Piet Mondrian

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ARTE ABSTRACTA

O termo «Arte Abstracta» é usado para designar a forma de arte que se libertou da representação de orientação realista. A Arte Abstracta não ilustra o concreto, a realidade visual, mas sim o abstracto ou movimentos, formas, cores, estruturas ou padrões abstractos. Ao fazê-lo, a própria composição tornou-se o centro ou o foco dos esforços dos artistas. A formulação de uma ideologia artística livre do objecto foi a grande proeza da arte do século 20. Anteriormente a arte era mimética, representava o mundo como o artista o via. Foi no início do século 20 que artistas como Pablo Picasso em Paris, Wassily Kandinsky em Munique e Kasimir Malevich em Moscovo, entre outros, deram início ao desmantelamento do mundo dos objectos perceptíveis e o traduziram em pinturas com símbolos autónomos. A Arte de pintar símbolos autónomos O triunfo da abstracção está inseparavelmente ligado ao desenvolvimento geral da arte do século 20. Formular uma visão do mundo livre de qualquer dependência dos objectos foi o mais importante feito da arte deste século. Esta arte que era antes mimética, retractava o mundo tal como surgia ao artista. Surgiu do trabalho de três pintores que, sem se conhecerem, criaram quase em simultâneo, obras abstractas. Trata-se do russo Wassily Kandinsky (1910), do holandês Piet Mondrian (1914) em Paris, e do russo Kasimir Malevitch (1913) em Moscovo, que começaram a dissolver os objectos concretos, fazendo a transição para a arte de pintar símbolos autónomos. A Arte Abstracta mostra formas que não representam os objectos do mundo exterior (visível). Para estes três pintores a descoberta da abstracção nasce de um trabalho pessoal, reflectido, filosófico e emocional, enriquecido por viagens e pelo contexto político ambiente. Contemporâneos dos Nabis, Fauvistas, Expressionistas, Cubistas (1º período), assimilam alguns dos seus elementos, que por vezes, razam a abstracção, e acrescentam-lhe a própria experiência. Se existe uma certa continuidade na Arte, exercida sobre a representação do mundo exterior, com a Abstracção surge a rotura: desaparece a realidade indissoluvelmente ligada à forma. Neste aspecto, a Arte Abstracta, rompe com o passado. Nascida no início do século XX, a Arte Abstracta, tornou-se fenómeno da Arte e não apenas uma das suas tendências, desenvolvendo-se no séc., na Europa e nos Estados Unidos. Surge entre 1910 e 1920 e, desenvolve-se principalmente na Pintura e na Escultura entre os anos 20 e 30, estendendo-se por toda a Europa entre os anos 30 e 45. A partir daqui, os artistas franceses renovam a criação Abstracta.


Quatro períodos que marcam a história da Arte Abstracta

Nos anos 10 e 20 do século passado, a sua vitalidade criativa nasce da “decomposição” da Arte. A Abstracção Lírica de Kandinsky, o Neoplasticismo de Mondrian, e o Suprematismo de Malevitch, o Morfismo de Robert Delaunay caracterizem este primeiro período das Abstracções de que Worlinger é, desde 1908, o primeiro esteta. Alguns anos mais tarde, Apollinaire também se interessa por aquilo que designa por ‘espirito novo’. Nos anos 30, centenas de artistas convertem-se à Abstracção e adere aos grupos circulo e quadrado, Arte Concreta e à Associação Abstracção-Criação. Este fenómeno de moda explicase pela vontade que os artistas manifestam de erigir em sistema pictórico os estudos dos pintores da Arte Abstracta (Kandinsky; Mondrian e Malevitch) dos quais conhecem os escritos que racionalizam a imaginação criadora e parecem fornecer métodos infalíveis para a elaboração da obra de Arte abstracta. Depois da segunda guerra mundial, a Arte Abstracta torna-se um fenómeno mundial do qual emergem novos movimentos: a Arte Óptica (Op Art), o Tachismo, a pintura gestual (Action Paiting), a Arte Caligráfica, A Arte Informal, a Minimal Art. Todavia, no fim doa anos 70, eclode a crise da Abstracção. Hoje em dia, a abstracção já não se opõe de forma tão radical como anteriormente à figuração, uma vez que a Figuração Abstracta ou a Figurativa existem. Só a partir de 45 as expressões distintivas “Abstracção Geométrica” e “Lírica” são definidas e empregues pela Escola de Paris e pelo pintor Georges Mathieu. Sob a designação Abstracção Geométrica, é habitual reunir vários movimentos: Neoplasticismo; Suprematismo; Rayonismo; Arte Cinética e a Op Art, Mininal Art por Abstracção Lírica definem-se geralmente por Arte de Kandinsky. Perspectiva central e hierática

Após esta breve apresentação, parece-me de todo plausível inserir uma outra perspectiva, inserindo o conceito do realismo. Conceitos como realismo e abstracção são questionáveis na pintura. A perspectiva hierática da pintura medieval, na qual o tamanho de cada objecto do plano pictórico é proporcional à importância atribuída ao objecto, foi substituída no início do Renascimento pela perspectiva. O espaço pictórico passou de idealista para ilusionista. Os observadores passaram desde então a ver a superfície pintada como a vista de uma janela para o mundo visível. Em casos estremos, os pintores usavam tanta perícia na criação desta ilusão que os observadores eram enganados acerca da cena pintada, ficando com a sensação de estarem a ver um objecto a três dimensões no plano pictórico. Para além destas pinturas com efeitos idiossincráticos de trompe-l’oeil baseados na ilusão de óptica, todos os estilos de pintura são simultaneamente uma abstracção. De facto, a pintura representativa nunca atinge uma característica independente, permanecendo apenas uma fabricação destilada da realidade ao referenciar essa realidade e ao tentar retractá-la. A pintura representativa, contudo, nunca pode ser a própria realidade.


Foi precisamente perante este tipo de abordagem intelectual que a pintura abstracta apresentou possibilidades novas e inesperadas. Tinha a capacidade de ser autónoma e não se referia necessariamente a uma realidade conhecida. De facto, a pintura abstracta funciona como uma analogia a um mundo desconhecido. Os seus elementos de pintura valiam primordialmente por si mesmos. Se uma área azul deixa de ser lida como uma representação do mar e uma linha horizontal deixa de marcar o horizonte, a arte pode perder a sua característica de analogia, mas obtém a sua independência e assertividade. No momento em que a tinta é livre de acentuar as suas características enquanto cor e não apenas agindo como por exemplo um tom que tinge um objecto, esta ganha então uma qualidade de independência nunca antes conhecida na pintura. Toda a intensidade, radiância e espacialidade desse pedaço de cor pode então agir sobre o observador, e assim poder ser vista como tinta real tornando-se dessa forma mais real do que qualquer pintura dos mestres clássicos exaltados pela precisão das suas representações realistas tais como Leonardo da Vinci, Jan Vermeer ou Jean Auguste Ingres, para mencionar três pintores de três escolas e séculos diferentes como exemplo. «O que se vê é o que se vê» disse o pintor americano Frank Stella, referindo-se à década de 60, formulando pragmática e sucintamente esta natureza factual e objectiva dos materiais da pintura. Conceitos como, os falados, «realístico» ou «abstracto» não podem de todo ser definidos tão clara e precisamente como inicialmente pode parecer. Na verdade, qualquer representação pictórica pintada é uma ilustração feita a partir de um modelo da natureza, sendo portanto simultaneamente uma abstracção desse mesmo modelo. Só o facto de a pintura projectar um modelo tridimensional num plano altera e descaracteriza necessariamente estes modelos. A pintura não objectiva evita esta redução das dimensões. Criando, ao invés de retractar, a sua composição através de formas planas como quadrados, rectângulos e círculos. Contando que estas composições de formas não estão, por sua vez, organizadas em associações representativas, temos de aceitar o resultado aparentemente paradoxal de que a representação não objectiva putativa é a mais realista, enquanto todas as representações geralmente descritas como realistas são completamente incapazes de ultrapassar o seu estatuto enquanto abstracção da realidade. De facto, as transições entre as duas categorias são fluidas, não sendo as suas fronteiras de forma alguma tão claras quanto os dois conceitos antitéticos levam a crer. A conquista da abstracção visual no século 19

Em 1890 o pintor francês Maurice Denis declarou: «Uma pintura, antes de ser um cavalo de batalha, uma mulher nua ou uma qualquer história, é essencialmente uma superfície plana coberta de cores com uma disposição específica.» Denis, foi assim, um dos primeiros proponentes da supremacia dos meios de pintura sobre a sua função representativa. Na pintura abstracta as formas e cores pintadas acabaram por se orientar sem o sistema de referência do mundo exterior dos objectos. Por vezes até erros de leitura ajudaram a desenvolver este tipo de perspectiva abstracta. Em 1985 Wassily Kandinsky, com vinte e nove anos, visitou uma exposição de impressionistas franceses em Moscovo. Deu por si perante o famoso quadro de Claude Monet, Monte de Palha, não tendo identificado imediatamente o tema. Inicialmente, Kandinsky admirava apenas a coloração delicada, suja radiância se sobrepunha à primeira vista ao tema representado, mas, uma outra experiência aguçou-lhe o reconhecimento das características composicionais autónomas da forma e da cor. Cerca de dez anos mais tarde, já a viver em Munique, Kandinsky reparou num estranho quadro no seu atelier, tendo a sua atenção sido imediatamente cativada pelo termo livre das formas do trabalho. Foi momentos mais tarde


que reconheceu a composição desconhecida como uma das suas pinturas que apenas estava virada ao contrário. Estes dois episódios encorajam Kandinsky a abandonar o mundo dos temas representativos, alguns anos mais tarde, e a conceber pinturas enquanto organizações pictóricas de formas e cores livres independentes de qualquer objecto. A história do atelier de Kandinsky lembra também o trabalho do pintor contemporâneo alemão Georg Baselitz, que começou a compor os seus temas figurativos ao contrário no final da década de 1960. A experiência estética que este procurava é a mesma que anteriormente se havia apresentado no trabalho de Kandinsky, nessa altura ainda involuntariamente. O interesse do observador é intencionalmente dirigido para as características autónomas da cor e da composição, enquanto o tema figurativo é apenas um esqueleto formal que dá à cor estabilidade e estrutura. Baselitz usa as cores, as formas e o movimento do pincel de forma semelhante à de um pintor abstracto. No entanto o tema impede a arbitrariedade da composição. Embora a transição entre a pintura representativa e a abstracta seja já permeável, Baselitz tem mais um passo decisivo, provando que um estilo de pintura abstracto é possível mesmo que o tema seja o representativo, como o quadro Schlafzimmer (Quarto de dormir). Neste momento temos de voltar a observar todo o século. A conquista sistemática do mundo imaginário abstracto viu o seu início com paisagens e naturezas mortas de Paul Cézanne. Este reordenou as prioridades da composição pictórica e deixou de ver a natureza como um modelo, desconstruindo-a numa estrutura analítica de unidades espaciais estereométricas. Segundo um dos mais famosos princípios do artista, todos os objectos da natureza têm a forma de esferas, cilindros ou cones. Cézanne formulou assim para o seu estilo uma premissa derivada do vocabulário abstracto. Já não pretendia ilustrar, reproduzindo apenas as paisagens e naturezas mortas da natureza visível, mas sim representá-las, ou seja, transformá-las numa pintura autónoma equivalente. Neste sentido, uma outra máxima não menos importante que Cézanne afirma: «A arte é uma harmonia paralela à natureza.» Pinturas com cubinhos

As ideias de Paul Cézanne foram fonte de inspiração crucial para as gerações seguintes, mesmo que as suas pinturas se tenham mantido representativas, ele conseguiu formular o conceito de pintura que libertava o tema pintado da sua dependência da realidade enquanto modelo. Cézanne acreditava que a arte e a natureza se apresentavam aos observadores enquanto duas harmonias paralelas, as duas existiam lado a lado e por isso eram iguais. Algumas décadas mais tarde, esta avaliação ascendente do conteúdo da própria pintura fascinou também o espanhol Pablo Picasso. O conceito artístico de Cézanne foi um dos motivos que inspirou Picasso a desenvolver o Cubismo, sem receio algum da falta de compreensão por parte dos colegas artistas e amigos. Cézanne afirmou: “A arte é uma harmonia paralela à natureza”. Picasso deu o passo decisivo, compreendendo o tema pintado não apenas como algo que existe em paralelo com um fenómeno natural, como também com uma realidade separada da natureza e que fosse válida por si só. Picasso formulou as suas aspirações numa comparação mordaz onde afirma: “Num quadro de Rafael não é possível determinar a distância entre a ponta do nariz e a boca. Eu quero pintar quadros em que isso seja possível”. O cubismo conseguiu uma rotura final e, radical com o estilo de pintura tradicional baseado na perspectiva a partir de um único ponto de vista do qual havia dependido durante séculos! No verão de 1907 Picasso termina a sua pintura histórica As Meninas de Avignon (Les Demoiselles d’Avignon). Poucos meses mais tarde o pintor Georges Braque viu esta composição


de grandes dimensões. Braque era dos poucos visitantes do atelier do seu amigo Picasso e, compreendeu as composições do artista, tornando-se o seu trabalho uma inspiração decisiva para o seu próprio desenvolvimento artístico. Os dois desenvolvem o cubismo em conjunto,por assim dizer, com uma competitividade enorme, por vezes os resultados eram até tão semelhantes que dificilmente se distinguiam. Durante a fase dita analítica do cubismo, onde os artistas se continham na cor concentrando-se completamente em inovar a forma. Os volumes cúbicos dos seus trabalhos foram dando lugar às formas e fragmentos de planos geométricos e, em 1911, tinham já formulado uma nova linguagem pictórica. O cubismo analítico desmontava a realidade visível numa estrutura facetada de símbolos. Picasso e Braque desistiram da perspectiva unificada a partir de um só ponto de vista a favor da pluralidade de perspectivas. Na fase seguinte, chamada cubismo sintético, cerca de um ano mais tarde (1912), Picasso usou estas formas como símbolos elementares dos objectos. Uma guitarra podia ser representada como duas linhas paralelas a cortar uma forma circular, por exemplo, e um copo como um triângulo. Depois, começou a combinar este estilo com fragmentos da realidade, colando páginas de jornais, folhas de cadernos ou bocados de papel de parede nas suas composições. É nestes exemplos mais abstractos destes temas, criados entre 1913 e 1914, que a realidade está paradoxalmente presente mas, num grau maior do que em todos os seus anteriores trabalhos, já não no sentido de uma imitação mimética da natureza, mas com objectos, de facto, reais colados nas pinturas. O caminho lógico em direcção à abstracção

O cubismo foi a primeira corrente artística inovadora do ainda incipiente século 20. Assim, o trabalho cubista é também lido como um modelo perceptual da alteração da realidade. Foi no início deste século que a visão do mundo físico sofreu o desenvolvimento mais revolucionário. Novos modelos teóricos e pesquisas empíricas forçaram as pessoas a reconhecer alguns fenómenos físicos que escapavam à compreensão clara e lógica. “A função social dos grandes poetas e pintores é renovar constantemente a imagem exterior que a natureza assume aos olhos da humanidade”, afirmava o escritor Guillaume Apollinaire no seu livro de 1913 «os Pintores Cubistas». Apollinaire, que como companheiro dos cubistas foi uma das poucas fontes contemporâneas escreveu ainda sobre os seus amigos artistas no mesmo ano: “Os novos pintores têm tão pouca intenção de serem matemáticos como os seus antecessores. Mas podemos dizer que a geometria está para a arte plástica como a gramática para a escrita. Mas hoje em dia os eruditos já não se cingem às três dimensões da geometria euclidiana. Os pintores foram induzidos de forma muito natural e intuitiva a preocuparem-se com as novas magnitudes alcançáveis – magnitudes abreviadas colectivamente na linguagem do atelier moderno pelo termo quarta dimensão”. Estava assim pré-definido o caminho da abstracção para os artistas e não apenas limitado aos cubistas.


Pluralidade de perspectivas

Desde o início do século 20 que o mundo moderno se tornara mais complexo e abstracto no geral. Torna-se cada vez mais difícil fazer uma descrição completa e directa. Agora, apenas é possível uma visão fragmentada da realidade. Para os artistas deste século, a perspectiva central das suas pinturas com os seus pontos de fuga representam um ponto de vista obsoleto, em desuso e quiseram substitui-lo por um novo vocabulário formal. Pela primeira vez, as pinturas cubistas apresentam uma visão dinâmica do mundo, com um número infinito de pontos de vista e, em mudança constante que incorporam directamente o observador. Mais tarde podemos encontrar uma pluralidade semelhante de perspectivas nas composições do construtivista El Lissitzky. Os formatos monumentais criados pelos pintores americanos Jackson Pollock e Barnett Newman na década de 1950, revelam também uma intenção de incluir directamente os observadores nas suas pinturas. Antes, por volta de 1913 na Europa, caminhava-se para a abstracção na pintura. Wassily Kandinsky em Munique, Kasimir Malevich em Moscovo, e Robert Delaunay e F. Kupka em Paris, cada um criou as suas próprias soluções pictóricas únicas a partir dessa altura. Uma influência intencional na alma humana

A situação e o clima artístico geral seriam completamente diferentes meia década mais tarde. Com Kandinsky a revelar-se uma personalidade crucial, pois foi a ele que se atribuiu, durante várias décadas, a pintura abstracta, devido à sua aguarela datada de 1910. Apoiou, inclusive, o desenvolvimento prático do seu estilo de pintura num documento teórico. Em 1912 seria publicado o seu manifesto «Über das Geistige in der Kunst» (Acerca do espiritual na Arte), escrito dois anos antes, onde podíamos ler: “A harmonia entre a cor e a forma tem de ser baseada unicamente no princípio de exercer uma influência intencional na alma humana”. Ao mesmo tempo descreve a diferença, fundamental, nos trabalhos de Picasso e Braque: as formas e as cores deixam de derivar da ideia de natureza para passar a ser criadas apenas no interior do artista. A música Abstracta, um dos percursores, foi um estímulo crucial não apenas para Kandinsky ou a pintura, outros artistas encontraram um equivalente às suas pinturas na música contemporânea, como os compositores Arnold Schönberg e Igor Stravinsky, usando igualmente o ritmo, o som, a dinâmica e as harmonias nas suas composições pictóricas. Da mesma forma, Kandinsky subdividiu os seus trabalhos em impressões, improvisações e abstracções.


A invenção do quadro negro

Na primeira década de 1910, Malevich desenvolveu um estilo de composição mais redutor, usando formas geométricas austeras de onde desapareciam, gradualmente, os objectos identificáveis. Ao mesmo tempo, estes volumes estereométricos adquiriam uma independência pictórica, de tal forma que Mavelich começou mesmo a falar em «formas realistas cubofuturistas», acentuando assim as características independentes dos seus elementos formais, contrariamente à mera representação da natureza visível na pintura. Apesar deste desenvolvimento consistente, em 1915 Malevich dá um salto radical na sua produção artística tanto na teoria como nas pinturas, com a execução das primeiras composições suprematistas. O Suprematismo defende a supremacia da forma pura. O quadro negro num fundo branco, que o artista apresentou pela primeira vez na exposição «0.10» (nulltem) em 1915 em São Petersburgo, levou a a pintura a um extremo radical. Com o Suprematismo, Malevich deu um passo decisivo no desenvolvimento da pintura abstracta no século 20. A abstracção do mundo natural não só se tinha desenvolvido numa síntese das formas da realidade, como vimos no cubismo sintético, como também exprimia um relaismo independente das formas absolutas sem qualquer referência associativa a um modelo concreto. Vários artistas russos seguiram o caminho deste artista, ou então desenvolveram posições independentes dos seus empreendimentos artísticos. Após o início da guerra em 1914, El Lissitzky voltou da Alemanha para Moscovo, e aí completou os seus estudos de arquitectura no ano seguinte. De 1919 em diante, o conceito Proun (abreviatura russa para Projecto ou para a Afirmação do Novo), de Lissitzky, transferiu as composições geométricas de Malevich para as suas construções pictóricas da arquitectura. Durante um curto período de tempo, o Suprematismo e o Construtivismo conseguiram permanecer na arte oficial da Revolução Russa de 1917. Movimentos avant garde de arte

Em 1916 os pintores Theo van Doesburg, Piet Mondrian e Bart van derem Leck uniram forças com o escultor Georges Vantongerloo e o arquitecto J. J. P. Oud. No manifesto do movimento De Stijl, publicado dois anos mais tarde, reivindicavam ostensivamente: «Os artistas de hoje em dia, por todo o mundo, impelidos por uma única consciência, participaram no plano espiritual na guerra mundial contra o domínio do individualismo, da arbitrariedade. Simpatizam assim com todos os que lutam espiritualmente ou materialmente pela formação de uma unidade internacional na vida, na arte e na cultura.» Os membros do movimento propagaram uma linguagem formal universal com a intenção a ser concentrada, clara e lógica. O seu espectro de cor foi reduzido às cores puras e às não-cores, ou seja, amarelo, vermelho e azul, e preto, branco e cinzento. Aplicaram-nas às telas em tons não modulares, usando planos geométricos estritos e linhas ortogonais. Aspiravam, esteticamente, superar os confinamentos da sua própria disciplina e a incluir todas as áreas criativas da vida: design gráfico, arquitectura e as artes aplicadas. Este ideal humanista encontrou uma aplicação prática acima de tudo nos ensinamentos da Bauhaus de Dessau após 1925. Até hoje, o design dito Bauhaus manteve um papel estético de destaque nas disciplinas como a arquitectura e o design de produção.


A abstracção enquanto linguagem universal da arte

A cesura ou corte histórico ocasionado pela Segunda Guerra Mundial, reorganizou o mapa da arte contemporânea. Os novos poderes políticos viriam também a ascender às nações mais importantes no que confere à arte. A grande nação que era a França perdeu em particular a sua supremacia política e cultural. Os EUA, por outro lado, subiram à posição de principal nação da arte no mundo. A velha capital artística que fora Paris foi então substituída pela jovem metrópole de Nova Iorque, apesar de esta conquita muito ter que ver com os impulsos provenientes da Europa, pois muitos dos principais artistas, mas também alguns jovens, tiveram que abandonar os seus lares europeus e fugir para os EUA para escaparem às perseguições dos nazis e ao terror da guerra. Josef Albers, Max Ernst, Hans Hofmann, Marcel Duchamp e Piet Mondrian proporcionaram estímulos pioneiros a uma geração de jovens artistas americanos, ávidos por aprender, estes jovens pintores desenvolveram rapidamente posições artísticas independentes, próprias e uma auto-confiança imperturbável. Quando em 1958 o Museum of Modern Art de Nova Iorque enviou uma grande exposição de pintura contemporânea americana através de oito cidades europeias sob o título «A New American Paiting» uma exposição que incluía séries de Pollock, Willem de Kooning, Franz Kline e Mark Rothko, estas apresentações paraciam ser uma declaração da hegemonia artística.

Termino esta análise, à Arte Abstracta, deixando algumas frases ou citações de alguns mestres da pintura para que se possa perceber o que eles tencionavam e desejavam .

«As pinturas abstractas têm que ser tão reais quanto as criadas pelos italianos do século dezasseis» Frank Stella «A arte é uma harmonia paralela à natureza»

Paul Cézanne

«Num quadro de Rafael não é possível determinar a distância entre a ponta do nariz e a boca. Eu quero pintar quadros em que isso seja possível» Pablo Picasso «Não existe arte abstracta. É preciso sempre começar por algum lado. Depois podem-se tirar todos os vestígios de realidade. Então já não há perigo porque a ideia do objecto terá deixado uma marca indelével» Pablo Picasso «Azul é o princípio masculino, severo e espiritual. Amarelo é o princípio feminino, dócil, alegre e sensual. Vermelho é a matéria, selvagem e pesada e é sempre a cor que tem de ser combatida e subjugada pelas outras duas» Franz Marc


«Os esforços não estavam concentrados em apresentar o objecto na sua totalidade. Pelo contrário, a sua pulverização e fragmentação em elementos básicos era absolutamente necessária para originar contrastes na pintura» Kasimir Malevich «O realismo da imagem consiste nas exigências simultâneas feitas pelas três grandes condições pictóricas: as linhas, as formas e as cores» Kasimir Malevich «A história da arte é como um prato de sopa de letras; o artista tira com uma colher as letras que quer» Willem de Kooning «A estética está para os artistas como a ornitologia para os pássaros»

Barnett Newman

«Estes trabalhos são constructos feitos de linhas, superfícies, formas e cores que tentam ir além do humano e atingir o infinito e o eterno. Rejeitam o nosso egotismo» Hans Arp «Nós vimos que a superfície da tela deixa de ser uma imagem e passa a ser uma estrutura em torno da qual devemos circular, olhando para ela de todos os ângulos, espreitando por cima e investigando por baixo» El Lissitzky «A partir do momento em que os meios de expressão são livres de todas as características, estão a caminho do verdadeiro objectivo da arte: a criação de uma linguagem universal» Theo van Doesburg «A necessidade cria a forma»

Wassili Kandinsky

«O movimento do olhar, a natureza da linha desenhada pela visão em movimento parece ser um dos maiores elementos do novo conteúdo visual» Wladyslaw Strzeminski «A emoção da beleza é sempre obscurecida pela aparência do objecto. Assim, o objecto tem que ser eliminado da pintura» Piet Mondrian «Trabalho de dentro para fora, como a natureza»

Jackson Pollock

Abordagem teórica Mondrian – singularidade da sua abstracção geométrica A singularidade da obra de Mondrian, a forma da abstracção que o pintor concebe, a latitude do gesto criador que suprime, as limitações que impõe aos meios da pintura, os poderes da imaginação que encerra no imperceptível, todo o comportamento desta obra, toda a sua criação e finalidade, e a abordagem a que obriga, implicam uma reacção imediata do espectador. Aquilo que há de extremo nos quadros de Mondrian ou desconcerta ou fascina. Não é possível


uma reacção intermédia. Ou consideramos que uma abstracção tão excessiva sacrifica as possibilidades da pintura – crítica muitas vezes ouviu o artista -, ou sentimos que este laconismo, precisão, da forma representa a mais pura expressão plástica, a sua quintessência, total pureza, finalmente desvendada. Mas, tanto num caso como noutro, considera-se que a abstracção de Mondrian está aquém ou além da pintura, o problema é o mesmo: os seus quadros são tão estranhos aos nossos hábitos, escapam, por vezes completamente, à experiência que temos da pintura. São algo de diferentes, ou por excesso ou por defeito. Mondrian é singular na sua maneira de conceber a abstracção, excessos e defeitos estão lado a lado, simétricas consequências da ambição de um pintor que visa um sonho ético com meios de expressão estéticos. Esta incidência dos fins sobre os meios de natureza diversa é precisamente aquilo que confere à sua linguagem uma personalidade à parte na pintura contemporânea e na pintura em geral. As opções de princípio que presidem à execução dos seus quadros, conduzem-nos a limites (limites ou origem da pintura?) em que se mantêm com perseverança, numa espécie de aura que eles próprios criaram (não seria esse o objectivo pretendido?): essa aura que é provocada por uma superfície pintada que anula os sortilégios da pintura, porque aspira a uma ordem superior. Mondrian quis ardentemente que esta transmutação de valores ocorresse na sua obra. Para ele, a missão da forma abstracta consistia em dar à arte uma rectidão ética. Missão, no sentido da palavra que só um teósofo como ele poderia entender. Em 1914 chega à abstracção pura, que aos seus olhos era a missão a cumprir. Consagrar-lhe-á, de facto, o resto da vida, a todo o momento. É que a pintura, tal como a concebe, liberta-o dos seus demónios pessoais. Envolve-se nela, não só com a fé, mas também, com as convicções e com os dons e igualmente com toda a complexidade do seu ego. O calvinismo rigoroso em que foi educado confunde-se com o poder do pai sobre ele, submisso. O recalcamento e a impossível revolta, toda a zona obscura da sua personalidade, surgem claramente na sua pintura e encontram na forma a purificação, no entanto, são profundas as marcas que deixam no pintor. Através da teosofia, Mondrian segue exactamente o sentido oposto ao puritanismo. Não nos esqueçamos que o espírito puritano tinha dissociado ética e estética, abafando a arte como um prazer culpado. A missão deste pintor que, a certa altura, chega a pensar em ser padre, consistirá em unir precisamente ética e estética. Para que o belo e o bem passem a ser um só, assim, tentará dar à forma a maior pureza possível. Por isso, a sua obra é o caminho de uma depuração constante, como se a pureza fosse a garantia da fusão de estética e ética. Esta permanente depuração, redução da imperfeição a zero, é a prova provada de que, para o artista, a beleza é um valor moral a que a pintura só a muito custo consegue lá chegar. Pintor vs homem

Por tudo isto, se se quiser compreender o pintor, forçosamente teremos que conhecer o homem. Conhecer a sua vida, os seus hábitos e manias, tal como é descrito nos testemunhos de contemporâneos e, em particular, nas recordações comovidas de Michel Seuphor. E não era fácil, pois Mondrian era um homem secreto, avesso à confidência. Sentia, como que, horror pela curiosidade alheia e, mudava frequentemente de padeiro e merceeiro para que não o reconhecessem. A sua vida é um desejado silêncio, mesmo encontrando algumas confissões nos seus textos, bastante difíceis de entender pela forma tão diluída que as afirmações têm. Há, no entanto, uma confissão forte, a silenciosa confissão de Mondrian está na sua pintura. E o desafio é tentar lê-la, percebê-la.


A vida de Mondrian – Três acontecimentos marcantes

Na vida de Mondrian há três acontecimentos que podem ajudar a entender um pouco melhor a personalidade do pintor: a hesitação que sente, dos dezoito aos vinte anos, entre a pintura e o ser pastor protestante; o estudo aprofundado da teosofia em que se lança dez anos depois, em 1899-1900, e, finalmente, o choque que para ele representou a descoberta do cubismo, quando chega a Paris, em 1912, já com quarenta anos. Estes três acontecimentos não devem ser isolados, somente em conjunto se podem entender, pois formam uma única engrenagem, que deu à vida do pintor a aparência de um movimento contínuo e regular. Neste homem que caminhou pela vida sem desvios nem arrependimentos, rumo ao objectivo que se propôs atingir, sempre igual a si mesmo, sempre seguro das suas pretensões, era difícil imaginar um drama, embora certos factos, insignificantes à partida, assinalados pelos amigos, traiam algum mal-estar, como por exemplo, uma túlipa artificial que mantinha num vaso, bem à vista no seu atelier parisiense. As folhas, tinha-as pintado de branco. Ou como um gesto que teve uma altura em casa de Kandinsky, em 1933, e igualmente em casa de Gelizes, mudava de lugar à mesa de forma a ficar de costas para a janela para não ver as árvores. Ou ainda o facto de se ter recusado a deslocar à Holanda, onde iam festejar oficialmente o seu sexagésimo aniversário, e a razão que deu, era porque o iriam acusar de ressentimento em relação ao seu país: “É que lá há aqueles prados todos! – Murmurou – são prados a mais!”. Uma tal reacção perante o verde não é apenas resultado de um olho hipersensível. Pelo contrário, parece mais uma recusa em ouvir o apelo da natureza, poderemos compreender, sob a superfície impassível do carácter de Mondrian, os motivos susceptíveis de terem causado tal atitude. É que este homem impôs à sua vida o império do espírito – a ordem que a sua pintura implica, instaura-a, de facto, no espaço onde vive, veja-se o seu atelier, sempre pintado como as suas pinturas e com o máximo rigor. Mas, para esta ordem ser mantida (segundo alguns amigos, à custa de uma perturbadora desordem no quarto do lado) a visão da natureza é insustentável. A força do espírito que, em Mondrian, foi inicialmente inquietação metafísica, desviada, depois, para a acção da teosofia, e absorvida pela pintura, a partir do exemplo cubista, essa força triunfou, mas á custa do recalcamento da natureza, esta não foi dominada, pelo contrário, transformou-se nessa parte não vivida da sua vida que assusta o artista – esse quarto que não habita, colado ao atelier, onde reina a desordem, onde certas fotografias surpreendem o olhar. Podemos ler num dos seus textos: “A manifestação natural, a forma, a cor natural, o ritmo natural, as próprias relações naturais, na maior parte dos casos, exprimem o trágico”. Ou ainda: “ Qualquer sentimento, qualquer pensamento individual, qualquer vontade puramente humana, qualquer desejo particular, numa palavra, qualquer tipo de afeição, conduzem à representação trágica e tornam impossível a pura plástica da paz”.


Desequilíbrio vs Equilíbrio

Sob a calma anacrónica do pintor, de que fala o seu velho amigo Oud, sob uma tradicional estabilidade de humor, a palavra «trágico», presença insistente nos textos, não esconderá um desequilíbrio afectivo que, afinal, foi resolvido por transferência para o plano da arte!? A esse nível, o desequilíbrio transformou-se em ordem, ordem extrema, e a partir daí, instaurou-se na vida do pintor. Assim, o homem agarra-se ao equilíbrio que a pintura lhe proporciona, equilíbrio fanático mas, de certa forma vulnerável, que repele tudo o que faça lembrar a desordem inicial. Que repele o verde e que vê na natureza o trágico. Infância – Relação com o Pai (Ditador Familiar)

A infância, o meio familiar, a educação do pintor, explicam o recalcamento do instinto, que marcou para sempre a sua existência. Primeiro que tudo, deparou-se com a personalidade do pai. “De facto um tracto francamente desagradável, segundo amigos do jovem Piet, o pai era um homem sentencioso, aparentemente muito frio e que impunha a toda a gente uma vontade que não admitia qualquer réplica”. O seu rigor calvinista, já falado, a que se juntava a intransigência autoritária do professor que era, explicam a pouca liberdade de movimentos de que o filho foi vítima, no mundo restrito de uma aldeia cercada de prados, Winterswijk, onde a família Mondrian se instalou em 1880. Vida do Artista – Nascimento; Academia; decisão do percurso a fazer

Piet, nascido em 1872, em Amersfoort, tinha então oito anos e viveria nesta aldeia até se decidir ir para Amesterdão, em 1892, para estudar pintura, depois de ter passado por uma enorme crise espiritual, sobre a qual nada se sabe. Já com catorze anos, Mondrian sente claramente vocação de artista. A família havia um pintor, um tio paterno que viajava regularmente entre Haia e Winterswijk, em trabalho e é ele que dá a Piet as primeiras lições de pintura. Mas a vontade do pai era outra. Este deve apreciar pouco os dons dos filhos, e ainda para mais ele próprio desenhava muito bem. Além disso, decidiu que o filho iria fazer carreira, igualmente, no ensino. Perante a força do pai e a divergência sobre o futuro da carreira de Piet, põe mais uma vez a nu a sua submissão e, ao mesmo tempo, muito do que define a sua personalidade. Nele, toda a revolta é reprimida, contudo, existe uma sequência de ideias, uma obstinação, uma espécie de vontade passiva que, apesar da submissão, resiste.


Tentativa de reconciliação com o pai; Refúgio na religião

Piet Mondrian recua perante o que não escolheu. Responde com a insubmissão que implica culpabilidade. É então que procura refúgio na religião. Quer ser pastor – o que não é mais do que a necessidade inconsciente de reconciliação com o pai, mas esta só seria possível à custa da desistência da pintura. Vê-se perante um sacrifício para o qual não sente a força indispensável. A pintura, agravando o sentimento de culpa, transformou-se no contrário da sua paz interior. Decisão pela pintura; O Bem: o pai; O Mal: a natureza

Em 1892, quando se desloca a Amesterdão e se inscreve na Escola de Belas-Artes, opta contra o pai. Mas este, que o educou no mais severo calvinismo, constitui o símbolo dos seus próprios fundamentos morais. Escolher contra o pai equivale, a escolher contra o bem. É com o amargo sentimento do pecado que Mondrian aprende a pintar. De acordo com o ensino académico, aprende a copiar a natureza. “Dada a hostilidade com o meu pai, os estudos eramme pagos por outras pessoas”, limitava-se a indicar numa curta notícia biográfica que fez quase no final de sua vida. A figura paternal teve demasiado peso em toda a sua vida, e é em relação ao pai que se sente culpado, como referido atrás. Ele é o bem, ao passo que a pintura-natureza é o mal, é ele o espírito e é no seu seio que o filho vai procurar a paz. Mondrian e a sua ligação à Teosofia, libertando-o do complexo de culpa

Assim, é de corpo e alma que adere á teosofia, em voga na época. Com toda a sua inteligência, estuda as teorias teosóficas a partir de 1892, e veio a tornar-se membro da Sociedade Holandesa de teosofia dezassete anos depois, em 1909. Certa altura (em Paris, em 1930), emprestou a Michel Seuphor um livro de teosofia e quando este lho quis devolver, disse que não precisava mais do livro, tinha um outro exemplar. Isto é, além de significativo, certo que Mondrian não costumava ter livros à sua volta. “Nem sequer um móvel de biblioteca tinha no seu atelier”, observou Seuphor. Observação que diz muito sobre o artista. Não será esta a imagem do homem que encontrou na sua verdade, do sábio que não recorre senão ao seu pensamento?! Uma outra vez, em 1934, numa carta a Seuphor, evoca os “grandes iniciados”. No final da vida, à margem de um texto que afirma estarem mortas as religiões, anota: “Mas há ainda tanta gente que encontra auxílio na religião”. No entanto, os factos falam por Mondrian. Quando morre, são encontrados entre os raros livros que tinha conservado, duas literaturas teosóficas em holandês. Um outro testemunho revela que, em 1916, no atelier de Laren, tinha colocado na parede uma fotografia de H. P. Blavatsky, fundadora da primeira Sociedade de Teosofia e autora das obras básicas da teosofia. Sabe-se ainda que, por essa altura, vivia em Laren o escritor teosófico H. J. Schoenmaekers, que


o pintor visitava bastante, o livro que alguns anos mais tarde emprestou a Seuphor era precisamente uma obra de Schoenmaekers. A partir destas indicações fragmentadas, podemos tentar traçar o itinerário espiritual do pintor. A teosofia tinha incontestavelmente tudo para o atrair. É a doutrina que tem por finalidade a união com Deus, que recomenda normas de vida, garantindo o triunfo do espírito – porém, este triunfo, em vez de rejeitar a natureza, abarca-a, pois a primeira tarefa da teosofia consiste, precisamente, na enunciação das leis secretas do universo. Percebe-se que, por esta via esotérica, a teosofia tinha oferecido ao jovem pintor um meio que não existia no calvinismo, doutrina essa que implicava a sua própria divisão interior. Com efeito, tal como são formuladas, as concepções teosóficas equivalem a uma anulação da sua falta. Além disso, tudo o que, a todo o momento, faz reviver essa mesma falta. O zelo com que estuda a pintura, os seus esforços para se tornar num bom pintor. No seio da teosofia, não só não implicaria a queda do pecado, como ainda o elevaria à suprema verdade, que deve ser procurada através do estudo, da reflexão, da pureza da vida, do dom de si mesmo e um ideal elevado. Para os teosóficos, a arte tem uma função de iniciação, pois converte e sublima os baixos instintos. Esta noção de perfectibilidade é um dos pilares das teorias teosóficas. A remissão pela acção não implica o arrependimento, deve sim, ser procurada, não no passado, mas no futuro. Qualquer acção realizada no respeito das regras previstas, contribui para o avanço de toda a humanidade, que deve ultrapassar o mundo físico e emotivo e alcançar o terceiro e último estádio, que é o mental. É claro que uma doutrina com estas concepções, não só apaga um complexo de culpa como o de Mondrian, como ainda poupa o orgulho do ser humano, fazendo-o sair do isolamento espiritual e tornando-o solidário com um vasto mundo fraterno. Assim, a teosofia parece convir, ponto por ponto, ao jovem Mondrian, perseguido pelo remorso, obcecado pelo trabalho, fechado, solitário. Há ainda, e por fim, um outro elemento na teosofia que pode ter tido alguma influência no pintor. Elemento esse que tem menos que ver com a doutrina pura do que com a actividade do movimento teosófico, o qual, nas suas publicações de propaganda, bastante divulgadas antes de 1914, apelava para aqueles que queriam ter um lugar entre os pioneiros do pensamento do futuro, que queriam pertencer ao número daqueles que os séculos futuros lembrarão. É evidente que Mondrian não era um homem superficial, susceptível de se sentir influenciado pela presunção de tais afirmações, porém, se pensarmos na importância que elas podem assumir para um individuo ambicioso que está com dificuldade em realizar as suas ambições, e se pensarmos no verdadeiro tormento que a pintura representa para esse individuo, podemos crer que a teosofia, para além de libertar Mondrian das suas obsessões, pode ter ainda estimulado e confirmado as ambições que tinha. Com esta análise, poderemos afirmar que a teosofia foi para Mondrian a condição necessária para um completo desabrochar, pois deu-lhe a possibilidade de viver em paz consigo mesmo e, permitiu-lhe liquidar o complexo de culpa que poderia estar a asfixia-lo, pois no plano do subconsciente, regressava sempre ao lar paterno. Este, que a pintura tinha levado ao confronto com o pai, como se a arte equivalesse à banição calvinista, regressava enfim ao seu seio da espiritualidade, onde chegou a pensar nunca mais voltar e, regressava precisamente com a pintura. Ao ritmo do seu temperamento, que é lento, Mondrian foi-se sentindo, aos poucos, cada vez mais ligado à teosofia, assim, estas teorias e visão do mundo teosóficas, depois de aceites, são por ele vividas com uma tal convicção que acabam por influenciar toda a sua pintura e carreira.


Simbolismo teosófico na pintura | Charneira para a Geometria

A primeira tentativa do pintor para introduzir na sua obra um conteúdo teosófico foi cerca de 1911, dois anos depois da adesão à Sociedade de Teosofia. Foi o tríptico com o título Evolução, que representa um corpo de mulher nu, hierático, pintado em cada uns dos painéis, com variantes simbolizando os três estados espirituais definidos pela teosofia. Curioso é o facto de o pintor ao procurar um simbolismo plástico, tenha recorrido, diz-se que perfeitamente inconsciente, a uma forma geométrica onde já se nota a predilecção das matizes quase imperceptíveis. Se no primeiro painel os mamilos e o umbigo são representados por minúsculos triângulos invertidos, no segundo os triângulos já apontam para cima e, no terceiro, já nem sequer se trata de triângulos mas sim de rectângulos. Assim, o sentido de símbolo é evidente: terra e céu, natureza e espírito, equilibram-se no terceiro estado, que é o superior. Os triângulos encontraram o equilíbrio no rectângulo, e este pormenor ver-se-á em todo o futuro da pintura e obra de Mondrian. Este quadro, sendo o único do género em toda a sua obra, é significativo para todo o futuro, até porque até então tinha pintado apensas naturezas mortas, flores, paisagens. A sua pintura pertence, assim, ao estado físico, o mais baixo da escala de valores de um teosófico, sendo que esta ligação demasiado próxima com a natureza deve ter desagradado o artista. Ele queria a perfeição teosófica, também por razões pessoais já referidas, e, aspira ultrapassar este primeiro estádio e a elevar a obra acima da natureza, sendo isso que ele tenta neste tríptico mas, a mesma não tem sequência pois, logo a seguir o pintor parte para Paris. Ida de Mondrian para Paris | Confrontação com o Cubismo Sintético Cubismo (Plasticidade) – Teosofia (Psicológico)

Em 1912, em Paris, o cubismo sintético está no seu auge e o pintor holandês rapidamente reconhece na concepção cubista esse estado superior na pintura que tanto procura. Para ele, o cubismo terá, no plano plástico, uma função análoga à da teosofia no plano psicológico, isto é, indicará à sua pintura o caminho a seguir. Com a sua tenacidade, profundidade e obstinação, Mondrian, explora a fundo a visão cubista, e, deixar-se-á guiar de novo pelas ideias teosóficas, novamente para atingir uma pureza cada vez maior. Ligação ao Cubismo – aceitação e revelação

O desenvolvimento da pintura de Mondrian sob a influência cubista é imediato. Ao contrário de todos, ou quase todos, os outros artistas, para ele não vê o cubismo como uma nova lição, mas sim como uma revelação. Essa influência faz, desde logo, ressaltar, imediatamente, nos seus novos quadros, é, simplesmente, a sua personalidade de sempre, finalmente livre e liberta das convenções realistas. Vê no cubismo o melhor ponto de partida para a sua liberdade, pureza e procura. A evolução do pintor, até aqui, como já referido, lenta e pesada, pelas suas dúvidas é certo, nesta fase ganha uma enorme velocidade, não haverá, mais, qualquer hesitação ou percalços na sua obra até ao fim. Graças ao cubismo, e a tudo o que tinha passado e


estudado, é certo, mas essencialmente ao cubismo, que é como o gatilho, o encontro com o que precisava para aprofundar todo o conhecimento e desejos que tem dentro de si. Caminho aberto para a abstracção – sua libertação desejada

Com um rigor implacável, direcciona-se para a abstracção e, quando a alcança, esta assume, para ele, uma dupla significação, a moral e a estética. É como que o coroamento de uma vida, o auge da forma, a abstracção absoluta a que chega por volta de 1920, é a conclusão lógica da transformação que opera na sua pintura anos antes (1911-1912). Quanto ao caminho percorrido durante estes, cerca de, oito anos, pode-se dizer que representa, talvez, um dos momentos mais apaixonantes da arte contemporânea. Mondrian, que por norma era levado a repetir o mesmo motivo, como ele mesmo chegou a afirmar, este contava mais do que a forma como era tratado. Entre 1911-1914 aplica-se com desenvoltura para extrair da coisa pintada toda a sua essência abstracta. De quadro para quadro, o mesmo motivo visto do mesmo ângulo, passa por estados sucessivos que mostram como a forma se separa do conteúdo concreto, intencionalmente, para adquirir o conteúdo abstracto. De quadro para quadro, o mesmo motivo, visto sob o mesmo ângulo, passam de estados sucessivos que nos mostram como a forma se separa do conteúdo concreto, para adquirir um conteúdo abstracto. Seja na pintura de uma igreja, de uma árvore, do mar ou das dunas, cada quadro, cada desenho, é por si só uma forma inacabada, e no entanto, os conjuntos conseguidos dão-nos uma forte impressão de estarmos a assistir à divida gestação da forma. Este processo permitiu ao pintor aperceber-se, que para lá das diferenças acessórias, de uma identidade fundamental: a forma que exprime a igreja assemelha-se à do mar. Descoberta de um novo valor: O Signo

Mondrian descobriu um novo signo, o signo. Depois de ter eliminado das suas composições a curva, viu-se subitamente, perante o signo. O objecto inicial dos seus quadros cubistas é já, neste momento, algo longínquo. À velocidade de uma enorme progressão geométrica, em dois anos, de 1912 a 1914, o trabalho de Mondrian leva-o, numa lógica implacável, ao limiar da abstracção. De novo a teosofia como princípio e alguns escritos no seu caderno de 1914

Nestes mesmos anos datam os primeiros cadernos de notas do pintor, onde a experiência pictórica se confunde, de forma curiosa, com as convicções teosóficas. “O lento e seguro caminho da evolução” é, para ele, uma sentença que reúne e confunde a sua própria evolução, a da pintura e a da humanidade. Seguindo a ideia da reincarnação – pedra angular da teosofia –, compara “a arte a uma velha a uma velha alma que tem que viver num corpo novo”, e, da mesma forma que, “a ciência moderna confirmou que matéria e força são a mesma coisa – outra ideia da teosofia – crê ter realizado na pintura a “unidade entre a matéria e o espírito”. Assim,


está ciente e persuadido de ter contribuído para a construção da sociedade futura, uma sociedade equilibrada, feliz, à imagem do mundo de amanhã que o ensino da teosofia prepara. Por outro lado, e importantíssimo para perceber e clarificar o sentido ético subjacente à actividade estética de Mondrian, lembrar que o primeiro dever do teosófico esclarecido consiste em “passar da consciência pessoal à consciência individual”, ou, por outras palavras, do particular ao universal. A Teosofia, recorde-se, ensina «que um objecto é tão mais belo, quanto mais profundamente desvenda as leis que o condicionam e o lugar que ocupa no universo». Com este pano de fundo, era inevitável que o cubismo levasse à abstracção. Ainda nesse mesmo caderno de 1914, podemos ler: “Sendo o princípio masculino representado pela linha vertical, um homem reconhecê-lo-á, por exemplo, nas árvores que se elevam na floresta. O seu complemento, encontrá-lo-á, por exemplo, na linha horizontal do mar”. Este é o caminho que Mondrian seguiu na sua pintura, e, se o indica, é porque a sua obra lida já com princípios e não com formas contingentes. Assim, entende-se que faça uma outra confissão, que nos fornece a razão profunda da sua opção teosófica: “Sendo a arte sobre-humana, cultivará o elemento sobrehumano no homem e constituirá, por conseguinte, um meio de evolução da humanidade, da mesma forma que a religião”. O Neo-Plasticismo ou a Nova Imagem do Mundo

No espírito de Mondrian, o neo-plasticismo não é mais que uma nova imagem do mundo ou sobre o mundo e, confia na forma para dar essa mesma expressão, pois acredita nos seus poderes, tanto mais que conhece as suas possibilidades de se elevar acima do contingente, do incerto e de permanecer no essencial, graças à abstracção. O percurso da sua obra, durante estes anos, tem um facto curioso, para não lhe chamar equivoco como alguns teóricos o fazem. Mondrian está convencido de materializar as ideias teosóficas, que considera proféticas, mas, na realidade, ele segue a sua própria intuição de artista que é, intuição que o faz pressentir certos aspectos do mundo que o rodeia e que hoje é o nosso. Se pensarmos na semelhança existente entre a organização das fachadas na arquitectura do pósguerra com a pintura neo-plástica de Mondrian, ou mesmo com a forte ligação desta com o Design, com a preocupação da função e não propriamente da forma. Assim, percebe-se que a forma abstracta absoluta que concebeu ou desenvolveu, mais não está que fortemente ligada à expressão profunda da época em que vive. Aceite ou não, esta forma responde às exigências de vida actual: o tempo reconheceu-se nela, e isto, constitui a melhor prova da envergadura deste pintor. No extremo limite a que conduziu a pintura, esta acabou per fecundar na arquitectura. Etapas e itinerário da pintura de Mondrian

As etapas por que Mondrian passa antes de chegar a este ponto estão todas inscritas nos seus quadros. Vimos que a forma cubista, em 1912, põe termo às suas pesquisas anteriores, assim como, com o aparecimento do signo, em 1914, termina um período da sua obra que dá lugar a outro, que por sua vez termina em 1920, com as primeiras obras neo-plásticas. Assim, do cubismo ao signo e deste ao neo-plasticismo, é este o itinerário da pintura de Mondrian.


O Signo - O Neo-Plasticismo – A Nova Imagem do Mundo

O signo, último refúgio do real, extraído da sua estrutura/arquitectura, passa a estar presente no quadro todo, depois de descoberto. Mondrian já não executa a obra por dedução, mas sim por indução. A partir do signo, volta aos princípios que regem a forma. Pede ao signo que seja inicial, no pleno sentido da palavra, e observa o seu comportamento como quem segue uma experiência de laboratório. Este signo é a linha recta que traça verticalmente, ou horizontalmente, ou seja, nas duas direcções opostas mais puras que existem. Assim, depois de ter ‘enchido’ com estas linhas a superfície da tela, o que ressalta, e o que descobre, é a força da simetria e da assimetria. E como já sabemos, descobrir, para Mondrian, significa desde logo ganhar consciência e dar, imediatamente, um passo em frente. A série de quadros construídos com signos, que mais tarde se chamarão os quadros dos mais e menos. Os tais traços opostos, perpendiculares, entre o vertical e o horizontal, leva-o, já, a encarar a pintura no quadro dos princípios plásticos fundamentais e contrários que são a simetria e a assimetria. Na acção destes princípios, Mondrian crê reconhecer a lei da natureza, a lei primária onde todas as outras terão origem. A partir deste momento, limitar-se-á a trabalhar a acção pura da simetria e exprimi-la-á com os meios plásticos adequados à sua pureza, meios que, entretanto, já tinha alcançado. Conteúdo e forma encaixam então perfeitamente na sua pintura. «A vida inteira, se a aprofundarmos, poderá reflectir-se no quadro», escreve em De Stijl, em 1917, e, em 1920, quando pinta as primeiras obras neo-plásticas, fica com a convicção profunda de ter atingido uma expressão universal que coincide com a quinta-essência da pintura. Nunca mais abandonará esta sua perspectiva, persuadido de que «a Nova Plástica é uma arte de adultos», ao passo que «a arte antiga é uma arte de crianças». Quinze anos passados, depois de ter pintado quadros que mais não são do que o mesmo quadro recriado, com matizes quase imperceptíveis, continuará a bater no mesmo ponto: «A vida – afirma – mais não é senão o aprofundamento contínuo da mesma coisa». Poucos artistas terão tido tanta certeza de, que haveriam, ter chegado à verdade como o teosófico Mondrian. Este, não dúvida de que o bem, o belo e o verdadeiro convergem entre si na pintura neo-plástica. «As coisas dão-nos tudo, mas a sua representação nada nos dá», assinalava o pintor, timidamente, nos seus cadernos de 1914. Mas, desta timidez passa a categórico: «A Nova Plástica – escreve – é o equivalente da natureza». Numa carta dirigida a um amigo, mais tarde, em 1923, escrevia que o facto de ter sido obrigado a pintar flores para viver, não fora «afinal tão terrível», pois tinha permitido, «uma vez por todas, o nascimento do neoplasticismo». Em vários textos, Mondrian comentava, incansavelmente, a pintura neo-plástica. Aquilo que a precedeu e que, do ponto de vista estritamente pictórico, muitas vezes a ultrapassa, tem, no seu ponto de vista, uma importância, meramente, secundária. Trata-se, isso sim, de um caminho em que somente o fim interessa. E como este fim, tal como o entende, é tão rígido e tão obstinadamente exclusivo, há toda uma parte do «ser» da pintura que fica antecipadamente à margem. Toda a liberdade instintiva e toda a maleabilidade irracional da cor estão ausentes nos quadros neo-plasticistas. Em contrapartida, deu à forma fundamentos sólidos. O ângulo recto, enquanto relação de dois extremos, representa, com efeito, a expressão plástica do que é constante. A construção do quadro, baseada unicamente nas várias relações, consegue levar o espectador a detectar indirectamente um movimento dinâmico, fixando o seu equilíbrio. Se as diferentes partes do quadro de Mondrian são, de alguma forma, imóveis, isto se as considerarmos separadamente, já se as virmos em conjunto, como um todo, a anterior


imobilidade torna-se activa e, reinstaura o equilíbrio. É nítido que a forma, tudo o que é linha, plano, pode ganhar uma ordem neste universo matemático em que a pintura de Mondrian penetra e flui. Já no concerne à cor, como poderá esta assemelhar-se a esta estrutura/arquitectura eminentemente racional? Esta questão teve uma óbvia importância na obra de Mondrian, aquando desta criação do neo-plasticismo, e voltará a reaparecer uns vinte anos mais tarde. Entre 1917 e 1920, quando passa da intersecção linear com ângulo recto ao planar rectangular ou quadrado, a presença do plano e a sua extensão apelam para a utilização da cor. Para realizar esta «pintura plano no plano», como se propõe, procede a várias experiências cromáticas. Recorre a, elaboradas, misturas de cores, obtendo tonalidade insólitas e das mais variadas mas, extremamente refinadas, desde rosas pálidos a azuis rosados. A sua predilecção pela cor velada, que sempre se fez notar na sua pintura, reaparece uma vez mais em certos quadros de 1919, carregando na proporção de branco em várias misturas, chega a uma opalescência por si só notável mas, que mesmo assim não satisfaz o pintor. Esta gama translúcida, que parece ter vibrações surdas, não tem, de forma alguma, a mesma natureza que o ângulo recto. A diferença reside na leveza aérea da cor. Parece ser então, isto porque está convencido de que a cor, ao contrário da forma, não se deixa controlar pela razão, que Mondrian, sob a influência dos seus amigos pintores do grupo «De Stijl», adopta as três cores primárias puras: azul, amarelo e vermelho, secundadas pelas duas não-cores, o preto e o branco, como já referido anteriormente nesta abordagem teórica, reservando o preto para as largas faixas de separação dos planos coloridos e, quanto ao branco, que por vezes chega ao cinzento muito claro, serve-se dele, de alguma forma, como superfície amortecedora. De espaço.


Última fase Nova-Iorquina

Os quadros de Mondrian, que deixaram de ter uma forma central, passam a ter por centro esta vasta extensão de não cor, onde as cores vivas podem sobressair. É este o verdadeiro sistema cromático a que as obras neo-plásticas do artista obedecem invariavelmente mais de vinte anos. Depois, em 1942, já quando vivia e trabalhava em Nova Iorque, surge um quadro como o Nova Iorque, que rompe com todo o sistema adquirido até então. As linhas que dividem a superfície são, pela primeira vez, claras, e nos quadros seguintes surgirão já seleccionadas em pequenos segmentos vermelhos e azuis. O aspecto monumental da pintura neo-plástica cedeu, agora, lugar a um ritmo sincopado, são exemplo disso as suas duas últimas obras e grandes composições, Broadway Boogie-Woogie e Victory Boogie-Woogie, este último inacabado. A partir de 1940, o pintor vive, como já dito, em Nova Iorque. Tinha deixado paris dois anos antes, com destino a Londres de onde partiu depois para os estados-Unidos. Apesar da idade, tem sessenta e oito anos na altura, não se sente minimamente desenraizado ou fora do contexto na metrópole americana. Pelo contrário, esta encanta-o. Sente-se à vontade nesta cidade traçada a esquadro, como ele tanto gosta, e a via, em que os arranha-céus afirmam o domínio do homem sobre a natureza, não fosse esse o sonho dele e do neo-plasticismo. Seja pela euforia perante este «mundo de amanhã» que já o é na realidade, seja pela idade, ou então porque a parte não vivida da sua vida esteja, agora, a vir ao de cima, o que é facto é que o pintor se revolta contra a austeridade do seu próprio estilo: «Só agora me apercebo de que as minhas obras a preto, brancas e poucas cores, não passam de desenhos a óleo», escreve numa carta a J. J. Sweeney. Considera que «o elemento destrutivo é demasiado negligenciado na arte» e explica que, se se sentiu atraído por uma dança como o boogie-woogie, foi porque a achou próxima das suas próprias intenções. O boogie-woogie corta a melodia, opondo continuamente os seus meios de expressão. A morte, poucos anos mais tarde, em 1944, será o ponto final desta inesperada revivência da juventude, um ponto final transformado em reticências…


NOTAS SOLTAS DE CRÍTICOS TEÓRICOS R. Arnheim_Níveis de Abstracção Uma dimensão na qual o artista pode exercitar a sua liberdade é o grau de abstracção que ele usa para executar o assunto. Tanto pode fazer uma cópia da aparência do mundo físico com a meticulosa fidelidade do pintor trompe-l’oeil ou, como Mondrian e Kandinsky, estes trabalham com configurações completamente não miméticas, que reflectem a experiência humana por meio de expressão visual pura e relações espaciais.

A actual ascensão do ponto de vista pós-moderno tem levado a interpretações da modernidade que, até o presente escritor, é equivocada e enganadora. Em nenhum lugar o processo crítico foi, infelizmente, mais simplificada do que no caso de Piet Mondrian, uma das figuras-chave do que pode ser chamado de modernismo "clássico". O artista / teórico que se esforçou tão intensamente para superar as limitações da tarde subjectivismo romântico foi pintado como a si mesmo um idealista romântico, um candidato purista depois de "essência", que virou as costas para a realidade para buscar uma estética de "forma significativa", como modelo para um super-platónica, essencialmente totalitário, Utopia. Essa avaliação é, naturalmente, em plena consonância com a noção actualmente na moda do modernismo como uma fantasia elitista de domínio e controle. Segundo Frank Elgar, Mondrian teria um profundo amor pelo mar e conseguiu expressar o seu poder elementar. De acordo com este autor, a linguagem do pintar foi-se tornando mais esquemática e sofisticada, à medida que Mondrian estava mais determinado na busca do ideal platónico de beleza total e absoluta. Procurou reduzir a sua obra à pura forma, descobrir as proporções matemáticas ideais e alcançar o supremo equilíbrio. (Lisboa, Verbo, 1973)


Fase Nova-Iorquina Obras: • • • • •

Nova Iorque,1941/Boogie-Woogie, 1941/42 New York City 1 (inacabado), 1941 New York City, 1942 Broadway Boogie-Woogie, 1942/43 Victory Boogie-Woogie (inacabado), 1942-44- )

Contextualização

No quadro Nova Iorque, 1941/Boogie-Woggie, Fig.1, dir-se-ia que uma rede de traços coloridos, nascidos fora do quadro se encontra com a rede negra e que, com ela se liga. A oposição sistemática entre a cor e a não cor desaparece por completamente. Os quadros de cores primárias, tão usados nas anteriores composições de Mondrian, desaparecem nesta sua nova fase, nesta fase nova iorquina, depois de chegar à cidade de Nova Iorque e, começa a nominar os seus quadros com o nome da cidade. Aqui, nunca tinha demarcado um espaço vital, rigorosamente, separado da realidade, e foi lá, sem dúvida, que terá passado os seus anos mais despreocupados e felizes, a cidade ía de encontro aos seus desejos, aos seu prazeres, tinha uma enorme vida e um ritmo alucinante, bem como a música e a dança que ele tanto adorava. Assim, desligou-se da sua vida anterior e isso teve, obviamente, reflexo na sua pintura, esta parece particular na sensação de liberdade experimentada pelo artista ao fugir do opressivo ambiente bélico que se respirava na Europa. Este espírito manifesta-se numa nova concepção da cor, que começa a emancipar-se da retícula tradicional. Em obras começadas na década anterior acaba por substituir o preto na trama e compor um vibrante mosaico de diminutas quadrículas. Em 1941, redige o texto em prosa, Toward the True Vision of Reality (A Caminho da Verdadeira Realidade). Esta visão real é evidentemente a que Mondrian tinha da janela do seu atelier e por meio da qual quisera provar desde 1914 que a essência do universo é melhor apreendida na pintura abstracta do que numa representação naturalista. Descreve a sua vida passada como se tivesse vivido desde o nascimento no atelier, ‘preso’. Uma vida não vivida, uma vida ideal, pensava, que estilizou, para dela fazer uma obra de arte e fonte imaginária da sua arte. Isto explica, ainda melhor, porque razão Mondrian, mesmo já em idade avançada, abandona todas as construções auxiliares, as quais tinha ordenado com o decorrer do tempo, para assegurar, mais, o significado de obra abstracta. Estava agora certo de que era suficiente viver para pintar.


Como «técnico da inovação», interessa-se também pelas inovações no domínio dos meios de trabalho, sendo que na época, apareceu no mercado, em Nova Iorque, pela primeira vez, a fita-cola colorida ainda em forma de tiras de papel com cola. De imediato, Mondrian, compra vários rolos, o que lhe permitia realizar muito mais rapidamente os seus quadros, ou o processo, ao invés do longo processo de colocação de camada a camada de tinta sobre a tela. Alguns destes esboços em fita-cola adesiva existem ainda, como por exemplo o New York City 1 de 1941 (Fig.2), e ele podia executar pinturas preparadas com este método, entre elas está New York City de 1942 (Fig. 3). Estava agora muito próximo novamente do sistema aleatório que regia os seus quadrostramas de 1918-19, que, muito provavelmente, seria o que ele sempre ambicionou. As telas quadriculadas multicoloridas de 1919 têm algo de seco, mecânico que perturba num quadro executado de maneira tão tradicional, para que o resultado se tornasse esteticamente utilizável, precisava de novos meios pictóricos, que se deixassem compor ao acaso. E precisava de um novo método cujas bases seriam uma harmonia da técnica, do material e do projecto perceptíveis no resultado. Precisamente os quadros de traços coloridos da série New York City mostram bem como Mondrian sabia operar com as distribuições fortuitas, o deslocamento controlado sobre o eixo e o reagrupamento das linhas. Por esta razão, nenhum dos artistas europeus residentes em Nova Iorque estavam tão próximos da jovem pintura americana como Mondrian.

Fig.1_New York City 1 (inacabado), 1941

Fig.2_ New York City 1, 1941


Fig.3_New York City, 1942

Fig.4_Broadway Boogie-Woogie, 1942/43

Fig.5_Victory Boggie-Woggie (inacabado), 1942/44


Fonte: MoMA Mondrian, que tinha fugido para Nova York da Europa após a eclosão da II Guerra Mundial, o prazer na arquitectura da cidade. Ele também era fascinado pelo jazz norteamericano, particularmente boogie-woogie, encontrando seu ritmo sincopado, a abordagem irreverente à melodia e improvisação estética semelhante ao que ele chamou, em seu próprio trabalho, a "destruição da aparência natural, e construção por meio de oposição contínua de meio-dinâmico puro ritmo. "Nesta pintura, o seu penúltimo, Mondrian substituiu a grade preta que havia muito tempo governadas suas telas com linhas predominantemente amarela que se cruzam em pontos marcados por quadrados de azul e vermelho. Estas bandas atomizados da gagueira pulsos cromáticas, interrompidos por cinza claro, criar caminhos em toda a tela, sugerindo grade da cidade, o movimento do tráfego, e as luzes piscando eléctricos, bem como os ritmos do jazz.

Bibliografia:

Rudolf Arnheim, Arte e Percepção Visual, uma psicologia da visão criadora, Nova versão Patrícia Fride R. Carrassat e Isabelle Marcadé, Compreender e Identificar os Movimentos na Pintura, Círculo de Leitores, 2001 Mondrian, Grandes Pintores do Século XX, Globus, 1995 Dora Vallier, A Arte Abstracta, Arte e Comunicação, Ed. 70, 1980 Mel Gooding, Arte Abstracta, Movimento de Arte Contemporânea, Ed. Presença, 2002 Susanne Deicher, Piet Mondrian, Construção sobre o vazio, Benedikt Taschen, 1995 Bernard-Henry Lévy, P. Mondrian, Les Anciens et les Modernes, Éditions de la difference, 1992 Deicher, Susanne, Mondrian, Taschen, 2004 Mondrian, Piet, Mondrian, Lisma, 2006 Mondrian, Piet, Ediciones Polígrafa, 1995 Elger, Dietmar, Arte Abstracta, Taschen, 2008


Webliografia:

http://www.mam.paris.fr/en http://www.moma.org/ http://www.moma.org/explore/multimedia/audios/344/4407 http://www.google.com/culturalinstitute/project/art-project?hl=pt www.mondrian.kit.net www.mondriantrust.com www.educ.fc.ul.pt/icm/icm2000/icm33/mondrian.htlm http://pt.wikipedia.org/wiki/piet_mondrian http://pt.wikipedia.org/wiki/neoplasticismo Http://pt.wikipedia.org/wiki/arte_abstrata





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