O Comer Intuitivo e o tratamento de doenças crônicas não transmissíveis: uma revisão integrativa
Intuitive Eating and the treatment of chronic noncommunicable diseases: an integrative review
RESUMO
FLUXO DA SUBMISSÃO
Submissão: 06/02/2024
Aprovação: 21/05/2024
CONTATO DA REVISTA
Universidade doVale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Instituto Tecnológico em Alimentos para a Saúde – itt Nutrifor. Av. Unisinos, 950, Cristo Rei. CEP: 93022-750, São Leopoldo, RS, Brasil.
Contato principal: Prof. Dr. Cristiano Dietrich Ferreira. Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Programa de Pós-Graduação em Nutrição e Alimentos. E-mail: revistappgna@ unisinos.br.
DISTRIBUÍDO SOB
Palavras-chave: Comer Intuitivo, doenças crônicas, comportamento alimentar.
No Comer Intuitivo se estimula que o paciente conecte-se com seus sinais de fome e saciedade para definir quando, quanto e o quê comer, sem usar dietas. O presente trabalho objetivou investigar, mediante revisão da literatura, se o Comer Intuitivo mostra-se uma abordagem no tratamento nutricional e/ou suporte às ações propostas pelo nutricionista, para pessoas com Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT). Foram incluídos artigos que avaliaram o Comer Intuitivo de pessoas com DCNT, pela escala Intuitive Eating Scale-2 (IES-2). Os estudos demonstraram que comedores mais intuitivos têm melhores resultados em seus marcadores clínicos associados às doenças crônicas. Ademais, também obtiveram modificações relevantes quando realizado intervenção a partir da metodologia do Comer Intuitivo.
RESUMO GRÁFICO
APLICABILIDADE
O tratamento nutricional nas DCNT deve ser seguido continuamente, o que pode tornar-se um desafio em longo prazo (LIMA et al., 2022). Afora a adesão, outra questão é a desconexão do indivíduo com seus sinais fisiológicos de fome e saciedade, que pode ser ocasionada pela prática de dietas restritivas (DERAM, 2018). A aplicabilidade associa-se ao potencial do Comer Intuitivo no tratamento de pacientes com diagnóstico de alguma DCNT.
[1] Introdução
As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) são as doenças cardiovasculares, como a hipertensão, o diabetes, os cânceres e doenças respiratórias crônicas, tendo como principais fatores de risco modificáveis a alimentação inadequada, a inatividade física, o tabagismo e o consumo de álcool (BRASIL, 2021). Segundo dados obtidos das 26 capitais brasileiras e do Distrito Federal em 2023, a frequência de pessoas referindo já ter recebido diagnóstico de hipertensão arterial variou de 19,2% a 34,4% entre as cidades (VIGITEL, 2023). Em relação ao diabetes mellitus 2, a variação ficou entre 5,6% e 12,1%. O excesso de peso e a obesidade, fatores de risco para doenças crônicas, tiveram frequência de 61,4% e 24,3% respectivamente (VIGITEL, 2023).
O tratamento das DCNT envolve mudanças no estilo de vida, desde modificações na alimentação até o evitar e/ ou cessar de hábitos de risco (PEPE et al., 2022; BARROSO et al., 2021; RAMOS et al., 2022). Para haver êxito no tratamento, é necessário adesão por meio de mudanças comportamentais, a exemplo de redução ou aumento no consumo de determinado nutriente. Por se tratar de uma terapêutica que deve ser seguida continuamente, a manutenção dos novos hábitos de vida torna-se um fator de dificuldade (LIMA et al., 2022; MEDEIROS et al., 2022). Um estudo identificou a necessidade de mudança dos hábitos alimentares como a principal barreira na adesão ao tratamento de pessoas diagnosticadas com diabetes (COSTA, 2020). Na abordagem comportamental da nutrição, trabalha-se, justamente, a mudança de comportamento (ALVARENGA, 2019). Nesta prática, utilizam-se diversas ferramentas e abordagens, como o Comer Intuitivo (CI). O CI é uma abordagem que visa resgatar a conexão do indivíduo com seus sinais de fome e saciedade (consciência interoceptiva) sem o uso de dietas e, assim, ocasionar uma mudança de comportamento sustentável (TRIBOLE E.; RESCH E., 2021). A consciência interoceptiva, segundo Mehling et al., é uma percepção consciente das sensações fisiológicas como a fome, saciedade, batimentos cardíacos, respiração e até os sentimentos (2012). Para conduzir os indivíduos a normalizarem sua relação com a comida, facilitar o entendimento e a prática do Comer Intuitivo, as idealizadoras definiram dez Princípios do Comer Intuitivo,
conforme Resumo Gráfico (TRIBOLE E.; RESCH E., 2021). A Intuitive Eating Scale 2 (IES-2) é hoje o instrumento mais usado para analisar o nível de CI, medindo a tendência dos indivíduos em seguir seus sinais fisiológicos de fome e saciedade (SILVA, 2020). Diante de doenças crônicas, que requerem mudanças comportamentais para a efetividade do tratamento, e o cenário de falta de adesão ao mesmo, torna-se necessário o aprofundamento sobre modalidades que gerem adesão. Com isso, o objetivo do presente estudo foi realizar uma revisão de literatura científica para investigar se o Comer Intuitivo pode ser utilizado como uma abordagem no tratamento nutricional e/ou um suporte às ações propostas pelo nutricionista, para pessoas com DCNT.
[2] Metodologia
O presente estudo é uma revisão integrativa, que consiste em análise de dados obtidos em estudos anteriores (BOTELHO; ALMEIDA; MACEDO, 2011), a fim de agrupá-los para conclusão sobre quais informações existem atualmente sobre o assunto. Esta revisão é composta de artigos científicos publicados nas bases de dados Pubmed, Scielo, Ebscohost, BVS e Google Acadêmico. Os critérios de inclusão dos estudos foram: amostra composta por pessoas com diagnóstico de DCNT; com dados quantitativos; publicações dos últimos cinco anos. Os critérios de exclusão foram: estudos de revisão; estudos que avaliavam apenas transtornos alimentares ou insatisfação corporal sem doença crônica; estudos sobre emagrecimento sem doença crônica; estudos com obesos sem doença crônica; estudos repetidos nas diferentes bases de dados. Para tal, as combinações de descritores foram: “Intuitive Eating AND Chronic Disease”, “Intuitive Eating AND Hypertension”, “Intuitive Eating AND Diabetes” e “Intuitive Eating AND Obesity”. Foram utilizados descritores apenas no idioma inglês e com operador boleano “AND”. Os dados dos artigos foram organizados com auxílio de uma ferramenta de categorização em formato de tabela, elaborada pela autora, onde os dados foram dispostos e organizados em diferentes seções de colunas e linhas. A coleta de dados ocorreu entre os meses de agosto e setembro de 2023 e estes foram analisados de forma descritiva, com base no escopo dos artigos. A finalidade foi identificar se os resul-
tados obtidos foram considerados promissores em seus estudos sobre o Comer Intuitivo nas DCNT. Observando o comportamento em relação à comida, bem como o tipo de alimentos consumidos e marcadores clínicos, por meio de exames de saúde, por exemplo. Reconhecendo se há um padrão nos resultados, dos aspectos exemplificados, com o nível de CI, nos estudos observacionais, ou se houve melhora destes, nos estudos com intervenção.
[3] Resultados e interpretações
A partir da busca na base de dados Pubmed, foram encontrados 86 estudos, com os descritores apresentados anteriormente e após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, 79 artigos foram excluídos e 7 foram selecionados para leitura. Após a leitura, 3 artigos foram incluídos no estudo. A busca realizada na base de dados
Scielo, gerou 4 resultados. Com a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, nenhum enquadrou-se na pesquisa. A busca realizada na base de dados Google Acadêmico encontrou 17.200 estudos, maioria sem os descritores no título, sendo logo excluídos. Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, 17.194 artigos foram excluídos e 4 eram repetidos de estudos já selecionados em base de dados anterior. Foi selecionado para leitura apenas 2 artigos. Após leitura, 1 artigo foi incluído no estudo. Na busca realizada na base de dados Ebscohost, foram encontrados 304 estudos. Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, 300 artigos foram excluídos e 3 eram repetidos de estudos já selecionados em base de dados anterior. Foi selecionado para leitura apenas 1 artigo e este foi incluído no estudo. Na busca realizada na base de dados BVS foram encontrados 84 estudos e nenhum se encaixou nos critérios de inclusão. A Figura 1 exemplifica o fluxo de seleção dos artigos.
FIGURA 1
Fluxo de seleção dos artigos
Quadro1
Resumo dos artigos incluídos por se enquadrar no tema proposto
Estudo observacional transversal analítico.
Association between intuitive eating and food intake in type 2 diabetes: a study based on the NOVA classification.
Fabíola Lacerda Pires Soares, et al. 2021. Vitória, ES, Brasil.
Localization of Intuitive Eating Scale-2 and Its Application in Chinese Obese Patients with Primary Hypertension. Li Junhua, et al. 2021. Hangzhou, China.
Estudo observacional, transversal e analítico.
Identificar a associação entre a alimentação intuitiva e o controle glicêmico em indivíduos com diabetes mellitus tipo 2.
Aplicação de questionário semiestruturado para obtenção de dados dos indivíduos; Alimentação intuitiva avaliada pela Intuitive Eating Scale-2 (IES-2) e suas quatro subescalas; Dados clínicos em prontuários ou autorreferidos pelo participante; Controle glicêmico (variável de desfecho do estudo) avaliado pelos níveis de hemoglobina glicosilada (HbA1c) dos prontuários, em um período de até 90 dias.
179 indivíduos com diagnostico de diabetes; adultos e pacientes idosos (=97; 54,2%); 74,3% do sexo feminino; A maior parte da amostra apresentava sobrepeso/obesidade (n=142; 79,3%); Maioria com comorbidades associadas (=166; 92,7%).
Menores chances de os participantes apresentarem inadequação nas escolhas alimentares em quase 66% quando comedores mais intuitivos (p=0.028); Quando controle glicêmico adequado, as pontuações eram significativamente maiores na escala de Comer Intuitivo total (p=0,010) e nas subescalas RHSC (p<0,001) e B-FCC (p<0,001); Não houve diferenças estatísticas nos níveis de HbA1c de acordo com os demais parâmetros, incluindo o IMC (p=0,134);
1
Effect of a Nutritional Behavioral Intervention on Intuitive Eating in Overweight Women With Chronic Kidney Disease. Raíssa Antunes Pereira, et al. 2023. São Paulo, SP, Brasil.
Eating
Avaliar a associação entre a alimentação intuitiva e o padrão alimentar, segundo a classificação do Guia Alimentar brasileiro, em uma população com diabetes mellitus tipo 2 (DM2).
Estudo transversal. Além de validar as propriedades de medição da versão chinesa da escala IES-2, também avaliar os níveis de Comer Intuitivo de pacientes chineses obesos com hipertensão.
Utilizado um questionário semiestruturado para coleta de dados com pacientes em serviço de endocrinologia de um hospital universitário; Informações sobre o consumo alimentar obtidas através de Questionário de Frequência Alimentar; Consumo alimentar avaliado pelo nível de processamento de acordo com a classificação do Guia Alimentar. Comer intuitivo mensurado pela Intuitive Eating Scale-2 (IES-2).
Participantes recrutados de departamento de cardiologia onde estavam hospitalizados com hipertensão primária e obesidade; Questionários para obtenção de dados da amostra; Exames laboratoriais coletados de prontuários; A IES-2 (adaptada para população chinesa) para medir o Comer Intuitivo; Questionário de histórico alimentar;
Ensaio clínico prospectivo não controlado. Avaliar o impacto de uma intervenção nutricional comportamental nos escores do comer intuitivo de mulheres com excesso de peso, não dependentes de diálise e com doença renal crônica, além de investigar a relação do nível de alimentação intuitiva com demais parâmetros.
Estudo longitudinal. Investigar as associações entre Comer Intuitivo, qualidade da dieta e saúde metabólica após diabetes gestacional (DMG).
Amostra recrutada de ambulatório de nefrologia; O conteúdo de cada sessão baseou-se nas orientações alimentares para essa população no país, nas diretrizes de prática clínica sobre nutrição na DRC e em materiais voltados para aconselhamento nutricional e abordagens não dietéticas; Análise do Comer Intuitivo pela Intuitive Eating Scale 2 (IES – 2); Foram analisados saúde mental, saúde geral, vitalidade, funcionamento social e episódios de compulsão alimentar, por meio de questionários;
Quatro sessões clínicas de estilo de vida durante a gravidez e quatro sessões de estilo de vida e psicológicas no pósparto; As sessões concentraram-se em estratégias comportamentais e psicossociais; O Comer Intuitivo analisado pela Intuitive Eating Scale-2 (IES-2) francesa e apenas as subescalas RHSC, referente à confiança nos sinais de fome e saciedade, e EPR, referente à comer por razões físicas e não emocionais; Foi mensurada a qualidade da dieta; Dados de peso, gordura corporal total, gordura visceral e resistência à insulina foram avaliados antes, durante e 1 ano pós parto (pesagem, BIA, HOMA-IR respectivamente).
Todos os artigos analisados utilizaram a escala “Intuitive Eating Scale-2 ”, validada em seus respectivos idiomas, para quantificar o nível de Comer Intuitivo de suas amostras. A IES2 contém 23 questões com respostas variando de ‘‘1 - discordo totalmente’’ a ‘‘5 - concordo totalmente’’. Quanto maior a pontuação gerada nas respostas, maior o nível de Comer Intuitivo, ou seja, a capacidade de sentir e seguir sinais fisiológicos de fome e saciedade para escolher o quê, quando e quanto comer. A escala possui 4 subescalas, classificadas em: permissão incondicional para consumir o alimento desejado quando estiver com fome, (UPE); comer por motivos físicos e não emocionais (EPR); fome para determinar quando e quanto comer (RHSC); e congruência nas escolhas alimentares, permitindo uma boa nutrição corporal (B-FCC) (MEHLING et al., 2012).
179 indivíduos com diagnóstico de diabetes; adultos com 20 anos ou mais e pacientes idosos (=97; 54,2%); 74,3% do sexo feminino; A maior parte da amostra apresentava sobrepeso/obesidade (n=142; 79,3%); Maioria com comorbidades associadas (=166; 92,7%).
218 indivíduos com diagnóstico de hipertensão; Idade média de 53,50 ± 14,95 anos; A maioria dos participantes era do sexo masculino (62,4%); IMC de 28,10 ± 3,78 kg/m; Pressão arterial sistólica (PAS) de 143,51 ± 23,47 mmHg e pressão arterial diastólica (PAD) de 86,35 ± 15,83 mmHg.
33 mulheres com sobrepeso e Doença Renal Crônica – 23 completaram a intervenção; Idade entre 25 e 75 anos, índice de massa corporal (IMC) ≥ 27 kg/m². A etiologia mais frequente da DRC foi a nefropatia hipertensiva (21,2%); Mais da metade das pacientes tinha diabetes (54,5%).
179 mulheres completaram o acompanhamento pós-parto de 1 ano e foram incluídas nas análises; A média de idade era 33.6 ± 5.0 anos.
Ter feito dieta anteriormente esteve positivamente associado ao consumo de alimentos in natura ou minimamente processado (p=0,025); A subescala UPE apresentou associação negativa com o consumo de alimentos in natura ou minimamente processados (p=0,029); A alimentação em congruência com as necessidades corporais (B-FCC) reduziu em 45% as chances de o indivíduo consumir alimentos ultraprocessados (p=0,038);
A média do escore total do IES-2-chi (máx = 115) para pacientes com hipertensão e obesidade foi de 68,58±17,33 (média±DP); Quanto mais frequente o consumo de vegetais e frutas, maiores foram as pontuações totais do IES-2 (p <0,001); Participantes que quase não comiam fast food tiveram pontuações totais IES-2 mais altas que aqueles que comiam com frequência (p <0,001); A alimentação intuitiva revelou correlação negativa significativa com IMC (p < 0,05), pressão arterial diastólica (p < 0,05), colesterol total (p < 0,05), lipoproteína de baixa densidade (p < 0,05), hemoglobina (p < 0,01) e hematócrito (p < 0,05).
A frequência do risco de compulsão alimentar diminuiu de 39,1% para 8,7% após intervenção (p 5,016); Os pacientes tiveram redução na insatisfação com o tamanho corporal após a intervenção (p 5,017); A pontuação total do IES-2 aumentou significativamente após a intervenção com tamanho de efeito de 0,85 e poder de 0,96.
A média de IMC reduziu 2,52kg/m² após um ano do parto (p <0.001 ) e o peso baixou uma média de 6.85kg (p <0.001); A massa de gordura reduziu uma média de 4,91kg (p <0.001); A média de redução da resistência à insulina foi de 0,34 (p 0.007) após um ano do parto;
A subescala RHSC, durante a gravidez, teve uma melhoria na pontuação do AHEI β = 2,03 (p 0.043), referente à qualidade da dieta; Ambas subescalas demonstraram aumento na adesão às recomendações de ingestão de laticínios e fibras (p ≤ 0,023); Subescala RHSC foi associada ao aumento da adesão à recomendação de consumo de frutas (p = 0,024).
Dentro dos trabalhos analisados, existem dois artigos brasileiros, realizados com a mesma amostra, mas com finalidades diversas (SOARES et al., 2020; SOARES et al., 2021). O primeiro, um estudo observacional transversal analítico, identificou associação entre a alimentação intuitiva e o controle glicêmico de indivíduos com diabetes mellitus tipo 2. Uma alimentação mais intuitiva foi associada a menor chance de pacientes apresentarem controle glicêmico inadequado em 89%. Ainda, os participantes com controle glicêmico adequado obtiveram pontuações significativamente maiores na escala de Comer Intuitivo total e nas subescalas RHSC e na subescala B-FCC. O estudo indica que comer de forma mais intuitiva, especialmente em congruência com as necessidades corporais, pode ter associação com menor chance de controle glicêmico inadequado em diabéticos, independentemente do IMC.
Fabíola Lacerda Pires Soares, et al. 2020. Vitória, ES, Brasil.
Intuitive
Behavior, Diet Quality and Metabolic Health in the Postpartum in Women with Gestational Diabetes. Dan Yedu Quansah, et al. 2022. Basel, Suíça.
O segundo estudo (SOARES et al., 2021), com a mesma amostra e autores do estudo anterior, analisou a associação entre a alimentação intuitiva e o padrão alimentar dessa amostra, segundo a classificação do Guia Alimentar para a População Brasileira, que classifica os alimentos segundo seu grau de processamento (2014). Dos 179 participantes, 112 relataram já ter feito dieta anteriormente (n=112; 62,6%) e, após avaliarem o consumo de alimentos in natura ou minimamente processados, observou-se que ter feito dieta anteriormente, esteve positivamente associado a esse consumo. Tal resultado pode ser reflexo do recebimento de conhecimento prévio sobre alimentação adequada. A subescala UPE apresentou associação negativa com o consumo deste grupo de alimentos e os autores destacam que esta reflete a vontade dos indivíduos de comer quando estão com fome, sem evita-la. Em contra partida, ao avaliar a alimentação intuitiva, observou-se que a alimentação em congruência com as necessidades corporais (B-FCC) reduziu em 45% as chances de o indivíduo consumir alimentos ultraprocessados. Ainda em relação aos ultraprocessados, terem DM2 há mais de 10 anos aumentou em 2,34 vezes a chance dos indivíduos consumirem estes alimentos, fato atribuído à adesão às recomendações poder diminuir ao longo do curso da doença. As associações ocorreram de forma diferente de acordo com cada subescala de alimentação intuitiva e cada grupo da classificação nova. Os dados de frequência de consumo sem avaliação quantitativa deste, além do viés de memória dos participantes são suas limitações. O artigo chinês de Junhua et al. (2021) analisado teve dois objetivos: a primeira parte validar a escala IES-2 chinesa, trecho que não foi considerado para o presente estudo, e a segunda parte era avaliar os níveis do Comer Intuitivo de pacientes chineses obesos com hipertensão, aspecto que compôs esta revisão. A média total dos 218 participantes na escala IES-2 chinesa foi de 68,58 pontos, cerca de apenas 11 pontos acima da metade do alcançável, que é 115 pontos, refletindo a qualidade do Comer Intuitivo nessa população. Foi observado, por meio de questionário de histórico alimentar, que maiores pontuações totais na IES-2 estão associadas com maior frequência do consumo de vegetais e frutas, ademais, os participantes que quase não comiam fast food tiveram pontuações totais mais altas do que aqueles que comiam com frequência. Em relação aos achados bioquímicos e clínicos, uma alimentação mais intuitiva revelou correlação negativa significativa com IMC, pressão arterial diastólica, colesterol total e lipoproteína de baixa densidade. Portanto, o estudo indica que um maior nível de comer intuitivo pode estar relacionado com melhores parâmetros bioquímicos, além de qualidade da alimentação em pessoas hipertensas e/ou com obesidade. Destaca-se aqui, o fato de a obesidade e a hipertensão serem frequentemente antecessoras de outras DCNT (BARROSO, 2020), assim sendo, os resultados indicam uma possível prevenção
de demais doenças.
Outro estudo brasileiro (PEREIRA et al., 2023) avaliou o impacto de intervenção nutricional comportamental no comer intuitivo de mulheres com doença renal crônica (DRC). Das 23 mulheres da amostra, a nefropatia hipertensiva foi a etiologia mais frequente da DRC (21,2%) e mais da metade das pacientes tinha diabetes (54,5%). Foram realizadas 15 sessões semanais ou quinzenais, com temas como: a complexidade do ato de comer; o tratamento da DRC; estabelecimento de metas e motivação; fome e saciedade; como lidar com os sentimentos sem usar o alimento, entre outros. Revelou-se que as pacientes mais intuitivas tinham pontuações maiores para saúde mental, saúde geral, vitalidade e funcionamento social. Ainda, diferenciaram-se das menos intuitivas em pontuações maiores para Confiança em seus Sinais de Fome e Saciedade e em Comer por Razões Físicas e não por Razões Emocionais. Após a intervenção a frequência do risco de compulsão alimentar diminuiu de 39,1% para 8,7% e a pontuação total da escala IES-2 aumentou significativamente. O estudo sugere que uma melhor sintonia corporal, (consciência interoceptiva) para orientar as escolhas alimentares, pode resultar em melhor saúde física e mental, com potencial de melhorar a qualidade de vida geral de mulheres com DRC e sobrepeso, bem como na hipertensão e no diabetes, pois grande parte da amostra também possuía tais condições crônicas. O último artigo desta revisão é um estudo suíço (QUANSAH, 2022), onde os pesquisadores acompanharam mulheres com diagnóstico de diabetes mellitus gestacional (DMG) até um ano pós-parto, a fim de investigar as associações entre o Comer Intuitivo, qualidade da dieta e saúde metabólica durante e após o DMG. A amostra consistia em 211 mulheres no início da gestação, mas 179 completaram o estudo até 1 ano pós-parto (84,8%). A intervenção consistiu em sessões clínicas de estilo de vida durante a gravidez e sessões de estilo de vida e saúde mental no pós-parto, com estratégias comportamentais. A amostra demonstrou, em 1 ano pós-parto, uma média de 2,52kg/m² de redução do IMC e uma diminuição média de 6.85kg de peso, bem como a massa de gordura reduziu 4,91kg e a queda na resistência à insulina foi de 0,34. Durante a gestação houve aumento na pontuação referente à qualidade da alimentação bem como aumento da adesão à recomendação de consumo de frutas, além de adesão às recomendações de ingestão de fibras e laticínios. O estudo demonstrou que ao fornecer orientações nutricionais, a partir de um olhar comportamental, gerando autonomia às pacientes, refletiu em bons resultados de adesão, qualidade da alimentação, bem como parâmetros de resultados metabólicos, que estão envolvidos em maiores chances de desenvolver diabetes mellitus, hipertensão e demais comorbidades (PEPE et al., 2022; BARROSO et al., 2021; RAMOS, et al., 2022).
Um artigo brasileiro que está em processo de publicação, e por essa razão não entrou na presente revisão, teve resultados preliminares apresentados no Congresso Americano de Diabetes deste ano, sobre padrões alimentares intuitivos e o controle metabólico em pacientes com diabetes tipo 2. O estudo avaliou 267 pessoas em um hospital-escola e concluiu que comer de forma menos intuitiva está associado a uma prevalência maior de obesidade e valores mais altos de triglicerídeos nesse público, quando comparado com comer de forma mais intuitiva (ALMEIDA, et al., 2023).
Uma revisão analisou a relação do Comer Intuitivo com indicadores de saúde e viu que o CI está associado com manutenção do peso, melhor pressão sanguínea, colesterol, adequada quantidade de comida consumida e melhor comportamento alimentar (DYKE e DRINKWATER, 2013). Tais indicadores são importantes para monitorização de doenças crônicas, tanto na prevenção como após a doença já ter sido diagnosticada (KRAUSE, 2012), demonstrando possível associação do Comer Intuitivo com bons resultados em marcadores clínicos monitorados nas DCNT.
Um estudo sobre o CI acompanhou 1491 participantes por oito anos, analisando sua saúde psicológica e comer transtornado (HAZZARD, 2020). Foi determinado que ter pontuações mais altas no Comer Intuitivo está associado com menores chances de sintomas depressivos, insatisfação corporal, baixa autoestima, compulsão alimentar, além de atitudes não saudáveis para controle de peso. Tais evidências também podem indicar benefícios no tratamento de doenças crônicas, atentando para uma maior autonomia e conexão com os sinais de fome e saciedade para terem melhores escolhas alimentares e, com isso, mudanças comportamentais sustentáveis.
Em síntese, os estudos analisados contemplaram indivíduos com diagnóstico de diabetes, diabetes gestacional, hipertensão e doença renal crônica, em que o nível de CI destes foi estimado a fim de relacioná-lo com aspectos de consumo alimentar, dados bioquímicos, comportamentais, entre outros. Ademais, por meio de intervenção com foco no Comer Intuitivo, dois estudos analisaram seu efeito em aspectos escolhidos para observação. A busca aos artigos evidenciou escassez sobre o tema tanto a nível nacional como, principalmente, internacional, pois dos cinco artigos analisados, três são brasileiros. Ademais, nos artigos selecionados, apenas uma amostra foi acompanhada por mais de um ano, não sendo possível concluir sobre adesão em longo prazo.
[4] Conclusão
Ainda que o número de artigos sobre o tema deste estudo tenha sido pequeno, ter maior nível de CI foi associado com menores chances de inadequação
nas escolhas alimentares, maior consumo de frutas e vegetais e menores chances de compulsão alimentar. Ainda, mostrou relação com melhor controle glicêmico, menor IMC, pressão arterial diastólica e colesterol total. Demonstrando resultados promissores em aspectos de consumo alimentar, comportamentais e marcadores clínicos em pessoas com alguma DCNT.
Também foi observado aumento nos níveis de Comer Intuitivo, nos participantes, após intervenções com foco no CI, além de diminuição no IMC e gordura corporal, entre outros aspectos. Portanto, pode-se concluir que o método é um possível aliado às ações propostas pelo nutricionista, no tratamento nutricional de pessoas vivendo com DCNT.
Mais estudos sobre o tema são necessários, com outros delineamentos, para uma possível garantia de metodologia que gere autonomia e adesão ao estilo de vida necessário para essas pessoas. Assim, sugere-se pesquisas como longitudinais, além da presença de um grupo controle para comparação.
REFERÊNCIAS
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