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Relatórios sobre militantes no Chile

sequestro que nos libertou. Agora é arranjar a maneira de voltar para ajudá-lo’.4

Assim como Lavecchia, muitos eram enfáticos em dizer que a primeira coisa que buscaram quando chegavam no exterior era encontrar formas de seguir a luta em nome daqueles que seguiam presos no Brasil e que contribuíram para os sequestros que permitiram que fossem libertados. E também daqueles que seguiram segurando a organização em frangalhos. Naquele momento, estar no Brasil era absolutamente arriscado, mas era um atrativo inclusive para militantes estrangeiros. Entre 1973 e 1974 ao menos 3 estrangeiros foram atraídos para o Brasil com perspectivas de luta e acabaram mortos pela repressão. Além de Soledad Barret, Pauline Reichstul, e o jovem argentino Enrique Ernesto Ruggia. Houve atividades em Montevidéu, sobretudo do grupo que seguiria vinculado a Brizola, e Buenos Aires. É isso que indica o relatório secreto “situação atual na Argentina, Reflexos no Uruguai”, de 10/12/1973, em que se fala da “queda” de Cerveira e Rita, quando Mauricio Gradel tenta avisar companheiros do desaparecimento e dos riscos que se corria5. Vários relatórios conexos dão conta do sistemático acompanhamento realizado por espiões e agentes da repressão nesses locais.

Relatórios sobre militantes no Chile

Assim que chegaram no Chile os militantes foram acompanhados pela repressão brasileira e relatórios foram produzidos sobre eles. É possível que agentes especiais tenham se deslocado para tal fim. Um destes relatórios nos dá indícios de como estavam por lá.

Após a chegada, os banidos alojaram-se no local de pouso cedido pelo Governo chileno. Passada a primeira semana, sentiram a necessidade de organizar um comitê a fim de dirigir a vida em coletivo e parlamentar com a administração do governo chileno.6

4 GABEIRA, 1980, P. 14. 5 Este mesmo relatório aventa “exageros” do serviço de informações, indicando que já havia sido superestimada uma suposta ação que seria realizada por Onofre Pinto e Isidoro Gutierrez. Fica o registro de que Onofre estava na mira da repressão. Situação atual na Argentina. De Altair, 14/12/1973. 6 CIEX, Relatório secreto. 21/6/1971.

O relatório indica como ficou constituído o comitê, tendo na direção um membro da ALN, e informando que “A VPR, que era a maior entre os banidos, não integrou o comitê, a fim de não aprofundar divergências com a ALN”. Podemos encontrar relatos de militantes que passaram pelo Chile puderam posteriormente produzir seus registros de memória. Mas o que queremos ressaltar é que nem todos os militantes procuraram asilo,7 mesmo que isso fosse garantido na negociação com Allende. Pela VPR, muitos buscaram a vida clandestina no Chile, o que lhes dava mais autonomia e maior segurança. Claro que não sabiam o destino que lhes aguardava, de ter que enfrentar o golpe de Pinochet, mas mesmo a perspectiva de voltar ao Brasil, e de viajar para os países vizinhos, funcionava melhor se estivessem clandestinos. Segundo o relatório secreto, “os membros da Frente (VPR, ALN, MR-8 e PCBR) deixaram as acomodações fornecidas pelo governo chileno onde os brasileiros banidos viviam em coletivo, sendo distribuídos por aparelhos”8. Identificava ainda o “grupo de Cerveira” (15 membros) e os independentes. Evidentemente que esses grupos se expandiam com os demais asilados, e como vemos, com outros banidos ou foragidos que se dirigiriam à capital chilena depois do sequestro do suíço, ampliando e organizando as lutas. O relatório já informa a saída de Lamarca da VPR e aventa que 15 militantes também teriam rompido e seguido para Cuba para curso de guerrilha. Os militantes passaram a desconfiar de infiltração no grupo de Cerveira, após a morte de Coqueiro na Guanabara9. Nesse processo Daniel Carvalho abandona o grupo de Cerveira, acusando-o de ter enviado Coqueiro para um “esquema furado no Brasil”. Pedro Lobo refere que Derly de Carvalho havia alertado Coqueiro sobre a presença de Anselmo, e teria dito: “se você está entrando no Brasil no esquema armado pelo Cabo, te

7 Buscamos esses dados no Ministério do Interior do Chile, mas parte significativa dos documentos foi queimada quando do ataque incendiário a La Moneda, em 1973. Há registros também de brasileiros pós o Golpe de 73 na Vicaria de la Solidaried, onde realizamos também busca de materiais. 8 Idem, p. 2. 9 Aderval Alves Coqueiro logo que chegou ao Rio foi morto por policiais que o localizaram dentro de seu aparelho, ou seja, houve ação de algum informante. http://www.desaparecidospoliticos.org.br/pessoa.php?id=36&m=3

dou um mês de vida por lá companheiro. Errei pelo tempo porque fui muito otimista”.10 O relatório busca dar o paradeiro de todos, indicando quem viajou para o exterior, como Frei Tito, ou “desapareceram de circulação” 11. Em mais de um momento diz que os militantes chilenos não confiavam nos brasileiros banidos, e os julgavam irresponsáveis. Portanto, não permitiriam que participassem de suas lutas, especialmente no MIR, embora alguns tenham conseguido participar daquela organização. Naquele momento se aventava que atividades de reentrada no Brasil envolveriam a embaixada de Cuba em Santiago por intermédio de Cerveira. O relatório ainda aventava que haveria uma ação no norte do Brasil, com a participação de Jefferson Cardim. Em junho de 1972 outro relatório apresenta novamente os grupos, enfatizando a importância do grupo de Cerveira (Walter), que era muito cacifado. Por intermédio de Amarilio de Vasconcelos conseguira a entrada do grupo que vinha da Argélia, incluindo Maria do Carmo Brito, José da Nóbrega, Luchesi. Eles aparecem atuando em torno do Documento dos Doze Pontos, recebendo dinheiro de Cuba, e sendo contatos com os principais militantes, incluindo Onofre Pinto e Papandreu. Ele é mostrado como alguém que seguia à risca regras de segurança e

Manteria representantes no Uruguai para contatos e atividades subversivas no país. Estes estariam no Uruguai, preparando elementos para serem enviados ao Brasil para contatos políticos dentro dos objetivos da subversão.12

Isso pode estar associado à infiltração de Johnson, a partir de Montevidéu. As buscas eram constantes, assim como a colaboração entre os órgãos de repressão. Em junho de 1972 foi preso um jovem jornalista, José Giordano13, que agia como “correio tupamaro”. Entre várias ações relatadas, ele contou que contatou no Chile Ubiratan de Souza (da V.P.R.) e Takao Amano (da ALN). Está claro que os militantes estavam sendo observados e havia uma rede forte de informações. Isso não implica que não houvessem atividades desconhecidas da repressão.

10 LAQUE, 2010, p. 413. 11 CIEX, op. Cit. p. 6. 12 CIEX, 33, 10/1/1972. Movimento geral dos grupos subversivos brasileiros no Chile. 13 Ciex, 310, 9/6/1970. Correio tupamaro.

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