Avaliação do potencial bioativo de talos e folhas de beterraba (BetavulgarisL.) como ingrediente funcional
The evaluation bioactive potential of beet stalks and leaves (Beta vulgaris L.) as a functional ingredient
RESUMO
As partes não convencionais de alimentos possibilitam uma maneira de incrementar preparações culinárias e enriquecer nutricionalmente a dieta, dando destino a partes descartadas de alimentos bastante consumidos, como a beterraba, rica em propriedades nutricionais. Este estudo avaliou o potencial bioativo de farinhas desenvolvidas a partir de talos e folhas de beterraba por meio de diferentes métodos de secagem. Os resultados demonstraram que as amostras submetidas ao processo de secagem convencional apresentaram maior potencial antioxidante, conteúdo fenólico e de flavonoides. Considerando os resultados obtidos neste estudo, é relevante que o aproveitamento das partes não convencionais dos alimentos passem a serem valorizadas e consideradas como opção na culinária, tanto pela presença de compostos bioativos, quanto pelas propriedades antioxidantes presentes.
RESUMO GRÁFICO
Palavras-chave: Beta vulgaris; beterraba; desperdício de alimentos; antioxidantes
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ARTIGO TÉCNICO
APLICABILIDADE
A utilização integral dos alimentos visa reduzir a quantidade de lixo produzido com o aproveitamento de cascas, folhas, sementes e talos, aumentando o valor nutritivo das preparações, já que são partes do alimento ricas em nutrientes. A partir disto, buscou-se avaliar o potencial bioativo das farinhas obtidas de folhas e talos de beterraba, buscando uma maneira de impulsionar o aproveitamento das partes não convencionais deste alimento.
[1] Introdução
Mundialmente, cerca de 1,3 bilhões de toneladas de alimentos são desperdiçados ao ano, onde 40% a 50% são raízes, frutas, hortaliças e sementes oleaginosas, e reflexos de tais perdas acabam provocando também impactos graves nos recursos naturais, afetando a própria cadeia alimentar da humanidade, que necessita de tais recursos para sobreviver (FAO, 2019).
O descarte inadequado começa no campo, com problemas mecânicos na colheita, calor, umidade, pragas e roedores, se expandindo para o processamento inadequado de alimentos, como embalagens impróprias, transporte ineficiente, comercialização a granel e a falta de informações sobre a importância nutricional das partes não convencionais dos alimentos (CÂMARA, 2014).
Cascas, sementes, talos e folhas geralmente são descartados, porém, poderiam ser utilizadas enfatizando o enriquecimento alimentar, diminuindo o desperdício e aumentando o valor nutricional das refeições, já que podem conter elevados teores de nutrientes e expressivo conteúdo de compostos fenólicos, estes responsáveis por apresentarem diversas propriedades bioativas (STORCK, 2013).
A beterraba ( Beta vulgaris L ) é uma espécie de clima temperado, com provável centro de origem no norte da África e sul da Europa. Pertence à família Chenopodiaceae , é uma raiz tuberosa de cor vermelho-arroxeada devido à presença de betalaínas, um importante antioxidante, capaz de estabilizar espécies reativas, prevenindo o estresse oxidativo e alguns tipos de câncer (SOUZA et al ., 2008; BOIVIN, 2008; GEORGIEV, 2010). Além disso, os extratos de betalaínas são utilizados amplamente como corantes naturais no desenvolvimento de produtos, substituindo os corantes artificiais tradicionalmente usados nos processamentos alimentícios (GONÇALVES, 2012). As folhas e talos da beterraba são ricos em proteína (2,64 g e 0,25 g), vitamina A (9,25 RE e 0,031 RE), ferro (2,91 mg e 34,4 mg), vitamina B1 (557 mg e 15,21 mg) e manganês (7,29 mg e 0,44 mg) em níveis significativamente maiores que das raízes (PHILIPPI, 2016). Estes nutrientes podem fornecer benefícios,
como a manutenção e desenvolvimento de tecidos, melhora do sistema imune, formação de hemoglobina e transporte de oxigênio, funcionamento do cérebro, contração muscular, absorção de cálcio, desenvolvimento, crescimento e formação dos tecidos cognitivos e ossos (GEORGIEV, 2010; COZZOLINO, 2016).
Tendo essa problemática em vista, a utilização integral dos alimentos possibilita uma maneira de incrementar as preparações culinárias e produtos, com a criação de novas receitas, além de enriquecer nutricionalmente a dieta, proporcionando mais fibras, vitaminas e sais minerais na alimentação (STORCK, 2013).
Com intuito de utilizar as partes do alimento não consumidas convencionalmente, a fim de gerar o aproveitamento integral do alimento reduzindo os resíduos resultantes das técnicas de pré-preparo e de preparo dos alimentos, além do enriquecimento e a complementação nutricional das refeições, este trabalho teve como objetivo avaliar o potencial bioativo de farinhas desenvolvidas a partir de folhas e talos de beterraba submetidos a diferentes métodos de secagem.
[2] Metodologia
[2.1] Obtenção e preparo das amostras
As amostras de talos e folhas de beterraba foram obtidas de agricultores orgânicos no município de Santa Maria do Herval – RS e higienizadas em água corrente. Posteriormente, uma parte da amostra in natura de talos e folhas foi submetida à estufa de ar circulante a 50 ºC por 24 horas e a outra parte foi submetida ao congelamento a –35 ºC por 4 dias e, após liofilizada.
Após os processos de secagem, as amostras foram moídas em moinho de facas e armazenadas em pacotes plásticos selados. Calculou-se a perda de água após cada método de secagem. A partir das amostras moídas foram preparados os extratos. Para preparação dos extratos pesou-se 1 g da amostra e foi adicionado 10 ml de metanol 75% (v/v). Posteriormente a amostra foi submetida a banho em ultrassom por 30 minutos. Os extratos obtidos foram filtrados e congelados até o momento das análises.
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[2.2] Avaliação dos compostos bioativos
[2.2.1]
Teor de compostos fenólicos totais
A determinação do teor de compostos fenólicos totais foi realizada através do método espectrofotométrico de Folin-Ciocalteau e os resultados foram expressos em mg de compostos fenólicos totais em equivalentes de ácido gálico (EAG) por grama de massa seca (mg EAG/g) (MEDA et al., 2005). Todas as análises foram realizadas em triplicata.
[2.2.2]
Flavonoides totais
A determinação do teor de flavonoides totais foi realizada pelo método proposto por Zhishen, Mengcheng e Jianming (1999) com cloreto de alumínio e expresso em equivalente de catequina (ECAT) por grama de massa seca. Todas as análises foram realizadas em triplicata.
[2.2.3] Atividade Antioxidante pelos métodos ABTS•+ e DPPH•
Para determinação de atividade antioxidante utilizou-se a redução do cátion ABTS•+ pelo método descrito por Re et al. (1999) e através do consumo de DPPH• pelo método descrito por Brand-Willians, Cuvelier e Berset
(1995), onde os resultados foram expressos em µmol de equivalente de trolox (ET) por grama de massa seca. Todas as análises foram realizadas em triplicata.
[2.3] Análise Estatística
Para análise estatística dos resultados foi utilizado o programa GraphPad Prism 7.00, através de análise de variância (ANOVA) de duas vias, seguida pelo teste post hoc de Sidak. Os níveis de significância foram definidos por p˂0,05. Todas as análises foram realizadas em triplicata e os resultados apresentados como média ± desvio padrão.
[3] Resultados e interpretações
Após os processos de secagem convencional e liofilização foram obtidas as farinhas dos talos e folhas de beterraba que apresentaram perda de água, resultado já esperado, decorrente do processo de desidratação aos quais as amostras foram submetidas. Os valores encontrados para a perda de água de talos e folhas liofilizados foram de 91,83% e 86,59% , respectivamente, já para os talos e folhas por secagem convencional foram de 90,62% e 87,91%, respectivamente, conforme resultados visuais apresentam-se na figura 1.
As amostras de farinhas obtidas pelo processo de lio-
FIGURA 1
Amostras de farinhas de talos e folhas de beterraba obtidas por liofilização e secagem convencional
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LEGENDA: (A) talos liofilizados; (B) talos por secagem convencional; (C) folhas liofilizadas; (D) folhas por secagem convencional
2
Amostras de farinhas de talos e folhas de beterraba obtidas por liofilização e secagem convencional 99 LEGENDA: (A) talos liofilizados; (B) talos por secagem convencional; 100 (C) folhas liofilizadas; (D) folhas por secagem convencional. 101 102
filização apresentaram cor mais clara em comparação a secagem convencional, devido ao processo de liofilização resultar em produtos de melhor aparência, enquanto os produtos preparados utilizando aquecimento aparecem mais escuros, devido ao calor aplicado (GONZÁLEZ; GALLEGO; VALCÁRCEL, 2003). Todo processo térmico envolvendo frutas ou seus derivados pode provocar reações de escurecimento enzimático e não-enzimático, reações de oxidação de lipídeos e vitaminas e degradação de pigmentos (CELESTINO, 2010), já que a secagem de alimentos utilizando o ar aquecido baseia-se no aumento da temperatura para evaporação da água e, pode provocar alterações indesejáveis na aparência, cor e textura (PINTO; CASTRO, 2008).
As amostras de farinhas obtidas pelo processo de liofilização apresentaram cor mais 103 clara em comparação a secagem convencional, devido ao processo de liofilização resultar em 104 produtos de melhor aparência, enquanto os produtos preparados utilizando aquecimento 105 aparecem mais escuros, devido ao calor aplicado (GONZÁLEZ; GALLEGO; VALCÁRCEL, 106 2003). Todo processo térmico envolvendo frutas ou seus derivados pode provocar reações de 107 escurecimento enzimático e não-enzimático, reações de oxidação de lipídeos e vitaminas e 108 degradação de pigmentos (CELESTINO, 2010), já que a secagem de alimentos utilizando o ar 109 aquecido baseia-se no aumento da temperatura para evaporação da água e, pode provocar 110 alterações indesejáveis na aparência, cor e textura (PINTO; CASTRO, 2008). 111
Os resultados obtidos para atividade antioxidante, fenólicos e flavonoides estão apresentados na tabela 1. A determinação do potencial antioxidante pelo método ABTS•+, demonstrou estatisticamente que os talos submetidos à secagem convencional apresentaram o maior potencial em comparação a secagem por liofilização. Pelo método DPPH•, as folhas apresentaram melhor potencial antioxidante, sobressaindo-se a amostra obtida por secagem convencional. Na quantificação dos compostos fenólicos, as folhas apresentaram valores superiores aos talos, sendo que entre os métodos de secagem o que apresentou melhor resultado foi a secagem convencional. Quanto a quantificação de flavonoides observou-se que o processo de secagem convencional apresentou resultados superiores em comparação as amostras liofilizadas, onde os maiores valores foram encontrados nas amostras de folhas. Quanto a diferença estatística, observa-se apenas que as folhas liofilizadas apresentaram (p<0,05) para fenólicos entre os experimentos.
A secagem convencional possibilitou uma melhor extração dos compostos bioativos quando comparado ao processo de liofilização, onde a utilização do método de secagem como a estufa é uma alternativa eficiente para
a conservação de produtos. Alguns estudos sugerem que tratamentos térmicos utilizando temperaturas brandas, entre 40 e 70 ºC (FERREIRA, 2015), faixa de temperatura utilizada na metodologia deste estudo, podem preservar a capacidade antioxidante do material vegetal, o que pode ser observado em nossos resultados.
Lasta (2017) avaliou o potencial antioxidante e teor de compostos fenólicos totais em extratos de folha e talo de beterraba obtendo resultados na análise antioxidante por ABTS•+ para os extratos das folhas de 82 ± 1 µmol de ET/g, assemelhando-se aos encontrados neste estudo, já para compostos fenólicos obteve 23,0 ± 4 mg EAG/g, valores superiores aos encontrados neste. Para as amostras de talos Lasta (2017) encontrou o valor de 83 ± 2 µmol de ET/g sendo nestes valores superiores para ambos os métodos.
Em um estudo realizado por Raupp et al. (2010) avaliaram os compostos antioxidantes (ABTS •+) e o conteúdo fenólico da beterraba submetidas a diferentes temperaturas, onde a secagem em altas temperaturas resultou em valores significativamente maiores para a atividade antioxidante e compostos fenólicos, o que também pode ser verificado neste estudo, onde os maiores valores de antioxidantes se deram nas amostras submetidas à estufa, mesmo utilizando uma temperatura menor de 50 ºC.
Os resultados obtidos para atividade antioxidante, fenólicos e flavonoides estão 112 apresentados na tabela 1. A determinação do potencial antioxidante pelo método ABTS•+, 113 demonstrou estatisticamente que os talos submetidos à secagem convencional apresentaram o 114 maior potencial em comparação a secagem por liofilização. Pelo método DPPH•, as folhas 115 apresentaram melhor potencial antioxidante, sobressaindo-se a amostra obtida por secagem 116 convencional. Na quantificação dos compostos fenólicos, as folhas apresentaram valores 117 superiores aos talos, sendo que entre os métodos de secagem o que apresentou melhor resultado 118 foi a secagem convencional. Quanto a quantificação de flavonoides observou-se que o processo 119 de secagem convencional apresentou resultados superiores em comparação as amostras 120 liofilizadas, onde os maiores valores foram encontrados nas amostras de folhas. Quanto a 121 diferença estatística, observa-se apenas que as folhas liofilizadas apresentaram (p<0,05) para 122 fenólicos entre os experimentos. 123 124
Bergamaschi (2010) analisou extrato etanólico do talo de beterraba, que apresentou atividade antioxidante correspondente a 121,48 µmol Trolox/g resíduo, mostrando um potencial de utilização como agente antioxidante, valor que colabora com o resultado encontrado neste estudo. Fernandez et al. (2020) desenvolveram um enriquecimento de smoothie com extratos de folhas de beterraba, encontrando relevante potencial antioxidante, assim como em nosso estudo, no entanto, estes valores de capacidade antioxidante foram perceptíveis no método FRAP, metodologia não reproduzida em nosso trabalho. Quanto aos resultados
TABELA 1
Tabela 1: Atividade antioxidante pelos métodos ABTS•+ e DPPH•, análise do teor de 125 compostos fenólicos totais e flavonoides por diferentes métodos de secagem. 126
Atividade antioxidante pelos métodos ABTS•+ e DPPH•, análise do teor de compostos fenólicos totais e flavonoides por diferentes métodos de secagem
Talo convencional 112,167±7,272 68,957±3,954 6,731±0,092 5,826±0,102 Folha convencional 86,935±2,871 74,732±6,535 8,967±0,086 6,632±0,145
Talo Liofilizado 92,815±2,610 39,836±0,268 3,737±0,142 4,544±0,127 Folha Liofilizada 75,248±5,270 67,542±5,335 7,796±0,034 6,189±0,180
EAG: equivalente em ácido gálico; ECAT: equivalente em catequina; m.s.: massa seca; ET: 127 equivalente em Trolox. 128 129
A secagem convencional possibilitou uma melhor extração dos compostos bioativos 130 quando comparado ao processo de liofilização, onde a utilização do método de secagem como 131
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98
EAG: equivalente em ácido gálico; ECAT: equivalente em catequina; m.s.: massa seca; ET: equivalente em Trolox
FIGURA
Amostras ABTS•+ µmol ET/g m.s. DPPH• µmol ET/g m.s. Fenólicos mg EAG/g m.s Flavonoides mg ECAT/g m.s.
obtidos pelo método do DPPH•, as diferenças iniciais não foram consideradas significativas. Vale ressaltar que, o potencial antioxidante é avaliado através de diferentes compostos bioativos que exercem suas atividades por diferentes mecanismos de ação, justificando assim a diferença de resultados encontrados entre os testes. Considerando esta informação, apesar do conhecimento da beterraba ser rica em betalaínas e flavonoides, que são compostos que agem eliminando radicais livres, mecanismo observado no método de DPPH•, pode-se sugerir que a alternativa do método FRAP apresentaria resultados diferentes e significativos para a discussão do nosso trabalho (ZEIN et al., 1999; FERNANDEZ et al., 2020; COSTA et al., 2017; RAVICHANDRAN et al., 2013).
[4] Considerações finais
A partir dos resultados encontrados o método de secagem convencional foi o que possibilitou a obtenção de uma farinha com maior teor de compostos bioativos
dos talos e folhas da beterraba, possibilitando a produção de um novo ingrediente funcional a partir de partes não convencionais de alimentos. Os resultados indicam perspectivas de novos estudos para a exploração da capacidade antioxidante e de compostos bioativos de diferentes hortaliças, pois tanto a folha como o talo, são fontes alternativas de nutrientes.
Quanto às limitações para a realização deste trabalho, ainda há certa dificuldade em realizar comparações diretas quanto as análises realizadas, considerando que as metodologias de análise podem ser diferenciadas ou sofrer variações e divergir nos padrões usados, havendo falta de uniformidade nas unidades para expressar os resultados. Ainda, como sugestão de trabalhos futuros, uma maior relação de análises pode ser realizada, como os constituintes nutricionais das farinhas, a análise da cor das farinhas, avaliação da estabilidade durante o armazenamento e ainda a aplicação no desenvolvimento de produtos alimentícios.
REFERÊNCIAS
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