uma
Exposição Virtual
1
uma
Exposição Virtual Concebida a partir do livro: PINHÃO, Carlos, 1924-1993 Bichos de Abril / Carlos Pinhão; il. João Martins. - Lisboa : Caminho, 1977 . - 40 p.
2
70
••Década de •• Quando a literatura preparou abril Assiste-se na década de 70 do século XX à difusão da produção do livro infantil, resultado do trabalho que se vinha fazendo no final dos anos 60. No entanto, esta produção é claramente insuficiente para sobressair com notoriedade, a par do que se publicava no estrangeiro. Em Portugal, a existência da censura de livros não permitia que os escritores tratassem de temas transversais à sociedade de então, como a fome, a guerra, o racismo, a poluição, tal como já eram aflorados na literatura infantil estrangeira. Só a abolição da censura põe fim a estes entraves. É com o final do Estado Novo que se dá início à promoção de cursos e colóquios dedicados à literatura para crianças, cuja organização estava a cargo da Direção-Geral do Ensino Básico. Esta mesma direção começa anualmente a adquirir livros para crianças e a distribuílos por todas as escolas do ensino primário, ao mesmo tempo que procede à distribuição de fichas críticas sobre os livros adquiridos e à organização de cursos para os professores responsáveis pelas bibliotecas escolares. A nova sensibilidade sobre a importância do livro infantil é consolidada pela opinião cada vez mais recorrente nos autores de que os livros existem para educar, formar, ao mesmo tempo que servem para as crianças sonharem, brincarem e crescerem. São vários os autores que corroboram esta ideia, como Leonel Neves que afirmava numa crónica publicada no jornal A Capital, em 1979, que um livro bem escrito e ilustrado é como um dos primeiros degraus de acesso à arte e cultura, sem as quais nenhuma criança poderá vir a realizar-se completamente como adulto. Carlos Pinhão, numa entrevista à RTP em 1984, referia que sentia uma grande responsabilidade ao escrever para crianças e que a literatura infantil não deveria ser tratada como subliteratura, como era geralmente denominada. Assim, formam-se novas coleções, com uma nova geração de escritores a surgir no campo editorial do setor infantil, que se impõem desde os primeiros anos desta década. Alguns autores já conhecidos pela sua atividade literária, destacam-se então também com textos
Ilustração de Mário Neves GOMES; Alice. Bichinho poeta. Lisboa: ed. do autor, 1970. p. 34.
Ilustração de Tossan NEVES, Leonel. O elefante e a pulga. Lisboa: Livros Horizonte, 1977. p. 21.
3
de literatura infantil: Luísa Dacosta, António Torrado, Maria Alberta Menéres, Luísa Ducla Soares, Manuel António Pina, entre outros.
mas que aos poucos vem consolidando a sua obra, durante esta década, no que respeita à prosa e ao teatro.
Todos estes acontecimentos marcam uma evolução no campo editorial do setor infantil, a par da presença mais constante de escritores que tinham iniciado o seu percurso nos anos sessenta: Ilse Losa, Sidónio Muralha, Alice Gomes e Matilde Rosa Araújo.
Dele disseram, Mário Viegas e Raul Solnado, que poderia ter sido o homem do humor da segunda metade do século XX. É assim, que António Fernando dos Santos, Tossan, é relembrado pela obra humorística que deixou no papel, e que fez dele um notável ilustrador. Tinha evidente predileção por alguma bicharada, como por elefantes e leões, personagens habitués das duas dezenas de livros que ilustrou para crianças e que engrandeceram as obras do escritor Leonel Neves, que se estreia nesta década. Obras deste escritor, como O elefante e a pulga ou Bichos de trazer por casa e Histórias do Zé Palão, oferecem às crianças histórias de cariz cómico, que vão ao encontro da natureza e que o colocam prontamente em lugar de destaque pela sua veia humorística.
Matilde Rosa Araújo pública por estes dias a coleção Pássaro livre, com os títulos, O gato dourado, As botas do meu pai, O cavaleiro sem espada, textos valorizados pelas ilustrações minimalistas e repletas de sensualidade de Maria Keil, que também participa nesta coleção como autora e ilustradora do livro, O pau-de-fileira. Sidónio Muralha traz à literatura infantil temas que estavam erradicados até então, como a poluição, o racismo ou acontecimentos políticos como o 25 de abril. Valéria e a vida, Todas as crianças da terra e Voa, pássaro, voa fazem parte da coleção Pássaro livre e são ilustrados por artistas que vão consolidando o seu trabalho nesta área, como Júlio Pomar e Fernando Lemos.
Outro ilustrador de destaque, José Manuel Mendes, Zé Manel, ilustrou O Soldado João da escritora Luísa Ducla Soares, que vai avolumando a sua obra por estes anos. Este texto assinala a cruel separação de milhares de jovens das suas aldeias e famílias, pela cruenta Guerra Colonial. Publicado primeiro em 1971, a zelosa mão da censura riscou a azul todo o texto. Luísa publica-o em livro no ano seguinte, o primeiro de seis, na coleção Cor Infantil, da editora Estúdios Cor, orientada por José Saramago, em pequenos álbuns de 20 páginas, de raras capas cartonadas com arestas cortadas.
Ilse Losa continua a sua produção literária portuguesa com o livro Beatriz e o plátano, abordando a relação entre o urbanismo e a natureza e a defesa do ambiente, temas cada vez mais marcantes na literatura infantil, durante as décadas futuras. Alice Gomes tendo já uma obra diversificada, marcada pela sua formação de pedagoga, continua a incutir nos seus textos princípios que dignificam o futuro das crianças, tentando cativá-las para a leitura com uma escrita marcada por um estilo dialogante e comunicativo. Exemplo disso são Contos risonhos, Giroflé giroflá e a versão teatralizada da lenda do flautista de Hamlim, Os ratos e o trovador. O livro de poemas, Bichinho poeta, destaca-se pelas várias atividades ligadas às crianças que suscita.
Do mundo da música, chega-nos pela mão de Sérgio Godinho A Caixa, que se revela um verdadeiro contador de histórias nonsense. Afastando-se destas histórias nonsense chega-nos do excelente poeta Papiniano Carlos O cavalo das sete cores, publicado em 1977. Madalena Gomes publica alguns textos para crianças, assumindo destaque O crocodilo e o passarinho, não só por ser uma história sobre a aceitação das diferenças, mas também por ser engradecido pelas ilustrações da artista Sarah Afonso.
As décadas de 80 e 90 são assinaladas pelas inúmeras reedições das obras de António Torrado, publicadas pela primeira vez nos anos 70. Obras como Veado florido, Joaninha à janela, A escada e o caracol ou O jardim zoológico em casa, atestam a sua posição na produção literária infantil ao longo dos anos 70, caracterizada por um estilo profundamente poético, rico e ponderado.
Os temas coloniais e exóticos continuam a ser objeto de referência na literatura infantil. Juntamse a escritores que nas décadas anteriores já escreveram sobre este assunto, nomes como Tomás Ribas e Manuel Ferreira com livros, deste último, A pulseirinha de ouro e O sandinó e o Corá.
A obra Um + um = dois amigos marca neste período a obra literária infantil de Maria Alberta Menéres, distinguida basicamente por um cunho poético,
Maria Isabel Mendonça Soares e Maria Cecília Correia continuam o seu percurso literário iniciado
4
nos anos 50. Enquanto M. Isabel Soares marca nesta década o género literário teatro com obras como Algodão e al-godinho e Uma gralha entre pavões, M. Cecília continua com o seu olhar factual em obras como Histórias do ribeiro e o Coelho Nicolau.
de João Martins, editado pela Caminho em 1977. Trata-se de uma coletânea de poesia que utiliza um discurso satírico, personificado por animais convocados em cada um dos poemas. Por ser um texto marcado pelo pensamento revolucionário da altura, é um testemunho ímpar da criação literária que o 25 de Abril inspirou, contendo no seu imaginário os valores de liberdade, democracia, justiça e igualdade.
A pintora Leonor Praça, na década anterior, já tinha assumido um compromisso com a estética literária na literatura infantil com obras como A flor vai pescar num bote, de Alves Redol. Assinala este decénio com as soberbas ilustrações do livro de Isabel da Nóbrega, Rama, o elefante azul, que, de uma forma imaginativa, recria todas as personagens e situações, enchendo as palavras e as histórias de imagens. Leonor Praça, além de ilustrar, é também nome de coleção (coleção Leonor Praça), que ainda em 1969 assina o primeiro número, como autora e ilustradora, de o Tucha e Bicó, reeditado em 1977.
A seguir à Revolução de abril, as edições têm cada vez mais qualidade e assume-se definitivamente que o livro infantil é um produto da inter-relação dialogal do texto verbal com o texto visual. Daí que as ilustrações continuem a trazer assinaturas de mérito: Maria Keil, Leonor Praça, Júlio Gil, Tossan e outros tantos. A par desta situação que provoca literalmente um exponencial crescimento da edição para crianças, o livro infantil adquire um novo estatuto, com especial destaque para a importância que desempenha na formação dos seus leitores. Coleções como os Livros da Grande Roda, que são parte integrante de um projeto sob a direção de Maria Lúcia Namorado, tinham como função divulgar um conjunto de obras originais portuguesas graduadas que correspondem às necessidades e interesses das crianças, ao mesmo tempo que se legitimava concedendo pistas de leitura às mães e educadores. Aventuras do Janoca e do Janeca, da própria autora, A bola Amarela, poemas de Raquel Delgado com ilustrações de Cila, O verão é o tempo grande, O outono é o tempo a envelhecer, O inverno é o tempo já velho de Maria Isabel Anjo, com ilustrações brilhantes assinadas por Maria Keil, fazem parte desta coleção.
Outros escritores vão animando a produção editorial nacional com livros para o público infantil. À panóplia de escritores referidos, juntam-se nomes como Manuel Granjeiro Crespo, com Uma árvore cheia de vazio e António Quadros, com Pedro e o mágico. Refira-se que nesta década, após o 25 de abril, surgem autores com textos marcados pela sua intervenção política ou cívica na sociedade, aliando o cariz simbólico às temáticas abordadas nos textos literários. É de destacar, por estes anos, que algumas editoras, comprometidas com algum pensamento político, também deram origem a um número significativo de publicações nesta área. É o caso de Bichos de Abril, texto de Carlos Pinhão e desenhos
Ilustração de Leonor Praça NÓBREGA; Isabel da. Rama, o elefante azul. Lisboa: Plátano Editora S. A., 1978. p. 9.
5
Esta década encerra acontecimentos importantes nesta área: prémio de literatura infantil e juvenil da Secretaria de Estado da Informação e Turismo, entregue em 1971, ao texto de Maria Manuela Couto Viana, O mundo dos meninos verdes e à ilustração de Leonor Praça em Rama o elefante azul, de Isabel da Nóbrega. Em 1972, o texto premiado é de Adolfo Simões Müller, com A primeira volta ao mundo e a ilustração de Mariana Pardal do texto de Alice Gomes, História de uma menina. O prémio da Associação Portuguesa de Escritores é atribuído em 1979 ao texto da pintora Ivone Balette, O país do dinheirinho e o país do dinheirão. É também neste ano que a UNESCO o declara
como Ano Internacional da Criança, antecipando acontecimentos que vão surgir na década seguinte como Prémios da Fundação Calouste Gulbenkian dedicados ao livro infantil, assim como colóquios e encontros consagrados a este fenómeno, cada vez mais presente, a relação criança/livro.
Nota explicativa: Informação retirada do guia que serviu de apoio à exposição de Ilustração e Literatura infantil, Os livros que ficaram, que esteve patente na Biblioteca Municipal em 2016, consagrando uma mostra de livros de literatura infantil editados em Portugal, nas décadas de 50, 60, 70 e 80.
Ilustração de Tossan NEVES, Leonel. Histórias do Zé Palão. Lisboa: Livros Horizonte, 1979. p. 23.
6
Década de 70 Obras literárias destinadas ao público infantil, editadas nesta década, que integram o acervo documental da Biblioteca Municipal: Autor: Alice Gomes Bichinho poeta, edição de 1970 - 1.ª edição. Ilustrações de Mário Neves Giroflé giroflá, 2..ª edição de 1972 (1.ª edição 1970). Ilustrações de Fernando Calhau Os ratos e o trovador, edição de 1973 - 1.ª edição. Ilustrações de Júlio Autor: António Quadros / Ilustrações: Jorge Palha Pedro e o mágico, 3..ª edição de 1986 – (1.ª edição 1973) Autor: António Torrado / Ilustração: Eduardo Perestrelo O jardim zoológico em casa, edição de 1975- 1.ª edição Autor: Ilse Losa Beatriz e o plátano, edição de 1977 – (1.ª edição 1976). Ilustrações de Lisa Couwenberg O quadro roubado, edição de 1977 – 1.ª edição. Ilustrações de Jorge Pinheiro Autor: Isabel da Nóbrega / Ilustrador: Leonor Praça Rama, o elefante azul, 3.ª edição de 1978 – (1.ª edição 1970) Autor: Ivone Balette / Ilustrador: Victor Palha O país do dinheirinho e o país do dinheirão, edição de 1979 – 1.ª edição Autor: Leonel Neves / Ilustrador: Tossan O elefante e a pulga, 2.ª edição de 1977 (1.ª edição 1976) Bichos de trazer por casa, edição de 1978 - 1.ª edição Histórias do Zé Palão, 2º edição de 1979 (1.ª edição 1979) Autor: Luísa Ducla Soares O soldado João, edição de 1973 - 1.ª edição. Ilustrações de Zé Manel O Dr. Lauro e o Dinossauro, edição de 1973 – 1.ª edição. Ilustrações de Luís Correia Autor: Madalena Gomes / Ilustrador: Sarah Afonso O crocodilo e o passarinho, edição de 1974 - 1.ª edição
7
Autor: Manuel Crespo / Ilustrações: António Ferraz Uma árvore cheia de nada, edição de 1977 - 1.ª edição Autor: Manuel Ferreira / Ilustrador: Raimundo Rodrigues O sandinó e o corá, edição de 1974 - 1.ª edição Autor: Maria Alberta Meneres / Ilustrador: Dorindo Carvalho Um + um = dois amigos, edição de 1976 - 1.ª edição Autor: Maria Cecília Correia Histórias do ribeiro, 2 .ª edição de 1977 (1.ª edição 1974). Fotografias de António Cabral Castilho Autor: Maria Isabel César Anjo / Ilustrações: Maria Keil O outono é o tempo a envelhecer, edição de 1971 – 1.ª edição O verão é o tempo grande, edição de 1971 - 1.ª edição Autor: Maria Isabel Mendonça Soares Uma gralha entre os pavões, edição de 1973 - 1.ª edição Autor e Ilustrador: Maria Keil O pau-de-fileira, 2 .ª edição de 1977 (1.ª edição 1976) Autor: Maria Lúcia Namorado / Ilustrador: Alice Jorge Aventuras do Janoca e do Janeca, edição de 1971 - 1.ª edição Autor: Maria Manuela Couto Viana / Ilustrador: Estrela Faria O mundo dos meninos verdes, edição de 1970 – 1.ª edição Autor: Matilde Rosa Araújo / Ilustrador: Maria Keil O gato dourado, edição de 1977 - 1.ª edição As botas do meu pai, edição de 1977 - 1.ª edição Autor: Papiniano Carlos / Ilustração: Rodrigo Cabral, Isabel Cabral e Fernando Oliveira O cavalo das sete cores e o navio, edição de 1977 - 1.ª edição Autor: Raquel Delgado / Ilustrador: Cila A bola amarela, edição de 1971 - 1.ª edição Autor: Sérgio Godinho / Ilustração: Carlos Corujo «Zíngaro» A caixa, 2 .ª edição de 1983 (1.ª edição 1978) Autor: Sidónio Muralha A Valéria e a vida, edição de 1976 - 1.ª edição. Ilustrações de Soares Rocha Todas as crianças da terra, edição de 1978 - 1.ª edição. Ilustrações de Fernando Lemos
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
uma
Exposição Virtual Concebida a partir do livro: PINHÃO, Carlos, 1924-1993 Bichos de Abril / Carlos Pinhão; il. João Martins. - Lisboa : Caminho, 1977 . - 40 p.
••ficha técnica •• direção e produção: Biblioteca Municipal Gustavo Pinto Lopes, Torres Novas
conceção, pesquisa de documentos e textos: Helena Duarte Ferreira
revisão: Ana Marques Gabinete de Estudos e Planeamento Editorial | CMTN
design gráfico: Cláudia Barroso Comunicação, Audiovisuais e Imagem | CMTN
2021 22