IGUAL #00 - I

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IGUAL POPCULT+WEB2.0 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA janeiro 2009

NJAP/JU // DIGITÓPIA // DIAMONDS DUB Big List 2k8 + Dan Deacon + YouTube Niches

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IGUAL #00

Editorial

Avance até à casa partida

Bem-vindos ao número experimental da IGUAL. A revista que tem em mãos é o querer feito acção, como todas as vontades deviam ser. As nossas, pelo menos. Antes de mais, apresentações: a IGUAL é uma revista de periodicidade errática (porque os apetites vão e vêm) dedicada à cultura pop e à web 2.0, por estes dias a mais fascinante produtora de popculture. É desafiante esta época em que as novas referências não saem dos ecrãs jumbo de um multiplex, mas do quarto de um miúdo em Brooklyn ou na Amadora. A IGUAL é o seguimento lógico da escolha da Time para Homem do Ano em 2006: nós. Há quem lhe chame o “culto do amadorismo”, mas suponho que seja uma definição com o seu potencial elogioso. Como somos apenas amadores, ou seja indivíduos apaixonados pelas coisas sobre as quais escrevemos, faz todo o sentido a IGUAL ser de distribuição gratuita. Não queremos por um preço entre nós e a nossa relação de amizade com os leitores. Acreditamos na informação gratuita, que é como quem diz, fazemos isto por carolice.

o império bondoso da Google. Depois dos destaques, no Centrão, e como será hábito, um mini portfólio organizado por autor ou por tema (neste caso por ambos os critérios) e um comic strip, este mês de Dan Furry. Logo depois: Críticas facciosas a álbuns, livros, videojogos, DVDs e programas de televisão. E ainda um artigo sobre os loucos finais dos anos 90, numa verdadeira viagem ao passado de todos nós. Os destaques este mês são tão ricos como variados. Um deles, a reportagem sobre o NJAP/JU, acabar por abranger não só esta a associação como é também um micro-retrato do associativismo português já que a metonímia funciona igualmente quando alargada a outros colectivos do género. O Núcleo de Jornalismo promove eventos, edita um jornal, tem uma galeria de arte e está com uma revista de arte em pausa, num exemplo salutar de actividade juvenil numa rua habituada a mais formalismos artísticos. Como se coordenam estas actividades, como se gere uma equipa, de onde vem o financiamento – todos os aspectos inerentes a um grupo deste tipo foram cobertos. E porque o NJAP/JU não existe sem pessoas também quisémos conhecer as pessoas que ajudam a fazer do NJAP um núcleo vivo. A reportagem final resulta numa exultação à actividade, a atitudes pró-activas, de compromisso e envolvimento.

Francisco Dias

A IGUAL é diferente, para melhor. O título não é irónico porque nos unem laços criativos, a vontade transgressora, uma certa dimensão marginal. Mas, e não tenham dúvida, existimos para ser lidos. Não temos pretensões de qualquer monta e estamos abertos a contribuições e comentários. Por sermos diferentes para melhor é que somos iguais: iguais a nós próprios e iguais a quem nos lê. Jovens, Como podem ver o espírito natalício da partilha ainda está bem gordos de informação, carentes de ócio. presente nesta redacção. Dizem que as melhores coisas na vida são Este mês, e para começar da melhor maneira, os Destaques são a de graça – esperamos ser a confirmação do adágio. Digitópia do Serviço Educativo da Casa da Música, a reportagem no NJAP/JU e a entrevista com o produtor/DJ Pedro Paulos. Miguel Carvalho Temos também uma lista dedicada ao que de melhor se fez em 2008 em diferentes vertentes, bem como novas e inusitadas categorias. Na secção Broohaha temos artigos sobre os músicos Dan Deacon e R. Stevie Moore e sobre algumas ferramentas online que consolidam


janeiro 2009

ÍNDICE:

ILUSTRAÇÃO DA CAPA POR

Andy Rementer

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REPORTAGEM: NJAP/JU

ENTREVISTA: Diamonds Dub

Este mês fomos conhecer a Digitópia, um dos projectos mais interessantes da vasta programação do Serviço Educativo da Casa da Música. Três vivas para o digital!

O Núcleo de Jornalismo Académico do Porto é uma associação estudantil que merece ser conhecida. O segredo melhor guardado de Miguel Bombarda? Provável.

Pedro Paulos é Diamonds Dub, o novo projecto do lisboeta que trocou a guitarra pela mesa de mistura há alguns anos e agora não quer outra coisa.

E AINDA: | Crónica 05 | Na primeira pessoa 06 | | Comentário 07 | Broohaha 08 | | Big List 2k8 24 | Centrão 20 |

FICHA TÉCNICA

Director Vitalício & Editor: Miguel Carvalho Colaboradores: Daniel Sylvester, Pedro Ricardo, Francisco Dias, Amanda Ribeiro Conteúdo: todos os textos, fotografias e ilustrações são da autoria de Miguel Carvalho excepto se creditados Paginação & Design: Miguel Carvalho Contacto: migueldeazevedocarvalho@gmail.com Propriedade/Edição: Eufaçooquequero PRESS Tiragem: só para os amigos Periodicidade: errática (distribuição gratuita) Assinaturas: migueldeazevedocarvalho@gmail.com Site: http://issuu.com/miguelc/docs/igual

EUFAÇOOQUEQUERO PRESS

REPORTAGEM: Digitópia

o logo da IGUAL é feito em

QR CODE QR Code é um código de barras 2D criado por uma empresa japonesa nos anos 90. Significa "Quick Response Code". O logótipo da IGUAL diz "Miguel Carvalho" num divertido exercício de culto da personalidade.


Francisco Dias

IGUAL #00 Nascido e criado no Porto, passou a infância por entre os corredores do Casão Militar e a montra da Brinca Brincalhão no Centro Comercial Brasília. Anos depois, já mais velho, descobriu as maravilhas insinuantes num decote feminino. Mais tarde veio a internet e com ela novos níveis do Doom para download e a saudosa “idade do multimédia” imortalizada num livro da DK publicado pelo jornal Público. Nunca se refez do fecho da Roma Megastore na Baixa. Recorda com carinho o entusiasmo com que participou pela primeira vez numa rede social. Entretanto começou a passar música e concluiu o curso de Engenharia. O seu lema de vida é “tem pai que é cego”. Se dependesse dele as Puma Monstro voltavam a estar na moda.

COLABORADORES

Disclaimer: Esta revista é um trabalho académico. As imagens e fotografias que não são da autoria do Director Vitalício, Miguel Carvalho, além de estarem devidamente creditadas, estão aqui presentes sem qualquer fim lucrativo e são contempladas pelo uso justo, ou seja, de total boa fé no contexto académico/não-lucrativo inerente à IGUAL.

Francisco Dias

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Amanda Ribeiro Nascida no Porto, hoje vive em Miramar com a sua gata Sushi. Gosta de cantar e de sol e de cantar em dias solarengos. Costumava ser obcecada com cartões onde pudesse enfiar a cabeça e tirar uma foto para recordar depois (os amigos adoravam). É espiritual, mas não religiosa e fica bem de peixa. Uma vez viajou até Barcelona e perdeu um exame na faculdade. É tia vezes seis. Co-apresentava um programa de rádio, mas teve de desistir. Não resiste a um coro de sapos – é demasiado bonito. Gostava que todos os dias fossem dia de ouvir música sem headphones no trabalho. Na internet pode ser vista a fazer perguntas em linguagem gestual. Se dependesse da Amanda este texto tinha um slideshow com flores e neve a cair.

Daniel Sylvester Nasceu em Hamburgo e cedo causou polémica ao dizer que era tão conhecido como os Beatles. Como nunca lhe perdoaram a afronta voou até aos Açores onde estudou até concluir o liceu. Mesmo a tempo de conhecer o Ronaldo, colega que uma vez desenhou uma professora a parir um bezerro. Quis contar-nos essa estória e então veio para o Porto onde aprendeu a odiar o seu curso. Mas como fez bons amigos deixou-se ficar. Tem dois gatos (um casal de irmãos) e é frequentemente gozado no círculo de amigos pelas posições humanistas e razoáveis que teima em defender. Não se separa da sua Nintendo DS e a sua tar taruga ninja preferida é o Rafael. Se fosse ele a mandar o Presidente do Mundo era Sonic, o ouriço radical.


janeiro 2009

Crónica

Missão: Altamente

A família mais estranha desde 1964. Para começar há uma herança. Todas as histórias familiares poderiam ser contadas a partir e através delas. E há tarefas, cumes a conquistar que foram um dia objectos de desejo adiados. Sem estarem cumpridos não há herança. A herança é um horizonte para estes irmãos. Um dos irmãos, entrevado numa cadeira de rodas não motorizada, padece de um síndrome desconhecido no ano 2007 e gesticula muito quando fala – geralmente reclama com alguma coisa; para ele, chamemos-lhe Homem da Cadeira de Rodas, as tarefas são um opróbrio, mas necessárias para curar a sua doença. Um outro irmão veste-se como um superherói e simula um olfacto apurado, um olfacto de cão – será o Homem Cão porque em pequeno foi mordido por um canino e ganhou poderes animalescos; a herança separa-o de criar uma equipa internacional de super-heróis. Os outros dois chegam juntos. Um deles tem uma solenidade bíblica, é alto, fala por aforismos; Jeová quer a herança para se dedicar ao proselitismo. O segundo é uma pirotecnia de horrores, capa escura a esconder o rosto, olhos que se deixam ver, evita andar porque gosta mesmo é de deslizar (olá carga dramática) – para todos os efeitos o seu nome é Vlad porque pensa que é um vampiro; a herança é moeda de troca para reaver o seu castelo na Transilvânia. Quem junta esta gente toda à volta da herança é o Advogado (assim mesmo, com caixa alta porque é tudo o que faz), antiga glória da literatura ateísta, rompedor da quarta parede e mensageiro das tarefas. São elas: criar o melhor cocktail de todos os tempos, compor a melhor música alguma vez escrita, construir um robot funcional e amigo do ambiente, curar o cancro (todos eles) e solucionar o conflito israelo-árabe. Horas depois, a uma tarefa de ganhar a herança, os irmãos ainda não sabem como pacificar judeus e muçulmanos. É o Homem da Cadeira de Rodas quem fala – E se tudo o que fizémos até agora nos ajudasse a resolver o conflito? Jeová adivinha o resto do raciocínio e completa – Se conseguirmos reunir os líderes de cada parte podemos fazer com que bebam o nosso cocktail, o problema do mundo é que toda a gente está

atrasada algumas bebidas. Agora, digo eu: se juntarmos uma boa bebida (a melhor das melhores) a uma boa banda-sonora (a melhor música alguma vez composta) o resultado é comoção geral, festejos e celebrações. O robot não foi esquecido, diz Vlad – O robot podia deitar abaixo o muro enquanto os líderes festejam. As soluções boas são as que resultam, como na arquitectura, geopolítica ou desporto. Os irmãos acabaram o dia com a herança e a viver num mundo melhor. O Homem Cão formou a sua legião anticrime e erradicou a banditagem do Alto Minho. Jeová venceu um processo de difamação conta Richard Dawkins. Vlad não conseguiu reaver o seu castelo na Transilvânia, mas comprou um novo na Pensilvânia. E o Homem da Cadeira de Rodas venceu a doença, foi convidado pela Oprah, aplaudido de pé, capa de revistas, escritor de livros. Missão cumprida. Altamente. DR


IGUAL #00

Na primeira pessoa I Can Has iPhone

Sei que há um preconceito na intellegensia contra isso, mas posso dizer que sou fiel às marcas. Não por uma questão de estatuto social, mas porque – principalmente no campo cultural – existem de facto empresas que muito simplesmente criam melhores produtos do que outras. São muitos os brands-fetish que tenho nesse campo: Criterion nos DVDs, Penguin, Wordsworth e Esfera do Caos na literatura, Comme des Garçons no vestuário, Rhino, Soul Jazz e Cherry Red (e etc) na música. E como no fundo sou um sentimental, tenho uma infeliz tendência a dar o benefício da dúvida a marcas que me agradaram no passado, mesmo depois de me terem desiludido mais vezes do que devia ser aceitável (olá, Sega!).

outras companhias. Ainda assim, já vou no meu terceiro iPod, apesar de existirem outros leitores de MP3 tão ou mais eficazes (mas não tão bonitos e não é pecado contar o design como elemento importante de qualquer produto). Posto isto: claro que também iria alinhar no iPhone. De certa forma, no iPhone os extras superam a função principal. Como dirigente associativo, o meu estilo de vida actual aproxima-se perigosamente ao temível yuppie e as funções online do iPhone são uma maisvalia considerável. Já não imagino a minha vida sem a opção de conferir a qualquer hora a minha inbox; a inclusão do Safari facilita a vida consideravelmente (onde é que é mesmo aquele restaurante japonês em que vamos ter a reunião de negócios? Google Maps to the rescue!); e o AOLIM permite-me comunicar com os meus amigos das terras do Obama. Como artista, também tiro bastante proveito da aplicação YouTube: agora posso impressionar qualquer garota mostrando-lhe os mais recentes vídeos da Eufaçooquequero Filmes no ecrã límpido do meu iphone. A net é grátis e não só isso como também posso aceder a qualquer serviço wireless na minha área. E há mais no iPhone: a possibilidade de colocar qualquer MP3 como ringtone é uma delícia para adequar os toques aos amigos. Uma chamada do famoso Luís Folião aparece com o genérico dos “Looney Toons”; se começo a ouvir a voz de Simon LeBon a entoar o clássico “Rio” isto só pode significar uma chamada da glamorosa fine artist Teté.

DR

Com a Apple, a minha relação é ambígua: não é apenas o valor sentimental (o meu primeiro computador foi um Mac) que me faz continuar a comprar os seus produtos, mas admito que a empresa tem os seus problemas, principalmente na interacção dos seus produtos com programas de

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por Daniel Sylvester

É claro que também existem pontos negativos: o touchscreen é pequeno, e é difícil digitar (não entendo porquê a Apple ainda não lançou alguma espécie de canetinha, como a Nintendo usa na DS); para além de isso, o corrector automático, apesar de ter a particularidade bastante fixe de ir aprendendo o calão do utilizador, insiste em sugerir palavras quando se escreve “a” ou “o”. Mas são problemas pequenos em com paração com a capacidade de armazenamento, multi-utilidade e pura diversão do iphone. E, claro está, o design é tão bom como a Apple nos habituou.


Francisco Dias

janeiro 2009

Comentário

Contra o Brasil Ganga Impura é o nome de uma recém lançada colecção da Bertrand apadrinhada pelo escritor Francisco José Viegas. O nome deste conjunto vem, certamente, do soneto “Língua Portuguesa” de Olavo Bilac – um brasileiro – o que descreve na perfeição o que esta colecção se propõe. Na capa do primeiro número lê-se “Contra o Brasil”, assina Diogo Mainardi – brasileiro, outra vez – e aqui é assinalável a incursão pela ficção brasileira quando geralmente nos quedamos pelas crónicas (de Veríssimo e em viagem aérea para Porto de Galinhas, de preferência) ou anúncios nos Classificados. Nada contra o cronista por cá editado pela Ambar, até porque capas com altos-relevos são a melhor invenção desde a HP 660c, mas há coisas que cheiram mal quando passam do prazo. Aqui, colecção literária séria e humilde coluna de opinião, o que se quer é mostrar o Brasil invisível, ou “Brasis”, cortesia oitocentista. O livro de Mainardi é protagonizado por um anti-herói que usa sem parcimónia do humor destrutivo contra qualquer noção de nacionalismo e resulta numa longa pesquisa do autor de comentários anti-Brasil ao longo do tempo protagonizados por diversas personalidades (Eça, Darwin, Camus, etc). Depois de colonizador militar, Portugal é hoje colonizado pelo Brasil. Não que isto se configure necessariamente uma ameaça

Ficando pela música, há uma miríade de brilhantes artistas brasileiros que vale a pena descobrir (perdão: “achar”). Não estou a pensar no tédio sónico de gente como os Tribalistas ou Adriana Calcanhoto, mas na escatológica poesia de Rogério Skylab, no esforço comovente de Sónia Rocha, no tresloucado amadorismo de Marli, nas rimas esvoaçantes de Ronei (“o poeta da rima”) e nas bandas de frevo e forró que anunciam o nome da gravação no início do primeiro tema do DVD número três (Limão Com Mel, Aviões do Forró, etc). Ou então Tim Maia, o poeta com swing e cara de menino. Já alguém pensou em trazer ao palco da Queima gente como a Xuxa? Não percebo qual é o critério de programação que ela não cumpre e nunca vou perdoar à FAP (ou seja a quem for) não poder assistir ao tema “Meu Cãozinho Xuxo” interpretado ao vivo. E para os adeptos mais fervorosos do “brasileirismo militante” atente-se à amplitude de registos emocionais entre o efusivo Ângelo Máximo (“Domingo Feliz”) e o pudibundo triste Gilliard (“Aquela nuvem que passa”, uma espécie de Panda Bear da sertaneja), contrariando qualquer lombrosianismo brasileiro numa batalha em que o vencedor é o ouvinte atento. Roberto Carlos, o rei? O meu é Odair José, o “Bob Dylan da Central Brasil”, sempre equilibrando um sorriso triste (e brega) na cara. Os exemplos são quase inesgotáveis. Destaque ainda para o neófito Jorge Vercilo e a sua paixão canibal pela popculture: “Prazer! Me Chamam de Homem-Aranha, seu herói” ou “Monalisa, seu quase rir ilumina tudo ao redor”. Sem nunca esquecer Márcio José e as suas óperas do quotidiano, um quase-Woody Allen sul-americano, os Cavaleiros do Forró como reis do duplo sentido (“Chupa que é de Uva” VS “Senta que é de Menta”) e todo esse capim, mais verde quando verde e amarelo.

Ou as edições de gibis da Abril. Ou as piadas do Costinha, o Solnado que atravessou todo o oceano que nos une à distância ou um triste fado, até porque “contaminação de um abraço em português. cultural” é um conceito que faz tanto sentido como o de “prazer culpado”. Os Recentemente, descobri um user brasileiro no prazeres são para serem vividos de cuecas YouTube, extremamente bélico e agressivo, na mão e xaropes nada têm a ver com cultura. O com grande certeza que o futuro será problema é a taxinomia dessa cultura canarinho. Espero que não da maneira dele. miscigenada, qual é o Brasil que conhecemos? O Brasil é tanto “padres e senhores doutores” como Não sei se Deus é brasileiro, mas se for, e como só “Garota de Ipanema”. Alegria festiva, demência diria João César das Neves, deve ser horrível. exuberante e edénica, tropicalismo à flor da Mas pode ser mulher. Estou pele? Sim, as crianças nos posters de propaganda só a confabular, ou melhor, estou a ser pitequeiro. maoista também estão sempre a sorrir. Um país Esta coluna devia-se chamar “postulado que é quase um continente não pitequeiro”. pode ser um caldo verde-e-amarelo de profissionais da boa disposição. Até como Para o final deixei o melhor: sabem por que produtor de novelas parece ultrapassado e em Portugal não há mais árvores? ultimamente fala-se mais nele por força do Cortaram todas em busca da raiz quadrada. Acordo Ortográfico (apoiado por pessoas de grande elevação lusófona como o angolano Águalusa) do Adeus país dos bons selvagens. que por outra coisa qualquer. Temos sempre, ontem como hoje e amanhã, o futebol: nem o Prémio Camões 2008 escapa à tirania benigna da torcida e de cinco taças do mundo e, verdade seja dita, pouca gente escreve tão bem sobre futebol como eles. Mas o futebol de rua, viveiro de talentos incontáveis, também existe na Holanda, mas por lá chama-se “Voetbalstrat”. A bossa nova hoje não é mais que um género ideal a exercícios de autofagia, ou então um new-lounge composto por versões estéreis e agónicas do britpop com cheiro a Brasil. É tão representativo de um país como um postal.


BROOHAHA

IGUAL #00

Apresentação da jovem debutante à Googlepólis A princípio, confesso que olhei com receio para o Gmail. Oferecia promessas e esperanças sob a forma de quatro GB de espaço. Afirma-se como um veículo social muito selectivo: o convite para a criação de uma conta assemelha-se à apresentação das jovens debutantes à sociedade. Foi o que senti ao premir aquele pequeno botão, que criou a minha primeira conta do Gmail. Três anos depois, já conto com três contas pessoais de Gmail, fora aquelas que criei por obrigação. Devo dizer que o conceito de um e-mail “interminável” é algo que me assusta e me fascina sobremaneira. “Over 7278.190780 megabytes (and counting) of free storage”. Oops, passaram dois segundos. Agora já são 7278.191260. Daqui a uns meses serão 8 GB de espaço. “And counting”.

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É uma sensação de intemporalidade imensa e convida a uma reflexão sobre os limites (inexistentes?) da Internet, uma das máximas que o grupo Google explora ao máximo. Basta olhar para todos os serviços que uma conta disponibiliza, já para não falar das pesquisas no motor de busca google.com por palavras, imagens, notícias (news.google.pt), livros (books.google.pt, versão beta), blogues (blogsearch.google.pt) ou artigos científicos

Depois, o Google Docs, um sério rival do Microsoft Office, que permite a escrita, o armazenamento e o acesso a documentos, de texto, folhas de cálculo ou apresentações, que podem ser sempre alterados, com a autorização do utilizador, por um outro detentor de uma conta do Gmail. Uma ferramenta muito útil em trabalhos de grupo ou no debate de ideias de uma empresa. A saga continua com o Google Chrome, o browser que quer combater o Internet Explorer. A este ainda não me rendi, mas confesso que a simplicidade e a rapidez com que trabalha é algo que justifica a sua utilização em alguns sites mais pesados. Faltam-lhe as extensões do Firefox, apenas.

(scholar.google.pt, também em versão beta). Podemos subscrever as mensagens dos Grupos das nossas preferências, criar páginas, aceder ao nosso blog (através do Blogger), armazenar as nossas fotos num álbum Picasa ou vídeos no Google Video. E aqui, neste espaço de confidências, admito. Sou uma seguidora fiel e beata do Google Reader, um sistema de organização e de leitura dos feeds subscritos. Melhor que isto é a possibilidade de ver os feeds A Google surgiu há dez anos, enquanto projecto da partilhados por outras pessoas, que, por cinco Universidade de Stanford. A página original do seu segundos, ascendem a líderes de opinião com motor de busca pode ser vista no endereço escolhas e preferências válidas. http://web.archive.org/web/19990428194807/goog le.stanford.edu . Uma das coisas que achei Recentemente, o Google Labs (uma espécie de mais curiosas foi o ponto de exclamação, um sinal laboratório de experiências da empresa) criou a claro da empresa líder na altura: a Yahoo!. oportunidade de anexar miniaplicações ao menu do O tempo muda tudo. Resta saber se o Gmail vai ter Gmail. É assim que, abaixo do Google Chat (que tempo e espaço para atingir 1 terabyte de utilizo bem mais do que o famoso MSN Messenger), armazenamento. “And counting”. tenho um minicalendário, em que posso anotar compromissos e agendar tarefas. Para além disso, posso observar a agenda dos serviços que subscrevi, por exemplo, a programação cultural da cidade do Porto ou da Casa da Música em específico.

por Amanda Ribeiro


janeiro 2009 Nancy Wegard

“surf music”, temas Frank Zappa-escos, mini-peças radiofónicas,alguma comédia, canções pop e covers (fantásticas “Busy Doin' Nothin'” e “Who Killed Davey Moore”) DR

R. Stevie Moore Guru POP por cumprir É provável que o nome não diga nada, mas R. Stevie Moore está à beira de completar 57 anos (dia 18) e tem centenas de discos gravados e auto-editados. Começou em 1968 e não mais parou. No ano passado, a mítica editora Cherry Red lançou a antologia “Meet The R. Stevie Moore!” que compreende algum do seu imenso catálogo entre os anos de 1974 e 86, mas continua a ser um autor, compositor e letrista por descobrir e por ouvir. É aí que reside a tragédia criminosa da história. Stevie Moore passou a vida inteira à espera por mais do que a admiração de melómanos completistas que lhe compravam cassetes primeiro e CDs depois através do R. Stevie Moore Cassette/CD-R Club. Esse pioneirismo é, de resto, um dos atributos mais vezes colados a Stevie Moore. Pai do DIY, nome maior do underground, força fantástica do som lo-fi, artista de “bedroom recording”. A voragem do seu ritmo de gravação é certamente única e mais especial fica sabendo-se que Stevie Moore explorou uma panóplia imensa de géneros, afirmando-se como um acrobata e artesão sónico numa amálgama contínua de absorção de informação e legado musical: “surf music”, temas Frank Zappa-escos, mini-peças radiofónicas, alguma comédia, canções pop e covers (fantásticas “Busy Doin' Nothin'” e “Who Killed Davey Moore”). Incompreendido e esquecido, não raras vezes Stevie Moore vira-se para si mesmo nas letras das suas músicas, num custoso (para o ouvinte) esforço de flagelação (para Stevie Moore). Prova dessa autofagia que Stevie Moore cultiva com agrado é a sua vasta lista de MySpaces e os comentários que escreve nos seus próprios vídeos no YouTube. O portal de vídeos é provavelmente o maior difusor da obra de Stevie Moore nos dias que correm. Além do próprio, há uma segunda conta de um fã português com centenas de vídeos feitos para Stevie Moore. As gravações são variadas e incluem footage da família Moore (já agora, o pai, Bob Moore, foi baixista de Elvis), concertos ao vivo ou aparições televisivas em canais públicos regionais. O tipo de vídeo mais frequente é a gravação caseira, vídeos em que Stevie Moore aparece a fazer playback dos seus próprios temas e que fornecem um diário audiovisual tão precioso quanto único. Musicalmente é possível traçar um fio condutor à sua obra, ainda que ela seja tão variada: canibalismo pop descomplexado, orquestração impecável e uma voz inconfundível, de oscilações subtis e reverbadas. Stevie Moore é um artista auto-suficiente, compondo e gravando sozinho, ao mesmo tempo que exercia um trabalho menor numa loja de discos para sustentar a sua “carreira”. A colectânea “Meet The R. Stevie Moore!” marca uma nova fase para si, é como se começasse agora. Sabe-se lá quantos mais discos poderia ter gravado se não fosse o horário das 9 às 5. Esqueçam o mito, Stevie Moore é bom mesmo é de se ouvir.

DR

Stevie Moore é bom mesmo é de se ouvir DR


IGUAL #00

isto é DAN DEACON electrónica xamânica

que sair devido às queixas do proprietário. Entretanto arranjaram novo local de festa, desta vez legal. Pelo meio puseram Baltimore no mapa e bandas como os Beach House ou editoras como a Monitor podem bem estar agradecidas.

aí vem: cascata de ritmos espessa e vibrante, personalidade fonética das letras, toada surrealista. O gear que Deacon utiliza é bastante normal, essencialmente pedais e geradores de ondas atravessados por vocoders e distorção qb. O resultado, esse, é particular, mas ainda assim Deacon é comparado a outros músicos da cena de Baltimore como OCDJ ou Videohippos, num esforço colectivo a que já tentaram chamar “future shock” (como o conceito do sociólogo Alvin Toffler) numa tentativa de explicar a rápida variação de géneros que estes e outros músicos experimentam. “Big Milk” faz as vezes da balada do álbum, “Okie Dokie” é êxtase musical no seu estado mais puro e ainda há “Trippy Green Skull”, “Snake Mistakes” (a música com o melhor factor “sing along” do álbum) e “Pink Batman”, belíssimo prado electrónico onde andróides sonham com ovelhas electrónicas enquanto ouvem música barroca. O álbum acaba com uma homenagem ao amigo na Wham City, Jimmy Joe Roche (“Jimmy Roche”), tempestade de efeitos composta por entre “beeps” e “bleeps”.

Exuberância musical “Spiderman Of The Rings” saiu em 2007 e tornouse um fenómeno, introduzindo Dan Deacon a um público muito mais vasto. O site Pitchfork, por exemplo, deu-lhe 8,7 valores (em 10 possíveis) e atribuiu-lhe o prémio New Best Music, além de incluir o trabalho na lista dos melhores 25 álbuns do ano. É verdade que Deacon é a pessoa certa no local correcto à hora exacta e também é verdade que as celebrações pagãs em que se tornaram as suas actuações ao vivo lhe trouxeram algum hype (é só YouTube: Dan+Deacon+live), mas é inegável que este é um álbum muito bom. A faixa inicial, “Woody Woodpecker”, sampla o riso icónico da personagem com o mesmo nome e tornou-se o símbolo do “man child” que Deacon nunca quis ser. A faixa seguinte, “Crystal Cat”, é o primeiro prenúncio sério do que

“Spiderman Of The Rings” é, sem dúvida, electrónica fora da caixa, à margem de qualquer convenção. Música com uma certa dose de experimentalismo, hipnótica por vocação, mastigada pela distorção, mas essencialmente harmoniosa. Deliciosamente dissonante. Algo entre os Beach Boys e Aphex Twin. Deacon descreve a sua música como algo que ele gosta de imaginar que sairia da imaginação de um grupo muito cool de miúdos de 6 anos com equipamento musical. As referências a um certo sentimento de inocência e infantilidade são quase inevitáveis em função do carácter emotivo e humano da sua música e a uma total falta de pretensiosismo. É fácil procurar metáforas na animação televisiva. Deacon soa, sobretudo em “Spiderman Of The Rings”, a música alimentada a açúcar, a “Fraggle Rock” a engolir hélio na cama

Fisicamente, Dan Decon parece um “if they mated” entre Timmy Mallett, Brian Posehn (comediantes) e Keith Haring (artista plástico) e, a julgar pelos óculos, é filho da Sally Jessy Raphael. Musicalmente as comparações também fariam algum sentido, mas tornam-se mais analíticas e menos lúdicas. Nascido em 1981 no estado de Nova Iorque, foi em Baltimore que se estabeleceu como músico e compositor depois de ter estudado formalmente música no Conservatório no estado-natal. Em Baltimore sim, mas mais concretamente no colectivo panartístico Wham City, a quem dedica uma música no seu trabalho mais conhecido, o álbum “Spiderman Of The Rings”. De resto, esse é o melhor tema do álbum: um épico de 12 minutos dividido em dois movimentos, verdadeiro carrossel de cadência rítmica que desconstrói qualquer noção musical que pensamos ter. Já lá vamos. Wham City Primeiro: o colectivo Wham City, cujo nome é um trocadilho com a alcunha de Baltimore (a “charm city”), nasceu porque Deacon e outros recémgraduados queriam instalar-se e criar. A inspiração veio de grupos semelhantes anteriores como o Fort Thunder. Hoje em dia fazem de tudo: álbuns géneros) e concertos (de todo o tipo), comédia, exposições, video art, teatro, etc. Primeiro tomaram 10 conta de um loft abandonado, mas acabaram por ter


janeiro 2009 Ray Roy

Deacon descreve a sua música como algo que ele gosta de imaginar que sairia daimaginação de um grupo muito cool de miúdos de 6 anos com equipamento musical

Ao vivo Para ajudar ao culto Deacon é famoso pelas suas actuações ao vivo, verdadeiras orquestrações humanas em que Deacon actua no meio do/rodeado pelo público e o organiza em danças, dando-lhe total liberdade para a celebração (sem magoar o vizinho). Portugal esteve perto de conhecer essas experiências sensoriais extremas quando Deacon esteve agendado para concertos no Porto e em Lisboa (em Junho em Serralves e na ZdB, respectivamente), mas teve que cancelar a sua agenda por motivos pessoais. Prometeu voltar/vir.

DR

com os Marretas a tomar ácido. Apesar desta infantilidade a composição musical é complexa e as letras são mais fonéticas que literárias. A música, essa, tem um irresistível apelo físico e uma exuberância própria. A outra música “Spiderman Of The Rings” é sua obra mais conhecida, mas Deacon tem vários trabalhos editados. Os primeiros, de 2003, são estruturalmente mais pobres e compreensivelmente menos elaborados, mas a espaços é possível ter vislumbres de 2007. “Green Cobra Is Awesome VS The Sun” é de tema único com 40 minutos, simples manto para experimentação com 6 ondas, bastante próximo de “Goose on the Loose”. “Meetle Mice” tem temas francamente bem conseguidos como a violenta “Song for Dina” ou “005 sept22 BE”. “Silly Hat VS Egale Hat” é ainda melhor, bem mais equilibrado e forte do início ao fim. Em 2004 Deacon lança “Twacky Cats”, um EP com cinco temas, onde se destaca “Lions With a Shark’s Head” e “Ohio”; e “Porky Pig” com a fantástica “Hey Let’s Go For a Ride”. Dois anos depois sai “Acorn Master”, também um EP, onde Deacon está ainda em melhor forma e de onde se destaca a ode à demência que é “Big Big Big Big Big”. 2008 foi o ano em que Deacon assinou a música para “Ultimate Reality”, projecto a meias com o artista e amigo Jimmy Joe Roche e agora prepara-se para editar “Bromst” (talvez na Primavera), um ensemble com vários músicos (percussionistas, pianistas, etc) em que Deacon arrisca-se fora da zona de conforto criada com o álbum de 2007. Do que já foi dado a ouvir promete acrescentar um irresistível cobertor orgânico às camadas catatónicas de som que são a sua imagem de marca.

Stephany Yepes


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