O Caminho da Graça
Até que chegue esse dia e essa hora! Caio Fábio
Vamos ler Gênesis 32: 22-32 “Levantou-se naquela mesma noite (Jacó), tomou suas duas mulheres, suas duas servas e seus onze filhos e transpôs o vau de Jaboque. Tomou-os e os fez passar o ribeiro; fez passar tudo o que lhe pertencia, ficando ele só; e lutava com ele um homem, até ao romper do dia. Vendo este (o homem) que não podia com ele (com Jacó), tocou-lhe na articulação da coxa; deslocou-se a junta da coxa de Jacó, na luta com o homem. Disse este (o homem ou o anjo): Deixa-me ir, pois já rompeu o dia. Respondeu Jacó: Não te deixarei ir se me não abençoares. Perguntou-lhe, pois: Como te chamas? Ele respondeu: Jacó. Então, disse: Já não te chamarás Jacó, e sim Israel, pois como príncipe lutaste com Deus e com os homens e prevaleceste. Tornou Jacó: Dize, rogo-te, como te chamas? Respondeu ele: Por que perguntas pelo meu nome? E o abençoou ali. Àquele lugar chamou Jacó Peniel, pois disse: Vi a Deus face a face, e a minha vida foi salva. Nasceu-lhe o sol, quando ele atravessava Peniel; e manquejava de uma coxa. Por isso, os filhos de Israel não comem, até hoje, o nervo do quadril, na articulação da coxa, porque o homem tocou a articulação da coxa de Jacó no nervo do quadril.”
Aqui, então, continuaremos falando sobre o assunto. E será sobre o texto de Gênesis 32, sobre essa luta de Jacó com o anjo, que
falaremos. Mas antes mesmo que eu entre nesse texto, nesse episódio, devo advertir que ele carrega uma determinada ambiguidade descritiva. Porque em algumas ocasiões se diz: Lutava Jacó com o homem; e ao mesmo tempo se faz a inferência de que essa luta de Jacó com esse homem da noite era equivalente a uma luta com Deus. É já no profeta Oséias, muito tempo depois (no capítulo 12 verso 4, do livro de Oséias), que se fica sabendo explicitamente que esse “homem” é o anjo do Senhor – esta é a primeira coisa que eu queria que você soubesse. Daí convencionalmente pensar-se sempre na luta de Jacó com o anjo, ou na luta de Jacó com Deus, ou na luta de Jacó com o anjo do Senhor. O fato é que Jacó luta com aquilo e com aquele que lhe é superior. No caso da luta de Jacó com o anjo do Senhor, é a luta de Jacó com o Cristo antes de Jesus, com o Cristo eterno, antes da encarnação, com esse anjo do Senhor que aceitava a
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Eu havia dito em ocasião anterior que falaria sobre quatro tipos de experiência de encontro com Deus. Mas naquela ocasião eu só tive tempo para falar de três – isto, baseado no evangelho de Mateus, inicialmente: nas três parábolas que lemos. A primeira, do homem que não procurava e achou. A segunda, do homem que procurava e encontrou. A terceira, daqueles que foram tarrafados, encontrados, puxados, arrancados e trazidos – entre estes, gente de natureza boa e gente de natureza má – para um convívio ambíguo, até aquele último dia quando, enfim, se estabelecerá quem são os que, tendo sido trazidos na rede à força, carregam dentro de si a boa natureza, e quem, tendo sido trazidos na rede à força, carrega, todavia, uma má natureza; quando acontecerá, enfim, tal separação, que só pode ser efetuada por Deus.
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Isso dito, eu queria agora falar nos mesmos termos em que tratamos tudo na ocasião anterior. Agora nós não estamos falando daqueles que não estavam procurando coisa alguma e, tropeçando, encontraram. Não estamos falando dos que procuravam avidamente e acharam. Não estamos falando daqueles que foram trazidos num arrastão de soberania de Deus para o convívio da possibilidade da exposição frequente, cotidiana, da Graça, da Palavra e do Evangelho. Nós estamos falando agora é daqueles que, à semelhança de muitos aqui, foram criados, foram educados, foram acostumados desde sempre, desde a infância, a um convívio com as coisas que dizem respeito a Deus. No caso de Jacó, ele já era a terceira geração de pessoas que criam no Deus único, vivo e verdadeiro. Essa saga começou na família dele com o seu avô, Abraão. E a vida de Abraão com Deus foi o que determinou todo peso de influência e significado não apenas na vida de seu filho Isaque, na vida do seu filho Ismael (que não conviveu a vida inteira com ele; era filho dele com a escrava) e na vida de seus netos, Esaú e Jacó, mas também na vida de todos os descendentes deles: do povo de Israel – no caso de Jacó – como um todo, até os dias de hoje. Com mais verdade, com menos verdade, com mais intensidade, com menos intensidade, com mais consciência, com menos consciência, com mais fé, com menos fé, mas tudo aquilo
que ainda hoje se vê acontecendo em Israel decorre do fato de que Abraão, um dia, andou com Deus. E andou com Deus numa perspectiva cuja profundidade os judeus de hoje não conseguem nem compreender, mas ainda são movimentados pelos ecos, pelo vapor, pelo vento, pelo bafo, pelo choque, pela energia e pela eletricidade espiritual que aquele movimento causou. Jacó era a terceira geração. E o fato é que é algo extremamente complicado encontrar a Deus quando se é neto de alguém que andou com Deus, quando se é filho de alguém que andou ou ande com Deus. Por incrível que pareça, é mais difícil; porque se cria no coração um sentimento de hábito, de costume, de familiaridade, de intimidade. Surge no coração aquela impressão de que se faz parte dessa família, de que Deus é um parente. Cria-se no interior da pessoa uma acomodação inconsciente, sutil, mas que a faz se enganar com a ideia de que porque o seu avô foi considerado e chamado o amigo de Deus, ou, então, porque o seu pai tenha carregado tão intensamente a marca do temor de Deus na existência, isso atravesse a geração, isso viaje no DNA, isso se torne um elemento vivo, inerente e válido, por estar presente na memória cultural da família; e que por si só realize o encontro, a experiência, o significado de Deus na vida da pessoa. Quando, de fato, não é assim. Como aconteceu com a descrição que se faz em Marcos 6 acerca daqueles que cresceram em Nazaré sendo companheiros da família de Jesus – dos pais de Jesus, do próprio Jesus, das suas irmãs e dos seus irmãos, e que viram Jesus ler Isaías 61, que diz: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar
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adoração, que aceitava ser objeto de culto, que aceitava ser tratado como Deus porque Deus mesmo era, na sua expressão de visibilidade ante os sentidos humanos, conforme Paulo diz acerca de Jesus: que ele, Jesus, é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação.
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Isso foi chocante para aqueles que tinham visto Jesus, desde os dois anos de idade, depois que ele voltou do Egito, ali crescer, engatinhar, tropeçar, babar, aprender a falar, ficar com lama na cara, nos joelhos, nas mãos, ficar com unha suja, com bumbum sujo, cair, tropeçar, ralar-se, brincar, correr, escorregar, levantar, desenvolver penugens, criar barbinha, ajudar o pai, fazer seu Bar-Mitzvá em Jerusalém e voltar, participar de todas as festas comunitárias, ter seu próprio dia especial na família e na comunidade. Por tal familiaridade e pelo conhecimento que tinham de José e de Maria, dos irmãos e irmãs de Jesus e do próprio Jesus, quando o ouviram anunciar aquilo, se escandalizaram. Porque era familiar demais, era próximo demais, era histórico demais, era frequente demais, era íntimo demais. Era uma história sem nenhuma distância deles, era uma história assistida, era uma história que para eles tinha altura, tinha cheiro, tinha cor, tinha tônus de pele, tinha movimentos e memórias recentes, o tempo todo e de todas as naturezas – boas, todas elas, mas absolutamente normais. De repente esse homem, que antes fora um jovem, um adolescente, um menino e uma criancinha
entre eles, levanta-se e diz: Eu sou o cumprimento do sonho de Isaías realizado diante de vocês, eu sou esse enviado. E, aí, o choque foi total e eles se escandalizaram de Jesus a ponto de que Jesus se admirou da incredulidade deles, e ali não pôde fazer muitos milagres senão curar uns poucos enfermos impondo-lhes as mãos; porque era chocante a dureza dos seus corações. Aqui entre nós, quem não nasceu num ambiente chamado cristão-evangélico nasceu, no mínimo, num ambiente católico, ou numa cultura familiar cristã; ouvindo histórias diversas, com presépios montados, com significações acerca de Jesus, apresentadas. É rara, no Brasil, uma pessoa que não foi batizada em momento algum. Porque em geral alguém é batizado pequenininho, numa igreja católica, para – segundo a igreja católica – não morrer pagã, e não ir para o limbo, se morrer; ou numa igreja histórica, metodista, presbiteriana; ou, na adolescência, numa igreja evangélica. E mais tarde, tomando consciência do Evangelho por si só, deseja chamar o batismo para si mesma, por uma decisão completamente sua, pessoal, particular, nova e revolucionária, por uma decisão incompartilhável e que é somente da pessoa. A maioria de todos os que eu batizo, de certa forma são rebatizados, em razão de uma consciência nova que se lhes instalou na mente; pois na infância, por via cultural e religiosa e por sensibilidade dos pais, ou apenas por seguir um movimento social familiar, foram batizados sem que jamais no coração lhes tivesse havido nada mais profundo ou significativo, nem ali, nem depois. Então, a grande maioria dos que estão aqui entre nós – assim como uma quantidade enorme dos que me assistem em casa pela VVTV – são pessoas “ajacozadas”,
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libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor”; e após ler isso, fechar o livro, erguer-se e dizer: Hoje se cumpriu a Escritura que vocês acabaram de ouvir; eu sou o cumprimento e a encarnação do que aqui está prometido; eu sou este enviado, eu sou o Ungido, eu sou o messias esperado. Isaías não será mais um sonho; de hoje em diante ele se tornou realidade, fato, concreção histórica, e está presente diante de vocês.
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Jacó foi batizado assim que nasceu. Ele sabia o significado de um altar, de uma oferenda. Ele sabia imolar animais e derramar-lhes o sangue na presença de Deus. Sabia fazer votos, sabia marcar lugares, dizer: Deus, se eu passar nesse concurso público, eu ofertarei isto ao Senhor! Deus, se eu fizer essa viagem e voltar em paz, eu prometo que voltarei a este lugar e te cultuarei aqui! Deus, se eu ficar livre desse problema com essa pessoa, virei fazer libação de gratidão aqui neste cantinho! Deus, tu me visitaste com um sonho tão especial neste lugar, que, de hoje em diante, toda vez que eu passar por aqui vou chamar este lugar de Betel: casa de Deus. E o indivíduo aprende a criar ritos psicológicos, a erguer marcos e sinalizações de natureza espiritual para ele, mas sem que ele próprio tenha tido qualquer experiência radical, visceral,
transformadora, alteradora, subvertedora da sua existência, revolucionária quanto a determinar uma maneira completamente nova de ver a vida, o mundo, e de enxergar a si mesmo e ao próprio ente eterno ao qual ele chame Deus. Porque a relação dele com Deus é de tabela, é de triangulação, espelha-se em alguém, é sempre um reflexo, é sempre fruto e fator de alguma coisa histórica que o precedeu; mas não tem ainda raízes existenciais próprias. E essa é a dificuldade de vermos os filhos dos que amaram a Deus amarem a Deus do mesmo modo. É a dificuldade de vermos os filhos que nós consagramos a Deus consagrarem-se a Deus da mesma forma. É a angústia que dá, assistir a trajetória de um filho que soube tudo o que nós, sabendo, pudemos dizer, que foi informado de tudo o que nós, informados, pudemos contar, que foi educado em tudo em que nós, tendo sido modelados, buscamos modelar; e ver que a trajetória desse filho carrega traços, marcas, sinais, carinhos, apreciações, reverências, temores e observações de maneira diferenciada, acerca de Deus e do seu significado, mas, ainda assim, nele não se instalou nada que seja completamente definitivo. E o coração do pai, da mãe ou do avô observadores se angustia por ver as oscilações, por ver os atrasos, por ver as procrastinações, por ver os vai e vem; por ver aquela luta que nunca se torna definitivamente a batalha das batalhas, o encontro dos encontros instalando na pessoa aquele sentir que é precedido por uma consciência de fé definitiva, que já não sofrerá alterações a não ser para tornar-se mais dilatada, mais profunda, mais enraizada, mais madura e mais crescente. Até que chegue esse dia e essa hora, é doído ver de longe.
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existencialmente falando: gente que teve avô, pai, mãe crentes; ou gente que bem pequenininha foi trazida para a igreja, gente que frequentou escola dominical, gente que aprendeu cânticos: “Sou uma florzinha de Jesus, abro a boquinha para cantar...” – Jacó era assim, uma florzinha de Jesus –; todo mundo, Jacozinho. Aí, fica difícil conhecer Deus quando se é neto de Abraão, quando se é filho de Isaque. Porque ficamos achando que aquilo passa para nós por osmose; ficamos achando que nós carregamos essa relação no DNA, pelo fato de que nós sabemos as confissões, sabemos as orações, sabemos as informações, ouvimos as histórias, aprendemos as canções, aprendemos o significado de determinadas coisas, aprendemos o significado do batismo. No caso de Jacó, ele foi circuncidado; o pai dele também, o avô dele também.
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E é essa a situação de Jacó. E gente vivendo nessa situação só vai ter a chance da genuína conversão quando sofrer um atropelamento divino, na existência. É mais ou menos o arquétipo psicológicoespiritual de Saulo (que virou o apóstolo Paulo): da tribo de Benjamim, educado nas Escrituras, criado aos pés de Gamaliel, zeloso da Lei, fariseu de fariseus; sabendo tudo, mas numa luta terrível em relação a
Jesus, tornando-se ele próprio hostil em relação àqueles que eram discípulos de Jesus, embora ele próprio acreditasse que era a Deus que ele servia. De forma que ele carregava um arcabouço enorme de conhecimento divino, enquanto lhe faltava o essencial: um encontro com Jesus; encontro esse que ele não podia admitir, na vida dele. Até que chega a hora em que ele é atropelado pela graça de Deus, entre Jerusalém e Damasco; num encontro que não o tocou o no nervo da articulação da coxa esquerda, mas o tocou nos olhos e o deixou cego por alguns dias, e o alterou definitivamente e para sempre. Existem também aqueles que são os crentes da esposa, os crentes do marido, de quem eu ouço: Eu sei que sou de Jesus, mas eu tenho de admitir que crente, crente mesmo, lá em casa, é a minha mulher, aquela é a sacerdotisa do lar, não tenha dúvida, Pastor. Ou: Ah, é o meu marido, que homem de Deus, um esteio, uma coluna, é um carvalho de Justiça! (e fica todo mundo ali, à sombra dele). Existem até aqueles que são os crentes dos filhos: Eu creio, sim, eu creio no Senhor, eu creio em Jesus, eu creio no Evangelho, mas crente mesmo, lá em casa, são os meus filhos, meu Deus, que coisa linda de ver! E aqueles que dizem: Bom, quem segura a onda inteira com oração, com graça e com irradiação de bênçãos é a nossa mãe, que cobre a família inteira – ou é o nosso pai! (que está velho, piedoso e aflito na sua velhice, porque gerou um monte de filhos meio barro, meio tijolo). Agora pense em você um pouco, no tipo de relação que você tem tido com Deus, até hoje, em como ela resvala em pessoas. Pense no seu estado. E pense no hábito desgraçado que você desenvolveu, de
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É doído ver o indivíduo querer a bênção de Deus sem querer o Deus da bênção, como era o caso de Jacó. É doído assistir à pessoa querer a prosperidade de Deus e manter uma relação com Deus que diz “me guarda”, ao mesmo tempo em que ela não se guarda para Deus. É doído assistir e ver que, conquanto ele queira o Deus da verdade em sua própria vida, ele quer que a verdade de Deus seja em favor dele só quando ele estiver sendo verdadeiro, mas quer que de alguma forma Deus seja licencioso e indulgente com ele nas suas seus mentiras, nos seus arranjos e nos seus autoenganos. É doído ver que ele se inimiza sem necessidade, que ele briga, que ele contende, que ele disputa, que ele se separa, que ele e o irmão se odeiam, não se dão bem. É doído ver, às vezes, que ele se retira de casa por causa de uma situação de contingência e de contenda, e vai para longe, não sabe mais o caminho de volta. É doído ver que mesmo no lugar para onde ele vai, ele vai sempre cultuando aquele Deus dos favores e das trocas, das barganhas, que ora ele percebe como graça, ora ele percebe como negociação, como um toma lá dá cá. É doído ver que ele está quase lá, mas não entrou; que ele sabe muito, mas não conheceu ainda nada, que ele tem sentimentos, mas não desenvolveu o amor final, que ele namora realidades divinas, mas não se casa nunca e definitivamente com aquilo que sabe.
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Pense no tipo de relação espiritual que você tem com ele, como ela é cheia e marcada por estações. Olhe para o seu ano passado, para o seu ano retrasado – para não olhar para a sua semana; tem uns que podem olhar para a semana e ver que segunda-feira eles estão entusiasmado, na terça eles estão relaxados, na quarta eles ouvem alguma coisa que lhes dá um choquinho e eles ficam mais animados; na quinta eles já estão mais abatidos, na sexta eles ainda estão abatidos, no sábado eles continuam abatidos; mas no domingo de manhã eles se levantam e, um tanto reticente, dizem: Hoje é o dia que o Senhor fez, portanto, regozijemo-nos e alegremonos nele; eu vou até lá, ver se tomo a minha dose e ver como é que fica a minha semana com essa aplicação. Ou, então, há aqueles que são trazidos, um tanto no peito e na raça: você vai lá, menino, que hoje é o dia da sua aplicação! É mais ou menos assim que acontece. Agora pense no seu ano passado: os trimestres de euforia, os trimestres de mornidão, os trimestres de alienação, os trimestres de limbo. Tudo dependendo de circunstância, ocasião, vínculo, relação; porque não há ainda um espigão seu, um espigão plantado em você. Tudo ainda depende extremamente de circunstâncias, de ambiente, de companhia, de vínculo, de relacionamento, de humor, de estado de coisas, pois a variação é enorme! Embora você saiba tanto, embora você já saiba muito, embora intelectualmente você saiba o suficiente; mas, apesar disso tudo, não houve ainda este dia de agonia definitiva na sua existência. Houve momentos melhores, piores, houve horas de vontade mais dedicada; mas as coisas oscilam, como
oscilavam na vida de Jacó. PALAVRAS E PALAVRA. E bem-aventurados são aqueles para quem essa hora chega. Na vida de Jacó essa hora chegou, em relação à existência dele, na meia-vida (no que hoje nós chamaríamos de meia-idade; mas para quem vivia quase duzentos anos a meia-idade era uma meia-vida). Ele passou meia vida nesse vai e vem, cultuando a Deus pelo reflexo, pela tabela, fazendo gestão do vínculo sem ter tido, ainda, esse encontro atropelante, marcante, tatuante, definitivamente alterador do seu andar, que lhe deixasse para sempre manco dessa realidade, marcado e alterado por tal realidade. Eu volto a perguntar: e você? O que, de fato, definitivamente apaixonante em relação a Deus, a Jesus, já aconteceu com você? Ou será que a sua existencialidade ainda é essa do netinho de Deus, do filhinho dos filhos de Deus? É nessa condição que você ainda está, ainda se põe? É esse o tipo de vínculo, é essa, ainda que seja inconscientemente, a psicologia da sua existencialidade espiritual? Porque, no mínimo, essa é a expressão oscilante da sua vida, na sua existência, no seu cotidiano, até que venha essa noite de angústia, de luta, de choque, de pegação de Deus com você. Aqui no caso de Jacó, ele está voltando para a casa dos pais depois de catorze anos de ausência em razão de uma briga, de um conflito com seu irmão, Esaú, de uma fuga por medo de ser morto. Porque religiosamente ele roubara a bênção do irmão, mas até ali não tivera ainda seu encontro com Deus. Era capaz de brigar pelo sagrado, mas não tinha se entregado definitivamente ao santo. Tinha feito dezenas de altares e os consagrado, enquanto ele mesmo não se santificava.
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saber muito sobre Deus e conhecê-lo quase nada, muito pouco, no dia a dia.
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E lá vem ele. Mas tinha que enfrentar o irmão, Esaú, que ele não sabia como iria recebê-lo. Então, ele inicia um processo de apaziguamento do irmão, enviando-lhe presentes, adiante. Até que o próprio irmão sai para encontrá-lo, para recebê-lo. Aí é um problema a menos para ele. E ele vai se aproximando cada vez mais da terra dos seus pais. Até que chega essa noite fatídica. E ele faz passar as suas duas mulheres – que também tinham problemas entre si –, as suas duas criadas, que também tinham problemas entre si, cada qual com a mulher transversa na relação àquela de quem elas fossem servas; e fez passar também seus onze filhos, atravessando o val do Jaboque, o igarapezinho de Jaboque. Passaram todos adiante dele para o outro lado. E Jacó ficou só, do lado de cá, na noite escura. Sozinho, esperando que alguma coisa acontecesse de definitiva, porque ele não sabia explicar o que ele carecia, nem o que ele precisava, nem tampouco dizer o que lhe aconteceria. Mas intimamente ele sabia que não viraria aquela noite sem que algo divino, misterioso, lhe visitasse; e que tinha de ser na sua solidão, tinha de ser sem pai, sem mãe, sem irmão, sem mulher, sem criados, sem filhos, sem bens, sem posses, sem tesouros, sem pertencimentos, sem testemunhas, sem observadores; sem ninguém, só ele e Deus, em solidão
profunda, na escuridão, na reclusão, no claustro do ser, num momento incomunicável e incompartilhável e indizível e incompreensível. Ele sabia que era a hora da individuação absoluta, era chegado aquele momento que transcende a possibilidade da explicação. Ele não sabia como seria, não sabia como se manifestaria, mas sabia que ninguém poderia testemunhar o ocorrido, que era algo incompartilhável, era dele e de Deus e de mais ninguém. Essa é a sua agonia. E é tremulante dessa agonia que, na noite escura, absolutamente desiluminada, desenluarada, desestrelada, em treva absoluta onde ele mal poderia enxergar a si próprio, ele encontra um vulto. E o vulto parte, raivoso, apaixonado, intensamente devorador, contraditoriamente amoroso, furiosamente intenso e amorosamente disciplinador. Ele encontra o Espírito de Deus, zeloso e apaixonado. Encontra o Espírito de Deus, encontra o Deus da verdade e da realidade, como um fogo consumidor. Ao mesmo tempo, encontra-o como um desejo enorme de acolhimento, encontra-o como um castigador. Ao mesmo tempo em que se oferece também para apanhar. Encontra Deus como aquele que nele bate e que ao mesmo tempo implora para ser vencido. Encontra Deus na ambivalência divina que esbofeteia você ao mesmo tempo em que se deixa dominar. Encontra Deus vencendo você, entregando-se para ser vencido por você. Encontra Deus sendo vencido por Deus. E porque é vencido por Deus, vencendo a Deus na sua derrota. De tal modo que a derrota de Deus é a vitória de Jacó, e a vitória de Jacó é ser derrotado por Deus.
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Dedicava coisas a Deus, enquanto ele mesmo não se entregava. Marcava a sua vida com momentos solenes, enquanto ele mesmo não se punha constantemente num caminho único de adoração. E agora – movido por circunstâncias que tanto aconteciam do ponto de vista de contingências exteriores quanto, também, de contingências existenciais – surge no coração dele esse desassossego e essa vontade de voltar ao seio da família.
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É nessa troca de derrotas que Deus e o homem se encontram para a invencibilidade do que se eterniza como casamento da alma de um ser humano com o seu Senhor. E se não for assim não há salvação para os filhos de Abraão. Netos de Abraão, filhos de Isaque, vão andando a vida inteira trazendo ofertas, erguendo altares, carregando bíblias, crendo por
tabela, emulados de vez em quando, desanimados outras tantas vezes, a menos que chegue essa hora e esse dia em que essa marca se imponha, em que essas ranhuras e essas patadas noturnas do Leão de Judá nos firam por inteiro e não nos deixem mais espaço para sermos os dissimuladores, os negociadores, os jacozinhos dos nossos negócios com Deus e com os homens. E mude o nosso nome, altere a nossa natureza e se instale como um novo caráter, e não nos abra mais a possibilidade de que nós mesmos decidamos qual será o grau do nosso carinho, do nosso amor, da nossa devoção ou do nosso compromisso com Deus; porque ele tenha se instalado com um peso esmagador e definitivo, com um manquejar que não nos deixe jamais esquecer o que aconteceu definitivamente em nossas vidas: nós conquistamos e fomos conquistados, vencemos a Deus quando fomos derrotados. E derrotados por Deus vencemos o Senhor para ele ser o Deus da nossa vida. Por isso não é incomum que os netos de Abraão, os filhos de Isaque – os Jacós – precisem apanhar tanto, precisem habitar a noite escura, precisem encontrar essa briga com Deus, na escuridão. Porque enquanto estão nessa zona de conforto eles vão de altar aqui, de altar ali, de orações aqui, de orações acolá, de pedidos de bênçãos tópicas em pedidos de bênçãos especiais. Caminhando sem carregarem o abençoador em suas existências, sem terem as suas vidas radicalmente alteradas. E a tragédia é quando vão envelhecendo assim, é quando vão gerando outros assim, é quando o tempo lhes vai passando sobre a vida e sobre a cabeça, assim; e quando eles vão apenas vivendo de reminiscências, de memórias, e não atualizam o vínculo.
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Porque todo encontro de Deus com o homem implica que Deus seja derrotado pelo homem, na sua agonia que a Deus se agarre não mais dependendo de pai, de mãe, de história ou de informação, mas dizendo: Eu sou teu e tu és meu, e eu não te deixarei se tu não me abençoares! No mesmo modo e na mesma medida em que Deus diz: Eu não aguento mais contigo, tu me venceste, tu me derrotaste, tu me contiveste, tu me agarraste, tu me possuíste. Eu te abençoarei, e já não te chamarei pelo nome com o qual foste e tens sido chamado: Jacó, o dissimulador, o enganador, o “quase lá”. De hoje em diante eu te chamarei de príncipe de Deus, na Terra; esse é o teu nome, eu te batizo neste novo nome. Eu te dou um novo nome, eu instalo em ti uma nova individuação, eu instalo em ti uma nova pessoa, eu instalo em ti um novo caráter, eu instalo em ti um novo modo de ser, eu instalo em ti um novo modo de olhar, eu coloco em ti um novo modo de caminhar – e que não será subjetivo; será objetivo, será marcante, será perceptível aos sentidos de terceiros, será visível, será uma marca, será uma claudicância abençoada, será um espinho na carne, será um manquejar de santidade. Assim eu te abençoo. Assim tu me venceste e eu fui vencido por ti – diz o Senhor. E assim, em me vencendo no teu quebrantamento que a mim se agarrou, tu me conquistaste e eu me deixei conter por ti.
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Porque se assim não acontecer de tempos em tempos, de etapas em etapas, a tendência é que cada um de nós vá perdendo a renovação do significado de um dia ter apanhado de Deus, na cara, e ter se agarrado à cintura divina, dizendo: Matame aqui ou eu morro de ti, mas eu não te deixarei se tu não me abençoares! O coração precisa da renovação desses momentos de choque com o divino, com o eterno, para o bem da nossa vida, para a renomeação da nossa alma, do nosso espírito, para a re-significação da nossa consciência, e para o aprofundamento eternizante do nosso sentido de ser, em Deus. Em nome de Jesus.
Deus disse amém. Sei que ao que eu disse Jesus disse: É isso mesmo, meu filho. Sei que ao que eu disse o Espírito Santo deu testemunho de ser verdade. Sei que ao que eu disse os anjos levantaram-se, celebrando a glória de Deus. Sei que ao que eu disse a nuvem de testemunhas pôsse em pé e disse amém. E eu espero de todo o coração que o coração de muitos aqui tenha dito amém. E sem que sejam atropelados na noite escura, mas iluminados nesta noite, abram o coração e digam: Senhor, que não seja preciso que tudo fique escuro; eu, hoje, eu, agora, eu, aqui, neste momento, não te deixarei se tu não me abençoares; e chega de ser neto de Abraão, de ser filho de Isaque, de ser um reflexo bondoso de alguém mas não ser, eu mesmo, ainda, a tua imagem, a tua semelhança, de acordo com a totalidade do teu chamado, conforme a tua vontade de me mudares o nome, o caráter, o coração, o caminho, o olhar, o entendimento e a vida. Chega de fugir de ti, chega de procrastinar, chega de ziguezaguear. Chega de adiar definitivamente o que eu sei que quer ser definitivo. Chega de feriar em relação à tua graça. Chega de ser abençoado por extensão, chega de contar com a sombra da graça de outros sobre mim, chega de pensar que na vida do meu pai, ou na vida da minha mãe, ou na vida dos meus avós foi radical demais e que na minha vida não precisa ser tanto, que na minha geração não precisa ser tão profundo assim. Chega de me autoenganar, chega de procrastinar. Chega.
Eu sei que o que eu disse, o disse na presença de Deus. E sei que ao que eu disse
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Na realidade, de um modo ou de outro essa experiência, essa luta, essa batalha noturna de Jacó com Deus é uma dinâmica existencial e espiritual que de vez em quando precisa se renovar, no curso das nossas existências; não apenas na vida dos netos de Abraão, os filhos de Isaque, mas na de todo aquele que tenha chegado a Deus pela via que tenha chegado. E pela misericórdia de Deus ela se renova – se renova através de doenças, se renova através de falências, se renova através de perdas, se renova através de decepções, se renova através de traições, se renova através de equívocos, de pecados, se renova através de culpas, se renova através de angústias, se renova através de depressões inexplicáveis, se renova através de pânicos que nos façam outra vez discernir que só o Senhor pode ser o nosso refúgio, a nossa salvação, o nosso rochedo, o nosso monte elevado, o nosso socorro; e a presença das presenças, na nossa vida.
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Mensagem ministrada em 29/01/2012 Estação do Caminho - DF
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