Lusíada Política Internacional e Segurança - 1

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Lusiada Serie I, n .• 1 (2008)

Politica Intemacional e Seguranc;a

Universidade Lusiada Editora Lisboa • 2008


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1 PAVIA, JO$t Ftancisco Lynce Zaaato, 1967·

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SUMARIO NOTA DE ABERTURA E POLITICA EDITORIAL ... ..... ... .......... ..... .. ......... .. ...... .. ........... .... ..

5

PROCEDIMENTO DE ARB ITRAGEM CIENTIFICA ............................................................

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OLHANDO PARA A AFRICA SUBSAARIANA: INSTABILIDADE ENDEMICA OU A FACE DOS ESTADOS INACABADOS - QUE AGENDA DE INVESTIGAc;AO?

Luis Lobo-Femandes ....................................................................................... ... ... ........... .

9

0 MODO PORTUGU ES DE FAZER A PAZ: 0 CASO DE MOC::AMBIQUE

Jose Francisco Pavia .........................................................................................................

19

AFRICA E A CRISE NO ZIMBABWE

Luis Caste/a Branco ... .. .. ...... ... .. ..... ... ..... .. ... .. .... ... ..... ... ............ ... ... ........ .. ....... ..... ... .. ... ... ..

41

AS RAZOES DA PARTICIPAC::AO DE PORTUG AL NA TENTATIVA DE RESOLUC::AO DO CONFLITO ANGOLANO (1987-1990)

Ricardo Barges de Castro.. ... .. .. ... ... ..... .. .. ... .. ... .. .. ... .. ...... .. .......... ... .. ...... .. ................. ... ... ..

67

POLITIC A-SEGURANC::A-DESENVOLVIMENTO NA GUINE BISSAU

Ana Correia .. ... ....... ... .... ... ... ... .. .. ... ..... .. ....... ... .. ........ ..... .. ... .. ... ... .. .. ... ..... ..... ..... ..... ....... .....

83

A CIMEIRA DE-AFRICA DE LISBOA E A EVOLUC::AO DA POLITICA EUROPEIA DE SEGURANC::A E DEFESA

Luis Saraiva ....... .......... .... .. .......... ... ....... ....... .... ........... ..... ............................ ... .... ..... ...... ..

105

POLITICA COLONIAL PORTUGUESA- 1870-1955

]oiio Castro Femandes ........ .... ... ............ ............ ..... ... ..... .. ... ..... ... .. ........ ....... ..... ... .... ....... A MALDIC::AO DOS RECURSOS NATURAIS

129

A PROVA:

OS CASOS DA NIG ERIA E BOTSWANA

Marlene Bastos, Manuel Ennes Ferreira ................. ... ........... .... .. ... ..... .................... ........

149



NOTA DE ABERTURA E POLITICA EDITORIAL

Tendo em vista urn novo enfoque da prodw;:ao cientifica relacionada corn as areas cientificas da Ciencia Politica, Rela<;:6es Internacionais e Politicas de Seguran<;:a, integradas na Faculdade de Ciencias Humanas e Sociais da Universidade Lusiada, imp6e-se urn renovado cuidado na sua divulga<;:ao e publica<;:ao. Acresce que, recentemente, foram aprovados os cursos de Doutoramento em Ciencia Politica e em Relac;oes Internacionais, bem assim a Licenciatura em Politicas de Seguranc;a, cuja actividade se iniciou neste ano lectivo. Por estes motivos e tambem pelo facto de ser necessaria atender a niveis de investigac;ao, produc;ao e publica<;:ao cientificas que nos insiram em padr6es de referencia internacionais, entende-se ser da maxima importancia o relanc;amento de uma revista relativa aquelas areas, que se ira pautar por uma linha editorial que fa<;:a jus aos pressupostos acima referidos. Alem disso, verifica-se a feliz coincidencia de decorrer este ano, (2008), o vigesimo aniversario da publica<;:iio do Decreto-Lei nQ 166/88 de 14 de Maio, que autorizava a criac;ao e funcionamento do Curso de Relac;oes Internacionais, na Universidade Lusiada de Lisboa. Passadas que foram mais de duas decadas desde esse momento fundador e depois de terem saido desta Universidade centenas de licenciados em Relac;oes Internacionais e Ciencia Politica que hoje ocupam as mais variadas posic;oes profissionais em Portugal e no estrangeiro e, que no testemunho recente do actual Ministro dos Neg6cios Estrangeiros, Dr. Luis Amado, constituem urn capital humano valiosissimo. Finalmente parece-nos que o actual momento das Relac;oes Internacionais, Ciencia Politica e quest6es de Seguran<;:a corn todas as dinamicas que lhes estao associadas, nomeadamente uma eventual transic;ao de urn modelo unipolar para urn multipolarismo, de que nao conhecemos ainda verdadeiramente os contornos, e que encerram toda uma serie de desafios que urge estudar, analisar e compreender; as crises financeira, do petr6leo, dos alimentos, do terrorismo, a emergencia de novos poderes estaduais, rnas tambem infra e a te supraestaduais, fazern-nos questionar os paradigrnas ate aqui dominan tes e tenta r perspectivar aqueles que estao a despontar. A Academia portuguesa e, por rnaioria de razao, a Universidade Lusiada de


Luis Lobo-Fernandes

Lisboa e a sua Faculdade de Ciencias Humanas e Sociais nao podiam ficar alheias a estes fen6menos, tendo inclusivamente como seu objectivo estatutario nao s6 a transmissao d e saberes e competencias mas tambem, e fundamentalmente, a cria<;:ao e difusao de conhecimento cientifico inovador produzido pelos seu s docentes e investigadores p ara usufruto da comunidade onde se inserem. E este, portanto, o desiderata principal desta publica<;:ao: a produ<;:ao de estudos, analises, perspectivas e opini6es sobre as areas cientificas ja mencionadas. Este numero que agora sai do prelo, da revista Lusiada. Politica Internacional e Seguranc;a, e inteiramente dedicado ao continente africano e, em especial, aos PALOP, o que de alguma maneira reflecte a propria matriz distintiva da Universidade que o publica - o mundo Lusiada representado em grande parte desta edi<;:ao pela Africa que se expressa na lingua de Cam6es.

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PROCEDIMENTO DE ARBITRAGEM CIENTIFICA

Em estreita rela<;ao com a Politica Editorial, a revista Lusiada - Politica Internacional e Seguranc;a foi pensada com o objectivo de fornecer um conjunto de contributos cientificos originais e actualizados no campo da Ciencia Politica, das Rela<;oes Internacionais e das Politicas de Seguran<;a em geral. 0 procedimento de arbitragem cien tifica tem de ter obrigatoriamente em considera<;ao a especificidade da Revista tal como e descrita na Npta de Abertura e Politica Editorial. 0 Conselho Cientifico foi constituido por investigadores nacionais e estrangeiros especializados nas diversas areas de investiga<;ao, como consta dos respectivos curriculos. 0 objectivo foi conciliar a necessaria qualidade cientifica e a variedade de especia liza<;oes corn a diversidade de tematicas . Os membros do Conselho Cientifico serao os garan tes da qualidade e validade cientifica das diversas contribui<;oes para os ntuneros s ucessivos da Revista. Assim, periodicamente serao convidados segundo as respectivas qualifica<;oes cientificas e especialidades, a dar a sua opiniao, em sistema de bliltd review, sobre a qualidade dos textos, a orienta<;ao geral, os dossiers tematicos e as diversas sec<;oes de cada numero. Sera solicitado a cada membro um relat6rio onde constem devidamente explicitados, as diversas observa<;oes e p ropostas de melhoria. Os resultados desta avalia<;ao traduzir-se-ao numa altera<;ao, reajustamento ou rectifica<;ao quer da linha editorial quer das contribui<;oes presentes e futuras, numa perspectiva evolutiva centrada na preserva<;ao da qualidade cientifica e da actualiza<;ao tematica da Revista.

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OLHANDO PARA A AFRICA SUBSAARIANA: INSTABILIDADE ENDEMICA OU A FACE DOS ESTADOS INACABADOS - Que Agenda de Investiga9iio? Luis Lobo-Fernandes I uislobo@ reitoria. u m i nh o. pt


OLHANDO PARA A AFRICA SUBSAARIANA: INSTABILIDADE ENDEMICA OU A FACE DOS ESTADOS INACABADOS 1 - Que Agenda de Investiga~iio?

Luis Lobo-Fernandes·

Resumo: 0 julgamento negative sobre mais de quatro d ecadas de insucesso no desenvolvimento p olitico da Africa subsaariana suscita a necessidade de reavaliar as suas causas fundamentais. Os problemas de instabilidade endemica dos Estados p6s-coloniais parecem ligar-se maioritariamente com a deb ilidade das suas institui<,;6es e corn estrategias horizontais que tem inviabi lizado em grande medida politicas de aj ustamento baseadas numa maior p ropulsao end6gen a. Este apontamento tenta localiza r algum as proposi<,;6es que poderao permitir um ap rofundamento dos dilemas dos chamados Estados inacabados. Abstract: Almost fifty years of unsuccessfui political development in Subsaharian Africa requires a reassessment of its main ca uses. The problems of endemic instability in most of the postcolonial states a ppear to be associated with weak institutions and a horizontal path that for the most part have impaired the ability to pursue endogenous developmental strategies. This piece attempts to locate hypotheses that could allow for our deepening of the dilemmas faced by the so-called un finish ed states . Palavras chave: Estados p6s-coloniais; Instabilidade politica; Desenvolvimento politico; Coopera<,;ao paritaria. Key-word s: Post-colonial States; Political instability; Political development; Joint Coope ra tion .

• Professor associado corn agrega<;ao de Ciencia Politica e Rela<,;oes Internacionais da Universidade do Minho (Membro do NJCPRl). I Conceito proposto por Kesselman et al., 1996. Cf. Kesselman, Mark, Joel Krieger and William A. Joseph (Eds.). 1996. Comparative Politics at the Crossroads. Lexington, Massachusetts, p. 616. Lusiada. Politica lnternacional e Seguran.,:a, n° 1 (2008)

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Luis Lobo-Fernandes

1. Introdu~ao: A instabilidade estrutural em Africa, nexo e dinamicas Quando, em 1962, Rene Dumont escreveu L'Afrique noire est mal pm-tie o cenario de urn "desenvolvimento sem saida" nao tinha ocorrido a maior parte dos observad ores. Dumont foi mesmo recebido corn grande cepticismo. No entanto, o insucesso da construc;ao do Estado e as privac;oes decorrentes de expectativas nao confirmadas, tern transformado o quadro altamente reivindicativo que h avia culminado no clamor de urn direito de reparac;ao colonial e na esperanc;a de uma "nova ordem econ6m ica internacional", numa profund a revisao das estrategias nacionais em Africa . 0 julgamento negativo de mais de quatro decadas de falta de born exito forc;a a busca de opc;oes de desenvolvimento alternativas. 0 clamor de alarme lanc;ado p elo an tigo secretario-geral d a ON U, Kofi Annan, em 2000, sobre a tragedia humanitaria e a "irresponsabilidade politica" recorrentes em Africa, mas tambem sobre a mudanc;a de ciclo que se vivia, por exemplo, na Africa do Sul e em Moc;ambique, configurava urn quadro ambivalente de desesp ero e esperanc;a para o continente. 0 p ercurso dos Estados p6s-coloniais africanos tern sido marcado por problem as de instabilidade estrutural, o que nao tern p ermitido assentar num ou noutro tipo de orientac;oes politicas mais eficazes. Ora, essa instabilidade politica, como se sabe, nao resulta de uma {mica causa, nem e de uma so natureza. Intimamen te ligad a a juventude dos pr6prios Estados, a inexperiencia das lideranc;as, a debilidade das suas instituic;oes, a extrema diversidade etnica, e tambem resultado dos processos de descolonizac;ao que, na grande maioria d os casos, deixaram os novos paises sem quadros tecnicos e especialistas que sairam ap6s as indepen dencias. Nao e possivel lanc;ar redes educacionais e de ensino generalizado se nao existir uma base p olftica coerente e permanente que a concretizem e implementem. Do mesmo modo, nao e possivel aproveitar d os recursos naturais nem consolidar urn mercado in terno em situac;oes de guerra interna permanente. Mas, se e p lausivel que aquelas razoes poderiam estar na base d a instabilidade num primeiro ciclo p6s-independencia, sera que ainda podem ser invocadas como nexo de causalidade do espectro alargado de p roblem as endemicos qu e aqueles paises continuam a viver? 2. Da expansao europeia a autodetermina~ao politica As relac;oes entre a Europa e a Africa abertas pelas viagens dos navegad ores portugueses representaram numa primeira fase descoberta e comunicac;ao, e numa segunda hegemonia e expansao. A hegemon ia comercial eu ropeia assentava no conhecimento das tecnicas de navegac;ao e do fogo-a-distancia, mas a dominac;ao dos m ares nao significou urn controlo efectivo do interior do continente africano. Esta situac;ao altera-se con sideravelmente na segunda 12

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metade do seculo XIX quando a preponderancia europeia de cariz econ6mico assume urn can\cter marcadamente politico e geoestrategico: a Africa viria, no espac;o de poucos anos, a ser atacada, dividida e dom inada por expedic;oes militares europeias. As col6nias eram assim transformadas em novos p6los de rivalidade. 0 mundo inteiro passa a fazer parte do sisterna europeu de Estados, na exacta medida em que nenhuma potencia podia conceder as outras a vantagem de uma nova conquista. E esta fase especifica da penetrac;ao europeia que se designou de coloniali sta, sendo as modernas teorias do imperialismo (de Hobson a Lenine passando por Rosa Luxemburg e Fieldhouse) as racionalizac;oes mais consequentes de tais dinamicas que desembocariam na I Grande Guerra. Por sua vez, a fragilizac;ao dos estados europeus naquele conflito global propiciou o reconhecimento dos p rindpios da autodeterminac;ao dos povos colonizados, subscritos tanto por Wilson como por Lenine. A Carta d as Nac;oes conferiria a base juridica a autodeterminac;ao legitimando, a partir de 1945, as revoltas independentistas. Por outro lado, o peso acumulado da presenc;a ocidental, definida quase sempre em termos da responsabilidade europeia no subdesenvolvimento desses territories, forneceram ao contencioso colonial os seu s contornos mais vivos. 3. A tentac;ao horizontal do Sui

Ora, a consciencia dos povos libertados de pertencer a urn terceiro espac;o2 foi acompanhada d a tentac;ao de fo1nentar estrategias horizontais, mais ou menos comuns, o que, paradoxalmen te, inviabilizou a implementac;ao de vias nacionais para o desenvolvimento qu ando nao as anulando d e todo. E seria Robert McNamara, em 1979, ao tempo presidente do Banco Mundial, que assinalaria que os paises do Sul detern opc;oes prometedoras que passarn pelo investimento na educac;ao e na formac;ao especifica das su as populac;oes, e pelo crescimento do mercado interno e d o comercio. Deverao os Estad os africanos, por conseguinte, visualizar urn caminho de ajustamento baseado numa maior propulsao end6gena, como defendeu W.W. Rostow, ate atingirem urn patamar de desenvolvimento mais autosustentado? Algurnas mudanc;as em Afri ca parecem indiciar uma metamorfose real nas atitudes face aos problemas do desenvolvimento. 0 rnodelo de "take-off", aqui revisitado, pode fornecer uma abordagem que recusa o d eterminismo hist6rico pretendendo estabelecer que os paises p6s-coloniais nao sao necessariamente refens d o seu passado remoto ou rnais recente: o que haveria a fazer e

2 0 termo "terceiro mundo" tera sido articulado pela p rimeira vez por Alfred Sauvy nas paginas do semanario fra nces L'Observateur, na s ua edi<;ao de 14 de Agosto de 1952.

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localizar como e que, por exemplo, as na<;oes da Asia escaparam a annadilha de urn equilibrio de nivel baixo. De algum modo, o abandono das grandes reivindica<;oes decorrentes da inculpa<;ao hist6rica dos paises ricos a favor da constru<;ao p ositiva de urn espa<;o, concorre tambem, quanto a n6s, para estruturar uma nova 16gica de coopera<;ao paritaria. 4 . Redefinindo os termos da trans i~ao internacional: volatilidade e insuficH!ncia institucional

fragmenta~ao ,

Fragmenta<;ao e volatilidade do sistema mundial de poderes sao caracteristicas marcantes do ciclo internacional contemporaneo.3 Segundo Parsi e possivel descortinar, a par do subsistema ocidental, tres subsistemas. 4 Para este autor, o Ocidente, pacificado, fundado na democracia e no mercado livre, patenteia uma elevada densidade institucional. Em contrapartida, o subsistema asiatico e marcado fundamentalmente por dinamicas que reeditam em grande medida a Europa do equilibrio de poder do seculo XIX. A guerra entre rivais estrategicos- China, India, Japao e Russia - embora nao represente urn cenario de curto prazo, nao e de todo uma impossibilidade; na Asia de hoje, exactamente como se costuma va verificar no seculo XIX europeu, a ideologia joga um papel totalmente marginal na determina<;ao do estado das rela<;oes entre as quatro principais potencias. 0 Grande Medio Oriente - que, espacialmente, corre da Mauritania ao Afeganistao - e especialmente volatil, evidenciando em varios pianos padroes pre-vestefalianos, onde a ac<;ao politica e justificada por motiva<;6es de cariz religioso. Por ultimo, o subsistema subsaariano e urn espa<;o marcado por uma acentuada "degrada<;ao politica",s e por um padrao de desvios institucionais. E aparente, por outro lado, que a seguran<;a internacional e elastica, operando numa escala geografica de grande magnitude. A natureza da segurarwa e, por isso, interdependente, marcada por uma permeabilidade consideravel das fronteiras. Em rigor, ela aparenta ser indivisivel. A seguran<;a de Portugal, por exemplo, joga-se tanto no Kosovo como no aeroporto de Cabul, ou no Libano, ou no Congo, ja nao operando pm路tanto no quadro das fronteiras territoriais classicas.

3 Ver, por exemplo, Lobo-Fernandes, Luis. 2007. "Em Torno da QuesUio da Repartic;ao de Poderes entre a Uniao Europeia e os Estados-membros em Materia de Politica Externa". Neg6cios Estnmgeiros, n Q11.1, Julho 2007, pp. 36-54. 4 Cf. Parsi, Vittorio Emanuele. 2005. "Europe and America: Still an Inevitable Alliance?", in Matthew Evangelista and Vittorio Emanuele Parsi (eds. ). Partners or Rivals? European-American Relations after Iraq. Milano: Vita & Pensiero, pp. 24-25. s Parsi, op. cit., p. 25.

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Ap6s o colapso da URSS, constituiu uma asser<;ao mais ou menos frequente afirmar que o fim da bipolaridade confrontava a matriz te6rica internacional corn alguma perda de clareza conceptual, ou ate mesmo corn o que chegou a ser enunciado como uma "crise de paradigmas". Tal nivel de incerteza e uma maior volatilidade internacional era amplificado pela acelera<;ao do movimento da globaliza<;ao e por alguma insuficiertcia dos modelos te6ricos centrados exclusivamente no modelo do estado soberano ou seja, pela muta<;ao do proprio sistema vestefaliano, resultante do grande crescimento de organiza<;6es internacionais nao-governamentais e da presen<;a de outros actores transnacionais. 0 principal desafio metodol6gico apontava para a exigencia de integrar o papel dos chamados mixed actors na explica<;ao dos tactores de mudan<;a internacional, ou seja, dos acores nao-estaduais.

5. Pos-1991: A promessa de prosperidade global e os seus limites

A promessa de prosperidade global, muito difundida ap6s a queda da URSS, e ao longo de praticamente toda a decada de noventa, baseia-se fundamentalmente num argumento liberal das rela<;6es internacionais, estruturado numa ideia de mudan<;a pacifica e harmonia potencial, enfim, num jogo de soma positiva, simbolizado no acordo de Bretton Woods e com uma versao mais contemporanea definida em termos do chamado consenso de Washington. A referenda e, porem, mais uma questao de convic<;ao do que de analise. Em rigor, ninguem podia garantir que as dinamicas internacionais evoluissem exactamente assim. Os realistas, tradicionalmente mais cepticos em rela<;ao a probabilidade de mudan<;as profundas na natureza das rela<;6es internacionais, e corn uma concep<;ao fixa da natureza humana, sempre consideraram que o sistema internacional e muito fragmentado, pelo que a globaliza<;ao nao traria uma altera<;ao fundamental dos dados estruturais ou seja, nao modificaria urn sistema internacional marcado pela luta permanente pelo poder e por conflitos potenciais. Do !ado das perspectivas te6ricas mais criticas, a globaliza<;ao condiciona as possibilidades de alternativas politicas e provoca uma erosao transversal das fronteiras - sem qualquer garantia de prosperidade para todos - funcionando antes como uma especie de "intrusa", constituindo-se numa base para desequilibrios sociais acentuados. Para esta visao radical, as dinamicas da globaliza<;ao precisamente por sugerirem integra<;ao a escala mundial enunciam tambem uma maior centraliza<;ao favoravel as economias dominantes. 0 raciocinio e simples: num mundo mais aberto a divisao do trabalho e favoravel aos paises ricos. 0 discurso globalista oculta, pois, urn dado essencial: o

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Luis Lobo-Fernandes

mundo nao con stitui uma totalidade. Eaparente que o desequilibrio nos niveis de prosperidade entre o Norte e alguns paises e macrorregi6es a Sul- por via das novas tecnologias multimedia - aos olh os das populac;oes desfavorecidas dos varios pontos do globo, contribui para a criac;ao de condic;oes propicias a ressentimentos difusos, susceptiveis de manipulac;ao politica. 0 enunciado global patenteia tambem uma insuficiente legitimac;ao demomltica, pois nao existe urn modelo disponivel de democracia global (em rigor, a democracia esta h istoricamente ligada a experiencia do estado-nac;ao e a uma dada territorialidade).6 A globalizac;ao, incapaz de gerar por si so os necessaries ajustamentos politico-economicos no plano interno dos Estados, potenciou frustrac;oes e revelou-se uma promessa corn limites muito significativos, mais manifestos no caso da Africa Subsaariana.

6. Co-desenvolvimento e probabilidade de sucesso: os caminhos

0 co-desenvolvimento, como novo conceito nas relac;oes internacionais, p odera materializar nao so uma aspirac;ao de maior reciprocidade, mas permite tambem reconceptualizar a natureza dos Estados con temporaneos como soberanias cooperativas. Os Estados ricos do hemisferio norte necessitam de reconhecer, de u ma vez por todas, que o desenvolvimento compartilhado e a cooperac;ao em bases mais paritarias, serao muito provavelmente a tmica forma de u ltrapassar a alienac;ao dos povos de Africa. Por outro lado, parece manifesta a ausencia de urn discurso estrategico europeu. Esta omissao contrasta corn as novas exigencias do ciclo internacional em que nos encontramos. Num mundo globalizado, em rapida mutac;ao, nao deverao os europeus desempenhar urn papel estabilizador no sistema internacional e constituir uma referenda essencial de paz? A Uniao Europeia tern neste tempo urn papel relevante de encorajamento e de apoio aos chamados processes de "state-building", isto e, de ajuda a construc;ao nacional, a que nao pode nem deve furtar-se. Nao devera pois a Uniao Europeia ter urn p apel mais activo no mundo? As fronteiras, em grande medida, "artificiais" e os conflitos internos - na linha do que Yves Lacoste designou de geopolitique interne - continuam a ditar o padrao fundamental de conflitualidade no continente africano.

6 Cf. Lobo-Fernandes, Lufs. 2000. "0 Modelo Global: Espa<;o de Teste da Paz e Seguran<;a Internacionais" . Na9iio & Defesa, Outono-Inverno 2000, N 2 95/96- 2a Serie, p. 50.

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A probabilidade de sucesso passa pela responsabiliza<;ao das estruturas dirigentes, o mesmo seria dizer pela responsabiliza<;ao dos governos. Se, pm路em, a reorganiza<;ao dos sistemas politicos e das institui<;6es nao consolidarem padr6es de controlo democratico mais efectivo das politicas publicas, alguns sinais mitigados de esperan<;a muito dificilmente se traduzirao em mudan<;as reais. A op<;ao par modelos de democracia consociativa - capaz de reconciliar o poder formal e os interesses patrimonialistas - assente numa cultura politica de maior compromisso, poderia servir de base a reorganiza<;ao dos sistemas politicos e as exigencias de maior eficiencia econ6mica. Essa poderia ser, igualmente, uma via de saida para os Estados Inacabados, e um caminho efectivo de desenvolvimento politico.

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Luis Lobo-Fernandes

SETON-WATSON, HUGH. 1977. Nations and States: An Enquiry into the Origins of Nations and the Politics of Nationalism. London: M ethuen & Company. S!LVA, LUIZ GASPAR DA. 1997. Utopia - Seis Destinos: Politica de Cooperar;iio. Lisboa: Quatro Margens Editora. WEINER, MYRON, and SAMUEL P. HUNTINGTON (Eds.) . 1987. Understanding Political Development. New York: Harper Collins Publishers.

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0 MODO PORTUGUES DE FAZER A PAZ: 0 CASO DE MO<::AMBIQUE Jose Francisco Pavia p avi a. j o se @ gm a i l.co m


0 MODO PORTUGUES DE FAZER A PAZ: 0 CASO DE MO\=AMBIQUE

Jose Francisco Pavia *

Resmno: Neste artigo vai ser analisad o o papel de Portugal no processo de paz em Mo<;ambique, esfor<;o que consideramos muito importante e onde tentaremos d emonstrar a sua importancia; um papel que nao sendo o principal revelar-se-ia fund amental em d etenninadas fases, em especial a sua influencia, at.raves de canais formais e informais na tentativa de aproxima<;ao entre as Partes, corn o objectivo de se chegar a urn acordo, que pusesse fim a guerra civil e concorresse para a ulterior transi<;ao democratica. Abstract: In this Paper we will examine the role of Portugal in the peace process in Mozambique, which we consider a very important effort an d where we demonstrate its importance; a role that does not prove to be the primary, but would be crucial in certain phases, in particular its influence, through formal and informal channels in an attempt to rapprochement between the Parties, with the aim of reaching an agreement that put an end to civil war and compete fo r the subsequent democratic transition. Palavras chave: Mo<;ambique; Paz; Portugal. Key-Words: Mozambique; Peace; Portugal.

' Doutor em Ciencia Politica e Rel a~6es Internacionais pela Universidade do Minho. Professor Auxiliar da Universidade Lusiada de Lisboa.

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1. Cavaco Silva e a dimensao africana da politica externa portuguesa Na sequencia da crise governamental que tinha ocorrido coma eleic;:ao de Anibal Cavaco Silva para lider do PSD no congresso da Figueira da Foz, em 1985, o presidente Ramalho Eanes dissolve a Assembleia da Republica e convoca novas eleic;:oes. 0 PSD sai vencedor, mas sem maioria absoluta; forma, p01路em, um governo minoritario que ira depois coabitar com Mario Soares na presidencia da Republica, para onde e eleito em 1986. 0 primeiro governo de Cavaco Silva, que ira durar dois anos, ate 1987, vai confrontar-se com a morte de Samora Machel em Outubro de 1986, e com a subida ao poder de Joaquim Chissano, que ate ai tinha desempenhado as func;:oes de ministro dos Negocios Estrangeiros. Estes dois primeiros anos do consulado de Cavaco Silva nao vao scr cspecialmente proficuos no que concerne as relac;:ocs de Portugal com Moc;:ambique. Este facto podera, eventualmentc, ter duas explicac;:oes: a primeira prender-se-ia corn a propria debilidade do governo; era um governo minoritario e, portanto, cstava dependente de uma serie de arranjos e compromissos no quadro da 1\ssembleia da Republica, o que dificultava a prossecuc;:ao de uma politica coerente. A segunda poderia estar relacionada com a eventual pouca apetencia do entao ministro dos Negocios Estrangeiros, Pedro Pires de Miranda, e do seu secretario de Estado dos Negocios Estrangeiros e da Cooperac;:ao, Eduardo Azevedo Soares, no respeitante aos assuntos africanos. Em 1987, na sequencia de novas eleic;:oes legislativas, o PSD consegue a maioria absoluta e o XI governo constitucional entra em func;:oes em Agosto. A nova equipa dos Negocios Estrangeiros e constituida pelo ministro Joao de Deus Pinheiro, e pelo secretario de Estado Jose Manuel Durao Barroso. As relac;:oes com Africa vao agora adquirir uma forte prioridade estrategica na politica externa portuguesa. Como o proprio Cavaco Silva afirmou: 1 "Boas relac;:oes com os cinco PALOP's nao sao uma prioridade para os Estados Unidos ou para o Reino Unido, mas sa o-no para Portugal". Cavaco Silva teria dois objectivos ao afirmar que as relac;:oes com os PALOP eram uma prioridade cimeira da politica externa portuguesa. 0 primeiro, seria tentar estabelecer uma relac;:ao mais positiva e com beneficios mtttuos com os PALOP; o segundo, seria tentar introduzir um novo dinamismo no papel de "intermediario" que Portugal queria jogar entre os PALOP e os seus parceiros europeus. Seria tambem uma forma de reforc;:ar a sua relevancia internacional em Bruxelas e Washington. 2 0 novo governo maioritario iria

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Declara<;ao do Primciro Ministro, Cavaco Si lva, a agcnc ia Angop, 28 de Julho de 1988. Veni\ncio and Chan (1996) Portuguese Diplomacy i11 Southem Africa. P. 54.

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trazer estabilidade politica ao pais, uma das condi~oes basicas para uma maior continuidade no relacionamento com as ex-col6nias.3

2. 0 processo de paz em

Mo~ambique:

os primeiros passos

Na sequencia da "sangrenta" guerra civil que assolava Mo~ambique, em 1989, come~a a notar-se uma tentativa de "aproxima<;:ao" politica entre a Frelimo e a Renamo, com a adop~ao pela Frelimo (pelo menos em termos semanticos) de um tipo de socialismo menos dogmatico e mais flexivel no SQ congresso, em Julho desse ano. Simultaneamente, a Renamo tambem adoptava uma postura mais aut6noma relativamente aos sul-africanos, durante o congresso que se realizara na Gorongoza, em Junho. Nessa altura, inicia-se uma discreta ofensiva diplomatica do presidente do Quenia, Daniel Arap Moi, com varias visitas d e funcionarios governamentais quenianos ao quartel-general da Renamo na Gorongoza, com o consentimento secreto do presidente Chissano. Como resultado destas iniciativas, delega<;:oes da Renamo e da Frelimo concordaram em reunir-se em Nairobi, em Agosto, sob media~ao conjunta do Quenia e do Zimbabwe, estando tambem presentes urn grupo de religiosos de Mo~ambi­ que que actuavam como emissarios. Por sua vez, Portugal actuou neste "tabuleiro" em tres frentes simultaneas: 1. tinha conselheiros junto da d elega<;:ao da Renamo; 2. Cavaco Silva tinha recebido em "audiencia", em 22 de Setembro, "Tiny Rowland",4 presidente da multinacional britanica Lonrho, dando o aval do governo portugues as iniciativas por este conduzidas corn vista a facilitar o processo de paz; e, 3. no mes de Agosto, o primeiro ministro portugues envia a Nairobi urn emissario especial que se encontrou com Afonso Dhlakama e com o presidente do Quenia, Daniel Arap Moi.s

Antunes, Jose Freire (1990) 0 Factor Africano. P. 130. Vines, Alex (1996) Renamo: From. Terrorism to Democracy in Mozambique? . P. 126. 0 autor n ao conseguiu confinnar esta "audiencia" por outra fonte, nem Cavaco Silva, nem Chi to Rodrigues a referem, p01¡em, ela nao e inverosimil d ado que "Tiny" Row land, chairman da multinacional britanica Lonrho que detinha vastos interesses em Moc;:ambique foi urn personagem importante no processo de paz mo <;ambicano. Era ele, por exemplo, que fornecia o transporte no aviao da Lonrho a Afonso Dlakhama e a delegac;:ao da Renamo. s Antunes, Jose Freire (1990) Op . Cit. Pp. 134-135. Esse emissario era Chito Rodrigues, ele pr6prio o confirma no seu livro. Cfr. Rodrigues, Joaquim Chito (2006) Anatomia de Um Processo de Paz: Mor;ambique, Contributo para a Verdade, Pp. 117-128. 3

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Tambem no mesmo mes de Setembro de 1989, Cavaco Silva visita Mo<;:ambique a frente de uma importante delega<;:ao tendo sido assinados numerosos acordos de coopera<;:ao em dominios como as pescas, a meteorologia, a geodesica, a comunica<;:ao social, e reafirmado os que ja se encontravam em vigor como, por exemplo, no dominio militar.6 No entanto, na sequencia do colapso das negocia<;:6es de Nairobi o processo de paz vai ser transferido para Roma, e no dia 8 de Julho de 1990 as duas delega<;:6es encontram-se pela primeira vez n a capital italiana. 0 processo e assegurado pelos dois representantes d a Comunidade de Santo Egidio, Professor Andreia Riccardi e Dom Matteo Zuppi, pelo Arcebispo da Beira, Dom Jaime Gon<;:alves, e pelo Senador Mario Raffaeli, representante do governo italiano. 0 papel de Portugal nesta fase ou seja, ate a conclusao das negocia<;:6es em Outubro de 1992, e tambem na fase seguinte, isto e, ate a realiza<;:ao das primeiras elei<;:6es livres e democraticas em finais de Outubro de 1994, foi sintetizado por Jose Manuel Briosa e Gala, antigo secretario de Estado da Coopera<;:ao, em artigo publicado no jornal Expresso? "( .. .) Em boa hora interviemos. Corn efeito, a postura que entao sou bemos assumir e o papel que fomos desempenhando no desenrolar das negocia<;:6es de Roma (papel que, por imposi<;:ao etica e preocupa<;:ao de eficacia politico-diplomatica, entendemos, n a altura, manter discreto) mereceram de tal modo a confian<;:a das delega<;:6es da Frelimo e da Renamo que a equipa de observa~ao portuguesa foi progressivamente chamada a uma crescente interven<;:ao na procura dos mecanismos mais adequados para a resolu~ao dos graves problemas em negocia<;:ao (... )." [Enfase do autor].

3. 0 modo portugues de fazer a paz Comparando, por exemplo, o papel de Portugal corn o da ltalia neste processo, houve urn menor investimento em termos financeiros por parte do governo de Lisboa, mas, proporcionalmente, o inves timento de Portugal foi m ais proficuo, ou seja, sem a interven<;:ao portuguesa muitas quest6es teriam ficado por resolver e provavelmente o processo teria conhecido urn desfecho diferente, ou pelo menos teria sido mais prolongado. A participa<;:ao portuguesa permitiu, assim, uma conclusao positiva corn urn disp endio de meios muito

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Gouveia, Jorge Bacelar (1994) Acordos de Coopera{:iio entre Portugal e os Estados Africa-

nos Lus6fonos. Pp. 530-562. 7 Briosa e Gala, Jose Manuel (1995) Portugal na Paz de Mo.;ambique, Jornal Expresso n째 1162 d e 04/02/95.

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inferior aqueles que eram empregues pelos italianos. Sera eventualmente este o modo portugues de fazer a paz parafraseando o autor norte-americano, John P. Cann, que, na sua analise a contra-insurrei<;:ao em Africa desenvolvida pelos portugueses de 1961 a 1974, introduziu urn conceito que e mesmo o subtitulo do seu livro, "o modo portugues de fazer a guerra".S 0 autor defende, em especial, que sendo Portugal urn pais de fracos recursos, vai porem aplica-los de uma maneira que consegue extrair o maxima de resultados ou seja, a aplica<;:ao de uma forma "coordenada" e "sinergistica" de recursos escassos de modo a maximizar a obten<;:ao de resultados. Transpondo esta concep<;:ao para a interven<;:ao portuguesa em todo o processo de transforma<;:ao politica em Mo<;:ambique, nao sera dificil constatar, tal como iremos procurar fazer, que esta interven<;:aO apesar de "discreta"- e este foi o adjectivo utilizado pelo ex-secretario de Estado da Coopera<;:ao, Briosa e Gala, no artigo referido supra-, foi efectivamente muito importante para o desenlace positivo do processo. A diplomacia portuguesa acompanhou desde o inicio e de muito perto todo o processo negocial de Roma. A embaixada de Portugal em Roma, na altura liderada pelo embaixador Luiz Gaspar da Silva, que tinha sido transferido de Paris, em Setembro de 1990, corn orienta<;:oes expressas de acompanhar o processo, contava ainda corn o secretario de Embaixada, Hemique Diniz da Gama que segundo ele proprio nos confirmou- foi o {mico diplomata portugues nao s6 a seguir todo o processo em Roma mas tambem a fazer o follow-up em Maputo do periodo p6s-acordo ate as elei<;:oes de 1994, e corn o adido de Defesa, coronel Miguel Fradique da Silva, alem de outros diplomatas. Foram, pm路em, estes tres diplomatas mencionados que tiveram uma maior interven<;:ao e conhecimento do desenrolar das negocia<;:oes e que as acompanharam em permanencia ate ao seu desfecho.9 Em Fevereiro de 1991, o governo portugues nomeia Ant6nio Sennfeldt, diplomata de carreira, como "focal point" para acompanhar o processo. Esta nomea<;:ao significava que o governo portugues atribuia a estas negocia<;:oes urn caracter prioritario, ao ponto de nomear uma missao de observa<;:ao espe-

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Cann, John P. (1997) Contra-Insurrei~iio em Africa: 0 Modo Portugues de Fazer a Guerra,

P. 245. 9 0 autor entrevistou os tres diplomatas mencionados em diversas ocasioes. 0 embaixador Gaspar da Silva foi entrevistado no dia 01/03/2002 e no dia 05/12/2005. 0 secretario de Embaixada Henrique Diniz da Gama no dia 03/10/03. 0 adido de Defesa coronel Miguel Fradique da Silva no dia 09/10/03. Todas as entrevistas decorreram em diferentes locais de Lisboa. Segundo nos relatou Gaspar da Silva, foi o proprio ministro dos Neg6cios Estrangeiros, Deus Pinheiro, que lhe deu instrw;:oes explicitas no sentido de ir para Roma para acompanhar de perto todo o processo negocial que tinha come.;ado em Julho de 1990, com o objectivo de fazer "algum contraponto" a influencia que os italianos exerciam atraves dos mediadores da Comunidade de Santo Egidio.

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cial antes ainda de Portugal ter sido convidado pelas partes a integrar as negocia<;:oes corn o estatuto de observador. Esta equipa liderada por Sennfeldt era tambem constituida por dois militares, nao sendo de estranhar que tivessem "liga<;:6es" corn o Servi<;:o de Informa<;:6es Militares (SIM).lO Todos os intervenientes entrevistados pelo autor concordaram que a diplomacia "discreta", mas "activa", de Portugal, o seu papel facilitador e ate as vezes desbloqueador de situa<;:6es mais complicadas, contribuiu em grande medida para o born andamento do processo. Urn born exemplo deste papel desbloqueador era o facto de a delega<;:ao da Renamo se justificar corn alguma demora na resposta as questoes que figuravam na agenda negocial, corn a suposta desculpa da dificuldade das comunica<;:6es corn a Gorongosa. Esta dificuldade terci sido colocada por Dhlakama a urn dos diplomatas portugueses, que, por sua vez, transmitiu essa preocupa<;:ao e necessidade para Lisboa. 0 que e facto e que pouco tempo depois a Renamo tinha na Gorongosa urn telefone/fax por satelite que permitia comunica<;:6es faceis e rapidas corn a delega<;:ao de Roma. Este grau de quase familiaridade que existia entre a delega<;:ao da Renamo e alguns membros da delega<;:ao da Frelimo corn os diplomatas portugueses, nao existia, por exemplo, corn as outras delega<;:oes estrangeiras. Aquilo que hoje em dia e referido como urn "chavao" - nalguns casos, ate corn alguma ironia, apelidado de "diplomacia da saudade", ou seja, a lingua corn urn e os la<;:os culturais e hist6ricos - continua a ter uma importancia decisiva no relacionamento de Portugal corn os PALOP. Nas entrevistas que o autor conduziu corn diplomatas portugueses envolvidos no processo - nomeadamente os tres ja citados - esta dimensao de uma maior "proximidade" e "familiaridade" corn as duas delega<;:6es mo<;:ambicanas, principalmente corn a Renamo, e sempre referida. Era esta, alias, a "mais valia" dos portugu eses face a outros interesses internacionais, tais como os italianos, os ingleses e ate os sul-africanos. 0 secretario de embaixada, Diniz da Gama, acentuava mesmo que eram evidentes as "qualidades", a "familiaridade" e a "empatia" dos diplomatas portugueses no relacionamento corn os mo<;:ambicanos; havia como que uma cumplicidade entre as partes que, por exemplo, permitia a delega<;:ao da Renamo solicitar "favores" a Portugal que nao solicitava a outros (caso do telefone satelite ou pagamento de viagens). Urn factor que tera sido decisivo e que demonstra mais uma vez a importancia da participa<;:ao portuguesa, tinha a ver corn o facto de Dlakhama e os outros membros da delega<;:ao da Renamo sofrerem de uma especie de "complexo de

JO 0 SIM foi criado pelo Decreto-Lei n째 226/85 de 4 de Julho, e substituiu a Dinfo; por sua vez, o SIM foi extinto pela Lei n째 4/95 de 21 de Fevereiro, e substituido pelo SIEDM (Servio;:o de Informac;:6es Estrategicas e de Defesa) que ficou corn competencia exclusiva para a produc;:ao de informac;:6es estrategicas de defesa e de informac;:6es militares.

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inferioridade" face a delega<;:ao da Frelimo, que tinha urn a-vontade muito maior nestes contactos e movimenta<;:oes internacionais. Tera sido a inflw§ncia portuguesa junto da delega<;:ao da Renamo que criava mais confian<;:a nos seus elementos e que, muitas vezes, quando por exemplo Dlakhama amea<;:ava recorrer a amea<;:a da for~a, o dissuadia desse prop6sito. 11 Outra das questoes apontadas pelo diplomata foi o facto de Portugal, apesar de aplicar recursos diminutos e de contar corn algumas resistencias a urn maior envolvimento no processo, ter conseguido mesmo assim resultados bastante positivos. Uma das resistencias a participa<;:ao portuguesa vinha precisamente dos italianos12 que, em diversas ocasioes, se referiam corn alguma acrim6nia as supostas tentativas de Portugal no sentido de "sabotar" o processo em Roma e eventualmente transferi-lo para Lisboa. 13 A este respeito vale a pena citar de novo, Briosa e Gala, ex-secretario de Estado da Coopera<;:ao:14 "Ao contrario do que alguns parece terem interesse em afirmar, Portugal participou, como ficou demonstrado, activamente em todo o processo de paz mo<;:ambicano. E, mais, fe-lo de forma determinante. Vale a pena Iembrar, por exemplo, que o actual ministro dos Estrangeiros foi o primeiro governante de urn pais ocidental a encontrar-se corn o lider da Renamo. Estivemos na primeira linha das pr6prias negocia~oes, da defesa do envio atempado do dispositivo das Nas:oes Unidas para o terreno e tivemos uma acs:ao politico-diplomatica sistematica e continuada, em diversas capitais, corn o fim de sensibilizar a comunidade doadora para o apoio a Mo~ambique." [Enfase do autor]. Estas referencias negativas a Portugal e aos portugueses sao oriundas dos mais diversos meios, mas corn destaque para alguma "literatura", predominantemente anglo-sax6nica, que muitas vezes parece ter como unico objectivo 11 Entrevista corn Henrique Diniz da Gama. Estes factos foram corroborados por Andre Thomashausen tambem em entrevista por n6s conduzida. 0 estigma de movimento guerreiro que conduziu uma guerra sem quartel contra o governo da Frelimo, onde foram cometidos inumeros massacres era algo que incomodava profundamente a Renamo e que a levava a ter uma atitude de desconfianc,;a face aos mediadores e, as vezes, aos observadores. Coma ja foi afirmado eram os portugueses, em inumeras ocasioes, que conseguiam veneer essa desconfianc,;a e tornar a trazer a delegac,;a.o da Renamo para a m esa das negociac,;oes. 12 Cavaco Silva reafirmou isto mesmo na sua Autobiografia Politica Il; Cfr. Cavaco Silva (2004) Autobiografia Politica II, P. 264 . 13 Nos diversos relates que mais tarde se fizeram sabre o processo de Roma, a participac,;ao portuguesa ou e quase ignorada, (caso de Hume, Cameron (1994) Ending Mozambique's War, United States Institute of Peace Press, Washington), ou, entao, e apontada mais coma uma fonte de desestabilizac,;ao do que propriamente de ajuda ao processo. Cfr. Rocca, Roberto Morozzo Della (1998) Mo~ambique da Guerra aPaz, Livraria Universitaria Universidade Eduardo Mondlane, Maputo. P.108; P. 149; P.165; P.217; P.224. 14 Briosa e Gala, Jose Manuel (1995) Op. Cit.

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uma critica constante, subjectiva e permanente a presen<;:a portuguesa em Africa.l5 Poder-se-a de alguma maneira compreender este fen6meno ao constatar-se que uma parte substancial dessas "analises" sao de concerned scholars com uma visao enviesada da realidade; em rigor, muitos deles sao "simpatizantes" da Frelimo e adoptaram a postura da sua ala mais " radical" que, como iremos vel~ punha mais resistencias a participa<;:ao portuguesa no processo de paz.16 Estas resistencias da Frelimo em aceitar dar a Portugal um papel de maior destaque ou, ate, em transferir as negocia<;:6es para Lisboa seria uma forma da Frelimo "punir" Portugal pelo apoio que este estaria a dar a Renamo. 0 proprio Armando Guebuza, lider da delega<;:ao do governo mo<;:ambicano as negocia<;:6es de Roma, e tido como um elemento da linha "dura" da Frelimo, seria aquele que mais obstaculos colocava a um maior envolvimento de Portugal. Esta atitude da Frelimo n ao era nova. Ja na primeira metade dos anos de 1980, muitos elementos das For<;:as Populares 25 de Abril (FP 25) encontraram reftigio em Mo<;:ambique quando eram procurados pelas autoridades portuguesas por crimes de terrorismo, assassinio e outros. Alguns deles, caso de Valentim de Sousa, chegaram a ter fun<;:6es de comando no exercito mo<;:ambicano.l7 A Frelimo tera inclusivamente financiado as actividades das FP 25 .18 Este facto nao sera de todo inverosimil, ja que eram conhecidas as liga<;:6es de Otelo Saraiva de Carvalho, o mentor das FP 25, a Samora Machel e a FrelimoJ9 Mais uma vez esta seria uma forma da Frelimo contrabalan<;:ar o apoio que, alegadamente, Portugal estaria a prestar aos rebeldes. Poder-se-ia perguntar se o apoio que Portugal tera prestado a Renamo, atraves da Dinfo ou da sua sucessora, SIM, nao tera afinal sido um contra-senso, ja que nao foi Portugal o principal mediador nas conversa<;:6es de Roma. Eventualmente, a resposta a esta questao seria positiva se os objectivos de Portugal fossem apenas as

JS Foram inclusivamente "inventadas" supostas conexoes portuguesas e telefonemas de au toridades politicas em Portugal, que teriam inviabilizado uma tentativa de acordo entre a Renamo ea Frelimo, em 1984, na sequencia do Acordo de Nkomati. Jacinto Veloso, que foi Director Nacional dos Servi<;os de Informa<;ao e Seguran<;a do Estado e Ministro da Coopera<;ao do governo de Mo<;ambique afirma que as origens dessa "inventona" eram os Servi<;os Militares Sul-Africanos na tentativa de "disfar<;ar" o seu proprio protagonismo: Cfr: Veloso, Jacinto (2007) Mem6rias em Voo Rasante, Pp. 182-187. A versao de que os "portugueses", directa ou indirectamente, inviabilizaram varias tentativas de acordo continua, porem, presente em va rias publica<;6es: Cfr. Msabaha, lbrahim (1995) Negotiating an End to Mozambique 's Murdermts Rebellion, Pp. 211-212; P. 214. 16 Gra<;a, Pedro Borges (2005) A Constru~iio da Na~iio em Africa, Pp. 122-127; P. 111. 17 Cabrita, Joao (2000) Mozambique: The Tortuou.s Road to Dernocracy. Palgrave. New York. P. 235. 18 Idem. P. 250. 19 Serra, Paula (1998) Dinfo: Hist6rias Secretas do Servi9o de Infonna~oes Militares. P. 85.

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"luzes d a ribalta" da media<;:ao internacional. Mas, coma ja foi varias vezes referido, nao eram esses os objectivos de Portugal ao manter liga<;:6es "oficiosas" cam a Renamo. Essas liga<;:6es permitiram criar uma ponte de acesso a ct'tpula da Renamo, que Portugal soube capitalizar a seu favor e a favor da paz. A "diplomacia silenciosa" de Lis boa tera rendido m a is beneficios do que os pretendidos par aqueles que queriam o sucesso a todo o custo.

4. 0 papel conjunto dos servic;;os de informac;;6es militares e da diplomacia portuguesa Os servi<;:os de informa<;:ao militares (SIM) continuavam, entretanto, a ter um papel activo nos contactos cam a Renamo. Em Setembro de 1990, corn as conversa<;:oes de Roma a decorrer, Raul Domingos (lider da delega<;:ao da Renamo nas conversac;;oes de Roma) deslocou-se a Lisboa a convite do SIM tendo sido recebido par Durao Barroso no dia 19. 20 Esta visita causou grande perturbac;;ao em Maputo e Roma, devido ao facto de ter sido interpretada coma uma tentativa de ingerencia dos portugueses. Em 1991, na sequencia de outro encontro com Durao Barroso em Genebra, no dia 29 de Abril - encontro que foi acompanhado par Chito Rodrigues e Albano da Gama Diogo do SIM21 -, Dhlakama visitara Portugal no mes de Novembro, mais uma vez sob os auspicios do SIM, e anuncia que se Portugal for mediador, a paz pode ser alcaru;:ada ate ao Natal. 22 Faram tambem os militares que ajudaram a desbloquear algumas situac;;oes coma, par exemplo, o vista de Afonso Dhlakama par ocasiao da sua visita a Lisboa e ate vistas para os familiares do lider da Renamo que se ' encontravam em Portugal; a familia de Afonso Dhlakama, mulher e filhos, vieram p ara Portugal no inicio desse ana, ficando alojados numa casa na Parede.23 Durante todo o processo de negocia<;:ao ate a assinatura do Acordo de Paz em Roma, em 1992, e mesmo algum tempo depois, a familia de Dhlakama esteve em Portugal custeada pelo SIM. 0 facto de saber que a sua familia se encontrava em seguranc;;a em Portugal, tera sido para Dhlakama da maiar impartancia ja que durante todo o complicado processo de negocia<;:oes, que implicavam pennanentes desloca<;:oes e ate alguns riscos, era fundamental para o lider da Renamo dispor de uma retaguarda segura, pelo menos para os

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Maputo Dmnestic Service in Portuguese. 17.30 GMT, 20 Sept. 1990. Cfr. Rodrigues, Joaquim Chito (2006) Op. Cit, Pp. 263-264. 22 Vines, Alex (1996) Op . Cit. Pp. 143-144. 23 Cavaco Silva, Anibal (2004) Au tobiografia politica II. P.265. Cavaco Silva confirma essa estadia, e confirma tambem as nossas afirmac;:oes relativas ao envolvimento do SIM, entao dirigido pelo, na altura, brigadeiro Chito Rodrigues. 21

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seus familiares mais pr6ximos. Esta circunstancia, entre outras, terci tambem permitido aos portugueses urn papel, que embora sendo pouco conhecido, foi muito importante na fase de negociac;:ao. Por sua vez, o coronel Albano da Gama Diogo, destacado membro do SIM, esteve em Roma algumas vezes em contactos corn a delegac;:ao da Renamo. 0 adido de defesa em Roma, coronel Miguel Fradique da Silva, entrevistado pelo autor, tambem acompanhava o processo, e teve varios contactos corn membros da delegac;:ao da Renamo; mais tarde, o coronel Manuel Bras da Costa, que era natural de Moc;:ambique, profundo conhecedor do terreno e adido militar da embaixada portuguesa em Maputo, foi designado por Portugal para integrar a chamada Comissao Mista de Verificac;:ao, criada na terceira ronda de negociac;:6es, em 30 de Novembro de 1990; esta Comissao tinha como principal objectivo monitorar a actividade militar das duas forc;:as em confronto e assegurar o cumprimento dos acordos. Em 7 de Agosto de 1992, Joaquim Chissano e Afonso Dhlakama assinam em Roma a Declarac;:ao Conjunta segundo a qual se comprometem a concluir o processo de paz no inicio de Outubro do mesmo ano. Na cerim6nia de assinatura esta tambem presente uma delegac;:ao de Portugal que, como pais observador do processo negocial, se fez representar pelo chefe de gabinete do secretario de Estado dos Neg6cios Estrangeiros e Cooperac;:ao, Alvaro de Mendonc;:a e Moura, que e acompanhado pelo lider da missao de observac;:ao portuguesa, Ant6nio Sennfeldt. Foi nesta altura solicitado a Portugal que colaborasse na constituic;:ao e formac;:ao das novas forc;:as armadas unificadas de Moc;:ambique, que iriam resultar da assinatura dos acordos pelos dois lideres moc;:ambicanos. Os pedidos formais foram transmitidos no decorrer dos encontros separados que ambos os lideres, Chissano e Dhlakama, tiveram em Roma corn Mendonc;:a e Moura.24 Na mesma altura, Afonso Dhlakama em entrevista que concedeu ao Jornal Publico25 afirmava que se a Renamo formasse governo em Moc;:ambique daria prioridade as relac;:6es corn Portugal. Dizia, entao, o lider da Renamo:26 "Falamos a mesma lingua e, em termos de infra-estruturas, as maquinas que existem em Moc;:ambique sao de origem portuguesa. Mesmo no campo da educac;:ao e da saude, pensamos que os medicos portugueses podem trabalhar muito melhor em cooperac;:ao corn os moc;:ambicanos do que urn frand~s ou urn ingles que necessitam de interprete. Sao estas coisas que irao fazer corn que o governo da Renamo tenha de facto, boas relac;:6es corn Portugal". 24 25 26

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Mascarenhas, Eduardo (1992) Diririo de Noticias, 09/08/1992. Jornal Publico d e 09/08/1992. Idem.

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0 p eriodo que mediou entre Agosto e a assinatura do Acordo Geral de Paz, em 4 de Outubro, foi fertil em movimenta<;:6es diplomaticas onde, mais uma vez, Portugal jogava o seu papel. Em meados de Setembro, no decurso de uma das rondas de negocia<;:ao, teria sido tambem uma sugestao do observador portugues, Sennfeldt, que quebraria o impasse relativo a questoes militares e garantias de cessar-fogo.27 Por outro lado, o diplomata Dinis da Gama desdobrava-se em contactos corn as duas d elega<;:6es. 0 embaixador Gaspar da Silva reportava desta m aneira para Lisboa urn desses encontros ocorrido em 14 de Setembro: 28 "No decurso de urn almo<;:o que lhe foi oferecido pelo secretario Dinis da Gama, o Ministro Teodato Hungwana, de modo aparentemente sincero e espontaneo, lamentou o atraso em que se encontram as negocia<;:6es, sublinhando que, se elas tivessem tido lugar em Portugal, ha muito se teria chegado a uma conclusao. (... ) 0 senhor Hungwana refere sempre Portugal corn especial simpatia e familiaridade, deixando sempre claros os pontos comuns que ligam os dois paises. (... )." Em contraposi<;:ao h avia, como se pode comprova1~ por parte da delega<;:ao da Frelimo, e de urn dos seus membros mais reticentes a urn m aior desempenho de Portugal no processo, urn "desabafo" no sentido oposto. 0 dipJomata Dinis da Gama afirmou ao autor que na delega<;:ao da Frelimo os membros mais criticos do papel de Portugal no processo eram exactamente Teodato Hungwana, e o proprio lider da delega<;:ao, Armando Guebuza. Aquele que estava mais proximo das posi<;:6es portuguesas seria Aguiar Mazula. Pm路em, Guebuza, em entrevista por nos conduzida, no dia 23 de Junho de 2004, n o Hotel Tivoli, em Lisboa, acabaria por afirmar que "o papel de Portugal foi muito importante, embora pouco visivel"; diria ainda que "ele proprio se deslocou a Lisboa algumas vezes para manter contactos corn o entao secretado de Estado dos Negocios Estrangeiros, Durao Barroso, e com o proprio primeiro-ministro, Cavaco Silva". Segundo Guebuza, "os lideres portugueses de entao exerciam "bons-oficios" em prol da concordia entre os mo~am颅 bicanos e terao sido muitas vezes desbloqueadores de conflitos". Ficou, partanto, confirmado que ambos os negociadores no processo de Roma, Armando Guebuza e Raul Domingos, se deslocavam a Lisboa para contactos corn as autoridades portuguesas, e esse facto e demonstrative da importancia de Portugal em todo o desenrolar das negocia<;:6es. Finalmente, a 4 de Outubro de 1992, foi assinado o Acordo Geral de Paz. Estiveram presentes na cerimonia, em representa<;:ao do governo portugues, o

27 28

Hume, Cameron (1994) Ending Mozambique 's War. P.l30. Telegram a da embaixa da de Portugal em Roma para o MNE. 14/09/1992.

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secretario de Estado Durao Barroso, e o chefe da missao de observa<;ao portuguesa, Ant6nio Sennfeldt. Ficaria depois estabelecido que Portugal iria integrar todas as comiss6es que foram criadas para implementar os acordos espedficos assinados pelo Governo de Mo<;ambique e a Renamo. Mais uma vez, Briosa e Gala, refere este facto:29 "( ... ) Foi assim que Portugal veio a ser convidado a integrar todas as comiss6es criadas pelo Acordo Geral de Paz, a come<;ar pela mais importante, a Comissao de Supervisao e Controlo, e tambem a Comissao de Cessar-Fogo, a Comissao Conjunta para a Forma<;ao das For<;as Armadas de Defesa de Mo<;ambique e a Comissao de Reintegra<;ao, e a ser incumbido da forma<;ao de importantes sectores das novas For<;as Armadas. (.. .)" 0 Presidente Joaquim Chissano no seu regresso a Mo<;ambique depois da assinatura do AGP, passou por Lisboa, ou seja, no proprio dia da assinatura, 4 de Outubro. Chissano e entrevistado no aeroporto de Figo Maduro pelo jornalista da RTP (Radio Televisao Portuguesa), Paulo Lavadinho, e, respondendo a uma pergunta deste acerca do papel de Portugal no processo negocial, responde:30

"0 papel de Portugal foi discreto, mas muito importante, (... ) ja convidamos Portugal para participar na forma<;ao das novas For<;as Armadas e esperamos que tambem participe noutros aspectos da implementa<;ao dos Acordos (... )." [Enfase do autor]

0 primeiro-ministro Cavaco Silva, encontrava-se de visita a Exposi<;ao Universal de Sevilha, precisamente no pavilhao de Mo<;ambique, quando recebeu a noticia do Acordo; o correspondente da RTP em Espanha, Vasco Lourinho, aproveitou entao para questionar 0 primeiro-ministro acerca da infh.H~n­ cia que Portugal teve nas negocia<;6es, tendo em conta que Cavaco Silva se iria encontrar corn o presidente Chissano, em Lisboa, ainda nesse dia, ou no dia seguinte. Cavaco Silva respondeu assim:31 "( ... ) Portugal esteve envolvido nas minuto.(... )." [Enfase do autor]

negocia~oes

ate ao ultimo

No processo de paz mo<;ambicano apareceram, como vimos, varias tentativas de estabelecimento de bons oficios por parte das mais diversas entidades, como o Quenia, a Africa do Sul e o Zimbabwe, que nao surtiram efeito.

29

30 3J

32

Briosa e Gala, Jose Manuel (1995) Op. Cit. Fonte: RTP, 04 de Outubro de 1992. Idem.

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Apenas a Comunidade de Santo Egidio, congregou as "boas vontades" de ambas as partes e foi formalmente convidada para assumir o papel de mediador. 0 papel de Portugal tambem foi de "bons oficios" numa primeira fase e, na sequencia da aq:ao desempenhada em Bicesse, tentou chegar ao papel de "mediador", coisa que nao conseguiu, ja que, como foi referido, para ser reconhecida a condi<;ao de mediador e necessaria a confian<;a de ambas as partes, o que Portugal nao assegurava na totalidade, nomeadamente do governo mo<;ambicano. Assim, o desempenho de Portugal foi, a nivel formal, o de "observador" das negocia<;6es; no entanto, a nivel informal, o papel de Portugal foi muito mais importante enquanto desbloqueador de conflitos e facilitador de solu<;6es que levaram a que muitos impasses fossem ultrapassados. Entretanto, em Novembro de 1992, na sequencia de uma remodela<;ao governamental em Portugal, Durao Barroso torna-se ministro dos Negocios Estrangeiros, e Jose Manuel Briosa e Gala fica corn a secretaria de Estado da Coopera<;ao. Em Dezembro - dois meses apos a assinatura do Acordo Geral de Paz - teve lugar em Roma a conferencia de doadores para Mo<;ambique que tinha como objectivos, aumentar, coordenar e potenciar os apoios da comunidade internacional para as diversas areas do processo de paz. A delega<;ao portuguesa a esta conferencia foi chefiada pelo recentemente empossado secretario de Estado da Coopera<;ao que anunciou uma importante contribui<;ao financeira do Estado portugues para o processo de paz;32 Portugal contribuiu tambem para o trust fund das Na<;6es Unidas para apoiar a participa<;ao da Renamo nas elei<;6es. Houve ainda uma significativa interven<;ao na componente militar do processo de paz e uma participa<;ao na Onumoz (Opera<;ao das Na<;6es Unidas em Mo<;ambique), corn urn batalhao de transmiss6es que contou corn 166 homens, entre oficiais, sargentos e pra<;as, e na Civpol (policia civil) corn 60 oficiais de policia. Alem deste apoio, Portugal veio a ser incumbido, juntamente corn a Fran<;a e o Reino Unido, de prestar assistencia militar e de participar na forma<;ao das novas For<;as Armadas. 0 processo de cria<;ao das novas FA come<;ou corn a chamada "Declara<;ao de Lisboa", proclamada numa reuniao em Fevereiro de 1993, atraves da qual Portugal, a Fran<;a e o Reino Unido, confirmaram especificamente o seu empenho na cria<;ao e treinamento das novas for<;as.33 Por ocasiao do processo eleitoral, tambem houve neste campo urn significativo investimento em termos financeiros, tecnicos e formativos. Em Mar<;o de 1993, o diplomata Dinis da Gama, que tinha acompanhado o processo em Roma, e transferido p ara a embaixada em Maputo para fa zer 0 follow up do processo ate as elei<;6es que se realizariam em finais de Outubro de 1994.

32

33

Briosa e Gala, Jose Manuel (1995) Op . Cit. Vines, Alex (1996) Op. Cit. P.155.

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0 periodo que decorreu entre a assinatura do Acordo Geral de Paz (AGP) e as primeiras elei<;:6es livres e democraticas em Mo<;:ambique ou seja, entre Outubro de 1992 e Outubro de 1994, pode ser referido como o periodo da ONUMOZ isto e, durante estes dois anos, Mo<;:ambique esteve como que "sob tutela" das Na<;:6es Unidas que tentavam em parceria corn outros intervenientes, entre os quais Portugal, que o processo de paz chegasse a born porto. Este periodo conheceu alguma agita<;:ao decorrente da natural dificuldade de manter uma opera<;:ao que envolvia milhares de pessoas, custava milh6es de d6lares e decorria num espa<;:o de tempo alargado. Para alem disto havia ainda a desconfian<;:a de ambas as partes, a Renamo e a Frelimo, que apesar de terem assinado o AGP, nao estavam ainda preparadas para uma convivencia pacifica. Outra dificuldade que ensombrou este periodo era o facto de em Angola as coisas nao terem corrido bem, e haver quem quisesse fazer analogias corn os dois processos. Portugal manteve sempre uma presen<;:a que, como ja sublinhamos, era no sentido de tentar desbloquear os conflitos e facilitar pontes de contacto. Em Julho de 1993, o entao ministro da defesa portugues, Fernando Nogueira, visitou Mo<;:ambique e conseguiu provocar urn encontro improvisado entre os comandantes militares das duas partes, aliviando assim alguma tensao que existia. Era quando surgiam dificuldades que o papel de Portugal era mais "desejado", cumprindo-se, assim, a sua missao de "desbloqueador" de conflitos. Reinaldo Chilengue, correspondente do semanario Expresso em Maputo, relatava deste modo esse facto:34 "( ... )Portugal desejado. Este tipo de dificuldade tern vindo a valorizar o papel de Portugal no processo de paz mo<;:ambicano. Encarada positivamente por Maputo e por outros membros da ONUMOZ, a participa<;:ao portuguesa foi muito elogiada durante a visita de Fernando Nogueira. A noticia que causou mais agrado em Maputo foi o anuncio que Lisboa se prop6e gastar este ano 2,5 milh6es de cantos para a pacifica<;:ao de Mo<;:ambique- mais 900 mil que os inicialmente previstos. Ja se encontram na capital mo<;:ambicana os cinco primeiros instrutores militares portugueses para a forma<;:ao do futuro exercito unificado (.. .)". Ainda nesse ano, em Agosto, e na sequencia do investimento politico portugues em Mo<;:ambique - considerando todas as dimens6es que temos vindo a descrever -, Portugal manifestou disponibilidade para suprir a retirada da Italia do financiamento da recupera<;:ao da linha de transporte de energia da

34

Chilengue, Reinaldo (1993) "Mo<;ambique

a espera da cimeira". Expresso, 17 de Julho

de 1993.

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barragem de Cahora Bassa para a Africa do Sul. Os italianos alegavam que o seu comprometimento financeiro nas opera<;:oes de paz na Somalia e em Mo<;:ambique os impedia de satisfazer o compromisso assumido. Portugal veio efectivamente a assumir esse compromisso no quadro das suas responsabilidades corn a HCB.35 Em 21 de Abril de 1994, Afonso Dhlakama inicia a sua primeira visita oficial a Portugal que se prolongara ate ao dia 27. Nessa visita, o lider da RENAMO afirmou ir a Portugal para dar conta dos desenvolvimentos da paz e tentar obter apoios para a Renamo.36 Foi recebido pelas autoridades portuguesas, tendo-lhe inclusivamente sido oferecido urn banquete em sua honra no palacio de Belem, a convite do presidente Mario Soares, Dhlakama afirmaria:37 "( ... ) Portugal, pais irmao e amigo esta activamente a colaborar corn o processo de paz mo<;:ambicano, quer na forma<;:ao das novas fon;as armadas, quer noutros sectores (... ) quero apresentar o meu profunda sentimento de gratidao a Portugal e ao povo portugues (... )". Por ocasiao do acto eleitoral, que decorreu em finais de Outubro, houve ainda urn momento em que Portugal pode mais uma vez demonstrar que era realmente urn pais a quem se podia "recorrer" quando existiam dificuldades que aparentemente eram inultrapassaveis, e que podiam deitar tudo a perder. 0 acto eleitoral come<;:ou efectivamente no dia 27 de Outubro de 1994 e estava previsto que durasse dois dias; porem, devido ao boicote da Renamo que foi anunciado na vespera, foi depois prolongado por mais urn dia ou seja, ate ao dia 29. 0 lider da Renamo anunciara no dia 26 a noite que se retirava das elei<;:oes porque, segundo ele, existiriam fraudes e nao havia garantias de que 0 processo decorresse de forma livre e justa. Houve urn momento de panico nas diversas chancelarias e de acordo corn o diplomata portugues, Dinis da Gama, o proprio representante do Secretario-Geral das Na<;:6es Unidas, Aldo Ajello, no decurso de uma reuniao de emergencia por ele convocada corn os diversos embaixadores acreditados em Maputo, vai socorrer-se dos diplomatas portugueses, pedindo-lhes que estes intercedessem no sentido de se tentar desbloquear a situa<;:ao. Esta atitude, por si s6, revela que o diplomata italiano teria consciencia de que em alturas como aquelas, os portugueses poderiam ser aqueles que ainda teriam alguma margem de manobra para desbloquear a situa<;:ao. 0 que e facto e que estava tambem presente em Maputo, na altura, Joao Soares, filho do presidente portugues Mario Soares, que teria falado corn

35 36 37

Jornal Publico. 22 de Agosto de 1993. Jornal A Capital. 21 de Abril de 1994. Idem.

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Foi assim que Portugal veio a ter urn papel relevante no processo de transforma<;ao politica em Mo<;ambique tal coma tentamos configurar. Papel esse, que, coma referiu o entao secretario de Estado da Coopera<;ao, Briosa e Gala, e coma tambem ja afirmamos, foi discreto, mas mesmo assim bastante importante. Portugal teve que conquistar urn espa<;o de manobra e de actuac;:ao que estava a ser disputado por grandes potencias, tais como o Reino Unido, a Africa do Sul e a Ita.Iia; mas conseguiu, apesar disso, urn espa<;o proprio e uma margem de actua<;ao que se revelaram cruciais em determinadas etapas do processo. Este modo de actua<;ao, ou o modo portugues de fazer a paz, consistia numa tentativa de optimizar recursos escassos por forma a dai tentar extrair o maximo de resultados. Tera, portanto, ficado demonstrado que uma pequena potencia como Portugal - caso prossiga uma politica coerente e determinada - aplicando ao mesmo tempo o seu conhecimento espedfico da realidade internacional, pode ter sucesso mesmo estando em "competi<;ao" com potencias que tern muitos mais meios ao seu dispor. 0 processo de transforma<;ao em Mo<;ambique teve, portanto, o contribute de Portugal atraves de uma diplomacia "nao convencional". Portugal foi urn dos principais intervenientes na utiliza<;ao desse metodo atraves, por exemplo, do apoio directo e indirecto que foi prestado a Renamo pelos servi<;OS de informa<;ao, na facilita<;ao de intermediarios individuais, no apoio diplomatico e financeiro ao processo de paz, e, tambem, no contrapeso que fazia a politica sul-africana. Portugal, apesar de privilegiar a diplomacia tradicional Estado a Estado, nao fechou totalmente os canais de comunica<;ao corn o movimento rebelde, e isso permitiu-lhe ter alguma margem de manobra e de "acesso" a lideran<;a da Renamo. Este papel que Portugal pode desempenhar como "facilitador" nos processos de media<;ao em alguns conflitos - sejam eles internos ou internacionais - deve-se precisamente ao facto de reunir urn conjunto de caracteristicas que podemos definir em termos de soft power,42 coma por exemplo: a) ter urn conhecimento previo dos actores e dos interesses em presen<;a (a lingua comum joga aqui urn papel fundamental), b) ter a capacidade de construir redes transnacionais que liguem as varias influencias nos conflitos, c) ter

ilha de Sao Tome e a ilha do Principe), e su spendeu a coopera<;:ao bilateral tecnico-militar, iniciada em 1992. Esta "atitude de for<;:a" por parte do governo portugues nunca existiu face a Mo<;:ambique, onde se privilegiou uma diplomacia mais discreta. Nao se pense, pm路em, que esta maneira de actuar se aplica apenas a Portugal; basta observar, por exemplo, o relacionamento da Gra-Bretanha corn a Nigeria em contraste corn o seu relacionamento corn a Serra Leoa ou o Gana. 42 0 conceito de soft power introduzido por Joseph S. Nye, Jr. foi definido por este autor como "a capacidade de se obter o que se pretende atraindo os outros em vez de os manipular corn incentivos materiais ou amea<;:as militares, ou seja, tenta -se cooptar as pessoas em vez de as coagir". Cfr. Nye Jr., Joseph S. (2008) The Powers to Lead, Oxford University Press, New York

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Foi assim que Portugal veio a ter urn papel relevante no processo de transforma<;ao politica em Mo<;ambique tal coma tentamos configurar. Papel esse, que, coma referiu o entao secretario de Estado da Coopera<;ao, Briosa e Gala, e coma tambem ja afirmamos, foi discreto, mas mesmo assim bastante importante. Portugal teve que conquistar urn espa<;o de manobra e de actuac;:ao que estava a ser disputado por grandes potencias, tais como o Reino Unido, a Africa do Sul e a Ita.Iia; mas conseguiu, apesar disso, urn espa<;o proprio e uma margem de actua<;ao que se revelaram cruciais em determinadas etapas do processo. Este modo de actua<;ao, ou o modo portugues de fazer a paz, consistia numa tentativa de optimizar recursos escassos por forma a dai tentar extrair o maximo de resultados. Tera, portanto, ficado demonstrado que uma pequena potencia como Portugal - caso prossiga uma politica coerente e determinada - aplicando ao mesmo tempo o seu conhecimento espedfico da realidade internacional, pode ter sucesso mesmo estando em "competi<;ao" com potencias que tern muitos mais meios ao seu dispor. 0 processo de transforma<;ao em Mo<;ambique teve, portanto, o contribute de Portugal atraves de uma diplomacia "nao convencional". Portugal foi urn dos principais intervenientes na utiliza<;ao desse metodo atraves, por exemplo, do apoio directo e indirecto que foi prestado a Renamo pelos servi<;OS de informa<;ao, na facilita<;ao de intermediarios individuais, no apoio diplomatico e financeiro ao processo de paz, e, tambem, no contrapeso que fazia a politica sul-africana. Portugal, apesar de privilegiar a diplomacia tradicional Estado a Estado, nao fechou totalmente os canais de comunica<;ao corn o movimento rebelde, e isso permitiu-lhe ter alguma margem de manobra e de "acesso" a lideran<;a da Renamo. Este papel que Portugal pode desempenhar como "facilitador" nos processos de media<;ao em alguns conflitos - sejam eles internos ou internacionais - deve-se precisamente ao facto de reunir urn conjunto de caracteristicas que podemos definir em termos de soft power,42 coma por exemplo: a) ter urn conhecimento previo dos actores e dos interesses em presen<;a (a lingua comum joga aqui urn papel fundamental), b) ter a capacidade de construir redes transnacionais que liguem as varias influencias nos conflitos, c) ter

ilha de Sao Tome e a ilha do Principe), e su spendeu a coopera<;:ao bilateral tecnico-militar, iniciada em 1992. Esta "atitude de for<;:a" por parte do governo portugues nunca existiu face a Mo<;:ambique, onde se privilegiou uma diplomacia mais discreta. Nao se pense, pm路em, que esta maneira de actuar se aplica apenas a Portugal; basta observar, por exemplo, o relacionamento da Gra-Bretanha corn a Nigeria em contraste corn o seu relacionamento corn a Serra Leoa ou o Gana. 42 0 conceito de soft power introduzido por Joseph S. Nye, Jr. foi definido por este autor como "a capacidade de se obter o que se pretende atraindo os outros em vez de os manipular corn incentivos materiais ou amea<;:as militares, ou seja, tenta -se cooptar as pessoas em vez de as coagir". Cfr. Nye Jr., Joseph S. (2008) The Powers to Lead, Oxford University Press, New York

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uma diplomacia diligente, e, por ultimo, mas nao menos importante, d) nao ser urn pais poderoso em sentido esmagador (o que neste caso traz alguns "beneficios" ), nao se tornando, pm路tanto, uma amea<;:a ou uma parte interessada. Estas caracteristicas sao justamente apontadas por varios "especialistas" 43 em processos de media<;:ao como mais-valias, que paises pequenos como Portugal devem aproveitar para p oderem aspirar a ser, pelo menos, "potencias" diplomaticas.

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43 Cfr. Revista P1l blica de 28/11/2005. Um destes "especialistas", Jon Hanssen-Bau er, conselheiro do Ministerio dos Neg6cios Estrangeiros noruegu es para a area da paz e reconciliar;ao, por ocasiao de uma conferencia organizada p elo Instituto Portugues de Relac;oes Internacionais, intitulada "In Peace We Trust. Can Small Countries Have Any Influence On Interna tional Politics?" realr;aria as possibilidades de Portugal se poder posicionar na "arena" internacional como uma "potencia" di plomatica devido precisamente as caracteristicas que foram enunciadas.

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Entrevistas: -

Entrevistas com Afonso Dlakh ama. Presidente da Renamo . Entrevista realizada em 15 de Fevereiro d e 1998, em Maputo, e publicada no jornal Independente em 20 de Mar~o de 1998. A segunda entrevista foi realizad a em 09 d e Fevereiro de 2001, em Pretoria.

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-

Entrevistas com Andre Thomashausen. Antigo conselheiro juridico d a Renamo. Ex-con selheiro especial do representante do secretario-geral das Na~6es Unidas na ONUMOZ em Mo~ambique. As entrevistas foram realizadas em Pretoria no dia 07/02/2001 e no dia 27/08/2003.

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Entrevista com Armando Guebuza. Representante do governo mo ~amb icano nas negocia~6es de Roma. Antigo ministro do Interior e tambem dos Transportes e Comunic a~6es . Actu almente (2008) e secretario-geral d a Frelimo e Presidente de Mo~a mbique na sequ encia das e l ei~6es legislativas e presidenciais de Dezembro de 2004. A entrevista foi realizada no Hotel Tivoli, em Lisboa no dia 23 de Junho de 2004.

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Entrevista com Henrique Diniz da Gama. Diplomata portugues na embaixada de Portugal em Roma no periodo das negocia~6es e subsequentemente em Ma puto no periodo da ONUMOZ. A entrevista foi realizada na su a residencia em Lisboa no dia 03 de Outubro de 2003.

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Entrevistas com Luiz Gaspar da Silva. Embaixador de Portugal em Roma entre 1990 e 1993. Entrevistas rea lizadas no Hotel Tivoli, em Lisboa, no dia 01 de Mar~o de 2002 e no dia 05 de Dezembro de 2005.

-

Entrevista com Miguel Fradique da Silva. Adido militar de Portu gal em Roma no periodo das n egocia~6es. Entrevista realizada na Universidade Lusiada de Lisboa, no dia 09 de Outubro de 2003.

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AFRICA E A CRISE NO ZIMBABWE Luis Castelo Branco lbcb@netcabo.pt


AFRICA EA CRISE NO ZIMBABWE

Luis Castelo Branco *

Resumo: Quando o Zimbabwe ascendeu a independencia, em 1980, as expectativas em relac;:ao ao futuro deste pais eram muito optimistas. Ap6s uma luta de libertac;:ao de varios anos, as negociac;:oes que conduziram ao Acordo de Lancaster House pareciam ter conseguido acomodar os interesses das diversas partes. Os primeiros anos de governac;:ao de Mugabe foram encarados coma positivos. No contexto da Africa Austral, e face ao isolamento da Africa do Sul do apartheid e a guerra civi l angolana, o pais assumia-se coma o lider regional. Nos anos 90, os problemas nao resolvidos durante as negociac;:oes de Lancaster House, nomeadamente a polemica questao d a reforma da terra, associados a erros de governac;:ao, lanc;:aram o Zimbabwe num processo de declinio econ6m ico e social. 0 aparecimento do Movement for a Democratic Change (MDC) foi vista coma uma esperanc;:a de mudanc;:a pacifica de regime. Apesar de vc\rios aetas eleitorais manchados por serias irregularidades, o MDC voltou a concorrer as eleic;:oes gerais de 2008. As esperanc;:as de mudanc;:a surgiram ap6s a vit6ria do MDC nas eleic;:oes legislativas. A resistencia do regime de Mugabe em aceitar estes resultados e, ao nao permitir uma segunda volta das presidenciais justas, lanc;:aram o p ais novamente num clima de grande instabilidade. Para a resoluc;:ao da crise no Zimbabwe, grandes esperanc;:as foram depositadas nos p aise s da Africa Austral, n o m eadamen te no regim e su l- afri cano. A intervenc;:ao do Presidente Thabo Mbeki nas negociac;:oes zimbabweanas ficou muito condicionada pela propria realidade p olitica sul-africana. Abstract: When Zimbabw e reached its independence, in 1980, the expectations about the fut ure of this country were very high . After several years of liberation w ar, the negotiations that lead to the Lancaster House Agreement seemingly have managed to accommodate the interests of all p arts involved . The first years or Mugabe's government were seen as positive. In Southern Africa region, and due to

* Doutorado em Estudos Africanos (ISCTE)/ Coordenador GeogrMico IPAD

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the isolation of apartheid South Africa and of the civil war in Angola, the country assumed the role of regional leader. In the 90's, the problems which were not solved during the negotiations of Lancaster House, namely the polemic issue of the land reform linked with errors of government, caused the beginning of the economic and social crisis in Zimbabwe. The creation of the Movement for a Democratic Change (MDC) was seen as a hope for a peaceful change of government. In spite of several electoral acts characterized by serious irregularities, the MDC decided to run again in the general elections of 2008. The hopes for change appeared after the MDC victory in the parliam entarian elections . However the resistances of the Mugabe's regime in accepting those results, and by not allowing a free second run of the presidential elections, threw the county, once again, in a phase of great instability. Aiming at a resolution for the crisis in Zimbabwe, the Southern Africa countries, especially South African, played as important role. However, the intervention of President Thabo Mbeki in the zimbabwean negotiations was very conditioned by the political reality of his own country. Palavras-chave: Zimbabwe; Crise; Africa. Key-Words: Zimbabwe; Crisis; Africa .

1. Da Rodesia ao Zimbabwe Face a evolw;:ao dos acontecimentos em Africa nas d<kadas de 50/60 do seculo XX, corn o comec;:o dos movimentos de descolonizac;:ao, a Gra-Bretanha (GB) mostrou-se incapaz de manter o seu Imperio, tendo preferido iniciar um processo de descolonizac;:ao faseado, com o objectivo de garantir que os dirigentes dos novos paises fossem escolhidos entre aqueles que dessem maiores garantias de born relacionamento com Londres. Nesse sentido, a GB defendeu o prindpio da regra da maioria, ou seja, o poder deveria ser transferido p ara os representantes da maioria da populac;:ao, o que num pais africano era, obviamente, a populac;:ao negra. Este prindpio foi sendo aplicado as varias colonias britanicas em Africa. Na Rodesia do Sul, actual Zimbabwe, a populac;:ao branca contestou, desde logo, este prindpio, argumentando que eram uma colonia autonon<a desde 1923, exercendo a maioria dos atributos da independencia. Nesse sentido, rejeitaram a aplicac;:ao do prindpio da regra da maioria, pretendendo ascender a independencia pelo puro e simples reconhecimento do status quo existente e 0 fim de todo o direito de soberania ainda na posse de Londres. Face a regra da maioria defendida pela Gra-Bretanha, a Frente Rodesiana, movimento que congregou a maioria dos rodesianos brancos, apresentou a regra da maioria qualificada, ou seja, o territorio passava a ser governado pela maioria da populac;:ao mais bem preparada, ou seja, os brancos. No ÂŁundo, a

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Frente Rodesiana nao se opunha, em termos teoricos, a aplica<;ao da regra da maioria. A diferen<;a estava no conteudo do conceito, o qual para a Frente Rodesiana significava a maioria da popula<;ao responsavet ou seja, a minoria branca. A Gra-Bretanha recusou considerar vcilidos os argumentos rodesianos, de modo a justificar a abertura de uma excep<;ao a sua norma geral de descoloniza<;:ao. Perante isto, o lider da minoria branca rodesiana, Ian Smith, declarou, a 11 de Novembro de 1965, a Independencia Unilateral do Territorio. Esta atitude rodesiana provocou a furia do governo de Londres, o qual afinnou que o regime rebelde de Ian Smith cairia numa questao de semanas. 0 governo britanico decretou, de imediato, uma serie de san<;oes contra a Rodesia1, no que foi acompanhada pela Comunidade InternacionaF. 0 que a Gra-Bretanha nao esperava era o apoio que existia a volta da Rodesia. Essenc:ial foi o auxilio prestado pela Africa do Sul e por Portugal, nomeadamente, atraves de Mo<;ambique3, ao regime de Smith. Para alem do apoio explicito destes dois paises, a Rodesia contou ainda com a posi<;ao dubia de alguns estados como foi o caso dos EUA. A administra<;ao norte-americana de Lyndon Johnson concordou em aplicar san<;oes a Rodesia, desde que nao fossem abrangidos minerais raros e estrategicos para os EUA. Esta excep<;ao, estabelecida atraves da Emenda Byrd, pretendeu defender as importa<;6es norte-americanas de cr6mio rodesiano e, na pratica, foi entendido como um sinal de ajuda ao regime de Smith. A descoloniza<;ao portuguesa marcou o inicio do declfnio do regime rodesiano. Com a independencia de Mo<;ambique, em 1975, o regime rodesiano soh路eu um serio reves, passando a ter, em vez de um vizinho aliado, um vizinho inimigo. A situa<;ao era tanto m ais grave, uma vez que Mo<;ambique era

1 0 problema rodesiano foi responsa vel p or um agravamento entre os m embros da Commonwealth. Varios Estados Membros, liderados pelo Primeiro-Ministro da Serra Leoa, Sir Albert Margai, contestaram a eficacia das san<;:oes aplicadas a Rodesia. Para estes Estados a tmica solu<;:ao era a ac<;:ao militar, op<;:ao excluida pela GB. Davies Desmond (1997): The Rhodesia Papers. UDI Revisited, p. 638. 2 No dia seguinte a proclama.;;ao unilateral de independencia, o Conse lho de Seguran<;:a das Na<;:oes Unidas aconselhou os membros da ONU a nao reconhecerem o regime de Salisbttria. Mais tarde, a 22 de Novembro de 1965, as Na.;;oes Unidas aprovaram uma resolu<;:ao decretando o boicote politico, orden ando san<;:6es economicas e impon do um embargo de combustiveis a Rodesia. Luis Castelo Branco (1997): Das Raz6es Politicas da SADCC as Raz6es Econ6micas da SADC, Edi<;:oes Universidade Lusiada, Lisboa, p.l7. 3 Navios de guerra britanicos chegaram a cercar o porto mo<;:ambicano da Beira, amea<;:ando ataca-lo, caso o petroleo ai descarregado continuasse a ser can alizado para a Rodesia, violando as san<;:6es impostas pela ONU. Esta situa<;:ao foi ultrapassada com o fornecimento de combustiveis a Rodesia via Louren.;;o Marques. Apos a independencia de Mo<;:ambique, o fornecimento passou a ser feito atraves da Africa do Sui. Idem, p.l8.

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estrategicamente importante para a Rodesia, sendo a sua saida natural para o mar, feita nomeadamente atraves do porta da Beira4. Para alem da independencia de Mo~ambique, outros factores vieram agravar a situa~ao do regime rodesiano. Em primeiro lugar, a crise petrolifera, de 1973-1974, teve graves consequencias para a economia rodesiana. Em segundo lugar, o encerramento da fronteira corn a Zambia, teve consequencias nefastas para a economia rodesiana, uma vez que este pais era urn importante destino para as exporta~6es rodesianas. Para culminar este cenario, ha ainda que acrescentar a crescente eficacia dos ataques dos movimentos de liberta~ao, o Zimbabwe African National Union (ZANUS) liderado por Robert Gabriel Mugabe6, e o Zimbabwe African People's Union (ZAPU) liderado por Joshua Nkomo. Apesar do inimigo e o combate serem os mesmos, a verdade e que os dois movimentos de liberta<;ao nunc a se entenderam. Varias for am as raz6es que explicam este desentendimento. Em primeiro lugar, existe uma diferen~a socio16gica, a ZAPU encontra a sua base de apoio junto dos ndebeles, que representam cerea de 20% da popula~ao negra do pais, enquanto que a ZANU, criada em 1963 a partir de uma cisao da ZAPU, era apoiada pela popula~ao shona, a qual representa cerea de 80% da popula~ao negra do pais. Cada movimento tinha o seu bra~o armada proprio, corn apoios pr6prios e actua~6es independentes. A ZANU tinha o Zimbabwe African National Liberation Army (ZANLA), treinado e apoiado por chineses, norte-coreanos e jugoslavos. Regionalmente, a ZANU contava corn o apoio de Mo<;ambique, cujo territ6rio serviu de santuario e de campo de treino. Este apoio mo<;ambicano levou a que o regime de Smith apoiasse a cria~ao do Movimento Nacional de Resistencia (MNR), o qual mais tarde adoptaria o nome de Resistencia Nacional Mo~ambi­ cana (RENAMO), movimento composto por adversarios do regime da Frente de Liberta~ao de Mo~ambique (FRELIMO). 0 apoio mo~ambicano a ZANU implicou os ataques feitos pelo exercito rodesiano ao territ6rio mo~ambicano. A ZAPU tambem tinha o seu bra~o armada, o Zimbabwe People's Revolutionary Army (ZIPRA), o qual contava corn o apoio sovietico. Regionalmente con-

4 De Harare ao porto da Beira sao 698 kms. 0 outro porto mais perto e o de Maputo que esta a 1.178 kms. Na impossibilidade de utilizar os portos mo~ambicanos, o porto mais perto do Zimbabwe e o porto sul-africano de Durban que esta a 2.077 kms de Harare. Luis Castelo Branco, op.cit, p. 53. s 0 primeiro presidente da ZANU foi N dabaningi Sithole. Tendo sido capturado pelas for~as rodesianas, passou varios anos preso. Ao ser libertado, aceitou colaborar corn Abel Muzorewa no governo de transi~ao saido do Acordo Interno, situa~ao que !he fez perder credibilidade junto do movimento nacionalista. Gwyneth Williams & Brian Hackland (1988): Dictionary of Contemporany Politics of Southern Africa, Routledge, London, pp. 316-317. 6 Robert Mugabe assumiu a lid eran~a da ZANU em 1975 ap6s a morte de Herbett Chitepo.

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tou com o apoio da Zambia, cujo territ6rio foi utilizado como santuario e campo de treino. A partir de 1976, a situa<;ao agravou-se para o regime rodesiano, a luta armada era cada vez mais forte e eficaz, a situa<;ao econ6mica era preocupante e 0 isolamento internacional crescente. Os paises da regiao tambem sofriam as consequencias do seu apoio aos movimentos de liberta <;ao, as quais se traduziam em enormes custos econ6micos e ataques directos por parte das for<;as rodesianas. Face a este desgaste, o governo britanico, que para todos os efeitos ainda era a potencia administrante da Rodesia, tentou relan<;ar as negocia<;6es. Com o apoio da Commonwealth e dos Estados da Linha da Frente 7, a GB juntou as partes em conflito na Rodesia para uma maratona negocial. Assim, a 21 de Dezembro de 1979, as partes assinaram o Acordo de Lancaster Houses. Este Acordo representou um regresso ao passado, ou seja, o governo de Salisburia anulava a Declara<;ao Unilateral de Independencia e voltava a ser uma col6nia britanica. Perante isto, a Gra-Bretanha reassumiu o controlo sabre o territ6rio e iniciou a prepara<;:ao das elei<;:oes que levariam a independencia do territ6rio. As elei<;:6es, supervisionadas pela GB, realizaram-se a 28 de Fevereiro de 1980, tendo a ZANU ganho as mesmas. Os resultados das elei<;:6es foram os seguintes: QUADRO I: Resultados das Elei\'oes Legislativas de 1980

Percentagens

N.Q Deputados

ZANU-PF

63%

57

ZAPU

24%

20

UANC

13%

3

-

20

Partidos

FRENTE RODESIANA*

* De acordo corn o previsto pelo Acordo de Lancaster House, houve elei~ao paralela para os deputados brancos, tendo a Frente Rodesiana conquistado a totalidade dos lugares. Fonte: Zimbabwe Elections Update.

7 A organizac,:ao dos Estados da Linha da Frente (ELF) foi criada em 1976, por Angola, Botswana, Lesotho, Mozambique, Tanzania, Zambia, Zimba bwe, no contexto da luta dos paises da Africa Austral contra o regime de apartheid na Africa do Sul. Es te apoio implicava o auxilio aos movimentos de liberta<;ao que, na regiao, lutavam contra regimes de minoria branca: a SWAPO na Namibia, a ZANU ea ZAPU na Rodesia eo ANC e PAC na Africa do Sul. Luis Castelo Branco: A Politica Externa Sul-africana: Do Apartheid a Mandela, p.111 Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa, Lisboa, 445 pp. https://repositorio.iscte.pt/ bi tstream/1 0071/542/1/Dou toramen to+Luis+CB. pdf 8 Lancaster House e o nome do edificio em Londres onde d ecorreram as negociac,:oes.

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A 4 de Mar<;o de 1980, Robert Mugabe foi nomeado Primeiro-Ministro, e Canaan Banana, foi empossado coma Presidente da Republica9. A 18 de Abril o Zimbabwe ascendeu oficialmente a independencia. Salisburia passou a designar-se Harare, nome de urn chefe shona.

2. A Consolida<;ao do Poder da ZANU e de Mugabe Ap6s a vit6ria eleitoral, e ao contnirio do que muitos esperariam, Robert Mugabe iniciou uma politica de reconcilia<;ao nacional, visivel desde logo no seu discurso de tomada de posse. Tal atitude moderada, convenceu muitos brancos, que se preparavam para abandonar o pais, a mudar de ideias. Esta modera<;ao derivou da percep<;ao da importancia da comunidade branca para a economia do pais, nomeadamente, tendo em conta os casos de Angola e Mo<;ambique, onde os respectivos processos de descoloniza<;ao levaram a saida massiva da popula<;ao branca, ficando ambos os paises praticamente sem quadros. A popula<;ao branca tambem se sentiu segura devido a uma serie de garantias que ficaram inscritas no Acordo de Lancaster House. Estes direitos diziam respeito a elei<;ao de 20 deputados, num parlamento de 100 deputados, pela comunidade branca e o respeito pelos beneficios sociais dos funcionarios p{tblicos brancos. A existencia de urn poder judicial independente, controlado na sua maioria por juizes brancos, era uma garantia acrescida. Relativamente a questao da posse da terra, ficou decidido nao mexer no assunto durante 10 anos. Os primeiros anos do novo regime foram marcados par uma melhoria interna a todos os niveis. 0 governo de Mugabe fez reais esfor<;os para melhorar o sistema de educa<;ao e saude. A economia registou alguns avan<;os, sobretudo se comparados corn o resto dos paises africanos. Regionalmente, o Zimbabwe assumiu-se como lider quer dos Estados da Linha da Frente (ELF), quer da Southern African Development Co-ordination Conference (SADCC)lO, condi<;ao essa que implicou o agravamento das rela<;6es corn a Africa do Sul do apartheid. Nos seus intentos destinados a evitar a quebra da dependencia por parte dos estados da regiao, a Africa do Sul praticou uma politica de recompensas e san<;6es. Nesse sentido, concedeu incentivos econ6-

Robert Mugabe assumiu a Presidencia do pais em 1987. A SADCC foi criada em Lusaka, Zambia, a 1 Abril 1980, ap6s a adop<;ao da Declara<;ao de Lusaka, a qual advogava a necessidade dos estados signatarios, Angola, Botswana, Lesoto, Malawi, Mo<;ambique, Suazilandia, Tanzania, Zambia e Zimbabwe, quebrarem a sua dependencia econ6mica em rela<;ao a Africa do Sul do apartheid. No fundo, se os ELF eram a vertente politica dos estados da regiao no combate ao apartheid, a SADCC era a vertente econ6mica. 9

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micos aos estados que, na regiao, aceitassem moderar as suas criticas ao regime do apartheid, como foi o caso do Malawi e a Suazilandia, por outro, praticou uma desestabilizac;:ao, directa e indirecta, contra aqueles estados que mantiveram o seu criticismo e apoiaram os movimentos de libertac;:ao sul-africano, o African National Congress (ANC) eo Pan-African Congress (PAC), como foi o caso de Angola, Moc;:ambique ou do Zimbabwe. Passado pouco tempo ap6s a independencia, e apesar do clima de apaziguamento nacional, a verdade e que o derrube do regime rodesiano fez renascer os problemas entre os dois principais partidos zimbabweanos, a ZANU e a ZAPU. Se estes dois partidos nunca se entenderam, mesmo quando tinham o mesmo inimigo, era natural que, desaparecida a ameac;:a comum, o relacionamento se agravasse. Uma das questoes que preocupou Mugabe foi o forte apoio que o principal partido da oposic;:ao, a ZAPU, gozava na regiao de Matabeleland. As criticas ao regime de Mugabe feitas pela ZAPU e a crescente hostilidade dos matabeles em relac;:ao ao governo central eram, de facto, uma ameac;:a. Perante isto, Mugabe recorreu ao apoio de instrutores militares norte-coreanos para criar a guarda pretoriana do regime, surgindo assim a s~ Divisao do exercito zimbabweana. Esta Divisao foi utilizada em meados dos anos 80 para controlar a zona de Matabeleland, objectivo conseguido a custa de milhares de mortos e da submissao da ZAPU ao governo central. A partir deste momento a ZANU, que passou a designar-se ZANU-Patrotic Front, assumiu o controlo total do paisll. A partir dos anos 90, a situac;:ao interna no Zimbabwe comec;:ou a agravar-se em termos sociais, econ6micos e politicos. Comec;:aram a surgir noticias de corrupc;:ao nas mais altas esferas do estado, as quais se juntaram relat6rios internacionais que acusavam o Zimbabwe de violar sistematicamente os direitos humanos. A degradac;:ao do nivel de vida da populac;:ao, tambem derivava das duras condic;:oes impostas pelos Programas de Ajustamento Estrutural que o governo tentava implementar corn o auxilio do Fundo Monetario Internacional (FMI). A tudo isto ha ainda a acrescentar enormes erros na gestao governamental.

3. A Questao da Terra

Uma das questoes que sempre dividiu, e continua a dividir, a populac;:ao negra e branca da Africa Austral tern a ver com a questao posse da terra.

11 A partir deste momento, o pais deixou de ter uma verdadeira oposi~ao, transformando-se, de facto, num pais mono partidario. A ZANU absorveu a ZAPU e adoptou nesta altura a designa~ao de ZANU- Patriotic Front (ZANU-PF).

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Durante a epoca colonial, a popul a~ao negra viu-se marginalizada no acesso a terras araveis. Os varios poderes coloniais privilegiaram cidadaos brancos, oriundos das diversas metr6poles, corn a concessao de terras de modo a alicialos a estabelecerem-se em Africa. 0 aumento do numero de colonos permitiu uma ocupa~ao efectiva dos territ6rios e, simultaneamente, serviu de refor~o da seguran~a colonial. Nos casos da Africa do Sul, Namibia e Zimbabwe, as politicas, oficiais ou oficiosas de discrimina~ao racial, praticadas criaram barreiras legais a posse da terra pelos nao brancos. Ressentimentos face a exclusao de que eram alvo, levaram muitos africanos a abra~arem as causas dos movimentos de liberta~ao.

Nas col6nias portuguesas na Africa Austral, Angola e Mo~ambique, o radicalismo dos primeiros anos de independencia resolveu, em definitivo, o problema da posse da terra. Em ambos os paises a totalidade da terra passou para as maos dos respectivos es tados, os quais poderiam, posteriormente, cede-las atraves de concess6es limitadas no tempo. No caso do Zimbabwe, a transferencia d e poder da minoria branca para a maioria negra foi alcan~ada atraves de processos negociais moderados. A capacidade negocial da minoria branca conseguiu, fruto de apoios externos e da sua propria capacidade de influencia, impor aos novos governantes solu~6es que impediram a transferencia imediata da posse da terra. Se este tipo de solu~6es foi benefica na altura, pois permitiu avan~ar corn as negocia~oes, teve urn efeito perverso, ja que em vez de resolver urn problema de base, apenas o adiou. Esta mesma solu~ao foi adoptada nas negocia~6es sul-africanas. Tambem neste caso, o problema da posse da terra amea~ou o acordo final. Nesse sentido ficou acordado que o tema seria abordado mais tarde. A verdade e que, 14 anos depois das primeiras elei~6es multirraciais, pouco mudou no capitula da posse da terra na Africa do Sul. A nao resolu~ao desta questao, promove uma possivel crise que tera contornos muito violentos. Se no Zimbabwe existiam pouco mais de 4 mil agricultores brancos, na Africa do Sul sao mais de 65 mil. 0 problema sobre a posse da terra no Zimbabwe come~ou a 13 de Outubro de 1888, dia em que Charles Rudd, em nome de Cecil Rhodes e da British South African Company (BSAC), assinou urn documento corn o rei Lobengula da na~ao matabele1 2. As duas partes signatarias tinham vis6es diferentes sobre a finalidade do documento. Enquanto o rei Lobengula pensava estar apenas a ceder o direito de explora~ao do subsolo, a BSAC considerou-se dona do territ6rio dos matabeles, solo e subsolo.

~ao

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12 Luis Castelo Branco & Guilherme Zeverino (2002): Portugalna Missao de ObservaEleitoral da Uniao Europeia no Zimbabwe. Edit;:6es Universidade Lusiada, Lisboa, p. 34.

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Pouco a pouco, com o apoio das autoridades britanicas, a quem a BSAC cedeu o controlo do territorio rodesiano, os colonos foram adquirindo cada vez mais terra. Por volta de 1914, os colonos, que representavam cerea de 3% do total da popula<;:ao, ocupavam aproximadamente 75% da terra aravel. A popula<;:ao negra, ocupava 23% da terra, em grande parte pouco fertil. Na decada de 60 do seculo XX, a popula<;:ao negra, influenciada pelos processos de descoloniza<;:ao que se iam registando um pouco por todo continente, come<;:aram a organizar-se de modo a enfrentar a minoria branca. 0 descontentamento devido a questao da terra foi 0 factor de uniao e de incentivo na cria<;:ao dos movimentos de liberta<;:ao. Durante as negocia<;:oes de Lancaster House, os movimentos de liberta<;:ao amea<;:aram, varias vezes, abandonar as negocia<;:oes se a questao da terra nao fosse abordada. P01路em, de modo a evitar a que esta questao fosse a razao que inviabilizasse o acordo final, tanto os ELF como a Gra-Bretanha pressionaram os movimentos a aceitarem um acordo em que a questao da terra ficava congelada . A Gra-Bretanha convenceu os movimentos de liberta<;:ao atraves de promessas de financiamentos para levar a cabo uma reforma agraria, impondo, no entanto, algumas condi<;:oes. A principal impedia o governo do Zimbabwe de adquirir terras contra a vontade dos seus proprietarios durante dez anos, ou seja, ate 1990. Quando o per:iodo de 10 anos, imposto pelo Acordo de Lancaster House, chegou ao fim, o governo decidiu avan<;:ar. Assim, em 1992 foi aprovada a Land Acquisition Act 13, o qual permitia a aquisi<;:ao da terra onde e quando o governo achasse conveniente, independentemente da vontade dos seus donos. Esta lei permitiu ao governo adquirir terra compulsivamente com a finalidade de a redistribuir, tendo, no entanto, ficado previsto que uma compensa<;:ao financeira justa deveria ser paga. Aos proprietarios era-lhes dada a possibilidade de irem a tribunal caso nao concordassem com o pre<;:o fixado pelo governo. Foi neste periodo que a Gra-Bretanha suspendeu a ajuda financeira ao programa de reforma agraria no Zimbabwe, acusando o governo de estar a canalizar para os seus aliados, e nao para a popula<;:ao carenciada, a terra ate entao adquirida. Sem o apoio financeiro da GB, o governo de Harare ficou sem capacidade de indemnizar os agricultores. Em Novembro de 1997, e na sequencia da aprova<;:ao do Land Acquisition Act, Mugabe decidiu avan<;:ar em definitivo para a reforma agraria. Porem, face a falta de recursos financeiros, 0 governo decidiu adquirir a terra a for<;:a, nao prevendo pagar qualquer compensa<;:ao. Radicalizando a sua posi<;:ao, o gover-

13 Government of Zimbabwe: Land Acquisition Act of 1992. http://www.lands.gov.zw/ departments/land %20acquisition%20and %20transferee (contd).htm

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no zimbabweano decidiu que se houvesse lugar ao p agamento, tal deveria ser feito pela Gra-Bretanha, em ultima instancia a responsavel pela situa<;ao 14 . A decisao de Mugabe em avan<;ar corn a reforma agraria nesta altura foi v ista, acima de tudo, como uma fuga para a frente. Apesar do problema da terra necessitar de ser resolvido, a forma como Mugabe o enfrentou foi vista como uma maneira de combater o desgaste da su a lideran<;a, fortemente abalada pela crescente crise economica. Mugabe lan <;ou-se numa campanha populista incitando a popula<;ao negra contra a minoria branca, corn a promessa d e recuperar as terras roubadas pelos brancos e tirar da miseria os ex-combatentes da guerra de liberta<;ao. 0 problema da reforma agraria complicava-se, ainda mais, devido ao facto das grandes fazendas serem rentaveis devido a sua dimensao, sendo elas as grandes responsaveis pela obten<;ao de grande parte das divisas do pais, atraves das exporta<;6es de tabaco e de produtos alimentares. Para complicar ainda mais esta questao, muitos dos agricultores brancos compraram as suas fazendas ja depois da independencia e a pre<;os de mercado, nao tendo rigorosamente nenhuma liga<;ao corn os acontecimentos verificados durante a epoca colonial. Este agravamento da situa<;ao no Zimbabwe tambem foi fomentado pelos acontecimentos na regiao. A liberta<;ao do lider historico do African National Congress (ANC), Nelson Mandela, e a posterior vitoria eleitoral deste movimento nas primeiras elei<;6es multirraciais na Africa do Sul, veio alterar o equilibrio de poderes na regiao. Ate a liberta<;ao de Mandela, em 1990, mas sobretudo ate a vitoria eleitoral do ANC sul-africano, em 1994, a Africa do Sul era urn estado p aria no sistema internacional. Assim, no contexto da Africa Austral, o pais lider era o Zimbabwe, o qual, devido as su as infra-estruturas e ao grau de desenvolvimento, atraia grande parte do investimento estrangeiro n a regiao . Porem, a liberta<;ao de Mandela e a sua posterior subida ao poder, acabaram por ofuscar a figura de Mugabe, habituado a ter urn elevado protagonismo internacional. Por outro lado, 0 fim das san<;6es a Africa do Sul, implicaram que este pais, mais desenvolvido e mais atraente que o Zimbabwe, estava de novo disponivel p ara o investimento estrangeiro.

4. A Cria~ao do Movement for a Democratic Change (MDC) Ap6s a submissao da ZAPU, a primeira oposi<;ao seria a Mugabe surgiu em Mar<;o de 1999, corn a realiza<;ao de uma reuniao intitulada National Working People 's Convention, patrocinada pela poderosa central sindical zimba14

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Pan-African News Agency, 16/10/1997.

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bweana, a Zimbabwe Congress of Trade Unions (ZCTU), outrora grande apoiante do governo. Durante o decurso dos trabalhos, o governo foi acu sado de ser o principal responsavel pelo estado da econornia e pela degrada<;ao dos niveis de vida. No final dos trabalhos, ficou n o ar a possibilidade de se criar urn novo partido. A 11 de Seternbro de 1999, o Movement for a Democratic Change (MDC), foi oficialmente criado em Harare. Inicialmente pretendeu apenas ser urn movirnento dvico, porem, rapidamente tornou-se num partido p olitico corn o objectivo de contestar o poder a ZANU-PF nas elei<;6es que se deveriam realizar no ano seguinte. Como Presidente do novo partido foi eleito urn antigo sindicalista, Morgan Tsvangirai. Em rela<;ao a polemica questao da terra, o MDC reconheceu a necessidade de se rever a questao da posse, porem criticou o m odo como a ZANU-PF o estava a fazer, nao concordando corn a introdw;:ao do factor racial nesta questao. 0 MDC apresentou urn programa intitulado Land Reform and Resettlement Programmels, cujo objectivo era o de conduzir urn processo de reforma jus ta, baseada nao apenas nos aspectos distributivos, mas tendo tambem em aten<;ao os aspectos da rentabilidade e do impacto ambiental. Esta modera<;ao do MDC fez corn que fo sse acusado pela ZANU-PF de ser urn partido fantoche da popula<;ao branca e de ser financiado pela GB.

5. 0 Referendo de 2000 Corn vista a eliminar as ultimas das lim ita<;6es legais de Lancaster House, e assim p oder avan <;ar para urn refonna agraria radical, Mugabe decidiu p romover a elaborac;:ao de uma nova Constituic;:a o. 0 projecto da nova Constituic;:ao foi, desde logo, contestado pela oposi<;ao. A principal proposta previa o alargamento dos poderes do Presidente, urn desejo de Mugabe que lhe permitiria avan<;ar corn a refonna agraria sem qualquer tipo de compensa<;ao. Segundo a proposta apresentada, os mandatos presidenciais ficavam lirnitados a dois, corn uma dura<;ao cada de cinco anos. No entanto, esta medida n ao tinha efeitos retroactivos, o que significava que Mugabe podia ficar mais doze anos no poder16.

15 MDC Electoral Manifesto (2000) : MDC Policy on Land Reform and Rural Development, 4 pp. 16 Para ah~m de dez anos de dois eventuais novas mandatos, Mugabe ainda podia ficar mais dois anos correspondentes ao seu mandata entao em vigor, que s6 terminava em 2002. Robert Mugabe nasceu em 1924, o que significava que, caso as altera.;:oes constitucionais fossem aprovadas, ele p oderia fica r no poder ate aos 88 anos.

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Face a onda de contesta~ao, o governo decidiu submeter o projecto da nova Constitui~ao a urn referenda, convencido que facilmente a sua posi~ao sairia refor~ada. Este referenda acabou por ser a primeira grande prova eleitoral do MDC, que fez campanha contra a aprova~ao do projecto constitucional. 0 referenda realizou-se a 12 e 13 de Fevereiro de 2000, dando uma clara vitoria ao "Nao". Este resultado entusia smou a oposi~ao a Mugabe, o qual, pela primeira vez desde 1980, ganhou umas elei~oes . A ZANU-PF foi surpreendida pelos resultados, apressando-se a culpar a minoria branca pelos mesmos, acusando-a de ter manipulado a popula~ao. Mugabe classificou a ocupa~ao das terras como a terceira Chimurengal7 (guerra de lib erta~ao). Apos ter ganho as elei~oe s de 2002, Mugabe decidiu terminar de vez corn a questao da terra ao publicar uma lista de fazendas a expropriar, dando urn prazo de 90 dias aos proprietarios para as abandonarem. Esta decisao fez corn que a maioria dos 4 mil agricultores brancos vissem as suas terras ocupadas, obrigando-os a sair do pais, corn muitos deles a transferirem-se para o vizinho Mo~ambique onde contaram corn o apoio do governo de Maputo para se instalarem. A p olt~mica reforma da terra, que serviu de bandeira mobilizadora de Mugabe, nao surtiu os efeitos pretendidos. As grandes fazendas, responsaveis pela produ~ao alimentar e fonte de receitas de exporta~ao, nomeadamente de tabacolS, foram retiradas aos fazendeiros brancos a p artir de 2000. A ma redistribui~ao das terras, a maioria das quais foi parar as maos de aliados de Mugabe, juntamente corn a falta de uma politica de incentivos e de apoios aos agricultores, transformaram o pais, em poucos anos, de celeiro da Africa Aus tral em m ais urn pais dependente da ajuda alimentar internacionaF9. A ma gestao da politica agricola reflectiu-se, igualmente, n a perda d e milhares de empregos rurais. Passados seis anos des ta decisao os resultados foram catastroficos. A ma distribui ~a o aliada a falta de conhecimentos e capacidades tecnicas e a quebra dos circuitos comerciais fez cair drasticamente as produ~oes corn graves conseqw§ncias para as exporta~oes e a produ~ao alimentar.

17

Land Distribution in Southern Africa: Zimbabwe. http://www.pbs.org/newshour/bb/ africa/land/impact.htrnl 18 A prodw;-ao de Tabaco caiu de 237 toneladas em 2000 para 70 toneladas em 2007. Coming to a Crunch. Zimbabwe's Election, in The Economist, 22/03/2008, pp. 44-46 19 Em Man;-o de 2008, 2.5 milh6es de pessoas no Zimbabwe dependiam do apoio alimentar fornecido pelo Programa Alimentar Mundial. Programa Alimentar Mundial, Abril de 2008. http://www.wfp. org/country_brief/ indexcountry.asp?country=716

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6. As Elei<;:oes de 2008 Com o Zimbabwe a atravessar uma profunda crise, realizaram-se, a 29 de Man;:o de 2008, elei~6es presidenciais e legislativas. As opini6es relativamente a utilidade destas eleic;:oes dividiram-se. Ao recandidatar-se, Robert Mugabe, foi uma ma noticia para a democracia zimbabweana e p6s em causa a desejada alternancia politica, ao mesmo tempo que impediu a renova~ao de quadros da ZANU-PF. As limita~6es impostas aos Observadores Internacionais, cam a exclusao dos Observadores europeus e norte-americanos, e o controlo absoluto dos 6rgaos de comunica~ao social, condicionaram o controlo independente de todo o processo eleitoral. A oposi~ao apostou nestas eleic;:oes coma ultima esperanc;:a para uma mudan~a pacifica de regime. Para enfrentar Mugabe eo seu partido, a ZANU-PF, apresentaram-se dais candidatos, Morgan Tsvangirai, apoiado pelo MDC e Simba Makoni, antigo Ministro das Finan~as, que concorreu coma independente. Makoni, apesar de ser uma figura pouco conhecida no interior do pais, gozava de grande prestigio intemacional devido ao facto de ter desempenhado o cargo de Secretario-Geral da SADC. Apesar de ser m embra da ZANU-PF, estava conotado cam a ala moderada, sendo favoravel a uma renovac;:ao quer dentro do partido, quer dentro das estruturas governamentais. 0 desemprego atingiu fortemente as zonas urbanas, onde cerea de 80% da populac;:ao estava sem emprego. Nas zonas rurais, e fruto da desastrosa reforma da terra, milhares de trabalhadores ficaram sem emprego quando as grandes fazendas deixaram de produzir. Outras fontes importantes de rendimentos, a extracc;:ao do ouro e a industria de turismo, tambem se ressentiram fortemente, agravando ainda mais a si tua~ao do desemprego. Perante isto, e numa popula~ao de 13 milh6es de habitantes, cerea de 3 milh6es abandonaram o pais, muitos deles indo para a vizinha Africa do Sul. A inflac;:ao, a mais alta do mundo, atingiu os 2.200.000% em Julho de 200820. A falta de divisas, devido a drastica diminui~ao das exportac;:oes agricolas, implicou a escassez de meios para fazer face a carencia alimentar e 0 pagamento da energia comprada na regiao. 0 Zimbabwe importa 40% da energia que consome, sendo os seus principais abastecedores21 a Africa do Sui e Mo~ambique. As duas centrais electricas em funcionamento no Zimbabwe Kariba (hidroelectrica) e Hwange (termoelectrica), sao incapazes de produzir de acordo cam as necessidades internas.

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Zimbabwe Distributes Food Hampers, in BBC News Online, 17/07/2008. http://news. bbc.co. uk/2/hi/africa/7511147.stm 21 South Africa Cuts Power to Neighbours, in BBC News on Africa, 21/01/2008. http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/7199814.stm

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Para alem do abastecimento de electricidade tambem outros servi<;;os basicos, como 0 fornecimento de agua, falhou nas principais cidades zimbabweanas. 0 sistema de saude deixou de funcionar, com os h ospitais a debaterem-se corn a falta de medicamentos e pessoal qualificado, com graves consequencias no combate a doen<;;as como o HIV-SIDA. A esperan<;;a de vida, em tempos, uma das mais elevadas da Africa Subsariana, e hoj e de apenas 36 anos, uma das mais baixas de Africa22. Apesar das evidentes provas de manipula<;;ao do processo, a oposi<;;ao mostrou-se confiante numa vitoria eleitoral. A Comissao Eleitoral zimb abweana estava completamente controlada pela ZANU-PF. A lista dos eleitores, assim como a localiza<;;ao das mesas de voto, apenas foram divulgadas a oposi<;;ao pouco tempo antes do inicio da campanha eleitoral. Apesar de existirem 5.9 milh6es de eleitores, foram impressos 9 milh6es de boletins. A oposi<;;ao apresentou estas manobras como formas das autoridades viciarem os resultados23. Tambem foram denunciados a existencia de milhares de eleitores fantasmas nas zonas rurais que iriam favorecer Mugabe. A partida, a oposi<;;ao podia contar corn um forte apoio das zonas urbanas, nomeadamente Harare e Bulawayo, politicamente mais esclarecidas, e que ja tinh.am votado maci<;;amente na oposi<;;ao em elei<;;6es anteriores. 0 controlo que os apoiantes de Mugabe efectuavam n as zonas ru rais, cativando eleitores com a distribui<;;ao de alimentos, seria dificil de realizar nas cidades. Outra area afecta a oposi<;;ao foi a regiao de Matabeleland, na qu al ainda estao bem vivas as memorias dos massacres cometidos p elo exercito zimbabweano contra elementos da ZAPU. Apesar das enormes carencias que o pais atravessa, Mugabe nao se coibiu de preparar a su a campanha eleitoral gastando milh6es de USD. Por um lado, foram importados alimentos para cativar eleitores, e, por outro, foi refor<;;a do o equipamento militar das for<;;as de seguran<;;a. Atraves de uma politica de favorecimento claro, Mugabe conseguiu manter junto de si as for<;;as militares e policias. Alias, numa clara medida intimidadora, p oucos dias antes das elei<;;6es as Chefias Militares e Policiais manifestaram o seu apoio a Mugabe, avisando a oposi<;;ao de que nao seriam toleradas situa<;;6es de violencia semelhantes as vividas no Quenia apos as elei<;;6es presidenciais de Dezembro de 2007. Internacionalmente, a situa<;;ao do Zimbabwe foi fonte de preocupa<;;ao. Por urn lado ternia-se que uma degrada<;;ao da situa<;;ao interna pudesse ter consequencias negativas nos paises vizinhos. Por outro, paises como o Reino

22 PNUD: Relat6rio de Desenvolvimento Humano 2007/2008: Combater as Altera\6es Climaticas: Solidariedade Humana num M undo Dividido. 23 Luis Castelo Branco (2008): 0 Fim da Era Mugabe no Zimbabwe, p. 3, Observat6rio de African" 12, Boletim da Funda<;ao Portugal- Africa, Porto.

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Unido defendiam a adopc;ao de medidas drasticas contra Mugabe, nao so para 0 afastar do pode1~ mas tambem para servir de exemplos a casos futuros. Os dias que antecederam as eleic;6es e o dia da votac;ao fo ram muito tensos, embora nao se tenha registado a violencia que teve lugar nas u ltimas eleic;6es presidenciais. A ausen cia de Observadores Independentes e a limitac;ao a circulac;ao de jornalistas implicou a ausencia de noticias fidedignas. Os Observadores dos paises aliados do Zimbabwe, como o Irao, a Venezuela e a China, manifestaram a sua satisfac;ao pelo modo como decorreu o processo. Identica posic;ao teve a missao eleitoral da SADC, embora alguns membros da delegac;ao sul-africana, nomeadamente de partidos da oposic;ao, se tenham negado a assinar a declarac;ao final devido as irregularidades verificadas. A Missao Eleitoral da Uniao Africana, liderada pelo antigo Presidente da Serra Leoa, Ahmad Tejan Kabbah, foi mais cautelosa nas suas apreciac;6es, reconhecendo a existencia de varias irregularidades. Nas eleic;6es legislativas, e depois de muita controversia, recontagens e atrasos na publicac;ao dos resultados, o MDC conseguiu uma vit6ria hist6rica, ao ser declarado vencedor24. Em relac;ao as eleic;6es presidenciais, os resultados tardaram em ser conhecidos, apesar do MDC afirmar que Tsvangirai ganhou logo a primeira volta. Enquanto se esperava pela divulgac;ao dos resultados das eleic;oes presidenciais, Mugabe e os seus apoiantes foram radicalizando o discurso e a actuac;ao. Com o objectivo de mobilizar os seus apoiantes, Mugabe voltou a u sar o tema da posse da terra, acusando o MDC de pretender devolver a terra aos fazendeiros brancos. A oposic;ao, num esforc;o de contenc;ao e na impossibilidade de forc;ar o governo a divulgar os resultados, apelou ao apoio da Comunidade Internacional. Enquanto os p aises europeus, liderados pelo Reino Unido mostraram-se solidarios com o MDC, a posic;ao dos estados africanos foi mais dubia. A Uniao Africana, embora tenha demorado muito tempo a reagir, acabou por exigir a divulgac;ao dos resultados das eleic;6es presidenciais25. Devido aos lac;os de solidariedade, e tambem devido as suas situac;oes internas, os paises da Africa Austral mostraram alguma contenc;ao nos seus comentarios, evitando criticar abertamente Mugabe.

24 No Majority for Mugabe in Recount, in Mail & Gua rdian Online, 26/04/2008. http: //www.mg .co .za/articlePage.aspx?articleid=337906&area=/breaking_news/breaking news africa/ 25 Communique on the Situation in Zimbabwe, African Union, Addis Ababa, 17/04/2007. http://www.africaunion.org/root/ua/a ctualites/2008/avr/communique%20situ ation%20 zimbabwe%20-%20eng-%2017-04-08.doc

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Os esfon;os internacionais para resolver pacificamente a crise zimbabweana arrastaram-se durante varios anos. A maior esperan<;a residiu nos esfor<;os regionais, atraves da SADC liderados pela Africa do Sui. A politica de diplomacia silenciosa seguida pelo Presidente Sul-Africano, Thabo Mbeki, que consistia em nao criticar publicamente Mugabe, foi muito contestada26. Mais de urn mes depois das elei<;:oes presidenciais, a Comissao Eleitoral, confirmou que o lider da oposi<;:ao ganhou a primeira volta do escrutinio corn 47,8% dos sufragios. Mugabe, por sua vez, obteve 43,2% 27. Face aos resultados das elei<;:oes presidenciais, em que nenhum dos candidatos obteve mais de 50% dos votos, foi necessaria marcar uma segunda volta, a qual ficou marcada para 27 de Junho. A crescente violencia contra os apoiantes do MDC, e as manobras destinadas a alterar os resultados eleitorais, levaram Tsvangirai a anunciar a sua desistencia da corrida eleitoral, alegando nao poder pedir aos seus apoiantes que votassem nele, sabendo que isso lhe poderia custar a vida28. Tsvangirai assumiu esta posi<;:ao, deixando Mugabe a concorrer sozinho a segunda volta29, ao mesmo tempo em que procurou refugio na Embaixada da Holanda em Harare. Face a esta posi<;:ao, Mugabe venceu a segunda volta das elei<;:oes com 90% dos votos, corn a absten<;:ao a situar-se n os 58%30.

7. 0 Papel da Africa Austral e da Africa do Sui A resolu<;:ao da crise zimbabwean a ficou dependente, mais uma vez, da posi<;ao dos paises da regiao da Africa Austral, nomeadamente da Africa do Sui. Em 1965, quando o regime de Ian Smith declarou a Independencia Unilateral, tanto Reino Unido como grande parte da Comunidade Internacional, estavam convencidos que as san <;:oes decretadas contra o regime rebelde o fariam cair numa questao de semanas. Porem, o papel da regiao da Africa Austral, nomeadamente da Africa do Sui e do poder colonial portugues em Mo<;ambique, contrariou essa previsao.

26 South Africa's President Mbeki Visits Zimbabwe on Mediation Mission Meets Mugabe, in International Herald Tribune, 17/01/2008. 27 Electoral Institute of Southern Africa: Zimbabwe: 2008 Presidential Election Results -First Round, May 2008. http://www.eisa.org.za/WEP/zim2008results5.htm 28 An Election with only One Candidate, in The Economist, p.49, 28/06/2008. 29 Morgan Tsvangi rai: Presidential Run-off Election Scheduled for the 27th June 2008. http://www.eisa.org.za/PDF/zimmt200806.pdf 30 Electoral Institu te of Southern Africa: Zimbabwe: 2008 Presidential Election Results -Second Round, http://www.eisa.org.za/WEP/zim2008results6.htm

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Actualmente, a situa<;ao voltou-se a repetir. Apesar da campanha internacional do Reino Unido contra o regime de Mugabe, que contou corn o apoio dos outros membros da Uniao Europeia, dos EUA e de dezenas de outros Estados, o papel da regiao voltou a contrariar as expectativas. Novamente a Africa do Sul, e alguns paises da regiao, opuseram-se as criticas ao regime de Harare. Esta situa<;ao deveu-se, em grande medida, a propria situa<;ao interna sul-africana, onde Mugabe conta corn muitos admiradores, nomeadamente no seio da popula<;ao negra, fruto da sua policia agraria, e corn muitos opositores no seio da popula<;ao branca, que vem no Zimbabwe de Mugabe uma antevisao do que podera ser o seu futuro. A Africa do Sul, atraves do seu Presidente Thabo Mbeki, defendeu uma aproxima<;ao conservadora a situa<;ao no Zimbabwe. Esta posi<;ao sul-africana, implicou, na pratica, urn apoio ao regime de Mugabe e urn duro golpe para a oposi<;ao zimbabweana. Mas, a Africa do Sul tambem sofria os efeitos negativos da crise zimbabweana. Fruto da politica adoptada no seio da SADC, de livre circula<;ao entre Estados Membros, grande parte dos 3 milh6es de zimbabweanos que deixaram o seu pais, escolheram como destino a Africa do Sul. Este afluxo de imigrantes zimbabweanos, aos quais se juntavam outros oriundos de varios paises da regiao, vieram agravar a crise social e o desemprego na Africa do Sui. Esta crise provocou os ataques xenofobos em Maio de 2008 na Africa do Sul, o que levou a que milhares de imigrantes regressassem aos seus paises. A cautela do governo de Pretoria em rela<;ao ao Zimbabwe tambem se explica pelo facto d a lideran<;a sul-africana estar enfraquecida devido ao facto do grande adversario politico de Mbeki, Jacob Zuma, ter assumido a lideran<;a do ANC e de se perspectivar como futuro Presidente do pais. Zuma, ao contrario de Mbeki, assumiu uma posi<;ao critica em rela<;ao a Mugabe. Esta posi<;ao do lider do ANC foi apoiada pela poderosa central sindical COSATU (Congress of South African Trade Unions). Por decisao da COSATU foi decidido bloquear o desembarque de varias mercadorias em direc<;ao ao Zimbabwe, nomeadamente urn carregamento de 77 toneladas de material belico proveniente da China31 . 0 apoio da COSATU a oposi<;ao zimbabweana tambem se explica pelo facto de Morgan Tsvangirai ser urn antigo lider sindical, tendo agora recuperado velhas amizades. Mo<;ambique adoptou urn sih?ncio que foi entendido como de apoio a Mugabe. Em 1976, quando encerrou as suas fronteiras ao regime rodesiano,

31

Dockers Refuse to Unload China Arms Shipment for Zimbabwe, in The Times Online,

18/04/2008. http://www. timesonline .eo. uk/tol/news/wor Id/ africa/ article3 772113 .ece

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nomeadamente evitou que a Rodesia utilizasse o caminho-de-ferro e o Porto da Beira, Mo<;:ambique foi aplaudido internacionalmente, mas sofreu duros prejuizos por essa atitude. A adop<;:ao de san<;:6es contra o Zimbabwe poderia prejudicar fortemente a economia mo<;:ambicana. Essa situa<;:ao ja e, de facto, vivida em Mo<;:ambique, uma vez que a crise zimbabweana ja se reflectiu numa diminui<;:ao da actividade econ6mica na provincia mo<;:ambicana de Sofala. As posi<;:6es dos paises africanos foram, regra geral, de grande modera<;:ao nas criticas a Mugabe. Na cimeira da Uniao Africana (UA), realizada em Junho de 2008 em Sharm-el - Sheik, no Egipto, a declara<;:ao final apenas apelou ao entendimento entre as partes, nada dizendo em rela<;:ao as irregularidades eleitorais ea violencia contra os membros do MDC3 2 . A UA teve nesta Cimeira uma oportunidade hist6rica de se credibilizar aos olhos de Africa e do Mundo. Apoiada nas criticas internacionais Mugabe e nos relat6rios dos seus pr6prios Observadores Eleitorais que estiveram presentes nas elei<;:6es zimbabweanas, a UA tinha todas as condi<;:6es para criticar o regime de Harare. Porem, a UA acabou por defraudar as expectativas, ao apelar a necessidade de dialogo entre as partes, validando os ineficazes esfor<;:os diplom.iticos de Thabo Mbeki. Esta atitude da UA nao deve surpreender, pois a sua performance tem sido muito fraca, veja-se, por exemplo, a sua incapacidade em travar o conflito do Darfur. Por outro lado, a UA tem no seu seio lideres, como Teodoro Obiang Nguema da Guine Equatorial ou Omar al Bashir do Sudao33, cujo desempenho e tao criticavel como o de Mugabe. Esta posi<;:ao cumplice com o regime de Harare s6 foi quebrada pelo Botswana e Quenia, paises que contestaram a presen<;:a de Mugabe na Cimeira, nao o reconhecendo como legitimo representante do povo zimbabweano34 . As criticas mais duras vieram do Quenia, com o Primeiro-Ministro Raila Odinga a contestar abertamente o regime de Mugabe durante a Cimeira de Sharm-el-Sheik, apelando inclusive a Uniao Africana para enviar tropas para

32 Press Statement on the Situation in Zimbabwe, African Union, 23/06/2008. http:// www.africa-union.org/root/au/Conferences/2008/june/pr/Communique%20-Zimbabwe23J une08.pdf 33 0 Tribunal Penal Internacional emitiu um mandata de prisao contra Omar a! Bashir por genoddio e crimes contra a humanidade cometidos no Darfur. Sudiio: Al-Bashir Pode ser o Terceiro Presidente em Exercicio a ser Julgado pela Justi~a Internacional, in Angola Press, 14/07/2008. http://www.angolapress-angop.ao/noticia.asp ?10=634202 34 Botswana: Zimbabwe Rebukes Country's Stand On Elections, in The Reporter (Gaberone), 10/07/2008. http://allafrica.com/stories/200807100868.html

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o Zimbabwe35 . Tanto o Botswana como o Quenia argumentaram que, passado mais de meio seculo sobre as lutas de independencia, ja nao se pode aceitar que as elites africanas justifiquem o seu subdesenvolvimento apenas pela heran<;a colonial, nao aceitando qualquer responsabilidade pela situa<;ao de muitos paises. A Presidente da Liberia, Ellen Johnson Sirleaf, tambem criticou Mugabe ao afinnar que era dever de todos os lideres africanos falarem sobre a injusti<;a em lugares como o Zimbabwe36. Para alem dos apoios africanos, Mugabe tambem contou corn o apoio de estados tao variados como a Venezuela, o Irao ou o Vietname. Porem, particularmente importante foi a posi<;ao da Rtlssia e da China, paises que, no seio do Conselho de Seguran<;a da ONU, vetaram a adop<;ao de san<;6es ao regime zimbabweano3 7 . 0 veto chines era previsivel devido a dois motivos. Por urn lado, a amizade existente entre o regime de Harare e de Pequim, que remonta aos tempos da luta pela independencia, e que criou fortes la<;os entre os dois paises. Em segundo lugar, e politica chinesa nao deixar passar resolu<;oes que implique a condena<;ao de paises por causa dos direitos humanos. Esta tern sido a pratica adoptada pela China sempre que, por exemplo, o Conselho de Seguran<;a da ONU pretende adoptar san<;oes contra o Sudao por causa do conflito no Darfur. Ja o veto russo foi algo imprevisto. Moscovo justificou o seu veto pela decisao de nao se imiscuir nos assuntos internos do Zimbabwe, uma vez que este pais nao amea<;ou a estabilidade internacional. Esta posi<;ao russa causou urn profunda mal-estar entre os varios membros do Conselho de Seguran<;a da ONU, pois demonstrou uma nova posi<;ao de Moscovo nos assuntos internacionais, mais distante dos consensos ate agora obtidos corn os EUA, Reino Unido e Fran<;a. 0 voto contra da Africa do Sul tambem provocou alguma tensao, nomeadamente manifestada pelos EUA, os quais acusaram o regime de Pretoria de estar do lado errado da hist6ria38. Esta declara<;ao criou um mal-estar diplomatico entre Pretoria e Washington. 35 Kenya's PM Urges African Troops for Zimbabwe, in Reuters, 30/06/2008. http:// wvvw.alertnet.org/thenews/newsdesk/CAW920707 .htm. 36 Lideres Africanos Devem Falar das Injusti~tas coma a do Zimbabwe, in Canal de Moc;:ambique, 17/07/2008. http://www.canalmoz.com/default.jsp?file=ver_artigo&nivel=l&id =8&idRec=41 58 3? Para alem da China e da Rtlssia, tambem a Africa do Sui, Libia e Vietname votaram contra a resolw;ao que apelava a adopc;:ao de sanc;:i5es contra o Zimbabwe. A favor votaram os EUA, Reino Unido, Franc;:a, Belgica, Burkina Faso, Costa Rica, Croacia, Itc\lia e Panama. A Indonesia absteve-se. No Consensus in Security Council on Zimbabwe Sanctions, UN News Centre, 11/07/2008. http://www. un .org/apps/news/story.asp ?N ewsiD=27358&Cr=Zimbabwe&Crl 38 Zimbabwe Sanctions Vetoed at UN, in BBC News on Africa, 12/07/2008. http:// news.bbc.co .uk/2/hi/africa/7502965 .stm

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A oposi~ao zimbabweana contava que o regime de Mugabe fosse duramente condenado por uma serie de organiza~oes internacionais essencias para o pais, ONU, Uniao Africana e SADC. Porem, apoios, interesses e receios associados, justificaram a posi<;ao de diversos paises que acabaram por inviabilizar, nas tres organiza<;oes, a adop<;ao de san<;6es contra Harar路e.

8. A Partilha de Poder entre o MDC e a ZANU-PF Face a pressao externa e corn o objectivo de ultrapassar a crise instalada no pais, Robert Mugabe assinou, a 21 de Julho, corn os lideres das duas fac<;oes do MDC, Morgan Tsvangirai e Arthur Mutamba, urn acordo corn vista a iniciar as negocia~oes destinadas a partilha do poder. Se, para Mugabe, era condi~ao fundamental que a oposi<;ao o reconhecesse como Presidente do pais, ja para o MDC era ponto nao negociavel o reconhecimento da sua vitoria nas elei<;6es legislativas39. Apos varias semanas de negocia~oes, as partes assinaram, a 15 de Setembro, urn acordo final40. A solu<;ao encontrada passou pela nomea<;ao de Morgan Tsvangirai para o cargo de Primeiro-Ministro. Para Mugabe ficou reservado o cargo de Presidente. 0 MDC assumiu 16 pastas no novo executivo, 3 das quais foram para a fac<;ao de Mutamba, passando a controlar a policia. A ZANU-PF ficou corn 15 pastas, nomeadamente a da Defesa. 0 acordo foi apadrinhado por varios paises da regiao. Varios dirigentes africanos, entre os quais o Presidente em exercicio da Uniao Africana (UA) e Chefe de Estado tanzaniano, Jakaya Kikwete, e o Presidente da Comunidade para o Desenvolvimento da Africa Austral (SADC) e Presidente sul-africano, Thabo Mbeki, que ajudou a negociar o acordo alcan<;ado, assistiram a cerimonia de assinatura. Uma das condi<;oes que permitiu o desbloquear da situa<;ao, foi a garantia dada por Tsvangirai de que Mugabe nao seria alvo de qualquer tipo de acusa~ao devido actos cometidos durante a sua anterior Presidencia. Embora nao se conhe<;am os contornos das garantias dadas por Tsvangirai, as mesmas deverao ter sido muito solidas, pois Mugabe querera evitar situa<;oes semelhantes a de outros dirigentes africanos que, apesar de garantias de imunidade, foram posteriormente acusados e condenados, como foi o caso de Charles Taylor.

39 Chris McGreal: Mugabe and Tsvangirai Sign Deal to Hold Zimbabwe Power-Sharing Talks, in The Guardian, 2li07/2008. http://www.guardian.eo.uk/world/2008/jul/21/zimbabwe 40 MDC and ZANU-PF Sign Power Sharing Deal, in The Zimbabwe Standard, 15/09/ /2008. http://www. thezimbabwestandard.com/

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Os grandes desafios do novo executivo passam pela necessidade de conseguir funcionar corn elementos hio distintos, de modo a transmitir uma imagem, interna e externa, de credibilidade que convenc;a todos da nova era do pais. Esta missao nao sera facil, uma vez que, logo ap6s a assinatura do acordo corn o MDC, Mugabe afirmou que o mesmo representava uma humilhac;:ao para a ZANU-PF, e que s6 o aceitou porque nao existia outra alternativa face a derrota nas eleic;oes legislativas de Marc;:o. Por outro !ado, a recuperac;ao econ6mica do pais e 0 combate a crise alimentar, sao outras das prioridades do novo executivo. A recuperac;ao econ6mica passa, necessariamente, pelo levantamento das sanc;oes internacionais, nomeadamente da Uniao Europeia, e o apoio internacional ao relanc;amento da economia do Zimbabwe. Uma outra questao que devera ser resolvida, e que e sem duvida polemica, e a questao da terra, essencial para enfrentar a crise alimentar. Convem nao esquecer que no seio do MDC esta grande parte da populac;ao branca, nomeadamente os agricultores lesados pelo regime de Mugabe.

Acr6nimos FMI FRELIMO MDC MNR ONU OSCE OUA PAC RAS RENAMO SADC SADCC UA ANC BSAC CFU DP ELF

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African National Congress. British South African Company. Commercial Farmer's Union. Democratic Party. Estados da Linha da Frente. Fundo Monetario Internacional. Frente d e Liberta.;:ao de Mo.;:ambique. Movement for a Democratic Change. Movimento Nacional de Resistencia. Organiza<;:ao das Na.;:oes Unidas. Organiza.;:ao para a Seguran.;:a e Coopera<;:ao na Europa. Organiza<;:ao de Unidade Africana. Pan-African Congress Republica da Africa do Sui. Resistencia Nacional Mo<;:ambicana. Southern African Development Community. Southern African Co-ordination Conference. Uniao Africana Uniao Europeia. Zimbabwe African Liberation Army. Zimbabwe African National Union- Patriotic Front. Zimbabwe African People's Union. Zimbabwe Congress of Trade Unions. Zimbabwe People's Army. Zimbabwe People's Revolutionary Army.

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AS RAZOES DA PARTICIPAC::AO DE PORTUGAL NA TENTATIVA DE RESOLUC::AO DO CONFLITO ANGOLANO (1987-1990) Ricardo Barges de Castro rica rdo. borgesdeca stro@ pol itics.ox.ac. u k


AS RAZOES DA PARTICIPA(:AO DE PORTUGAL NA TENTATIVA DE RESOLU(:AO DO CONFLITO ANGOLANO (1987-1990)

Ricardo Borges de Castro'

Resumo: Portugal ea tentativa inicial de resolu<;ao do conflito angolano. Abstract: Portugal and the initial attempts to solve the Angolan conflict. Palavras-chave: Portugal; Angola; Media<;ao. Key-words: Portugal; Angola; Medition.

1. Introdu<;ao

Este estudo versa sobre as raz6es da participa<;ao de Portugal na tentativa de resolU<;ao do conflito angolano, 1987-1990. 0 objectivo e compreender as razoes que permitiram a Portugal estar presente no processo de reconcilia<;ao nacional angolano entre 1990 e 1991. Nao se vai, portanto, analisar o processo de "media<;ao", mas sim aquele que conduziu ao convite feito pelo MPLA e pela UNITA, para que Portugal desempenhasse uma missao de Bans Oficios. Assim, entendemos dividir o trabalho em dois capitulos: No primeiro faz-se, de forma sucinta, uma anaJise das rela<;6es entre Portugal e as partes em conflito. Iniciamos a abordagem com o relacionamento entre o govemo portugw?s e o Estado angolano passando depois para a analise do inicio dos contactos com o movimento do "Galo Negro".

• Doutorando em Relac;:oes Internacionais na Universidade de Oxford.

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Pretende-se, desta forma, expor a politica assumida pelo nosso pais de modo a posicionar-se coma urn dos possiveis facilitadores da resolU<;ao politica do conflito em Angola. No segundo capitula aborda-se o processo que motivou as partes a convidarem Portugal para ser "mediador". Procm·a-se encontrar as razoes que levaram as duas partes a querer negociar e a querer p6r termo ao conflito. Estas, julgamos, devem encontrar-se a tres niveis: no Sistema Internacional, no sistema regional da Africa austral e no teatro de conflito interno. Tenta-se depois compreender o que teni motivado a escolha de Portugal coma "mediador," ate porque outras hip6teses se abriam no horizonte. 2. A Politica Externa Portuguesa para Angola, 1987-1990. 2.1. Portugal eo Governo de Angola.

A politica externa portuguesa para Angola de 1987 a 1990 caracterizou-se par dois acontecimentos fundamentais: o relan<_;:amento das rela<_;:oes corn o governo de Angola eo reconhecimento da Uniao Nacional para a Independencia Total de Angola (UNITA). No programa do XI Governo Constitucional, liderado pelo Professor Cavaco Silva, e definido que o "refor<;o dos la<;os politicos, econ6micos e culturais,( ... ) corn os Paises de lingua oficial portuguesa, tendo em aten<_;:ao as especiais responsabilidades hist6ricas de Portugal relativamente (... ), a Africa austral"l, era uma prioridade da nossa politica externa 2 . A posi<;ao portuguesa sobre Angola, expressa pelo Primeiro-Ministro portugues no jantar oficial oferecido a Jose Eduardo dos Santos, quando da sua visita a Portugal em 19873, determinava que governo Portugues respeitava "as Institui<;oes politicas vigentes[e mantinha] dialogo exclusivo corn o Governo."4 A politica definida orientava-se exclusivamente para o relacionamento corn o governo de Angola, corn o objectivo de solidificar a liga<;ao institucional entre os dois Estados. Portugal manifestava tambem outra preocupa<_;:ao: a resolu<_;:ao do conflito interno. Cavaco Silva asseverava que era "decisivo para Angola( ... ) o estabelecimento da paz"5. 0 discurso continuava corn a afirma<_;:ao de que o nosso pais

Assembleia da Repriblica, «Programa do XI Governo Constitucionah>, p. 13. id., ibid. 3 Cfr. Moises Ven2mcio, «Angola and Southern Africa : The Dynamics of Change>>, The Dynamics of Change in Southern Africa, p. 181. 4 Anibal Cavaco Silva, Construir a Modernidade», p. 144. s Anibal Cavaco Silva, ibid, p. 147. 1

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se encontrava disponivel para procurar uma solu~ao que conduzisse ao fim da luta armada 6 . 0 Programa do Governo e as palavras do Primeiro-Ministro demonstravam o interesse numa orienta~ao mais consistente da nossa politica externa para uma area tradicional do nosso envolvimento externo: o espac;:o de lingua portuguesa. A Africa seria, a seguir a Europa, a zona preferencial da nossa afirma~ao externa. A aproximac;:ao de Portugal a Angola seria util, para o governo de Luanda, por diversas raz6es. 0 nosso pais poderia ser o interlocutor preferencial de Jose Eduardo dos Santos corn Washington7 e poderia estabelecer, de uma forma mais eficaz, "pontes" entre Angola e as Comunidades Europeias.s Por sua vez, Portugal desejava, corn a nova aproximac;:ao a ex-col6nia, recuperar a sua posi~ao num espa~o tradicional de "interven~ao". Era necessaria assumir uma nova atitude face a Angola, transformando as afinidades hist6rico-culturais em vantagens para ambos. Era, a curto prazo, para Angola e, a medio prazo, para Portugal urn importante jogo de soma positiva. 0 objectivo da politica portuguesa era ganhar a confianc;:a do governo de Angola. Tal seria vantajoso para ambos os paises tornando-se, o factor confian~a, fundamental para Portugal. A nossa politica tinha obrigatoriamente que afastar, momentaneamente, qualquer relacionamento com o movimento que se opunha ao governo em Angola: a UNITA. A ausencia de liga~ao institucional entre este movimento e Portugal contribuia para a aproxima~ao ao governo angolano. Em 1988, a recusa de atribuic;:ao de urn visto de entrada no nosso pais a Jonas Savimbi foi mais urn passo para que as relac;:6es entre os dois Estados se estreitasse.9 A politica portuguesa era clara: o relacionamento a estabelecer era exclusivamente entre governos. A firmeza neste pressuposto manteve-se ate 1990, 10 data em que Portugal passa a estabelecer rela~6es formais com a UNITA.ll 0 que poderia Portugal ganhar ao dar este passo? A unica explica~ao e que, sem se oferecer para mediar o conflito,12 o nosso pais tornava -se elegivel para o fazer. S6 corn a abertura de rela~6es corn a UNITA e que se poderia equacionar uma hipotetica mediac;:ao portuguesa do conflito.l3 Como foi entao possivel a aproxima~ao entre o Movimento de Savimbi e Portugal? 6 7

id., ibid.

Cfr. Moises Ven ancio, op.cit, p. 182. 8 Cfr. Anibal Cava.co Silva., op.cit, p. 148. 9 Cfr. Moises Venancio, op. cit, p. 182. 10 idem, p. 184. JJ Cfr. ÂŤCr6nica de uma Media<;aoÂť, Politica Int ernacional, vol.l, n n 4, Verao 1991, p . 10. 12 idem, p. 9. 13 idem, p . 10.

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2. 2. Portugal ea UNITA 0 Movimento do "Galo Negro" tinha, desde 1988, delineado uma estrategia de afirma~ao junta das autoridades portuguesas. Esta tinha urn objectivo principal: "ganhar o estatuto politico-militar de beligerancia e igualdade de tratamento corn o MPLA, em termos nao s6 dos media e opiniao, como do Estado portugues."14 A UNITA pretendia tambem, levar o governo de Lisboa a ter uma "maior participa~ao na «paz e reconcilia~ao nacional» em Angola."15 Determinados os objectivos, Savimbi pretendia concretiza-los atraves de uma visita a capital portuguesa. Esta questao e colocada em 1989.16 A desloca~ao a Lisboa tinha como objectivo principal o encontro do lider da UNITA corn representantes de varias for~as politicas, corn empresarios, corn o Presidente da Republica, corn membros do governo, corn dirigentes do Partido Social-Democrata, no Parlamento e, principalmente, corn o Primeiro-Ministro, ainda que na sua qualidade de chefe do PSDP A visita foi adiada diversas vezes, quer por raz6es de politica interna portuguesa, quer pela situa~ao em Angola, ficando, definitivamente, marcada para 27 de Janeiro de 1990.18 Pelo lado portugues, verificado o interesse em ter urn papel relevante na tentativa de resolu~ao do conflito angolano, havia a necessidade de definir a sua posi~ao em rela~ao a UNITA, uma vez que ate ali o nosso governo nao tinha tido contactos oficiais corn o movimento.19 Como notou William Zartman, face ao caso angolano, era necessaria reconhecer: ''A legitimidade e a existencia de uma rebeliao como parte do problema antes de a poder reconhecer como parte de uma solu~ao."20 Para este objectivo muito contribuiu a tentativa, desenvolvida por Mobutu do Zaire, para solucionar o conflito angolano em 1989.21 0 ensaio de Gbadolite contribuiu para os prop6sitos portugueses na medida em que, mesmo que a paz nao tivesse sido alcan~ada, houve urn momento significativo: "o proprio Chefe de Estado angolano aperta a mao a Jonas Savimbi e «faz a paz>>."22

14 X, «Portugal e as Conversa<;:oes entre o MPLA e a UNITA>>, Politica Internacional, vol. 1, n° 3, Inverno 1991, p. 150.

id.,ibid. idem, p. 152. 17 idem, p. 153. 1s idem, pp. 152-154. 15

16

Cfr. «Cr6nica de uma Media<;:ao>>, op.cit., p . 9. apud, Kimberly A. Hamilton, Lusophone Africa, Portugal and the United States, Possibilities for more Effective Cooperation, p. 15. 21 Cfr. «Cr6nica de uma Media<;:aO>>, op.cit., p. 9. 22 idem, p. 10. 19

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0 encontro entre os dois homens permitia a Portugal mudar a sua politica de afastamento face aUNITA. 23 Isto e, se o governo de Angola e a UNITA mantinham rela<;:oes entre si, por que razao e que Portugal estaria impedido de o fazer? A partir de Gbadolite nao havia qualquer impedimenta. Abria-se, desta forma, o caminho para que Portugal estabelecesse rela<;:6es corn o movimento que se opunha ao governo de Jose Eduardo dos Santos permitindo-nos reconhece-lo como beligerante. Se o governo de Angola ja o tinha abertamente feito nao teria legitimidade para criticar Portugal. Numa entrevista concedida a revista Sabado, no dia 22 de Janeiro de 1990, o entao Secretario de Estado dos Negocios Estrangeiros e Coopera<;:ao, executante da politica externa portuguesa para Africa, faz a seguinte afirma<;:ao: "Nos nao somos advogados do governo de Luanda, somos neutros em rela<;:ao ao conflito interno; nao somos nem pro-MPLA, nem pro-UNITA, nao somos nem anti-MPLA, nem anti-UNITA."24 A afirma<;:ao de neutralidade, feita pelo governante teve como efeito o reconhecimento da qualidade de beligerancia da UNITA. Esta passou a ser vista como parte do problema que Portugal pretendia ajudar a resolver. Este reconhecimento viria a ser completado corn a visita de Jonas Savimbi a Portugal, iniciada a 27 de Janeiro de 1990. Nesta visita, que dura ate ao dia 30 do mesmo mes, da-se o primeiro passo para o relacionamento entre Portugal e a UNITA. Savimbi foi recebido pelo "Presidente da Republica, pelo Primeiro-Ministro [enquanto presidente do PSD], pelas direc<;:6es dos partidos politicos (excluindo o PCP), pelas principais confedera<;:6es empresariais e centrais sindicais e pelo cardeal patriarca de Lisboa" 25. Outro acontecimento relevante foi a liga<;:ao feita entre Savimbi e o chefe do governo portugues, atraves do assessor diplomatico deste enquanto Primeiro-Ministro.26 Corn a conjuga<;:ao de todos estes acontecimentos iniciavam-se, a nivel oficial, as rela<;:6es entre Portugal e a UNITA. Ao tornar-se equidistante, Portugal, nao favorecia nem o governo de Angola nem a UNITA. A abertura de rela<;:6es corn o movimento do "Galo Negro" permitia-nos contribuir para a resolu<;:ao do conflito. A Portugal so faltava o convite das partes para que se concretizasse o objectivo da "media<;:ao".

23 24 25

id., ibid. Revista Sabado, 3 de Fevereiro 1990, p. 3. X, op.cit., p. 155.

26 Cfr. Nuno Rogeiro, ÂŤAngola, a Hist6ria Secreta de Bicesse>>, Jornal 0 Independente, nQ 446, sec<;:ao VIDA, 29 de Novembro 1996, p. 21.

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3. 0 MPLA, a UNITA e o convite a Portugal 3.1. A Desinternacionalizarao do Conflito Angolano

A guerra civil angolana tinha-se internacionalizado desde a independencia de Angola, em 1975. Os apoios externos as partes eram canalizados tanto por Estados da regiao - a Africa do Sui e o Zaire - como por Estados extra regionais - Cuba, a Uniao Sovietica e os Estados Unidos da America. Estes {Iltimos utilizavam o Zaire coma intermediario. A guerra travada na antiga col6nia portuguesa, para alem de ser reflexo das disputas internas entre os diferentes movimentos, era urn espelho da rivalidade ideol6gica entre as duas super-potencias. 0 factor de internacionaliza~ao alimentava a guerra e dai a necessidade de reduzir a presen~a e os apoios externos. A redu~ao foi alcan~ada, ainda que de forma indirecta, atraves dos acordos que permitiram a independencia da Namibia, assinados na cidade de Nova Iorque, em Dezembro de 198827 . Os acordos de Nova Iorque eram o corolario de urn longo processo negocial entre Angola, Cuba e a Africa do Sui, mediado pelos Estados Unidos da America28 e para o qual muito contribuiu a atitude de maior coopera~ao entre Washington e Moscovo29. A mudan~a qualitativa no relacionamento entre as duas superpotencias permitia que, no fim da decada de 1980, se desenhassem oportunidades para a resolu~ao concertada de alguns conflitos regionais30. A importancia dos acordos de Nova Iorque para a regiao decorria da abertura do "caminho a independencia da Namibia, ao fim do envolvimento militar sul-africano em Angola e a retirada gradual do contingente cubano estacionado em Angola"31. A independencia do antigo Sudoeste africano tinha sido estipulada pelo acordo tripartido entre Angola, Cuba e Africa do SuP2. 0 fim do envolvimento

27 Sobre os Acordos de Nova Iorque, Cfr. Chester Cracker, High Noon in Southern Africa, Making Peace in a Rough Neighborhood, Nova Iorque e Londres, W.W. Norton & Company,

1992. 28 Cfr. Jose Manuel Duriio Barroso, A Coopera~iio Internacional e os Processes de Paz: 0 Exemplo an.golano>>, Estrategia-Revista de Estudos Interrzacionais, n° 8-9, 1991, p. 15. 29 Cfr. Donald Rothschild, <<The U.S . Role in Managing African Conflicts - Lessons From the Past>>, African Conflict Resolution-The U.S. Role in Peacemaking, p. 47. 30 id.,ibid. 31 Jose Manuel Durao Barroso, op. cit., p. 15. 32 Cfr. Chester Crocker, op. cit. , pp. 509-511 . 33 idem, p . 510.

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militar sul-africano seria atingido a media prazo por duas razoes: a Africa do Sul, ao retirar as suas for~as militares da Namibia,33 teria mais dificuldades, logisticas e materiais, de projectar o seu poder ate Angola e, por outro lado, o governo de Pretoria eo governo de Luanda, atraves de urn Gentlemen's Agreem.ent, comprometiam-se a nao apoiar os movimentos rivais de cada governo. Ou seja, os sul-africanos nao dariam apoio material e logistico a UNITA e os angolanos actuariam da mesma forma face ao Congresso Nacional Africano (ANC)34. A retirada gradual das for~as cubanas de Angola tinha sido determinada pelo acordo bilateral entre os governos de Fidel Castro e de Jose Eduardo dos Santos, assinados na mesma cidade norte-americana35. Coma se pode depreender, os acordos enunciados iriam influenciar a medio prazo o desenvolvimento da guerra civil angolana. A consequencia mais relevante seria a desinternacionaliza~ao parcial do conflito, com a retirada das for~as militares externas. 0 fim da intemacionaliza~ao do conflito era parcial na medida em que nem os norte-americanos nem os sovieticos cessariam o seu apoio as partes. Para os Estados Unidos da America a ajuda a UNITA era urn assunto bilateral entre Luanda e Washington, logo nao faria parte do acordo regional que se fizesse para a Namibia36. Por outro lado, os sovieticos, apesar de assumirem uma postura mais dialogante e pretenderem desligar-se de alguns conflitos onde se tinham envolvido durante a Guerra Fria, queriam negociar a sua futura retirada mantendo-se numa posi~ao de alguma paridade corn Washington37. A posi~ao das duas super-potencias nao era totalmente negativa. A manuten~ao da rela~ao de dependencia do MPLA e da UNITA face aos seus apoiantes externos poderia revelar-se importante mais tarde. Isto e, tanto os sovieticos como os norte-americanos estariam em posi~ao de poder pressionar os se us "clientes" a optarem por uma via negocial para a resolu~ao do conflito. De qualquer forma, a retirada dos cubanos e sul-africanos, que se deveria iniciar em Abril de 1989 - data da implementa~ao da resolu~ao das Na~oes Unidas que previa a independencia da Namibia38- diminuiria tanto os apoios extemos da UNITA como do MPLA, proporcionando urn relativo equilibrio entre for~as militares no ten路eno. Na realidade, a partir dos acordos de Nova Iorque as tentativas, tanto do govemo angolano como do "Galo Negro" para alterar o equilibrio militar interno sairam goradas.39 Por sua vez, tomava-se

34

35

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idem, pp. 441-442. idem, pp. 506-509. idem, p . 46. Cfr. Moises Venancio, op.cit, p. 177. Cfr. Chester Cracker, op.cit., pp. 506-511. Cfr. Jose Manuel Dudio Barroso, op.cit., p. 15.

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mais nitida a coopera<;ao entre as super-potencias cam o objectivo de terminarem o conflito angolano40. As partes come<;avam a compreender que o conflito seria resolvido politica e nao militarmente41.

3.2. De 1989 ate ao convite a Portugal

A consciencia de que a questao interna nao seria resolvida pela via militar aliada a pressao internacional fez cam que Jose Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi se reunissem em Gbadolite. 42 A tentativa para resolver o conflito, promovida par Mobutu do Zaire, saiu totalmente gorada devido aconfusao que prevaleceu durante todo 0 encontro43. Este Lone Ranger Approach - conceito desenvolvido por Herman Cohen44 - falhou devido ao processo de enganos que Mobutu foi criando. 0 Chefe de Estado zairense assegurou a Savimbi que o MPLA prometera tratar a UNITA coma for<;:a politica independente 45 e disse ao presidente angolano que o movimento do "Gala Negro" estava disposto a celebrar a paz de acordo cam os termos impostos pelo MPLA,46 ou seja, a "integra<;ao" da UNITA na estrutura politica de partido unico existente e o exilio de Savimbi 47. Apesar de ter redundado num fracasso, a tentativa de Mobutu teve reflexos importantes na politica portuguesa na medida em que permitiu ao Estado portugues iniciar rela<;6es oficiais cam a UNITA. Ultrapassado o fracasso de Gbadolite, o MPLA voltou a apostar na solu<;:ao militar do conflito promovendo e desencadeando, no fim de 1989, o ataque a Mavinga 48 . Gra<;as ao apoio norte-americano, a UNITA conseguiu defender-se e suster a investida do governo angolano e em Mar<;:o/Abril de 1990 o impasse militar no terreno estava novamente criado49. Vai ser durante os primeiros meses de 1990 que Portugal jogani os seus trunfos: evidencia-se perante as partes em conflito, assume uma politica de

id., ibid id., ibid 42 Cfr. Moises Venancio, op.cit, p. 182. 43 iden1, p. 183. 4.4 Cfr. Herman J Cohen, ÂŤAfrican Capabilities for Managing Conflict- The Role of the United StatesÂť, African Conflict Resolution-The U.S. Role in Peacemaking, p. 83. 45 Cfr. Moises Venancio, op.cit, p. 183. 46 id., ibid 47 Cfr. <<Cr6nica de uma Mediac;:ao>>, op.cit., p. 12. 48 Cfr. Moises Venancio, op.cit, p. 184. 49 Cfr. Chester Crocker, op.cit., p. 486. 40 41

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equidistancia entre os contendores e vale-se da confian<;a que sedimentou corn o governo de Angola, desde 1987, e corn a UNITA desde Janeiro de 1990. Ate ao convite a Portugal, surgiram ainda outras propostas para a resolu<;ao do conflito. Uma delas foi avan<;ada pelo MPLA. Este queria que os contactos corn a UNITA se fizessem em Cabo-Verdeso. Savimbi ao ver o governo da Praia como aliado preferencial de Luanda5 1 inviabilizou esta solu<;ao. A outra proposta consubstanciava-se numa negocia<;ao Dois mais Dois, em Genebra.s2 Ou seja, Estados Unidos da America e UNITA em negocia<;6es directas corn a Uniao Sovietica e o MPLA. A recusa desta solu<;ao partiu principalmente de Luanda que temia que o born relacionamento que se estava a desenvolver entre as duas super-potencias pudesse p6r em causa a sua posi<;ao, caso os sovieticos contemporizassem corn os desejos norte-americanos53. 0 MPLA receava tambem ser sacrificado54 pela situa<;ao de erosao do poder sovietico e pela preponderancia assumida por Washington 110 sistema internacional. Afastadas estas hip6teses, nao demoraria muito ate que a politica externa portuguesa para Angola desse os seus frutos. Dentro em pouco tanto a UNITA como o MPLA acabariam por manifestar a vontade de que fosse Portugal a "mediar" a tentativa de resolu<;ao do conflito. A UNITA foi a primeira a dar publicamente sinal para o nosso pais efectuar uma missao de "bons oficios"55. S6 faltava o MPLA decidir-se pela media<;ao portuguesa. Seria durante as cerim6nias da independencia da Namibia, em Mar<;o de 1990, que Jose Eduardo Santos definiria a sua posi<;aos6. Em Windhoek, capital namibiana, Baker e Cohen, pressionam o Presidente angolano a fazer a paz corn a UNITA e insistem corn os sovieticos para que estes deixem de alimentar a guerra angolana 57 . Alem da pressao exercida pelos norte-americanos, os sovieticos teimaram corn Luanda para que negociassess. Ainda na capital namibiana o presidente angolano em conversa corn o Secretario de Estado dos Neg6cios Estrangeiros portugues, Jose Manuel Durao Barrosa, aceita finalmente a necessidade de negocia<;6es directas corn a UNITA59.

so Cfr. Jose Mario Costa, << A Paz Em Angola>>, Suplemento ao P(tblico, nQ 453, 31 de Maio de 1991, p. 2. 51

id., ibid

52

Cfr. 0. L., <<Os caminhos (discretos) da paz angolano>>, Senrnnario, 25 de Maio d e

1991, p. 28. 53 54

id., ibid id., ibid

Cfr. Cfr. 57 Cfr. ss Cfr.

55

56

59

<<Cr6nica de uma Media<;:aO>>, op.cit., p. 12. Moises Venancio, op.cit, p. 185. Chester Crocker, op.cit., pp. 486-487. Moises Venancio, op.cit, p. 185.

id., ibid

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Ricardo Barges de Castro

Na primeira semana de Abril de 1990 o governo portugues recebe o acordo do MPLA para iniciar a sua missao de "bons oficios"60. Portugal era assim chamado pelas partes para tentar uma reconciliac;ao. A pressao externa e o impasse militar no terreno, levaram as partes a concluir que o conflito tinha de ser resolvido pelas vias politica e negocial. 0 convite a Portugal vai resultar, em grande medida, da confianc;a que as partes depositavam no Governo portugues,6 1 fruto da politica portuguesa seguida para Angola. Por outro lado, o contacto existente entre portugueses e angolanos, o conhecimento redproco e a lingua comum,62 colocavam o nosso pais - apesar de antiga potencia colonial - como um dos Estados em melhor posic;ao para "mediar" o conflito angolano. Abria-se assim a oportunidade para que Portugal desempenhasse, em Africa, um papel afirmativo que tinha sido dificil de realizar de 1974 ate 1987.

4. Conclusao As razoes que terao levado Portugal a participar na tentativa de resoluc;ao do conflito angolano sao tanto de ordem externa como interna. Em ultima amilise, Portugal surge como "mediador" porque as partes assim o desejaram. Esta foi a razao imediata da intervenc;ao portuguesa. As outras razoes prendem-se com a politica desenvolvida pelo governo portugues para Angola. Ate se chegar ao convite ao nosso pais foi percorrido um longo caminho. 0 primeiro passo era levar a UNITA e o MPLA a convencerem-se de que o conflito nao tinha soluc;ao militar. Esta consciencializac;ao resultou, em grande medida, da pressao das super-potencias, da desinternacionalizac;ao parcial do conflito e dos impasses militares desenvolvidos no teatro de guerra. A Guerra Civil de Angola- que tinha nascido de disputas internas e que posteriormente vinha sendo alimentada pela conflitualidade, ideol6gica e geoestrategica, entre os Estados Unidos da America e Uniao Sovietica -, comec;ava a transformar-se numa anomalia no quadro do sistema internacional da epoca. 0 entendimento crescente entre os dois Blocos condenava, a medio prazo, a continuac;ao da guerra. A crescente fragilidade sovietica, resultante de um sistema politico e econ6mico ineficaz e, provavelmente, da sua sobre-extensao imperial, fazia com que Moscovo nao desejasse continuar a envolver-se em conflitos, onde os custos eram muito superiores aos ganhos.

60 61 62

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id., ibid Cfr. Jose Manuel Durao Barroso, op.cil., p. 16. idern, p . 17.

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A retirada gradual dos cubanos reduziria progressivamente a capacidade militar do MPLA e permitia tambE~m que a Africa do Sul nao se sentisse tao ameat;:ada. Pretoria tinha-se envolvido no conflito angolano, ainda antes da independencia de Angola, motivada por urn dilema de seguranc;a regional: o apoio sovitHico ao MPLA e a crescente presen<;a de cubanos em Angola, depois de 11 de Novembro de 1975, criavam ao regime do Apartheid urn sentimento de cerco e de insegurant;:a, agravado pelo antagonismo crescente dos Estados de maioria negra da regiao. A retirada dos cubanos levaria a Africa do Sul a conceder a independencia a Namibia mas, principalmente, a acordar corn o governo de Angola o fim do apoio logistico e material a UNITA. A retirada de cubanos e sul-africanos de Angola, diminuiria substancialmente o apoio as partes levando-as a aceitar uma solut;:ao politica para conflito. Corn menos apoios, os "empates" militares no terreno f01·am-se sucedendo nao permitindo a nenhuma das partes clamar vitoria. Neste contexto havia tres alternativas: manter o impasse corn ataques esporadicos que em nada modificariam a situat;:ao; manter o conflito, sem qualquer apoio externa - era cada vez mais evidente a vontade dos Estados Unidos da America e da Uniao Sovietica em desligarem-se dele - e, por ultimo, a resolut;:ao politica do conflito. As duas primeiras alternativas foram abandonadas pelas partes: nada tinham a ganhar com a manutent;:ao do impasse ou com a evolut;:ao de um conflito relativamente controlado para outro com contornos imprevisiveis. A decisao de negociar era a mais pragmatica. Foram estes desenvolvimentos que levaram o MPLA e a UNITA a decidirem-se pelas negocia<;oes. A partir deste momento era necessaria escolher o Estado ou Estados que organizassem o processo negocial. A opt;:ao recaiu sobre Portugal. Esta preferencia foi motivada por um conjunto de razoes: • Portugal nao tinha poder para impor nada as partes em conflito; • Havia lat;:os historicos, culturais e linguisticos que aproximavam os dois paises; • Tinham sido estabelecidas entre as partes e o nosso pais relat;:oes de confiant;:a que eram imprescindiveis para que urn processo de negociat;:oes tivesse exito.

A rejeic;:ao das negociac;:oes Dais mais Dois ilustra bem o raciocinio presente na primeira razao enunciada. Ou seja, o MPLA e, provavelmente, a UNITA, temeram uma possivel negociat;:ao liderada pelas duas super-potencias. Estas teriam a capacidade para lhes impor a sua vontade, obrigando-as, presumivelmente, a compromissos inaceitaveis. Alias, qualquer imposit;:ao as partes desvirtuaria todo o processo de pacificac;:ao podendo ate desencadear novos conflitos com repercussoes imediatas no terreno. A vontade para negociar tinha de ser genuina e so podia partir dos antagonistas. Tinham de se sentir

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Ricarcto Barges de Castro

livres para assumir as responsabilidades de um processo negocial sem se sentirem obrigadas a nada. Acreditamos que este deve ser um pressuposto fundamental de qualquer procedimento de resolw;ao pacifica de conflitos. Um mediador deve, acima de tudo, u sar da sua influencia e nao tentar impor solw;6es indesejadas. Portugal foi escolhido por nao ter poder e vontade para impor o que quer que fosse as partes. Os la<;:os hist6ricos, culturais e linguisticos tambem foram fundamentais. 0 conhecimento e as afinidades hist6ricas entre os dois Estados eram um trunfo fundamental de Portugal. 0 entendimento portugues sobre problema angolano era certamente maior do que o dos Estados Unidos da America ou da Uniao Sovietica. Por outro lado, nao haveria lugar a problemas de comunica<;:ao entre as partes e o "mediador." 0 idioma era o mesmo o que facilitaria todo o processo. Por fim, a confian<;:a que as partes depositavam em Portugal foi outra das raz6es que as tera levado a escolher o nosso pais. A confianc;:a adquirida era um resultado concreto da politica externa portuguesa para Angola, desenvolvida desde de 1987. 0 XI Governo Constitucional quis, depois de assumir func;:6es, voltar uma pagina na politica portuguesa seguida para Africa. 0 objectivo principal era relanc;:ar a ligac;:ao de Portugal com os paises africanos de expressao portuguesa. Angola seria um alvo preferencial das Necessidades. A politica externa portuguesa orientou-se de modo a consolidar uma relac;:ao institucional s6lida com o governo angolano. A ligac;:ao inicial seria estabelecida, exclusivamente, entre governos. Tal permitiria edificar entre os dois paises um elevado nivel de confian<;:a - trave m estra da estrategia portuguesa. Mais tarde, ao estabelecer relac;:oes coma UNITA, e enviada a mensagem de que Portugal se estava a posicionar como um dos potenciais mediadores do conflito. A partir dos anos de 1988/1989 o governo portugues compreendeu interpretando os acontecimentos ao nivel do sistemas internacional e regional da Africa austral - que o conflito angolano nao poderia continuar por muito mais tempo. Esta constatac;:ao torna-se ainda mais evidente quando em 1989 as partes decidem negociar em Gbadolite. Nesta conjuntura a orientac;:ao politica de ganhar a confian<;:a das partes foi determinante para Portugal por em pratica a sua sempre d eclarada disponibilidade p ara participar na tentativa de resoluc;:ao do conflito.

Bibliografia Publica~oes

Oficiais

A SSEMBLEIA DA R EPUBLICA, ÂŤPrograma

do XI Governo Constituciona],, Lisboa, Direc<;:iio dos

Servi<;:os Tecnicos, 1997.

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Seguran~a,

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As Razoes da Participa<;:ao de Portugal na Tentativa de Resolu<;:ao do Conflito ... , pp. 67-81

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R OGEIRO,

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POLITICA-SEGURAN<:;A-DESENVOLVIMENTO NA GUINE BISSAU An a Correia a na. corr ei a@ i pad. m ne.go v. pt


POLITICA-SEGURAN<;A-DESENVOLVIMENTO NA GUINE BISSAU

Ana Correia*

Resumo: Politica-Seguran~a-Desenvolvimento na Guine Bissau A situat;:ao de "emergencia estrutural" e de p6s-conflito, as ques toes do trafico de droga e corrupt;:ao que a Guine-Bissau tern vivido, aliadas a sua situat;:ao de fragilidade exigem uma intervent;:ao sustentavel da comunidade internacional para evitar eventuais futuros conflitos e assegurar a transit;:ao para urn Estado mais estavel e propicio ao desenvolvimento. As necessidades ac tuais e tambem futu ras do pais concentram-se essencialmente na urgencia de implementat;:ao de reformas inadiaveis na Administrat;:ao Publica, nas Finant;:as e no sector de Defesa e Segurant;:a, que deverao ser integradas numa 6ptica de segurant;:a, d esenvolvimento e prevent;:ao de conflitos. A grande dificuldade, reconhece-se, sera encontrar os meios que consigam responder ao mesmo tempo aos desafios de curto, medio e longo prazo que o pais enfrenta corn as varias reformas em curso, num cenario de recursos financeiros, materiais e humanos exiguos e de equilibrios politicos, econ6micos, financeiros e sociais instaveis. 0 papel dos parceiros da Guine-Bissau tem sido importante no esfort;:o de aplicabilidade dos principios de coerencia, harmonizat;:ao dos procedimentos e de alinhamento com a estrategia d e desenvolvimento do pais, sobretudo ao nivel das trocas informais de informat;:ao que, todavia, desaparece nos niveis estrategico e politico, aumentando os potenciais efeitos negativos da ajuda. A fim de contribuir verdadeiramente para atingir os Objectivos de Desenvolvimento do Milenio e de modo a garantir a necessaria estabilidade politica e democratica, a mobilizat;:ao de recursos externos devera es tar associada a profundas mudant;:as nas politicas e na governat;:ao, corn o Estado a assumir o ownership do seu desenvolvimento.

' Doutoranda do Instituto Superior de Ciencias Sociais e Politicas

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Ana Correia

Abstract: Security-Development Policy in Guinea Bissau The 'structural emergency' and post-conflict situation, the issues of drug trafficking and corruption that Guinea-Bissau is confronted with, coupled with its state of fragility demand the sustainable intervention of the internati onal community in order to avoid eventual future conflicts and ensure transition into a more stable and more developmen t-friendly State. The present as well as the futu re needs of the country could be summed-up mainly as the urgency to implement the pressing reforms in the Public Service, Finance and Defense and Security Sector, which should be integrated into a perspective of security, development and conflict prevention. It is an accepted fact that the greatest difficulty w ill be to gather the means that will suffice in responding at the same time to the short, medium and long term challenges that the country is facing, alongside the various on-going reforms, against a backdrop of limited financial, material and human resources and the political, economic, financial and social imbalances. The r ole of Guinea-Bissau's partners has been important in the effort to render applicable the principles of coherence, harmonization of procedures and alignment with the country's development strategy, especially at the level of informal exchange of information which, however, disappears at the strategic and political levels, increasing the eventual negative effects of assistance. In or der to contrib ute genuinely to the a ttainment of the Millennium Development Goals and to guarantee the requisite political and democratic stability, the mobilization of external resources should be associated w ith drastic changes in policies and governance, w ith the State assuming ownership of its development. Palavras-chave: Guine-Bissau; Politica; Seguranc;:a; Desen volvimento. Key-Words: Guinea-Bissau; Politics; Security; Development.

1. Enquadramento

Muito para alem dos cenanos paradis:facos que a Guine-Bissau acolhe, este Pais tern-se confrontado corn a dura realidade dos mJ.meros ao ocupar o 175Q lugar (em 177) do fndice de Desenvolvimento Humano 2008 do PNUD. A acompanhar a frieza estatistica dos n{lmeros, a Guine-Bissau apresenta outras importantes fragilidades motivadas tanto por causas que decorrem ainda do processo de independen cia, como por causas mais p r6ximas, como as motivadas pelo conflito politico-militar de 1998/99, o qual provocou uma altera<_;:ao considenivel na ajuda internacional ao pais, corn muitos doadores a abandonarem Bissau e/ou a transferirem as suas agendas para Dakat~ no Senegal. Actualmente, sao poucos os doadores presentes no terreno comparativamente corn outros paises da Africa Sub-sariana, o que reflecte a pouca prioriJade regional da Guine-Bissau n as agendas de politica externa dos doadores e

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os sinais de cansa<;:o destes (donor fatigue), condenando "donor orphan" da comunidade internacional.l

0

pais a categoria de

Para este abandono muito tem contribuido a instabilidade interna do pais, politica e militar, potenciada pela sua dependencia econ6mica e pela propria instabilidade dos paises vizinhos. A situa<;:ao social extremamente gravosa em que vive a popula<_;ao da Guine-Bissau e, como presenciado em conflitos anteriores, um factor determinante para o eclodir de conflitos violentos, justificando a sua classifica<_;ao como Estado fnigil, reconhecida em 2006 pelas pr6prias autoridades guineenses. Mais recentemente, e dado o posicionamento geoestrategico da GuineBissau, vulneravel as redes do trafico de cocaina, mas tambem ao branqueamento de capitais e a imigra<_;ao clandestina, o pais tem vindo a converter-se numa plataforma perigosa com efeito domino expansivo para a regiao e tambem para a Europa, contribuindo assim para a recente designa<;:ao de narcoestado. A conjuga<;:ao de todos estes factores tem obrigado a comunidade internacional a repensar as suas estrategias de interven<_;ao relativamente a Guine-Bissau, obrigando a conciliar as agendas bilaterais e diferentes prioridades politicas com os prindpios internacionais da coopera<_;ao para o desenvolvimento emanados dos varios fora multilaterais, num equilibrio nem sempre facil de for<;:as. A situa<;:ao de "emergencia estrutural" e de p6s .. conflito que a Guine-Bissau vive exige uma interven<_;ao sustentavel para evitar eventuais futuros conflitos e assegurar a transi<;:ao para um Estado mais estavel e propicio ao desenvolvimento. A cria<;:ao de liga<;:6es entre a paz, a seguran<;:a e o desenvolvimento e frequentemente uma preocupa<;:ao prioritaria em situa<_;6es de fragilidade. Neste cenario, e no caso concreto da Guine-Bissau, as necessidades actuais e tambem futuras concentram-se essencialmente na urgencia de implementa .. <;:ao de reformas inadiaveis na Administra<;:ao Publica, Finan<;:as e no sector de Defesa e Seguran<_;a, que deverao ser integradas numa 6ptica de seguran<;:a, desenvolvimento e preven<_;ao de conflitos. A grande dificuldade, reconhece-se, sera encontrar os meios que consigam responder ao mesmo tempo aos desafios de curto, media e longo prazo que o pais enfrenta com as varias reformas em cm路so, num cenario de recursos financeiros, materiais e humanos exiguos e de equilibrios politicos, econ6micos, financeiros e sociais instaveis.

1

De acordo com o Grupo dos Estados Frc\geis da OCDE, a Guine-Bissau encontra-se entre os estados frageis com menor numero de doadores no terreno. Os cinco maiores doadores em 2006 fo rneceram 83% da Ajuda Publica ao Desenvolvimento, com a Uniao Europeia a representar cerea de 40% dessa mesma ajuda.

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2. A estrah~gia de Desenvolvimento da Guine-Bissau e os Objectivos de Desenvolvimento do Milenio (ODM) 0 Documento Nacional de Redw:;ao de Pobreza- DENARP -,que define a de ae<,;ao do Governo para o periodo 2007-2010, e urn instrumento indispensavel para a retoma de iniciativas de desenvolvimento do pais, mas cuja viabiliza<;:ao esta profundamente dependente do apoio internacional. A este prop6sito, a Mesa Redonda de Doadores realizada em Genebra, em Novembro 2006, nao garantiu os apoios necessarios por parte da comunidade internacional para o relan<;:amento do pais, tendo sido apontada a instabilidade politica, que se voltou a registar na Guine-Bissau, como a principal causa para 0 nao cumprimento das promessas. 0 sentimento geral dos parceiros da Guine-Bissau e que a politica de desenvolvimento descrita no DENARP e pertinente ao nivel estrategico para reduzir a pobreza, masque a implementa<;:ao das reformas preconizadas devera ser acelerada, dado o progressivo aprofundamento da pobreza, o elevado nivel de inseguran<;:a humana e as consequencias negativas que as situa<;:6es de elevada precariedade e vulnerabilidade das populat;:6es provocam nos tecidos econ6mico e social do pais. Sendo urn dos paises corn urn dos desenvolvimentos humanos mais reduzido no mundo2, a concretizat;:ao dos ODM conhece atrasos consideraveis e alguns dos progressos afiguram-se muito frageis. As debilidades do capital fisico, humano e social que caracteriza a Guine-Bissau, sao apontados como factores explicativos da situa<;:ao actual. A fim de contribuir verdadeiramente para atingir os ODM, a mobiliza<;:ao de recursos externos devera estar associada a profundas mudan<;:as nas politicas e na governa<;:ao, corn o Estado a assumir a apropriar;ao do seu desenvolvimento. Admite-se que sem uma boa gestao publica e urn crescimento vigoroso a concretiza<;:ao dos ODM nao passara de uma ilusao, pelo que se torna imperativo investir no capital humano, fisico e social para enfrentar as fraquezas referidas. 0 aumento da Ajuda Publica ao Desenvolvimento deveria ser prioritariamente destinado aos paises pobres como a Guine-Bissau evitando as situa<;:6es de "donor orphan", onde a precariedade do desenvolvimento humano e a envergadura do atraso em rela<;:ao ao cumprimento dos ODM recomendam a implementa<;:ao de meios significativos para colocar verdadeiramente o pais no caminho daqueles Objectivos e do desenvolvimento humano sustentavel. Todavia, a capacidade da Guine-Bissau absorver e utilizar a ajuda e muito limitada. Urn relat6rio recente elaborado pelo Fundo Monetario Internacional (FMI) concluiu que os paises da Africa Sub-sariana que beneficiam do prograestrah~gia

2

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Relat6rio Nacional sobre o Desenvolvimento Humano na Guine-Bissau 2006

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ma de Redw;:ao da Pobreza e da Facilidade de Crescimento do FMI, como e o caso da Guine-Bissau, utilizaram apenas 28% dos fluxos de ajuda entre 1999-2005. Ainda de acordo corn as conclus6es daquele relat6rio e para o mesmo periodo, apenas 63% dos fluxos de ajuda para os paises da Africa Subsaariana foram absorvidos, sendo que os restantes 37% foram utilizados como reservas. Urn outro relat6rio do PNUD sobre esta questao refere que a Guine-Bissau tern as taxas mais baixas de abson;:ao e o nivel mais elevado de reservas (estimadas em meses de importa~ao), apontando para a necessidade de melhoria da capacidade de absor~ao da economia, pois a pratica continuada de acumula~ao excessiva de reservas podera vir a tornar-se urn entrave a mobiliza~ao de recursos. A cria~ao de uma plataforma de gestao da ajuda poderia contribuir para refor~ar a afecta~ao, utiliza~ao e controlo da ajuda a Guine-Bissau, disponibilizando o seu acesso aos doadores, as agencias especializadas e aos ministerios.

3. Interven\oes dos principais parceiros da Guim!-Bissau

A Comissao Europeia eo maior doador multilateral da Guine-Bissau, tendo dado prioridade a reforma do sector de seguran~a e defesa, a recupera~ao econ6mica e ao apoio ao or~amento. No quadro do IX Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) para o periodo de 2002 a 2007, o pais beneficiou de 80 milh6es de Euros dirigidos essencialmente ao sector das infra-estruturas e transportes e boa governa~ao. No ambito do X FED (2008-2013) a Guine-Bissau ira ter a disposi~ao cerea de 100 milh6es de Euros a distribuir da seguinte forma : i) preven~ao de conflitos (27 milh6es de Euros); ii) agua e energia (23 milh6es de Euros) e iii) apoio or~amental (32 milh6es de Euros). Devera ainda beneficiar de aproximadamente 23 milh6es de Euros para iniciativas relacionadas corn questoes de governa~ao.

Em 2007, foi igualmente assinado urn novo acordo de pescas entre a EU e a Guine-Bissau, que preve uma contribui~ao anual de 7 milh6es de Euros para os pr6ximos 4 anos. A UE tern vindo a desempenhar urn papel politico cada vez mais activo, refor~ado agora corn a recente chegada a Bissau (Abril 2008) de uma missao no ambito da Politica de Defesa e Seguran~a Europeia (PESO), corn o objectivo de assessorar as autoridades locais sabre a reforma do sector de seguran~a e defesa. 0 Fundo Monetario Internacional, outro dos parceiros da Guine-Bissau, tern registado sinais encorajadores a nivel de alguns indicadores econ6micos, mas reconhece que dadas as caracteristicas do pais, marcado por continua instabilidade politica, fragilidade estrutural e falta de capacidade, a Guine Bis-

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sau vive ainda para pagar dividas, no quadro da Iniciativa dos Paises Pobres Muito Endividados (HIPC), do Banco Mundial e do FMP Actualmente, o programa econ6mico do governo e apoiado pelo programa de assistencia de emergencia p6s-conflito (EPCA) do FMI, tendo recebido a primeira tranche no valor de 2,8 Milh6es de d6lares 4 em Janeiro de 2008. A segunda tranche, no montante de 3,5 Milh6es de d6lares devera ser desembolsada no ultimo trimestre de 2008. Este programa prop6e-se contribuir para restaurar a estabilidade financeira e administrativa do pais e para captar importantes fundos p ara a ajuda ao investimento par parte de doadores internacionais. Apesar daqueles numeros, a Guine-Bissau ira continuar a depender da comunidade internacional para controlar as finan<;:as publicas e para dar seguimento a implementa<;:ao de medidas estruturais essenciais. 0 defice or<;:amental podera agravar-se corn a realiza<;:ao das pr6ximas elei<;:6es legislativas, previstas para Novembro de 2008. No que diz respeito a interven<;:ao do Banco Mundial (BM), esta em fase de conclusao a estrategia de apoio a Guine-Bissau e a implementa<;:ao do Programa de Combate a Pobreza 2008-2009. Para ah~m disso, o BM comprometeu-se a apoiar o sector das infra-estruturas, designadamente, energia, portos, telecomunica<;:6es, entre outros, e ainda apoiar o sector privado. Os fornecimentos de electricidade e de agua a popula<;:ao sao bastante deficientes pelo que, corn o objectivo de melhora-lo, foi assinado pela Comissao Europeia e pelo Banco Mundial, no final de Janeiro de 2008, urn convenio de financiamento para o Plana Director de Energia, no montante de 1,3 milh6es de d6lares. No ambito do projecto de reabilita<;:ao de infra-estruturas em Bissau, corn dura<_;:ao de cinco anos, o BM ira disponibilizar 20 milh6es de d6lares para o financiamento da reabilita<;:ao da rede electrica, aquisi<;:ao de contadores pre-pagos, cria<;:ao de uma base de dados comercial, estudos de tarifario, leasing de grupo de geradores, constru<;:ao de urn reservat6rio de agua no hospital de Bissau, constru<;:ao, reabilita<;:ao e alargamento da rede de agua numa extensao de 36 km e reabilita<;:ao de redes rodoviarias numa extensao de 20 km. A Guine-Bissau aderiu a MIGA (Multilateral Investment Garantee Agency) parte do Grupo do Banco Mundial- e a FAGACE (Fundo Africano de Garantia de Coopera<;:ao Econ6mica), o que constituiu urn importante avan<;:o para a

3 A Iniciativa HIPC e um esquema desenvolvido conjuntamente pelo FMI e pelo BM para fazer face ao problema da divida externa dos paises pobres altamente endividados e que obedece a varias fases. No caso da Guine-Bissau, o servic;:o da divida para os pr6ximos tres anos esta estimada nos seguintes valores: 2009 - 7.383 MUSD; 2010; - 7.793 MUSD e 2011; - 3.3677 MUSD. 4 Neste texto, "d6lares" referir-se-a sempre a moeda dos EUA.

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melhoria das condi<;6es de investimento no pais. Estas agencias criam condi<;6es favoraveis ao investimento ao facilitarem o acesso ao credito e a taxas de jura baixas, ao permitirem a exclusao do risco cambial e, sobretudo, proporcionando garantias contra todos os riscos de neg6cio e de investimento. Em 2007, a Associa<;ao Internacional para o Desenvolvimento (que faz igualmente parte do Grupo do Banco Mundial), aprovou trinta creditos para a Guine-Bissau, incluindo nave creditos para o sector das infra-estruturas e transporte, tres para o sector da energia, tres para o refor<;o da capacidade de gestao do pais, um para a reabilita<;ao e desenvolvimento do sector privado e um para a gestao de recursos naturais. Para 2008, esta em fase de prepara<;ao uma opera<;ao de apoio ao or<;amento e um projecto de desenvolvimento comunitario. Tambem o Banco Africano de Desenvolvimento tem direccionado a sua interven<;ao para uma serie de projectos nas areas da saude, educa<;ao, agricultura, capacita<;ao institucional, estradas e desenvolvimento de outras infra-estruturas, no valor aproximado de 82,5 Milh6es d6lares. 0 apoio da Comunidade Econ6mica dos Estados da Africa Ocidental (CEDEAO) tem igualmente sido fundamental a Guine-Bissau, com especial incidencia na reforma sector de seguran<;a e defesa, reforma administrativa, governa<;ao politica e justi<;a. Em termos bilaterais, Portugal e o principal doador da Guine-Bissau, tendo assinado recentemente o Programa Indicativo de Coopera<;ao 2008-2010, no valor de 35 milh6es de Euros, concentrando as prioridades sectoriais de interven<;ao nos seguintes eixos: Quadro Resumo dos Eixos e Areas de Interven\iio Priorihirias

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Area de lnterven9ao 1.1.

Apoio aAdministra9ao do Estado: Seguran9a e Justi9a , Finan9as.

Area de lnterven9ao 1.2.

Coopera9ao Tecnico-Militar

\~iJ,p .~~tra!~ij,i§o:'ll • ''":; ,, " V, '··> Q~~~:n'volvim:~d19.,sH.~!~v~~v~J:~ :b4i~·E9n:!m ~·.~.o.Rr~~~ . Area de lnterven9ao 2.1.

Educa9ao

Area de lnterven9ao 2.2.

Saude

Area de lnterven9ao 2.3.

Desenvolvimento S6cio-comunitario

A escolha destes eixos prende-se coma percep<;ao das vantagens comparativas que Portugal continua a ter, essencialmente na area da forma<;ao de

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recursos humanos e da assistencia h~cnica em vanas areas, e que vao ao encontro das necessidades e prioridades guineenses, expressas no DENARP e na Conferencia Internacional sobre o Narcotrafico na Guine-Bissau, realizada em Lisboa em Dezembro de 2007. Par outro lado, a interven<;:ao da Espanha tern vindo a ganhar cada vez mais projecc;ao, a qual nao e alheia a recente abertura de Embaixada neste pais. No seu programa trienal 2007-2009, no valor de 15 Milh6es de dolares, foram identificadas como linhas prioritarias a educac;ao e a sat'1de, sendo que a maioria dos projectos sao canalizados via ONG espanholas. Em 2007, a Espanha desembolsou cerea de 7 Milh6es de dolares no quadro acordo de cooperac;ao corn a Guine-Bissau, para projectos ligados sobretudo aos sectores das pescas, satlde, administrac;ao interna, apoio as autoridades provinciais de Cacheu e servic;os ligados ao controlo da emigrac;ao. Por seu lado, a Franc;a assinou recentemente o seu programa de cooperac;ao corn a Guine-Bissau para 2008-2012, que estabelece urn envelope financeiro para os proximos 5 anos entre os 19 e os 21 milh6es de Euros. 0 documentoquadro estabelece como eixos principais i) 0 apoio a boa governac;ao; ii) a formac;ao de quadros e a promoc;ao de intercambios linguisticos, culturais e economicos e iii) a melhoria das condic;oes de vida e do acesso aos servic;os de base das populac;oes urbanas. Angola, Brasil e Cuba, outros parceiros presentes no pais, desenvolvem igualmente relac;6es de cooperac;ao corn a Guine-Bissau, mas mais numa logica de cooperac;ao Sul-Sul, privilegiando intervenc;oes na area da cooperac;ao militar, comunicac;ao social, agricultura, alfabetizac;ao de adultos, promoc;ao da Lingua Portuguesa e sat'1de. Corn a China, a Guine-Bissau tern vindo a intensificar a cooperac;ao no dominio financeiro, economico e empresarial. Na recente visita aquele pais (Setembro 2008), o Presidente da Republica Joao Bernardo "Nino" Vieira levou na bagagem urn piano concreto de desenvolvimento multisectorial e bilateral, que passa por mais investimentos financeiros e novos projectos de construc;ao de obras publicas, de que alias, a construc;ao em curso das novas instalac;oes do governo e ja uma realidade em Bissau.

4. A situa~ao de fragilidade ea necessidade de das pniticas dos doadores

harmoniza~ao

A comunidade internacional, preocupada cada vez mais corn as consequencias da fragilidade que dificultam a realizac;ao dos ODM, entre outros, tern procurado dar prioridade a abordagens integradas para enfrentar situac;oes

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de fragilidade5. A Declarac;:ao de Paris sobre a Eficacia da Ajuda6 (2005) recorda que os principios da harmonizac;:ao, do alinhamento e da gestao dirigida para os resultados devem ser adaptados a situac;:oes caracterizadas por uma governac;:ao deficiente e reduzida capacidade. Esses compromissos organizam-se em torno de cinco dimens6es expressos na Pirihnide para a Eficacia da Ajuda.

Quadro 2: Piramide para a eficacia da Ajuda

Apropriac;ao (Paises Parceiros)

Parceiros definem a agenda Gestao para os Resultados

Alinhamento (Doador Parceiro)

Harmonizac;ao (Doador Doador)

&

Alinhamento coma agenda dos parceiros

Estabelecimento de acordos comuns

Utiliza<;:ao dos sistemas dos parceiros

Simplifica<;:ao de procedim enos

Presta<;:ao de Contas Mutua

Partilha de informa<;:ao

Fonte:CAD/OCDE

s Sao considerados Estados frageis paises onde existe " uma falta de comprometimento politico e/ou fraca capacidade para desenvolver e implemental' politicas de corn bate a pobreza, onde prevalece u rn conflito violento e/ou fraca governac;ao" em Exercicio Piloto de Aplicac;ao dos Principios para uma Intervenc;ao Eficaz em Estados Frageis. Relat6rio Guine-Bissau, IPAD, Janeiro 2007. 6 A Declarac;ao de Paris, aprovada pelo Forum de Alto Nivel co-patrocinad o pela OCDE em Marc;o de 2005, estabelece os novas principios enquadrad ores da acc;ao internacional, nomeadamente em termos de apropriac;ao dos beneficiaries, de correspon dencia corn as prioridades nacionais destes paises, de gestao da ajuda em func;ao dos resultados e de harmonizac;ao das ac<;oes dos doadores. Ap6s a realiza<;iio deste Foru m, os doadores e os paises beneficiaries d a ajuda externa reitera ram a sua vontade em reforc;ar as praticas em materia de ajuda, a fim de favorecer uma maior dinfnn ica na obten c;ao dos resultados concretos nos Pianos de Desenvolvimento de cada pais, n omeadamente nos Estados em situac;ao de fragilidade.

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Ao nivel das Na~6es Unidas, duas recentes resolu~6es emanadas da Comissao para a Consolida~ao da Paz9 vieram refor~ar a necessidade de uma maior coordena~ao entre todos os actores na Guine-Bissau. Na medida em que se esta a assistir a urn alargamento da base dos doadores presentes no pais (Espanha, Africa do Sul, Angola foram os estados mais recentes a abrir as portas das suas embaixadas), corn o inerente aumento da complexidade das rela~6es entre eles, a melhoria da coordena~ao entre parceiros torna-se essencial, quando se pretende uma mobiliza~ao de recursos mais eficaz. Tambem os compromissos da UE em materia de coerencia das politicas para promover o desenvolvimento e a recente aprova~ao do Codigo de Conduta da UElD em materia de divisao das tarefas na politica de desenvolvimento contribuirao para ajudar a resolver a questao dos Estados frageis orfaos da ajuda. No caso da Guine-Bissau, a formula~ao de um Codigo de Conduta dos parceiros so tera sentido e so sera efectiva se for associada a cria~ao de uma entidade propria do governo responsavel pela coordena~ao de todo o processo de racionaliza~ao da ajuda internacional. Do panto de vista institucional, e preferivel que a unidade de harmoniza~ao esteja ligada a uma entidade governamental, que possa trabalhar em rede corn todos os responsaveis tecnicos por parte dos doadores, ministerios, empresas e ONG.

Eficacia da Ajuda, os doadores e os paises beneficiaries da ajuda externa reiteraram a sua vontade em refon;:ar as praticas em materia de ajuda, a fim de favorecer uma maior di.nami.ca na obten<;ao dos resultados concretos nos Pianos de Desenvolvimento de cada pais, nomeadamente nos Estados em situa<;ao de fragilidade. 9 Em Dezembro de 2007, a Comissao de Consolida<;ao da Paz (CCP) das Nat;6es Unidas aprovou a inclusao da Guine-Bissau na sua agenda e criou uma format;ao especifica para acompanhamento das quest6es relacionadas com o pais, sob a presidencia do Brasil e na qual Portugal participa activamente. A CCP, em conjunto com as autoridades guineenses, estabeleceu ja um quadro estrategico para a Guine-Bissau que leva em considera<;ao os contributes dos principais actores internacionais e que inclui igualmente um niunero de act;6es concretas, de impacto imediato, financiadas pelo Fundo para a Consolida.;:ao da Paz, no valor d e 6 Milhoes de dolares. 0 objective da CCP e garantir que as suas ac.;:6es produzam efeitos em mtlltiplos dominios, nomeadamente nas areas da reforma do sector de seguran.;a, do combate ao narcotrafico e do desenvolvimento econ6mico e social. A fragil situa.;:ao politica do pais, aliada ao aumento do trafico de droga e do crime organizado foram as principais raz6es que levaram o Conselho de Seguran<;a das N a.;:oes Unidas a tomar tal decisao, atendendo tambem a quase total ausencia de meios a disposi<;ao do Governo guineense para lutar contra estes flagelos. 1 Conclus6es do Conselho de Assuntos Gerais e Relat;6es Externas, de 15 de Maio de 2007, sobre o C6digo de Conduta da UE em materia de Complementaridade e Divisao das Tarefas na Politica de Desenvolvimento. 0 C6digo de Conduta assenta nos principios da apropria<;ao, alinhamento, harmonizat;ao, gestao por resultados e responsabiliza<;ao mutua, configurados na Declara<;ao de Paris sobre a Eficacia da Ajuda, bem como nos compromissos assumidos pela UE no quadro do Consenso Europeu sobre Desenvolvimento.

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Urn outro aspecto importante do processo de racionaliza~ao da ajuda e da aplica~ao do Codigo de Conduta da UE na Guine-Bissau e a sua difusao a nivel regional. Para o efeito, sera necessario promover a participa~ao dos funcionarios e dos actores nao estatais em seminarios regionais sobre o tema, bem como missoes nos paises vizinhos onde o tratamento desta questao esteja mais avan~ado e onde se possam recolher as melhores praticas. Em aplica~ao do principio de apropria~ao do processo de desenvolvimento, deveria ser o governo da Guine-Bissau a liderar o processo em materia de divisao do trabalho e garantir a sua condu~ao a nivel nacional. 0 papel de Portugal, enquanto principal doador bilateral da Guine-Bissau, tern sido importante no esfor~o de aplicabilidade dos prindpios de harmoniza~ao dos procedimentos corn os restantes parceiros e de alinhamento corn a estrategia do pais, tendo para o efeito assumido a Presidencia do Grupo Sectorial de Desenvolvimento Humano (que inclui Educa~ao, Saude e Genero), do Grupo de Parceiros da Guine-Bissaull. Tambem no quadro da iniciativa "Estados Frageis" do CAD/OCDE, os esfor~os desenvolvidos por Portugal para coordenar a ajuda internacional esbarraram corn dificuldades proprias do contexto local, agravadas pelo facto de apenas tres Estados-membros - Fran~a, Portugal e Espanha - estarem presentes no terreno, o que limita a import.'incia de todo o trabalho de coordena~ao. Por outro lado, a incoerencia dos ciclos de programa~ao dos Estados membros corn o da propria Comissao Europeia (2008-2013), nao permitiu, ate ao momento, a elabora~ao de urn roteiro para a implementa~ao de urn Codigo de Conduta e harmoniza~ao da ajuda na Guine-Bissau. Apenas as agencias das NU presentes no terreno (PAM, OMS, PNUD, UNICEF, OCHA, FNUAP e FAO) tern urn ciclo de programa~ao similar ao da Comissao Europeia.

5. Cornbate ao Narcotrafico e Reforrna do Sector Seguran~a e Defesa na perspectiva da preven~ao de conflitos 0 subdesenvolvimento pode ser encarado como urn factor gerador de tensoes, que podera ser contrariado pela existencia de estruturas institucionais estabelecidas, assim como pela cria~ao de vantagens retiradas do crescimento economico, as quais poderao estimular o interesse das popula~oes na preven~ao de conflitos. 0 papel da comunidade internacional so podera vir a

n [0 Grupo de Coordena<;ao dos Doadores da Guine-Bissau foi constituido em 2006, tendo coma objectivo estrategico a melhoria da eficacia das interven<;oes. 0 Grupo funciona em dais niveis- Chefes de Missao e Grupos Tecnicos - estando a participa<;ao aberta a todos os parceiros representados no pais.

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ser eficaz se existir de facto coordena<;ao entre todos os actores externos, sem esquecer a articula<;ao corn os actores internos (governo e sociedade civil).12 A dificil situa<;ao s6cio-econ6mica da Guine-Bissau, associada a sua posi<;ao geografica na Costa Ocidental africana, a falta de mecanismos institucionais (juridicos e judiciais) ea sua fraqueza operacional para prevenir e combater o tnifico de droga e outras formas transnacionais de crime organizado, constituem serios obstaculos a estabilidade politica e ao desenvolvimento socio-economico. Melhorar o sistema global de aplica<;ao da lei e refor<;ar a capacidade das institui<;oes da justi<;a dentro do pais fazem parte de um processo mais amplo de reforma do sector de seguran<;a e defesa, que devera necessariamente cruzar-se corn o Piano de Combate ao Narcotrafico elaborado pelo Gabinete das Na<;oes Unidas de Combate ao Crime ea Droga (UNODC).13 Consciente do papel catalisador que a reestrutura<;ao do sector de seguran<;a e defesa podera ter na liberta<;ao de energias necessarias para enfrentar os desafios do desenvolvimento humano, e de modo a inverter a tendencia de marginaliza<;ao da Guine-Bissau, a comunidade internacional programou uma serie de interven<;6es quer num quadro de apoio multilateral, quer bilateral. De referir a este proposito, as varias interven<;6es programadas para os medio e longo prazos, designadamente da Comissao para a Consolida<;ao da Paz, com urn potencial de financiamento de cerea de 35 milh6es de dolares, assente numa abordagem dualista de projectos de impacto imediato, por um lado, e uma estrategia-quadro, por outro; a disponibiliza<;ao de 7,7 milhoes de euros do 9Q FED para o arranque das primeiras fases da Refonna do Sector de Seguran<;a (RSS), nomeadamente para a desmobiliza<;ao e reinser<;ao de antigas combatentes e milicias; o compromisso financeiro, ja assumido para 2009-2013, de 27 milhoes de euros para o sector de concentra<;ao "Preven<;ao de Crises em Estados Frageis", recentemente negociado no ihnbito do 109 FED, a aplicar sobretudo nos sectores da defesa, da justi<;a, da policia e das elei<;oes; a disponibiliza<;ao entre 2008-2010, de 5 milhoes de euros (dos quais 2 milhoes a cargo da Comissao Europeia e outros 2 milhoes a cargo de Portugal), para o Piano Operacional de combate ao narcotrafico na Guine-Bissau; a presen<;a,

12 [A coordenac;:ao deveria assentar no reforc;:o das parcerias, no alinharnento do apoio dos doadores corn as estrategias de desenvolvirnento dos paises parceiros, na harrnonizac;:ao das acc;:oes dos doadores, na gestao dos recursos norteada pelos resultados do desenvolvirnento e no reforc;:o da obrigatoriedade reciproca de prestac;:ao de contas.] 13 Realizou-se em 19 de Dezernbro 2007, em Lisboa, uma Conferencia Internacional sabre o Narcotrafico na Guine-Bissau, a pedido do Governo guineense. Nesta Conferencia foi apresentado pela UNODC urn Piano Operacional de Cornbate ao Narcotrafico na Guine-Bissau, o qual esta a ser irnplernentado corn o apoio dos doadores bilaterais e rnultilaterais. A Comissao Europeia e Portugal assumiram-se corno principais financiadores, ascendendo a contribuic;:ao portuguesa a 3 MUSD para os tres anos de vigencia do Piano da UNODC.

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desde Abril de 2008 e corn dura<;ao prevista de 12 meses, de uma missao PESD14, a colocar junto dos diversos 6rgaos chave da RSS, nas tres areas da defesa, da policia e do sector judiciario e a utiliza<;ao de 6 milh6es de euros do PAOSED (Programa de Apoio aos 6rgaos de Soberania e ao Estado de Direito no quadro da UE), que visa refor<;ar a capacidade do sector da justi<;a e dos 6rgaos do poder legislativo. Adicionalmente, deverao ser ainda referidas as interven<;6es bilaterais, em particular as de Portugal, Espanha e Fran<;a, e o papel do PNUD e do CAD da OCDE, que tern disponibilizado expertise e apoio h~cnico . A este prop6sito, Portugal tern tambem trabalhado em conjunto corn a CEDEAO, a CPLP e a missao da ONU em Bissau, UNOGBIS, no sentido de convergir posi<;6es de modo a acordar os Termos de Referencia claros quanto aos objectivos e linhas de ac<;ao a prosseguir pelos principais parceiros internacionais na Guine-Bissau. Nesse sentido, Portugal subscreveu a plataforma consolidada que, sob proposta da CEDEAO e da CPLP, revestiu a forma Grupo de Contacto Internacional para a Guine-Bissau (GCI) lS que, na sua mais recente sessao realizada na Cidade da Praia, em Cabo Verde (Maio 2008), instou o Governo guineense a elaborar urn mecanismo solido para o respeito pelo Estado de direito e a luta contra a impunidade, que passa pela necessidade de as autoridades resolverem os problemas de seguran<;a e de combate ao narcotrafico, colaborando corn as institui<;6es competentes e corn os parceiros bilaterais. Todavia, toda esta dispersao de interven<;6es na Guine-Bissau por parte dos varios actores podera levantar algumas quest6es no curto prazo, que alias se come<;am ja a fazer sentir, nomeadamente: • Problemas de articula<;ao e complementaridade entre as diversas interven<;6es dos parceiros internacionais; • Dificuldades de absor<;ao da ajuda por parte do Governo guineense;

14 Dada a sua natureza multidisciplinar (que inclui as componentes de reforma dos sectores militar, policia e justi<;a), trata-se de uma missao da Uniao Europeia de canl.cter conjunto civil-militar, embora corn predominancia da componente civil (policia, justi<;a, crime organizado e narcotrMico, etc.), de aconselhamento e assistencia na area da reforma do sector da seguran<;a na Guine-Bissau. Do ponto de vista legal da EU esta e uma missao civil. Corn esta missao, a UE pretende contribuir para a estabilidade da GB no contexto da sub-regiao ocidental de Africa e reduzir o efeito das redes de crime organizado que se estendem para a Europa. 15 Integram o GCI os seguintes paises: Angola, Brasil, Cabo Verde, Espanha, Fran<;a, Gambia, Gana, Repttblica da Guine, Niger, Nigeria, Portugal, Senegal, FMI, ONU, Uniao Europeia, Banco Mundial, CPLP, CEDEAO e UEMOA. 0 GCI visa actuar em diversas vertentes, corn o objective de encorajar o dialogo politico, apoiar o governo guineense na mobiliza<;ao da assistencia financeira internacional e promover a inclusao da Guine-Bissau no grupo de paises que receberao apoio e assistencia da Comissao das Na<;oes Unidas para a Consolida<;ao da Paz, tendo sido recentemente aceite a sua inclusao.

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• Dificuldades de materializa<;:ao em projectos concretos dos compromissos assumidos; • Problema da sustentabilidade dos esfor<;:os lan<;:ados; • Ideia de que a Guine-Bissau ja estara a ser convenientemente assistida, quando o mais dificil esta ainda por fazer, com os inerentes riscos de desmobiliza<;:ao do esfor<;:o internacional a curto/medio prazo.

Conclusoes Este trabalho pretendeu analisar algumas das principais caracteristicas da actual crise da Guine-Bissau, colocando o acento t6nico nao tanto em eventuais solu<;:6es rapidas, mas principalmente em algumas das dificeis quest6es que a comunidade internacional tem que equacionar, dado que aquele pais entrou definitivamente na agenda internacional. Quest6es como a droga, a corrup<;:ao e o subdesenvolvimento preocupam as autoridades internacionais ligadas a seguran<;:a, dadas as liga<;:6es do trafico a lavagem de dinheiro e ao apoio ao terrorismo. Na recente visita a Guine-Bissau como Presidente da Comissao de Consolida<;:ao da Paz das Na<;:oes Unidas, a diplomata brasileira Maria Luisa Viotti elogiou os esfor<;:os das autoridades do pais e de todos os actores politicos da sociedade civil na manuten<;:ao da estabilidade politica e democratica e congratulou-se tambem com o empenho de todos os actores na materializa<;:ao do processo eleitoral em curso previsto para o proximo mes de Novembro, condi<;:ao indispensavel para a estabiliza<;:ao total da Guine-Bissau. Mas ha ainda um longo caminho a trilhar. A actual situa<;:ao que o pais vive, como referido anteriormente, exige uma aten<;:ao especial da comunidade internacional sobre a questao da preven<;:ao e gestao de conflitos, reconhecendo-se como factores essenciais a limita<;:ao dos factores de risco, a promo<;:ao da boa governa<;:ao, a luta coerente contra a pobreza, a exclusao, a corrup<;:ao e a impunidade, a reforma do sector de seguran<;:a e defesa e a gestao global do Estado em termos politicos, sociais e econ6micos, entre outros. 0 momento e de responsabiliza<;:ao, de apropria<;:ao do desenvolvimento pela Guine-Bissau, de integra<;:ao regional e de pressao a exercer pelos paises pares. 0 caminho a seguir aponta para que a cria<;:ao de interliga<;:6es entre a paz, a seguran<;:a e o desenvolvimento constitua uma preocupa<;:ao de primeira ordem dos doadores presentes na Guine-Bissau. Neste contexto e possivel delinear algumas tentativas de conclusao, as quais poderao servir para definir a natureza geral das iniciativas que sao necessarias na presente situa<;:ao, e que decOlTem do exercicio piloto da Guine-

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• Dificuldades de materializa<;:ao em projectos concretos dos compromissos assumidos; • Problema da sustentabilidade dos esfor<;:os lan<;:ados; • Ideia de que a Guine-Bissau ja estara a ser convenientemente assistida, quando o mais dificil esta ainda por fazer, com os inerentes riscos de desmobiliza<;:ao do esfor<;:o internacional a curto/medio prazo.

Conclusoes Este trabalho pretendeu analisar algumas das principais caracteristicas da actual crise da Guine-Bissau, colocando o acento t6nico nao tanto em eventuais solu<;:6es rapidas, mas principalmente em algumas das dificeis quest6es que a comunidade internacional tem que equacionar, dado que aquele pais entrou definitivamente na agenda internacional. Quest6es como a droga, a corrup<;:ao e o subdesenvolvimento preocupam as autoridades internacionais ligadas a seguran<;:a, dadas as liga<;:6es do trafico a lavagem de dinheiro e ao apoio ao terrorismo. Na recente visita a Guine-Bissau como Presidente da Comissao de Consolida<;:ao da Paz das Na<;:oes Unidas, a diplomata brasileira Maria Luisa Viotti elogiou os esfor<;:os das autoridades do pais e de todos os actores politicos da sociedade civil na manuten<;:ao da estabilidade politica e democratica e congratulou-se tambem com o empenho de todos os actores na materializa<;:ao do processo eleitoral em curso previsto para o proximo mes de Novembro, condi<;:ao indispensavel para a estabiliza<;:ao total da Guine-Bissau. Mas ha ainda um longo caminho a trilhar. A actual situa<;:ao que o pais vive, como referido anteriormente, exige uma aten<;:ao especial da comunidade internacional sobre a questao da preven<;:ao e gestao de conflitos, reconhecendo-se como factores essenciais a limita<;:ao dos factores de risco, a promo<;:ao da boa governa<;:ao, a luta coerente contra a pobreza, a exclusao, a corrup<;:ao e a impunidade, a reforma do sector de seguran<;:a e defesa e a gestao global do Estado em termos politicos, sociais e econ6micos, entre outros. 0 momento e de responsabiliza<;:ao, de apropria<;:ao do desenvolvimento pela Guine-Bissau, de integra<;:ao regional e de pressao a exercer pelos paises pares. 0 caminho a seguir aponta para que a cria<;:ao de interliga<;:6es entre a paz, a seguran<;:a e o desenvolvimento constitua uma preocupa<;:ao de primeira ordem dos doadores presentes na Guine-Bissau. Neste contexto e possivel delinear algumas tentativas de conclusao, as quais poderao servir para definir a natureza geral das iniciativas que sao necessarias na presente situa<;:ao, e que decOlTem do exercicio piloto da Guine-

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-Bissau (2006), no ambito CAD/OCDE sabre os Estados Frageis, do qual Portugal e 0 pais facilitador: " Tomar o Contexto como Ponto de Partida Apesar dos doadores terem urn razoavel conhecimento do contexto politico, social e econ6mico da Guine-Bissau, nao tern, muitas vezes, urn entendimento profunda das dinamicas e mentalidades locais, dos mecanismos de funcionamento das instituic;:oes guineenses, nem dos meios de reacc;:ao e gestao de problemas, recorrendo a aplicac;:ao de modelos pre-definidos de cooperac;:ao e abordagens padronizadas de ajuda ao desenvolvimento. Neste caso, a ajuda externa podera reforc;:ar algumas tens6es existentes e ter urn impacto negativo nos desenvolvimentos politicos, tal coma aconteceu varias vezes na hist6ria da Guine-Bissau. A elabora<,;ao de estrategias de desenvolvimento e de cooperac;:ao que tenham por base analises politicas e sociais adequadas e consistentes implica, par urn lado, a realizac;:ao de consultas regulares corn uma grande variedade de actores locais e, por outro, a existencia de recursos humanos tecnicamente adequados nas delega<,;6es dos doadores no terreno. Implica tambem promover a produ<,;ao de pesquisa independente sabre as causas da instabilidade, bem coma sabre a preven<,;ao de conflitos existentes e mecanismos de resolu<,;ao locais. • Dar Prioridade

aCapacitac;:ao do Estado como Objectivo Central

E evidente

a fraca capacidade das estruturas estatais da Guine-Bissau, limitando a capacidade de absorc;:ao da ajuda, bem coma a capacidade de assegurar a continuidade das acc;:oes, em func;:ao de urn sector p-Llblico excessivamente centralizado, de uma cultura institucional autoritaria e da falta de recursos humanos qualificados. 0 reforc;:o das capacidades do Estado e a promoc;:ao do dialogo politico na Guine-Bissau implica urn apoio direccionado e paralelo a determinadas areas multidimensionais: direitos humanos, estruturas democraticas e integrac;:ao da perspectiva de desenvolvimento institucional nas analises dos doadores. Existe urn consenso e compromisso geral dos doadores no apoio a reforma do sector publico e ao refon;:o das estruturas democraticas. Reconhece-se que esta e uma interven<,;ao a longo prazo, sem resultados quantificaveis, visibilidade imediata ou impacto a curto prazo. " Tomar em Considerac;:ao o Eixo Politica - Seguranc;:a - Desenvolvimento Na Guine-Bissau, os doadores devem ser capazes de integrar eficazmente instrumentos de paz, politicos, diplomaticos, de seguranc;:a e de ajuda ao 100

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desenvolvimento. Do ponto de vista regional, a questao de Casamansa, os conflitos nos paises vizinhos, a integrac;:ao econ6mica e comercial no espac;:o da UEMOA, as relac;:oes bilaterais corn o Senegat os fluxos migrat6rios intra-regionais, sao questoes que afectam, directa ou indirectamente, 0 desenvolvimento da Guine-Bissau e que precisam de ser incorporadas nas estrategias globais dos doadores. Internamente, constituem factores de instabilidade a existencia de uma elite politica fracturada e de umas Forc;:as Armadas divididas e corn uma cultura de intervencionismo. Para promover o eixo desenvolvimento-seguranc;:a deverao ser implementadas actividades que integrem uma forte dimensao de construc;:ao da paz nos programas de desenvolvimento, por urn lado, ea participac;:ao no processo de dialogo e reconciliac;:ao, por outro, apostando na ideia de uma agenda para a reforma do sector de seguranc;:a.

• Acordar entre os Doadores Internacionais quais os Mecanismos Concretos de Coordena~ao Na Guine-Bissau, apesar da ausencia de coordenac;:ao efectiva por parte do governo, tern havido iniciativas de coordenac;:ao entre os doadores, sobretudo ao nivel das trocas informais de informac;:ao que, todavia, nao aparecem nos niveis estrategico e politico. lsto deve-se a diversos factores, incluindo a diferenc;:a entre mandatos, prioridades e procedimentos dos doadores, os altos custos em termos financeiros e de tempo que uma coordenac;:ao eficaz da ajuda comporta, a competic;:ao pela visibilidade e influencia, e a relutancia por parte dos doadores de permitir uma limitac;:ao do seu espac;:o de manobra. Em consequencia, produz-se uma duplicac;:ao de iniciativas e uma falta de complementaridade e coordenac;:ao entre as acc;:oes, aumentando os potenciais efeitos negativos da ajuda. A experiencia internacional sugere fortemente que o progresso em materia de hannonizac;:ao e alinhamento corn as prioridades locais depende bastante da vontade e da capacidade do pais beneficiario em articular e seguir uma agenda clara de intervenc;:oes nesta area.

• Agir Depressa Face a situac;:ao actual da Guine-Bissau o timmi11g e essencial. lsto implica flexibilidade e reacc;:oes rapidas a mudanc;:as, ja que atrasos na atribuic;:ao de fundos e compassos de espera conduzem potencialmente a uma maior instabilidade. Assistencia pronta e imediata influenciaria positivamente o processo politico p6s-transic;:ao. Igualmente, a descentralizac;:ao efectiva no terreno da gestao dos programas de cooperac;:ao implica nao s6 a descentralizac;:ao dos fundos, mas tambem urn certo grau de autonomia nos processos de tomada de

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Ana Correia

decisao, pessoal qualificado no terreno para responder ao desafio, e flexibilidade relativarnente ao nivel esperado de apropriac;ao. • Evitar Criar Bolsas de Exclusao

A Guine-Bissau nao e urna prioridade p ara os doadores; a visibilidade que confere aos doadores e lirnitada por a situac;ao deste pais ser considerada urn "caso rnenor", quando cornparada corn a situac;ao dos paises vizinhos. Tanto o reduzido interesse da cornunidade internacional corno os sinais de cansac;o por parte dos doadores sao desafios que a Guine-Bissau enfrenta. No entanto, este caso e relativarnente rnenos cornplexo e de rnenor dirnensao que o de outros paises na regiao, onde a ajud a e rnais dificil de gerir e onde existern rnais doad ores presentes no terreno. Para garantir urn influxo adequado de recursos externos, os niveis de ajuda p ara urn ano sao equivalentes aos que seriarn necessarios na Serra Leoa para urn ou dois rneses. Assirn, existern algurnas condic;oes solidas para que a Guine-Bissau possa vir facilrnente a ser urn exernplo de coordenac;ao de sucesso e urn laboratorio de irnplernentac;ao eficaz de acc;ao conjunta. Bibliografia AFONSO, Maria Manuela - CooperGI,:iio para o Desenvolvimento: o papel da ajuda no contexto africano, ISEG, Lisboa, 2002. ARNAB ACHARYA; Lima, Ana Fuzzo de; Moore, Mick - Aid Proliferation: how responsible are the donors? , Institute of Development Sudies, Brighton, Janeiro 2004. BuRALL, Simon; Maxwell, Simon; Menocal , Alina Rocha - Reforming the international aid architecture: options and ways forward, Overseas Development Institute, London, Outubro 2006. DEBIEL, Tobias - Dealing with .fi·agile states, Centre for Development Resea rch, Bona, Dezembro 2005. FoREST!, Marta; Booth, Dav is ; O ' Neil , Tammie - Aid Effectiveness and Human Rights: Strengthening th e Implementation of the Paris Declaration , Overseas Development Institute, London, 2006. MoREIR A, Sandrina Berthault - Ajuda PLiblica ao Desenvolvimento e Crescimento Econ6mico, Institute Portugues de Apoio ao Desenvolvimento, Lisboa, 2005. PALMA, Elisa bete Cortes - Cultura, Desenvolvimento e Polftica Externa, Instituto Diplomatico, MNE, Lisboa, 2006. V ARIOS ·- Transforming Fragile States ·- Examples of Practical Experience, Federal Ministry fo r Economic Cooperation, Alemanha, 2007.

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Politica-Seguran<;:a -Desen vo lvimen to na Gu ine Bissau, pp. 83-103

Legisla~iio,

Documentos e

Publica~oes

Oficiais

Banco Mundial - Harmonization and Alignment for greater aid effectiveness: an update on global implementation and the Bank 5路 commitments, 2006. CAD - Aid Effectiveness, 2006 Survey on Monitoring the Paris Declaration, Overview of the Results, OCD E, 2007. CAD - Harmonization, Alignment, Results, Progress Report on Aid Effectiveness, OCDE, 2005. CAD - Harm onizer / 'aide pour renjbrcer son efficacite, OCD E, 2003. Comunica~,:ao

da Comi ssao ao Parlamento Emopeu, ao Conse lho, ao Com ite Econ6mico e Social Europeu e ao Comite das Regioes- Resposta da UE a situm;i5es de ji路agi/idade, 2007.

Conclusoes do Conselho de Assuntos Gerais e Rela~,:oes Externas sobre o C6digo de Conduta da UE em materia de Complementaridade e Div isao das Tarefas na Politica de Desenvolvimento, 15 de Maio 2007. Declara~,:ao

de Roma sobre

H a rmoni za ~,:ao,

Roma , 25 de Fevereiro 2003.

Declara<;:iio de Paris sobre a Eficacia da Ajuda ao Desenvolvim ento, Paris, Man;:o 2005. !PAD - Piano de Ac~,:iio de Portugal para a Eficacia da Ajuda, lnstituto Portugues de Apo io ao Desen vo lvimento, Lisboa, 2006. OEC D -Promoting Pro -poor Growth, Key Policy Messages, OECD 2006. ONU - !nvestir dans le development, Plan partique pour realizer les objectif5 du lvfillenaire p our le development, Nova I01路que, 2005. PNU D - Relat6rio de Desenvolvimento Hum ano 2005, Cooperar;iio lnternacional numa Encruzilhada, edic;:ao em lingu a portuguesa, Ana Paula Faria Ed itora, Lisboa. PN UD - Relat6rio Nacional sobre o Desenvolvimento I-Iumano na Guine-Bissau 2006.

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A CIMEIRA UE-AFRICA DE LISBOA E A EVOLU~Ao DA POLITICA EUROPEIA DE SEGURAN~A E DEFESA Luis Saraiva sa ra iva- 1u is@ ho t m a i l. co m

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A CIMEIRA UE-AFRICA DE LISBOA E A EVOLU<::AO DA POLITICA EUROPEIA DE SEGURAN<::A E DEFESA

Luis Saraiva *

Resumo: Como concretizar as expectativas da segunda cimeira entre a Uniao Europeia (UE) e Africa, realizada em Lisboa nos finais d e 2007? Aqui terao sido tra<;ados novos rumos para a rela<;ao da UE corn os seus parceiros a Sui. Desde a primeira cimeira, no Cairo, em 2000, o mundo mudou muito, corn a globaliza<;ao a acelerar e a interdependencia entre todos os actores da cena internacional a tornar-se cada vez mais complexa. N esse periodo a Politica Europeia de Seguran<;a e Defesa (PESD) passou por varias fases evolutivas. Nessa reuniao, o resultado mais concreto foi a aprova<;ao da Estrategia Conjunta UE-Africa, incluindo urn piano de ac<;ao para 2008-2010. 0 objectivo deste compromisso e levar a rela<;ao entre Africa e a UE a urn novo patamar estrategico, atraves do refor<;o da parceria politica e da intensifica<;ao da coopera<;ao. Aparentemente a Europa ira agora comprometer-se mais corn a sua seguran<;a a Sul atraves de medidas que refor<;arao as capacidades militares africanas. Neste texto propoe-se verificar se o papel da UE como actor internacional saira refor<;ado pela concretiza<;ao de projectos da Cimeira, tais como o levantamento da arquitectura africana de paz e seguran<;a (APSA) e se a PESD tera de ser reconfigurada para responder a tal desafio. Abstract: How to concretize the expectations of the Second Summit European Union - Africa that took place in Lisbon, by the end of 2007? During it new paths for the relationship of EU with its Southern partners were established. Since the first Summit, in Cairo, in 2000, the world has gone through deep changes, with the globalization accelerating and the interdependency of international actors becoming more and more complex. During that period the European Security and Defence Policy (ESDP) saw several evolving phases. The most concrete output of the Lisbon Summit was the approval of an EU-Africa Joint Strategy, including an Action Plan for 2008-2010. This commitment has the objective of taking the EU-Africa relation to a new strategic level, by the reinforcement of the political partnership and the deepening of co-operation. It *

Doutorando em Rela<;:6es Internacionais na Universidade Lusiada de Lisboa.

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Luis Saraiva

looks like Europe will be more involved with its security concerning the South adopting a set of measures to reinforce the African military capabilities. This text proposes to confirm if the EU's role as an international actor can be reinforced by the successful achievement of projects approved during the Summit, like the building up of the African Peace and Security Architecture (APSA), and also if the ESDP may necessitate some reconfiguration to be able to answer to that challenge. Palavras-chave: Africa; capacidades; seguran<;:a; defesa; parceria. Key-words: Africa; capabilities; security; defence; partnership; Africa.

Agradecimentos Este trabalho beneficiou de comentarios objectivos e oportunos recebidos de Jose Francisco Pavia, Rodrigo Tavares, Claudia Ramos, Sandra Fernandes e Orlando Quintas Veigas, cujos contributos muito valorizaram o contetldo. Os meus sinceros agradecimentos.

Introdu~ao

Sera que a Politica Europeia de Seguran<;a e Defesa (PESD) tera de se modificar para se adaptar aos novos desafios apresentados pelos resultados da recente cimeira entre a Uniao Europeia e Africa, que se realizou em Lisboa? Que lacunas procurou esta reuniao colmatar, que solu<;6es para os problemas? Esta II Cimeira UE-Africa, realizada durante a Presidencia Portuguesa da Uniao Europeia (UE), a 8 e 9 de Dezembro de 2007, representou um relan<;amento das rela<;6es entre estas duas entidades. A anterior cimeira, a primeira que juntou os mais altos responsaveis politicos dos dois continentes, tinha tido lugar no Cairo e foi, tambem, realizada durante a presidencia portuguesa da UE, em 2000. Com este ultimo encontro foram tra<;ados novos rumos para a rela<;ao da UE com os seus parceiros a Sul. Entretanto, no periodo entre as duas cimeiras, o mundo mudou muito, com a globaliza<;ao a acelerar e a interdependencia entre todos os actores da cena internacional a tornar-se cada vez mais complexas. Uma das faces dessa mudan<;a foi a evolw;:ao da PESD. 0 resultado mais marcante da Cimeira de Lisboa foi a aprova<;ao de uma Estrategia Conjunta UE-Africa, incluindo o seu plano de ac<;ao para 2008-20101. 0 objectivo global deste compromisso e levar a rela<;ao entre Africa e a UE a um novo nivel estrategico, atraves do refon;:o da parceria politica e da intensi-

1 0 documento da Estrategia foi assinado em Lisboa, durante a Cimeira, tal como ja tinha sido acordado na anterior troika ministerial, realizada a 31 de Outubro anterior, em Acra, no Gana.

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fica<;ao da coopera<;ao em todos os niveis 2 . Os subscritores assumiram a responsabilidade comum de se esfor<;arem "por superar a clivagem entre a Africa e a Europa em termos de desenvolvimento, refor<;ando a coopera<;ao economica e promovendo o desenvolvin1ento sustentavel em arnbos os continentes, para que possam viver !ado a lado em paz, seguran<;a, prosperidade, solidariedade e dignidade."3 Este resultado marcante da Cimeira liga-se com a seguran<;a, e o documento da Estrah~gia reflecte tal interesse atraves da "pm路ceria para a Paz e a Seguran<;a", um compromisso de colabora<;ao definido no seu plano de ac<;ao. A Europa parece querer comprometer-se mais, agora, com a seguran<;a no seu flanco Sul atraves de medidas que refor<;arao as capacidades militares africanas.4 Quais sao essas medidas concretas saidas da Cimeira? Como influenciarao o processo evolutivo constante da Politica Europeia de Seguran<;a e Oefesa? Para ale m das respostas a estas quest6es, este artigo prop6e-se demonstrar como o papel da UE como actor internacional sera refor<;ado pela concretiza<;ao d e projectos, decorrentes da Cimeira, relacionados com o levantamento de uma arquitectura africana de pa z e seguran<;a envolvendo ac<;6es e mecanismos da Politica Europeia de Seguran<;a e Oefesa (PESO). Assim, no primeiro capitula tra<;a-se o caminho evolutivo da PESO e determina-se o estado evolutivo a que chegou nas vesperas da cimeira de Lisboa. No segundo capitula serao referidos os desafios que aquele encontro lan<;ou tanto aUE como a Africa. Tenta-se descortinar, de seguida como se reconfigurara a PESO para responder a esses desafios. 0 quarto capitula demonstra o potencial da Estrategia delineada por Africa e pela UE para catalisar as capacidades africanas, por um lado, e para refor<;ar o papel internacional europeu, por outro. Finalmente, abordar-se-ao as lacunas identificadas na analise anterior, corn vista a procm路a das medidas necessarias para 0 refor<;o das capacidades africanas, atraves das adequadas ac<;6es PESO.

2 SGC, Estrategia Conjunta UE-Africa e Prinzeiro Plana de Aq:ao (2008-2010), Doe. Nu 14799/07, Bruxelas, 2007, p. 2. 3 Idenz, p. 3. 4 Africa teve sempre um lugar de relevo nas rela~oes externas da UE, mas corn uma quase exclusiva aten~ao para o desenvolvimento economico e social e a coopera~ao. So a partir dos anos 1990 esta politica comec;ou a evoluir para uma fase mais complexa e abrangente, onde as dimensoes politica e de seguranc;a passaram a ter mais relevo, conforme notado por Fernanda Faria (FARIA Fernanda. Facing African Security Challenges: are European and African interests and responsibilities converging?. In CARDOSO, Fernando Jorge, FERREIRA, Patricia Magalhaes, PAIS, Rita (coord. e ed.). A Europa ea Africa num Mundo Multipolar. Instituto de Estudos Estrategicos e Internacionais, Lisboa, 2008. p. 34-39.) Este reori entar dos esfon;;os europe us repercute-se na form a como a PESD se apresenta e acabou por influenciar decisivam ente a Cimeira de Lisboa.

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Luis Saraiva

1. Da Forma~ao da PESO ate

aCimeira UE-Africa de Lisboa

Apos terem sido devidamente analisadas as li~6es aprendidas corn a missao de monitoriza<;ao da CEE na ex-Jugoslavia, nos anos 1990, e preocupada corn o alastrar d e conflitos violentos em Africa, no final dessa decada a UE aprovou uma Politica Europeia de Seguran<;a e Oefesa (PESO) integrada no quadro geral da PESC. As primeiras miss6es militares da PESO realizaram-se em 2003, nos Balcas, palco dos anteriores fracas sos diplomaticos europeus, e na Republica OemocraJica do Congo. Podera a PESO ser entendida como fazendo parte do proprio amago da natureza da UE? Muitos actores tern tentado responder a questao de saber se a UE e uma potencia civil, uma potencia militar ou urn poder normativo.s Estas quest6es tern vindo a tornar-se cada vez mais relevantes a medida que aumentam e se intensificam as actividades da PESC. A PESO foi urn dos marcos do processo que estabeleceu as bases para a ac<;ao da UE no mundo, no quadro da seguran<;a.6 Assim, a forma como a UE aborda a sua seguran<;a podera ser mais do que a simples tentativa de resolver grandes problemas. Sera tambem uma tentativa de a UE definir a sua propria identidade.7 A UE nao age apenas por solidariedade global mas tambem muito por interesse proprio, como qualquer actor da Comunidade Internacional. Num planeta cada vez mais interligado, investe-se no proprio futuro quando se apoia, a escala mundial, o desenvolvimento economico e a estabilidade politica. Assim, ao ajudar terceiros, a UE esta a contribuir para o aumento da seguran<;a dentro das proprias fronteiras. 0 alinhamento que se vai veriÂŁicando em multiplos blocos e a multipolariza<;ao do mundo, obrigam a que os Estados-Membros da UE precisem de se unir cada vez mais e apresentarem-se corn uma so voz .S Nao pode, no entanto, falar-se ainda em interesses estrategicos

5 Tem-se intensificado os debates sobre o papel da UE na Comunidade Internacional, muito em especial versando o estatuto de "potencia normativa" da Uniao, isto e, uma potencia que func iona por "inspirar" e "influenciar" as normas de outros paises e regioes, no que diz respeito a paz, democracia, liberdade, estado de direito e direitos humanos. A UE buscara assim urn papel no m undo que lhe sera espedfico e que se podera constituir como alternativo ao d e outras potencias. (Cf. NuNES, J.R., PINEU, D., XAVIER, A. I., "Problematizing the EU as a global actor: the role of identity and security in European foreign policy", in Barrinha, Andre (ed.), Towards a Global Dinzension: EU's Conflict Management in the Neighborhood and beyond, Fundac;:ao Friedrich Ebert, Lisboa, 2008, p. 18/19). 6 BARRINHA, Andre (ed.), Towards a Global Dimension: EU's Conflict Management in the Neighborhood and beyond, Fundac;:ao Friedrich Ebert, Lisboa, 2008, p. 11. 7

Idem, ibidem.

CoMISSAo EuROPEIA, "A Urriao Europeia no m undo - A politica externa da Uniao Europeia", Serie: A Europa. em movimento, Luxemburgo: Servic;:o das Publicac;:oes Oficiais das Comunidades Europeias, 2007, p. 4. 8

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comuns, quando tantas dificuldades se apresentam logo que e proposta qualquer iniciativa de cariz securitario.9 A ideia de que os paises europeus deveriam actuar em bloco para defender os seus interesses estrategicos apareceu corn a genese da propria Uniao, em 1954, quando os seis membros fundadores tentaram, sem exito, criar uma Comunidade Europeia da Defesa, tendo, em vez dela, sido criada a Comunidade Econ6mica Europeia. Por seu lado, a actual PESD tern a sua origem no processo da coopera<;:ao politica europeia iniciado em 1970, tendo par finalidade com路denar a posi<;:ao dos estados-membros da UE sabre os grandes temas de politica externa da actualidade. Devido as decisoes terem de ser tomadas par consenso, revelava-se por vezes dificil alcan<;:ar a unanimidade necessaria sabre questoes sensiveis, quando os interesses nacionais divergiam.IO A medida que a UE foi crescendo e come<;:ou a intervir em novas dominios, tambem foi intensificando os seus esfor<;:os corn vista ao desempenho de urn papel intemacional relevante em materia de diplomacia e de seguran<;:a. Os conflitos que eclodiram nos Balcas Ocidentais nos anos 1990, ap6s a dissolu<;:ao da Federa<;:ao Jugoslava, convenceram os dirigentes da UE da necessidade de uma ac<;:ao conjunta e eficaz. Mais recentemente, a luta contra o terrorismo intemacional refor<;:ou essa convic<;:ao. Qual e, entao a estrategia actual da PESD? Dentro do prindpio da PESC, formalizado no Tratado de Maastricht, de 1992, definiram-se os tipos de ac<;:6es diplomaticas e politicas que a UE poderia empreender para evitar e resolver conflitos.n Desta forma, acabou por se dar primazia a preven<;:ao de conflitos, sabre os outros aspectos ligados a seguran<;:a, na cria<;:ao desta componente europeia. Este ambito haveria de caracterizar a PESD ate aos dias de hoje. Actualmente a UE e possuidora de urn conjunto de meios e capacidades (tanto militares coma civis) que demonstram que a PESD tern evoluido em volume e em ambito de aplica<;:ao. Assim, para alem da interven<;:ao, logo na fase inicial de situa<;:6es de crise, em missoes de reac<;:ao rapida, a PESD e tambem detentora de capacidade de recolha de informa<;:ao e sua analise, bem coma de monitorizar a aplica<;:ao de acordos internacionais para evitar potenciais conflitos.12

9 As dificuldades da UE na area da Seguran<;a e Defesa apresentam-se devido a existencia de duas correntes divergentes no conjunto dos seus Estados-membros: Refor<;o das capacidades de Comando e Controlo, par exemplo, ou recurso a estruturas existentes, como nos Quarhc\is-generais da NATO, sempre que tais estruturas sejam necessarias. Tem sido este o amago do chamado "dossier Tervuren", localidade nas proximidades de Bruxelas onde se pretenderia instalar o primeiro Quartel-General da PESO. 1o Idem, p. 11, 12. 11 Idem, Ibidem. 12 Idem, Ibidem..

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Lui.s Saraiva

A PESO permite enviar forc;:as militares ou de policia para zonas de conflito, a fim de levar a cabo miss6es de gestao de crises, humanitchias e de salvamento, operac;:6es de manutenc;:ao da paz, e ate de restabelecimento da paz. Esses efectivos tambem tem a capacidade, se identificada, de apoiar e dar formac;:ao a forc;:as de policia locais. Alem disso, a UE criou ainda uma capacidade militar de reacc;:ao rapida, distinta da NATO, mas com acesso aos seus recursos, assente naquilo a que se chama o conceito de agrupamento tactico ("Battlegroup"). Em qualquer momento a UE dispoe de dais agrupamentos tacticos, prontos em permanencia, o que lhe pennite reagir cam meios militares a crises emergentes. Mas na pratica subsistem muitas dificuldades, tanto para manter tal esforc;:o de forma permanente, coma para o fazer deslocar para o Teatro de Operac;:oes e ai garantir-Jhe sustentabilidade e mobilidade. E recorrente a escassez de transporte estrategico e de meios aereos tacticos, sempre que a UE inicia o planeamento de operac;:oes militares. Os agrupamentos tacticos sao multinacionais, cam um efectivo de cerea de 1.500 militares, e cada um esta disponivel par um periodo de seis meses num sistema de rotac;:ao. Ao longo dos anos a UE tem feito varios esforc;:os para aumentar a capacidade do processo de tomada de decis6es no ambito da PESC. No entanto, as decisoes fundamentais continuam a exigir unanimidade, o que frequentemente dificulta o processo.13 Actualmente, no ambito da PESO, a Uniao ja planeou e lanc;:ou 20 operac;:6es e miss6es, estando em execuc;:ao actualmente 12 miss6es, das quais duas sao operac;:oes militares, n a Bosnia-Herzegovina e no Chade e Reptlblica Centro-africana.J4 0 esfon;;o da UE relativo as miss6es PESO tem-se projectado essencialmente em duas direcc;:oes, Leste Europeu e Sul, em Africa, para alem do Media Oriente e Asia (Quatro miss6es correntemente na Europa, quatro em Africa e quatro no Media Oriente I Asia.) As miss6es no continente africano, na Republica Oemocratica do Congo (duas), no Chade e Republica Centro-africana e na Guine-Bissau, constituem actualmente a maior parte do esforc;:o politico, e de recursos financeiros, militares e outros da Uniao Europeia. Este grande investimento, especialmente

13

Idem, p. 12.

14

As missoes e opera<;6es PESD actualmente em execw;ao sao: EUPOL RD Congo, EUFOR Tchad/RCA, EUPOL Afghanistan, Althea/BiH, MPUE/BiH, EULEX Kosovo, EUPOL COPPS/Territ6rios da Palestina, EUBAM Rafah, EUJUST LEX/Iraq, EUSEC RD Congo, Missao fronteiri<;a na Moldavia e na Ucrfmia, e EU SSR Guinea-Bissau. Foram ja realizadas as seguintes: EUPAT /FYROM, Concordia I FYROM, Proxima/FYROM, EUJUST Themis /Georgia, Missao de Vigilancia no Achem- MVA, Apoio da UE aAMIS (Darfur), EUPOL Kinshasa, EUFOR RD Congo, Artemis/DRC. (Cf. site www.consilium.europa.eu, para informa<;6es sobre estas missoes e opera<;oes).

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corn a opera<;ao militar EUFOR no centro de Africa, pretende constituir as condi<;6es de base para o lan<;amento da reestrutura<;ao de paises em situa<;ao de fragilidade, garantindo a segurarwa das popula<;6es (incluindo refugiados e deslocados internos), o desenvolvimento econ6mico e o combate aos flagelos actuais. Torna-se assim evidente que a estabilidade da vizinhan<;a europeia, incluindo a totalidade do continente africano, constitui urn passo fundamental para a promo<;ao da seguran<;a da UE.15 E devido a isso que a UE tern vindo a desenvolver urn amplo leque de iniciativas corn diversos actores em diversos paises.

2. Os Desafios Lan~ados pela Cimeira EU-Africa A Cimeira podera ter determinado urn novo rumo para a PESO, podendo mesmo vir a alterar o seu ambito, se passar a incluir nas suas tarefas ja nao apenas o lan<;amento e condw;ao de opera<;:6es militares e civis, mas tambem se funcionar como urn mecanismo de levantamento de capacidades militares dos seus parceiros, como aquelas de que Africa necessita. Analisernos se esse fen6meno de transforrna<;:ao da PESO podera ou nao ocorrer, a luz das expectativa s criadas corn a Cimeira de Lisboa . 2.1. A Estratigia

0 objectivo generico da Estrategia Conjunta e levar a rela<;ao entre Africa e a UE a "urn novo patamar estrategico corn urna pm-ceria politica refor<;ada e urna coopera<;ao mais intensa a todos os niveis"l6. Os subscritores reunidos ern Lisboa assurnirarn o cornprornisso cornum de se esfor<;arem "por superar a clivagem entre a Africa e a Europa em termos de desenvolvimento, refor<;ando a coopera<;:ao econ6mica e promovendo o desenvolvimento sustentavel em ambos os continentes, para que possam viver lado a lado em paz, seguran<;a, prosperidade, solidariedade e dignidade."17 De acordo com os resultados da XXV Conferencia Internacional de Lisboa, organizada pelo Instituto de Estudos Estrategicos e Internacionais poucos dias antes da Cimeira UE-Africa, em 4 e 5 de Dezembro de 2007, para debater o tema A Eumpa ea Africa num Mundo Multipolar, "a Estrategia Conjunta e inspirada por uma nova visao que pretende mover a parceria entre a UE e Africa"

1s BARRINHA,

Andre, op. cit. p . 11.

16 S ECRETARIADO GERAL oo CoNSELHO,

Es trategia Conjunta UE-Ajrica e Primeiro Plana de

Aq路ao (2008-2010), Doe. N 9 14799/07, Bruxelas, 2007, p. 2. 17 Idem, p. 3.

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Luis Saraiva

para ah~m do desenvolvimento, para ah~m da propria Africa (em direc<;ao a globaliza<;ao ), para alem das institui<;oes (desenvolvendo uma par ceria centrad a nas pessoas) e para alem da fragmenta<;ao dos quadros de relacionamento existentes (como sejam a Parceria Euromediterranica, a Politica Europeia de Vizinharwa, o acordo de Cotonou, etc.), atraves de uma abordagem abrangente.lS Esta visao corresponde a ambi<;ao de elevar a rela<;ao UE-Africa ao tal novo patamar estrategico. Corn vista a atingir-se essa aspira<;ao a Estrategia desdobra-se em quatro objectivos concretos principais, dentro da ideia do seu objectivo geral: (i) refor<;ar e dignificar a parceria politica Africa-UE a fim de dar resposta a questoes de interesse comum; (ii) Promover condi<;oes dignas para todas as pessoas de acordo corn os direitos humanos, incluindo o desenvolvimento e a integra<;ao africanas; (iii) promover o multilateralismo e combater os desafios mundiais e as preocupa<;oes comuns, como as doen<;as, os trcificos ilegais e o terrorismo; (iv) centrar a parceria no ser humano, apoiando as iniciativas nao estatais para promover "os processos de desenvolvimento, democratiza<;ao, preven<;ao d e conflitos e reconstru<;ao p6s-conflito"19. Estes quatro objectivos principais da Estrategia Conjunta vao determinar o quadro global dentro do qual deverao ser criadas estrategicas espedficas em quatro dominios: Paz e Seguran<;a, Governa<;ao e Direitos Humanos, Comercio e Integra<;ao Regional e questoes fundamentais sobre o desenvolvimento. 2.2. 0 Piano de Aq:iio para 2008-2010

0 Piano de Ac<;ao para a Estrategia Conjunta refere que a UE e a Africa abordarao e procurarao alcan<;ar todos os objectivos identificados para todas as prioridades estrategicas, por form a a contribuir para a implementa<;ao dos compromissos assumidos naquela Estrategia, numa perspectiva mais alargada d e apoiar os paises africanos nos seus esfor<;os para atingir os Objectivos de Desenvolvimento do Milenio ate 2015."20

18 CARDoso, Fernando Jorge, FERREIRA, Patricia Magalhaes, PAIS, Rita (com路d. e ed .). A Europa e a Africa num Mundo Multipolar. Lisboa: Instituto de Estudos Estrah~gicos e Intern acionais, 2008, p . 4-5. 19 Idem, p. 5. zo A Declara\ao do Milenio, adoptada em 2000, por todos os 189 Estados Membros da Assembleia-geral das Na\6es Unidas, veio lan\ar urn processo d ecisivo da coop era\ao global no seculo XXI. Nela foi dado urn enorme impulso as questoes do Desenvolvimento, corn a identifica\aO dos desafios centrais enfrentados p ela Humanidade no limiar do novo milenio, e corn a aprova\ao dos denominad os Objectivos de Desen volvimento d o Milenio (MDGs) p ela comunidade internacional, a serem atingidos num prazo de 25 anos, nomeadamente: erradicar a p obreza extrema ea fame; (ii) atingir o ensino primario universal; (iii) promover a igualdade de genera e a capacita\aO das mulheres; (iv) Reduzir a mortalidade infantil; (v)

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0 Plana debruc;a-se sabre um conjunto de oito parcerias especificas, identificando ac<;6es prioritarias para cada uma delas. Estas tratam de Paz e Seguran<;a; Governa<;ao democratica e direitos humanos; Comercio e Integra<;ao Regional; Objectivos de Desenvolvimento do Milenio; Energia; Altera<;6es Climciticas; Migra<;ao, Mobilidade e Emprego; e Ciencia, Sociedade da Informa<;ao e Espa<;o. Para a implementa<;ao destas parcerias e das respectivas ac<;6es prioritarias, a UE e Africa deverao criar uma arquitectura institucional e as formas adequadas de a implementar21. Isto incluirci, entre muitas outras ac<;6es, o estabelecimento de contactos mais frequentes entre os dirigentes politicos das duas partes, o estreitamento das rela<;6es entre parlamentos e a partilha de informa<;ao, inclusive corn recurso as novas tecnologias. Uma das ac<;6es mais concretas que se perspectivaram respeita a realiza<;:ao da proxima Cimeira UE-Africa, a terceira, que se devera realizar neste Continente no final de 2010. Dentre todas as parcerias definidas no Plana de Ac<;ao merece destaque, no ambito desta analise, a relativa a Paz e Seguran<;a, que podera constituir a via p ela qual os esfor<;os da PESO tornarao mais focadas as preocupa<;6es da Uniao Europeia para o Sul. 2.3. A

Seguran~a

e a PESD

A intensifica<;:ao do compromisso da UE para corn a seguran<;:a no seu flanco Sul esta latente no conteudo das tarefas d a parceria de Paz e Seguran<;a, que o Plana de Ac<;ao detalha. A Africa tern urn deficit de seguran<;:a: muitos governos nao tern capacidade para controlar o seu territ6rio ou as suas fronteiras, e as for<;as armadas carecem de controlo democrcitico. A UE tern estado muito activa em varios paises da Uniao Africana, promovendo a Reforma do Sector de Seguran<;a, criando condi<;6es de seguran<;a para o planeamento e condu<;:ao de aeta s eleitorais (promo<;:ao da democracia) e garantindo seguran<;:a a refugiados e deslocados internos, devidos a conflitos internos ou transfronteiri<;os.22 Mas agora, o seu compromisso tern condi<;:6es para se tornar mais intenso, atraves da implementa<;:ao das medidas preconizadas. melhorar a saude materna; (vi) combater o HIV/SIDA, a mahiria e outras doeno;:as; (vii) garantir a sustentabilidade ambiental e (viii) criar uma parceria global para o desenvolvimento. (Site internet do Instituto Portugues de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD) http://www.ipad.mne. gov. pt/ index.php?option=com_content&task=view& id=22l&Itemid=253, visitado em 30 de Maio de 2008). 21 SECRETARIADO GERAL oo CoNSELHO,

Ac~iio

Estrategia Conjunta UE-Ajrica e Primeiro Plana de

(2008-2010), Doe. N째 14799/07, Bruxelas, 2007, p. 41.

22 Para uma analise dos va rios tipos de interven<;:ao, sob a alo;:ada do conceito de Reforma d o Sector de Segurano;:a, cf. SPENCE, David, e FLURI, Philipp (ed.), The European Union and Security Sector Reform, DCAF, John Harper Publishing, London, 2008.

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Luis Saraiva

Quais sao as medidas concretas para refon;o da paz e da seguran<;:a, tanto em Africa como na Europa, saidas da reuniao de Lisboa? Como influenciarao essas medidas o processo evolutivo constante da Politica Europeia de Seguran<;:a e Defesa? E como se p odera refor<;:ar o papel da UE como actor internacional, atraves das ac<;:oes PESO em Africa decorrentes da Cimeira de Lisboa? 2.4. Medidas Concretas para

refor~o

da Paz e

Seguran~a

N o ambito desta analise interessa que nos debrucemos sobre as formas concretas como a parceria Africa-UE podera contribuir para esta m ateria. Assim, a parceria espedfica sobre paz e seguran<;:a declara como tarefas priorit<hias refor<;:ar 0 dialogo entre a UE e Africa sobre os desafios a paz e seguran<;:a, dar capacidade operacional a Arquitectura Africana de Paz e Seguran<;:a e garantir financiamento p ara as opera<;:6es africanas de apoio a paz. 23 No seio da UA ha urn novo consenso sobre a rela<;:ao intima entre seguran<;:a e desenvolvimento. Geralmente, seguran<;:a e reconhecida como sendo a primeira pre-condi<;:ao para o desenvolvimento. E dada prioridade, por alguns, a dimensao da seguran<;:a, ou entao 0 conflito armado e exp ressamente visto como urn dos maiores obstaculos aos MDG em Africa. Isto implica que o Continente deve estar preparado p ara assumir urn grau maior de responsabilidade pelo progresso do seu desenvolvimento.2 4 No conjunto, os esfor<;:os e as medidas africanos p ara implementar a APSA d evem ser vistos sob um a perspectiva p ositiva, afirma KlingebieJ.25 A APSA tern ainda varias limita<;:oes, sobre as quais os esfor<;:os p6s-Cimeira poderao actuar. A capacidade de actua<;:ao d a APSA e muito limitada, tanto ao nivel dos esfor<;:os politicos como das capacidades militares. E, por exemplo, pouco realista assumir que todas as cinco sub-regioes serao capazes de estabelecer uma ASF ate 2010. Apesar da vontade politica para actuar (em alguns casos, apenas), a APSA nao tern os recursos para iniciar as ac<;:6es que lhe sao pr6prias (nem sequer para uma de p equeno nivel). Urn outro obstaculo importante e, tambem, de que a vontade politica de todos ou qualquer urn dos membros da UA nao pode ser sempre assegurada. 0 debate que decorreu durante a Cimeira de Cartum em Janeiro de 2006 demonstrou que, mesmo embora o governo sudanes fosse identificado como responsavel pela situa<;:ao de conflito no Darfur, apesar de tudo o Sudao pode ser escolhido para presidir a UA.26

23 SECRETARIADO GERAL oo CoNSELHO, Ac~ao

24 KLINGE BIEL, 25

26

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Estrategia Conjunta UE-Africa e Primeiro Plana de

(2008-2010), Doe. NQ 14799/07, Bruxelas, 2007, p . 39.

op. cit., p. 74.

Idem, p. 79. Idem, p. 80.

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Seguran~a,

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Analisemos entao cada uma daquelas acc;:oes designadas como tarefas prioritarias para a paz e seguran<;:a27. 0 objectivo do refor~o do dialogo sobre os desafios a paz e a seguran~a e alcanc;:arem-se posi<;:6es comuns e implementarem-se abordagens tambem comuns aos desafios a paz e seguran<;:a em Africa, na UE a nivel global. Sao variados os desafios a paz e a seguran<;:a que atingem a UE e o Continente africano: o trafico de droga, as migra<;:6es clandestinas, a amea<;:a terrorista, a politica de "terra queimada" em detenninadas regioes da Africa subsaariana, o impacto das altera<;:6es climaticas, as epidemias, os fenomenos de banditismo e pirataria. Quais poderao ser as posi<;:6es comuns a UE e a Africa, para fazer face a estes factores amea<;:adores? Corn estas medidas concretas esperase aprofundar uma abordagem {mica sobre as causas dos conflitos e as solu<;:6es a adoptar, em primeiro lugar. Para alem disso, busca-se tambem refor<;:ar a coopera<;:ao no dominio da prevenc;:ao, gestao e resolu<;:ao de conflitos, incluindo a reconstru<;:ao pos-conflito e as medidas de constru<;:ao da paz. A cooperac;:ao ea influencia da UE e de Africa nos fora internacionais e globais serao tambem reforc;:adas. Tambem se procurara melhorar ao nivel continental e regional a coordena<;:ao das diversas actividades. Para se alcan<;:arem esses resultados, este reforc;:o do dialogo devera intensifid-lo e torna-lo rotineiro em tudo o que diga respeito a quest6es de paz e seguran<;:a, nos diversos niveis de debate e ate ao patamar politico. Poderao ser incluidas ferramentas inovadoras, como as analises de sensibilidade para corn os conflitos. Serao criados mecanismos de consulta permanente entre o Conselho de Paz e Seguranc;:a (PSC) da Uniao Africana e o Comite Politico e de Seguran<;:a (COPS) da UE. Nesta ideia deverao englobar-se os encontros ad hoc ao mais alto nivel, para troca de informa<;:ao e coordena<;:ao. Nos fora internacionais deverao ser coordenados os esfor<;:os da UE e de Africa sobre as quest6es globais de preocupa<;:ao comum. Deverao ser levantados mecanismos de consulta, em particular em Adis Abeba, em Bruxelas e em Nova Iorque. Deverao ser melhorados os processos de levantamento de capacidades e a coopera<;:ao no combate ao terrorismo. 0 mesmo devera acontecer relativamente as annas ligeiras, aos remanescentes perigosos dos conflitos militares e as minas anti-pessoal. A partilha de analises e relatorios sobre crises e situa<;:6es de conflito devera ser incrementada, incluindo a identificac;:ao de causas e a implementac;:ao de acordos de seguran<;:a necessaries a essa troca de informac;:ao. Relativa-

27 0 SECRETAR!ADO GERAL DO CONSELHO levantou urn grupo ad hoc dirigido p elo major-general fran ces Pierre-Michel Joana, Conselheiro Especial do SG para a implementac;ao das capacidades africanas, que planeia dedicar-se a operacionaliza.;ao da parceria Paz e Seguranc;a do Piano de Acc;ao, dividido em tres sub-grupos dedicados a tres correspondentes niveis (estrah:'gico-militar, operacional e financiamento).

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mente ao papel da mulher nas situa<;:5es de conflito e p6s-conflito, e das crian<;:as em conflitos armadas, devera ser feito o esfor<;:o para implementa<;:ao das medidas preconizadas nas resolu<;:5es do Conselho de Seguran<;:a das Na<;:oes Unidas 28, nomeadamente atraves de campanhas de sensibiliza<;:ao, pelas ONGs africanas e europeias, chamando a aten<;:ao para a importancia do respeito pelos direitos humanos e para as quest5es do genera e das crian<;:as nos conflitos. Africa e a UE deverao levar a cabo miss5es conjuntas de avalia<;:ao em areas de conflito e p6s-conflito, lan<;:ando posteriormente iniciativas conjuntas sempre que for adequado. Devera tambem ser aumentado o nivel de partilha de experiencias e de li<;:5es aprendidas entre mediadores africanos e europeus. Finalmente, devera ser feito urn esfor<;:o para refor<;:ar a coopera<;:ao e melhorar o dia.Iogo em quest5es relacionadas corn o nexo entre seguran<;:a e desenvolvimento. Entre os varios intervenientes nesse processo destacam-se a Comissao da Uniao Africana, os Estados Africanos, o PSC da UA, os mecanismos regionais de preven<;:ao, gestao e resolu<;:ao de conflitos, o parlamento pan-africano, a Comissao Africana para os Direitos do Homem e dos Povos, tudo isto do lado africano 29. Da Uniao Europeia sao de relevar o envolvimento da Comissao Europeia, do Secretario-geral I Alto Representante e dos Estados-membros. Sera tambem muito importante a participa<;:ao activa dos chefes de missao, tanto da UE coma africanos, em Adis Abeba, em Bruxelas e em Nova Iorque. Deverao tambem ser incluidos neste processo os centros de investiga<;:ao e de forma<;:ao, os "think tanks" e outros actores relevantes da sociedade civil, coma as Universidades, para alem do papel importante das autoridades locais africanas e europeias. 0 financiamento para 0 refor<;:o do dia.Iogo sabre os desafios a paz e seguran<;:a devera vir, em primeiro lugar, do Fundo para a Paz, da UA. Outras fontes de financiamento serao o 10Q. EDF, a facilidade Africana para a Paz (APF), o Instrumento Europeu de Politica de Seguran<;:a (ENPI), o Instrumento de Coopera<;:ao para o Desenvolvimento (DCI), o Instrumento de Estabilidade (IfS), o or<;:amento da PESC e os contributos de Estados membros e de Paises africanos. 0 objectivo geral da ac<;:ao para Operacionalizar a Arquitectura Africana de Paz e Seguran~.;a e o funcionamento eficaz da APSA para que seja capaz de enfrentar os desafios a paz e seguran<;:a em Africa. Visa alcan<;:arem-se uma serie de resultados, destacando-se a operacionaliza<;:ao plena dos diversos

28 A Resoluc;ao n째 1325 (RCSNU 1325) debruc;a-se sobre o papel da mulher nos conflitos armadas ea RCSN 1612 sobre as crian~,;as nos conflitos. 29 Incluir-se-a ainda o Centra Africano de Estudos e Pesquisa sobre o Terrorismo (ACSRT) e a ECOSOCC.

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componentes da APSA, em particular o Sistema Continental de Alerta Precoce, o Painel de Sahos e a Forc;a Africana de Prontidao (ASF). Busca ainda o reforc;o das capacidades da UA e dos mecanismos regionais e progresso solido na prevenc;ao, gestao e resoluc;ao de conflitos. Finalmente esta acc;ao procurara reforc;ar as capacidades africanas atraves da implementac;ao de propostas relevantes no Plano de Acc;ao relacionadas corn o conceito equivalente UE, adoptado em Maio de 2007. Para se alcanc;arem estes resultados, sera necessaria adoptar urn conjunto de medidas, a luz de semelhante processo adoptados para as outras acc;oes prioritarias do Plano de Acc;ao. Assim, deverao ser desenvolvidos os trabalhos corn vista a operacionalizac;ao do Sistema Continental de Alerta Precoce, e facilitar a cooperac;ao entre o Centra de Situac;ao da UA e as estruturas correspondentes da UE. Devera ser desenvolvida a capacidade operacional da ASF, incluindo a sua componente civil, atraves do apoio da UE ao treino, aos exerdcios, a validac;ao e a logistica das Brigadas Regionais (incluindo neste processo o EURORECAMP). Deverao ser apoiados os cursos de formac;ao, a troca de peritos e a partilha de informac;ao, a organizac;ao de seminarios conjuntos e as iniciativas aos diversos niveis, desde o continental, passando pelo sub-regional e incluindo o nivel nacional. Devera ser reforc;ada a coerencia entre as diversas politicas, iniciativas, instrumentos financeiros e todos os actores relevantes. A UE e a UE organizarao periodicamente reuni6es espedficas de coordenac;ao. Sera fomentado o estabelecimento de uma rede de sociedade civil UE-Africa capaz de apoiar as iniciativas de paz e seguranc;a. Deverao ser reforc;ados os mecanismos de prevenc;ao de conflitos e de uma eficaz reconstruc;ao p6s-conflito, incluindo atraves do reforc;o do papel das mulheres. Par ultimo devem ser melhorados o levantamento de capacidades, o sistema em rede e a colaborac;ao entre a UA e a UE corn vista a implementac;ao da politica UA de reconstruc;ao e desenvolvimento p6s-conflito. Terao urn papel relevantes em todas estas actividades a Comissao da UA, os Estados Africanos, o PSC da UA, os mecanismos regionais para a prevenc;ao, a gestao e a resoluc;ao de conflitos, A Comissao Europeia, o SGC e os Estados-membros da UE. Serao ainda envolvidos os centros de investigac;ao, os "think tanks" e os actores relevantes da sociedade civil, assim coma a ONU, o grupo G-8 e outros actores internacionais relevantes. 0 financiamento para esta Acc;ao Prioritaria vira primariamente do Fundo Africano para a Paz. Podera tambem vir de outras fontes, tal como a anterior Acc;ao (Reforc;o do Dialogo para os Desafios da Paz e Seguranc;a). A acc;ao que visa Assegurar financiamento para opera~oes de apoio a paz sob lideran~a africana tern coma objectivo dotar a Uniao Africana e mecanismos regionais de capacidade financeira para planear e conduzir operac;oes de apoio a paz. Corn esta Acc;ao Prioritaria espera-se reduzir as carencias or-

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<;:amentais e a incerteza prejudicial as opera<;:oes de apoio a paz dirigidas pela UA. Adicionalmente visa-se uma maior eficacia no lan<;:arnento destas opera<;:oes. No ambito desta ac<;:ao identificam路路Se varias actividades, tais como levar a cabo ac<;:oes corn vista ao estabelecimento de urn mecanismo de financiamento atempado e sustentado, corn base na experiencia da APF e das contribui<;:oes dos Estados-membros da UE e Estados africanos, e trabalhar em conjunto corn o G-8 e outros elementos da Comunidade Internacional para contribuir para o financiamento de opera<;:oes de apoio a paz dirigidas pela UA. Outra relevante actividade sera trabalhar em conjunto para alcan<;:al~ no ambito do capitula VIII da Carta das Na<;:oes Unidas, urn mecanismo ONU para providenciar apoio financeiro sustentavel, flexivel e preventivo as opera<;:oes de manuten<;:ao de paz levadas a cabo pela Uniao Africana, ou sob a sua autoridade, e corn o consentimento do CSNU. Serao envolvidos neste processo a Comissao da UA e os Estados africanos, para alem da Comissao Europeia, do Conselho da UE e dos seus Estados-membros. Participarao ainda outros actores interessados, tais como a ONU e o G-8. 0 financiamento vira primariamente do Fundo Africano para a Paz, mas conta-se tambem corn outras fontes, incluindo contribui<;:oes bilaterais de Estados-membros da UE e Estados africanos.

3. A PESO ap6s a 11 Cimeira UE-Africa

Os debates que, a partir dos anos 1970, levaram a defini<;:ao da UE como urn "soft power" acabaram por conceptualizar a sua politica de seguran<;:a e defesa no quadro, nao de uma potencia estrategica ou militar (o que e considerado como premissa base de qualquer debate sobre politicas de poder), mas como uma potencia civil.30 Esta postura tern tido os seus reflexos nos esfor<;:os realizados pela UE no ambito da PESO, corn o leque de missoes de caracteristicas civis que tern levado a cabo. No entanto, sao as missoes militares que tern acabado por dar uma imagem de eficacia a politica europeia de seguran<;:a e defesa. Urn exemplo disso sera o sucesso da opera<;:ao EUFOR RD Congo, levada a cabo para apoiar o sucesso eleitoral em 2006, na Rep{tblica Democratica do Congo, e que permitiu refon;;ar a capacidade da presen<;:a militar da ONU. Apesar de alguma polemica sobre a sua eficacia, pois foi-lhe determinado uma data de conclusao da

30 NuNES,

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J.R.,

PINEU,

D.,

e XAVJER,

A.I., op. cit., p. 20.

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Opera<;ao, em vez de, como seria correcto na perspectiva militar, de se alcan<;ar um objectivo militar ou politico bem determinado ("end state" e nao "end date"), esta missao tambem demonstrou um dos aspectos em que a PESO podera ter relevancia em Africa, dando apoio militar a estabilidade politica, como este caso demonstrou, ou garantindo condi<;oes minimas de seguran<;a para as popula<;oes, como a nova missao militar UE se propoe promover no Chade e na Reptlblica Centro-africana. Mas, para alem de nao poder negligenciar os seus esfor<;os sempre que seja necessaria levar a cabo opera<;oes militares, ou sempre que lhe seja pedido, a UE continua a exercer actividades PESO de outra natureza, que no futuro se continuarao a revelar necessarias. As missoes de monitoriza<;ao e acompanhamento de medidas relacionadas com a paz e a seguran<;a, e mais especificamente, com a manuten<;ao de condi<;oes de cessar-fogo (caso das missoes em Rafah, na Palestina, ou na Moldavia), continuarao a ser muito importantes no futuro. Tambem as missoes de aconselhamento para potenciar os projectos de refonna do sector de seguran<;a continuarao a ser muito necessarias e muito solicitadas por paises com urgencia de estabelecerem condi<;oes minimas de seguran<;a e estabilidade para levarem a cabo grandes projectos de desenvolvimento e serem alvo da aprova<;ao dos respectivos financiamentos, tanto pela UE como por outros actores da Comunidade Internacional. Finalmente, ha uma outra vertente em que a UE tem de desenvolver esfor<;os e que sera a nova via para a evolu<;ao da PESO. OecmTe, em parte, das tarefas de monitoriza<;ao e aconselhamento, mas vai muito para alem destas. Trata-se do apoio a cria<;ao de verdadeiras capacidades militares (e de seguran<;a, em geral) na sua vizinhan<;a ou em qualquer parte do mundo que seja considerado de interesse estrategico para a UE. No que diz respeito a Africa, foi este o grande passo dado com a assinatura da Estrategia Conjunta UE-Africa em Lisboa. Nesta cidade teve lugar o culminar de alguns passos que a Uniao ja anterionnente tinha dado, como a "europeiza<;ao" do programa frances RECAMP ("Refor<;o das Capacidades Africanas de Manuten<;ao e Paz") e de todos os programas bilaterais dos seus Estados-membros em Africa, como o Reino Unido, a Belgica e Portugal. Com a Estrategia Conjunta ter-se-ao reunido as for<;as centripetas que poderao levar a jun<;ao de todos os esfor<;os dos Estados-membros da UE em Africa num {mico grande projecto de normaliza<;ao do sector de defesa africano e da cria<;ao das condi<;oes de seguran<;a para uma marcha em direc<;ao a estabilidade e ao progresso.

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4. A Estrategia como elemento impulsionador das capacidades africanas e do refor<;o do papel internacional da UE Como e que a UE garantini o seu apoio ao refo r~o das capacidades militares africanas? E como se refon;ara o seu papel como actor internacional, nomeadamente atraves d a suas ac~oes PESD, decorrentes da II Cimeira UE-Africa? Analisamos atras como, atraves de medidas concretas, se refon;;ariam a paz e a seguran~a em Africa e na UE, atraves do incremento do dialogo nesta area, pela operacionaliza~ao da Arquitectura Africana de Paz e Seguran<;a, e com o financiamento adequado. E pelo apoio aos projectos relacionados com o incremento da capacidade operacional militar de Africa que este continente podera vir a colaborar em plena paridade na manuten~ao de um clima de paz e segur a n~a inter-continental, abrangendo o espa~o da Uniao Europeia e de Africa (nao so a UA, como incluindo Marrocos). Assim, a constru<;ao das capacidades militares africanas devera desenrolar-se em quatro vertentes, de acordo com o planeamento de apoio ja identificado pela UE31. Essas vertentes sao a preven~ ao de conflitos, a participa~ao em opera~oes de paz, a p articipa~ao em opera~oes e missoes de r econstru~ao ap6s conflitos, com especial aten~ao para o continente africano, e a area de forma~ao e exercicios. A politica europeia de seguran~a e defesa devera adaptar-se a estes grandes desafios, que obrigarao a cria<;ao de estruturas e capacidades adequadas aos apoios necessarios. Realizar-se-a nos finais de Setembro deste ano uma reuniao entre o COPS da UE e a Comissao de Paz e Seguran~a da UA, deem-rente do calendario previsto no Piano de Ac<;ao, com vista a serem debatidos os aspectos da operacionaliza~ao da parceria Paz e Seguran<;a do Piano de Ac~ao. Esta reuniao decorrera em Adis Ab eba, na Eti6pia. Ai serao detalhados os pianos para operacionalizar as ac~oes relativas a estas quatro vertentes, incluindo a identifica ~ao dos apoios subsequentes da UE a cada area. Nao pode deixar de esquecer, no entanto, que a UE vem ja participando, juntamente com a Uniao Africana, ou em apoio da Uniao Africana e dos seus objectivos, em varias ac~oes e pianos em cada um dos aspectos. Assim, no que respeita a prev en~ao de conflitos, a UE desenvolveu uma serie de ac<;oes, em varios paises, para ajudar a implementa~ao de condi~oes de paz e de estabilidade conducentes a um clima dissuasor de conflitos. Por outro lado, tem apoiado a UA, na sua

31 No Secretariado-geral do Conselho da UE foi constituido este ano um novo 6rgao, presidido pelo Conselheiro Especial do SG/AR Javier Solana para o refor-;o das capacida d es african as, o major-general frances Pierre-Michel Joana, que tratara da concretiza-;ao destes projectos, tendo sido constituido sob a sua egide um grupo de trabalho ad hoc que ira preparar os sub-grupos de trabalho para cad a uma destas tarefas.

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participac;ao em operac;6es de paz, como no caos do apoio a missao da UA no Sudao (AMIS), que recentemente foi substituida por uma operac;ao mista ONU-UA. Para ah~m deste apoio, a UE reforc;ou a sua presenc;a junto da sede da Uniao Africana, em Adis Abeba, para providenciar aconselhamento a missao da UA na Somalia (AMISOM), que se destina a restabelecer a paz ea criar condic;6es para a reconstruc;ao. Sera nesta vertente de participac;ao em operac;oes e missoes de reconstruc;ao pos-conflito que a UE devera fazer o maior esforc;o de apoio asua congenere africana. Por ultimo, para dotar a UA de instrumentos de seguranc;a capazes de garantir a implementac;ao da paz no conjunto dos seus paises, a UA necessita de ajuda a formac;ao e treino dos seus quadros militares e tropas. Isto permitira criar melhores condic;oes para o estabelecimento das capacidades africanas, nomeadamente no que diz respeito a sua forc;a militar de prontidao ("African Stand-by Force" ), que se preve venha a ser constituida a partir do levantamento de cinco Brigadas, uma por cada sub-regiao economica africana. Nos proximos meses, os grupos de trabalho constituidos em Bruxelas no Secretariado-geral do Conselho para estudarem a concretizac;ao da Estrategia do plano de acc;ao referente a Paz e a Seguranc;a, irao identificar as adaptac;oes necessarias das estruturas burocraticas da Uniao Europeia e as capacidades necessarias para urn apoio substancial e concreto ao levantamento das capacidades africanas relativas a paz e a seguranc;a. Esses estudos apontarao o caminho para as previsiveis alterac;oes e adaptac;oes da actual arquitectura da PESO, e obrigarao a urn esforc;o extra dos seus estados-membros para fazerem face a nova realidade, finalmente alcanc;ada, de uma estrategia em plano de igualdade entre Africa e a Uniao Europeia. A PESO, como urn todo, e as capacidades militares e de seguranc;a dos seus estados-membros enfrentarao novos desafios para se adaptarem a uma nova perspectiva de garantia de seguranc;a dos seus territorios, que ja nao passarao apenas pelo controlo das suas fronteiras, mas principalmente pela criac;ao de condic;oes de seguranc;a e desenvolvimento para alem da sua vizinhanc;a proxima, de onde as ameac;as poderao surgir. Vale a pena debruc;armo-nos urn pouco sobre iniciativas que entretanto decorrem no lado africano. A Nova Parceria para o Desenvolvimento de Africa (NEPAD) e uma delas. Apresenta-se simultaneamente como uma visao e urn enquadramento estrategico para a renovac;ao africana. 0 seu documento de enquadramento estrah~gico tern origem num mandata atribuido aos cinco chefes de estado originais (Argelia, Egipto, Nigeria, Senegal e Africa do Sul) pela Organizac;ao de Unidade Africana para que concebessem urn enquadramento de desenvolvimento socio-economico para Africa. A 37~ . Cimeira da OUA realizada em Julho de 200t adoptou formalmente o documento de enguadramento estrategico.

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0 Mecanismo de Africano de Avalia~ao por Pares (African Peer Review Mechanism - APRM) e outro instrumento posto em pratica pela UA. A ele acedem voluntariamente os Estados-membros da UA, Esta estrutura funciona essencialmente coma um auto-regulador. Tem coma mandata assegurar que as politicas e praticas dos Estados participantes estao conformes com o que foi acordado relativamente a valores de governa<;ao politicos, economicos e corporativos, assim como codigos e normas contidos na Declara<;ao de Governa<;ao Democratica, Politica, Economica e Corporativa. 0 APRM e um instrumento mutuamente aprovado para auto-monitoriza<;ao pelos Estados-membros participantes. 0 objectivo primaxio do APRM e incrementar a adop<;ao de politicas, normas e praticas que conduzam a estabilidade politica, a um crescimento economico elevado, ao desenvolvimento sustentado e a integra<;ao economica acelerada nos niveis sub-regional e continental atraves de partilha de experiencias e de refor<;o das pniticas boas e bem sucedidas, incluindo a identifica<;ao de deficiencias e o levantamento das necessidades para a constru<;ao de capacidades. Cada exerdcio de revisao levado a cabo sob a autoridade do Mecanismo devera ser tecnicamente competente, credivel e livre de manipula<;ao politica. Estas determina<;oes constituem no seu conjunto os prindpios nucleares do Mecanismo. A participa<;ao no processo estara aberta a todos os Estados-membros da UA. Apos a adop<;ao da Declara<;ao sabre democracia e governa<;ao politica, economica e corporativa pela UA, os paises que desejem participar no APRM notificarao o Secretario do Comite de Chefes de Estado e de Governo para a Implementa<;:ao do NEPAD. Isto conduzira a submissao de analises periodicas feitas por pares, assim coma facilitara 0 proprio processo de revisao, e sera guiado por parametros aprovados para a boa governa<;ao politica e para a boa governa<;ao economica e corporativa. A dura<;ao da revisao a ser conduzida por pares nao devera prolongar-se por mais de seis meses por pais, a come<;ar na data do inicio da primeira fase ate a data em que 0 relatorio e submetido a considera<;ao dos Chefes de Estado e de Governo. 0 financiamento para o Mecanismo vira de contribui<;oes dos Estados-membros participantes. Com a finalidade de aumentar o seu dinamismo, a Conferencia dos paises participantes fara uma revisao do APRM a cada cinco anos.

5. 0 que a EU ea UA precisam de fazer, se as estruturas actualmente existentes nao forem adequadas? 0 que e preciso mudar? Como observado acima, a PESD e uma estrutura dinamica. 0 tratado de Lisboa propoe agora que passe por urn estadio evolutivo importante, refor<;ando-se a capacidade da UE para intervir coma actor global. A seguran<;a e a defesa europeias passam necessariamente pela sua vizinhan<;a e, na direc<;ao

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do flanco Sui em路opetl, encontra-se uma das regioes mais instaveis do globo, a Africa subsaariana. Ate a data as interven<;:6es da UE em Africa, no ambito da PESO, tem sido dirigidas para a conten<;:ao de crises, ou para garantir condi<;:6es de seguran<;:a para que se possam desenrolar processos eleitorais, como foi o caso da opera<;:ao EUFOR RO Congo. Isto, para alem de todo um conjunto alargado de iniciativas bilaterais, principalmente ligadas a coopera<;:ao tecnico-militar, em que se destacam alguns dos 27 Estados-membros da UE, como Fran<;:a, Reino Unido e Portugal, entre outros. Por outro !ado, a UA tem dado importantes passos p ara criar estruturas que ajudem a cria<;:ao de um clima de paz e seguran<;:a, terminando o ciclo de instabilidade politica, de pobreza, de violencia. Com a Cimeira de Lisboa os dois parceiros com.p rom etem-se a unir esfor<;:os para se atingir tal clima de estabilidade. Mas podera ser necessaria concretizar de forma mais objectiva os esfor<;:os europeus, tanto da UE como um todo, como de uma boa parte dos seus Estados-membros. Com vista a procurar estudar-se com mais acuidade onde devera a UE empenhar mais o seu esfon;:o, na area de refor<;:o das capacidades militares africanas, foi recentemente constituido junto do Alto Representante p ara a PESO, Javier Solana, um gabinete de apoio, dirigido por um conselheiro especial, o Major-General frances Pierre-Michel Joana. Este e um sinal de que a PESO ira mudar, com vista a promover-se a eficacia dos esfor<;:os da UE em direc<;:ao ao cumprimento dos compromissos assumidos para com o seu p arceiro africano. Poderemos perguntar porque mudar? Em primeiro lugar, para dar um apoio que permita mais capacidade militar a Africa, construindo-se uma estrutura de seguran<;:a propicia ao desenvolvimento. Em segundo lugar, para criar em Africa condi<;:6es para ajudar a resolver os problemas crescentes de inseguran<;:a na Europa relacionados com o trafico de droga, imigra<;:ao ilegal e terrorismo. Outra pergunta que se podera legitimamente pore com.o mudar? Tal podera ser feito atraves do lan<;:amento e/ou financiamento de p rojectos de constru<;:ao de capacidades militares africanas; pela europeiza<;:ao de projectos bilaterais na area de seguran<;:a e defesa, tornando-os mais robustos; e, finalmente, pela ajuda ao levantamento, lan<;:amento e apoio de for<;:as militares africanas em opera<;:6es de paz das NU, especialmente em territorios africanos. A constru<;:ao das capacidades militares africanas esta intimamente ligada ao refor<;:o do papel internacional da EU. A cria<;:ao de um continente africano com paz e prosperidade depende muito do esfor<;:o, coordenado, dos europeus. Estes tem a responsabilidade de apoiarem os lideres africanos na cria<;:ao de tais condi<;:6es, anulando assim algumas das mais importantes fontes de instabilidade da UE.

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Notas finais A II Cimeira UE-Africa, realizada durante a Presidencia Portuguesa da UE, a 8 e 9 de Dezembro de 2008, veio relan~ar as rela~6es entre estas duas entidades. Esta nova postura de relacionamento aparece numa altura em que o mundo se defronta corn cada vez mais amea~as a seguran~a e a paz. Os problemas de seguran~_;:a em Africa aumentam, devido ao traÂŁico de droga, as redes de migra~6es clandestinas e a amea~_;:a de alastramento das infiltra~6es de redes terroristas. As ac~6es identificadas no Piano de Ac~_;:ao p ara 2008-2010 vao ao encontro do levantamento de uma arquitectura de Paz e Seguran~a em Africa que possibilitara a UA (e a Marrocos) a prepara~_;:ao e condu~ao de opera~_;:6es de manuten~_;:ao da paz nos territ6rios africanos e que tornara mesmo possivel a sua contribui~_;:ao, como organiza~ao regional, para os esfor~os das Na~_;:6es Unidas no mundo. Para o levantamento dessa Arquitectura de Paz e Seguran~_;:a deverao ser conjugados os esfor~os da UE e dos paises africanos, levando a cabo, em conjunto, uma serie de medidas que darao a estes ultimos a capacidade de implementarem a paz e a seguran~a necessarias ao estabelecimento de uma A frica pr6spera e segura. A PESD ira muito provavelmente mudar. A Uniao Europeia tern que garantir apoio aos paises africanos nas vertentes de preven~_;:ao de conflitos, apoio a participa~_;:ao em opera~6es de paz e opera~6es e miss6es de reconstru~ao ap6s os conflitos, e incrementar as capacidades africanas de dar forma~ao e exercitar as suas for~as militares e de seguran~a. Ate 2010 a parceria UE-Africa tera de ter concretizado todos os aspectos do piano de ac~_;:ao decorrente da Estrategia Conjunta que a Cimeira de Lisboa sancionou. 0 continente africano vera assim concretizados os objectivos tendentes a elimina~_;:ao das grandes amea~_;:as comuns.

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POLITICA COLONIAL PORTUGUESA 1870-1955 Joao Castro Fernandes j pc f @ li s. ulus iada .p t


POLITICA COLONIAL PORTUGUESA -1870-1955

Joao Castro Fernandes *

Resumo: E objective deste artigo analisar, de forma sucinta, a politica colonial portuguesa, entre 1870 e 1955, com particular incidencia no periodo em que pontificaram no ministerio dos Negocios Estrangeiros e da Marinha e Ultramar Joao de Andrade Corvo, Barbosa du Bocage e Ant6nio Enes, e que se caracterizou por alguma tensao e conflitualidade no ambito das relat;:6es luso-britanicas, no ultimo quartel do seculo XIX. Sao igualmente focadas as linhas de fort;:a da politica colonial do Estado Novo e a defesa intransigente por parte de Salazar dos territories ultramarinos portugueses da Asia e da Africa, quando particularmente confrontado com uma conjuntura internacional que legitima uma nova politica - o nao-alinhamento - safda da Conferencia de Bandung, de Abril de 1955. 0 governo portugues e entao alvo de uma estrategia de confronto por parte dos paises afro-asiaticos, baseada na politica de auto-determinat;:ao dos povos e que beneficia do agravamento das relat;:6es entre os Estados Unidos e a Uniao Sovietica nos primeiros anos da Guerra Fria. Abstract: This article focuses, briefly, the Portuguese colonial policy, between 1870 and 1955 in particular the role played by the ministers Joao de Andrade Corvo, Barbosa du Bocage and Ant6nio Enes, at the Foreign and Colonial Office. This period unfolds under the sign of tensions between Portugal and Great Britain concerning the future of Portugal's presence in Africa during the last quarter of the XIX century. The guidelines of "Estado Novo" colonial policy are also focused, along with Salazar's determination to defend Portugal's African and Asian colonies against mounting nationalism and against a new policy - non-alignment - which arose during the 1950's and 1960's, that emerged from Bandung Conference (April 1955). Afro-Asian policies were consciously orientated towards a confrontation with Portuguese government as a strategy based on self-determination. The rela-

• Doutorando em Rela<;:6es Internacionais na Universidade Lusiada de Lisboa.

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]oiio Cnstro Fernandes

tionship b etween the above-men tioned countries and Portugal was aggravated by the p olitical and ideological struggle between USSR an d United States. Palavras-chave: Portugal; Politica colonial; Reino Unido. Key-words: Portugal; Colonial policy; U.K.

0 presente texto e baseado numa palestra proferida no Instituto de Estudos Superiores Militares, no ambito do Curso de Estudos Africanos - State Building e Opera<;oes de Paz, e com o tema "A Politica Colonial Portuguesa, da Conferencia de Berlim a Conferencia de Bandung". Dizia um autor antigo que uma boa politica externa e literalmente a melhor defesa de um Estado. Mas, acrescentamos n6s, para que a defesa de um pequeno Estado seja eficaz e possa ser mantida a paz, a independencia nacional e a prosperidade econ6mica e necessaria estabelecer um conceito estrategico nacional e definir alian<;as. Desde o sec. XIV que Portugal procurou na Inglaterra esse mesmo aliado, tendo em conta a posi<;ao e a configura<;ao geogrcifica, a harmonia de interesses, as rela<;oes entre civiliza<;6es comuns e a analogia de principios e tendencias, afinal aquilo que unia os dois estados maritimos. Constituiu-se assim uma parceria politica e econ6mica, que permitiu que a Coroa de Portugal apostasse numa expansao fora da Peninsula lberica e que o colocasse fora do alcance das tentativas hegem6nicas da Espanha, come<;ando-se a desenhar um conceito estrategico nacional alicer<;ado no nosso atlanticismo e consumado num conjunto de descobertas que nos levou a tres continentes e a constihtir-nos como um dos imperios descontinuos mais poderosos e antigos do mundo. 0 Estado portugu es continuou, ao longo dos seculos, a procurar na Gra-Bretanha o apoio necessaria a manuten<;ao da estrutura do imperio, que valorizava do ponto de vista estrategico a cota<;ao de Portugal quer no concerto das na<;6es em geral quer no seio da propria alian<;a, tendo em conta a localiza<;ao e a riqueza potencial de alguns dos seus territ6rios estrategicamente situados nas rotas maritimas mais importantes do mundo, mas evidentemente desproporcionados para a capacidade do Pais, sobretudo em termos de recursos human os. Ate a decada de 70 do sec. XIX Portugal manteve uma postura determinada ma s irrealista, no que se referia a nao rentabiliza<;ao, nao ocupa<;ao efectiva e nao moderniza<;ao dos territ6rios africanos. E essa postura, sancionada pelas raz6es hist6ricas de prioridade de descoberta e de ocupa<;ao ainda que descontinua, era suportada p ela nao contesta<;ao desses territ6rios por parte das outras potencias europeias, argumento importante tendo em conta que viviamos num mundo eurocentrico.

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A falta de uma ae<;:ao politica conclusiva em materia de neg6cios estrangeiros ou coloniais tornava o pais refem da politica da sua velha aliada nessas materias, independentemente dos avan<;:os ou dos recuos evidenciados desde Londres. Mas a partir do periodo das unifica<;:oes e da segunda fase da revolu<;:ao industrial as potencias ja antes referidas iniciam urn processo de disputa pelos mercados coloniais, essenciais - segundo a concep<;:ao geopolitica de Mahan para alcan<;:arem urn estatuto de potencias mundiais. 1 E neste cenario preocupante para Portugal que surge corn contributos notaveis para a "reden<;:ao" do sistema politico Joao de Andrade Corvo. Botanico, agr6nomo e professor, membra do Partido Regenerador, embaixador de Portugal em Madrid entre 1866 e 1869, viria a assinar as mais incisivas analises politicas ao Estado em que se encontrava o Pais e proporia como solu<;:ao os mais ousados desafios em materia de politica interna e de politica externa, fruto de uma enorme sensibilidade e de uma capacidade invulgar de previsao politica as quais juntava caracteristicas pr6prias de diplomata e de estadista. Analisando a realidade de Portugal e a motiva<;:ao para reagir, face aos desafios vindouros escreve Andrade Corvo, em 1869, no seu livro Perigos2: "Olhemos afoitamente para as coisas, e nao procuremos enganar-nos corn falsas aparencias, porque o engano nos pode ser fatal. E grave a situa<;:ao de Portugal. Sao grandes as dificuldades que embara<;:am a vida politica da na<;:ao. Confusao e incoerencia nos prindpios; grande desordem nas finan<;:as; enfraquecimento deploravel da autoridade, dentro dos limites da constitui<;:ao e das leis; falta de confian<;:a na vitalidade do pais, e nas suas faculdades politicas e econ6micas; urn desalento injustificavel, atras do qual se esconde urn perigoso indiferentismo; a violencia a mais exagerada nas lutas dos partidos, sem que lhe corresponda nem o vigor das convic<;:oes nem a ousadia dos cometimentos; tendencia funesta a rebaixar tudo e todos; paixoes em vez de cren<;:as; preconceitos em vez de ideias; nega<;:oes em vez de afirma<;:oes, tanto no dominio dos principios como no dos factos; desconfian<;:as em vez de esperan<;:as e falta de fe na liberdade, sao causas de desorganiza<;:ao e ruina para uma na<;:ao, por maior que seja o seu poder, por mais gloriosas que sejam as suas tradi<;:oes ". Impunha-se entao uma radical mudan<;:a de atitude, dado que o pais tinha gente e for<;:a moral para reagir. Propunha Andrade Corvo duas solu<;:oes correctivas para a politica interna e para a politica externa. Relativamente a pri-

1

SPROUT1 Margaret, "Mahan: Evangelist of Sea Power"in Earle, Edward Mead (Org)

Makers of Modern Strategy, Princeton University Press, Princeton, 1943, pgs. 415-445. 2 CoRvo, Joao Andrade, Perigos, Lisboa, Tipographya Universal, 1870, pgs. 111/112.

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meira sublinhava a organiza~ao das finan~as; a liberdade politica e econ6mica; a cria~ao generalizada de emprego; a cria~ao de uma rede alargada de ensino popular; a moraliza~ao da imprensa, para que esta defendesse a imagem do Pais em vez de o denegrir externamente; o refor~o das for~as policiais e finalmente estreitar as nossas rela~oes internacionais baseando-as na politica de alian~as. Quanta a politica externa Andrade Corvo faz urn exercicio de teoria das rela~oes internacionais ao qual junta oportunas considera~oes de Geopolitica, antecipando em alguns anos dados posteriormente tratados por Mahan, Mackinder ou Spykman. Segundo ele tudo assentava na importancia das alian~as e no caracter geografico de cada Estado: "Cada na~ao tern os seus naturais aliados. Hoje, mais do que nunca, e preciso que se firmem as alian~as e estreite a amizade entre as na~oes, que tern principios, tradi~oes ou interesses em comum: A posi~ao geografica, a harmonia de interesses, as rela~oes de ra~a, a analogia de principios e de tendencias determinam, mais ou menos, as alian~as. Pesando todas estas circunstancias, os pequenos Estados - mantendo boas e cordiais rela~oes corn todas as na~oes e afastando de si todas as causas que possam originar conflitos - devem estreitar aquelas alian~as que melhor lhes assegurem a existencia, a paz, a independencia e a prosperidade. E nas rela~oes comerciais, nas liberdades econ6micas, e nas simpatias politicas e intelectuais, que se devem basear principalmente essas alian~as, cujo fim nao pode ser outro senao manter a paz e a independencia dos Estados, e que da paz e das suas fecundissimas leis devem tirar a sua for~a [ ... ] Sao estas considera~oes as que devem dirigir a politica de Portugal nas suas rela~oes corn as potencias estrangeiras. Corn uma popula~ao consideravel, muito superior a quatro milhoes de habitantes; situado no extremo ocidente da Europa; banhado pelo oceano e possuindo urn dos primeiros portos do mundo; tendo ilhas admiravelmente dispostas no caminho das duas Americas, do norte e do sui; senhor de vastissimas col6nias na America ocidental e oriental, na india, na China e na Oceania, Portugal pode e deve considerar-se urn Estado dos mais importantes entre as potencias de segunda ordem. Para manter a sua posi~ao, melhorar as suas condi~oes econ6micas e politicas, e aumentar a sua importancia e influencia, Portugal, alem de born governo, boa politica e boa administra~ao, precisa de boas alian~as3." Andrade Corvo nao se ficava so pela teoria, e apontava em concreto as linhas mestras do posicionamento estrategico e diplomatico de Portugal, pri-

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CoRvo, ]oao Andrade, Perigos, op.cit, pgs.156/158.

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vilegiando as rela<;:6es corn a Espanha, tendo em conta as fronteiras e o passado historico comum, a Inglaterra pela alian<;:a que traduz os importantes e valiosos interesses que unem as duas na<;:6es, apesar de reconhecer que Portugal tern raz6es de queixa relativamente aos direitos e aos legitimos interesses do pais que a Inglaterra, mais do que uma vez, nao tinha respeitado. Confirmava ainda a validade e o interesse politico-estrategico da rela<;:ao corn a Republica do Transvaat tendo em conta que a prosperidade e o engrandecimento daquela republica dependia da situa<;:iio estrategica do porto de Louren<;:o Marques e que a cidade nao podia existir economicamente sem as liga<;:6es que mantinha corn os boers desde a independencia daquele estado da Africa Meridional. Finalmente Andrade Corvo chamava a cola<;:ao urn outro pais, de importancia crescente no sistema politico internacional e cuja posi<;:ao geografica acrescida de outros factores geopoliticos a tornavam fundamental para Portugat os Estados Unidos da America. As considera<;:6es tecidas pelo politico portugues sao tao extraordinarias no tempo, que antecipariam em 10, 30 e 70 anos respectivamente as considera<;:6es geopoliticas de autores como Mahan, Mackinder e Spykman relativamente as rela<;:6es transatlanticas e a propria forma<;:ao da NATO, em 1949. Vale a pena reproduzir o pensamento de Andrade Corvo sobre a materia: " ... chamada pelos seus vastos interesses comerciais a unir-se cada vez mais corn o antigo mundo, impelida p ela sua propria grandeza a entrar no largo movimento da civiliza<;:ao e da vida politica dos Estados europeus, a republica dos Estados Unidos precisa ter, seguro e franco, o acesso a Europa. A posi<;:iio geografica de Portugat corn as ilhas dos A<;:ores situadas no caminho da America, esta mostrando que e ele o Estado da Europa, cujas rela<;:6es mais proveitosas podem ser a republica americana. Portugal e para a America do Norte a fronteira da Europa, como para a Gra-Bretanha e a Belgica a fronteira do continente. Assegurados e garantidos, em todo o panto e em todo o caso, direitos de neutralidade a Portugal e as suas possess6es, os Estados Unidos teriam a Europa acesso seguro e constante, corn manifesta utilidade dessa grande na<;:ao e nossa".4 Corn estas considera<;:6es notaveis, reunidas numa obra que passava claramente por ser uma futura linha de rumo para a politica externa portuguesa, so faltava ao estado materializar a vontade de mudan<;:a convidando Andrade Corvo a ocupar cargos de maior responsabilidade politica, nomeadamente no governo, e partilhando-as corn outros homens notaveis que tal como ele comungavam das mesmas preocupa<;:6es relativamente ao mundo em geral e a Africa portuguesa em particular. 4

CoRvo, Joao de Andrade, Perigos, op.cit, pg. 158.

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Foi, diria, sern surpresa que entre 1871 e 1886 Andrade Corvo e Jose Vicente Barbosa du Bocages - tarnbern ele filiado no Partido Regenerador e urn apaixonado pelas quest6es africanas, corn grande sensibilidade diplornatica forarn convidados para rninistros da Marinha e Ultrarnar e dos Neg6cios Estrangeiros, ern rninisterios diferentes, rnas cuja capacidade de analise os levava a ter entendido bern as li<;:6es dum passado recente e qual o rurno das Rela<;:6es Internacionais, e que por isso tentararn definir urna politica externa que suprisse as tais vulnerabilidades corn rnais valias decorrentes da sua posi<;:ao geografica e das suas possess6es ultrarnarinas. Andrade Corvo iniciou entao a sua experiencia governativa a frente da diplornacia portuguesa ern Outubro de 1871, sendo que ern 1872 acurnularia corn a pasta da Marinha e Ultrarnar, dado que as duas politicas se passariarn a plasrnar nurna s6 face aos desafios que erarn colocados a Portugal6. Defendendo urna politica diplornatica, ja previarnente enunciada, concertada corn as na<;:6es vizinhas dos territ6rios ultrarnarinos, que passava pela resolu<;:ao de conflitos pontuais, Andrade Corvo conseguiu durante quase urna decada, levar o Transvaal e a Gra-Bretanha - sobretudo esta a valorizar o estatuto colonial de Portugal e a celebrar acordos pontuais que, pela sua irnportancia, beneficiavarn do ponto de vista econ6rnico o desenvolvirnento das col6nias de Africa e da Asia, corn a cria<;:ao de infra-estruturas ferroviarias e portuarias, norneadarnente ern Goa e ern Louren<;:o Marques, ficando de fora desta "Politica Tripolar" pm路que englobava tarnbern o reconhecirnento do Zaire o sucesso no reconhecirnento da soberania portuguesa aos territ6rios do norte de Angola entre os paralelos SQ-12Q e 8Q, nas duas rnargens do Zaire, por falta de vontade politica da Gra-Bretanha, e que iria influenciar anos rnais tarde a decisao de Barbosa du Bocage ern sugerir a realiza<;:ao de urna conferencia internacional sobre a Africa Centro-Austral. Mas o sucesso da sua politica externa estaria sernpre intirnarnente ligado a novas linhas de for<;:a para a politica colonial, e nessa 6ptica Andrade Corvo tra<;:ou cinco grandes prioridades: Atenuar o pesado sisterna fiscal ultrarnarino, rnodernizando-o; Controlar regularrnente as popula<;:6es do ponto de vista politico-adrninistrativo (Politica de conternporiza<;:ao ); Ocupar efectivarnente os territ6rios; 5 Jose Vicente Barbosa du Bocage era formado em Medicina, exerceu clinica e dedicau-se depois a Zoologia. Interessado nas questoes africanas, a sua sensibilidade politica leva-o a Ministro da Marinha e Ultrarnar e aos Neg6cios Estrangeiros entre 1883 e 1886, e posteriormente num mandata de 8 meses em 1890/91. 6 SANTOS, Manuel Pinto dos, Monarquia Constitucional. Organiza~iio e Relw;oes do Poder Govemamental cam a Cfimara dos Deputados.1834-1910, Ed. Assembleia da Republica, Lisboa, 1986, pg. 98.

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- Estender os beneficios da civiliza<;ao a Africa, atraves do comercio, da ind{lstria e do refor<;o do papel das Miss6es; - Liberalizar o comercio corn as outras na<;6es. Poucos anos depois, numa fase ainda mais agressiva pela conquista dos mercados coloniais, Barbosa du Bocage, Ministro da Marinha e Ultramar e posteriormente dos Neg6cios Estrangeiros, foi confrontado corn alguns retrocessos diplomaticos da parte da Inglaterra relativamente ao Zaire7. E perante a possibilidade real de perder parte dos territ6rios ultramarinos sugeriu a realiza<;ao de uma conferencia internacional sobre quest6es africanas, ideia posteriormente aproveitada por Bismarck, e que viria a realizar-se em Berlim, entre Novembro de 1884 e Fevereiro de 1885. Os objectivos dessa conferencia seriam os de retirar alguma capacidade de interven<;ao a Inglaterra nas quest6es africanas e ganhar espa<;o de manobra para adiar a inevitavel perda de privilegios nas zonas mais cobi<;adas dos territ6rios reclamados pelos portugueses. Estava em marcha uma "escola de politica externa" em Portugal. A Conferencia de Berlim viria a institucionalizar o peso espedfico e a capacidade de penetra<;ao das grandes potencias europeias, inviabilizando definitivamente a tese dos direitos hist6ricos de posse e ocupa<;ao e fazendo aprovar no seu Acto Geral, nos artigos 34 e 35, o conceito de ocupa<;ao efectiva para as costas do continente africano. Portugal ainda pode obter a quase totalidade dos territ6rios por si reclamados na margem esquerda do Zaire e garantir a sua presen<;a num enclave na margem direita, tudo isto negociado a margem da Conferencia de Berlim e corn a media<;ao francesa. 8 Como consequencia das decis6es saidas da Conferencia - e que alteravam profundamente a politica colonial portuguesa seguida ate entao - e na continua<;ao da linha politica tra<;ada por Andrade Corvo, Barbosa du Bocage desenhou urn ambicioso, mas bem estruturado piano estrategico de liga<;ao de Angola a Mo<;ambique que visava manter a integridade da maioria dos territ6rios portugueses, sendo que naturalmente Portugal estaria aberto a cedencias razoaveis no campo territorial.9 Este piano, que apostava no refor<;o da ocupa<;ao efectiva, da moderniza<;ao, da afirma<;ao da soberania, na defini<;ao de fronteiras no interior do continente e no recurso ao investimento estrangeiro viria a ser conhecido por plano

7 LAVRADIO, Marques do, Portugal em Africa depois de1 851 , Ed. Agencia Geral das Colonias, Lisboa, 1936, pgs. 243 a 250. 8 CAETANO, Marcelo, Portugal e a Internacionalizar;:iio dos Problemas Africanos; Ed. Atica, Lisboa, 1972, pg. 113. 9 Loso, Costa, 0 Conselheiro Jose Luciano de Castro e o 2" Periodo Constitucional Momirquico. Ed. Grc\.fica de Coimbra, Coimbra, 1941, pgs. 141 a 145.

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do mapa cor-de-rosa. Contudo, a pressao internacional exercida sabre a Inglaterra e consequentemente desta sabre Portugal para defini~ao de esferas de influencia e ocupa~ao de territorios, e a incapacidade governativa do Partido Progressista em Portugal para negociar contrapartidas ao projecto, levou a Gra-Bretanha a "impor" urn ultimata a Portugal, aproveitando urn Governo em Lisboa cuja politica externa nao privilegiava, coma no passado, a possibilidade de urn refor~o da alian~a baseado numa sabia politica de cedencias cirurgicas. 0 Pais viu-se assim amputado do nucleo principal que constituia o projecto de Bocage e foi levado a negociar em condi~6es desfavoraveis, em 1890 e 1891, urn tratado que delimitava as fronteiras de Angola e Mo~ambique, mesmo assim atenuadas pelos esfor~os dispendidos por Barbosa du Bocage, de novo a frente da diplomacia portuguesa e por Antonio Ennes, Ministro da Marinha e Ultramar, que puderam evitar males maiores decorrentes da situa~ao criada corn a nao-ratifica~ao do Tratado luso-britanico de 20 de Agosto de 1890, sendo que a vontade britanica tinha urn enorme peso no desfecho da questao. Ainda assim, as fronteiras ficaram estabelecidas quase coma hoje as conhecemos, e que ainda assim colocavam Portugal coma uma das maiores potencias coloniais.lO Antonio Ennes, filiado no Partido Progressista, jornalista e deputado as Cartes, era tal coma Andrade Corvo e Barbosa du Bocage urn politico extraordinariamente preocupado corn as quest6es africanas. Tal coma os outros dais, esteve na funda~ao da Sociedade de Geografia de Lisboa, em 1875, institui~ao vocacionada para as quest6es africanas e que teria naqueles tres ministros urn apoio e urn envolvimento nas quest6es de estado extremamente acentuado, para nao dizer crucial, na fase mais aguda do periodo de contesta~ao a presen~a de Portugal em Africa. Em 21 de Junho de 1887, foi apresentada a Camara dos Deputados a propasta de ratifica~ao do acordo luso-germanico, de 30 de Dezernbro de 1886. Como relator do relatorio que apoiaria o Tratado, Ennes nunca se deixou envolver por urn mesquinho sentimento partidario e tal coma os politicos atras citados defendia que os territorios considerados na nossa esfera de influencia constituiam como que urn ÂŁundo de reserva para negocia~6es corn as potencias competidoras, pelo que a perda de territorios sacrificados ao tratado nao lhe repugnava inteiramente. Antonio Ennes entendia ser preferivel ver reduzidos os seus dominios, contra uma delimita~ao efectiva e incontestada, as desproporcionadas terras reclamadas, ate em rela~ao as reais capacidades do pais. Ao defender o relatorio da sua autoria proclamava combater sempre " ... as paix6es partidarias,

IO VILHENA, Jt!lio, Antes da Reptiblica; Vol. I (1874-1907), Ed. bra, 1916, pgs. 239-240.

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obliteradoras da consciencia dos politicos" 11 . Depois de ter sido Ministro da Marinha e Ultramar, no mesmo Gabinete supra partidario corn Barbosa du Bocage, e terem defendido os interesses de Portugal na assinatura do tratado de 11 de Junho de 1891, Ennes e nomeado Comissario Regio em Mo~ambique, entre 1891 e 1893. Neste periodo elabora urn notavel relat6rio sobre as condi~6es daquela Provincia Ultramarina e, na senda de Andrade Corvo e Barbosa du Bocage, volta a apontar as vulnerabilidades do Estado portugues e as solu~6es ja anteriormente propostas no que toca ao investimento estrangeiro, as quais juntava a necessidade imperiosa de combater e dominar o Gungunhana, Senhor do imperio dos Vatua, o verdadeiro ob ice ao contra le de Portugal sobre Mo~ambique e a concretiza~ao da ocupa~ao efectiva, bem como da reorganiza~ao do exercito portugues nas col6nias, cuja organiza~ao deveria assumir urn comando militar integrado12. Este seu relat6rio motivou novo convite para Comissario Regio em Mo~am­ bique, entre 1894 e 1895, de forma a aplicar as solu~6es anteriormente propostas, face ao clima de insurrei~ao e de instabilidade criado por alguns regulos mo~ambicanos devidamente instigados pela British South Africa Company, gerida por Cecil Rhodes. A politica de ocupa~ao efectiva viria a ser concretizada a partir de 1891 corn a constitui~ao de Companhias Majestaticas, que se substituiram ao Estado Portugues num papel para o qual o Estado nao tinha capacidade para protagonizar e p ela ac~ao politica e militar coordenada por Ant6nio Ennes. Parcialmente coroado de sucesso, o piano de Antonio Ennes so 40 anos m ais tarde pode recolher os melhores frutos. Ainda no final do seculo ver-se-ia Portugal envolvido numa estrategia diplomatica britanica que visava o afastamento da Alemanha de areas sensi.veis para o controlo da rota do Cabo e da Africa do Sul, numa altura em que o Kaiser Guilherme II tudo fazia para prejudicar a estabilidade do imperio britanico. Essa estrategia traduzir-se-ia num projecto de partilha das col6nias portuguesas entre alemaes e ingleses, em 1898, a partir da concessao hipotetica de urn emprestimo, e que foi posteriormente inviabilizado por urn acordo secreto luso-britanico, assinado em Londres em 1899, proporcionando a Portugal o refor~o da alian~a, denunciando Lisboa o tratado luso transvaaliano de 1875, que tinha assegurado o apoio de Portugal ao desenvolvimento dos Boers na Africa Oriental ea cria~ao de uma zona de seguran~a.

11 E NNES, Ant6nio, 0 "Ultimatum vista par An t6nio Enes" ,c/estud o biogrMico por F. A Oliveira Martins, Lisboa, Ed. Parceria A. M Pereira, 1946, pg. XXXVIII. Sabre este assunto ver ainda Portugal em Crise - da Agonia da Monarquia a Implantar;iio da RepÂŁiblica. Contributos varios. Ed . Fronteira do Caos, Lisboa 2006, pgs. 145 a 193. 12 E NNES, Ant6nio, Mor;ambique - Relat6rio apresentado ao Govemo, Ed. Imprensa Nacional, Lisboa 1971, pg. 21.

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Entretanto corn o advento da rep{tblica, em 1910, o Pais viveu uma situ a<;:ao complicada. Se por urn lado o regime republicano foi reconhecido por p arte da comunidade internacionat nomeadamente pelas republicas centra e sul americanas, que tradicionalmente se opunham ao modelo colonial europeu, por ou tro sofreu a oposi<;:ao d a maioria das na<;:6es europeias. Nessa situa<;:ao, o Governo provisorio e aqueles que lhe seguiram a te 1912, preocuparam-se mais em garantir o triunfo da revolu<;:ao do que corn os territorios ultramarinos e a sua moderniza<;:ao.13 Em 1911 circulavam rumores duma possivel invasao d a Espanha a Portugal - e consequente tomada das p ossess6es ultramarinas coma compensa<;:ao dum p atrimonio territorial perdido na guerra hispano-americana de 1898 - e essa invasao, defendida em alguns circulos muito proximos da corte espanhola terao esbarrado na intransigencia britanica14. Nao so os investidores britanicos que detinham 70% do capital estrangeiro em Mo<;:ambique nao o queriam perder, como a partir de 1912, Sir Edward Grey, ministro ingles dos Negocios Estrangeiros, ressuscitara a estrategia diplomatica britanica de 1898, tentando evitar o prosseguimento do plana naval alemao e uma escalada conflitual que poderia conduzir a uma guerra. Mais uma vez urn acordo de partilha das colonias africanas de Portugal esteve em cima da mesa, agora corn o argumento - quase verdadeiro - que o governo de Lisboa tinha deixado ao abandono as suas colonias, e cujo exemplo mais fla grante era a nomea<;:ao de cinco governadores gerais para Angola e sete para Mo<;:ambique no espa<;:o de tres anos. Ja em 1914, a politica externa portuguesa focalizou-se na participa<;:ao militar do pais no teatro de opera<;:6es da primeira guerra mundial. Esta politica, tao contestada pelos ingleses, visava modificar a imagem do regime perante o conjunto das na<;:6es europeias e tentava, a partir d um compromisso estabelecido ao abrigo da alian<;:a, salvaguardar as possess6es ultramarinas que poderiam vir a ser utilizadas par uma paz de compromisso entre alemaes e ingleses corn vista a urn annisticiolS. As consequencias do envolvimento na guerra resultaram em graves perturba<;:6es politicas e sociais, que afectaram a credibilidade e a existencia do regime, levando a Revolu<;:ao Nacional de 1926, a ditadura militar ate 1932 e a cria<;:ao do Estado Novo.

13 VI NCENT-SMITH, John, As Relar;oes Politicas Luso-Britfinicas 1910-1916, Ed. Livros Horizonte, Lisboa, 1975, pg. 53. 14 GoMEZ, Hip6lito de La Torre, Conspirar:;ao contra Portuga/1910-19 .12, Ed. Livros Horizonte, Lisboa, 1978, pg. 166. 15 VINCENT-SMITH, John, As Relar;oes ... ob.cit. pg. 53.

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Durante o periodo em que o Dr. Salazar foi Ministro das Finan~as promulgou-se o Acto Colonial, pelo Dec. 18570 de 8 de Julho de 1930. Este documento regulava e clarificava a posic;:ao do Estado perante o Ultramar e permitia p6r fim a urn periodo consideravel de tempo em que as finan~as desses territorios bem como a sua organizac;:ao e reforma estiveram comprometidos16. Salazar considerava fundamental equilibrar o Or~amento do Estado, equilibrando as receitas correntes com as despesas correntes, nomeadamente as que se relacionavam com Africa. Com estas medidas foram retirados poderes aos Governadores-Gerais, recaindo a responsabilidade no Ministro das Colonias, o qual respondia p ela aprova~ao dos or~amentos anuais17. 0 Acto Colonial abria uma nova fase, bastante mais centralizadora, provocada por uma conjuntura externa que preocupava e nao se definia e uma conjuntura interna que come~ava a definir-se e a preocupar menos. Durante um periodo de, sensivelmente, cinco anos observou-se nos territ6rios ultramarinos portugueses uma melhoria consideravel, quer a nivel financeiro quer m esmo a nivel tecnico. Esta modernizac;:ao e rentabilizac;:ao das colonias aumentava a credibilidade das reformas do Presidente do Conselho e do espac;:o imperial portugues, num momento em que alguns artigos na imprensa internacional e alguns relat6rios estrangeiros colocavam as col6nias portuguesas na lista de aquisi~oes da Alemanha, e su geriam que as mesmas pudessem funcionar como compensa~oes da Gra-Bretanha ao Reich, evitando que este se alargasse dentro do continente europeu18. Apesar dos prontos desmentidos quer do governo portugues, quer de responsaveis politicos britanicos o que e facto e que Neville Chamberlain, 1Q ministro desde 1937, feroz adepto do apaziguamento, tentou fa zer aprovar no seio do seu governo um projecto de compensac;:oes territoriais no qual estavam incluidos os territ6rios de Angola e Mo~ambique19. Este projecto, apoiado tecnica e politicamente por pareceres elaborados pelo Colonial Office e pelo Foreign Office, mereceu a recusa imediata do Chanceler alemao Adolf Hitler, contudo este projecto tinha ja provocado "danos colaterais" tendo em conta que a total discordancia manifestada pelo Ministro dos Neg6cios Estrangeiros Anthony Eden provocou o seu afastamento2D.

CAETANO, Marcelo, Constituir;i5es Portuguesas Ed. Verbo, 6" ed i~ao, Lisboa, 1986, pg. 106. RosAs, Fern ando, e outros; "0 Estado N ovo (1926-1974)", em MAnoso, Jose(org) Hist6ria de Portugal, vol. VII, Ed. Circulo de Leitores, Lisboa, 1994, pgs. 284-290. 18 FERNANDES, Joao Paulo Santos de Castro, 0 Ultmmar Portugues no Apaziguamento Intemacional, em "Revista Estrategia ", Vol. XIV Ed. Instituto Portugues da Conjuntura Es trategica, Coord. Adriano Moreira e Pinto Ramalho, Lisboa 2003, p gs. 169/300, pg. 268. 19 FERNANDES, Joao Paulo Santos de Castro, 0 Ultrmnar Portugues ... ob.cit, pg. 258. 16

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Idem.

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Salazar, que estava minimamente ao corrente da situa<;ao atraves de inside information proveniente do Foreign Office, atraves de alguns jornalistas ingleses, exerceu fortes press6es junto do Primeiro-ministro ingles para que este desmentisse formalmente qualquer envolvimento dos territorios portugueses21. Tendo em conta o fracasso do projecto, Chamberlain acabou por "descansar" o Dr. Salazar, garantindo a presen<;a duma missao militar britanica em Portugal corn vista ao refor<;o da alian<;a e da cooperac;:ao tecnica entre os dois paises. Ainda nesse ano de 1938 o Rei Jorge VI convidaria o Presidente da Republica portuguesa, Marechal Oscar Carmona, a visitar as possess6es britanicas da Africa do Sul. No regresso dessa viagem o Presidente da Republica portugw2s, em total consonancia corn o seu Presidente do Conselho e corn a sua politica, reafirmou o caracter uno e indivisivel do territorio portugues na sua pluricontinentalidade e multirracialidade22. Entretanto inicia-se a 2~ Guerra Mundial na qual Portugal e Espanha se mantiveram neutrais. Apos o inicio do conflito, em 12 de Agosto de 1941, Churchill e Roosevelt assinam a chamada Carta do Atlantico, embriao da futura Carta das Nac;:oes Unidas. 0 ponto 3 desta Carta veio refor<;ar as desconfianc;:as e as duvidas de Salazar relativamente ao comportamento dos norte-americanos, tendo em conta que consagrava o respeito pelo direito de todos os povos a escolher a sua forma de governo, sobretudo aqueles que tinham sido despojados desse direito pela forc;:a. 0 Presidente do Conselho considerava este facto uma amea<;a ao imperio ultramarino portugues, desconfian<;a que veio a ser confirmada pelas posi<;6es publicas de alguns senadores e do proprio Presidente Roosevelt que advogavam a possibilidade de os Ac;:ores e de Cabo Verde serem ocupados pelos norte-americanos, impedindo assim a sua invasao pelas tropas de Hitler. Contudo, o desenrolar da guerra levou o presidente americano a alterar o seu discurso e a justificar-se perante Salazar, garantindo a integridade do territorio pluricontinental portugues, ao assinar urn acordo corn Portugal em 1944, que previa a concessao de facilidades aos americanos na ilha de Santa Maria e na Terceira, em troca do empenhamento norte-americano na libertac;:ao de Timor, entao ocupado pelo Japao. Este acordo de 1944 tinha sido precedido por urn outro acordo, assinado corn a Gra- Bretanha em 1943 e subscrito pela Australia e Uniao Sul-Africana, envolvendo igualmente a concessao de facilidades nos Ac;:ores. Ao aproximar-se o final do conflito Salazar percebeu muito claramente que os Estados Unidos da America emergiam do conflito como os verdadeiros iden1, pg. 269. Ministerio dos Neg6cios Estrangeiros, Dez Anos de Politica Externa (1936-1947) A Nar;iio Portuguesa ea Segunda Guena Mundial, Ed. Imprensa Nacional, Lisboa, 1961 e ss., XV Vols. Vol.II, Doe. 719 - de Salazar a Monteiro, 25/5/1939, pgs. 368/370. 21

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defensores do mundo livre, os representantes do bloco ocidental e como potencia maritima h egemonica, substituindo-se a Gra-Bretanha. Por outro lado, os objectivos americanos estendiam-se ja para o pos-guerra, equacionando a defesa do hemisferio ocidental e a rapida recuperac;ao economica da Europa como forma de travar o expansionismo comunista. Neste enquadramento Salazar jogou muito da sobrevivencia do imperio ultramarino nos acordos previos que viria a assinar corn o governo norte-americano sucessivamente em 1946 e 1949 e no ambito da NATO em 1951, para a cedencia da Base das Lajes na Ilha Terceira, isto e, Portugal assumia urn papel de bastiao estrategico na luta contra o comunismo. 0 fim da 2~ Gu erra traz-nos p01tanto uma nova leitura estrategica da defesa nacional. 0 problema da seguranc;a do pais, onde as colonias estavam naturalmente incluidas, estava directamente ligado a ameac;a que a URSS representava. Quando o Presidente Truman expoe o essencial da sua doutrina, num discurso pronunciado em Marc;o de 1947, inicia-se uma nova ordem mundial: a Guerra Fria, no entendimento de muitos, ou a 3fi Guerra Mundial, como a designam alguns geopoliticos. 0 sistema, caracterizado por urn confronto ideologico e belico a mais larga escala, supos da parte dos EUA a adopc;ao definitiva da teoria da contenc;ao, inspirada por Kennan e claramente baseada na tese de Spykman sobre o valor estrategico do Rimland e na necessidade de se constituir urn sistema de alianc;as integrado e dirigido contra a URSS. Segundo a referida "Doutrina Truman", os EUA dever-se-iam empenhar na construc;ao de uma ordem democratica e numa ajuda economica a Europa, de forma a construir uma barreira eficaz contra o comunismo sovietico. Esta doutrina permitia ao governo portugues pensar que o seu regime e respectivo imperio colonial contribuiriam para a contenc;ao do comunismo como pec;a-chave. E de facto, quando em 1948 se comec;ou a desenhar a possibilidade de se construir urn pacto politico-militar que defendesse o mundo do comunismo sob a egide dos EUA, Salazar podia, de alguma forma, respirar de alivio. A iniciativa americana ia ao encontro da tese geopolitica corrigida de Mackinder que, em 1943, defende a criac;ao de urn sistema de alian<;as na regiao do Midland Ocean (Oceano Atlantico) que pudesse contrariar a superioridade da potencia que liderasse o Heartland e encaixava-se perfeitamente nas preocupa<;6es do governo portugues quanto a defesa da integridade do imperio ultramarina no p6s-guerra23. Apesar de tudo Salazar colocou algumas reservas ao texto final do Tratado do Atlantico-Norte, nomeadamente p edindo esclarecimentos sobre a situac;ao

Halford J. - The round world and the winning of the p eace. Foreign Affairs. ISSN 0015-7120. 21:4 (Jul. 1943) pgs. 595-605. 23 M ACK INDER,

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das col6nias em face do Tratado e das garantias dadas a integridade territorial dos paises aderentes. Nao podemos esquecer que nesta fase ja a Inglaterra tinha concedido a independencia a India e ao Paquistao. Contudo, os governos de Londres e Washington remeteram as duvidas de Salazar para o artQ4 que falava na consulta entre as potencias signatarias no caso de alguma delas ou as suas possess6es serem alvo de alguma amea<;a. De alguma forma nao havia vontade politica em ir mais longe nesta fase, e o Pacto do Atlantico-Norte acabaria por ser formalmente assinado em Abril de 1949 corn a participa<;ao de Portugal como membro fundador. Mas os problemas nao demorariam a surgir. No ano seguinte, em 27 de Fevereiro de 1950, o Embaixador da Uniao Indiana em Lisboa apresentou ao Ministro dos Neg6cios Estrangeiros portugues urn memoranda, reivindicando formalmente a soberania indiana sobre Goa, Damao e Diu, propondo a abertura de negocia<;6es entre ambas as partes. Mas o ministro dos Neg6cios Estrangeiros, Caeiro da Mata, sintonizado corn Salazar, respondeu ao diplomata indiano que o governo portugues nao discutia ou negociava corn governos estrangeiros questoes de soberania dos seus territ6rios. Come<;ava a definir-se a es trah~gia de Nehru relativamente a associa<;ao d e alguns estados asiaticos que defendiam a cria<;ao de urn bloco que liderasse urn movimento internacional de contesta<;ao a presen<;a das potencias europeias na Asia e na Africa e para o qual a conferencia de Bandung daria, em Abril de 1955, urn passo significativo24. Relativamente a Portugal a primeira consequencia foi o corte de rela<;6es diplomaticas entre os dois paises. Corn a entrada de Portugal para a ONU iria intensificar-se a pressao sobre o governo portugues e aumentaria o cerco ao imperio ultramarine, tal como o designava a revisao constitucional de 1951. Neste particular, a decisao de Salazar foi inabalavel: Portugal nao abandonaria o Ultramar. A resistencia portuguesa, face as suas responsabilidades, pela seguran<;a das popula<;:6es e pela preserva<;ao dos seus bens, era justificada como urn imperative de justi<;:a e de legitima defesa. 0 caminho continuaria a ser uma linha de integra<;:ao num Estado unitario, formado por provincias dispersas e constituido por ra<;:as diferentes. Mas a presen<;:a de Portugal em territ6rios nomeadamente africanos constituia, como sabemos, um entrave para a constru<;:ao de zonas de influencia que permitissem assegurar posi<;oes vantajosas na luta entre as superpotencias. A solu<;:ao era eliminar essa presen<;:a e Salazar tinha perfeita consciencia do que estava em jogo: 24 GARCIA, Francisco Proenc;:a; Amilise Global de Um a Guerm - Mor;ambique 1964-1974, Ed. Prefacio, Lisboa, 2003, pg. 59.

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- Em primeiro lugar o prindpio das nacionalidades ocidentais nao tern paralelo corn o anti-colonialismo pois nos territ6rios onde se reclamava a independencia baseada naquele pressuposto e onde se mantinham as fronteiras desde finais do sec. XIX nao existia correspondencia ao conceito de na<;:ao ocidental. A elite africana ocidentalizada procurou importcHos e aplica-los nos seus territ6rios de origem, mas as quest6es nicicas e ideol6gicas sobrepuseram-se ao sentimento comunitario nacional; - Em segundo lugar a politica de descoloniza<;:ao inscrita na Carta da ONU teve a defini<;:ao que foi imposta pelas duas super potencias mas nao foi aplicada naquela parte do mundo que nao pertencesse a zona de esfera de influencia de cada uma, como por exemplo o Alaska, o Hawai e as zonas da URSS; - Em terceiro lugar os povos afro-asiaticos procuraram organizar-se num movimento de caracter universal, mas tal como a hist6ria viria a demonstrar esse movimento seria claramente dominado pela URSS, tal como Staline tinha manifestado expressamente. Como estavam enredados num sistema onde o que pontificava nao eram os prindpios morais ou de soberania mas sim a disputa pelos mercados, as posi<;:6es estrategicas e o acesso as materias-primas, s6 mais tarde entenderam que tinham sido conduzidos claramente nessa direc<;:ao. Exemplo claro disto foi o apoio concedido pela China e pela URSS ao pan-africanismo e a legitima<;:ao da luta subversiva como metodo de contestar o colonialismo. A este respeito e perfeitamente lapidar o comentario de Jean Lacouture, celebre jornalista frances do Le Monde a respeito do papel dos paises afro-asiaticos nas estrategias dirimidas entre as grandes potencias na ONU, nomeadamente durante o desenrolar dos trabalhos da 15~ Sessao da Assembleia Geral das Na<;:6es Unidas, em Nova Iorque: " Il est juste que les etats faibles disposent, a l'egal des autres, d'une tribune et d'un recours public que puissent faire entendre leur voix ceux dont ni la production d'acier ni la situation strategique n'interessent les grands .. .il est pourtant dangereux pour les valeurs de culture d'ordre et d'equite que la revendication des droits soit confondue avec la soiÂŁ de revanche, la propagande avec l'histoire et la confiance en l'avenir avec la presomption"25

25 ZoRGBIBE,

Charles; Les Relations Intemationales, Ed. PUP, 3eme Edition, Paris, 1983,

pg. 161.

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E inserido neste quadro conceptual que, no rescaldo da Conferencia de Bandung, Salazar exprimiu num artigo no Foreign Affairs as premissas da posic;ao portuguesa sobre a teoria da auto-determinac;ao e da independencia dos povos, para a Africa e a Asia, em geral, e dos territ6rios da India Portuguesa em particular26: "Apart from the four or five independent states which are to be found in Africa, and apart from the Mediterranean seaboard of that continent where there is a movement to hasten the process of evolution toward a system of autonomous governments or associated independent states, it may be said that Africa lives and must continue for an unforeseeable time to live under the control and guidance of a civilized state. Notwithstanding the political experiments which Britain has recently promoted in limited areas, the major sections of Africa consist of territories which depend on European states and lack the conditions necessary for existence as independent, democratic nations." E precisando melhor a sua doutrina afirmava, no ano seguinte aos microfones da entao Emissora Nacional: " Urn dos ventos que dominantemente sopra no Mundo e o do anticolonialismo. Ele recusa a algumas potencias o direito de administrar e civilizar territ6rios nao limitrofes e vai ate negar os pr6prios beneficios da acc;ao colonizadora. 0 sovietismo tern a sua posic;ao tomada no problema por motivos que se ligam a estrategia da revoluc;ao comunista ou a expansao do imperio russo. Mas o movimento concilia o apoio de muitos outros a ele ligados pela invocac;ao de razoes hist6ricas ou pela influencia de vagas ideologias. Estes ultimos d eviam considerar se, em vez de libertac;oes generosas, nao estao nalguns casos a promover a penetrac;ao de influencias que buscam exactamente a linha de menor resistencia das independencias frageis [... ] Quanto a n6s, o caminho seguido define-se por urn a linha de integrac;ao num Estado unitario, formado de provincias dispersas e constituido de rac;as diferentes. Trata-se, se bem interpreto a nossa hist6ria, de uma tendencia secular, alimentada por uma forma peculiar de convivencia como os povos de outras rac;as e cores que descobrimos e a que levamos, corn a nossa organizac;ao administrativa, a cultura e a religiao comuns aos portugueses, os mesmos meios de acesso a civilizac;ao "27. Apesar de ter mantido publicamente ate ao fim do seu governo uma posic;ao obstinada (mas coerente) relativamente a politica de Portugal para os territ6rios do Ultramar - contrariando alias os "ventos da Hist6ria" - e tendo a consciencia que os apoios a presenc;a de Portugal em Africa e na Asia iriam 26 SALAZAR, Oliveira - Goa and the Indian Union: the portuguese view. Foreign Affairs. 0015-7120. 34:3 (Apr. 1956) pgs. 418-431. 27 SALAZAR, Oliveira, - Discursos e notas politicas, V- 1951-1958, Ed. Coimbra Editora, Coimbra, 1959, pgs. 415-444.

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escassear a medida que a Guerra Fria aumentasse de intensidade, Salazar acab aria por confidenciar a urn dos seus ministros: " Temos de ir para a independencia, mas sem ser corn prazos, sim, quando os africanos estiverem prontos para se governar, pois quando nos sairmos vai ser a luta inter-tribal e o derramamento de sangue."28 A solw;ao politica encontrada para os territ6rios Ultramarinos de Africa e de Timor, imposta pelo MFA ap6s a revolw;ao de 25 de Abril, em especial em Angola, viria em parte a dar razao a Salazar29. E no entanto incontorm1vel que face aos desenvolvimentos da politica internacional, nas decadas de 50 e 60, a politica do Estado Novo estava votada ao fracasso.

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A MALDI<;AO DOS RECURSOS NATURAIS A PROVA: OS CASOS DA NIGERIA E BOTSWANA

Marlene Bastos bastes. m a rlen e@ gm a il.com

Manuel Ennes Ferreira mferei ra@ iseg . uti. pt


A MALDIC::AO DOS RECURSOS NATURAIS A PROVA: OS CASOS DA NIGERIA E BOTSWANA

Marlene Bastos ' Manuel Ennes Ferreira ••

Resumo: A analise da ' m aldi<;:ao dos recursos naturais' chama a aten<;:ao para a influencia negativa que as materias-primas, nomeadam ente minerais, podem ter no desenvolvimento econ6mico, social e politico de um p ais, bem como na sua estabilidade interna. Embora nao se trate de uma rela<;:ao linear, a evidencia da Africa Subsaariana parece dar-lhe argumentos . Porem, dois casos diferentes encontramos nesta regiao: por um lado, a Nigeria, exportador de petr6leo; por outro, o Botswana, exportador de diamantes. Favoravel ao segundo estao o melhor desempenho econ6mico e a maior estabilidade politica. Factores diversos explicam as suas traject6rias. Abstract: The 'resource curse' analysis highlights the negative influence that natural resources, namely minerals, might have on a country's economic, political and social development, as well as on domestic stabili ty. Truly, it is not a linear relationship, although Sub-Saharan Africa seems to fit in that idea. Yet, two different case studies might be presented: on one hand, Nigeria, an oil exporter country; on the other hand, Botswana, a diamond producer. The latter has achieved a better economic performance and political stability as well. Several factors explain the paths of both contries.

* Licenciada em Economia e Mestre em Desenvolvimento e Coopera<;:ao Internacional, ISEG/UTL. '' Professor do Departamento de Economia do ISEG/UTL e Doutorado em Economia pelo ISEG/UTL.

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Marlene Bastos, Manuel Ennes Ferreira

Palavras-chave: Recursos Naturais; Economia Politica; Desenvolvimento Economico e Social; Nigeria; Botswana.

Key Words: Natural Resurces; Political Economy; Social and economic development; N igeria; Botswana.

Introdw;ao Cinquenta anos depois do inicio do processo de independencia dos paises da Africa Subsaariana, o desempenho econ6mico, social e politico da esmagadora maioria dos paises que a constituem, quer em termos absolutos quer em termos relativos quando comparado com as outras regioes dos paises em desenvolvimento, ficou aqw:'m das expectativas e necessidades. Varias explica<;6es tem sido apresentadas. No que diz respeito a analise econ6mica, a constata<;ao da mam..Iten<;ao de uma estrutura econ6mica baseada na produ<;ao e exporta<;ao de materias-primas, herdada do tempo colonial, chamou rapidamente a aten<;ao para a importancia da diversifica<;ao das actividades econ6micas. Contudo, uma analise mais cuidada evidencia um factor perturbador: os paises que detem uma industria extractiva significativa em importancia das suas exporta<;6es, do PIB ou das receitas fiscais do pais, sao aqueles que apresentam maiores problemas em diversificar, em garantir a estabilidade politica, combater a corrup<;ao ou garantir o curnprimento dos prindpios democraticos. A 'maldi<;ao dos recursos naturais' aparece neste quadro. Na Africa Subsaariana, embora poucos, alguns casos parecem contradizer aquela rela<;ao. 0 objectivo deste artigo e, a partir de dois casos considerados paradigmaticos desta discussao, a Nigeria (produtora de petroleo) e o Botswana (produtor de diamantes), apresentar alguns elementos que possam contribuir para esclarecer a inevitabilidade, qual determinismo hist6rico, ou nao, da 'maldi<;ao dos recursos naturais'. Para tanto, a estrutura do artigo come<;ara por destacar os principais aspectos cobertos pela literatura sobre a 'maldi<;ao dos recursos naturais', seguindo-se a aprsenta<;ao dos casos da Nigeria e do Botswana. Numa terceira parte comparar-se-ao os dois paises para que se evidenciem as diferen<;as de traject6ria e desempenho. 0 artigo finalizara com as p rincipais conclus6es a reter deste estudo comparativo. A Maldi\ao dos Recursos Naturais A ideia de que imensos recursos naturais poderiam condicionar o desenvolvimento de um pais, indo bem para alem da sua influencia negativa sobre o crescimento econ6mico, encontra em Auty (1993) um dos primeiros autores. A sua proposta da 'maldi<;ao dos recursos naturais' come<;ava, de forma mais 152

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sistematica, a entrar na agenda de investiga<;ao A partir dai, estudos mais globais sobre o 'paradoxo da abundancia', destacando em particular o papel do petr6leo (Karl, 1997), corn especial enfase na abordagem pela economia politica, vao-se sucedendo (Ross, 1999). A primeira aten<;ao dos estudos centrou-se nos efeitos econ6micos. 0 destaque foi para as consequencias do desenvolvimento do sector extractivo em prejuizo das restantes actividades econ6micas, que a literatura econ6mica apelida de Dutch Disease. A continua<;ao dos estudos de caso fizeram sobressair outras quest6es ainda ao nivel econ6mico mas tambem social: o agravamento na desigualdade da distribui<;ao do rendimento, o agravamento dos niveis de pobreza (Ross, 2003), ou ainda a aplica<;ao de modelos de rent-seeking (por exemplo, Collier and Hoeffler, 2005). Do econ6mico e do social para as quest6es politicas foi urn passo, corn especial enfase para a instabilidade politica fortemente propiciadora de condi<;6es para o eclodir de guerras civis (Collier, 2000; Herbst, 2000); Ross, 2004)1, para os elevados niveis de corrup<;ao, a ma governa<;ao, 0 atropelo dos prindpios democraticos ou ainda a paz e a seguran<;a (Myers, 2005). Em Basedau (2005), Basedau and Mehler (2005), Humphreys (2005) ou Rosser (2006) poder-se-a encontrar uma sintese da literatura sobre estes varios aspectos. As areas potencialmente afectadas pela maldi<;ao dos recursos naturais podem ser agrupadas, para simplicidade de apresenta<;ao, nas seguintes areas: desenvolvimento socio-econ6mico; governance e institui<;6es; democracia e direitos humanos; e paz e seguran<;a2 . De seguida apresentar-se-ao os canais de transmissao da maldi<;ao dos recursos naturais que afectam cada uma destas areas de forma directa e indirecta.

Desenvolvimento socio-economico A abundancia de recursos naturais conduz, em muitas circunstancias, ao declinio de outras fontes de desenvolvimento de urn pais. Uma dessas formas e o crowding out do capital humano pelo capital natural, uma vez que o padrao de especializa<;ao das economias ricas em recursos naturais muitas vezes as leva a descurarem o desenvolvimento dos seus recursos humanos. Estas economias tendem a evidenciar o predominio de actividades agricolas e mineiras, empregadoras de mao-de-obra pouco qualificada e geradoras de reduzidas externalidades positivas. Assim, o fraco nivel de diversifica<;ao das economias produtoras de recursos remete para situa<;6es de dependencia das receitas extractivas e consequente vulnerabilidade macroecon6mica. A exposi<;ao a ciclos econ6micos, associada a menor elasticidade da procura dos recursos naturais face aos l 2

Ver ainda Bannon and Collier (2003a). Para esta parte seguir-se-a de perto Basedau (2005) e Basedau and Lay (2005a).

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Marlene Bastos, Manuel Ennes Ferreira

bens industriais e ao comportamento extremamente volatil dos prec;:os das materias-primas no mercado internacional, h'!m contribuido para o declinio do prec;:o relativo das exportac;:oes dos recursos naturais destas economias. Um outro mecanismo de transmissao da maldic;:ao dos recursos naturais ea chamada Dutch Disease, isto e, o efeito de apreciac;:ao na moeda nacional que normalmente acompanha o boom nos prec;:os dos recursos naturais, e que reduz a competitividade da ind{tstria e do sector de bens transaccionaveis. Os exemplos na Africa Subsaariana sao varios. Refira-se a titulo ilustrativo e como um dos mais recentes, o efeito destruidor da actividade petrolifera sobre a produc;:ao de cacau na Guine-Equatorial. Tambem a capacidade de resposta dos governos aos ciclos dos prec;:os dos recursos naturais e a conduc;:ao de politicas adequadas e determinante para o desenvolvimento de um pais. Evidencia empirica sugere que, em muitos paises, a resposta dos governos em periodos de boom de prec;:os dos produtos extractivos acaba por resultar num excessivo investimento publico com vista a criac;:ao de emprego, em mega projectos onerosos e de discutivel viabilidade econ6mica, apelidados de "elefantes brancos", ou ate na promoc;:ao de politicas de substituic;:ao das importac;:oes e de subsidios a outros sectores da economia, como um fim em si mesmos. 0 exemplo da Nigeria, ao longo dos anos 70 e 80 e paradigmatico. Estas politicas revelam-se especialmente danosas em periodos de quedas dos prec;:os dos recursos naturais, em que os governos n ao podem cessar imediatamente os investimentos iniciados, tendo para o efeito de contrair nova divida, do que resulta um endividamento externa bastante elevado.

Governance, instituic;:oes e tent-seeking A qualidade das instituic;:oes e governance sao identificadas como canais importantes para a materializac;:ao da maldic;:ao dos recursos. A riqueza gerada pelos recursos resulta, em muitos casos, na emergencia de um Estado rendeiro que procura apropriar-se das receitas extractivas. Fen6menos como a elevada corrupc;:ao, clientelismo e um quadro institucional fraco estao associados as teorias de rent-seeking e economias/Estados rendeiros. Em paises muito dependentes da actividade extractiva, o Estado, ao apropriar-se de parte significativa destas receitas, cessa com a sua func;:ao fiscal sobre os cidadaos, marcando assim uma distancia em relac;:ao a populac;:ao, que 0 deixa livre da avaliac;:ao de desempenho a que os governos sao habitualmente sujeitos. Uma vez que as rendas extractivas nao sao transferidas directamente para o Estado (e elites associadas), recorrendo antes a mecanismos indirectos como subsidios, restric;:oes ao comercio ou criac;:ao de cargos publicos, o Estado fica alheado das actividades efectivamente produtivas, o que introduz um elevado nivel de ineficiencia na economia. Para alem disso, em muitos casos, as

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rendas sao utilizadas na repressao a qualquer movimento de oposi<;:ao, semeando a disc6rdia no pais. Que variaveis podem afectar a qualidade das institui<;:6es? 0 legado hist6rico na extrac<;:ao dos recursos aparece como urn aspecto importante e materializa-se quando muitos paises, ap6s a independencia, mantem as institui<;6es actuando numa 16gica extractiva. A resistencia por parte das novas elites a mudan<;as institucionais e frequente, uma vez que estas podem reduzir as rendas que conseguem extrair dos recursos naturais. Sala-i路-Martin e Subramanian (2003) demonstram, no seu estudo cross-country, que os recursos naturais tern urn impacto negativo no crescimento econ6mico por via do seu efeito corrosivo na qualidade das institui<;:6es, fazendo notar que o impacto dos diferentes recursos naturais na qualidade das institui<;:6es pode variar significativamente. Segundo as teorias do rent seeking e o lobbying pela afecta<;ao das rendas extractivas que conduz a deteriora<;:ao da estrutura institucionaL Contudo, uma vez controladas as institui<;:6es e assegurado o seu funcionamento em prol do desenvolvimento do pais, os recursos naturais podem ter urn impacto positivo no crescimento econ6mico. Por outro lado, nao e apenas o tipo do recurso natural que importa, mas tambem a sua abundancia. A ideia que prevalece e que quanto maior seja a sua importancia maior e 0 grau de deteriora<;:ao da qualidade institucionaL

Democracia e direitos humanos

Os efeitos adversos dos recursos naturais nos direitos humanos e nas perspectivas da democracia constituem outro aspecto importante. Baseando-se nos trabalhos de Michael Ross, Basedau (2005) distingue tres tipos diferentes de efeitos: o efeito de moderniza<;ao, o efeito rendeiro eo efeito repressivo. 0 efeito de moderniza<;:ao envolve urn n-Ltmero de mudan<;:as sociais, normalmente fruto do processo de industrializa<;:ao e que sao as grandes responsaveis pelos constitui<;ao de processos democraticos. Assim, alguns Estados rendeiros embora conseguindo produzir riqueza (pelo menos numa fase inicial) nao conseguem desencadear o processo de mudan<;a social e cultural necessaria a constitui<;ao de urn regime democratico, ja que a fonte potencial de riqueza esta confinada a urn pequeno grupo de individuos. A forma<;:ao do capital social capaz de garantir a monitoriza<;:ao e avalia<;:ao das autoridades governativas e funcionar como contra-poder, sendo fundamental para a constitui<;:ao de democracias e para a promo<;:ao e respeito dos direitos humanos, e, por aquelas elites, desincentivada. 0 efeito rendeiro esta associado as teorias do rent-seeking de que se falou atras, ao mesmo tempo que os cidadaos se sentem pouco representados pelo Estado e quase desvinculados deste sempre que os

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Marlene Bastes, Manuel Ennes Ferreira

deixa de tributar. Finalmente, o efeito repressivo esta associado a estas teorias, podendo ser vista como uma consequencia das mesmas. Numa perspectiva pessimista, Friedman (2006), prop6e mesmo a existencia de uma lei, a 1~ Lei da Petropolitica, segundo a qual nos Estados ricos em petr6leo o pre<;:o do petr6leo e a traject6ria da liberdade movem-se sempre em direc<;:6es opostas. Assim, quanta mais alto o pre<;:o d este recurso, mais esvaziados ficam as liberdades dvicas, as elei<;:6es livres, a independencia do poder judicial, o Estado de direito e a independencia dos partidos politicos. Por outro lado, os governos de paises abundantes em recursos tendem a despender parte substancial das receitas extractivas em grandes aparatos de seguran<;:a os quais, em muitos dos casos, constituem a resposta a inquieta<;:ao social gerada pelos pr6prios recursos: pobreza e desigualdade. Se estes ultimos alimentam muitas das vezes conflitos mais intensos como sejam as guerras civis, a ma gestao e a apropria<;:ao privada das rendas dos recursos naturais pode acelerar aqueles fen6menos. E nao apenas criando desigualdade vertical mas igualmente desigualdade horizontal, corn regioes e grupos etnicos sentindo-se marginaliza dos das oportunidades de d ese nvolvimento no pais (Stewart, 2000 e Crame1~ 2005). Uma vez que esta apropria<;:ao indevida dos recursos naturais pode gerar surtos de violencia, as perspectivas da democracia e o respeito pelos direitos humanos sofrem um reves. E bastante provavel que a adop<;:ao de uma nova resposta repressiva por parte do governo fa<;:a diminuir o nivel de seguran<;:a humana, no seu sentido lato, remetendo para uma espiral negativa que afectara, de forma substancial, as perspectivas democraticas. Por outro lado, dada a importancia estrategica dos recursos naturais, todo 0 quadro anterior e igualmente influenciado pelas pressoes externas. Em certos casos isto pode, inclusivamente, materializar-se na disputa externa pelos recursos naturais de um pais, acentuando o conflito, justificando ate menores press6es politicas pr6-democraticas e a uma deteriora<;:ao dos direitos humanos.

Paz e

seguran~a

Muita da literatura sabre a 'maldi<;:ao dos recursos naturais' lida com as motiva<;:6es econ6micas e politicas em torno do acesso e distribui<;:ao dos beneficios associados aqueles recursos. Centrada nos conceitos de "greed and grievance", a agenda de investiga<;:ao come<;:ou por se estruturar em torno dos interesses econ6micos (os contributos de Collier devem ser real<;:ados) para, num segundo momento, passar a incluir quest6es de natureza politica, social, etnica ou regional. Um dos resultados possiveis de ocon路er era a guerra civil ou mesmo a guerra inter-Estados eo m a apropriac;:ao dos recurs os naturais como principal

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rnotiva<;;ao. A este prop6sito, Collier e Hoeffler (2001) dernonstrararn que a abundancia de recursos naturais aurnenta a probabilidade de urn conflito civil nurn pais. A probabilidade de urn pais sern recursos naturais experirnentar urn conflito e de 0.5%, rnas quando os recursos naturais representarn 26% do PIB dornestico a probabilidade aurnenta para 23%. Fen6rnenos de grievance ernergern quando deterrninados segrnentos da popula<;;ao ou regioes se sentern privados dos beneficios e riqueza gerados pela explora<;;ao dos recursos, ou excluidos/rnarginalizados por quest5es de ordern etnica, hist6rico-cultural, religiosa ou regional. Ja a situa<;;ao de greed respeita essencialrnente a urn fen6rneno de cobi<;;a e avareza tanto por parte de actores dornesticos corno de operadores externos. A riqueza gerada pelos recursos naturais e o poder associado (sobretudo quando se tratarn de recursos naturais de elevada irnportancia estrategica) estirnularn cornportarnentos de cobi<;;a/ /avareza. As pretens5es secessionistas podern acelerar-se ernbora neste caso seja de cariz artificial ja que o acesso aos recursos naturais e a sua principal rnotiva<;;ao. Mas corno Basedau (2005) tarnbern faz notar, nao bastarn rnotivos para que os conflitos surjarn. Sao necessarios tarnbern os rneios e oportunidades. A forrna<;;ao e rnanuten<;;ao de grupos rebeldes armadas sao dispendiosas e podern ser financiadas pelas elevadas receitas extractivas. Mas para que os rneios cheguern ate estes paises e necessaria urn enquadrarnento internacional que facilite o cornercio de arrnas e gene路os. E precisarnente porque rnuito destes paises estao na presen<;;a de urn quadro institucional fraco, 0 seu trafico e potenciado. A pilhagern e a explora<;;ao tarnbern sao rnais ou rnenos facilitadas dependendo da exigencia de rnuito ou pouco know how ou infra-estruturas cornplexas, facilidade de transporte (corno e 0 caso dos diarnantes), rnaior ou men or grau de protec<;;ao a ataques rebel des (o caso das infra-estruturas petroliferas onshore) ou ainda a sua localiza<;;ao geografica (ern area rernotas ou perto das grandes cidades) e concentra<;;ao (existencia do recurso natural ern varios pantos do pais) (Le Billon, 2000, 2001 e 2007).

Nigeria: barril sem 拢undo A Nigeria, antiga col6nia inglesa, tornou-se independente ern 1960 e esta localizada na Africa Central, no Golfo da Guine. E frequenternente apresentada coma urn dos casos ern que a rnaldi<;;ao dos recursos naturais torna uma expressao rnais contundente. Ernbora dispondo de elevadas reservas de petr6leo - sendo o 11 Q rnaior produtor de petr6leo a nivel rnundial - o pais situ a-se entre as 15 na<;;6es rnais pobres do rnundo. Nurn pais populoso corno e o caso da Nigeria, ascendendo a 141,36 milh5es de habitantes ern 2005, a taxa anual de crescirnento do PIB per capita

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Marlene Bastos, Manue l Ennes Ferreira

apresenta uma tendencia for tem ente negativa, acu sando um decrescimo de -0,1% no periodo 1975-2005 e um magro crescimento de 0,8% no periodo 1990-2005 (UNDP, 2007/2008) . Tambem em termos de Paridade de Poder de Compra (PPC), o PIB per capita evidencia uma evolw;ao negativa, em termos reais, ja que de 1.113 d6lares em 1970 passou para 1.084 d 6lares em 2000 e 1.128 d6lares em 2005. 0 cenario ainda se torna mais negro se olharmos para a taxa de pob reza, onde o n{unero de pessoas a viver corn menos de um d6lar por dia aumentou de aproximadamente 36% em 1970 para perto de 70% em 2000 (o correspondente a um aumento do n{mwro de pobres de 19 milhoes para 90 milhoes, respectivamente). Assim, a assimetria social conheceu um agravamento substancial no periodo, cam os 2% m ais ricos a deter o mesmo rendimento que os 55% mais pobres em 2000, que compara corn uma rela ~ao de 2% para 17% em 1970, respectivamente (Sala-i-Martin e Subramanian, 2003, pp. 4). Finalmente, a Nigeria e classificada pela UNOP3 coma um pais de indice de desenvolvimento humano baixo, cujo valor em 2005 era de 0,47, situando-se abaixo da media de 0,49 da Africa Subsariana. Os mecanismos de transmissao da maldi~ao dos recursos naturais na Nigeria podem ser identificados a quatro niveis: (i) fraca qualidade das institui~oes e bad governance estreitamente associado a deteo;ao d e praticas de rentseeking e co rrup~ao; (ii) sobredependencia do petr6leo e exposi\'ao a volatilidade do pre ~o do mesmo nos m ercados internacionais, cam consequencias adversas no crescimento do pais; (iii) deficiente gestao publica; (iv) vulnerabilidade ao efeito da Dutch Disease; (v) fen6menos de greed and grievance, a primeira es treitamente associada as praticas correntes de ren t seeking, a segunda particularmente ligada a desigualdade horizontal, d e cariz regional (Stewart, 2000); (vi) uma democracia recente e deficiente e o desrespeito pelos direitos humanos.

Fracas instituic;oes e bad governance A Nigeria e m:n caso paradigmatico em que a abundancia de recursos naturais esteve e esta associada a corrup c;ao sistemica e a um quadro institucional fraco. Sucessivas ditaduras militares visando a extrac~ao de receitas petroliferas e in{nneras hist6rias de transferencias de rendas para fora da Nigeria remetem para bad governance, praticas de rent seeking e elevados indices de corru pc;ao no pais. Sala-i-Martin e Subramanian (2003, pp. 15) estimam que o crescimento econ6mico da Nigeria tenha sido reduzido em cerea de 0,5% ao ano por via do m.ecanismo da fraca qualidade institucional.

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UNDP (2007/ 2008).

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A tensiio existente entre restituir as receitas as zonas de origem, dar resposta as exigencias de redistribui<;ao, de forma a assegurar niveis de servi<;o publico aceitaveis as regioes mais pobres, e ao mesmo tempo garantir ao governo e as elites a apropria<;ao de rendas extractivas, tem estado na origem de movimentos secessionistas. 0 sistema de distribui<;ao das receitas petroliferas sofre, ainda hoje, de falta de transparencia e rigor, o que alimenta um clima de duvida e desconfian<;a crescente entre a Federa<;ao e as regioes constituintes (Ahmad e Singh, 2003, pp. 9-22). Os problemas que a Nigeria enfrenta ao nivel da governa<;ao sao evidentes na classifica<;ao obtida pelo Ibrahim Index of African Governance 2007, ocupando, num conjunto de 48 paises Africanos, a 37" posi<;ao. Tambem no controlo a corrup<;ao o pais apresenta uma fraca pontua<;ao - o Corruption Perceptions Index 2007 classificava a Nigeria na 147" posi<;ao num ranlcing de 179 paises.

ExposiÂŤ;ao aos ciclos do preÂŤ;o do petr6Ieo A descoberta de petroleo na Nigeria, em 1965, apos a independencia, e identificada como um factor determinante para o quadro de deteriora<;ao economica e social que o pais conheceu desde entao. A elevada dependencia da Nigeria face as receitas petroliferas, representando cerea de 96% das exporta<;6es totais do pais, parece estar na base da evolu<;ao negativa. Parece assim evidente que a Nigeria nao pode apoiar-se apenas na industria petrolifera para reverter o cenario socio-economico negativo em que se encontra (Myers, 2005, pp. 2-3). Da elevada dependencia das receitas petroliferas e da deficiente gestao das mesmas, resulta uma grande vulnerabilidade dos gastos publicos a volatilidade do pre<;o do petroleo. Periodos de quedas nos pre<;os da commodity sao habitualmente seguidos de quebras na presta<;ao de servi<;os ptlblicos essenciais a subsistencia e dignidade das popula<;oes das regioes. Como a quebra dos gastos publicos nao e imediata a descida do pre<;o do petroleo nos mercados internacionais, a divida publica externa tende a conhecer um agravamento significativo nestes periodos. No caso da Nigeria esta realidade e denunciada pelas oscila<;oes no racio do servi<;os da divida face as exporta<;6es de bens e servi<;os que passou de um valor de 4% em 1980 (logo apos as duas crises petroliferas) para 21,9% em 1989, cifrando-se em 15,8'){, em 2005 4 .

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UNDP (1997, 1992, 2007, 2008).

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Ma rlene Bastos, Manuel Ennes Ferreira

Como Myers (2005, pp. 4) faz notar, produtores corn maior rendimento por habitante tern mais receitas para suportar o investimento ptlblico ao Iongo do ciclo de pre<;os do petr6leo e assim promover o desenvolvimento socio-econ6mico. Por outro lado, da fraca base tributaria associada a pratica do rent-seeking (Estado rendeiro) decorrem problemas de fraca monitoriza<;ao e avalia<;ao da fun<;ao governativa.

Deficiente gestao publica A Nigeria conheceu uma significativa acumula<;ao de capital no periodo 1973-1980, que mediou os dois maiores choques petroliferos- tendo o stock de capital crescido a uma media de 14% ao ano. Uma parte substancial deste aumento foi gerada por investimento publico, por sua vez financiado por receitas petroliferas. Sala-i-Martin e Subramanian (2003 pp. 13-15) referem que entre a decada de 60 e o inicio dos anos 80 o p eso do sector publico na forma<;:ao de capital havia aumentado de 20% p ara 55%. A subida no nivel do investimento ptlblico nao seria preocupante se a qualidade do mesmo se revelasse elevada, o que nao foi o caso, sendo permeado por inumeros mega projectos improdutivos ("elefantes brancos"). As taxas de utiliza<;ao de capacidade instalada na industria, que em 1975 se situavam em tomo de 70%, cairam rapidamente para 50% em 1983 e para 35% a 40% nos anos mais recentes.

Dutch Disease e reduzida

diversifica~ao

Em relac;ao a exposic;ao da Nigeria ao terceiro canal de transmissao da maldi<;ao - a Dutch Disease - as opinioes divergem. Embora haja evidencia empirica de urn aumento dos prec;os dos produtos agricolas no p6s-primeiro choque petrolifero, Sala-i-Martin e Subramanian (2003, pp. 15-16) identifica a maior oferta de emprego nas zonais urbanas como causa para a redu<;ao da forc;a !aboral agricola e tambem da produc;ao agricola, gerando urn aumento dos prec;os. Mas o que e facto e que o peso do sector Agricola no PIB declinou de 68% em 1965 para 35% em 1981, periodo este marcado p ela descoberta de petr6leo no pais. Outro aspecto que os autores salientam e o peso do sector industrial que se manteve em tendencia decrescente no PIB mesmo ap6s os anos 80, quando os prec;os relativos dos produtos industriais conheceram uma evoluc;ao favoravel. Referem ainda que a apreciac;ao da Naira em periodos em que as receitas petroliferas estavam em qu eda se deveu a tentativa, por parte das elites, de angariar rendas atraves do mercado negro cmnbiat admitindo assim a sujeic;ao da politica cambial a interesses rendeiros. 160

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A Maldi<;ao dos Recursos Naturais

a Prova:

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Greed and grievance

A hist6ria politica da Nigeria tem sido marcada pela luta pelo controlo das receitas do ouro negro. A guerra da Biafra nos anos 60 (1967-70) marcou um movimento secessionista em que a regiao do Ibo, situada a Leste, tentou apropriar-se das reservas petroliferas. Tambem a constrw;:ao do complexo de Ajakouta, aquando dos choques petroliferos, coincidiu com um periodo em que o Norte se tentava apropriar das receitas petroliferas e que, por intermedio deste mega projecto, visava a sua legitimac;ao politica. 0 conflito no delta do rio Niger que irrompeu abertamente no inicio dos anos 90, mostra bem as crescentes tens6es entre as empresas petroliferas ali instaladas e os diversos grupos etnicos instalados na regiao. As disputas secessionistas que se mantem na regiao do delta do rio Niger apontam essencialmente para fenomenos de grievance. Tratando-se de uma zona densamente povoada, as populac;oes locais sentem-se privadas dos beneficios e riqueza petroliferos que os poderiam tirar das situac;oes de extrema pobreza em que vivem, tendo porem de suportar os elevados custos ecol6gicos associados a actividade de extracc;ao petrolifera na regiao. Dai a subversao e a obstruc;ao das actividades petroliferas conduzidas pelas empresas transnacionais, acc;5es estas a que foi dado o nome, na literatura academica, de petroviolence (Omeje, 2006, pp.477). Democracia recente e deficiente

A inquietac;ao etnica e politica agravou-se na decada de 90 e persiste actualmente, nao obstante o pais ter-se convertido numa democracia no final da decada de 90. As eleic;oes que trouxeram o governo de Obasanjo ao poder em 1999, e depois novamente em 2003, embora enquadradas num regime democratico, nao usufruiram da liberdade e justic;a caracteristica a um processo desta natureza. 0 processo eleitoral esteve sujeito a toda a especie de press6es e abusos, inclusive violencia. Como Omeje (2006, pp. 478-479) faz notar, o Estado nigeriano foi incapaz de desenvolver uma estrategia coerente e construtiva de gestao dos recursos petroliferos e das externalidades negativas associadas, bem como de redistribuic;ao das receitas petroliferas pelas populac;oes, nomeadamente a nivel regional com particular destaque para a zona Delta do Niger. Confrontadas com a escalada na petro-violencia e a inabilidade do Estado nigeriano para responder as maiores necessidades de seguranc;as e ao desafio do desenvolvi-

s Segundo a Agencia Internacional de Energia em Maio 2008 a Nigeria experimentava uma paragem de prodw;ao de cerea de 600 mil barris por dia devido a conflitos na zona da delta do Niger. A produc;ao de p etr6leo nacional no referido mes cifrou-se em 1,90 milhoes de barris por dia Lusiada. Politica Internacional e Seguran<;a, n째 1 (2008)

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menta social e economico regional que se impoe, as companhias petroliferas estao a desenvolver programas que visam assegurar a sua propria seguran~a mas tambem dar resposta ao desenvolvimento das comunidades locais, par forma a dissipar os fenomenos de grievance locais e a violencia associada. No entanto, as solu~oes apresentadas pela industria petrolifera ate a data revelam-se insuficientes perante a magnitude de pobreza existente, tendendo a dar prioridade as questoes de responsabilidade social sabre as de natureza ambiental (Omeje 2006, pp. 494-495).

Botswana: os diamantes nao sao eternos Segundo a ma ldi~ao dos recursos naturais, economias abundantes em recursos naturais tendem a evidenciar um crescimento economico e indices de desenvolvimento humano mais baixos do que economias escassas em recursos naturais6. 0 Botswana e usualmente apontado no rol das excep~oes. Tambem este uma antiga colonia inglesa, tornou-se independente em 1966 e situa-se na Africa Austral.

PIB per capita e IDH acima da media da Africa Subsaariana Aquando da sua independencia, o Botswana era tao p obre como a maioria dos paises africanos, apresentando urn PIB per capita de 100 dolares, con stituindo, p01路em, urn dos paises mais ricos em recursos naturais a nivel mundial. Era urn pais essencialmente agricola, dotado de infra-estruturas rudimentares, corn falta de agua e que dependia das verbas financeiras concedidas pelo governo britanico para cobrir as necessidades do seu or~amento COlTente. Quando aqueles deixaram o pais, este tinha 12 quilometros de estrada alcatroada, 22 licenciados universitarios e 100 jovens que haviam terminado o ensino secundario (Acemoglu et. Al, 2002, pp. 1). Contudo, a taxa de crescimento media anual do pais registou niveis invejaveis, nomeadamente quando comparados corn a Africa Subsariana: entre 1965-80 a lcan~ou 9,9% e entre 1990-2005 os 4,8% . Em 2005, o Botswana tinha urn PIB PPC per capita de 12.387 dolares, o correspondente a seis vezes a media africana. Tendo sido ate 1994 urn Pais Menos Avan~ado (PMA), foi o primeiro

6 Sachs, J., and A. Warner. "Natural Resource Abundance and Economic Growth" in G. Meier and J. Rauch (eds.), Leading Issues in Economic Development, New York: Oxford University Press. 1995; in Basedau (2005).

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A Maldi<;:ao dos Recursos Naturais

a Prova:

os Casos da Nigeria e Botswana, pp. 149-178

pais a ser graduado a partir daquela classifica<;:ao, assumindo o estatuto de pais de rendimento medio 7 . Corn uma popula<;:ao em torno de 1,84 milhoes de pessoas, o Botswana apresentava urn indice de desenvolvimento humano (IDH) medio segundo a classifica<;:ao da UNOP8, acima da media dos paises da Africa Subsaariana (muitos deles igualmente abundantes em recursos naturais). A analise a evolu<;:ao do indice sugere uma melhoria significativa ate ao inicio da decada de 90 (0,674 em 1990), pautando-se por urn moderado retrocesso no periodo que se segue, para urn valor de 0,654 em 2005. A analise dos componentes do IDH pennite observar que a diferen<;:a de ranking em termos de FIB e de IDH se tern vindo a agravar, facto que evidencia uma evolu<;:ao menos favoravel nas outras componentes do indice, em particular na esperan<;:a de vida a nascen<;:a, que em 2005, se situava nos 48,1 anos de idade face a uma media de 49,6 anos na Africa Subsaariana. A baixa esperan<;:a de vida a nascen<;:a que se observa no pais parece estar associada a problemas de sa1ide e, em particular, no que diz respeito a elevada incidencia do HIV- SIDA: em 2005 representava 24,1% da populac;ao corn idades compreendidas entre os 15 e os 49 anos9. 0 pais apresenta tambem uma elevada taxa de mortalidade infantil abaixo dos 5 anos, num nkio de 110 por cada 1000 em 2002, face a uma media de 174 por cada 1000 na Africa Subsaarianalo. No dominio das politicas publicas, ea par dos problemas corn uma elevada incidencia de SIDA, o pais enfrenta tambem dificuldades em materia redistributiva, pois embora evidenciando elevadas taxas de crescimento econ6mico, a desigualdade social tern-se mantido elevada. Assim, segundo o UNDP (2007/8), os 20% mais ricos da popula<;:ao total representavam, em 1993, 65,1% do rendimento/consumo total, correspondente a urn indice de Gini de 60,511. 0 mesmo rela t6rio refere que no periodo 1990-20051 2, 55% da popula<;:ao total vivia corn menos de 2 d6lares por dia.

7 Sobre este tema ve 1~ por exemplo, UNCTAD (2001; 2002). Recentemente, Cabo Verde tornou-se o segundo pais a ser gradu ado a partir daquele estatuto. A este prop6sito ver Encontre (2004), Rep. Cap Vert (2006) ou Fialho (2007). s UNDP (2007/2008) 9 UNAIDS (2007) IO World Bank (2005). 11 Um valor igual a 0 representa a igualdade perfeita e um valor igual a 100 a desigualdade perfeita. 12 Os dados referem-se ao ano mais recente disponivel durante o periodo especificado.

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Crowding Out e reduzida

diversifica~ao

econ6mica

Segundo o World Integrated TI-ade Solution (WITS), o Botswana e o 18Qmaior exportador de recursos naturais, numa amostra de 161 paises. A actividade mineira tern contribuido para cerea de 40% do PIB domestico, corn especial relevancia para os diamantes (embora o pais detenha outros recurs os como niquel, cobre e ouro, entre outros), o que ~videncia urn nivel de diversifica<;ao ainda aquem do que seria desejavel para urn cenario de crescimento sustentavel (Iimi, 2006, pp. 6-7). As exporta<;6es de diamantes representavam, em 2002, cerea de 82% das exporta<;6es totais, apontando para a dependencia deste recurso, sendo que nos ultimos dez anos a media foi de 75% do valor das exporta~6es totais (Basdevant, 2008, p. 3). Ainda assim, o pais tern conseguido ultrapassar as crises associadas a sua dependencia economica dos sectores da p ecuaria e dos diamantes, mediante a constitui~ao de reservas, facto so possivel gra<;as aos superavites nas balan<;as de transac~6es correntes e as significativas entradas na conta de capital B. A natureza fortemente capital intensiva da actividade mineira limita a oferta de oportunidades de emprego, pelo que embora responsavel par 40% do PIB o sector mineiro apenas gera 4% do emprego total da economia. 0 investimento demasiado espedfico e capital intensivo no sector primario restringe as externalidades positivas para a economia, seja sob a forma de learning by doing ou na dinamiza<;ao do mercado laboral domestico, o que e tipico de uma situa~ao de 'm aldi~ao dos recursos naturais'. 0 crescimento economico do Botswana parece mais relacionado corn uma acumula<;ao de capital do que corn a melhoria nos niveis de produtividade ou o crescimento no emprego (Iimi, 2006, pp. 7-8). Uma questao interessante a analisar e se o Botswana foi afectado por urn outro canal de transmissao da maldi<;ao - a Dutch Disease. Para esta materia parece nao haver urn consenso, uma vez que o facto do ' pula', moeda nacional, se manter, desde 1980, indexado a urn cabaz de moedas, dominado pelo rand Sui Africano, torna mais dificil apurar o que esta por detras das oscila<;6es no valor relativo da moeda (ver Hope (2000, pp. 213-214) e Iimi (2006, pp. 9)). Embora o Botswana evidencie crescimento economico e indices de desenvolvimento humano satisfatorios, padece igualmente dos efeitos de alguns dos canais de transmissao da maldi<;ao dos recursos naturais, como atras se refere. Mas o que permite ao pais gozar de uma situ a~ao mais favoravel do que noutros paises africanos abundantes em recursos naturais? 13 A r<ipida e bem sucedida resposta por parte do Gove rno ao breve colapso das exporta.;;iies de diamantes em 1981-82, e indicativa da sua capacidade reagir perante mudan.;;as externas (Rakner, 1996, pp. 15).

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A

Maldi~ao

Institui~oes

dos Recursos Naturais

a Prova:

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solidas

Como Iimi (2006, pp. 9-10) faz notar, o percurso de crescimento solido do Botswana foi suportado por urn quadro de institui<;:6es s6lidas e pela pratica de good governance. A s6lida estrutura institucional do Botswana, sobretudo na area da propriedade privada, tern as suas origens: (i) nas institui<;:6es politicas do p eriodo pre-colonial (institui<;:6es tribais, que encorajavam a participa<;:ao e colocavam limita<;:6es as elites politicas); (ii) no limitado colonialismo Britanico (o estatuto de protectorado); (iii) numa forte lideran<;:a politica desde a independencia e no claro interesse das elites do pais em refor<;:ar os poderes dessas mesmas institui<;:6es. Por sua vez, Rakner (1996, pp. 8) destaca o facto de se assistir a ausencia de urn enviesamento urbano nas politicas do Botswana a data da independencia e a existencia de urn sector agricola que corporiza uma elite econ6mica e politica. Tambem Acemoglu et. al. (2002, pp. 32) partilham desta opiniao, argumentando que durante todos estes anos p6s-independencia, os grandes proprietarios agricolas tern poder politico e e do seu interesse econ6mico que os direitos de propriedade sejam respeitados. Stiglitz (2002, p. 76), finalmente, acentua o papel determinante do Estado, notando que "o sucesso do Botswana adveio da sua capacidade para manter um consenso politico assente nu m sentimento amp la de unidade nacional ... necessaria ao bom funcionamento de qualquer contra to social entre govemantes e governados ".

Good governance e democracia est<ivel 0 Botswana usufrui de uma democracia estavel desde a independencia e o processo politico do pais tern sido pautado pelo sucesso. Como se pode observar pelo quadro abaixo, de acordo corn os indices GRICS (Governance Research Indicator Country Snapshot) e seguindo Iimi (2006, pp. 9-11), o Botswana apresenta em todas as dimens6es niveis consideravelmente acima da media da Africa Subsariana, evidenciando maior proximidade a realidade dos paises de rendimento elevado (corn 0 como minimo e 1 como maximo):

Quadro 1: Governance Research Indicator Country Snapshot (GRICS), 2002

Voz e Represental(iio Estabilidade Politica Eficiencia Governativa Qualidade da Regulac,;ao Cumprimento da Lei Controlo da Corrupl(iio

Botswana 0,75 0,78 0,66 0,72 0,67 0,62

Africa Sub-Saariana 0,42 0,45 0,3 0,38 0,33 0,29

Paises de Rendimento Elevado 0,82 0,82 0,77 0,85 0,84 0,76

Fonte : Adaptado de limi (2005)

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Seguran~a,

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Marlene Bastos, Manuel En nes Ferreira

Tambem o Ibrahim Index of African Governance 200714 atribui uma boa classifica<;ao ao Botswana em materia de qualidade de governa<;ao, atribuindo-lhe o 3Q lugar num ranking de 48 paises da Africa Subsaaria na. No que respeita ao controlo da corrup<;ao, o Botswana obtem uma classifica<;ao positiva face a realidade da Africa Subsaariana e que reflecte a transparencia na gestao or<;amental e em procurement. 0 pais detem uma autoridade independente para o combate a corrup<;ao desde 1994, que reporta os casos directamente ao Presidente. 0 Corruption Perceptions Index 2007, que afere as p ercep<;oes de incidencia da corrup<;ao por empresarios e analistas de urn pais, classificava o Botswana na 38 ~ posi<;ao num conjunto de 179 economias.

EficH!ncia na gestao p{Iblica 0 Governo tern tambem demonstrado eficiencia na gestao da riqueza

oriunda da explora<;ao dos recursos. As receitas oriundas da actividade mineira obedecem a urn mecanismo disciplinador - urn fndice de Sustentabilidade Or<;amental - que obriga que toda a receita mineral seja utilizada para financiar investimento em desenvolvimento e despesa recorrente nos sectores da educa<;ao e saude. 0 pais dispoe tambem de urn ÂŁundo- o Fundo Pula- destinado apenas a investimentos em activos financeiros de longo prazo e gerido segundo criterios de transparencia e rigor. 0 nivel de eficiencia na gestao da maquina publica e patente no baixo racio do servi<;o da divida face as exporta<;oes totais de bens e servi<;os, que, segundo a UNDP, se situava em 0,9% em 2005, face a urn valor de 4% em 1994. A existencia de urn quadro regulatorio claro e estavel e uma boa capacidade negocial para corn privados sao outros dos aspectos que suportam a boa governa<;ao no Botswana. Os contratos de explora<;ao das minas de diamantes tern uma maturidade de 25 anos (acima da media dos contratos de recursos naturais), mas o governo detem 50% das ac<;oes da Debswana, a maior empresa de diamantes no pais, estando toda a regula<;ao em materia de recursos naturais sob a incumbencia do Ministerio do Minerio, Energia e Recursos Hidricos (Iimi 2006, pp. 9-11) . A Debswana foi criada em 1969, como uma joint-venture do Governo corn o grupo mineiro De Beers, tendo sido consignada uma aloca<;ao de lucros entre os dois parceiros de 15% e 85%, respectivamente. 0 negocio viria a ser renegociado em 1975 perante a argumenta<;ao, por parte do Governo, de que as minas eram muito mais rentaveis do inicialmente estimado. 0 novo acordo d aria lugar a uma distribui<;ao de lucros de 50%/50% (Rakner 1996, pp. 13-14). 14

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0 indice Ibrahim de 2007 u tiliza dados referentes ao ano de 2005.

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Marlene Bastos, Manu el Ennes Ferreira

deterrninante para o desenvolvirnento da econornia. A heran<;a de institui<;oes politicas s6lidas do periodo pre-colonial (institui<;oes tribais, que encorajavarn a participa<;ao e colocavarn lirnites as elites politicas) e 0 lirnitado colonialisrno britanico constituirarn elernentos irnportantes para a constitui<;ao de urna dernocracia estavel e para o percurso de crescirnento que o pais veio a tornar, corn taxas medias anuais acirna dos 7.5% entre 1961 e 1997, urn feito notavel para a regiao ern que se insere. 0 governo tern dernonstrado eficiencia na gestao da riqueza oriunda da explora<;ao dos recursos e que obedece a urn rnecanisrno disciplinador - o fndice de Sustentabilidade Or<;arnental. Evidencia tambern uma forte capacidade negocial com os privados, con seguindo defender os interesses d o pais nos contractos de explora<;ao de diamantes e controlando 50% das ac<;5es da Debswana, a maior ernpresa de diamantes no pais. Quadro 3: PIBPPC real pc (USD)

Botswana Nigeria

1960 490 550

1989 3180 1160

1994 5367 1351

2000 7184 896

2005 12387 1128

Fonte: UNDP (1992 , 1997, 2002, 2007/8)

A Nigeria, por outro lado, viveu uma experiencia m ais intensa de colonialismo britanico, em que rnuitas das disputas relativas a distribui<;ao das receitas extractivas entre os diferentes niveis de governa<;ao rernontam aquele periodo. A descoberta de petr6leo ern 1965, quando o pais ja era independente, veio acentuar este tipo de disputas, dando origem a movimentos secessionistas associados, essencialrnente, a fen6menos de grievance. Isto e mais visive1 na zona do delta do rio Niger, que concentra a explora<;ao da actividade petrolifera do pais, m as cujas popu1a<;5es locais se vem privadas dos beneficios e riquezas associados (suportando contudo os elevad os custos arnbientais associados). Sucessivas ditaduras rnilitares visando a extrac<;ao de receitas petroliferas e inumeras hist6rias de transferencias de rendas para o exterior apontarn para urn fraco quadro institucional, dorninado por praticas de rent seeking, deficiente gestao dos dinheiros publicos e elevados indices de corrup<;ao. A este respeito, a compara<;ao entre os dois paises e bastante elucidativa, se atentarmos no quadro 4:

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deterrninante para o desenvolvirnento da econornia. A heran<;a de institui<;oes politicas s6lidas do periodo pre-colonial (institui<;oes tribais, que encorajavarn a participa<;ao e colocavarn lirnites as elites politicas) e 0 lirnitado colonialisrno britanico constituirarn elernentos irnportantes para a constitui<;ao de urna dernocracia estavel e para o percurso de crescirnento que o pais veio a tornar, corn taxas medias anuais acirna dos 7.5% entre 1961 e 1997, urn feito notavel para a regiao ern que se insere. 0 governo tern dernonstrado eficiencia na gestao da riqueza oriunda da explora<;ao dos recursos e que obedece a urn rnecanisrno disciplinador - o fndice de Sustentabilidade Or<;arnental. Evidencia tambern uma forte capacidade negocial com os privados, con seguindo defender os interesses d o pais nos contractos de explora<;ao de diamantes e controlando 50% das ac<;5es da Debswana, a maior ernpresa de diamantes no pais. Quadro 3: PIBPPC real pc (USD)

Botswana Nigeria

1960 490 550

1989 3180 1160

1994 5367 1351

2000 7184 896

2005 12387 1128

Fonte: UNDP (1992 , 1997, 2002, 2007/8)

A Nigeria, por outro lado, viveu uma experiencia m ais intensa de colonialismo britanico, em que rnuitas das disputas relativas a distribui<;ao das receitas extractivas entre os diferentes niveis de governa<;ao rernontam aquele periodo. A descoberta de petr6leo ern 1965, quando o pais ja era independente, veio acentuar este tipo de disputas, dando origem a movimentos secessionistas associados, essencialrnente, a fen6menos de grievance. Isto e mais visive1 na zona do delta do rio Niger, que concentra a explora<;ao da actividade petrolifera do pais, m as cujas popu1a<;5es locais se vem privadas dos beneficios e riquezas associados (suportando contudo os elevad os custos arnbientais associados). Sucessivas ditaduras rnilitares visando a extrac<;ao de receitas petroliferas e inumeras hist6rias de transferencias de rendas para o exterior apontarn para urn fraco quadro institucional, dorninado por praticas de rent seeking, deficiente gestao dos dinheiros publicos e elevados indices de corrup<;ao. A este respeito, a compara<;ao entre os dois paises e bastante elucidativa, se atentarmos no quadro 4:

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0 facto de o Botswana ter vindo a ter urn desempenho econ6mico e social melhor do que o da Nigeria, nao impede, porem, que a melhor performance econ6mica tenha largamente excedido a verificada no sector social (educa<;:ao e saude). E isso que explica porque razao a diferen<;:a do ranking do Botswana a nivel mundial, em termos econ6micos comparativamente ao lado social, se tern vindo a agravar, como se constata no quadro 6. E urn problema que devera ser corrigido.

Quadro 6: Diferen<;a de ranking PIB- IDH

Botswana Nigeria

1990 -20 12

1994 - 30 1

2000 -62 9

2005 -70 4

Fonte: UNDP (1992, 1997, 2002). Nota: um sinal negativo significa que o pais esta melhor posicionado mundialmente em termos econ6micos do que sociais

A Nigeria apresenta uma maior dependencia de recursos naturais do que o Botswana. As receitas petroliferas representam cerea de 96% das exporta<;:6es totais enquanto no Botswana a exporta<;:ao de diamantes representa aproximadamente 82% das exporta<;:6es totais. E ainda que as receitas petroliferas da Nigeria excedam largamente as receitas de diamantes do Botswana, a riqueza gerada per capita e inferior - cerea de 103 d6lares por ano face a 1.290 d6lares por ano, respectivamente No dominio das politicas publicas, a par dos problemas corn uma elevada incidencia de SIDA, o Botswana enfrenta tambem evidentes deficiencias em materia redistributiva. Assim, segundo a UNDP18, os 20% mais ricos da popula<;:ao total representavam, em 1993, 65,1% do rendimento/consumo total, correspondente a urn indice de Gini de 60,5; em 2003 a Nigeria apresentava um indice de Gini de 43,7.

Quadro 7: indice de Gini

Botswana Nigeria

1993 60,5

1996-97

2003

igual 50,6

igual 43,7

--

Fonte: UNDP (2002, 2007/8)

1s UNDP (2007/08)

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A

Maldi~ao

dos Recursos Naturais

a Prova:

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Finalmente, no que respeita a Ajuda Ptiblica ao Desenvolvimento (APD), esta parece ter tido urn contributo para o circulo virtuoso de crescimento que o Botswana acabaria por seguir, acelerando possivelmente o processo.

Quadro 8: APD (em% do PIB e pe1路 capita, USD)

Botswana Nigeria ASS

1990 3,9 1 11 6 0,8 I 2 5,7

1994 2,3 I 64 0,6 I 2

2000 0,6 I 19,9 0,4 I 1,6

2005 0,7 I 40,2 6,5 I 48,9 5,1

Fonte: UNDP (1992, 1997, 2002, 2007/8) Nota: os valores de 2005 reflectem o perdao muito elevado da divida Nigeria e que e contabilizado como APD

a

Os niveis de APD revelaram-se mais expressivos na decada de 90, na casa dos 3,9% do PIB e vieram progressivamente a perder importancia relativa, em resultado do desenvolvimento do proprio pais. Na Nigeria, os niveis de APD sao baixos, seja em proporc;:ao do PIB ou de ra.cio per capita, corn excepc;:ao do ano de 2005 em que o peso da APD sobre o PIB sobe para 6,5%, circunstancia que reflecte o perdao muito elevado de divida a Nigeria e que e contabilizado como APD. Em sintese, diversos factores parecem evidenciar porque razao o desempenho dos dois paises e tao diferente. E ao contrario do que uma leitura simplista da literatura da 'maldic;:ao dos recursos naturais' pode precipitadamente levar a concluir, embora os diamantes e o petr6leo estejam na origem ou alimentem guerras civis (Misser et Vallee, 1997; Cilliers and Dietrick, 2000 e Ross, 2003a), n ao tern que ser sempre assim ou os seus contornos podem ser mitigados. A Nigeria produz e exporta urn recurso natural - petr6leo - que sempre teve urn caracter estrategico e por isso mesmo mais sujeito a factores econ6micos e politicos internacionais. A diversidade etnica e regional, num pais tao vasto e populoso, tern espelhado de forma aberta e violenta o desagrado face ao poder central. Se se tiver em conta que a explorac;:ao de petr6leo se centra na regiao do Delta do rio Niger, nao e de estranhar a elevada violencia que aqui se regista, associados a fen6menos de grievance (Engel, 2005). A inoperancia da elite econ6mica e politica nigeriana ao inves de aproveitar o boom dos ciclos do petr6leo, aprofundou o modelo de captura de rendas, tornando-o urn neg6cio privado invejavel (Omeje, 2006). A insatisfac;:ao social, quer ao nivel das diferentes classes sociais quer de cariz regional, rapidamente se fez sentir. A procura de 'estabilidade' tern sido feit a pela via mais d rastica, silenciando a democracia e impondo regimes autoritarios. Dai que o agravamento dos proLusiada. Politica Internacional e

Seguran~a,

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Marlene Bastos, Manuel Ennes Ferreira

blemas de bad governance, rent seeking e corrup~ao sejam a conta cmTente. que o pais ja enfrenta. Do panto de vista econ6mico nao causa estranheza que o fen6meno da Dutch Disease se imponha, abafando e desestimulando a actividade econ6mica industrial e agricola. 0 barril de petr6leo parece nao ter fundo ... No Botswana, por outro lado, o facto da actividade de extrac~ao de diamantes estar sujeita a tecnicas mineiras sofisticadas, par oposi~ao a prodw;ao aluvial de diamantes em paises como a Serra Leoa ou a Republica Democratica do Congo ou mesmo Angola, reduz a incidencia de pilhagem e consequentemente as possibilidades de financiamento de grupos de rebeldes. E aquilo que Lujala, Gleditsch and Gilmore (2005) distinguem entre 'diarnantes primarios e secundarios' e sua influencia na eclosao de guerras civis. Contudo, sublinhe-se, nao seria certarnente esta a razao que haveria de irnpedir a eclosao de urn conflito violento interno se as condi~6es para a sua existencia tivessern criadas. A ocorrer, e certo que o financiamento pela explora~ao de diamantes tornar-se-ia mais dificil. Mas nem e o caso. 0 Botswana pode ser apresentado coma o exemplo de urn pais bern sucedido, o qual, partindo de urn quadro inicial adverso, conseguiu promover as ac~6es necessarias a constitui~ao de urn quadro institucional forte e uma democracia estavel. Paralelarnente, a aposta no sector social, corn urn IDH acima da media da Africa Subsaariana, pode ajudar a cornpreender a maior estabilidade face a Nigeria. Mas tal coma acontece neste u.ltimo pais, tarnbem a diversifica~ao econ6mica esta aquem do desejavel. Existem igualmente indicios de que padece de algum modo dos efeitos da Dutch Disease. No entanto, e do panto de vista institucional que parece decorrer o maior exito do Botswana. Baseada na aceita~ao e na legitimidade de institui~6es e valores que aliam a sua hist6ria e tradi~ao a modernidade, este pais tern sabido, ate agora, encontrar urn equilibrio econ6mico, social e politico mais consentaneo corn a traject6ria de desenvolvimento.

Conclusao Dos casos apresentados pode concluir-se que a abundancia e ate mesmo a dependencia de recursos naturais nao tern, necessariamente, que se traduzir numa maldi~ao para urn pais. Embora muita da literatura que foi revista na primeira parte deste artigo aponte para as consequencias negativas que a existencia de recursos naturais pode ter sabre o desenvolvimento, esta rela~ao nao e linear e depende de diversos factores. Teoricamente, a abundancia de recursos naturais deveria ate ajudar a promover o crescimento econ6mico, uma vez que a riqueza gerada pelos recursos poderia dinamizar a economia, canalizando mais investimentos em infra-estruturas, na forma<;ao do capital humano e

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na diversifica<_;:ao da actividade econ6mica. Contudo, e como destacam Humphreys, Sachs and Stiglitz (2007), paises com abundantes recursos, nomeadamente petr6leo e gas, tt~m um desempenho pior do que os seus vizinhos mais pobres, sendo que a riqueza conduz frequentemente a taxas de crescimento mais baixas, maior volatilidade e ate a guerras civis devastadoras. Muito ha a fazer, desde quest6es de ordem politica ate econ6mica e fiscal (Sandbu, 2004 e Weinthal and Luong, 2006) . Diversos factores parecem evidenciar pm路que razao o desempenho dos dois paises e tao diferente. A Nigeria produz e exporta um recurso natural - petr6leo - que sempre teve um caracter estrategico e por isso mesmo mais sujeito a factores econ6micos e politicos internacionais que introduzem nos paises produores alguma instabilidade. A diversidade etnica, regional e religiosa num pais tao vasto e populoso comae a Nigeria, tem-se manifestado de forma aberta e violenta face ao poder central. Se se tiver em conta que a explora<_;:ao de petr6leo se centra na regiao do delta do rio Niger, nao e de estranhar que a elevada violencia que aqui se regista esteja associada a fen6menos de grievance. A inoperancia da elite econ6mica e politica nigeriana ao inves de aproveitar o boom dos ciclos do petr6leo, aprofundou o modelo de captura de rendas. A insatisfa<;:ao social, quer ao nivel das diferentes classes sociais quer de cariz regional, rapidamente se fez sentir. A procura de 'estabilidade' tem si do feita pela via mais drastica, silenciando a democracia e impondo regimes autoritarios. Dai que o agravamento dos problemas de bad governance, rent seeking e corrup<;:ao sejam a conta cmTente que o pais ja enfrenta. Do panto de vista econ6mico nao causa estranheza que o fen6meno da Dutch Disease se imponha, abafando e desestimulando a actividade econ6mica industrial e agricola. 0 barril de petr6leo parece nao ter 拢undo ... 0 Botswana pode ser apresentado coma o exemplo de um pais bem sucedido (Maipose and Matsheka, s/d), o qual, partindo de um quadro inicial adverso, conseguiu promover as ac<_;:6es necessarias a constitui<_;:ao de um quadro institucional forte e uma democracia estavel. Paralelamente, a aposta no sector social, com destaque para a educa<_;:ao, fa-lo ter um IDH acima da media da Africa Subsariana, o que pode ajudar a compreender a maior estabilidade face a Nigeria. Por outro lado, o facto de ser um produtor de diamantes poderia a partida estar a condena-lo a seguir o passado de guerra civil que encontramos noutros paises africanos, com destaque para Angola, Serra Leoa ou RDC. E embora a actividade de extrac<_;:ao de diamantes seja feita por oposi<;:ao a produ<;:ao aluvial de diamantes, o que reduz a incidencia de pilhagem e consequentemente a possibilidade de financiamento de grupos rebeldes, nao se regista essa realidade no pais. E que o Botswana pode ser apresentado como o exemplo de um pais bem sucedido, o qual, partindo de um situa<_;:ao inicial

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adversa, conseguiu promover as ac<;:6es necessarias a constitui<;:ao de urn quadro institucional forte e uma democracia est<ivel. E certo que, tal como acontece corn a Nigeria, tambem a diversifica<;:ao econ6mica esta aquem do desejavel, ha indicios de que padece de algum modo dos efeitos da Dutch Disease e que "a sustentabilidade das receitas fiscais corn origem nos diamantes nao garante rendimentos permanentes para sustentar urn nivel elevado de despesa publica" (Basdevant, 2008, p. 12). No entanto, e do ponto de vista institucional que parece decorrer o maior exito do Botswana. Baseada na aceita<;:ao e na legitimidade de institui<;:6es e valores que aliam a sua hist6ria e tradi<;:ao a modernidade, este pais tern sabido, ate agora, encontrar urn equilibrio econ6mico, social e politico mais consentaneo corn a traject6ria de desenvolvimento. Como diz Mokhawa (2005), tu do o que brilha no Botswana nao sao s6 diamantes ... Em termos sinteticos, podemos enumerar a qualidade governativa e o quadro institucional como urn dos principais, embora nao {mico, mecanismo responsavel pela divergente performance socio-econ6mica entre os dois paises. Esta conclusao vai de encontro ao grosso da literatura publicada sobre o tema da maldi<;:ao dos recursos naturais. 0 reconhecimento pttblico da importancia da qualidade institucional para o desenvolvimento de urn pais tern resultado num crescente n{tmero de iniciativas visando obrigar os governos a serem mais transparentes na gestao das receitas extractivas. A campanha "Publish What you Pay", a iniciativa liderada pelo Reino Unido "Extractive Industries TI路ansparency Initiative" ou ainda as tentaivas de obrigar a criar sistemas de gestao de receitas petroliferas, constituem apenas alguns exemplos. Estas 'inova<;:6es institucionais' devem ir a par de incentivos aos actores internos e internacionais, o que implica mudan<;:as politicas e maiores niveis de transparencia (Humphreys, Sachs and Stiglitz (2007). E embora nao haja uma receita unica para escapar a maldi<;:ao dos recursos naturais, sendo necessaria uma analise rigorosa ao contexto socio-econ6mico e politico de cada pais e das condi<;:6es especificas do recurso natural em questao, o determinismo pessimista que a visao popular da 'maldi<;:ao dos recursos naturais' encerra, deve ser refutado. Pode e deve tornar-se uma 'ben<;:ao', haja vontade politica (Stiglitz, 2003). Dever-se-a preconizar a diversifica<;:ao econ6mica como instrumento fundamental para o desenvolvimento sustentavel. No caso da Nigeria, a elevada popula<;:ao torna evidente que o pais nao conseguira reverter o cenario de extrema pobreza em que esta submerso apenas corn as receitas petroliferas. Contudo, para que as reformas econ6micas tenham sucesso e necessaria que o pais conhe<;:a uma altera<;:ao na qualidade governativa. 0 que implica acabar corn o Estado rendeiro e requalificar o guadro institucional, solu<;:6es que enfrentam uma enorme resistencia a sua implementa<;:ao, mas que estudos indiciam ser urn dos pre-requisitos fundamentais (Mehlum; Moene and Torvik, 2006).

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