3 minute read
Dossiê John Coltrane: os recursos de sonoridade do gênio do sax
from Sax & Metais #3
John Coltrane O legado de
Advertisement
A herança deixada pelo saxofonista e compositor John Willian Coltrane (23/09/1926 - 17/07/1967) estende-se para além das fronteiras do jazz e da música. Foram várias as áreas de estudos que se interessaram em pesquisar sobre o fenômeno John Coltrane: teologia, sociologia, musicologia, antropologia, entre outras. De fato, Coltrane representou um período da história em que o comportamento humano em todo o mundo sofreu grandes transformações; ele expressou através da música, de certa forma, o inconsciente coletivo que ansiava por novas experiências. Deve-se a isso à sua incessante e quase sobre-humana busca pelo auto-conhecimento, que o levaram a constante superação de si mesmo, de forma que a sua música tornou-se, para ele, sempre uma experiência espiritual-transcendental.
Por Marcelo Coelho
Asua infl uência pode ser percebida em vários saxofonistas que representaram o período pós-Coltrane, dentre eles Wayne Shorter, Joe Henderson, Pharoah Sanders, Charles Lloyd, Steve Grossman, David Liebman, Jan Garbarek, Michael Brecker, Bob Berg, Gary Campbell, e os mais contemporâneos David Sanches, Felipe Lamoglia, Mark Tuner, Chris Potter, entre outros. Pode-se afi rmar que, basicamente, todos os saxofonistas e músicos contemporâneos do jazz sofreram algum tipo de infl uência coltraniana. Apesar de todas as pesquisas e estudos, é mesmo através da música que percebemos a sua contribuição, seja como instrumentista, seja como compositor. Como instrumentista, John Coltrane explorou muito a sonoridade e a técnica no saxofone tenor, além de ter sido o responsável pela popularidade do sax soprano no jazz. É provável que a aceitação do sax soprano no jazz, até então tratado como o mais ingrato da família dos saxofones, tenha aberto as portas para a inclusão de outros instrumentos não comuns no jazz como o clarone, oboé e o fagote. Os recursos de sonoridade usados por Coltrane resultaram das suas pesquisas e experimentações com os multifônicos (duas ou mais notas tocadas ao mesmo tempo), da exploração dos registros extremos e da utilização dos não-usuais timbres dos harmônicos nas frases através dos chamados ‘alternate fi ngers’. Sabe-se que Coltrane experimentou também várias combinações de boquilhas, palhetas, além de alterações na embocadura e diferentes formas de respiração. Coltrane se utilizou
de vários recursos do Yoga para o aperfeiçoamento da respiração e do sopro. Outro aspecto muito explorado foi o desenvolvimento técnico no instrumento. Para Coltrane, o desenvolvimento da técnica no instrumento sempre esteve relacionado à pesquisa musical. Durante a fase denominada de ‘vertical’ por exemplo, (registrada na maioria dos discos lançados pelas gravadoras Prestige e Atlantic), podemos observar uma exaustiva exploração de acordes substitutos. Trata-se de um grande número de sofi sticadas substituições para as progressões, caracterizadas pela abundância de acordes por compasso, chegando muitas vezes a se utilizar de três acordes substitutos para cada pulso do compasso. Para a realização desse sistema de substituição, Coltrane desenvolveu frases assimétricas que incluíam grupos de 7,9,10,11,13 notas, criando uma sonoridade em forma de cascata de sons denominado de ‘sheets of sound’ (veja a partitura abaixo). Dessa forma, Coltrane desenvolve uma técnica quase específi ca para o conteúdo musical explorado, justifi cando a virtuosidade dos solos neste período. Após esgotar os recursos das substituições, Coltrane parte para outra pesquisa musical e abandona os ‘sheets of sound. A apreciação da técnica desenvolvida por Coltrane só faz sentido se conseguirmos compreender as razões pelas quais ela foi utilizada. É possível imaginar quantas horas de estudo são necessárias para se alcançar tamanha proficiência. De acordo com próprio Coltrane, em resposta a uma pergunta sobre tempo livre e lazer, ele diz: “Eu não tenho tido muito tempo livre nos últimos 15 anos, e quando eu arrumo algum normalmente estou tão cansado que vou para algum lugar e descanso por duas semanas, se eu conseguir ter duas semanas. Mesmo assim, na maioria do tempo a minha cabeça fica sintonizada em música.”