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5.3.4 Crianças e adolescentes trabalhando no narcotráfico

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Nesse sentido, a Childhood (2019) reforça sobre a falta de trabalhos integrados entre as instituições, a ausência de padrões acerca dos diferentes conceitos utilizados para designar as violações de direitos sofridas pelas crianças e adolescentes. Fatos esses, entre outros, que incidem consequentemente na subnotificação de dados e denúncias, contribuindo assim para o silenciamento e a invisibilidade da questão. Nesse contexto, urge a necessidade de criação de identificação, monitoramento e acompanhamento, bem como de trabalhos preventivos e protetivos sobre esse fenômeno.

5.3.4 Crianças e adolescentes trabalhando no narcotráfico

A exploração e o ingresso de crianças e adolescentes no narcotráfico no Brasil têm ocorrido de forma cada vez mais precoce, fazendo com que percam a infância e a adolescência, ficando em situação de risco pessoal/social, além de correrem risco de morte, enquanto os/as traficantes obtêm altos lucros devido à exploração do trabalho de crianças e adolescentes no tráfico de drogas. Nessa perspectiva, deve-se ressaltar que o trabalho de crianças e adolescentes no narcotráfico ainda possui discussões incipientes no país, haja vista que é tratado pelo Poder Judiciário, via de regra, apenas como uma prática de ato infracional108 , desconsiderando todas as Declarações que o consideram como uma das piores formas de trabalho infantil.

Vale salientar que também temos tido poucas ações governamentais, ou até mesmo nenhuma, nos âmbitos nacional, estadual e municipal de enfrentamento a esta questão, sobretudo em se tratando de prevenção, considerando as inúmeras violações de direitos a essas crianças e adolescentes, que muitas vezes acabam impulsionandoos/as para se inserirem no referido trabalho. Pretende-se, portanto, neste tópico, ampliar a discussão do tráfico de drogas como um trabalho que explora a criança e o/a adolescente, sendo umas das piores formas de trabalho infantil, conforme já explicitado, e apresentar dados estatísticos demonstrando o número, a idade, a escolaridade e raça/etnia de adolescentes que foram apreendidos/as e cumpriram medida socioeducativa de internação, semiliberdade ou a medida cautelar de internação provisória na Fundação CASA, no estado de São Paulo, no ano de 2019, conforme determina o ECA (1990) e SINASE (2012), destacando-se os/as adolescentes que residem nos distritos pesquisados: Bom Retiro, Brasilândia, Grajaú, Guaianases, Raposo Tavares e Moema.

108 Conforme o art. 103 do Estatuto da Criança e do[a] Adolescente (1990), é a conduta descrita como crime ou contravenção penal.

Os dados supracitados foram obtidos por meio de solicitação109 no sítio E-SIC do estado de São Paulo e à Fundação CASA110, instituição responsável pelo levantamento de dados, bem como pela execução das referidas medidas socioeducativas de internação, que nos enviou os dados via e-mail, por meio de planilhas do Excel, os quais foram sistematizados e apresentados em gráficos para melhor visualização. Frente ao exposto, faz-se necessário apontar brevemente algumas discussões acerca do significado do trabalho de crianças e adolescentes no narcotráfico e discutir o que é tráfico de drogas, conforme previsto no Código Penal. A Lei sobre o tráfico de drogas é a nº 11.343/2006, a qual institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD) e, especificamente em seu art. 33, dispõe que o crime de tráfico de drogas é:

importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. (BRASIL, 2006).

No caso de adolescentes, a prática de tráfico de drogas é considerado ato infracional e, quando apreendidos/as, são encaminhados/as à Delegacia da Polícia Civil, local em que é lavrado um boletim de ocorrência, podendo o/a adolescente ser liberado/a mediante autorização do pai, mãe ou responsáveis para aguardar a data da audiência ou encaminhado/a à internação provisória, ou seja, privado/a de liberdade para cumprir uma medida cautelar e aguardar a data da audiência e sentença, permanecendo na instituição por no máximo 45 dias. De acordo com o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP, 2018, p. 43), o tráfico de drogas é considerado um negócio transnacional e componente da economia global, que encontrou em comunidades, sobretudo as de baixa renda, possibilidade para instalar pontos de venda no varejo e onde esses comércios acabam se tornando alternativas laborais para a população juvenil. Nessa perspectiva, conforme Rocha (2012, p. 86), é importante destacar que “o narcotráfico é um negócio lucrativo, mas que se difere de outros negócios lucrativos capitalistas, pois se desenvolve sob a égide da ilegalidade e, além disso, a drogamercadoria oferecida é proibida, o que lhe agrega valor”. Ainda de acordo com o CEBRAP (2018, p. 65), é um mercado arriscado e fortemente combatido pelas forças repressivas. Portanto, diariamente os/as adolescentes

109 A solicitação foi realizada em 30 de março de 2021 e atendida em 14 de abril de 2021. 110 A Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação CASA) está vinculada à Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania e é responsável por executar medidas socioeducativas de restrição ou privação de liberdade ao/à adolescente a quem é atribuída autoria do ato infracional.

substâncias que oferecem risco à sua saúde e formação” (CEBRAP, 2018, p. 65). No que concerne aos dados fornecidos pela Fundação CASA, é possível constatar que, no ano de 2019, no estado de São Paulo houve 8.604 adolescentes são expostos/as à violência policial, violência física e simbólica, bem como a situações (8.130 do gênero masculino e 474 do gênero feminino) que cumpriram medida vexatórias e à possibilidade de serem apreendidos/as. Ademais, “essas crianças e adolescentes estão em contato direto com substâncias socioeducativa de internação, semiliberdade ou a medida cautelar de internação que oferecem risco à sua saúde e formação” (CEBRAP, 2018, p. 65). provisória devido ao tráfico de drogas. Já na cidade de São Paulo foram 1.141 No que concerne aos dados fornecidos pela Fundação CASA, é possível constatar que, no ano de 2019, no estado de São Paulo houve 8.604 adolescentes (8.130 do gênero adolescentes (1.066 do gênero masculino e 75 do gênero feminino). Considerando os masculino e 474 do gênero feminino) que cumpriram medida socioeducativa de internação, distritos estudados, foram solicitados os dados referentes à moradia dos/as semiliberdade ou a medida cautelar de internação provisória devido ao tráfico de drogas. Já na cidade de São Paulo foram 1.141 adolescentes (1.066 do gênero masculino e 75 adolescentes, apresentados nos gráficos a seguir: do gênero feminino). Considerando os distritos estudados, foram solicitados os dados referentes à moradia dos/as adolescentes, apresentados nos gráficos a seguir:

Gráfico 5.6 – Adolescentes trabalhando no narcotráfico nos distritos pesquisados – por Gráfico 5.6 – Adolescentes trabalhando no narcotráfico nos distritos pesquisados – por faixa etária faixa etária

Elaboração: NCA-SGD. Pesquisa SGDCA-2021. Elaboração: NCA-SGD. Pesquisa SGDCAAno-base:2019. -2021. Ano-base:2019. Fonte: Fundação CASA/SIC. Fonte: Fundação CASA/SIC. Conforme o gráfico apresenta, o distrito em que reside o maior número de adolescentes de 12 a 18 anos trabalhando no narcotráfico é Guaianases, com o total de 8 adolescentes, seguido por Brasilândia (6), Grajaú (3), Raposo Tavares e Bom Retiro com 1 cada, não havendo registros no distrito de Moema e que tenham sido apreendidos/ as e encaminhados/as à Fundação CASA. Já em relação ao gênero, pode-se observar que houve o registro de apenas uma adolescente, a qual reside no distrito do Grajaú, e de 19 adolescentes do gênero masculino nos demais distritos estudados.

Assim, constata-se que os números apresentados são ínfimos, considerando o total de 1.141 adolescentes que residem na cidade de São Paulo e cumpriram internação provisória, semiliberdade ou internação devido ao tráfico de drogas.

Gráfico 5.7 – Adolescentes trabalhando no narcotráfico nos distritos pesquisados – por sexo/gênero Gráfico 5.7 – Adolescentes trabalhando no narcotráfico nos distritos pesquisados – por sexo/gênero

Elaboração: NCA-SGD. Pesquisa SGDCA-2021. Ano-base:2019. Elaboração: NCA-SGD. Pesquisa SGDCA-2021. Fonte: Fundação Ano-base:2019. CASA/SIC. Fonte: Fundação CASA/SIC.

É importante destacar que embora tenha sido apresentado o número de apenas É importante destacar que embora tenha sido apresentado o número de apenas uma adolescente nos distritos estudados, faz-se necessário apontar a importância de uma adolescente nos distritos estudados, faz-se necessário apontar a importância de aprofundar o estudo acerca do envolvimento do gênero feminino também, pois ainda há aprofundar o estudo acerca do envolvimento do gênero feminino também, pois ainda há invisibilidade dessa realidade em pesquisas.invisibilidade dessa realidade em pesquisas. No que tange à escolaridade, constata-se que há distorção idade-série. Vale No que tange à escolaridade, constata-se que há distorção idade-série. Vale ressaltar que, muitas vezes, ao ingressar no trabalho relacionado ao tráfico de drogas, ressaltar que, muitas vezes, ao ingressar no trabalho relacionado ao tráfico de drogas, os/as adolescentes acabam parando de frequentar a escola, devido às inúmeras horas os/as adolescentes acabam parando de frequentar a escola, devido às inúmeras horas que ficam trabalhando, inclusive no período noturno, dificultando, por exemplo, o que ficam trabalhando, inclusive no período noturno, dificultando, por exemplo, o acordar acordar cedo para irem à escola, entre outras questões que lhes são impostas pela cedo para irem à escola, entre outras questões que lhes são impostas pela exploração e pela precarização do trabalho. exploração e pela precarização do trabalho.

Gráfico 5.8 – Adolescentes trabalhando no narcotráfico nos distritos pesquisados – por escolaridade Gráfico 5.8 – Adolescentes trabalhando no narcotráfico nos distritos pesquisados – por escolaridade

Elaboração: NCA-SGD. Pesquisa SGDCA-2021. Ano-base:2019. Elaboração: NCA-SGD. Pesquisa SGDCA-2021. Fonte: Fundação Ano-base:2019. CASA/SIC. Fonte: Fundação CASA/SIC.

Do total de adolescentes, encontramos: 5 que estão no Ensino Médio, 11 nos anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e 3 nos anos iniciais do Ensino Fundamental. A escolarização dos/as adolescentes demonstra ser um grande desafio – e isso é percebido, particularmente, a partir do cotidiano de trabalho de uma das pesquisadoras111 –, principalmente após terem sido submetidos/as a internação provisória na Fundação CASA, já que, por vezes, sofrem preconceitos e são estigmatizados/as e não encontram vaga em escolas, o que contribui para o abandono da frequência escolar. Nessa perspectiva, conforme Assis (2001 apud Zanella, 2010), ao realizar pesquisa com adolescentes a quem é atribuída a autoria de ato infracional, foi identificado que mais de 70% já haviam abandonado os estudos devido à necessidade de trabalhar e à dificuldade de conciliar o trabalho e os estudos, bem como por desentendimento com professores/as e colegas, reprovações, instabilidade de moradias etc. E, no que se refere à raça/etnia, segundo Schwarcz (2019, p. 177), o Índice de Vulnerabilidade Juvenil (IVJ), do ano de 2017, apresenta dados que “evidenciam a brutal desigualdade que atinge negros e negras até na hora da morte”. A autora complementa que “a desigualdade se manifesta ao longo de toda a existência dessas pessoas e meio de diversos indicadores socioeconômicos, numa combinação impiedosa de por meio de diversos indicadores socioeconômicos, numa combinação impiedosa de vulnerabilidade social e racismo que os[as] acompanha a vida inteira” (SCHWARCZ, vulnerabilidade social e racismo que os[as] acompanha a vida inteira” (SCHWARCZ, 2019, p. 177). 2019, p. 177). Em nosso estudo, utilizamos os dados conforme informados pela Fundação Casa, Em nosso estudo, utilizamos os dados conforme informados pela Fundação Casa, que utiliza raça/etnia como: branco, pardo, preto e amarelo, como demonstrado que utiliza raça/etnia como: branco, pardo, preto e amarelo, como demonstrado no no Gráfico 5.9: Gráfico 5.9:

Gráfico 5.9 – Adolescentes trabalhando no narcotráfico nos distritos pesquisados – por raça/etnia Gráfico 5.9 – Adolescentes trabalhando no narcotráfico nos distritos pesquisados – por raça/etnia

Elaboração: NCA-SGD. Pesquisa SGDCA-2021. Ano-base:2019. Fonte: Fundação CASA/SIC. Elaboração: NCA-SGD. Pesquisa SGDCA-2021. Ano-base:2019. Fonte: Fundação CASA/SIC.

111 Observa-se no gráfico que há apenas 1 branco e 1 amarelo, sendo predominante A pesquisadora é trabalhadora na Fundação CASA. a presença de pardos (10) e pretos (7).

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