Guia de Visita ao Museu da Marioneta

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MUSEU DA MARIONETA um mundo de histรณrias!

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Museu da Marioneta | Guia de Visita


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MARIONETA O QUE É?

A marioneta está intrinsecamente ligada à performance teatral e diz respeito, grosso modo, a objetos que possam “ganhar vida”, expressão, através do movimento. Para que se movimentem, são manipulados por uma ou várias pessoas. Entre o mundo imaginário e o mundo material, estes bonecos são concebidos de forma a dar corpo às personagens que se pretende representar.

As marionetas podem tomar diversos formatos, mais simples ou mais

complexas de acordo com os movimentos que se pretende que efectuem. Há três maneiras genéricas de as manipular que convém distinguir. Essas formas de manipulação estão relacionadas com a posição do manipulador em relação ao títere: -

a partir de um plano superior (marionetas de varas e fios);

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a partir do mesmo plano (algumas marionetas de sombra, as japonesas bunraku e as marionetas de manipulação à vista);

-

a partir de um plano inferior (as marionetas de luva (fantoches), de sombras, de varas e os marottes).

A diversidade de marionetas prende-se com a sua origem espácio-temporal, mas também com o repertório e público a que se destinam. Podem ser construídas em qualquer tipo de materiais, sendo os mais recorrentes: papel, madeira, tecidos, barro, metais, plástico e espuma.


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A COLECÇÃO UMA VISITA À EXPOSIÇÃO PERMANENTE

A exposição permanente do Museu da Marioneta pretende mostrar marionetas de todo o mundo, viajando, por isso, de continente em continente para apresentar as mais relevantes manifestações das formas animadas. Começa na Ásia e, depois de um pulinho à Europa, passa pela África e pelo Brasil para regressar e acabar em Portugal. É também uma viagem no tempo, apresentando desde exemplares antigos a marionetas de criação contemporânea. No sudeste asiático, duas obras literárias servem de base ao reportório do teatro de marionetas. O épico indiano Ramayana, comummente atribuído ao poeta Valmiki e que data do período entre os séculos V a I a.C., conta a história de amor entre o príncipe Rama e a sua amada Sita e é ao mesmo tempo, crêse, um relato da conquista do Ceilão (actual Sri Lanka) pelos povos do Cáucaso. O Mahabarata, também atribuído a Valmiki, é uma narrativa de guerra que contém as ideias centrais do hinduísmo, tendo assim um peso moral e espiritual vincado. Khon é o nome dado ao teatro tradicional da TAILÂNDIA: um teatro dançado no qual os actores-bailarinos fazem uso de máscaras para caraterizar as personagens a que dão vida. Inicialmente, tratava-se de um teatro de corte, mas hoje em dia a prática disseminou-se tornando-se também num entretenimento de popular.


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As máscaras khon são feitas em papel maché, pintado e adornado com grande detalhe. O uso de cores primárias e saturadas, com a aplicação abundante de folha de ouro e o quase obsessivo acrescento de adereços e pormenores, dão às máscaras uma natureza própria do mundo dos deuses. O teatro khon desenvolveu o seu estilo particular de dança, trajes, música, récita e canto. No início, todas as personagens usavam máscaras, mas actualmente os deuses e os humanos aparecem apenas com adereços na cabeça. Um espectáculo de teatro khon é criado por uma equipa de vários profissionais: artistas, escultores, pintores, cantores, narradores, músicos e dançarinos. Para além das máscaras de algumas das principais personagens, pode também ver-se o fato utilizado pelo bailarino que encarnava a personagem de Thosakan, o demónio principal da história. As mesmas personagens são utilizadas no teatro de marionetas, de que pode ver aqui um exemplar. Na ilha de Java, na INDONÉSIA, a tradição de marionetas é não só muito antiga como muito rica dada a diversidade de formas animadas existente. Aqui, o termo Wayang serve para designar todo o tipo de performances e remete para o que é divino ou ancestral (yang) mas também para a sombra (bayang). Estas performances são baseadas nas aventuras do príncipe Panji e nos épicos Ramayana e Mahabharata, mas também em outras mitologias animistas. Wayang Topeng é o nome dado ao teatro dançado da ilha de JAVA, na INDONÉSIA, onde o uso de máscaras é uma das principais características. Originalmente, o wayang topeng desenrolava-se na corte, sendo executado pelos membros da aristocracia ou por profissionais mas, com o tempo, tornou-se um divertimento de carácter popular tendo por vezes lugar em casamentos e outros acontecimentos festivos. A máscara do príncipe Panji tem normalmente


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uma cara branca, olhos alongados, um nariz pequeno e ligeiramente empinado e uma boca pequena ligeiramente aberta. Ainda na INDONÉSIA, mas agora na ilha de BALI, as máscaras são usadas em vários dramas dançados, nomeadamente o Wayang Wong, tradicionalmente tendo como reportório o épico Ramayana. As máscaras usadas nestes espectáculos são consideradas sagradas sendo tratadas como objectos de reverência, por isso, durante a maior parte do ano, ficam guardadas em templos. Quando é necessário construir uma nova máscara é escolhida uma árvore específica cuja a madeira tenha determinadas protuberâncias, o que indica que a árvore está “grávida”, sendo depois pedido à própria árvore permissão para que seja cortada. No decorrer do processo são feitos inúmeros rituais e oferendas. Entre outros exemplos, podemos aqui encontrar a máscara de um pássaro – usado para as personagens da Garuda e de Jatayu, a máscara do macaco Hanuman e outra de Rangda, a Rainha dos Demónios.

As marionetas de varas de JAVA são denomidadas de Wayang Golek.

As cabeças são em madeira, trabalhadas e pintadas ao pormenor e fixas num suporte vertical que, ao atravessar o corpo, permite que este rode. Os trajes são feitos com tecidos tradicionais de Java, os batiks. Estas marionetas possuem membros superiores manipuláveis através de hastes de madeira finas que estão presas nas suas mãos. A cor das faces é um elemento fulcral para a identificação das marionetas: vermelhos e castanhos para demónios ou personagens pouco nobres; verdes e brancos para os príncipes e nobreza. Já as divindades têm direito a ornamentos em ouro.


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As marionetas de sombra estão presentes em diversos países asiáticos tendo estendido a sua influência a algumas zonas da Europa. Na CHINA, reza a história que as sombras surgiram algures no séc. II a.C. Não superando a morte da sua amada, o imperador Wu anunciou uma recompensa a quem a trouxesse de volta. Um sábio mágico recortou uma silhueta da imperatriz em pele de animal e mostrou-a, por detrás de um pano branco, ao imperador, que ficou muito agradado. Assim nasceu o teatro de sombras chinês que, entretanto, se popularizou. A grande curiosidade destas marionetas consiste no facto de as cabeças serem amovíveis do corpo, permitindo que este sirva de base a várias personagens. Na TURQUIA, as marionetas de sombra, feitas em pele de camelo ou búfalo, contam as aventuras de Karagoz (que significa olho-negro) e do seu amigo Hacivad. Karagoz é um herói do entretenimento popular, conhecido por ser rude e analfabeto, todavia charmoso. A manipulação é feita através de varas que, colocadas na horizontal, encaixam nos furos pré-existentes na marioneta. Por sua vez, as Wayang Kulit, marionetas de sombra javanesas, são confeccionadas com pele de búfalo, na qual se recortam as personagens de acordo com uma iconografia pré-estabelecida, tornando-as facilmente identificáveis para o público. A pele é posteriormente pintada com pigmentos naturais e com apontamentos em folha de ouro. Os espectáculos duram várias horas, por vezes uma noite inteira, e têm como figura central o dalang. Investido de poderes mágicos e espirituais,


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o dalang manipula todas as marionetas que compõem cada peça. Ao mesmo tempo, narra a história e, com a ajuda de um instrumento que coloca nos dedos dos pés – cempala - marca o compasso para a orquestra de gamelão que acompanha a exibição.

Todas estas formas de teatro de marionetas de sombra são consideradas

pela UNESCO Património Imaterial da Humanidade. No SRI LANKA podemos encontrar máscaras utilizadas nos rituais Sanni Yakuma, onde se conjugam formas de exorcismo e de medicina ayurvédica. Segundo esta crença, existem dezoito doenças principais provocadas por demónios que podem ser, ao mesmo tempo, os causadores e a cura para esses males. Por isso, o xamã usa as máscaras durante a cerimónia de cura. A máscara principal é Mah kola sanni yakâ, uma personagem que apresenta à volta da cara dezoito pequenas máscaras. Ainda no Sri Lanka encontramos outro tipo de máscaras, as do Teatro Kolam (em cingalês “kolam” significa máscara), de tipo satírico e com conotações ritualísticas ligadas à fertilidade. Neste caso, existem três tipos diferentes de personagens: humanas, animais e demónios. Naga Raska é um desses demónios, com a representação de várias cobras na cabeça. Surgido no século XIV, no JAPÃO, o Teatro Nô foi directamente influenciado pelos princípios do budismo Zen: simplicidade, contrição, discrição. Nô significa, literalmente, talento. As máscaras indiciam a presença de deuses e são honradas em rituais antes de serem utilizadas. A expressão congelada que manifestam é aparente: na verdade, a sua construção obedece a normas precisas que garantem que, consoante a iluminação e perspectiva do observador, a máscara seja capaz de transmitir diferentes emoções.


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Uma vez em MYANMAR, são as marionetas de fios que ganham grande

destaque. Denominadas de Yok-Thei-Pwe, estas marionetas são feitas de forma muito realista, quer no entalhe, quer nos ornamentos e vestuário. São, por isso, bastante complexas no que toca à manipulação. Elas chegam a articular todos os dedos das mãos de forma a ilustrar a delicadeza dos gestos da etiqueta e danças birmanesas. O desenvolvimento desta arte deve-se em parte à deslocação da aristocracia tailandesa para a Birmânia, na segunda metade do séc. XVIII, que aí introduziu alguns costumes ligados às marionetas e ao Ramakien. O sucesso deste teatro foi tal que o rei Ba-gyi-daw (1819-1837) não só legislou sobre a arte como criou um ministério próprio que garantisse o cumprimento destas rígidas leis. Estes espectáculos serviam não só para entreter como tinham ainda uma dimensão ritual e significado religioso. Além do Ramakien, também as histórias Jatakas (que relatam as vidas anteriores do Buda) eram levados a cena. Para facilitar a compreensão dos espectáculos, eram introduzidas lendas locais nos enredos das Jatakas. De regresso à CHINA, mais precisamente na região de Chaozhou, as marionetas de sombra adquirirem novos contornos ao ganharem tridimensionalidade. Com frágeis cabeças de barro, estas marionetas de vara são manipuladas de forma semelhante às suas antecessoras – com uma vara nas costas e outras duas nas mãos. Inspirados na ópera, estes espectáculos são acompanhados por uma orquestra e cantores.


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Viajando até terras do VIETNAME, é possível encontrar um tipo de

marionetas bastante distinto das demais do sudeste asiático: Roi Nuoc. Estas marionetas, que se movem na água, assentam sobre uma plataforma de madeira que está ligada a uma haste de bambu suportada pelo manipulador, imerso até à cintura e escondido atrás de uma estrutura também de bambu.

Tradicionalmente, estas exibições tinham lugar nos arrozais e estavam

ligadas aos ciclos agrários dos campos nas margens do delta do rio Vermelho ou a rituais animistas de fertilidade. Contavam-se lendas e histórias do quotidiano da região, pelo que as personagens comuns são agricultores, pescadores, mandarins, etc. O jovem montado no búfalo a tocar flauta (instrumento que acompanha as representações) é uma figura recorrente nestes teatros. Já na EUROPA, a grande tradição a destacar é a dos fantoches. Com raízes em ITÁLIA, a Comedia dell’Arte foi um factor determinante no que respeita ao desenvolvimento do teatro ambulante, de carácter popular, normalmente em forma de sátira social, estendendo a sua influência ao teatro de fantoches itinerante.

Pulcinella, o primeiro destes heróis do povo, deixou descendentes um

pouco por todo o continente europeu. Partilham com ele algumas das suas caraterísticas, como por exemplo: as maçãs do rosto, o nariz vermelho, a barriga saliente, o carácter fanfarrão e arruaceiro, apoiado pelo uso de uma moca, que serve para agredirem os adversários. Mais populares ficaram Punch e Judy, de INGLATERRA, e Guignol, de FRANÇA. O último nasce no início do séc. XIX, na cidade de Lyon, e representa os sentimentos de revolta e as aspirações do povo do período da revolução liberal francesa. Já o casal inglês é hoje em dia um elemento incontornável da cultura britânica, muito do agrado quer dos adultos, quer das crianças.


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Kasperl, uma marioneta de vara e fios, é a personagem mais conhecida na RÉPUBLICA CHECA. Um pouco mais elegante que os seus parentes representados em marionetas de luva, apresenta-se com um fato vermelho e guizos presos ao barrete da mesma cor. No mesmo país, encontramos personagens ligadas ao folclore, como os Vodniks, uma espécie de duendes aquáticos e bruxas, aqui representados em marionetas de varas e fios. No século XX, as tradicionais marionetas de luva foram adaptadas a novos tempos por artistas e marionetistas mais contemporâneos que lhes deram um novo visual. É o caso das marionetas de Carl Schröder (1904-1997) que criava os seus próprios bonecos e escrevia os textos que encenava, onde se incluem comédias para adultos. Para além de ter actuado para o exército durante a II Guerra Mundial, dirigiu filmes de marionetas para os estúdios DEFA da República Democrática Alemã. As cabeças das suas marionetas são moldadas em papel machê e maiores que o habitual. Também Frieder Simon (1936), marionetista na ex-RDA, se manteve fiel à personagem típica de Kasperl, embora adaptando a sua figura a traços mais contemporâneos, tornando as feições das suas marionetas em formas geométricas, ao estilo da escola alemã Bauhaus. Uma das personagens também bastante conhecida na ALEMANHA é Fausto, aqui representado por uma marioneta de fios da autoria de Theo Egglink. Deste mesmo autor, mas também de outros artistas desconhecidos, serão algumas das marionetas utilizadas por marinheiros alemães na II Guerra Mundial na companhia Nordmärkisches Puppenspiel do almirante Franz Hennig. De VENEZA encontramos um pequeno teatro de marionetas de vara da autoria de Virginia Campbell (1914-2016), do Teatro Delle Quattro Stagioni. representando a própria cidade.


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Mas não há só fantoches na Europa. Na BÉLGICA, um dos ex-líbris da

cidade de Bruxelas é o Teatro Toone. Dos anos 30 do século XIX, estas marionetas de madeira movem-se com um varão e através de fios presos às mãos. Já em Liège, encontramos Tchantchès e Nanesse, também marionetas de vara, com carácter burlesco, ambos grandes bebedores e muito cómicos. Da região italiana de SICÍLIA é de destacar a Opera dei Pupi. Estes bonecos são marionetas de vara extremamente pesadas. Eram usadas inicialmente em espetáculos para homens e rapazes, com o intuito de incutir-lhes os valores cristãos e positivistas. As peças apresentadas são normalmente baseadas em romances de cavalaria e combates, principalmente no ciclo de Carlos Magno. Os pupi foram reconhecidos pela UNESCO como obra-prima do Património Oral e Imaterial da Humanidade. Alberto Urdiales é um marionetista de ESPANHA, criador das companhias La Caligüeba e o Teatro de la A, de Madrid e autor das marionetas que se encontram tanto à entrada como à saída da sala: a primeira é Dona Guisi (Princesa del Guisante) e a última é o Duende Coletas. Em ÁFRICA, as marionetas e máscaras estão intrinsecamente ligadas à natureza - a floresta e os seus animais - mas também às forças mágicas e aos rituais ou festas comunitárias.

Sogobó (literalmente, regresso dos animais) é o nome dado às

expressões teatrais de pescadores e agricultores do MALI e às esculturas de animais da mesma zona, coloridas e decoradas com tecidos. Sogobó incorpora várias formas expressivas, da dança ao canto e música, e ainda marionetas e máscaras. Estas performances são feitas de acordo com as épocas agrícolas


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para o povo Bamana, essencialmente dedicado à agricultura, ou de pesca, para os Bozos. Os espectáculos servem também para marcar eventos comunitários: casamentos, cerimónias de circuncisões ou mesmo funerais.

Os homens, especialmente os mais novos, têm um papel central nestas

representações, uma vez que são eles que manipulam as marionetas, enquanto as mulheres participam através do canto. Podemos dividir as marionetas em duas categorias: as que representam figuras humanas e os animais. Estas últimas espelham o enorme simbolismo que a cultura africana dá aos animais. Daí que, por exemplo, nas comunidades piscatórias dos Bozo sejam imprescindíveis animais como o hipopótamo, o crocodilo ou o calão. Já as figuras humanas representam os vários estratos sociais existentes na aldeia. Na AMÉRICA CENTRAL E DO SUL, as tradições de uso das máscaras remontam à época pré-colombiana e misturam-se com as narrativas cristãs posteriores. No México, as máscaras são muito utilizadas nas comemorações da Semana Santa e do Dia dos Mortos, mas também no Carnaval e em muitas outras festividades populares. Durante as numerosas tradições populares, surgem para simbolizar uma multitude de personagens algumas das quais relacionadas com acontecimentos históricos do país. A figura do “Espanhol” aparece frequentemente nas danças dos mascarados, juntamente com outras máscaras de europeus. As máscaras de animais são persistências das tradições pré-colombianas. A dança do jaguar, por exemplo, é uma reminiscência da figura deste animal como símbolo de fertilidade no imaginário pré-colombiano. As máscaras de demónios e de caveiras são também bastante comuns, sendo estas últimas muito utilizadas nas cerimónias associadas ao Dia dos Mortos.


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Na Bolívia, são bastante comuns as Diabladas, um tipo de dança que representa o “Tio de la Mina”, um deus do interior da montanha, mas também os sete pecados mortais. As máscaras de diabos foram evoluindo ao longo do tempo, sendo atualmente composições bastante elaboradas onde estão sempre presentes as chamadas “quatro pragas” representadas por víboras, lagartos, sapos e formigas. O desfile destes mascarados chega a durar 20 horas e é um dos elementos essenciais do carnaval de Oruro, que está inscrito na Lista Representativa do Património Oral e Intangível da Humanidade. No Equador as Diabladas são também bastante frequentes. Na Colômbia, devido às crenças animistas dos grupos da Amazónia, são muito comuns as máscaras de animais adornados com penas coloridas. Normalmente estas máscaras são usadas em cerimónias que celebram os períodos de abundância, nomeadamente nos meses de Janeiro e Fevereiro. O Jaguar é uma das máscaras com maior relevância, representa poder e perigo e é usada pelos xamãs (sacerdotes tradicionais que possuem contacto com o mundo dos espíritos, demonstrando particular capacidade de profecia ou cura). No Perú, existem diversas festividades em que o uso de máscaras é um dos principais elementos, desde as Huaconadas, em que os Huacóns, personagens mascarados de velhos, percorrem as casas da aldeia, às festas de Cuzco ou ao festival da Virgem del Carmen. Nesta festa, que acontece anualmente em meados de Julho, aparecem máscaras representando as mais diversas personagens: habitantes da selva amazónica, comerciantes do planalto, pessoas escravizadas que trabalhavam em minas de ouro e prata da zona, diabos ou comerciantes de vinho. A festa passa-se na cidade de Paucartambo e, embora seja de homenagem a Nuestra Señora del Carmem, caracteriza-se por um enorme sincretismo devido à identidade mestiça dos habitantes e às antigas tradições andinas.


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Os fantoches chegaram também ao BRASIL, nomeadamente à região do nordeste, sob a designação de mamulengos. Estas são marionetas fisionomicamente semelhantes às pessoas da região, vestidas de tecidos muito coloridos, que protagonizam teatros onde improvisação e interacção com a audiência são os ingredientes-chave.

É no Alentejo que há o registo mais antigo de marionetas em PORTUGAL,

os chamados Bonecos de Santo Aleixo. Estes bonecos corriam várias aldeias do país em espectáculos interativos e provocatórios onde a emblemática pronúncia alentejana não podia faltar. Também não faltava, muitas vezes, quem se sentisse atacado e atirasse objectos às marionetas. Os teatros eram acompanhados pela guitarra portuguesa. O aclamado D. Roberto é o descendente português do fantoche Pulcinella, porém, ao contrário dos seus parceiros europeus, esta marioneta de luva não tem uma fisionomia muito precisa. Por essa razão, em Portugal é comum chamar-se de roberto qualquer fantoche. Facto curioso é que nos espetáculos do D. Roberto, o uso da palheta para amplificar e distorcer a voz estende-se a todas as personagens para além do protagonista.

Em Portugal, vários bonecreiros actuavam como grandes empresários

ao levar o teatro de marionetas de luva e fios a correr o país de norte a sul, percorrendo as feiras populares com os seus pavilhões ambulantes. O negócio e a arte das marionetas eram normalmente transmitidos de pais para filhos. Estes bonecreiros populares estiveram em actividade até aos anos 60, com repertórios tão diversificados como as marionetas que os animavam.


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Distinguem-se nomes como os de Faustino Duarte, Henrique Duarte,

Manuel Rosado e Joaquim Pinto.

Existiam também bonecreiros que actuavam sozinhos, como é o caso

de Cesário da Cruz Nunes. Um dia, numa altura em que estava desempregado, viu o mestre António Dias actuar na Feira da Ladra e ficou com vontade de se dedicar ao teatro de robertos, tendo construído os seus próprios bonecos e o difícil treino com a palheta.

Embora o teatro de robertos tenha estado em perigo de se perder, dado

o número reduzido de bonecreiros em atividade nos anos 80, actualmente já são vários os marionetistas que, por todo o país, continuam a fazer espectáculos, estando alguns representados na colecção do Museu, como José Gil e Vítor Santa-Bárbara. Entretanto, foram nascendo outros projectos com diferentes preocupações. O Teatro do Mestre Gil, nascido em 1943 pelas mãos do poeta Augusto de Santa Rita (1888-1956) terá sido o primeiro a exprimir preocupações de âmbito artístico. Os fantoches, da autoria de Júlio de Sousa, contemplam várias personagens da história do país. Uma galeria idêntica de personagens foi criada por Maria Emília Perestrelo que, com apenas panos, agulhas e tesoura fez nascer diversas marionetas para programas infantis da RTP. Mais interessados pela pedagogia, projectos como o Robertscope ou o Teatro de Branca Flor seguem a ideia da educação pela arte. Aliados às divertidas marionetas, estas companhias pretendiam ensinar os mais novos de uma forma lúdica.


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O Teatro de Branca Flor foi dirigido pela escritora Lília da Fonseca. Por sua vez, Henrique Delgado do projeto Robertoscope foi um dos mais importantes investigadores da história das marionetas portuguesas. Isabel Andrea fundou o grupo Lanterna Mágica em 1978 também dedicada à produção de teatro para crianças. Num outro plano temos o trabalho de Ildeberto Gama, , que em 2000 construiu as marionetas para a peça “As Guerras de Alecrim e Manjerona” de António José da Silva, encenada por Paulo Matos e cuja estreia se deu na Sala Polivalente do Acarte/ Fundação Calouste Gulbenkian em 2000 e foi reposta no Teatro Nacional D.ª Maria II em 2006. Noutro contexto, Carlos Chagas Ramos, apresentou a peça “História mais ao menos verdadeira dum senhor e dos seus dois criados” na 1ª Festa do Avante em 1976, com marionetas construídas em pasta de madeira. Em 2007 a companhia S.A. Marionetas, em conjunto com a Puppetlink do Reino Unido, encenou “A tempestade” de Shakespeare usando marionetas em vidro construídas por mestres vidraceiros da Marinha Grande. Olga Neves recria personagens de histórias tradicionais para habitarem espaços de exposição, construindo desta forma ambientes cénicos que remetem para esses contos, neste caso encontramos Alice e o Chapeleiro Louco de “Alice no País das Maravilhas”, assim como o Rei Rato e o Cavalo da peça “O Quebra-Nozes”. A Companhia de São Lourenço e o Diabo iniciou a sua actividade em 1973, virando-se para a ópera-cómica (ópera buffa). Este género tinha tido o seu apogeu em Portugal durante o século XVIII, com o dramaturgo António José da Silva, “O Judeu”. Representaram textos clássicos portugueses.


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As marionetas criadas por Helena Vaz (artista plástica e marionetista)

distinguem-se pela sua singularidade e originalidade na manipulação, uma vez que são vestidas pelos actores. Estes vestiam-se de negro nas actuações para que os seus corpos passassem despercebidos, dando destaque aos títeres. Ao lado da artista plástica, José Alberto Gil (músico) e Fernando Serafim (tenor) foram os responsáveis pelo nascimento desta companhia itinerante que, tal como os bonecreiros populares, se deslocava de terra em terra. Em vez de um pavilhão ambulante, faziam uso de uma carroça-teatro puxada por um cavalo. O Teatro de Marionetas do Porto, fundado em 1988 por João Paulo Seara Cardoso, impulsionou o teatro de marionetas contemporâneo, a que muitas outras companhias se seguiram. No museu encontram-se as marionetas da peça “3ª Estação”, criação partilhada com Isabel Barros. Delphim Miranda, professor e exímio contador de histórias, tem pautado a sua atividade como marionetista em proximidade com um universo de personagens que, sempre curiosas, abrem alas à imaginação de miúdos e graúdos. Dele são estes dois cavaleiros e um dragão, da peça “Cavaleiros de uma Távola Qualquer”. Nyonica e Dono da Gruta são marionetas de fios criadas por Jorge Cerqueira em pasta de madeira. Este professor de educação visual tem colaborado com algumas companhias de teatro de marionetas, nomeadamente o Fio d’Azeite, em Sintra. NI, marioneta da autoria de Rui Rodrigues. representa uma televisão humanizada manipulada por varas e que foi construída como protótipo para a adaptação do romance de José Gomes Ferreira, “As Aventuras de João sem Medo”.


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Outras das marionetas provenientes deste concurso é Sr. Tempo, de Miguel Tepes que se apresenta como um homem mais velho com uma bengala e um relógio na cabeça, que tanto pode funcionar a pilha como com o mecanismo de corda.

A aliança entre a marioneta e as tecnologias foi praticamente inevitável,

não fosse a marioneta uma arte aberta a múltiplas experiências e desafios. É nos anos 90 que, pelo menos em Portugal, encontramos testemunhos do casamento entre a Marioneta e o Cinema de Animação. O anúncio televisivo “A família Singer”, da marca Singer, recorreu às marionetas e à técnica chroma key, conseguindo um resultado pioneiro em televisão.

O filme “Desassossego”, gravado em stop-motion (técnica que consiste

em decompor as cenas, fotografando cada momento), conta a história de Ivan, o dono de uma charcutaria cujos clientes – o homem da tabacaria, uma mulher gorda e sensual, a marquesa ou o velho coxo – fazem os possíveis para infernizar, até que um dia Ivan decide mudar de rumo e montar uma loja de mobiliário.

O premiado filme de José Miguel Ribeiro “A Suspeita” (1994), cuja trama

se desenvolve no interior de uma carruagem de comboio com personagens deveras peculiares, é um exemplo exímio de como a marioneta pode substituir o desenho na animação, conferindo-lhe volume.


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CONVENTO DAS BERNARDAS

Todas estas marionetas e máscaras, retiradas dos seus habitats, estão hoje albergadas num local muito especial, o Convento das Bernardas. No coração do bairro histórico da Madragoa, a designação remete para a ocupação do convento pelas freiras da ordem de S. Bernardo, que aqui viveram entre 1653 e 1851. Com a saída das freiras, o Convento abre-se a vários inquilinos. Inicialmente funcionou como Colégio Académico de Lisboa e depois como moradia para quase duzentas famílias de pescadores e varinas oriundas da zona de Aveiro. Diz-se até que o espaço do claustro era usado para reparar cascos dos barcos e cozer as redes. Já na capela funcionava o Cine-Esperança, uma sala de espectáculos e cinema. Com a intervenção da Câmara Municipal de Lisboa, na viragem do milénio, o Convento adquiriu os contornos que hoje tem. Os andares superiores continuam a servir de habitação para cerca de trinta famílias. Na antiga cozinha funciona um restaurante, “A Travessa”. Há também lugar para uma colectividade local. O resto do edifício dá lugar a este Museu, que faz uso da capela para espectáculos e exposições temporárias.


Museu da Marioneta Convento das Bernardas Rua da Esperança, 146, 1200-660 Lisboa Tel: +351 213 942 810 Horário de funcionamento do Museu De terça-feira a domingo, das 10h00 às 18h00 (Últimas admissões: 17h30) Entrada gratuita para residentes em Lisboa aos feriados e aos domingos de manhã (10:00-14:00) Encerra: Segundas-feiras, 1 de Janeiro, 1 de Maio, 24 e 25 de Dezembro e na tarde de 31 de Dezembro Transportes para chegar ao Museu • Autocarros 706 | 713 | 714 | 727

• Estação de Santos

• Eléctrico 25 - 28

• Largo Vitorino Damásio (400m)

GPS 38.707985, -9.155776


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