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Natureza latente

Cenários remotos e com ilhas quase inabitadas, as Ilhas Faroe têm uma paisagem exuberante, espécies raras de aves e tradições preservadas

Gostamos de conhecer destinos fora do comum. E nosso destino esta vez era o país mais remoto da Europa, as Ilhas Faroe — no Atlântico Norte, meio do caminho entre Noruega e Islândia, onde moram apenas 50 mil habitantes em uma área total menor que a da cidade de São Paulo. Faroe significa ilha das ovelhas em faroense, a língua oficial do país. Sem nem sair do aeroporto ficou fácil entender o motivo do nome. Ao passar pelo portão, em vez do tradicional cenário de aeroporto com muitos táxis e filas de carros, duas ovelhas pastavam calmamente. O nome é justificado pelos números também. No país são mais de 80 mil ovelhas. Ou seja, há 60% mais ovelhas do que pessoas nas ilhas. Elas são onipresentes, em todos os cantos do país, parecem ser as reais donas das Ilhas Faroe.

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O lugar é remoto e não tão explorado, e isso foi um dos motivos pelos quais quase não fomos para lá. Queríamos uma viagem com uma natureza exótica e que fosse algo diferente do que já tínhamos experimentado em outras viagens.

Nossa primeira impressão era de que as Ilhas Faroe seriam uma versão menor da Islândia, que já conhecíamos, porém, após pesquisar um pouco, ficou claro que estávamos errados. A formação sócio-cultural e até geográfica de ambos os países os fazem ter várias semelhanças, mas as Ilhas Faroe têm seu próprio charme e beleza bem característicos, transformando-se em um destino ímpar, diferente do vizinho ao norte.

Para chegar a todos os cantos do país, o ideal é alugar um carro ainda no aeroporto. Fizemos isso e ficamos com ele durante os oito dias em que exploramos o destino. As estradas são ótimas e ligam todas as principais ilhas, levando a praticamente todos os mais importantes pontos turísticos por pontes ou túneis.

Um dos motivos da nossa escolha foi o fato de o país ser ótimo pra quem gosta de hiking. Há opções de caminhadas para todos os gostos e preparo físico. De caminhadas fáceis e planas de 30 mi- nutos até algumas de nível dificílimo, que podem durar até 18 horas. Das que fizemos, destacamos duas que mais gostamos.

A primeira foi em Mykines, uma pequena ilha que é o ponto mais ao oeste do país. Esse é um dos locais mais remotos e de difícil acesso dentre os principais pontos turísticos. A ilha não é conectada por túnel ou estradas e o número de pessoas admitidas é limitado. Há duas formas de chegar até Mykines: por barco ou helicóptero. Conseguimos agendar o concorrido helicóptero, que, por ser subsidiado pelo governo, tem um preço bem acessível. O voo já foi um espetáculo. A paisagem vista de cima é maravilhosa. E para compensar um atraso de apenas cinco minutos, o piloto deu uma volta extra pela face oposta de Mykines, revelando um paredão com milhares de aves que toda primavera e verão usam a ilha como ponto de reprodução. É quase um parque nacional de preservação de aves e casa para várias espécies típicas do Atlântico Norte. Algo para guardar na memória!

Lá vivem apenas dez habitantes, mas os visitantes chegam em busca dos pássaros. Em especial o puffin, de voo desengonçado e aparência semelhante a de um pinguim, que usa a ilha como abrigo durante a primavera e o verão.

O passeio começa na vila e vai até o extremo sul. O caminho de sobe e desce de montanhas, pontes e penhascos, leva os visitantes a passarem no meio de muitos pássaros e por ninhos de puffins. Ao chegar ao extremo sul da ilha, avista-se o farol, que proporciona uma das vistas mais bonitas de toda viagem. É o lugar ideal para parar e refletir perante a magnitude da natureza. O passeio dura cerca de cinco horas, mas o tempo ali parece ter seu próprio ritmo. A beleza inóspita faz as horas de caminhada parecerem fáceis e, sem dúvida, vale a pena reservar um dia todo para visitar essa ilha.

Outro ponto que nos marcou muito foi Saksun. O pequeno vilarejo no norte do país é ponto de partida para um dos mais desafiadores hikes. Um caminho de aproximadamente oito horas, que leva os mais corajosos até o vilarejo de Tjornuvik. Ao mesmo tempo, Saksun também oferece uma caminhada leve de cerca de uma hora. Como não tínhamos nem tempo, nem estávamos preparados para opção mais longa, pegamos a opção mais curta. E fomos surpreendidos por um lugar que é difícil de explicar de tão único. Um vale entre duas montanhas com cachoeiras que parecem abraçar um lago formado por um braço de mar. Quando a maré está baixa, como quando visitamos, é possível caminhar pelo leito que até poucas horas antes estava embaixo d’água. Pelo caminho, as cachoeiras ao fundo, o lago aos seus pés e as montanha te cercando. Um cenário de uma beleza exótica que é difícil descrever e demora para ser absorvido. E, para completar, no fim do caminho ainda surge uma praia de areia preta junto ao mar, algo magnífico.

As caminhadas e os lugares de mais difícil acesso são lindos, mas a sensação é de que, mesmo se não tivéssemos saído de dentro do carro, já teria feito valer a pena a viagem. As estradas oferecem cenários deslumbrantes, e conhecer cada vilarejo é impactante. Ali você conhece lugares que parecem ter saído de um livro. Casas tradicionais nórdicas com teto de grama dão o tom de simpli- cidade e beleza que a vida pede. Alguns desses vilarejos contam com quatro ou cinco habitantes fixos (e alguns deles não têm pessoas vivendo o tempo todo), e guardam as casas de temporada de pessoas de cidades “grandes” próximas. Para quem veio de Nova York, esse “grandes” tem que ser bem entre aspas mesmo, um outro mundo, outra magnitude. De uma calma que faz você respirar fundo. Pássaros típicos do Atlântico Norte a todo momento voando dão cor ao céu nublado. A beleza está em todo lugar, e tudo ali é ao mesmo tempo tão simples e tão rebuscado. E, claro, as onipresentes ovelhas aparecem a todo momento, sempre desafiando a lei da gravidade em penhascos, e olham os viajantes com um desdém quase ofensivo. Parece que elas sabem que estamos temendo pela vida delas, mas elas, seguras de si, dão um passo a mais e mostram que a natureza é muito superior ao que podemos imaginar.

Uma visita à capital Tórshavn também não pode faltar. Apesar de urbanizada, ainda guarda muito da cultura e tradições. Casas tradicionais com paredes coloridas e teto coberto de grama convivem em harmonia com restaurantes, lojas e escritórios. Ela tem ares de cidade grande, mas sem perder o charme e a calma de um lugar de pouco mais 13 mil habitantes.

De todos os oito dias indo de norte a sul, de leste a oeste do arquipélago, a parte mais difícil da viagem, sem dúvida nenhuma, foi a volta. Esperando o voo no salão de embarque do aeroporto, o sentimento era de gratidão e a certeza de que escolhemos o destino certo, já com a vontade de um dia voltar pra conhecer mais do país, da cultura e do povo faroense.

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