Lusíada Série I, n.º 9 (2013)
Política Internacional e Segurança
Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa – Catalogação na Publicação LUSÍADA. Política internacional e segurança. Lisboa, 2008 Lusíada. Política internacional e segurança / propr. Fundação Minerva – Cultura – Ensino e Investigação Científica ; dir. José Francisco Pavia. – S. 1, n. 1 (2008)-
. – Lisboa : Universidade Lusíada, 2008-
. - 24 cm. - Semestral
ISSN 1647-1342 1. Política Internacional - Periódicos 2. Segurança Internacional - Periódicos I – PAVIA, José Francisco Lynce Zagalo, 1967CBC
JZ9.L87
Ficha Técnica Título Proprietário Director Conselho Científico
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Lusíada. Política internacional e segurança
Série I
N.º 9
Fundação Minerva - Cultura - Ensino e Investigação Científica Prof. Doutor José Francisco Lynce Zagalo Pavia Prof. Doutor Luís Lobo Fernandes (Catedrático de Relações Internacionais - Universidade do Minho) Prof. Doutor Carlos Motta (Director da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - Universidade Lusíada de Lisboa) Prof. Doutor Luís Castelo Branco (Professor Auxiliar - Universidade Lusíada de Lisboa) Prof. Doutor André Thomashausen (Catedrático de Direito – University of South Africa) Prof. Doutor Jean Marcou (Director of International Relations – Grenoble Institute of Political Studies / Sciences Po) Prof. Doutor Moisés Silva Fernandes (Director do Instituto Confúcio – Universidade de Lisboa) Prof.ª Doutora Maria José Stock (Agregada em Sociologia Política – Universidade de Évora) Prof. Doutor Francisco Proença Garcia (Agregado em Relações Internacionais – Universidade Católica Portuguesa) Prof. Doutor Rafael Garcia Perez (Professor Titular de Relações Internacionais – Universidade de Santiago de Compostela) 286245/2008 1647-1342 Lisboa 2013 Semestral Universidade Lusíada Editora Rua da Junqueira, 188-198 1349-001 Lisboa Tel.: +351 213611500 / +351 213611568 Fax: +351 213638307 URL: http://editora.lis.ulusiada.pt E-mail: editora@lis.ulusiada.pt
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SUMÁRIO NOTA DE ABERTURA E POLÍTICA EDITORIAL................................................... 7 PROCEDIMENTOS DE ARBITRAGEM CIENTÍFICA............................................. 9 Dossier Temático energia, política e segurança PORTUGAL E UMA ESTRATÉGIA DA ENERGIA PARA O ATLÂNTICO (SUL). Reflexão Prospectiva sobre a Geopolítica da Energia no quadro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa Jorge Gaspar............................................................................................................... 13 Sanctions and Iranian Energy Exports. As Crude Oil Sales Decline New Opportunities Arise Shabnam Mirsaeedi-Glossner.................................................................................... 57 A estratégia energética da Rússia. O caso do gás natural nas relações com a Europa João Miguel Chaves Rafael......................................................................................... 77 O Golfo da Guiné e a segurança energética global: portunidades e desafios subjacentes à região Manuel Agostinho Barros........................................................................................ 123 Coreia do Norte: uma ameaça real? Ricardo Cabral Fernandes ....................................................................................... 145
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vAria A SEGURANÇA NACIONAL: uma nova abordagem Rodrigo Cabral Fernandes ....................................................................................... 181 Para um Renovado Conceito Estratégico Nacional Português Marisa Fernandes..................................................................................................... 219 CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO À LUZ DO PRINCÍPIO DA INVIOLABILIDADE DAS MISSÕES DIPLOMÁTICAS ACREDITADAS Eduardo Pimentel de Farias..................................................................................... 255 Gestão do Desporto: A Dimensão Política do Movimento Olímpico Alcides Vieira Costa................................................................................................. 275 Guerra Assimétrica Reversa Reis Friede................................................................................................................ 297
NOTA DE ABERTURA E POLÍTICA EDITORIAL Lançamos agora o nono número da Revista Lusíada Política Internacional e Segurança. Neste número iremos publicar um dossier temático referente às questões relacionadas com a “Energia, Política e Segurança”, outros artigos extra-dossier, sobre temáticas variadas, farão também parte desta publicação. Esta problemática foi-nos sugerida pelo nosso patrocinador, o IPLI (International Policy and Leadership Institute), que mais uma vez se disponibilizou com grande generosidade a apoiar a Revista. A Revista já tem uma edição on-line com acesso aberto e universal para todos os artigos: http://revistas.lis.ulusiada.pt/index.php/ lpis. Este passo era fundamental para uma maior disseminação do conhecimento científico aqui produzido e para alargarmos o número daqueles que nos lêem e que poderão ser futuros colaboradores e autores. Tentaremos sempre, na medida do possível e como já foi referido em nota anterior, acompanhar a actualidade internacional que, como sabemos, é dinâmica, imprevisível e cheia de surpresas. Tentaremos também reforçar o carácter transdisciplinar incentivando a colaboração de autores de outras áreas científicas. Mais uma vez se relembra que está aberto em permanência um endereço de e-mail para onde deverão ser enviadas as propostas de artigos, que depois de submetidos às exigências do escrutínio por arbitragem independente, poderão ser aqui publicados. O referido endereço electrónico é: pavia.jose@gmail.com
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PROCEDIMENTO DE ARBITRAGEM CIENTÍFICA Em estreita relação com a Política Editorial, a Revista Lusíada - Série Política Internacional e Segurança foi pensada com o objectivo de fornecer um conjunto de contributos científicos originais e actualizados no campo da Ciência Política, das Relações Internacionais e das Políticas de Segurança em geral. O procedimento de arbitragem científica tem de ter obrigatoriamente em consideração a especificidade da Revista tal como é descrita na Nota de Abertura e Política Editorial. O Conselho Científico foi constituído por investigadores nacionais e estrangeiros especializados nas diversas áreas de investigação, como consta dos respectivos currículos. O objectivo foi conciliar a necessária qualidade científica e a variedade de especializações com a diversidade de temáticas. Os membros do Conselho Científico serão os garantes da qualidade e validade científica das diversas contribuições para os números sucessivos da Revista. Assim, periodicamente serão convidados segundo as respectivas qualificações científicas e especialidades, a dar a sua opinião, em sistema de blind review, sobre a qualidade dos textos, a orientação geral, os dossiers temáticos e as diversas secções de cada número. Será solicitado a cada membro um relatório onde constem devidamente explicitados, as diversas observações e propostas de melhoria. Os resultados desta avaliação traduzir-se-ão numa alteração, reajustamento ou rectificação quer da linha editorial quer das contribuições presentes e futuras, numa perspectiva evolutiva centrada na preservação da qualidade científica e da actualização temática da Revista.
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Dossier Temático energia, política e segurança
PORTUGAL E UMA ESTRATÉGIA DA ENERGIA PARA O ATLÂNTICO (SUL) Reflexão Prospectiva sobre a Geopolítica da Energia no quadro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa Jorge Gaspar Professor Auxiliar Convidado da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Professor Adjunto do Instituto Superior de Educação e Ciências jorge.b.gaspar@gmail.com
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Resumo: No presente trabalho dedicamo-nos à reflexão analítica e prospectiva dos pressupostos históricos, das condições geográficas, das condicionantes económicas e sociais e das vontades políticas necessárias e suficientes à definição de uma geopolítica da energia para a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Palavras-chave: Estratégia / Política / Energia / Mar / Atlântico / Geografia / Vocação / Comunidade. Abstract: In this paper we are dedicated to analytical and foresight reflection of historical assumptions, geographical conditions, economic and social constraints and political will necessary and sufficient to the definition of an energy geopolitical strategy for the Portuguese Language Community Countries. Key-words: Strategy / Politics / Energy / Sea / Atlantic / Geography / Vocation / Community.
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“É certo que, há cinco séculos, o oceano se abriu à expansão nacional. Apesar disso, e de o português se afeiçoar ao trabalho noutros climas e ao convívio de outras gentes, a estrutura rural da Nação permanece intacta. Com razão ou sem ela, a fala do velho do Restelo foi entendida obscuramente pela massa rural. Revolvendo a leiva, alargando a seara, plantando, regando, adubando, crescendo mas agarrando-se ao chão que escasseia, êste povo donde saíram os aventureiros que abriram o caminho das outras partes do mundo, permanece preso ao torrão, como aquelas árvores que oferecem ao vento o grão de novas sementeiras mas cada vez mais afundam as raízes na terra.” (ORLANDO RIBEIRO, Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico, 1945) (Muito breve) I. Introdução No presente trabalho dedicamo-nos à reflexão analítica e prospectiva dos pressupostos históricos, das condições geográficas, das condicionantes económicas e sociais e das vontades políticas necessárias e suficientes à definição de uma geopolítica da energia para a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Procurando simultaneamente arrancar e lançar perspectivas de médio-longo prazo e de muito-longo prazo que projectem uma visão da CPLP no quadro futuro de um sistema internacional no qual os respectivos actores – de diversa natureza e vária condição – jamais se fatigarão na conquista e na manutenção dos recursos energéticos (escassos por natureza e estratégicos por natureza) indispensáveis à sua existência e sustentabilidade, procuramos ensaiar uma proposta global de uma gestão política da energia na esfera da CPLP, para tal ligando, relacionando e interconectando as expectativas colectivas e os anseios geopolíticos de todos e cada um dos seus membros e dos correspondentes povos. Nesse exercício, mostrar-se-á como momento e elemento determinante a extensão (o alargamento) de muitas das respectivas plataformas continentais, olhando para estas na perspectiva da valorização política e económica dos seus recursos energéticos e do universo largo de possibilidades e potencialidades que os mesmos já vão exibindo.
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Jorge Gaspar
Portugal, a Europa e o Mar: a Vontade (Conjuntural) da Adesão e a Circunstância (Estrutural) da Vocação “Não irei fugir à regra de falar do mar português, sem deixar de lhe fazer uma referência histórica. Será muito breve, porque é minha intenção fixarme sobretudo, no horizonte actual e, quando possível, tentar perscrutar para além dele”. Estas palavras de VIEIRA MATIAS, escritas em 2004 na abertura de um interessante artigo intitulado O Horizonte do Mar Português1, são paradigmáticas, essencialmente por aquilo que deixam entrever, do interesse que a história do mar português – enquanto factor (pré) determinante na (e da) história de Portugal2 – recorrentemente assume para a literatura científica3. De um ponto de vista estritamente naturalístico e objectivamente físico, a relação e a envolvência de Portugal com o mar é uma evidência da geografia. Como diz FRANÇOIS MARTINS, a “ligação entre Portugal e o oceano Atlântico é, antes de mais, uma decorrência da Geografia”4. Abrindo-se a respectiva componente continental, a sul e a ocidente, ao Atlântico5, o território português e formado ainda pelos arquipélagos dos Açores6 7 e da Madeira, os quais, enquanto agregados 1 VIEIRA MATIAS, 2004. 2 “Acontece, no entanto, que esse bocado de finisterrea é também a terra do nosso princípio” (TEIXEIRA PINTO, 2001). Foi daí, portanto, que começámos a corresponder ao chamamento do mar. 3 Não apenas historiográfica, mas também, e essencialmente, nos domínios da ciência política, da geografia, da geopolítica, da estratégia, da geoestratégia e das relações internacionais. 4 MARTINS, 2002. 5 “Por outro lado, só é possível analisar a importância da perspectiva dimensional do Atlântico à luz do direito do mar olhando para uma carta que contenha a representação dos espaços marítimos sob soberania ou jurisdição dos estados costeiros. É aqui que melhor se toma conhecimento da verdadeira dimensão de Portugal. Podemos dizer, sem qualquer complexo, que somos grandes e que temos de interiorizar esta afirmação nas políticas e nas acções relativas ao mar” (PINTO DE ABREU, 2013). Na nossa opinião, e como teremos oportunidade de adiante defender, tal só será praticável no quadro de um processo de aprofundamento político da gestão estratégica do mar que venha a ocorrer no quadro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. 6 A propósito da riqueza, incluindo os recursos energéticos, do mar dos Açores, ouçamos CARLOS CÉSAR, antigo Presidente do Governo Regional dos Açores: “No mar dos Açores, essa riqueza é potenciada pelas profundidades moderadas ao longo da Crista Média Atlântica e pelas facilidades logísticas conferidas pela proximidade dos nossos portos, o que valoriza o nosso território em relação a importantes operações de extracção mineral. Há ainda que ter em conta a existência de importantes jazidas de hidratos de metano nas zonas abissais que nos rodeiam, uma potencial fonte de energia para o futuro. É nosso direito legítimo, e é do nosso interesse, evidentemente, que o acesso partilhado aos recursos naturais dos fundos marinhos e ao potencial energético do nosso mar seja precedido pela criação de condições que permitam a sua exploração sustentável, o seu aproveitamento em benefício também da economia açoriana e o desenvolvimento da nossa capacidade científica e tecnológica” (CÉSAR, 2013). 7 Numa análise estratégica do posicionamento dos Açores, aqui fica JORGE DE MEDEIROS, Reitor da Universidade dos Açores: “Realmente, os Açores constituem o arquipélago mais isolado do Atlântico, quase equidistante da Europa e da América do Norte, compondo a primeira fronteira externa do espaço comunitário no Atlântico Norte. Não há dúvida de que uma das formas de Portugal se poder afirmar no plano internacional é, pois, através do poder que lhe advém do seu posicionamento internacional, e que lhe é concedido pelo alto valor estratégico das suas posições no Atlântico, designadamente, pelo arquipélago dos
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coerentes de ilhas oceano-atlânticas, evidenciam, com a enfraquecida exuberância que a conjuntura do tempo presente vai deixando, a matriz atlântica de Portugal. “Os dois arquipélagos oceânicos materializam claramente a dimensão atlântica da nossa nacionalidade. São não só dois marcos do início da epopeia ultramarina, como duas parcelas do território nacional que nos «polarizam» na direcção do Atlântico e do Ocidente, reforçando assim a nossa ligação de sempre com o oceano, a nossa característica de povo talassocrático, a nossa «vocação atlântica»”8. Sendo verdade que a relação de Portugal com o Atlântico constitui uma evidência física e uma (feliz) inevitabilidade geográfica9, o tempo passado10 11 mostra que a história da nação portuguesa soube honrar tal legado objectivo e conseguiu construir a partir e sobre a sua frente atlântica os alicerces da sua consolidação e, inclusivamente e por consequência, da sua identidade12 e da sua independência13. Tal significa que Portugal soube fazer e ir fazendo a sua história através de opções políticas que frontalmente assumiram a geografia14 como um referencial determinante do respectivo sentido estratégico15. Isto quer dizer que quis e soube Açores” (MEDEIROS, 2013). 8 MARTINS, 2002. 9 “A forma como uma relação inscrita na Geografia se materializa na cultura, na economia e na política de um povo, depende pois não só de um ou outro elemento isolado, mas do ambiente geográfico como um todo e também, em grande parte, das acções e reacções desse povo, podendo por isso variar ao longo dos tempos” (MARTINS, 2002). A Nação canaliza, pois, as suas energias para essa relação com a geografia. 10 O qual é, sempre e renovadamente, o primeiro dos dois passos que nos conduzem ao tempo futuro. Como diz PAULO TEIXEIRA PINTO, “o futuro será, como sempre, gerado no passado” (TEIXEIRA PINTO, 2001). 11 “Esta dependência da análise geopolítica relativamente ao tempo em que é efectuada, conjugada com a necessidade, porque é viva, dinâmica, de acompanhar as evoluções dos relacionamentos entre políticas e espaços, levou Vicens Vives a afirmar que ela precisa de interpretar «o passado geográfico e histórico para compreender a actualidade” (MARTINS, 2002). Muitos hoje parecem esquecer-se desta lição. 12 “A identificação do país deriva principalmente de três experiências: o combate aos mouros, a sul, a ameaça dos castelhanos, a leste, e a atlantização do povoamento, fruto da omnipresença do mar, que origina verdadeiramente a individualidade dos portugueses no seio dos povos peninsulares” (FREITAS DE MENESES, 2013). 13 “De certo modo, a História de Portugal parece-nos poder ser interpretada a essa luz, a da utilização do litoral atlântico como principal esteio da nossa independência, permitindo-nos equilibrar a desfavorável relação de forças com o vizinho único, assim como atenuar os efeitos negativos da situação periférica” (MARTINS, 2002). 14 “O factor geográfico é considerado o mais importante dos factores do poder nacional por que, para além do seu valor e da sua influência sobre um povo, é o mais permanente. Não dispondo de elevado «factor presença» (conjunto território/população), não tendo profundidade territorial, não dispondo de subsolo rico em recursos naturais, não estando na encruzilhada de comunicações terrestres vitais entre vários países, o interesse do factor geográfico, para Portugal, traduz-se no seu clima ameno, na razoável riqueza de recursos biológicos da ZEE, na sua condição quase arquipelágica, na sua situação como promontório da Europa no Atlântico, na sua situação de passagem obrigatória entre a Europa marítima do Norte e a do Sul, na sua situação privilegiada para a distribuição do comércio marítimo transoceânico pela Europa do Norte e a Europa Mediterrânica, em resumo, no valor da sua relação com o mar” (SACHETTI, 2009). 15 Daí termos dito antes que o mar português foi (é) um factor (pré) determinante na (e da) história de Portugal.
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Jorge Gaspar
fazer geoestratégia no quadro da definição e afirmação das suas opções políticas16. E foi17 para sul – do planeta e do Atlântico18 19 –, concretizando, como referimos, a execução de uma opção política consciente e coerente. Ao fazê-lo, correspondeu ao apelo geoatlântico com a definição e a execução de uma estratégia geopolítica, compreendendo e aceitando a influência e a importância que a geografia tem no panorama das escolhas políticas20, mas também actuando na e com a geografia e as suas características. Em suma, interagindo e procurando também ele, enquanto nação, condicionar e influenciar politicamente e através da acção humana a realidade objectiva com a qual a geografia o confronta e desafia21. Se quisermos, Portugal não colocou inércia no processo de (pré) determinação com a qual o Atlântico o enfrentava, aceitando livremente22 construir um projecto nacional que tinha como consequência tão inevitável quanto pretendida a modificação política da geografia (à partida, física) do oceano seu vizinho e parceiro. Muito mais do que um recurso ou um instrumento, o Atlântico foi (e é) um amigo e um
16 “O mar sempre desempenhou um papel de alto relevo na História de Portugal e sempre se revestiu da maior importância para os portugueses. Na verdade, o mar, para Portugal, é intemporal, ajudou a desenhar o passado, mas irá, sobretudo, ajudar a construir o futuro” (PINTO DE ABREU, 2013). 17 Foi e não cremos – nem queremos – que tenha voltado de vez, pois “a Geopolítica parte sempre do passado para interpretar o presente. A interpretação do significado da relação de Portugal com o oceano Atlântico implica portanto, para além da análise das condições e possibilidades alternativas actuais dessa relação, que se procure enquadrá-la na totalidade das suas condições geopolíticas, isto é, interpretando a nossa História e analisando o espaço geográfico pertinente nessa perspectiva” (MARTINS, 2002). Há, assim e muito naturalmente, sempre alternativas ao quadro marcante do temo presente. “Basta” olhar o passado para que a política possa estrategicamente desenhar o futuro. 18 “Embora não seja o maior dos oceanos, o Atlântico tem, de longe, a maior área de drenagem de todos eles. Os continentes nas suas margens tendem a inclinar-se para ele, que por isso recebe as águas da maior parte dos grandes rios do mundo, incluindo o S. Lourenço, o Mississipi, o Orenoco, o Amazonas, o La Plata, o Congo, o Níger, o Loire, o Reno, o Elba, assim como os grandes rios que desaguam nos seus mares anexos, Mediterrâneo, Negro, e Báltico. Contrastando com o Atlântico Sul, o Atlântico Norte é rico em ilhas, as suas linhas costeiras muito recortadas exibem uma grande variedade de formas, prolongando-se por diversos mares tributários, que incluem o das Caraíbas, os Golfos do México e do S. Lourenço, as Baías de Hudson e de Baffin, a oeste, e os mares Báltico, do Norte, Mediterrâneo e Negro, a leste” (MARTINS, 2002). 19 “Geograficamente, o A.S. não tem uma definição unânime, como a não tem em termos políticos. Contudo, podemos entender que a geografia o situa a sul do “gargalo de África” (…), para lá de uma linha que fala a nossa língua: de Fortaleza, no Brasil, a Cabo Verde e à Guiné. Nele emerge um vasto cordão de ilhas que foram baptizadas também em português: Cabo Verde, Fernando Noronha, S. Pedro e S. Paulo, Ascensão, Santa Helena, Tristão da Cunha, Trindade, Martim Vaz e S. Tomé e Príncipe. A elas se ligam setentrionalmente a Madeira e os Açores. Há aqui uma continuidade física, como que a sugerir uma afinidade política entre o A.S. e o seu vértice externo, em espírito amarrado a Portugal” (VIEIRA MATIAS, 2010). Sublinhado nosso. É neste sentido que vamos defendendo que o Atlântico português é também um Atlântico Sul. 20 “No entanto, a Geografia sem dúvida condiciona a vida dos povos, em todos os seus aspectos, incluindo os fenómenos políticos. A questão da forma como a Geografia impõe, orienta, aconselha ou limita a Política, é uma questão central no pensamento geopolítico e tem sido objecto de diferentes explicações por diversos autores” (MARTINS, 2002). 21 “O homem não se limita a receber influências do seu meio geográfico, também o influencia, o modifica, adapta-se e adapta-o, encontrando as suas próprias respostas aos condicionamentos que ele lhe apresenta” (MARTINS, 2002). 22 Leia-se, decidindo, articulando e conjugando no quadro do seu processo decisório elementos de ordem política, económica, social e cultural.
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companheiro. Portugal correspondeu ao seu (daquele) apelo23 respondeu positivamente à sua (deste) vocação25 26 27. Portugal geopolitizou o Atlântico Sul28.
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e, dessa forma,
“A Europa e o Mar têm aparecido no discurso político dominante em Portugal – e mais notoriamente ainda nas práticas governativas – como “projectos” quando não antagónicos pelo menos inconciliáveis nos seus termos e propósitos. A “opção europeia” parece ter ditado a obrigatoriedade de o País virar as costas ao Atlântico29, como se o seu contrário se traduzisse numa traição imperdoável a um parceiro inominado. Os discursos de alguns dirigentes políticos e de alguns
23 Ou chamamento, o qual, entre outras coisas, levou ao achamento do Brasil. 24 No plano de uma reflexão dedicada à adesão de Portugal à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN/NATO), as palavras de ADRIANO MOREIRA são emblemáticas e exemplares a propósito do referido apelo do mar: “(…) facto de o mar nos chamar ao grupo de fundadores da NATO, garantia desse mar ocidental, base do projecto de libertar a Europa do Atlântico aos Urais, e de implantar a democracia, os direitos do homem, e o desenvolvimento sustentado, não apenas nesse espaço matricial dos ocidentais, mas com expressão mundial”; “(…) deve admitir-se que não foi o País que se lançou a longe pelo mar agora bem conhecido, foi a função do mar, na definição do espaço ocidental, que incluiu o País, por imperativo ao mesmo tempo de geografia, da funcionalidade do sistema de aliança estabelecida, e da defesa dos valores matriciais do ocidente, nos quais está também impressa a marca do passado português que nos chama às responsabilidades pelo futuro” (MOREIRA, 2011). 25 O “resto” da história é conhecido. 26 “Da história, retiro apenas o exemplo que designaria, influenciado pela importância do Porto, por «cacho» das actividades marítimas que estiveram na base da nossa grandeza, sobretudo no século XVI. Refiro-me ao culminar da história marítima portuguesa com o senhorio de vastas áreas de mar e de terra, em três oceanos, simultaneamente. Tal domínio foi exercido e sustentado por um cacho de actividades simbióticas que abrangiam o transporte marítimo, a armada ou marinha militar, a construção naval, o abastecimento naval, os comerciantes, os financeiros e os cientistas/matemáticos. Formou-se, assim, o que deverá ter sido o primeiro cacho de actividades marítimas integradas do mundo” (VIEIRA MATIAS, 2004). 27 “Essa “vocação atlântica” fez de Portugal um país aberto para o Mundo que, como recordámos, durante quinhentos anos geriu um vasto espaço ultramarino, disperso, mantendo-se em relação intensa com povos e culturas muito diversas, ligados através do mar. Ao longo dos séculos, esses povos absorveram elementos da nossa cultura e nós da deles, criando-se traços comuns a todos, que nos aproximam sem nos uniformizar. Esse convívio multissecular faz agora parte tanto da História como da identidade nacional de cada um dos países que se geraram nesse vasto espaço ultramarino e, por isso, mantê-lo, embora necessariamente em termos diferentes dos do passado, constitui vector de consolidação das respectivas identidades nacionais em coerência com a História comum” (MARTINS, 2002). Correlacionando vocação e identidade, também VIEIRA MATIAS, quando diz que “também poderá ser com forte contributo da nossa vocação marítima, uma vez acordada, que seremos capazes de manter a nossa identidade, em tempo de esbatimento das fronteiras tradicionais e de aceleração do processo de globalização, para o qual, de resto, fortemente contribuímos, desde há meio milénio. É esse espaço de vocação que poderá contrabalançar o nosso reduzido peso económico e político, se o soubermos potenciar e moldar à feição dos tempos” (VIEIRA MATIAS, 2004). 28 “(…) a concepção do Atlântico Sul como elemento geográfico nuclear do espaço geopolítico criado pelos portugueses” (MARTINS, 2002). 29 “As causas para esta tão brusca viragem, que temos de considerar como anti-natural para a nação portuguesa, podem ser encimadas pela independência dos territórios ultramarinos e pela inevitável adesão à União Europeia, mas radicam também na ausência de uma estratégia nacional que tenha em consideração os factores de potencial estratégico do país, onde avultam a geografia e a tradição marítima” (VIEIRA MATIAS, 2004). Sendo inevitável, a adesão à União Europeia não pode trazer consigo, acrescentamos nós, o inviável de outras opções estratégicas.
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intelectuais no sentido da inevitabilidade política do iberismo30 e as afirmações ao nível dos mais elevados responsáveis governativos no que toca à definição das prioridades da política externa portuguesa como sendo Espanha, Espanha e Espanha31 são meras ilustrações de um sentimento mais alargado de menorização auto-induzida com reflexos nas dinâmicas políticodiplomáticas e nas relações económico-empresariais que, consequentemente, projectam custos na nossa vida colectiva”. Era esta a reflexão inquietada que deixávamos escrita em 200932. Mas, atentemos no óbvio33. A Europa e o mar não são projectos antagónicos nem inconciliáveis34. Antes de tudo, é preciso aceitar que quer a Europa (física) quer o mar são realidades objectivas que se nos impõem35. São geografia36. A questão não é, pois, se aceitamos a Europa e o mar, mas antes saber como aceitamos e como intervimos na Europa e no mar. Isto é, saber como quer Portugal definir o quadro geoestratégico da sua linha de actuação no quadro do sistema internacional37. Depois, necessário é igualmente ter uma visão omnicompreensiva da Europa: a Europa é, ela própria, também atlântica, o que não é necessariamente a mesma coisa que dizer que a Europa é atlantista. Aliás, e entendendo agora Europa como União Europeia38, quanto mais incisivo for o processo de deslocação do seu núcleo duro e centro político-gravitacional no sentido oriental39 maior será a dificuldade de 30 Escreve FRANÇOIS MARTINS, referindo-se ao Atlântico, que “este espaço constituiu um genial aproveitamento das possibilidades (…), compensando-nos dos inconvenientes da nossa condição duplamente periférica face ao centro da Europa, e ajudando-nos a manter a nossa independência face a uma Espanha sempre mais forte, sempre desejosa de completar o projecto que lhe deu origem e que é o de unificar toda a Península sob um só poder político” (MARTINS, 2002). 31 “A escolha do nome que, desde o tempo dos romanos, designou a Península na sua totalidade, «Espanha», para o novo nome formado por Castela e Aragão, foi desde logo um primeiro indício desse projecto unificador, o qual se procura justificar com a ideia de que a «reconquista» se destinava a reconstituir o anterior reino visigótico (que incluiu, durante algumas dezenas de anos, toda a Península). Até aos nossos dias essa vontade de unificação tem sido confirmada por frequentes atitudes, declarações, comportamentos de responsáveis políticos e militares assim como de intelectuais espanhóis” (MARTINS, 2002). Infelizmente, não apenas espanhóis: “Por exemplo, o ministro Mário Lino, membro do XVII Governo Constitucional” e “o escritor José Saramago” (GASPAR, 2009). 32 GASPAR, 2009. 33 O qual, por o ser, tantas vezes fica desaparecido do radar dos apressados e desatentos. 34 Num exercício potenciador das lógicas do equilíbrio político e geopolítico entre a Europa e o mar, adianta NUNO VIEIRA MATIAS que Portugal “terá de explorar as vantagens que lhe advêm desse centralismo atlântico para contrariar os inconvenientes que resultam da periferia distante do nosso «promontório» em relação ao centro europeu” (VIEIRA MATIAS, 2004). 35 Razão pela qual teria sido evitável o que diz TIAGO PITTA E CUNHA: “A realidade da geografia foi substituída pelo movimento político de adesão à Europa” (PITTA E CUNHA, 2011). 36 “É que a geografia continua a ser decisiva para o futuro de Portugal” (VIEIRA MATIAS, 2004). 37 Questão com radicais implicações no espectro da definição – e correspondentes acções – das políticas energéticas por Portugal, cujo sentido, aliás, pode determinar a longo prazo uma diversa configuração do problema da dependência energética face ao exterior. 38 “O triunfo de Portugal na União Europeia é, por isso, o maior desafio da nossa geração. Para tanto, e disso ainda não nos apercebemos, possuímos essencialmente o mar” (FREITAS DE MENESES, 2013). 39 “Mas Portugal é um Estado periférico do sudoeste europeu integrante de uma união política caracterizada por duas linhas essenciais: (i) uma crescente concentração de poderes directamente subtraídos à soberania dos
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afirmação da referida vertente atlantista40 41, o que, por sua vez, causará acrescidas dificuldades no quadro da compatibilização geopolítica da posição portuguesa no domínio conjugado da Europa e do mar42. O alargamento do mapa político da Europa (para oriente, designadamente) traz consigo a inevitabilidade de alterações no domínio da definição geoestratégica das correspondentes prioridades43, o que faz de Portugal um país cada vez mais descentrado dessa Europa44. Mas, como dissemos atrás, a Europa e o mar não são projectos antagónicos nem inconciliáveis, muito menos no quadro da dimensão económica45 cujo cruzamento os dois possam potenciar46. A sua compatibilização e coerência é que podem consistir em tarefas mais ou menos difíceis e em objectivos mais distantes ou mais próximos em função do equilíbrio, maior ou menor, que Portugal consiga alcançar no quadro das suas relações euro-unionistas e atlantistas. Tal como nas leis da física – das quais decorre que o tempo da atracção que é efeito da força centrípeta vai aumentado em função da maior distância à qual o corpo se encontra do centro –, também aqui a proximidade ao centro decisório e políticoestratégico da União Europeia constitui uma medida da importância relativa e da análise centralidade vs. periferia à qual cada nação se deve permanentemente impor no espectro reflexivo da definição do seu “sentido do espaço”47. Apesar da crescente interioridade do centro gravitacional da Europa (União Europeia) – seja esse processo institucionalizado através da sua formalização seus Estados membros e (ii) a deslocação do seu centro gravitacional para leste” (TEIXEIRA PINTO, 2001). 40 “O eixo medular da Europa deslizou assim para leste. Daqui resultou que Portugal se transformou no mais distante e periférico de todos os Estados da Eurásia, isto é, da Europa orientada, em que prevalece a potência continental e não a marítima” (TEIXEIRA PINTO, 2001). 41 Não será errado dizer que, tendencialmente e a longo prazo, a dependência energética da Europa é inversamente proporcional ao investimento na sua vertente atlantista. “É neste cenário que o mar é chamado. Ele tem já hoje em dia um papel decisivo na equação energética da Europa, mas pode ser uma resposta decisiva aos problemas que se procurar enfrentar” (PITTA E CUNHA, 2011). 42 “Portugal deve combinar a sua vocação universal – que hoje vai a par de uma verdadeira globalização – com a sua inserção continental. Só tal articulação permite atenuar o progressivo afastamento do núcleo central da Europa e potenciar a nossa situação geoestratégica” (TEIXEIRA PINTO, 2001). 43 Incluindo nos domínios do abastecimento energético e dos respectivos fluxos transfronteiriços. 44 “Em termos geográficos e na sequência da globalização, é como se o poder se encontrasse em deriva do Ocidente para Sul e para o Oriente, o que corresponde a uma nova realidade geopolítica em formação. Um dos desenvolvimentos desta nova realidade geopolítica está a reforçar tendências geradas com o fim da Guerra Fria e a reunificação alemã: uma Alemanha mais uma vez reconfigurada como pólo de poder do centro da Europa, o que fez evoluir as Comunidades Europeias para uma Confederação de Estados dirigida pelos países europeus mais poderosos, com o Estado alemão no topo” (LOUREIRO DOS SANTOS, 2011). Aqui está uma flagrante evidência daquilo a que chamamos efeito centrípeto. 45 E da economia da energia. 46 Ainda que longe dos cânones marxistas – até porque a política não se reduz de todo à economia –, não deixa de ser objectivamente verdade que política e economia constituem dimensões que não raras vezes se cruzam, sendo certo que, no nosso entender, as políticas económicas devem subordinar-se a linhas de acção correspondentes aos princípios basilares da (macro) estratégia política definida pela e para a Nação. Ligando identidade, independência, carácter e sobrevivência, tanto política como económica, ouçamos NUNO VIEIRA MATIAS: “Portugal tem uma dupla necessidade vital do mar. É que, se por um lado a manutenção da sua própria identidade depende do aproveitamento dos traços de carácter de raiz marítima, também a importância económica do mar é essencial á sua sobrevivência” (VIEIRA MATIAS, 2004). 47 Conceito cunhado por Friedrich Ratzel no século XIX.
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na arquitectura legal da União Europeia ou decorrente da praxis política e diplomática reinante e ipso facto vigente –, ainda assim o decisor político e o legislador euro-unionistas procuram incluir – fundamentalmente por razões que podemos reconduzir ao plano das considerações e interesses geoeconómicos mais do que geopolíticos48 – a relação com o mar na voragem do carácter integrador e integracionista das suas políticas49 50. Também nesta matéria e na gestão desta relação, Portugal tem de definir com clareza as suas linhas de actuação política51, procurando conciliar os interesses que tenha e as expectativas que alimente no que toca à conciliação articulada de uma estratégia para o Atlântico, enquanto nação independente, por um lado e, por outro, enquanto Estado-Membro da União Europeia52 e no quadro da actuação desta e dos seus órgãos53. Para que a Europa e o mar não se tornem num futuro próximo projectos antagónicos nem inconciliáveis54 55 é imperioso que os poderes públicos portugueses 48 Se é que, enquanto espaço e bloco, os tem. 49 Alertamos em 2009, antes do Tratado de Lisboa: “Não deixa de ser significativo, nos planos político e jurídico, que o Livro Verde sobre a política marítima da UE coloque de modo tão claro e aberto as questões da reforma institucional e do processo decisório. Atentemos: “A fragmentação pode levar à adopção de medidas contraditórias (…). Além disso, a fragmentação do processo de decisão não permite compreender o impacto potencial de um conjunto de actividades noutro e impede-nos de tirar proveito de sinergias inexploradas (…) 48 49. No nosso juízo, tal referência deve ser entendida verdadeiramente como um sinal de alerta – não necessariamente de alarme! – para Portugal. Um país com uma faixa costeira de 1187 km e uma das maiores Zonas Económicas Exclusivas (ZEE) da Europa, cobrindo mais de 1700000 km2 – 18 vezes superior à sua área territorial – não pode deixar – aliás, só pode – de cuidar com particular atenção e dedicação as implicações que a tão falada reforma institucional da UE e as propaladas alterações nos princípios e nas regras do respectivo processo decisório podem trazer para a esfera da sua – nacional/estadual – política para o Mar” (GASPAR, 2009). 50 Com mais do que eventuais reflexos futuros na unio-europeização de recursos energéticos do mar. 51 “A clareza das convicções em abstracto e das posições em concreto deve ser sempre e em qualquer circunstância uma obrigação de todos os agentes políticos” (TEIXEIRA PINTO, 2001). 52 “Mas a integração na CE, agora UE, sendo uma opção racionalmente mais adequada aos interesses nacionais nas condições contemporâneas, contém desafios que não podemos deixar de enfrentar e riscos que não podemos ignorar, sob pena de consequências eventualmente graves” (MARTINS, 2002). 53 Escrevemos em 2009: “Se nos domínios da competência exclusiva da CE aquilo que há a fazer é defender e negociar o interesse nacional de modo tão eficaz quanto a tal habilitem as regras comunitárias e os procedimentos inscritos no Tratado e no Direito Derivado, é também no que toca ao quadro das competências partilhadas entre a CE e os Estados-Membros e às áreas que ainda são de responsabilidade e competência estadual que, pensamos, se joga uma parte substancial do futuro da nossa convivência estratégica, política e económica com o Mar” (GASPAR, 2009). 54 “A adesão de Portugal às Comunidades Europeias – tendo indiscutivelmente constituído um acto com profunda relevância no contexto da sua afirmação como País membro da democracia liberal – determinou um leque vasto de alterações na vida política, económica e social portuguesa, as quais, muito naturalmente, se traduziram também num diverso enquadramento político e jurídico da nossa relação com o Mar. As várias e sucessivas fases da integração europeia e as concomitantes transferências de competências e parcelas de soberania dos Estados-Membros para as Comunidades – depois apenas Comunidade Europeia (CE) – modificaram substancialmente – umas vezes no plano formal, outras no não menos relevante domínio da prática político-diplomática – os poderes estaduais sobre o Mar e os seus recursos. A Política Comum das Pescas é disso mesmo um exemplo paradigmático” (GASPAR, 2009). 55 “As últimas três décadas têm sido marcadas por um afastamento de Portugal do mar a um ritmo vertiginoso. Se dúvidas houvesse, bastava olhar para a quase nula marinha de comércio, para a fortemente reduzida frota de pesca, para a quantidade de «museus ainda flutuantes» que integram a dita marinha de guerra, para os encerrados estaleiros de reparação e de construção naval, para a quase inexistente formação de pessoal marítimo (…)” (VIEIRA MATIAS, 2004). Estas palavras são do ano de 2004.
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(se) conquistem e exibam à nação a vontade política para a afirmação de um novo paradigma: pensar Portugal, agir global56. Se o paradigma organizacional firmado no final do século XX pensar global, agir local mantém actualidade no campo das lógicas de políticas de proximidade, para a afirmação internacional de Portugal é, contudo, necessário que o mesmo estabeleça prioridades estratégicas a longo prazo e que assuma a sua geografia e o devir57 58 da sua vocação como referentes determinantes da correspondente acção política59. A geografia física é o Atlântico. A geografia política é o atlantismo. Só teremos verdadeiro e expressivo atlantismo se agirmos política e estrategicamente sobre a geografia física. O caminho não se fará orgulhosamente só. Pelo contrário. A fazer-se, far-se-á necessariamente60 na língua de mar que une os territórios lusófonos e com os territórios lusófonos. Farse-á no Atlântico, por sul. A caminho do Índico (e do Pacífico)61 62 63. III. A Geopolítica da Energia no quadro da CPLP O momento histórico que marca o início do processo que vai levar à criação, 56 Agir global significa agir em quatro continentes (Europa, América, África e Ásia) e três oceanos (Atlântico, Índico e Pacífico). É por estes continentes e oceanos que se espraia a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. 57 Etimologicamente com origem no latim devenire, que também significa chegar (chegar a depois de ter correspondido ao seu apelo/chamamento). 58 “No passado, como se viu, Portugal foi essencialmente o mar. Com efeito, Jaime Cortesão assegura que o devir português corresponde ao aproveitamento das potencialidades do mar” (FREITAS DE MENESES, 2013). 59 Esta acção política exige a criação, nuns casos, e a consolidação, noutros, de outros laços, dependências e interdependências para lá daqueles que ainda vão fluindo, ainda que com algumas disrupções mais ou menos evidentes, do eixo euro-unionista. “Na verdade, perante o quadro de «associativismo internacional» a que estamos a assistir, com o apagamento das fronteiras tradicionais, Portugal tem necessidade de encontrar espaços de afirmação que lhe continuem a dar unidade e relevância. As ligações europeias são sem dúvida importantes política e economicamente, mas constituem, simultaneamente, um elemento redutor da tradicional soberania, erosivo da cultura portuguesa e diluidor da identidade nacional. Têm, por isso, de ser complementadas, ou contrabalançadas, por uma mais forte relação com o mar e, através dele, pela ligação ás duas margens do Atlântico. A posição marítima que a geografia nos deu deve ser explorada para ampliar limitados factores do poder nacional e para conseguir elos de ligação, que reforcem a importância do País e que criem dependências das nossas capacidades, no exterior” (VIEIRA MATIAS, 2004). As dependências saudáveis criam-se no quadro de relações políticas estáveis e duradouras. Estaremos, então, nessas circunstâncias, a falar de interdependências. 60 E desejavelmente. 61 “Moçambique, actualmente o único país membro da CPLP que não é atlântico, nem por isso deixaria de beneficiar com um melhor aproveitamento da circulação neste oceano, uma vez que por ele passa necessariamente todo o tráfego do Índico para as costas orientais das Américas, e ocidentais da África e da Europa, que não for escoado pelo Suez. Quanto a Timor Lorosae, se, como é provável, vier a integrarse na Comunidade, embora directamente pouco ou nada venha a ser beneficiado pela circulação atlântica, beneficiará dela indirectamente, pois o desenvolvimento da CPLP aproveita a todos os seus membros, e nesse desenvolvimento poderá desempenhar papel importante a exploração geopolítica do Atlântico Sul, seu núcleo geográfico” (MARTINS, 2002). Timor-Leste já é membro da CPLP. 62 “A importância geopolítica do Atlântico Sul (…) decorre também em grande parte do facto de ser através dele que se processa a única ligação livre do Atlântico para os outros dois oceanos e, por estes, para o resto do mundo” (MARTINS, 2002). 63 “Portugal é um Estado que coincide integralmente com uma só Nação. Uma Nação que é europeia por natureza mas universal por vocação” (TEIXEIRA PINTO, 2001).
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em 199664, da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) ocorreu em 1989 no Brasil, por ocasião do Primeiro Encontro de Chefes de Estado e de Governo dos Países de Língua Portuguesa, no qual foi decidida a criação do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, muito justamente considerado o embrião da CPLP65. Eram então sete países – Angola, Brasil, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. Mais tarde – mas ainda e sempre a tempo! –, e noutro quadro histórico-político, chegou TimorLeste66. Trazemos aqui este conhecido facto histórico tão-somente para ilustrar a importância fundamental que o Brasil exibe no nascimento da CPLP67. Notese, também, por exemplo, que ao papel do Presidente José Sarney, responsável pela organização do referido encontro, junta-se a extrema relevância que o Embaixador (nessas circunstâncias, em Lisboa) José Aparecido de Oliveira teve nos impulsos político-diplomáticos tendentes à criação da CPLP68. O respeito pelos princípios da igualdade soberana e da não ingerência nos assuntos internos, entre outros69, mostram estarmos perante verdadeiras relações Estado vs. Estado que prosseguem objectivos de concertação político-diplomática, de cooperação e de promoção e difusão da língua portuguesa70. Estes países, todos eles soberanos e independentes71, estão unidos por uma língua comum. Falada 64 I Conferência de Chefes de Estado e de Governo dos Países de Língua Portuguesa (realizada em Lisboa). É esta a cimeira constitutiva da CPLP. 65 Formalmente integrado nesta em 2005. 66 Em 2002, curiosamente no Brasil, no âmbito da IV Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da CPLP. É no Brasil, então, que a CPLP se abre ao Sudeste Asiático e ao Pacífico. 67 “Das nações que também partilharam, connosco, séculos de um passado feito História, só uma parecia reunir as condições ideais para desencadear o movimento que havia de levar à Declaração Constitutiva da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP): o Brasil” (FONTOURA, 2001). 68 Adiante no texto ver-se-á a importância que, na nossa opinião, o Brasil se deve reconhecer no quadro da actuação política e da afirmação no sistema internacional da CPLP, particularmente no que toca à definição estratégica de uma geopolítica da energia e às correspondentes linhas de acção política e político-económica. Este ponto é tão mais nevrálgico quanto melhor compreendamos que o “século XX vai continuar a ser marcado pela luta intensa pelo controlo das matérias-primas estratégicas” (COSTA SILVA, 2013). 69 Os princípios orientadores da CPLP estão inscritos no artigo 5º dos respectivos Estatutos: (i) Igualdade soberana dos Estados membros; (ii) Não ingerência nos assuntos internos de cada Estado; (iii) Respeito pela identidade nacional; (iv) Reciprocidade de tratamento; (v) Primado da Paz, da Democracia, do Estado de Direito, da Boa Governação; (vi) Respeito pela integridade territorial; (vii) Promoção do Desenvolvimento Sustentável; (viii) Promoção da cooperação mutuamente vantajosa. 70 Artigo 5º dos Estatutos. 71 Num momento “mediaticamente difícil” – o que é diferente de “politicamente difícil” – das relações entre alguns sectores da sociedade portuguesa e da sociedade angolana (a propósito de declarações do Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Rui Machete, à Rádio Nacional de Angola), e aludindo ao quadro da intervenção da troika em Portugal no âmbito do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF), o Jornal de Angola dizia em editorial de 12 de Outubro de 2013 que “se Portugal perdeu a independência, não está em condições de assumir qualquer responsabilidade no seio da comunidade” (referindo-se à CPLP). Mais acrescentava que “todos juntos, podemos e devemos lutar para que um país fundador reconquiste a sua independência” e que “as elites portuguesas que têm sentido patriótico podem contar com os povos da CPLP na luta pela reconquista da independência de Portugal”. É manifestamente desejável que este clima de alguma perturbação e turbulência não resvale para
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e, porventura, escrita de modo diverso em cada um deles, é a língua portuguesa que constitui o cimento histórico e existencial que os amarra uns aos outros. Mas se a língua é o cimento, o mar é a geografia que a possibilita tornar-se comum. Isto é, sem o mar – e sem o Atlântico, em particular – a língua portuguesa não teria saído da Europa e, nessa medida, deixando-se acantonar, não seria nunca a língua de oito países de quatro continentes. Todo isto deve permitir-nos dizer que sem Atlântico não há, nem nunca teria havido, CPLP72. A Estratégia da CPLP para os Oceanos foi aprovada no dia 21 de Março de 2010 no quadro da I Reunião dos Ministros dos Assuntos do Mar da CPLP, a qual se realizou em Portugal73. Determinada a sua elaboração por decisão política74 de alto nível tomada em 2007 pelo Conselho de Ministros da CPLP, reunido em Lisboa, desde logo foram entrelaçadas as perspectivas históricas e culturais, mas também políticas e económicas que uma visão – e uma acção – conjunta, concertada e integrada75 sobre os oceanos poderia trazer e lançar no espectro das decisões político-estratégicas da CPLP e de todos e cada um dos seus membros. Sistematicamente dividida em quatro capítulos – Princípios e Objectivos, Áreas de Potencial Cooperação, Mecanismos de Governação e Iniciativas –, a Estratégia da CPLP constitui um quadro bastante vasto e abrangente de linhas de acção capazes de, com o adequado impulso político e sob uma forte liderança, o campo político-diplomático e que Angola e Portugal possam continuar a ser – e, se possível, reforçando tal ligação no quadro da CPLP e das suas políticas – países reciprocamente estratégicos. 72 “(…) a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa constitui-se actualmente num património geocultural único no globo, unindo (para já) oito países portadores da mesma língua e representa um mecanismo de capital importância na cooperação estratégica multidimensional para a segurança e para o desenvolvimento dos seus Estados membros. Nesse sentido, representa para cada nação um vector estratégico da sua Política Externa e um instrumento de poder e influência do Estado quer seja na sua afirmação regional, quer no seio das Organizações Regionais e Internacionais onde representam a dimensão CPLP. Para os oito Estados ribeirinhos que vivem ligados ao mar, caracteriza-se por se projectar estrategicamente em quatro continentes, unidos por três oceanos, ligando cerca de 250 milhões de pessoas, num espaço de 10,7 milhões de km2 de terra e de 7,6 milhões de km2 de superfície marítima” (BERNARDINO, 2011). Pela nossa parte, e como defenderemos e desenvolveremos adiante, defendemos uma crescente integração económica e política no quadro estratégico da CPLP. 73 Forte de São Julião da Barra, Oeiras. A reunião contou com a presença dos responsáveis governamentais pelos Assuntos do Mar de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, tendo Moçambique sido representado pelo seu Embaixador em Portugal. 74 O Conselho de Ministros da CPLP decide “Recomendar a concertação de esforços entre os países da CPLP no sentido da elaboração de uma visão integrada, com vista a promover o desenvolvimento sustentável dos espaços oceânicos sob as suas respectivas jurisdições nacionais, inclusive por meio da cooperação internacional; Recomendar que seja avaliada a criação de um mecanismo que garanta a comunicação, a coordenação e o seguimento de acções para a gestão sustentável dos oceanos, a nível de cada Estado membro, bem como para coordenar as suas posições em fóruns da Comunidade internacional” (Resolução sobre o Desenvolvimento de uma Política de Oceanos na CPLP). 75 “Constatando que, não obstante alguns avanços registados em certos domínios de actividades ligados ao mar, as responsabilidades e tarefas que se apresentam aos Estados membros são crescentes, em complexidade e exigência, requerendo frequentemente recursos e competências que ultrapassam as capacidades existentes” (Resolução sobre o Desenvolvimento de uma Política de Oceanos na CPLP).
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possibilitar a todos os membros da CPLP uma intervenção, qualquer que seja a sua natureza, mais sólida, concertada e eficaz sobre os oceanos e, por maioria de razão, sobre o Atlântico (Sul). Um ponto que deve, desde já, ser justamente salientado é o de que a Estratégia da CPLP para os Oceanos assume, de imediato, o seu potencial político-estratégico na perspectiva – e na expectativa – do fortalecimento político da CPLP como organização viva, actuante e liderante no sistema internacional76. É isto, inequivocamente, que resulta de no seu texto se afirmar peremptoriamente que a “gestão adequada dos recursos contribui para a estabilidade das nações e para o fortalecimento das relações entre os países que constituem a Comunidade. Neste contexto, a elaboração de uma estratégia conjunta que constitua um instrumento indispensável na definição da política dos oceanos da CPLP surge como um processo natural e necessário de assumpção e consolidação de objectivos comuns da maior importância para o desenvolvimento sustentável”. Estabilidade (política, económica e social), fortalecimento das relações e consolidação de objectivos comuns é exactamente o que defendemos para a CPLP. Note-se, no entanto, que tal não pode apenas significar declarações vagas e proclamações de mera retórica diplomática-formal, com uma periodicidade burocraticamente definida e em ocasiões solenes criadas para o efeito, mas sem qualquer lastro de substância na definição de políticas estruturadas de médio-longo prazo e da acção política concreta dos seus membros. Os oceanos, em geral, e o Atlântico (Sul)77, em particular, devem constituir a pedra de toque para o aprofundamento dos patamares de integração económica78 79 e política entre os diversos membros da CPLP, que permitam fazer desta, no espectro de uma opção politicamente consciente e voluntária, um espaço 76 “Os desafios que se colocam aos Estados-membros da CPLP não são independentes de dinâmicas mais amplas que perpassam o sistema internacional” (MAGNÓLIA DIAS, MARTINS BRANCO, 2011). Por isso, acrescentamos, a resposta deve ser politicamente concertada e estrategicamente articulada. 77 Numa visão da clássica importância do Atlântico Sul para a CPLP, eis FRANÇOIS MARTINS: “Os outros países de língua portuguesa banhados pelo Atlântico, todos os da CPLP com a única excepção de Moçambique, também dependem vitalmente do tráfego marítimo, assim como das pescas e das excelentes condições naturais das suas praias para o turismo, potencialidades, aliás, ainda por eles pouco exploradas. Para além disso, Cabo Verde desfruta de uma boa posição geoestratégica na articulação e controle das ligações entre o Norte e o Sul do Atlântico e Angola, para além de uma posição simétrica da do Brasil no outro lado do Atlântico, dispõe de abundantes reservas de petróleo na sua plataforma continental. Assim, pois, os seis países atlânticos da CPLP dependem da circulação e dos recursos marítimos e possuem posições geoestratégicas que, conjugadamente, possibilitam controlar praticamente todo o Atlântico Sul, assim como as ligações deste com o Atlântico Norte, e com o Mediterrâneo” (MARTINS, 2002). O autor escrevia antes da adesão de Timor-Leste. 78 “(…) é sem dificuldade que se considera o mar uma fonte de matérias primas minerais, nomeadamente de minérios de manganês, zinco, cobre, cobalto, etc., assim como a origem de organismos vegetais e animais para o fabrico de medicamentos. Igualmente, a energia dinâmica e térmica das massas de água marítima poderá ser explorada de forma inesgotável” (VIEIRA MATIAS, 2004). Na sequência da tomada de consciência deste cenário, propomos que a integração económica assuma como eixo central a questão energética. 79 “Quanto a recursos minerais do mar (…), merecem ser sublinhados os recursos dos solos e subsolos marítimos, muitos deles já detectados e em exploração, como hidrocarbonetos e diamantes, outros por detectar, outros detectados mas aguardando progressos tecnológicos que rentabilizem a sua exploração, como os nódulos de manganês, cobre, níquel e cobalto, que jazem a grandes profundidades em algumas regiões do fundo dos oceanos” (MARTINS, 2002). Integração económica e I&D são indissociáveis.
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intercontinental de afluência da língua portuguesa e de confluência dos desígnios dos seus povos. Voltaremos a este tema, mas adiantamos, já, que Portugal – tal como Angola e o Brasil80 81 82 – deve ser um actor particularmente atento e um interessado especialmente actuante no contexto desta perspectiva estratégica de longo prazo para a CPLP. A Estratégia da CPLP para os Oceanos rege-se pelos princípios e prossegue os objectivos gerais desta organização, com particular destaque para os sacrossantos princípios da igualdade soberana dos Estados membros, do respeito pela integridade territorial, da promoção do desenvolvimento e da promoção da cooperação mutuamente vantajosa. Entre os objectivos da CPLP, contam-se propósitos que podem igualmente ser relacionados com a Estratégia da CPLP para os Oceanos, como a concertação político-diplomática entre Estados membros, nomeadamente para o reforço da cooperação e da sua presença na cena internacional. Constituem objectivos gerais da Estratégia da CPLP para os Oceanos: - Promover os princípios estabelecidos na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar; - Contribuir para uma melhor gestão e desenvolvimento sustentável dos oceanos, através da aplicação da abordagem multissectorial (incluídas as abordagens de defesa, ambiental, científica, tecnológica, social e económica) e da cooperação internacional; - Promover a constituição de áreas marinhas protegidas nos espaços marítimos sob soberania e jurisdição nos Estados membros da CPLP; - Promover medidas de compreensão e de adaptação à mudança do clima nas regiões costeiras; - Contribuir para o reforço de uma rede de recursos humanos capacitada para desenvolver uma política de oceanos integrada; - Promover medidas de aproveitamento económico dos recursos marinhos, incluindo o encorajamento de parcerias empresariais. 80 “Para portugueses e brasileiros o Atlântico reveste-se de importância fundamental. É através das suas águas que estabelecem a maior parte do seu comércio com o resto do mundo, e é ao longo das suas respectivas linhas de costa que se encontram os seus principais agregados populacionais. Para nós, portugueses, foi o principal esteio da nossa grandeza no passado, constituindo ainda hoje, devido à importância geoestratégica dos arquipélagos dos Açores e da Madeira, elemento relevante da nossa capacidade de afirmação internacional. Para o Brasil, foi no passado a artéria vital da sua formação e da sua expansão, ao longo do litoral primeiro, partindo deste depois para o interior. Hoje, a sua posição geoestratégica no Atlântico Sul garante-lhe também um papel de primeiro plano na respectiva segurança” (MARTINS, 2002). 81 Sobre a importância do Brasil (e de Angola) no quadro alargado do Atlântico Sul e do reforço do poder (marítimo) da CPLP, diz ARMANDO JORGE PEREIRA LOURENÇO que “o Brasil, potência mundial emergente, e que se está também a afirmar como potentado marítimo, tem recursos e meios para ter um papel de liderança no espaço do Atlântico Sul, podendo ainda contribuir para o reforço do poder marítimo da CPLP, se se apoiar em Angola, como defende Bessa (2008, p.129)” (PEREIRA LOURENÇO, 2011). 82 Brasil que se projecta como actor global no século XXI: “A próxima década parece trazer um reequilíbrio significativo das relações em torno e dentro do espaço atlântico, com o Atlântico Sul a desempenhar um importante papel em termos políticos, económicos e de segurança. A alteração será conduzida pelo crescimento do Brasil e da África do Sul enquanto actores globais, assim como pelo papel crescente da África Ocidental como fornecedora de energia” (Lesser, citado por FONSECA, 2011).
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Permita-se uma referência expressa a esta ideia/objectivo das parcerias empresariais83. Este é um elemento crítico do processo – que, na nossa opinião, deve ser resultado de um projecto político firme e frontalmente assumido – de progressiva integração económica entre os países da CPLP. A partilha histórica de princípios e valores comuns não pode ser sinónimo – nunca – de perda de referências culturais e sociais de base nacional. Pelo contrário, é a diversidade das partes que faz do todo um todo mais rico que a mera soma daquelas, e é exactamente neste patamar que se ver e rever a CPLP84. Mas também para isso a integração económica é importante e deve ser pensada e desenhada com estratégia85 e sentido da perspectiva do longo prazo (donde a importância do reconhecimento do devir). Acontece que esta integração económica, alicerçada que naturalmente estaria pelos referidos princípios e valores comuns – os tais que só um percurso histórico nem sempre linear permite delinear –, ainda assim precisaria – e tê-lo-ia com toda a naturalidade – de passos no sentido de alguma integração de base política. Esta integração de base política partiria de uma visão geopolítica e geoeconómica dos recursos naturais dos oceanos e, em particular, dos recursos energéticos do Atlântico86 (Sul), e assumiria os processos em curso de alargamento das plataformas continentais87 de vários países da CPLP, com 83 A Martifer, grupo português que actua, entre outras, nas áreas da construção naval (por exemplo, foi-lhe recentemente subconcessionada a gestão e exploração dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo) e das energias, tem já uma sólida e importante presença em Angola e no Brasil. Poder-lheia ser dedicada esta passagem da Estratégia da CPLP para os Oceanos: “A actuação da maioria dos Estados membros nas áreas tradicionais da actividade portuária, dos transportes marítimos e da construção, desmantelamento e reparação naval apresenta um potencial apreciável, especialmente tendo em conta a significativa percentagem de bens que circulam por via marítima. Estas áreas de actividade representam uma oportunidade para o conjunto dos países da CPLP, dadas as condições geográficas excepcionais dos Estados membros. Neste contexto, o objectivo da Estratégia traduz-se na troca de experiências e práticas entre os diversos países, bem como na partilha de meios e tecnologias”. 84 “Uma organização mais forte é uma organização que defende conscientemente os interesses dos seus Estados membros, procurando convergências estratégicas que consolidem os valores político-diplomáticos em que assenta a cooperação para o desenvolvimento sustentado e para a segurança partilhada, adoptadas desde a sua criação em Julho de 1996, uma verdadeira Comunidade ao serviço dos Estados membros” (BERNARDINO, 2011). 85 O Conceito Estratégico de Defesa Nacional (aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº19/2013, de 5 de Abril) reforça que “a incidência estratégica deve dar especial atenção às dimensões financeira, energética, alimentar, demográfica, científica e tecnológica”. Sublinhado nosso. A dimensão energética é, para nós, um pilar essencial no quadro da desejada integração económica na esfera da CPLP. 86 “As consequências geopolíticas da reemergência da Bacia Atlântica são muito importantes para o funcionamento do sistema energético internacional. O Oceano Atlântico pode ser uma plataforma crucial para o fluxo das matérias-primas e da energia; o papel dos recursos do offshore vai tender a crescer; as rotas energéticas e comerciais vão intensificar-se no Atlântico e as consequências para Portugal podem ser múltiplas, atendendo à excelente posição geográfica do país” (COSTA SILVA, 2013). 87 “A plataforma continental de um Estado costeiro compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural do seu território terrestre, até ao bordo exterior da margem continental ou até uma distância de 200 milhas marítimas (…), nos casos e que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância” (artigo 76º, nº1, da Convenção de Montego Bay).
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reconhecido destaque para aqueles que envolvem Portugal88, Brasil89, Angola e Cabo Verde, como os radicais estratégicos dessa integração de base política90 91. Infelizmente, esta não é ainda a abordagem do Conceito Estratégico de Defesa Nacional92, pese embora, seguramente, pudesse contribuir de jeito decisivo para a concretização de alguns dos seus objectivos neste domínio, tais como (i) diminuir a dependência energética de Portugal do exterior e aproximá-la da média da UE (50%); (ii) diversificar fontes de fornecimento e rotas energéticas; (iii) tornar efectiva uma política de eficiência energética e apostar nos recursos endógenos do País com a dinamização de clusters competitivos na área das energias renováveis, em particular eólica, solar e biomassa; (iv) optimizar os recursos hídricos; (v) rever a política de transportes, sector responsável pelo consumo de mais de um terço da energia primária e muito dependente do petróleo; (vi) rever a política de gestão de reservas estratégicas de petróleo e gás e 88 “De acordo com Pinto de Abreu, estima-se que o potencial de recursos energéticos da plataforma continental estendida seja aproximadamente 9,14x109 milhões de euros (…), o que é ilustrativo do virtual impacto para a economia de um país, como é o caso de Portugal” (FERREIRA DA SILVA, 2012). 89 “Os interesses brasileiros na plataforma continental e na «Área» são enormes, envolvendo a produção de petróleo e gás, a pesca, a exploração de nódulos polimetálicos e calcário marinho. A retirada do fundo do mar da maioria desses minerais ainda precisa superar desafios científicos, tecnológicos e ambientais consideráveis, cuja complexidade aumenta quanto mais fundo ou longe da costa eles estiverem” (BARBOSA GUERRA, 2011). 90 Esta proposta integração de base política seria um factor incontornável no reforço institucional da CPLP e na definição de uma linha de acção política no quadro do sistema internacional, a qual teria, então, condições para se assumir de facto como um actor político-institucional relevante. Alertando para mutações no domínio da arquitectura institucional das relações internacionais, escreve Loureiro dos Santos que a “mudança que está em curso nas relações de forças entre os Estados já originou consequências em termos de distribuição do poder, fazendo emergir novos pólos e esbatendo a capacidade de influenciar os pólos já existentes. À medida que se for acentuando, modificar-seão os comportamentos dos diversos actores com expressão mundial, que se projectarão, necessariamente, e novos ordenamentos institucionais que substituirão paulatinamente os antigos ou os tornarão obsoletos e sem préstimo” (LOUREIRO DOS SANTOS, 2011). O que se pretende é que, numa lógica estratégica de médio-longo prazo, os países da CPLP a façam – queiram e consigam fazê-lo – assumir-se como um actor com expressão mundial. 91 “(…) cumprir uma Estratégia da CPLP para o Mar, sendo uma tarefa que não está isenta de complexidade, é inquestionavelmente uma oportunidade que oferece múltiplas vantagens, contribuindo para o reforço da cooperação entre os Estados Lusófonos e gerando consequentes sinergias que possibilitem a operacionalização da referida estratégia. Cremos que este desiderato pode tomar forma, numa primeira fase, no espaço do Atlântico que liga a maioria daquelas nações e é onde reside a massa crítica do espaço lusófono (…)” (PEREIRA LOURENÇO, 2011). 92 “As duas margens do Atlântico Sul têm sido alvo de intensa procura de energia, minérios e produtos alimentares, o que sublinha a sua relevância geoeconómica. As reservas do Golfo da Guiné e de Angola e as jazidas de petróleo e gás no offshore do Brasil representam um contrapeso aos centros tradicionais de poder no sistema energético internacional. O Atlântico, para além de ser uma plataforma capital para o fluxo das matérias-primas e da energia, ficará ainda mais valorizado por ser um oceano aberto. A importância crescente das rotas energéticas e comerciais dá relevo à necessidade de um esforço convergente entre os países costeiros do Norte e do Sul para garantir a sua segurança comum”. É esta a referência mais impressiva que encontramos no contexto da análise do problema da energia (e do seu enquadramento na perspectiva do Atlântico Sul), pese embora afirme a pertença à CPLP e a centralidade atlântica como activos nacionais: “No quadro do processo de planeamento estratégico, com o objectivo de maximizar as capacidades nacionais, importa explorar, pelo que isso representa em termos de elemento multiplicador do potencial estratégico nacional, os seguintes activos nacionais: a história, a identidade e coesão nacionais; a cultura e o espaço linguístico; um regime democrático consolidado; a participação na UE, na OTAN e na CPLP; o mar e a centralidade no espaço atlântico; o carácter arquipelágico do território; o clima e as comunidades de emigrantes”.
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adequar a sua magnitude à intensidade das ameaças de interrupção de abastecimento; (vii) impulsionar o potencial para a produção de biocombustíveis e promover uma política integrada de aproveitamento dos resíduos da floresta e dos resíduos urbanos que pode ajudar a transformar resíduos em recursos energéticos; (viii) negociar a participação de Portugal em projectos de redes energéticas transeuropeias. Ainda assim, e pese embora não explorada nem potenciada no espectro do alcance que a mesma atinge, a plataforma continental não deixa de ser enquadrada e cuidada na esfera do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, designadamente do ponto de vista da sua reconhecida importância geopolítica e geoeconómica93. O desenho e, como agora se vai dizendo, a calibragem das concretas medidas de uma integração de base política no quadro da CPLP implicaria, com certeza, um novo olhar para as relações de Portugal no panorama da União Europeia. Não no sentido de uma saída – nada disso – desta organização, mas antes como decorrência da afirmação de um novo elemento – o aprofundamento políticosocial da lusofonia, com a correspondente afirmação no sistema internacional94 – nas expectativas de futuro de um povo europeu que o é desde o século XII95. 93 “A delimitação da plataforma continental configura um território de referência do País, indissociável da sua dimensão marítima acrescida, que consagra a Portugal direitos soberanos na exploração e aproveitamento no elevado potencial dos seus recursos, bem como responsabilidades e desafios num espaço que renova a sua centralidade geoestratégica. Assim, porque só se pode explorar, proteger e preservar aquilo que se conhece, a exploração sustentável dos seus recursos minerais, energéticos e biogenéticos, e consequente criação de valor que promova o desenvolvimento económico, exige que se criem condições que assentam em três fatores críticos de sucesso: melhorar o conhecimento científico, incrementar a capacitação tecnológica e defender a plataforma continental. Portugal pode colocar -se no centro das redes portuárias internacionais e das rotas comerciais e energéticas e ficará com a possibilidade de explorar importantes matérias-primas e recursos energéticos. O mar constitui assim um importante activo estratégico e, por isso, a exploração dos recursos da plataforma continental torna obrigatória a revisão periódica da Estratégia Nacional para o Mar, perspectivando vectores de acção para que o aproveitamento sustentado do mar venha a constituir uma realidade efectiva, no que é determinante a integração e articulação de várias políticas sectoriais, nomeadamente a diplomática, a económica, a educativa, a científica e tecnológica e a ambiental. Como activo estratégico, o mar deve estar integrado numa perspectiva ampla de segurança e defesa nacional”. Sublinhados nossos. 94 A propósito da desejada e defendida afirmação internacional da CPLP, será bom lembrar a sua dimensão demográfica. De acordo com as Estatísticas da CPLP 2012, publicadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) no quadro de um projecto dos Presidentes e Directores-gerais de Estatística da CPLP, a “população total dos países da CPLP, em 2010, era composta por 244 478 753 habitantes. O Brasil tinha a maior população, 190 755 799 habitantes (78,0%), seguido por Moçambique com 22 416 881 habitantes (9,2%), Angola com 17 429 637 habitantes (7,1%), Portugal com 10 636 979 habitantes (4,4%), Guiné- Bissau com 1 515 224 habitantes (0,6%), Timor-Leste com 1 066 409 habitantes (0,4%), Cabo Verde com 494 040 habitantes (0,2%) e São Tomé e Príncipe com 163 784 habitantes (0,1%)” (p.30). Muito relevante é ainda saber que as “pirâmides etárias apresentadas para 2010, de bases largas e picos estreitos evidenciam a estrutura jovem da população dos países da CPLP, exceptuando Portugal que apresenta a base e o topo estreito o que reflecte a tendência idosa da sua população” (p.44). Sublinhado nosso. Portugal segue, como sabemos, a tendência europeia… 95 Sobre como o quantum político e o modo de relacionamento de Portugal com o mar se modificou após a adesão de Portugal às, então, Comunidades Europeias, escrevemos em 2009 que a “adesão de Portugal às Comunidades Europeias – tendo indiscutivelmente constituído um acto com profunda relevância no contexto da sua afirmação como membro da democracia liberal – determinou um leque vasto de alterações na vida política, económica e social portuguesa, as quais, muito naturalmente, se traduziram também num diverso enquadramento político e jurídico da nossa relação com o Mar. As várias e sucessivas fases da
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E, permita-se ora também esta referência, convirá sempre lembrar que União Europeia e euro (moeda) são realidades políticas relacionadas e relacionáveis, mas não constituem “projectos” que se confundam ou devam confundir. Na verdade, como todos sabemos, dos 28 Estados-Membros da União Europeia, apenas 18 terão o euro como moeda em Janeiro de 2014. Ficam de fora, mantendo as respectivas moedas nacionais, por exemplo, o Reino Unido e as sempre por cá muito admiradas Dinamarca e Suécia96. Isto para dizer que, num plano de absoluta responsabilidade política e estruturada consciência cívica não pode deixar de ser ponderada – como opção estratégica de médio-longo prazo e não como escapatória de último e descontrolado recurso de curto prazo – uma eventual saída do euro, mantendo-se Portugal na União Europeia, desde que antecipada e devidamente preparada estivesse a estabilidade cambial do escudo na lógica de um acordo/ sistema de paridade cambial com o real (Brasil) que assegurasse margens razoáveis e sistemicamente controladas de oscilação97 entre duas moedas de países que deveriam ter já, então, desenvolvido e crescentemente consolidado contextos de efectiva integração económica e empresarial98 num espectro largo de sectores, mas nos quais, inequivocamente, se deveria incluir o sector energético em todas as suas dimensões. Este caminho – esta possibilidade – teria (terá) tão maiores expectativas de sucesso quanto mais longe fosse e mais profundo estivesse o processo de integração de base política no quadro da CPLP, potenciando-se, dessa forma, todo o
integração europeia e as concomitantes transferências d competências e parcelas de soberania dos EstadosMembros para as Comunidades – depois apenas Comunidade Europeia (CE) – modificaram substancialmente – umas vezes no plano formal, outras no não menos relevante domínio da prática político-diplomática – os poderes estaduais sobre o Mar e os seus recursos” (GASPAR, 2009). 96 Umas vezes por razões justas e objectivamente compreensíveis e outras por ignorância mimética ou injustificada antecipação de cansaço analítico. 97 Faça notar-se que as “taxas médias de câmbio (custo de uma moeda em relação a uma outra) dos países da CPLP face ao dólar revelaram uma tendência de oscilação. No cômputo geral, de 2003 a 2010, verificouse uma desvalorização, em relação ao dólar, das seguintes moedas: Dobra (São Tomé e Príncipe); Metical (Moçambique); Kwanza (Angola). Nos restantes países, apesar das variações oscilantes, em média houve uma valorização das respectivas moedas nacionais em relação ao dólar, com destaque para o real (Brasil)” (Estatísticas da CPLP 2012, p.196). Sublinhado nosso. 98 A anunciada fusão da portuguesa PT com a brasileira OI, operadores no mercado das telecomunicações constitui, assim, um magnífico exemplo do que defendemos para as empresas e as economias dos dois países: aprofundamento das fusões empresariais e consolidação das etapas de integração económica, dois momentos essenciais no quadro da constituição de empresas de matriz lusófona relevantes à escala global. Como se diz no próprio comunicado da PT de 2 de Outubro (o qual dá nota do referido processo de fusão), a “operação de fusão é uma consequência natural da aliança industrial entre a Portugal Telecom e a Oi, estabelecida em 2010. A combinação dos negócios da Portugal Telecom e da Oi resultará na criação de um operador de telecomunicações líder, cobrindo uma área geográfica com cerca de 260 milhões de habitantes e cerca de 100 milhões de clientes. A transacção consolidará a posição das duas sociedades como o operador líder nos países de língua portuguesa, liderando em todos os mercados em que opera. A combinação dos dois grupos pretende alcançar significativas economias de escala, maximizar sinergias operacionais e criar valor para seus accionistas, clientes e colaboradores” (sublinhado nosso). Henrique Granadeiro, actual CEO da PT e futuro vice chairman da nova empresa (CorpCo), diz que estamos perante “a criação de uma multinacional de língua portuguesa em várias geografias” (jornal Público, 3 Outubro 2013).
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universo lusófono a partir do triângulo99 Portugal/Brasil/100Angola101 (a ordem dos vértices é irrelevante do ponto de vista da correspondente importância relativa)102. O mar e os seus recursos energéticos103, a extensão da plataforma 99 Sobre a importância do Brasil neste triângulo: “Ao analisar a importância do mar para o Brasil afirma que, por ele, o Brasil alcança «a África e Portugal, isto é, a Comunidade Luzíada, o que abre novas perspectiva à expansão brasileira»” (comentando Carlos de Meira Matos, FONTOURA, 2001). 100 “O Brasil visualiza um entorno estratégico que extrapola a massa do subcontinente sul-americano, projectando-se para o Atlântico Sul e os países lindeiros da África. No continente africano o Brasil tem buscado intensificar a cooperação e o comércio, principalmente com os países de língua portuguesa, no que é facilitado também pelos laços étnicos e culturais existentes” (BARBOSA GUERRA, 2011). 101 No quadro das relações comerciais bilaterais entre Portugal e Angola, os dados mostram que ainda há muito caminho (também no campo político…) por fazer: “Em Angola, em termos percentuais, na quota parte dos valores correntes das exportações por país de destino, durante o período de 2004 a 2010, pode distinguir-se no ranking, a China e os EUA que apresentam médias que se situavam em 33,1% e 25,1%. Dos países da CPLP, Portugal foi o país mais significativo, figurando no 12º lugar do ranking com 0,7%. Nas importações, durante o mesmo período, destacaram-se Portugal com um peso médio de 16,9%, seguido sucessivamente por China, EUA, Brasil e África do Sul com 8,2%, 8,1%, 7,8% e 7,5%, respectivamente” (Estatísticas da CPLP 2012, p.227). 102 Em 2011 dizíamos em artigo publicado no jornal Sol: “(…) A União Europeia é uma coisa e o euro é outra, e é (sempre) indispensável ir pensando num plano B. Para tempos difíceis, ideias arrojadas, e quando o Mundo muda devem mudar os países e a Visão que cada um deles tem (ou não…) sobre o Mundo. Parece que não queremos sair do euro, mas também parece que não é certo que, pelo menos, alguns, não nos queiram ver sair do dito. Parece que não queremos sair porque daí resultaria o caos para a nossa economia: o regresso ao escudo teria colossais implicações na credibilidade externa de Portugal, a dívida externa, pública e privada, aumentaria descontroladamente, as falências subiriam exponencialmente e o desemprego seria ainda mais o pão (que o diabo amassaria) nosso de cada dia. E parece que não é certo que, pelo menos, alguns, não nos queiram ver sair porque, pura e simplesmente, ganhariam – não necessariamente em euros – com isso. Ora, é aqui que a «concreta caracterização histórica, cultural, social e linguística» pode ajudar a potenciar estrategicamente um pensamento sobre o Plano B: o Plano Brasil. O Brasil é um país emergente? Não, é mais do que isso. O Brasil precisa de consolidar a Norte do seu hemisfério a dimensão política da sua mais do que emergente economia? Sim, precisa e quer. O Brasil quer uma maior participação das (suas) empresas brasileiras no mercado europeu e, em particular, nas empresas europeias (a privatizar, por exemplo…)? Sim, quer e precisa. O Brasil fala, escreve e pensa em português? Num certo sentido, depois do Acordo Ortográfico, mais do que nunca. E Portugal? Portugal é um país atlantista e que tem em curso um projecto nas nações Unidas para o alargamento da sua plataforma continental? Sim, é e tem. Aliás, como o Brasil. Portugal precisa de parcerias no domínio da investigação científica e da exploração económica do Mar? Sim, precisa. Aliás, áreas essas nas quais o Brasil está e vai muito à frente. Portugal quer mais e melhor lusofonia económica e o Brasil tem já uma importante presença económica em África? Pois, parece que sim. O triângulo Portugal/África/Brasil (Portugal) pode, afinal, ser um triângulo Portugal/Brasil/África (Portugal)? Claro que pode. Para ser triângulo só precisa de três lados. Enfim, se já pusemos um Rei no Brasil (ainda por cima, pelo seu próprio pé…), por que não pôr lá o nosso escudo através de um acordo de paridade cambial com o real que assegurasse a estabilidade da nossa moeda e da nossa economia? Já viram? O escudo no Brasil e o real em Portugal, ainda e sempre Estado-membro da União Europeia?” 103 Recursos energéticos esses que tanto se mostram disponíveis no plano das chamadas energias limpas quanto no plano dos denominados combustíveis tradicionais, pelo que as estratégias de actuação no campo da correspondente exploração devem ser previamente definidas e articuladas tendo em atenção exactamente isso mesmo (alternativa é isso mesmo; não confundamos com falsos puritanismos ou vanguardismos imberbes). “A procura de energias alternativas (limpas) está no topo das prioridades do investimento no mar. Estas energias provêm de diversas fontes. Seja a energia das ondas, das marés, do vento, térmica, biomassa, todas são importantes nesta estratégia de substituir paulatinamente os combustíveis fósseis. Não será preciso lembrar que Portugal tem sido pioneiro nestas iniciativas, tendo instalado em 1999 (…) do outro lado do canal do Faial, a primeira central-piloto de energia das ondas. Mas também não se pode desprezar a possibilidade de explorar os combustíveis tradicionais enquanto as alternativas não se impõem definitivamente. Nos últimos anos, Portugal tem promovido a realização de pesquisas de hidrocarbonetos e de gás natural ao longo
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continental portuguesa104 (e de outros países da CPLP105) e as suas inestimáveis106 potencialidades107 energéticas108 e uma gestão política e geoestratégica de tais recursos directa e convictamente assumida pela CPLP109 constituem, então, os traços essenciais na partida para um novo quadro de relacionamento e de interacções no sistema internacional. Tais traços deveriam constituir a marca de água da definitiva consolidação política da Estratégia da CPLP para os Oceanos, a qual assumiria a energia como o eixo central de uma perspectiva holística e integrada de uma dada concepção estratégica do mar. Neste como noutros sentidos, só há política (e acção política) com estratégia (e sentido estratégico)110. da costa do continente, havendo motivos para acreditar na existência destas matérias-primas nalguns dos locais onde aquelas decorreram. Espera-se que, com a possível existência de outras formas de energia, especialmente na plataforma continental, Portugal ganhe autonomia neste campo, facto que muito pode contribuir para o desenvolvimento nacional” (PINTO DE ABREU, 2013). Da forma como pensamos, tal autonomia só é efectivamente pensável, tendencialmente alcançável e historicamente concretizável no quadro de uma estratégia de integração de base política no quadro da CPLP que a habilite e impulsione para uma gestão (política) integrada da energia. 104 “(…) em Maio de 2009, e ao cabo de um processo cuidadosamente preparado e estruturado pela Estrutura de Missão da Plataforma Continental, Portugal apresentou uma proposta de extensão da sua plataforma continental para além das 200 milhas náuticas que, após a definição dos limites exteriores, implicará um aumento considerável da área de jurisdição nacional, dos actuais 1,8 milhões para os 3,6 milhões, uma área aproximada à da União Europeia no seu conjunto. Como consequência, 90 por cento da soberania e jurisdição nacional serão exercidos sobre áreas marítimas” (ALMEIDA RIBEIRO, 2013). 105 “A aprovação dos referidos programas permitirá ganhar acesso a mais recursos, sendo que é na Zona Económica Exclusiva e na Plataforma Continental que se situam cada vez mais os interesses dos Estados. Globalmente, é naquelas zonas que se encontram cerca de 95% dos recursos haliêuticos actualmente explorados, bem como a quase totalidade do petróleo e outros recursos minerais (Caron, 2007), que naturalmente terão que ser protegidos da cobiça e depredação alheias” (PEREIRA LOURENÇO, 2011). 106 Por ora. 107 Por exemplo: “A descoberta de hidratos de metano nos fundos marinhos foi um dos factos mais notáveis dos últimos trinta anos. Os hidratos de metano parecem pequenos blocos de gelo e podem ser encontrados na plataforma continental a profundidades situadas entre os 300 e os 2 000 metros (…). Constituem um recurso energético de primeira grandeza, sendo as suas reservas superiores à totalidade das reservas conhecidas de petróleo, gás natural e carvão. Não sendo possível prescindir dos combustíveis sólidos nas próximas décadas, os hidratos de metano poderão colmatar o problema resultante do esgotamento do petróleo barato (…). A sua exploração comercial ainda não começou, mas existe a convicção de que estará para breve” (FERREIRA DA SILVA, 2012). 108 “O Estado costeiro terá o direito exclusivo de autorizar e regulamentar as perfurações na plataforma continental, quaisquer que sejam os fins” (artigo 81º da Convenção de Montego Bay). Sublinhado nosso. Tal direito constitui, a nosso ver, um radical absoluto na extrapolação da sua dimensão político-económica. 109 Procurando ensaiar uma reflexão estratégica sobre a energia no quadro da CPLP, eis Berta Cabral, Secretária de Estado Adjunta e da Defesa Nacional do governo português: “Mas devemos perceber também que a cooperação de Portugal com os países da Comunidade extravasa em muito o interesse na importação de petróleo. A reconfiguração geopolítica em torno da transição da matriz energética dos fósseis para outras – as renováveis – criará uma janela de oportunidade para o nosso País. O percurso do Brasil no que respeita à biomassa é uma realidade que devemos ter em conta na busca da nossa própria via. As competências dos portugueses nas energias renováveis são conhecidas e reconhecidas a nível internacional. Acredito que há espaço para nos afirmarmos como uma nação que conta em termos energéticos. A CPLP é um palco privilegiado para esta afirmação” (CABRAL, 2013). 110 “(…) para a formulação, desenvolvimento e implementação de linhas de acção de uma política marítima, é indispensável desenvolver uma acção integrada que não seja apenas uma justaposição das perspectivas sectoriais. Para obter o referido objectivo tem que se fazer uso do «cimento conceptual da estratégia que as liga e as mobiliza no contexto dos processos destinados a viabilizar o uso do mar na justa medida dos interesses de
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Como temos vindo a defender, a Europa e o Mar – e o Mar é também, e muito, a CPLP – não são estratégias incompatíveis nem constituem projectos inconciliáveis. Como lapidarmente escreve FRANÇOIS MARTINS, “A multiplicação das «pertenças» a diferentes organizações internacionais constitui também uma forma de cada Estado aumentar as suas capacidades de intervenção no sistema das relações internacionais em defesa dos seus interesses, ao mesmo tempo que melhora as suas possibilidades de afirmação e autonomia no seio de cada uma das organizações a que simultaneamente pertence”111. A própria União Europeia beneficiaria de um maior e contínuo aprofundamento das relações políticas de Portugal com os restantes membros da CPLP112 113. Nesta esfera de reforço político da CPLP, e como antes já dissemos, seria crucial o empenhamento político ao mais alto nível do Brasil114 e de Angola115 116. A desenvolvimento e de segurança» (Ribeiro, 2008, p.34) nacional, regional e global. Nesta linha de raciocínio, e com vista a desenvolver e operacionalizar consistentemente uma Estratégia da CPLP para o Mar, parecenos pertinente ter em consideração a recomendação do General Cabral Couto, que aponta para a necessidade de satisfazer quatro questões fundamentais: saber o que se quer, querer fazê-lo, poder fazê-lo; saber fazê-lo (Couto, 2009)” (PEREIRA LOURENÇO, 2011). Acrescentamos nós que qualquer uma das quatro questões tem uma dupla dimensão, individual e colectiva. 111 Martins, 2002. 112 “É neste último aspecto que a estruturação de “grandes espaços” em função de afinidades históricoculturais introduz importantes diferenças. Organizações multiculturais e pluricontinentais como a Commonwealth, como a Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo dos Países de Língua Francesa, com a sua Agência da Francofonia, como a Cimeira Ibero-Americana, como a Organização da Conferência Islâmica, ou como a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, reunindo países ligados por laços históricos e por valores culturais partilhados, ao aumentar a frequência das relações entre eles, reforçam as identidades culturais dos diferentes povos congregados, dado que nessas relações é a História comum que se reaviva, são os valores culturais comuns que se afirmam, sendo as diferenças percebidas pela experiência histórica como mutuamente enriquecedoras. E, por outro lado, sendo pluricontinentais, essas organizações podem funcionar eficazmente como pontes ou charneiras entre as diversas organizações regionais a que cada um dos seus membros se encontra também ligado, abrindo-as a relacionamentos privilegiados, mutuamente convenientes” (MARTINS, 2002. Sublinhado nosso). 113 Sobre a importância do reforço político-institucional da CPLP no quadro do seu relacionamento com organizações internacionais de base regional: “Não será simples, não será fácil e certamente demorará tempo, mas é um caminho possível, inteiramente coerente com a nossa condição geopolítica e com a nossa História. Inclui, naturalmente, dado tratar-se de um processo de reciprocidade, o desenvolvimento da CPLP e de todas as suas potencialidades, em particular a de poder ser articulação entre outros grandes espaços, como a UE na Europa, o Mercosul na América do Sul, os diversos espaços regionais de integração económica e política em que participam os países africanos de expressão portuguesa em África” (MARTINS, 2002). 114 De acordo com as Estatísticas da CPLP 2012 (p.31), o “Produto Interno Bruto (PIB) a preços correntes (PIB nominal) do conjunto dos países da CPLP, em 2010, foi cerca de [ USD 2 470 104, dos quais USD 2 142 418 do Brasil, USD 228 829 de Portugal, USD 82 471 de Angola, USD 9 550 de Moçambique, USD 4 131 de Timor-Leste, USD 1 661 de Cabo Verde, USD 829 de Guiné-Bissau e USD 214 de São Tomé e Príncipe” (sublinhado nosso). 115 Sobre a lógica triangular das relações tricontinentais – erigidas a partir da base relacional políticodiplomática, económico-empresarial e social-cultural entre Portugal, Brasil e Angola, diz Luís Andrade: “(…) é importante referir que articulação luso-brasileira é, de igual modo, essencial à construção de uma plataforma atlântica, cooperativa e utilitária, na articulação dos projectos pela via da troca de experiências em África” (ANDRADE, 2013). 116 “A consolidação, o aprofundamento, o desenvolvimento da CPLP poderá, pois, tornar esta organização altamente proveitosa, em termos da capacidade de afirmação política, e de desenvolvimento social e
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importância determinante de cada um deles no quadro do (sub) continente (sul) americano e no continente africano, os seus justos anseios e legítimas expectativas de afirmação e continuado reconhecimento à escala global e a circunstância – (pré) determinada pela geografia e correspondida pela história – de serem países de uso do português como língua oficial, aliadas ao seu poder e potencialidades económicas, fazem destes dois países actores incontornáveis no sistema internacional, em geral, e na geopolítica da energia, em particular. Compreender e “aceitar” estes factos – repete-se, factos – são momentos de reflexão vs. acção que todos temos de ter, incluindo os poderes públicos portugueses, no sentido da afirmação do Atlântico (Sul) como o oceano do nosso futuro colectivo117. Desígnio, vocação, afirmação da identidade nacional, energia e desenvolvimento económico são os conceitos que devem marcar o relacionamento de Portugal com o Atlântico (Sul) e com os seus parceiros – essencialmente políticos – da CPLP, principalmente, como vimos, com Angola e com o Brasil118 119. E não olvidemos que é o Atlântico Sul que nos leva ao Índico120 e ao Pacífico, o que significa que é
económico, dos seus membros. Umas das vias que, nesse sentido, valerá a pena explorar, parece-nos ser a do aproveitamento das potencialidades do Atlântico Sul, enquanto seu núcleo geográfico. Mas o melhor aproveitamento das potencialidades do Atlântico Sul necessita da convergência das vontades políticas de Portugal e do Brasil, sem a qual, por outro lado, não será possível o desenvolvimento pleno das potencialidades da CPLP” (MARTINS, 2002). 117 Que não apenas da nossa história. 118 “No Atlântico, o estatuto de potência emergente é, geralmente, aplicado apenas ao Brasil. No contexto de que estou a falar, aplico-o também à África do Sul, a Angola e à Nigéria, esta na qualidade de exportador de recursos energéticos, que o Brasil e Angola também detêm. Estes quatro países estão a alterar o panorama da atividade económica através do Atlântico, até agora dominado pelas relações entre os EUA e a Europa, mas que passará a ter uma maior participação do sul, com reflexos directos nos fluxos marítimos entre o Norte e o Sul e entre a América do Sul e África. O seu potencial energético já atrai os interesses da China e Índia, as novas potências emergentes da Ásia, e crescerá com as suas necessidades de procura de novas fontes” (REIS RODRIGUES, 2013). 119 “Nesta organização, Portugal e Brasil aparecem como elementos focais e o Atlântico Sul como referência geográfica central. As já antigas relações bilaterais entre Portugal e o Brasil, de facto iniciadas com a descoberta de há quinhentos anos atrás, encontram agora, quer-nos parecer, no seio da CPLP, a melhor concretização do seu aprofundamento, a melhor institucionalização da sua expansão, podendo aí também ambos os países cooperar efectivamente no apoio ao desenvolvimento dos restantes membros da Comunidade, com benefício para eles e para si próprios. Na dinamização da CPLP, na devida exploração das suas muitas potencialidades, económicas, políticas, socioculturais, todos são igualmente importantes, todos devem beneficiar, todos precisam de cooperar entre si, mas as condições de cada um dos Estados membros no momento actual impõem, de facto, que sejam Portugal e o Brasil, conjuntamente, a desempenhar nessa dinamização o papel principal” (MARTINS, 2002). Na nossa opinião, o núcleo duro político da CPLP só fica completo com a presença e o empenhamento convicto de Angola. 120 Exaltando a importância da ligação do Atlântico Sul ao Índico – e, desse jeito, dessa passagem como eixo estruturante daquela a que chamaríamos nós geopolítica endógena da CPLP –, diz LOUREIRO DOS SANTOS: “Registe-se que duas das mais importantes linhas de comércio marítimo que conduzem produtos de e para toda a região geopolítica do Atlântico, tanto para a sub-região Norte como para a do Sul, atravessam pontos críticos facilmente neutralizados, numa situação de crise: o Canal do Panamá a Oeste e o Mar Vermelho – Canal do Suez e Estreito de Gibraltar – a Leste, o que dá maior importância aos movimentos de navios pela entrada do Atlântico Sul, ao Sul dos continentes sul-americano e africano, especialmente por este, segundo a rota do Cabo” (LOUREIRO DOS SANTOS, 2011).
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por ele que vamos a Moçambique121 e a Timor-Leste122 123. O Atlântico Sul, sendo o núcleo geográfico da CPLP124, recoloca Portugal numa posição geopolítica mais central no quadro de relacionamentos daquelas que seriam, assim, as suas duas organizações de referência político-institucional e económica, constituindo o vértice superior125 de um triângulo tricontinental e plurinacional Europa (Portugal), América (Brasil126) e África (Angola127), cuja área seria (é) essencialmente dominada pelo Atlântico Sul (e pelas plataformas continentais de seis dos países membros da CPLP). Recuperar centralidade deveria ser, por si só, um desafio, tamanhas são as consequências favoráveis e as implicações positivas que do correspondente recentramento geopolítico128 e geoestratégico que de tal processo adviriam para Portugal129. No caso particular do desenvolvimento e consolidação de fortíssimas políticas de cooperação política e económica entre Portugal e Angola no quadro 121 “Moçambique possui também enormes potencialidades energéticas, tanto de electricidade, bem como de grandes reservas de gás natural e de carvão mineral, embora faltem dados sobre esta última componente. A electricidade coloca o país no grupo dos maiores produtores e exportadores no Continente Africano” (Estatísticas da CPLP 2012, p.285). 122 No sentido de defender uma maior presença política e influência diplomática do Brasil no âmbito de responsabilidades da CPLP e da lusofonia, veja-se a Folha de São Paulo (13 Outubro 2013): “Em palestra em São Paulo, o Prêmio Nobel da Paz timorense José Ramos-Horta exortou o Brasil a aumentar seu envolvimento com os demais países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Esse engajamento, defende Ramos-Horta, deveria incluir desde o financiamento das eleições na Guiné-Bissau, onde ele trabalha como representante especial da ONU, até a criação de uma TV nos moldes da Al Jazeera, do Qatar. «Até hoje, não há um centavo no fundo do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) para o financiamento das eleições», disse Ramos-Horta, 63, no ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento, que tem promoção da Folha. «O Brasil fará honra a seu status de membro da CPLP se financiar generosamente as eleições»”. 123 “Embora faltem dados sobre a produção do petróleo em Timor-Leste, é sabido (de acordo com as Contas Nacionais de Timor-Leste, 2004-2010) que parte considerável das receitas deste país provém da exportação daquele precioso recurso mineral” (Estatísticas da CPLP 2012, p.285). 124 “O Atlântico Sul ganha neste relacionamento um significado especial, como espaço de ligação e como símbolo, de uma relação privilegiada entre Portugal e Brasil, ao mesmo tempo que se apresenta como verdadeiro núcleo geográfico da CPLP” (MARTINS, 2002). 125 Na sua perspectiva meramente geométrica, pois a relevância político-institucional é a mesma. 126 No quadro da CPLP, “o Brasil releva-se como o maior produtor de energia primária, bem como de uma diversidade de fontes de energia, possuindo grandes projectos de energia renovável reconhecidos a nível mundial, com a produção de biocombustíveis a partir de cana-de-açúcar, como é o caso do etanol” (Estatísticas da CPLP 2012, p.285). 127 “Angola apresenta-se com ricos recursos energéticos (petróleo e gás natural), sendo que a exportação do petróleo coloca a economia do país nos últimos anos, entre as economias mais aceleradas ao nível de África” (Estatísticas da CPLP 2012, p.285). 128 O “espaço geopolítico conquista-se primeiro, defende-se depois e, por fim, valoriza-se” (FONTOURA, 2001). 129 “Assim, o Estado português reconquista centralidade na retoma de maior correspondência com África e as Américas. Deste modo, o Estado português resiste à aviltante condição de irrelevante periferia, em consequência do assomo da continentalidade, resultante do alargamento da União Europeia em territórios do centro e do leste. O mar é afinal a única garantia de que Portugal se não confina á Europa, já que a via atlântica propicia o reforço de conexões indispensáveis, a norte, com os preponderantes Estados Unidos, a sul, com os emergentes Brasil e Angola” (FREITAS DE MENESES, 2013). Palavras tão cruas quanto realistas.
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da CPLP, verifica-se, ainda, um outro factor que é comum no que toca à influência e ao interesse nas respectivas economias. Estamos a falar da China e da sua necessidade vital de garantir o acesso e o controlo de recursos energéticos, os quais se revelam absolutamente vitais para sustentar as necessidades da sua economia e do crescente nível de exigências de consumo da sua população130. A China, através da empresa China Three Gorges Corporation, com capital exclusivamente estatal, adquiriu no âmbito da 8ª fase de reprivatização da EDP 21,35% do capital social desta empresa. Este investimento concretiza uma aposta estratégica na EDP e nas suas operações – não só em Portugal – e implica que colectivamente incluamos no nosso mapa de acção política futura e, em particular, no que toca à definição da nossa geopolítica da energia, a China como um actor determinante no quadro da eleição das parcerias e da procura de sinergias político-económicas131. Também a State Grid of China132, através da State Grid International Development Limited (subsidiária responsável pelas operações internacionais, também com fortíssimos investimentos no Brasil) – tomou uma posição predominante na REN – Redes Energéticas Nacionais133, através da aquisição de 25% do capital social da empresa. Esta operação, tal como, aliás, a da China Three Gorges Corporation na EDP, é muito mais do que um mero investimento na estrutura accionista da empresa, trazendo associado um plano estratégico de intervenção no mercado global da energia134, no qual se vão assumindo como de indiscutível importância 130 “A República Popular da China é, actualmente, o segundo maior consumidor e importador de petróleo depois dos EUA. E de acordo com dados da Agência Internacional de Energia, será o maior consumidor mundial de petróleo em 2030” (FERNANDES, 2011). 131 “A EDP e a CTG, o maior grupo chinês de energias limpas, vão combinar esforços no sentido de se tornarem líderes mundiais de produção de energia renovável, através de uma parceria estratégica em projectos de energia renovável, sendo que a EDP irá liderar na Europa (nos países onde está presente), EUA, Canadá, Brasil e outros mercados sul-americanos seleccionados, enquanto que a CTG irá liderar nos mercados asiáticos onde está presente e/ou onde possui vantagens tecnológicas ou industriais. No âmbito desta parceria, a CTG irá investir €2MM (incluindo cofinanciamento de investimento operacional) até 2015 em participações de 34-49% em projectos de energia renovável correspondentes a 1,5 GW (líquidos) em operação e prontos a construir, dos quais €800M serão investidos nos primeiros 12 meses após a assinatura da parceria. Adicionalmente, a parceria com a CTG inclui um compromisso firme de financiamento por parte de uma instituição financeira chinesa à EDP, ao nível corporativo, num montante até €2MM com maturidade de até 20 anos. A parceria fortalece o perfil de crédito da EDP mediante o aumento da posição de liquidez financeira com uma extensão de dois anos da cobertura das necessidades de financiamento da EDP até meados de 2015, prevendo-se como objectivo um rácio de Dívida Líquida/EBITDA abaixo de 3,0x em 2015. Adicionalmente, a parceria irá permitir à EDP diversificar as oportunidades de crescimento sendo expectável que aumente os resultados líquidos por acção da EDP a partir de 2012” (comunicado de 22 de Dezembro de 2011, disponível em http://www.edpr.com/pt-pt/edp-e-china-three-gorges-estabelecem-parceria-estrategica/). 132 O maior operador chinês no domínio do transporte e da distribuição de energia. 133 A REN actua em duas grandes áreas de negócio: (i) o transporte de electricidade em muito alta tensão e a gestão técnica global do Sistema Eléctrico Nacional e (ii) o transporte de gás natural em alta pressão e a gestão técnica global do Sistema Nacional de Gás Natural, garantindo a recepção, armazenamento e regaseificação de GNL, bem como o armazenamento subterrâneo de gás natural. 134 Ilustrativas da lógica de internacionalização/mundialização da EDP como empresa globalizada e agente transnacional no mercado da energia – seguramente, uma das variáveis consideradas pela Three Gorges Corporation no processo tendente à entrada na estrutura accionista da EDP – são as palavras de ALLAN KATZ, à data, embaixador dos EUA em Portugal: “Last fall, EDP and Principle Power launched the world’s first offshore floating wind platform not requirement heavy equipment
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quer o Brasil quer África, no caso da CPLP, com Angola e Moçambique135 em destaque. Ora, é indiscutível a crescente importância que Angola vem assumindo no quadro da diplomacia136 137 e das políticas chinesas, incluindo, evidentemente, aquelas directamente relacionadas com a energia e os seus indispensáveis recursos. Tal importância é visível não apenas no que tange ao desenvolvimento das relações comerciais entre a China e Angola envolvendo a compra de petróleo, como também no que toca aos investimentos estratégicos que aquela vem realizando nas indústrias extractivas138. Este relacionamento entre Angola e a China no domínio dos recursos energéticos e os recentes investimentos chineses em empresas portuguesas na área da energia com dimensão internacional (EDP e REN) são elementos que uma adequada política para a energia não pode minimizar. Pelo contrário, os poderes públicos portugueses e os principais operadores privados nacionais nesta área devem tomar tal confluência de políticas e de intervenções como um referente estratégico da sua geopolítica, quer decisional quer de acção, da energia, captando a dimensão estratégica da CPLP como a entidade político-institucional certa para a concertação de interesses e de vectores político-diplomáticos e político-económicos de intervenção. Dar relevância ao facto de a China olhar estrategicamente para o Atlântico Sul, até for assembly at sea. The technology makes this type of floating wind platform much more accessible than the few other options for deep-water wind power. It also became the first offshore floating wind turbine to be situated in the waters of the Atlantic Ocean. As this project has continued to develop, the US Department of Energy’s National Renewable Energy Laboratory is working with Principle Power to explore the feasibility of using the WindFloat system to also house wave power generation technology. It is possible that in the near future, Portugal may be home to two of the world’s most cutting edge US innovations in renewable energy harnessing the resources of the Atlantic Ocean” (KATZ, 2013). 135 A REN e a State Grid International Development Limited têm já projectos comuns em desenvolvimento em Moçambique, entre os quais avulta construção da infraestrutura da rede eléctrica que ligará Tete a Maputo. 136 “A diplomacia energética também funciona como um impulso importante para a adopção da medida going out (Qu Chu Zou), uma parte importante da estratégia nacional de segurança energética. O objectivo é tentar garantir fontes de petróleo no exterior através da compra de participações em mercados estrangeiros, exploração e perfuração no exterior, e construção de refinarias, gasodutos e oleodutos” (FERNANDES, 2011). 137 “(..) a RPC efectua três tipos de diplomacia energética, para três grupos distintos e com três objectivos diferentes. O primeiro grupo, consiste nos países produtores de petróleo. O objectivo da diplomacia para este grupo é assegurar fornecimentos de petróleo acessíveis, estáveis e seguros, assim como, alargar as oportunidades de acesso a novos investimentos pelas National Oil Companies (NOC) chinesas nesses mesmos países” (FERNANDES, 2011). 138 “Sendo a procura energética o factor que mais condiciona a aproximação chinesa ao mercado angolano, compreender-se-á que a China não se limite a comprar petróleo mas também invista directamente na indústria extractiva angolana. Dois meses depois do crédito concedido pelo Exim Bank em 2004, a China adquiriu a primeira comparticipação na indústria petrolífera angolana. Através de uma parceria com a companhia que gere os recursos de hidrocarbonetos em Angola, a Sonagol, a Sinopec conseguiu aceder a 50% do Bloco 18. Esta aliança entre as duas empresas resultou na criação da Sonagol Sinopec International Limited (SSI). Esta joint-venture detida na sua maioria pela Sinopec (55%), tem como parceiros a Beiya (agora Daynan) International Development Ltd e a China International Holding LTD, com 31,5% e 13,5% respectivamente” (FERNANDES, 2011).
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do ponto de vista da segurança139 das linhas de abastecimento de energia140, é ponto essencial para a boa percepção da referida dimensão estratégica da CPLP. A política marítima da China passa pelo Atlântico (Sul) e esta constitui a oportunidade histórica para a CPLP se posicionar como a placa políticoinstitucional de confluência politicamente orientada de um conjunto de posições geográficas diversas e processos de integração regional distintos, mas unidos, para lá de uma língua que-é-comum, por uma mesma necessidade vital, adequada e capacitada para dar uma resposta de longo-prazo aos anseios e expectativas – que lhe são convergentes – daquele (então, parceiro) que se vai já assumindo como potência marítima141. 139 A propósito das questões relacionadas com a segurança, convirá recordar a preocupação manifestada pela NATO na esfera do seu Conceito Estratégico de Defesa e Segurança (Lisboa, Novembro 2010): “All countries are increasingly reliant on the vital communication, transport and transit routes on which international trade, energy security and prosperity depend. They require greater international efforts to ensure their resilience against attack or disruption. Some NATO countries will become more dependent on foreign energy suppliers and in some cases, on foreign energy supply and distribution networks for their energy needs. As a larger share of world consumption is transported across the globe, energy supplies are increasingly exposed to disruption”. Sublinhado nosso. Como diz MICHAEL RUHLE, Director da Secção de Segurança Energética na Divisão da NATO de Desafios Emergentes à Segurança, “Um papel mais forte e mais coerente da NATO na segurança energética não irá surgir por si só. Terá de fazer parte de um esforço mais vasto da NATO para melhorar o papel da Aliança enquanto mecanismo de consultas para além das preocupações mais limitadas, tradicionalmente operacionais e militares. A NATO tem de desenvolver uma cultura de debate político que não se confine a questões que possam envolver a NATO militarmente, mas que também inclua questões políticas de relevância mais vasta. Enquanto todos os debates na NATO forem suspeitos de servirem unicamente como preparação para operações militares, continuará a ser difícil alcançar um debate construtivo e esclarecido acerca dos desafios emergentes no século XXI. Só se os Aliados (re)descobrirem a NATO enquanto fórum de consultas políticas é que serão capazes de tratar a segurança energética como um elemento legítimo numa abordagem abrangente à segurança” (RUHLE, 2011) Ainda assim, o grosso das preocupações que têm sido apontadas pela NATO e pelos estudiosos (veja-se, por exemplo, o nº126 da revista Nação e Defesa) do problema da segurança energética (transporte, abastecimento e armazenamento) tem virado a agulha para a Ásia e o leste europeu. É chegada a altura de começar a dedicar mais atenção ao Sul e, em particular, a rodo o enquadramento do Atlântico Sul. Sobre a importância relativa da NATO no espectro da segurança de e defesa de Portugal (incluindo, naturalmente, a defesa dos interesses geoeconómicos da energia que temos vindo a apontar), PAULO TEIXEIRA PINTO é lapidar: “Já a criação de um exército europeu comum, podendo embora ser racional para a França e a Alemanha, enquanto aspirantes a potências continentais, não faz nenhum sentido para Portugal, para quem o espaço geoestratégico prevalecente continua necessariamente a ser o Atlântico. Donde, a nossa presença militar em termos internacionais assumir como principais aliados, não a Europa enquanto tal, mas os países que compõem a NATO” (TEIXEIRA PINTO, 2001). 140 “A China deve tomar medidas para proteger os seus interesses no estrangeiro, especialmente o bom funcionamento das linhas de abastecimento de energia e das rotas de comércio internacionais. Para concretizar os seus novos objectivos de desenvolvimento nos próximos anos, a China deve dar prioridade à expansão das suas forças navais e à segurança das vias marítimas. Deve esforçar-se por se coordenar nessas áreas com outras nações e, em particular, com potências marítimas tradicionais. Num certo sentido, a China transformar-se-á gradualmente de potência terrestre em potência marítima” (YIZHOU, 2013). 141 “(…) é útil enfatizar que o mar está hoje no centro do pensamento geopolítico da China. Pela primeira vez desde há séculos, a China definiu-se a si própria como uma potência marítima e decidiu projectar a sua força estratégica nos oceanos. A China é um país continental, que tem uma grande debilidade estratégica: uma saída para o mar relativamente limitada e controlada pela Armada dos Estados unidos. Por isso é significativo este regresso do mar ao pensamento geopolítico chinês” (COSTA SILVA, 2013).
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A China pode, em síntese, ajudar a potenciar a EDP e a REN como operadores lusófonos (não apenas portugueses) de dimensão internacional no sector da energia. Ademais, e num âmbito político-diplomático mais abrangente, Portugal pode procurar contribuir para estabilizar e resolver alguns potenciais atritos142 que possam ir existindo nas relações entre as autoridades angolanas e as autoridades e empresas chinesas143. Tal como os portugueses devem dar, os chineses dão uma forte importância à história como elemento de aprendizagem, de compreensão do mundo144 e, consequentemente, de governação145. No caminho da construção dessa centralidade de Portugal no contexto da CPLP por via da atlantização da sua estratégia e acção políticas e da afirmação da língua portuguesa como eixo estruturante para a valorização da CPLP e de cada um e todos dos seus membros como actores políticos relevantes no sistema internacional e nas suas instituições (incluindo aqueles com um papel decisivo no quadro, directo ou indirecto, no esquiço das macro políticas energéticas), deve, na nossa opinião, ser colocada na agenda política a criação de uma cidadania da CPLP, isto é, de uma cidadania lusófona – aliás, mais natural e historicamente fundada que a própria e heterogeneamente construída cidadania euro-unionista146 –, sendo que na definição do correspondente regime jurídico não podiam ficar esquecidos, longe disso, o mapa dos correspondentes direitos políticos, num quadro de razoável e ponderada progressividade, nem o desenho das correspectivas liberdades de circulação, de trabalho e de empresa147. Este 142 Assim saiba e consiga ir resolvendo os seus. 143 “(…) a China está claramente sob pressão do governo angolano no sentido de providenciar condições mais favoráveis de conteúdo local nos contratos para as suas empresas. Este tem sido um dos pontos de maior fricção no relacionamento sino-angolano, dadas as repetidas queixas a propósito do alegado sub-emprego de mão-de-obra local por parte das construtoras chinesas. Acresce que os trabalhadores chineses não procuram qualquer tipo de integração com a população local, seja por diferenças culturais ou dificuldades linguísticas” (PEREIRA, 2011). 144“Antes, os europeus presumiam que, conforme ficasse mais rica e mais desenvolvida, a China se tornaria inevitavelmente mais parecida connosco. Isso conduziu a uma falta de curiosidade sobre os debates internos da China e a uma tentativa primária de dividir os seus pensadores em «reformadores», que aceitam as ideias ocidentais, e «conservadores», que querem regressar ao passado maoísta da China. (…) os europeus têm de mudar e mapa mental, para lidar com uma China cujas estrutura interna e relação estrutural com o resto do mundo deram uma volta de 180 graus” (LEONARD, 2013). Ora, curiosidade é uma qualidade que historicamente nunca faltou aos portugueses… 145 “A China tem uma ampla tradição de estudo e aprendizagem com a História – em particular de como as lições da História podem ser aplicadas à governação. As próprias gerações de líderes partidários sublinharam a necessidade de utilizar a experiência histórica como guia para as decisões. Como secretários-gerais do partido, tanto Jiang quanto o Presidente Hu Jintao encorajaram repetidamente o estudo da História” (SHULI, 2013). 146 “A cidadania lusófona tem mesmo uma predisposição prática a seu favor. Trata-se do facto de dispor, ao contrário da europeia – que é sobretudo uma tentativa formal de institucionalização do «patriotismo constitucional» (Habermas) – de um elemento do conceito de povo – a língua. (…) A língua permite a expressão directa de uma espécie de cidadania natural, pré-jurídica e pré-política, se pensarmos que a participação começa por se sustentar sobre a possibilidade de comunicação” (LUCAS PIRES, 1997). O sublinhado é nosso. 147 Numa perspectiva diversa, pois fazia entroncar a sua ideia na atribuição da nacionalidade portuguesa, PAULO TEIXEIRA PINTO dizia em 2001 que “(…) é absolutamente imprescindível alterar a nossa Lei da Nacionalidade, proporcionando a todos os naturais de Timor, bem como aos que detêm as
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constituiria um traço indelével daquilo a que temos vindo a chamar um projecto de integração de base política148, o qual exigiria, também neste ponto, uma diversa afirmação da lusofonia na esfera alargada da União Europeia: a atlantização da estratégia nacional traria inevitavelmente consigo uma tendencial atlantização da política europeia149. Indiscutivelmente com recurso a parcerias estratégicas150, mas, essencialmente, pela via da definição de um projecto comum definido para uma execução de longo prazo e naturalmente orientado e alimentado por uma vocação que todos tivessem o discernimento de aceitar e à qual, concomitantemente, soubessem corresponder, Portugal deve afirmar a CPLP e as suas relações com Angola e o Brasil como absolutamente vitais para o seu futuro (colectivo) enquanto Nação. As relações Estado vs. Estado neste mundo da contemporaneidade reclamam que se exaltem os traços estruturais de identidade, pertença e comunhão e se resolvam as dificuldades conjunturais, qualquer que seja a origem ou a natureza destas. Assumir que, através do Atlântico e de Portugal, o Brasil e a Angola chegam à Europa e ao seu universo económico-empresarial e social e perceber que, também através do Atlântico, Portugal volta a terras às quais também pertence151 é o clic nacional que falta para, quaisquer que sejam os protagonistas políticos, económicos e sociais152, possamos ensaiar um projecto comum no quadro da nacionalidades angolana, moçambicana, guineense, cabo-verdiana ou sãotomense, e que legalmente residam em Portugal, a possibilidade de, por sua livre e exclusiva opção, usufruírem de dupla nacionalidade, isto é, de adquirirem o estatuto de cidadãos portugueses de pleno direito sem necessidade de abdicarem da respectiva nacionalidade própria” (TEIXEIRA PINTO, 2001). 148 Sobre a importância da nacionalidade como racional político e como elemento central no exercício das prerrogativas de soberania, escrevemos em 2001 que a “(…) atribuição, lato sensu, da nacionalidade vai funcionando, então, como um campo de constante e subjectivado exercício da soberania estadual, sendo certo que no desenho dos respectivos contornos o próprio Estado se pode comprometer, por força de uma qualquer interacção à qual se submeta em esferas internacionais, no sentido de atenuar as diferenças jurídicopolítico-sociais resultantes da diversa classificação ora como cidadão nacional ora como cidadão estrangeiro” (GASPAR, 2001). Ora, os povos da CPLP não se são estranhos: não são estrangeiros. Dizer que a minha (nossa) Pátria é a língua portuguesa tem de deixar de ser apenas o tom politicamente correcto de seminários e reuniões institucionais, para passar a ser assumido como o referente estratégico da definição de políticas e medidas concretas. 149 “(…) os cidadãos dos Estados terceiros podem mesmo converter uma relação privilegiada com um só Estadomembro numa relação estendida a toda a União Europeia. Portugal, por exemplo, pode funcionar neste caso, como uma espécie de guarda avançada e porto de abrigo dos países de língua portuguesa para o conjunto da União Europeia” (LUCAS PIRES, 1997). 150 “O que importa, nesta fase, é organizar os meios necessários a poder proceder-se à prospecção e subsequente exploração, sendo que o envolvimento de grandes empresas portuguesas, em parceria com empresas estrangeiras experientes na exploração offshore, se impõe como a via mais directa para iniciar a exploração da plataforma continental” (PITTA E CUNHA, 2011). Fazer exactamente isto no quadro da CPLP reivindica, naturalmente, uma forte e convicta presença do Brasil e das suas empresas no empreendimento. 151 Numa reflexão dedicada ás relações entre Portugal e o Brasil, diz Loureiro dos Santos que no “(…) actual contexto e no âmbito da sua previsível evolução, Portugal (arrisco dizer também o Brasil) tem todo o interesse em posicionar-se face ao Brasil potência global, no século XXI, como o Reino Unido se posicionou face aos EUA durante o século XX” (LOUREIRO DOS SANTOS, 2011). 152 Na verdade, os protagonistas económicos – as empresas e os empresários – e muitos cidadãos já o perceberam, criando e reforçando laços pessoais e económico-sociais em todos os países da CPLP,
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CPLP que a todos traga retorno existencial e económico numa base duradoura. Se precisássemos todos de um pretexto para a afirmação dessa vontade política de erigir um projecto político-económico na esfera da CPLP, o mar e os seus recursos energéticos dão-no. No futuro – mais próximo e menos próximo – a geopolítica da energia vai objectivamente impor os oceanos como espaços de conflito político153 154 e disputa económica155 156. A vida (a vivência) e a convivência dos diversos actores do sistema internacional na esfera das relações internacionais – públicos e privados, estaduais e não estaduais, políticos e económicos e sociais, individuais e colectivos – vai ditar a necessidade da definição, por parte de cada um daqueles, de um projecto estratégico para o mar, colocando este no centro (e no epicentro) dos conflitos internacionais dos séculos XXI e XXII. Não perceber isto, num quadro de tendencial sobrepovoamento planetário, de crescimento dos níveis de consumo e de corrida aos recursos energéticos, é ficar sentado à espera da tempestade perfeita. E, convenhamos, a perspectiva do mar e dos (seus) recursos energéticos como elementos centrais de um projecto de base política só é ontologicamente pensável e estrategicamente desenhável na justa medida em que esse mar é um mar da língua portuguesa157. O Atlântico português é um oceano a Norte e a Sul do Equador, pois é nesse sentido (Norte → Sul) que a língua portuguesa desenhou o devir da história da lusofonia. Sendo lusófono, o Atlântico Sul é, assim e também, um mar português, da mesma forma que o Atlântico sob jurisdição nacional portuguesa – independentemente dos poderes soberanos que em concreto estejam presentes no quadro dos princípios e das regras da com destaque natural para Angola e o Brasil. 153 “(…) a possibilidade dos Estados estenderem a plataforma continental para além das 200 milhas náuticas assume inegável relevância. Esta importância advém da possibilidade de acesso aos recursos minerais, energéticos e biogenéticos que a plataforma potencialmente encerra, podendo daqui resultar alterações da relação de força entre os Estados” (FERREIRA DA SILVA, 2012). O sublinhado é nosso. 154 “A competição por recursos naturais escassos, designadamente a água e os recursos energéticos, tem um elevado potencial desestabilizador, podendo levar a situações de violência e conflito armado” (Conceito Estratégico de Defesa Nacional). Sublinhado nosso. 155 “(…) assistiremos neste século XXI a uma verdadeira «colonização» do mar pelo «homem»” (PITTA E CUNHA, 2013). 156 “Caso tenhamos capacidade para explorar os recursos minerais, energéticos e biogenéticos da plataforma continental nacional podemos obter evidentes benefícios económicos, que depois de correctamente aplicados nos outros domínios de atividade do Estado, podem traduzir-se num aumento do Poder nacional. Atendendo a que as atuais reservas de petróleo e gás natural se encontram em regiões geopolíticas instáveis, que os combustíveis fósseis em terra se vão esgotando progressivamente, e que o desenvolvimento tecnológico tornará viável, do ponto de vista económico, a exploração energética do mar profundo, vamos assistir a uma aposta na exploração do potencial energético da plataforma continental, por parte dos países com capacidade para tal. De igual modo, a exploração do gás natural obtido a partir dos hidratos de metano existente no fundo do mar, pode contribuir para aumentar a oferta energética, diminuindo a dependência externa de Portugal” (FERREIRA DA SILVA, 2012). 157 “(…) a língua é um factor decisivo na nova ordem mundial. Já se pode até falar numa geopolítica da língua. Seria irresponsável não perceber que somos neste plano muito mais proporcionalmente relevantes à escala planetária do que a nossa própria real importância política, social ou económica obrigaria” (TEIXEIRA PINTO, 2001).
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Convenção de Montego Bay – é igualmente um mar da CPLP. A gestão conjunta e integrada, no âmbito de uma dinâmica política nascida e criada no seio da CPLP, dos espaços marítimos sob jurisdição – presente e futura – de qualquer um dos seus membros constitui um desafio e um caminho que os actores políticos e os povos saberão vencer e desenhar. A exploração e a rentabilização (política e económica) dos recursos energéticos – escassos por natureza e estratégicos por definição – exigem uma estratégia política de alto nível e longo alcance. O Brasil tem, nesta como noutras dimensões da alavancagem da lusofonia nos andamentos da política internacional, um papel decisivo158. Numa palavra, é nossa fundada convicção que a defesa e a promoção dos recursos energéticos do mar português – incluindo, claro, os da sua plataforma continental alargada159 – será tão mais clara e eficiente quanto for desenvolvida no quadro de uma estratégia da CPLP para o mar da lusofonia – o Atlântico (Sul) –, e não tanto na esfera da Política Marítima da União Europeia160. A centralidade das políticas é condição decisiva para o seu sucesso e resultados161. Nestes termos, o caminho não pode ser a euro-unionização dos recursos energéticos da plataforma continental portuguesa162. Pelo contrário, o caminho deve ser a sua comunitarização 158 “(…) a aposta do Brasil no Atlântico Sul pode ser vista tendo em conta a percepção de que dispõe de capacidade para explorar os recursos ali existentes, assim como também há um reflexo de domínio do espaço marítimo e de afirmação da soberania brasileira nos espaços contíguos. Assim, podemos identificar o reconhecimento do Atlântico Sul como uma área estratégica dada a confluência de rotas comerciais e a abundância de recursos energéticos fulcrais para o desenvolvimento do Brasil” (FONSECA, 2011). 159 Artigo 77º da Convenção de Montego Bay: “O Estado costeiro exerce direitos de soberania sobre a plataforma continental para efeitos de exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais” (nº1); “Os direitos (…) são exclusivos, no sentido de que, se o Estado costeiro não explora a plataforma continental ou não aproveita os recursos naturais da mesma, ninguém pode empreender estas actividades sem o expresso consentimento desse Estado” (nº2); “Os direitos do Estado costeiro sobre a plataforma continental são independentes da sua ocupação, real ou fictícia, ou de qualquer declaração expressa” (nº3); “Os recursos naturais (…) são os recursos minerais e outros recursos não vivos do leito do mar e subsolo” (nº4). 160 No âmbito da União Europeia e, em particular, do instrumento de soft law Energia 2020 – Estratégia para uma Energia Competitiva, Sustentável e Segura (Novembro 2010), deve referir-se que a única referência a um trabalho articulado com o continente africano e os seus países vai no sentido de garantir o acesso das populações à energia: “A Comissão lançará uma cooperação importante com África sobre iniciativas no domínio da energia a fim de proporcionar progressivamente energia sustentável a todos os cidadãos, em conformidade com o Livro Verde sobre Política de Desenvolvimento”. Esta dimensão, absolutamente determinante do ponto de vista da dignidade da pessoa humana, de uma visão personalista das relações internacionais no quadro de mecanismos de cooperação e desenvolvimento e da melhoria progressiva das condições de vida, não é, contudo, complementada com a visão estratégica inerente a uma gestão política dos recursos energéticos. E é precisamente neste ponto, com esta preocupação e com este propósito que defendemos a integração de base política no andamento da CPLP. Ainda assim, no Livro Verde sobre a referida Estratégia (Março 2006) é dito que a “(…) nova estratégia UE-África, que prevê as interconexões de sistemas energéticos como objectivo prioritário, poderia também ajudar a Europa a diversificar as suas fontes de aprovisionamento de petróleo e de gás”. 161 “(…) se somos periféricos no continente somos também centrais no espaço atlântico, donde a conveniência em exponenciar a nossa qualidade de porta de acesso às rotas dos continentes africano, americano e asiático” (TEIXEIRA PINTO, 2001). Sublinhemos que a centralidade atlântica de Portugal encurta distâncias para o Índico e para o Pacífico, o que significa que nos aproxima geográfica e politicamente – e, desse modo, geopoliticamente – de Moçambique e de Timor-Leste. 162 “As acções – ou omissões – do Estado português tem reflexos em mais do que uma esfera nos rolamentos
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no quadro da CPLP, pensada não já para amanhã163, mas seguramente a partir já de amanhã164 165. Parcerias empresariais166, consórcios tecnológicos167 e projectos comuns de 168 I&D , enquanto momentos determinantes no quadro de uma gestão empresarial inteligente e diligente da energia169, não só, mas também do Atlântico (Sul)170, têm, no nosso juízo, de ser pensados também no quadro de uma perspectiva de (muito) longo prazo dos países da CPLP e, em especial, de Portugal, que tenha a razão de Estado e dos fora internacionais e deve ser lembrada com redobrado ênfase a Declaração efectuada no contexto da aprovação pela CE da Convenção de Montego Bay sinalizadora da possibilidade de o carácter dinâmico e evolutivo da UE poder ditar o alargamento das competências e do espectro da intervenção da CE no espectro da Convenção de Montego Bay, naturalmente à conta da compressão fatiada da soberania dos seus EstadosMembros” (GASPAR, 2009). É precisamente este o caminho que Portugal e os seus poderes públicos têm o imperativo de recusar e o dever de evitar. 163 “Portugal atravessa uma situação muito difícil e, para sair dela, é preciso resolver o curto prazo mas com uma perspectiva de futuro. Um dos erros mais frequentes na gestão das crises é deixarmo-nos devorar pelo curto prazo e adoptar medidas avulsas, sem um pensamento e um plano integrado. Não se pode negligenciar a dimensão estratégica e geopolítica que o país tem de ter para construir um caminho para o futuro” (COSTA SILVA, 2013). 164 Encontramo-nos “no tempo histórico certo para a defesa do interesse nacional de Portugal como Nação e Estado Marítimo e para a demonstração nos tabuleiros da diplomacia e da política europeias – on job e não apenas na retórica discursiva das intervenções políticas e na semântica dos textos normativos – da sua vocação atlântica” (GASPAR, 2009). É precisamente este o caminho que Portugal e os seus poderes públicos têm o imperativo de delinear e o dever de percorrer. 165 O tempo da conjuntura pode ajudar a compreender e a aceitar o (pré)determinismo do devir estrutural: “Numa altura em que Portugal atravessa uma das maiores crises da sua história, com a sua soberania hipotecada, e o seu projecto de integração europeia e risco de descambar o maior equívoco estratégico da sua multissecular história, não causa surpresa que o apelo do mar se faça sentir de novo” (SOROMENHO MARQUES, 2013). 166 “A criação de um cluster marítimo é um relevante impulso para a dinamização do sector marítimo. O sucesso do desenvolvimento de clusters depende da acção inovadora do sector privado e de outras partes interessadas, mas também da coordenação entre entidades públicas dos vários Estados membros. A constituição de um “cluster lusófono” representa um objectivo ambicioso e uma oportunidade que poderá revelar-se vantajosa” (Estratégia da CPLP para os Oceanos). A referida coordenação entre entidades públicas dos vários Estados membros é elemento da por nós defendida integração de base política. 167 “As biotecnologias marinhas constituem um ramo em forte expansão onde se adivinha um potencial elevado. Neste campo, é essencial a difusão do conhecimento e partilha de informação entre os vários Estados membros, bem como o desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias e o reforço de redes de ciência e de investigação” (Estratégia da CPLP para os Oceanos). 168 ”No que respeita ao conhecimento, destaca-se a importância da investigação, tanto fundamental como aplicada, e do conhecimento técnico e científico, da partilha de dados e informação e da formação dos recursos humanos ligados ao mar” (Estratégia da CPLP para os Oceanos). 169 “A exploração das energias renováveis encontra-se em crescimento, como alternativa de futuro aos hidrocarbonetos. São exemplos a energia das marés, a energia das ondas, o aproveitamento da biomassa marinha, a conversão da energia térmica e ainda a energia eólica offshore. Pela inovação e complexidade, a partilha de informação administrativa, técnica e científica constitui um objectivo para os países da CPLP. As reservas de hidrocarbonetos nos fundos marinhos representam uma percentagem considerável do total das reservas mundiais. Vários países da CPLP apresentam reservas em exploração ou com potencial exploratório. A partilha de conhecimentos neste campo é um reconhecido objectivo desta Estratégia” (Estratégia da CPLP para os Oceanos). 170 “O Brasil desenvolve um programa de pesquisa para a prospecção e exploração de recursos minerais da Área Internacional do Atlântico Sul e Equatorial, buscando identificar e avaliar a potencialidade mineral de áreas com importância económica e estratégica, além do limite de suas águas jurisdicionais. Com esta finalidade, vem realizando o reconhecimento geológico para o levantamento da potencialidade mineral dos depósitos de crosta cobaltífera na região da Elevação do Rio Grande, primeira desse género efectuada pelo Brasil” (BARBOSA GUERRA, 2011).
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o sentido da perenidade como estacas inamovíveis no contexto de uma visão nacional que se não deixa tolher pelo curto prazo que caracteriza a navegação de cabotagem171. O alargamento das plataformas continentais dos países da CPLP, tendo lugar no contexto da arquitectura procedimental e decisional da Organização das Nações Unidas (ONU), deve justificar um aprofundamento das relações políticas entre os membros da CPLP (e no quadro desta) e surge, assim, como a boa oportunidade para que, enquanto CPLP e numa lógica político-diplomática concertada, os seus membros actuem junto da ONU na afirmação política de um (único) interesse queé-comum. Na realidade, é isto mesmo o que resulta da Estratégia da CPLP para os Oceanos, assumida que seja ela do ponto de vista da sua dimensão política e com a visão estratégica172 que deve ter173. É na própria Estratégia da CPLP para os Oceanos que se defende que a “maior projecção internacional da CPLP requer uma acção concertada por parte da organização e dos seus Estados membros. Neste contexto, o factor distintivo do mar enquanto espaço privilegiado de cooperação entre os Estados membros poderia servir de base a uma iniciativa de projecção internacional da CPLP”. No envolvimento desta perspectiva de projecção internacional da CPLP, dever-se-á “promover a concertação no âmbito das organizações internacionais sempre que sejam abordadas questões relativas aos oceanos sobre as quais exista, ou possa ser previamente coordenada, uma orientação partilhada pelos Estados membros. Essa concertação poderá traduzir-se numa declaração em nome da CPLP, nomeadamente a cargo do representante da Presidência em exercício, bem como no apoio a candidaturas dos Estados membros ou dos seus representantes, a cargos dos órgãos da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar”. Falar em nome da CPLP e lobbying institucional e politicamente assumido a favor de candidaturas CPLP a determinados cargos internacionais constituem magníficos exemplos de pequenos passos no quadro de uma lógica de concertação política174 pela qual sempre deve 171 Navegação de Cabotagem que é também o título de um livro de memórias do escritor brasileiro Jorge Amado. 172 E geoestratégica, pois é de geografia que aqui (também) falamos. 173 “A concertação político-diplomática no plano internacional implica a criação de mecanismos específicos, como as Reuniões de Ministros da CPLP responsáveis pelos Assuntos do Mar. Estas Reuniões terão por objectivo a concertação entre estratégias dos oceanos dos Estados membros de forma a que a CPLP assuma uma voz activa nos fora internacionais que abordam questões relacionadas com os oceanos. Estas Reuniões deverão constituir grupos de trabalho em áreas consideradas de maior relevo para a Estratégia da CPLP para os Oceanos, bem como uma rede de Pontos Focais. Para além de posições sobre os assuntos em debate na comunidade internacional, a concertação entre países da CPLP na área dos oceanos permite iniciativas de âmbito internacional, contribuindo para a afirmação da CPLP no contexto da agenda global dos oceanos. Torna-se necessário que a Estratégia da CPLP para os Oceanos constitua um passo para uma política da CPLP para os oceanos, afirmativa e assertiva no contexto internacional, promovendo os interesses dos Estados membros de forma sustentável” (Estratégia da CPLP para os Oceanos. Sublinhados nossos). 174 Veja-se, por exemplo, neste quadro, o Conceito Estratégico de Defesa Nacional: “O português é a terceira língua europeia com maior número de falantes no mundo e ocupa o quinto lugar entre as línguas mais usadas na Internet. Para potenciar estes recursos é necessário atribuir uma elevada prioridade à internacionalização da cultura nacional e da língua portuguesa, enquanto meios cruciais de afirmação da identidade e da soberania nacional, desenvolvendo, de forma coordenada, as seguintes linhas de acção estratégicas: (…) Reforçar a presença do português como língua de cultura e de comunicação internacional, designadamente promovendo esforços, em conjunto com outros países lusófonos, no sentido de o
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começar – e consolidar-se – um qualquer processo de integração de base política, o qual em nada tocaria nos alicerces fundacionais da CPLP que constituem os seus princípios orientadores consagrados no artigo 5º dos respectivos Estatutos, com referência especial aos princípios da igualdade soberana dos Estados membros, da não ingerência nos assuntos internos de cada Estado, do respeito pela identidade nacional e do respeito pela integridade territorial. É, inequivocamente, neste plano da enunciada acção concertada que se inscreve a preocupação subjacente ao Capítulo 3 da Estratégia da CPLP para os Oceanos dedicada aos Mecanismos de Governação, através dos quais se procura desenvolver ferramentas de governação175 e promover o adequado enquadramento institucional176 no sentido da concertação de políticas. É no âmbito destes Mecanismos de Governação que se projecta a criação das Reuniões de Ministros da CPLP Responsáveis pelos Assuntos do Mar177, as quais assumem a prossecução dos seguintes fins: (i) a promoção da concertação política entre os Estados membros, (ii) a promoção, coordenação e monitorização das acções de cooperação, (iii) a definição dos instrumentos específicos para o desenvolvimento da sua actividade, (iv) a coordenação de posições em fora da comunidade internacional e (v) o acompanhamento das acções para a gestão sustentável dos oceanos178. Faça notar-se que, no respeito pelo espírito de continuidade179 que qualquer estratégia e/ou acção de coordenação e concertação política deve ter, o Secretariado Técnico Permanente é constituído por três pontos focais, (i) do Estado membro que deteve a Presidência no ciclo precedente, (ii) do Estado membro que a detém e (iii) do Estado membro que irá previsivelmente assumir a mesma180. português passar a ser uma das línguas oficiais das Nações Unidas”. Sublinhado nosso. 175 “(…) pela diversidade de intervenientes, pelas especificidades regionais e locais existentes em cada país, bem como pela multiplicidade de actividades relacionadas com o mar, torna-se necessário desenvolver ferramentas de governação adequadas que sejam claras e consensuais, de forma a contribuir para uma estratégia para os oceanos competitiva e sustentável”. 176 “Para tal, o enquadramento institucional poderá ser ajustado à necessidade de desenvolver políticas marítimas integradas, que tenham em conta a diversidade de modelos de gestão dos assuntos do mar, a necessidade do planeamento e ordenamento espacial das actividades marítimas nos vários países da CPLP e o diverso enquadramento dos regimes legais”. 177 “Os mecanismos específicos de cooperação e mobilização da CPLP deverão funcionar como forma de concertar não só as políticas dos oceanos entre os países da CPLP, como também as posições dos diversos Estados membros nos assuntos do mar nos vários fora internacionais. A concertação de políticas deverá assentar numa dinâmica de comunicação entre os Estados membros através da criação de Reuniões de Ministros da CPLP responsáveis pelos Assuntos do Mar, que constituem um projecto da presente Estratégia. Estas Reuniões, assistidas por um Secretariado, deverão ser suportadas por uma rede de Pontos Focais que assegurem o apoio técnico e a operacionalização das propostas, facilitando a articulação entre os vários membros da CPLP”. 178 Cf. artigo 2º do Regimento Interno da Reunião de Ministros da CPLP Responsáveis pelos Assuntos do Mar, aprovado na 1º reunião realizada em 2010 (Portugal). 179 Esta perspectiva de continuidade implica políticas de longo prazo, tal como aponta a Resolução sobre os Desenvolvimentos da Estratégia dos Oceanos da CPLP, aprovado no quadro da II Reunião de Ministros da CPLP Responsáveis pelos Assuntos do Mar, que teve lugar em 2012, em Luanda: “Considerar como objectivo a ser alcançado, a gestão sustentável dos oceanos, privilegiando uma abordagem de longo prazo e de cooperação internacional, no quadro dos desafios emergentes”. 180 Artigo 9º do Regimento Interno da Reunião de Ministros da CPLP Responsáveis pelos Assuntos do Mar.
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Isto é, no quadro procedimental e no plano organizatório, os instrumentos existem. Falta a alavanca política181. A Estratégia Nacional para o Mar 2013/2020 – a qual se saúda numa perspectiva de reconhecimento institucional do valor intrínseco e da importância estratégica do mar no contexto da definição de políticas públicas (mas em cuja execução devem participar indiscutivelmente actores não-públicos) adequadas ao desenvolvimento e ao relançamento internacional de Portugal – não contem, ainda assim, na nossa opinião, a justa visão no que toca à importância da CPLP no quadro do potencial de desenvolvimento económico com base nos recursos energéticos do Atlântico da lusofonia (num certo sentido – o do devir histórico e do relacionamento e posicionamento geoestratégico de Portugal – todo o Atlântico lusófono, incluindo o português, é Atlântico Sul), pelo que não logra lançar – nem alcançar, por isso – uma lógica de gestão político-lusófona da energia do Atlântico Sul. Limitando-se a dizer que “Portugal pode e deve contribuir no quadro da CPLP para a produção de pensamento estratégico no que respeita à concertação de posições sobre as políticas marítimas globais” e que “Portugal, ao longo dos últimos anos, tem vindo a reforçar a sua capacidade operacional e multidisciplinar na preparação de projectos de extensão da plataforma continental e de acesso aos fundos marinhos, particularmente no quadro da cooperação internacional desenvolvida no âmbito da CPLP”, a Estratégia Nacional para o Mar 2013/2020 terá contribuído para que, numa visão integrada e coerente do mar, da energia182 e da defesa nacional, fossemos perdendo a capacidade de delinear uma verdadeira e inequívoca estratégia. Oxalá não seja assim ou, se o for, que ainda possamos ir183 a tempo de erigir uma outra e nova realidade estratégico-conceptual184 capaz de se impor no incessantemente complexo mundo das relações e do sistema internacional185. 181 Não bastam – longe disso – proclamações vagas como as decorrentes (Declaração de Luanda) da II Reunião de Ministros da CPLP Responsáveis pelos Assuntos do Mar “(…) os Ministros responsáveis pelos Assuntos do Mar da CPLP ou seus representantes (…) Exortam os Estados membros a implementar as iniciativas aprovadas e a renovar o seu compromisso com a Estratégia dos Oceanos da CPLP; Recomendam a mobilização de recursos, pelos Estados membros da CPLP, para as atividades a realizar no quadro da Estratégia, incentivando à implementação de todas as suas iniciativas”. É preciso acção política e, para isso, é necessário decisão política e compromisso nacional. 182 Até porque Plano Nacional de Acção para a Eficiência Energética para o período 2013-2016 (Estratégia para a Eficiência Energética - PNAEE 2016) e o Plano Nacional de Acção para as Energias Renováveis para o período 2013-2020 (Estratégia para as Energias Renováveis - PNAER 2020) são, basicamente, instrumentos de gestão tributários de políticas e orientações euro-unionistas (cf. Resolução do Conselho de Ministros nº20/2013, de 10 de Abril de 2013). 183 Todos e cada um dos membros da CPLP. 184 “A concepção e a prática das estratégias, por sua vez, evitará que o Estado seja conduzido pelos acontecimentos, e se veja, inesperadamente, posto perante situações de facto consumado, ou de evolução já muito adiantada, que lhe imponham ou a perca de interesses importantes, ou a necessidade, em situações já desfavoráveis, de recorrer à violência, para defender interesses vitais. Em vez de ser conduzido ao sabor das estratégias adversárias, a concepção e prática atempada de estratégias adequadas permite que o Estado intervenha efectivamente na materialização do seu próprio destino” (MARTINS, 1984). 185 “A estratégia será portanto uma actividade orientada, em ambiente hostil, e lançando mão de todos os meios e recursos (forças), para aquisição de objectivos disputados entre Unidades Políticas. Actividade, objectivos, meios, ambiente hostil, Unidades Políticas, serão então os cinco elementos essenciais do conceito” (MARTINS, 1984).
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IV. Conclusões De jeito a valorizar a objectiva captação das conclusões desta nossa – como dissemos desde logo na nossa (muito breve) introdução – reflexão analítica e prospectiva sobre os pressupostos históricos, as condições geográficas, as condicionantes económicas e sociais e as vontades políticas necessárias e suficientes à definição de uma geopolítica da energia para a CPLP apta a responder satisfatoriamente aos desafios da conquista e manutenção de recursos energéticos (escassos por natureza e estratégicos por definição) num sistema internacional marcado pela disputa e pelo conflito, optamos pela abordagem tópico-discursiva: O mar português constitui um factor (pré) determinante na (e da) história de Portugal. A relação de Portugal com o Atlântico constitui uma evidência física e uma inevitabilidade geográfica. O tempo mostra que a Nação portuguesa soube honrar tal legado e conseguiu construir sobre a sua frente atlântica os alicerces da consolidação, identidade e independência. Portugal soube fazer a sua história através de opções políticas que assumiram a geografia como um referencial determinante do respectivo sentido estratégico. Isto quer dizer que quis e soube fazer geoestratégia no quadro da definição e afirmação das suas opções políticas. Portugal correspondeu ao apelo geoatlântico com a definição e a execução de uma estratégia geopolítica, compreendendo e aceitando a influência e a importância que a geografia tem no panorama das escolhas políticas, mas também actuando na e com a geografia e as suas características. Portugal geopolitizou o Atlântico Sul. A Europa e o mar não são projectos antagónicos nem inconciliáveis. É preciso aceitar que quer a Europa (física) quer o mar são realidades objectivas que se nos impõem. São geografia. A questão não é se aceitamos a Europa e o mar, mas antes saber como aceitamos e como intervimos na Europa e no mar. Isto é, saber como quer Portugal definir o quadro geoestratégico da sua linha de actuação no âmbito do sistema internacional. Na perspectiva da Europa como União Europeia, quanto mais incisivo for o processo de deslocação do seu núcleo duro e centro político-gravitacional no sentido oriental maior será a dificuldade de afirmação da sua vertente atlantista, o que, por sua vez, causará acrescidas dificuldades no quadro da compatibilização geopolítica da posição portuguesa no domínio conjugado da Europa e do mar. O alargamento do mapa político da Europa (para oriente, designadamente) traz consigo a inevitabilidade de alterações no domínio da definição geoestratégica das correspondentes prioridades, o que faz de Portugal um país cada vez mais descentrado dessa Europa. A proximidade ao centro decisório e político-estratégico da União Europeia constitui uma medida da importância relativa e da análise centralidade vs. periferia à qual cada Nação se deve permanentemente impor no espectro reflexivo da definição do seu “sentido do espaço”.
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Para que a Europa e o mar não se tornem num futuro próximo projectos antagónicos nem inconciliáveis é imperioso que os poderes públicos portugueses (se) conquistem e exibam à Nação a vontade política para a afirmação de um novo paradigma: pensar Portugal, agir global. No quadro da CPLP, o respeito pelos princípios da igualdade soberana e da não ingerência nos assuntos internos, entre outros, mostram estarmos perante verdadeiras relações Estado vs. Estado que prosseguem objectivos de concertação políticodiplomática, de cooperação e de promoção e difusão da língua portuguesa. Mas se a língua é o cimento, o mar é a geografia que a possibilita tornar-se comum. Isto é, sem o mar – e sem o Atlântico, em particular – a língua portuguesa não teria saído da Europa e, nessa medida, deixando-se acantonar, não seria nunca a língua de oito países de quatro continentes. Sem Atlântico não há, nem nunca teria havido, CPLP. A Estratégia da CPLP para os Oceanos constitui um quadro bastante vasto e abrangente de linhas de acção capazes de, com o adequado impulso político e sob uma forte liderança, possibilitar a todos os membros da CPLP uma intervenção, qualquer que seja a sua natureza, mais sólida, concertada e eficaz sobre os oceanos e, por maioria de razão, sobre o Atlântico (Sul). Um ponto que deve ser justamente salientado é o de que a Estratégia da CPLP para os Oceanos assume, de imediato, o seu potencial políticoestratégico na perspectiva – e na expectativa – do fortalecimento político da CPLP como organização viva, actuante e liderante no sistema internacional. Os oceanos, em geral, e o Atlântico (Sul), em particular, devem constituir a pedra de toque para o aprofundamento dos patamares de integração económica e política entre os diversos membros da CPLP, que permitam fazer desta, no espectro de uma opção politicamente consciente e voluntária, um espaço intercontinental de afluência da língua portuguesa e de confluência dos desígnios dos seus povos. As parcerias empresariais, com enfoque particular no domínio da energia, devem ser resultado de um projecto político firme e frontalmente assumido de progressiva integração económica entre os países da CPLP. Esta integração económica, alicerçada por princípios e valores comuns, ainda assim precisaria de passos no sentido de alguma integração de base política. Esta integração de base política partiria de uma visão geopolítica e geoeconómica dos recursos naturais dos oceanos e, em particular, dos recursos energéticos do Atlântico (Sul), e assumiria os processos em curso de alargamento das plataformas continentais de vários países da CPLP, com reconhecido destaque para aqueles que envolvem Portugal, Brasil, Angola e Cabo Verde, como os radicais estratégicos dessa integração de base política. O desenho e a calibragem das concretas medidas de uma integração de base política no quadro da CPLP implicaria um novo olhar para as relações de Portugal no panorama da União Europeia. Não no sentido de uma saída desta organização, mas antes como decorrência da afirmação de um novo elemento – o aprofundamento políticosocial da lusofonia, com a correspondente afirmação no sistema internacional. União Europeia e euro (moeda) são realidades políticas relacionadas e relacionáveis,
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mas não constituem “projectos” que se confundam ou devam confundir. Num plano de absoluta responsabilidade política e estruturada consciência cívica não pode deixar de ser ponderada – como opção estratégica de médiolongo prazo e não como escapatória de último e descontrolado recurso de curto prazo – uma eventual saída do euro, mantendo-se Portugal na União Europeia, desde que antecipada e devidamente preparada estivesse a estabilidade cambial do escudo na lógica de um acordo/sistema de paridade cambial com o real (Brasil) que assegurasse margens razoáveis e sistemicamente controladas de oscilação entre duas moedas de países que deveriam ter já, então, desenvolvido e crescentemente consolidado contextos de efectiva integração económica e empresarial num espectro largo de sectores, mas nos quais, inequivocamente, se deveria incluir o sector energético em todas as suas dimensões. Este caminho teria tão maiores expectativas de sucesso quanto mais longe fosse e mais profundo estivesse o processo de integração de base política no quadro da CPLP, potenciando-se, dessa forma, todo o universo lusófono a partir do triângulo Portugal/Brasil/Angola. O mar e os seus recursos energéticos, a extensão da plataforma continental portuguesa (e de outros países da CPLP) e as suas inestimáveis potencialidades energéticas e uma gestão política e geoestratégica de tais recursos directa e convictamente assumida pela CPLP constituem, então, os traços essenciais na partida para um novo quadro de relacionamento e de interacções no sistema internacional. Tais traços deveriam constituir a marca de água da definitiva consolidação política da Estratégia da CPLP para os Oceanos, a qual assumiria a energia como o eixo central de uma perspectiva holística e integrada de uma dada concepção estratégica do mar. A própria União Europeia beneficiaria de um maior e contínuo aprofundamento das relações políticas de Portugal com os restantes membros da CPLP. Nesta esfera de reforço político da CPLP, e como antes já dissemos, seria crucial o empenhamento político ao mais alto nível do Brasil e de Angola. A importância determinante de cada um deles no quadro do (sub) continente (sul) americano e no continente africano, os seus justos anseios e legítimas expectativas de afirmação e continuado reconhecimento à escala global e a circunstância – (pré) determinada pela geografia e correspondida pela história – de serem países de uso do português como língua oficial, aliadas ao seu poder e potencialidades económicas, fazem destes dois países actores incontornáveis no sistema internacional, em geral, e na geopolítica da energia, em particular. O Atlântico Sul, sendo o núcleo geográfico da CPLP, recoloca Portugal numa posição geopolítica mais central no quadro de relacionamentos daquelas que seriam, assim, as suas duas organizações de referência político-institucional e económica, constituindo o vértice superior de um triângulo tricontinental e plurinacional Europa (Portugal), América (Brasil) e África (Angola), cuja área seria (é) essencialmente dominada pelo Atlântico Sul (e pelas plataformas continentais de seis dos países membros da CPLP).
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No caso particular do desenvolvimento e consolidação de políticas de cooperação política e económica entre Portugal e Angola no quadro da CPLP, verifica-se, ainda, um outro factor que é comum no que toca à influência e ao interesse nas respectivas economias. Estamos a falar da China e da sua necessidade vital de garantir o acesso e o controlo de recursos energéticos. As recentes operações de empresas chinesas da área da energia no mercado português representam muito mais do que meros investimentos nas estruturas accionistas, pois trazem associados planos estratégicos de intervenção no mercado global da energia, no qual se vão assumindo como de indiscutível importância quer o Brasil quer África, no caso da CPLP, com Angola e Moçambique em destaque. É indiscutível a crescente importância que Angola vem assumindo no quadro da diplomacia e das políticas chinesas, incluindo, evidentemente, aquelas directamente relacionadas com a energia e os seus indispensáveis recursos. Este relacionamento entre Angola e a China no domínio dos recursos energéticos e os recentes investimentos chineses em empresas portuguesas na área da energia com dimensão internacional (EDP e REN) são elementos que uma adequada política para a energia não pode minimizar. Pelo contrário, os poderes públicos portugueses e os principais operadores privados nacionais nesta área devem tomar tal confluência de políticas e de intervenções como um referente estratégico da sua geopolítica, quer decisional quer de acção, da energia, captando a dimensão estratégica da CPLP como a entidade político-institucional certa para a concertação de interesses e de vectores político-diplomáticos e políticoeconómicos de intervenção. A política marítima da China passa pelo Atlântico (Sul) e esta constitui a oportunidade histórica para a CPLP se posicionar como a placa político-institucional de confluência politicamente orientada de um conjunto de posições geográficas diversas e processos de integração regional distintos, mas unidos, para lá de uma língua que-écomum, por uma mesma necessidade vital. Deve ser colocada na agenda política a criação de uma cidadania da CPLP, isto é, de uma cidadania lusófona – aliás, mais natural e historicamente fundada que a própria e heterogeneamente construída cidadania euro-unionista –, sendo que na definição do correspondente regime jurídico não podiam ficar esquecidos, longe disso, o mapa dos correspondentes direitos políticos, num quadro de razoável e ponderada progressividade, nem o desenho das correspectivas liberdades de circulação, de trabalho e de empresa. Este constituiria um traço indelével daquilo a que temos vindo a chamar um projecto de integração de base política, o qual exigiria, também neste ponto, uma diversa afirmação da lusofonia na esfera alargada da União Europeia: a atlantização da estratégia nacional traria inevitavelmente consigo uma tendencial atlantização da política europeia. Assumir que, através do Atlântico e de Portugal, o Brasil e a Angola chegam à Europa e ao seu universo económico-empresarial e social e perceber que, também através do Atlântico, Portugal volta a terras às quais também pertence é o clic nacional que
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falta para, quaisquer que sejam os protagonistas políticos, económicos e sociais, possamos ensaiar um projecto comum no quadro da CPLP que a todos traga retorno existencial e económico numa base duradoura. Se precisássemos todos de um pretexto para a afirmação dessa vontade política de erigir um projecto político-económico na esfera da CPLP, o mar e os seus recursos energéticos dão-no. No futuro, a geopolítica da energia vai objectivamente impor os oceanos como espaços de conflito político e disputa económica. A vida (a vivência) e a convivência dos diversos actores do sistema internacional na esfera das relações internacionais – públicos e privados, estaduais e não estaduais, políticos e económicos e sociais, individuais e colectivos – vão ditar a necessidade da definição, por parte de cada um daqueles, de um projecto estratégico para o mar, colocando este no centro (e no epicentro) dos conflitos internacionais dos séculos XXI e XXII. Não perceber isto, num quadro de tendencial sobrepovoamento planetário, de crescimento dos níveis de consumo e de corrida aos recursos energéticos, é ficar sentado à espera da tempestade perfeita. A defesa e a promoção dos recursos energéticos do mar português – incluindo, claro, os da sua plataforma continental alargada – será tão mais clara e eficiente quanto for desenvolvida no quadro de uma estratégia da CPLP para o mar da lusofonia – o Atlântico (Sul) –, e não tanto na esfera da Política Marítima da União Europeia. A centralidade das políticas é condição decisiva para o seu sucesso e resultados. Nestes termos, o caminho não pode ser a euro-unionização dos recursos energéticos da plataforma continental portuguesa. Pelo contrário, o caminho deve ser a sua comunitarização no quadro da CPLP, pensada não já para amanhã, mas seguramente a partir já de amanhã. V. Bibliografia ALMEIDA RIBEIRO, António de, O mar na política externa portuguesa, in O Mar na História, na Estratégia e na Ciência, FLAD/Tinta-da-China, Lisboa, 2013 ANDRADE, Luís, A Universidade dos Açores e a Cooperação Internacional, in O Mar na História, na Estratégia e na Ciência, FLAD/Tinta-da-China, Lisboa, 2013 BARBOSA GUERRA, Wilson, O Brasil e a Segurança no Atlântico Sul, in Nação e Defesa, nº128, IDN, Lisboa, 2011 BERNARDINO, Luís Brás, A Segurança Marítima no Seio da CPLP (Contributos para uma Estratégia no Mar da Lusofonia), in Nação e Defesa, nº128, IDN, Lisboa, 2011 CABRAL, Berta, Intervenção de Abertura no Seminário «A CPLP e a Nova Geografia da Energia Mundial», IDN, 2013 (disponível e consultado em http://www.defesa. pt/Documents/20130620_SEADN_idn_cplp_energia.pdf) CÉSAR, Carlos, O legado de Roosevelt: o passado e os desafios do presente, in O Mar na História, na Estratégia e na Ciência, FLAD/Tinta-da-China, Lisboa, 2013 COSTA SILVA, António, Portugal: país-arquipélago – Contributo para a definição de um conceito estratégico para o século XXI, in O Mar na História, na Estratégia e na Ciência, FLAD/Tinta-da-China, Lisboa, 2013
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Sanctions and Iranian Energy Exports As Crude Oil Sales Decline New Opportunities Arise 1 Shabnam Mirsaeedi-Glossner shabnam.mirsaeedi@googlemail.com
1 Part of the results of this paper will be presented at the 18th Salzburg REFORM group meeting, August 26-30 2013.
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Resumo: Apesar das sanções que lhe têm sido impostas o Irão tem sabido diversificar as suas parcerias internacionais diminuindo a sua dependência das exportações do petróleo. Palavras-chave: Irão / Política energética / Gás natural / Sanções Abstract: The Iranian draft budget for the 2013/2014 period assumed a 40% decline in oil revenues taking into account the economic consequences of international sanctions since 2012 that have targeted Iran’s oil and natural gas sector. Yet, Iran is making plans to boost its energy exports to circumvent Western sanctions and ease its losses. Sanctions were not an unexpected outcome of the previous negotiations on Iran’s nuclear program and as such Iran has been building non-Western and regional ties to increase its options. These include the strategic investment in electricity imports in neighboring countries as well as the construction of new grids to these areas, the expansion of natural gas exports and the change of crude oil imports. This paper seeks to argue that although the sanctions have reduced the immediate revenues of the government, particularly through decreased investments and relations to the West. New opportunities have been sought and groomed since 2009 to balance out these losses and diversify its energy export dependency. Key-words: Iran / Energy policy / Natural gas / Sanctions.
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I. Introduction The Iranian budget of 2013/2014 projects a 40% decline in oil revenues compared to the previous year.2 This is largely due to the tightened European and U.S. sanctions since the beginning of 2012 that have halted crude oil exports towards Europe and pressured U.S. allies to reduce Iranian crude oil imports. The first set of recent crude oil related sanctions from the United States were imposed on 31 December 2011. The European Union adopted a similar embargo in January 2012, which took effect in 1 July 2012. The U.S. sanctions also determined punitive measures against all those countries which do not “significantly reduce” their crude oil imports from the Islamic Republic of Iran.3 How significant these reductions have to be has not been officially quantified. As the sanctions on Iranian crude oil imports impact consumer countries giving them little opportunity to replace the imports with the same quality crude, the United States has introduced waivers for some countries that require these imports and do not want to risk being cut off from the U.S. financial system. The waivers are applicable for a 180-day period and allow currently 9 countries to purchase – while continuously reducing – crude from Iran.4 The newest set of waivers was passed in June 2013 for China, India and South Korea, Malaysia, Singapore, South Africa, Sri Lanka, Turkey and Taiwan.5 Iranian imports in April and May 2013 suggest an increase from the average low of 2012 crude oil imports. Although at first glance the economic consequences of the sanctions deem the international sanctions highly effective, a second look on Iran’s energy export strategy since 2009, however, show that Iran has taken measures to buffer the hit of international sanctions. 2 L. Nasseri, “Iran to Boost Gas Exports in Efforts to Cut Oil Sales Reliance,” Bloomberg, April 7 2013, http://www.bloomberg.com/news/2013-04-07/iran-to-boost-gas-exports-in-efforts-to-cut-oilsales-reliance.html (accessed June 22 2013). 3 Steven Blockmans & Stefan Waizer, “E3+3 coercive diplomacy towards Iran: Do the economic sanctions add up?” CEPS Policy Brief, No. 292, June 6 2013, p. 3. 4 Waivers for Japan and 10 European countries were approved earlier in 2013; new waivers for 9 other countries were approved in June 2013. 5 Roberta Rampton; Timothy Gardner, “U.S. renews Iran sanctions waivers for China, India and others.” Reuters, June 5 2013, http://www.reuters.com/article/2013/06/06/us-usa-iransanctions-idUSBRE9541DT20130606 (accessed July 27 2013).
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The economic pressure on Iran with the break in its crude oil export revenues was to bring the country to the negotiation table on its nuclear program. Other consequences have been “increased corruption, rent-seeking, and illegal trade in the country by reducing the inflow of petrodollars and decreasing foreign exchange reserves.”6 In response the Iranian government has taken steps to substitute oil revenues with tax revenues in the fiscal 2013 draft budget.7 But most importantly, in recent years Iran has sought diversification in both its natural gas sector and electricity sector – investing into new infrastructure, seeking new export markets and expanding existing routes. Closer relationships with neighboring countries has been fundamental in shaping an alternative for Short-term solutions are regional solutions for Iran, away from Western control and thus undermining the western pressures. Although the current volumes of exports and generated revenue are not far from the same level as previous crude oil sales, the strategic value and the consequences of a reorganization of Iran’s energy exports holds fundamental consequences not only for targeted Western sanctions, but the general political approach towards Iran. Particularly, with the election of Hassan Rouhani as president in the June 2013 election and a government change in August 2013, new opportunities for collaboration between Iran and the international community may emerge, requiring also a different policy approach towards Iran. This paper is divided into three main section analyzing recent developments in Iran’s crude oil, natural gas and also electricity exports. It focuses on the evolution of partnerships outside of Western markets to create a more diversified export base within the energy sector and certainly less reliable on Western markets. In consequence, however, sanctions are not effectively undercutting Iranian government revenues sufficiently to force the country into a change of policy on its nuclear program. Instead, the pursuit of a policy of diversifying energy export markets is another key part in Iran’s strategy to manifest itself regionally as a key player. Crude oil Historically, U.S. sanctions have targeted the Iranian crude oil sector because of it national importance. Oil exports made up approximately 80% of total export earnings and 50 to 60% government revenue in 2011 – a 40% loss has far reaching consequences for the government budget if it cannot be replaced by other earnings.8 According to a law passed in late 2011 in the United States, the U.S. can sanction any firm that buys Iranian crude, but it 6 Mohammad Reza Farzanegan, “Effects of International Financial and Energy Sanctions on Iran’s Informal Economy,” SAIS Review, Volume 33, Number 1, Winter-Spring 2013, p. 15. 7 Ibid. 8 U.S. Energy Information Administration, “Country Profile: Iran,” U.S. Energy Information Administration, 2013, Washington D.C.
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can also grant exemptions from sanctions to countries which have attempted “significant reduction” in imports from Iran. Crude oil exports have been stable around 2,450 thousand barrels a day between 1999 and 2011. However, imports declined sharply in 2012, leading to an overall average loss of 40% compared to the previous year. The most important crude oil export markets have been China, India, Japan, Korea, Greece, Italy, Spain and Turkey. While none of the countries were able to bow to sanctions immediately, they have all reduced between 65 and 14% their Iranian crude oil imports in 2012 compared to the previous year. The European countries (incl. Turkey) have had the most significant reductions from 2011 to 2012 of more than 60%.9 Figure 1: Iranian crude oil exports (1999-2012), in thousand barrels per day 10 11
Each oil refinery is set-up for a specific type of crude oil and as such an immediate alteration is almost impossible. The sanctions pursued a drastic and continuous reduction of crude oil imports from Iran. Since June 2012, the U.S. State Department has reviewed 180-day waivers for twenty countries that continuously decrease their crude oil imports from Iran, but are still dependent on them. On country-by-country basis the State Department evaluates the efforts of countries in reducing their energy dependency on Iran and in return the country receives an import quota permission for 180-days. The consequences of not surpassing the quota are not known. For example, Sri Lanka has been highly criticized by the United States as over-reaching its crude oil import quota from Iran.12 South Korea, for example, has not been able to meet its target. It 9 Ibid. 10 Ibid. 11 Oil Producing and Exporting Countries (OPEC), “Annual Statistical Bulletin,”OPEC, 2012. 12 “SL unlikely to get new U.S. waiver for Iran crude”. Daily Mirror Sri Lanka (Reuters), June 26 2013, http://www.dailymirror.lk/news/31462-sl-unlikely-to-get-new-us-waiver-for-iran-crude.html (accessed July 27 2013).
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is supposed to import 15% less crude than it did during the December 2012May 2013 period – only 126,000 barrels per day – but has overreached by 12,000 barrels per day based on June estimates.13 India, Iran’s second largest crude importer, is one of the success-stories for the United States’ sanctions. India used to import 372 thousand barrels of daily imports (2011) and 363 thousand barrels of daily imports (2012) – and on average 193 thousand barrels per day in the first half of 2013. More than 75% of India’s domestic energy needs come from the Middle East region. The Persian Gulf accounts for more an estimated 60% of its crude oil imports and within this context, Iran has gained significant importance.14 The Asian Clearing Union (ACU) that was created in 1974 at the initiative of the United Nations in Tehran, facilitated trade between nine Asian countries, including Iran and India. In December 2010 the Reserve Bank of India (RBI) cancelled the ACU arrangements for oil payments to Iran.15 India has successfully cut half of its crude oil imports from Iran and replaced those with greater imports from Saudi Arabia, Iraq and Kuwait. Data from 2013 indicate than China still remains the largest importer of Iranian crude oil, followed by India, Japan, South Korea and Turkey. While between January and June 2011, China had a share of 22%, Japan 14%, India 13% of Iranian crude oil exports, this share has increased for China to 27% to 38%, for Japan between 17% to 20% and for India between 11% and 26% in the first six months of 2013.16
13 “UPDATE 1 - S.Korea‘s June Iran crude imports down 23 pct on year,” Reuters, July 14 2013, http:// www.reuters.com/article/2013/07/14/oil-korea-iran-idUSL4N0FK0DD20130714 (accessed July 25 2013). 14 P. R. Kumaraswamy, “India‘s Energy Dilemma with Iran,” Journal of South Asian Studies, 36:2, p. 290. 15 Ibid, p. 295. 16 2011 numbers come from: “Iran oil exports: where do they go?” The Guardian. February 6 2012, http://www.guardian.co.uk/news/datablog/2012/feb/06/iran-oil-exports-destination (accessed July 25 2013).
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Figure 2: Iran crude oil exports by month (December 2012 to June 2013), in thousand barrels per day 17 18 19 20
Figure 3: Iranian crude oil exports by country (January to June 2013), in thousand barrels per day 21 22 23 24 25 26 27
17 “China imports 390,000 bpd of Iranian crude oil in June,” Gulf Oil and Gas, July 15 2013, http:// www.gulfoilandgas.com/webpro1/MAIN/Mainnews.asp?id=29295 (accessed July 25 2013). 18 “Iran’s crude exports to plunge in January,” Trade Arabia (Reuters), March 3 2013, http://www. tradearabia.com/news/OGN_231578.html (accessed July 24 2013). 19 “Iran’s March crude exports to fall to lowest since sanctions kicked in,” ArabNews, March 16 2013, http://www.arabnews.com/news/445031 (accessed July 27 2013). 20 “Toothless sanctions? Iranian oil trade booming, China top buyer,” Reuters, January 31 2013. http://rt.com/news/iran-oil-sales-high-132/ (accessed July 27 2013). 21 “Iran Oil Desk: Tracking the World’s Third Largest Oil Exporter,” Rhodium Group, July 25 2013, http://rhg.com/interactive/iran-oil-desk-mm.php (accessed July 25 2013). 22 “Iran crude export to rebound in April after March slump,” Reuters, April 7 2013, http://www. reuters.com/article/2013/04/07/asia-iran-crude-idUSL3N0CS1RI20130407 (accessed July 24 2013). 23 Small differences to Figure 2 can be explained by rounding differences as well as multiple different sources. 24 “India oil imports from Iran increases by 21% in June,” Press TV, July 24 2013, http://www. presstv.ir/detail/2013/07/24/315354/india-oil-imports-from-iran-up-21/ (accessed July 25 2013). 25 Nayla Razzou Anthony DiPaola,”Iran’s Crude Exports Rise as China Port Blockage Ease, IEA says” Bloomberg, June 12 2013, http://www.bloomberg.com/news/2013-06-12/iran-s-crudeexports-rise-as-china-port-blockages-ease-iea-says.html (accessed July 25 2013). 26 “S. Korea cuts Iran crude oil import,”Dawn.com, June 16 2013, http://beta.dawn.com/ news/1018520/s-korea-cuts-iran-crude-oil-import (accessed July 20 2013). 27 “Japan oil imports from Iran double in May,” Press TV, June 27 2013, http://www.presstv.ir/ detail/2013/06/27/311117/japans-oil-imports-from-iran-double/ (accessed July 3 2013).
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Some recent indicators, however, suggest that some of these losses may have only been temporary. According to China’s General Administration of Customs, Iran sold 555,557 barrels per day to China in May 2013. This is a 49.5 percent rise from April 2013 and a 6.4 percent increase from May 2012 imports.28 Turkish crude oil imports have stabilized above 100 thousand barrels per day since January 2013 after considerable lower imports in November 2012 (89 thousand barrels per day). Nonetheless, 2011 contracted values were as high as 150-180 thousand barrels per day.29 Data on the Iranian crude oil exports in the last ten years clearly indicates two things: Firstly, sanctions effective since July 2012 have reduced Iranian crude oil exports by almost 50% compared to 2011 volumes. Secondly, the reductions have been driven by changes in European countries as well as continuous pressures on importers to reduce their dependence on Iranian crude oil incessantly. The question remains, however, if and how much lower the Iranian export volumes can become. As the US claims that the international market can sustain its vitality without Iranian crude oil, importing countries such as China, India and Turkey have stabilized the importing volumes. Natural gas exports In the last few years, Iran has sought to position itself as a major natural gas supplier despite Western sanctions (IHS Global Insight, 2012, p. 5). The first more substantial natural gas exports only occurred in 2003 – until that point natural gas was mostly the backbone of national consumption. Even in 2012, natural gas exports amounted to approximately 10 to 11 bcm but national gas consumption reached 153 bcm (2011)30 or 48% of total final energy consumption (2010).31 Iran holds 33.6 tcm of proven natural gas resources and is seeking to increase its production capacity significantly. In 2012, Iran had a share of 4% in the global natural gas production (approximately 160 bcm) and is seeking to increase this value to 167.7 bcm by 2016.32 The largest natural gas field in Iran is the South Pars field with approximately 8 to 14 tcm proven gas reserves in an area of 3.700 km2. It has been deemed a national priority since the early 1990s. South Pars holds 50 to 60% of all Iranian natural gas reserves. The South Pars area is divided in 29 phases (or projects), ten 28 “Iran crude oil exports to China increase 50 percent in May,“ Press TV, June 21 2013, http://www. presstv.ir/detail/2013/06/21/310138/iran-oil-exports-to-china-up-50-in-may/ (accessed July 25 2013). 29 “Turkey’s Iranian oil purchases fall by one-third in one month,” Hurriyet, February 14 2013, http:// www.hurriyetdailynews.com/turkeys-iranian-oil-purchases-fall-by-one-third-in-one-month-.asp x?pageID=238&nID=41147&NewsCatID=348 (accessed July 25 2013). 30 Business Monitor, “Iran: Oil and Gas Report Q2,” Business Monitor, March 2013. 31 International Energy Agency (IEA), “Energy Statistics of non-OECD countries,” International Energy Agency (IEA), 2012. 32 Business Monitor, “Iran: Oil and Gas Report Q2,” Business Monitor, March 2013.
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of which have been completed by mid-2013, with three more likely to be finished by the end of 2013. In 2012, the completed 10 phases of South Pars produced 109.5 bcm, most of which has been dedicated to national consumption. With the completion of three more projects in 2013 the production is expected to increase to 146 bcm annually in 2014. Figure 4: Iranian natural gas imports and exports (1999-2012e), in bcm 33 34
In 2009 and 2010, the European Union Member States entered negotiations for the Nabucco gas pipeline project. Iran’s gas reserves were fundamental to achieve the intended annual supply capacity of 30 billion cubic meters from Asia to Europe.35 The sanctions against Iran in 2012 changed the original Nabucco plans to a slimmed down version – Nabucco West – which would only start at the Turkish-Bulgarian border to Austria. With the announcement in June 2013 by the Shah Deniz II consortium to supply the competing gas pipeline – the Trans-Adria Pipeline with 10 bcm annually – the Nabucco pipeline plans have been terminated.36 For European members this means a significant loss in energy supply security, while Iran has been pursuing natural gas export options on its own. While the South Pars field seeks the construction of two Liquid Natural Gas (LNG) Terminals (Phase 11 and Phase 13), these projects have not yet been realized.37 Thus, Iran is currently highly dependent on the construction of new natural gas infrastructure to develop new markets. 33 British Petroleum Company, “Statistical Review of World Energy, “ British Petroleum, 2013. 34 Oil Producing and Exporting Countries (OPEC), “Annual Statistical Bulletin,”OPEC, 2012. 35 “Iran verhandelt über Beteiligung,” Süddeutsche Zeitung, May 17 2010, http://www.spiegel. de/wirtschaft/unternehmen/gasversorgung-iran-verhandelt-ueber-beteiligung-an-nabuccopipeline-a-658482.html (accessed April 12 2013). 36 “Nabucco ist gescheitert,“ Frankfurter Allgemeine Zeitung, June 26 2013, http://www.faz.net/aktuell/ wirtschaft/gaspipeline-projekt-nabucco-ist-gescheitert-12244787.html (accessed July 4 2013). 37 The Chinese National Petroleum Corporation (CNPC) developed Iran’s first LNG Terminal (Phase 11) from 2009 until the summer of 2012. While it is still open to speculation why the contract was aborted at that stage, international political pressures may have contributed to the termination. Since then Iran Gas has been developing the project site – an end date for this LNG and Phase 13 are not known.
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Three major gas pipeline projects have survived international political pressures so far and promises to triple Iran’s gas exports to some of its neighbors in the coming year to make up for economic losses in its crude oil exports.38 In April 2013, the National Iranian Gas Company announced after signing new agreements with Turkey and Iraq an increase of natural gas exports from 35 mcm daily in 2012/2013 to 100 mcm daily within a year – the government’s objective is to increase Iranian natural gas exports to 35 bcm by 2016 compared to an estimated 11 bcm in 2012.39 Iran-Pakistan(-India) Pipeline After decades of negotiations in March 2013, president Ahmadinejad and his Pakistani counterpart, Asif Ali Zardari, officially inaugurated the final phase of construction of the Iran-Pakistan natural gas pipeline.40 The original pipeline, known as the peace pipeline included a connection from Iran, across Pakistan to India, but in 2008 and 2009, India bowed to U.S. pressures to end cooperation on the pipeline with Iran.41 In May 2009, however, the Pakistani Inter State Gas Systems (ISGS) and the National Iranian Oil Company (NIOC) signed a gas sales and purchase agreement of 21.5 MMcm/d to Pakistan. The pipeline accord and a sovereign guarantee agreement were signed in March and June 2010. In 2012, former Secretary of State, Hilary Clinton warned Pakistan at a U.S. House Appropriations Subcommittee Meeting on Foreign Operations of the negative consequences if it would go ahead with the construction of the natural gas pipeline between Iran and Pakistan.42 Pakistan was subject to similar U.S. pressures and threats to end the pipeline plans with Iran widening the consequences of U.S. sanctions against third-parties. The pipeline starts at the South Pars fields and leads to Pakistan (Nawab Shah) and holds an annual capacity of 9.15 bcm. The costs are estimated at approximately 1.5 billion USD on Pakistani territory alone and a similar amount for the Iranian section. The entire construction will be overseen by Tadbir Energy Development Group, an Iranian company. The share of the pipeline on Iranian territory will be completed by the fall of 2013. The problem, however, lies in the remaining 700 km on Pakistani territory that have not been constructed. While the German firm, ILF Engineering, was awarded the contract for construction in August 2011, the company gave in to U.S. pressures and terminated the contract 38 L. Nasseri, “Iran to Boost Gas Exports in Efforts to Cut Oil Sales Reliance,” Bloomberg, April 7 2013, http://www.bloomberg.com/news/2013-04-07/iran-to-boost-gas-exports-in-efforts-to-cutoil-sales-reliance.html (accessed July 5 2013). 39 Ibid. 40 “Iran, Pakistan inaugurate IP gas pipeline,“ Press TV, March 12 2013, http://www.presstv.ir/ detail/2013/03/11/292995/iran-pakistan-inaugurate-ip-gas-pipeline/ (accessed March 14 2013). 41 “Pakistan-Iran gas pipeline defies US,” British Broadcasting Cooperation, March 11 2013, http:// www.bbc.co.uk/news/world-asia-21736725 (accessed March 12 2013). 42 IHS Global Insight. (2012). “The Iran-Pakistan Pipeline: A dangerous proposition,” 2012, p. 2.
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in early 2012. Iran has sought to financially support the construction of the Pakistani section and contributed more than one-third of the costs to Pakistan, yet, the Pakistan is still looking for other investors. Officials expect the pipeline to come on-stream by the end of 2014.43 3.2 Iran-Turkey Pipeline In 2012, 90% of Iranian natural gas exports are directed towards Turkey. The natural gas exports towards Turkey only commenced in 2001 and hold significant future potential as Turkey is positioning itself as an energy hub and transit country towards Europe. The first natural gas contract between Iran and Turkey was signed in 1996 for the duration of 23 years and was supposed to come on stream by 1999. The contract determined growing exports rates from Iran to Turkey, reaching 4 bcm annually by 2002, 10 bcm annually by 2007 and an expansion to 14 bcm annually by 2010.44 However, as the pipeline only became operational in 2001, the contracted values of 4 bcm were by far not met in 2002 and by 2007 only 6.1 bcm instead of 10 bcm were exported. Estimates in 2012 indicate that 10 bcm have been exported, leaving an unused capacity of 4 bcm annually. Figure 5: Iran-Turkey natural gas imports (2001-2012e), in bcm 45 46
Growing Turkish invest in investment opportunities in the Iranian South Pars phases expanded the existing energy cooperation between the two countries. 43 “Iran-Pakistan gas pipeline to come on-stream by end of 2014: Pakistan official,” Press TV, July 1 2013, http://www.presstv.ir/detail/2013/07/01/311738/ip-gasline-to-come-online-by-end2014/ (accessed July 19 2013). 44 Elin Kinnander, “The Turkish-Iranian Gas Relationship: Politically Successful, Commercially Problematic,” OIES, p. 12. 45 British Petroleum Company, “Statistical Review of World Energy, “ British Petroleum, 2013. 46 Business Monitor, “Iran: Oil and Gas Report Q2,” Business Monitor, March 2013.
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The Turkish state-run company Turkish Petroleum Company (TPC) received a license for natural gas production for three phases in South Pars. In the same year (2008) Turkey and Iran signed a memorandum of understanding for the transportation of Turkmen and Iranian natural gas through Turkey towards the European market.47 The project was supposed to bring a total of 30 bcm annually through Turkey from which Turkey can use 16 bcm annually for its own growing national consumption. U.S. and European pressures following the sanctions against Iran in 2012 have not decreased natural gas trade between the two countries. Iran is after Russia (46.2% in 2010) the second largest natural gas exporting country (20.4% in 2010) to Turkey.48 Instead of direct financial transactions, Turkey has been paying with gold exports in return for natural gas exports since the end of 2012. In February 2013 alone, Turkey exported gold for the value of 180 million USD (compared to 54 million USD in January 2011). In May 2013, Iran and Turkey publically announced that they were in the final phases of a new natural gas contract that would expand their existing volumes by 3 bcm annually. The natural gas would be transported through Turkey towards Europe.49 3.3. Iran-Iraq(-Syria) According to Iranian news, the country is negotiating a contract with Iraq for a natural gas pipeline from Asalouyeh to Baghdad and eventually towards Syria. The pipeline to Iraq was initially to have a capacity of 10.95 bcm annually with an additional capacity of 9 to 11 bcm annually for Syria.50 The construction of the 1,500 km long pipeline started at the end of 2012 and first exports towards Iraq are expected to start in early 2014. Experts estimate 18-20 billion USD revenue annually for the delivery of 9.13 bcm annually.51 Natural gas exports seem to be a viable option to complement and diversify existing energy partnerships that may be comprised by Western pressures. Grooming these new partnerships, however, has proven to be both a political as well as a financial challenge. U.S. threats to other countries that 47 Nader Habibi, “Turkey and Iran: Growing Economic Relations Despite Western Sanctions,” No. 62, Waltham: Brandeis University - Crown Center for Middle East Studies , 2012, p. 4. 48 Energy Delta Institute, “Turkey, ” Energy Delta Institute, 2011.http://www.energydelta. org/mainmenu/energy-knowledge/country-gas-profiles/country-gas-profile-turkey#t44829 (accessed July 19 2013). 49 Natural Gas Asia, “Turkey to transit 2 bcm of Iranian Gas to Europe,“ Oil and Gas Eurasia, May 17 2013, http://www.oilandgaseurasia.com/news/turkey-transit-2-bcm-iranian-gas-europe (accessed May 19 2013). 50 “Iran plans to extend gas pipeline to Iraq, Syria,“ Press TV, January 9 2013, http://www.presstv. ir/detail/2013/01/09/282649/iran-plans-iraq-syria-gas-pipeline/ (accessed April 3 2013). 51 “Iran to gain $1.5-2 per day from gas exports to Iraq: NIGC chief,“ Press TV, March 12 2013, http:// www.presstv.ir/detail/2013/03/12/293208/iran-to-gain-2md-from-iraq-gas-exports/ (accessed April 3 2013).
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seek energy cooperation has been substantial and diverted some interests in long-term collaboration, such as in the case of India. The limited resources at hand of countries such as Pakistan furthermore require Iran to invest in order to be able to diversify its energy partners – a loss in the short- and mid-term. Two other factors contribute to the difficulty of grooming this market: firstly, the lack of completed LNG terminals in Iran (two are being constructed with no confirmed operation date) makes Iran dependent on the construction of physical infrastructure. And secondly, changes in the regional gas markets (i.e. the shale gas revolution) have opened opportunities for new players in the market, lower prices and the potential for the global market. Electricity Exports Rarely, however, electricity exports are considered as a geopolitically relevant outlet energy exports. In the case of Iran, these are extremely relevant for two reasons: firstly, more than 70 percent of the electricity generated in Iran is produced by natural gas and electricity has not been subject to foreign sanctions; secondly, Iran strategically invests in the infrastructure and management of regional grids that creates a longer term regional dependence on Iran.52 Currently Iran is ranked first in electricity generation in the Middle East (14th in the world) and seeks to strategically expand its capacities while signing contracts with neighboring countries.53 It has held swap agreements with Armenia, Azerbaijan and Turkmenistan – natural gas for its northern areas for electricity. Iran’s growth in domestic electricity consumption is considered one of the highest worldwide, with a current electricity net consumption of an estimated 183.07 TWh in 2012 and approximately 194.9 TWh in 2015. Meanwhile, total electricity generation in the country has been increasing continuously with 220.2 TWh in 2011. In order to be able to grow its electricity exports while facing high domestic consumption, the Iranian government enacted a subsidy reform plan, which included price reforms of the previously subsidized electricity prices. In the first phase of the subsidy reform implemented in December 2010, the average electricity prices for households went up to 360 rial per kWh—more than three times the pre-reform price in 2010 and almost eight times the kWh price in 2000.54 In the first 9 months of 2012, Iran had increased its net electricity exports to more than 5 TWh.55 The government has made electricity generation and 52 Shabnam Mirsaeedi-Glossner, “Iran’s Flourishing Regional Influence: Electricity Exports as a Loophole to Sanctions,” Science & Diplomacy, 2(3), September 2013, pp. 2-11. 53 “Iran electricity exports to neighbors reach 1,059 MW,“ Press TV, July 26 2013, http://www. presstv.ir/detail/2013/07/26/315732/iran-electricity-exports-reach-1059-mw/ (accessed July 29 2013). 54 Shabnam Mirsaeedi-Glossner, “Iran’s Flourishing Regional Influence: Electricity Exports as a Loophole to Sanctions,” Science & Diplomacy, 2(3), September 2013, pp. 2-11. 55 Saman Energy Company, “Domestic production,” Information Centre, March 30, 2010.
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electricity exports to neighboring countries a national priority: by the end of the Fifth Five-Year Economic Development Plan (2015), Iran will boost its electricity generation capacity by 25GW to reach 73GW. The managing director of Iran Power Development Company has announced that approximately 23 new power plants will begin production by the end of the government’s tenure in the next Iranian year, starting March 2013.56 Figure 6: Iranian Electricity Exports and Imports (1997-2011), in GWh 57
To further its objectives of increasing its electricity exports, Iran has entered into several collaborations: Iran, Russia and Turkey have signed an agreement to jointly construct power plants in Iran that are designated to increase Iran’s electricity exporting capacity to neighboring countries.58 The terms of the agreement dictate that the Turkish companies will be permitted to construct new power plants and invest in Iran’s power sector and Turkey and Russia will create a joint venture (JV) to build new power plants. Turkey In April 2012, Iran exported 190 MW per hour to Turkey. The construction of new electricity transfer lines with a capacity of 230 kV and a new power post increased the exports 400 MW per hour in 2013. In July 2013, a joint Turkish-Iranian delegation has decided to go ahead with plans to build together several power plants with a total capacity of 20,000 MW. These power plants would include thermal power plants as well as renewable energy and hydropower plants. New 56 Business Monitor, “Iran Power Report Q4 2012,” Business Monitor, 2012. 57 Shabnam Mirsaeedi-Glossner, “Iran’s Flourishing Regional Influence: Electricity Exports as a Loophole to Sanctions,” Science & Diplomacy, 2(3), September 2013, p. 3. 58 Business Monitor, “Iran Power Report Q3 2013,” Business Monitor, 2013.
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discussions on an additional transfer lines could increase the electricity export to 1,200 MW in the future. 4.2 Afghanistan – Tajikistan In January 2012, Iran and Afghanistan signed an electricity supply agreement that would increase the power supply from 10 MW to 24 MW for Nimroz and from 90 MW to 140 MW for Herat and Farah Province will get 50 to 100 MW of electricity.59 In June 2012, Iran, Tajikistan and Afghanistan successfully concluded negotiations on a joint power line (500 kV) from Iran through Tajikistan and Afghanistan.60 4.3 Pakistan In 2009, Iran and Pakistan signed a memorandum of understanding for the construction of a 170 km transmission line from Iran to Pakistan and the provision of initially 1,000 MW of electricity a year.61 The proposed project includes the construction of the power plant in Zahedan Province, bordering Pakistan. Iran is willing to provide US$800 million to US$900 million to complete the project.62 In the second phase, up to 10,000 MW per year would be exported from Iran to Pakistan. In an effort to forego western sanctions, Pakistan has authorized the export of 100,000 tons of wheat to Iran, to settle some of its outstanding payment of 53 USD million for electricity and energy supplied to Pakistan’s border areas through the Iranian electricity grid. Approximately 3 million USD a month of electricity are supplied by Iran to Pakistan’s border, including the geopolitically important port Gwadar.63 4.4 Iraq – Syria – Lebanon Iran has started more significant electricity exports to the Wasit Province in Iraq (Mirsaeedi-Glossner, 2013, p. 3). By July 2013 it was reported that nearly 1,300 MW of electricity were exported to Iraq (compared to only 450 MW by mid59 United Nations Assistance Mission in Afghanistan. “Afghanistan and Iran sign electricity supply agreement,” January 28 2012, http://unama.unmissions.org/Default.aspx?ctl=Details&tabid=122 54&mid=15756&ItemID=36333 (accessed July 28, 2013) 60 “Iran-Tajikistan-Afghanistan to build joint power line.” Technical Review Middle East. June 26 2012. http://www.technicalreviewmiddleeast.com/power-a-water/transmission/iran-tajikistanafghanistan-to-build-joint-power-line (accessed July 25 2013). 61 Shabnam Mirsaeedi-Glossner, “Iran’s Flourishing Regional Influence: Electricity Exports as a Loophole to Sanctions,” Science & Diplomacy, 2(3), September 2013, p. 3. 62 Ibid. 63 “Pakistan approves 100,000 tons of wheat for Iran to pay power,” The Express Tribune, May 18 2013, http://tribune.com.pk/story/550822/pakistan-approves-100000-tons-of-wheat-for-iran-topay-for-power/ (accessed July 29 2013)
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2011) and 150 MW more will be added to the volume by the end of the year.64 In the mid-term the path through Iraq will serve also the supply of electricity to Syria. In June 2013 – despite persisting conflict – the Syrian Ministry of Electricity and Iran’s engineering and oil company signed four contracts worth 40 million euros for the supply of high voltage transformers (400, 230 and 60 kV) and essential equipment for electricity transfer stations in Syria.65 Although a timetable has not been set yet for the supply of Iranian electricity to the country, general agreements have been signed for further cooperation in this area. Cooperation between Iran and Lebanon has been gaining momentum since 2012. According to the news agency IRNA, the Lebanese Electricity Company has decided to purchase electricity from Iran, as of April 15 2012. The first consignment was 25 MW and will increase to 100 MW – the electricity will be exported through Iraq and Syria to Lebanon. 4.5 Gulf Countries New plans from Iran aim at expanding its regional role across the Persian Gulf including the United Arab Emirates, Oman, and Qatar through development of the Forouz B gas field in the Gulf.66 According to the Iranian Energy Minister, the Iran Offshore Oil Company struck a US$3.8 billion agreement with the Iran Power Plant Projects Management Company (MAPNA) to develop a power plant based on the natural gas field’s generating an estimated 3 GW of electricity, which would be exported mostly to these Gulf countries.67 A drop of water will always find a path (Persian Proverb) As Sajjad Faraji Dizaji and Peter A. G. van Bergeijk described in their article, the limited impact of sanctions over time. A significant impact is felt by the targeted country in the initial phase, yet, after this phase adjustments in economic dependencies and structure s are made to mitigate the economic and political impact of the sanctions. To summarize: “sanctions may work in the short term; their impact in the long run is limited at best.”68 64 “Iran to up electricity exports to Iraq,” Press TV, July 7 2013. http://www.presstv.ir/ detail/2013/07/07/312720/iran-to-up-electricity-exports-to-iraq/ (accessed July 29 2013). 65 “Syrian-Iranian Electricity Contracts at 40 Million Euros,” The Syrian Times, June 5 2013. http:// syriatimes.sy/index.php/economy/5741-syrian-iranian-electricity-contracts-at-40-million-euros (accessed July 29 2013). 66 Shabnam Mirsaeedi-Glossner, “Iran’s Flourishing Regional Influence: Electricity Exports as a Loophole to Sanctions,” Science & Diplomacy, 2(3), September 2013, p. 3. 67 “Iran to export USD 2bn in electricity to Persian Gulf states,” Press TV, February 24, 2012, http:// www.presstv.ir/detail/228401.html (accessed March 25 2013). 68 Sajjad Faraji Dizaji and Peter A G van Bergeijk, “Potential early phase success and ultimate failure of economic sanctions: A VAR approach with an application to Iran,” Journal of Peace Research , 26 June 2013.
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The Unites States and Europe have used their international leverage and sanctions in an effort to isolate Iran seeking to bring the country to its knees and negotiate its nuclear program. In the short-term the sanctions have succeeded in leading to economic losses due to the almost halved crude oil exports. But more interestingly are the mid-term consequences. Current data indicates that the level of Iranian crude oil exports is unlikely to be reduced to a substantially lower level. Turkish, Chinese, Indian, South Korean and Japanese crude oil imports from Iran have stabilized amidst U.S. pressures. Attention has to be given to the failure of U.S. pressures in stopping the diversification of Iranian pipeline projects to geopolitically crucial Iranian neighbors. The construction of new pipelines towards Iraq and Pakistan represent to growing and new outlets for Iran’s South Pars natural gas reserves. The expansion of existing contracted volumes to Turkey that could supply Europe has failed to bring about the isolation and could even revamp European energy dependency. The consequences of the diversification of Iranian energy exports – as little as they are in monetary value in 2013 – have important short-and mid-term consequences for the targeted sanctions towards Iran. The strategic alliances that Iran is weaving within the geopolitically region of great political and security interest to both the United States and Europe creates new dependencies towards Iran that become more difficult to control by Western powers. Although Iranian financial means are limited, it is investing in infrastructure projects that are either jointly led or create an active dependency on Iranian energy sources. Consuming countries have been forced to choose between their loyalty towards the United States and their energy dependence on Iran, seeking often a loophole to achieve the most optimal result for them, i.e. Turkey’s payment with gold and Pakistan’s payments with wheat. Certainly, this strategic approach is financially costly for Iran. Neighbors such as Pakistan, Afghanistan and Iraq often lack the financial resources or able/ willing investors for these investments forcing Iran to stem much of the projects by itself. This is not a financially sustainable policy path for the future considering the weak national economy. The Iranian energy export diversification complicates targeted sanctions towards Iran’s energy sector and increases the U.S. stakes at the negotiation table in an effort to balance out Iran’s regional influence. While the winner of this policy game has not been announced yet, every day that passes increases the odds for Iran. The government change in August 2013 is an opportunity to engage on an eye-to-eye level that carefully weighs in Iran’s regional influence as well as the difficulty to successfully isolate this country from the international community.
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Resumo: Esta investigação demonstra como a riqueza de gás natural actua como factor de afirmação geopolítica e de potencial estratégico fundamental para a reemergência da Rússia enquanto potência no sistema internacional. Neste trabalho é estudada a enorme dependência da Europa em relação ao gás russo, já que esse facto é preponderante para a reconquista do estatuto de grande potência por parte da Rússia. É na Europa que se centram as estratégias da Rússia com os seus projectos de novos gasodutos como Nord Stream e o South Stream, o que não dispensará os russos de seguir também um jogo estratégico no Cáucaso e na Ásia Central de modo a garantir o sucesso das suas ambições dentro da Europa. Será abordado o projecto Nabucco como vanguarda da estratégia da União Europeia no combate à sua dependência em relação à Rússia, apresentando várias debilidades quanto à sua viabilidade, mas que a ter sucesso, compromete o futuro da Rússia no mercado do gás. A Rússia, por outro lado, tem pela frente grandes ameaças ao seu poder energético no longo prazo como a queda da produção, que poderá ameaçar a Europa também, e a baixa competitividade do gás russo que por enquanto é salva por um mercado onde a concorrência dificilmente consegue entrar. Palavras-chave: Rússia / Europa / Gás natural / South Stream / Nord Stream / Nabucco Abstract: This research shows how the wealth of natural gas play a role on geopolitical assertion and fundamental strategic potential for the re-rising of Russia as an influential nation in the international system. This dissertation studies the huge European dependence on the Russian gas, as this fact is crucial for the Russians to re-conquer their great power status. It is in Europe that Russia’s strategies are focused with its projects of new gas pipelines like the Nord Stream and South Stream. This, however, does not exempt Russians from pursuing a strategic game in the Caucasus and Central Asia, in order to ensure the success of their ambitions within Europe. We will cover the Nabucco project as the European Union’s head strategy, in its struggle against the dependence from Russia, while showing several weaknesses regarding its viability. However, should it succeed, it will undermine
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Russia’s future in the gas market. Nevertheless, Russia faces great threats to its energetic power in the long run, i.e. the fall of production which might also threaten Europe, as well as the low competitiveness level of the Russian gas that for the moment is saved by a market where the competition hardly penetrates. Keywords: Russia / Europe / Natural gas / South Stream / Nord Stream / Nabucco. Agradecimentos À Universidade Lusíada de Lisboa, a minha primeira casa, e a todos os docentes da mesma que me acompanharam ao longo da minha licenciatura. Aos meus orientadores da dissertação de mestrado, sem os quais este trabalho não teria sido realizado: a Professora Doutora Patrícia Daehnhardt e o Professor Doutor Pedro Borges Graça, que sempre me apoiaram e aconselharam ao longo da minha investigação, tanto na recolha bibliográfica como na metodologia. Ao Professor Doutor José Francisco Pavia, pela oportunidade que me proporcionou em contribuir para a revista “Lusíada. Política Internacional e Segurança” e meu professor de licenciatura e com quem tive ainda o prazer de participar em eventos académicos internacionais.
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Introdução Pelo seu papel crucial em qualquer economia, o mercado da energia é um mercado de altos interesses estratégicos. Consequentemente, o mercado da energia nunca poderá ficar de fora da agenda da política externa das grandes potências. Este é um mercado altamente competitivo e está muitas vezes na base de disputas estratégicas entre Estados. A Rússia é um Estado altamente privilegiado no mercado da energia. É rico em matérias-primas energéticas, controla a exploração destas riquezas naturais e dada a sua dimensão territorial domina os principais gasodutos que abastecem a Europa. Esta riqueza, aliada ao facto da Rússia ser o principal fornecedor de gás natural de muitos países europeus, confere-lhe um estatuto especial na economia internacional e nas relações internacionais, atribuindo-lhe poder de negociação na arena internacional e possibilitando-a de utilizar a energia como instrumento de hard power ser for essa a escolha dos líderes políticos. Esta situação tem levado muitos Estados a procurar estratégias de modo a diminuir a sua dependência da Rússia em termos de importação de gás natural. De uma forma resumida, eis alguns aspectos a reter em relação à problemática do estudo: A riqueza de gás natural é um elemento fundamental no potencial estratégico e geopolítico da Rússia. Podemos incluir a Rússia dentro de um conceito de “potência energética”. O gás natural russo é um instrumento de política externa. Existência de uma disputa estratégica entre a Rússia e os seus principais importadores de gás natural. Os Estados dependentes do gás russo tentam encontrar estratégias alternativas de modo a diversificar a origem das suas importações de gás. A nova Rússia Em finais da década de 1980 e início da década de 1990, o sistema internacional sofreu uma mudança radical no seu modelo de ordenamento, passando de um modelo bipolar para um modelo unipolar. A União Soviética desmembrou-se em múltiplos Estados, o Pacto de Varsóvia dissolveu-se e deu-se
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uma reviravolta no modelo político e económico de todos os Estados para lá da antiga cortina de ferro. Embora a transição para a democratização destes regimes tenha sido pacífica na maioria dos casos, a situação política e económica levou tempo a reencontrar a sua estabilidade. Da mesma forma, a política externa russa alterou-se completamente. Durante os nove anos de administração do presidente Boris Yeltsin após o fim da URSS, a nova Rússia não foi capaz de se reerguer. O choque da adesão rápida ao sistema capitalista não produziu de imediato a prosperidade desejada, provocando no país uma situação de penúria social e com taxas de criminalidade insuportáveis para a sociedade russa.1 Com a chegada ao poder de Vladimir Putin em 2000, a Rússia reencontrou o seu lugar no sistema internacional e recuperou o seu prestígio de grande potência. Putin deu a conhecer à Rússia um crescimento económico rápido e contínuo fazendo parte das economias emergentes do clube dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China), um lugar conquistado pela sua dimensão territorial e populacional aliada a um crescimento económico alimentado sobretudo pela exportação de petróleo e gás natural. Neste período a política externa russa assiste a uma reformulação profunda. Durante a Guerra Fria, a política externa soviética tinha-se pautado pela utilização de três instrumentos fundamentais de política externa, e que eram comuns à política externa americana: a dissuasão nuclear, a política de alianças (Pacto de Varsóvia vs NATO), e a expansão e manutenção das suas esferas de influência. Com o final da Guerra Fria, a Rússia perdeu estes três instrumentos. O Pacto de Varsóvia dissolve-se, a instituição militar degradou-se assim como todas as restantes instituições ligadas ao antigo aparelho do Estado soviético. A política da esfera de influência perde o seu significado após a falência do sistema comunista, onde a Rússia não é mais o seu principal representante. Apesar de ainda ser uma potência com armas nucleares, a dissuasão nuclear não tem sido mais utilizada como instrumento de política externa, um ponto que é comum aos países nucleares da NATO. No mundo do pós-Guerra Fria, as potências emergentes têm-se concentrado numa ascensão mais económica em detrimento da afirmação do seu poder militar. A Rússia não é excepção. Findos os três antigos instrumentos da política externa soviética, os russos sabem que o seu prestígio no sistema internacional se deve em grande parte à posse de enormes reservas de matérias-primas energéticas, em particular o gás natural, o petróleo, e até mesmo o carvão. O poder militar já não é a principal ou única fonte de prestígio dos Estados. Assim, o mercado da 1 «In the first half of the 1990s, crime statistics moved sharply and uniformly upward. From 1991 to 1992, the number of officially reported crimes and the overall crime rate each showed a 27 percent increase; the crime rate nearly doubled between 1985 and 1992. By the early 1990s, theft, burglary, and other acts against property accounted for about two-thirds of all crime in Russia. Of particular concern to citizens, however, was the rapid growth of violent crime, including gruesome homicides.» in Library of Congress Country Studies, http://lcweb2.loc.gov/frd/cs/cshome.html (link directo protegido) (acedido a 02/02/2012)
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energia é o principal activo estratégico da Rússia, permitindo ao país consolidar o seu poder no sistema internacional, principalmente perante os Estados mais dependentes da energia russa, como é o caso da Europa. Consideram muitos dos especialistas em relações internacionais que o estatuto de grande potência implica poder militar. No entanto, na era da globalização, o poder económico é cada vez mais um novo factor de afirmação internacional dada a crescente relação de interdependência entre Estados. A Rússia sabe que se quiser ser considerada uma grande potência, a modernização do seu aparelho militar também é relevante para que possa acompanhar as outras grandes potências. Ao mesmo tempo, a Rússia sabe que a sua ascensão não será prioritariamente pela via militar, já que está muito longe de dispor dos recursos necessários para rivalizar com outras potências como os EUA e a China. Para a Rússia conquistar esse estatuto perante as outras grandes potências, o seu poder deve-se traduzir também por meio económico, e a riqueza em petróleo e gás natural proporciona-lhe essa oportunidade. O mercado energético europeu na Europa Central e em particular na Europa de Leste, é dominado pela Rússia, de longe o maior fornecedor de gás natural destas regiões o que lhe garante um potencial estratégico enorme e que lhe permite firmar o estatuto de potência mundial. A segurança energética é um tópico fundamental em qualquer agenda de política externa. Entende-se por segurança energética a relação entre o acesso a matérias-primas energéticas e a segurança nacional de um Estado. Por implicação, a existência de segurança energética pressupõe que o acesso aos bens energéticos seja feito de forma fiável, segura, e diversificada de modo a que os preços se formem por meio do mercado livre. Segundo Jonathan Elking, a segurança energética inclui «diversifying sources of supply, diversifying the supply chain used for processing, transporting, and distributing energy, increasing the reserve capacity of energy networks such as pipelines and power generation and transmission systems, reducing energy demand, which can ease the burden on overstretched distribution infrastructure, creating emergency stocks, developing a redundant infrastructure, disseminating timely market information».2 No caso da Rússia, a energia é o principal instrumento negocial de política externa, o que lhe permite marcar posição nas negociações políticas e económicas com outros Estados. Dada a importância da energia em qualquer economia, o domínio do mercado energético confere aos russos a possibilidade de usar o negócio da energia como arma de hard power na sua política externa. O mercado energético é na verdade um sistema de interdependência, enquanto a Europa necessita de gás e petróleo, a Rússia necessita de o exportar sem correr o risco de perder a sua quota de mercado para outros países produtores. Naturalmente, num sistema de interdependência deste género, o 2 PASCUAL, Carlos, ELKING, Jonathan, Energy Security. Economics, Politics, Strategies, and Implications, Brookings, s.l, Dezembro de 2009
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país produtor será aquele que está numa posição mais vantajosa, mas sendo a energia o principal motor da ascensão económica russa, a Rússia tem também interesse em construir com a Europa uma relação comercial e política estável. Em termos estratégicos, a posição geográfica do país e a sua dimensão são também factores de poder a ter em conta, permitindo-lhe conquistar muito mais facilmente um lugar de excelência em várias regiões do globo, nomeadamente na Europa e na Ásia. Historicamente, a política externa da Rússia sempre foi muito mais virada para a Europa. A antiga Rússia Imperial (pré-revolução bolchevique de 1917) sempre sonhou com o domínio dos Mares quentes europeus: o Mar Báltico (no qual já tinha uma presença forte) e o Mar Mediterrâneo ao qual tentava chegar através do Mar Negro que já controlava. Para chegar ao Mar Mediterrâneo teria de controlar primeiro os estreitos do Bósforo e Dardanelos, dominados pelo então Império Otomano. A concretização deste sonho foi visivelmente tentada com a falhada guerra da Crimeia de 1853-1856, onde a Rússia foi derrotada pelos otomanos com ajuda da França, da Grã-Bretanha e do Reino da Sardenha. Este antigo sonho imperial russo já não faz sentido nos dias de hoje, desde logo porque a Rússia já não controla a Europa de Leste, e a Ásia tornou-se cada vez mais um palco de acção mais interessante para a política externa russa dada a influência da China, da Índia, do Japão e dos pequenos emergentes - dragões asiáticos. Por outro lado, a ilegalidade da anexação de territórios soberanos segundo o Direito Internacional aliada à crescente influência das organizações internacionais no sistema internacional desincentiva os desejos expansionistas das grandes potências. Quanto às relações externas da Rússia, no que diz respeito às antigas repúblicas soviéticas, as relações são ambivalentes, i.e, uma combinação de boas relações com alguns conflitos periódicos. A criação da Comunidade de Estados Independentes (CEI), em Dezembro de 1991, foi no sentido de aproximar politicamente todos os novos Estados surgidos após o desmembramento da URSS. A Bielorrússia, liderada por Alexander Lukashenko, é um aliado da Rússia desde o fim da URSS. É considerada por muitos a última ditadura da Europa, o que lhe dificulta a relação com a União Europeia, o que por sua vez justifica a sua política mais virada para Moscovo. Ainda assim, os dois países já têm assistido a alguns conflitos, nomeadamente na dificuldade na negociação da exportação do gás. Por exemplo em 2006, a Gazprom ameaçou a Bielorrússia com cortes caso esta não aceitasse um aumento do preço do gás, que sempre foi negociado abaixo do preço de mercado. Para Steven Woehrel, esta redução do “subsídio russo à economia bielorrussa” esteve relacionada com uma estratégia de pressão da Gazprom com vista a adquirir a empresa energética bielorrussa Beltransgaz. No final a Bielorrússia cedeu nas negociações, passa a pagar mais do dobro pelo gás em relação ao que pagava em 2006 e vende a maior parte da Beltransgaz.3 3 WOEHREL, Steven, Russian Energy Policy Toward Neighboring Countries, Congressional Research Service, 2 de Setembro de 2009, p.13
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No caso da Ucrânia, as relações parecem mudar consoante o governo eleito seja mais pró-Kremlin ou mais pró-Bruxelas. É um país cujo povo está dividido em relação à postura que o país deve ter em relação à UE e à Rússia. Houve uma crise energética entre os dois países em 2006, i.e, um corte dos abastecimentos da Gazprom, e outra crise em 2009. A de 2009 foi considerada um dos piores conflitos entre os dois países na era Putin, num corte que acabou por atingir outros Estados como danos colaterais. No Cáucaso, a Rússia tem más relações com a Geórgia que culminaram numa guerra aberta em Agosto de 2008. No conflito territorial Azerbaijão-Arménia, a Rússia tem tido uma posição mais próarménia, o que lhe dificulta um pouco as relações com a Turquia que apoia o Azerbaijão. Na Ásia Central, a Rússia tem um interesse sobretudo a nível energético. Por meio da Gazprom, a Rússia tem adquirido gás central-asiático através de contractos de longo prazo para o revender à Europa e evitar que estes países se tornem rivais comerciais da Rússia dentro da Europa. Da mesma forma, a Gazprom chega mesmo a apostar numa política de aquisições em companhias energéticas destes países. Os maiores impasses nas relações da Rússia com a Ásia Central, prendem-se com as negociações do gás, mas não chegam a atingir pontos críticos. A rede actual de gasodutos da Ásia Central pode também tornarse cada vez mais num centro de interesse estratégico para a Rússia, já que é uma hipótese possível para a Rússia exportar para a China. Quanto às grandes potências europeias, a Alemanha e a França têm apostado numa aproximação política e económica à Rússia, opondo-se por exemplo à ideia dos Estados Unidos de expandir a NATO para dentro do espaço da antiga União Soviética (à excepção dos Estados Bálticos). A Grã-Bretanha segue historicamente uma relação mais pró-atlântica do que pró-europeia e por isso não tem construído uma relação tão próxima com os russos, como conseguem os franceses e os alemães. As relações Rússia-NATO são afectadas pela contestação russa em relação à política americana de deter presença militar em várias partes do globo, incluindo regiões próximas da Rússia, como por exemplo, a vontade dos EUA em colocar bases de defesa antimíssil na República Checa e Polónia (projecto abandonado por Obama), a presença americana no Mar Negro e na Ásia Central, assim como noutras regiões de interesse estratégico para a Rússia. No entanto, o lado positivo da relação da Rússia com a NATO tem sido através de várias parcerias estratégicas como a NATO Partnership for Peace ou o NATORussia Founding Act. Não obstante o facto de a Rússia não ter herdado a tendência marcadamente imperialista de séculos passados, a filosofia do seu regime mantém ainda alguns princípios políticos que defendeu no passado. A Rússia sempre foi, e continua a ser um Estado de filosofia vestefaliana, i.e, rege-se claramente pelos princípios da não ingerência nos assuntos internos dos Estados, é mais pessimista relativamente ao conceito de ingerência humanitária e considera que um Estado não deve ser forçado a adoptar comportamentos impostos pelas instituições
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internacionais. Assim, a Rússia é um Estado que defende geralmente o primado do Direito Interno sobre o Direito Internacional. É um Estado soberanista, ou seja, dificilmente delega os seus poderes soberanos a instituições internacionais, veja-se por exemplo o facto de não ter ratificado a Carta da Energia ou de ainda não ter aderido à Organização Mundial do Comércio (OMC) apesar das actuais longas conversações para a sua futura entrada. A Gazprom – forças e fraquezas A Gazprom, fundada em 1989, é a maior empresa da Rússia e maior produtora mundial de gás natural. Em 2007 foi responsável por cerca de 80% da produção total de gás natural no país. Foi em 2006 considerada a terceira maior empresa do mundo em termos de capitalização de mercado com um valor aproximado de 246 mil milhões de dólares.4 Em 2010, segundo a revista Fortune foi a empresa que registou maiores lucros também a nível mundial.5 A Gazprom é uma empresa pública na qual o Estado russo detém 50,002% das acções.6 Pelo facto de ser maioritariamente propriedade do Kremlin, esta empresa joga um papel fundamental na política económica do país, permitindo ao governo russo usá-la como instrumento de política externa, nomeadamente para a afirmação da nova Rússia enquanto potência emergente. Desde 2006 o parlamento russo atribuiu à Gazprom o direito exclusivo à exportação de gás, seguindo assim uma política fortemente proteccionista.7 A exportação do gás natural russo tem principalmente como destino os novos Estados da antiga União Soviética e a Europa Central e de Leste. No caso da Europa, a Gazprom mantém quase um monopólio, o que confere à Rússia uma imensa capacidade de afirmação regional. Em 2008, a exportação para a Europa foi de aproximadamente 184.4 mil milhões de metros cúbicos, dos quais 95.5 mil milhões para os Estados bálticos e antigas repúblicas soviéticas da Comunidade de Estados Independentes.8 Para além de exportar o gás, a Gazprom tem procurado conquistar presença no sector da distribuição através da aquisição parcial ou por vezes total de companhias energéticas da Europa de Leste e Europa Central.
4 Global 500, Financial Times, 2006, http://media.ft.com/cms/8bd31770-0a7d-11db-b5950000779e2340.pdf (acedido a 17/05/2011) 5 Top companies: Most profitable, Fortune, 2010, http://money.cnn.com/magazines/fortune/ global500/2010/performers/companies/profits/ (acedido a 17/05/2011) 6 Gazprom Today, Gazprom, http://www.gazprom.com/about/today/ (acedido a 17/05/2011) 7 BUCKLEY, Neil, Duma votes for Russian gas export monopoly, Financial Times, 16 de Junho de 2006, http://www.ft.com/cms/s/f042c74a-fd59-11da-9b2d-0000779e2340,Authorised=false. html?_i_location=http%3A%2F%2Fwww.ft.com%2Fcms%2Fs%2F0%2Ff042c74a-fd59-11da-9b2d0000779e2340.html&_i_referer=http%3A%2F%2Fen.wikipedia.org%2Fwiki%2FEnergy_policy_ of_Russia (acedido a 17/05/2011) 8 Gazprom Today, Gazprom, http://www.gazprom.com/about/today/ (acedido a 17/05/2011)
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Neste trabalho optou-se por estudar o potencial do gás russo tomando como ponto principal a relação entre a Rússia e a Europa no mercado do gás natural, porque é essencialmente sobre a Europa que a Rússia projecta o seu estatuto político como potência energética. Para chegar a mercados mais longínquos aos quais o acesso através dos gasodutos é difícil, a Gazprom tem vindo a apostar na produção de gás natural liquefeito (LNG) de modo a poder exportar através de navios. A empresa já exporta gás natural liquefeito para países como o Japão, a Coreia do Sul e os EUA. A ilha de Sakhalin, pela sua posição geográfica9, desempenha o papel principal nesta estratégia. A seguir está representado o gráfico da evolução das exportações de gás natural liquefeito da Gazprom, em milhares de toneladas. Apesar de tudo, a Gazprom enfrenta desafios complicados a longo prazo. Apesar de ser a maior produtora mundial de gás natural, as previsões apontam para uma queda muito acentuada da produção a longo prazo. Tendo em conta o crescimento do consumo de gás a nível mundial, a Rússia necessita de encontrar uma solução para não perder o seu lugar de destaque no mercado da energia. Para o Energy Tribune, a solução passaria por permitir a exportação de gás natural por parte de outras empresas que não a Gazprom – «One scenario for the potential contribution of independent producers shows a net increase of 100 billion cubic meters per year by 2010.»10 Por outro lado, o Energy Tribune considera que o aumento das tarifas de transporte desincentiva a produção por parte de produtores independentes. A Gazprom teria também de realizar grandes investimentos nos campos de Yamal, Shtokman, Sakhalin e abrir-se mais ao investimento de companhias estrangeiras: “Investment from foreign companies could, by 2020, help increase production from fields such as Yamal (180 to 190 Bcm per year), the Nadym-pur-Tazovsky area (440 to 445 Bcm per year), and Kovyktinskoye (16 Bcm per year). For Shtokman, foreign investment could allow production to reach 10 Bcm per year by 2010.”11 No entanto, independentemente de ser uma solução viável ou não para evitar as quedas de produção de gás na Rússia, uma maior abertura da Gazprom ao investimento estrangeiro poderia diminuir seriamente o seu monopólio, o que seria o oposto relativamente ao que o Kremlin pretende. A discussão na Europa sobre a possibilidade de se apostar no consumo de LNG em vez do convencional gás natural gasoso, como começam já a fazer os Estados Bálticos12, pode obrigar a Gazprom a enveredar por estratégias neste campo, daí os seus investimentos em LNG na ilha russa de Sakhalin. O transporte do gás líquido não necessita obrigatoriamente de ser feito através de uma rede de gasodutos, pode ser transportado em recipientes através de navios, o que permitirá a outros países longínquos entrar no mercado energético europeu: 9 Situada no extremo oriente da Rússia, no Mar de Okhotsk, que fica junto ao mar do Japão. 10 idem 11 idem 12 Baltic States Agree On Single LNG Import Terminal, Penn Energy, 1 de Fevereiro de 2011, http:// www.pennenergy.com/index/articles/newsdisplay/1359584630.html (acedido a 02/07/2011)
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“Based on commercial, economic factors, Russia is positioned to be the major force in the global gas market, but will have difficulty acting monopolistically due to alternative LNG supplies that will be available from the Middle East, Australia and Indonesia”13 Outro problema com que a Gazprom se depara é os custos elevadíssimos de exploração e produção. Num mercado quase monopolista, o produtor que detém a maior quota de mercado tem uma tendência natural para se acomodar ao estatuto monopolista, sentindo-se desinteressado em apostar nas vantagens competitivas. No caso da Gazprom têm havido poucos desenvolvimentos na estrutura produtiva o que tem levado os custos de produção a subir constantemente. O gás russo é muito caro tendo em conta o preço do gás de outras regiões, e dada a falta de concorrência na Europa, esta situação não se tem traduzido em grandes consequências para a empresa. O sistema fortemente proteccionista da política económica russa tem prejudicado a competitividade da Gazprom e cuja salvação por enquanto é a falta de concorrência. Se o governo russo abrisse os seus recursos naturais a uma exploração mais livre, nomeadamente a companhias estrangeiras, o investimento gerado poderia eventualmente reequilibrar os futuros deficits de produção e baixar os custos. Se a liberalização do mercado energético russo pode beneficiar a economia russa em termos gerais, o Kremlin dificilmente aceitaria tal mudança de política, já que isso implicaria abdicar da instrumentalização do gás natural como factor de emergência internacional, uma vez que a liberalização do mercado pode pôr em causa a posição quase monopolista da Gazprom. A Europa e o gás russo A grande dificuldade que a Europa encontra quando procura diversificar a origem das suas importações de gás, faz com que a Rússia detenha um quase monopólio na Europa, e é assim que o gás natural pode ser considerado um dos principais elementos para o estudo da balança estratégica Rússia vs Europa. Neste contexto, entende-se por balança estratégica o jogo dos interesses opostos da Rússia e da Europa, i.e, o interesse estratégico russo em consolidar a dependência da Europa, e o interesse estratégico da Europa em evitar essa dependência. O gás natural é exportado em estado gasoso, o que implica que a sua exportação seja feita essencialmente através de gasodutos. A Rússia, pela sua dimensão territorial e pela sua riqueza em combustíveis fósseis, domina tanto a exploração do gás como a rede de gasodutos usada no seu transporte, e é assim que vários Estados europeus têm dificuldade em diversificar a origem da sua importação. 13 CHYONG CHI, Kong, Report on: “Russian oil and gas industry: Energy dimensions in Russian Economic and Foreign Policy”, Cambridge Centre for Energy Studies, Novembro de 2007, p. 10
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Ilustração 1 - Dependência da Europa do gás russo14 A dependência da Ucrânia A Ucrânia é um dos países do mundo com maior consumo de gás natural per capita e é o principal importador da Gazprom.15 Os principais consumidores de gás no país são grandes empresas que representam uma fatia importante no PIB e nas exportações ucranianas. O consumo de gás natural pelas indústrias metalúrgicas e químicas é, segundo o Banco Mundial, de 25% a 30% acima do consumo médio das mesmas indústrias da União Europeia, o que comprova a ineficiência energética destas indústrias. As zonas residenciais representam um quarto do consumo total de gás do país.16 A Ucrânia é um país altamente dependente do gás natural e do petróleo da Rússia. O director geral da OMC defendeu mesmo que as antigas repúblicas soviéticas deveriam pagar preços normais de mercado pelo gás natural com vista a promover a eficiência energética 14 Gas dependency, Baltic Review, 12 de Fevereiro de 2009, http://baltic-review.com/2009/02/12/ gas-dependency/ (acedido a 05/05/2011) 15 Segundo dados de 2007, a Ucrânia foi o 19º maior consumidor de gás em termos per capita. In Energy Statistics, NationMaster, 2007, http://www.nationmaster.com/graph/ene_nat_gas_con_ percap-natural-gas-consumption-per-capita (acedido a 14/04/2011) 16 GROMADZKI, Grzegorz, KONONCZUK, Wojciech, Energy Game: Ukraine, Moldova and Belarus between the EU and Russia, Batory Foundation, Agosto de 2007, p.14
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das suas economias,17 uma vez que os preços bonificados de que gozam poderão estar a contribuir para essa ineficiência. Em 2006, 78% do petróleo consumido na Ucrânia foi de origem russa, enquanto que no caso do gás natural, 66% foi abastecido pela Gazprom. O gás fornecido pela Gazprom à Ucrânia é em parte gás russo e gás do Turquemenistão. No entanto, o gás vindo da Ásia Central tem a Gazprom como intermediário, ou seja, esse gás passa também por gasodutos russos.18 Apesar destes dados, a conclusão de que a Ucrânia é mais dependente relativamente ao petróleo do que ao gás natural é falaciosa. Pelo contrário, a dependência relativamente ao gás natural russo é um facto a ter ainda mais em conta uma vez que metade do consumo energético da Ucrânia é de gás natural. Ao contrário dos Estados bálticos19, a Ucrânia toma o gás natural como a sua principal fonte de energia,20 com uma quota de consumo de gás muito superior à sua quota de consumo de petróleo. A Ucrânia tem assistido a vários cortes no fornecimento de gás natural russo devido a divergências políticas entre os dois Estados e a disputas entre as suas maiores empresas de gás natural, a Naftogaz da Ucrânia e a Gazprom da Rússia. Tal como a Gazprom, a Naftogaz é uma empresa pública, o que a leva a envolverse nas questões políticas e nos atritos diplomáticos entre os dois Estados. Desde 1991, a Ucrânia tem vindo a abastecer-se de gás natural pelos gasodutos vindos da Rússia. A relação bilateral é agitada por duas vertentes: em primeiro lugar, nesta relação comercial, a Ucrânia gozou quase sempre de um tratamento especial pagando pelo gás natural valores muito abaixo dos preços de mercado.21 No entanto, este privilégio não impediu os ucranianos de entrarem em incumprimento no pagamento do gás, o que levou a Gazprom a cortar os abastecimentos.22 Os cortes não são um cenário novo e têm vindo a ocorrer várias vezes desde o início dos anos 90 após a independência da Ucrânia, onde também se verificaram faltas de pagamento.23 Em segundo lugar, também a Gazprom manobra politicamente a relação quando decide aumentar inesperadamente os preços cobrados pelo gás como forma de responder politicamente perante situações que não agradam ao interesse nacional da Rússia. No final de 2005, após a vitória do candidato próUnião Europeia e pró-NATO, Viktor Yushchenko,24 a Gazprom declarou que iria 17 OLSON, Parmy, Putin’s Kremlin Flexes Its Muscles With Gazprom, FORBES.COM, 1 de Fevereiro de 2006, http://www.forbes.com/2006/01/02/putin-gazprom-ukraine-cx_po_0102autofacescan02. html (acedido a 14/05/2011) 18 WOEHREL, Steven, Russian Energy Policy Toward Neighboring Countries, Congressional Research Service, 2 de Setembro 2009, p.7 19 Analyses of Energy Supply Options and Security of Energy Supply in the Baltic States, IAEA, Fevereiro de 2007, pp. 35, 51 20 Idem 21 WOEHREL, op.cit, pp. 7-10 22 Idem 23 Idem 24 Viktor Yushchenko destacou-se por ser o primeiro presidente ucraniano a defender a entrada da Ucrânia na NATO e na União Europeia.
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aumentar os preços do gás para a Ucrânia em 50USD por cada mil metros cúbicos, passando assim para os 230USD. O novo preço não foi na verdade um preço de asfixia económica, mas sim o preço normal de mercado ao qual a Ucrânia nunca se tinha habituado antes.25 Após a recusa da Ucrânia em pagar o valor normal de mercado, a Gazprom voltou a cortar os abastecimentos.26 No entanto, estes cortes não afectaram consideravelmente as reservas de gás da Ucrânia. Aproveitando-se do facto da Rússia utilizar a rede de gasodutos ucraniana para exportar 84% do seu gás destinado à exportação,27 a Ucrânia desviou para o seu consumo próprio parte do gás que se destinava aos restantes países europeus. Por sua vez, os Estados da Europa Ocidental, temendo falhas no seu abastecimento de gás, pressionaram a Rússia para que chegasse rapidamente a um acordo com a Ucrânia de modo a garantir a fiabilidade dos abastecimentos.28 Passados dois dias a Rússia cedeu e chegou a um novo acordo com a Ucrânia em Janeiro de 2006 que duraria até 2009. A 1 de Janeiro de 2009 a Gazprom voltou a cortar o abastecimento de gás devido a dívidas acumuladas e à dificuldade em chegar a um acordo sobre os preços do gás a pagar pela Ucrânia para o ano de 2009. Quanto às dívidas, por um lado a Gazprom acusou a Naftogaz por falta de pagamento do gás, por outro lado a Naftogaz acusou a Gazprom por falta de pagamento das taxas de passagem do gás que é exportado para o resto da Europa. Após o corte, novamente a Ucrânia desviou para o seu consumo o gás destinado a outros Estados europeus que passa pela rede ucraniana de gasodutos. A União Europeia criticou duramente a disputa entre os dois Estados para evitar falhas no seu abastecimento mas recusou pôr-se do lado de qualquer uma das partes. O falhanço das negociações entre a Rússia e a Ucrânia, assim como a incapacidade da União Europeia em mediar produziu consequências em vários países, principalmente na Eslováquia, Moldávia, Bulgária, Roménia, Sérvia, Bósnia-Herzegovina e Croácia. 29 A crise russo-ucraniana de 2009 provou que por um lado a Ucrânia não é um território de passagem fiável para a Rússia exportar o seu gás, por outro lado provou igualmente que a Rússia pode não ser um fornecedor fiável para a Europa. A dependência da União Europeia A União Europeia é um actor internacional e constituído por três grandes potências (Reino Unido, Alemanha e França), muito embora nem sempre goze de grande coesão institucional, o que dificulta uma acção estratégica conjunta entre os seus Estados-membros. 25 Idem 26 Idem 27 Idem 28 Idem 29 PIRANI, Simon, STERN, Jonathan, YAFIMAVA, Katja, The Russo-Ukrainian gas dispute of January 2009: a comprehensive assessment, Oxford Institute for Energy Studies, Fevereiro de 2009, p.22-23
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Nas questões energéticas, a falta de coesão institucional é bem notória. Na realidade, a dependência da Europa em relação às importações de gás russo torna cada vez mais importante a busca de uma solução que permita aos europeus diversificar as origens da importação do seu gás. As divergências entre os Estados europeus têm impedido a UE de adoptar uma política energética comum clara no que respeita ao caso particular do gás natural. Apesar de a Ilustração 1 nos mostrar que um corte de gás russo à Europa tem consequências consideráveis para vários países, essas consequências não são tão severas no caso das principais potências da Europa. Para a União Europeia ter vontade política em criar uma política energética eficaz, necessita da vontade política do Reino Unido, da França, da Alemanha e da Itália. A Alemanha e a França, pela sua posição geográfica, dependem menos do gás russo quando comparados com os países mais a Leste, já que estão mais longe da Rússia e possuem uma rede de gasodutos que lhes permite comprar o gás a outros países, como a Noruega e a Holanda. O Reino Unido, por sua vez, não depende da importação de gás vindo da Rússia e é o segundo maior importador de gás da Noruega. Quanto à Itália constitui um actor importante de entrada do gás natural norte-africano na Europa. As crises energéticas relembraram à Europa das consequências possíveis de um grande corte de gás por parte da Rússia, independentemente da natureza política ou comercial dos incidentes, motivando assim Bruxelas para a persecução de estratégias de diversificação de fornecedores de gás. A crises energéticas com a Ucrânia mostraram também à Rússia que os países de trânsito do seu gás possuem um poder de counterleverage nas negociações do gás com a Gazprom, ou seja, há um sistema de interdependência entre a Rússia e a Ucrânia, por isso mesmo interessa à Rússia diversificar os seus países de trânsito. A Rússia sabe que os incidentes energéticos com a Europa de Leste podem prejudicar as relações com a União Europeia caso os Estados-membros se sintam afectados por danos colaterais. A estratégia da União Europeia – o projecto Nabucco O projecto Nabucco é o projecto de gasodutos mais importante na estratégia europeia de diversificação no abastecimento de gás. O objectivo é criar uma rede de gasodutos que permita à Europa importar gás natural não-russo do Cáucaso e da Ásia Central sem utilizar a rede de gasodutos russa e sem passar pelo território russo. Embora a discussão sobre o projecto Nabucco já se tenha iniciado em 2002, foi apenas depois da crise russo-ucraniana de 2009 que a Europa se sentiu particularmente alertada e o projecto alcançasse um apoio político entre os Estados envolventes no consórcio.30 30 «27 January 2009: Nabucco achieves full political support from the EU and Nabucco countries at the
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As companhias energéticas participantes são a Bulgarian Energy Holding (da Bulgária), a BOTAS (da Turquia), a FGSZ (subsidiária da húngara MOL), a OMV (da Áustria), a RWE (da Alemanha), e a Transgaz (da Roménia). O Nabucco começa nas fronteiras turcas com a Geórgia e o Iraque, fará ligação com a rede de gasodutos já existente no Cáucaso (nomeadamente o South Caucasus Pipeline31) e na Ásia Central, e termina em Baumgarten (Áustria) a partir de onde fará a ligação com outros gasodutos. O projecto é financiado pelas companhias envolventes e pela União Europeia, tem um custo previsto de 7.9 mil milhões de euros32 e a construção está prevista para começar em 2013. A seguir está representado o mapa do projecto Nabucco com os prazos previstos, assim como uma ilustração explicativa e alguns dados técnicos oficiais.
Ilustração 2 - Mapa do Nabucco33 Embora o projecto Nabucco já tenha garantido o apoio político necessário para a sua construção, (ainda que nem sempre muito consistente por alguns Estados europeus como veremos mais à frente) ainda se lhe colocam imensas dificuldades, uma delas é o financiamento. Para além das empresas privadas do consórcio Nabucco, está previsto o Budapest Summit» in Brief history of Nabucco, Nabucco, gas pipeline – gas bridge between Europe and Asia, http://www.nabucco-pipeline.com/portal/page/portal/en/company_main/about_us (acedido a 15/06/2011) 31 O South Caucasus Pipeline é um gasoduto que começa no Azerbaijão, passa pela Geórgia e acaba na Turquia. É também conhecido por BTE, cuja sigla representa as cidades da rota: Baku-TbilisiErzurum. 32 «The Nabucco project is being financed through a combination of investment from shareholders and debt financing from European financial institutions, mainly development banks. Total investment is estimated at EUR 7.9 billion (currently under review), 70% of which will be financed through loans from financial institutions.» in Overview, Nabucco gas pipeline, http://www.nabucco-pipeline.com/portal/ page/portal/en/commercial/overview (acedido a 25/07/2011) 33 Timeline, Nabucco gas pipeline, http://www.nabucco-pipeline.com/portal/page/portal/en/ pipeline/timeline_steps (consultado a 25/07/2011)
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financiamento por fundos comunitários (nomeadamente pelo EIB – European Investment Bank e pelo EBRD – European Bank for Reconstruction and Development),34 mas as dúvidas que se colocam perante a sua viabilidade comercial pode levar os investidores privados a recuar nos seus apoios. Em condições normais, um gasoduto é financiado pelas empresas que pretendem comprar e vender o gás natural através deste. Porém, no caso do Nabucco as companhias energéticas do Médio Oriente, do Cáucaso ou da Ásia Central que venderão o gás, não participam na construção do Nabucco, mesmo tendo em conta que o Nabucco não começa no território destas regiões, apenas as liga com outros gasodutos já existentes. Por outro lado, a rede será partilhada com outras companhias energéticas interessadas em comprar ou vender gás e que não fazem parte do consórcio do Nabucco. Claro que essas companhias terão de pagar os respectivos direitos de utilização, mas este facto, ao limitar o número de empresas envolvidas na construção do projecto, coloca um fardo financeiro inicial muito maior nas empresas do consórcio, situação que aumenta o risco financeiro e comercial do projecto. A grave crise económica actualmente vivida na Europa pode também constituir um obstáculo ao avanço do Nabucco. O impasse com que a União Europeia se depara perante a crise das dívidas soberanas pode contribuir para um congelamento do projecto a nível do financiamento comunitário, numa altura em que aumentam cada vez mais as hipóteses do Banco Central Europeu vir a resgatar financeiramente economias de grande dimensão como a Espanha e a Itália.35 Em 2003 foi feito um estudo de viabilidade sobre o Nabucco onde a União Europeia se comprometeu a cobrir metade dos custos, mas a alteração do ambiente económico e político na União pode afectar esse comprometimento. A crise económica tem levado à queda no consumo de bens energéticos na Europa, o que pode levar as companhias do consórcio do Nabucco a duvidar da urgência da nova rede de gasodutos, colocando em causa a sua viabilidade comercial e questionando-se se adiar uma vez mais o projecto não seria a solução mais viável, ou pelo menos, a hipótese menos arriscada. Apenas 30%36 dos custos de construção serão suportados directamente pelos fundos do consócio, os restantes serão alimentados por empréstimos contraídos à banca internacional, ao EIB, ao EBRD e provavelmente à IFC – International Finance Corporation (uma instituição do Banco Mundial que empresta ao sector privado). É importante recorrer-se a empréstimos de instituições da União Europeia e do 34 Para uma descrição mais detalhada do papel destas instituições no projecto Nabucco, consultar: The Nabucco Gas Pipeline: A chance for the EU to push for change in Turkmenistan, QCEA, Dezembro de 2009, p.24-25 35 Europeans mull bigger bailout fund for Italy, Spain, EurActiv, 27 de Setembro de 2011, http:// www.euractiv.com/euro-finance/europeans-mull-bigger-bailout-fund-italy-spain-news-507933 (acedido a 06/02/2012) 36 BARYSCH, Katinka, Should Nabucco pipeline project be shelved?, Centre for European Reform, Maio de 2010, p.3
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Banco Mundial, já que estes mostram-se mais disponíveis a acarretar maiores riscos do que os bancos comerciais convencionais. Apesar da construção estar oficialmente encaminhada, ainda restam dúvidas sobre quais serão realmente as fontes de fornecimento da nova rede de gasodutos europeia. O Azerbaijão apresenta-se como a fonte mais viável. Este país possui imensas reservas de petróleo e gás natural que actualmente são exploradas principalmente por empresas ocidentais, como a BP em primeiro lugar, as americanas Exxon Mobile e Chevron, e a francesa Total. A maior companhia energética azeri é a SOCAR, de capitais públicos. Embora o Azerbaijão já se tenha comprometido em fornecer o Nabucco, não chegará por si só para satisfazer as necessidades de abastecimento no longo prazo.37 O Irão também foi apontado como fornecedor possível mas os analistas têm sérias dúvidas quando à sua viabilidade. Desde logo, os Estados Unidos não querem o Irão a fornecer a Europa. Dada a natureza do regime iraniano e o seu polémico programa nuclear,38 os americanos não vêm com bons olhos um aprofundamento das relações comerciais iranianas com o ocidente. Embora o discurso europeu sobre o programa nuclear iraniano seja menos frequente quando comparado com os EUA, a União Europeia apoiou recentemente o embargo ao petróleo do país, pelo que dificilmente se tornará num fornecedor relevante do Nabucco.39 Por outro lado, a capacidade de produção de gás do Irão é demasiadamente fraca para conciliar o consumo próprio com a exportação simultânea. Apesar de ser o segundo país do mundo com maiores reservas de gás natural, o Irão tem experienciado falhas no abastecimento de gás dentro do próprio país, nomeadamente nas zonas mais a norte. A seguir ao Azerbaijão, o Turquemenistão apresenta-se como o fornecedor mais credível. Embora em termos de reservas tenha menos que o Irão, a sua capacidade exportadora é bastante superior já que a sua economia é menos dependente do gás. Tem potencial produtivo para se tornar no grande rival da Rússia na exportação de gás natural para a Europa. O Turquemenistão não tem falta de compradores e a exportação para a China cresce a grande velocidade de modo a alimentar a sua ascensão económica. Exporta também muito para a Rússia, com a qual tem vários contractos de fornecimento de longo prazo. A União Europeia necessita do Turquemenistão para diversificar os seus fornecedores de gás, mas o Turquemenistão não tem necessariamente razões para ver esta como um cliente indispensável, não só porque já tem clientes para o longo prazo mas também porque entrar activamente no fornecimento do Nabucco 37 Ibidem, p.6 38 SOCOR, Vladimir, Strategic Issues Facing the Nabucco Project, Eurasia Daily Monitor, 20 de Setembro de 2007 39 EU agrees Iran oil embargo, The Guardian, 4 de Janeiro de 2012, http://www.guardian.co.uk/ world/2012/jan/04/eu-iran-oil-embargo-ban (acedido a 06/02/2012)
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poderá criar mal-estar do lado da Rússia com o qual os turcomanos não têm muito a ganhar. Como também já foi referido anteriormente, o Turquemenistão não entra na construção do Nabucco, o que pode ajudar a concluir que este não é uma prioridade na política do país. Quanto ao Cazaquistão, também actor da Ásia Central, é apontado como possível fornecedor. Tal como o Turquemenistão, não tem falta de compradores, pelo que o seu interesse em fornecer o Nabucco dificilmente será visto pelas autoridades cazaques como algo crucial à política energética do país. O Cazaquistão tem actualmente vários contractos de longo prazo para abastecer o mercado russo e chinês, e há dúvidas quanto à sua capacidade de satisfazer o grande mercado europeu nos próximos tempos. No caso particular da China, o aumento constante das suas importações energéticas pode conduzir o Cazaquistão a levar a sua capacidade produtora e transportadora aos limites, adiando ainda mais as suas hipóteses de vir a fornecer a Europa. O Uzbequistão é outro país da Ásia Central rico em gás natural. Da sua produção de gás, 80%40 vai directamente para o consumo interno, por isso dificilmente conseguirá apresentar-se como um fornecedor viável apenas com um excedente de 20%. É um país com enormes entraves burocráticos à actividade empresarial, ficando-se pelo 164º lugar no ranking Doing Business do Banco Mundial em 2011.41 Contudo, conta com alguns investidores internacionais na área da energia, em particular a Gazprom, a também russa Lukoil, a Petronas da Malásia, a inglesa Rosehill Energy (apenas no sector do petróleo) e a checa Eriell Corporation que explora gás na região de Kashkadarya. Incoesão institucional na União Europeia Ao nível da política energética interna, há muito que a União Europeia se compromete com diversos objectivos: maior eficiência energética, combate ao aquecimento global, metas de redução das emissões de dióxido de carbono, apoio ao desenvolvimento de energias renováveis, diminuição da quota de consumo de combustíveis fósseis etc.42 No entanto, enquanto a Europa necessita de garantir os 40 DENISON, Michael, The EU and Central Asia: Commercialising the Energy Relationship, EUCentral Asia Monitoring, Julho de 2009, p.8 41 Economy Rankings, Doing Business/World Bank, 2011, http://www.doingbusiness.org/data/ exploreeconomies/uzbekistan (acedido a 14/07/2012) 42 «Specifically, EU member states have committed to reducing total EU-wide carbon emissions by 20% compared with 1990 levels by 2020. They have also pledged to seek international agreement on a 30% reduction target by 2020 in a post-Kyoto Protocol international carbon emissions reduction treaty. In addition, the EU seeks a 20% increase in Europe-wide energy efficiency by 2020 and has mandated that 20% of all EU energy consumption come from renewable sources and 10% of transport fuel from biofuels by 2020. The Commission hopes that EU heads of state will agree on proposed country-specific targets to achieve their goals during the spring of 2008. European Commission president Jose Manuel Barroso estimates that achieving these targets could cost or up to $87.7 billion, or 0.5% of EU member states’ combined annual GDP. However, he has argued that this approximately $4.50 (3 euros) per week per European citizen represents far less than the cost of inaction. » in BELKIN, Paul, The European Union’s Energy Security Challenges,
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fornecimentos de combustíveis fósseis, é fundamental garantir a diversificação da origem desses combustíveis, como é o caso do gás natural. A política externa energética da União Europeia não se pode limitar aos grandes investimentos infra-estruturais, e terá de jogar também no palco diplomático com todos os actores intervenientes: as companhias energéticas envolvidas, a Rússia, os Estados da Ásia Central, os Estados do Cáucaso, e a Ucrânia, para referir os mais relevantes. Aprofundar relações com outros Estados ricos em matérias-primas energéticas também se pode revelar vantajoso, como os do Médio Oriente e Norte de África. Relativamente à Rússia, a União Europeia dificilmente conseguirá construir uma posição comum na qual se revejam todos os Estados-membros (ou pelo menos as grandes potências). A Alemanha e a Itália colocam-se do lado da Rússia, atribuindo pouca importância prática à política de diversificação europeia, não obstante algumas declarações esporádicas dos seus dirigentes em contrário. A França também apoia a nova rede russa do Nord Stream (na verdade russo-alemã), embora não tão activamente como Alemanha, já que o seu papel no projecto goza de um protagonismo bem menor. À União Europeia, no que toca aos apoios ao Nabucco por parte das grandes potências, resta-lhe o apoio tímido do Reino Unido, que nem sequer é dependente do gás russo. Por outro lado, o Nabucco é muito bem-vindo por outros Estados altamente dependentes, como os Estados Bálticos e a Polónia. Quanto à Ucrânia, o Nabucco vai-lhe retirar o poder de negociação que tem com a Rússia, já que esta depende do território ucraniano para exportar o seu gás. O que a Comissão europeia tem de procurar fazer é garantir a credibilização do Nabucco. Deve convencer as companhias energéticas, de que o projecto é viável financeiramente (eventualmente assumindo parte do seu risco), e de que os fundos comunitários serão garantidamente disponibilizados para diminuir o grau de incerteza destas companhias. Ao nível dos Estados-membros, deve procurar explicar a importância da diversificação das importações de gás, e que os projectos do Nord Stream e South Stream apenas acentuam a dependência em relação à Gazprom. Apesar do Nabucco já ter o apoio político necessário para avançar em 2013, a falta de apoio por parte da Alemanha e da Itália traz grandes dificuldades. Também a França não fica isenta de críticas, já que a sua passividade perante as discussões energéticas é possivelmente explicada pela sua maior diversidade de fornecedores energéticos. Após os cortes de gás à Ucrânia em 2006, a Chanceler alemã, Angela Merkel referiu que a Europa necessitava de uma política energética comum para os próximos 15 anos.43 Esta preocupação alemã com a diversificação dos Congressional Research Service, 30 de Janeiro de 2008, p.7 43HAENTZSCHEL, Thomas, Dependence on Russian gas worries some – but not all – European countries, The Christian Science Monitor, 6 de Março de 2008, http://www.csmonitor.com/ World/2008/0306/p06s01-wogn.html (acedido a 26/07/2011)
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fornecedores de gás, não é na verdade coerente com a sua política energética, pois o Nord Stream apenas importará gás russo. O Nabucco é uma oportunidade para a União Europeia desenvolver uma política energética comum sólida e apoiada pela generalidade dos seus Estadosmembros. A verdade é que tanto a Alemanha como a Itália têm privilegiado políticas e acordos energéticos bilaterais com a Rússia à margem do desejo europeu de diminuir a sua quota de importação de gás russo. Outros Estadosmembros também optaram há muito por se comprometer com a Gazprom através de contractos de longo prazo para o fornecimento de gás, como a Eslovénia, a Bélgica, a Hungria e a Bulgária.44 A Alemanha chegou mesmo a vetar a alocação de 200 milhões de euros para financiar o projecto Nabucco.45 O argumento de que a União Europeia não devia gastar dinheiro em regiões fora do território comunitário, não faz sentido já que o gás terá que vir de fora do território da União, e por isso o investimento noutras regiões não pode ser excluído. O interesse nacional alemão passa por não apoiar o projecto energético europeu que constitui uma ameaça estratégico-comercial ao Nord Stream, protagonizado essencialmente pela Rússia e pela Alemanha, cujo objectivo é transportar gás russo desde a Rússia até à Alemanha por mar, evitando o território da Polónia e Estados bálticos. Já no caso do Nabucco, este não fornecerá gás directamente à Alemanha nem passará pelo seu território, o que faz do Nord Stream um investimento bastante mais apelativo para as empresas alemãs. Por outro lado, a Alemanha confia mais na Rússia do que os países de leste, já que conta com um historial positivo na sua relação energética com a Gazprom. No Nord Stream, participam para além da Gazprom, as companhias alemãs da E.ON e da BASF, e também uma companhia holandesa – a N.V. Nederlandse Gasunie. Pelo facto de ser um gasoduto que passa pelo mar, a Rússia não terá que pagar tarifas de passagem a outros países, reduzindo os custos operacionais do negócio beneficiando tanto alemães como russos.46 No entanto, é de referir que vários técnicos alertam para o facto de um gasoduto marítimo envolver custos de manutenção bastante superiores. O projecto é altamente criticado pelos Estados bálticos e pela Polónia que temem que a Rússia lhes possa cortar o gás sem prejudicar outros Estados terceiros como a Alemanha. Na Polónia chegou-se 44 «Both Germany and Italy, the largest importers of Russian gas, have negotiated long-term deals with Russia to lock in future gas supplies. For Germany and a few others, “Russia’s role as a key supplier of oil and gas makes Putin a vital strategic partner who cannot be ignored or antagonized.”33 Such deals are not limited to the major energy consumers. Slovenia and Belgium have entered into negotiations with Gazprom to build a pipeline across the former and to enter the gas distribution market in the latter. Hungary’s oil and gas company, Mol, has joined with Gazprom to extend Gazprom’s Blue Stream pipeline across the Black Sea through the Balkans into Hungary. In January 2008, Bulgaria signed a deal with Gazprom to join the proposed South Stream project.» in BELKIN, Paul, The European Union’s Energy Security Challenges, Congressional Research Service, 30 de Janeiro 2008, p.12 45 BARYSCH, op.cit, p.3 46 GILBERT, Spencer, Gas Politics in Russia and the EU, Journal of Politics and International Affairs, 2009, p.131
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mesmo a rotular o Nord Stream como uma novo pacto “Molotov-Ribbentrop”.47 A França é tendencialmente mais pró-Nord Stream, o que é o mesmo que dizer mais pró-alemã e pró-russa, já que não é muito dependente da Gazprom e tem uma política externa de aproximação à Rússia. Em Março de 2010 a GDF Suez (antiga Gaz de France) alia-se à Rússia e junta-se ao projecto Nord Stream, apesar de não gozar do mesmo protagonismo da Gazprom ou da alemã E.ON no projecto. Katinka Barysch parece sugerir que a posição de Sarkozy perante a Turquia pode explicar parte da opção.48 A França é contra a entrada da Turquia na União Europeia, e não há dúvida de que o papel fundamental da Turquia no Nabucco pode aproxima-la politicamente dos Estados-membros enquanto fomenta uma grande cooperação num sector tão crucial como o da energia. Por outro lado, a empresa Electricité de France assinou um memorando com a Gazprom para participar no projecto russo South Stream também rival do Nabucco.49 As relações próximas entre grandes empresas dos dois países forçam a França a tomar políticas mais amistosas com a Rússia, e um apoio francês ao Nabucco poderia significar um risco para a diplomacia francesa que não tem muito a ganhar com a concretização deste projecto. A França goza de uma rede diversificada de importação de gás e não depende tanto da Rússia como certos Estados da Europa Central e de Leste. Possui grandes investimentos na área da energia nuclear e não necessita de tanto gás para produzir a sua electricidade. A Holanda não tem uma posição política muito vincada sobre o Nabucco, mas insere-se no clube russo-alemão de apoio ao Nord Stream. Como já foi referido, a companhia holandesa Gasunie participa no projecto Nord Stream, o que levará a política holandesa a centrar as suas atenções para este projecto. Também a holandesa-britânica Shell tem vários negócios no sector energético russo,50 embora não participe no Nord Stream. A Itália importa cerca de um quarto do seu gás à Rússia. Participa activamente no projecto russo do South Stream através da sua empresa ENI, que goza de um papel protagonista no projecto juntamente com a Gazprom. O objectivo deste projecto é criar um gasoduto que ligue a Rússia à Europa via Mar Negro. A Itália há muito que goza de boas relações com a Rússia, e dificilmente terá um papel activo na concretização do Nabucco.51 O apoio das grandes potências europeias ao Nabucco fica limitado ao Reino Unido, porque embora não seja dependente do gás russo, interessa-lhe que o Azerbaijão entre activamente no mercado energético europeu, já que a BP é a maior companhia exploradora neste país e opera o South Caucasus Pipeline. Apesar do apoio político, não há empresas britânicas no consórcio do Nabucco, o 47 Idem 48 BARYSCH, op.cit, p.3 49 Gazprom and EDF sign Memorandum detailing joint participation in South Stream project, Gazprom, 27 de Novembro de 2009, http://www.gazprom.com/press/news/2009/november/ article71994/ (consultado a 26/07/2011) 50 GILBERT, op.cit,p.131 51 Idem
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que pode afastar o Reino Unido de um papel activo na defesa do projecto. A Grécia goza de boas relações diplomáticas com a Rússia. Os gregos importam da Rússia muito material militar52 e o facto de mais de 80% do gás da Grécia vir da Rússia colocam os dois países num sistema de relativa interdependência económica (com vantagem para a Rússia). À Grécia interessa-lhe mais o South Stream do que o Nabucco, não só porque o primeiro é patrocinado pela Rússia mas porque passa por território grego, o que lhe permitirá cobrar tarifas de trânsito. Fora do âmbito das grandes potências, destaca-se o apoio firme ao Nabucco por parte da Polónia e dos Estados bálticos, porque são fortemente dependentes do gás russo e porque por razões históricas não desfrutam de grandes afinidades diplomáticas com a Rússia. A Turquia também está naturalmente do lado do Nabucco. O seu papel no projecto é fundamental para o seu funcionamento. É a Turquia que fará a ligação entre o Cáucaso e a Europa. Por um lado, há o óbvio interesse económico turco em protagonizar o projecto, mas por outro lado, ao funcionar como ponte de ligação entre a Ásia e a Europa, os europeus construirão com os turcos uma relação de interdependência crescente, o que poderá ser positivo para a sua candidatura a membro da União Europeia. Como seria de esperar, o Nabucco tem o apoio dos países com empresas a participar no consórcio, e que daí vão poder extrair dividendos económicos: Roménia, Turquia, Bulgária e Áustria. Embora haja uma empresa alemã no consórcio, a RWE, a política alemã prefere dar primazia à E.ON do South Stream, que entra no território alemão. A estratégia da Rússia Em termos estratégicos, a Rússia tem que controlar a sua posição em relação a vários Estados, em particular os países de trânsito do seu gás como a Ucrânia e a Bielorrússia. Aqui, a Rússia terá de encontrar alternativas para o trânsito do seu gás como o pretende fazer com os projectos Nord Stream e South Stream. Deve também jogar entre os Estados da Ásia Central, ricos em gás natural e que são uma alternativa de fornecimento a ser discutida entre os Estados europeus. A Gazprom tem procurado marcar terreno através de aquisições nas companhias energéticas da região (como a compra da Kyrgyzgaz53 da Quirguízia, ou a subsidiária KasRosGas54 criada entre a Gazprom e a KazMynaiGaz do Cazaquistão) de forma a defender seus interesses e a manter a sua posição dominante na Europa. Por outro lado, a administração Putin/Medvedev tem procurado aproximações políticas a estes Estados e evitar que a Europa o faça primeiro através da sua chamada “política de vizinhança” para a Ásia Central. 52 Ibidem, p.132 53 Gazprom to buy controlling stake in Kyrgyz national gas company, Rianovosti, 5 de Agosto de 2009, http://en.rian.ru/business/20090805/155733419.html (acedido a 07/02/2012) 54 KasRosGas, http://www.kazrosgas.org/?f2&version=en (acedido a 07/02/2012)
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Deve também jogar politicamente com a União Europeia de modo a que esta se sinta desencorajada a procurar alternativas à diversificação das origens do gás. A estratégia russa passa por descredibilizar a hipótese do Nabucco controlando o gás natural da Ásia Central por um lado, e por outro lado aliciar Estados europeus para os projectos russos permitindo-lhes a participação nestes, como é o caso da participação da Itália no South Stream e da Alemanha no Nord Stream. Outra estratégia russa já em prática é a compra de gás natural à Ásia Central55 com a assinatura de contractos de longo prazo, muitas vezes por valores acima do preço de mercado para negar fornecimentos ao Nabucco56 e revender esse gás à Europa a preços mais altos. O projecto russo-alemão Nord Stream O Nord Stream, antigamente conhecido por North European Gas Pipeline, é um projecto de dois gasodutos que visa transportar gás natural da Rússia até à Alemanha via Mar Báltico, evitando os territórios terrestres da Europa de Leste, assim como as zonas económicas exclusivas marítimas da Polónia e dos Estados Bálticos. O gás terá origem nas reservas russas de Yuzho-Russkoye numa primeira fase, e mais tarde virá também da península de Yamal. O consórcio internacional do projecto, oficialmente – Nord Stream AG, tem sede na Suíça e é composto por cinco companhias: Gazprom (com 51%), E.ON (alemã, com 15%), Wintershall (também alemã, com 15%), Gasunie (da Holanda, com 9%), e GDF Suez (da França, com 9%). Este projecto russo-alemão, apesar de nos ser apresentado como paneuropeu,57 contará com 1224 km de extensão, e segundo o consórcio bombeará 55 mil milhões de metros cúbicos por ano nos próximos 50 anos. A sua construção já arrancou e a previsão oficial é que termine totalmente no último quarto de 2012.58 Entretanto o primeiro gasoduto já está concluído e operacional desde Novembro de 2011.59 O custo previsto pelo consórcio é de 7.4 mil milhões de euros,60 mas 55 «In 2009 Gazprom Group acquired 37.3 billion cubic meters of Central Asian gas including 11.8 billion cubic meters of Turkmen gas, 15.4 billion cubic meters of Uzbek gas and 10.1 billion cubic meters of Kazakh gas. Central Asian gas was supplied to Ukraine and Transcaucasian republics. Since 2007 the customers in southern Kazakhstan have been receiving Uzbek gas.» in Volumes, Gazprom, s.d, http://www. gazprom.com/production/central-asia/ (acedido a 07/02/2012) 56FREIFELD, Daniel, A ópera do grande gasoduto, Foreign Policy – Edição Portuguesa Foreign Policy, nº12, Outubro/Novembo de 2009, p.58 57 WHIST, Bendik, Nord Stream: Not Just a Pipeline – An analysis of the political debates in the Baltic Sea region regarding the planned gas pipeline from Russia to Germany, Fridtjof Nansen Institute, Novembro de 2008, p.12 58 The Pipeline, Nord Stream, s.d, http://www.nord-stream.com/pipeline/ (acedido a 04/09/2011) 59 Nord Stream Pipeline Inaugurated – Major Milestone for European Energy Security, Nord Stream, 8 de Novembro de 2011, http://www.nord-stream.com/press-info/press-releases/nord-streampipeline-inaugurated-major-milestone-for-european-energy-security-388/ (acedido a 14/11/2011) 60 Our Contribution, Nord Stream, s.d, http://www.nord-stream.com/about-us/our-contribution/ (acedido a 04/09/2011)
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outras fontes não oficiais referem que pode derrapar até aos 9 mil milhões.61 Será financiado directamente em 30% pelas companhias accionistas, sendo que os restantes 70% serão financiados por empréstimos bancários.62
Ilustração 3 - Nord Stream63 Os responsáveis do Nord Stream defendem que o projecto é fundamental para segurança energética da Europa, garantindo ao mercado europeu a satisfação da sua procura crescente por matérias-primas energéticas. Apesar de logisticamente os dois novos gasodutos permitirem uma exportação de volumes muito elevados, a Gazprom depara-se com dificuldades na produção de gás natural a longo prazo, e desta forma é de ter em conta o risco futuro dos gasodutos deixarem de funcionar à sua capacidade óptima. A Rússia sofre de uma grande dependência em relação à Bielorrússia e à Ucrânia para o transporte desse mesmo gás desde o território russo até à Europa central. Durante a crise russo-ucraniana do gás em 2009, em que os cortes à Ucrânia se traduziram igualmente em cortes para a Europa Central e para os Balcãs, as autoridades russas reconheceram a necessidade de encontrar uma forma alternativa de fornecimento de gás natural à Europa. Actualmente, a Gazprom cobra à Ucrânia e à Bielorrússia preços mais baixos em relação a outros Estados, o que em teoria permitira evitar as dificuldades de incumprimento 61 WHIST, op.cit, p.6 62 Idem 63 Comissão das Petições analisa projecto de gasoduto no Báltico, Parlamento Europeu, 7 de Fevereiro de 2008, http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+IM-PRESS+ 20080204STO20427+0+DOC+XML+V0//PT (acedido a 04/09/2011)
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destes países e futuras crises energéticas. O Nord Stream apresenta-se assim como um projecto estratégico para Rússia, reduzindo significativamente a sua dependência em relação a estes países de trânsito. Por outro lado, por ser um projecto subaquático, a Rússia não tem de pagar tarifas de passagem. Com o Nord Stream, a Rússia passa a contar muito mais com a Alemanha para a distribuição do seu gás natural aos países europeus. A Alemanha goza de uma boa relação com a Rússia, e dada a sua pujança económica dificilmente falhará o cumprimento dos contractos pondo em causa o abastecimento ao resto da Europa. Por outro lado, se no futuro a Gazprom tiver dificuldade em exportar o gás devido à queda na produção, então a Rússia terá de escolher quais os clientes preferidos e quais os primeiros clientes a serem sacrificados no fornecimento. Se tal se verificar, fará sentido à Rússia usar o Nord Stream para abastecer com segurança a Europa, enquanto tenta aumentar a sua produção para continuar a satisfazer a procura dos Estados do leste europeu e de outros com os quais a Rússia não tem uma relação tão próxima como com a Alemanha. Ou seja, a escassez na produção de gás é um factor que faz do Nord Stream uma boa aposta para os alemães. A relação comercial do gás entre os dois países também não regista crises, pelo que a questão da dependência energética não é um tema tão caro à Alemanha como aos países do leste europeu. Por outro lado, a Alemanha pode ver a sua procura de gás natural aumentar significativamente nos próximos anos, já que existe uma forte contestação antinuclear na sociedade alemã e que se veio a acentuar na sequência do desastre nuclear de Fukushima no Japão em Março de 2011. É esperado que a Alemanha feche todas as suas centrais nucleares até 2022.64 O investimento em energias renováveis apoiado pela União Europeia, não poderá por si só colmatar o fim da energia nuclear. A Alemanha terá assim de apostar nos convencionais combustíveis fósseis, em particular o gás natural, que é uma fonte energética mais limpa que o carvão ou o petróleo, já que os Estados comunitários têm metas de CO2 para a atingir. Deste modo, o projecto Nord Stream é também do interesse estratégico da Alemanha. Na verdade, embora o Nord Stream se apresente como defensor da segurança energética da Europa, ele é em primeiro lugar uma maior garantia para a segurança energética da Alemanha, que assim se protege de incidentes idênticos à crise energética russo-ucraniana de 2009. Outro interesse fundamental, é o facto da Alemanha ter um papel participativo e chave no projecto, o que não acontece no caso do seu rival Nabucco, que não passa pela Alemanha e no qual a participação das empresas alemãs não é tão interessante, e mesmo a participação da RWE no projecto europeu apresenta sinais de desistência,65 segundo a empresa «The 64 Germany: Nuclear power plants to close by 2022, BBC News, 30 de Maio de 2011, http://www. bbc.co.uk/news/world-europe-13592208 (acedido a 06/10/2011) 65 MAZUR, Konrad, RWE may withdraw from Nabucco, 25 de Janeiro de 2012 http://www.osw. waw.pl/en/publikacje/ceweekly/2012-01-25/rwe-may-withdraw-nabucco (acedido a 07/02/2012)
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approach to Nabucco remains the same, though an interest can only continue if the project is supplied and economic viable»,66 o que tendo em conta o capítulo já elaborado sobre o Nabucco parece um argumento convincente. Também a decisão do governo alemão em encerrar as centrais nucleares revela-se desastroso financeiramente para a RWE, o que a obriga a recuar nos investimentos de risco como o Nabucco.67 Mesmo fora do campo da energia, interessa à Alemanha ter boas relações políticas e económicas com a economia emergente da Rússia. Segundo o investigador Edward Lucas, existe na Alemanha um importante lobby empresarial que influencia a política externa alemã,68 e que segundo Bendik Whist deriva de um forte investimento alemão na Rússia durante décadas. Acrescenta ainda Whist que qualquer tentativa por parte dos políticos alemães em incorrer contra o establishment terá de se confrontar com a oposição deste lobby.69 É unânime entre os analistas que o Nord Stream oferece à Rússia um maior poder de negociação e mais hard power em relação à Europa de Leste. Com o Nord Stream, o gás natural russo torna-se ainda mais num poderoso instrumento de política externa. Independentemente da Rússia usar ou não o gás natural para fins políticos e não meramente comerciais perante estes Estados, o Nord Stream confere-lhe essa possibilidade. De acordo com o investigador Robert Larsson do FOI (agência de investigação do Ministério da Defesa sueco): «By being transit states for much of the gas to Europe, states such as Ukraine, Belarus and Poland have enjoyed some counter-leverage on Russia as they have been able to control the flow of gas for further exports to other end customers. Leverage and counterleverage have created an interdependent and balanced situation that has put some limitations on Russia’s ability to cut supplies.»70 A relação energética da Rússia com os países dependentes do gás russo na Europa de Leste, é certamente uma relação na qual a Rússia é o principal beneficiário, no entanto, o facto de a Rússia estar igualmente dependente destes países para o transporte do gás, funciona como poder de counter-leverage a que Robert Larsson se refere. O Nord Stream é então a consolidação do poder russo nesta relação através da deterioração do poder de couter-leverage destes Estados. Uma vantagem imediata para a Rússia, é a possibilidade de negociar os preços em alta com estes países para valores normais de mercado, pois deste modo, 66 RWE reviews role in Nabucco Pipeline, UPI, 18 de Janeiro de 2012, http://www.upi.com/ Business_News/Energy-Resources/2012/01/18/RWE-reviews-role-in-Nabucco-pipeline/UPI67821326889417/ (acedido a 07/02/2012) 67 RWE in loss on German nuclear phase-out, Hurriyet Daily News, 10 de Novembro de 2011, http://www.hurriyetdailynews.com/default.aspx?pageid=438&n=rwe-in-loss--on-germannuclear-phase-out-2011-11-10 (acedido a 07/02/2012) 68 LUCAS, Edward, The New Cold War: How The Kremlin Menaces both Russia and the West, Bloomsbury Publishing, 2008 69 WHIST, op.cit, p.14-15 70 LARSSON, Robert, Security Implications of the Nord Stream Project, FOI, 12 de Fevereiro de 2008, p.5
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aqueles que anteriormente garantiam o transporte do gás russo, vêm-se agora com menor capacidade negocial na mesa de conversações. O acréscimo de poder que o Nord Stream vem dar à Rússia sugere dois tipos de interpretações possíveis: ou a Rússia procura o seu benefício económico através da consolidação do seu quase monopólio de gás natural na Europa (em particular no leste), através da manutenção ou expansão da quota de mercado da Gazprom; ou o Nord Stream é para a Rússia um projecto político com o intuito de obter ainda mais poder (leverage) sobre a Europa de leste. No caso de se assistir a um corte de gás da Gazprom à Europa que não seja motivado pelo incumprimento dos seus importadores, será mais provável que tal facto se dê pela dificuldade da companhia em produzir o suficiente no longo prazo para satisfazer a procura europeia, como aliás mostram os estudos sobre a previsão da queda da produção para os próximos anos. Não é evidente a ideia de que a Rússia tenha uma agenda de política externa com a intenção de usar o Nord Stream como arma de chantagem política contra os seus vizinhos de modo a obter cedências políticas. O principal objectivo do Nord Stream é evitar o desvio por parte da Ucrânia do gás russo destinado a outros países em caso de incumprimento nos pagamentos, como tem vindo a acontecer. É isto que nos mostram as crises de 2006 e 2009, a Rússia nunca cortou o gás à Ucrânia sem que houvesse falta de pagamento, e por isso não é justificável o argumento de a Rússia querer cortar o gás indiscriminadamente pelo facto de terem existido estas crises. Do mesmo modo, não há evidências que nos levem a entender que o Nord Stream nunca será usado como uma arma de arremesso contra a Europa de Leste. Apesar do projecto o permitir, o simples facto de um Estado adquirir poder não prova que o vá utilizar para estratégias de hard power. Robert Larsson relembra que embora a União Soviética não tenha trazido à Europa Ocidental problemas no abastecimento71 e numa época especialmente conflituosa entre este-oeste, os Estados bálticos têm razões para se sentirem mais preocupados em relação às intenções da Rússia, com a qual têm relações diplomáticas instáveis. De facto, após o fim da URSS, a Rússia já cortou por várias vezes o abastecimento de petróleo a estes países, circunstância que o Nord Stream não vai alterar, já que os países bálticos são completamente dependentes do gás russo e não são países de trânsito cruciais para a Gazprom como a Ucrânia e a Bielorrússia. O projecto South Stream O South Stream é outro projecto para a construção de uma nova rede de gasodutos com vista a trazer gás do Cáucaso e da Ásia Central até à Europa. Como já foi referido, a Rússia prevê quedas na produção de gás no longo prazo, e o South Stream visa ultrapassar esse problema vendendo gás não russo de outras 71 LARSSON, op.cit, p.6
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regiões para evitar falhas no fornecimento à Europa. A nova rede de gasodutos propõem-se a oferecer uma capacidade de 63 mil milhões de metros cúbicos anuais e apresenta um custo estimado na ordem dos 25 mil milhões de euros.72 O South Stream é um projecto russo-italiano protagonizado pela Gazprom e pela companhia italiana Eni73. O governo italiano detém na empresa uma participação de 30% com golden share, fazendo da relação Eni-Gazprom uma relação política Roma-Moscovo. No consórcio ainda participam outras empresas com um papel mais secundário, como a francesa EDF SA, a Austríaca OMV, a búlgara Bulgarian Energy Holding, a grega DESFA, a húngara MFB e a sérvia Srbijagas. Não tendo apenas um propósito meramente comercial para os interesses da Gazprom, o governo russo faz questão de intervir politicamente no projecto, tendo já assinado vários acordos intergovernamentais com outros Estados de modo a recolher outros apoios políticos dentro da Europa para além do governo italiano, nomeadamente a Bulgária, Sérvia, Hungria, Grécia, Eslovénia, Croácia e Áustria.74 Com o projecto, a Itália procura um aprofundamento das boas relações com a Rússia, tal como a Alemanha, assim como defender os interesses estratégicos da sua empresa Eni. Ao contrário da Rússia, a Itália não tem um interesse especial em combater o sucesso do Nabucco através do South Stream. Como a Alemanha, a Itália considera a Gazprom um fornecedor fiável e não vê razões para financiar o Nabucco, que não entrando no território italiano não corresponde ao interesse da Eni. O antigo primeiro-ministro Berlusconi tinha uma relação muito cordial com Putin e fazia questão de o demonstrar nos seus discursos durante visitas de Estado entre os líderes.
72 DEAK, András, Assessing Russian Commitments to the 2015 South Stream Deadline, International and Secutiry Affairs Centre, s.d, p.1 73 «Eni operates in the supply, transport, distribution and sale of natural gas. (…)In 2010, sales of natural gas were 97.06 bcm, down 6.66 bcm or 6.4%, mainly due to unfavorable trends on the Italian market. Sales included Eni’s own consumption, Eni’s share of sales made by equity-accounted entities and upstream sales in Europe and in the Gulf of Mexico. (…)Volumes of gas transported in Italy in 2010 were 83.32 bcm increasing by 6.42 bcm from 2009 due to higher gas deliveries related to a recovery in domestic demand. (…) In 2010, capital expenditures in the Gas & Power segment totaled €1.685 million» In Gas & Power, Eni, s.d, http://www.eni.com/en_IT/company/operations-strategies/gas-power/gas-power.shtml (acedido a 19/02/2012) 74 Facts and Figures, South Stream, s.d, http://south-stream.info/index.php?id=14&L=1 (acedido a 05/11/2011)
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Ilustração 4 - South Stream. . Vai da cidade russa de Dzhubga terminando na cidade italiana de Brindisi, e nas cidades austríacas de Baugmarten e Arnoldstein75 A intenção do projecto vai além da mera supressão das dificuldades de produção da Gazprom dentro da Rússia. O South Stream é pensado como um rival de peso ao Nabucco apoiado pela União Europeia. Se o Nord Stream já é uma obstrução à viabilidade comercial do projecto europeu dado que consolida a importação de gás russo, o South Stream é um rival ainda mais directo pelo facto de seguir uma rota parecida à do Nabucco e de ambos terminarem na estação austríaca de Baumgarten. Tendo os dois projectos quase a mesma rota, e pretendendo importar o gás das mesmas regiões, os dois projectos apresentamse mais como adversários do que complementares. O South Stream pretende iniciar a sua construção em 2013 e em 2015 iniciarse-ão os primeiros fornecimentos, o que constituiria um entrave ao sucesso Nabucco que apenas começará a operar em 2017. É uma diferença relevante, o que poderá significar que o South Stream comprometer-se-á primeiro com os fornecedores do Cáucaso e principalmente da Ásia Central, antecipando-se com a assinatura de contractos de fornecimento com estes países. Assim, se o South Stream for bem-sucedido e assegurar a produção da Ásia Central, pode negar o fornecimento adequado ao Nabucco. Segundo Zeyno Baran do Hudson Institute, tendo em conta que o South Stream chega também ao sul da Itália, fica aberta à Gazprom uma oportunidade de entrar no mercado de gás do Norte de África, limitando ainda mais as soluções possíveis da diversificação do fornecimento europeu.76 Tal como o Nord Stream, o South Stream vem dar à Rússia uma maior diversificação dos territórios de passagem do seu gás, evitando transportá-lo 75 South Stream, Gazprom, http://www.gazprom.com/about/production/projects/pipelines/ south-stream/ (acedido a 08/07/2012) 76 BARAN, Zeyno, Security Aspects of the South Stream Project, Hudson Institute, Outubro de 2008, p.iii
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pela Europa de Leste. Seguindo uma rota offshore (i.e, por mar e não por terra) pelo Mar Negro, evita também os territórios do Cáucaso e da Turquia. É por querer diversificar ao máximo os territórios de passagem que a Rússia optou pelo transporte offshore. A Sérvia acaba por ser o único território terrestre fora do espaço comunitário a fazer parte do South Stream. Como aliado histórico da Rússia a Sérvia não deverá constituir preocupação para os russos e conta ainda com o apoio de Moscovo. O governo sérvio assinou os acordos com a Rússia para o South Stream precisamente na semana a seguir à declaração de independência do Kosovo. Nesta questão a Rússia colocou-se do lado da Sérvia, ao não reconhecer o Kosovo, fortalecendo mais uma vez a solidariedade eslava numa altura em que o Kremlin escolhe o timing perfeito para propor o South Stream ao governo sérvio. Em busca de apoios políticos ao South Stream, a Rússia faz o mesmo que com o Nord Stream, ou seja, “convida” as grandes potências europeias a entrarem e a ganharem com os projectos russos. No Nord Stream, a Gazprom permitiu um papel protagonista à E.ON, consolidando o apoio do governo alemão. No South Stream, o papel da Eni conduz também o governo italiano a pôr-se de lado da Gazprom ignorando o Nabucco. “Dividir para conquistar” é uma expressão apropriada para descrever a linha de acção estratégica da Gazprom, i.e, dividir a coesão institucional da União Europeia no âmbito das políticas energéticas, e assim conquistar, ou neste caso controlar, e consolidar a sua posição comercial hegemónica nos mercados europeus de gás natural. “Dividir para conquistar” requer à Rússia a busca do apoio das grandes potências europeias. A Rússia “conquista” igualmente outros Estados europeus (nomeadamente aqueles por onde passa o South Stream) prometendo-lhes tornarem-se, nas palavras de Zeyno Baran, em “gas hubs”77 para o fornecimento de gás à Europa. A estação austríaca de Baumgarten será a mais importante, tornando-se a Áustria o principal hub de gás natural do South Stream. É de notar que esta é a mesma estação quer servirá o Nabucco, concedendo assim aos austríacos da OMV um papel activo naqueles que são projectos rivais, não obstante a tentativa dos responsáveis dos dois projectos insistirem que não há uma “guerra” de gasodutos entre o Nabucco e o South Stream, ou de Martin Bartenstein, o ministro da economia austríaco, ter sugerido a 24 de Janeiro de 2008 a integração dos dois projectos.78 Ainda na estratégia de “dividir para conquistar”, note-se que a Rússia escolheu os Estados do norte do Mar Negro (a Bulgária e a Roménia) em vez de ter optado pelo território turco que poderia custar muito menos, já que se evitaria a construção de uma secção offshore. Esta decisão pode estar relacionada com o facto da Bulgária e da Roménia pertencerem à União Europeia. Se a Rússia aliciar 77 BARAN, op.cit, p.13 78 SOCOR, Vladimir, OMV joins with Gazprom to undercut Nabucco, The James Town Foundation, 29 de Janeiro de 2008, http://www.jamestown.org/single/?no_cache=1&tx_ttnews[tt_news]=33332 (acedido a 07/02/2012)
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estes países com as receitas possíveis das tarifas de passagem, pode obter destes Estados algum apoio político dentro de Bruxelas, não obstante o facto de estes Estados estarem igualmente incluídos no projecto do Nabucco. Discute-se também se o custo exorbitante do South Stream fará deste um projecto viável comercialmente. No entanto, para além de aumentar a capacidade exportadora da Gazprom, o South Stream visa diminuir a dependência de territórios de trânsito estrangeiros e negar ao Nabucco a conquista dos recursos energéticos do Cáucaso e principalmente da Ásia Central. Isto consolidaria a Gazprom como top exporter nos mercados europeus. Se o South Stream der prejuízo, a Gazprom pode ganhar noutros campos, como por exemplo, manter um forte poder na definição de preços. Se o Nabucco for um sucesso, a Gazprom terá de enfrentar uma nova concorrência que a obrigará a baixar os preços. Alguns analistas, por duvidarem da viabilidade comercial do South Stream, referem que este projecto não tem a obrigação de ser economicamente viável já que conta com um apoio financeiro garantido por parte do governo russo. Entretanto referem também que esta vantagem do South Stream é uma desvantagem para o Nabucco porque este último tem de ser comercialmente viável por ser financiado na sua maioria por verbas privadas.79 No entanto, se um fracasso do South Stream pode ser assumido pelas finanças do governo russo, o Nabucco também tem o apoio financeiro de Bruxelas pela mão do EIB (European Investment Bank) e do EBRD (European Bank for Reconstruction and Development). Ainda assim o Nabucco está mais dependente da vontade de investidores privados do que o South Stream, e se Bruxelas quiser realmente que o Nabucco seja um sucesso terá também que assumir perdas financeiras caso os objectivos do projecto fracassem. Lidar com a União Europeia e com a Ásia Central Com vista a consolidar a sua posição no mercado do gás natural europeu, a Rússia deve jogar principalmente em duas regiões: na Europa Central/de Leste, e na Ásia Central. É do interesse da Rússia e particularmente da Gazprom, que o Nabucco não atinja os objectivos dos europeus, i.e, importar gás não-russo da Ásia Central e do Cáucaso. Se uma estratégia de diversificação, levada a cabo por um actor internacional, necessita do apoio dos seus Estados-membros para funcionar, então a estratégia da Rússia passa por minar a coesão institucional dos seus Estados-membros. A Gazprom fá-lo aliciando companhias energéticas de Estados membros da União Europeia a participarem nos projectos russos e 79 Entre estes analistas está Zeyno Baran: « South Stream is in direct competition with Nabucco—while there will be a huge increase in demand for gas in Europe, but today there is not enough market space for these two pipelines. Unlike South Stream, Nabucco is privately financed and needs the confidence of investors; the European Commission’s backing of South Stream would kill Nabucco—at least in the short term and for Caspian gas.» in BARAN, Zeyno, Security Aspects of the South Stream Project, Hudson Institute, Outubro 2008, p.30
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rivais ao Nabucco, como faz com a E.ON e com a ENI, abrindo caminho ao apoio do governo alemão e italiano. Para minar a coesão institucional da UE nesta área, é importante garantir o apoio das grandes potências europeias, desde logo a Alemanha com o Nord Stream (e até mesmo a França) e a Itália com o South Stream. Ainda na questão dos aliciamentos políticos, destaca-se a controversa contratação do antigo Chanceler alemão Gerhard Schröder para os quadros do consócio Nord Stream AG. Durante o seu mandato, Schröder teve o cuidado de construir laços com Putin e tomou várias decisões de política externa em convergência com a Rússia, como por exemplo a oposição à invasão do Iraque pelos Estados Unidos, uma posição partilhada também pela França à altura com Jacques Chirac. Já depois do seu mandato, Schröder declarou o seu apoio à Rússia noutras questões como a rejeição da independência do Kosovo e o alinhamento com a Rússia defendendo que o presidente da Geórgia, Mikhail Saakashvili, foi o principal culpado da guerra russo-georgiana de Agosto de 2008.80 Em 2007, Schröder mostrou-se igualmente do lado da Rússia aquando da crise diplomática entre a Rússia e a Estónia na questão do memorial. A decisão dos estónios em remover um memorial soviético da Segunda Guerra Mundial de um local proeminente causou tensões entre os dois países e na enorme comunidade russa da Estónia. Schröder considerou que a decisão da Estónia “contraria qualquer forma de comportamento civilizado”.81 Outra contratação de relevo é escolha do ex-primeiro-ministro finlandês Paavo Lipponen para conselheiro do Nord Stream nas questões ambientais.82 Uma escolha estratégica para apresentar pareceres positivos sobre o impacto ambiental do projecto aos Estados do Mar Báltico, e obter a aprovação destes, sendo a Finlândia precisamente um deles. Se a Europa conseguir importar quantidades suficientemente grandes da Ásia Central a fornecedores que não sejam controlados pela Gazprom, então a Rússia enfrentará uma concorrência de peso. O gás russo é cada vez mais caro de explorar e a Gazprom precisa de grandes investimentos de modernização para travar os custos de produção crescentes. Este problema traduz-se em ineficiência e perda de competitividade para a Gazprom, que é salva por esta ser um actor dominador na rede de gasodutos da Europa devido à falta de concorrência, mesmo apesar de a Noruega estar a ganhar terreno à Rússia na exportação de gás natural. Os russos têm ainda que garantir que os Estados central-asiáticos continuem a acordar com a Rússia grandes contractos de longo prazo para a venda de gás. 80 Serious Mistakes by the West, SPIEGEL Online, 18 de Agosto de 2008, http://www.spiegel.de/ international/world/0,1518,572686-2,00.html (acedido a 17/11/2011) 81 How to fight back, The Economist, 10 de Maio de 2007, http://www.economist.com/ node/9142057?story_id=9142057&fsrc=nwl (acedido a 17/11/2011) 82 Paavo Lipponen to Advise Nord Stream, Nord Stream, 15 de Agosto de 2008, http://www.nordstream.com/press-info/press-releases/paavo-lipponen-to-advise-nord-stream-252/ (acedido a 18/11/2011)
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A compra de gás a estes países permite à Rússia revender à Europa a preços mais altos e ocupar a capacidade produtiva desses países dificultando a sua capacidade de exportar directamente para os europeus. Ao ir buscar gás à Ásia Central, a Gazprom consegue também corrigir parte do declínio da produção de gás a que se assiste na Rússia. Assim, a capacidade da Rússia em manter o seu domínio no mercado europeu, dependerá da sua capacidade em consolidar a sua posição na Ásia Central. No capítulo institucional, o governo russo tem de apostar numa maior cooperação com a Ásia Central no âmbito da Comunidade de Estados Independentes (CEI - criada em 1991), da Comunidade Económica Euroasiática (EAEC ou EurAsEc - criada em 2000), e da Organização do Tratado de Segurança Colectiva (OTSC - criada em 2002). A EurAsEc é um conjunto de acordos de comércio livre (inclusive no mercado energético) entre a Rússia, a Bielorrússia, o Cazaquistão, o Quirguistão, o Tajiquistão, e o Uzbequistão. No entanto, a Rússia está cada vez mais empenhada num projecto de integração económica à semelhança do mercado comum europeu. Em 22 de Novembro de 2011, foi ratificada na duma russa a União Económica Euroasiática83 entre a Rússia, Cazaquistão e a Bielorrússia, e que já tinha dado o seu primeiro passo com uma união aduaneira entre os três países desde Julho de 2010. Prevê-se ainda uma cooperação em diversas áreas como a energia, o ambiente, a agricultura e uma integração monetária.84 Historicamente a Rússia sempre se mostrou relutante em transferir direitos soberanos para instituições supranacionais, pelo que a criar uma União do género, certamente que a Rússia seria um Estado director e não um Estado semi-soberano como acontece na União Europeia. Quanto às relações com a Alemanha, a Rússia deve trabalhar com os alemães no âmbito do Nord Stream e diversificar os territórios de trânsito do seu gás, nomeadamente evitar territórios como a Ucrânia e a Bielorrússia, mas também os Estados bálticos e a Polónia. As elites governamentais dos dois países têm apostado numa aproximação política e é de esperar que os laços económicos crescentes acentuem ainda mais essa boa relação. Calcula-se que a Rússia prossiga a sua política de aquisições. Na Ásia Central a Gazprom tem feito várias aquisições de modo a consolidar a sua hegemonia nos mercados do gás natural. Também na Europa a Rússia tem comprado várias empresas no antigo Bloco de Leste, uma política que se desenhou cedo após o fim dos regimes comunistas nos anos 90, e não só na área do gás natural. A criação de várias subsidiárias e de joint-ventures com outras empresas tem sido outra forma de actuação da Gazprom, numa estratégia de entrar no mercado de distribuição europeu. 83 LULKO, Lyuba, Rússia, Belarus e Cazaquistão formam o governo supranacional, pravda.ru, 23 de Novembro de 2011, http://port.pravda.ru/russa/23-11-2011/32503-0/ (acedido a 24/11/2011) 84 Eurasian Economic Community, Ministry of Foreign Affairs of the Republic of Belarus, s.d, http://www.mfa.gov.by/en/organizations/membership/list/a129a29a6011d384.html (acedido a 18/02/2012)
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Uma estratégia que muitas vezes é apontada à Rússia, é a eventualidade de ser criada uma organização internacional com vista a criar um cartel do gás ao estilo da actual OPEC. Este cartel do gás incluiria provavelmente a Rússia, o Irão, a Argélia, a Líbia, o Qatar, a Venezuela e Trindade e Tobago. A nível regional, já em 2007 tinha havido acordos entre a Venezuela, Argentina e Bolívia para a criação da OPEGASUR (Organización de Países Productores y Exportadores de Gas del Sur).85 A Ásia Central mesmo sendo rica em gás natural, ficaria fora deste cartel do gás, provavelmente porque a Rússia está confiante quanto à sua influência na região e acredita que vai “conquistar” o gás natural do Cazaquistão e do Turquemenistão para o vender à Europa sob a forma de gás russo. Não tendo a Gazprom claras hipóteses de controlar zonas como o Magreb, Médio Oriente, ou América Latina, fará mais sentido à Rússia optar por uma cooperação estreita com estas regiões. A posição oficial das autoridades russas relativamente à criação desta nova organização, é a de que esta teria como objectivo “uma coordenação dos fornecimentos de gás” e não um verdadeiro cartel de fixação de preços ao estilo da OPEC, e daquilo que o Irão defende abertamente para esta organização. Vários especialistas conceituados nas questões energéticas, alertam no entanto para a alegada possibilidade de ser criado um verdadeiro cartel a nível mundial e com uma liderança russa. Entre eles encontram-se por exemplo, Vladimir Socor do Jamestown Foundation, Ariel Cohen do Heritage Foundation, Robert Larsson do FOI, Keith Smith do Center for Strategic and International Studies, e Zeyno Baran do Hudson Institute. Segundo Vladimir Socor, uma cooperação entre a Rússia e o Irão poderia ser benéfica para a Rússia. Segundo o investigador, a Rússia vê o Irão como um possível rival no mercado de gás na Europa, e uma ligação permitiria dividir mercados, ou seja, o mercado europeu ficava para a Gazprom enquanto a Rússia permitiria ao Irão a entrada no mercado asiático sem grandes obstáculos a nível de concorrência.86 A ideia de Socor pode fazer sentido, mas como vimos no subcapítulo do fornecimento do Nabucco, o Irão não tem para já grande capacidade exportadora uma vez que não consegue tirar total partido das suas próprias reservas, e chega mesmo a experienciar falta de abastecimento em certas zonas do país, de modo que a divisão de mercados entre o Irão e a Rússia só poderá vir a ser uma ideia credível se o Irão fizer os investimentos necessários nas suas infra-estruturas de produção e transporte de gás natural. Ainda sobre a divisão dos mercados do gás, Ariel Cohen exemplifica que a Argélia e a Rússia podem vir a acordar uma divisão no mercado europeu, e enquanto a Rússia se compromete 85 OHEP, Elio, Venezuela, Argentina, Bolivia sign treaty to create gas cartel OPEGASUR, Petroleumworld, 12 de Março de 2007, http://www.petroleumworld.com/storyt07031302.htm (acedido a 25/11/2011) 86 SOCOR, Vladimir, Toward a Russia-Led Cartel For Gas?, The Jamestown Foundation, 30 de Março de 2011, p.2
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a não fazer concorrência no fornecimento a Espanha, a Argélia compromete-se a deixar o mercado alemão livre de concorrência para a Gazprom.87 Por outro lado, num artigo publicado pelo The Economist, são apresentados argumentos para o facto de não ser credível a criação de um cartel do gás a nível mundial. Refere o artigo que em primeiro lugar a maior parte do gás natural comprado é vendido por contractos de longo prazo, o que dificulta a regulação da produção a nível global assim como definir um preço a nível mundial. Em segundo lugar, o gás é negociado a nível regional e não a nível global como o petróleo. Como o gás natural necessita de uma infra-estrutura de gasodutos e não pode ser transportado livremente por navios ou ferrovia, há produtores de gás natural que dificilmente alguma vez serão concorrentes, já que vão apenas operar nas suas regiões de acesso. Para o gás natural ser transportado com a facilidade do petróleo, seria necessário ser exportado sob a forma de LNG, e refere o mesmo artigo que desta forma só o Qatar (líder mundial de LNG) poderia ambicionar ter um alcance exportador a nível global.88 A estratégia da Rússia passa pela construção dos projectos Nord Stream e South Stream. O primeiro claramente para diminuir a dependência em relação aos países de trânsito da Ucrânia e Bielorrússia. O segundo para além de diminuir igualmente essa dependência, tem como objectivo principal ir buscar à Ásia Central o gás cobiçado pelo Nabucco, negando abastecimentos a este e corrigindo a queda de produção de gás na Rússia que se prevê a longo prazo. A falta de coesão institucional vivida dentro da União Europeia representa um factor de vantagem para a estratégia russa, dificultando ainda mais as estratégias coordenadas dos Estados-membros facilitando a concretização dos interesses russos na Europa. Conclusão Procurando o renascer do poder da Rússia pós-soviética no sistema internacional, os seus líderes políticos perceberam que o seu país já não tem a capacidade de se afirmar globalmente somente através de aliados militares e de gastos ostensivos no sector da defesa. Agora, a nova Rússia procura uma ascensão económica como forma de melhor se afirmar geopoliticamente perante os actores mais dominantes como os EUA, a União Europeia, a China, o Brasil e a Índia. Para consolidar a sua ascensão económica, a Rússia vê nas suas riquezas energéticas um potencial demasiado forte para ser desconsiderado. Rica em petróleo, carvão, e gás natural, os líderes russos tomam estas riquezas naturais como elementos decisivos para a ascensão russa nos planos político e económico. Nesta dissertação estudou-se o caso particular do gás natural, que como 87 COHEN, Ariel, Gas OPEC: A Stealthy Cartel Emerges, The Heritage Foundation, 12 de Abril 2007 88 A gas OPEC, The Economist, 5 de Fevereiro 2007, http://www.economist.com/node/8655645 (acedido a 25/11/2011)
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vimos, pela sua natureza física, é capaz de conquistar um potencial estratégico que o petróleo não consegue. A afirmação russa através do gás natural, revela-se especialmente através de uma afirmação regional dentro da Europa, no Cáucaso e na Ásia Central. Dentro da Europa a Rússia mantém uma relação de interdependência com esta através de um mercado de tendências monopolistas a favor da Gazprom. Desta relação de interdependência, a Rússia é o elemento privilegiado, mas é de assinalar que o mercado europeu é a maior fonte de receita da Gazprom. A Europa é altamente dependente do gás russo, em particular os países do leste e centro do continente. A União Europeia como actor institucional tem tentado colmatar essa situação. Por um lado, através de políticas comunitárias de diversificação dos consumos energéticos, tais como o apoio ao desenvolvimento das energias renováveis, e por outro através de uma estratégia de diversificação de fornecedores de gás tendo como vanguarda dessa estratégia o projecto Nabucco. Desta dissertação conclui-se que o Nabucco, mesmo já tendo sido aprovado, e se não for adiado entretanto, deixa-nos ainda muitas dúvidas por esclarecer quanto à sua viabilidade comercial. A falta de coesão institucional dentro da União Europeia é um dos obstáculos, a Itália e a Alemanha não estão empenhadas em apoiar o Nabucco, preferindo antes apoiar os projectos russos do South Stream e Nord Stream respectivamente. Sem um apoio político por parte das grandes potências europeias, Bruxelas fica com dificuldades acrescidas em lidar com os seus planos. A França também tem investimentos nos projectos russos, e o Reino Unido não tem sequer aparecido neste tipo de discussões para nos apresentar uma posição concreta. Outro problema apontado ao Nabucco prende-se com o seu financiamento. Com um custo oficialmente estimado em 7.9 mil milhões de euros, é um projecto que acarreta alguns riscos. Não tendo um apoio financeiro governamental garantido, como acontece com os projectos da Gazprom, o consórcio Nabucco apoia-se sobretudo na ajuda das instituições europeias, como o EIB e o EBRD e requer a confiança dos investidores privados. Ainda com a recente questão dos bailouts a várias economias europeias por parte do BCE e FMI, a União Europeia poderá eventualmente recuar no financiamento do projecto tendo em conta que existem outras prioridades. Outro problema mais grave é o abastecimento. O Nabucco pretende bombear gás do Cáucaso e da Ásia Central para a Europa evitando o território russo na sua rota. No caso do Cáucaso parece credível a possibilidade da União Europeia conseguir importar gás do Azerbaijão, já que neste país operam muitas companhias energéticas da Europa Ocidental, ao mesmo tempo que as boas relações entre a Turquia e o Azerbaijão dão confiança aos europeus relativamente ao território turco como principal centro de passagem desse novo gás. Já o fornecimento da Ásia Central não parece ter o mesmo grau de viabilidade, e seria fulcral para o sucesso do projecto já que o Azerbaijão não
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tem capacidade para satisfazer sozinho a produção de gás que a Europa requer no longo prazo. Dentro da Ásia Central, o Cazaquistão e o Turquemenistão seriam os fornecedores ambicionados pela União Europeia. Estes dois países apresentam no entanto uma série de incertezas quanto à possibilidade de virem a fornecer o Nabucco. Estão ambos comprometidos com contractos de longo prazo para fornecer a Rússia e a China e têm sido alvo de várias aquisições por parte da Gazprom e outras companhias russas. Pela proximidade geográfica e pelos laços políticos, não há razões relevantes para que estes países passem a fornecer a Europa em vez da Rússia. A Rússia e a China já são mercados suficientemente grandes para satisfazer as ambições empresariais das empresas da Ásia Central. No caso particular da China, o seu consumo de gás natural sobe em flecha todos os anos para alimentar a sua ascensão económica, o que retirará à Ásia Central a capacidade exportadora necessária para fornecer a Europa no longo prazo. Nem o Turquemenistão nem o Cazaquistão participam no investimento do Nabucco, o que também prova a falta de entusiasmo dos dois países com a ideia de poder vir a fornecer a Europa. Ideal para os europeus, e em certa medida para a Rússia, deveria ser a maior liberalização do mercado energético de modo a promover uma concorrência que pouco aparece dado o proteccionismo rígido do governo russo neste campo. A liberalização poderia por um lado baixar os preços para a Europa, enquanto que a Gazprom se via obrigada a investir na sua própria infra-estrutura de modo a tornar-se mais eficiente na sua exploração. Tornando a sua infra-estrutura mais eficiente levaria também a uma maior eficiência no consumo de gás da economia russa, que tem consumos per capita altíssimos precisamente pela falta de eficiência e pelos subsídios à energia por parte do governo russo (através de um preço de venda no mercado interno inferior ao preço de produção, que no fundo é como se a Gazprom financiasse os seus próprios clientes no mercado interno). Abrindo-se ao mercado livre, a Rússia também poderia tornar a Gazprom mais competitiva abrindo a empresa e o país ao investimento estrangeiro no sector energético. Por outro lado, enquanto a liberalização moderniza a Rússia e a Gazprom, pode ao mesmo tempo ser uma ameaça à posição de top exporter da empresa, o que contraria a estratégia política russa, já que essa é o instrumento da Rússia para consolidar o seu estatuto enquanto potência emergente. Num mercado mais concorrencial a nível europeu, poderia eventualmente promover investimentos privados no sector do LNG de forma a competir com o caríssimo gás russo. Actualmente a Gazprom é fortemente protegida por medidas proteccionistas do Kremlin. Os líderes russos asseguram-se que só a Gazprom tem o direito de exportar o gás russo, ao mesmo tempo que a fecham a capitais estrangeiros de modo a que permaneça sempre nas mãos da política russa. Ao estar protegida pelo governo russo, a Gazprom consegue assim o privilégio de se arriscar em estratégias cuja viabilidade financeira não é clara. Isto permite à Rússia bloquear o aparecimento de uma concorrência forte no mercado europeu. Se certos projectos da Gazprom se revelarem um fracasso financeiro, então a empresa pode contar
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com uma injecção de capitais alimentada pelos impostos dos contribuintes russos. Ou seja, a Gazprom pode concluir projectos que mesmo não tendo viabilidade financeira, satisfazem o objectivo de proteger a quota de mercado dominante de que a Rússia detém no mercado europeu. O objectivo da Rússia no actual contexto da energia é simples de compreender. A Rússia procura consolidar e garantir no longo prazo a posição de top exporter para a Gazprom no mercado europeu. O caminho russo passa mais, ou deveria passar mais, por uma estratégia de consolidação do que por uma estratégia de expansão. Isto significa que a prioridade da Rússia e da Gazprom deve ser a de garantir a sustentabilidade do seu estatuto dominante na Europa em vez de concentrar os seus esforços políticos e os seus investimentos numa expansão para novos mercados, já que a tendência monopolista da Gazprom na Europa encontra-se ameaçada a longo prazo. E mesmo que se tenha em conta que a conquista de novos mercados pode colmatar a perda de influência no mercado europeu a longo prazo, a Gazprom dificilmente terá meios para jogar em todas as frentes, já que na Europa se vê a mãos com os encargos financeiros dos dois Streams, e entrar em novos mercados é difícil devido à limitação das redes de gasodutos (por isso mesmo, a Gazprom tem feito também alguns investimentos na área do LNG para se libertar destas limitações). A queda de produção de gás na Rússia é na verdade a principal ameaça ao futuro da Gazprom, e não o projecto Nabucco ou outra estratégia de diversificação europeia. Enquanto a queda de produção ameaça o domínio da Gazprom na Europa, ao mesmo tempo que a Europa fica ameaçada se não tiver outras soluções de abastecimento, também a fraca eficiência do sistema de exploração/ produção de gás natural da Rússia é uma séria ameaça já que fica mais exposta ao aparecimento de uma concorrência forte e mais competitiva a nível de preços. A actual estratégia da Rússia e da Gazprom centra-se na diversificação dos territórios de passagem do seu gás e na conquista do gás natural da Ásia Central. Quanto à diversificação dos territórios de passagem, os russos evitam a sua dependência em relação à Bielorrússia e à Ucrânia que tem trazido problemas ao nível da sua fiabilidade enquanto país de trânsito do gás russo, chegando mesmo a prejudicar o abastecimento à Europa, nomeadamente aquando a crise russo-ucraniana de 2009. Para reduzir a dependência em relação a estes Estados, a Gazprom aposta nos projectos do Nord Stream e South Stream. O primeiro evita os territórios terrestres através de uma rota por mar (offshore) de modo a não depender de nenhum Estado para o transporte do seu gás. O segundo, para além de evitar a Ucrânia, Bielorrússia ou Estados Bálticos, tem como objectivo principal trazer gás da Ásia Central e vendê-lo na Europa como gás russo, assim, não só nega os fornecimentos ao Nabucco como ainda garante novas fontes de gás para colmatar a queda de produção no interior da Rússia. Mesmo contando com os apoios da Alemanha e da Itália, há analistas que se interrogam quanto à viabilidade financeira dos projectos já que são bastante dispendiosos, principalmente a construção e manutenção dos sectores offshore do
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Mar Báltico (Nord Stream) e do Mar Negro (South Stream). É no entanto de ter conta que com sectores offshore a Gazprom evita o pagamento de tarifas de trânsito, e a questão que fica por responder é até que ponto essa isenção compensará os custos elevados de uma infra-estrutura tão cara. Projectos dispendiosos significam produção cara, o que a longo prazo pode vir a custar caro às companhias dos consórcios dos dois Streams no caso de surgirem no mercado novos players mais competitivos e com soluções mais baratas. A conclusão que se retira desta investigação é de que a Rússia tem o seu potencial ameaçado pelo declínio que poderá vir a assistir no mercado energético. Tendo em conta que se trata de um tema actual, é impossível prever se os líderes russos conseguirão lidar com os obstáculos que se lhes colocam. Os gastos financeiros que os dois projectos dos Streams apresentam podem vir a revelar-se insuficientes para responder aos desafios da Gazprom, em especial o problema da queda da produção, ou até mesmo a estratégia de diversificação que os Europeus poderão conseguir levar a cabo no futuro, ainda que desta dissertação não se encontrem razões para o Nabucco ser visto com muito optimismo, já que também ele apresenta enormes riscos de viabilidade financeira e comercial. Os Streams podem ter a sua importância estratégica, mas não resolvem este problema. De nada vale à Rússia dominar rotas imensas de gás dentro da Europa se depois não dispuser do gás necessário para satisfazer os seus compromissos de exportação. Se as autoridades russas não tiverem sucesso em contrariar esta tendência nos próximos tempos, a ascensão da Rússia poderá estar posta em causa, perdendo assim o seu grande instrumento de emergência económica e política que a levará a ficar para trás relativamente a outras potências emergentes como a China e a Índia. A Gazprom deve por isso apostar seriamente na modernização da sua infra-estrutura e evitar a queda de produção de gás nos próximos tempos, assim como combater os custos de produção crescentes tornando-se mais eficiente na sua actividade. Provavelmente a Gazprom terá também de olhar o LNG como um mercado possível para o futuro na eventualidade deste vir a ser o futuro do consumo de gás na Europa. A questão que se coloca é se a Gazprom vai ter meios financeiros para fazer tudo a tempo, o que poderá significar que o governo russo intervirá de modo financiar a Gazprom e a manter a supremacia da empresa na Europa a todo o custo, nem que isso signifique acarretar investimentos de retorno incerto e duvidoso. Bibliografia Revistas, Jornais e outras publicações periódicas BARAN, Zeyno, Security Aspects of the South Stream Project, Hudson Institute, Outubro de 2008 BARYSCH, Katinka, Should Nabucco pipeline project be shelved?, Centre for
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O Golfo da Guiné e a segurança energética global: oportunidades e desafios subjacentes à região Manuel Agostinho Barros Docente no Instituto Superior Politécnico Lusíada de Cabinda manuelbarrosbr@yahoo.com.br
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Resumo: O artigo1 procura em primeiro, examinar o impacto da indústria petrolífera nas mudanças económicas e políticas verificadas no Golfo da Guiné desde os finais do século XX, a fim de sustentar que as preocupações energéticas estiveram na base do recente reposicionamento geoeconómico e estratégico da região, após décadas de estagnação e relativa perda de importância com o fim da Guerra Fria. Em segundo, procura identificar os desafios subjacentes à região que podem condicionar a curto ou longo prazo, o papel do Golfo da Guiné na segurança energética global. Palavras-chave: Golfo da Guiné / Petróleo / Segurança / Geoeconomia e Geoestratégia. Abstract: The article2 aims first to examine the impact of the oil industry in the economic and political changes observed in the Gulf of Guinea since the end of twentieth century, in order to sustain that energy concerns underpinned the recent geo-economics and strategic repositioning of the region after decades of stagnation and relative loss of importance with the end of the Cold War. Second, it seeks to identify the underlying challenges that may influence at the short or long term the role of the Gulf of Guinea in global energy security. Key-words: Gulf of Guinea / Oil / Security / Geo-economy and Geostrategy.
1 Parte da dissertação de mestrado em Relações Internacionais, apresentado em 17 de Dezembro de 2012, Universidade Lusíada de Lisboa 2 Part of the master’s dissertation in International Relations, presented on December 17th, 2012, Universidade Lusíada de Lisboa
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1. O Golfo da Guiné e a segurança energética global: oportunidades e desafios subjacentes à região 1.1.Enquadramento e conceito de segurança energética 1.1.1.Enquadramento teórico A segurança energética ocupa cada vez mais um lugar cimeiro na agenda política e de segurança dos Estados. A economia mundial moderna é consideravelmente dependente do consumo de fontes energéticas fósseis, o que torna as questões relacionadas com a disponibilidade, o acesso, a fiabilidade e a segurança de recursos como o petróleo e o gás natural, assuntos de elevada importância quer económica, quer de segurança internacional, os quais sustentam o debate sobre a segurança energética. A crise petrolífera de 1973/74, quando um conjunto de países árabes exportadores de hidrocarbonetos decidiram aumentar drasticamente o preço do petróleo e, consequentemente, utilizá-lo como arma política de pressão contra os países ocidentais aliados de Israel durante a guerra do Yom-Kippur, colocou as questões de energia no topo da agenda internacional de segurança. O embargo petrolífero alimentou um sentimento de insegurança, fundamentalmente nos países consumidores economicamente afectados pela crise, que foram forçados a adoptar medidas políticas e institucionais tendentes a minimizar o impacto da ruptura de fornecimento e evitar cenários futuros. A postura assumida e a estratégia adoptada nesta altura pelos países atingidos pela crise resultou na criação pelos Estados ocidentais da Agência Internacional de Energia (AIE) em 18 de Novembro de 1974; das Reservas Estratégicas de Petróleo (Strategic Petroleum Reserves); e na implementação de políticas de conservação, eficiência energética e de diversificação das fontes de importação fora dos países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) (Oliveira, 2007, p.271). A compreensão de segurança está relacionada à sobrevivência de um determinado objecto sob ameaça, o que requer e justifica uma acção extraordinária para controla-lá (Buzan et al., 1998). A dependência energética excessiva de uma região ou de um Estado pode constituir uma ameaça, porquanto pode tornar vulnerável a segurança económica e nacional, assim como condicionar a política
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externa do Estado ou bloco de estados dependentes. A interrupção ou corte no abastecimento terá consequências negativas a nível da economia, com a subida dos preços dos combustíveis e de serviços, e a nível de segurança nacional, ao imobilizar os serviços de segurança e exércitos devido a escassez de combustíveis. É do interesse quer dos consumidores, quer dos exportadores como dos países de trânsito assegurar que os recursos chegam ao destino final e comercializados. Pois, quer os vendedores (países exportadores), quer os compradores (países importadores), como os países de trânsito (regiões de passagem) tiram dividendos do comércio. Neste sentido, a segurança energética pode ser analizada a partir da interacção entre os países exportadores (venda), importadores (compra) e os países de trânsito (transporte) de recursos energéicos, criando uma rede de interdependêcia energética. A posse de recursos energéticos pode representar aos países detentores um factor de poder, porém, aos importadores a dependência dos recursos importados pode ser interpretada como ameaça, alimentando um sentimento de insegurança. É por esta razão que, no centro da agenda política e das estratégias energéicas dos Estados está a questão da diversificação das fontes de importação, na qual a zona do Golfo da Guiné é contemplada. 1.1.2. Perspectivas e definição de segurança energética A tentativa de construção de um conceito de segurança energética no percurso da sua evolução não tem sido consensual, pois o seu significado varia de Estado a Estado mediante a condição energética que se encontra na balança internacional de energia. Ela pode ser entendida na perspectiva de segurança da demanda e das exportações (visão dos países exportadores) (Yergin, 2006); de disponibilidade e acesso contínuo, sob várias formas, quantidades e preços aceitáveis (visão ocidental) (Florin, 210, p.151; Andrew-Speed, 2002, p.13); de autosuficiência energética (perspectiva dos países emergentes); e no caso específico do Japão, cujo cenário energético é mais complexo entre as economias avançadas, a segurança energética é entendida como a capacidade de contrabalançar a sua escassez de recursos através da diversificação, comércio e investimentos (Yergin, 2006, p.71). Embora as bases para construção do conceito de segurança energética serem divergentes, António Silva defende a visão de que há uma necessidade de aprovisionar recursos energéticos que sejam fiáveis, diversos, amplos e a preços competitivos tendo em consideração as “infra-estruturas adequadas para fazer chegar os mesmos recursos ao mercado”. Neste caso, o autor afirma que a segurança energética nos nossos dias “é a capacidade de assegurar os recursos, e a capacidade de proteger a economia global dos efeitos de volatilidade dos preços” (2008, p.30). Para João Pulido e Pedro Fonseca (2004, p.258) que fazem uma análise de segurança energética num contexto de interdependência entre diversos actores do mercado global, a segurança energética é definida como
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sendo “uma partilha de interesses entre vários actores do sistema petrolífero mundial, mais do que um jogo em que a vitória dos produtores significa a derrota dos consumidores e vice-versa”. As diferentes perspectivas de definição descritas demonstram a complexidade de se construir um conceito de segurança energética universalmente aceite. Porém, em todas perspectivas e definições estão subjacentes alguns elementos convergentes, a saber: a disponibilidade, acessibilidade e fiabilidade dos preços dos recursos energéticos, indispensáveis na concepção de segurança energética. É nesta visão que, no presente artigo designa-se por segurança energética, o fornecimento e acesso contínuo e a preços aceitáveis de recursos energéticos como o petróleo e gás natural, fundamentais para a estabilidade dos Estados (Barros, 2012), para sustentar que qualquer perspectiva de segurança energética, o factor custo e acesso destes recursos serão indispensáveis na equação, pois o equilíbrio do mercado é o interesse de todas partes envolvidas. Num mundo globalizado e de interdependência, a ruptura de abastecimento e a volatilidade dos preços preocupam tanto os consumidores como os produtores. 1.2. Enquadramento geoestratégico da região do Golfo da Guiné O Golfo da Guiné compreende um conjunto de países africanos abundantes e exportadores de recursos naturais, com destaque ao petróleo. Entre estes, Angola, Nigéria, Camarões, Congo (Brazzaville), Costa do Marfim, Gabão, Gana, Guiné Equatorial, República Democrática do Congo e São Tomé e Príncipe. Por não ter acesso directo ao Oceano Atlântico, mas cujas exportações petrolíferas são feitas através dos Camarões, a República do Chade é também incluida como parte do Golfo da Guiné. A região se tem notabilizado a nível internacional devido ao recente sucesso da sua indústria petrolífera, que nas últimas décadas vem desempenhando um crescente papel na oferta de hidrocarbonetos, conferindo-a uma elevada importância geoestratégica para a segurança energética global. A região também considerada como o “novo Golfo”, em referência ao Golfo Pérsico, principal fonte mundial de hidrocarbonetos, é enquadrada no chamado “Golden Triangle” (Golfo da Guiné, Golfo do México, e Brasil), para designar as zonas onde o sucesso do uso de meios tecnológicos avançados na indústria petrolífera permitiu a descoberta de consideráveis reservas de petróleo e gás (em águas profundas) e, consequente aumento extraordinário da produção e oferta de hidrocarbonetos (Clarke, 2010, p.77).
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Ilustração I – Região do Golfo da Guiné
Fonte: http://www.deepseawaters.com/Gulf_of_Guinea.htm
Gráfico I - Reservas mundiais de petróleo em offshore (2003)
Fonte: Adaptado de Johannes Dieterich, 2003
1.2.1. Motivações geoeconómicas e geoestratégicas do crescente interesse mundial pela região O interesse global pela região do Golfo da Guiné pode ter várias razões. Porém, são fundamentalmente os interesses energéticos conotados a indústria petrolífera a base da atracção de diferentes actores mundiais para região. A
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posição geográfica da região no quadro de segurança energética, a abundância de hidrocarbonetos e os regimes fiscais praticados nos petro-estados da zona estão no centro das motivações de actores privados e governamentais que veêm da região uma oportunidade ímpar para a maximização dos seus dividendos económicos e financeiros, e para suprir as necessidades energéticas crescentes dos respectivos Estados de origem. Tratam-se de razões de ordem económicas e securitários. No âmbito económico, a abundância de reservas petrolíferas, isto é, petróleo e gás natural, em geral de boa qualidade3, oferece oportunidades económicas adicionais aos investidores públicos e privados. Por exemplo, a ausência de uma indústria de Gás Natural Liquifeito (GNL) e Gás Liquifeito do Petróleo (GLP)4, criaram oportunidades económicas para o desenvolvimento de projectos de gás na região, com destaque ao Angola LNG (Angola) e Escravos Gas to Liquids-GTL (Nigéria), que paralelamente a comercialização de crude confere aos investidores oportunidade de obter dividendos adicionais provenientes da comercialização do gás nas suas diversas formas. A região é também favorável devido aos regimes fiscais aplicados na indústria de hidrocarbonetos, que geralmente são mais atractivos em relação a outras zonas produtoras do mundo, como por exemplo o Golfo do México e Mar do Norte, deonde são provenientes grande maioria das petrolíferas que operam no Golfo da Guiné. Por esta razão, a zona tornou-se no principal destino mundial dos investimentos directos estrangeiros, efectuados principalmente pelas corporações petrolíferas multinacionais de cariz global, com destaque para a ExxonMobil, Total, Chevron, Shell, British Petroleum (BP) e a ENI. Em resultado disso, assiste-se entre 1980 e 2007, um aumento dos investimentos dos EUA na região, de 900 milhões de dólares (1980) para mais de 12 mil milhões de dólares americanos em 2007 (Clarke, 2010, p.75). A avaliação do Departamento do Estado norte-americano de 2004, apontava para uma evolução positiva dos investimentos estrangeiros no Golfo da Guiné. Este afirmava que a indústria petrolífera da região seria capaz de atrair nas próximas décadas entre 30 a 40 mil milhões de dólares americanos (US Dept of State, apud Frynas e Paulo, 2007, p.247). Para além dos investimentos norte-americanos, os países da região vêm beneficiando da entrada de capitais financeiros da China, que por meio destes, o gigante asiático assegurou acordos preferenciais de fornecimento de petróleo a longo prazo, vitais para suprir as crescentes necessidades energéticas da sua economia em expansão. O interesse económico pela região é evidenciado na dimensão dos activos detidos pelas corporações multinacionais5 na zona, calculados em milhões de 3 Leve, doce e com baixo teor de enxofre, segundo os padrões da American Petroleum Institute (API), e compatível com as características das principais refinárias da América do Norte e Europa Ocidental. 4 Na versão inglesa, Liquified Natural Gas (LNG) e Liquified Petroleum Gas (LPG). 5 A Chevron, ExxonMobil, Shell, British Petroleum (BP), Total, Eni, e outras não menos importantes
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dólares americanos. A região representa cerca de 35 por cento da produção global da Chevron, 30 por cento da Total, 25 por cento da ExxonMobil, 15 por cento da Shell e da British Petroleum - BP (Pulido e Fonseca, 2004, p.158; Clarke, 2010, pp.416-423). No âmbito estratégico, a sua importância para a segurança energética mundial é sustentada pela posição geográfica dos seus principais exportadores. Mais de 60 por cento da sua produção petrolífera efectua-se em offshore (alto mar), o que é vantajoso em questões estratégicas e de segurança, se comparada às restantes regiões produtoras do mundo como por exemplo, o Médio Oriente, na sua maioria localizada em onshore (terra), com riscos elevados de segurança devido ao clima de instabilidade política permanente e agravada pela primavera árabe que teve início no norte de África em 2010. A localização geográfica da região e sua produção petrolífera offshore permite excluir a passagem obrigatória pelos estreitos como de Hormuz, Canal de Suez, Bab El Mandeb ou de Bósforo, pontos potenciais de estrangulamento e ruptura de fornecimento de energia, devido as questões geopolíticas e de segurança inerentes. A situação permite também reduzir a distância e os custos associados ao transporte de hidrocarbonetos para os principais mercados mundiais localizados na América do Norte e Europa Ocidental, assim como os riscos de sabotagem e ataque directo às instalações de produção em cenários de instabilidade política. Finalmente, no quadro das estratégias e políticas de diversificação energética, a oferta petrolífera da região permite aos consumidores mundiais reduzir a excessiva dependência do Médio Oriente, assim como evitar a imprevisibilidade de fornecedores como a Rússia e a Venezuela, que em determinadas ocasiões utilizaram os seus recursos como arma política para pressionar os seus parceiros. 1.3. Evolução das reservas e da produção petrolífera A produção e as reservas petrolíferas da região assistiram nas útimas décadas um aumento significativo e, consequentemente, o aumento dos níveis de oferta no mercado internacional. O petróleo da zona é de extrema importância para o mercado da Europa, América e Ásia. Este constitui cerca 29 por cento das importações petrolíferas dos Estados Unidos da América (EUA) e quase 40 por cento da Europa, especificamente a União Europeia (UE). Com reservas petrolíferas estimadas em 59,5 mil milhões de barris (2011), produz diariamente cerca de 5 milhões de barris (2011), quase quatro por cento da produção mundial de petróleo. A Nigéria, com uma produção diária de 2,4 milhões de barris de petróleo, e Angola, com 1,7 milhões de barris são os principais produtores da região, seguidos do Congo Brazzaville (295 mil barris por dia), como a Addax Petroleum, Conoco Phillips, Petrobas, Statoil hydro, Anadarko, Perenco, Tullow oil e a chinesa Sinopec.
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Guiné Equatorial (252 mil barris por dia), Gabão (245 mil barris diários), Chade (114 mil barris diários), Camarões (60 mil barris dia), e da Costa do Marfim, com 40 mil barris diários de petróleo (BP, 2013; EIA, 2013). Gráfico II - Evolução da produção petrolífera do Golfo Guiné (2001-2011)
Fonte: BP “Statistical review of world energy”, June 2013.
Gráfico III - Evolução das reservas de petróleo do Golfo Guiné (1991-2011)
Fonte: BP “Statistical review of world energy”, June 2013
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1.4. Valorização energética da região - as oportunidades económicas e os desafios securitários 1.4.1.O impacto da indústria petrolífera no crescimento económico da região As economias africanas vêm experimentando nas últimas décadas um crescimento acima dos 5 por cento. Em 2012, o crescimento económico na África Sub-sahariana situou-se nos 5,3 por cento, esperando crescer 5,6 por cento em 2013 e, 5 por cento em 2014 (Afdb, apud VOA, 2013a; World Bank, 2013a). Porém, é a região do Golfo da Guiné onde se regista maior crescimento entre as regiões de África, graças a produção de matérias-primas, nomeadamente o petróleo e o gás natural. Em 2012, os países exportadores de petróleo tiveram um crescimento de acima dos 6 por cento, com destaque Angola, Gana e a Nigéria (Afdb, 2013). Por exemplo, neste período o Produto Interno Bruto (PIB) de Angola teve um crescimento de 8,1 por cento, após ter estagnado entre 2009 e 2011, devido a queda dos preços de petróleo no mercado internacional e da sua produção petrolífera doméstica. A situação provocou a quebra das receitas do Estado angolano. Mas a subida dos preços de barril de petróleo verificado em 2012, assim como o aumento dos níveis de oferta petrolífera, permitiu a recuperação do crescimento do seu PIB, resultando de igual modo, num aumento das receitas fiscais do país. Isto possibilitou ao governo angolano saldar a sua dívida, aumentar a dispesa pública, e registar um excedente global do seu orçamento em cerca de 8,6 por cento do PIB (World Bank, 2013b). Na direcção de Angola, o impacto de petróleo também é verificado na Guiné Equatorial. Desde a descoberta do petróleo na década de 1990, este país converteu-se num dos maiores exportadores de hidrocarbonetos da região do Golfo Guiné e numa das economias que mais cresce no continente africano. Entre 1996 e 2008, o crescimento anual do seu PIB estimou-se em cerca de 27 por cento (World Bank, 2013d). Porém, com a queda dos preços do petróleo no mercado internacional entre 2008 e 2009 devido a crise económica e financeira global, o crescimento económico deste país do Golfo da Guiné sofreu um abrandamento, situando em 3,6 por cento no período entre 2009 e 2012. Este cenário demonstra a importância estratégica da indústria petrolífera para a sobrevivência económica de Angola como da Guiné Equatorial. A indústria petrolífera tem sido o vector de crescimento económico e o suporte das dispesas dos petro-estados da região. É o petróleo que tem sido o principal interesse estrangeiro na região e principal meio de participação dos Estados do Golfo da Guiné no comércio internacional, servindo-se também de instrumento vital para atracção dos investimentos e capitais públicos e privados na zona. O peso do sector petrolífero para os governos da região é evidenciado no quadro I. O sector representa mais de 60 por cento do PIB das economias locais e é responsável por 90 das exportações da região. A “prosperidade petrolífera”constitui um dos maiores desafios da região, pois a tendência tende
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a gerar novas dependências do sector, o que pode acarretar riscos enormes as economias dos países devido a volatilidade dos preços do petróleo no mercado internacional, e serem muito susceptíveis à especulação e questões geopolíticas. A diversificação das economias da região é um imperativo aos governos locais. Quadro I - Golfo da Guiné - dependência económica do sector petrolífero País
Produto Interno Bruto (PIB) (em %)
Exportação (em %)
Receitas governamentais (em %)
Angola
85%
95%
75%
Congo Brazzaville
63%
90%
80%
Gabão
50%
87%
70%
Guine Equatorial
_________
98%
90%
Nigéria ________ 90% 75% Fonte: World Bank, 2013c “Africa overview” / CIA, 2013 “The World Factbook”.
A adopção de Fundos Soberanos em alguns países da região como Angola6, com um montante avaliado em 5 mil milhões de dólares americanos, e a Nigéria7, com 1 mil milhão de dólares americanos, mas também de outras estratégias, é algo positivo. Por exemplo, o governo da Guiné Equatorial, no quadro da de redução da pobreza e diversificação económica, adoptou um plano nacional de desenvolvimento denominado “National Economic Development Plan: Horizon 2020”, dividido em duas etapas. A primeira, efectivado em 2012 visou o desenvolvimento do sector de infra-estruturas, enquanto a segunda dará ênfase a diversificação da economia, fundamentalmente nos sectores da agricultura, pescas, finanças e turismo (World Bank, 2013d). Com o referido plano, o governo da Guiné Equatorial pretende direccionar parte dos rendimentos petrolíferos para promoção do crescimento económico sustentável através da diversificação do sector produtivo do país. Isto demonstra o desejo do governo deste país em encontrar melhores soluções para a questão do desenvolvimento, mas também, para atingir os objectivos do Millenium traçado pelas Nações Unidas, cujo foco está na redução da pobreza e do analfabetismo, o que significa melhoria dos padrões de vida da populção e o acesso a um ensino de qualidade. É neste sentido, a adopção de regulamentos ou leis que promovem investimentos e a utilização dos fundos petrolíferos em sectores como agricultura, educação, saúde, infra-estruturas e obras públicas, indústria e turismo, para fomentar o crescimento e mudanças estruturais na sociedade, são fundamentais na estratégia de diversificação económica na região. 6 Fundo Soberano de Angola (FSDEA) foi estabelecido em 20 de Novembro de 2008. 7 Nigeria Sovereign Wealth Fund foi estabelecido em Maio de 2011
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O aumento da demanda global pelo petróleo da região e os preços altos desta commodity no mercado internacional abriram oportunidades económicas significativas tanto para os actores locais (governos dos países exportadores) como para os transnacionais (países importadores e empresas multinacionais), o que se estende as entidades privadas locais. Devido sua importância estratégica e ser por excelência uma indústria de riqueza, o sector petrolífero tem sido capaz de gerar enormes receitas financeiras aos governos do Golfo da Guiné através da venda directa do petróleo e do gás natural, bônus, impostos fiscais e créditos com garantias petrolíferas. Por exemplo, entre 2000 e 2008, o sector fez entrar nos cofres do Estado nigeriano perto de 223 mil milhões de dólares americanos em rendimentos (Clarke, 2010, p.86), e na Guiné Equatorial, mais de 8 mil milhões de dólares americanos em 2009, e mais de 17 mil milhões de dólares americanos (Usd) em 2012 (VOA , 2012; World Bank, 2013d). No período que se estende entre 2002 e 2019, as previsões apontam que os petro-estados da região terão em rendimentos petrolíferos mais de 350 mil milhões de dólares americanos (Mañel, 2005, p.15). Numa estratégia de “créditos pelo petróleo”8, os governos passaram a beneficiar de financiamentos ou empréstimos financeiros provenientes, principalmente das economias emergentes como a China e a Índia. Esta estratégia revelou ser eficaz para os credores, pois tem sido um mecanismo para assegurar acordos preferenciais de fornecimento e de penetração no mercado regional de energia. Para além dos tradicionais consumidores da região (EUA, UE e Japão), a China destaca-se entre os gigantes cuja estratégia de linhas de crédito permitiulhe deter vastos interesses e activos no sector energético regional, que se estende desde Angola a Nigéria. A partir de 2004, como contrapartida do financiamento chinês ao governo de Angola, avaliado em cerca de 2 mil milhões de dólares americanos, a empresa petrolífera estatal angolana, a Sonangol concedeu a chinesa Sinopec os direitos de exploração dos blocos 3 e 18. O valor viria servir para os esforços de reconstrução deste país após vinte e sete anos de conflito armado (Alves, 2009, p.171; SébilleLopez, 2007, pp.152-153). O petróleo viria a permitir a Angola receber um outro empréstimo do Brasil estimado em 580 milhões de dólares americanos, por meio do qual, se comprometera em fornecer ao Estado brasileiro cerca de 20 mil barris de petróleo diário (Frynas e Paulo, 2007, p.239). É ainda no quadro desta estratégia que, em 2006, em troca de quatro licenças petrolíferas o governo federal da Nigéria recebeu da China volta de 4 mil milhões de dólares americanos. Além dos ganhos económicos, a entrada de capitais financeiros com garantias petrolíferas, principalmente da China trouxeram benefícios políticos para os governos da região. Os créditos e financiamentos dos países emergentes têm contribuido para a redução gradual da dependência financeira dos governos 8 Empréstimos financeiros com garantias petrolíferas (em troca de direitos de exploração e produção ou de abastecimento petrolífero preferencial).
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da região em relação as instituições de Bretton Woods (Fundo Monetário Internacional-FMI e Banco Mundial) e aos países ocidentais. Como consequência, os países e instituições ocidentais viram limitados a sua capacidade de influência nos assuntos domésticos dos Estados da região, como por exemplo as questões de governação, transparência e reformas políticas e macroeconómicas, condicionantes para cedência de empréstimos ocidentais. A situação sem precendentes colocou os governos da região em posição favorável nas negociações bilaterais e multilaterais com os parceiros ocidentais. É neste sentido que se pode compreender a resistência do governo da Guiné Equatorial em ceder às pressões da comunidade internacional para implementar reformas políticas e económicas no país (Frynas e Paulo, 2007, pp.240-250), ou do governo do Chade que forçou em 2006 o Banco Mundial a renegociar as modalidades de gestão dos rendimentos petrolíferos, reduzindo a capacidade de intervenção no país desta instituição financeira internacional (Bathily, 2009, p.194). 1.4.2. Desafios sócio-económicos, políticos e securitários da região Desde os finais da década 1990 como descrito atrás, a região do Golfo da Guiné foi palco de mudanças significativas a nível económico e financeiro, como a nível da sua indústria petrolífera. Desde então, a região passou a experimentar níveis de crescimento económico na ordem dos 5 por cento, assim como um forte incremento da sua oferta de petróleo, um contexto favorável para muitos actores envolvidos no mercado energético regional. Apesar deste cenário promissor que conduziu a valorização geoeconómica e estratégica da zona, o Golfo da Guiné confronta-se com sérios desafios de ordem social, económica e de segurança. A pobreza, altos níveis de desemprego, exclusão social, baixos indicadores de desenvolvimento humano, e fundamentalmente a instibilidade política, são entre vários desafios da região que podem afectar a estabilidade da zona e, consequentemente ameaçar a cadeia de produção petrolífera. Os elevados índices de pobreza e de desemprego que ainda assolam a região revelam de um lado, as deficiências no sistema de distribuição e gestão dos rendimentos, de outro lado, as fragilidades institucionais e a ineficácia das políticas económicas e de desenvolvimento apliacadas em alguns petro-estados da região. As estimativas do Banco Mundial apontam para existência na África Subsahariana, incluindo o Golfo da Guiné, cerca de 48,5 por cento da população a viverem abaixo da linha da pobreza, isto é, menos de 1,25 dólares ao dia (World Bank, 2013a). As dificuldades com que muitos petro-estados da região se confrotam, sustentam as teses de “maldição dos recursos naturais” (resources curse)9. 9 A maldição dos recursos naturais utilizado para identificar cenários em que estes jogam um papel na origem e continuidade dos conflitos (instabilidade). Factores de tensão e empobrecimento dos Estados detentores do que de promoção do progresso sócio-económico e bem-estar das
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Quadro II - Indicadores sócio-económicos dos países da região País
Dívida Externa (mil milhões de USD)
Taxa de Desemprego (em %)
Produto Interno Bruto (PIB) (mil milhões de USD)
População (milhões de habitantes)
Esperança de vida
População abaixo de 1, 25 USD dia (em %)
Angola
21,78 (2012)
_______
114,2 (2012)
2 0 , 8 (est.2012)
51 anos (2011)
40,5% (2006)
Chade
1,793
_______
_______
11,5
50 anos
49,9% (2012)
Congo Brazzaville
_____
53% (2012)
13,68
4 , 3 3 7 (est.2012)
58 anos (2011)
46,5% (2011)
Gabão
3,196
21% (2006)
18,66 (2012)
1 , 6 3 3 (est.2012)
63 anos
32,7% (2005)
Guine Equatorial
1,852
_______
17,69 (2012)
0 , 7 3 6 (est.2012)
______
_______
Nigéria
13,12 (2012)
23,9%
262,602 (2012)
168,833 (est.2012)
______
70% (2010)
Fonte: World Bank, 2013 “Africa” / CIA, 2013 “The World Factbook”.
A nível de segurança os desafios são ainda mais complexos. O fenómeno crescente da pirataria marítima e da radicalização de grupos islâmicos na região, nomeadamente na Nigéria, constituem grandes riscos a estabilidade, numa zona onde os governos estão na sua maioria desprovidos de meios, políticas e estratégicas efectivas de combate. Em 2012, as estatísticas apontavam para ocorrência nas costas marítimas do Golfo da Guiné cerca de dez sequestros e cinquenta e oito actos de pirataria, incluindo o ataque directo a oito petroleiros (VOA, 2013b). A frequência destas acções e os meios e técnicas utilizados pelos piratas na região fez aumentar o sentimento de insegurança regional. A situação esteve no topo da agenda da VII Sessão ordinária do Conselho de Ministros, e da Cimeira dos chefes de Estados da Comissão do Golfo da Guiné decorrido em São Tomé e Príncipe e em Yaoundé, Camarões em Maio de 2013, e 24 a 25 de Junho de 2013, respectivamente (TPA, 2013). Devido a importância estratégica da região no contexto de segurança internacional e, fundamentalmente no quadro energético mundial, a questão tem merecido atenção a nível do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU). Em consequência do ataque pirata contra um petroleiro em 24 de Julho de 2011 junto à costa do Benin, o presidente deste país africano, Boni Yayi pediu as Nações Unidas para avaliar a ameaça da pirataria na região. Nesta altura, a ONU fez deslocar para a região um conjunto de perítos para avaliar a situação populações. A situação é muitas vezes conotada aos países ricos em recursos naturais, mas que se confrontam com sérios problemas sociais (pobreza extrema, atraso económico, baixos indicadores de desenvolvimento humano e elevados índices de exclusão social).
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e, em coordenação com os governos locais identificar mecanismos de contrapor a situação. Após avaliação, chegou-se a conclusão de que o fenómeno tornouse mais sistemático devido aos meios e técnicas sofisticados utilizados pelos piratas, que se assemelha aos adoptados naa costa da Somália (UN News Centre Service, 2012). É neste contexto que, o ex-comandante do Comando Militar dos Estados Unidos para África (AFRICOM), o general Carter Ham afirmou haver necessidade de maior cooperação regional para se fazer face aos crescentes desafios da região (Ham, apud VOA, 2013b). Para além do fenómeno pirataria, a expansão de grupos radicais como por exemplo, Boko Haram e o Movement for Emancipation of Niger Delta (MEND) na Nigéria, é uma ameaça a estabilidade do Golfo da Guiné. Os ataques sucessivos no Delta do Níger, a principal zona produtora de hidrocarbonetos da Nigéria (o maior exportador da região), tem resultado no aumento dos preços de petróleo no mercado internacional. As persistentes disputas sobre fronteiras marítimas em zonas de exploração petrolífera na região, é outra questão que preocupa os governos locais e seus parceiros. A situação envolve na sua generalidade os petro-estados da zona, nomeadamente, Angola, República Democrática do Congo (RDC), Gabão, Guiné Equatorial, Nigéria e Camarões10, todos reclamando entre si a tutela e soberania sobre territórios disputados. A ausência de delimitação efectiva das fronteiras torna a questão muito complexa na sua resolução. O diferendo territorial de 1994 entre a Nigéria e os Camarões sobre a ilha de Bakassi, rica em petróeo, cuja deliberação de 2002 do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) devolveu a jurisdição e soberania da ilha ao governo dos Camarões, foi recebida com desagrado pelo governo da Nigéria. A situação tem sido o ponto de discórdia nas relações entre ambos países. A dimensão e as consequências políticas das disputas foi verificada entre Angola e a RDC, quando em Junho de 2003 a RDC passou a contestar oficialmente à sua Zona Económica Exclusiva (ZEE)11 junto a bacia do rio Congo onde se concentra maior parte da produção petrolífera de Angola em offshore (blocos 0, 15 e 14) (veja-se ilustração II). Contudo, nesta altura, as pretensões congolesas foram condicionadas pelo apoio diplomático e militar angolano ao governo de Laurent Désiré Kabila, e do seu sucessor Joseph Kabila durante a guerra civil de 2003 (Crisis Group, 2012, pp.2-3). Numa tentativa de saída diplomática do diferendo, ambos países criaram em 2007 uma comissão conjunta para traçar mecanismos de partilha das receitas provenientes da produção petrolífera das zonas contestadas, mas que não teve resultados práticos. Diante do impasse, e como meio de pressão, o governo 10 Angola e RDC sobre a Bacia do rio Congo; Gabão e Guiné Equatorial sobre a região de Corisco Bay; e Nigéria e Camarões sobre Bakassi. 11 Está confinada devido às fronteiras territoriais angolanas, como se pode observar no mapa citado. Esta situação limita a expansão da indústria petrolífera congolesa, e consequente aumento dos níveis da sua produção petrolífera que oscila entre 27 mil e 28 mil barris diários, ao contrário a de Angola que os blocos situados nas zonas contestadas, isto é, blocos 14 e 15, produzem aproximadamente 220 mil barris dia e 460 mil barris dia, respectivamente.
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congolês ameaçou submeter o diferendo à arbitragem internacional, o que acabou por acontecer em 2009, quando Kinshasa o submeteu a Organização das Nações Unidas (ONU). O avanço congolês desagradou o governo de Luanda que recusou-se em aceitar qualquer iniciativa unilateral de Kinshasa em delimitar as fronteiras marítimas contestadas. É nesta altura que se verifica o agravar da tensão nas relações entre ambos países, quando decidiram expulsar dos seus territórios cidadãos de ambos países, tendo Angola expulsado cerca de trinta e dois mil congoleses, e a RDC, dezoito mil angolanos (Crisis Group, 2012, p.4). As acções de ambos lados foram interpretadas por círculos locais e internacionais, como sendo medidas de retaliação devido ao diferendo petrolífero que os opõe, o que foi denunciado e condenado pelas Nações Unidas. O valor acrescido atribuido ao petróleo da região anima o jogo político entre os petro-estados. Para o Estado angolano, uma divisão equitativa das zonas disputadas não servirá para os anseios de aumentar a sua oferta de hidrocarbonetos. Isto implicaria a redução dos níveis de produção, com implicações na manutenção do estatuto energético do país na África Subsahariana, e nos objectivos económicos e políticos do Estado. Enquanto do lado congolês, a situação traria grandes oportunidades económicas para o Estado, podendo desta forma restaurar a indústria petrolífera do país que se encontra em declínio devido a maturidade das suas jazidas de petróleo, o que provocou a queda substancial da sua produção doméstica. O anúncio em Janeiro de 2011 do adiamento para 2014 da arbitragem internacional (Craddock, 2011), deixa incertezas quanto ao desfecho do diferendo, mas também deixa condicionado o desenvolvimento e a implementação de novos projectos petrolíferos nas zonas contestadas.
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Ilustração II – Diferendo marítimo entre Angola e a RDC na bacia do rio Congo
Fonte: Crisis Group, 2012
Conclusão No contexto internacional de crescente consumo e procura de hidrocarbonetos, o Golfo da Guiné é um actor indispensável para o equilíbrio do mercado mundial de energia. A sua importância estratégica assenta principalmente no papel que a sua indústria petrolífera passou a desempenhar na cobertura das necessidades energéticas das principais economias e potências mundiais, nomeadamente os Estados Unidos da América, a China e os países da União Europeia, que detêm vastos interesses petrolíferos na região através dos investimentos das suas empresas petrolíferas nacionais. Pode-se afirmar que o petróleo é o principal interesse destes países no Golfo da Guiné e esteve na base do reposicionamento dos Estados da região no sistema político e económico mundial, pois foram as preocupações energéticas dos principais consumidores e potências mundiais que jogaram um papel crucial no aumento da procura petrolífera e, consequentemente, o acréscimo nas receitas dos petro-estados e dos investimentos internacionais na região. Para os governos do Golfo da Guiné, a indústria petrolífera passou a representar um meio indispensável para a sobrevivência económica e
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materialização dos desígnios da política externa dos respectivos Estados. Os desejos de maximizar a oferta petrolífera para responder a demanda e consequente entrada de mais receitas tem estado na base de novas disputas territoriais. A ausência de acordos de partilha e de delimitação efectiva das fronteiras marítimas entre os Estados pode dar origem a cenários de competição e militarização das questões energéticas como sucede nas regiões contestadas (Heglic) entre o Sudão e o Sudão do Sul. A fiabilidade da região como fornecedora mundial de hidrocarbonetos dependerá da resolução pacífica dos diferendos sobre zonas marítimas ainda pendentes, e da implementação de estratégias e políticas efectivas. Neste sentido, os desafios que assolam a região não podem ser tratados de forma unilateral e restrita a nível doméstico dos Estados. Requerem um diálogo permanente fundamentado na promoção de investimentos sustentáveis e transparentes, na boa governação, na cooperação, e na prevenção e resolução de conflitos na região, onde a Comissão do Golfo da Guiné é chamada a desempenhar um papel mais activo na mediação e coordenação de políticas que visam buscar soluções para problemas de interesse comum, envolvendo actores quer governamentais e não-governamentais, quer a sociedade civil local, como o resto da comunidade internacional. A adopção de uma política regional de segurança, de gestão racional e partilha de recursos naturais da região traria benefícios para todos intervenientes na zona. Referências bibliográficas AFDB - African Bank of Development (2013) – Annual report 2012.Tunis: African Development Bank (Afdb) [online], May 2013. Disponível em WWW: <URL: http://www.afdb.org> ALVES, Ana Cristina (2009) – “Angola´s resources: from conflict to development”. In BERI; Ruchita, SINHA, Uttam Kumar - Africa and energy security: global issues, local responses. New Delhi: Academic Foundation-IDSA. ANDREWS-SPEED, Philip; et al (2002) – “The strategic implications of China´s energy needs”. [S.l.]: The International Institute for Strategic Studies. (IISS, Adelphi paper 346). BARROS, Manuel Agostinho (2012) – “O papel da África para a segurança energética global: o caso do Golfo da Guiné”.Tese de Mestrado. Lisboa: Universidade Lusíada de Lisboa. BATHILY, Karim (2009) – “Oil factor in African conflicts: the case of Chad”. In BERI, Ruchita; SINHA, Uttam Kumar - Africa and energy security-global issues, local responses. New Delhi: Academic Foundation-IDSA. BP – British Petroleum (2013) - BP Statistical review of world energy June 2013. London: British Petroleum [online]. Disponível em WWW: <URL:http:// www.bp.com/statisticalreview>.
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Coreia do Norte: uma ameaça real?
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Ricardo Cabral Fernandes rcabralfernandes@gmail.com
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Resumo: Neste artigo abordar-se-á o caso da proliferação nuclear pela República Democrática Popular da Coreia (RDPC), nomeadamente os riscos inerentes, e a forma como foi, e é, utilizada pelo regime, em prol da sua sobrevivência e do retirar dividendos às grandes potências. Terminará com a demonstração de como a última crise na Península da Coreia foi utilizada para tal. Demonstrar-se-á ao longo do artigo que independentemente dos interesses dos vários actores regionais e, por vezes das suas declarações, todos têm em comum a preferência pela estabilidade e manutenção do regime de Kim Jong-Un face a qualquer tipo de acção militar ou desintegração do mesmo. Palavras-chave: Proliferação / Nuclear / Legitimidade / Dilema de segurança / Realismo / Terrorismo / Sucessão. Abstract: In this article we will discuss the nuclear proliferation issue in the Democratic People’s Republic of Korea (DPRK), specifically its inherent risks and the way in which it was, and still is, being used by the regime in favor of its own survival and unwillingness to pay its dues to the great powers. It will conclude with the demonstration of the aforementioned effects of this last crisis in the Korean Peninsula. Throughout the article, it will be shown that, regardless of the interests of several regional players, and their statements at times, everyone shares the same commitment to stability and the prolonging of Kim Jong-Un’s regime instead of any kind of military action or its own collapse. Key-words: Proliferation / Nuclear / Legitimacy / Security dilema / Realism / Terrorism / Succession.
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A Ásia-Pacífico tornou-se, oficialmente, com as palavras de Hillary Clinton, Secretária de Estado de Barack Obama no primeiro mandato, no seu artigo America’s Pacific Century publicado na Foreign Affairs, o principal palco da geopolítica mundial na perspectiva norte-americana, em detrimento da Europa. A última crise na Península da Coreia veio demonstrá-lo mais uma vez. O estatuto do Médio Oriente como região fulcral na política externa norte-americana, que marcou as duas administrações Bush (filho), deslocou-se gradualmente, a partir de 2007, para a Ásia-Pacífico como se observa com o crescente aumento do dispositivo naval norte-americano, o maior desde a II Guerra mundial. Esta mudança na política externa norte-americana tem como intuito controlar e moldar a ascensão da China. Dito isto, com a crescente importância da Ásia-Pacífico nas relações internacionais a nuclearização da Península da Coreia torna-se, por inerência, ainda mais importante. Nos últimos anos tem-se assistido na região a uma “corrida aos armamentos”, de tal forma que é onde se concentram os maiores produtores/compradores de armamento bem como os principais problemas de proliferação de Armas de Destruição Maciça (ADMs) para a comunidade internacional. É uma região de possível conflito onde se disputará, inicialmente, a hegemonia norte-americana. 1. Antecedentes A Península da Coreia fez parte do Império Nipónico a partir de 1910. Em 1945 com o fim da 2ª Guerra Mundial e a vitória dos Aliados, o Japão perdeu todas as suas colónias. Ficou aberto o caminho para a independência. O Exército Vermelho abriu caminho, pela Coreia, até ao paralelo 38, onde encontrou forças americanas que tinham desembarcado pouco tempo antes, com o intuito de prepararem uma futura invasão às principais ilhas japonesas. Não foi feito qualquer acordo sobre quem governaria a Coreia. No entanto, as tropas americanas e soviéticas retiraram-se da península em 1948 e 1949, respectivamente. Criaram-se dois Estados coreanos soberanos, separados pelo paralelo 38, que reivindicavam ser o legítimo governo da Coreia: no sul a República da Coreia, conhecida por Coreia do Sul, apoiada pelos EUA; no norte a República Democrática Popular da Coreia (RDPC), geralmente apelidada de
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Coreia do Norte (CN), por sua vez apoiada pela União Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). A Península Coreana tornou-se parte do sistema bipolar da Guerra Fria (1947-91) entre os EUA e a URSS. Em 1950 deu-se a invasão do sul pela Coreia do Norte (CN). Foi um flagrante delito contra todas as disposições da Organização das Nações Unidas (ONU) desafiando assim toda a estrutura de segurança colectiva do pósguerra. Não podia permanecer impune. Os Estados Unidos da América (EUA) acorreram em defesa da Coreia do Sul mas apenas sob autoridade da ONU, o que conseguiram por duas razões: primeiro, estava um exército americano situado na região, nomeadamente no Japão ocupado; segundo, a URSS tinha abandonado temporariamente o Conselho de Segurança (CS) da ONU em protesto contra a recusa da organização aceitar os comunistas chineses como tendo direito a representar a China no CS1. Os norte-coreanos contaram com apoio chinês e soviético durante a guerra. Esta terminou em 1953, com a assinatura de um armistício, sem que nenhum dos lados obtivesse uma clara vitória. Permanecem teoricamente em guerra desde há 63 anos. A guerra devastou a península e causou quase 40 mil mortos americanos; 600 mil mortos chineses e dois milhões de mortos coreanos, civis e militares. Após a Guerra da Coreia, os norte-coreanos viram-se confrontados com a concentração de um corpo expedicionário americano equipado com armas atómicas na Coreia do Sul - que só será retirado em 1992, por ordem do Presidente Bush (pai). Sentiram-se ameaçados e, portanto, decidiram-se pela aventura atómica em 1956, em nome da legítima defesa. Assinaram então dois acordos de assistência científica com a URSS em 1956 e 1959. Os soviéticos preferiram suportar os custos da ajuda económica e militar a Pyongyang do que permitirem um declínio económico-militar norte-coreano face à Coreia do Sul, que poderia ter como consequência futura uma invasão por Seul e Washington. Em contrapartida, os norte-coreanos foram obrigados a submeterem-se aos desejos soviéticos relativos ao seu programa nuclear, ou seja, foram obrigados a congelá-lo indefinidamente (Magalhães, 2013). Pyongyang desde a sua fundação, que mantinha grande proximidade com a República Popular da China (RPC), e em 1961 foi formalizada uma aliança de facto, através do Tratado de Amizade, Cooperação e Assistência Mútua, que previa o auxílio mútuo entre os dois países. Na década de 80, a URSS predispôs-se a auxiliar a Coreia do Norte na construção de uma central nuclear de 1760 megawatts eléctricos, capaz de produzir energia eléctrica, como contrapartida para os norte-coreanos abandonarem o desejo de reiniciar o seu programa nuclear - tal como os EUA 1 O responsável pela política externa soviética, Andrei Gromyko, desejava que a URSS voltasse a ocupar o seu lugar, e consequente poder de veto, no Conselho de Segurança das Nações Unidas para poder evitar a participação da Organização na Coreia sob liderança norte-americana. Mas Estaline não o permitiu com o intuito dessa mesma intervenção vir a enfraquecer a posição dos EUA no mundo (Gaspar, 2013).
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fizeram com a Coreia do Sul na década de 70. Mas com a aproximação da URSS, em paralelo com a China, à Coreia do Sul e, por fim, da incapacidade do Kremlin manter a sua posição no sistema internacional bipolar com a queda do Muro de Berlim em 1989, Pyongyang ficou receosa quanto ao desejo e capacidade de Moscovo garantir a sua defesa (Magalhães, 2006). Mas em 1991, com a implosão da URSS e a perda de um aliado fundamental que lhe fornecia um “chapéu nuclear”, Pyongyang viu-se perante a escolha de dois caminhos distintos: promover a abertura económica ou permanecer fechada como forma de preservar o seu regime político, entenda-se, através do desenvolvimento de armamento nuclear (Magalhães, 2006). Com a vitória do bloco ocidental perante o comunista a comunidade internacional esperava o colapso do país e a consequente reunificação da Península da Coreia. O regime norte-coreano desejava sobreviver a todo o custo e temia que as potências estrangeiras, nomeadamente os EUA, invadissem ou apoiassem uma revolta contra si. Para o evitar decidiram-se pelo caminho nuclear. Construíram-se três reactores de 650 megawatts e um reactor de investigação. Como pode um país, tão pobre e isolado na comunidade internacional, prosseguir com um programa nuclear, quando países desenvolvidos não o fazem? Os norte-coreanos possuem forças armadas na ordem de 1 milhão de homens (30 divisões activas e 60 na reserva), 3 mil carros de combate, 8 mil peças de artilharia, 500 aviões de combate, 20 submarinos e 300 navios de guerra. No entanto, as capacidades operacionais das forças convencionais norte-coreanas têm-se vindo a debilitar gradualmente, ao contrário das forças sul-coreanas e norte-americanas que se têm vindo a modernizar (Gompert, 2013). Para ter todas estas forças, o regime totalitário da Coreia do Norte criou condições de miséria para o seu povo, que no passado fizeram entre 600 mil e um milhão de mortes (Magalhães, 2013). O seu PIB ronda apenas os 28 biliões de dólares americanos. O PIB per capita é de 1800 dólares americanos com uma população de 24,5 milhões2. O objectivo era ter a bomba, independentemente de como o alcançar. No entanto, tornou-se insustentável para o regime manter estas forças armadas. A bomba atómica reduz custos e consegue os mesmos resultados: a inviolabilidade do território nacional. Era a solução óbvia. Em 1994, Kim Jong-Il foi abordado por Abdul Qadeer Khan, pai da bomba atómica paquistanesa, para investir numa técnica de desenvolvimento nuclear mais barata: o enriquecimento de urânio em centrifugadoras. O ditador aceitou. A Coreia do Norte assinou inúmeros acordos sobre a desnuclearização, que foram: Adesão ao Tratado de Não-Proliferação a 12 de Dezembro de 1985. Acordo de Desnuclearização da Península Coreana de Dezembro de 1991 entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul. 2 Estimativa de 2012 para a população e de 2011 para o PIB e PIB per capita. Central Intelligence Agency, “North Corea”, The World Factb//www.cia.gov/library/publications/the-worldfactbook/geos/kn.html.
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Acordo de Salvaguarda entre a Coreia do Norte e a AIEA, em Abril de 1992, como exigia o TNP, que obrigava a CN a declarar todos os aspectos do seu programa nuclear à AIEA e a permitir à agência, a fiscalização das suas instalações nucleares (Lemos, 2006). Agreed Framework de Outubro de 1994, entre a CN e os EUA. Os EUA comprometiam-se a providenciar à CN um pacote com benefícios nucleares, energéticos, económicos e diplomáticos, e em troca a CN não desenvolvia o seu programa nuclear (Lemos, 2006). Six Party Talks compostas por quase 5 rondas. Seis Estados: China, Japão, Coreia do Sul, Coreia do Norte e EUA. 1ª Ronda em Agosto de 2003, em Pequim. Não produziu resultados concretos além de todos os seis Estados confirmarem a sua vontade em continuar com as negociações diplomáticas, num futuro próximo. 2ª Ronda em Fevereiro de 2004, em Pequim. Os EUA consideraram os resultados desta ronda como positivos. Foi anunciada a intenção de prosseguir com uma terceira ronda e de se criar um Grupo de Trabalho que mantivesse contactos entre as rondas negociais. 3ª Ronda em Junho de 2004, em Pequim. Os governos de Washington e de Pyongyang encetaram negociações directas sobre as sanções económicas norte-americanas e sobre a inclusão da Coreia do Norte na lista de países apoiantes do terrorismo. As restantes partes manifestaram vontade em fornecer assistência humanitária à Coreia do Norte, se esta desmantelasse os seus programas nucleares. Apesar de terem manifestado interesse numa 4ª ronda negocial, os norte-coreanos fizeram declarações provocatórias que puseram em risco as negociações. 4ª Ronda de Julho a Setembro de 2005. Desta ronda resultou a Declaração Conjunta de 19 de Setembro de 2005, que reafirmava o objectivo da desnuclearização completa, pacífica e verificável da Coreia do Norte. Esta comprometia-se, pela primeira vez, a renunciar às armas nucleares e aos seus programas nucleares em desenvolvimento, assim como a regressar brevemente ao TNP e ao acordo de salvaguarda da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA). 5ª Ronda que deveria ter ocorrido a Novembro de 2005 em Pequim serviria para se discutirem as questões chave da Declaração, além de aspectos concretos da cooperação económica e de assistência energética à CN. A CN boicotou as negociações após 25 meses de sérias negociações com avanços e recuos (Lemos, 2006). Em 2001 com a invasão do Afeganistão, após o 11 de Setembro, e a invasão do Iraque em 2003, Kim Jong-Il percebe que os EUA são incapazes de “correr atrás de duas lebres ao mesmo tempo”. Ou seja, não conseguem, em simultâneo, travar dois confrontos no Médio Oriente e um terceiro na Ásia. Portanto, tinha
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o caminho livre para perseguir o objectivo de tornar o seu país numa potência nuclear. Sabendo disto, Pyongyang anunciou em Janeiro de 2003 a saída do Tratado de Não-Proliferação. A 9 de Outubro de 2006 a CN confirmou, perante o mundo, possuir armas nucleares ao realizar o seu primeiro teste nuclear e após ter realizado no mês de Julho do mesmo ano, um suposto lançamento de vários mísseis, inclusive de um míssil de longo alcance, o Taepong-2 (Magalhães, 2013). O Conselho de Segurança responde com a Resolução 1718, que aprova e exige, respectivamente, um conjunto de sanções e a eliminação de todas as suas armas de destruição maciça e mísseis balísticos a Pyongyang. Desde essa época que ocorreram inúmeras crises entre a Coreia do Norte e a comunidade internacional. Abordemos as dos anos mais recentes. Entre 2009 e 2010 tiveram lugar várias crises: Primeiro - Em Abril de 2009, Pyongyang lançou um suposto satélite, o Kwangmyeongseong-2, com o disparo do míssil Unha-2, além de ter declarado que não regressaria às Six Party Talks. As suas acções foram condenadas pelo CS (Magalhães, 2013).
Fontes: Federation of American Scientists. Global Security for Nonproliferation Studies.3
Segundo - A 25 de Maio de 2009 o regime de Kim Jong-Il efectuou um segundo teste nuclear, sendo condenado pelo CS através da Resolução 1874 de Junho de 2009. Foram endurecidas as sanções contra o infractor. Terceiro - Em Março de 2010 deu-se um incidente com o alegado afundamento da corveta sul-coreana Cheonan por Pyongyang causando a morte a 46 marinheiros sul coreanos. 3 Disponível em http://www.blogcariri.com/2013/04/afinal-qual-e-o-real-poder-de-alcance.html
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Quarto - Em Novembro do mesmo ano, o Norte bombardeou território sul coreano, especificamente Yeonpyeong, causando a morte a dois militares e dois civis, além de ter anunciado a existência de instalações de enriquecimento de urânio. Quinto - Em Dezembro seguinte a Coreia do Sul respondeu com exercícios militares considerados provocatórios pela CN (Magalhães, 2011), que causaram um elevado grau de instabilidade na península. As crises têm a característica de serem cíclicas, consoante a necessidade, interna ou internacional, do regime totalitário. Pressupõe-se também que as crises acima referidas, além de se inserirem na estratégia norte-coreana dos últimos 20 anos para obterem concessões das maiores potências, tiveram como finalidade promover e preparar Kim Jong-Un, para futuro líder da Coreia do Norte. 2. A proliferação nuclear No início do século XXI existiam quatro perigos à segurança nuclear: Líbia, Iraque, Irão e a Republica Popular da Coreia. Todos considerados “rogue states”, designação criada por Bill Clinton para Estados que reprimem o seu povo, que ameaçam vizinhos, que violam tratados internacionais e rejeitam e/ou combatem os valores das democracias ocidentais (Reis Rodrigues, 2007). A Líbia de Gaddafi desapareceu em consequência das Primaveras Árabes e consequente intervenção da NATO. Saddam foi deposto em 2003, com a invasão norte-americana e as suas “coligações da vontade”. Provavelmente estariam vivos se possuíssem armas nucleares. Nos dias de hoje apenas restam o Irão e a Coreia do Norte, como Estados de alto risco para a paz e segurança internacionais. O desrespeito das regras internacionais do regime de não-proliferação, por parte destes países, é constante. Faz a regra, não a excepção. Perante os receios da proliferação nuclear se conciliar com os considerados “rogue states”, foi elaborada uma Estratégia Nacional para o Combate às Armas de Destruição Maciça pelos EUA em 2002, que veio a ser considerada “a” estratégia para combater a proliferação nuclear. Esta estratégia possui três pilares: 1) A Não-Proliferação -» baseia-se na prevenção, utilizando a diplomacia, acordos internacionais, controlo de armamentos e de exportações de tecnologia e materiais sensíveis, etc; 2) A Contra-Proliferação -» tem como finalidade conter e deter a proliferação para regimes instáveis e organizações terroristas; 3) A Gestão das Consequências -» gestão da crise após o uso de armas de destruição maciça (Reis Rodrigues, 2007). Com a proliferação de armas nucleares, os equilíbrios regionais e o respeito em vigor entre os Estados, considerados potências nucleares, estarão em causa
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se o Irão e a Coreia do Norte continuarem a desenvolver, com sucesso, os seus programas nucleares. A nuclearização de tais potências, consideradas como ameaças internacionais, poderá provocar uma corrida armamentista nuclear nas respectivas regiões e por consequência criar uma desestabilização do Sistema Internacional. Os Estados Unidos, enquanto potência hegemónica, têm um papel muito importante, além de capacidades, para garantir a segurança, estabilidade e paz no Sistema Internacional. No entanto, as guerras no Afeganistão e Iraque e a crise económico-financeira de 2008 desgastaram a potência hegemónica, ao ponto desta ter de proceder a cortes no seu orçamento de defesa, em cerca de 43%. Quanto à posição da proliferação de armas nucleares existem duas perspectivas: A perspectiva optimista -» acredita que a proliferação pode ser benéfica pois os Estados estarão num nível idêntico quanto às capacidades militares, assegurando a Destruição Mútua Assegurada, logo evita-se a guerra. O Sistema Internacional torna-se, assim mais estável. A perspectiva pessimista -» acredita que a proliferação é negativa, por poder causar uma guerra nuclear, regional ou mundial, despoletada por um Estado possuidor destas referidas armas nucleares, nomeadamente Estados párias, como o Irão e a Coreia do Norte, ou proliferadas para grupos terroristas (Lemos, 2006). Esta perspectiva considera que a dissuasão não será suficiente, pois não seria nem mútua, nem estável como a que existiu durante a Guerra Fria, entre os EUA e a URSS. Os Estados dependem apenas de si próprios para sobreviverem, ponderando as suas acções de forma racional calculando o ratio custos-benefícios, na prossecução dos seus interesses nacionais. Logicamente, a melhor forma de assegurarem a sua sobrevivência é através da obtenção de armas nucleares, além da posse das mesmas dar um peso geopolítico completamente diferente, caso não as possuíssem, ou seja, o seu peso na cena internacional é desproporcional quanto à sua verdadeira dimensão, como é o caso da Coreia do Norte. Com a retaliação nuclear evita-se um possível ataque convencional. É o chamado “finite deterrence”, que se baseia nos danos que uma pequena potência pode causar a uma grande, ao atacar uma cidade ou centro vital, tornando desfavorável a racionalidade custosbenefícios de um ataque, pela grande potência (Reis Rodrigues, 2007). Segundo o Tratado de Não-Proliferação (TNP) apenas cinco Estados são reconhecidos enquanto potências nucleares (EUA, China, Rússia, França e Grã-Bretanha), havendo outros três possuidores de armamento nuclear (Israel, Índia e Paquistão) e ainda dois suspeitos de possuírem programas de desenvolvimento (Irão e Coreia do Norte). A proliferação nuclear gira em torno dos Estados suspeitos. Existem várias questões que necessitam de resposta, tais como: serão os Estados racionais ou
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estarão limitados por interesses militares ou religiosos? ; a situação económicofinanceira é favorável? ; a segurança dos dispositivos é satisfatória? ; haverá possibilidade de instabilidade política, social e económica? ; entre outras. Os Estados proliferadores podem dividir-se em duas categorias: visíveis e obscuros (Lemos, 2006). Os Estados visíveis caracterizam-se pela assinatura do TNP, os cinco grandes, e pela realização de testes nucleares, Índia e Paquistão. Os Estados obscuros caracterizam-se por desenvolverem programas nucleares sem respeitar o regime internacional da não proliferação, latente no TNP e na AIEA. Estados como a Coreia do Norte e Irão, actualmente. Com o intuito de evitar possíveis ataques preventivos e preemptivos, os Estados obscuros aplicam medidas para que os restantes Estados não detectem os seus programas nucleares e, portanto, apressam ao máximo a obtenção dessas armas. O objectivo é, antes de mais, salvaguardar a sobrevivência e manutenção do próprio regime (Lemos, 2006). No caso norte-coreano, é conhecido o uso de túneis para esconder armas não convencionais e os seus programas nuclear e de mísseis. É muito importante estar-se vigilante quanto ao programa de mísseis, pois são estes preferivelmente os transportadores das ogivas nucleares até ao alvo. Normalmente optam pelos sistemas de mísseis mais rudimentares, em vez dos tecnologicamente mais avançados, por causa da facilidade dos desenvolver, do atraso tecnológico e dos custos. Existe assim o risco de disparos acidentais ou inadvertidos (Lemos, 2006). A nuclearização da Coreia do Norte encerra dois perigos distintos: um a nível estatal e outro a nível subestatal. O primeiro baseia-se no aumento da insegurança na região devido ao dilema da segurança e à inerente nuclearização dos países por si ameaçados, como Coreia do Sul, Japão e Taiwan, podendo resultar em conflitos convencionais e/ou nucleares. Já o nível subestatal decorre dos problemas económico-financeiros de que a Coreia do Norte sofre, e que ao ter acesso a tecnologia nuclear, as suas elites podem sentir-se tentadas a proliferá-la tanto a Estados como a organizações terroristas com o objectivo de obter recompensas financeiras. Caso o regime venha a implodir no futuro, o risco de proliferação nuclear ainda é maior. A comunidade internacional vê-se assim obrigada a trabalhar em prol da manutenção do regime norte-coreano (Rato e Pires de Lima,2008). Quando as instalações nucleares norte-coreanas foram inspeccionadas, ficaram conhecidas as inseguranças quanto aos riscos de contaminação ambiental e a grave exposição dos trabalhadores à radiação. Dito isto, a par dos riscos militares também existem riscos ambientais e humanitários. 2.1. Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP) O Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, que entrou em vigor em 1970, é considerado o epicentro do regime internacional de não-proliferação. É importante abordar como se chegou a este tratado e quais as suas.
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Duas iniciativas foram precursoras do TNP: o Plano Baruch e o Programa Átomos para a Paz. O Plano Baruch surgiu nos finais da década de 40 quando os EUA se aperceberam o quanto a proliferação nuclear poria, no futuro a sua própria segurança em risco quando se elaboraram três estudos. Estes concordavam essencialmente em dois pontos: a) as armas nucleares dariam sempre vantagem ao agressor e b) não existia nenhuma defesa adequada face a esse armamento. O Plano sugeria a criação de uma entidade internacional capaz de controlar a energia atómica, ou seja, uma autoridade com competências de administração de todos os meios de produção de energia atómica. Esta autoridade seria a Internacional Atomic Development Authority (IADA). Como já se pôde perceber, o objectivo básico consistia em impedir que outros países viessem a ter acesso a materiais ou equipamentos com que pudessem construir armas nucleares, e caso o conseguissem então ficariam sob administração da autoridade internacional. Manter-se ia a supremacia nuclear norte-americana, evitando-se uma corrida armamentista. Os EUA desejavam também que às competências atrás referidas se acrescentasse a competência para impor sanções aos países que desrespeitassem o acordado, mas tal iria anular o poder soberano do recém-criado Conselho de Segurança da ONU e o direito de veto dos cinco membros permanentes. A URSS sabia ser-lhe impossível abdicar do seu direito de veto e da obtenção de armas nucleares, mesmo que minimamente limitada perante uma autoridade internacional, que provavelmente agiria conforme os interesses norte-americanos. O Plano Baruch foi rejeitado por Moscovo em 1946, e em 1949 tornou-se numa potência nuclear. A segunda iniciativa precursora do TNP foi o Programa Átomos para a Paz. Com o falhanço do Plano Baruch iniciou-se a corrida armamentista entre os EUA e a URSS. Os EUA chegaram, em 1952, à conclusão que a URSS teria nos próximos anos capacidade nuclear suficiente para levar a cabo um ataque nuclear capaz de destruir toda a capacidade industrial americana. Continuava a dar-se importância aos conceitos industriais que tinham marcado a II Guerra Mundial. O Presidente Eisenhower (1953-61) propôs então que as duas superpotências cedessem uma determinada quantidade de material nuclear para fins pacíficos que, por sua vez, ficariam à responsabilidade de uma agência internacional, a Internacional Atomic Energy Agency (AIEA) - criada depois em 1957 à margem desta iniciativa. Ora, com esta proposta os norte-americanos desejavam condicionar o aumento do arsenal nuclear soviético ao limitarem o seu stock de material nuclear que, por sua vez, impediria a posse de um suficiente número de armas nucleares, capazes de realizar um ataque surpresa devastador. As duas superpotências continuavam a possuir suficientes armas nucleares para garantirem capacidade de retaliação, ou seja, manteve-se a dissuasão nuclear. Assim, a proposta norteamericana veio a ser rejeitada pela URSS, Índia e França. Curiosamente, todos os países que na época ainda estavam ainda no início dos seus programas nucleares. Quanto à URSS, o país afirmou que a disseminação de tecnologia nuclear,
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mesmo que para fins pacíficos, poderia culminar em proliferação nuclear com fins militares. Os restantes países também se objectaram quanto às competências da AIEA, na medida em que haveria uma ingerência nos seus programas nucleares. Competências como o tratamento de todas as actividades de guarda, reprocessamento de urânio ou mesmo a obrigação de impedir a conservação de quantidades elevadas de material nuclear seriam postas em risco (Reis Rodrigues, 2007). As duas tentativas de limitação nuclear demonstraram a necessidade de um regime de não-proliferação que garantisse o estatuto das potências já nucleares e que viesse a impedir a emergência de futuras, com receio do mundo se tornar instável pois as superpotências perderiam o controlo dos seus blocos, visto possuir armas nuclear dar uma certa independência. O TNP entrou em vigor em 1970, mas foi o resultado de décadas de negociações que tiveram início em 1958 com a proposta do Ministro dos Negócios Estrangeiros irlandês, Frank Aiken. Este receava que do aumento das potências nucleares resultassem novas tensões internacionais e ainda a impossibilidade de futuros desarmamentos. A proposta foi evoluindo ao longo das décadas da sua negociação, mas no fim foi alcançada uma base alargada de entendimento. As grandes potências (EUA, URSS, Reino Unido, França e China) garantiram a sua supremacia militar nuclear com o regime de não-proliferação com a contrapartida de procederem, no futuro, a negociações de desarmamento. Já as restantes potências garantiram a redução de futuros conflitos, entenda-se nucleares, o compromisso expresso pelas grandes potências, de futuras negociações de desarmamento e, por fim, obtiveram o direito inalienável de investigar, produzir e usar energia nuclear desde que para fins pacíficos. A China e a França apenas aderiram ao TNP em 1992, vinte e dois anos depois. Quando se elabora um Tratado multilateral, principalmente sobre um assunto tão sensível como a não-proliferação nuclear, que toca nos interesses das grandes potências, não se consegue satisfazer a 100% todos os participantes. É preciso negociar, e tal implica fazer cedências na maioria dos casos. Dito isto, são algumas as críticas feitas ao TNP, principalmente aos artigos 4º4 e 10º5, além da 4 Art. 4º , 1: “Nothing in this Treaty shall be interpreted as affecting the inalienable right of all Parties to the Treaty do develop research, production and use of nuclear energy for peaceful purposes without discrimination and in conformity with Articles I and II of this Treaty” Art. 4º, 2: “All the Parties to the Treaty undertake to facilitate, and have the right to participate in, the fullest possible exchange of equipment, materials and scientific and technological information for the peaceful uses of nuclear energy. Parties to the Treaty in a position to do so shall also cooperate in contributing alone or together with other States or international organizations to the further development of the applications of nuclear energy for peaceful purposes, especially in the territories of non-nuclear-weapon States Party to the Treaty, with due consideration for the needs of the developing areas of the world. 5 Art. 10º, 1: “Each Party shall in exercising its national sovereignty have the right to withdraw from the Treaty if it decides that extraordinary events, related to the subject matter of this Treaty, have jeopardized the supreme interests of its country. It shall give notices of such withdrawal to all other Parties to the Treaty and to the United Nations Security Council three months in advance.
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inexistência de mecanismos de imposição das obrigações e, portanto, a aplicação de sanções para os prevaricadores. As críticas ao artigo 4º, que estipula que todos os Estados membros têm o direito inalienável de investigar, produzir e usar energia nuclear desde que para fins pacíficos mas sem especificar como se deve obter o combustível nuclear para os reactores, permite assim o processo de desenvolvimento de enriquecimento de urânio ou de extracção de plutónio para “alimentar” o programa nuclear pacífico. Ora, estes processos técnicos estão relativamente próximos do fabrico de armas atómicas. A outra grande crítica, como já referido, é ao artigo 10º, que permite que qualquer Estado aderente abandone o TNP se sentir que a sua participação prejudica os seus interesses nacionais, desde que avise com 3 meses de antecedência. Ora, a facilidade de saída de um Estado aderente põe em causa o próprio cerne do regime, pois o Estado deixa de ser responsável pelas violações enquanto ex-subscritor do TNP (Reis Rodrigues, 2007). O artigo 10º poderá ser a maior fraqueza do TNP por permitir a simples saída e desresponsabilização dos Estados aderentes que assim o desejem, pondo em risco o regime de não-proliferação que vem a ser trabalhado e mantido, por tentativas falhadas e de sucesso, desde os finais da década de 40. A saída da Coreia do Norte, em 2003, e a consequente proliferação são disso exemplo. Em suma, o próprio Tratado de Não-Proliferação encerra no seu texto tanto a manutenção da proliferação nuclear bem como a possibilidade de se descredibilizar por qualquer Estado-membro que perspective ser-lhe mais favorável a renúncia do mesmo. 3. Actores: 3.1 República Democrática Popular da Coreia (RDPC) 3.1.1 Estratégia “ferocidade, fraqueza e loucura” Desde o colapso da URSS que a RDPC adoptou uma estratégia apelidada por alguns especialistas em Relações Internacionais, como George Friedman, de “ferocidade, fraqueza e loucura” (Friedman, 2013). Tal estratégica funcionou e continua a funcionar de forma eficaz, na perspectiva do especialista. Ferocidade -» os norte-coreanos posicionam-se como ferozes, ao parecer que possuem ou estão à beira de possuir armas nucleares. Such notice shall include a statement of the extraordinary events it regards as having jeopardized its supreme interests”. Art. 10º, 2: “Twenty-five years after the entry into force of the Treaty, a conference shall be convened to decide whether the Treaty shall continue in force indefinitely, or shall be extended for an additional fixed period or periods. This decision shall be taken by a majority of the Parties to the Treaty”.
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No início, a sua ferocidade estava limitada ao armamento convencional e a um eventual bombardeamento de Seoul, com a localização de artilharia maciça ao longo do paralelo 38. O objectivo não era atacar mas sim mostrar que tinham essa capacidade e que poderiam causar danos elevados. Para evitar futuras intervenções ou destabilização externa, os norte-coreanos decidiram-se pelo desenvolvimento de armas nucleares e mísseis. Fraqueza -» fazem-se parecer fracos criando uma ideia de iminente colapso que inviabiliza qualquer intervenção estrangeira tendo em conta o cálculo racional custos-benefícios. Os norte-coreanos publicitaram a fraqueza da sua economia, nomeadamente a insegurança alimentar, de várias formas. Foi feito intensionalmente, mostrando apenas vislumbres da sua fraqueza. Com tais debilidades parece o regime que vai implodir a qualquer momento. Loucura -» parecem “loucos” ao transmitirem a ideia de que se forem pressionados poderão atacar, independentemente dos riscos devastadores de tal acção, inclusive o suicídio. Dão-se a ameaças extravagantes e a desejar guerra, parecendo loucos. Por vezes afirmam a sua loucura através de incidentes, como o afundamento da corveta sul-coreana, sem razão aparente. É como no poker, nunca se joga contra um louco, por ele ser totalmente imprevisível. Estas acções fazem parecer aos olhos do mundo que a Coreia do Norte não actua segundo padrões racionais e realistas quando é exactamente o contrário. Parecer fraco e louco é relativamente fácil. Difícil é manter a aparência de feroz. Além de serem obrigados a aumentar constantemente a sua ferocidade, têm também de a aumentar sem demonstrarem demasiado poder que venha a pôr em causa a fraqueza e a loucura, logo uma possível intervenção estrangeira. A estratégia «ferocidade, fraqueza e loucura» já demonstrou durante mais de duas décadas que é eficaz: preserva regimes; centra o país como actor principal no sistema internacional; retira grandes concessões, nomeadamente políticas e económicas, às grandes potências; impede ataques militares externos e aumenta o controlo do regime sob a população e, por fim, aumenta a popularidade do líder após a mudança deste (Magalhães, 2013). Países como o Irão estão já a ter como exemplo a estratégia norte-coreana. A diplomacia, num sentido muito lato, é a arte das nações atingirem os seus fins sem recorrerem à guerra. É especialmente importante para as pequenas nações sobreviverem sem o recurso à força. O paradoxo de parecer que, apesar de todos os cálculos racionais, os Estados estão dispostos a irem para a guerra, pode ser o pilar de a evitar. É o pilar da dissuasão. De acordo com a estratégia norte-coreana identificam-se três fases: 1) Despoletar de crises; 2) Negociações; 3) Incumprimento, que por sua vez cria novas crises (Magalhães, 2011) Pode constatar-se este comportamento em todas as crises recentes a partir do início da década de 90.
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3.1.2 Sucessão e crise de liderança Que tipo de regime existe na Coreia do Norte? Segundo Bryan Meyers, historiador americano, não se pode considerar a ditadura no país, como a última de cariz estalinista, mas sim como um regime que utiliza o ultranacionalismo racial (PÚBLICO, 07/04/2013). Enquanto a Coreia do Norte detém a superioridade moral da raça coreana, como o “cimento da legitimação do regime”, ao contrário da Coreia do Sul que permite a miscigenação. Esta versão de ultranacionalismo coreano tem raízes no nacionalismo japonês propagado na península, durante a ocupação colonial entre 1910 e 1945. O especialista considera também que ao identificarmos o regime nortecoreano como comunista, poderemos sobrestimar a influência chinesa junto do mesmo e alimentar ilusões quanto à negociação da não-proliferação nuclear. A Coreia do Norte desde a sua fundação até 1994, foi governada por Kim Il-Sung (avô), tendo-lhe sucedido o seu filho Kim Jong-Il (pai), que faleceu em Dezembro de 2011. Subiu ao “trono” o seu terceiro filho, Kim Jong-Un (neto). A liderança do jovem Kim, que tem apenas 30 anos, é posta em causa: não tem credibilidade política e ao mesmo tempo está dependente de apoiantes ambíguos. A sua falta de credibilidade assenta em cinco vertentes: 1) Na Coreia do Norte impera uma cultura confuciana que privilegia os elementos mais velhos da sociedade, o que o põe em cheque por ter apenas 30 anos e ter sido escolhido em detrimento de dois irmãos mais velhos, Kim Jong-nam e Kim Jong-chul respectivamente; 2) Um sistema político controlado por pessoas com uma larga experiência. Jong-Un não tem experiência política e militar, pois todas as suas credenciais foram fabricadas pelo seu pai; 3) A mãe de Kim Jong-Un nasceu no Japão, ainda que fosse “etnicamente” coreana. 4) Estudou no estrangeiro, especificamente na universidade Liebefeld Steinholzli, próxima de Berna, Suiça, o que o torna um “estranho” aos olhos da elite; 5) O regime norte-coreano de ideologia marxista-leninista tornou-se, de facto, numa monarquia (Magalhães, 2013) rompendo com uma característica ideológica de raiz. Kim Jong-Un foi escolhido pelo seu pai como sucessor porque não existiam alternativas viáveis para o cargo. Os líderes norte-coreanos sempre temeram uma sublevação das massas e dos militares, mesmo que estes não possuam margem de manobra para tal, e portanto criaram um sistema repressivo, extremamente eficaz, além do culto de personalidade em torno da dinastia dos Kim. Um dos dois pilares do regime são precisamente os militares, sendo o outro o Partido Comunista da Coreia. No entanto, o apoio dos primeiros é condicional
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e esperam, no mínimo, a manutenção dos seus privilégios. Kim Jong-Un chegou ao poder em Dezembro de 2011, acumulando os títulos de Comandante Supremo do Exército da Coreia do Norte, de PrimeiroSecretário do Partido Comunista da Coreia, de Presidente do Comité Militar do Exército da Coreia e de Presidente da Comissão de Defesa Nacional, apenas por ser a única, logo melhor, escolha para a sobrevivência do regime. Concentrou todos os poderes na sua pessoa, seguindo a tradição familiar. Os seus apoiantes são ambíguos e, portanto, necessita de lhes agradar, tal como Kim Jong-Il fez no passado, ao atribuir recursos económicos relevantes à elite militar e ao programa nuclear (Magalhães, 2013). É imperativo que as elites militares, um dos pilares do regime, mantenham a sua posição preponderante, desde que devidamente subordinadas ao poder do supremo líder. Em relação à economia, Kim Jong-Un deverá mantê-la fechada e centralizada com pontuais actos de abertura. Existe o receio que uma eventual reforma e consequente abertura social leve à absorção do Norte pelo Sul, mesmo que tal acto revitalizasse a degradada economia norte-coreana. Uma coisa é certa: as armas nucleares são e serão essenciais para Kim se afirmar, internamente, como líder. Com a falta de credibilidade de Kim Jong-Un, este precisou de uma crise internacional para que se pudesse afirmar tanto a nível interno como internacional. A nível interno existem duas instituições que possuem a capacidade de moldar e controlar o comportamento do líder, a saber: o Partido e as Forças Armadas. Nestas duas instituições formaram-se duas facções: a) As pombas -» que preferem um desanuviamento com a Coreia do Sul e uma reforma moderada da economia; b) Os falcões -» que defendem a continuação da postura que o Norte sempre teve e até um possível confronto com a Coreia do Sul e seus aliados, os EUA. Kim Jong-Un na sua frágil liderança ver-se-á fortemente limitado à satisfação de ambas as facções. Daí os anúncios de abertura, após se tornar líder, como o negócio com o Google e o desanuviamento com a Coreia do Sul e mais tarde os actos, principalmente o teste nuclear, que despoletaram a mais recente crise. 3.2 Estados Unidos da América (EUA) A Coreia do Norte sempre foi um problema para os EUA após a Guerra da Coreia, sendo actualmente vista como relíquia do tempo da Guerra Fria. Os EUA possuem alianças na região da Ásia-Pacífico, com a Coreia do Sul e Japão principalmente, importantes para a resolução do problema da proliferação nuclear norte-coreana e para a contenção chinesa. A retirada de forças americanas do Afeganistão e Iraque, em 2014 e 2011
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respectivamente, possibilitou uma maior atenção aos dois países que pretendem possuir armas nucleares, o Irão e a Coreia do Norte. Com os confrontos no Médio Oriente e a crise de 2008, os EUA retraíram-se. Em vez de intervirem com forças armadas convencionais, Washington prefere fornecer apenas apoio logístico, político e meios militares aos seus aliados, para que estes possam intervir por sua própria conta. Verificou-se esta estratégia na intervenção da NATO na Líbia e da França no Mali. Também dão cada vez mais importância ao uso de veículos aéreos não tripulados - drones como os Reapers e Predators - como forma de combater forças terroristas no Iémen, Mali, Afeganistão, entre outros teatros de operações. A República Popular da China poderá ser em breve a maior potência económica mundial. No entanto, só daqui a algumas décadas será a maior potência militar, se o vier a ser. Até lá, os norte-americanos manterão a sua hegemonia militar. Este confronto entre estas duas potências está a agudizar-se com uma clara e progressiva deslocação dos interesses norte-americanos do Médio Oriente para a Ásia-Pacífico, região em que a RPC pretende ser e manter-se como principal potência regional. A administração Obama começou recentemente a aplicar um programa com vista a reforçar a presença militar, dar um novo alento às antigas alianças político-económicas e desenvolver a sua participação em fóruns multilaterais da região. Ora, para isto os EUA pretendem deslocar 60% dos meios da sua Marinha para a região até 2020. Como o país mantém actualmente a hegemonia mundial não se assistirá a uma transferência total do seu poderio militar para a região. No entanto, tal como já foi referido, o acréscimo de meios permanentes será significativo: quatro navios em Singapura, um contingente de Marines e aeronaves na Austrália e alguns submarinos nas Filipinas (Cunha, 2013). Relembro que as relações diplomáticas entre os EUA e a RPC sempre foram conturbadas pela questão de Taiwan, desde 1949, independentemente da abertura diplomática em 1979. Taiwan poderá vir a ser, tal como sempre foi, um despoletar de tensão na região. O estatuto da Coreia do Norte como potência nuclear irá obrigar os EUA a deslocar meios militares para cumprir as suas obrigações perante os seus aliados que, por sua vez, resultará num aumento da tensão regional, desagradando assim a RPC. Washington deseja manter a região estável enquanto durar a crise económico-financeira e procede com o “reajustamento”, ou seja, desejam manter o status quo. 3.3 República Popular da China (RPC) A China deseja tornar-se na principal potência na região da Ásia-Pacífico evitando qualquer tipo de conflito bélico. Ao invés, pretende competir nos fóruns de cooperação multilateral, tanto económicos como de segurança, como o ASEAN
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Regional Forum (ARF), a Conference on Interaction and Confidence-Building Measures in Asia (CICA) e nas Conversações a 6 (Six Party Talks), entre outras (Tomé, 2013). Dito isto, a China pretende alcançar a estabilidade e manutenção do regime nortecoreano e do seu programa nuclear através da cooperação, principalmente com os EUA e seus aliados. Pretende que seja vista como líder regional responsável, trabalhando a favor da paz e da estabilidade e não como uma potência regional com interesses hegemónicos (Lemos, 2006) O programa nuclear norte-coreano pode trazer numerosos problemas à região, mas é deveras importante como instrumento para manter a estabilidade e manutenção do regime, o que a China deseja com o receio de sérias consequências para si, como: a) a unificação, sob alçada do governo sul-coreano pró-EUA, que possibilitaria a transformação da península numa base estratégica norte-americana com a instalação de mísseis nucleares e de forças convencionais, visto a fronteira entre os dois países ser delimitada por dois rios, o Yalu e o Tumen. Estes encontram-se em estepes facilmente transpostas ofensivamente, ou seja, a CN actua como “estado tampão” para a China; b) Uma muito provável vaga de refugiados norte-coreanos que se dirigiria para território chinês, que por sua vez, desestabilizaria a zona fronteiriça chinesa resultando numa catástrofe humanitária (Rato e Pires de lima, 2008); e por fim, c) Fortes consequências económicas por já ter investido e continuar a fazê-lo no país, nomeadamente na zona fronteiriça. É também importante referir os prós que advêm da reunificação da Coreia, a médio e longo prazo, como: o fim das armas nucleares norte-coreanas e das suas acções agressivas, que se repercutiriam em maior estabilidade regional. No entanto, o apoio ao regime norte-coreano continuará a ser constante enquanto estas premissas se mantiverem, mesmo que as relações entre os dois países sejam, por vezes, tensas. A Coreia do Norte, apesar de ser economicamente dependente, não é um vassalo da China tendo sabido retirar benefícios destes receios nos últimos anos. A RPC, mesmo que não apoie o desenvolvimento do programa nuclear, está preparada para viver com uma Coreia do Norte nuclear na sua plenitude, caso o seu arsenal se mantenha limitado e não ameace directamente a segurança chinesa por serem Estados fronteiriços. Isto se não resultar numa corrida à nuclearização por parte de Taiwan, Coreia do Sul e Japão, nem numa crescente presença militar americana na região. Com a nuclearização norte-coreana é possível que Pequim perca influência junto de Pyongyang, em consequência da diminuição da dependência da última, face à primeira. É preferível uma Coreia do Norte nuclear que a queda total do regime. Daí fornecer ajuda económica, indispensável à sobrevivência do regime, ao mesmo tempo que apoia um conjunto de recompensas e punições na arena internacional, como contingência à política nuclear de Pyongyang (Magalhães, 2013).
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No entanto, com a liderança do novo líder norte-coreano as relações com a RPC foram abaladas por vários acontecimentos. Kim Jong-Un recebeu um convite para ir a Pequim e recusou, mas enviou altos representantes a Singapura, Indonésia, Laos, Vietname, entre outros, para atrair investimentos estrangeiros. Em Maio desse ano, a marinha norte-coreana apresou um navio chinês, com 28 pescadores chineses que ficaram durante vários dias sob custódia norte-coreana. As relações entre a RPC e a CN foram severamente criticadas na blogosefera da primeira. Mais tarde, em Dezembro de 2012, informou Washington do lançamento de um míssil, o Unha-3/Unit 2, e de um satélite, o kwangmyeongseong-3/Unit 2, antes mesmo de informar o seu maior e único aliado, a RPC. Enfureceu assim o seu apoiante, que respondeu com severas críticas às acções norte-coreanas e com a aprovação de uma resolução do CS a condenar o lançamento do míssil e do satélite, despoletando desta forma a crise mais recente. Mas apesar das frustrações e receios, a RPC continua a apoiar economicamente a Coreia do Norte. Está a expandir o investimento nas zonas fronteiriças, muito por causa da necessidade de recursos naturais à sua produção nacional, contribuindo assim para dar sinais de prosperidade, apesar das fortes sanções impostas ao regime totalitário. O contínuo apoio chinês a um país que viola repetidamente as resoluções do CS está a exacerbar o problema que afirmam querer evitar a todo o custo: uma possível corrida às armas e um incremento da presença norte-americana. Pequim continua a acreditar que a Coreia do Norte, desde que seja encorajada e recompensada, ainda pode aplicar reformas políticas e económicas que dêem estabilidade à península. Ao longo dos anos, os EUA, Japão e Coreia do Sul têm-se dirigido aos chineses pedindo que intercedam junto dos norte-coreanos para que não façam nada de apressado nem de irreflectido. No entanto, nos últimos meses, japoneses e chineses têm-se mostrado hostis ao ponto de terem travado uma guerra comercial por causa da disputa das ilhas Diaoyu/Senkaku. Apesar deste conflito, os testes nucleares nortecoreanos criam a repetitiva dança diplomática em que americanos, sul-coreanos e japoneses pedem aos chineses para que intercedam junto dos norte-coreanos. Os chineses fizeram-no sempre até hoje com o intuito de manterem a estabilidade e a preservação do regime, mas também para que os países fiquem gratos e em dívida por se ter alcançado uma resolução pacífica para a crise. A RPC poderá vir, mais tarde, a exigir o retorno desses mesmos favores, no que se refere à resolução do litígio com os japoneses das ilhas, ou mesmo até face a Taiwan. Os EUA, a Coreia do Sul e o Japão correm o risco de ficarem limitados nas suas acções futuras, condicionamento que se deve evitar. É difícil saber se os norte-coreanos e os chineses estarão a actuar de forma concertada, mas, como já foi dito, é visível um claro interesse chinês em estabilizar a Coreia do Norte, logo a região.
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4. A recente crise A mais recente crise na Península Coreana teve início a 12 de Dezembro de 2012 com o lançamento pela Coreia do Norte do míssil Unha-3/Unit 2, que transportava o satélite Kwangmyeongseong-3/Unit 2. Ao contrário de anteriores testes balísticos, este foi um sucesso. Surgiu o receio da Coreia do Norte ser capaz de miniaturizar um dispositivo nuclear num míssil balístico que, por sua vez, tornaria possível alcançar os países do Nordeste Asiático mas também os EUA (Magalhães, 2013). Face a este perigo o Conselho de Segurança aprovou em Janeiro de 2013 a Resolução 2087, que condenou o uso de misseis balísticos e consequente violação das Resoluções 1786 (2006) e 1874 (2009) pela Coreia do Norte. Também exigia ao país infractor “abandon all nuclear weapons and existing nuclear programs in a complete, verifiable and irreversible manner”, alertando, por fim, à não realização de mais nenhuns testes balísticos ou nucleares. O maior aliado da Coreia do Norte, a China, demonstrou disponibilidade para lhe impor punições limitadas (Magalhães, 2013). A Coreia do Norte respondeu com uma habitual retórica belicista e de confrontação ao anunciar a sua disposição em prosseguir com um novo teste nuclear num futuro próximo. Tal veio a acontecer a 12 de Fevereiro de 2013. O novo teste nuclear foi, mais uma vez, condenado por unanimidade pelo CS com a Resolução 2094, de 7 de Março de 2013, que adoptou novas sanções financeiras e medidas de intensificação da vigilância fronteiriça e portuária para controlar a circulação de bens e mercadorias contra o regime norte-coreano. No entanto, os receios dos meses anteriores tomaram forma: a Coreia do Norte demonstrou que tinha capacidade de inserir dispositivos nucleares em misseis balísticos, acrescentando ainda a passagem dos dispositivos de plutónio para os de urânio. Poucas horas depois da aprovação da Resolução 2094O, o regime nortecoreano fez saber ao mundo que considerava nulos “todos os acordos de nãoagressão entre o Norte e o Sul” (PÚBLICO, 10/03/2013), inclusive o chamado “telefone vermelho”, instalado em 1971. Para aumentar a tensão, estavam previamente marcadas manobras militares entre as forças armadas dos EUA e da Coreia do Sul, denominadas Key Resolve. Em consequência das sanções impostas pelo CS, o Tesouro dos EUA, seguindo a sua Estratégia Nacional para o Combate às Armas de Destruição Maciça, nomeadamente no âmbito da não-proliferação, decidiu avançar com novas sanções contra o Banco de Comércio Externo da Coreia do Norte e sobre os bens de Paek Se-Bong, responsável pela direcção do programa de fabrico de mísseis balísticos. O Tesouro afirmou categoricamente que “enquanto [a Coreia do Norte] não puser um travão nos seus programas bélicos, os Estados Unidos continuarão a trabalhar com os seus parceiros e aliados, para reforçar o regime de sanções” (PÚBLICO, 11/03/2013). As sanções financeiras têm como objectivo impedir o financiamento para os projectos militares tanto nucleares como de mísseis.
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Como resposta às sanções norte-americanas, Kim Jong-Un iniciou a retórica belicista, que caracteriza as crises periódicas na península, ao tornar pública, através da agência estatal KCNA, a designação como primeiro “alvo” a ilha de Baengnyeong, caso se dessem hostilidades militares com a Coreia do Sul após ter denunciado o armistício de 1953 (PÚBLICO, 12/03/2013). Três dias depois das declarações de Kim Jong-Un, a KCNA e o Rodong Sinmun, o jornal oficial do Partido, foram alvo de um ataque informático que debilitou fortemente os respectivos meios de comunicação social (PÚBLICO, 15/03/2013). A Coreia do Norte atribuiu as responsabilidades aos EUA e à Coreia do Sul, na sua óptica os principais interessados em submeter ao silêncio a voz do povo coreano. Mantémse ainda hoje a incógnita quanto aos verdadeiros responsáveis. Face aos avanços nos programas nuclear e balístico do regime norte-coreano, Chuck Hagel, Secretário de Defesa, anunciou no dia 15 de Março que os EUA iriam reforçar as defesas antimíssil até 2017, ao colocarem 14 novos interceptores na Costa Oeste, somando aos 26 já em funcionamento no Alaca e na Califórnia. Também anunciou que iriam proceder à instalação de um segundo radar TPY2 - dispositivo que detecta e segue a trajectória de mísseis intercontinentais - no Japão (PÚBLICO, 16/03/2013). Os EUA respondiam assim aos compromissos assumidos face aos seus aliados na região, quanto à ameaça norte-coreana. No entanto, para que estes compromissos fossem cumpridos, os EUA tiveram de desistir da quarta e última fase do sistema de defesa antimíssil na Europa, através da NATO. É mais um sinal da perda de importância da Europa na política externa norte-americana a favor da Ásia-Pacífico. Esta crise coreana tem algumas particularidades quanto às anteriores, e uma delas é precisamente o uso da ciberguerra como instrumento para limitar o escalar da tensão, na medida em que são os meios de comunicação social uma das principais vias de comunicação entre os vários actores internacionais. Ora, como retaliação ao ataque informático aos meios de comunicação social norte-coreanos as estações televisivas sul-coreanas como a KBS, a MBC e a YTN, bem como os bancos Shinhan e Nonghyup foram vítimas de ataques de hackers. Apesar dos ataques, as estações televisivas e os bancos funcionarem dentro da normalidade (PÚBLICO, 20/03/2013). A crise de Yeonpyeong em 2010, levou Washington e Seul a delinearem um acordo em que as suas cláusulas tornam obrigatório o envolvimento militar norteamericano, na eventualidade de qualquer provocação ou ataque norte-coreano. Este acordo define os termos em que as forças armadas norte-americanas se podem envolver, em guerra aberta e/ou acontecimentos isolados, e quais as acções proporcionais que podem tomar. Este, curiosamente, foi assinado em plena crise a 25 de Março pelos generais James D. Thurman (EUA) e Jung Seung-jo (Coreia do Sul). Este acordo, que tem como intuito funcionar principalmente como meio de dissuasão a futuras acções provocadoras da Coreia do Norte, é estritamente defensivo, tal como a deslocação de dispositivos antimíssil. Pode inserir-se na estratégia de limitar as acções da Coreia do Norte, sem se recorrer ao uso da
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força. Tão importante como ter capacidade de usar a força é a disponibilidade em exercê-la. E para o demonstrar, os EUA realizaram voos com bombardeiros B-2, vindos de uma base no Missouri, que largaram munições fictícias numa ilha sul-coreana próxima de território norte-coreano (PÚBLICO, 26/03/2013). Face a todos estes acontecimentos Kim Jong-Un não se poderia dar ao luxo de nada fazer, com receio de mostrar fraqueza perante o mundo, mas, principalmente, perante a própria elite do regime. Dito isto, o supremo líder decidiu divulgar, sempre através da agência de noticias estatal, que teria dado ordens às suas forças armadas, nomeadamente às unidades de rockets estratégicos e de artilharia de longo alcance definindo como alvos Guam, Hawai e território continental norte-americano, para entrarem em modo de combate (PÚBLICO, 26/03/2013). É duvidoso se os mísseis norte-coreanos - alguns nem chegaram a ser testados - terão capacidade para atingir território continental norte-americano, ao contrário do que acontece com Guam, Hawai, Coreia do Sul e Japão. No entanto, quando existe o verdadeiro intuito de praticar a guerra não se divulga quais os alvos nem quando serão lançadas as respectivas ofensivas. O segredo é o cerne do negócio. O que demonstra que as acções norte-coreanas têm apenas como objectivo retirar dividendos políticos e não militares. Como reforço à sua retórica Kim JongUn decidiu cortar a linha telefónica militar de urgência com a Coreia do Sul, à semelhança do que fez com o telefone vermelho semanas antes. Com o escalar da crise, várias actores políticos internacionais como Fidel Castro, ex-Presidente de Cuba, Sergei Lavrov, Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, e Ban Ki-moon, Secretário-Geral da ONU, apelaram, ao longo da crise, à calma por parte dos vários intervenientes, mas principalmente a Kim Jong-Un. Um dos avisos que demonstram o perigo da escalada de tensões foi o de Lavrov, quando afirmou que “a situação pode ficar fora de controlo e está a caminhar para a espiral de um ciclo vicioso” e para que “todas as partes [...] não exercitem o seu músculo militar” (PÚBLICO, 29/03/2013). Independentemente dos vários e repetidos apelos, o regime norte-coreano fez saber que estava a entrar em “estado de guerra” com a Coreia do Sul e que “a partir de agora, as relações entre as Coreias entram em estado de guerra e todos os assuntos entre as duas Coreias serão tratados de acordo com o protocolo de guerra” (PÚBLICO, 30/03/2013). No entanto, no terreno não se viu qualquer aplicação da retórica belicista. No dia 1 de Abril de 2013 a facção dentro do regime norte-coreano que desejava um desanuviamento com a Coreia do Sul e uma reforma moderada da economia, as ditas pombas, é derrotada quando a Assembleia do Povo da Coreia do Norte, na sua sessão plenária anual, aprovou dar maior peso ao programa nuclear. No entanto, para aplacar o descontentamento desta facção, Kim Jong-Un nomeou como Primeiro-Ministro Pak Pong-ju, um perito económico de 74 anos que tinha sido afastado em 2007 quando tentou fazer uma reforma moderada da economia (PÚBLICO, 01/04/2013). Com a sua idade avançada é pouco provável que consiga aplicar a pretendida reforma. Na prática Kim Jong-Un demonstrou
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que seguirá a estratégia dos seus antecessores, ou seja, relegar para segundo plano a economia face ao programa nuclear. Em oposição às ameaças norte-coreanas, a Presidente sul-coreana, Park Geun-Hye, reuniu-se com o Ministro da Defesa sul-coreano, declarando no fim da reunião que o seu país deveria dar “uma resposta violenta e imediata sem quaisquer considerações de ordem política, se [o Norte] se aventurar numa provocação contra a nossa população”, quando caças norte-americanos Raptor F-22 chegaram no dia anterior à Coreia do Sul no âmbito dos exercícios militares entre os dois países (PÚBLICO, 01/04/2013). O Norte encarou essa deslocação de meios aéreos como mais uma demonstração e provocação do músculo militar norte-americano. A Coreia do Norte face às prontas respostas de retaliação da Presidente sul-coreana decidiu responder com a intenção de reiniciar um reactor nuclear desactivado em 2007. Dava assim a entender que poderia vir a retomar o processo de enriquecimento de urânio para fins militares. Ora, segundo a agência AFP, com a reactivação deste reactor nuclear, o regime disporá de quantidade suficiente para vir a produzir mais de quatro bombas nucleares (PÚBLICO, 02/04/2013). Face a estas declarações, o Secretário da Defesa, Chuck Hagel, confirmou o envio de mais um sistema avançado antimíssil, o Terminal High Altitude Area Defense (THAAD), para a região, nomeadamente a ilha de Guam, por precaução. Com a consequente escassez de alternativas de retaliação, por parte dos nortecoreanos às acções norte-americanas e sul-coreanas, Pyongyang decidiu fechar a 3 de Abril o complexo industrial intercoreano de Kaesong aos trabalhadores sulcoreanos (algumas centenas mantiveram-se a trabalhar lá por não terem saído) sem qualquer previsão de reabertura. Cinco dias depois do início do bloqueio o regime norte-coreano ameaçou retirar todos os seus trabalhadores (PÚBLICO, 04/04/2013). É importante reter que o complexo é o símbolo da cooperação entre as Coreias desde 2004. Aquando das várias crises coreanas, a infra-estrutura apenas foi encerrado durante um dia, em 2009, quando Pyongyang bloqueou o seu acesso, em protesto por manobras militares entre os EUA e a Coreia do Sul (PÚBLICO, 03/04/2013). O complexo de Kaesong é de extrema importância para o Norte, pois dá emprego a mais de 50 mil norte-coreanos bem como por ser uma das poucas fontes de divisas a que a Coreia do Norte tem acesso. É o respirar da frágil economia norte-coreana. Com o fecho do complexo de Kaesong, símbolo da estabilidade e da cooperação entre as Coreias, e do alerta por Pyongyang da sua incapacidade de garantir a segurança das embaixadas a partir de 10 de Abril caso se desse um conflito armado, os EUA decidiram acrescer à anterior precaução o envio de um drone Global Hawk, veículo aéreo não tripulado, para a base de Misawa, Japão, com o objectivo de recolher informações sobre quaisquer movimentações das forças armadas norte-coreanas, principalmente de unidades de rockets e de artilharia. Ora, estes receios tornaram-se realidade quando a agência sul-coreana Yonhap noticiou que Pyongyang teria colocado dois mísseis de médio alcance,
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mísseis Musudan que nunca foram testados, na sua costa Este, ou seja, em posição para atingirem o Japão e Guam (PÚBLICO, 06/04/2013). No mesmo dia, surgiram no Washington Post notícias de uma possível mudança de estratégia por parte de Washington “devido aos receios de que possa provocar inadvertidamente uma crise ainda mais grave” (PÚBLICO, 06/04/2013), ou seja, um confronto militar. Observou-se a mudança de postura quando a administração Obama decidiu cancelar, por receio de uma errada interpretação por Pyongyang, um teste de míssil balístico, o Minuteman III, que estava previamente agendado para essa semana na base da Força Aérea de Vandenberg, Califórnia (PÚBLICO, 07/04/2013). Com a crescente escalada de tensão a China aumentou o tom de censura ao seu aliado, tendo o Presidente chinês, Xi Jinping, afirmado que nenhum país “devia ser autorizado a arrastar uma região e porventura todo o mundo para o caos para obter ganhos egoístas”, acrescentando depois que “a estabilidade na Ásia enfrenta agora novos desafios, numa altura em que questões delicadas continuam a emergir e ameaças à segurança, tradicionais e não tradicionais, existem” (PÚBLICO, 07/04/2013). É uma clara repreensão pública. Mas Kim Jong-Un não aceitou a repreensão e como retaliação recomendou, com mais uma ameaça através da Comissão de Paz da Ásia-Pacífico, a retirada de empresas e turistas da Coreia do Sul por estar iminente uma guerra, além de que o Japão pagaria um “elevado preço” por seguir a política dos EUA. Com estas novas declarações, a somarem-se às recentes informações não confirmadas de Pyongyang pretender realizar um teste balístico, o Governo japonês decidiu instalar mais quatro mísseis Patriot na cidade de Tóquio, além dos já sistemas de intercepção instalados na ilha de Okinawa. Deu também autorização às forças militares de auto-defesa japonesas para destruírem qualquer míssil norte-coreano que represente uma ameaça para o país (PÚBLICO, 09/04/2013).
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As informações não confirmadas foram corroboradas numa declaração do Ministro dos Negócios Estrangeiros sul-coreano, Yun Byung-se, quando afirmou que a Coreia do Norte se estava a preparar para lançar um míssil Musudan a qualquer momento. Rapidamente surgiram condenações e até ameaças de consequências, como a dos países do G8 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Canadá e Rússia), a qualquer futuro teste balístico nortecoreano. No entanto, paralelo a estas condenações e ameaças, os EUA e a Coreia do Sul em declarações oficiais sugeriram que um futuro teste balístico norte-coreano não seria motivo para alarme, desde que não representasse uma ameaça directa aos dois países (PÚBLICO, 11/04/2013). Estas declarações foram de encontro à mudança de estratégia dos EUA em prol do desanuviamento da tensão como se pôde constatar quando Park Geun-hye, Presidente sul-coreana, afirmou que era importante “ouvir o que a Coreia do Norte pensa” frisando também que Pyongyang deve respeitar as Resoluções do CS e “abandonar as suas ambições nucleares” (PÚBLICO, 12/04/2013). A Coreia do Sul estendia assim a mão ao diálogo com a Coreia do Norte. Ao mesmo tempo que se iniciou o caminho para futuras negociações entre o Norte e o Sul John Kerry, Secretário de Estado norte-americano, dirigiu-se à China para apelar a uma maior influência chinesa quanto à retórica belicista norte-coreana que, no seu entender, ameaçam a paz e a estabilidade na região. O objectivo era que a China contribuísse para que Pyongyang aceitasse sentar-se à mesa das negociações, pondo de parte o seu discurso agressivo. No entanto, Kerry não obteve sucesso para que Pequim adoptasse uma nova e mais resoluta posição na resolução da crise e tal ficou patente aquando da declaração de Li Keqiang, Primeiro-Ministro chinês, sublinhando que “todas as partes são responsáveis pela manutenção da paz e da estabilidade na região e por todas as consequências” (PÚBLICO, 13/04/2013). Nos dias a seguir à visita à China, John Kerry dirigiu-se ao Japão, numa viagem já previamente acordada, onde afirmou que os EUA fariam tudo “o que for necessário” para defender o Japão e a Coreia do Sul e que a actual opção norte-americana era a via da negociação. No entanto, não pôs de lado o uso da força como prova a seguinte afirmação: “não podemos permitir que a Coreia do Norte possua armas nucleares, seja de que forma for” (PÚBLICO, 14/04/2013). Esperava-se que o dia 15 de Abril, primeiro dia de celebrações do 101º aniversário de Kim Il-Sung, fosse o clímax da crise na península com novas ameaças ou discursos inflamados. Mas apesar das expectativas não vieram provocações do Norte. Ao invés, foi do Sul que a situação se agravou com protestos nas ruas de Seul e a queima de várias efigies do pai fundador da nação e do seu filho, Kim Jong-Il. Pyongyang exigiu um pedido de desculpas público por parte de Seul (PÚBLICO, 16/04/2013), mas sem sucesso. Perante a mudança de estratégia de Washington e o apelo e abertura ao diálogo por Seul, a Coreia do Norte apresentou como condições para o diálogo ser retomado o fim das sanções impostas pela ONU, um pedido de desculpas da
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Coreia do Sul e, por último, o fim das manobras militares conjuntas entre os dois países (PÚBLICO, 18/04/2013). As ameaças de uso da força foram gradualmente substituídas pela via da negociação. As aproximações através do diálogo foram-se seguindo, pondo de lado qualquer retórica inflamada ou possível uso da força, até se atingir uma relativa calma na região. Seul propôs a Pyongyang a abertura de conversações formais sobre Kaesong, fechado desde início de Abril, sob ameaça de “medidas sérias” em caso de recusa dando, também, um prazo de 24 horas para o Norte responder. (PÚBLICO, 25/04/2013). Pyongyang não respondeu, pois tal transmitiria a imagem de ter sido coergido, e como represália o Governo sul-coreano apelou ao regresso de todos os seus cidadãos que ainda se mantinham no complexo industrial. Pareceu a ruptura definitiva entre as Coreias relativo a Kaesong. No entanto, passado um mês, o regime norte-coreano avançou com uma iniciativa, através da Comissão para a Reunificação Pacífica da Coreia, para a visita de empresários sul-coreanos e de um eventual “fornecimento de produtos do complexo industrial” (PÚBLICO, 28/05/2013). Com o desanuviar gradual da tensão, Pyongyang propôs, através da Comissão de Defesa Nacional, a 16 de Junho a abertura de negociações ao mais alto nível com os EUA para assegurar a paz e estabilidade na Península Coreana, após ter cancelado um encontro com a Coreia do Sul. Apesar destes avanços pela via pacífica, a Comissão impôs condições para se iniciarem as conversações: 1) Pyongyang conservará o estatuto de potência nuclear e 2) os EUA não poderão exigir quaisquer condições, podendo apenas definir a data e o local (PÚBLICO, 16/06/2013). Com a adopção da postura negocial como forma para a resolução da recente crise, pode-se dar esta como terminada. Assistiu-se mais uma vez à estratégia norte-coreana. O status quo mantém-se na região. Esta não resolução para a crise satisfaz os interesses dos vários actores que interviram. Poderemos esperar mais crises semelhantes que irão pôr à prova a hegemonia norte-americana bem como a posição dos restantes actores na balança de poder na região, principalmente a da República Popular da China. Bibliografia Magalhães, Nuno Santiago de (2006). “Coreia do Norte, Anarquia e Poder Nuclear”. Relações Internacionais nº 10, pp. 85-105. Magalhães, Nuno Santiago de (2011). Portugal, as Nações Unidas e a Coreia do Norte Nuclear. Occasional Paper nº 51. Lisboa: IPRI-UNL Magalhães, Nuno Santiago de (2013). “Nuclear Strategy and Leadership Change in North Korea: Old Soju in a New Bottle”. Nação e Defesa nº 134, pp. 223-246. Lisboa: IDN.
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A SEGURANÇA NACIONAL: uma nova abordagem Rodrigo Cabral Fernandes Doutorando em Administração Pública na Universidade de Lisboa rmcabralf@gmail.com
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Resumo: O efeito da globalização eliminou as fronteiras da segurança, exigindo uma nova abordagem de carácter multidisciplinar, em diferentes domínios da sociedade: segurança alimentar, ambiental, energética, financeira, entre outros, sem deixar de considerar a bipolaridade da segurança. Do contrato social, às correntes políticas estruturantes actuais entre republicanos/ conservadores e liberais, estabelece-se uma ligação conceptual sobre a segurança. Uma concepção liberal favorece a desregulação e potencia a privatização da segurança, sem limites definidos. A gestão de crises exige, cada vez mais, estruturas de coordenação eficientes de modo a facilitar as tomadas de decisão. Para além da identificação de diferentes sectores da vida corrente e indispensáveis ao bem-estar social, as ameaças tradicionais à segurança mantêm-se, e viram-se, agora, com particular apreensão, mediante uma eventual utilização de armas NRBQ. Palavras-chave: Ameaças / Contrato social / Gestão de crises / Segurança. Abstract: Globalization eliminates the security borders, requesting a new approach considering different levels in normal daily life of citizens: safety and security on food, energy, and finances, beyond others, without missing a national and transnational approach. Since social contract until nowadays, political ideologies issues can be linked, concerning the concept of security. Crises management needs strong levels of coordination between institutional organizations to achieve quick decisions. Traditional threats are still available with particular focus on NRBQ weapons. Key-words: Treats / Social contract / Crises management / Security.
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Segurança Nacional Bem-estar e segurança são os dois objectivos de qualquer unidade política e que estão consagrados na Constituição da República Portuguesa (CRP)1 (Loureiro dos Santos, 2012:14). Ao falar-se de bem-estar, e transportando o conceito na saúde para a Protecção e Socorro, [itálico nosso], a importância que atribuímos ao nosso bem-estar, à nossa segurança e protecção, pode traduzir-se num princípio considerado fundamental na vida em sociedade: quando alguém necessita de socorro perante a ocorrência de um qualquer acidente ou emergência médica, estando limitado ou não, na sua funcionalidade e capacidade de viver, deverá ter a possibilidade de ultrapassar essa situação, ao ter direito ao acesso à segurança (prevenção) e socorro que necessita, independentemente da sua condição sócio económica (Barros, 2013:16). O princípio consagrado na CRP, no artigo 27.º – todos têm direito à liberdade e segurança - independentemente do conceito, 1 Os Artigos 273.º a 276.º da CRP, referem-se à Defesa Nacional como um conceito de defesa centrado na possibilidade de ameaças proveniente de uma guerra dita convencional, centrando o seu conteúdo nas Forças Armadas e a sua missão de defender e assegurar a independência e soberania nacional. Loureiro dos Santos (2012:36) faz referência à terminologia utilizada na CRP estar desajustada aos dias de hoje, separando o termo “Defesa” de “Segurança”, mencionando a doutrina da NATO e da União Europeia neste capítulo da segurança, advogando a elaboração de um novo Conceito Estratégico de Segurança Nacional, capaz de substituir e/ou complementar as actuais leis em vigor (Lei de Segurança Interna e Lei de Defesa Nacional) e adequar-se aos tempos de hoje, onde o fim da Guerra Fria alterou o paradigma do conceito de Defesa ou Segurança Nacional. Mendes (2012:123) ao referir-se ao artigo 27.º, n.º1 da CRP (“todos têm direito à liberdade e segurança”), interpreta-o e interioriza o conceito de segurança como aquele que contemple todo o tipo de ameaças e riscos e toda a reserva de meios que eficazmente os previnam e sejam igualmente eficazes na resposta às situações que possam ser geradas pela concretização de alguma dessas ameaças ou riscos. Para a efectivação desse objectivo há a necessidade de uma actuação e intervenção sistemática ou pontual, de uma diversidade de actores institucionais actuando numa lógica conceptual de integração, complementaridade e pluridisciplinaridade, lógica essa que obriga a uma definição de estruturas de coordenação eficientes. Tem por óbvio, que a heterogeneidade e complexidade do actual cenário em matéria de segurança implica uma abordagem ampla e integral, proactiva e baseada na informação que, colocada tanto no domínio do “security” como no domínio do “safety”, obriga à intervenção de um crescente número de actores participantes na gestão, reforçando a necessidade de existência de estruturas de coordenação eficientes, cujo papel será ainda mais determinante na articulação da resposta a situações que pela sua dimensão, efeitos ou consequências, transcendem os parâmetros de actuação isolada das instituições existentes.
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da interpretação e da implementação da própria segurança, tem reflexos na prossecução do sistema de Protecção e Socorro, porventura, classificado a jusante de todo o sistema, mas transversal a todos os actores e situações de risco e de crise. Se o bem-estar se apresenta associado a uma realidade e uma vivência de luta diária permanente, a que não deixa de se considerar alguma subjectividade sobre a definição do conceito de bem-estar nas sociedades de hoje, a segurança surge com uma novo paradigma, onde uma multiplicidade de factores, outrora inócuos ou inexistentes, hoje exigem uma nova abordagem ao problema da segurança. O efeito da globalização eliminou as fronteiras da segurança, outrora associadas às fronteiras terrestres, que hoje se diluem algures no planeta e que são potenciadoras de ameaças capazes de colocar em risco o interesse e a segurança nacional. Na definição desse conceito, o ponto de partida é o ambiente estratégico internacional marcado pela erosão das ameaças tradicionais e a emergência de novas ameaças e riscos, que determina um conceito2 de segurança alargado e cooperativo (Teixeira, 2009). Os tradicionalistas defendem uma aproximação à segurança3 numa perspectiva do Estado Nação e da possível existência de guerras entre Estados, enquanto uma outra corrente contrária, conceptualiza a segurança integrando o risco associado a alguns conceitos, entre outros, como a economia4, finanças, ambiente, energia e demais, numa abordagem global e interdisciplinar. Uma outra leitura complementar sobre segurança refere que esta é uma condição e está imbuída de valores e emoções, logo não é apenas um contexto alvo de discussão e análise, mas também uma contestação dos valores que lhe podem estar inerentes, enquanto um sistema normativo (Cavelty et al apud Kilodziej, 2010:11). Se desmultiplicarmos a abordagem efectuada por Loureiro aos objectivos inerentes ao imperativo constitucional do direito à segurança e bem-estar, a 2 Na Lei 66-B/2012, de 29 de Dezembro, sobre o Orçamento de Estado para 2013, o governo ao referirse ao Sistema de Segurança Interna, considera as informações, a segurança pública, a investigação criminal, os estrangeiros e as fronteiras e a protecção civil. 3 In view of the new and complex challenges for security policy, the term “security” is broadly defined to include military, political, economic and diplomatic actors and potential risks (Bundesministerium der Innem, 2010:5). 4. Segundo Bento (2012:243-257), no contexto de vulnerabilidade estratégica da economia nacional, com eventuais reflexos na segurança nacional, o défice comercial e os desequilíbrios macroeconómicos são as principais fragilidades a considerar. Sobre o défice comercial, esta vulnerabilidade deixa o país dependente de transferências financeiras do exterior para manter as contas equilibradas, ou de investimento estrangeiro para financiar os défices de forma sustentada, ou do recurso ao endividamento externo, enquanto as manifestações das deficiências estruturais da economia portuguesa no défice das contas com o exterior tem sido agravadas com os desequilíbrios macroeconómicos originados no descontrolo das contas públicas, endemicamente deficitárias. Considera, ainda, este autor que ao fazer parte de uma área monetária cuja moeda não controla, o excessivo endividamento do Estado e do país conduzirá a uma situação de dependência, de perda de liberdade de manobra e, em última instância, de soberania limitada com significativa perda de capacidade de projecção internacional de poder – hard e soft, constituindo, por isso, a sua principal vulnerabilidade estratégica nas condições actuais de funcionamento do mundo (em particular aquele em que Portugal se insere).
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análise a efectuar ao conceito de segurança abrange diversos domínios: segurança alimentar5, segurança sanitária6, segurança energética7, segurança marítima8, 5 Pinto (2012:51-64) identifica no sector da agricultura os seguintes aspectos sobre a problemática da segurança alimentar: (i) ameaças: a dependência do exterior (a dependência externa alimentar de origem agrícola, sem pescado, não sendo tão elevada ainda é muito significativa e muito cara para um pequeno país em situação económica difícil), a volatilidade dos mercados e a insegurança alimentar (Portugal é um importador líquido de alimentos, sobretudo de produtos cujos preços muito voláteis estão actualmente sujeitos a uma pressão altista, nomeadamente, os cereais, oleaginosas, carne, açúcar e alimentos compostos para animais), os riscos de pragas e doenças (no sector animal e vegetal), as alterações climáticas e os incêndios florestais (o valor múltiplo da floresta – económico, social e ambiental – é muito significativo, que se torna óbvio ter de o considerar como um sector estratégico para o nosso país); (ii) constrangimentos: estão associados às fortes limitações naturais (solos pobres, clima incerto e água para rega de acesso) e estruturais (idade dos agricultores elevada e pouca formação) que impedem possuir uma agricultura competitiva e uma dimensão significativa. 6 Gomes (2012:15-25) ao abordar a segurança sanitária, não deixa de considerar que o termo final e a última fronteira da ameaça, da instabilidade, da violência e da destruição é a saúde e a vida das pessoas, trazendo à consideração este conceito que considera relativamente recente e que parece ser insuficiente para abranger todo o potencial de risco sanitário que a globalização acrescentou à sociedade. Os cenários em que as ameaças (epidemias, catástrofes naturais ou provocadas pelo homem com produção de multi-vítimas e emprego de NRBQ) se concretizam são muitas vezes multifacetados e que exigem uma resposta multidisciplinar concertada, pelo que se torna indispensável a existência de uma estrutura organizativa dotada de capacidade específica para a abordagem à gestão do risco e das respectivas competências, mecanismos e meios de combate às crises instaladas. 7 Silva (2012:29-49) considera que a situação energética em Portugal é insustentável face ao balanço energético do país que mostra uma dependência de 85% de recursos exógenos. Contudo, considera que o País tem recursos para mudar o seu paradigma energético, assegurar um “mix” mais competitivo de diferentes formas de energia, optimizar o desenvolvimento de recursos nacionais, diminuir a dependência do exterior e garantir a competitividade da economia. Silva identifica oito ameaças à segurança energética: (i) os efeitos das altas de preços do petróleo na economia; (ii) a interrupção do fornecimento de petróleo e gás a Portugal, em particular este último; (iii) uma deficiente gestão de reservas nacionais de petróleo e de gás; (iv) a instabilidade geopolítica do norte de África, em particular da Líbia; (v) a competitividade económica da matriz energética;(vi) a eventual alteração das políticas de apoio às energias renováveis, limitando a procura de um “mix” sustentável da matriz energética; (vii) a limitação da infra-estrutura de produção e distribuição de energia; (viii) a reduzida concorrência que existe no sector da energia e apresenta algumas medidas para fortalecer a segurança energética, nomeadamente, concentrar no País a curto prazo, as reservas estratégicas de petróleo aumentando-as em 50%, passar de 28 dias para 80 dias as reservas de gás e diversificar os fornecedores de petróleo em mais duas ou três fontes. Da segurança energética à crise energética, Soros (2008:285) associa esta crise como uma verdadeira ameaça global, onde nem sempre é possível identificar algumas das suas ligações, não deixando de considerar uma verdadeira ameaça a interrupção da cadeia de fornecimento de petróleo, por acções bélicas terroristas perpetradas por extremistas islâmicos, referindo como exemplo, o ataque real de um grupo terrorista na instalação Abqaiq na Arábia Saudita a 24 de Fevereiro de 2006 (instalação com capacidade de processar cerca de 10% de todo o fornecimento energético global). Numa perspectiva de crise, mas não de terrorismo, acrescentamos a (inter)dependência da Europa (e da EU) do fornecimento de gás oriundo da Rússia. 8 Segundo Pitta e Cunha (2010:231-242), por mais irrelevante que seja a zona costeira de um país (vejase a Eslovénia e a Bélgica) deve reconhecer-se que os recursos marítimos e o acesso ao mar de um país são sempre importantes para a economia desse Estado e logo devem ser parte integrante e relevante do seu respectivo conceito de segurança e defesa. Identifica diferentes ameaças à segurança marítima: (i) sendo o mar e a sua extensa linha de costa um recurso marítimo de excelência, a maior ameaça é a inexistência de uma frota de marinha mercante (para evacuação de cidadãos nacionais, para reduzir a dependência do transporte rodoviário) de dimensão similar ao recurso marítimo; (ii) a penalização no futuro próximo, do transporte rodoviário pelas políticas europeias ambientais e climáticas numa lógica de internalizar os custos externos daquele transporte justificará uma aposta
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segurança ambiental9 (as ameaças e riscos a considerar interpenetram-se na análise de riscos no domínio da protecção civil: incêndios florestais, risco sísmico, acidentes industriais, entre outros), dinâmicas demográficas10, para além dos domínios próprios do security (segurança associada às forças de segurança e investigação criminal, ou antes segurança interna) e do safety (protecção civil e emergência médica, ou antes Protecção e Socorro). Esta abordagem e concepção abrangente da segurança, parece enquadrar-se nos conceitos dos New Security Studies, ligados à Copenhagen School que, apesar da sua abordagem multissectorial, não deixa de se “amarrar” a algum estato-centrismo, uma vez que concebe a segurança em função dos speech acts (qualquer evento ou conjunto de eventos antes ignorado, por exemplo, só o deixa de o ser se for “baptizado” securitariamente) que garantem uma lógica securitária, cuja matéria é remetida para além da agenda política comum – para uma ordem parametrizada por medidas de excepção (Correia, 2012:43). adequada no transporte marítimo; (iii) a ocorrência de catástrofes naturais (tsunamis) ou ambientais (derrames de hidrocarbonetos); (iv) a ausência de ordenamento costeiros que considere os valores ambientais e os equilibre com a necessidade de o país explorar uma economia do mar que terá, forçosamente de se apoiar na orla costeira; (v) inexistência de ordenamento para as zonas de espaço marítimo; (vi) a utilização do espaço marítimo para a utilização de actividades ilícitas e criminais (droga, contrabando, pesca ilegal); (vi) redução da capacidade operacional da Marinha de guerra portuguesa na execução de missões de vigilância, salvaguarda da segurança e da defesa nacional; (vii) os impactes ambientais negativos tais como, a erosão costeira, a subida das águas do mar, a salinificação de solos agrícolas, o aumento de inundações e cheias nas bacias hidrográficas, a acidificação do mar com as consequências que daí advêm para a cadeia trófica e os recursos marinhos vivos; (ix) a negação dos interesses e tudo que possa colocar em causa a prospecção e exploração dos recursos vivos e não vivos do fundo do mar profundo da nossa plataforma continental (sobre esta última ameaça, referência para Costa e Silva (2012)). 9 O ambiente surge como coluna vertebral de uma grande estratégia nacional, pois integra a capacidade de suporte à vida nacional prestada pelos ecossistemas, desde logo a água e o solo fértil, mas também as fontes energéticas endógenas, os serviços naturais da diversidade biológica, o mar, os recursos minerais, o capital simbólico dos lugares e das paisagens. A situação geográfica, as características geológicas, as condições climáticas, bem como as actividades socioeconómicas podem gerar catástrofes ou calamidades susceptíveis de originar elevadas perdas de vidas e de bens e causar alterações catastróficas para o ambiente e o património cultural. Marques aponta quatro desafios associados à crise global do ambiente com eventuais reflexos para o pensamento estratégico e segurança nacional: (i) a complexidade da crise ambiental, em particular na vertente das alterações climáticas; (ii) a escala e a natureza da ameaça da crise ambiental (as alterações climáticas são o melhor exemplo da globalização do ambiente); (iii) a aceitação dos limites dos meios militares para fazer face a esta nova ameaça; (iv) cooperação compulsiva entre os Estados e outros actores da política internacional (Marques, 2012: 259-270). 10 Rodrigues (2012: 205-229) reforça a importância dos estudos de índole demográfica como instrumento de apoio à decisão para as políticas de segurança e defesa, que apresentam potencialidades que não devem ser negligenciadas, uma vez que a segurança não sendo um dado adquirido, deverá pautar-se pela gestão sustentável entre comunidades residentes progressivamente mais envelhecidas, complexas e distintas, fluxos migratórios e necessidades em termos económico a escalas diversas (local, nacional e global), implicando uma preocupação com o nosso espaço e com o espaço geográfico que nos rodeia. Numa outra perspectiva, Silva (2013:38) relembra a diminuição progressiva e significativa das taxas de fertilidade, o aumento da esperança de vida e consequente envelhecimento das populações, factores que afectam directamente a problemática em torno da sustentabilidade do Estado Social.
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Transversal a todas as concepções de segurança ao longo dos tempos e também durante a guerra fria, permanece a bipolaridade na abordagem à segurança entre a segurança interna e segurança externa. Correia (2012:31) refere que, independentemente da experiência empírica não apoiar como antes esta dualidade na definição, a separação estanque entre segurança interna e externa tem implícito o processo imparável de globalização, esbatendo-se assim, esta separação na definição. A globalização faz emergir o Estado, quer como actor cada vez mais fraco perante este fenómeno global e, simultaneamente como figura central na abordagem e tratamento da segurança, do próprio Estado e do cidadão (Correia apud Ian Clarke, 2012:52). Parece, assim, que no campo político a distinção tradicional existente entre as esferas interna e externa, tende a esbaterse, não sendo fácil delimitar fronteiras entre a segurança interna e a externa. Associando às diferentes derivações ao conceito de segurança, Mendes (2012:127) não deixa de considerar importante e premente, a necessidade de estabelecer um Programa Nacional de Protecção de Infra-estruturas Críticas (PNPIC), decorrente da Directiva 2008/114/CE, do Conselho, de 8 de Dezembro que considera “as infra-estruturas críticas como um elemento, sistema ou parte deste […] que é essencial para a manutenção das funções vitais para a sociedade, a saúde, a segurança e o bem-estar económico ou social, e cuja perturbação ou destruição teria um impacto significativo no Estado, dada a impossibilidade de continuar a assegurar essas funções”. Numa outra perspectiva, Pereira (2012:20) aborda a questão da segurança associada à política. Da evolução do conceito de segurança desde o Estado Novo, onde a confusão entre as actividades de produção de informações, manutenção da ordem pública, investigação criminal e direcção do processo penal, às sucessivas revisões constitucionais que permitem identificar uma linha “securitária”, até à criação da Lei da Segurança Interna (associada ao conceito de defesa da ordem, da tranquilidade pública, da protecção de pessoas e bens, a prevenção da criminalidade e a salvaguarda das instituições democráticas, dos direitos, liberdades e garantias, para além da criação de vários órgãos de polícia criminal), a segurança é, indiscutivelmente, um factor relevante de coesão social e de desenvolvimento económico do país. A convocação da Protecção e Socorro é inadiável em situações de grandes catástrofes, integrando-se este sistema na estrutura e organização da segurança interna, parecendo ser universalmente aceite que o conceito de segurança reporta à salvaguarda do regime democrático e ao normal funcionamento das instituições, perante as (novas) ameaças e as tradicionais, tais como a criminalidade, a defesa e manutenção da ordem pública, entre outras, e a consequente protecção ao cidadão, parecendo, assim, manter-se o conceito tradicional de segurança. Outras diferentes análises e perspectivas podem ser consideradas sobre a segurança, numa óptica do tipo de governo e democracia, na Europa11 ou no novo 11 Ao falar-se de Europa e sobre os caminhos e futuro da União Europeia, o Federalismo ao surgir como uma alternativa possível e alvo de algum debate, apresenta, segundo Morgan (2008:4042) um argumento a seu favor, ao considerar a segurança dos cidadãos e dos povos, como um
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continente: republicanos ou conservadores, sociais-democratas e/ou liberais. Nestes últimos e no âmbito do seu pensamento liberal e considerando as diferentes correntes e ideias nesta linha política, nesta matéria, alguns parecem acreditar e considerar a importância dos efeitos pacificadores provenientes de uma economia liberal - os mercados12 - de uma interdependência e cooperação internacional. Contudo, e independentemente da escolha da abordagem a adoptar, quer de âmbito político, geográfico, populacional ou outro, a categorização em diferentes níveis – sistemas internacionais, subsistemas, unidades e subunidades (locais e/ ou regiões), indivíduos -, parece ser de considerar. Poderá ser a partir de um Estado (distrito/região) ou a um outro nível, que ocorrem os acontecimentos de origem, dimensão e consequências distintas e incertas capazes de afectar a segurança local e, por interdependência, um aumento do sentimento de insegurança, ao nível superior de regiões, Estados ou organizações internacionais. “Garantir a segurança de pessoas e bens é dever do Estado e indeclinável missão de soberania”, afirmação13 que pode levar a questionar qual a ideologia, o modelo de governação que melhor satisfaz essa afirmação e qual o modelo de execução das políticas públicas: se através do próprio Estado por entidades públicas dedicadas a esse fim, se através do recurso a entidades privadas, através de diferentes vias (contratação pública, concessão, associativismo, etc). Desde o século XVII, a teoria do Contrato Social fundamenta o monopólio do Estado no uso colectivo legítimo da força14 e/ou violência, assim como, a teoria do controlo bem prioritário, uma condição essencial para a plena liberdade e igualdade entre os cidadãos, capaz de garantir a liberdade individual e liberdade política e a conquista de níveis de bem-estar socioeconómico, dignificantes de uma vida digna em sociedade. Uma Europa alargada, federalista é capaz de se proteger melhor do que uma Europa pequena, intergovernamental com vários Estados Nação, proteger-se-á melhor das ameaças existentes, domésticas e internacionais. Este argumento secundariza a visão de Rawls que identifica como bens essenciais, a liberdade e os bens sócio económicos. 12 A este propósito e segundo Vítor Bento (2004:112), em termos económicos, o processo de globalização valoriza a lógica interna do capitalismo e o papel do mercado, alarga a competição económica à escala mundial, ao mesmo tempo que liberta a economia dos constrangimentos regulatórios presentes na escala nacional, favorecendo a eficiência económica, a criação de riqueza, o sucesso individual e a maximização da satisfação material, dando primazia aos efeitos da chamada distribuição primária do rendimento. 13 Do Ministro da Administração Interna do XIX governo constitucional a 1 de Fevereiro de 2012 em www.portugal.gov.pt, (acedido a 9 de Setembro de 2012) 14 Utilizando, ainda, a terminologia da “grande segurança”, constituindo-se esta entre as áreas de actuação própria dos militares e outras específicas das forças policiais, pode, eventualmente, hoje afirmar-se que a segurança tem vindo a ser delegada, partilhada, co-produzida, desestatizada a nível interno e externo (como maior exemplo internacional desta afirmação e que alguns assumem o carácter expedicionário da segurança é a crescente importância de empresas privadas de segurança, como a Blackwater, nos EUA), podendo gerar-se ou instalar-se a convicção que o conceito Weberiano de um monopólio do uso legítimo da força por parte do Estado está em crise, face a uma diversidade de actores, nacionais e internacionais, que passaram a fornecer serviços de segurança a privados e ao próprio Estado, numa lógica concorrencial e debaixo de uma regulamentação nacional (entre nós a publicação do diploma elaborado pela Assembleia da República, a Lei n.º34/2013, de 16 de Maio sobre segurança privada) conducente a um mercado concorrencial entre agentes do sector, mas à margem da regulação comunitária, nomeadamente, a
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democrático de forças armadas nas democracias ocidentais que procuram a segurança dos cidadãos. De Thomas Hobbes a Rousseau, a discussão instalouse sobre a autoridade do Estado no uso colectivo da violência para garantir a segurança do Estado e dos cidadãos, ou a legitimidade para aquele uso e controlo, apenas mediante uma representatividade democrática e legítima pelos cidadãos. Do contrato social à segurança e a sua privatização? Duas grandes linhas de pensamento de organização do Estado e o seu compromisso com o cidadão, revêem-se hoje e de uma forma teoricamente simplificada ao nível político global, em conservadores ou republicanos15 e liberais, cuja origem, formação e maturação do pensamento político encontra no Contrato Social algumas afinidades ou linhas mestras do pensamento político sobre o papel do Estado. Thomas Hobbes e Jacques Rousseau os principais filósofos pensadores, para além de James Madison, Stuart Mill, Milton Friedman, entre outros, ajudam a caracterizar as principais e diferentes correntes de pensamento político, que influenciam a abordagem da segurança do cidadão ou segurança nacional. Uma abordagem destes diferentes modelos de governação e de Estado podem ajudar a perceber como poderá ser cumprida a missão indeclinável do Estado, defendida pelo Ministro da Administração Interna do XIX governo constitucional de Portugal, não só numa perspectiva local (agora considerada estatal) mas também hoje, numa base supranacional, alterado o paradigma da segurança durante a guerra fria. Mediando entre Hobbes e Rousseau um período temporal de mais de um século, a perspectiva do contrato social e a garantia da segurança e o bemestar do cidadão alterou-se, evoluindo até aos dias de hoje e retractando-se nos Estados democráticos, com pensamentos políticos distintos mas não distantes. Associado à primeira linha de pensamento, Hobbes influenciado pela guerra civil inglesa (1642-51) considera que o cidadão no Contrato Social abdica do uso da sua própria (privada) força, transferindo esta para uma autoridade colectiva, o Estado, que tem o compromisso de zelar pela sua segurança, isto é, o tem o monopólio do uso colectivo e legítimo da força e da violência e algum poder coercivo (através do medo que se instala para dominar as vozes discordantes do Directiva 2006/123/CE, de 12 de Dezembro (Directiva Serviços). Este recente diploma parece vir a reforçar o facto, de a política e a segurança serem indissociáveis, assim como, a demonstração de algum grau de autonomia e decisão perante a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu, no que respeita a questões de política, defesa e segurança, deixadas à decisão de cada EM. A este fenómeno de privatização que, provavelmente, alguns classificariam como de desregulação, Correia (2012:29) vai para lá dessa simples leitura e considera que hoje, vemo-nos na iminência de coabitar num momento de desregulação da segurança, particularmente pela delinquência de anonimato e o seu carácter furtivo da criminalidade e do crime organizado. 15 A omissão de monarquias, também conservadoras, justifica-se pela sua menor expressão nos Estados ao nível global.
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poder do monopólio da força pelo Estado), de modo a assegurar a segurança do cidadão. Em oposição, se um ou mais grupos privados com recursos próprios direccionados para a segurança podem ser utilizados em defesa própria, actuando per si isoladamente podem provocar divergências16, situações que acabam por não assegurar a defesa global desses grupos, dessa cidade, região ou Estado. Rousseau concorda com Hobbes ao afirmar que a segurança apenas pode ser estabelecida através da colectivização dos meios de controlo no uso das forças armadas que, contudo, suscitam nele uma dúvida permanente, sobre a possibilidade de uso daquele poder contra os cidadãos e o não exercício da vontade geral. Não sendo a soberania outra coisa senão o exercício da vontade geral, ela nunca pode ser alienada e que o poder soberano, que é uma pessoa colectiva, não pode ser representado senão por ele próprio. O poder é susceptível de se transmitir, mas não a vontade (Rousseau, 1989:32). É através do Contrato Social17 estabelecido, não entre os cidadãos e a soberania, mas sim entre todos os cidadãos que conjuntamente constituem o Estado, a quem os particulares consagram a sua própria vida e lhes é (deve ser) continuamente protegida, garantida a segurança, abdicando estes de constituírem a sua autodefesa. A tese contratualista dará lugar a dois ramos distintos de concepção da sociedade e do poder político: a concepção liberal, originada por Loecke, e a concepção autoritária e potencialmente autoritária, segundo o pensamento elaborado por Hobbes e sobretudo por Rousseau (Vítor Bento, 2004:52).
16 Se quando o povo, suficientemente informado, delibera, os cidadãos não tivessem nenhuma comunicação entre si do grande número de pequenas divergências, resultaria sempre a vontade geral e a deliberação seria sempre boa. Mas quando há querelas, quando surgem associações sectárias à custa da grande associação, a vontade de cada uma destas associações torna-se geral em relação aos seus membros e privada em relação ao Estado: pode então dizer-se que não há tantos votos quantas as pessoas, mas sim quantas as associações. As divergências tornam-se menos numerosas e dão assim um resultado menos geral. Finalmente quando uma destas associações é tão grande que impõe às outras a sua vontade, já não temos por resultado uma soma de pequenas divergências, mas sim uma única divergência: então deixa de se manifestar a vontade geral e a opinião que prevalece é uma opinião particular. É pois necessário, para que se manifeste a vontade geral, que não haja sociedades parciais dentro do Estado e que cada cidadão manifeste a sua opinião própria (Rousseau, 1989:35-36). 17 Hoje, perante a crise do euro, crise da dívida pública, crise financeira e global que afecta a Europa e a União Europeia, Beck traz de novo à discussão a emergência de um novo Contrato Social, recordando Rousseau há mais de dois séculos que afirmava que as pessoas quando querem superar o estado natural podem chegar à liberdade e identidade na comunidade, através de um contrato social. Beck identifica a alavanca de poder que poderá permitir implementar o novo Contrato Social: modificar o cálculo de poder Merkiavélico da Europa alemã, isto é, em vez de condicionar a concessão de créditos à disciplina orçamental e às reformas neoliberais como acontece até à data, no futuro, transferir direitos de soberania, como a autonomia orçamental para a autonomia europeia e, assim, criar, passo a passo, a união política. Uma união política e uma estabilidade governamental transnacional que influencie positivamente os mercados, não deixa de condicionar o bem-estar e as condições de vida das populações e, consequentemente, a preservação da segurança, nacional e transnacional. Os dois grandes aliados deste novo Contrato Social necessário para a Europa são os mercados financeiros (que só poderão ganhar perante uma Europa política) e as populações dos Estados endividados, que protestam actualmente contra a política de austeridade neoliberal (Beck, 2013:105-107).
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Falar-se de segurança está directamente associado ao modelo de Estado em uso em qualquer região do mundo, tendo como base de partida um Estado de direito democrático, onde o cidadão confere legitimidade ao Estado (leia-se também governo), estabelecendo-se um contrato social a respeitar por ambas as partes e onde se cumpra, segundo Rousseau, a vontade geral, podendo esta ser interpretada como a razão de ser do cidadão e, também da razão de Estado. O actual recrudescimento do fenómeno do terrorismo internacional à escala internacional e uma nova fase de conflitos armados trouxe de novo ao centro das atenções a relação entre o sistema democrático (os seus valores e a defesa do espaço das liberdades individuais e colectivas que pretende garantir e valorizar) e a necessidade de políticas de segurança e de emergência destinadas a combater esta ameaça, tornando actual a temática da relação entre a razão de estado e a democracia, favorecendo, além disso, um alargamento das análises a domínios de investigação ignorados pela tradição do chamado realismo político18 (Arienzo, 2012:246). O campo de aplicação da razão de Estado situa-se no plano interno e no plano externo. Neste último, sendo a força justificativa da razão de Estado primordial a nível externo, ela carece de uma força argumentativa, correspondendo ao poder diplomático, militar, tecnológico, económico e geoestratégico do Estado que se serve dela para se impor perante outros Estados, e hoje, também, perante outras organizações internacionais. Em oposição, a razão de estado a nível interno é escondida e usada em último recurso e, quando levantadas dúvidas pelos governados, pode entrar em conflito com a letra e o espírito democrático. Hoje, o sentido corrente da expressão razão de estado não a enquadra no âmbito do Estado de direito, envolvendo, por isso, algum segredo de estado que favorece logicamente, os governantes correndo-se o risco de a sua utilização poder favorecer interesses particulares em detrimento do interesse nacional (Romão, 2012:19). Num processo irreversível de globalização, o contraste que se expressa entre right e might, entre liberdade e segurança, entre direito e necessidade, constitui uma das constantes da modernidade política ocidental e dos percursos constitutivos do paradigma político jurídico da soberania, em que se questiona se a razão de estado surge como uma norma de acção política, a lei motriz do Estado que diz ao homem político o que fazer para manter o Estado vigoroso e forte, sabendo que já não é um actor dominante em muitas questões, nomeadamente, no que respeita ao terrorismo e à ameaça à segurança nacional. Arienzo (2012:261) considera que a razão de estado opera através de duas declinações diferentes mas complementares, em que à primeira, a segurança como auto conservação (exprime a reflexão mais comum sobre a defesa do Estado e dos seus interesses vitais, a defesa da nação e da ordem política do inimigo externo e interno) se associa a segunda, a segurança como desenvolvimento (a intervenção sobre as populações e os indivíduos, sobre 18 O arquétipo do político uomo realista completa-se com notas raras: poucas vezes é um homem com poder, ainda que por acaso possa ser um político fracassado ou desiludido, que possui um carácter desconfiado e anticonformista, com têmpera de historiador e costumes de homem vencido e marginal, num plano político existencial (Molina apud Campi, 2012:212).
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as suas potencialidades produtivas e auto reprodutivas, como caução daquelas políticas que podem garantir o reforço do poder do Estado, mas também o daquelas dinâmicas de mudança e de obediência que regem os processos de governo), ou seja, a gestão dos processos de desenvolvimento económico, da disciplina e autodisciplina dos sujeitos, das construções do consentimento. A tudo isto, acresce que o homem de estado, o político, quando do recurso à força confronta-se com a oposição entre a moral e a política (ethos e cratos). Se a razão de estado como política de poder permite considerar estados de excepção – estado de sítio, estado de emergência e outras situações afins(?) - num contexto direccionado pelos caminhos da política democrática liberal na Europa onde nos inserimos, com uma redução das funções de redistribuição, outrora sinónimas do Welfare State e uma reordenação do Estado social (que passa pela individualização através do modelo do indivíduo auto empreendedor com uma inerente instabilidade e conflitualidade social), num cenário mais amplo no mundo globalizado, a razão de estado fica aquém da denominada security governance global, isto é, o tema da segurança coloca-se num plano superior que já não é apenas estatal e que fica para além dos limites da razão de estado. Parece elucidativa a definição de razão de estado apresentada por Borrelli (2012:279) que permite entender as fronteiras da sua actuação: razão de estado não é o imperativo em nome do qual se podem e se devem subverter todas as regras, trata-se, antes, de uma nova arte de racional do governo. Com efeito, razão de estado é em primeiro lugar, o exercício da razão como meio de conhecimento e vontade de orientação nas coisas que dizem respeito de modo exclusivo ao Estado, entendido como domínio sobre um âmbito territorial, de jurisdição e das condições de vida dos indivíduos e dos corpos. Democracia, aristocracia, monarquia são governos elencados por Rousseau e que hoje, segundo Foucault (Bento, 2012:284), assumem formas políticas estruturadas de acordo com a noção de governamentalité, onde as práticas e os dispositivos do governo aplicam-se de modo determinado a processos de subjectivação, nos quais o governo sobre a vida, se efectua reforçando as potencialidades económicas dos indivíduos e colocando no centro do governo a série de relações entre liberdade e segurança, ou seja, uma democracia política contemporânea que como governo misto vive desta matriz liberal. Hoje, e numa abordagem direccionada à segurança podemos considerar (ou sintetizar de forma simplista sabendo que podemos estar a cometer eventuais excessos na semântica e na sua classificação) duas ideologias ou famílias políticas atrás mencionadas, sem querer efectuar uma abordagem no campo da ciência política: os conservadores ou republicanos e os (neo) liberais. Estes dois modelos democráticos de procura e garantia da segurança nacional e internacional têm ao longo do tempo encontrado novas práticas e novos desafios que, segundo Krahman (2010:252) centram-se no crescimento de novas comunidades democráticas, assumindo-se como Estados nação a partir do século XVIII e, mais recentemente no século XX, como resultado da crise do serviço público causada pelos excessos cometidos pelos Estados nas guerras e a independência transaccional.
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A vontade geral expressa por Rousseau, não deixa, implicitamente, de considerar o bem-estar e a segurança dos cidadãos, porventura orientada e afectada pelo papel e função do Estado, decorrente de diferentes ideologias e pensamentos políticos ao longo dos tempos, desejados adequados às necessidades da sociedade. A abordagem à segurança nacional a estas duas grandes correntes de pensamento político ou famílias19, apresentam diferentes formas de abordar a problemática da segurança. Os liberais acreditam na superioridade do mercado e do reforço democrático pela fragmentação e limitação do poder do Estado. Competitividade Federal20, controlo fiscal e uma configuração standard ao modelo privado é, segundo Krahman (2010:253) característica desta corrente proposta por diversos teóricos e investigadores. A possibilidade alargada de escolha do cidadão entre a oferta pública e privada no campo económico, alarga-se, embora que timidamente ao campo da segurança, onde a dicotomia entre as forças militares públicas e privadas parece ser uma realidade nos EUA, República Federal da Alemanha e Reino Unido. Argumenta este autor que parece existir uma regra na política pública sobre o serviço público: “deverá ser tão abrangente e ampla para as efectivas necessidades e simultaneamente a mais pequena e reduzida possível”. Focalizando a segurança nacional no exemplo das forças armadas (que poderá abrir novos caminhos para novos nichos de mercados?), a existência de competição nos mercados entre a oferta pública e privada permitirá ao cidadão escolher perante uma oferta mais aberta e diversificada, que deverá estender-se nos diferentes níveis de ordenamento político – nacional, federal, regional e/ ou local – e que, neste domínio particular, exige a criação de diversas estruturas produtivas de segurança (exemplos práticos de competitividade na área militar são os diferentes fornecedores da NATO) de âmbito internacional. No campo da transparência e accountability, esta corrente liberal considera que o reforço do mercado e o aumento de competitividade permite conhecer os valores gastos por todos e pelo Estado e opta pela auto-regulação a cargo do próprio mercado. 19 Associada a uma lógica de tipificação de ideologias políticas ou Estados, Esping Andersen identificas três grandes tipos ou famílias de “Estados Sociais ou Estados Providência”: (i) Estado liberal em que o Estado encoraja modalidades privadas de assistência social oferecendo apoios sociais muito modestos (EUA, Reino Unido ou Austrália); (ii) Estado Providência social-democrata em que o Estado em vez de existir para apoiar o mercado, desenvolve-se para o substituir quanto possível (Suécia ou Noruega); (iii) Estado corporativista ou conservador que não é liberal nem universalista e assente em valores culturais religiosos e de corporações (Alemanha, França ou Áustria); (iii) Estados sociais relativamente recentes e pouco desenvolvidos baseados em regimes de protecção social com expressão forte em Estados autoritários e predominância do catolicismo (Portugal ou Espanha) (Silva. 2013:29). 20 Segundo Harmes (2006), no neoliberalismo a competitividade federal associa-se a uma governança de vários níveis ou multilevel governance. A defesa e a preservação dos mercados nos diferentes níveis de ordenamento – federal, regional e local – de modo a promover ou provocar constrangimentos na intervenção governamental reduzindo ou limitando as acções inter-jurisdicionais capazes de afectar o mercado, tem por objectivo procurar uma separação da esfera política da económica, ou seja, afirmar uma clara distinção entre ordens económicas incorporadas ou não com a política e assegurar que a ordem económica opera a um nível superior da ordem política, em qualquer nível de ordenação política.
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As novas ameaças à segurança nacional e internacional em associação às ideologias políticas e consequentes modelos de governança, têm vindo a promover a privatização na segurança internacional que, recentemente incluída nos estudos de segurança internacional refere-se ao incidente ou ao processo de transferir a tutela, controlo ou competências do sector público (Estado) para o sector privado (mercado). Internacionalmente a investigação e os estudos desenvolvidos centramse no desenvolvimento de um mercado21 para a existência de forças armadas e companhias de segurança privadas. Acresce a esta situação, a convicção das elites políticas dos EUA, Reino Unido e República Federal da Alemanha que, perante um novo quadro de ameaças multidisciplinar, a resposta a oferecer para a segurança de todos são, depois da polícia e serviços de informação, da ajuda económica, da diplomacia, das operações especiais e de outros mecanismos - os militares e o ramo militar - o último e único recurso disponível para enfrentar as novas ameaças à segurança (Sperling e Tossuti, 2007). Tal como os outros mercados, também as empresas nesta área são fortemente especializadas estabelecendo, por isso, diferentes relações comerciais com os seus clientes e adaptando-se às regras estabelecidas: formais (leis, regulação específica) e informais (códigos de conduta, normas de actuação, etc), evitando a conotação ou a associação com o mercenarismo. O surgimento da segurança privada traz para discussão uma questão essencial: explicar e entender a segurança privada internacional, incluindo as suas origens, o seu trabalho e a sua gestão e o seu governo. O porquê a perda de controlo no sector da segurança por parte dos Estados e o interesse dos próprios profissionais em ambos os lados (público e privado) neste sector, são alvo de estudo e investigação no campo da segurança, que conheceu um forte desenvolvimento após o termo da guerra fria, levando os Estados a reduzir os seus orçamentos e promovendo ou recorrendo a empresas privadas e profissionais do sector desempregados, tendo como resultado a criação de um mercado22 privado próprio. Nos EUA, perante o avanço e as mudanças nas tecnologias das armas, das organizações e em particular no Estado, com a corrente do New Public Management após o Fordismo, resultou num incremento do mercado orientado no sector da segurança privada que se estendeu a outros países mais desenvolvidos, no caso, na Europa, ao Reino Unido e à Alemanha. 21 No Afeganistação, a contratação de empresas de segurança paramilitares fortemente especializadas em diferentes domínios é uma realidade. Segundo a empresa Blackwater a contratação externa pelos EUA para o Afeganistão apresenta os seguintes números: (i) Base Support: 13 251 (12%); (ii) Common Support: 3 300 (3%); (iii) Construction: 10 064 (9%); (iv) Logistics/Maintenance: 23 688 (23%); (v) Security: 19 197 (17%); (vi) Training: 3711 (4%); (vi) Translator/Interpreter: 5 796 (5%); (vii) Transportation: 6 178 (6%); (ix) Others (Includes Defense Logistics Agency, Army Materiel Command, Air Force External and Systems Support contracts, Special Operations Command): 25 209 (23%), (acedido em http://blackwaterusa.com/contractors-who-needs-them?utm_source=Feb+9+BTW&utm_ campaign=BTW+Feb+9&utm_medium=email, a 10 de Fevereiro de 2013) 22 Leander (2010:200) refere que o mercado de forças armadas privadas duplicou entre 1990 e 1999, de 55 para 100 biliões de dólares, esperando-se que atinja 200 biliões de dólares em 2010, apontando como indicador de reforço destes números, a contratação de empresas privadas na guerra no Golfo e no Iraque.
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Será o mercado privado da segurança internacional, uma mudança no modo de actuação dos Estados e não um verdadeiro mercado autónomo, com as empresas ao serviço dos vários e diferentes Estados? Ou são as empresas actores privados genuínos autónomos actuando num mercado privado por conta própria com a sua idiossincrasia, as suas regras e normas? Sendo estas privadas (autónomas) ou não, os mercados associados são efectivos ou podem vir a ser realmente efectivos? As respostas a estas questões são difíceis de suscitar consensos e que, porventura, ao longo do tempo (e dos conflitos/crises) se irão encontrar algumas respostas face aos números envolvidos. O desenvolvimento de um mercado privado na segurança internacional coloca questões interessantes sobre como a segurança é organizada e difundida: (i) alterar ou reforçar o monopólio do Estado na legitimação da força privada e como esta altera ou pode alterar o monopólio do Estado neste domínio? (ii) ocorrer a revisão (forte ou fraca) dos normativos sobre a erradicação do mercenarismo? (iii) o dilema moral e natural do acesso a um direito privado, e aceder, neste caso, à segurança privada em situações em que a ordem pública falhou, que irá dirigir-se para aqueles que possuem recursos financeiros para o fazer e contribui para a degradação ou redução da segurança pública? (iv) a importância para a concepção e definição das ameaças, ao considerar que a segurança é, em parte, fornecida pelos mercados? Num sentido diferente do liberal e considerando que no domínio da segurança nacional, o Estado nação já não tem fronteiras bem delimitadas perante as ameaças transnacionais (acidentes naturais, degradação ambiental, terrorismo, crime organizado, etc), os republicanos entendem que a resposta para assegurar a segurança nacional decorre de duas formas: (i) a primeira é decorrente do contrato social, a vontade geral e aos laços entre os cidadãos e a sua comunidade para se “partirem” e se autonomizarem do Estado nação, neste domínio da segurança. Os cidadãos têm de se centrar num processo único de uma opinião política e crítica de uma denominada comunidade em que o acesso e participação no governo através de uma democracia participativa seja uma realidade, em vez de um processo democrático tradicional, também denominado “ a quasi natural people”, assente em compromissos sociais e identidades culturais (Krahman, 2010:259); (ii) a segunda pretende o reforço da segurança transnacional através da aposta e investimento em organizações internacionais23 (NATO, UE, OSCE, entre outras) com um escopo diferente do tempo da guerra fria, agora também direccionado para as novas ameaças e que permitirá, de certa forma, contribuir para a redução de forças armadas próprias, conseguir uma centralização na 23 As diferentes sociedades e os seus responsáveis têm vindo progressivamente a perceber que os problemas com que nos confrontamos a todos dizem respeito, pelo que a cooperação internacional tem vindo a aumentar utilizando os mecanismos herdados da Guerra Fria e criando outros que a realidade demonstra serem necessários. A ONU e as suas agências especializadas são um património de todos, insubstituível, que deve ser protegido e fortalecido, por muito que isso possa custar aos grandes poderes, como os EUA, necessitando, contudo de reformas profundas para se tornar mais eficaz e responder adequadamente aos problemas que surgem diariamente (Leandro, 2007:14).
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gestão da resposta às ameaças e reforçar as relações sociais transfronteiriças diminuindo o conflito interno e a ameaça do uso da força e da violência. A tabela n.º2 sintetiza os modelos de Estado, segundo as ideologias ou correntes políticas anteriormente mencionadas, no âmbito da segurança. Tabela n.º 2 - (Neo) liberais e Republicanos: modelos de Estado na segurança (Krahman, 2010: 263)
Factores
Corrente ideológica (Neo) liberal
Republicana
Âmbito geográfico
Local, nacional, transnacional, regional e global
Regional, global
Âmbito funcional
Descentralização no fornecimento de segurança por actores públicos e privados
Centralização no fornecimento de segurança direccionada para organizações internacionais e reforço da cidadania
Recursos
Descentralização no financiamento, propriedade e fornecimento de serviços de âmbito militar por actores públicos regionais e nacionais e actores privados
Financiamento centralizado no Estado e organizações internacionais e fornecimento de serviços de âmbito militar por organizações internacionais
Interesses
Interesses segurança
Interesses interdependentes comuns de segurança de âmbito regional e global
Normas
Soberania individual, responsabilidade, liberdade
Processo de decisão
Horizontal, autodeterminação
Hierárquica, voto por maioria
Implementação
Transnacional fragmentada e voluntária
Regional ou global centralizada e coerciva
Controlo e accountability
Limitação e fragmentação do controlo sobre serviços militares entre actores públicos e privados e controlo directo pelos cidadãos através de aluguer de serviços de segurança privada disponíveis no mercado
Participação governamental dos cidadãos a nível transnacional, regional ou global e cidadania activa na segurança internacional
diversos
individuais
na auto
Soberania regional ou global
As ameaças à segurança e a gestão de crises O paradigma convencional em torno da segurança internacional como resultante da possibilidade de conflito armado (guerra convencional) entre Estados, já não parece adequar-se aos dias de hoje nos países desenvolvidos e revela-se, em parte, inadequado num mundo global em mudança. A globalização incrementou uma interdependência e uma interconectividade social e económica, que trouxe um aumento da vulnerabilidade e um risco de potenciais conflitos, fenómeno que exige uma resposta às (novas) ameaças, para além do nível nacional, e requer uma colaboração e cooperação transnacional entre todos os actores envolvidos na segurança nacional em cada país e em todo o globo. As ameaças tradicionais do foro militar apenas têm espaço num lugar algo distante das novas ameaças 198
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emergentes - do terrorismo às alterações climáticas – que justificam uma nova abordagem global, interdependente a nível nacional e internacional e que justificam um “refreshment”, repool e recast das organizações que lidam com os fenómenos que afectam o bem-estar das populações, os bens materiais e o ambiente. (Arjen Boi et al, 2010: 452). Na União Europeia, apesar de haver um esforço comum em apostar num mecanismo europeu capaz de congregar todos os meios existentes na Europa a 28 e capaz de responder a qualquer evento disruptivo em qualquer lugar daquele espaço europeu, constata-se que coexistem nos vários países da UE, diferentes modelos24 de respostas às ameaças com diversas formas e estruturas organizativas por parte dos Estados (e com diferentes abordagens no relacionamento com o sector privado) em constante adaptação aos novos tempos e à necessidade de oferecer uma resposta global e efectiva. O final da guerra fria marca a viragem para uma nova abordagem e percepção da segurança internacional, constatandose nas tabelas n.º 3 e 4 que, uma década depois, as escolhas e prioridades em torno das ameaças alteraram-se.
24 No que respeita à Protecção e Socorro, dos EUA, à França, Reino Unido e República Federal da Alemanha, os sistemas são diferenciados, em particular nos EUA e Reino Unido onde se assiste à existência e fortalecimento de um mercado no transporte de doentes.
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Tabela n.º 3 - Percepção das ameaças pelos Estados nos anos noventa (Tossuti et al, 2007) Reino Unido
EUA
Alemanha
1.Guerra Civil
1. Estados párias
1. Colapso da democracia na Europa Leste e na Federação Russa
2.Estados Párias
2. Terrorismo, comércio droga, tráfico armas, crime organizado, migração
2. Guerra civil
3.Armas Destruição Maciça
3. Armas Destruição Maciça
3. Conflitos étnicos
4.Crime organizado
4. Estados falhados
4. Conflitos e instabilidade em países em desenvolvimento
5. Informação Tecnológica
5. Serviços inteligência estrangeiros
5. Degradação ambiental
6. Degradação ambiental
6. Ameaças ambientais e de saúde
6. Migração 7. Proliferação de armamento 8. Armas de destruição maciça
A tabela n.º4 apresenta uma diferença significativa na percepção das ameaças, decorridos alguns anos e após o ataque25 terrorista de 11 de Setembro de 2011 às torres gémeas, em Nova Iorque. Tabela n.º 4 - Percepção das ameaças pelos Estados em 2006 (Krahman, 2010: 244) Reino Unido
EUA
Alemanha
1. Terrorismo
1. Terrorismo
1. Terrorismo
2. Degradação ambiental
2. Instabilidade macro-económica
2. Degradação ambiental
3. Desastres naturais
3. Ataques biológicos e químicos
3. Cyber ataque
4. Instabilidade macroeconómica
4. Degradação ambiental
4. Instabilidade macro económica
5. Narcotráfico
5. Ataques nucleares e radiológicos
5. Pressões migratórias
6. Ataques biológicos e químicos
6. Guerra convencional
6. Desastres naturais
7. Pressões migratórias
7. Cyber ataque
7. Narcotráfico
O desafio para as sociedades europeias, todas afectadas pelas mudanças causadas pelas carências de vária ordem e não isentes de agressões severas, justificam as necessárias políticas de acolhimento, políticas de integração e 25 Causou 2981 vítimas mortais, enquanto o número de mortes nesse mesmo ano resultantes do tráfico diverso atingiu o valor de 42643 óbitos. Contudo, o impacto do ataque terrorista teve uma grande repercussão nos mercados financeiros nos EUA, enquanto o número elevado de mortes de tráfico nunca atingiu esse impacto.
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políticas de assimilação em todo do espaço europeu, para cobrir um vazio que muito tem sido causado pelo efeito de uma teologia de mercado, porventura alheada das exigências necessárias à segurança e também do padrão dos direitos do homem. O resultado alarmante são as colónias interiores, com a expressão física em bairros degradados, a quebra de confiança da sociedade civil, a criminalidade inerente à vida sem esperança, um facto evidente em todos os países europeus (Adriano Moreira, 2009:34-37). Actualmente, e para além da consideração nas grandes urbes das citadas colónias interiores, mantém-se a preocupação principal com o terrorismo e a consideração das ameaças ambientais, como algumas das principais preocupações para a segurança global, segundo a NATO e indicadas na tabela n.º 5. Tabela n.º 5 - Principais riscos e ameaças à defesa e segurança dos países NATO Conceito estratégico da NATO, 2010 1
Proliferação de ADM (armas químicas, biológicas, radiológicas e nucleares)
2
Terrorismo
3
Tráfico de armas, narcóticos e pessoas
4
Ciber ataques
5
Infra-estruturas críticas
6
Ameaças ambientais
Influenciado ou não pelas abordagens internacionais sobre um contexto de segurança nacional e transnacional, o conceito estratégico de defesa nacional (CEDN), identifica as principais ameaças e preocupações capazes de colocar em risco a segurança nacional. A tabela n.º 6 elenca as principais ameaças capazes de fazer perigar, de certa forma, a coesão nacional. Tabela n.º 6 - Principais riscos e ameaças à segurança nacional Conceito Estratégico de Defesa Nacional, Portugal, 2013 1
Terrorismo
2
Proliferação de ADM
3
Criminalidade transnacional
4
Cibercriminalidade
5
Pirataria
6
Desastres ambientais
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As diferentes ameaças parecem justificar uma abordagem global para responder aos novos problema e aos novos desafios, não dissociando os domínios da protecção civil26 (acidentes naturais e/ou tecnológicos) dos domínios de outros eventos disruptivos resultantes das novas ameaças emergentes anteriormente identificadas, independentemente da sua tipologia, origem, causa, características, vivências de ocorrências nefastas, etc, considerando-se uma gestão de crises global às ameaças emergentes identificadas. São diversas as definições sobre gestão de crises27 entre os investigadores nesta área que, contudo, parecem estar de acordo em alguns conceitos fundamentais sobre a gestão de crises: ameaça, urgência e incerteza. Rosenthal define crise como uma séria ameaça às infra-estruturas básicas e às normas e valores fundamentais da vida em sociedade, que sobre pressão e um grau elevado de incerteza, necessitam da tomada de decisões vitais. A diversidade de fenómenos adversos e a ocorrência de condições quase impossíveis para os gestores e responsáveis pela gestão da crise da tomada de decisões imediatas, surgem indistintamente e independentemente da causa, a saber: desastres naturais e ameaças ambientais, crises financeiras, ataques terroristas e captura de reféns, epidemias e declínio de infra-estruturas essenciais à vida em sociedade (Arjen Boin et al apud Rosenthal, 2010: 453). As diferentes e inúmeras ameaças surgem de diferentes formas, das causas naturais à participação do homem (erro ou falha humana ou acção premeditada) e constituem-se como sistemas nefastos de uma complexidade elevada, situação que deverá exigir do homem, das entidades institucionais, dos governos e dos Estados uma aposta na prevenção, como forma de reduzir alguma incapacidade existente de reconhecer o surgir da ameaça e actuar de forma pró activa e não reactiva. Sobre este último aspecto, Arjen Boin et al (2010:455) refere três razões para a incapacidade de detectar28 a iminência de ocorrência de uma crise potencial: (i) na 26 Sendo o domínio central da protecção e socorro os desastres naturais, a análise das tabelas n.os 3 e 4, permitem uma conclusão imediata: os desastres naturais têm uma abordagem distinta mas perceptível, com uma gradação elevada no Reino Unido e uma omissão nos EUA. Esta situação pode ter como justificação, a vivência e o conhecimento da repetição dos fenómenos naturais adversos, que obrigaram a um grau de preparação e resposta permanente, situação que poderá justificar a opção de omissão desta ameaça, uma vez que pode ser considerada como normal a resposta a estes eventos. Atente-se no ciclo repetitivo dos furações, tornados, cheias, incêndios florestais que todos os anos afectam os diferentes Estados federais dos EUA e que, quase sempre, parecem passar a mensagem pelos órgãos de comunicação social, como situações habituais e controladas, embora com significativos danos pessoais e materiais, se equiparados proporcionalmente à grandeza e desenvolvimento com outros Estados menos desenvolvidos, em que aqueles fenómenos naturais ocorrem com uma expressão catastrófica significativa e capazes de afectar as normais condições de funcionamento de uma região ou do próprio País. Por outro lado, o fenómeno da degradação ambiental com o esgotamento dos recursos naturais e o não assegurar um desenvolvimento sustentável, indirectamente, faz aumentar o risco de outras ameaças, nomeadamente os desastres naturais, agora como resultado da acção humana. 27 Em Portugal, a gestão de crises era, até à publicação do Decreto-lei nº 73/2012, de 26 de Março, uma atribuição do Conselho Nacional de Planeamento Civil de Emergência, entidade pública dotada de autonomia administrativa na dependência do Ministério da Defesa, onde a Presidência daquela entidade era assegurada pelo Primeiro-ministro. 28 A crise financeira iniciada em 2008 parece ser o exemplo mais carismático e elucidativo.
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rotina, a dificuldade em perceber que algo já não parece estar a funcionar de forma normal; (ii) a subjectividade existente na apreensão e definição de um processo que, no cidadão, pode assumir uma percepção de algo anormal e perturbador, e no político ou decisor, a leitura pode ser distinta, normal ou de rotina; (iii) os governantes lidam permanentemente com problemas urgentes que podem vir a desviar ou reduzir a atenção para um eventual problema (ou ameaça latente). A percepção e priorização das ameaças mencionadas nas tabelas n.os 3 e 4 exigem, ao nível transnacional e nacional, respostas adequadas que dependem da tomada de decisões críticas (independente da dimensão da ameaça ou crise) e da coordenação de todos os agentes envolvidos com a sociedade civil, que num campo mais prático ou táctico, parecem poder exigir uma aglutinação de políticas internas e de recursos existentes - os civis e os militares. Esta direcção ou esforço de coordenação para encontrar uma capacidade resiliente estruturada tem vindo a alterar-se na Europa, verificando-se, apesar das distintas e diferentes políticas internas de cada país da UE na segurança contra quaisquer crises, coexistirem diferentes modelos de organização institucional nos países. A existência de apenas uma UE monetária e não política (ou federalista) e o estádio de desenvolvimento dos diferentes países, onde a regionalização parece poder ser uma das diversas causas de desenvolvimento (porventura no sector da Protecção e Socorro), potencia que cada Estado encontre os melhores modelos de organização institucional de resposta às ameaças e crises, facto que levou, a partir de 2004 e 2005, algumas mudanças29 institucionais e organizacionais em França, Alemanha e Reino Unido no domínio da protecção civil e na gestão de crises, numa perspectiva de abordagem global. A importância dada à gestão de crises parece ter vindo a apresentar alguns sinais de mudança no modelo de organização e gestão de crises em alguns países mais desenvolvidos (anteriormente referenciados) com uma governação assente no Federalismo e na regionalização, em que apresentam na cúpula do Estado (leia-se governo), sistemas de gestão30 de crises concentrados directamente ligados 29 As mudanças referidas, em particular na República Federal da Alemanha e na República Francesa, vêm ao encontro das afirmações de Leandro (2007:16): se no passado e em termos históricos, se poderia separar a segurança militar (ameaças externas) da segurança interna e da segurança (protecção) civil, hoje a situação é completamente diferente, as áreas sobrepõem-se e tudo deve ser concebido, estruturado e planeado de modo integrado ao nível da estratégia total (topo do Estado) até chegar, para o planeamento e execução, à autarquia, à empresa, aos serviços, à escola, ao hospital, às estradas, aos portos e aos aeroportos, aos complexos desportivos, etc, até ao cidadão, de modo a que ninguém fique de fora. 30 Relembrando Harmes (2006), a propósito da sua investigação sobre o neoliberalismo e os sistemas multiníveis de governança (Neoliberalism and Multilevel Governance), a associação a efectuar entre o sistema político/governo respectivo com o modelo particular para a gestão de crises (seja ela qual for), o sucesso na sua implementação relaciona-se com a autonomia das regiões, a Federação de Estados ou a regionalização, pois é no local onde ocorrem as crises que surge a primeira resposta e onde deverão estar os decisores políticos e os meios imediatamente disponíveis, cumprindo-se o princípio da subsidiariedade. A este propósito, Bento (2004:19) considera a sua aplicação para regular a actuação de organizações sociais que se encontram integradas numa determinada ordem “hierárquica” e estabelece que as organizações de ordem mais elevada (ou mais complexas) apenas devem intervir supletivamente na resolução de problemas, quando a intervenção necessária não
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ao decisor político máximo (em gabinetes ministeriais), o primeiro-ministro ou equivalente, de forma a assegurar uma permanente monitorização e controlo da situação, para que a decisão vital a tomar (segundo Rosenthal) seja imediata, a mais assertiva possível e a quem de direito. A ocorrência das ameaças identificadas têm em comum, o gerar de condições difíceis para aqueles que têm de responder à emergência através de decisões urgentes, uma vez que a ordem recorrente das instituições apresenta sérias dificuldades em funcionar no imediato. Os investigadores neste domínio podem analisar as crises de diferentes ângulos; (i) como é que percepções generalizadas de gabinetes/grupos políticos e pequenos grupos dinâmicos afectam as decisões críticas a tomar em situações de crise; (ii) a necessidade de considerar outros fenómenos para além daqueles associados aos assuntos militares; (iii) a diversidade das ameaças que alargam o espectro da crise; (iv) a tomada de decisão sobre pressão pelos decisores ou gestores da crise; (v) a informação e comunicação entre os actores da crise (vítimas/gestores), as partes interessadas, os OCS e a população; (vi) a análise aos comportamentos psicossociais da população perante a variedade de riscos (aceitam uns e ignoram outros, como por exemplo fumar ou guia sem cinto de segurança). As situações de crise são decorrentes em função da ameaça ao agente, do sismo ao erro humano, de uma complexidade elevada por via de sistemas fortemente acoplados ou interligados que fazem crescer a ameaça a níveis, por vezes nunca vistos e condicionados pela inabilidade de uma organização/ instituição, um município, região ou país, em reconhecer a gravidade da ameaça e do risco e atacar o problema pela raiz (prevenção). A complexidade e as longas cadeias e ramificações de um acidente nunca se confinam ao risco específico e à tecnologia inerente, mas espalham-se com dimensões e gravidades distintas (como exemplo, a recente crise financeira com origem na banca americana espraiou-se por todo o globo originando um declínio económico-financeiro generalizado, em cadeia ou redes, situação porventura difícil de detectar, mas que justifica uma actuação preventiva). A resposta às crises nos dias de hoje tem de se associar a uma resposta em rede que compreende um largo e variado número de respostas por parte de diferentes organizações, que têm de trabalhar em conjunto, o que requer uma multidisciplinaridade de áreas de organizações e instituições públicas e governamentais, de modo a que a resposta seja dada comummente com uma maior probabilidade de implementação e sucesso. A gestão de uma crise requer flexibilidade, improvisação, redundância e a quebra de algumas normas e regras, “skills” estes que podem ser adquiridos através de treino e simulações (Arjen et al apud Boine, 2010:457). Os governantes lidam esteja ao alcance das organizações de ordem inferior (ou de menor complexidade), é um princípio de descentralização, destinado a limitar a centralização de poderes e a preservar a liberdade pessoal. Acrescenta-se que o princípio da subsidiariedade na Protecção e Socorro está consagrada na Lei de Bases de Protecção Civil, contudo, a realidade demonstra a sua não aplicação (como exemplo carismático temos os incêndios florestais).
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permanentemente com problemas urgentes todos os dias, como tal, a atenção dedicada a um particular problema retira toda a atenção de outros, pelo que, para uma situação ou problema emergente fazer parte da agenda política tem de ser apresentado de uma forma clara e como um obstáculo institucional e político. Habermas (2011) considera que a gestão de crises tem de ser vista não só como a capacidade dos governos e das instituições públicas e das políticas públicas, mas sim como uma profunda, controversa e intensa actividade política. Deste modo, na prevenção de crises é necessária uma estratégia, onde há que retirar proveitos de situações associadas às “emergências” já conhecidas ou vividas. A intensidade ou extensão da crise pode não ser determinada ou interpretada pela natureza da ameaça, o grau de incerteza, a volatilidade e a potencialidade de longo alcance nas implicações negativas que possam ocorrer, mas sobre o que as pessoas pensam ou fazem dela. Desastres naturais ou tecnológicos, guerras tradicionais, terrorismo, criminalidade e outras ameaças exigem uma efectiva capacidade de gestão de crises que envolve uma multidisciplinaridade de actores e domínios de intervenção. As ameaças Uma utópica república mundial, lema de uma eventual estirpe de projectistas da paz, foi desacreditada pela multiplicação de poderes de facto que, pela linha do mercado tendem a querer centralizar a gestão da economia (G8), sem lei conhecida, enquanto pela linha do poder político algumas unidades estaduais tendem a reduzir em parcelas outros Estados, que derivam para Estados exíguos, isto é, sem capacidade para realizar as finalidades que inspiraram o aparecimento do modelo. Surgem poderes atípicos, como a Al-Qaeda que, sem território, sem povo, sem declarar o objectivo final (?), incorporam valores religiosos no seu conceito estratégico, conseguem ferir a superpotência sobrante, em pontos vitais da confiança da sociedade civil americana e em pontos vitais da confiança dessa sociedade civil no Estado. O terrorismo global desenvolveu um novo conceito, que é o do Estado sem território, destinado a fidelizar essas populações a um poder, eventualmente errático (Adriano Moreira, 2009: 112). A cidadania de residência a ser considerada como uma das alternativas de resposta ao denominado terrorismo global, parece esbarrar no fenómeno do islamismo31 europeu, a que não se pode dissociar as denominadas colónias32 interiores mencionadas por Adriano Moreira, as quais 31 Do islamismo ao fundamentalismo islâmico, uma leitura se pode retirar, as coisas ou estão de acordo com o Islão ou se opõem a ele. As pessoas são crentes (muçulmanas) ou não são crentes (kafir); o território é terra de Islão (Dar-al-Islam) ou é terra de pagãos (Dar-al- Harb); a guerra é justa (jihad) ou não é justa (fitna). Mas, como admite a contradição mais permanente que está na base do fundamentalismo, é entre o bem terreno, o progresso material e o bem da Umma, a comunidade dos crentes, o bem espiritual que antecipa o paraíso (Adriano Moreira apud Martinez, 2009:127) 32 Numa outra perspectiva mas com uma eventual analogia a efectuar em termos de exclusão social, Vítor Bento (2004:115), a propósito dos efeitos negativos da globalização e dos seus efeitos, menciona uma linha de fragmentação entre aqueles que, a nível universal têm acesso e adquirem o
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os Estados da UE não conseguiram garantir uma integração social, económica e cultural plena, com os próprios europeus residentes. Estas colónias, segundo Moreira, não deixam de poder ser consideradas como fonte de recrutamento de activistas islâmicos residentes nos próprios alvos: o ocidente, principalmente (União Europeia e EUA). Arienzo (2012:266) reforça a preocupação pela segurança centrando-se na mesma ideia das colónias, mencionando o fenómeno da imigração, em torno da qual giram grande parte dos discursos sobre a segurança do Estado, sobre a identidade nacional, sobre a criminalidade, os quais contribuem para reforçar as tendências para a rigidez dos sistemas políticos democráticos e para a redução dos seus espaços de inclusão. Contudo, a premissa maior de todas as interpretações e que também atinge o terrorismo é a globalização, que fez com que a sua análise identificasse uma série de capítulos, designadamente, o crime transnacional organizado e a segurança internacional, o crime transnacional e a globalização económica, a liberalização e o crime financeiro transnacional, a cooperação entre organizações criminosas, originando uma frente jurídica internacional. Segundo Adriano Moreira (2009:222), o globalismo cuja vertente económica é sempre a que merece mais atenção, tem a variável do terrorismo no seu passivo, onde a fronteira desse adversário está em qualquer lugar do mundo onde estejam os seus interesses, estando a fronteira geográfica do ataque no seu território, onde o poder terrorista decidir intervir. O terrorismo é uma forma especial de violência. É uma tentativa deliberada de um grupo, uma organização (um governo) criar um clima de medo com o objectivo de intimidar um alvo definido, um grupo social, um governo ou uma organização comercial, com o propósito único de forçar a mudança no seu comportamento, na sua política. Se o terrorismo tradicional tinha uma base nacional, uma estrutura hierárquica e um alvo bem definido, hoje existe um novo tipo de terrorismo, que tem uma base teocrática, uma estrutura fluida, uma geometria variável de meios33 e procedimentos e alvos indiscriminados (Teixeira, 2006-2009). Adriano Moreira (2009:217) apresenta alguns conceitos operacionais domínio das novas tecnologias e a possibilidade de novas oportunidades criadas pela globalização, consubstanciadas por “elites globalizadas” (os que vivem no tempo) e as “massas localizadas (os que vivem no espaço). Segundo o autor, não será de surpreender que as massas localizadas se descomprometam do bem comum da comunidade e da solidariedade comunitária e dêem origem a um “jogo alternativo”, onde a elite globalizada seja confrontada com o seu inimigo existencial e como alvo do seu próprio sucesso. O mesmo poderá suceder, com as devidas adaptações, na escala internacional, onde se possam desenvolver focos de conflitualidade social e de violência, expressas nomeadamente, no aumento da criminalidade e do terrorismo, podendo colocar em risco a segurança pública. 33 A utilização de aviões comerciais (atentado de 11 de Setembro), de engenhos explosivos de potência e localização variada (Oklaoma em 1995, Bali, Indonésia em 2002, Casablanca em 2003, Madrid a 11 de Março de 2004 e Londres em 2005), de actos isolados simbólicos de homicídios de militares europeus (Reino Unido e França, em Junho de 2013), não deixam de incrementar a preocupação e a incerteza quanto ao modus operandi numa qualquer acção terrorista, onde a possibilidade de utilização de armas de destruição maciça parecer poder afigurar-se como a maior preocupação emergente.
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que podem a ajudar a racionalizar a grave questão do terrorismo, designadamente, o ter sempre como referência nuclear o facto de inocentes serem objecto assumido da destruição intentada, sendo usados para quebrar a resistência da sociedade civil e o Estado, de modo a provocar a sua transferência para um poder emergente (à semelhança do que aconteceu na luta anticolonial). Complementar a qualquer definição de terrorismo, é a sua perspectiva segundo diferentes abordagens: (i) terrorismo e/enquanto crime; (ii) terrorismo e/enquanto política; (iii) terrorismo e/enquanto guerra; (iv) terrorismo e/enquanto comunicação; (v) terrorismo e/ enquanto fundamentalismo religioso (Noivo; 2012:77). Esta complementaridade na definição parece importante, porque permite entender melhor a fluidez dos conceitos tradicionais anteriores sobre segurança interna e segurança externa e associada também ao fenómeno da globalização. Segundo Wilkinson (2010) há que considerar diferentes tipologias de terrorismo: (i) entre Estados e não Estados; (ii) internacional ou doméstico/interno; (iii) por grupos “corrigíveis” ou “incorrigíveis”, isto é, os primeiros grupos são aqueles abertos a um diálogo, a uma via diplomática, enquanto os segundos, mais extremistas só podem ser exterminados à custa de um combate permanente e à luz das leis existentes, pois não admitem diálogo; (iv) em função dos objectivos dos grupos, alguns pretendem obter publicidade para a sua causa, a obtenção de fundos e o recrutamento de militantes. A esta classificação de terrorismo não se pode deixar de conectar este fenómeno de violência à religião34 (Islamismo e Jihadismo), cuja ligação, sendo anterior à modernidade, parece poder ser explicada em parte, pela importância que os rituais de sacrifício têm ou tiveram em diversas práticas religiosas. Os investigadores neste domínio consideram haver duas abordagens distintas sobre o terrorismo nos EUA e na Europa. Os EUA assumem um papel de internacionalizar a luta contra o terrorismo através da implementação de medidas a adoptar à escala internacional (via convenções), como forma de prevenção em todos os lugares onde têm interesses ou que possam afectar os mesmos. Na Europa a postura é diferente, optando-se pela implementação de legislação antiterrorismo de modo a apoiar as autoridades competentes (polícia, informações) e demais entidades, de modo a levar os terroristas ao tribunal e ser 34 O Islamismo pode ser definido como um conceito que abarca várias interpretações, segundo as quais, o Islão, mais do que uma religião, é o alicerce de todo o funcionamento social e da organização política, que vê em Alá a única fonte de legitimidade política e que tem na xária, o código de regulação social encarando a comunidade de crentes (umma) como a unidade política relevante. Os islamismos, através das várias escolas de pensamento, consideram ser necessário conhecer e distinguir as características do objecto em estudo, destacando-se daqui as minorias que optam pela utilização da violência, enquanto instrumento de acção política com uma estratégia que entendem dever ser o dever religioso da Jihad, de cujas fontes (o Islão) permitem referir que a palavra Jihad é esforço. Jihad maior (jihad al-akbar) ou o esforço interior que qualquer muçulmano se deve sujeitar com vista ao seu aperfeiçoamento espiritual e Jihad menor (jihad al-ahgar), a defesa da umma e a disseminação do Islão mediante a utilização da violência. Os jihadistas contemporâneos, cuja face mais visível parece ser a Al-Qaeda, subscrevem uma concepção binária do mundo, em que a pureza e a bondade do Islão estão sob o ataque do hedonismo, da heterodoxia, da perversão e das ambições imperialistas dos países não muçulmanos (Noivo, 2012:81).
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feita justiça. A própria abordagem e investigação sobre o terrorismo apresentam contornos diferentes dos verificados há alguns anos passados, nomeadamente sobre o “modus operandi” dos grupos/organizações terroristas: nos anos noventa os grupos terroristas pretendiam ter muitos cidadãos a assistir às suas acções mas com um número reduzido de vítimas mortais, hoje, a Al-Qaida pretende de igual modo, muitos assistentes, mas acrescenta a necessidade de provocar o maior número de vítimas mortais. A grande questão que se coloca perante a inexistência de fronteiras para o terrorismo é se poderá (e quando) ser ultrapassada a utilização de explosivos convencionais em favor das armas NRBQ ou se será adoptado perfil da guerra electrónica sabotando os sistemas de informação e comunicações de que dependem as sociedades mais desenvolvidas, ou os principais alvos. Parece existir um consenso entre os investigadores que sem a resolução do caso da Palestina não será possível encontrar ou adequar uma estratégia eficaz contra o terrorismo. Numa perspectiva mais abrangente de segurança (interna) e para além do terrorismo propriamente dito e dos fenómenos disruptivos com efeitos visíveis e directos, tais como, os desastres naturais e tecnológicos de origem humana, o cyber crime, entre outros, o Special Eurobarometer 371 revela que os grandes desafios no domínio da segurança interna que a Europa tem de enfrentar no imediato são a crise económica e financeira (34%), o terrorismo (33%), o crime organizado (21%) e a pobreza (28%) (EC, 2011:8-9). As ameaças de terrorismo pela AlQaida e as suas ligações e ramificações deverão manter-se activas nos próximos anos (mesmo após a morte do seu líder), pelo que, os Estados, os governos, e as entidades que concorrem para o bem-estar e segurança das populações - os serviços de informação, as forças de segurança, o sistema judiciário, a imigração e as alfândegas, a emergência médica, o sector privado, a sociedade civil, os órgãos de comunicação social - deverão ter os seus planos de contingência e preparar uma resposta conjunta e global (Wilkinson, 2010:137). A eventual colaboração mútua entre a Síria, o Irão e a Coreia do Norte parece ser, actualmente um novo caso de proliferação de armamento nuclear, onde os Estados com capacidades reduzidas na área científica para a produção deste tipo de armamento, acolhem o apoio de outros países para desenvolver programas relacionados com o armamento nuclear. Por outro lado, à margem destes programas surgem indícios que outros actores – o crime organizado, empresários sem escrúpulos e mesmo grupos e organizações terroristas – apresentam e manifestam interesse e à margem dos Estados de forma clandestina, pela aquisição deste tipo de produto (Wirtz apud Zaitseva, 2008). As armas químicas são o resultado da nova indústria química que emergiu no final da década do século dezanove. O processo produtivo, por exemplo de material químico como os pesticidas podem rapidamente ser alterados e modificados para serem utilizados como armas químicas, difíceis de gerir num teatro de operações (guerra, terrorismo urbano ou acidente) em grandes quantidades, independentemente da existência dos melhores equipamentos de
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defesa pessoal. A resposta global a estas eventuais ameaças, se em más mãos, surge através dos Tratados/Convenções Internacionais para a não proliferação de armas de destruição maciça – nuclear, química e biológica -, e a resolução 1540 das Nações Unidas, de Abril de 2004, que requer que todos os Estados tomem as devidas medidas e providências internas para que indivíduos e outros actores que não Estados (grupos e organizações terroristas) não venham a obter ou ter acesso a armas de destruição maciça. O debate sobre o crime organizado internacional35 parece assumir que este é uma ameaça para a segurança internacional havendo, contudo, alguns investigadores que consideram ser excessiva uma abordagem negativa e outros, que a encaram como uma séria ameaça à segurança de todos. A análise pode ser feita entre aqueles que negam a ameaça e aqueles que exageram nessa ameaça, tendo em consideração as vulnerabilidades dos Estados, mais fracos ou menos desenvolvidos, onde o desafio à autoridade e à lei sendo uma realidade facilita o crime organizado (como exemplo a utilização da Republica da Guiné Bissau como plataforma intercontinental para o tráfico de droga proveniente da América Latina). O crescimento do crime organizado transnacional parece estar associado a grandes empresas do crime, grupos e organizações ou redes criminosas, sendo o resultado de um dos “produtos” da globalização, que pode ser analisado em três diferentes níveis: a nível global, nacional e individual (Williams apud Glen, 2010), a saber: Nível global A este nível verificam-se os fluxos de criminalidade que atravessam as fronteiras de diferentes Estados, em diferentes variedades de produtos: droga, armas, contrafacção, roubo (automóveis, arte, material radioactivo e nuclear), tráfico humano. Paralelamente, a Internet veio permitir, incrementar e facilitar algum deste tráfico através da facilitação da informação e acesso aos produtos ditos proibidos. De todos estes, o tráfico36 de armas e o material nuclear assumem um maior perigo e um maior risco, capazes de afectar grandes massas de população, à semelhança de um desastre natural ou tecnológico em larga escala. 35 Neste domínio e no terrorismo internacional, Mendes (2012:121-129) reforça a ideia da possibilidade real de desenvolvimento em território nacional de acções ligadas ao terrorismo internacional (nas suas várias vertentes e origens) e à criminalidade organizada internacional e transnacional, especialmente aquela que se dedica ao tráfico de seres humanos, de drogas, de armas, à imigração ilegal (e falsificação de documentos habitualmente associada à cibercriminalidade, ao branqueamento de capitais e à criminalidade económica e financeira). 36 A IAEA identificou 1340 incidentes confirmados entre 1993 e 2007 relacionados com tráfico deste material (urânio e plutónio em apenas 18 casos) e reconhece que existe um “ problema persistente com o tráfico ilícito no domínio do nuclear” e que é uma ameaça potencial para a segurança dos Estados e da segurança internacional. As organizações associadas a este tráfico estão dotadas de técnicas, recursos e suficiente ingenuidade para levar a efeito operações de tráfico neste domínio, difíceis de detectar (Williams, 2010:1515).
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Nível nacional O tipo de Estados em presença, fracos ou fortes, são ambos alvo do crime organizado, sendo que os últimos, embora tenham mais capacidade de luta contra o crime, não deixam de ser mais apetecíveis em temos de proveitos. Os exemplos do tráfico de droga no México e na Colômbia espelham bem o fragilizar da segurança nacional naqueles países e o incremento da violência na sociedade. O continente europeu com uma nova moeda, também forte, é um apetecível mercado, socorrendo-se os narcotraficantes de Estados fracos como plataforma para preparação e entrada de droga na Europa. Aos narcotraficantes associase a violência no seu modus operandi - assassinatos públicos (alvos mediáticos associados a forças de autoridade e outras figuras públicas e políticas, para além da morte de inúmeros civis inocentes) como forma de aterrorizar as populações e os Estados/governo, suportado pela profissionalização de forças de segurança treinadas com armamento especializado de vanguarda. Ameaça individual A ameaça para a segurança individual de cada um caracteriza-se em três diferentes tipos de violência ou crimes coercivos, a saber, a extorsão (toma várias formas mas a mais usual envolve pagamentos habituais a organizações criminosas), o rapto (também utilizada por organizações terroristas com uma escolha do alvo centrada em cidadãos dos EUA ou europeus em Estados considerados fracos, Colômbia, Iraque, etc) e o tráfico de humanos (para a indústria do sexo, órgãos ou trabalho forçado).Este autor afirma que a economia gerada pelo crime organizado ao não se encontrar bem definida e, talvez por isso, não parece ainda entrar na arena do debate sobre segurança, pode estimar um valor de negócio superior a 2 triliões de dólares. Os Estados considerados como falhados causam diferentes ameaças e a diferentes níveis: global, regional e local gerando uma preocupação generalizada, pois facilitam o desenvolvimento do crime organizado e o terrorismo. Estes Estados representam uma ameaça maior para os países mais longínquos e mais desenvolvidos do que os Estados vizinhos, contudo, não podem deixar de se considerar uma ameaça global e diferenciada para todos como motivo de preocupação, exigindo um maior cuidado para o acompanhamento e desenvolvimento desses países, como forma de prevenção e redução da ameaça, através de um apoio ao seu desenvolvimento nacional (estruturar a criação de Estados de direito com valores de coesão capazes de assegurar a segurança interna, o crescimento e desenvolvimento da economia, finanças e demais sectores associados e fundamentais). O primeiroministro inglês apelou, em 2005, para a criação de uma plataforma de actuação comum da comunidade internacional para o reforço do fortalecimento dos Estados considerados fracos, através do estabelecimento e desenvolvimento de medidas associadas à segurança e à prevenção de crises.
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No âmbito das novas tecnologias, Viegas Nunes (2012:165-179) entende a evolução tecnológica como um desafio e uma oportunidade de convergência para padrões de desenvolvimento económico e social, face aos países mais desenvolvidos, que importa incentivar a inovação e fomentar as TIC, Tecnologias de Informação e Comunicação, de forma a garantir de forma sustentada a convergência nacional para a sociedade de informação que, na utilização da informação gera novas oportunidades e, simultaneamente, em oposição, novas ameaças no ciberespaço. Perante a dificuldade em estabelecer princípios de jurisdição territorial sobre as redes de comunicação transnacionais, os Estados são confrontados com a existência de um ambiente de informação global, onde não é possível definir de forma clara o que representa uma Infra-estrutura de Informação Nacional (IIN) (a rede de distribuição de energia eléctrica ou de água, ou a rede nacional de emergência ou outras), reflectindo uma interdependência em cascata que, face às vulnerabilidades e ameaças de cyber ataques podem afectar a segurança nacional de cada Estado. Na associação a efectuar aos cyber ataques é importante ter em consideração que os riscos são indirectos, não intencionais, incertos e estão situados por definição, no futuro, uma vez que a sua materialização só se verifica na realidade, se verificado num instante ou momento, portanto, o risco existe em permanência numa instância virtual sendo apenas actualizado através da antecipação (Cavelty apud Loon 2002:2). As ameaças neste domínio ganharam maior projecção no início da década de noventa nos EUA e nos finais de noventa nos restantes países, havendo consenso na necessidade da criação de contra medidas de protecção, estas influenciadas, em certa medida, pela informação corrente resultante das novas tecnologias na comunicação, influenciando todos os domínios da vida humana, podendo classificar-se as ameaças de cyber ataques em três domínios: cyber crime, cyber terrorismo e cyber-guerra. O novo inimigo não estava identificado nem associado nem claramente identificado com um qualquer Estado. A possibilidade de os equipamentos utilizados pelos hackers poderem efectuar downloads/uploads e trocarem constantemente de informação e conhecimento neste domínio entre eles próprios, abriu a janela de ameaça que um simples incidente informático podia transformar-se num acidente a larga escala, capaz de ameaçar a segurança interna de uma entidade, organização ou de um governo de um Estado. Hoje, em face das tensões políticas existentes ou conflitos, todos estes focos são acompanhados por uma actividade elevada no cyber espaço, assumindose que a norma nas sociedades de hoje é que estamos confrontados com o cyber crime e demais incidentes disruptivos capazes de causar pequenos incidentes e ocasionalmente, grandes inconvenientes para os utilizadores privados, para os negócios e para os governos. A questão que se coloca é saber quando é que estes incidentes ou ocorrências são consideradas e tratadas como uma ameaça à segurança nacional? O largo espectro de prevaricadores e violadores capazes de actuar com fins nefastos em diferentes actividades, estende-se desde o jovem hacker, ao
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criminoso e ao terrorista, este último com o Estado nação como alvo. Cavelty (2010:185) caracteriza a ameaça classificando-a como estruturada (adversários com um sistema de informações e segurança, recursos extensos, uma organização profissional e objectivos ambiciosos e a longo prazo) ou não estruturada (adversários isolados com escassos recursos, sem um organização forte e com objectivos minimalistas) para a segurança nacional. Esta classificação permite priorizar a ameaça e actuar em conformidade, uma vez que se sabe que as ferramentas, as tácticas utilizadas pelos terroristas, criminosos ou outros no cyber espaço podem ser as mesmas (ou semelhantes), variando os objectivos. Este autor faz ainda uma analogia entre a guerra convencional e a cyber war: na primeira, o facto de a existência de um ou mais disparos convencionais não serem necessariamente um acto de guerra, enquanto na cyber war associarem-se os múltiplos e diferentes ataques disruptivos por hackers diferenciados. Apesar da séria ameaça da cyber war, parece ser comummente aceite a ideia de prudência para o uso de ataques deste âmbito37, porque originaria uma investigação e desenvolvimento nesta guerra e nestas tecnologias, capazes de fazer perigar a segurança nacional dos países mais desenvolvidos (EUA) e, consequentemente, a segurança global. Inclusive, um desenvolvimento na cyber war afectaria os próprios grupos terroristas que fazem do cyber espaço uma necessidade e utilização permanente. A preocupação e a instabilidade gerada, atinge não só as Forças Armadas de um Estado, que entende ser necessário desenvolver e aprofundar a investigação no cyber espaço para atingir o seu próprio objectivo de maior capacidade e segurança em eventuais conflitos, mas também, os governantes (com receios naturais de eventuais efeitos mais directos na finança e na economia) e a sociedade civil, perante a possibilidade do aumento da ameaça e do risco na desestruturação dos seus sistemas informáticos. O termo “Governança global” é muitas vezes definida por aquilo que ela não é – nem um governo a nível mundial nem o caos da desordem e anarquia associada ao Estado Hobesiano de guerra de todos contra todos. Diversos autores apresentam diferentes definições sobre o termo, entre as quais se refere a de Rosenau:”uma ordem a que falta uma autoridade central com a capacidade de forçar a tomada de decisão à escala global”. Para Biersteker (2010:440) governança global exige algumas formas de regularidade padronizada, intencional e direccionada para alcançar alguns objectivos e está conotada com um sistema de regras que podem coexistir formalmente, corporizada em instituições ou informalmente entre as populações, ou um grupo restrito de outros actores institucionais, o que, na prática, implica a tomada de decisões que formatam e definem as expectativas criadas a nível global, através do controlo, direcção e regulação capazes de influenciar (governança tem associado a direcção e a 37 O pentágono chegou a actuar na guerra da Sérvia com ataques aos sistemas informático militares e de informações daquele país que, contudo, não se desenvolveram, precisamente por recear que esta atitude pudesse despoletar a nível global num corrida à investigação e desenvolvimento nestas tecnologias do cyber espaço (Cavelty apud Borger, 2010:186).
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regulação, o que conota alguns agentes com a direcção do respectivo processo, o que pode estar relacionado também com a auto-regulação de certos sectores). O sistema normativo associado a uma governança global é oficial, isto é, estabelece uma relação social entre o governado e o governante e define os diferentes constrangimentos e formas sobre as expectativas dos diferentes actores nos respectivos domínios. Para um sistema oficial funcionar a nível global, não é necessário que seja universalmente praticado ou universalmente reconhecido como legítimo, apenas requer que seja largamente partilhado e praticado à escala global por actores importantes (Bierteker apud Alker, 2010:441). A tabela n.º7 permite identificar diferentes bases para identificar e compreender as formas contemporâneas globais de governança da segurança e revela a complexidade do assunto, assim como, o número de actores envolvidos. Tabela n.º 7 - Adaptação de Bierteker (2010:449) O que governa
Sociedade internacional
Hegemonia
Regimes e Instituições
Leis e normas
Autoridade privada
Quem governa?
Estados (exclusividade)
Estado(s)
Estados (principalmente)
Estados e ONG’s
Empresas, ONG’s, Não Estados, Grupos armados
Principal mecanismo de governo
Rede
Hierarquia
Hierarquia e mercado
Hierarquia e rede
Rede e Hierarquia
Grau de institucionalização formal
Baixa
Alta
Média
Média
Baixa
Os anteriores paradigmas associados à segurança e defesa do tempo da guerra convencional ou da recente guerra fria, já não se adequam aos dias de hoje, face à rápida evolução global do mundo actual, perante a maior probabilidade de ocorrência inesperada de uma grave perturbação ambiental (acidente natural) ou um atentado terrorista ou um outro evento disruptivo. As ameaças anteriormente identificadas a nível global, com eventuais repercussões ao nível de cada região ou de cada país, exigem uma nova abordagem que justifica uma reformulação e uma refundação na organização da segurança, nacional e internacional/global. A multidisciplinariedade de matérias em torno da denominada gestão de crises – ambiental, energética, guerra convencional ou outra, financeira, económica, alimentar, transportes, comunicações, acidentes naturais ou tecnológicos, políticas e de governação dos Estados, entre outras por enumerar – justificam, cada vez mais um apelo à concentração de esforços das populações para se prepararem contra a incerteza de um qualquer evento ou situação nefasta e os Estados prepararem e reforçarem os seus sistemas de defesa e sustentabilidade da vida em sociedade.
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A publicação em Diário da República do novo Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) em Abril de 2013, parece ajustar-se à realidade nacional e global do mundo actual, evoluindo do anterior conceito de 2003, que se vinculava e centrava em questões centrais estruturantes da defesa nacional, tendo como premissa as Forças Armadas, conferindo-lhe uma visão mais redutora, menos globalizante e talvez, mais focalizada na operacionalidade daquelas forças. Segundo o novo conceito estratégico de defesa nacional de 2013, a realização da estratégia nacional orienta-se por três regras: (i) Unidade estratégica: é indispensável para integrar todas as dimensões da segurança e defesa, fazendo-as convergir para os objectivos comuns; (ii) Coordenação: é imprescindível para garantir a cooperação entre todas as entidades e organismos intervenientes, ao nível nacional ou multilateral de modo a maximizar o potencial estratégico disponível; (iii) Utilização racional e eficiente de recursos: no uso dos diversos instrumentos é imperativo que tal aconteça, tendo presente o objectivo para que contribuem e a natureza das ameaças e riscos que pretendem mitigar (CEDN, 2013). Esta nova abordagem parece vir ao encontro da necessidade de uma interdependência e multilateralidade na administração pública, que contém todas as forças e serviços de segurança que concorrem para a segurança nacional, cujo conceito de interdependência e colaboração entre todos os intervenientes está subjacente no Plano Nacional de Emergência de Protecção Civil, de 1994, ao que se junta, agora, as grandes questões actuais da gestão pública – a eficiência e eficácia na utilização dos recursos existentes e disponíveis (outrora, porventura desvalorizadas), assentes no princípio de Better Value for Money (BVfM), uma vez que para a implementação do CEDN é de funções de soberania e de administração pública do que se trata. Das ameaças e riscos no ambiente de segurança global e segurança nacional, os riscos de natureza ambiental (risco sísmico, alterações climáticas e incêndios florestais), objecto da Protecção e Socorro, surgem mencionadas no CEDN, ao afirmar-se a necessidade de melhoria da capacidade de prevenção, adaptação e resposta rápida às ocorrências que dali possam surgir (CEDN, 2013:5). Parece, assim, que o Estado através deste conceito estratégico, pretende sinalizar, no presente e no futuro, as políticas de protecção civil através de uma aposta e reforço na prevenção e valorizar as missões38 de interesse público das Forças Armadas, direccionadas para a Protecção e Socorro. O ataque de 11 de Setembro veio alterar e redefinir a abordagem dos Estados à segurança (interna, externa, transnacional), porventura, porque se perdeu a dimensão de exclusividade pública, nacional e militar, fortemente caracterizada durante o período da guerra fria, alterando-se para uma nova abordagem que compreende a actuação e a continuação do empenhamento das 38 Apoio a situações de catástrofe ou calamidade pública, o apoio à satisfação das necessidades básicas das populações, a busca e salvamento, a defesa do património natural e a prevenção de incêndios florestais e a protecção do ambiente, directamente associadas ao objecto da Protecção e Socorro (CEDN, 2013:11).
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instituições públicas, mas também agora, das entidades privadas, da sociedade local, da sociedade civil em geral, bem como das instituições e organizações internacionais, sejam elas de Estados vizinhos, de entidades intergovernamentais ou outras, supranacionais. Neste quadro, e numa óptica de cooperação entre todos os actores que concorrem para a segurança nacional, a Protecção e Socorro tem de ser encarada não só a jusante de qualquer tipo de crise como habitualmente, mas transversalmente a toda a problemática da segurança, agora, com uma forte aposta na prevenção, segundo o CEDN e em sintonia com o conceito estratégico de defesa e segurança da NATO, ao elencar como uma das principais ameaças de hoje, as crises ou acidentes ambientais. Bibliografia Barros, Pedro Pita (2009), “Economia da saúde: conceitos e comportamentos”, Lisboa, Almedina. Beck, Ulrich (2013), “A Europa alemã, de Maquiavel a «Merkiavel»:estratégias de poder na crise do euro”, Lisboa, Edições 70. Bento, António (2012), “A razão de Estado e Democracia”, Coimbra, Almedina. Bento, Vítor (2004), “Os Estados Nacionais e a Economia Global, Coimbra, Almedina. Bundesministerium des Inern (2010), “The crises Management System in Germany”, Berlim. Habermas, Jurgen (2011), “Um ensaio sobre a Constituição da Europa”, Lisboa, Edições 70. Kojève, Alexander (2004), “La notion de láutorité”, Paris., Galimard. Krahman, Elke (2010), States, citizen and the privatization of security, Nova York, Cambridge University Press. Moreira, Adriano (2009), “A circunstância de um Estado exíguo”, Lisboa, Diário de Bordo. Rousseau, Jean Jacques (1989), “O Contrato Social”, Lisboa, Publicações Europa América. Santos, J. Loureiro dos (2012), “ As Forças Armadas em Portugal”, Lisboa, Relógio D’Água Editores. Silva, Filipe Carreira (2013), “O Futuro do Estado Social”, Lisboa, Relógio D’Água Editores. Teixeira, Nuno Severiano (2006-2009), “Contributos para uma Política de Defesa”, Lisboa, Ministério da Defesa Nacional. Textos em colectâneas Arienzo, Alessandro (2012), “Razão de Estado constitucional e democracia de emergência: os percursos da conservação contemporânea”, em António Bento, A razão de Estado e Democracia, Almedina, Coimbra, pp. 243-272.
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ÍNDICE Introdução I. O Conceito Estratégico Nacional: Conceptualização e Metodologia 1. A Relação entre o Poder Nacional e o Conceito Estratégico Nacional 2. A Proposta Metodológica de Golbery do Couto e Silva para um Conceito Estratégico Nacional II. O Espaço Geopolítico Português como condicionante do Conceito Estratégico Nacional Português entre 1094 e 1974 1. O Espaço Geopolítico Português 2. Na Posição Geopolítica de Portugal: o Geobloqueio Espanhol a Leste e a Abertura Atlântica a Ocidente 3. As Constantes no Conceito Estratégico Nacional de Portugal: Entre 1094 e 1974 III. Para um Renovado Conceito Estratégico Nacional Português no pós 25 de Abril de 1974 1. A Ausência de um Conceito Estratégico Nacional Português no pós 25 de Abril de 1974 1.1. A Recorrência do Conceito Estratégico de Defesa Nacional 2. Para um Renovado Conceito Estratégico Nacional Português 2.1. O Sistema de Alianças de Portugal 2.2. As “Janelas de Liberdade” a) O Mar b) A Plataforma Continental c) A CPLP 3. O Actual Conceito Estratégico de Defesa Nacional IV. Conclusão Bibliografia
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Resumo: Este estudo parte de uma reflexão sobre o Conceito Estratégico Nacional Português, identificando as suas constantes históricas para um renovado Conceito, fundamentado no Espaço Geopolítico de Portugal. Palavras-chave: Portugal / Conceito Estratégico Nacional / Mar / Espaço Geopolítico / Língua Portuguesa. Abstract: This study begins with a reflection about the National Strategic Concept of Portugal, identifying its historical tendencies to a renovated Concept, based in the Portuguese geopolitical space. Key-words: Portugal / National Strategic Concept / Sea / Geopolitical Space / Portuguese Language.
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Introdução O presente estudo pretende constituir-se como uma reflexão sobre o Conceito Estratégico Nacional de Portugal, o ponto de partida para o entendimento do que é um Conceito Estratégico Nacional e de que modo é que o espaço geopolítico – neste caso, o de Portugal – de um Estado pode determinar esse mesmo Conceito. Quanto ao contexto, o estudo do Conceito Estratégico Nacional Português revela-se fundamental na actual situação de protectorado, em que Portugal se encontra à mercê da assistência financeira da Troika, a que teve de recorrer no ano de 2011, e ao mesmo tempo como Estado potencialmente exíguo, situação a que se regressou com o fim do seu Império Ultramarino em 1974. Com efeito, é nosso objectivo contribuir para o debate académico em torno da necessidade existente de definir um Conceito Estratégico Nacional desde o pós 25 de Abril, fundamentando a nossa análise numa identificação das constantes na História de Portugal quanto ao Conceito Estratégico Nacional que se acredita ter existido entre 1094 e 1974, embora sem que tal tenha sido explicitado num documento formal, ao mesmo tempo que procurámos inter-relacionar essas mesmas constantes com aquela que é a realidade do espaço geopolítico português e, daí, obter possíveis orientações para um renovado Conceito Estratégico Nacional. Assim sendo, identificámos como questão central orientadora do nosso estudo e a que iremos dar resposta na parte II deste trabalho: o que é que caracteriza o Conceito Estratégico Nacional Português? A exploração temática baseou-se numa selecção pertinente sobre o assunto em causa, de acordo com o método a perspectiva analítica descritiva, optando por uma observação diferida alicerçada na investigação documental e histórica obtida: por um lado, a partir de documentação indirecta proveniente de um conjunto de obras literárias analíticas sobre a História de Portugal, a Geopolítica, o Conceito Estratégico Nacional Português ou elementos integrantes e relacionados com o mesmo, como é o caso do mar ou até da Língua Portuguesa; e pelo outro, a partir de documentação directa, produzida directamente pelos intervenientes políticos na tomada de decisão, como foi o caso dos vários documentos relativos ao “Conceito Estratégico de Defesa Nacional”. No atinente às questões derivadas definimos as seguintes, cujas respostas
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abordaremos nas partes II e III: de que modo o espaço geopolítico português influenciou o Conceito Estratégico Nacional de Portugal? Quais as constantes do Conceito Estratégico Nacional Português no passado (entre 1094 e 1974)? De que modo é que essas constantes poderão ser incluídas num Renovado Conceito Estratégico Nacional? Por fim, e relativamente à estrutura, este trabalho encontra-se dividido em três partes essenciais. Na parte I. “O Conceito Estratégico Nacional: Conceptualização e Metodologia” debruçar-nos-emos sobre a relação entre o Poder Nacional e o Conceito Estratégico Nacional, seguindo para a apresentação da proposta metodológica de Golbery do Couto e Silva (1911-1987) para um Conceito Estratégico Nacional. Na parte II. “O Espaço Geopolítico Português como condicionante do Conceito Estratégico Nacional Português entre 1094 e 1974” abordaremos o espaço geopolítico português, nomeadamente quanto aos factores estáveis e factores variáveis apresentados por José Marini (1985), e em seguida destacaremos na posição geopolítica portuguesa duas aspectos essenciais: o geobloqueio espanhol a Leste e a abertura atlântica a Ocidente, terminando com a identificação das constantes no Conceito Estratégico Nacional de Portugal entre 1094 e 1974. “Para um Renovado Conceito Estratégico Nacional Português no pós 25 de Abril de 1974” será objecto de estudo já na parte III. Assim, após a apresentação d’ “A Ausência de um Conceito Estratégico Nacional Português no pós 25 de Abril de 1974”, e da referência analisada à recorrência do Conceito Estratégico de Defesa Nacional (com especial ênfase ao documento de 2003), salientaremos o que entendemos dever ser recuperado num novo Conceito Estratégico Nacional para Portugal: a manutenção do seu sistema de alianças e as “janelas de liberdade (o mar, a Plataforma Continental, e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), terminando com a apresentação do actual Conceito Estratégico de Defesa Nacional aprovado em Abril do presente ano. I. O Conceito Estratégico Nacional: Conceptualização e Metodologia 1. A Relação entre o Poder Nacional e o Conceito Estratégico Nacional Segundo Luís Fontoura, o Poder Nacional consiste na “soma dos atributos que capacita um Estado para atingir os seus objectivos externos sempre que eles se opõem aos objectivos e vontade de outro actor internacional”. Neste contexto, evidenciam-se duas características do Poder – enquanto elemento indissociável da acção política para garantir a sobrevivência, seu objectivo primordial e vital, a independência de unidades políticas, possibilitar o crescimento, e o desenvolvimento das mesmas mediante a conquista de espaço -: a sua natureza exclusivamente instrumental – na medida em que se trata de um meio que permite ao Estado alcançar os seus objectivos permanentes ou conjunturais, satisfazendo os seus interesses - e a sua natureza relacional – dada
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a possibilidade de existência e de acção adversa de outra entidade igualmente dotada de vontade política, objectivos e interesses próprios, e poder que colocará ao serviço desses objectivos -. Adicionalmente, o Poder dispõe também de outras características: é relativo – não se tratando de um fenómeno absoluto e independente de comparações (em relação a outro ou outros poderes) no tempo e no espaço, sendo a avaliação do seu valor passível de alterações -; é situacional – alterando-se de acordo com a situação ou o contexto no qual está a ser instrumentado, isto é, em determinada circunstância o Poder pode ser utilizado com menor intensidade do que a detida - ; é dinâmico – as capacidades de cada unidade política podem alterarse como resultado da aceleração ou desaceleração do desenvolvimento social, económico, cientifico, e tal reflecte-se directamente no Poder que estas dispõem -; é multidimensional – existem várias formas de Poder que não implicam necessariamente a utilização da força, como sejam a indução, a persuasão, a manipulação ou a autoridade, para além das denominadas formas parcelares do Poder, tais como: o Poder cultural, o Poder económico, ou o Poder comunicacional, entre outros - . Por fim, será também de encarar o Poder como: actual e/ou potencial; real e/ou percebido ou provável. Por Poder actual entende-se o “Poder que existe na actualidade, estando disponível de imediato, (…); que se encontra já concretizado e quantificado na face tangível do poder”; o Poder potencial corresponde a “uma realidade presumivelmente existente mas não concretizada ainda, por decisão calculada das autoridades, por falta de meios financeiros ou tecnológicos, por desnecessidade imediata de utilização ou, ainda por simples desconhecimento da sua existência”. Já o Poder real “existe objectivamente e está pronto a ser operacionalizado” de imediato, é o Poder verdadeiro, pode ser quantificado, conhece-se e é avaliável nos seus componentes quantitativos e qualitativos; ao passo que o Poder percebido é aquele que se julga ter percebido no outro e, em função do qual, avaliamos o seu Poder Nacional. Por conseguinte, este Poder Nacional enquanto Poder percebido (Pp) (que eventualmente poderá coincidir com o Poder real) e, em conformidade com a equação de Cline – Pp= (C+E+M) x (S+W) -, resulta da soma da população com o território – o que constitui a massa crítica (C) – acrescida da capacidade económica (E) e da capacidade militar (M) a multiplicar pelo resultado da soma da estratégia nacional (S) com a vontade nacional (W). Também Carvalho, ainda a respeito do Poder Nacional, refere que este corresponde a um “conjunto de forças materiais e anímicas mobilizadas (…) para realizar objectivos concretos (…), os quais são fixados pela Política”. Retomando a equação de Cline, as forças materiais/elementos tangíveis a que Carvalho se refere são: a população – que pode constituir realmente o maior factor de força de um país, na medida em que o factor demográfico desempenha um papel essencial no planeamento da defesa militar, quanto às possibilidades de mobilização militar e civil destinadas ao enfrentar de situações: de emergência, de crise ou
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ainda de guerra -, o território – entendido como o factor mais estável do Poder -, a capacidade económica e a capacidade militar; sendo que as forças anímicas/ elementos intangíveis correspondem à Estratégia Nacional e à vontade nacional, as quais se revelam igualmente determinantes no Poder Nacional. Relativamente à Estratégia Nacional, esta é o que dá corpo ao Conceito Estratégico Nacional - que será objecto de estudo do presente trabalho quanto ao caso português - sendo esta concebida e executada tendo em vista o atingir dos objectivos nacionais permanentes e/ou conjunturais fixados pelo Poder Político, e que utilizará na prática os meios materiais e morais (isto é, os constituintes do Poder Nacional) que entender adequados para tal. Por conseguinte, os decisores políticos devem avaliar o Poder real de cada momento, complementá-lo e enriquecê-lo. E este “deverá ser um exercício de repetição permanente e cautelosa” para, assim, evitar situações de erro a que o Estado em causa possa ser conduzido. Finalmente, e no atinente à vontade nacional, a mesma pode ser definida como “a qualidade que permite a uma Nação levar os seus recursos e capacidades a apoiar um objectivo nacional perceptível, a estratégia da Nação ”; e encontra-se estreitamente ligada aos sentimentos de patriotismo e nacionalismo cujas raízes encontram origem na história dos países. A vontade nacional é o que possibilita a ligação entre a População e o Poder Político, sendo essencial à superação e ultrapassagem de momentos de crise ou de ameaça externa por um Estado. 2. A Proposta Metodológica de Golbery do Couto e Silva para um Conceito Estratégico Nacional Em conformidade com a proposta metodológica de Golbery do Couto e Silva (1911-1987), esse “Mestre superior que foi, a todos os títulos” como diz Fontoura, o Conceito Estratégico Nacional consiste: na directriz fundamental que deverá orientar a Estratégia da Nação – podendo esta ser definida como “aquela que define a actividade em que o país se vai
envolver, relativamente às estratégias de acção que estabelecem as bases da disputa para aquela actividade”, tal como defende Ribeiro . De acordo ainda com o referido autor, a Estratégia Nacional, dada a sua íntima ligação com a Política, procede à formulação integral das acções (respondendo à pergunta “o que se tem de fazer?”), antecedendo assim os aspectos genéticos, estruturais e operacionais, que se encontram a cargo das suas disciplinas ou sub-estratégias. -, tendo em vista a concretização e/ou
salvaguarda dos objectivos nacionais tanto na cena internacional como no âmbito interno do país; na directriz fundamental da Política de Segurança Nacional, seja em tempos de paz como de guerra; e fundamenta-se nos Objectivos Nacionais Permanentes e numa Avaliação Estratégica da Conjuntura (nacional e internacional).
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No que respeita aos Objectivos Nacionais Permanentes é de referir que os mesmos são, por regra, reconhecidos por qualquer grupo nacional e impostos pela tradição histórica – uma vez garantidas as três condições básicas de: autodeterminação, integração crescente e prosperidade (a sobrevivência/a independência) –, através da qual se adquire e forma uma consciência nacional; a sua permanência é relativa, admitindo variações ao longo do tempo, por vezes até características do grupo dominante (que se encontra no poder): envolvendo um índice positivo ou negativo, de extroversão e agressividade num certo período histórico, pleno de ideologia - reportando-nos ao caso da Alemanha, e a título exemplificativo já que esta não é objecto de estudo do presente trabalho, mencionamos o caso da política expansionista de Adolf Hitler (1889-1945) durante o III Reich. Quanto à Avaliação Estratégica da Conjuntura a mesma consiste na formulação de juízos de valor sobre a realidade estratégica do momento e sobre o sentido e ritmo da sua evolução: no tempo e no espaço (nacional e internacional); e resulta de uma análise a quatro categorias de factores - que não são rígidos e admitem inter-relação entre si -, tendo em consideração as tradições históricas existentes na apreciação destes mesmos factores: os factores políticos (no âmbito nacional relacionam-se com: a cultura política do povo, a organização administrativa, a estrutura política, a dinâmica partidária e os grupos de pressão; enquanto que no âmbito internacional estes se encontram relacionados com: a existência de antagonismos e fricções, a cooperação internacional, os acordos e os tratados, as alianças e as contra-alianças, e os organismos supranacionais), os factores psico-sociais (no atinente ao âmbito nacional importam: os dados demográficos – nomeadamente: volume, composição da população e distribuição espacial -, a educação, a cultura e a formação/experiência profissional, a estrutura e dinâmicas sociais, a mentalidade nacional, a moral do povo, as ideologias e a opinião pública; sendo que no concernente ao domínio internacional salientamse: a existência de ideologias em conflito, a caracterização psicológica e social de grupos antagónicos, o potencial demográfico de outras Nações), os factores económicos (no campo nacional são de destacar: os recursos naturais, a força de trabalho, as finanças, o equipamento de produção e circulação, e a estrutura económica; já no campo internacional importam: a interdependência e rivalidades económicas, a circulação económica internacional, o potencial económico de grupos antagónicos, as organizações supranacionais e respectivas actividades) e os factores militares (no campo nacional destacam-se: a estrutura militar, o potencial militar, o desdobramento territorial das forças; enquanto que no campo internacional importam essencialmente: o potencial militar dos grupos antagónicos). Consequentemente, estes factores deverão ser classificados – mediante a influência que possam vir a desempenhar na concretização e salvaguarda dos objectivos nacionais permanentes – em factores positivos (favoráveis) e factores negativos (desfavoráveis). Os factores positivos são factores do potencial nacional
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de carácter intrínseco (natureza, valor actual e valor em futuro previsível) e constituem-se como elementos de cooperação internacional – sendo igualmente factores do potencial nacional ainda que de carácter não intrínseco – (natureza, valor actual e valor em futuro previsível). Contrariamente, os factores negativos correspondem a pressões externas ou internas, tanto actuais como potenciais, que se apresentam contrárias aos objectivos nacionais permanentes (natureza, identidade, origem, incidência e direcção) e se constituem como vulnerabilidades do potencial nacional (natureza, grau, incidência, causas, repercussões e consequências). Consequentemente, daqui resulta o estabelecimento de Premissas Básicas que consistem em juízos de valor sintéticos sobre a realidade estratégica do momento – obtidos por via da análise de todos os factores actuantes no campo nacional e no campo internacional - e sobre o sentido e ritmo da sua evolução temporal e espacial, a partir dos quais se procura definir: o valor do potencial nacional, tendo em vista a concretização e/ou a salvaguarda dos Objectivos Nacionais Permanentes; e as pressões dominantes (externas ou internas; actuais ou potencias) contrárias à concretização e/ou salvaguarda dos Objectivos Nacionais Permanentes. Também como resultado da relação/reacção obtida entre a Avaliação Estratégica da conjuntura (nacional e internacional) – que se encontra sintetizada nas premissas básicas -, e os objectivos nacionais permanentes, surgem os Objectivos Nacionais Actuais que evoluem e se vão adaptando de acordo com os acontecimentos e com as forças mutáveis actuantes nos campos nacional e internacional, numa lógica de adaptação dos fins aos meios. O que, historicamente, justifica a alternância da Política Externa de um Estado entre o passivo e estático (introvertido), e o activo e dinâmico (extrovertido), correspondentes à acumulação de potencial nacional ou à sua aplicação no campo das relações internacionais. Daí que os Objectivos Nacionais Actuais possam apresentar um carácter positivo, ofensivo e de acções projectadas para o exterior; ou então possam apresentar um carácter negativo, defensivo e de simples reacções a pressões externas. Numa circunstância em que as deficiências e vulnerabilidades do potencial nacional sejam consideráveis e as pressões contrárias sejam fortes, revelase fundamental escalonar no tempo a realização dos Objectivos Nacionais Permanentes (que se regem pela adaptação dos meios aos fins objectivados) e, provisoriamente, a adopção de Objectivos Nacionais Actuais mais modestos. Neste sentido, um dos objectivos essenciais dos Objectivos Nacionais Actuais deverá ser a elevação e /ou fortalecimento do potencial nacional para, posteriormente, e numa conjuntura favorável ampliar os Objectivos Nacionais Actuais já existentes para que estes cubram inteiramente os Objectivos Nacionais Permanentes, em toda a sua extensão e profundidade. Adicionalmente, sendo os Objectivos Nacionais Actuais condicionados pelas Premissas Básicas – juízos de valor, subjectivos e sujeitos a erros de análise (relacionados com uma eventual superestimação do potencial nacional ou com a subestimação das pressões contrárias que se manifestarão) -, os mesmos deverão
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ser com frequência revistos sob pena de – caso tal não se verifique - acarretarem consigo o fracasso da Política de Concretização neles fundamentada. A Política de Concretização define o modo – no tempo e no espaço – através do qual o comportamento governamental procurará atingir os Objectivos Nacionais Actuais – que correspondem aos fins a atingir -. Assim, a Política de Concretização corresponde na prática à ideia da manobra a conduzir/ a uma modalidade da acção a tomar no campo da Estratégia Nacional e, por essa mesma razão, deverá ser flexível – mais do que os próprios objectivos nacionais actuais - e ajustável à evolução conjuntural (nacional e internacional). Esta Política de Concretização será, por sua vez, aplicada em zonas geopolíticas de maior sensibilidade, denominadas de Áreas Estratégicas, tanto numa atitude defensiva como numa atitude ofensiva. Estas Áreas Estratégicas poderão ser externas, internas ou uma mistura de ambas na sua relação com o território nacional. E a sua definição e classificação por ordem de importância decorre do próprio Conceito Estratégico Nacional – depende do valor espacial e do significado destas áreas para o potencial nacional e potencial adverso, e das pressões. Convém ainda referir que o estudo de Áreas Estratégicas importa na realização de levantamentos, avaliações e estimativas estratégicas. As Directrizes Governamentais correspondem a directrizes nacionais de planeamento decorrentes do conceito estratégico nacional, destinando-se aos órgãos governamentais de planeamento responsáveis pela elaboração de Planos Estratégicos da sua competência. Deve ainda e sobretudo assegurar a coordenação e harmonização entre os diversos Planos, que se reflectirá numa coerente Estratégia Nacional. É igualmente de salientar que o Conceito Estratégico Nacional se constitui como o fundamento de todo o planeamento estratégico nacional, impondo-se a sua revisão sempre que se deva reajustar a Política de Concretização existente e os Objectivos Nacionais Actuais. II. O Espaço Geopolítico Português como condicionante do Conceito Estratégico Nacional Português entre 1094 e 1974 O Espaço Geopolítico Português O Espaço Geopolítico - termo enunciado pela primeira vez, em 1965, por Fernando Solano Costa (1913-1992) - corresponde à área geográfica em que actuam simultaneamente os factores geográficos (que proporcionam informação básica do estudo do Espaço) e políticos (relacionados com uma interpretação política obtida a partir dos factores geográficos) que tornam uma situação geopolítica passível de estudo ou resolução. No Espaço Geopolítico actuam factores que podem ser estáveis (como sejam: a extensão; a posição; a configuração; e a estrutura física) e variáveis (a população; os
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recursos; as estruturas sociais, económicas e políticas), de acordo com José Marini. Quanto à extensão, Portugal trata-se de um Pequeno Estado, ocupando uma posição no extremo ocidental da Península Europeia – aspecto a que voltaremos a referir com maior detalhe pelo facto da posição se tratar de um dos factores de maior importância para a Política Externa de um Estado, reflectindo os aspectos políticos dos seus permanentes interesses territoriais -. Portugal apresenta uma configuração rectangular – cuja análise no tempo, estudando a evolução das suas fronteiras, permite-nos conhecer não só as tendências geográficas prováveis, como também os objectivos políticos de conjuntura. As fronteiras, segundo Ratzel, exteriorizam o passado de um Estado e assinalam os seus problemas futuros - e uma estrutura física diferenciada, especialmente no Norte montanhoso e intercalado por planaltos onde é possível o desenvolvimento da agricultura, e no Sul caracterizado pela existência predominante de planícies. O clima é Mediterrâneo, contando com a influência marítima no litoral e com a influência continental no interior. No atinente aos factores variáveis apontados por Marini, a população portuguesa é uma população envelhecida e com baixos níveis de natalidade, ao mesmo tempo que se têm verificado elevados níveis de emigração em especial de jovens altamente qualificados na denominada “fuga de cérebros”. Em termos de distribuição territorial, a população portuguesa tem tendência para se concentrar no litoral, contribuindo assim para a desertificação do interior do país. Quanto aos recursos, os do solo – agricultura e pecuária - apenas atenuam carências vitais, sendo que após a entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia (CEE), tem-se assistido a um abandono crescente dos campos agrícolas portugueses; a economia portuguesa passou a centrar-se sobretudo no sector dos serviços. Relativamente às estruturas sociais, económicas e políticas, ser português não significa o mesmo para todos os portugueses, sendo necessário repensar o desenvolvimento económico-social essencial à existência de coesão nacional, sem a qual não poderá existir defesa nacional, pois também não existirá vontade nacional. Por último, é ainda salientar que quer os factores estáveis quer os factores variáveis se encontram em permanente interacção no tempo, influenciando o Poder Nacional de que o Estado dispõe: fazendo com que a sociedade progrida, no plano interno; garantindo a sobrevivência da Nação portuguesa, no plano externo. E, para tal, convém tirar partido das potencialidades e minorar as vulnerabilidades “com o propósito de aumentar a capacidade de expressão própria, e para explorar pontos fracos de antagonistas e para se proteger dos pontos fortes deles”. Na Posição Geopolítica de Portugal: o Geobloqueio Espanhol a Leste e a Abertura Atlântica a Ocidente Voltando à posição geopolítica – tida como um factor estável no espaço geopolítico - de Portugal, uma Pequena Potência, situada na periferia da Europa, são de destacar as suas fronteiras: uma fronteira terrestre a Norte e a Leste, a
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única, que divide com Espanha; e uma fronteira marítima a Sul e a Oeste, com o Oceano Atlântico – seu mar-de-origem, com o qual Portugal (e a sua Pátria) se identificou e se confundiu -. Portugal não é nem um Estado totalmente continental nem totalmente marítimo e, neste sentido, serão de relembrar as palavras de Macedo citadas por Almeida, a propósito da possibilidade de Portugal dar primazia ou maior atenção à sua fronteira terrestre (europeia) ou à sua fronteira marítima (atlântica): “importa não esquecer que Portugal está para além de uma outra e outra e tem portanto que reunir, na sua composição nacional, a permanente capacidade de escolher, em cada momento, em qual se deve apoiar, na certeza de que a sua experiência é a de que nenhuma das opções é suficiente, quando exclusiva. Precisa que ambas se mantenham em aberto (…)”. E, efectivamente, com o Rei D. João III (1502-1557) a fronteira terrestre com Espanha e a necessidade de a manter como aliada é descurado, um aspecto que havia sido essencial durante os reinados de D. João II (1445-1495) e de D. Manuel I (1469-1521), e com o qual Portugal beneficiaria pelo facto dos interesses marítimos espanhóis serem semelhantes aos dos portugueses. Em 1568, quando o Rei D. Sebastião (1554-1578) assumiu a governação do país estava empenhado em limitar a acção da Espanha através do incremento de relações com a Grã-Bretanha (a potência marítima, cuja aliança viria a ser importante para Portugal enquanto potência também marítima fazer face ao poder continental de Espanha, também na posse de um Império marítimo) e a França, por um lado, e pelo outro, através da renovação das posições portuguesas em Marrocos (a fixação no Norte de África). O seu objectivo final era restabelecer o equilíbrio geopolítico português face à Espanha continental. Todavia, na sequência da Batalha de Alcácer-Quibir em 1578, e do desaparecimento do Rei D. Sebastião em combate, interromperam-se as diligências no sentido de retomar a política de compensação contra Espanha, uma potência interessada nas áreas de influência portuguesas, e face à crise dinástica que se verificaria de seguida, Portugal acabou por perder a sua independência para Espanha e, daí a necessidade de seguir uma política equilibrada sem excluir totalmente uma das duas fronteiras de que dispõe e mantê-las, a ambas, “em aberto”- como o fizeram D. João II e D. Manuel I -. Regressando ainda à questão da sua fronteira terrestre com Espanha, Portugal contou historicamente com a ambição espanhola sob o seu território – para utilizar a terminologia de Rauol Castex (1878-1978): como potência continental perturbadora que o geobloqueava -: enquanto pretendia obter a sua independência, e já depois de obtida a sua independência. E, neste sentido, são de destacar alguns momentos: como o da Batalha de Aljubarrota de 1385, em que os portugueses apoiados pelos ingleses venceram os espanhóis, dado origem ao
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estabelecimento de um Tratado de Aliança com Inglaterra de carácter defensivo e auxílio mútuo, consolidado com o casamento do Rei D. João I (1357-1433), Mestre de Avis, com D. Filipa de Lencastre; e o domínio Filipino, iniciado com Filipe II (1527-1598) de Espanha, aproveitando o problema de sucessão ao trono iniciado com o desaparecimento do Rei D. Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir em 1578 sem que tivesse deixado descendência. Só em 1640, é que Portugal se livraria – por iniciativa endógena - do jugo de Espanha, restaurando a sua independência a 1 de Dezembro. É a existência desta fronteira terrestre com um único país, militarmente mais forte, que contribuiu para que Portugal encontrasse nesta mesma fronteira um sinónimo de vulnerabilidade dada a possibilidade de ameaça proveniente do Leste, e procurasse contrabalançar essa circunstância com o estabelecimento de alianças com potências marítimas – destaque para a Inglaterra e, mais tarde, também para os EUA no quadro da Organização do Tratado do Atlântico Norte – e com o inicio dos Descobrimentos Marítimos Portugueses, mediante a conquista de Ceuta em 1415. Efectivamente, Portugal procurou no mar a defesa do seu reino – até porque o seu território é “minguado de gente” como menciona Godinho -, protegendo-o tanto dos castelhanos como dos maghrebinos – o que significava, sobretudo neste último caso, obter o controlo do Estreito de Gibraltar, conquistar a região setentrional de Marrocos ou um conjunto de cidades-portos no Norte de África -, mas também o ouro e a prata que lhe faltavam para cunhar moeda e estabilizar internamente o seu sistema monetário, aspecto fundamental à organização do reino – o que leva a descobrir a Guiné, onde se encontram igualmente escravos e marfim, e a desenvolver a caravela -. Em síntese, o mar foi para Portugal um meio de afirmação por excelência: para garantir a sua sobrevivência, sendo fonte de riqueza e um meio de projecção de poder; de que não se pode alhear a influência determinante das características positivas da população portuguesa resultante do “caldeamento de tantos povos” e das quais se destacam, segundo Alves : o espírito de aventura, a tendência para a agressividade apenas se provocada ou julgada justa e indispensável, a apetência pelo imaginário e pelo desconhecido, o desejo de conquista de riqueza e de bem-estar, o espírito religioso e místico da Expansão, a capacidade de adaptação – a que podemos associar o facto de se tratar de uma cultura inclusiva, como o define Graça , por demonstrar abertura ao estrangeiro e às culturas diferentes, chegando mesmo a incorporar sons de outras línguas estrangeiras na Língua Portuguesa -, o espírito de justiça e conciliação, e a relativa tolerância. Godinho afirma que definidas, entre 1410 e 1435, as grandes linhas de uma política destinada à formação de Portugal d’ Aquém e d’ Além-mar, mediante a expansão territorial-guerreira e comercial-marítima, aquilo que se verificou foi:
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“ a guerra e o comércio a crearem um império, primeiro marroquino, depois Índico, com o domínio estratégico de rotas e territórios, (…); complicada relação entre o guerreiro e o mercador, com o missionário a intrometer-se e a jogar nos dois tabuleiros.” Com efeito, salienta-se a “simbiose militar e religiosa” que, com o sentido de missão, esteve presente desde o início na formação de Portugal - sob a orientação da Ordem de Cristo – e, mais tarde na expansão marítima, para a qual os portugueses avançaram com o Comércio numa mistura “com a propagação da Fé Cristã, missão cujo espírito era entretanto alimentado com as bulas do Papa” – de que destacamos a Bula de Sixto IV Aeterni Regis clementia ,, de 21 de Junho de 1481, que não seria facilmente aceite por Castela, conferindo a primazia aos Portugueses no atinente ao mar oceano: pois estes é que navegaram contra as partes desconhecidas do Ocidente, em direcção aos Índios, para honrarem a fé de Cristo; o que demonstra que a expansão marítima portuguesa foi, assim, entendida como uma missão de expansão da Fé Cristã -. As Constantes no Conceito Estratégico Nacional de Portugal: Entre 1094 e 1974. Desde as suas origens, Portugal concretizou na prática o seu Conceito Estratégico Nacional, sem que o mesmo tenha sido explicitado num documento formal. Todavia, entre 1094 e 1974, Portugal tinha uma ideia definida do seu destino enquanto Nação e, por isso mesmo, retomando as palavras de Borges & Nogueira: “ De potência menor, que foi reconquistando espaço aos mouros e a Castela, Portugal transformou-se numa Potência Imperial, para voltar às origens do seu território já no final do século XX. Muitos foram os conflitos e guerras, vários foram os aliados e as alianças, sempre com o objectivo de garantir um Portugal independente e soberano”. Realizando uma retrospectiva à História de Portugal, identificam-se as seguintes constantes no que respeita aos objectivos nacionais permanentes: primeiro, obter a independência – verificada em 1179 com a Bula Manifestis Probatum, através do qual D. Afonso Henriques é conhecido como D. Afonso I (ca.1109-1185) Rei de Portugal -; depois de obtida a independência, pretendese conservá-la: evitando perdas territoriais e aumentando o território à custa dos mouros – sempre em direcção ao Sul, pois segundo Macedo foi no Algarve que se jogou o destino de Portugal independente. Perder o Algarve para Castela significava aumentar o “cerco” castelhano pela fronteira terrestre e dificultar ou impossibilitar o acesso de Portugal ao Mediterrâneo. - e, mais tarde, entre 1369 e 1382, através da tentativa de estabelecimento de alianças e contactos directos para obter ganhos territoriais e reunir sob a coroa portuguesa
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os reinos de Portugal e Castela – objectivo nacional actual de então -, aspecto que se abandona entre 1382 e 1385, sendo que os objectivos nacionais permanentes continuam a ser: garantir a independência e a integridade nacional, expulsando o inimigo castelhano na Batalha de Aljubarrota em 1384. Recuperando o pensamento do geógrafo político Friedrich Ratzel (1844-1904), e o conceito de Lebensraum [Espaço Vital], “segundo o qual os diferentes Estados enquanto organismos vivos se encontram em permanente luta pela sobrevivência na busca de mais espaço, necessário à sua realização e desenvolvimento como seres políticos”, dada a impossibilidade de Portugal continuar a crescer e obter mais espaço - objectivo nacional actual de então - terrestre na direcção do único Estado com que faz fronteira, a Espanha, decidiu investir na criação de um espaço extra peninsular de afirmação de poder - para espalhar a Fé Cristã, e obter recursos -, essencialmente atlântico, tirando partido da sua outra fronteira. Até porque como refere Macedo: “ a independência só podia existir quando uma política externa a exprimisse e defendesse” e essa política passou pelo mar. Foi, deste modo, que se verificou a expansão ultramarina e o domínio das rotas comerciais, passando Portugal a obter: escravos e ouro de África; ouro do Brasil; e especiarias do Oriente. E esta fase durou até 1580, quando Filipe II de Espanha ocupou o lugar de Rei de Portugal. O período que se segue, já recuperada novamente a independência em 1640, consiste em garantir a sobrevivência do Império Ulltramarino que até 1580 se havia construído “pela espada e pela diplomacia,” destacando os territórios existentes no Norte de África; os territórios de Angola, Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe; o Brasil; a Índia; e Timor-Leste. E, para tal, aliou-se, ou como refere Alves, “encostou-se” às potências maiores e localmente mais poderosas, como seria o caso de Inglaterra, a “dominadora dos mares” e principal apoio de Portugal. Foi já no século XVIII que se iniciou o momento de retracção de Portugal relativamente a estes territórios, sendo desta forma que: em 1769, se verificou o abandono definitivo das posições ainda existentes no Norte de África – Magrebe – e, antes disso, da Índia em 1961; em 1822, se abandonou o Brasil tornado um Estado Independente; e em 1974, com o 25 de Abril, se abandonaram os territórios africanos de Angola, Cabo Verde, Guiné, Moçambique e São Tomé e Príncipe, desaparecendo o que ainda restava do Império Ultramarino Português. Neste contexto, conclui-se ao longo dos séculos a permanência da manutenção da independência e da soberania (para a sobrevivência) enquanto objectivos nacionais, e para tal defendia-se igualmente a necessidade: de preservar a integridade do território; desenvolver socioeconómica e culturalmente a população; e proceder ao fortalecimento da unidade e coesão nacionais; em paralelo com a construção e depois manutenção de um vasto – embora disperso – Império Ultramarino.
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III. Para um Renovado Conceito Estratégico Nacional Português no pós 25 de Abril de 1974 A Ausência de um Conceito Estratégico Nacional Português no pós 25 de Abril de 1974. Alves considera a existência de três grandes marcos na História de Portugal: a independência; a expansão ultramarina; e a retracção, sendo que na sequência desta retracção que esteve relacionada com o fim do Império Ultramarino e/ou Descolonização são de destacar três consequências imediatas, identificadas por Graça, na identidade nacional portuguesa e que, na nossa perspectiva, poderão ter contribuído para que desde então Portugal permaneça sem Conceito Estratégico Nacional: a perda de território e da ideia do Ultramar existente no imaginário colectivo português desde há vários séculos, constituindo-se como elemento estruturante da auto-imagem e definidor da identidade portuguesa; “uma onda de auto-crítica interna” “excessivamente desvalorizadora” da História de Portugal, que contribui para que alguém que se assuma patriótico seja entendido como incómodo ou conotado com os movimentos de extrema-direita; e o peso excessivo de estrangeiros a influenciar e a influir na construção de uma imagem de Portugal, “tendencialmente negativa” de país desumano e racista. Efectivamente, em 1974 esgotou-se um Conceito Estratégico Nacional que até então fora preservado, contribuindo para que Portugal fosse considerado um Estado Exógeno, isto é, um Estado que se forma, cresce ou desenvolve para o exterior, conforme considera Adriano Moreira. Portugal perdeu o seu Império “de quarta potência colonial”, a sua fronteira geograficamente multicontinental: internamente constituída por uma pluralidade étnica e cultural e exteriormente euromundista – já que todas as soberanias vizinhas, exceptuando-se o caso de Macau, eram europeias, imperiais e contavam com a etnia branca no poder -, regressando às origens: “ uma só fronteira geográfica, política e culturalmente europeia”. Porém, e apontando para o desmembramento do antigo conceito de fronteira e da realidade fronteiriça, em virtude da ocorrência do fenómeno da Globalização, Moreira defende a existência de: uma fronteira de segurança portuguesa que se confunde com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN); uma fronteira económica – não coincidente com a geográfica ou com a de segurança – verificada com a assinatura do Tratado de adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE) em 1985, que evoluiu em 1992 com o Tratado de Maastricht passando a incluir elementos de segurança e política externa comuns e, depois com o Tratado de Lisboa, em 2007; e uma fronteira cultural - não coincidente nem com a fronteira geográfica, nem com a fronteira de segurança nem com a fronteira económica - relacionada com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), criada em 1995, e com a qual tem em comum a existência de uma história, um património de vida e a definição cultural do espaço com base na partilha da Língua Portuguesa.
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A Recorrência do Conceito Estratégico de Defesa Nacional Não existindo um Conceito Estratégico Nacional Português desde o 25 de Abril de 1974, verificou-se o aparecimento do “Conceito Estratégico de Defesa Nacional”, no qual se definem os aspectos fundamentais da estratégia global adoptada pelo Estado para a consecução dos objectivos da política de defesa nacional. O primeiro surgiu em 1985, tendo sido revisto em 1994, e depois em 2003. No entanto, estes documentos como o próprio nome indica têm sido apenas e essencialmente documentos de defesa. Relativamente ao “Conceito Estratégico de Defesa Nacional” surgido em 1985 e que viria a ser aprovado através da Resolução do Conselho de Ministros número 10/85, publicada no Diário da República número 42, I Série, de 20 de Fevereiro de 1985, o mesmo encontra-se dividido em quatro partes: Na primeira parte enunciam-se “alguns dos objectivos permanentes” da política de defesa nacional – “subsumíveis a um único: a garantia da soberania e da independência nacional, principio este orientador da estratégia global do Estado”; Na segunda parte identificam-se as linhas de acção essenciais – entendidas como: o reforço da coesão interna, a afirmação do primado do interesse nacional nas relações externas, a garantia de um quadro de alianças adequado para superar as vulnerabilidades e tirar partido das potencialidades nacionais, e a garantia da independência nacional. Na terceira parte destacam-se as grandes áreas de intervenção – que são: o plano político geral (envolvendo: a consciência da identidade nacional e a consciência cívica de toda a população; a autoridade democrática do Estado e a solidariedade entre os órgãos de soberania em torno dos interesses nacionais; a participação equilibrada e uma efectiva comunidade nacional dentro e fora do espaço português; a eficácia e o prestigio das Forças Armadas como instituição nacional ao serviço do povo português; e a gestão dos recursos disponíveis); o plano económico, social e cultural (envolvendo: o desenvolvimento das forças produtivas e criadoras; o desenvolvimento económico em termos de justiça social e de qualidade de vida; o desenvolvimento da ciência, da educação e do ensino e o incentivo do florescimento livre da cultura portuguesa; o desenvolvimento das comunicações e transportes internos e externos; e a constituição de reservas estratégicas em áreas vitais – alimentação, combustíveis e matérias-primas -); o plano da política externa geral (envolvendo: a posição de Portugal quanto à sua inserção na CEE; a inserção em organizações ou espaços supranacionais; e a cooperação económica, cientifica, cultural, diplomática e militar com os países de expressão portuguesa); o plano político-militar externo (envolvendo: a participação militar portuguesa na defesa colectiva da OTAN em todas as circunstâncias e por forma a reforçar a capacidade de defesa autónoma; a utilização de facilidades em território nacional por outros países da aliança, que
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deve ser compensada por outros meios capazes de reforçar as potencialidades da comunidade nacional; e uma política militar externa que deverá ter em consideração o carácter descontinuo do território e a importância estratégica das fronteiras e áreas marítimas e do espaço interterritorial); e o plano políticomilitar interno (envolvendo: o assegurar de uma capacidade militar própria, o organizar de uma indispensável capacidade dissuasora; o estruturar do serviço militar obrigatório; e o incentivar e racionalizar a indústria da defesa) -. E por fim, na quarta parte, apresentam-se duas missões históricas que podem resumir a estratégia global do Estado: o fortalecimento do Estado na ordem interna; e o fortalecimento do Estado na ordem externa. Em 1994, o novo “Conceito Estratégico de Defesa Nacional” que substituiria o de 1985, e seria aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros número 9/94, publicada no Diário da República número 29, I Série B, de 4 de Fevereiro de 1994 encontrava-se dividido em três partes: 1. Enquadramento Internacional – no qual se referem as mudanças verificadas nos primeiros anos da década de noventa, relacionadas com o termo da configuração bipolar – a implosão da União Soviética como momento central -, na conjuntura internacional e a emergência de novos referenciais de poder -; 2. Carácter e objectivos da defesa nacional – começando por identificar os objectivos permanentes da defesa nacional (iguais aos do “Conceito Estratégico de Defesa Nacional” de 1985): garantir a independência nacional, assegurar a integridade territorial nacional, salvaguardar a liberdade e segurança das populações e a protecção dos seus bens e do património nacional, garantir a liberdade de acção dos órgãos de soberania e o regular funcionamento das instituições democráticas, contribuir para o desenvolvimento das capacidades morais e materiais da comunidade nacional, e assegurar a manutenção ou o restabelecimento da paz. Para identificar, seguidamente, as linhas de acção para a estratégia global do Estado no atinente à defesa nacional: fortalecer a vontade colectiva de defesa, valorizar a posição de Portugal e reforçar a sua capacidade de acção no mundo, participar na definição e na concretização do novo quadro em que se situará a OTAN, participar no processo de aprofundamento da integração europeia, desenvolver e consolidar as relações entre Portugal e outros Estados a que este se encontra associado por laços históricos e culturais - com destaque para os países de língua portuguesa -, garantir um quadro de alianças adequado que permita reduzir as vulnerabilidades e promover as potencialidades nacionais, e garantir uma componente militar de defesa própria; 3. Conceito de acção estratégica, estando este dividido, por sua vez, em princípios gerais de acção (tais como: o fortalecimento da coesão nacional, a coordenação das políticas sectoriais – de forma a contribuir para o aumento das capacidades da Nação no domínio da defesa -, a coordenação das acções civis e
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militares que importam à defesa, a prossecução de uma política que propicie uma actuação eficiente das Forças Armadas, a prevenção de conflitos externos, e o respeito dos compromissos assumidos no quadro das organizações internacionais de que Portugal faz parte) e em orientações para as estratégias gerais (tanto no plano político externo – destacando as comunidades portuguesas espalhadas no mundo, as organizações e alianças de que Portugal faz parte, as relações com os países lusófonos e com os países vizinhos -, como no plano político interno – com discriminação das seguintes áreas: a educação e a cultura, o ordenamento do território e o ambiente, a ciência e a tecnologia, os transportes e as comunicações, a economia e as finanças, a indústria e a energia, e a informação – e ainda no plano militar). Até ao passado dia 5 de Abril de 2013, encontrava-se em vigor o “Conceito Estratégico de Defesa Nacional” de 2003, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros número 6/2003, publicada no Diário da República, número 16, I Série B, de 20 de Janeiro de 2003. Por ser se tratar do documento vigente anterior ao actual “Conceito Estratégico de Defesa Nacional” de 2013, o mais extenso até então – embora, o actual seja ainda maior -, e aquele que numa primeira análise apresenta maiores incoerências, debruçar-nos-emos com maior detalhe sobre o mesmo. O documento é constituído por: Uma introdução (em que são feitas referências a um “novo cenário”, a “um ambiente de ameaças e riscos de concretização imprevisível e de carácter multifacetado e transnacional” resultantes do terrorismo transnacional – tendo o 11 de Setembro de 2001 como momento central e de viragem relativamente ao anterior “Conceito Estratégico de Defesa Nacional” - e da proliferação de armas de destruição massiva); Um enquadramento internacional; E um enquadramento nacional; Uma parte dedicada aos valores permanentes da defesa nacional (“A estratégia de defesa nacional está ao serviço da preservação do Estado soberano e independente que é Portugal”, “A defesa nacional pressupõe a defesa da coesão nacional”, “Portugal honrará a sua tradição humanista na ordem internacional (…), no respeito pela Carta das Nações Unidas (…)”, “O Estado não declina responsabilidades na promoção de um adequado espírito de segurança e defesa junto da população portuguesa” – importância da educação para o patriotismo -); Uma parte respeitante ao espaço estratégico de interesse nacional (sendo este composto: pelo território de Portugal continental e ilhas; pelo espaço de circulação entre as parcelas de território nacional – descontinuo -; pelos espaços aéreo e marítimo sob responsabilidade nacional, as águas territoriais, os fundos
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marítimos contíguos, a zona económica exclusiva e a zona que irá resultar do processo de extensão da plataforma continental; e ainda pelo espaço estratégico de interesse nacional conjuntural – integrado pelo espaço euro-atlântico (Europa e EUA), pelo relacionamento com os Estados limítrofes, pelo Magrebe, pelo Atlântico Sul (destaque para o Brasil), pela África Lusófona e Timor Leste, pelos países onde existem fortes comunidades de emigrantes portugueses, pelos países ou regiões em que Portugal tenha presença histórica e cultural (caso da Região Administrativa Especial de Macau), e pelos países de origem das comunidades imigrantes em Portugal); Uma parte dedicada às ameaças relevantes (sendo identificadas: a agressão armada ou ataque localizado a Portugal – ao seu território, à sua população ou ao seu património -, o Terrorismo, o desenvolvimento e a proliferação de armas de destruição em massa – seja nuclear, radiológica, biológica ou química -, o crime organizado transnacional, os atentados ao ecossistema, e as ameaças aos órgãos de soberania); Uma parte dedicada ao sistema de alianças e organizações internacionais (de que Portugal é Estado parte: a Organização das Nações Unidas (ONU) – para a segurança internacional, a manutenção da paz e a resolução dos conflitos -, a OTAN – eixo estruturante do sistema de segurança e defesa de Portugal -, a União Europeia (UE), a relação com os EUA em complementaridade com as políticas de defesa e segurança da OTAN e da UE, a CPLP, e outras organizações e instâncias internacionais como a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e o Conselho da Europa (CdE) -; Uma parte respeitante às missões e capacidades das Forças Armadas; E finalmente, uma parte relativa aos meios necessários e políticas estruturantes. E para além de se tratar de um documento mais extenso, recorre à utilização de terminologia com um sentido dúbio, pouco objectivo e concreto, o que torna na nossa perspectiva este “Conceito Estratégico de Defesa Nacional” um documento com pouca utilidade prática. O documento de 2003 dispõe de uma introdução e dois enquadramentos (um internacional e outro nacional, como já verificámos), que poderia ser reduzido a um único enquadramento introdutório em que o plano externo e o plano interno coexistissem e se inter-relacionassem e, deste modo, a sua compreensão e associação com a realidade prática seria mais imediata e de um âmbito menos abstracto. O “Conceito Estratégico de Defesa Nacional” de 2003 substitui pela primeira vez o termo “objectivos permanentes de defesa nacional” por “valores permanentes de defesa nacional”. Os objectivos são fins ou metas a atingir, sendo que a enunciada preservação da soberania e independência de Portugal é um
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objectivo nacional permanente e não um valor. A coesão nacional é um meio para atingir um fim, o da defesa nacional. O patriotismo é essencial à existência de vontade nacional (elemento intangível do Poder Nacional), mas não se trata de um valor permanente, na medida em que a sua existência depende da educação e essa educação é passível de reformas pelo Poder Político que podem influenciar directamente o desenvolvimento do patriotismo. E, neste sentido, faz mais sentido entender o patriotismo como um meio necessário a atingir um fim, a vontade nacional e, consequentemente, o Poder Nacional. Também se verifica no referido documento a apresentação do conceito de “espaço estratégico de interesse conjuntural” que, na nossa perspectiva, deveria ser o espaço estratégico de interesse histórico e/ou cultural dado o facto de incluir no mencionado espaço: os Estados limítrofes – ou seja, com os quais faz fronteira, entenda-se a Espanha -, o Magrebe, o Atlântico Sul, a África Lusófona e Timor Leste, com que mantém relações desde há vários séculos. Não se tratam, pois, de relações fortuitas ou ocasionais no tempo. As relações com Espanha, único Estado com quem faz fronteira, derivam da posição geopolítica portuguesa e esta é um factor estável do espaço. As relações com o Magrebe, o Atlântico Sul, a África Lusófona e Timor Leste reportam ao período dos Descobrimentos Marítimos Portugueses iniciados no século XV. De igual modo, sendo Portugal um país com tradição emigrante e ainda que a emigração não se direccione sempre aos mesmos países, a existência de “fortes” comunidades de emigrantes portugueses em determinados países implica continuidade, não se tratando de algo esporádico ou ocasional. A referência às ameaças relevantes e ao sistema de alianças e organizações internacionais separadamente da introdução, do enquadramento internacional e do enquadramento nacional complexifica em vez de simplificar o documento, duplicando a informação em vez de a tornar objectiva, clara e concisa. Por fim, as missões e capacidades das Forças Armadas, os meios necessários e políticas estruturantes deveriam, mais uma vez, por uma questão de simplificação e clareza do texto do documento ser incluídas no enquadramento (nacional). Para um Renovado Conceito Estratégico Nacional Português: Segundo Adriano Moreira, no actual contexto interno e externo, o Portugal exógeno, exíguo – resultante da falta de recursos para realizar os fins do Estado -, e em protectorado – “obedecendo a um programa de governo a que se obrigou com a comunidade internacional, para evitar a falência” -, deve manter no seu novo Conceito Estratégico Nacional as suas alianças e as suas “janelas de liberdade”: o mar, a Plataforma Continental e a CPLP. E, no seguimento destas janelas, será de relembrar o escritor político alemão Arndt que terá referido que: “a primeira fronteira que cada país deve ter é o mar, a segunda é a língua”.
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O Sistema de Alianças de Portugal O Sistema de Alianças de Portugal é composto nomeadamente: pela OTAN (fronteira de segurança), pela UE (fronteira económica), e pela CPLP (fronteira cultural) – no quadro multilateral -, sendo igualmente de destacar o papel da relação que Portugal mantém com os EUA – no quadro bilateral – derivante do posicionamento geopolítico do Triângulo Estratégico Português (composto: por Portugal Continental, pelo Arquipélago da Madeira, entendida como porta da Europa e do Mediterrâneo, e pelo Arquipélago dos Açores, entendido como a posição-chave no controlo a partir do Atlântico Norte), intermédio entre o Atlântico e o Mediterrâneo, a Europa e a América , e indispensável à segurança e cooperação da UE e a OTAN com esta Pequena Potência. Convém também salientar a ONU, o CdE, e a OSCE, como integrantes do multilateralismo em que Portugal tem o interesse nacional e a obrigação legal de participar enquanto Estado parte. As “Janelas de Liberdade” Adriano Moreira estabelece as “Janelas de Liberdade” como um meio para Portugal obter na actualidade os apoios necessários à garantia da sua sobrevivência enquanto Pequeno Estado, na medida em que Portugal sempre teve a necessidade histórica de um apoio externo: primeiro, do Papa para que conferisse legitimidade ao novo poder emergente; depois, da aliança que estabeleceu com Inglaterra, e por fim, da Europa, mediante a adesão à então CEE; e até quando cresceu no espaço, fê-lo para o exterior: expandiu-se para o mar, que continua a ser um elemento central e fundamental do Conceito Estratégico Nacional Português, criando um Império Ultramarino. O Mar No que respeita ao mar, apesar de não ter ocupado um papel determinante na formação de Portugal, foi através dele que Portugal já formado procurou consolidar o seu desígnio de país independente. E foi também o mar que “passou a sustentar Portugal praticamente até aos meados da década de setenta”. Com o 25 de Abril de 1974, verificou-se um afastamento em relação ao mar com graves consequências para o país. O mar foi durante muito tempo encarado como sinónimo de império e de passado e tal não era coincidente com a “alteração completa dos desígnios políticos do país” no período pós revolução. Esta falta de interesse no mar acabou por ser reforçada com a adesão de Portugal à CEE na década de oitenta. Foi apenas no final da década de noventa que se verificou o início de um “movimento de inclusão ressurgente do mar”, mas desta vez o mar era
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associado ao futuro, com a realização da Expo 98, sob o tema Os Oceanos, um património futuro para a humanidade, em Portugal, numa iniciativa que decorreria no Ano Internacional dos Oceanos – cuja declaração se ficaria a dever à iniciativa diplomática portuguesa na Assembleia-Geral da ONU em 1993 -. Deste modo, o mar passaria a encontrar-se conceptualmente relacionado com o desenvolvimento sustentável e a preservação da natureza, ligado à ciência e à tecnologia, ao futuro e, consequentemente, ao progresso nacional. Para além da Expo 98, verificaram-se seguidamente mais alguns factos que atestam este reencontro de Portugal com o mar: No final do segundo mandato como Presidente da República Portuguesa, Mário Soares criou uma Comissão Mundial Independente para os Oceanos; Em 1998, o Governo aprovou o Programa Dinamizador das Ciências e Tecnologias do Mar; Portugal assumiu durante alguns anos um papel mais activo na liderança dos assuntos marítimos internacionais, na ONU, que partiu de iniciativa local diplomática e só, posteriormente, foi adquirindo o apoio do Governo em Lisboa e em particular do Ministério dos Negócios Estrangeiros; Lisboa torna-se o local da sede da Agência Europeia de Segurança Marítima, numa candidatura que havia sido apresentada por Jaime Gama e que, deste modo, foi bem-sucedida; Em Junho de 2003, foi criada a Comissão Estratégica dos Oceanos com o objectivo de criar e definir os elementos de uma Estratégia Nacional para o mar, dando origem em 2004 ao Relatório da Comissão Estratégica dos Oceanos: “O Oceano. Um Desígnio Nacional para o Século XXI”, constituindo-se este como a mais completa reflexão em torno do Conceito Estratégico Nacional existente desde 1974 e a mais original proposta de desenvolvimento económico e social de Portugal. Neste documento, o mar surge como sendo verdadeiramente parte da identidade de Portugal, enquanto nação marítima da União Europeia, sendo apontadas também as potencialidades dos países atlânticos de Língua Portuguesa, o “Oceano Moreno”, a que Adriano Moreira se terá referido pela primeira vez nos anos setenta; O “breve Governo de Santana Lopes” criou o Ministro da Defesa e dos Assuntos do Mar, o que foi mantido pelo Governo seguinte de José Sócrates, responsável por aprovar a actual “Estratégia Nacional para o Mar” em 2006, criando a Comissão Interministerial para os Assuntos do Mar, apoiada na Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar; Em 2004, verificou-se a criação da Estrutura de Missão para a Delimitação da Plataforma Continental. Nos últimos anos, também a sociedade civil se tem envolvido crescentemente no debate sobre o mar, sendo de destacar entre outros: o surgimento do relatório
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do Hipercluster do Mar, coordenado por Ernâni Lopes, e mais recentemente, a existência de um projecto de investigação financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia que se encontra em desenvolvimento desde 2012 no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas – no âmbito do Centro de Administração e Políticas Públicas – intitulado: “A Extensão da Plataforma Continental Portuguesa: Implicações Estratégicas para a Tomada de Decisão”. É igualmente de referir que, entre o dia de Março e o dia 31 de Maio de 2013, se verificou por deliberação da Comissão Interministerial para os Assuntos do Mar (CIAM) a discussão pública do documento “Estratégia Nacional para o Mar 2013-2020”. O mar no século XXI, à semelhança do que sucedera no século XV, oferece inúmeras possibilidades nomeadamente através: do desenvolvimento da indústria eólica offshore tirando partido do seu espaço marítimo; da orientação de recursos humanos e financeiros para a especialização do papel dos oceanos na regulação do clima e, neste domínio, Portugal poderia ocupar uma posição de destaque nos projectos comuns da União Europeia sobre esta matéria; do desenvolvimento do sector do pescado quanto à captura e às indústrias transformadoras, recorrendo ao desenvolvimento da aquicultura que tem vindo a ser apoiado pelo Governo português; do fomento, do apoio e do desenvolvimento da actividade dos portos para o transporte marítimo, tirando partido da nossa localização geográfica e, potenciando, neste sentido, o interesse no porto de Sines como porto de águas profundas, a título exemplificativo; do incentivo do turismo náutico, o que envolve o turismo de cruzeiros, a náutica de recreio, a actividade das marinas, as actividades marítimo-turisticas e o desenvolvimento dos desportos náuticos (entre outros: o surf, o bodyboard, o windsurf, a vela); da exploração dos recursos vivos e não vivos que poderão vir a ser obtidos a partir do leito e dos subsolos da Plataforma Continental; da possível especialização na produção de equipamentos para navios na área da electrónica e das comunicações, desenvolvendo sistemas de segurança, vigilância e controlo; e do reanimar da indústria da construção naval sem abandonar a área da reparação naval que tem mantido. A Plataforma Continental Relativamente à Plataforma Continental, e em conformidade com a Convenção das Nações Unidas do Direito do Mar, Portugal entregou em 2009 junto da ONU uma proposta para a extensão da referida Plataforma contemplando o avanço da Zona Económica Exclusiva -, quanto ao solo e subsolo emersos, para uma área até quarenta vezes superior à dimensão do território português. A ser aceite a proposta de Portugal, será essencial dispor de uma Marinha capaz – envolvendo eventualmente a contratação e formação de mais homens e a aquisição de mais meios - a actuar em coordenação com a Força Aérea para assegurar esta área, pois como referiu Moreira em Setembro de 2012: “ Terra que não se pisa e mar que não se navega não é nosso”. Convém, assim sendo, evitar que suceda com a Plataforma Continental aquilo que sucedeu com a gestão
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dos recursos vivos do mar: foram concedidos à Comissão Europeia, através do Tratado de Lisboa, constituindo esta “uma perda imensa” para o país. Carta Hidrográfica número 1001E com a ZEE e a proposta de delimitação da Plataforma Continental – Instituto Hidrográfico da Marinha de Portugal
A CPLP A CPLP é uma comunidade fundada a partir da existência de um património histórico, cultural e linguístico1 comum – cujas origens remontam à expansão marítima portuguesa dos séculos XV e XVI - , entre países pertencentes aos quatro continentes, que deverá ser liderada pelo Brasil,2 pois como afirma Reto: “ Foi preciso esperar pelo crescimento populacional e pela afirmação económica do Brasil e das ex-colónias africanas, para que o português encontrasse o seu lugar entre as línguas mais influentes na esfera internacional, logo a seguir ao inglês e ao espanhol”. E efectivamente o Brasil é hoje um actor global, estando prestes a tornar-se na quinta maior economia do mundo, dispondo de uma “razoável dimensão demográfica a nível mundial” e sendo igualmente a mais importante potência regional na América Latina3. 1 - Todos estes países (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste) têm o português como língua oficial. Cfr. Luís Reto (Coord.), Potencial Económico da Língua Portuguesa, Lisboa, Texto Editores, 2012, p. 42. 2 - Em segundo lugar por Angola. 3 - Luís Reto (Coord.), idem, pp.24 e 25.
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Todos os países da CPLP – Portugal, Angola, Brasil, Cabo Verde4, GuinéBissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor Leste - são países marítimos e, com excepção do Brasil, todos são países pobres, apesar de alguns se encontrarem na posse de recursos naturais muito significativos5 e potenciais, como sejam essencialmente os casos dos países localizados no Atlântico Sul – Angola e Brasil – e de Moçambique. Aliás, no espaço africano, quer Angola quer Moçambique apresentam, de igual modo, “uma tendência acentuada para crescer”. Assim sendo, e sem voltar as costas à Europa, Portugal deve empreender uma “bem gizada posição atlântica”, o que nos remete para o reforço das suas relações com os países de Língua oficial Portuguesa nessa comunidade “singularizada pela História e Cultura”6 que é a CPLP e, na qual cada um dos Estados deve garantir o seu “ser especifico” num esforço de união7 que a todos beneficie. E, neste sentido, a estratégia nacional de Portugal deverá confirmar-se e seguir “no sentido que a História lhe assinala. Isto é, cuidar de si, também no Além-Mar”, como estabelece Fontoura8. Portugal deve, por conseguinte, aprofundar as suas relações culturais – destaque para o papel desempenhado pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua -, tecnológicas e económicas com os outros países da CPLP, mas também continuar a empenhar-se nos programas de cooperação técnico-militar que mantém com os referidos países, desenvolvendo cooperação no atinente à segurança das linhas de comunicação marítimas e na gestão de crises para, por conseguinte, contribuir para o desenvolvimento destes países e a transformação da Língua portuguesa numa língua de ciência. O Actual Conceito Estratégico de Defesa Nacional O actual Conceito Estratégico de Defesa Nacional foi aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros número 19/2013, publicada no Diário da República número 67, I Série, de 5 de Abril de 2013. O documento é composto por sete partes: Na I. Introdução destaca-se a crise económico-financeira concentrada na Europa, e em especial na Zona Euro, referindo-se a arquitectura incompleta da União Económica e Monetária e a situação de Portugal ao recorrer à assistência financeira internacional, o que acarreta consigo consequências para a Segurança e a Defesa nacional.
4 - Cabo Verde destaca-se fundamentalmente por se tratar de um “exemplo de boa governação”. Cfr. Luís Reto (Coord.), idem, p. 24. 5 - Luís Reto, idem, p.4. 6 - Luís Fontoura, O Novo Ciclo da Cooperação Luso-Africana, Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 1995, p. 5. 7 - A língua assume-se como um factor definidor de unidade no interior dos próprios Estados. Cfr Adriano Moreira, Teoria das Relações Internacionais, Lisboa, Coimbra, Almedina, 2005, p. 529. 8 - Luís Fontoura, idem, p. 7.
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Em II. Fundamentos da Estratégia de Segurança e Defesa Nacional e como resultado do facto de Portugal ser Estado Parte da ONU, da OTAN, da UE e da CPLP, identificam-se os valores fundamentais (tais como: a independência nacional; o primado do interesse nacional; a defesa dos princípios da democracia portuguesa, dos direitos humanos e do direito internacional; o empenhamento na definição da estabilidade e da segurança europeia, atlântica e internacional) e os interesses nacionais (entendidos como: a afirmação da presença de Portugal no mundo, a consolidação do seu papel na rede de alianças de que faz parte, a afirmação e credibilização de Portugal no exterior; a valorização das comunidades portuguesas; e a promoção da paz e da segurança internacionais), cuja prossecução assenta nos seguintes elementos essenciais: a diplomacia; as forças armadas; o desenvolvimento de capacidades e a redução de vulnerabilidades (enfatizandose a importância da ciência, da tecnologia, da educação e do capital humano em si mesmo); a restauração da estabilidade financeira e do crescimento económico; e as informações estratégicas. Em III. Contexto Internacional, encontram-se as grandes tendências; os contextos de segurança regional (nos quais figuram: a Europa e a UE; os EUA e as relações transatlânticas; o Norte de África e o Médio Oriente; a África Subsaariana; o Atlântico; e a Ásia); e as ameaças e riscos (divididas em: ameaças e riscos no ambiente de segurança global – como sejam o terrorismo transnacional, a pirataria, a criminalidade transnacional, a proliferação de armas de destruição massiva, a multiplicação de Estados frágeis e de guerras civis, os conflitos regionais, o ciberterrorismo e a cibercriminalidade, a escassez de recursos naturais e a mudança climática - e principais riscos e ameaças à segurança nacional – como sejam o terrorismo, a proliferação de armas de destruição massiva, a criminalidades transnacional organizada, a cibercriminalidade, a pirataria, a degradação e escassez de água potável, as alterações climáticas, os riscos ambientais e sísmicos, a ocorrência de ondas de calor e de frio, os atentados ao ecossistema, as pandemias e outros riscos sanitários -). A parte IV. Portugal no Mundo refere-se à inserção estratégica e espaços de interesse nacional (mencionam-se novamente a UE, a OTAN e a CPLP, bem como o posicionamento de Portugal em relação ao Atlântico e ao Magrebe); à segurança colectiva (relativamente à qual se destaca sobretudo a OTAN, a aprovação de um novo Conceito Estratégico, em 2010, em Lisboa, e a transferência para Portugal do comando de uma força naval (Strike Force NATO); e a UE, o Tratado de Lisboa, e a Estratégia Europeia de Segurança, de 2003, depois actualizada e reforçada em 2008, assim como o maior papel conferido à Agência Europeia de Defesa em virtude da crise económica e financeira da UE); e às alianças e parcerias (a centralidade é uma vez mais atribuída à OTAN; à Europa como “primeira área geográfica de interesse estratégico nacional”, destacando-se a importância das missões da Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD) e dos programas da
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Agência de Defesa Europeia; a CPLP e a necessidade de manter e desenvolver a cooperação com os países no domínio da segurança das linhas de comunicação marítima e na gestão de crises; o Magrebe e o Médio Oriente, salientando-se o Diálogo do Mediterrâneo, a Iniciativa de Cooperação de Istambul e a Iniciativa 5+1; Timor-Leste; o espaço asiático com potencial económico, destacando-se: a China, e em especial Macau, o Japão e a Índia). Em V. Contexto Nacional estabelecem-se: as vulnerabilidades e activos nacionais (destaque-se, neste sentido, como “elemento multiplicador do potencial estratégico nacional”: a história; a identidade e a coesão nacionais; a cultura e o espaço linguístico; a consolidação do regime democrático; a participação na OTAN, na UE e na CPLP; o mar e a centralidade no espaço atlântico; o carácter arquipelágico do território; o clima e as comunidades de emigrantes); os princípios da segurança e defesa nacional (nos quais se encontram: o principio da independência nacional, o principio da igualdade entre os Estados, o principio da protecção dos direitos humanos, o principio do respeito pelo direito internacional, o principio da resolução pacifica dos conflitos internacionais e o principio da contribuição para a segurança, a estabilidade e a paz internacionais. É ainda referido que a realização da estratégia nacional se orienta por três regras: a unidade estratégica, a coordenação, e a utilização racional e eficiente dos recursos); os objectivos nacionais permanentes (que são: a soberania do Estado, a independência nacional, a integridade do território e os valores fundamentais da ordem constitucional; a liberdade e a segurança das populações e a protecção do património nacional; a liberdade de acção dos órgãos de soberania, o regular funcionamento das instituições democráticas e a possibilidade de realização das funções e tarefas essenciais do Estado; a manutenção da paz; e o fortalecimento da coesão nacional); e os objectivos nacionais conjunturais (entendidos como: a correcção dos desequilíbrios económico-financeiros; a redução do desemprego; a correcção de vulnerabilidades e dependências externas, capazes de colocar em causa a coesão e a soberania nacional; a valorização da vocação atlântica de Portugal; a consolidação de Portugal nas alianças e parcerias estratégicas que integra de forma estável e coerente; o desenvolvimento da capacidade para enfrentar as ameaças e riscos e cumprir com os compromissos internacionais; a racionalização e rentabilização de recursos; a valorização do capital humano, o reforço das capacidades cientificas e tecnológicas nacionais, a promoção da investigação e da inovação cientifica; e a defesa do prestigio internacional de Portugal). Em VI. Conceito de Acção Estratégica Nacional define-se o desenvolvimento da Estratégia Nacional de acordo com três vectores e linhas: o exercício da soberania e a neutralização de ameaças e riscos à segurança nacional (defendendo a posição internacional de Portugal; consolidando as relações externas de defesa; valorizando as informações estratégicas, e adequando as
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políticas de segurança e defesa nacional ao ambiente estratégico); a resposta às vulnerabilidades nacionais (através da promoção do equilíbrio financeiro e do crescimento económico; do asseguramento da autonomia energética e alimentar; do incentivo à renovação demográfica e a gestão do envelhecimento da população; da melhoria da eficácia do sistema de justiça; da qualificação do ordenamento do território; e do envolvimento da sociedade nos assuntos da segurança e defesa nacional); e a valorização dos recursos e das oportunidades nacionais (mediante: o investimento nos recursos marítimos, salientando-se que “o mar constitui (…) um importante activo estratégico, e (…) a exploração dos recursos da plataforma continental torna obrigatória a revisão periódica da Estratégia Nacional para o Mar”; a valorização do conhecimento, da tecnologia e da inovação; o desenvolvimento do potencial dos recursos humanos; a valorização da língua e da cultura portuguesas). Termina-se com a “operacionalização e controlo do conceito estratégico e defesa nacional”. Por fim, em VII. Uma Estratégia Nacional do Estado conclui-se que “o conceito estratégico de defesa nacional deve assumir-se como a estratégia nacional do Estado”. Quadro Comparativo entre o “Conceito Estratégico de Defesa Nacional” de 1985, o de 1994, o de 2003 e o de 2013 (Elaborado pela autora). “Conceito Estratégico de Defesa Nacional” de 1985
“Conceito Estratégico de Defesa Nacional” de 1994
“Conceito Estratégico de Defesa Nacional” de 2003
“Conceito Estratégico de Defesa Nacional” de 2013
Objectivos permanentes
Enquadramento internacional
Introdução - Não existe no de 1985 nem no de 1994.
Introdução - À semelhança do de 2003.
Linhas de acção essenciais
Carácter e objectivos da Defesa Nacional (Objectivos Permanentes; e Linhas de Acção para a Estratégia Global do Estado)
Enquadramento Internacional - Não existe no de 1985, só no de 1994 e neste.
Fundamentos da Estratégia de Segurança e Defesa Nacional - Não existe em 2003, tratando-se de um elemento novo.
Áreas de intervenção
Conceito de Acção Estratégica (Princípios Gerais de Acção; e Orientações para a Estratégias Gerais)
Enquadramento Nacional - Não existe no de 1985 nem no de 1994.
Contexto Internacional (Grandes tendências; contextos de segurança regionais; ameaças e riscos) - Já existia em 2003 sob o título “Enquadramento Internacional”.
Valores Permanentes da Defesa Nacional - Designado de Objectivos Permanentes em 1985 e em 1994.
Portugal no Mundo (Inserção estratégica e espaços de interesse estratégico nacional; Segurança cooperativa; Alianças e parcerias) - Já existia no de 2003 sob o título “Espaço Estratégico de Interesse Nacional”.
Missões históricas para a Estratégia Global do Estado
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Espaço Estratégico de Interesse Nacional - Surge no de 1994 embora em menor detalhe. A questão dos países com os quais Portugal mantém relações históricoculturais é apenas referida timidamente em 1985, como cooperação com os países de expressão portuguesa.
Contexto Nacional (Vulnerabilidades e Activos Nacionais; Princípios de Segurança e Defesa Nacional; Objectivos Nacionais Permanentes; Objectivos Nacionais Conjunturais) - Já existia em 2003, embora disperso em “Enquadramento Nacional” e “Valores Permanentes de Defesa Nacional”.
Ameaças Relevantes - Não existe em 1985 nem em 1994, tratando-se a sua inclusão em 2003 de um reflexo do 11 de Setembro de 2001.
Conceito de Acção Estratégica Nacional (Vectores e Linhas de Acção Estratégica 1exercer soberania, neutralizar ameaças e riscos à Segurança Nacional; 2- Responder às Vulnerabilidades Nacionais; 3 – Valorizar os Recursos e as Oportunidades Nacionais; Operacionalização e controlo do Conceito Estratégico de Defesa Nacional) - Trata-se de um elemento novo, ao conferir maior ênfase à diplomacia, às informações estratégicas, às questões económico-financeiras, às questões energéticas e alimentares; às questões demográficas, à justiça, à ciência e à tecnologia, e à língua e à cultura. No entanto, encontram-se aqui também aspectos já existentes em 2003, nomeadamente do “Sistema de Alianças e Organizações”, das “Missões e Capacidades das Forças Armadas” e dos “Meios e Políticas Estruturantes”.
Sistema de Alianças e Organizações Internacionais - Mencionado no texto em “Áreas de Intervenção” no de 1985 e no texto em “Conceito de Acção Estratégica” de 1994.
Uma Estratégia Nacional do Estado - Não existia em 2003, tratando-se de um elemento novo. Pretende-se que este “Conceito Estratégico de Defesa Nacional” assuma o papel de Conceito Estratégico Nacional Português.
Missões e Capacidades das Forças Armadas - Não existe em 1985 nem em 1994. Meios Necessários e Políticas Estruturais - Não existe em 1985 nem em 1994.
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IV. Conclusão Realizada a nossa reflexão ao Conceito Estratégico Nacional Português mediante uma observação diferida não-participante, demos resposta à questão central: o que é que caracteriza o Conceito Estratégico Nacional Português? O Conceito Estratégico Nacional Português corresponde a uma directriz fundamental que deverá orientar a Estratégia da Nação, tendo em vista a concretização e/ ou salvaguarda dos objectivos nacionais tanto no plano externo como no plano interno. Portugal deverá preocupar-se, antes de mais, com a garantia da sua sobrevivência e da sua subsistência enquanto Estado e, para tal de acordo com o seu condicionalismo espacial geopolítico, é no mar que pode e poderá encontrar essa mesma garantia. Relativamente à primeira questão derivada: de que modo o espaço geopolítico português influenciou o Conceito Estratégico Nacional de Portugal? Foi no quadro do espaço geopolítico português, e mais concretamente da sua posição, que pressionado e geobloqueado a Leste pela única fronteira terrestre de que dispõe e com apenas um Estado, a Espanha, Portugal se voltou para sua outra fronteira, a fronteira marítima e, foi no Oceano Atlântico que procurou a defesa do seu reino sobretudo contra Espanha, mas também contra os muçulmanos. O mar foi o seu meio de afirmação por excelência: para garantir a sua sobrevivência, sendo fonte de riqueza (possibilidade de obtenção de recursos) e um meio de projecção de poder. No concernente à segunda questão derivada: quais as constantes do Conceito Estratégico Nacional Português no passado (entre 1094 e 1974)? Ao longo dos séculos, os seus objectivos nacionais permanentes foram a manutenção da independência e da sua soberania (a sua sobrevivência), tendo-se defendido igualmente para tal a necessidade de: preservar a integridade do território, desenvolver socioeconómica e culturalmente a população, proceder ao fortalecimento da unidade e coesão nacionais – aspectos ainda hoje fundamentais -, ao mesmo tempo que se dedicava à construção e, posterior, manutenção de um vasto – ainda que disperso – Império Ultramarino, onde espalhou a Fé Cristã e difundiu a Língua Portuguesa. Quanto à terceira questão derivada: de que modo é que essas constantes poderão ser incluídas num Renovado Conceito Estratégico Nacional Neste sentido, são de relembrar as “janelas de liberdade” de Adriano Moreira: o mar e a CPLP a que Portugal deverá recorrer numa conjugação com as alianças de que faz parte (nomeadamente OTAN e UE) e que deve conservar. Portugal continua a ter a sua sobrevivência como um objectivo primordial, importa-lhe para tal desenvolver socioeconómica e culturalmente a sua população, e proceder ao fortalecimento da unidade e coesão nacionais, mas para além disso, e na situação de Estado exíguo a que regressou com o 25 de Abril necessita de tirar partido das mencionadas janelas que mais não são do que uma actualização daquela que foi a sua alternativa ao geobloqueio continental – papel agora essencialmente desempenhado pela União Europeia (na perspectiva de que a liberalização e desregulamentação do mercado
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ao colocar no mesmo pé de igualdade e/ou desigualdade países com economias e níveis de desenvolvimento muito distintos, olvidando as suas peculiaridades, acabou por beneficiar menos países pequenos e com carência de recursos como é o caso de Portugal) -, a abertura atlântica, a partir da qual poderá obter junto dos países da CPLP novos mercados (e matérias-primas) e oportunidades de cooperação rumo ao desenvolvimento de todas as partes. Reforce-se novamente a ideia: recorrer às janelas sem voltar as costas às suas alianças; regressar ao mar sem voltar as costas à sua fronteira terrestre e europeia. Tirar, isso sim, o melhor de ambas as fronteiras em seu beneficio. Em termos de contributo para o conhecimento, este estudo permitiunos adquirir um saber mais aprofundado em matéria do Conceito Estratégico Nacional e compreender em que medida é que este pode ser influenciado e/ou condicionado pelo espaço geopolítico nacional. Por fim, e no respeitante à aplicação prática deste trabalho, este estudo apresenta-se, de igual modo, como uma tentativa de superar a lacuna relacionada com a ausência de um Conceito Estratégico Nacional Português ao procurar identificar as constantes do passado (actuais), justificá-las tendo em atenção as características do espaço geopolítico português, e destacando as mais-valias das mesmas; pois, como afirma Alves9: “uma Nação sem objectivos declarados patenteia falta de afirmação de si própria e de consciência nacional, desorganização e inércia, em suma, falta de profundidade de acção no espaço e no tempo, falta de visão do futuro e falta de futuro (…)”
E, neste sentido, para que Portugal na sua qualidade de Pequena Potência assegure o seu objectivo nacional primordial, a sobrevivência, é urgente identificar essa directriz fundamental capaz de orientar a Estratégia Nacional para, assim, abandonar a seu actual estado de protectorado, voltar a possuir uma visão de futuro e conseguir realizar os fins que cabem a um Estado soberano e independente. Bibliografia Almeida, Políbio Valente, Do Poder do Pequeno Estado, 2ª ed., Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2012. Alves, José Lopes, Geopolítica e Geoestratégia de Portugal, Lisboa, José Lopes Alves, 1987. Borges, João & Nogueira, José (org.), O Pensamento Estratégico Nacional, Lisboa, Edições Cosmos/Instituto de Defesa Nacional, 2006. 9 - José Lopes Alves, Geopolítica e Geoestratégia de Portugal, Lisboa, José Lopes Alves, 1987, p. 121.
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Cadete, Loureiro & Campos, Lopes & Ferreira, Ribeiro & Martins, Monteiro & Ramalho, Pinto & Rodrigues, Cervaens & Soares, Pinto & Queiroz, Magalhães, “Evolução do Conceito Estratégico Nacional”, in Estratégia, volume II, 1991, pp. 140-229. Carvalho, Virgílio, Estratégia Global e Subsidios para uma Grande Estratégia Global, Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 1986. Cruz, António Martins & Telo, António José & Vitorino, António (Coord.), Pilares da Estratégia Nacional, Lisboa, Edições Prefácio/Instituto da Defesa Nacional, 2010. Cunha, Tiago Pitta, Portugal e o Mar, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2011. Eanes, Ramalho & Sampaio, Jorge & Soares, Mário, Contributos para uma Estratégia Nacional, Lisboa, Edições Prefácio/Instituto de Defesa Nacional, 2009. Fernandes, Marisa, El Conocimiento Geopolitico de José Marini e a Geopolítica Clássica Revisitada: O Conceito de Geopolítica, o seu objecto e método de estudo, Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2012. [Trabalho para a cadeira de Teoria Geral da Geopolítica e da Geoestratégia]. 25 Pp. Fernandes, Marisa, Apontamentos do 7.º Curso de Estudos Africanos – Operações de Paz e “State-Building” (relativamente à intervenção do Professor Doutor Adriano Moreira), a 20 de Novembro de 2012, Lisboa, Instituto de Estudos Superiores Militares. Fontoura, Luís, Apontamentos para as aulas de Conceito Estratégico Nacional Português, Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. [Fornecidos pelo Docente]. Fontoura, Luís, Conceito Estratégico Nacional: Proposta Metodológica de Golbery do Couto e Silva. [Texto Policopiado] Fontoura, Luís, O Novo Ciclo da Cooperação Luso-Africana, Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 1995. Fontoura, Luís, O Poder na Relação Externa do Estado. A Equação de Cline, Lisboa, 2006. Disponível em: http://www.adelinotorres.com/relacoesinternacionais/ Luis%20Fontoura-Poder%20e%20Estado.pdf (Consultado a 20 de Janeiro de 2012). Fontoura, Luís, O Pensamento Geopolítico do General Meira Mattos, Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2011. Godinho, Vitorino, Portugal. A Emergência de uma Nação (das raízes a 1480), Lisboa, Edições Colibri/Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2004. Graça, Pedro Borges, “A Identidade Nacional Portuguesa”, in Revista Internacional da Cultura e Ciência: Elvas Caia, 2005, pp. 75-85. Graça, Pedro Borges, “ O Papel das Informações Estratégicas na Projecção Marítima de Portugal”, in Uma Visão Estratégica do Mar na Geopolítica do Atlântico, Caderno Naval 24, 2008, pp. 87-96.
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CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO À LUZ DO PRINCÍPIO DA INVIOLABILIDADE DAS MISSÕES DIPLOMÁTICAS ACREDITADAS Eduardo Pimentel de Farias eduardopimentelf@hotmail.com
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ÍNDICE Nota Introdutória I. Dos Elementos da Reponsabilidade Internacional 1.1 Da Conduta 1.2 Da Ilicitude 1.3 Da Imputação II. Considerações Finais III. Referências Bibliográficas. Resumo: Tomando como ponto de partida, a estrutura e conteúdo do artigo 2º do Projeto de Artigos aprovado em 2001 pela Comissão de Direito Internacional, pretendemos apresentar uma análise didática e atualizada dos elementos fundamentais à constituição da responsabilidade internacional de um Estado por fato ilícito. É neste sentido que serão abordados temas como o comportamento originário, a sua qualificação em face do Direito Internacional e a consequente atribuição desse comportamento ao Estado nos tópicos relativos à Conduta, Ilicitude e Imputação, respectivamente. O objectivo deste artigo consiste, assim em estabelecer um paralelo entre o tratamento desta matéria e o instituto da inviolabilidade das Missões diplomáticas acreditadas como fonte de aprofundamento e justaposição crítica do tema. Palavras-chave: Fato ilícito / Conduta / Ilicitude / Imputação / Inviolabilidade da Missões. Abstract: Taking as a starting point the structure and content of Article 2 of the Draft Articles adopted in 2001 by the International Law Commission, we intend to present a didactic and updated analysis of the key elements of the international responsibility of a State for the unlawful fact. In this sense, it will discussed issues such as originary behavior, its classification in relation to the international law, as well as the allocation of this behavior to the State on the
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topics of Conduct, Wrongfulness and Imputation, respectively. Thus the purpose of this article is to estabilish a parallel between the treatment of this matter and the institute of the inviolability of accredited diplomatic missions as a source of both deepening and critical juxtaposition of theme. Key-words: Unlawful fact / Conduct / Wrongfulness / Imputation / Inviolability of missions.
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Nota introdutória Na sequencia dos sucessivos relatórios de Garcia Amador (1956-1961), Roberto Ago (1963-1979), W. Riphagen (1980-1986) e Arangio-Ruiz (19871996) foi finalmente aprovada no ano de 2001 a versão definitiva do Projeto de Artigos sobre a responsabilização internacional do Estado por fato ilícito pela Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas. Nessa altura, o último relator, James Crawford (1997-2001), pôs fim aos muitos anos de discussões polêmicas sobre a temática passando a integrá-la numa convenção geral. Estabelecendo um verdadeiro fundamento para o regime da responsabilidade internacional do Estado, este Projeto de Artigos enumera os elementos constitutivos do fato ilícito na sua parte I, sobretudo no artigo 2º, onde os pressupostos da Conduta, da Ilicitude e da Imputação são apresentados como acervo necessário para configuração da responsabilidade. Assim, tendo como base a estrutura e conteúdo do referido artigo 2º, pretendemos apresentar uma análise didática e atualizada dos elementos fundamentais à constituição da responsabilidade internacional de um Estado. Além disso, é nossa intenção promover uma interseção vigorosa entre o tratamento desta matéria e o instituto da inviolabilidade das Missões diplomáticas acreditadas como fonte de aprofundamento e justaposição crítica do tema. I. Dos elementos da responsabilidade internacional De acordo com o Projeto de Artigos da Comissão de Direito Internacional (doravante CDI), a configuração da imputabilidade internacional do Estado encontra-se descrita no artigo 1º do capítulo relativo aos Princípios Gerais, onde se estabelece que “qualquer fato internacionalmente ilícito de um Estado dá lugar à responsabilização deste.” No sentido complementar, o artigo 2º deste dispositivo identifica o fato internacionalmente ilícito como um comportamento positivo ou negativo que constitua violação de uma obrigação internacional devida pelo Estado e atribuível ao mesmo de acordo com Direito Internacional. Depreende-se assim
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que os elementos constitutivos do fato internacionalmente ilícito são: a conduta, a ilicitude e a respectiva imputação. Porém, cumpre mencionar que a doutrina clássica acrescenta mais dois elementos ao acervo constitutivo do fato ilícito: (1) o prejuízo e (2) o seu nexo de causalidade. Deste modo, além dos pressupostos da conduta ilícita e imputável, a responsabilização internacional de um Estado também dependeria da necessidade de verificação do dano enquanto resultado da mesma1. Como foi referido, a CDI opta pela eliminação do dano enquanto pressuposto direto da responsabilidade internacional, desvalorizando assim esse elemento na configuração da responsabilidade. Neste sentido, com base na hermenêutica dos artigos suscitados bem como dos comentários do próprio autor final do Projeto, pode-se reiterar que o Estado será responsabilizado, independentemente da incidência ou não de danos, bastando que para isso que haja a constatação da violação de uma norma jurídica internacional a que se obrigava obedecer2. Ainda no que se refere ao dano, alguns doutrinadores sustentam que a não inferência deste elemento no quadro dos pressupostos da responsabilidade decorre do entendimento de que toda a violação do ordenamento internacional implica em prejuízo. Com efeito, este é o verdadeiro argumento por detrás da afirmação de que qualquer violação dá lugar à responsabilização pois, como já referido, o dano estará sempre presente3. Nesse sentido, mesmo no caso específico de uma violação sem efeitos materiais e em consonância com entendimento jurisprudencial atualizado, entende-se que a parte sofreu conseqüências de ordem moral na sua esfera jurídica4. Convém ainda sublinhar que a não inclusão do dano no quadro constitutivo do fato ilícito não interfere na avaliação imprescindível de sua relevância, sobretudo no que se refere à efetivação da responsabilidade e à determinação da compensação devida na hipótese da reconstituição natural ser impossível ou demasiado onerosa. Perante isto, a CDI reserva ao instituto do dano um lugar de destaque e até de protagonismo circunscrito ao “Conteúdo da Responsabilidade”, como se verifica 1 Para Mello (1995:32-34), “(o)s relatórios da Comissão de Direito Internacional o tem eliminado como elemento da responsabilidade internacional. A doutrina tem se mostrado muito dividida, bem como a jurisprudência internacional. Assim para Scelle a responsabilidade é uma situação jurídica que surge em virtude de um fato ou ato que cause dano. Cavaré defende igualmente que para haver responsabilidade internacional é necessário que haja um prejuízo e ele considera como a primeira condição deste instituto. Mais recentemente Combacau alega que a responsabilidade internacional consiste na obrigação de reparar o dano, esta obrigação pode ser considerada como subsidiária. Sem prejuízo ou dano não há responsabilidade”. 2 Cf. CRAWFORD (2002). 3 Cf.CAPOTORTI (1995:211). 4 Brito (2008:472), citando Anzilotti, escreve que “(p)ara além das modalidades acima referidas, o dano pode ainda ser de natureza: 1) Patrimonial (...); 2) Moral que é aquele que não sendo susceptível de uma avaliação pecuniária, pode, contudo, ser reparado através de uma avaliação pecuniária ou de uma satisfação dada ao lesado. De facto, no Direito Internacional, ´o elemento económico está longe de ter nas relações entre os Estados um peso semelhante àquele que tem entre os particulares: a honra e a dignidade dos Estados interessam muito mais do que os interesses materiais`.
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nos artigos 35º, 36º, 37º e 39º da Parte II do Projeto5. Todavia, importa destacar que, apesar de toda efervescência teórica relacionada com a questão do dano enquanto pressuposto da responsabilidade, a nossa análise seguirá restritivamente o plano descrito pelo artigo 2º do referido Projeto, elencando a Conduta, a Ilicitude e a Imputação como elementos constitutivos do fato ilícito, como se verificará na seguinte sequência. 1.1 Da conduta Após um longo período de discussões doutrinárias sobre a definição mais indicada para qualificar o comportamento que está na origem da responsabilidade, acordou-se que o “fato” seria a expressão mais apropriada, uma vez que a sua tradução poderia abarcar tanto a idéia de uma conduta decorrente de um “fato positivo”, quanto de um “fato negativo”. Contudo, apesar da adequação técnica, a CDI não consagrou o “fato” no seu Projeto final, optando pela expressão “conduct” para definir toda ação ou omissão voluntária que constitua violação de uma obrigação internacional do Estado6. Nesses termos, torna-se assim claro que a responsabilização internacional de um Estado poderá ser tanto o resultado de uma conduta positiva, face a existência de uma obrigação de não fazer, como também poderá decorrer de um comportamento negativo, isto é, quando se esperava um dever de agir por parte deste sujeito. Com efeito, inúmeros são os exemplos que podem ilustrar esses diferentes tipos de conduta seja por acção, seja por omissão. Porém, com base nos argumentos de didática, atualidade e relevância temática escolhemos recorrer ao instituto da inviolabilidade das Missões descrito no Direito Diplomático para fundamentar e aprofundar esta análise7. 5 Neste mesmo sentido, Almeida (2003: 227) acrescenta que“ é essencial que a conduta do Estado, violadora do Direito Internacional, cause danos (materiais ou morais) na esfera jurídica de terceiros. A não verificação de danos guindará a responsabilidade a um plano meramente teórico ou platônico, visto que, em tal caso, nenhum dever de reparação impenderá sobre o autor do facto ilícito; como, reciprocamente, ao Estado vítima não assistirá qualquer direito subjetivo de exigir essa reparação”. 6 Sobre o elemento voluntário da conduta, Gouveia (2003:603-604) aduz que “(o) primeiro pressuposto enunciado chama a atenção para a necessidade- óbvia até certo ponto- de a responsabilidade civil ser provocada por uma actividade de cariz voluntário e não ser resultado de uma realidade à qual a intervenção humana seja estranha”. 7 Campos (1999:37) acrescenta que”(é) muito antiga a prática de os Estados enviarem representantes seus a outros Estados para regular questões concretas. No entanto, em fins da Idade Média formouse o costume de tal representação se fazer através de embaixadas ou missões permanentes- sem prejuízo do recurso ocasional a missões especiais ou enviados “ad hoc”. As relações cada vez mais intensas entre os povos e, nomeadamente, entre Estados europeus ( as Nações ditas “civilizadas”) exigiram que a prática da representação recíproca dos Estados fosse regulada juridicamente tendo sobretudo em vista a salvaguarda da liberdade de acção e a protecção pessoal dos membros das missões diplomáticas através de um conjunto de privilégios que lhes foi sendo reconhecidos. Surgiu assim um direito diplomático de base consuetudinária que perdurou até que a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 18 de Abril de 1961 permitiu codificar os princípios do Direito Internacional comum ou geral reguladores da matéria”.
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Com base nesta perspectiva, deve-se acrescentar que o estudo da inviolabilidade das Missões comporta uma importante divisão em dois setores principais: (1) o conjunto de obrigações de não fazer incutidas aos Estados acreditadores, onde se vislumbra o conteúdo da responsabilidade por ação e (2) o acervo de deveres de fazer também direcionados aos Estados receptores, mas cujo incumprimento acarreta a modalidade de responsabilização por omissão. Entre os deveres de não fazer ditados pela Convenção de Viena de 1961 ao Estado acreditador salientamos a obrigação relativa à abstenção de práticas que possam resultar ou resultem a violação dos locais da Missão, seus bens móveis, arquivos e documentos. Note-se que, nesta última categoria, são considerados arquivos e documentos da Missão todos os tipos de papéis, correspondências, livros, filmes, fitas magnéticas e até os ficheiros e móveis destinados à proteção e conservação dos mesmos8. O parágrafo primeiro do artigo 22º da Convenção de 1961 assim descreve o conteúdo da inviolabilidade das Missões interditando qualquer tipo de penetração nesses locais por agentes do Estado acreditador sem que haja uma prévia anuência do Chefe da delegação diplomática. Nesta medida, o exercício funcional de policiais, magistrados ou até do corpo de bombeiros do Estado anfitrião nos locais da missão dependerá expressamente da renúncia da imunidade pelo agente competente para representar o Estado acreditante, nesse caso, o Chefe da Missão ou seu equivalente9 Importa destacar que o conteúdo desta inviolabilidade é bastante abrangente, também se incorporando nesta modalidade a hipótese (relativamente frequente) de instalação ou dissimulação de microfones e mesas de escuta nos locais da Missão. Com base no mesmo argumento, os atos judiciários destinados à embaixada de Estados estrangeiros também não poderão ser cumpridos por oficiais de justiça ou sequer enviados por correio simples. Para tal, é necessário recorrer à via diplomática adequada representada na figura dos Ministros dos Negócios Estrangeiros10. Por fim, é necessário ainda referir que mesmo nos casos de conflitos armados ou de ruptura de relações diplomáticas entre as partes mantêm-se o impedimento correlato de não fazer busca, requisição, embargo ou qualquer medida executória dos bens da Missão, quer seja mobiliário ou outros objetos, quer automóveis, 8 Cf. Art. 1º, k) da Convenção de Viena sobre Relações Consulares concluída em 24 de Abril de 1963. 9 Para Salmon (1994 :198-199), “(o) pretexto do estado de necessidade só é realmente aceitável quando todo mundo está convencido! Se o Estado receptor decide intervir, ele deve saber que leva um sério risco de ser considerado como tendo violado a Convenção. Normalmente, em caso de incêndio, os bombeiros aguardam a aprovação do Chefe da Missão antes de intervir”. 10 Ridruejo (1999:491) destaca que “a impenhorabilidade e a proibição de medidas de execução aos bens da missão constituem privilégios importantes e envolvem a consequência de que, nos casos em que a missão está sob a jurisdição do Estado receptor, por exemplo, no caso dos contratos de trabalho com pessoal administrativo e técnico ou de serviço, a sentença não pode ser executada sob aqueles bens. Assinalamos ainda que a conta corrente da missão utilizada para fins oficiais também é impenhorável, mesmo que o dinheiro esteja fisicamente localizado fora das instalações da missão.”
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aviões ou navios11. Esta norma pretende assim esclarecer eventuais dúvidas, uma vez que tanto o mobiliário quanto os outros bens podem ser transportados, como acontece nos casos em que a Missão se transfere para outro endereço. No que respeita aos meios de transportes a justificação torna-se mais evidente, servindo para dissipar qualquer sombra de dúvida a respeito da inviolabilidade desses bens que devem estar em nome da respectiva Missão12. No sentido oposto, relativo ao conteúdo da responsabilização por omissão e por conseqüência decorrente do incumprimento de um dever de fazer, destacamos a obrigação prevista no parágrafo segundo do artigo 22º da aludida Convenção de Viena. Determina esta medida que o Estado anfitrião deve adotar todas as medidas apropriadas a fim de proteger e impedir perturbações ou intrusões nos locais da Missão, gerando assim, uma dupla obrigação relativa tanto ao dever de prevenção quanto à obrigação de repressão por parte do Estado acreditador13. Consistindo numa obrigação reforçada do Estado receptor, o dever de proteção exige uma vigilância permanente. Neste caso, o critério da previsibilidade é fundamental e deve estar conectado aos acontecimentos destacados e debatidos pela comunicação social e opinião pública14. 11 Segundo Cuérllar (1997:90),”a Convenção inova no seu artigo 45 º, alínea a) ao estabelecer que em casos de ruptura de relações diplomáticas e de retirada definitiva ou temporária da missão, o Estado receptor está obrigado, mesmo em caso de conflito armado, a respeitar e proteger suas instalações, propriedade e arquivos. A única limitação deste privilégio aparece no parágrafo 3 º do artigo 41 da Convenção que estabelece que as instalações não devem ser utilizadas de maneira incompatível com as funções da missão, limitação esta nos que parece um pouco vaga”. 12 Para Brito (2007:79),“(c)om esta disposição a Convenção protege os arquivos e documentos onde quer que se encontrem, ou seja, quer estejam dentro da missão, quer estejam em trânsito do local da missão para outro local. Na verdade, à missão deve ser assegurada a livre circulação dos seus documentos dentro e fora do Estado receptor, pelo que a inviolabilidade constitui uma garantia dessa liberdade, que, em última análise, acaba por ser a liberdade de comunicação, que a Convenção consagra no artigo 27º.(...) Desta inviolabilidade resulta que o arquivo, os documentos, a mala e a correspondência diplomáticas não podem ser objecto de medidas judiciais ou policiais que impeçam a sua livre circulação, nomeadamente buscas, requisição, embargos ou medidas executórias, e o correio diplomático não pode ser preso ou detido (artigo 27º). De entre os bens móveis da missão incluem-se os automóveis e outros veículos por ela utilizados no exercício das suas funções, que também gozam da inviolabilidade referida”. 13 Sobre o tema, Baptista (2004:457) destaca que “(a)pesar da terminologia “acto”, há muito que o Direito Internacional estabelece deveres positivos, designadamente para os Estados; ou seja, deveres que exigem uma determinada actuação positiva. Deveres cujo desrespeito por uma mera inação implica responsabilidade por omissão. Os exemplos são múltiplos. Pense-se no referido dever de os Estados garantirem que o seu território não é utilizado por outras entidades, incluindo particulares ou grupos armados, para a prática de actos que violem os direitos de Estados terceiros. Ou no dever de cada Estado garantir que as instalações diplomáticas dos restantes Estados em seu território não são violadas ou afectadas pelas mesmas entidades. No domínio dos direitos humanos, pense-se no dever de fazer os particulares no seu território respeitar alguns direitos susceptíveis de serem afectados por aqueles; dever aplicável igualmente a organizações internacionais que administrem transitoriamente um território, bem como a movimentos armados”. 14 De acordo com Magalhães (2001:55-5), “(t)rata-se aqui de uma disposição muito importante que estabelece uma obrigação especial e inequívoca dos Estados protegerem, com todas as medidas apropriadas, os locais das missões diplomáticas junto deles acreditadas, garantindo sua total inviolabilidade. Em virtude de diversas tensões políticas internacionais e da proliferação do terrorismo interno e internacional, (algumas missões diplomáticas) procuram iludir esta obrigação
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Conforme já mencionado, a polícia do Estado acreditador está impedida de penetrar nos locais da Missão, pelo que não haverá hipótese que permita estabelecer um controle de certos atos decorridos no seu interior. Como, por exemplo, no caso de um ataque efetuado por um visitante. Todavia, sempre que for acusada a solicitação ou autorização de ajuda por parte do Chefe da Missão todo o aparato técnico deverá ser imediatamente disponibilizado pelas autoridades policiais deste Estado. Além disso, acrescenta-se ainda que as manifestações e os ataques às embaixadas são um tema bastante freqüente nas relações internacionais, principalmente no que se refere a Estados com forte potencial decisivo no cenário internacional, como no caso da China, Rússia e dos Estados-Unidos da América15. Porém, exceptuando a hipótese dos ataques, claramente capitulados nas referências da ilicitude, caberá aos Estados de acolhimento o difícil papel de conseguir equilibrar o respectivo dever de proteção das Missões com os direitos de liberdade de expressão plenamente solidificados no quadro jurídico de qualquer nação democrática. Quanto ao dever de repressão, tanto a doutrina quanto a jurisprudência internacional são unânimes ao reconhecer a obrigação do Estado receptor de perseguir e repreender penalmente os responsáveis por ataques a Missões diplomáticas, tendo a abstenção o lugar de uma verdadeira violação do Direito Internacional16. 1.2 Da ilicitude De acordo com o artigo 3º do Projeto sobre a responsabilização internacional do Estado a qualificação da ilicitude de uma conduta deve estritamente ser regulada face ao Direito Internacional. Assim, torna-se irrelevante qualquer com o argumento de que não dispõem de forças suficientes para proteger todas as missões. A obrigação, porém, existe e está formulada em termos bem claros, qualificada até de especial, não sendo de admitir quaisquer condicionalismos para o seu cumprimento.” 15 Em resposta à autorização da produção do filme “Inocência dos Muçulmanos”, considerado blasfeme ao Profeta Maomé e ao Islão, recordamos a onda de protestos e ataques sucessivos decorridos entre os dias 11 a 14 de setembro de 2012 contra as missões diplomáticas dos Estados Unidos no Egito, Iêmen, Tunísia, Líbano, Sudão e na Líbia, onde o Embaixador Christopher Stevens e de mais 14 pessoas, entre funcionários da Embaixada e policiais líbios, foram mortos após um ataque a tiros e granadas. 16 Brownlie (1997:385-386) menciona que “(e)m conseqüência do recurso freqüente à prática de actos de violência com conotações políticas dirigidas contra diplomatas e outros funcionários internacionais, a Assembléia Geral das Nações Unidas adoptou a Convenção sobre a Prevenção e Punição de Crimes Praticados contra Pessoas Protegidas Internacionalmente, incluindo os Representantes Diplomáticos, que foi anexada à Resolução 3166 (XXVIII), de 14 de Dezembro de 1973. As infrações consideradas são principalmente o “homicídio, o rapto ou outra ofensa praticada contra uma pessoa ou contra a liberdade de uma pessoa protegida internacionalmente”, incluindo esta última categoria os chefes de Estado, os ministros estrangeiros e pessoas de categoria semelhante. As partes contratantes comprometem-se a tornar esses crimes puníveis através da aplicação de “penas adequadas que terão em conta a sua natureza grave”, e a extraditar os alegados infractores ou aplicar o Direito interno.”
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suscitação de legalidade ou conformidade do ilícito com o direito interno do Estado responsabilizado, como esclarece o artigo 12º deste mesmo Projeto: “Há violação de uma obrigação internacional por um Estado quando um fato desse Estado não está em conformidade com que dele exige essa obrigação, qualquer que seja sua origem ou natureza”17. Deste ponto de vista, compreende-se que a base deste argumento legal se insere na desconformidade da conduta estatal para com o Direito Internacional vigente e expresso em qualquer de suas fontes, quer seja de origem consuetudinária, convencional ou mesmo decorrente de atos unilaterais. Este é o caso das decisões perpetradas por tribunais internacionais ou oriundas de resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Do mesmo modo, no que se refere à natureza, o argumento impresso pelo artigo 12º prevê que o conteúdo da norma internacional violada deverá ser irrelevante para qualificação da ilicitude. Deste modo, haverá tanto a manifestação ilícita do Estado em face da exigência legal de uma obrigação de resultado não consubstanciado, como decorrente do incumprimento de uma obrigação de comportamento. Nesses termos, recordemos os deveres de prevenção e repressão relativos à obrigação de proteção dos locais da Missão pelo Estado acreditador, onde o conteúdo de resultado se destaca com uma força adicional. No que se refere à repressão, cumpre ainda mencionar que os meios de ação poderão ser relativamente flexibilizados, uma vez que esta obrigação se concentra no resultado final garantido pela própria repressão. De uma forma mais aproximada da modalidade de obrigações de conduta também poderíamos recordar os deveres de não fazer, ou melhor, de não penetrar nos locais da Missão, de não executar e de não violar arquivos e documentos diplomáticos. Cabe assim ao Estado receptor um significativo dever negativo cuja violação, através de uma conduta por ação, acarretará na conseqüente responsabilização deste sujeito de Direito Internacional18.
17 Combacau e Sur (1997:543) alertam que «(s)omente o direito internacional permite decidir se uma conduta atribuível a um Estado tem carácter ilícito com implicação no plano da responsabilidade internacional; o projecto da C.D.I. declara com a maior clareza. (...) No fundo, este princípio não é apenas da responsabilidade internacional, mas de todas as relações entre o direito internacional e o direito interno”. 18 Relacionando princípio da inviolabilidade dos locais da missão com o problema do asilo diplomático, Cunha (2002:42) destaca que, “(a) concessão do asilo implica uma derrogação de soberania interna do Estado acreditário porque o beneficiário se encontra no seu território, pelo que sua concessão constitui uma intervenção no domínio reservado do Estado local. Por isso, só poderá ser concedido com base em norma internacional, consuetudinária ou convencional, que o consinta e que vincule o Estado acreditante e o Estado acreditário. Há, no entanto, especialmente entre os Estados latino-americanos, quem sustente o caráter obrigatório da concessão do asilo. As divergências de opinião entre os Estados a esse respeito, são, porém, ainda muito grandes e, por isso, a questão da concessão do asilo não foi considerada suficientemente amadurecida para ser objecto de codificação, razão pela qual a Convenção de Viena dela não se ocupou.”
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Ainda no que toca à ilicitude, importa descrever que somente haverá a responsabilização de um Estado por violação de um preceito internacional se o mesmo estiver vinculado à obrigação em questão no momento em que o fato ocorreu. O Estado não pode ser considerado como autor de uma conduta ilícita se a mesma se deu antes da obrigação devida, no caso contrário, o Estado continuará responsável mesmo que a obrigação deixe de ter vigência, mas existia quando da ocorrência do fato19. Em sentido complementar ao tópico da projeção do ilícito no tempo, deve-se salientar que a violação de uma obrigação internacional que não tenha um caráter contínuo decorrerá no exato momento em que o fato tenha lugar, independentemente do prolongamento dos seus efeitos. Por outro lado, sempre que um fato de caráter contínuo viola uma obrigação internacional, a conduta ilícita será prolongada por todo o período temporal em que a desconformidade permaneça. Importa aqui trazer à colação o Caso do pessoal diplomático e consular dos Estados Unidos em Teerã submetido ao Tribunal Internacional de Justiça no ano de 1979 e reconhecido por constituir um exemplo de violação contínua das diretrizes fundamentais do Direito Diplomático estabelecido20.Todavia, para uma verdadeira compreensão da importância e conteúdo deste caso é oportuno retroceder ao dia 16 de janeiro de 1979, quando o Xá da Pérsia foi deposto e a Revolução Islâmica vitoriosa inaugurou uma modalidade de governo baseada numa teocracia populista obstinada a romper com todos os antigos laços monárquicos declarados como não islâmicos21. Na sequência destes acontecimentos, no dia 14 de Fevereiro, a Embaixada dos Estados Unidos em Teerã sofreu seu primeiro ataque. Além dos danos e atos de saque, duas pessoas morreram. Nesse primeiro episódio, um pedido formal de desculpas foi rapidamente apresentado pelo Primeiro-Ministro iraniano, 19 Para Velasco (1997:670-671),”(o) fator temporal é relevante em dois níveis: o da referida condição da validade da obrigação internacional do Estado, e o da determinação do momento e da duração da violação da obrigação internacional nos diferentes tipos de atos internacionalmente ilícitos (tempus commissi delicti). A regra básica é, como sabemos, que a obrigação esteja em vigor para o Estado no momento em que este realiza o ato (art. 18, parágrafo 1 do Projeto da C.D.I.). É óbvio, portanto, que se a obrigação deixa de estar a cargo do Estado antes que ele realize um ato em contradição com ela, não se pode falar de um ato internacionalmente ilícito”. 20 TIJ Recueil, 1980. 21 Hobsbawn (2008:441-442) lembra que “(f)oi a derrubada do Xá do Irã em 1979, de longe a maior de todas as revoluções da década de 1970, e que entrará na história como uma das grandes revoluções sociais do século XX. (...) A novidade dessa revolução era ideológica. Quase todos os fenômenos reconhecidos como revolucionários até aquela data tinham seguido a tradição, a ideologia e, em geral, o vocabulário da revolução ocidental desde 1789; mais precisamente: de algum tipo de esquerda secular, sobretudo socialista ou comunista. A esquerda tradicional esteve de fato presente e ativa no Irã, e sua parte na derrubada do Xá, por exemplo, com greves operárias, longe esteve de ser insignificante. Contudo, foi quase imediatamente eliminada pelo novo regime. A Revolução Iraniana foi a primeira feita e ganha sob uma bandeira de fundamentalismo religioso, e a substituir o velho regime por uma teocracia populista, cujo programa professo era o retorno ao século II d.C., ou antes, já que estamos num ambiente islâmico, à situação após a Hégira, quando se escreveu o Corão. Para revolucionários do velho tipo, tratava-se de um acontecimento tão bizarro quanto se o papa Pio IX houvesse assumido a liderança da revolução romana de 1848.”
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que também assegurou às autoridades norte-americanas a intensificação das medidas de segurança destinadas à proteção das missões. Porém, no dia 21 de Outubro, o governo norte-americano publicou a declaração em que informava que ofereceriam um visto para que o Xá deposto efetuasse uma visita ao seu território sob o pretexto de se submeter a uma revisão médica. A partir de então uma série de manifestações anti-americanas tomaram o país, exigindo a entrega do monarca para julgamento pelas leis do Corão. Catorze dias após a comunicação de concessão de visto pelos Estados Unidos ao Xá, um grupo de manifestantes intitulado “Estudantes Muçulmanos partidários do IMAN” irrompeu mais uma vez no recinto da Embaixada americana fazendo reféns o pessoal diplomático e as outras pessoas presentes. No dia seguinte, ocupações similares repetiram-se nos consulados de Tabriz e Chiraz, devendo-se frisar o inusitado desaparecimento das forças iranianas que faziam a proteção exterior das Missões, bem como a inação das autoridades locais quanto à adoção de qualquer medida de proteção. Em 17 de novembro de 1979, por decisão interna dos próprios militantes, 13 reféns foram libertos. Contudo, face à obstrução das vias diplomáticas e o aparente estado de passividade do Irã, só coube aos Estados Unidos recorrer ao Tribunal Internacional de Justiça, aduzindo a aparente violação às Convenções de Viena de 1961, 1963 e de um tratado bilateral firmado em 1955, sobre amizade, relações econômicas e direitos consulares. Em sede de “defesa” o Irã apresentou uma declaração rechaçando a competência do Tribunal Internacional para o julgamento da matéria22. Finalmente, em 15 de dezembro de 1979, a Corte Internacional adota uma medida provisória, lavrando a sentença final no dia 24 de maio de 1980, apesar da persistência das violações ainda decorrerem nesta data23. 1.3 Da imputação Estabelecida no Capítulo II do Projeto de Artigos sobre a responsabilidade internacional, a imputação é reconhecida enquanto atribuição de um comportamento ao Estado, a quem caberá a responsabilidade pela conduta ilícita e sua consequente reparação. Todavia, sendo o Estado uma pessoa moral, o conteúdo desta imputação acabará por recair sobre os indivíduos ou órgãos que agem em seu nome, sob sua direção ou autoridade efectiva. Nesse contexto, a imputação poderá ser definida como um conjunto de preceitos destinados à determinar a natureza estatal de uma conduta humana24. 22 Cf. Tomas (1995:360-361). 23 A Crise dos reféns no Irã só termina no dia 20 de janeiro de 1981, 444 dias após a tomada da Embaixada norte-americana pelos estudantes partidarios do IMAN. Sobre o caso ver: SANCHO (1996:134-135). 24 Segundo Carrión (1998:346), o “(e)lemento essencial na responsabilidade internacional por atos ilícitos é que o ato internacionalmente ilícito seja imputável ao Estado . Como pessoa jurídica que é o Estado, a atribuição de responsabilidade deve ser feita através de algum órgão que age em nome desse Estado”.
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Sobre esta matéria, o artigo 4º do Projeto da CDI enfatiza que o “comportamento de qualquer órgão do Estado que atue nessa qualidade considera-se fato desse Estado segundo o Direito Internacional”. Assim, para efeitos de uma responsabilização internacional a distinção entre a competência e a natureza hierárquica dos diversos órgãos que compõem um Estado deve ser desconsiderada, como se depreende do parágrafo segundo deste mesmo artigo, que estabelece o conceito de órgão como toda entidade ou pessoa que tenha esse estatuto emitido pelo direito interno do Estado. Nesse contexto, para o Direito Internacional o Estado deverá ser sempre responsabilizado pelos atos ilícitos praticados por seus órgãos, quer sejam de natureza centralizada ou de administração local, quer exerçam funções legislativas, executivas ou judiciais. Ao Direito Internacional, apenas interessa a verificação de dois requisitos: (1) que se trate de uma conduta decorrente de um órgão integrado à estrutura organizativa do Estado e (2) que este órgão atue no exercício das suas funções25. Assim, uma vez reunidas essas duas condições básicas para a imputação da conduta ilícita, o Direito Internacional deverá considerar irrelevante a oposição de normas internas ou até mesmo a alegação de dificuldades políticas para fugir à responsabilização por fatos praticados em nome do Estado. E tal deve verificarse mesmo que se trate do um comportamento excedente ou de desrespeito às instruções relativas ao seu exercício, como se conclui do artigo 7º do aludido Projeto.26 Cumpre mencionar, todavia, que a regra geral da imputação estabelecida no artigo 4º e reiterada no recém-mencionado artigo 7º não poderá ser sobreposta à análise do caso concreto, onde as circunstâncias específicas deverão indicar ou não o possível afastamento da responsabilidade de um Estado. Tal hipótese verifica-se no caso de um ato derivado de um sujeito infiltrado e que age sob a orientação de um outro Estado ou ainda no caso de um órgão posto à disposição de um Estado por outro Estado, conforme previsto no artigo 6º do Projeto. Neste último, a responsabilidade é indicada ao Estado em que o órgão atuou no exercício de poderes de autoridade pública. Dando seguimento à análise da imputação enquanto elemento constitutivo do fato ilícito, vale a pena acrescentar que o artigo 5º do multi-referido Projeto inaugura um interessante rol de dispositivos destinados a permitir a atribuição ao Estado de uma conduta derivada de sujeitos não incluídos no seu estatuto orgânico formal. 25 Para Gouveia (2003:604),“(o) facto que é internacionalmente gerador da responsabilidade, neste caso do Estado, apresenta-se possível no seio de qualquer dos seus poderes, sempre com a advertência de se tratar de uma projeção internacional das respectivas conseqüências, no âmbito de qualquer destas funções públicas.(...) Deve ainda dizer-se que não são estabelecidas limitações especiais do ponto de vista da estrutura ou da autoridade do facto: acções e omissões, actos singulares ou actos coletivos”. 26 Machado (2004:503) destaca que “(a) imputação de acto ilícito ao Estado verifica-se mesmo ultra vires, isto é, quando forem excedidos os seus poderes de autoridade ou desrespeitadas as suas instruções pelos funcionários e agentes estaduais, na medida em que presume que subsiste a possibilidade de controlo de facto por parte do Estado”.
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Assim, de forma excepcional, enumera-se no artigo 5º, que o comportamento de uma entidade habilitada a exercer poderes de autoridade pública por um Estado também deverá ser considerado como fato deste Estado, desde que o sujeito tenha agido no exercício de suas funções. Além disso, importa destacar que artigo 5º do Projeto surge em resposta a constatação de um número crescente de entidades não vinculadas do ponto de vista orgânico com o Estado, mas autorizadas por este ao exercício de papéis de autoridade pública. Outro caso importante se encontra descrito no artigo 8º, onde o Estado poderá ser responsabilizado pela conduta de pessoas alheias à sua estrutura orgânica se ficar efetivamente comprovado que tais sujeitos agiram sob suas ordens ou comando. Apesar da não incidência de qualquer relação jurídico-funcional entre o Estado e tais agentes, o elemento da efetividade deverá prevalecer a fim de delinear o relevo necessário ao instituto da responsabilidade decorrente dessa conduta27. Neste ponto específico, nada parece mais oportuno do que a própria alusão, apesar de reiterada, ao Caso do pessoal diplomático e consular dos Estados-Unidos em Teerã. Neste caso, salientamos que, na primeira fase dos acontecimentos, a Corte Internacional de Justiça ainda não dispunha de elementos suficientes e determinantes para imputar ao Estado iraniano o comportamento efectivo dos militantes invasores. Tal não significou, contudo, a total exoneração da responsabilidade do Irã, cujo comportamento anterior e durante à ocupação foi sempre avaliado pela Corte como sendo incompatível com os dispositivos expressos nas reconhecidas Convenções de Viena de 1961 e 1963. Cabia ao Irã a mais categórica obrigação de adotar todas as medidas possíveis a fim de assegurar a proteção das missões americanas acreditadas em seu território, tendo visivelmente falhado no seu dever essencial de prevenção e repressão. Todavia, a partir da segunda fase dos acontecimentos uma vertiginosa modificação redirecionou a natureza jurídica do caso e a imputação direta da responsabilidade ao Estado iraniano pelos atentados decorridos em Teerã tornou-se praticamente indiscutível, como veremos na sequência28.
27 Segundo Dinh, Daillier e Pellet (1999, p.690),“ (p)odemos aproximar o caso procedente ao dos particulares que, no decurso dos acontecimentos excepcionais, em tempo de guerra nomeadamente, se comportam como funcionários de facto e também dos particulares que exercem uma actividade precisa por solicitação do Estado do qual eles executam ordens. Entram nessa última categoria: os dirigentes dos partidos únicos, as pessoas que sigam instruções de boicote ou de tomada de reféns ordenada ou inspirada por autoridades públicas para servir interesses estrangeiros, as pessoas encarregues de missões de espionagem ou de sabotagem. Sobre este ponto ainda, o projecto de artigos da C.D.I. confirma no seu artigo 8º as regras geralmente admitida”. 28 Para Sancho (1996:136), “(a) decisão das autoridades iranianas de continuar submetendo as instalações da Embaixada dos EUA a ocupação dos militantes e de manter o pessoal como refém, sem dúvida, representa uma violação múltipla e repetida das regras das Convenções de Viena, violações todavia mais graves do que o fato de que essas mesmas autoridades não tomaram quaisquer medidas para impedir os atentados à inviolabilidade das instalações e do pessoal da embaixada “. El Derecho Internacional Público En La Prática.Zaragoza:Egido Editorial, 1996, p. 136.
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Ainda no que se refere à imputação de um comportamento ao Estado por atos de pessoas ou grupo de pessoas estranhas à sua organização política, os artigos 9º e 10º do Projeto da CDI levantam mais duas hipóteses excepcionais: (1) quando o agente exerce poderes de autoridade pública em decorrência da ausência de organismos oficiais e em circunstâncias que justifiquem a atribuição dessa autoridade, como no caso de conflitos armados ou de catástrofes naturais e (2) na situação em que um movimento insurreto se torna governo do Estado ou consiga criar um novo Estado em parte do território do antigo Estado ou sob sua administração. Neste último, destaca-se que a justificação pela atribuição da conduta se revela em decorrência da continuidade entre o movimento insurreto e o novo governo, não havendo espaço para questionamentos sobre a legitimidade ou não do anterior movimento. Por fim, o artigo 11º deste mesmo Projeto acrescenta que a imputação de um comportamento ao Estado ainda poderá decorrer do seu próprio reconhecimento ou adoção. Em outros termos, entende-se que um fato deverá ser considerado como do Estado na medida em que este reconheça e adote como sua a conduta em questão, independentemente do critério ou requisito mencionado pela ordem jurisdicional. Esta foi, aliás, a hipótese acolhida pela Corte Internacional na decisão do Caso do pessoal diplomático e consular dos Estados-Unidos em Teerã. Conforme já foi referido, a segunda fase dos acontecimentos foi marcada por um completo redireccionamento deste caso, impulsionado principalmente pelas declarações de chefes políticos e religiosos iranianos. Naquela ocasião, o Ministro dos Negócios Estrangeiros declarou que os militantes agressores beneficiavam de aprovação do Estado e o próprio Aiatolá Khomeini qualificou a Embaixada de “centro de espionagem”, proibindo taxativamente os membros do Conselho da Revolução e todas as personalidades responsáveis de atuar como enviados do Governo americano. Após a publicação dessas declarações, a Corte passou a considerar como se o Estado iraniano estivesse efetivamente reconhecendo e adotando como sua a conduta perpetrada pelos militantes invasores da Embaixada. Portanto, para além da obrigação final de reparar o Governo norte-americano pelos prejuízos causados, a decisão da Corte Internacional destaca a gravidade das violações decorrentes não apenas da ação isolada de um grupo de pessoas, mas substancialmente do próprio Governo iraniano. Tal como mencionado, o Irã desrespeitou em absoluto o princípio fundamental da inviolabilidade de uma Missão quando na verdade deveria ter sido o seu fiel guardião29. 29 Wilensky e Januário (2003:44) informam que “(a)s actividades das Nações Unidas têm servido para reforçar a idéia de responsabilidade do Estado por actos de terrorismo. Sobre esse particular, há que mencionar três resoluções com caráter transcendente neste contexto: a resolução nº 2625 intitulada “ Declaração de Amizade e Cooperação entre Estados”; resolução nº 3166 intitulada “ Convenção para a Prevenção e Castigo dos Crimes Contra Agentes Diplomáticos e Pessoas Internacionalmente Protegidas”; e a resolução 3314 intitulada “Definição de Agressão”. Da conjunção destes dispositivos resulta que o Estado está internacionalmente obrigado a dar todos os passos, razoavelmente necessários, para evitar que no seu território se cometam actos de terrorismo, ou que o mesmo seja utilizado para prepará-los, ou que sobre sua proteção se efectuem actos que prejudiquem terceiros”.
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II. Considerações finais Em conformidade com o plano estudo descrito na introdução deste trabalho, os elementos definidos pelo Projeto de Artigos da CDI como constituintes da responsabilização internacional do Estado foram apresentados individualmente e na sequência didática mais indicada à compreensão do seu conjunto. Nesse sentido, a definição do comportamento originário, da sua qualificação em face do Direito Internacional e da consequente atribuição desse comportamento ao Estado foram tratados sucessivamente nos tópicos relativos à Conduta, Ilicitude e Imputação. A título de exemplo, o instituto da inviolabilidade das missões diplomáticas foi mencionado com o objetivo de ilustrar os diferentes tipos de Conduta. A interseção entre as temáticas também foi verificada na análise da Ilicitude e da Imputação, conduzindo a um entendimento mais alargado da matéria principal. Ainda assim, uma significativa parte do conteúdo ainda ficou de fora desta análise. Nesse sentido, assinalamos quatro pontos que consideramos relevantes destacar. Primeiramente convém mencionar que o Direito Diplomático também estabelece deveres aos órgãos e pessoal diplomático acreditados, tais como a obrigação de respeitar as leis e regulamentos do Estado acreditador bem como o dever de não se imiscuir nos assuntos internos do referido Estado. Esse foi, aliás, o argumento legal que embasou o pedido de Honduras contra o Brasil perante o Tribunal Internacional de Justiça no ano de 2009. Nesse caso, Honduras sustenta que o corpo diplomático brasileiro estacionado em Tegucigalpa estaria permitindo que o presidente deposto e clandestinamente retornado, Manuel Zelaya, utilizasse as instalações da Missão e sua infra-estrutura como palco de propaganda política. Numa altura em se preparava para a realização de novas eleições, Honduras exigiu do Brasil o devido respeito aos princípios e normas do Direito Internacional, que terminantemente proíbem a ingerência nos assuntos internos de outro Estado. Em segundo lugar, importa recordar que para certas correntes doutrinárias, a Conduta, a Ilicitude e a Imputação deveriam ser taxados como pressupostos da responsabilidade e não do fato ilícito. Percebemos, contudo, que este Projeto de Artigos é voltado exclusivamente à responsabilização por fato ilícito, assim, parece-nos que a interpretação dos elementos enquanto prerrogativa do fato ilícito não interfere, nem modifica a condição final da matéria. Efetivamente, a responsabilidade só estará sendo analisada em decorrência de um fato ilícito. Em terceiro lugar, o problema do deslocamento do dano para a Parte do “Conteúdo da Responsabilidade” também nos parece esclarecido. Recordandose que a interpretação do sistema deve ser feita em seu conjunto, entendemos que a avaliação do dano, apesar de não incluída no artigo 2º do Projeto, deve ser encarada como vital e necessária ao processo de responsabilização do Estado. Por fim, identificamos o problema da responsabilidade emergente de uma atividade não proibida pelo Direito Internacional. Como é de conhecimento
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geral, a responsabilização de um Estado por atos catalogados como lícitos, porém perigosos, vem sendo tratada há bastante tempo. Todavia, apesar dos variados dispositivos (IV Convenção de Haia decorrida em 1907, passando pelas Convenções de Bruxelas de 1962 e de Viena de 1972) a discrepância entre o acervo doutrinal e jurisprudencial ainda é marcante se compararmos com a matéria da responsabilidade por fato ilícito. Na falta de um Projeto de Artigos direcionado exclusivamente aos fatos lícitos, mas perigosos, alguns autores lançam a possibilidade de uma alteração radical, ou seja: em vez de se falar em responsabilização por fato ilícito, falaríamos em responsabilização por fato gerador, onde se incluiria tanto o fato ilícito, quanto o lícito, mas que implique risco para outros Estados ou seus cidadãos. Essa alternativa, contudo, parecenos pouco provável não só do ponto de vista material, mas sobretudo pela tendência que identificamos na CDI para trabalhar individualmente cada tema. Recorde-se o caso da protecção diplomática que afastada da pesquisa relativa à responsabilidade internacional é hoje sujeito de um Projeto de Artigos próprio. Nesse sentido, até que a CDI se dedique a apresentar um trabalho exclusivo sobre a matéria da responsabilidade por atos lícitos é muito provável que o regime desta responsabilidade se mantenha fracionado em convenções específicas. III. Referências bibliográficas ALMEIDA, Francisco. Ferreira de. Direito Internacional Público. 2 ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2003. BAPTISTA, Eduardo Correia. Direito Internacional Público- sujeitos e responsabilidade.Vol II, Coimbra:Almedina, 2004. BRIERLY, James Leslie. Direito Internacional.Trad. M.R. Crucho de Almeida. 4ª ed. Lisboa:FCG,1979. BRITO, Wladimir. Direito Diplomático.Lisboa: Ministério dos Negócios Estrangeiros, 2007. BRITO, Wladimir. Direito Internacional Público.Coimbra:Coimbra Editora, 2008. BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público.Lisboa : FCG, 1997. CAHIER, Philippe. Le Droit Diplomatique Contemporain.Genéve-Paris: DrozMinard, 1962. CAMPOS, João Mota de. O Regime Jurídico-internacional das Imunidades in Revista Portuguesa de Instituições Internacionais e Comunitárias.Número 3, 1º semestre de 1999. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direito Internacional Em Um Mundo Em Transformação.Rio de Janeiro-São Paulo: Renovar, 2002. CAPOTORTI, Francesco. Corso di Diritto Internazionale. Milano: Giuffrè Editore, 1995.
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ÍNDICE 1. Introdução 2. Metodologia 3. A dimensão política do Movimento Olímpico 4. Nacionalismo 4.1 Adolf Hitler, John Kennedy e Pierre Trudeau 5. Boicotes 5.1 Moscovo (1980) 5.2 Los Angeles (1984) 5.3 Pequim (2008) 6. Considerações finais Bibliografia Resumo: A dimensão política do Movimento Olímpico internacional foi, ao longo da história do desporto moderno, por muitas vezes, negada em defesa do apolitismo desportivo. Entretanto, o que os fatos históricos evidenciam é que o desporto sempre esteve envolvido em questões políticas e sofreu diversas influências e manipulações, como é o caso do uso do desporto para promoção do nacionalismo e a ameaça ou efetivação de boicotes aos Jogos Olímpicos. Neste sentido, este texto tem por objetivo apresentar uma análise sócio-histórica de cunho qualitativo que evidencie a relação entre o desporto e a política. A pesquisa que estruturou este texto foi uma análise documental que incluiu as 122 Atas das Sessões do Comité Olímpico Internacional (COI) disponíveis até o momento e realizadas entre os anos de 1894 e 2011. Os resultados evidenciam a estreita relação entre o desporto e a política em três perspetivas. A primeira evidencia esta relação a partir das relações e posições políticas dos Presidentes do COI; a segunda perspetiva apresenta o uso do desporto como ferramenta política para fins nacionalistas; a última perspetiva que sustenta estes resultados apresenta a efetivação ou a ameaça de boicote aos Jogos Olímpicos como uma ferramenta política bastante utilizada ao longo da história. Por fim, conclui-se que o desporto e a política possuem uma estreita relação e que tal fato pode ser benéfico, caso as pessoas envolvidas com o desporto, principalmente os gestores do desporto, saibam gerir as mais diversas situações em benefício do desenvolvimento do desporto e da sociedade.
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Palavras-chave: Desporto / Política / Movimento Olímpico / Gestão do desporto / Jogos Olímpicos. Abstract: The political dimension of the international Olympic Movement has been, throughout the history of modern sport, for often, denied in defense of non-relationship between sport and politics. However, what the historical facts show is that sport has always been involved in political issues and suffered various influences and manipulations, such as the use of sport to promote nationalism and the threat or execution of boycotts. Thus, this paper aims to present a sociohistorical qualitative analysis that evidences the relationship between sport and politics. The research that has structured this text was a documentary analysis that included 122 Minutes of the Sessions of the International Olympic Committee (IOC) available to date and performed between 1894 and 2011. The results show the close relationship between sport and politics in three perspectives. The first evidence of this relationship comes from the relations and political positions of Presidents of the IOC; the second perspective presents the use of sport as a political tool for nationalistic purposes; the last perspective that underpins these results shows the boycott of the Olympics as a political tool widely used throughout history. Finally, it is concluded that sport and politics have a close relationship and that this fact can be beneficial if the people involved with the sport, especially managers of sport know how to manage the different situations in favor of development of sport and the society. Key-words: Sport / Policy / Olympic Movement / Sport management / Olympics.
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1. Introdução Com o advento dos Jogos Olímpicos1 (2016) e a Copa do Mundo (2014), o Brasil está no centro das atenções mundiais em muitos aspetos. A evidência mediática dada a estes megaeventos é notável e com ela surge uma importante oportunidade para que os mais diversos setores da sociedade exponham as suas reivindicações ou imponham as suas posições políticas. O que se pode evidenciar, a partir do quadro histórico do mundo do desporto, é que os Jogos, o Movimento Olímpico e o Comité Olímpico Internacional (COI) sempre estiveram envolvidos nas mais diversas questões políticas2. A questão que se levanta é que, ainda hoje, persiste um tabu de que o desporto não deve se relacionar com questões políticas e as questões políticas não devem interferir no desenvolvimento do desporto. Este discurso “politicamente correto” do mundo do desporto, à revelia da realidade de todos os dias, sempre recusou a existência de qualquer contato do desporto com a política e viceversa, defendendo o designado “apolitismo desportivo”, como se qualquer atividade humana pudesse ser realizada à margem do sistema político (Costa et al., 2011). Como refere Pires (2009), a atribuição da organização dos Jogos da XXIX Olimpíada a Pequim, em 2001, mais uma vez, trouxe à tona a problemática da utilização política do desporto que, recorrentemente, atinge a comunicação internacional e as preocupações de muitos dirigentes desportivos. Contudo, independentemente de somente em determinados momentos as questões políticas relativas ao desporto poderem merecer a atenção social, o fato é que, de acordo com Boniface (2006), as mais diversas ideologias, da esquerda à direita e a generalidade dos regimes políticos, embora não o admitam, sempre que lhes convém utilizam o desporto como uma arma política, tanto interna como externamente. Slack e Parent (2006) defendem que no ambiente organizacional do desporto, 1 O termo Jogos Olímpicos, muitas vezes, será substituído pelo termo Jogos, tendo por objetivo facilitar a leitura. Quando se tratar de algum outro evento associado ao termo Jogos, o mesmo terá uma maior descrição. Ex: Jogos Regionais. 2 Política neste trabalho será considerada como a ciência da organização, direção e administração de nações ou Estados e a aplicação desta ciência aos assuntos internos da nação (política interna) ou aos assuntos externos (política externa).
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a política surge como um dos setores do ambiente geral, que são os setores que, embora não tenham um impacto direto nas organizações desportivas, podem a influenciar, como é o caso dos governos no sistema desportivo. Sustentando esta posição, evidenciam-se as influências políticas que tiveram os Comités Olímpicos Nacionais (CONs), os Comités Organizadores dos Jogos Olímpicos (COJOs), as Federações Nacionais (FNs) e até mesmo as Federações Internacionais (FIs), ao longo de sua história, no que tange a organização dos Jogos Olímpicos. Os casos mais notáveis terminaram em boicotes, como ocorreu nos Jogos de Moscovo (1980) e Los Angeles (1984), quando um grande número de países não participaram dos Jogos por motivos políticos (Hill, 1992). Arnaud e Riordan (1998) sustentam a posição de Hill (1992) ao esclarecerem que, devido a crise política entre duas Nações, o desporto internacional pode ser utilizado como: propaganda, já que as vitórias das equipas nacionais reforçam a imagem e respeito pelo país; boicote das equipas nacionais em competições internacionais; ou instrumento de nacionalismo através expressão da rivalidade entre países nos campos do desporto. A partir do contexto delineado anteriormente, este texto tem por objetivo apresentar uma análise sócio-histórica da relação entre o desporto e política, construindo um documento que sirva de subsídio teórico para que as pessoas envolvidas no desporto e, principalmente, os gestores do desporto estejam cientes da influência recíproca destes importantes setores da sociedade, que, muitas vezes, utilizam diferentes contextos para fins antagônicos, como é o caso dos megaeventos desportivos. Na busca por atingir o seu objetivo, o texto está dividido em 4 partes principais. A primeira apresenta a metodologia utilizada, uma análise documental de cunho qualitativo na perspetiva sócio-histórica. Os resultados são apresentados nas três partes seguintes. Em “A Dimensão Política do Movimento Olímpico” é apresentada uma contextualização das relações entre o desporto e a política tendo como referência os Presidentes do COI. Em “O Nacionalismo” são apresentados alguns casos que evidenciam a manipulação do desporto para este fim, estando esta parte subdividida em dois, “Os Jogos Olímpicos e os Países” e “Adolf Hitler, John Kennedy e Pierre Trudeau”. A última parte dos resultados “Os Boicotes” apresenta outra forma de manipulação política do desporto, utilizada, principalmente, para defender posições nas relações internacionais. Por fim, nas considerações finais é retomado o tema em uma perspetiva transversal. 2. Metodologia A pesquisa que estruturou este texto foi uma análise documental de cunho qualitativo em uma perspetiva sócio-histórica. A análise documental incluiu as 122 Atas das Sessões do COI disponíveis até o momento, realizadas entre os anos de 1894 e 2011. Cabe esclarecer que é nas Sessões do COI que se reúnem
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os membros da instituição, que são os seus representantes em todo o mundo, além do Presidente, Vice-presidentes, Comissão Executiva, demais comissões e convidados. O paradigma de pesquisa teve por objetivo, para além de apurar os fatos, compreender as mudanças, quer dizer, as transformações que ocorreram ao longo da história do COI e do Movimento Olímpico. Assim, foi possível compreender a realidade como sendo a construção de múltiplos sujeitos em interação com ela. A análise de conteúdo documental, ao seguir uma metodologia de pesquisa qualitativa sócio-histórica, permitiu, a partir dos aspetos concretos dos fenómenos estudados, avançar para uma explicação mais profunda daquilo que se entende ter ocorrido ao longo das grandes mudanças que caracterizaram as transformações no Movimento Olímpico. Ao focar-se nos fatos, foi possível elaborar análises críticas e explicações, complementando a descrição com a explicação, dando ênfase à “compreensão dos fenómenos a partir de seu acontecer histórico e na sua totalidade social” (Freitas, 2003 p.6). Neste sentido, na procura de novos significados, a pesquisa transformouse em uma relação entre sujeitos, quer dizer, dialógica, onde o pesquisador se integrou profundamente no objeto pesquisado, tendo em atenção os contextos económicos, sociais, culturais e políticos que caracterizaram cada momento em questão. Neste sentido, assume-se uma perspetiva de totalidade do fenómeno estudado, um corte transversal de 117 anos, que considera as componentes do contexto histórico e social em suas interações e influências recíprocas. Neste texto, busca-se, muito mais do que obter resultados, compreender os acontecimentos, já que os fenómenos humanos devem ser estudados considerando o processo de transformação e mudança em que estão inseridos, ou seja, a sua condição sóciohistórica. A dimensão política do Movimento Olímpico Quando se verifica o contexto histórico e social em que Pierre de Coubertin3 esteve inserido ao institucionalizar o Comité Internacional dos Jogos Olímpicos4, em 1894 e ao desencadear a realização dos primeiros Jogos Olímpicos da era moderna, em 1896 é possível evidenciar que ele deveria ter plena consciência da necessidade de uma adequada gestão das questões políticas de seu tempo. Muito embora o discurso construído à volta do pensamento de Coubertin, tradicionalmente, tenha estado muito mais preocupado em afirmar as suas virtudes de pedagogo, o que se defende é que o fundador dos Jogos da era moderna sempre teve a ideia de que o seu projeto só teria êxito se ele soubesse 3 Pierre de Frédy (1863-1937), mais conhecido como Barão de Coubertin, foi o segundo Presidente do COI, de 1896 a 1925. Foi o responsável pela institucionalização do COI, em 1894 e pelo restabelecimento dos Jogos Olímpicos na era moderna, em 1896. In: http://www.olympic.org/ about-ioc-institution?tab=presidents Consultado em 15 de julho de 2013. 4 Era esta a designação do atual Comité Olímpico Internacional.
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utilizar com eficiência a política. Uma posição que sustenta esta perspetiva vem do fato de que Coubertin entendia a cultura desportiva dos atletas como suscetível de provocar profundas transformações sociais (Costa, 2012). Segundo McIntosh (1975), ele tinha do desporto uma ideia política. Não há dúvida de que o Barão de Coubertin não considerou o desporto como nada tendo a ver com a política quando fundou os modernos Jogos Olímpicos. Pelo contrário, esperava que as atividades desportivas pudessem melhorar as relações políticas entre as nações (p.229). A partir da análise do quadro histórico, social e cultural do final do século XIX, é possível evidenciar que Coubertin jamais poderia ter ignorado a dimensão política do desporto, por duas razões. A primeira, porque era um homem que partilhava dos valores e das contradições políticas e sociais da sua época. A segunda, porque só por distração se pode pensar que um homem com a dimensão intelectual e cultural de Coubertin poderia se envolver em um projeto desprovido de valores políticos. Repare-se que Coubertin, durante a sua vida, teve a oportunidade de assistir a três acontecimentos que, evidentemente, o marcaram profundamente. Foram a Comuna de Paris, em 1871, a I Guerra Mundial (1914-1918) e a Revolução Russa, de 1917. A influência da Comuna de Paris, por exemplo, na idealização do ressurgimento dos Jogos da era moderna e a institucionalização do Movimento Olímpico, ocorreu, pois Coubertin estruturou os seus ideais sustentados em um profundo desejo de ultrapassar a enorme crise de degeneração em que os franceses se encontravam desde que o exército de Napoleão III (1808-1873) foi derrotado em Sedan, no dia 2 de setembro de 1870, pelo exército prussiano comandado por Otto von Bismarck5 (Coubertin, 1996). Quem assistiu ao período conturbado que viveu a França, com a queda de Napoleão III e a Comuna de Paris, certamente teria muitas dificuldades em organizar seus projetos, acerca de qualquer atividade social, sem que tivesse considerações com as questões de ordem política. Para além do mais, em finais do século XIX, de uma maneira geral, todos os movimentos de educação física e desporto tinham, subjacentemente, preocupações políticas, patrióticas e militares, para além das higiénicas e educativas. Ao se verificar as posições dos demais presidentes do COI, no quadro histórico no Movimento Olímpico, é possível apurar que são diversos os exemplos de uma estreita relação entre o Movimento Olímpico, o desporto e a política. Os presidentes do COI, de uma forma clara e aberta ou em uma perspetiva fechada e discreta, sempre tiveram do desporto uma posição política e utilizaram-se dela a fim de conseguir obter os efeitos que mais desejavam para as suas estratégias e 5 Otto von Bismarck foi o estadista mais importante da Alemanha do século XIX. Coube a ele lançar as bases do Segundo Império, ou 2º Reich (1871-1918), o que levou os países germânicos a conhecer, pela primeira vez, a existência de um Estado nacional único.
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sucesso do desenvolvimento do desporto. O primeiro grande exemplo das relações entre a política e o Movimento Olímpico surgiu quando Coubertin foi à Grécia, devido à desistência dos gregos quanto à oportunidade de realizarem, em Atenas, os Jogos da primeira Olimpíada da era moderna, em 1896. Desta sua visita e das relações políticas que influenciou, decorreu a queda do primeiro ministro grego Charilaos Tricoupis (1832-1896) (Coubertin, 1996). Dimitrius Vikelas6, antes de Coubertin, tinha estreitas relações políticas. Segundo Dolianitis (1995), os contatos escritos por Vikelas eram em sua maioria para políticos da época. When reading the hundreds of documents in the D. Vikelas file in the National Library of Greece, with the thousands of letters, mostly from famous figures of politics … we realize that his was a special personality that left an indelible mark in its path (p.105). Henry de Baillet-Latour7, após Coubertin, considerava que o Movimento Olímpico não se desenvolveria se não estivesse integrado na política internacional, a partir de uma rede de relações entre aqueles que deviam liderar os destinos da Europa. Ele defendeu a sua perspetiva até os Jogos de Berlim (1936) com as suas relações diplomáticas com Adolf Hitler. Sustentando esta posição surge o relato de Asín (1998): … El mayor Comité Olímpico Internacional tomó cartas en el asunto. Su presidente, el conde de Baillet-Latour, a quien no le fue fácil obtener audiencia, le amenazó con cambiar las sedes de los Juegos de verano y de invierno. BailletLatour solicitó asimismo del Führer garantías de igualdad para con los judíos alemanes. Hitler transigió de palabra: ya había comprendido que los Juegos podrían convertirse en una magnífica plataforma propagandística y no estaba dispuesto a dejar escapar la oportunidad de utilizarlos (p.9). Sigfrid Edström8 foi um líder de transição. Edström manteve o COI em funcionamento durante a II Guerra Mundial e iniciou as hostilidades com a República Popular da China (RPC), já que a mesma entendia que o COI devia se submeter aos ditames da revolução maoista. A insatisfação de Edström com os chineses, devido às manobras políticas da RPC, a fim de fazer afastar a República da China (RC) do Movimento Olímpico e dos Jogos, revelam bem quanto um 6 Demetrius Vikelas (1835-1908) era grego e foi primeiro Presidente do COI, de 1894 a 1896. Vikelas, em 1894, representou a Grécia e o Pan-Hellenic Gymnastic Club no Congresso de Paris onde o COI foi instituído. In: http://www.olympic.org/about-ioc-institution?tab=Presidents Consultado em 25 de janeiro de 2013. 7 Henri de Baillet-Latour (1876-1942) era um Conde Belga e foi o terceiro Presidente do COI de 1925 a 1942; entrou como membro do COI em 1903 e em 1904 instituiu o Comité Olímpico Belga. In: http://www.olympic.org/about-ioc-institution?tab=Presidents Consultado em 10 de dezembro de 2012. 8 Sigfrid Edström (1870-1964) era Sueco e foi o quarto Presidente do COI de 1946 a 1952; foi Chefe de Delegação no Jogos de 1908, 1920, 1924, 1928, 1932 e 1936. Em 1912 assumiu a liderança da International Amateur Athletics Federation (IAAF). Foi membro da Comissão Executiva e Vicepresidente do COI. In: http://www.olympic.org/about-ioc-institution?tab=Presidents Consultado em 15 de dezembro de 2012.
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presidente do COI, de nacionalidade sueca, um país neutro na II Guerra Mundial, se envolveu nas questões políticas do momento. Avery Brundage9, por sua vez, foi o grande defensor do apolitismo desportivo, muito embora seja possível evidenciar que ele foi o mais político de todos os presidentes do COI. Quanto a Brundage deve-se a máxima de que o desporto não tinha, nem deveria ter relações com a política. E os casos mais evidentes de que isto não condizia com os fatos foi o seu envolvimento nos casos relativos à segregação racial na Rodésia e na África do Sul. A posição de defesa do apolitismo desportivo de Brundage é sustentada por Brichford (s/d): From 1955 to 1960, he (Brundage) proclaimed the Olympic Movement’s “freedom from political intrigue and from dollar signs.” In 1956 at Melbourne, he elaborated on this theme by stating that the Olympic Games “must not become a battleground for national ascendency … (p.63). Michael Killanin10 resolveu como foi possível e com mestria, os problemas políticos deixados pelo seu antecessor, Brundage. Com sua discrição política, em uma perspetiva de “soft power”, começou a resolver e resolveu muitos problemas que pareciam insolúveis no Movimento Olímpico, como foi o caso das “duas Chinas”. Então, sob a presidência de Michael Killanin, a 25 de outubro de 1979, deuse por terminado um processo de mais de 20 anos sustentado numa política de “hard power” desencadeada a partir de 1952 por Brundage. Em consequência, a partir de então o CON da RCP ficou conhecido no COI como Comité Olímpico Chinês (COC). (Costa et al. 2011, p.38). Antonio Samaranch11 como político que era, embora não admitisse, colocou o Movimento Olímpico no centro da política internacional. O sucesso da liderança Samaranch em muito ficou a dever a sua adequada gestão das diferentes crises políticas em que o desporto esteve envolvido (Costa, 2012). Entretanto, até hoje, é difícil entender as palavras de um dirigente político e desportivo como foi Samaranch: 9 Avery Brundage (1887-1975) era norte-americano e foi o quinto Presidente do COI, de 1952 a 1972, entrou como membro, em 1936 e foi Vice-presidente, em 1945. Foi Presidente do Comitê Olímpico dos Estados Unidos, de 1929 a 1953. Representou os USA nos Jogos de 1912, e foi por três vezes campeão norte-americano em decathlon amador. In: http://www.olympic.org/about-iocinstitution?tab=Presidents Consultado em 25 de março de 2013. 10 Michael Morris Killanin (1914-1999), conhecido como Lord Killanin, era Inglês e foi o sexto Presidente do COI, de 1972 a 1980. Foi desportista no boxe, remo e hipismo e foi um jornalista famoso na “Fleet Street”. Em 1952, tornou-se membro do COI, depois de ter chefiado o Conselho Olímpico da Irlanda, por 2 anos. In: http://www.olympic.org/about-iocinstitution?tab=Presidents Consultado em 25 de março de 2013. 11 Juan Antonio Samaranch Torrelló (1920-2010) era espanhol e foi o sétimo Presidente do COI, de 1980 a 2001. Foi empresário e presidente dos deputados de sua província natal. Foi eleito membro do COI, em 1966, chefe de protocolos, em 1968 e membro de diversas comissões. Em 1970 se tornou membro da Comissão Executiva e Vice-presidente, de 1974 a 1978. In: http://www.olympic.org/ about-ioc-institution?tab=Presidents Consultado em 25 de março de 2013.
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Nosotros estamos en un mundo maravilloso. Los políticos no hacen ninguna falta, hacen falta los atletas.12 Por fim, Jaque Rogge13 instituiu a posição política do “soft power” para tratar das mais diversas questões de ordem política em que o COI se envolveu, como foi o caso da violação dos direitos humanos na China. Esta posição de “soft power” se no passado serviu para levar o projeto Olímpico ao sucesso, nos tempos que correm está a colocar o desporto verdadeiramente ao serviço da humanidade. Disse Rogge: Enquanto organização baseada em valores desportivos, não podemos mudar o mundo sozinhos. Mas podemos, e agimos neste sentido, ajudar a tornálo um mundo melhor14. Nacionalismo A partir da leitura das atas das Sessões do COI é possível evidenciar que um dos problemas que Coubertin mais teve de revelar inteligência e paciência para resolver foi o dos nacionalismos nas nações da Europa, no final do século XIX e início do XX. Como era possível reunir pessoas que tinham lutado umas contra as outras nos campos de batalha e alguns países, no usufruto do “direito de guerra”, se apropriado de territórios? Na realidade, não foi só com inteligência e paciência que Coubertin conseguiu aquela proeza, foi também com perspicácia ao perceber que tinha de destemperar os fulgores nacionalistas que as mais diversas nacionalidades transportavam consigo, quando participavam em reuniões de cariz internacional. Na busca de uma solução para esta questão, Coubertin colocou os membros do COI acima dos seus países, determinando que eles não representavam o seu país no COI, mas o COI no seu país. Portanto, eles estavam lá para resolver problemas do COI, do desporto e do Movimento Olímpico e não problemas políticos dos respetivos países. É evidente que existem exemplos de que esta norma não foi devidamente respeitada, como ocorreu, em 1955, em uma conferência com as FIs e CONs onde o representante de Pequim fez um discurso 99% político.15 Lhe foi chamada a atenção e explicado que aquilo não era permitido. Brundage desculpou o fato dizendo que o membro do COI não sabia e pediu para isto nunca mais acontecer. 12 In: Jornal Marca, 30 de março de 2008 http://www.marca.com/2011/10/17/mas_deportes/ otros_deportes/1318861556.html Consultado em 5 de abril de 2008. 13 Jacques Rogge (1942-) é Belga e o oitavo Presidente do COI, de 2001 a 2013. Rogge é médico especializado em cirurgia ortopédica, tendo iniciado a sua carreira desportiva no iatismo, tendo participado dos Jogos de 1968, 1972 e 1976. Foi membro da equipa nacional de Rugby, foi Presidente do Comité Olímpico Nacional Belga, de 1989 a 1992 e Presidente do Comité Olímpico Europeu em 1989. Eleito membro do COI, em 1991 e membro da Comissão Executiva em 1998. In: http://www. olympic.org/about-ioc-institution?tab=Presidents Consultado em 25 de março de 2013. 14 Discurso de Jacques Rogge no XIII Congresso Olímpico que se realizou, de 3 a 5 de outubro de 2009, em Copenhaga, Dinamarca. In: http://olympic.org/contend/the-ioc/congress/xiii-olymiccongress Consultado em 15 de janeiro de 2011. 15 In: Ata da 50ª Sessão do COI - Paris, 13 a 17 de junho de 1955, p.20.
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A questão do nacionalismo coloca-se, muitas vezes, quando as autoridades dos países querem interferir politicamente nos CONs e FIs. Esta situação acontecia em muitas circunstâncias nos países do Leste e em Cuba,16 não só com a acumulação das autoridades da administração pública em lugares de direção em diversos CONs, mas também com a entrada para o COI, o que pervertia o espírito de independência da instituição. Na 72ª Sessão do COI, realizada em 1972, esta situação foi evidenciada por Brundage relativamente à Venezuela, cujo governo tinha aprovado uma lei que interferia com a liberdade do CON local: President Brundage stated that the most glaring instance of this was the case of Venezuela, but that the disease seemed to be contagious, particularly in other Latin-American countries. To sum up the situation, he said that the government of Venezuela had adopted a law to the effect that it deprived the NOC of its autonomy.17 A solução adotada foi enviar uma carta para o CON da Venezuela com o aviso de que ou as restrições impostas pelo governo eram retiradas no prazo de 90 dias, ou o CON deixaria de ser reconhecido pelo COI.18 Em verdade, a ideia inicial de Coubertin foi a de desligar a competição desportiva da identidade nacional, o que se veio a revelar um objetivo contra natura. Para ele, as disputas deviam acontecer entre Homens em uma competição organizada, nobre e leal que transpusesse para os campos desportivos as rivalidades políticas e culturais que massacravam os povos da Europa. Portanto, em termos teóricos, não são os países que estão a competir, são os atletas que competem. Contudo, uma coisa é a teoria e outra são os fatos. Muito embora o COI não admita uma classificação nos Jogos por países, desde o ressurgimento deste megaevento que os países e governos desejam associar-se às vitórias conseguidas nos terrenos desportivos. Tem-se dois exemplos que evidenciam esta posição. O primeiro ocorreu, em 1956, quando Brundage recebeu uma carta da Holanda dizendo que os Jogos não podiam ser usados para fins nacionalistas. Na carta é dito que os Jogos estavam começando a ser por países e não por atletas e isto esta contra o espírito Olímpico.19 O segundo exemplo ocorreu em 1980, quando Richard Pound20 defendeu que existia um grande nacionalismo ligado aos Jogos, ele solicitou 16 In: Ata da 50ª Sessão do COI - Paris, 13 a 17 de junho de 1955, p.50. 17 In: Ata da 72ª Sessão do COI - Sapporo, 31 de janeiro e 1 de fevereiro de 1972, p.32. 18 In: Ata da 72ª Sessão do COI - Sapporo, 31 de janeiro e 1 de fevereiro de 1972, p.35. 19 In: Ata da 51ª Sessão do COI - Cortina D’ampezzo, 24 a 25 de janeiro de 1956, p.3. 20 Richard William Duncan Pound (1942-) é canadense, entrou para o COI em 1978. Foi membro da Comissão Executiva, de 1983 a 1991 e, de 1992 a 1996; Vice-presidente do COI, de 1987 a 1991 e de 1996 a 2000. Foi Presidente dos seguintes Comissões: Proteção dos Jogos Olímpicos, de 1981 a 1983; Negociações dos Direitos Televisivos, de 1983 a 2001; Marketing, de 1988 a 2005; Coordenação para os Jogos da XXVI Olimpíada de Atlanta (1996), de 1991 a 1997; Estudo dos Jogos Olímpicos, de 2002 a 2003; e Vice-presidente da Comissão de Elegibilidade, de 1990 a 1991. In: http://www.olympic.org/mr-richard-w-pound Consultado em 15 de janeiro de 2013.
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uma solução, inclusivamente aproveitando a entrada do novo presidente do COI, Samaranch. Pound sugeriu que fossem retirados os nomes dos países da cerimónia de abertura dos Jogos, deixando apenas o nome dos CONs.21 Adolf Hitler, John Kennedy e Pierre Trudeau O uso do desporto para fins políticos nacionalistas também pode ser evidenciado em, pelo menos, três importantes momentos da história do desporto moderno. O primeiro foi o caso da utilização por Adolf Hitler dos Jogos de Berlim (1936); o segundo foi a utilização, a pedido de John Kennedy, de uma edição da banda desenhada “Super-Homem” visando os Jogos de Tóquio (1964); sendo o terceiro momento a construção do nacionalismo canadiano, a partir de 1970, por Pierre Trudeau. Adolf Hitler, perante conivência de seu regime político, fez dos Jogos de Berlim (1936) um autêntico hino ao nazismo que Leni Riefenstahl (1902-2003) consagrou no filme Olympia, que viria a ser considerado uma obra-prima da filmografia moderna. A partir de então, muitos regimes políticos utilizaram do desporto como ferramenta política. O Presidente dos USA, John Kennedy (1917-1963), adotou uma estratégia um tanto quanto inusitada para promover o nacionalismo em seu país, utilizando para isso os Jogos de 1964. Ele buscou mobilizar a juventude norte-americana através de uma banda desenhada do Super-Homem. A edição estava preparada para ser publicada na revista “Superman” nº168 de abril de 1964, no ano dos Jogos de Tóquio. A estória dizia: O Super-Homem salva um grupo de estudantes europeus e americanos de uma avalanche. Após o ocorrido, os europeus dão entrevistas e se mostram dispostos, enquanto os americanos estão cansados e indispostos. O presidente dos Estados Unidos, que viu a notícia pela televisão, lamenta o estado físico dos jovens americanos e resolve pedir ao Super-Homem que os incentive a praticar desporto.22 Porém, Kennedy foi assassinado em 22 de novembro de 1963, em Dallas, no Texas. Já na imprensa, a estória foi cancelada, sendo publicada mais tarde, a pedido do Presidente Lindon Johnson (1908-1973) e da família Kennedy, como um tributo ao estadista. O terceiro caso de uso do desporto para fins nacionalistas foi o canadiano. Nos Jogos de Roma (1960), os canadianos conseguiram somente uma medalha de prata no remo, porém, em 1970, segundo Kidd (1996), o investimento no desporto aumentou significativamente na administração de Pierre Trudeau. O desporto no Canadá profissionalizou-se, os atletas começaram a ser pagos pelo Estado e foram fundadas diversas organizações profissionais para acelerar o seu 21 In: Ata da 83ª Sessão do COI - Moscovo, 15 julho e 3 de agosto de 1980, p.37. 22 In: Almanaque Superman (1965). http://www.universohq.com/quadrinhos/2004/review_ almanaque_superman1965.cfm Consultado em 23 de agosto de 2008.
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desenvolvimento. Trudeau esperava que uma participação Olímpica de sucesso poderia promover a unidade nacional. Estes esforços foram ainda incrementados com uma política muito agressiva de realização de grandes eventos internacionais, construção de novas instalações desportivas, formação de novas lideranças e mobilização da população através dos resultados das equipas nacionais. 5. Boicotes Pela leitura das atas das Sessões do COI é possível verificar que a maioria dos seus membros evitavam a palavra boicote aos extremos. Samaranch, quando chegou à presidência do COI, no discurso proferido no XI Congresso Olímpico de 1981, realizado em Baden-Baden, na antiga Alemanha Oriental, sobre as conversações que tinha tido com os atletas, fez questão de frisar no seu discurso: Je tiens à mentionner que le mot ‘boycottage” n’a pas été prononcé une seule fois pendant nos débats.23 Ao cabo de quase 120 anos do Movimento Olímpico moderno, é possível evidenciar que as ameaças de boicotes, que foram ou não consumados, têm sido usadas como arma política pelos mais diversos motivos, tendo o COI conseguido superar a maioria destas situações. O que se pergunta é: Qual a utilidade dos boicotes? O que é que aconteceria se um boicote não ocorrido tivesse tido êxito? O que é que aconteceria se um boicote com êxito não tivesse ocorrido? A simples ameaça de boicote pode proporcionar os resultados pretendidos? Evidencia-se que não é possível responder às questões levantadas para além de elaborar umas tantas especulações. O desencadear da II Guerra Mundial, pela Alemanha, em 1939, poderia ter sido evitado caso a ameaça de boicote aos Jogos de 1936 tivesse êxito? É pouco provável, contudo, ninguém o pode dizer com certeza absoluta. Como também ninguém pode dizer com certeza absoluta que, se o boicote de alguns países ocidentais liderados pelos EUA aos Jogos de Moscovo (1980) não tivesse sido realizado, Mikhail Gorbatchev não teria ascendido ao poder, a Perestroika não se tinha desencadeado e o muro de Berlim não tinha caído. Sobre a utilidade da ameaça de boicote aos Jogos de Seul (1988), hoje, parece haver algum consenso acerca da abertura política acontecida na Coreia do Sul, que, de alguma maneira, ocorreu devido à realização dos Jogos da XXIV Olimpíada. Tal como parece ter tido êxito a ameaça de boicote protagonizada pelos países africanos contra a participação da África do Sul e da República da Rodésia nos Jogos de Munique (1972) que, provavelmente acelerou as quedas dos regimes Frederik de Klerk e de Ian Smith. Devido a necessidade de uma delimitação dos casos a serem apresentados em mais detalhes, optou-se por citar neste texto apenas dois casos de boicotes 23 In: Ata da 84ª Sessão do COI - Baden-Baden, 29 de setembro a 2 de outubro de 1981, anexo I.
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realizados, Moscovo (1980) e Los Angeles (1984) e de uma ameaça de boicote, Pequim (2008). 5.1 Moscovo (1980) Seguiu-se ao boicote de Montreal (1976) o dos Jogos de Moscovo (1980). O COJO de Moscovo havia escolhido uma frase para os Jogos: “Olimpíada: Em nome da paz para glória do desporto”. Entretanto, em finais de 1979, em protesto contra a invasão do Afeganistão pela URSS, o presidente norte-americano Jimmy Carter anunciou o boicote dos EUA aos Jogos de Moscovo (1980). Depois do anúncio, 69 países aliados solidarizaram-se com a posição norte-americana. Contudo, os países terem-se solidarizado não quer dizer que se tenham solidarizado os CONs dos respetivos países. Por exemplo, o Comité Olímpico dos Estados Unidos da América opôs-se radicalmente contra o boicote, considerando-o um atentado contra a liberdade do Movimento Olímpico. Por fim, por presumíveis pressões políticas, o CON, no relatório que fez, limitou-se a dizer que não aceitava o convite da COJO de Moscovo (1980), não utilizando para isso a palavra boicote. Esta era uma atitude de “hard power” dos EUA, utilizando-se dos Jogos para demonstrar a sua insatisfação política pela invasão do Afeganistão pelas tropas soviéticas. Evidencia-se que os USA tinham o direito de o fazer, porém, o que fica por saber é se não teria sido muito pior para os Soviéticos se os EUA e demais países em uma estratégia de “soft power” fossem para os Jogos, quer dizer, para o centro do sistema soviético naquele momento, denunciar precisamente a política imperialista da URSS. A questão que se colocou imediatamente a seguir ao anúncio do boicote foi acerca do direito que o COJO de Moscovo (1980) tinha de utilizar as bandeiras e os hinos dos países que estavam a boicotar os Jogos. E a este respeito a 83ª Sessão do COI, realizada em Moscovo em 15 de julho de 1980, foi problemática, chegou a ser considerada a hipótese de serem completamente suprimidas dos Jogos as demonstrações nacionalistas, que eram as bandeiras e os hinos dos respetivos países. De fato, tendo em consideração os valores do passado e o espírito da Carta Olímpica, tanto as bandeiras como os hinos não deveriam fazer parte das cerimónias dos Jogos. Nestes termos, as posições dos membros do COI eram controversas. Andrianov24, membro soviético do COI declarou: Ne doivent pas faire preuve de rapidité pour prendre une décision sur une question aussi importante telle que de changer la Charte Olympique pour 24 Konstantin A. Andrianov (1910-1988) foi o primeiro representante do COI para a União Soviética, admitido em 1951. Foi Vice-presidente do COI, de 1962 a 1974 e membro da Comissão do Programa Olímpico. Esteve no comando do Comité Olímpico Soviético, até 1975. In: http://www. la84foundation.org/SportsLibrary/UCSD/UCSDKeys.pdf Consultado em 15 de dezembro de 2012.
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les drapeaux et les hymnes olympiques. Le lever du drapeau et l’hymne ont un impact éducatif considérable sur la jeunesse du monde. En Union Soviétique, les athlètes qui ont obtenu un succès dans la compétition se voient souhaiter la bienvenue avec un grand enthousiasme car leur exemple doit être suivi par des centaines de milliers de jeunes gens. Il estime qu’il faut demander leur avis aux C.N.O. à cet égard car le lever des drapeaux affecte aussi leurs intérêts. Une décision sur cette question devrait être retardée jusqu’au Congrès olympique.25 Andrianov não podia ter tido outra posição. Porém, a posição de Exeter26 ia no sentido de acabar com o nacionalismo que caracterizava muitos eventos desportivos e disse: … trop d’emphase est mise sur les drapeaux et les hymnes et estime que l’on pourrait supprimer un peu du nationalisme.27 A situação foi de alguma maneira salva por Havelange28 que surgiu com uma eventual solução: … les règles sont faites pour être observées en ce qui concerne les cérémonies d’ouverture et de clôture aussi bien que la cérémonie de remise de médailles et que le drapeau doit être hissé et l’hymne joué. Cependant, si certains C.N.O. sont dans l’impossibilité d’avoir leur drapeau national ou de faire jouer leur hymne national, ils doivent être autorisés à utiliser le drapeau et l’hymne olympiques.29 Samaranch afirmou ser contra a utilização das bandeiras e dos hinos, porque era uma questão de direito internacional e como os EUA defendiam, o COJO de Moscovo não tinha o direito de utilizar a bandeira americana sem autorização das autoridades americanas. Assim, a decisão ficou para ser tomada posteriormente pela Comissão Executiva. Na cerimónia de abertura dos Jogos o presidente soviético Leonid Brejnev (1906-1982) teve a oportunidade de lamentar a interferência política em eventos de ordem desportiva idealizados para construir a paz. De fato, a posição dos EUA, tendo sido de força, acabou em uma enorme fraqueza, desde logo porque uma cidade americana, Los Angeles, iria organizar a próxima edição dos Jogos, em 1984. Na cerimónia de abertura dos Jogos são tradicionalmente hasteadas 25 In: Ata da 83ª Sessão do COI - Moscovo, 15 de julho a 3 de agosto de 1980, p.41. 26 David Cecil (1905-1981), também conhecido como Marques d’Exeter, foi Vice-presidente do COI, de 1954 a 1966; Presidente da Associação Internacional das Federações de Atletismo, de 1946 a 1976; e Presidente da Associação Amadora de Atletismo, de 1936 a 1976. Em 1946, esteve na Presidência da Federação Internacional de Atletismo Amador. In: Olympic Review, novembro de 1981, nº 169 p.651-652. 27 In: Ata da 83ª Sessão do COI - Moscovo, 15 de julho a 3 de agosto de 1980, p.42. 28 Jean-Marie Faustin Goedefroid Havelange (1916-), mais conhecido como João Havelange, é brasileiro, advogado, empresário, ex-atleta e dirigente desportivo. Foi Presidente da FIFA, de 1974 a 1998 e membro do COI, de 1963 a 2011. In: http://library.la84.org/OlympicInformationCenter/ OlympicReview/1996/oreXXV7/oreXXV7q.pdf Consultado em 10 de janeiro de 2013. 29 In: Ata da 83ª Sessão do COI - Moscovo, 15 de julho a 3 de agosto de 1980, p.42.
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três bandeiras: a do país da cidade organizadora, a grega e a do país onde se vão organizar os próximos Jogos. Em consequência de todo o enredo, na cerimónia de abertura dos Jogos de Moscovo (1980) no lugar da bandeira dos EUA foi hasteada bandeira branca. Los Angeles (1984) Depois de Moscovo (1980) estava mais um boicote à vista, era o boicote dos soviéticos e seus países satélites aos Jogos de Los Angeles (1984). Na realidade, os soviéticos, tanto na cerimónia de abertura dos Jogos de Moscovo (1980) como na de encerramento, não se inibiram em mostrar ao Mundo a indiferença que tinham ficado com a ausência dos EUA e dos seus países aliados. Neste contexto, na reunião da 83ª Sessão do COI, realizada em Moscovo, de 15 de julho a 3 de agosto de 1980, os soviéticos, através de Smirnov30, Presidente do Comité Olímpico Soviético, passaram a “jogar” com os norte-americanos criando-lhes a expectativa de que, afinal, até poderiam ir aos Jogos de Los Angeles (1984). Um dos pontos da ordem de trabalhos da 83ª Sessão do COI era precisamente a apresentação por Peter Ueberroth31 do relatório referente ao andamento dos trabalhos conducentes à organização dos Jogos de Los Angeles (1984). Depois de muitas questões de ordem técnica, alojamento, distâncias, alimentação, transportes, etc., Smirnov fez notar que no relatório de Ueberroth nada constava sobre o protocolo, que se sabia era a melhor porta de entrada para as questões políticas. Então, Smirnov pediu que o COJO de Los Angeles garantisse que: … teams entering the United States on the occasion of the Olympic Games would not be discriminated against, and that the Rules concerning the opening and closing ceremonies would be respected.32 Smirnov também referiu os incidentes ocorridos durante os Jogos de Inverno de Lake Placid (1980) onde, em alguns locais dos Jogos que eram território olímpico, fizeram-se apelos para que se boicotassem os Jogos de Moscovo. Smirnov pediu a Ueberroth que garantisse que o Governo dos EUA não tomaria medidas que pudessem contrariar as regras e a ética do Movimento Olímpico.33 30 Vitaly Smirnov (1935-) é russo e o membro mais antigo do COI. Foi Presidente do CON da Rússia, de 1992 a 2001; membro da Comissão Executiva do COI, de 1974 a 1978 e, de 19861990; Vice-presidente do COI, de 1978 a 1982, de 1990 a 1994 e, de 2001 a 2005; Presidente da Comissão de Elegibilidade, de 1992 a 199; e Membro do Conselho da Ordem Olímpica, de 1978 a 1982, e de 1991 a 1995 e de 2003 a 2004. In: http://library.la84.org/OlympicInformationCenter/ OlympicReview/1991/ore281/ORE281j.pdf Consultado em 30 de janeiro de 2013. 31 Peter Victor Ueberroth (1937-) foi presidente do Comité Olímpico do Estados Unidos até 2008. Como presidente do COJO de Los Angeles (1984), recebeu medalha de ouro da Ordem Olímpica devido a sua colaboração. Foi nomeado pela revista Time “Man of the year”, em 1984. In: Olympic Review, nº 192, outubro de 1983, p.627. 32 In: Ata da 83ª Sessão do COI - Moscovo, 15 de julho a 3 de agosto de 1980, p.17. 33 In: Ata da 83ª Sessão do COI - Moscovo, 15 de julho a 3 de agosto de 1980, p.18.
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Ueberroth garantiu a Smirnov que não existiriam discriminações relativamente a qualquer atleta, assegurando ainda que as regras do COI seriam respeitadas em todos os aspetos, incluindo o protocolo das cerimónias, pelo que confirmou que o Mayor de Moscovo seria muito bem recebido, para além de garantir que o COJO de Los Angeles proibiria a utilização de propaganda em território Olímpico. Por fim, os soviéticos ajustaram as contas com os norte-americanos ao boicotarem os Jogos de Los Angeles (1984), o que prejudicou os CONs e atletas que por muitos anos se dedicaram ao desporto para estarem aptos a participar nos Jogos. Pequim (2008) Quanto aos Jogos de Pequim (2008), desde 2001, ano em que foi atribuída pelo COI a responsabilidade a China de receber os Jogos, que as mais diversas organizações começaram a manifestar-se contra essa decisão, devido aos problemas relativos ao Tibete e ao desrespeito aos direitos humanos na China. Entretanto, estas questões deixaram de ter grande evidência até a contestação contra o regime chinês no Tibete iniciada, em 10 de março de 2008, que mostrou ao mundo e às autoridades chinesas que os tibetanos continuam a preservar os seus sentimentos de liberdade e a manter a sua identidade cultural, que vinha sendo menosprezadas pelo regime de Pequim. Para reivindicar a sua causa, os tibetanos aproveitaram os Jogos Olímpicos, porém a resposta do regime de Pequim foi a de enviar tropas, a fim de colocar em ordem os independentistas tibetanos. Novamente surgiu a possibilidade de um boicote. Contudo, as opiniões sustentavam que um boicote não iria resolver nada. Inclusivamente, o presidente George W. Bush apressou-se a dizer que estaria presente, no dia 8 de agosto de 2008, na cerimónia de abertura dos Jogos de Pequim (2008). O que se evidencia é que no caso de Pequim (2008), não se tratou de promover um boicote, tratou-se de, como fez o presidente do Parlamento Europeu, ameaçar com a possibilidade de um boicote, tendo por objetivo manter os valores da paz e da democracia. No caso dos Jogos de 2008, seria pior para o desporto, para o Movimento Olímpico e para os Direitos Humanos na China se um boicote fosse realizado pelos países do ocidente. Em verdade, é com a realização dos Jogos Olímpicos que o desporto se envolve positivamente na política e não com qualquer boicote. 6. Considerações finais Tendo sido o eixo norteador deste trabalho apresentar uma análise sóciohistórica da relação entre o desporto e a política, nestas considerações finais é possível evidenciar que foram diversos os casos que explicitam esta relação. A importância do esclarecimento das possíveis formas de utilização do desporto como ferramenta política ou instrumento de manipulação é de grande importância
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para que as mais diversas pessoas envolvidas no desporto, principalmente os gestores do desporto estejam cientes de que o desporto não está imune das pressões e manipulações políticas, tanto internas como externas. Sustentando esta posição, neste texto, a relação entre o desporto e a política foi evidenciada em três diferentes perspetivas. A primeira foram as relações e posições políticas dos Presidentes do COI em diferentes situações. A segunda perspetiva evidenciou o uso do desporto para fins políticos de ordem nacionalista. Sendo a terceira perspetiva a utilização do desporto como ferramenta política para efetivar ou ameaçar a realização de boicotes aos Jogos Olímpicos. Quanto às relações políticas e posições dos Presidentes do COI, Dimitrius Vikelas teve estreitas relações políticas, evidenciadas em seus contatos escritos com políticos da época; das relações políticas de Pierre de Coubertin decorreu a queda do primeiro ministro grego Charilaos Tricoupis; Henry de Baillet-Latour manteve relações diplomáticas com Adolf Hitler a propósito dos Jogos de Berlim (1936); Sigfrid Edström iniciou hostilidades com a República Popular da China, que defendia que o COI devia se submeter à política maoista; Avery Brundage esteve envolvido nos casos de segregação racial na Rodésia e na África do Sul; Michael Killanin começou a resolver e resolveu muitos problemas políticos que pareciam insolúveis no Movimento Olímpico, como foi o caso das “duas Chinas”; Antonio Samaranch, embora não admitisse, colocou o Movimento Olímpico no centro da política internacional; por fim, Jaque Rogge instituiu a posição política de “soft power” para tratar das mais diversas questões de ordem política em que o COI se envolveu, como foi o caso da violação dos direitos humanos na China. No que respeita o uso do desporto para fins nacionalistas, mesmo sendo a ideia inicial de Coubertin o distanciamento entre as competições desportivas e a identidade nacional, o que se pode evidenciar é que, até os dias de hoje, as grandes competições internacionais sempre estiveram ligadas ao fomento do nacionalismo. A estratégia inicial de Coubertin para gerir esta questão foi determinar que os membros do COI não representavam o seu país no COI, mas o COI no seu país, destemperando os fulgores nacionalistas que as mais diversas nacionalidades transportavam consigo, quando participavam em reuniões de cariz internacional. A questão do nacionalismo colocou-se, muitas vezes ao longo da história do desporto moderno, quando os decisores políticos tentavam interferir nos CONs e FIs, seja através da acumulação das autoridades da administração pública em lugares de direção ou com a entrada de pessoas de confiança para o COI. Quanto a utilização do desporto por chefes de Estado para fins nacionalistas é possível evidenciar três casos. Quando Adolf Hitler utilizou os Jogos de Berlim (1936) para divulgar o nazismo; quando John Kennedy solicitou uma edição da banda desenhada “Super-Homem” visando os Jogos de Tóquio (1964); e quando Pierre Trudeau utilizou o desporto para a construção do nacionalismo canadiano. Além da utilização do desporto para fins nacionalistas, o desporto também foi utilizado como ferramenta política através dos boicotes. A partir da análise
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sócio-histórica que estruturou este texto, pode-se evidenciar que “boicote” foi uma palavra e um assunto evitado pelos membros do COI, ao longo de sua história. Entretanto, o que a realidade histórica mostra é que a efetivação ou ameaça de boicote aos Jogos Olímpicos foi, por muitas vezes, utilizado como ferramenta política por diferentes Nações. Em protesto contra a invasão do Afeganistão pela URSS, Jimmy Carter anunciou o boicote dos EUA aos Jogos de Moscovo (1980), levando 69 países aliados a solidarizarem-se com a posição norte-americana. Entretanto, os países terem-se solidarizado não quer dizer que se tenham solidarizado os CONs dos respetivos países. Esta foi uma atitude de “hard power” dos EUA, utilizando-se dos Jogos para demonstrar a sua insatisfação política, porém, a dúvida que fica é se não teria sido melhor se os EUA e demais países aliados, em uma estratégia de “soft power”, fossem para os Jogos Olímpicos dentro do sistema soviético, denunciar a política imperialista da URSS. Depois de Moscovo (1980) surgiu o boicote dos soviéticos e seus países satélites aos Jogos de Los Angeles (1984). Mesmo com o acordo do não envolvimento de questões políticas nos Jogos de Los Angeles, a URSS boicotou os Jogos em uma evidente atitude de retalhação, novamente quem saiu perdendo foram os CONs e os atletas que ficaram envolvidos em um esquema de manipulação política em que o desporto nada ganhou. Em relação a utilidade das ameaças de boicote, Pequim (2008) foi um excelente exemplo. Devido aos problemas no Tibete e ao desrespeito aos direitos humanos na China, estes Jogos sofreram consideráveis pressões e amaças de boicote. Entretanto, no caso de Pequim (2008), não se tratou de promover um boicote efetivo, mas ameaçar com a possibilidade de um boicote, tendo por objetivo manter os valores da paz e da democracia. Caso um boicote fosse realizado pelos países do ocidente, a China não teria sofrido a grande pressão externa que teve e que levou o país a uma maior flexibilização em suas políticas. Além disso, os maiores prejudicados continuariam a ser o desporto, o Movimento Olímpico e até mesmo os direitos humanos na China. Por fim, o que se defende é que é com a realização dos Jogos Olímpicos que o desporto deve se envolver positivamente no desenvolvimento de uma sociedade mais justa e pacífica, e não com a efetivação de boicotes ou manipulações políticas de qualquer ordem. Bibliografia Arnaud, P., Riordan, J. (1998). Sport and International Politics. USA: Routledge. Asín, F. E. (1998). La política en las olimpiadas de Berlín 1936. Barcelona: Centre d’Estudis Olímpics, UAB. In: http://olympicstudies.uab.es/pdf/wp080_spa. pdf Consultado em 15 de julho de 2012. Boniface, P. (2006). Football et Mondialisation. Paris: Armand Colin. Brichford, M. (s/d). Avery Brundage: Money and Olympic Ideology - Critical Reflections on Olympic Ideology. Centre for Olympic Studies, University
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Guerra Assimétrica Reversa1 Reis Friede Desembargador Federal e ex-Membro do Ministério Público Mestre e Doutor em Direito Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Autor, dentre outras obras, do Curso de Ciência Política e Teoria Geral do Estado: Teoria Constitucional e Relações Internacionais, 5ª ed., Ed. Freitas Bastos, 2013 rfriede@trf2.jus.br
1 Fragmentos de palestra proferida na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), em 08 de maio de 2013, para os oficiais estagiários do Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército – CPEAEx; na Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica (ECEMAR), em 07 de outubro de 2010, para os oficiais estagiários do Curso de Política e Estratégia Aeroespaciais – CPEA;e na Escola Superior de Guerra (ESG), em 18 de agosto de 2010, para os estagiários do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia – CAEPE e na Escola de Guerra Naval (EGN), em 27 de outubro de 2010, para os oficiais superiores dos Cursos de Política e Estratégia Marítimas – (C-PEM) e Curso de Estado-Maior para os Oficiais Superiores – (C-EMOS)
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Resumo: O estudo relativo à denominada Guerra Assimétrica – e, mais recentemente, à moderna (e, para alguns, inovadora) concepção de Guerra Assimétrica Reversa –, reveste-se de especial importância, notadamente para o desiderato último da perfeita compreensão do fenômeno político alusivo aos Conflitos Bélicos, particularmente no século XXI. Destarte, com o fim da chamada Confrontação Bipolar Indireta (típica do período da Guerra Fria (1947-91)), não há mais como interpretar os resultados políticos e militares, dos mais recentes embates bélicos, - através de uma necessária análise de maior profundidade, e com inafastável correção -, sem considerar a complexa fenomenologia da Assimetria Reversa. Palavras-chave: Guerra / Guerra Assimétrica / Guerra Assimétrica Reversa. Abstract: The study related to the so-called Asymmetric Warfare -and, more recently, the modern (and, for some, innovative) concept of Asymmetric Warfare Reverse -is of special importance, mainly for the latter desideratum of perfect understanding of the political phenomenon allusive to armed conflicts, particularly in the XXI century. Thus, with the end of so-called Indirect Bipolar Confrontation (typical in the Cold War period - 1947/91), is no longer possible to interpret the political and military results, of the most recent military armed conflicts, by means of a required analysis of greater depth and correction, without considering the complex phenomenology of Reverse Asymmetry. Key-words: War / Assimetric Warfare / Reverse Assimetric Warfare.
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1. Conceitos de Guerra Assimétrica e de Guerra Assimétrica Reversa O Conceito clássico de Guerra Assimétrica, há muito conhecido, pode ser sintetizado como “todo e qualquer tipo de conflito bélico em que, - pelo menos em algum momento -, a superioridade militar (e, particularmente, tecnológica) de um dos contendores resta evidente no Campo de Batalha”. Por outro prisma, a noção central de Guerra Assimétrica Reversa poderia ser traduzida como “todo e qualquer tipo de conflito bélico em que, - pelo menos em algum momento -, existe a efetiva limitação (ou, em termos mais precisos, autolimitação) do emprego da evidente superioridade militar (e, particularmente, tecnológica) no Campo de Batalha”. Desta feita, é a concepção estrutural de Assimetria Reversa (e sua perfeita compreensão), em flagrante oposição à concepção clássica de Assimetria Básica, que, em última análise, determinará a caracterização de uma autêntica revolução na sociologia do emprego do Poderio Militar, no presente e, em especial, durante todo o espaço-tempo relativo ao século XXI. Guerra Assimétrica e Guerra Revolucionária Não obstante o reiterado equívoco histórico em se associar o conceito de Guerra Assimétrica com a antiga noção de Guerra Revolucionária ou de Guerra Clássica, na modalidade de estratégia revolucionária, ou, ainda, em termos mais genéricos, de Guerra Irregular (em essência, conceito relativo à Natureza do Conflito), é cediço concluir que não se confundem as aludidas menções descritivas, sobretudo porque resta incorreto, em uma análise mais aprofundada do tema vertente, afirmar a caracterização analítica de Guerra Assimétrica com fundamento restritivamente na simples existência de alguma modalidade de guerrilha ou mesmo de outros elementos não-convencionais de confrontação, que possam, eventualmente, traduzir, em situações pontuais ou mesmo de ampla concretude, no cenário específico de um determinado Teatro de Operações, algum viés de Assimetria Básica.
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Diagrama 1: Guerra Assimétrica Reversa x Guerras Revolucionária e Irregular
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À luz de um necessário rigor acadêmico, resta dizer, a Assimetria, em essência, sequer poderia ser considerada uma genuína modalidade de Guerra, porquanto dentro de um contexto de uma linguagem dotada de maior seriedade técnica,- com necessário emprego de uma maior precisão vocabular -, a mesma coaduna restritivamente, por natural intuito vocacional, apenas e tão-somente com o modo exteriorizante pelo qual qualquer tipo de modalidade de Guerra é efetivamente conduzida, em um dado momento considerado ou mesmo no âmbito de sua total amplitude temporal, no Teatro de Operações em comento. Muito embora, estatisticamente, seria até mesmo lícito afirmar que cerca de 90% (noventa por cento) das coloquialmente chamadas Guerras Irregulares são de natureza Assimétrica, tal fato probabilisticamente, por si só, a toda evidência, não possui o condão caracterizador, dotado de competência classificatória, capaz, em última instância, de identificar a modalidade do Conflito, precisando, em consequência, o tipo de Guerra, dentre as formas reconhecidamente consideradas pela Academia Militar.
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2. Elementos Característicos Pontuais Relativos à Assimetria Reversa O fenômeno da Assimetria Reversa revela, fundamentalmente, em seu âmago, um verdadeiro conflito entre as concepções contemporâneas da civilização humana, como bem assim, a reconhecida dicotomia de valores associados à própria existência do gênero humano em seu atual estágio de desenvolvimento humanístico. Por efeito conseqüente, o conceito estrutural (atual) de civilidade (incluindo as noções de moralidade e honradez), - defendido, particularmente, pela denominada Democracia Ocidental -, se opõe frontalmente ao conceito básico de barbárie (incluindo, neste, as idéias elementares de amoralidade e do próprio terror), supostamente partilhadas pelos Totalitarismos Clássicos e, em especial, pelos denominados Totalitarismos Revolucionários, como, por exemplo, o Islamismo Radical. Sob esta ótica, resta conclusivo afirmar que é o próprio confronto ideológico (em seu sentido amplo), - fundado em percepções conceituais tão diametralmente opostas (e, por esta razão, absolutamente inconciliáveis) -, que invalida, por si só, toda e qualquer eventual vantagem político-militar derivada da nítida superioridade militar do protagonista democrático-ocidental no Campo de Batalha, - fazendo surgir, em consequência, o epigrafado fenômeno da Assimetria Reversa -, mormente se considerarmos o imperioso respeito às regras normativas de engajamento (particularmente restritivas do pleno emprego da capacidade militar e tecnológica disponível) que este protagonista se auto impõe em sinérgica oposição à absoluta ausência de regras clássicas de engajamento nos conflitos bélicos (e de outras naturezas assemelhadas) conduzidas pelos protagonistas de natureza transestatal, de índole nacional globalizante transcendente2, como bem ainda, - em necessária adição 2 Resta oportuno consignar que a natureza transestatal do Totalitarismo Revolucionário, típico do
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argumentativa -, a própria preocupação central com a preservação da vida humana (objetividade realista), defendida pelas Democracias Ocidentais, versus a preocupação central com a preservação de valores (pseudo) espirituais (subjetividade concepcional), supostamente defendida pelos Entes Totalitários Revolucionários. Diagrama 4: Elementos Característicos Pontuais Relativos à Assimetria Reversa Civilidade (Moralidade e Honradez) x Barbárie (Amoralidade e Terror) Existência de Regras (Normatividade) Clássicas de Engajamento (Restritivas) x Ausência de Regras Clássicas de Engajamento
Preocupação Central com a Preservação da Vida Humana (Objetividade Realista) x
Preocupação Central com a Preservação dos Valores (Pseudo) Espirituais (Subjetividade Concepcional)
3. Eventos Geopolíticos Históricos Ilustrativos dos Fenômenos de Assimetria Básica e Reversa Conforme já consignamos expressamente, o fenômeno da Assimetria Básica, umbilicalmente associado ao conceito clássico de Guerra Assimétrica, já era conhecido e, em grande medida, estudado, desde a antiguidade clássica. Todavia, foi somente com o advento da Guerra da Coréia, - mormente em sua segunda fase (inaugurada a partir da destituição do Gen. Douglas McArthur do supremo comando das operações, em 11 de abril de 1951) -, que o fenômeno paralelo e antagônico da Assimetria Reversa (e o consequente conceito de Guerra Assimétrica Reversa) foi amplamente reconhecido pelos mais importantes geoestrategistas da atualidade, ainda que através das mais diversas designações. A exteriorização efetiva do mencionado fenômeno, em parte já registrada no presente ensaio, vale frisar mais uma vez, em necessário reforço analítico, caracterizase, sobremaneira, pela autolimitação (ainda que eventualmente parcial) do emprego da força militar, impedindo que a nítida e reconhecida superioridade bélica (massiva e/ou tecnológica) possa ser utilizada, em sua plena sinergia, com o diserato último de se conduzir à almejada vitória (política e militar) no campo de batalha. Não é por outra razão que as Estratégias Políticas, relacionadas a praticamente todos os grandes embates bélicos, até o mencionado momento histórico -, o que, à toda evidência, inclui a própria Segunda Grande Guerra (1939-45) e a chamada primeira fase da Guerra da Coréia (1950/51) -, foram sempre pautadas pela “vitória a qualquer custo” (associada à concepção clássica de Guerra Total), sendo, portanto, desconhecido, Islamismo Radical, conceitualmente não se opõe à idéia de movimento nacional globalizante ínsito ao mesmo, na própria medida em que a noção mais primitiva de Nação engloba, com toda a certeza, as vinculações comuns de cunho religioso, ou mesmo pseudo-religioso.
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- pelo menos no que concerne à aplicabilidade histórica -, a idéia central da “vitória limitada” (associada à concepção contemporânea de Guerra de Contenção) e suas derivações conceituais posteriores. 3.1. Eventos históricos característicos da fenomenologia da assimetria reversa Neste sentido, resta oportuno registrar que somente restou perfeitamente caracterizado, no conflito coreano, o fenômeno da Assimetria Reversa, quando, - ainda que com ampla e reconhecida superioridade militar -, o governo de Harry Truman (1945-53), - o mesmo que (frise-se) autorizou o lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima (6 de agosto de 1945) e Nagasaki (9 de agosto de 1945) -, recusou-se, terminantemente, a continuar a partilhar (direta ou indiretamente) das estratégias de vitória total (e a qualquer custo) do Gen. McArthur (destituído em 11 de abril de 1951), onde se incluíam, dentre outras propostas, o bloqueio continental da China, o substancial aumento dos efetivos, o emprego de tropas da China Nacionalista (Taiwan) e até mesmo a utilização de armas nucleares, com o fulcro último de obter a reunificação forçada das duas Coréias, sob a égide político-ideológica do Ocidente. Nos anos 60, durante o controvertido embate no Sudoeste da Ásia, conhecido genericamente como Guerra do Vietnã3, de forma até mais contundente, restou, mais uma vez, muito bem caracterizado o fenômeno da Assimetria Reversa, notadamente quando se inaugurou, no âmbito da inovadora concepção de Guerra de Contenção, a estratégia do “gradualismo desencorajante” (Doutrina de McNamara), que, em última análise, simplesmente (e, de certa feita, de modo inédito) impediu a utilização inicial (e, mesmo posteriormente, de forma amplamente reconhecida, em todas as fases do conflito) da nítida superioridade militar estadunidense, particularmente, de seu poderio aeroespacial (o que inexoravelmente restou comprovado, em uma análise mais aprofundada ao final do conflito, através do inconteste sucesso das operações Linebacker I (abril a outubro de 1972)4 e, posteriormente, com mais ênfase, Linebacker II (18 a 30 de dezembro de 1972)5), eventos específicos em que muitas das restrições 3 Na verdade, o conflito na Indochina possui raízes históricas muito anteriores e bem mais complexas. Todavia, o maciço envolvimento norte-americano, em apoio ao governo do então Vietnã do Sul, somente ocorreu durante o governo John Kennedy (1960-63), com o envio de milhares de assessores militares e, de modo mais objetivo, com o início das operações de guerra (1965), durante a égide do governo Lyndon Johnson (1964-1968). Vale registrar, por oportuno, que, além dos EUA; os países da OTSA (SEATO), Austrália, Nova Zelândia, Tailândia, Filipinas e Coreia do Sul (esta contribuindo com aproximadamente 40.000 efetivos) enviaram tropas de combate para o Vietnã, retiradas em 1971. A OTAN (NATO) e outros aliados, incluindo o Brasil, recusaram-se a atender um pedido formal de envio de tropas. 4 A operação Linebacker I (a que alguns autores entendem ser uma renomeação da operação de apoio tático e suporte Freedom Train (abril de 1972)) caracterizou-se como uma excepcional manobra (notadamente de interdição) que logrou cortar as linhas de suprimento do Vietnã do Norte, durante a chamada Ofensiva Leste (Nguyen Hue), conduzida entre 30 de abril e 22 de outubro de 1972, obrigando Hanói a retornar à mesa de negociações de paz. 5 A operação Linebacker II pode ser considerada como resultado direto de um ultimato à Hanói, de iniciativa do presidente Richard Nixon (imediatamente após o conhecimento do resultado de sua reeleição), quando aquele governo suspendeu unilateralmente as conversações de paz de Paris.
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de emprego do poderio aeroespacial norte-americano anteriormente presentes, sobretudo, na operação Rolling Thunder6, não foram mais observadas, pelo menos, na mesma intensidade de outrora. 3.2. Eventos históricos característicos da fenomenologia da assimetria básica Em virtual contraposição à efetiva caracterização do fenômeno da Assimetria Reversa, - e em indispensável reforço analítico de suas reconhecidas consequências político-militares -, diversos outros episódios históricos demonstram claramente, por outro prisma, - e, em sentido diametralmente oposto -, o natural resultado da superioridade militar no campo de batalha, mormente quando empregado em sua inteireza, sem as autorestrições, de toda e qualquer natureza, que são inerentes ao mencionado fenômeno. Por efeito, a denominada Assimetria Básica, registrou inconteste presença, em diversos momentos históricos, exteriorizando-se ora, excepcionalmente, como natural reação à própria Assimetria Reversa (como, por exemplo, no caso específico das citadas operações Linebacker I e II7), ora, em regra, como efetivo instrumento de estratégia Mais de 120 bombardeiros B-52 Stratofortress (número superior ao próprio quantitativo atual de aeronaves B-52H no inventário da USAF) em 700 missões noturnas, somadas a 650 ataques diurnos, realizados através de caças-bombardeiros F-105 Thunderchief e F-111, lançaram, durante 11 dias, cerca de 100.000 toneladas de bombas (do total de 170.000 toneladas lançadas na soma de ambas operações Linebacker I e II), obrigando o Vietnã do Norte não só a voltar à mesa de negociações, mas também a assinar um acordo de paz em que, dentre outras obrigações, determinou o repatriamento imediato de todos os prisioneiros de guerra norte-americanos. 6 A denominada operação Rolling Thunder (1965 a novembro de 1968) caracterizou-se pelo uso limitado e gradual do Poder Aéreo Estadunidense (tese de McNamara), não logrando danificar as capacidades de guerra do Vietnã do Norte, em função, sobretudo, das inúmeras restrições a ataques a bases de caças MIG e sítios de artilharia anti-aérea. Registre-se que o primeiro sítio de SAM foi localizado em abril de 1965 e o primeiro avião americano derrubado em julho de 1965. Vale consignar também que o total de aeronaves perdidas durante todo o conflito superou o quantitativo de 4.000 unidades. 7 Oportuno registrar, - em necessário reforço aditivo às informações já consignadas anteriormente a respeito do tema -, que no início de dezembro de 1972 as conversações de Paris (acordadas em outubro de 1972) foram suspensas unilateralmente pelo Vietnã do Norte, criando uma situação política inaceitável para o então presidente Richard Nixon, reeleito em novembro de 1972 com a promessa de por fim à Guerra do Vietnã. Em 14/12/72 foi, portanto, conforme mencionamos anteriormente, dado um ultimato à Hanói exigindo o reinício das conversações em 72 horas. No mesmo dia, todos os portos norte-vietnamitas foram minados e, em 18/12/72, 123 bombardeiros B-52, partindo de 3 diferentes bases, entre as quais Guam (Andersen) e U-Tapao (Tailândia), iniciaram os bombardeios sobre Hanói, Haiphong e Thai Nguyen, acompanhados por 54 F-4 Phantom II (escoltas) 20 F-4 dotados de interferidores de radar: chaff, 10 F-105 Thunderchief (com mísseis antiradar) e A-7 Corsair II, além de 5 EB-66 Destroyer e EA-6B Prowler, 2 EC-121H AWACs e 1 EC135 C3 (estes escoltados por mais 20 F-4 Phantom II e F-8 Crusader). O Vietnã do Norte possuía 36 batalhões de SA-2 Guideline (mais 9 batalhões técnicos), suplementados por alguns batalhões SA-3 Goa, e milhares de SA-7 Grail (portáteis); além de 187 caças (71 operacionais), sendo 31 Mig-21 PFM (incorporados em 1969 com capacidade de interceptação noturna). Mais de 1.000 mísseis SAM foram disparados contra as aeronaves norte-americanas. Principais ataques: 18-19/12/72: 129 B-52 20-21/12/72: 93 B-52
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política, como, por exemplo, no caso do bombardeio a Dresden (fevereiro de 1945), em que, empregando-se maciça superioridade aérea, os aliados, em um ataque ininterrupto de 14 horas de duração, destruíram completamente a mencionada cidade alemã, com uma saldo de 35.000 mortos -, ou, mais recentemente, - e de forma até mais marcante -, no episódio conhecido como Segunda Guerra da Chechênia (1999-2009), que, em apertada síntese, resultou não só na inteira destruição da capital Grozny, como ainda num impressionante saldo de mortos de mais de 100.000 civis, 21-22/22-23/23-24/25-26: quantitativos reduzidos em face de acentuadas perdas de aeronaves (ensejando, em consequência, alteração de táticas) 26-27/12/72: 120 B-52 (111 dos quais atingindo alvos) 27-28/12/72: 60 B-52 28-29/12/72: 60 B-52 29-30/12/72: 60 B-52 Um total de 700 missões noturnas (B-52) e 650 ataques diurnos (F-105 e F-111) foram realizados, até 7h de 30/12/1972, com um total de 170.000 toneladas de bombas lançadas (incluindo as lançadas na Operação Linebacker I), obrigando o Vietnã do Norte a voltar às mesas de negociação em 2/1/1973 e obrigando o mesmo a repatriar todos os prisioneiros americanos, ainda no mesmo mês. Foram perdidos um total de 15 B-52 Stratofortress (2 interceptados por MIG-21), 2 F-111, 3 F-4 Phantom II, 2 A-7 Corsair II, 2 A-6 Intruder e 1 RA-5C Vigilante. Para o Vietnã do Norte, a operação custou a vida de 1.624 civis/militares, obrigando a assinatura de acordos de paz, violados unilateralmente, mais tarde, sem qualquer tipo de reação internacional de maior monta, ou mesmo uma condenação mais severa da ONU. O relativo fracasso da operação, segundo críticos, decorreu, sobretudo, pelo fato de ter permitido ao ENV manter suas posições no território sul-vietnamita e, sob o ponto de vista operacional, às restrições a eventuais danos à população civil, em significativa exteriorização fenomenológica da Assimetria Reversa. Relatos de prisioneiros de guerra e documentos posteriormente divulgados, entretanto, mostraram que a operação Linebacker II destrui temporariamente a capacidade de guerra do Vietnã do Norte, quebrando seriamente o moral das tropas do ENV, demonstrando, neste sentido, a absoluta correção das críticas do Gen. Alexander Haig (que foi, durante a primeira administração de Nixon, Consultor Sênior Militar Adjunto para Assuntos de Segurança Nacional, - promovido em outubro de 1969 a patente de general -, e, no segundo mandato, Vice-Chefe do Estado-Maior do Exército e Chefe de Estado da Casa Branca e, posteriormente, Comandante Europeu e Superior Aliado da OTAN (197479 – governos republicano Gerald Ford e democrata Jimmy Carter) e Secretário de Estado (primeiros 18 meses do governo Ronald Reagan)) para quem a interrupção nos bombardeios acima do paralelo 20, no dia 30 de dezembro de 1972, sem consultar Saigon e “sem forçar Hanói a evacuar suas tropas do Sul” consistiu em um “erro terrível” (Robert Dallek; Nixon e Kissinger: Parceiros no Poder, Zahar, RJ 2009, p. 441), - ainda que a paranóia de Nixon (que havia, a menos de dois meses, obtido uma grandiosa vitória eleitoral sobre McGovern, - 60,7% a 37,5% -, vencendo em 49 dos 50 estados federados) o conduzisse a acreditar que se “fosse mantido o ataque aéreo, enfrentaria um impeachment” (ibidem, p. 442) -, o que acabou por transformar como verdadeira a denominada “paz falsa” (ibidem, p. 421), tanto alardeada pelo Presidente do Vietnã do Sul, Van Thieu, em conversas com Haig: “você já viu algum acordo de paz na história mundial no qual os invasores tivessem permissão para continuar no território que invadiram?” (ibidem, p. 429). Muito embora os acontecimentos daquela época ainda possam ser classificados como um episódio, no mínimo, “nebuloso”, a verdade é que, muito provavelmente, a primazia das ambições pessoais de Nixon (e seu relativo desprezo por Van Thieu) tenham sido o fator primordial para uma possível (e até hoje não comprovada) celebração de um “pacto oculto” (conhecido como “saída com honra”) com Hanói (conduzido por Kissinger, - que apregoava um “intervalo decente” para a saída das tropas norte-americanas), o que bem explicaria a capitulação do Vietnã do Sul em 1975, não obstante Henry Kissinger ter garantido, em entrevista de 1972, que “(...) não há nenhum acordo escrito com o Vietnã do Norte sobre qualquer intervalo específico após o qual não nos preocuparíamos mais se eles invadissem e tomassem o controle do Vietnã do Sul” (ibidem, p.425).
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representando dez por cento da população8. Diagrama 5: Eventos Geopolíticos Históricos Ilustrativos dos Fenômenos de Assimetrias Básica e Reversa à 2ª Guerra Mundial (1939-45) Bombardeios a Dresden (14h / Convencional = 35.000 mortos) (fev. 45) Hiroshima (Nuclear U235 = 80.000 mortos) (6/8/45) e Nagasaki (Nuclear P239 = 45.000 mortos) (9/8/45) à Guerra da Coréia (1950-53) Ingresso dos Voluntários Chineses (400.000 efetivos) (25/11/50) Destituição do Gen. McArthur (11/4/51) à Guerra do Vietnã (1964-75) Operação Rolling Thunder (1965 a nov/68) Operação Cedar Falls (jan 67) e Junction City (fev-mai 67) Cerco de Khe San (jan. 1968) Ofensiva do Tet (30/1/68 a 23/9/68) Ofensiva Leste (Nguyen Hue) (30/3/72 a 22/10/72) Operação Linebacker II (18 a 29/12/72)
4. Efeitos Sinergéticos da Assimetria Reversa No contexto deste prisma analítico, parece incontroverso os inequívocos efeitos sinergéticos da Assimetria Reversa, mormente quando o mencionado fenômeno se manifesta em sua absoluta plenitude. Portanto, a questão fundamental que deve ser colocada em necessária análise não se restringe apenas aos eventuais resultados práticos produzidos pela presença do fenômeno epigrafado, mas, especialmente, se existe, na história recente, comprovados elementos analíticos que possam verdadeiramente desafiar a inconteste efetividade da Assimetria Reversa, em sua sinérgica exteriorização no Campo de Batalha. Destarte, resta saber, no âmbito deste singelo debate, em necessário exercício analítico, se, por exemplo, mesmo com o amplo emprego de toda a moderníssima tecnologia militar estadunidense, - porém, com as inerentes restrições de utilização, 8 A 1ª Guerra da Chechênia iniciou-se em 1994 e terminou com os acordos de Khasavyunt (1996). Envolveu 40.000 efetivos russos, contabilizando 10.000 mortos (entre civis, militares e guerrilheiros). Com a instauração do regime islâmico por Aslan Maskhadov (1999), Vladimir Putin determinou uma nova invasão (2ª Guerra da Chechênia) com o bombardeio completo a Grozny e sua inteira destruição, em resposta direta a explosão de prédios russos (300 mortos); a reação guerrilheira foi a tomada de um hospital (120 mortos) (1999), a invasão de um teatro em Moscou (150 mortos) (2003) e a invasão de uma Escola Pública Russa em Beslan (2 a 4/9/2004) (330 mortos), além de outros pequenos ataques terroristas, inclusive no metrô de Moscou. Em 16/04/2009, O Comitê Nacional Antiterrorista da Rússia (NKA) declarou a Chechênia “Zona Livre de Terrorismo”, iniciando a retirada dos últimos 20.000 soldados russos, mantendo, outrossim, centenas de efetivos da FSB (KGB) e da polícia russa.
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no Teatro de Operações, características da denominada Assimetria Reversa -, os EUA lograriam obter, de forma objetiva, os mesmos resultados, de inconteste vitória político-militar, reconhecidamente alcançados pelos russos, durante o já mencionado episódio histórico conhecido como Segunda Guerra da Chechênia (1999-2009), ocasião em que, resta oportuno consignar, - não obstante as perdas projetadas em 10.000 efetivos (incluindo forças locais pró-Moscou) -, a Rússia de Vladimir Putin, computando a completa destruição de Grozny, e o condenável extermínio de 100.000 chechenos (10% da população total), incontestavelmente impôs, de forma inadjetivável, - caracterizando, em virtual oposição analítica, uma autêntica Assimetria Básica -, sua vontade política, debelando, por completo, as forças de oposição, em uma relativa repetição, ainda que em menor escala, do massacre de chechenos perpetrado por Stalin, entre 1942 e 19449. Ou mesmo, em outros termos de válido exercício de raciocínio comparativo, como foi possível ao governo de Saddam Hussein (1979-2003) instaurar uma autêntica ordem imperial, de controle praticamente absoluto, no âmbito político-social, de todo o território iraquiano, através da força das armas, mesmo contando com recursos militares muito mais limitados (e despendendo valores econômicos infinitas vezes inferior) comparativamente àqueles contabilizadamente empregados pelos EUA em seu amplo esforço de guerra (objetivando, em um segundo momento, a manutenção de uma ordem político-social mínima e, muitas vezes, em caráter visivelmente precário). 4.1. Primazia Exteriorizante da Assimetria Reversa Neste diapasão, - a par de toda a sorte de eventuais controvérsias que necessariamente norteiam o complexo tema em debate -, forçoso concluir, portanto, que, mesmo com a plena utilização da mais avançada tecnologia militar (e, por derradeiro, com a obtenção de uma ampla superioridade bélica), esta, quando associada às inerentes restrições de seu emprego (autolimitação) no Campo de Batalha, simplesmente pode se traduzir em efeitos efetivos, de ordem prática, muito diferentes daqueles naturalmente esperados, frustrando expectativas por parte daqueles que simplesmente desconhecem o fenômeno sub examen e conduzindo, em última análise, a resultados comparativos muito aquém daqueles inexoravelmente obtidos através do emprego irrestrito da força militar (e paramilitar), mesmo quando estas forças oponentes, - vale destacar em tom de sublime advertência -, possam ser desprovidas (via de regra) de tecnologias modernas, em função exatamente da inafastável presença do predomínio pontual do fenômeno da Assimetria Reversa em sua plena efetividade, como muito bem revelou a história militar, com notável ênfase, a partir da segunda metade do século XX. 9 Vale lembrar que, em 1942, os chechenos se rebelaram contra o Regime Soviético, fazendo com que, em resposta, Stalin deportasse a totalidade dos chechenos (500.000) para o deserto da Ásia Central, ensejando a morte de aproximadamente 200.000 pessoas, entre homens, mulheres e crianças.
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5. Anatomia Fenomenológica da Assimetria Reversa Neste momento de necessária reflexão analítica, - a par de naturais perplexidades indagatórias -, uma afirmação conclusiva não pode deixar de ser, todavia, muito bem compreendida, em uma magistral clareza, qual seja: a denominada Assimetria Reversa não se constitui, per si, em um fenômeno isolado. Muito pelo contrário, seu escopo de atuação, vale observar, encontra-se umbilicalmente associado à própria noção de Assimetria Básica, revelando-se, em certa medida, através de um genuíno “elemento exteriorizante” ínsito ao gênero maior das “assimetrias”, relativas, por seu turno, às marcantes diferenças de postura militar (e, por conseqüência, de índole tecnológica) – especialmente funcionais -, observáveis nos mais diferentes Teatro de Operações. Por derradeiro, a anatomia da Assimetria Reversa somente pode ser entendida, em sua completude, quando associada necessariamente à sua imagem opositiva, representada, em sua mais enfática nitidez, por intermédio do fenômeno contrastante da Assimetria Básica10. Não é por outra razão, portanto, que em alguns episódios históricos, de flagrante (e observável) onipotência da Assimetria Reversa, a Assimetria Básica também se fez presente, - com maior ou menor ênfase -, modificando, em alguns embates bélicos selecionados (muito embora não alterando o resultado final prognosticado, na maioria dos casos históricos), a própria tendência inicialmente verificada de previsível derrota militar (ou política). Talvez um dos casos mais emblemáticos seja exatamente o conflito francês na Argélia em que, em sua primeira fase (1954-57), o exército regular francês, em conjunto com as forças policiais, utilizando notadamente táticas convencionais, não 10 Merece especial registro, - em contraposição à exteriorização da fenomenologia da Assimetria Reversa, no que concerne ao comportamento das Democracias Ocidentais no enfrentamento de desafios análogos -, a dura repressão, desencadeada por Pequim, no início de julho de 2009, contra a etnia muçulmana uigur que resultou, segundo denúncia do líder uigur Rebiya Kadeer (Globo, 30/7/09, p. 29), em 10.000 mortos ou desaparecidos (1.700 feridos e 1.600 presos,segundo o governo chinês) em apenas uma noite, durante os confrontos de forças policiais e militares chinesas em Urumqi, capital da Província de Xinjiang. No mesmo sentido, igualmente merece menção a chamada “Guerra dos Cinco Dias”, no início de agosto de 2008, em que uma incursão armada, por parte da Rússia, na Geórgia, debelou, com força flagrantemente desproporcional (em reconhecida imposição clássica de Assimetria Básica) a aventura georgiana na Ossétia do Sul, desincentivando, de forma sinérgica, qualquer tipo de nova empreitada político-militar naquela região contra os interesses russos. Ainda, mesmo que com menor ênfase, também vale registrar, em necessária comparação analítica, as duas intervenções israelenses na Faixa de Gaza (2006, incluindo o sul do Líbano e 2009, restritivamente à Faixa de Gaza), cujo objetivo central de eliminar, por completo, os constantes ataques terroristas ao território israelense, com foguetes QASSAN e Katyushe (iranianos), somente foi definitivamente obtido na segunda empreitada (“Operação Chumbo Fundido”), onde o exército e a aviação judaicos foram utilizados com muito menos restrições de emprego (ocorreu um prévio bombardeio ininterrupto de oito dias com um saldo de mais de 420 mortos e 2.200 feridos) e com o nítido propósito de “aterrorizar a população civil”, além de destruir a infra-estrutura do Hamas, eliminando seus principais líderes, em nítida oposição a anterior (e observável) exteriorização da Assimetria Reversa (relativa a fracassada intervenção de 2006).
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conseguiu conter a crescente insurreição na então Colônia; situação em que, após a introdução das forças especiais (paraquedistas franceses) em solo argelino, - desta feita utilizando todo o seu potencial militar, ainda que pese ter havido o condenável uso de táticas de terror e tortura sistemática -, os franceses, em uma segunda fase do conflito (1957-61), conseguiu, em pouco tempo, restabelecer a ordem político-social, impondo, - através de efetiva exteriorização do fenômeno da Assimetria Básica -, a absoluta superioridade militar nas montanhas, como bem ainda na própria capital Argel11. Apenas em função do verdadeiro escândalo que consternou toda a sociedade francesa com a ampla divulgação das táticas (condenadas por toda a comunidade internacional e rotuladas pela mesma como de índole “não civilizadas”) empregadas pelos “lagartos” (denominação estereotipada através da qual ficaram conhecidos os paraquedistas franceses), é que o fenômeno paralelo da Assimetria Reversa mais uma vez se manifestou (desta feita, de forma verdadeiramente implacável), impondo, em última análise, em apertada síntese, a derrota francesa e a consequente retirada gradual das tropas(e mesmo, em alguma medida, de cidadãos franceses) do solo argelino, viabilizando a plena independência da Argélia. 6. Realidade Impositiva da Assimetria Reversa Desconhecer ou desconsiderar o fenômeno da Assimetria Reversa, por todas as razões já expostas, parece, hoje, destarte, um exercício hipotético simplesmente inimaginável, posto, também, que muitas das aparentes contradições detectadas nos Campos de Batalha (e em conflitos recentes, de modo geral) não poderiam ser logicamente explicadas (e, acima de tudo, compreendidas), - encerrando um estudo mais aprofundado do perceptível sucesso ou fracasso das intervenções militares no final do século XX e início do século XXI -, sem que fosse necessariamente levado em conta a própria sinergia que reveste a denominada Assimetria Reversa12. 11 Deve ser registrado que, à época, havia mais de um milhão de franceses em solo argelino, existindo, inclusive, um tradicional bairro francês na capital Argel. 12 Não é por outra razão as recentes dificuldades que o Exército norte-americano tem observado (e se deparado) nos Conflitos do Iraque e, notadamente, do Afeganistão não obstante as raízes da fenomenologia da Assimetria Reversa transcenderem, em muito, as fronteiras temporais do século XXI (na verdade, ela remonta historicamente ao período do pós-segunda guerra mundial) e da própria natureza intrínseca dos conflitos, para, também, abranger grupos terroristas locais e ações de segurança interna. Um contundente exemplo, foi a enorme dificuldade que a então República Federativa Alemã, durante o período compreendido entre 1968 e 1977, registrou para combater um pequeno grupo de estudantes anarquistas, - mal treinados e deficientemente armados (especialmente pela FPLP, na Jordânia) -, autodenominados inicialmente de “Facção Exército Vermelho” e, posteriormente, “Grupo Baader Meinhof”, que simplesmente logrou aterrorizar uma aparentemente refém sociedade democrática alemã com assassinatos de juízes e policiais, além de diversos ataques terroristas com bombas e outros artefatos explosivos. Não obstante toda a relutância do governo alemão, à época, a verdade é que o conflito somente foi encerrado, em definitivo, com o sistemático assassinato de seus líderes, em 1977, em uma prisão de Stuttgart, ocasião em que o Estado alemão,
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De outro modo, como explicar, com alguma solidez argumentativa, os desastrosos resultados obtidos pelos EUA particularmente na Guerra do Vietnã, e mais recentemente, os resultados pífios da segunda intervenção estadunidense no Iraque, inaugurada em 2003, e da OTAN no Afeganistão, desde 2001, estas duas últimas, inclusive, já desconsideradas dos tão propalados efeitos relativos ao anterior ambiente internacional de confrontação bipolar indireta. Portanto, o fenômeno da Assimetria Reversa, - independentemente da vontade dos principais protagonistas no cenário internacional -, revela-se como uma realidade que se impõe por si mesma, sendo certo, a toda evidência, que o mencionado fenômeno se constituirá na tônica fundamental, - e no verdadeiro elemento plasmático irradiante -, pertinente aos desafios estratégicos previstos para o século XXI. 7. Efeitos Colaterais da Assimetria Reversa Além de todos os já descritos efeitos, relativos à exteriorização do fenômeno da Assimetria Reversa13 (perceptíveis e historicamente comprovados) nos principais conflitos militares, cumpre ainda destacar a inafastável presença de autênticos “efeitos colaterais” (diretos e indiretos) associados ao fenômeno, detectáveis, ao longo da história militar recente, nos mais diversos Teatros de Operações. Sob este espectro analítico, obrigatório reconhecer que, desde o primeiro embate geoestratégico da Guerra Fria, ilustrado pelo bloqueio de Berlim (1948), as tímidas respostas reativas norte-americanas vis-a-vis com a real capacidade militar disponível daquela Nação, em cada momento histórico do pós-guerra, ensejaram, como natural consequência, novos desafios geopolíticos, em que, de forma cada vez mais contundente, fixou-se, de modo bem destacado, um novo paradigma limitante do emprego da força militar, comumente designado por confrontação bipolar indireta, além de, igualmente, estabelecer a presença inafastável, ainda que de maneira inicialmente menos marcante (embora crescente), do fenômeno da Assimetria Reversa, ambas em suas respectivas vertentes colaterais. Desta feita, resta lícito concluir que a Guerra da Coréia (1950-53) foi, em certo aspecto, uma consequência reflexa da ausência perceptível de uma reação mais enérgica ao Bloqueio de Berlim (1948), como bem assim, a Crise dos Mísseis em Cuba (1962), a Consolidação da Influência Soviética em Cuba (1962-85) e o início do Envolvimento Estadunidense no Vietnã (1961-65) podem ser, em grande medida, creditados a falta de uma resposta de John Kennedy à construção do Muro de Berlim (1961). transcendendo as limitações típicas da Assimetria Reversa, - cumpre ressaltar -, fez valer, em última análise, a plenitude do poderio de seus instrumentos de repressão interna. 13 A gênesis fenomenológica da Assimetria Reversa e, em termos mais amplos, da Guerra Assimétrica Reversa pode ser, em grande parte, creditada à vitória do ideário teórico defendido por George Kennan (e incorporado à Doutrina Truman em 1947, através das teses de confrontação indireta e sistema de alianças de defesa) em flagrante oposição às idéias de confrontação direta e guerra total de autoria de expressiva parcela da elite militar norte-americana, particularmente do Gen. MacArthur.
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A própria Derrota no Vietnã (1975), neste sentido, teria sido grande incentivadora do Expansionismo Soviético na África (1975-79), da Queda do Regime do Xá do Irã (1979) (e autorizadora da humilhante invasão da Embaixada Estadunidense em Teerã (197980)) e da própria Crise da América Central (1979-82), do mesmo modo que a Derrota Francesa na Indochina (1954) e a Derrota Anglo-Francesa-Israelense em Suez (1956) teriam tido papel destacado na posterior Crise da Argélia (1957-61). Mais marcante ainda, - para se referir a temática estratégica de notável atualidade -, os resultados da Desestabilização do Irã (EUA/1979) e da Derrota Soviética no Afeganistão (URSS/1979-89) que em conclusão absolutamente indiscutível, permitiram a cristalização do Totalitarismo Radical nascente e, por consequência, a derradeira expansão do Islamismo Radical. Todos eventos que, - em necessário reforço conclusivo -, se afirmaram como marcas indeléveis, exemplificadoras dos inexoráveis resultados da colateralidade dos efeitos dos fenômenos combinados da Confrontação Bipolar Indireta e da Assimetria Reversa e, mais recentemente, com o fim da Guerra Fria, apenas deste último. Em virtual contraposição aos efeitos (diretos e colaterais) dos fenômenos mencionados, todavia, a própria história encarregou-se de registrar resultados completamente distintos quando, por diferentes razões, o protagonista estatal (ou transestatal) utilizou, em alguma medida, mesmo que pontualmente (no aspecto tempo-espaço) de efetiva Assimetria Básica, a exemplo dos episódios históricos da Retomada de Seul (1950) (em que ocorreu a perseguição sistemática e a consequente morte de milhares de colaboradores comunistas (1950-51)), da Ofensiva Francesa na Argélia (1957-61) (ocasião em que a determinação francesa, através do emprego de paraquedistas e de táticas não-convencionais, conduziu a uma inconteste vitória militar), da Ofensiva Comunista do Exército Regular do Vietnã do Norte (ENV), que, adicionados aos guerrilheiros vietcongs, logrou obter excepcional êxito (político) (situação em que se viabilizou uma impensável tortura sistemática em Huê com um saldo de 6.000 mortos (1968)), das Invasões Soviéticas na Hungria (1956) e na Tchecoslováquia (1968) (desenvolvidas sem qualquer reação local ou da Comunidade Internacional), destruição da capacidade operacional efetiva do Grupo Guerrilheiro Maoísta Sendero Luminoso no Peru (pelo controvertido governo Alberto Fujimori no final dos anos 90, não obstante algumas ações isoladas do grupo, após o término daquele governo; em 2002 – ataque a bomba a embaixada norte-americana e, em julho de 2003, sequestro de funcionários argentinos que trabalhavam no gasoduto de Ayacucho), além do episódio mais recente (e amplamente mencionado neste trabalho) da Segunda Ofensiva Russa na Chechênia (1999-2009), em que o exército russo impôs, em termos plenos (e indiscutíveis), a sua vontade política, como ainda da Operação Chumbo Fundido (conduzida por Israel, na Faixa de Gaza, em janeiro de 2009, em que morreram 1.387 palestinos, encerrando, em definitivo, o lançamento sistemático de foguetes contra o território israelense), da chamada “Guerra dos Cinco Dias” (no início de agosto de 2008, em que uma desproporcional força militar impôs uma “pax” russa na Geórgia) e da dura repressão desencadeada por Pequim, no início de julho de
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2009, contra a etnia muçulmana uigur com um impressionante saldo de milhares de mortos. Diagrama 6: Principais Desafios Geopolíticos Mundiais: Eventos Determinantes e Consequentes Evento Determinante
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Evento Consequente
1 - Bloqueio de Berlim (EUA) (1948) • Guerra da Coréia (1950-53) A – Retomada de Seul – Coréia (1950) • Perseguição Sistemática de Colaboracionistas Comunistas (1950-51) 2 - Derrota na Indochina (França) (1954) 3 - Derrota em Suez (França / Reino Unido / Israel) (1956) • Crise na Argélia (1957-62) B. Ofensiva Francesa na Argélia (500.000 soldados) (1957-61) • Emprego de PQDs Franceses (“Lagartos”) 4 - Muro de Berlim (EUA) (1961) • Crise dos Mísseis de Cuba (1962) • Consolidação da Influência Soviética em Cuba (1962-1985) • Início do Envolvimento Estadunidense no Vietnã (1961-5) 5 - Retirada da Argélia (França) (1962) C. Ofensiva Comunista no Vietnã (EVN + Vietcongs) • Tortura Sistemática em Huê (4.000 mortos) (1968) 6 - Derrota no Vietnã (EUA) (1975) • Expansionismo Soviético na África (1975-79) • Queda do Xá do Irã (1979) • Crise dos reféns na Embaixada Estadunidense (1979-1980) • Crise na América Central (1979-82) 7 - Desestabilização do Irã (EUA) (1979) / Derrota Soviética no Afeganistão (1979-89) • Expansão do Islamismo Radical D. Ofensiva Russa na Chechênia (2ª Guerra da Chechênia) (1999-2009) • Completa destruição de Grozny e 100.000 mortos (10% da população)
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