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CONCLUSÕES

Esta pesquisa foi muito além do que se propunha inicialmente. Comecei a problematizá-la quando estava concluindo um pós doutorado na Universidade Nova de Lisboa, em 2012. As leituras sobre a “violência da memória e as memórias da violência” de Fernando Rosas, e o projeto de pesquisa de Manuel Loff no qual me engajei, na Universidade do Porto, foram decisivos para amadurecer a necessidade de discutir a memória como uma construção política. A memória assume um papel que está muito vinculado com as mídias e imprensa, tema ao qual dediquei anos de investigação. De volta ao Brasil, conheci Aluízio Palmar. Realizei entrevistas de História Oral com ele, orientei trabalhos sobre a temática da Ditadura na região Oeste do Paraná e passei a colaborar com o site Documentos Revelados. Desde então, essa pesquisa recebeu auxílio do CNPq e da Fundação Araucária. Concluo o livro como fruto de um Pós Doutorado Sênior, na Universidade Federal Fluminense. Se o projeto iniciou tentando contribuir com os estudos sobre a chacina do Parque Nacional do Iguaçu, a escrita da história tornou-se muito mais ampla, porque era preciso entender o que motivava pessoas a voltarem para o Brasil em pleno governo Geisel. Claro que não queriam ser mortos, mas como apagaram todas as evidências que estavam diante deles, ignorando regras básicas de segurança, e mesmo assim vindo? Cada militante, com suas perspectivas, fazia parte de um grande conjunto de pessoas que não eram necessariamente um grupo, mas que se somaram em torno de um grande ideal: a revolução. Ao longo das últimas décadas essa história foi sendo esquecida pela historiografia, e dando lugar ao discurso fascista que nos bate à porta e às telas. Por isso essa obra se faz tão importante, pois ajuda a retomar um tema que nunca deveria ter sido abandonado. Não proponho aqui uma história cabal da VPR. Foram milhares de documentos colhidos, lidos, analisados. Muitos militantes ouvidos. Mas tenho a consciência de que há ainda muito mais a ser feito. Na escrita deste livro, cada capítulo foi ganhando vida própria, sem uma preocupação de repetir exatamente a mesma forma de análise em cada um deles. A cada um se buscou o rigor científico que buscasse trazer o contexto histórico, os

imperativos do Terrorismo de Estado e as ações e sentimentos de sujeitos que o combatiam. Usamos muitos documentos provindos da repressão. Mas não foi a intenção analisar como a repressão agia, e sim buscar nesses materiais indícios do que os militantes sofriam. E nesses conjuntos documentais há muitas cópias de documentos originais da própria organização, sobretudo no acervo reunido no projeto Brasil Nunca Mais, e também no Arquivo Nacional. A história da VPR foi se construindo dessa forma, passando por distintos momentos, imensos conflitos. Uma linha tênue e permanente manteve a unidade: a busca da revolução. Podemos estabelecer, ao final, algumas fases para o estudo da VPR. 1968 foi um ano chave no Brasil e no mundo do ponto de vista da explosão de lutas sociais. Aqui tivemos greves de trabalhadores muito importantes que se somaram a manifestações imensas de estudantes secundários e universitários que exigiam a um só tempo, o fim da ditadura e o avanço de questões sociais, sobretudo no campo da educação. A VPR cresceu nesse momento, quando deixou de ser “apenas” um grupo de exmilitares e passou a ter que enfrentar a realidade de construir a luta com aqueles sujeitos até então pouco valorizados, os estudantes, a classe média e a pequena burguesia. Era difícil romper os preconceitos de classe, e quanto a isso a ideia de vanguarda atrapalhava muito. O AI-5, em 13 de dezembro de 1968 passaria a trazer novos impeditivos à luta, mas também acirraria a necessidade de lutas. 1969 foi um ano de aprofundamento da luta, de junção com outros grupos, criação da VAR-Palmares, racha, reordenamento. E foi também o ano em que a repressão aumentava suas forças. A ALN começou vitoriosa o primeiro sequestro de diplomatas. A repressão viria a se reorganizar. Lamarca já deixava marcas profundas na VPR. Foi um grande líder, usualmente lembrado como um militarista. Seus textos e suas reflexões vão muito além dos estudos sobre a guerrilha, que de fato ele produziu. Era sempre preocupado com o grande problema da “inserção nas massas”, mas também com a construção do sujeito revolucionário. 1970 é um ano mais explosivo, que vai encerrar com o grande sequestro do embaixador Suíço, em dezembro. Após o assassinato de Carlos Marighella, Lamarca passa a ocupar o lugar de “inimigo n.1” da ditadura. A experiência da área de treinamento no Vale da Ribeira é um fiasco militar para a repressão, mas é desmantelada. Também no Sul, a

pesqueira é desmontada. Novas prisões, delações, discussões sobre os Caminhos da guerrilha aparecem nesse ano, quando também alguns começam a perceber que as formas da luta não poderiam seguir como estavam, sob pena de serem absolutamente exterminados. Mas poucos ousavam falar em recuo. O ano de 1971 inicia com a ida dos 70 militantes libertados para Santiago do Chile. Ali vão se reestruturar para a luta os militantes das organizações que ainda sobreviviam. A esquerda que permanecia em armas. Lamarca insiste na consolidação de uma Frente de lutas e acaba saindo da VPR. Com o MR8 vai acabar consolidando um recuo no sertão baiano e sendo covardemente assassinado. A VPR é formalmente extinta pelo Comando Nacional, mas ainda carece de um congresso de solução. Em 1972 localizamos militantes fora do Brasil que seguiam atrás do legado da VPR. Segue a organização de pequenos grupos no Chile. Cabo Anselmo atua fortemente na destruição da VPR em São Paulo e vai até o Chile buscar o aval de Onofre Pinto para a “área do nordeste” onde seis militantes serão atraídos para a morte. Neste mesmo ano começa a se consolidar no Chile a Frente em torno dos Doze Pontos. A repressão através deles busca atrair militantes para o Brasil. O ano de 1973 inicia com a Chacina do Recife. A ação de repressão internacional se intensifica. O ano acaba com Cerveira sequestrado para ser torturado e morto no Brasil. Em julho de 1974 os últimos combatentes da luta armada foram atraídos por infiltrados, ex-companheiros, que atuam com a repressão e são barbaramente mortos no Brasil. Não importa que discordemos deles, eles o fizeram acreditando na revolução. A pesquisa mostrou um “paradoxo do silêncio”. Os dados que melhor conseguimos desvendar e analisar se referem a fracassos, pois são documentos que foram apreendidos, não chegaram ao seu destino final. Muitas vezes foram documentos e informações alcançadas sob tortura. E isso sempre precisa ser mediado pelos leitores. Agentes da repressão atribuíam falas ou dados de acordo seus interesses. O paradoxo é que alguns importantes militantes não foram destacados e não tiveram voz no registro histórico porque quase não deixaram escritos, ou porque conseguiram resistir à tortura, ou porque acabaram mortos nesse processo. Como já dito, não tive a pretensão de produzir um estudo definitivo sobre a VPR. Mas tenho clareza de que descobrimos muito mais do que se sabia sobre ela ao acabar a leitura. Certamente o que reunimos aqui jamais esteve ao alcance dos militantes em sua completude. Os conflitos e

contradições impediam que isso ocorresse, e essa é uma função da História, trazer à luz, realinhavar o que estava solto, montar os quebra-cabeças. Evidentemente que os envolvidos nos processos têm suas próprias visões, inclusive porque tiveram suas vidas diretamente ligadas a eles. O que busquei aqui foi o sentido geral da história da VPR, como o conjunto das ações individuais constituiu uma história de lutas. Muitos documentos disponíveis podem ainda servir a novas pesquisas para aprofundar outras questões. A VPR acabou oficialmente em 1971, mas não acabou para seus militantes que haviam recebido a tarefa de voltar para o Brasil e ajudar os companheiros que haviam lhes salvado nos sequestros. A volta dos militantes ao Brasil viria após a Anistia em 1979. Boa parte deles se somou à vida política, mas sem se reagruparem em um único partido. Em certo sentido não acabou o seu legado para muitos dos que lembram e se sentem orgulhosos por terem “ousado lutar” e, ao mesmo tempo, tristes com o momento que vivemos hoje no Brasil. Cada dia se torna mais importante ser capaz de entender e combater o avanço do fascismo, e esse trabalho busca contribuir com essa história.

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