Quase um Século de Descobertas

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Quase um século de descobertas Conheça mais sobre a história da insulina, um remédio essencial para alguns diabéticos, que só foi desenvolvido há 90 anos e mudou as condições de vida de quem adquiriu essa enfermidade

As descobertas pelo tempo 70 d.C. Sede, um dos sintomas descritos na época

1552 a.C.

1815 d.C. Chevreul conclui que a diabetes elimina glicose

Papiro de Ebers, primeiro registro médico da diabetes

500 a.C. A medicina indiana já indicava uma dieta restritiva como tratamento

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1670 d.C. Descoberto o açúcar na urina dos diabéticos. Justifica o nome Mellitos (mel)


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izem que os povos antigos sabiam de quase tudo que existe hoje. Mas chega a ser surpreendente descobrir que até mesmo o diabetes já era descrita desde a Antiguidade. Textos do Egito, Grécia e até mesmo da Índia, datados antes de Cristo, já descrevem seus sintomas, como a sede, fome e diurese em excesso. E, por grande parte da história humana, o veredicto era sempre o mesmo para quem adquiria essa patologia: pouco tempo de vida. “Quem era diagnosticado com diabetes tipo 1 não chegava a viver mais do que 6 meses”, aponta Dr. Antonio Roberto Chacra, professor titular e chefe da disciplina de endocrinologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Um dos motivos era o tratamento, limitado nessa época, que consistia basicamente em uma alimentação restritiva de proteínas e gorduras, causando uma magreza excessiva. Nesse meio tempo, principalmente na Idade Moderna (1453 – 1789), novas descobertas foram feitas, como a identificação de que o diabético liberava açúcar em sua urina. Depois o francês Michel Eugène Chevreul demonstrou que o que causava o sabor doce, era a glicose. Nessa época foi criado um aparelho para medir a quantidade de glicemia eliminada, o diabetômetro. Mais tarde, cientistas alemães observaram que a ação de um hormônio do pâncreas poderia melhorar os sintomas.

Fotos: Shutterstock / Dreamstime, por Georgios

1889 d.C. Dois pesquisadores alemães, Mering e Minkowski, conseguem ligar a diabetes com um hormônio produzido pelo pâncreas. Está aberta a possibilidade da existência da insulina

Melhorar é preciso

Mas a expectativa de vida só aumentou mesmo em 1921, quando o médico canadense Frederick Banting e o estudante de medicina Charles Best conseguiram isolar esse hormônio em cães para aplicá-los em humanos, e lhe deram o nome de insulina. A descoberta foi importante não só para os diabéticos como para a medicina em geral, e rendeu aos pesquisadores o Prêmio Nobel de Fisiologia. O teste só foi realizado em humanos um ano depois. “O primeiro paciente foi um rapaz de 14 anos chamado Leonard Thompson. Ele estava internado em Toronto e pesava cerca de 30 quilos”, relata Chacra. Esse foi o início de uma chance de vida para quem tinha diabetes. Ainda assim a insulina de Banting tinha muito ainda para evoluir. “Era comum a existência de alergia e de atrofia da gordura na região da aplicação naquela época”, aponta Márcia Nery, presidente do Núcleo de Excelência em Atendimento ao Diabético do Hospital das Clínicas de São Paulo. Muitos pacientes acabavam por rejeitar o hormônio, considerado um antígeno pelo corpo. O resultado é que os anticorpos atacavam o medicamento, e doses maiores se faziam necessárias para surtirem o mesmo efeito. Sua ação também durava menos tempo, requerendo a aplicação do fármaco por quatro ou cinco vezes ao dia. 

1936 d.C. O efeito do hormônio é prolongado por cientistas da Dinamarca

A evolução da Insulina

1552 a.C. – O papiro de Ebers, documento médico egípcio, descreve alguns sintomas da diabetes, como o emagrecimento, muita sede e urina em abundância 500 a.C – Susruta, médico da Antiga Índia, diferenciou os dois tipos de diabetes: uma que se manifestava mais em jovens e outra em adultos com sobrepeso. Ele já receitava dieta restritiva como tratamento 70 d.C – O médico grego Areteu da Capadócia, da atual Turquia, descreveu outros sintomas como a fome e fraqueza 1670 d.C – Thomas Willis, médico britânico, descobriu outra característica da diabetes: o açúcar presente na urina 1815 d.C – O médico Michel Eugène Chevreul, da França, concluiu que esse açúcar era glicose 1889 d.C – Joseph von Mering e Oskar Minkowski, dois cientistas alemães, descobriram que um hormônio do pâncreas diminuía os sintomas do diabetes, a insulina 1921 d.C – Dois médicos canadenses, Frederick Banting e Charles Best, conseguiram isolar esse hormônio em cães, e um ano depois ela foi testada em humanos 1936 d.C – Pesquisadores da Dinamarca descobriram uma forma de prolongar seu efeito, ao juntar a insulina a uma proteína chamada protamina, retirada de peixes 1966 d.C – Os cientistas alemães Obermeier e Geiger conseguiram transformar insulina suína em humana, usando enzimas. Assim ela passou a ser mais tolerável pelos pacientes

1966 d.C. A insulina suína é transformada em humana, e o hormônio causa menos rejeição do organismo dos pacientes

1921 d.C. No Canadá, conseguem isolar a insulina em cães, e a testam em humanos no ano seguinte sabor&vida

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O material também não ajudava: as seringas eram de vidro e precisavam ser sempre fervidas e esterilizadas antes do uso, e as agulhas eram grandes e desconfortáveis. Não bastava ter sido descoberta, a insulina precisava ser aperfeiçoada. A primeira melhora foi feita em 1936. Cientistas dinamarqueses da Universidade de Hagedorn ligaram-na a uma proteína retirada de peixes, chamada protamina. A mistura de ambas as substâncias demorava mais tempo para ser absorvida, o que resultou em uma maior duração do medicamento quando aplicado no organismo. Nasceu, assim, a insulina NPH, aplicada uma ou duas vezes ao dia e utilizada ainda hoje no tratamento da maioria dos diabéticos. No mesmo ano, um laboratório conseguiu produzir insulina cristalizada, que era um pouco mais pura e mais tolerável ao corpo humano, causando menos rejeição ao tratamento.

Feita sob medida

Ainda assim, a aceitação do corpo só melhorou com a humanização da substância. Em 1966, três cientistas conseguiram, separadamente, sintetizá-la em laboratório na forma humana. Foi o caso de Obermeier e Geiger, alemães que utilizaram como matéria-prima o hormônio suíno. Mas a técnica da engenharia genética, utilizada na década de 1980, foi mais eficiente. Ao estudarem o hormônio produzido pelo nosso pâncreas, os cientistas criaram

um código de DNA recombinante, conseguindo fabricar uma substância com a mesma cadeia de aminoácidos – compostos que se ligam uns aos outros em uma certa ordem, que determina qual proteína está sendo formada. Como os cientistas descobriram então a “fórmula” da insulina, ficou mais fácil sintetizar os análogos, modificações em laboratório da posição dos aminoácidos originais, criando compostos semelhantes, mas com atividades um pouco diferentes no organismo. É como se o hormônio tivesse sido aditivado, como descreve Chacra. Primeiro foram feitos os de ação mais lenta, que ficam por até 24 horas no corpo, e ajudam no controle da glicemia basal, ou seja, a que apresentamos entre os horários das refeições e no jejum. Depois, as insulinas ultrarrápidas, que podem corrigir a índice glicêmico com maior velocidade (de cinco a dez minutos após a injeção, atingindo seu pico após uma ou duas horas) e são essenciais na hora da alimentação. Com elas, foi criado um novo padrão de tratamento, que reveza a aplicação da NPH duas vezes ao dia, com as de ação mais rápida logo após as refeições, como ressalta Chacra. Dessa forma, os picos de hipo ou hiperglicemia podem ser evitados. Novas descobertas ainda estão a caminho nos laboratórios. Mas uma coisa é garantida, cada vez mais a insulina evoluirá e ajudará no tratamento de pacientes diabéticos.

Os testadores

Dois diabéticos viraram história após testarem a insulina e ajudarem no seu processo para o tratamento da diabetes. Eles normalmente são confundidos, então conheça um pouco mais sobre cada um: Leonard Thompson Com apenas 14 anos, foi o primeiro humano a usar a insulina criada por Banting em 1922. Diagnosticado com o tipo 1 desde os 11 anos, teve alergias com a primeira dose testada, devido à impureza do composto. Mas logo foi purificada por James Collip e testada novamente nele. Com o novo medicamento, pôde viver até os 27 anos, e seu falecimento foi devido a uma pneumonia Elizabeth Hughes Gossett Filha de um policial americano, também ficou diabética aos 11 anos. Foi outra participante dos testes de Banting, e graças ao tratamento viveu até os setenta e três anos, se formando na faculdade e constituindo família. Talvez por isso ela tenha ficado mais marcada na história do que Leonard

Onde ela pode chegar! A maior característica dos 90 anos da insulina foram as evoluções e implementações de seu funcionamento, e elas não param por aqui. Pesquisadores começam a criar novas formas de melhorar ainda mais a atuação desse hormônio. Uma delas, como aponta a endocrinologista do Hospital das Clínicas Márcia Nery, é o desenvolvimento de um análogo “que será injetado no corpo, mas só será liberado para o organismo quando houver necessidade real, isto é, quando a glicemia estiver elevada”, explica. Tal desenvolvimento poderá impedir que os pacientes tenham crises de hipoglicemia. Já o médico Antonio Roberto Chacra, professor da UNIFESP, aponta o surgimento de novos análogos que tenham menor variabilidade glicêmica, ou seja, impeça a glicemia de cair ou subir muito rapidamente. E isso é o que podemos prever hoje. Imagine que novidades não poderão aparecer no futuro!

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