida~ao da traject6ria do Servi~o Social na sociedade portuguesa. Simultaneamente, sugerem uma particular articula~ao da ac~ao estatal com as tradicionais formas de assistencia ( pela familia, organiza~5es religiosas e associa~5es laicas de natureza filantr6pica ou caritativa), com eventual expressao na forma~ao academica dos assistentes sociais e espa~o de interven~ao atribufdo aprofissao num dado contexto socio-politico.
eJ
NETTO. 1. P ( 1989), ;\UTARC!;\ BURGUESA E SERVIr;O SOCIAL , Vol. I e IL PUC-S. Paulo. Sobre a concli~ao semiperiferica da socieclacle portuguesa ver: SANTOS. B. Sousa ( 1990), 0 ESTADO EA SOCIEDADE Elv! PORTUG,.\L ( I974-1988), Porto. Mrontamento. 1 ( )
A ronna~flo acadCmica dos assistcntcs sociais
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Consideramos o estado nao uma entidade abstracta , mas uma organiza<;ao complexa, constituida por uma rede de formalismos legais e institucionais, de natureza contradit6ria e historicamente muUivel. A complexidade institucional, desenvolvida por exigencia das funy6es que desempenha e necessaria para que as contradi<;oes nao se manifestem, faz do Estado um mediador «relativamente independente» e historicamente mutavel pela natureza das questoes que conjunturalmente !he sao colocadas e que, globalmente ou atraves dos seus aparelhos, tera de solucionar (6). Nesta perspectiva tomamos o Estado-Novo como o contexto socio-politico que baliza (limita e potencia) a institucionaliza<;ao do Servi<;o Social, atraves da forma<;ao academica e identidade que conjunturalmente lhe e atribuida na sociedade portuguesa, numa relayao (de continuidade e/ou ruptura) com outras form as de intervenyao social e/ou propostas pollticas para a profissao. A analise desenvolvida abrange o periodo de vigencia do regime politico do Estado-Novo C), desde a sua «constrw;ao» nos anos 30 ate a crise final que se aprofunda nos anos 60, passando pela «diversifica~ao» do regime no p6s-guerra. A institucionalizayao do Serviyo Social revela-se por um percurso, potenciado e limitado pelas alteray6es do Estado Novo, basicamente marcado: 1) pelo reconhecimento politico-legal das escolas e uniformizayao da formayao pelo primado da doutrinayao ideol6gica nos anos 30; 2) pela diversifica<;ao das politicas estatais e competiyao na atribuiyao de identidade ao Serviyo Social no p6s-guerra; 3) pela reorientayao politica do Serviyo Social e cria<;ao da escola do Porto nos anos 50; 4) pela subalternizayao socio-politica das escolas privadas em contexto de moderniza<;ao econ6mica e adiamento das «preocUJHI~lJes sociais» nos anos 60.
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1. SERVIc;O SOCIAL «HUMANO, CORPORATIVO E CRISTAO» NA «CONSTRU9A0» DO ESTADO-NOVO A institucionalizayao da Formayao de Assistentes Sociais em Portugal, cuja traject6ria se constituiu objecto da nossa analise, e contextualizada pelo quadro
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lnterven~ao
Social
institucional e ideol6gico do Estado-Novo (X) e, nos anos 30, clelimitada pelas coordenadas da sua «Constru~ao» polftica e social. 0 Estado Novo tendo surgido de uma ditadura militar que se impos contra uma situa~ao anterior (crise financeira, instabiliclade governativa e conflitualidacle social) conseguiu, numa fase inicial, fazer convergir o apoio de interesses diversos, uma aristocracia e burguesia tradicional, a hierarquia da Igreja Cat6lica, uma elite de intelectuais (cat6licos e corporati vistas na linha cla doutrina social da Igreja) e sectores populares. Por oposi~ao a eventuais traumatismos das experiencias anteriores (da !." Republica e/ou da Ditaclura que lhe poe termo ), a priorit<'iria manuten~ao cla ordem social nos anos 30 suscitaria uma certa consensualidade (social, politica ou religiosa) quanto aeficacia cla integra~ao da economia e sociedade sob o modo de regula~ao corporativa, a par da mobiliza~ao dos tradicionais papeis cla Famflia e cla Igreja na rcprodu~ao moral e social dos portugueses. Constituiu-se como uma estratcgia socio-politica, simbolizacla pela trfacle «Deus, Pcitria e Fwnflia», atraves da qual Salazar se propunha restaurar a ordem social e preservar a identidade da na~ao colonial. A sua «constru,·rio» apoia-se na defini~ao dum quaclro legal (Constitui~ao Politica e Estatuto do Trabalho Nacional) que sancionaria o controle do Estado c a rcgula~ao (ou integra~ao) corporativa e autoritaria da socicdade. Completar-sc-ia por urna «refomw de mentalidade.1·». referenciada a um «nacionalismo cat6lico» (simbiose dum conservaclorismo nacionalista e do catolicismo social) (9), que asscguraria uma consistente legitirna~ao icleo16gica do regime pela restaura~ao de valores c formas de vida cla sociedacle iclealizada do passaclo. Depois de garantido o controle do estado c asseguradas as condi~oes da regula~ao social corporativa e de coac~ao C11 J, toda a sociedade foi mobilizada para a prioridade estrategica de consolida~ao e legitima~ao ideol6gica do regime (a realizar pela designada «rej(mna da educa~·ao» ). eo m particular destaque para o sistema educativo nacional e hierarquia da Igrcja.
('J
Sobre o Estado Nmo de Salazar. a nossa an{ilisc apoia-sc sobrt:tudo nos trabalhos de:
BRAG A da CRUZ ( 1978). AS ORICENS DA lJEMOCRAC!;\ CR!S7~\ E 0 SAL.4ZAR!SMO. Lis boa. Presenca c ( 1987). 0 PARTIDO E 0 ES7:·\DO NO St\LA!.AR!Siv!O. Lisboa, Presenca. , LUCENA. Manucl ( 1976). ;\ EVOW~·,\o DO S!STEi\!fA CORPORA Tl\'0 PORTUC ULS-0 SAL.\Z-\R!SMO. Lisboa. Perspectivas e Realidades. STOER. Stephcn ( 1986). EDUCAr;t\0 E i\1/UDANr;A SOCIAL E;\1! PORTUGAL. 1970-1980 umu Dhuda de Tmmi('itO, Porto, Afrontamento. (") Ver CRUZ. Manucl Braga ( 1978). AS ORICENS DA DEMOCR;\Cit\ CRISTAE 0 SA!Al.AR!Siv!O, Lisboa. Prescn<;a. 1 ( ") Segundo diversas an:ilises um corporativismo consicleraclo Linico, porque mais que a colabora<;iio clc classes visava «prevcnir" e/ou rcprimir o contlito. impedir e/ou tutelar a organint<;iio e representa<;iio clos interesses clc c\asse. LUCENA ( 1979). LEEDES r 1983). STOER ( 1986)
. \ rorm~t<.;~lo acadCmica do:-. as:-.i:-.tclltc:-. :-.ociai:-. ~~--~~~~--~--~-----
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Este o contexto socio-polftico que enquadra e viabiliza um projecto de institudo Servic;o Social em PortugaL atravcs da proposta de cria<_;ao de escolas nos tres principais centros urbanos apresentada ao 2.° Congresso da Uniao Nacional ( 11 ) e legitimada por essa mesma assembleia (Maio de 1934 ). Sao criadas as escolas de Lis boa ( 1935) e Coimbra ( 1937 ). posteriormente ( 1939) reconhecidas por enquadramento politico-jur!dico do sistema educativo nacional. que formalmente lhe atribui a responsabilidade da forma<_;ao dos assistentes sociais segundo prindpios e plan os de estudo legalmente sancionados (le). A viabiliza<_;ao politico-ideol6gica do projecto de cria<_;ao dos Institutos de Servic;o Social e o seu enquadramento pelo Ministerio de Educa<_;ao Nacional ( 1939) parece desenvolver-se em oposi<_;ao a outras propostas ( 11 ) que perspectivavam a profissao por referencia ao moclelo meclico (na perspectiva dos meclicos higienistas). como prolongamento auxiliar cla ac<_;ao medica e. consequentemente. suborclinada a sua hierarquia. Esta perspectiva. ainda que claramente incorporada na forma<_;ao dos assistentes sociais (alcm dos esUigio em servi<;os medico-assistenciais 28C/c clas clisplinas do piano de estudos sao da <1rea das ciencias meclicas). seria politicamente secundarizacla no contexto de «constru<;iio» do Estaclo Novo. Deste modo foi sancionacla uma concep<_;ao do Sen i<;o Social delimitada pela expectati va do seu contributo (ideol6gico-doutri n<1rio) para a designacla «reform a do educa~·clo». inscrita numa estrategia de interven<;i\o social que. conforme o modelo preconizado pelo movimento cat6lico da epoca. assumiria a forma de «li11W ({(·~·ao moml e cduccrtiwr» ( 1"). como tal justificaria o seu enquadramento pelo Ministerio da Ecluca~ao Nacional. A implementa<;i\o da proposta de cria<;i\o da primeira escola. ainda que origin<1ria e viabilizada a nfvel polftico ( apresentada e sancionada numa assembleia legitimadora do regime). sera remetida para o terrcno supostamente a-polftico da sociedacle civil cat6lica. eventualmente como moeda de troca pela decisao hierarquica de restringir (ou proibirl a interven<;ao polftica dos sectores cat6licos. ali<1s com o cionaliza~ao
111 1 A L'ni<\o Nacional c anali>ada por Braga da Cruz II'!SSI conm 11 ll<lrtido que' dc'lCI\1 11 monopolio da rcpresentat;ao politica. criada pur Salazar tdecrctn gon~rnamental de 19_\01 para substiluir os panidos cxistcntes. incluindo o «Centro Cat61ico" onde >e fnrmuu social e politicamcnte. I "I D. L n.' 30.1_\5 de 1-+ de Dewnbro de 1039 do \lini,tcrio da Educa\<lO ~aciunal. rclati1o a«Organizat;i\o c Funcionamento dos lnstitutos de Scni.;o Social». Os pla111'' de estudo entao aprmados seriam rcctificados no Di<irio do Gowrno de I 0 de Fc1. de 19-+0. pur Dcspad1o da PrcsidctKia do Consclho. I 1'1 Relerimo-nos ib propostas de cria.;ao de "Escolas de Scni\o Social». nos Ser1i<;os da Dircc<;i\o Gcral de Assistcncia I 1931) ounas Faculdades de \lcdicina( 19.\-l). leiculadas pela profissao medica para dar scquencia e refon;ar a fmma<;i\o de VISIT ADOR,\S SX\IT.~RIAS. iniciada cm 1'!31 no funbito daquela Direc\i\o Geral. 1''I Braga da Cru1 sustcnta que Sala;ar aS\tllniu uma eslratcgi<l catillic·a c democrata crist<\ confonne o prcconizado pelo moYimento cattilil'll da cpt1ca. 011 scja. que «ncnhuma inlctwn.;ilo pulilica seria elicaz se n<lo acmnpanhada de uma intenen\i"lt' .sncial 1... 1que tlclcria assumir as lormas de ac\i\n morale educatila>> iCRL:Z.l978J821.
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lntcrven~ao
Social
apoio expresso de Pio XI (' 5). Assim poden'i justificar-se a criayao da Associayao de Cultura e Serviyo Social como suporte juridico-institucional do Instituto de Serviyo Social de Lisboa (ISSS), uma associayao de caracter laico criada por iniciativa da hierarquia cat6lica, integrada e dirigida por personalidades cat6licas (previamente sancionadas pelo governo) sob o controle da Igreja (atraves de representante seu eo m direito de veto). A soluyao encontrada para dar corpo a criayao do Instituto e garantir o controle da formayao dos assistentes sociais (aparentemente mais eficaz se implementada por uma escola publica), parece configurar a institucionaliza~ao do Serviyo Social como uma complexa articula~ao dos poderes politico, religioso e social, que tenderao a transportar propostas socio-culturais e formas de controle diversas, potencialmente concorrenciais na definiyao da identidade da profissao. Sobre a diversidade de propostas transpostas para o Serviyo Social e particularmente eluciclativo o debate produzido na Assembleia Nacional a prop6sito da ratificayao do D.L. 30.135/39 (' 6). Os deputados que intervem no debate, sempre em apoio da proposta em discussao, perspcctivam diferentemente o Serviyo Social: I- Como uma forma de «ac~ao social» mais humana que a assistencia pl1blica e mais eficaz (pm·que racionalizada) que a csmola, ou seja, uma forma de «coridade metc5dicct», instrumento de uma reforma moral do homem e da sociedade que eliminaria os factores de conflito (sobrctudo morais). Subjacente o pensamento cat6lico da epoca que reservava ao estado um papel supletivo (ou nulo) relativamente as interveny6es soclais da iniciativa de scctorcs e/ou organizay6es cat6licas (sobretudo protagonizadas por mulheres) e, simultancamente, tomava os «cttritos» e «perturba~·Des» como problemas eminentcmcntc morais que exigiam uma resposta doutrim'iria e assistencial, na linha do catolicismo social europeu (' 7) e/ou por referencia ao modelo medico. II - Como instrumental ( ideol6gico c doutrim'irio) da restaurayao moral e educativa da familia, principal (ou l1nico) rcsponsavel pela reproduyao dos padroes morc1is e materiais dos portugueses, em particular atraves da valorizayao e reforyo do tradicional papel da mulher e das «elites» (formadas nos institutos), ou seja, como « ... vefculo condutor da doutrino do Estodo Novo ... ». Apoia-se csta pcrspectiva numa concep9ao conservadora e integrista da «IIC/f'ZiO», uma sociedade organizada na 15 ( ) Carta de Pio XI ao Cardeal Cerejeira cle Novcmbro de !933. rcorientando a intervenyao cl os cat61icos para a ac~ao social e apost61ica. 16 ( ) Assembleia Nacional. sessiio 11. 0 70 da I! Lcgislatura, realizada a 8 de Fev. cle 1940, ratifica~ao do D.L. 30.135 de 1939 conforme consta do Diario clas Sess6cs. 7 l Segundo Braga da Cruz o Catolicismo Social desenvolve-se como uma ac~ao marcaclamente «assistencial, anti-igualitaria e hierarquizaclora>> em resposta ao socialismo. <<anti-contratualista e defensora da legitima~ao divina da autoridade>> em oposi~ao ao liberismo. Ver CRUZ, Manuel Braga ( 1978). AS ORIGENS !JA DEtVJOCRACIA CRIS7i\ E 0 SALAZAR!SlvJO. Presen~a. Lisboa.
e
A forn1a<.;:8.o acadCmica dos assistentes sociais
base da familiae orientada pela autoridade moral (ou de emana<;ao divina) das hierarquias sociais, cat6licas (tB), por referencia ao conservadorismo cat6lico nucleado em torno de Le Play e da sua escola e matriz ideologico-cultural do Salazarismo. Ill - Como resposta assistencial as nccessidades das famflias operarias, colocada no terre no da politica social ou como qucstao de justi<;a social, justificada pelo liberalismo econ6mico, que « ... pen sou aforma de produzir a riqueza (... ) nws esqueceu-se de a distribuir .. .», uma ac<;ao que podeni ser inscrita e/ou fomentar um movimento pela atenua<;ao das desigualdades, reconhecidas como efeito perverso da economia de mercado mas tambem potencialmente erosivas ou perturbadoras da ordem social. Perspectiva que se desenvolve na linha da doutrina social de Leao XIII, reactualiza<;ao do catolicismo social a luz do neotomismo e reorienta<;ao da intervcn<;ao social dos cat6licos, como alternativa aos movimentos operarios que crescentemente vinham traduzindo os antagonismos sociais em !uta politica pela reivindica<;ao de uma nova ordem social, alternativa que igualmente influenciou o formato das politicas sociais das sociais democracias ocidentais.
0 Servi<;o Social, pese embora as significativas diferen<;as veiculadas pelos intervenientes perspectivando a intcrven<;ao dos agentes a qualificar para o campo da racionaliza<;ao da assistencia caritativa, da legitima<;ao ideol6gica do regime ou para o terreno da politica social, sera globalmente prefigurado pela matriz ideol6gico-doutrinaria do Estado Novo. As diferen<;as serao monoliticamente integradas pela subordina<;ao da forma<;ao aos principios «humano, corporativo e cristiJo», formalmcnte institufdos por aqucle diploma legal (1939). Com uma identidade definida dentro dos limites da estratcgia politica de lcgitima<;ao do regime, a interven<;ao dos assistentes sociais sera, neste contexto, conceituada como ac<;ao de cunho educativo, o «agir pelo exemplo» da ac<;ao social cat6lica, numa clara referencia ao catolicismo social influenciado pelas ideias da Reforma Social de Le Play C9), conforme legalmente explicitado e anteriormente divulgado a prop6sito da cria<;ao do ISS Lisboa. 18 ( ) Uma clara rcfcrencia as designadas «autoridades sociais>> em que se apoia a escola de Le Play, ou seja, os notaveis urban os e/ou rurais, personalidades consideradas exemplares do ponto de vista social e no exercfcio da sua actividade profissional, rcspcitadas pelos que estao sob a sua influencia como modclos ricos em cnsinamentos. as ELITES que tomam a iniciativa da reforma da sociedade. Ver SA VOYE. Antoine ( 1989), «Le Play et le Methocle Social» in: LE PLAY, Frederic, LA JVJ!?THODE SOCIAL£. M.KC., Paris. 19 ( ) Le PLay (1806-1882) prop6e-se a observa~ao da sociedade pelo estuclo sistematico clas familias operarias na europa, atraves do mctoclo monografico que ele proprio elabora. Dedica-se posteriormente aclifusao cl a sua <<Ciencia Social>> e divulga~ao das suas icleias sabre as reformas a introduzir na sociedade francesa, publicaclas em LA REFORME SOCIALE. Silo sobretudo as suas propostas de reforma que congregarao o movimcnto cat61ico para a promoyao da reforma da sociedade. inicialmente a desenvolver com o apoio do cstaclo. Depois da expcriencia da Comuna de Paris multiplica os meio de popularizayao cla reforma, atraves das <<Unions de la Paix Sociale>> criadas em Fran~a e no estrangeiro para promo~ao cla reform a pelas elites, as <<autoriclades sociais>>, sem apoio do estado.
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Interven<;iio Social
Atraves da cria~ao das escolas pela media~ao dos poderes socio-politico e religioso faz-se convergir para o reconhecimento das escolas privadas (relativamente independentes do governo e da hierarquia cat61ica) os aplausos da Assembleia Nacional. Esta assembleia, ainda que divergindo quanta ao espa~o de interven~ao do assistente social, sera unanime na valoriza~ao do seu contributo para a estrategia de legitima~ao ideol6gica do regime, urn contributo uniformemente moldado pelo primado da doutrina~ao ideol6gica, que a subordina~ao da forma~ao aos principios «humano, corporativo e cristao» pretendia garantir.
2. A «DIVERSIDADE» DE POLITICAS ESTATAIS NA ATRIBUI<;AO DE IDENTIDADE AO SERVI<;O SOCIAL Os desenvolvimentos a partir do final da 2." Guerra ref1ectem estrategias diversas e tens5es internas, expressas na heterogeneidade das propostas de forma~ao emanadas de diferentes aparelhos de cstado, que terao potenciaclo a reorienta~ao da profissao para o terreno das politicas sociais (de formato corporativo e conservador). Estas mudan~as no percurso do Servi~o Social, particularmente significativas em meados do decada de 50, sao contextualizadas por uma segunda fase do Estado Novo, iniciada no p6s-guerra e que se prolonga com o aprofundamento das tens5es no seio do estado e a sua exprcssao na designada «diversiflca~·ao do regime» (CRUZ, 1987). As altera~oes que se desenham no quadro conjuntural do. p6s-guerra e natureza das questoes colocadas ao Estaclo Novo criam ao Salazarismo serios problemas de legitima~ao interna e externa, justificanc\o a altera~ao da Constitui~ao e dissolu~ao c\a Assembleia Nacional (unica na vigencia do regime) e suscitanc\o estrategias de reac\apta~ao no piano politico, econ6mico e social. Entre essas estrategias, refira-se a acentua~ao do autoritarismo politico-administrativo, a amplia~ao e refor~o c\a organiza~ao corporativa com que se propunha integrar toc\as as activic\ades sociais, ccon6micas e culturais sob orienta~ao e coordena~ao centralizada ( assim se realizaria uma «democracia social» que dispcnsaria a democracia polftica). Simultaneamcnte sao feitas tentativas de participa~ao em organiza~5es internacionais, admite-se um certo pluralismo (limitado e control ado no interior do regime) e propoe-se a cria~ao de condi~oes para um controlado arranque industrial. Esta heterogeneidade de estrategias, protagonizada por sectores diferenciados no seio do estado, tenden1 a ser crescentemente polarizada por orienta~5es tendencialmente incompatfveis, entre: a) o refor~o e/ou amplia~ao dos mecanismos institucionais e socio-politicos de regula~ao e legitima~ao da ortodoxia salazarista; b) uma orienta~ao para um modelo de moderniza~ao econ6mica (no quadro da organiza~ao corporativa) orientado pelas tendencias industrializantes do contexto europeu. A compatibiliza~ao e integra~ao destas tendencias no seio do regime, necessa-
A f'orma<;fio acadCmica dos assistentes sociais
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)!
ria asua sobrevivencia e reprodu~ao alargada mas tambem factor da sua propria crise e esgotamento do modelo construfdo nos anos 30, tornar-se-a crescentemente problematica com o aprofundamento e crescente manifesta~ao das tensoes internas, particularmente a partir dos anos 50.
2.1.
CONSERVADORISMO CORPORATIVISTA E ASSISTENCIALISTA
Num primeiro momento, em que se buscava legitima~ao interna e externa, a do sistema far-se-a por uma mais directa interven~ao governamental: a) na extensao e refor~o da organiza~ao corporativa. aperfei~oada com o alargamento do ambito da previdencia social, realizada de acordo com as necessidades da economia atraves da cria~ao de novos organismos e/ou estruturas de controle e coordena~ao centralizada. Subsidiariamente, por uma tentativa de reorganiza~ao e coordena~ao das iniciativas privadas no domfnio da assistencia social, a concretizar na base da nao interven~ao do estado e mobiliza~ao dos tradicionais papeis da familia e/ou da caridade crista (" 0). 0 alargamento do ambito da previdencia social para algumas categorias de trabalhadores, em termos de popula~ao abrangida e riscos cobertos, mas sem qualquer garantia publica quanto aos nfveis de cobertura faz-se acompanhar da determina~ao (governamental) do regime de capitaliza~ao como principal prioridade do sistema. Assim, as presta~6es sociais serao meramente residuais, globalmente limitadas a cerea de 60% das cotin1~6es, mais se configurando como apoio de tipo caritativo-assistencialista aos beneficiarios (contribuintes) que apenas terao garantido o direito de contribuir. Para a popula~ao pobre e nao contribuinte, eventualmente recorrente dos servi~os de assistencia, acentua-se o conservadorismo assistencialista (caritativo e repressivo), nomeadamente atraves: a) da cria~ao dos «centros de inquerito ossistencial» (1945) com o objectivo de tornar a «assistencio mais equitotiva» pela distin~ao entre «rerdadeiros e falsos necessitados», para coibir os abusos e evitar a «e.\ploraf:clo quefaz da esmola modo de vidofacil e (ls 1'ezes lucrativo»; h) da reactualiza~ao legal de «proihif·iio da mendicidade em lugares priblicos» ( 1947); c) e amplia~ao da rede de «alhe1gues distritais» mas criados e mantidos na dependencia da Polfcia de Seguran~a Publica. integra~ao
11 (' )
Refira-se a cria\ao ( 1946) cl a Feclera\ao cl as Caixas de Previclcncia ( coorclena\ao ccnlralizacla) e dos Medico-Sociais para o descnvolvimento do seguro-doen~a. ao mcsmo tempo que c imposto o regime de capitaliza\ao coma prioridacle do sistema. Tambem a Reorganiza\ao cla Assistencia Social (I 945) que se lraduziu sobretudo na cria\1\0 de orgaos de coordena~ao das iniciativas privadas dirrecionadas para a assistencia a Familia. Maternidacle, Menores, portaclores de Tuberculose. entre outras. Servi~os
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Intervcn~ao
Social
As reformas introduzidas, nao significando qualquer compromisso governamental com a garantia de niveis minimos de bem-estar, expressaram uma clara acentua~ao do conservadorismo, de cunho corporativista e/ou assistencialista, sobretudo se considerarmos as formas de controle politico-administrativo que sao impostas e caracter residual dos bencffcios concedidos. A acentua~ao do conservadorismo corporativista e/ou assistencialista no seio do Estado Novo eo caracter problematico da sua compatibiliza~ao com as preocupa~oes industrializantes manifestar-sc-ao no Servi~o Social atraves da heterogeneidade de propostas para a forma~ao, da diversifica~ao das fontes e formas de controle, emanadas de diferentes aparelhos do estado e, eventualmente, em competi~ao pela defini~ao do espa~o da intervcn~ao profissional na sociedade portuguesa.
0 conservadorismo corporativista manifesta-se atraves de proposta da Presidencia do Conselho, Ministerio das Corpora~oes e Ministerio da Educa~ao Nacional, pela cria~ao por via legal (1946) de uma forma~ao complementar (p6s-gradua~ao ), a designada especializa~ao cm «Servi9o Social Cmporativo» que se propunha preparar os assistentes sociais para «lwmwniz.ar» as rela~oes sociais na empresa pela moraliza~ao do trabalhador c sua famflia. Reconhecendo-se «indispensavel intens(flcar a aq:ao de orienta(·rlo c m1.rffio social no cwnpo do trabalho» atribui-se as «Assistentes de Sen'i~·o Social C(!!pomtivo» uma forma~ao, particularmente orientada para «COiaborar 110 activid({(IC social dos organismos COI]JOf'({fiVOS» e'). Aos Institutos de Servi~o Social scriam assegurados os «meios indispensaveis para o desempenho da sua fun(·clo», nomcadamente atraves de apoios financeiros para as escolas e alunos eventualmentc intcrcssados. Ao mesmo tempo determina-se a fiscaliza~ao das provas de examc (por rcpresentante da subsecretaria de Estado das Corpora~oes e Previdencia Social) c faz-se depender a atribui~ao do diploma de curso do desempenho «dais anos de tmhallw profissional efectivo, com aproveitamento». Os incentivos financeiros oferecidos nao se terao constituido motiva~ao suficiente, para as escolas e potenciais alunos, ja que a organiza~ao desta especializa~ao pelos Institutos de Servi~o Social ficou comprometida, mantendo-se a «Forma~·ao Social C01porativa» como uma disciplina curricular da forma~ao dos assistentes sociais. A proposta de especializa~ao seria retomada na decada seguinte
(~ 1 )
D.L. 11. 0 35.457 cle 19 de Janeiro de 1946, cla Presiclencia do Conselho e do Ministero da Educa(:i\o Nacional determinando a cria~ao de cursos de cspecializayao em «Servi~o Social Corporativo>> e a sua implementa~·ao pelos Institutos de Servi~o Social, e instituindo a atribuiyao de bolsas de estuclo para estudantes da provincia. A forma~ao proposta era constituida por dois grupos de materias: TRABALHO (evolu~ao e caracteristicas actuais. panorama agricola e industrial portugues. organiza~ao corporativa e legislayao) e MELHORIA DAS CONDI(OES DE VIDA (previdencia. pedagogia e cultura popular)
A rorma<;ao academica dos assistcntes sociais
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pelo Ministerio das Corporay6es, sob a justificayao do insucesso da iniciativa anterior, que a desenvolveni no quadro do seu proprio «Piano de Forma9ao Social Corporativa» depois de explicitar o contributo esperado dos novas especialistas para o reforyo do conservadorismo corporativista: « .. .esclarecer e orientar os trabalhadores e suas famflias, be m como fomentar o espfrito de coopera~ao social entre os patr6es e os trabalhadores e entre estes e os organismos corporativos ... » (D.L. n. 0 2085/1956).
0 conservadorismo medico-assistencialista veiculado pelo Ministerio do Interior Subsecretaria da Saude e Assistencia ("") atraves da proposta de forma9ao enformada pelo modelo medica, numa perspectiva que julgamos articular uma tendencia higienista conservadora com um catolicismo social integrista. Nesta perspectiva, o controle das condi96es sanitarias da popula9ao seria focalizado num assistencialismo vigilante e moralizador da famflia, entendida esta como unidade basica da sociedade em oposi9ao aideia liberal de indivfduo, donde a defini9ao dos agentes a formar, AUXILIARES DE SERVIr;o SOCIAL como «trabalhadores sociais que aliem, aos conhecimentos tecnicos uma no~ao mais pei:feita das necessidades da FAMILIA» e'). A relevancia do modelo medica fora ja evidenciada na forma9ao dos assistentes sociais (piano de estudos de 1939) e proposta dum a especializa9ao - «Visitadora Escolar» 4) a ministrar pelos Institutos de Servi9o Social, orientada para os serviyos de saude escolar ( enquadrados pelo Ministerio da Educa9ao). Estes agentes especializados foram rapidamente dispensados e substitufdos por «Visitadoras Scmitcirias» ("5), os designados «agentes de servi~o social» que prolongariam a ac9ao de vigilancia no domicflio das famflias « .. .onde fa!tava o pao, a higiene ntio habitava ea moral era con·ida como companheira importuna» (Diario da Sessoes n. 0 71 de 1940).
e
(") Departamcnto governamental que enquadrava a forma~ao de VISITADORAS SANITARIAS, institucionalizada na linha das propostas de reforma sanit<\ria dos centros urbanos (Reforma Ricardo Jorge) para «guarnecer os postos de protcc~ao a infancia, os dispensarios de higiene social e os servi~os de epidemias>> (D.L. 20.376 de 7 de Out. de 1931), na sequencia do que veio a ser proposta a cria~ao de «Escolas de Servi~o Social» no i\mbito dos Servi~os de Assistencia ( 1931 ). ('') D.L. 36.219/47 do !VIinisterio do Interior, Diario do Governo de 10 de Abril de 1947. <<Reorganiza~ao do Ensino de Enfermagem e Cria~ao do Curso de Auxiliar de Servi9o Social», medida que se enquadrava no ambito da designada Reorganiza~ao da Assistencia ( 1945). (") Por Portaria n. 0 9.360/1939 do !VIinisterio da Educa~ao foi aprovado o plana de estudos da espccializa~ao de Visitadora Escolar, um complemento de fornH19ao para os assistentes sociais que viessem a integrar os servi~os de saude escolar, que apenas funcionou durante um ano lectivo no Instituto de Serviqo Social de Lisboa. ('5) Para a fun9ao de Visitadora Sanitaria, institucionalizada em 1931, era exigido <<o exame de instru9iiO primaria>> ea <<frequencia de um curso coma dura9ao de 6 meses>> ministrado pelos Servi9os da Direc~ao -Geral de Assitencia (D.L. 20.376/1931 ).
54-
Interven~iio
Social
A forma~ao de «auxiliares de serviro social» coexistin1 com a de «visitadoros sanitdrias» ate que nova regulamenta~ao do ensino de enfermagem (1952) venha substitui-las por um unico curso, de AUXILIARES SOCIAlS, por se considerar « ( ... )a evolu~'tio da doutrina ea experiencia dos serl'i~·os mostram que etao imitil C0/110 prejudicial(/ coexisthzcia de do is tipos de trabalhadores sociais ... » Estes trabalhadores sociais serao, pela forma~ao e inser~ao profissional, moldados por uma polftica de saude e assistencia caracterizada pela nao interven~ao do Estado, salvo quando «O superior interesse p1iblico o aconselhe», e assistencialismo cm·itativo das organiza~5es religiosas, sendo a organiza~ao da forma~ao da responsabilidade privada ("7) com enquadramento legal pela Direc~ao Geral de Assistencia, desde os anos 40 ate asua extin~ao em 1974. A forma~ao dos Auxiliares Sociais inscreve-se na continuidade das preocupa~5es dos medicos higienistas e suas propostas para o Servi~o Social, perspectivado pelo seu contributo assistencialista it fun~ao medica, uma forma de vigi!ancia moral da familiae controle das suas necessiclac\es. Caber-lhe-ia uma interven~ao profissional prefigurada pelo moc\elo medico-asssistencialista, suborc\inada a hierarquia medica que a moclela e sanciona, fornecenclo-lhe os saberes e procedimentos de trabalho, ao mesmo tempo que !he delimita a fun~ao numa polftica tambem dominantemente definida pela profissao medica. Subordinada tambem aos assistentes sociais, sobretudo no piano legal e) pois no terreno da inser~ao profissional disputavam o mesmo espa~o de interven~;ao.
e·).
As propostas que acabamos de refcrir inscrevem-se nas estrategias de readaptado Estado Novo a conjuntura do p6s-guerra, num esfor~;o de legitima~ao no piano interno e internacional atraves do refor~o e extensao da organiza~;ao corporativa e reactualiza~ao do conservaclorismo social. Diversos departamentos governamentais concorrem com propostas de identidacle profissional do Servi~o Social, atraves de propostas de forma~ao diferenciada entre uma forma~ao corporativista (p6s-graduada) ou assistencialista (de nfvcl inferior). A diversidade de orienta~;oes tera expressao tambem no seio das escolas clependentes do Ministerio da EciLlCa~;ao ~;ao
e'') D.L. 38.884- de 28 cle Agosto de 1952 que. no quadro da reorganiza<;i\o do ensino de enfermagem. cxtingue os do is cursos existentcs no ftmbito dos Sen i~os da Direc~i\o-Geral de Assistencia (Yisitadora Sanit<\ria e Auxiliar de Servir;o Social) substituindo-os pelo curso de AUXILIAR SOCIAL coma durar;ao de dois anos seguidos de scis meses de cstagio e acesso condicionado a habilitar;iio com o curso geral dos liceus ou o curso de t(mnaciio feminina. ('7) Eo c'aso de Coimbra (Franciscanas Missiom\rias de Maria) e Lisboa (Casa de S. Yicentc de Paulo c Instituto de S. Pcdro de Alcfmtra das lrmas c\a Apresentar;ao de Maria). (S) No piano legal niio s6 se consiclcra que o novo curso (instituido em 1952) habilitaria os auxiliares sociais para « ... colaborar eo m os assistentes socias ... » como vcm mais tarde ( 1962) a ser rcconhecido como habilitar;ao de acesso ao curso de Servir;o Social ministrado nos Institutos dependentcs do Ministerio da Educar;i\o Nacional.
i\
forma~ao acach~mica
dos assistentes sociais
ss
Nacional, traduzindo-se num novo quadro regulamentador do forma~ao que desloca o Servi~o Social para o terreno da polftica social, na sequencia do qual sera criada a escola do Porto. 2.2.
ENTRE A FAMiLIA E OS PROBLEMAS SOCIAlS
No decurso dos anos 50, revela-se crescentemente a ambivalencia e caracter tensional da compatibiliza~ao entre as posi~oes mais conservadoras do regime e as orienta~6es industrializantes, amplia-se a oposi~ao ao regime e aprofundam-se as contradi~oes e tensoes no seio do Estado entre sectores da burguesia que reclamam condi96es de acumula~ao: a) atraves da manuten~ao da ordem social do tradicional pais rural e colonial ou b) atraves do proteccionismo de um sector industrial em expansao Uma polftica educativa em muta~ao, reorientada por rela~ao ao poder econ6mico para a prepara~ao de recursos humanos e, eventualmente desenvolvendo-se em oposi~ao ao conservadorismo ideol6gico veiculado por outros sectores do Estado Novo, contextualiza e potencia a diversidade de propostas para o Servi~o Social, com expressao no quadro institucional das escolas dependentes do Ministerio da Educa~ao. Um quadro tensional que potenciou espa~os de afirma~ao do protagonismo das escolas, em particular do Instituto de Lisboa, para afirmar uma via de ruptura na traject6ria do Servi~o Social pela desloca~ao da interven~ao da «Familia» para os «Problemas Sociai.\'», conforme vem a ser legalmente institufdo em 1956 9) Na sequencia da proposta remetida pela entao Directora do Instituto de Servi~o Social de Lisboa 0), com a concordancia expressa de Coimbra, ao Ministerio da Educa~ao e por solicita~ao deste C1), e legalmente reconhecida ( 1956) a existencia de dois cursos no quadro dos Institutos de Servi~o Social (a funcionar desde a cria~ao destas escolas), a «EDUCAr;A.o FAMILIAR» (com dois nfveis de forma9ao) e o «SERVI90 SOCIAL», respectivamente orientados para a qualifica~ao de «Assis-
e
e
29 ( ) D.L. 40.679 de I0 de Julho de 1956 do Ministerio da Educa~ao. rcvogando a anterior legisla~ao sob re a Forma~ao em Servi~o Social (com excepqiio do D.L. 35.457/1946 que institui a especializaqao em Servi~o Social Corporativo) c Portaria n. 0 15.972 do Min. Educa~ao. I8 de Setembro de I956. que aprova os novos pianos de estudo dos cursos de Serviqo Social e de Educa<;i\o Familiar. 1 (" ) Maria Carlota Lobato Guerra. assistente social, cujo protagonismo ter;\ sido relevantc na elabora~ao e discussao das propostas de regulamentaqao da forma~ao (quadro legal de I956). como tambemna cria~i\o do ISSS Porto. (") Offcio do Ministerio da Educa~ao Nacional remetido ao Instituto de Servi~o Social de Lisboa c it Escola Normal de Coimbra. atraves da Inspec~ilo Superior de Ensino Particular solicitando parecer sob re a ,,oficializa~ao do Curso de Educadora Familiar professado no Instituto de Servi~o Social de Lis boa ... e altera~ocs a introduzir no curso de Assistente de Servi~o Social>> (Agosto de I955).
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Intervcn~ao
Social
tentes Familiares» e, os agora designados, «Assistentes Sociais». Trata-se de dois tipos de trabalhadores sociais, de forma~ao paralela (com a mesma dura~ao e identicas condi~oes de aces so), mas diferenciados pela natureza da fun~ao que !he e atribufda, respectivamente a educa~ao da familia e enfrentamento de problemas sociais. «UMAS, as monitoras familia res e assistentes familia res mais particulannente \'otodas aos problemas educativos, pedag6gicos, recreatiros, culturois e da vida familiar,· OUTRAS, as assistentes sociais dedicando-se especialmente aos problema.\· de smide, de trabalho, de auxflio social, de pesquisa e planeamento sociais ... », uma diferencia~ao de fun~i5es com tradu~ao nos pianos de estudo atraves de conteudos especfficos de cada curso C2). As questi5es entao colocadas e a sua pertinencia para o Servi~o Social sao sobretudo elucidadas no processo de discussao da proposta relativa a organiza~ao claqueles cursos e fun~ao esperada dos agentes a qualificar. Sobre esta materia, na base da proposta das escolas, o Ministcrio cla Educa~ao elabora o Projecto de Proposta de Lei N. 0 516 para ser submetido a parecer da Camara Corporativa que o aprovan'i na sua sessao de 31 de Mar~o de 1956 (33 ). A justifica~ao da proposta, consideracla insuficiente, sera postcriormente complementada com relat6rio clas esco1as (Lisboa e Coimbra) sobre a sitlta~ao profissional dos diplomaclos em Dezcmbro de 1955 e uma mais extensa fundament<wao do projecto apresentada pelo Instituto de Servi~o Social de Lisboa, com conhecimento posterior a sua congenere de Coimbra. Esclarece-se, em resposta as questoes levantaclas, que sob a «designa~ao ampla de Servi,·o Social» sao inclufdos os dois cursos existentes no Instituto de Servi~o Social, Educa~ao Familiar e Servi~o Social (em sentido restrito ), destinados a qualificc1~ao de agentes com «jim,·6es similare.1·» mas com um «ambito de ac~ao diferenciodo». Por um !ado acentua-se a similitude de objectivos e fun~i5es, com o que se sugere a designa~ao comum de ASSISTENTE, tambem justificada pelo pm·alelismo da forma~ao e, sobretudo por nao ter sido (a anterior clesigna~ao de educaclora) «hem recebida pelo p1iblico em virtude do sentido wn pouco pretensioso que pode re\·estir». Por outro !ado destaca-se a diferencia~ao do objecto e ambito cla interven~ao de cada uma das trabalhacloras sociais, atraves das clesigna~i5es de familiar e social respectivamente. «As assistentes SOCIAlS situam-se no plano dos problenws sociais: o trabalho, a smide, a assistencia, os estudos sociol6gicos, a ac~ao social,
('') Ver D.L 11. 0 40.679 I 1956 e Portaria 15.972 /1956. aprova-;ao dos plan os de estudo dos cursos de Servi9o Social e Ec!uca9ao Familiar. rcspectivamente. ('') Ver Aetas cl a Camara Corporali va de 23 de Janciro de 1956 (Acta n. o 73 ) e de 31 de Mar9o do mcsmo ano (Acta 11. 0 83).
A formac;ao academica dos assistentcs sociais
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a organiza~iio ou reorganiza~iio das comunidades. As assistentes FAMILIARES situam-se no piano familiar concreto: a .fbrmaf·iio das personalidades, a vida do lcn; as tecnicas domesticas, as actividades culturais e recreativas constituem o seu habitual campo de aq·c7o» ('-l). No projecto de oficializa9ao do curso de Educa<;ao Familiar em meados dos an os 50, ainda que justificado por uma maior frequencia ( 16 alunas), parece estar subjacente uma concep9ao tradicionalista da FAMILIA (primeira e essencial celula da sociedade) defendida pelo conservadorismo cat6Iico e integrista que nos anos 30 suportou ideologicamente a constru9ao do Estado Novo, moldando a polftica educativa e tambem (por via desta polftica e int1uencia da hierarquia cat61ica) informou a forma9ao dos assistentes sociais. Nao s6 os Institutos de Servi9o Social sao enquadrados pelo Ministerio da Educa9ao Nacional como, simultaneamente se faz depender a atribui9ao do diploma de curso da presta9ao de provas perante um juri nacional (nomeado pelo ministerio de tutela) e que obrigatoriamente integra uma Delegada da Obra das Maes pela Educa9ao Nacional ('1), institui9ao oficial criada no ambito da polftica educativa e, nos anos 30, particularmente valorizada como instrumento de inculca9ao ideol6gica e legitima9ao do Estado Novo, atraves da glorifica9ao do papel da mulher na familia tradicional. Nao surpreende por isso que todo o parecer da Camara Corporativa seja nucleado pela exalta9ao da famflia, considerada « .. .fonte de conserva~iio e desenJ•olvimento da ra~'a, conw base primdria da educaf·iio, da disciplina e harmonia social ... » e glorifica9ao da ac9ao da Obra das Maes particularmente dos seus «centrosfamiliares rurais», cuja experiencia se propunha viesse a ser alargada a todo o pafs e, em especial, as localidades onde exista certa percentagem de operariado. No entendimento explicitado pela Camara Corporativa, nos meios industrializados « ... a questdo social deriva da famflia on de falta a cierzcia das mdes ... », assim justificando a premencia da educar;iio familiar para que aqueles meios continuem rurais e, de modo semelhante, a exigencia de que fosse dado aos assistentes sociais (para que a sua ac~do ndo se tome perigosa) ... aquela forma~iio de sentido humano, corporativo e cristdo que em 1939 se desejava (Acta n. 0 83). A fundamenta9ao do parecer que o Instituto de Servi9o Social (Lisboa) remete ao Ministerio da Educa9ao e claramente orientada para a busca de apoios na assem(") «Esclarecimento acerca das Objec~iies levantadas a prop6sito do envio a Ciimara Corporativa do Projecto de Proposta de Lei 11. 0 516 (Curso de Servi~o Social e de Educa~ao Familiar)>>, documento elaborado para informar o debate sob re a revisao do D.L. 30.135 /1939. lnstituto de Servi9o Social de Lis boa. 23 de Janeiro de 1956. 15 ( ) Organiza91io estatal criada em 1936 pelo entao Ministro da Educa~ao Nacional (D.L. 26893 de IS de Agosto de 1936), clestinada a« ... rcstaurar na familia a consciencia da sua indeclim\vel missao de educar os portugueses de amanha ... >> e que inicia a sua activiclade por uma visita a Italia e dois anos depois cria a Mocidade Portuguesa Feminina.
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Interven~iio
Social
bleia que apreciaria a proposta, sobretudo pelo relevo dado aparticipa~ao dos agentes de educa~ao familiar e apre~o do seu desempenho em institui~oes oficiais tidas como instrumentais a constru~ao do Estado Novo. Destas destaca-se a Obra das Maes como organiza~ao que integrava cerea de 70% dos diplomados que exerciam actividade profissional em Dezembro de 1955, sem deixar de referir entre outras a FNAT e a MPF C6). A Camara Corporativa questionani particularmente a diferencia~ao das designa~6es «Familiar» e «Social» enfatizando o paralelismo de fun~oes de um e outro dos agentes, tidas como ac~ao basicamente de «cwzho educativo» e sempre exercida na famflia e/ou que visa essencialmente valorizar a instituifCiO dafamllia, como valor bdsico na conserva~ao da mentalidade e costumes rurais, mesmo em meios industrializados (Acta 11. 0 83). Na sua aprecia~ao sobre o projecto a Oimara Corporativa traz para o debate a questao do ruralismo e da preserva~ao da mentalidade rural por reac~ao a destrui~ao dos quadros de vida tradicionais, nos anos 50 amea~ados pelo processo de proletariza~ao. Assim se faz eco das posi~oes mais conservadoras da ortodoxia salazarista, que continuariam a apostar no refor~o da familia como suporte moral da preserva~ao da sociedade tradicional e na moraliza~ao das rela~6es sociais atraves da integra~ao harmoniosa (corporativa) do trabalho e/ou a sua subordina~ao como clever moral (aincla que autoritariamente imposto). As pressoes no senticlo da industrializa~ao e as tentativas do cstado se adaptar a esse quadro, reorientando as suas polfticas do «ruralismo» a industrializa~ao controlada, serao responsaveis pela cria~ao de condi~oes para um certo crescimento econ6mico mas, simultaneamente, suscitaram um novo vigor das posi~oes mais conservadoras, caracterfsticas do perfodo de «Constru~ao do Estado Novo», como reac~ao (sobretudo icleol6gica) aquelas polfticas. Tambem no seio da Igreja come~am a ganhar expressao uma perspectiva personalista (progressista) cla Doutrina Social de Igreja que toma os seus conceitos funclamentais para defender o «HOMEM» como valor anterior a «Famflia», a «Sociedade» e ao «Estado». Esta perspectiva manifestar-se-a em oposi~ao a uma perspectiva integrista da ac~ao social dos cat6licos, b~seacla numa interpreta~ao dogmatica dos textos pontiffcios e que defende a«FAMILIA» como «.. .primeira e essencial celula da sociedade» a ser «inculcada como valor social subordinante, anterior nos demais valores» C7). Nos anos 50 a clesignada «di1'ersifica(Cio do regime» parece ser particularmente marcada pela acentua~ao das tensoes no seio do Estado, com expressao e (even6 (' ) Parecer do !SS de Lis boa. remetido ao Ministerio da Educa<;:iio atraves de offcio de Dezembro de 1955, justificando a proposta de oficializayiio do curso de Educayiio Familiar. 17 ( ) Ver: NUNES, Aclerito Sedas ( 1958). PRINC[PIOS Dt' DOUTRINA SOCIAL. (Prefacio de D. Ant6nio Bispo do Porto). Morais, Lisboa.
A f'ormac;ao acadCmica dos assistcntcs sociais
5LJ
tualmente) reflcxo da diversifica<;ao do pensamento cat61ico, potcncialmentc destrutivas para a ortodoxia salazarista e tambem mais favon\veis a crescente penetra<;ao de influencias cstrangeiras (capitais e ideias ). Neste quadro sao revalorizadas propostas de restaura<;ao do conservadorismo social, eventualmente numa tentativa de continuar moldando o capitalismo portugues pelos valores e quadros de vida do pafs rural, nas quais parece inscrever-se a preocupa<;ao (conformc parecer da dimara corporativa) de fazcr convcrgir o servi<;o social (ou a educa<;ao familiar) para a preserva<;ao da designada «m(vtica familiar» e, consequentemente tambem a reac<;ao da escola as objec<;6es levantadas. Assim podera justificar-se o reconhecimento do curso de Ecluca<;ao Familiar, na base da ja longa experiencia de funcionamento (20 anos) mas agora sancionada como profissao alternativa e concorrencial do Servi<;o Social, ainda que de legitimidade social precaria como vira a ser confirmado pela sua extin<;ao no infcio dos anos 60 e posterior integra<;ao dos diplomados como profissionais de Servi<;o Social. Por outro lado, o mesmo quadro conjuntural viabilizou uma estrategia (sobretudo protagonizada pela escola de Lisboa) de afirma<;ao do Servi<;o Social no terreno do enfrentamento dos problcmas sociais que caracterizam os meios urbanos industrializaclos, no quadro de uma polftica educativa reorientada para a prepara<;ao de rccursos humanos para a indt1stria. Tratava-se principalmente, com as altera<;6es introduzidas, de «conseguir unw correspondencia mais perf"eita (tS exigencias da erohl(clO social portuguesa ... » (' 8), que se rcconhecia aproximar-se da realidade doutros pafses reclamando e justificando a desloca<;ao da interven<;ao profissional: da FAMILIA para os PROBLEMAS SOCIAlS, da doutrina<;ao ideol6gica para o tcrreno da polftica social.
3. UMA REORGANIZA<:AO DA FORMA<:AO DOS ASSISTENTES SOCIAlS: (1956) INFLECTINDO O(S) PERCURSO(S) DO SERVI<:O SOCIAL A (re )orienta<;ao do Servi<;o Social para o terreno da Polftica Social inscreve-se e e formalmente sancionada por uma polftica educativa reorientada por rela<;ao ao poder econ6mico para a prepara<;ao da for<;a de trabalho para a industria, ou seja, como uma estrategia estatal de regula<;ao do processo de proletariza<;ao (OFFE, 1984) em oposi<;ao ao pod er ideo16gico da ortodoxia salazarista que se orientava
('') 11. 0 73).
Vcr D.L. N. 0 40.678/1956 e
fu11dame11ta~ilo
do Projecto de Proposta de Lei 11. 0 516 (Acta da C.C.
Intcn·cn<;<\o Social
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para travar esse mesmo processo pela preservw;:ao dos quadros de vida tfpicos de sociedades pre-capitalistas. Por outro !ado, se considerarmos os contomos corporativista e assistencialista da polftica social no Estado Novo, aquela (re )orienta~ao significou situar o Servi~o Social no campo ambfguo de uma forma de estado que continua privilegiando a corponl~ao e/ou a caridade crista como altemativa (conservaclora) ao compromisso publico com a cobertura dos riscos sociais (associados a industrializa~ao ). ou seja no terreno de uma polftica social de formato pre-fordista e antidemocratico. Neste quadro a redefini~ao do espa~o de interven~ao do Servi~o Social no terreno da polftica social, revelar-se-a problematico tenclendo a ser recolocado no confronto de sectores da sociedade que lutam pelo controle do Estado (dos quais estavam afastadas as necessidades e problemas sociais das popula~oes) conforme os desenvolvimentos subsequentes (decada de 60) virao a confirmar. Apesar disso (ou talvez por is so) potenciou algumas vias de ruptura comas concep~oes moldadas por um conservadorismo integrista (na sua expressao dos anos 30 ou reactualiza~oes posteriores). Daf que consideremos as altera~oes sancionadas em 1956, nas quais se inscreve a cria~ao da escola do Porto, como uma clara inflexao na traject6ria do Servi~o Social e contributo importante na constru~ao da iclentidadc profissional na sociedade portuguesa.
3.1. UMA INFLEXAO NO PERCURSO DO SERVIr;O SOCIAL Uma aproxima\ao as exigencias do ensino universitario, fundamentada pelas da questao social urbana. As questoes associadas aos meios urbanos c inclustrializados « .. .exigem ogentes de fomwc;ao nwis completu, purque os pmblenws e us pessoas sao nestes meios muito nwis dijfceis e nwis comple.ws», justificanclo. na perspectiva do Instituto de Lisboa ( 9 ). um maior nfvcl de exigencias para a forma~ao dos assistentes sociais. clura~ao e condi~oes de acesso identicas as do ensino superior pCtblico. Estas exigencias. ja (cm parte) introduziclas pelas escolas c/ou legalmente institufdas C111 ) sao agora regulamentadas (! 956) como corresponclentes a uma forma~ao de «nfvel superior». confirmado por reconhecimento posterior ( 1961 ). manifesta~oes
1"'J Dilcrcntcmcntc do cntendimento assumido pc la enliio dircctora cla Escola de Coimbra (\larie Conslance Dm on J em cart a cli rigida it rclatora do pareccr cl a Cf\mara Cmporati 1a 1Maria Joana I\ Ienclcs Lea!) em 2-f de Fewreiro de 1956. cm rcsposta i1 solicita~iiu que Ihe fora dirigida. ,\f sao nplicitadas as suas clti1 iclas quanto as nigcncias cla fornJ<t<;iio porque «torna1am o cursumcnos accs,;ilcl que alguns cursos uniwrsit<\rius" c. cunscquentemente acarrct:mtm uma climui<;ao cla procura do curso. l""l D.L. 38 91-f /1048 do illinistcriu da Educa<;ao Nacional instituindo um estC!gio curricular apos us 3 anos cle forma<;ito.
A rorma<;J.o acadCmica dos assistcntes sociais
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Apesar dos questionamentos da Camara Corporativa (Acta n. 0 83) e das hesita~5es expressas pelo responsavel ministerial (41 ) as altera~oes propostas serao legalmente sancionadas na base da fundamenta~ao das escolas, fazendo-lhe corresponder as fun~5es de «Pesquisa e Planeamento Social» tambem legalmente previstas, mas pouco potenciadas pelas praticas profissionais e mesmo pelas institui~oes academicas. Nos anos 50, a questao do nfvel academico da forma~ao (repetidamente polemizada em conjunturas varias e sob formas divcrsas) ganha expressao em publica~5es da epoca, particularmente as que defendiam a cria~ao de uma Universidade Cat6lica, sob a justifica~ao do caracter «Acat61ico» da Universidade do Estado e (eventualmente) por reac~ao a uma polftica educativa reorientada por rela~ao ao poder econ6mico. 0 debate eentrar-se-a sobre a orienta~ao e/ou natureza do ensino universitario, CATOLICA versus LA!CA, pronunciando-se pela associa~ao da orienta~ao cat6lica as escolas (superiores) privadas, entre as quais os Institutos de Scrvi~o Social, preferencialmente a integrar no ilmbito duma Universidade Cat6lica (4"). Outras ainda expressando a reac~ao cat6lica a influencia positivista no Servi~o Social (e eventualmente as tenc!cncias cloutros paises), questionanc!o a racionalic!ade tecnica c!as praticas (inclividualizadas) subordinadas ao modelo medico para se posicionar pela suborc!ina~ao a uma filosofia cat6lica (neotomista), na base do que se justificava e defendia a «intensijicacao met6dica do nf1•el universitcirio» - (41, '). da f orma~ao A questao do estatuto academico c profissional do Servi~o Social acompanhara o percurso da forma~ao, assumindo contornos diversos mas perioclicamente retomada na ambivalencia entre cat6lico/laico, privado/publico ou bacharelato/licenciatura ate final dos anos 80, com o reconhecimento formal do nfvel de licenciatura para uma forma~ao exclusivamente da rcsponsabilidade de escolas pri vadas.
Distanciamento formal dos preceitos doutrimirios do Estado Novo, expresso pela aboli~ao da determina~ao legal (1939) que subordinava a fonml~ao academica aos princfpios instituidos pelo Estado Novo «Hwnano, Corporativo e Cristdo», em oposi~ao clara ao parecer da Camara Corporativa preconizando insistentemente a sua manuten~ao, como a forma mais segura de preven~ao contra um Servi~o Social de «fei~~ao neutra» (Acta 11. 0 83).
(~ 1 )
Francisco de Paula Leitc Pinto, Ministro da Educ<H;ao Nacional que assina o «Projecto de Proposla de Lei n. 0 516-Aitera~ao ao DL 30.135 /39 (Organiza~ao e funcionamento dos Institutos de Serviqo Social l>>. presentc aCftmara Corporativa na sua Scssao de 2-f de J<m de 1956 (Acta n.o 73). ("J Vcr. entre outras. as Revistas de orientacao Cat61ica: LUMEN (Junho e Setembro de 1956 e Abril de 1957) e BROTERIA ( 195-f l. , (~ 1 ) Ver: MARTINS. Abilio. <<Encruzilhaclas do Servi~o Social», Revista BROTERIA. n." 2/3 de 1959,
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Intcrven~ao
Social
Esta ruptura formal reveste-se de particular significado para o Servi~;o Social, ainda que as orienta~;oes ideol6gico-doutrim1rias continuem a permear os conteudos programaticos da forma~;ao, sobretudo pm·que potenciou (e e revelador) do distanciamento do forma~;ao relativamente as posi~;oes mais conservadoras do Estado e da lgreja, expressas nos anos 30 e reactualizadas nos anos 50 atraves do parecer da Camara Corporativa. No piano de estudos aprovado (-l-1) por proposta das escolas, autonomiza -se o Servi\O Social como area curricular, rompendo o modelo institufdo em 1939 com um programa «Servi~·o Social e seu jit11cionamento» preenchido com conteudos relativos a «organiza~Cio cotporotiva». Estes conteudos agora desvinculados da area nuclear do curso, passarao a ser ministrados por cadeiras especificas ate a sua elimina~;ao dos pianos de estudo no inicio dos anos 70. Esta desvincula~;ao, ainda que sobretudo formal e indicativa da reorienta~;ao da polftica educativa que a sanciona, constituir-se-a uma via de inflexao do Servi~;o Social no sentido do refor~;o pelo saber(es) ou o inicio de um percurso mais permeavel a influencias originarias de uma matriz positivo-funcionalista, de contornos pouco definidos mas que tenderilo a moldar a forma~;ao por uma racionalidade tecnico-instrumental em oposi~;ao as componentes de legitima~;ao politico-ideol6gica. Por outro !ado, o distanciamento formal das orienta~;oes ideol6gico-doutrinarias constituiu-se um contributo relcvante para a afirma~;ao de um certo espayo de autonomia cla institui~;ao acaclemica, nao s6 na organiza~;ao cla forma~;ao mas tambem na regula~;ao cla profissao, pela capaciclacle que !he e atribufda de credenciamento para o exercfcio profissional. A partir de 1956 as escolas clisp5em de competencia legal para atribui~;ao do diploma de curso (deixa de estar depenclente cl a avalia~;ao pm· juri nacional), regulamenta~;ao que ainda hoje regula e creclencia para o desempenho profissional. A inflexao da forma\ao para um modelo que designamos de «sociologico», associaclo a coloca~;ao do Servi~;o Social no enfrentamento dos problemas sociais nos meios urbanos, atraves de um atendimento que se desejava mais «colecti\'O» que individualizado, com o que se inicia clesloca~;ao do Servi~;o Social do campo das ciencias mcclicas para o das ciencias sociais. Confrontam-se duas concep~;oes na perspectiva~;ao cla forma~;ao dos assistentes sociais. Uma prefiguranclo o Servi~;o Social como ac~;ao inclividualizada sobre a famflia e suas necessiclades (a controlar con forme moclelo meclico) matizado por uma concepyao assistencialista (a beneficencia prestacla a quem a merece ), apoiada no «inqzu!rito social» como tccnica privilegiacla de interven~;ao. 0 inquerito sociol,
I 11 )
Portaria n. 15.972 1!956
A format;Ilo acadCmica dos assistentcs sociais
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tal come apresentado por um dos seus defensores, visa «classijlcar a necessidade como se class(fica a enfermidade» apoiando o «diagnostico social do caso individucll», a formular em tennos precisos, tais como: «insuficiencia de salcirio, desordem incorrigfvel, vfcios morais, etc.» 5). Ocupou um lugar privilegiado no quadro da forma~ao dos assistentes sociais, exigido como trabalho final de curso ate aos anos 50, e adoptado como modelo de interven~ao profissional nos designados servi~os de assistencia (46 ), onde sobretudo moldou a forma~ao dos auxiliares sociais enquadrada pela Direc~ao Geral de Assistencia. Mais do que classificar a necessidade do «caso individual», selecciona-se e classifica-se o assistido segundo uma concep~ao originaria e moldada pela profissao medica, mais especificamente pelos segmentos que imputavam as deficientes condi~oes de higiene adesorganiza~ao e comportamento moral da famflia (ou do caso individual) e que, de modo marcante influenciaram a organiza~ao da forma~ao dos assistentes sociais nos anos 30. Uma outra concep~ao parece ter perspectivado as altera~oes curriculares sancionadas legalmente em 1956. Alem duma assinalavel diminui~ao dos conteudos originarios das ciencias medicas e abandonado o designado «lnquerito Social» como trabalho final de curso e substitufdo pela exigencia de realiza~ao de «ESTUDOS DE CARACTER SOCIOLOGICO», a par da introdu~ao de alguns conteudos da area das ciencias sociais e considera~ao de novos temas e/ou campos de estagio, relacionados com o estudo de problemas sociais ou outros aspectos da realidade social. A realiza~ao dos designados «estudos socio/6gicos» era orientada pelo metodo monografico de Le Play e caracterizava-se por uma pesquisa empiricista, que nao se propunha fundamentar ou influenciar propostas de interven~ao ou de reforma, incidindo sobre pequenas unidades territoriais ou de produ~ao e/ou sobre com problemas sociais especfficos, conforme nos e sugerido pelos temas das monografias produzidas depois de 1956 (47 ). Em escolas de tradi~ao cat6lica esta reorienta~ao da forma~ao seria ainda marcada pelo pensamento reformador europeu e Ciencia Social de Le Play, influencias que nos anos 50 permeiam a ciencia social que se desenvolve em Portugal no quadro de um regime autoritario e conservador. Tratava-se sobretudo da orienta~ao para !er a realidade social a luz do pensamento social cat6lico, uma «sociologia cristcl» com preocupa~oes pragmaticas relacionadas com os problemas e reformas sociais, a orientar pelos princfpios doutrinarios duma filosofia cat61ica. Com estas altera~oes sao formalmente criadas possibilidades, eventualmente pouco (ou tardiamente) exploradas pelas institui~oes academicas, de reorienta~ao
e
) Ver: FIGUEIREDO, Albertino 1. P. ( 1958), <<0 Conceito de Servi~o Social», Rev. 0 MED ICO. Porlo. ("') Ver regulamcnta~ao sabre os «Centros de inguerito assistencial>>, criados no ambito da Rcorganizayao da Assistencia cm 1945. (~ ) Em arquivo nas bibliotecas dos lnstitutos de Lisboa e Porto. (
15
7
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Interven~ao
Social
do Servi~o Social para o campo das ciencias sociais, ainda que apenas indiciado pela inflexao do modelo medico-assistencialista para 0 que designamos de «modelo sociol6gico» (48 ). 3.2. A CRIM;;Ao DA (TERCE/RA) ESCOLA NO PORTO
A diversidade de estrategias estatais e o quadro tensional em que se desenvolvem potenciaram a expressao e protagonismo de sectores «crfticos» da ortodoxia salazarista, eventualmente associados ao sancionamento polftico das propostas de valoriza~ao academica do Servi~o Social nos anos 50 e que terao apoiado a sua consolida~ao atraves da cria~ao da escola do Porto , remetendo a iniciativa ao entao Bispo do Porto, o mais importante membro da hierarquia da Igreja que protagonizou a oposi~ao cat6lica ao salazarismo. A cria~ao da escola do Porto e organiza~ao da forma~ao no norte institucionaliza-se num quadro conjuntural que procura compatibilizar prioridades que expressam as divergencias no seio do estado, a manuten~ao da ordem e integridade nacional e/ou a industtializa~ao e abertura ao mercado internacional, uma compatibiliza~ao prec<1ria no quadro ideol6gico e institucional do Estado Novo. Nesta aspecto tenden\ a desenvolver-se em continuidade e como extensao da experiencia de Lisboa, configurando-se como factor de afirma~ao e legitima~ao do Servi~o Social em Portugal e, simultaneamente de consolida~ao das altera~oes sancionadas em 1956. Por outro !ado, e em conjuga~ao com aquele quadro, a sua emergencia surge associada a tra~os conjunturais da sociedade local que tenderao a reflectir-se na escola e na forma~ao definindo-lhe os contornos duma particular inser~ao regional, nomeadamente: - o pensamento social da Igreja do Porto, que protagoniza a oposi~ao de diferentes interpreta~oes sobre a interven~ao dos cat6licos na sociedade portuguesa, entre um papel mais interveniente e reflexivo e um papel subordinado as orienta~oes sancionadas pelo poder politico-ideol6gico institufdo. - a reac~ao de alguns sectorcs da sociedade local a uma acentuada perife riza~ao s6cio-econ6mica da regiao e, simultaneamente como reac~ao as polfticas centralizadoras que crescentemente vinham acentuando essa periferiza~ao.
0 protagonismo do ISSS Lis boa na elabora~ao das propostas de valoriza~ao academica e, em particular, no confronto do conservadorismo das posi~oes da Camara
Ver planos de estudo de 1939 e de 1956. respectivamente D.L. n. 0 30.135/39 de 14 de Dez. de 1939 com rectifica~ao no D.G. de 10 de Fev·. de 1940 e Portaria 11. 0 15.972/56 de 18 de Set. de 1956.
A
fonna~ao
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Corporativa e/ou mobiliza9ao de sectores do estado no sentido de obter o sancionamento legal dessas propostas, prolonga-se na influencia que exerce junto de personalidades da Igreja do Porto com vista a institucionaliza9ao da forma9ao no Norte (49 ). Acresce que no Instituto de Serviyo Social do Porto (ISSSP) foi reproduzida a mesma soluyao organizativa da sua congenere de Lisboa, pese embora o desfasamento temporal da sua institucionalizayao, atraves da cria9ao de identica associa9ao particular, designada Associayao de Cultura e Servi9o Social do Porto propondo-se estatutariamente <1ins educativos, culturais e sociais» para se constituir suporte juridfco-institucional da escola. A iniciativa da institucionalizayao da formayao pela criayao do ISSSP (1956) cabe ao Bispo do Porto, D. Ant6nio Ferreira Gomes 0), para ser levada a cabo por um grupo de personalidades de relevo na vida social, econ6mica ou cultural da cidade, professores universitarios (na sua maior parte), cat6licos certamente, com ligay5es ao pod er institufdo (eventualmente ), masque sao «convidados a tftulo inchvidual» para integrar o designado «grupo promotor da cria9ao de uma Escola de Servi9o Social» no norte. Ecomo «grupo de cidadaos do Porta», qualidade repetidamente afirmada com que parece pretender vincar uma certa autonomia relativamente aos orgaos de poder e uma inseryao local, que se propoe contribuir para o «estudo e soht9iio dos nniltiplos problemas que a vida social implica». Assim justificam o pedido de legaliza9ao da Associayao de Cultura e Serviyo Social do Porto, afinnando-se convictos de que tal realizayao «sera de grande projec9ao para o desenvolvimento e progresso social no norte do pais» 1). A constituiyao da Associayao e, mais particularmente a criayao do Instituto e insistentemente associada aos «problemas econ6mico-sociais especfflcos do IWJ'te», daf que se considere indispensavel «que a regiiio nortenha o sinta coma coisa sua». Ao mesmo tempo apela-se a sociedade nortenha para assegurar os recursos humanos e materiais necessarios ao seu funcionamento, seja atraves de contribuiyoes financeiros ou prestayao gratuita de serviyos (preferencialmente serviyo docente).
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(~ 9 )
Desta intluencia nos da conta correspondencia da entao directora do Instituto de Lisboa coma Assode Cultura e Servi~o Social do Porto. Consul tar arquivos do Instituto Superior de Servi~o Social de Lisboa (1956). ('") D. Ant6nio Ferreira Games, nomeaclo Bispo do Porto em 13 de Junho de 1952, foi personalidacle de rclevo na vida local e nacional e ousou afrontar publicamente Sal azar. Em carta ao Presidente do Conselho ( 15 de Julho de 1958) formula criticas ao regime colocando quest6es sobre a liberdade de ac~ao da Igreja c dos cat6licos na vida civica e politica, bem coma na resolu~ao dos problemas da sociedade portuguesa. Exilado na sequencia clesta posiyao s6 regress an\ a Portugal em 1970. no govern a de Marcelo Caetano. (''J Requerimento ao Ministro da Educa9ao Nacional solicitando aprova~ao dos estatutos e autoriza9ao de funcionamento da Associa~ao de Cultura e Servi~o Social, que sera favoravelmente despachado em 8 de Setembro de 1956, Os estatutos sao aprovados e publicados no Diario do Governo, Ill Serie de 22 de Setembro do mesmo ano. cia~ao
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Interven~ao
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Procurando divulgar o inicio da actividade do Instituto de Servi~o Social do Porto a Associa~ao refere-se asua cria~ao «Nesta epoca em que as preocupar;oes sociais tanto dominam era realmente necessaria criar no norte do Pals, uma Escola donde sa{ssem Trabalhadores Sociais que pudessem ser os grandes agentes de orientar;Cio e renovar;Cio social». A Associa~ao ao tomar as quest6es sociais como preocupa~ao central parece-nos colocar a interven~ao dos assistentes sociais no espa~o anteriormente delimitado na polemica Social versus Familiar, protagonizada pelo Instituto de Lisboa no confronto corn as posi~6es da Camara Corporativa, reflectindo ja a reorienta~ao do Servi~o Social para o terreno da polftica social. Todavia, alem de se posicionar pela coloca~ao do Servi~o Social no enfrentamento dos problemas sociais, particulariza os problemas econ6mico-sociais do norte para fundamentar a necessidade de uma escola regional. A diversidade regional remete-nos para uma estrutura econ6mica e social particular em conjuga~ao corn tra~os hist6ricos que concorrem para uma progressiva periferiza~ao do Porto ao longo do sec. XIX. A participa~ao do Porto nas lutas liberais e polfticas centrais proteccionistas para a regiao de Lis boa (capital do imperio), e consequentemente o atraso corn que a industrializa~ao chega ao norte serao alguns dos factores dessa periferiza~ao. A partir de final do sec., uma estrutura parcelar da propriedade rural e urn mercado facil de mao d' obra (considerada a tradi~ao da regiao norte na produ~ao textil) terao atraido a implanta~ao da textil algodoeira e a sua dissemina~ao pelo interior, contribuindo para a diversifica~ao qualitativa da regiao no contexto nacional (' 2). Uma diversidade regional associada a urn modelo de industrializa~ao difusa, ou a articula~ao da actividade industrial corn a tradicional agricultura familiar como garantia de urn complemento para os baixos salarios industriais e de sobrevivencia das pequenas explora~6es agrfcolas que asseguravam urn certo equilfbrio do or~a mento familiar, mas tambem fixavam as popula~6es as tradi~6es rurais. Simultaneamente, proporcionando criterios de acumula~ao protegida das press6es do trabalho nao impulsionou a «moderniza~ao econ6mica» que, eventualmente, poderia travar o processo de periferiza~ao do norte, constituindo-se por is so factor (entre outros) de estagna~ao e abandono da regiao, sobretudo a partir dos anos 50. As particularidades regionais que vimos referindo seguramente garantiram a preserva~ao dos tradicionais modos de vida, padr6es culturais e morais tfpicos da
2 (' ) Sobre as particularidade da regiao Porto-Braga cosultar: CASTRO, Armando ( !946), REVOLU(:AO INDUSTRIAL EM PORTUGAL NO SEC XIX. Limiar, Porto; (1979) A ECONOMJA PORTUGUESA DO SEC. XX, Ed. 70, Lisboa. Mais especificamente sobre o Porto, tambem do mesmo autor: «0 Porto Contemporaneo no Desenvolvimento e na Especializar;ao Regional das Industrias>> e «0 processo de Industrializayao do Porto de finais do sec. XVIII ao sec. XX>> in INGENIUM, 1986.
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ordem social e ideol6gica que o Estado Novo dos anos 30 se propunha restaurar nos sectores urbanizados (mais permeaveis a influencia e confronto de ideias e perspectivas). Prop6sitos que seriam prosseguidos pela estrategica «reforma da educa~ao» em que se inscreve o projecto de institucionaliza~ao do Servi~o Social ea propasta de cria~ao de escolas nos tres principais centros urbanos do pafs. Na norte dos anos 30, consideradas as suas condi~oes socio-culturais, a pretendida re.forma de mentalidades nao se colocava com a mesma premencia polftica podendo a cria~ao da escola do Porto aguardar melhor oportunidade. No piano socio-econ6mico os anos 50 sao marcados pelo designado «arranque» para o crescimento «moderno» (industrial), com expressao no desenvolvimento e concentra~ao industrial (sobretudo na regiao de Lisboa) e consequentemente na amplia~ao das assimetrias regionais, agravadas pela desagrega~ao da sociedade tradicional e tipo de rela~oes e praticas que lhe estao associados. A este quadro conjuntural acresce no norte o declfnio da sua tradicional industria textil (altera~ao do mercado colonial), estagna~ao agrfcola e abandono dos campos (em busca de melhores condi~oes de vida) que refor~am o processo de periferiza~ao econ6mica e social, como tambem a desagrega~ao das condi~oes socio-culturais que suportaram os tradicionais padroes de vida e reprodu~ao social e preservaram a desejada estabilidade dos anos 30. · 0 Porto concentrara, nos anos 50, as tensoes que se aprofundam numa sociedade crescentemente polarizada entre uma sociedade «tradicional» em degrada~ao e uma outra que busca condi~oes de «moderniza~ao», particularmente ampliadas a nfvel local por tnl~os de acentuada periferiza~ao socio-econ6mica C3). As implica~oes sociais e polfticas desta dupla polariza~ao nao poderia deixar indiferentes os sectares cat6licos, de uma Igreja preocupada com as limita~oes impostas asua interven~ao social e polftica, e tambem (certamente) interpelada pela crescente degrada~ao das condi~oes de vida e de trabalho na sua regiao. Assim sera justificada pelo «grupo promotor» a cria~ao de uma associa~ao que se propoe contribuir para a melhoria da vida social, atraves da difusao de uma.filoso.fia cat6lica actualizada que informe o estudo e solu~ao das questoes associadas aos «problemas s6cio-econ6micos da sociedade nortenha» e qualifica~ao dos trabalhadores sociais considerados «adequados». Reflectindo preocupa~oes conjunturais da sociedade nortenha, a cria~ao do Instituto de Servi~o Social do Porto surge como expressao do pensamento social cat6-
51 ( ) Segundo Sedas Nunes ao dualismo <<expansao industrial!estagna~ao agrfcola», que caracteriza a sociedade portuguesa no final da decada de 50. acresce um outro mais radicaL associado as profundas desigualdades espaciais. 0 Porto, que aparece no referido estudo como a segunda mais privilegiada posi~ao, situava-se aquem de Lisboa em: 4 pontos percentuais em termos de populayao e 14 pontos percentuais em termos do produto inten10 bruto que lhe e imputavel. Ver: NUNES, A. Sedas (1964) «Portugal, Sociedade Dualista em Evoluyao>>, ANALISE SOCIAL N. 0 7/8, 1964.
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lico da Igreja que atraves do seu Bispo (5 4) colocaria a interven9ao dos cat6licos: a) na correc9ao das desigualdades sociais, «os males resultantes da excessiva acumula9c1o da riqueza privada», como unica garantia de estabilidade sem imobilismo; b) ou na constru9ao de uma «hist6ria de jitturo» atraves de reformas sociais perspectivadas pela ideia de bem comum e princfpios dum humanismo cristao. Os mesmos princfpios filos6ficos orientariam os «cat6licos progressistas» na defesa do direito dos cidadaos a condi9oes sociais de existencia, alem dos direitos civis e polfticos, e nas suas propostas de interven9ao na sociedade portuguesa. Aluz desta orienta9ao o Instituto propoe-se (1956): formar pessoal tecnico qualij!cado, desenvolver estudos sociol6gicos corrw base para uma conveniente actua9cio social, difundir os princfpios e metodos do Servi90 Social e, oportunamente, promover a cria9cio de centros sociais (sobretudo coma campo de estagio para as alunas). Atribuiu-se genericamente ao Instituto finalidades identicas as de qualquer escola de nfvel universitario (ensino, investiga9ao e servi9os a comunidade), mas subordinadas a princfpios filos6fico-doutrinarios que lhe definem a intencionalidade e enformam os conteudos programaticos. Esta orienta9ao, sera assegurada pela Associa9ao de Cultura e Servi9o Social, atraves de representante da diocese (corn direito de veto) e das determina9oes estatutarias que lhe atribuem competencia para «pmmover a constitui~·c7o dos orgc7os de Direc~·c7o e Administra9c7o do Instituto de Servi9o Social» e integra9ao da directora da escola nos seus orgaos directivos 5) e ainda, pelo recrutamento dos professores por convite pessoal do Bispo do Porto. As actividades do Instituto de Servi9o Social do Porto iniciam-se em Novembro de 1956 mas a forma9ao s6 seria formalmente sancionada em 1960 (ap6s exflio de D. Ant6nio), atraves de alvara autorizando o <ifuncionamento do Curso de Servi9o Social» em regime de «pianos e programas pn5prios» 6). Os programas de curso seguem basicamente o piano de estudo aprovado em 1956 (Portaria n. 0 15972) apenas colocando uma maior enfase na dimensao sociol6gica da forma9ao, em correspondencia ao prop6sito regulamentar que atribufa a escola um espa9o (corn alguma ambiguidade) de interven9ao directa e reflexao dos problemas na sociedade portuguesa (como base da interven9ao social), como tambem na organiza9ao e planeamento de servi9os sociais.
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(''J D. Ant6nio Bispo do Porto, Mar~o de 1958. prefacio do livro de A. Sedas Nunes, PR!NC!PIOS DE DOUTRINA SOCIAL. 5 ( ) Estatutos da Associa~ao de Cultura e Servi9o Social do Porto, aprovados por despacho ministerial de 8 de Setembro de 1956 e publicados no Diario do Governo n. 0 225, Ill Serie de 22 de Set. de 1956. 6 ( ) Alvara n. 0 1.594 de 8 de Fevereiro de 1960, passado a Associa9ao de Cultura e Servi\O Social do Porto autorizando especificamente o funcionamento do curso de Servi~;o Social (nao e feita qualqucr referencia i1 Educa~;ao Familiar. forma~;ao que cleixaria de ser ministrada a partir de 1960).
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Esta ambiguidade relativamente ao espa~o de interven~ao seria clarificada, depois de remetida a Igreja do Porto para o terreno da ac~ao social com o exflio da voz crftica do seu Bispo, por regulamenta~ao que remete o Servi~o Social para o terreno mais restrito da acqao directa e estudo dos problemas da popula~·ao. 0 Instituto de Servi~o Social define-se entao com um «organismo privado» que se propoe contribuir para o bem-estar social da comunidade portuguesa, atraves de wna tr~J!ice actividade: formaqao de prqfissionais de Serviqo Social, estudo de j)i'Oblemas sociais da populaqao e actuaqao social directa em centros sociais ou outros micleos de aq·ao (5 7). Afirma-se entao (pela primeira vez) o estatuto profissional do Servi~o Social restringindo o seu espa~o de interven~ao ao terreno do estudo e actua~ao directa face a problemas sociais e/ou no ambito de servi~os de ac~ao social, um espa~o subalternizado (intelectual e socialmente) relativamente a reflexao e investiga~ao sobre a realidade social e/ou do planeamento e concep~ao de servi~os sociais. Esta clarifica~ao desvalorizada do estatuto profissional do Servi~o Social parece ter sido legitimada pelas instancias de poder (polftico, econ6mico e cultural) a avaliar pelos desenvolvimentos subsequentes, sobretudo a des-legitima~ao polftica das escolas privadas C8) na decada seguinte, eventualmente remetendo o Servi~o Social para uma legitima~ao social pela sociedade civil que o Instituto do Porto expressa por um compromisso com e «hem estar social da comunidade».
4. AS QUESTOES DO «COLONIALISMO» e «MODERNIZM,;AO» NA (DES)LEGITIMA\=AO POLITICA DAS ESCOLAS (privadas) DE SERVI\=0 SOCIAL 0 quadro legal institufdo em 1956 manter-se-a em vigor ate 1974, ainda que ultrapassado pela dinamica interna das escolas que entretanto nao conseguiram obter o sancionamento polftico para as altera~oes curriculares propostas ao ministerio de tutela, devolvidas por «jundamentaqao insuficiente» C9) mas, apesar disso
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Regulamento Escolar do lnstituto de Servi9o Social do Porto, datado de Setembro de 1960. que vigorou a partir do ano lectivo 1960/61 sem que tenha obtido aprova9ao oficial, diferentementc do primeiro regulamento aprovado em 7 de Nov. de 1957 por despacho do Inspector Superior do Ministcrio da Educaqao Nacional. 5 (' ) Esignificativo que depois de 1956 o curso de Servic;o Social dos tres Institutos nao tenha sido mais objecto de regulamentac;ao legal ate 1976 (atravcs de diploma que seria suspenso meses dcpois). 5 ( '') 0 Instituto de Servic;o Social de Lis boa solicita em 28 de Fev. de 1961 a aprovac;ao de tun novo piano de estudos. solitac;ao que sera devolvida por despacho ministerial de 14 de Abril de 1961, sob a justificac;ao de «fundamentac;ao insuficiente>>. A proposta sera reformulada e explicitada a sua fundamentac;ao para ser apresentada ( 1962) ao Ministerio cla Educar,:ao Nacional e, de novo nao sancionada. aincla que ten ha si do subs-
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adoptadas (na generalidade) para o programa da formar;ao academica de assistentes sociais para as col6nias. 0 periodo iniciado com o eclodir das guerras coloniais, caracteriza-se pelo endurecimento e isolamento politico do regime, agravamento das tensoes sociais e crescente fraccionamnto da burguesia no seio do estado. Manifestam-se tensoes crescentes, entre: a) uma burguesia tradicional que detem a hegemonia ideol6gica no aparelho estatal, clamando pela integridade da nar;ao colonial e protecr;ao contra a concorrencia; b) em oposir;ao o pod er econ6mico duma burguesia industrial e financeira, que compete pelo controle do estado, reclamando protecr;ao para investir na modernizar;ao industrial. A ideologia nacionalista ganha novo vigore a questao do colonialismo torna-se central para o regime que reforr;a o autoritarismo governamental e controle repressivo-burocnltico da sociedade. A regular;ao pela organizar;ao corporativa e secundarizada e as <<preocupariies sociais» comer;am a ganhar expressao no discurso politico, sobretudo corn o esgotamento do modelo de desenvolvimento a medida que se aprofunda a crise final do Estado Novo. As tensoes entre o poder ideol6gico e o poder econ6mico, corn propostas diversas para as questoes que conjunturalmente eram colocadas ao Estado Novo, expressam-se por estrategias divergentes mas que globalmente concorrem para o adiamento das anunciadas «preocupac6es sociais», subordinando-as as respectivas prioridades politicas, legitimar;ao ideol6gica do «colonialismo» ou a «moderniza~'clo» econ6mica. Esta dupla secundarizar;ao das questoes sociais reflectir-se-a na des-ligitimar;ao politica das escolas privadas, que recentemente desvinculavam (no piano formal e na pnltica) a formar;ao dos assistentes sociais do conservadorismo tradicional e reorientavam a intervenr;ao para o terreno da politica social. Edesvalorizado o eventual contributo do Servir;o Social para uma e outra das prioridades polfticas, os problemas sociais nao sao inclufdos nas respectivas agendas e, simultaneamente, cada uma delas tendera a encarar o relativo espar;o de autonomia das escolas privadas de orientar;ao cat6lica, sobretudo potenciado pelo Instituto de Lisboa, como factor de desconfianr;a politico-ideologica. A centralidade da questao do colonialismo no piano politico-ideol6gico, a partir do inicio da decada de 60 revela-se factor de des-legitimar;ao dos Institutos Superiores de Servir;o Social e da formar;ao que ministram. Inicialmente, no ambito do Ministerio da Educar;ao Nacional, atraves da decisao ministerial de nao aprovar as alterar;oes curriculares que lhe sao submetidas por Lis boa (1961 ), mesmo depois de reformulada a proposta com explicitar;ao dos seus fundamentos e apoio expresso das tres escolas (1962). Atraves do ministerio de tutela a formar;ao dos assistentes
crita pelas tres escolas, cam posterior reafirmac;ao da co-responsabilidade de Coimbra c Porto na sua clabora<;ao. formalmente expressa em resposta a solicitac;ao que !he fora dirigida pelo M.E.N.
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sociais e desse modo remetida para 0 privatismo de escolas privadas, isto e, nao estatais e sem o sancionamento publico da organiza~ao academica e programas dos cursos que ministram. Num segundo tnomento, atraves do Ministerio do Ultramar e legalmente viabilizada uma proposta, veiculada por sectores tradicionais da categoria profissional, de institucionaliza~ao da forma~ao de assistentes sociais no «ultramar», pela cria~ao dos designados Institutos de Educa~ao e Servi~o Social no quadro do ensino oficial (ou particular) das entao «provfncias ultramarinas». Certamente nao por acaso, com condi~oes de acesso e programas identicos aos das escolas do continente (60 ), que entretanto nao conseguiam fazer aprovar por <ifundamenta~ao insuficiente» os planos curriculares que submetem ao Ministerio da Educa~ao Nacional. Finalmente (1964) sera criado um novo curso de Servi~o Social no quadro do ensino publico, Instituto Ciencias Sociais e Polftica Ultramarina (ICSPU), por despacho do Ministro da Educa~ao Nacional de 27 de Abril de 1964, para a qualifica~ao de assistentes sociais com uma <iforma~ao permeada pelas questoes ultramarinas», conforme expressao legal. Este curso seria posteriormente (1967) prolongado pelo designado «Curso Complementar de Servi~o Social» (dois anos ap6s o curso de servi~o social, obtido em qualquer das escolas existentes) conferente do grau de licenciatura. Tambem criado por despacho ministerial que aprova o plano de estudos e enfatiza a orienta~ao a dar as disciplinas « .. .relevo especial aos a.spectos que interessam ao ultramar portugues» (61 ). Estes cursos seriam extintos em Abril de 1974. A moderniza~ao economica como estrategia que remete as questoes sociais para os futuros sucessos do desenvolvimento e racionaliza~ao da produ~ao industrial, tal como e perspectivada pelos sectores do estado que a definem como prioridade polftica, constituiu-se tambem factor de desvaloriza~ao socio-cultural do Servi~o Social, no plano academico e profissional. 0 poder econ6mico com expressao no seio do estado, atrafdo pelos sucessos das economias do ocidente (62 ) mas interessado em preservar as condi~oes de acumula~ao protegida das pressoes do trabalho (que o modelo corporativo-autoritario garantia), subordinara as suas «preocupa~oes sociais» as vantagens de uma «moderniza~ao econ6mica» se m integra~ao das reivindica~oes dos trabalhadores (desmobilizadas
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n) D.L. n. 0 44.159 /1962 do Ministerio do Ultramar que regula a organizal(ao dos Institutos de Educal(ao e Servi~o Social no quadro de ensino oficial (ou particular) das provfncias ultramarinas e criayao do curso de Servi9o Social. 61 ( ) Diario do Governo n. 0 1331, lii Serie de 8 de Julho de 1967. C'') Na epoca, na generalidade dos pafses industrializados do ocidente, os Estados de Bem-Estar atraves das polfticas Keynesianas negociadas num quadro social demoCI·ata haviam realizados nfveis de vida e protecyao social garantidos politicamente como dircitos extensivos a toda a populayao. (
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pelo controle repressivo-burocnitico da sociedade). Assim o compromisso politico que sustentava os estados de bem-estar em contexto europeu sera, no nosso caso, reduzido a uma estrategia de valorizayao dos recursos humanos para o prioritario desenvolvimento industrial. Sem um compromisso publico com nfveis minimos de rendimento e protecyao social, o projecto socio-politico de «modernizayao» vem a revelar-se factor de desregulayao econ6mica (revelada, entre outros factores, pelos altfssimos nfveis e caracterfsticas da emigrayao e crescentes dificuldades de mao d' obra) e de esgotamento do proprio modelo, sobretudo a partir de mead os da decada. Nesta perspectiva modernizadora a realizayao do bem estar social, apesar das reformas que foram introduzidas, continuara moldada pelo conservadorismo ideo16gico, atribufda aresponsabilidade individual dos interessados ou aprovisao social de formato corporativista e assistencialista. Mantem-se o regime de previdencia para a populayao trabalhadora, assegurada pelas comparticipay5es dos interessados e subordinada aorganizayao corporativa e, para a populayao sem recursos e/ou nao inclufda no mercado de trabalho, a acyao supletiva do estado e o assistencialismo das iniciativas privadas. No quadro ideol6gico e institucional do Estado Novo este projecto de «modernizayaO» da sociedade pela industrializayao apresentava-se, no plano ideo-cultural como uma estrategia de oposi9ao a ortodoxia salazarista, veiculada pelos sectores mais tradicionais do estado e do catolicismo social. Desse modo, concepy5es e projectos originarios de tradiy5es culturais diversas, irao convergir para a sua legitimayao como estrategia socio-politica da designada «sociedade moderna» e como projecto socio-cultural de oposiyao ao regime, no quadro conjuntural da decada de 60. A ideia de modernizayao, afirmada pela sua instrumentalidade para as prioridades do poder econ6mico e originalmente tributaria duma concepyao cientifico-social de raiz positivo-funcionalista, suscitou uma clara adesao de sectores socio-culturais vinculados as ideias duma ciencia social cat6lica e das suas propostas de intervenyao na sociedade portuguesa. Sectores e protagonistas do pensamento social cat6lico, particularmente os de orientayao humanista crista, nao s6 aderem as ideias de modernizayao econ6mica como integram a racionalidade moderna nas suas estrategias de oposiyao a doutrina social de orientayao integrista (e ao salazarismo), e envolvimento em movimentos sociais e politicos pela liberdade de intervenyao cfvica dos portugueses (63 ).
61
) Veja-se a este prop6sito, NUNES, A. Seclas ( 1964 ). «Portugal, uma Sociedade Dualista em EvoluAnalise Social 11. 0 7/8, sobre a polarizac;ao traclicional/moclerno cla socieclacle portuguesa. clepois deter publicado (1958) PRINCfPIOS DE DOUTRINA SOCIAL (com prefacio de D. Ant6nio, Bispo do Porto). Morais, Lisboa. (
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0 Servi<;o Social portugues, na origem e percurso enformado pelo pensamento social cat6lico foi, nos anos 50, polarizado pelas suas divisoes entre um catolicismo integrista e um humanismo cristao e respectivos projectos socio-culturais, interpreta96es diversas dum mesmo quadro filos6fico-doutrim!rio de origem. Amedida que se distancia das orienta96es do conservadorismo integrista (expressa nas altera96es de 1956) sera crescentemente permeado por influencias da matriz positivo-funcionalista que procurara integrar (com tensoes varias) dentro dos limites doutrinarios de uma filosofia cat6lica (64 ), conforme o desenvolvimento dos programas da forma9ao dos assistentes sociais parece revelar. Esta articula9ao do quadro filos6fico-doutrinario de origem com elementos e concep96es originarias da matriz positivo-funcionalista, tradi96es culturais que historicamente se desenvolvem em oposi9ao mas convergentes para a legitima9ao dum mesmo projecto socio-politico, tornara o Servi9o Social tambem permeavel as tensoes e eventual oposi9ao das propostas socio-culturais que !he sao especfficas. No inicio da decada, a oposi9ao de propostas ideo-culturais, com expressao no seio do estado, tera concorrido para a deslegitima9ao politico-ideol6gica das escolas privadas e institucionaliza9ao de identica forma9ao no quadro de ensino publico. Proximo do final da decada, a concorrencia de propostas para o Servi9o Social ganhara estatuto de debate publico e sera protagonizada por uma sociologia que busca legitima9ao politico-ideol6gica como «pratica cientffica» e «forma9ao academica». Ao procurar institucionalizar-se como ciencia das sociedades industrializadas, a sociologia afirma-se com «unica» resposta (cientificamente valida) para as questoes associadas aos processos de industrializa9ao (concentra9ao urbana e cri se do mundo rural, aprofundamento das desigualdades sociais e espaciais), uma resposta racionalizada e instrumental ao tradicional des-comprometimento dos poderes publicos com o enfrentamento dos problemas sociais dos exclufdos dos beneffcios da «moderniza9ao» econ6mica. A validade cientffica e garantida pela neutralidade do conhecimento que produz sobre a sociedade portuguesa (65 ), um conhecimento que, de acordo coma matriz positivo-funcionalista que o enforma, tendera a naturalizar as desigualdades sociais para se legitimar face aos poderes institufdos. A superioridade da Sociologia afirma-se pela disti1wao conceptual entre problema sociologico «( ... ) problema de conhecimento cient(fico que se suscita e resolve no ambito da sociologia (... )» e problema social cuja essencia «estci na
6 ( ') Ao nfvcl da formayao essa compatibiliza~ao parece fazer-se por uma organiza~ao curricular que mantendo a componente filos6fico-doutrinaria integrani crescentemente. ao longo da decada de 60, conteudos cientfficos e tecnicos da area das ciencias sociais de raiz positivista a par do ensino dos metodos de Servi~o Social (expressao da mesma matriz te6rico-cultural). 65 ( ) Produ~ao cientffica divulgada atraves da revista ANALISE SOCIAL. editada pelo «Gabinete de Investiga96es Sociais>>, criado em 1962 no Instituto Superior de Ciencias Econ6micas e Financeiras. onde naturalmente pontua a forma9ao econ6mica.
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propria insatisfa~ao experimentada ante este ou aquele aspecto da realidade social ( ... )» para se concluir que «( ... ) os problemas sociologicos se resolvem pela pesquisa, os problemas sociais nao podem evidentemente resolver-se senao pela ac~ao» (66 ). Tratava-se de desfazer as «amdlgamas conceituais conhecimento-ac~clo» considerando que « na ciencia (sociologica ou outra) o que estd em causa sao problemas de conhecimento, enquanto que no Servi~o Social, conw noutras formas de interven~clo na sociedade o que estd em causa sclo problemas de ac~ao (... ) a acyao social, a pnitica social sob re a sociedade (... ) refere-se necessariamente a valores sociais, doutrinas, ideologias, is to e: nao dispensa wna axiologia (... ) r~fe rida cl propria sociedade» (67 ). Ao situar os «valores sociais » como fronteira entre os problemas do conhecimento e os problemas de acyao, ajuiza-se sobre a superioridade do conhecimento e menoridade intelectual (e social) dos problemas de que se ocupa o Serviyo Social. Dessa forma, no quadro duma matriz positivo-funcionalista, legitima-se cientificamente a subalternidade do «Social» face as priorit<irias exigencias do «Econ6mico», comprometendo-se organicamente corn urn desenvolvimento pelo crescimento econ6mico sem reflectir as suas contradiy6es na sociedade portuguesa dos anos 60. Estes debates insistindo na afinnayao duma divisao qualitativa (e hierarquizada) Serviyo Social (ac~ao) e Sociologia (conhecimento) ten\ sido, certamente relevante para a legitimayao polftico-ideol6gica da sociologia mas seguramente factor de desvalorizayao do serviyo social no quadro duma estrategia polftica que reduz as questoes sociais a qualificayao de recursos necessarios a modernizayao enon6mica. Este casamento de conveniencia da sociologia corn o poder econ6mico valida a subordinayao do Serviyo Social (ou outras formas de intervenyao social) ao estatuto de cientificidade da ciencia social que entao se desenvolvia em Portugal, corn implicay6es na formayao academica dos assistentes sociais. Os Institutos de Serviyo Social enquanto escolas privadas vem reforyado o processo de des-legitimayao polftica dos seus programas de formayao de assistentes sociais. No inicio da decada associado a centralidade da questao colonial para o poder ideol6gico no seio do estado novo, manifestar-se-a no final da decada por dificuldades crescentes em se afirmar junto das instancias de poder (social, econ6mico, polftico e cultural). A par da agudizayao clas clificulclacles financeiras, relevantes para o recrutamento de professores mas tambem para o desenvolvimento
6 (" ) Ver: SIL VA. Maria cla Conceidio Tavares ( 1967), «Retlexao Sobre o Conceito de Prob1cma Social», ANALISE SOCIAL N. 0 17. Vol. V. 1967. 67 ( ) Ver: ALMEIDA. J. C. Ferreira ( 1968). «Situa\iiO e Problemas do Ensino de Ciencias Sociais em Portugal», ANALISE SOCIAL N. 0 22-23-24. Vol. VI. 1968.
A
forma~ilo
acadCmica dos assistcntcs sociais
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doutras actividades academicas alem do ensino (68 ), refira-se a nao viabilizac;ao do projecto de integrac;ao de ISSS Lisboa na Universidade Cat6lica. A convergencia daquelas estrategias no Servic;o Social, ainda que relevante para a desvalorizac;ao dos Institutos no sector estatal, parece ter remetido as escolas para o reforc;o da formac;ao pelos saber( es) tecnicos e/ou cientificos, particularmente depois de obtido o reconhecimento do «nfvel superior» ( mais alto grau no quadro do ensino pri vado) do curso de servic;o social e extinc;ao da educac;ao familiar no inicio da decada. Simultaneamente, a par da melhoria da qualificac;ao profissional dos assistentes sociais, parece ter sido privilegiado pelo Institutos o seu envolvimento a nivellocal, atraves de projectos de intervenc;ao social e/ou de provisao de servic;os (69 ), com o que claramente reforc;am a legitimac;ao social da escola e da profissao. Os desenvolvimentos curriculares ao longo da decada de 60 (ainda que nunca sancionados legalmente) revelam uma evoluc;ao de formac;ao do campo das ciencias medicas para as ciencias sociais de tradic;ao sociol6gica, num quadro enformado pela matriz filosofico-doutrim1ria originaria do pensamento social cat6lico. Esta articulac;ao expressa~se pela relevancia das disciplinas de natureza filosofico-doutrinaria, que se mantem a par duma crescente integrac;ao de conteudos e/ou procedimentos enformados pela matriz positivo-funcionalista, nomeadamente o cnsino dos metodos de servic;o social. No final da decada tornar-se-a problematica aquela articulac;ao, conforme revela uma substancial reduc;ao ou eliminac;ao (caso do Porta) das disciplinas medicas com o correspondente alargamento da area das disciplinas de tradic;ao sociol6gica. S6 com as alterayoes introduzidas na viragem da decada se iniciara a inflexao das escolas para a Iaiciza~ao da formac;ao, com expressao numa clara diminuic;ao da componente filosofico-doutrinario e abandono dos ensino dos metodos de Scrvic;o Social, a par da integrac;ao de outras abordagens (a abordagem marxista que penetra a formac;ao atraves da disciplina «introduc;ao as ciencias sociais»). Esta abertura a abordagens que nao as de tradicional intluencia na formac;ao dos assistentes sociais podera vir a enformar (potencialmente) os debates que no futuro sejam suscitados por outras propostas (tradicionais ou novas) que procurem moldar o Servic;o Social pela sua (exclusiva) funcionalidade a projectos socio-politicos nao demoCI·aticos.
8 (" ) Refira-sc, a este prop6sito, a impossibilidade de ter sido viabilizado tnn projccto de cria~;ao de tnn Centra de Estudos Sociais no Instituto Superior de Servi~o Social do Porta, por lidta de recursos humanos c financeiros con forme da conta o relat6rio de actividades do ISSSP ( 1966), ao qual esteve ligado o Professor Aderito Sedas NUNES, entre outras personalidades cat6licas. Tambem em 1966 sera (pela primeira vez no caso da escola do Porto) pedido apoio financeiro ao Ministcrio da Educa9ao Nacional. 69 ( ) Refira-se o caso do ISSSP, pclo seu envolvimento na Obra Diocesana de Promo\;ilo Social (trabalho comunitario e cria~ao de equipamentos sociais) e no Centro Social do BatTedo. dentre as mais significativas.
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Intervent;:ao Social
Em jeito de conclusao dirfamos que a amilise desenvolvida procurou reflectir a forma9ao dos assistentes sociais no quadro das contradi96es do estado, atraves dum percurso iniciado corn a designada «Constru9ao do Estado-Novo» de Salazar, que se prolonga pela «Diversifica9ao do Regime» no p6s-guerra e manifesta9ao crescente das tensoes no seio do estado nos anos 50 ate ao esgotamento do modelo corporativo-autoritario na crise que se aprofunda nos anos 60. As contradi96es do modelo de regula9ao (corporativa-autoritaria) do Estado-Novo eo caracter tensional da sua reorienta9ao conjuntural expressam-se no caracter concorrencial e ambivalente do processo de atribui9ao de identidade ao Servi9o Social. Simultaneamente, a ambivalencia do espa9o de interven9ao e estatuto academico da forma9ao criou alguns espa9os de afirma9ao de autonomia da institui9ao academica na determina9ao da traject6ria do Servi9o Social na sociedade portuguesa. Nos anos 30 o monolitismo ideol6gico-doutrinario que institucionaliza a forma9ao e viabiliza o seu enquadramento legal pelo sistema educativo nacional tera potenciado as escolas a desvaloriza9ao posterior de outras propostas para o Servi9o Social, nomeadamente as propostas que reactualizam o conservadorismo corporativista e medico-assistencialista, veiculadas por outros sectores estatais no p6s guerra. 0 confronto de outras forma96es no interior das escolas e diversifica9ao do pensamento cat6lico concorrem para a clarifica9ao do espa9o de interven9ao profissional, viabilizada pelas altera96es sancionadas em 1956 corn o distanciamento formal do conservadorismo ideol6gico, reorienta9ao do Servi9o Social para o terreno da polftica social e cria9ao da escola do Porto. Finalmente o embate corn estrategias socio-culturais que concorrem para a desligitima9ao polltica das escolas privadas, potenciaram o reforw da forma9ao pelos saberes tecnicos e/ou cientfficos, desloca9ao do Servi9o Social para o campo das ciencias sociais e compromisso corn interven96es e projectos locais. Momentos igualmente importantes e que globalmente fizeram esta hist6ria, uma hist6ria feita de encruzilhadas e caminhos varios que as escolas e os assistentes sociais foram construindo e continuarao a construir, qualquer que seja o sentido dos desenvolvimentos futuros.
Janeiro de 1996
COMENTARIO A FORMA<;AO ACADEMICA DOS ASSISTENTES SOCIAlS: - Uma retrospectiva critica da institucionaliza~ao do Servi~o Social em Portugal Pelo Prof Stephen R. Stoer «Boa tarde. Limitar-me-ei a tres ou quatro comentarios. Um primeiro comentario e sobre o meu relacionamento com esta tese: de facto, tenho escrito e tenho trabalhado na area da sociologia da Educa9ao, focalizando, muitas vezes as questoes que tem com o Estado e com o desenvolvimento da escola de massas, da escola laica, gratuita e obrigat6ria, sobretudo em Portugal. Vivo em Portugal ha 20 anos, e cada vez mais, sinto que e a unica realidade social que conhe9o minimamente. Relaciono-me ainda com esta tese porque ela tem que ver coma forma9ao e esta e uma area (hoje em dia) muito estudada pelos soci6logos de educa9ao. Assim, mais uma vez, a minha area de especializayao parecia ser uti! para o desenvolvimento da tese de Alcina. Acho que uma tese sobre forma9ao (o que eu chamaria «O primeiro pas so» este primeiro pas so da Alcina Monteiro) a qual e uma delimita9ao social, econ6mica, cultural, neste caso das implica9oes do processo da institucionalizayao da forma9ao academica em Servi9o Social em Portugal - e um primeiro passo muito importante assumir.Havera muitos mais passos a seguir pm·que, de facto, o campo de forma9ao hoje em dia esta a tornar-se cada vez mais, eu nao diria importante, mas cada vez mais reflectido como sendo um dos meios pelos quais se promove o desenvolvimento humano e social. Tra9ar a evolu9ao da forma9ao academica em Portugal de Servi9o Social tem que ver com tudo o que esta na base da forma9ao de assistentes sociais passando, seguramente, pelas concep9oes do saber que alicer9am esta forma9ao, a relayao que existe entre os diferentes saberes, a transmissao desses saberes e avaliayao da eficacia desta transmissao, as fronteiras que existem entre as diferentes disciplinas ou
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Interven9ao Social
os diferentes saberes e as fronteiras que existem entre as instituiy5es de formayao e o trabalho dos assistentes sociais fora dessas mesmas instituiy5es. Tudo isto conduz-nos a uma reflexao, nao so sobre a evoluyao da formayao, mas sobre, o proprio ensino do serviyo social e sobre a formayao para a investigayao em Serviyo Social, sob re a formayao para investigayao do agir (como se diz no cartaz deste encontro). 0 segundo comentario que eu queria fazer tem que ver com o peso (fiquei bastante impressionado ouvindo outra vez a Alcina) da familia, ou das famflias, nesta historia da evoluyao do Serviyo Social em Portugal. Ontem, assisti a uma conferencia no Porto proferida por uma sociologa francesa que se chama Susanne Mollo, e foi muito interessante ouvir esta investigadora falar sobre o desenvolvimento do ensino infantil em Franya que hoje em dia assume qualquer coisa como 100% da populayao nacional a partir de 3 anos de idade (e 95% a partir de 2 anos de idade). A Susanne Mollo explicou que o desenvolvimento do ensino infantil em Franya passa, basicamente, por uma defesa dos direitos da crianya: os direitos da crianya na grande tradiyao da Revoluyao francesa que acabou por promover a institucionalizayao da meritocracia. De facto, e talvez paradoxalmente, o desenvolvimento da meritocracia em Franya acabou por tornar possfvel que uma especie de curto-circuito da familia se fizesse (e e interessante pensar nisto hoje em dia numa sociedade, como a francesa, onde ha tanta diversificayao cultural a nfvel familia). Desenvolve-se, atraves da crianya, o princfpio dos direitos de todas as crianyas pela via da escola para todos, o que nao comeya somente aos 5 ou 6 anos de idade mas aos 2 ou 3 anos de idade! Ha aqui, uma questao de fundo que nos deve preocupar: quais os efeitos sobre a sociedade desta socializayao da crianya, tao precoce e aparentemente tao homogenea, feita pela escola no nome da propria crianya? 0 que e interessante para mim, referindo de novo o trabalho da Alcina, e a maneira como o Salazarismo, o Estado Novo e o desenvolvimento do Serviyo Social em Portugal sob o Estado Novo se configuram para por em causa o desenvolvimento da meritocracia, a maneira como as familias (e era a tal familia tradicional que foi aqui referida por Alcina) se tornaram no modelo-base do desenvolvimento de um sistema de formayao, claramente baseado no estatuto herdado, e nao no estatuto conseguido da meritocracia. Isto provocou, na minha opiniao, as consequencias terriveis no que diz respeito ao desenvolvimento posterior da escola para todos em Portugal. Estou cada vez mais convencido que o Estado Novo af teve uma influencia tremendamente negativa, porque acabou por reforyar o que ja existia (sabendo nos como a I Republica nao conseguiu diminuir significamente no pais o fosso entre as elites eo povo ). 0 Salazarismo veio, pois, agravar ainda mais a situayao o que tern muito aver, na minha opiniao, com o facto de existir ate hoje em Portugal um sistema de educayao escolar ainda muito rudimentar, para nao falar em
Comentario a Fonnw;ao Acadcmica dos Assistcntes Sociais
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tudo o que se passa (ou melhor, que nao se passa) no campo da educayao fora do quadro do sistema escolar. 0 aviso de Suzanne Mollo quanto a situa9ao francesa nao significa que nao se quer mais promover a meritocracia em Portugal. Nos precisamos da escola meritocnitica, e precisamos deJa porque e atraves da escola meritocratica que se desenvolve a escola democn1tica. 0 aviso de Suzanne Mollo sugere que para chegar a esta Ultima tem que haver um outro relacionamento baseado num respeito pela diferenya entre o Estado e a sociedade civil. Nao tenho tempo para desenvolver mais esta problematica aqui, mas seria uma discussao muito relevante para os proximos passos que o proprio trabalho da Alcina Monteiro vai agora tomar: isto e, ha uma serie de questoes que tem aver com o que ela intitula na tese como «autonomia relativa do campo de forma9iio» ou facto de os agentes formadores nao serem os agentes produtivos da sociedade; em vez disso, sao os agentes do poder simbolico, sao os agentes reprodutores que vao tendo, como sabemos, nas nossas sociedades cada vez mais importancia. Os proximos passos talvez possam apontar para a analise destes agentes. As metodologias qualitativas pod em ser muito interessantes (e sei que no Brasil ja se esta a desenvolver trabalho nesse sentido- historias de vida, por exemplo, dos formadores se Servi9o Social). Um terceiro comentario que se inscreve ainda nesta preocupayao com os proximos passos, refere-se a necessidade de pensar a forma9ao em relayao ao mercado de trabalho. Ora bem, ha aqui, evidentemente todo um mundo para investigar, que tem que ver com o proprio desenvolvimento do assistente social como profissional -a profissionalizayao desta area de especializayaO. Como e que os assistentes sociais tem vivido o facto de serem na grande maioria funcionarios publicos? Quais os efeitos desta «funcionarizayiio» sobre a maneira como os assistentes sociais pensam neste pafs? Como actuam? Etc .... Por Ultimo, esta reflexao sobre a relayao entre a forma9ao e o mercado de trabalho (ou, talvez melhor, o mercado de emprego) passa por questoes que tem que ver com o desenvolvimento das institui96es profissionais: as associa96es e os sindicatos dos assistentes sociais. 0 controlo que os proprios assistentes sociais fazem da sua profissao, o codigo deontologico, todas estas questoes que dizem respeito a relayao entre profissao, forma9ao para profissao e entrada no mercado de trabalho. Penso que estes sao os comenUirios mais importantes que eu queria fazer. Ao acabar gostaria de refor9ar, mais uma vez, as implica96es que foram aqui enfatizadas por Alcina no processo da institucionalizayao da forma9ao academica do Scrviyo Social, isto e, o forte peso que sentimos da estrutura de classes sobre todo este desenvolvimento- uma estrutura de classes e um Estado muito especial, ambos que resultaram da historia especffica deste pafs, designadamente da sua localizayao semiperiferica (referido por Alcina)- e das condi96es especiais que no seculo XX determinam, e delimitam, a maneira como o Servi9o Social se vai desenvolvendo ao longo deste seculo. Sera interessante ver como as modifica96es mais recentes do
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Interven~ao
Social
Estado (a passagem de urn Estado autoritario para urn Estado democratico), o facto da estrutura de classes se estar a modificar radicalmente atraves da transi~ao rural-urbana em Portugal, como e que tudo isto vai afectar a proxima gera~ao de assistentes sociais, etc. Para nao prolongar mais, dado que ha pouco tempo, vou parar aqui. Muito obrigadoÂť.
AS REPRESENTA(:OES SOCIAlS DA PROFISSAO DE SERVI(:O SOCIAL Maria Augusta Geraldes Negreiros
* "Trata-se de compreender, nao mais a tradi~路ao, mas a inova~路ao, nao mais uma vida social )6 feita, mas a vida social em vias de sefazer" Mosco\'ici, 1989
Introdu~ao
Conhecer qual e na actualidade o pensamento social sobre a profissao de Serviyo Social foi o prop6sito que esteve subjacente arealiza9ao do trabalho empfrico em que assenta esta comunica9ao. Assim (trabalhando um segmento), o ponto de partida para esta pesquisa foi o questionar-me se, o aparecimento do servi9o social nas autarquias (num quadro de defini9ao do municfpio enquanto poder local, que incorpora novas competencias na esfera social), produz sobre o assistente social representa96es pr6prias? Efectivamente sabemos que a partir de meados da decada de 70 1 e no decurso da decada de 80 ocorrem altera96es significativas na forma9ao e na profissao de serviyo social em Portugal que terminam no final da decada com a atribui9ao do grau academico de licenciatura aos curs os superiores de servi9o social, e, em 1991, com a cria9ao da carreira de tecnico superior de servi9o social, a nfvel da fun9ao publica 2, nivelando estes profissionais aos restantes licenciados. De igual forma ocorrem importantes altera96es a nfvel da constitui9ao e organiza9ao das autarquias. Tendo presente este contexto, realizei esta pesquisa sobre AS REPRESENTAr;6ES SOCIAlS DA PROFISSAO DE SERVIr;O SOCIAL, a partir de material Professora do ISSSL, Coordenadora da Area de Servi9o Social no Conselho Cientifico Para uma am\lise mais circunstanciada !er A Constru~ao do Conhecimento em Servi~o Sociai-Perfodo 1974-78 de M." Augusta Negreiros et all, pag. 131-145 2 Dec.-Lei n. 0 296/91 de 16 de Agosto. 1
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Interven<;ao Social
recolhido em 1985 em tres autarquias da area metropolitana de Lisboa, o quadro teorico da pesquisa referencia-se ateoria das representa96es sociais. Seguidamente tratarei o tema desdobrando-o em tres pontos, No primeiro ponto trabalhando o quadro de referencia teorica da pesquisa refiro-me ao conceito de representa9ao social seus elementos constitutivos e sua estrutura. No segundo ponto e apresentaclo c trabalhado o objecto da pesquisa, ou seja como se entendem e a partir de que elementos se constroiem as representa96es sociais sobre o assistente social emitidas pclos sujeitos, procedendo-se aanalise do material discursivo das entrevistas realizadas aos tecnicos, autarcas e administrativos. A partir deste ponto de chegada tenta-se indagar se estas representa96es se encontram estabilizadas ou estao em transforma9ao.Tentando responder a esta questao, busca-se a logica da forma9ao e transforma9ao dessas representa96es, articulando os seus elementos fundamcntais (tanto nas dos parceiros como nas dos proprios assitentes sociais) com o scu universo simbolico, experiencias anteriores, experiencia presente; dos entrevistados, c coma propria autarquia enquanto organizayao democraticamente eleita, com competencias na esfera social; e corn as concepy6es e conteudos da forma9ao. lsto conduziu a uma analise da causalidade desse jogo de representa96es situado no contcxto institucional e historico.
Finalmente nas conclus6es sao aprcscntados de forma sintetica e articulada os novos conhecimentos a que se chcgou relativamente ao objecto-profissao de servi9o social no quadro autarquico. De igual forma sao abordadas as linhas tendenciais e as consequencias ou efeitos quer a nfvel simbolico quer a nivel das rela96es ou interay5es sociais que podem vir a ser estabelecidas com esta profissao.
PARA UMA COMPREENSAO DO CONCEITO DE REPRESENTA<;AO SOCIAL 0 conceito de representa9ao social e um conceito complexo, polifacetado e dificil de sintetizar. Moscovici adverte-nos de isto mesmo: "see facil captar a realidade das representa96es sociais, nao e facil captar o conceito" (Moscovici, 1976). Trata-se de um conceito hibrido, onde se entrecruzam no96es de origem sociologica, tais como ideologia, cultura, norma, valor e no96es de origem psicologica como imagem, pensamento, opiniao, atitude. Estas no96es que muitas vezes sao estudadas de forma isolada, aqui, sao organizadas em fun9ao de uma estrutura que esta relacionada com o conhecimento da propria realidade.
As Representa<;ocs Sociais da Profissao de Servi<;o Social
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Assim para Jodclet, que juntamcntc com Moscovici e uma invcstigadora das mais significativas sobrc este tema, reprcscntayilo social e uma forma de conhccimcnto, socialmentc elaborado e partilhado, tendo uma faceta pn1tica c concorrcndo para a constru9ilo de uma rcalidade comum a um conjunto social. Igualmcntc dcsignada como sabcr de senso comum ou ainda "sabcr ingenuo", "natural", csta forma de conhccimcnto e distinta entre outras do conhccimento cientffico. Outros autorcs como Di Giacomo, privilcgiam o seu can'icter cstruturado: "Um conjunto de opini6es nilo constitui con tu do uma representayilo social ... o primeiro criterio para identificar uma rcprcscntayilo social e que ela estc'i estruturada (Di Giacomo, 1987). Outros ainda acentuam a rcla9ilo entre rcprcscntay6cs sociais e certos factorcs s6cio-cstruturais como a posi9ilo ou estatuto social. Assim, Doise afirma: "as represcntay6cs sociais silo princfpios gcradorcs de tomadas de posi9ilo ligadas as inseryi5cs cspccfficas no conjunto das relayi5cs sociais e organizam os proccsso simb6licos implicados nessas relayi5cs (Doisc, 1986). Podercmos cntilo afirmar que as representa96cs sociais estao ligadas a sistemas de pensamento mais amplos (ideol6gicos ou culturais), ao cstado dos conhecimcntos cientffiCOS, a COndiyilO social ea experiencia privada e afectiva dos indivfduos. Silo fen6menos complexos c sempre actuantes na vida social. Se por um !ado a rcprcsenta9ilo social e um produto de uma realidade exterior, pensamento que se consubstancia em determinado contcudo: informayi5cs, imagem, valores, atitudcs, cm rcla9ilo a um determinado objecto - pois nilo ha represcntayilo sem objecto- por outro !ado ela e um proccsso, uma actividadc de apropriayilo da realidade e de claborayao psicol6gica e social dessa realidade - e a rcprcscntayilo social de um sujcito (indivfduo, grupo, familia, classc ). Com efcito, reprcscntar cmTesponde a um acto de pensamento pelo qual um sujcito se relaciona com um objecto. Enquanto contcudo concreto do acto de pensar a rcprcscntayilo social traz a marca do sujeito e da sua actividade, donde o seu can'ictcr construtivo, criativo. Reprcsentar e re-aprcscntar, assim, se por um !ado ela tem uma parte de reconstruyilo de interpretayilo do objecto, por outro !ado cla ea forma cxprcssiva do sujeito (Jodclct, 1989).
ELEMENTOS BASE, ESTRUTURA E MECANISMO DAS REPRESENTA(,:OES SOCIAlS As reprcscntayi5es sociais constroiem-se a partir de varios materiais com origens divcrsificadas. Uma parte significativa dcsscs materiais silo rcsultantcs de uma base cultural acumulada na sociedade ao longo do scu processo hist6rico.
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Interven<;:iio Social
Trata-se de urna base cultural cornurn que circula e atravessa a sociedade, sob forma de cren~as partilhadas, valores basicos, referencias historicas e culturais que constituem a memoria colectiva e a identidade da propria sociedade. Urn outro elemento a partir do qual se formam as representa~6es sociais e a social na sua diversidade de formas, conteudos e modos. Corn efeito, comunica~ao e linguagem jogarn urn papel fundamental nas trocas e interac~6es de informa~oes, valores, conhecimentos, opinioes, cren~as, rnodelos de conduta. comunica~ao
Outro elemento importante na constru~ao das representa~6es sociais e a insersocial dos sujeitos que intervem nao so pelo seu canicter selectivo, relativamcntc aos conteudos comunicacionais. rnas tarnbern pela influencia do tipo de experiencia pessoal estabelecida corn o objecto de representa~ao. Assim, diferentes inser~6es sociais (posi~ao, fun~ao social, perten~a de classe) produzem experiencias pessoais diversificadas que condicionam a rela~ao corn o objecto representado assim corno a natureza do conhecimento que se alcan~a sobre ele. ~ao
Como e que a partir de elernentos tao dispares, diversificados e numerosos, tanto na sua natureza como na sua origem, se estruturam as representa~6es sociais? A pertinencia desta interroga~ao justifica-se pm路que sabernos que as representa~6es sociais nao sao entidades constituidas por um sornatorio acumulada de elementos desconexos. Por outro !ado, e evidente a heterogeneidade entre os valores, informa~6es, imagens, cren~as, atitudes, elementos que fazern parte das representa~6es sociais. Entao, como se estruturam as representa~oes sociais e como se constituem em unidades organizadas, tanto nos seus aspectos cognitivos como sirnbolicos? A esta questao responde Moscovici nas suas pesquisas (1961 ), apontando a existencia de tres eixos a partir dos quais se estruturam as componentes de uma representa~ao social: a atitude, a informa~ao e o campo de representa~ao. A atitude diz respeito a predisposi~ao, mais ou rnenos favoravel que tern uma pessoa face a determinado objecto. Ela expressa assirn a rela~ao afectiva com o objecto. Expressa o caracter dinamico de representa~ao social ao desencadear urn conjunto de reac~6es ernocionais, envo1vendo ou implicando as pessoas em rela~ao ao objecto com maior ou menor intensidade. Mesmo quando a representa~ao social tem um caracter difuso, porque a pessoa ou os grupos nao possuem a informa~ao suficiente sobre o objecto, isso nao as impede de tomar posi~ao sobre o mesmo. Esta rela~ao, esta fun~ao dinamica. tem por base a atitude.
As
Reprcscnta~ocs
Sociais da Profissao de
Scrvi~o
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A infonnaqrlo refere-se aos conhecimentos que se possuem sobre o objecto representado. Esta informayao varia em quantidade e qualidade segundo os grupos sociais, os meios de acesso ainformayao e os diversos objectos. Assim, a inseryao social dos grupos de pertenya e das pessoas que os constituem vai interferir na precisao e quantidade de informayao disponfvel, ou seja, a propria natureza do objecto varia para os diferentes grupos sociais 0 campo da representaqrlo diz respeito aorganizayao e hierarquizayao dos elementos que constituem a propria representayao social. Refere-se portanto aforma como esses elementos se estruturam. 0 campo de representaqrlo organiza-se em primeiro lugar a partir de um nucleo central ou esquema figurativo que constitui a parte mais solida e estavel da representayao e e significativamente articulado. 0 tempo e o espayo em que e representado o objecto, as suas coordenadas sociais, pertencem a esta dimensao que serve para contextualizar as representay5es sociais dos sujeitos. 0 nucleo figurativo constroi-se por meio do processo de objectivaqrlo a partir do qual sao transformados em imagens os diversos conteudos abstractos e conceptuais relativos ao objecto. Euma reificar;ao do pensamento.
APRESENTA<;:AO DO OBJECTO DE ESTUDO- METODOLOGIA Se como vimos, na decada de 80 ocmTem alteray5es significativas na formar;ao e na profissao de servir;o social (com repercurssoes quer a nfvel da atribuir;ao do grau academico, quer das carreiras profissionais), tambem em Portugal a partir de 74, se dao importantes transformar;oes no quadro socio-polftico do pafs, com grandes alterar;oes na origem, legitimar;ao e organizar;ao das autarquias enquanto poder local, e, consequentemente na sua relar;ao com os munfcipes Assistindo-se nesta decada a uma etapa importante no processo de construr;ao e legitimar;ao social da profissao, e nosso objectivo: estudar o pensamento social sobre a profissao de S.S., nas autarquias enquanto organizayao, especfficamente atraves da: - identificar;ao das representar;oes sociais existentes - analise do seu processo de formar;ao e construr;ao A partir da tese basica de Bertilsson (1990) de que as profissoes sao "constitutivas" de cidadania, e, vice versa a cidadania e "constitutiva das profissoes modernas, ou ainda de que existe uma ligar;ao constitutiva entre a extensao dos servir;os pro-
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Intervenyao Social
fissionais e as reivindicay5es do indivfduo moderno para possuir urn estatuto de cliente ou de cidadao, e minha intenyao introduzir este angulo na analise, tentando entender se a nfvel das representay5es sociais esta articulayao profissao/"cidadania", e profissao/"direitos sociais" e "extensao de serviyos", faz parte do universo cognitivo e simb6lico dos sujeitos. Para a realizayao da pesquisa optamos por uma metodologia de natureza qualitativa atraves da utilizayao da entrevista estruturada, tendo selecionado tres autarquias da area periferica de Lisboa a partir dos seguintes criterios: - Existencia de Serviyo Social integrado na autarquia enquanto organizayao, ha pelo menos tres anos; - Existencia de urn mfnimo de tres A.S. por autarquia. 0 universo dos entrevistados era constitufdo pelo pessoal da organizayao autarqmca. Seguidamente podemos ver neste primeiro quadro o n. 0 de entrevistados por categoria 0
Quadro N. 1 NUMEROS DE ENTREVISTADOS POR CATEGORIAS Camaras
Autarquias Dirig. eleitos
Assistentes Sociais
Outros Quad. Tecnicos
Aclministrativos
Total
A
2
3
-1
3
12
B
3
-1
8
2
17
c
3
3
7
2
IS
TOTAL
8
10
19
7
-1-1
0 Pensameno Soial sobre o Assistente Social Da analise do material discursivo das entrevistas realizadas aos tecnicos, autarcas e administrativos, infere-se a existencia de quatro posiy5es distintas no grupo de entrevistados, relativas aprofissao de Serviyo Social.
As
Representa~oes
Sociais da Profissao de
Scrvi~o
Social
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Assim na posi~ao I, referente ao primeiro grupo de entrevistados, o assistente social e visto como alguem que responde a situa~oes de can3ncia, trabalhando com popula~oes pobres ou desprotegidas e actua em termos de respostas individuais. Quando nao tem meios de resposta, ou os recursos sao escassos, pode ouvir as pessoas, estabelecer com elas boa rela~ao, compreende-las e dar-lhes algum conforto. Evisto pelas pessoas como alguem que apartida vai ajudar a estabelecer o equilfbrio, e evitar o conflito. Na posi~ao II, o segundo grupo, encara o Assistente Social por um !ado com um leque de interven~ao muito amplo, pode "dar para tudo", "generalista" o que a deixa a merce da polftica institucional, por outro !ado, em termos praticos a ac~ao concretiza-se na realiza~ao de tarefas pontuais e urgentes. Uma terceira posi~ao, a mais radical, atribui a ac~ao do A.S. uma dominante polftico-ideol6gica, ou seja, toda a ac~ao no social tem uma componente ideol6gica, na medida em que esta ao servi~o dos grupos ou classes no poder. Para o quarto grupo- posi~ao IV, o A.S. e considerado um tecnico com competencias especfficas, podendo analisar os fen6menos sociais, fazer propostas e formular estrategias de interven~ao, em ordem amudan~a das situa~oes. Sao-lhe atribufdas competencias cientffico-tecnicas no domfnio do conhecimentos e no domfnio da interven~ao.
Estrutura e Forma\ao das Representa\oes As quatro posi~oes ati路as referidas, pressupoem uma analise que nos revele qual a estrutura ou os eixos fundamentais em que se apoia a constru~ao das representa~oes e que nos forne~a elementos mais diferenciados referentes ao conteudo das mesmas. A analise da profissao de Servi~o Social (ocupa~ao que se concretiza numa pratica), constitui-se por esse facto, enquanto objecto representado, um fen6meno social e, simultaneamente, pela percep~ao dos seus conteudos e formas de actua~ao numa representa~ao cognitiva. Ao tentar articular as duas dimensoes, social e cognitiva, presente nas quatro posi~oes referidas, vamos procurar entender, a partir da no~ao de representa~ao social, por um !ado, os seus conteudos (cognitivos), por outro !ado a sua dinamica em rela~ao ao objecto. Em que sistemas de pensamento cognitivo-ideol6gicos se inserem, que comportamentos desencadeiam, que rela~oes e expectativas desenvolvem relativamente aprofissao de Servi~o Social.
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Interven~ao
Social
Procederemos em seguida a amilise do material discursivo dos entrevistados quanto ao processo de objectiva<;ao que, como referimos e urn processo fundamental, segundo Moscovici, na constru<;ao da representa<;ao, ou seja, como se materializa o conhecimento da profissao em objectos concretos, como se retem selectivamente esses elementos, se reorganizam livremente e se estrutura urn modelo figurativo ic6nico simples. Assim, constatamos que as afirma<;6es dos entrevistados se estruturam em trono de alguns elementos: - quanto ao quadro em que se desenvolve a actua<;ao do profissional e - quanto ao modo como se exerce essa actua<;ao. Quanto ao quadro em que se desenvolve a actua<;ao vamos encontrar dois polos: -os que focalizam/retem a actua<;ao do assistente social a nfvel individual/pessoal; -os que privilegiam a actua<;ao do A.S. a nfvel social-colectivo. Quanto ao modo como se exerce a actua<;ao, referenciamo-nos aqui as capacidades (caracterfsticas pessoais e tecnicas) e aos instrumentos de trabalho, constatamos tambem duas posi<;oes: -os que privilegiam as capacidades e atitudes pessoais, cuja identidade atribufda e de natureza vocacional; , -os que valorizam as capacidades tecnicas, os instrumentos de trabalho, o conhecimento te6rico a especializa<;ao, caracterizadores de uma identidade e actua<;ao profissional. Assim para o primeiro grupo, Posi\ao I, o quadro em que se desenvolve a actua<;ao e fundamentalmente de natureza individual ou familiar, os problemas situam-se (originam-se) a esse nlvel e, a esse nfvel deverao ser trabalhados. 0 que se pode constatar pela seguinte transcri<;ao: "Acho que e indispensavel (o A.S.). Todas as famflias tern os seus problemas de caracter social, moral, etc., tudo isto tern de vir a lume para poder ser minorado ... sao aspectos que a A.S. apanha melhor que qualquer outro tecnico". (Arquitecto) No que se refere aos instrumentos utilizados pelo assistente social, ganham relevo as suas qualidades e atitudes pessoais. Nao ha separa<;ao entre caracterfsticas e atitudes pessoais e instrumentos e capacidades tecnicas. Os instrumentos de tra-
As Rcpresentac;oes Sociais da Profissao de Servic;o Social
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balho sao de natureza etico-valorativa, humana, e nao do domfnio cognitivo ou tecnico. As qualidades valores que aparecem referenciadas sao: "boa rela9ao humana", "saber ouvir", "saber conciliar", "humildade", "espirito de sacriffcio", "compreensao"' "disponibilidade". Os problemas sociais captam-se subjectivamente (nao e identificado qualquer instrumental te6rico ou tecnico que mediatize a ac9ao) e a actua9ao deve responder a uma voca9ao de servic;o: "0 A.S tem que ser uma pessoa com muita forc;a de vontade, muito motivada para a sua profissao, para a sua func;ao.Tem que ter uma grande aproximac;ao com os outros. Para se aperceber dos problemas, tem que ter uma boa relac;ao humana ... tudo o que e servir o proximo e bom. Para se ser A.S. tem que se ter vocac;ao". (Administrativa). A concretizac;ao desta posic;ao num modelo figurativo ic6nico e formulada sinteticamente pelos pr6prios entrevistados. E se nalguns casos surge com uma carga ir6nica, nao deixa de exprimir uma certa densidade simb6lica: Para o segundo grupo, Posi\ao II, o quadro em que se desenvolve a actuac;ao, embora se situe frequentemente a nivel individual ou familiar, tambem pode desenvolver ac96es num il.rnbito social mais amplo, com instituic;oes ou grupos de populac;ao. No que se refere aos instrumentos e capacidades e reconhecida a existencia de prepara9ao tecnica e profissional. Continuam aqui a ser valorizadas atitudes e caracteristicas pessoais, mas onde se encontra a maior diferenciac;ao nesta posic;ao, e na percepc;ao do "como" e do "modo" de actuar. A A.S. e vista como desenvolvendo mais acc;oes de resposta imediata a solicitac;oes de outros (direcc;ao e servic;os da Camara, instituic;oes e pessoas da popula9ao) tendo portanto um cariz mais executivo do que acc;oes organizadas e estruturadas, respondendo a objectivos e modos profissionais de actuar. Daf a percepc;ao de que "da para tudo" o que a deixa a merce da execuc;ao pontual da polftica institucional e da sua urgencia pragmatica. 0 modelo figurativo ic6nico, aparece concretizado como: "Pronto Socorro", "Bombeiro". Quanto a Posi\ao Ill, trata-se de uma posic;ao residual referenciada apenas a um unico entrevistado, em que nao se fornecem muitos elementos sobre o processo de objectiva9ao, mas que e bastante esclarecedora quanta ao processo de ancoragem.
90
lnterven9ao Social
A actua~ao do A.S. e analisada criticamente a partir do ponto de vista polftico-ideo16gico do entrevistado. Esta questao sera desenvolvida mais a frente quando tratarmos do processo de ancoragem. Para o 4. 0 grupo, Posi~ao IV, o quadro de actua~ao do A.S. eo contexto social. 0 trabalho do A.S. consiste em analisar os fen6menos sociais "conhecer e interpretar a realidade social", "analisar os problemas da vida em comunidade" e desenvolver processos de interven~ao: Contrariamente ao 1. 0 grupo, insiste-se sobre o polo da profissdo. 0 A.S. tern contribui~oes tecnico-cientfficas especfficas e elabora propostas profissionais adequadas:
"E muito importante (a profissional). Euma outra 6ptica, uma outra maneira de ver as coisas. Penso mesmo que no sector da habita~ao havemos de chegar a um ponto em que um tecnico de S.S. ha-de ser chamado antes de se realizarem as coisas. Ha-deter uma primeira palavra a dizer". (Ge6grafo) E mesmo em sectores nao tradicionais para o S.S. como o planeamento urbanfstico: "Penso que pode ser um elemento importante em qualquer equipe de planeamento, na codifica~ao dos agentes sociais em presen~a, face a um problema. Pode contribuir para a reformula~ao de propostas dos outros tecnicos, relativamente as estrategias de inferven~ao". (Ge6grafa, A)
Edado grande relevo a sua prepara~ao e capacidade para o estabelecimento de rela~oes
coma popula~ao, e dito: "Sao tecnicos especializados no contacto com as popula~oes". "Penso que sao os interlocutores melhores para uma liga~ao directa a popula~ao" (Arquiteta A.) " ... a ideia e que quem tiver um programa de trabalho em contacto intenso com a popula~ao, precisa de ter tecnicos de servi~o social." (Presidente) Sao-lhe atribufdas capacidades tecnicas no domfnio da comunica~ao/rela~ao e no domfnio da informa~ao e da legisla~ao, dos direitos dos cidadaos. Quanto as qualidades pessoais aparecem preconizadas, com mais incidencia e em contraponto ao 1. 0 grupo, qualidades activas tais como: "dinamicas", "inteligentes", "abertas", "objectivas", "com iniciativa", "imagina~ao", "ousadia". 0 modelo figurativo que aparece referenciado com muita frequencia e: "Interlocutores privilegiados no contacto comas popula~oes".
As Reprcsentac;oes Sociais da Profissao de
Scrvi~o
Social
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Ap6s termos analisado como e que atraves dos discursos dos entrevistados se organiza e objectiva o conhecimento da profissao, vamos mostrar o quadro seguinte em que sao esquematizados de forma estruturada, os processos de objectiva~ao e de ancoragem. 1. A fase de objectiva~ao que conduziu a diferencia~ao das quatro posi~oes apresentadas, desenvolveu-se atraves de um processo de esquematiZCif'iio estruturante. Assim foi organizado o material discursivo dos sujeitos, identificando as coordenadas fundamentais estruturadoras do rnicleo central da representa~ao como se pode ver no quadro n. o 2
I e IV, os discursos organizam-se em fun~ao de: quadro de intersegundo os eixos intervenf'iio a nfvel individual!intervenrao a nfvel do social; e da natureza da propria interverwao, segundo os eixos vocarao vs profissao. Nas
posi~oes
ven~ao,
Nas posi~oes II e III os discursos organizam-se em fun~ao dos eixos instituirao!pro.fissao e instituir;ao!sociedade. Na posi~ao II a institui~ao e entendida no sentido administrativo/burocratico, onde exerce uma fun~ao determinante na ac~ao profissional. Na posi~ao III a institui~ao e entendida como estrutura de poder na sua rela~ao com a sociedade,sendo a sua fun~ao de natureza polftica, ficando o papel profissional dilufdo neste jogo. 0 micleo central de cada representa~ao social, esta expresso nas frases que integram as quatro posi~oes apresentadas no quadro n. o 2. de igual forma aparece explicitada a imar;em figurativa ou ic6nica, referenciada a cada uma das posi~oes. Assim para a Posi~ao I o nucleo central estruturador da profissao e explicitado como: "Ac~ao de resposta assistencial junto de pessoas com situa~oes de car路encia material ou moral, desenvolvendo atitudes de compreensao e ajuda em ordem a minorar a situa~ao". "Salvador" e a imagem figurativa ou ic6nica que lhe e referenciada. Para a Posi~ao II o nucleo central definidor da profissao aparece como "Ac9ao polivalente de resposta imediata a problemas individuais ou necessidades sociais consideradas urgentes". "Pronto socorro" ea objectiva9ao da imagem figurativa ou ic6nica que !he aparece associada. Para a Posi9ao Ill a profissao aparece no seu nucleo central identificada com "Ac9ao ilus6ria de intermediario entre a institui9ao enquanto instancia de poder e a sociedade, pm路que nao actuando nas estruturas, nao resolve a fundo os problemas". "Conciliador", ea figura ic6nica que lhe e atribuida.
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Interven~ao
Social
Para a Posi~ao IV, a profissao aparece definida no seu nucleo central como aquela que: "analisa e interpreta a realidade social para intervir em contacto corn as popula~oes, em ordem a mudan~a social". A figura ic6nica que !he aparece referenciada, ea de "interlocutor previligiado no contacto comas popular;oes". Quadro N. 0 2 A objectiva<;ao do Trabalho do Assistente Social PROFISSAO VOCAC,:AO
JNTERVENC,:AO SOBRE SOCIAL
POSIC,:AO 11
POSIC,:AO I
rosrr;Ao IV "Ac~i\o de resposta assistencial junto de pessoas com situa~6es de carencia material ou moral. desenvolvendo atitudcs de comprecnsfio c '~uda em ordem a minorar a situa~ao" "SALVADOR"
Analiza c interpreta a realidade social. para intervir, em contacto com as popula<;5es, em ordem a muclan9a social
"Ac~ao "polivalentc'' de rcsposta imediata a problemas individuais ou necessidades sociais consideradas ur-
gentes''
''PRONTO SOCORRO" INSTITUit;:AO '路CONCILIADOR"
''INTERLOCUTOR PRIVILEGIADO"
''Ac~i\o ilus6ria de intcrmediario entre a Institu i<;ao enguanto instancia de poder c a sociedadc. por-
quc nfio actuando nas
cstruturas. nao resolve a fundo os problcmas"
POSit;:AO Ill INTERYENt;:AO SOB RE 0 INDIYIDUO
PROFISSA.O
SOCIEDADE
2. Atraves do estudo do processo de ancoragem, vamos tentar compreender como e que estas posi~oes se inserem no universo simb6Iico e significante de cada actor e se tornam socialmente compreensfveis para os seus interlocutores. Assim, pela inser~ao do objecto representado (0 que e um Assistente Social?) dentro do sistema de pensamento estruturado, do sujeito, e que e integrada a informa~ao, e a elabora~ao da resposta ganha significado ao afirmar: e isto.
As Representa<;;6es Sociais da Profissao de Servi<;;o Social
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Este processo passa, segundo alguns autores, Abric (1987), Palmonari (1989), por etapas analiticamente distintas: - primeiramente a identificayao do prot6tipo ou do canicter modelico da representayao construfda sobre o Assistente Social. procede-se em seguida a inseryao desta categoria ou prot6tipo no universo do pensamento simb6lico/ideol6gico do sujeito. ---'-- finalmente integram-se as funy5es ou actividades atribufdas ao A.S. no sistema social mais amplo.
A identi{ica9ao do prot6tipo ou modelo, resulta da necessidade de organizar a informayao. Efectivamente, se pudessemos perceber cada entidade como totalmente unica, seriamos submergidos pelo excesso de informayao. Por isso, classificar os objectos, as pessoas ou os acontecimentos, e uma questao essencial. As categorizay5es nao s6 nos permitem a explicayao e compreensao das pessoas, mas tambem modelam as nossas acy5es e reacy5es e permitem-nos a interpretayao sensata das acy5es de outrem. (Semin 1989). Desta forma, sintetizando e condensando o conhecimento social, influenciam os comportamentos e as condutas SOCialS.
As fases do processo de ancoragem, assim como a explicitayao dos diferentes prot6tipos identificados atraves da amilise do discurso dos entrevistados e referenciados aos respectivos grupos, aparece visualisada no quadro n. 0 3. 0 prot6tipo assistencialista/humanista, atribufdo a acyao do A.S., pertence ao primeiro grupo, que considera os problemas sociais nas suas manifestay5es (nao nas suas causas) a nfvel dos indivfduos e famflias. Torna-se entao necessaria uma acyao de resposta as situay5es de carencia que podem originar o mal estar ou ser fonte de conflito. 0 A.S. vai desenvolver essa resposta de ajuda assistencial as situay5es de carencia, com objectivos de natureza correctiva, melhorar ou minorar a situayao, sendo-lhe atribufdas funy5es de ajuda, de apoio moral, e tambem as funy5es de estabelecer o equilfbrio e de evitar o conflito.
]oguete do poder sera o prot6tipo do A.S. daqueles que pensam os problemas sociais como a resultante das contradiy5es sociais do sistema. S6 uma alterayao das estruturas e das relay5es sociais pode supera-los. 0 A.S. deveria actuar nas estruturas sociais. Quando nao- posiyao crftica assumida pelo entrevistado- "e jogada nas situay5es" e portanto levada a fazer o jogo dos grupos ou classes no poder, assumindo o papel de conciliador ou intermediario. Os objectivos sao de natureza polftica.
'"'-1'-
Quadro N. 0 3 Fases do Processo de Ancoragem
Identifica~ao
do Prot6tipo
Grupo 1
Grupo 2
Grupo 3
Grupo 4
Assistencialista/ /Humanista
Pragmatista/ /Imediatista
Joguete do Poder
Tecnico Especffico para a Interven~ao Social
Os Problemas sociais quando se manifestam devem ser resolvidos de forma pragm<itica. Importa institucionalmente a utilidade e rapidez na resposta aos problemas e nao a sua questionaliao ou busca das causas.
Os problemas sociais resultam das contradi~;oes sociais do sistema. S6 uma altera~;ao das estruturas e das relay6es sociais pode supera-Jos.
Os novos processos sociais desenvolvidos pelas transforma~;oes s6cio/polfticas criaram outras necessidades e situa~;oes sociais.
Funt;6es de ajuda de natureza 0 '路Servi~o Social da para assistencial ou apoio moral. tudo" tem respostas para todas Estabelecer o equilfbrio, evitar as situa~;oes sociais. o conflito.
Intermediario, conciliador entre pessoal e entidade patronal.
Analizar os fen6menos sociais, propor solui;6es e intervir na solu~;ao dos problemas das
-" 2D :;:;
Inser~ao
do Prot6tipo no Os problemas sociais sao quadro do pensamento sim- entendidos nas suas manifestab6Iico/ideol6gico pn'-exis- ~6es (e nao nas suas causas) a tente no individuo, parti- nfvel individual e familiar. lhado pelo grupo de perten~a. Torna-se entao necessaria uma resposta its situa~6es de cm路encia que originam mal estar e podem ser fonte de conflito. Identifica~ao das fun~oes atribufdas no quadro social referenciado.
popula~;oes.
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As
Rcpresenta~6cs
Sociais da Profissao de
Servi~o
Social
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Pragmatista/Imediatista, e o prot6tipo daqueles que pensam que o A.S. e condicionado institucionalmente a desenvolver ac~oes de resposta imediata as necessidades sociais, sendo o A.S. remetido para o papel de executor das decisoes da polftica autartica. Os objectivos sao de natureza correctiva. Tecnico especifico para a intervenriio social e o prot6tipo do A.S daqueles que pensam que os novos processos sociais desenvolvidas pelas transforma~oes sociais e politicas, criaram outras necessidades e situa~oes sociais. Sao necessarios profissionais competentes para analisar a realidade social e intervir ne la, e que capacitem socialmente os individuos e grupos para resolver os problemas sociais, no sentido da mudan~a social. A incidencia destas quatro posi~oes no conjunto dos entrevistados aparece quantificada no quadro 11. 0 4 Constatamos que as representa~oes que aparecem corn maior incidencia sao a de "tecnico especifico para a interven~ao social" corn uma frequencia de 14 e uma percentagem de 41,7% e a "assistencialista/humanista" corn uma frequencia de 7 e 20,5% de percentagem. A "pragmatista!imediatista" apresenta-se corn uma frequencia de 4 e uma percentagem 12,1 %. Finalmente a de "joguete do poder", apresenta-se extremamente residual identificada apenas com urn entrevistado e tendo uma percentagem de 2,9% A Ultima coluna do quadro refere-se aos entrevistados cujos discursos , embora manifestem posi~oes e opinioes significativas em aspectos parcelares, nao fornecem elementos suficientes para articular e estruturar uma representa~ao. Quanto as posi~oes por categorias de entrevistados, constata-se uma maior incidencia de quadros tecnicos e autarcas na posi~ao que identifica o A.S. como "tecnico especifico para a interven~ao social". Enquanto que a maior incidencia de administrativos se situa na posi~ao que identifica o A.S.como "assistencia1ista/humanista" Procedendo seguidamente a analise das quatro posi~oes que dao origem a represociais diferenciadas, constatamos que a posi~ao identificada como assistencialista/humanista aparece como uma representa~ao claramente estruturada, estabelecida para os sujeitos, "e aquilo mesmo" "esta ali". Eolhada de forma end6gena com uma aprecia~ao positiva, o que manifesta uma identifica~ao do sujeito, dai o seu caracter end6geno. senta~oes
A posi~ao identificada como "pragmatista!imediatista" aparece representada, mais de forma ex6gena. Ha uma certa aprecia~ao crftica mas que visa mais as con-
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Interven~ao
Social
Quadro N. 0 4 Distribui<;iio das Posi<;oes por Categorias Assistencialista/ Humanista
Joguete do Poder
Autarcas
0
0
0
3
5
8
Quadros Tccnicos
4
I
2
10
I
18
Administrativos
3
0
2
I
2
8
7 (20.587c)
I (2,947c)
4 (12,12'k)
14 (41,17%)
8 (23,52'1c)
34 (lOO%)
Total
Tecnico Pragmatista Elementos Imediatista de Interven<;ao Insuficientes Social
Total
di~5es
institucionais exteriores ao profissional, ("penso que deve ser solicitada para mais especificas e organizadas") do que o proprio profissional. Explicitam no entanto como alternativa possfvel para inverter a solicita~ao pragmatista, a necessidade de "especializa~5es" em termos de forma~ao profissional e o aumento de profissionais. ac~5es
A posi~ao que identifica o A.S. como "joguete do poder" e uma posi~ao bastante crftica representada portanto de forma ex6gena, considera que o A.S. nao tem margem de nanobra e consequentemente nao temmuitas hip6teses no exercfcio da sua actividade. Tem uma posi~ao crftica nao s6 relativamente ainstitui~ao, mas tambem ao profissional que considera em termos de atitude "muito conformista" atribuindo esta atitude a estrutura da forma~ao. Finalmente a posi~ao que identifica o A.S. como "tecnico especffico para a social" a afigura-se uma posi~ao dinamica face a profissao, consideranclo-a uma profissao necessaria, com competencias especfficas e na qual se colocam expectativas. interven~ao
0 contexto socio-politico e organizacional De forma sintetica apresentamos alguns clados referentes ao quaclro social que contextualizou esta pesquisa.
As
Represcnta~cJes
Sociais cla Profissao clc
Scrvi~o
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Social
Esta-se em 1985 a sociedade portuguesa apresenta algumas altera<;6es profundas, relacionadas corn a dinamica gerada pelo quadro p6s-revolucionario do 25 de Abril de 1974, e sua evolu<;ao s6cio polftica. Donde destacamos: A democratiza<;ao da Sociedade Portuguesa ea cria<;ao de um Estado de Direito. A partir de 1976 come<;ou a vigorar urn regime de democracia formal ap6s a aprova<;ao da Constitui<;ao da Republica Portuguesa.
E consagrado
constituciona1mente o principio de autonomia das Autarquias Locais (Municipios e Juntas de Freguesia) e da descentraliza<;ao da Administra<;ao Publica. "Anteriormente a Abril de 1974, as autarquias locais estiveram praticamente afastadas de qualquer interven<;ao significativa no domfnio das polfticas sociais. Apresentando-se como servi<;os locais do Estado, a quem cabia a realiza<;ao de obras de infra-estruturas e o desempenho de fun<;6es fiscalizadoras e policiais, os municfpios alhearam-se deste modo da constru<;ao de equipamentos, da organiza<;ao de servi<;os, do desenvolvimento de programas de interven<;ao fundamentais para a vida das popula<;6es locais, como a ac<;ao social, a presta<;ao de cuidados de saude, a educa<;ao, a habita<;ao social." (Branco, F. 1991) Ap6s 1974 institucionaliza-se progressivamente o Poder Local e o seu quadro legal, passando as autarquias a ser eleitas pelos respectivos munfcipes. "A nova estrutura administrativa integra a existencia de autarquias locais com autonomia administrativa financeira (art. 238. 0 ). Uma importante legisla<;ao onde se destacam as "Leis das Finan<;as Locais" 3, as "Leis de delimita<;ao de competencias" 路1, e as leis estruturadoras do "funcionamento dos orgaos autarquicos" 5 permite hoje, a existencia de um quadro legal de funcionamento "politico-administrativo e financeiro aos orgaos do pod er autarquico". (Mozzicafredo, J. e al., 1988) Assim, sao alargadas as atribui<;6es e competencias das Autarquias (em com路dena<;ao corn a Administra<;ao Central), aesfera social, nos domfnios da: Educa<;ao e Ensino, proteccao ainfancia e 3." idade, acultura, tempos livres e desporto, adefesa e protec<;ao do meio ambiente.
' 5
Lei !1. 0 1/79; Lei 11. 0 1/97 e Lei !1. 0 98/84. Dec.-Lei n. 0 701-A/76: Lei 11. 0 79/77: Lei n掳 77/84 e Dec.-Lei !1. 0 100/84. Dec.-Lei !1. 0 701-A/76; Dec.-Lei !1. 0 B/76; Dec.-Lei !1. 0 100/84; Lei 11掳 25/85 e Lei
!1.
0
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Por forga das alteragoes polftico-ideol6gicas e dos movimentos sociais desencadeados ap6s Abril de 74, expandem-se na Sociedade Portuguesa as expectativas e reivindicagoes quanto ao acesso a Direitos Sociais. Institucionaliza-se progressivamente no pafs a partir de 1980, o sistema de Seguranga Social quer pela regionalizagao da sua estrutura organica quer pelo alargamento de ambito a grupos sociais cada vez mais diversificados, dos beneffcios e tipo de prestagoes. Verifica-se desta forma, um alargamento do espago social enquanto campo de intervengao das polfticas sociais . No que respeita ao Servigo Social ha por parte das autarquias locais uma progressiva procura deste tipo de profissionais relacionada comas novas competencias assumidas pelos orgaos autarquicos. Establecendo uma relagao entre os clementos apresentados encontramos a causalidade da transj(JrnW0riO dos representa0oes sociais : a) Na transformagao do sistema polftico e da natureza do Estado. b) Na institucionalizagao democratica da autarquia enquanto espago de poder local e na alteragao das competencias autarquicas na esfera social. c) 0 social passa na sociedade portuguesa a constituir-se como um espago de direitos. A sua relagao directa com o exercfcio do Poder Local confere-lhe um novo estatuto e um novo "poder"; o social, deixa de ser apenas um espago residual sendo-lhe reconhecido o seu poder instrumental no jogo polftico. cD Nas alteragoes havidas a nfvel da forn1ayao curricular dos Assistentes Sociais e) Nas actuais fmwoes e praticas desempenhadas pelos Assistentcs Sociais.
Elementos de amilise Perante estes dados, podemos concluir, respondendo a questao inicial, que as representagoes "hist6ricas" da profissao perdem a dominancia, e dao lugar a uma nova representat;ao de "tecnico especifico para a intervengao social". Face a estes dados tent<1mos perceber, analisando o discurso dos entrevistados, se estas representagoes apresentam estabilidade ou se pelo contrario estao a sofrer uma dinamica de transformagao. Dessa analise conclufmos que em dez dos entrevistados se verificava um movimento de transformagao e que esta se processava no sentido da posigao assistencialista!humonista para a de tecnico especifico de interven0ao social.
As Rcprcscntw;ocs Sociais da Profissao de
Scrvi~o
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Ao tentar compreendcr qual a origem das representa~oes, e a causalidade da sua transforma~ao conclufmos que esta era resultante de uma pluricausalidade: das transfonna~oes do contexto s6cio-polftico do pafs; das altera~oes ocorridas no percurso hist6rico da profissao, das mudan~as havidas nas estruturas de forma~ao e na organiza~ao dos pianos curriculares e das mudan~as nas fun~oes e praticas desenvolvidas a nfvel profissional. 6 Mas sem duvida que uma das causas relevantes se prende, vindo confirmar a nossa hip6tese, com a institucionaliza~ao da autarquia enquanto espa~o de poder local democraticamente eleito, e, comas novas competencias que !he sao atribufdas na esfera social. Tornando-se assim "o social" e a interven~ao nele realizada, um espa~o de legitima~ao do poder autarquico. Reportemo-nos atese de Bertilsson de que: as profissoes sao "constitutivas" da cidadania e de que a cidadania e "constitutiva" das profissoes. Efectivamente se por for~a das transforma~oes s6cio-polfticas "o social" se torna um espa~o de reivindica~ao/extensao de direitos, o Poder autarquico adquirindo nova legitimidade e novas competencias torna-se tambemuma sede de administra~ao desse espa~o ao iniciar a gestao das Polfticas Sociais Locais no domfnio da Habita~ao e da Ac~ao Social e Cultural Para que essas dimensoes da cidadania smjam se desenvolvam e nao desapare~am, e preciso que exista um sistema simb6lico abstracto que as legitime e defenda. Quem adquire competencia para criar desenvolver e utilizar esses sistemas simb6licos sao as modernas profissoes. Alias e essa competencia uma das caracterfsticas constitutivas dcssas mesmas profissoes. (Bertilson, 1990). Donde se infere a importancia do novo papel ou nova imagem de "interlocutor previligiado no contacto com as popula~oes" que e explicitada para a profissao na representa~ao de "tecnico especffico para a interven~ao social"
E importante ainda salientar o aspecto inovador que a nivel do pensamento social esta representa~ao ret1ecte ao atribuir a profissao a capacidade de "conhecer" "analisar" e "interpretar" o que releva uma postura te6rica. Outro aspecto importante a referir, e o caracter de matriz fundamental da forna constru~ao das representa~oes. Efectivamente pela analise que fizemos,
ma~ao
6 Para uma an<11ise mais aprofundada sobre a origem, causaliclade e transforma~ao clas representa~oes !er As Representa(路i!es Sociais da Pr!Jj/ssao de Serl"i("O Social- 1111w andlise empfri((l em contexto autdrquico de M." Augusta Negreiros, pag. 53-80.
Intcrven~ao
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Social
encontramos como um elemento explicativo essencial, a formagao, sua estrutura, e seus conteudos. Das transformagoes e alterag5es que esta foi sofrendo ao longo do seu percurso hist6rico, na sua concepgao e estrutura curricular, encontramos um forte reflexo nas representagoes encontradas. No que respeita a dimensao atitudinal( elemento fundamental na estruturagao das representagoes) relativamente a profissao, expectativas e potencial que !he e atribufdo, podemos dizer que o Assistente Social nao aparece como uma figura cinzenta ou neutra, antes pelo contn\rio em termos de orientagao avaliativa por parte dos outros tecnicos, e-lhe dado um certo relevo aparecendo como uma figura que em termos atitudinais desencadeia reacgoes emocionais positivas. Eum profissional que e considerado importante ou indispensavel: pela am'ilise que faz dos problemas, pelo tipo de problemas que trabalha, pela forma e natureza do trabalho que desempenha. Nao queremos terminar esta comLmicagao sem nos interrogarmos sobre o efeito das representagoes sociais a que chegamos. Primeiro panto
Pretendemos ressaltar que estas representagoes evidenciam a visibilidade das praticas profissionais, o que contradiz um aspecto que tem cal'acterizado (com tenc!encia a esbater-se nas gera9oes de formagao recente) a forma da profissao se percepcionar na sua interreh19ao com os outros: dificuldade de se objectivar e portanto de sever objectivada. 7 Esta visibilidade que vai interferir na construgao das representa96es sociais podeni quanto a n6s ter efeitos diversos, quer a nfvel das interac9oes e rela9oes sociais estabelecidas com a profissao, quer a nfvel do processo identitario, quer ainda na estrutura da forma9ao e do processo formativo de profissionais futuros. Constata-se tambem que foi a visibilidacle de novas praticas que desencadeou nos sujeitos processos de transforma9ao da estrutura das representa96es sociais. Transforma9ao que se traduz no reconhecimento de um campo de saberes e competencias prr5prias que se configura numa ocupa9ao que e consiclerada essencial, a qual e reconhecido um certo grau de incerteza que envolve sitm19oes que nao
Iamamoto diz em Rnwm,路ao e conw1W1dorisnw 110 SnTi('o Sociul que 路'o discurso rcitcrativo sobrc o caractcr flufdo. opaco do servi~o social. cscondc a indefini~ao do pniprio profissional cliante da dificuldade de eluciclar a inser~ao socio-hist6rica objectiva do servi<;o social. Se ha indcfini~ao cla cdo A.S. c nao das fuiH;ocs da profissao na clivisao socio-tccnica do trabalho."
i\s Rcprcscnta<;ocs Sociais da Profissiio de Scrl'i<;o Social
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podem ser previa e exaustivamente codificadas e portanto transcendem intervenr;oes de rotina pressupondo a aplicar;ao de wna voriedode de tecnicos, o que !he confere um certo nfvel de complexidode. Elementos que segundo Gadrey (1994) sao caracterizadores de autononzia prof/ssionol. Referenciando-nos anova representar;ao de "tecnico especffico para a interven\UO social", podemos encontrar elementos que podem constituir-se como parame-
tros para a estrutura\ao da forma\ao. Assim o Assistente Social e percepcionado como tendo capacidades treinadas para manejar e se movimentar em varios c6digos: sociais, culturais. comunicacionais e institucionais. Donde resulta a atribui\ao de uma competencia propria - a media\ao social. x Esta media\ao social pode ser entendida como media~'(/o orgoni::.ocionol, medio~'clo institucional e medio~路ao simb6lico. A media~'c/o OJ:~oni::.ocionol, que e interna apropria organiza\ao. pressupoe processos comunicacionais. ea estrutura\ao de sistemas de alian\as; a media~路ao institucional, externa, entre autarquia e popula\ao, pocle significar a constru\ao/identifica\ao 9 de necessidades sociais e a gestao e execu\ao de polfticas sociais. implicando negocia\ao e processos de tomada de decisao; a medio~路ao simMlico pressupoe a constn1\ao de sociabilidades e de identifica96es sociais, processos de discussao e implementar;ao dos direitos de cidadania, articular;ao de culturas. informa96es. linguagens, no quotidiano de vida das popula96es estabelecendo a media91\o entre o "m undo dos sistemas e o mundo cla vida". (Habermas, 1987) 0 exercfcio deste tipo de papel requer uma gama de saberes e de "saber fazer" especfficos, os quais as escolas e universidades devem analisar, investir e treinar. Pois "nao e apenas a linguagem o instrumento de ac9ao do A.S. mas o trabalho complexo de relacionar, correlacionar, propor, acompanhar, avaliar e se implicar em traject6rias e estrategias." (Faleiros, 1994) Segundo ponto As representa96es sociais desempenham um papel na construr;ao das identidades pessoais e sociais. A identidade social e marcada pela dualidade (Du bar, 1991 ). Dualidacle que e resultante de uma articula9ao entre duas transac96es: uma transacr;ao interna ao indivfduo (transacr;ao ''subjectiva'') e uma transac9ao externa, entre o indivfduo e as instituir;oes e agentes com as quais entra em inten1C91io (transac9ao ''objectiva").
路' Para Lllll aprofundamcnto dcstc tcma 1 er cm Falciros. Su/Jcr Prof/ssionu/ e ?Oiler ln.llilllcionul e "Sal'ico Sociul Tmiecldrius c E11m1(~io.\". e em B. Goudet. "Lu Fo111ion d'Agcnl de Mcdimion cl scs Lcgilimil(s" " Yer M.A. Negreiros "E.11udo c Profiss!le.\" inlnleJWil('!lo Sociuln.c 8.
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Interven<;ao Social
A transac~ao objectiva entre os indivfduos e as institui~oes e aquela que se organiza avolta do reconhecimento ou nao reconhecimento das competencias, dos saberes e das imagens de si, que constituem os nucleos duros das identidades reivindicadas. No quadro autarquico analisado, podemos inferir que a transforma~ao e dinamica encontradas nas representa~oes sociais induzem novas formas de atribui~ao (identidade para outrem) que poderao ter interferencia e significado na constru~ao de novas identidades profissionais. Nao podemos, no entanto, considerar estas como a resultante exclusiva de urn processo de atribui~ao de identidades pre-construfdas. De facto, cstc processo nao e determinado automaticamente, ou seja, se "o outro" tem um papel importante no meu processo de identifica~ao (cu vejo-me no outro) posso pm路em recusar esta identidadc atribufda e dcfinir-me de outro modo (idcntifica~ao para si). Isto pressupoe que no processo de transac~ao subjcctiva, de rela~ao entre as idcntidades herdadas (que tem como componente as representa~oes sociais tradicionais da profissao) e as identidades projcctadas, aquelas sejam submetidas a um proccsso de aceita~ao ou recusa, e estas clecorram de um processo de continuidade ou ruptura. No entanto, csta constnt~ao da identiclade profissional nao se clesenvolve autonomamente, cla depende tambem das formas de reconhecimento a nfvel institucional por parte das instituir;oes e dos agentes com os quais os profissionais cntram cm rcla~ao. Pela analise realizada ao longo dcstc trabalho podemos cntao afirmar que, existindo uma tendencia de transformar;ao das representcl~oes sociais tradicionais e simultaneamente de constru~ao de novas representa~6es, e verificando-sc tambem a atribui~ao de um forte potencial a esta profissao, e demandas que !he sao feitas relativamente a novas fun~oes, se encontram criadas condi~oes de reconhecimento institucional (transacr;ao "objectiva") que viabilizam a possibilidadc de novas identidades. Das entrevistas aos profissionais de servi~o social constatamos uma recusa dos modelos assistencialista-humanista e pragmatista-imediatista c nalguns casos encontramos a explicita~ao de estrategias desenvolvidas no sentido de um trabalho colectivo fomentando a articular;ao inter-institucional e o trabalho de grupo corn colcctiviclades locais. Desta forma, a produ~ao de novas identidades profissionais far-se-a pela articula~ao entre a transac~ao objcctiva c a transac~ao subjcctiva (qual a identidadc rcivinclicacla? como me vejo- inclivfcluo, grupo, gcra~ao- profissionalmentc? a que pressupostos te6rico-icleol6gicos me referencio?). Sera ncsta articula~ao e pelas cstratcgias de iclentifica~ao clcsenvolviclas a nfvel institucional que novas iclenticlacles profissionais poclem entao ser construiclas.
As Rcprcscntac;ocs Sociais da Prorissao de Scn i<;o Social
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Terceiro panto Reconhcce-se gcralmente que as representa~oes sociais enquanto sistemas de regem a nossa rela~ao ao mundo e aos outros, orientam e organizam as condutas e as comunica~oes sociais. Assim as representa~oes sociais sao sempre tomadas de posi~ao simb6licas, organizadas de maneiras diferentes, por exemplo como as opinioes, as atitudes, ou os estere6tipos, segundo a sua imbrica~ao nas diferentes rela~oes sociais. Duma maneira geral pode-se dizer que em cada conjunto de rela~oes sociais, princfpios ou esquemas organizam as tomadas de posi~ao simb6licas que estao ligadas a inser~oes especfficas nestas rela~oes. (... ) E as representa~oes sociais sao os princfpios organizadores destas rela~oes simb6licas entre actores sociais, trata-se pois de princfpios relacionais que estruturam as rela~oes simb6licas entre indivfduos ou grupos, constituindo ao mesmo tempo um campo de troca simb6lica e uma representa~ao deste campo (W. Doise, 1989) Considerando os pontos de chegada desta pesquisa, podemos entao concluir que o pensamento social sobre a profissao, ao relevar a existencia de novas representa~oes sociais, podera, como consequencia, vir a introduzir uma altera~ao, nao s6 no campo de representa~oes desta profissao em termos sociais, como tambem na estrutura das rela~oes simb6licas com ela estabelecidas. interpreta~ao
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COMENTARIO ACOMUNICA(:AO SOBRE 0 TEMA: AS REPRESENTA(:OES SOCIAlS DA PROFISSAO DE SERVI(:O SOCIAL Pelo Prof Doutor Albino Lopes
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"Muito obrigado, pela oportunidade que me foi dada de fazer urn breve comentario a exposiyao, que considero brilhante, da Dr." M." Augusta Negreiros. 0 trabalho e tao rico que foi diffcil aautora sintetiza-lo e mais diffcil se torna agora para mim comenta-lo. Em primeiro lugar devo alertar que este trabalho merece muito mais reflexao do que aquela que aqui pode ser feita hoje e nesse sentido gostaria de desafiar todos os profissionais de Serviyo Social e de outras profissoes afins sobretudo os que estiverem ligados ao ensino a le-lo ea estuda-lo com alguma profundidade, na medida em que ha nesta investigayao materia muito interessante para uma reelaborayao do percurso te6rico que devera constituir a base da formayao dos assistentes sociais no futuro. Em segundo lugar sinto bastante entusiasmo com o facto de uma materia que e especifica da psicologia social (o estudo das representayoes sociais) ter constitufdo o ponto de partida para esta pesquisa que procura descer ao interior da profissao. Achei particularmente interessante as quatro interpretayoes, propostas anossa reflexao, do pensar colectivo sobre a profissao dos assistentes sociais. E algo que se apresenta extremamente bem construfdo, que vale a pena reler, retrabalhar e reverificar, mesmo admitindo que haveria outras hip6teses de leitura dos dados fornecidos pela pesquisa. Eu pessoalmente interroguei-me, ao ler o trabalho da Senhora Dr." M." Augusta Negreiros, se as conclusoes propostas nao permitiriam com iguallegitimidade uma leitura menos optimista. You tentar explicar pm路que. Penso que a Senhora Dr." M." Augusta Negreiros (e com toda a razao) propoe uma conclusao que cola aos dados e que, deste modo, nao tern nada de foryado. Eu diria, pm路em, que podemos permi-
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Professor do I.S.C.T.E. -area de Psicologia Social.
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Interven<;ao Social
tir-nos urn enfoque menos optimista, pelo que, apenas para, eventualmente, relan9ar o debate ou o interesse pelo proprio texto conviria analisar. Efectivamente se reanalisarem os dados ou se rememorarem os dados que a Senhora Dr." M." Augusta Negreiros nos apresentou, nos distinguimos dois tipos de pessoas entrevistadas: aquelas que estao proximas da ac9ao dos assistentes sociais nas Oimaras e aquelas que estando nas Camaras e conhecendo a ac9ao dos assistentes sociais estao deles mais afastadas, seja por forma9ao escolar, seja em termos de trabalho tecnico. Ea medida que as pessoas entrevistadas se afastam do contacto com a especificidade do trabalho do assistente social, a representa9ao social assistencialista resiste, e a nova representa9ao nao penetra, nao interfere senao marginalmente com aquela outra representa9ao. 0 que pode significar que, de algum modo, ha um grupo de profissionais que sao sensiveis a mudan9a de posicionamento dos assistentes sociais em termos de saber e de interven9ao e havera aqueles para quem os assistentes sociais nao podem ou nao tern condi9oes para tao facilmente inter-agirem e esses mantem uma representa9ao que se afasta radicalmente daquilo que os assistentes sociais pretendem actualmente dizer de si proprios, querem dar a conhecer de si proprios. Euma outra hipotese de leitura porventura menos optimista, mas que nao deixa, pm路em, de ser particularmente importante na medida em que a propria teoria das representa9oes sociais aqui invocada sustenta precisamente esta dupla leitura do pensar colectivo, do pensar das popula9oes. Uma coisa e 0 que um profissional pode dizer de si proprio; outra coisa e aquilo que as pessoas em geral pensam de uma determinada profissao ou de uma determinada ciencia. Essa e a que seria propriamente a representa9ao social presente no grande publico: esse pensar colectivo que olha para esta profissao com determinados olhos, com determinada representa9ao, representa9ao essa que e relativamente estavel e que resistira certamente durante muito tempo filtrando a ac9ao interventora de novo tipo, nascida sobretudo nos anos 80, de acordo coma investiga9ao da Senhora Dr." M." Augusta Negreiros. Este era um primeiro ponto cuja inten9ao se destina a chamar a vossa aten9ao para uma leitura aprofundada do trabalho. Um segundo ponto que gostaria de referir prende-se com a necessidade de relativizar um ten11o aqui usado pela Senhora Dr." M." Augusta Negreiros, e corn o qual estou de acordo, mas que parece ser de relativizar que e o conceito de mudan9a social. A nova forma9ao do assistente social, a nova actua9ao encontrada pela investigadora, o repensar da profissao em ordem a interven9ao social para o incentivo da mudan9a social, entendo que a terminologia cientifica nos impoe a distin9ao de dois conceitos radicalmente diferentes: o conceito de mobilidade social e o conceito de mudan9a social. No mcu contacto pessoal se bem que Jimitado e marginal coma profissao, a leitura desta investiga9ao e a actividade de docencia com estudantes e com profissionais, eu proprio me tenho interrogado sobre qual clevera ser o de ancoragem da
Comcnlario
a Comunica~ao sobrc as Rcprcscnla~ocs Sociais da Profissi\o de Servi~o Social
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profissao de servi~o social. Trata-se apenas de uma interroga~ao sobre o conceito de interven~ao para a mudan~a social. Efectivamente a ac~ao social tem privilegiado, ou tem tido como encomenda social uma preocupa~ao virada para as pessoas que perderam, ou estao em risco de perder, a mobilidade social e que, neste contexto, esperam a salva~ao, um salvador vindo do exterior, ou seja, trata-se de assistir pessoas que deixaram de se assumir como pessoas-recurso. E, nesse aspecto, a representa~ao social existente no publico em geral, medida neste trabalho pela reac~ao dos inquiridos que mais se afastam da ac~ao directa do assistente social, sustenta-se na ideia de que estes profissionais possuem um saber (podemos chamar-lhe saber entre aspas, mas um sabcr apesar de tudo, um saber humanistico) que permite minorar o sofrimento claqueles que ja nao esperaram a assistencia senao do exterior. 0 conceito de mobilidade social seria o contrario desta represcnta9ao: pessoas que sabem clas pr6prias, ou com pequenas ajudas, constituir-se como pessoas-recurso. A mudan~a constatada permitiria afirmar que a ac~ao social estaria a encontrar uma nova dimensao de ac~ao. Os tecnicos de urbanismo, os tecnicos de habita~ao e os tecnicos de ac9ao cultural, aos quais se juntou com o poder autarquico democnltico, o assistente social. Todos estes tecnicos passaram a interessar-se pelas pessoas privadas de mobilidade ou risco de perda de mobilidade procurando formas operativas de retorno a mobilidade. Mas sera que em face aos quadros actuais alguem possui uma vontade genuina e procura modificar, tem saber para modiJ)car, a situat;:ao das pessoas privadas de mobilidade para as tornar pessoas-recurso? E um ponto de interrogat;:ao muito grande que se me coloca. Efectivamente o risco maior da nossa sociedade e o risco de uma exclusao social crescente, quer dizer, os tecnicos sao utilizados para atender as pessoas de risco porque na realidade continua a verificar-se uma passagem crescente das pessoas em situat;:ao de risco para a situat;:ao de pessoas sem mobilidade. Nao s6 se verifica o fen6meno inverso como nem sequer se tem conseguido estancar o processo de exclusao. Eaqui que se justificaria o conceito de mudant;:a social: desenvolver uma capacidade de act;:ao junto de populat;:oes, produzir um saber sustentado e uma act;:ao estruturada, capaz de fazer transitar as pessoas impedidas do acesso amobilidade para, atraves da act;:ao colcctiva descobrirem por elas pr6prias os seus saberes praticos pertinentes que lhes permitissem dar passos no sentido da mudant;:a social, isto e, para se constituirem em pessoas-recurso, para si e para a colectividade em que se inserem, e serem capazes de alterar o quadro social que os privou de mobilidade. Ora, sera este o momento corrente dos profissionais? Duvido. Mas de qualquer modo compreendo que a representat;:ao tradicional se mantenha. E evidente que ha algumas honrosas except;:oes. Ha, com certeza, assistentes sociais a apontar para novas vias mas eu interrogo-me sobre se a nova representat;:ao que emerge face ao assistencialista nao e antes uma tentativa de impedir a pas-
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Social
sagem de pessoas em risco para pessoas nao-recurso, do que, efectivamente, actuar junto de pessoas que f01jaram outros valores, que tem outra cultura e face as quais nem as universidades, nem os poderes publicos, nem as autarquias conseguem produzir saberes e instrumentos capazes de as tornar pessoas-recurso. Poderfamos dizer muito mais coisas sobre um texto tao rico mas eu fico-me por aqui. Muito obrigado."
A PRATICA DE ASSISTENTES SOCIAlS: UMA CONVERSA HEURISTICA Maria Helena Vieira Nunes
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Introdw.;ao 0 nosso trabalho no ambito do Mestrado, centrou-se no estudo da pratica profissional de Servi<;:o Social, tomando como sujeito empfrico a pratica de cinco assistentes sociais inseridas em distintas organiza<;:5es e sectores sociais, mas intervindo na mesma unidade geo-administrativa. Desde 1976 que se foi urdindo uma teia, a medida que foram chegando ao local e desenvolvendo, mais informal que formalmente, tentativas de comunica<;:ao sobre as suas interven<;:5es na comunidade. Entre 1987 e 1989 vem a ser cofinanciado pela UE, atraves do li Programa de Luta Contra a Pobreza (II PLCP) um Projecto construfdo a partir do conhecimento acumulado da experiencia anterior. A nossa amHise centrou-se particularmente sobre a pnitica do projecto, embora no contexto do movimento da pratica desde 76. Tomamos como referencial te6rico, elementos da Teoria da Ac<;:ao Comunicativa de Habermas onde os conceitos "mundo dos sistemas" e "mundo da vida" nos revelaram sugestoes de analise; Teoria da Estrutura<;:ao de Giddens (estrutura; sistema; agente; dualidade estrutural; consciencia pratica e consciencia discursiva); elementos acerca da natureza e fun<;:5es do Estado em Claus Offe e de Fritzell sobrc autonomia profissional (correspondencia crftica; correspondencia negativa e correspondencia positiva). Mais especificamente sobre a pratica profissional de Servi<;:o Social orientamo-nos primordialmente pelos comentarios e contributos da obra de Aldaiza Sposati, emergencia e natureza do Servi<;:o Social de Paulo Netto (Sincretismo profissional) e paradigmas da pratica profissional de Faleiros. Neste enquadramento, procuramos analisar a pratica profissional como media<;:ao que se constitui entre a popula<;:ao subalternizada e o Estado, corporificada no estatuto institucional de organiza<;:5es publicas e privadas que em Portugal regulam os modos de produ<;:aao da assistencia social.
Docente da area de Serviyo Social do ISSSP.
l!O
Interven<;:ao Social
0 contexto desta media~ao sao os anos 80, nos quais segundo alguns autores (Santos, 1985; 1991 a; 1991 b; Mate us, 1987; 1989), se acentuou a particularidade de Portugal como pals semiperiferico no contexto do sistema-mundo, traduzido em transforma~oes do Estaclo e sociedade civil, principalmente pelo "imagim\rio do centro" que evoluiu e se fortaleceu durante aquela clecada. A pn\tica em anaJise constituiu um movimento que envolveu distintos sujeitos, protagonizando diferenciaclos interesses sociais, ocupanclo diferentes posi~oes de poder, que lhes conferiam estatutos sociais e profissionais determinaclos. Atraves deste movimento verifica-se que a pratica resultou de um conjunto de factores multiplos, reflectindo as caracterfsticas e as altera~oes sofridas na sociedade portuguesa. 0 Estado na decada de 80, fruto de op~oes a favor da polftica de privatiza~ao de sectores fundamentais da economia, estendeu tambem esta ao piano social, desresponsabilizando-se progressivamente pela produ~ao de polfticas sociais, com argumento de que era necessaria reduzir os gastos publicos e dinamizar as solidariedades sociais ea Sociedade Civil. Foi-se assistindo entao ao reaparecimento activo do protagonismo de for~as sociais que antcriormente a 1974 detinham ja uma elevada capacidade de interven~ao em materia de assistencia, saude e ecluca~ao e que, de novo, voltam a ten tar liderar o controlo de iniciativas nestes campos (caso de Misericordias, IPSSs ). A decada de 80 e marcada pela integra~ao de Portugal na UE ( 1986), a qual passa a ser lllll elemento de refcrencia utilizado pelo Estado, no sentido de inflectir o ritmo de crescimento economico, justificar as op~oes de investimcnto publico c legitimar a sua propria actua~ao c poder. A canaliza~ao de fundos europeus atraves de programas especfficos, aparece quer como uma possibilidade, quer como uma conclicionante, ampliando e limitando simultaneamente a autonomia do Estado na~ao respectivamcnte no piano intcrno e externo. Atendendo aos factores estruturais, a pratica devera ser entcndida na demarca~ao de clistintos pcrfodos, analisando-se as especificidades que a configuram em cada um deles, tendo em aten~ao que o perfoclo selecionado (87 -89) sofre as contingencias e efeitos dos processos sociais anteriores. Nestc cem\rio constata-se que a pratica dos assistentes sociais e mais do que relacionamento com uma clientela pauperizacla a servi~o de uma organiza~ao. Eviclencia-se como uma re/a~路cio deforf路o, que sofre conjunturalmente as determina~oes da propria estrutura social, os arranjos e rearranjos das polfticas sociais, as "crises" de legitima~ao do Estado, o gran de estabiliclade e normaliza~ao social claclo pelo assentimento e/ou nao reclama~ao cl a popula~ao aos paclroes de bem-estar (entenda-se mau-estar) vigentes. Alem de factores internos a estrutura, constata-se igualmente a interferencia de factores associados c relacionados com a conjuntura internacional, que vem no caso clesta pratica a jogar um papel significativo.
A Pr<ltica de Assistentcs Sociais: Uma Convcrsa Hcuristica
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A circunstancia de enquadramento desta interven~ao se realizar no ambito de um Programa supranacional (II PLCP-CEE) confere-lhe um cem!rio de analise especffico comparativamente ao periodo anterior (76/86). A aplica~ao do mesmo Programa num pais como Portugal, enfrenta um quadro de pobreza onde se acumulam as designadas "velha pobreza" e "nova pobreza" e onde o Estado, a administra~ao ea sociedade civil possuem uma especificidade que se ira manifestar nos modos e formas como esse Programa se concretizara.
0 imagim1rio de ruptura A aplica~ao do II PLCP a Portugal e concretamente no Porto, constituiu um factor que estimulou nos assistentes sociais envolvidos uma maior consciencia dos defices da assistencia social praticada no pais e pelas organiza~6es a que se ligavam organicamente, bem como evidenciou as discrepancias nos nfveis de orienta~ao e gestao tecnica dos programas sociais. Em consequencia produziram-se expectativas positivas ao considerarem as possibilidades de mudan~a nas formas de fazer assistencia pelas organiza~6es regionais e locais, acreditando-se (ingenuamente) na ingerencia da UE como um novo espa~o de interven~ao no social. A entrada de novos interlocutores institucionais alargou as possibilidades de negocia~ao nas institui~oes, mas nao o fez em condi~oes de discussao e defini~ao de outras legalidades e institucionalidades, que nao fossem ainda as enquadradas pelas organiza~6es nos marcos de uma estrategia de regula~ao. Talvez pelo facto de se terem produzido aquelas expectativas, acreditou-se que haveria mais possibilidades para o desenvolvimento de uma pratica de Servi~o Social mais aut6noma relativamente as organiza~6es nacionais, ficando menos dependentes do seu poder e dos tradicionais obstaculos burocraticos. Nesta fase, a aceita~ao da proposta de projecto pelas organiza~oes locais fa no sentido de refor~ar a ideia de exercfcio da pratica em condi~oes de maior autonomia. Pela primeira vez os profissionais nao estavam na total dependencia de decis6es das organiza~6es nacionais e locais.
A inten~ao de uma pratica participativa e os ditames da pratica tutelar Durante o periodo de vigencia do projecto para pessoas idosas, constata-se um desempenho profissional que manifesta a inten~ao de se perspectivar a partir da popula~路ao exclufda, desenvolvendo actividades que pretendem superar a sua fragmenta~ao, potenciar mudan~as no contexto das suas condi~oes de vida de uma forma que capacite o seu potencial comunicativo e participativo. Promovem-se solu~6es a problemas locais que induzissem ao equacionamento de uma outra lega-
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Social
lidade, organizando servi9os e actividades que nao estavam institucionalizados. Ao produzir servi9os colectivos, criam-se condi96es para proporcionar a popula9ao atendida novas formas de viver e reflectir a sua existencia. Desenvolve-se uma nova pedagogia de produzir assistencia, visando estimular nos sujeitos uma nova imagem de si pr6prios (exemplo das pessoas idosas e dos jovens), realizando-se corn eles uma pedagogia democratica, no sentido que se estimulavam processos de decisao colectivamente participados, o que nao constituindo urn resultado em si, pode ser visto como urn processo de media9ao para influenciar o agir comunicacional de que fala Habennas quando refere ÂŤque os actores tratam de harmonizar internamente seus pianos de ac9ao e de s6 perseguir suas respectivas metas sob a condi9ao de urn acordo existente ou a se negociar sobre a sittw9ao e as consequencias esperadas.Âť (Habermas, 1983: 165) Dinamizar a participa9ao da popula9ao exclufda pelas institui96es a partir destas e sempre um objectivo e tarefa algo contradit6rios. Numa situa9ao polftica e social como a portuguesa, pensar a participa9ao da popula9ao em articula9ao com a sua organiza9ao aut6noma e algo que aparece tambem para os assistentes sociais como problematico. Apresenta-se o receio de fazer correr riscos a popula9ao ao suscitar a sua participa9ao e organiza9ao aut6noma. Ao evitar os "riscos" dos clientes, algumas das assistentes sociais deram-se conta que tinham subestimado as capacidacles da popula9ao, dificultando que se autonomizassem quer em rela9ao as organiza96es, quer aos pr6prios tecnicos que os apoiavam. De algum modo impedia-se que os clientes desenvolvessem a consciencia desses riscos e considerassem o que fazer em rela9ao com eles. Na organiza9ao institucional nao alteravam o estatuto de subalternos. Quando os assistidos nao tem direitos mais dificilmente se torna reclamar o direito e mais vulnen1veis ficarao as estrategias de domina9ao. Com frequencia a pn\tica da participa9ao fica confinada a limites impostos e determinados pelas institui96es, limites esses interpretados e mediados pelos profissionais. Os clientes sao chamados a pronunciarem-se, a emitir opinioes sobre decisoes a tomar, mas tem a percep9ao do poder da institui9ao e da subalternidade do assistente social dentro dela. 0 reconhecimento desta subalternidade nao supoe a nega9ao do poder que o profissional tern enquanto agente da institui9ao e do seu uso (mais ou men os explfcito) sobre a popula9ao alvo da interven9ao. 0 conceito de participa9ao define-se talvez mais pelo seu caracter qualitativo que quantitativo, nao podendo traduzir-se por resultados particulares. Associado que esta ao conceito de autonomia e emancipa9ao do cidadao, ele e um processo que projecta a organiza9ao de cidadaos, a qual se constitui na sociedade actual como uma forma que possibilita a interac9ao com o mundo dos sistemas, por uma maior visibilidade da sua existencia como potencial for9a social e, portanto, do possfvel reconhecimento como parceiros sociais. Neste enquadramento organico a participa9ao englobaria o desenvolvimento dos aspectos relacionais psico-afectivos potenciadores de auto-
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estima e identidades pessoais eo fortalecimento da consciencia dos mecanismos da exclusao, bem como de formas de a enfrentar individual e colectivamente. A distribui~ao individualizada e personalizada que caracteriza predominantemente o modo de gerir a assistencia e que o projecto procurava contrariar, torna mais evidente a possibilidade de evitar que smja na popula~ao uma consciencia comum e solidaria e uma base para a ac~ao colectiva frente as instancias administrativas. (Fanfani, 1991: I02) As respostas colectivas podem inserir-se tambem numa estrategia de "regula~ao ad hoc", atraves das quais se visa submeter selectivamente a popula~ao ao seu usufruto, provocando-se igualmente a sua fragmenta~ao, esvaziando os seus protestos e difundindo padroes de valores e condutas das classes medias (Faleiros, 1985: 109). 0 que se busca desta forma e a resolu~ao de problemas que evitem a manifesta~ao publica do descontentamento popular e o despertar da consciencia da priva~ao de cidadania aut6noma. Este era o limite da mudan~a que as institui~oes podiam aceitar. E cidadania quer dizer ainda reconhecimento de direitos sociais numa "regula~ao ampliada", englobando-se nestes nao s6 os que dizem respeito a condi~oes materiais de vida, mas tambem os de expressao, participa~ao e organiza~ao. Em alternativa a produ~ao e distribui~ao de bens e servi~os sociais podera, a exemplo do que em muitos momentos surgiu neste caso de pnitica, ocorrer como forma de atendimento a necessidades concretas da subsistencia da popula~ao, utilizando uma metodologia de participa~:c/o, esperando introduzir nas organiza~oes outros criterios que superassem a visao parcial dos problemas sociais, o isolamento do assistido de outras categorias de des-assistidos, questionando as suas regras, trazendo para dentro da institui~ao os problemas da comunidade, colocando essas organiza~oes face a praticas de desinstitucionaliza~ao. Desenvolveram-se tentativas de instituir novas praticas de assistencia, rompendo comas que estavam (formal ou informalmente) convencionadas, o que foi provocando situa~oes de tensao e conflito entre o projecto e as organiza~oes envolvidas. Ao p6r-se em questao a institucionalidade vigente e ao encetar novas formas de resolver problemas da popula~ao local, as assistentes sociais pareciam faze-lo no entanto dentro da "velha ordem", como se a experiencia que desenvolviam de forma eminentemente voluntarista acarretasse automaticamente o seu reconhecimento pelas organiza~oes, tanto mais que elas decorriam tambem sob tutela da UE. Em todo o caso era dentro e na referencia a legalidade burocratico-administrativa que se procurava construir uma nova legalidade, dentro de fronteiras demarcadas pelo poder institucional. Ao encetar e aprofundar urn movimento de desinstitucionaliza~ao, ressaltavam as resistencias das organiza~oes e os profissionais ligados ao projecto deparavam comlimites ao prosseguimento deste tipo de actua~ao, intensificando-se os conflitos institucionais. A nova legalidade carecia de algo que a afirmasse, a correla~ao
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de foryas era-lhe estruturalmente desfavon1vel. 0 cenario de "crise" suscitaria indagar sobre os factores que impediam o fortalecimento da estnttegia emancipat6ria.
Autonomia relativa Se relacionarmos o estatuto de subalternidade do tecnico de Serviyo Social e o da populayao cliente, poderfamos problematizar ate que ponto o estatuto de um nao se relaciona ao de outro. Considerando que a maioria dos assistentes sociais sao profissionais assalariados e inseridos em organizay5es governamentais ou em IPSS, nao ha duvida que a possibilidade de construir estrategias potenciadoras de autonomia e emancipayao se deparara com determinantes estruturais e factores institucionais que se !he oporao. Neste sentido pode-se problematizar a autonomia do assistente social. Com base na teoria de Fritzell ( 1987) sabre a autonomia do sistema de Educayao, tentamos por analogia reflcctir sabre a autonomia relativa (ibid.:26) do sistema de Assistencia e conscquentemente pensar as condiy5es de autonomia dos profissionais. 0 sistema de Assistencia surge como parte da estrategia da gestao da forya de trabalho, desenvolvendo-se uma correspondencia estrutural e funcional por relayao ao Estado e a economia baseacla na mercadorizayao da forya de trabalho. Entre o Estado por relayao aeconomia e a Assistencia por relayao ao Estado e indirectamente em relayao aeconomia, processam-se relayoes de autonomia e subordina9ao, as quais tem que ser analisadas no contexto estrutural e no contexto funcional. Segundo Fritzell (ib.). a autonomia absoluta nao e de considerar numa economia baseada na mercadorizayao, pelo que propoe a utilizayao do conceito de correspondencia crftica, centrando-se nas situay5es em que se verifica autonomia .fimcional com dependencia estruturol. Este parece-nos ser o caso da Assistencia. 0 conceito de correspondencia crftica (ib. :33) envolve considerar a relayao com os conceitos de correspondencia positiva e corresponc!encia negativa. Partindo-se do pressuposto da existencia de contradiyao entre as fun96es de acumulayao eficiente e legitimayao, crescimento e persistencia de fenomenos de pobreza e exclusao social, pocle-se aclmitir que na sociedade actual nao se verifica a existencia nem de uma correspondencia positiva (a qual cnvolvia uma coexistencia harmoniosa da fun9ao assistencial a mercadorizayao da for9a de trabalho de um panto de vista material e ideol6gico ), nem negativa (a qual supoe a possibiliclade de um controlo que impeya o surgimento de situay5es que possam amea9ar o funcionamento do sistema assistencial tal como ele se apresenta). Ora o que se constata e que e possfvel observar-se disjuny5es nas relay5es entre o sistema assistencial e o sistema econ6mico. do sistema assistencial e as organizay5es sociais e aincla dos agentes sociais. Estas clisjun~oes poclem ir no sentido do fortalecimento cla comunidacle ou do mercado.
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A autonomia nao se expressa exclusivamente nos resultados atingidos em uma pratica particular. Na nossa perspectiva devera prosseguir um processo de autonomiza~ao como um esfor~o de !uta contra a economiza~ao e subordim1~1io da assistencia as necessidades econ6micas conjunturais emanadas basicamente de rela~oes de classe na produ~ao. Esabiclo que a pratica do Servi~o Social nao provoca muclan~as estruturais, cleixaria desse modo de garantir as fun~oes do Estado. Contem no entanto a possibilidade de concorrer para a conceptualiza~ao das formas prevalecentes cle legitima~ao clo Estaclo, o qual baseia a sua existencia na nega~ao da sua natureza como Estado capitalista. Offe (1984), afirma que o Estaclo e simultaneamcnte dcpenclente e condi~ao da reproclu~ao cla mercadoreiza~ao e, e1~quanto parte cleste processo, tem cle implicar-se tambem na desmercacloriza~ao. E esta forma contradit6ria da estrutura~ao que deve ser vista como a caracterfstica essencial da autonomia relativa do Estado. Mas se o sistema de assistencia esta organizado dcntro do Estaclo, ele tambem faz parte do processo de mercacloriza~ao, mesmo como e o caso nao esteja clirectamente envolviclo na produ~ao econ6mica. Todavia a sua estrutura~ao interna tem cle reflectir nas suas fun~oes o significado da economia. No momento que as assistentes sociais perspectivam as intervenyoes em referencia ao bem-estar da populc1~1io e empreenclem praticas de participa~ao clemocratica, a sua autonomia que e relativa, pocle ir no sentido cle potenciar a assistencia como instrumento cle emancipa~ao social. Necessita-se para o scu descnvolvimento e aprofunclamento do prosseguimento de sistcmatizayao e estudos sobre a pn1tica profissional que vao no alcance cle identifica~ao e scnsibilizayao cle conceitos a propria pratica, reforyando-se a competencia ea capaciclacle crftica e operativa dos profissionais. A coloca~ao dos direitos sociais e humanos exiginclo a c!efiniy1io de padroes cle bem-estar a alcanyar, vai neste senticlo.
A importancia das
alian~as
Se a pratica e uma rela~ao de for~a, e se cla numa correlarc7o de for~路as, implica pensa-la em termos de polftica de aliml~'(/S. Nao chega possuir inten~oes, e preciso organizar a estrategia, clar-lhe visibilidade, negocia-la, iclentificanc!o for~as favoraveis e nao favoniveis. Considerar as foryas supoe pensar nas polfticas sociais como um toc!o, nao s6 a nfvellocal. Nao chega experimentar localmente. Alias e interessante notar a tenclencia crescente para a multiplicayao de programas aos quais se chega por candidatura cle projecto e relacionar com a insuficiencia e/ou ausencia de polfticas nacionais. Programas especiais para areas especiais, ate que ponto nao constituem uma forma de se ocultar o que nao se faz pela aparencia de que se esta a fazer.
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0 desenvolvimento da interven~ao mostrou que o terreno das rela~oes entre os varios sujeitos, entre os diferentes protagonistas nao era neutro. A interven~ao focada predominantemente no local, parece correr o risco de isolar variaveis estruturais, fazendo com que e perante as dificuldades que se poem no quotidiano profissional, muitas vezes smja a tendencia para desvalorizar a propria actua~ao do assistente social, asemelhan~a da tendencia para personalizar o problema social do cliente. Assim como se atribui que a situa~ao de pobreza eum problema da pessoa, tambcm a situa~ao da ac~ao profissional eum problema do profissional e nao da politica, penalizando a pessoa seja pela pobreza, seja pela maneira como conduziu a questao profissional. Etambem um problema profissional, pm路quanto a organiza~ao da categoria profissional entre n6s, dentro do padrao de dCfice de participa~ao analogo ao que se passa no conjunto da sociedade civil, tende a fragilizar as solidariedacles e as capaciclades cle negocia~ao e afirma~ao clo estatuto, identidacle e autonomia rclativa dos assistentes sociais. Os momentos de crise sao ou podem ser aqueles em que emais patente o isolamento e fragilidacle do estatuto profissional, o que esta em rela~ao coma perspectiva de resolver no piano tecnico problemas sociais que sao clecorrentes de actua~oes no piano politico. A experiencia desta pratica reafirma a climensao tecnica e polftica cla profissao.
Na perspectiva da amplia<;ao dos direitos sociais Orientar uma pratica pelo critcrio da emancipa~ao e aut~momia cla popula~ao exclufda supoe na nossa perspectiva trabalhar a assistencia social como uma polftica que tem que reconhecer e ampliar direitos humanos. De contrario a pratica assistencial nao ultrapassa o quadro cle uma polftica paternalista, negando ao sujeito assistido a possibilidade e capaciclacle cle defesa e opiniao sobre aquilo que !he diz respeito como cidadao, mesmo nos casos que o Estaclo fosse pr6cligo na concessao de "beneffcios" sociais. Ciclaclania aut6noma significa nao s6 atender e solucionar respostas a necessiclades basicas, como oportunizar condi~oes de expressao e participa~ao (Falcao, 1978), a que acrescentarfamos ainda dinamizar a organiza~ao de grupos sociais cle forma a obterem maior visibilidade e o estatuto de parceiros ou actores e autores sociais. 0 exemplo cle trabalho com pessoas idosas no projecto em analise e revelaclor do potencial positivo da popula~ao em condi~oes de relacionamento democratico e participativo (pedagogia democratica), possibilitando a expressao de capacidades desconheciclas em primeiras fases cla interven~ao. Toclavia o facto de se manterem no estatuto de assistidos, introduz ou mantem uma clepenclencia funcional. Ena concli~ao de apoiados pelos centros de refei~oes que eles obtem a solu~ao alimentar. Para com estes servi~os formalmente estas pessoas s6 tem deveres, nao tem clireitos. A sua inclusao no servi~o fica subordinada ao criterio e boa vontade
A Pratica de Assistcntcs Sociais: Utna Conversa Heurfstica
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do scrvi9o ou da administra9ao (publica ou privada). Estes servi9os constituiram l}ma alternativa nomeadamente, ao internamento de tipo asilar, mas do ponto de vista formal eles podem manter a reprodu9ao da dependencia dos assistidos. Por outro !ado ao serem uma alternativa ao asilo e ao abandono social, eles trouxeram e proporcionaram as pessoas idosas condi96es, a partir das quais elas puderam fortificar a sua disponibilizayao para uma atenyao a outros aspectos da sua existcncia. Parafraseando Faleiros, pelo "efeito de alivio de tensao" atraves da resoluyao de necessidades vitais a subsistcncia, elas possuem maior capacidade para enfrentarem outras necessidades. No entanto uma das assistentes sociais mais ligadas a este trabalho, referia com uma certa perplexidade que ainda sao muitos os sinais da dependencia. Idosos ja ha bastante tempo neste processo (des de o inicio do projecto) comentam em alguns momentos em que lhes e pedida opiniao ou participa9ao em decisoes a tomar sobre actividades a empreender, por exemplo, que o mclhor seria que fossem as assistentes sociais a decidir, como que avaliando negativamente e considerando perda de tempo a tomada colectiva das decisoes, talvez por considerarem que nao lhes e reconhecido o direito de participayao aut6noma no servi9o que frequentam. Tambem e de considerar que numa sociedade de domina9ao as classes populares tendem a incorporarem-se «as propostas colectivas quando estas, claramente, as favorecem no piano individual e tenderao a se dessolidarizar quando este interesse individual (o "meu") nao vier beneficiado» (Palma; 1986: 146). Acrescenta que isto nao e um problema etico, mas um «obstaculo socio-cultural, uma dimensao que deve ser educada por um movimento oposto» (ib.), para o qual contribuira a pedagogia de base democratica que estimule a solidariedade e a compreensao dos problemas individuais e colectivos.
Conclusao A pratica profissional de Servi9o Social constitui um processo socialmente determinado, como profissao que se institucionaliza e insere na divisao s6cio-tecnica do trabalho num dado momento hist6rico, para cumprir de media9ao as funy6es do Estado moderno: acumula9ao de capital, legitimayao dessa acumulayao e legitimayao tambem do proprio Estado. Desenvolve-se e institucionaliza-se uma pratica encarregada de assistencia a uma clientela dominantemente excluida, cujos problemas sociais deverao ser definidos e "tratados" no horizonte de institui96es funcionais, inscritas na estrategia reguladora do Estado. No desenvolvimento do Estado moderno, a analise da media9ao referida, poe de relevo a pratica profissional em relayao e decmTente das politicas sociais, principalmente associada a sua execu9ao. Os assistentes sociais desenvolvem as suas acti-
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vidades fundamentalmente no ambito da implementa~ao de programas que tenham um cankter compensat6rio das desigualdades sociais. 0 servi~o Social pela especificidade do publico que atende e pela sua inser~ao no ambito das polfticas, constitui-se estruturalmente como uma pn\tica de regula~ao, podendo orientar-se no entanto por estrategias que tem em vista a normaliza~ao e adapta~ao daquele publico e/ou a sua emancipa~ao e autonomia. No desenvolvimento hist6rico do Servi~o Social constituiram-se movimentos contradit6rios no seu proprio interior, os quais tem sido expressao da tensao entre orientar o desempenho profissional pela regula~ao e/ou emancipa~ao. De acordo com Faleiros (1986) e Sposati (199 I), o conceito de estrategia na pn\tica profissionai parece-nos revelar-se de um significado te6rico-pratico substantivo. Com efeito, estrategia e saber e poder eo Servi~o Social devera definir as suas estrategias pela perspectiva do compromisso com o cliente enquanto sujeito social e hist6rico (Faleiros, I985). 0 reconhecimento da complexidade do social e a pr6pria experiencia profissional aponta para a impossibilidade de ponderar, definir e negociar estrategias fora do campo de for~as sociais, pelo que se coloca tambem a questao da subalternidade que caracteriza o estatuto dos assistentes sociais e que esta associado ao estatuto do pLiblico cliente e consequentemente da considera~ao da sua autonomia relativa. Os assistentes sociais como profissionais assalariados nao agem, nao actuam fora dos contextos institucionais, mas nao sao meros instrumentos ou agentes de execu~ao das polfticas sociais nem estao determinados a participarem e s6 da regula~ao social. Nas suas actividades pre-existe uma intencionalidade que associada a competencia cientffica-tecnica e ideol6gico-polftica confere sentido e direc~ao estrategica, que tanto pode ser funcional aos sistemas como pocle dentro de estruturas funcionais potenciar estrategias emancipat6rias. A supera~ao da idealizcl~ao da pratica, o que e susceptfvel de ocorrer numa intencionalidade que se quer resulte em autonomia e poder dos grupos subalternizados, tera de partir do princfpio de que a pratica do Servi~o Social e organicamente de regula~ao e daf, orientar-se para a constru~ao de estrategias de desoculta~ao dos mecanismos de domina~ao e de legitima~ao das polfticas sociais assistenciais. No presente e na especificidade da forma~ao social portuguesa, verificam-se sinais nas praticas dos assistentees sociais de uma crescente preocupa~ao e consciencia do caracter estrutural dos problemas sociais e da ausencia e/ou inconsistencia e escassez de direitos sociais e humanos, assumindo no entanto menos o protagonismo nas institui~6es pelos direitos, do que pela presta~ao e/ou organiza~ao de bens e servi~os sociais. Significa entender a pratica do Servi~o Social no seu duplo caracter de autonomia e suborclina~ao, ou seja como pratica que se caracteriza por uma autonomia relativa. Nesta autonomia relativa se jogam condi~6es de supera~ao de um estatuto profissional que na divisao social do trabalho e da ciencia tem siclo prevalecente-
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mente de subalternidade. Os assistentes sociais participam assim de um processo que embora predominantemente caracterizado pela domina~ao estrutural, nao impede de equacionar interven~oes que se pautam ou que revelam possibilidades de potenciar a cidadania. A pnitica orientada pelo prisma da comunidade, permite o desenvolvimento de solu~oes a necessidades da popula~ao, as quais evidenciam existencia de recursos nas institui~oes que com frequencia as pr6prias institui~oes negam possuir. Seria de considerar em que medida, mesmo num Estado e economias semiperifericos, os principais obstaculos ao desenvolvimento dos direitos de protec~ao social nao residem tanto na falta de recursos, mas do funcionamento insuficientemente democratico e ineficazmente burocratizado das institui~oes, bem como na vontade polftica para defender polfticas de redistribui~ao em bases mais equitativas. Nesta conjuntura, se refor~a a ideia de que a pratica de Servi~o Social contem possibilidades de dinamizar quer a popula~ao, quer nas organiza~oes uma distribui~ao e gestao dos bens e servi~os sociais, respondendo contraditoriamente aos interesses de uns e outros. E nesta contraditoriedade, que entendida ao nfvel politico e tecnico, reside a capacidade potencial de formula~ao de estrategias de defesa e alargamento de direitos sociais, apoiadas em princfpios democraticos. Constata-se tambem que esta capacidade nao se desenvolve em terreno neutro. Ela resultara conforme a base social de apoio, o que implica a identific<wao de for~as favoraveis e a constitui~ao de solidariedades organizadas e comprometidas com a popula~ao exclufda. Uma pratica crftica supoe a supen1~ao da idealiza~ao da propria pratica, a qual se da no terreno institucionalizado e mediante estrategias pertinentes e operativas, supondo conhecimento e interven~ao. A solidariedade eo compromisso com o cliente concretizam-se na estrategia que viabilize mudan~as nas condi~oes de vida, que potencie e dinamize a sua organiza~ao para a participa~ao, atraves da qual possam exprimir-se como cidadaos com direitos e fortalecer as bases da sociedade civil. Numa retrospectiva do que ocorreu, poderfamos questionar e dificilmente se obteria uma resposta "objectiva", se entre o perfodo de 76-86 e 87-89 se produziram efectivamente mudan~as substanciais nas condi~oes de vida e cidadania da popula~ao assistida. A impossibilidade de encontrar uma resposta nao impede a sua objectiva~ao. Alguns segmentos da popula~ao, caso dos idosos, jovens, crian~as e mulheres, tornaram-se mais visfveis, obtendo maior aten~ao social, em rela~ao a qual se tornou igualmente mais problematica a des-responsabiliza~ao social por parte das institui~oes de assistencia. A aten~ao ministrada baseou-se prioritariamente nas solu~oes colectivas, todavia sem consequencias no piano da universalidade de direitos, canalizando e conquistando recursos materiais e humanos ate entao inexistentes para aquela popula~ao. Na actual fase da sociedade portuguesa, a defesa do alargamento dos direitos sociais e humanos constitui um imperativo do seu desenvolvimento e nomeadamente do Servi~o Social.
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COMENTARIO ACOMUNICA<;AO SOBRE 0 TEMA: A PRATICA DOS ASSISTENTES SOCIAlS: UMA CONVERSA HEURISTICA
Pela Pro[" Doutora Aldafza Sposati
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"Penso que e de extrema riqueza comentar aqui esta investiga~ao que Helena Nunes nos traz ate pm路que entendo que este trabalho nos vai inserir num outro campo de indaga~oes, que diz respeito apropria coerencia interna da nossa pn\tica. Quer dizer, a Helena traz para a cena o protagonismo do assistente social, enquanto profissional, c as questoes postas imediatamente a nossa ac~ao profissional enquanto exercfcio desse protagonismo. Como sugestivamente chama a este trabalho "A pr<ltica dos assistentes sociais: uma conversa heurfstica" assim eu entendo que este semim\rio e exactamente isso, quer dizer, uma conversa heurfstica entre nos. Desta forma, vou aqui sublinhar algumas questoes que entendo se podem colocar no dialogo com este plenario. A primeira delas que e da maxima importancia, e que este scminario nos traz, 6 a possibilidadc cfcctiva do assistcnte social construir conhecimcntos a partir da sua pratica historica, situada, datada, que se desenrola no ambito das relcl~oes sociais. Vimos aqui ao longo do dia a riqueza que se produz quando o assistente social reflecte sobre a sua pratica e para isso da necessidade de base cientffica da propria pratica profissional. lsto coloca-nos em questao o caracter circunstancial, imediatista, pragmatico, fechado na logica das institui~oes, na reprodu~ao de procedimentos, sem uma compreensao mais ampliada daquilo que nos justifica enquanto profissionms. Interrogamo-nos todos nos, quando chegaram ao Brasil notfcias que aqui na cidade de Lisboa havia um novo codigo, codigo este que proibia qualqucr cxprcssao do pedido de esmola, proibia qualquer expressao da mendicidade; eu queria
Professor do Pontiffcia Universidade Cat6lica de Sao Paulo- <irea de
Servi~;o
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Interven~ao
Social
entender por onde passa este dispositivo, efectivamente, ele desloca o campo dos direitos sociais outra vez trazendo as questoes sociais para o campo da polfcia e nao, efectivamente, para o campo do avan~o da democracia e da conquista social. Entao entendo que ha uma centralidade, principalmente na nova realidade, onde discutimos nao so a velha e antiga pobreza mais as novas formas de pobreza e o assistente social ele e chamado a continuamente responder por isso. A Prof. Augusta Negreiros nos mostrou muito como e que sao as representa~oes profissionais e Helena nos sugere, inclusive, ao trabalhar esta questao, de que muito diferentemente de ser "aquela senhora que e paga pelo Estado para ter pena da gente", nos percebemos que, quando se mergulha na analise da pratica se descobrem muito mais rela~oes, muito mais mecanismos do que aqueles que, aparentemente, sao "travestidos" da mera ajuda circunstancial e parcial. E e sobrc isto que eu queria tecer aqui mais alguns comentarios. Um segundo comentario: eu diria que a exposi~ao, a pesquisa, este contributo teorico de Helena Nunes, assim como outros, cles nos mostram a necessidade de rompermos com a leitura das ac~oes da profissao dos assistentes sociais a partir de 16gicas endogenas, ou seja, nao se pocle absolutamente entencler o servi~o social dentro de um cfrculo fechado em si mesmo. A sua, e tudo aquilo que foi desdc a exposi~ao de Alcina c todas mais que sucederam aqui, foram mostrando fortcmcnte como e que o servi~o social se situa dentro das rcla~oes da totalidade da sociedade e as nuances mesmo que ele vai tomanclo do ponto de vista das suas rela~oes com o Estado, das suas rela~ocs no interior das politicas sociais. Portanto penso que todas estas contribui~oes elas transmitem um rccado, eu diria assim, um aviso muito serio a todos nos assistentes sociais: nao olhemos (aquilo que Ze Paulo dizia) para uma 16gica profissional centrada no proprio umbigo. Se assim fizermos nos corremos efectivamente o risco de p6r em risco a nossa profissao pm路que todos os liames que ela tem do ponto de vista mais ampliado, clcs vao-se rompendo e nos vamos terminando por desenvolver o que cu diria uma cidadania restrita do proprio exercfcio profissional. Penso que a Helena nos vai mostrando isto inclusive num campo extrcmamente importante que eu assinalaria como um terceiro ponto que ela nos destaca com muita riqueza que e, a descoberta da pedagogia da pratica. Nao existe na nossa pratica profissional meramente uma sucessao de metodologias ou de procedimentos existe sim uma pedagogia e esta pedagogia e que ela vai traduzir na mancira pela qual ela se concretiza, na maneira pela qual ela reproduz a forma destas rela~oes entre o profissional e a popula~ao. Helena nos trouxe, nessa discussao, a cena a popula~[lo e a rela~ao profissional do assistente social com a popula~ao e com isso ela nos pos o dito paradigma cla regula~ao e da emancipa~ao. Nos traz a questao de valores cliscutinclo qual c a intencionalidacle, qual e a clirec~ao polftica (e aqui eu
C01nentririo
{I Comunica~ao
sobre a Prritica dos Assistcntcs Sociais
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falo a palavra "polftica" na sua totalidade) no ponto de vista de compreender que efectivamente a acyao profissional ela se insere num campo da politica por quanto ela e historica, por quanto ela provoca alteray6es na realidade. Portanto acho que essa questao rompe com qualquer referencia do ponto de vista da neutralidade. Nao ha neutralidade, todavia nao podemos nos aqui pensar numa polarizayao achando que a pratica e so isto, so assistencia ou so promoyao, ou so subalternidade ou so transformayao, ou so regula9ao ou so emancipayao, quer dizer, e esta a questao. c efectivamente descobrir por onde se da a presenya destes paradigmas na pratica profissional, onde e que eles informam a nossa acyao profissional e como e que nos, ao dar conta dessa dimensao, nos conseguimos movimentar na direcyao de um ou outro paradigma. Entendo que e extremamente importante darmo-nos conta que ao longo do tempo a pedagogia da pratica se pautou pelo exercfcio de selectividade onde, ao contrario da universalidade que e a demanda das polfticas sociais, nos assistentes sociais sempre fomos treinados no domfnio de tecnologias de selec9ao: selecyao por merito social, selecyao por adop9ao de criterios, nao dando conta ainda o suficiente do quanto as tecnologias de selectividade utilizadas na pratica, vao de encontro aos princfpios democraticos do ponto de vista da universalizayao do direito. Entao a direcyao pela qual exercemos esta questao da seleclividade sao mecanismos fortemente de reiterayao dos processos de exclusao. Entao, ao inves de senhoras bondosas, de dar conta de processos de ajuda, terminamos e nao damos conta disso, de ser, sim, "bruxas mas" que exercitam a exclusao. Quer dizer: entao eu acho que esta e uma questao extremamente seria do ponto de vista da pr<ltica mas nao so a questao da selectividade, mas tambem a questao mesmo da restri9ao do direito. 0 que entendo eu aqui sobre a questao da restriyao do direito? E o deslocamento que o assistente social muitas vezes faz do campo do direito sob re a legalidade (e ele trabalha este direito) no campo da retorica, da fala, nao colocando a possibilidade efectiva da garantia do direito ate mesmo nos tribunais, para os segmentos da populayao mais pauperizados e mais espoliados. Uma outra questao que me parece tambem muitas vezes presente na pedagogia do profissional e quando ele se coloca nas relay6es como num processo de interposiyao de sujeitos; diz ele que ele fala pela populayao e chega na popula9ao e diz que fala pela institui9ao. Neste papel de interposiyao o assistente social termina no mais das vezes por impedir as representay6es directas, os processos de negociayao e o avan9o de rela96es democraticas. Entao me parece que, embora Helena Nunes nao tenha acentuado estes aspectos, ela acentuou em contrapartida o caracter importante do que ela chama uma "pedagogia democratica" ou seja, aqueles elementos que nos temos que por em pratica, que efectivamente dizem respeito a um compromisso coma sociedade, que avan9a ao final do scculo (e ja falamos ate em
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lntervcn<;ao Social
seculo XXI) quer dizer, nurn cornprornisso efectivo com o exercfcio, realmente, da democracia, o exercfcio do direito, o exercicio da representayao que n6s terrninamos sintetizando tudo isso sob a egide da ideia de cidadania. Este caracter da universalidade, da publicitayao, o caracter da investigayao, da solidariedade, enfirn, eu penso que ha um grande contributo na sua reflexao e, portanto, dos assistentes sociais corn os quais ela trabalhou, no sentido de indicar urn novo carninho, uma nova pedagogia, uma pedagogia cornprometida efectivamente corn novos tempos democraticos. E para terminar, penso que uma preocupayao que Helena nos traz e a questao da preocupayao corn a cidadania profissional. Considero que temos que romper com esta cidadania envergonhada, se me permitem assim. Esta questao que e muito interessante da busca da autonomia relativa dentro do exercfcio profissional, muitas vezcs ficamos subjugados, no exercfcio subalterno da acyao profissional, aquilo que e o disposto institucional deixando de !ado a nossa competencia e capacidade do exercfcio de uma profissao o que nos da uma autoridade, ainda que n6s nao sejarnos na sociedade questionados no nosso desempenho, como por exemplo, os medicos: n6s somos isentos, ainda, do julgamento da sociedade sobre a qualidade das nossas praticas, n6s nao temos, na verdade, uma sanyao que nos permite muitas vezes transgredir a questao da qualidadc scm tcr directamente a avaliayao da sociedadc. N6s nao tcmos isto mas isto nao dcvc ser o nosso escudo, deve ser, efectivamente, entendo eu, o nosso compromisso no sentido de conquistar este espayo por uma efectiva cidadania (eu diria mesmo aqui de compromisso e nao essa cidadania subalterna). Por fim Helena Nunes colocou uma questao, pela propria natureza da investigayao deJa, que e a investigayao no ambito de um projecto. E af ela nos cliz o scguinte: Primeiro- o comeyo da experiencia dizia o seguinte: sera que um projecto, por ser uma esfera que se coloca fora das rclayoes imediatas de poder, de regulayoes dentro de uma instituiyao, por ele serum ambito ou uma esfera que coloca relayoes particulares ou constr6i o que ela chamou de um novo espayo geo-administrativo das relayoes, sera que um projecto por isso mcsmo permite de algum modo um avanyo de qualidacle? Ela comeyou a sua inclagayao neste sentido e ela terminou colocando uma outra indagayao (o optimismo inicial ela nos pos um preocupayao final): sera que os projectos, hojc, tao frequcntes na sociedade portuguesa nao seriam formas de fragmentayaO dos direitos? Por outras palavras: sera que a populayaO deste projecto viveu um momento bom ou talvez um momento 6ptimo durante o perfodo de duragao do projecto e cessado o projecto cla nao cntrou num circuito de regulariclade. de
Con1enUirio
a Comunica\ao sabre a PrUtica dos Assistcntcs Sociais
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abandono e de nao exercicio efectivo da realizar;:ao e da concretizar;:ao dos seus direitos. Portanto, penso que o que nos e colocado e uma questao de extrema cautela que diz o seguinte: ate onde? Com os projectos n6s podemos inovar, criar um outro campo afora das relar;:oes para fazer avanr;:ar, vamos dizer assim, esta questao da democracia, a questao da autonomia, sem que com isso sejam eles uma novidade para contrapor tudo aquilo que poderiam ser conquistas mais duradouras para a popular;:ao apesar de que colocam novas relar;:oes de poder. Entao eu diria que possivelmente este trabalho (assim como outros) nos trazem serias quest6es para reflectirmos sobre a pnitica profissional: por onde se movimenta o campo da pratica do assistente social? por onde e que o assistente social tem um domfnio efectivo das relar;:oes que estao postas imediatamente no seu exercfcio profissional?- e como se processa a inter-relar;:ao destas relar;:oes com uma intencionalidade para alem desta pnitica no avanr;:o da sociedade democratica dos direitos sociais e do confronto com as exclusoes? Eu fico por aqui. Muito obrigado."
0 INSUCESSO ESCOLAR: DUPLA EXCLUSAO *- 0 SABER EA PRAXIS EM SAUDE A criunca que \'Cii it escola estci lwbituada a munusear o real a partir das relct~·Des que estabelece. ela e os adultos que a rodeiam, no processo de produjr a \'ida. RAUL ITURRA. !990
Maria Dorita Pestmw Anjo *
INTRODU<;Ao Integrada no Semim1rio «Scrvic;o Social e Socicdade - Investigar o Agir» foi prcparada a presente comunicac;ao que apoiada na Dissertac;ao - realizada no mcstrado de Servic;o SociaL no ambito do protocolo entre a PUC-SP e o ISSS-CRL sobrc «<nsucesso Escolar: Dupla Exclusao», Dissertac;ao defcndida em Dezembro de 1992 - e situada na intervenc;ao da autora da eco aos objectivos anunciados, situada que esta no saber fazcr da autora, na compreensao estrutural e conjuntural da realidade social cnvolvente. Tratando-se de um tema que teve um tratamento vasto, na Dissertac;ao. o recorte agora proposto privilegia a educac;ao e a saude, apontando caminhos para a transdisciplinaridade e intersectorialidade nos novas c velhos paradigmas em Saude Escolar. A introduc;ao de um panto previo situa as directrizcs da Disscrtac;ao. 0 Insucesso Escolar situado no saber e na praxis cm Saudc, atraves de uma pratica em Servic;o Social, toma por referencia que saudc e disciplina, ou medicina e pedagogia, sao duas questoes crfticas na cidadania portuguesa que mantcm a exclusao social. Tema principal dcsta Comunicac;ao, subdivide-se em tres partes, a saber: Polfticas de Educac;ao e Insucesso Escolar, Exclusao e Dupla Exclusao; Tcorias
Mestre cm Serviyo SociaL Assistcnte Social da Oil isao Regional de Saude da Madeira. In1·estigadora do CPIHTS- Centro Portugues de Investiga~ao com Hist6ria e Trabalho Social.
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Interven<;ao Social
Explicativas nos Velhos e Novos Paradigmas em Saude- Produ~ao e Reprodu~ao do Insucesso Escolar; Servi~o Social e Insucesso Escolar- Estrategias de Transi~ao para o Modelo da Democracia do Direito. A questao central tomada para o assistente social neste agir e, conforme Sposati, superar o Modelo Solidarista da Colabora~ao e aprofundar o Modelo da Democracia do Direito. Esta proposta incorpora-se numa outra defendida por Faleiros, a chamada metodologia da articula~ao. A terceira parte do segundo ponto e as considera~5es finais da presente Comunica~ao apontam para a metodologia implfcita nessas propostas. Trata-se de um desafio dificil no contexto da pn'itica em apre~o na Madeira, mas possfvel, se intensificarmos o debate publico, sobre diferentes formas e estrategias de trabalho social, envolvendo nao s6 os assistentes sociais mas alargado a outros protagonistas, outros profissionais do terreno e a propria popula~ao, envolvida numa estrategia ampla, integrada, articulacla e activa.
ÂŤINSUCESSO ESCOLAR: DUPLA EXCLUSAOÂť- PONTO PREVIO AS JUSTIFICATIVAS DA TEMATICA da Disserta~ao de mestrado em Servi~o Social, apoiaram-se nas seguintes quest5es: 1.") fen6menos tais como a formaliza~ao da universalidade dos direitos sociais coma persistente exclusao pela sua perda ea injusti~a distributiva dela decorrente tem vindo a ser sucessivamente questionaclos; 2.") opini5es sobre o Insucesso Escolar que oscilam entre a desadapta~ao do programa escolar e as dificuldades clas aptid5es para o ensino das crian~as atingidas, com recurso a diversos especialistas ao nfvel das capacidacles ffsicas, de nutri~ao, intelectuais, sensoriais e comportamentais, nao correspondem ao conhecimento social experienciado; 3.") o percurso percorriclo pela crian~a na hierarquia institucional e na interpreta~ao individual que e realizacla sobre o fen6rneno do insucesso escolar constitui processo aniquilador; 4.") a inexistencia na RAM de qualquer estudo sobrc o insucesso escolar, constitui forte lacuna na analise da pratica profissional em Servi~o Social. 0 Insucesso Escolar e um dos fen6menos socialmente excludentes atingindo preferencialmente a popula~ao subalterna. Ao excluf-la contraria, assim, nomeaclamente, os artigos 73. 0 e 74. 0 da Constitui9ao Portuguesa que consagrados, gra~as ao processo clemocratico iniciaclo em 1974, constituem um desafio para o assistente social. A Dissertar;ao tomou como OBJECTO o Insucesso Escolar no ensino basico primario, I. o ciclo, no contexto da pratica profissional do assistente social em Saude
0 lnsucesso Escolar: Dupla Exclusao
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Escolar, num Centro de Saude, na Regiao Aut6noma da Madeira, entre 1979 a 1992. 0 1. o Ciclo, a par da educa9ao pre-escolar, constituem para a autora o alicerce do sucesso escolar, ao nfvel do sector. 0 Insucesso Escolar foi tomado como expressao de um processo de dupla exclusao: exclusao social, no piano da cidadania e exclusao cultural, no piano escolar do ensino. Como OBJECTIVOS foram definidos os seguintes: contextualizar o fen6meno da exclusao no marco das rela96es sociais e dos direitos sociais, recuperando a complexa dinamica entre as polfticas sociais e a universaliza9ao, sob o paradigma da «modernidade» e da «igualdade de oportunidades»; interpretar a possibilidade de romper coma exclusao atraves de estrategias e t<icticas do Servi9o Social para fazer face ao fen6meno do Insucesso Escolar. Sobre a METODOLOGIA pode, em sfntese, salientar-se os seguintes eixos: - Os procedimentos qualitativos foram conjugados na am'ilise com recursos quantitativos, toda ela informada pelo caracter «semiperiferico» da sociedade portuguesa, segundo propoe Santos, 1985, expresso na Madeira pela sua condi9ao «ultraperiferica». - A interpreta9ao e a analise apoiada no marco da realidade social, procurou inscrever-se na sociologia da vida quotidiana, que conforme Helier, assenta no pressuposto de que a analise da realidade investigada, ultrapassa a descri9ao da mera rotina das praticas sociais e das rela96es interpessoais. - A directriz foi a de que todo o conhecimento e local e total, alem de ser sempre um movimento aproximativo e provis6rio, com os seus limites, a sua parcialidade, susceptfvel de revisao, reformula9ao e substitui9ao. - Apoiada na pratica do assistente social, a Disserta9ao procurou distanciar-se da tendencia de tomar a dimensao ffsico-psfquica, como algo que antecede o social e a ele se sobrepoe. 0 pressuposto te6rico foi o da determina9ao hist6rico-social da ac9ao humana. -Os principais procedimentos metodol6gicos adoptados na pesquisa foram os seguintes: 1) o estudo e analise de documentos institucionais, constitutivos do processo elaborado sobre a crian9a com Insucesso Escolar e a vida quotidiana familiar - fichas, diagn6sticos, cartas e relat6rios; 2) observa9ao participante; 3) reflexao crftica sobre documenta9ao diversa, elaborada pelo assistente social na propria pni-
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lnterven~ao
Social
tica profissional- relat6rios, propostas, projectos, estudos, outros; 4) levantamento e amllise documental - legisla~ao, pianos e programas governamentais, artigos de jornais locais e nacionais, outros; 5) levantamento e analise bibliografica, nacional e estrangeira, sobre a tematica. 0 percurso tra~ado na analise compreendeu: as peculiaridades da sociedade portuguesa, nas condicionantes, contradi~oes e dinamicas perversas da moderniza~ao e da democratiza~ao, nas dicotomias e nos dualismos; a crise e a reconstitui~ao do Estaclo, em Portugal, sua natureza social e rela~oes com a socieclade civil, direitos sociais, no ambito do Estado Providencia e das polfticas sociais; os projectos s6cio-hist6ricos portugueses alargados aos projectos da Madeira; as manifesta~oes entre as diferentes areas do saber na constru~ao e no «tratamento» do Insucesso Escolar, no ambito da Saude Escolar; a dupla exclusao da popula~ao subalterna perante a escola e a equidade/igualdade de oportunidades na vida, vista na pratica do assistente social. Apresentadas, em sfntese, as linhas gerais da imediatamente ao tema da Comunica~ao.
Disserta~ao
realizada passemos
0 INSUCESSO ESCOLAR COMO EXCLUSAO E DUPLA EXCLUSAO NAS POLITICAS DE EDUCA(,:AO Em primeiro lugar, podemos afirmar que o debate governamental sobre o Insucesso Escolar s6 safu do anonimato em que permaneceu durante varias ctecadas, ap6s a entrada de Portugal na Comunidade Europeia. Sobre as polfticas de educa~ao no perfodo democratico a analise da Disserta~ao apoiacla em varios estudos, nomeaclamente em Stoer, demonstrou que, na sociedade portuguesa, um discurso alternativo viavel sobre a escola democratica tende a desaparecer e que a mesma corre o risco de se diluir na subordina~ao da polftica eclucativa a uma polftica econ6mica, cuja fun~ao se encaminha para a adapta~ao do sistema econ6mico portugues as moclifica~oes da divisao internacional do trabalho, situada em dois importantes eixos de analise: a escolaridade obrigat6ria garante a possibilidade da entrada da for~a de trabalho no mercado; a oferta de recursos humanos com qualifica~oes aclequadas eessencial para a moclerniza~ao da economia - perspectiva crescentemente baseacla na valoriza~ao do eixo escolaridacle-mercado de trabalho. Trata-se de um novo «Vocacionalismo», como conjunto de desenvolvimentos inter-relacionaclos entre o sistema cclucacional e o ocupacional gcrado pela compe-
0 lnsuccsso Escolar: Dupla Exclusiio
IJJ
ti~ao econ6mica e tecnol6gica (STOER et al. 1990). 0 aumento verificado no investimento publico no sector, calculado em 4069'c entre 1988-91. nao e alheio as novas directrizes.
Esta amilise nao deixa deter em considera~ao que a utiliza~ao abusiva de mao-dc-obra barata e um princfpio contnirio a um pafs demowitico. Todavia, importa retomar o eixo educa~ao-democracia eo estreitamento entre a escola ea vida activa. tornando presente a explicita~ao sabre o entendimento de vida activa ou sabre a natureza das rela~oes em causa. o que significa procurar (re )orientar o debate publico e nacional para o papel da escola no desenvolvimento global do jovem na sociedade portuguesa contemporanea 1• As compara~oes entre Portugal e outros pafses industrializados sugerem resultados inc6modos, cam dimensoes polfticas. que embora acumulem um passado de fortes constrangimentos no sector. nao deixam de sublinhar problemas de hoje traduzidos par diversos indicadorcs: mcnor taxa de pre-escolar. a volta dos 35%; men or taxa de alfabetiza~ao cam 85%. para 92,2 o/c na Grecia, 97.5 9'c na Espanha, para uma media de 99% na UE (dad os de 1990); men or taxa de forma~ao profissional cam 5%; menor percentagem de forma~ao superior cam 11 %; total centraliza~ao de competencias, cam I OOo/c das dcspcsas centralizadas no nfvel central de administra~ao - para a media da OCDE cam 23,1% ao nfvel central, 21,9% ao nivel regional, 53,7o/c ao nivellocal e I Jo/c ao nfvel de outros dominios de decisao (ONU, 1992, 1993: INE, 1992: Eurostat, 1991; CRSE, 1988; OCDE, 1992). Mas a distancia entre Portugal e os restantes pafses membros da UE revela-se, mais claramente, pe1a amplitude das taxas de insucesso do sistema educativo portugues, traduzidos pela safda precoce de 7 em cada 10 alunos, antes dos 16 an os, numa media europeia de 4 (Eurobar6metro. 1989). As taxas de repetencia, um problema que marca. particularmente. as crian<;as nos primeiros anos escolarcs. permitem sublinhar que o alargamento da cscola publica no bojo da proposta demowitica se fez cam forte selectividade. Dados disponiveis identificam a Madeira cam a taxa mais alta do pafs. A media nacional de
1 Podemos incluir no eixo cscolaridade-democracia algumas questoe' trazidas por ivladurcira Pinto ao SemiMirio oncle se integrou a presente comunica~ao. tais como: rcla\iics entre a educa~ao eo desen1·oil·imento ocorrido nos ultimos anos. alcrtando para a "incerta rela<;aO>>: licealizat;ao da cscolaridadc obrigat6ria c cn1·icsamento das iclentidadcs 1ocacionais: o ensino tecnico-profissional tarclio e selecti1o: clcscmprcgo c subemprego qualificados: qualificac;oes escolares e qualifica<;iSes institufdas: procuras. contc(rdos c rela<;ao com o cmprcgo na forma~ao profissional: analfabctismo funcional e outras regressoes culturais: escolariza~ao c constru<;ao de aspira<;iSes (PINTO. 199-+J.
Interven~iio
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Social
repeu~ncia no 1.° Ciclo, em 1985/86, que foi de 19,6% sobe para 31,1% na RAM. Estatfsticas oficiais mais recentes apontam para uma taxa mais alta na Madeira. A SREJE trouxe a publico, em 1992, que a taxa em 1988/89 foi de 33,9%.
A dcfiniyao de Insucesso Escolar tomada na Disscrtayao, apoiou-sc cm Iturra (1990), segundo o qual, o insucesso escolar e «uma construyao socialmente feita (... ), resultado de processos heterogeneos de entender o real subsumido a uma ideia central, a construyao do cidadao unico e igual no meio de uma vida social que os factos provam ser diversificada». Isto significa que a teoria pedag6gica nao foi construfda sobre a ideia da crianya ser o resultado e parte de urn processo de relay5es sociais, tal como propos Piaget (1975), segundo o qual o desenvolvimento da inteligencia resulta da acyao sobre o meio material e social que constitui o quotidiano da crianya, ou por suas palavras, «a inteligencia e construyao de relay5es». A populayao atingida pelo Insucesso Escolar caracterizada na pesquisa constitui forya de trabalho, essencialmente, subalterna que esta numa ou noutra situayao seguinte: assalariados precarios, a prazo, sem contratos legalizados e alguns sem seguranya social; trabalhadoras ao domicilio e a peya - caso das bordadeiras de casa ou das trabalhadoras do vime, actividades que ocupam grande parte das maes atendidas. Num universo de 890 famflias estudadas, foram obtidos os seguintes resultados: as mulheres bordadeiras eram 40.0%; donas de casa, 27.1% 2; empregadas domesticas 7.8%, o que totaliza 74.9%. Na categoria dos homens encontraram-se 42.7% como trabalhadores manuais nao-qualificados- ajudantes, assalariados agrfcolas, etc; emigrantes, desempregados, refonnados/invalidos, com 3,09, 5.06 e 3.83%, respectivamente, que somam 12.8%. Significativamente menor, encontra-se uma outra faixa, considerada estabilizada no mundo do trabalho, constitufda por pequenos agricultores, operarios e empregados de sectores em situayao salarial regular, 39.9% (ANJO, 1992). Constatou-se, tambem, que a dimensao media das famflias atingidas pelo Insucesso Escolar era de 5.7 pessoas- em 1981 era de 3.7 pessoas a dimensao media da RAM 3. Os rendimentos familiares mensais eram muito baixos: 42.85% estao abaixo do salario minimo regional - este e mais 2% do salario mfnimo nacional; 41.26% famflias estavam entre o salario minimo e salario e meio; 15.87% acima
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As mulheres trabalhacloras do vi me estao inclufclas na percentagem das clonas de casa. ' Como foi consicleraclo na an<\lise cletalhacla sobre a procluqao do lnsucesso Escolar, ao Ion go cla Disserta9ao, a popula~ao marcada por fortes tra9os rurais. ao cleixar o trabalho produtivo nas maos do grupo clomestico. assume necessariamente a fragiliclade humana e em consequencia clisso a sua maior climensao. A Madeira epor excelencia uma regiao onde preclominam fortes traqos culturais rurais.
0 lnsuccsso Escolar: Dupla Exclusao
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desse montante. Avaliada a situayao global das famflias, concluiu-se que o grande numero fica abaixo do limiar da pobreza ~. Se a isto acrescentarmos o baixo grau de escolaridade- tomando o perfodo referido, 1988-1992, as famflias com analfabetismo eram 21.52%, subindo para 37.25% sem escolaridade mfnima obrigat6ria de 4 anos, o numero que a completa era de 53.4% e apenas 6.5% com 6 anos. Referenciadas no conjunto destes indicadores a situayao de precaridade das famflias atingidas pelo Insucesso Escolar torna-se mais aeutilante. Nao e de menosprezar ainda a taxa de alcoolismo paterno que de 30.9%, apresenta violencia em27.9% que como sabemos pode causar maiores danos e riscos acrescidos as crianyas pobres (IBIDEM) 5.
A semelhanya do que Iturra analisou
com as crianyas rurais portuguesas do Norte e confonne o que acaba de ser comprovado pelo estudo, a simbologia produzida nas famflias atingidas pelo Insucesso Escolar, na Madeira, distancia-se da simbologia das letras. 0 saber da populayao envolvida no trabalho manual, rural, semirural e domestico e transmitido oralmente com a sua memoria, baseada na acyao e, frequentemente, interpretada a luz do ensino religioso. A escola transforma este pensamento em relay6es individualizadas, horizontais e numa simbologia baseada no racionalismo, atraves da abstracyao, representativa de um real mais amplo, num sistema universal ao qual pretende subordinar aquele em que a crianya est<i envolvida, ou seja. o ensino esquece a heterogeneidade da diferenya cultural que nasce da pnltica do trabalho que e socialmente dividido entre os homens. A memoria e a capacidade de lembranya s6 retem aquilo que e praticado. A escola fazendo tabua rasa dessas praticas mantem agravado o insucesso, pelo tipo de contacto da crianya do meio popular com a escola, caracterizadamente epis6dico, durante uma epoca curta da sua vida, sem possibilidades de continuiclacle - escolaridacle frequentemente interrompicla antes de atingir o nfvel obrigat6rio. Para concluir esta primeira abordagem sobre o Insucesso Escolar, no eixo escolaridade-democracia e sem advogar a manutenyao daquilo a que Iturra chama de sustento emotivo clas relay6es sociais rurais, importa sublinhar a necessiclade de construir uma teoria pedag6gica susceptfvel de ultrapassar, por meio de acy6es, o Insucesso Escolar e a injustiya distributiva que dele resulta, incorporando o saber
1 Estudos sobrc a pobreza na Uniao Europeia calculam cm 50 milhocs o numero de pessoas atingiclas. 0 criteria de pobreza utilizado ncstes estudos apoia-se no rendimento igual ou inferior a 5011 do rendimento mcdio nacionaL 5 Iturra alerta para o facto do alcoolismo niio poder ser tomaclo como Lllll vicio, niio obstante o problcma dos seus efeitos ansioliticos. Scgundo este autor. apoiado em estudos antropo16gicos em Portugal, para alem do beber ser uma idcia introduzicla religiosamente <<O vinho esfmbolo de for~ a, ... >> traduz-se na prMica pela optimiza~ao do uso do corpo que scntc menos a dureza do trabalho brapl (!TURRA, 1990: 37).
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Intcrven9i\o Social
local dentro do saber letrado, o saber corn que a escola, na posse do poder, pretende dominar etnocentricamente. A Madeira sem estudos locais sobre o Insucesso Escolar e nao vinculada aos programas nacionais de combate ao Insucesso Escolar nem ao anterior «Programa Interministcrial Para o Sucesso Escolar», PIPSE, lanyado em 1987, nem ao actual «Programa de Educayao Para Todos», PEPT, lanyado em 1991 - de vera consiclerar este primeiro estuclo como contributo para o conhecimento do fen6meno.
TEORIAS EXPLICATIVAS NOS VELHOS E NOVOS PARADIGMAS EM SAUDE- A PRODU<;AO EA REPRODU<;AO DO INSUCESSO ESCOLAR NA RAM A Saude Escolar e um serviyo em saucle publica que actua no ambito cla prevenyao e da promoyao em saucle cla populayao escolar (dos 5 aos 15 anos). Reune grandes potcncialidacles no campo das polfticas sociais pelo desenvolvimento de estrategias de cooperayao intersectorial, atraves de projectos de desenvolvimento integrado, dirigidos as crianyas, aos aclolescentes e jovens em formayao. Embora consideraclo de base interdisciplinar, nao renunciou, contudo, ao velho paradigma. 0 modelo utilizado na Saucle Escolar e essencialmente clfnico e persistentemente baseado cm atendimentos em serie, ignorando ou rejeitando os grancles clesafios que os cstilos de vicla e cla socieclacle impocm. Este moclelo nao e apenas caractcrfstico da Saudc Escolar, mas da quase generalidade da pratica dos Cuidados de Saude Primarios. A Saude Escolar em estudo e um serviyo, criado pelo Sistema Regional de Saudc da RAM, em 1977178, mas a sua implementayao no pais pode considerar-se rem on tar a 1837, aquando da criayao dos lice us e das primeiras medidas higienistas e solidaristas. Em Portugal sofreu varias reformas conforme a dinamica das polfticas do pais: 1911 com a implanta9ao da Republica e a tentativa de implementar importantcs medidas no ensino; 1933 com a consolidayao da ditadura acompanhacla de fortes preocupayocs morais e doutrinarias, contra o «fan a! da ciencia» (dominante na educayao, segundo Salazar); 1971 coma primavera marcelista eo programa sanitarista; 1976 coma implantayao do Sistema Nacional de Saucle, SNS. Importa, antes de mais, sublinhar a importancia dos serviyos prestados pela Saucle Escolar, tanto ao nfvel do seu proprio sector, como no sector da educa9ao, fazenclo da valencia um papel potencialmente pionciro na articula9ao intersectorial,
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urn papel que e hoje acentuadamente subestimado na planifica~ao das politicas de ambos os sectores 6. A par da reconhecida importancia atribufda ao papel da Saude Escolar revelada na Disserta~ao foi igualmente possfvel identificar algumas vulnerabilidades nos servi~os prestados, em aspectos fundamentais da sua organiza~ao, funcionamento, directivas de orienta~ao e concep~ao da Saude Esco1ar, corroborando, assim. com algumas das conclusoes feitas em relat6rio da ex-Direc~ao Geral dos Cuidados de Saude Primarios. em 1991. Na ana1ise que se segue, sempre apoiada nos resultados da Disserta~ao, tera principal foco a Saude Esco1ar do Funcha1, onde o estudo decorreu. Em primeiro lugar importa destacar a centraliza~ao do atendimento num s6 servi~o e as tendencias evendenciadoras de inversao da ac~ao na Valencia estudada, traduzida pe1a redu~ao dos chamados «Exames Sistematicos», (ES) que desceram dos 11733 em 1980 para 867 em 1991 (ANJO FREITAS, 1992). 0 Exame Sistematico faz o contro1e vacina1, oftalmo16gico, otorrino, peso, altura, entre outros cuidados e e uma actividade integrada no grupo escolar, em rela~ao estreita com a famflia. Ao abranger todas as crian~as da turma, esbate o peso dos «handicaps» individuais. Concluiu-se, assim, que a inversao verificada, nao s6 reduz os efeitos da preven~ao e promo~ao da saude da popu1a~ao escolar, como tambem priva muitas crian~as da avalia~ao geral de saude, cujo contacto com o sector e interrompido logo nos primeiros anos de vida. Ora, todos conhecemos as dificuldades de implementa~ao de um programa vasto em saude preventiva/saude publica, tanto mais dificil quanto na RAM nao se encontra ainda implementado o sistema de medico de familia 7.
" !m porta destacar que a pesquisa deu conta das actuais tendencias de rcarticula<;ao no continente do pais entre a saude e a educa<;ao, em resultado das mudan<;as ocorridas com o alargamento da escolaridade obrigat6ria para 9 anos, polftica introduzida em 1987. bem como pelos novos comporlamentos e cstilos de vida levados acscola, que segundo Pedro (1992) fazem suceder a «morbilidade infecciosa>> a «morbilidade comportamental>>. pelo aumento da popula<;ao urbana. famflias monoparentais. aumento do consumo de fumo e drogas ilcgais, experiencias sexuais precoces. Estas foram algumas das primeiras conclusoes em resultado das tentativas de articulaqao de politicas intersectoriais, que tiveram coma primeiro passo, a nomea<;ao de um grupo de lrabalho interministerial, em 1991. para «reordenar e clarificar actuaq6es e objectivos>>. 7 Recentcmcnte. veio a publico o aumento das taxas de mortalidade infantil na RAM, colocanclo a regiao com a mais alta taxa. com 14.1, para uma media nacional de 8,6 (MARTINS, «Publico>>. 94.05.19). Elambem conheciclo o hiato revelaclo pela quase total ausencia de contacto dos jovens com os Cuidados Primarios de Saucle, sendo os idosos. em adiantado estado de cronicidade da cloen~a, os principais consumidores de servi<;os de saucle.
Interven~ao
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Social
Igualmente, se verificou a ausencia total de programa~ao e avalia~ao anual das suas metas. Assim, a Saude Escolar, sem qualquer programa de cobertura regional, abrangeu apenas 10,8% da popula~ao escolar do concelho do Funchal, com os 2492 atendimentos em "Exame Sistematico" e consultas de Saude Escolar/Insucesso Escolar. Importa sublinhar que a cobertura na RAM se limitou, naquele tipo de actividade, ao 1. o Ciclo. As suas actividades repetem-se ano, ap6s ano, reproduzindo a crise vivida na gestao e dinamica de todo o sector, resultado de uma crise mais vasta que assola os servi~os publicos estatais. Segundo varios autores estudados esta crise nao e mais do que a estrategia em direc~ao aretrac~ao do Estado Providencia e privatiza~ao dos servi~os. E se a nfvel regional temos a centraliza~ao dos servi~os e uma escassfssima abrangencia, com ausencia de estrategias de planifica~ao, temos a nfvel nacional fortes assimetrias na cobertura da Saude Escolar. Enquanto a Saude Escolar, para o ano de 1991, ultimo ano estudado na Disserta~ao, abrangeu, em Leiria, 92,6% dos se us alunos, em todos os grans de ensino, Setubal abrangeu 91 ,7%, Faro 90,4% e Lisboa 83,3%, ja em Aveiro e Coimbra foram abrangidos, apenas, 45,2 e 48,4% dos alunos, respectivamente 8. A baixa diversifica~ao de profissionais integrados nas equipas, basicamente, constitufdas por medicos e enfermeiras, pode ser destacada, como uma outra grande vulnerabilidade nacional. Esta situa~ao apresentou-se no continente do pafs, em 1991, de 797,6 meclicos, 657,6 enfermeiras, para 48,7 assistentes sociais e 16,7 psic6logos. estudado foi sublinhada uma maior diversifica~ao, nao obstante a do 2. 0 assistente social ao fim de 14 anos- hoje novamente reduzido para 1. Em 1992, ano da conclusao da Disserta~ao, foram identificados os seguintes profissionais: 2 assistentes sociais; 5 medicos de clinica geral, a tempo parcial; 7 enfermeiras; 3 psic6logos; 1 higienista de Saude Oral; 1 medico dentista; 3 auxiliares de Higiene Oral; 2 terapeutas da fala (ANJO FREITAS, 1992). No
servi~o
integra~ao
DecmTe das peculiaridades analisadas em Saude Escolar uma metodologia corrente, caracterizadamente tradicional, enfatizando o diagn6stico ea terapeutica individual, sem matriz conceptual orientadora do processo metodol6gico. Asemelhan~a de analises sumarias apresentadas por Navarro e outros meclicos, a metodologia em Saude Escolar traduz-se por consultas em serie, que tendem a
x !m porta sublinhar que as estatfsticas de 1992 introduzidas no relat6rio de 1993 acusam uma significativa diminuiyao de cobertura de alunos em Saude Escolar, uma quebra que atingiu os 50% em varias Administraqoes Regionais de SatJdc (DGCSP. 1993:23).
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rotular as crianyas atendidas (Navarro, 1977: Correia & Pipa, 1983: Correia, 1991) 9. Privilegiado o atendimento do Insucesso Escolar, a Saude Escolar incorpora a educayao. E assim, a especializayao do saber medico, consciente ou inconscientemente, procm·a no organismo da crian9a a causa do Insucesso Escolar medicalizando-a. Assim, o estudo da conta que a medicalizayao atingiu 32% das crianyas triadas pelo Servi9o Social em 1990 10 • Complementando esta pratica esta a utilizayao abusiva da psicometria, que, por sua vez, privilegia a avalia9ao da maturayao neurol6gica, atraves de provas psicol6gicas. Ao visualizar o Insucesso Escolar da crian9a como campo de dificuldades e de inadaptayao escolar acaba associando as dificuldades escolares a dificuldades cognitivas, atraves da mediyao do QI, aplicadas em 58% dos casos cstudados. Dos determinismos desta associa9ao decorre, frequentemente, o posterior envio para programas de compensayao pedag6gica. Varios estudos tem vindo a demarcar-se desta pratica. Law er, ao debruyar-sc aprofundadamente sobre a concep9ao dos testes de medi9ao da inteligencia, sublinha a faceta apriorfstica evidenciada por este metodo que em vez de adaptar o conceito a realidade leva a inteligencia a ajustar-se ao conceito dessa pratica e ao metodo previamente concebido para apreende-Ja, explicitando que «Um tal metodo asfixia o desenvolvimento da ciencia do pensamento humano pm·que adopta uma forma de aproximayao do entendimento da inteligencia e para af» (LAWER, 1981 ). Estudos sobre o meio familiar, importados para contextos de vida diferente, a nfvel de interac9ao ludica, quantidade e organiza9ao de estfmulos, linguagem oral, concluem sobre a existencia de menos vocaliza96es mutuas e deficit verbal das crianyas de meios populares. Esta teoria questionada por diversos estudos crfticos, introduziu conclusoes de psic6logos portugueses para quem, Pereira & Martins (1978), essas praticas tem um significado ideol6gico, com ou sem consciencia dele. Este processo de «tratamento» do Insucesso Escolar reproduz o processo que a escola tende a imprimir, conforme ja analisado em Iturra, pela valorizayao da aprendizagem, atraves da simbo1ogia das 1etras, cujos requisitos estao ao alcance dos meios culturalmente favorecidos e pr6ximos de actividades intelectuais. As crianyas atendidas, mais distantes dessas simbo1ogias, acarreta-lhes acrescidas perturba-
9 Aprimeira comunica~ao, considerada resultado do trabalho do grupo interministerial. ao clar particular clestaque ao continuo interesse pela aten9ao incliviclual, familiar e aos afectos, alem cla vertente comporlamcntal, conforme ja refericlo na nota 6, parece nao alterar a perspectiva inclividualizada e a-social em analise. 1 " Para Sucupira ( 1986) trata-se do caracter vago dos criterios cliagn6sticos, bem como a forte prcssao social para encontrar soluqoes simplistas. para problemas sociais complexos.
lntervcnc;ao Social
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~5es na sua socializa~ao e desenvolvimento, obrigadas a percorrer hierarquias institucionais, onde sairao mais marginalizadas e estigmatizadas com «handicaps» que o proprio meio acabara reproduzindo. Trata-se de um dos fen6menos dos dcterminismos do saber.
Este processo baseado nos diagn6sticos ao QI completa-se fazendo a crian~a ingressar em programas compensat6rios, apesar de publicados os sucessivos insucessos desses programas nos EUA, onde foram introduzidos, pela primeira vez. Para Saviani (1984) os programas de educa~ao compensativa e uma forma marginal de nivelar as pre-condi~oes de aprendizagem pela via da compensa~ao pedag6gica de muitas crian~as carentes socialmente. A Disserta9ao deu conta que na Madeira aumentou o numero de crian~as atendidas por program as de compensa~ao pedag6gica, integrados na Educa~ao Especial, seguindo consciente, ou inconscientemente, os determinismos psicologizantes e pedagogizantcs. No total do atendimento em Educa~ao Especial de 232 alunos, em 1981, passou para 2005, em 1991 (SREJE, 1992). Falta a Saude Escolar a discussao e avalia~ao global da sua metodologia assente numa proposta interdisciplinar em direc~ao a transdisciplinaridade e a coordena~ao de todas as disciplinas e interdisciplinas intervenientes no processo de trabalho. Analisados discursos oficiais na RAM (1987, 1992, in «Diario de Noticias», Funchal) 0 Insucesso Escolar e atribufdo ao «COI1SUmo de alcool por parte dos progenitores, problemas de natureza alimentar, tarefas atribufclas as crian~as e falta de ensino pre-escolar». Sobre estas consiclera~oes foram procuradas nas polfticas sociais regionais algumas explica~oes. Em primeiro lugar importa sublinhar que para alem da inexistencia de estudos comparativos em Portugal sobre o consumo de alcool por regioes, ou a sua incidencia por zonas produtoras e nao produtoras de vinho, a RAM nao dispoe de um programa de saude publica sobre o Alcoolismo, a semelhan9a do projecto Vida, ou do combate a Sida. Como ja foi assinalado o uso de bebiclas alco61icas e alto no grupo profissional com activiclacles ligadas ao trabalho agrfcola 11 • Sobre os babitos alimentares nas crian~as em iclacle escolar tambem nao ha conhecimento de estudos aprofundados sobre os mesmos. Sao conhecidos os deseA Disserta~i\o dcu conta ainda que na RAM alguns indicadorcs rcfcrem-se a outras envolventes. nomeaclamente de ordem s6cio-ccon6mica. considerando o aumento do niimero de bares- em 1987 ha via I bar por 122 habitantcs cnquanto em 1988 essa proporyi\o era de 1/113. As medidas da OMS toleram I bar para 3 000 habitantes (SJLVA. in «Di<irio de Norfcias>>, 92.05.11. em ANJO FREITAS. 1992: 218 c 232). 11
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quilfbrios alimentares em 64% das crian9as com lnsucesso Escolar, onde 28% nao tomam leite diariamente. (Anjo, 1984) Cruz sublinha que 37% da popula9ao da RAM apresenta um consumo proteico de origem animal inferior a 30 gramas/dia, o limiar mfnimo (CRUZ, 1986: 39). Sao conhecidas as tradicionais declara96es de muitos profissionais e responsaveis pelo sistema educacional sobre a desnutri9ao colocada como a grande barreira ao sucesso escolar, coloca9ao frequentemente abstrata, raramente integrada como problema social a intervir. Senao, vejamos tres factos que foram situados: I) o 1. 0 ciclo nao integra cantina em nenhuma escola da RAM, nem pode considerar-se a atribui9ao de suplemento alimentar, neste grau de ensino; 2) nao ha estudos sobre os custos-beneffcios em Portugal ao nfvel da actua9ao da Ac9ao Social Escolar, nem sobre a sua evolu9ao e tendencias; 3) a Ac9ao Social Escolar na RAM nao integra a interven9ao de profissionais de Servi9o Social. No 1.° Ciclo- o aumento dos montantes atribufdos aAc9ao Social Escolar, que duplicaram entre 1980-1990, conforme dad os di vulgados na RAM, em 1992, nao especificam quanto foi dispensado para o 1. 0 ciclo, nem.no total, nem por rubricas de Ac9ao Social Escolar, incluindo transportes, refei96es e auxflios econ6micos directos 12 • Nao e conhecida a atribuiyao de bolsas de estudo para as crian9as pobres em nfvel de escolaridade obrigat6ria. Moyses e Lima, pediatras brasileiros, sublinham a importiincia da merenda escolar, administrada quando a crian9a entra na escola e nao mais tarde, no intervalo, uma vez que a alimenta9ao precaria das crian9as com carencia alimentar cr6nica prejudica o rendimento escolar. Para estes pesquisadores a desnutri9ao !eve, ou seja, crian9as com uma carencia alimentar cr6nica e o fen6meno mais comum na escola (MOYSES e LIMA, 1982).
1 ' Sobre a Ac9iio Social Escolar os escassos dados disponfveis suscitam a neccssidade de implemenlar aprofundados estudos. Considerar tambem o paradoxo da nao integra9iio de assistenles sociais nos servi9os de Ac9iio Social Escolar da RAM. mas apenas pessoal administrativo. Considerar ainda a exiguidade de recursos nesta rubrica. A soma do montante atribufdo a transportes. refei96es e auxflios econ6micos directos, que totalizou 47000 contos. equivale a cerea de 870$00 por a! uno na RAM. em 1992, ao nfvel dos tres graus de ensino. Ora, para ale m deste montante medio regional estar abaixo do valor real atribufdo cm 1983/84 no conlinente do pafs, sabemos que os alunos do 1. 0 ciclo usufruem muito menos apoios, quer em transportes, pois o seu acesso aescola, localizada na sua area de residencia, raramente inclui o uso de transporte. quer em refei9oes, devido aausencia de cantinas, bufets ou bares nas escolas primarias. mas apenas distribui~ao diaria de tllll papo seco. commanteiga, apesar de reconhecida a fun9ao educativa da escola a nfvel da refei~ao completa, refei9ao ligeira e do suplemento alimentar, composto de «sandes, leite e frula>> (in «Diario de Notfcias, 1992.02.04). Quanto aos auxflios econ6micos directos para livros. sao apoios raros, cujo acesso nao esta integrado na pr6pria escola, conforme os restantes graus de cnsino, mas na Delega~ao Escolar do concelho a que a escola pertence (SREJE, 1992; COST A, 1988 72).
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Intervenc;ao Social
Sabre o trabalho infantil, uma mao-de-obra «invisfvel» e diffcil de apreender estatisticamente, tambem e materia sabre a qual nao ha nenhum estudo na RAM. A analise contida na Dissertac;ao a este respeito contemplou a situac;ao nacional, quer em numeros- que, conforme as fontes, varia entre 15 mil crianc;as em trabalho infantil, fonte governamental e 200 mil, fontes da UE e da organizac;ao mundial Anti-Slavery Internacional, ASI- quer em legislac;ao, em relac;ao aqual chamou a atenc;ao para diferentes concepc;oes entre o pafs e a UE. 0 Decreto-Lei n. o 396/91 de 16 de Outubro subiu a idade minima exigida para o ingresso no mundo do trabalho, de 14 passou para os 15 anos, mas as directrizes da UE, em discussao na epoca, apontavam para uma descida, efectivamente verificada, sendo de 15 an os ate 1996, 16 em algumas actividades e como idade geral, a partir de 1997, admitindo, contudo, os 14 anos para certos trabalhos !eves. Na faixa da popu1ac;ao estudada, a taxa de abandono escolar, no 1. 0 ciclo, ca1culada oficia1mente em 2,3% pode ser atribufda, no caso dos rapazes, ao ingresso no mundo do trabalho, no caso das raparigas ao trabalho domestico, para cooperat· nas actividades diarias, incluindo o apoio nos cuidados aos irmaos mais novos (ANJO, 1992). Por ultimo dcstacar que sobre a frequencia da pre-primaria, nao ha tambem nenhum estudo, nem no pafs nem na RAM, indicativo da sua importancia. Pm·em, a Dissertac;ao da destaque aresposta governamental na Madeira que, na esteira ou nao, «da correcc;ao dos handicaps trazidos cla famflia», privilcgiou o aumento do numero de pre-primarias publicas, que de 4 em 1980, passaram para 83, em 1991. Assim, nesta regiao eo sector oficia1 quem integra o maior numero de alunos neste nfvel de educac;ao, com 62,2%, para uma situac;ao totalmente inversa no pals, onde o sector privaclo integra 64,4% do total de alunos (Estatfsticas da Educac;ao, ME, 1990). Importa destacar que estudos americanos j<1 demonstraram importantes beneffcios ganhos com a frequencia do ensino pre-escolar, atraves de estudos comparados com grupos de controle, conforme contributo da autora em Conferencia Regional sobre a Importancia da Pre-escolar (ANJO, 1992: 6). Importaria proceder a identicos estudos na RAM, assim como analisar a equidade no domfnio deste nfvel de educac;ao, nomeadamentc ao nfvel dos grupos s6cio-econ6micos abrangidos. Aludindo ainda aos discursos produzidos e tomando a pesquisa realizada, importa destacar que (a sfntese introduzicla das 11 cartas da escola analisadas) e representativa da desvalorizac;ao da imagem da crianc;a pobre com Insucesso Escolar. Sobre as imagens desvalorizadas de alunos dos meios populares e sobre o facto dos professores terem dificulclade em considerar os saberes dos alunos, dos quais deveriam partir para a sua escolaridade, foram presentes propostas a partir de pro-
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jecto desenvolvido em bairros da Grande Lisboa por Benavente et a! (1987). As propostas sublinham a necessidade de ultrapassar o etnocentrismo e de introduzir a abordagem sociol6gica na forma9ao dos professores, bem como o conhecimento do meio, nas diferentes formas de viver. Sobre esta fonna9ao acrescente-se a sua necessidade de se alargar a todas as profissoes envolvidas com a crian9a na escola. Concluiu-se que concep9oes de tipo meritocratico de normaliza9ao e racionaliza9ao, traduzem-se no dia a dia em avalia96es negativas a respeito das capacidades intelectuais da crian9a pobre. A desvaloriza9ao faz com que, pouco a pouco, a crian9a se desinteresse da escola que a marginaliza e exclui. A terminar a reflexao sobre os paradigmas em Saude Escolar e educa9ao, importa sublinhar dois importantes vectores que sustentam esta analise. 0 primeiro vector apoia-se na abordagem social e quotidiana das crian9as, no que respeita as suas condi9oes sociais de vida. Quando o fracasso escolar ou social e individualizado e explicado em termos de tra9os ou caracterfsticas de cada um, transfere para o piano particular aquilo que e universal (Mello, 1984). Com efeito, as diffceis condi9oes de vida encontradas nas criarwas estudadas sao incompatfveis com as necessidades para o desempenho bem sucedido. Num Estado de direito, como o Estado portugues, as necessidade basicas tem de merecer a aten9ao e resposta, em primeiro lugar, atraves de melhor distribui9ao de rendimento e acesso aos bens e equipamentos e de uma politica social que promova a equidade. 0 segundo vector eo do conhecimento do meio. A Disserta9ao insiste nos resultados das experiencias e pesquisas de Iturra, em areas urbanas e rurais, segundo o qual a dificuldade das crian9as aprenderem nao provem da falta de interesse no ensino, delas ou dos seus pais, mas de etender como esse ensino se aprende e como pode ser utilizado. ÂŤA escola falta-lhe um projecto simultaneo de trabalho intenso com os pais e de formular projectos alternativos factfveis para a obten9ao de uma seguran9a de emprego e trabalho. Ha um div6rcio entre o que se ensina ea utilidade social da aprendizagemÂť (ITURRA, 1990: 18). Conforme ja foi possfvel experimentar numa escola da RAM, o conhecimento do meio e portador de novos meios de ac9ao. Os alunos vao para a escola com uma informa9ao e experiencia, cabe a escola ajuda-lo a transfonnar a informa9ao em conhecimento 13 .
L' Mesmo deslocada do local do Centra de Saude do Bom Jesus foi possivelmobilizar, entre 1991 e 1993, um trabalho intensivo com os pais, a equipe de Saude Escolar cos professores de uma escola basica do Estreito de Ciimara de Lobos. 0 conhecimcnto do meio e urn projecto especffico de ÂŤPrepara~ao da Entrada na Escola>>, determinou diversas iniciativas. que demonstraram grandes potencialidades, metodologias que devem ser encorajadas e apoiadas pelos respons:iveis da saude e cduca\flo.
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A proposta peclag6gica avant;:acla pela autora clistancia-se dos paradigmas convencionais, apoianclo-se em amplos e diferentes referenciais, a consiclerar: I) superat;:ao cla imagem negativa sobre a criant;:a pobre; 2) apoio material efectivo e atempaclo cla criant;:a, atraves de servit;:os de apoio, baseado em polfticas sociais e programas de act;:ao social com adequados criterios de reconhecido valor tecnico; 3) refort;:o do alargamento cla recle pre-escolar; 4) intensificat;:ao na criat;:ao de novos espat;:os de socializat;:ao, clesporto e lazer para a criant;:a, atendenclo as suas necessidades nos diferentes momentos do dia, tanto no perfodos lectivos como em ferias escolares, potencializando a utilizat;:ao clas estruturas ja existentes, melhorando e criando uma recle escolar com qualidade; 5) incorporat;:ao do saber local, baseado na act;:ao do quotidiano, ao saber letrado e racional da escola, introduzinclo diferentes simbologias sobre o desenvolvimento da criant;:a e o seu processo de relat;:oes sociais, mais do que sobre a sua individualidade, atraves da articulat;:ao de programas entre a escola, a saude e outros sectores e organismos locais; 7) desenvolvimento do trabalho de grupos de informat;:ao e discussao, com macs/pais e dinamizat;:ao de associa96es de pais, que praticamente nao existem.
SERVI(:O SOCIAL E INSUCESSO ESCOLAR- ESTRATEGIAS DE TRANSI(:AO PARA 0 IVIODELO DA DEIVIOCRACIA DO DIREITO Em primeiro lugar, e em jeito de conclusao a amllise j<1 feita anteriormente, pocle ser sublinhado que na RAM, tal como em muitas outras regioes, a democracia esta longe de atingir a equidade, ou seja, na Madeira as polfticas sociais nao atencleram as relat;:oes e interact;:oes presentes na complexidade dos problemas sociais e humanos que envolvem muitas famflias e ciao lugar ao aparecimento de fen6menos sociais excludentes, tais como o Insucesso Escolar. E, assim, o paradigma da igualdade perante a lei, consagrado na Constituit;:ao Portuguesa, nao passa cla formalizat;:ao institucional. Para Sposati ( 1991 ), o conceito de igualdade de oportunidacles s6 serc1 real quando as oportunidades forem desiguais para situat;:oes desiguais. Trata-se, para a mcsma autora, de uma discriminat;:ao positiva. Implica reconhecer diferent;:as sociais, econ6micas e culturais, considerando os padroes heterogeneos de qualidade de vida, ou seja, pensar o tema da igualdade com desigualdade, princfpios ausentes na realidade de muitas democracias.
Eo assistente social quem actua, frequentemente, com a heterogeneidade/desigualdade social no processo de inclusao/exclusao. Exige o questionamento da pobreza ea polftica social que !he esta mais proxima, a act;:ao social. 0 desafio colocado ao assistentc sociaL e para Sposati, o de como actuar na desigualdade social, de forma a superar o seu caractcr de necessidade individuaL identificando-a como
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universal, inclufda na homogeneidade!igualdade social. A questao coloca-se na rela~ao entre homogeneidade e heterogeneidade posta na rela~ao sociedade de mercado/sociedade de direito (SPOSATI, 1992). Analisando o nfvel de interven~ao do assistente social e o lugar que ocupa nas polfticas sociais e possfvel afirmar que predomina uma posi~ao subalterna cuja interven~ao est<'i cometida a execu~ao terminal das polfticas sociais. Na RAM a ac~ao do assistente social persiste em combinar beneffcio e coer~ao, outorga e concessao, na esteira da constru~ao da proposta da ac~ao humanista inserida no processo de regula~ao social do Estado Providencia de modo a construir os mcios de sobrevivencia. 0 horizonte e o da resolu~ao dos problemas sociais em vez da consagra~ao dos direitos sociais. Para Sposati «e a substitui~ao do direito auto-aplicavel e reclamavel, pelo direito ajuizado, no qual o bcneficiario e sujeito ao exame do merito» (SPOSATI, 1992: 20). Considerando que a actividade do assistente social nao se encerra em si mesma, nem os seus efeitos derivam exclusivamente da sua actua~ao, a interven~ao da autora procura superar esse modelo em direc~ao a amplia~ao dos direitos sociais e auniversalidade de acesso ao sucesso escolar, nao obstante as fortes resistencias e a inviabiliza~ao de diversas propostas apresentadas, sempre orientadas para a interven~ao apoiada nas formas e estrategias pluridisciplinares, intersectoriais e colectivas em oposi~ao a safdas individuais e paliativas. Apesar da descontinuidade e da rotina dos modelos desenvolvidos acreditamos em amplos programas, onde a escola, a saUde e a vida, sem fronteiras disciplinares ou sectoriais, poderao transfonnar-se no modelo de democracia do direito. Enesta perspectiva que a analise a seguir se situa. Consideramos que os mecanismos de reversibilidade do carater universal dessas polfticas tera como consequencia voltar a inseri-las numa rela~ao de ajuizamento do profissional. Conforme Sposati a visibilidade do acesso universal passa para a invisibilidade do criteria de «justi~a pessoal» do profissional e, assim, o caracter colectivo do direito social e substitufdo por um direito privado assente na posse de um merito social, atribufdo pela justi~a do profissional. A concessao baseada no merito e atribuida individualmente, nao gera o direito de ser requisitado pelo usuario, nem gm·ante reivindica~ao. Com efeito, numa analise atenta as tendencias da sociedade portuguesa parece evidente a tentativa de privatiza~ao e com esta a redu~ao dos padroes de universalidade e o seu caracter estatal, antes mesmo de atingir o grau alcan~ado de muitos pafses democraticos. Em Portugal varios servi~os no sector da educa~ao nunca
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tomaram expressao universal, como seja o atendimento em creche, pre-primaria, cantinas escolares, ludotecas, ateliers, oficinas de tempos livres e outros. Esta estrategia agrava-se na area dos cuidados da crian~a tutelada, abandonada, ou orfa, apoiando-se, insistentemente, nas institui~5es privadas de solidariedade social de caracter filantr6pico. Na medida em que o assistente social nao pode intervir isoladamente, actuando em organiza~5es que fazem parte de urn complexo de outras organiza~5es, e necessario compreender esta dinamica. Para tanto a autora realizou um estudo sobre a evolu~ao do Servi~o Social nas organiza~5es estatais da RAM durante a decada de 80. Corn efeito importa aqui sublinhar tres das conclus5es, a que o estudo chegou, a saber: 1) e baixa a evolu~ao do numero de profissionais de Servi~o Social na RAM -a cria~ao de logfstica para quadros pr6prios de Servi~o Social, ja em 1979, apresenta baixa ocupa~ao em tres dos Departamentos, com 31%, 36% e 59% da capacidade ocupada, na Saude Publica, Habita~ao e Seguran~a Social, respectivamente; 2) o corpo profissional tende para o enve1hecimento; 3) a instabilidade de grande numero de profissionais e o consequente comprometimento na dinamica dos sectorcs sociais envolvidos (ANJO, 1992) 14 • A exemplo de polfticas sociais ja analisadas tambem a situa~ao do Servi~o Social nao acompanhou a implementa~ao de medidas moclernizadoras pelo Governo Regional. 0 manifesto eleitoral para 1992-96, PSD, prop6s-se criar o curso de Servi~o Social na RAM, sem que ate adata sejam visfveis quaisquer medidas para a sua implementa~ao 15 • A revista de Seguran~a Social publicada em Maio 1994, integra tambem no seu editorial referencias a realiza~ao do mesmo curso na RAM. No mesmo estudo em apre~o foi analisada a dinamica e respectivas polfticas organizacionais e sectoriais, de ambito social, ilustrada coma realidade de dois sectores: o sector da Habita~ao e o da Seguran~a Social. No sector da Habita~ao foi
~ Este estudo tcve uma primeira apresentayao sob a forma de comunicayao no Congresso Luso-espanhol de Servi<;o Social, na RAM. promovido pela Associa<;:ao de Profissionais de Servi<;o Social. Esta publicado como 11. 0 5, em «Estudos & Documentos>>. pelo ex-Nucleo de Investiga<;:ao em Hist6ria do Servi<;o Social Portugucs, actual Centro Portugues de Hist6ria c Trabalho Social. CPIHTS, como «0 Servi<;:o Social nas Polfticas Sociais: sua Evolu<;ao nas Organiza<;6es Estatais da Regiao Aut6noma da Madeira, entre 1980-1991». 15 No scntido de oferecer contributos para a cria<;ao do curso de Servi<;:o Social na RAM. foram rcalizados pcla autora desta comunica<;ao diversos contactos, em 1993, junto da SREJE e da SRAS, nomeadamente eo m os titulares das respectivas pastas. be m como junto da Comissao Instaladora da Universidade cla Madeira, sem qualquer resultado tambem. Nos difcrentcs contact os foi afirmado por todos os responsaveis que esta agendada a cria<;:ao do curso. mas scm data certa para o seu infcio. 1
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sublinhado o crescimento de bairros sociais que pedem uma ac9ao dinamica 16 • 0 sector da Seguran9a Social que. nomeadamente. passou a integrar o apoio de 2632 idosos na decada de 80. pocle considerar-se o sector mais problematico, tanto em evolu9ao como em instabilidade. com uma situa9ao paradigrmitica. traduzida por 11 entradas c 11 safdas de assistentes sociais. em 1991 17 •
0 crescimento total de assistentes sociais. na RAM. entre 1980 e 1991. foi apenas de 5 profissionais. crescendo de 50 para 55. G1obalmente, a Madeira apresenta I assistente social para 4600 habitantes. cnquanto no continente a rela9ao era, cm 1991, de 1 para 2600 (IBIDEM). Sobre as dinamicas acabadas de analisar conclui-se que predomina o cankter imediatista. fragmentador e tutelar das polfticas sociais. pautadas no merito da ajuda e nao no direito de acesso. protagonizadas por discursos de matriz tendencialmentc liberal e assistencialista. Atenta aconstn191io social da crian9a pobrc pela amplia9ao dos dircitos sociais em ordem a universalidade e equidade de accsso ao sucesso escolar. considerando os nfveis de dificuldade da pnitica proJ'issionaL a estrategia encontrada foi a utiliza9ao de metodologias e instrumentais de transi9ao. identificados coma «Triagcm» em Servi9o Social, que inclui procedimcntos tais como: I) elabora9ao de estudos S6cio-Econ6micos; 2) elabora9ao de Informa(_:ocs e Pareceres TCcnicos; 3) presta91iO de informa9ao individual sobre dircitos sociais e tramites para obten(_:ao dos mcsmos; 4) contactos de (re)negocia9ao com Departamentos e Sec(_:oes de Scrvi9os de atribui9ao de presta96es de Seguran(_:a SociaL baixa por doen9a. abonos familiares e complementarcs, pensao social, pensao de rcforma e de invalidcz, grande invalidez, subsfdios pecuniarios de ac9ao social: 5) apoio psico-social, com particular destaque a mulheres e crian9as, vftimas de mans tratos. negligencia e alcoolismo familiar, situa96es de precaridade e pobreza. famflias com altera96es organizacionais e relacionais, famflias em rela9ao de conflito ou de subordina9ao coma escola, decorrente do Insucesso Escolar dos filhos; 6J analise interdisciplinar. Este atendimento que encerra um trabalho, essencialmente individual e de gabinete e descontinuamente enriquecido por estrategias e programas de ac9ao, ora arti-
'" Para ale m do crescimento e da concentra~ao de bairros sociais. alguns dos quais tendem a assumir fortes tra~os de marginalidade, ede contar ainda com 15 a 20 mil familias afectadas por problemas de habita~ao. algumas del as habitanclo grutas esca\'adas nas rochas. habitualmente chamadas furnas. cujo programa governamental que prel'ia erradica-las ate 1992. ni\o foi ainda cumprido. 17 Importa assinalar que na RAM o apoio cstatal aos iclosos tem pril'ilegiado a ajuda no proprio clomicilio, pela chamacla <<ajuda domiciliaria>>.
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Interven~ao
Social
culando o trabalho de diferentes profissionais intervenientes no processo, ora envolvendo educadores, professores e maes no proprio local de vida da crian9a. A riqueza de material que a ac9ao desenvolvida tern permitido acumular inspira muitas inferencias de analise e pesquisa, que nao se esgotaram na Disserta9ao ja materializada. ldentificados os diferentes nfveis de ac9ao importa sublinhar o contributo te6rico de varios autores do Servi9o Social, que vem suportando a pn'itica profissional, tais como: Sposati, Iamamoto & Carvalho; Netto; Faleiros; Falcao. De Sposati cuja proposta persiste no papel s6cio-polftico-cultural do assistente social tern sido uma das directrizes orientadoras da ac9ao em analise, assente na dimensao s6cio-econ6mico-polftica baseada na visibilidade publica do direito dos grupos sociais, no sentido de avan9ar em direc9ao ao aprofundamento da cidadania, atravcs de polfticas universais, cm vcz de polfticas focalistas. Hoje e possfvel acrescentar desta autora muitas outras referencias a que ja nos reportamos nesta analise. Nao e demais sublinhar, conforme a mesma autora, que as caracterfsticas, possibilidades e limitcs profissionais sao determinados, entre outros, pelo ÂŤformato que as demais profissoes com as quais o assistente social partilha o processo tecnico de trabalho adquirem no interior da ac9aoÂť, das polfticas sociais, da distribui9ao dosserviyos sociais e do gran do sabcr que informa a actua9ao do profissional (SPOSATI, 1992: 14).
De Iamamoto e Carvalho reteve-se a proposta da legitima9ao, a media9ao atribufda ao assistente social, pela qual o profissional se identifica com a popula9ao e esta entendida como sujeito, superando a media9ao do controle. De Netto foi tomado o seguinte: ao assistente social nao atribui apenas a execu9ao terminal das polfticas sociais, mas a participa9ao na reformula9ao e planifica9ao das mesmas e o papel de protagonista de negocia9ao, na presen9a de crescentes tensoes sociais, ligadas acrescente conflitualidade manifesta na existencia de diferentes grupos sociais que requer do profissional a compreensao da estrutura social, a sua requalificayao (NETTO, 1992). Temos que a compreensao eo conhecimento da estrutura social por si s6 nao leva aparticipa9ao na reformula9ao e planificayao das polfticas socias. A realidade mostra que tem peso significativo a pressao de grupos corporativos, que nemo Servi9o Social, nem a popuh19ao cliente, tem conseguido desenvolver estrategias para entrar no processo. De Faleiros consideramos um dos seus maiores contributos o envolvimento da prritica do assistente social na articulayao das relay5es socias complexas em que a mesma se da, elegendo-o mediador que clesafia e retracluz a representa9ao do clominado na visibilidacle do dominante (FALEIROS, 1989). Tal como as propostas ante-
Cl Insucesso Escolar: Dupla Exclusao
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riores, requer uma requalificayao, que, nos L!ltimos anos, o Servi9o Social, em Portugal, vem intensificando. Esta articulayao permite a reflexao conjunta e a ac9ao organizada, que conforme Falcao (1980) leva asupera9ao libertadora do ciclo da pobreza e exclusao. A ac9ao em grupo, nos escassos e raros momentos desta pratica, atraves de trabalho de equipe, reunioes com grupos de maes, educadores e professores do 1.° Ciclo, complementado com estes profissionais por ac9oes de forma9ao continua, tem comprovado a possibilidade de inventar diferentes configuray5es de legaliclade e media9ao, para alterar as rotinas, o pragmatismo, o fatalismo burocn!tico e tecnocnltico.
CONSIDERA<;(>ES FINAlS As CONSIDERA<;OES FINAlS da Disserta9ao puseram em evidencia cinco conclusoes. A importfmcia das mesmas para o debate levam a incluf-las na presente Comunicayao, a saber: 1 - «A reflexao sobre a educa9ao, neste fim de seculo, nao pode contemplar apenas os valores e as instituiy5es pedag6gicas stricto senso., especialmente quando operada por um assistente social, deve ser inserida na problematica dos direitos SOCialS»;
2- «Por isto mesmo, ha que contextualiza-la no marco das rela9oes sociais historicamente situadas na nossa sociedade: daf a necessidade de inscreve-la na relayao Estado/sociedade civil, recuperando a dinamica claqueles direitos no jogo complexo das polfticas sociais, que sao media9oes pelas quais o poder polftico processa a distribuiyao/reclistribuiyao de servi9os e bens, cuja acessibilidade ou interdi9ao assinalam a dialetica inclusao/exclusao no seu exercfcio. Eis pm·que tematizamos os parametros dessa dialetica, hoje circunscritos nos movimentos hist6ricos da democratizayao e da modernizayao, procurando concretiza-los no espa9o portugues (formayao social «semiferiferica» ), particularmente na Madeira (on de se express am coordenadas sociais «ultraperifericas» )»; 3 - «Pesquisado, na perspectiva analftica, como um processo determinado de uma totalidade abrangente- mais exactamente, como expressao da dialetica inchJsao/exclusao referida, tomamo-lo, pois, nao s6 como fen6meno pedag6gico (a exclusao no ambito da escola), mas como manifesta9ao particular de uma dinamica maior (a exclusao). A pesquisa realizada indica suficientes elementos probat6rios:
ISO
Interve1wao Social
pelo menos na realidade da Madeira, o insucesso e produzido e reproduzido por dimensoes sociais macroesc6picas, que ultrapassam largamente as fronteiras da escola»; 4- «Nesta linha de analise nao se substimam as condi~oes institucionais da pedagogia, da propria escola e das institui~oes percorridas pela crian~a corn insucesso escolar. Espa~o de reprodu~ao e tambem espa~o de contratendencias: por isto, o exame dos mecanismos enquadradores e reprodutores (vinculados amoderniza~ao, racionaliza~ao, normaliza~ao e moraliza~ao) - e se us agentes tecnicos, nomeadamente os professores e as equipes profissionais (como as de saude escolar) - pode sugerir alternativas de ac~ao (... )»; 5 - «Para contribuir na mudan~a das praticas reprodutoras do insucesso, e preciso investir em tres nfveis: o da articula~ao escola/sociedade, o do conhecimento te6rico da sua dinamica e o da alian~a estrategica e tritica dos sujeitos nela envolvidos (professores, tecnicos, alunos e suas famflias )». Importa ainda, antes de terminar, e vindo de encontro aos objectivos deste seminario, revelar linhas e nucleos tematicos, apontados na Disserta~ao, que exigem a aten~ao para futuras investiga~oes, tais como: 1 - «Quais as fun~oes do Servi~o Social em equipes multiprofissionais de Saude Escolar que permitam evidenciar a dupla exclusao concretizada no Insucesso Escolar; 2- Qual a polftica de pesquisa a ser implementada para que o Servi~o Social possa contribuir, em nfvel de produ~ao de conhecimentos, no esclarecimento do Insucesso Escolar; 3 - Quais as taticas e estrategias do Servi~o Social para polarizar as equipas multiprofissionais, de modo a ultrapassar os particularismos e os corporativismos».
Adistancia de Dezembro de 1992, passados 2 anos, e possivel hoje acrescentar outros nucleos tematicos a pesquisar na epoca presente: l-
Rela~ao
Estado/sociedade civile amplia~ao dos direitos sociais e humanos;
2- Pre-escolar, programas de cesso escolar;
compensa~ao
pedag6gica,
redistribui~ao
3 -As IPSSs, o Estado Providencia e a solidariedade no apoio
e insu-
acrian~a;
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0 lnsuccsso Escolar: Dupla Exclusilo
4- Assimetrias do pais no Portugal Social; 5 - Pobreza e instrumentos de
avalia~ao,
necessidade da pnitica;
6- Saude e estrategias de equidade no sector, intersectorial.
rela~oes
multifactoriais e ac~ao
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COMENTARIO ACOMUNICAc;AO SOBRE 0 TEMA: 0 INSUCESSO ESCOLAR: DUPLA EXCLUSAO Pe/o Pro/ Doutor Se1gio Grcicio
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芦Eu vou fazer um comentario tao breve quanto possivel a exposi9ao que foi feita pela Maria Dorita. Eu propriamente nao tenho nada de especial a acrescentar aquilo que ela disse no dominio e no piano em que ela se situou pm路que, quer na parte do equacionamento dos problemas de insucesso escolar e das desigualdades perante a escola, quer na parte que !he diz mais respeito, da interven9ao dos tecnicos de servi9o social na materia, cu, de facto, nao tenho mais nada de especial a dizer c penso que o meu contributo aqui podeia ser o de procurar permitir um certo recuo, um certo distanciamcnto relativamente a interven9ao nesta materia para poder pensar um pouco melhor as oportunidades reais de interven9ao e os seus limites, nesta materia das desigualdades perante o ensino. Eu vou adoptar um ponto de vista que na gfria da sociologia e o ponto de vista macro-social precisamente para procurar recolocar esse problema das oportunidades de interven9ao e dos seus limites. Estando em jogo aqui um problema de desigualdades eu come9ava por o desdobrar em dois aspectos: - primeiramente as desigualdades tal como existem num momento dado e que tem aver coma distribui9ao, nesse momento, dos bens materiais e simb6licos, incluindo neste ultimo caso o estatuto social, na populayao- isto seria um primeiro aspecto. - o segundo aspccto, que e o que me parece que esta aqui dircctamentc cm jogo na qucstao das desigualdadcs perante o cnsino e o problema do accsso a esses bens desigualmente distribufdos
Professor da Area de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa.
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Ora bem, eu vou-me centrar mais evidentemente neste segundo aspecto mas nao deixarei de referir o primeiro porque e evidente que eles estao estreitamente interligados. Quando nos falamos de uma distribui~ao desigual de bens materiaias e simbolicos pela popula~ao, e nimeadamente pelas familias, isto significa mais concretamente, e no que diz respeito aos recursos que tern valor na escola e para o investimento escolar, uma desigual destribui~ao de recursos economicos e culturais que sao decisivos para as oportunidades escolares das crian~as e dos adolescentes. E a partir daqui nos podemos ate criar uma metafora para mostrar urn pouco o canicter circular dos processos aqui em jogo: se ha uma desigual distribui~ao de bens a partida e evidente que depois no processo de acesso a esses bens, ou seja, mais concretamente, no processo de acesso as posi~5es sociais, nos estamos como que numa corrida em que os corredores sao colocados em pontos diferentes logo ao arranque e tendo uma mesma meta, ou conjunto de metas pelas quais estao em competi~ao. Mais concretamente, nesta abordagem macro-social, eu gostava de aborclar aqui os tres tipos de institui~5es sociais que estao em jogo: a Dorita ja falou da escola (e uma primeira, evidentemente, e aquela que e mais central na materia) mas falou tambem nas famflias (e fez propostas relativamente a is so) e so queria falar nu m terceiro tipo de institui~oes que normalmente sao mantidos um pouco a margem neste tipo de discussao. Trata-se das empresas, sao as institui~5es economicas e igualmente a administra~ao publica, mas de uma maneira mais subsidi<1ria. E entao eu passava, de uma maneira sempre tao breve quanto possfvel e tao telegrafica quanto possfvel a uma tentativa de analisar, no esencial, quais sao as articula~5es e as interdependencias que estao em jogo entre estes tres tipos de institui~oes. Podia come~ar pela escola e pela familia e acho que uma maneira de abordar aqui a dinamica das rela~5es entre a escola e a famflia era, talvez, lembrar o seguinte: e que em praticamente todas as sociedadcs as crianps e os adolescentes estao numa situa~ao de grandc dependencia relativamente aos adultos e numa situa~ao que e duplamente constrangedora relativamente, por exemplo, (e eo caso que no interessa mais directamente aqui) aos seu projectos de forma~ao. Se tem projectos de forma~ao (e is so nao e assim tao frequentc) c dcpcnde, evidentemente, da idade, do percurso anterior, das proprias caracterfsticas da familia, mas no caso de terem projectos de forma~ao, nao podem prosseguir estes projectos sem, evidentemente, um apoio dos adultos dos quais dependem, e em primeiro lugar dos pais ou da sua famflia mais proxima. Por outro !ado tem uma limitada capacidade para levar a cabo esses projectos de uma maneira autonoma. Na realidade, todos nos sabemos disso, sao os adultos que tem projectos para as crian~as e adolescentes e alem disso tern meios para os constranger as aprendizagens que projectaram para eles atraves de djversas san~oes: quer premios, quer penaliza~5es. E eviclente que os pais e os professores (os aclultos, em geral) das crian~as e dos adolescentes ficam muito satisfeitos se verificarcm que, a partir de uma determinacla altura, as crian~as ou os adolescentes, acabarn por se apropriar, mais ou menos, dos
Comcntario: Insuccsso Escolar
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projectos que foram criados para eles. De qualquer maneira todos procedem como esses projectos fossem da autoria dos principais interessados ou como se os tivessem escolhido livremente. Eassim que as coisas se passam de facto. Vistas as coisas desta maneira, e facil chegar a ideia de que a escola so tem sobre a crian9a ou sobre o adolescente uma autoridade que e delegada quer pelo Estado ou pela Igreja e principalmente pela familia; portanto a escola nao ea primeira fonte do constrangimento. Dum ponto de vista historico, este facto, que e fundamental (e como e conhecido de toda a gente) tem conduzido a uma escolariza9ao maci9a, a uma escola de massas que se incrementou, como e conhecido de todos, principalmente no apos guerra e, sobretudo, nos anos 50, nos entao pafses industriais mas tambem entre nos com surtos ainda mais recentes de escolarizayao, por exemplo, aquele que se tem verificado entre nos a partir de meados dos anos 80. Esta escolarizayao maci9a remete para a questao de uma procura social de ensino que tem crescido persistentemente um pouco por todo o !ado e igualmente entre nos. Ou seja (e fazendo a liga9ao com as considera96es anteriores), pm路que e que as famflias fprmulam e procuram impor persistentemente esses projectos a sua descendencia, as crian9as e aos adolescentes, que acabam mais ou menos por os adaptar. Entao entra aqui o terceiro protagonista das institui96es que eu comecei por referir ou seja, aquele protagonista que faltava e que sao as empresas. Se existem os projectos das famflias para com a descendencia, por outras palavras, se ha uma procura social de ensino e se, alias, tambem essa procura social te'm crescido e, fundamentalmente, por uma razao extremamente simples: e que o ensino escolar e valorizado pelas empresas. Quer dizer, e retribufdo, quer economicamente quer simbolicamente (incluindo aqui, mais uma vez, em termos de estatuto social) pelas empresas. Tambem pela administra9ao publica mas, como sabem, as empresas representam, de longe, o maior volume de emprego (entre nos como em outros pafses). E poderfamos olhar um pouco entao, muito brevemente, para estas empresas e constactar que os process os sociais em jogo no seu interior (e que se relacionam directamente eo m tudo isto que eu acabei de dizer) sao precisamente aqueles dois processos que eu comecei por evocar logo no infcio, quer dizer: tanto o processo que conduz a criayao e destrui9ao de posi96es, ou seja, de fun96es hierarquizadas e diferenciadas dentro da empresa, como o processo de regula9ao do acesso a essas posi96es. Tudo isto que eu comecei por referenciar passa-se, de facto, dentro das empresas e como se vai perceber rapidamente (se e que ja nao estao a perceber) tem de facto a ver com a educa9ao escolar de que as pessoas sao portadoras, as pessoas precisamente candidatas a posi96es e a fun96es dentro das empresas. E cabe aqui dizer que se as empresas valorizam a educa9ao escolar e a utilizam para a distribuiyaO das pessoas pelas diferentes funy5es e posiyoes nao e apenas por razoes tecnicas, como se ere em geral, e como se quer fazer crer tambem de uma maneira geral. A empresa nao e so um meio tecnico onde se colocam problemas tecnicos: a empresa e, evidentemente, um meio social onde existem problemas de dis-
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tribuir,;ao de bens materiais e simb6licos associados a distribuir,;ao do poder, e esUi aqui implicado todo um processo, ou todo um conjunto de processos, que e permanentemente criador de tensoes ou de contlitos virtuais ou declarados entre os protagonistas, ou seja, os donos e os dirigentes das empresas e aqueles que la trabalham. Ora um problema fundamental para as empresas e para aqueles que as clirigem e, de facto, o de criar lealdade e cooperar,;ao entre aqueles que la trabalham e para isso um aspecto crucial esta associado a ocupar,;ao de posir,;oes e de funr,;oes nas empresas. Intervem aqui a educar,;ao escolar pm·que, como todos sabem. a educar,;ao escolar incorporada nas pessoas, nos indivfduos, serve de criterio de acesso as posir,;oes, quer se trate de recrutamento externo, por parte das empresas, quer se trate de promor,;ao interna (aquilo que os economistas chamam «OS mercados internos» as empresas ). Portanto a educar,;ao escolar e utilizada pelas direcr,;oes das empresas juntamente com as caracterfsticas das pessoas, como a idade, experiencia de trabalho, estado civil e ate o genero, para regular o acesso as posir,;oes. Porque? Porque tem um certo teor de legitimidade social. Eu nao estou a dizer que tem uma plena legitimidade, mas tem algum teor de legitimidade social e isso e uma das razoes fundamentais, e nao apenas as razoes tecnicas, porque ela e utilizada nas empresas: tem um certo teor de legitimidade social. De facto e melhor do que. por exemplo. dizer que «tal pessoa» foi promovida para «tal lugar» ou que outra foi clespromovida, ou posta na pratelcira. ou desconsiderada, etc, por causa da cor do cabelo, por exemplo, ou por causa da altura ou outra qualquer caracterfstica deste tipo. Emuito mais legftimo falar de educar,;ao escolar e associar a isso experiencia no trabalho e toda uma serie de saberes ou de qualificar,;oes adquiridas a partir daf. Bem, daf a utilizar,;ao da cducar,;ao escolar. Ora bem, o que e que resulta disto que se passa, de uma maneira generalizada, em todas as empresas, cm termos mais macro-sociais, quer dizer, qual e o efeito agregado de todas estas opr,;oes, de todas estas decisoes que sao tomadas nas empresas pelas suas clirccr,;ocs, pelos seus clonos e pelos seus dirigentes. Resulta daqui um lar,;o extremamente forte entre educar,;ao escolar e posir,;ao social e a pesquisa. alias, tem mostrado, de uma maneira bastante impressionante, que este lar,;o se mantem praticamente inalterado ao longo do tempo independentemente, por exemplo, do grau de escolarizar,;ao. Nao se altera. poe exemplo, mesmo com uma macir,;a das sociedades e isto e absolutamente decisivo e importante para as considerar,;oes que eu tenho tido ate agora. ou seja, e a partir deste lar,;o (entre educar,;ao escolar e posir,;ao social) que se gera aprocura de ensino. e isso que faz com que as famflias tenham projectos para a sua descendencia c procurem que a descenclencia venha a fazer seus estes projectos. Como voces vecm o cfrculo da interdependencia entre estes tres tipos de instituir,;oes fecha-sc um pouco por aqm. Mas o que eu queria sugerir com isto e que neste cfrculo. nesta interdependencia entre os tres tipos de instituir,;oes, as instituir,;oes econ6micas tem um peso absolutamente fundamental. Eu nao estou a dizer que neste cfrculo de interdcpenclcncias
Comcnu\rio: lnsucesso Escolar
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haja um nexo causal no qual as empresas sao uma especie de primeiro motor e que depois tudo gira a volta disso, nao e isso que eu quero dizer, nao e em termos propriamente cronol6gicos (procurar saber o que e que est<i primeiro) mas em term os de elo forte na cadeia das interdependencias, as empresas tem aqui um papel fundamental. Porque reparem apenas no seguinte: se as empresas deixassem de valorizar a educa9ao escolar como fazem, se deixassem de a utilizar como um criteria para regular o acesso as posi96es no seu interior, entao toda esta configura9ao hist6rica (da escola de massas, do empenho do Estado na escolarizayao, na escola publica, de procura de ensino acrescida), tudo isto voava em estilha9os, desaparecia. Quer dizer: aquilo que se construiu atraves de gera96es e atraves das ac96es de milhares de pessoas, de todo um processo maci9o de cria9ao institueional, tudo isto voava em estilha9os ao cabo de poueo tempo. Se a edu9ao escolar deixasse de ser valorizado pelas empresas, ou entao se as empresas deixassem de eriar fun96es que fossem hierarquizadas e as quais correspondessem posi96es distanciadas entre si em termos de hierarquia; se qualquer um destes dois aspectos do proeesso que e dinamizado pelas empresas falhasse, tudo isto voava em estilhayos; toda esta eonfigurayao hist6rica. 0 que e que queria sugerir com isto? 0 que eu queria dizer e que, normalmente, quando se pensa nestas questoes de desigualdades perante o ensino e o insucesso escolar pensa-se mais espontaneamente na escola, claro, (e, alias, nao e errado pensar nisso) e nas famflias (e tambem nao e en路ado pensar nisso) como, alias, a Dorita mostrou aqui ha pouco e muito bem. Mas nao se pensa nas empresas, nao se pensa nas institui96es econ6micas e no papel consideravel que elas tem aqui, se nao decisivo. 0 que e que eu quero dizer com isto: e que nos temos que ter um pouco a no9ao nao s6 das possibilidades de interven9ao neste domfnio mas tambem dos limites da intervenyao p01路que, evidentemente, ninguem vai esperar que as empresas deixem de funcionar desta maneira, nem ninguem vai esperar por exemplo que as famflias (e ha aqui, com certeza, muitas pessoas que tem crian9as ou adolescentes em idade escolar e que frequentam a escola), vao desistir de querer uma escolaridade e de mobilizar os seus recursos, materiais, culturais e morais, tanto quanta possfvel, para obter a melhor escolaridade possfvel para a sua descendencia; ninguem vai esperar que isso aconte9a, portanto, os processos sociais que estao aqui em causa sao proeessos de competi9ao mais ou menos generalizada. Enecessaria nao o esquecer Para termos uma ideia de ate que ponto e possfvel intervir aqui e ate que ponto e que, por cxemplo, a escola pode, de facto, ser correctora nos processos de acesso as posi96es e nas desigualdades de acesso as posi96es que foi o novo ponto inicial. A minha ideia, que eu gostava de por aqui um poueo a discussao, e que, de facto, a eseola nao pode ter as costas largas nesta materia. Nao pode ter as costas largas nem correlativamente a interven9ao que pode ser feita pelos tecnicos de servi9o Social, situem-se eles onde se situarem (por exemplo, nos casos dos servi9os de saude escolar). Ha limites. Muita coisa e possfvel fazer. Alias praticamente nada
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lnterven~iio
Social
tem sido feito do ponto de vista das pnlticas de ensino e do enquadramento institucional do ensino para tentar atenuar essas desigualdades. 0 conhecimento da materia e extremamente reduzido, por isso sao extremamente valorosos trabalhos como este de pesquisa e de reflexao na materia. Mas ao mesmo tempo devemos ter a nogao, creio eu, dos limites da intervengao. E se fosse possfvel (e eu estou a ter em conta tudo o que foi dito pela Maria Dorita acerca das caracterfsticas da populagao da Madeira e das caracterfsticas que assume o problema do insucesso escolar na Madeira), pelo menos, que os mais desmunidos conseguissem obter a escolaridade obrigat6ria tal como ela e definida hoje em dia, isso ja seria excelente, mas sem grandes ilusoes no que respeita a possibilidade de corrigir as desigualdades do acesso ao ensino, porque as distancias entre os diferentes competidores, entre as diferentes categorias de famflias implicadas na competigao, tendem a manter-se ao longo do tempo. Podemos contribuir para reduzir essas distancias, mas devemos ter a nogao, por tudo quanto foi dito, que e totalmente ut6pico anula-las. A ideia de igualdade de oportunidades continua a ser, hoje como ontem, uma mistificagao. Seria bem mais interessante substituf-la pela nogao do que e que esta ao nosso alcance fazer para reduzir tanto quanto possfvel a desigualdade de oportunidades.Âť
A QUESTAO DA INSER<;AO PROFISSIONAL DOS INSUFICIENTES RENAIS CRONICOS EA ESTRATEGIA TERAPEUTICA (I) Beatri;, Couto C)
Introdw;ao Sofrer de insuficiencia renal cr6nica terminal e continuar a viver e um dos muitos beneficios que resultam do clesenvolvimento cla ciencia c tccnologia medicas, pois s6 o recurso a processos dialfticos sofisticados o pcrmite. Os diferentes mod os de tratamento substitutivo da func,:ao renal silo, alem do transplante renal e da hcmodialise ou dialise peritonal em ccntros especializados, tambem a hemodialise no domicflio do doente ou em pequcnas unidades e a clialise peritoneal ambulat6ria, sendo que estas tres ultimas modalidacles supoem o auto-tratamento. Relativamente ainserc,:ao profissional, a relevancia da utilizacrao de um ou outro processo aclvem nao s6 do melhor equilfbrio psfquico e biol6gico que pocle, consoante as particularidacles de cacla inclivfduo, proporcionar ao doente, como tambem do grau de autonomia e disponibilidade de tempo que !he confere. 0 transplante renal, quando e bem sucedido, e o unico processo curativo. Com um novo rim, quem tinha perdido a funcrao renal retoma-a, o seu estado de saticle aproxima-se do que tinha antes de adoecer e a sua esperanc,:a de vida aumenta, sendo os contactos com os servic,:os de saticle somente para controlo de fen6menos de rejeic,:ao do 6rgao transplantado ou de intercorrencias, clesignadamente infecciosas, cada vez menos frequentes. Esta nova situacrao permite ao doente uma sociabilidade sem restricroes significativas: vida familiar, profissional e social identicas as dos padroes socialmente correntes, e e nos indivfduos que beneficiam de um novo rim que a literatura sempre refere melhores valores dos indicadores de qualidade de vida.
) Trabalho realizado em 1992, que s6 foi possfvel eo m o apoio e colabora(:aO dos Direct ores e Aclministra\oes dos Ccntros de Hcmodialise, a quem muito agradc\o. 2 ( ) Mestre em Servi~o Social e Assistente do ISSS Lisboa. (
1
160
Intcrven~ao
Social
Quanta aos insuficientes renais cr6nicos (IRC) que estao sujeitos a tecnicas dialfticas a situa~ao e diferente. No caso da hemodialise em centra o IRC tem de se deslocar ao local de tratamento, habitualmente tn~s vezes por semana, tendo de la permanecer cerea de cinco horas. Se lhe acrescentarmos o tempo que dispende em transportes e, por vezes, em elementos auxiliares de diagn6stico, facilmente concluiremos da capital importancia de que se revestem os aspectos logfsticos e organizacionais da hemodialise na disponibilidade do IRC para uma actividade profissional. Em Portugal esta modalidade de dialise e a unica que e facultada aos insuficientes renais, embora poucos sejam os pafses inscritos na EDTA-ERA C) que nao lhes disponibilizam hemodialise autonoma, quer no respectivo domicflio, quer em 'unidades satelite' de tres ou quatro indivfduos. Ao procurarmos caracterizar a inser~ao profissional dos insuficientes renais cronicos no Distrito de Lisboa, fizemo-lo tendo presente que a organiza~ao dos servi~os de saude nao preve nem previne as consequencias da doen~a e do seu tratamento na vida quotidiana do doente e, em consequencia, a inser~ao profissional do IRC ira depender da capacidade que ele proprio tiver de modelar o seu posto de trabalho. Mais especificamente o modelo de tratamento das equipas terapeuticas nas unidades de hemodialise, publicas ou privadas, plasma-se no modelo medica de doen~a (4). Este modelo sera util na apordagem da doen~a aguda, mas nao na da doen~a cronica, onde a propria organiza~ao dos cuidados teni de prever as consequencias da cloen~a no doente C). Deste facto resulta, uma vez conhecido o diagnostico, habitualmente nas consultas de nefrologia dos hospitais, a ausencia de equipas multiprofissionais com preocupa~oes de readapta~ao/reinser~ao do doente durante todo o seu processo de adoecimento por insuficiencia renal cronica e, posteriormente ja em tratamento nos centros privados convencionados, durante o resto da vida do doente. Equando este ja esta em programa de hemodialise que come~a a perceber a situa~ao concreta em que se encontra. Passa por todo o processo de adoecimento ate afase terminal cla insuficiencia renal, por vezes alguns anos, indo de uns servi~os a outros sem nunca ser infonnado cam suficiente esclarecimento do que tem, das varias modalidades de tratamento que existem, mesmo que nao disponfveis no nosso pals, e das consequencias que a doen~a e tratamento passarao a ter na sua vida qLiotidiana: familiar/conjugal, profissional, social. Dada a ausencia de um modelo de tratamento que vise, para alem do controlo biologico, tambem atingir outros nfveis de qualidade, incluindo a reabilita~ao pro-
(') European Dialysis Transplant Association European Renal Association. (") Pode rcpresentar-se: Etiologia. Patologia. Manifesta~ao. Cura ou Mortc rOMS. 1989: 17). () Pode represcntar-sc: Doen<;a ou Pcrturba~ao. Deficiencia. lnacapacidade. Desvantagem Social ou Hanclicape (0MS. 1989:38)
;\ QuesUlo da Inserc;ao Profissional dos Insuficientes Rcnais Cronicos
161
fissional dos doentes, estes para manterem ou reconverterem a sua actividade profissional estao entregues a si pr6prios na !uta do mercado normal de trabalho, e a sua permanencia nesse meio ficara a clever-se apossibilidade que o proprio doente tiver de variar o modo do seu exercfcio profissional, independentemente de um controlo imediato das outras pessoas, em particular dos superiores hierarquicos. Este controlo exerce-se relativamente aos horarios, a intensidade do trabalho durante o tempo !aboral e ainda quanto ao tipo de tarefa a realizar. N. Dodier mostra como o equilfbrio conseguido pelo indivfduo doente no local de trabalho exige "a 'gestao da saude' que e ao mesmo tempo gestao do trabalho e gestao do tempo em geral'' ( 1983:266) e que a gestao do trabalho esta largamente ligada ao seu grau de modula~ao. Este grau nao eigual em todas as categorias profissionais, antes pelo contrario, e nos assalariados mais diferenciados que a modela~ao emaior, o que constituf em si mesmo mais um factor de diferencia~ao social. Assim, o IRC ten1 tantas mais possibilidades de conseguir e manter a sua inser~ao profissional quanto maior for a sua possibilidade de gerir autonomamente toda a sua vida, estando af inclufda tanto a gestao aut6noma do tratamento quanto a do trabalho. No que a esta ultima se refere, a sua modela~ao variara de acordo com a profissao, habilita~oes literarias, forma~ao profissional, idade e sexo. A fim de verificarmos <l sitLJa~ao (6 ) desta popula~ao relativamente a actividade profissional, bem como as preocupa~oes de reabilita~ao que teve ao longo do processo de adoecimento ate ao momento da recolha dos dados, o questionario, cuja forma final foi obtida ap6s alguns ensaios e s6 tem questoes fechadas, foi construfdo visando identificar a situa~ao profissional do IRC em tres momentos da sua vida: quando teve conhecimento da doen~a; um mes antes do infcio do tratamento e no momento em que foi abordado. Igualmente foi posta a questao da frequencia de cursos, ac~oes de forma~ao e contactos com os servi~os do Instituto de Emprego e Forma~ao Profissional (IEFP) nos tres momentos da vida do doente tendo em vista testar a existencia de comportamentos que visassem prevenir e minorar as dificuldades de emprego nestes indivfduos. As perguntas relativas a modela~ao do posto de trabalho foram feitas tendo em conta, somente, a opiniao do doente no momento em que foi abordado. Atendendo aos objectivos do estudo, foi escolhida uma metodologia quantitativa que previa o conhecimento exacto da popula~ao, portanto uma base de sondagem para escolha aleat6ria de uma amostra representativa. Para a sua identifica~ao foram recenseados, por sexo, todos os IRC em tratamento no Distrito de Lisboa em 28/9/92. Este trabalho foi possfvel a partir da disponibiliza~ao, por parte dos responsaveis dos centros de hemodialise, das listagens dos doentes, nelas constando a data de entrada no Centro, a data de nascimento, eo sexo. A data de entrada no Cen-
6 ( )
Daclos reco\hiclos em \992.
Interven~ao
162
Social
tro permitiu ordenar todos os IRC de todos os Centros por ordem cronol6gica de entrada. Cada local de tratamento tern os seus doentes em listas sujeitas a criterios varios - por exemplo, por medico assistente ou por turno - e pretendeu-se estabelecer urn criterio unico que, apartida, garantisse que todos os doentes que viessem a ser inclufdos na popula~ao ficassem ordenados do mesmo modo e tivessem as mesmas probabilidades de virem a ser inclufdos na amostra. Atraves da data de nascimento foi possfvel retirar das listagens todos os indivfduos corn idades inferiores a 16 e superiores a 65 anos, ficando identificada a popula~ao do estudo por sexo. A partir da estimativa de 1200 IRC (60% He 40% M) em hemodialise no Distrito de Lisboa, cedida pelo Gabinete de Registo Nacional de Tratamento da Insuficencia Renal Cr6nica (GRNTIRC), aplicando uma taxa de 1% para IRC corn idades inferiores a 16 anos C) e 16% (8) para os que teriam mais de 65 anos, foi prevista a popula~ao do estudo em 1000 indivfduos e decidida a dimensao da amostra em 200, de acordo corn o indicado em "Tableaux Indicatifs Des Rapport~ Entre Les Resultats Obtenus Sur Echantillon Tire Au Sort Et Leur Extrapolation ALa Population To tale" (Mucchielli 1982:77 ,78). Foi na execu~ao das opera~6es para a identifica~ao da popu1a~ao no primeiro Centro que se verificou ser o numero de idosos superior ao estimado e se reduziu de 5 para 4 o interva1o fixo ao qual obedeceu a amostragem sistematica. Apesar de uma amostra construfda a partir do intervalo 5 continuar a ser representativa, seguimos o conselho de Ghiglione e Matalon (Y), e aumentamo-la, pois o numero previsto de indivfduos profissionalmente activos era muito reduzido e poderia inviabilizar alguns tratamentos posteriores. A recolha dos dados foi efectuada por entrevistadoras habilitadas para o efeito, em privado, de acordo corn a disponibilidade de tempo dos doentes e nas instala~6es dos centros de tratamento. Elas mesmas, de acordo corn as respostas assinaladas nos questionarios, preencheram a "Ficha individual de Registo de Dados" de cada doente, a partir da qual toda a informa~ao foi introduzida em programa 'Stat View' para tratamento estatfstico. Este processo foi sistematicamente fiscalizado desde o seu infcio a fim de evitar enviezamentos. Feito o primeiro apuramento, verificou-se que o total de IRC em hemodialise em 28/9/92 no Distrito de Lisboa era de 1303 (55,4%H; 45,6%M) ea popula~ao do estudo, inicialmente estimada em 1000 indivfduos (60,0% H e 40,0%M), revelouCl A idade minima para desempenho de actividade profissional e 16 an os: D.L. 396/91. lie 16/10.
A percentagem de pessoas residentes em Portugal Continental com 65 e mais anos e de 13.6%. Fonte: !NE- Censos 91. dados pre definitivos. ('') .. , a melhor maneira de determinar a dimensao da amostra consiste em escrever antecipadamente os quadros de rcsultados, introduzindo af 路valoras verosfmeis'. ever se os apuramentos mais complexos que tcmos inten<;ao de l'azer continuam a scr possfveis a partir do n. o de pessoas previstas". (Ghiglione e Matalon, 1992:58.59) 8 ( )
A Qucsti\o da lnscrc;iio Profissional dos lnsuficientes Rcnais Cr(micos
163
-se constitufda por 855 (58,4%H e 41 ,6%M) sendo a amostra de 216 IRC (58,3%H e 41,7%M). Os valores obtidos mostram a grande prevalencia de pessoas idosas em hemodialise, relativamente as quais nao se discutira a inser~ao profissional, mas por-se-a, com certeza, a questao da sua qualidade de vida e adapta~ao a nova condi~ao que passam a viver. Quadro 1 IRC por sexo em eemodialise no Hospital Militar Principal e Centros Convencionados do Disl!路ito de Lisboa em 28/9/92 Centro de Hemodialisc (C6digo
Total de !RC Em Tratamento (Masc.) (Fem.)
01 02
33 88
03 04
85 47
05 06 07
53 40
08
27 60 82 31 54
27
27 145
132
22
Popula:;:ao do Estudo (Masc.) (Fem.) 22 54
17 31
58 36 37
56
27 18 105 21 29
16 35 17
Ercctivos Estudados (Fem.) (Masc.) 5 14 15
4 7 14 4
9 9 7 4 26
3 20
6 7
3 4
7 3
4
2
11 79 11
9 4
09 10
32
17
35
25
11 12
43 16
26 8
29 13
13 14
44 34
39 31
28 23
28 21
7 6
6
Total
722 (a)
581
500
356
126
90
16 16
I
7
(a) As crian:;:as e adolescentes sao, quase na totalidade, dialisados em hospitais ccntrais, razao pela qual somente foram recenseados tres individuos com idades inferiores a 16 anos
1 - Caracteriza\ao Dos Efectivos Sexo E Jdade
Uma primeira analise das respostas dos efectivos do estudo mostra de imediato o maior numero de indivfduos do sexo masculino (58.3%) do que do feminino (41.7% ), embora esta diferen~a (16.6%) seja menor do que a habitualmente referida (20.0%).
164
lnterven<;i.io Social
Quadro 2 Distribui.,:ao dos efectivos por idade e sexo ldacle
Total (n)
16-24
7 14
25-34 35-44
28
45-54 55-64 65 anos Total
Mulheres
Ho mens (%)
3.2
(n)
(%)
(n)
(%)
2 10
0.9 4.6
5 4
2.3 1.9
15
59 99
6.5 13.0 27.3 45.8
39 54
6.9 18.1 25.0
13 20 45
9.3 20.8
9
4.2
6
2.8
3
1.4
216
100.0
126
58.3
90
41.7
6.0
A outra informayao pertinente ea idade avanyada dos inquiridos. A classe modal e 55-64 anos (45.8%), logo seguida dos que tem 65 anos (4.2%) e dos que se encontram no gnipo etario 45-54 (27 .3% ). Os restantes 22.7% distribuem-se pelos tres grupos etarios mais jovens. Ha ainda a referir que dos efectivos do estudo nem toclos se consicleraram ou foram considerados va!idos para o desempenho de uma actividade profissional, inclependentemente da sua situayao administrativa face aos serviyos da Seguranya Social. Ao to do catorze indi vfcluos (6.5%) estavam reconhecidamente incapazes e necessitavam do apoio de terceira pessoa. Foram, portanto, identificados mas nao responderam as quest5es relativas a actividade profissional porque estas nao Ihes faziam sentido. Situa1Iio Profissional Os dados relativos a situayao profissional estao expostos por sexo e grupo etario. 0 quadro 3 mostra a situayao profissional dos efectivos va!idos, globalmente e por sexo, poclendo-se verificar que o desempenho de uma actividade profissional ap6s o infcio do tratamento e bastante baixo para ambos os sexos, embora mais desfavoravel as mulheres do que aos homens. Enquanto 2 I% dos homens (n=25) consegue trabalhar a tempo inteiro, somente 8.4% das mulheres (n= 7) tambem o faz. Os valores na situayao de reformado sao igualmente altos nos homens e nas mulheres, embora um pouco mais agravados para estas (J!timas: 54.6% (n=65) homens e 56.6% (n=47) mulheres na situayao de reformado(a) ou pensionista.
A Questao da
lnser~ao
Profissional dos Insuficientes Rcnais Cr6nicos
Quadro 3 Efectivos validos por situa~ao profissional e sexo Tempo Inteiro
Meio Tempo
Dia Baixa DesemSim/Nao Medica pregaclo
Reformado
Estudante
Domestic a
Total 11
'lc
119
58.9 41.1
Homc11s
25
5
2
Mu Iheres
7
0
I
0
6
47
I
21
83
11
32
5
3
15
12
112
2
21
202
('lr)
15.8
2.5
1-5
7.4
5.9
55.4
1.0
104
15
6
65
I
0
Total 100.0
A situayiiO 'desempregado(a)' e tambem mais desfavonivel as mulheres, 7.2% (n=6), do que aos homens, 5% (n=6)- Ja entre os estudantes os valores relativos sao ligeiramente mais favoraveis as IRC, 1.2% (n=l), do que aos homens, 0.6% (n= I). Ha duas situa96es - trabalho a meio tempo e baixa medica - nas quais nenhuma mulher se encontra e para o que nao dispomos de informa9iio esclarecedora. A situa9ao 'domestica' foi identificada por nao ser uma profissao e poder constituir mais uma desvantagem para as mulheres IRC que, ao fazerem a sua lida domestica, sao consideradas profissionalmente integradas. Conforme consta no quadro 4, das 21 IRC que se disseram domesticas, 8 responderam que estariam empregadas se nao fosse a IRC/HD. Quadro 4 Distribui~ao
Estaria empregada se nao fosse IRC/HD7
Jdade
16-24 25-34
das IRC domesticas por grupo etario e op~ao da sua sittw~ao de domestica
Total
Nao
Si m
Nao sabe 0 I
I
0 0
3 4
I
I
0
0 I 3
0 2 5
0
11
65 a11os
6 I
0
()
I
Total
12
8
I
21
35-44 45-54 55-64
I
Na analise da situayao profissional por idade pode ver-se no quadro 5 que nenhum jovem (16-24 anos) esta inserido no mercaclo de trabalho: clois estuclam;
Intervcn~flo
166
Social
uma considerou-se domestica; um ja recebe pensao de invalidez, e outro esta desempregado. Se os incluirmos nos jovens aprocura do primeiro emprego, situayao diffcil a qualquer um, concluiremos da extrema dificuldade que os jovens IRC terao em conseguirem inserir-se profissionalmente sem um apoio nesse sentido. Quadro 5 Validos por situa\1io profissional e grupo etario lclacle
Tempo l11teiro
Mcio Tempo
Baixa DesemDia Sim/Nao Medica pregaclo
Reformado
Estu-
dante
Domestic a
Total
o/c
11
16-- 24
0
0
0
I
I
I
2
l
6
3.0
25-34
6
0
0
I
2
2
0
l
12
5.9
35-44
10
I
0
2
3
8
0
3
27
13.4
45-54
9
2
I
6
2
32
0
4
56
27.7
55-64
7
2
2
4
4
64
0
11
94
46.5
65 a11os
0
0
0
I
0
5
0
I
7
15
11
32
5
3
15
12
112
2
21
202
(%)
15.8
2.5
1-5
7.4
5.9
55.4
1.0
10.4
Total
100.0
Dos indivfduos com 65 anos tambem nenhum trabalha, porem e uma situayao identica a das restantes pessoas da mesma idade. Dos 40 (19.8%) IRC que trabalham, 32 (80.0%) fazem-no a tempo inteiro e somente 5 (12.5%) a meio tempo e 3 (7 .5%) dia sim/nao, apesar de estas modalidades de emprego parecerem ser as que mais se adequam a compatibilidade de horarios e debilidade ffsica dos IRC em hemodialise. As idades dos IRC que trabalham apresentam-se no quadro 6. Nos homens, o indivfduo mais jovem tem 27 anos e 6 tem mais de 60 anos. Nas mulheres, a mais nova tem 29 anos e com 50 e mais anos somente cluas- uma com 50 e outra com 60 anos. Quadro 6 Idades dos IR C cmn actividade profissional Mu Iheres
Ho mens
2
3 4
5 6
7 134557 0 3 4 4 4 4 5 6 6 6 R8 0136679 I I I 22 3
2 4
5 6
9 3 4 9 58 9 0 0
167
A Qucstao da Inserc;iio Profissional dos Insuficienles Rcnais Cronicos
Habilita~oes
Literarias
Os dados relativos as habilita~oes litenirias apresentam-se por sexo, idade e profissional. Actualmente o ensino obrigat6rio e ate ao 9. 0 anode escolaridade, contudo, pm路que se presumiu que o estudo nao abrangeria individuos incluidos naquele criteria, a escolaridade obrigat6ria foi considerada ou ate a antiga ins0 tru~ao primaria- 4." classe -, ou ate ao actual6. . anode escolaridade, consoante o regime pelo qual o IRC houvesse sido abrangido quando em idade escolar. situa~ao
0 quadro 7 apresenta a distribui~ao dos IRC por sexo e habilita~oes literarias e nele se pode ver como e elevado o valor dos individuos com grau de instru~ao inferior a escolaridade obrigat6ria (n=64, 31.7% ), sendo mais frequente nas mulheres (n=38, 45.8%), do que nos homens (n=26, 21.8%). Quadro 7 Validos por habilita<;oes liten\rias e sexo Total
Mu Iheres
Homens
Habilita<;oes literarias
(n)
('7c)
(n)
('le)
(n)
Esc. Obrigat6ria
26
21.8
56 9 12
47.0 7.6
45.8 31.4
64
Esc. Obrigat6ria 7. 0 e 8. 0
38 26
5 5 4
6.0 6.0
9. 0 ano 10. 0 e 11掳
7 5 4
Curso Medio Curso Superior
10.1 5.9 4.2 3A
(n) 119
I
4.8 1.2
4
4.8
82 14 17 I! 6 8
('/C)
31.7 40.6 6.9 84 5.4 3.0 4.0
202
83
Total (o/r)
58.9
41.1
100.0
0 total de individuos com escolaridade obrigat6ria ou menos e de 146, ou seja 72.3% dos individuos em estudo. Com curso media ou superior somente 14 (7% ). Nos IRC a escolaridade obrigat6ria eo grau mais frequente (n=56, 47.0% ), enquanto que nas mulheres IRC o valor mais elevado (n=38, 45.8%) se refere ao nfvel inferior a 'escolaridade obrigat6ria'. Esta tendencia de melhor nfvel de escolaridade nos homens vai verificar-se nos seguintes graus de ensino, s6 se invertendo ligeirarnente nos indivfduos com curso superior. Ai ha uma ligeira vantagem nas IRC. Na distribui~ao dos efectivos validos por habilita~oes literarias e grupo etario podemos verificar no quadro 8 que do total (94) de individuos corn idades com-
Interven<;ao Social
168
preendidas entre 55-64 an os, 33 (35.1% ), tem habilita~5es liten1rias de grau inferior a 'escolaridade obrigat6ria' e 41 (43.6%) 'escolaridade obrigat6ria'. Dos restante, 0 0 !I indivfcluos (11.7%) tem frequencia do 7. ao 11. anos, e 9 (9.6%) tem curso medio ou superior. Quadro 8 Validos por habilita<;oes litenlrias e grupos etarios Habilita~<)cs
16-24
Literarias
25-34
35-44
Esc. Obrigat6ria Esc. Obrigat<lria 7. 0 e 8. 0
2
4
7
I
9. 0 ann I0. o c 11. 0
0 2
I 4 I 2
8 3 4 4
Curso Medio Curso Superior
()
()
0
6
I
(n)
45-54
55-64
65 allOS
16 28
33 41
I 6
4 5
I I
2
()
I
4
()
0
0
3
5
12
27
56
30
5.9
13.4
Total (n)
3
64
3 I I
82
('ii)
31.7 40.6
14 17 11
8.4
6.9
0
6 8
30 4.0
94
7
202
27.7
46.5
35
5.4
Total (ci)
100 ()
0 grafico I da maior visibilidade a informa~ao do quadro 8, Gnlfico 1 Validos por habilita<;oes litenlrias e grupos chlrios
Curso Sup.
1!1165 anos
Curso Med.
1!1155-64
10째. e 11째.
1!1145-54
9째. ano
?o. e
[:;135-4-l
so. II:::::J!E'EJI\!!IB
025-34
Esc.Obr. to~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
<Esc.Obr.~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~---T------,------. 0
10
20
30
40
50
60
70
80
016-24
90
No quadro 9 temos a distribui~ao dos indivfduos em estudo por habilita~5es literarias e situa~ao profissional. A informa~ao mais pertinente tera a ver com a situa~ao de reformado. Dos 112 IRC reformaclos. I00 (89.3%) tem escolaridade obrigat6ria ou menos e s6 I0.7% (n= 12) tem graus de escolaridade mais elevados.
A Qucstao da lnscn;ao Profissional dos Insuficicntcs Rcnais Cr6nicos
169
Quadro 9
V:\lidos por habilita~oes litenirias e situa~iio profissional
Habilitaq6es Liten\rias
Tempo Meio Dia Baixa Desem- Re forlnteiro Tempo Sim/Nao Medica pregado mado
Estu- Domes da11te tic a
Total 11
'lc
<Esc. Obrigat6ria
2
0
I
6
4
40
()
11
64
.) I 7
Esc. Obrigat6ria
I
5
4
60
0
4
82
40.6
7
I
0
4
I
I
2
2
2
0
2
14
6.9
9. 0 a11o
7
I
()
0
I
5
0
3
17
8.4
6
0
0
0
0
2
2
I
11
5.4
()
6
3.0 4.0
7째 e 8.
0
I0. e 11.
0
Curso Meclio
2
I
()
I
I
I
0
Curso Superior
4
I
0
I
0
2
()
0
8
11
32
5
3
15
12
112
2
21
202
15.8
2.5
1-5
74
5.9
55.4
1.0
I0.4
Total ('ir l
100.0
Como ilustra 0 grafico 2, de entre os indivfduos que trabalham a sittJa9aO e inversa: de 40, 70% (n=28) possuem graus de instn19ao acima de 'escolaridade obrigat6ria' (7. 0 ano ate curso superior), e somente 12 (30%) tem 'esco1aridade obrigat6ria ou menos'. Gnifico 2
Validos por situac;iio prot1ssional e habilita~oes literarias
Curso Superior
l!lll Domcstica
Curso Med.
l!lll Estudantc 11111
10째. e 11째.
Reform.
l!lll Dcscmp. 11111
Baixa Med.
l!lll Dia S/N l!lliMeio Tempo
DTcmpo lnt. 0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
Como sfntese da caracteriza9ao dos efectivos do estudo podemos dizer que: ha maior prevalencia de homens (58.3%) do que de mulheres (41.7%). As idades sao avan9adas (a classe modal eo grupo etario 55-64 anos ea idade media 48,5 anos).
lnterven~ao
170
Social
Ha indivfduos com grande incapacidade, (6.5%, n=l4), os quais nao foram inquiridos sobre a sua situayao profissional. 0 grau de instruyao e bastante baixo. 72.3%, n=l46 indivfduos com habi1itay6es 1iteralias de grau igua1 ou inferior a esco1aridade obrigat6ria (antiga 4." classe ou 6. 0 ano de esco1aridade). A inseryao profissiona1 e muito fraca, (19.8%, n=40 indivfduos a traba1har), sendo mais desfavorave1 as mu1heres (9.6%, n=8) do que aos homens (26.9%, n=32) e das 21 (21.3%) mu1heres que se disseram 'domesticas' e nao 'desempregadas', 8 (9.6% do total) reconheceram que estariam empregadas se nao fosse a IRC e seu tratamento, o que aumenta o va1or das mulheres sem inseryao profissional. 0 mimero de indivfduos reformados e muito elevado (n= 112, 55.4%) eo total dos que nao trabalham (reformados; desempregados e com baixa medica) atinge 68.8% (n=l39). Destes, 56.1% (n=78) tem idades compreendidas entre 55 e 65 anos, e quanto as habilitay6es literarias, 85.6% (n=ll9) possuem escolaridade obrigat6ria ou menos. Nos homens que trabalham (n=32) a distribuiyao por grupos etarios e identica a dos restantes IRC, contrariamente as suas habi1itay6es 1iterarias, cujos graus sao superiores aos dos que nao trabalham. Face aos dados expostos, nos homens, mais do que a idade o que explicara o abandono da actividade profissional ap6s o infcio do tratamento sera o baixo grau das habilitay6es literarias. No mercado normal de traba1ho a baixos nfveis de instruyao correspondem, preferencialmente, profissoes cujo trabalho a produzir exige a presenya continua do trabalhador na execuyao de tarefas pesadas e pre-determinadas. Serao, portanto, postos de trabalho de fraca mode1ayao e que exigem tarefas pesadas que darao origem ao abandono da actividade profissional ap6s o agravamento da doenya e infcio do tratamento. Nas mulheres, a caracterizayao feita e menos indicativa das causas do abandono da actividade profissional. 2 - A Modela~ao do Posto de Trabalho
Etendo em conta a caracterizayao dos efectivos anteriormente feita e as respostas dadas pelos inquiridos as questoes que visaram averiguar dos seus impedimentos a continuidade do desenvolvimento de uma actividade profissiona1, bem como as eventuais facilidades que tiveram os que ainda conseguiam trabalhar, que se estudara a imporH'incia da modelayao do posto de trabalho do IRC na sua inseryao profissional. Os Que Nao Trabulham
Comeyaremos pela analise das respostas dos que nao trabalham e onde estao inclufdos os reformados (112), os desempregados (12), e os que se encontram com baixa medica (15), o que totaliza 139 indivfduos. A estes foi-lhes perguntado das dificuldades que experimentaram tanto na conciliayao do horario do emprego com
A QucsUio da
lnser~flo
171
Profissional dos lnsuficicnles Renais Cronicos
o do tratamento, como na execuyao das tarefas a realizar no emprego devido a vioH~ncia que pudessem ter passado a constituir ap6s infcio do tratamento, e, ainda, na maleabilidade da intensidade da realizayao das tarefas durante o perfodo !aboral. 0 Quadro 10 e Grafico 3 apresentam, por sexo, as respostas dadas pelos inquiridos relativamente aos ajustamentos de honirios que nao conseguiram fazer nos locais de trabalho e tratamento. Para 79 (56.8%) IRC a conciliayao do honirio do tratamento com o do emprego nao foi dificuldade sentida como justificayao para deixarem de trabalhar; 28 (20.1%) ja estavam reformados e 3 trabalhavam por conta propria. A conciliayao dos horarios foi reconhecida como a causa determinante do abandono da actividade profissional somente por 29 (20.9%) IRC, referindo-se 13 (9.4%) a dificuldades de horarios nos locais de tratamento e 16 (11.5%) a dificuldades de horarios nos locais de trabalho. Quadro 10 lmpossibilidade na adequa<;ao dos honirios por sexo Impossibilid. no local de tratamento
Impossibilid. no local de trabalho
Trabalhava Sem dificuldade por na concilia~ao conta propria de horarios
Ja cstava reformadcJ
Total
9 4
13
3
46
15
86 53
(n)
13
16
3
79
28
139
('le)
9A
11.5
2.2
56.8
20.1
Ho mens Mu Iheres
61.9 38.1
Total
100.0
Grafico 3 Impossibilidade na adqua<;ao dos hor::irios por sexo Ja estava reformado
conciliayao hor8rios Sem dificuldade Trabalhava par conta pr6pna
lmpossib1lidade no local traba!ho
t=======:=~•••••• 1 - - -........
lmposs1bilidade no local de tratamento
-F=:::;_--r---,-----,----,
0
20
40
60
80
I 0 Homens
111111 Mulher·es
I
lnterven<;ao Social
172
Estas situa~oes reflectern urn inadequado funcionarnento das institui~oes relativarnente as necessidades especfficas dos IRC, corn particular enfase ao que respeita aos locais de tratarnento, cujo funcionarnento faz acrescer as desvantagens sociais dos IRC ao contn1rio de as rninirnizar. A amllise por sexo rnostra tarnbern que enquanto 62.2% (n=33) de rnulheres refere que nao foi por dificuldade na concilia~ao dos hon1rios que deixou a sua actividade profissional, nos hornens este valor relativo ede 53.4% (n=46). 0 Quadro 11 e Grafico 4 apresentarn os valores das rnesrnas dificuldades de acordo corn as idades dos doentes. Quadro 11 Impossibilidade na Impossibilid. 110 local de tratame11to
adequa~ao
Impossibilid. 110 local de trabalho
dos honirios por grupo ehirio
Trabalhava Sem dificuldade por na concilia~ao conta propria de horarios
1<\
Total
cstava
reformado
n
'le
16-24 25-3-f
0 I
1 I
0 0
2 3
0 0
3 5
35-44
2
2
0
8
1
13
45-54
5
8
1
23
3
40
5
-!
2
38
23
72
6 139
55-64 65 a11os
0
0
0
5
1
(n)
13
16
3
79
28
('le)
9..f
11.5
2.2
56.8
20.1
Total 100.0
Gnlfico 4 Impossibilidade na adquat;ao dos honirios por grupo etario
Sern d1flculdades conC!I1a98.0 horanos
Trabalhava par conta pr6pna lmposslbJIIdade no local de traba\ho lrnposslbllidade no local de tratamento
0% D 16-24
10% 20%
025-34
30% 40% D35-44
50%
60% 70% 80% 90% 100%
fill45-54
1155-64
fill65 anos
173
A Questao da Inscn;ao Profissional dos lnsuficicntcs Renais Cr6nicos
Podemos observar que dos 79 indivfduos (56.8%) que nao invocaram a incompatibilidade dos honirios como justifica<;:ao do abandono da actividade profissional, 43 (54.4%) tem idades compreendidas entre 55-65 an os. No quadro 12 e grafico 5 podemos verificar que dos 79 IRC que nao tem actividade profissional e responderam nao ter tido dificuldades na concilia<;:ao dos honirios, 67 (84.8%) tem escolaridade obrigat6ria ou men os. Quadro 12 adeqna~ao
Impossibilidade na Impossibilid. no local de tratamento
Impossibilid. no local de trabalho
dos horarios por habilita~iies literarias
Trabalhava Sem dificuldade par na concilia9ao de honirios conta propria
hi eslava reform ado
Total '7c
11
<Esc. Obr. Esc. Obr.
8
5
I
4
9
2
23 44
10
50 69
7o ego
0
I
0
5
0
6
I
0
0
4
I
6
0
9. ano 0
10. e 11.
0
13
0
0
0
0
2
2
Cur. Medio
0
I
0
2
0
3
Cur. Super.
0
0
0
I
2
3
(n)
13
16
3
79
28
139
(o/c)
9.4
11.5
2.2
56.8
20.1
Total 100.0
Grafico 5 Impossibilidade na
Ja estava reformado
adqua~ao
dos horarios por habilita~oes literarias
·······~~---~·~u-~~~
£:11111
fl
Sem d:hculdades conci!l13<;:8o • • • • • • • • • • • • • • • • • • horanos
Tmba!hava par conta prOpria
!mpossibdidade no local de tratamento
+~~!~---,---..,.---.,------,,----,---..,.-----, 10
20
30
~0
50
60
70
80
li'l·l:..'ic. Obrig. 11 Esc. Obrig. 0 7° c 8" Ill 9° El 10° c 11 o 11 Cur. MCdio RI <~ur. Superior
174
lnterven<;:iio Social
No gnifico 6 apresentam-se, por sexo, as respostas dadas pelos IRC quanto a violencia que as tarefas a executar no local de trabalho passaram a constituir, devido adoenya e seu tratamento. Ea primeira hip6tese "As tarefas que tinha de realizar tornaram-se violentas e nao foi possfvel passar a realizar outras mais adequadas a sua situayao", que constitui o motivo mais invocado pelos IRC para o abandono da actividade profissional - 98 indivfduos (70.5% ). Ha tambem alguns - 28 (20.1%) -para os quais a pergunta nao era pertinente por j<i se encontrarem reformados quando iniciaram o tratamento, e 12 (8.6%) que nao tiveram dificuldades na continuayao da execuyao das tarefas, mas abandonaram a actividade profissional. Gnifico 6 Di11culdades na execu~;ao das tarefas a realizar no emprego ~Homens
IIIIIMulheres
Tarefas vio!entas
Nao qu1s realizar
lmpossivel mudar
outras tarefas
Ja estava
Tarefas !eves e podia fazeIas
reformado
0 grafico 7 mostra a clistribui9ao dos inclivfduos corn idacles acima dos 55 anos em "tarefas pesadas" com impossibilidade de mudar para outras mais !eves. Gn\fico 7 Dificuldade na Ja estava reform ado
11~ ~
Tarefas leves e podia faze~las
pa
~~o
!t
quis reanzar outras tarefas
lmposslbllidade de mudar de tarefas
das tarefas a realizar no emprego por idade «~
l!ll!llll1ll
,,,
·,_"
0 1111\G-2•1
execu~;ao
ill25-34
·v<<
I
I
I
i
I
I
I
I
I
I
10
20
30
·10
so
GO
70
1\0
90
100
11135-·1·1
0
45~54
1155-(YI
El ()5 an os
175
A Questi\o da Insen;ao Profissional dos Insuficientes Renais Cr6nicos
Grat1co 8 Dificuldade na execu<;iio das tarefas a realizar no emprego por habilita<;oes literarias Ja estava reformado Tarefas !eves e podia faze-! as Nao quis realizar outras tarefas lmpossibilidade de mudar de tarefas
Ill <Esc. Obrig. Ill Esc Oh rig. 1117" c &" 0 9" Ano 1111 ()<' e 11掳 Ill Cur. Me<lio Ill Cur. Superior
Quanto adistribui9a0 das respostas por maleabilidade da intensidade do trabalho a realizar durante o honirio esobreponfvel adas tarefas. Como mostra o Quadro 13, 70.5% (n=98) responderam 'nao conseguia trabalhar pm路que se sentia cansado(a)'. Quadro 13 Maleabilidade da intensidade do trabalho a realizar no emprego durante o horario Nao conseguia trabalhar porque se cansava
Diminuiaa intensidade do trabalho
Nao podia diminuir a intensidade do rabalho
Aumentava a intensidade do Trabalho
Ja estava rcformado
Total
61 37
5 I
4 2
I 0
13
86 53
(n)
98
6
6
I
28
139
('lc)
70.5
4.3
4.3
0.7
20.1
Homcns Mu Iheres
IS
Total
100.0
A incompatibilidade dos honirios expressa por 20.9% (n=29) euma impossibilidade real de grande importfincia, com maior impacto nos homens do que nas mulheres. Nos homens, mais do que a idade, o que explican'i o abandono da actividade profissional sera o baixo grau de habilita96es literarias a que corresponde no mercado normal de trabalho actividades profissionais com fraca modela9ao e tarefas violentas. A analise por sexos mostra que a fraca modela9ao do posto de trabalho a que se associa a impossibilidade de mudar de tarefas profissionais, tem maior impacto nos IRC como causa do abandono de uma actividade profissional do que nas IRC. Nas mulheres IRC o que se verifica eum abandono mais precoce da actividade profissional por causas nao directamente a ela ligadas.
lnterven~flO
176
Social
!RC Com Actividade Profissional
Quanto a analise dos que estao no activo, como pudemos ver na caracteriza~ao dos efectivos validos por situa~ao profissional, sao 40 os IRC de ambos os sexos que mantem actividade profissional e o Quadro 6 apresenta, por sexo, as suas idades. Ao estudarmos a modela~ao do posto de trabalho clestes indivfduos vamos ter em considera~ao nao s6 os ajustamentos que conseguiram fazer no que concerne aos horarios, mas tambem as profissoes que exercem e o seu grau de habilita~oes literarias. No Quadro 14 e Grafico 9 podemos ver que somente I! IRC conseguiram horario de tratamento de acordo com as suas necessidades profissionais. Para 17 foi no emprego que conseguiram negociar horarios compativeis corn o tratamento e 12 resolveram por si pr6prios as dificuldades de horarios. Esta informa~ao, tal como tambem tfnhamos verificado no estudo dos que nao trabalham, e indicativa de grande falta de maleabilidade e autonomia do IRC no local de tratamento. Relativamente as habilita~oes literarias somente 3 tem 'menos da escolaridade obrigat6ria'; e 28 tem graus acima deste nfvel, sendo 5 cursos superiores. Trata-se de uma situa~ao inversa a dos inactivos. Enquanto destes 36.0% (n=50) tem grau de instru~ao inferior a escolaridade obrigat6ria, nos que desempenham uma actividade profissional somente 7.5% (n=3) tem este nfvel de instru~ao. Quadro 14 Ajustamentos conseguidos nos hon\rios do emprego c do tratamento Concedido Concedido Consegue por Hon\rio flcxfvel horario no local horario no local no local si proprio de tratamento de trabalho conciliar horario de trabalho <Esc. Obr. Esc. Obr.
0 2
0 .f
I I
0 I
Trabalha por conta propria 2 I
Total ~(
11
3 9
7.5 22.5
7. 0 e 8. 0
2
I
0
I
2
6
15.0
9. 0 ano
3
2
0
3
0
8
20 0
10. 0 c 11. 0
2
3
0
I
0
6
15.0
Cur. Media
0
0
2
0
I
3
7.5
Cur. Super.
2
0
2
I
0
5
12.5
(n)
11
10
6
7
6
40
(%)
27.5
25.0
15.0
17.5
15.0
Total 100.0
!77
A Qucstfto da lnscn;ao Profissional dos lnsuficientcs Renais Cr6nicos
Grat'ico 9 Ajustamentos conseguidos nos honirios do emprego e do tratamento
Concedido horario no traba!ho
Concedido horario no tratamento
0
D <Esc. Obrig.
2
6
.j
3
lZ
10
1111 O" c 11"
D Esc. Obrig.
1G
IJ C. Mrdio
13
f.D C. Superior
Quanto as profissoes que desempcnham apresentamos em quadro a sua distriAgrupamo-las em profissoes que exigem, preferencialmente, actividade intelectual as quais permitirao um modo de interac~ao 'liberal' no local de trabalho, e actividade manual a que correspondera um modo de interac~ao de 'controlo contfnuo' no local de trabalho. Dentre as primeiras encontram-se 27 IRC e nas segundas somente 13.
bui~ao.
Quadro IS Profissoes dos IRC que trabalham Actividade Manual
Actividade Intelectual Empregado Escrit6rio
9
0
Gerentes Comerciais ou Equiparados Professores Meclicos Outras profissoesTecnico-Cientfficas
8
3
4
2
2
2
4
2
Total
27
Serralheiro Mecanico ou Equiparado Pedreiro/Ladrilhadm/Polidor Preparador de Fibras
1
Portciros e Similarcs Artes Grllficas Condutor Vefculos a Motor
13
Total
Eainda importante referir que dos 40 indivfduos que trabalham, 5 fizeram ajustamentos no local de trabalho, tendo mudado de profissao dentro da mesma entidade patronal; 2 estavam desempregados e conseguiram emprego ap6s infcio de hemodialise; I, que ja estava reformado, ap6s infcio do tratamento conseguiu uma actividade profissional diferente da que exercia anteriormente; dos 13 doentes (10.9% do total de homens IRC) com actividades profissionais exigindo, preferencialmente,
Interven~ao
178
Social
actividade manual, alguns conseguiram reconversao profissional no local de trabalho passando a realizar tarefas menos pesadas. Sao situa~oes conseguidas por reconhecimento do merito do indivfduo doente, concedendo-lhe a entidade patronal oportunidade de continuar a trabalhar, o que denota a existencia de solidariedades primarias. Podemos portanto concluir que e possfvel aos IRC em hemodialise desempenharem as mais variadas actividades profissionais. Essa possibilidade e em primeiro lugar regulada pelo modo de interac~ao tida pelo IRC no local de trabalho. 0 modo de interac~ao de controlo descontfnuo ou 'liberal' a que directamente se ligam actividades profissionais de forte modela~ao, e, inequivocamente, 0 que mais privilegia o IRC. Neste modo de interac~ao o que esta em jogo e a capacidade de o trabalhador assegurar o trabalho segundo ritmos pr6prios e em que a presen~a ou ausencia ffsica no local de trabalho nao ea regra para o julgar. A estas actividades profissionais, no mercado normal de trabalho, que eo que esta dado neste momento aos IRC, ligam-se maioritariamente graus elevados de instru~ao. Como pudemos verificar as habilita~oes literarias desta popula~ao sao muito baixas o que tem como consequencia a baixa inser~ao profissional. Contudo ha um segundo nfvel a que obedece a inser~ao profissional dos IRC e que tem a ver com criterios de moralidade pelos quais eles sao julgados pelos outros indivfduos nos locais de trabalho. Quando a situa~ao de doen~a e compreendida pelos que o rodeiam e o passado do doente lhe concede, face aos outros, um estatuto que o torna aceite ou tolerado, e possfvel a negocia~ao de regras que permitem um equilfbrio (instavel) nas interac~oes do local de trabalho. Assim se compreende o funcionamento de solidariedades nos locais de trabalho, dado que nenhum dos IRC no activo e que fez reinser~ao profissional na empresa onde ja trabalhava quando adoeceu esta inserido profissionalmente com contrapartidas, financeiras ou outras, para a entidade patronal, previstas na polftica de reabilita~ao profissional actual. Finalmente, e porque a gestao da doen~a e tambem a gestao da vida em geral, a profissional do IRC depende tambem da autonomia de que ele goza no local de tratamento. Como pudemos verificar, este mostra-se de funcionamento mais rfgido do que o local de trabalho, constituindo em si mesmo um obstaculo a inser~ao profissional destes indivfduos. inser~ao
Conclusao I - Reconhecida a ausencia de um modelo de tratamento com preocupa~oes de reabilita~ao
do IRC, considerou-se que eles ficam entregues a si pr6prios na !uta do mercado normal de trabalho e que a sua inser~ao profissional dependera da modula~ao que eles pr6prios conseguirem no seu posto de trabalho.
A Questilo da
Inser~ilo
Profissional dos Insuficicntcs Rcnais Cr6nicos
179
2- Assim, procurou-se precisar e caracterizar a inser9ao profissional destes doentes no Distrito de Lisboa. Feito o estudo a partir de uma abordagem quantitativa, confirma-se a grande desinser9ao profissional dos IRC. 3 - Como primeira determinante da reduzida inser9ao profissional destes indivfduos, verifica-se a fraca modelayao dos postos de trabalho dos indivfduos com muito baixo nfvel de habilita96es literarias, os quais sao maioritarios na popula9ao em estudo. 4- Ainda no local de trabalho surge um segundo nfvel de influencias na inseryao profissional do IRC, de tendencia inversa a desinser9ao, e que se relaciona com criterios de moralidade. A partir do passado do cloente e da credibiliclacle cla situayao de doen9a sao possfveis negocia96es no local de trabalho que permitem a adequayao deste as circunstancias especificas do IRC. 5 - Como seguncla determinante da fraca inser9ao profissional dos IRC surge a rigidez dos horarios de tratamento, constituindo-se, assim, a sua terapeutica em mais uma clesvantagem social que acresce a propria cloen9a. 6- A desinseryaO profissional das mulheres e distinta da vivida pelos homens. As mulheres abanclonam mais precocemente do que aqueles a activiclade profissional e por razoes que nao se relacionam dircctamente com a profissao. REFEREENCIAS BIBLIOGRAFICAS DODIER, Nicolas ( 1983), <<La maladie et le lieu de travail». Re\'. Fran(·. Socio/., XXIV. 255-270. PONCE, P; REMEDIO, F.; SANTOS. J. Ribciro (Rei.) ( 1988), «Relat6rio 1987 do Gabinetc de Rcgisto de Dados do Tratamento da lnsuficiencia Renal Cr6nica>>, Joma/ das CiPncias Medims, Tomo CUI. 3, 156-166. GHIGLIONE, R.; MA TALON. B. ( 1992). 0 lnquJrito: 7'eoria e Pl"litica, Oeiras: Celta Editora. MUCCIIIELLI, Roger ( 1982), Le questionnaire dans I 'enquf!te psycho-socia/e, 7•'m.· edition, Paris: Les editions ESF. OMS ( 1980), Classifica(·c7o intemaciona/ das deficihiCias, incapacidades e dcsl'(lnll/gens (handicaps), Lisboa: Secretariado Nacional de Reabilit<t9ao.
COMENTARIO ACOMUNICA<;AO SOBRE 0 TEMA: A QUESTAO DA INSER<;AO PROFISSIONAL DOS INSUFICIENTES RENAIS CRONICOS E A ESTRATEGIA TERAPEUTICA Pela D1:" Tflia Fonseca
*
Pelas razoes que a presidente da mesa enunciou na introdugao deste paine], a minha intervengao vai ser extremamente curta no tempo e limitada na apreciagao. Aceitei o convite tendo presente estes limites e pelo facto de trabalhar coma investigadora no Instituto de Servigo Social e, pm路tanto, como colega de trabalho agradego a oportunidade que me deu e lamento, de facto, o meu fraco contributo. Relativamente ao comentario, queria faze-lo de uma forma, obviamente, breve, centrando-me exclusivamente no campo da pesquisa e no que os resultados podem indiciar da sociedade ou do Servigo Social na sua relagao com a sociedade. Relativamente ao campo da pesquisa (e esta aqui um motivo pelo qual eu felicito a M." Beatriz Couto) vem-me alembranga alguns autores quando tratam da definigao do objecto de pesquisa. Quando Saussure diz que eo ponto de vista do investigador que cria o objecto ou quando Bordieu diz que o olhar do investigador torna significantes objectos que nao se configuram de imediato como tal, a investigadora conseguiu, de facto, tornar um objecto empirico que, sob um olhar imediato, n6s nao tornariamos significante e conseguiu dar-lhe esse grau de significagao que permite os resultados e o questionamento que nos trouxe. A uma primeira acentua9ao que faz em termos da pesquisa e da qual parte, de alguma forma, como rampa de questionamento eo da construgao profissional da doenga que nos traz alembranga a unidimensionalidade (para parafrasear Marc use) da construgao social da doenga. Uma construgao que e feita exclusivamente, ou quase exclusivamente, por um dos profissionais que interagem com o doente.
* Docente do lnstituto Superior de Servi90 Social de Lis boa.
182
Intervcn<;ao Social
Uma segunda acentua~ao respeita aquestao dos efeitos da doen~a relacionando, numa antinomia, a igualdade do acesso e a nao equidade nos resultados no campo da doen~a. E isto numa abordagem hist6rica, numa abordagem diacr6nica que faz o percurso evolutivo e, de alguma forma, a permanencia nesse mesmo olhar, nessa mesma abordagem permite trazer os estudos que a realidade actual, a realidade cientffica portuguesa, nos possibilita e daf que cite os trabalhos de Ant6nio Correia de Campos a que poderfamos juntar, tambem, os contributos de Maria do Rosario Giraldes nas questoes da equidade no acesso aos servi~os de saude. Acrescenta, neste nexo relacional, a gestao da doen~a cronica e uma gestao hegem6nica por parte do corpo medica e, em alternativa, ou em exclusao, do ponto de vista do que e, e nao do que devia ser, (e nesse piano que nos colocamos em termos de pesquisa) uma gestao do quotidiano da vida dos doentes. Prosseguindo no percurso metodologico situamdo-nos agora na hip6tese (hipotese essa que eu lembro que e a prcvcn~ao dos efcitos da doen~a no doente sendo este visto como uma pessoa inserida no meio social e, portanto, nao exclusivamente uma pessoa inserida no campo profissional) a investigadora parte para a caracteriza~ao da inser~ao profissional do doente- (inser~ao profissional do doente que na sua breve apresenta~ao nao permitiu o questionamento que a leitura nos permitira fazer que e, nao s6 a ocupa~ao profissional como tambem a propria forma~ao profissional - reinser~ao profissional na crftica da sua nao modelagem a situa~ao social dos indivfduos em estudo ). Ficaria por aqui relativamente a algumas das questoes do campo da pesquisa. Em termos dos resultados que a pesquisa nos indicia aparece a posi~ao hegem6nica do trabalho e penso que e um questionamento, tanto em termos da abordagem do corpo profissional que interage com o doente, ou dos diferentes tecnicos que interagem com o doente, como a situa~ao que se repercute na inser~ao social do doente que acaba por limitar-se ao campo profissional. E aqui a questao que se me coloca e se esta posi~ao hegemonica nao e reveladora dos poderes da sociedade e se no fundo a pesquisa da Beatriz, pegando num objecto empfrico do domfnio da saude, se a sua inten~ao nao foi trazer-nos os diferentes poderes presentes neste domfnio. E presentes de uma forma que bebem do que e dominante em termos de poderes da propria sociedade e a questao que eu lhe colocaria era se de alguma forma, do seu trabalho, nos nao poderemos extrair, ainda que de forma emergente, ainda que de forma tfmida, sobretudo por parte dos doentes, algo que nos fa~a abrir brecha nesta hegemonia do trabalho enquanto ideologia dominante da sociedade e dos poderes que se revelam como hegemonicos nesta mesma sociedade?
MUNICIPIOS E POLITICAS SOCIAlS EM PORTUGAL (1977 -1989) * Francisco Branco
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A pesquisa «Municipios e Polfticas Sociais em Portugal», teve como objectivos o estudo da institucionaliza<;ao da ac<;ao dos municipios portugueses nas polfticas sociais e a caracteriza<;ao e amilise do perfil das polfticas sociais municipais, vistos na sua rela<;ao com o processo de constru<;ao do Estado Social em Portugal. A orienta<;ao deste estudo relacionou-se com dois contextos particulares. 0 novo protagonismo do poder local em Portugal desenvolve-se em consequencia de um processo alargado de democratiza<;ao da sociedade portuguesa apresentando-se, no ideario jurfdico-polftico e no discurso social, como um espa<;o de autonomia e democracia local e de interven<;ao na melhoria das condi<;6es de vida das colectividades locais. 0 processo de reorganiza<;ao das autoridades locais em Portugal tem lugar num contexto s6cio-hist6rico de crise econ6mica e de reestrutura<;ao do Estado Providencia, em que se articulam varias estrategias, com diferentes acentua<;6es e combinat6rias, designadamente: a privatiza<;ao, a contratualiza<;ao com a sociedade civil, a reorganiza<;ao das rela<;6es entre Estado central e «governos locais». Assim, foram preocupa<;6es da pesquisa, por um !ado, analisar o lugar que a reorganiza<;ao das rela<;6es entre Estado Central e governos locais tem ocupado no processo de reestrutura<;ao do Estado em Portugal e por outro !ado, aferir os processos reais de interven<;ao municipal no domfnio social com o ideal tipo de poder local, considerando igualmente as potencialidades e os limites da ac<;ao municipal na esfera social na perspectiva duma redefini<;ao dos modelos classicos das polfticas sociais pr6prios do Estado Providencia.
'' Este artigo tem par base a pesquisa <<Municfpios e Politicas Sociais em Portugal», apresentacla coma Disserta<;ao de Mesti·aclo em Servi<;o Social e constitui a base da comunica<;ao ao Seminario Investigar o Agir, ISSS, Lisboa. Junho 1994. Licenciatura e Mestrado em Servi<;o Social, docente no Instituto Superior de Servi<;o Social, Lisboa.
Interven~ao
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Social
Perspectivas te6ricas sobre o poder local, sociais
concep~oes
e modelos de politicas
As referencias conceptuais que sustentam o nosso entendimento do poder local reportam-Se as principais perspectivas teoricas I SObre 0 governo local 2. 0 poder local eentendido como Estado local, «Urn poder que eEstado, embora local» 3. Nesta perspectiva importa reter o conceito de Estado local, ou municipal, clarificador do cankter estatal da gestao local (Sposati, 1991 ). 0 poder local econsiderado nao apenas na forma estatal mas, igualmente, nas suas diferentes formas sociais. Enfatiza-se deste modo as rela<;5es entre Estado e Sociedade locais, uma vez que o poder local nao e em si mesmo intrinsecamente democratico. Como destaca Santos ( 1989) «as virtualidades democraticas do poder local residem na sua proximidade a sociedade local, na multiplicidade de mecanismos de participa<;ao, de representa<;ao c de ausculta<;ao que torna possfveis, ... Mas a socieclade local s6 estara proxima do poder local se a organiza<;ao e a representa<;ao dos interesses sectoriais for pluralista e se pucler manisfestar e agir livremente . . . . Na medida em que o poder local factico se for concentrando ... estar-se-a a afastar da sociedacle local, e nessa medicla, por mais forte que seja o pocler local, sen1 forte enquanto pocler, mas sera fraco enquanto local» -~.
Fora m no essencialutilizaclas obras sccundarias que pela sua natureza permitiram recensear e conhccer os aspectos essenciais das principais conccpy6cs em presen~a. Destacamos os trabalhos de John Dearlove ( 1973, 1979), Jeanne Becquart-Leclercq ( 197o) e igualmente, pela sua revisao sintetica das teorias sob re o governo locaL Juan Mozzicafreclclo et al ( 1988). Teve-se igualmente em considen19ao a perspectiva de Castells (1975). Para uma abordagem mais desenvolvida veja-se F. Branco Mwzicfpios e Po!fticas Sociais em Portugal, ISSS, Lisboa (a publicar). ' Como refere Dearlove, duas principais perspectivas tem orientado os estuclos sobre os governos locais. Uma que considera o pocler local como agcncia do governo centraL outra que concebe as autoridades locais como governo aut6nomo (Dearlove. 1973: Parte 1). Na pcrspectiva que entende o poder local como agencia cla Administra9iio CentraL as autoric!ades locais sao concebic!as como estruturas administrativas cuja principal fun9ao ea implementa9ao das polfticas decidiclas pelos nfveis superiores de governo. Assim e o governo central que cletermina as polfticas e orientm;ocs remetenclo-se o governo local asua apliccH;ao as particulariclacles locais. Nesta perspectiva, o controlo central baseia-se: a) na clependencia clas autoridades locais face as transferencias financeiras cla Aclministra~ao Central; /J) na uniformizayao dos servi9os publicos justificada pela necessidade de garantir condi96es de igualclade de acesso a toe! os os cidadiios e em todas as regioes; c) no enquadramento da intcrvenyao autarquica pela legish19ao emanacla do Governo Central (Dearlove, 1973: Cap. 1). Na outra perspectiva. o poder local e entendido como governo aut6nomo (<<local self-government>>), cnquanto instituiyao representativa da democracia exercida pelos eleitores a nfvellocal. Nesta optic a. quer atraves do voto. qucr por via da mediayao dos partic!os politicos, quer ainda atraves dos leaders locais. os cidadaos exercem a sua intluencia na determina9ao das polfticas locais (Oearlove, 1973, Cap. 2). ' Expressao utilizada no texto de referencia do Col6quio «As encruzilhac!as do pocler local>>. Coimbra. 14 e 15 de Julho. 1989. ·' Comunica9ao de abertura do Co16quio «As encruzilhaclas do poder local». 1989. 1
\-Iunidpios c Po!fticas Snciais cm Portugal
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0 Estado local (municipal) e concebido nao como uma agencia do Estado centralmas como uma forma propria de exercfcio do poder, no quadro de um conjunto de rela96es conflituais de autonomia e de dependencia que articulam poder local e Estado central face ao contexto e dinamica da sociedade local e seus agentes. 0 Estado local e considerado nao como um governo reactivo ao contexto local e com um reduzido papcl no processo de decisao politica mas como uma administrayao estatal com capacidade de seleccionar e excluir solicita96es e alternativas que se configuram nas rela96es com a sociedade local (Dearlove, 1973). Assim, no estudo do poder locaL as rela96es Estado locai-Estado central, inscritas numa matriz estrutural biisica. devcm ser examinadas atraves da aniilise concreta, contextual e historicamente situada. no sentido de evidenciar as caracterfsticas e tendencias que estao inscritas nesse relacionamento. Do mesmo modo torna-se necessario analisar especificamentc as caracterfsticas e fun96es das praticas do Estado locaL conferindo as op96cs seleccionadas e exclufdas no uso da autonomia municipal. Importa igualmente considerar o relacionamento Estado local-sociedade local e nomeadamente o posicionamento do poder aut<1rquico face as solicita96es e exigencias cxpressas pelos agentes sociais locais. Focando agora um outro piano que cst<1 no centro das aten96es do nosso trabalho, interessa-nos a articula9ao do Estaclo municipal com os modelos de polftica social. A implantayao c generaliza9ao do We!fctrc State apoiou-se no piano conceptual num modelo de sistemas pzib!icos nacionais de sen·i~·os socais inspirados nas propostas do Relat6rio Beveridge de 1942. Como refere Rosanvallon ( 197 4: 115) «publicado em 1942, Social !nsumnce and Allied Services, serviu de base para construir o sistema britanico mas inspirou muito mais largamente todas as reformas realizadas nos principais pafses depois da segunda guerra mundial. Foi o primeiro documento a exprimir os grandes princfpios da constitui9ao do Estado-providencia moderno» (Rosanvallon, 1984: 115). Visando ultrapassar polfticas focalistas de erradica9ao da pobreza e esquemas parcelares de seguros sociais, Beveridge propoe um sistema universol, un(ficado, un(fomze e centra/i~ado 5. A par dos princfpios da responsabilidade e interven9ao publicas, ambito universalista de ac9ao e orienta9ao redistributiva dos rendimentos que presidem as suas propostas, coexiste um modelo centralizado e uniformizado de presta96es e serviyos sociais suportado na icleia de uma providencia central niveladora. No quadro do Estado Providencia, o lugar e fun96es do «Governo Local»/Pocleres Locais tem-se apresentado de um modo descontfnuo, marcaclo pela forma de interven9ao do Estado e cultura polftica dos diferentes pafses.
5
0 Piano Be1·eridge. Lis boa. Editorial Seculo. s/clata e Rosa111 allon ( 198cl: 115)
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lnterven<;:ao Social
Nos pafses nmte-europeus, em que se implantou o intervencionismo «corporativista», as autoridades locais assumiram competencias significativas no ambito dos servi~os de bem-estar social orientados para o consumo, especialmente a educa~ao, a habita~ao e os servi~os sociais (Loughiln, 1988: 167), casos da Gra-Bretanha, Suecia e outros pafses n6rdicos. Nos pafses de tradi~ao centralista (como a Fran~a) ou de capitalismo semiperiferico (como a Espanha e Portugal), quer sob a fmma democt·atica, quer sob a forma de «regimes desp6ticos modernos», predominou o intervencionismo «estatista» de que a centraliza~ao foi urn vector decisivo, pelo que as autarquias locais nao assumiram competencias significativas na esfera social. Na realidade, em Portugal, anteriormente a Abril de 1974, as autarquias locais estiveram praticamente afastadas de qualquer interven~ao significativa no domfnio das polfticas sociais. Hoje, a homogeneiza~ao e padroniza~ao da oferta de bens e servi~os associados aos programas nacionais e massivos revelou-se claramente nos seus limites, nao s6 pelos efeitos de burocratiza~ao e inadequa~ao da oferta de bens e servi~os as necessidades e pedidos da popula~ao (Fanfani, 1991: 132), como sobretudo pelo defice de equidade alcan~ado. Reconhecida generalizadamente, a crise do Estado Providencia e tambem a crise dos modelos das polfticas sociais classicas e especificamente do paradigma da igualdade de oportunidades. Pensar as polfticas sociais, nao na base do conceito de igualdade, medida pelas oportuniclacles, iguais perante a lei, de acesso a bens e servi~os sociais, mas do ponto de vista da equidade, avaliada pelos resultados em termos de padroes heterogeneos de qualidade de vida, implica reconhecer, como claramente assinala Sposati (1991 ), que «as diferen~as sociais, econ6micas culturais; exigem que se pen se o tema da igualclade corn desigualdade. 0 conceito liberal de igualdade de oportunidacles s6 sera real quando as oportunidades forem desiguais ao contrario do que hoje se verifica. Trata-se de uma discrimina~ao positiva». Na mesma linha de analise torna-se necessaria pensar o geral com o particulm; equacionar diferenciadamente a expressao das necessiclades e aspira~oes: «A identifica~ao precis a de necessidades basicas parece pressupor abordagens centradas em contextos s6cio-comunitarios concretos que permitam a articula~ao das dimensoes «vivida» e «cliferente» como os problemas sao realmente experenciados pelas diferentes comunidades e indivfduos. S6 a essa escala se afigura possfvel analisar a interdependencia concreta entre os aspectos biol6gicos, culturais, psicossociais e econ6micos da existencia humana» Henriques (1990: 24). Esta questao 'p5e o problema da territorializa~ao do sistema de governo. «Ao contrario dos modelos abstractos e homogeneos de respostas, a descentraliza~ao abre a necessidade de heterogeneidade, o que exige a constru~ao de novas formas de obter a unidade. A diferencia~ao social ... exige a constru~ao de padroes alternativos e nao de um padrao ideal homogeneo» (Sposati e Falcao, 1990: 16). Todavia a heterogeneidade nao e aqui vista como fundamento de umafocalizarao clas polfticas sociais, de politicas restritivas na delimita~ao da popula~ao objecto, com riscos de limita~ao da
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universalidade e precarizayao das polfticas sociais publicas, como se sugere em algumas propostas neoliberais, mas antes uma polftica que vise maiores nfveis de equidade social atraves da conjuga9ao de polfticas universais de protec9ao social e ac96es especfficas face a grupos e necessidades concretas (Fanfani, 1991 ). A problematica da satisfayao das necessidades humanas nao se identifica com comportamentos de consumo nem se reduz a presta9ao estatal de servi9os sociais, apresentando-se a participayao individual e comunitaria como condi9ao da diminuiyao da insatisfayao das necessidades das respectivas popula96es (Henriques, 1990). Mas igualmente como via de satisfayao das necessidades humanas de existencia (Falcao, 1979), aprofundamento da cidadania (Dowbor, 1982, 1987) e motiva9ao end6gena, contribuiyao para o processo de desenvolvimento local (Henriques, 1990). Pensar as politicas sociais publicas nesta perspectiva, da heterogeneidade, territorialidade e participa~c7o, coloca como instrumental o conceito de Estado local/municipal. A instancia municipal configura-se como uma forma de aproximar o Estado do quotidiano da populayao. 0 territ6rio local apresenta-se como o locus privilegiado da expressao das necessidades e aspiray6es, como importante sede para uma mais apropriada integrayao e definiyao do perfil das politicas sociais publicas, como mais real oportunidade de controlo e construyao democraticas das ac96es e decis6es de governo. Nesta 6ptica, um processo de descentraliza9ao e reorganizayao do Estado que articule a repartiyao dos recursos publicos e a divisao de trabalho inter-estatal, refor9ando as possibilidades do Estado municipal nao ser apenas uma instancia de administrayao dos pequenos problemas, mas uma instancia governamental efectiva na gestao social (Sposati, 1988, 1991 ), estara criando condi96es institucionais de maior governabilidade e eficacia dos sistemas publicos de servi9os sociais (Fanfani, 1991 ). A descentralizayao pode no entanto tomar diversas orienta96es. Num sentido, visando a valorizayao das funy6es do Estado local na esfera social, assente na transferencia integrada e abrangente de competencias, isto e de servi9os, de poder de resolutividade e de recursos, no quadro de normas e politicas nacionais. Noutra perspectiva, a descentralizayao sera limitada, parcelar e/ou residual quanto ao sistema de competencias sociais transferidas para o Estado local, sem transferencia significativa de poderes e de recursos adequados. No entanto, a re-divisao de trabalho inter-estatal na gestao social nao implica a descaracteriza9ao do Estado central e das suas fun96es mas, antes a sua redefini9ao. Alias, uma articulayao equilibrada apresenta-se, designadamente no terreno das politicas sociais, como a via mais ajustada a garantir o equilibrio entre universalismo e particularismo (Fanfani, 1991 ), a possibilitar, como afirma G. Mello (1989) 6, politi-
6
Citada por (Sposati e Falcao, 1990: 26)
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Interven~iio
Social
cas flexfveis que reconhecem a diversidade dos pontos de partida e assegurem equidade nos pontos de chegada. A polariza~ao localista, que implicitamente se aponta como limite a considerar na interven~ao municipal na esfera da reprodu~ao social, nao e a unica dificuldade que se encerra na descentraliza~ao das polfticas sociais, o que nos devolve de novo a natureza do poder local e reitera a pertinencia da linha de pesquisa que se prossegue. Assim, examinar as polfticas sociais municipais significa analisar quer as formas e o sentido do atendimento as necessidades sociais por parte do Estado local, quer, num contexto mais amplo, o direccionamento das polfticas sociais em Portugal a luz da perspectivas de reestrutura~ao do Estado providencia. Particularmente a divisao do trabalho na gestao do social entre as diferentes esferas do Estado delimetando o actual estatuto autarquico na esfera social. Significa igualmente, observar em que medida as politicas sociais dos municfpios, nao s6 operam uma melhoria das condi~oes de vida das ÂŤcolectividades locaisÂť, mas tambem promovem a democratiza~ao social e polftica. Mais especificamente, que lugar ocupam na gestao municipal na area social, o aprofundamento da planifica~ao democratica e participada das polfticas sociais locais pelos grupos e associa~oes locais, a dcscentraliza~ao da gestao de equipamentos e servi~os para outras entidades publicas ou particulares. E finalmente, permitem ainda, intentar delimitar os mecanismos sociais que favorecem ou limitam essas potencialidades, que no ideario jurfdico-politico se atribuem a instancia local do Estado.
Os municipios portugueses na gestao das politicas sociais publicas : o estatuto autarquico na esfera social 0 actual estatuto autarquico na esfera social em Portugal pode sintetizar-se em duas linhas de for~a essenciais: as atribui~oes municipais na esfera social constituem um conjunto de competencias residuais e suplementares; a participa~ao municipal na administra~ao das politicas a nfvel local reserva aos municfpios um papel consultivo e subalterno. Eessa a conclusao que se retira, quer de uma analise generica do enquadramento jurfdico das atribui~oes autarquicas e orgaos de participa~ao municipal na area social (ver Quadro 1), quer de uma abordagem mais abrangente das atribui~oes municipais na esfera social no quadro da evolu~ao e tendencias das Polfticas Sociais em Portugal. Nao se tratando de desenvolver uma analise detalhada desta questao 7 real~am-se apenas alguns aspectos gerais da analise das competencias autarquicas.
Ver F. Branco.lv!unidpios e Polfticus Sociais em Portugal. ISSS, Lisboa. (a publicar).
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Municipios c Politicas Sociais cm Portugal
Quadro 1 Competencias municipais e orgaos de participat;iio municipalna area social, Portugal, 1990. Segurant;a Social
Saude
Educa<;ao
Competencias ex- Nao consagradas na Centros de saude - Escolas primarias clusivas dos mu- lei (previstos na lei mas - Transportes esconao regulamentado) lares nicipios - Ac9ao social escolar Competencias exercidas em coordena9ao com a Administra9ao Central
Habita<;ao Atribui~ao ta~ao
de habisocial publica
Creches, jardins de Nao consagradas na Jardins de infancia Varios program as do cnsino pre-es- (vcr Quadro 4) infilncia, e lares para lei idosos (por meio de colar acordos com os Centros Regionais de Seguranqa Social
Diplomas legais re- D.Lei 11. 0 77/84 gulamentares
D.Lei 11. 0 77184
-D. Lei 11. 542179 - D.Lei 11. 797/76 - D.Lei n.o 77184 - D.Lei n.o 77184 - D.Lei n. o 299/84 - Outros - D.Lei n.o 399-A/94 0
0
Orgaos de participa- - Nao existcm a - Comissao Consul- - Conselhos consul- Nao existcm tiva de Sat1cle tivos em alguns 9ao na administranivellocal <;iio das politicas so- - Conselho Regiograus de ensino e varios outros orciais a nivel local nal de Segunm9a gaos (ver nota 76) Social Diplomas legais re- - D.Lei n. 26/83 gulamentares 0
0
Desp. Nonnativo - D.Lei 11. 542179 0 - D.Lei 11. 299/84 11. 97/83 - D.Lei n.o 399-A/84 0
0
0 perfil das politicas de ac~ao social que se tende a fixar consagra uma divisao de trabalho de gestao social entre o Estado central e a sociedade civil amargem dos municfpios. 0 Estado preserva como suas atribuic;oes fundamentais a administrac;ao de prestac;oes sociais, os programas especializados e a assistencia eventual e emergencial. A sociedade civil, atraves de organizac;oes confessionais e comunitarias, assegura a criac;ao ea gestao de equipamentos e servic;os sociais com base em convenios (ou nao) com os servic;os estatais de seguranc;a social. Aos municfpios e cometido um papel suplementar quer no que se refere aos equipamentos, quer no tocante aprestac;ao de servic;os e outras modalidades de acc;ao social.
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Interven~ao
Social
A re-divisao do trabalho social processada pelas politicas de saude caminha da esfera publica para a esfera privada e nao privilegia a descentralizayao no interior do sistema publico, numa repartiyao de atribuiy5es e partilha de poderes entre o Estado central e as autarquias municipais, delimitando urn papel supletivo dos municfpios na administra9ao de cuidados de saude primarios e especialmente na area da educayao para a saude. A orienta9ao prosseguida a nivel das politicas de educa\ao, embora se venham perspectivando formalmente novas atribui9oes e responsabilidades por parte dos municfpios, vem adiando a descentralizayao efectiva das novas competencias e privilegiando, numa estrategia informal e individualizada, a proposta de colaborayao financeira dos municfpios em materias da responsabilidade do Estado central, sem que se processe uma redistribui9ao de funy5es entre a Administra9ao Central e a Administrayao Local na gestao do sistema educativo. No que se refere aos mecanismos institucionais locais de administra<;iio das poUticas sociais nao existem ao nfvellocal mecanismos de administrayao global das politicas sociais, nem dispositivos de coordena9ao da actuayao do Estado central com os municfpios e as organiza9oes da sociedade civil. A fragmentayao sectorial e a norma. Os modelos organicos diferenciados. No que se refere aSeguran\a Social, a administra9ao local da politicas publicas de acyao social e cometida aos Serviyos Locais dos Centros Regionais de Seguranya Social 8, estruturas corn estatuto de delega9ao e qualidade de terminal do sistema. Nao existem a nfvellocal orgaos que assegurem a participayao das entidades e institui9oes locais 9. Apenas a nivel regional esta consagrada a existencia de Conselhos Regionais de Seguran9a Social. A situayao dos municfpios no ambito dos Conselhos Regionais de Seguran9a Social e deste modo uma situa9ao de paridade institucional com diferentes parceiros e agentes sociais, em que a legitimidade polftica autarquica se dilui entre representay5es e interesses bem diferenciados.
s Os Centros Regionais de Seguranp Social sao estruturas desconcentradas, da Sccretaria de Estado da Social. Os Servi~os Locais tem i\mbito concelhio ou intermunicipal, agrupando varios concelhos. 9 0 princfpio cla participa~ao est<\ consagracla na Lei orgfmica do Sistema de Seguranya Social - Decreto-Lei n. 0 549/77 de 31 de Dezembro. No Art. 29. 0 estabelece-se: ÂŤA participa~ao institucionalizacla das associa~6es sinclicais e outras organiza~5cs de trabalhadores. das autarquias e comunidades locais, das institui~ocs privadas de soliclariedade social nao lucrativas e ainda de outras enticlades interessadas no sistema unificado de seguran~a social e assegurada. atraves de tuna estrutura especffica. nos diferentes niveis organicos do sector>>. Seguran~a
Municfpios e Polfticas Sociais cm Portugal
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A administra<;ao local das polfticas de Saude e exercida pelos Centros de Saude enquanto estruturas terminais do Servi<;o Nacional de Saude, na dependencia das Administra<;5es Regionais de Saude. Na organica dos Centros de Saude 10 esta prevista a existencia de uma ÂŤComissao Consultiva de SaudeÂť com competencias de acompanhamento da gestao, apresenta<;ao de propostas e pareceres sobre a actividade do centro de saude e dinamiza<;ao do corpo de voluntarios. Nestes orgaos de participa<;ao, o estatuto autarquico e igualmente de paridade institucional com representantes de entidades locais. Na area da Educa\ao, o actualleque de competencias e um importante interven<;ao autarquica nos domfnios da educa<;ao nao formal e ac<;ao s6cio-educativa delimitam um campo de actua<;ao municipal que nao tem correspondencia com o papel atribufdo ao poder local na administra<;ao do ensino. Ate ao presente, a participa<;ao autarquica no sistema educativo tem sido bastante reduzida tendo apenas como canais o assento da Associa<;ao Nacional de Municfpios no Conselho Nacional de Educa<;ao e a presen<;a, nem sempre concretizada, nos conselhos consultivos dos orgaos de gestao pedag6gica das escolas e centros de educa<;ao pre-escolar 11 â&#x20AC;˘ Os municfpios tem hoje uma participa<;ao limitada na administra<;ao da educa<;ao embora se perspective um aprofundamento do papel atribufdo as autarquias locais apesar de nao !he ser reconhecida interven<;ao privilegiada em rela<;ao a outros agentes locais. 0 seu alcance e efectividade dependem do modelo que vier a ser consagrado para a administra<;ao das escolas e do sistema educativo a nfvel local. A analise dos mecanismos institucionais locais de administra<;ao das polfticas sociais permite assim concluir que o papel atribufdo aos rnunicfpios eno essencial consultivo, sern correspondencia corn a dirnensao e irnportfmcia das fun\Oes efectivarnente assurnidas pelas autarquias locais e pouco consentaneo corn a legitirnidade dernocratica de que estao investidas face a outros agentes locais. As polfticas sociais publicas em Portugal, caracterizadas, ate ao infcio da decada de 80, por um importante papel regulador do Estado na consagra<;ao e universaliza<;ao de direitos sociais e na presta<;ao de bens e servi<;os sociais, sao a partir de entao progressivamente marcadas pela conten<;ao da despesa social e pela redu<;ao dos servi<;os estatais e pelo importancia crescente da privatiza<;ao e contratualiza<;ao da
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0
Ver Despacho Normativo 11. 97/83, de 22 de Abril- Regulamento dos Centros de Saude. Os centros de Saude tem ambito municipal ou sub-municipal. 11 Na verdade as Camaras Municipais integram outros 6rgaos de administra~ao do sistema educativo designadamente os Conselhos Consultivos da Acqao Social Escolar e dos Transportes Escolares cuja responsabilidade lhes esta cometida. Participam ainda nas comissoes de obras e Conselhos de Manuten~ao do Patrim6nio Escolar, 6rgaos estes que tern uma limitada relevancia. Yeja-se (Matos, 1990).
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lnterven~ao
Social
regula~ao social corn sectores da sociedade civil. Assirn, o perfil das polfticas sociais que se tende a fixar consagra urna divisao de trabalho de gestao do social entre o Estado central e a sociedade civil que rnarginaliza os rnunicfpios, configurando-se deste modo urn estatuto autarquico na esfera social restritivo e nao potenciador do desenvol virnento social local. Na rnatriz juridico-institucional a descentraliza~ao na esfera social em Portugal e claramente lirnitada, quase nao aconteceu .... Ainda assim, a pratica estatal, sob diversas formas, acentua o seu caracter difuso e ambiguo. Nurn piano nao aplicando a lei (como acontece com a nao regularnenta~ao das competencias transferidas, nos procedimentos de enquadrarnento financeiro das novas atribui~oes sociais, na nao cria~ao ou deficiente funcionamento dos orgaos de participa~ao, ... ). Noutro piano, prosseguindo uma descentraliza~ao ah doe, propondo aos municipios ac~5es de alargamento do seu campo de actua~ao na esfera social fora de um processo integrado de divisao inter-estatal de trabalho na gestao social.
Pode concluir-se que o enquadramento juridico das atribui~oes municipais em Portugal perspectiva a interven~ao autarquica na esfera social como competencias suplementares. No essencial, aos municipios nao compete o provimento obrigat6rio dos bens e servi~os garantidos pelas politicas sociais publicas, mas apenas a ac~ao, ÂŤfacultativaÂť suplernentar a interven~ao dos servi~os do Estado central e de organiza~oes da sociedade civil, as quais tem sido progressivamente atribuido o estatuto de pat"Ceria e cornetido o papel substitutivo. A interven~ao autarquica acaba sendo nao apenas suplementar mas tambem supletiva, o que decmTe menos do quaclro juriclico estabeleciclo do que clas caracterfsticas e da eficacia atingicla pelas polfticas sociais publicas concretizaclas pelo Estaclo central. A insatisfa~ao das necessidades sociais emergem no quotidiano e expressam-se no territ6rio, confrontando o Estaclo local e a sua capacidacle de resposta e compromisso comas necessidacles locais. Como clestaca Sposati (1988. 133) o confronto entre o legal e o legitimo e uma clas condi~oes estruturantes cla ac~ao dos servi~os sociais municipais). Desta forma, a interven~ao autarquica na esfera social fica entao cleterminada pelas concli~oes de exercfcio do pocler autarquico no nosso pais e pelos projectos politicos particulares. Atribui~oes
autarquicas e condi~oes da autonomia municipal
Na verdade, se a interven~ao autarquica na esfera social e clelimitacla pelo enquaclramento juridico das atribui~oes municipais nos clomfnios sociais e pelo papel reservaclo as autarquias locais nos mecanismos de aclministra~ao clas politicas
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sociais a nivellocal, e tambem determinada pelo actual estatuto autarquico em Portugal, no quadro mais geral das rela<;:i5es entre os municipios e o Estado central. Neste piano, das rela<;:i5es Estado central-municipios, a existencia de mecanismos e instrumentos que garantam a autonomia financeira e um vector decisivo na cria<;:ao das condi<;:i5es de exercicio do poder autarquico. Como assinalam Ruivo e Veneza ÂŤUm dos pantos fulcrais da descentraliza<;:ao reside na capacidade de financiamento e na autonomia financeira. Sao estas que subjazem e dao consistencia a autonomia politica do Poder Local ao desembocarem na elabora<;:ao, aprova<;:ao e altera<;:ao de pianos de actividade, na mobiliza<;:ao dos recursos atribufdos por lei as autarquias, na realiza<;:ao de despesas e gestao do patrim6nio. Sem umas nao existe a outra, podendo globalmente vir a perder-se a capacidade de interven<;:ao que caracteriza os entes descentralizadosÂť (Ruivo e Veneza, 1988: 18). Este e, igualmente, segundo os resultados da pesquisa CIES/ISCTE, o panto de vista expresso pelos Presidentes das Camaras. Na aprecia<;:ao dos autarcas, as dificuldades financeiras constituem o principal bloqueamento a autonomia municipal. Elemento aferidor da efectividade do processo de descentraliza<;:ao e a participa<;:ao das autarquias na despesa publica, pelo que, para alem do confronto dos mecanismos formais que consagram a reparti<;:ao dos recursos publicos entre os diferentes niveis do Estado , importa medir designadamente, o comportamento das transferencias financeiras da administra<;:ao central para os municfpios e a tributa<;:ao fiscal a nfvellocal pois sao estes dois vectores que sustentam, decisivamente, a capacidade de interven<;:ao municipal. Analisando, com base no Quadro 1-A (Anexo), as transferencias financeiras do Estado (FEF) 12 para os municfpios, podemos constatar que, entre 1980 e 1989, se registou uma evolu<;:ao continuamente decrescente da participa<;:ao das autarquias municipais na despesa publica, verificando-se uma redu<;:ao de 8,5% em 1980 para 4% em 1989, o que se traduz numa redu<;:ao superior a 50%. Esta deste modo sobretudo em questao o padrao de distribui<;:ao dos recursos pub1icos entre o Estado central e local. Analisando o comportamento dos impostos locais verifica-se que o dispositivo de financiamento local tem vindo a ampliar progressivamente o leque dos impostos arrecadados pelos municfpios, o que tem contribuido para o crescimento das receitas municipais provenientes da tributa<;:ao fiscal. No entanto, o crescimento, em valores absolutos, dos impostos locais nao produziu altera<;:i5es marcantes na estru-
12 As transferencias financeiras do Estado central para os municipios nao se reduzem ao FEF. Fundo de Equilfbrio Financeiro, mas no perfodo considerado representam cerea de 95'7c do total das transferencias (Antunes, 1987: 126).
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tura das receitas municipais como permite observar o Quadro 2-A (Anexo ). Registe-se que. a estrutura de receitas locais em Portugal, confere as transferencias financeiras um dos valores mais elevados no contexto dos paises europeus nos quais estas sao relativizadas pela imporU'incia significativa dos impostos locais, como se pode observar no Quadro 3-A (Anexo). Ora a experiencia portuguesa, e de muitos outros pafses tambem, mostra que as transferencias estao sujeitas a flutua96es diversas, sao mais sensiveis aconjuntura politica e econ6mica nao garantindo um padrao crescente ou constante de participa9ao local na despesa pl!blica. Assim, a capacidade de gerar recursos pela tributa9ao local e que sustenta mais efectivamente a autonomia financeira, e tambem politica e administrativa dos municfpios, e amplia a sua capacidade de financiar os encargos sociais, independentemente do car::lcter das atribui96es legais nesta esfera de actividade. Em sintese, verifica-se que os municfpios nao tem vis to aumentar o seu peso na estrutura de dcspesas do Estado e no Produto Nacional.
A interveiH;ao municipal na esfera social na visao dos autarcas: os autarcas e os modelos de regula~ao social Para uma am1lise mais compreensiva das politicas sociais municipais, e pertinente examinar o ponto de vista dos autarcas sobre a interven9ao municipal na esfera social. Neste sentido referim~s de seguida alguns elementos tendo por base resultados do nosso estudo sobre a Area Metropolitana de Lisboa 13 . Uma atitude favonivel, nalguns casos a reitera9ao da sua absoluta necessidade, caracterizam a posi9ao generalizada dos autarcas face atransferencia para os municipios de novas competencias na area social. Uma aceita9ao condicional no entanto, que parece justificada pelas contingencias que tem marcado o processo de descentraliza9ao em Portugal e especificamente nos sectores sociais. Du as condi96es fundamentais se destacam no depoimento dos autarcas. Uma necessaria: a concretiza9iio do processo de regionaliza9ao do pafs. Outra, requisito absoluto: que novas responsabilidades sejam acompanhadas de recursos adequados.
' A pesquisa foi dcsenvolvida com base num conjunto diversificado de tecnicas de obscna<;ao: enrreris11/s esrrurumdas aos autarcas dos 16 municfpios da Are-a Metropolitana de Lisboa, rcsponsaveis pelos Sen路i~os !v!unicipais de Ac<;ao Social. Educa~ao e Saude. e nu m inqueriro por admini.slm(clo direcra a tecnicos dos serl'i<;os rcfcridos. Estas entrcvistas foram complementadas com a consulta directa de documentayao municipal. designadamcnte Pianos de Actividades e Or~amentos anuais das Cimaras ivlunicipais: Pianos de lntcrven<;ao Social quando cxistcntes: Regulamcntos c Estruturas dos Servi9os iv!unicipais: Estuclos gcrais c de caracteriza9Jo social dos concelhos: Recenseamentos clos Agentcs Sociais Locais. publica<;6es informativas municipais. etc. A pcsquisa de campo foi concrctizada entre o -1. J trimestrc de 1989 c o 2.J trimcstre de 1990. 1
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Condi9ao fundamental para o aprofundamento do processo de descentralizayao, de transferencia para os municipios de novas responsabilidades, a regionaliza~ao e apontada com acentLJay6es diferenciadas. A reparti9ao de responsabilidades entre varios nfveis da administrayao publica esta subjacente e e tida como facilitadora das rela96es entre munidpios e servi9os regionais mas, e a necessidade da institucionalizayao de um poder autarquico regional que substitua as estruturas desconcentradas da Administra9ao Central que ocupa o centro do discurso e autoriza que se afirme que, designadamente para os autarcas da CDU, ea regionoliza~"ilo e nilo a nwnicipaliz.a~'i/o que se apresenta como objecto privilegiado de reivindica~'i/o polftica, como o «poder local que falta» 14 • No que se refere as novas competencias nas areas sociais a atribufr aos municipios, os autarcas enumeraram um conjunto diversificado de dominios senclo no sector da Educayao que se regista o maior numero de propostas. Constata-se igualmente que as propostas enumeradas se enquadram, regra geral, numa linha de gestao corrente, de continuidacle da intervenyao municipal nas <1reas sociais e nao ultrapassam, de um modo geral, as actividades e iniciativas que ja vem em regra sendo praticadas pelos municipios, ainda que se situen1 para a! em cla esfera de competencias que legalmente lhes esta cometida. Quanto a sua natureza, as novas competencias apontadas enquadram-se maioritariamente nas areas tradicionais de actua9ao autarquica, is to e, na produ~ao e conserva~ao de equzjJamentos colectivos, surgindo com menor relevancia os vectores da prestaf·clo directa de servi~os sociais e da administra~"ilo dos sistemas (incluindo a fun9ao de assessoria e apoio tecnico, ... ) de servi9os publicos na area social. Na sua maioria, os autarcas nao reivindicam um outro papel do municipio nesta esfera de interven9ao, aceitando de algum modo a secundariza~ao a que sao remetidos pelo poder central no dominio das politicas sociais, e que se objectiva no actual estatuto autarquico na esfera social, como atras se analisou. Confirma-se assim o estatuto autarquico no domfnio social, na representa9ao e expectativa dos autarcas, como um poder compensat6rio, assistencial, que ajuda, ... desempenha uma parte, mas secundaria e fragmentacla, regra geral. Este posicionamento dos autarcas nao apresenta diferencia96es significativas por via dos partidos politicos em que se filiam apresentando-se pois como uma questao de caracter supra-partidario. Nao obstante esta representa9ao dominante, alguns eleitos em numero pouco significativo, e do mesmo modo, de diferentes quadrantes politicos, enfatizam claP Expressao que titula a obra de Lufs Sa, destacado dirigente comunista e especialista em quest6es do poder local e regional «Regi6es Administrativas, o poder local que falta» (1989).
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rarnente a necessidade de urna rnaior participacrao autarquica na adrninistracrao dos sisternas publicos de educacrao, saude e segurancra social (accrao social). Urn aspecto que perrnite cornpreender rnelhor, as politicas sociais rnunicipais e o posicionarnento dos autarcas ea explicitacrao de responsabilidades que nao deverao ser cometidas as autarquias rnunicipais. Estas verificarn-se sobretudo na area da saude. As justificacroes avancradas sao no entanto pouco desenvolvidas e rernetern genericamente para a cornplexidade do sector. Este posicionamento parece confirrnar a <ifalta de voca~ao» dos munidpios portugueses para a presta~ao de servif'Os sociais ea sua maior apetencia para a constru~ao e conserva~ao de equipamentos. Note-se que, na sua rnaioria, os autarcas que defenderam a conveniencia e adequacrao da rnunicipalizacrao de novas responsabilidades na area da saude se reportaram a «construcrao e conservacrao dos centros de saude». Apenas num caso foi preconizada a prestacrao de cuidados de saude primarios corno competencia municipal. 0 exame de novas competencias municipais na esfera social faz ernergir corno vector analftico relevante a quesHio da regionaliza\ao. Neste contexto, a valorizacrao das funcroes a exercer pelos governos regionais tern como contra-face a relativa conformacrao corn a sub-alternidade da accrao municipal na esfera social e a subvalorizacrao do papel dos municipios no desenvolvimento social. Se parece claro o peso das determinaf·oes pollticas na prioriza~tio da regionaliza~tio surgem como menos evidentes as razoes da suba/terniza~ao municipal, a nao ser por uma representacrao cultural hist6rica. Avancramos a hip6tese de que a maioria dos autarcas parece associar um modelo de polfticas sociais fundado num padrao ideal homogeneo e nivelador, proprio do Estado-providencia «classico», estruturado em «Sistemas Nacionais», corno (mica forma de garantir a universalidade e equidade na resposta as necessidades sociais, com uma concepcrao de desenvolvimento propria ao paradigma «funcionalista», privilegiando a intervencrao institucional e central no que respeita aos «consumos colectivos» em detrimento de processos territoriais e informais de satisfacrao de necessiclacles (Henriques, 1990: 47) 15 •
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Conforme a conceptualizaqao avan~ada por (Henriques, 1990), o paracligma «funcionalista>> assenta cm pressupostos de <<difusao espacial do desenvolvimerltO>> eo planeamento regional econceptualizado como instrumento adcquado ~~ defini~ao das grandes reclcs de infraestruturas e equipamentos. Mais especificamente. no clomfnio que nos intcressa. na extensao as areas perifcricas da clemocratiza~ao clas condiqoes de acesso a bens e servi~os sociais existcntes nas areas centrais por forma a garantir a uniformiza<;ao dos «Standards>>. Segundo o autor «a tcoria do descnvolvimento regional bascia-se fortemcnte no papcl da intcnen~ao publica institucionalizada e centralizada no que rcspeita it intcrven~fro estatal na rirea clas infra-estruturas e da satisfa9ao das necessiclacles sociais (consumo colectivo)>> (Henriques. 1990: 47).
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Os autarcas, no seu posicionamento face a interven9ao municipal na esfera social, revelam, na sua maioria, uma relativa conforma9ao coma subalternidade do estatuto autarquico na esfera social. Nao s6 pm¡que nao enfatizam o alargamento das esferas de competencia municipal no dom!nio social, mas tambem pm¡que nao perspectivam um lugar de maior relevancia na administra9ao das pollticas sociais a n!vel local. 0 discurso dos autarcas sobrc os 6rgaos de participa9ao na administra9ao a nlvel local das polfticas sociais publicas e na maioria dos casos pouco elaborado. A exigencia de constitui9ao, funcionamento regular, e/ou reforma desses 6rgaos nao ocorre de modo significativo 10 â&#x20AC;˘ A iniciativa quando existe orienta-se para a viabiliza9ao de formas expeditas de contacto e colabora9ao, modalidades directas de relacionamento entre Municfpio e entidades publicas, a prop6sito de projectos e/ou problemas pontuais. A gestao expedita substitui-se a procura dos mecanismos que confiram substancia e transparencia institucional ao papel dos munidpios. Como que a ineficacia e desajustamento destas estruturas se ajusta ao actual estatuto autarquico na esfera social e se encaixa no actual estadio de desenvolvimento das pollticas sociais municipais. 0 distanciamento e esvaziamento do Conselho Regional de Seguran9a Social conjuga-se com a irrelevancia das fun96es autarquicas neste sector das polfticas sociais e o limitado investimcnto publico na polltica de ac9ao social. A ineficacia e dispersao das Comissoes Consultivas de Saude joga com o papel subalterno que os cuidados de saude primarios desempenham na actual polltica de saude. As particularidades da gestao institucional do sistema educativo, com graus significativos de autonomia, designadamente na esfera pedag6gica, potenciam um relacionamento mais estreito entre a Escola e o Municfpio compensando desajustamentos claros entre as responsabilidades autarquicas ea sua participa9ao na administra9ao do sistema. Em s!ntese, podera afirmar-se que se os municfpios tem sido mantidos a margem do processo de reformula9ao da divisao do trabalho de gestao do social, tal conflui, da orienta9ao estrategica imprimida as politicas sociais no nosso pals mas, tambem, do posicionamento das principais for9as sociais presentes na direc9ao dos munidpios. Para a maioria destes actores sociais abrangidos pelo nosso cstudo. a divisao
'" Ao longo das !6 entrevistas ocorre apenas uma rcferencia a iniciativa autarquica no sentido da cria~ao e funcionamento de 6rgaos de participa~ao, no caso a <<Comissao Consultiva de Saude>>. Refira-se igualmentc que apesar das limita~oes de funcionamento dcstes 6rgaos. as respostas dos autarcas as perguntas respeitantes a participa~iio municipal nestas instiincias, ainda que nao uniforme, nao deixa de revelar algum alheamento.
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de trabalho deve operar-se privilegiadamente entre o Estado central e as Regioes administrativas a criar.
A dinamica da gestao autarquica na esfera social e a perspectiva da territorializa~ao das politicas sociais Corn base nos resultados da nossa pesquisa, tendo por amostra os municfpios da Area Metropolitana de Lisboa, abordaremos alguns aspectos das politicas sociais municipais que constituem outros quantos desafios que a descentraliza~ao das politicas sociais coloca aos municfpios. Embora, ate ao presente, nao se registe urn direccionamento social e politico articulado, no sentido de conferir urn estatuto de maior relevi'mcia aos municfpios na gestao das politicas sociais, verifica-se que, em Portugal, a partir de 1986 (IV mandata autarquico), os servi~os sociais municipais apresentam urn significativo padrao de institucionaliza~ao, revelado quer no piano formal, pela existencia de servi~os pr6prios, quer na vertente tecnica, pelo apetrechamento em recursos humanos especializados nas areas sociais. Nos municfpios portugueses, os encargos sociais, revelam, nos ultimos quinze anos, apesar de urn contexto de austeridade fiscal, uma maior organicidade com as contas municipais 17 . No entanto, e apesar do seu caracter nao consolidado, a despesa social municipal comprova a secundaridade dos servi~os sociais nas polfticas municipais a par de um lugar de relevo no or~amento autarquico de outros sectores de exercfcio legal nao obrigat6rio 18 â&#x20AC;˘ As politicas sociais municipais tem sido ate hoje em Portugal sobretudo politicas de equipamento, como comprovam o inventario das realiza~oes sociais e a analise da despesa social dos municfpios 19 â&#x20AC;˘ Este perfil essencial das polfticas sociais municipais reitera-se, no depoimento dos autarcas, na enumera~ao de novas competencias nas areas sociais a atribuir aos municfpios
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Ver grafico I (Anexo). Regista-se concretamente uma crescente importancia dos encargos eo m o sector cla cultura e clesporto. na maioria dos casos a ocupar um lugar importante no or~amento autarquico (Quadro 4-A- Anexo). Esta orienta~ao parece confinnar que as autarquias locais valorizam cacla vez mais a dimensao polftica e icleo16gica cla reproclu~ao das rela~oes sociais locais. investinclo numa area com caracter <<facultativo>> masque confere ao pocler localuma margem cl~ manobra que outros sectores nao autorizam (Aballea. 1989). 19 Nos municfpios da Area Metropolitana de Lisboa ( 1986/89), 47'7c da despesa municipal de ecluca~iio ensino basico. e realizaclo corn a constru~ao de equipamentos escolares. Do mesmo modo, 52.7'7c cla clespesa municipal de ac~ao social clestina-se aconstru~ao de equipamentos por promo~ao municipal ou at raves clo apoio aconstrw;ao de cquipamentos pclos Agentes Sociais Locais (Quaclros 5-A e 6-A- Anexo). IX
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Sem prejufzo da positividade dos programas de constru~ao e beneficia~ao de equipamentos escolares e de apoio a famflia e popula~ao idosa que os municipios na sua generalidade desenvolveram nos primeiros mandatos autarquicos, designadamente face ao contexto de carencias em infra-estruturas sociais que entao se verificava, a sua continuidade e perspectiva~ao como nucleo estrutural das polfticas sociais autarquicas sugere que se assinale a existencia de uma perspectiva equipamentista do social. Esta visao, ao focalizar a satisfa~ao das necessidades sociais, no acesso aos equipamentos colectivos, opera uma funcionaliza~ao do social nao confirmando as potencialidades estrategicas do poder local para introduzir uma nova atitude de interven~ao na esfera da reprodu~ao social na qual se amp lie, igualmente, o poder de controle social da popula~ao. A analise das polfticas sociais municipais revelou, em conjuga~ao com uma primordial centrada na constru~ao de equipamentos, vias divergentes de ac~ao, refmpnclo ou nao vectores estrategicos ao desenvolvimento local. orienta~ao
A orienta~ao predominante adoptada para a gestao dos equipamentos sociais construfdos pelos municfpios no sentido de atribuir a administra~ao dos equipamentos aos agentes sociais locais, inscreve-se numa via de descentraliza~ao e autonomiza~ao de grupos sociais potenciadora da participa~ao individual e comunitaria (Quadro 7-A- Anexo); Apesar do caracter limitado e compensat6rio da ajuda financeira, o apoio aos agentes sociais locctis, quer no que se refere a constru~ao de equipamentos quer relativamente a presta~ao de servi~os sociais, funciona como contributo para o aprofundamento das solidariedades locais, motiva~ao cnd6gena e contribui~ao para o processo de desenvolvimento local e diversifica~ao das formas publicas de atendimento as necessidades sociais. A importancia que progressivamente vem assumindo os projectos e acfoes de cm¡acter educativo e promocional (Quadro 8-A - Anexo ), pela incidencia das dimensoes end6genas e de territorialidade, contribui para uma maior integra~ao e adequa~ao das polfticas sociais e podera conhecer mais efectividade a medida que se supere o caracter descontfnuo e relativamente pouco estruturado no quadro do desenvolvimento social local que estas ac~oes ainda revelam. A presta9ao de servi9os sociais directos pelos municfpios s6 ocorre com caracter pontual, o que constitui nomeadamente uma restri~ao ao desenvolvimento de ac~oes focalizadas em grupos especfficos de maior vulnerabilidade numa perspectiva de discrimina~ao positiva de oportunidades. Em contraste com a constru~ao de equipamentos sociais este domfnio nao e entendido como um campo de voca~ao municipal privilegiando os municipios o apoio a administra~ao de servi~os sociais
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por agentes locais, que mobilizam, concomitante e primordialmente, recursos do Estado central atraves da celebra~ao de convenios de coopera~ao, designadamente na area da ac~ao social. Em casos relativamente pontuais, os municfpios asseguram a presta~ao directa de servi~os sociais quer por iniciativa propria quer atraves de acordos de pm路ceria com servi~os da Administra~ao Central c organismos particularcs de caracter social. Esta ultima modalidade esta na base do alargamento dos domfnios de presta~ao de servi~os sociais pelos municfpios sobretudo atraves da cria~ao de algumas estruturas de apoio social a grupos vulnen1veis e de risco. Os procedimentos de estudo e diagnostico da situaf{io social dos municipios apresentam um caracter pouco desenvolvido e primordialmente centrado no levantamento de redes de equipamentos sociais e avalia~ao das taxas de cobertura da popula~ao abrangida, revelando-se assim um vector limitativo do conhecimento de climens5es essenciais das necessidacles e aspira~5es sociais no territ6rio municipal. A fraca relevancia das compethzcias transferidas para as Freguesias (Quadro 9-A - Anexo) comprova, nesta area, um processo restrito e incipientc de descentraliza~ao no interior do Estado local, o que constituiu uma limita~ao a um processo de desenvolvimento sociallocalmais participado c democratico aos nfveis da decisao c da ac~ao.
0 poder autarquico face
asociedade civil na
intcrverH;ao no dominio social
Uma ultima dimensao de ana!ise dcsenvolvida no nosso estudo rcporta-se as estabelecidas entre o podcr autarquico e a sociedadc local no quadro da interven~ao municipal na area social e em particular, os processos de consulta e participa~ao dos agentcs sociais locias na planifica~ao e execu~ao das polfticas sociais a nfvellocal. Nestc piano, verifica-sc que as formas organizadas e regulares de consulta e participa~ao dos agentes sociais locais estao rclativamente ausentes e quando existentes, se trata ainda de formas embrionarias, limitadas apenas a alguns sectores e/ou ainda sem existencia formal e/ou funcionamento regular. Alias, na verdade, o que se regista nalguns casos e nao a cria~ao e funcionamento de 6rgaos de participa~ao c consulta dos grupos e entidades particulares locais, mas sim a implementa~ao de estruturas mistas de agentes sociais e servi~os locais da Administra~ao Central, 6rgaos c servi~os autarquicos 20 . rela~5es
'" Podem referir-se como exemplos: Comissao Para a Pcssoa Dcficientc: Comissao Municipal de ldosos: Comissao Municipal Para a Infi\ncia: Grupo de Trabalho Para a Educac;ao c Ensino: Grupo de Trabalho Para a Alfabetizac;ao de Adultos .
Municfpios c Polfticas Sociais cm Portugal
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A existencia e funcionamento destas estruturas (de qualquer forma, como foi referido, em numero reduzido e de caracter sectorial) revestir-se-a sem duvida da maior importancia, nomeadamente ao criar condi96es de maior articula9ao e integra9ao de recursos e ac96es, e ao oportunizar experiencias de «parceria», de ac9ao convergente de servi9os estatais, autarquias e associa96es locais, funcionando tambem, curiosamente, como uma forma de compensa9ao da subalternidade da participa9ao dos municipios na administra9ao das polfticas sociais ao nivel local. Estas instancias, encerrando as virtualidades ja apontadas, poem no entanto a sua enfase mais na coordenaqao social do que na participaqao e conferem maior protagonismo aos 6rgaos polfticos e tecnicos das autarquias e aos servi9os locais do Estado central e muito menos oportunidade de uma interlocu9ao com a sociedade civil. Assim, uma reduzida ocorrencia de formas organizadas e regulares de consulta, comprovam, os limites da planifica9ao democratica e participada das politicas sociais locais pelos grupos e associa96es locais, revelando, que na actual fase da vida municipal em Portugal, os municipios valorizam sobretudo a sociedade-providencia, produtora de servi9os sociais e subalternizam a sociedade politica, gestora e interferente na defini9ao das ac96es e prioridades do Estado local. Apoiam a solidariedade no seio da sociedade mas nao dcsenvolvem e aprofundam a democracia. A analise das entrevistas aos autarcas, dos inqueritos aos servi9os municipais e da documenta9ao municipal recolhida, revela a existencia de rela96es preferenciais dos municipios com algumas associa96es 21 . Como elementos nao sistematicos que sustentam este ponto de vista, refiram-se a existencia de associa96es apoiadas de uma forma regular e significativa e outras que o nao sao do mesmo modo; a apresenta9ao por alguns Servi9os Municipais, quando inquiridos sobre os agentes locais intervenientes no territ6rio municipal, de listagens incompletas ou de declara96es do tipo «estes sao aqueles com quem a Camara tern mais rela9ao ... »; a revela9ao de conflitos latentes ou expressos com algumas associa96es locais. No entanto, mesmo na ausencia de um estudo mais sistematico, e possivel perceber na interven9ao autarquica a existencia de dinamicas mais integradoras e dinamicas mais excludentes. Registaram-se nomeadamente diferen9as sensiveis na avalia9ao pelos autarcas da utilidade das associa96es religiosas, o que pode ser tomado, mormente nos municipios dirigidos por for9as polfticas com um outro nucleo ideol6gico de referencia, como um indicador de experiencias de relacionamento pluralista e de ac9ao convergente com a diversidade dos agentes sociais locais.
!t Segundo John Dearlove ( 1973: I55) a posi~ao do poder autarquico face aos grupos locais edeterminada pela avalia~ao da utilidade da ac~ao dos diferentes grupos, pela proximidade polftica das associa~oes a ideologia dos autarcas e pelos metodos de expressao das solicita~oes e exigencias par parte dos agentes sociais locais.
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0 relacionamento do poder aut<'irquico corn os agentes sociais locais e, no estadio actual, atravessado por culturas e formas de legitima~ao contradit6rias. Num sentido revela-se a existencia de urn «clientelismo autarquico», noutro sentido estruturam-se praticas referenciadas a uma cultura polftica democratica em que as rela~oes de poder silo mediadas pelo reconhecimento dos direitos dos agentes sociais locais enquanto parceiros sociais. Estes diferentes elementos evidenciam que existe um caminho importante a percorrer no sentido da intensifica~ao da rela~ao das autarquias locais com a sociedade civil locale do aprofundamento dos rnecanisrnos dernocraticos de participa~ao e decisao local. No sentido afinal, que Boaventura Santos 22 assinala, da confirma~ao das virtualidades democnlticas do poder local, assentes na proximidade asociedade local e na multiplicidade de mecanismos de participa~ao, de representa~ao e ausculta~ao. Em conclusao, podemos referir que, as politicas sociais municipais em Portugal apresentam um grau crescente, mas ainda reduzido, de institucionaliza~ao como parte integrante das politicas sociais publicas, como revelam, um tempo de implanta~ao dos servi~os sociais mais lento do que o verificado para a maioria dos servi~os municipais e a secundaridade da despesa social nos encargos municipais. Mas a importancia das ac~oes suplementares e supletivas concretizadas pelos municfpios evidenciam claramente o desfasamento do actual estatuto institucional autarquico na esfera social. A gestao autarquica na esfera social vem revelando uma dinamica que se articula clivergentemente com a perspectiva de territorializa~ao das politicas sociais, ora confirmando as potencialidades que se !he atribuem, ora revelando claramente os seus limites em praticas que reproduzem os modelos tradicionais e centrais do Estado providencia classico. Assim, a cria~ao de condi~oes para o aprofundamento das politicas sociais municipais exige claramente a revisao do estatuto institucional (que configura o municfpio como agente governamental suplementar para as politicas sociais), mas coloca tambem a questao da capacidacle instituinte e de inova~ao por parte dos municipios. As potencialidades de transforma~ao nao residem s6 na rela~ao com o pod er central (enquanto espa~o on de se tem que definir condi~oes basicas aautonomia locale o desenho das polfticas sociais centrais), mas tambem, no sentido programatico e op~oes seleccionadas pelas politicas prosseguidas pelos municfpios, na inova~ao dos modelos de polfticas sociais e na pratica de relacionamento com a sociedade local.
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Comunica~ao
de abertura do Col6quio «As Encruzilhadas clo Poder Local», Coimbra. Julho de 1989.
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DOWBOR, Ladislau ( 1987)- P!aniflcarc1o centm! e regional, Sao Paulo, Brasiliense. FALCAO, M. Carmo (1979)- Scn•i('O Social -wna nom l'isc1o ter5rica. 3." edi~ao re vista, Sao Paulo, Cortcz & Montes. FANFANL Emflio ( 199!)- Pobre;a s· Poiftica Social: M!is alia dei neoassistencia!ismo, in El Estado Benefactor- Un Paradigma en crisis. Buenos Aires, Miiio y Davila Editores. HENR!QUES, J. Manuel (!990)- Munirfpios e Desmm!l'imento. Lis boa, Escher. LOUGHILN, Martin (I 988) <<Socialismo municipal nu m cstado unit<1rio>>, Re1•ista Crftica de Ciencias Sociais, n. 0 25/26, Coimbra, Centro de Estudos Sociais. pp. I63- I85. MATOS. Ant6nio (l990J - <<A Lei de Bases do Sistema Educativo e as Autarquias Locais>>. Educa(·r!o c Ensino, Se tubal. AMDS. n. 0 I. I990. pp. 46-50. MELLO, Guiomar (1986)- PresSllpostos pam a municipali~arao do ensino de 1. 0 gnw. in Municipalismo. Orestes Quercia (org.), Sao Paulo. I986, CEPASP-Cidade Press, pp. I20/129. MORAlS, lsaltino (I 988)- O.flnanciamento das autarquias locais, c Dcscnvolver a Administra9ao Local>>, Lisboa, CCRLYT.
Comunica~ao
ao Seminario <<Modernizar
MOZZICAFREDDO et al. (1989) - Gestc1o e iegitimidade no sistenw politico local, Lis boa, Escher, I99 I. PORT AS, Nuno (I 988) - «Problemas c!a descentraliza~ao>>, Re1•ista Cftica de Ciencias Sociais, n. 0 25/26. Coimbra, Centro de Estudos Sociais, pp. 61-78. ROSANY ALLON, Pierre (1984)- A crise do Estado Pr1Jl'idencia. Lis boa, Inquerito. RUIVO, Fernando e VENEZA. Ana (1988)- <<Seis Questoes pelo Pocler Local», Rn·ista Cftica de Ciencias Sociais, n. 0 25/26, Coimbra, Centro de Estudos Sociais. pp. 7-20. SANTOS, Boaventura S. (I 989)- Comunica91io de abertura ao col6quio Encmj/hadas do poder local. Coimbra, Centro de Estudos Sociais, Julho I989. SPOSATI, Aldaiza (1988)- Vida Urbana e Gestc1o da Pobre;a. Sao Paulo, Cortez Eclitora. SPOSATI, Aldaiza ( 199 I)- Desccntm/i;acion y Cu!tura lnstitucional. policopiado. SPOSATI, Aldaiza e FALCAO, M. Carmo (1990)- A assistencia social bmsi!eira: descentra!i~ar·ao e numictjHili;arc1o. Sao Paulo, EDUC
204
lnterven~ao
Social
ANEXO Quadro 1-A Transferencias da Administra~i\o Central (FEF) para os municfpios sobre as despesas do Or~amento Geral de Estado, Portugal, 1979/1990 (pre\OS correntcs /milhares de contos)
Anos
FEF (1)
1979
22 300
1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990
30 132 34 814 40 300 46 472 51 497 65 000 78 304 89 500 91 200 107 640 128 400
Varia~ao
Taxa de
FEF
infla~i\o
35 0 15.7 15.8 I5.4 10.8 26.3 20.5 14.3 19 16.5
16.6 20.0 22.4 25.5 29.3 19.3 11.7 9.4 9.7 12.6
19.3
13.4
Despesas OGE(2)
(1)/(2)
355 048 440 045 560 352 720 585 90 I 326 1210677
8.5 7.9 7.2 6.3 5.7 5.4 4.9 4.7 4.2 4.0
1 596 086 I 908 163 2 172 178 2 654 560
fonte: FEF: Finan~as Municipais e Or9amento Geral de Estado; Despesas OGE: 1980/87 (Mozzicafred do et al. 1988 b): 1988/90- Or9amento Geral de Estado. Legenda: FEF - Funclo de Equilibrio Financeiro - Transferencias do Estado para os municipios segundo dot<wao do OGE: OGE - Or9amento Geral de Estaclo
Quadro 2-A Fontes do financiamento local (%)
lmpostos Transferencias Emprestimos Total
80
81
82
83
84
85
86
19 75 6
19 68 13
24 62 14
20 66 14
20 74 6
20 73 7
72
100
lOO
lOO
100
lOO
lOO
lOO
Fonte: (Porto. 1988) [transcrito de Campos, 1988: 1171
20 8
Municfpios e Politicas Sociais em Portugal
205
Quadro 3-A Transferencias e impostos locais - Europa 1986 (%) Pafses Luxemburgo Sui~a
Suecia Espanha Noruega R.F.Alemanha Fran9a Dinamarca Belgica Reino Unido Grecia Irlanda Portugal Italia Holanda
Transferencias
Impostos locais
84.5 84.4 68.3 61.2 58.9 53.4 53.0 44.0 40.7 39.3 36.3 20.5 18.7 5.3 94.7
15.5 5.6 31.7 38.8 41.1 46.6 47.0 56. 59.3 60.7 63.7 79.5 81.3 94.7 5.3
Transferencias gerais ou afectas Fonte: Les Politiques de Subventions aux Coilectivites Locales, Conselho da Europa. 1986 [elaborado a partir de (Morais, 1988) ].
GRAFICO 1 Evolw;iio percentual da despesa social dos municfpios em Portugal, 1979/1988 (%)
20
15
10
- - - - - - - - - T - - - - - - - - - -.- - - - - - - - - -.- - - - - - - - - -
--â&#x20AC;˘-AML
--- __ _;_ ______ j~J~[ ----D--e"""""'' ------ --;0_-----;_-------- -!--------- _;~----;---------: I
5
r
' I
~~:::~=:;;¡~--
'
'
I~~
I
----- -------- -,---------- r"--------- T--------I
~-
I
I
"1
O+--------r------~r-------1--------+--------r-------~
1979
1980
1982
1983
1986
1987
1988
Fonte: Finan9as Municipais 1979, 1980, 1981182, 1983, 1986, 1987, 1988, Direc9ao Geral da Administra9ao Autarquica
206
lnterven~ao
Social
Quadro 4-A Despesas municipais orcamentadas, 1986/1989, Municipios da Area Met;opolitana de Lis boa(%) Despesas Sociais por sectores Ano
Cultura e Desporto
Servi\;OS Sociais
Educa~ao
A. Social
1986
9,3
12,5
10.4
1,9
1987 1988 1989
8.8 12.8
9.6
1,5
8,2
1.6
13.4
11.4 9.8 7.9
6A
1,3
Media
11,1
10,4
8,6
Sa tide 0,2 0,3 0.1 0.2
1,6
---路-
- - ,_
0,2 --
.
-
Fonte: Pianos de Actividadcs das Camaras Municipais 1986, 1987, 1988 e 1989. Area Metropolitana de Lis boa
Quadro 5-A Estrutura da despesa municipal de
educa~ao-
Ensino Basico, AML, 1986/89 (%)
Despesa
%
Ediffcios cscolarcs Material clidactico Transportes escolares Acr;ao social escolar Apoio a actividades pedag6gicas Expediente e limpen Outras ckspesas
47.0 6.0 :14.3 5.0 3.2 2.0 2,5
Total
100,0
Fonte: Pianos de Actividades clas Ci\maras Municipais 1986. 1987. 1988 e 1989. Area Metropolitana de Lisboa
Quadro 6-A Estrutura da despesa municipal de ac\;fiO social, AML, 1986/89 (o/c) Despesa
%
Equipamento de promor;ao municipal Financiamento de equipamento promoviclo por Agentes Sociais Locais Apoio financeiro ao funcionamento de Agentes Sociais Locais Projectos eclucativos e promocionais Outros projcctos
40.3 12.4
Total
10,0
23.3 9.0 15.0
Fontc: Pianos de Activiclades clas G\maras Municipais 1986. 1987. 1988 e 1989. Area Metropolitana de Lisboa
:207
lvlunicipios c Politicas Sociais cm Portugal
Quadro 7-A Modalidades de gestao de equipamentos sociais construfdos pelos municfpios, Area Metropolitana de Lisboa, 1989 (%) Modalidades Municipal Atribufda a agentes sociais Atribufda a entidades p(tblicas Concedida a entidades privadas
Prepond.
P. signif.
Niio
N. resp.
0 9-1 38 0
5 0 3! !9
69 0
6 6 6 6
Fonte: Entrevistas aos Autarcas Responsavcis pelos sectores da
Ac~ao
25
75 Social.
Educa~ao
e Saudc. AML !989.
Quadro 8-A Projectos e ac<;oes de canicter educativo e promocional, AML, 1979/89 Ac<;oes de preven<;iio da doen<;a e promo<;iio da saude - Campanhas de vacimt~ao e saude infantil - Programas de saude materna - Educa<;ao alimentar - Preven~ao de doen<;as cardio-vasculares, cancra e tabagismo - Preven<;ao da SIDA - Educa<;ao ambiental e Projecto ÂŤCidades Saudaveis>> - Preven<;ao da deficiencia - Preven<;ao da toxicodependencia lnterven<;iio face a grupos em situa<;iio de risco ou vulnerabilidade - Projectos cle !uta contra a pobreza - Interven<;ao face a crian<;as em situa<;<ies de risco - Apoio arecupera<;ao de jovens toxicodependentes - Programas de anima<;ao sociocultural e lazer para idosos - Projecto de melhoria das condi<;<ies habitacionais de idosos - Sensibiliza<;ao para a problenuitica da popula<;ao idosa e dos deficientes Ac<;iies de anima<;iio s6cio-educativa e promo<;iio do sucesso educativo - Actividades de sensibiliza<;ao/inicia~ao: leitura, infonm\tica, musica, cxpressao dramatic a, clan<;a, , ,, no Ensino Primario - Programa de educa<;ao ffsica e desporto escolar no Ensino Primario -PIPSÂŁ. Programa Integraclo de Promo<;ao do Sucesso Educativo - Projecto ECO: anima~ao s6cio-eclucativa e liga<;ao escola-comunidacle Ac<;iies de forma<;iio de base e forma<;iio profissional - Cursos de educa<;iio de base para adultos - Ac<;6es de forma<;ao profissional para jovens e adultos Programas de forma<;iio de professores, agentes educativos, tecnicos e pessoal das institui<;iies sociais - Forma~ao de professores do Ensino Primario - Expressao plastica, Musica, Patrim6nio, Ambiente, Educa<;ao Ffsica, . , , l - Apoio aos Polos de Fonna~ao Continua de Professores - Apoio Projecto Minerva- Forma<;ao de professores e introdu<;iio da infonm\tica no ensino - Forma<;ao de tecnicos de cduca<;ao das IPSS (creches, jardim de infilncia e ateliers de tempos livres) - Forma<;ao de tecnicos e pessoal das IPSS Fonte: Questiomirio aos Servi~os Municipais de Ac<;ao Social, Educa<;ao e Saude, Area Metropolitana de Lisboa, 1990.
Intervcn~;ao
208
Social
Quadro 9-A Competencias na area social transferidas pelos municipios para as Juntas de Freguesia, Area Metropolitana de Lisboa, 1990 Fun~oes
N.o
- Gestao de Equipamentos Sociais (centros de dia para idosos e equipamentos para infi\ncia- Creches, Jarclins de Inffincia/ /Ateliers de Tempos Livres) - Apoio logfstico e financeiro aos Agentes Sociais Locais (Associa~oes de Idosos)
3
Area Ae<;ao Social
Educa~ao
e Ensino
-
Sal1de
Conserva~ao e manuten~ao das Escolas Primarias (pequenas rcparar;oes) Funcionamento das Cantinas Escolares Atribuir;ao de subsfdios regulares para despesas de limpeza, material e expediente Apoio as iniciati vas pcdag6gicas cl as escolas Organizar;ao dos transportes escolares Apoio aadministrar;ao da acr;ao social Gestao de bibliotecas escolares
- Gestao de pequenas uniclades de saude de promor;ao municipal (posto medico)
2
9 2 I 4 2 2 1
I
Fontcs: Entrevista aos autarcas responsaveis pelos pelouros cla Ac~ao SociaL Educar;ao e Saude, Area !VIetropolitana de Lisboa. 1989 e Questiom\rio aos Servir;os Municipais de Acr;ao Social, Educar;ao e Saucle, Area Metropolitana de Lisboa. 1990
COMENTARIO MUNICIPIOS E POLITICAS SOCIAlS EM PORTUGAL Pelo Prof Doutor Jose Ant6nio Pereirinha
1
Estou muito grato pelo convite que me dirigiram para participar neste Seminario. Considero que esta iniciativa se reveste de grande importancia, e e extremamente louvavel, ao permitir divulgar, para um publico alargado, os resultados de investiga~ao sobre Polftica Social em domfnios muito diversifieados. A investiga~ao em Ciencias Sociais, e em particular a investiga~ao sobre polftica social, e ainda escassa no nosso pafs, e nao e demais real~ar, e louvar, a importancia desta iniciativa que traduz, de forma inequfvoca, o dinamismo do Instituto Superior de Servi~o Social na investiga~ao social, bem patente na diversidade e qualidade dos trabalhos apresentados e discutidos ao longo destes tres dias de trabalho intenso. Era bom que outras escolas do Ensino Superior seguissem este exemplo.
Eparticularmente grato para mim poder comentar um trabalho tao interessante como e o que aqui foi apresentado pelo Dr. Francisco Branco. Quando se pede a alguem para comentar um trabalho cientffico espera-se uma atitude crftica do comentador, com isso contribuindo para acrescentar qualquer coisa de valido ao que o autor apresentou. Nao sei se irei ser crftico, nesse sentido academico do termo. Mas gostaria, desde ja, e como ponto de partida para o meu comentario, de salientar a grande importancia e actualidade do tema (e tambem a sua complexidade ), ao situar-se no contexto da discussao actual sobre as transforma~oes recentes do Estado-Providencia ea redefini~ao do papel dos actores sociais, quer do Estado aos seus varios nfveis (central, regional e local), quer dos actores privados, e as articula~oes que entre si se estabelecem. De facto, a forma como o Dr. Francisco ' Professor Associado com Agrega9ao do Instituto Superior de Economia e Gestao (Universidade Tecnica de Lisboa)
210
Intcrvcn~ao
Social
Branco aborda o tema coloca questoes que ultrapassam, na forma como sao apresentadas, a estrita am'ilise do papel dos municfpios na politica social em Portugal. Gostaria de, sobre elas, fazer incidir a minha aten~ao. E nesse sentido, farei referencia a tres grandes tendencias que tern vindo a verificar-se, em geral em toda a Europa (refiro-me aos pafses da UE) e tambem em Portugal no que respeita ~~ organiza~ao da polftica social. Em primeiro lugar, a redu~ao do papel do Estado como agente produtor e/ou financiador dos servi~os sociais, o que vulgarmente designamos por privatiza~ao, e que assume diferentes formas: (i) remeter para agentes privados o papel de produtores desses servi~os, continuando o Estado no papel de financiador, tendo em vista uma maior racionalidade e eficiencia na presta~ao desses servi~os; (ii) a propria redu~ao do papel financiador do Estado na provisao de servi~os sociais, correspondendo a necessidade de conten~ao de despesas publicas. Em qualquer dos casos, uma maior eficiencia e menos despesas publicas sao frequentemente acompanhadas de perdas de equidade, reduzindo a acessibilidade dos grupos sociais mais vulnen'iveis aos servi~os sociais fundamentais. Em segundo lugar, a descentraliza~ao das fun~oes do Estado, assumindo igualmente formas diversas. Por um !ado, atraves do refor~o da regionaliza~ao da Administra~ao Central tendo em vista uma maior eficacia das polfticas sociais sectoriais. Por outro lado, atraves da transferencia de competencias da Administra~ao Central para a Administra~ao Regional e Local corTespondendo, pelo menos teoricamente, ao velho (e recentemente recuperado) princfpio da subsidiaridade, a actua~ao ao nfvel mais elevado so se justificando quando estivessem esgotadas as possibilidades de actua~ao ao nfvellocal, mais proximo das necessidades da popula~ao. Em terceiro lugar, o refor~o do papel do desenvolvimento local como espa~o privilegiado para a resolu~ao de problemas sociais, quer na sua dimensao economica quer na sua dimensao estritamente social, ou em ambas, com iniciativas locais de resolu~ao de problemas da pobreza, envolvendo agentes/actores sociais ao nfvel local, estimulando potencialidades de interven~ao desses actores (publicos e privados) e respondendo as necessidades fundamentais da popula~ao, particularmente sentidas ao nivellocal, e como resposta a heterogeneidade espacial dessas necessidades.
Eneste contexto mais alargado que surge a contribui~ao do trabalho de investiga~ao levado a cabo pelo Dr. Francisco Branco, a proposito do papel dos municfpios na politica social em Portugal havendo, a meu ver, dois temas centrais que vale a pena real~ar como leitura pessoal do seu trabalho.
Municfpios e Politieas Sociais em Portugal
211
0 primeiro tema diz respeito a rela\ao entre o principio da subsidiaridade e o papel da descentraliza\ao na operacionaliza\ao politica desse princfpio. Se, a meu ver, e corol<irio 16gico, na operacionaliza\aO desse principio, urn importante papel dos municfpios, como verdadeiros agentes do poder locaL a realidade em Portugal nao e bem essa tal como, a meu ver, o trabalho do dr. Francisco Branco ilustra, ao analisar, e muito bem, diferentes areas da polftica social. A progressiva transferencia de competencias da Administra\aO Central para os municipios, ap6s a Constituiyao de 1976, e apesar da cria9ao de instrumentos financeiros para a sua viabiliza\aO (previstos na lei), a pratica tem demonstrado que aos municipios tern sido atribufdo um papel subalterno, supletivo, da ac9ao da Administra\ao Central e dos agentes privados, e suplementar dessas ac\oes. Adescentralizayao, como princfpio mientador definido na legisla\ao, contrapoe-se a clesconcentrayao administrativa como earacteristica da aetua9ao dos municfpios na pnltiea da politica social ou, como o autor refere, "ha uma divisao de trabalho na ac9ao social entre o Estado e a sociedade civil, a mm路gem dos municipios", remetidos estes ultimos para um papel de realizayao de investimentos (para cuja rcsponsabilidadc o Estado Central transfere competencias), sem eviclenciar real poder de dccisao nas politicas sociais. A insuficiencia dos instrumentos financeiros, manifestada pclos autarcas, a par da progressiva transferencia de competencias da Administra\ao Central para a Administrayao Local, leva a que esta transferencia assuma o caracter de desresponsabilizayao do Estado Central nas politicas sociais, o que justifica o peso decrescente das despesas sociais dos municfpios. Desvirtua-se assim o princfpio da subsidiaridade, e essa desresponsabiliza\ao vai a par de tendencias liberalizantes consubstanciada no movimento de privatizayao dos servi\OS sociais. Por outro !ado, a independencia do poder local (isto e, 0 verdadeiro exercicio do poder local) e fortemente condicionada pela dependencia financeira relativamente as transferencias de fundos da Administrayao Central - evidencia empirica para a tendencia para a centraliza\ao administrativa, que remete a actua9ao dos municipios para a esfera da desconcentra9ao e nao de verdadeira descentralizayao, de onde as dificuldades sentidas (e superadas com grandes dificuldades) em responder as dinamicas das populayoes em termos da satisfayao das necessidades por elas sentidas. 0 segundo tema, que a leitura do trabalho do Dr. Francisco Branco suscita, e o da articulayao dos municfpios com outros actores sociais, articula9ao essa deficiente, e bem evidenciada no trabalho do autor. A ausencia de nfveis intermedios entre a Administra\ao Central e a Administra9ao Local (isto e, a ausencia de regionaliza\ao) permite questionar sob re a dificuldade de articula9ao entre diferentes nfveis de poder politico conduzindo a subalterniza\ao do papel dos municfpios na sua capacidade e poder de interven9ao. Por outro !ado, permite-nos questionar sobre o caracter marginal de interven9ao dos munidpios na polftica social no que respeita a articulayao coma Administra9ao Central onde, nos seus 6rgao regionais, os muni-
212
lnterven~ao
Social
cfpios aparecem como mais um actor social a ser ouvido, ao inves de um papel mais interveniente que parece desejavel. As formas de colaborac;;ao corn a Administrac;;ao Central traduzem-se frequentemente na construc;;ao de equipamentos (muitas vezes ditadas pelas dinamicas sociais da populac;;ao, outras vezes em resultado de pressoes do poder central - isto sem ausencia de conflitualidades em alguns casos entre a Administrac;;ao Central e a Administrac;;ao Local). Finalmente, o papel do partenariado dos municfpios, em termos de apoio financeiro, tecnico e infraestrutural, nao de verdadeiros agentes da polftica social ao nfvel local em muitas iniciativas de importancia social, como eo caso (embora seja aspecto nao abordado no trabalho do autor) de projectos de !uta contra a pobreza. Creio ser possfvel concluir que, nao obstante as alterac;;oes legislativas recentes, continua a dominar o modelo centralista da administrac;;ao da polftica social em Portugal. 0 fraco desenvolvimento do poder dos municfpios vai a par corn o caracter muito limitado que assume a polftica social em Portugal, apesar do caracter avanc;;ado dos direitos consagrados aos cidadaos, quer na Lei fundamental quer na legislac;;ao corrente. Isto e, nao pode desligar-se o estudo dos municfpios na polftica social da questao, mais geral, da intervenc;;ao do Estado na polftica social. Neste aspecto, considero o trabalho apresentado pelo Dr. Francisco Branco, pelo rigor metodol6gico seguido, como um contributo de grande valor para o esclarecimento destas questoes.
0 ESTADO, A SOCIEDADE EA QUESTAO DA HABITA(:AO EM PORTUGAL -1974-1976 0 DIREITO DE HABITAR
Marflia Andrade*
PREAMBULO Este artigo que articula direitos e politicas sociais, propoe uma analise crftica sobre o movimento para o reconhecimento e o exercfcio do direito ahabita9ao e a cidade em Portugal. Baseado numa pesquisa realizada para dar corpo adisserta9ao de mestrado (1), retoma alguns aspectos dessa disserta9ao. A pesquisa teve como objecto de investiga9ao: - 'A relayao entre os movimentos de !uta pela habita9ao, desencadeados pela populayao economicamente insolvente da Area Metropolitana de Lisboa (AML) e o Estado Portugues safdo do 25 de Abril de 1974.' Pretendeu-se compreender e explicar a natureza e o significado social e politico do movimento de !uta dos moradores dos bairros de barracas da AML e compreender e explicar a natureza e o significado social e politico do programa de iniciativa estatal SAAL, no contexto das relay5es sociais geradas entre o Estado e a sociedade civil, no perfodo compreendido entre o 25 de Abril de 1974 e Outubro de 1976. Na pesquisa, concebeu-se a relayao entre o Estado e os movimentos sociais como um processo dinamico, complexo, contradit6rio e conflitual em que tomaram particular relevancia as alteray5es conjunturais e estruturais.
* Cl
Mestre em Servi~o Social. Professora no Instituto Superior de Servi~o Social de Lisboa. Disserta~ao de mestrado apresentada na Pontificia Universidade Cat6lica de Sao Paulo, em Outubro de !992, perante tun juri constituido pelos Professores Doutores M." do Carmo Falcao (orientadora), Vicente Paula Faleiros e Luis E. Wanderley.
214
Interven~ao
Social
Procurando entender a conjuntura e a estrutura em momentos temporais considerados, procedeu-se ao enquadramento s6cio-hist6rico dos fen6menos e da globalidade dos processos em amllise. Contextualizou-se o movimento de m01路adores e descobriu-se o espa~o urbano como locus de contradi~oes e conflitos entre diferentes for~as sociais, polfticas e econ6micas. Considerou-se o Estado como gestor da articula~ao complexa dos interesses das diversas frac~oes de classe e das diferentes for~as sociais percebendo, no processo de elabora~ao da polftica social de habita~ao, os factores intervenientes e o peso relativo dos sujeitos implicados. A ousadia de realizar em 1992 uma investiga~ao sobre direitos e polfticas sociais, recaindo num perfodo tao controverso e proximo da nossa hist6ria, foi urn desafio arriscado e interessante. Tomaram-se como base os 'dados' reco1hidos atraves: da observa~ao e amllise s6cio-urbanfstica dos bairros; de diagn6sticos sobre situa~oes e condi~oes de vida dos habitantes; de entrevistas a moradores, tecnicos e decisores polfticos; da 1eitura de documentos da epoca produzidos por fontes diversificadas. Reduziu-se o risco assumido na elabora~ao do trabalho, suportando-o em constru~oes te6ricas e am1lises de urn conjunto de autores, alguns dos quais se destacarao ao longo deste artigo. Convem sublinhar que as praticas de !uta dos m01路adores dos bairros de lata da cidade de Lis boa (197 4/197 6) precederam e ultrapassaram, as reflexoes te6ricas e polfticas dos analistas e circunscreveram-se em torno de dois objectivos concretos: o direito a 'uma casa decente' e o direito de habitar no 'sitio' onde ja moravam.
1 - Algumas referencias aQuestao da Habita\ao, dos Direitos e da Interven\ao do Estado no Final dos Anos 60 - Inicio dos Anos 70 0 desenvolvimento do capital industrial e financeiro e o incremento do sector secundario em Portugal no final dos anos 60, gerou um novo ciclo econ6mico-social com repercussoes a todos os nfveis nomeadamente no domfnio do urbano. 0 surto de industrializa~ao pos em evidencia o problema da reprodu~ao social da for~a de trabalho. Segundo os dados do INE o operariado industrial urbano atingia em 1970, 32% da popu\a~ao activa. A concentra~ao da industria e da mao-de-obra nos centros urbanos, com incidencia na regiao de Lisboa colocam corn particular acuidade a questao da habita~ao nesta mesma regiao. As carencias em alojamento e equipamentos sociais, mobilizam as aten~oes de diversos grupos da sociedade civil e de alguns sectores da socicdade polftica.
0 Estado, a Sociedade c a qucstao da
habita~ao
em Portugal
215
Estes grupos, com interesses e posi96es politicas diversas, demonstravam convergencia na aten9ao direccionada para o problema da habita9ao, no reconhecimento de que ao Estado competiria uma maior participa9ao na cria9ao/realizayao de condi96es de produ9ao e reprodu9ao da for9a de trabalho, na necessidade de uma politica habitacional coerente a ser coordenada pelo Estado. Das conferencias e encontros entao realizados destacam-se, pela importancia que tiveram no momento e pelas repercussoes posteriores: o «Col6quio sobre Politica de Habita9ao», promovido em 1969 pelo Ministerio das Obras Publicas e realizado no Laborat6rio Nacional de Engenharia Civil, em Lisboa, nas vesperas das elei96es legislativas e, mais tarde, o Ill Congresso da Oposi9ao Democratica (Aveiro- 1973). 0 Col6quio de 69 constituiu o primeiro debate publico sobre a politica habitacional do Estado Novo promovido pelo proprio Estado. No relat6rio final do Col6quio pode encontrar-se a seguinte referencia: «Cada agregado familiar necessita de uma habita9ao. Desta evidente necessidade decorre o conceito do direito ao alojamento que, sendo um direito, deve sera todos garantido pela colecti vidade sob a responsabilidade do Estado (... ). Ede unanime reconhecimento que a ac<;ao do Estado tem de ser intensamente incrementada.» Interessa ainda referir como resultantes do Col6quio, a publica9ao da Lei de Solos (1970), a cria9ao da Empresa Publica de Urbaniza9ao de Lisboa (EPUL) e da Secretaria de Estado da Habita9ao e Urbanismo acontecida em 1971. Este conjunto de medidas poderia fazer crer numa polftica intervencionista do Estado em favor da habita9ao social. Na verdade o Governo ficou-se mais por proclamayi5es legais e de inten96es do que por pniticas concretizadoras. A Lei de Solos, do agrado dos sectores industrial e financeiro e dos promotores imobiliarios, chocou com os interesses dos proprietarios fundiarios e com o imaginario colectivo do «valor da propriedade privada do solo». Acabou por nao servir de suporte a um planeamento urbano e regional e por nao desbloquear terrenos para a constru9ao de habita9ao e infraestruturas urbanas em quantidade suficiente para reduzir a especula9ao sobre os terrenos e baixar os custos finais da constru9ao. A situa9ao habitacional e urbanistica agravou-se consideravelmente. A produyao legal (produ9ao licenciada) foi escassa e dominada pelo sector privado. Efectivamente pode verificar-se atraves das estatisticas oficiais que 95% dos fogos foram construidos pelo referido sector. De uma forma sintetica, com base nos dados do I Recenseamento Geral da Habitayao (INE) e em dad os do Piano a Medio Prazo (1977 -80), pode resumir-se a situayao, no inicio dos anos 70, como sendo a seguinte: De um total de 2 224 020 familias (correspondendo a 9 milhoes de habitantes) 31 110 (1 ,4%) familias viviam em barracas, 552 345 (24,8%) viviam em sobre-ocupa9ao e 66 175 (3%) viviam em situa9ao de co-habita9ao.
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lnterven~iio
Social
Se a estes numeros somassemos a quantidade de familias que viviam em fogos sem qualquer equipamento (agua, electricidade, esgotos, instala~oes sanitarias) concluirfamos que o deficit de alojamentos em 1970, no continente, se aproximava dos 700 mil. A grande maim·ia das familias mal alojadas situava-se nos grandes centros urbanos, com particular incidencia na Area Metropolitana de Lisb~a (AML). A polftica de promo~ao publica de habita<:;ao, da competencia do Fundo de Fomento de Habita<:;ao (FFH) a partir de 1969 e projectada em termos de grandes aglomera<:;oes habitacionais - os Pianos Integrados - situados estrategicamente em zonas territoriais consideradas p6los de desenvolvimento a privilegiar, nao chegou a ser concretizada senao de forma incipiente. 0 FFH construiu, entre 1969 e 1974, cerea de 2 000 fogos dispersos por todo o pafs. Re1embra-se que no Ill Piano de Fomento se previa para o perfodo compreendido entre 1968 e 1973, a constru<:;ao pelo Estado, de 49 430 fogos. Este conjunto de factores tornou a situa<:;ao particularmente gravosa para as famflias de fraca solvencia.
0 III Congresso da Oposi<:;ao Democratica, realizado em 1973 em Aveiro, conforme dissemos, denunciou nao s6 as graves condi<:;oes de alojamento em que vivia grande parte da popula<:;ao trabalhadora nos grandes centros m·banos, mas tambem a ausencia de uma polftica de habita<:;ao consequente. A par da preocupa<:;ao de democratiza<:;ao e reestrutura<:;ao do aparelho de Estado, e reivindicada a resposta as carencias de habita<:;ao e equipamento ("). Considera-se tambem particularmente significativo que seja preconizado «(. .. ) o incremento da participafiiO das populafi5es no Pfaneamento Urbana e Regional e em todas as decisoes que lhes dizem respeito. !! Convem recordar que estas posi<:;oes surgem no cenario polftico e social de «abertura, moderniza<:;ao e liberaliza<:;ao» C) do governo de Marcelo Caetano que, sem alterar no essencial a polftica e o regime herdados, tentava dispersar contradi<:;oes sociais e polfticas e promover o desenvolvimento econ6mico e social. Eexactamente neste contexto social, econ6mico e polftico que podemos situar a emergencia de um movimento conceptual estruturador de uma polftica social inovadora no domfnio da habita<:;ao. Na confluencia da realidacle e da utopia, explorando o campo do possfvel a partir de uma rela<:;ao tensional com o existente, gera-se um movimento instituinte. Agregam-se icleias que viriam a constituir a base da cria<:;ao de um Servi<:;o 0 SAAL, que analisaremos mais adiante.
() ()
Ver Portas ( 1986); Sergio Lopes (s/cl); Leitao ( 1978); F. Ferreira ( 1990). Yer J. M. Pereira (1976 e 1979).
0 Estado. a Socicdade e a qucstao da habitaqao cm Portugal
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Interessa reter que essas ideias, potencialmente produtoras de transforma9oes socio-urbanfsticas, aliceryam-se em ideais de democracia, na contesta9ao das desigualdades oficialmente ocultadas e no reconhecimento das duras condi9oes de vida dos mal alojados. Apoiam-se na constata9ao da existencia de uma polftica habitacional e urbanfstica discricionaria e espoliadora, de uma administra9ao publica centralizada, centralizadora e ineficaz. Aqui se situam, em nosso entender, elementos significativos da genese do movimento pelo reconhecimento do direito de habitar. Mas o direito ao alojamento reclamado no Col6quio de 69, a democratiza\iio da sociedade e a participa\iio das popula\oes nas decisoes que lhes dizem respeito, reivindicada pelos participantcs do III Congresso da Oposi9ao DemocrMica teria que esperar por um momento socio-hist6rico que tornando possfvel a altera9ao da matriz polftico-organizativa do Estado, viabilizasse novos projectos sociais e politicos. Os direitos de cidadania, o dircito aos direitos, os direitos sociais, integram-se numa conccpyao de praxis social, ancorada numa «Visao de mundo» (Goldman, L. 1970) que nada tcm a vcr com as praticas politicas do Estado de Salazar e Cactano. Efcctivamcntc, em Portugal, nao cstavam nem scqucr garantidos os dircitos civis c politicos caractcrfsticos dos Estados libcrais do sec. XIX. Os dircitos sociais, culturais c ccon6micos que complctam o quadro dos direitos de cidadania, tem sido nas socicdades ocidentais progrcssivamcntc conquistados c ampliados, principalmentc atraves de lutas sociais, em momcntos conjunturais detcrminados (Marshall, T.H. 1950; Barbalet, J.M. 1989; Santos, B.S. 1990). Nos primciros anos da decada de 70, a tensao entre o Estado c a Socieclade Civil atingc pontos de ruptura sem possibilidadc de retorno. A matriz politico-organizativa do Estado ultrapassa os «limites de flcxibilidadc» (Santos, B.S. 1984) paramctrados pclo projecto social c politico de um Estado corporativo, ditatorial e colonialista. Um conjunto de factores de ordcm ccon6mica c politica de nfvcl intcrno c cxterno, criaram condi96cs propfcias para o surgimcnto de um novo perfoclo hist6rico em que o potcncial de ruptura, nos domfnios social c politico, se tornou superior ao potencia1 de reprodu9ao c continuidadc possibilitando a cmergencia de uma outra matriz polftico-organizativa do Estado. A partir de Abril de 1974 processaram-sc, cm Portugal, altcra9oes significativas na sociedadc civil c na socicdadc polftica, pcrmitindo a emancipa9ao da socicdade civil e a exprcssao de difcrcntcs projectos de socicdade c de difcrentcs vontades politicas, a possibilidadc de constru9ao de um Estado Democratico.
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lntcrven~ao
Social
2 - A emergencia do Movimento de Moradores na AML na conjuntura hist6rica do p6s-25 de Abril. A seguir ao 25 de Abril, ap6s o aparecimento do Movimento das For~as Armadas (MFA) e a par de altera~oes na gestao dos poderes publicos, da constitui~ao/legaliza~ao dos partidos polfticos, uma explosao de movimentos sociais popularcs extremamente forte e ampla aconteceu. Os mais significativos foram os movimcntos openirios, especialmente nas zonas de Lisboa e Setubal, os movimentos de assalariados rurais e agricultores pobres, no Alentejo e os movimentos de moradores principalmente no Porto, em Lisboa e em Setubal. Esobre o movimento de moradores dos bairros da lata que vamos debru~ar-nos: - analisando condi~oes de vida e habita~ao (focalizando a aten~ao sobre a AML e sobre a propria cidadc, zona privilegiada neste estudo); - procurando explica~oes para a emergencia das lutas pelo direito ahabita~ao e acidade, na conjuntura hist6rica p6s-25 de Abril; - pcrcebendo os moradores como protagonistas num novo espa~o politico.
2.1- Condir6es de Vida e Hobitarc7o de Gmnde Parte dos Moradores da AlvlL
Para alem do deficit habitacional (a nfvel nacional) deÂą 600 mil fogos que vinha sendo registado e do envelhecimento do parque urbano construfdo (38% do parque foi edificado antes de 1945 ), as altera~oes estruturais e conjunturais de 1974, provocaram um forte aumcnto populacional e uma vertiginosa subicla na procura de habita~ao que, conjugada com uma quebra da oferta nesse sector, aumcntou o deficit existente, agudizanclo consequentemente o problema do alojamento. Calcula-se que s6 entre 1974 e 1975 se tenha verificado no territ6rio nacional um acrescimo de um milhao de pessoas. Este acrescimo considerc1vel de popula~ao agravou a pressao demografica sobre os grandes centros urbanos ("J corn particular incidencia na AML. Segundo dados do INE- Recenseamento Geral da Popula~ao de 1981 - o numero de famflias no perfodo intercensario, aumentou 45% no distrito de Lis boa (de 468 215 em 1970 passou para 678 826 em 1981) cnquanto a nfvel do continente se registou apenas um aumento de 26% (de um total de 2 224 020 famflias em 1970 passou para 2 797 691 em 1981 ).
(') 0 can\ctcr contraclit6rio entre o dcsenvolvimcnto/crescimento cl as zonas urban as e ausencia cle clcsenvolvimento das outras zonas clo pais. verificada cm Portugal e caracteristica clas urbaniza<;6es dos cstaclos depenc\entes (cf. Carnoy. \984). provoca acentuaclas assimctrias rcgionais. originanclo forte prcssao clemografica sobre os centro' urbanos e contribuinclo para a acumula<;fto cle tensocs sociais nas areas mctropolitanas.
0 Estado. a Socieclacle e a qucstao cla habita<;ao em Portugal
2!9
0 problema da habita9ao, que deve ser vista no ambito abrangente das relay5es sociais de explora9ao e dominayao, atinge particular visibilidade no domfnio do local, evidenciando pontos de convergencia de limita96es estruturais e conjunturais. Vejamos entao com mais pormenor a questao urbana nessa unidade de analise constitufda pela cidade de Lisboa e respectiva area de influencia C). A cidade de Lisboa e toda a sua area metropolitana, sempre foram um grande polo de atrac9ao, apresentando os indices mais elevados de deficit habitacional e as formas mais degradadas de habitat urbana. Tres quartos das familias portuguesas do continente que vivem em barracas, habitam na AML. Dessas, 54% (cerea de 15 mil familias) concentram-se na cidade de Lisboa (Mateus, 1990: 8). 0 crescimento urbana da cidade, tem sido anarquico, desorganizado e orientado por uma estrategia de maximiza9ao do lucro sabre o solo e sabre as construy5es, comportando fortes factores de aliena9ao e segrega9ao social e espacial. As desigualdades das condi96es de vida sao evidenciadas nas formas de uso e apropria9ao do territ6rio. Lisboa e afinal uma cidade que, como todas as outras, e hist6rica e socialmente produzida, ou seja, o seu espa9o e um produto hist6rico intrinsecamente articulado aos modos e rela96es sociais de produ9ao das forma96es sociais que se vao desenvolvendo. Conforme Santos, B.S. (1982: 31) «( ... ) a cidade capitalista ea expressao territorial da socializar;ao contradit6ria das forr;as produtivas 110 modo de produf·ao capitalista. » 0 uso do solo, condicionado apropriedade privada do mesmo, e sobredeterminado pela renda fundiaria urbana (6) e o pre9o do solo esta relacionado, nao coma sua qualidade intrfnseca, mas coma utiliza9ao das formas sabre ele construfdas, comas actividades af desenvolvidas e comas vantagens em termos de acumulayao capitalista. 0 solo urbano e na verdade a base e o suporte de um conjunto de actividades inerentes aprodu9ao, distribuiyao, circulayao e consumo, mas e tambem a base e o suporte de lugares de vida, de utopia e de luta. A cidade eum espayo com valor econ6mico, politico e simb61ico, um espa9o p(lblico e social em que o problema individual da habitayao e, afinal, o problema colectivo da reproduyao da for9a de trabalho; o problema da precaridade da habita-
Cl
Para um maior aprofundamento dos aspectos relacionados com a dclimita~ao e caracterida AML, ver Ferreira, V. M. (1987: 223 e seguintes) 6 ( ) <<A renda fundiaria c o mecanismo atravcs do qual um valor criado pela sociedade e confiscado pelo proprietario fundiario e o seu montante depende da escassez produzida pelo investimento social feito e a fazer, face aos utilizadores potenciais e concorrentes do solo.» (Santos, B.S. 1982: 43). za~ao
220
~ao
Interven~ao
Social
e realmente um problema de solvencia econ6mica de amplos estratos da popuurn problema de escassez de alojamentos e de especula~ao fundiaria e imobiliaria. 0 crescimento de Lis boa simultaneamente concentrico (em forma de meia lua) e radial (corn eixos privilegiados) tern deixado bolsas de terrenos corn bairros de barracas e outras constru~oes precarias, em zonas perifericas sucessivas. Algumas dessas zonas sao locais sem interesse comercial mesmo actualmente, pelas suas caracterfsticas morfol6gicas. Outras, corn o desenvolvimento urbano, tornaram-se espa~os rentaveis pela altera~ao da sua localiza~ao relativa. Em qualquer dos casos, os bairros da lata af existentes, sao guetos demarcados e segregados, habitados por popula~ao economicamente insolvente, popula~ao excedentatia em termos de mais-valia. Carenciados a todos os nfveis, os moradores dos bairros de barracas sao compulsoriamente desiguais, invisfveis social e polfticamente, nao tem direitos de cidadania plena. Lisboa inclui-os, excluindo-os. Para alem deste tipo de habita~ao precaria, ha outros fen6menos a considerar caracterfsticos das grandes cidades e verificaveis tambem na grande Lisboa, como por exemplo o envelhecimento do tecido urbano e a partilha do fogo por varias famflias. A habita~ao degradada, com particular relevancia para os bairros de lata, e a sobreocupa~ao, quer no caso da partilha do fogo por varias famflias, quer no caso pouco estudado do clesajustamento entre a tipologia do fogo e a dimensao do agregado familiar, sao o sintoma mais gravoso das condi~oes de vida e habita~ao da popula~ao subalternizada em Lisboa ciclacle e na respectiva area metropolitana. Esta situa~ao de precariclade e clegrada~ao habitacional para determinados extractos da popula~ao e um indicador privilegiaclo de expressao da pobreza urbana e do grau de desigualdade socio-econ6mica e de exclusao social e polftica. (Silva, M.M., 1989) Consiclera-se a habita~ao como a pedra de toque do processo de desenvolvimento econ6mico do pafs e como analisador privilegiado da dimensao humano-social no processo de cria~ao, distribui~ao e redistribui~ao da riqucza. A abordagem do problema da precaridade habitacional implica portanto, a consiclera~ao das desigualdades socio-econ6micas, dos direitos e das pollticas sociais. Estes aspectos remetem-nos para o ambito mais alargaclo das rela~oes sociais de produ~ao e reprodu~ao, da actua~ao do Estado e das cliferentes for~as sociais em determinada forma~ao social. Numa economia de mcrcado e, em princfpio, do salario que o trabalhador retira os meios necessc1rios a satisfa~ao das suas necessidades e arcconstitui~ao da for~a la~ao,
0 Estado, a Sociedadc c a gucstiio da
habita~ao
cm Portugal
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de trabalho, como e da for9a de trabalho que e retirada a mais-valia que reverte a favor do processo de acumula9ao de riqueza. 0 que acontece e que por um conjunto diversificado de razoes conjunturais, estruturais e do sector em causa, os salarios de uma faixa consideravel da popula9ao portuguesa e, particularmente, dos habitantes da AML, nao sao compatfveis com os pre9os das habita96es existentes no mercado. Assim sendo, nao s6 fica por satisfazer a necessidade basica do alojamento, como tambem fica comprometida a reconstitui9ao da for9a de trabalho. Este estado de coisas, conjugado com outros factores conjunturais e estruturais, cria condi96es propfcias ao aparecimento de sittw96es potenciais de conflitualidade social. Em momentos conjunturais especfficos, em que a correla9ao de foryas sociais e polfticas se altera, emergem esses conflitos sociais latentes. Foi o que aconteceu na epoca que se seguiu ao 25 de Abril de 197 4. Novos personagens entraram em cena, criando um dinamismo transformador da sociedade portuguesa a um ritmo sem precedentes. No decurso do processo conflitual e no espa9o urbano considerado, a AML, dois tipos de personagens e pn1ticas interagiram: -as praticas sociais das organiza96es populares de base, configurando movimentos sociais de !uta pelo direito de habitar e por novas polfticas de habita9ao; -as praticas polftico-partidarias e estatais protagonizadas por dirigentes governamentais, preconizando medidas destinadas a alterar aspectos das politicas sociais de habita~ao. Convem sublinhar que, do nosso ponto de vista, estas praticas tendiam a responder a tres tipos de necessidades: - necessidades de bem estar das popula96es mal alojadas; - necessidades de seguran9a de determinados grupos sociais que se sentiam ameayados; - necessidades de legitimayao do Governo (expansao da oferta de habita9ao e redu9ao da conflitualidade social);
2.2- A Emergencia das Lutas pelo Direito
aHabitarao e aCidade na AML
Situaremos, em primeiro lugar, os moradores dos bairros da lata, relativamente
arespectiva composi~ao social e identidades, no sentido de perceber a categoria social dominante nos movimentos de !uta pelo direito de habitar e as for9as e fragilidades desse movimento.
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Interven~ao
Social
Embora nao existam estudos publicados corn dados precisos, e consensual que ha nestes bairros, para alem de reformados e domesticas, uma forte concentra~ao de trabalhadores sem qualifica~ao ou de baixa qualifica~ao do ponto de vista escolar e profissional. Com niveis de rendimento geralmente inferiores a linha considerada de limiar de pobreza, foram numa primeira gera~ao, imigrados das zonas rurais do pais. 0 indice de desemprego, sub-emprego e trabalho precario e superior amedia nacional. Ao nivel das ocupa~oes profissionais, prevalecem os operarios da constru~ao civil (serventes), trabalhadores metalurgicos, biscateiros, mecanicos e bate-chapas, vendedores ambulantes, empregadas de limpeza e de servi~os domesticos C). Estas caracteristicas, que contribuiram de algum modo, para o isolamento socio-cultural e para uma situa~ao de «trabalhadores-livres-sem-emprego» (Ferreira, V.M., 1986), tornam os moradores dos bairros de lata socialmente segregados num contexto socio-espacial urbano e «errantes» num contexto socio-politico revolucionario. A chamada espontaneidade inicial do movimento de moradores (por oposi~ao aos conceitos de autonomia e de heteronomia) e a rejei~ao de partidariza~ao sempre assumida pelas organiza~oes de moradores dos bairros da lata, relaciona-se, por hipotese, com esta condi~ao de trabalhadores errantes, de vlnculos contratuais precarios e com a ausencia de «memoria historica» (Ferreira, V. M. 1986). Seria essa memoria colectiva de lutas e conquistas que, a terem existido (enquadraclas por organiza~5es particlarias ou sindicais) constituiriam os referenciais simbolicos, imprescincliveis a uma organiza~ao autonoma e consistente. Estas caracteristicas que se articulam clirectamente com as formas de !uta, objectivos e metodos acloptados, sao factores explicativos da for~a e das fragiliclacles da organiza~ao dos moraclores. Explicam tambem, quanto a nos, a sua rela~ao simbiotica corn momentos socio-historicos e conjunturais, no periodo compreendido entre entre 74 e 76, conforme viria a revelar-se no evoluir do processo. No sentido de buscar explica~oes para este fenomeno da 'espontaneidade' inicial do movimento de moradores, parece importante relembrar o clima social e polftico da epoca e tecer algumas considera~oes sobre a questao dos direitos e das representa~oes sociais. Uma intensa politiza~ao em todos os circulos da sociedade civil e do aparelho militar, gerou modifica~oes importantes nas atitudes e comportamentos individuais e colectivos, nas rela~5es e praticas sociais.
() Relat6rios de estagio de alunos do ISSS de Lisboa (1974/1991) cla area de apresentam dados parciais que confirmam estas afirmay6cs.
Habita~ao
e Urbanismo.
0 Estado, a Sociedadc c a questao da habita<;ao cm Portugal
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A resignayao das classes subalternizadas cedeu Iugar aexplosao de forya e vontade colectivas dirigidas no sentido da procura de estrategias conjugadas de transformayao do estado das coisas. Para alem da conquista dos direitos civis e polfticos, pos-se com extrema relevancia e de uma forma generalizada a questao dos direitos sociais e econ6micos. Para alem do problema da ausencia de liberdade, da dominayao polftica e ideol6gica, colocou-se o problema da explora9ao. (Santos, B.S. 1989). Consideramos que estando em causa do is tipos de clcsigualdade, a desigualdade politica e a desigualdade socio-econ6mica, no caso de determinados segmentos de classe, cstas desigualdades haviam de reforyar-se mutuamente provocando situay6es de exclusao mais aguda. Acresce que estas situay6es de exclusao e subalternidadc se tornaram mais visfvcis com o 25 de Abril e, com esta desocultayao, adquiriram novas dimensoes as questoes da participayao e do acesso a bens e serviyos. Despontou o movimento pela procura da equidade e pela qualifica9ao das condiyoes de vida, pela melhoria das condi96es de produ9ao e reproduyao da forya de trabalho. 0 processo revolucionario, segundo alguns autores, ou pre-revolucionario, segundo outros, colocaria entao em primeiro piano, na nossa perspectiva, a questao da redefini<;ao dos direitos sociais e de cidadania e iria alterar a corre!ayao de for9as sociais e polfticas, as representayoes sobre o Estado, os partidos polfticos, as institui96es, as normas e os valores. As representay6es sao indutoras de praticas sociais inscritas agora numa outra quotidianeidade. Focalizando a atenyao nas praticas sociais dos novos personagens ou protagonistas sociais entao surgidos e, particularmente, nos movimentos dos moradores dos bairros degradados colocamos as seguintes hip6teses explicativas para a emergencia, formato e localizayao dos movimentos: A consciencia colectiva da existencia de carencias comuns, a par dos outros aspectos conjunturais ja referidos, tera sido geradora de identidade. Essa identidade constituiu factor de mobiliza9ao no sentido da reivindica9ao da satisfa9ao de necessidades e da afirma9ao do direito ao alojamento e a cidade. Emergiram entao, os movimentos de !uta por melhores condi96es de vida e habita9ao. As deficientes condi96es de habitabilidade de amplos sectores da populayao e o elevado grau de cont1itualidade social, particularmente incidentes na regiao de Lisboa em conjuga9ao coma situa9ao conjuntural p6s-25 de Abril, sao factores explicativos da emergencia dos movimentos sociais de !uta pelo direito a habita9ao, nessa mesma regiao metropolitana. Os movimentos de luta pelo direito a habitayaO e acidade organizaram-se em estruturas de base territorial denominadas Comissoes de Mm路adores.
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Interven~ao
Social
2.3- Os Novas Sujeitos Sociais As Comissoes de Moradores iniciadas em Maio de 1974 foram uma inovar;ao em Portugal, a par das Comissoes de Trabalhadores e outras organizar;oes como por exemplo os Conselhos de Aldeia. Integravam-se no que se denominou Organizar;oes Populares de Base (8) e que, segundo alguns autores, podemos chamar 'novos actores' ou 'novos sujeitos sociais'. Analisando as formas organizativas encontradas, as falas, as lutas, as mediar;oes, e o sentido das praticas das organizar;oes de moradores, descobriremos esses novos sujeitos sociais surgidos em Abril de 1974, que alcanr;aram um protagonismo particular na cena polftica portuguesa. Corroborando Sader diremos que e a pnltica das organizar;oes de moradores que «as poe coma sujeitos, sem que teorias previas as houvessem constitu(do ou designado». (Sader, E. 1988: 10) As Comissoes e Associar;oes de Moradores sao um tipo de sujeitos colectivos que se foram definindo no agir em conjunto, na organizar;ao de acr;oes que defendiam interesses pr6prios muito concretos ao mesmo tempo que reclamavam a sua autonomia e aparticlarismo. As organizar;oes de moradores, desenvolveram lutas na esfera do social. Lutas que, situando-se no processo de reprodur;ao social, se centraram na experiencia do quotidiano, fazendo do quotidiano urbano um novo espa\O social, um lugar politico. Os moradores solidarizavam-se em torno de carencias e necessidades comuns, e defendiam a transformar;ao dessas carencias e necessidades, em direitos. A situar;ao de segregar;ao espacial e social em que viviam, favoreceram um processo de auto-identificar;ao que a cm~untura p6s-25 de Abril potenciou. 0 eixo principal das movimentar;oes foi a resolur;ao concreta do problema da habitar;ao, entendendo que «todos tem direito a viver numa casa decente» e a «habitar no sitio» que ja ocupavam, ou seja, normalmente na cidade ou suas envolventes. Mais que a posse, a propriedade da casa, o que esta em causa e a apropriar;ao colectiva do direito real de habitar. Estas caracterfsticas que sublinham 'a pureza' das organizar;oes de moradores e que podemos encontrar em documentos da epoca
(') Estas organiza~oes aparecem no Documento Guia do Projecto Alian~a PoYo- MFA, em Junho de 1975, como possibilitadoras de cria.,:ao de «condi<;5es de participa<;ao activa das massas trabalhadoras.>> Mais tarde. em 1976. a Constitui<;ao da Republica. atraves dos artigos 26.f. 0 , 265. 0 • 266. 0 , legftima como Organiza<;5es Populares de Base Territorial as Assembleias de Moradores e as Comissoes de Moradores «a fim de intensificar a participa<;ao das popula<;5es na vida administrativa local.>> Apesar de a Constitui<;ao consagrar a figura- Comissoes de Morad ores-, apenas fora m reconhecidas como personalidaclc juriclica. as Associa~oes cle MOl·adores (Dec.-Lei 594/7~ de 7 de Novembro) e as Cooperativas de Habita~5o (Dec.-Lei 730/74 c Dec.-Lei 737-A/74. respcctivamente de 20 e 23 de Dezembro).
0 Estaclo. a Sociedacle e a questao da habita<;iio cm Portugal
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c cm tcstcmunhos actuais de moradorcs c tecnicos, tem que scr rclativizadas. 0 movimento de moradores dos bairros de lata foi tambem contradit6rio em si mesmo. As organiza~oes de moradores possuiam negatividadcs c conflitualidades internas. Estes aspectos pcrccptiveis ao longo do tempo e com o evoluir dos processos, sao tambem factores explicativos dos avan~os c dos retrocessos das lutas dos moradorcs. Os novos relacionamcntos do colcctivo dos moradores entre si e com o espa~o publico, atraves da cria~ao de novos espa~os politicos, tcm que ser necessariamente olhados como cxperiencias vividas por vezes com alguma violencia a nivcl singular e colectivo. A amplia~ao rapida dos espa~os de sociabilidade e dos espa~os politicos, resultou de uma dinamica dos movimcntos que avan~ava depressa demais para praticas novas, rompendo sistemas conhecidos e previsibilidadcs securizantcs. Estas rupturas ou estados de dcsequilibra~ao germ·am dificuldades, ambiguidades e conflitos que apcnas quando e se cram supcrados permitiam o avan~o dos proccssos c a concretiza~ao dos objectivos das lutas. Conforme afirma Leitao, «ll faut rompre a1'ec le triompha!isme et /'e/oge. aveug/e de toute action de base qui ne tient pas compte du caractere contradictoire d'un mouJ'ement social et du poids du passe sur les actions et !es menta!ith.» (Leitao, L. et a!, 1978: 675). Para alem das conflitualidades e contradi~oes, singulares c colcctivas, derivadas dos factores apontados, temos que relembrar aspectos ligados ao passado colcctivo dos moradores e que tem a ver com a questao «da ideologia e da hegemonia cultural e politica» (Gramsci, in Portelli, 1977). A escola, a familia, a igreja, a fabrica, o exercito, o direito (enquanto institui~ao ), treinaram as classes subaltcrnizadas para obedecer, mantiveram-nas afastadas dos centros de decisao e bloquearam a sua participa~ao ate nas dccisocs que diziam directamente respcito as suas vidas. Este continuo condicionamento operon em dois sentidos: - na prcdisposi~ao para a passividade e aceita~ao das decisoes e «dadivas» dos que tinham 0 poder e 0 saber de usa-lo; na sobrevaloriza~ao do dominio do individual em dctrimcnto do colectivo e prevalencia dos valores e normas das classes no poder. Sabemos que o processo de descondicionamento nao e simples nem linear. A aprendizagcm da participa~ao e a afirma~ao da vontade colectiva precisam de tempo para atingir um nivcl de matura~ao necessario. No caso em analise, esse processo de descondicionamento iniciou-se coma crise geral do Estado e ficou sujeito a avan~os e retrocessos. A sua evolu~ao dependcria de aspectos conjunturais, assim como de contextos globais e situacionais, dos esta-
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Interven9ao Social
dios de desenvolvimento dos processos de !uta do movimento social popular e da descoberta de uma nova identidade por parte das classes subalternizadas e). 0 condicionamento/descondicionamento de que falamos, influenciou o nascimento ea vida das organiza~6es e os seus intra e inter-relacionamentos, influenciou a natureza, consciencia, e significado das lutas das organiza~6es, bem como a respectiva capacidade de mobiliza~ao e grau de representatividade. Por isso, a compreensao destes processos de !uta, nao se coadunam com posicionamentos analiticos estaticos. Tudo pode ser controverso e alterar-se com o movimento da sociedade civil e do Estado, com a rela~ao entre os diversos protagonistas. No decorrer do processo, as organiza~oes de m01·adores, perceberam-se e foram percebidas como novos sujeitos sociais que emergiram na hist6ria social e politica do pafs. Iniciaram praticas sociais que tem de ser captadas e entendidas com novas categorias de analise do real, e nao com as categorias sociol6gicas tradicionalmente utilizadas nem com ortodoxias te6ricas (1°). 0 movimento de moradores encontra-se intimamente relacionado e articulado com a cria~ao do SAAL. Esobre o SAAL enquanto servi~o que configurou novas respostas institucionais, que recaira agora a nossa aten~ao.
3 - Configura\ao de Novas Respostas Institucionais - 0 Aparecimento do SAAL 0 programa do MFA (Abril de 1974) previa o lan~amento de «wna nova polftica social que, em todos os dom(nios, teria essencialmente coma objectivo a defesa dos interesses das classes trabalhadoras e o aumento progressivo, mas acelerado, da qualidade de vida de todos os Portugueses.» (1 1)
('') Percebem-se em Downs posi~6es que confirmam as nossas hip6teses interpretativas: «As CM foram uma base organizativa do movimento social urbano (... ) orgao reivindicativo e representativo ao nfvellocal, concretamente no bairro, o seu trabalho era exigir a solu~ao dos problemas deste. (... )As reivindica~6es nao sao nunca revolucionarias (nem reformistas), e ecorn a experiencia da !uta pela satisfa~ao da reivinclica~ao e pelo clireito ao controlo clirecto sobre a sua resolu~ao que o significado politico se vai acentuar e evoluir. Mas mais do que resultado apenas da experiencia de lutar, elc eresultado da conjuntura polftica (... ) que detennina as condi~6es ea consciencia segundo a qual as CM actuam.>> ( 1978: 59) Concorclamos ainda com o mesmo Autor quando diz que as organiza~6es de moradores foram: «Os germens do novo tipo de organiza~iio social, onde as pessoas perdem, o seu anonimato individualista e colectivamente encaram e resolvem os seus problemas, assim corno se assenhoriam do poder de clecisao (... ).» (Downs, 1978: 6! ). 10 ( ) Destes constrangimentos derivam, na nossa perspectiva, algumas das dificuldades que tem si do experimentadas na investiga~ao sobre a hist6ria recente dos movimentos sociais populares e habitacionais em Portugal. (1 1) Programa do MFA parte B- «l'vledidas a curto praZO>>, ponto 6 alfnea a).
0 Estaclo, a Sociccladc c a qucstao da
habita~ao
em Portugal
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Nao obstante as transforma96es na forma organizativa do Estado e as movimenta96es sociais acontecidas logo ap6s o 25 de Abril, a estrutura da administra9ao publica manteve-se intacta durante um longo periodo de tempo. Uma certa ambiguidade politica por que passaram as for9as sociais, polfticas e militares, determinantes no processo em curso, e a ausencia de um projecto societ<irio hegem6nico que direccionasse as mudan9as necessarias, explicam, em parte, a paralisia da administra9ao publica. Salvo alguns casos pontuais, o que se verificou na pratica dos varios Governos Provis6rios, e relativamente a politica social de habita9ao na sua globalidade, foi a continua9ao de uma polftica imprecisa, ambigua e mal definida. As transforma96es revolucionarias nao atingiram as institui96es no seu cerne, que resistiram enquistando-se numa pratica administrativa de continuidade. Consideramos a politica social de habitac;ao como expressao de uma rela9ao entre o Estado e as for9as sociais da sociedade civil, que visa, entre outros aspectos, a satisfa9ao da necessidade basica de habitar. Nesta rela9ao, o Estado gere o capital social (formado pela tributa9ao do capital privado e dos rendimcntos salariais) operando a socializa9ao dos custos de reprodu9ao da for9a de trabalho. No caso da politica social de habita9ao, assumindo a forma de consumo social de habita9ao. Para a concep9ao e concretiza9ao dos programas e das medidas de politica social, o Estado serve-se do rcspectivo aparelho administrativo e de conhecimentos especificos de profissionais/trabalhadores da administra9ao publica. (Santos, B.S. 1989) A polftica social de habita9ao, em Portugal, herdada do anterior regime, era centralizada, dotada de vcrbas escassas e vinculada aincapacidade tecnica e operativa da administra9ao publica que, oferecendo resistencia a um processo de transforma9ao politico-administrativo, inviabilizava a estrutura9ao e operacionaliza9ao de respostas compativeis coma dinamica dos movimentos sociais populares surgidos com o 25 de Abril. Efectivamente, o organismo que centralizava a polftica social de habita9ao, o FFH, burocratizado, lento, estruturalmente pouco versatil, havia ha muito reve1ado a sua inoperancia. Conforme afirma Fonseca Ferreira: ÂŤ0 FFH que surgiu [em 1969} como aposta de moderniza~ao e racionaliza~ao das estruturas do sect01; como instrumento para uma acrescida inten;en~ao do Estado na polftica e promo~ao habitacionais- nao realizou, ate 1974, qualquer empreendimento significativo.)) (Ferreira, F. 1987: 67) Mliito embora tema privilegiado e sempre estrategicamente repescado em momentos eleitorais (tanto antes como depois de 1974), a politica social de habitac;ao nao avan9ou, nem ao nivel da defini9ao de linhas estrategicas claras, nem em termos de medidas concretizadoras traduziveis em resultados palpaveis. Analisemos no entanto os acontecimentos mais significativos que, para alem dos aspectos ja referidos, estao na origem de transforma96es surgidas, no p6s-25 de Abril, no dominio da polftica de habita9ao.
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Interven,ao Social
Tendo como pano de fundo um novo contexto social e polftico, alguns funciom1rios do FFH, principalmente quadros medios, iniciaram logo apos o 25 de Abril reunioes e plem\rios onde discutiam o funcionamento institucional, as realizar;:oes, os processos de trabalho seguidos e a polftica habitacional,. Foi na sequencia destes debates internos, posteriormente alargados a moradores, organizayoes e entidades locais (Teatro Sao Luiz, Junho/74) que surgiu o «Progmma pam wna Aq·c7o Imediota 110 Sector do Equipamento Social e do Ambiente». Este programa, que apresentava prindpios orientadores, medidas de exequibilidade a serem estudades e propostas organizativas concretizadoras dessas medidas, foi posteriormente apresentado como proposta, ao Ministro do Equipamento Social e do Ambiente.
Ede fundamental importancia referir que no prindpio de Maio de 1974, grupos de moradores de bairros de lata de Lishoa e de uma zona urbana degradada do Porto se dirigiram ao Secretario de Estado de Habitayao e Urbanismo (SEHU), solicitando o apoio do Estado e declarando-se dispostos a colaborar na recuperayao dos bairros, conforme os seus recursos o permitissem. Os Novos Sujeitos Sociais conseguiam a publicizar;:ao das suas posir;:oes colectivas ocupando/criando um espayo polftico. Outros organismos da sociedade civil, ligados ao problema cla habitar;:ao, tambem se manifestaram. Foi assim que a 20 de Junho de 1974 a Associayao de Inquilinos Lisbonenses e a Associar;:ao de Inquilinos do Porto, juntamente com a Associar;:ao de Defesa dos Consumidores c representantes dos Sindicatos, promoveram cm Lisboa um comfcio para o qual convidaram o SEHU. Foi nesse comfcio que o Arquitecto Nuno Portas, na qualidade de Secretario de Estado da Habitayao e Urbanismo do I Governo Provisorio, «( ... ) anunciou para breve a publicariio de wn diploma relacionado com o direito it habitariio.» (1 2) Participante do Coloquio de 1969 no LNEC, Nuno Portas, encontrou finalmente reunidas as condiyoes polfticas e sociais que viabilizavam o lanyamento das bases para uma nova polftica social de habitar;:ao que aparecia com caracter de urgencia. Caracter de urgencia derivado da visibilidade das carencias habitacionais, das expectativas criaclas pelo proprio contexto revolucionario e pelo proprio Governo, derivado da publicizar;:ao clas vontades dos moradores e dos tecnicos, apoiados por associar;:oes ligadas aquestao da habitar;:ao e por outras organizar;:oes da sociedade civil. Em 6 de Agosto de 1974 foi publicado no Diario do Governo o texto legal de criayao do Servir;:o de Apoio Ambulatorio Local. 0 Despacho conjunto do Ministerio da Administrayao Interna e do Ministerio do Equipamento Social e do Ambiente, assinado pelo Ministro da Administrar;:ao Interna e pelo Secretario de Estado da Habitar;:ao e Urbanismo, faz saber que, «em face das gra1'es carencias ( ''J
CL Lino Bran eo do SAAL ( \976: \0).
0 Estado, a Sociedade e a qucstao da
habita~ao
em Portugal
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habitacionais» e dadas as dificuldades «em fazer arrancar programas de constru~ao convencional a curto prazo, esta o FFH a organizar wn corpo tecnico especializado, designado par Sen1i~·o de Apoio Ambulat6rio Local, para apoicu; atraves das Camaras Municipais, as iniciativas de popula~6es mal alojadas no sentido de colaborarern lW transforma~ao dos pr6prios bairros, investindo os pr6prios recursos latentes e, evel1tualmente, monetarios». As autarquias locais competia custear as obras de infraestrutura viaria e sanitaria, disponibilizar terrenos urbanizados, terrenos esses cedidos as organiza~oes de moradores, em direito de superffcie. Como factor desencadeador dos processos, o texto do despacho, indica a iniciativa dos mm·adores organizados necessariamente em associa~oes ou cooperativas. 0 financiamento das opera~oes e os apoios tecnicos, suportadas por dois diplomas legais «em curso de promulga~·ao>> ficavam a cargo do FFH. Preve-se ainda no Despacho o inicio imediato das opera~oes de transforma~iio dos bairros e fala-se num perfodo experimental, durante o qual os responsaveis do SAAL deveriam proceder a uma avalia~iio tecnica, polftica e econ6mica constante. Niio queremos neste trabalho, nem e esse o nosso objectivo, entrar em aspectos descritivos sobre a estrutura c o funcionamento do Servi~o, detalhes por demais conhecidos e de facil leitura em documentos pr6prios C3). No sentido de uma melhor compreensiio das qucstoes que investigamos, interessa colocar duas hip6teses que se interla~am e se fortalecem mutuamente: - 0 SAAL foi aliado c o principal articulador social do movimento de moradores na rela~iio deste com o Estado; C-l) - Pelo proprio momenlo hist6rico-politico em que surgiu, pela dinamica social existente, pela correla~iio de for~as em presen~a, a cria~iio do SAAL aparece-nos como um movimento instituinte, como uma interven~iio do Estado no domfnio da politica social de habita~iio que preconiza medidas tendentes a alterar elementos estruturais da politica de habita~iio herdada do regime anterior ao 25 de Abril. Explorando a segunda hip6tesc, analisemos os aspectos do Despacho que, na nossa 6ptica, silo demonstrativos ou esclarecedores das posi~oes que defendemos: - 0 SAAL operava simultaneamente e de forma articulada a descentraliza\ao dos processos inerentes a promo~iio de habita~iio social, para as Autarquias 1 (' )
Ver texto legislativo e Livro Branco do SAAL. entre outros documcntos.
('"J Deixaremos a primeira hip6tese para explicitar oportunamcnte. Esta hip6tese prende-se eo m a questao da autonomia/heteronomia do movimento de moradores. prende-se cam os vinculos. estrategias e mcdiadas organiza<;5es de moradores dos bairros de lata da AML, aspectos que desenvolvemos na disserta<;ao de mestrado e que pela sua extensao e importancia dare mos a conhecer em outro artigo. ~5es
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Intcrvcn~ao
Social
Locais, para as Organiza~oes de Mm·adores e para as Equipas Tecnicas «especialmente contratadas para o efeito», mantendo o FFH, para alem da fun~ao financiadora, a de coordena~ao tecnica global. Relembra-se que as equipas tecnicas, aexcep~ao da Equipa Coordenadora Central do FFH e das Equipas Coordenadoras da Camara Municipal de Lisboa (Gabinete Tecnico de Habita~ao e Empresa Publica de Urbaniza~ao de Lisboa), nao funcionavam no espa~o ffsico das institui~oes, mas em ateliers particulares. Estes aspectos conferem ao SAAL, enquanto servi~o, uma autonomia relativa e ampliam positivamcnte o ambito institucional do FFH e das Camaras Municipais. Esta descentraliza~ao dos processos inerentes a promo~ao da habita~ao social alteraria necessariamente, na nossa perspectiva, a rela~ao Administra~ao CentralAdministra~ao Local e a rela~ao Estado - Sociedade Civil no que concerne as questoes de habita~ao c urbanismo. - Um segundo aspecto a analisar e a constitui~ao das organiza~oes de moradores como cliente colectivo. Integrando como vector fundamental, clcscle o inicio, a participa~ao dos moradares nas diferentes fases de elabora~ao e execu~ao do programa, o SAAL tornou as organiza\oes de moradores, interlocutorcs privilegiados das equipas tecnicas responsaveis pela concep~ao do projecto do novo bairro. Era uma condi~ao exigida pelo Despacho, partir da «iniciativa dos morae/ores» necessariamente organizados em Associa~oes ou Cooperativas, e contar com a sua colabora9ao na transforma~ao dos respectivos bairros. A oferta teria que conesponder as necessidades da procm·a de uma maneira concreta e situada. Este facto perfeitamente inedito no caso da habita\ao social, em Portugal. implicaria profundas altera~oes nas rela~oes de poder entre a popula~ao, os decisores polfticos e os pr6prios tecnicos. 0 SAAL pos tecnicos, decisores e moradores. face a face, em interac~ao. Nos programas convencionais eram as Institui~oes centralizacloras do processo de promo9ao social de habita~ao (Feclera\ao das Caixas de Previdencia; Fundo de Fomento de Habita9ao e Gabinete Tecnico de Habita~ao da Camara Municipal de Lisboa) que determinavam locais de constru~ao, custos, programas, destinatarios, tipologias, formas de atribui9ao e de realojamento, enfim toc!o o processo ligado a constru~ao e distribui~ao das habita96es sociais. 0 SAAL transformou este processo tradicional ao apoiar tecnicamente a organiza~ao dos moradores por forma a capacita-la para desempenhar fun96es inerentes ao processo de concepyao. constru~ao e distribui~ao das habita~oes. 0 colectivo de moradores tornou-sc nao s6 cliente da equipa de arquitectura, como tambem promotor, juntamente com o Estado, dos fogos que iriam habitar.
0 Estado. a Sociedade e a questao c!a habita<;ao cm Portugal
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- 0 Direito acidade- «Recorde-se que a principal justific·a~·ao desta pof(ticct esta lW apropriafiiO de locais valiosos pelas camadas populares nele radicctdas sob forma marginal» - Despacho do SAAL - Diario do Governo n. 0 182 de 06/08/74. Eis o aspecto mais revoluciom1rio do SAAL: o estabelecimento de medidas concretizadoras do direito de habitar na cidade para popula~oes insolventes, ate af segregadas no proprio tecido urbano por hetero e auto-isolamento social e cultural ou itndicadas para as mar·gens dos aglomerados, para os suburbios, desprovidos de qualquer tipo de equipamentos colectivos e com um minimo de infraestruturas. 0 impacto polftico-urbanistico desta medida teria, claro esta, implica~oes directas no processo de planeamento urbano e no funcionamento da renda fundiaria. Esses processos eram regulados ainda por instrumentos juridicos que privilegiavam o bloco social constitufdo pelos proprietarios fundiarios e pelos detentores do capital imobiliario, «alian~·a histdrica no caso do territ6rio urbano de Lisboa» (Ferreira, V.M. 1986). Esta questao do direito ao sitio vem como e evidentc problematizar directamente a rela~ao Estado- Sociedade Civil. Acabamos de expor alguns dos factores explicativos que permitem perspectivar o SAAL como instituinte, como germen de mudan~a. Referencia obrigat6ria nas analises da rela~ao entre o Estado ea Sociedadc Civil no perfodo de 1974-1976, o SAAL foi uma experiencia polemica e controversa. 0 Despacho de cria~ao do SAAL, estabelecia um conjunto de medidas que centradas na esfera da rcprodu~ao social configuravam uma polftica de habita~ao em favor de um dos protagonistas do movimento social urbano, no caso, o movimento dos moradores dos bairros da lata de Lisboa. Embora possam ser perceptiveis medidas conotadas, do ponto de vista politico, como integradoras (institucionaliza~ao dos movimentos de luta dos mm·adores) sustentamos serem essas medidas de ((coopera~ao conjlitual», no que concordamos com Nuno Portas (1979: 109) ou de dialogo- enfrentamento. Na nossa perspectiva, os aspectos de bloqueamento que vieram a verificar-se e inviabilizaram o SAAL, podem ser considerados efeitos perversos e como tal nao desejados e nao previstos. Conjecturado como utopia (15 ) no final dos anos 60, o SAAL, tornado realidade em 1974 pertence a uma nova forma de conceber a politica social de habita~ao. A hip6tese que delineamos ganha ainda mais consistencia quando situamos conjunturalmente o Despacho; isto e, pelas mudan~as estruturais em curso, pela situa~ao de conflitualidade social, pela conela~ao de for~as sociais em presen~a, deter(1 5) Entende-se por utopia o movimento conceptual estruturador do novo. Movimento que explora o campo do possivel a partir de uma rela~ao de tensao transformadora com o existente.
Interven~ao
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Social
minadas medidas de polftica social eram necessariamente favorecedoras de transforma~6es polftico-institucionais em favor das classes subalternizadas, de segmentos sociais econ6micamente insolventes. A propria matriz organizativa do Estado estava em mudan~a e o que em tempos nao excepcionais geraria reprodu~ao, acabou por engendrar transforma~ao na procura dos novos limites estruturais e organizacionais. Neste «perfodo de excep~iio» (Cm·noy, M. 1984) o poder mediador do Estado adquiriu uma certa autonomia relativamente ao bloco hegem6nico que o sustentava- uma certa frac~ao da burguesia - e poude instituir medidas que privilegiavam outros segmentos sociais. Quando a correla~ao de for~as sociais volta a alterar-se e o potencial de reprodu~ao se torna superior ao potencial de ruptura, entra-se num perfodo de estabiliza~ao em que o Estado tende a responder privilegiadamente a necessidades do bloco social que o apoia. Pode entao verificar-se uma retirada/retrac~ao gradual dos direitos sociais. E esta retrac~ao gradual de direitos, que analisaremos mais adiante, torna-se tanto mais efectiva quanto mais gravosa for a recessao econ6mica global e maior o grau de dependencia de organismos financeiros internacionais.
4- Apropria~ao de
Espa~os
e de Direitos - Visibilidades e
Oculta~oes
Em finais de 1975, uma outra conjuga~ao dos factores econ6micos, politicos e sociais, de ordem externa e de ordem interna, induzem mudan~as estruturais e conjunturais no nosso pais. E pois, na re-articula~ao complexa entre os processos de muta~ao social, de transi~ao polftica e de mudan~as econ6micas, que vao situar-se os desenvolvimentos dos movimentos pe1o direito a habita~ao que vimos analisando. 4.1-1976- Uma nova Conjuntura polftica e uma nova
Correla~iio
de For~as
Convem ter presente, que a transi~ao do Estado ditatorial para o Estado democnhico, decorreu em Portugal numa epoca em que, nao s6 a nivel Europeu como a escala mundial, se verificava uma «crise estrutural» e «multifacetada» condicionada pelas rupturas energetica, monetaria e financeira, pela desacelera~ao do crescimento industrial e pela «exigencia de wna nova O}'(/em econ6mica internacional/>. (Mateus, A. 1985: 281, 282) Pensamos que esta conjuntura internacional, aliada a factores end6genos, acabou por produzir uma articula~ao perversa entre transi~ao politica e muta~ao econ6mica em Portugal, originando a crise do processo revolucionario, originando um processo recessivo a nivel macro-econ6mico e consequentemente a nfvel das polfticas sociais.
0 Estado, a Sociedade e a questao da habita<;ao cm Portugal
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A retra9ao do capital que se verificou logo a seguir ao 25 de Abril, a diminui9ao da actividade econ6mica global e a desarticula9ao de estruturas de produ9ao e circula9ao, originaram uma degrada9ao econ6mica que transpareceu no deficit msamental (Or9amento Geral do Estado) registado em 1976. 0 acrescimo dos salarios reais verificado em 1974 e 1975 inicia em 1976 uma progressiva redu9ao, o investimento produtivo e praticamente nulo e a dependencia externa acentua-se. As mudan9as cumulativas verificadas ap6s Mar9o de 1975, a completa nacionaliza9ao da banca e dos seguros - a par da nacionaliza9ao de algumas empresas dos sectores considerados basicos na economia portuguesa (transportes, cimentos, a9o, electricidade, petr6leo, etc.)-, o infcio da reforma agraria ea abertura do processo de descoloniza9a0 dos territ6rios africanos, foram mudan9as desproporcionais a capacidade reorganizativa do Estado. Tambem nao houve, segundo A. Mateus (1985), urn investimento suficiente nas transforma9oes necessarias a nivel produtivo, tecnol6gico e organizacional que assegurasse o desenvolvimento progressivo das estruturas econ6micas. Na ausencia de uma defini9ao/redefini9ao das rela9oes de poder econ6mico e de uma traject6ria orientadora da dinamica de desenvolvimento, a instabilidade politica de que ja falamos, potenciou a instabilidade estrutural da economia portuguesa. Num contexto em que se conjugavam, uma forte mobiliza9ao popular, a legitima9ao das suas lutas, e a «suspensao» do poder social dos grandes grupos econ6micos (1974-1975), operou-se uma progressiva desarticula9ao entre processos de acumula9ao e processos de repartiyao/redistribui9ao. Aconteceu que o «incremento significativO!! verificado ao nivel das politicas distributivas, as «desvincularam tempordriamente das polfticas de acumula9GO!!, (Santos, B.S. 1990a: 40) 0 perfodo entre Mar9o de 1975 e Setembro desse mesmo ano, caracteriza-se como sendo um perfodo de agudiza9ao de luta de classes e uma fase extremanente complexa no processo politico portugues. As principais for9as politicas dividiam-se entre dois projectos societarios distintos: a institucionaliza9ao de uma democracia segundo o modelo europeu ou uma democracia de base, em que os novos sujeitos sociais, as organiza9oes populares, ocupavam um espa9o politico fundamental na concretiza9ao da «transi9ao para o socialismo)) (' 6). 0 MFA dividido internamente vai perdendo significado enquanto gm·ante do processo revolucionario e em Setembro desse ano de 1975, instala-se uma crise politico-militar. C7) Os acontecimentos de 25 de Novembro de 1975, que nao vamos aqui analisar, podem ser vistos como uma solu9ao possfvel para a crise revolucionaria que se vinha registando. Porem in teres sa salientar que o 25 de Novembro de 197 5 criou as
eJ 6
0 Documento Guia do Project a Povo-MFA expressa sobretudo est a linha.
eiJ A este respeito ver Pereira, J. M. (1985: 96J; e Santos, B.S. (1990a)
234
Interven<;ao Social
condiy5es necessarias para a «revincula~ao das polfticas distributivas cls polfticas de ocumula~clo», tendendo para o «cerceamento das poUticas distributivos» (Santos, B.S. 1990a: 40, 41). A partir de 1976, e embora em Abril desse mesmo ano a Assembleia Constituinte viesse a promulgar a nova Constitui~ao da Republica que consignava os direitos politicos, civicos, sociais e culturais e apontava como objectivo a construyao de uma sociedade sem classes - a estrategia polftica de construyao do socialismo vai perdendo sentido. Toma forma um novo projecto societ<1rio, o da construyao da social-democracia, curiosamente, em tempo de crise do capitalismo.
E na interligayao entre os micro e os macro acontecimentos, na interconexao entre os aspectos intrfnsecos a esta situayao estrutural e conjuntural e a especificidade das praticas sociais e polfticas dos diferentes protagonistas do processo de !uta pelo direito a habitayao e a cidade, que buscamos os elementos necessarios ao entendimento dos percursos, dos ganhos e das perdas dos novos sujeitos sociais. 4.2- SAAL- Um Programo cmn Morte Ammciada Ja vimos que, em funyao da correlayao de foryas sociais e polfticas, os dispcndios do Estado em polfticas sociais excedeu em 197 4 e 197 5, o limite comportavel pelos recursos financeiros produzidos pela actividade econ6mica e compatfveis com os processos de acumulayao. Num contexto de degradayao econ6mica e 'crise revolucionaria' a relayao entre o Estado e o movimento de mor·adores em !uta pelo direito a habitayao, encontra novos registos. 0 processo SAAL que vinha sofrendo diversos impasses, acaba mesmo por entrar sob pretextos diversos, numa situayao de paralisia administrativa que bloqueia ate as operay5es ja inciadas no terreno. C8) Tomadas de posiyao, encontros e reunioes de moradores e tecnicos, denuncias publicas e a entrega de cadernos reivindicativos a diversos orgaos governamentais, por parte dos moradores e das Equipas SAAL, nao encontraram eco. Neste perfodo diffcil, nenhum partido polftico e nenhum organismo governamental, tomou posiy5es publicas em defesa do SAAL e do movimento de mm·adores dos bairros da lata. A 10 de Abril de 1975, o Ministro do Equipamento Social e do Ambiente eo Secretario de Estado de Habitayao e Urbanismo, estiveram presentes, num plenario de moradores, realizado no Porto, em situayao de emergcncia, dada a grande movi18 ( ) Cf. Livro Branco do SAAL c tcstemunhos de tecnicos e morad ores cm cntrcvistas rcalizadas para a dissertac;ao de mestrado em 1990.
0 Estado. a Socicdadc c a qucstao da
habila~ao
em Portugal
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menta~ao das organiza~oes de moradores em dias precedentes. Mas o resultado nao reverteria a favor dos mm·adores. 0 encontro em plem1rio, o dialogo directo entre os decisores politicos, as organiza~5es de moradores e as Equipas SAAL, que ja tinha acontecido em momentos anteriores do processo, perdia sentido e nao voltaria a repetir-se. Esta tomada da palavra por parte dos moradores para discutir enquanto colectivo, com representantes do poder institufdo, aspectos que diziam directamente respeito as suas condi~oes de vida, significa a apropria~ao do espa~o publico por parte das organiza~5es de moradores, que aclquiriram for~a polftica e visibilidade social num «perfodo de excep~ao». Estes ganhos viriam a perder-se progressivamente a meclicla que se fa estabelecendo uma outra correla~ao de for~as na governa~ao e na sociedade civil. Entre Setembro de 1975 e Fevereiro de 1976 um conjunto de acontecimentos marcaria negativamente a rela~ao entre o Estado eo movimento de moradores, entre o Governo e um segmento populacional constituido predominantemente por popula~ao economicamente insolvente. Iniciava-se a desvaloriza~ao gradual das 'conquistas populares', a desmobiliza~ao lenta das organiz<woes de moradores, o fim do processo SAAL. As comiss5es de moradores eo SAAL foram duramente atacados em Sessoes da Assembleia Constituinte por alguns deputados. Ha via por parte de todos (deputados, moradores, tecnicos) a percep~ao clara ou a intui~ao difusa de uma interdependencia relativa, uma certa convergencia entre os interesses dos moradores dos bairros de lata e dos tecnicos das equipas SAAL. Para a!em dos ataques verbais, aconteceram factos de natureza bem diferente, tais como atentados a bomba em instala~5es do SAAL e outras ac~oes violentas principalmente na regiao Norte e na AML.Estas ac~oes nunca completamente esclarecidas, teriam sido organizados por grupos extremistas. Estes acontecimentos que geraram uma onda de protestos em todo o pafs, uniram e mobilizaram tecnicos e moradores em torno da questao da habita~ao. 0 Conselho Nacional do SAAL publicou, em Fevereiro de 76, um relat6rio ptogramatico contendo todos os pontos considerados fundamentais para a prossecu~ao e melhoria do Servi~o. Tinha tambem em conta a «redu~ao previsfvel das verbas» atribuidas as polfticas sociais em geral e ao SAAL em particular. C9) Em meados de Mar~o deste anode 1976, os trabalhadores/equipas do SAAL de todo o pals dao uma conferencia de imprensa que dirigem «ews moradores em !uta pelo direito ahabita~·ao e Cl popula~ao em geral». Nessa conferencia sao denunciados os entraves burocnlticos e os ataques ao SAAL e ao movimento de moradores e apresentam-se dados quantitativos sobre o processo SAAL.
('"J Cf. Doe. 118 do Livro Branco do SAAL
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Interven~ao
Social
Enquanto isto, o Governo ia estruturando as bases da nova polftica de habita9ao. Segundo Fonseca Ferreira:
«A neutralizo~ao do SAAL constituia, na epoca, uma pe~a fundwnental da estrategia para a inflexao da polftica habitacional seguida nos cmos anteriores. Pelos se us objectivos- proporcionar alojamento as camadas mais carenciadas -, pelas caracterfsticas do processo- iniciativa eforte participaf·tio das popula~oes e acentuada interven~ao do Estado -, pelas situa~oes urbanas que contempla - terrenos muito valorizados -, o SAAL nao tinha lugar nas orienta~oes adoptadas pe!a po!ftica habitacional a partir da Primavera de 1976.» (1987: 93). Efectivamente, algumas medidas governamentais confirmam esta posi9ao. Nos primeiros meses de 1976, as posi96es publicas do Ministro do Equipamento Social e do SEHU, relativamente a polftica habitacional e expressas no Programa do Governo, revelam um enorme desfazamento entre o discurso e as pn1ticas polfticas. No discurso e reconhecido a todos os portugueses 0 direito a habita9aO e, recorrendo a conceitos de justi9a social, refor9a-se a necessidade de o Estado resolver urgentemente a «situa~ao de dois milhoes de portugueses com prob!emas de a!c~jamento». Toma-se no entanto o cuidado de chamar a aten9ao para a necessidade do «rehu1~·amento da inch/stria da constru~ao civil», para a necessidade de «polfticas de f/nancimnento» e para o beneffcio desejavel de o Estado proporcionar as famflias, a possibilidade de adquirirem «casa prr5pria». Na pratica apenas estes ultimos aspectos tomaram importancia e tiveram alguma concretiza9ao. 0 SAAL permanecia em situa9ao de interrup9ao/bloqueamento, sobretudo na cidade de Lisboa. Iniciou-se o processo de extin9ao do Fundo de Fomento de Habita9ao (FFH)que apenas viria a concretizar-se em 1982 - numa estrategia de ir retirando ao Estado o papel de principal promotor da habita9ao social. Foi assim que o Ministerio de Habita9ao, Urbanismo e Constru9ao, criou em Mar9o de 1976, os Institutos Publicos e Imobiliarios cujas fun96es se sobrepunham as do FFH, Institutos que nunca entraram em funcionamento. Ainda no mes de Mar9o, o MHUC publica um documento intitulado «0 PRoBLEMA DA HABtTAC;:Ao» em que faz o ponto da situa9ao sobre a polftica habitacional do Governo. Ap6s tra9ar um quadro sobre a situa9ao habitacional em Portugal, caracteriza a situa9ao do sector da constru9ao civil e tece considera96es sobre a importancia da interven9ao do Estado neste sector. 0 SAAL e referido como um «programa de aq·ao indirecta do Estado». Apontam-se como resultados quantitativos deste programa, 123 opera96es, das quais, 38 em fase de constru9ao e/ou reabilita9ao (abrangendo um total de 3 370 fogos), 47 em fase de projecto e mais 38 em diferentes fases do programa base. 0 clocumento
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refere ainda, a constitui~ao de 51 Associa~oes de Moradores e Cooperativas de Habita~ao econ6mica, das quais apenas 13 se encontravam legalizadas atraves de escritura notarial. Tece mais algumas considera~oes sobre o Servi~o, salientando que «o SAAL n{io eum processo aut61wmo» e refere as verbas ja dispendidas e as verbas atribuidas. A 25 de Abril desse ano de 1976, elege-se a Assembleia da Republica com a seguinte composi~ao partidaria: PS 35%; PSD (PPD) 24%; CDS 15,9%; PCP 14,6%; UDP 1,7%. Entra tambem em vigor nesta data, conforme referimos, a nova Constitui~ao Polltica, a Consti~ui~ao da Republica Portuguesa que consagra o direito a habita~ao, assim como 0 direito a saude e a segurmwa social. Paradoxalmente e ap6s a promulga~ao do direito a habita~ao que o SAAL e o movimento de moradores entram em processo de declinio atingindo pontos de nao retorno. Num momento em que tinha conquistado projec~ao a nfvel internacional, despertando o interesse dos nomes mais famosos da sociologia e da arquitectura francesas e italianas, e conseguindo o apoio financeiro dos EUA, o movimento de moradores e o SAAL entram em fa!Cncia Na sessao da Assembleia da Republica de 12 de Outubro de 76, o Arquitecto Gomes Pernancies, cleputado do PS e acljunto do Ministro cla Habita~ao, numa interven~ao muito bem estruturada sobre a questao cla habita~ao na regiao do Porto, acaba por atribuir ao <<Oportunismo partidario» ea «incompetencia profissional de a/guns tecnicos», a inoperancia do SAAL. Embora tecenclo elogios a filosofia e aos objectivos fundamentais do SAAL, levanta serias cluviclas sobre o destino das verbas dispendiclas «em apoios tecnicos e administrativos» (2°), responsabilizando o Ministerio cla Habita~ao, Urbanismo e Constru~ao pela avalia~ao de todo o processo. Toma o cuiclado de sublinhar que as opera~oes ja iniciadas nao devem ser interrompidas, uma vez que estao em jogo «os direitos de uma popula~·ao trabalhadora», devem sim ser «afastados os elementos nocivos». A interven~ao e aplaudida pelos grupos parlamentares do PS, do PSD (PPD) e do CDS. (Doe. 203, Livro Branco do SAAL) Equipas tecnicas e algumas organiza~oes de moradores, tomam posi~ao e refutam as acusa~oes do deputado Gomes Pernancies, prestando simultaneamente esclarecimentos sobre o processo SAAL.Os Servi~os Centrais de Coordena~ao do SAAL publicam uma folha informativa esclarecendo varios aspectos do processo em 18 de Outubro. Sublinham-se, a validade dos princfpios, os objectivos e a metodologia, eol Mais tarde, em 4 de Novembro de 76 o Ministro da Habita~ao ordena «tmw sindicdncia no sentido de m·eriguar todas as possfl·eis irregularidades e seus responsdveis, (... jfixando o pra;o de quarellta e cinco dias para o efeito.'> 0 Despacho foi publicado a ll de Novembro e, tendo sido cumprida a tarefa de realiza~ao da sincliciincia, nao foram ate hoje tornados publicos os seus resultados.
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explicitam-se as limitay5es e bloqueamentos e apontam-se possiveis desenvolvimentos, terminando com uma proposta concreta de reestruturayao do Serviyo. Nao obstante toda esta dinamica, no dia 27 de Outubro de 76 e exarado um Despacho conjunto do Ministro da Administrayao Interna e do Ministro da Habitayao, Urbanismo e Construyao que ficou conhecido como o Dcspacho de «extinyao do SAAL». No texto do Despacho (" 1) acusam-se as Equipas do SAAL, de uma inadequada assistencia as populay5es, e de incapacidade tecnica revelada na dificuldade de resoluyao das quest5es de obtenyao de tenenos para construyao e na insuficiencia de fogos construidos. As raz5es apontadas sao, o desvio por parte dos tecnicos do espfrito do Despacho de criayao do SAAL, «actuando (estes) il margem do FFH e das pr6prias autarquias focais». Para alem destas consideray5es, e conforme refere Fonseca Ferreira:
«numa redacrao de grande subtileza dedutiva, o Despacho misturava o SAAL cam a progressao 'assustadora' da construrao 'clandestina' eo aparecimento de novas bairros degradados no p6s-25 de Abril. Deste modo se inculcava 1w opiniao publica menosfamiliarizada comas causas das carencias habitacionais, a ideia de que o SAAL seria responseivel par essas situaf·8es e pefo fracasso das po1fticas que vinlwm sendo seguidas». (1987: 92) Entretanto haviam sido criados nas Camaras Municipais, recentemente eleitas segundo as regras democraticas, os Serviyos Municipais de Habitayao tendo como objectivo principal, a atribuiyao e gestao das habitay5es do sector publico. Encontravam-se assim reunidas as condiy5es para que a decisao polftico-administrativa de transferencia do programa SAAL para a Administrayao Local, aparecesse, do ponto de vista formal, como a mais conveniente para a prossecuyao dos objectivos do SAAL e reconduyao do processo asua filosofia inicial. 0 SAAL foi entao colocado na inteira dependencia dos executivos camararios, que decidiriam da continuayao ou interrupyao das operay5es e da contratayao e reconstituiyao das Equipas Tecnicas. Esta medida de transferencia do programa para as Camaras, foi mais um factor complicador do processo. Um dos principais factores de bloqueamento do SAAL, desde o seu inicio, teria sido a complexa e dificil articulayao das Equipas tecnicas com os decisores e os tecnicos das autarquias, tendo-se gerado em alguns casos um contencioso nunca ultrapassado. Sendo esta dificuldade do conhecimento publico,
('') «Detennina normas para suster, com eficacia e justi9a social o constante desenvolvimento das areas de constru9ao clandestina» cf. sumario do Despacho ministerial DR --I Serie, nurnero 253 de 28 de Outubro de 1976.
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nao tendo a Administra9ao Central dotado as Camaras de recursos tecnicos e financeiros pr6prios, e continuando estas a depender de organismos do Poder Central para a decisao sobre processos de expropria9ao e aprova9ao dos pianos de urbanizayao, estava ÂŤtecno-burocraticamente decretadaÂť a asfixia lenta do SAAL As for9as sociais e politicas que defendiam a manuten9ao da estrutura organica e da metodologia de interven9ao tecnica do SAAL, encontravam uma conjuntura polftica, econ6mica e social desfavoniveL Por outro !ado, e para alem do texto legal ser formalmente inatacavel, a extinyao do SAAL nao era um acto isolado. Inseria-se numa deliberada neutralizayao das medidas que concretizavam uma determinada orienta9ao da polftica social de habitayao. Favorecia, atraves da implementa9ao de outras medidas, a promo9ao privada eo mercado livre de habitayao, um outro vector da polftica habitacionaL A aten9ao do Governo seria transferida para estratos da media burguesia e desfocada das camadas economicamente insolventes da populayao. As polfticas e os direitos sociais obedeciam sobretudo a regras ditadas pela conjuntura econ6mica e polftica nacional e internacionaL
4.3- Algumas visibilidades e muitas oculta~'l5es Volvidos dezasseis anos ("2), o SAAL e um programa que permanece no limbo, do qual os protagonistas 'nao querem falar'. Ao longo das entrevistas que tivemos oportunidade de realizar, demo-nos conta das resistencias. A conversa iniciava-se com reservas e as respostas eram cuidadosamente controladas. Pouco a pouco iam-se sobrepondo o entusiasmo e a vontade de contar o vivido, o percebido, o retlectido, o aprendido, e uma grande curiosidade por conhecer o estado actual das opera96es SAAL e entender melhor o processo, os seus infgmas e as suas resultantes. Determinar exactamente as realizay5es concretas do programa, a nfvel nacional, e uma tarefa muito diffcil, ja que deixou de existir um organismo central que controlasse o processo. Dos projectados dez anos de vida do Servi9o, apenas dois foram cumpridos e ainda assim, com os problemas que ja vimos. Nao se conhece nenhuma investiga9ao actualizada sobre o processo SAAL, mas estima-se que dos 40000 fogos previstos em 1974, tenham si do construidos 8000 ate 1992. Em rela9ao asitua9ao que se verificava em Outubro de 1976, na altura em que se extinguiu o Servi9o, e cruzando dad os apresentados por Fonseca Ferreira (1987: 86)
e)
Em rela9aO adata de elabora9aO da disserta~ao de mestrado.
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e dados recolhidos no Livro Banco do SAAL, a situayao pode resumir-se como sendo a seguinte:
-Total de famflias envolvidas nas opera9oes iniciadas: 41665, das quais 19891 na regiao de Lisboa, sendo 13509 da cidade de Lisboa. -Total de novas fogos iniciados: 2259, dos quais 676 no distrito de Lisboa, sendo 172 na cidade de Lisboa. Total de fog os construfdos: 136 (nao figurando dados para o distrito e cidade de Lisboa). - Total de organiza~路oes de moradores constituidas: 158, das quais 52 do distrito de Lisboa, sendo 19 da cidade de Lisboa. -Total de Equipas constituidas: 95 que englobavam urn total de 575 tecnicos (sem dados discriminados para o distrito e cidade de Lisboa). Em 1991, e referindo-nos apenas a cidade de Lisboa, constat<imos, atraves da pesquisa empfrica que efectmimos, que das 19 organizayoes de moradores de bairros de lata, apenas 14 tinham conseguido a aprovayao dos Estatutos e respecti va publicayao no Diario da Repl!blica, pelo que eram sujeitos colectivos com personalidade jurfdica e seus orgaos directivos foram socialmente legitimados. Dessas 14 organizay5es apenas 10 conseguiram obter financiamento ou terrenos que lhes permitis se m iniciar a construyao dos novos bairros. Segundo dados fornecidos em 1991 pela Camara Municipal de Lisboa, foram construfdos na cidade 1429 fogos, estando mais 116 em fase de construyao. De todos os Bairros referidos, apenas um (o da Boa Esperanya), construiu o numero de fogos inicialmente previsto (152). Relativamente aos outros bairros que iniciaram a construyao regista-se urn deficit de 1033 fogos, tendo como referencia os projectos iniciais.
Eimportante acrescentar que ate 1992, nao foi conclufdo nenhum bairro SAAL. Todos permanecem incompletos do ponto de vista urbanfstico. Nao foram construidos os equipamentos colectivos previstos e urbanizada a envolvente imediata a habitayao. 0 edificado apresenta actualmente, alguns sintomas de degradayao, e nao existindo na grande maioria dos Bairros arranjos dos espa9os exteriores, experimenta-se uma sensayao de abandono, expressa, inclusivamente, pelos pr6prios mm路adores no decurso das entrevistas que realizamos. Nenhum organismo oficial assume a responsabilidade da conclusao e da gestao urbanfstica dos Bairros, canalizando sempre as solicitayoes colocadas pelos moradores para as 'outras' instituiy5es. Ha muito que os moradores se cansaram de 'circular' entre o INH, o IGAPHE e as Cimaras Municipais. As situayoes de degradayao ffsica dos bairros acentuam-se e as situay5es de degrada9ao e de conflictualidade social tendem a agravar-se.
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A maioria das organiza96es de m01路adores, enquanto sujeitos colectivos, desarticularam-se e retomaram a invisibilidade perdendo espa9o politico. 0 movimento de m01路adores dissolveu-se, fragmentou-se, a semelhan9a do que aconteceu ao MFA, as Equipas SAAL e a alguns partidos politicos, seus potenciais articuladores socrars. Num processo em que tomam particular relevancia as altera96es conjunturais e estruturais, a correla9ao de for9as na sociedade civil e na sociedade polftica, os novos sujeitos sociais ganharam a promulga9ao do direito a habita9ao mas perderam o exercicio desse mesmo direito. Nesta Lisboa de 1994 e com um novo programa habitacional, o Piano Especial de Realojamento (PER), permaneceni o desfazamento entre as espectativas de bem estar ea capacidade para atende-las/realiza-las?
Considera~oes
Finais: 0 Reconhecimento e o Exerdcio do Direito de Habitar - Dessincronias
Ao longo do processo de configura9ao e operacionaliza9ao do SAAL e em torno da questao do Direito a habita9aO e a cidade, que se prende com a questao mais vasta da equidade social e polftica em Portugal, desenvolveu-se um sistema de alian9as e conflitos entre diferentes protagonistas da sociedade civil e da sociedade polftica. No contexto urbano da AML, as alian9as e os conflitos inscritos em momentos conjunturalmente diversos, foram variando consoante o que estava em jogo para cada um dos intervenientes face aconela9ao de for9as sociais e polfticas nos diferentes perfodos hist6rico-polfticos considerados. As questoes em analise foram abordadas tendo em considera9ao duas vertentes principais: - uma, de natureza polftica e situando-se no domfnio do simb6lico - o reconhecimento e a promulga9ao formal do Direito de habitar pelo Estado; - outra vertente, de natureza institucional/operacional, situa-se no domfnio das praticas e das polfticas sociais que incluindo ou excluindo a popula9ao urbana insolvente em programas estatais, permitem ou inibem o acesso desses segmentos de classe a servi9os que viabilizam!inviabilizam o exercfcio do Direito ahabita9aO e acidade. 0 Direito de habitar, tacitamente reconhecido a partir do Despacho de 6 de Agosto de 1974, atingiria um ponto de nao retorno em 1976, coma institucionali-
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zayao da democracia ea promulgayao da Constituiyao da Republica. 0 artigo 65. 0 consagraria o Direito aHabita\ao: << 1 - Todos tern direito para si e para a sua familia, a uma habita~ao de dimensao adequada, em condi~oes de higiene e COJ{{orto e que preserve a intimidade pessoal e CL privacidade familicu:Âť
A prop6sito da rigidez adquirida pelos direitos ap6s a sua promulgayao formal citamos Boaventura Sousa Santos: ((( ... )os direitos sociais, uma vez criados, sao independentes da conjuntura econ6mica que os tomou necessarios ou possfveis e nclo lzd, em secle po/{tica nenhum motivo aceitavel para que sejam eliminados ou alterados, uma vez passac/a essa conjuntura e s6 por esse facto.Âť (1990a: 200) Mas uma coisa e a manutenyao formal dos direitos sociais atraves do quadro legal, outra coisa e a aplicayao desse quadro legal, ou seja, a pratica desses direitos a viabilizar necessariamente pela mediayao institucional. E que o exercfcio dos direitos sociais a ser concretizado atraves das praticas cstatais e das praticas sociais dos agentes envolvidos, depende de aspectos estruturais e conjunturais, e mais imediatamente, depende do contexto especifico em que operam essas praticas e das diferentes foryas sociais em presenya. Ja vimos em momentos anteriores deste trabalho, como a questao da habitayao social mobiliza diferentes grupos sociais, com interesses conflituais e contradit6rios e como estes aspectos se complexificam no caso da AML. Consoante o peso polftico dos diferentes grupos nos diferentes momentos conjunturais e dependendo do que esUi em jogo, assim o Estado portugues tendeu a viabilizar o exercicio do Direito a habitayao e acidade; tendeu a concretizar polfticas e programas sociais, ou a restringir esse mesmo exercicio atraves do bloqueamento dos ditos programas e polfticas. No caso do programa SAAL, estava portanto em causa o problema da forya relativa, da legitimidade e do saber de um sujeito social e colectivo, o movimento organizado dos moradores. Estava em causa a legitimayao, pelo Estado, do acesso aos direitos e aos beneffcios do desenvolvimento econ6mico, do acesso ao espayo da cidade, do acesso a um espayo social, polftico e econ6mico, por parte de estratos cconomicamente insolventes, de populayao excedentaria em termos de produyao de mais valia. Na concretizayao desses direitos e no aces so a esses espayos o estado utiliza um mediador privilegiado, o Direito enquanto norma juridica. Mediador privilegiado porque conservando uma extcrioridade em relayao ao econ6mico e ao polftico, e eficaz no controlo dos processos sociais conflictuais e contradit6rios e no jogo de interesses que a promulgayao dos direitos sociais envolvc. (Santos, B.S.l990a)
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Ha no entanto dois aspectos a analisar na questao da utilizac;ao da norma jurfdica pelos diferentes Governos no perfodo temporal considerado (Abril de 1974/0ut 1976). Por um !ado, os sucessivos Governos Provisorios, nao conseguiram sincronizar as praticas sociais institucionais com o quadro legislativo especffico. Por outro, os Governos Constitucionais encontraram-se a brac;os com uma discrepancia entre as exigencias dos movimentos sociais, o consignado na Constituic;ao e as possibilidades reais da sua concretizac;ao, acabando por bloquear o processo SAAL atraves da utilizac;ao de instrumentos jurfdico-formais conjugados coma utilizac;ao da propria burocracia estatal. Em princfpio, a personalidade jurfdica atribufda as organizac;oes de moradores e o conjunto de medidas legislativas a implementar pela SEHU e pelas varias instituic;oes implicadas no SAAL, corresponderia a uti1izac;ao de mecanismos e instrumentos jurfdicos que transportariam as reivindicac;oes dos moradores para a legalidade, colocando-as dentro dos parametros normativos do Estado. 0 que aconteceu foi que as praticas sociais avanc;aram depressa demais, atingindo no domfnio dos direitos e das polfticas sociais, nfveis que nao foram cobertos na sua totalidade pelas normas jurfdicas, indo portanto para alem dos quadros legais existentes. Por outro !ado, as organizac;oes de moradores despossufdas de memoria historica, de mediadores/articuladores sociais e de saber organizativo, nao se conseguiram posicionar como gcstores do processo e como promotores imobiliarios colectivos. Estes aspectos, conjugados com outros ja colocados, constituiram mais um factor de vulnerabilidade do movimento e das conquistas dos moradores. Num tempo de crise financeira do Estado (perfodo de desinvestimento e recessao economica interna, aliada a inibic;ao de recursos externos), pmtanto num tempo de crise das politicas distributivas, aconteceu exactamente o contrario do que seria desejavel, foi por meio dos mecanismos jurfdico-formais e tecno-burocraticos que se retardou e asfixiou o proccsso de conquista e exercfcio do Direito de habitar. Os Governos Constitucionais nao so nao promulgaram determinadas leis, como nao regulamentaram devidamente outras. Tambem nao dotaram de verbas e recursos tecnicos necessarios as Camaras Municipais recentemente eleitas e para onde transferiram as competencias do SAAL (Dcspacho de 28 de Outubro de 1976) comprometendo portanto a execuc;ao do programa. Assistimos entao ao bloqueamento progressivo das operac;oes SAAL ea sua interrup~ao nomeadamente na cidade de Lis boa. A estrategia polftica subjacente a estas formas de actuac;ao e que se prende directamente com a questao da revinculac;ao das polfticas distributivas as necessidades do processo de acumulac;ao do capital, e simultaneamente uma estrategia de deteriorac;ao dos bens e servic;os de consumo social e de desvalorizac;ao dos direitos
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sociais. Coloca portanto o Estado no cerne de um processo hist6rico muito complexo e contradit6rio. (Santos, B.S., 1990a) A desvaloriza~ao dos direitos sociais ja consignados na Constitui~ao pode por em causa a legitimidade do Estado. Daf, que a retirada dos direitos, no caso do Direito ahabita~ao, seja necessariamente subtil e gradual. 0 Direito formal permaneceu e o exercfcio do Direito inibiu-se deixando progressivamente de ser concretizado. Os entraves experimentados com a legaliza~ao das organiza~oes de moradores, com as expropria~oes de terrenos para a constru~ao de habita~oes, com a canaliza~ao das verbas para subsidiar o infcio das opera~oes, demonstra o que vimos dizendo e constituiu factor de desmobiliza~ao do movimento de moradores. Para as suas organiza~oes tornou-se diffcil gerir os longos tempos de espera e contornar os insucessos e as 'ciladas' provocadas pelas malhas jurfdico-formais oficiais. Condicionamentos e cont1itos internos impediram que a grande maioria das organiza~oes de moradores adquirisse as capacidades de gestao e simultaneamente de interlocu~ao requeridas e pressupostas pela propria natureza do SAAL. A ausencia de media~oes, de articuladores sociais facilitou a inibi~ao do exercfcio do direito ahabita~ao e acidade. 3) Pensamos que a rela~ao entre as praticas sociais das organiza~oes de mm路adores e as praticas polfticas estatais, ou seja, a rela~ao entre as estruturas populares e as estruturas do poder politico, nao e directa, e necessariamente transitiva, logo necessita de media~oes. As Equipas SAAL e o MFA, por hip6tese articuladores privilegiados do movimento de moradores, acabaram por nao exercer eficazmente a fun~ao de media~ao. A oculta~ao dos vfnculos que articulavam os partidos polfticos e as organiza~oes de moradores, desejada por uns e por outros, acabou por prejudicar a media~ao, eventualmente positiva, das organiza~oes partidarias na inter-rela~ao das organiza~5es de moradores com o Estado. A invisibilidade dos vfnculos partidarios, nao favorecendo a media~ao, fragilizou alian~as que nao poderam assim ser polftica e socialmente assumidas e legitimadas.
e
Em suma, em 1974/75, a ausencia de media~oes atraves de articuladores sociais estaveis, impediu a apropria~ao da legalidade 'oficial' por parte do movimento de moradores, no sentido de fazer reverter a seu favor a utiliza~ao dos canais jurfdico-formais da legalidade democratica. A partir de 1976 e numa outra correla~ao de for~as este movimento popular perdeu as condi~oes polfticas de visibilidade, de
(') Hip6tescs clesenvolviclas na clisserta~ao de mestraclo e que rctomaremos em outro artigo.
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de um espa~o publico e a capacidade de reivindica~ao. Estavam reunidas as condi~oes propfcias aretrac~ao do direito ahabita~ao. A estrategia de «desvaloriza~ao dos direitos sociais» (Santos, B.S. 1990a) foi progressiva e o bloqueamento das polfticas sociais que concretizavam esses direitos, por um Estado que estava afinal vinculado constitucionalmente a eles, tomou forma sobretudo a partir do final de 1979. A polftica de habita~ao sofreria uma inflexao decisiva nos anos 80. 0 SAAL e outras medidas de execu~ao de uma polftica social de habita~ao saida da conjuntura de Abril de 1974, afectavam negativamente os interesses dos grupos industriais e financeiros envolvidos na produ~ao e na comercializa~ao da habita~ao, e dos propriet<irios imobiliarios. Este aspecto da problematica habitacional, agora no contexto de uma outra correla~ao de for~as, e um factor que aliado a outros de que ja falamos e aos «estrangulamentos financeiros ditados pelo acordo com o FM!» (Ferreira, A.F. 1987: 121) firmado em 1978, contribuiu para a mudan~a de rumo da polftica habitacional. A desarticula~ao do sector publico de promo~ao habitacional, a simultanea liberaliza~ao dos mercados ea privatiza~ao da produ~ao passariam a constituir as metas a alcan~ar. A altera~ao das posi~oes politicas relativas na sociedade civil, altera tambem o jogo no espa~o urbano enquanto locus de cria~ao, reparti~ao e utiliza~ao de bens e servi~os socialmente produzidos. A conjuntura nacional e internacional, a base social do movimento de moradores, os seus articuladores sociais e os aspectos concretos para os quais eles queriam obter resposta (uma casa condigna no bairro/sitio onde viviam) sao os factores determinantes na emergencia assim como no declfnio do movimento de moradores dos bairros de lata da AML. 0 retrocesso do movimento de moradores correspondeu aretirada destes da cena polftica, asua oculta~ao. Reduziu a conquista do direito ahabita~ao e acidade a uma imagem virtual. Ao longo do processo de pesquisa e do trabalho que tivemos oportunidade de desenvolver entre 1974 e 1992 em alguns baitTos da cidade e da area metropolitana de Lis boa, demo-nos conta de que aqueles moradores, trabalhadores errantes de vinculos contratuais precarios, culpabilizados pelo insucesso do seu movimento de luta, marginalizados do espa~o publico, se auto-excluiram do processo politico e acusam niveis baixos de auto-estima. Mas apesar das muitas contradi~oes e conflitos internos a nivel individual e colectivo, ganharam memoria colectiva do tempo das lutas solidarias; ganharam, pelas praticas desenvolvidas, uma certa percep~ao e habilidade na manipula~ao de instrumentos jurfdico-burocraticos; ganharam capacidade organizativa e identidade. Pela afirma~ao do sentido das lutas, pelas conquistas e pela visibilidade e ocupa~ao de um espa~o publico, chegaram ate a adquirir foros de cidadania.
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Experimentam actualmente o conflito da rela~ao antag6nica entre uma cidadania que lhes dizem ser europeia e a desigualdade social, polftica e econ6mica no seu proprio pafs. Etalvez na resolu~ao/gestao deste conflito entre uma democracia polftica e uma democracia social que em outro momento conjuntural e cstrutural se encontrarao as potencialidades modificadoras das situa~oes de desigualdade social e de exclusao. Af residira a capacidade de renascimento dos moradores como sujeitos sociais com autonomia, protagonismo e implica~ao na resolu~ao dos seus pr6prios problemas, na modifica~ao das suas condi~oes de vida. Sujeitos inseridos cultural, social e polfticamente.
Euma hip6tese que deixamos em aberto e que toma forma na decada de 90. Os Estados buscam outros parametros e novas formas de legitima~ao, confrontados que estao com: - a tensao entre a reivindica~ao crescente cla democracia e novas formas de autoritarismo; -a pressao social no sentido da conquista da equidade, da aboli~ao das desigualdades sociais, econ6micas e culturais cacla vez rnaiores e mais visfveis; -a altera~ao da esfera polftica de competencias dos Estados Nacionais (atraves do surgimento de novas identidades locais, o infra-estatal, e o processo continuado de emergencia do transnacional, o supra-estatal); -a violencia urbana crescente e assustadora. Os processos de exclusao e de desafilia~ao avan~am mais depressa que a invenE preciso que saibamos inverter as tendencias. A dessincronia entre o reconhecimento e o exercfcio do direito ahabita~ao e acidade e apenas uma das po ntas. ~ao das solu~oes.
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cm Portugal
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CONFERENCIA TRANSFORMA<;OES E TENDENCIAS DA SOCIEDADE PORTUGUESA (+) Conferencia do Prof Doutor Jose Madureira Pinto(**) "A reflexao sabre a especificidade da sociedade portuguesa, que a investiga~ao empfrica em domfnios mais ou menos abrangente tem vindo a consolidar, permite, correndo embora o risco de imperfei~5es, identificar alguns operadores decisivos das suas dinamicas de transforma~ao (econ6micas, polfticas, culturais). Procurar inventariar, a partir deles, velhos e novas processos de vulnerabiliza~ao social podeni constituir objectivo pertinente no quadro de uma discussao sabre as rela~5es entre o Servi~o Social e Sociedade".
TOPICOS PARA UMA DISCUSSAO SOBRE TRANSFORMA<;C>ES RECENTES NA SOCIEDADE PORTUGUESA I.
Introdu~ao:
"Portugal eum pais inteligfvel" ... e bastante estudado
2. Morfologia social 2.1. Litoraliza~ao, suburbaniza~ao, urbaniza~ao difusa 2.2. Extensao e dissemina~ao do espa~o rural "profunda" 2.3. Padr5es migrat6rios: migra~5es internas "chissicas"; migra~5es pendulares (alargamento das bacias de emprego); retorno de emigrantes; novo ciclo de emigra~5es "permanentes"; emigra~5es "temponirias"; imigra~ao
0 presente texto e os esquemas que se seguem constituem os clocumentos sfntese cla conferencia. distribufclos pelo autor. 路~路' Professor cla Faculdade de Economia cla Universidade do Porto.
250
Interven~ao
Social
2.4. Duplo envelhecimento e declfnio da taxa de fecundidade 2.5. Interroga~oes prospectivas: um espa~o de mobilidade pluriforme, mut<ivel e exogenamente sobredeterminado? Um espa~o rural irreversivelmente desvitalizado? 3. Base produtiva 3. I. Padrao de especializa~ao econ6mica dependente e vulnenivel 3.2. Economia informal: fun~oes latentes e disfun~oes 3.3. Assimetrias regionais acentuadas (apesar do QCA) 3.4. Agricultura: um novo dualismo ou a inviabiliza~ao generalizada? 3.5. Desindustrializa~ao, moderniza~ao e reconversoes industriais 3.6. Uma mudan~a organizacional por fazer 3.7. Integra~ao econ6mica e "formaliza~ao" da economia: efeitos perversos 4. Escolariza~.;ao/forma~.;ao profissional 4.1. Taxas de escolaridade: confirma~oes e surpresas (a incerta rela~ao entre educa~ao e desenvol vimento) 4.2. Licealiza9ao da escolaridade obrigat6ria, enviesamento das identidades vocacionais; ensino tecnico-profissional tardio e selectivo 4.3. Desemprego e subemprego "qualificados"; qualifica~oes escolares e qualifica~oes institufdas 4.4. Forma~ao profissional: procuras, conteudos e rela~ao com o emprego 4.5. Analfabetismo funcional e outras regressoes culturais 4.6. Escolariza~ao e constrw;;ao de aspira~oes sociais 4.7. Perspectivas do desenvolvimento "end6geno" e "integrado": sinergias sem energias? (rever 2. e 3.)
5. Sistema (?) de emprego 5.1. Emprego formal, subemprego, emprego clandestino; a perspectiva do desemprego estrutural 5.2. Precariza~ao da rela9ao salarial 5.3. A explora~ao invisfvel: trabalho ao domicflio; subcontrata~oes selvagens 5.4. Feminiza~ao do cmprego (acima da media europeia) 5.5. Terciariza9ao acelerada da popula9ao activa 5.6. A especificidade do emprego em Portugal: desafios a teoria das classes SOCialS
6. Recomposi~.;ao de classes; mobilidade social 6.1. Operariado e campesinato em queda 6.2. Expansao das "classes medias" 6.3. Situa~oes e posi~oes de classe: um jogo de espelhos em
muta~ao
acelerada
Pobreza, Marginalidad y Salud Mental
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6.4. Fluxos de mobilidade intergeracional diversificados e estatisticamente relevantes (o efeito da extensao recente da escolariza~ao) 6.5. 0 efeito de "escada rolante" ea sua relativa invisibilidade 6.6. Grupos de perten~a e grupos de referencia (primeira abordagem) 7. Estado e regula~ao social 7.1. Um Estado-Providencia limitado e amea~ado 7.2. Sociedade-Providencia: ambiguidades e factores de desestrutura~ao 7.3. Perspectivas da descentraliza~ao das politicas sociais e de uma recomposi~ao das formas de solidariedade (as utopias possfveis sao locais?)
8. Praticas culturais 8.1. Expansao das industrias culturais e privatiza~ao das rela~oes sociais 8.2. Cultura cultivada, culturas populares (folclorizadas?), novas formas de cultura urbana 8.3. Cultura escolar: cultura dominante ou cultura de resistencia? 8.4. Anima~ao cultural local: do largamento dos publicos a revitaliza~ao da esfera publica 8.5. Grupos de perten~a e grupos de referencia (segunda abordagem) 9. Valores, identidades 9.1. Crise dos grandes referenciais ideol6gicos com gestao parcelar e pragmatica dos sues elementos 9.2. 0 referencial "familia" 9.3. A "descoberta" das identidades (identidades sociais, culturais, profissionais, territoriais, locais, regionais, debeis, fortes, reais, fragmentadas, de classe ... ) - um caminho sem safda? (Novos desafios ateoria das classes sociais) 10. Processos de das classes sociais)
vulnerabiliza~ao
e exclusao social (mais desafios
a teoria
Interven~ao
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Social
PROCESSOS DE VULNERABILIZAC:AO I EXCLUSAO SOCIAL Esfera da proclu~ao Modelo de desenvolv.
Reafecta~ao de recursos Polfticas sociais/Redes de solid.
ConscienciaiÂŤ Voz>>
Estaclo-Providencia Padrao de espec. econ. dependente c vulnen\vel
. .. ameayado
Reestrut./inviabiliz. de sectorcs prod./desemprego de longa dura~ao
Economia informal rcgre.ssi va
'' '' ' (
'
Formalizacao/inviabiliz. do sect~r informal
\
I
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I \ \ \
\ \
Mctamorfoses cla salari<d Desregula~ao
da
I
rela~ao
Reconhecimento/ /mecliatizaqao cla exclusao
I I I I
generalizada salarial
Exclusoes silenciadas
rela~ao
Litoriza~ao/Deseq.
Regressao da democ. participati va
regionais
Desertifi. litoral do N. e C. Interior e Alentejo/ /suburbniz. massiva
ÂŤArrefecimento generalizado de energias cfvicas
Recomposi~ao
demogrMica/ /novos padroes migrat.
Envclhecim. no interior e grandes centros urbanos!imigraqoes
Contracli~oes
no bin6mio cscolariz.-merc. trabalho
Safda precoce do sist. de ensino/ Desemp. e subemprego qualific.
Socieclade-Providcncia . .. em desestrutura~iio
Pobreza. Marginalidad y Salud Mental
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DEBATE (DJ:" M." Augusta Negreiros)
"Resta-me agradecer ao Prof. Madureira Pinto esta excelenle contribuiyao que nos deu fornecendo-nos, de facto, um panorama sobre a sociedade portuguesa que contribui, com certeza, para tornar inteligivel para n6s todos, de uma forma muito mais concreta e mais proxima, digamos assim, este pais. Muito obrigada. Neste momento iriamos entao passar ao debate. Penso que ha aqui muitas pontas, com certeza, que levantaram interrogay6es, quest6es, enfim ... que vao ser, com certeza, produtivas no debate e portanto quem quiser e s6 levantar 0 brayo." (DJ:" Dinah Ferreira)
"Desculpem eu pedir ja a palavra mas e exactamente para subverter ainda um pouco o inicio do debate. Eque eu fiquei curiosa pm路que o Prof. Madureira tinha-nos prometido falar um pouco do ponto de interrogayao em relayao ao sistema de emprego. Eu pressinto que ha ai alguma coisa a ver com o conceito da M." Joao Rodrigues ... gostava de ouvir ... Muito obrigado." (Prof Madureira Pinto)
"Realmente eu tinha dito que ia fazer referencia a esse panto de interrogayao que esta no t6pico sabre sistema de emprego ... A minha ideia e esta: e que (e de facto is to tem a ver com a proposta de mudanya terminol6gica da Maria Joao Rodrigues relativamente a falar-se destes temas em termos de mercado de trabalho) ela diz, e muito bem, acho eu, que em Portugal falar em mercado de trabalho e, provavelmente, abusivo na medida em que precisamente o espayo da economia formal onde a 16gica da produyao e oferta de forya de trabalho com estabelecimento de preyos, digamos salarios, niveis salariais- que essa ideia e mn pouco artificial. Portanto, e preferivel alm路gar este espayo a outros domini os, nomeadamente o da economia informal e de ... si m, fundamentalmente da economia informal. Agora, pm路que e que eu ponho um panto de interrogayao? Epm路que eu tenho duvidas que se possa falar a esse respeito de um sistema. A ideia de rede de mobilizayao de forya de trabalho (que e avanyada por um autor, julgo que Goldman) parece-me bastante mais interessante para pensar alguns ... (eu nao digo ... claro que este ponto de interrogayao e claramente para criar alguma tensao polemica, nao
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Intervcn9ao Social
ha duvida nenhuma). Agora essa ideia de rede de mobiliza~ao de mao-de-obra parece-me bastante mais feliz p01路que aponta bem no sentido de perceber algumas coisas que se pass am, quer no sector informal todo, se m excep~ao, quer (como eu ja disse ha pouco) em largas zonas do sector formal. 0 recrutamento da mao-dc-obra faz-sc muito com base em redes informais de conhecimento e de parentesco. Isso claro que resolve localmente alguns problemas de desemprego, agora o que a prazo cria e condi~oes para sobre-explora~ao, por exemplo. Essas rec!es, por outro !ado, nao tem consistencia que se possa coadunar com a expressao "sistema": sao recles mutaveis, a transi~ao do emprego para o desemprego epermanente (mais uma vez no sector da constru~ao civil isso se verifica- as pessoas entram e saem no sistema de emprego a ritmos impressionantes - as estatfsticas registam uma parte dessa verdade que sao as entradas e as safdas no mercado de trabalho que neste sector sao frequentes, mas ha uma outra parte que nao vem nas estatfsticas que tem a ver com mobiliza~ao: por uns dias para a obra, por um mes, por dois meses, para depois entrar numa situa~ao de uns dias, uns meses de desemprego, etc.). Isto tudo se faz a custa de redes informais (de conhecimcntos, insisto) de parentesco eo que faz com que as obras dos estaleiros da constru~ao civil na cidade do Porto, por excmplo, sejam ocupados cliariamente em largufssima propor~ao por sujeitos que se cleslocam diariamente, ou ao fim-de-semana, de areas do distrito ou fora do distrito (nao tao longfnquas como isso mas apesar de tudo que se situam na periferia do distrito- Baiao, Marco de Canavezes, etc. esse circuito faz~se permanentemente) e corresponde a pessoas que, ora estao no estaleiro por conta de um empregador intermediario, quer nao, e que as vezes trazem um amigo, c que trazem um conhecido e isto tudo se passa de uma forma, de facto, tao informal e tao pouco controlada que eu penso que aincla e um excesso em falar em "sistema de emprego". Portanto, a outra expressao das rccles de mobilizayao que estao em permanente muta~ao e nunca estabilizadas parece-me poder ser mais interessante para perceber alguns fen6menos espccfficos do emprego em Portugal. Mas, enfim, e s6 esta a diferen~a." (D1:" M." Emflia Scmtos)
''H<1 uma questao que eu queria colocar que e uma ccrta preocupa~ao que eu tenho. Por temperamento eu nao sou pessimista mas a gentc nao pode fugir as preocupay5es e a realidade. E nao ha duvida que esta questao que falou no emprego clandestino (e com toda a amalgama de situa~oes que ele encerra) a mim me preocupa particularmente com uma serie de situa~5es que cu penso que nao estao visfveis ainda neste momento mas que estarao nos pr6ximos anos que e a questao, que ate agora mais ou men os tem si do re sol vida (e estes ultimos 20 an os, sobretudo, tem mais ou menos resolvido a situa~ao dentro dos limites cla lei) que e
Pobreza, Iv!arginalidacl y Salucl lV!ental
~55
a questao de seguran<;:a, de higiene e de acidentes de trabalho. P01路tanto ate agora corn os limites que a lei imp6e (e que sao muitos, nomeadamente a historia das pens6es e da nao actualiza<;:ao de pens6es na grande maioria das situa<;:6es) a verdade e que existe, sobretudo a nfvel da recupera<;:ao ffsica, sobretudo a fase de tratamento, ela realmente existe e dentro de parametros ja bastante satisfatorios, podemos dizer assnn. Eu penso que estas situa<;:6es vem trazer do emprego clandestino uma nova situa<;:ao que e o facto do trabalho nem ao menos isso ter. Portanto veremos isso daqui a uma serie de anos a repercussao que tern agora o facto de o indivfduo trabalhar, o facto de um trabalho ja nao ser sequer urn meio de vida mas passar a ser urn meio de morte. Isto e realmente a minha preocupa<;:ao. Por outro !ado, na nossa area de interven<;:ao do servi<;:o social, falou e penso que muito bem, que nos estamos, realmente, sempre numa area de lidar com o sofrimento e eu penso que isso tem urn peso muito grande para nos. E, portanto, como estou ligada a estas quest6es do emprego, da higiene e da seguran<;:a e, enfim, destas repercussoes todas, penso que nos, assistentes sociais que fazemos realmente esta media<;:ao- muitas vezes entre o sofrimento e os recursos fracos existentesisto e um peso muito grande ao qual n6s tambem devemos dar muita aten<;:ao ou seja, as condi<;:6es em que muitas vezes n6s trabalhamos, as condi<;:oes de estar tao proximo do sofrimento que as vezes n6s nao nos podemos esquecer dele mas que isso tem muitas implica<;:oes. Eu lembro-me, nomeadamente, do distrito de Setubal quando ha uns anos atras se p6s com a dimensao toda que n6s vimos os problemas que se puseram no distrito (que nomeadamente depois a Igreja veio a tornar publico, etc.) de muitas colegas assistentes sociais actuantes nessa zona que entraram em processos altamente descompensatorios a nfvel de saude e sobretudo a nfvel de saude mental. Eu penso que isto e uma preocupa<;:ao mas por outro !ado penso que os espa<;:os de debate como os que nos vivemos estes dias e outras iniciativas sao de certo modo uma certa lufada de ar fresco que pelo menos nos p6e a pensar sobre as coisa e nos pode ajudar, enfim, nao digo a ultrapassar mas a compensar um bocadinho estas situa<;:6es."
INDICE DOS NUMEROS ANTERIORES REVISTA N.o 1 (Esgotada) • • • • • • • • • • • • •
DOSSIER: lnterven9ao Social em Comunidades Urbanas 0 Espa9o como Poder e o Poder do Espa9o, !sa bel Guerra Diniimica Social e Produ9ao de Arquitectura num Bairro Urbana, Por{irio Ah·es An os 60- Interven9ao Social em Comunidades Urbanas Ac96es de Promo9ao Social em Lisboa, lsabe! Geada Trabalho Social de Comunidades nos Bairros Caman\rios do Porta, M." Augusta Negreiros Guiao de Caracteriza9ao duma Comunidade Urbana - Achegas para uma investiga9ao, Pedro Loff Mesa Redonda: Opticas Sectoriais de lnterven9ao Social em Comunidades Urbana, Francisco Branco, Manuela Portas, Odete Sa e Teresa Sa Preven9ao em Saude Mental- Projecto de Ac9ao Directa numa Comunidade Urbana, Luisa Ferreira da Si/m Para uma Reflexao sobre a Pn\tica Profissional dos Jovens Assistcntes Sociais, Nuno Caiado, Fatima Armijo Pelo Mundo: Lille- Alma Jacquet, Estrategias Populares, Paul Grimonpre~. Informa96es Leituras
REVISTA N. 0 2/3 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
DOSSIER: Servi90 Social, 50 An os de Forma9ao 0 Que Esta em Jogo no Trabalho Social, Yves Bare/ Piano de Estudos do Instituto Superior de Servi9o Social de Lis boa Aprendizagem Experimental e Fonna9ao em Servi9o Social, Francine Ou/let- Dupe e Loce!yn Lindsar Estagios no ISSS de Lisboa no ano lectivo 1984/85, Francisco Branco A Importiincia dos EWigios na Forma9ao em Servi9o Social no Sector do Trabalho no ISSS, Dinah Ferreira 0 ponto de vista Institucional sobre o valor dos estagios 0 Instituto Superior de Servi90 Social, Cooperativa de Responsabilidade Lda., Jorge Cabra! Programa de Interciimbio entre a PUC de S. Paulo eo ISSS de Lisboa Noticia sobre o Projecto de Forma9ao para Agentes Rurais, Manue/a Marinho 0 Palacio do Metelo, Segismundo Pimo A Evolu9ao da Forma9ao dos Assistentes Sociais no Instituto de Lisboa, Ernesto Femandes Elementos para uma Cronologia do Servi9o Social em Portugal, Emesto Femandes Apontamentos para a Compreensao do Ensino no Instituto Superior de Serviqo Social de Coimbra 0 lnstituto Superior de Servi9o Social do Porto 0 Seminario sabre Trabalho Social e Promo9ao Humana, Marf/ia Andrade Comemora96es do Cinquentenario, Emesto Femandes Uma Profissao e a sua Hist6ria na Cidade do Porta A Associa9ao dos Profissionais de Servi~o Social 0 Sindicato Bibliografia