TEDXKIDS
AZUL É A COR QUE O SONHO TEM Para o Museu da Eletricidade, o dia da criança foi a 5 de maio. O edifício da Central Tejo recebeu o TEDxKids, um evento de partilha de ideias inovadoras entre os mais novos. O Expresso esteve lá TEXTO DE MARIA JOÃO BOURBON FOTOGRAFIAS DE PAULO ALEXANDRINO
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REVISTA 10/MAI/14
Os relógios marcam as 9h. Crianças de várias escolas e zonas do país vão chegando e apinhando-se dentro de um espaço contíguo à sala dos Geradores, no Museu da Eletricidade, em Belém, Lisboa. Juntamente com professores e auxiliares, procuram fazer filas (desordenadas) para o check-in, vestem uma t-shirt branca e recebem um cartão de identificação. A excitação paira no ar. Conversa-se alto, ouvem-se gritos de ordem de alguns professores na tentativa de domar as ‘feras’. Lá em cima, nos Geradores, ultimam-se os derradeiros detalhes.
A sala parece outra, com os grandes janelões de luz tapados por painéis azuis — ou não fosse o tema que os leva ali, “O Grande Azul”. Alguns dos oradores, pequenos e graúdos, já se fazem presentes. Sobre estes uma mulher comenta: “Os mais novos estão um pouco nervosos, exceto ali a Leonor [Bruges de Oliveira, número um do ranking mundial de ginástica acrobática], que já está habituada a falar em público.” Os pormenores tardam, bem como alguns dos grupos escolares, empurrando o início deste dia para as 10h. E este é o dia do TEDxKids@CentralTejo,
o único TED para e com crianças realizado em Portugal. Marta Gonzaga, a curadora do evento que vai já na segunda edição em Portugal, faz as honras, apresentando o TEDxKids à plateia de 150 pessoas, constituída maioritariamente por crianças. Tecnologia, Entretenimento e Design: são estas as áreas que compõem o formato do evento norte-americano TED, focado em estimular “a partilha de conteúdos e ideias de uma forma original”, explica. O projeto deu à luz outros, organizados localmente e de forma independente, como
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AZUL É A COR QUE O SONHO TEM Para o Museu da Eletricidade, o dia da criança foi a 5 de maio. O edifício da Central Tejo recebeu o TEDxKids, um evento de partilha de ideias inovadoras entre os mais novos. O Expresso esteve lá TEXTO DE MARIA JOÃO BOURBON FOTOGRAFIAS DE PAULO ALEXANDRINO
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Os relógios marcam as 9h. Crianças de várias escolas e zonas do país vão chegando e apinhando-se dentro de um espaço contíguo à sala dos Geradores, no Museu da Eletricidade, em Belém, Lisboa. Juntamente com professores e auxiliares, procuram fazer filas (desordenadas) para o check-in, vestem uma t-shirt branca e recebem um cartão de identificação. A excitação paira no ar. Conversa-se alto, ouvem-se gritos de ordem de alguns professores na tentativa de domar as ‘feras’. Lá em cima, nos Geradores, ultimam-se os derradeiros detalhes.
A sala parece outra, com os grandes janelões de luz tapados por painéis azuis — ou não fosse o tema que os leva ali, “O Grande Azul”. Alguns dos oradores, pequenos e graúdos, já se fazem presentes. Sobre estes uma mulher comenta: “Os mais novos estão um pouco nervosos, exceto ali a Leonor [Bruges de Oliveira, número um do ranking mundial de ginástica acrobática], que já está habituada a falar em público.” Os pormenores tardam, bem como alguns dos grupos escolares, empurrando o início deste dia para as 10h. E este é o dia do TEDxKids@CentralTejo,
o único TED para e com crianças realizado em Portugal. Marta Gonzaga, a curadora do evento que vai já na segunda edição em Portugal, faz as honras, apresentando o TEDxKids à plateia de 150 pessoas, constituída maioritariamente por crianças. Tecnologia, Entretenimento e Design: são estas as áreas que compõem o formato do evento norte-americano TED, focado em estimular “a partilha de conteúdos e ideias de uma forma original”, explica. O projeto deu à luz outros, organizados localmente e de forma independente, como
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OUSADIA BEATRIZ, 14 ANOS, A FALAR SOBRE UM TEMA NADA 'COOL' ENTRE OS JOVENS: OS SENTIMENTOS
é o caso do TEDxLisboa, O’Porto e este Kids. Existente em vários locais do mundo (Bélgica, Japão, Arábia Saudita, entre outros), o TEDxKids ocorre em Portugal de uma forma única: os lugares da plateia não são preenchidos por quem compra um determinado bilhete (ou pela escola onde o evento teria lugar), mas pelas crianças mais criativas e interessadas. Como é que se consegue isso? Lançando um desafio criativo a mais de 700 crianças de várias escolas, cria-se assim um concurso de entrada na plateia que já é, logo de início, uma experiência educativa
enriquecedora. Mirandela, Campo Maior, Oeiras e Lisboa são as regiões presentes que vão sendo introduzidas por Marta, à medida que se identificam levantando os braços a partir dos seus lugares. SEGUE O QUE SENTES “Eu hoje estou aqui para vos falar de sentimentos”, atira Beatriz Torres, de 14 anos. Alta, magra e comunicativa, vai explicando porque considera importante sentirmos e expressarmos as nossas emoções. “Primeiro, acho que toda a gente nesta sala deve começar por ul-
trapassar clichés: os homens não choram, quem tem medo compra um cão...” Só assim podemos lidar com os sentimentos, explica. Foi a partir da escrita — quando publicou um monólogo, em inglês, intitulado “Porque nos apaixonamos tão facilmente” no site teenink.com, de jovens para jovens — que percebeu que o que sentia podia chegar aos outros, ao ver o seu texto ser reconhecido com um prémio Editor’s Choices no site. Mais tarde, quando Nelson Mandela morreu, chegou inclusive a chorar, expressando esse sentimento num novo
texto. “Não quero com isto dizer que devem ser todos tão sensíveis como eu”, explica ao Expresso a aluna da Oeiras International School. “Mas que é mais fácil para nós expressar sentimentos do que fechá-los em nós. Falar sobre isso aproxima-nos das pessoas, que podem identificar-se com aquilo que estamos a sentir.” A demonstração do que sentimos, ou daquilo que queremos para a nossa vida, chega também pela música e voz de Filipa Sousa, de 9 anos, e de Pedro Caldeira, de 11, que em palco segura uma REVISTA 10/MAI/14
ATENÇÃO PARA SURPRESA DE TODOS, AS CRIANÇAS COMPORTARAM-SE COMO GENTE GRANDE
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guitarra elétrica verde, quase maior que ele. Depois de uma longa espera na sequência de um problema técnico — durante a qual, para surpresa de Marta, as crianças na plateia se mantiveram expectantes e em silêncio —, a voz delicada de Filipa começa a ouvir-se. E condiz com a figura, pequena e esguia, a cantar ‘Ao Luar’, letra que escreveu para a mãe. Pedro compôs a música. “É ao luar que a festa começa, é ao luar que se encaixam as peças (...). Ao luar vou cantar, dançar e até sonhar... com o mundo lá fora”, canta Filipa. A música, explicam os dois à margem do evento, surgiu a partir de um ATL de empreendedorismo que o Centro Educativo Alice Nabeiro, em Campo Maior, organiza para crianças — aliás, elogiado pela apresentadora como um modelo a seguir pelas escolas de Portugal. É também a música que define Inês, João e Edgar. Aos 14 anos, João Azevedo olha para ela com um lado mais poético e sentimental. É um filósofo em ponto pequeno que a considera “o meu pequeno refúgio” e um “mundo onde posso sonhar”. A explicação percebe-se à luz da sua história de vida, que começou como “problemática e perdida”, quando vivia REVISTA 10/MAI/14
numa instituição para menores, mas acabou por se endireitar ao conseguir “preencher os seus espaços vazios” com a música, com a entrada na Orquestra Geração, destinada a jovens sem possibilidades financeiras para seguir estudos musicais.
NO TEDXKIDS, CRIANÇAS DE TODO O PAÍS PARTILHAM CONTEÚDOS E IDEIAS DE FORMA ORIGINAL. COMO RODRIGO RAIMUNDO, QUE, AOS 8 ANOS, APRESENTOU UMA NOVA TEORIA CIENTÍFICA
APOSTAR NA JUVENTUDE PARA UM FUTURO MELHOR Os oradores vão-se sucedendo. Uns mais infantis, outros menos, uns mais efusivos, outros mais calmos, mas todos a tentar chegar a um público difícil. “Organizar o TEDxKids é um desafio muito maior, porque a maioria das crianças nunca foi a uma conferência”, explica a organizadora do evento num dos poucos momentos em que está livre. Mas a plateia parece gostar, ouvindo com atenção e fotografando alguns dos oradores ou aproveitando os intervalos para conversar com estes, colocar perguntas ou pedir autógrafos — por exemplo, à campeã europeia e número um do ranking mundial de ginástica acrobática, Leonor Bruges de Oliveira, e a Pedro Corte Moura, cuja ambição é participar nos Jogos Olímpicos de 2016, na modalidade de windsurf. António, um miúdo de 12 anos de Campo Maior, fala com o Ex-
presso e, com um ar importante, garante estar a gostar muito deste dia: “Acho muito interessante a ideia do Kids, porque vemos pessoas muito diferentes e aprendemos coisas novas.” Neste dia, conhecem várias profissões de grande exigência relacionadas com o mar, o ar ou o sonho de cada um — como o de Rodrigo Raimundo, que, aos 8 anos, sabe bem que a ciência o entusiasma e apresenta à plateia a teoria científica que criou, a “Teoria do Ricochete”. Aprendem também com os adultos a “paixão por uma profissão” (Teresa Pina, bióloga marinha) e a importância de nunca desistir (José Santos, piloto), porque “quando tudo é fácil, nada tem sabor” (Miguel Lacerda, mergulhador). Jo Clayes, o adulto mais infantil presente na sala, defende que este tipo de aprendizagem informal é essencial para estimular as crianças, realçando que deve começar dentro das próprias casas. Muito próximo dos mais pequenos, apresenta os riscos de se tornar adulto e aquilo que se pode aprender com as crianças para melhorar o sistema de Educação. No final da conversa, atira-lhes com uma despedida: “Boa sorte ao tornarem-se adultos... ou talvez não.” R revista@expresso.impresa.pt