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II. MOVIMENTOS POPULARES DE MORADIA E AUTOGESTÃO DE LIDERANÇA FEMININA: O CASO DA AMACH

II - MOVIMENTOS POPULARES DE MORADIA E AUTOGESTÃO DE LIDERANÇA FEMININA:

O CASO DA AMACH

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Dada a importância da Amach, dentre os diversos movimentos populares de moradia atuantes na área, busca-se aqui aprofundar sua atuação na articulação do movimento de moradia, à luz da forte presença e liderança feminina, força pujante da associação e dos próprios movimentos. É importante indicar que não se pretende estabelecer aqui um aprofundamento do debate sobre os movimentos feministas, de gênero, identitários e sua sobreposição com o debate racial, dado os limites desta monografia, mas sim evidenciar o destaque da atuação das mulheres que compõe majoritariamente os movimentos sociais do território, com destaque notadamente para a Amach.

A Amach fora fundada em 2002, por um conjunto de moradoras negras afetadas pelo processo de expulsão dos moradores da área decorrente da sétima etapa do PRCHS. Conforme já debatido acima, em 2005, a Amach estabeleceu uma negociação com a CONDER que resultou no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). O

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Jecilda Maria da Cruz Melo, líder comunitária e presidenta da Amach. Fonte e reprodução: Filho (2013).

documento estabeleceu as responsabilidades do governo em atender às necessidades dos moradores ligadas às condições dignas de habitar. Nesse sentido, atualmente, busca efetivar as responsabilidades do governo sobre seus compromissos com a população, lutando contra o descumprimento do TAC, representando 108 famílias que vivem na área (Melo, 2020, p.161).

Segundo Bittencourt (2011), a presença majoritária de mulheres não é uma particularidade deste caso, uma vez que diversos estudos indicam como “as mulheres estão em maior número quando se trata de lutas populares por direitos básicos, principalmente no meio urbano: educação, moradia, saúde, saneamento, segurança, geração de emprego e renda, etc (Costa, 1998; Touraine, 2007; CEAS, 2008; Gohn, 2010)” (Bittencourt, op. cit., p.100). Segundo a CONDER no “Diagnóstico socioeconômico e ambiental”, no contexto da sétima etapa do PRCHS, predominavam as mulheres como chefes de família, com 57,3%, destacando-se as faixas etárias de 41 a 60 anos, com 39% (CONDER, 2005, p. 17, apud Bittencourt, op. cit., p.101).

A partir dos dados levantados pela Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) da região metropolitana de Salvador (apud Bittencourt, op. cit., p.101), que cruza dados referente ao trabalho doméstico com variáveis de raça e gênero, 93% dos trabalhos domésticos são realizados por mulheres, sendo neles a presença majoritária (94,8%) de negras e negros no setor, em que 69,1% não possuem carteira assinada e 28,3% moram no domicílio em que trabalham. Comparativamente, enquanto uma babá branca possui rendimento mensal médio de 185 reais, uma babá negra recebe em média R$98,00 (ibidem).

“É esta mulher, com este perfil de maior vulnerabilidade expresso nos números e estatísticas que compõe a maioria das pessoas representativas na busca pela participação no projeto da 7ª Etapa. São vendedoras ambulantes, cozinheiras, biscateiras, trabalhadoras autônomas, comerciantes, pedintes, desempregadas, mulheres em situação de prostituição, mulheres envolvidas com atividades ilícitas, donas de casa, costureiras, artesãs, mães de santo, que estiveram e continuam em parte presentes em busca do diálogo e requerendo um lugar de participação no projeto da 7ª Etapa. São mulheres com baixo grau de escolaridade em sua quase totalidade desempregadas, mas que cuidam da casa, do bairro, da associação de moradores” (Bittencourt, op. cit., p.101-102).

Nesse sentido, o desafio estava não só em criar as condições para a participação ou conquista de direitos de moradia, mas também de conciliá-lo com as camadas de desigualdade de gênero que se sobrepõem às desigualdades raciais e econômicas. Uriarte lança luz ao debate ao afirmar que

“as ocupações que conseguiram [em Salvador] construir um habitar com dignidade têm em comum a enorme importância das mulheres. (...) Foram elas as que planejaram as ocupações e as que sele-

cionam seus futuros moradores com o critério de gênero, preferindo as unidades familiares chefiadas por mulheres, amigas ou parentes” (Uriarte, 2019, p.394-395). Desse modo, Bittencourt reflete que à Amach, Associação dos Moradores e Amigos do Centro Histórico, de modo condizente à sua realidade de conformação, poderia chamar-se Associação das Moradoras e Amigas do Centro Histórico, tamanha a predominância e importantância das mulheres (Bittencourt, op. cit., p.102).

Imagens 18 e 19

De cima para baixo: associação Amach, localizada no Pelourinho e encontro com estudantes no escritório da associação. Fonte e reprodução: Melo (2020)

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