«O fato salvador do Primeiro-Ministro»

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O fato salvador do Primeiro-Ministro

Com o decorrer do tempo, e, após várias tentativas falhadas, em diminuir a dívida pública portuguesa, o primeiro-ministro recebe a visita de três indivíduos vindos da europa, que afirmavam vir ajudá-lo a concretizar os seus intentos. Reúnem-se no seu gabinete, onde os falsos colaboradores assumem ter a fórmula mágica para este grave problema que o país enfrenta. Sabendo eles, de ante mão, da vaidade exacerbada que o primeiro-ministro possui, e para que ele facilmente acreditasse nas suas dicas, dizem-lhe que, além de diminuir a dívida, iria ter toda a AR e todo o povo, rendidos e acreditados nessa (falsa) realidade, somente teria que encontrar um fato, o fato salvador, diferenciador, para ostentar no discurso que iria ter no dia seguinte. Toda a gente iria ficar, perplexamente, maravilhada, não com o seu discurso e intenções do mesmo, mas sim com a sua imagem, até porque, argumentavam o F o M e o I, - nos tempos que correm esta tem mais significado do que qualquer boa acção, atitude ou palavras. Visto que os três homens vinham recomendados pelos seus parceiros, ditos dominadores da Europa, bem como a falta de capacidade e discernimento do PM, e, juntando a isto, toda a sua vaidade intrínseca, o PM acredita piamente que tem o grave problema resolvido, coroando este seu entendimento, pouco reflexivo, com um sorriso tão suave quanto avassalador. Neste preciso momento dirige-se aos colaboradores, agradecendo-lhes quase de forma piedosa, rebaixada, com três longos apertos de mão, dezenas de obrigadíssimos e alguns thanks, dando toda a sensação de menino perdido, desorientado, que acaba de encontrar nestes mestres europeus a tábua de salvação para ele e todo um país. Parecia, e ele assim pensava, que teria encontrado a fórmula sagrada. Os três falsos colaboradores, além de vestirem fatos magníficos, aos seus olhos, tinham igualmente uma forte atitude, convicção, eram bem-falantes e vinham recomendados pelos todo-poderosos (as) da europa, o que colocava o PM boquiaberto e manietado psicologicamente, dando toda a sensação que dissessem estes senhores o que dissessem o PM acreditaria e faria tudo Tim Tim por Tim Tim, tal era a sua fraqueza de espírito bem como a incapacidade de liderança, falta de confiança, de competência e poder de decisão, tendo que se refugiar na vaidade, na imagem acima de tudo o que realmente interessa. “ Estou safo, para isso só tenho que ir ao encontro do fato salvador que irá resolver todos os problemas. Incrível. Tenho que me despachar na sua procura, pois o discurso decisivo é já amanhã”, pensou o PM. “ Vestir um facto assim era um sonho antigo” pensava ele de novo, já a valorizar a falsa ideia que não


teve, demonstrando viver num mundo de sonhos, pois não consegue perceber, em momento algum, que a ajuda do F do M e do I podia não ser a desejada. Muito provavelmente não seria, ou sim. A ver vamos. Entretanto na rua os protestos do povo fazem-se sentir, e, acentuam-se a cada dia que passa. As greves avolumam-se cada vez mais, bem como a ira da população contra tão má gestão governamental. Confrontos entre civis e polícias, obrigados a defender o Parlamento, eram inevitáveis. O barulho é ensurdecedor com variadíssimos rebentamentos de petardos paralelamente a incisivos gritos de ordem -“ gatunos, gatunos”. Lá dentro, um silêncio aterrorizador, comparativamente ao que se passa lá fora, um vazio enorme e a manhã estava prestes a terminar. No seu gabinete, após se despedir dos três falsos senhores, sem sequer se designar a convidá-los para almoçar, não tivesse ele na mente o seu próximo objectivo bem delineado: encontrar o fato, o tal fato salvador. Sai da sala, apressado, em direcção à saída natural do Parlamento, a sua euforia era tal que se esquece dos protestos que estão a acontecer lá fora, e do que estava previamente combinado e planeado. Hoje é dia de não dar a cara, de deixar de lado, uma vez mais, a preocupação dos portugueses, e, como habitualmente nestas circunstâncias, abandonar o edifício pela porta traseira, onde, aliás, já se encontra o seu carro, milionário, com o seu motorista. Disfarçados e camuflados, para não serem reconhecidos, arrancam rumo à tão desejada compra do fato. - Para onde excelentíssimo presidente?- Questiona o motorista, já em andamento. – Em direcção à loja dos fatos mais nobre da cidade, onde se encontre o fato, o fato especial, o fato diferenciador, salvador de todos os meus pecados. Aqui está o cartão de crédito. Sigamos. Neste momento toca o telefone. – Estou sim? “ Sr. Presidente, isto lá fora está como nunca esteve, nem a polícia consegue travar os ânimos e toda a raiva e revolta do povo! Consta que são milhares. -Não quero saber, és pago para resolveres esses problemas. Queres que te diga para a polícia aumentar o contingente e a atitude violenta?! Isso tu já devias saber. E hoje não quero ser mais incomodado, estou a tratar da salvação para o país. Desligando a chamada. – Vamos, acelera! – Exige o PM ao motorista. Chegados à loja, não muito tempo depois, apesar de algumas complicações no trânsito, normais para uma capital europeia, entram na mesma e, esta como que pára quando se apercebe da entrada de V. Exª. Um funcionário, mais expedito, vem ao seu encontro, cheio de convicção, mas é rapidamente interrompida pela velocidade com que as palavras lhe saem da boca em


catadupa apesar de perceptíveis, - Boa tarde, como sabe quero um fato mas, desta vez procuro um fato especial, único, singular, com aura. Dirigindo-se directamente à secção dos fatos, com o funcionário no seu encalce. Mostrando que é a loja onde habitualmente faz compras, certamente já ali tinha deixado muitíssimo dinheiro, até porque o motorista foi lesto e preciso em chegar ao local. - Sim, Excelentíssimo. Com certeza temos o que procura. – Afirma o funcionário. -Tem preferência na cor, no corte, no tecido, ou noutra qualquer, Excelentíssimo? - Não. Vi há pouco três fatos vestidos por três senhores e gostava muito de encontrar algum igual. Olhe, este, este parece-me bastante parecido. – Diz o PM, apontando para um manequim, e prossegue, - qual é o seu valor? – Este, por acaso, é dos mais baratos, mas…- Não, então devo estar confuso. Diz o PM interrompendo a resposta da funcionária, e continua, -olhe, como são muitos os fatos e pouco o tempo, mostre-me o mais caro que tenha. Mostrando que muito também é o dinheiro e, mais uma vez, toda a sua vaidade e incapacidade de discernimento, pensando que há um tipo de fato salvador e este terá que ser caro, o mais caro. Será que tem razão?! A ver vamos. - Com certeza, excelentíssimo, só um instante que vou já providenciar o fato que pretende. - Aqui está. – Ah, este sim, é lindo. Diz ao pegar no fato com um sorriso de orelha a orelha. «mas, basicamente a diferença para o outro está na marca, além do preço claro, até a cor é igual!!» pensa o funcionário. Entretanto, à porta do Parlamento, a enorme manifestação está de pedra e cal. Um polícia faminto por libertar toda a sua raiva e violência sobre um qualquer civil que proteste pelos seus direitos, não fossem assim treinados e mandados, com uma arrogância e prepotência desmedida, e, sem o mínimo de bom-senso, dirige-se a um jovem e espanca-o com o seu aliado cacete-te. Uma enorme desigualdade de forças, quer físicas mas, essencialmente mentais. Outros manifestantes tentam interromper, em vão, até que um outro polícia, este, aparentemente, lúcido, consegue travá-lo questionando-o, - tens assim tanta raiva acumulada para com o teu filho? Neste dia estava agendada uma reunião de ministros para prepararem o discurso que o PrimeiroMinistro teria no dia seguinte. A governação do país está cada vez pior e era imperioso estarem todos em sintonia para a argumentação, as desculpas do insucesso, para que o discurso fosse coerentemente falso, enganador, encenado em mais um vacilo das contas públicas portuguesas mas, visto que o PM tinha encontrado o elemento, crê ele, salvador do défice, faz um telefonema ao núcleo duro de ministros e cancela


a reunião, dizendo que já não havia necessidade de combinarem como enganar o povo, pois já tinha encontrado a tábua de salvação, revelando a mesma. Do outro lado, o ministro ouve e consente, limitando-se a passar a mensagem aos restantes colegas. Atitude habitual de enorme passividade não levantando qualquer questão nem confrontando o Presidente para o que poderia estar errado. Mais uma vez não têm ideias próprias e convicções, limitam-se a dizer ámen para com o seu chefe, estando pura e simplesmente agarrados ao poder e, diga-se, mal agarrados. Chegado o dia D, o PM apresentasse no Parlamento. O motivo do cancelamento da reunião, prevista para o dia anterior, já tinha circulado pelos ouvidos dos restantes ministros menos chegados ao chefe, logo, a curiosidade era muita, todos queriam ver o fato salvador. Este passeava no corpo franzino e maniento do chefe em direcção à Assembleia da República mas, toda a curiosidade é esbatida na normalidade do fato, não vêem nada de incomum, simplesmente um fato como tantos outros, embora ninguém, mais uma vez, tenha tido a hombridade de questionar toda esta situação duvidosa. Assim, cada ministro e deputado seguiu para o seu lugar, a hora do discurso do presidente está breve a acontecer, e este fazia questão de ser o último a entrar em cena, adorava ser a estrela da companhia, até porque pensava ter a salvação do défice garantida, para que todos os olhares batessem nele com estrondo. Enquanto isso, os protestos populacionais voltaram à rua. Havia agora ainda mais motivos de revolta. À defesa dos seus direitos e à liberdade de expressão, juntam-se, agora, a defesa física e a revolta da facilidade com que se agride. Isto após a ida do civil-rapaz-filho para o hospital com ferimentos depois da agressão do polícia-pai. - Violência nunca resolverá o que quer que seja, comentavam um grupo de rapazes mais intelectuais e activistas, que passavam, desviando-se da multidão, e, ordeiramente, entram no parlamento para a bancada destinada ao público. Queriam estar a par e passo de todos os acontecimentos, não queriam protestar em vão e para isso era preciso estar o mais por dentro do assunto possível. O conhecimento e o poder de discussão ou juízos de valor assim o exigem e, eis que se anuncia a entrada do PM em palco. Com a AR praticamente cheia, percebe-se a falta, física, de alguns deputados, o PM dirige-se ao seu lugar. O poder ao centro. Todas as forças convergem na sua direcção, é indisfarçável o sorriso e o ar pomposo com que, calmamente, se dirige ao esguio microfone. – Senhoras e senhores, caros ministros, deputados e cidadãos, hoje será o dia mais importante para o país. A sua salvação, não está nas minhas


mãos, está sim no meu corpo. Ouve-se um enorme sururu vindo da bancada parlamentar e, no mesmo instante, aproveitando uma pequena pausa do discurso, ouve-se, vindo da bancada do público, um rapaz gritar, com enorme firmeza, clareza e pragmatismo,- De fa(c)to nada fazem!!! Esta frase, tão sucinta quanto reveladora, teve o poder de ser repetida, em uníssono, quer pelos colegas do rapaz quer por todo o público geral, criando um protesto com critério e pacífico, de tal forma que o, ainda, Primeiro-Ministro olha para si e, para todos os colegas e adversários, percebendo que, de facto, de fato todos se vestem, e que não é por esse motivo ou estereótipo que um país funcionará correctamente. Sente-se enganado, tanto quanto estúpido ou ingénuo, chegando à conclusão que mais vale tarde do que nunca e abandona a AR. Rende-se. Engraçado como a mente comanda a vida. Durante dois dias só o fato salvador lhe passou pela cabeça, e, mesmo que o rapaz se tenha referido a facto, na acção de fazer algo, ele imediatamente interpretou o que lhe ía na alma, e, no corpo. O fato. Acabando, mesmo que de forma irónica, por ser este o salvador e decisivo, não para a diminuição do défice mas, para a mudança de PM.


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