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Rio das Ostras 2006: nós conferimos o festival fluminense e trazemos as novidades e quem se apresentou por lá

A FESTA DO JAZZ E DO BLUES Mesmo sem o seu líder Proveta, que não pode comparecer por questões de agenda, a banda Mantiqueira foi um dos pontos altos do festival e apresentou um repertório bem brasileiro, de Pixinguinha a Luiz Gonzaga

O tempo ajudou e o Festival de Jazz e Blues de Rio das Ostras foi um grande sucesso. A quarta edição do evento aconteceu entre os dias 14 e 18 de junho, no balneário fl uminense (a 3 horas da capital Rio de Janeiro). Consagrados músicos nacionais e internacionais se apresentaram em três palcos montados na Praia da Tartaruga, na Lagoa de Iriry e em Costazul, o principal. Cerca de 40 mil pessoas ouviram, dançaram e aplaudiram nomes como James Carter, Charlie Musselwhite, Richard Bona, T.S. Monk, Wallace Roney, Banda Mantiqueira e Leo Gandelman, entre outros.

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Oagito começou já na noite de abertura, com a apresentação da Banda Mantiqueira e o seu admirável naipe de metais. Quem compareceu, teve a incrível oportunidade de ver de perto Vinicius Dorin (sax e fl auta), Carlos Malaquias (sax), Vitor Alcântara (sax e fl auta) e Mauro Caselatto (sax e fl auta). Mais atrás estavam ainda João Lenhari (trompete), Odésio Jericó (trompete e fl ugelhorn), Valdir Ferreira (trombone de vara), Walmir Gil (trompete) e François Lima, com o seu trombone de válvulas. “Comecei a tocar com 10 anos e me apaixonei à primeira vista. Sinto-o como uma extensão do meu corpo, por causa da adaptação anatômica perfeita. Ele me dá uma maior facilidade para executar os arranjos do Proveta (saxofonista e arranjador do grupo), que exigem muita rapidez e articulação”, explica François. Na banda brasileira estão quatro saxofonistas, que também tocam fl auta, fl autim e clarinete; dois trombonistas e três trompetistas. Como tem uma identidade muito vinculada à música nacional, com Pixinguinha, Chiquinha Gonzaga, Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga, a turma da Mantiqueira apresentou um repertório brasileiríssimo. De O Samba da Minha Terra (Caymmi) a Linha de Passe (João Bosco, padrinho da banda), passou pelos forrós Eu só Quero um Xodó (Dominguinhos) e Último Pau-de-arara (Venâncio, Corumbá, José Guimarães). Para quem esteve no Festival, foi a oportunidade de ver também músicos como o saxofonista AC, que já tocou com o baixista Arthur Maia, o tecladista Kiko Continentino e o baterista Cláudio Infante. “O blues tem um universo específi co, então as

progressões dos acordes são mais ou menos predeterminadas, seguem uma forma. Já o jazz abre, tem muito mais informação harmônica, modula muito, a música muda de tom e então você tem de tocar de acordo, pontear essas questões harmônicas. O jazz exige um vocabulário mais complexo. O saxofone tem tanta liberdade no blues quanto no jazz, mas é preciso ter as ferramentas apropriadas”, contou o músico.

James Carter, exemplo de técnica

Segundo o dicionário Houaiss, virtuose quer dizer “artista que atingiu um altíssimo grau de conhecimento e domínio técnico na execução de sua arte”. Esta poderia ser a defi nição de James Carter, o destaque do festival. Em duas apresentações, no palco principal de Costazul e no palco da Lagoa de Iriry, o saxofonista impressionou a platéia com seus improvisos e sua maneira particular de tocar. Seja com o sax tenor, o sax barítono ou a fl auta, Carter trocava com freqüência a palheta da boquilha dos instrumentos, que quebravam por não agüentarem seu ritmo. Isso sem falar na elegância do músico, que valeria uma matéria em uma revista de moda. No palco, o saxofonista não trabalha efei

Do rock à balada, o sempre elegante saxofonista norte-americano James Carter mostrou técnica e estilo mais acústico, sem efeitos

tos, e tudo surge no momento. As boquilhas que ele usa são bastante abertas e as palhetas, orgânicas e comuns, sem nenhum recurso especial. Ao soprar, Carter desenvolve a técnica de respiração circular, que lhe dá mais ar e potência para frases mais longas e contínuas. O James Carter Organ Trio, que conta ainda com o organista Gerard Gibbs e o baterista Leonard King, cobriu um amplo espectro musical, indo do rock à balada. Esta foi a primeira vez que ele participou do Rio das Ostras Jazz e Blues Festival, mas o músico já havia tocado no Brasil. O saxofonista é o mais novo de uma família de músicos e veio da mãe a infl uência de cantoras como Billie Holiday, Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald e Carmen McCrae, além de nomes como Coleman Hawkins, Lester Young, Sidney Bechet, Eddie Lockjaw Davis, Johnny Hodges, Benny Carter e, claro, John Coltrane. Atualmente, ele diz ter voltado a ouvir mais jazz vocal. O gaitista Charles Musselwhite trouxe um estilo mais blueseiro do Mississipi (Estados Unidos): muitos bends e som de primeira linha

Leo Gandelman: sax para todos

Depois da Banda Mantiqueira, subiu ao palco o saxofonista Leo Gandelman. Mal o show começou, o público já se aproximava com suas câmeras, mostrando sua popularidade. (continua na página 33)

O TROMPETE MÁGICO DE WALLACE RONEY

Pela primeira vez no Brasil com sua banda, Wallace Roney foi só elogios ao Festival de Rio das Ostras e ao público brasileiro. “Adorei estar aqui. Fui tratado com muito respeito e as pessoas adoram música”, disse o trompetista. Confi ra, a seguir, entrevista exclusiva do músico à revista Sax & Metais.

> Sax e Metais: Como defi niria seu estilo?

Wallace Roney: Eu chamaria de ‘jazz inovador’. Estou musicando tudo o que acontece e tentando utilizar o que é legal agora nesse momento da música. É por isso que a gente tem uma DJ, na verdade uma turntable. É bastante relevante considerando-se o que está acontecendo com a música hoje. Atualmente, você nunca se livra de uma coisa, sempre acrescenta. Às vezes você joga fora o que está errado ou o excesso, mas sempre fi ca com o que é bom.

> Há quanto tempo trabalha com essa união de elementos?

Há dez anos minha banda faz isso, desde um disco chamado Village. Foi nessa época que começamos a adicionar mais elementos à nossa música. Nós não mudamos, acrescentamos. Ainda fazemos uma música infl uenciada por John Coltrane e Miles Davis, mas estamos atualizando isso.

> E quais são as suas infl uências contemporâneas?

Tudo à volta, como o Public Enemy e o Most Death, por exemplo. São pessoas que, na sua música, são bem proeminentes no mundo. Juntando a isso, temos o jazz – que é o melhor da música negra. Então, é possível pegar o que esses grupos estão fazendo “música negra social” e inovar. Assim se tem algo em movimento. Em outras palavras, não estamos tentando fazer o que eles fazem, estamos tentando incorporar o que eles fazem ao que nós fazemos. Não queremos que a música fi que no passado.

> Qual é o seu trompete preferido?

Toco com um trompete Martin Committee porque é o melhor. Tem um som bonito, forte e ao mesmo tempo é muito lírico. Foi o trompete escolhido por Miles Davis, Dizzy Gillespie, Blue Mitchell, entre outros. Todos os músicos líricos tocaram ou tocam este trompete. E eu tive muita infl uência de Miles Davis, mas ser infl uenciado pela música não quer dizer que o instrumento terá a sonoridade adequada. É preciso testá-lo e, quando o fi z, descobri um som incrível. É um instrumento que traduz qualquer estilo musical.

> Como o senhor defi ne sua técnica?

Técnica é uma palavra muito fria, mas eu entendo que quer dizer a habilidade de se tocar bem um instrumento. A minha habilidade vem de muito trabalho duro, muita prática, muito estudo... Assim consegue-se habilidade para o que for, e deve-se estar sempre em busca de aprimoramento. Mas, além da habilidade, há o sentimento, que dá conta da alma, e a criatividade. O que se quer é que o coração infl uencie a técnica.

> E o que, então, é mais importante?

Os dois. Porque é preciso ter a habilidade. Você pode ter muito coração, muita alma, muita criatividade e nenhuma técnica – assim vai estar limitado. Ou você tem bastante técnica ou habilidade, mas não consegue dizer nada, não tem muita imaginação. Nesse caso, precisa esperar alguém te dizer o que tocar. O melhor é ter habilidade, e quando tocar, deixar o coração tomar conta da mente.

(continuação da página 31) “O sax, nos últimos anos, teve um boom inacreditável, se popularizou muito. É novo, tem apenas 100 anos e sempre foi um instrumento solista de destaque. Antes, estava associado ao jazz, mas agora invadiu todas as praias. Na década de 1980, o símbolo de música era uma guitarra, hoje acho que é o sax. Até o som no ônibus é representado por um saxofone. A perspectiva é encontrar o lugar

Ao lado de Marcos Suzano, Leo Gandelman tocou e interagiu bastante com a platéia, que gostou do som obtido com o sampler, utilizado pela primeira vez pelo saxofonista

dele dentro de outros instrumentos”, avaliou Leo, cuja apresentação marcou o lançamento do CD Lounjazz – o primeiro disco independente do músico em 18 anos de trabalho. “Lounge é uma sala, um lugar agradável para relaxar, bater papo, ouvir uma música. E o jazz já é uma coisa mais intelectual, com um discurso mais criativo e livre. Então, proponho que se escute o jazz de uma maneira relaxada.” No show do balneário carioca, quem

o acompanhou foi o percussionista Marcos Suzano. Além do pandeiro, ele trouxe para o palco um pedal de sampler, exaustivamente usado pelo saxofonista. “Foi uma brincadeira. Essas coisas de eletrônica são muito divertidas e a gente usa de uma forma bem lúdica. Gostei do resultado, foi a primeira vez que usei e quem me emprestou foi o Suzano. Até quis comprar”, brincou o saxofonista. Enquanto apresentava as novas composições, que incorporavam elementos eletrônicos e uma fl autinha paraguaia, Leo seguia à risca sua proposta de show: interagir com as pessoas. Comentou com o público o processo de composição de suas músicas, puxou palmas, levantou coros e foi até dançar com a platéia. No último tema de sua apresentação – uma versão moderna de Tico Tico no Fubá (Zequinha de Abreu) –, Leo desceu do palco. No meio do público, trocou beijinhos, fez uma rápida jam com um gaitista-espectador, tirou fotos e animou a platéia, que pediu bis. A postura do saxofonista no palco deixou claro que sua popularidade se deve muito também ao seu carisma. “Quando posso, gosto de chegar dentro do público e tocar de perto para as pessoas sentirem o som real, que é bem diferente do som microfonado”, justifi cou o instrumentista.

Música para todos os estilos

No último show, na praia da Tartaruga, a chuva ameaçou, mas o público compareceu mesmo assim para conferir a apresentação do trompetista Wallace Roney. Felizmente o pé d’água anunciado não passou de uns chuviscos. No palco, enquanto o público se despedia do festival, Roney mostrou que anda antenado e soltou o som de seu trompete Martin Committee ao lado de uma jovem DJ, na verdade uma turntable – que o acompanhava nos vinis. (Leia entrevista exclusiva na pág. XXX.) O 4º Rio das Ostras Jazz e Blues Festival terminou com a aprovação de todos. Para o saxofonista AC, que participa pela segunda vez do evento, o balneário promove um dos melhores palcos para se tocar jazz no País. “É o maior festival de jazz nacional e internacional do Brasil. Não tem outro com uma programação tão importante e, o melhor, gratuito. É uma oportunidade de trocar idéias e de ouvir boa música ao vivo”, declarou. Leo Gandelman, estreante em Rio das Ostras, engrossou o coro de músicos que apóiam iniciativas como esta. “O crescimento desse tipo de festival vem mostrar que o público está em busca de diversidade.”

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