junho ‘20
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Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santo Tirso Rua da Misericórdia, 171, 4780-501 Santo Tirso t. + 252 808 260 | f. + 252 808 269 santacasa@iscmst.pt www.misericordia-santotirso.org www.facebook.com/MisericordiaSantoTirso
editorial COm VIDa
por Ricardo Baptista Mesário do Lar Dra Leonor Beleza Com vida a sociedade a esta pandemia chegou e com vida a vai ultrapassar. Agora, com o distanciamento social, a vida é necessariamente diferente. Mas está ao nosso alcance não nos afundarmos no sofrimento. Isso é possível quando procuramos maneiras de compensar as eventuais perdas, seja a fazer o que antes não tínhamos tempo, aproveitar a companhia da família, sendo solidários ou reavaliando as nossas escolhas para termos uma vida melhor quando tudo passar. Vivemos muitas vezes de uma forma irrefletida. Devemos reflectir sobre o que estamos a viver, sobre o que é realmente importante. Sendo uma época cinzenta, de muito sofrimento e angústia, é também a altura certa para crescermos e evoluirmos como sociedade. Durante esta pandemia, vimos vídeos de profissionais de saúde essenciais os quais recebiam merecidos elogios pelo seu trabalho que salva vidas. Enquanto eu também aplaudo os médicos e funcionários dos hospitais, outros heróis na linha de frente também merecem os nossos elogios e atenção. É de elementar justiça que todos também expressemos gratidão pelos “heróis desconhecidos” desta pandemia: todos os profissionais que cuidam dos nossos utentes, em cada uma das nossas valências. Durante esta crise pandémica os nossos profissionais têm sido levados ao limite, demonstrando todos os dias que a saúde, o bem-estar e a segurança dos nossos utentes em todas as valências permanecem as nossas prioridades fundamentais. No entanto, muitas das notícias em torno das comunidades de idosos são críticas e não valorizam esta realidade.
Os nossos colaboradores são heróis na linha de frente que merecem elogios pelo seu senso de dever, bravura, comprometimento e determinação – enquanto tentam equilibrar a sua vida profissional com a sua vida familiar. O seu caráter e resiliência são testados como nunca antes. Agora, mais do que nunca, os nossos colaboradores estão encarregues de proteger vidas. E, durante todo o tempo, os nossos utentes e seus familiares esperam, com razão, cuidados inabaláveis, de alta qualidade e compassivos, que são apanágio da nossa instituição. Os nossos colaboradores, em cada valência, com as suas especificidades enfrentam nos dias de hoje desafios únicos. São a face amiga, o porto seguro de uma população vulnerável que requer cuidados e atenção 24 horas por dia, 7 dias por semana. Além de uma idade média muito elevada, muitos utentes sofrem de demência, condições de saúde subjacentes, comorbilidades e problemas de mobilidade que representam um desafio acrescido no dia a dia. Peço a todos que dediquem um momento para reconhecer o trabalho excepcional que os nossos profissionais têm realizado. Muitos são seus amigos e vizinhos. Outros são completos estranhos que cuidam dos entes queridos de alguém. Diante da completa incerteza, eles continuam a se sacrificar e a aparecer na linha da frente. Eles são heróis em todos os sentidos.
SUMÁRIO /// ATUALIDADES / ENTREVISTA A RICARDO DINIS-OLIVEIRA PROFESSOR UNIVERSITÁRIO, TOXICOLOGISTA E PERITO DE CIÊNCIAS FORENSES P.06 / COVID-19 UMA VISÃO ABRANGENTE P.12 / IMENSO VALOR P.14 / BISPO DO PORTO VISITOU A INSTITUIÇÃO P.18 / NOVA UNIDADE CUIDADOS CONTINUADOS INTEGRADOS COM APOIO IFRRU 2020 P.19 / RELATÓRIO E CONTAS 2019 P.20 / DONATIVOS COm VIDa P.25 /// AÇÃO SOCIAL E COMUNIDADE / O TERCEIRO SETOR NA LUTA CONTRA O COVID-19 P.26 / SEM NORTE CONFI(N)ADAS À SUA SORTE P.28 / SERVIÇO SOCIAL COM VIDA (RE) PENSAR (RE)PROGRAMAR (RE)DEFINIR (RE)INVENTAR P.30 / LAR DR.ª LEONOR BELEZA COM E PELA VIDA P.34 / UP FIT EM CASA DE REPOUSO P.45 / COM VIDA NA CASA DE REPOUSO P.46 / MUDA DE VIDA... ANIMAÇÃO NAS ERPI P.48 /// SAÚDE / NA LINHA DA FRENTE O TESTEMUNHO DA ENFERMAGEM P.51 /// SAÚDE MENTAL / O VÍRUS DENTRO DE NÓS P.57 / COMO DESBLOQUEAR A VIDA INTERNA P.60 / COMO CRIAR UMA VIDA SERENA, FELIZ E REALIZADA EM TEMPOS DE COVID-19 P.62 /// FORMAÇÃO / HÁBITOS DE ALTA PERFORMANCE LIFE MASTERY TRAINING P.65 /// CULTURA / VIAJAR SEM SAIR DE CASA P.66 / POEMAS P.67 /// REVELAÇÕES TESTEMUNHOS P.68
2010/CEP.3635
PROPRIEDADE IRMANDADE DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE SANTO TIRSO // DIRETORA CARLA MEDEIROS // SECRETARIADO AVELINO RIBEIRO // COLABORADORES ANA LUÍSA CARVALHO // ANYTA // CARLA NOGUEIRA // CÉU MACHADO // CLARINDA LEITE // DANIELA AREAL // DANIELA MAGALHÃES // HELENA CARVALHO // HELENA SILVA // ILDA MEIRELES // JOÃO DELICADO // JOÃO LOUREIRO // JOAQUIM COUTO // LILIANA SALGADO // LUÍS MATEUS // LUÍSA ALBUQUERQUE // LUÍSA PEREIRA // MÁRCIA TEIXEIRA // Mª JOÃO FERNANDES // Mª JOÃO OLIVEIRA // MARTA FERREIRA // MIGUEL DIAS // MÓNICA CONDE // PAULA MARTINS // RICARDO BAPTISTA // SANDRA QUEIRÓS // SARA A. SOUSA // SÍLVIA MONTEIRO // SOFIA OLIVEIRA // SUSANA MOURA // EDIÇÃO JUNHO 2020 // DEPÓSITO LEGAL 167587/01 PERIODICIDADE SEMESTRAL // IMPRESSÃO NORPRINT // DESIGN SUBZERODESIGN Obs: a Revista da Misericórdia obedece ao novo acordo ortográfico.
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Ricardo Dinis-Oliveira é investigador, professor O seu trabalho transformou-se num dos seus passatempos universitário, toxicologista e perito em Ciências Forenses, favoritos. Ricardo Dinis-Oliveira gosta muito de ler, com um extenso currículo nas áreas académica e estudar, investigar. “Gosto de pensar nas questões para os investigação. É natural de Santo Tirso onde viveu quase problemas científicos”. Não sendo por isso de estranhar sempre, até se ter casado e ter optado por fixar residência que depois da licenciatura em Ciências Farmacêuticas, fez no Porto. Em jeito de brincadeira diz que a relação que tem um segundo curso, Medicina, seguiu-se o mestrado e com a invicta é profissional e a com Santo Tirso é pessoal. doutoramento. É apreciador de desportos coletivos, nomeadamente de futebol, um gosto que talvez tenha sido incutido pelo avô Refere que foi uma grande oportunidade ter enveredado Joaquim Dinis (mais conhecido por “Rechimba”), jogador pela investigação e a docência. “Há uma pessoa chave na do Tirsense nos anos 40 e 50 do século passado. Casado e minha vida que é o Professor Félix de Carvalho, foi ele que com 2 filhos, um de 6 e outro de 8, o Miguel e o Francisco, me conseguiu uma bolsa para doutoramento”. O seu é com a família que gosta de passar trabalho de investigação debruçavaos seus tempos livres. Em tempo de se na procura de uma terapêutica, “É a ciência que nos vai fazer sair confinamento devido à COVID-19 de um antídoto para a intoxicação desta pandemia” conversamos sobre as mudanças causada por um pesticida, que esta pandemia trouxe à vida herbicida, responsável por elevada dos cidadãos e tentamos descortinar taxa de mortalidade. A partir desta um pouco das transformações que daqui virão. investigação o conhecimento passou a ser uma paixão. E depois de concluído o doutoramento, foi-lhe lançado um Ricardo Dinis-Oliveira gosta muito de futebol não só como novo desafio pela professora Teresa Magalhães e dedicarespectador de um bom jogo, mas também como praticante. se à área forense “Na última década, esta área do Quase todas as sextas-feiras conseguia arranjar tempo conhecimento cresceu muito e tornou-se mais científica e para jogar com amigos. Esta rotina assim como algumas baseada na evidência”. Atualmente é diretor de uma outras foram interrompidas devido ao confinamento Licenciatura e um Mestrado em ciências forenses, ambos provocado pela COVID-19. Diz ser sportinguista, mas é do Instituto Universitário de Ciências da Saúde, da Póspela seleção que o seu coração fala mais alto, pois “aí graduação em Perícias Forenses da Faculdade de Medicina sente a pátria”. Corre com regularidade, assumindo que da Universidade do Porto e é também presidente da lhe permite resolver a necessidade física de forma Associação Portuguesa de Ciências Forenses. imediata e sendo a única circunstância na vida em que Que mudanças esta pandemia trouxe à vida de Ricardo consegue fazer uma espécie de reset do cérebro.
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Dinis-Oliveira, pessoa/indivíduo e profissional: docente universitário, investigador? Que balanço faz? Trouxe o afastamento das pessoas, mas uma maior proximidade da família. Eu nunca pude exercer tão bem a função de pai como agora. Também aumentou a qualidade do trabalho produzido, pelo menos na minha área na docência e na investigação. Foi descoberto um novo mundo e só espero que não se volte para trás, pois verificou-se que o ensino superior não precisa de ficar restrito ao ensino presencial e nem ficar exclusivamente assente num ensino teórico; há um ensino à distância que resolve inclusive com maior qualidade muitas situações. A sociedade tinha a ideia de que quem está em casa a trabalhar está de férias, mas a verdade é que de uma maneira geral se produziu muito mais. Eu ensinei e produzi muitos mais textos científicos (com mais ponderação e reflexão) e também consegui uma maior proximidade com os estudantes sendo as dúvidas rapidamente esclarecidas. A facilidade que temos em resolver as questões com os estudantes é muito maior e antes só eram resolvidas presencialmente e com a compatibilização de horários presenciais, nem sempre fáceis de articular. Agora as reuniões começam a horas e são muito mais produtivas e não preciso
fazer tantas viagens, não poluo, não fico preso no trânsito, não gasto tempo de forma desnecessária nas deslocações. Esta nova gestão de tempo resultou numa maior produtividade, mas óbvio que não se pode aplicar em todas as profissões e a todo o tipo de ensino, nomeadamente o de natureza mais prática e laboratorial. Eu espero que os decisores políticos e institucionais, que têm a capacidade deliberativa, não tenham pruridos e não queiram fazer um regresso ao passado, mas pretendam regressar ao futuro. Um equilíbrio entre as vantagens do regime presencial com as vantagens das plataformas de videoconferência, poderá resultar num produto de maior qualidade. E aspetos negativos? Claro que nunca poderemos esquecer as coisas negativas, as mortes, a crise económica, os lutos que não foram feitos, que ficaram mal resolvidos, porque as pessoas não puderam despedir-se convenientemente dos seus entes queridos. Temos também agora de retomar as relações de intimidade; houve pessoas que nos mantivemos distantes e sem os podermos abraçar e acarinhar. Tenho receio que essa parte boa da sociedade portuguesa que são os afetos não se recupere tão cedo; que as pessoas se imiscuem de se aproximarem. As
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pessoas habituam-se à proximidade, mas também ao afastamento e isso origina novos hábitos. Aos mais idosos, nunca ninguém lhes perguntou se eles queriam estar afastados dos filhos e dos netos. A COVID-19 vai continuar a ser uma realidade, pelo menos até ser descoberta uma vacina. Estaremos preparados para aguardar sem correr riscos? O vírus é novo, temos pouco espólio científico para saber o que vai dar, quais as sequelas e em terapêutica não temos quase nada de relevante. Dificilmente num curto espaço de tempo, um ano e meio, dois anos teremos uma terapêutica dirigida, ou vacina, para a COVID-19. Acho que a probabilidade de sucesso é maior na terapêutica do que na vacina; mas é uma desconfiança muito preliminar. Eu acho que sabemos muito pouco sobre o assunto e só temos indícios de algumas coisas. Muito se tem tentado, nomeadamente em medicamentos usados no tratamento da malária, do HIV, em vitaminas, corticoesteroides, melatonina, e na verdade isto originou muita entropia, muita confusão no sistema. Numa situação normal nunca se teria publicado ou lançado uma série de publicações com a velocidade e no estado em que foram, até porque depois vamos verificar que o número de doentes utilizados no estudo é insignificante; que os critérios de inclusão e exclusão não estão nada adequados; que a análise dos dados estatísticos não está correta. A nível da terapêutica houve um certo apressar para a saída de resultados ainda inconsistentes. Há uma pressão muito grande sobre o docente universitário/ /investigador para produzir artigos científicos, o que pode ser um inimigo quando os resultados produzidos de forma
apressada influenciam tomadas de decisão clínica e políticas de saúde. E a ciência que pode ajudar e contribuir para resolver um problema, também está a criar aqui uma certa ambiguidade de decisão, porque aparecem dados que pouco depois se vão desmontar porque são inconsistentes. Por exemplo, num período de um mês, em dois artigos científicos publicados em duas revistas internacionais, apresentaram-se resultados importantes na área da terapêutica da COVID-19 e que rapidamente foram retirados. E tiveram enormes implicações clínicas, sociais e políticas. A este propósito convido a ler uma análise que fiz desde janeiro de 2020, de todas as terapêuticas veiculadas como milagrosas para a COVID-19. A análise foi publicada numa revista internacional (para mais informações consultar https://www.tandfonline. com/doi/full/10.1080/20961790.2020.1767754). Ao termos apenas indícios de algumas tendências científicas, origina interpretações muito especulativas e muitas vezes interpretadas por quem não percebe do assunto. Assim, a posição do cientista deve ser muito criteriosa no que deve dizer, porque os dados são muito incipientes ainda e é preciso conhecer a realidade e a linguagem das publicações científicas para interpretar devidamente os resultados. Como estão a reagir os cientistas à pandemia, quais os grandes desafios? Alguns cientistas estão impedidos de fazer ciência porque só o conseguirão fazer presencialmente e outros mudaram a sua área de trabalho para a colocar ao serviço e em benefício de todos os doentes. É um ato de grande responsabilidade e deve ser louvável, mas por outro lado muitos acabam por o fazer sem
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as devidas competências, mas porque as oportunidades de financiamento são mais apetecíveis. Os cientistas têm-se comportado razoavelmente bem, mas não na plenitude; por não estarem a ser muitos deles sérios na veiculação dos dados que obtém; eles querem conseguir a publicação e para consegui-lo, às vezes, há uma má conduta, fraude, alteram-se valores. Esta situação está a dificultar o avanço científico porque será depois necessário tempo para confirmar ou desmontar essa produção científica. Mas continuamos a ter cientistas muito idôneos e esses praticamente não produziram nada porque isto leva o seu tempo; esses cientistas sabem que é preciso muito cuidado na veiculação dos dados e não querem ter o nome deles associados a resultados inconsistentes. A investigação científica será quem nos irá fazer sair desta crise? Inequivocamente é a ciência que nos vai fazer sair desta pandemia, porque só a capacidade de trabalho, o amor à camisola dos cientistas, com muito esforço individual e coletivo dos investigadores sejam eles médicos, enfermeiros, cientistas, farmacêuticos, engenheiros, é que nos vão permitir verificar como o vírus funciona, como é a interação com o sistema imunitário. Quando for possível fazer autópsias de vítimas COVID, será possível estudar melhor as lesões do cadáver. Todos estão a investigar - para uma vacina - é necessário uma grande quantidade de áreas profissionais a trabalharem juntas. Só os cientistas é que nos vão permitir descobrir como é a interação do vírus com o sistema imunitário. Tem sido dura a vida dos meus colegas que estão na linha da frente. Os
cientistas têm de manter a idoneidade e a seriedade científica na hora de pesquisar, de produzir os resultados e, por um lado, compreendendo a urgência de resultados, não podemos atropelar a ciência porque o que se tem visto é que a velocidade tem prejudicado mais do que ajudado. Este confinamento e isolamento das pessoas em geral contribuiu para um aumento das dependências? O curioso é que se verificou que a pandemia alterou os consumos de álcool entre jovens, ou seja, baixou, até mesmo o consumo de substâncias ilícitas, como cocaína, heroína, ecstasy, anfetaminas e marijuana. Como não saem de casa para comprar, o mercado perdeu-se. Um estudo muito interessante, de um investigador, revelou que o consumo entre jovens diminuiu consideravelmente, isto é, 40%. Mas o reverso deste confinamento levou, por outro lado, a períodos depressivos, psicóticos. A sociedade ainda não está muito focada a estudar esse tipo de afetação, pois está a tentar acalmar o grande problema para depois resolver os outros emergentes. Mas não podemos esquecer que uma pessoa depressiva, fechada em casa tenha piorado. Acredito que o consumo de antidepressivos, hipnóticos, anti psicóticos e ansiolíticos tenha aumentado, e que algumas pessoas tenham desregulado o seu quadro depressivo porque não compraram medicação. Recentemente, a Direção Geral da Saúde lançou o site que se chama SAÚDE MENTAL onde se assume o apoio, a informação e a especial relevância do bem-estar da população e das comunidades no que diz respeito à sua saúde mental.
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Diz-se muito que nada voltará a ser como antes, é dessa opinião? Houve transformações que a sociedade nunca teve oportunidade antes para as fazer, mesmo ao nível do Serviço Nacional de Saúde, do ensino superior e das empresas. Cabe ao ser humano perceber a parte boa, porque senão vai ser tudo mau. Se nós não encontrarmos, durante esta fase, aquilo que é importante e pode ser mudado para o bem da sociedade, então nunca mais o poderemos fazer. Vejo isto como uma oportunidade para a sociedade se reajustar, reinventar, se redefinir para encontrar o equilíbrio entre a evolução, o consumismo e a família e isso é o mais nobre que podemos imaginar dos próximos tempos. Mas estarão os portugueses suficientemente serenos para retomarem as suas vidas? Eu acho que sim. Nós não conhecemos quase nada do vírus. Se as pessoas negligenciam toda aquela conquista que nós tivemos, provavelmente perderemos o controlo da situação. A grande vantagem de Portugal em relação aos países vizinhos é que antes dos governantes terem decretado o confinamento, as pessoas já estavam confinadas. O cidadão português quer seja por medo, responsabilidade ou por precaução, tem de ser enaltecido porque antes de lhe ter sido decretada a ordem de confinamento, já eles estavam em casa; e foi essa semana que diferiu de nós e de França e Espanha, foi isso que impediu que houvesse a explosão da disseminação da infeção. Enquanto não houver imunidade de grupo ou imunidade populacional, nós vamos ter sempre um medo latente de recidiva do processo infecioso.
Portugal é o país com maior número de testes COVID-19 realizados por milhão de habitantes. Sim, é verdade e quanto mais se testar melhor se consegue vetorizar a população infetada, e melhor se conhece a epidemiologia e quão mais instalada está a doença na comunidade. O que precisamos nestes testes é precisamente torná-los mais rápidos e simples. Os portugueses estão solidários? Os portugueses têm sido muito solidários, mobilizam-se: uns a fazer máscaras, outros a fazer viseiras. Por exemplo, várias instituições universitárias prontificaram-se a fazer o registro junto do Infarmed, que tinha a idoneidade para fazer as análises, e disponibilizar gratuitamente à população universitária. É um ato de solidariedade para com os estudantes. Também foram proporcionadas condições e apoios dirigidos a alguns estudantes que não tinham internet com cobertura de banda larga para videoconferência, nem computador, para que pudessem usufruir de ensino à distância. Verificamos que é possível lecionar várias aulas sem ser presencialmente. Nunca antes houve uma mobilização global de várias instituições para isto, facto que possibilitou ensinar e partilhar experiências académicas e científicas com estudantes que fisicamente estão noutros países. E o retorno humano é muito grande e a gratidão é imensa por parte desses profissionais e estudantes. É como se estivesse a ajudar uma sociedade como um todo, sobretudo a cientificamente menos evoluída.
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Ricardo Dinis-Oliveira terminou recentemente mais uma investigação. Este foi um trabalho a que se dedicou, ao longo de mais de uma década, sobre o “Crime da Rua das Flores” (https://sicnoticias.pt/programas/reportagemespecial/201912-07-Crime-da-Rua-das-Flores), caso que moveu e apaixonou a opinião pública nacional e internacional no século XIX e que no fundo demonstrou a fragilidade da Medicina Legal na altura, tendo revelado a importância de a estruturar com a ajuda de várias áreas, nomeadamente a toxicologia. Uma investigação apaixonante que o levou um pouco por todo o mundo, tendo encontrado documentos dispersos de valor incalculável documental e histórico que o ajudaram a reconstruir o caso e a época. Fotografias, ilustrações, artigos de jornais são uma pequena amostra do que teve acesso. O autor conseguiu aceder a depoimentos escritos de várias testemunhas que na altura dos factos foram elementos chave da acusação mas também da defesa do réu, Vicente Urbino Freitas. O investigador conseguiu, por exemplo, ter acesso aos registos da audiência de julgamento e descobrir pormenores que quase poderiam reconstruir cronologicamente o período em que ocorreu este crime. Foi inclusive possível recuperar aquela que se acredita ser a primeira fotografia a um doente feita em Portugal
publicada numa revista científica. Tratava-se de um doente com lepra, tratado por Vicente Urbino de Freitas. Este, suposto autor do crime da Rua das Flores era um prestigiado médico, professor universitário e autor de vários livros sobre lepra e que terá assassinado por envenenamento o cunhado e o sobrinho, mas só por este último foi condenado. O motivo do crime terá sido uma suposta herança, porém Vicente Urbino Freitas era abastado e parece difícil acreditar que essa tenha sido a razão. Ricardo Dinis-Oliveira reconstruiu pormenorizadamente este crime, ocorrido em 1890, tendo em conta os conhecimentos da atualidade. Apesar das fortes evidências que demonstram a “culpa” do acusado ainda hoje persiste a dúvida se era um psicopata ou uma vítima das circunstâncias e dos meios que dispunham na época para avaliar as provas periciais recolhidas. Certo é que Vicente Urbino Freitas depois de ter cumprido a pena de 20 anos persistiu em querer demonstrar a sua inocência. Ricardo Dinis-Oliveira consegue ter uma opinião sobre o veredito do século XIX e muito dentro em breve será conhecido, adiantando que “a prova que o condenou está errada”. • POR CARLA NOGUEIRA (JORNALISTA)
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COVID-19 UMA VISÃO ABRANGENTE
Sempre que acontece algo de inesperado na vida de um país, a nossa primeira reação é de espanto e apreensão. O aparecimento do Covid-19, deixou-nos num primeiro passo paralisados, mas a racionalidade veio ao de cima e todos fomos capazes de desencadear e implementar as medidas adequadas ao controlo da situação. O modelo de comportamento, familiar, profissional e social a que nos habituamos em décadas de aprendizagem, não se mostrou adequado à situação e todos nós tivemos de mudar drasticamente muitas coisas, que considerávamos imutáveis. Desde logo, os hábitos familiares, que já estavam em avançado estado de alteração: já desapareceram as famílias numerosas, vivendo na mesma habitação com os ascendentes e descendentes e outros familiares colaterais. Concluímos amargamente, que a sociedade que construímos gerou um conjunto de disfunções, nomeadamente o isolamento das pessoas mais velhas, muitas vezes distantes dos familiares mais próximos. O medo e a desconfiança do futuro tomaram conta de nós, num primeiro momento. A solidariedade tão comum nos portugueses, sobretudo no Norte, mostrou-se à altura e centenas de organizações sem olhar à raça, cultura e religião, ajudaram a colmatar as falhas do estado, que nestas situações tende a reagir mais tarde.
Foi bonito ver esta onda de solidariedade nacional, mas será que aprendemos a reagir de modo idêntico para o futuro? A vida das comunidades e do país como está organizado deve sofrer correções, tendo em conta o bem-estar e felicidade das populações. E a população deve ser mais exigente, mais informada com vista a escolher de modo mais esclarecida os seus representantes. Não deve deixar que outros decidam por si. Essa é porventura uma das lições mais importantes da pandemia, que assolou o mundo e provocou os malefícios humanos, económicos e sociais que conhecemos. Mas também aprendemos que se o estado social não está preparado para as crises, e se de um momento para o outro muitas pessoas ficam desempregadas, ou sem habitação, e se o rendimento das famílias cai abruptamente, então temos de criar os instrumentos ao nível do estado para que em circunstâncias idênticas, muitos portugueses não fiquem na miséria. E isso passa, e tem muito a ver com a economia sustentável, que respeite o ambiente, que conserve e regenere o planeta terra e que a riqueza criada, seja distribuída de um modo mais justo e sustentável. Todos nos lembramos das imagens televisivas nos céus da Europa, Ásia e Estados Unidos, onde a poluição diminuiu drasticamente, porque o mundo parou.
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O Governo andou globalmente bem, mas em algumas circunstâncias, também não tinha os instrumentos de política adequados para atuar com eficiência e eficácia. O mundo empresarial, o Serviço Nacional de Saúde e outras instituições do estado e Universidades, têm obrigatoriamente de incrementar o diálogo proativo com um objetivo principal – o serviço ao cidadão e à comunidade. A ineficiência da Segurança Social e da Banca, foram diversas vezes, postas a descoberto pelos órgãos de comunicação social. Mas há duas questões antigas, que foram bem visíveis pela negativa, nesta crise de confinamento pelo Covid-19 – a burocracia do Estado e a falta de uma administração pública moderna, célere, que tenha como centro da sua atuação o País Real. Não que os funcionários públicos tenham culpa de alguma coisa que tenha corrido menos bem… Não. O estado que temos envelhecido na sua organização, ineficiente nas suas sobreposições e dependências é o verdadeiro responsável. Mas nós podemos alterar este estado, se mantivermos um comportamento ativo, vigilante, participativo e colaborativo, que tivemos durante a pandemia e que até os partidos políticos, deram o seu exemplo. Mas que marcas ficarão para o futuro próximo? Vamos querer ser mais informados? Vamos ser menos consumistas, não comprar por comprar? Vamos ser mais racionais na alimentação, promovendo a saúde? Vamos ser mais solidários? Vamos ser mais cuidadosos, intervenientes e próximos da população mais velha? Vamos ser mais sociais?
Atrás deste tempo, outros tempos virão, mas estou cético, relativamente à alteração de muitos dos nossos comportamentos e sobretudo de alterações significativas ao nível da economia sustentável e da redistribuição mais justa da riqueza. É claro que o período pós pandemia será da consolidação da hegemonia asiática, que já se vinha verificando. A Europa e os Estados Unidos acordaram tarde, para o jogo subtil geopolítico que a China vinha ensaiando há mais de 20 anos. Para infelicidade do ocidente, a atual presidência dos Estados Unidos, deu-lhe os últimos trunfos, para essa ascensão hegemónica, quer durante a pandemia, quer retirando-se de muitas organizações internacionais, onde o multilateralismo fazia o equilíbrio entre os Grandes. Os relatórios internacionais, tão bem comentados pelo Paulo Portas e Miguel Sousa Tavares, são peças jornalísticas que todos deviam rever, concordando ou não, com as suas opiniões. Finalmente apesar de muitos céticos do presente e do passado, o nosso Serviço Nacional de Saúde mostrou-se à altura e honrou o seu fundador, António Arnaut. Parabéns e bem hajam todos os profissionais de saúde e auxiliares de atividades paramédicas. Nestas horas de aflição, todos reclamaram mais estado, mais Segurança Social e mais Serviço Nacional de Saúde. É bom que não se esqueçam rapidamente nos tempos mais próximos. • POR JOAQUIM COUTO (PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA GERAL DA ISCMST)
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IMENSO VALOR
“Tudo aquilo que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes.” (Mt 25, 40) Quase no final do Evangelho de São Mateus, Jesus convida os seus discípulos a refletir sobre o “último julgamento”, em que o Senhor nos perguntará: o que fizeste? Sabendo que, o que tivermos feito, nos aproxima da salvação de Deus; e o que deixamos de fazer, nos afasta da salvação de Deus. Isto é, da “Vida Eterna”. A meta que nenhum de nós deve ignorar e para a qual todos devemos correr. Para a atingir não basta viver, mas é preciso viver como Ele viveu. Não é suficiente o que fazemos, mas é fundamental o modo como fazemos. Mesmo que sejamos obrigados a fazê-lo. É um desafio permanente, exigente em todos os sentidos, revelador da nossa verdade. Sei que, por vezes, se torna difícil pensarmos para lá do que é visível aos olhos, para lá do que está a acontecer no momento presente da nossa vida. Ainda mais, se estamos envolvidos em situações que nos absorvem totalmente e exigem radical concentração e ação. Não podemos falhar. Parece que tudo para. Tudo o resto deixa de ter “aquele valor”. Todas as nossas energias estão voltadas para uma “causa”, para esta “situação”, para este “momento”. É o que está a acontecer, motivado pela pandemia do COVID-19. O mundo inteiro “parou”. Parou e centrou-se
nesta pandemia, dando o melhor de si para cuidar, tratar, curar... mesmo que isto tenha significado, no limite, dar dignidade ao morrer. Todas as energias estão voltadas para este problema, procurando minimizar consequências, resolver situações aflitivas que surgem, cuidar dos mais frágeis, acompanhar, momento a momento, quem mais sofre, dotar de equipamentos e condições todos os que estão na linha da frente. Estará este modo de pensar errado? Claro que não. Não haja dúvida do que deve ser feito, e como deve ser feito. É a VIDA que está em causa. Sou EU e o OUTRO, tantas vezes frágil. Mas, ficamos acorrentados à situação, simplesmente? Não podemos alargar o pensamento? Apenas o presente, ou também o futuro? Como vamos sair de tudo isto? Como vai ser daqui para a frente? Fala-se dum “novo normal”! Que significará?... Tanta coisa. Tantas dúvidas. Porque estamos a passar por isto? De quem é a culpa? Que consequências terá para o futuro da Humanidade? Como vamos sair desta situação? Com que danos? Toda esta situação expõe a nossa fragilidade a muitos níveis. Não sabemos tudo, e muito menos controlamos tudo. Realmente há caminhos que não deveríamos percorrer, pois nunca conduzirão aonde queremos chegar. Há rumos que
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tomamos que apenas nos afastam uns dos outros, acentuam desigualdades, retiram direitos universais, apagam qualquer horizonte de futuro. Construímos uma felicidade, lado a lado com tanta infelicidade e sofrimento. Tanta riqueza e tanta pobreza. Para uma boa parte da Humanidade a fome, a miséria, a doença, o sofrimento são a maior das certezas no começo de cada dia. Estamos a “matar aos poucos” esta Terra em que habitamos, esgotando recursos, destruindo bens essenciais, criando sociedades assentes em valores e “modos de vida” negativos, numa cultura de morte. Como, nunca até agora, esta situação que estamos a enfrentar à escala mundial, expõe a nossa condição frágil de criaturas mortais. Tanta coisa para mudar. Para EU mudar! E, se o objetivo deste texto fosse aumentar a depressão, ou simplesmente contribuir para ela, ficava-me por aqui. Mas não. Não quero, de maneiro alguma, com estas palavras escritas até este momento, contribuir negativamente para o que quer que seja. Não quero, com estas palavras, derrotar ninguém, nem sequer fazer surgir qualquer tipo de culpa, e muito menos, que surja em alguém o sentimento de pena. Não, de maneira alguma! Mas, neste momento, também não tenho quaisquer dúvidas que, tantas vezes na vida, para darmos verdadeiro valor a tantas coisas, para conseguirmos ver as pessoas de um outro modo, para termos a coragem de olhar para nós próprios e perceber o que “está a mais” ou não está bem, é preciso que algo profundamente sério aconteça. Uma certa pedagogia da vida, que nos quer ensinar, mesmo que, por
vezes de maneira tão sofrida. Mas que, ao mesmo tempo, faz “explodir em nós” tantas coisas positivas. Redescobrirmo-nos! Toda esta situação expõe a nossa autêntica sensibilidade, doçura, amor verdadeiro. Descobrimos e redescobrimos gestos e palavras, aproximamo-nos, mesmo que obrigatoriamente afastados de maneira física, uns dos outros, e até de alguns que estavam mais esquecidos. Fomos capazes que esquecer (e, se calhar, mesmo perdoar) situações que até então nos toldavam. Na obrigação de agirmos rapidamente e cuidarmos uns dos outros, experimentamos capacidades e respostas que, até agora, desconhecíamos. Tornamo-nos “heróis”, porque não fomos “ordinários” mas sim “extraordinários”. Redescobrimo-nos e percebemos o quanto BEM conseguimos realmente ser e fazer na VIDA. Somos muito mais importantes na vida uns dos outros, porque reconhecemos esta dualidade do que somos, a nossa verdade: fragilidade e robustez, debilidade e fortaleza... Quando a VIDA nos prova, crescemos tanto no que é o mais importante: amor, serviço, dedicação... e fazemo-lo com outra capacidade, não a 100, mas a 1000%. Ganhamos oportunidade(s) de revelarmos o que de melhor existe em cada um(a). Se calhar, nada que não soubéssemos ou que os outros não soubessem. Mas a VIDA exigiu-nos algo que temos sido capazes de dar. Porque não damos simplesmente, mas damos de um outro modo: damo-nos. Superamo-nos! Deixamos que valores autênticos se tornassem protagonistas no dia-a-dia! Escrevemos histórias belas, feitas de coragem, resiliência, superação. Arrancamos lágrimas e sorrisos naqueles que mais sofreram e sofrem com tudo isto. Percebemos, ainda
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IMENSO VALOR
mais e melhor, a força do trabalho em equipa, da confiança uns nos outros. Ainda, que, quando ouvimos dizer “é dando que se recebe”, é verdade. E a diferença faz-se. Acontecem coisas extraordinárias. Nunca mais as esqueceremos, pois têm uma “marca” muito forte, impressa bem fundo em cada um(a). Estivemos no lugar certo, demos o nosso melhor, fizemos o que devia ser feito. Descobrimos e redescobrimos, individualmente, em Família e em Trabalho, o nosso valor. Relativamente a este ponto, gostaria de partilhar convosco uma pequena história: “ Um pai antes de morrer disse ao filho: “este é um relógio muito antigo do teu bisavô, tem mais de 150 anos. Antes de ficares com ele vai ao café da rua e tenta vendê-lo para ver quanto vale.” O filho lá foi. Quando voltou disse que o conseguia vender por 10€ lá no café. Então o pai disse: “agora vai à relojoaria e faz a mesma coisa”. O jovem assim fez e na relojoaria conseguiu uma oferta de 300€ pelo relógio. O pai disse: “agora vai ao museu e mostra lá esse relógio”. Quando ele voltou disse ao pai: “no museu ofereceram 450.000€ pelo relógio!!!” O pai então disse: “eu queria que aprendesses que o lugar certo valoriza o teu valor da maneira certa. Não fiques irritado por não te valorizarem no lugar errado. Quem sabe o teu valor é quem o aprecia, nunca fiques num lugar que não combina contigo”. Conheça o seu valor !
outros locais fechados... veio revelar a necessidade de Deus, do Outro e de Nós próprios, na nossa VIDA. Como sentimos falta uns dos outros e de Deus! Como se tornaram ainda mais importantes as pessoas. Como estamos mais sensíveis para as debilidades e as fragilidades das pessoas. Como, quando nos permitem e temos a oportunidade de nos aproximarmos, as abordamos de maneira “ainda melhor”. Como sentimos necessidade de estar uns com os outros. Velhos hábitos de confraternização, de verdadeiras aventuras que alimentam amizades, famílias, trabalhos. De socializar, não através de “aparelhos”, mas de gestos e momentos de proximidade sensível. Como sentimos falta de celebrar a Fé, em Comunidade, com a presença de cada um e cada uma, nos momentos diversos em que nos aproximamos e entramos na Casa de Deus para O louvar, agradecer, suplicar... buscar conforto, confiança, força, sabedoria e luz para a VIDA. Como sentimos verdadeira “fome de Deus”, o Alimento para a VIDA. Em toda esta situação a Fé procura ser o SOL que aquece e ilumina os nossos corações, dando-nos razões de viver e a certeza de que Deus é a meta da VIDA. E Deus, que um dia a todos perguntará: “o que fizeste?”, continua a querer ser, em cada um e cada uma de nós, aquilo que o seu Espírito Santo derrama nos nossos corações: Sabedoria, Entendimento, Ciência, Conselho, Fortaleza, Piedade e Temor de Deus. Deus quer que a nossa VIDA tenha sentido, tenha uma meta.
Toda esta situação expõe, também, as nossas necessidades. Isto de não podermos abraçar, beijar, estar uns com os outros com proximidade, termos de ficar em casa, ter as Igrejas e
Não tenho, neste momento, quaisquer dúvidas de que estamos mais fortes. Aprendemos a ser mais humanos. Descobrimos outros talentos, que andavam escondidos ou
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adormecidos. Ganhamos outras armas para combater e sairmos vitoriosos das grandes batalhas que a VIDA nos apresenta. Ainda, não tenho quaisquer dúvidas de que vamos ficar BEM! Vamos ficar MELHOR! Vamos ser MAIS em tantas coisas. Ou não? Estarei apenas à espera que tudo isto passe? E se passar? E quando passar? Voltaremos ao que éramos? Simplesmente? Não, não voltará a ser como era, até porque não esquecemos tudo aquilo por que passamos, e choramos por todos os que morreram, e porque não deixaremos que tudo o que aconteceu e está a acontecer nos fragilize. Estamos mais fortes, mais preparados para a VIDA, para a enfrentar com confiança, coragem e determinação. Não fariam qualquer sentido todas estas palavras, que espero sinceramente a todos possam ajudar a encontrar o sentido da VIDA, se faltasse esta: OBRIGADO! A todos em geral, mas a cada um e cada uma em particular, pelo tanto que se tem feito. É a coerência entre as Obras e as Palavras que nos define. É a capacidade de nunca deixar de acreditar que nos faz alcançar. É a certeza de que não estamos sós que nos dá a serenidade para o fazer. É o conforto de saber que, para Deus, todos valemos muito, que marca o modo de fazermos. Porque somos Misericórdia e Maria, Mãe de Deus nossa Mãe, sempre nos acompanha e alenta com o seu Sim à vontade de Deus, confiamos-Lhe a nossa Casa, e Lhe pedimos que interceda junto de Seu Filho pela VIDA de todos nós. • POR PE. LUÍS MATEUS (CAPELÃO NA MISERICÓRDIA DE SANTO TIRSO)
Nossa Senhora da Misericórdia, Mãe de todos os homens, ensina-nos a ensinar e a dar bom conselho, a corrigir com caridade os que erram, a consolar os que sofrem, a perdoar os que nos ofendem, a sofrer com paciência as injúrias e a rezar pelos vivos e pelos mortos. Pedimos que nos dês a capacidade e disponibilidade para visitar os presos, assistir os doentes, vestir os nus, dar de comer e beber a todos os que necessitam, enterrar os mortos, dar abrigo aos peregrinos e pobres. Faz-nos fiéis ao nosso serviço, fortalece a nossa ação. e dá-nos um coração grande sempre pronto a amar. Ámen.
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BISPO DO PORTO VISITOU A INSTITUIÇÃO
O dia 28 de janeiro de 2020 foi marcado na instituição com a passagem do Sr. Bispo do Porto, Dom Manuel Linda, no âmbito da sua Visita Pastoral à Paróquia de Santo Tirso (que aconteceu entre os dias 28 de janeiro e 2 de fevereiro). Após um caloroso acolhimento no Centro Eng. Eurico de Melo, ao som das vozes das crianças da sala dos 5 anos do Jardim de Infância, o Provedor da Instituição, José dos Santos Pinto, recebeu o Sr. Bispo através de um breve e sentido discurso de boas vindas. Elementos da Mesa Administrativa, Diretores, Coordenadores também marcaram presença nesta receção. Para melhor conhecer as valências e a dinâmica institucional implementada, seguiu-se a apresentação do mais recente vídeo institucional que culminou com um agradecimento por parte de D. Manuel Linda, por “toda a “obra” construída ao longo dos anos, ao serviço dos outros e com visível humanismo”. O final da visita culminou com a ida de D. Manuel Linda a um dos lares residenciais, mais concretamente ao Lar José Luiz d’Andrade, onde ficou a promessa de um regresso com mais tempo, para melhor conhecer outros utentes e outras valências. • POR CARLA MEDEIROS (DEP. COMUNICAÇÃO E IMAGEM)
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NOVA UNIDADE CUIDADOS CONTINUADOS INTEGRADOS COM APOIO IFRRU 2020
Na sequência da cerimónia de bênção da primeira pedra que ocorreu a 28 de outubro de 2019 e marcou o arranque da construção da Nova Unidade de Cuidados Continuados Integrados, a instituição dá conhecimento que esta obra, localizada no antigo edifício da fábrica “Arco Têxteis”, decorre conforme a calendarização estipulada, prevendo-se a sua conclusão para o final do próximo mês de Agosto. Este novo equipamento que servirá de apoio à comunidade terá capacidade para 36 camas, criará 32 postos de trabalho diretos e conta com um investimento de 2,5 milhões de euros, com recurso ao Instrumento Financeiro para a Revitalização e Reabilitação Urbanas - IFRRU 2020. • POR CARLA MEDEIROS (DEP. COMUNICAÇÃO E IMAGEM)
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RELATÓRIO E CONTAS 2019
No Plano de Atividades e Orçamento para o ano de 2019 era dito: “Tudo é possível! O impossível apenas demora mais…” Efetivamente alcançámos tudo a que nos tínhamos proposto, ficando os alicerces para o impossível, pois isso demora um pouco mais… O contexto político e económico do país não foi favorável a quem trabalhou o social, a educação e a saúde. Vivemos um tempo em que o Estado parece algo confuso entre prestar os serviços ou deixar-se substituir por quem o saiba fazer de forma eficiente e eficaz. Como sempre, tivemos de ser inquietos, empreendedores, imaginativos, inovadores, positivos, entre outras coisas, para atingirmos os objetivos a que nos propusemos. Através dos nossos serviços, estivemos disponíveis para cerca de 2500 utentes/dia, contando com a indispensável colaboração e empenho de 350 colaboradores, tendo um encargo com remunerações de €5.063.839,88 e um investimento de €740.357,83. Em suma, continuámos a promover respostas e iniciativas adequadas à prossecução dos nossos fins e às necessidades diagnosticadas na comunidade, contribuindo para o desenvolvimento local e proteção de grupos sociais mais vulneráveis; Empenhámo-nos todos os dias na melhoria da qualidade dos serviços prestados à comunidade, potenciando a melhoria contínua em conjunto com os nossos colaboradores, parceiros e entidades envolvidas na nossa ação, de modo a sermos
reconhecidos como entidade local preponderante nas nossas áreas de intervenção; Os valores e princípios orientadores da ação da instituição são inspirados nas catorze obras de Misericórdia de proteção e promoção da humanidade, na dimensão espiritual e corporal. A sua atuação baseia-se no respeito pela dignidade humana; ética, responsabilidade e competência profissional; Humanização dos serviços prestados; idoneidade, isenção, rigor e sustentabilidade; criatividade, inovação e qualidade. Tenhamos, pois, forças para continuar esta nossa missão. RENDIMENTOS Verifica-se um aumento dos Rendimentos em 3.04% (€220.707,57), devido ao seguinte: Aumento da rubrica Prestação de Serviços em 2,85% (€94.935,48), essencialmente impulsionada pelo crescimento da área da saúde; Aumento da rubrica Subs. à Exploração em 2,99% (€83.044,30), principalmente relacionado com a atualização dos acordos, onde se inclui os valores referentes ao aumento de duas camas na Unidade de Cuidados Continuados - uma cama na Unidade de Média Duração e Reabilitação e outra na Unidade de Longa Duração e Manutenção; Aumento da rubrica Outros Rendimentos e Ganhos em 3,79%, pelo facto do aumento das contas Serviços Sociais Reembolsos de Utentes (€9.369,94), Outros Proveitos Suplementares (€13.966,84),
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Atualidades
2018
2019
DIF.
DIF. %
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
3 326 961,78
3 421 897,26
94 935,48
2,85%
SUBS.Á EXPLORAÇÃO
2 779 221,53
2 862 265,83
83 044,30
2,99%
0,00
0,00
0,00
0,00%
TRAB. PRÓP. ENT. REVERSÕES OUT. REND. E GANHOS
0,00
0,00
0,00
0,00%
1 143 449,16
1 186 804,65
43 355,49
3,79%
JUROS REND. OBT. TOTAL
1 186 804,65 16%
2 023,72
1 396,02
-627,70
-31,02%
7 251 656,19
7 472 363,76
220 707,57
3,04%
1 396,02 0%
4 000 000,00 3 421 897,26 46%
0,00 0%
2018 2019
3 000 000,00 2 000 000,00
0,00 0%
1 000 000,00
PR PRESTA O DE SERVI OS SUBS. EXPLORA O OUT. REND. E GANHOS JUROS REND. OBT.
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2 862 265,83 38%
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0,00
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RELATÓRIO E CONTAS 2019
GASTOS Os Gastos apresentam um aumento de 3,16% (€245.754,38), devido essencialmente ao seguinte: Aumento de 5,37% (€245.754,38) na rubrica de Gastos c/ Pessoal, pela atualização do salário mínimo nacional e consequente repercussão ponderada nos diversos escalões da instituição; Aumento de 4,60% (€30.155,97) na rubrica C.M.V.M.C., principalmente relacionado com os aumentos de preços, bem como com o crescimento na prestação de serviços na área da saúde;
Apesar das poupanças significativas em rubricas como, Gás (€2.802,94), Eletricidade (€10.959,20), Comunicação (€1.615,01), Deslocações e Transporte (€2.585,20), Seguros (€1.003,11), entre outras, verifica-se um aumento de 2,62% (€33.036,33) na rubrica F.S.E., essencialmente devido ao aumento na Conservação de Prédios (€12.728,49), Ferramentas e Utensílios (€6.014,88), Água, Saneamento e Resíduos (€5.078,06) e Encargos com Utentes (€5.583,88). Não podemos deixar de realçar a exigente e rigorosa política de gestão, onde é desafiado permanentemente o profissionalismo, empenho, transparência e capacidade de sacrifício de todos os colaboradores da instituição, nomeadamente nas rubricas acima referidas onde se verificaram poupanças significativas.
2018
2019
DIF.
DIF. %
C.M.V.M.C.
655 534,47
685 690,44
30 155,97
4,60%
F.S.E.
1 262 310,28
1 295 346,61
33 036,33
2,62%
GASTOS C/PESSOAL
4 805 934,73
5 063 839,88
257 905,15
5,37%
AMORT.
608 747,77
618 166,60
9 418,83
1,55%
PROVISÕES
372 671,05
258 008,01
-114 663,04
-30,77%
OUTROS GAST. PERDAS
67 134,37
98 798,74
31 664,37
47,17%
JUROS E GASTOS SIM.
4 726,69
2 963,46
-1 763,23
-37,30%
TOTAL
7 777 059,36
8 022 813,74
245 754.38
3,16%
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Atualidades
6 000 000,00
2 963,46 0% 258 008,01 3%
98 798,74 1%
685 690,44 9%
618 166,60 8%
1 295 346,61 16%
2018 2019 4 000 000,00
2 000 000,00
5 063 839,88 63% C.M.V.M.C. F.S.E. GASTOS C/PESSOAL AMORT. PROVIS˝ES OUTROS GAST. PERDAS JUROS E GASTOS SIM.
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0,00
Atualidades
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RELATÓRIO E CONTAS 2019
RESULTADOS CASH FLOW Provisões Amortizações Resultado Liquido Cash Flow
INVESTIMENTO 2019 258 008,01
No ano de 2019 foi feito um investimento de €740.357,83, totalizando no último quadriénio o valor de €2.875.519,71.
618 166,80 1 100 000,00
-525 403,17
1˚021˚420,46
1 000 000,00
350 771,64
900 000,00 800 000,00
CASH FLOW DE €350.771,64 O RESULTADO LIQUIDO DO PERÍODO é de - €550.449,98 AMORTIZAÇÕES de €618.166,80 PROVISÕES de €258.008,01
EUROS
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600 000,00 500 000,00
624˚454,48 489˚286,94
400 000,00 300 000,00 200 000,00 100 000,00 0,00
NOTAS: REAL VS ORÇADO Mais uma vez é de relevar a confirmação da apologia feita ao rigor orçamental aquando da apresentação do respetivo documento para 2019, efetivamente projetamos com prudência as receitas – há um desvio positivo de 4,20% (€301.013,00) e “pessimismo” na projeção de despesas, exceção feita à rubrica de provisões.
740˚357,83
700 000,00
2016
2017
2018 ANOS
• POR JOÃO LOUREIRO (DIRETOR GERAL)
2019
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DONATIVOS COm VIDa
Em tempos difíceis, em que enfrentamos o combate ao surto de COVID-19, foram muitos os que se aproximaram da Instituição manifestando a sua solidariedade. A Misericórdia de Santo Tirso aproveita para agradecer às seguintes entidades*, organismos e/ou particulares que contribuíram com a sua generosidade, doando equipamentos de proteção individual, materiais entre outros produtos e bens que nos permitiram ajudar a cuidar e salvaguardar a saúde dos nossos utentes: Agrupamento de Escolas D. Dinis – Santo Tirso Ajudar os Profissionais de Saúde André Maia Associação Avense – aa78 Belfama - Empresa Têxtil, Lda. BIOENO – Comércio e Serviços em Enologia, Lda. Câmara Municipal de Santo Tirso Centro Distrital de Segurança Social do Porto Confeções Cruzeiro - Júlio da Silva Sampaio & Cª. S.A Corsar – Equipamentos e Produtos Industriais, Lda. Coltec Neves & Companhia, Lda. Costafil – Indústria e Comércio de Vestuário, Lda. Diversey Portugal – Sistemas de Higiene e Limpeza Unipessoal, Lda. Fresenius Kabi Pharma Portugal, Lda. Farmácia Faria – Santo Tirso
Atualidades
Farmácia Roriz – Santo Tirso Fundação EDP Harker Solutions, S.A. Intraplás – Indústria Transformadora de Plásticos, S.A. Mistaker Maker Modelstone – Mármores e Granitos NOS Comunicações, S. A. Plásticos Duarte Andrade, Lda. Polopique – Comércio e Indústria de Confeções, S. A. PROEF Eurico Ferreira Portugal, S. A. Quinta do Lago – Vinhos, S.A. Redifogo – Material de Proteção e Segurança, Lda. Ribapão – Sociedade Panificadora, Lda. RNM-Produtos Químicos, S.A. SIEMENS Portugal SONAE Solidário Troficolor – Têxteis, S.A União de Freguesias de Santo Tirso, Couto (S. Cristina e S. Miguel) e Burgães União das Misericórdias Portuguesas (GMS) *Como vivemos um período de tempo bastante conturbado, se na presente listagem ficar por mencionar algum nome, apresentamos desde já um pedido de desculpas pelo lapso.
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Ação Social e Comunidade
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O TERCEIRO SETOR NA LUTA CONTRA O COVID-19
A comunicação social muito disse sobre as Misericórdias, muito falou sobre Lares/ERPI (Estrutura Residencial para Idosos) durante a Pandemia. Exploraram as estratégias de controlo dos casos positivos, as políticas de recursos humanos, o isolamento social dos utentes… Estatísticas e reportagens à porta das instituições, ávidas de pormenores de “como se vive em pandemia num Lar de Idosos?”.
conferências de imprensa, nas orientações normativas emanadas pela Segurança Social, sempre em consonância com as diretrizes da DGS. Assim queremos que continue: os Hospitais a cuidar da saúde dos nossos utentes e os Hospitais querem que os Lares/ERPI continuem a dar retaguarda aos seus doentes estabilizados. Cada qual tem funções definidas e competências específicas. Esta relação tem protegido muitos idosos do isolamento e aumentado a sua esperança de vida.
Tal como na generalidade do país, em todos os setores de atividade, o Terceiro Setor foi exemplar na luta contra a Pandemia, até porque as IPSS, Associações e Misericórdias, O financiamento das Estruturas prestam serviços à faixa Residenciais para Idosos é As Misericórdias e todas as entidades populacional de risco, ou seja, à assegurado pela comparticipação do Terceiro Setor merecem um aplauso população com mais de 70 anos e da Segurança Social em Acordo de pelo excelente trabalho desenvolvido com problemas de saúde Cooperação com a Instituição e durante a Pandemia. associados (respiratórios, cardíacos, pela comparticipação familiar, diabetes, doenças autoimunes…) e tendo em conta os rendimentos do não são estabelecimentos utente e família. Dificilmente cobre hospitalares, mas sim, residenciais. o valor do custo médio do utente E pretendemos que assim continue: cuidar das pessoas para nestas valências, sendo que cada vez mais prestamos serviços que se sintam em “casa”, que se sintam únicas e especiais, diferenciados e qualificados. reconhecidas pelos cuidadores formais, que estabelecem A Misericórdia de Santo Tirso tem 3 estruturas consideradas relações profissionais de afetividade. ERPI, todas certificadas pela Norma ISO 9001:2015, e para O papel primordial dos Estabelecimentos Hospitalares é cuidar conseguir manter o nível de serviço qualificado, tem que da saúde, preservar a vida, para que os doentes possam recorrer a outras estratégias de sustentabilidade e de gestão. regressar aos seus domicílios ou aos seus Lares/ERPI. A Irmandade e Santa Casa da Misericórdia de Santo Tirso Por isso, o papel da Saúde e da Segurança Social (onde o orienta a sua missão para a promoção de respostas e iniciativas Terceiro Setor se insere) é complementar, como comprova a adequadas à prossecução dos seus fins e às necessidades relação entre os Ministérios ao longo destes meses, nas diagnosticadas na comunidade, contribuindo para o
desenvolvimento local e proteção de grupos sociais mais vulneráveis. Em tempo de Pandemia tivemos custos acrescidos com equipamentos de proteção individuais (EPI), alterações estruturais para garantir a proteção e segurança dos utentes, desinfeções ambientais, formações aos recursos humanos, substituições dos RH, testes COVID-19 à maioria utentes e colaboradores, custos estes que foram suportados pela Instituição, que pensou sempre no bem-estar de quem servimos e daqueles que deles cuidam. As Misericórdias e todas as entidades do Terceiro Setor merecem um aplauso pelo excelente trabalho desenvolvido durante a Pandemia. Com recursos escassos, humanos e materiais, mantivemos os utentes com COVID positivos nos seus aposentos, sem pôr em risco a sua saúde, com toda a dignidade. Graças a estas estruturas, o SNS e os Hospitais não tiveram um colapso como em muitos outros países da Europa. Sem desprimor das outras áreas como a saúde, é importante que a sociedade em geral e as Instâncias Superiores reconheçam o papel primordial do Terceiro Setor na luta contra o COVID, e que o capacitem de recursos adequados, para fazerem ainda melhor! Somos Misericórdia! Muito nos orgulhamos da nossa missão na Sociedade Portuguesa. • POR LILIANA SALGADO (DIRETORA DE SERVIÇOS SOCIAIS E QUALIDADE)
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Ação Social e Comunidade
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SEM NORTE CONFI(N)ADAS À SUA SORTE
O mundo fechou-se. O confinamento, enquanto primeira arma quando ele quer…só desta vez. Só para não acordar nele o no combate à pandemia por COVID-19 sobrepôs-se a todas as monstro. outras necessidades e imperativos. Como escudo e em defesa Sem norte e confi(n)adas à sua sorte. de um valor maior: a segurança. As medidas de isolamento social trouxeram ainda mais Mas, a casa nem sempre é um espaço seguro. E o mote invisibilidade a um problema já de si estruturalmente trancado. “Fica em Casa” foi recebido como uma sentença e, Por outro lado, na incerteza do contágio, também as redes paradoxalmente, como uma armadilha que encurralou informais de apoio perderam força e disponibilidade. muitos e muitas. Falaremos das muitas, sem desdizer todas as outras vítimas de violência doméstica. Fecharam-se portas. E o abrandamento da atividade Decretado o estado de emergência, cessaram serviços, económica levou muitas mulheres ao desemprego e fragilizou suspenderam-se atividades, a sua capacidade financeira, esvaziaram-se as ruas, escolas e subjugando-as à dependência do espaços comerciais. A realidade agressor. Fecharam-se As medidas de isolamento social social e laboral transfigurou-se. A possibilidades. trouxeram ainda mais invisibilidade a atividade profissional foi para Para lá de todo o mundo que se um problema já de si estruturalmente muitos descontinuada; para outros, afastou, se fechou e se encerrou às trancado. entrou no domicílio, na modalidade necessidades das vítimas de do teletrabalho, contribuindo para violência doméstica somaram-se os um perigoso encarceramento das riscos que cresceram com as mulheres vítimas de violência doméstica. ansiedades, medos, inseguranças, e preocupações com o futuro. Num momento de crise, em que o confinamento saturou Sem o contacto com os professores, com os colegas, com os as relações, excedeu as já baixas competências dos agressores médicos, técnicos de acompanhamento, amigos e familiares, para gerir o stress e as frustrações, potenciou as tensões estas mulheres ficaram totalmente à mercê dos seus agressores. familiares e aumentou o risco de agressões. Sem propósito para sair e na sombra da sua presença, Combinadas estas fragilidades, antecipou-se por todo mundo impotentes para pedir ajuda ou denunciar. Restando-lhes um aumento exponencial dos casos. Em alguns países os apenas empunhar a submissão como arma num combate já números refletiram as previsões, tendo-se notado de imediato vencido. Desta vez não lhe respondo…finjo que não vejo … um aumento das denúncias por violência doméstica. Para digo que ele tem razão…faço-lhe a vontade…não lhe nego muitas mulheres terá sido a perspetiva de uma proximidade cama…faço o que ele quer…faço como ele quer…faço forçada e da omnipresença do agressor o empurrão final para sair de casa.
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Porém, noutros países, como em Portugal, registou-se uma redução dos casos denunciados. Números que transmitirão uma tranquilidade aparente e esconderão muito provavelmente uma realidade contrária, refletindo aqui, neste silenciamento, as dificuldades encontradas pelas vítimas em pedir ajuda. Números que provavelmente aumentarão com o levantamento das restrições e com reposição da normalidade. Importa referir que, durante o estado de emergência, o Governo português reforçou as respostas da rede nacional de apoio às vitimas de violência doméstica. Foram criadas mais duas estruturas para acolhimentos de emergência aumentando em 100 camas a capacidade de resposta da RNAVVD, foi acionada uma linha de SMS (3060), gratuita e confidencial para facilitar a denúncia e foi feita uma aposta na divulgação dos recursos – presenciais e não presenciais – disponíveis para as vítimas de violência doméstica. Medidas que reconhecem o problema na sua extensão… mesmo na sua expressão silenciosa. Medidas que sublinham que o combate à violência doméstica não pode ser adiado nem secundarizado pelo combate ao COVID-19, sob pena de também a violência doméstica se tornar pandémica. • POR MARIA JOÃO FERNANDES (COORDENADORA TÉCNICA DA CADMM)
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SERVIÇO SOCIAL COM VIDA (RE)PENSAR (RE)PROGRAMAR (RE)DEFINIR (RE)INVENTAR
O Serviço Social, enquanto profissão de intervenção que promove o desenvolvimento e a mudança social, a coesão social, a promoção da Pessoa, seguindo sempre um caminho construtivo e dinâmico, está mais do que nunca sujeito à desconstrução e mudança – “nada será como dantes.” A crise epidemiológica causada pela COVID-19 que impôs o distanciamento social, o Estado de Emergência e agora o Estado de Calamidade, leva a novas condições de fragilidade pessoal, familiar, social e económica. Muitos dos problemas sociais já existiam, mas passam a ter maior relevância pela situação atual, outros problemas surgem, e com eles a necessidade de desencadear respostas sociais ajustadas. É neste contexto que o Serviço Social, enquanto profissão de carácter interventivo e direto, que implica proximidade com a população na definição e execução das suas intervenções, de um momento para o outro, sem que ninguém pensasse, sem que ninguém contasse ou até imaginasse, teve que (Re) Pensar… (Re)Programar… (Re)Definir… (Re)Inventar… todas as suas metodologias. Isto, porque um vírus que se designou de SARS-COV-2, resolveu aparecer e colocar tudo em causa: a fragilidade humana, os diagnósticos realizados, as metodologias e as intervenções, os planos de acompanhamentos já definidos, os registos e as evidências… em suma, as equipas de primeira linha confrontam-se com um novo e grande desafio nas respostas sociais.
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O Centro Comunitário de Geão não foi exceção e no que nunca, uma aproximação na relação de confiança, de domínio da sua intervenção, face a tais fragilidades, apoio, porque alguém estava lá, alguém que se preocupa, confrontou-se com várias questões: alguém com quem podemos sempre contar… alguém que - Como concretizar de igual modo, as respostas sociais que o sabemos, se assim for necessário, em conjunto vamos (re) Centro Comunitário de Geão garante junto da comunidade? pensar, (re)definir estratégias, novos caminhos, acionar - Quando as orientações são de confinamento, distanciamento apoios… sempre com uma avaliação técnica e fundamentada social e os serviços começam a responder à distância, como da situação. garantir os atendimentos e o acompanhamento dos agregados familiares de Ação Social, RSI ou CPCJ? Privilegiando sempre a dignidade humana, a Cantina - Os mais frágeis e mais vulneráveis, como vão ter resposta? Social que, atualmente confeciona 50 refeições diárias em - Como operacionalizar a dias úteis e 60 refeições aos Cantina Social? fins-de-semana, feriados e férias Porque RECUAR não é para o Serviço - Suspender as atividades escolares, com a parceria da União Social, DESISTIR não é reposta e ocupacionais com os Seniores? de Freguesias de Santo Tirso, Como vão eles ficar? Couto (S. Cristina e S. Miguel) e AVANÇAR SEMPRE foi o nosso lema, Burgães, passou a entregar as repensando o caminho para atingir a Mas, privilegiar os princípios de refeições de porta-a-porta. De nossa missão! justiça social, os direitos humanos Segunda a Domingo, voluntariamente e a responsabilidade coletiva, faz-se o percurso pelas várias sempre foi e continua a ser a moradas, para que as refeições sejam nossa Missão e enquanto Entidade de Primeira Linha, garantidas, salvaguardando a proteção dos utentes, não os estivemos sempre presentes. expondo entre si e para que se mantenham confinados às suas Um novo caminho a (re)definir e como nunca estamos sós nesta residências e promover o distanciamento social, conforme nos missão, o trabalho em rede sempre foi e continuará a ser uma obriga o COVID-19. mais-valia. O caminho foi-se traçando hora após hora, dia após dia, num curto período de tempo para que àqueles que Mas, mais do que a entrega das refeições, este é um evidenciam fragilidades, as respostas não falhassem. momento de contacto próximo e regular com os utentes, de sensibilizar e consciencializar para os perigos de contágio O contacto regular com os beneficiários/famílias – Ação Social, do vírus e aferir necessidades e preocupações para, mais RSI, CPCJ, Seniores – apesar da distância, permitiu, mais do uma vez, através do trabalho em rede, minimizar
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SERVIÇO SOCIAL COM VIDA (RE)PENSAR (RE)PROGRAMAR (RE)DEFINIR (RE)INVENTAR
problemas/dificuldades e encontrar respostas, este é o serviço social de proximidade. No período de Estado de Emergência, a Cantina Social, em determinados momentos, ainda forneceu almoços a Bombeiros Voluntários Tirsenses que, na realização da sua missão a favor da Comunidade, estavam impedidos de permanecer nas suas residências e com as suas famílias. O recurso às ferramentas digitais, como as vídeo-conferências passou a ser uma realidade regular nas reuniões e nos contactos para discussão/partilha das situações de fragilidade económica e social e na promoção e proteção dos menores, priorizando sempre o acompanhamento das situações sinalizadas. Em suma, vivemos dias de distanciamento social, mas de proximidade permanente, como deve ser privilegiado na missão do Serviço Social enquanto profissão – A promoção dos direitos da Pessoa, designadamente, o seu direito aos cuidados, à justiça social, à igualdade de oportunidades e a um tratamento com dignidade. Mesmo sabendo dos riscos pessoais, profissionais e familiares, a missão do Assistente Social é, mesmo num contexto impensável e tão adverso como o que vivemos, estar onde sempre esteve – na primeira linha, cumprindo o seu papel fundamental – garantir que os direitos sociais de quem precisa são acautelados e que os seus deveres são cumpridos em prol de uma sociedade onde reine a equidade e a justiça. E porquê?
Porque RECUAR não é para o Serviço Social, DESISTIR não é reposta e AVANÇAR SEMPRE foi o nosso lema, repensando o caminho para atingir a nossa missão! Dúvidas temos sempre, mas vamos à luta e esta não podia ser diferente! É verdade que neste momento não temos certezas, mas podemos descobrir evidências que nos permitam conhecer e perspetivar. E quando alguém quase diariamente nos bate à janela… só porque estamos lá, só para dizer olá, só para falar com alguém… fica o sentimento de que estamos efetivamente a cumprir a MISSÃO… mesmo que seja necessário (Re)Pensar… (Re)Programar… (Re)Definir… (Re)Inventar… • POR SUSANA MOURA (COORDENADORA CENTRO COMUNITÁRIO DE GEÃO)
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LAR DR.ª LEONOR BELEZA COM E PELA VIDA
No dia 08 de Março, fechamos as portas do Lar Dr.ª Leonor Beleza às visitas. E muito mudou. Não foi uma surpresa. Estávamos preparados. Seguimos todas as orientações, elaboramos planos, fizemos formação, adquirimos os EPI. Tivemos sabedoria. Mas bem lá no fundo, e apesar de todas as notícias que nos chegavam de outros países, queríamos muito acreditar no típico “só acontece aos outros”. Não por egoísmo, mas porque sentíamos que os utentes, colaboradores e famílias do LLB não mereciam. Tínhamos e sabíamos tudo. Todos assumimos um compromisso com a nossa casa, com a nossa função. Víamo-nos como uma força invencível, que não iria permitir que uma insignificante esfera com antenas, pusesse em causa o que diariamente no LLB nos orgulhamos por proporcionar e preservar, o bem-estar de todos. Mas, quando colocamos o comunicado nas portas principais, com a informação da suspensão das visitas e por precaução rodamos as chaves dessas portas, “caiu-nos a ficha”. Ouviu-se “acho que começo a sentir medo”. Até esse momento, sentíamos respeito e confiança. Com um frio na barriga ou aperto leve no coração, é certo, mas nada mais. Estávamos demasiado centrados em protegermos e protegermo-nos. Não existia tempo ou espaço para mais nada. Mas nesse dia, sentimos medo. Um medo estranho e difícil de combater. Um medo do que desconhecíamos. E voluntariamente ficamos. Todos sentimos que era o momento de sermos e darmos mais.
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Terminávamos assim o nosso plano A, de preparação, (in) formação, sensibilização, prevenção. E demos início ao plano B. E que plano! Um plano que nunca imaginamos que seria posto em prática. Um plano que pressupunha a implementação de alterações ao funcionamento normal do LLB, em muito contrárias ao que acreditamos ser o trabalho profissional e humano numa unidade residencial. Da casa de grandes janelas, imensa luz, acolhedora, próxima de todos, em que os “vizinhos” convivem e se entreajudam, passamos para um condomínio fechado, de apartamentos virados para um corredor e vizinhos que não se conhecem ou cumprimentam.
material de higiene,…), era-lhes disponibilizado por uma equipa de apoio, que só se movimentava nos corredores centrais, sem utentes. Ou seja, tal como o aconselhado no exterior com os idosos e pessoas de risco, também no LLB, tudo era deixado “à porta” de cada “apartamento”, ala. “Se ao final de algum tempo, se derem conta que não se encontram com os outros colegas, sentem saudades e têm de lhes telefonar depois do trabalho, significa que estão (erradamente) certos e que cumpriram todos os procedimentos definidos”. Basicamente para protegermos todos, foi-lhes “pedido” para trabalharem (sentirem-se) sozinhos, Ser LLB é cuidar com qualidade. E Numa reunião extraordinária de durante 12 horas por dia. Mas sem mantivemos a mesma qualidade na coordenação com as equipas do nunca deixarmos de ser LLB. Ser prestação de todos os serviços ao LLB, foi-lhes dito “Depois de LLB é cuidar com qualidade. E utente. A mesma não, superamo-nos. entrarem na vossa ala, mantivemos a mesma qualidade na “apartamento”, imaginem-se de prestação de todos os serviços ao pijama. Ninguém sai de casa de utente. A mesma não, superamopijama. Certo? É isso que se pretende”. -nos. Superamo-nos na supervisão, na vigilância, nos cuidados E no dia seguinte a esta orientação, tivemos de (re)aprender a pessoais e clínicos, na atenção e acompanhamento estar no LLB. individualizado, no apoio psicossocial a utentes e famílias. Superamo-nos em procedimentos de higienização dos Estabeleceu-se uma rigorosa separação entre todos os espaços. Adquirimos novos produtos, duplicamos, triplicamos, colaboradores. Nas entradas e saídas, utilização de vestiários, quadruplicamos a frequência de higienização de maçanetas, leitura de livros de ocorrências, registos, pausas, utilização de portas, janelas, pavimentos, superfícies, casas de banho, escadas, refeições. Ninguém se podia cruzar ou encontrar. mobiliário. Retiramos almofadas decorativas, despimos janelas. Apenas podiam “estar juntos” os da mesma equipa e, mesmo Superamo-nos na higienização das nossas fardas. Superamoassim, só nos momentos estritamente necessários. Tudo o que nos em proteção individual. Máscaras viseiras, toucas, necessitavam e não existisse na ala (medicação, fraldas, roupa, fardamento específico, batas descartáveis, luvas, proteção pés, tapetes de desinfeção.
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Alterações que não ficaram só pelos recursos humanos, funcionamento e estruturais. Tristemente, alterou-se por completo, o ambiente familiar da nossa casa. Como unidade para pessoas em situação de dependência, sempre nos assemelhamos (assemelharam) a uma unidade hospitalar. Quartos tipo “enfermarias”, utentes grande dependentes por limitações pessoais ou de saúde, acompanhamento clínico diários de enfermagem e médico, atenção e vigilância a todo o tipo de sinais e sintomas, avaliações multidisciplinares, planos individuais de intervenção e cuidados. E apesar de toda esta individualização na satisfação das necessidades, gostos e vontades de cada utente, sempre persistimos na socialização, convívio, estimulação, ligações afetivas entre todos. Sentiam-se acarinhados e em casa e isso fazia-nos felizes. Mas as salas esvaziaram-se, os corredores ficaram ainda mais compridos e as janelas sem curiosos. Cada utente tinha ou devia estar recolhido no seu quarto. E, para além de terem deixado de ver ou conversar com a amiga ou amigo de outro quarto, ala ou piso, com outros colaboradores, no seu quarto, tinham de manter-se no seu espaço, basicamente entre a cama e o cadeirão. O mais afastado possível entre si. E assim, do acordar ao deitar, os dias tornaram-se iguais. O silêncio instalou-se. Às vezes interrompido por “será isto o fim do mundo?”, “não nos devem estar a dizer tudo”, “sinto-me bem, não sei porque não posso ir à rua com o meu marido”, “o meu filho não vem aqui porque deve estar de férias, vou-lhe
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dizer das boas”. Dúvidas que persistiam, apesar de tudo o que diariamente lhes era explicado, das notícias às quais tinham acesso pela televisão, rádio, jornais, de constatarem do interior do LLB a ausência de pessoas no espaço da Misericórdia. Sabiam que algo de diferente estava a acontecer no mundo, mas não conseguiam alcançar a verdadeira dimensão. Quando tudo começou, estavam protegidos. Agora continuavam protegidos. Não viam as ruas sem pessoas, o comércio fechado, as filas nos supermercados, as distâncias de segurança nas farmácias. Por isso, era mais difícil perceberem e lá lhes saía “está mau, mas vocês são uns exagerados”. Tanto consideravam um excesso de zelo da nossa parte, que se revoltavam com os horários de 12 horas. Preocupavam-se com os filhos, maridos, com a família dos colaboradores “tanto tempo sozinhos em casa?! coitados, isto não tem jeito nenhum”. E à ansiedade e solidão, juntou-se a confusão e a desorientação. Não conheciam os colaboradores, por estarem demasiado “mascarados” (como diziam). Apenas conseguiam perceber algumas vozes familiares. Outros dias, nem a voz era familiar. E, por isso, confundiram refeições, rejeitaram colocação de próteses, reagiram à prestação de cuidados de higiene, levantaram os braços à medição de temperatura com infravermelhos, como se de um assalto se tratasse. Diariamente refletíamos. Estávamos a protegê-los, sem dúvida nenhuma, mas também a promover a solidão e perda de capacidades. E mesmo sabendo que era o caminho a seguir, para lhes “darmos dias de vida”, estávamos a
“tirar-lhes dias de vida”, de qualidade e proximidade afetiva. Para alguns, lamentavelmente dias de vida irrecuperáveis. Mas fizemos o possível para minimizar este afastamento. Inovamos nas alternativas de comunicação com o exterior. Audio e Videochamadas. Fundamentais para o bem-estar emocional de utentes, famílias e amigos. Para além de reforçarem o vínculo utente/família, permitiram a diminuição da ansiedade e preocupação de ambos. As famílias adquiriram smartphones para si e para os utentes, pediram ajuda a filhos e netos, aderiram a aplicações que a rir não conseguiam pronunciar corretamente o nome. Queriam e precisavam ver os familiares. Ter a concretização do que lhes era dito (“até ao momento o Sr. … está bem, continua sem sintomas ou qualquer sinal que indique preocupação”, “sim, a Srª… comeu muito bem e mantem-se bem-disposta”). As videochamadas também se tornaram imprescindíveis na relação do LLB com as famílias ou responsáveis. Colocou em relevo o nosso cuidado, dedicação e proteção do utente. Reforçou a confiança dos familiares no LLB. Já para não falar dos momentos muitos felizes e divertidos proporcionados. Hoje sorrimos com as lembranças de quase todas as videochamadas. E se a confiança que tudo ia correr bem, mantinha-nos a esperança que todas estas alterações seriam por pouco tempo. Pouco tempo do nosso medo, ansiedade, preocupação. Da desconfiança, isolamento e solidão dos utentes. A confirmação do primeiro positivo no LLB mudou tudo ainda mais. O Leonor Beleza teimava em continuar a tornar-se desconhecido.
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Nesse momento, os dias deixaram de ser dias de um calendário típico. O nosso calendário passou a zero. E o “ mais um dia” tão traumatizante para todos, porque nos envelhece, tornou-se no nosso objetivo feliz. Mais um dia sem positivos, mais um dia de um positivo sem sintomas, “mais um dia a menos” nos 14 dias de isolamento, mais um dia mais próximo de resultados. Mais um dia de entrega, superação e resistência.
inconclusivos. Criamos todas as condições para que o LLB se tornasse um verdadeiro “hospital de campanha”. Para nós, LLB e Misericórdia, desde o início, foi claro que os utentes não seriam evacuados e permaneceriam na sua “casa”. Conhecemos olhares, expressões, necessidades, gostos, vontades, fragilidades. Todos os utentes são clinicamente frágeis e perderíamos pessoas nessa mudança. Só seria uma opção, no limite consciente. E conseguimos! O LLB não foi evacuado.
E iniciamos o Plano C. O plano em que não havia nada e tudo a Mas cada dia, cada minuto, cada implementar. Deixamos de contar segundo desta difícil jornada, só foi Deixamos de contar dias e minutos, dias e minutos, passamos para os superável pelos profissionais do LLB. passamos para os segundos. A cada segundos. A cada segundo tudo Afastamo-nos durante meses dos segundo tudo acontecia, tudo se acontecia, tudo se resolvia. nossos familiares (filhos, maridos, resolvia. Utentes e colaboradores com ou sem esposas, pais, avós, amigos), sintomas sinalizados, a aguardarem sentimo-nos descriminados (em serem testados. Utentes com instituições de saúde, em sintomas a serem testados após enorme e contínua insistência supermercados, takeaways, em sociedade), levamos o nosso da Misericórdia. Colaboradores a serem testados a expensas corpo físico e estado emocional ao desgaste. Mas todos próprias da Misericórdia. estivemos sempre. Uns em entrega e presença física desde o Por fim, todos os utentes a serem testados. início, sem descanso, sem família, num ambiente desconhecido Para a proteção de todos, iniciamos uma luta contra o tempo e de medo… outros que começaram esta luta mas tiveram de para termos o diagnóstico de cada um. Precisávamos dessa “abandonar”, tendo de lidar com a frustração de quererem e informação para intervirmos com eficácia e segurança. terem muito mais para dar… os que tinham imensos motivos para se protegerem em casa (situações clínicas ou familiares Mas com os resultados, o LLB ficou sem metade dos de risco) e voluntariamente ficaram… e os que se juntaram a colaboradores e parte dos utentes tiveram de ser ainda nós, pessoas de outras valências da Misericórdia, do CAID e do mais isolados. Criamos um quarto de positivos, depois IEFP e que agarraram a nossa luta, nunca desistindo, uma ala e, por fim, um piso. Ainda recorremos à sala para superando-se, surpreendendo-nos.
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Também assistimos a que a “casa” onde estávamos a dar tudo de nós, fosse alvo de notícias. Explosão mediática que, apesar de sabermos inevitável, fragilizou-nos e colocou-nos no “olho do furacão” vários dias, meses. Com enorme esforço, nunca deixamos que abalasse ou interferisse na nossa missão. Continuamos, por isso, a viver, a trabalhar e a transmitir tranquilidade.
técnicos, médicos, enfermeiros, coordenação, equipa de contingência, direção, mesa administrativa. Só um trabalho de equipa concertado, rápido, eficaz, de confiança no trabalho de todos, permitiu que conseguíssemos no dia de hoje, sentirmos que estamos a conseguir superar um golpe tão duro e traiçoeiro, como o que vivemos no LLB e temos vivido a nível mundial.
Por isso, desde o início que sempre informamos os familiares e Tudo só faz sentido se sairmos disto mais fortes, mais unidos, responsáveis de tudo o que era relativo ao seu utente. Verdade, menos egocêntricos, melhores profissionais, mais humanos. que nem sempre conseguimos atender todas as chamadas Por último, e mais importante, telefónicas ou devolver tão manifestamos enorme admiração por Basta olharmos para o céu. Existem rapidamente quanto gostaríamos. todos os utentes do LLB. Foram e são seis estrelas a brilhar mais Até porque, e ainda bem, muitos os maiores guerreiros desta batalha, intensamente, para nos mostrarem utentes têm várias pessoas próximas. verdadeiros heróis e heroínas. que apesar de já não estarem entre Mas felizmente, todos perceberam Diariamente, mostram-nos uma força que seriam sempre os primeiros e no e capacidade de resiliência sem nós em presença física, irão sempre imediato, a serem informados de medida. Aceitaram, colaboraram, olhar e cuidar de nós (...) qualquer alteração significativa, boa lutaram, motivaram, superaram. Por ou menos boa, com o utente. vocês tudo e sempre! Deu-lhes segurança. Demonstraram apoio e incentivo. Fez toda “Vamos todos ficar bem”. Basta olharmos para o céu. Existem a diferença. seis estrelas a brilhar mais intensamente, para nos mostrarem Agradecemos, por isso, todos os seus gestos e palavras de que apesar de já não estarem entre nós em presença física, força, num momento em que eles próprios viviam em saudade, irão sempre olhar e cuidar de nós e das suas famílias. ansiedade e extrema preocupação. Sentimos e conforta-nos! Assim como agradecemos a todos os profissionais que se envolveram nesta luta. Ajudantes de lar, trabalhadores de serviços gerais, cozinha, serviços de apoio, animadora,
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TESTEMUNHOS COLABORADORES “Há imagens que nunca serão apagadas pelo tempo na mente. Momentos de medo e ansiedade. O medo das perguntas dos utentes: “apanhei o vírus, vou morrer?”. Os olhares tristes, as expressões assustadas, o sentimento de desproteção. Guardo a mágoa no peito da incerteza do que poderíamos ter feito mais.” Clarinda Leite (Ajudante de Lar) “Foram dias difíceis, de muita luta, de medo, mas sempre com um objetivo…os nossos utentes. Sinto orgulho no nosso trabalho.” Luísa Pereira - Trabalhadora de Serviços Gerais “Sou Trabalhadora de Serviços Gerais com muito gosto, mas fui Ajudante de Lar durante vários anos. Quando a Dr.ª Ana Luísa me propôs ser Ajudante de Lar, nesta fase mais difícil do Leonor Beleza, não olhei para trás. Aceitei com muito gosto e trabalhei com todo o amor e dedicação. Foram dias muitos difíceis. Começavam os primeiros casos e tinha de estar focada para que tudo corresse bem. Tentei sempre tranquilizar os utentes, dando-lhes uma palavra de conforto. E as coisas foram correndo bem, dentro do possível. Até ao dia que infelizmente fiquei com o “bicho”. Senti impotência e na minha cabeça achei que fracassei. Mas para mim só existia um caminho, não desistir nunca. Queria muito estar com os meus colegas, ajudar o LLB, mas não deu…fico feliz por todos os que continuaram na luta, para que nada faltasse aos nossos utentes. Fomos e somos uns heróis!” Telma Fernandes (Trabalhadora de Serviços Gerais)
“Avançamos destemidos. De repente penetrou-se o mais famoso vírus, deixando o ser humano tão triste e isolado de toda a família e amigos. Mas a solidariedade foi a chave e a força da nossa sobrevivência. Por todos os que passaram esta luta tão difícil, não deixou de existir respeito e confiança. Senti orgulho e admiração.” Paula Martins (Ajudante de Lar) [com felicidade conseguimos terminar um artigo sobre um acontecimento, sem nunca mencionarmos o nome do responsável(COVID-19). Pode parecer infantilidade, mas soube-nos muito bem!] • POR ANA LUÍSA CARVALHO (COORDENADORA LAR DRA LEONOR BELEZA)
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UP FIT EM CASA DE REPOUSO
Desde o dia 15 de Maio que estamos Com Vida mais agitada na CRR! Aceitamos o desafio do Centro de Desporto da Universidade do Porto com as sessões Sénior Fitness que não são mais do que aulas de atividade física online – “Up Fit em Casa” para seniores com mais de 65 anos. O estímulo dirigido aos idosos que estavam confinados no seu espaço individual e sem atividades em grupo, como sempre tiveram, foi imediatamente bem aceite por um grupo de 5 elementos. De bom grado e de forma efusiva dada a novidade, verbalizaram “é mesmo para ser? … já sentimos falta dessas atividades…” (sic). E as perguntas ocorreram como balas disparadas sucessivamente à medida que falávamos individualmente com cada um dos candidatos ao grupo: - Mas se estamos sem visitas como é que o professor vem cá? - Podemos estar mais que 2 pessoas na sala ao mesmo tempo? - Quem é o professor que vai estar? Nós não o conhecemos? - O professor não vai estar cá e vamos ver bem os exercícios no computador? - Não percebo nada dessas modernices, mas se é para voltar às aulas estou pronto! Quando começamos? Quando chegou o dia do início do desafio (15.05.2020) e, pela primeira vez, novamente na mesma sala ao final de 2 meses, com o devido distanciamento de 2 metros, foram contextualizados do que se ia passar, tudo parecia estranho! Trocavam-se olhares como se fossem desconhecidos. Para fazer os exercícios, olhavam discretamente para o projetor na parede como que paralisados a perceber quem era aquela pessoa e como estava a entrar na nossa sala… mas à medida que o tempo foi passando e a gestão da novidade foi digerida,
foi compreendido o objetivo e esta nova realidade que veio para ficar! A dinâmica de grupo instalou-se por orientação do professor e o resto do tempo passou num ápice! No final da aula, a avaliação foi muito positiva e até libertadora, já que os utentes participantes sentiram-se mais livres de movimentos na sua própria Casa, afirmando que estavam a precisar de algo assim. Foi um início repentino sem planeamento mas muito bem acolhido. Vamos continuar com a atividade e já ficou agendado pelo grupo 2 sessões semanais para dar continuidade a este desafio. Agora que começamos, não queremos mais parar, porque como Albert Einstein dizia “A vida é como andar de bicicleta. Para ter equilíbrio, você tem que se manter em movimento…” e o presente assim o exige! Novos desafios e novas aprendizagens! • POR LUÍSA CARVALHO (ANIMADORA SOCIOCULTURAL DA CASA DE REPOUSO DE REAL)
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COM VIDA NA CASA DE REPOUSO
Desde o dia 26 de março que o sentido da Vida foi posto em causa… desde esse dia em que TODOS nós fomos confrontados com um tal novo vírus, que nunca tínhamos ouvido falar, colocou-nos a TODOS em sobressalto sem escolher cores, raças, tamanhos, idades ou géneros. Após o choque e as notícias diárias na comunicação social surgem várias diretrizes governamentais, a mais marcante – a suspensão das visitas aos idosos residentes numa estrutura residencial. Confinados nos seus espaços e limitados nos seus movimentos e contactos, fica a dúvida: estarão a viver supostamente mais protegidos, mas por que preço? Todos sabem, ou aqueles que têm capacidade de compreender que o motivo é grandioso, mas pesado de cumprir. Os dias passam, uns sobre os outros e parece aumentar as horas por cada dia, as atividades de lazer ficam reduzidas à TV, leitura, música e pouco mais, já que o convívio social entre pares é de evitar e perde o sentido pelo isolamento social a que ficam obrigados. Começam a ter possibilidade de contactar com as famílias para além do telefone através das videochamadas, alguns até hoje ainda não compreendem como conseguem ver a família que mora em França no computador da instituição. Mas tudo vale a pena porque a saudade aperta … e a saudade é um vazio cheio de tudo que nos esmorece e nos desnorteia porque queremos sempre estar junto dos nossos, aqueles que vivem dentro de nós.
A velha máxima que vamos apregoando junto dos idosos mais saudosos “é longe da vista por enquanto, mas sempre dentro do coração”… pela imagem sentem-se mais próximos… sim porque uma imagem vale mais que mil palavras e o que os nossos olhos veem o coração sente com mais intensidade. A equipa que cuida, num primeiro momento, ficou receosa. A sua imagem transforma-se atendendo aos EPI’s e aos semblantes menos risonhos. Todas as tarefas associadas à função de cuidadoras formais foram mudadas como se passasse um ciclone da noite para o dia seguinte. Foi o início de um novo desafio num contexto de batalha sem se saber qual é a cara do inimigo! Toda a Casa parece que perdeu a alma da Vida que diariamente se sentia daqueles que deambulavam ativamente nas suas rotinas pelos diferentes
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espaços. Instala-se um silêncio de preocupação de como vai ser o amanhã, vivendo-se na incerteza! Assombram no inconsciente questões como: - Será que vamos ser capazes de conseguir tratar dos nossos idosos que pertencem a outras famílias, mas que também são nossos todos os dias? - Teremos a capacidade de em simultâneo nos proteger, e proteger os idosos ao cumprir todas as orientações e ainda a nossa própria família? - Que tipo de vírus é este de que tanto se fala e pouco ainda se sabe para o combater eficazmente? - Como vou conseguir gerir todo este desafio e conciliar a minha profissão com a minha vida familiar agora e sempre? Mas, passados mais de 50 dias, acreditamos que temos dado pequenos passos todos os dias que nos levam um sentimento de uma pequena vitória, tendo sempre como prioridade o bem- estar de todos aqueles que residem à nossa responsabilidade. Aqueles que cá residem e que se veem aprisionados numa instituição, porque um dia decidiram acautelar o seu futuro de forma consciente, sentem um misto de responsabilidade de cumprirem o que é regra fundamental, com um sentimento de injustiça. Afirmam que compreendem o bem maior que é a saúde, mas não deixam de verbalizar que como cidadãos, se estivessem em suas casas, não estariam tão confinados e tão distantes dos seus entes mais queridos porque se calhar ainda iam andar a pé por essas ruas fora e os filhos ou netos ainda iriam levar lá casa as compras, como era hábito!
E de semblante cabisbaixo sentem que os dias passam uns sobre os outros à espera de algo, algo que possa mudar a rotina e traga novo alento para o dinamismo a que foram habituados. A equipa segue o seu caminho profissional, encarando afincadamente este desafio que se impõe, acreditando que o melhor está por chegar… um dia. Cremos que temos que continuar a cumprir as nossas funções porque a Vida não é fácil e faz-nos mais fortes quando nos traz grandes obstáculos. A força, a fé e a coragem não nos vai faltar para seguir o nosso caminho e se o medo nos voltar a perseguir, vamos com medo, mas todos juntos, como uma equipa responsável por quem está connosco. Na nossa arte de SobreVIVER a esta ameaça vai sempre haver emoção, afeto, ação, entreajuda, união, respeito, otimismo e muito sorriso! O resultado fará a diferença porque a melhor maneira de prever o futuro é criá-lo, protegendo-nos! Se continuarmos neste caminho, Vai dar Tudo Certo! E se não der, enquanto EQUIPA tentamos de NOVO, melhorando as nossas práticas porque sabemos que nenhum de nós é tão bom como QUANTO TODOS JUNTOS! Famílias, utentes e equipa… Temos que Acreditar! • POR MARIA JOÃO OLIVEIRA (COORDENADORA CASA DE REPOUSO DE REAL)
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MUDA DE VIDA… A ANIMAÇÃO NAS ERPI
Os seniores, como todos nós sabemos, correm um risco acrescido face à Pandemia Covid-19. Não só pela maior vulnerabilidade associada ao avançar da idade, como também por terem patologias pré-existentes. Além de todo o apoio logístico que tem vindo a ser prestado e que continuará a ser, ao longo de todo este processo pandémico, o apoio emocional foi e será sempre motivo de grande atenção por parte da instituição. Tudo começou no início de Março. Ouvimos nas notícias: “Está confirmado o primeiro caso de coronavírus em Portugal!” Essa palavra complicada de dizer, esse “bicho” invisível que veio dos lados da China, bastante perigoso, contagioso e letal, principalmente para idades avançadas! Isto soou aos ouvidos dos utentes como um fantasma vindo do além! E como explicar-lhes isto para os sossegar? Com medo, sem o mostrar, cheias de dúvidas mostrando certezas e conhecimento sempre a dar conselhos: “Têm que lavar muito bem as mãos!”, “Têm que respeitar a etiqueta respiratória! E depois voltar a lavar!” Repetíamos nós vezes sem conta, “Nada de abraços nem beijinhos!” Que coisa estranha de se dizer… Houve uma necessidade urgente de os proteger, são um grupo de risco, mas este isolamento foi muito duro! Foram proibidas todas as coisas boas que eles adoravam: as saídas, as visitas dos familiares, o lar fechou-se para o mundo! Mas o mundo lá fora também mudou, tudo ficou diferente. Tudo fechado e as pessoas todas em casa, os nossos utentes
não puderam ouvir o som dos pássaros cá fora no imenso silêncio que foi pairando no ar! E como explicar isto a um utente dependente (muitas vezes com défices cognitivos) que aguarda ansioso a visita do seu familiar? E como explicar a um utente autónomo que não poderá sair, ir às compras ou socializar com os amigos como sempre fez? Foi e tem sido um período muito exigente. Para os utentes, que para os protegermos os separamos e isolamos uns dos outros, para os colaboradores que realizaram turnos muito longos, com muitas indumentárias (batas, toucas, luvas e máscaras), com muitas lavagens e desinfeções, com muitos receios mas conscientes de estar a fazer o mais correto e os procedimentos recomendados, sempre com o sentimento de “missão cumprida”. E nós Animadoras? Que grande desafio! O que fazer? Nada de saídas, nada de festas, nada de atividades de grupo, nada de promover a socialização e o contacto, contrariando tudo aquilo o que sempre promovemos até então! Há que “arregaçar as mangas” e fazer o que faz falta, nada de desanimar, nada de desistir pois a animação vai muito para além das atividades, é preciso estar presente, acarinhar sem tocar, atenuar a angústia, transmitindo pensamentos positivos “Vamos todos ficar bem!”, mas com o pensamento cheio de dúvidas…“será que vamos” mesmo? Alguns utentes desanimavam e sentiam-se sós e “abandonados” pela família. Com os utentes impedidos do contacto físico com os seus familiares, a instituição adaptou-se e criou os meios de comunicação necessários. As atividades realizaram-se em
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MUDA DE VIDA… A ANIMAÇÃO NAS ERPI
pequenos grupos com o distanciamento necessário de forma a mantê-los física e cognitivamente ativos, e passaram a ser privilegiados os contactos telefónicos e as videochamadas. Mas também se apostou nas fotografias e mensagens nas redes sociais, estreitando os laços existentes entre eles e reduzindo as saudades! O tempo foi-se passando ao longo de 2 meses e apesar de todos os esforços, o tal “bicho” conseguiu infiltrar-se cá dentro, e fomos ouvindo notícias menos boas que nos deixaram muito tristes e com algum desânimo, mas outras de muita luta e esperança que nos foram dando alento e coragem, os nossos utentes e colaboradores foram e continuam a ser os nossos verdadeiros heróis! Mas o desafio maior continua, há que retomar alguma normalidade possível, a vida terá que continuar! Sempre com o tal “Bicho” presente, mesmo que invisível, precisamos de REINVENTAR A ANIMAÇÃO, agora mais do que nunca: mais individualizada, mais reparadora, mais exigente e desafiante! Continuaremos neste mundo novo cheio de incertezas e dúvidas, mas sempre com a esperança de que ficaremos todos bem! Ou sairemos todos mais fortes! • POR MARTA FERREIRA E ILDA MEIRELES (ANIMADORAS SOCIOCULTURAIS DOS LARES JOSÉ LUIZ D’ANDRADE E DRA. LEONOR BELEZA)
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NA LINHA DA FRENTE O TESTEMUNHO DA ENFERMAGEM
Esperança, Amor e Gratidão ‘Há coisas que se aprendem melhor na calma e outras na tempestade’. (Willa Cather, citada por D. António Marto, a 13/05/2020). E que tempestade pessoal e profissional vivi desde Março… Poderia escrever sobre a dor, o sofrimento, a angústia, o medo, a discriminação, a revolta, as restrições, as tomadas de decisão, as lágrimas invisíveis, as despedidas, as vidas perdidas, as histórias de vida perdidas que fazem parte da minha vida…mas, hoje, quero escrever sobre a Fé, a Esperança, o Amor e a Gratidão! Grata ao meu Filho (“a mãe anda há quinhentos anos com máscara”; “‘não posso brincar com os primos”, algumas das frases que expressavam um pouco de tudo o que sentias, sem perceber porque é que este bichinho que não vês mudou tanto as tuas rotinas; perdoa o meu distanciamento e as minhas fragilidades; só te quero proteger.); Grata ao meu Marido (por cuidares do nosso filho, pelo respeito e pela paciência); Grata à minha Mãe e aos verdadeiramente MEUS que são o meu suporte. Grata à Equipa de Enfermagem dos lares pela coragem, pela
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responsabilidade, pela eficiência e pela excelência no cuidar; Grata à Enfermeira Marta Ribeiro pela coordenação, pelo trabalho árduo, incansável e inesgotável (como diz alguém que respeitamos “é uma super mulher!”), e pelas palavras e atos de chefe e de amizade que também precisei; Grata à Enfermeira Helena Carvalho companheira da luta que travamos e que travei. Grata à Equipa de Ajudantes de Lar e Trabalhadores de Serviços Gerais do Lar Leonor Beleza - aos da valência e aos que a ela se juntaram - aqui a homenagem prometida, por serem heróis nesta luta contra o desconhecido. Admiro o vosso empenho…Grata por não desistirem. Grata à Dra. Ana Luisa Carvalho por tantas horas de partilha e decisão. Admiro a sua presença física constante no Lar que coordena. Amplifico a minha gratidão a todos os colaboradores da Misericórdia de Santo Tirso, em especial à Casa de Repouso do Real onde parte do meu coração lá mora e recebe o vosso cuidado diariamente. Grata por cada VITÓRIA de cada Utente... Grata às minhas Estrelas... Que a tempestade acalme e que se mantenha a aprendizagem… Sílvia Monteiro (Enfermeira na ISCMST)
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NA LINHA DA FRENTE O TESTEMUNHO DA ENFERMAGEM
A Enfermagem, o Coração e a Luta No meu ponto de vista, esta epidemia é a maior prova de resiliência pela qual poderíamos passar, enquanto indivíduos e sociedade. Ter a oportunidade de ser enfermeira em tempo do Covid-19, é testemunhar a força da natureza humana. Posso comprovar isso, pois no meu caso em que trabalho com uma população mais envelhecida, temos uma ideia errónea que são mais frágeis. Claro está, que devido às suas múltiplas co morbilidades, há uma maior vulnerabilidade, mas não considero que sejam “menos fortes”. Considero sim, que muito se deve à vontade de viver e ao amor pela vida. Pelo menos gosto de pensar assim. Na licenciatura haviam-nos dito muitas vezes que um enfermeiro tinha que ser criativo e renovar-se a cada instante. E foi isso que tivemos de ser, criativos e dinâmicos para dar resposta a estas adversidades. Todos os procedimentos técnicos tiveram que ser repensados ao pormenor, para nos protegermos a nós e aos utentes (contaminados ou não). Mas de todas as adaptações, a mais difícil foi a de não poder tocar nos utentes “pele com pele”. Era ter que dar conforto com barreiras físicas que muitas vezes eles não compreendiam e ao mesmo tempo ter um turbilhão de pensamentos na cabeça. Mas proteger é isso, ter o conhecimento científico para dar resposta às necessidades
daquela pessoa, mas ser dotada de sentimentos para poder cuidar e não somente executar tarefas. Ao longo desta caminhada, pode-se ainda comprovar que as instituições são feitas de quem lá mora e de quem lá trabalha. Tive a certeza que mesmo com poucos recursos humanos, foi o amor que tornou possível aos trabalhadores dar resposta às necessidades dos idosos e do dia-a-dia. Todos sabíamos que ao aceitar o desafio de entrar nesta “GUERRA” era dar muito de nós diariamente, era saber que tínhamos que nos resguardar dos nossos para cuidar daqueles que também acolhemos como família. O que não sabíamos era a dimensão da luta diária que íamos enfrentar, no entanto posso dizer que ganhei muito mais ao entrar nesta luta. Ganhei enquanto enfermeira, pessoa e ser humano. É sair do trabalho, diariamente, com um sentimento de dever cumprido, que o meu trabalho faz a diferença naquelas pessoas, mas sobretudo faz a diferença na minha vida. É sentir que quando vou trabalhar, vou para uma outra “casa” e para uma outra “família” que acolhi com o coração, quando decidi que queria ser enfermeira e trabalhar nesta instituição. Concluo que, se já considerava que viver era um privilégio cada vez tenho mais a certeza disso. Sofia Oliveira (Enfermeira na ISCMST)
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Uma Força Maior
Nunca Deixámos o Medo Vencer Escrevo isto num dos vários momentos de insónia dos últimos meses… Acordo a meio da noite a olhar nos olhos de algum utente, a ouvir o choro de um familiar do outro lado do telefone, ou a sentir a angústia de não lhes poder dizer quando é que isto acaba. Dificilmente volto a adormecer.
Quando amanhece o foco começa! Nunca deixei de ter vontade de ir para a denominada “GUERRA”, pelo contrário, descobri uma força maior! Aquela força que não sabemos bem de onde vem, mas sabemos que nos acompanha ao longo dos dias. Não tenho dúvidas que está relacionada com a nossa resiliência. Dou por mim a pensar no quanto persistimos, no quanto superamos, ao que resistimos! Todos nós sem exceção! Sim todos! Não se ganha uma batalha sozinho! Márcia Teixeira (Enfermeira na ISCMST)
Este ano a enfermagem comemora 200 anos, celebra-se este ano o Ano Internacional do Enfermeiro. E que ano repleto de desafios para os enfermeiros, na penumbra surge um vírus silencioso que rapidamente percorre o mundo, lembrando o quanto a humanidade é frágil. O vírus tocou no ponto mais frágil da sociedade, os nossos idosos, estes foram as principais vítimas, não apenas da doença mas de tudo o que a envolveu: o isolamento, o distanciamento das famílias, a adaptação a novas realidades numa idade onde se pensa já ter vivido tudo. As Estruturas Residenciais Para Idosos (ERPI) são estruturas maioritariamente sociais onde o apoio médico e de enfermagem é escasso assegurando apenas o legalmente exigido. Esta pandemia obrigou a repensar o apoio que é prestado aos idosos institucionalizados em ERPI, desafiando todos os Enfermeiros que aí trabalham. Também nós fomos linha da frente, nós os “enfermeiros dos lares” como vulgarmente os nossos colegas nos chamam, não deixamos ninguém sozinho. Lutamos com as armas que tínhamos e protegemos os nossos idosos, apoiamos os funcionários das Estruturas Residenciais Para Idosos que apesar de toda a formação e experiência profissional, raramente lidaram com um doente em isolamento e nunca trabalharam com tanto material de proteção como agora.
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NA LINHA DA FRENTE O TESTEMUNHO DA ENFERMAGEM
Escolhi Ficar Dizem que onde há o medo, mora a coragem. Pois é diante do medo que há que escolher entre fugir ou defender.
O desafio foi grande, muito grande, mas nunca perdemos o norte, nunca deixamos o medo vencer, lutamos pelos nossos idosos como pela nossa família, sim porque somos todos uma família, família Santa Casa da Misericórdia de Santo Tirso. Enquanto Enfermeira agradeço tudo o que este vírus me ensinou. Não vou esquecer o rosto de nenhum companheiro de luta, desde a Coordenadora da Saúde que sempre comandou este barco com “garras de leão”, Coordenadoras, todas as Ajudantes de Lar e funcionárias dos Cuidados Gerais das várias valências, profissionais que tal como nós venceram o medo, e apesar do cansaço de pelo menos 12 horas de trabalho, deram o seu melhor pelos nossos idosos. Obrigada. Helena Carvalho (Enfermeira na ISCMST)
Foi perante esta dicotomia que estive naquele fim de turno, um dos primeiros no Lar Dra. Leonor Beleza. Eram cerca de 22h00, entrei em casa, já descalça, com uma máscara cirúrgica colocada e de desinfetante em punho. Entro em silêncio, para evitar que a minha filha me receba com aquele abraço de sempre, antes que eu esteja devidamente “limpa”. Não houve beijinho para ela, nem para o marido e assim é há mais de um mês. Nessa noite chegou a primeira reação ao meu novo emprego: “a X ligou a dizer que é melhor não levar mais a menina lá para casa” e a seguir a essa, outras reações se seguiram e dariam, por si só, muita reflexão. Nessa noite, sentei, questionei-me e chorei. E escolhi. Escolhi, ainda que cheia de medo, seguir com coragem uma equipa de profissionais desmembrada e abalada com o que a pandemia trouxe para o Lar Dra. Leonor Beleza. Escolhi estar junto dos que conhecem aqueles corredores como casa e de outros, que como eu, trilham-nos com a inexperiência e com as dificuldades inerentes a uma adaptação a uma nova realidade. Escolhi ficar do lado de pessoas, fragilizadas como jamais estiveram, para quem o quarto virou casa e a única presença são aqueles desconhecidos “mascarados” que dizem que “vai tudo ficar bem”.
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Escolhi ficar com os que mais precisam, de cuidar com a maior dignidade possível, e fazer por eles o que gostaríamos que um dia fizessem por nós e pelos nossos. Percorrendo os corredores nos primeiros dias, estou capaz de dizer que estou sempre a cruzar com a mesma pessoa, que ninguém se conhece. Não se veem sorrisos, nem expressões, as vozes saem pouco percetíveis. São só mascaras, viseiras, batas e gestos precisos e enérgicos para dar tudo a toda a hora. Porque agora está tudo bem, mas numa reviravolta há que socorrer a emergência que chega, há que estar apto para mais uma mudança que o serviço exige para se adaptar à nova realidade. Vou perguntando dia após dia o nome de mais aquele herói com quem me cruzo, vou vislumbrando nos olhares as rugas de tensão, as marcas de cansaço, o brilho deixado pelas lágrimas, contemplando as várias cores desse arco-íris que virou bandeira e ouvindo sem cessar o “vai ficar tudo bem” como hino, porque é preciso acreditar para continuar.
Posso falar da Enfermeira Sílvia que conhece os utentes como ninguém, que centrada no foco e cheia de energia positiva não deixa nenhum detalhe ao acaso, e apesar dos tempos difíceis, conseguiu passar-me o essencial, com paciência, para eu seguir sozinha. Posso falar da Dr.ª Ana Luísa e da Dr.ª Manuela que de ar extenuado, seguem firmes ao lado da sua equipa e sempre dando o seu melhor, até em papéis que não são os seus. E então há a Enfermeira Marta que confia nos seus, e até nos novatos como eu…e deve ser feita de matéria que não existe no planeta Terra dadas as horas que trabalha a fio em tempos de guerra, sem deixar cair nenhum soldado sem lhe deitar a mão, e que não descura nenhum detalhe, seguindo na linha da frente, e na frente. Se é verdade que esta pandemia veio também como uma oportunidade para sermos melhores, obrigada a todos do Leonor Beleza pela oportunidade de crescimento e desenvolvimento. E siga que este final é para ser feliz! Daniela Magalhães (Enfermeira na ISCMST)
Todos acreditam que tudo é possível quando o fazemos juntos e juntos seguimos. E, como todo o núcleo de heróis tem líderes, esta equipa não é diferente.
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NA LINHA DA FRENTE O TESTEMUNHO DA ENFERMAGEM
Estamos Aqui para Cuidar... Marcas na cara, pressão no nariz e orelhas, batas encharcadas, corpos transpirados, viseiras embaciadas, a única rotina que existe é chegar ao local de trabalho, vestir o equipamento de proteção individual adequado e planear o nosso turno. O combate à pandemia alterou as rotinas, novos fatos e equipamentos para proteção pessoal e coletiva. Como o vírus é novo e desconhecido, não há muitas informações acerca do mesmo, no entanto sabe-se que o risco de transmissão é alto, e isto gera um impacto psicológico, a coisa do “não saber”. Trabalhamos todos sobre stress e ansiedade, não por medo de cuidar dos utentes, mas por medo do desconhecido. Agora, mais que tudo, a enfermagem precisa estar unida. Finalmente, temos o espaço para demonstrar a nossa importância e dizer para a população que estamos aqui para ajudar e contribuir. Porque defendemos o bem comum, o nosso dever é cuidar, independentemente da pandemia ou não. Helena Silva (Enfermeira na ISCMST)
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O VÍRUS DENTRO DE NÓS
“Não espere por uma crise para descobrir o que é importante na sua vida.” (Platão)
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que não abandonaram o seu posto de trabalho, porque tinham a cargo idosos, crianças ou jovens nas instituições, mesmo com receio pela sua saúde, e sem respostas em tempo útil. Para estes, não há palmas que cheguem.
Não estávamos preparados. Não estávamos realmente preparados para um vírus como este, que põe a descoberto as nossas fragilidades e inseguranças, A perspetiva dos pais e crianças, confinados ao domicílio, quer individuais quer comunitárias, e que nos confronta com a onde o teletrabalho se mistura com as tarefas domésticas, falta de coordenação e solidariedade entre os países e ou a responsabilidade se baralha com a brincadeira e o povoações. lazer. O desgaste na família, onde Não estávamos realmente não se pede que os pais sejam preparados para fazer escolhas, professores, mas estes são mais E de um dia para o outro acontece tendo em conta a nossa segurança e do que convocados a o serem, pela o impensável: somos obrigados a a da nossa família. Nem para própria dinâmica instalada. E PARAR. A ter especial cuidado com os abdicar da nossa liberdade, em prol professores com a vida do avesso, do bem comum. E muito menos para que também são pais de outras que amamos, e a quem às vezes nem deixar de abraçar e beijar os nossos, crianças, também elas com aulas dávamos um beijo ou um abraço. ou não lhes prestar uma última à distância. E avós afastados dos homenagem. Não, não estávamos seus netos, uma dor maior, preparados e nunca estaremos. Por silenciosa. isso, este vírus irá deixar marcas profundas, em todos nós, de uma forma ou de outra, mesmo que de forma diferente. A perspetiva dos decisores políticos, daqueles que analisam o E se para tudo existem várias perspetivas, também as há para impacto económico, social e financeiro da pandemia. O que esta pandemia. valem mais, as vidas humanas ou os interesses instalados? E os que lucraram, lucram e lucrarão com o nosso medo? Tantos… A perspetiva dos que estão na linha da frente do combate, como os que nos venderam álcool e máscaras a preços (sim, é uma guerra, e partimos em desvantagem), desde os impensáveis, ou nos quererão prometer uma vacina? Onde profissionais da saúde até às forças de segurança, passando pára a nossa humanidade? Se dentro dum Continente, países por todos aqueles que saíram de casa para trabalhar, para que se fecham sobre si mesmos, se dentro dum país há povoações continuássemos a ter bens alimentares nos supermercados, que são estigmatizadas, se dentro das empresas há combustível para circular, medicamentos nas farmácias. Ou os trabalhadores colocados à margem.
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O VÍRUS DENTRO DE NÓS
E de um dia para o outro acontece o impensável: somos obrigados a PARAR. A ter especial cuidado com os que amamos, e a quem às vezes nem dávamos um beijo ou um abraço. A recolher ao nosso porto de abrigo (para quem tenha esse abrigo), a nossa família. Tantos de nós com cada vez menos tempo para si e para os seus: para ver um filme, ler um livro, ouvir um álbum, plantar no jardim. E eis que alguns redescobrem novos prazeres: o prazer na cozinha, o de inventar receitas ou recriá-las; o relaxamento com atividades artesanais; a alegria de brincar com as nossas crianças, ter tempo para as suas perguntas, rir com elas, olhar o mundo com a sua perspetiva. E aquele aperto no peito ao fim do dia, aquele cansaço crónico, ao longo dos últimos anos…abranda um pouco. Fomos obrigados a PARAR. Porque este vírus mostrou o nosso melhor e o pior. E se por um lado o vírus contagia e invade, por outro lado ele revelou o que nos custa admitir: o vírus dentro de nós. Ele está bem entranhado e poucos escapam: ele está na Pressa, na Agitação, nas noites de Insónia encharcadas em medicamentos, na Impaciência, na Intolerância…na Crueldade. Este vírus que se interiorizou em nós está cá há muito tempo, e tem feito muitas vítimas. Cada vez que não temos tempo para os nosso filhos, que não damos a devida atenção aos que amamos, cada vez que o consumismo é mais importante que uma boa conversa, olhos nos olhos,….este vírus, dentro de nós, vence.
Como Psiquiatra, já lido com o sofrimento e a infelicidade há vários anos. E também com a incapacidade de amar, e se deixar ser amado, com a dificuldade em perdoar e ser perdoado. Este confinamento obrigou a PARAR, aqueles que me disseram muitas vezes “o meu ritmo é assim, eu tenho que dar resposta, eu não posso desligar o telefone, tenho que estar contactável”. Obrigou a passar tempo efetivo com o companheiro(a) e a descobrir, em alguns casos, que afinal, já não têm muito em comum. Obrigou a assumir responsabilidades parentais, dividir tarefas em casa, a não nos desculparmos com a falta de tempo. Obrigou a refletir. Por isso deixo convosco alguns pensamentos que me orientaram, em altura de confinamento, e que partilhei com alguns doentes e amigos: # Nunca como agora precisamos de líderes, timoneiros na tempestade. Seja um líder no seio da sua família, dê o exemplo aos mais novos, comunique de forma eficaz, decida para o bem comum, mesmo que não agrade a todos, e explique-lhes isso mesmo. # Mantenha-se ativo, física e mentalmente; não passe horas em frente a um ecrã, levante-se e procure uma atividade diferente, talvez aquela que nunca teve tempo de experimentar. # Siga as recomendações atuais para o desconfinamento, sobretudo higienizar as mãos e usar máscara, de forma correta: ficar paranoico ou obsessivo não vai acrescentar em segurança, pelo contrário, torna-nos escravos do medo. Existem linhas de apoio psicológico, basta consultar a página da DGS.
# Reclame menos, incentive mais; fale menos, escute mais. Não faça grandes planos, há uma forte probabilidade de acontecer algo diferente, e que até pode ser bom. Ás vezes, maravilhoso. # Num dia mau, está perdoado(a): coma mais uma sobremesa, meta-se na banheira e tome um banho longo, ou simplesmente chore, enfie-se no sofá a tarde toda. Basicamente, não se leve tão a sério. Que esta pandemia seja controlada, o mais cedo possível, com a ajuda de todos. Que cada um, com coragem, derrote o vírus, dentro de si. Abraço a todos. “Ame o que tem... Antes que a vida lhe ensine a amar o que tinha.” (Clarice Lispector) • POR SANDRA SABRINA QUEIRÓS (OM38503 / ASSISTENTE HOSPITALAR GRADUADA EM PSIQUIATRIA, NOVO HOSPITAL DE AMARANTE / PSIQUIATRA DA UNIDADE DE ALCOOLOGIA DO PORTO E CONSULTORA DE PSIQUIATRIA)
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COMO DESBLOQUEAR A VIDA INTERNA
Uma coisa é identificarmos sentimentos, pensamentos e comportamentos; outra coisa - completamente diferente - é que nos identifiquemos com eles. Mas é assim tão diferente? É, sim. Quando nos identificamos, estamos a dizer: “eu sou o que sinto”; “eu sou o que penso”; “eu sou o que faço”. Até certo ponto isso pode ser inócuo. Mas rapidamente se torna perigoso e tóxico. Aliás, é daí que vem todo o sofrimento. Porquê? Porque, por um lado, vamos estar a ancorar-nos, a fixar-nos, a colar-nos ao que achamos que somos - como uma lapa na rocha. Ao mesmo tempo, excluímos tudo o resto. Como que dizendo: “eu não sou aquilo que não sinto”; “eu não sou aquilo que não penso”; “eu não sou aquilo que não faço”. A dupla negação pode causar alguma confusão, não é? Vamos simplificar. Ou seja, quem diz “eu sou” em total identificação nos termos que aqui estamos a explorar, está a dizer em simultâneo “eu não sou…” em variadas formas: - “eu nunca fui…” - “eu não posso ser…” - “eu nunca poderei vir a ser…” - “mal de mim se eu fosse outra coisa…” A identificação ganha contornos tóxicos mais óbvios quando o fazemos com dinâmicas internas que nos prendem, limitam, bloqueiam. Então, ao identificar-nos com essas dinâmicas surgem expressões de limitação como estas: - uma luta eterna com culpa e autocondenação; - uma máscara social que continuamos a usar apesar de nos faz sentir mal;
- um vício que nunca mais largamos; - uma autoestima miserável; - uma relação amorosa que não anda nem desanda; - o apego férreo a determinada tarefa, cargo ou estatuto que corrói relações profissionais e contamina toda a instituição - intolerância a raças, credos, crenças e tendências de um género ou do outro. Na verdade, bastaria comparar quem fomos aos 10, aos 20, aos 30, aos 40, aos 50 anos, e por aí fora, para perceber o quanto mudámos! Ou seja, o quanto mudou o modo de sentirmos, pensarmos e fazermos. Uma visita atenta à nossa biografia é uma ajuda preciosa para perceber que, se tudo isso mudou, então nada tem a ver com a nossa essência. O que somos de verdade é o que permanece para lá do impermanente. Então, como desbloquear a vida interna? Nesta subtileza. Quando identificamos sentimentos, pensamentos e comportamentos mas evitamos criar identidade à volta deles, preservamos o nosso espaço interno de liberdade. É a diferença entre o ‘ser’ e o ‘estar’. Em português abusamos do verbo ‘ser’ para situações em que ‘estamos’. Por exemplo: - em relação à profissão, em vez de dizermos “eu sou arquiteto”, deveríamos dizer “eu estou arquiteto” (os italianos, dizem “eu faço de arquiteto”); - em relação à saúde, em vez de dizer “eu sou gordo”, deveríamos dizer “eu estou gordo”; em vez de dizer “eu sou tetraplégico”, deveríamos dizer “eu estou tetraplégico”;
- em relação a hábitos, em vez de dizer “eu sou fumador”, deveríamos dizer “eu estou fumador”. Substituir o ‘sou’ pelo ‘estou’ pode ser tremendamente libertador: - isso amplia o nosso horizonte de possibilidades; - areja a nossa casa interior; - abre espaço à escolha e à mudança; - incrementa a nossa responsabilidade; - e, portanto, desperta o nosso poder pessoal. No fundo, damo-nos permissão para quebrar com o que sempre achámos que fomos - mesmo os hábitos mais arreigados. Deixamos de ser fiéis ao que é acessório e transitório em nós para sermos fiéis ao que realmente somos. Mesmo agora, neste momento, posso decidir que largo qualquer coisa que preciso de largar. E isso é espetacular [o que terá aparecido aí, desse lado?] Para começar, posso implementar uma espécie de mantra de higiene mental e espiritual: - “eu não sou aquilo que sinto; sou aquele que sente”; - “eu não sou aquilo que penso; sou aquele que pensa”; - “eu não sou aquilo que faço; sou aquele que faz”. O que me acontece quando levo a sério estas afirmações? Elevação, leveza, poder de escolha, responsabilidade, ação intencional e consciente, serviço. É isso que resulta de uma vida interior saudável. • POR JOÃO DELICADO (FORMADOR, COACH E AUTOR DO BLOG “VER PARA ALÉM DO OLHAR”)
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COMO CRIAR UMA VIDA SERENA, FELIZ E REALIZADA EM TEMPOS DE COVID-19
Em tempos de incerteza é normal sentir-se ansioso. Sempre que há uma grande mudança na nossa vida tendemos a responder de três formas: ficamos inquietos, ansiosos e/ou em sofrimento. Mas não tem que ser assim... A pandemia COVID-19 trouxe mudanças enormes a todas as áreas da nossa vida: desde ao emprego, às relações interpessoais, à estabilidade financeira, como à nossa saúde. Normalmente lidamos apenas com uma mudança de cada vez, mas, neste momento, lidamos com alterações profundas em diferentes frentes, por isso é normal que a ansiedade e a pressão que sentimos agora sejam muito mais elevadas do que o habitual.
As rotinas são uma forma fantástica de conquistar uma sensação de realização e de propósito. Vou ensinar-lhe um acrónimo para o ajudar a priorizar os momentos mais importantes do seu dia e a lembrar-se de criar uma rotina que o mantenha entusiasmado e feliz, independentemente do que se esteja a passar na sua vida. Preparado? Memorize: M.A.P.A. O que significa?
M - Meditação - Encontrar momentos de tranquilidade pode ser um desafio nestes dias, mas a meditação é um dos melhores exercícios para conquistá-la! Quer conhecer o meu segredo? Conseguir começar a manhã a criar Sabendo que não temos controlo sobre um momento de clareza, permite Construa uma rotina de sucesso! a incerteza global que esta pandemia ganhar espaço mental para gerir o trouxe ao panorama internacional, resto do seu dia, para lidar melhor acredito que a melhor forma de lidarmos com esta volatilidade com as inúmeras reuniões no Zoom, com todas as exigências é focarmo-nos naquilo em que sim temos domínio, naquilo que familiares e as demais solicitações da nossa agenda. depende de nós, naquilo que podemos fazer para construir Se nunca experimentou a meditação vou ensinar-lhe um estrutura para lidar com tudo o que se está a passar. exercício muito simples e eficaz, chamado respiração quadrada. Quero, por isso, partilhar consigo o meu segredo para Para fazê-lo reserve um local sossegado onde possa sentar-se manter a sanidade e a realização, e algumas dicas que o confortavelmente. Faça uma inspiração profunda e descontraia vão ajudar a manter-se mais focado, tranquilo e feliz, o corpo todo ao expirar. Feche os olhos. Concentre-se na sua mesmo durante uma pandemia. respiração e perceba que à medida que se permite descontrair ela vai tornando-se mais lenta, mais suave, mais impercetível. Quer conhecer o meu segredo? Nesse instante, leve a sua atenção para a sensação térmica do Construa uma rotina de sucesso! ar a tocar nas narinas: quando o ar entra a sensação é de uma maior frescura e quando expira a sensação é um pouco mais
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amena. Se outros pensamentos surgirem, não lute contra eles, simplesmente volte o seu foco para a sensação térmica da sua respiração. Quando inspira sente a frescura do ar, quando expira sente uma temperatura mais amena. Faça isto alguns minutos e observe como a sua respiração começa a ficar ritmada, as suas emoções e a sua mente serenam e a sua força de vontade aumenta consideravelmente. A - Atividade Física - Movimentar o seu corpo vai definitivamente melhorar a sua disposição. Segundo Newton, um corpo em movimento tende a permanecer em movimento, pelo que se quer construir e ter um sentimento de entusiasmo e realização contínuos, precisa gerar uma força de movimento. Pode ser uma ida ao ginásio ou começar a subir as escadas em vez de usar o elevador, pode ser dar um passeio pelo parque ou até a dançar ao ritmo da sua música favorita; qualquer que seja o movimento, procure incorporar exercício físico no seu dia e veja a sua realização disparar! P - Pensamentos: Quem conhece a fórmula dos resultados sabe que os nossos pensamentos são a raiz dos nossos resultados. Os nossos resultados são fruto das nossas ações; as nossas ações têm a intensidade proporcionada pelas nossas emoções (pelo nível de entusiasmo que cultivamos); e o que determina os nossos sentimentos é o nosso mindset, a forma como pensamos! Por isso, se queremos ter uma vida serena, feliz e realizada, vamos ter que passar a nossa vida a proteger o nosso mindset, a gerir os nossos pensamentos. Sempre que
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COMO CRIAR UMA VIDA SERENA, FELIZ E REALIZADA EM TEMPOS DE COVID-19
sentimos que os desafios aumentam, precisamos sentir que estamos a evoluir também ou o desânimo instala-se. Procure, assim, aprender e crescer diariamente: leia um livro que o impulsione, assista a uma TED Talk inspiradora ou aprenda um novo passatempo. Assim estará melhor preparado para abraçar novos desafios! A - Apreciar - Reserve alguns momentos do seu dia para simplesmente apreciar as coisas boas da sua vida: aproveite a companhia de um amigo, usufrua de um belo local, contemple a natureza, permita-se viver novas experiências. Temos tantas coisas boas na nossa vida que às vezes damos tudo por garantido e esquecemo-nos de saborear. Se houve algo bom que esta pandemia trouxe foi percebermos que poucas coisas são certas; mas certo é que diariamente temos uma série de privilégios, que cada dia ganhamos algo tão bom que até lhe chamam de presente! Quer apreciar e aproveitar mais? Deixo-lhe duas sugestões: 1 - Minimize a sua exposição aos noticiários: já observou que muitas vezes têm um impacto muito negativo na sua disposição, que lhe trazem medo e o desmotivam? 2 - Habitue-se a provocar os seus sentidos: • veja algo que goste todos os dias - pode ser uma peça de arte em sua casa, ver um vídeo engraçado ou contemplar uma paisagem; pode também ser organizar a galeria de fotos no seu telemóvel e recordar com deleite os momentos felizes que passou e que raras vezes recorda…
• descubra novos aromas e sinta o poder incrível que pode ter sobre si e sobre o ambiente que o rodeia; • organize a banda sonora da sua vida - reúna uma lista de músicas que o deixam feliz, ouça alguns sons da natureza no Youtube e dê um novo ritmo à sua vida... Se quer viver entusiasmado e feliz este é o M.A.P.A do meu sucesso! E se o aplicar, pode ser também o seu! • POR DANIELA AREAL (SPEAKER & TRAINER | LIFE MASTERY - WWW.DANIELAAREAL.COM)
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HÁBITOS DE ALTA PERFORMANCE LIFE MASTERY TRAINING
Os líderes são tão mais eficazes, quanto mais investirem no desenvolvimento das suas competências individuais. Nos dias 12 e 13 de fevereiro de 2020, a Misericórdia de Santo Tirso reforçou a aposta no desenvolvimento pessoal dos/as seus/suas colaboradores/as com cargos de chefia, num desafio conjunto com a F3M-Training Centre. Foram 2 dias intensivos de Treino de Hábitos de Alta Performance, na Douro Foz High Performance School, com Daniela Areal. Licenciada em Gestão de Empresas, Daniela Areal investiu na área do desenvolvimento pessoal que a fez mergulhar num percurso de autoconhecimento e biohacking e, desde 2010, dedicar-se integralmente a conduzir empreendedores, empresários e profissionais ao seu máximo potencial (sic). Esta aposta Institucional reflete a intenção de reforçar as competências transferíveis (soft skills) daqueles/as com responsabilidades na condução do dia-a-dia das valências e dos serviços para que o façam assentes nas máximas: Liderar com competência. Liderar pelo exemplo. • POR SARA ALMEIDA E SOUSA (RESPONSÁVEL DE RECURSOS HUMANOS)
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Formação
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Cultura
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VIAJAR SEM SAIR DE CASA
Se vos sobrar tempo não se esqueçam disto. É possível viajar sem sair de casa. Em tempo de pandemia muitos foram os livros que me fizeram companhia. Aqui fica a partilha do que senti nestas boas descobertas. Partilho convosco o melhor de que desfrutei em leitura. Não vos vou dar todas as pistas, só algumas coordenadas para que possam fazer a vossa própria viagem.
“Silêncio na era do Ruído”, de Erling Kagge É um belo livro sobre o silêncio, o tempo e a vida. Uma magnífica introspeção sobre os temas que nos faz refletir sobre a atualidade. “Muitos de nós apenas existe e tão poucos de nós vive!” “Se isto é um Homem”, de Primo Levi Um relato vivido na primeira pessoa com uma enorme humanidade e respeito pelo outro sem rancores e sem vitimizações, embora o pudesse ser com toda a legitimidade porque quem sobreviveu ao holocausto é mais do que um herói, é um super-homem. “Frankenstein”, de Mary Shelley Ninguém consegue viver sem amor, nem o mais feio e solitário dos monstros. E quem é o monstro, o criador ou a criação? Será que todos nós que vivemos num mundo em que o belo e o desejável é quem parece ser quase exclusivo e merecedor de todos os afetos? “A Vegetariana”, de Han Kang Este livro tem tanto de belo como de cruel. A história de uma mulher que decide deixar de comer carne e como esse facto vai afetar tragicamente a sua vida e a das pessoas do seu núcleo familiar. • POR CARLA NOGUEIRA (JORNALISTA)
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POEMAS
Cultura
Em Quarentena
Renascer COm VIDa
Sol ou chuva pouco me importa O sol quando abre radiante Nem minha sombra posso ver Tudo porque quer queira quer não Tenho de estar em casa Sempre foi tempo de sonhar Até na alma pôr ilusão Mas não me posso esquecer Ter os pés assentes no chão Fazer planos de nada vale Todos os dias notícias mudam Minha vida a que nunca tive Tanto me abre horizontes Como se fecha implacável Entretanto vamos seguir as regras Defender a união Junto à medicina que nos resta Ter no nosso Deus a salvação
Renascer será sem dúvida a palavra certa, um propósito... o caminho renascer a cada amanhecer, em cada sorriso no brilho de um olhar renascer com vida será, viver e sentir quantos passam apenas pela vida e não a sentem...apenas passam quando se pensa que o nosso caminho está traçado delineado eis que a vida nos põe à prova abalados... mas eis que a tua vida, a nossa vida volta a ter um novo sentido um novo rumo, uma verdade... entendemos melhor porque é mais importante agradecer a nossa chegada, a nossa presença do que nos interrogarmos porque é que estamos aqui há palavras iluminadas uma delas é a palavra “Atenção” se não estivermos atentos não vemos não sentimos é necessário aquele sentir agitado o arrepio da pele “Esperança” é a fé que temos em nós e nos outros é acreditar sempre na possibilidade do amanhã não sabemos o que realmente somos essencialmente condutores de sonhos o resto talvez seja saudade, coisas que a Alma guarda pequenas ou grandes coisas nos atraem perseguimo-las com avidez aí reside o nosso começo e o nosso fim.
POR ANYTA (IRMÃ DA ISCMST)
POR CÉU MACHADO (VOLUNTÁRIA NA ISCMST)
Pedimos à Fátima Pereira, à Adelaide Gomes e à Gracinda Martins, Trabalhadoras de Serviços Gerais do Jardim de Infância, para nos contarem como foi…de um dia para o outro viram a sua rotina profissional “virada do avesso” quando o COVID-19 apareceu na Misericórdia. O Jardim de Infância fechou portas às suas crianças e a instituição teve de se reinventar, temporariamente, com uma pandemia completamente inesperada. E precisou da colaboração destas funcionárias pois o vírus deixou o Lar Dra. Leonor Beleza com um quadro de pessoal muito enfraquecido, precisando urgentemente do apoio de todos. E elas disseram que SIM, abnegadamente, e sem qualquer experiência na prestação de cuidados a idosos.
À conversa com a Fátima Pereira, esta referiu que inicialmente esteve na Casa de Repouso durante uma semana “pela primeira vez em 41 anos que estou na Misericórdia, entrei na Casa de Repouso no dia 16 de março. Nunca lá tinha entrado! E no dia 25 de março fui para o Leonor Beleza porque lá faltavam 40 pessoas.”
RE VE LA ÇÕES...
O que sentiu quando disse que sim a esta mudança? Nunca disse que não a nada na Misericórdia, mas não tinha bem a noção do que me esperava...a mudança do Jardim de Infância para a Casa de Repouso não custou assim tanto, pois estive na copa, em funções parecidas às do infantário.
Que palavra lhe vem à cabeça quando recorda o 1º dia que entrou no Leonor Beleza? Foi um CHOQUE. Não estava habituada a ver acamados, foi muito difícil! Fiquei na ala masculina. Chorei muito no primeiro dia, admito que chorei dia e noite, não conseguia dormir, só chorava... E depois, como foram os dias seguintes? No dia seguinte, foi diferente. Não sei explicar como, mas levantei-me com outra motivação. Eles (utentes) precisavam de nós e eu tinha de os ajudar. Quem me “salvou” foi a Gracinda, a minha colega, pelo fantástico apoio que me deu nessa fase difícil. Passados alguns dias “já fazia de tudo” como se fossem meus... eles precisavam de nós...
ter “algum medo de apanhar o vírus”. Sentiu-se orgulhosa de ser funcionária da Misericórdia de Santo Tirso e de tudo o que fizeram para ajudar o próximo. A Adelaide Gomes disse que SIM à mudança. Começou a conversa com a frase “o nosso Infantário é uma alegria, mas temos de nos ajudar uns aos outros quando é preciso.” Foram diversas as vezes que os seus olhos ficaram rasos de água ao reviver a fase difícil que passou.
O que lhe custou mais nessa fase? Foi adaptar-me e tratar dos cuidados de higiene. Dou muito valor às Ajudantes de Lar! Conheci e experimentei o trabalho delas, mas prefiro “mil vezes” as minhas funções. Nasci para as limpezas e o meu cantinho é o Infantário. Que palavra lhe ocorre quando pensa no dia em que se despediu do Lar? Aliviada, mas contente. Ia ficar com saudades dos idosos! Como reagiu a família a esta mudança? Sou diabética e hipertensa. Os filhos ficaram muito preocupados quando eu fui para a Casa de Repouso e nem casos positivos havia nesse lar. Nunca disse que depois mudei para o Lar Dra. Leonor Beleza, pois não iriam reagir bem. Iriam recear por mim. Quis protegê-los e até hoje eles acharam sempre que nunca saí da Casa de Repouso. (risos) Sente-se uma pessoa diferente? Sim. Sei que fui criticada por alguns, por não ter recusado a proposta de ir para os lares, mas não me arrependi. Aos vizinhos, defendia os utentes, pois apelidavam-nos de “velhos” e eu emendava para “idosos”. Não gostava de os ouvir falar assim dos utentes! Criei uma ligação afetiva muito grande com eles. Foi uma experiência radical e fiz o que pude. Gostei da experiência e fiquei de consciência tranquila. De salientar que a Fátima Pereira, durante a conversa, nunca recorreu à palavra medo. Só no fim é que referiu que chegou a
O que sentiu quando disse que sim a esta mudança? Quando o lar José Luiz d’Andrade foi inaugurado, em 1984, trabalhei lá como Trabalhadora de Serviços Gerais. Achava que já sabia mais ou menos para o que ia, mas a verdade é que nunca tinha estado no Leonor Beleza. Que palavra lhe vem à cabeça quando recorda o 1º dia que entrou no Leonor Beleza? Foi um “Deus nos acuda”, eu só pensava “vai ser desta que me vou”! Fui colocada na ala masculina que depois se converteu no piso dos “contaminados”. Todos com COVID-19. Fiquei muito assustada. Pensei que iria ficar infetada... E depois, como foram os dias seguintes? Não tenho medo do trabalho, temos de arregaçar mangas e andar, mas não tinha nenhuma experiência anterior nesta área. E fiz de tudo aos utentes, desde a alimentação aos cuidados de higiene. Sempre com medo de também ser contagiada. Sempre à espera dos primeiros sintomas.
O que lhe custou mais nessa fase? Sem dúvida que foi dar banho aos utentes, tal como já disse antes, nunca tinha tratado da higiene de idosos. Mas habituei-me. O fardamento também me custou, mas se me pediam ajuda, eu lá estava.
Que palavra lhe vem à cabeça quando recorda o 1º dia que entrou no Leonor Beleza? Foi difícil. Por causa do impacto do vírus, foi muito pior do que tinha imaginado... mas pensei logo que qualquer um daqueles utentes podiam ser a minha mãe ou o meu pai, e precisavam de ajuda.
Que palavra lhe ocorre quando pensa no dia em que se despediu do Lar? Aliviada por estar a terminar. Senti-me de consciência tranquila e gostei das colegas e dos utentes. É uma equipa 5 estrelas!
E depois, como foram os dias seguintes, o que lhe custou mais nessa fase? As higienes e as mudas de fralda custaram-me muito...dar banhos também...a perda dos utentes também me custou muito, especialmente o João, pois já o conhecia há muitos anos. Custou-me muito a despedida dos utentes para o hospital, porque para além destes terem de ir sozinhos, não sabíamos se nos voltaríamos a ver...
Como reagiu a família a esta mudança? A família reagiu com muita preocupação. A filha saiu de casa para evitar o contágio e só dizia “Ó mãe, não vás que fazes-me muita falta!”. Tenho uma situação de vida difícil e as minhas filhas chamaram-me constantemente de “guerreira”. Felizmente que não fui contaminada. Era um alívio chegar a casa, tomar banho e trocar de roupa. Sente-se uma pessoa diferente? Sim, não tem nada a ver...tinha 18 anos quando vim trabalhar para o antigo asilo, mas nunca passei por uma experiência destas, com esta gravidade. Não vemos o vírus, mas ele existe. Temos de lutar e eu acabei por gostar desta experiência profissional. Sinto-me muito orgulhosa em trabalhar nesta instituição e esse sentimento saiu reforçado. Trabalhar aqui foi o que me deu força durante todos os problemas que passei na minha vida. A Gracinda Martins trabalha na instituição desde 2000 e disse imediatamente SIM à mudança. Foi uma conversa tímida e sincera. Considerou a curta passagem pela Casa de Repouso “soft”e sente um grande orgulho em ser funcionária da instituição e de tudo o que foi feito pelos utentes. O que sentiu quando disse que sim a esta mudança? A Dra. Ana Luísa, a Coordenadora do lar Dra. Leonor Beleza, precisava urgentemente de ajuda pois estava com muita falta de pessoal e eu prontifiquei-me a mudar de valência. Já tinha sido auxiliar nesse lar há alguns anos atrás, achava que sabia para o que ia. O meu receio era não ter transporte por causa do horário que fazia.
Que palavra lhe ocorre quando pensa no dia em que se despediu do Lar? Nostalgia, pois ganhei afeição aos utentes apesar de gostar do que faço no Jardim de Infância. Recordo também, com carinho, a atitude da Coordenadora da valência: apesar de todo o cansaço diário, recebia sempre um “chocolatinho” à noite, oferecido por ela. Também recebi a sua ajuda, quando se prontificou a fazer equipa comigo na higienização dos espaços, na falha de uma colega. São pequenos gestos que ficam, não é?
Como reagiu a família a esta mudança? A família aceitou bastante bem, tanto o marido como a filha. A preocupação era preparar o jantar, mas contei com o apoio da família. Eram 12 horas de trabalho por dia... Sente-se uma pessoa diferente? Não me sinto uma pessoa diferente, mas acho que todos deviam passar pela mesma experiência. Tentamos sempre fazer o bem. Sou uma pessoa simples que gosta de fazer o bem.
O percurso profissional da Mónica Conde foi diferente das colegas anteriores. Com uma categoria profissional que a remete para a prestação de cuidados a idosos (pelos anos que passou no Serviço de Apoio Domiciliário), quando o Jardim de Infância se viu forçado a fechar portas, esta colaboradora disse SIM e integrou de imediato a equipa do Lar José Luiz d’Andrade. E para que isso fosse possível, viu-se forçada a mudar a sua rotina pessoal e familiar “trocando temporariamente de família”, como referiu. Porque para além do papel de mãe, é também cuidadora de uma familiar dependente de quem teve de se afastar para a proteger de um eventual contágio, e encontrar ajuda alternativa temporária, fora da família. Infelizmente, não conseguiu permanecer no Lar JLA o tempo previsto, pois foi contagiada pelo vírus, vendo-se forçada a recuperar em casa, sempre com receio de contagiar a filha, menor de idade. Mas deixa-nos um testemunho positivo que vale a pena ser lido:
“Durante o percurso da nossa vida, passamos por contratempos. Contratempos esses que nos fazem evoluir como pessoas, temos que retirar tudo de bom desses momentos. Nós humanos, por vezes achamos que somos intocáveis, o emprego é dado como certo, a saúde vai ser por muitos anos. Mas a vida não é composta por certezas. Em março tudo parecia perfeito, até ao momento em que vivi uma realidade que nem em pesadelos poderia imaginar, vir a acontecer. O encerramento do infantário. Fiquei “sem chão” e aí percebi que tudo pode mudar num minuto. Nesse momento entendi que nós funcionários não pertencemos às valências, mas sim à instituição. Somos um só! Somos uma família! Fui trabalhar para o lar José Luiz d’Andrade devido à minha experiência como Ajudante de Lar. Aceitei esse desafio de braços abertos, pois não era o momento de pensar, mas sim de AGIR. Ajudar todos os meus colegas num momento em que precisavam de ajuda. Fui recebida com muito amor, quer pelos funcionários quer pelos utentes. Senti que tinha ganho outra família, na qual fui abraçada com muito carinho por todos. Todas as manhãs, ao acordar, sabia que ia ajudar quem mais precisava, dar atenção e amor aos mais vulneráveis. Aprendi que admirar as qualidades humanas e as virtudes dos outros é uma fonte de motivação para construir uma vida de crescimento pessoal e melhoria constante.”
TENA, ao seu lado para uma Pele Saudรกvel Absorve
Limpa
Protege