Instituto Politécnico de Beja Escola Superior de Educação de Beja Curso de Artes Plásticas e Multimédia U.C. História da Arte Contemporânea Docente: Viviane Soares Silva Realizada por: Miguel Sousa Ribeiro
RECENSÃO CRÍTICA “About Wounds” in Milglietti, F.A. (2003). “Extreme Bodies: The use and abuse of the Body in Art”. Milão: Skira, pp.15-41. Parti para o estudo da minha recensão, e agora parto para o seu início, a estudar/perceber a relação entre arte e dor para depois ser desconstruída pelos temas abordados mais à frente e ir de encontro ao que pretendo e que os próprios conceitos estudados exigem. Posto isto dizer que relacionar a arte e a dor pode parecer estranha à primeira vista, pois a arte, vista numa concepção clássica, existe no campo da fruição do belo e, segundo a tradição clássica, a arte seria um meio para ensinar o “bem”. Daqui poderá surgir a questão, se seria possível conciliar a arte “da dor” e essa visão, mais, tradicional da arte? Bem, parece-me que, na verdade, isso não só é possível, como também, de certa forma, essa ‘modalidade’ da arte sempre foi no mínimo tão importante – e “clássica” – quanto a sua vontade contrária à representação da dor. «Como sabemos, na mitologia clássica podemos encontrar representadas todas as paixões, de amor-ódio, como na Ilíada, uma das obras fundamentais da nossa literatura e que está na base de inúmeras obras de arte, onde nos mostra um retrato de guerra reveladores dos seus aspectos quer heróicos quer terrificadores. 1 » Tal como, noutro exemplo, a tragédia grega é em muitos sentidos uma encenação da dor, em todos os seus graus, da dor física à dor pela perda, pela privação, até à dor da ferida mortal, e, para nos levar ao exemplo definidor, a própria arte cristã é, também, fundamentalmente a arte da representação da paixão de Cristo bem como da história do seu martírio e da sua dor extrema. Ao falar de arte e dor, é conveniente que tenhamos estes factos bem presentes. Já Aristóteles tinha colocado, no centro da sua teoria, a tragédia, a “purgação” das paixões, a piedade e o terror. Purgação, essa, que só funcionava graças à identificação e à consequente compaixão, realçando a este facto que, nós homens, sentimos terror diante da morte e ganhamos uma forte ligação e/ou identificação com quem sofre, até porque, sem esse pressuposto, a tragédia das representações cristãs da paixão não teriam funcionado. Pensemos, agora, na crucificação de Cristo ou nos quadros representativos de São Sebastião amarrado e ‘atacado’ por flechas no seu corpo, para reforçar a ideia que sempre “assistimos” a uma encenação da dor mediada pela identificação com aquele que sofre, sofrer na nossa pele o que o outro sofre na dele, veremos mais tarde esta aproximação à matriz teórica da 1
SELIGMANN-SILVA, Marcio, Arte, dor e Kátharsis ou Variações sobre a arte de pintar o grito, 2003. p.1. Recensão.