JOSH EDELSON/AFP/GETTY IMAGES
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Na sombra de
Silicon Valley
Dormem nas ruas, parques de estacionamento ou em acampamentos criados por si. Trabalham e vivem em Silicon Valley, mas nem assim ganham o suficiente para pagar uma renda ao fim do mês. São os working homeless: trabalhadores invisíveis, sem-abrigo envergonhados, que vivem na sombra da inovação tecnológica e que as estatísticas oficiais não conseguem abarcar TEXTO MARIA JOÃO BOURBON EM SILICON VALLEY
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CASA Numa região em que as rendas aumentam de ano para ano, há quem não tenha mais que uma tenda e meia dúzia de pertences aos quais possa chamar de lar
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BECK DIEFENBACH / REUTERS
A
s notas seguem umas atrás das outras, encadeadas numa melodia agradável. Enquanto ali está, debruçado sobre as teclas e os pedais que dão música à sua vontade, quase esquece que a vida que agora leva está longe de seguir uma partitura harmoniosa. Deixa voar para longe as memórias da mudança de Estado, das rendas por pagar, das noites mal dormidas a bordo do autocarro 22. Mas quando os dedos tocam a última nota regressa à sala da igreja que lhe cede o piano e todas essas lembranças colam-se-lhe de novo à pele. Recorda o desemprego forçado, quando ao fim de 12 anos deixou de ser supervisor de retalho alimentar na universidade do Norte do Arizona e o colega de casa lhe pediu para sair por não conseguir pagar a renda. Recorda a amiga que lhe estendeu a mão e lhe pagou o voo para vir até São José viver perto dela. Recorda o choque frontal com um custo de vida bem mais elevado do que aquilo que poderia suportar — mesmo estando empregado, primeiro na cantina da Synapsis e agora na Intuit, tecnológica onde recebe mais que o ordenado mínimo mas nem assim consegue pagar uma renda. E traz ainda à memória, e à conversa, as viagens no autocarro que durante meses lhe serviu de casa. Cada vez que cai a noite, o autocarro 22, que liga Palo Alto à zona este de São José, transforma-se num abrigo não-oficial para quem não tem onde dormir. Funciona 24h. Quando, carregado de pessoas sem-abrigo, vai percorrendo o caminho habitual — passando perto de grandes campus como o da Google, da Microsoft ou da Apple — torna-se a fotografia perfeita dos contrastes e desigualdades daquela que tem sido apresentada como a meca do crescimento económico, tecnologia e inovação. Até há um mês e meio, Devin Shurte encontrava aí um lugar onde dormir. Pagava o bilhete, sentava-se num dos lugares livres e tentava adormecer. Procurava abstrair-se do barulho, dos cheiros, dos solavancos, do ar pesado... E quando quase duas horas depois chegava ao fim da linha, saía e esperava meia hora ao relento. Só então aparecia novo autocarro, no qual voltava a entrar e a dormir — repetia o processo para a frente e para trás até chegar a hora de ir trabalhar. “Era esgotante”, recorda. Não estava sozinho. “Muitos vão para lá dormir: uns entram para ficar, outros estão só de passagem e há jovens, idosos...”, conta o americano de 47 anos. De tal forma que este dormitório ambulante é conhecido coloquialmente como o Hotel 22. Na
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verdade, é um autocarro público. “Vês o autocarro ali? É como aquele.” E aponta pela janela da sala onde nos encontramos, nas instalações da Grace Baptist Church em São José, a cidade de um milhão de habitantes que se autointitula capital de Silicon Valley, mas onde mais de quatro mil vivem nas ruas ou nos poucos abrigos disponíveis e que acomodam apenas um quarto dos sem-abrigo. É o caso de María García. Quem a vê, bonita e arranjada, não imagina que não tem onde viver. Sem hesitar, abre-nos as portas da sua vida. É uma vida maior do que um primeiro olhar quer mostrar, comprimida e compartimentada naquele espaço. “Este saco tem a roupa lavada, aquele a roupa suja, ali tenho os produtos de higiene...” De portas e bagageira escancaradas, vai continuando a apontar para o que é seu. “Tenho de organizar os vários itens, se tiver de lavar a roupa e a tiver toda misturada torna-se difícil.” Nos bancos traseiros e no porta-bagagens não sobra espaço. Podia dizer-se
Cada vez que cai a noite, o autocarro 22, que liga Palo Alto à zona este de São José, transforma-se num abrigo não-oficial para quem não tem onde dormir
VIDAS Durante vários meses Devin Shurte dormiu no autocarro 22, que faz a ligação entre Palo Alto e a zona este de São José. A trabalhar na cantina de uma tecnológica, mas mesmo assim sem dinheiro para pagar uma renda, aprendeu a tocar piano “de ouvido” para entreter a solidão. Já María García tem toda a sua vida dentro do carro: roupas, produtos de higiene, objetos pessoais... Até encontrar apoio numa igreja batista de São José, dormia no parque de estacionamento do hospital onde trabalha. Tentava passar despercebida, tal como Javante Mckinney, que, aos 24 anos e a trabalhar nas obras, ia dormindo “nas ruas” e onde conseguia. Ninguém na sua família ou no emprego sabe que vive nesta situação
FOTOGRAFIAS MARIA JOÃO BOURBON
que estão atolados. Como não, se naquele carro leva toda a sua vida? Por ser rececionista num hospital, inicialmente ficava a dormir no parque de estacionamento do estabelecimento. Em várias cidades de Silicon Valley dormir no carro durante a noite é ilegal, mas ali sentia-se segura. “Talvez pensassem que estava a dormir uma sesta, durante o turno da noite.” Mas nem assim era fácil. “Dormia toda esmagada, às vezes queria esticar-me e não conseguia... e tinha de estar sempre a usar o ar condicionado, porque ora estava frio ora calor.” Tentou ir para um dos abrigos estatais, mas não se sentiu confortável por ser “muito perigoso”. “Há várias pessoas que se drogam ou têm problemas mentais. Além disso, é insalubre”, garante. Foi por isso que passou a alternar as noites entre o abrigo e o carro. No início chegou a estar duas semanas sem tomar banho. “Só pensava: Meu Deus, não posso continuar assim!” Mas acabaria por encontrar solução: descobriu que o hospital tem um ginásio com balneários para os funcionários e a partir daí, todos os dias, bem cedo ou já à noite, fazia dez ou 15 minutos de exercício só para poder tomar banho. Aos 45 anos, nunca pensou que alguma vez estaria nesta situação. María é natural de Fresno, também na Califórnia, mas mudar-se-ia para São José há um ano e meio com o marido. Acabariam por separar-se após oito anos de casamento. De repente viu-se sozinha, sem família ou amigos nesta cidade nem capacidade para pagar uma renda ou para regressar rapidamente à sua terra natal — pode ter de esperar “um ano e meio”, uma vez que as transferências para Fresno são mais difíceis, onde o emprego é menor e “há menos vagas”. Como rececionista no hospital não recebe pouco, mas para o custo de vida em São José não é suficiente. “Levo para casa, depois de impostos, três mil dólares. Mas isto é praticamente o valor de uma renda”, conta. “E ainda há água e luz para pagar, o seguro e despesas do carro, alimentação... Esquece, não consigo.” Viu apartamentos a 2200 dólares (€1923) que não podia pagar e, por curiosidade, olhou para a zona onde trabalha. “Em Cupertino, onde está a Apple, um apartamento de um quarto é 3500 dólares [€3072] por mês.” Entretanto, ia procurando outras soluções. Telefonou para vários abrigos, mas as negas iam-se acumulando: estavam cheios, não havia vagas. “Muitos tinham uma lista de espera de um ou dois
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SALÁRIOS, RENDAS E DESALOJAMENTO EM SILICON VALLEY RENDA MÉDIA
SALÁRIO MÍNIMO
NÚMERO TOTAL DE SEM-ABRIGO
7631
$2666/mês*
$2340/mês
(€2340/mês)
Condado e cidade de São Francisco Condado de San Mateo
Condado de Santa Clara São José (cidade do condado de Stª Clara)
CIDADE DE SÃO JOSÉ
7539
7350
7394 7499
6556
(€2054/mês)
4770 CIDADE DE SÃO FRANCISCO
$2704/mês*
2002
$2600/mês
(€2373/mês)
4350
4063 1483
1253
(€2282/mês)
2013
CIDADE DE SAN MATEO
$2794/mês*
LOCAIS ONDE DORMEM À NOITE Em percentagem
$2340/mês
(€2452/mês)
2017
2015
72
(€2054/mês)
65
*Por um apartamento com 1 quarto
INFOGRAFIA CARLOS ESTEVES
OBSTÁCULOS PARA OBTER UMA CASA PERMANENTE Dados de 2017
43 36
33 35
35 22
Cidade de São José
67%
Condado de Santa Clara
62%
Condado e cidade de São Francisco
56%
12 14
Percentagem dos dos sem-abrigo que dizem não conseguir pagar uma renda
Abrigos de emergência, transição, etc.
Rua
Pavilhões e outros espaços
10 8 Motel ou hotel
3
8 6 Veículos
FONTES: “2017 SAN FRANCISCO HOMELESS COUNT & SURVEY”, APPLIED SURVEY RESEARCH; “2017 SAN JOSÉ HOMELESS CENSUS & SURVEY”, APPLIED SURVEY RESEARCH; “2017 SANTA CLARA COUNTY HOMELESS CENSUS & SURVEY”, APPLIED SURVEY RESEARCH; “OUT OF REACH 2018: THE HIGH COST OF HOUSING”, NATIONAL LOW INCOME HOUSING COALITION; “SAN MATEO COUNTY - ONE DAY HOMELESS COUNT AND SURVEY 2017”
anos”, realça. Até que um dia encontrou a igreja Grace, que a deixou entrar no programa de safe parking. Passou a dormir no parque de estacionamento da igreja, sem risco de ser incomodada, e a ter acesso às instalações, incluindo balneários.
A LUTA DE DAVID E GOLIAS
No histórico bairro Naglee Park, no centro de São José, entre as mansões e casas vintage que o caracterizam, ergue-se a Grace Baptist Church. De fachada simples, despojada, passaria despercebida não fosse a bandeira com o arco-íris LGBT e a inscrição “O Deus da Grace é inclusivo”. Quem por lá passa, de visita, não diria que esta é foco de uma luta contra a “indiferença” de uma cidade e de uma região. “‘Não é problema meu’ podia ser o lema de Silicon Valley”, diz-nos a professora universitária Ellen Tara James-Penney, criticando o “egoísmo” da população. Também ela faz parte dos sem-abrigo que trabalham, partilhando um carro e uma tenda com o marido e dois cães. Depois de serem aconselhados pela polícia a saírem de “um ambiente muito tóxico”, a casa da sogra, Ellen e o marido olharam para outras opções. “Procurámos num raio de 200 milhas [322 km] e apenas podíamos pagar um apartamento com um quarto em Stockton, por 1100 dólares [€965] por
mês.” A habitação estava localizada “num bairro de gangues” e, se lá ficassem, demorariam três a quatro horas a chegar ao emprego. O que não é fácil para uma professora cujo rendimento depende do número de turmas que tem por ano — tal como muitos docentes nos Estados Unidos, que são adjuntos (leia-se temporários e sem contrato). “Com três turmas, por exemplo, ganhava 2300 dólares líquidos [€2018], com quatro 3100 dólares [€2721].” Mas nada lhe garantia quantas teria em cada semestre. “Na primavera de 2016 tinha apenas duas e, por isso, uma casa estava fora de alcance”, explica a professora que até há pouco tempo trabalhava na Universidade Estatal de São José. Para ela, a pastora Liliana Da Valle e Phil Mastrocola, responsável pelas missões de solidariedade da igreja, representam “poucos” dos 4,5 milhões de habitantes de Silicon Valley “que realmente se preocupam”, afirma, referindo-se à oposição dos residentes em relação a algumas medidas adotadas para apoiar os sem-abrigo. “Pensa nisso: uma igreja batista pequena, que enfrenta dificuldades financeiras, a lutar contra o sistema e a apatia da região. Tal como David e Golias!” As batalhas começaram quando a igreja decidiu ajudar a população que vivia nas ruas, depois das autoridades terem decidido desmantelar vários
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“‘Não é problema meu’ podia ser o lema de Silicon Valley”, diz a professora universitária Ellen Tara James-Penney, que vive entre o carro e uma tenda com o marido e dois cães
acampamentos de sem-abrigo em São José — entre eles o maior do país, conhecido como “The Jungle” (“A Selva”). “A cidade concluiu que esse espaço era insalubre e que estava a contaminar a ribeira, por isso decidiu limpá-lo”, recorda a pastora Liliana. “Todos pensámos que iriam limpar a água, mas na verdade o lixo eram as pessoas. Despejaram toda a gente.” Estávamos em dezembro de 2014. Sem sítio onde viver, os sem-abrigo mudaram-se para o centro. Ficaram mais expostos, mais visíveis aos olhos do resto da população. Na Grace, deixavam-nos acampar à volta da igreja. “Os vizinhos queixavam-se, a câmara municipal ameaçava-nos com multas... há muito que sentimos a pressão da cidade”, acusa Phil. No inverno de 2015-16, em que o El Niño ameaçava com frio e chuvas torrenciais, conseguiram que a câmara os isentasse da licença de 4000 dólares (€3496) necessária para criar um
abrigo, que poderia tardar seis meses a obter — e, depois de alguma negociação, deixaram-nos alargar o número de pessoas a albergar para 50 e o tempo de abrigo para 90 dias. Como é uma pequena congregação, uniu-se a uma centena de igrejas protestantes e católicas, sinagogas, mesquitas e outras instituições da região no movimento Winter Faith Collaborative, do qual Phil é cofundador. Em três anos, já conseguiram ajudar mais de mil pessoas através dos seus abrigos, programas de safe parking e política de portas abertas. Além de diariamente permitir que uma centena de pessoas entrem para tomar duche, esta igreja alberga durante o ano letivo estudantes universitários que de outra forma não teriam onde viver. Há um ano criou ainda o programa HOPE — Helping Out People Everyday, no qual María, Devin e outros estão a participar. São sete meses durante os quais quase duas dezenas de
RUAS No centro de São José é comum encontrarem-se pequenos ‘acampamentos’ de carrinhos de compras e caixotes cheios de roupa e pertences de quem não tem onde viver
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pessoas dormem no edifício que pertence à igreja, têm aulas de autoestima, empowerment e definição de objetivos (como encontrar casa ou, caso se aplique, emprego) e um mentor que as acompanha.
UMA FORÇA DE TRABALHO INVISÍVEL
Na mesma região em que o Facebook e a Google têm os seus campus luxuosos, ruas, jardins e parques de estacionamento tornam-se dormitórios para quem não tem onde viver. Outros passam a noite em acampamentos ou tendas escondidas por baixo de pontes ou vias rápidas. E torna-se corriqueiro ver pessoas a transportar, para onde quer que vão, carrinhos de compras atolados de tudo aquilo que faz parte da sua vida — roupa, mantas, utensílios de cozinha e outros objetos. Eis Silicon Valley, a terra prometida da inovação onde os geeks da tecnologia são capazes de gastar
MARIA JOÃO BOURBON
mais de mil dólares por um iPhone X, mas onde trabalhadores da hotelaria, restauração, construção, transportes e outros serviços não ganham o suficiente para pagar a renda ao fim do mês. São os working homeless, ou trabalhadores sem-abrigo, uma força de trabalho invisível que “muitos em Silicon Valley não querem reconhecer”, aponta Ellen. “Trabalhamos, pagamos impostos, votamos, compramos produtos que ajudam a alimentar a economia... Ainda assim, somos vistos como preguiçosos, irresponsáveis, desagradáveis. É triste, minha cara. Muito, muito triste.” Na verdade, ter um emprego em Silicon Valley não é garantia para evitar o desalojamento. No condado de Santa Clara, por exemplo, ao qual São José pertence, dados oficiais contabilizavam no ano passado 7394 sem-abrigo, dos quais 8% empregados. Mas organizações de solidariedade
dizem que os números pecam por defeito, uma vez que muitas destas pessoas se escondem ou estão a trabalhar no momento das contagens. São sem-abrigo ‘envergonhados’ que, como Javante, omitem a sua situação a familiares, colegas ou até vizinhos. Javante Mckinney é um desses homens que a vida maltratou. Tem uma daquelas expressões franzidas, quase desconfiadas, como se já não pudesse confiar na vida. Atraiçoa-lhe o olhar — por detrás de um rosto fechado moram os olhos tristes de quem não tem mais onde morar. Javante é um desses homens que a vida maltratou, mas não tem mais de 24 anos. Aqueles com os quais partilhava laços de sangue deserdaram-no em 2016. Diz não conhecer o motivo, mas sabe que — até ter chegado a esta igreja há um mês e meio — vivia “praticamente nas ruas”. Primeiro, dormia no carro que estacionava em diferentes zonas da cidade, mas quando se separou da mulher e esta ficou com ele, pernoitava onde podia. Os cerca de 2600 dólares (€2282) que recebe por mês, aos quais subtrai a pensão de alimentos para o filho, chegam “apenas para comprar comida e para lavar as roupas. Mas houve alturas em que nem isso conseguia...” Tem uma vontade imensa de se encaixar. “Ser como os outros”, diz. Onde trabalha, nas obras, ninguém sabe verdadeiramente quem é. “Escondo o facto de ser sem-abrigo, nem a minha família sabe.” Não é que esta condição o defina, mas é uma parte ou passagem da sua vida. Um compartimento que, durante o dia, arruma bem no fundo da alma — mas que regressa sempre que a noite cai e não encontra um espaço e uma família com quem partilhar um lar.
A imigração de trabalhadores altamente especializados, que entram na região a ganhar salários milionários, faz aumentar a procura e o preço das rendas E 51
Quando se vai além das causas individuais para a situação de sem-abrigo — que, entre outras, podem ter origem num divórcio, como aconteceu a María, ou numa expulsão de casa, como no caso de Devin e Javante — e se procuram os responsáveis pelo desalojamento em Silicon Valley, muitos apontam o dedo ao boom tecnológico. A imigração de trabalhadores altamente especializados, que entram na região a ganhar salários milionários, faz aumentar a procura e o preço das rendas na região. Entre 2009 e 2015, a renda média (ajustada à inflação) de um apartamento em São José subiu 32,2%, quatro vezes mais que os salários das famílias, conclui a organização contra as desigualdades económicas Silicon Valley Rising (SVR). “O mercado de arrendamento em São José, dispendioso e competitivo, é o motivo principal do desalojamento”, realça ao Expresso a diretora de políticas da câmara municipal, Ragan Henninger. “A renda média de um apartamento de um quarto é de 2666 dólares/mês (31.992 dólares/ano) e o salário mínimo é de 13,50 dólares/hora (28.080 dólares/ano). Se uma pessoa recebe o salário mínimo por um trabalho a tempo inteiro e vive num apartamento por esse preço, o seu rendimento é inferior à renda!”, exclama, acrescentando que os senhorios normalmente exigem aos inquilinos um rendimento duas ou três vezes superior à renda. É por atraírem tantos trabalhadores pagos a peso de ouro que ‘roubam’ as poucas casas disponíveis aos nativos com salários mais modestos e, assim, contribuem para a bolha imobiliária, que Liliana Da Valle defende que as tecnológicas deveriam pagar um imposto para financiar habitação acessível (embora algumas, como a Cisco, já tenham doado dinheiro para ajudar a solucionar o fenómeno dos sem-abrigo). Há ainda quem aponte falhas nas políticas de urbanismo e habitação. Por um lado, por não se construir o suficiente para acomodar quem vai chegando, aumentando o fosso da procura excessiva face à oferta. Por outro, pela fraca proteção dada aos inquilinos. Embora São José tenha reforçado a política de controlo de rendas (que proíbe aos senhorios aumentarem mais de 5% por ano a renda de apartamentos com três ou mais divisões, se os inquilinos forem os mesmos), a SVR diz que é uma das mais fracas da Califórnia — a maioria das grandes cidades tem esta política indexada à inflação. Apesar disso, São José tem dado passos positivos para responder ao fenómeno. Reforçou o financiamento e os programas com instituições locais para prevenir e combater o desalojamento e tem como objetivo construir dez mil unidades de habitação acessível na próxima década. O “progresso é promissor”, mas há resistências mais difíceis de quebrar. Como notava no final de 2017 Molly Turner, professora de inovação urbanística na Universidade da Califórnia, Berkeley, embora os eleitores de vários condados da península (entre eles São Francisco, Santa Clara e San Mateo) tenham votado a favor de medidas inovadoras como a emissão de obrigações para financiar a construção de habitação acessível, aprovaram também um decreto que proíbe qualquer pessoa de se sentar ou deitar nos espaços públicos. E deixam um aviso bem claro: habitação acessível, sim, mas ‘não na minha vizinhança’.b mjbourbon@expresso.impresa.pt