REVISTA MUSEOLOGIA & INTERDISCIPLINARIDADE 6

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Universidade de Brasília

Faculdade de Ciência da Informação

Museologia & Interdisciplinaridade Publicação do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação - UnB

nº 6, Vol. 3, 2014 ISSN 2238-5436


Museologia & Interdisciplinaridade Publicação do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação - UnB PPGCINF/FCI/ UnB

REITORIA DA UNIVERSIDADE DE

COMISSÃO EDITORIAL

BRASÍLIA

Andrea Fernandes Considera

Ivan Marques de Toledo Camargo

Celina Kuniyoshi Deborah Silva Santos

DIRETORIA DA FACULDADE DE

Elizângela Carrijo

CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

Luciana Sepúlveda Köptcke

Elmira Luzia Melo Soares Simeão

Monique Batista Magaldi Silmara Küster de Paula Carvalho

COODENADORIA DA PÓSGRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA

EDITOR-CHEFE

INFORMAÇÃO

Emerson Dionisio Gomes de Oliveira

Georgete Medleg Rodrigues

Ana Lúcia de Abreu Gomes

CONSELHO CONSULTIVO

SECRETARIA

Cecília Helena L. de Salles Oliveira

Martha Silva Araujo

James Counts Early Lena Vânia Pinheiro Ribeiro

PROJETO GRÁFICO/ EDITORAÇÃO

Lillian Alvares

ELETRONICA

Luiz Antonio Cruz Souza

Núcleo de Editoração e Comunicação/FCI

Marcus Granato Maria Célia Teixeira Moura Santos Maria Cristina Oliveira Bruno Maria Margaret Lopes Marília Xavier Cury Mario de Souza Chagas Mário Moutinho Myrian Sepúlveda dos Santos Renato Monteiro Athias Tereza Cristina Moletta Scheiner Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses

CAPA André Maya Monteiro


Universidade de Brasília

Faculdade de Ciência da Informação

Museologia & Interdisciplinaridade Publicação do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação - UnB

nº 6, Vol. 3, 2014 ISSN 2238-5436


Correspondências e contribuições devem ser enviadas para: M u s e o l o g i a & I n t e r d i s c i p l i n a r i d a d e Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCInf) Faculdade de Ciência da Informação (FCI) Universidade de Brasília Edifício da Biblioteca Central (BCE) Entrada Leste, Mezanino, Sala 211 Campus Universitário Darcy Ribeiro, Asa Norte, Brasília CEP: 70910-900 E-mail: revistami@unb.br

Todos os direitos reservados A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação dos direitos autorais (Lei no 9.610).

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Museologia e interdisciplinaridade: publicação eletrônica do Programa de Pós-gra duação em Ciência da Informação. Universidade de Brasília. Faculdade de Ciência da Informação. – v.3, n.6 (2014) – Brasília: UnB/FCI, 2014v. Semestral Resumo em português e inglês. Disponível no SEER: http://seer.bce.unb.br/index.php/museologia

ISSN 2238-5436

1. Museologia. 2. Patrimônio e memória. Artes Visuais. Antropologia. História. Interdisciplinaridade em Museologia. I. Universidade de Brasília. Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Faculdade de Ciência da Informação. CDU: 069.01(051)


SUMÁRIO

EDITORIAL

PÁGINA 09

DOSSIÊ: MUSEOLOGIA E EDUCAÇÃO APRESENTAÇÃO Adriana Mortara Almeida

PÁGINA 13

OLHARES CRUZADOS: INTERFACES ENTRE HISTÓRIA, EDUCAÇÃO E MUSEOLOGIA Zita Rosane Possamai

PÁGINA 17

LA INVESTIGACIÓN EDUCATIVA EN MUSEOS Y CENTROS DE CIENCIA: CAMINOS SEGUIDOS, NUEVOS RETOS María del Carmen Sánchez Mora

PÁGINA 33

COMO É CRIADO O DISCURSO PEDAGÓGICO DOS MUSEUS? FATORES DE INFLUÊNCIA E LIMITES PARA A EDUCAÇÃO MUSEAL Luciana Conrado Martins

PÁGINA 51

A COMPREENSÃO DA PRÁTICA EDUCATIVA DE UM MUSEU NA PERSPECTIVA DAS COMUNIDADES DE PRÁTICA PÁGINA 71 Luciana M. Monaco, Martha Marandino EDUCAÇÃO A COMUNICAÇÃO MUSEAL: A EMISSÃO RÁDIO PAPO DE CRIANÇA PÁGINA 93 Greciene Lopes dos Santos Maciel, Silvania Sousa do Nascimento MUSEUS, AÇÕES EDUCATIVAS E PRÁTICA ARQUEOLÓGICA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: DILEMAS, ESCOLHAS E EXPERIMENTAÇÕES PÁGINA 115 Camila A. de Moraes Wichers PENSAR A EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM MUSEUS A PARTIR DAS EXPERIÊNCIAS DA PINACOTECA DE SÃO PAULO Milene Chiovatto, Gabriela Aidar

PÁGINA 143

AÇÃO EDUCATIVA DO MUSEU HISTÓRICO DO INSTITUTO BUTANTAN: REFLEXÕES SOBRE OS ÚLTIMOS TRÊS ANOS PÁGINA 159 Adriana Mortara Almeida; Larissa Foronda O PENSAMENTO CRÍTICO PODE SER FOMENTADO POR MUSEUS ATRAVÉS DO USO DE REDES SOCIAIS? E ISSO PODE SER MENSURADO? Irene Rubino; Katherine Nowak; Hanna Hipp; Giuseppe Monaco UN OUTIL POUR CONNAÎTRE DE MINUTE EN MINUTE L’EXPÉRIENCE D’UN VISITEUR ADULTE Colette Dufresne-Tassé ; Marie-Claire O’Neill ; M. Sauvé ; Dominic Marin-Robitaille MEDIAÇÃO EXTRAINSTITUCIONAL Cayo Honorato

PÁGINA 177

PÁGINA 201

PÁGINA 221


ARTIGOS CHOVEU GENTE NO SERTÃO: PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE O VISITANTE DO PARQUE AZA BRANCA Mário Gouveia Júnior

PÁGINA 239

A APLICAÇÃO DE PROCEDIMENTOS DE CONSERVAÇÃO PREVENTIVA EM EXPOSIÇÕES TEMPORÁRIAS PRODUZIDAS PELO MUSEU DE ARTE DA PAMPULHA/ MG PÁGINA 257 Luciana Bonadio EX-VOTOS PICTÓRICOS:TRADIÇÃO E PERMANÊNCIA DE PORTUGAL AO BRASIL José Cláudio Alves de Oliveira

PÁGINA 271

PERFIL DOS VISITANTES DO MUSEU DE ANATOMIA VETERINÁRIA DA FMVZ/USP: PRIMEIROS ESTUDOS Maurício Candido da Silva; Julia Zitelli Silvia

PÁGINA 281

TRADUÇÃO O COLECIONADOR E O MUSEU, OU COMO MUDAR A HISTÓRIA DA ARTE? Chantal Georgel; Ana Cavalcanti (tradução)

PÁGINA 303

RESENHA MUSEUS E AFRICANIDADES Deborah Silva Santos

PÁGINA 315

CAPA JAC LEIRNER Pedro Ernesto Freitas Lima

PÁGINA 321


EDITORIAL

Muito Obrigado!

Museologia & Interdisciplinaridade chega a sua sexta edição dentro de um processo de transição. Sai Lillian Maria Araújo de Rezende Alvares e entra Ana Lúcia de Abreu Gomes como editora da revista. Alvares foi uma das fundadoras da revista e sua liderança foi essencial para garantir à publicação o caráter interdisciplinar e a ampliação de suas fronteiras para além das instituições nacionais. O sexto número da revista é dedicado a Alvares e sua generosa colaboração. E que revista a pesquisadora da Univseridade de Brasília ajudou a criar? M&I no seu terceiro ano de existência já publicou sessenta e sete artigos, seis entrevistas, quatro resenhas, uma crítica e uma tradução. Trinta nove pareceristas foram acionados, a maioria ad hoc, e noventa oito autores contribuíram com seus trabalhos. A meta de transformar a revista numa publicação nacional foi alcançada, pois além de catorze autores ligados à Universidade de Brasília, temos autores vinculados as seguintes instituções: Universidade de São Paulo (9); Universidade Federal de Minas Gerais (7); Universidade Federal do Rio Grande do Sul (5); Universidade Federal de Goías (4); Museu de Astronomia e Ciências Afins (4) Instituto Butantan (4); Fundação Oswaldo Cruz (3); Universidade Federal do Rio de Janeiro (3); Universidade Federal de Sergipe (2); Universidade Federal da Bahia (2); Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2) e Universidade Tecnológica Federal do Paraná (2). Com apenas um pesquisador colaborador tivemos as seguintes instituições representadas: Universidade Federal de Pernambuco; Pinacoteca do Estado de São Paulo; Universidade Federal de Pelotas; Centro Cultural São Paulo; Universidade da Amazônia; Pontificia Universidade Católica do Rio de Janeiro; Universidade Estadual de Campinas; Faculdade Araguaia; Secretaria Municipal da Saúde de Goiânia; Universidade Estadual do Rio de Janeiro; Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular; Universidade Federal de Alagoas; Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia e Universidade Federal de Santa Catarina. Da mesma forma, a revista buscou publicar autores estrangeiros. Publicamos trabalhos de pesquisadores ligados a Smithonian Center; Université de Montréal; Museo da Universidad Nacional de la Plata; Universidade de Évora; Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias; Universidad Complutense de Madrid; Universidade Paris I; Instituto Universitário de Lisboa; Museo de la Educación Gabriela Mistral de Santiago do Chile; Universidad Nacional Autó-


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noma do México; École du Louvre; Universidade do Porto e Instituto Nacional de História da Arte da França. No total, quarenta e oito instituições foram representadas nas seis edições inicais. Levando em consideração a área da última titulação dos autores – o que nem sempre evidencia a área de atuação predicada nos trabalhos publicados – vinte e uma áreas do conhecimento foram contemplatas pela revista. São elas: Antropologia, Arqueologia, Arquitetura, Artes, Biblioteconomia, Ciências Biológicas, Comunicação, Desenho Industrial, Engenharia de Materiais, Geociências, História da Arte, Meio Ambiente, Psicologia, Psquiatria, Sociologia e Tecnologia. Além das Ciências da Informação, das Interdiciplinariares e da prória Museologia, as áreas mais presentes foram a História e a Educação. Outro ponto favorável na breve trajetória é ter atraído pesquisadores consolidados. No momento de cada publicação, podemos conferir que 73% dos autores eram doutores. Dentre eles estão Carlos Alberto Ávila Araújo, resposável pelo primeiro dossiê da revista (Museologia e Ciência da Informação, n.4/2013); Maria Margaret Lopes e Luciana Sepúlveda Köptcke organizadoras do segundo dossiê (Histórias, Micropolíticas, Ciências; n.5/2014) e Adriana Mortara Almeida que nos brinda com o terceiro dossiê, Museologia e Educação, presente no número atual. Almeida selecionou um elenco de pesquisadores dedicados a compreender a intersecção entre essas duas áreas. E mais, como a própria organizadora nos lembra, algums dos trabalhos publicados no dossiê “extrapolam os muros das instituições museológicas e as ações realizadas por educadores.”. Além dos trabalhos acolhidos no dossiê, a sexta edição da revista publica artigos com outros temas, uma resenha e uma apreciação crítica sobre o trabalho da artista Jac Leirner, que gentilmente cedeu a imagem de um de seus trabalhos mais recentes para capa da revista. Pela primeira vez, M&I publica uma tradução. O texto “O colecionador e o museu, ou como mudar a história da arte?”, de Chantal Georgel, foi transladado pela pesquisadora da UFRJ, Ana Cavalcanti. Prática que a revista pretende incentivar com mais ímpeto. Como podemos constatar, ao lado de dezenas de colegas, o trabalho de Lillian Alvares, a frente da revista, contribuiu para consolidação da Museologia em nossa universidade e, porque não dizer, no país. Aos colaboradores, aos editores, aos pareceristas, aos revisores, aos diagramadores e a Lillian, nosso muito obrigado! Emerson Dionisio Gomes de Oliveira Ana Lúcia de Abreu Gomes


NOSSOS PARECERISTAS

A publicação de revista Museologia e Interdisciplinariedade não seria possível sem a constituição de um corpo de pareceristas que atuam como avaliadores dos trabalhos submetidos à Revista. Um trabalho coletivo que agrega pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento. Pesquisadores que gentilmente colaboraram de maneira voluntária. Agradecemos nominalmente aos colegas que atenderam a nossa solicitação e tornaram-se parte integrante da história dessa jovem publicação: Adriana Mortara Almeida (Instituto Butantan) Ana Lúcia de Abreu Gomes (UnB) Ana Maria Dalla Zen (UFRGS) Andréa Fernades Considera (UnB) Carlos Alberto Ávila Araujo (UFMG) Elizabete de Castro Mendonça (UFS) Fabíola Andreá Silva (MAE-USP) José Cláudio Alves de Oliveira (UFBA) José Neves Bittencourt (IPHAN/UFOP) Karla Estelita Godoy (UFF) Lillian Maria Araújo de Rezende Alvares (UnB) Luciana Sepúlveda Köptcke (Fiocruz) Luiz Antonio Cruz Souza (UFMG) Maria Júlia Estefânia Chelini (UnB) Maria Margaret Lopes (UnB/Unicamp) Monique Bastista Magaldi (UnB) Silmara Küster de Paula Carvalho (UnB) Suzana Cesar Gouveia Fernandes (Instituto Butantan) Thérèse Hofmann Gatti Rodrigues da Costa (UnB) Valdir José Morigi (UFRGS)


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DOSSIÊ: MUSEOLOGIA E EDUCAÇÃO APRESENTAÇÃO Adriana Mortara Almeida* Museu Histórico do Instituto Butantan

A ligação entre Museologia e Educação não é nova e sofreu modificações ao longo do tempo. Os museus, definidos como espaços de lazer e educação, recebem públicos diversos, e entre esses muitos têm como motivação “aprender” alguma coisa. Esta área de atuação dos museus - educação em museus, educação museal, educação patrimonial, arte-educação, mediação – e os profissionais que nela atuam – monitor, guia, educador, mediador, animador e arte-educador – recebem diferentes denominações de acordo com as crenças e práticas de cada responsável. Como pode ser percebido por meio dos artigos presentes neste Dossiê, essas diferenças permanecem e fazem parte de alguns dos questionamentos colocados. Adotarei aqui os termos educação museal e educador, que me parecem associados às teorias e práticas que considero mais adequadas neste campo. Em uma parte das 3.025 “unidades museológicas mapeadas” (IBRAM, 2011), educadores atuam para torná-las cada vez mais acessíveis aos mais variados públicos. Por meio de pesquisas e experimentações, programas educativos são desenvolvidos em diferentes tipos de museus em todo o país. Além disso, pesquisas são desenvolvidas nas universidades ampliando as reflexões acerca desse campo da Educação Museal. É importante ressaltar que a Museologia é uma disciplina que ultrapassa as fronteiras dos museus e a Educação também não se resume às reflexões e ações realizadas por educadores. Em vários artigos aqui apresentados há exemplos de teorias e práticas que extrapolam os muros das instituições museológicas e as ações realizadas por educadores. Neste dossiê “Museologia e Educação” com artigos de investigadores que atuam na pesquisa e docência universitárias, assim como aqueles que estão nos museus coordenando e executando ações educativas no Brasil, México, Estados Unidos e Canadá, algumas tendências comuns podem ser identificadas, assim como dissonâncias. A presença de Paulo Freire como referência na maior parte dos artigos indica mudança em relação ao que havia sido evidenciado por Maria Iloni Seibel Machado (2009: 91) ao longo da análise de vinte e seis trabalhos acadêmicos sobre educação em museus realizados entre 1987 e 2006: apenas quatro deles tinha como referência Paulo Freire. A retomada de ideias de Paulo Freire mostra a ten* Diretora do Museu Histórico do Instituto Butantan. Coordenadora do CECA-Brasil e vice-presidente do ICOM Brasil. mortaraalmeida@gmail.com

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Dossiê: Museologia e Educação

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dência de valorização nos museus do papel do educando no processo educativo. Os norte-americanos John Falk e Lynn Dierking são também citados com frequência nos artigos. As inúmeras pesquisas realizadas pelos autores, além do modelo proposto da experiência museológica, que engloba o contexto pessoal, o contexto físico e o contexto social, permitiram visões mais amplas sobre aprendizagem em museus e sobre os visitantes das exposições. Novas teorias, autores e referenciais são trazidos para as análises: Basil Berstein (discurso pedagógico, recontextualização etc.), Etienne Wenger (comunidades de práticas), David Anderson (direitos culturais e museus), Jean-Marie Lafortune (crítica à mediação, médiaction), Javier Montero (mediação crítica), entre outros. O artigo de abertura, de Zita Rosane Possamai,“Olhares cruzados: interfaces entre História, Educação e Museologia”, traz importante discussão sobre a historiografia da educação em museus, enfatizando a necessidade de registrar e refletir sobre o percurso desse campo. A pesquisadora mexicana Maria del Carmen Sanchez Mora faz uma importante discussão sobre comunicação e educação em museus de ciências por meio da revisão da literatura na área.A autora destaca que é necessário mudar a forma e o conteúdo das exposições em museus e centros de ciências, trazendo a participação dos públicos e diversas visões da ciência, ou seja, “dejar de exhibir una ciencia acabada, acrítica y descontextualizada, como hasta ahora se ha hecho”. Os artigos de Luciana Conrado Martins e de Luciana Monaco e Martha Marandino apresentam análises de equipes educativas de diferentes museus (Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu de Arqueologia e Etnologia da USP e Museu Paraense Emílio Goeldi), buscando identificar convergências em suas práticas para identificar as especificidades do discurso pedagógico em museus e para descrever o modo de ação dessas equipes, respectivamente. Ambos os textos derivam de pesquisas de doutorado de Monaco e Martins orientadas por Marandino, pela Faculdade de Educação da USP. Ainda de um olhar externo, a análise do programa de rádio “Papo de Criança” elaborada por Greciene Maciel e Silvania Nascimento mostra como esse programa mobilizou crianças e jovens e facilitou a comunicação da equipe do Museu Casa Guignard com diversos setores da sociedade da cidade de Ouro Preto. A pesquisa foi originalmente realizada no doutorado de Maciel, orientada por Nascimento na Faculdade de Educação da UFMG. O artigo de Camila Wichers parte de referenciais estabelecidos em seus dois doutorados, um realizado no Museu de Arqueologia da USP e outro na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa, e avança por meio de experiências vividas em projetos de Musealização da Arquelogia. A autora problematiza as ações que envolvem museologia, arqueologia e educação e descreve como, em alguns casos, foi possível romper com práticas que desconsideravam os “sujeitos envolvidos”. Milene Chiovatto e Gabriela Aidar analisam as suas próprias práticas realizadas na Pinacoteca do Estado de São Paulo, assim como Larissa Foronda e eu fazemos uma descrição retrospectiva das ações realizadas no Museu Histórico do Instituto Butantan. No primeiro caso trata-se de ações voltadas para a inclusão social, já consolidadas por mais de dez anos de trabalho; no segundo, apresenta-se a construção de novas práticas ao longo dos últimos três anos.


Adriana Mortara Almeida

Dois artigos provenientes de instituições norte-americanas descrevem processos de avaliação: Irene Rubino, Katherine Nowak, Hanna Hipp, Giuseppe Monaco da Smithsonian Institution mostram como realizaram a avaliação de conferências e discussões promovidas nas redes sociais por meio da análise dos textos postados pelos participantes e identificação (ou não) do pensamento crítico. A detalhada exposição da metodologia certamente contribuirá para novas reflexões em torno de uso de redes sociais em ações de educação em museus. O outro grupo, da Université de Montréal junto com École du Louvre, composto por C. Dufresne-Tassé M. C. O’Neill M. Sauvé D. Marin, apresenta a metodologia adotada para avaliar a percepção de exposições museológicas. Por meio de “Penser tout haut” (Pensar alto) o grupo desenvolveu instrumento para conhecer mais profundamente a experiência do visitante adulto na exposição, analisando o discurso registrado ao longo de toda a visita. Além de trazer essa interessante metodologia, o grupo trabalha com o público adulto, muitas vezes negligenciado nas pesquisas em museus. O dossiê finaliza com o artigo de Cayo Honorato, que faz críticas ao sentido autoritário que a mediação tomou nas instituições museológicas e propõe a “mediação extrainstitucional” que romperia com a cadeia autoritária existente, possibilitando a participação crítica do diversos atores. Dissonante dos outros artigos em vários aspectos, o autor provoca novas reflexões e revisões de teorias e práticas consolidadas. Por outro lado, há convergências no que se refere à busca de novos caminhos na relação entre Museologia e Educação, especialmente no que concerne o “outro”, seja visitante, usuário, comunidade local, comunidade virtual, funcionários etc. Boa leitura! Referências IBRAM. Museus em números, vol.1, 2011. SEIBEL-MACHADO, M.I. O papel do setor educativo nos museus: análise da literatura (1987 a 2006) e a experiência do Museu da Vida. Campinas, 2009. Tese (Doutorado) – Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, 2009.

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OLHARES CRUZADOS: INTERFACES ENTRE HISTÓRIA, EDUCAÇÃO E MUSEOLOGIA Zita Rosane Possamai* Universidade Federal do Rio Grande do Sul

RESUMO: Esse artigo considera os cruzamentos interdisciplinares entre História, Museologia e Educação, especificamente abordando a intersecção entre história da educação e história dos museus, para a compreensão da relação entre museus e Educação em perspectiva histórica. Parte-se de um mapeamento das configurações disciplinares da História da Educação e da História dos Museus no sentido de verificar seus percursos independentes e diálogos já construídos, abrindo novas alternativas de compreensão da história da relação entre museus e educação. Finalmente, deseja-se ressaltar a relevância da historicização das representações e práticas em educação em museus afim de melhor compreender e balizar as ações educativas no presente. PALAVRAS-CHAVES: museologia; história dos museus; história da educação; campo; disciplina.

ABSTRACT: This article considers the interdisciplinary intersections between History of Education and Museums History, for understanding the relationship between Museology and Education in historical perspective. It begins by the mapping of disciplinary settings of History of Education and History of Museums in order to verify their independent pathways and dialogues already built, opening new possibilities for understanding the History of the relationship between museums and education. Finally, it would like to emphasize the importance of historicizing the representation and practices in education in museums in order to better understand and delimit their educational actions in the present. KEY-WORDS: Museology; History of Museum; History of Education; field; discipline.

*Doutora em História; docente do Curso de Museologia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Financiamento: CNPq.

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Olhares cruzados: interfaces entre história, educação e museologia

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Zita Rosane Possamai

O objetivo desse artigo é tecer algumas considerações sobre os cruzamentos interdisciplinares entre História, Museologia e Educação, especificamente abordando a intersecção entre história da educação e história dos museus com vistas a problematizar a relação entre museus e Educação em perspectiva histórica e considerando que a compreensão dessas interfaces no tempo contribuem para pensar as ações nesse domínio, no presente. Almejo aqui, num primeiro momento, inserir os estudos sobre história dos museus nos estudos de história da educação, considerando as particularidades desses dois percursos de produção de conhecimento, não raras vezes paralelos e autônomos entre si, e identificando possibilidades de aproximações e convergências. Antes de qualquer incursão em uma ou outra das disciplinas aqui mencionadas, cumpre considerar o que diz Antonio Viñao-Frago: Las disciplinas académicas no son entidades abstractas. Tampoco poseen una esencia universal o estática. Nacen y evolucionan, surgen y desaparecen; se desgajan y se unen, se rechazan y se absorben. Cambian sus contenidos; también sus denominaciones. Son espacios de poder, de um poder a disputar; espacios que agrupan intereses y agentes, acciones y estrategias. Espacios sociales que se configuran en el seno de los sistemas educativos y de las instituciones académicas con un carácter más o menos excluyente, cerrado, respecto de los aficionados y profesionales de otras materias, y, a la vez, más o menos hegemónicos en relación con otras disciplinas y campos. Devienen por ello, con el tiempo, coto exclusivo de unos determinados profesionales acreditados y legitimados por la formación, titulación y selección correspondientes, que pasan, de este modo, a controlar la formación y aceso de quienes desean integrarse en los mismos. Las disciplinas son, pues, fuente de poder y exclusión no sólo profesional sino también social. Su inclusión o no en los planes de estudio de unas u otras profesiones constituye el arma a utilizar con vistas a la adscripción o no de determinadas tareas a uno o otro grupo profesional. (Frago, 1995: 66) A partir das palavras do autor, faz-se necessário compreender ainda a historicidade das disciplinas em relação com o campo a que se referem, considerando este conceito na acepção de Pierre Bourdieu (1989) como espaço de relações. Assim, segundo o sociólogo francês, campo define-se como um espaço de interação relativamente autônomo, onde agentes ou intituições ocupam determinadas posições e estão em luta, agindo e sofrendo efeitos produzidos nos seus limites. Pode-se assim, pensar campo como espaço de luta material e simbólica entre determinados agentes pela construção de representações e práticas específicas. Bourdieu tenta delimitar e compreender, nessa perspectiva, o campo político, o campo intelectual, o campo científico, o campo artístico, o campo literário, entre outros, esclarecendo que campo configura um espaço de relação e de poder, não se atendo a uma categoria profissional particular, mas a diversos agentes institucionais ou profissionais. Desse modo, o campo artístico estudado pelo autor, configura-se não apenas por aqueles atores que constroem conhecimento sobre a arte como historiadores; mas também pelos produtores, os artistas; pelas instituições que legitimam a arte, como os museus; pelos agentes e instituições que fazem circular os sentidos sobre a arte, críticos de arte, jornalistas e veículos de comunicação; assim como pelo mercado de arte, composto por galerias, colecionadores e marchands. Concordando com Roger Chartier sobre as possibilidades de aplicação do conceito de campo para objetos diferentes daqueles estudados por Pierre

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Bourdieu, mas levando-se em conta o pressuposto deste último de que “não há nada para além da história” (Chartier, 2002: 148), considero o conceito de campo pertinente para refletir sobre os contornos que vão definindo ao longo do tempo as disciplinas ou domínios da História da Educação e da História dos Museus, uma vez que nesse processo de configuração interagem diferentes agentes intitucionais e profissionais, delimitando um espaço de relações, no qual entram em jogo as disputas pela definição de representações e práticas atinentes aos domínios em questão. Desse modo, o campo que vem sistematizando e definindo o conhecimento em História da Educação é composto por agentes localizados, historicamente, nas escolas normais e, mais recentemente, nas universidades, especialmente nos programas de pós-graduação, que, por sua vez, espraiam-se nas associações profissionais, congressos e revistas da área. No caso, da história dos museus, pode-se tentar delinear um sub-campo no interior do campo da Museologia, onde interagem profissionais de museus das mais diversas áreas; pesquisadores que atuam no espaço acadêmico de diferentes áreas; associações profissionais internacionais, como o Conselho Internacional de Museus e seus respectivos comitês; associações profissionais nacionais; programas de formação universitária em diferentes níveis e áreas, de acordo com as particularidades nacionais. Observando a construção disciplinar da história da educação e da história dos museus arrisco-me a dizer que seus desenvolvimentos são muito díspares. Se no caso da primeira é possível considerar um certo percurso no esforço de sistematização do desenvolvimento da disciplina2 , o mesmo não se pode afirmar em relação à história dos museus ou à história da relação entre museus e educação, ainda bastante incipiente no Brasil, conforme abordarei posteriormente. Uma aproximação desses caminhos colaboram para visualizar o estado da arte em que se encontram, sem no entanto, querer-se aqui esgotar o assunto, o que exigiria investigação de maior fôlego e, por outro lado, situando-me em um lugar determinado de mirada para esses dois campos e duas disciplinas (Certeau, 2011; Foucault, 1996). A História da Educação e os museus No caso da História da Educação brasileira, como mencionado anteriormente, é possível delinear o desenvolvimento disciplinar a partir de várias contribuições (Carvalho; Nunes, 1993; Fonseca, 2003;Vidal, Faria Filho, 2005). Assim, Diana Vidal e Luciano Faria Filho identificam três momentos de construção da História da Educação: o primeiro esteve vinculado à produção do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, desde a segunda metade do século XIX, no qual médicos, advogados, engenheiros, historiadores, entre outros, dedicaram-se à escrita da história da educação brasileira, publicando obras no País e no estrangeiro. Nesse momento, houve a preocupação, sobretudo com a compilação e publicação de repertórios documentais, especialmente provenientes das agências oficiais em diálogo com a produção historiográfica brasileira no contexto dos novecentos, quando o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro buscava 2 No Brasil, os historiadores da educação têm produzido sistematicamente balanços sobre a produção da disciplina, especialmente a partir da criação, na década de 1980, do Grupo de Trabalho História da Educação da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação –ANPED e do Grupo de Estudos e Pesquisas “História, sociedade e Educação (HISTEDBR), bem como nos congressos sobre o tema.


Zita Rosane Possamai

traçar a gênese da nação, delineando uma identidade nacional para o Brasil (Guimarães, 1988). O segundo período, vinculou-se à disciplina de história da educação incluída no currículo das escolas normais, inserida num conjunto de reformas que almejavam a modernização da educação brasileira em sintonia com os princípios da Escola Nova. Os professores da disciplina incumbiram-se da elaboração e da publicação de manuais de história da educação, prevalecendo um viés da disciplina como formadora, útil para justificar os processos educacionais no presente. Finalmente, o terceiro momento, configura-se na escrita acadêmica da história da educação, que tem na obra de Fernando de Azevedo um marco substancial, mas que ganha grande impulso especialmente a partir dos anos 1960, com a criação dos programas de pós-graduação em Educação nas universidades brasileiras. Segundo os autores, nos programas universitários a escrita da história da educação assumiu um viés marxista vinculado a pensadores como Althusser e Gramsci, reforçando o papel político dos intelectuais em contexto de resistência contra a ditadura civil-militar, assim como essa produção inicial com forte caráter também católico difundiu uma visão salvacionista da educação irradiada aos demais níveis de ensino por meio dos manuais escolares. Esse breve panorama permite vislumbrar o percurso da disciplina ao longo dos anos no Brasil, nitidamente consolidado pela larga produção que se centraliza, atualmente, no espaço acadêmico e que circula através dos congressos e de extensa produção de livros e de artigos publicados em periódicos de abrangência nacional e internacional. Ainda é possível perceber que as vertentes teóricas que constituem a tradição historiográfica também perpassaram e continuam perpassando os estudos da História da Educação. Desse modo, é possível identificar uma produção sob forte influência do positivismo, do marxismo e mais recentemente da Nova História Cultural, sendo, nesse sentido, plausível vislumbrar a História da Educação como mais um domínio da História, ainda não contemplado pelos historiadores brasileiros em suas análises, ao contrário dos historiadores estrangeiros que percebem os estudos da história da educação como componente fundamental para compreensão da sociedade como um todo, conforme alerta Thaís Nivea de Lima Fonseca (2003). Para compreender o movimento mais recente dos estudos em História da Educação no que se refere às pesquisas sobre os museus, convém delinear a aproximação com a Nova História Cultural que proporcionou uma renovação teórico-metodológica, a partir não apenas de novos olhares para antigas problemáticas, mas também no sentido do despertar para novos objetos, novos temas e novos documentos a serem investigados. A Nova História Cultural (Hunt, 1992; Burke, 1992; Pesavento, 2008), herdeira das mudanças propostas pela Escola dos Analles, veio a romper com uma história linear, factual e encenada por grandes homens, chamando a atenção para novas abordagens, a partir de conceitos como práticas, representações, apropriação e imaginário (Chartier, 1990, 1991; Pesavento,1995); para o estudo do particular e da microhistória, como o cotidiano e a vida privada; para outros sujeitos – como mulheres, loucos e crianças; para diferentes temporalidades, como a longa e a curta duração. A procura de novos objetos estimulou, por sua vez, a busca de fontes antes pouco desbravadas pelos historiadores, tradicionalmente afeitos ao exame dos documentos escritos produzidos pelo Estado. A revolução documental (Le Goff, 1994) transformou todo registro e traço deixado pela humanidade em possibilidade de compreender o passado e escrever a história. Os documentos

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escritos ampliaram-se consideravelmente para os impressos, livros, epístolas; os depoimentos orais ganharam força para a história do tempo presente; a cultura material e visual, em séculos precedentes associadas ao saber antiquário e abandonadas na conformação disciplinar da História, voltaram às preocupações dos pesquisadores (Knauss, 2006; Guimarães, 2007). Da mesma forma, a História da Educação teve suas investigações renovadas pela História Cultural, tanto no que se refere a novos temas e novos documentos, quanto à renovação teórico-metodológica. Assim, novos objetos ganharam lugar, como o estudo das culturas escolares, das práticas de leitura e de escrita, bem como antigos objetos receberam novos aportes, como o estudo das ideias pedagógicas, das instituições escolares, da profissão docente (Fonseca, 2003; Frago, 2005). Esses estudos, por sua vez, chamaram a atenção para a mirada para novos documentos como os impressos e escritos diversos, cadernos escolares, mobiliário, artefatos, gravuras, fotografias, álbuns, vídeos, ampliando as fontes até então utilizadas para aquelas atinentes à cultura escrita, à cultura material e à cultura visual. No entanto, conforme advertem Marta Carvalho e Clarice Nunes, o que se denomina “novos objetos” é muito mais um esforço de historicização, retirando determinados temas de sua pretensa naturalização. Assim, segundo as autoras, a nova história cultural coloca ênfase na materialidade dos processos de produção, circulacão e apropriacão culturais, caracterizáveis a partir de uma atenção filigranática a micro-transformações constitutivas de uma história, seja dos objetos culturais postos em circulação - como o livro, o jornal, o museu -, seja das práticas culturais que os produzem ou que deles se apropriam. (Carvalho; Nunes, 1993: 44). Pode-se inserir nesse movimento de renovação dos estudos da História da Educação a atenção para a investigação dos museus, especialmente os denominados museus escolares e museus de educação ou museus pedagógicos. Museus escolares era a denominação utilizada, no século XIX e início do século XX, para materiais didáticos compostos por caixas de madeira, contendo amostras de materiais diversos seja da natureza, como pedras, minerais, solo, ou da indústria, como artefatos. Os museus escolares poderiam conter quadros de ilustrações coloridas de diversos aspectos e elementos da natureza, como a flora e a fauna, assim como da indústria. O Museu escolar de Dr. Saffray era composto por dez caixas compostas por materiais naturais e manufaturados, cada uma delas acompanhada de uma folha explicativa para o professor e um livro destinado ao aluno, repleto de ilustrações (Bastos, 2002). A Mayson Deyrolle (Vidal, 2012), principal produtora e exportadora francesa, produzia ilustrações da flora e da fauna para serem usadas nas escolas. O Museu Escolar Argentino, produzido por Pedro Scalabrin, configurava-se em uma caixa composta por amostras naturais retiradas do próprio território (Garcia, 2007). Para compreender a emergência dos museus escolares, é necessário compreender a importância atribuída no final dos novecentos e ainda no século XX ao método Lição de Coisas (Valdemarin, 1998; Cartolano, 1996; Bastos, 2013; Possamai, 2012), introduzido no sistema de ensino como estratégia de renovação e modernização pedagógica, ao proporcionar a aprendizagem centrada no aluno, estimulando-o ao uso dos sentidos, especialmente o olhar. A introdução do método nas escolas tornou necessária a utilização de materiais pedagógicos para ensinar a Lição de coisas, sendo a produção dos museus escolares assumida por grandes empresas que passaram a fornecê-los para diversos países na


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Europa e nas Américas, incluindo o Brasil (Garcia, 2007;Vidal, 2012). A expressão museus escolares designou também diversas outras formas de reunir imagens e objetos destinados ao ensino nas escolas. Na Argentina, o Museu Escolar Nacional, produzido por Guillermo Navarro, compreendia um armário em madeira contendo produtos de origem animal, mineral, vegetal e industrial (Garcia, 2007). No Brasil foram também utilizados quadros, caixas e armários, ou ainda uma sala na escola, destinada a reunir e a conservar materiais diversos, utilizados para o ensino, como espécimes animais, minerais e naturais (Petry, 2013). Além dos museus escolares, a História da Educação investiga os museus de educação, também denominados museus pedagógicos, criados por diferentes países a partir da segunda metade do século XIX, no âmbito da modernização da educação que alcançava uma larga difusão de ideias, métodos e materiais didáticos em nível internacional, através das Exposições Universais (Kuhlman, 2001; Bastos, 2002). Dezenas de países criaram seus museus nacionais de educação, destacando-se o Museu South Kensington criado na Inglaterra, em 1857; o Museu Pedagógico da Áustria, criado em 1873 e o Museu Pedagógico da França, formalmente instituído em 1879 (Majault, 1979). É importante observar que os museus de educação configuraram-se em instituições museológicas particulares e afinadas aos museus do século XIX, não se caracterizando como os museus clássicos, originados a partir de uma coleção de obras de arte alocadas em uma edificação histórica, permitindo observar uma apropriação específica das representações e práticas relacionadas à Museologia por parte da Educação. Esses museus continham biblioteca pedagógica, lojas de materiais escolares, coleções de materiais pedagógicos, arquivos de documentos históricos, realizando estudos estatísticos sobre a educação no País e oferecendo serviços de publicações, conferências públicas e auxílio aos professores e ao ensino escolar. Também no Brasil, conforme Maria Helena Camara Bastos (2002), na década de 1880, várias situações colocavam na ordem do dia a criação de um museu de educação brasileiro: em 1880 Dom Pedro lança a idéia de um museu de instrução pública; em 1881 foram realizadas duas exposições em território nacional abordando a temática da instrução pública, a Exposição de História do Brasil na Biblioteca Pública e a Exposição Industrial preparatória à Exposição Continental de Buenos Aires; em 1883 a reforma do ensino primário instituída por Leôncio de Carvalho reserva um capítulo à criação do Museu Pedagógico Nacional, a partir do modelo de organização do Museu Pedagógico de São Petersburgo. Desse modo, a Exposição Pedagógica do Rio de Janeiro, inaugurada em 29 de julho de 1883, trouxe como resultado o projeto de criação de um Museu Escolar Nacional, apresentado pelo deputado Franklin Dória ao Congresso Nacional. A Comissão de Instrução Pública, no entanto, teceu críticas ao projeto de Dória, recusando-o e protelando a criação de um futuro museu pedagógico nacional. No mesmo ano, foi criada a Sociedade Mantenedora do Museu Escolar Nacional, no Rio de Janeiro, havendo registro do funcionamento do museu nos anos de 1885 e 1886. A partir desses antecedentes, em 1890 é fundado por Benjamin Constant, o Pedagogium, órgão vinculado ao Ministério da Instrução Pública, sendo nomeado seu diretor Dr. Menezes Vieira, considerado por Maria Helena Bastos como seu criador e estimulador. Segundo o Decreto número 980, o Pedagogium era definido como um centro impulsor das reformas e melhoramentos de que ca-

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rece a instrução nacional, oferecendo aos professores públicos e particulares os meios de instrução profissional de que possam carecer, a exposição dos melhores métodos e do material de ensino mais aperfeiçoado. (Bastos, 2002: 277-278). Para realizar esse intento, o Pedagogium conteria exposição permanente de um museu pedagógico, laboratórios de ciências, uma escola primária modelo, oficinas de trabalhos manuais, além de oferecer conferências e cursos científicos e publicar uma revista pedagógica. O Pedagogium caracterizava-se muito mais como um centro de formação de professores do que um museu no sentido estrito, vindo a constituir-se como fomentador da modernidade pedagógica propugnada pelo novo regime republicano. Um dos objetivos do Pedagogium no curto período de sua existência, entre 1890 e 1919, foi o fomento da criação de museus similares nos demais estados do território nacional, bem como a organização de museus nas escolas, a partir das indicações feitas por Buisson no seu Dictionaire de Pedagogie et d’Instruction Primaire. Desse modo, os inspetores escolares deveriam estar atentos às bases de organização dos museus escolares, que deveriam compreender materiais diversos destinados ao ensino de Lição de coisas, sobretudo de aspectos vinculados às ciências naturais e físicas. Pode-se observar um movimento internacional de amplas dimensões em prol da criação dos museus de educação, seja museus escolares de pequenas dimensões e vinculados à escola, seja museus nacionais de educação que visavam reunir uma variedade de materiais referenciados nas práticas e ideias pedagógicas então vigentes. Esse movimento, por sua vez, permite observar a apropriação feita pela Educação das representações de museu, conferindo a este práticas específicas que permitem problematizar e relativizar os usos clássicos dos museus. Para a Museologia, é fundamental aproximar-se desses museus, não apenas no sentido de conhecer a historicidade das apropriações de práticas e representações que se configuraram em artefatos e instituições museológicas datadas no tempo e que hoje não mais existem, mas no sentido de verificar a permanência e as reinvenções desses museus na atualidade reunidos em movimentos em diversos países na perspectiva da preservação do patrimônio educativo. Assim, Países como Espanha, França e Portugal, além do Brasil, vêm constituindo redes entre profissionais e instituições numa perspectiva diferenciada daquela do século XIX, pois agora é um dever de memória e vontade de museu (Poulot, 2009) que mobiliza educadores na criação de museus, memoriais e centros de documentação no âmbito do espaço escolar. No entanto, permito-me aqui dizer que não apenas os museus de temática vinculada à educação ou ao universo escolar podem ser objetos de investigação da História da Educação, mas os museus de todas as tipologias, pois no meu entender, os museus surgiram e se perpetuam no tempo com forte caráter educativo. Os museus são, nesse sentido, lugares educativos que se caracterizam por colocar em evidência a relação da humanidade com os objetos; objetos estes deslocados do seu contexto original de criação, circulação e utilização e ressemantizados num novo cenário (Guarnieri, 2010), através do processo de musealização (Desvallés; Mairesse, 2010), no qual serão conservados, pesquisados e expostos a partir de construções narrativas no âmbito de uma cadeia operatória, definida como:procedimentos de salvaguarda (conservação e documentação) e comunicação (exposição e ação educativo-cultural) que, uma vez articulados com os estudos essenciais relativos aos campos de conhe-


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cimento responsáveis pela coleta, identificação e interpretação das coleções e acervos,são fundamentais para o desenvolvimento dos museus e das instituições congêneres. (Bruno, 2008). Por outro lado, o museu ao tornar presente o tempo por meio de uma relação de representação entre este ausente e a cultura material e visual, permite uma negociação dos sujeitos com o seu passado, naquilo que François Hartog (2006) denominou de regime de historicidade, pois As práticas colecionistas, as formas de institucionalização de coleções, a maneiras como os objetos são apresentados ao público, enfim, o processo de musealização encerra indícios contundentes de como a sociedade percebe e traduz as experiências do tempo; como ordena o passado, presente e futuro de modo a lhes conferir sentido. (Julião, 2014: 6) Nessa perspectiva, ao propor uma determinada forma de relação com os bens culturais, advinda da seleção de determinadas coisas para serem perpetuadas no tempo, o museu educa, propondo uma mirada específica aos objetos e às possibilidades infinitas de sua significação nas exposições ou outros meios de extroversão. Como a escola, o cinema, o livro, a família, o museu é lugar do educar, pois constitui-se em espaço de criação de represesentações sobre o mundo e as coisas, propondo visões de mundo, versões da história; prescrevendo comportamentos e práticas; enfim, acima de tudo, colocando-se como lugar autorizado e legitimado socialmente para tal. A História dos museus A História passa a mirar os museus no mesmo movimento proporcionado pela Nova História Cultural, sendo colocados sob investigação os mecanismos de construção de legitimidade e de autoridade do museu, num duplo movimento: no sentido de historicizar e desnaturalizar o museu como lugar de produção e circulação de narrativas e na perspectiva autocrítica da História em relação à memória, que identificou no museu um dos lugares instituídos para narrar o passado da nação (Nora, 1984). Nessa perspectiva, não se trata de desconsiderar os estudos relativos à história dos museus anteriores à década de 1980 e que configuram a história da história dos museus, mas de verificar a historicidade dos processos de invenção e constituição de coleções e instituições subordinadas às tramas de relações sociais, aos desejos e vontades de grupos e sujeitos, às lutas de representação sobre o passado e às disputas de poder que implicaram na invenção de determinadas práticas concernentes à conservação de objetos, alçados ao estatuto de patrimônio de uma coletividade, em um local especial imaginado para tal. Assim, tomando como exemplo a perspectiva francesa, na obra de Pierre Nora (1984), os museus ganharam espaço nos estudos históricos ao lado de monumentos, de símbolos, de imagens, de calendários, de obras literárias, de comemorações, num esforço exaustivo de identificação e investigação dos lugares de memória da nação. Desse modo, foram estudados os primeiros grandes museus nacionais criados pela Revolução, como o Louvre (Babelon, 1984) e os museus de monumentos franceses (Poulot, 1984), bem como os museus provinciais (Pommier, 1984) e o Museu de Versailles (Gaehtgens, 1984). Nesses estudos, a relação entre museus e educação é flagrante. Pommier (1984) mostra como diversos museus em diversas cidades da França foram criados antes da

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Revolução Francesa, a partir da publicização de coleções particulares doadas às academias ou às municipalidades, estando vinculados à preocupação com a criação de escolas de desenhos cujo objetivo era uma educação da mão e do olhar, não apenas para os artistas mas também para os artesãos e trabalhadores dos ofícios, reunindo, desse modo, arte e técnica como base dos princípios educativos das Luzes. Essas iniciativas precedentes à Revolução Francesa constituíram-se em terreno fértil à consciência histórica resultante da criação dos museus provinciais em 1801, caracterizando uma “obsessão pedagógica” (Poulot, 1997) no período, quando o acesso às obras de arte confiscadas pela Revolução foi considerado meio de transmissão e de educação das futuras gerações sobre o passado. No mesmo sentido K. Pomian (1991) identifica a relação estreita entre os museus nacionais e uma educação patriótica no desenrolar do século XIX, quando o museu tenta inculcar nos visitantes valores que pretendem unificar os cidadãos através de imagens do passado em prol de uma identidade de nação civilizada contra as ameaças que podem vir do exterior. Saindo da Europa, é possível observar em outros contextos a estreita relação entre a criação de museus e a edificação de uma memória nacional, a exemplo da análise feita por Camilo Mello Vasconcellos (2007) sobre o Museu Nacional de História do México, no qual memória e imaginário da nação vinculados à Revolução Mexicana são encenados a partir da materialidade e da visualidade de um patrimônio comum colocado em ação através do museu, inserido como parte estratégica do projeto educacional do Estado. No Brasil, o mapeamento de uma história dos museus requer a observação dos estudos realizados em várias áreas do conhecimento, não exclusivamente aos estudos praticados pela disciplina. Nesse ampla mirada, pode-se considerar a escrita de uma nova história cultural dos museus a partir dos estudos de Maria Margaret Lopes (1997), Lilian Moritz Schwarcz (2005), Regina Abreu (1996) e Miriam Sepulveda dos Santos (2006). A primeira realizou um esforço de apresentar os primeiros museus brasileiros, situando sua historicidade ao período colonial e às práticas colecionistas da Metrópole, num movimento internacional mais amplo de constituição do conhecimento científico. Os primeiros museus brasileiros fundados no século XIX inseriram-se, dessa forma, no esforço de configuração das ciências no Brasil, iniciado ainda no Império e que tentará consolidar-se durante a República. Embora atenha-se aos três primeiros grandes museus brasileiros, Museu Nacional, Museu Paulista e Museu Paraense, Maria Margaret Lopes não deixa de mostrar um movimento de repercussões regionais significativas em prol do conhecimento científico que se expressou sobretudo pela prática colecionista e classificatória. Para o interesse desse artigo, interessa ver que a autora aborda, ainda, a relação entre essas primeiras instituições e o ensino de ciências, demonstrando um duplo compromisso desses museus com o desenvolvimento científico e com a educação. Os estudos de Regina Abreu e Miriam Sepúlveda dos Santos ativeram-se sobre a formação de coleções e a exposição como modo de dar a ver determinadas narrativas sobre o passado no espaço museal. Regina Abreu penetra nos meandros das relações entre sujeitos envolvidos com a aquisição pelo Museu Histórico Nacional da Coleção Miguel Calmon, exposta por várias décadas em uma sala especial que recebia o nome do proprietário da mesma. Miriam Sepúlveda compara as narrativas sobre o passado do Museu Histórico Nacional e do


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Museu Imperial. Mesmo sem o dizer, por não ser este o foco de suas análises, ambos os estudos fornecem pistas consideráveis sobre a dimensão educativa desses museus ao proporcionarem aos visitantes narrativas sobre o passado brasileiro, privilegiando determinadas personagens, determinados recortes, determinados temas, tornando inteligíveis as relações entre textos e objetos num espaço particular. Mais que isso, historicizando esses processos, as autoras acabam por relativizar as representações sobre a memória e a identidade brasileira em exposição em museus de tipologia nacional, visitados por milhares de brasileiros e estrangeiros, até então naturalizados como portadores de falas e verdades incontestáveis. Ainda na mesma perspectiva de problematizar a construção da memória e de uma narrativa nacional no âmbito dos museus, o estudo de Ana da Fonseca Brefe (2005) investigou o Museu Paulista e o projeto de elaboração de uma narrativa visual sobre o passado nacional a partir do viés paulista. Os estudos históricos sobre museus que vem sendo produzidos no Brasil ainda apontam para problemáticas outras não atinentes à memória e à identidade nacional, como os estudos de Letícia Nedel (2005) sobre o Museu Julio de Castilhos, criado no âmbito dos parâmetros científicos, no Rio Grande do Sul em 1903, e que nos anos 1950 assume os delineamentos de uma perspectiva regionalista de construção do passado, além de estudos que focalizam as histórias urbanas e as estratégias de conservação do passado e do patrimônio através da criação de museus de cidade e da formação de suas coleções (Possamai, 2001). Retomando as considerações sobre campo anteriormente mencionadas, no que se refere à Museologia e à história dos museus, no Brasil, pode-se observar uma perspectiva alvissareira com a implantação das graduações e programas de pós-graduação em Museologia que tendem a incluir em seus currículos a disciplina História dos Museus1 , o que poderá ampliar consideravelmente a produção nesse domínio. Além das formações específicas em Museologia, diversos outros programas de Pós-graduação vem produzindo investigações sobre história dos museus e sobre história da educação em museus, situados em áreas como Educação, História, entre outras2. Ao considerar a própria Museologia como disciplina e ciência3 em formação, é possível conjecturar ainda que os delineamentos epistemológicos na atualidade direcionar-se-ão para a especialização de domínios, como a história dos museus ou a história da educação em museus, sem perder de vista uma matriz cujos aportes teóricos confiram especificidade à área.

1 Até o momento de escrita deste artigo, de um total de 14 cursos de graduação em Museologia implantados no Brasil, apenas 4 deles continham em sua grade curricular disciplina relacionada à história dos museus e suas coleções. Esse dado demonstra ainda que as formações em Museologia não consideram esse conteúdo com especificidade disciplinar, o que não quer dizer que tal conteúdo não esteja presente de modo difuso em outras disciplinas. 2 Um levantamento nas teses e dissertações produzidas sobre história dos museus, certamente, ampliaria o repertório de estudos já consolidados no Brasil, o que não se constituiu em objetivo desse artigo. 3 No âmbito do Conselho Internacional de Museus, o ICOFOM tem sido historicamente o comitê responsável pelo avanço epistemológico da Museologia, embora outros comitês abordem também essa problemática, sendo possível obter um panorama das discussões através das sistematizações colocadas em acesso público através da internet.

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Para que serve a história da educação em museus?

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A partir das considerações aqui tangenciadas, é possível verificar a pertinência dos estudos sobre a historicidade dos museus num duplo sentido: naquele que inclui os museus na perspectiva da História da Educação e naquele que observa a história dos museus indissociável da sua dimensão educativa. No primeiro caso, implica incluir os museus como objeto da História da Educação já consolidada como disciplina, na medida em que estes se constituem, desde suas primeiras configurações há vários séculos, como lugar educativo de mediação entre os sujeitos e os objetos. Conforme visto anteriormente, os museus ocuparam o lugar de formação, seja técnica ou artística, muito antes que instituições específicas viessem a ser criadas com tal objetivo. Desse modo, para além dos museus de temática educacional, a História da Educação tem muito a descobrir sobre os processos educativos instaurados por esses espaços. Na segunda acepção, como vem mostrando diversos estudos, não é possível fazer uma história dos museus sem mencionar seu caráter educativo, tendo em vista que estas instituições foram criadas com objetivos, mais ou menos explicitados, de se constituírem em lugares de mediação entre os sujeitos e uma determinada herança do passado. Desse modo, os museus proporcionam um diálogo com o tempo e com os restos selecionados para representar o pretérito para as gerações que virão. Desse pecado original, nenhum museu consegue escapar, ao contrário, os contornos atuais tendem a demostrar o aprofundamento desse viés educativo dos museus no presente. Mas por que introduzir a história dos museus na perspectiva de pensar a historicidade de suas relações com a educação ou, ainda, refletir sobre uma história da educação em museus? Aqui caberia, ainda, acrescentar o viés da Museologia ao aportar um olhar específico para a relação dos sujeitos com os bens culturais num determinado cenário. Conforme mencionado, a Museologia busca compreender como determinados objetos, aqui tomados em amplo espectro (natural, material e imaterial) são resignificados e inseridos em novo contexto no processo denominado por musealização, que compreende procedimentos basilares que vão da aquisição do objeto por um museu, sua conservação e estudo até sua extroversão por meio de exposições e ações educativo-culturais. Desse modo, nesse diálogo triangular reservo à Museologia a competência e capacidade de contribuir com indagações que nem a História, nem a Educação seriam capazes de realizar solitárias. Mas mesmo que a história da relação entre museus e educação possa interessar à História, à Educação e mesmo à Museologia, nas suas constituições disciplinares específicas, cumpre ainda abordar qual sua importância para a educação em museus hoje, ou seja, qual a importância da história desses processos que unem museus e educação para as ações educativas que tem lugar nos museus do nosso tempo? Valho-me da contribuição de Antonio Nóvoa (2004: 10-11) para finalizar a reflexão aqui iniciada, quando este aponta a relevância da mirada histórica para a educação, alargando seu escopo para os museus, para a Museologia e para a educação em museus. Assim, seguindo a sugestão do autor, aqui proponho a seguinte indagação: “Para que serve a história da relação entre museus e educação ou a história da educação em museus?” A primeira resposta, seria “para cultivar um saudável ceticismo” (Nóvoa, 2004: 10-11) em relação a práticas educativas que se apresentam com nova roupagem ao sabor dos ven-


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tos das novidades, sem considerar o conhecimento acumulado por reflexões e ações, muitas vezes banidas de cena por interesses políticos de última hora. A segunda, “para compreender a lógica das identidades múltiplas” (Nóvoa, 2004: 10-11), pois o que antes naturalizou-se como uma identidade única nos museus em projetos educativos de cunho nacional ou regional constitui-se em rica experiência para observar as fraquezas de projetos excludentes que deixaram de contemplar a diversidade cultural. Por essas razões, reflexões e ações educativas em museus, no século XXI, pautam-se não apenas por escutar e compreender as múltiplas audiências, mas também por oferecer programas para públicos cada vez mais diversificados. A terceira, “para pensar os indivíduos como produtores de história” (Nóvoa, 2004: 10-11), o que parece um jargão, cada vez se coloca como mais necessário na perspectiva de que todos criam história e que esta não está conclusa, mas constantemente em movimento, sendo as ações dos indivíduos as únicas capazes de produzir as mudanças necessárias. Última proposição de Antonio Nóvoa (2004: 10-11), “para explicar que não há mudança sem história”, ou seja, toda mudança é construída sobre o anteriormente feito, seja no sentido das continuidades ou das rupturas, pois nunca iniciamos do vazio. Por isso não há sentido nos projetos e ações ditos inovadores que tentam fazer tábua rasa do passado, desejando inventar a roda. Nesse sentido, escrever e fazer a história da educação em museus tem a relevância de levar em consideração o dito e o feito antes do nosso presente, pois disse Michel Foucault (1996), minha fala constrói-se sobre o conhecimento edificado por aqueles que me antecederam. Refletir sobre esse passado, mirando-o de modo crítico, permite inventar o porvir, numa conversa triangular e fraterna entre Educação, História e Museologia. Referências ABREU, Regina. A fabricação do imortal: memória, história e estratégias de consagração no Brasil. Rio de Janeiro: Lapa/Rocco, 1996. BABELON, Jean-Pierre. Le Louvre: demeure des rois, temple des arts. In : NORA, Pierre. Les lieux de mémoire. Paris: Gallimard, 1984. Tomo II La nation. BASTOS, Maria Helena Camara. Pro Patria Laboremus: Joaquim José de Menezes Vieira (1848-1897). Bragança Paulista: EDUSF, 2002. BASTOS, Maria Helena Camara. Método intuitivo e lições de coisas por Ferdinand Buisson. História da Educação, v. 17, n. 39, p. 231-253, set. dez. 2013. BREFE, Ana Claudia Fonseca. Museu Paulista: Affonso de Taunay e a memória nacional. São Paulo: Editora UNESP/Museu Paulista, 2005. BRUNO, Maria Cristina Oliveira. Definição de Cultura – os caminhos do enquadramento, tratamento e extroversão da herança patrimonial. In: BITTENCOURT, José Neves (org.); JULIÃO, Letícia (coord.). Cadernos de Diretrizes Museológicas 2: mediação em museus: curadorias, exposições, ação educativa. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais, Superintendência de Museus, p.14 - 23, 2008. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Difel, 1989. BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. Trad. Magda Lopes. São Paulo: UNESP, 1992. CANCLINI, Néstor García. O patrimônio cultural e a construção imaginária do nacional. Trad. Maurício Santana Dias. Revista do Patrimônio histórico e Artístico Nacional, n. 23, p. 95 – 115, 1994.

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LA INVESTIGACIÓN EDUCATIVA EN MUSEOS Y CENTROS DE CIENCIA: CAMINOS SEGUIDOS, NUEVOS RETOS María del Carmen Sánchez Mora* Universidad Nacional Autónoma de México

RESUMO: Hace más de 30 se creía que los MCC cumplían con la misión de hacer de la ciencia parte de la cultura, sin cuestionar cómo y qué se comunica de la ciencia, preguntas que solo podían ser respondidas con la evaluación, o con la investigación. Estas actividades se iniciaron con diseños experimentales que requerían definir a priori los resultados de la experiencia. Después hubo un cambio de lo conductual a lo cognitivo, y posteriormente a lo socio-cognitivo, dando cada vez más peso al contexto social de la experiencia vivida en el MCC.Como resultado de nuevos enfoques en la evaluación se pudieron mejorar las maneras de exhibir, aunque se tenía una visión de la experiencia vivida en el MCC basada en la adquisición de conceptos. Pronto se detectó que en los MCC ocurre el fenómeno de aprendizaje informal, que ante todo es personal, contextual y toma tiempo; lo anterior dio un gran giro a la evaluación, requiriéndose métodos de registro más holísticos, que abordaran toda la complejidad del proceso.Pero aún no sabemos cómo se mira a la ciencia que se exhibe; solamente la evaluación permitirá detectar si se ha logrado comunicar “el sentido científico del mundo”, para lo cual se requieren métodos de indagación que aborden toda la complejidad del proceso que ocurre en los MCC. Son necesarios entonces, enfoques de investigación más holísticos y cualitativos, que permitan ver cómo la sociedad expuesta a los MCC, resuelve problemas, entiende noticias, mira a la ciencia como empresa humana, maneja cierto vocabulario, toma decisiones informadas, etc. Un nuevo camino metodológico puede vislumbrarse en el estudio de las prácticas culturales relacionadas con el aprendizaje informal de la ciencia, esto implicará el empleo de métodos diferentes a los hasta ahora usados, o bien un cambio en la conceptualización de los MCC. Palabras clave: Museos y centros de ciencia, investigación, evaluación, aprendizaje informal, cultura científica. PALAVRAS-CHAVES:

Educational research in museums and science centers: pursued roads and new challenges ABSTRACT: Over 30 years ago we thought that MSC were accomplishing that mission of making science part of culture, and we didn’t worry about how and what were we communicating about science, two questions that could only be answered by evaluation or by research. In both cases, we began to work with experimental designs that had to define a priori the results of the experience. After that, we moved from behavioural to cognitive studies, and subsequently to socio-cognitive ones, giving increasing importance to the social context of the MSC experience.As a result of these new approaches in evaluation, we learned to improve our ways to display; however, we were still tied to a vision of the experience in the MSC based on the acquisition of concepts.But slowly we realized that MSC learning occurs through the phenomenon of informal learning, which is mainly personal, contextual and time consuming; all this took a turn to evaluation because more holistic methods of evaluation were required that addressed the complexity of the process. But we still don’t know how the nature of science we display is perceived, only evaluation must detect if we have communicated “a scientific sense of the world.”It is clear, then, that we require holistic and qualitative research approaches that enable us to see how society exposed to the MSC, solves problems, understands news in the media, look to science as a human enterprise, handles certain vocabulary, make informed decisions, etc. A new methodological path can be glimpsed in the study of cultural practices related to informal science learning; this will imply the use of methods other than those used hitherto, or maybe a shift in the conceptualization of the MSC. KEY-WORDS: Museums and science centers, research, evaluation, informal learning, Science culture.

*Coordinadora de Formación y Extensión de la Dirección General de Divulgación de la Ciencia de la Universidad Nacional Autónoma de México

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Preámbulo Cuando se habla de investigación en los museos y en particular en los llamados centros de ciencia (MCC)1, se hace necesario distinguirla de la evaluación, actividad bastante común e indispensable en estos espacios, pero cuyas intenciones y objetivos son muy diferentes a los de la investigación. La evaluación se refiere a los estudios que se realizan antes, durante o después de la fabricación, el montaje y la apertura al público de una exhibición (o de equipos interactivos) en los museos y centros de ciencia. Los estudios de evaluación tienen un carácter exploratorio e intentan analizar ante todo las actitudes generales que muestra el público frente a los temas exhibidos, entre las que pueden citarse el interés por acercarse a ciertos equipos, su permanencia frente a ellos, las rutas seguidas dentro de la exhibición, las conversaciones generadas en grupos de visitantes resultado de las acciones llevadas a cabo por estos frente a los equipos, etc. En las exposiciones ya finalizadas, la evaluación puede igualmente enfocarse a determinar la forma en que estas comunican ideas, textos e imágenes (Koran y Ellis, 1991:68). También suele emplearse el término evaluación para designar el registro sistemático de datos e información acerca de las características demográficas de los visitantes, de las actividades que realizan, o bien, de los resultados cognitivos, afectivos o procedimentales que una cierta exposición tiene sobre los visitantes; lo anterior, con la intención explícita de tomar decisiones acerca de la posible continuidad o mejora, tanto de la exposición como de las actividades que las acompañan (Screven, 1990:37). Por su parte, la investigación tiende a buscar la generación de nuevo conocimiento acerca de los diversos procesos que ocurren en los MCC, relacionados en buena medida con el actuar de los visitantes, pero sobre todo, con la intención de comprender el efecto que la visita tiene sobre estos. Tales conocimientos nuevos suelen provenir del planteamiento de hipótesis que eventualmente pueden llevar a la elaboración de teorías, sin que necesariamente sus resultados se utilicen para resolver un problema en particular. Investigación y evaluación suelen confundirse en los museos porque ambas utilizan las mismas técnicas, por ejemplo, cuestionarios, entrevistas, seguimientos, grupos de enfoque, etc.; lo importante es distinguirlas de acuerdo con los objetivos buscados en cada trabajo (Koran y Ellis, 1991:69). La evaluación se utiliza para resolver un problema específico y generalmente requiere de poco tiempo para su realización, mientras que la investigación proviene de la necesidad de profundizar en el conocimiento de los procesos que ocurren en los MCC o para la elaboración de marcos teóricos. En los MCC se utiliza mucho la investigación dentro de los llamados “estudios de público” con el objetivo de comprender la forma en que las y los visitantes utilizan el museo. En esta modalidad de estudios de público (que también pueden tener carácter evaluativo), puede incluirse la necesidad de justificar las metas institucionales, realizar estudios demográficos para resolver problemas a corto o largo plazo, evaluar la eficiencia de programas paralelos a las exposiciones, llevar a la formulación de nuevas exhibiciones, entre muchos otros (Screven, 1990:37). Habrá que señalar que la investigación en los MCC no ha avanzado tanto 1 Se entienden por museos y centros de ciencia - MCC - como aquellos espacios que más que objetos (como los museos de historia natural), exhiben ideas o principios científicos a través de la construcción de artefactos demostrativos denominados interactivos (Gregory y Miller, 1998:203).

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como la evaluación, ya que, los trabajos llevados a cabo en museos y universidades se han dedicado sobre todo a la resolución de problemas puntuales a través de la segunda (Schauble, Leinhardt y Martin, 1997:3). A pesar de que no siempre es fácil separar los términos evaluación, estudios de público e investigación, es importante que en este artículo se distingan claramente los objetivos e intenciones de cada uno, ya que a partir del recuento de los caminos que ha seguido la investigación en los MCC a lo largo de casi cuatro décadas, se busca plantear en este trabajo futuras líneas de acción a partir de la revisión de la literatura sobre el tema. Introducción Hace ya más de 30 años se creía que bastaba con que existiera la intención y la capacidad de la institución museística para transmitir sus mensajes a un público idealmente receptivo, para que este se viera motivado a asistir y comprendiera todo aquello que los MCC pretendían comunicarle a través de exhibiciones atractivas. Esta situación ideal sería el resultado de una particular relación entre la exhibición y los visitantes a la que se denomina interactividad (Autor, 2014:3), término que se refiere a la posibilidad de que los visitantes tengan acceso físico a las exhibiciones, a diferencia de los grandes museos de arte, historia o arqueología, que se basan en la observación. Posteriormente, la interactividad se asoció con el uso de sistemas electrónicos y simuladores para exhibir los fenómenos científicos y se reconsideró que la interactividad no solamente implicaba tocar, sino también comprender e incluso emocionarse con lo exhibido (Hernández, 2014:23). En sus orígenes la investigación en los MCC estaba muy centrada en estudios demográficos que medían el éxito de las exposiciones por el número de visitantes que acudieran al museo, el tiempo que permanecieran frente a sus exhibiciones (Lucas, 1983:5), o la popularidad de las mismas (Alt y Shaw, 1984:26), definida esta por su capacidad de atraer y retener al mayor número de personas posible, sin dar demasiada importancia a lo que los visitantes pudieran llevarse de la experiencia. Pronto muchos MCC empezaron a interesarse por conocer si las experiencias de los asistentes eran educativas, en el sentido de que pudieran tener algún efecto en la comprensión o el acercamiento del visitante a la ciencia. Este interés provenía, sobre todo, de que a muchas instituciones se les empezaba a exigir una función educativa más allá de la recreativa, para así avalar su alto costo (Bradburne, 1998:243). La justificación de la función educativa de los MCC revistió tal importancia desde hace ya varias décadas que en las misiones de muchos de ellos se empezó a señalar como su meta principal incrementar el interés por la ciencia o, más recientemente, buscar el “generar una cultura científica” en la población atendida (Autor, 2012:37). No puede negarse que lo anterior obedecía también a las críticas que muy pronto empezaron a recibir los MCC, de que en aras de buscar el entretenimiento (como gancho para acercar al público), la ciencia comunicada por estos no solo es un asunto secundario (Gregory y Miller, 1998:213), sino que se le banaliza y exhibe como si se tratara de resultados finales o producto de ideas geniales y casuales, en donde el carácter de la empresa científica y las implicaciones económicas, políticas y sociales de la ciencia quedan completamente fuera del discurso museográfico (Pedretti, 2002:8). Ante estas críticas, los


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MCC empezaron a poner atención en el tipo de comunicación de la ciencia que llevaban a cabo, pero más que todo, en lo que se estaba comunicando acerca de la ciencia, lo que solo podía ser conocido a partir de la investigación. Cabe aclarar que la interrogante antes esbozada acerca de la calidad y la intención del discurso comunicado acerca de la ciencia al público resulta ser un asunto casi exclusivo de los MCC, quienes exponen prioritariamente ideas o conceptos, a diferencia de otros museos que exhiben objetos, lo que impone a ambas instituciones relaciones diferentes con sus visitantes. Desde luego, habrá que hacer notar que cualquier tipo de museo, sea este de ciencia o de otra temática, se enfrentará siempre a problemáticas semejantes sobre la atención a públicos diversos, o acerca de la seguridad, el financiamiento, la extensión, la promoción, etc. Podría hablarse entonces de una fuerte diferencia, no solo objetual y temática, sino incluso filosófica entre las metas perseguidas por los MCC y el resto de los museos (Gregory y Miller, 1998:214). Estas diferencias entre los MCC y el resto de los museos se hacen aún más notorias en los rubros de la evaluación y la investigación, las que se analizan críticamente en este artículo. tico

Un punto de partida: las diversas miradas al fenómeno museís-

Antes de la década de los 90, las investigaciones realizadas en los MCC rara vez se preocupaban por conocer el efecto de la comunicación de la ciencia sobre los visitantes, en buena medida porque en aquellos momentos no era totalmente claro el resultado que se buscaba como producto de la interacción con las exhibiciones (Gregory y Miller, 1998:208). Por aquel entonces la investigación en los MCC tenía una marcada tendencia a buscar las características que definieran a las exhibiciones exitosas, particularmente en términos de su poder de atracción (Alt y Shaw, 1984:27), aunque con el tiempo se dio cada vez más importancia a los visitantes (Boisvert y Slez, 1994:138), de quienes a través de la investigación se buscaba conocer sus motivaciones para aproximarse a los MCC o describir las acciones que llevaban a cabo frente a las exhibiciones (Gregory y Miller, 1998: 212). Este tipo de estudios suele tener un diseño experimental, en donde se manejan algunas variables para obtener resultados predeterminados, y donde se pone particular atención al tiempo que dedican los visitantes a una exhibición en particular. Las metodologías empleadas implicaban definir a priori los resultados de la visita, lo que dejaba fuera la consideración de resultados no previstos, no por ello menos valiosos. Entre estas metodologías puede citarse el realizar observaciones de los visitantes que se complementan con entrevistas posteriores que permiten afinar los resultados. Entre muchos de los trabajos de este estilo se puede mencionar el de Judy Diamond de 1986, que, como muchos otros, fue muy útil para empezar a comprender el fenómeno educativo en los MCC. Otro estudio importante es el de Paulette McManus, quien en 1994 analizó el discurso social generado en grupos de visitantes ante diferentes exhibiciones en el Museo de Historia Natural de Londres. Una conclusión muy importante de esta investigación es que el estilo de presentación de las exhibiciones afecta profundamente al tipo de pensamiento o discurso generado por los visitantes. Hacia la primera mitad de la década de los 90 alcanzaron un mayor auge

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los estudios en los que se pretendía conocer el aprendizaje cognitivo obtenido de la visita a un MCC, aunque muy pronto los investigadores se percataron de que como resultado de la interacción con las exhibiciones, a la adquisición de conceptos se sumaban el logro de ciertas habilidades; por ejemplo, intuir el funcionamiento de algunos equipos, y sobre todo, el desarrollo de algunas actitudes positivas hacia la ciencia (Wellington, 1990:205). Sin embargo, la medición de estos dos últimos aspectos, en particular el afectivo, sigue hasta la fecha representando una gran dificultad metodológica (Meredith, Fortner y Mullins, 1997:807). Las investigaciones donde se busca encontrar los conocimientos que el visitante se lleva como resultado de haber vivido una experiencia, generalmente breve, se enfocaron a medirlos de acuerdo con objetivos de aprendizaje predeterminados. De esta época, es particularmente interesante el trabajo de Minda Borun et al (1993), en el que investigan las concepciones ingenuas que los visitantes llevan al museo y la ganancia conceptual resultado de la experiencia vivida (Borun, Massey y Lutter, 1993:215). Los estudios sobre la ganancia cognitiva como resultado de la visita parecían mostrar que los MCC son un alternativa eficaz para la enseñanza de la ciencia en niños y jóvenes, especialmente para aquellos que no tienen materiales didácticos fácilmente disponibles en sus escuelas (Autor, 2013:387), o para los adultos que se han alejado no solo de la ciencia, sino incluso de oportunidades educativas diversas (Wellington, 1990:247). Por ello es que muchos de los MCC buscaron diseñar y manipular educativamente las exhibiciones, para así generar la adquisición de ciertos conocimientos. En estas épocas (antes de los 90), se escribió mucho acerca de los diferentes grados de retención y de recuerdo de conceptos científicos exhibidos dependiendo de la forma de presentación de la exhibición, el tipo de acceso a esta, las características de los apoyos museográficos, como las cédulas, las preparaciones pre y postvisita, la relación entre los miembros del grupo y el propósito de la visita. Curiosamente, este tipo de estudios corresponden también a un momento de gran proliferación de los MCC (Beetlestone et al, 1998:501).] Uno de los aspectos más importantes que marcaron la investigación en los MCC desde los últimos 20 años fue reconocer el papel que el contexto juega en la visita. Alrededor de los años 80 se iniciaba en las investigaciones la preocupación por el efecto del contexto en los resultados de la visita. Prueba de ellos son estudios como el de 1978 de John Falk et al, quienes demostraron claramente los efectos que un escenario novedoso o desconocido (como son los MCC) tiene sobre la conducta y el aprendizaje de corte formal en los escolares que realizan una visita grupal al museo (Falk, Martin y Balling, 1978:31). El modelo de la experiencia interactiva de Falk y Dierking (1992)2 resultó ser un parteaguas en la comprensión de la experiencia museográfica, sobre todo por los nuevos enfoques que dicho modelo traería a la investigación, ya que su propuesta dejó claro que en el estudio del fenómeno que ocurre en los MCC no solo había que observar la vivencia personal durante la visita, sino que es necesario considerar todos los contextos que forman parte de esta, como son el físico y el social, e incluso el inmediato. Este modelo se contrapone a la investigación basada en estudios y diseños experimentales que intentan controlar 2 El modelo de la Experiencia Interactiva de Falk y Dierking (1992) propone que en la experiencia museística concurren por lo menos tres contextos: el personal, el físico y el social.


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variables asociadas con la visita, lo que inevitablemente llevaba a descontextualizar la experiencia. Por otra parte, trabajos como el realizado por McClafferty en 1995, que se dedica a estudiar el conocimiento generado por la popular y muy usada exhibición conocida como los “platos susurradores” (whispering dishes), que demuestra los principios de la reflexión del sonido, señalan también que la investigación debería ser menos rígida y abarcar numerosas variables que describen la experiencia museográfica. La investigación a partir del reconocimiento del aprendizaje informal Una vez que los MCC percibieron al visitante como aquel que construye su propio conocimiento y comprensión de la ciencia (Gregory y Miller, 1998:213), y que tuvieron claro que dicha construcción es de naturaleza personal y muy diferente del fenómeno que ocurre dentro de los espacios educativos formales, es que se pudo delimitar una nueva forma de acercamiento a la ciencia en la que, más que la adquisición de conceptos, se busca la comprensión del quehacer científico y el desarrollo de ciertas actitudes frente a la ciencia (Jenkins, 1994:606). A partir del reconocimiento de esta forma de aprendizaje, llamada informal, se pudo describir un fenómeno que por muchos años se estaba tratando de detectar en los MCC y que se puede presentar en una gran variedad ambientes no escolarizados, no solamente en los museos. La aceptación de este fenómeno implicará, como se demostrará más adelante, una visión holística del aprendizaje (Rennie y McClafferty, 1996:60) y, por lo mismo, una gran dificultad para documentarlo. Comprender en toda su dimensión el tipo de aprendizaje que prioritariamente ocurre en ámbitos educativos informales requirió considerar el fenómeno de aprendizaje ya no como un resultado, sino como un proceso, que de alguna manera había empezado a ser descrito por varios autores (Borun, Massey y Lutter, 1993:203). El reconocimiento del proceso de aprendizaje informal ha permitido también el desarrollo de instrumentos para su detección, muchos de ellos traducidos en categorías de acciones, habilidades y actitudes codificables, que incluso han servido a muchos museos como índices de efectividad, y que permiten justificar la inversión gubernamental o privada que en ellos se hace. Entre las aportaciones más interesantes al respecto pueden señalarse los Generic Learning Outcomes (GLO) desarrollados por el equipo de trabajo de E. Hooper-Greenhill (2008) y los Strands de la National Academy of Sciences de EUA (Bell, Lewenstein, Shouse, y Feder, 2009:3). Las investigaciones más recientes sobre el aprendizaje informal generado por la visita reconocen que se trata de un evento fugaz, totalmente dependiente de un gran número de variables y que se ve afectado por experiencias previas o posteriores vividas por el visitante, de manera que es difícil encontrar el resultado de un evento que, en sí mismo, representa una mínima parte de un complejo entramado del aprendizaje informal (Diamond et al, 2009:11). Muchos de los trabajos que se realizaron a partir de la década de los 90 en ambientes educativos informales, como los zoológicos, jardines botánicos y MCC, han tomado en cuenta estas características del aprendizaje informal, cuyos resultados no solo son personales y suelen tomar tiempo, sino que están

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totalmente determinados por el contexto. Los cambios antes mencionados en la concepción del aprendizaje que ocurre en los MCC explican por qué en los últimos 15 años se ha pasado de los estudios de corte conductista a los sociocognitivos, en los cuales se ha recalcado la importancia del contexto social como un factor determinante en la interacción equipo-visitante (Rennie, 2001:108). Como es de esperarse, el giro en las investigaciones que pasaron de detectar un fenómeno de aprendizaje colectivo con resultados semejantes a los que pueden lograrse en un ambiente educativo formal, a uno de índole idiosincrático absolutamente dependiente del contexto, implicó una problemática metodológica enorme, ya que su registro implicaba no solamente observar o entrevistar grupalmente a los visitantes como anteriormente se hacía, sino que fue necesario involucrarlos activamente en el proceso de medición de la experiencia. En esta nueva situación, las metodologías empleadas en la investigación requieren que se colecte información a partir de cada uno de los visitantes, para así lograr comprender su percepción individual de lo exhibido, la cual, ahora se sabe, está supeditada al propósito de la visita, a sus conocimientos previos y a sus motivaciones para acudir al museo (Autor, 2011:25). A lo anterior habrá que añadir que dado que los espacios de aprendizaje informal permiten que los visitantes se muevan con toda libertad, la captura de datos sobre sus vivencias se vuelve muy complicada, sobre todo porque en un intento por tener acceso cercano a los visitantes, el investigador puede estar interfiriendo mucho más en el fenómeno que intenta medir, a diferencia de cuando solo se registra o graba el proceso de aprendizaje con observaciones a distancia, o a través de instrumentos indirectos de detección, como son las grabaciones o los cuestionarios. Pero la problemática metodológica mayor radica en el registro no solo de una experiencia personal, sino de una situación acumulativa y temporal, que puede manifestarse cuando ha transcurrido mucho tiempo entre la experiencia vivida en el museo y la situación o el contexto en la que dicho conocimiento se va a aplicar. Para algunos autores, si el aprendizaje es acumulativo, se tendría que evaluar también fuera del museo y a lo largo del tiempo, lo que implicaría registrarlo en otros momentos y por lo mismo, en contextos diferentes al museo (Rennie, 2001:111). Esto afectaría la visión de que el aprendizaje informal que ocurre en el museo está determinado por el contexto museístico, de manera que si se le separa del ambiente en que ocurrió, se perdería irremediablemente el efecto contextual en que ocurre (Diamond, Duke y Uttal, 2009:13). A pesar de las limitaciones descritas, puede afirmarse que la investigación en museos de los últimos años ha permitido sacar interesantes conclusiones, en particular acerca del comportamiento de ciertos grupos sociales en los MCC, especialmente el de las familias (Anderson y Ellenbogen, 2012:1179); también ha llevado a conocer algunas respuestas que resultan de la interacción del público con cierto tipo de equipos, actividades educativas o modalidades de exhibición (Allen y Gutwill, 2005:199). Además de intentar describir y detectar el proceso de aprendizaje informal, la investigación más reciente se ha dirigido en buena medida a considerar el museo como un escenario donde se puede estudiar la forma en que las personas suelen aprender la mayor parte del tiempo. Sin embargo, en el futuro se requerirá de estudios más sofisticados que consideren con mayor amplitud la complejidad del aprendizaje informal (Anderson y Ellenbogen, 2012:1186) y


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donde se tome en cuenta la gran variabilidad de logros de aprendizaje como resultado de las visitas a los MCC, que finalmente debieran reflejarse en el efecto que causan en la vida presente y futura de la sociedad en su conjunto. Tendencias actuales en la investigación en los MCC Los últimos años atestiguan cambios metodológicos considerables en los estudios sobre la experiencia museística. Jenkins (1994:603) ha dejado claro que el conocimiento científico no se adquiere sin cambios, sino que más bien cada persona le da significado en su propio contexto, de donde se concluye que lo que el público se lleva de la visita podrá usarlo, si acaso, en circunstancias personales. Esta percepción propone contar con resultados de investigación más cercanos a la realidad, pero cuya obtención se dificulta debido a las complicaciones que implica hacer el seguimiento de los visitantes. Esta es una de las razones por la cual los estudios de visitantes y de impacto no son tan numerosos hoy en día como se quisiera (Rennie y McClafferty, 1996:71). La variedad de métodos que se emplean para los estudios de visitantes da también cuenta de la complejidad de este campo (Anderson y Ellenbogen, 2012:1181), donde además cada una de las investigaciones arroja información muy diferente (Hein, 1998:68). Lo que hoy puede afirmarse ante la gran variedad de métodos empleados es que los paradigmas de investigación utilizados dependen desde luego de los objetivos de la investigación realizada, pero también de las actitudes que el investigador tenga ante las conductas de los visitantes. En general, en el enfoque cuantitativo los investigadores tienden a analizar y clasificar las conductas; por el contrario, los investigadores naturalistas se interesan más por los significados y explicaciones que existen detrás de dichas conductas. Cuando se consideraba que el aprendizaje era la adquisición de nueva información, más que la consolidación generalmente lenta de las ideas preexistentes, era relativamente común diseñar medidas de registro pre y postexperiencias, pero que arrojaban resultados de aprendizaje muy estrechos, que además volvían muy artificial la situación de aprendizaje con la consecuente dificultad de generalizar los resultados. El constructivismo y la teoría sobre las explicaciones previas han sido fundamentales para el campo de los estudios de museos, pues tales enfoques no solo toman en cuenta el contexto social en que ocurre la experiencia museística, sino que además consideran su carácter personal. Los trabajos basados en estas ideas han mostrado además que la investigación en museos es ecléctica y que requiere el uso de teorías variadas para documentar el aprendizaje, así como metodologías provenientes de múltiples disciplinas. Lo anterior nos señala que en la investigación en los MCC la recolección de datos debe ser múltiple, que ya no basta con obtenerlos directamente de los visitantes, y que los resultados tendrán que ser interpretados a la luz del conocimiento de los públicos, de lo que hacen y de con quién interactúan. Por otro lado, se ve la necesidad de emplear un amplio rango de formas de indagación tanto cualitativas como cuantitativas, que en conjunto describen mejor la complejidad de la situación. Recientemente se ha desarrollado una gran cantidad de métodos para tal efecto, con énfasis en la complementariedad, la validación y la triangulación para asegurar la confiabilidad de los resultados (Rennie, 2001:111). En general, la investigación en los MCC ha ampliado el rango y al alcance de las metodologías utilizadas, lo que ha permitido realizar trabajos de corte

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holístico, particularmente cualitativos. Un ejemplo de esto se puede revisar en la tesis doctoral de D.J. Johnston de la Universidad de Curtin en Australia, elaborada en 1999, quien desarrolló dos instrumentos de indagación para medir el impacto a corto y largo plazo de la visita, con base en respuestas escritas en un cuestionario postvisita. Este trabajo permitió al autor utilizar las palabras y frases elegidas por los visitantes. Más recientemente, Rennie y Williams (2002:709) construyeron una entrevista sobre cultura científica basada en grupos de enfoque realizados con los visitantes. Los autores analizaron la forma en que los visitantes expresan su comprensión de la ciencia y probaron sus instrumentos en campo. Llama la atención que este tipo de trabajos que marcan una nueva forma de investigar el efecto de los MCC sobre la población haya suscitado hasta ahora poco interés. Se ha visto que separar los resultados de la visita en fragmentos unidimensionales medidos en experimentos controlados ya no parece ser una opción realista para realizar investigaciones sobre el aprendizaje que ocurre en los MCC. Definitivamente, los estudios pre-post son descontextualizantes y muchas veces están basados en cuestionarios pobremente elaborados; pero más que todo, impiden hacer seguimientos del proceso de aprendizaje en tanto se enfrentan a la dificultad de contactar a los visitantes a posteriori. En buena parte de la literatura puede notarse que muchos de los trabajos para determinar el efecto de la visita al museo en diferentes audiencias se han realizado en grupos de visitantes potenciales (escuelas sobre todo), en cuyo caso se obtiene la evaluación de los equipos exhibidos y no de los visitantes potenciales. Por eso es que ha surgido la necesidad de realizar diseños de investigación a partir de fuentes más variadas que la sola interacción con los equipos museísticos de un solo museo. Se ha pensado igualmente hacer comparaciones entre equipos semejantes exhibidos en diferentes MCC, donde se muestren evidencias del aprendizaje informal. También se ha sugerido recurrir a la recolección de datos naturalistas, cuya utilidad había sido señalada por Koran y Ellis desde 1991 (1991:67), cuando revisaron cuatro estudios experimentales de los que concluyen que todos ellos podrían haberse enriquecido con la colección de este tipo de datos que permitieran hacer comparaciones entre diferentes ambientes y situaciones. Igualmente en la década de los 90 se reconoce la necesidad de un cambio en la metodología hacia estilos más interpretativos de los resultados (Rennie y Johnston, 2004:11). Lo que es un hecho es que, a comparación de otros ambientes educativos, hay pocos trabajos que estudien el proceso de aprendizaje informal a largo plazo, así como también son escasos los estudios longitudinales, debido en buena parte a la dificultad de seguir a los visitantes una vez que abandonan el museo. De acuerdo con lo anteriormente expuesto, resulta difícil hablar de la metodología única o idónea para el estudio del aprendizaje informal que ocurre en los MCC. Lo más importante seguirá siendo tener especificidad en los objetivos que se persiguen en cada estudio y así, dependiendo del marco teórico que se utilice, se podrá llegar a resultados más válidos. Dada la vastedad de este campo de investigación, la tendencia actual es tratar de utilizar los métodosque resulten más apropiados para preguntas específicas de investigación, aunque seguramente la complejidad metodológica en la investigación en MCC podrá reducirse en la medida en que se tenga más claridad sobre el fenómeno que se intenta registrar.


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Investigación ¿en los individuos o en la sociedad? Los estudios realizados hasta ahora sobre el aprendizaje informal en el ámbito de los MCC han transitado un camino complejo que abarca desde tratar de encontrar lo que grandes grupos de visitantes obtienen de la experiencia (en buena medida conocimientos) hasta detectar las adquisiciones de cada individuo. Más recientemente interesa conocer si como resultado de la visita el público se lleva ya no solo conocimientos, sino una visión diferente de la ciencia de la que poseían antes de acudir al MCC (Lucas, 1991:496). Ambos, conocimientos y visión, forman parte de lo que se conoce como alfabetización científica1 (Jenkins, 1994:602). Sin embargo, desde finales de los 90, autores como Schauble, Leinhardt y Martin (1997:5) empezaron a sugerir estudiar hacia el efecto de la visita sobre la generación de una cultura científica2 en la sociedad. Lo anterior habla de una diferente percepción de la misión de los primeros MCC, que de acuerdo con el modelo Exploratorium (con expresa vocación educativa) intentaban buscar el aprendizaje de conceptos mediante experiencias divertidas y motivadoras. A los objetivos originales se añadió pronto la formación de vocaciones, la generación de actitudes (positivas) hacia la ciencia, el empoderamiento ciudadano o la formación de una cultura científica. Medir el cumplimiento de tales objetivos no es fácil, pues ante la falta de metodologías que permitan hacerlo, la investigación se enfrenta al gran reto de construir el panorama general de los resultados de las visitas a partir de los estudios locales o puntuales que constituyen la mayoría de las investigaciones (Godin y Gingrass, 2000:94). A partir de las escasas encuestas globales, tampoco parece que las visitas a los MCC estén teniendo efecto sobre la cultura científica de las poblaciones estudiadas, aunque queda la duda de si se está midiendo correctamente su contribución a la cultura científica, o si realmente los MCC están colaborando a formarla. Puede decirse que, por otro lado, tampoco hay plena aceptación de los métodos de evaluación, sobre todo de aquellos basados en pruebas que detectan los conocimientos adquiridos por grandes poblaciones, y menos aún cuando estos métodos tan solo señalan la falta de conocimientos del público sobre un tema. Pero cuando se toma en consideración el asunto de la particularidad, lo personal, impredecible, idiosincrático, dependiente del contexto y provisional del aprendizaje informal, se hace notoria la dificultad de capturarlo con los comúnmente usados instrumentos de opción múltiple o de preguntas de dudosa validación, enfocados a registrar datos de grandes poblaciones. Ante la necesidad de contar con métodos más cualitativos para el registro de la experiencia museística, algunos investigadores han sugerido ir más allá de capturar el conocimiento fáctico, e intentar considerar los efectos sociales, psicológicos y políticos generados por la visita, para así poder comprender, más 1 La alfabetización científica es un elemento educativo importante, no se trata de aprendizaje de vocabulario científico y de su definición estricta, sino de la comprensión y el entendimiento de su significado real, cuando se confronta al ciudadano común con la aplicabilidad efectiva de los términos que este vocabulario contiene. Se trata de una recolocación del conocimiento científico en el conocimiento del día a día (Jenkins, 1994: 602) 2 Para Burns, O’Connor y Stocklmayer (2003: 186), la cultura científica es un sistema integrado de valores sociales que aprecia y promueve la ciencia per se, o también el conjunto de valores, ethos, prácticas, métodos y actitudes basadas en el universalismo, pensamiento lógico, escepticismo organizado y provisionalidad de los resultados empíricos que existen dentro de la academia o comunidad científica (Burns, O’Connor y Stocklmayer, 2003:189)

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que el fenómeno, lo que ocurre en los MCC y su repercusión en la sociedad, aunque son limitadas las metodologías que permiten contestar la pregunta acerca del efecto que generan los MCC sobre la cultura científica. De manera que la investigación en los MCC se encuentra ante un dilema: o se continúan realizando estudios contextuales que registran vivencias individuales pero poco aplicables a otras circunstancias, o bien se realizan grandes estudios, amplios y cuantificables, pero cuyos resultados son dudosamente aceptables, ya que no parecen reflejar completamente el complejo proceso educativo que sabemos que ocurre en los MCC. Por tanto, aún queda pendiente en la investigación en los MCC el cómo complementar ambos puntos de vista. Hasta ahora podría decirse que indagar qué aprenden los visitantes de la experiencia museística o detectar si los MCC están comunicando la ciencia tal como se lo proponen son enfoques de investigación poco productivos, en tanto dejan de lado el desarrollo de relaciones a largo plazo entre los visitantes y los contenidos que el MCC exhibe. Esto es en buena medida una de las razones por las que no se ha logrado averiguar si los MCC han contribuido a formar relaciones con la ciencia y de qué tipo son estas. La discusión anterior tiene puntos comunes con las críticas que desde hace más de 15 años se han hecho a los MCC (Bradburne, 1998:242) y que giran alrededor de que exhiben una ciencia espectacular pero descontextualizada, divertida y aproblemática, donde suelen quedar fuera los asuntos sociales y éticos (Kavanagh, 1995:82). Lo anterior pide una revisión a conciencia de cómo y qué estamos exhibiendo, con base en una reflexión profunda acerca de si verdaderamente el MCC, como medio de comunicación, es el sitio ideal para presentar una ciencia más real, social y contextualizada. La revisión de la evolución histórica de los MCC también ha llevado a reconocer que pueden generar oportunidades diferentes de aprendizaje más allá de las exhibiciones. En particular, los programas educativos de los MCC han sido todavía menos evaluados que el efecto de las exhibiciones sobre el aprendizaje informal (Pedretti, 2002:38), cuando hoy en día sabemos la contribución positiva que en este sentido tienen opciones como el teatro, los talleres, etc. Igualmente, se han generado nuevas propuestas museográficas, entre las que puede citarse la creación de las llamadas “exhibiciones críticas” iniciada por Pedretti (2002:4) y que representan una nueva e interesante alternativa para reencauzar la imagen de la ciencia que hasta ahora han transmitido los MCC. No hay que olvidar, sin embargo, que en la realidad latinoamericana los MCC son el sitio idóneo para acercar a los visitantes a la vivencia de muchos fenómenos físicos, escaparate de adelantos tecnológicos (o sus antecedentes históricos) y espacios necesariamente unidos al sistema escolar formal. Por otra parte, las exposiciones de conceptos e ideas científicas a través de exhibiciones seguirán sirviendo para dar marco y claridad a tales conceptos, así como para plantear preguntas o dar puntos de vista sobre diferentes asuntos científicos. Pero parece ser que donde los MCC pueden quizá influir en la generación de una cultura científica es en las actividades colaterales a las exposiciones o en otras formas de exhibir más abiertas que las exhibiciones.


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A manera de conclusión: la necesidad de un giro en la investigación, ¿o en el planteamiento de los MCC? A lo largo de este artículo se ha señalado que la acentuada preocupación por registrar los conocimientos que los visitantes obtienen por la experiencia vivida en el MCC ha desviado la obtención de otras ganancias inherentes y deseables del proceso del aprendizaje informal, como son el desarrollo de ciertas habilidades o la generación de actitudes positivas ante la ciencia, porque en el remoto caso de que los conceptos exhibidos lleguen a ser comprendidos, posiblemente se pierdan o se diluyan en la memoria, o bien se integren al cúmulo de experiencias de aprendizaje informal a los que los visitantes están expuestos toda la vida y que se modifican de acuerdo con los contextos en donde realmente se les da significado, no necesariamente asociados a la vivencia museística (Jenkins, 1994:604). Sin embargo, registrar los componentes no cognitivos del aprendizaje informal implica poseer sistemas de evaluación sofisticados. Aunque se contara con las metodologías idóneas para hacerlo, los resultados serán difícilmente generalizables, dado el carácter individual de esta forma de aprendizaje. Esto magnifica la problemática que representa estudiar el efecto que tienen los MCC en la cultura científica de la población a la que sirven. En la década pasada, se generaron numerosos trabajos sobre la naturaleza y el aprendizaje formal de la ciencia, pero para el caso de la modalidad educativa informal, el panorama sigue siendo complejo y prácticamente desconocido; para empezar, no se tiene claro de qué manera las experiencias cotidianas y comunes, como por ejemplo los fenómenos meteorológicos, afectan los conocimientos, o la comprensión y el interés por la ciencia; como tampoco se tiene completa certeza sobre el estatus cognitivo de los conceptos cotidianos que surgen como resultado de participar en actividades no escolares (una excursión al campo, visitar un hospital, asistir a un MCC, etc.); igualmente, se desconoce el valor y el peso de las experiencias educativas informales sobre el acervo de conocimientos, actitudes y valores resultado de las experiencias cotidianas (Jenkins, 1994:604). A lo anterior habrá que añadir que un discurso común en el que interviene la ciencia o una visión de esta no surge espontáneamente por el hecho de que una persona interactúe con la naturaleza o con los diversos productos de la comunicación de la ciencia. De aquí, sería importante que a partir de la investigación se detectara la manera en que las prácticas culturales en los escenarios informales de aprendizaje contribuyen al desarrollo de un discurso alrededor de la ciencia, y en particular cuando la sociedad es impactada por los MCC. Rennie y Johnston (2004:S5) han señalado que todo impacto genera aprendizaje medible a partir de las acciones y lenguajes desarrollados por los usuarios, lo que sugiere un nuevo enfoque de investigación en los MCC en el que cada vez se ponga más atención en la generación de ciertas actitudes, la socialización del conocimieno o la aculturación. Esta forma de ver el impacto de los MCC había sido sugerido desde hace más de 30 años por Schauble, Leinhardt y Martin (1997:3), quienes además propusieron que la teoría socio cultural puede respaldar esta forma de investigación, en tanto enfatiza que el significado construido por el público proviene de la interacción entre los individuos (que actúan en un contexto social) y los mediadores (que pueden ser actividades, signos, personas o instituciones). Con esta mirada a la investigación, más que explicar la diversidad de aprendizaje debida a las diferencias individuales en intereses y talentos, la teoría socio

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cultural plantea nuevas preguntas acerca del tipo de acciones (cognitivas, procedimentales o actitudinales) que son promovidas en los espacios de educación informal. Igualmente busca conocer las formas de razonamiento apoyadas por las herramientas disponibles a partir de los eventos educativos informales. Este enfoque propone buscar los efectos de los medios educativos informales en las interacciones sociales, más que en las mentes individuales (Schauble, Leinhardt y Martin 1997:4). Por su parte, Martin sugiere a la teoría de la actividad (Martin, 2001:195) como herramienta para estudiar la interacción cultural surgida como resultado de la comunicación de la ciencia a partir de patrones y diferencias individuales. Menciona la autora que las prácticas culturales relacionadas con el aprendizaje informal son la clave para determinar la manera en que niños y adultos internalizan la información, y que pueden ser estudiadas a partir del tipo de pensamiento que generan. La investigación alrededor del aprendizaje en familia, en el sitio de trabajo, o en el entorno cotidiano; la solución de problemas, el trabajo desarrollado en comunidad y los efectos de los programas periescolares o de educación no formal, señalan que las operaciones cognitivas con las que la población participa o en las que se involucra difieren de lugar a lugar y de problema en problema, y aunque los patrones de interacción y las herramientas utilizadas para resolverlos son diferentes en distintos contextos y escenarios, para la teoría de la actividad sus resultados son medibles a partir de los razonamientos desarrollados. Esta forma diferente de estudiar el aprendizaje informal de la ciencia en la sociedad en su conjunto, aunada a un cambio en el enfoque de la creación de exposiciones con la intención expresa de incidir en la cultura científica de la población, implica que los MCC deberán estar capacitados y dispuestos a generar puntos de vista informados entre los visitantes y a ofrecer un diálogo cercano con quienes se dedican a la ciencia. No se pretende dejar de lado la exhibición de ideas y conceptos científicos que son el punto de partida para empoderar científicamente a los ciudadanos, pero sí dejar de exhibir una ciencia acabada, acrítica y descontextualizada, como hasta ahora se ha hecho. Lo anterior significa que si su objetivo es la generación de una cultura científica, los MCC deberán limitar el uso de un enfoque didáctico expositivo en las exhibiciones. La literatura comentada en el presente artículo permite concluir que para lograr su objetivo los MCC debieran ser un espacio plural donde coexistan experiencias directas de la física (de probada eficacia, tanto en su carácter lúdico como en su efecto educativo); objetos reales históricos o del mundo natural (por su inherente poder de atracción); exposiciones temporales que incorporen los últimos adelantos tecnológicos (que serán superados muy pronto por nuevos adelantos); espacios de reflexión y crítica donde intervengan científicos cara a cara con los visitantes (que son el espacio donde se pueden escuchar las voces de los visitantes); exhibiciones sobre temas permanentes que se asegure que difícilmente puedan ser manejados en otros medios de comunicación y donde se reduzca al máximo el empleo de medios electrónicos (donde realmente se haga gala de propuestas creativas y divertidas); exposiciones de autor (que propongan posturas personales y alternativas frente a un tema); y actividades que involucran las emociones, como el teatro, los talleres lúdicos, o las demostraciones, todas ellas para explicar la naturaleza de la ciencia. Estos serán algunos de los componentes de los MCC futuros que quieran seguir funcionando como los


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medios únicos de comunicación directa de la ciencia adecuada a las necesidades de cada quien. Para lograr lo anterior, es necesario que los MCC sean realmente accesibles a todos, pues solo de esta manera llegarán a ser piezas clave en la formación de la cultura científica de la sociedad, asunto que deberá necesariamente ser probado mediante la evaluación y la investigación. Referencias ALLEN, Sue and GUTWILL, Joshua. Designing with multiple interactives: five common pitfalls. Curator, California, Board,Vol. 47, n.2, p.199-212, April 2005. ALT, M.B. and SHAW, K.M. Characteristics of ideal museum exhibits. British Journal of Psychology. London, The British Psychological Society,Vol.75, p. 25-36, 1984. ANDERSON, David and ELLENBOGEN, Kirsten, M. Learning science in informal contexts-epistemological perspectives and paradigms. In: FRASER, Barry. J. et al. (Eds.). Second International Handbook of Science Education 24. New York, Springer Science and Business Media B.V., p. 1179-1187. 2012. BEETLESTONE, John, G., JOHNSON, Colin, H., QUIN, Melanie, and WHITE, Harry. The science center movement: contexts, practice, next challenges. Public Understanding of Science, UK. IOP Publishing Ltd. and The Science Museum,Vol.7, p.5-26, 1998. BELL, Philip, LEWENSTEIN, Bruce, SHOUSE, Andrew. W. and FEDER, Michael. A. (eds.). Learning Science in Informal Environments: People, Places and Pursuits. Washington, The National Academies Press, 2009. BOISVERT, Dorothy, L. and SLEZ, Brenda, J. The relationship between visitor characteristics and learning-associated behaviors in a science museum discovery space. Science Education, Manhattan, John Wiley and Sons, Inc., Vol. 78, n.2, p. 137-148, 1994. BORUN, Minda, MASSEY, Christine, and LUTTER, Tilu. Naive Knowledge and the design of science museum exhibits. Curator, California, Board, Vol.36, n.3, p.201-218, 1993. BRADBURNE, James, M. Dinosaurs and white elephants: the science center in the twenty-first century. Public Understanding of Science.Turin, Fondazione Agnelli,Vol.7, p. 237-253, 1998. BURNS,Terry Burns.; O’CONNOR, D. John., and STOCKLMAYER, Susan M. Science communication: a contemporary definition. Public Understanding of Science. UK, Sage Publications,Vol.12, p. 183-202, 2003. DIAMOND, Judy. The Behavior of Family Groups in Science Museums. Curator, California, Board,Vol. 29, n.2, p.139-154, 1986. DIAMOND, Judy, LUKE, Jessica, J., UTALL, David, H. Practical Evaluation Guide.Tool for museums and other informal educational settings. Second edition, New York, Altamira Press, 2009. FALK, John. H. & DIERKING, Lynn. D. The Museum Experience. Washington, Whalesback Books, 1992. FALK, John, H., MARTIN, Wade, W. and BALLING, John. D. The novel field-trip phenomenon: Adjustment to novel settings interferes with task learning. Journal of Research in Science Teaching, Manhattan, John Wiley & Sons, Inc., Vol. 15, n. 2, p. 127-134, 1978. GODIN, Benoit and GINGRASS, Yves. What is scientific and technological culture and how is it measured? A multidimensional model. Public Understanding of

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Artigo recebido em abril de 2014. Aprovado em julho de 2014

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COMO É CRIADO O DISCURSO PEDAGÓGICO DOS MUSEUS? FATORES DE INFLUÊNCIA E LIMITES PARA A EDUCAÇÃO MUSEAL Luciana Conrado Martins* Universidade de São Paulo

RESUMO:

Objetiva compreender a lógica de constituição do discurso pedagógico dos museus. Optou-se pela teoria de Basil Bersntein, buscando entender quais os fatores de influência e os limites que atuam nessa definição, bem como o que traz para a prática instrucional dessas instituições. Utilizou-se abordagem qualitativa, comparando duas tipologias de museus – de artes plásticas e de ciências humanas. Conclui-se a existência de uma prática instrucional indireta nos museus, pautada por um viés dialógico entre educadores e públicos. Os educadores encontram limites para a proposição de suas práticas, mas também possuem autonomia, principalmente sobre as metodologias empregadas nas ações educacionais. PALAVRAS-CHAVES:

educação, museus, discurso pedagógico, prática instrucional

How is the pedagogical discourse of museums created? Influencing factors and limits for museum education ABSTRACT:

Aims to understand the logic of the constitution of pedagogic discourse of museums. The option was used the theory of Basil Bernstein, trying to understand what factors of influence and limits work in this setting, as well as what brings to the instructional practice of these institutions. We used the qualitative methodological background, comparing two types of museums - a fine arts museum and a human sciences museum. We conclude the existence of an indirect instructional practice in museums, guided by a dialogical bias among educators and public. Educators have limitations to propose their practices, but they also have autonomy, especially on the methodologies employed in educational activities. KEY-WORDS:

education, museum, pedagogic discourse, instructional practice

* Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo. Sócia-diretora da empresa Percebe, pesquisa, consultoria e treinamento educacional, na qual desenvolve projetos educacionais para museus, exposições e formação de educadores e professores (www.percebeeduca.com.br).

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Introdução Os museus têm se consolidado na contemporaneidade não só como espaços educacionais, como suas práticas pedagógicas têm sido alvo de inúmeros estudos relacionados aos diversos aspectos que caracterizam essa tipologia educacional. Estudos sobre aprendizagem (Falk e Dierking, 2000, 2002; Falk e Storksdieck, 2005; Hein, 1998), a relação dos museus com outras agências educacionais, como as escolas (Larouche e Allard, 1997; Van-Praët e Poucet, 1992), e sobre as relações entre museus e sociedade (Falcão e Gilbert, 2005; Hooper-Greenhill, 1994) são alguns dos temas que têm repercutido entre os interessados nesse campo de estudos específico. Todos esses estudos contribuem para aquele que é tema de interesse central deste artigo: a constituição da especificidade da educação em museus. O que se constata é que, apesar de um notório fortalecimento da área, existem questionamentos não respondidos sobre a especificidade do funcionamento e das características da educação museal. Os museus, em sua imensa variedade de tipologias de acervos e conformações institucionais comportam um sem fim de práticas educativas voltadas para públicos e objetivos diversos. O que, então, caracteriza, diferencia e singulariza a educação praticada em um universo tão multifacetado? É possível afirmar a existência de uma singularidade educacional denominada educação em museus? Frente a outras práticas educacionais, como a educação escolar, essa singularidade pode ser evidenciada e caracterizada? Um dos aspectos que se mostra importante para a caracterização da educação existente nos museus é a compreensão dos processos que levam a delimitação dos objetivos, conteúdos e métodos da educação museal. Considera-se que a exemplo de outras instituições educacionais – como as escolares – os museus produzem discursos pedagógicos próprios, passíveis de serem transmitidos aos seus públicos frequentadores. Entender a lógica de constituição desse discurso enquanto prática social, quais os seus agentes e quais os seus limites, é o foco principal deste artigo. Para a estruturação da análise aqui pretendida utilizou-se a teorização proposta pelo sociólogo da educação Basil Bersntein, a partir de seu conceito de discurso pedagógico. A utilização de um sociólogo da educação para o estudo da especificidade da educação em museus se justifica pela pouca presença, apontada pela bibliografia pertinente (Hooper-Greenhill, 1994; Mcmanus, 2000), de trabalhos que se debruçam sobre os processos sociais por trás da conformação das ações educacionais museais. Partindo-se da compreensão de que a educação é antes um processo do que um produto, coloca-se premente a necessidade de investigações de caráter sociológico que abordem a elaboração dos processos comunicacionais e educacionais dos museus, principalmente sobre o comportamento das equipes envolvidas e sua influência na prática desenvolvida com os públicos. Metodologia Ao buscar compreender a constituição da educação em museus a perspectiva conceitual escolhida funda-se, basicamente, no desvelar dos processos sociais que caracterizam a educação praticada nesses locais. Nesse sentido, essa pesquisa é tributária de estudos que, nesse campo específico, optaram pela abordagem qualitativa de pesquisa (Garcia, 2006; Marandino, 2001; Martins, 2006; Navas, 2008, entre outros). Tendo como objetivo a compreensão da especificidade da constituição da educação praticada nos museus, o presente trabalho centra-se na investigação dos processos sociais que constituem essa educação, tendo

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como foco, primordialmente, a visão dos profissionais envolvidos na concepção e realização das prática educacionais dos museus. Os referenciais da pesquisa qualitativa em educação (Bogdan e Biklen, 1994; Cohen et al., 2007) foram utilizados como subsídio metodológico para a coleta de dados e estruturação do estudo, bem como para a identificação dos agentes que participam desses processos. A abordagem qualitativa é particularmente eficaz neste caso, na medida em que permite, de acordo com Bogdan e Biklen (1994) a compreensão dos processos educacionais, mais do que seu produtos finais. De acordo com esses autores a pesquisa qualitativa em educação permite a ênfase nos significados dados aos seus atos pelos sujeitos envolvidos nas situações estudadas. É justamente a partir da fala dos educadores de museus e de suas concepções sobre sua prática profissional que são realizadas as análises aqui empreendidas. Para este trabalho optou-se por um estudo comparativo entre duas tipologias institucionais de museus – um museu de artes plásticas, a Pinacoteca do Estado de São Paulo, e um museu de ciências humanas, o Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Para a seleção das instituições investigadas foram levados em conta os seguintes critérios: 1)

Existência de ação educacional dentro do museu – considerou-se como critério definidor dessa existência a presença institucional de um departamento/seção/grupo de pessoas responsáveis pela educação, desenvolvendo atividades contínuas para o público de visitantes por cinco anos ou mais. Após uma seleção inicial de museus, foi procedida à seleção final com base no critério seguinte.

2)

Existência de investigação acadêmica em educação museal feita pela equipe – a partir da listagem inicial, foi realizada uma investigação direcionada a partir de nomes de autores e/ou instituições em periódicos e anais de congresso das áreas de Museologia, educação em museus e áreas de educação específicas. Esse levantamento foi complementado com a busca de outras publicações de cada autor1.

Ambas instituições selecionadas são referenciais para a área de educação em museus nacional. Seus educadores são produtores de conhecimento sobre o tema da educação em museus, com participação nos fóruns e associações profissionais específicas, além dos congressos da área. Nesse sentido, esses museus são bastante diferenciados em termos qualitativos de outras instituições museais nacionais. A validade da investigação realizada reside, justamente, na percepção do funcionamento da ação educacional naquelas instituições nas quais esse tipo de ação acontece com excelência. O estudo dos museus apontados configura-se, dessa forma, como “casos exemplares”, tanto pelo nível de estruturação temporal e institucional de suas ações, quanto pela importância de suas práticas em termos de produção acadêmica no campo educacional museal. Os dados para este artigo foram coletados ao longo dos anos de 2009 e 2010, por meio de entrevistas semi-estruturadas com os educadores dos museus estudados. Foram entrevistados dois profissionais em cada um dos museus. Para a escolha dos profissionais entrevistados priorizou-se aqueles diretamente envolvidos na concepção das ações educativas da instituição. Foram entrevistados, nos dois museus, o chefe/coordenador da seção/departamento de educação e mais um profissional a ele subordinado, mas diretamente envolvido na concepção das ações. 1 Para maiores detalhes da análise bibliográfica empreendida ver Martins (2011).


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Além das entrevistas, foram realizadas análises documentais e observações. A análise documental compreendeu o já citado levantamento da produção acadêmica dos setores educativos investigados. Foram também analisados diversos documentos institucionais, tanto produzidos pelo próprio setor educativo como documentos da direção da instituição com relação e/ou relevância direta para a ação educacional. Sobre as observações, elas priorizaram as práticas educacionais dos museus estudados foram realizadas quando necessário ao andamento das pesquisas. É importante ressaltar que essa coleta de dados foi realizada no âmbito do desenvolvimento da tese de doutorado da autora. Dessa forma, nem todos os dados aqui citados serão evidenciados ao longo do presente artigo no qual, devido ao recorte estabelecido, foi priorizada a apresentação dos dados oriundos das entrevistas com os educadores dos museus estudados. Considerou-se importante a menção à metodologia, na medida em que as conclusões aqui apresentadas também são tributárias do todo da pesquisa. O discurso pedagógico e a definição da prática instrucional museal O discurso pedagógico, conforme proposto por Bernstein (1996, 1998), é entendido como um princípio que regula a apropriação de outros discursos a fim de submetê-los ao processo de transmissão e aquisição seletivas. Ao sair de seu local de criação original para o contexto pedagógico o discurso específico de uma área de conhecimento – das ciências humanas ou das artes, por exemplo – é transformado em um processo denominado por Bernstein de recontextualização. Essa transformação acontece justamente no espaço vazio deixado pelo discurso ao ser deslocado: esse espaço dá margem para uma atuação ideológica dos sujeitos que transformam o discurso original em um novo discurso. “O discurso pedagógico está constituído por um princípio recontextualizador que se apropria, recoloca, recentra e relaciona seletivamente outros discursos para estabelecer sua própria ordem” (Bernstein, 1998: 63, tradução nossa). Dessa forma, o princípio de recontextualização regula a transformação do texto específico de uma área em um conteúdo próprio para uma idade determinada. Para esclarecer melhor o funcionamento do princípio recontextualizador Bernstein utiliza um exemplo vindo da Física. Existe a Física enquanto campo de produção de conhecimento científico e existe a Física enquanto disciplina escolar. A disciplina Física já é, ela própria, um discurso recontextualizado, pois é o resultado de princípios de recontextualização que selecionaram conhecimentos no campo da produção original, que foram refocados para serem utilizados no campo de reprodução do discurso (no caso de Bernstein, a escola de ensino médio). Essa recontextualização é realizada levando-se em consideração a relação da Física com outras disciplinas (chamados de princípios de classificação) e o sequenciamento e ritmo escolares (chamados de princípios de enquadramento). Ou seja, a Física é submetida à processos de seleção e refocagem que não são relacionados com sua lógica de produção original e que obedecem somente à lógica de reprodução do discurso pedagógico, a lógica da recontextualização intrínseca ao discurso pedagógico. A atividade principal do processo de recontextualização é, portanto, a de proporcionar o que e o como do discurso pedagógico. O que refere-se às recontextualizações realizadas a partir dos campos de conhecimentos específicos, como a História, as Artes ou as Ciências Naturais. Já o como refere-se às teorias

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da instrução e da aprendizagem, usualmente estabelecidas pela Psicologia e pela Pedagogia. Dessa forma, na atuação do campo recontextualizador, os discursos vindos de campos de produção do conhecimento distintos são agrupados a partir de uma lógica diferenciada, a lógica educacional. Outro aspecto importante da conformação do discurso pedagógico é dado pelos denominados princípios de avaliação2, que regulam a prática pedagógica, organizando o processo de recontextualização do conhecimento para sua transmissão. Esse processo é condicionado pelas regras de recontextualização e é constituído a partir das realizações do discurso instrucional específico (DIE) e do discurso regulador específico (DRE). A estrutura teórica proposta por Bernstein permite, portanto, a compreensão de dois níveis distintos dentro do processo de conformação do discurso pedagógico. Um primeiro voltado à enunciação e recontextualização do texto pedagógico e um segundo voltado à prática pedagógica propriamente dita. O interesse do presente artigo está voltado justamente para a passagem da recontextualização para a prática pedagógica, ou seja, para o processo de definição dos textos que regulam essa prática. Dada a enormidade das possibilidades de análise possíveis a partir das teorias de Basil Bernstein, optou-se em neste artigo, em focar um aspecto da conformação do discurso pedagógico museal: o discurso instrucional específico (DIE). Segundo Bernstein, o DIE comporta dois blocos de teorias instrucionais: um primeiro que regula aquilo que será transmitido – o conteúdo específico recontextualizado – e um segundo que regula como será a transmissão e aquisição desse conteúdo – as teorias de transmissão e aquisição, também recontextualizadas. Esse discurso posiciona os sujeitos – adquirentes e transmissores – em relação às essas práticas pedagógicas e aos seus significados, conformado as relações sociais entre eles. Essas relações sociais, por sua vez, são reguladas por dois tipos de regras: as regras de hierarquia – relativas às relações de poder entre adquirentes e transmissores – e as regras discursivas – relativas à seleção, sequência, ritmagem e critérios de avaliação do processo de transmissão-aquisição. São as variações nessas regras que determinam as modalidades de prática pedagógica ou modalidades de instrução. Para melhor compreensão do conceito, Domingos e outras fornecem três modalidades de práticas pedagógicas instrucionais possíveis, resultantes das modalidades de DIE: a prática instrucional didática – cujo processo instrucional é altamente regulado pelo transmissor, de acordo com a lógica das teorias behavioristas –; a prática instrucional indireta – cujo processo é centrado no adquirente, dentro de uma lógica que privilegia o conhecimento prévio e os ritmos individuais –; e uma terceira modalidade que conjuga uma teoria de aquisição indireta com uma teoria de transmissão direta, redunda em uma pedagogia denominada pelas autoras como “mascarada”, na qual “a única mudança nas relações de poder da instrução é o apelo retórico à cooperação, continuando a aquisição a ser regulada por regras discursivas explícitas” (Domingos et al., 1986, p. 307). As possibilidades de arranjos entre essas relações permite distintas configurações pedagógicas com variados graus de controle e autonomia dos sujeitos envolvidos. Pretende-se, a partir dos estudos de caso mencionados, entender quais as condicionantes e os limites para a definição do discurso instrucional dos 2 Vale notar que os princípios de avaliação, conforme compreendidos por Bernstein, são parte do funcionamento do dispositivo pedagógico e não têm relação com a avaliação de processos, práticas e sujeitos da educação.


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museus e quais os impactos que essa definição traz para a prática instrucional dessas instituições. O discurso instrucional e as modalidades de práticas pedagógicas dos museus Os museus aqui estudados possuem, como dito anteriormente, serviços educativos consolidados e suas ações educativas são estabelecidas por educadores que muitas vezes possuem pós-graduação em temas relacionados à educação museal. O que se percebe, a partir desses dados, é a configuração de um campo no qual os próprios educadores dos museus estabelecem seus questionamentos e temas de investigação, buscando nos seus trabalhos acadêmicos não só a referência para a prática, mas para a própria formação (Martins, 2011; Seibel-Machado, 2009). Soma-se a essa constatação a presença de grupos de pesquisa, periódicos e associações nacionais e internacionais de educadores de museus voltadas à constituição e consolidação de um campo de reflexão e análise sobre a prática educacional museal, além de uma plataforma de trocas de conhecimentos específicos para a atuação profissional. Configura-se, a partir do exposto, uma situação em que os educadores refletem e geram um conhecimento específico sobre sua prática educacional, utilizando-o para referendar suas escolhas. Ou seja, os educadores são os responsáveis pela geração do discurso original sobre a educação em museus, pois são eles quem, em grande medida, produzem o conhecimento específico dessa área, atuando como agentes recontextualizadores do discurso pedagógico dos museus3. As regras de recontextualização, no âmbito da educação em museus, colocam nos agentes museais um grande poder decisório sobre o como e o que serão reproduzidos para os públicos dessas instituições, em termos de discurso pedagógico. Na acepção de Bernstein, o discurso pedagógico atua como um princípio que regula a transformação de outros discursos dentro do processo de transmissão-aquisição educacionais. Nesse sentido, o discurso instrucional específico (DIE) define as modalidades pedagógicas de reprodução. Isso quer dizer que é o DIE que estabelece o que é transmitido e como se dá o processo de transmissão e aquisição. Atuam na composição do discurso instrucional o conhecimento específico disciplinar (das competências e destrezas) e as teorias de instrução. A partir da fala dos educadores de museus estudados é possível perceber quais são os limites que atuam na composição dos discursos instrucionais institucionais. Um primeiro aspecto analisado diz respeito aos limites estabelecidos a partir dos objetivos da ação educativa. No Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (MAE-USP) o foco da ação educativa está voltado à discussão diversidade cultural. Acho que o MAE tem um grande papel, dada a natureza do seu acervo, que é apresentar e discutir a questão da diversidade cultural e dar conceitos de tolerância. Acho que o nosso acervo provoca isso e acho que o Educativo, o tempo inteiro, quer trabalhar com essa grande questão junto ao público. Então todas as nossas atividades, aí variam com a estratégia, o formato, elas têm essa grande ambição que é apresentar a questão da diversidade cultural e discutir, problematizar isso, uma vez que o nosso país, acho que a gente sofre com isso, está na nossa cara 3 É importante salientar que nem todos os agentes recontextualizadores do discurso pedagógico dos museus são ligados à prática dos museus. Para maiores detalhes ver MARTINS (2011).

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o tempo inteiro, mas a visão crítica sobre isso é muito pequena. (MAE-USP – educador 2).

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Eu entendo que a nossa perspectiva educacional é na construção de um cidadão globalizado, de fato preparado para lidar com a globalização. É só você entendendo que existe uma diversidade, e que a diferença, ela não só existe mas ela é um valor, ela não é algo depreciativo, e por outro lado que é fundamental a construção de uma tolerância, por que você só vai respeitar, você só vai encarar de vez a diversidade cultural e enfrentar a diferença se você fizer um exercício de tolerância. Entender, ou buscar os motivos do outro ser da forma como ele é. Ao mesmo tempo você se entender a forma como você é na relação com o outro. (MAE-USP – educador 1).

O objetivo da ação educacional desse Museu está estreitamente relacionado com o discurso expresso na exposição de longa duração do Museu. Intitulada “Formas de Humanidade”, a exposição tem justamente a pretensão de expor os modos de vida e as expressões culturais de diferentes grupos humanos, a partir de um olhar não etnocêntrico4. Esse discurso é construído a partir das pesquisas desenvolvidas em Arqueologia, Etnologia e Museologia. Acho que a pesquisa também tem um grande interesse de entender o nosso país de uma maneira mais múltipla. Pesquisa em Arqueologia e Etnologia, na museologia também, quando faz propostas de comunicação, também tem como grande propósito dos seus projetos evidenciar isso. (MAE-USP – educador 2).

Estabelece-se, portanto, uma estreita relação entre o discurso produzido pela pesquisa das áreas científicas do Museu e o discurso da educação no MAE-USP. Que é uma exposição que procura dar conta da diversidade de pesquisas do Museu e das coleções também, ela é bastante abrangente nesse sentido, acho que é uma grande vitrine mesmo do que é o MAE. (MAE-USP – educador 2).

Essa relação entre o conhecimento específico e o conhecimento educacional, entretanto, não se fez sem conflitos. Além de um surgimento conturbado – fruto da fusão de quatro diferentes acervos institucionais de Arqueologia e Etnologia pertencentes à Universidade de São Paulo5, bem como de suas equipes – o MAE-USP é um museu universitário, com complexas tensões entre as áreas científicas e educacional. A partir da fala dos educadores, percebe-se que no MAE-USP a educação ocupa um espaço peculiar, condicionado pelo fato dessa ser uma instituição universitária. Acho que sempre há uma briga, se o conhecimento tem o mesmo peso. [...] Pensando o MAE tendo Arqueologia, Etnologia e Museologia, acho que nem a própria Museologia é visto como uma área da pesquisa. 4 A exposição “Formas de Humanidade” esteve aberta ao público de 1995 a 2010. O MAE-USP está em reforma e a nova exposição de longa duração ainda não tem data de abertura prevista. 5 O Museu de Arqueologia e Etnologia da USP tem sua origem na fusão, em 1989, do Instituto de Pré-História (IPH), do antigo Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE), do acervo Plínio Ayrosa, do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e do acervo arqueológico e etnográfico do Museu Paulista. Essa fusão representou não só a união física dos objetos dos acervos, como também a junção das equipes das diferentes instituições e distintos métodos de trabalho. Para maiores detalhes sobre o processo de fusão ver Bruno (1995), Carneiro (2009) e Martins (2011).


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Educação aqui é visto como uma área técnica, então é bem só o perfil da atuação direta com o público. (MAE-USP – educador 2).

Na visão dos educadores do MAE-USP a área educativa não possui, entre os pesquisadores da instituição, o mesmo status da área que gera conhecimento específico sobre Arqueologia e Etnologia6. Essa situação, recorrente nos museus universitários cujos acervos são alvo de pesquisa acadêmica sistemática, não foi construída da noite para o dia, estando relacionada ao posicionamento dos sujeitos e de suas práticas profissionais ao longo da trajetória histórica institucional (Marandino, 2001; Martins, 2006). Colabora nesse contexto o fato de que, numericamente, a Divisão de Difusão Cultural do MAE-USP, conta com menos docentes e técnicos do que a Divisão Científica7. Então no fundo a gente não é encarado como pesquisador. Não estou nem falando docente. Porque a gente faz pesquisa também, o nosso trabalho produz conhecimento. [...] Não estou dizendo que eu estou fazendo Arqueologia, mas o que a pesquisa em Educação faz, também pode contribuir para a Arqueologia. Mas esse diálogo não acontece. (MAE-USP – educador 2).

A questão que se coloca a partir dessa comparação é a de que uma área relativamente recente em termos de produção acadêmica – a área de educação em museus – não tem a mesma força que uma área de conhecimento consolidada – seja a Zoologia, seja a Arqueologia ou a Etnologia. Alia-se a isso o fato de que, dentro da estrutura hierárquica universitária, na qual o MAE-USP se encontra inserido, os educadores não têm equivalência em termos de cargos, salários e poder decisório. Por outro lado, é possível perceber que a proposição das atividades educativas institucionais é realizada com um grande grau de autonomia por parte dos educadores. A idéia mesmo é de pensar coisas novas. E essas coisas novas vêm por demandas que a gente percebe, necessidades do público, entradas interessantes, que a gente fala: “Ah, se tivesse um material. Que seria muito legal se a gente fizesse essa atividade desse jeito”, e aí começar a estruturar essa atividade e ver o que é necessário para que ela aconteça. […] geralmente essas propostas elas surgem no âmbito do próprio educativo. E aí a gente passa para aqueles trâmites de orçamento, a gente conversa com a chefia da divisão, às vezes vem alguma idéia da chefia e a gente elabora e discute, vê a viabilidade, o interesse. Mas geralmente as propostas elas saem da equipe mesmo, dos educadores. (MAE-USP – educador 2).

No processo de concepção das ações educacionais, portanto, prevalece o olhar dos educadores. São eles que determinam que ações serão direcionadas para que tipo de público. Nesse sentido é importante considerar os públicos como um fator a mais no direcionamento dessa concepção. A perspectiva educacional dialógica aparece no depoimento a seguir: 6 O setor educativo do MAE-USP é um serviço técnico da Divisão de Difusão Cultural (DDC). Além dessa o MAE-USP possui também a Divisão Científica (DC) que congrega os pesquisadores em Arqueologia e Etnologia. 7 Na época da realização deste trabalho (MARTINS, 2011) a Divisão Científica do MAE-USP contava com 15 docentes na ativa, e dois aposentados, além de 10 técnicos. Na Divisão de Difusão Cultural o MAE-USP contava com três docentes e quatro técnicos.

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O nosso trabalho é na provocação, o que eles estão observando, o que vem a partir desse contato, o que desperta, que assunto. Então não tem um conteúdo fechado. É a partir do que esse contato provoca, do repertório que ele já tem. É lógico que se um grupo não fala nada, não é que a gente vai ficar ali no “achismo». Mas, nosso objetivo é muito mais que essa visita, que ela acabe sendo construída pela demanda do grupo do que por uma série de conteúdos que a gente tem que cumprir. Não é isso. Não estou falando que o conteúdo não seja importante, mas que ela não pode ser o foco da visita. (MAE-USP – educador 2).

Configura-se também como um “conteúdo” essencial da educação praticada no MAE-USP o conhecimento trazido pelo público – já que a proposta do setor é que, no desenrolar das atividades, os conteúdos tratados sejam selecionados a partir do que são os seus conhecimentos prévios e expectativas temáticas em relação à ação educacional. Um aspecto que ressalta essa tendência é explicitado no depoimento da educadora transcrito a seguir: E a nossa próxima proposta que é a elaboração de um kit pra discutir as culturas africanas também vem um pouco em perceber que não tem muito material. […] Porque é um conteúdo que a gente começou a ter uma procura maior na visitação, para esse roteiro expositivo que era um roteiro muito pouco procurado. Agora tem disciplina, na graduação, é uma disciplina de história da África. É um conteúdo que está sendo trabalhado em sala de aula. E aí os professores vêm procurando mais. (MAE-USP – educador 2).

Outro aspecto da tendência de buscar compreender as expectativas dos visitantes é por meio da promoção do diálogo entre os conteúdos dos educadores e dos públicos. Esse aspecto é explicitado a seguir, na descrição da metodologia empregada durante as visitas educativas. Primeiro é nessa provocação sempre. Então a gente vai questionando, nesse questionamento, procurando que eles observem determinados detalhes e levantem hipóteses. E para isso você tem que ter, eu falo quando a gente está formando os estagiários, tem que ter um conhecimento muito grande daquilo que você está falando. Não é que o fato de você não priorizar o conteúdo que você não tenha que ter o conteúdo, pelo contrário, tem que dominar super bem o conteúdo para saber onde que você está querendo chegar. E às vezes o olhar do público vai para um elemento, não é nem um elemento chave, um dos aspectos principais que geralmente aparecem, é uma outra coisa, só que super-interessante, você tem que pegar o gancho. Então é ficar atenta, provocando mesmo, e ficar atenta nas respostas que vêm, e ir fazendo as amarrações. (MAE-USP – educador 2).

A partir do exposto, percebe-se que na concepção do discurso instrucional do MAE-USP, o como do discurso instrucional específico, o educador8 transfere ao visitante9 uma parcela do poder decisório sobre os conteúdos e o ritmo da aquisição. Ou seja, o visitante, no processo educacional do MAE-USP, tem explicitamente um papel ativo, tanto sobre a seleção e a sequência dos conteúdos, quanto sobre seu ritmo. É a partir de seus conhecimentos prévios – o que ele já sabe sobre o assunto – e sobre suas expectativas – o que ele quer saber – que são desenhadas as ações. 8 Dentro da teoria de Bernstein o educador pode ser visto como o transmissor. 9 Dentro da teoria de Bernstein o educador pode ser visto como o aquisidor.


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Os conteúdos previamente selecionados pelo educador podem, dessa forma, ser parcialmente modificados do ponto de vista de seu aprofundamento (seleção); sequência e ritmo de abordagem; e novas relações podem ser estabelecidas entre educadores e visitantes no decorrer das atividades. É possível afirmar, portanto, que a atuação das regras discursivas – que definem o grau de controle que os transmissores e aquisidores podem ter sobre o processo de aquisição/transmissão – traduz uma educação com grau de enquadramento fraco no MAE-USP. Isso quer dizer que existem diferentes possibilidades de regulagem de transmissores e aquisidores sobre a seleção de conteúdos, sequência, ritmagem e critérios de avaliação. Outro aspecto do discurso instrucional se dá por meio da atuação das regras de hierarquia – que dizem respeito às relações de poder entre os sujeitos transmissores e aquisidores / educadores e público visitante – na educação do MAE-USP, que produzem uma relação fracamente classificada entre os sujeitos. Ou seja, as fronteiras de demarcação entre educadores e visitantes são suavizadas, na medida em que eles podem partilhar a condução do processo educacional. Vale ressaltar que a equipe de educação do MAE-USP não realiza avaliações sistemáticas de suas ações educacionais10. Dessa forma todas as atividades são concebidas tendo como base a percepção, não sistemática, dos educadores sobre a reação dos públicos durante o desenrolar das atividades. Essas características do discurso instrucional do MAE-USP o estabelecem, nos termos da teoria de Bernstein, como uma prática instrucional indireta. De acordo com Domingos e outras (1986) essa prática é caracterizada pelos seguintes elementos. Centrada no inquérito e orientada para a descoberta e que tem as características da pedagogia invisível – o espaço é flexível, o aluno é activo, os materiais são diversificados e existe integração entre as áreas do currículo; as regras de seqüência são implícitas, a ritmagem é enfraquecida (isto é, dentro de certos limites o aluno organiza seu trabalho e segue um ritmo próprio de aprendizagem), os critérios são implícitos e a avaliação acentua as vias do conhecer (e não os estádios do conhecimento). Os alunos podem, neste caso, manejar a sua própria gramática de aquisição, sendo a modalidade de controlo do tipo pessoal. Este modelo de instrução retira as suas regras de teorias orientadas para a lógica da aquisição, que assentam sobre o desenvolvimento da criança, sobre a linguagem e sobre o comportamento (teorias de Piaget, Chomsky e da Gestalt). (Domingos et al., 1986, p. 307).

No caso do MAE-USP algumas teorias e autores da área educacional são apontados como referência para a construção do trabalho educativo. Destaca-se a citação de Paulo Freire, retomado inúmeras vezes ao longo da fala dos educadores entrevistados, bem como dos princípios denominados de construtivistas. O que eu coloco como o conteúdo, essa mudança de atitude como o grande objetivo lá na frente. Para que isso aconteça a gente trabalha 10 A equipe educativa do MAE-USP coleta dados sobre a satisfação do público escolar na visita monitorada à exposição de longa duração. Esses dados são coletados tanto junto ao professor, por meio de uma ficha de auto-preenchimento, quanto aos alunos, por meio de uma atividade de finalização da visita. O monitor responsável pela visita também preenche uma ficha de avaliação sobre o aproveitamento do grupo visitante. Também são coletados dados de avaliação em outras atividades voltadas para os diversos públicos que participam dos cursos e atividades de formação.

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dentro dessa perspectiva construtivista. [O construtivismo é] Acho que partir dos repertórios pessoais, os contextos pessoais específicos, e a partir daí o conhecimento ir se formando.Tem muito a ver com o Paulo Freire, então as coisas vão se encaixando. (MAE-USP – educador 2).

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O processo de aprendizagem, baseado no construtivismo e na pedagogia de Paulo Freire, traz elementos marcadamente dialógicos à estrutura educacional do MAE-USP, contribuindo para sua percepção como uma prática instrucional indireta, nos moldes propostos por Bernstein. O caso da Pinacoteca do Estado de São Paulo apresenta nuances semelhantes aquelas encontradas no MAE-USP. No que se refere à escolha do que da ação educativa, ou seja, à escolha dos temas específicos que serão abordados, o foco é estabelecido partir do acervo institucional exposto em sua mostra de longa duração e exposições temporárias. Esses acervos estão, entretanto, inseridos na lógica discursiva das exposições que conta com pouca ou nenhuma participação do Núcleo de Ação Educativa em sua concepção. A gente sempre trabalha com a idéia de que o ato educativo, principalmente de visitas, ou de fazer um folder, é uma curadoria também. Uma curadoria educativa. É uma idéia que vem sendo tratada de forma bastante sistêmica, no sentido de pensar que quando você seleciona as obras e tece um discurso sobre elas, isso é uma curadoria. E, portanto, quando o educativo seleciona a obra X, e pula Y e K, e estabelece relações entre, isso é um processo curatorial também, que tem como fundo um interesse educativo. Independente da curadoria existe uma segunda curadoria, que é uma curadoria educativa, que re-divide, seleciona as obras e reconstrói um discurso que pode ser outro. Também na visita a gente deixa claro qual é o pensamento curatorial. (PINA – educador 1).

A proposição da “curadoria educativa” permite aos educadores maior liberdade de ação frente aos desígnios da curadoria, expressos no discurso expositivo. O foco na acessibilidade do acervo faz com que as possibilidades de leitura educativa das obras expostas sejam múltiplas. Para o grande público, muitas vezes, a idéia do curador é invisível. [...] É muito complicado quando o curador entende a exposição como um livro, ou uma tese, uma idéia a ser depreendida, porque nem sempre isso está visível para o público, e nem sempre interessa para o público. E eu acho que toda ação precisa de respaldo político, no sentido que nos está autorizado explorar outras possibilidades de relação que não necessariamente da curadoria. [...] A gente se apropria desse discurso [da curadoria] conforme a necessidade, as possibilidades, as respostas do público ou, por exemplo, nos nossos materiais para professor, o que é o interesse pedagógico pro nível dele, por um lado, ou o que é o interesse desse público médio, espontâneo que ninguém sabe quem é. (PINA – educador 1).

A fala da educadora deixa transparecer a tensão existente entre o Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca e a curadoria das exposições. A percepção dos educadores da Pinacoteca é a de que a educação, a princípio, não tem um espaço para além do dia-a-dia das ações propostas pelo Núcleo. Agora a gente está em um primeiro ensaio, que é o processo de reconstrução da exposição de longa duração do acervo, que a gente pre-


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tende que seja mudada em 2010. Desde o início desse ano eles [a equipe do Núcleo de Pesquisa e Crítica em História da Arte da Pinacoteca] começaram com uma série de atividades, primeiro de avaliação interna e avaliação do público dessa exposição. Segundo, conversas com especialistas. E o que se pretende é ano que vem criar uma equipe de reflexão para repensar essa exposição. Mas acho que já houveram alguns avanços nesse sentido. Por exemplo, a gente fez uma avaliação com os educadores e com os atendentes de sala e passamos esses resultados para a pesquisa. Está sendo feita uma pesquisa com o público para ver o que eles acham da exposição. Um dos especialistas que veio falar é a Denise Grinspum, que é uma educadora. Fizemos uma reunião dos educadores com a pessoa que está gerindo esse processo dentro do Núcleo de Pesquisa pra trocar idéias. Nós fizemos alguns ensaios de interface. (PINA – educador 1).

O relato apresentado demonstra como o Núcleo de Ação Educativa vem tentando negociar a inserção do discurso educacional entre os discursos presentes na concepção de uma exposição. Esse processo, entretanto, não é simples, envolvendo, principalmente, a abertura de espaço para as necessidades dos públicos frente ao discurso especializado da curadoria. O relato a seguir traz mais elementos para a análise desse processo. A ação educativa entra no processo de trabalho [da abertura de uma exposição], às vezes quando a exposição está pronta, às vezes não. O que não significa que a gente participe do que eu acho que deveria participar, que é da construção da expografia da exposição. Muito raro a gente fazer isso. Não que já não aconteceu, mas não é uma dinâmica comum. Como coordenadora, o que eu faço? Converso com o diretor para que isso seja cada vez mais comum e que se configure em uma prática sistêmica. (PINA – educador 1).

Existe, portanto, a consciência por parte da coordenação do Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca que sua participação nos processos decisórios de concepção e execução de uma exposição representa um maior espaço para a ampliação da missão educacional no Museu. Esse espaço, que diz respeito a possibilidades de um maior exercício de poder, representa também a possibilidade de um maior engajamento institucional naquilo que os educadores consideram que deva ser a missão pedagógica do Museu. A existência de uma equipe coesa do ponto de vista ideológico é uma característica ressaltada pela dinâmica do trabalho em equipe. De acordo com relatos dos educadores entrevistados, existem dois caminhos para a proposição de novas ações educacionais. Um primeiro caminho é a partir daquilo que os educadores consideram importante para composição da ação educativa de um museu de artes plásticas. O processo de eleição das escolhas é feito de forma compartilhada, conforme relatado pela educadora: Como é essa lógica atualmente: cada programa tem os desafios que quer fazer, cumprir, que percebe como necessidade, que quer discutir ou quer aprofundar. Eu, da minha parte como Núcleo, também penso em algumas ações macro. Ou, por exemplo, quando um pensa em uma coisa, outro pensa em outra e outro pensa em outra, dá pra juntar isso num guarda-chuva. Um pensamento de gestão nesse sentido, de organizar que coisas podem estar associadas ou produzirem efeitos mais amplos. (PINA – educador 1).

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Nesse sentido, os coordenadores dos vários programas têm autonomia de proposição de novas ações a partir daquilo que é considerado o pensamento educacional do grupo. Outra motivação para a seleção das ações que serão realizadas são as demandas do público.

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[...] eu acho bem importante, pensar o nosso planejamento a partir de demandas do público. Então, por exemplo, a Galeria Tátil, que a gente está montando para cegos, é uma resposta ������������������������� à������������������������ uma demanda de um espaço que é possível fruir autonomamente pelos cegos. Para nós isso é um desafio profissional maravilhoso. A gente também quer fazer. Mas essa vontade se conjuga com uma demanda. (PINA – educador 1).

Ressalta-se que para a percepção das expectativas do público, bem como dos resultados obtidos por meio das ações educacionais, a Pinacoteca realiza avaliações sistemáticas em várias de suas ações educativas. Destaca-se, principalmente o uso da metodologia “Resultados genéricos de aprendizagem”1, desenvolvida especialmente para a aferição dos resultados educacionais em museus e outros espaços não formais de educação. Por trazer uma perspectiva mais ampliada do que são esses ganhos educacionais – não restritos, por exemplo, apenas ao aprendizado conceitual – a metodologia traz aportes para a construção de indicadores específicos para a avaliação da educação praticada nos museus. De acordo com os depoimentos dos educadores da Pinacoteca os resultados obtidos por meio desse tipo de avaliação, além de subsidiar modificações na prática educacional, permitem a negociação de mais verbas junto à direção do Museu. A hierarquia da proposição de novas ações passa por alguns estágios antes de assumir sua forma final. O primeiro é uma discussão interna a cada programa que é, anualmente, debatida com a coordenação do Núcleo. Nesse momento é negociada, principalmente, a questão da disponibilidade de recursos humanos para os projetos que a equipe deseja executar. Caso existam projetos que a equipe deseje realizar e não haja disponibilidade de profissionais para executá-lo, inicia-se uma discussão acerca da viabilidade de novas contratações. Após serem decididos os projetos a serem executados durante o ano, a coordenação do Núcleo leva o planejamento para a direção da instituição. E aí é uma questão de patrocínio [...], é uma coisa muito superior à gente. A gente propõe, isso é submetido à direção, a direção submete à Secretaria, então tem uma hierarquia. Alguns, a maior parte deles, precisa de subsídio financeiro, então não adianta nada falar sim e não ter verba. (PINA – educador 1).

Diferentemente do MAE-USP, que recebe a maior parte dos subsídios para seus programas educacionais diretamente da Universidade, a Pinacoteca depende de patrocínios diretos ou via leis de fomento.A lógica dos eventos “patrocináveis” é, portanto, aquela que a ação educacional institucional deve se submeter. Essa lógica institucional estabelece um foco de tensão com aqueles que são os pilares da proposição das ações educacionais da Pinacoteca. Ao mesmo tempo em que se deseja a ampliação do acesso ao acervo institucional as barreiras internas (relação com a equipe de pesquisa e curadoria) e externas (políticas de financiamento das ações) estabelecem os limites da recontextualização do 1 Para a utilização dos Resultados genéricos de aprendizagem em suas atividades a equipe da Pinacoteca fez uma adaptação do projeto inglês, criando os seguintes indicadores: aquisição de conhecimento e compreensão relacionados ao conhecimento formalizado; aquisição de habilidades; mudança de valores, atitudes e sentimentos; promoção de prazer, inspiração e criatividade; e mudança de comportamento. Para maiores informações ver http://www.inspiringlearningforall.gov.uk/toolstemplates/genericlearning/.


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discurso pedagógico institucional (Martins, 2013). Nesse sentido, o conceito de educação líquida traduz as possibilidades de interação do educador com as expectativas e conhecimentos prévios do público, enfatizando de forma contundente a autonomia dos educadores na proposição de suas ações. Então é nesse sentido que eu acredito nessa possibilidade de construir a visita, que é uma das coisas que está nesse texto que eu falo lá de um termo que é educação líquida, que vai se modelando segundo o público, um recipiente, que é uma metáfora. (PINA – educador 1)

Em termos metodológicos o conceito de educação líquida traduz as múltiplas possibilidades de interpretação do acervo, cada qual adequada a uma tipologia de público. Sua estrutura centra-se no conceito da adaptabilidade do educador frente às necessidades do público. Os momentos de uma visita ao Museu são adequados a essa lógica. A metodologia tem que ser construída a partir da resposta, é isso que é educação líquida. Como você conduz, o que você dá, a quantidade de informação e pergunta, e atividade, e apresentação institucional, e parecer pessoal, que você coloca na tua visita é em resposta ao que o público quer, não é algo pré organizado, é algo que se organiza no processo de construção. (PINA – educador 1).

As possibilidades de atuação do educador nesse diálogo com os públicos pressupõem uma formação bem estabelecida, tanto de conteúdos quanto de métodos educacionais. É difícil, mas por isso que os educadores têm que ser formados, por isso que a gente faz eles acompanharem várias coisas com educadores da casa que já tem um traquejo de fazer isso. Por isso que a gente insiste em trabalhar com eles Abigail Housen. Porque você não vai falar de movimento surrealista para uma criança de seis anos. Não tem sentido. Por isso quando a gente fala que os núcleos de articulação e de pensamento das ações da gente partem desse pressuposto de qualificar essa experiência, eu tenho que respeitar o que é essa demanda, porque se não eu estou desqualificando essa experiência, ao invés de qualificar. Por mais informação e por mais ilustrado que eu seja, isso não importa. Não é o que o outro quer receber. (PINA – educador 1).

A autora Abigail Housen (1999 apud Rossi, 2006) trabalha com o conceito de níveis de percepção/desenvolvimento estético, que podem ser desenvolvidos, em uma escala progressiva, a partir de uma interação de cunho educacional com as obras de arte2. O trabalho de Housen centra-se na possibilidade de aprender a apreciar uma obra de arte, por meio da chamada “compreensão estética”. Para conduzir o grupo o educador precisa, portanto, compreender em que “nível de desenvolvimento estético” ele se encontra e, dialogando com as possibilidades presentes nesse nível, conduzi-lo, se esse for seu interesse, para outros patamares de compreensão da obra. Para isso, a visita educativa da Pinacoteca é composta de três momentos: a apresentação da instituição e das regras de comportamento no espaço do Museu, a atividade de leitura da obra de arte – baseada nos níveis de compreensão estética – e as propostas poéticas. Sobre as propostas poéticas o depoimento da coordenadora do Núcleo de Ação Educativa é bastante explicativo. 2 As habilidades para a compreensão estética são acumuladas à medida que o público evolui ao longo dos estágios, que são denominados de narrativo, construtivo, classificativo, interpretativo e re-criativo.

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[…] um mecanismo, não de desenvolvimento técnico, mas de desenvolvimento perceptivo e cognitivo, que é de uma outra ordem, que não necessariamente se baseia em uma aprendizagem técnica ou na realização de algo técnico em termos de arte, linguagem artística. [...] As propostas poéticas são atividades, não necessariamente produtivas no sentido de objetos, não necessariamente originam algo concreto, pode ser uma performance, pode ser um som, não importa. São dois objetivos específicos: um, dar concretude ao aprendizado cognitivo ou perceptivo, e outro, torná-lo vivencial, literalmente fazê-lo passar pelo corpo.

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As propostas se constituem como uma série de atividades práticas utilizadas pelos educadores durante as visitas educativas com os grupos organizados. Elas abordam diferentes temáticas relacionadas ao universo artístico, algumas vezes em relação direta com uma obra de arte específica, outras vezes explorando temáticas do mercado da arte, ou das relações entre os artistas e seus públicos etc. Assim como o restante das atividades ela é adaptada conforme o perfil e os interesses de cada grupo visitante. Muitos adultos não querem uma visita dialógica, e sim uma visita informativa, então eu faço uma visita informativa. Quando você já tiver conquistado a amizade desse grupo, você pode até lançar uma pergunta, mas não é o que eles vieram procurar, então não adianta você “enfiar goela abaixo” uma coisa que o público não quer. Tem uns [educadores] que fazem isso, a gente conversa. Não pode fazer uma coisa estereotípica para todos os públicos, isso não existe. A tua metodologia tem que ser construída a partir da resposta, é isso que é educação líquida. (PINA – educador 1).

A partir do exposto é possível perceber que, assim como no MAE-USP, no discurso instrucional específico da Pinacoteca do Estado o educador também transfere ao visitante uma parcela do poder decisório sobre os conteúdos e o ritmo da aquisição. O visitante, dessa forma, atua de forma contundente na negociação do que será visto na exposição e quanto tempo a visita durará. Suas expectativas e conhecimentos prévios, mais uma vez, atuam no desenho das ações. O enquadramento e classificação fracas das regras discursivas e de hierarquia, a exemplo do primeiro museu analisado, traduzem-se na Pinacoteca em diferentes possibilidades para a seleção de conteúdos, sequência, ritmagem e critérios de avaliação assim como entre as fronteiras suavizadas nas relações entre educadores e visitantes. Dessa forma, as características do discurso instrucional da Pinacoteca também estabelecem uma prática instrucional indireta. Conclusão A busca pela compreensão da especificidade da educação em museus foi o motor que motivou a construção da investigação que embasa este artigo. Partindo da hipótese de que essa educação tem características em seu funcionamento que a diferenciam de outras modalidades educacionais, como a educação escolar, optou-se por um estudo que possibilitasse a apreensão dos seus elementos singulares. O primeiro desafio a ser superado foi a diversidade de tipologias de museus e de ações realizadas pelos seus setores educativos. Como encontrar uma via analítica que permitisse olhar para essa multiplicidade de instituições, ações e sujeitos de uma maneira coesa e coerente? A escolha pelo sociólogo da educação, Basil Bernstein, não se deu por acaso e está relacionada principalmente ao tipo de dado encontrado durante


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o processo de coleta de dados. A escolha de centrar o olhar sobre os serviços educativos dos museus trouxe a especificidade da fala do educador e essa fala revelou, principalmente, as relações sociais constituintes da educação praticada no espaço do museu. O espaço da educação frente às demais funções desempenhadas pela instituição e os processos decisórios para as escolhas de forma, conteúdo e metodologia das ações. O caso dos museus estudados é particularmente rico para a compreensão da forma como se estruturam esses processos. Salienta-se que esses museus foram escolhidos justamente pela importância adquirida pela educação em seu interior. São instituições nas quais as ações educativas, bem estruturadas por um período de mais de cinco anos, se constituem, além de tudo, como referência para a área de educação em museus nacional. Se o panorama encontrado não permite generalizações imediatas para outras instituições museais, ele permite, por outro lado, inferir sobre o processo contemporâneo de estruturação da área educacional em museus no Brasil. Ao mesmo tempo, os “casos exemplares”, depreendidos a partir de uma metodologia qualitativa de estudos em Educação, trazem à luz os caminhos institucionais percorridos pelos profissionais da área na estruturação do setor educativo dos museus. Considera-se que esses caminhos, à parte as singularidade contextuais, são elementos da especificidade dos processos de educação em museus. O conceito de dispositivo pedagógico proposto por Bernstein permite, justamente, a apreensão desses processos constitutivos. É possível compreender, por exemplo, quais aspectos delimitam a inserção da educação nos museus estudados. O que se deduz dos casos analisados é que, apesar das transformações históricas ocorridas sobre a função educacional dos museus no último século (Abt, 2006; Schaer, 1993), sua inserção institucional ainda é alvo de controvérsias. A compreensão de como os relacionamentos com os públicos – paradigma de atuação museal da contemporaneidade – deve ser estruturado não é igual para todos os profissionais de museus, e não passa necessariamente, na visão de muitos deles, pela atuação dos setores educativos. Essa afirmação é particularmente emblemática no caso da Pinacoteca, onde o discurso expositivo é a principal via de comunicação do Museu com os seus públicos e em cuja concepção os educadores muitas vezes não têm voz. No MAE-USP essa voz existe, mas a educação encontra outras barreiras internas, advindas da relação hierárquica entre a área de educação e a área científica no interior da estrutura universitária. O posicionamento dos educadores na cadeia operatória museológica das instituições ao mesmo tempo em que coloca a educação em luta por espaços de poder com as demais funções museais, traz a possibilidade de autonomia de seus agentes. Essa autonomia é expressa pela proposição de ações que ideologicamente trazem a perspectiva de consolidação da função educacional desses museus. O que é mais importante considerar, entretanto, é que o panorama apresentado traz a possibilidade de serem os educadores de museus os responsáveis tanto pela produção quanto pela recontextualização dos textos pedagógicos. Essa possibilidade é corroborada não só pelos diversos aspectos que compõem a sua prática profissional no interior das instituições museais mas, principalmente, por um panorama de crescimento do campo intelectual da educação em museus (Martins, 2011; Seibel-Machado, 2008). Nesse sentido, as regras de recontextualização, no âmbito da educação em museus, colocam nos agentes museais um grande poder decisório sobre o como e o que serão reproduzidos para os públicos dos museus, em termos de discurso pedagógico.

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Dentro da concepção de funcionamento do discurso pedagógico de Bernstein, as regras de realização atuam na estruturação do discurso instrucional específico. Como dito inicialmente, o discurso instrucional específico diz respeito ao que e ao como do processo de transmissão e aquisição. Tanto na Pinacoteca quanto no MAE-USP o foco do conteúdo do processo educacional é o acervo institucional. No MAE-USP a escolha dos temas das ações educacionais está centrada na pesquisa em Arqueologia e Etnologia realizada pela instituição, priorizando o contato qualificado com os objetos das coleções. O objetivo é prover para os públicos uma maior percepção da diversidade cultural existente nas sociedades humanas. Sua atuação pedagógica tem raízes na metodologia da Educação Patrimonial (Horta et al., 1999) e por conta disso tem nos objetos do acervo institucional a base de seu discurso conceitual. É importante ressaltar que as ações têm uma estreita vinculação conceitual com os discursos expositivos que, por sua vez, estão baseados nas pesquisas em Arqueologia e Etnologia realizada pelos pesquisadores da instituição. Na Pinacoteca do Estado o acervo também é prioritário. Do ponto de vista do Núcleo de Ação Educativa a promoção do acesso às coleções é a prioridade institucional. Esse acesso, entretanto, não é simplesmente físico, e sim conceitual, na medida em que se considera a necessidade de modificação do olhar e da percepção do público sobre os objetos expostos. Para isso os visitantes devem aprender determinados conceitos relacionados ao universo das artes plásticas, de forma a adquirirem autonomia em relação à “leitura de imagem” (Rossi, 2003), perspectiva de atuação que, juntamente com as “propostas poéticas”, formam a base metodológica das ações educativas desse Museu. Diferentemente do MAE-USP os educadores da Pinacoteca estabelecem propostas alternativas a dos curadores das exposições, sempre que julgam necessário à compreensão do público. A partir das análises empreendidas percebeu-se que a prática instrucional dos museus estudados traz característica de uma prática instrucional indireta nos moldes propostos por Bernstein. As estratégias didáticas utilizados pelos educadores são maleáveis conforme as características dos públicos e, nesse sentido, elas trazem a possibilidade de uma maior interação entre adquirentes/ públicos e transmissores/educadores. O viés dialógico, segundo seus educadores, é adotado pelos museus estudados como a perspectiva mais adequada no trabalho com os visitantes, o que também contribui para essa maleabilidade no posicionamento dos sujeitos. Mais uma vez o que se destaca é a autonomia propositiva dos educadores, principalmente no que se refere às metodologias empregadas nas ações. Quanto aos conteúdos conceituais existem diferentes graus de possibilidades alternativas aos discursos dos curadores/pesquisadores das coleções/conteúdos específicos – de uma aparente maior regulação no MAE-USP a uma certa “independência” da Pinacoteca. É importante ressaltar, entretanto, que em ambos os casos existem processos de regulação internas e externas à proposição das ações, não abordadas �������������������������������������������������������������������� nesta artigo, como as formas de financiamento (Martins, 2013), quanto na estrutura interna de decisões institucionais na qual os educadores se encontram inseridos. A existente autonomia dos educadores na proposição conceitual e metodológica das ações está, portanto, estabelecida a partir dessas condicionantes.


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Artigo recebido em junho de 2014. Aprovado em agosto de 2014


A COMPREENSÃO DA PRÁTICA EDUCATIVA DE UM MUSEU NA PERSPECTIVA DAS COMUNIDADES DE PRÁTICA Luciana M. Monaco * Instituto Butantan Martha Marandino ** Universidade de São Paulo

RESUMO:

Este texto discute a dinâmica de constituição das práticas realizadas pelos educadores do setor educativo de um museu de ciência na perspectiva das Comunidades de Práticas de Etienne Wenger. O universo de estudo foi a área educativa do Museu Paraense Emílio Goeldi e os dados foram analisados com base nas categorias de engajamento mútuo, empreendimento conjunto e repertório partilhado. Verificou-se que a área educativa deste museu se estrutura parcialmente como uma comunidade de prática de educação em museus. As análises realizadas auxiliam para compreensão das possibilidades e desafios que os setores educativos enfrentam em sua conformação e aprofundam o entendimento da educação em museus como uma área de conhecimento. PALAVRAS-CHAVES:

comunidade de prática; educação em museus; práticas educativas; setores educativos; museu de ciência.

The understanding of the education practice of a museum using the perspective of communities of practice ABSTRACT:

This paper discusses the dynamics of formation of the practices carried out by educators in the education sector in a science museum in the view of Communities of Practice by Etienne Wenger. The universe of study was the educational area of the Paraense Emilio Goeldi Museum and the data were analyzed based on the categories of mutual engagement, joint enterprise and shared repertoire. It was found that the education area of this museum is structured partly as a community of practice of museum education.This analyzes help to understand the possibilities and challenges that these sectors face in their conformation, and help to understand the education in museums as an area of knowledge. KEY-WORDS:

community of practice; museum education; educational practices; educational sectors; science museum.

*

Coordenadora do Núcleo de Difusão do Conhecimento, Centro de Desenvolvimento Cultural, Instituto Butantan luciana.monaco@butantan.gov.br **

Professora Associada da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo marmaran@usp.br

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A compreensรฃo da prรกtica educativa de um museu na perspectiva das comunidades de prรกtica

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Luciana M. Monaco e Martha Marandino

Introdução A busca pela compreensão da especificidade educativa em museus tem se tornado foco de muitos debates atuais, apontando a própria constituição das equipes educativas como elemento primordial à construção da identidade dessas instituições (Machado, 2009; Geenf, 20121; Martins, 2011; Monaco, 2013). Os educadores, responsáveis por desenvolver, aplicar, avaliar e reconstruir ações e programas voltados a diferentes públicos elaboram uma maneira peculiar de trabalho em conjunto, muitas vezes como resposta às condições institucionais. Essa peculiaridade pode ser notada nas equipes em suas formas de se organizar, de se relacionar, de pensar na ação educativa e de responder às demandas e aos problemas de origens internas e externas (Bailey, 2003). Como afirma Martins (2011): As ações educativas criadas pelos educadores de museus ao longo dos anos adquiriram características específicas, moldadas não só pelas tipologias institucionais e de acervos, como também pelas demandas da sociedade na qual o museu se encontra inserido (Martins, 2011:100).

Assim, o imbricado universo da educação museal pode ser analisado a partir de um panorama mais abrangente que considera o contexto no qual cada setor educativo se insere. Como aponta Macleod (2001:54), ao destacar a importância de não se restringir a reflexão sobre este tema apenas às funções mais imediatas dos educadores, “precisamos de uma visão amplificada da profissão [do educador] que se move além de definições baseadas em tarefas específicas realizadas dentro das paredes do museu”. No entanto, os estudos que se debruçam sobre a constituição das equipes educativas em museus não elucidam as relações entre os profissionais e nem como eles negociam seus significados em relação à prática que conduzem, ou ainda como constroem suas identidades em relação à equipe e à instituição (Tran, 2008). O que há bem descrito acerca desses profissionais na literatura refere-se à preparação, destacando-se que em geral estes não recebem formação específica para desenvolver as suas funções e acabam aprendendo na prática conteúdos que lhe são exigidos ao assumirem esse posto (Ruge, 2008; Tran, 2008). Marandino (2008) discute algumas estratégias adotadas para preparar esse profissional2, desde aquelas focadas prioritariamente nos conteúdos específicos de cada museu, até as mais dialógicas que os consideram como educadores/ comunicadores nesse processo. Há ainda a exigência de que os educadores atuem em colaboração com equipes diversas como curadores, designers e museólogos, como elemento essencial para a execução de inúmeros projetos: exposições, conteúdos educativos para o site, materiais para professores, produtos comunicacionais de naturezas distintas, sempre com a intenção de tornar os conteúdos de cada ação propícios a seus diferentes públicos. Pode-se afirmar que independente da tipologia do museu e da qualificação de seus educadores, o fazer educativo nesses locais é complexo e merece ser compreendido para além do foco exclusivo nas tarefas e procedimentos, 1 GEENF Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação não Formal e Divulgação em Ciências I Workshop Internacional de Pesquisa em Educação em Museus 2012 FEUSP, São Paulo. Disponível em http://www. geenf.fe.usp.br/v2/?p=823, . Acessado em maio de 2014. 2 Esse profissional pode ser designado por nomenclaturas diferentes nas várias instituições museais de acordo a linhas educativas assumidas como: educadores, monitores, condutores, animadores, mediadores, etc.

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pautando-se também na experiência, na ação, nos processos de pensamento e nas suas interdependências. Nessa lógica, a dimensão da prática museológica, que inclui a educação, é reflexiva, pois integra o conhecimento teórico às suas práticas cotidianas por meio da construção das identidades de seus atores (Macleod, 2001). Ademais, a nova função social exigida dos museus, de ser um espaço democrático de inclusão sociocultural, forjou novas práticas educativas, que passaram a considerar a participação de sua audiência nesse processo, saindo da posição de contempladores passivos a agentes atuantes na construção de significados (Hoopper-Greenhill, 1994; Gruzmann Siqueira, 2007). Esse panorama revela a densidade, a complexidade e os desafios da ação dos educadores de museus. Como então analisar a prática educativa nos museus de modo a contemplar suas particularidades e contribuir para compreensão da identidade do educador? Como, ainda, essa análise pode auxiliar na legitimação da área de educação em museus? Analisando a prática educativa sob uma nova abordagem: as comunidades de prática Uma alternativa para se compreender a singularidade da educação em museus se dá a partir da ideia de prática dentro da perspectiva de comunidades de aprendizes. Esta perspectiva desponta dos estudos sobre as relações entre indivíduos que partilham um interesse genuíno comum e se esforçam para apontar soluções criativas a problemas que enfrentam juntos. O conceito de prática aqui utilizado tem por base a teoria das comunidades de práticas, a qual se ancora na ideia da aprendizagem como um fenômeno social e, portanto coletivo, que ocorre por meio do engajamento continuado em ações, práticas, eventos, que vão sendo negociados e renegociados pelos membros que compõe cada comunidade. Dessa forma, a comunidade constrói seus significados em relação a cada uma dessas práticas e ao seu funcionamento de maneira negociada, porém nem sempre consensual. É nessa perspectiva, apresentada na obra de Etienne Wenger, que esse artigo pretende discutir a especificidade educativa dos museus atuais e as características que definem a identidade dos educadores. A abordagem da comunidade de prática propõe que a aprendizagem esteja focada e se oriente em função da natureza do conhecimento, do próprio saber e em quem conhece. Desse conceito partem quatro premissas iniciais que a sustentam (Wenger, 1998:4): • A constatação de que todo ser humano é um ser social; • O conhecimento compreendido como uma forma de competência em relação ao empreendimento que cada indivíduo ou grupo experimenta; • O saber visto como participação na busca por tais empreendimentos, ou seja, engajar-se ativamente no mundo; • O processo de significação entendido como a habilidade humana de experimentar o mundo e de se engajar nele e fazer disso algo significativo, o que em última estância seria o produto da aprendizagem. O desdobramento dessas premissas seria, portanto, entender a aprendizagem como participação social. O termo participação nesse caso, não se restringe a eventos específicos de engajamento em determinadas atividades, mas


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engloba o processo contínuo de ser um participante ativo nas práticas sociais das comunidades e na construção das identidades em relação a essas comunidades (Wenger, 1998). Ao trazer a perspectiva das comunidades de prática para o espaço museal, se introduz a dimensão de aprendizagem não do ponto de vista individual, mas da instituição. Tomando como eixo essa reflexão, os museus constroem sua identidade como fruto do desenvolvimento de suas práticas que são partilhadas mutuamente entre as comunidades que deles fazem parte e, dessa forma, aprendem coletivamente. Além de situar o significado de aprendizagem, E.Wenger inclui a participação do indivíduo numa prática qualquer não apenas como um observador, mas como um participante ativo na prática social das comunidades onde constrói sua identidade em relação a elas. Ou seja, o que se interpreta como participação molda não apenas o que cada um faz, mas também o que cada um é e como interpreta o que faz. Ao participar de uma prática, o indivíduo se engaja nela e passa a vivenciar os significados relacionados a ela, ao mesmo tempo em que os renegocia a cada vez sob a influência mútua do mundo e do contexto. A prática de uma comunidade qualquer pode então ser compreendida como um conjunto de repertórios e de ferramentas, métodos, histórias, além de atividades relacionadas à aprendizagem e à inovação de conhecimentos específicos a esse ambiente (Snyder; Wenger, 2004). Como então compreender a prática educativa que se realiza nos museus? Antes de se estabelecer do que se trata tal prática é necessário compreender bem o que são as comunidades de prática, considerando para isso o conceito integral, sem dissociar a prática do termo comunidade. As “comunidades de prática são parte integral da nossa vida diária. Elas são tão informais e tão intricadas que raramente elas tornam-se explícitas, mas pela mesma razão elas são também familiares” (Wenger, 1998:07, tradução nossa). Ser membro de uma comunidade de prática implicaria em partilhar de suas práticas, significados e construir sua própria identidade em relação a ela. As comunidades podem ser então delimitadas em função das atividades ou práticas específicas (rotinas, rituais, artefatos, símbolos, convenções e histórias) que definem seus limites de pertencimento, bem como a conformação de suas identidades (Wenger, 2000). Seus membros vivem em acordo e desacordo, em harmonia e desarmonia, e fazem o que deve ser feito para que o empreendimento em torno dessa comunidade seja alcançado. A distinção na atuação de cada um nas diversas comunidades de prática de que fazem parte se dá por meio da sua participação na prática, ou seja, por meio do engajamento desigual nessas práticas, que envolve: o conhecimento sobre elas; o espaço que cada um tem para participar nelas; a negociação dos significados construídos no interior de cada comunidade, que diz respeito à compreensão mútua de que algo precisa ser interpretado por todos, levando em consideração as significações que o grupo traz sobre determinado assunto. Ao viver a prática como participante cada um constrói e negocia seus significados sob a influência mútua do mundo e do contexto. O processo de negociação de significados, de uma maneira nova ou readequada a cada circunstância produz o engajamento entre as pessoas, estabelecendo vínculos em torno de uma prática comum, e, por conseguinte, formando-se

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comunidades de práticas. Isso não quer dizer que deva sempre existir acordo ou harmonia, mas o compartilhamento de um contexto social comum com práticas também comuns é uma premissa à existência dessas comunidades (Lee, 2007). Sob esse olhar, é possível entender as equipes educativas dos museus como possíveis comunidades de práticas, com práticas peculiares que podem, a partir de um dado momento, ser compartilhadas. Além disso, adotar a ideia de participação dos educadores num conjunto de práticas como parte da negociação de significados e de construção de uma identidade profissional pode ajudar a elucidar as características da dimensão educativa dos museus. Compreender o conceito associado ao termo comunidade de prática implica em identificar as dimensões que dão coerência ao desenvolvimento de uma prática.Tais dimensões são: o engajamento mútuo, o empreendimento conjunto e o repertório compartilhado (Wenger, 1998). Ao considerar esses três elementos é possível diferenciar grupos que apenas se unem em torno de uma tarefa qualquer, e aqueles que se engajam verdadeiramente num empreendimento onde a aprendizagem coletiva está presente e se reflete na prática que eles desenvolvem. Alguns aspectos desses elementos serão brevemente apresentados. Engajamento Mútuo: refere-se à disponibilidade de colaborar com os outros independentemente de haver acordo ou não; onde a complementaridade das competências e a capacidade dos indivíduos de conectarem efetivamente seus conhecimentos com os demais estão presentes. Para que o engajamento se sustente é necessário haver interesses em comum e perfis complementares que partilhem histórias de aprendizagem, além da disponibilização de espaços de interação entre as equipes (físicos e virtuais). A realização de tarefas conjuntas e a disponibilidade em auxiliar os outros é também um fator associado à manutenção do engajamento entre os indivíduos. Só é possível negociar significados e desenvolver um conjunto de práticas se houver relação entre seus participantes. Desse modo, ao se analisar a formação das equipes educativas, seus interesses em comum e a maneira como elaboram suas práticas pode-se aferir o quanto cada grupo está engajado e têm objetivos em comum a perseguir. Empreendimento conjunto: ao compartilhar a experiência, os participantes de uma comunidade elaboram recursos físicos e simbólicos e essa ação exerce um papel importante na emergência da coerência do grupo. Ao conceber de maneira livre, e não por imposição ou decreto, um produto ou a prática envolvida em suas ações e atitudes, a comunidade começa a dar um sentido de apropriação e de responsabilidade a tudo o que construíram juntos. Como parte desse processo, se estabelece o empreendimento conjunto e, ao mesmo tempo, surgem as questões de poder implicadas nesse relacionamento de responsabilização e de reconhecimento da importância do outro. O empreendimento sempre assume uma dinâmica complexa que se reflete inevitavelmente na prática daquela comunidade, pois abrange desde preconceitos, interesses, poder, coerção e o lado inverso, que inclui a amabilidade, respeito, confiança, etc. Dessa forma, a resposta a esses elementos acontece no processo da própria prática e é sempre mediada pelos indivíduos, em função do que eles entendem ser a situação em que estão envolvidos. Ou seja, as respostas às condições estão associadas à interpretação do grupo e, até mesmo quando a prática de uma comunidade é moldada por forças externas, a realidade cotidiana desse grupo será produzida considerando os recursos e as restrições enfrentadas. O


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empreendimento se faz então no decorrer de todo esse processo. No entanto, deve-se considerar como essencial a negociação mútua dos significados frente às condições diversas, e somente por meio dessa configuração que a prática em curso poderá sofrer alterações. O empreendimento que os educadores de museus estão envolvidos, por exemplo, engloba uma série de elementos como tornar conteúdos extremamente complexos em unidades mais compreensíveis aos diferentes públicos por meio de processos, estratégias e materiais ou, ainda, reconhecer a competência de seus pares nesse trabalho mútuo. Repertório partilhado: é o conjunto de recursos físicos e simbólicos elaborados pela comunidade de forma partilhada e que contribuem para a coerência do grupo. Ao construir o empreendimento, os vários membros vão ajustando as diversas interpretações de suas ações, das condições em que se encontram e dos desafios que enfrentam. Num movimento diário e contínuo, os indivíduos concebem significados diversos entre si que se inter-relacionam e acabam por se unir e tornam-se coerentes à prática que exercem. É essa coesão que, por meio da negociação de significados, pode levar a uma compreensão do que é participar de forma competente nessa prática. Assim, o repertório poderá ser reutilizado na prática e em situações futuras de acordo com as necessidades do grupo. É importante frisar o caráter partilhado desses recursos. Os indivíduos devem sentir que contribuem para a sua construção, ou ao menos para a constituição do significado de seus elementos. Entretanto essa apropriação não ocorre de maneira intencional e sempre consciente, pois é um processo que se dá na prática, no decorrer dos relacionamentos de forma integral ao fazer coisas juntos. Apenas incorporar os aspectos como normas, procedimentos, rituais, símbolos, etc. não é suficiente para sustentar uma prática. É necessário ainda, garantir a possibilidade de participação dos indivíduos para que a resistência e/ou transformação do que existe seja viável, mesmo sob influência de forças adversas, como aquelas relacionadas ao poder. Outro aspecto constituinte das comunidades de prática é a noção de identidade, e, será discutida aqui como complementar aos demais componentes apresentados. Ao introduzir o conceito de identidade, Wenger (1998) enfatiza duas ideias: o foco na pessoa, mas numa perspectiva social e; a expansão desse mesmo foco para comunidades de prática, chamando atenção aos processos mais amplos de identificação e de estruturas sociais. Assim, “construir uma identidade consiste em negociar os significados de nossas experiências como membros em comunidades sociais (Wenger, 1998:145)”. Por conseguinte, a identidade para a teoria social de aprendizagem é um aspecto integral e inseparável da prática, da comunidade e da construção de significados. Sob esse prisma, se pretende evitar a dicotomia individual/social sem, no entanto, perder a distinção que cada uma dessas interpretações traz à compreensão de identidade (Wenger, 1998). Ela é, portanto socialmente produzida como uma experiência viva de participação numa comunidade social, funcionando, assim, como ligação entre o social e o individual. “[A identidade] Serve como pivô, entre o social e o individual e, portanto, cada um pode ser falado em termos do outro (Wenger, 1998:145)”. Genericamente pode-se dizer que ser um membro numa comunidade de prática se traduz em assumir uma identidade como uma forma de competência. Ou seja, cada um sabe o que é pelo que lhe é familiar, inteligível, útil, negociável, mas também pelo que lhe é desconhecido, pelo não entendido, pelo não produtivo. A identidade pode então ser construída como experiência negociada e ser

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interpretada por cada um na sua definição de quem é e pela maneira como se experimenta por meio da participação. Os elementos apresentados caracterizam as comunidades de práticas e foram adotados como categorias de análise da prática da área educativa de um museu de ciências naturais, o Museu Paraense Emílio Goeldi (Monaco, 2013). A finalidade foi discutir, na perspectiva das comunidades de prática, os desafios e possibilidades enfrentadas pelos educadores deste museu ao se relacionarem e definirem seus papéis e atribuições institucionais, buscando assim uma reflexão sobre as especificidades da educação que ocorre nesses locais. Aspectos metodológicos Para compreender como um setor educativo pode se organizar, tomando como pressuposto a formação de comunidades de prática, optou-se por analisar a experiência da área educativa do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). Localizado em Belém, no estado do Pará, este museu pertence ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil e foi selecionado por ser uma das instituições museológicas mais antigas do país e pela relevante experiência no desenvolvimento de ações voltadas à educação e à popularização da ciência. Para esta pesquisa os dados foram coletados a partir de entrevistas com quatro educadores da área educativa do museu, da análise de documentos e da observação de algumas ações desenvolvidas por esta área. Neste artigo priorizamos os dados obtidos por meio das entrevistas, realizadas com base em um roteiro semiestruturado que buscou levantar não somente as práticas desenvolvidas pela área, mas como estas eram realizadas, caracterizando a participação de cada membro. Serão apresentadas algumas características gerais da área educativa desta instituição e, em seguida, será realizada a análise de suas ações a partir das categorias propostas na perspectiva das comunidades de prática. A área educativa do MPEG O MPEG, fundado em 1866, é um centro de referência em pesquisa nas áreas de biologia, ecologia e antropologia amazônicas que atua desde seus primórdios na interface com a divulgação científica (Sanjad, 2008). A área educativa do MPEG se constituiu nos anos de 1980 com a Divisão de Museologia (DMU) que contava com uma equipe multidisciplinar das áreas de biologia, pedagogia, comunicação, artes plásticas, turismo e museologia, de cerca de seis pessoas. O trabalho da equipe tinha a clara intenção de oferecer atividades educativas integradas pautadas na missão institucional, que aproximasse a pesquisa científica do público. Nessa fase, havia uma forte tendência a se trabalhar com a educação patrimonial, tanto nas comunidades fora de Belém, como no bairro da Terra Firme, local onde o campus de pesquisa do Museu Goeldi se instalou. O grupo de educadores nessa época foi também responsável por iniciar as programações voltadas à escola, ao público espontâneo que visitava o Parque Zoobotânico que compõe o Museu, além de ações extramuros, sempre na interface com os pesquisadores do MPEG. O conhecimento nas áreas de biologia (zoologia e botânica), ecologia e antropologia eram a base das inúmeras atividades que esses profissionais desenvolviam nesse período. Ao longo de um processo de setorização, a DMU foi sendo desmembrada e deixou de existir. Frente às condições institucionais e ao comprometimento com outras atividades dentro da instituição, os antigos membros do DMU, com o passar do tempo, assumiram responsabilidades e programas diferentes e, para isso formaram equipes também distintas.


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A consolidação dessa mudança veio com criação da Coordenação de Comunicação e Extensão (CCE) que assumiu todo o gerenciamento das ações de comunicação e de educação, agregando a nova Coordenação em Museologia (CMU) sob seu guarda-chuva institucional. O papel institucional da CCE consta na portaria no 803, de 23 de outubro de 2006 que aprova o regimento interno do Museu e define a função de cada instância: Supervisionar, coordenar e acompanhar as atividades desenvolvidas pelo Serviço do Parque Zoobotânico, Serviço de Comunicação Social em articulação com a Coordenação de Museologia e de Coordenação de Informação e Documentação; assessorar o diretor nos assuntos pertinentes à comunicação de conhecimentos e à divulgação de acervos científicos nas áreas de atuação do MPEG e sobre a Amazônia; propor e supervisionar a execução de programas, projetos e ações relativas à museologia, educação, comunicação, informação, documentação e parque zoobotânico; e presidir e convocar, mensalmente, órgão(s) colegiado(s) que venham a ser criados pelo diretor destinados a deliberação de assuntos pertinentes a Comunicação e Extensão do MPEG (D.O.U. 25/10/2006).

Assim, as áreas de educação e museologia se organizam atualmente em espaços físicos distintos e atuam em diferentes frentes, que são: a Coordenação de Museologia (CMU), o Serviço de Educação e Extensão Cultural (SEC) e o Núcleo de Visitas Orientadas (NUVOP), organizadas hierarquicamente na Coordenação de Comunicação e Extensão (CCE). No organograma, o SEC e o NUVOP encontram-se sob a coordenação do CMU; no entanto, na prática, estas três equipes atuam de maneira independente e contavam na época das entrevistas respectivamente com seis, três e seis pessoas em cada equipe. Em seguida iremos analisar as ações realizadas pelas três equipes educativas do MPEG à luz das categorias elencadas, focadas nas comunidades de práticas. O engajamento mútuo no setor educativo do MPEG Para analisar a categoria engajamento mútuo na área educativa do MPEG, foram trazidos dados referentes à história inicial deste grupo e como os educadores se envolveram em suas atividades. Nesta história é possível perceber a raiz comum entre as equipes do SEC e do NUVOP, já que a partir de 1982, ambos estavam juntos e desenvolviam as mesmas ações sob a coordenação da extinta DMU. Neste período havia um sentimento de dedicação e colaboração na equipe, revelado no trecho trazido pelo coordenador do NUVOP. No início, eu e a Luiza começamos datilografando convites chamando as escolas para verem exposições. Era uma dificuldade, mas era uma equipe unida. Depois o Ildo soube que a Universidade Federal do Pará estava fazendo um grande projeto na área de Educação em Ciências, foi então que ele chamou a Clara, pedagoga, ela nos ajudou a organizar um Serviço de atendimento às escolas. Ainda não se pensava em Serviço de Educação, mas, a Clara decidiu transformar a ideia inicial num projeto de apoio ao ensino junto com a Universidade Federal do Pará. (Educador 4).

Desde esse início os membros do DMU eram ativos e tinham a colaboração e o apoio do coordenador geral, como estímulo ao trabalho de todos. É interessante ressaltar a importância que os membros dão a essa fase e como se

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engajavam facilmente nas ações propostas numa época em todos começaram como estagiários, entre os anos de 1982 a 1985. A oportunidade positiva de começar numa instituição como o Museu Goeldi que agrega ciência e difusão é evidenciada na fala do educador do SEC, salientando que área educativa nesse período foi uma escola e um espaço de desafios e conquistas.

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Passei [na Universidade Federal] com aquela ideia de vir fazer pesquisa, mas surgiu uma bolsa, um estágio na área de educação e, eu mesmo querendo fazer estudar répteis, principalmente cobras, eu vim para cá. Mas eu não queria trabalhar com educação porque eu não queria ser professor, (...). Então o que eu fiz? Eu aceitei. Eu aceitei, me sujeitei a vir para o Serviço de Educação, mas querendo, com olho na pesquisa. Com seis meses eu já fiquei maravilhado com esse setor e não quis sair nunca mais. Então o que eu queria fazer com répteis eu estudei e escrevi uma cartilha chamada, os Répteis da Amazônia, álbum para colorir (...). (Educador 2).

O começo da carreira foi um evento marcante na vida desses profissionais, o que mostra grande identificação com as atividades educativas propostas pela instituição. A breve contextualização sobre como os membros atuais do SEC e NUVOP iniciaram suas atividades, ainda que de forma sucinta, auxilia na análise do engajamento mútuo entre os membros das equipes educativas. O engajamento mútuo só é possível se houver um envolvimento de seus membros num objetivo comum frente ao qual negociam significados ao mesmo tempo em que se desenvolve a prática associada ao grupo. Neste sentido, na origem da constituição dessas equipes e do trabalho dos educadores envolvidos havia um objetivo comum – desenvolver atividades educativas com o público visitante – e, ao realizá-lo a equipe construía uma prática de educação no MPEG, algo muito próximo ao que se apresenta numa comunidade de prática. Mesmo nos dias atuais, os membros das equipes educativas (os mesmos desde a origem) ainda guardam pelo Museu Goeldi extremo interesse e dedicação que os move na direção de dar continuidade ao trabalho educativo realizado. As falas a seguir de dois educadores de diferentes equipes, apresentam de forma explícita essa relação de trabalho pautada no sentimento de pertencimento e paixão pelo que fazem, o que reforça também a formação de uma identidade na relação institucional e no auto reconhecimento de ser um educador nesse contexto. Eu chego geralmente aqui 7 da manhã se não for um pouquinho mais cedo e eu saio às 5 da tarde, almoço aqui nessa sala. Eu me dedico, entendeu. Eu me dedico ao trabalho e a outras pessoas. E eu sou nível médio. Então quando a gente vê uma pessoa que entra crua, sem essa experiência. O que nós cavamos aqui! Por exemplo, não foi à toa que eu fui para 44 municípios para mostrar que o Museu precisaria sair daqui de dentro. E eram contra, as pessoas eram contra. (...) (Educador 2). Eu tenho o maior orgulho mesmo de ser educadora e de ser a única pedagoga aqui nessa instituição centenária que eu amo de paixão. Amo meu trabalho e eu como educadora, o que me dá mais alegria, mais prazer é saber que eu estou conseguindo repassar, não é repassar, é transmitir a esses jovens que eu oriento e para esses professores: que ser educador com todas as barreiras, com todos os preconceitos que a gente sofre, é muito interessante. (Educador 4)


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O envolvimento afetivo é, sem dúvida, mola propulsora do engajamento, mas não garante que este ocorra de fato entre as equipes. A mudança na área educacional do MPEG a partir da última setorização ocorrida em 2006, levou, com o tempo, a uma nova maneira de organização do trabalho entre os membros. O desmembramento físico e estrutural que ocorreu na época da criação dos atuais núcleos formou equipes autônomas, algo que pode ser notado nas falas dos educadores, como no exemplo a seguir: Olha atualmente o Serviço de Educação está dividido em três Núcleos. E esses Núcleos, a dificuldade minha é que os três Núcleos estão separados. (...) Fisicamente, o que ocorre muitas vezes é que é problema de estrutura aqui dentro (...) (Educador 2).

Nos dias de hoje, embora haja grande identificação dos educadores com a missão e com o trabalho educativo do MPEG, nem sempre há negociação de significados e engajamento em um objetivo comum entre o SEC e o NUVOP, elementos chaves para a constituição de uma comunidade de prática. Por exemplo, no processo de concepção de novas exposições, uma tarefa que necessitaria de trabalho multidisciplinar e da compreensão partilhada das ações, os aspectos relacionados ao engajamento mútuo não foram identificados. Porque eu já fui chefe desse setor e quando era chefe eu fundi os dois e trabalhava em conjunto, museologia e serviço de educação. A partir da vinda de outro chefe, eles foram trabalhando exclusivamente com exposições. (...) nós só somos chamados quando a exposição está praticamente pronta: "O que é que vocês vão fazer da exposição?" Então fica difícil é aquilo que eu falei, enquanto a gente não participa do processo de criação, a gente não se sente dono, a gente já pega o bonde andando, é mais difícil. Então eu já tentei mostrar que a gente tem que trabalhar do início, chamar umas pessoas, qual é o tipo de exposição, então chama e o serviço de educação acompanha. Isso acontece algumas vezes, mas não é uma prática da gente sentar todo mundo junto e discutir, que seria o ideal (Educador 2).

O educador aponta a falta de aproximação entre as áreas educativas na produção das exposições como um problema para sua prática, explicitando a separação do trabalho entre as equipes. Para além da autonomia das ações realizadas hoje pelas equipes, há também aproximações. Ao analisar a enorme variedade de ações educativas desenvolvidas pela área educativa do MPEG, é possível verificar o princípio comum entre SEC e NUVOP, pois ambos apresentam elementos que aproximam as práticas que desenvolvem. É o caso das ações extramuros: cada grupo realiza um conjunto de atividades fora do espaço do Museu, em geral com escolas e professores, mas também com os grupos comunitários dos locais alvos dos programas. Outro exemplo de aproximação entre os elementos que compõem a prática destas duas equipes pode ser identificado no programa educativo que utiliza as trilhas ecológicas e educativas do Parque Zoobotânico do MPEG. Esta estratégia educativa é usada com grupos de visitantes agendados e espontâneos tanto pelo SEC como pelo NUVOP. Em algumas das ações apresentadas há evidências de conexões e mesmo de sobreposições entre os grupos que compõem a área educativa, mas ao analisar as ações específicas realizadas pelas equipes percebe-se que cada uma delas adota seu conjunto de repertórios de forma autônoma. Estas características nos levam a afirmar que a nova estruturação física e simbólica da área educativa

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promoveu mudanças profundas na maneira com que seus membros se relacionavam e na própria caracterização da prática educativa deste museu. As tensões e os conflitos fazem parte das relações e estão contempladas na concepção das comunidades de prática. Contudo, o modo como esses enfrentamentos são tratados pelos indivíduos deve incluir, necessariamente, a possibilidade de negociação e de resignificação da prática em nome de um objetivo maior, dando vida ao engajamento. No caso do Museu Goeldi, as evidências apontam para uma mudança ao longo da história da área educativa, no que se refere ao modo com que os membros se envolvem nas ações que conduzem. A distância física e a não realização de atividades conjuntas indicam que as diferenças de opiniões, concepções e pontos de vista não são negociadas na forma como as equipes hoje se constituem. Esta conformação não promove encontros entre os diferentes atores e, de certa forma, diminui a capacidade criadora que pode emergir de grupos que passam por condições adversas de uma forma partilhada. Em uma comunidade de prática, o enfrentamento, a demonstração e disputa pelo poder estão presentes, entretanto, somente quando o grupo responde de forma coesa a essas condições, um engajamento pode emergir e fomentar o estabelecimento de objetivos comuns, de inovações na prática do sistema educativo. Se as disputas por espaço, por reconhecimento, por interesses pessoais não são colocadas em um segundo plano e não permitem que o novo surja, não há como se consolidar qualquer engajamento e as comunidades acabam não se constituindo de fato. O empreendimento conjunto na experiência do setor educativo do MPEG O empreendimento comum é o resultado da negociação frente às condições que os indivíduos vivenciam de maneira cotidiana e que reflete a complexidade do engajamento mútuo. No processo vivo que se estabelece entre as pessoas ao se depararem com as mesmas restrições e aberturas, uma relação mútua de responsabilização entre os membros pode se estabelecer e tornar-se parte da prática. No caso das equipes educativas do MPEG, verifica-se que há desafios comuns entre eles, como a falta de financiamento para o desenvolvimento das ações educativas. O empenho dos educadores para conseguir recursos financeiros expõe o senso de responsabilidade das equipes em torno da finalidade comum de realizar atividades educativas com o público, missão primordial do setor. Quem financia é o Museu, (...) Então a gente faz a proposta diz “olha vai ter isso, isso e isso” vem do Tesouro, dos cofres do recurso do Museu para financiar as atividades que a gente faz. Quando não tem, a gente mesmo financia (Educador 1). Nossa instituição Museu aqui tem um peso muito grande, eu vou dar um exemplo. (...) Eu peguei o Clube do Pesquisador Mirim que tem 180 crianças, fiz uma reunião com os pais aqui no auditório e disse que a gente ia fechar. Alguns funcionários e bolsistas disseram “a gente vem trabalhar de graça esses 03 meses para poder segurar o projeto”. Eu disse não. Se a gente fizer isso, a gente está solucionando um problema, a gente tem que jogar esse problema para outros. Então reuni as mães


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queriam fazer doce para vender, os pais queriam se cotizar para pagar o salário das pessoas, mas tudo implicava em não podia, porque eles estariam aqui 03 meses ganhando, mas sem seguro, era irregular. Conclusão, uma senhora que era secretária do governador, secretária de um secretário do governador, entrou em contato com o governador e o governador do estado bancou todos os salários durante esse período dos bolsistas estagiários, pagou seguro, tudo (Educador 2).

A disposição em conseguir recursos para financiar as ações leva não somente a equipe responsável a buscar meios para viabilizá-las, como também mobiliza aqueles sujeitos que atuam de forma periférica auxiliando nas atividades (bolsistas e funcionários) e os públicos que delas participam. Esta capacidade de mobilização do grupo em torno do financiamento revela a responsabilidade das equipes educativas em torno de um empreendimento, ou seja, o atendimento ao público. O tema da biodiversidade, presente na missão institucional, é outro balizador de grande parte das ações educativas tanto do SEC quanto do NUVOP. Segundo consta em sua página institucional3, a missão do MPEG é: “Realizar pesquisas, promover a inovação científica, formar recursos humanos, conservar acervos e comunicar conhecimentos nas áreas de ciências naturais e humanas relacionados à Amazônia”. Quanto aos objetivos estratégicos para o período 2011-2015, destacam-se aqueles voltados a consolidar e ampliar competências em CT&I relacionadas à bio e sociodiversidade e consolidar o Museu Goeldi como um centro de pós-graduação na Amazônia, além de fortalecer a ação educativa no MPEG. Portanto, nos programas e atividades das equipes educativas há um forte alinhamento com a missão do Goeldi. Eu acho que a biodiversidade é que vai nortear muitos trabalhos que a gente faz aqui, até mesmo porque dentro da Amazônia isso é muito presente, essa riqueza que a gente tem aqui de espécies, e que muitas vezes são ainda desconhecidas. (...) E o Museu, eu acho que ele tem um papel importante nesse sentido, porque além dele atuar nessa parte de educação, também vai trabalhar com as pesquisas nessa área. Então a gente tem como subsídio a pesquisa que a instituição desenvolve na área de biodiversidade para informar ao público (Educador 1).

Outro fator relacionado à visão institucional que os une é a autodescrição dos educadores como facilitadores ou canais de comunicação entre a pesquisa e os públicos atendidos, se responsabilizando fortemente com esse papel, e configurando-se como um elemento constituinte da identidade desse educador: “Porque aqui eu sirvo de canal de comunicação entre a pesquisa científica e esse público, esse professor, esse aluno que visita constantemente aqui a nossa instituição” (Educador 4). Essa atribuição assumida pelos educadores traz um sentido de participação num projeto maior associado ao trabalho educativo, que os conecta as áreas de pesquisa da instituição e, novamente contribui para definir uma identidade parcialmente comum a todos que se expressa na intersecção institucional. De fato, há um efetivo trabalho em parceria construído ao longo dos anos entre muitos pesquisadores e as equipes educativas. 3 Disponível na página na internet do Museu Paraense Emílio Goeldi. http://www.museugoeldi.br/portal/ content/apresentaçao, . Consultada em maio de 2014.

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(...) a missão do Museu, que é a pesquisa, então eu não posso esquecer da Zoologia, da Botânica, das Ciências da Terra, tem que ter essa ligação e o pesquisador me repassa o resultado da pesquisa e a gente encaminha pra todos [envolvidos na ações] (Educador 4).

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Essa aproximação entre as equipes em torno de uma mesma finalidade, qual seja, a comunicação da pesquisa realizada pelo MPEG para o público, torna a experiência desta instituição próxima à ideia de comunidades de prática, no que se refere ao empreendimento comum. Ademais, ao participarem como educadores e negociarem significados em relação à missão do MPEG, um processo de reconhecimento mútuo frente a essa negociação se faz, podendo desencadear simultaneamente a elaboração de uma identidade partilhada entre as equipes, ou seja, de reconhecerem-se como educadores. É verdade, contudo, que cada uma delas desenvolve ações específicas e de forma independente em torno da missão institucional. O NUVOP, por exemplo, realiza programas de ação educativa no Parque Zoobotânico para público escolar e geral, além de programas de formação de professores, de guias turísticos e de monitores. O SEC, por outro lado, desenvolve programas de formação científica para público escolar e programas relacionados ao desenvolvimento de recursos pedagógicos e museográficos. Já o CMU desenvolve exposições e recursos museográficos para o público geral, no entanto, toda a parte pedagógica associada a essa produção depende da orientação vinda das outras equipes. Essa forma de atuar das equipes educativas revela que cada uma delas encontra-se à frente de atividades e programas específicos que funcionam de maneira independente e raramente articulada. Não há, desse modo, um sentido de responsabilização coletivo em relação à manutenção de um objetivo comum, já que as negociações e resignificações sobre as ações que desenvolvem não são conduzidas entre os membros das equipes que formam a área educativa, mas somente internamente em cada grupo. O repertório partilhado pelos educadores no setor educativo do MPEG Conceber, elaborar executar as ações educativas é um processo comum a todas as equipes educativas do MPEG. Como vimos, atividades como as trilhas, as ações extramuros, a parceria com as escolas, as atividades de formação de professores, a elaboração de exposições e materiais didáticos, entre outras, compõem o conjunto de produtos e elementos da prática educativa dessas equipes. Além de produzir ferramentas e recursos comuns, o repertório — que inclui rotinas, palavras, ferramentas, estórias, gestos, ações, conceitos, entre outros — do ponto de vista das comunidades de prática, necessita da participação dos indivíduos nessa prática ao mesmo tempo em que criam abstrações sobre os diferentes recursos, e que vão sendo internalizadas no grupo. Em todas essas representações (conceitos, estórias, palavras, etc.) os aspectos da experiência (humana) foram congelados em formas fixas e ganharam a partir daí, o status de objeto, ou como diz a teoria aqui utilizada, foram reificados. A compreensão de que as abstrações podem se tornar coisas palpáveis ajuda a entender como os educadores do MPEG se relacionam com a atividade de trilhas, por exemplo. Para eles, essa ação, construída historicamente entre os grupos, é alvo de resignificações, e certamente de embates entre os grupos.


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Os educadores a elaboraram em função dos públicos, adotando conformações distintas em cada equipe. No exemplo a seguir, a trilha foi pensada para o visitante espontâneo do Parque e não necessitou considerar os elementos dos conteúdos curriculares, e nem contar com a colaboração das escolas em sua execução. Eu já fiz da Histórica, temos a trilha dos sentidos que eu já te falei, tem a Via Crucis, que é desde a captura de um animal na floresta até a morte, por quê? O cara captura um animal lá e o que acontece muitas vezes no Pará: captura o bicho, a pessoa compra não sabe cuidar ou o bicho morre, ou ele manda para o museu. No museu o bicho chega doente vai para um local, vai ser cuidado, tem muitas vezes que ele está tão doente que ele morre. Então a gente mostrava como se fosse aquela estação, as paradas que Jesus fez, mas como se fosse o espaço no Parque (Educador 2).

Já para o outro educador, pertencente à outra equipe, a proposta da trilha perpassa pela necessidade de parceria com a escola e pelo desafio de atender às demandas curriculares. Ah, vamos fazer um roteiro [trilha] com a castanheira e a gente pensou, foi identificando essas espécies ao longo do Parque. Eu fiz as pesquisas, criando os textos e resumindo as informações. E a gente trabalhou nessa trilha com a escola, no caso o Ulisses Guimarães, a gente chamou, eu chamei os professores aqui, eu disse, olha a gente tem esse tema, a gente vai trabalhar essa trilha, a gente queria a parceria de vocês. Expliquei e eles foram lá, levaram para as escolas e trabalharam com os alunos deles a temática e nós montamos o roteiro da visita (Educador 1).

Claramente, o recurso trilhas faz parte do repertório das equipes SEC e NUVOP e foram sendo reinventadas por seus membros de diferentes maneiras, dando origem ao conjunto de trilhas escolares e de trilhas para públicos espontâneos. Mesmo que muitas vezes essa ação tenha elementos muito similares, como as dramatizações, ao acontecerem em condições distintas por grupos que não partilham a mesma concepção, novas abordagens surgem, e associados a elas, uma nova prática pode também emergir. Outro bloco de recursos utilizados por todas as equipes é a coleção didática, os jogos e os kits produzidos no âmbito do projeto Clube do Pesquisador Mirim, e, claro o espaço do Parque. A relação com os pesquisadores é muito próxima e permite aos educadores lançar mão dos recursos da pesquisa, como no caso da própria coleção científica, e do espaço destinado à pesquisa, no campus fora do Parque, local onde ficam apenas as coordenações de pesquisa. [...] Sim, a gente.., principalmente o Parque é a nossa referência, o espaço Raízes lá no centro perto dos bambuzais, agora também eu uso muito o auditório do Museu. Procuro pelo menos o Núcleo de Visita, a gente trabalhar nesse espaço aqui, mas devido ao nosso próprio trabalho, a gente usa muito o campus de pesquisa do Museu. E aquilo eu acho que no início quando eu falei do preconceito não por pesquisadores, que a gente tem muito de perto, eu tenho amigos pesquisadores, hoje em dia eles me procuram: "Laura, (...) não tem nenhuma palestra para eu dar?" Entendeu? Então a gente trabalha também aqui o Parque, mas o campus também, e o objeto a gente usa, procura, pelo menos quando tem exposição, a gente tem que trabalhar, passar isso para os professores, trabalhar sobre essa questão, até indígena (Educador 4).

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Embora as etapas de concepção, elaboração e execução das ações educativas sejam vivenciadas internamente por cada uma das equipes educativas do Goeldi, os seus membros, na maioria das vezes, não dividem entre si esse processo. Mesmo que a prática por detrás dessas ações seja de caráter similar, o seu desenvolvimento não é planejado coletivamente entre as equipes. O compartilhamento se dá apenas no nível organizacional, como relata o educador: Quando é uma coisa geral, planejamento geral, todo mundo, principalmente os funcionários com alguns bolsistas, (...) Existe o planejamento, as reuniões gerais, mas tem aquelas que são do grupo, por exemplo, a Luiza apoia o Clube do Pesquisador Mirim (CPM), mas ela não atua no CPM. Então quando se precisa da coleção aciona-se a Luiza, e ela apoia. A Joana e a Laura não atuam no CPM porque não têm perfil para o Clube, mas, por exemplo, quando tem algum evento elas participam, mas não é assim em função de ser em núcleos, cada um tem suas atividades então desenvolve e planeja em conjunto, a gente planeja o geral juntos, a gente fica sabendo o que está acontecendo, mas cada um toca o seu separado (Educador 2).

Ao observar o conjunto de repertórios das equipes educativas do MPEG pode-se notar novamente uma raiz comum, revelando que possivelmente os educadores estiveram engajados ao redor de um mesmo empreendimento, no início da história da área educativa, negociando e estabelecendo uma prática comum. Com o passar dos anos, o desmembramento, as alterações nas equipes e a perda da negociação entre os seus membros promoveram a manutenção de alguns recursos estabelecidos, mas que acabaram ganhando significados e representações distintas entre as equipes, conformando identidades específicas em cada grupo e alterando a prática que inicialmente era comum a todos. Discussão O funcionamento das equipes educativas estudadas, que compõem a Coordenação de Comunicação e Extensão do MPEG, sob a ótica das categorias analisadas - o engajamento mútuo, o empreendimento conjunto e o repertório partilhado - revelam como ora a área educativa deste museu se aproxima e ora se distancia da ideia de comunidades de prática. Foi possível notar nesse estudo evidências de que no início da existência da área educacional deste museu houve o engajamento mútuo dos educadores, favorecido pela conformação que ela possuía, formada por uma equipe que trabalhava no mesmo espaço físico com objetivos comuns. Por meio das entrevistas percebeu-se que nesta fase inicial foi possível o estabelecimento de uma identidade de educador dentro da instituição, especialmente a partir da forma com que, em suas ações, estabeleciam relações de maneira partilhada. A existência do engajamento mútuo entre os educadores se revela ainda a partir da forte relação afetiva com o trabalho e pelo vínculo institucional estabelecido ao longo de décadas de atuação na área educativa. Este panorama nos leva a afirmar que, no princípio de sua atuação, a experiência educacional no MPEG os aproximava fortemente da ideia de comunidades de prática educativa museal. Com as mudanças ocorridas posteriormente, a partir da divisão em diferentes equipes - SEC, NUVOP e CMU - percebe-se que a perspectiva de engajamento mútuo não mais ocorre da mesma forma. O trabalho conjunto no cotidiano institucional e a decorrente construção e reconstrução de significa-


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dos ao longo das atividades realizadas, que caracterizaria a constituição de uma comunidade de prática, não estão mais presentes ou são muito superficiais. Do ponto de vista do empreendimento comum, é possível afirmar que o que hoje ainda os une é uma ideia partilhada do que é ser um educador dentro dessa instituição. É fato que existem ações educativas semelhantes ou próximas entre as equipes, quando, por exemplo, tomam por referência a pesquisa científica sobre biodiversidade desenvolvida no MPEG para a constituição de suas práticas. Essa aproximação, contudo, não caracteriza uma prática efetivamente compartilhada. Tais ações, mesmo que semelhantes, não têm objetivos comuns no sentido de algo que almejam e efetivamente planejam coletivamente. O distanciamento físico entre as equipes e a pouca troca entre os membros dificulta a discussão, o planejamento conjunto e a solução coletiva de problemas, na qual o confronto poderia atuar como inovador da prática estabelecida. Assim, o que se vê é que as três diferentes equipes desenvolvem a sua prática e se relacionam com as demais práticas apenas nas conexões de caráter organizacional, como reuniões de planejamento, ou em tarefas específicas quando são chamados a trabalhar juntos. O conjunto de repertórios partilhados pelos educadores passou pela mesma mudança ocorrida ao longo da história da área educativa no MPEG. Como apontado, houve um engajamento inicial onde o conjunto de práticas e produtos eram produzidos de modo compartilhado. Esta experiência se modificou com a separação das equipes e segue sendo isolado, havendo, contudo alguns elementos partilhados entre os educadores, como no caso do uso da trilha do Parque, atividades extramuros e o desenvolvimento e uso de jogos e kits de materiais educativos para suas ações. No entanto, estes não são mais resignificados pelos membros de forma coletiva; e não há oportunidade para construção de uma prática negociada. Por outro lado, cada educador conhece muito bem o repertório e ferramentas dos outros educadores e reconhece as competências de cada membro. Os dados indicados revelam, por um lado, que a constituição de uma comunidade de prática não é algo absoluto e permanente ao longo do tempo. Dependendo da organização dos setores, da política institucional e da forma com que os educadores se relacionam, há uma dinâmica na formação dessas comunidades no tempo, podendo hora se constituírem efetivamente e hora se dissiparem (WENGER, 1998). É importante destacar que o fato de um setor educativo de um museu não se caracterizar como uma comunidade de prática não implica em postular qualquer juízo de valor sobre a qualidade das ações educacionais realizadas por suas equipes. A experiência acumulada pelos educadores do MPEG e seu reconhecimento interno e externo revelam a relevância das ações educativas que realizam. No entanto, com base nos dados levantados, é importante refletir sobre as vantagens e desvantagens que a área educativa do MPEG teve ao se subdividir em setores e as implicações que esta conformação teve com relação ao engajamento coletivo dos educadores em torno de empreendimentos comuns e na produção de repertórios partilhados. Segundo a teoria aqui adotada, ao se notar que certa prática precisa ser negociada, os membros compreendem a importância de cada um nesse transcurso, ou seja, passam a ver as competências individuais como complementares

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e se põem a serviço desse empreendimento. O resultado desse vigoroso envolvimento é o que a teoria das comunidades de prática chama de aprendizagem social, na qual a descoberta e redescoberta de como fazer as coisas juntos dentro de uma mesma prática é uma questão central. Talvez exatamente por ter vivido a experiência coletiva de uma comunidade de prática no início de sua criação – e ter ocorrido efetivamente uma aprendizagem social - os educadores do MPEG reconheçam as competências e ferramentas usadas pelas equipes envolvidas e até hoje realizem práticas que os aproximam. A oportunidade de constituir comunidades de prática da educação em museus parece, assim, auxiliar no fortalecimento desta prática profissional, revelando as ações que une os profissionais deste campo e possibilitando o desenvolvimento qualitativo das mesmas. Ao aplicar a teoria das comunidades de prática para compreensão da dinâmica dos setores educativos dos museus espera-se ampliar o debate em torno de questões centrais relacionadas à sua conformação. Este olhar faz emergir temas de fundo como a formação dos educadores, como eles se relacionam institucionalmente, como aderem ou não às demandas internas ou externas, como elaboram seus repertórios e como respondem coletivamente ao poder exercido institucionalmente. Muitos desses aspectos já foram estudados e evidenciaram, por exemplo, que os educadores são muito sensíveis ao público e que muitas vezes balizam a sua atuação em função da resposta deles (Tran, 2007; Machado, 2009; Martins, 2011). Entender se o conjunto de ações educativas desenvolvidas por um grupo profissional de educadores em uma instituição museal constitui ou não uma comunidade de prática possui o potencial de identificar, por um lado, as próprias ações que caracterizam esta prática. Por outro lado, auxilia no aprofundamento sobre como é realizada a prática educativa de um museu na busca de mapear o que a constitui e a distingue daquelas desenvolvidas em outros espaços educativos. Auxilia, por fim, a compreender melhor o caráter educativo dos museus. Nessa direção, é possível afirmar que a identidade de um educador de museu não pode ser desconectada da missão institucional deste local. Assim sendo, a aprendizagem social e a formação desse profissional necessariamente passam pela experiência vivenciada de ser educador na instituição. Como afirmado anteriormente, o processo de tornar-se educador implica em realizar inúmeras escolhas e negociar posições internamente. No caso do Museu Goeldi, ser educador envolve o desenvolvimento de atividades com foco no público, em especial o escolar, mas envolve também tomar por base as pesquisas sobre biodiversidade no planejamento dessas ações. Além disso, implica agir com paixão e ter compromisso com a missão institucional, elementos essenciais que legitimaram a área educativa dentro e fora da instituição. É na relação com o outro, na disposição em perseguir um objetivo que cada membro se vê competente e vai construindo individualmente a sua própria identidade. Mas também a constrói no coletivo, numa relação que se faz ao longo do tempo, nas histórias que cada um traz, na prática pré-existente, no sentido que cada um carrega de ser um membro de uma comunidade. A composição das equipes educativas dos museus, sob a ótica das comunidades de prática mostra que muitos enfrentamentos podem ser encarados como oportunidades à negociação e à aprendizagem coletiva. Nessa perspectiva, para que um grupo de educadores integrem os conhecimentos específicos à


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prática educativa é necessário promover espaços de encontros, plataformas de comunicação, encorajamento de atitudes, sistematização das ideias por meio de registros e da troca de experiências resultantes desse convívio. Sem alimentar essa dinâmica, a negociação do que é ser um educador e perseguir um objetivo comum se tornará frágil e poderá até impedir que os grupos se vejam como pares e possíveis colaboradores. No que tange à consolidação da função educativa dos museus e as especificidades de ser um educador, uma ação interessante é estimular a participação de seus membros em outras comunidades de práticas educativas de museus. Como nos conta Martins (2011), os espaços construídos pela paulatina profissionalização dos educadores de museus desde a década de 1990 no Brasil, vem produzindo um crescimento deste campo intelectual, por meio da institucionalização da pesquisa acadêmica, do aumento de grupos de pesquisa sobre este tema junto ao CNPq, do crescimento de ações junto ao Comitê Internacional para Educação e Ação Cultural/CECA do ICOM e a Rede de Educadores de Museus, do surgimento de revistas na área e do Observatório de Museus e Centros Culturais. Este reconhecimento da área educativa dos museus como campo intelectual e produtor de conhecimento favorece a troca entre os profissionais, se constituindo como espaço onde se estabelecem as questões centrais e os temas de investigação na direção de buscar as referências para a prática e para sua formação. Ao se facilitar os encontros entre indivíduos que partilham de um mesmo domínio e detêm um considerável sentimento de apreciação pelo seu trabalho, um movimento de reconhecimento mútuo pode se evidenciar, promovendo a validação conjunta desse importante campo de conhecimento que congrega profissionais das mais diversas áreas de formação inicial. Pode-se afirmar ainda, tomando-se como base a ideia de comunidades de prática, que o reconhecimento da educação em museus como campo de conhecimento perpassa necessariamente pela negociação de uma identidade de educador para além dos limites institucionais e pela participação de seus membros em espaços ampliados de discussões como os fóruns, encontros, congressos, redes, associações, etc. É no encontro com outras práticas que pode ocorrer a convergência – mas também a divergência – promovendo o caminho na direção de objetivos comuns. É também nessa intersecção de experiências e reflexões que a legitimação da área de educação em museus pode se dar. Referências BAILEY, E. How museum educators build and carry out their profession: examination of situated learning within practice. Massachusetts. ������������������������������������������� Dissertation (Doctor of Philosophy) – Lesley University, Cambridge, Massachusetts, 2003. GRUZMANN, C.; SIQUEIRA, V. H. F. O papel educacional do Museu de Ciências: desafios e transformações conceituais. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias v. 6, n. 2, 402-423, 2007. HOOPER-GREENHILL, Education, communication and interpretation: towards a critical pedagogy in museums. In: The Educational role of The Museum. Routledge, London, p. 3-25, 1994. LEE, C. P. Reconsidering Conflict in Exhibition Development Teams. Journal of Museum Management and Curatorship v. 22, n. 2 183-199, 2007.

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Artigo recebido em abril de 2014. Aprovado em setembro de 2014


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EDUCAÇÃO A COMUNICAÇÃO MUSEAL: A EMISSÃO RÁPIDO PAPO DE CRIANÇA

Greciene Lopes dos Santos Maciel * Universidade Federal de Alagoas Silvania Sousa do Nascimento ** Universidade Federal de Minas Gerais

RESUMO:

O artigo discute os conceitos de educação e comunicação museal a partir da análise de quadros de narrativas de 55 emissões radiofônicas do programa: Papo de Criança, desenvolvido pelo Museu Casa Guignard em Ouro Preto (MG) entre os anos de 1994 e 1997. Realizamos uma análise do contexto de produção de 19 emissões por meio de quadros de narrativas textuais. Tais quadros permitiram a caracterização da organização, conteúdos e atores, e de aspectos da educação e comunicação museais que emergem dos programas. Essas características são datadas e contextualizadas em um momento de inserção do museu no cenário cultural da cidade de Ouro Preto. O caráter de educação e comunicação museal nesse programa pode ser considerado um elemento decisivo para a boa interlocução que se estabeleceu posteriormente entre os diferentes setores culturais e econômicos da cidade e a pequena equipe do museu. PALAVRAS-CHAVES:

ABSTRACT:

The article discusses the concepts of museum education and communication from the examining boards’ narratives of 55 radio broadcasts of the program: Papo de Criança, developed by Guignard House Museum in Ouro Preto (MG) between the years 1994 and 1997. An analysis of context-producing emissions by 19 frames of textual narratives. Such frameworks allowed the characterization of the organization, content and actors, and museological aspects of education and communication programs that emerge. These characteristics are dated and contextualized in the museum insertion time of Ouro Preto cultural scene.The character of museum and communication education program can be considered a key of good dialogue that was established later between different cultural and economic sectors of the city and the museum staff. KEY-WORDS:

museum, radio, museum education, museum communication.

museu, rádio, educação museal, comunicação museal.

* **

Professora substituta do CEDU – Centro de Educação – UFAL grecie.lopes@gmail.com Professora titular Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino FAE silnascimento@ufmg.br

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Greciene Lopes dos Santos Maciel e Silvania Sousa do Nascimento

A constituição de um significado Os museus são instituições presentes em todos os países sendo sua origem geralmente traçada a partir da mitologia grega na figura das nove musas filhas de Zeus e Mnemosyne. Eles são historicamente datados e comprometidos com as mudanças das sociedades nas quais surgiram sendo vasta a literatura que os apresenta de forma ampla e contextualizada (Nascimento e Ventura, 2001). A noção contemporânea de museu, embora esteja associada à arte, ciência e memória, como na antiguidade, adquiriu novos significados ao longo da história. O Museion, a casa das musas da antiguidade, era uma mistura de lugar de adoração e de conhecimento. As musas, portadoras de uma memória absoluta, também possuíam o dom da premonição e uma poderosa imaginação. Com essas habilidades, elas seriam as responsáveis por alegrar os homens e fazê-los esquecer suas tristezas e angústias. Dessa forma o museion era identificado como o lugar de desfrute de prazeres das artes e das ciências. Contudo, sendo um lugar de adoração, os objetos expostos no museion, antes de tudo, tinham a função de agradar as divindades. Durante o período de expansão do império romano, nos séculos II e III A.C., periodicamente os objetos oriundos dos saques eram reunidos em Roma para exposição e venda. Retirados de seus lugares e funções de origem, esses objetos eram negociados enquanto testemunhos de prestígio e de poder. A palavra museu passou, então, a ser associada à ideia de ostentação, de força e de poder. Até o final do século XVII, os cabinets de curiosités constituíram uma importante face da museografia. O grande acervo constituído nesses gabinetes possuía acesso restrito e era guiado pelo próprio colecionador apresentando o discurso do aventureiro, conquistador ou naturalista. De espaços de contemplação, constituídos de vastas coleções de objetos até o século XVIII passaram, no século XIX, a espaços de saber, de progresso do conhecimento e das artes, acompanhando a modernização da sociedade no século XX (NASCIMENTO, 2005). As renovações no campo da museologia, sobretudo após o fim da Segunda Guerra, com a criação do Conselho Internacional de Museus (ICOM), alimentaram o processo de redefinição e ampliação do campo de ação dos museus. As definições de museu adotadas pelo ICOM são sustentadas por debates entre diferentes profissionais e setores da sociedade, que mesmo diante de mudanças, destacam a função social da instituição e seu caráter público. De acordo com Valente (2003), as definições mais recentes inserem organizações diversificadas: monumentos naturais, arqueológicos e etnográficos; os jardins botânicos, zoológicos e aquários; os centros de ciência e planetários; as galerias de arte, institutos de conservação e galerias de exposição permanente mantida por bibliotecas e arquivos; as reservas naturais; os centros culturais e outras entidades que facilitam a preservação e organização de recursos patrimoniais tangíveis e intangíveis. A autora explicita as críticas realizadas sobre esse conceito amplo e enfatiza o risco do estabelecimento de instituições revestidas dessa definição, que em muitos casos, não condiz com o que se convenciona chamar de museu, confundindo funções e missões diferentes daquelas genuinamente museológicas (Valente, 2003, p. 26). A evolução dos museus, desde as coleções dos nobres ao museu atual, reflete as várias demandas e papéis que estas instituições vêm assumindo através do tempo. Essa questão se reflete na identidade

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do museu e das organizações museais e, consequentemente, em suas imagens institucionais e organizacionais tal como estudado por Bertelli (2010). Foi uma longa sistematização da prática museológica, desde a tarefa de coletar e dispor, sistematizar e preservar objetos até o desenvolvimento de estudos e pesquisas sobre as coleções. Compreender a educação museal significa, de nosso ponto de vista, estudar igualmente as dimensões de construção de conhecimento e de comunicação. As ações educativas multiplicam-se nos mais diferentes tipos de museus, e por diferentes concepções de educação e comunicação, configurando um cenário marcado por uma diversidade de práticas. Atualmente compreendemos a educação museal como uma ação multifacetada cujo objetivo maior é promover a dialogia entre os diversos saberes que permeam os objetos em exposição. Em última análise, a educação museal visa a mediação entre os conhecimentos sobre os objetos museais e a potencialização da comunicação entre os públicos. A ação educativa que pretendemos discutir aqui aconteceu no Museu Casa Guignard (MCG), um museu de arte da cidade de Ouro Preto (MG), entre outubro de 1994 e dezembro de 1997. No nosso entender, essa ação educativa foi inovadora, pois em nossas investigações sobre educação museal promovida em ambientes radiofônicos, não encontramos em nenhum registro, naquela época, em museus brasileiros de uma ação que fizesse uso de um meio de comunicação de massa.As ações, em sua grande maioria são pontuais e focadas nas exposições realizadas (BRASIL. MINC/IBRAM, 2011). Outros fatores também despertaram nossa atenção: o programa, semanal, apresentado por crianças e para crianças, permaneceu no ar cerca de três anos; o ouvinte alvo foi um público pouco privilegiado na programação radiofônica. Avaliamos que foram emitidos cerca de 100 programas, dos quais conseguimos recuperar 46 fitas magnéticas em K7 contendo 55 programas. Neste artigo buscamos caracterizar o programa de rádio Papo de Criança quanto a sua organização, conteúdos e atores, e discutimos os aspectos da educação e comunicação museais que emergem das emissões dando continuidade a uma abordagem do gênero radiofônio e sua potencialidade educativa (Bossler, 2004). Museando no Brasil A implantação de museus no Brasil não é recente e recebeu uma clara influência europeia. A experiência mais antiga registrada, em um modelo que incluiu um jardim botânico, zoológico e observatório astronômico, foi o Palácio de Vrijburg durante a ocupação holandesa em Permambuco no século XVII. Na segunda metade do século XVIII, no Rio de Janeiro, foi instalada a Casa de Xavier dos Pássaros – um museu de história natural – cuja existência prolongou-se até o início do século XIX. Essas experiências museológicas pontuais evidenciam que, pela via dos museus, ações de caráter preservacionista foram empreendidas no período colonial (BRASIL.MINC/DEMU, 2006). Acontecimentos museais capazes de se enraizar na vida social e cultural brasileira só foram perpetrados após a chegada da família real portuguesa, em 1808. A trajetória dos museus no Brasil indica que as ações de comunicação, pesquisa e preservação do patrimônio cultural madrugaram nessas instituições. Os museus, aos poucos, deixaram de ser compreendidos aos setores da política e da intelectualidade brasileira apenas como casas de guarda de relíquias e passaram a ser percebidos como


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lugares de criação, comunicação, produção de conhecimentos e preservação de bens e manifestações culturais. Isso pode ser constatado no momento singular que o Brasil vive, há uma década, na área museológica, marcado pelo estabelecimento da Política Nacional de Museus (BRASIL, 2003). Tal política estabelece vários programas, entre eles a criação do Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM e do Cadastro Nacional de Museus - CNM que mapeou 3.025 museus (BRASIL.MINC/IBRAM, 2011). Dois conceitos transformadores das ações eductivas no museu Educação museal A importância social e educativa dos museus, sua capacidade de construir conhecimento, promover a compreensão do mundo pelo homem e a construção de sua cidadania pode ser considerada consensual. A dimensão educativa do museu originou-se de um longo processo iniciado no século XVII, a partir da criação e inserção dos museus em instituições formais de ensino, as universidades. No final do século XIX os museus, principalmente os de ciências, assumiram uma posição de protagonistas de mudança de posturas científicas. Da exposição de uma ciência positivista descritiva passou-se à ciência racionalista - explicativa, discursiva e argumentativa (Cury, 2005). As exposições deixaram de ser catálogos classificatórios e passaram a abrigar exposições de objetos contextualizados, representando um avanço no procedimento expográfico. Esse avanço nas exposições voltadas para o público exigiu que, além da explicitação do processo científico, ocorresse o reconhecimento do museu enquanto canal de comunicação. Essa mudança possibilitou uma nova concepção de público: de um contemplador destituído de uma demanda específica de informações, ele passou a visitante e interlocutor. E, para atender a esse público, surgiram diferentes necessidades, entre elas a de ser estabelecidas relações entre o museu e a escola, duas isntituições que se consolidaram na Europa no século XIX. A partir do século XIX, os museus e as coleções consolidaram o conceito de nações e os objetos passam a ser valorizados a partir de uma compreensão de patrimônio cultural e preservação do passado (Valente, 2003). As renovações no campo da museologia alimentaram reflexões e mudanças nas instituições museais em busca de redefinição e ampliação do seu campo de ação cultural, aprofundadas ao longo do século XX. O documento “A memória do pensamento museológico contemporâneo” organizado por Araújo e Bruno (1995) reúne documentos e depoimentos que sintetizaram os principais desafios e enfrentamentos dos profissionais das instituições museais entre as décadas de 1950 e 1990, frente aos dilemas em torno da função social dos museus: o Seminário Regional da UNESCO sobre a função educativa dos museus no Rio de Janeiro, em 1958; a Mesa Redonda de Santiago do Chile, em 1972; a Declaração de Quebec de 1984 e a Declaração de Caracas de 1992. Esses encontros constituíram os principais marcos do movimento da Nova Museologia e inauguraram a perspectiva de pensar a museologia a partir de olhares não europeus. O Seminário Internacional sobre o Papel Pedagógico do Museu, realizado em 1958, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, promovido pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM) e coordenado por Georges Henri Rivière primeiro diretor do ICOM (1946 a 1962), contou com a presença de educadores de, aproximadamente, vinte países latino-americanos e especialistas

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de outras partes do mundo. Uma das recomendações encaminhadas pelos presentes foi a indicação de que o trabalho educativo fosse confiado ao “pedagogo do museu” ou ao serviço pedagógico. Em depoimento, Hernan Crespo Toral, relata que esse Seminário provocou uma profunda reflexão sobre o conceito de museu e as consequências de suas funções de conservação, exposição, fruição e educação do público. A necessidade de conexão das exposições aos problemas contemporâneos e o fim do isolamento que marcaram os primórdios dessas instituições trazia para o centro das preocupações do campo museológico a dimensão comunicativa e educativa do museu (Toral, 1995, p.8 -19). O reconhecimento da importância de se conferir à educação um status semelhante às outras finalidades do museu, é ressaltado no documento: “(...) trata-se de dar à função educativa toda a importância que ela merece sem diminuir o nível da instituição, nem colocar em perigo o cumprimento das outras finalidades não menos essenciais: conservação física, investigação científica, deleite, etc” (Araújo e Bruno, 1995, p.11).

O conceito de museu integral operando para a compreensão da totalidade dos problemas da sociedade e defendendo a ideia do museu ativo, ou seja, instrumento dinâmico de mudança social, agente da educação permanente. Esse documento referente à Mesa redonda de Santiago (1972) reconhecido como a maior contribuição da América Latina para o pensamento museológico internacional, foi construído sob os impactos das reivindicações pela democratização da cultura, que acontecia sobretudo na Europa e na América Latina. Esse movimento promoveu a busca de diálogo entre o museu e seus diferentes públicos e a ampliação da participação social e cultural de seu espaço. A Declaração de Quebec (1984) remete à Mesa Redonda de Santiago do Chile, sobretudo no que se refere ao papel social do museu. A tomada de posição se baseia na reflexão sobre as transformações ocorridas no cenário museológico internacional. Dela decorrem o reconhecimento da necessidade de ampliar a prática museológica e de integrar nessas ações as populações, a interdisciplinaridade, as metodologias de métodos de gestão e de comunicação e o desenvolvimento social. Na Declaração de Caracas (1992) é reafirmada a prioridade à função socioeducativa do museu e são retomados os princípios e pressupostos da Mesa-Redonda de Santiago. Esse documento de maior densidade e aprofundamento delimita mais o campo de atuação dos museus, acentuando seu protagonismo social. As discussões giravam em torno da inserção de políticas museológicas nos setores de cultura, a consciência sobre o poder da Museologia no desenvolvimento dos povos, a reflexão sobre a ação social e o futuro dos museus, as estratégias para captação e gestão financeira, as questões legais e organizacionais dos museus, os perfis profissionais e finalmente, o museu como meio de comunicação. Horta (1995) analisa a relação entre os encontros sobre museus que aconteceram desde o Seminário de 1958 no Rio de Janeiro. Para ela, em 1992, os museus procuravam descobrir o seu espaço no território social, e enfrentavam as dificuldades desse processo. O monólogo transforma-se em diálogo, a função pedagógica (afirmada em 1958, no Rio de Janeiro) transforma-se em missão comprometida, não mais com a sociedade, em termos vagos, mas com a comunidade em que estão inseridos, ou em que buscam inserir-se. O documento organizado por Araújo e Bruno permite observar que nos


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20 anos entre Santiago e Caracas há um deslocamento da função essencial do museu de preservação para a de comunicação. A produção em torno dessa temática no Brasil alargou-se nos últimos anos, o que nos permite afirmar que ela se encontra em crescimento. Costa (2010) corrobora com este crescimento, ao mapear a produção acadêmica sobre educação em museus no Brasil, partindo da monografia de Manuelina Cândido (2003) e do levantamento publicado pelo Comitê Nacional de Educação e Ação Cultural (CECA), em 2007, e ampliando sua consulta à base nacional de dissertações e teses da Capes. Segundo Costa (2010), foi possível observar que do universo de 132 trabalhos pesquisados, 100 eram sobre a temática educação em museus, o que permite traçar algumas definições importantes sobre o campo e sinalizar o processo de consolidação aí desenvolvido. Os dados evidenciam a concentração regional, sendo 81% das pesquisas oriundas da região Sudeste, com destaque para a produção dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Os dados confirmam a emergência da temática, 63% dos trabalhados foram produzidos nos últimos 10 anos. A autora afirma que o objeto “museu” é novo no cenário das pesquisas em educação e história, o que demanda um investimento cuidadoso de teor teórico-metodológico. Consideramos que a educação museal trabalha com dois modelos: um de continuidade que faz distinção entre a educação formal, informal e não formal e considera que essas formas de trabalhar a educação podem ter parceria sem que haja subserviência de uma em relação à outra e o modelo de complementaridade, onde o museu complementa o ensino formal. Em ambos, a escola é o lugar de instrução e validação do conhecimento e, as ações realizadas pelos museus são consideradas como educação não formal, por tratarem da apropriação do conhecimento pela sociedade fora do espaço escolar. Ademais, o museu pode associar-se a outras instituições, sendo sua atuação educacional autônoma e desvinculada de estratégias educativas fixas e normativas. Em pesquisas anteriores (Santos, 2008 e Dutra, 2012) verificamos que, quando se fala em educação museal, diversas expressões aparecem em referência a essas práticas tais como: ação educativa ou cultural, mediação educativa, educação patrimonial ou para o patromônio, o que demonstra que este é um campo ainda em construção. A educação museal se constitui de procedimentos que promovem a educação no museu, tendo o acervo museológico o centro de suas ações (MINAS GERAIS- SECMG -SUMAV, 2006). As diversas as ações desenvolvidas nos museus se traduzem em formas de mediação que possibilitam à interpretação de bens culturais e à apropriação de conhecimentos pelos visitantes. Comunicação Museal A comunicação sempre esteve próxima ao museu e o ato de comunicar nesse contexto foi, e ainda é, associado à ideia de expor e exibir, embora a exposição sempre tenha sido associada à ideia de colecionismo e preservação (Cury, 2005). A expansão da interação com o público nos museus provocou questionamentos sobre as exposições em relação ao design e eficiência de comunicação. Nossas pesquisas apontam que, com o tempo, as exposições foram sofrendo transformações diversas, o que resultou em novas formas de interação com o

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público. A modernização das práticas de comunicação impôs novos desafios aos museus, o que exigiu mudanças nas suas formas museográficas tornando-as mais dialogadas. Nas expografias, os novos meios de comunicação e tratamento de informação alteram parcialmente a mensagem em seu suporte, mas não necessariamente a renovam. As antigas práticas observadas nos anos 1970 dentro de um processo de musealização sequencial de isolar, anexar e mostrar continuam sendo a marca dos museus, embora nossos estudos sobre as exposições destacam as seguintes metas para os museus na contemporaneidade: “transformar os museus em locais interativos, agentes de uma nova pedagogia transacional, conquistar novos públicos, propor novas formas de apropriação de conhecimento científico e técnico” (Nascimento, 2005, p. 228). No contexto brasileiro, sem pretender cobrir toda a produção em torno do tema, selecionamos três pesquisas cujos objetos de análise têm como objetivo compreender o processo comunicacional do museu por meio dos estudos de público e da avaliação de exposições. Em pesquisas realizadas por Almeida (2004a) são apresentas reflexões do processo comunicativo em museus e suas implicações para os estudos de público. Os pressupostos básicos que orientaram essas pesquisas foram as teorias e metodologias baseadas em modelos de comunicação. Para desenvolver estudos sobre receptores/visitantes e avaliação de exposições, a autora faz um levantamento dos modelos de comunicação usados em pesquisas desse campo ao longo do tempo. Na síntese realizada pela pesquisadora, nas primeiras décadas do século XX, o chamado modelo hipodérmico de comunicação era o mais aceito e, em seus termos, o visitante era encarado como um recipiente vazio no qual poderiam ser inseridas informações (Almeida, 2004b). Novos modelos informacionais foram criados, mas ainda eram unidirecionais, mas traziam mais etapas do processo e inseriam a importância do conteúdo do que estava sendo comunicado. Vários modelos estudam a comunicação em seus aspectos semióticos para compreender os códigos e linguagem presentes na comunicação e a experiência museal. O feedback como elemento fundamental e realimentador do processo e o contexto discursivo foram introduzidos aos modeles analíticos. As abordagens socioculturais introduziram a variável temporal e passaram a considerar que a aprendizagem é um processo que ocorre em diferentes tempos para cada sujeito (Almeida, 2004 b, p. 332). A entrada da era da informação e dos suportes multimídias nos museus introduziram novos elementos ao cenário comunicativo e os modelos tenderam a explorar o contexto, a interação e a apropriação do conhecimento presente nas exposições. Todos esses modelos apresentados coexistiram e ainda coexistem nos museus. Podemos relacionar igualmente as expectativas e motivações à experiência museal. Se uma pessoa vai a um museu fazer um trabalho escolar, fará um tipo de visita; se estiver visitando espontaneamente para lazer, a experiência será outra. Outra pesquisa que contribui de forma significativa para o dimensionamento dos estudos sobre comunicação em museus foi a tese de Cury (2005), que faz uma reflexão sobre a atuação comunicacional do museu. Ao discutir comunicação em museus e comunicação museológica, a autora aborda o tema a partir de dois pontos de vista ambíguos: o modelo condutivista e o modelo da interação. Para a autora, o museu é um dos meios de comunicação que está ligado à capacidade de despertar a consciência, estimular questionamentos e pensamentos críticos. Para Cury:


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A exposição e a ação educativa são manifestações da política de comunicação de um museu e para o público é o que define a instituição, pois é através delas que o museu se faz visível e se torna relevante para a sociedade (Cury, 2005, p. 87).

O trabalho de revisão da pesquisa acadêmica sobre recepção de público que a autora realizou, teve como objetivo conhecer como os museus no Brasil vem sendo estudados pela ótica da recepção. Para isso, Cury (2005) mapeou os estudos acadêmicos produzidos de 1984 até 2004. O universo de pesquisas foi de 28 trabalhos, dos quais 03 discutiam a dimensão da recepção: Adriana Mortara Almeida (1995), Cristina Silva (1989) e Marília Xavier Cury (1999). Cury (2005) conclui ser restrito o número de instituições estudadas sob o aspecto comunicativo. Segundo a autora, há muito que percorrer e os pesquisadores localizados no mapeamento são, no seu entender, pioneiros no Brasil (Cury, 2005:210). Valente (1995) também desenvolveu uma pesquisa de público no Museu Nacional motivada pela necessidade de se conhecer a relação entre Museu e o público visitante, em consequência da crescente importância dada à função educativa dessa instituição. A pesquisa buscou conhecer o papel social dos museus com o foco no papel do visitante. Segundo ela, o museu deve ser concebido e pensado para o visitante. Para a autora, o museu é um produto historicamente determinado e, portanto, ocupa lugar específico na ordem social estabelecida, havendo ao longo de sua existência, modificações em seus valores: O museu de nossos dias lembra o passado. Na realidade, foi lá que teve origem o embrião da atual instituição e que constituiu hoje o alargamento das funções tradicionais. Assim, mesmo modernizado, o caráter sagrado conferido a esse espaço do passado consegue transcender às exposições de hoje e continua ainda a representar um “lugar de celebração”, o que confirma a hipótese inicial: o museu tem atitude conservadora em virtude de sua função de preservação, resultando daí constante tensão de adequar a realidade social vivida à aproximação mais estreita com o público visitante (Valente, 1995, p.195).

A autora destaca que as tensões vividas pela instituição estavam relacionadas às desvinculação das práticas museológicas tradicionais à realidade cultural da época. Assim, essas práticas funcionavam como uma contradição na vivência da instituição e obstáculos às mudanças, levando-a a negligenciar o futuro, corroborando a perda do significado do museu e de seu papel. Sua pesquisa destaca o exemplo desse fenômeno no Museu Nacional que se pautava na grande visitação para justificar seu êxito e sua própria existência (Valente, 1995, p.196). A conclusão evidencia o papel de instituição de pesquisa do Museu Nacional, no qual a rigidez entre os setores se refletia nas exposições. O Museu Nacional apresentava ao público a mesma proposta conceitual da década de 1950, reforçando a ideia de que os objetos falam por si só. Para os visitantes, o Museu Nacional continuava sendo a Casa de D. João VI (Valente, 1995, p.201). Discutimos os conceitos de educação e comunicação museal de forma disjunta, contudo a experiência que relatamos neste artigo trata-se do uso de um instrumento de comunicação de massa, o rádio, em uma ação educativa de um museu de arte. Essa experiência exemplifica a função de mídia e como o museu pode promover a democratização de uma cultura para um público infanto-juvenil.

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Papo de criança: uma experiência de educação e comunicação museal

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O contexto de produção do programa O programa de rádio e televisão Papo de Criança alcançou um expressivo sucesso de audiência em Ouro Preto e cidades vizinhas. Não tivemos acesso aos índices medidos no período, mas a manunteção por mais de três anos da emissão é um indicador desse sucesso de público. De nosso ponto de vista, consideramos um sucesso o fato de ser constituído de uma emissão semanal produzida por uma equipe de crianças selecionadas em parceria com a Secretaria Municipal de Ensino e pela ação educativa do museu. O diretor Gelcio Fortes1, concedeu-nos uma entrevista em 2008, definindo o programa como uma experiência de aprendizagem colaborativa. No excerto 1 o diretor apresenta algumas características do Programa. Excerto 1: Características do Programa 13.Pesq: Como é a comunicação com a mídia? A comunicação do museu eu diria mesmo com a mídia, com o público. 14.Diretor: Olha, esse trabalho de ação educativa abriu muitas portas sabe, nós chegamos inclusive a ter um programa de rádio e TV em Ouro Preto, que se chamava Papo de Criança, ele foi feito na rádio e durou 4 anos, era todo sábado, durava 15 minutos. Nós tínhamos no museu uma oficina de comunicação, onde nós trabalhávamos com crianças na faixa etária de 9 a 12 anos, a seleção das crianças, foi através de um teste, nós colocamos no jornal para o público escolar e tivemos na seleção, umas 20 crianças selecionadas, e era muito interessante, que assim, na quarta-feira a tarde escolhíamos o tema do programa, nós aprendemos juntos por que eu também não sou da área. A prefeitura nos patrocinou, a Secretaria Municipal de Educação, pagou esse horário de rádio e me proporcionou contratar uma pessoa para trabalhar comigo, pois era um trabalho exaustivo, e a gente trazia convidados, psicólogos, pedagogos e tal.[...]

A dinâmica das oficinas de comunicação estava centrada na produção do roteiro na quarta-feira e a gravação do programa na sexta feira para sua transmissão no sábado entre 9:15 h e 9:30 h pela Rádio Educativa de Ouro Preto (MHz) como descrito no excerto 2. Exerto 2: Dinâmica das oficinas. 14. Diretor[...]. Então as crianças faziam o roteiro do programa, elas escolhiam tudo, desde o assunto e não necessariamente o museu era o assunto, nós não impúnhamos de forma alguma que o assunto fosse museu, elas escolhiam o tema que elas queriam. Nessas oficinas, nós desenvolvíamos o roteiro do programa na quarta-feira, na sexta íamos para o estúdio e gravava, no sábado ele ia ao ar, de 9:15 a 9:30 da manhã. Era um sucesso, claro que falávamos de museu também. Era muito engraçado, de vez em quando a gente propunha um tema que eles não tinham coragem de abordar, de vez em quando a gente jogava um tema e emplacava, pegava e tal,[...]

1 Gelcio Fortes – Artista Plástico e Diretor do Museu Casa Guignard desde 1992.


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A grade do programa era flexível e basicamente dividida em quadros como jornalístico, concursos, entrevistas, com locuções das próprias crianças como podemos observar na fala do diretor no excerto 3. Excerto 3: Estrutura interna do programa 15.Diretor: Isso foi de 93, 94 até 97 me parece, eu sou ruim de data, mas foram 4 anos, foram 3 de rádio, 3 anos e meio de rádio e mais 1 mês de TV. E tínhamos assim no programa um jornal com notícias que interessava ao público infantil, os próprios meninos faziam, tínhamos também concursos, sempre tinha o entrevistado do dia, na TV o programa era mais longo o que cansou mais ainda, e foi um exercício que eu fiz junto com as crianças, foi assim, um ensaio pra isso que eu to chamando de comunicação [...]

Para o diretor do MCG, o Programa Papo de Criança foi a ação educativa que trabalhou a relação do Museu com a mídia local. Considerou que este programa abriu portas, foi um sucesso, se apliando para uma versão emitida na TV local a qual não tivemos acesso. Uma regularidade observada no depoimento do diretor foi a valorização do trabalho junto à comunidade. Ele não desvincula o museu da comunidade em nenhum momento ressaltando o aspecto comunitário da ação educativa promovida. A partir de sua entrevista inferimos a seguinte definição de ação educativa: um conjunto de procedimentos educativos utilizado pelo museu como mediador da realidade social, pois fica claro em sua fala que o museu imbuído dessa função, aproximava-se mais do público, seja para favorecer o acesso aos bens patrimoniais, seja para promover uma compreensão da realidade local. Uma segunda fonte utilizada para compreender o contexto de produção das emissões radiofônicas foram os relatórios de atividades do Museu. Neles há o registro de que o projeto teve início em outubro de 1994 com parceria da Rádio Cultura de Ouro Preto, a Secretaria Municipal de Educação e a Prefeitura Municipal. O programa tinha audiência infanto-juvenil principalmente das cidades de Ouro Preto, Mariana e Itabirito. O relatório de 1994 registra como resultado a aquisição “de uma linguagem não formal sobre temas sinalizados pelas próprias crianças e professores, que proporcinou e incentivou através dos temas apresentados uma interação entre as escolas e comunidades”. Segundo o relatório, a Secretaria ofereceu uma oficina de 5 horas versando sobre comunicação para os 15 participantes do projeto. As crianças foram selecionadas pelo desempenho escolar, desinibição e criatividade pela equipe do museu e da Secretaria de Educação. (MINAS GERAIS/SECMG/SUMAV,1994). O contexto de produção do Papo de Criança mostra a preocupação formativa do projeto e sua complementariedade com a escola. O programa no ar O primeiro passo para a análise foi a transcrição das fitas em um quadro de narrativas. Assumimos que a linguagem utilizada para registrar e comunicar ideias torna-se dado de pesquisa unicamente quando a transpomos da atividade original observada para uma que podemos analisar (Vieira e Nascimento, 2013). Nesta pesquisa, linguagem e significado cultural, são objetos de análise,

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e são altamente dependentes do contexto de produção do discurso. A recontextualização das informações que componhem tais condições é determinante para a sustentação da análise. Inicialmente, para conhecermos os conteúdos das fitas, fizemos um exercício de escuta, familiarizando-nos com as falas e as vozes. Desta forma, o que fizemos foi lapidar as informações contidas nos registros, para obter uma primeira fonte de informações compondo o quadro de narrativas. Para fazê-lo levamos em conta a estrutura dos programas, observando a sequência, a abordagem de cada assunto e o tempo de duração dos mesmos. Dividimos o programa em 3 grandes blocos, apresentados no quadro 1, que apareceram de forma mais estável. Quadro 1: Blocos mais incidentes do programa (Santos, 2013, p.103) Bloco 1- Apresentação do Programa – O locutor anuncia que o programa está no ar. As crianças dão bom dia, se apresentam, fazem um teatro, uma brincadeira, há uma contextualização para anunciarem o que vai ter no programa. Bloco 2 - Entrevistado do dia – Entrevistas com profissionais de áreas diversas com predominância nas temáticas ligadas à cultura e à educação. As entrevistas são realizadas pelas crianças. Bloco 3 - Jornal do Papo – Anuncia as atividades culturais de Ouro Preto, dos museus e das escolas. Entravam também as chamadas para os concursos que o programa promovia.

As músicas, em evidência na década de 1990, são presentes em todos os blocos e compõem a paisagem sonora2 na abordagem de um assunto para serem ouvidas, na íntegra ou parcialmente, pela audiência. No total nosso corpus de pesquisa foi composto de 02 emissões de 1994, 28 de 1995 e 23 de 1996, em cerca de 14 horas de gravação. As fitas foram digitalizadas e o acervo devolvido ao Museu. A partir da escuta atenta das fitas, contruímos os quadros de narrativas informando o número da fita e a data em que o programa foi ao ar. O quadro 2, traz um exemplo dessa ferramenta e possui 3 colunas. Na coluna 1 temos a narrativa do assunto de cada bloco do programa, cujo objetivo é nos informar o que estava sendo discutido. Na coluna 2 marcamos o horário de início e fim de cada bloco para localização do trecho na fita e na 3, a duração de cada bloco. A narrativa é a camada verbal que textualiza a história do evento; ela é intercalada de descrições, diálogos transcritos, que neste quadro estão em negrito, e comentários do narrador, que estão entre parênteses, em sua ordem cronológica.

2 O termo soundscape (paisagem sonora) criado a partir do termo landscape (paisagem), refere-se a qualquer campo de estudo acústico. Pode se referir a uma composição musical, a um programa de rádio ou mesmo a um ambiente acústico como paisagens sonoras (SCHAFER, 2011, p. 23).


Greciene Lopes dos Santos Maciel e Silvania Sousa Susana do Nascimento V. García

Quadro 2 – Quadro Narrativo de um programa (SANTOS, 2013, p.105) FITA Nº 10 – DEZEMBRO DE 1994 NARRATIVA

Marcador de tempo da Fita (MM: SS)

Duração (MM:SS)

Bloco 1: Todas as 9 crianças (apresentadoras) rindo e dizendo que hoje o programa 00:00/09:54 será feito só por meninas, pois os meninos não vieram /.../. Anunciam que vão continuar apresentando os distritos de Ouro Preto /.../ e um lugar muito bonito que fica a 20 Km de Ouro Preto é Amarantina /.../ lá tem uma bela Igreja que está sendo restaurada pelo Paulo Chiquitão /.../ que vai ficar linda! É a Igreja de São Gonçalo do Amarante. Amarante? Amarantina!!! E contam a história da cidade/.../ convidam as crianças de Amarantina a escreverem para o programa para contar como se divertem lá, o que elas fazem na Cidade/.../ /.../falam sobre a cavalhada que acontece na Cidade/.../ e logo em seguida fazem a chamada para apresentar o Museu das Reduções/.../ Falam das belezas do Museu das Reduções e de como foram bem recebidas no Museu... e convidam Dona Silvia e Dona Evangelina para falarem sobre o Museu das Reduções /.../ Elas são as fundadoras do Museu, e explicam que o trabalho que desenvolvem é sobre o Patrimônio Edificado desde o século XVI até o século XX/.../ contam que tem uma escola de artesanato ao lado museu que trabalham com crianças onde elas aprendem o trabalho de fazer as reduções principalmente com a pedra sabão/.../ (voz de uma das entrevistadas) temos 5 anos de curso e temos um fluxo muito bom de alunos, já distribuímos mais de 100 certificados/.../ o que foi para nós uma surpresa já que em Amarantina a principal função é a agricultura, (voz de uma das entrevistadas) nós somos de Campanha que fica no Sul de Minas, e viemos para cá realizar o nosso sonho, três velhinhas aposentadas/.../ e tivemos uma receptividade maravilhosa/.../ o nosso recado é que valorizem Ouro Preto isso aqui é maravilhoso e não existe em nenhum lugar do mundo. Elas criaram o Museu em Amarantina por causa do Fluxo turístico de Ouro Preto /.../ As crianças agradecem as entrevistadas. (Música de fundo: Josefina sai cá fora e vem me ver/.../ Na entrada do Museu tem um texto muito lindo)/.../ Dáfine lê para nós/.../ Dáfine lê o texto e no final informa que ele é de Guimarães Rosa /.../Continua a mesmo música /.../

09:54

Bloco 2: Música de fundo – 477 no batuque samba fank /.../Hoje temos uma colegui- 09:54/11:04 nha nova no programa/.../ Josilane, se apresenta e diz que vai representar as Escolas Bauxita e o Antônio Tomás Gonzaga, diz que é da quinta série, dá o número da sala e que todos podem procurá-la se quiserem e precisarem de alguma coisa.

01:50

Bloco 3: Musica de fundo: Lecy Brandão refrão: toda criança tem que ser igual 11:04/15:14 perante Deus, criança é pureza e não faz mal, graças a deus/.../ Jornal do Papo: A Semana da Criança vem aí/.../ fiquem ligados pois o Papo de Criança terá muita surpresa/.../ continua a música de fundo da Lecy Brandão/.../ toda criança tem que ser igual perante Deus /.../ vai aí as dicas de festas para a Semana da Criança veja a programação: dia 11 vai ter muitas atividades na Praça Tiradentes/.../ vai ter o MUSEU NA RUA uma promoção do Museu da Inconfidência, das 14:00 as 18:00 horas, será na porta do Museu /.../ um grande abraço para os professores do MUSEU ESCOLA/.../vamos todos lá/.../ Na casa da Ópera também vai ter Teatro no dia 12 dia da criança, no dia 14 mais uma festa na barra com oficinas de arte e muito mais... uma promoção do SESC/.../Parabéns a Escola Estadual Barão de Camargo pela exposição na Casa dos Contos/.../parabéns criançada/.../e não se esqueçam do aniversário do nosso Programa Papo de Criança...estamos esperando os desenhos para a nossa camisa /.../até sábado/.../beijos /.../continua a música da Lecy Brandão com o mesmo refrão: toda criança tem que ser igual perante Deus /.../

04:10

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O quadro de narrativas permite a análise panorâmica do programa emitido identificando sua duração, os atores envolvidos, participantes, a presença da música e a forma de gravação (se gravados em estúdio, ou ao vivo), além de fazer a identificação dos formatos. A emissão apresentada no quadro 2 teve a duração de 15 minutos e 14 segundos, foram 9 crianças participantes, um locutor da rádio que fez inserções no começo e no fim do programa (uma gravação) e as 2 entrevistadas. A partir dos quadros de narrativas identificamos sete formatos, não excludentes, classificando os papéis dos atores envolvidos no programa. No caso do programa do quadro 2, o formato é o número um, no qual os apresentadores são 9 crianças, que dividem entre elas a cena discursiva. No estúdio as falas são compartilhadas de modo que todos interagem entre si. E no decorrer do programa passam para o formato três (as crianças dividem a cena discursiva com alunos de outras escolas em diferentes contextos). Esses foram os dois formatos dominantes dos programas analisados. Outro formato muito observado foi aquele de promoção de concursos (formato 6 que apareceu em 19 emissões). Os assuntos abordados, em sua maioria, tiveram a cidade de Ouro Preto e seu patrimônio cultural como ponto central das discussões. Em apenas 4 programas existe uma abertura que é caracterizada pela voz do locutor3, nos demais são as próprias crianças que fazem abertura, em seguida se revezam na apresentação do programa com todas participando da cena discursiva. O programa não tinha uma música exclusiva; como anunciamos antes a música entrava para compor a paisagem sonora, ou mesmo para ser ouvida na íntegra pela audiência. Tivemos um só registro, na Fita 17, de uma música aparentemente composta especialmente para o programa, apresentada em voz e violão pelo compositor. Os quadros de narrativas nos permitiram localizar a recorrência da palavra museu que apareceu em 19 programas, cujos extratos das narrativas estão no Quadro 3.

3 Gravado por um locutor da rádio: “A partir de agora pela Rádio Ouro Preto, Papo de Criança

um programa da Secretaria Municipal de Educação, apresentado por crianças da Rede Municipal de Ensino Com vocês: Acrícia, Alexsandro, Francisco, Michele e Priscila”.


Greciene Lopes dos Santos Maciel e Silvania Sousa do Nascimento

Quadro 3: Extrato das narrativas com incidência da palavra Museu (Santos, 2013, p.110) FITA - ANO

INDICAÇÃO DOS BLOCOS E NARRATIVA

MARCA DE TEMPO

07 1995

1. Brinquedoteca - Entrevista com Júnia Aleixo, ela participa de projetos de arte em Ouro Preto, na Casa da Baronesa com crianças. Ela quer fazer uma Brinquedoteca que funcione igual a uma biblioteca com empréstimo de brinquedos/.../ esta brinquedoteca faz parte do Centro Lúdico que é um projeto de museu na verdade, onde eu quero apresentar a minha coleção particular de brinquedos, e eu quero mostrar estes brinquedos que eu venho colecionando das minha viagens pelo mundo mas principalmente de minas/.../

14:50/28:45

10 1995

1. Amarantina – Entrevista com Dona Silvia e Dona Evangelina elas falam da criação do Museu das Reduções, do trabalho que desenvolvem, que é sobre o Patrimônio Edificado desde o século XVI até o século XX /.../contam que tem uma escola de artesanato ao lado museu que trabalham com crianças onde elas aprendem o trabalho de fazer as reduções principalmente com a pedra sabão... o nosso recado é que valorizem Ouro Preto isso aqui é maravilhoso e não existe em nenhum lugar do mundo. 3.A Semana da Criança vem ai/.../ veja a programação: dia 11 vai ter muitas atividades na Praça Tiradentes/.../ vai ter o museu na rua, uma promoção do Museu da Inconfidência, das 14:00 as 18:00 horas, será na porta do Museu... um grande abraço para os professores do museu escola/.../ vamos todos lá/.../

00:00/09:54

11 1995

3.Notícias - falam de vários acontecimentos nas Escolas, na Cidade e mandam um beijo especial para a Bete Salgado pela festa do Museu Escola na rua no dia 11/.../foi um sucesso/.../

12:40/16:05

12

3.Notícia - Feira Literária - Estará acontecendo dia 23 de outubro no anexo do Museu da Inconfidência uma feira de livros do movimento PRÓ-LER do Estado de MG, temos uma professora do movimento que estará lançando um livro durante a feira é a Cidinha da Escola Estadual Tomás Antônio Gonzaga/.../ entrevista/.../

00:00/12:47

13 1995

3.Lançamento de livro - No programa passado falamos muito sobre literatura, hoje vamos falar com o Gisberto Cardoso que lançou um livro no Museu Casa Guignard, o livro se chama Antologia poética de ouro preto/.../

04:07/14:07

17 1995

4. Notícias do dia – Concurso de desenhos para a camiseta do programa, o desenho escolhido foi o da Bruna de Carvalho Mapa /.../ pede que Bruna passe no Museu Casa Guignard para receber seus prêmios.

25:40/ 29:15

18 1995

3. /.../Chama a atenção de Bruna de Carvalho Mapa, a ganhadora do concurso das camisetas para buscar seus prêmios no Museu Casa Guignard. Dá os parabéns à Secretaria Municipal de Educação pela primeira edição do jornal /.../

11:27/ 14:40

1995

11:04/15:14

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Educação a comunicação museal: a emissão rápido papo de criança

21 1995

3. Notícias do dia –Anuncia o início do Projeto Museu Escola e dá informações sobre o projeto e de como se inscreverem. Também fala sobre a Oficina de Comunicação do Museu Casa Guignard, dando informações de como e onde as crianças podem se inscrever. Parabenizam os alunos do programa Jovens de Ouro que receberam seu primeiro pagamento e dá um recado da Prefeitura a todos os alunos selecionados a comparecerem no Museu da Inconfidência, na terça-feira às 13:30h/.../

29:02/ 35:05

22 1995

3./.../foi depois chamada para o Museu Escola, onde as crianças conhecem, através da brincadeira e da criação, a história de Ouro Preto/.../Ouro Preto por ser uma cidade histórica conta com muitos museus, inclusive o Ludo museu, que é muito legal para a cidade. O projeto então seria um museu de brinquedos, pois ela coleciona brinquedos de vários lugares do Brasil e do mundo, e ela pretende deixar expostos às pessoas os brinquedos desenvolvidos pelas pessoas/.../ Então o museu tem como propósito mostrar às pessoas a história da humanidade através dos brinquedos.

29:17/ 48:53

23

1995

1. Dá bom dia às crianças, e pergunta se as mesmas estão seguindo a sugestão do programa e estão visitando os museus da cidade/.../

00:00/ 13:11

24

1996

3. Noticia do dia - Uma das crianças noticia às crianças que fazem parte da equipe que haverão as reuniões do Programa Papo de Criança às terças-feiras no Museu Casa Guignard. Outra criança cita o nome de todos os participantes do projeto e reforça o dia da reunião, para que não faltem/.../

00:00/ 14:38

26

1996

1.Aniversário de 100 anos de Guignard. Entrevista com Marcone, escritor que fez a biografia de Guignard. Recitam o poema: O que é que Ouro Preto Tem... de Cecília Meireles/.../ fala sobre a vida de Guignard em Ouro Preto... para ele Ouro Preto era sua cidade natal, e veio a falecer em 26 de julho de 1962. O locutor então parabeniza Marcone pela biografia e fala sobre o Museu Casa Guignard, que na Rua Direita, fala de sua programação e conta que é no Museu que acontece a oficina de comunicação do Papo de Criança/.../ 2. Fernanda diz que na cidade vão haver comemorações para homenagear os 100 anos de Guignard, e apresenta mais um entrevistado Gêlcio Fortes, artista plástico, coordenador do Museu Casa Guignard e diretor do programa Papo de Criança que vai falar um pouco sobre a programação para a comemoração dos 100 anos de Guignard/.../ Fala do projeto do Museu em parceria com a Prefeitura e Secretaria de Educação para que as crianças de hoje também conheçam as obras de Guignard. Fala que a visita no Museu, é gratuita, dá orientações de como chegar e sobre o procedimento lá no Museu. Reforça que só há esse museu sobre a vida de Guignard, dizendo que o museu é também um centro de pesquisas sobre o artista. Convidam a todos para irem ao Museu para conhecerem mais da vida de Guignard/.../

00:00/ 06:15

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06:15/ 16:03


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28 1996

1. Pede a Leandro (participante do programa) que compareça na terça-feira no Museu Casa Guignard ou ele será substituído/...

00:00/ 03:43

30

3.Notícias - Avisa que o Ludo-museu já está ativo, mas somente com visitas orientadas e convida as crianças a montarem um grupo e passa os contatos para visitarem o Museu da Inconfidência. 3a.Concurso - anuncia o concurso sobre Guignard, que completa seu centenário, lançado pelo Museu Casa Guignard e a Secretaria Municipal de Educação, dizendo que o programa acompanhará o concurso/.../

15:61/ 22:47

32 1996

2.Entrevista com Elizabete Salgado - o mês de Abril é composto de várias datas importantes para a história do país. /.../ dia19 comemoramos o dia do índio, dia 21 é dedicado ao nosso grande herói Tiradentes e tem mais, dia 22 é o dia do descobrimento do Brasil /.../ Bete é professora da FAOP, coordenadora do Museu Escola, do Museu da Inconfidência e possui mestrado sobre a História política do Brasil. O locutor convida a todos os ouvintes a chamar seus país para escutar a conversa que tiveram com Bete.

03:34/ 17:50

33

1996

3. continuação da entrevista com Bete Salgado - para aproveitar uma dica, vá dar uma volta no Museu da Inconfidência /.../ Bete começa a contar a história dos inconfidentes/.../ e que o Museu da Inconfidência tem documentos, e que quem tiver interesse pode ir ao museu consultar a história/.../

08:07/21:50

35

1996

3. notícias - fala de todos os eventos que estão acontecendo... e convidam as crianças que quiserem a irem ao Museu Casa Guignard para participar da oficina de comunicação que acontece todas as terças de 08:00 as 10:00, façam sua inscrição/.../

09:17/15:25

37

1996

3. Notícias - Atenção crianças e professores durante o mês de Junho estará acontecendo na Casa Dos Contos a exposição Memória da Escravidão, feita pela artista plástico Chiquitão...e convidam todos para ir ver... convidam todos para assistir o filme a Bela e Fera as 15:00 hs no anexo do Museu da Inconfidência/.../ entrada franca/.../

08:29/12:47

39

1996

3- Notícias - O mês de junho o céu fica tão bonito... e as festas Juninas enfeitam a cidade...aqui em Ouro Preto morou um dos pintores mais importantes do Brasil... ele adorava pintar as festas de São João, você sabe quem é? Claro, Guignard... nos fazemos oficina lá no Museu Casa Guignard...e agora no segundo semestre todas as terças feiras de 01:30 às 04:00 fazer a sua inscrição aqui no Museu Casa Guignard venha perder a timidez /.../as oficinas são ótimas para perder este bicho chamado timidez /.../

12:66/15:06

1996

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Na maioria das vezes a palavra museu apareceu para representar o Museu Casa Guignard, sendo a maior ocorrência no bloco 3, no Jornal do Papo, como nas fitas 39 de 1996 ou 13 de 1995. Outros museus foram nomeados e indicados como lugares para se realizar atividades educativas, para aprender e se divertir, foram associados à cidade de Ouro Preto, tendo o Museu da Inconfidência como um grande protagonista sempre ligado ao Projeto Museu Escola (fitas 32 de 1996 e 24 de 1995), um projeto de Educação Patrimonial importante no contexto da cidade de Ouro Preto naquele período. Podemos igualmente acompanhar o movimento de criação do Ludo-Museu (fitas 7 e 22 de 1995). A palavra museu associada à discussões conceituais não esteve presente, contudo a ideia de museu como local de encontro, formação e discussão sobre patrimônio material e imaterial fica implícita. Foram discutidos aspectos entorno dos acervos e das ações educativas promovidas pelos museus da cidade (Ludo-Museu, Museu da Inconfidência e Museu das Reduções). Há um grande número de convidados como artistas, professores e educadores de museus e uma interlocução com a audiência por meio do envio de mensagens, convites e concursos. Podemos ver que além do aspecto informativo contido no Jornal do Papo há características de programa de auditório, com entrevistas e concursos, ainda que a emissão fosse gravada. E o papo continua? Canclini, ao investigar o papel dos museus nacionais diante das crises nacionalistas latino-americanas nos adverte que, durante muito tempo, os museus foram vistos como espaços fúnebres em que a cultura tradicional se conservaria solene e tediosa. Concluindo seu texto que mostra o museu enquanto meio de comunicação de massa, o autor nos informa que os museus estadunidenses, em 1962 chegavam a 50 milhões de visitantes e superaram em 1980 a população total desse país. Na França, os museus recebem mais de 20 milhões de pessoas por ano; só o Centro George Pompidou supera os 8 milhões (Canclini, 1998, p.169). A estatística brasileira com relação à visitação dos museus brasileiros evidencia um crescimento nos últimos anos, mas conquistar o público e torná-lo um frequentador de museus ainda é um dos desafios das nossas instituições. As mudanças pelas quais passaram os museus contemporâneos, em sua concepção, inserção nos espaços culturais das cidades, criação de novos formatos como: eco museu, comunitários, território e várias inovações cênicas e comunicacionais (ambientações, iluminação, cenografias com tecnologias digitais, etc) impedem de falar destas instituições como simples depósitos do passado. Contudo nossa revisão bibliográfica conclui que as discussões sobre comunicação em museus ainda são raras e abrangem poucas instituições. Os procedimentos comunicativos utilizados por cada instituição museal têm por princípio propiciar a seus públicos os mais diversos sentidos, estimulando-os o exercício cidadão de pertencimento e compartilhamento de valores culturais como a liberdade de acesso e democratização da memória. O programa Papo de Criança tocou em suas emissões em vários pontos de tais valores. Ao privilegiar um público infanto-juvenil, abriu possibilidades de novas linguagens e abordagens sobre as coleções, como no caso do Ludo-museu e do Museu das Reduções; das profissões ligadas ao patrimônio como o conservador, o educador de museu, o guia turístico entre outros e a inserção da


Greciene Lopes dos Santos Maciel e Silvania Sousa do Nascimento

comunidade nas ações dos museus ao constante convite para participação em eventos e a difusão das programações dos museus. A participação de um grupo relativamente grande (9 crianças) igualmente toca a questão de inserção social trazendo muitas vozes para a cena discursiva. Não é nosso objetivo aqui discutir tais vozes, mas elas representaram a inclusão de olhares que para a época, estavam silenciados na interação do Museu Casa Guignard e seu público. As características levantadas no Programa Papo de Criança são datadas e contextualizadas em um momento de inserção do Museu Casa Guignard no cenário cultural da cidade de Ouro Preto, uma cidade monumento. O caráter de educação e comunicação museal nesse programa pode ser considerado um elemento decisivo para a boa interlocução que se estabeleceu posteriormente entre os diferentes setores culturais e econômicos da cidade e a pequena equipe do Museu. Dessa forma consideramos essa ação exemplar e inovadora tendo seu registro um papel relevante para a própria história desse museu (Santos, 2013). Rerefências ALMEIDA, Adriana M. Comunicação Museológica: A importância dos estudos sobre os receptores/visitantes. In: Anais do Seminário de Capacitação Museológica. Belo Horizonte,

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Artigo recebido em maio de 2014. Aprovado em agosto de 2014

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MUSEUS, AÇÕES EDUCATIVAS E PRÁTICA ARQUEOLÓGICA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: DILEMAS, ESCOLHAS E EXPERIMENTAÇÕES Camila A. de Moraes Wichers * Universidade Federal de Goiás

RESUMO:

Nesse artigo apresento um painel a respeito da relação entre museus, educação e prática arqueológica no Brasil contemporâneo, a partir da constatação de que o aumento das pesquisas arqueológicas tem trazido potencialidades e desafios específicos para essa relação. Identifico os principais dilemas enfrentados na construção de processos educativos baseados no patrimônio arqueológico e proponho caminhos de superação, a partir de projetos que envolveram ações de divulgação e sensibilização, ações educativas integradas e o desenvolvimento de processos de Musealização da Arqueologia, destacando-se o Programa de Educação Patrimonial Expresso Educação da Ferrovia Transnordestina e o Planejamento participativo do Museu do Alto Sertão da Bahia. PALAVRAS-CHAVES:

educação – museus – arqueologia – educação patrimonial – planejamento museológico

Museums, Educational Actions and Archaeological Practice in Contemporary Brazil: dilemmas, choices and experimentations ABSTRACT:

In this article I present a panel regarding the relationship among education, museums, and the archeological practice in a contemporary Brazil, according to the findings that the increase in archeological research has brought specific potentiality and challenges to this relationship. I also identify the main dilemmas faced in the construction of educational processes based on archeological heritage and propose ways of overcoming them with projects that have involved actions of dissemination and awareness, integrated educational actions and the development of archeology’s musealization processes, emphasizing the Transnordestina Railroad Heritage Educational Program, and the participatory planning of the “Alto Sertão” museum in Bahia. KEY-WORDS:

education – museums – archaeology – heritage education – museum planning

Professora Adjunta do Bacharelado em Museologia da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás – UFG. Email: camora21@yahoo.com.br *

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Museus, Ações educativas e Prática Arqueológica no Brasil contemporâneo: dilemas, escolhas e experimentações

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Camila A. de Moraes Wichers

Introdução A relação entre museus, ações educativas e prática arqueológica no Brasil tem uma longa trajetória, uma vez que o “nascimento” da Arqueologia no país ocorreu no cenário dessas instituições. Ainda no século XIX, os museus foram espaços privilegiados da construção de discursos, baseados em vestígios arqueológicos, voltados à formação da nação. A partir da ideia de uma “Pedagogia Museológica” (Bruno, 2006) que tem envolvido, de diferentes maneiras, as sociedades ao longo dos tempos, é possível rastrear nos primeiros museus brasileiros uma pedagogia relacionada à Arqueologia. Não falamos da Pedagogia como campo consolidado cujo objetivo é a reflexão, ordenação, sistematização e crítica do processo educativo. Também não tratamos da Museologia como área do conhecimento voltada ao cuidado e ao uso do patrimônio cultural. Esse conceito recupera marcas de uma trajetória bem mais longa. A Exposição Antropológica de 1882, no Museu Nacional, por exemplo, foi palco privilegiado de uma pedagogia museológica colonialista, capaz de entrelaçar discursos a respeito do “índio histórico” - de preferência extinto, que pudesse figurar no discurso de construção da nação, e do “índio contemporâneo”, a ser controlado. Essa pedagogia marcou a Arqueologia Brasileira durante um longo período de tempo (Moraes Wichers, 2010). Contudo, essa relação de cumplicidade entre Museus e Arqueologia foi dando lugar a um estranhamento. Embora fisicamente associados, uma vez que a pesquisa arqueológica gera um sem-número de objetos que se destinam às reservas técnicas e exposições museológicas, a relação entre esses campos de conhecimento, passou a ser caracterizada por um afastamento. Bruno (1995), ao analisar o panorama brasileiro, indicou a circunscrição das fontes arqueológicas ao terreno das "memórias exiladas", mostrando que o patrimônio arqueológico tem ocupado papel coadjuvante nas interpretações relativas à cultura brasileira. Apenas na década de 1960, um pesquisador se voltou mais sistematicamente à questão da divulgação do patrimônio arqueológico ao público não especializado, numa concepção humanista: Paulo Duarte, no Instituto de Pré-História – IPH (Alcântara, 2007). Nesse mesmo período, a relação entre Museus e Arqueologia passou a ser marcada pelo “movimento arqueológico-universitário” (Bruno, 1995), configurado pela especialização das áreas do conhecimento e pela expansão dos laboratórios e centros de pesquisa nas universidades, em detrimento da identidade museológica. Esse movimento também influenciou a socialização da prática arqueológica, restrita a poucas experiências, fruto da dedicação de alguns profissionais. O próprio IPH, anteriormente mencionado, foi logo depois inserido na Universidade de São Paulo - USP, tendo desenvolvido, nas décadas de 1970 e 1980, mostras itinerantes e estruturado um Setor Educativo, resultando em um modelo de trabalho inédito para o país, pautado na integração pesquisa e socialização (Bruno, 1984). Da mesma forma, o antigo Museu de Arqueologia e Etnologia da USP realizou, durante a década de 1980, programas educativos baseados na cultura material, aproximando-se da metodologia da Educação Patrimonial (Moraes Wichers, 2011). Assim, em algumas instituições museológicas universitárias eram desenvolvidos programas educativos relacionados à Arqueologia, mas ainda em um número pouco expressivo para as dimensões do país e do seu patrimônio arqueológico.

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Museus, Ações educativas e Prática Arqueológica no Brasil contemporâneo: dilemas, escolhas e experimentações

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Contudo, a partir do último quartel do século XX, no Brasil, a consolidação da legislação ambiental impulsionou o crescimento de projetos de pesquisa arqueológica no âmbito de empreendimentos de natureza diversa, configurando o campo de atuação da Arqueologia Preventiva1. A análise das portarias de pesquisa emitidas entre 2003 e 2013 demonstrou que essa tipologia de pesquisa é responsável por 98% dos estudos arqueológicos no país, resultando em centenas de projetos que geram acervos significativos, quer do ponto de vista quantitativo, quer qualitativo. Nesse quadro, destaca-se a Portaria nº 230 de 17 de Dezembro 2002, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, que além de compatibilizar as fases de licenciamento ambiental com as etapas de pesquisa arqueológica, estabeleceu como obrigatório o desenvolvimento de Programas de Educação Patrimonial em todas as etapas de pesquisa. Ainda que ações educativas voltadas à socialização das pesquisas arqueológicas já ocorressem pontualmente no país, o IPHAN, a partir da referida portaria, estabeleceu sua obrigatoriedade, assim como determinou a utilização dessa expressão – Educação Patrimonial - no escopo das ações educativas relacionadas ao patrimônio arqueológico. No presente texto, enfatizo esse cenário contemporâneo, onde há um aumento exponencial das pesquisas e acervos arqueológicos, assim como um incremento dos processos de divulgação da Arqueologia para a sociedade, no escopo dos denominados Programas de Educação Patrimonial. Nesse sentido, faz-se necessário refletir criticamente a respeito do termo, entendido por alguns como metodologia e por outros como campo de atuação específico, assim como sobre a efetividade de programas. Os dilemas vislumbrados nesse cenário contemporâneo são apresentados na primeira parte do texto. Em uma segunda parte, procuro traçar algumas experimentações realizadas no campo da relação entre Museus, Museologia, Educação e Arqueologia, evidenciando possíveis caminhos para a superação dos dilemas apresentados. Destaco o Programa de Educação Patrimonial Expresso Educação da Ferrovia Transnordestina e o Planejamento participativo do Museu do Alto Sertão da Bahia. Dilemas A compreensão da relação entre Museus, Ações Educativas e Prática Arqueológica no cenário brasileiro contemporâneo envolve necessariamente o entendimento da inserção da pesquisa arqueológica no âmbito da Arqueologia Preventiva, visto que essas pesquisas compõem a maioria dos estudos arqueológicos efetuados no país. Obviamente, os museus guardam acervos arqueológicos frutos de quase dois séculos de coletas e estudos arqueológicos no Brasil - os quais denominei de “acervos herdados” (Moraes Wichers, 2010), que vêm sendo alvo de projetos educativos em algumas instituições. Não obstante, nesse texto, enfatizo o que denominei de “acervos gerados na contemporaneidade”, ou seja, as coleções resultantes das centenas de pesquisas realizadas no Brasil a cada ano, desde a portaria 230/02, que devem ser alvo de ações educativas voltadas a socializar esse patrimônio. 1 O termo Arqueologia Preventiva foi antecedido por designações como Arqueologia de Salvamento e Arqueologia de Contrato. Essas denominações se referem ao mesmo fenômeno: pesquisas arqueológicas realizadas no âmbito de obras potencialmente lesivas ao meio ambiente.


Camila A. de Moraes Wichers

A análise das portarias de pesquisa emitidas entre 2003 e 2013, no Diário Oficial da União, evidencia a amplitude do quadro aqui abordado. No período mencionado, foram emitidas 8013 portarias de pesquisa, dentre as quais 6961 são consideradas válidas para essa análise2, sendo distribuídas da seguinte forma nos anos mencionados:

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Figura 1. Gráfico com a distribuição do número de portarias de pesquisa arqueológica por ano. Fonte - Organização da autora

Conforme mencionado, de acordo com a Portaria 230/02, essas pesquisas devem ser acompanhadas por ações educativas, o que nos aponta que, a cada ano, teoricamente, centenas de programas de educação patrimonial estejam sendo realizados no país. De fato, nunca a Arqueologia esteve presente em tantos espaços como no cenário contemporâneo. Entretanto, esse cenário, que à primeira vista parece tão favorável, apresenta dilemas significativos, destacando-se que os elementos dessa cadeia, Museus - Ações Educativas - Prática Arqueológica, estão desconectados. Com relação aos Museus, a análise das mencionadas portarias de pesquisa nos permite acessar as instituições envolvidas com esses estudos3. Essas portarias mencionam 323 instituições que emitiram apoios às pesquisas, as quais, teoricamente, seriam responsáveis pelos acervos gerados. Em termos de tipologia institucional, a análise dessas instituições aponta um agravamento do abandono da identidade museológica no tratamento das coleções arqueológicas, fenômeno já tangenciado por Bruno (1995). Embora tenhamos um número considerável de museus, especializados ou não em Arqueologia, 45% das pesquisas estão associadas aos laboratórios e centros de pesquisa. Nesse sentido, destaco que o mais grave não é o fato das instituições não se denominarem “museus”, mas 2 Considerei como válidas as portarias de permissão ou autorização de pesquisa, excluindo as portarias de renovação ou prorrogação, que conduziriam a um desvio de leitura, pois a mesma pesquisa poderia ser contabilizada duas vezes. 3 Para que o arqueólogo tenha uma autorização e/ou permissão de pesquisa, deve possuir uma carta de endosso de uma instituição, a qual atesta o estudo a ser realizado e se responsabiliza pelos acervos eventualmente gerados pelos trabalhos de campo.


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o fato de não desenvolverem toda a cadeia operatória da Museologia. Quando analisamos o número de apoios fornecidos por cada instituição, detectamos que 51% das pesquisas realizadas no Brasil foram apoiadas por apenas 20 instituições. Isso significa, teoricamente, a concentração dos acervos em alguns locais, o que a aponta seu deslocamento dos territórios de origem. No que concerne à Prática Arqueológica, grande parte dessas pesquisas é realizada por empresas de Arqueologia ou arqueólogos autônomos, portanto, fora das instituições museológicas. Esse dado em si não é o problema. A constatação de que o diálogo entre esses profissionais e as instituições de apoio tem se reduzido à troca de documentos e envio de acervos é que inspira cuidados, pois a comunicação entre os elos dessa cadeia é fundamental. Por seu turno, as Ações Educativas têm sido realizadas, sob o rótulo de Programas de Educação Patrimonial, pelas empresas e arqueólogos autônomos, envolvendo raramente instituições locais. Ademais, nas equipes de pesquisa há uma divisão entre arqueólogos – responsáveis pela seleção e interpretação do patrimônio arqueológico, e educadores patrimoniais, devotados a “receber” esse conhecimento produzido dos arqueólogos e “traduzir” essas narrativas para a população local. Nesse sentido, há uma reprodução de um problema evidenciado nos museus, qual seja, a separação entre construção e socialização do conhecimento. A desconexão entre Museus, Museologia, Ações Educativas e Arqueologia é o principal dilema a ser enfrentado no cenário atual. Isso porque a falta de processos museológicos integrados, devotados à salvaguarda(documentação e conservação) e comunicação do patrimônio resgatado, pode perpetuar uma "estratigrafia do abandono" (Bruno, 1995), culminando em ações pontuais e imediatistas, que não resultarão, a médio e longo prazos, na preservação do patrimônio arqueológico. Premissas A relação entre museus, ação educativa e prática arqueológica deve partir da construção de um campo de interface entre Arqueologia e Museologia, em termos teóricos e metodológicos. Esse campo vem se consolidando, sob a designação de Musealização da Arqueologia, envolvendo uma cadeia operatória composta por: procedimentos museológicos de salvaguarda (conservação e documentação) e comunicação (exposição e ação educativo-cultural), aplicados à realidade arqueológica, constituída a partir de referências patrimoniais, coleções e acervos. Por um lado, estes estudos buscam o gerenciamento e preservação destes bens patrimoniais e, por outro, têm a potencialidade de cultivar as noções de identidade e pertencimento (Bruno, 2007: 1)

Ao lidar com coleções advindas de áreas diferenciadas do conhecimento, a Museologia adquire um caráter necessariamente interdisciplinar. No caso da Arqueologia, a etapa inicial da cadeia operatória, a coleta/ aquisição, é realizada no bojo da própria pesquisa arqueológica de campo. A Musealização da Arqueologia busca, primeiramente, compreender a realidade arqueológica, inserida em um determinado território, e composta por sítios arqueológicos, coleções, narrativas arqueológicas, ou seja, os discursos construídos pelos profissionais


Camila A. de Moraes Wichers

da área e, por fim, e não menos importante, as narrativas dos atores comunitários, ou seja, os discursos construídos pela sociedade, envolvendo tanto àqueles formulados por atores diretamente relacionados aos vestígios materiais pesquisados, quanto os discursos produzidos por atores que não se identificam diretamente com tais vestígios, mas que também os ressignificam. Ainda no âmbito dessa primeira premissa cabe lembrar que, desde a segunda metade do século passado, expectativas e desafios presentes em diversos documentos produzidos por segmentos dos campos museológico e arqueológico vêm convergindo para uma mesma preocupação: qual o papel social do patrimônio cultural no mundo contemporâneo? Conforme exposto, advogo que a interface entre Museologia e Arqueologia é fundamental. Contudo, falo aqui da interação de vertentes específicas desses campos: a Sociomuseologia ou Museologia Social e as Arqueologias Pós-Processuais. A Museologia tem passado por mudanças teórico-metodológicas significativas, num esforço constante de democratização não apenas do acesso, mas também da seleção e produção do patrimônio cultural. Nesse sentido, a Sociomuseologia ou Museologia Social procura sintetizar o esforço de adequação das instituições museológicas à sociedade contemporânea (Moutinho, 1993: 6). Por sua vez, as Arqueologias Pós-Processuais têm salientado a subjetividade do conhecimento arqueológico, construído no presente, a partir de contextos sociais, políticos, econômicos e culturais que influenciam a produção científica (Shanks, 2004). Uma das principais questões colocadas pelas arqueologias pós-processuais reside nos significados simbólicos dos vestígios arqueológicos, que variam de contexto para contexto. Os arqueólogos pós-processualistas colocam o indivíduo como ator social, cujo contexto dará o significado ao registro arqueológico. Essas abordagens aceitam, assim, a falta de consenso nas interpretações do passado. É justamente nessa abertura, que reside o entrelaçamento com a Museologia Social, pois tal abertura possibilita novas leituras e ressignificações do contexto arqueológico pelos atores locais. A ‘palavra’ do arqueólogo é uma, dentre outras opiniões sobre o passado, pois há muitas e plausíveis interpretações sobre o registro arqueológico. Os arqueólogos são, portanto, entendidos como construtores e intérpretes do passado (Shanks & Tilley, 1992). A segunda premissa aqui defendida é que o patrimônio arqueológico deve estar integrado a outros componentes do patrimônio cultural4 das sociedades envolvidas. Devemos estar atentos para o fato de que a Musealização da Arqueologia é um enquadramento do objeto, devendo integrar outras vertentes e indicadores patrimoniais, uma vez que os objetos arqueológicos estão imersos em uma teia de significados. Como aponta Meneses, a preservação do patrimônio arqueológico não tem autonomia ou natureza própria, uma vez que conflui para questões gerais como os conceitos de identidade e memória (Meneses, 1987). Ao ampliarmos o leque de referências patrimoniais estamos objetivando a construção de um diálogo efetivo com a sociedade, favorecendo processos de apropriação e ressignificação do conhecimento gerado pela pesquisa arqueológica por meio da integração dos bens arqueológicos aos referenciais patrimoniais locais, vencendo o estranhamento tão comum a esses vestígios, dotando-os de significado. 4 Segundo a ideia de que o patrimônio cultural é uma seleção de bens e valores de uma cultura, que formam parte da propriedade simbólica de determinados grupos (Merillas 2003: 20).

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A terceira premissa aqui adotada está relacionada ao diálogo com o conceito de Educação Patrimonial. Infelizmente, no cenário da Arqueologia Preventiva esse termo tem sido adotado de maneira mecânica e pouco reflexiva, sendo inclusive dissociado do campo museológico. Faz-se necessária uma pequena digressão sobre a origem do termo, os desdobramentos de sua aplicação no Brasil e, por fim, a explicitação do conceito de Educação Patrimonial aqui proposto. Como afirmam Durbin, Morris & Wilkinson (1990), a Heritage Education surgiu na década de 1970 na Inglaterra, destinada a formar professores para o uso de objetos patrimoniais no ensino escolar. Fica clara, ao menos em suas propostas iniciais, a associação dessa metodologia com a educação formal, além da sua cumplicidade com os estudos de cultura material. A introdução do termo Educação Patrimonial no Brasil costuma ser datada dos anos 1980, associada a um seminário realizado no estado do Rio de Janeiro e organizado pelo Museu Imperial de Petrópolis, intitulado Uso Educacional de Museus e Monumentos (Horta, 2001). Essa metodologia propunha um processo educacional focado na evidência material da cultura, uma prática que já se encontrava, de certa maneira, expressa em ações educativas realizadas nos museus brasileiros. Nesse sentido há uma estratigrafia a ser considerada quando pensamos na transposição do termo para o Brasil, uma vez que essa metodologia dialogou, dentro e fora do Brasil, com experiências anteriores. Essa estratigrafia está associada, sobretudo, ao campo da educação em museus, considerada aqui como tipologia educacional específica (Martins, 2011: 22). Contudo, a expressão Educação Patrimonial estabeleceu-se no Brasil com o desejo de constituir-se em marco zero, em gesto inaugural de uma metodologia, de uma prática e de uma reflexão vinculadas ao campo do patrimônio cultural (Chagas, 2004: 144). Ao examinarmos a própria produção brasileira do Comitê de Educação e Ação Cultural (CECA) do Conselho Internacional de Museus - ICOM, que tem representação no país desde 1995, notamos a existência de diversas linhas de atuação no campo da educação em museus, apontando outros caminhos conceituais e metodológicos5. Não obstante, os autores associados à Educação Patrimonial trouxeram para o contexto brasileiro do último quartel do século XX uma metodologia específica, inspirada na experiência inglesa, onde a mudança de atitude no trabalho educacional dos museus e das próprias escolas decorreu da emergência dos estudos de cultural material, conforme indicado por Alencar (1987). Outro ponto a ser destacado é que a Heritage Education tem suas raízes em um contexto patrimonial bastante diferenciado do Brasil. Essa metodologia foi criada, na Inglaterra, para o incremento das atividades educativas centradas em um patrimônio já inserido em uma cadeia operatória de procedimentos museológicos devotados à coleta, documentação, conservação e comunicação desse patrimônio. Sua inserção em um contexto onde essa cadeia operatória museológica não está estabelecida torna-se complexa. No Brasil, essa metodologia tem se transformado em um campo de reflexão autônomo, assim, a expressão Educação Patrimonial, utilizada no país desde a década de 1980 e ratificada no campo arqueológico a partir da portaria 230/02, 5 Esses textos foram recentemente reunidos e publicados em dois volumes: “O ICOM-Brasil e o Pensamento Museológico Brasileiro – documentos selecionados”, com organização de Cristina Bruno (2010). No que concerne ao CECA-Brasil, foram publicados 13 textos, produzidos originalmente entre 1996 e 2010.


Camila A. de Moraes Wichers

foi antropofagizada, nos inserindo em uma encruzilhada de possibilidades, visto que essa expressão constitui um campo de trabalho, de reflexão e de ação que pode abrigar tendências e orientações educacionais diversas, divergentes e até mesmo conflitantes (Chagas, 2004). Nesse sentido, enfatizo que a escolha da metodologia da Educação Patrimonial não é em si apanágio nem maldição.Até porque a Educação Patrimonial é um campo dinâmico. No final da década de 1990, Cabral (1997), já apontava que transformações conceituais haviam atingido esse campo, como por exemplo, o deslocamento de foco da cultura material para a cultura como um todo e as mudanças nas etapas de desenvolvimento da metodologia. O problema reside no fato de que grande parte dos programas de educação patrimonial, realizados no âmbito dos projetos de Arqueologia Preventiva, desconsidera a visão de mundo dos sujeitos envolvidos, tendendo a tomá-los como pessoas que necessitam da “luz do conhecimento” (Silveira & Bezerra, 2007). Assim, muitos programas têm um caráter instrucionista6 do ponto de vista metodológico e pontual no que concerne a extensão. Essa perspectiva conscientizadora deve ser substituída pelo envolvimento dos grupos sociais que lidam diretamente com o patrimônio, valorizando suas práticas cotidianas, conforme tentarei esboçar adiante. A tese de Carneiro (2009) discorre sobre as ações educativas efetuadas a partir da Arqueologia Preventiva, apresentando a seguinte proposta: “A ação educativa é vista, nesse sentido, não como uma mera tradutora de conceitos e conteúdos científicos, mas na sua dimensão social e política; desempenhando o papel provocador de reflexões aprofundadas e críticas sobre a produção e socialização do conhecimento numa dimensão transformadora da realidade” (Carneiro, 2009: 11). Assim, a autora propõe um processo dialógico onde a ação educativa também é motor de transformação do processo de seleção e produção do patrimônio. Esse problema já havia sido problematizado por Lopes (1988), para a ação educativa em museus, quando a autora discutia a escolarização dessas instituições, afirmando que o trabalho educacional dos museus passa pelo “enfrentamento da separação que se dá no processo de separação de produção e disseminação do conhecimento” (Lopes, 1988: 61). Nesse sentido, buscarei delinear, nas experimentações a seguir, algumas ideias e engrenagens metodológicas no que concerne ao desenvolvimento de processos educativos no contexto da Arqueologia. Tais experimentações estão fortemente influenciadas pelas teorias críticas e pós-criticas, preocupadas com as conexões entre saber, identidade e poder, onde as heranças culturais são problematizadas e o processo educativo é compreendido como terreno de enfrentamentos. Experimentações Ao longo da minha experiência profissional estive inserida em diversos projetos de ação educativa voltados à socialização do patrimônio arqueológico7. Considero esses processos como campos de experimentação onde diversos ca6 O paradigma instrucionista pressupõe que, no processo educativo, existem dois polos: um possuidor de conhecimento, cujo papel é transmitir esse conhecimento; e outro passivo, cujo papel é absorver o conhecimento passado. 7 Esses projetos foram desenvolvidos pela equipe da Zanettini Arqueologia.

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Museus, Ações “Objetivadas” educativas e Práticay Museos Arqueológica no Brasil contemporâneo: dilemas, e experimentações Lecciones Escolares en la Argentina delescolhas Centenario

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minhos foram trilhados, destacando-se uma integração crescente entre prática arqueológica e museológica. Esses projetos de intervenção, apresentados na Tabela 1, englobam uma diversidade considerável de contextos e atividades de espectros bastante diferenciados, classificados em três grandes eixos: divulgação e sensibilização; ações educativas integradas e musealização da arqueologia. Grande parte dos projetos mencionados está relacionada ao contexto da Arqueologia Preventiva, excetuando-se seis projetos8. Tais processos denotam diferentes metodologias da educação da memória (Bruno, 2000), envolvendo distintas possibilidades de interação dos vestígios arqueológicos com outros segmentos patrimoniais. Embora os projetos mencionados tenham partido de uma perspectiva museológica, reservei a categoria “Musealização da Arqueologia” para projetos que envolveram ações de salvaguarda e comunicação no âmbito da cadeia operatória museológica. Cabe destacar que os projetos classificados como “Divulgação e Sensibilização” ou “Ações Educativas Integradas” correspondem a ações que privilegiam pontos específicos da cadeia operatória museológica: os primeiros corresponderiam a ações de comunicação com ênfase na Divulgação Científica, cujo objetivo é divulgar a pesquisa e sensibilizar a comunidade; os projetos aqui denominados de ação educativa integrada têm um caráter mais processual, envolvendo a leitura do território, intervenção propriamente dita e avaliação do processo educativo. A seguir apresento, sucintamente, o Programa de Educação Patrimonial da Ferrovia Transnordestina e o a construção do plano museológico do Museu do Alto Sertão da Bahia, o primeiro entendido como ação educativa integrada e o segundo como processo efetivo de Musealização da Arqueologia. Programa de Educação Patrimonial “Expresso Educação” da Ferrovia Transnordestina Esse projeto está relacionado ao licenciamento da Ferrovia Transnordestina, compondo parte de um programa mais amplo de pesquisa e salvaguarda do patrimônio arqueológico, sendo enfatizada aqui apenas a ação educativa planejada e os polos já implantados (Zanettini Arqueologia, 2014). Deve-se destacar que um programa de salvaguarda museológica foi construído, envolvendo inclusive a proposta que acervos de referência fossem deixados, por comodato, nos polos que compõe o projeto educativo, mas esse programa ainda não foi efetivado9.

8 “Arqueobus - Projeto Arqueourbs Campinas 230+”, inserido em um projeto financiado pela prefeitura correlata, “Vila Bela Sem Fronteiras” inserido em um projeto da Secretaria de Cultura do Estado do Mato Grosso, “Trabalho e Arte no Sertão Antigo” e “Amigos do Patrimônio - São Miguel das Missões”, financiados pelo IPHAN,“Redescobrindo Cubatão” inserido em um projeto da Lei Rouanet e o “Plano Museológico do Museu Histórico e Arqueológico de Lins – MHALins”, financiado pela prefeitura municipal do município homônimo. 9 Para uma ampla visão do projeto ver Moraes Wichers (2010).


Camila A. de Moraes Susana Wichers V. García

Tabela 1. Ações educativas voltadas à socialização do patrimônio arqueológico. Fonte: organização da autora Projeto de intervenção

Localização

Estado

Período do projeto educativo

Arqueobus - Projeto Arqueourbs Campinas 230+

Campinas

São Paulo

2004

Divulgação e Sensibilização

Vila Bela Sem Fronteiras

Vila Bela da SS. Trindade

Mato Grosso

2005 - 2008

Musealização da Arqueologia

Sauípe 3300 anos

Mata de São João – Litoral Norte da Bahia

Bahia

2006 - 2007

Musealização da Arqueologia

Redescobrindo Nossa Cultura

Mata de São João e Camaçari – Litoral Norte da Bahia

Bahia

2006 - 2007

Ação educativa integrada

Trabalho e Arte no Sertão Antigo

Olho D'água do Casado e Delmiro Gouveia

Alagoas

2007

Divulgação e Sensibilização

O cotidiano dos primeiros moradores de Araxá

Araxá

Minas Gerais

2007

Ação educativa integrada

Arqueologia na Praça

Itamaraju, Jucuruçu e Vereda

Bahia

2008

Ação educativa integrada

Pirassununga: patrimônio de todos

Pirassununga

São Paulo

2008

Divulgação e Sensibilização

De Bem com o Passado

Olímpia, Barretos, Colina, Tanabi e Pedranópolis

Amigos do Patrimônio São Miguel das Missões

São Miguel das Missões

Rio Grande do Sul

2009

Ação educativa integrada

Conexão Arqueologia

Jeceaba e Entre Rios

Minas Gerais

2009

Divulgação e Sensibilização

Redescobrindo Cubatão

Cubatão

São Paulo

2009

Ação educativa integrada

Socialização do Patrimônio Arqueológico da Casa Bandeirista do Itaim Bibi

São Paulo

São Paulo

2009

Divulgação e Sensibilização

Programa de Educação Patrimonial “Expresso Educação” da Ferrovia Transnordestina

Salgueiro (PE), Brejo Santo (CE) e Ouricuri (PE)

Ceará, Pernambuco e Piauí

Mosaico Paulista

-

São Paulo

2010

Divulgação e Sensibilização

Plano Museológico do Museu de Arqueologia e Paleontologia de Araraquara - MAPA

Araraquara

São Paulo

2010 - em andamento

Musealização da Arqueologia

Território do Saber

Caetité, Igaporã, Guanambi e Pindaí

Bahia

2010 - em andamento

Ação educativa integrada

São Paulo 2008 - 2011

Categoria

Ação educativa integrada

2009 e Ação educativa 2010/ 2013integrada 2014

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Planejamento participativo do Museu do Alto Sertão da Bahia - MASB

Caetité, Igaporã e Guanambi.

Bahia

2011 - em andamento

Musealização da Arqueologia

Plano Museológico do Museu Histórico e Arqueológico de Lins - MHALins

Lins

São Paulo

2012

Musealização da Arqueologia

Diálogos: Educação, Arqueologia, História e Patrimônio Cultural.

Rondonópolis e Itiquira

Mato Grosso

2012

Ação educativa integrada

Trabalho e Memória

Santaluz (BA); Pontes e Lacerda e Porto Espiridião (MT); Alto Horizonte (GO); Itapaci (GO) e Pilar de Goiás (GO)

Bahia, Mato Grosso e Goiás

2012 - em andamento

Ação educativa integrada

A Ferrovia Transnordestina, uma das obras estratégicas do Programa de Aceleração do Crescimento do Governo Federal, envolverá a implantação de 1.728 km de linhas férreas conectando porções do semiárido aos portos de Pecém (Ceará) e Suape (Pernambuco), atingindo o município de Eliseu Martins (Piauí). Dada a sua natureza e extensão, a Ferrovia constitui um novo elemento na paisagem, expressão de uma nova lógica de circulação e organização econômica e social, trazendo amplas mudanças à região, com impactos diversos nas comunidades. Iniciadas em 2006, as pesquisas arqueológicas, realizadas no bojo do licenciamento ambiental desse empreendimento, já resultaram na identificação de 548 sítios arqueológicos, sendo 172 sítios inseridos no estado do Ceará, 251 sítios arqueológicos em Pernambuco e 125 sítios no Piauí. Os acervos gerados pela pesquisa são significativos do ponto de vista quantitativo e qualitativo. Até o momento, já foram resgatadas cerca de 110 mil peças, entre artefatos líticos lascados e polidos, fragmentos de vasilhas cerâmicas e uma ampla gama de evidências materiais associadas a sítios arqueológicos históricos dos séculos XVIII ao XX. Do ponto de vista qualitativo, temos ocupações diversificadas datadas de até seis mil atrás; extensas ocupações de grupos indígenas entre 1500 e 300 anos atrás e diversos processos de ocupação associados à colonização europeia da região, assim como evidências das migrações associadas às secas que assolam a região desde o século XIX. A opção explícita pela incorporação ao universo de análise de uma arqueologia do sertanejo tem possibilitado o estudo de contextos do século XX, entendidos como componente fundamentais da interface entre prática arqueológica e comunidades. Em atendimento à legislação concernente, em 2009, começou a ser concebido um programa educativo voltado à socialização desse patrimônio. Um dos principais pontos levantados, ainda durante a concepção do programa, foi a amplitude do território de intervenção a ser considerado. O espaço de atuação configurado pela ferrovia envolve mais de oitenta municípios distribuídos nos estados do Ceará, Pernambuco e Piauí, englobando mais de dois milhões de pessoas. Considerando que o nordeste é a maior região brasileira em número de unidades da federação e a segunda em território, estamos lidando com uma


Camila A. de Moraes Wichers

diversidade muito grande. Sabemos que estamos atuando sobre um território exaustivamente reconhecido pelos baixos índices de desenvolvimento humano, com restrições de acesso à saúde, saneamento básico, alimentação, habitação e educação. Contudo, as recorrentes interpretações acerca da escassez dessa região também têm colaborado para a homogeneização desses contextos e desvalorização de modos de vida tradicionais que caracterizam essas populações durante séculos. A partir dessa constatação, as ações educativas devem funcionar como mecanismos que valorizem os modos de fazer, de ser e de olhar o mundo das comunidades, não atuando como mais um mecanismo de exclusão. Dessa forma, recusamos uma “pseudo-unidade cultural, geográfica e étnica” do Nordeste, (Albuquerque Junior, 2006), associada a uma visão homogênea e estereotipada dessa região. Fazia-se necessário reconhecer as especificidades locais nesse grande empreendimento que é a Ferrovia Transnordestina. Buscamos, primeiramente, compreender o perfil socioeconômico e cultural dos municípios. Essa leitura do território foi realizada por meio de aprofundamento das informações disponíveis, visitas técnicas e realização de entrevistas. Tais ações, relacionadas ao reconhecimento do território patrimonial e à concepção do programa educativo, ocorreram entre os anos de 2009 e 2010, sendo sintetizadas em Moraes Wichers (2010). Durante os anos de 2011 e 2012 as ações relativas ao programa de educação foram paralisadas, sendo retomadas em 2013. A leitura do território patrimonial evidenciou uma ampla gama de referências culturais, sobre as quais têm sido projetadas coleções e narrativas construídas a partir das pesquisas arqueológicas. O universo museológico é caracterizado por um reduzido número de instituições, apenas 11 em todos os municípios envolvidos, e pela instabilidade daquelas existentes. Esses fatores, associados à extensão da ferrovia, apontaram a necessidade de um projeto que atuasse em rede, a partir do estabelecimento de polos irradiadores, sob uma perspectiva de itinerância. Os polos foram selecionados a partir do contexto socioeconômico e cultural, tendo sido priorizados municípios com um número maior de sítios arqueológicos e que exerçam uma influência maior nos municípios vizinhos. Destarte, foram selecionados 15 polos irradiadores, a saber: no Piauí, os municípios de Rio Grande do Piauí, Simplício Mendes e Paulistana; em Pernambuco, Ouricuri, Salgueiro, Serra Talhada, Custódia, Arcoverde, Altino e Ipojuca; no Ceará, Brejo Santo, Iguatu, Quixeramobim, Quixadá e Caucaia. Em 2013, o projeto foi implantado nos primeiros polos do programa, a saber: Salgueiro (PE), Brejo Santo (CE) e Ouricuri (PE), sendo sumarizadas a seguir algumas reflexões acerca dessas ações. Em cada um dos polos foi realizada uma etapa destinada à formação de parcerias com o poder público local, através de suas secretarias municipais (educação, cultura e ação social, entre outras); instituições de ensino fundamental, médio e superior; e com segmentos da sociedade civil organizada, como sindicatos, ONGs, fundações e demais movimentos sociais. Acessamos esses parceiros a partir dos agentes e instituições que já congregam tais grupos em torno de demandas e questões específicas, configurando uma abordagem triangular. Nesse sentido, foram construídos elos entre as discussões pertinentes ao programa em tela, no âmbito do patrimônio arqueológico e cultural, e as agendas locais. A partir da identificação de elos e conexões entre projeto de educação patrimonial, instituições, grupos e movimentos sociais, foi construído um calendário de atividades.

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Passou-se, então, à concepção de um material de apoio adequado às demandas verificadas, envolvendo um Caderno de Apoio ao Multiplicador (direcionado aos educadores e líderes comunitários), um Caderno de Atividades (dedicado ao público infanto-juvenil), um CD com textos e imagens relacionadas às temáticas que seriam tratadas nas Oficinas e, por fim, a concepção da Exposição Expresso Educação. Essa exposição consistiu em uma mostra itinerante com oito painéis e mais de 70 objetos arqueológicos, englobando ferramentas de pedra lascada, potes de barro relacionados aos grupos indígenas e objetos históricos, expressão da criatividade dos sertanejos e sertanejas, cujas práticas cotidianas revelam um profundo conhecimento da paisagem regional. De forma inédita, a exposição trouxe modelagens em 3D de alguns objetos arqueológicos, manipuláveis em tablets, e algumas réplicas em resina. A exposição ganhou também outro recurso didático para o público infantil, composto por uma caixa onde as réplicas dos objetos arqueológicos podiam ser escavadas. As ações educativas realizadas na etapa de Intervenção no Território envolveram a realização de rodas de conversa, oficinas e a da exposição mencionada. As Rodas de Conversa foram espaços de troca, onde as coleções e narrativas arqueológicas foram integradas aos problemas, narrativas e saberes locais. Essas rodas foram realizadas, sobretudo, em comunidades rurais. Já as Oficinas consistiram espaços onde os conceitos de arqueologia, patrimônio cultural e educação patrimonial foram aprofundados, visando à formação de agentes multiplicadores do conhecimento construído. Foram realizadas, sobretudo, com parceiros inseridos na Educação Formal - professores e coordenadores pedagógicos, e educadores sociais. A proposta educativa foi construída a partir do conceito de educação popular, na concepção freiriana, ou seja, como o esforço de mobilização dos sujeitos (Freire, 1987). Destarte, a principal diferença entre as rodas de conversa e as oficinas, visto que ambas se inspiram nas ideias de Paulo Freire (Freire, 1987; Brandão, 1981), é que as oficinas se aproximam mais dos contextos educacionais formais, ainda que sejam ações não formais, enquanto as rodas de conversa dialogam mais fortemente com contextos educativos informais, valorizando a flexibilidade (Marandino et al 2008). Ambas as atividades foram acompanhadas pela exposição que, enquanto linguagem engenhosa (Cury, 2005), potencializou a experiência dos indivíduos. Como comentado adiante, em alguns espaços a exposição foi montada sem a realização de rodas e oficinas, como por exemplo, em feiras livres, onde o diálogo se estabelecia via o próprio discurso expositivo e por meio da mediação da mostra. Tanto as rodas de conversa como oficinas foram idealizadas enquanto Círculos de Cultura, onde um animador de debates orienta o grupo, cuja maior qualidade é a participação ativa dos sujeitos envolvidos, na tentativa de inverter a antiga concepção de administração centralizada, em que normalmente o grupo recebe referências do corpo técnico, que desconhece a realidade local. Nesses espaços, foram trabalhados temas geradores, a partir dos quais as discussões eram realizadas, a saber: • Ferrovia Transnordestina – reflexão crítica sobre os impactos do empreendimento; • Marcas da Pedra – os artefatos de pedra e sua importância desde milênios de anos atrás até o presente;


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Figura 2. Localização da Ferrovia Transnordestina nos estados de Pernambuco, Ceará e Piauí. As ações educativas foram implantadas no polo de Salgueiro (PE), em destaque, assim como em Ouricuri (PE) situado a 115 km à oeste de Salgueiro, e Brejo Santo (CE) – localizado a 75 km à norte de Salgueiro.

Leitura do território

Concepção do projeto

Intervenção no território : Avaliação do projeto

Oficinas Rodas de Conversa Exposição Itinerante

Figura 3. Esquema geral das etapas do projeto. Fonte: organização da autora

Formação de parcerias

Construção do material de apoio


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• Agricultores do Nordeste – os grupos indígenas agricultores do nordeste e a realidade atual; • Oleiras e Oleiros - o ofício da produção de objetos de barro ao longo do tempo;

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• Morar no Sertão – saberes, celebrações, formas de expressão e lugares construídos; • Arqueologia e Memória Indígena – o papel da Arqueologia Pré-colonial enquanto história indígena; • Comunidades Quilombolas e Patrimônio Arqueológico. Além de serem compreendidas como círculos de cultura e de trabalharem com temas geradores, as rodas de conversa e oficinas envolveram a realização de duas atividades que se chamaram “Painel de Ideias - Objetos do nosso dia-a-dia” e “Painel de Ideias – Sabedoria Sertaneja”. Na primeira atividade era colocada a seguinte questão: quais objetos são os mais importantes no seu cotidiano? Muitos objetos mencionados pelos atores locais estavam presentes na exposição, o que gerava uma discussão a respeito da relação entre arqueologia e cotidiano.

Figura 4. Inserção da exposição na comunidade do Sítio Paulo, em Salgueiro. Fonte: Camila A. Moraes Wichers, 2013.

A atividade “Painel de Ideias – Sabedoria Sertaneja” era realizada com o auxílio de um dado, cujas faces continham diferentes temas: terra, alimento, cultura, religião, comunidade e trabalho. Os atores locais eram convidados a jogar o dado e de acordo com a face deveriam comentar um pouco a respeito


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daquele tema. Histórias da comunidade, as festas, os lugares sagrados, os alimentos cultivados, os saberes e modos de fazer, onde se destaca o trabalho do (a) agricultor (a), eram mencionados. Essas narrativas, entendidas como indicadores da memória (Bruno, 2000), eram, então, integradas aos resultados das pesquisas arqueológicas, por meio de pontes entre passado e presente, patrimônio material e imaterial, saberes locais e saberes construídos pela Arqueologia. Esse painel de ideias permitia, então, que o tema patrimônio cultural, fosse trabalhado a partir de uma perspectiva local e êmica. Uma vez que as rodas de conversa e oficinas envolveram a exposição itinerante, tais atividades eram sempre iniciadas com um momento de acolhimento, quando as pessoas tomavam contato com a exposição, que já se encontrava montada no espaço da oficina ou em algum espaço contíguo (Figura 4), e eram recepcionadas pelos mediadores.A atividade era sempre iniciada com uma saudação que tivesse relação com o contexto sociocultural do grupo, tendo o objetivo aproximar a equipe e os atores comunitários. Nas rodas de conversa, na maioria das vezes, a própria comunidade iniciava a roda com alguma apresentação cultural: com uma banda de forró, uma dança, um poema ou uma oração. Vale destacar que quase todas as comunidades, principalmente do polo Salgueiro, montaram a sua própria exposição de objetos de cotidiano ou do passado. O deslocamento da ação educativa para os espaços públicos, comunidades rurais e escolas foi entendido como uma estratégia de especial importância, sendo potencializador da experiência museal (Figura 5).

Figura 5. Roda de Conversa na casa de uma das lideranças da Comunidade Vila Boqueirão, Polo Brejo Santo. Fonte - Zanettini Arqueologia, 2013

Em termos quantitativos, 4180 pessoas foram envolvidas na etapa de intervenção realizada nos Polos de Salgueiro, Brejo Santo e Ouricuri (Tabela 2).

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Tabela 2. Resultados quantitativos por polo.

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Atividade

Salgueiro

Brejo Santo

Ouricuri

Oficinas e Exposição

188

146

29

Rodas de Conversa e Exposição

510

81

78

Exposição

603

1018

1527

Total

1301

1245

1634

Fonte: organização da autora

A etapa de intervenção demonstrou que a despeito de uma engrenagem metodológica específica, o projeto teve resultados bem diferenciados em cada polo. Em Salgueiro as rodas de conversa nas comunidades rurais se destacaram, em Brejo Santo foram as oficinas com educadores e alunos de cursos técnicos que ganharam destaque e, por fim, em Ouricuri, a montagem da exposição em locais públicos (feira livre, escolas, festas e centro de referência em assistência social) foi a principal ferramenta de diálogo. Ademais, cada oficina ou roda de conversa guardou peculiaridades relacionadas ao contexto individual, sociocultural e físico da experiência museal (Falk & Dierking, 1992). Importante ressaltar que as rodas de conversa foram espaços de diálogo intergeracional, visto que crianças, adolescentes, jovens (Figura 6), adultos e idosos participaram das atividades.

Figura 6. Apresentação do Projeto Arte e Cultura, desenvolvido pelos jovens de Ouricuri e de municípios da região. Observe abaixo do painel, a exposição de objetos e artesanatos trazidos pela comunidade. Fonte: Zanettini Arqueologia, 2013

Um ponto muito próprio à educação popular é que o conhecimento do mundo é também feito através das práticas do mundo. Por meio dessas práticas que inventamos uma educação familiar às comunidades. Para tanto trabalha-


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mos a partir de um universo, de um modo de conhecimento que é peculiar a elas (Brandão, 1981: 20). Não podemos prescindir das questões colocadas pelo presente para a construção de ação educativa voltada à socialização do patrimônio arqueológico. Nesse sentido, os resultados de algumas das atividades do projeto, como por exemplo, do “Painel de Ideias - Objetos do nosso dia-a-dia” são elucidativos. Os objetos mais mencionados foram: enxada, panela de barro, cabaça, pote de barro para guardar água, pilão, pedra de amolar e chapéu. Todos esses objetos compunham a exposição, presentes fisicamente, ou por meio de imagens. A ação educativa ao ser realizada em um projeto cuja interface Arqueologia–Museologia valorizou uma visão contemporânea da Arqueologia - enquanto leitura do mundo em que vivemos a partir da sua materialidade, torna-se plena de possibilidades. Ademais, a ênfase em uma Museologia Social voltada para a construção conjunta do patrimônio junto às comunidades foi imprescindível para a criação de um campo de diálogo efetivo. Planejamento participativo do Museu do Alto Sertão da Bahia – MASB Esse projeto de Musealização da Arqueologia foi deflagrado a partir do licenciamento de parques eólicos no Alto Sertão e do Programa de Educação Patrimonial correlato, os quais impulsionaram a construção de um museu na região, cujo financiamento integra também um programa de investimento social privado da empresa responsável (Zanettini Arqueologia, 2013). As pesquisas arqueológicas realizadas, desde 2009, têm possibilitado a identificação de um amplo patrimônio arqueológico, envolvendo, até o momento, o estudo de cerca de 230 sítios arqueológicos nos municípios de Caetité, Guanambi, Igaporã e Pindaí. Esses estudos já resultaram em mais de 30 mil peças arqueológicas e um acervo documental expressivo. O Programa de Educação de Patrimonial tem sido realizado desde 2011 e já envolveu diretamente mais de 2000 agentes multiplicadores, inserindo o patrimônio arqueológico em diálogos a respeito dos contextos sociais, econômicos e políticos da região, tornando visíveis as forças envolvidas na construção desse patrimônio. Esses diálogos levaram ao questionamento acerca da destinação final dos acervos, entendidos pelos atores comunitários como elementos importantes para as agendas locais. Isso porque a inexistência de instituições museológicas na região implicaria na necessária transferência desses bens patrimoniais para outra localidade, fato que foi prontamente questionado. Dessa forma, ocorreu uma mobilização de setores da sociedade civil e de instituições públicas de ensino e cultura (Secretaria de Educação da Prefeitura Municipal de Caetité, Universidade do Estado da Bahia, Conselho de Cultura de Caetité, organizações não governamentais, entre outras), resultando na criação de um Grupo de Trabalho (GT) em maio de 2011, devotado a discutir soluções em prol da manutenção do patrimônio arqueológico na região. Passamos a integrar esse grupo a partir de outubro de 2011, a fim de mediar os debates, trazendo contribuições da Museologia Social. Propomos ao GT a construção colaborativa do Plano Museológico como caminho metodológico, proposta que foi aceita pelos atores sociais envolvidos. A construção colaborativa do Plano Museológico foi entendida também

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como processo educativo, uma vez que o “o planejamento museológico não é apenas uma técnica com o objetivo de melhorar a ação dos museus. É, sobretudo, crescimento humano. É um processo educativo de ação e reflexão, que deve ser alcançado com a participação, tanto na fase de estruturação como de reestruturação da instituição” (Santos, 2007: 14). Esse processo envolveu um amplo escopo de ações, a saber: reuniões mensais com GT, com discussões sobre cada um dos programas que compõem o Plano; exposição “Museu nas Escolas” e oficinas em escolas das sedes e das comunidades rurais dos municípios envolvidos; Rodas de Conversa nas comunidades rurais onde foram realizadas as pesquisas arqueológicas; ciclos de debates na UNEB (Campus de Caetité) e um planejamento turístico participativo. Foram envolvidas 2490 pessoas na construção do projeto do museu, entendida como processo educativo.

Figura 7. Debate com alunos do Colégio de Caldeiras, no município de Caetité, durante a exposição Museu nas Escolas. Fonte: Zanettini Arqueologia, 2013

Destaco nesse processo a exposição itinerante Museu nas Escolas (Figura 7) e as Rodas de Conversa nas comunidades (Figuras 8 e 9), essas últimas também acompanhadas de objetos arqueológicos os quais eram levados para as reuniões, potencializando os debates e reflexões. Ambas as atividades partiam da discussão de três assuntos: Arqueologia, Patrimônio e Museu. Da mesma forma, como evidenciei no Projeto Expresso Educação, a compreensão desses espaços como círculos de cultura e o deslocamento da ação educativa para os espaços cotidianos dos atores locais revelaram-se profícuos. Outra característica em comum com o Projeto Expresso Educação foi o fato de algumas comunidades terem organizado exposições com objetos de seu cotidiano ou de sua história (Figura 10). Ademais, as pesquisas arqueológicas relacionadas ao projeto MASB também envolveram o estudo de contextos do século XX, os quais são expressões materiais da história de nossos interlocuto-


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Figuras 8 e 9. Conversa sobre objetos arqueolรณgicos com a comunidade do bairro da Chรกcara, onde serรก efetivada a sede do MASB e atividade com as lideranรงas do Movimento das Mulheres Camponesas. Fonte : Camila A. Moraes Wichers, 2013.


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res. Em uma das rodas de conversa, por exemplo, ao ser questionada a respeito de uma tesoura que fazia parte da exposição, expliquei que esse objeto “cortava alguma coisa”. Imediatamente recebi um riso aberto das mulheres da comunidade Curral de Varas: “isso é tesoura de parteira”. Esses espaços de construção coletiva do museu também foram espaços de construção do conhecimento arqueológico.

Figura 10. Roda de conversa e exposição elaborada pelos membros da comunidade quilombola Pau Ferro de Joazeiro, no município de Caetité. Fonte: Zanettini Arqueologia, 2013

A participação dos atores comunitários possibilitou reflexões sobre a diversidade das identidades e histórias do Ato Sertão. Esses diálogos foram fundamentais para que os sujeitos definissem as características do MASB, cujos anseios estão sintetizados na Missão Institucional: O Museu do Alto Sertão da Bahia (MASB) tem como objetivo preservar o patrimônio cultural do Alto Sertão, adotando esse território como campo de pesquisa e de intervenção social. Para tanto, o MASB visa integrar diversos agentes, instituições e segmentos sociais, cuja participação é fundamental para que as diferentes memórias, histórias e identidades sejam contempladas nesse museu. Busca-se construir uma instituição de excelência, onde os processos educativos propiciem diferentes leituras do mundo, contribuindo para o desenvolvimento sustentável da região a partir de uma ação descentralizada. O MASB, como Museu de Território - modelo escolhido pelos atores comunitários, visa atuar na região do Alto Sertão, com especial atenção ao cotidiano das comunidades rurais. Nessa tipologia museológica o território é tomado como base da cadeia operatória museológica, um museu que é a expressão do território, de suas contradições, tensões, lutas e conflitos. O museu é formado por uma sede, bem como por dez núcleos museológicos, apresentados na Figura 11.


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Figura 11. Localização da Sede e dos núcleos museológicos do MASB. Fonte: Zanettini Arqueologia, 2013

Com relação ao espaço físico da sede, optou-se pela “Casa da Chácara”, unidade rural erguida no século XIX, hoje inserida na área urbana de Caetité. Após a entrega do Plano Museológico, em Março de 2013, passamos à implantação do museu, por meio da dinamização de seus núcleos museológicos, encaminhamento da construção da sede e ampliação dos atores envolvidos. Dessa forma, os espaços educativos estabelecidos durante a construção do Plano Museológico têm sido ampliados e fortalecidos durante a implantação do museu, a partir do ativismo dos membros das comunidades envolvidas, em especial de seus núcleos museológicos.


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Considerações finais A despeito da longa trajetória da relação entre Museus, Museologia, Educação e Arqueologia, as ações educativas voltadas ao patrimônio arqueológico têm sido desenvolvidas mais como fruto do ativismo de profissionais preocupados com a democratização dos bens arqueológicos do que como resultado de políticas públicas. Não obstante, a partir da Portaria 230/02, a obrigatoriedade da realização de Programas de Educação Patrimonial trouxe mudanças para esse cenário. A realização de centenas de pesquisas arqueológicas a cada ano no país, bem como de projetos de educação correlatos, fez com que a Arqueologia passasse a ser pauta de um número maior de ações educativas. Contudo, essas ações estão dissociadas, em grande parte, dos espaços museais e, o mais preocupante, das reflexões museológicas. A dissociação entre prática arqueológica, ação educativa e pensamento museológico é aqui entendida como principal dilema do cenário atual. Coloca-se como caminho a construção constante de um campo de interface entre Arqueologia – Museologia, e, no escopo dessa interface, a escolha da Museologia Social e das Arqueologia Pós-processuais como abordagem teórica, envolvendo o questionamento da função social do patrimônio e a superação da separação entre construção e socialização do conhecimento. No âmbito dessa interface, a ação educativa museal é compreendida como uma tipologia especifica de processo educativo (Martins, 2011), voltada ao patrimônio cultural e profundamente relacionada à identidade e à alteridade, à memória e ao esquecimento. A perspectiva da Educação Patrimonial é, então, tomada como uma das formas de pensar a ação educativa museal. Essa ação educativa pode ser realizada dentro ou fora dos museus institucionalizados, mas sempre a partir de um olhar museológico. Diante do amplo espectro de possibilidades vislumbrado no campo da Educação Patrimonial, acredito que a ação educativa patrimonial deve servir como ponto de partida para o questionamento do “papel da educação na constituição do patrimônio, o papel do patrimônio no processo educativo e a função de ambos na dinâmica social que articula a lembrança e o esquecimento” (Silveira & Bezerra, 2007). Ou seja, a ação educativa voltada ao patrimônio arqueológico deve englobar questões concernentes ao que é e como é selecionado o patrimônio arqueológico. Ademais, as experimentações desenvolvidas apontam para a necessária integração entre patrimônio arqueológico e as referências patrimoniais das comunidades, a partir do conhecimento prévio das realidades locais por meio da leitura dos territórios de intervenção. Nesse sentido, destaco a importância de uma arqueologia como leitura do mundo, envolvendo abordagens do passado recente ou do presente como pontes de aproximação. Afinal, como poderíamos partir do conhecimento que é peculiar aos nossos interlocutores se não tivéssemos considerado, e, efetivamente, realizado uma Arqueologia do passado recente? Essa Arqueologia possibilitou a construção de acervos materiais e narrativas que contam um pouco sobre esses contextos em transformação, frente à própria ação da Ferrovia Transnordestina e dos Parques Eólicos do Alto Sertão. Esse processo é possível, pois as práticas arqueológica, museológica e educativa partiram das mesmas premissas teóricas, políticas, éticas e, porque não, afetivas.


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O projeto de educação patrimonial da Ferrovia Transnordestina e o processo de planejamento museológico do MASB foram entendidos como ações educativas (Santos, 2007) e como experiências museais (Falk & Dierking, 1992), enfim, como espaços de reflexão que buscam abordar criticamente as mudanças vivenciadas nesses territórios, nesse início de século XXI. Esses processos são fortalecidos ao agregar as visões dos atores comunitários em espaços horizontais e dialógicos, ao inserir no campo patrimonial coleções, narrativas e memórias de segmentos até então excluídos desse campo. Mais que um processo de socialização do patrimônio ou do museu, trata-se de um processo educativo onde buscamos a democratização da ferramenta patrimônio e da ferramenta museu, enquanto potencializadoras de debates acerca das realidades locais. Os milhares de vestígios advindos das pesquisas arqueológicas, agora definitivamente espalhadas por todo o Brasil, ganham sentido ao serem explorados a partir de uma perspectiva museológica contemporânea que visa à construção de uma nova prática social a partir de ações de preservação do patrimônio cultural. Referências ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez Editora, 2006. ALCÂNTARA, Aureli Alves de. Paulo Duarte entre sítios e trincheiras em defesa da sua dama - a pré-história. Dissertação (Mestrado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, 2007. ALENCAR, Vera Maria Abreu de. Museu-educação: se faz caminho ao andar... . Dissertação (Mestrado). Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1987. BRANDÃO, Carlos Rodrigues Brandão. O que é método Paulo Freire? Coleção Primeiros Passos, n.38. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981. BRUNO, Maria Cristina Oliveira. O museu Instituto de pré-história: um museu a serviço da pesquisa científica. Dissertação (Mestrado). Departamento de História, Universidade de São Paulo, 1984. BRUNO, Maria Cristina Oliveira. Musealização da Arqueologia: um estudo de modelos para o Projeto Paranapanema. Tese (Doutorado). Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, 1995. BRUNO, Maria Cristina Oliveira. A luta pela Perseguição ao Abandono.Tese (Livre-Docência). Universidade de São Paulo, 2000. BRUNO, Maria Cristina Oliveira. Museus e pedagogia museológica: os caminhos para a administração dos indicadores da memória. IN: MILDER, S.E.S. As várias faces do patrimônio. Santa Maria: Pallotti, pp. 119-140, 2006. BRUNO, Maria Cristina Oliveira. Musealização da Arqueologia- alguns subsídios. Texto digitado, 2007. BRUNO, Maria Cristina Oliveira. (Coord.). O ICOM-Brasil e o pensamento museológico brasileiro:documentos selecionados. São Paulo: Pinacoteca; ICOM, vol.1., 2010. CABRAL, Magaly. Lição das coisas (ou canteiro de obras) através de uma metodologia baseada na educação patrimonial. Dissertação (Mestrado). Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1997.

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Artigo recebido em junho de 2014. Aprovado em agosto de 2014

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PENSAR A EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM MUSEUS A PARTIR DAS EXPERIÊNCIAS DA PINACOTECA DE SÃO PAULO * Milene Chiovatto ** Pinacoteca do Estado de São Paulo Gabriela Aidar *** Pinacoteca do Estado de São Paulo

RESUMO:

O texto discute as transformações em nossa compreensão do papel do museu ao assumir uma função cada vez mais social e inclusiva. Apresenta um breve histórico da implantação do Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca do Estado de São Paulo, focando especificamente nas ações educativas inclusivas realizadas junto aos chamados “não-públicos de museus”, bem como nas ações educacionais extramuros desenvolvidas. PALAVRAS-CHAVES:

educação, museu, inclusão sociocultural, vulnerabilidade social, ação extramuros.

Inclusive Education in Museums. Case study: Pinacoteca do Estado de São Paulo ABSTRACT:

The text discusses transformations in our understanding of the museum’s role in assuming an increasingly more social and inclusive function. It presents a brief history of the implantation of the Education Department at the Pinacoteca do Estado de São Paulo, focusing on the inclusive educational actions undertaken with non-audiences, as well as outreach initiatives. KEY-WORDS:

education, museum, sociocultural inclusion, social vulnerability, outreach.

**

Coordenadora do Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca do Estado de São Paulo; mchiovatto@ pinacoteca.org.br ***

Coordenadora dos Programas Educativos Inclusivos da Pinacoteca do Estado de São Paulo; gaidar@ pinacoteca.org.br

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Pensar a educação inclusiva em museus a partir das experiências da Pinacoteca de São Paulo

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Milene Chiovatto e Gabriela Aidar

Pensar a educação inclusiva em museus é admitir que esta instituição tem, na sociedade contemporânea, uma função bastante distinta daquela para a qual foi criada nos séculos XVIII e XIX; deixando de ser acúmulo passivo de objetos para assumir um papel ativo na interpretação da cultura, na construção do conhecimento, no fortalecimento da cidadania, no respeito à diversidade cultural e no incremento da qualidade de vida; ou seja, assumir plenamente seu papel social. Alguns conceitos referenciais para a educação inclusiva em museus Como princípio para a elaboração das ações educativas que propomos e realizamos, partimos da ideia da cultura como um direito fundamental. Os chamados direitos culturais fazem parte dos direitos humanos fundamentais, somando-se aos direitos políticos, sociais e econômicos. Isto se encontra presente em diversos documentos, entre os quais a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, que em seu Artigo XXVII afirma: “toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios.” Entretanto, os direitos culturais, diferentemente dos direitos sociais, ainda são pouco conhecidos e praticados. Segundo o Ministério da Cultura do Brasil, são eles: • direito à identidade e à diversidade cultural (ou direito ao patrimônio cultural). • direito à participação na vida cultural, que compreende: direito à livre criação; direito ao livre acesso; direito à livre difusão; direito à livre participação nas decisões de política cultural. • direito autoral. • direito ao intercâmbio cultural (nacional e internacional). (Ministério da Cultura, 2011: 19). Alguns autores buscam relacionar os direitos culturais especificamente à prática dos museus, como o britânico David Anderson (2012: 224), que propõe: Baseados nas leis internacionais, quais direitos os cidadãos das democracias ocidentais possuem em relação aos museus? Proponho que todos têm direitos ao: 1) reconhecimento de suas identidades culturais; 2) contato com outras culturas; 3) participação em atividades culturais; 4) oportunidades para a criatividade; e 5) liberdade de expressão e de julgamento crítico.

Mas como os museus podem efetivar isso em sua prática? O mesmo autor prossegue afirmando isto ser possível por meio de diversas estratégias, como: 1) Compromisso para reduzir as desigualdades no engajamento com a cultura; 2) aceitação de que a população como um todo é tão capaz, inteligente e culturalmente experiente quanto os profissionais de museus; 3) ação efetiva para promover maiores oportunidades de aprendizado e criatividade; 4) participação de públicos alvo e personalização de serviços do museu para suas necessidades; 5) extensão de seus serviços para além da instituição até as comunidades; 6) investimento contínuo em pesquisas de aprendizado e avaliação para apoiar essas ações; e 7) redirecionamento de pensamento daquilo que querem oferecer para o que é necessário para o bem estar individual e comunitário. (Anderson, 2012: 224).

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Outro conceito que costuma articular muitas das propostas voltadas a grupos de “não públicos” de museus, compostos por pessoas que não são frequentadores habituais de instituições oficiais de cultura, é o de comunidade. Assim como outros conceitos a serem discutidos aqui, tais como inclusão sociocultural e mesmo acessibilidade em museus, a caracterização da ideia abstrata de comunidade é escorregadia e depende de tradições intelectuais e sociais específicas. Daniel Castro, diretor do Museo Quinta de Bolívar e da Casa del Florero, em Bogotá, na Colômbia, em sua apresentação e texto escrito para o seminário Colaborações – trocas entre comunidades, museus e práticas educativas Colômbia/Brasil, realizado em outubro de 2013 na Pinacoteca 1, discute a variedade de possibilidades que o termo comunidade implica, destacando ser fundamental especificar e conceituar este termo, enfatizando que esta reflexão prévia é necessária para trabalhar com estes mesmos grupos sociais, ou se tende a evitar esse ponto, adotando um voluntarismo, certamente bem intencionado, mas, possivelmente, um pouco irrefletido. (...) existem muitas instituições públicas e privadas de nível mundial que podem desenvolver ações deslocadas e "pouco conscientes" em função desse eufemismo (...), querendo fazer-nos acreditar que pela inclusão do termo em suas ações estão operando de maneira efetiva. (Castro, 2013: 04).

Anne Kershaw, professora da Universidade de Deakin, na Austrália, parte de uma premissa bastante abrangente para tentar definir o que podem ser as comunidades desde a perspectiva museal. De acordo com a autora, o termo "comunidade" refere-se a qualquer grupo de pessoas que optam por identificar-se entre si. As comunidades podem ser definidas de acordo com: a geografia, a cultura; circunstâncias comuns ou semelhantes (por exemplo, comunidades de refugiados), condições econômicas e sociais (comunidades socialmente excluídas); ou hobbies e interesses. É importante para os museus perceberem a complexidade da noção de comunidade. Qualquer indivíduo terá vários, e possivelmente até mesmo conflitantes, vínculos comunitários. A participação na comunidade é muitas vezes voluntária, no entanto, ela também pode ser atribuída - por exemplo, ser parte de uma comunidade de pessoas socialmente excluídas. Comunidades diferem em termos de recursos, capacidades, cultura e comportamento. Esta diversidade existe entre - e dentro – das comunidades. (Kershaw, 2013: 12). Neste ponto, faz-se relevante esclarecer o uso que fazemos do conceito de inclusão social. Em nossa prática, ao utilizarmos o conceito de exclusão social, nos referimos aos processos pelos quais um indivíduo ou grupo tem acesso limitado às açõese instituições tidas como referenciais e consideradas padrão da vida social, e por isso encontram-se privados da possibilidade de uma participação plena na sociedade em que vivem. Esses indivíduos ou grupos quando se encontram socialmente vulnerabilizados podem enfrentar diversas e simultâneas situações de exclusão: a perda de direitos pela exclusão de sistemas políticos, a perda de recursos pela exclusão dos mercados de trabalho e a deterioração das relações pessoais pelo enfraquecimento de laços familiares e comunitários, ficando, assim, sujeitos a um contexto de privação múltipla (De Haan & Maxwell, 1 Colaborações - trocas entre comunidades, museus e práticas educativas Colômbia/Brasil. Seminário

Internacional realizado de 22 a 24 de outubro de 2013 na Pinacoteca de São Paulo.


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1998: 03). A essa situação podemos acrescentar, ainda, o enfraquecimento de sentimentos de pertencimento e reconhecimento cultural pela exclusão dos circuitos e instituições da cultura oficialmente instituída. Se nos baseamos na definição de exclusão social como um processo e um estado pelos quais dinâmicas sociais e instituições limitam alguns grupos de uma ampla participação na sociedade, podemos argumentar que as instituições culturais podem executar um papel numa rede de elementos excludentes, ou por oposição, serem ferramentas para a inclusão social. Além disso, dada a natureza multidimensional da exclusão, políticas voltadas para a inclusão devem assumir uma abordagem interdisciplinar, o que pode incluir serviços sociais assim como serviços culturais, posicionando as instituições culturais na arena dos problemas sociais, mais uma vez indicando que como profissionais da cultura não devemos nos separar das demandas sociais. Conforme afirma Mark O´Neill ((2002: 34), atual Diretor de Políticas e Pesquisas de Glasgow, na Escócia, As implicações para o fato dos processos de inclusão e exclusão serem auto-reforçados/gerados são muito claras: qualquer organização que não esteja trabalhando para romper as barreiras está ativamente mantendo-as. A neutralidade não é possível.

O conceito de inclusão social significa buscar ativamente remover as barreiras, reconhecendo que pessoas que foram apartadas por gerações precisam de apoio adicional numa ampla variedade de formas, de modo a permitir que possam exercer seu direito de participação em muitas das oportunidades que os privilegiados e escolarizados têm garantidas. (O’Neill, 2002: 34, 37). Quando tratamos da acessibilidade em museus, diferentes concepções do termo se impõem. Em nossa prática no Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca utilizamos o termo acessibilidade no que consideramos uma acepção mais ampla, envolvendo não apenas as questões ligadas à promoção de acesso físico, por meio da garantia de circulação e afluxo de público às instituições (com a utilização de rampas, elevadores e mesmo com a gratuidade nos ingressos), mas também – e especialmente – no que se refere a aspectos intangíveis do contato com os museus, como aqueles relacionados ao acesso cognitivo, ou seja, ao desenvolvimento da compreensão dos discursos expositivos e patrimoniais, e ao que podemos chamar de acesso afetivo ou atitudinal, por meio do desenvolvimento da identificação com sistemas de produção e fruição da arte e da cultura, e da confiança e prazer pela inserção no espaço do museu. Com a ampliação da compreensão e uso do termo, os museus podem desenvolver ações de acessibilidade que incluam diversos grupos excluídos dos processos e sistemas oficiais de cultura (Chiovatto, Aidar, Soares, e Amaro, 2010: 18). A Pinacoteca de São Paulo e seu Núcleo de Ação Educativa A Pinacoteca está localizada no Parque da Luz, um parque público no chamado centro antigo da cidade da São Paulo, uma área com boa infraestrutura de serviços e equipamentos públicos e privados e com importantes áreas comerciais, mas que conta ainda assim com populações vivendo em condições precárias de subsistência, similares às de áreas periféricas empobrecidas da cidade de São Paulo. O museu faz parte de um polo cultural local que compreende cinco museus e uma sala de concertos. É o mais antigo museu de arte do estado de

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São Paulo, fundado em 1905. É uma instituição pública, pertencente ao Governo do Estado de São Paulo, de gestão privada, por meio de contratos de gestão com a APAC - Associação Pinacoteca Arte e Cultura, uma organização social de cultura. Atualmente possui cerca de 9.000 obras, entre pinturas, desenhos, gravuras, esculturas, fotografias e objetos de arte brasileira e internacional dos séculos XVIII aos dias de hoje. O museu conta com uma exposição de longa duração do acervo, e uma extensa e variada programação de exposições temporárias. A partir de 2004, conta ainda com mais um edifício, a Estação Pinacoteca, que apresenta exposições temporárias de arte, além de abrigar o Memorial da Resistência, espaço dedicado a resguardar a história da resistência e repressão políticas dos momentos ditatoriais do país do século XX.

Entrada da Pinacoteca


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Seu Núcleo de Ação Educativa, estruturado desde 2002, tem como objetivos gerais desenvolver ações educativas a partir das obras do acervo do museu; promover a qualidade da experiência do público no contato com as obras de arte; garantir a ampla acessibilidade ao museu, além de incluir e transformar em frequentes, públicos não habitualmente frequentadores. Atualmente, os programas desenvolvidos pelo Núcleo de Ação Educativa são: 1. Programa de Atendimento ao Público Escolar e em Geral - responsável por realizar atividades junto a estes públicos, por meio de visitas educativas, atividades de produção plástica e poética, por processos formativos para professores, ou ainda no atendimento do público em geral, com propostas específicas para famílias, por exemplo. 2. Programas para professores - encontros preparatórios para professores, que visam dar subsídios pedagógicos acerca de temas e conteúdos relacionados ao acervo da Pinacoteca e de algumas de suas exposições temporárias; além de processos formativos sobre patrimônio, cultura e identidade em outras cidades do estado de São Paulo. 3. Dispositivos para Autonomia da Visita - recursos de mediação e propostas educativas nas exposições de longa duração do acervo e em algumas exposições temporárias do museu destinadas ao público em geral que visam a independência em relação à presença física do educador, incluindo a Educateca, jogos educativos deixados à disposição do público visitante. Programas Educativos Inclusivos: ▪ Programa Educativo para Públicos Especiais; ▪ Programa Consciência Funcional; ▪ Programa Meu Museu; ▪ Programa de Inclusão Sociocultural. De acordo com o foco deste texto, trataremos especificamente dos Programas Educativos Inclusivos desenvolvidos ao longo dos últimos dez anos pelo Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca. Tais programas estruturam-se a partir das demandas e lógicas de seus públicos alvo, caracterizados por grupos de chamados “não públicos” de museus, compostos por pessoas que não são frequentadores habituais de instituições oficiais de cultura, tais como museus, centros culturais etc. Atualmente participam desses programas grupos em situação de vulnerabilidade social majoritariamente por questões socioeconômicas, grupos de pessoas com deficiências e transtornos mentais, grupos de idosos e também funcionários da própria Pinacoteca, em particular ligados às funções de recepção de visitantes, manutenção e equipes de segurança e limpeza. Cada um dos quatro programas que compõem os chamados Programas Educativos Inclusivos desenvolve uma série de ações e projetos elaborados e constantemente avaliados a partir das necessidades apresentadas pelos grupos participantes. Neste ponto, nos valemos das ideias de diversos teóricos da educação que apontaram a importância de se trabalhar com o conhecimento prévio dos educandos para a realização de ações educativas efetivas. Entre eles, destaca-se o educador Paulo Freire, que apontou para a necessidade de se trabalhar com temas significativos da experiência cotidiana dos educandos, ao que chamou de “temas geradores”, conforme afirma: “Será a partir da situação

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presente, existencial, concreta, refletindo o conjunto de aspirações do povo, que poderemos organizar o conteúdo programático da educação ou da ação política”. Freire (2005: 100). O Programa Educativo para Públicos Especiais tem por objetivo garantir a fruição da arte para pessoas com deficiências sensoriais, físicas e intelectuais por meio da acessibilidade física e sensorial aos espaços expositivos e obras do acervo da Pinacoteca. Isso se dá por meio da realização de atendimentos a grupos de pessoas com e sem deficiências, e da formação de profissionais das áreas de artes, saúde, museus e educação para ações inclusivas em suas organizações de origem. Entre as ações desenvolvidas pelo Programa, destacam-se visitas educativas com a utilização de recursos de apoio multissensoriais, a fim de ampliar o contato com a arte por meio de outros sentidos além da visão; atendimentos especializados por educadora surda em Libras (Língua Brasileira dos Sinais) para o público surdo; publicações em dupla leitura (tinta com letras ampliadas e Braille), acompanhadas de audioCD; além de ações que visam favorecer a visitação autônoma de públicos com deficiência sensorial ao acervo da Pinacoteca, como o videoguia, disponibilizado para o público surdo em visita à exposição do acervo, e a Galeria Tátil de Esculturas Brasileiras, concebida para a autonomia de pessoas com deficiência visual, mediada pela utilização de audioguia.

Visita a grupo com deficiência com utilização de recurso de apoio multissensorial

Visitante com deficiência visual utilizando o audioguia na Galeria Tátil de Esculturas Brasileiras

O Programa Consciência Funcional desenvolve atividades educativas continuadas com os funcionários da Pinacoteca. Em parceria com a área de Recursos Humanos do museu, desenvolve atividades junto a profissionais do atendimento ao público (atendentes e recepcionistas), com a equipe de manutenção e com todos os funcionários que iniciam suas atividades na Pinacoteca (estagiários, educadores, voluntários, entre outros), além de prestadores de serviço das equipes de segurança e limpeza. Seu objetivo é estabelecer um diálogo constante com os funcionários dos diferentes núcleos da Pinacoteca, ampliando sua percepção da variedade de ações desenvolvidas pela instituição e de sua função social. O Programa pretende ainda auxiliar no processo de desenvolvimento pessoal e profissional dos funcionários do museu, tratando-os de maneira sensível e atuando a fim de promover sua inserção cultural. Para isso, desenvolve atividades para receber e acolher os novos funcionários à instituição; produz materiais informativos internos sobre as exposições temporárias da Pinacoteca; organiza visitas educativas a essas exposições; promove formações


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em serviço com aspectos técnicos e aspectos psicossociais; promove uma visita externa destes funcionários a outra instituição de cultura; organiza oficinas de experimentação plástica, além de realizar uma atividade especial anual em comemoração ao Dia das Crianças, para filhos e parentes de funcionários.

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Visita de grupo de recepcionistas ao Laboratório de Restauro da Pinacoteca

Oficina de experimentação plástica de modelagem em argila para os funcionários

O Programa Meu Museu, iniciado em abril de 2013, promove ações educativas voltadas a grupos de idosos, a fim de estimular sua visitação à Pinacoteca, fortalecer sua autonomia e estabelecer relações entre suas memórias pessoais e as memórias sociais preservadas pelo museu. Isto se dá por meio de realização de visitas educativas a grupos de idosos, de um curso de formação para educadores e profissionais que atuam junto a esses grupos e da elaboração de um material impresso educativo para os participantes das ações.

Visita educativa a grupo de idoso

Aula no curso Idosos e o museu: possibilidades educativas

Por fim, o Programa de Inclusão Sociocultural visa promover o acesso qualificado aos bens culturais presentes na Pinacoteca a grupos em situação de vulnerabilidade social2, com pouco ou nenhum contato com instituições oficiais da cultura. O Programa busca contribuir para a promoção de mudanças qualitativas no cotidiano desses grupos e ainda para a formação de novos públicos de museus. 2 A Política Nacional de Assistência Social, do Governo Federal, utiliza os termos “cidadãos e grupos que se encontram em situação de vulnerabilidade e riscos...” para definir seus usuários. O uso desse conceito implica uma maior abrangência de situações, nas quais a exclusão pela pobreza é mais uma delas e não a única, assim como a falta de acesso às políticas e aos serviços públicos. O documento também relaciona as situações de vulnerabilidades e riscos com a violação de direitos. Política Nacional de Assistência Social (2004).


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Os grupos com os quais trabalhamos podem variar ao longo dos anos, mas em geral compõem-se de grupos em situação de rua, como usuários de albergues e centros de convivência; moradores de habitações precárias, como cortiços e ocupações, abundantes no centro da cidade; cooperativas e grupos de artesãos voltados à geração autônoma de renda; dependentes químicos em tratamento de saúde; jovens e crianças de setores populares participantes de projetos socioeducativos principalmente ligados a ONGs; educadores sociais, entre outros, sempre ligados a iniciativas da educação não-formal. O Programa de Inclusão Sociocultural teve início em 2002, a partir da percepção da descontinuidade entre o que acontecia dentro e fora da Pinacoteca. Nesse ano realizamos uma pesquisa de perfil de público espontâneo cujos resultados comprovaram uma situação que podia ser percebida no convívio diário com o museu e seus visitantes: que estes possuem um perfil bastante específico e privilegiado, com altíssima escolaridade e renda familiar entre média e alta, além de não serem moradores do entorno ou mesmo de regiões próximas ao museu, distinguindo-se, assim, do público que frequenta seus arredores (Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2002). Como forma de estabelecer relações construtivas com os grupos vulnerabilizados do entorno do museu, iniciamos as ações do Programa com a realização de um mapeamento das organizações sociais da região que poderiam vir a ser parceiras para os trabalhos, e com a participação em algumas iniciativas comunitárias que congregam agentes e entidades locais, por meio das quais pudemos conhecer melhor as questões e demandas da região e os potenciais parceiros. Assim, as ações educativas do Programa tiveram início com grupos do entorno da Pinacoteca, e atualmente trabalhamos com diversos grupos da região central da cidade, ainda que não exclusivamente. As ações desenvolvidas pelo Programa estruturam-se a partir de parcerias com organizações sociais para a realização de visitas educativas continuadas aos grupos; também é desenvolvido um curso anual de formação para educadores sociais; ações educativas extramuros junto a grupos de adultos em situação de rua do entorno do museu; além da realização de processos de educação patrimonial junto a grupos comunitários, processos avaliativos e pesquisas de público. Também produzimos no âmbito deste programa algumas publicações, como o Arte+, um material impresso para educadores sociais com foco na educação em arte e na educação patrimonial, a fim de apoiá-los em suas práticas socioeducativas. Além dos atendimentos diferenciados que, neste Programa prezam pela continuidade, realizando sempre interações feitas a partir da demanda dos parceiros e das potencialidades do museu, realizamos há 6 anos uma ação educativa extramuros responsável por atuar em parceria com duas organizações para adultos em situação de rua do entorno do museu. Neste projeto, optamos por trabalhar com esse perfil de público em função de que sua situação de vulnerabilidade encontra ainda um forte estigma social e inclusive uma pretensa “culpabilidade” por sua própria situação, além da baixa oferta de projetos socioeducativos em arte e cultura para tais grupos. Assim, em seus locais de acolhida, chamadas casas de convivência, são desenvolvidas semanalmente atividades de oficinas de gravura e de criação de textos de caráter poético. Estas escolhas foram pautadas pelo repertório cultural da maior parte desta população, vinda de estados do nordeste do Brasil,


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153 Visita educativa a crianças frequentadoras de ONG vizinha ao museu

Oficina de xilogravura da ação educativa extramuros

Jovens do CJ União realizando atividade de exploração de seu bairro

Jovens do CJ União em atividade de colagem de painel de lambe-lambes com seus retratos

Atividade de preparação de receita da culinária Guarani

Crianças da aldeia Tekoa Pyau em visita à Pinacoteca


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onde a gravura em madeira tem papel de destaque na cultura popular. Os processos e resultados obtidos neste projeto já geraram exposições, tanto na Pinacoteca quanto nas casas de convivência, além de mostras temporárias em diferentes instituições culturais do estado de São Paulo. A partir desta experiência também foram desenvolvidas uma publicação de caráter documental e reflexivo sobre o papel socioinclusivo dos museus, além de álbuns com xilogravuras originais encadernadas. A mais recente publicação desenvolvida a partir dessa ação, chamada Plural, foi dedicada aos textos de caráter poético produzidos pelos participantes ao longo do processo. No ano de 2013 iniciamos outra ação extramuros de características distintas, chamada Comunidade e Museu, inspirada na ação realizada no Museu de Antioquia, de Medellín, Colômbia e que acompanhamos em nossa passagem para uma visita técnica por este museu em 2012. Para esse projeto, selecionamos junto aos parceiros dois grupos comunitários bastante distintos entre si a fim de desenvolver uma ação que busca promover o reconhecimento dos referenciais patrimoniais materiais e imateriais dos grupos, bem como elaborar estratégias para sua valorização e dinamização. Dessa forma, desenvolvemos ao longo do ano de 2013 encontros semanais com um grupo de adolescentes da ONG Centro para Juventude União Cidade Líder (CJ União), localizada em bairro periférico da Zona Leste da cidade, nos quais por meio de diálogos propositivos e mídias de interesse desse público, como a fotografia digital, realizamos um levantamento dos valores que são atribuídos pelos participantes aos seus patrimônios pessoais e coletivos, resgatando com eles aquilo que os articula como grupo. O resultado desta investigação foi documentado por meio de um jornal produzido por eles e de um painel de lambe-lambes com fotos de seus retratos no espaço da ONG. De forma semelhante, realizamos encontros com a comunidade indígena Guarani da Aldeia Tekoa Pyau, localizada no Pico do Jaraguá, na Zona Oeste da cidade. Ali as questões identitárias se fazem sentir de maneiras distintas, posto que para resguardar-se dos sucessivos processos de conflito étnico, alguns membros desta comunidade em determinados momentos mostraram-se resistentes ao trabalho com o museu. Entretanto, uma vez percebido o respeito para com aquela cultura e seus sistemas únicos, o trabalho se desenvolveu focando dois grupos distintos da comunidade: um grupo de artesãos, composto majoritariamente por mulheres, e um grupo de crianças da aldeia. Com as crianças, o fascínio pelo desenho na representação de seu cotidiano permitiu o diálogo sobre sua cultura e com os artesãos, o trabalho de resgatar alguns pratos da culinária tradicional Guarani, deu chance de tratar a identidade e patrimônio desse povo. Estes encontros e diálogos resultaram na publicação de um pequeno livro de receitas tradicionais Guarani, com textos bilíngues (em português e Guarani), ilustrado com os desenhos dessas atividades feitos pelas crianças da comunidade. Também foram colados painéis de lambe-lambes com fotos das crianças em alguns espaços e casas da aldeia. Com a ação Comunidade e Museu nos demos conta que o processo de educação com foco na identidade patrimonial local deve ter caráter continuado, pois percebemos que um ano de atividade é apenas o princípio, e que os diálogos construídos demonstram uma potencialidade mais ampla, sendo sempre uma via de mão dupla; nos acrescentando, como educadores, a possibilidade de repensar não apenas nossas práticas, mas promover constantemente a reflexão acerca de nossa função institucional.


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Neste sentido, em 2014, esta ação continua em desenvolvimento, abarcando a mesma aldeia Guarani e atuando com outro grupo de adolescentes do Centro da Criança e Adolescente – CCA ABCD Nossa Casa, na região do bairro do Bom Retiro. Nas perspectivas apresentadas acima fica claro que cremos que o museu, mais do que seus edifícios e objetos, permite processos de educação que ultrapassam seus limites físicos e podem expandir-se a outros locais e culturas promovendo processos de diálogo e articulando conhecimentos múltiplos. No momento contemporâneo determinado pelo enfraquecimento das raízes culturais e identitárias em função dos processos de globalização e comunicação em rede, acreditamos que os processos educativos dos museus possam contribuir como possibilidade de autoconhecimento pessoal e coletivo, de valorização e fortalecimento de culturas locais e de reconhecimento do patrimônio como algo ligado ao cotidiano das pessoas, não apenas pertencente aos cânones institucionais do museu. Da mesma forma entendemos que a função educativa cabe ao museu como um todo e não apenas a um determinado departamento, sendo que o ideal seria pensarmos em um museu, por natureza, educativo. Não apenas manter uma área de educação para difundir um conhecimento estático plasmado em seus objetos, ou em conhecimentos construídos à revelia de qualquer relação com as comunidades imediatas e ou sociedades nas quais se inserem. Propomos que os museus sejam espaços de fórum, de conversação, de prazer aos quais se queira ir. Que estejam abertos à significação ampla de todos. Que sejam para todos e para cada um. Que sejam o espaço da igualdade, e que o exercício da estética (no caso da arte) fosse também o exercício da ética, que o encontro com o objeto seja o propulsor da potencialidade de aceitação de múltiplos pontos de vista. Que ao fruir os objetos do museu as sociedades possam repensar-se a si mesmas e ao mundo como um todo. Se assim fosse, não teríamos a educação no museu, mas um museu educador, no qual a educação seria feita como se faz na vida: em contato com as coisas reais, que nos possam inquietar e fazer duvidar do que vemos para que aprendamos, vividamente, com a mente, o espírito e o corpo, como fazemos na vida. Acreditamos que a educação feita pelo museu, neste museu educador, seria, então, uma educação para e na vida, e que essa educação nos pudesse levar até o máximo de nossas potencialidades individuais e coletivas na construção de consciência social critica. É nesta instituição que além de nosso papel estético e ético, poderíamos assumir plenamente nosso papel político, como propõe a museóloga Waldisa Rússio: (...) a preservação do patrimônio cultural é um ato e um fato político, e temos de assumi-lo como tal, mesmo nas nossas áreas específicas de atuação profissional. No caso do museólogo, trabalhador social, significa não recusar a dimensão e o risco político de seu trabalho. (Guarnieri, 2010: pg. 209).

A expressão “trabalhador social” apontada pela autora, na qual aqui incluímos museólogos, educadores e demais profissionais do museu, tem o sentido não apenas de quem exerce a função social do trabalho, mas de quem trabalha consciente com a dimensão social, colaborando com a mudança.

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Referências ANDERSON, David. Creativity, learning and cultural rights. In: SANDELL, Richard & NIGHTINGALE, Eithne (eds.) Museums, equality and social justice. London & New York: Routledge, 2012.

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CHIOVATTO, Milene; AIDAR, Gabriela; SOARES, Luis Roberto e AMARO, Daniele Rodrigues. Repensando ����������������������������������������������������������� a acessibilidade em museus: a experiência do Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Diálogos entre Arte e Público - Acessibilidade Cultural: o que é acessível e para quem? Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, v. 3, 2010. DE HAAN, Arjan & MAXWELL, Simon. Poverty and social exclusion in North and South. International Development Studies Bulletin, vol. 29, n.1, 1998. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. GUARNIERI, Waldisa Rússio Camargo. Conceito de cultura e sua inter-relação com o patrimônio cultural e a preservação. In: BRUNO, Maria Cristina Oliveira (org.). Waldisa Rússio Camargo Guarnieri: textos e contextos de uma trajetória profissional. São Paulo: Pinacoteca do Estado: Secretaria de Estado da Cultura: Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Museus, 2010. KERSHAW, Anne. The promise and challenge of community involvement in museums. ICOM News 66, vol. 66, n. 1, março de 2013. MINISTÉRIO DA CULTURA. Conselho Nacional de Política Cultural. Secretaria de Articulação Institucional. Coordenação Geral de Relações Federativas e Sociedade. Guia de Orientações para os Municípios. Sistema Nacional de Cultura Perguntas e Respostas. Brasília: maio de 2011. O’NEILL, Mark. The good enough visitor. In: SANDELL, Richard (ed.) Museums, society, inequality. London & New York: Routledge, 2002. Pinacoteca do Estado de São Paulo. Pesquisa de perfil de público visitante da Pinacoteca - Você e o museu (2002). Política Nacional de Assistência Social – versão oficial. Revista Serviço Social & Sociedade, n. 80, encarte, nov. 2004.

Artigo recebido em maio de 2014. Aprovado em agosto de 2014


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AÇÃO EDUCATIVA DO MUSEU HISTÓRICO DO INSTITUTO BUTANTAN: REFLEXÕES SOBRE OS ÚLTIMOS TRÊS ANOS Adriana Mortara Almeida * Museu Histórico do Instituto Butantan Larissa Foronda ** Museu Histórico do Instituto Butantan

RESUMO:

Este artigo visa contribuir na ampliação e aprofundamento de análises realizadas sobre o Museu Histórico do Instituto Butantan, especificamente no que concerne à ação educativa. A partir de descrição e análise de ações e estratégias adotadas ao longo dos três últimos anos pretendemos partilhar as experiências vivenciadas indicando os pontos positivos, os desafios e os problemas ainda a serem enfrentados. PALAVRAS-CHAVES:

Educação em museus, formação de educadores, museu histórico, mediação, Instituto Butantan

* **

ABSTRACT:

This article aims to contribute to the expansion and deepening of analyzes performed on the Historical Museum of the Butantan Institute, specifically with regard to the educational process. From the description and analysis of actions and strategies adopted over the last three years we aim to share experiences indicating the strengths, challenges and problems still to be faced. KEY-WORDS:

Museum education, training of educators, history museum, mediation, Instituto Butantan

Diretora do Museu Histórico do Instituto Butantan. E-mail: adriana.almeida@butantan.gov.br Coordenadora do Museu Histórico do Instituto Butantan. E-mail: larissa.foronda@butantan.gov.br

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Ação educativa do Museu Histórico do Instituto Butantan: reflexões sobre os últimos três anos

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Introdução O Instituto Butantan foi criado com objetivo de produzir soro e vacina contra peste bubônica, uma vez que casos da doença foram identificados na região de Santos (SP), no final do século XIX1. Seu primeiro diretor, o médico Vital Brazil Mineiro da Campanha, aproveitou a estrutura criada para a produção de soro antipestoso para desenvolver pesquisa e produção de soros contra acidentes com serpentes. Desde 1896, Vital Brazil reunia serpentes conservadas em álcool que seriam o núcleo da Coleção Zoológica do Instituto Butantan (Calleffo e Barbarini, 2008:88). Ele também colecionava, para suas pesquisas, serpentes brasileiras e estrangeiras, peças anatômicas, animais taxidermizados, modelos em cera, desenhos, que, em parte, viriam a ser o acervo inicial do museu do Instituto Butantan. (Almeida, 1995). Durante décadas o Instituto contou apenas com um museu – o Museu Biológico. Em 1981, foi criado o Museu Histórico e, em 2002, o Museu de Microbiologia. No ano de 2010, o Museu de Saúde Pública Emílio Ribas (criado em 1979) foi incorporado ao Centro de Desenvolvimento Cultural (área cultural) do Instituto Butantan por meio do Decreto nº 55.315, de 05 de janeiro de 2010. Este artigo visa contribuir na ampliação e aprofundamento de análises realizadas sobre o Museu Histórico, uma vez que várias pesquisas que resultaram em dissertações e teses e artigos foram elaborados sobre o Museu Biológico e sobre o Museu de Microbiologia2, enquanto o Museu Histórico foi tratado apenas em dois artigos publicados pelos Cadernos de História da Ciência do Instituto Butantan (Canter, 2005 e Fernandes, 2007).3 Nosso principal foco é a ação educativa implementada no museu. Museu Histórico do Instituto Butantan O Museu Histórico do Instituto Butantan foi inaugurado em 1981 com objetivo de preservar e divulgar a história da Instituição. Para isso, um espaço anteriormente utilizado como laboratório e cocheira para fabricação do soro contra peste bubônica foi reconstruído e instrumentos científicos, mobiliário e outros objetos são ali expostos com intenção de reproduzir o ambiente original. Ao longo do tempo, outros instrumentos e objetos foram sendo agregados à exposição, complementada com painéis explicativos sobre a história do Instituto Butantan. Até 2005, a visitação ao Museu Histórico era livre e não havia um serviço educativo estruturado. Com o início da cobrança de ingresso, o fluxo passou a ser controlado e associado à visita aos Museu Biológico e Museu de Microbiologia. A partir daí o número de funcionários do Museu Histórico aumentou possibilitando a presença de educadores encarregados de atender aos grupos agendados. 1 Inicialmente foi criado um laboratório como seção do Instituto Bacteriológico, sediado na Fazenda Butantan, adquirida pelo governo do estado de São Paulo para este fim. Em 1901 foi dada autonomia por meio da criação oficial do Instituto Serumtherapico. (Benchimol e Teixeira, 1993). 2 Por exemplo, ALMEIDA, 1995; BIZERRA et al., 2007; BIZERRA, 2009; SAPIRAS, 2007 sobre o Museu Biológico e BIZERRA et al. 2009; 2012 e 2013; GRUZMAN, 2012 sobre o Museu de Microbiologia. 3 Apresentações de pôsteres nas Reuniões Científicas do Instituto Butantan e de comunicações orais em outros eventos, com publicação de resumos em Anais, também discutiram questões do Museu Histórico, entretanto sem possibilidade de tratar com maior profundidade os temas, devido ao formato limitado das apresentações.

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De acordo com Suzana Fernandes (2007), diretora do Museu Histórico entre 2005 e 2010, desde 2004 foi desenhado um plano para que os servidores do Museu Histórico desenvolvessem pesquisas e, para isso, foi dada ênfase na organização e preservação dos acervos documentais e museológicos. Os educadores eram estimulados a pesquisar o acervo do Museu Histórico para aperfeiçoar sua ação educativa. As pesquisas e a organização se deram principalmente em relação aos acervos documentais. A reestruturação da exposição começou a ser pensada na época da publicação do artigo (Fernandes, 2007). Por meio do Decreto 55.315, de 05 de janeiro de 20104, foram criados na estrutura do Centro de Desenvolvimento Cultural, os núcleos de documentação (NDOC), de produções técnicas (NPT) e de difusão do conhecimento (NDC). O Núcleo de Documentação, coordenado por Suzana Fernandes, passou a ser responsável por todo acervo histórico do Instituto Butantan e se dedicou, principalmente, ao acervo documental e iconográfico da instituição. Ao assumir a direção do Museu Histórico, a gestão assumiu como foco inicial de atuação a organização da ação educativa, até então realizada por quatro educadores contratados5. Posteriormente foi feito também o mapeamento, inventário e documentação do acervo museológico exposto no Museu Histórico e guardado em reserva técnica. Em 2011, iniciou-se um trabalho de formação dos educadores visando o aperfeiçoamento da ação educativa do Museu Histórico. Era clara a percepção de que a visita ocorria em forma de conferência / palestra e que os diálogos provocados pouco contribuíam para a experiência pedagógica6. A visita educativa parecia uma aula na qual os “alunos” pouco participavam. Perguntas eram feitas pelos educadores para que participassem, mas serviam mais como uma confirmação do discurso proposto e não um espaço para os interesses e curiosidades do público. O engajamento e participação do educando é fundamental para que a aprendizagem possa ocorrer, evitando o que Paulo Freire denominava como prática “bancária”: Enquanto na prática “bancária” da educação, antidialógica por essência, por isso não comunicativa, o educador deposita no educando o conteúdo programático da educação, que ele mesmo elabora ou elaboram para ele, na prática problematizadora, dialógica por excelência, este conteúdo, que jamais é “depositado”, se organiza e se constitui na visão do mundo dos educandos, em que se encontram seus temas geradores (Freire, 1987, p.118-119).

O trabalho de formação foi reforçado pela atuação de Luciana Conrado Martins como coordenadora do Núcleo de Difusão do Conhecimento. Desde o início de 2011, Luciana Martins coordenou a formação continuada de todos os educadores do Instituto Butantan, em encontros semanais, visando o aperfeiçoamento e a integração das equipes e de suas ações. 4 Em outubro de 2010, outro Decreto (56.270) inseriu o desenvolvimento de pesquisas nas atribuições do Centro de Desenvolvimento Cultural e mudou as atribuições do Núcleo de Produções Técnicas. 5 Adriana Mortara Almeida assumiu a direção do Museu Histórico em outubro de 2010. Larissa Foronda assumiu a supervisão educativa do MH em julho de 2011. Em 2010, uma das educadoras do Museu Histórico (Flavia Andrea Machado Urzua) passou a trabalhar no NDOC e outra no NDC (Amanda Freitas). Outros educadores passaram de um contrato de 20 horas semanais para 40 horas (Carolina Santucci Fernandes, Camilla Carvalho, Diego Elias dos Santos e Douglas Cristiano da Silva). 6 No primeiro semestre de 2011, Carlos Eduardo Borges atuou como supervisor de educação do Museu Histórico, sendo substituído por Larissa Foronda a partir de 01 de julho de 2011.


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A seguir serão descritos os principais desafios existentes para o aperfeiçoamento da ação educativa do Museu Histórico e os caminhos tomados para enfrentá-los. Desafios para a ação educativa do Museu Histórico Partindo do princípio de que a ação educativa do Museu Histórico deve estar baseada em suas exposições “que, museograficamente, traduzam temas/ conceitos/ideias bem definidos” (Bruno e Mello Vasconcellos, 1989:185) surge o primeiro desafio: a exposição. A edificação, construída em 1981 para abrigar o museu, é constituída por duas salas: uma sala reproduz o local onde os cavalos eram mantidos e a outra, o laboratório onde os trabalhos de pesquisa e produção de soros contra peste bubônica e antiofídicos eram realizados. Constituída inicialmente para ser um cenário, a exposição do Museu Histórico nunca cumpriu completamente esta função. Há apenas uma fotografia identificada como sendo da área interna desse laboratório (figura 1) e a exposição nunca o reproduziu com fidedignidade.

Figura 1: “Laboratório provisório” do Instituto (Acervo do Instituto Butantan)

Ao longo dos anos, mais objetos, de diferentes épocas e variadas funções, foram transferidos para o museu: material proveniente de laboratórios de pesquisas, da produção de soros e vacinas e de escritórios do Instituto Butantan. Em alguns casos, instrumentos científicos incompletos, com peças faltantes. Também foram incorporados à exposição do Museu Histórico, objetos de antigas exposições do Museu Biológico do Instituto Butantan. Em 2011, 30 anos depois da inauguração, a exposição do Museu Histórico constituía-se como um conjunto de instrumentos científicos e objetos que tinham em comum o fato de terem sido utilizados em alguma unidade do Insti-

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tuto. Para além dos objetos expostos, o próprio edifício é parte constituinte da exposição: sua estrutura arquitetônica, piso e parede em tijolos, esta última destacada por uma janela didática, constituem evidências que, uma vez exploradas, permitem trabalhar os usos e funções anteriormente despenhados pelo local. A exposição tem ainda 13 painéis com textos sobre o histórico do Museu e do Instituto, acompanhados por fotografias e outras ilustrações. No desenvolvimento dos trabalhos educativos, foram detectadas algumas barreiras que dificultam a construção de uma narrativa da exposição pela ação educativa. Uma delas é a sua estrutura: a entrada, que originalmente seria pela sala que representa o laboratório7, há mais de cinco anos é feita pela sala onde seria a cocheira, que é voltada para a rua, onde pessoas e carros circulam. Nesta que hoje é a ‘primeira sala’, objetos ocupam os espaços que seriam dos cavalos nas baias: uma prensa, dois quimógrafos, destilador, entre outros. Na parte mais ampla da sala, onde as divisórias das baias foram retiradas, outros instrumentos científicos estão dispostos sobre o piso (centrífugas, microscópio eletrônico, geladeira) e em armários (microscópios óticos, micrótomo, ovoscópio, ampolas de soros, embalagens de soros e vacinas), além de artefatos que faziam parte da exposição do Museu Biológico, como um quadro com representação de diferentes gêneros e espécies de serpentes e um modelo em cera de crânio ampliado de serpente, restaurado para voltar a ser exposto. Construído com tijolos, o piso mantém o formato original de uma cocheira de cavalos, com duas valas no centro por onde líquidos e dejetos escorriam para fora do ambiente. Atrativo para os olhos, esse piso irregular dificulta a locomoção e acomodação de visitantes e grupos no ambiente, além de limitar as possibilidades de exposição dos objetos e móveis que compõem a sala.

Figura 2: Primeira sala de exposição, onde seria a cocheira, julho de 2011 (Foto: Acervo Instituto Butantan/ Camilla Carvalho)

7 A antiga entrada, que era pela parte do laboratório, está voltada para os muros do Biotério Central do Instituto Butantan e não é visível para a maior parte do público que circula pelo Instituto.


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Na ‘segunda sala’, onde era o laboratório, mesas e equipamentos de laboratórios (balanças, vidrarias, peagâmetros, estufas, entre outros) são apresentados ao lado de mobiliário e materiais de escritório (calculadora, máquinas de escrever, telefone, entre outros). Detalhes arquitetônicos diferenciam este ambiente da primeira sala (cocheira) como o piso que é plano e de cimento queimado8. Nesta sala a distribuição dos objetos foi readequada com o objetivo de estabelecer uma pequena diferenciação entre os ambientes laboratoriais e de escritório usados pelo cientista/pesquisador, facilitando o trabalho dos educadores que, durante as visitas, procuram explorar essas diferenças. As janelas, na face posterior do prédio, são feitas de madeira sem vidraçaria que proteja o ambiente e o acervo do vento e dos raios solares. Em uma das laterais da sala, janelas de madeira basculantes estão posicionadas rente ao telhado. Reconstruído sem forro, o telhado permite que os móveis e objetos fiquem expostos à poeira e às variações de temperatura. Uma vez que esse ambiente não possuía iluminação adequada, foi necessária a instalação de luminárias que se diferenciam dos outros elementos “de época”. A disposição dos móveis era um problema na segunda sala, por abrigar um elevado número de peças, que por muitas vezes, se tornaram um desafio para a mediação e deslocamento de grupos. Um novo planejamento, dentro do que já havia sido feito em subdividir os ambientes entre laboratório e escritório, foi implementado de modo a abrir uma área de respiro dentro da própria sala para acolhimento de grupos de diversos tamanhos, e posteriores deslocamentos ao longo da sala, sem comprometer nem colocar em risco o acervo, com o intuito de valorizá-lo ainda mais.

Figura 3: Segunda sala, local onde era o primeiro laboratório do Instituto Butantan, novembro de 2012 (Foto: Acervo Instituto Butantan/Camilla Carvalho)

8 O piso de cimento queimado se distingue do chão que constatamos, através de fotografia da época de Vital Brazil (figura 1), originalmente revestido de ladrilho hidráulico.

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O segundo desafio foram os conteúdos e temas a serem tratados. Com o objetivo de facilitar o diálogo com os visitantes, foram identificados temas que lhes fossem mais familiares para, a partir deles, explorar os conteúdos trabalhados pela ação educativa a partir da exposição do Museu Histórico. Seria possível citar como exemplo, o estabelecimento de relações entre a criação do IBu e a intensificação da imigração para o Brasil, especialmente com a vinda de europeus para trabalhar nas lavouras de café. Foi por meio dos navios que chegavam ao Porto de Santos que a peste bubônica entrou no Brasil, no final do século XIX. Este tema passou a ser mais explorado nas visitas e, para enriquecer sua abordagem, foram feitas pranchas com fotos históricas, algumas delas cedidas pelo Arquivo do Estado de São Paulo. Foram confeccionadas outras pranchas com outras fotos históricas da região do Butantã e imagens referentes à produção de soros. As discussões com os educadores9 e leituras de textos sobre educação patrimonial contribuíram para uma maior valorização do acervo em exposição: os objetos e instrumentos científicos passaram a ser mais explorados no diálogo com o público. Partimos da ideia de educação patrimonial10 como é colocada por Evelina Grunberg : Podemos defini-la [Educação Patrimonial] como o ensino centrado nos bens culturais, como a metodologia que toma estes bens como ponto de partida para desenvolver a tarefa pedagógica; que considera os bens culturais como fonte primária de ensino. Sendo assim e dentro da definição anterior os bens culturais funcionam como um recurso que pode se transformar num instrumento no processo de ensino. (Grunberg, 2000:5-6)

Entende-se que a educação patrimonial pode ser uma estratégia adequada à exploração do Museu Histórico. Por meio da observação e análise de objetos do acervo, os visitantes podem desenvolver relações e dar sentido à exposição criando uma narrativa histórica no campo da ciência e da saúde. Atividades lúdicas foram desenvolvidas pela equipe de educadores, de modo que o público se envolvesse e criasse um olhar diferenciado para este acervo, tornando-o mais acessível tanto para o público infantil, como para o público adulto. Objetos que exercem maior poder de atração sobre o público11, são observados e descritos de acordo com suas características físicas e suas funções. Por exemplo, a máquina de escrever e o telefone são explorados, para além de outros possíveis usos, enquanto ferramentas para que os pesquisadores possam registrar e comunicar suas investigações. Ações semelhantes são realizadas por meio da observação, descrição e discussão da balança de precisão e da calculadora que estão em exposição. O terceiro desafio é o perfil e tamanho da equipe para atuar na ação educativa do Museu Histórico. A partir de 2011, a escolha de uma equipe para atuar 9 Entre 2010 e 2014, a equipe de educadores mudou várias vezes, tanto em número de pessoas como em profissionais. Atualmente é composta por quatro educadores graduados contratados (40 horas) e oito estagiários de graduação (30 horas). 10 Ver também Horta et al. (1999). 11 Em 2013 foi realizada pesquisa de observação de percurso dos visitantes no Museu Histórico. Entre os objetos que exerciam maior atração dos visitantes estavam, por exemplo, a caixa e laço de Lutz, as bolsas de sangue e os tubos de sangria, entre outros. (Almeida, 2014 e Souza, 2013).


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na ação educativa privilegiou o recrutamento de educadores de diversas áreas das humanidades e, posteriormente, das biológicas, enriquecendo o repertório dentro da equipe além de possibilitar outros olhares para a mediação e a concepção e tratamento de novos roteiros para a ação educativa do museu. Nesses dois primeiros anos, a formação de uma equipe para ação educativa foi dificultada pela rotatividade de profissionais decorrente da baixa remuneração e da incompatibilidade entre os educadores e a funções e exigências que deles eram esperadas12. Desde o início de 2013 há duas categorias dentro da equipe de educadores do Museu Histórico: os “estagiários de graduação” e os “educadores contratados” pela Fundação (regime CLT), já graduados. Esta é uma equipe multidisciplinar composta por alunos de graduação e profissionais graduados de diversas áreas (história, geografia, pedagogia, biologia) que se complementam. Essas diferenças de formação e de trajetória profissional são muito benéficas, enriquecendo a discussão de temas que são debatidos sob os mais diversos ângulos. A formação dessa equipe é norteada pela busca do embasamento teórico aliada à prática em mediação. O período de formação de cada novo membro da equipe dura, em media, quatro semanas que são dedicadas à leitura de textos, discussões, visitas aos museus, observação das visitas guiadas, elaboração de visita mediada, apropriação do conteúdo do Museu Histórico e aplicação da visita planejada. A primeira parte da formação se dá com a leitura dos textos que procuram familiarizar os educadores com tópicos diretamente ligados às preocupações do museu e temas “transversais”: história do Instituto Butantan, educação patrimonial, museus de ciência, educação não formal, história das ciências e da saúde, produção de soros e vacinas. A segunda parte da formação assume um caráter mais prático: o educador trava contato com os outros museus do Instituto, observa a ação de outros educadores, compõe sua própria visita e a aplica, num primeiro momento, para a própria equipe. Antes de atender um grupo sozinho, o educador realiza “visitas conjugadas”, nas quais a responsabilidade pelo atendimento dos grupos é dividida com um colega. Depois deste momento, o educador passa a realizar “visitas partilhadas”: grupos de 30 a 40 visitantes são divididos em dois conjuntos que, ocupando cada um deles uma das salas do museu, ficam sob a responsabilidade de um dos educadores. Todo este processo de formação varia de acordo com o perfil dos educadores. No processo de seleção valorizam-se os candidatos que possuam alguma experiência de mediação, bem como o conhecimento de línguas estrangeiras, uma vez que o IBu recebe um grande número de visitantes estrangeiros e parte da literatura da área não foi traduzida. Também em função da heterogeneidade da equipe de educadores, considera-se fundamental a ação de um supervisor que se encarregue, durante o período da formação, de estabelecer uma continuidade e um diálogo entre os profissionais atuantes (educadores em regime de CLT) e em formação (estagiários de graduação). A rotatividade dos educadores no MH foi grande, dificultando o estabelecimento de uma continuidade em seu processo de formação. Essa rotatividade 12 Esse ainda é um problema que ocorre, porém em menor frequência.

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torna imprescindível o registro, através de relatórios e fotografias, das atividades realizadas para que sua memória não se perca. A permanência dos mesmos profissionais por alguns anos garantiria a continuidade e a possibilidade de que a equipe possa acumular experiência e compor o histórico do núcleo educativo do museu.

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Formação continuada de educadores Como já citado anteriormente, a partir de 2011, passou a ser realizada formação continuada dos educadores dos três museus13 do Instituto Butantan. Às segundas-feiras de tarde, quando os museus ficam fechados ao público para limpeza e manutenção, a formação é desenvolvida por meio da leitura de textos, aulas expositivas, discussões e trabalhos em grupos que possibilitem a aprendizagem de novos saberes e a construção de novas práticas. O Núcleo de Difusão do Conhecimento começou então, a reunir os educadores dos três museus em encontros semanais fixos com o objetivo de criar um espaço de diálogo entre os educadores. Por meio da promoção de reflexões sobre a prática educativa, educação em museus, pretendia-se aprimorar o entendimento daqueles que lidavam com o público dentro dos museus. A história dos museus, sua definição, funções; a história da educação em museus; métodos e práticas da educação em museus; teorias da educação foram alguns dos temas tratados nessas palestras, leituras e discussões. Cabe destacar que, inicialmente, alguns educadores manifestaram certa resistência em relação aos conteúdos e desafios trazidos por textos e discussões que os instigavam a rever suas práticas. As dificuldades de leitura e compreensão de textos “estranhos” às áreas de formação dos educadores foram superadas através do rico diálogo estabelecido entre esses profissionais de diversas especialidades. Para os gestores esse espaço de trocas e aprendizagem também foi bastante enriquecedor, ampliando o conhecimento sobre as equipes de educadores do Instituto Butantan. O encontro semanal também facilitou o desenvolvimento de ações educativas conjuntas, “atividades integradas”, envolvendo as equipes dos diferentes museus do IBu. Atividades integradas As atividades dos serviços educativos dos museus do Instituto Butantan eram, dadas as especificidades de cada uma das unidades, caracterizadas por sua compartimentalização e isolamento. Esta realidade começou a mudar a partir do momento em que as equipes dos diversos museus empenharam-se no desenvolvimento de ações integradas em parceria com o Núcleo de Difusão do Conhecimento: área criada com o objetivo de atuar e se articular de maneira transversal dentro da Área Cultural do Instituto Butantan. Um primeiro ensaio dessa ação coletiva foram as atividades desenvolvidas, em maio de 2011, na 9ª Semana Nacional de Museus organizada sob o tema “Museu e Memória”, para a qual foi proposta a captação de depoimentos. Educadores dos três museus e do NDC participaram do planejamento, organização, montagem e coleta de depoimentos de funcionários e visitantes do Instituto, 13 O Museu de Saúde Pública Emílio Ribas não contava com educadores em seu quadro porque estava fechado para visitas regulares.


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que relataram suas experiências e fatos marcantes vivenciados na instituição. Em três dias de atividades (18 a 20 de maio), mais de 70 funcionários falaram sobre sua trajetória profissional, suas amizades e suas pesquisas, ilustrando esses relatos com fotografias de seu ambiente de trabalho, festas e eventos registrados em sua vivência no Butantan (figura 4). No final de semana (21 e 22 de maio), 59 visitantes foram entrevistados: se alguns visitavam o Butantan pela primeira vez, outros traziam lembranças de inúmeras visitas ao Instituto: primeiramente como crianças, depois como adultos e, finalmente, com a companhia de filhos e/ ou netos. O trabalho foi muito gratificante para todos os envolvidos e evidenciou a importância da participação das diferentes equipes para seu sucesso.

Figura 4: Tenda para gravação dos depoimentos de funcionários decorada com fotografias do acervo institucional e dos funcionários do Instituto Butantan, maio de 2011 (Foto: Acervo Instituto Butantan/Antonio C. Costa)

A necessidade de organização de uma atividade para um evento externo (Novos Talentos, integrante do Projeto organizado pela Faculdade de Física da USP) levou os museus do IBu a se unirem na criação do que seria a primeira atividade integrada dos educativos da Instituição. A partir daí, foram elaboradas outras atividades conjuntas, fazendo crescer a demanda por educadores que pudessem desenvolvê-las. É possível citar como exemplo a programação de férias que exige uma interação entre os profissionais dos diversos museus do IBu.14 Desde julho de 2011 tem sido realizada a ‘semana de férias’ na qual diversas atividades são oferecidas aos visitantes do Instituto. O planejamento dessas atividades foi construído pelos educadores de forma integrada e seu desenvolvimento, em vários casos, também é feito pela maioria, de maneira integrada. Para a equipe do Museu Histórico, que participa ativamente de todo esse processo, as atividades da semana de férias permitiram a experimentação de novas estratégias e de novos materiais que, em alguns casos, são incorporados direta ou indiretamente às visitas educativas cotidianas. Uma das estratégias adotadas foi a inserção de personagens na visita educativa para alunos de Funda14 Uma semana de atividades realizadas durante as férias escolares de janeiro e julho.

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mental I à semelhança do que havia sido desenvolvido na contação de histórias da semana de férias. Materiais, como um jogo de memória, também realizado originalmente para as atividades das férias, vêm sendo utilizados nas visitas educativas ou atividades para público espontâneo aos finais de semana.

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Roteiros de visitas educativas A partir da percepção de todos os participantes da formação continuada de que o aperfeiçoamento das visitas oferecidas pelos três museus exigia o alongamento de sua duração (30 minutos para cada unidade), foi proposto aos educadores que criassem roteiros de visitas mais longas. Com orientação da coordenadora do NDC e dos gestores dos museus, os educadores dos museus construíram roteiros de visitas estendidas que foram discutidos durante a formação continuada e testados em 2012. Os educadores do Museu Histórico construíram roteiro direcionado aos estudantes do Ensino Fundamental II. Intitulado “De fazenda à Instituto: a saúde pública na virada do século XIX para o XX”, esse roteiro entrelaça a criação do Instituto à urbanização da cidade de São Paulo e à pesquisa e produção de soros representadas pelos objetos em exposição. Reproduções fotográficas ampliadas foram confeccionadas para auxiliar no desenvolvimento da visita, preenchendo algumas lacunas da exposição. É fundamental a pesquisa histórica dos assuntos tratados, para que nas mediações as crendices, mitos e lendas possam ser discutidos de forma crítica. Do mesmo modo, também é indispensável o estudo e experimentação de estratégias de abordagem que se adequem às diversas faixas etárias do nosso público: tarefa que exige uma especial atenção aos conteúdos curriculares e aos saberes trazidos pelos visitantes. Por meio do conhecimento do público é possível estabelecer um diálogo no qual a aprendizagem é mais rica, para educadores e educandos. A necessidade de adequação da exposição aos diversos públicos determinou também a criação, entre o final de 2013 e o primeiro semestre de 2014, de roteiros específicos para estudantes de Ensino Médio, Fundamental I e II. A elaboração desses roteiros exigiu pesquisa do currículo escolar, identificação de interesses e dificuldades dos visitantes, pesquisa histórica, seleção de temas e estratégias adequadas, elaboração de materiais de apoio, discussões entre toda a equipe do Museu Histórico, testes com diferentes grupos até a consolidação de cada um deles. Como já citado, o registro e descrição desses roteiros é fundamental para a memória da ação educativa e para a continuidade da mesma. Frequentemente é notado que a equipe é insuficiente para atender a demanda gerada por rotinas que exigem a atenção dos educadores que têm desdobrar-se no acompanhamento dos visitantes, nos estudos preparatórios, no planejamento logístico das atividades desenvolvidas ou em vias de se desenvolver. A rotatividade da equipe prejudica o desenvolvimento desse trabalho, pois aquele educador que fazia parte do grupo já não pode dar continuidade às suas ideias pertinentes a um determinado roteiro. Cabe destacar que ainda não se conseguiu definir o tamanho ideal da equipe: equação que, dados os diferentes regimes de contratação (educadores contratados em regime de CLT e estagiários de graduação) é de difícil resolução. Considera-se que, além de um número adequado de educadores para o atendimento ao público, é preciso ter uma carreira que estimule seu aprimoramento e crie uma perspectiva de futuro na instituição.


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Roteiros e atividades para público espontâneo e para pessoas com deficiências Com o objetivo de acolher públicos diversos e famílias que freqüentam o parque, em dia de semana e aos finais de semana, roteiros a serem aplicados no espaço externo, fora do Museu Histórico foram pensados de modo a ampliar o olhar do visitante sobre as edificações históricas da Instituição. A partir de pesquisas sobre as diferentes edificações presentes no campus do Instituto Butantan, a equipe do Museu Histórico planejou um “roteiro externo" que leva os visitantes a conhecer diferentes prédios que tiveram diversas funções ao longo da história institucional; e que se relacionam também à história do bairro, da cidade, do estado e do país. Uma primeira experiência foi realizada com um grupo de alunos de graduação de história da Universidade de São Paulo, em 2013, a partir da demanda da professora por uma discussão do IBu dentro da história e configuração do bairro do Butantã. A partir da avaliação dessa experiência, o roteiro foi sendo aperfeiçoado e nova experiência ocorreu no primeiro semestre de 2014, com funcionários do Instituto, como atividade da Semana do Meio Ambiente. O objetivo é, em breve oferecer o “roteiro externo” sistematicamente em finais de semana para público espontâneo. Outra experiência que proporcionou amadurecimento e criação de novas atividades no Museu Histórico foi o atendimento de pessoas com deficiências. Durante as atividades das diversas ‘semana de férias’ os educadores puderam planejar e executar ações voltadas para as pessoas com deficiências, citando roteiros, materiais (figura 5) e estratégias específicas.

Figura 5: Maquete tátil do Museu Histórico confeccionada em 2012 para atividade de férias (julho, 2012) e posteriormente incorporada à exposição do Museu Histórico (Foto: Acervo Instituto Butantan/Camilla Carvalho)

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Com o olhar educativo no público especial, um novo roteiro começou a se estruturar, em 2014, de modo a tratar o público regular e o público de pessoas com deficiência visual da mesma maneira. Uma abordagem enfatizando os demais sentidos, que não a visão, foi pensada para levar os grupos dentro do museu a descobrir novas abordagens históricas e sensitivas ao longo de suas duas salas. Com o roteiro especifico pensado para uma pessoa que não pudesse enxergar, a idéia é trazer o público vidente para esta realidade, vendando a todos que participarem do roteiro. Esta visita fará um caminho, dentro do Museu Histórico, que traz a abordagem na primeira sala (cocheira) do início das pesquisas do Instituto, seus desdobramentos e as técnicas usadas para captura de serpentes e para a fabricação dos soros. Na segunda sala, o tema principal será falar do trabalho do pesquisador / cientista, trazendo a oportunidade do toque em objetos de laboratório como balanças e de escritório, como uma antiga maquina de escrever. Juntamente com a fala do educador, o visitante terá a oportunidade de tocar em objetos relacionados a esta fala, bem como sentir odores que caracterizam a história contada e seus locais. O objetivo da estruturação desta nova abordagem é criar a oportunidade de visita educativa para públicos especiais, de modo que novos roteiros sejam montados paralelamente à criação de materiais que o museu possa disponibilizar para toque do público, diminuindo as distâncias em nossa mediação com públicos especiais. É importante criar atividades educativas a fim de desenvolver um papel social como espaço de referência para as pessoas da comunidade, sendo claro o papel que as instituições desempenham para o acesso, compreensão e ampliação do repertório cultural dos indivíduos, sendo de suma importância que os museus trabalhem com a efetivação da comunicação de seu acervo através de abordagens por meio de processos de inclusão social. Esta inclusão deve abranger a ação educativa e aspectos museográficos (exposição e recursos comunicacionais), além da pesquisa, documentação e conservação. (Tojal, 2007) O museu deve assumir seu papel de inclusão, cabendo à ação educativa compreender este público especial e pensar ações pertinentes a ele de modo que haja a integração das ações educativas dentro do espaço do museu com o acervo ali exposto, fazendo com que o público se aproprie dele, sem restrições e compreenda o museu como um todo. Considerações finais O trabalho ainda está começando. A ação educativa do Museu Histórico melhorou muito e há alguns indícios deste aperfeiçoamento: aumento de grupos agendados, comentários elogiosos dos visitantes e avaliações positivas das visitas temáticas realizadas desde 2012. Acreditamos que o desenvolvimento de mais pesquisas sobre a história do IBu, sobre a história das ciências e da saúde e sobre os objetos e instrumentos científicos do acervo do IBu contribuirão ainda mais para o aperfeiçoamento das ações educativas do Museu Histórico. Quanto maior for o domínio dos conteúdos, mais facilmente serão criados roteiros e atividades educativas de qualidade. Ao mesmo tempo, conhecimentos sobre teorias e práticas educativas em museus e em outros espaços completam a formação necessária para os educadores.


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Ação educativa do Museu Histórico do Instituto Butantan: reflexões sobre os últimos três anos

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Artigo recebido em julho de 2014. Aprovado em setembro de 2014


Adriana Mortara Almeida e Larissa Foronda

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O PENSAMENTO CRÍTICO PODE SER FOMENTADO POR MUSEUS ATRAVÉS DO USO DE REDES SOCIAIS? E ISSO PODE SER MENSURADO? * Irene Rubino Katherine Nowak Amy Martinez Hanna Hipp Giuseppe Monaco ** Smithsonian Center for Learning and Digital Access RESUMO:

Com o crescimento do uso de ferramentas de cyber-aprendizagem (cyber-learning) por parte dos museus para envolver seus públicos-alvo, permanecem questões sobre o efeito dessas ferramentas sobre o pensamento crítico e a interação dos participantes. Apesar da existência de pesquisas sobre a que extensão o pensamento crítico é fomentado em ambientes formais de cyber-aprendizagem, há uma falta de pesquisas em ambientes informais de cyber-aprendizagem, como conferências virtuais. O objetivo do projeto era avaliar se o pensamento crítico poderia ser mensurado em conferências virtuais e em eu medida ele poderia ser estimulado. Uma abordagem de métodos mistos avaliando a logística de participação e a análise de conversas revelou que, embora o pensamento crítico tenha sido estimulado durante as conferências virtuais, apenas as primeiras fases, como a identificação e definição de problemas, foram utilizadas pelos participantes. As fases superiores do pensamento crítico, a exploração de problemas, a aplicação e a integração não foram muito utilizadas durante as conferências virtuais. O estudo também confirmou o papel crucial do moderador na facilitação da participação. PALAVRAS-CHAVES:

cyber-aprendizagem;pensamento conferências virtuais.

*

ABSTRACT:

As museums more frequently employ cyberlearning tools to engage target audiences, questions are left as to the effect they have on critical thinking and participant interaction. While research exists regarding the extent to which critical thinking is stimulated in formal cyber-learning environments, studies related to informal cyber-learning environments, such as virtual conferences, are lacking. The scope of this project was to evaluate whether critical thinking could be assessed in virtual conferences and the extent to which it could be stimulated. A mixed- method approach, evaluating participation logistics and conversation analysis, revealed that, while critical thinking was stimulated during the virtual conferences, mostly the less complex stages, —such as problem identification and definition—were observed. More complex stages —such as problem exploration, application, and integration—were not as commonly observed. The study also confirmed the crucial role of the moderator in facilitating participation. KEY-WORDS:

cyber-learning; critical thinking; virtual conferences.

crítico;

Tradução do artigo original: Ana Lúcia de Abreu Gomes. Revisão: Adriana Mortara Almeida.

Smithsonian Center for Learning and Digital Access, Washington, D.C., EUA. Correspondências devem ser endereçadas a Giuseppe Monaco (monacop@si.edu). **

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Introdução A nova fronteira educacional no contexto global do século XXI é representada pela cyber-aprendizagem (cyber-learning – CL), definida como “o uso de computação em rede e tecnologias de comunicação para apoiar a aprendizagem” (National Science Foundation, 2008). Muitas instituições culturais atualmente se aproveitam das novas tecnologias para desenvolver e promover novas oportunidades de aprendizagem ao seu público-alvo. Incluídas no espectro das iniciativas de CL, as Conferências Virtuais (Virtual Conferences – VCs) são um método adotado recentemente por museus para disseminar informação e envolver o público-alvo. Apesar de as instituições de aprendizagem formal, como as universidades, virem utilizando extensivamente cursos de aprendizagem à distância e ferramentas de CL da Web 2.0, museus e outras organizações que oferecem oportunidades de aprendizagem informal começaram a trilhar mais recentemente esse caminho (Lopez et al., 2010). Ademais, embora a maior parte da atenção e do apoio econômico tenha sido concentrada, até agora, na criação de infraestruturas de CL, sabe-se pouco sobre que tipo de aprendizagem ocorre com seu uso. A pesquisa nessa área pode levar ao aperfeiçoamento nas CL oferecidas por museus (Di Blas & Poggi, 2006). Descobertas recentes de avaliações de iniciativas de CL em ambientes de aprendizagem formal demonstraram que a obtenção dos resultados propostos de aprendizagem por meio de experiências cibernéticas colaborativas depende grandemente de uma série de variáveis, como as motivações e características dos participantes, e o design e a facilitação instrucionais (Curran et al., 2003; Hara et al., 2000; McKenzie e Murphy, 2000). Normalmente, esses estudos usaram amostragens pequenas de dados sem análises estatísticas. Nos últimos anos, um dos resultados mais desejados por iniciativas de educação superior e de desenvolvimento profissional é o pensamento crítico (Garrison, 1992; Garrison, 1991; Brookfield, 1987). O pensamento crítico foi definido de formas variadas por diferentes autores ao longo dos anos (Brookfield, 1987; McPeck, 1981; D’Angelo, 1971; Dewey, 1933). Contudo, o principal conceito que advém de uma visão geral da literatura é de que o pensamento crítico (critical thinking – CT) pode ser considerado um processo cognitivo interno profundo, uma forma proativa de pensamento que tem como objetivo a compreensão das experiências por meio da análise e julgamento de questões e informações, sem a realização de presunções. Como ressaltado por D. R. Garrison, o processo de CT pode ser concebido como um ciclo de atividades de pensamento. Mais especificamente, o autor identifica cinco estágios no processo de CT: Identificação do Problema; Definição do Problema; Exploração do Problema; Aplicação do Problema; e Integração do Problema (Garrison, 1991). Segundo o modelo holístico de Garrison, a validação do significado construído pelo aprendiz ocorre por meio de ação comunicativa, ou, em outras palavras, por meio do compartilhamento de interpretações pessoais com os outros (Garrison, 1991). Em ambientes de aprendizagem formal, acadêmicos investigaram até que ponto o CT pode ser desenvolvido por meio de oportunidades de aprendizagem online, com a utilização da análise de conteúdos e discursos de conversas/postagens escritas (Bai, 2009; Perkins & Murphy, 2006; Maurino, 2006; Curran et al., 2003; Bullen, 1998; Newman et al., 1996; Gunawardena et al., 1997; Henri, 1992). Contudo, estudos desse tipo ainda são escassos quando se trata de ambientes informais de aprendizagem. Dentro desse quadro conceitual (Figu-

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ra 1) e das áreas gerais de pesquisa descritas anteriormente, a principal questão que este estudo deseja abordar é: o pensamento crítico pode ser mensurado em um ambiente de cyber-aprendizagem como as VCs? Dentro dessa questão, há ainda esta: Até que ponto o CT pode ser estimulado por meio da participação em VCs em uma situação informal de aprendizagem? Ademais, considerando que outros autores indicaram que a profundidade do pensamento pode ser influenciada pelo nível das questões direcionadas aos participantes durante os eventos online (Bai, 2009; MacKnight, 2009; Hara et al., 2000; Bullen, 1998), uma subsequente questão de pesquisa é: Diferentes tipos de apresentações nas conferências gerariam níveis mensuravelmente diferentes de pensamento crítico entre os participantes? O objetivo desta pesquisa tem natureza dupla: por um lado, busca fornecer informação que auxiliaria na conceituação e implementação de futuras VCs mais eficazes. Por outro, ela busca fornecer uma perspectiva original ao mundo emergente dos ambientes informais de aprendizagem e às novas tecnologias, além do desenvolvimento de novas competências, com referência especial ao papel educacional dos museus hoje.

MÉTODOS Contexto da pesquisa O Smithsonian Center for Learning and Digital Access (Centro do Smithsonian para Aprendizagem e Acesso Digital – SCLDA) organiza VCs desde fevereiro de 2009. As VCs foram originalmente concebidas como um meio de desenvolvimento profissional para professores. Contudo, uma pesquisa online realizada com as pessoas que participaram da primeira VC (“Abraham Lincoln”, fevereiro de 2009) demonstrou que mais da metade dos participantes não eram professores. Eram estudantes ou profissionais de outras áreas. Consequentemente, o SCLDA implementou as duas VCs examinadas neste trabalho – deno-


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minadas “Mudanças Climáticas” e “Solução de Problemas com Especialistas do Smithsonian” –, com vistas a esse público muito mais amplo. A matrícula para esses eventos online era grátis e aberta a todos. As VCs tinham a forma de eventos online, acessíveis por meio de uma página específica do Smithsonian Institution (SI) (http://www.smithsonianconference.org/). O formato online em tempo real foi escolhido não somente para alcançar os professores e pessoas interessadas nos temas propostos, independente de sua localização geográfica, mas também para criar uma oportunidade para que interajam em tempo real com especialistas do SI e se conectem a outras pessoas com os mesmos interesses. Durante cada VC, especialistas do Smithsonian abordavam um tópico específico por meio de uma palestra virtual multimídia, envolvendo áudio, vídeos e slides. Um moderador estava sempre presente para facilitar a discussão entre os especialistas e os usuários conectados, encorajando a participação através de perguntas escritas e orais. Ferramentas interativas permitiam a participação ativa da audiência: uma Janela de Chat para Perguntas & Respostas (Chat (Q & A)) estava disponível permanentemente durante cada sessão, enquanto uma segunda janela de chat surgia em momentos específicos para estender as oportunidades de interação ao sugerir discussões adicionais (Figura 2). Os participantes podiam utilizar essas janelas para escrever mensagens destinadas ao palestrante, ao moderador e/ou às outras pessoas que assistiam a conferência1. As postagens eram filtradas pelo moderador. Janelas pop-up com pesquisas de opinião, destinadas a coletar as opiniões dos participantes, também eram utilizadas.

Figura 2. Ambiente interativo fornecido durante as Conferências Virtuais do SCLDA 1 A Comunicação Mediada por Computador (Computer Mediated Communication – CMC) possibilitada por essas ferramentas pode ser definida como quasi-síncrona, o que significa que as mensagens eram compostas pelos participantes antes da transmissão, mas que seriam primeiramente filtradas pelo moderador da conferência e, por fim, visualizadas. As mensagens apareciam na tela em ordem cronológica, com uma indicação de seu autor ao lado da mensagem digitada.A CMC definida como comunicação assíncrona – que será citada frequentemente no texto – permite aos usuários postar e ler mensagens a qualquer hora, sem a necessidade dos remetentes e destinatários estarem online simultaneamente para que a comunicação ocorra.

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Ademais, recursos educacionais e ideias para atividades a serem conduzidas antes e depois das VCs eram disponibilizados na página da internet para permitir que os participantes aprofundassem sua experiência de VC e a ligassem a interesses pessoais e à vida cotidiana. A VC “Mudanças Climáticas” foi realizada em três dias, de 29 de setembro a 1º de outubro de 2009. Em cada dia havia quatro sessões educacionais de cinquenta e cinco minutos – chamadas Evidências, Impacto, Respostas e Sessão Especial – lideradas por profissionais do Smithsonian, em um total de doze sessões (http://www.smithsonianconference.org/climate/). Cada dia, o tema era analisado a partir de diferentes perspectivas. A VC “Solução de Problemas com os Especialistas do Smithsonian” ocorreu em quatro dias, 13 e 14 e 28 e 29 de abril de 2010. Cada dia tinha um tema diferente – Entendendo a Experiência Americana,Valorizando Culturas Mundiais, Desvendando os Mistérios do Universo e Entendendo e Sustentando um Planeta Diverso –, que era explorado em três sessões diferentes de cinquenta minutos, com um total de doze sessões (http://www.smithsonianconference.org/expert/). A Matriz de Avaliação: coletando e codificando os dados Com suas raízes na teoria construtivista (Vygotski, 1978; Caffarella e Merriam, 1999; Kelly, 2009), este estudo adotou uma abordagem de metodologias mistas e considerou somente as mensagens postadas nas Janelas de Chat para Perguntas e Respostas como objeto de pesquisa. Para estruturar a pesquisa, uma matriz de avaliação foi desenvolvida, levando em conta duas amplas áreas de análise: logística e análise de conversas (Figura 3).

LOGÍSTICA Taxa de Participação

nº de participantes conectados

nº de participantes que postaram

Tipo de Participação

Tipo de Comentário Frase (1) Orações (2) Uma palavra (3) Combinação (4) Pontuação/Símbonº de pos- lo (5) tagens Não aplicável (6)

Administrativo (1) Técnico (2) Social (3) Conteúdo (4) Combinação Social/Conteúdo (5) Não aplicável (6)

ANÁLISE DE CONVERSAS Interação

Explícita: Resposta Direta (1) Explícita: Comentário Direto (2) Implícita: Resposta Indireta (3) Implícita: Comentário Indireto (4) Independente (5) Não Aplicável (6)

Figura 3. Logística

Apresentador para Participante (1) Participante para Participante (2) Participante para Apresentador (3) Moderador para Participantes (4) Participantes para Moderador (5) Moderador para Apresentador (6) Não Aplicável (7)

Pensamento Crítico

Postagem������� original (1) Resposta (2)

Clarificação Elementar/Identificação de Problema (1) Clarificação de Profundidade/Definição de Problema (2) Inferência/Exploração de Problema (3) Julgamento/Aplicação de Problema (4) Estratégia/ Integração de Problemas (5) Não Aplicável (6)


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Matriz de Avaliação Tanto a logística quanto a análise de conversas foram organizadas em duas dimensões principais (Taxa de Participação/Tipo de Participação e Tipo de Interação/Pensamento Crítico, respectivamente). Cada dimensão possuía várias subdimensões que foram analisadas com referência a diferentes categorias. Logística. Para se ter uma visão geral da taxa de participação na iniciativa de VCs, foram coletados dados quantitativos. Em particular, as VCs eram analisadas segundo as seguintes categorias: número de pessoas conectadas, número de participantes que postavam e número total de mensagens. Ao lado da análise, cada postagem era codificada de acordo com o tipo do comentário: 1) frase – definida como uma postagem de várias palavras que não é uma oração; 2) oração – definida como uma postagem com sujeito, verbo e predicado; 3) postagem uma palavra; 4) combinação de outras categorias; 5) pontuação/símbolo; 6) não aplicável. O número de orações por postagem também foi registrado. O tipo de participação foi codificado com uma adaptação das categorias desenvolvidas por McKenzie & Murphy (2000): 1) administrativa; 2) técnica; 3) social; 4) conteúdo; 5) combinação social/conteúdo; 6) não aplicável. Ademais, deve-se notar que as categorias administrativa e técnica foram incluídas à lista de codificação, mas que esse tipo de mensagens era filtrado durante a sessão: com poucas exceções, postagens relativas a esse tipo de informação estavam indisponíveis nas transcrições, e em sua maioria não foram codificadas. Contudo, deve-se ressaltar que, dado o objetivo geral desta pesquisa – a mensuração do pensamento crítico através das VCs – esses dados ausentes não afetam a validade do estudo. Análise de Conversas. A interação nas discussões online foi investigada por meio de análise de cada postagem, com enfoque na interação entre os participantes e nos tipos de interação. A interação entre os participantes descreve o processo de transmissão da mensagem de acordo com o papel desempenhado pelo remetente e o destinatário pretendido dentro da conferência como um todo. Por exemplo, as categorias utilizadas na codificação são: 1) Apresentador para Participante; 2) Participante para Participante; 3) Participante para Apresentador; 4) Moderador para Participantes; 5) Participante para Moderador; 6) Moderador para Apresentador; 7) Não Aplicável. O termo “destinatário” é qualificado aqui como “destinatário pretendido/primário”, pois, embora a vasta maioria das postagens tenha sido implicitamente ou explicitamente destinada a um destinatário específico, elas poderiam, mesmo assim, ser lidas por todos que participavam do evento online (“destinatários secundários”). O tipo de interação foi explorado de acordo com as categorias identificadas por Henri (1992) para a análise de discussões online: 1) Explícita: Resposta Direta; 2) Explícita: Comentário Direto; 3) Implícita: Resposta Indireta; 4) Implícita: Comentário Indireto; 5) Independente; 6) Não aplicável. Contudo, suas definições foram adaptadas ao contexto específico desta pesquisa, isto é, um ambiente de comunicação quasi-síncrona (Tabela 1).

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ANÁLISE DE CONVERSAS:TIPO DE INTERAÇÃO CATEGORIA

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DEFINIÇÃO

EXEMPLO

Explícita: Resposta Direta

Response to a question posed

“In response to your question…”

Explícita: Comentário Direto

Commentary on question/statement posed

“Wow, seeing that really drives the point home”

Implícita: Resposta Indireta

Responding to a prior message and not to the original question

“I think the answer might be…”

Implícita: Comentário Indireto

Commentary on someone else’s message, but without indicating specifically to which message the contribution referred

“I agree totally”

Independente

Relating to the subject under discussion, but is not in reference to a prior contribution

Independent question or statement on the subject matter

Não Aplicável

Not about the subject

“Thank you”

Tabela 1. Análise de Conversas: Tipo de Interação

Para identificar a origem da postagem, duas categorias – postagens originais e respostas – foram utilizadas. Para analisar os diferentes níveis de pensamento crítico que surgiram das discussões online, uma revisão da literatura permitiu estabelecer um quadro de análise que integrava o modelo de cinco estágios proposto por Garrison e as cinco habilidades de raciocínio identificadas por F. Henri. (Garrison, 1991; Henri, 1992; Hara et al., 2000; Bullen, 1998) (Tabela 2) ESTÁGIOS E HABILIDADES NO PROCESSO DO PENSAMENTO CRÍTICO Estágios de CT de Garrison

1. Identificação de Problema A triggering event arouses interest in a problem 2. Definição de Problema Define problem boundaries, ends and means 3. Exploração de Problema Ability to see to heart of problem based on deep understanding of situation 4. Aplicação de Problema Evaluation of alternative solutions and new ideas 5. Integração de Problemas Acting upon understanding to validate knowledge

Habilidades cognitivas criticas de Henri

Clarificação Elementar Observing or studying a problem, identifying its elements, observing their linkages Clarificação de Profundidade Analyzing a problem to understand its underlying values, beliefs and assumptions Inferência Admitting or proposing an idea based on links to admittedly true propositions Julgamento Making decisions, evaluations and criticisms Estratégias For application of solution following on choice or decision

Tabela 2. Os modelos de raciocínio crítico de Garrison e Henri (de Newman et al., 1996)


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O desenvolvimento de um conjunto de indicadores-chave baseado em exemplos encontrados na literatura existente (Hara et al., 2000; McKenzie & Murphy, 2000; Henri, 1992) foi essencial para guiar o processo de análise e aumentar a validade e coerência interna da pesquisa (Neuendorf, 2002 apud De Wever et al., 2006). (Tabela 3) CATEGORIA Identificação de Problema (Garrison)/ Clarificação Elementar (Henri)

INDICATORES CHAVE • • • • • • • • •

Definição de Problema / Clarificação de Profundidade

• • • • •

Exploração de Problema / Inferência

• • • •

• Aplicação de Problema / Julgamento

• • • •

Integração de Problemas / Estratégia

• •

List, describe, show, name One word statement or answer Few associations to content Identifying relevant elements Reformulating the problem Asking a relevant question Identifying previously stated hypothesis Simply describing the subject matter Introduce a problem; pose a question; pass on information without elaboration Defining the terms Establishing referential criteria Seeking out specialized information, summarizing Analyze a problem Identify assumptions Explore, experiment, search Drawing conclusions Making generalizations Formulating a proposition which proceeds from previous statements Concluding based on evidence from prior statements; generalizing Apply, build, choose, develop, evaluate, criticize Judging the relevance of solutions Making value judgments, “I agree, disagree…” Expresses a judgment about an inference, relevance of an argument, theory or solution Making decisions, statements, appreciations, evaluations and criticisms Sizing up Proposes a solution; outlines what is needed to implement the solution

DEFINIÇÃO Observing or studying a problem, identifying its elements, and observing their linkages in order to come to a basic understanding

Analyzing and understanding a problem to come to an understanding which sheds light on the values, beliefs, and assumptions which underlie the statement of the problem Induction and deduction, admitting or proposing an idea on the basis of its link with propositions already admitted as true

Making decisions, statements, appreciations, evaluations and criticism, sizing up

Proposing co-ordinate actions for the application of a solution, or following through on a choice or a decision

Tabela 3. Análise de Pensamento Crítico: um conjunto de indicadores-chave (Adaptado e modificado de Hara et al., 2000 e Henri, 1992)

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Caso uma postagem apresentasse vários tipos de comentários refletindo níveis diferentes de CT, ela era classificada segundo o comentário que apresentasse o nível mais avançado de CT. Fonte de dados e unidade de análise. Primeiramente, as postagens filtradas nas Janelas de Perguntas e Respostas 1 e 2 (quando presentes) foram obtidas do sistema, transferidas para tabelas em planilhas de excel e relacionadas às questões específicas de apresentadores ou moderadores com a utilização de uma análise de intervalo de tempo e do conteúdo. Dificuldades típicas à compreensão das alternações e respostas nas transcrições de chats – em concordância com aquilo descrito por outros pesquisadores (Smith et al., 2000) – foram parcialmente superadas com o acompanhamento dos registros online das sessões, para uma melhor interpretação do contexto original da comunicação. Postagens únicas foram consideradas como unidade de análise. Abordagens utilizando unidades mais detalhadas, como orações únicas (ver Oriogun, 2006 e De Wever at al., 2006 para uma revisão da literatura), foram consideradas excessivamente demoradas com relação aos benefícios potenciais que poderiam trazer à pesquisa, e, portanto, não foram adotadas. Sempre que a simples visualização das postagens em ordem cronológica era considerada insuficiente para codificar as postagens apropriadamente – especialmente com relação à subdimensão da interação entre os participantes –, fez-se referência ao registro audiovisual das sessões, disponível na página da VC. Esse recurso não só permitia aos codificadores saber se as postagens eram comentários ou respostas dirigidas a discursos verbais de moderadores/apresentadores, mas também ter uma ideia do intervalo de tempo que se passava entre a visualização na tela de uma postagem e a postagem seguinte. Dado que é evidente que uma mensagem que aparece na tela um décimo de segundo após a anterior não é resposta direta a ela, essa ferramenta facilitou aos pesquisadores a melhor reconstrução do contexto original da comunicação, superando parcialmente as dificuldades ligadas ao processo de compreensão da sucessão de mensagens e respostas em um ambiente de comunicação quasi-síncrona, no qual as postagens não têm registro de horário detalhado (Smith et al., 2000). Confiabilidade entre-avaliadores. Após sessões comuns de treinamento, dois ou três pesquisadores codificaram independentemente as transcrições de acordo com a dimensão e as categorias descritas nos parágrafos acima. Ao codificar as postagens de acordo com os estágios de CT, a taxa de concordância entre os pesquisadores variava de 75% a 96%. Essas porcentagens foram consideradas aceitáveis para a validade interna do estudo (Hara et al., 2000). Discordâncias na codificação eram conciliadas por meio de diálogo verbal até a obtenção de um consenso (Curran et al., 2003; Hara et al., 2000). A análise quantitativa e qualitativa foi conduzida em todas as sessões das VCs, e os resultados gerais foram descritos por meio de um relatório cumulativo. Contudo, duas sessões de cada VC foram escolhidas para análise aprofundada. Em particular, a relação entre os tipos de perguntas feitas por apresentadores/moderador aos participantes foi analisada, para avaliar se a natureza das perguntas influenciou o desenvolvimento de diferentes níveis de CT, como sugerido pela literatura (MacKnight, 2000; Hara et al., 2000; Bai, 2009). Ademais, um método de análise estatística – como a tabulação cruzada – foi adotado para a potencial identificação de associações entre subdimensões apresentadas na matriz de avaliação.


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Resultados Logística. O número total de participantes na VC Mudanças Climáticas (CC) foi 3.500, enquanto 5.400 pessoas participaram das sessões ao vivo de Solução de Problemas com os Especialistas do Smithsonian (PS). O número total de postagens digitadas pelos participantes durante as duas VCs foi 4.169: mais precisamente, 1.127 mensagens foram postadas por 462 participantes durante a VC CC, enquanto 3.042 mensagens foram postadas por 434 participantes durante a VC PS. A porcentagem de postagens múltiplas foi calculada em 50,2% e 60% respectivamente, o que significa que nos dois eventos online mais da metade dos participantes postou mais de uma vez. A análise do tipo de comentário (Figura ) abaixo ilustra que a maioria das postagens era bastante complexa. De fato, 49,4% das postagens foram orações, seguidas por frases (33,2%), uma palavra (13,6%), combinações (3,3%) e pontuações/símbolos (0,2%).

Figura 4. Logística: Tipo de Comentário

Além disso, mais de 80% das postagens eram relativas ao conteúdo. Mensagens com função social representaram 13%, enquanto a combinação social/ conteúdo foi identificada em 6,2% das postagens. Como descrito anteriormente, mensagens técnicas e administrativas foram filtradas em sua maioria pelo moderador: por essa razão, representam menos de 0,5% das postagens (Figura 5).

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Figura 5. Logística: Tipo de Participação

Análise de conversas: interação. A análise da interação entre participantes que a grande maioria das postagens (79,3%) pertencia à categoria Participante para Apresentador, enquanto a porcentagem de postagens de Participante para Participante era somente por volta de 7,1%. As postagens que refletem os outros tipos possíveis de interação entre participantes/apresentadores/moderador representaram menos de 2%. Para 13% das postagens, os codificadores não conseguiram identificar claramente o tipo de interação que ocorreu (Figura 6).

Figura 6. Análise de Conversas: Interação entre os Participantes


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Os dados referentes ao tipo de interação mostram que 54,2% das postagens foram codificadas como respostas explícitas diretas a uma pergunta feita, enquanto respostas a uma mensagem anterior (Implícita: Resposta Indireta) foram de cerca de 2,5%. Comentários compuseram entre 4,7% (Implícita: Comentário Indireto) e 8,2% (Explícita: Comentário Direto). Mensagens independentes, ou seja, postagens relacionadas ao assunto em discussão mas não referentes a contribuições anteriores foram calculadas em 19,3% (Figura 7).

Figura 7. Análise de Conversas: Tipo de Interação

Coerente com os dados apresentados acima, respostas representaram a grande maioria das postagens (62,1%), enquanto postagens originais compuseram 37,9% (Figura 8).

Figura 8. Análise de Conversas: Origem das Postagens dos Participantes

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A tabulação cruzada foi conduzida para identificar possíveis associações entre variáveis. Dado que a investigação da abordagem mind-on utilizada pelos participantes foi considerada especialmente relevante para o estudo, a subdimensão de tipo de participação foi tabulada de forma cruzada com as subdimensões de origem das postagens e tipo de interação. Os resultados demonstram que o tipo mais frequente de participação relacionado ao conteúdo da VC foi em grande parte respostas e não postagens originais. Inversamente, a participação de cunho social foi, em sua maioria, original, com muito poucas respostas. Essas descobertas demonstram o papel essencial que o moderador possui no estímulo da aprendizagem e da participação (Figura 9).

Figura 9. Tabulação Cruzada entre o Tipo de Participação e a Origem das Postagens

Além disso, a maioria das postagens foi Explícita: Respostas Diretas relacionadas ao conteúdo, o que significa que os participantes respondiam a questões relacionadas ao conteúdo apresentadas pelo moderador. (Figura 10) Análise de conversas: Pensamento Crítico. A análise das subdimensões do CT mostra que a maioria das postagens foi codificada como Clarificação Elementar/ Identificação de Problemas (53,7%). As categorias de Clarificação de Profundidade/Definição de Problema e Inferência/Exploração de Problema compuseram 13,2% e 4,2%, respectivamente. Julgamento/Aplicação de Problema foi identificado em 9,5% das postagens, enquanto menos de 1% das postagens pertenciam ao estágio de Estratégia/Integração de Problemas. Finalmente, em 18,9% das mensagens não foi possível atribuir um estágio específico do CT (Figura 11).


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Figura 10. Tabulação Cruzada entre o Tipo de Participação e o Tipo de Interação

Figura 11. Análise de Conversas: Pensamento Crítico


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Com intuito de investigar se diferentes níveis de CT eram estimulados em relação a diferentes tipos de questões propostas por apresentadores/moderador para participantes, foi realizada uma análise em profundidade de quatro sessões selecionadas aleatoriamente. A análise mostrou que altas porcentagens do nível Aplicação de problema/Julgamento surgiram após questões como “Como você está trabalhando para reduzir sua emissão de carbono?” (SR3, Q2), enquanto postagens codificadas como pertencentes à fase Integração de Problema/Estratégia apareceram após questão “Pense sobre como você usa energia em sua casa, trabalho ou escola e pense sobre maneiras para você usar menos energia ou usar com mais eficiência.Você pode pensar em alguma coisa que possa inventar ou você gostaria que um inventor inventasse?” (SR3, Q9). As fases de Clarificação de identificação e Exploração foram encorajadas por meio de questões formuladas como “Você pode identificar o artista bem conhecido nesta fotografia?” (SSS1, Q1), “Nós chegamos a um ponto irreversível?” (ES1, Q6), “Inclua o por quê na janela de chat” (SSS2, Q4), respectivamente (Figura 12)

Figura 12. Fases do Pensamento Crítico alcançadas em sessões de questões específicas (Q) na sessão SR3. O gráfico de barras esclarece que diferentes fases de CT foram registradas em relação a diferentes questões.


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Discussão Os dados que ilustram a taxa de participação das VCs demonstram que centenas de pessoas participaram ativamente com uma ou mais postagens. Considerando que 3.500 pessoas participaram na VC CC e 5.400na VC OS, e as postagens foram geradas por 462 pessoas para a VC CC e por 434 pessoas para a VC OS, parece evidente que somente uma parte do público usou postagens para participar ativamente nas VCs (13,2% e 8%, respectivamente). Além disso, se considerarmos que é provável que um número maior de pessoas tenha assistido aos eventos online, por causa da possibilidade de que um usuário conectado estivesse acompanhado ao assistir as VCs, as porcentagens mencionadas acima devem ser interpretadas como sendo ainda menores. As razões por trás desse fenômeno podem ser várias, e a literatura indica que a participação em Comunicação Mediada por Computador (CMC) pode ser limitada por dificuldades de aprendizagem sobre o funcionamento de sistemas de CMC e por razões de privacidade (Curran et al., 2003), mas também por preferências de estilo de aprendizagem (Bullen, 1998). Sobre isso, deve-se lembrar de que “lurkers” [espreitadores, que não contribuem à discussão] existem e que podem preferir não se envolver nas VCs, mas somente observar os comentários e a interação dos outros (Maurino, 2006). Ademais, o fato de que alguns participantes postaram somente uma vez enquanto outros postaram várias vezes mostra que o nível de interação também varia, sugerindo que a autoconfiança e a atitude pessoal quanto à CMC também podem ter um papel. Os dados relativos ao tipo de comentário mostram que 49,4% das postagens foram codificados como orações, tendo um sujeito e um verbo: esse resultado deve ser salientado, já que a literatura indica que, pelo contrário, mensagens postadas em ambientes de comunicação síncrona são frequentemente pequenas, sem uma estrutura característica de discurso (Čech & Condon, 2004). Na interpretação desses dados, devemos estar abertos à ideia de que o tamanho e a complexidade das postagens foram influenciados pela abordagem minds-on escolhida pelos participantes durante as VCs. Cerca de 80,3% das postagens eram relacionadas ao conteúdo, enquanto apenas 13% possuíam funções sociais. Ademais, os codificadores notaram que mensagens sociais concentravam-se no início e no fim das sessões, representando principalmente os participantes apresentando-se, saudações e expressões de agradecimento. Esse padrão sugere que os participantes estavam concentrados no conteúdo durante as VCs, limitando a expressão se sua presença social aos momentos anteriores e posteriores à apresentação. A análise das postagens de acordo com a dimensão de interação entre os participantes confirma que o ambiente de VCs não foi percebido pelo público como um espaço para interações sociais. Na verdade, a grande maioria das postagens (79,3%) pertence à categoria Participante para Apresentador, enquanto a porcentagem de postagens de Participante para Participante é só de 7%. Esses dados parecem ser confirmados pelas opiniões colhidas por meio de uma pesquisa conduzida entre os participantes após as VCs. Somente 10% dos participantes avaliaram a comunicação com outros participantes como um dos aspectos de maior utilidade na VC, enquanto 44% mencionaram a oportunidade de fazer perguntas aos facilitadores do Smithsonian (Learning Times, 2010). Os dados referentes ao tipo de interação reforçaram as considerações já feitas sobre a interação entre os participantes: mais de 50% das postagens eram respostas explícitas diretas a perguntas feitas a um apresentador, enquan-

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to respostas a mensagens anteriores eram apenas 2,5%. Comentários foram menos presentes que respostas, padrão que está em consonância com as baixas porcentagens da categoria de Aplicação de Problemas/Julgamento do CT registradas nas VCs. Mensagens independentes, isto é, postagens relacionadas ao assunto em discussão mas não referentes às contribuições anteriores foram 19,3%, o que sugere que as VCs estimularam não somente respostas nos participantes, mas também novos pontos para discussão. Coerentemente com esses dados, respostas representaram a grande maioria das postagens (62,1%), mas mensagens originais também estavam presentes (37,9%). A tabulação cruzada entre as subdimensões de origem das postagens e tipo de participação mostrou que as mensagens com função social eram principalmente originais, enquanto postagens relacionadas ao conteúdo eram em sua maioria respostas. Por último, a porcentagem de mensagens sem relação com o tema (11,2%) foi, não surpreendentemente, muito similar à registrada para a categoria “social” na dimensão de tipo de participação (13%). Sobre esse ponto, a tabulação cruzada entre as subdimensões de tipo de interação e tipo de participação confirmou que, na maioria das postagens com função social, era impossível determinar o tipo de interação que ocorria. Os resultados obtidos da análise dos níveis de CT parecem confirmar os padrões descritos frequentemente pela literatura que investiga o desenvolvimento do CT em relação à CMC. Vários autores indicaram que a maioria das postagens – mesmo em ambientes de comunicação assíncrona – normalmente se classifica nas primeiras fases do ciclo de CT (Bai, 2009; Maurino, 2006; Garrison et al., 2001), mostrando uma quantidade mínima de reflexão crítica (Curran et al.. 2003). Ademais, deve ser dito que as mensagens analisadas neste trabalho foram postadas de forma quasi-síncrona, e que esse tipo de comunicação tem sido considerado, geralmente, menos eficaz no estímulo de reflexões que ferramentas de CMC assíncronas (Mason, 1998 apud Armitt et al., 2002), embora a questão ainda esteja em debate, pois alguns autores afirmam que ambas as formas de comunicação são potencialmente valiosas (Lincoln et al., 1997 apud Armitt et al., 2002). Contudo, de forma geral, a comunicação síncrona normalmente é valorizada por seu potencial de permitir esclarecimento imediato (Armitt et al., 2002) e facilitar sessões de brainstorming (Finkelstein, 2006). As porcentagens pequenas registradas para a Exploração de Problemas, Aplicação de Problemas e Integração de Problemas (categorias 3, 4 e 5) podem ser interpretadas como evidências de que essas fases do processo de CT raramente aconteceram no ambiente de VCs. Para discutir essa questão, deve-se primeiro dizer que um dos limitantes dos estudos que não avaliam o desenvolvimento do CT utilizando métodos – como testes de conteúdo, avaliações, monitoramento etc. –indicam que o desenvolvimento de diferentes níveis de CT pode não ser percebível para os codificadores somente pela análise das postagens. Como destacado por Garrison (1991), a fase de integração de problemas é especialmente difícil de avaliar, pois representa a adoção de uma ideia no mundo concreto. Ademais, se considerarmos não somente que plataformas de comunicação síncrona geralmente são considerados como encorajadores de um tipo de interação cujo objetivo é clarificação imediata (estágios 1 e 2), mas também que o principal objetivo logístico das VCs era permitir aos participantes fazer perguntas a especialistas, pode ser possível que não houve facilitação suficiente para permitir aos participantes postar mensagens que refletissem os estágios 3, 4 e 5.


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A análise em profundidade conduzida para quatro sessões sugere que perguntas que estimulem os participantes a dar respostas que envolvam seu conhecimento factual e anterior estão ligadas principalmente aos níveis 1 e 2 de CT, enquanto perguntas de “por que” e “como” , que desafiam os processos de raciocínio dos participantes, podem encorajá-los a escrever postagens que pertencem à fase 4 e mesmo à 5. Os dados fornecidos parecem então confirmar o que a literatura indica sobre a importância do apresentador/moderador na mediação da discussão e no controle dos níveis de aprendizagem das perguntas (Bai, 2009; MacKnight, 2009; Hara et al., 2000; Bullen, 1998). Como proposto por D. R. Garrison, ambientes eficazes de conferências virtuais baseadas em textos devem ser caracterizadas pela “presença de um educador”, valiosa não somente por sua gestão instrucional, mas também por sua capacidade de auxiliar na construção do entendimento (Garrison et al., 2000). Finalmente, considerando que quase todas as postagens foram endereçadas dos participantes ao apresentador, deve ser dito que não há evidência de que diferentes tipos de interação influenciaram o desenvolvimento de diferentes tipos de CT, e essa área de pesquisa deve ser explorada de maneira mais profunda, através de outros estudos de caso em que os participantes têm uma interação recíproca visível e avaliável. Conclusões e recomendações Conferências virtuais potencialmente representam, para os museus, um meio de envolver as pessoas independentemente de sua localização geográfica, auxiliando-as a concentrar-se em assuntos ou temas específicos e fornecer um ambiente virtual que facilita uma abordagem minds-on. Em outras palavras, VCs podem ser úteis na expansão da missão educacional dos museus fora de seus muros, alcançando pessoas que podem nunca visitar sua localidade física. Contudo, se, por um lado, o sucesso das VCs pode ser atestado por meio da taxa de participação da iniciativa, por outro a medida de sua eficácia com relação à obtenção de resultados de aprendizagem específicos necessita de métodos apropriados, que, idealmente, deveriam ser projetados junto com a idealização do conteúdo, da plataforma e dos objetivos dos eventos online. Este estudo investigou se as VCs do SCLDA foram eficazes no estímulo ao pensamento crítico. Os resultados mostraram que o ambiente quasi-síncrono de comunicação fornecido pelas VCs facilitou principalmente os primeiros estágios do CT. Ademais, é comumente aceito que o desenvolvimento de níveis mais altos de CT é de difícil mensuração através da análise de conversas em mensagens postadas em um ambiente de comunicação quasi-síncrona. A análise em profundidade de quatro sessões selecionadas randomicamente sugeriu que os níveis de CT dependem altamente do papel do moderador do evento online. Como consequência, VCs mais eficazes com o objetivo de desenvolver níveis mais altos de CT devem incluir perguntas que convidem os participantes a trazer seus conhecimentos e experiências para a discussão. Finalmente, este estudo mostrou que os participantes não consideraram o evento online como uma oportunidade de comunicação com outros participantes, preferindo fazer perguntas a especialistas. Dado o pequeno número de postagens de participantes para outros participantes, não foi possível investigar os níveis de CT estimulados pela conversa entre usuários, e pesquisas adicionais nesse campo são necessárias.

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Em especial, se aceitarmos que a aprendizagem é fundamentalmente um processo de significação mediado socialmente (Vygotski, 1978) e que a validação do significado construído pelo aprendiz ocorre pelo compartilhamento de entendimento pessoal com outros (Garrison, 1991), a disponibilização adicional de uma plataforma que permite comunicação assíncrona poderia auxiliar os participantes a se projetarem socialmente e emocionalmente, sustentando seu envolvimento cognitivo no ambiente de aprendizagem virtual (Garrison et al., 2000). Segundo os autores, uma avaliação de um ambiente virtual desse tipo deve não somente aproveitar os métodos de análise de conversas apresentados neste estudo, mas também desenvolver indicadores-chave com foco em outros aspectos qualitativos da conversa. Devemos lembrar que aprendizes são interdependentes de outros aprendizes e de facilitadores (Garrison, 1992) e que os participantes “não estão falando no mesmo espaço virtual por acaso, e independentemente da presença dos outros; eles agem em relação um ao outro e de uma maneira que reflete a presença e a influência dos outros. Eles não estão meramente agindo ou reagindo, mas interagindo, mesmo que as ligações entre as mensagens individuais não sejam imediatamente aparentes” (Gunawardena et al., 1997). Agradecimentos Os autores agradecem a Amy Martinez e Leslie Lang, ex-estagiárias do SCLDA, por sua contribuição na análise das postagens das VCs e a Stephen Binns, SCLDA, e Madlyn Runburg, Natural History Museum de Utah, pela revisão crítica do artigo. Referências ARMITT, G., SLACK, F., GREEN, S. & BEER, M. (2002).The development of deep learning during a synchronous collaborative on-line course. In Proceedings of CSCL 2002, Boulder, Colorado, USA. Lawrence Erlbaum, 151-158. Acessado em 20 de outubro de 2010 em http://shura.shu.ac.uk/53/1/fulltext.pdf BAI, H. (2009). Facilitating students’ critical thinking in online discussion: An instructor’s experience. Journal of Interactive Online Learning, 8 (2), 156-164. BROOKFIELD, S. D. (1987). Developing Critical Thinkers. San Francisco: Jossey Bass. BULLEN, M. (1998). Participation and critical thinking in online university distance education. The Journal of Distance Education, 13 (2), 1-32. CAFFARELLA, R., & MERRIAM, S. (1999). Learning in Adulthood: a Comprehensive Guide. San Francisco, CA: Jossey-Bass. ČECH, C. G. & CONDON, S. L. (2004). Temporal properties of turn-taking and turn-packaging in Synchronous Computer-Mediated Communication. In Proceedings of the 37th Hawaii International Conference on System Sciences. Acessado em 20de Outubro em http://www.computer.org/portal/web/csdl/doi/10.1109/ HICSS.2004.1265282 CURRAN, V., KIRBY, F., PARSONS, E., & LOCKYER, J. (2003). Discourse analysis of computer-mediated conferencing in world wide web-based continuing medical education. The Journal of Continuing Education in Health Progessions, 23, 229-238. D’ANGELO, E. (1971). The Teaching of Critical Thinking. Amsterdam: B. R. Gruner.


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Artigo recebido em março de 2014. Aprovado em agosto de 2014


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UN OUTIL POUR CONNAÎTRE DE MINUTE EN MINUTE L’EXPÉRIENCE D’UN VISITEUR ADULTE AN INSTRUMENT TO DISCOVER IN DETAILS AN ADULT VISITOR EXPERIENCE E *

Colette Dufresne-Tassé * Université de Montréal Marie-Claire O’Neill ** École du Louvre M. Sauvé *** Université de Montréal Dominic Marin-Robitaille **** Université de Montréal RESUMO:

A description of an instrument to assess the adult visitor’s experience as he lives it. It could reveal not only what he learns, but also the other benefits that he derives from strolling through an exhibition. For instance, it enables to know in details what the visitor feels and imagines, or to study phenomena like fascination and immersion. PALAVRAS-CHAVES:

Museum - exhibition - experience - adult visitor - instrument

ABSTRACT:

Description d’un instrument qui permet d’accéder à l’expérience d’un visiteur adulte à mesure qu’il la vit. Cet instrument peut révéler non seulement ce qu’un visiteur apprend, mais également les autres bénéfices qu’il retire de son passage dans des salles d’exposition. Il permet aussi, par exemple, d’étudier en détail ce qu’un visiteur ressent et imagine, ou des phénomènes importants comme sa fascination ou son immersion dans un environnement muséal. KEY-WORDS:

Musée - exposition - expérience - visiteur adulte - instrument

1La recherche nécessaire à l’élaboration de l’instrument présenté ici a reçu l’aide financière du Conseil de recherche en sciences humaines du Canada, du Fonds pour la formation de chercheurs et l’aide à la recherche de la Province de Québec, de la Réunion des musées nationaux (France), et l’appui logistique de l’Université de Montréal. *

Professeur titulaire, Maîtrise en muséologie, Université de Montréal. Colette.dufresne.tasse@umontreal.ca

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Professeur, École du Louvre ; Chargée de Mission, Institut national du Patrimoine (France). oneillmarieclarte@gmail.com *** ****

Chargé de cours, Faculté de médecine, Université de Montréal. sauvem@bebec.ca

Adjoint de recherche, Groupe de recherche sur les musées et l’éducation des adultes, Université de Montréal. d.robitaille@umontreal.ca

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En entrant dans une exposition, un visiteur voit de nombreux objets qui l’attirent par leur beauté, leur caractère exceptionnel ou leur nouveauté. Il a devant lui le trésor des quarante voleurs et, comme Ali Baba, il désire examiner chaque objet et lui donner son sens, ou au moins un sens. Que fait-il ? On a de l’information sur : a) Diverses façons dont il parcourt l’exposition (Véron et Levasseur, 1983*)1 ; b) Le temps moyen qu’il passe devant les objets qui captent son attention (Abrahamson, Gennaro et Heller, 1983 ; Kearns, 1940*) ; c) Sa réponse à certaines attentes du concepteur d’exposition en termes d’apprentissage, de modification d’opinion ou d’attitude (Screven, 1975 ; Schneider, Eason et Freidman, 1979*) ; d) Son utilisation de l’information écrite rattachée aux objets (Gottesdiener, 1992 ; McManus, 1989 ; Samson, 1992*) ; e) Le type d’expérience de visite qu’il désire ou qu’il a vécu (Doering et al. 1999*) ; f) La satisfaction qu’il tire de sa visite (Bickford, Doering et Smith, 1992 ; Dufresne-Tassé, Lapointe et Lefebvre, 1993 ; Fronville et Doering, 1990 ; Ziebarth, Doering et Bickford, 1992*). Parmi les connaissances précédentes, celles qui visent l’apprentissage sont probablement celles qui ont le plus fortement retenu l’attention parce que l’apprentissage contribue beaucoup au développement psychologique du visiteur (Hooper-Greenhill, 1994*). Toutefois, au milieu des années 1990, voulant l’étudier avec précision chez des visiteurs adultes de type grand public, nous nous sommes aperçus que les moyens habituellement utilisés pour l’identifier étaient insatisfaisants, et nous avons décidé d’en développer un qui soit plus adéquat. Nous décrirons ce moyen et ses caractéristiques, puis l’exploitation de l’information qu’il livre, quelques résultats et leur signification, le tout se terminant sur des perspectives de recherche. Auparavant, nous verrons toutefois les déficiences des instruments traditionnellement utilisés dans le milieu muséal pour l’investiguer. Les moyens traditionnellement employés pour étudier l’apprentissage et les problèmes qu’ils posent Les moyens dont on se servait le plus couramment dans les années 1990 étaient l’observation du visiteur à son insu, ou tracking, le questionnaire et l’entretien. L’observation: L’identification du comportement du visiteur sans que ce dernier ne le sache livre une information peu valide parce que ses gestes sont équivoques; quand il s’arrête longuement devant un objet, est-il en train d’accumuler de l’information et d’apprendre quelque chose ou de se débattre avec une difficulté qui l’empêche de comprendre et d’acquérir de nouvelles connaissances? C’est donc un moyen à éviter si l’on désire de l’information juste sur l’apprentissage. Le questionnaire: L’auteur d’un questionnaire ne peut imaginer tous les apprentissages dont un visiteur est capable, et a fortiori un grand nombre d’entre eux. Il se limite donc à ceux qui correspondent aux buts poursuivis par le concepteur d’exposition et se trouve ainsi à laisser de côté une quantité inconnue d’apprentissages. Sans compter que la comparaison des connaissances d’un visiteur avant qu’il n’entre dans une exposition et à sa sortie surestime celles qu’il a acquises. En effet, la vue d’objets suscite le rappel de savoirs « en dormance » avant l’entrée dans l’exposition. « Réveillés », ils apparaissent à la sortie et accroissent ainsi de façon indue et trompeuse le nombre de savoirs acquis durant la visite. Le questionnaire qui peut sembler fournir des données objectives offre donc des données fortement biaisées. 1 Une astérisque (*) signifie ici que les références sont nombreuses et que celles qui sont offertes le sont à titre exemplaire.

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L’entretien: permet à un visiteur de s’exprimer librement et, s’il est réalisé une fois la visite terminée, d’identifier en principe tous les apprentissages qu’il vient de réaliser. Mais ce n’est pas le cas pour plusieurs raisons, les plus évidentes étant les suivantes: a) Certains apprentissages se réalisent si facilement ou sont si proches de ce que le visiteur savait déjà qu’il ne pense pas en parler; b) Pour peu que le passage dans des salles d’exposition dépasse quelques minutes, il amène à penser tant de choses qu’il est impossible de les retenir toutes; c) En s’accumulant, l’information traitée par le visiteur se transforme, de sorte qu’en quittant l’exposition, ce qu’il livre diffère sensiblement de ce qu’il a acquis au fur et à mesurer de son parcours. En somme, pas plus que l’observation ou le questionnaire, l’entretien ne permet de rendre compte fidèlement des apprentissages réalisés par un visiteur. Un moyen noouveau Nous désirions que l’instrument développé soit plus adéquat, plus valide que ceux que nous venons d’examiner, de façon à pouvoir accroître nos connaissances sur l’apprentissage. Nous voulions aussi qu’un concepteur d’exposition (conservateur ou commissaire) puisse l’utiliser avec profit pour savoir de façon précise comment les visiteurs traitent son exposition. Nous ���������������������� exigions donc minimalement que cet instrument permette: 1. D’identifier tous les apprentissages réalisés par un visiteur; 2. De les situer dans l’ensemble du fonctionnement psychologique que suscite le parcours d’une exposition afin de déterminer leur importance dans la visite; 3. De rattacher chaque apprentissage à un endroit précis de l’exposition afin d’établir comment l’objet exposé, ainsi que le texte et la muséographie qui l’accompagnent, interviennent dans le déclenchement de l’apprentissage et dans sa poursuite. Ces exigences nous ont amenés à chercher un moyen d’obtenir des données pendant tout le temps que dure une visite. Adaptation d’un moyen récent Dans les années 1990, quelques chercheurs commençaient à utiliser avec succès une approche appelée Thinking Aloud pour étudier la résolution de problème (Ericcson et Simon, 1993; Winburg, 1991*), la compréhension de texte (Kukan et Beck, 1997; Pressley et Afflerbach, 1995*) ou la prise de décision (Rosman, Lubatkin et O’Neill, 1994*). Ce moyen nous a semblé intéressant et nous l’avons adapté pour utilisation muséale. Notre adaptation, que nous avons appelée tantôt « Penser tout haut », tantôt « Dire son expérience », consiste à demander à un adulte qui arrive au musée de faire sa visite à sa convenance tout en disant au fur et à mesure ce qu’il pense, imagine ou ressent, sans se soucier de le retenir ou de le justifier. On lui suggère simplement de donner voix à ce qui lui vient à l’esprit, ou en d’autres mots, de dire son expérience à mesure qu’il la vit. Nous avons appelé « discours » ce que le visiteur exprime. Ainsi il y a des discours-visite, correspondant à ce qui est dit durant le passage dans les salles d’exposition, et des discours-objet, contenant ce qui est dit devant un objet. Un chercheur (étudiant) enregistre le tout sur une bande magnétique et n’intervient que par des onomatopées de façon à signaler sa présence et son désir de ne pas s’immiscer dans ce que le visiteur exprime. Cette présence est


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nécessaire, car les adultes refusent habituellement de faire leur visite seuls parce qu’ils ne veulent pas être vus se parlant à eux-mêmes à haute voix! Enfin, la visite terminée, l’étudiant accompagnateur remet l’enregistrement à une secrétaire qui en fait une saisie informatique de manière à ce que le discours puisse être analysé à partir d’un texte écrit (Dufresne-Tassé, Sauvé, Weltzl-Fairchild, Banna, Lepage et Dassa, 1998a, 1998b) Exemples de discours-objet*2 1. « Ça, ça l’air d’un compas. /3 Ça ne m’intéresse pas beaucoup. » 2. « J’aime les plantes comme ça. / J’aime beaucoup ça. » 3. « Waw!4 c’est un fouillis, madame! / C’est un beau fouillis! / Comment est-ce que c’est fait? / (S.3)5 C’est tout de la peintre qu’on laisse dégoutter. / C’est l’fun! / C’est ben l’fun! / On dirait que le peintre a dû s’amuser en faisant cette affaire-là. / En tout cas, moi je me serais amusé. / Quand je regardais des peintures de Pellan, je savais bien que les peintres s’amusent avec la couleur. / Ben là, je crois bien que les peintres y s’amusent avec la façon qu’ils le posent aussi. » Caractéristiques du moyen développé L’information fournie ci-après concernant la puissance de l’instrument décrit plus haut, sa capacité de révéler l’apprentissage et sa validité, est basée sur plus de 1000 discours-visite produits par des visiteurs adultes des deux sexes, de 21 à 70 ans, de trois niveaux de formation (moins qu’un baccalauréat, un baccalauréat et plus qu’un baccalauréat) et des habitudes de visite allant de jamais auparavant à plus de cinq fois par année. Ces visiteurs parcouraient dans des musées canadiens ou français des expositions permanentes (non thématisées) ou des expositions temporaires (thématisées) d’art, d’histoire, d’ethnologie ou de sciences naturelles présentant des objets et non des dispositifs. Puissance « Penser tout haut » livre bien entendu ce que pense, imagine et ressent un visiteur à mesure que cela se produit, mais aussi, parce que c’est équivalent : 1. Son expérience de moment en moment6; 2. Le sens qu’il élabore, car penser, imaginer ou ressentir entraînent automatiquement une production de sens7; 3. Le traitement qu’il offre à l’objet qu’il observe, c’est-à-dire la signification qu’il lui donne. 2 Nous nous limitons à la présentation de discours-objet à cause de la longueur des discours-visite, mais aussi parce que ces derniers sont constitués avant tout de discours-objet. 3 Les traits inclinés marquent le passage d’un énoncé à un autre. 4 Le visiteur se trouvait devant une peinture de Jackson Pollock intitulée: Autumn Rythm. 5 (S.3) signifie un silence de cinq secondes. 6 L’expérience dont il est question ici est celle qui est vécue au fur et à mesure de la visite et que Rogers (1966) et Garneau et Larivey (1983) appellent l’expérience immédiate. Il faut la distinguer de l’expérience globale de visite (Falk et Dierking, 1992 ; Gottesdiener, 1992*) qui est en fait l’impression laissée par la visite une fois celle-ci terminée. 7 La production de sens correspond à ce qui est présent dans la conscience au moment où le visiteur s’exprime (Dennett, 1993). C’est, autrement dit, ce que manipule sa mémoire de travail.

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Ainsi « Penser tout haut » constitue un moyen puissant et intéressant pour un concepteur d’exposition, car il lui livre une information abondante et détaillée sur ce que réalise un visiteur en parcourant une exposition, qu’il s’agisse de ce qu’il fait à chaque endroit où il s’arrête, de la façon dont il traite l’objet qu’il a devant lui, de ce qu’il peut produire tout juste en le regardant, de quelle utilité lui sont les textes et la muséographie, comment ils l’aident ou au contraire l’empêchent de donner du sens à l’objet. Sans compter qu’il permet de suivre l’évolution du traitement que le visiteur réserve aux objets avec la progression de sa visite et, bien entendu de faire un bilan de celle-ci. Capacité de révéler l’apprentissage De toute évidence, le moyen développé donne accès à tous les apprentissages, car chacun de ceux-ci constitue une activité présente dans la production de sens du visiteur. La question est plutôt: quelle est la place de l’apprentissage dans la production de sens? Répondre à cette question suppose d’abord que l’on définisse l’apprentissage. De façon classique, apprendre consiste à acquérir une connaissance ou une habileté nouvelle, l’acquisition devant posséder les deux caractéristiques suivantes: elle doit être durable, c’est-à-dire ne pas disparaître sitôt réalisée de manière à être réutilisable; en outre, elle doit présenter un niveau de certitude parce qu’elle servira ultérieurement à agir (American Psychological Association, 2009; Pritchard, 2006; Rey, 2005*). Comme les acquisitions d’habiletés sont rares en salle d’exposition ou se réalisent si lentement qu’on ne peut les observer facilement au cours d’une seule visite, l’étude de l’apprentissage doit se limiter aux acquisitions de connaissances. Cette acquisition implique toujours une production de sens (Hein, 1998). Elle fait donc partie d’un discours, de sorte qu’on peut la déceler et l’isoler pour l’étudier si on le désire. Cependant, un discours-objet peut ne contenir aucun apprentissage ou les acquisitions n’y occuper qu’un espace restreint. Il suffit de relire les trois discours présentés plus haut pour s’en convaincre8. Cela signifie-t-il que les parties de discours non occupées par de l’apprentissage sont sans valeur? pas du tout, car on peut y déceler des bénéfices importants pour l’adulte. Par exemple (Dufresne-Tassé. Lapointe et Lefebvre, 1993): des découvertes (non mémorisées), l’utilisation de connaissances que le visiteur possède déjà - ce qui les renforce et en évite l’oubli - le développement de nouvelles synthèses, la révision de positions, des plaisirs, des sentiments comme la fierté, qui contribuent à fortifier l’identité de l’adulte, ou un regain d’énergie. Validité On vient de voir que « Penser tout haut » offre beaucoup d’information, mais on est en droit de se demander si cette information est valide. En d’autres mots, peut-on s’y fier? Pour répondre à cette question, il faut en poser deux autres: le fait de parler tout en pensant modifie-t-il le fonctionnement psychologique, et par le fait même la production de sens du visiteur? La présence de l’étudiant accompagnateur amène-t-elle le visiteur à changer ce qu’il a à dire? Parler modifie-t-il le fonctionnement psychologique?: Maurice Mer8 Le premier et le second discours ne présentent aucun apprentissage. Quant au troisième, il en comporte probablement deux : l’œuvre de Pollock a été réalisée en laissant dégouter de la peinture ; les artistes s’amusent avec leur façon d’utiliser de la peinture.


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leau Ponty (1969) et Lev Vygotsky (voir Mahn, 2012) ont montré que toute activité psychologique se traduit par un discours intérieur impliquant des mots, et d’autres ont précisé (Caverni, 1988) que le fait de parler n’empêche pas de penser, d’imaginer ou de ressentir à la condition qu’on ne soit pas engagé dans une activité de manipulation physique qui requiert l’attention. Comme ce n’est pas le cas du visiteur, on peut dire que parler ne restreint pas son fonctionnement psychologique. Parler ne semble pas non plus le transformer si en en croit les résultats des nombreuses investigations réalisées par les chercheurs qui emploient le Thinking Aloud pour étudier la résolution de problème (Caroll et Payne, 1977; Ericcson et Simon, 1993; Flaherty, 1974 ; Karpf, 1973 ; Johnson et Russo, 1978*). La présence d’un accompagnateur amène-elle le visiteur à modifier ce qu’il a à dire?: Plus précisément, suscite-t-elle chez le visiteur la crainte de passer pour ignorant, sot ou indésirable? Le pousse-t-il plutôt à dire plus qu’il ne pense, autre chose que ce qu’il pense ou moins qu’il ne pense? L’utilisation répétée du « Penser tout haut » permet de répondre négativement à ces questions, sauf sur un point. En effet, certains visiteurs hésitent à parler franchement d’objets ou d’œuvres qui les choquent parce qu’ils transgressent des normes ou des tabous, et parlent moins qu’ils le pourraient. Toutefois ces cas sont la plupart du temps prévisibles et repérables dans les discours, de sorte qu’ils ne remettent pas en cause la validité générale de ce que disent les visiteurs. Exploitation de l’information livrée par « penser tout hau » « Penser tout haut » aboutit, on l’a vu plus haut, à la formation d’un discours qui livre de moment en moment l’expérience du visiteur, en d’autres termes: ce qu’il pense, imagine ou ressent, la production de sens qui en résulte et la signification ainsi attribuée à l’objet observé par le visiteur. Mais un discours - on peut s’en rendre compte en relisant les trois présentés plus haut - ne livre pas directement ce type d’information. Il faut l’extraire et la façon de procéder dépend de ce que l’on cherche. S’intéresse-t-on à un aspect précis du fonctionnement, par exemple, veut-on savoir à quels aspects d’un tableau (couleur, composition, sujet, etc.) un type particulier de visiteur s’intéresse, ou quels objets d’une exposition suscitent chez lui des questions? S’intéresse-t-on plutôt à l’ensemble du fonctionnement pour le comprendre? Nous verrons les deux cas et les façons de procéder correspondantes, puis quelques résultats obtenus à partir de la seconde façon et, en guise de perspectives, des sujets encore inexplorés que l’on aurait intérêt à investiguer à partir de discours, et enfin des variantes de « Penser tout haut » récemment développées. Deux façons d’étudier des discours Première façon On veut connaître un aspect particulier du fonctionnement. Il suffit alors de lire chacun des discours recueillis, d’y repérer les passages contenant l’information recherchée et de les analyser. Dans le cas des aspects d’un tableau, l’analyse suppose le développement d’une liste les identifiant tous, l’utilisation de cette liste pour étudier chaque discours, et la compilation des données obtenues. De façon similaire, pour les objets qui suscitent des questions, on dresse la liste des objets exposés, puis on lit les discours, et chaque fois qu’il est question

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d’un objet, on l’indique et on note si le visiteur s’est posé une ou des questions à son sujet. En procédant de cette façon on peut connaître à la fois la proportion d’objets traités par rapport au nombre total d’objets exposés, et celle des objets qui suscitent des questions par rapport au nombre d’objets considérés par le visiteur. Cette façon de procéder convient notamment à l’étude de la production de visiteurs dans une exposition particulière. Deuxième façon Pour déterminer les composantes du fonctionnement, on peut utiliser les travaux des psychologues qui, traditionnellement, le divisent en trois types: le fonctionnement cognitif, ou ce que le visiteur pense; le fonctionnement imaginaire ou ce qu’il imagine9, et le fonctionnement affectif ou ce qu’il ressent. Toutefois, lorsque l’on veut étudier comment ces types de fonctionnement se manifestent dans les discours de visiteurs, les théories existantes ne suffisent pas et il faut déterminer empiriquement les façons dont ils s’expriment. Le fonctionnement cognitif: Il donne sa forme à l’expérience du visiteur. D’instant en instant, il la structure. Sans lui, penser ou raisonner ne seraient guère possibles. Il se traduit dans ce que les psychologues d’orientation cognitiviste et les spécialistes de l’intelligence artificielle appellent des opérations mentales (Massaro et Cowan, 1993; Minsky, 1988; Newell, 1990*). Ce sont ces choses qu’une personne fait en parlant (Austin, 1970). Par exemple, le visiteur identifie un objet ou le compare à un autre. Autrement dit, les opérations mentales sont les outils intellectuels que le visiteur emploie pour traiter les objets, les textes et la muséographie qui les entourent. Nous avons pu déterminer que ces opérations sont au nombre de 1410 et nous les avons classées dans cinq grandes catégories de choses que le visiteur fait en parlant. Nous présentons ces catégories par ordre de complexité croissante. Catégorie 1: Le visiteur capte de l’information ou y réagit rapidement. Cette catégorie comprend les opérations: . Identifier-situer quelque chose en observant ou en lisant Exemple: « C’est une carte du 18e siècle. » . Constater quelque chose en observant ou en lisant Exemple: « Ah oui, c’est vrai, ça se passe en 1608. » . Réagir brièvement à ce qu’on observe ou lit Exemple: « Eh que c’est laid ! » Catégorie 2: Le visiteur vérifie le sens qu’il donne à ce qu’il observe ou lit. Cette catégorie ne comprend qu’une opération: . Vérifier Exemple: « Est-ce que c’est bien une pompe ancienne? » Le visiteur lit le cartel et dit: « C’est bien une pompe. » 9 Certains psychologues considèrent que le fonctionnement imaginaire n’est qu’une partie du fonctionnement cognitif, alors que d’autres distinguent nettement les deux fonctionnements. Nous avons adopté cette dernière position parce que, contrairement à ce qui se produit dans d’autres contextes de recherche, il est facile d’identifier le fonctionnement imaginaire dans les discours, parce que son utilisation varie beaucoup d’un visiteur à l’autre et, on le verra plus loin, parce que cette variation s’accompagne de visites vécues différemment par les visiteurs. ������������������������������������������������������������������������������������������������������� La liste des opérations que nous avons identifiées s’apparente à celles de Beacco et Darot (1984) ou de Vignaux (1992).


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Catégorie 3: Le visiteur enrichit, précise ou critique ce qu’il observe ou lit. Cette catégorie comprend les opérations: . Associer quelque chose à ce que l’on considère, par exemple un souvenir Exemple: « Cette maison-là dans la peinture, elle me fait penser à celle où nous passions nos vacances quand j’étais enfant. » . Comparer une chose à une autre ou la distinguer d’une autre Exemple: « Celle-ci est aussi belle que celle-là. » « Ici, c’est gris alors que là, c’est noir. » . Clarifier ce que l’on vient de vient de dire, le détailler Exemple: «[ Krieghoff a peint plusieurs sujets] des Amérindiens, des fêtes à l’auberge, des paysages, des scènes comiques. » . Modifier ce que l’on vient de dire Exemple: « [Je pensais que cette peinture-là était de Suzor-Côté] Non, elle est de Clarence Gagnon. » . Juger-évaluer-critiquer ce qu’on observe ou lit Exemple: « Ce n’est pas juste ce qu’il disent ici parce qu’il y a eu des cartes où le nord n’était pas toujours en haut. » Catégorie 4: Le visiteur saisit le sens de quelque chose, il comprend, il explique éventuellement en résolvant un problème. Cette opération comporte trois opérations: . Saisir le sens d’un ensemble d’éléments Exemple: « Ah, je comprends comment les orchidées poussent. » . Expliquer-justifier ce que l’on considère Exemple: « C’est parce que le peintre a mis ces deux couleurs-là l’une à côté de l’autre que ça vibre quand on regarde longtemps. » . Conclure ce que l’on est en train de dire Exemple: « En fin de compte, c’est un instrument qui était utile, mais qui était compliqué. » Catégorie 5: Le visiteur dérive une ou des implications de ce qu’il a déjà perçu ou compris. Cette catégorie comporte deux opérations : . Prévoir-anticiper quelque chose Exemple: « Probablement que là-bas, on va voir des cartes moins anciennes. » . Suggérer quelque chose Exemple: « Moi, je mettrais les petits objets beaucoup plus proches. » Remarque: Une opération peut être réalisée sous forme affirmative comme on vient de le voir, mais aussi sous forme interrogative ou plus ou moins dubitative. Par exemple, au lieu de dire: « C’est une carte du 18e siècle » », le visiteur dira : « Est-ce que c’est une carte du 18e siècle ? » ou « Ça a l’air d’une carte du 18e siècle, mais je suis pas certain. » ou encore ; « Ça ressemble à une carte du 18e siècle, mais c’est pas possible, elle est trop précise. » Le fonctionnement imaginaire: Dans une salle d’exposition, un visiteur utilise son imagination pour reproduire ou élaborer des images, c’est-à-dire de deux façons, que Kant (voir Guyer et Wood, 1998) puis Sartre (1969) appellent reproductive et constructrice. Y correspondent deux types de fonctionnement

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imaginaire aussi appelés reproductif et constructif. Le fonctionnement reproductif: permet au visiteur d’évoquer des expériences déjà vécues, des souvenirs ou des connaissances dont il se rappelle sous forme imagée. Exemple: « Cette mappemonde, ce globe-là, il me rappelle celui que ma grand’mère prenait pour me montrer où elle était allée en voyage. » Exemple: « En voyant cette plante-là, ça me fait penser à la synthèse de la chlorophylle: la lumière qui fait carburer la feuille. » Le fonctionnement constructif: élabore ce qui n’existe pas ou pas encore. Il anticipe quelque chose ou le façonne, anticipation et façonnage pouvant prendre de nombreuses formes. Par exemple, le visiteur peut faire des hypothèses, visualiser l’intérieur d’un objet ou d’un bâtiment alors qu’il n’en voit que l’extérieur, se mettre dans la peau d’un personnage ou dialoguer avec lui, transformer un paysage qu’il voit sur une peinture en un paysage en trois dimensions et « y vivre » quelques instants. Le fonctionnement affectif: c’est ressentir quelque chose ou/et y réagir. Pour le milieu muséal, le fonctionnement affectif, c’est l’émotion (Meyers. Saunders et Birujin, 2004). De façon précise, l’émotion est la réaction à une stimulation interne ou externe qui se déclenche rapidement et qui dure peu (Sauvé, 1997*). L’étude de nombreux discours confirme effectivement que des émotions apparaissent durant une visite. Par exemple, le visiteur dit : « J’aime ça ! » ou « J’ai peur ! ». Toutefois nous avons pu identifier sept autres phénomènes ou formes du fonctionnement affectif tout aussi importants que l’émotion (Dufresne-Tassé, Trion, Baruck, Sauvé et O’Neill, 2013). En voici la liste. . La sensation, c’est-à-dire le fait d’éprouver physiquement quelque chose à propos d’objets, de personnes ou d’événements Exemple: « J’ai une impression de chaleur en voyant ça. » . Le sentiment, qui est un phénomène profond et qui perdure; c’est le cas au moins de la fierté, de la tendresse, de l’amitié, du courage, du mépris ou de la jalousie Exemple: « Je suis fier d’avoir trouvé ça tout seul. » . Le plaisir, qui est un état résultant de sensations, d’émotions, de sentiments agréables ou de la réalisation harmonieuse de ce que l’on fait (plaisir fonctionnel) Exemple: « Que c’est bon d’être ici à regarder toute cette verdure! » . Le désir, qui s’exprime sous forme de souhait, celui d’obtenir ou de voir se réaliser quelque chose Exemple: « J’aimerais aller en Chine pour voir les soldats de l’empereur. » . L’empathie, qui consiste à se représenter les sensations, les émotions, les sentiments ou le désir vécu par autrui Exemple: « Devant des gros murs de ville comme ça, ils devaient se sentir tout petits! » . L’immersion, qui amène le visiteur à entrer dans un univers différent de celui dans lequel il se trouve et à y vivre quelque chose qui est chargé affectivement Exemple (suite de l’exemple précédent): « Je peux imaginer : j’arrive à cheval, je ne trouve pas la porte de la ville. Je longe les murs. J’ai peur qu’on me lance quelque chose sur la tête. Je voudrais avancer plus vite […] » Le goût personnel, qui est une disposition à aimer, apprécier, préférer


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quelque chose, ou au contraire à le détester, le mépriser, le rejeter Exemple: « Moi j’aime les feuillages légers comme ceux-là. » Relations entre les trois fonctionnements: On aura probablement remarqué que dans les exemples illustrant le désir, l’empathie et l’immersion, l’intervention du fonctionnement imaginaire est évidente, tout comme celle du fonctionnement cognitif d’ailleurs. C’est normal: un type de fonctionnement peut intervenir avec d’autres ou en solo. Voici les façons de s’associer des trois types de fonctionnement. Le fonctionnement affectif peut apparaître avec le fonctionnement cognitif ou avec celui-ci et le fonctionnement imaginaire. Ce que ressent le visiteur est alors structuré par la présence du fonctionnement cognitif. Si le fonctionnement affectif surgit seul, il prend la forme d’onomatopées comme « Ah ! », « Ouf ! », « Mon Dieu ! », c’est-à-dire de phénomènes affectifs informes. Mais habituellement, une onomatopée est suivie d’une phrase où la structure apparaît. Par exemple : « Ah ! ça j’aime ça beaucoup ! » ou « Mon Dieu ! cet arbre-là il est gigantesque ! ». Le fonctionnement imaginaire n’apparaît jamais seul. Il est toujours accompagné du fonctionnement cognitif, auquel souvent s’ajoute le fonctionnement affectif. Le fonctionnement cognitif peut intervenir seul, avec l’un ou l’autre des deux autres fonctionnements ou avec les deux simultanément. Importance du contenu du discours: Comme tels, les contenus de discours ne sont pas intéressants parce qu’ils peuvent varier à l’infini (nous avons observé autant de discours différents pour le même objet que de visiteurs qui l’observent). C’est leur facture qui l’est. En effet, leur facture est faite de caractéristiques dont le nombre est limité - il s’agit des trois fonctionnements - et dont les variations sont peu nombreuses et connues - il s’agit des aspects de chaque fonctionnement. Et c’est la facture tirée du contenu du discours qui va révéler l’expérience provoquée par le traitement d’un objet. Fixer une unité d’analyse de discours: On doit déterminer une unité d’analyse de discours. Sinon, on ne peut, par exemple, obtenir des données constantes de l’étude de plusieurs d’entre eux. Dans le cas de discours de personnes qui pensent tout haut, on ne peut pas utiliser la phrase comme unité d’examen, car nous avons observé - comme beaucoup d’autres chercheurs (Ericcson et Simon, 1993*) - qu’ils comportent un trop grand nombre de phrases incomplètes. Pour cette raison, nous avons adopté une base que suggère Barthes (1966). Considérant que ce n’est pas la façon dont les choses sont dites, mais le sens produit qui est important, Barthes propose en se référant à Austin, (1970) de retenir ce que fait une personne en parlant. Ainsi, pour nous l’unité d’analyse est l’opération réalisée par le visiteur, peu importe le nombre de mots qu’il emploie pour l’effectuer. Et nous avons appelé « énoncé » cette unité d’analyse. Analyse d’un discours: Pour étudier systématiquement un discours, il faut d’abord le « couper » en énoncés, puis, face à chacun, indiquer quel(s) fonctionnement(s) et quels aspects de ces fonctionnements y sont présents. À titre d’exemple, nous allons reprendre le troisième des discours présentés plus haut et le traiter systématiquement. Les traits obliques déjà introduits dans le texte indiquent le découpage des énoncés. « Waw ! c’est un fouillis, madame ! » (énoncé 1) Fonctionnement cognitif, opération réagir, niveau 1 de complexité + fonc-

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tionnement affectif, forme émotion « C’est un beau fouillis ! » (énoncé 2) Fonctionnement cognitif, opération réagir, niveau 1 de complexité + fonctionnement affectif, forme émotion « Comment est-ce que c’est fait ? » (énoncé 3) Fonctionnement cognitif, opération saisir (tentative pour), niveau 4 de complexité + fonctionnement affectif, forme émotion « C’est tout de la peinture qu’on laisse dégoutter » (énoncé 4) Fonctionnement cognitif, opération saisir, niveau 4 de complexité « C’est l’fun ! » (énoncé 5) Fonctionnement cognitif, opération réagir, niveau 1 de complexité + fonctionnement affectif, forme plaisir « C’est ben l’fun ! (énoncé 6) Fonctionnement cognitif, opération réagir, niveau 1 de complexité + fonctionnement affectif, forme plaisir « On dirait que le peintre a dû s’amuser en faisant cette affairelà (énoncé 7) Fonctionnement cognitif, opération prévoir-anticiper, niveau 5 de complexité + fonctionnement affectif, forme empathie + fonctionnement imaginaire, type constructif « En tout cas, moi je me serais amusé » (énoncé 8) Fonctionnement cognitif, opération prévoir-anticiper, niveau 5 de complexité + fonctionnement affectif, forme immersion + fonctionnement imaginaire, type constructif « Quand je regardais une peinture de Pellan, je savais bien que les peintres y s’amusent avec la couleur » (énoncé 9) Fonctionnement cognitif, opération associer, niveau 3 de complexité + fonctionnement affectif, forme empathie + fonctionnement imaginaire, type reproductif « Ben là, je crois bien que les peintres y s’amusent avec la façon dont ils la posent aussi » (énoncé 10) Fonctionnement cognitif, opération prévoir-anticiper, niveau 5 de complexité + fonctionnement affectif, forme empathie + fonctionnement imaginaire, type constructif L’analyse et le graphique précédents illustrent à la fois la façon d’étudier un discours et ses résultats. Ils permettent de saisir comment le visiteur utilise ses fonctionnements cognitif, affectif et imaginaire, et comment ceux-ci varient d’un énoncé à l’autre; comment ils construisent graduellement le sens donné à l’objet et l’expérience qui en résulte. Stabilité des données recueillies: L’analyse de discours réalisée selon chacun des trois fonctionnements et leurs variantes - opérations pour le fonctionnement cognitif, formes pour le fonctionnement affectif, et types pour le fonctionnement imaginaire - offre-t-elle des résultats semblables d’un chercheur à l’autre ou d’une étude à l’autre du même chercheur réalisées à des moments différents? On peut répondre positivement à cette question, car nous avons observé un niveau d’entente entre analystes de 98%. Toutefois, pour atteindre ce niveau, il faut satisfaire aux quatre exigences suivantes: a) Détailler chacune des définitions offertes plus haut, car elles ont été réduites à


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Graphique 1

leurs éléments essentiels; b) Dresser une liste des cas de passages de discours difficiles à analyser et des décisions prises à leur endroit; c) Développer une série de codes pour simplifier l’identification des fonctionnements et de leurs variantes11; d) Découper systématiquement un discours en ses énoncés. Des résultats et leur signification: Les discours offerts par les quelques 1000 visiteurs adultes ayant pensé tout haut dans diverses expositions permanentes et temporaires ressemblent en gros aux trois exemples présentés plus haut. À cette différence près que certains sont plus longs. Lorsque cela se produit, c’est que le visiteur s’intéresse successivement à plusieurs aspects d’un même objet ou qu’il détaille ou approfondit plus longuement les aspects qu’il aborde. Quoi qu’il en soit, il procède grosso modo comme on l’a vu dans le troisième exemple. Il ne saurait être question de présenter ici tous les résultats issus des recherches que nous avons menées avec « Penser tout haut ». Le troisième exemple étant en gros représentatif des discours un peu longs, son étude offre quelques données généralisables que nous présentons ici à titre illustratif. Première observation: Le visiteur a été très actif, car il a produit 10 énoncés, 10 opérations à partir desquelles il a donné du sens à la peinture qu’il observait. En outre, il s’est servi de ses trois fonctionnements cognitif, imaginaire et affectif. Pourtant, si on s’était contenté de l’observer - il a passé à peine 10 secondes devant la peinture - on aurait pu penser qu’il n’avait pas produit grand chose et ��������������������������������������������������������������������������������������������������� Par exemple : CO pour fonctionnement cognitif, EM pour émotion, RE pour imagination reproductive.


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qu’il était passif. En fait, des discours semblables à celui qui sert ici d’exemple nous amènent à remettre en question la passivité que les professionnels du milieu muséal prêtent aux visiteurs et les moyens qu’ils utilisent pour la contrer. Deuxième observation: Le fonctionnement cognitif est omniprésent dans le troisième discours et le fonctionnement affectif l’est presque autant. On ne peut donc pas dire comme on l’entend souvent dans le milieu muséal que le fonctionnement cognitif inhibe le fonctionnement affectif. Au contraire il le supporte et souvent l’induit, de sorte que si l’on réussit à diminuer le fonctionnement cognitif, on réduit du même coup le fonctionnement affectif. Troisième observation: L’émotion ne constitue que l’une des multiples formes du fonctionnement affectif en salle d’exposition. D’autres comme l’empathie et l’immersion, nécessitent pour apparaître l’intervention du fonctionnement imaginaire. Vouloir favoriser uniquement le fonctionnement affectif surtout sous forme d’émotion est donc contreproductif. Quatrième observation: Le fonctionnement imaginaire permet au visiteur de faire le lien entre ce qu’il observe ou lit - en d’autres termes l’offre du musée - et son bagage d’expériences et de connaissances. Il favorise donc directement l’appropriation du contenu d’une exposition. En ce sens, il est un précieux allié du concepteur d’exposition. Cinquième observation: On l’a vu, le fonctionnement imaginaire est nécessaire à l’apparition de certains phénomènes affectifs, mais aussi à celle d’opérations comme prévoir-anticiper et suggérer. Il ne s’agit donc pas d’un fonctionnement secondaire. En outre, nous avons observé que les visiteurs qui utilisent beaucoup leur imagination (plusieurs centaines de fois durant une même visite) s’intéressent à un grand nombre d’objets, ils les traitent longuement et, au moment de quitter l’exposition, ils considèrent avoir fait une visite intéressante. Par contre, les visiteurs qui emploient peu leur imagination (20 à 30 fois) traitent rapidement quelques objets et, en sortant du musée disent: « Le musée c’est mort » ou « Le musée, c’est figé, ça ne m’intéresse pas » (Dufresne-Tassé, Marin, Sauvé et Banna, 2006). Un concepteur d’exposition a donc tout intérêt à éviter que cela se produise et à favoriser l’utilisation du fonctionnement imaginaire par sa façon de « jouer » avec ses objets, ses textes et sa muséographie. Perspectives Des sujets à explorer avec « Penser tout haut » Les discours livrés par « Penser tout haut » pouvant être exploités qualitativement aussi bien que quantitativement, on peut les utiliser dans une grande variété de projets, entre autres pour préciser certains aspects du fonctionnement psychologique encore peu connus, explorer des phénomènes associés à de nouveaux concepts, ou apprécier l’impact de productions muséales récentes. Exploration du fonctionnement affectif: La liste des phénomènes affectifs offerte plus haut étant encore récente (Dufresne-Tassé, Trion, Barucq, Sauvé et O’Neill, 2013), elle suscite encore des questions comme celles-ci : . Un traitement d’objet qui commence par une émotion est-il en général plus long et plus riche qu’un discours débutant autrement? . La production de discours semblables à celui que nous avons analysé, c’est-à-dire où le visiteur s’adonne à une production foisonnante, suscitet-elle, surtout quand elle se répète, des sensations ou des sentiments


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particuliers comme de la compétence ou de la fierté? . Quelles sont les diverses formes de plaisir issues d’une visite? Ces formes varient-elles selon le type de visiteur? Le type d’objet? Le type d’exposition? L’immersion: Certains musées commencent à se doter d’environnements physiquement immersifs. Ces environnements constituant un type de mise en exposition, on est en droit de se demander quel traitement ils suscitent? Mais aussi en quoi ce traitement diffère de celui des expositions temporaires thématisées ou des expositions permanentes non thématisées actuelles? En effet, on sait que lorsqu’il entre dans un musée, un visiteur se sent déjà dans un environnement qui l’entoure complètement. En outre, lorsqu’il réussit un traitement constructif d’un objet et à plus forte raison d’une exposition, il connaît une expérience d’immersion psychologique intense au cours de laquelle il oublie tout ce qui est étranger à son expérience. Les particularités du fonctionnement lié à la visite d’expositions virtuelles: Dans certains pays, on encourage les musées à élaborer des expositions virtuelles. On sait que celles-ci sont consultées, mais on ignore pendant combien de temps, et surtout: . Comment on les traite? La place et le rôle des fonctionnements cognitif, imaginaire et affectif dans une visite? Les types particuliers de plaisir qui y sont associés? . Ce que les visiteurs en retirent? . Les difficultés qu’ils éprouvent et leur origine? L’expérience comme concept: Les professionnels nord-américains sont très soucieux de provoquer « une expérience » chez leurs visiteurs, mais quand on les interroge sur ce qu’ils entendent par « expérience », ils ont de la difficulté à répondre (Dufresne-Tassé, 2012). Pourrait-on la leur faire préciser en leur montrant une variété de discours de visiteurs et en leur demandant d’indiquer ceux qui correspondent à leurs attentes et pourquoi? Pourrait-on plutôt leur proposer les trois types d’expériences intenses que nous avons identifiées (Dufresne-Tassé, 2013): . Une expérience avant tout sensorielle et perceptuelle résultant du contact avec des objets particulièrement beaux, placés dans un environnement singulièrement plaisant; . Une expérience de traitement intense et constructif d’un objet issue de la production d’une longue chaîne d’opérations au cours de laquelle un visiteur joue le jeu suivant: il aborde un premier aspect en utilisant ses trois fonctionnements de façon foisonnante pour l’approfondir et le détailler, puis il en tire l’angle sous lequel il aborde un second aspect, et recommence cette démarche plusieurs fois; . Une expérience de traitement constructif d’une exposition résultant d’une approche semblable à la précédente, la construction s’effectuant cette fois d’une partie d’exposition à la suivante. Des variantes de « Penser tout haut » « Penser tout haut » est une façon d’obtenir de l’information qui amène un visiteur à dire à chaud ce qui lui vient à l’esprit. Comme telle, elle ne favorise guère la métacognition, c’est-à-dire un retour du visiteur sur ce qu’il pense,

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imagine ou ressent, et sur ce qui induit ces divers fonctionnements. Curieux de ce qu’il pourrait livrer dans des conditions plus favorables, nous avons mis au point une variante que nous avons appelée « Retour filmé ». Ce moyen consiste à demander à un visiteur de faire sa visite à sa guise tout en permettant à un chercheur de l’observer à distance et de noter à la fois son parcours et les objets devant lesquels il s’arrête. La visite terminée, on lui suggère de la refaire en disant ce qui vient à l’esprit et on filme ce dont il parle. Les premières données recueillies à l’aide de ce moyen indiquent que le visiteur identifie beaucoup de détails de muséographie qui sont à l’origine de ce qu’il pense, imagine ou ressent ou de ce qu’il a pensé, imaginé ou ressenti lors de son premier passage dans l’exposition, ce qu’il ne fait que très peu quand on utilise le « Penser tout haut ». Nous avons aussi expérimenté un « Penser tout haut-entretien », qui vise à faire détailler au fur et à mesure de la visite certains passages du discours qui intéressent le chercheur. Quand cela se produit, ce dernier pose au visiteur une question ouverte qui l’amène à approfondir autant qu’il le peut ce qu’il vient de dire. Cette façon de procéder perturbe beaucoup le fonctionnement spontané du visiteur, mais en revanche, elle fournit de l’information sur des questions qui n’ont pas encore de réponse, comme les raisons pour lesquelles un visiteur quitte immédiatement un objet après l’avoir abordé en disant : « J’aime ça » ou « Ça m’intéresse ». En somme, la description offerte plus haut de « Penser tout haut » et les perspectives de recherche qu’il ouvre permettent de croire que « Penser tout haut » constitue un moyen d’obtenir de l’information précise aussi bien sur des questions anciennes que sur des sujets nouveaux ou sur des pratiques récentes des musées. L’information qu’il livre peut servir directement à la conception d’une exposition ou à celle des programmes qui l’entourent, mais aussi au développement de balises, c’est-à-dire de principes ou de règles ayant pour but la préparation d’expositions ou de programmes favorisant un fonctionnement optimal du visiteur (Dufresne-Tassé, 2013a). Par ailleurs, il est encore trop tôt pour saisir tout le potentiel des variantes de « Penser tout haut », mais chacune à sa façon semble ouvrir de nouvelles possibilités d’exploration du fonctionnement psychologique de visiteurs adultes et de leur façon de traiter une exposition. Toutefois, leur plus grand mérite est peut-être de signaler que le développement et l’expérimentation de nouveaux instruments de même type est hautement souhaitable. Références ABRAHAMSON, D., GENNARO, E. AND HELLER, P. (1983). Animal Exhibits: A Naturalist Study. Museum Education Round Table, Round Table Reports, 8, 6-9. American Psychological Association (2009). APA Concise Dictionary of Psychology. Washington, DC: American Psychological Association. AUSTIN, J. L. (1970). Quand dire, c’est faire. (traduction de G. Lane de How to Do Things with Words, Oxford : Oxford University Press, 1962) Paris : Éditions du Seuil. BARTHES, R. (1966). Introduction à l’analyse structurale des récits. Communication No 8. Paris: Seuil. BEACCO, J. C. ET DAROT, M. (1984). Analyses de discours, lecture et expression. Paris: Hachette/Larousse.


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Artigo recebido em julho de 2014. Aprovado em setembro de 2014

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MEDIAÇÃO EXTRAINSTITUCIONAL

Cayo Honorato * Universidade de Brasília

RESUMO:

Este texto percorre, de início, problemas relativos às perspectivas conceituais da mediação cultural, particularmente, no âmbito das relações entre as artes e a educação, para então apresentar e discutir, ainda que brevemente, questões ligadas a uma delimitação cognitiva das instituições, em face de uma crise desses agrupamentos sociais, entendido que a mediação, ao menos naquele contexto, é invariavelmente uma iniciativa das instituições; trazendo, por fim, um ou dois casos, que demonstram ser este o instante propício para se imaginar e realizar mediações extrainstitucionais, isto é, empenhadas em transformar o modo como nos reconhecemos por meio dessas instâncias. PALAVRAS-CHAVES:

mediação, instituição, artes, patrimônio, sociedade.

ABSTRACT:

This article shows, at the beginning, problems related to some conceptual perspectives of cultural mediation, particularly in relation to the field of the arts and education, in order to present and discuss, then, albeit briefly, issues linked to a cognitive framework of the institutions, confronted with a crisis of these social groupings, understood that the mediation, at least in that context, is invariably an initiative of the institutions; bringing, finally, one or two cases which demonstrate this to be the propitious moment to imagine and realize extrainstitutional mediations, i.e., committed to transforming the way we see ourselves through these instances. KEY-WORDS:

mediation, institution, arts, heritage, society.

Professor adjunto no Deparamento de Artes Visuais (VIS) do Instituto de Artes (IdA) da Universidade de Brasília (UnB); doutor em Educação, na linha de Filosofia e Educação pela Universidade de São Paulo (USP); mestre em Educação, na linha de Cultura e Processos Educacionais, e bacharel em Artes Visuais pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Email: cayohonorato@gmail.com *

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Mediação Extrainstitucional

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Cayo Honorato

Muitas são as mediações, mesmo dentre as chamadas mediações culturais (porque também há mediações jurídicas, comunitárias, familiares, empresariais, pedagógicas, artísticas, etc.), ainda que nos limitemos ao que é discutido por diferentes disciplinas ou áreas do conhecimento: Antropologia Social, Comunicação, Educação, Ensino da Arte, Estudos Culturais, etc. Certamente, trata-se de uma multiplicidade desconcertante, que configura um campo semântico bastante fragmentado. Por um lado, isso contribui para uma perda de especificidade do termo – que, no senso comum, parece denominar qualquer coisa "no meio" de outras –, cujo efeito seria um desgaste não negligenciável de sua capacidade crítica ou explicativa dos processos educacionais e/ou culturais nos quais toma parte. Quanto a isso, parece procedente a observação de que o termo se generaliza sem muita clareza conceitual, ou ainda, sem efetivamente transformar as práticas. Por outro lado, essa multiplicidade sinaliza a emergência, nesses mesmos processos, de muitas zonas de contato e hibridação, de encontros mas também de conflitos, entre sistemas de valores, contextos interpretativos e significados culturais diversos, que justamente configuram o lugar de atuação das mediações, ao menos de uma perspectiva crítica. Quanto a isso, a denegação da mediação como "termo muito em voga" (Ibram, 2013: 10) parece tão somente eludir a própria complexidade dessas dinâmicas. A propósito, nesse contexto, que aceita "os desafios de uma esfera pública múltipla, alternativa, não definida previamente, poliforme e aberta" (Montero, 2012: 76),1 alguma inter- ou transdisciplinaridade, até mesmo certa generalidade, teriam sem dúvida uma importância específica. Antes, porém, seria preciso demonstrar um espaço próprio de questões, talvez mais precisamente, uma "singularidade de inserção" através dessas questões. Embora este texto não se encarregue do problema das "mediações das mediações", de uma análise comparativa das ocorrências empíricas abarcadas pelo termo, tampouco de uma teoria da mediação, que pusesse à prova sua viabilidade conceitual, a palavra mediação deve aqui ser tomada "sob rasura", como termo de nenhum modo transparente, cujas significações precisariam ser descritas na trama dos processos históricos, sociais, econômicos, culturais, etc. que as engendram; no cruzamento, portanto, de muitos discursos, saberes, instituições, práticas, apropriações etc. Em todo caso, à maneira do que o filósofo político Ernesto Laclau (2013: 34) considera a respeito do populismo, talvez a mediação seja o "locus de um empecilho teórico". Disso resulta uma dimensão operativa do tipo de prática que podemos associar ao termo em questão: evidenciar alguns dos limites nos quais as instituições culturais abordam (ou deixam de abordar) a construção do político nas relações entre as artes, o patrimônio cultural e a sociedade. Portanto, a mediação que propomos esboçar aqui se refere às modalidades dessa construção, particularmente em face de uma crise das instituições; mais do que a uma "relação dialógica, interativa, provocativa e plena de significado para o visitante" (Ibram, op. cit.: 10), geralmente referida às teorias educacionais (de Vigotsky a Paulo Freire); também mais do que a uma descrição da "circulação [das ideias e produtos culturais] em toda a esfera pública" (Desvallées & Mairessse, 2009: 47), geralmente referida às teorias comunicacionais. Mas por que extrainstitucional? Mesmo a mediação de conflitos, que possui um enquadramento jurídico, designa um processo extrajudicial, que não está 1 Todas as referências que constam em língua estrangeira têm tradução minha.

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Mediação Extrainstitucional

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sujeito a normas pré-estabelecidas,2 mas que opera, justamente, a partir da incapacidade do sistema judiciário para lidar com a esfera psicossocial, oferecendo auxílio profissional (diga-se de passagem, multidisciplinar) em uma temporalidade mais próxima à dos conflitos. Portanto, se mesmo essa mediação, que trabalha pela conciliação, reconhece a crise de pelo menos duas instituições (a família e o sistema judiciário), o que pensar a respeito da mediação cultural, que não necessariamente trabalha pela solução dos conflitos, nem pela eliminação das diferenças? Por certo, trata-se de uma crise com muitas dimensões, mas que, em geral, desde os anos 1960-70, corresponde a uma dificuldade para se deduzir, nos mais diversos setores da vida pública ou privada, um quadro comum de referências ou valores para os diferentes atores sociais; uma dificuldade que poderia nos remeter, em âmbito macropolítico, ao descrédito das representações simbólicas, de certas ligações socialmente sancionadas entre significantes e significados, bem como a uma exaustão do sistema moderno de finalidades, das metanarrativas históricas, daquilo que assegurava sem maiores protestos os rumos dos processos sociais e, então, revela-se como grandes erros da história como desenvolvimento; mas também, em âmbito micropolítico, do ponto de vista da produção de universos psicossociais, a uma duração cada vez menor dos territórios de significação da vida, dos espaços de confluência entre diferentes afetos e desejos, da vigência de suas "matérias de expressão". (Rolnik, 2011: 34) No que diz respeito às instituições culturais, põe-se em questão sua legitimidade enquanto representantes dos interesses gerais da sociedade, seu papel na distribuição (intelectual) para todos do que é produzido ou valorado por poucos, conforme a diretiva da democratização cultural. Particularmente no Brasil, as recentes mudanças econômicas que permitiram uma nova posição social, talvez uma nova "autoconfiança", a pelo menos 30 milhões de pessoas (Souza, 2012: 19 ss.), associadas a uma relativa popularização das novas tecnologias midiáticas, possibilitaram não só o acesso a determinados bens de consumo, mas o surgimento e a circulação de uma infinidade de práticas e produções, de uma verdadeira hiperprodução cultural distribuída, dos memes às manifestações, passando por hashtags, escrachos, saraus, ocupações, etc.; um fenômeno bastante heterogêneo, que tem sido percebido com otimismo por uns e descrédito por outros. Em todo caso, trata-se de um contexto sociocultural cada vez mais complexo e plural, no qual situações de "carência local" (esse antigo compromisso das ações educativas) começam a conviver com uma politização cultural dos setores periferizados, associada à emergência de processos criativos específicos, cada vez mais abertos e interdependentes. Diante disso, fundamentos ligados à tradição humanista ou iluminista, que ainda se manifestam na afirmação de que o museu desempenha uma "missão civilizadora e modernizadora", podem ser percebidos como um projeto hegemônico e/ou colonizador. Do mesmo modo, para atender às "novas demandas de engajamento social", conforme a Nova Museologia, não será suficiente que o museu estabeleça "uma plataforma de comunicação modernizada entre o visitante e o objeto exposto, de forma a promover o máximo de acesso às coleções" (Martins, 2011: 64-65), se o primado das coleções faz da comunicação, inadvertidamente ou não, um processo unidirecional. Tampouco, que a mediação ocupe "o vácuo entre o 2 Na verdade, encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4.827/98, que institucionaliza e disciplina a mediação, como método de prevenção e solução consensual de conflitos.


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que a exposição pretende apresentar e a possibilidade de fruição dos diversos públicos" (Grinspum, 2000: 46), se a afirmação desse "vácuo" denota um posicionamento da fruição sempre aquém da exposição, em sentido hierárquico. Muito menos, que a mediação se empenhe em "promover a aproximação entre indivíduos ou coletividades e obras de cultura e arte" (Coelho, 1997: 247), se tal aproximação sugere aceitação e/ou conciliação. Comprometida com a transmissão de uma cultura legítima – seja a de uma minoria privilegiada, seja a que supostamente "une os membros de uma comunidade" (Desvallées & Mairessse, op. cit.: 47) – a um público cada vez mais amplo e indiferenciado, a mediação pode ser vista como "[...] expressão de uma metamorfose da ação pública, que busca uma nova maneira de governar a cidade e de fabricar a coesão social sem ameaçar a ordem e os modelos culturais dominantes". (Lafortune, 2008) De maneira complementar, o sociólogo Jean-Marie Lafortune propõe o conceito de médiaction cultural (em vez de médiation cultural, como se escreve em francês), cuja contribuição "[...] não tomaria unicamente a via consensual, mas implicaria o conflito". Comprometida com uma renovação da cultura por meio de uma valorização das culturas emergentes, minoritárias ou alternativas, a médiaction tem como objetivo "[...] estimular a participação [...] de modo a alterar as regras do jogo social". (Lafortune, idem) Com isso se observa que o debate terminológico não se reduz a um mero nominalismo. Em relação à educação em museus, a mediação pode ser vista como uma concepção tanto interna (alternativamente a/ ou em confusão com: educação, interpretação, monitoria, etc.) quanto transversal (cuja trajetória de atuação passa, faz ziguezague pelo museu, de dentro para fora e vice-versa, sem fazer dele seu contexto exclusivo). Isso diverge, por exemplo, da ideia de que "a função educacional [do museu] cresceu de tal modo nas últimas décadas a ponto de o termo mediação lhe ter sido acrescido". (Desvallées & Mairessse, op. cit.: 20) A mediação não corresponde tão somente a uma espécie de "inflação" da função educacional. A propósito, internamente à educação museal, uma mesma prática pode receber diferentes denominações (educação, mediação, etc.), como se elas fossem permutáveis entre si. Tal como afirmam Desvallées & Mairesse, a noção de mediação (mediation), especialmente no contexto anglossaxão, é largamente recoberta pelo conceito de interpretação (interpretation). Nesse sentido, a mediação não só constrói ligações entre, de um lado, as obras, as exposições, as coleções, o patrimônio, etc., e de outro, os visitantes, os públicos, etc.; como também entre o imediato e o subjacente, entre um objeto exibido e seu conhecimento. Portanto, dessa perspectiva, a mediação pode ser definida como "uma revelação e desvelamento que leva [sic] os visitantes a compreender, e assim apreciar, e finalmente a proteger o patrimônio que ela toma como seu objeto" (Desvallées & Mairessse, idem: 48) – o que de certo modo repõe a metáfora iluminista "[...] do museu como um sol e dos agentes ou comunidades como planetas, ou mesmo como simples satélites que rodeiam [...] e devem acessar o museu". (Montero, op. cit.: 78) Para o educador Javier Rodrigo Montero (idem), de maneira efetivamente alternativa, uma mediação crítica trabalha "[...] em diálogo com e contra os discursos do museu, não tanto para desprestigiá-los, mas sim para descontrui-los". Além disso, compreende "[...] a educação como investigação coletiva, com base em processos de largo prazo mediante conversações culturais complexas". E por fim, "[...] reconhece as lutas sociais e os conflitos da divisão do trabalho, as-

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sim como as condições em que se produz a educação em museus". No entanto, é como se essa mediação crítica, assim como a médiaction, fizessem transbordar um excesso de significado, propriamente político, que as definições institucionais da mediação não podem comportar. A propósito, esse nos parece o fato mais relevante, inclusive, na medida em que ressignifica a própria impossibilidade de definição da mediação – o que, como dissemos, serve para eludir tanto a complexidade das dinâmicas culturais, quanto a possibilidade de transformação radical das instituições. Afinal, que disponibilidade haveria, por parte das instituições, em favorecer mediações que buscam alterar as regras do jogo no qual as próprias instituições se sustentam, ou ainda, em favorecer mediações que em parte são contrárias às instituições; que em parte buscam descontrui-las? E, em caso negativo, por que haveria tal indisponibilidade? Essas perguntas nos remetem a uma situação específica, que aqui propomos discutir: no âmbito das relações entre as artes e a educação (entendido que nem toda mediação é educacional), a mediação tem existido, invariavelmente, como iniciativa das instituições; o que denota por si só contornos de um funcionamento largamente impensado. Noutros termos, é o enquadramento politicoinstitucional da mediação, assim como as circunstâncias economicoculturais nas quais ela tem sido chamada a operar, que de certo modo permanecem inconscientes ou fora de pauta, nos discursos e debates sobre sua prática. Certamente, essa condição institucional da mediação está associada a uma variedade de questões: da identidade profissional do mediador (invariavelmente reduzida à prestação de serviços, e por extensão, à precariedade, provisoriedade e vulnerabilidade) às concepções de públicos (invariavelmente apriorísticas, sistêmicas e desistorizadas, limitadas a empirias totalizadas pelas categorias público espontâneo, público agendado e não-público, destituídas de qualquer imaginário politicossocial). Em todo caso, tal condição não significa, como no caso da educação museal, um simples recorte contextual, nem uma tipologia educacional específica (em relação à qual ela seria um simples truísmo), mas sim uma delimitação cognitiva, uma maneira de se fazer ser como instituição. *** Sendo uma "instituição permanente" (Icom, 1999: 06), o museu tem a permanência das instituições. Segundo a antropóloga Mary Douglas (2007: 55), "No mínimo uma instituição não passa de uma convenção". Mas isso não significa que ela tenha um caráter simplesmente provisional ou instrumental. Seja qual for a instituição, ela corresponde a um agrupamento social legitimado. O ponto é que, enquanto convenção social, para adquirir estabilidade, uma instituição necessita do apoio de uma convenção cognitiva paralela. Isso significa que a formação do laço social, da solidariedade, da cooperação, do acordo em relação a certas regras, etc. depende da assimilação, por parte das mentes individuais, de um modelo da ordem social, cuja legitimidade tende a justificar sua razão na natureza. A propósito, ainda segundo Douglas (idem: 57), "Quanto mais amplamente as instituições [enquanto organizadoras da informação] abrigam as expectativas, mais elas assumem o controle das incertezas"; mais elas buscam minimizar a entropia. No entanto, é preciso explicar a estabilidade do que estabiliza, e que se torna possível com base em uma naturalização das classificações sociais, em uma analogia entre as relações sociais e o mundo físico ou sobrenatural. Assim,


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para que não sejam desafiadas o tempo todo, as convenções sobre a divisão do trabalho, por exemplo, podem se apoiar em uma "complementaridade" entre o homem e a mulher, a cabeça e as mãos, a mão direita e a mão esquerda. Tais analogias, de certo modo, suplementam a transparência (questionável) da convenção, conferindo certo brilho (de permanência) à legitimidade. Esse fisicalismo, segundo o filósofo Cornelius Castoriadis, é um dos tipos predominantes de resposta (juntamente com o logicismo) à questão do social-histórico – questão que nos interessa, na medida em que o museu, na sua definição, põe-se "a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento". (Icom, op. cit.) Para Castoriadis (1982: 201 ss.), o fisicalismo reduz a sociedade e a história à natureza biológica do homem, entendida como um simples mecanismo físico, mesmo quando ultrapassada, por exemplo, pelo conceito de ser genérico.3 O representante mais típico dessa perspectiva é o funcionalismo (uma visão corrente da instituição, enquanto certa organização da economia, do sistema de direito, de um poder instituído, etc.), que explica a organização social como um conjunto de funções que visam satisfazer necessidades humanas preconcebidas, como se a sociedade fosse um grande organismo. Mas isso encobre um fato essencial: "as necessidades humanas, enquanto sociais e não simplesmente biológicas, são inseparáveis de seus objetos, e tanto umas quanto outros, instituídos a cada vez pela sociedade considerada". (Castoriadis, idem: 205) Em relação à história, o fisicalismo se traduz num causalismo (do mesmo modo que o logicismo se torna um finalismo racionalista), que suprime a emergência de qualquer alteridade, postulando um "encadeamento sem falhas dos meios e dos fins no plano geral", ou mais simplesmente, uma simetria entre passado e futuro. Para esse pensamento herdado, a sociedade é um sistema (coexistência-conformação) orgânico, real ou lógico, de elementos (pessoas, coisas, ideias, conceitos, etc.) e suas relações (causalidade, finalidade, implicação lógica, etc.), suscetíveis de determinação ou definição unívoca. Nos limites dessa lógica, não há como pensar a colocação de novos elementos e relações, de elementos que não sejam elementos de um conjunto. Logo, não há como pensar a sociedade como coexistência-diversidade. Para Castoriadis (idem: 217), diferentemente, não podemos pensar o social como "unidade de uma pluralidade", mas sim como um magma, isto é, como um "modo de organização de uma diversidade não conjuntizável". O magma é o modo de ser do que se dá antes ou apesar das imposições de uma lógica identitária, prestando-se a ela (porque ele não é absolutamente caótico e, nele, termos de referência podem ser fixados), mas sem lhe ser absolutamente congruente (porque ele não é perfeitamente organizado, ou só é organizável trivialmente, incompletamente, antinomicamente). Assim, Temos que pensar uma multiplicidade que não é uma no sentido adquirido do termo, mas que referimos como uma, e que não é multiplicidade em sentido de que poderíamos enumerar, efetivamente ou virtualmente, o que ela "contém", mas onde podemos referir cada vez termos não absolutamente confundidos; [...] ou ainda uma reunião infinitamente confusa de tecidos conjuntivos, feitos de materiais diferentes e no entanto homogêneos, toda constelada de singularidades virtuais e evanescentes. (Castoriadis, idem: 389) 3 O conceito de ser genérico (Gattungswesen), que em Marx expressa a índole do homem como ser social, é um conceito hegeliano, que segundo Castoriadis, “representa uma etapa ulterior de elaboração lógicaontológica da physis do ser vivo aristotélico, aspecto/espécie (eidos) reproduzindo-se sempre e fixado para sempre”. (Castoriadis, 1982: 205)

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Além disso, mais do que um modo de "organização", o social-histórico é também um modo de alteração. Para Castoriadis, a diferença (quantitativa) é produzida a partir de/ ou colocada "com" o que já é. Por sua vez, o novo (qualitativo) é relação de indeterminação essencial com o que já é. O novo não provém do que já é, mas advém; é criação de outro eidos. Por isso, no quadro do pensamento herdado, a criação é impossível. Mesmo quando tematizada, como no caso da poiésis em Platão, ela termina encoberta para não invalidar a ideia do ser como determinidade, da inalterabilidade dos eidé como totalidade, etc.; uma posição com inúmeras consequências. Lendo o Timeu de Platão, ele observa que "a criação do mundo pelo Demiurgo não é criação, não é passagem do não-ser ao ser, ela é dirigida pelo paradigma preexistente, predeterminada pelo eidos que ela imita, repete, re-produz". Mesmo o tema moderno da "produção" (pro-ducere, hervorbringen, colocar adiante, fazer vir adiante), ligado ao tema do desenvolvimento, encontra-se em conformidade com este limite: "na melhor hipótese, as formas que o homem cria são produções, fabricadas a partir de... e segundo tal forma-norma". Eis a denegação que termina por ocultar a irrupção de uma sociedade instituinte, na qual o presente não é tão somente instrumento de determinação, mas alteridade-alteração, ruptura do que é como tal. (Castoriadis, idem: 232-236) Assim, o social-histórico é também "imaginário radical, [...] estabelecimento de figuras e relação de [sic] e com essas figuras". Ele comporta "sua própria temporalidade como criação; [...] e como esta criação, ele é também esta temporalidade". Porém, esse "fluxo perpétuo de alteração" só pode ser "dando-se figuras 'estáveis' através do que ele se torna visível". E essa figura "estável" é primordialmente a instituição. Nesse sentido, a instituição é sempre instituição de uma norma. E a primeira norma instituída, o núcleo do representar/dizer social, "sem o que nada pode ser da sociedade, na sociedade, para a sociedade", é a identidade. Noutros termos, a instituição só pode ser "sendo ela própria o que ela decreta como devendo ser: identidade da norma a si mesma estabelecida pela norma para que possa haver norma de identidade a si mesmo [sic]". (Castoriadis, idem: 241-243) Logo, para que o social-histórico não se endureça completamente na lógica identitária da instituição, ou ainda, para que a instituição não se autonomize em relação à sociedade, é preciso fazer valer a distinção entre duas temporalidades, uma explícita (identitária/imaginária) e outra implícita (autoalterante): A sociedade e cada sociedade, [sic] é "primeiro" instituição de uma temporalidade implícita; ela é "primeiro" como auto-alteração [sic] como modo específico desta auto-alteração. Não; cada sociedade, [sic] tem sua maneira própria de viver o tempo, mas: cada sociedade é também uma maneira de fazer o tempo e de o fazer ser [sic] o que significa: uma maneira de se fazer ser como sociedade. E esse fazer ser do tempo social-histórico que é também o fazer-se ser da sociedade como temporalidade não é redutível à instituição explícita do tempo social-histórico, ao mesmo tempo em que é impossível sem esta. (Castoriadis, idem: 243)

Portanto, ao mesmo tempo em que há uma temporalidade da sociedade (explícita ou representada), há outra que, em certo sentido, é a própria sociedade (implícita ou efetiva).Tal como exemplifica Castoriadis, a sociedade capitalista, em sua instituição temporal explícita, como tempo identitário (de demarcação),


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é "fluxo mensurável homogêneo, uniforme, totalmente aritmetizado", mas também, como tempo imaginário (da significação), "tempo 'infinito' representado como tempo de progresso, de crescimento ilimitado, de acumulação, de racionalização, de conquista da natureza, de aproximação cada vez maior de um saber exato total, de realização de uma fantasia de onipotência". Mas a temporalidade efetiva do capitalismo é, numa primeira camada, "tempo da ruptura incessante, das catástrofes recorrentes, das revoluções, de uma destruição perpétua do que já é"; enquanto noutra camada (contraditória), "tempo da cumulação, da linearização universal, [...] da supressão efetiva da alteridade, da imobilidade na 'mudança' perpétua, [...] da destruição da significação, da impotência no âmago da potência, de uma potência que se esvazia à proporção em que se estende". (Castoriadis, idem: 244) Por fim, indissociavelmente à temporalidade do representar/dizer social, outra temporalidade deve ser instituída (no sentido identitário, mas também imaginário): o tempo do fazer social, no e pelo qual esse fazer existe e que o fazer faz existir. Este é o tempo (kairos) que contém o lapso da crise, o instante propício, a ocasião para a decisão, no qual reside a oportunidade de agir. Nesse sentido, o tempo do fazer social se encontra muito mais próximo de uma temporalidade verdadeira, pois é essencialmente irregular, acidentado, alterante; impedindo a cristalização da sociedade no instituído. Mas por que a instituição denega essa temporalidade instituinte? Castoriadis interpreta essa denegação em diversos níveis convergentes: ela corresponde às necessidades da economia psíquica dos sujeitos enquanto indivíduos sociais, inseridos no processo de socialização, além de presentificar alguma compatibilidade material entre suas experiências, que podem ser diferentes ou singulares, a fim de escaparem da psicose; ela também exprime, profundamente, a própria lógica da lógica, ou a necessidade de uma verdade atemporal e do ser como verdade; ela enfim manifesta uma necessidade da instituição como tal, que, embora nascida no tempo, pelo tempo e como ruptura do tempo, só pode ser colocando-se fora do tempo. Desse modo, conclui, esta denegação é ela mesma instituição, dimensão e modo de instituição da sociedade tal como existiu até agora e, portanto, arbitrária, no sentido de que sua revogação pela história é sempre uma possibilidade. (Castoriadis, idem: 249-252) Assim, em última análise, não podemos jamais sair completamente da instituição, mas nossa mobilidade nela e através dela não tem limites, isto é, não tem limites naturais, lógicos ou reais, apenas limites convencionais, socialmente sancionados, o que nos permite tudo questionar, inclusive a própria instituição e nossa relação com ela. Mas o que se entende por instituição, sociedade e desenvolvimento, na definição do museu? (Icom, op. cit.) Tal como admitem Desvallées & Mairesse (op. cit.: 19), "as definições de museu não respondem imediatamente essa questão". Em todo caso, os autores observam que o caráter institucional da coleção, em comparação às coleções privadas, é menos definido por sua aquisição e pesquisa, do que por sua introdução em um sistema classificatório. (idem: 27) No entanto, uma vez que seus critérios ou valores podem influenciar a conduta social (em alusão a sua dimensão ética), não se deveria impô-los a partir de um conjunto de regras abstratas. (idem: 32) Também eles entendem que a instituição é "uma convenção estabelecida pelo acordo mútuo entre as pessoas, sendo portanto arbitrária, ainda que historicamente datada". Ou então, em acordo com Malinowski, que as instituições são "elementos [...] construídos

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pela humanidade para responder aos problemas levantados pelas necessidades naturais da vida em sociedade". Noutros termos, que elas são "um organismo [...], estabelecido pela sociedade para satisfazer uma necessidade específica". Do mesmo modo, que o museu é uma instituição, no sentido de que é governado por um sistema legal, com base no conceito de confiança pública (public trust) ou no de propriedade pública (public ownership). (idem: 43) Ainda segundo Desvallées & Mairesse (idem: 43-44), o museu seria uma instituição criada para satisfazer demandas da vida em sociedade, assim como o Estado, o exército, as escolas, os hospitais, etc.; mais particularmente, uma construção humana organizada para satisfazer a necessidade social de "entrar numa relação sensorial com objetos". Os autores sugerem que enfatizar a natureza institucional dos museus significa "fortalecer seu papel normativo e a autoridade que ela tem na ciência e nas belas artes, por exemplo, ou a ideia de que os museus se mantém 'a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento'". Curiosamente, afirmam que o campo museal pode ultrapassar o enquadramento institucional, ao refletir sobre seus próprios fundamentos, podendo até mesmo "imaginar um mundo diferente". No entanto, ao tomar como exemplo os museus virtuais, que nesse caso correspondem menos aos museus digitais que aos museus imaginários ou conceituais, parecem dizer tão somente que eles ultrapassam a noção de estabelecimento, associada a um "lugar concreto específico". Em comparação, o caráter extrainsitucional a que nos referimos não se reduz a um simples contraponto à noção de estabelecimento, mas enquadra (reflexivamente) a própria delimitação cognitiva da institucionalidade. Dessa perspectiva, não só o museu parece limitado à instituição em geral (em sentido irrestrito ao de estabelecimento), como a um tipo específico de instituição, que Castoriadis chamaria de economicofuncional. Para o sociólogo chileno Pedro Güell (2013), as instituições são ferramentas sociais que buscam assegurar relações de confiança e reciprocidade entre desconhecidos. Para tanto, definem um conjunto de normas, que projeta o comportamento das pessoas como solidário, para que ele possa minimamente ser antecipado.Além disso, elas trabalham junto a duas outras ferramentas: o cálculo racional e a memória social. Assim, temos por suposto que essas normas são racionais, isto é, que são guiadas por interesses gerais e não particulares. Por sua vez, nossa memória nos faz pensar que as pessoas se comportam de maneira racional, ou melhor, que elas veem vantangens na limitação de seus impulsos que possam causar danos a outras pessoas. Mas, logo se vê, o problema da confiança não desaparece com essas ferramentas. Elas podem somente atenuar nossas incertezas em relação ao comportamento do outro, que a qualquer momento, ainda que uma vez só, pode fugir ao controle das instituições. Em alguma medida, será sempre necessário supor, esperar, crer e confiar, sem fundamento racional, que o outro, salvo circunstâncias, agirá em respeito a nós, reciprocamente, colaborativamente, pacificamente. Assim, é tanto o pressuposto (indispensável) da confiança quanto a possibilidade (irredutível) da desconfiança no outro que estabelecem a função social das instituições, antes de quaisquer funções que elas venham satisfazer. Noutros termos, as instituições se empenham em generalizar ao máximo a confiança social, permitindo que o campo/horizonte dos desconhecidos com os quais posso me relacionar seja o mais extenso possível. De fato, sem isso, a vida em sociedades complexas como a nossa seria inviável. Contudo, para que


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funcionem, as instituições precisam afirmar uma identidade geral: cidadãos, trabalhadores, consumidores, etc. (diríamos: públicos, visitantes, etc.) A reciprocidade entre desconhecidos depende, portanto, da adesão de cada um a essa identidade geral, em seus diferentes segmetos. Todavia, nem sempre essa identidade se generaliza, nem sempre ela é digna de confiança. Os motivos para desconfiar, nesse caso, não decorrem do que escapa às normas, mas das próprias normas. É quando começamos a desconfiar das próprias instituições. Para Güell, na América Latina, colonizada pelo catolicismo iberoamericano, a confiança se organizou sobre uma base paternalista oligárquica, que dividiu o mundo social entre, de um lado, as elites dirigentes e, de outro, o povo. Nesse contexto, as elites, identificadas por vínculos familiares (depois substituídos pelo corporativismo), são depositárias da confiança; enquanto o povo e as massas, identificados à turba, à desordem, à violência, são objetos da desconfiança. No máximo, o povo é objeto de uma confiança que lhe é outorgada pelas elites; o que ele deve pagar e pelo que deve agradecer com trabalho, obediência e respeito. Nesse mundo, em que uns têm a confiança da qual os outros necessitam mas não podem produzir, as desigualdades encontram seu fundamento "racional". Portanto, deixamos de acreditar que as instituições (nesse caso, em sentido próximo ao de corporações), baseadas em assimetrias (entre as empresas e seus funcionários, entre os bancos e seus clientes, etc.), sejam a forma de assegurar interesses comuns. Segundo Güell, há pelos menos três causas dessa crise de confiança: (1) a experiência de alguns mercados, nos quais a outorga da confiança passou às mãos dos consumidores, considerando que as empresas precisam deles para sobreviver; (2) o descrédito da ideia de que as corporações (as indústrias farmacêuticas, as empresas de transporte coletivo, etc.) representam interesses comuns, a partir da revelação de que seus interesses são particulares; (3) a expansão dos direitos individuais, que confere dignidade às pessoas por sua existência social, e não por suas relações com as instituições – o que pressupõe a conquista de uma confiança que não depende da "generosidade" de nenhum sujeito em particular, na medida em que se apoia num poder da sociedade. Para Güell, nem todas as consequências dessa crise são negativas: "[...] temos agora a oportunidade de superar essa forma insustentável de confiança social e avançar formas cidadãs, com base em direitos, simetria de dignidades, critérios efetivamente universais e uma penalização efetiva para os que decepcionam a confiança pública". Contudo, mais do que buscar a restauração de uma universalidade originária (tal como a posição do autor parece sugerir), pareceria-nos mais decisivo pensar/realizar instituições capazes de abrigar, nelas mesmas, a impossibilidade de interesses ou identidades gerais, à maneira da multiplicidade magmática de Castoriadis; ainda que para isso uma confiança sem fundamento no outro, que não seria um outro eu, fosse imprescindível. Por certo, não se poderia comparar os museus a empresas, uma vez que, por definição, são instituições "sem fins lucrativos" (Icom, op. cit.); mesmo no caso dos museus privados. No entanto, o perfil educacional dos museus, atualmente, é uma das principais justificativas para os aportes financeiros que recebem de fontes públicas ou privadas (Martins, op. cit.: 17) – o que não necessariamente resulta num reconhecimento da educação praticada nos museus. No caso do financiamento privado, no Brasil, majoritariamente por meio de renúncia fiscal, tal apoio obedece às leis de formação do capital simbólico, que medem os efeitos dos projetos educativos em função do quanto podem valori-

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zar a imagem dos patrocinadores. No caso do financiamento público, trata-se de um apoio difuso, interessado sobretudo na construção de consensos a respeito da utilidade social dos museus. Segundo a educadora Luciana Conrado Martins (idem: 257), "Ao mesmo tempo em que [...] a educação parece ser uma das propulsoras das diretrizes presentes na Política Nacional de Museus [...] ela não aparece com funções especificamente definidas no Estatuto de Museus, nem é privilegiada de forma específica nos editais de fomento do Ibram".4 A premissa, no caso, é que, hoje, sendo esta sua função social mais proeminente, a educação estaria imiscuída/diluída em todas as ações do museu. Assim, as instituições precisam tanto sutentar um discurso educacional consistente (isto é, autorreferente), sem o qual "têm pouca ou nenhuma chance de captar recursos" (idem: 69, nota), quanto adequar/aderir esse mesmo discurso à lógica do patrocínio, em conformidade ao gosto de muitas "vozes externas". (idem: 267-273) E se, conforme Castoriadis (op. cit.: 243), a instituição só pode ser "sendo ela própria o que ela decreta como devendo ser: identidade da norma a si mesma estabelecida pela norma para que possa haver norma de identidade a si mesmo [sic]", tanto melhor se o discurso "consistente" não demonstra sua suscetibilidade às vozes externas – o que ocorre segundo uma discriminação específica. Isto é, não só as vozes dos patrocinadores, que, como vimos, têm uma influência decisiva, não podem aparecer com tal; como as vozes dos públicos, que, por sua vez, estão aparentemente representadas em primeiro plano, têm geralmente pouca ou nenhuma influência efetiva. Do mesmo modo, é mais evidente o empenho das instituições em generalizar a confiança social que lhes é depositada, do que em praticar formas de participação que resultem num "acordo mútuo entre as pessoas", relativamente ao quê e como deve ser preservado, exibido, etc. Mesmo assim, é preciso ressalvar que, nesse caso, o uso social das instituições seria por elas outorgado aos públicos, portanto, não necessariamente uma conquista social das instituições pelos públicos. Nesse sentido, é importante notar a consonância entre o que Martins (op. cit.: 356) chama de "campo recontextualizador oficial" (o discurso das políticas públicas, entre outros agentes) e o "campo recontextualizador pedagógico" (a ideologia expressa pelos educadores), "associada, principalmente, à perspectiva inclusiva e de diálogo como todos os tipos de públicos". Não por acaso, a educação nesse contexto (institucional), seja positivista ou construtivista (Martins, idem: 124), tem se limitado a um tipo de endereçamento, de caráter invariavelmente provedor, mais interessado em ser causa de alguma modificação nos públicos, do que em se posicionar diante das consequências de uma participação efetiva dos públicos. São identidades gerais o que ela projeta, em sobreposição aos públicos enquanto formações emergentes. Mesmo os públicos específicos, com suas características e necessidades próprias, isto é, identitárias, costumam ser tratados pela mediação institucional segundo algum grau de homogeneidade, sendo "a tipologização dos públicos [...] uma forma de controlar o processo educacional". (idem: 360) *** 4 A tese em questão é anterior à discussão em vista do Programa Nacional de Educação Museal, atualmente em fase de construção.


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Os interesses gerais que as instituições representam (ou dizem representar), a fim de se apresentarem como pólos da confiança social, podem ser questionados em diferentes escalas. Analisando os pressupostos do programa da Unesco dedicado ao patrimônio mundial, o antropólogo argentino Néstor Canclini (2012: 65-98) entende que as atividades destinadas a defini-lo, preservá-lo e difundi-lo quase sempre incorrem numa simulação: "fingem que a sociedade não está dividida em classes, gêneros, etnias e regiões, ou sugerem que essas fraturas não têm importância diante da grandiosidade e respeito ostentados pelas obras patrimonializadas". A atribuição de um "valor universal excepcional" – segundo "parâmetros mutantes", estéticos ou pluralistas – a um conjunto tão variado de bens, lugares, saberes, etc. parece disponibilizar a todos o que efetivamente não pertence a todos, reproduzindo os privilégios daqueles que, em cada época e contexto, dispuseram dos meios econômicos e intelectuais para imprimir a esses bens um valor "mais elevado". Como observado pelo autor, o mapa do patrimônio mundial ainda é bastante eurocêntrico. Mesmo nos demais continentes, a lista revela um eurocentrismo indireto, mostrando preferência por ex-colônias europeias, ou ainda, por modelos urbanos europeus reproduzidos alhures.

Vista do Mapa Interativo, disponível no site da Unesco, com a lista do Patrimônio Mundial em 2014. (Captura de tela)

Assim, como pensar que devam ser valorizados por todas as culturas? A distribuição geocultural do valor parece desconsiderar tanto sua constituição multifatorial, isto é, que a excepcionalidade do patrimônio também é fabricada pela publicidade (turística, midiática ou religiosa); quanto a dificuldade das classes populares e das sociedades periferizadas para transformar seus bens em patrimônios mundializados, para institucionalizá-los como "bens superiores", que merecem ser conservados e estudados. Nessa distribuição divisora, promovida por uma globalização seletiva, "Uns [países africanos, asiáticos e latinoamericanos] aportam saberes e imagens locais; outros [centros europeus], os dispositivos de financiamento, organização, interpretação e capacidade de universalizar os 'produtos'". (Canclini, idem: 86) Embora os propósitos da Unes-

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co sejam declaradamente altruístas, sua ambição não faz senão amplificar essas contradições e desigualdades, mitigando o que deveria ser percebido como um espaço de disputa material e simbólica. Para Canclini, não é possível escolher um conjunto "autêntico" de bens, "[...] separando-os dos usos sociais que historicamente os foram modificando, como o desenvolvimento urbano, as indústrias comunicacionais, a inserção em redes de comercialização e representação midiáticas". (idem: 74) O antropólogo salienta não desconhecer "a importância e a necessidade de preservar os bens que testemunham desenvolvimentos ou momentos extraordinários das culturas". (idem: 97) No entanto, sua preferência por examinar os usos do patrimônio propõe uma reformulação do estudo e da gestão desses bens, "[...] não só como conservação e consagração de peças com valores extraordinários, mas também como participação nos dilemas cognitivos, éticos e sociopolíticos da interculturalidade". (idem: 96) Mais do que insistir na afirmação de um conceito abstrato de humanidade, é preciso "assumir a inconstância conceitual, os significados variáveis nos usos dos bens e situar-se eficazmente nas disputas internacionais". (idem: 97) Curiosamente, é em nome de critérios efetivamente universais, democráticos e populares, que parte dos mediadores da 9a Bienal do Mercosul decidiu, no último dia da mostra (em 10/11/13), fazer uma "paralis(AÇÃO)", em protesto contra o que percebeu como "[...] arbitrariedades no tocante ao uso [...] [dos] espaços [expositivos], expressas por práticas institucionais que restringem o acesso do público visitante segundo critérios discriminatórios e segregatórios". Em declaração de 05/11/13, o Coletivo Autônomo de Mediadorxs (2013b) relata que a realização de um jantar de arrecadação, em 04/10/13, nas dependências do MARGS (Museu de Arte do Rio Grande do Sul), que então sediava parte da exposição, além de dificultar o acesso do público em horário de visitação, em função dos preparativos do evento, interferiu no trabalho dos mediadores, que não foram avisados da cerimônia, contrariando normas de segurança e preservação das obras – estabelecidas pelas próprias instituições e que deviam ser observadas tanto pelos visitantes quanto pelos mediadores –, uma vez que o jantar foi realizado no próprio espaço expositivo, ao lado de obras em exibição. Outros episódios relatados, como no caso de uma performance com vagas limitadas, realizada em 24/10/13, no Santander Cultural (outra instituição que também sediava parte da mostra), denotam o favorecimento de pessoas relacionadas "[...] a uma determinada condição social de distinção, status e privilégio, bem como a vínculos pessoais com figuras da Fundação Bienal", em detrimento das pessoas que aguardavam na fila, já que o programa havia sido amplamente divulgado. Nos termos em que vêm a público, são práticas que contrariam tanto o princípio da "universalidade do acesso", conforme o Estatuto de Museus (Lei 11.904 de 2009), quanto alguns artigos das Leis de Incentivo à Cultura em âmbito estadual (Lei 13.490 de 2010) e federal (Lei 8.313 de 1991), que condicionam o incentivo à promoção do acesso amplo e irrestrito. Na mesma declaração, o Coletivo afirma dissociar-se completamente dessas práticas, reivindicando o respeito a "[...] todo e qualquer tipo de público [...] independente de gênero, classe, etnia ou idade".


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Registro da "paralis(AÇÃO)" dos mediadores da Bienal do Mercosul em 10/11/13, por Leonardo Barreiro. (Divulgação)

Em resposta ao ocorrido, a Fundação Bienal do Mercosul afirmou em nota que "[...] respeita o direito de expressão dos cidadão [sic] e está à disposição para dialogar em um próximo momento". (Zero Hora, 2013) É significativo do comportamento institucional que a Fundação declare "disposição para dialogar", quando na verdade o diálogo já havia sido convocado, na clara exposição pelos mediadores das questões diante das quais ela devia se posicionar. Também há relatos de desvio de função, assédio moral, perseguições, abuso de poder, agressões, etc., cometidos por diferentes instâncias das diferentes instituições, em relação aos mediadores e visitantes. Não surpreende que esse contexto, onde se entrecruzam muitos interesses, por vezes divergentes, seja tenso de conflitos. Mas chama a atenção que a instituição atue de modo a apaziguá-los. Na mesma nota, é nítida a preocupação da Fundação em comunicar que "[...] o funcionamento dos espaços expositivos [...] segue normalmente", que "A paralisação da mediação ocorrida no dia de hoje foi parcial", que "[...] temos mediadores para atender o público em todos os espaços". Como se vê, além de atuar pela normalização, a Fundação apela a um sentido de público impassível às reivindicações dos mediadores, como se elas fossem meramente privadas, devendo ser minimizadas. Certamente, são sentidos de público em disputa. É importante notar que os mediadores não cruzaram os braços simplesmente. Conforme o relato de um deles, no dia da "paralis(AÇÃO)", "Enquanto algun(a)s [sic] colegas se dedicavam à confecção dos cartazes, outro(a) s realizavam a distribuição dos panfletos e da declaração [...]. Ora iniciávamos o diálogo com alguém que passava, ora éramos interpelado(a)s por quem circulava". (CAM, 2013c) Também é preciso considerar que, desde o episódio do jantar, os mediadores iniciaram um processo de auto-organização, em torno da elaboração da declaração, da constituição do Coletivo, da própria produção


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da "paralis(AÇÃO)", etc., ao qual se dedicaram, em inúmeras assembleias presenciais e debates à distância, para além do expediente de trabalho, para além inclusive do tempo da exposição. Em carta de 27/12/13, endereçada à Fundação Bienal, o Coletivo (2013a) se define como uma "associação livre e não-institucional". Suas reivindicações contemplam não só as condições de trabalho dos mediadores, como também as da equipe de segurança; pedem o fim das chamadas "visitas VIP" e acessibilidade total para os públicos com necessidades especiais; defendem o controle social das instituições privadas que se valem de financiamentos públicos para existir ou realizar seus eventos, etc. Contudo, na medida em que se depara com as questões de formação do laço social, que condicionam a própria sustentação de suas reivindicações, o Coletivo se confronta com problemas semelhantes ao da instituição, ou melhor, de se fazer instituição. Nesse sentido, ele alterna entre reivindicações trabalhistas, na direção do que seria um "sindicato de mediadores", ou talvez, um mecanismo de denúncia das arbitrariedades institucionais, e reivindicações mais amplas, ligadas à privatização dos espaços públicos em Porto Alegre, por exemplo, na direção do que viria a se configurar enquanto um movimento social. Aqui temos um limite a ser transposto pelo imaginário instituinte. Afinal, como organizar essa mediação que atravessa a instituição? Em todo caso, o Coletivo faz aparecer, concretamente, que é preciso haver mediação para além da instituição. No sentido que gostaria de sublinhar, e que só pode ser extrainstitucional, o papel público que a mediação tem a desempenhar diz menos respeito à "[...] transformação cognitiva de seus visitantes [dos museus] em relação ao patrimônio por eles preservado", do que a uma transformação radical das próprias instituições, e do modo como nos reconhecemos e nos permitimos reinventar (ou não) por meio delas, considerando que, em sua delimitação cognitiva, para a preservação de sua própria identidade como norma, elas tendem a se autonomizar em relação ao social-histórico, desperdiçando uma infinidade de oportunidades de aprendizagem – um desperdício produzido no mais das vezes por um discurso voluntarista, articulado em nome do diálogo, do encontro e da experiência. De resto, uma mediação extrainstitucional tem menos interesse em corresponder às "características e necessidades" (identitárias) dos visitantes, de maneira semelhante à relação das empresas com seus clientes, do que em potencializar contrapúblicos, que se manifestam, sem identidade, numa divisão de cada um consigo mesmo, numa quebra de ligação com as expectativas de sua inserção em determinados ritos e/ou processos de socialização. Referências CANCLINI, Néstor G. A sociedade sem relato: antropologia e estética da iminência; tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro. São Paulo: Edusp, 2012. CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade [1975]; tradução de Guy Reynaud. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. COELHO,Teixeira. Dicionário crítico de política cultural. São Paulo: Iluminuras, 1997. COLETIVO AUTÔNOMO DE MEDIADORXS. À Fundação Bienal de Artes Visuais do Mercosul, Carta de Reivindicações do Coletivo Autônomo de Mediadorxs. [2013a] Disponível em: <http://migre.me/iSxta>, acesso em 21/04/14. ___. Declaração. [2013b] Disponível em: <http://migre.me/iStnl>, acesso em 21/04/14.


Cayo Honorato

___. Quando falhas operacionais são desigualdades estruturais – por que o Coletivo Autônomo de Mediadores realizou uma paralisação na 9ª Bienal do Mercosul/Porto Alegre. [2013c] Disponível em: <http://migre.me/kLMDI>, acesso em 31/07/14. DESVALLÉES, André & MAIRESSE, François (eds.). Key concepts in Museology. s.l.: Armand Colin; ICOM, 2009. DOUGLAS, Mary. Como as instituições pensam; tradução de Carlos Eugênio Marcondes de Moura. São Paulo: Edusp, 2007. GRINSPUM, Denise. Educação para o patrimônio: museu de arte e escola – responsabilidade compartilhada na formação de públicos; orientação de Maria Helena Pires Martins. São Paulo: FE/USP, 2000. 157 pp. [Tese de doutorado] GÜELL, Pedro. Crisis de confianza en las instituciones: ¿qué es eso? s.l.: s.n., s.d., 07 pp. (PDF) [2013] Disponível em: <http://migre.me/ktnBL>, acesso em 15/07/14. IBRAM. Documento Preliminar do Programa Nacional de Educação Museal. Brasília: s. n., 2013. 84 pp. (PDF) Disponível em: <http://migre.me/ks2cw>, acesso em 14/07/14. ICOM. Estatutos. In: Cadernos de Sociomuseologia, v. 15, n. 15 (1999); tradução de Ana Tavares. Disponível em: <http://migre.me/kHzCo>, acesso em 29/07/14. [Versão adotada pela 16a Assembleia geral do ICOM (Haia, Países-Baixos, 5 de Setembro de 1989) e modificada pela 18a Assembleia geral do ICOM (Stavanger, Noruega, 7 de Julho de 1995)] LACLAU, Ernesto. A razão populista; tradução de Carlos Eugênio Marcondes de Moura. São Paulo: Três Estrelas, 2013. LAFORTUNE, Jean-Marie. De la médiation à la médiaction: le double jeu du pouvoir culturel en animation. Lien social et politiques, n. 60. s.l.: Érudit, 2008, pp. 49-60. Disponível em: <http://migre.me/ftWbY>, acesso em 06/12/13. MARTINS, Luciana C. A constituição da educação em museus: o funcionamento do dispositivo pedagógico por meio de um estudo comparativo entre museus de artes plásticas, ciências humanas e ciência e tecnologia; orientação de Martha Marandino. São Paulo: FE/USP, 2011. 390 pp. [Tese de doutorado] MONTERO, Javier R. Experiencias de mediación crítica y trabajo en red en museos: de las políticas de acceso a las políticas en red. Revistas Museos, n. 31. Santiago: DIBAM, 2012, pp. 76-87. ROLNIK, Suely. Cartografias sentimentais: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina; Ed. da UFRGS, 2011. SOUZA, Jessé. Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora? 2. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2012. ZERO HORA. Mediadores fazem manifestação contra organização da Bienal. [2013] Disponível em: <http://migre.me/iSw7R>, acesso em 21/04/14.

Artigo recebido em julho de 2014. Aprovado em setembro de 2014

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CHOVEU GENTE NO SERTÃO: PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE O VISITANTE DO PARQUE AZA BRANCA Mário Gouveia Junior Universidade do Porto/ Universidade de Aveiro *

RESUMO:

Diante das ações implementadas pela Fundarpe junto ao Parque Aza Branca, localizado no município de Exu-PE, constatamos grande fluxo de visitantes aos espaços museais. Como a referida instituição não desenvolve estudos de público, fundamental para se conhecer o perfil do seu visitante, lançamo-nos nesta tarefa no intuito de obter maiores informações acerca do público que visita a referida instituição. Abordamos também a emergência dos museus como espaços de inclusão social e despertar para o protagonismo dos sujeitos na busca por sua identidade coletiva, bem como apresentamos breves discussões sobre memória e mediação museal. Para tanto, recorremos a uma bibliografia transdisciplinar, para nossa fundamentação teórica, às nossas observações de campo, e aos registros de visitação ao longo do ano de 2012, que foi marcado pelas celebrações do centenário de seu idealizador, Luiz Gonzaga. PALAVRAS-CHAVES:

Parque Aza Branca. Luiz Gonzaga. Estudo de Público.

Museu.

It`s rain people in the backwoods: a study of public of Parque Aza Branca ABSTRACT:

In the face of actions taken by Fundarpe at Parque Aza Branca, located in the municipality of Exu-PE, found large influx of visitors to the museological spaces. As that institution does not develop studies of public essential to know the profile of your visitor, we are dedicated to this task in order to obtain further information on the public who visit that institution. We also analyze the emergence of museums as spaces of social inclusion and awaken to the role of individuals in pursuit of their collective identity, and we present brief discussions of memory and museum mediation.To do so, we use a multidisciplinary bibliography, to our theoretical framework to our field observations, and visitation records throughout the year 2012, which was marked by the celebration of the centenary of its founder, Luiz Gonzaga. KEY-WORDS:

Parque Aza Branca. Luiz Gonzaga. Museum. Study of Public.

Licenciado em História (UFPE); Especialista em Cultura Pernambucana (FAFIRE); Mestre em Ciência da Informação (UFPE); Doutorando em Informação e Comunicação em Plataformas Digitais (UPORTO e Universidade de Aveiro) *

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Introdução

“Minha sanfona, minha voz, o meu baião Este meu chapéu de couro e também o meu gibão Vou juntar tudo dar de presente ao museu É a hora do Adeus De Luiz, rei do baião” Onildo Almeida e Luiz Queiroga

Em fins de novembro de 2012, a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) solicitou a um grupo de funcionários especializados a organização e execução de oficinas de educação patrimonial junto ao setor educativo do Parque Aza Branca (PAB). Foi recomendada, ainda, a realização de oficinas de conservação e restauro de bens do seu acervo. Anteriormente, outro grupo de especialistas já havia visitado as dependências daquela instituição, constatando carências e traçando estratégias, que ficaram registradas em relatórios que foram muito úteis à elaboração do plano de trabalhos para momentos posteriores. Devemos enfatizar que tais ações vieram ao encontro das solicitações do governo de Pernambuco no sentido de preparar a referida instituição para as celebrações, em dezembro de 2012, do centenário de Luiz Gonzaga, no município de Exu, sua terra natal. Ao longo deste trabalho, constatamos grande fluxo de visitantes aos espaços museais. Naturalmente não esperávamos que fosse diferente, tendo em vista a proximidade com a referida data, que, por sua vez, coincidia com o Festival Pernambuco Nação Cultural.1 Evento este que aportaria no Sertão do Araripe, mais especificamente em Exu. Todavia, não podíamos deixar de mencionar a presença – registrada nos livros de visitação do ano de 2012 – de mais de 28 mil pessoas.Trata-se de um quantitativo significativo para os padrões de museus nacionais (Gouveia, 2012), sobretudo se pensarmos em sua localização: a 630 quilômetros da capital pernambucana. Verificamos, em contrapartida, que a referida instituição não desenvolve um estudo de público mais sistemático. Como sabemos que um dos preceitos da Nova Museologia é conhecer melhor o perfil do seu usuário/visitante para ser capaz de fornecer uma experiência museológica mais proveitosa àqueles que batem às suas portas, lançamo-nos nesta tarefa, no intuito de fornecer subsídios, ainda que incipientes, para um estudo do público que visita a referida instituição2. 1 Através de ações descentralizadas espalhadas pelos quatro cantos do Estado, o FPNC visa fomentar a formação cultural, valorizando as manifestações artísticas de cada região. A iniciativa – que engloba ações simultâneas de artes plásticas, circo, cinema, dança, debates, fotografia, literatura, música, oficinas, palestras e poesia – é parte de uma política pública adotada pela Fundarpe desde 2007, que a cada ano estabelece um calendário anual cobrindo todas as 12 Regiões de Desenvolvimento, através de parcerias com os municípios parceiros. 2 Desde o início desta proposta estávamos convencidos da importância de realização desse estudo de público, mas também estávamos conscientes de que tal atividade, implementada em um ano atípico, em uma época atípica – data de celebração do centenário de Luiz Gonzaga –, e em um prazo de tempo tão

curto, poderia nos fornecer uma massa de dados questionável. No entanto a oportunidade que se nos

apresentou, à época, não poderia ser desperdiçada. Sobretudo pelo fato de que em mais de vinte anos de

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Na primeira parte deste artigo, fazemos considerações em torno da mudança de paradigma implementada nos museus no sentido de se apresentarem não mais como lugares sagrados, mas como espaços de convívio, de produção e de construção e reconstrução autônoma de cultura, memória e cidadania. No segundo momento, tecemos um perfil da instituição contemplada em nosso trabalho, para, em seguida, na terceira e última parte, apresentarmos os resultados de nossas entrevistas, em seu viés quantitativo e qualitativo. Para tanto, recorremos a uma bibliografia transdisciplinar para nossa fundamentação teórica, às nossas observações de campo, e aos registros de visitação do museu ao longo do ano de 2012, que foi marcado pelas celebrações do centenário de seu idealizador, Luiz Gonzaga. Do ‘sagrado’ ao ‘profano’: museus de alguns ou de todos? Quando o homem caminhou da oralidade para a escrita, e depois, com a posterior invenção de Gutenberg, as possibilidades de se produzirem registros perenes de uma memória exterior à mente humana se dilataram significativamente. Essa demanda, por sinal, se faria necessária à medida que a quantidade de informação se tornasse superior à capacidade humana de guardá-las todas na memória (Nora, 1993). Esse progresso da memória escrita, através dos registros da informação escrita, pretendido pelos iluministas foi contemporâneo à criação dos primeiros museus etnográficos responsáveis pelo registro, coleção, conservação, transmissão, estudo e interpretação de objetos materiais (Gouveia Junior, 2012). Professando a lógica custodialista e preservacionista de tudo guardar, os museus modernos encontraram sua ascensão enquanto abrigo dos testemunhos da memória dos grupos dominantes desde fins do século XVIII. Sobretudo na França pós-1789 se fundamentaram medidas de conservação do patrimônio histórico – imprescindíveis para que se barrassem movimentos iconoclastas, por vezes, sugeridos quando triunfa uma revolução (Gouveia Junior, 2012). Esses lugares de memória (Nora, 1993), não obstante sua natureza pública, evidenciaram durante muito tempo suas inclinações pouco democráticas. Os objetos ali encerrados – para além da perda de sua utilidade e do ganho de significados múltiplos (Pomian, 1984) – não guardavam relações com o documento ou a perspectiva dos grupos sociais, mas com o monumento e o que Mário Chagas (2002) chamou de coágulos de poder. Ademais, a valorização das obras de arte contidas nos museus não era entendida como possível para aos homens indistintamente. De acordo com a ótica, então em voga, o sucesso profissional e material dos indivíduos, bem como as suas capacidades de percepção e fruição cultural, estariam ligados de modo diretamente proporcional ao seu capital cultural3, isto é, ao tempo que estes frequentaram a escola e as academias de atividade, o museu em questão jamais havia realizado em estudo para melhor conhecer o perfil dos seus visitantes. Naturalmente, estamos atentos para o fato de que a intensificação dessa atividade, bem como novas aferições tanto quantitativas como qualitativas, são fundamentais para a continuidade da busca pela compreensão acerca de que público frequenta o Parque Aza Branca (PAB). Configura-se, desde então, um dever e um compromisso. 3 Não é igual ao “capital humano” dos economistas; é o acúmulo do hábitus técnico e científico dos atores sociais, das objetivações científicas na forma de máquinas ou aparelhos e da institucionalização de títulos e diplomas. O capital cultural pode existir sob três formas: como incorporado, como objetivado e como institucionalizado. O capital cultural incorporado tem como elementos constitutivos os gostos e hábitos dos indivíduos, geralmente, inculcados por seu background familiar. Este, diga-se de passagem, contribui no sentido de facilitar o aprendizado dos conteúdos e dos códigos escolares. O capital cultural objetivado


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formação superior (Bourdieu; Darbel, 2007). A partir dos esforços de manutenção do status quo, o Estado e as classes dominantes forjaram redutos museais que se distanciaram da sociedade e de suas funções sociais em prol do desenvolvimento. Tais noções de guarda ou posse – que se destina àquilo que tem um valor econômico, simbólico ou afetivo, no intuito de evitar o seu esquecimento ou desaparecimento – fazem parte do que Silva e Ribeiro (2011) chamam de paradigma custodial patrimonialista, historicista e tecnicista. Esse modelo funcionou – e, em alguns redutos, ainda funciona – a partir de um quase desejo de afastamento de eventuais usuários/ visitantes, entendidos como inimigos da ordem e provocadores de uma indesejada entropia nos sistemas. Aqueles que controlam os canais de informação, e que se dispõem, de acordo com seus interesses, a construir mitos e editar “a verdade”, manipulando-a (Le Goff, 2003), são os detentores do que Pierre Bourdieu chamou de poder simbólico – forma de domínio invisível exercido, em parte, a expensas da aquiescência, cumplicidade e submissão da maioria (BOURDIEU, 1989). No caso dos museus, vem ao encontro do pensamento bourdieniano a ideia de que, se para os membros do meio intelectual e artístico, as peças de um acervo representam seus instrumentos de trabalho e símbolos de pertença social, para os detentores do poder, por sua vez, tais coleções representam ferramentas que lhes permitem exercer uma dominação neste meio (Pomian, 1984). Esses lugares de memória não se dispunham a convidar o povo; representavam espaços de contemplação sem interação, sem reinvenção, sem vida, sem diálogo. Tais características eram mais do que propícias para a configuração de uma crise4 nas instituições museais (Gouveia Junior, 2012). Essa crise vivenciada pelos museus é fruto de uma espécie de esvaziamento de valor social alcançado pelos próprios lugares de memória, à medida que criaram um abismo de afastamento e alienação entre seus conteúdos e eventuais visitantes. Nessa perspectiva, a alienação aplicada pelas instituições museais em relação ao público não poderia fomentar outro sentimento que não o do afastamento, da indiferença5. Entretanto, em meio ao embate dicotômico entre dominação e libertação, sugerido em nossas considerações, devemos ressaltar que nem toda assimilação do hegemônico pelo subalterno acarreta necessariamente submissão. Do mesmo modo, a simples recusa não é sinônimo de resistência (Bourdieu, 1989). Por outro lado, quando a construção coletiva de uma memória informacional se impõe ao Poder Simbólico, a autonomia supera a alienação e se pode pensar em desenvolvimento social (Gouveia Junior, 2012). configura-se sob a forma de bens culturais – esculturas, pinturas e livros – cuja aquisição depende apenas da compra desses bens. No entanto a sua apropriação simbólica só se processará se o indivíduo possuir os códigos para decifrá-los, sendo necessário o capital cultural incorporado. O capital cultural institucionalizado, por seu turno, evidencia-se através de atestados, certificados, títulos e diplomas escolares (Bourdieu; Darbel, 2007). 4 À primeira vista, as noções de perturbação e desequilíbrio aparecem quase que como sinônimos à ideia de crise, como se não houvesse algo de positivo no insucesso. Ainda que seja sob a forma de reflexão e aprendizagem para que se evite a repetição de erros. A Psicologia, por exemplo, percebe a crise como manifestação temporária de uma ruptura no processo evolutivo, considerando suas consequências tanto positivas quanto negativas. A crise, desse modo, parece ser fundamental para o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade (Carvalho; Borges, Rêgo, 2010). 5 Vale registrar que o termo alienação é derivado do latim alienus, que significa aquilo que pertence a um outro. No próprio dicionário, o termo alienação aparece ligado à ideia de afastamento, de sensação de marginalidade (Ferreira, 2010).

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Diante das cada vez mais rápidas mudanças de valores e significados sociais impostos aos sujeitos pelas Sociedades da Informação e do Conhecimento, os museus se depararam com o desafio de se reinventarem, em busca da projeção de seu valor social. Nessa perspectiva, os museus começaram a se dispor e a se identificar enquanto artefatos sociais a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, deixando de representar um território sagrado e intocável (ICOM, 1972). Assim, negando-se à tarefa de depósito de documentos produzidos pelo homem em sociedade, o museu se apresenta como uma instituição aberta ao público, e executora de um trabalho permanente com a preservação e a divulgação do patrimônio cultural, representado em seus acervos e exposições (IPHAN/MinC, 2005). Apresenta-se, ainda, o museu como um bem simbólico, cuja função social se faz necessária para a afirmação de identidades, e se pauta na valorização da cidadania, da memória, dos saberes dos sujeitos e na democratização do conhecimento nos espaços museais de modo a promover diálogos e trocas interculturais (MinC/IBRAM, 2010). Mediante o acesso integrado ao acervo dos museus, será possível uma maior eficácia na salvaguarda, preservação, exposição, investigação e gestão dos bens patrimoniais.A partir de tais ações se fomentará o acesso pleno e universal aos conteúdos museológicos, permitindo, ainda, um maior diálogo entre recursos humanos e eficiência na gestão de recursos financeiros (Gouveia Junior, 2012) (Gouveia Junior; Galindo, 2014). Tal como em outras instituições, a sobrevivência dos museus depende de estes serem capazes de continuar a oferecer relevantes experiências sociais para as futuras gerações (Bearman, 2012). A partir da apreensão dessa linha de pensamento, as instituições museológicas podem começar a pensar em representar cada vez mais um lugar de todos. O Parque Aza Branca: lugar de morada, memória e mediação 630 km distante da capital pernambucana, o município de Exu abriga aproximadamente 30 mil habitantes numa área de pouco mais de 1.300km². A economia da cidade gira em torno do turismo, já que para aquela localidade convergem visitantes das mais variadas origens6. A maioria deles vem em busca de conhecer, in loco, um pouco mais sobre a vida e a obra de Luiz Gonzaga7. O filho mais ilustre da pequena cidade sertaneja saiu do Sertão aos 18 anos, em 1930, mas o Sertão jamais sairia dele. Tanto é que a partir de sua forma de expressão, que o tornou afamado no Brasil, carregava, em seu matolão, triângulo, gonguê, zabumba, Xote, Maracatu e Baião e muitos outros elementos do seu Pé-de-Serra. Fixou residência novamente em Exu, no fim dos anos 70, passando a ocupar as instalações do Parque Aza Branca (PAB), localizado a 1km do centro da cidade. Esse terreno de quase 4 hectares havia sido comprado por Gonzagão ainda na década anterior. Sua intenção, desde então, era fazer com que aquele espaço se tornasse um museu onde as futuras gerações pudessem conhecer a história de uma das mais importantes figuras da história cultural brasileira e 6 Esses e outros detalhes sobre a cidade podem ser consultados através do site: http://www.exu.pe.gov. br/novo_site/index.php. 7 Informação colhida através de diálogos informais junto a diversos visitantes do Parque Aza Branca.


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embaixador da cultura do povo nordestino. A abertura do parque ocorreu no dia 13 de dezembro de 1982; data da celebração dos 70 anos do Rei do Baião8. Todas essas evocações, naturalmente, são provenientes de nossa memória; a capacidade inerente ao homem coletivo, que nos dissocia dos outros animais, como já dissera Ortega y Gasset (2006). Nesse particular, Jacques Le Goff (2003) nos ensinou a pensar a memória como um fenômeno social, tributário tanto dos sistemas dinâmicos de informação quanto do comportamento narrativo dos sujeitos em sociedade. É válido enfatizar, no entanto, que a memória não só transmite informação, conhecimento e significações, mas cria significados com os quais o cérebro trabalha. E, nesse caso, tais significados, por serem construídos, são dinâmicos; tão mutáveis e múltiplos quanto a identidade do indivíduo e suas possibilidades subjetivas (Menezes, 2007). A memória, percebida como propriedade de conservar e reinterpretar certas informações, é comumente associada a um conjunto de funções psíquicas, por meio das quais se podem atualizar impressões ou informações passadas. Estas, por sua vez, têm o poder de contribuir para o fortalecimento de uma comunidade e para a autoafirmação dos sujeitos em torno da ideia de pertencimento a determinados grupos sociais (Gouveia Junior, 2012). O referido poder que a memória coletiva exerce no tocante à autoafirmação dos grupos sociais em relação a um lugar de memória pode ser experimentado no PAB. Este espaço museológico abriga em suas instalações, além de uma boa estrutura de palco para shows de médio porte, quatro prédios destinados à morada da memória: Casa do Rei do Baião; Museu do Gonzagão; Casa de Januário; e Mausoléu do Gonzagão. Nas três primeiras construções, podemos contemplar objetos pessoais do artista e de seus familiares, instrumentos musicais, indumentária característica, inúmeros prêmios, títulos e homenagens, e uma preciosa coleção de fotografias. No mausoléu, encontram-se os restos mortais de Luiz Gonzaga, de seus pais, Januário e Santana, e de Helena, sua esposa. Em uma visitação a esses espaços, percebemos que o museu em questão está afinado com o discurso do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e do Ministério da Cultura (MinC), já que atua no sentido de se dispor a fomentar e ampliar as possibilidades de construção identitária e coletiva, a produção de conhecimentos, as oportunidades de lazer e a inclusão social, através da democratização do acesso, uso e produção de bens culturais em seus espaços, físicos ou virtuais (IPHAN/MinC, 2005). Esses lugares de memória, de acordo com o Sistema Brasileiro de Museus (SBM), são percebidos como casas que guardam e apresentam sonhos, sentimentos, pensamentos e intuições que ganham corpo através de imagens, cores, sons e formas. Representam, ainda, pontes que medeiam diálogos entre tempos, culturas e pessoas diferentes (Gouveia Junior, 2012). Vale lembrar, nesse sentido, que além de apreciar os acervos museológicos, os usuários/visitantes dos museus têm, cada vez mais, a possibilidade de interagir com as peças em exposição, ressignificando sua cultura e sua memória, como sujeitos dessa ação. Desse modo, de provedores de informação, os mu8 Estas e outras informações sobre a vida e a obra do Gonzagão podem ser encontradas no site: http:// www.recife.pe.gov.br/mlg/gui/ParqueAza.php.

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seus começam a se pensar como mediadores da informação, tendo em vista que fornecem os subsídios para que os seus usuários/visitantes encontrem suas próprias ideias e cheguem às suas próprias conclusões (Semedo, 2008). A mediação cultural9, segundo Jean Davallon (2007), pode ser pensada como ação que visa aproximar o usuário/visitante de uma instituição cultural de seus conteúdos. Tal ação se pauta na construção de uma interface entre o público e o objeto cultural, tencionando que, de alguma forma, aquele se aproprie deste último. No âmbito da comunicação mediatizada, Silva e Ribeiro (2011) nos ensinam que a mediação representa o elo entre aquele que enuncia e o destinatário pelo qual se fundam e garantem a coerência e a continuidade institucionais da comunicação. As inevitáveis relações entre os sujeitos e suas realidades demandam um elemento mediador10, já que “o que se vê é apenas uma parte do que existe” (Pomian, 1984, p.68). É assim que a mediação – que se manifesta na emergência de uma linguagem, de um sistema de representações11 culturais – se dá nos espaços museais. Nesse sentido: […] os museus transformam-se em lugares de contato, de questionamento e de confronto entre colecções e outros, espaço dialógico e de participação cívica por excelência. Lugares que procuram relevância nos diversos níveis da esfera pública, assumindo o micro-espaço público particular importância, pois é, essencialmente, este o nível que envolve a coordenação de comunicação e de espaços de participação cívica (Semedo, 2008, p.32).

Para além de uma abertura irrestrita e um franco convite manifestado pelos museus, é imperativo possibilitar o acesso aos bens culturais e incitar uma aproximação e uma relação mais íntima com esses espaços, envolvendo atividades de mediação dos objetos (Chagas, 2002). Face ao entendimento de que as instituições museais atualmente assumem uma posição de mediadoras de informação e conhecimento, os museus devem ser percebidos como instituições de informação interiorizadas pelos indivíduos e dispostas de modo a facilitar ao máximo o acesso ao seu conteúdo, a autonomia individual e as possibilidades de participação efetiva no poder explícito existente na sociedade, conforme enfatiza Castoriadis (1992). Choveu gente no Sertão: o público que vai à casa do Gonzagão Embora as preocupações no que concerne a fruição do que se expõe nos museus venha ocorrendo há quase cem anos, desde os anos 60 do século XX, as pesquisas de público dos museus – recorrentemente aplicadas na Europa 9 Ao se falar sobre mediadores, faz-se referência aos profissionais da mediação museal ou patrimonial; no entanto a mediação cultural, estética, artística, das culturas ou dos saberes cobre um campo muito mais amplo e uma abordagem muito mais teórica. Nesse sentido, a mediação dos saberes constitui um domínio quase específico, que reenvia, por um lado à mediação da informação e, por outro, aos aspectos sociais ou semióticos da comunicação (Davallon, 2007). 10 No caso do museu enquanto mediador, o ato de possibilitar ao usuário/visitante a oportunidade de um encontro autêntico com os objetos ali expostos permite a construção dos sentidos e significados de tais objetos, bem como de sua relação com o mundo (Chagas, 2002). 11 Esse sistema de representação engendra um sistema social, coletivo, de pensamento, de relações e de sociabilidade.


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e na América do Norte – além de se destinarem a traçar um perfil dos visitantes, ainda funcionam como estratégia fundamental para que tais instituições possam construir um planejamento mais coerente com a realidade e as expectativas daqueles que as procuram (Falk; Dierking, 1992). Nesse sentido, de acordo com Almeida (1995), deve-se considerar a necessidade que os museus têm de entender o processo de comunicação que ocorre em seus espaços, entre as exposições e o visitante, de modo que se possa, efetivamente, melhorar a capacidade de comunicação dessas exposições. Outro fator importante a ser considerado nessas pesquisas de público é que as suas abordagens e os seus resultados podem variar de acordo com a tipologia do museu em questão (Almeida, 2004). Segundo Rosane Carvalho (2005), para além do delineamento desse perfil do público, as pesquisas podem revelar suas motivações e seu comportamento. Nesse sentido, apesar de a visita ao museu, para o senso comum, guardar relação com as atividades educacionais, e, sobretudo, com os níveis elevados de capital cultural (Bourdieu; Darbel, 2007), tem ganhado espaço a noção de que a ida ao museu possa envolver lazer e entretenimento. Nesse aspecto, em relação às três principais motivações para uma visita a um museu, Falk e Dierking (1992) consideram as razões sociais e recreativas; razões educacionais; e razões reverenciais, isto é, quando se busca objetos únicos ou sacralizados. A promoção de estruturas de monitoramento do perfil sociocultural dos usuários e do contexto social de sua visita aos museus denota a importante ferramenta em que tal análise se constitui. Isso porque, a partir da percepção do público e do não-público dos museus, podem-se desenvolver políticas e projetos relacionados à educação. Nesse sentido, vale anotar que, na atualidade: […] os museus compartilham financiamento público e privado com outras instituições e encontram-se inseridos em duas lógicas diferentes e nem sempre complementares: uma lógica de mercado, da indústria cultural, e uma lógica de legitimidade social. Neste contexto a pesquisa de público torna-se uma peça estratégica para a negociação de fundos, para a conquista de credibilidade junto à sociedade e para favorecer uma auto-avaliação institucional considerando os diferentes públicos como parâmetro de qualidade (Köptcke, 2003, p.5).

Podemos acrescentar, ainda, nesse contexto de políticas públicas para os museus12, que se deve valorizar a presença de um Estado mais engajado e focado no sentido de estimular as produções culturais, aliado à atuação de uma sociedade crítica, reflexiva, autônoma e consciente de seu protagonismo nos processos de tessitura de sua cultura e memória. Esse estado de coisas pode revelar um passo importante para que possamos assumir a responsabilidade de sermos bons ancestrais (Gouveia Junior; Galindo, 2014). Dessa forma, podemos perceber a importância da quantificação e qualificação do perfil sociocultural daqueles que frequentam museus. Até porque, reconhecer as suas motivações e demandas é fundamental para que seja possível ajustar as metas de cada instituição de memória às expectativas de seu público. 12 Essas discussões estão presentes no Plano Nacional Setorial de Museus (PNSM), componente do Plano Nacional de Cultura (PNC), que, propondo novas práticas e reflexões acerca da produção simbólica e diversidade cultural; da cultura, cidade e cidadania; da cultura e do desenvolvimento sustentável; da cultura e da economia criativa; e da gestão e institucionalidade da cultura. Para maiores informações, vide: http:// www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2012/03/PSNM-Versao-Web.pdf.

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Almeida (1995) nos chama atenção para o fato de que, na Inglaterra, o curador percebe o visitante como um consumidor, que, evidentemente, precisa gostar do que vê; do contrário, não retornará àquela instituição. É com base nesse entendimento que as exposições são pensadas e adaptadas para públicos específicos. Nesse contexto, é válido enfatizar que os objetivos do museu são construídos tanto ao longo de sua trajetória quanto mediante as relações estabelecidas junto à comunidade do seu entorno, com os visitantes e mesmo com os não-visitantes13. A tessitura dessas relações reflete o contexto social, econômico, político e cultural que delineiam seus projetos – nem sempre explicitados em sua missão (KÖPTCKE, 2003). Ainda assim, muitas instituições museológicas não realizam estudos de público. Esse é o caso, por exemplo, do PAB. Em nossas coletas, em seu viés quantitativo, de acordo com o livro de registro de visitações, constatamos que 28942 pessoas estiveram naquela instituição museológica ao longo do ano de 201214. E nesse particular, verificamos a presença de visitantes provenientes de todos os estados brasileiros e ainda de oito países15. Nesse contexto, há basicamente três momentos em que verificamos maiores fluxos de visitantes no PAB: durante as férias escolares – janeiro e julho –, durante a Festa da Saudade – dia 2 de agosto, em face da rememoração de sua morte –, e nas celebrações por sua data de nascimento – 13 de dezembro. Segundo os métodos de classificação estipulados por Cristina Silva (1989), esse quantitativo de visitantes faria com que o PAB se alocasse no nível médio16 de visitação. No entanto, como já o dissemos, para que este museu pudesse ser, de fato, assim classificado, seria preciso, ao menos que seus números de visitação fossem acompanhados em outros anos, antecedentes e/ou subsequentes ao ano-base, 2012. Daquele quantitativo total obtido, 94,91% são oriundos do Nordeste do Brasil, cujos estados mais assíduos são Pernambuco e Ceará17. Para além do aparente consenso de que os museus atraem os visitantes que se identificam com suas propostas (Almeida, 1995), as explicações mais prováveis para tamanho sucesso entre pernambucanos e cearenses podem ser enumeradas, basicamente, em duas. A primeira delas é a estreita ligação de Luiz Gonzaga com esses dois estados, traduzida em referências expressas em suas letras, objetos de frutíferas parcerias musicais com inúmeros compositores dessas regiões. Perceber-se, décadas a fio, nos versos e prosas do Rei do Baião, em seu cotidiano, festas, 13 Almeida (2004) ao evocar a pesquisa empreendida por HOOD, no tocante à classificação público frequentador; público ocasional e não-público, considera que esta última categoria como aqueles que podem passar até dois anos sem visitar o museu. Todavia, a referida pesquisadora, questiona se tais padrões de classificação provenientes da Europa – onde se tem mais oferta de museus – seria válida para ser aplicada no Brasil. 14 Quase trinta mil visitantes em um ano é um quantitativo que não se pode desprezar, ainda que se saiba que “o sucesso de visitação nem sempre corresponde à qualidade da fruição das exposições” (Almeida, 1995, p.44). 15 Seis da Alemanha, um do Canadá, um de Cuba, três da Colômbia, um dos Estados Unidos, dois da Itália, um de Portugal e um da Nova Zelândia. 16 Silva (1989) considera o nível alto de visitantes, aquele museu que possui um quantitativo compreendido entre 50.001 e 150.000 ou mais visitantes por ano; o nível médio está compreendido entre 5.001 a 50.000 visitantes anuais; e o nível baixo entre 1 e 5.000 visitantes por ano. Parece pertinente registrar que sua pesquisa foi feita em longo prazo: três anos seguidos. 17 Foram contabilizados 11607 visitantes pernambucanos e 11120 visitantes cearenses.


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carências e anseios, gerou entre estas pessoas um sentimento de pertença e afetividade que atravessa gerações. Se seguirmos essa trilha, incorreremos na já mencionada classificação de motivação de visita, proposta por Falk e Dierking (1992), acerca das razões reverenciais. Outra possibilidade de interpretação é no tocante à proximidade geográfica do município de Exu, onde está localizado o PAB, com municípios cearenses, que se constituem cidades-pólo18 em âmbito acadêmico, religioso e médico. No caso pernambucano, Exu está próximo de municípios como Bodocó, Ouricuri, Serrita e Salgueiro – da mesma forma, cantados nas melodias gonzagueanas – de onde provêm, diariamente19, inúmeros visitantes. Fora do Nordeste, o maior número de frequência de visitas, 614 pessoas, é o do estado de São Paulo, principal pólo de atração nacional de migrantes nordestinos. Estes, muitas vezes, rumam para os grandes centros econômicos do país, fugindo das áridas condições de sobrevivência em suas cidades de origem. No entanto, essa mudança de residência não acarreta o abandono de seus valores e sua cultura, e, nesse sentido, as relações entre nordestinos, ou descendentes de nordestinos, que residem em São Paulo com a sua região natal, é traduzida, a título de exemplo, no quantitativo de visitantes ao PAB provenientes daquela metrópole. De modo complementar, aplicamos 155 questionários20 junto aos visitantes do PAB entre os dias 9 e 12 de dezembro. Foram especificamente 4 manhãs e 4 tardes, numa razão de aplicação de 20 questionários por turno. Como já o dissemos, essa primeira etapa de nosso estudo de público foi muito breve e pontual, porém importante, tendo em vista que nenhuma proposta sequer de diagnóstico de perfil do público visitante havia sido anteriormente ensaiada no PAB. Os resultados dessa primera pesquisa, no entanto, podem nos fornecer dados interessantes acerca dos comportamentos e anseios do visitiante. Do total de entrevistados, 107 pessoas (69%) eram do sexo feminino, enquanto que 49 (31%) eram do sexo masculino. Esses dados encontram eco na pesquisa realizada pelo Observatório de Museus e Centros Culturais21 (OMCC, 2008), que indica a tendência dos museus brasileiros, e mesmo estrangeiros, de atrair mais o público feminino. 18 Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha. 19 Atualmente, a instituição funciona, ininterruptamente, de domingo a domingo. 20 Segundo Barbetta (2002), nem sempre é possível aplicar questionários a todos os elementos de uma população de interesse. Por esse motivo, utiliza-se a amostragem – forma de se conhecer o todo, valendo-se apenas de alguns indivíduos dessa população. Naturalmente, as pesquisas amostrais possuem uma margem percentual de erro, que chamamos de E0, no entanto, caso o número de elementos da população (N) seja muito grande, a primeira aproximação do tamanho da amostra, chamada n0, já é suficiente. Neste caso, valem as fórmulas: n0= 1 / E0² e n = N x n0 / N +n0. É válido registrar que n0 é a primeira aproximação do tamanho da amostra; E0 é o erro amostral tolerável (exemplo: 8% = 0,08 – oito pontos percentuais para mais ou para menos); N é o número de elementos da população; n corresponde à amostra ou número de visitantes aos quais foram aplicados os questionários. 21 O Observatório de Museus e Centros Culturais (OMCC) é um programa de serviços e pesquisas sobre as relações de instituições de caráter público com a sociedade. Para o seu funcionamento, conta com uma parceria entre a Fundação Oswaldo Cruz, o Departamento de Museus e Centros Culturais (DEMU/ IPHAN), o Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCT) e a Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE/IBGE). No seu site (www.fiocruz.br/omcc/), podem ser encontradas informações sobre sua atuação, bem como os relatórios das pesquisas realizadas.

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Mais da metade dos entrevistados, 51,6%, era composta por menores de 18 anos. O que, se considerarmos conjuntamente o percentual de entrevistados que afirmaram estar matriculados, seja no ensino fundamental seja no ensino médio22, pode-se revelar, através dessa amostragem, que o grande público do museu em questão é formado por estudantes23. Essa informação, por sua vez, contrasta com o que foi anotado pelo OMCC, uma vez que a pesquisa de 2008 indica o público frequentador dos museus como majoritariamente adulto, entre 20 e 59 anos de idade (OMCC, 2008). A inferência de que mais da metade do público do PAB é proveniente de escolas de vários municípios – predominantemente, pernambucanos e cearenses – parece se confirmar quando indagamos aos entrevistados sobre como eles ficaram sabendo da existência do museu. 49,7% atribuíram à escola ou professor a responsabilidade pela informação da existência do museu. Outros 22,6% dizem se interessar por tudo o que é relativo a Luiz Gonzaga24. Acrescentemos, ainda, a resposta à motivação da visita: mais de 47% atribuíram estar vindo junto com sua escola, enquanto que mais de 38% disseram ter vindo ao museu por se interessar pela temática enfocada. Quando perguntados se vinham àquela instituição pela primeira vez, 66 pessoas (42,6%) disseram que sim, enquanto que 89 pessoas (57,4%) afirmaram ser aquela a primeira vez que vinham ao PAB. Diante do questionamento se gostariam de retornar aos lugares de memória de Luiz Gonzaga, 98,7% afirmaram que sim. Perguntamos sobre a importância dos museus para a sociedade. 8,4% disseram que a Internet tem diminuído a importância da ida aos museus, já que se poderia muitas informações nas páginas virtuais, prescindindo a necessidade de um contato físico com os espaços; 38,7% ponderaram que os museus são lugares que guardam objetos de nossa cultura e que contam a nossa história tal como ela foi; 52,9% consideram os museus como lugares onde a história e a cultura podem ser repensadas e recontadas por nós mesmos. Ainda que os resultados obtidos possam traçar um norte para nossas considerações, devemos seguir os preceitos de Almeida (2004) no sentido de que é preciso cautela quanto às generealizações. Isso porque não se pode ignorar que o que se experiencia no museu é algo complexo e está ligado a contextos pessoais, físicos e socioculturais. Ademais, nenhuma pesquisa por amostragem, por mais completa que possa parecer, irá esgotar os canais de compreensão e as possibilidades de interpretação de todos os fatores envolvidos (Falk; Dierking, 1992). Não obstante, esses índices podem denunciar a consciência da maioria dos entrevistados de que a existência dos museus revela o interesse da sociedade no sentido de criar territórios onde sejam disseminados conceitos e discussões relativos à cultura, identidade e memória. Estão abertos os canais para que se forjem, assim, processos mais profundos de interação, reconstrução e reinvenção das ideias de pertencimento, identidade e memória social (MinC/ IBRAM, 2010). 22 Quase treze por cento dos entrevistados afirmaram estar matriculados no ensino fundamental, enquanto que 51% disseram estar cursando o ensino médio. 23 Esta, aliás, é uma característica bastante comum entre os museus, como já revelaram as pesquisas de Bourdieu e Darbel (2007) e Falk e Dierking (1992), entre outras. 24 Percebemos, assim, a partir da emoção nos rostos e vozes de alguns visitantes, e das ofertas de CDs, DVDs, vinis e fitas cassetes gravadas com músicas, ou chapéus e indumentárias variadas, uma relação de amor, e, de certo modo, devoção à figura de Luiz Gonzaga. Isso poderia nos levar a comparar esses presentes a ex-votos, mas não ousaremos fazê-lo neste artigo.


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Considerações Finais Verificamos que, para muitos visitantes, a ida ao Parque Aza Branca representa a entrada em um lugar mágico, onde se pode tomar contato com a vida e a obra de Luiz Gonzaga de um modo mais intimista. A partir do lugar que escolheu para ser o seu lar, identificando e se identificando com os seus objetos, seus lugares de repouso e de interação com os inúmeros amigos, o visitante parece adentrar numa esfera, de fato, especial. As relações entre as peregrinações e ex-votos a um santuário – como o do Padre Cícero, na vizinha Juazeiro do Norte, por exemplo – e o ingresso nos lugares de memória e morada do Gonzagão e a oferta de objetos, se não podem ser pensadas de modo tão direto como equivalentes, no mínimo nos chamam atenção para um debate ulterior. Pudemos perceber, ao longo deste artigo, como o museu, enquanto instituição de memória, tem-se transformado nos últimos tempos.Tecemos considerações acerca de sua origem atrelada ao sagrado e ao seleto, isto é, no tocante a uma instituição que consagrava objetos e fatos, ao mesmo tempo em que excluía a maioria das pessoas da tomada de decisão e da própria construção de sua história, de sua memória e de seu patrimônio. Anotamos, do mesmo modo, a crise das instituições de memória e a busca por sua superação e pela agregação de valor e significados sociais. De templos da morte, os museus passaram a ser defendidos e pensados como espaços de vida, de construções, de possibilidades e de pesquisa; espaços que representam caminhos por onde se passa, aprendendo e discutindo. Não ignoramos também que a maioria dos museus brasileiros, por sua autodefinição como instituições sem fins lucrativos, acaba enfrentando muitas dificuldades de operação e manutenção, caso não sejam subsidiados direta ou indiretamente pelos órgãos federais, estaduais e municipais de cultura, ou ainda por suas Associações de Amigos. Outra dificuldade enfrentada pelos museus reside no fato de que até 1985, quando foi criado o Ministério da Cultura, as atividades públicas culturais ficavam a cargo do sistema educacional. Nesse sentido, as políticas e práticas culturais atuam no Brasil no sentido de buscar suprir a insuficiência ou inexistência funcional do sistema educacional. Essa vinculação ainda hoje se notabiliza, à medida que a maior parte do público que frequenta os museus é composta por estudantes. O Ministério da Educação, em contrapartida, não dá sinais de que repasse quaisquer recursos para tal serviço prestado pelos museus. Ficam assim ilustradas as dificuldades que as instituições culturais têm enfrentado face à organização das políticas brasileiras de financiamento cultural. Nesse sentido, na atualidade, já não se enxerga mais a cultura como um setor marginal, oneroso e não-gerenciável; e, aos poucos, se fortalece a compreensão por parte de governantes e certos segmentos da sociedade de que as instituições culturais representam potentes instrumentos de ação cultural. Vimos que um estudo de público pode ser o primeiro passo para que um museu possa se perceber, anotar os potenciais e até reavaliar sua missão e seus objetivos enquanto instituição de memória. Este artifício pode contribuir inclusive para que o museu possa se apresentar como entidade dotada de valor social, que carece de atenção e financiamento público para a continuidade de seus serviços.

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Anotamos, ainda nessa perspectiva, que, em muitos lugares, os curadores e museólogos veem o visitante do museu como um consumidor. Tratando-o desta forma, os profissionais acabam por conceber estratégias cada vez mais elaboradas em busca de uma ampla aceitação, que se traduzirá no retorno deste público às dependências daquele espaço museal. Essa visão econômica não deve se afastar, porém, do entendimento de que o museu, o seu acervo e os seus significados partilhados são fruto de negociações, isto é, de uma diálogo inclusivo, que enxerga protagonismo nesses visitantes. A sua responsabilidade de construção conjunta com o museu é algo já defendido há algum tempo pelos entusiastas do Novo Museu. Defendemos, então, um museu, que, consciente de si e de sua importância, apresente-se como unidade de informação e comunicação capaz de transformar indivíduos em sujeitos, promovendo autonomia – através da qual emanam processos informacionais e comunicacionais, que, reconhecidos e legitimados por seus usuários, atuam como catalisadores da produção de conhecimento. Devem, então, os museus, assegurar às pessoas o direito à cidadania, à própria cultura, à criação cultural, ao acesso à informação e sua fruição. O compartilhamento de informação e democratização do seu acesso precisa representar o foco das atenções das instituições museais, para que, dessa forma, seja beneficiada a comunidade e os próprios museus envolvidos nessa missão. Por fim, parece válido acrescentar que a cidadania plena começa a se configurar através da ampliação e da multiplicação dos espaços públicos de educação, de encontro com diferenças, de construção de identidades, de diálogo, de debate e transformação social. Referências ALMEIDA, A. M. A relação do público com o museu do Instituto Butantan: análise da exposição “na natureza não existem vilões”. 1995. 215f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Comunicação) – Escola de Comunicações e Artes. Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995. Impresso. Disponível em: file:///C:/Users/Mario/Desktop/dissertacao_adriana%20mortara.pdf. Acesso em: 21 jul. 2014. _______________. Os visitantes do Museu Paulista: um estudo comparativo com os visitantes da Pinacoteca do Estado e do Museu de Zoologia. Anais do Museu Paulista. São Paulo, p. 269-306, v.12, jan-dez, 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/anaismp/v12n1/20.pdf. Acesso em: 22 jul. 2014. ALMEIDA, Onildo; QUEIROGA, Luis. Hora do Adeus. In: GONZAGA, Luiz. Óia Eu Aqui de Novo. Rio de Janeiro: RCA Victor, 1967. BARBETTA, P. A. Estatística aplicada às ciências sociais. 5.ed. Florianópolis: UFSC, 2002. BEARMAN, D. Informação em museus no contexto social 2012. In: II Seminário Serviços de Informação em Museus, 2012, São Paulo. Anais… São Paulo, 2012. BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand, 1989. ____________; DARBEL, A. O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu público. 2.ed. São Paulo / Porto Alegre: Zouk, 2007. CARVALHO, R. M. R. de. As transformações da relação museu e público: a influência das tecnologias da informação e comunicação no desenvolvimento de um público virtual. 2005. 288f. Tese (Doutorado em Ciência


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Choveu gente no Sertão: primeiras impressões sobre o visitante do Parque Aza Branca

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Pop%25202003%255B1%255D.doc+luciana+sepulveda+koptcke+estudos+de+p%C3%BAblico&hl=pt-BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEESiFRzWMUSVaxSi-cI8 cmajCR1__-2CSK9dlkbdKFbZumK14DUfHq-pZ3ED_kNJYCx-yxAM0w3hRdOiIyNbyOcmW04GtNZfFDOuv0B9KygXFL2TYw6jKnfekcq7IMjKOX5MPYBDK&sig=AHIEtbQC2sUgpTb1F-amTTG_c9tokjvsSw>. Acesso em: 5 mar. 2013. LE GOFF, J. História e memória. 5.ed. Campinas: UNICAMP, 2003. MENEZES, U. B. de. Os paradoxos da Memória. In: MIRANDA, Danilo Santos de. Memória e Cultura: a importância na formação cultural humana. São Paulo: SESC SP, 2007. MINC; IBRAM (Ministério da Cultura; Instituto Brasileiro de Museus). Plano Nacional Setorial de Museus – 2010/2020. Brasília: MinC/IBRAM, 2010. Disponível em: http://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2012/03/PSNM-Versao-Web.pdf. Acesso em 23 jul. 2014. NORA, P. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: PROJETO HISTÓRIA: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP, São Paulo, n.10, p.7-28, 1993. Disponível em: <http://www.pucsp.br/projetohistoria/downloads/revista/ PHistoria10.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2011. OMCC (Observatório de Museus e Centros Culturais). Pesquisa perfil-opinião 2006-2007: análise descritiva preliminar dos dados agregados dos museus participantes da pesquisa em São Paulo. Observatório de Museus e Centros Culturais, 2008. ORTEGA Y GASSET, J. A rebelião das massas. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. POMIAN, K. Colecção. In: Enciclopédia Einaudi. 1. Memória e História. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1984, p.51-86. Disponível em: <http:// flanelografo.com.br/impermanencia/biblioteca/Pomian%20%281984b%29.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2012. SEMEDO, A. Museus, educação e cidadania. In: CAMACHO, Clara; SEMEDO, Alice; SANTOS, Helena; FERNANDES, Carla; VASCONCELOS; Maria João. Actas Conferência – Museus e Sociedade. Caminha: Câmara Municipal de Caminha, 2008. Disponível em: <www.youblisher.com/p/191278-Actas-CMS-2007/ >. Acesso em: 24 nov. 2012. SILVA, A. M. da.; RIBEIRO, F. Paradigmas, serviços e mediações em Ciência da Informação. Recife: Néctar, 2011. SILVA, C. M. de S. e. Pesquisa de público em museus e instituições abertas à visitação – fundamentos e metodologias. 1989. 122f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Comunicação) – Escola de Comunicação. Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989. Impresso.

Artigo recebido em fevereiro de 2014. Aprovado em junho de 2014


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A APLICAÇÃO DE PROCEDIMENTOS DE CONSERVAÇÃO PREVENTIVA EM EXPOSIÇÕES TEMPORÁRIAS PRODUZIDAS PELO MUSEU DE ARTE DA PAMPULHA/ MG Luciana Bonadio * Universidade Federal de Minas Gerais

RESUMO:

A Conservação Preventiva realizada em exposições temporárias é uma das ações do setor de Conservação e Restauração do Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte/ MG, para a preservação do acervo artístico institucional e do acervo de terceiros. Colocadas em prática a partir dos anos 1990 essas ações foram ampliadas em 2008, tendo como referência a publicação Conservación preventiva y procedimientos en exposiciones temporales (2008), além de passarem por várias revisões até os dias atuais. Desse modo, objetivamos: abordar as etapas realizadas pela área de Conservação e Restauração em exposições temporárias; relatar sobre o uso desses procedimentos pelo setor de Conservação e Restauração do Museu de Arte da Pampulha; apresentar a aplicação da metodologia publicada pelo Grupo Espanhol do IIC em uma exposição realizada pelo MAP; e, por fim, mostrar o trabalho do conservador-restaurador no percurso de construção de uma exposição, da pré até a pós-produção, passando pelo período expositivo. PALAVRAS-CHAVES:

preservação, conservação preventiva, exposições temporárias, museu, conservador-restaurador

The application of preventive conservation procedures in temporary exhibitions produced by the Museum of Art Pampulha/ MG. ABSTRACT:

The Preventive Conservation held in temporary exhibitions is one of the actions of the Conservation and Restoration sector in Museum of Art Pampulha, Belo Horizonte / MG, for the preservation of institutional art collection and the other collections. Put into practice from the 1990s these actions were expanded in 2008, with reference to the publication Conservación preventiva y procedimientos en exposiciones temporales (2008), and go through several revisions until today. In this way, we aimed to addressing the steps taken by the area of Conservation and Restoration in temporary exhibitions; report on the use of these procedures by the Conservation and Restoration sector of the Museum of Art Pampulha; present the application of the methodology published by the Spanish Group of the IIC in an exhibition held by the MAP; and, finally, show the work of the conservator-restorer in the course of building an exposure of the pre to post-production, through the exhibition period. KEY-WORDS:

conservation, preventive conservation, temporary exhibitions, museum conservatorrestorer

*

Luciana Bonadio é mestre em Arte e Tecnologia da Imagem pela Escola de Belas Artes da UFMG e especialista em Conservação-Restauração de Bens Culturais Móveis pela mesma escola. É professora do curso de graduação em Conservação-Restauração de Bens Culturais Móveis da EBA/ UFMG desde 2011 e TNS em Conservação-Restauração do Museu de Arte da Pampulha onde atua e coordena o setor de Conservação e Restauração desde 2004.

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Luciana Bonadio

Introdução à Conservação Preventiva A Conservação Preventiva, área da Ciência da Conservação, aborda atividades direcionadas para a preservação e para a manutenção de acervos (museológicos, arquivísticos, bibliográficos, arqueológicos, etc.) sem a atuação direta sobre eles. Ela utiliza-se de procedimentos de prevenção incluindo a segurança, e de controle, os quais são focados nos edifícios e em seus entornos, e principalmente, na utilização criteriosa dos acervos. Esses procedimentos podem ser aplicados ao acervo acondicionado em reserva técnica, em exposição, e também, para obras em trânsito. Essa disciplina, nascida no princípio dos anos 1980, estabeleceu-se no Brasil nos anos 1990 e hoje é a principal área da preservação de acervos em instituições museológicas e em exposições itinerantes. Em 1995, o cientista Gaël de Guichen publicou o artigo “Conservação preventiva: uma profunda mudança de mentalidade” pelo Conselho Internacional de Museus – ICOM. Nesse texto ele fala sobre a importância da conservação como meio de evitar a restauração, bem como a necessidade de mudar a forma de lidar com as coleções: A conservação preventiva é um velho conceito no mundo dos museus, mas só nos últimos 10 anos que ela começou a se tornar reconhecida e organizada. Ela requer uma mudança profunda de mentalidade. Onde ontem se viam objetos, hoje devem ser vistas coleções. Onde se viam depósitos devem ser vistos edifícios. Onde se pensava em dias, agora se deve pensar em anos. Onde se via uma pessoa, devem ser vistas equipes. Onde se via uma despesa de curto prazo, se deve ver um investimento de longo prazo. Onde se mostram ações cotidianas, devem ser vistos programas e prioridades. A conservação preventiva busca assegurar a sobrevida das coleções. (Guichen, 1995: 2)1.

Desse modo, os museus começaram a olhar para as ações de conservação como principal meio de se tratar os acervos, evitando assim, as restaurações invasivas. A conservação preventiva engloba o conhecimento da legislação de patrimônio; o controle ambiental passivo e ativo abarcando a iluminação, a temperatura, a umidade, os gases poluentes e os organismos vivos; a elaboração e execução de projetos relacionados à organização de acervos com definição de mobiliário, formas de acondicionamento de obras e controle ambiental; especificações para manuseio, embalagens e transporte. O principal objetivo de todas essas ações é realizar a conservação dos objetos prezando pela sua permanência e longevidade2. Neste texto vamos nos deter somente aos procedimentos da conservação executados pelo conservador-restaurador. Os objetivos são: abordar as etapas realizadas pela área de Conservação e Restauração em exposições temporárias; relatar sobre o uso desses procedimentos pelo setor de Conservação e Restauração do Museu de Arte da Pampulha (CR/ MAP); apresentar a aplicação dessa metodologia em uma exposição realizada pelo MAP; e, por fim, mostrar o trabalho do conservador-restaurador no percurso expositivo, desde a pré-produção até a pós-produção, passando pelo período da exposição. 1 2

Tradução da autora deste texto.

Nos cursos de graduação em Conservação-restauração de bens culturais móveis, essa área tem se tornado obrigatória durante todo o curso, com disciplinas que abordam desde o gerenciamento da conservação (elaboração e execução de diagnóstico de conservação e montagem de programas de Conservação), passando pelo gerenciamento de riscos e incluindo as ações de salvaguarda.

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A Conservação Preventiva em exposições temporárias no Museu de Arte da Pampulha

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O MAP atua com medidas de conservação preventiva em suas exposições desde os anos 1990. Até o ano de 2008, as atividades realizadas pelo setor de CR/ MAP em exposições temporárias eram restritas, compreendendo os procedimentos prévios de conservação-restauração das obras de arte, os laudos do estado de conservação e o acompanhamento das montagens das obras nos espaços expositivos. A partir de 2008 o CR/ MAP, com o objetivo de aprimorar as ações, passou a atuar em duas frentes: uma com o acervo artístico acondicionado em reserva técnica, direcionada para a conservação preventiva e para a conservação-restauração, e a outra voltada para a conservação preventiva das exposições temporárias do acervo do Museu ou de terceiros. Focalizaremos a conservação das exposições temporárias, tendo como exemplo as atividades desenvolvidas durante os processos de desenvolvimento da exposição País Paisagem: uma expedição pelo Brasil através do acervo do Museu de Arte da Pampulha, produzida somente com obras do MAP. A exposição País Paisagem, fez parte do projeto Museu Andante3, sendo produzida pelo próprio museu com o apoio do Centro Cultural Usiminas da cidade de Ipatinga, local onde foi realizada. Essa exposição, com o período expositivo de 19 de maio a 21 de agosto de 2011, teve a curadoria de Renata Marquez4. Segundo Marquez, esse projeto, (...) investiga as artes visuais como o mediador cultural no processo de transformação da natureza em paisagem ou do país em paisagem. (...) As obras expostas materializam – em pintura, desenho, gravura, fotografia e audiovisual – a metamorfose e a metafísica da paisagem; elas atuam como exemplares das dinâmicas de transformação do nosso país em paisagem, são objetos culturais frutos das relações humanas de intervenção e criação de sentido no território (Museu de Arte da Pampulha, 2011. p.3).

Assim, Rochedo Iluminado, a obra que inicia o percurso de País Paisagem, representa uma paisagem pintada a óleo, do final do século XIX, de autoria de João Baptista da Costa (1865-1926).A partir dessa introdução pela pintura acadêmica, a exposição se abre para as diversas paisagens dos séculos XX e XXI no Brasil, compondo os seguintes territórios: Jogos na relva, Tempos Modernos, Ventania, Brasília, Memória da paisagem e Cicloviaérea. A curadora sugere esse percurso e ainda comenta que há obras que “pertencem a dois territórios ao mesmo tempo, criando pontos de interseção nas fronteiras” (Museu de Arte da Pampulha, 2011: 7). Não nos deteremos a explanar sobre cada território citado, pois o que nos interessa aqui, é a diversidade de materiais encontrados nas obras selecionadas e a sua preservação por meio de ações de conservação preventiva. Começando pelas pinturas, podemos citar as seguintes técnicas: tinta a óleo sobre tela, tinta acrílica sobre tela; tinta acrílica sobre suporte rígido tipo Eucatex®; tinta automotiva sobre madeira e tinta acrílica sobre borracha. Seguindo 3 “O projeto Museu Andante busca levar periodicamente, partes selecionadas do acervo para fora do espaço do Museu, tornando acessível e aberta à visitação uma coleção que abarca várias décadas da produção artística brasileira” (Museu de Arte da Pampulha, 2011: 1). 4 Renata Marquez é doutora em Geografia, Professora de Análise Crítica da Arte na UFMG. Atua em teoria, crítica e práticas curatoriais na interface arte-arquitetura-geografia. Foi curadora do MAP em 2011, realizando as curadorias dos projetos Arte Contemporânea 2011 e Museu Andante. Disponível em:www.geografiaportatil.org. Acesso em 30/06/2014.


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com as obras bidimensionais: desenho com pastel seco sobre papel; nanquim e aguada sobre papel; impressão em offset sobre papel; gravura em metal sobre papel; litografia sobre vinil; impressão em preto e branco sobre papel fotográfico fosco adesivado em PVC; impressão colorida sobre papel adesivado em suporte rígido tipo Eucatex® e cartão postal impresso a partir de fotolito. Nas esculturas temos: baixo relevo em cimento pintado com tinta guache; escultura em madeira; esculturas em pedra; esculturas em bambus pintados com tinta a óleo e vime trançado sobre bicicleta. E, por fim, dois audiovisuais. Essa variedade de suportes, materiais e técnicas, nos mostram a diversidade de obras datadas entre os anos 1950 e a primeira década dos 2000. Com a seleção de obras feita pela curadoria nas mãos, o setor de CR/ MAP, iniciou as documentações e os procedimentos necessários para a preservação das obras, atuando em dois caminhos paralelos: a conservação preventiva e a conservação-restauração. Os formulários e procedimentos das ações de conservação preventiva, elaborados pelo CR desde 2008, têm como referência a publicação Conservación preventiva y procedimientos en exposiciones temporales (2008). Essa publicação foi traduzida para o português e publicada pela Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, no ano de 2012.A edição ampliada, revisada e traduzida é fruto do III Encontro sobre Tratamento de Bens Culturais em Exposições Temporárias, promovido pelo Grupo Espanhol do International Institute for Conservation (IIC) e pela Pinacoteca do Estado de São Paulo5. A partir da sistematização e da normatização das atividades para a conservação em exposições temporárias vistas nesse evento, o CR/ MAP iniciou um processo de mudança em sua atuação, aplicando, em suas atividades cotidianas de produção de exposições temporárias, a metodologia abordada pela publicação citada, bem como promovendo alterações na forma de registro/ documentação dessas atividades. A seguir, apresentaremos a referida metodologia aplicada às ações de conservação-restauração em exposições temporárias realizadas pelo setor de CR/ MAP, exemplificando com a País Paisagem. No entanto, antes de abordar os procedimentos, vale mencionar Paloma Muñoz-Campos, que faz referência às atividades da área de Conservação e Restauração para a construção de uma exposição. (...) a Área de Conservação e Restauro é responsável por toda a informação que incide direta ou indiretamente no bem estar físico dos objetos, a qual deve estar bem relatada e completa. Isso se refere a aspectos como levantamento das dimensões, do peso, do histórico termo-higrométrico e de iluminação, tanto da peça quanto dos detalhes relevantes presentes no Facility Report (Informe de Instalaciones na Espanha), as instruções para o manuseio seguro, as necessidades de transportes e embalagem, os detalhes dos suportes museográficos e as instruções para a montagem (Grupo Espanhol do IIC, 2012: 78).

Diante dessa perspectiva, segue em forma de tabela, as atividades executadas e a documentação gerada pelo CR/ MAP em exposições temporárias. Em seguida, a cada etapa, comentaremos as atividades e a sua relevância para a preservação do acervo a ser mostrado. 5 O evento foi realizado em outubro de 2008 e teve a participação de instituições museológicas de todo o Brasil. A autora deste texto participou do referido evento representando o Museu de Arte da Pampulha.

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Pré-Produção

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1 As atividades assinaladas com asterisco são lançadas no Sistema de Monitoramento de Atividades, Programas e Projetos da Fundação Municipal de Cultura (SMAPP/ FMC). Esse banco de dados possibilita à Divisão de Planejamento, Projetos e Avaliações da Fundação Municipal de Cultura (DVPPA/ FMC) avaliar as atividades dos projetos executadas durante uma gestão pública de quatro anos. 2 Quando as obras pertencerem a terceiros essa primeira vistoria acontecem juntamente com o setor de Museologia e com a Curadoria da exposição.


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Na pré-produção o objetivo maior é encaminhar aos setores que realizarão a produção da exposição – Museologia e Produção, as condições de conservação de cada obra, incluindo o estado de conservação e os procedimentos que deverão ser realizados para que elas possam ser expostas sem correrem riscos de deterioração; os materiais e os serviços necessários para os procedimentos de conservação e de restauração e o cronograma de atividades do CR, que deverá integrar o cronograma geral da produção da exposição. Muñoz-Campos ressalta que Não basta que o restaurador seja contratado para a montagem, é necessário que muito antes desse momento os especialistas em conservação tenham ditado uma série de pautas, as quais condicionarão divisões orçamentárias importantes no conjunto do investimento expositivo (Grupo Espanhol do IIC, 2012: 78.)

Com referência a esta citação, devemos lembrar que no MAP o conservador-restaurador faz parte do corpo técnico da instituição e participa desde o início da concepção da exposição. E que, juntamente com o setor de Museologia, primam pela preservação das obras.Ainda, como relata Muñoz-Campos, Sem se mostrar catastrófica, a área de Conservação e Restauro deve alertar sobre a confluência de riscos em determinados estágios do projeto e velar pelo cumprimento dos padrões de qualidade em aspectos tais como os materiais empregados, a qualificação e capacitação dos profissionais que têm contato direto com as obras, ou o cumprimento das condições de temperatura e umidade exigidas pelo comodante (Grupo Espanhol do IIC, 2012: 79).

Para a exposição País Paisagem a primeira ação do CR/ MAP foi analisar o estado de conservação das obras. A Curadoria e o setor de Museologia, guiados pela conservadora-restauradora responsável pelo acervo, discutiram sobre a participação de algumas obras ainda dentro das reservas técnicas, antes da emissão do parecer sobre o estado de conservação das obras a serem expostas.Assim, definimos aquelas que estavam em bom estado para a exposição, aquelas que passariam por intervenções de conservação-restauração podendo, posteriormente, serem expostas e as que por estarem muito fragilizadas não deveriam fazer parte da mostra. Após a visita as RTs e enquanto uma análise mais detalhada das obras era executada pelo CR, reuniões do referido setor com a Curadoria e com a equipe da Expografia foram essenciais para o início do desenvolvimento do projeto expográfico. Realizamos, também, uma visita técnica ao espaço expositivo do Centro Cultural da Usiminas com o objetivo de conhecer as instalações locais. In loco, constatamos as condições ambientais; solicitamos a colocação de dimmer na iluminação artificial que foi avaliada por meio de testes prévios com medições de lux; apontamos os locais mais e menos frágeis para a colocação de determinados tipos de obras e definimos as áreas para o acondicionamento das obras em caixas no momento da chegada para a montagem. Dessa visita tivemos como resultado o parecer técnico sobre as instalações que foi encaminhado ao setor de Museologia do MAP.Vale ressaltar que especificamente para essa exposição, o setor de Museologia do MAP executou a produção6 juntamente com a equipe do Centro Cultural da Usiminas. Ao finalizarmos as atividades da pré-produção, iniciamos as atividades da etapa da produção da exposição.

6 A produção da exposição normalmente é realizada por uma equipe de produção. No entanto, para a País Paisagem, o setor de Museologia se encarregou também dessa atividade.

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Produção

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Na etapa de Produção de País Paisagem organizamos duas frentes de trabalho: parte da equipe passou a dedicar-se às montagens de obras em molduras e passe-partout, além de preparar e executar os laudos do estado de conservação, e parte, voltou-se para a conservação-restauração de pinturas e esculturas. A maioria das obras apresentava-se com sujidades superficiais, as quais foram limpas, e apenas uma escultura e duas pinturas passaram por intervenções de restauração7. Com as obras preparadas para a exposição e com os devidos laudos do estado de conservação realizados, acompanhamos as embalagens de cada uma. As obras foram embaladas e colocadas em caixas de madeira especialmente construídas para cada uma e de acordo com as recomendações encaminhadas na etapa de pré-produção ao setor de Museologia8. Nas caixas, por questão de segurança, figuravam em etiqueta de papel somente o nome da instituição, o título da mostra e o número da obra na lista de obras, além dos ícones de segurança. Elas foram posicionadas, organizadas e imobilizadas dentro do caminhão 7 O tempo para a execução de todas essas atividades era insuficiente e para poder realizá-las de forma segura e ágil, contamos com o apoio do setor de Conservação e Restauração do Museu Histórico Abílio Barreto, que também é um equipamento cultural da FMC. 8 Essa atividade é de responsabilidade do setor de Produção, mas como dito anteriormente, quem realizou toda a produção técnica da exposição foi o setor de Museologia e o Centro Cultural da Usiminas.


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e seguiram para Ipatinga. Solicitamos um caminhão com suspensão pneumática e elevador hidráulico (plataforma) para que as obras sofressem o menos possível com os impactos e as trepidações na estrada. Reafirmamos a importância de uma transportadora especializada em transporte de obras de arte para a realização do traslado das obras. Com caminhão apropriado e pessoal treinado para manuseio e embalagens, garantimos um transporte seguro e livre de imprevistos. As atividades da conservação preventiva na pré-produção e na produção são de fundamental importância para a preservação das obras em trânsito. As recomendações, procedimentos e documentações devem auxiliar e garantir que sinistros não aconteçam. A troca de informações deve se dar de forma clara, objetiva e de acordo com o fluxograma proposto no início dos trabalhos. Da preparação da exposição, passando pela montagem até a abertura para o público, as ações devem ser executadas por cada área de competência: “Gestão/ organização, Curadoria/ Científica, Comunicação/ Educação, Conservação/ Restauro e Design/ Montagem” (Grupo Espanhol do IIC, 2012: 33). Dessa maneira, com a participação de profissionais especializados para cada área, com funções e responsabilidades distintas é possível construir e manter uma exposição sem que imprevistos aconteçam. Período Expositivo

As vistorias semanais das obras de País Paisagem foram realizadas pela equipe do Centro Cultural da Usiminas. O CR/ MAP fez uma vistoria detalhada durante o período expositivo, com higienização e conferência da iluminação. Observamos que, apesar do local da exposição ter poucas aberturas para a área externa do edifício, a entrada de particulados foi maior que a esperada. A causa é a localização do Centro Cultural pela proximidade com áreas de mineração e de transporte de minério de ferro. Além disso, nada mais foi constatado e pequenos ajustes foram realizados na iluminação da parede onde se encontravam algumas obras sobre papel, mais frágeis à luz. Com o período expositivo finalizado, iniciamos os procedimentos da pós-produção


Luciana Bonadio

Pós-produção

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Na exposição que utilizamos como exemplo não ocorreram sinistros. Mas, se em algum momento houver um sinistro, devemos realizar a seguinte atividade:

A documentação produzida durante todo o processo citado tem o objetivo de registrar os procedimentos como forma de assegurar a conservação realizada e também como forma de termos ao final da exposição uma memória do processo do ponto de vista da conservação. Com as obras devolvidas ao cedente, demos por encerrada a ação do CR/ MAP e a documentação gerada foi encaminhada ao CEDOC/ MAP. Essa documentação passou a fazer parte do dossiê da exposição, que integra a série Exposições. Ao entrar no CEDOC, a documentação é processada e liberada para o acesso ao público/ consulente. Nesse processo, e também no dia-a-dia do CR/ MAP, prezamos pela realização das etapas relatadas, ressaltando a importância de todas essas atividades, da documentação gerada e do cumprimento da preservação das obras em exposições e em trânsito. A mudança de posicionamento proposta pelo setor CR há seis anos gerou inicialmente discussões, resistências e rupturas. Mas, tendo a corroboração das


A aplicação de procedimentos de conservação preventiva em exposições temporárias produzidas pelo Museu de Arte da Pampulha/ MG

chefias da instituição para a implementação dessa metodologia, persistimos. E hoje, esses procedimentos já estão absorvidos por toda a equipe técnica do Museu que colabora com críticas e ajustes, aprimorando a nossa atuação. Com o planejamento dessas atividades bem elaborado e executado, sem

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fadigas e sem estresse, deixamos de colocar em risco as obras e também a nossa saúde e bem-estar. Em consideração final, constatamos o envolvimento de toda a equipe técnica do MAP, com sua dedicação, competência e adoção de procedimentos que reforçam um dos principais objetivos do Museu de Arte da Pampulha: a preservação do acervo artístico dessa instituição. Referências ARECHAVALA, Fernando, FERNANDEZ, Charo, MUÑOZ-CAMPOS, Paloma e TAPOL, Benoit de. Conservación preventiva y procedimientos en exposiciones temporales. Madrid: Grupo Español del International Institute for Conservation of Historic and Artistic Works e Fundación Duques de Soria, 2008. GRUPO ESPANHOL DO IIC – International Institute for Conservation (org.). Conservação preventiva e procedimentos em exposições temporárias. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, 2012. GUICHEN, Gaël de. La Conservation Préventive: un changement profond de mentalité. Study series, Bruxelas: ICOM-CC/ULB, v.1, n.1, p.4-5, 1995. Disponível em: http://icom.museum/study_series_pdf/1_icom-cc.pdf. Acesso em 26/06/2014. MUSEU DE ARTE DA PAMPULHA. País Paisagem: Uma expedição pelo Brasil através do acervo do Museu de Arte da Pampulha. Belo Horizonte: Museu de Arte da Pampulha, 2012. Catálogo de exposição.

Artigo recebido em junho de 2014. Aprovado em agosto de 2014


Luciana Bonadio

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EX-VOTOS PICTÓRICOS: TRADIÇÃO E PERMANÊNCIA DE PORTUGAL AO BRASIL José Cláudio Alves de Oliveira * Universidade Federal da Bahia

RESUMO:

O presente trabalho reserva-se à apresentação do ex-voto, objeto colocado, através do ato da desobriga, em santuários católicos, em específico, nas salas de milagres, com tradição advinda de Portugal. Aqui, um recorte das produções do Projeto Ex-votos do Brasil: etapa museus, que incursionou em museus e salas de milagres de 17 Estados brasileiros, e em algumas regiões de Portugal, espaços consagrados ao patrimônio cultual, que trazem, dentre suas riquezas, a natureza testemunhal da fé, e que apresentam histórias de vidas, retratadas em suportes pictóricos, fotográficos, bilhetes, esculturas, objetos orgânicos e objetos industrializados, apresentando situações individuais e coletivas que enaltece a memória social, que no Brasil adveio de Portugal, e que hoje se mostra uma contínua e rica tradição. KEY-WORDS:

Ex-votos; religiosidade; arte; lusofonia; memória social.

*

ABSTRACT:

This work aims to present ex-voto, through the release of the vow in catholic sanctuaries, more specifically, in the miracle rooms, with tradition that comes from Portugal. Here, a clipping of the production of the project ex-votos in Brazil: phase museums, which has been presented in museums and miracle rooms of 17 Brazilian states and also in some regions of Portugal, places dedicated to cultural heritage that have, among their richness, the testimonial nature of faith, and that presents histories of life, portrayed in pictoric and photographic supports, notes, sculptures, organic objects and industrialized objects, presenting individual and collective situations that exalt social memory which, in Brazil have come from Portugal and nowadays remains a continual and rich tradition. KEY-WORDS:

ex-votos; religiosity; art; lusophony; social memory.

Doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea, com Pós-doutorado em Comunicação Social na Universidade do Minho, Portugal, sob a orientação do Dr. Moisés Lemos, fomentado pela CAPES. Professor do PPG Museologia da UFBA. Coordenador e pesquisador do Projeto Ex-votos do México, vinculado ao CNPq e FAPESB. Coordena o Núcleo de Pesquisa dos Ex-votos. Membro e Conselheiro do MAE-UFBA, Museu de Arqueologia e Etnologia. E-mail do autor: claudius@pesquisador.cnpq.br

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Ex-votos pictóricos: Tradição e Permanência de Portugal ao Brasil

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José Cláudio Alves de Oliveira

O ex-voto O ex-voto é considerado um testemunho colocado através da desobriga em salas de milagres de igrejas e santuários católicos, em formas variadas de bilhetes, esculturas, quadros pictóricos, fotografias, mechas de cabelo, CDs, DVDs, monóculos, enfim uma infinidade de objetos que encontrados em sala de milagres, cruzeiros, cemitérios e museus. Em um dicionário da língua portuguesa encontra-se a seguinte definição: “Quadro, imagem, inscrição ou órgão de cera ou madeira etc., que se oferece e se expõe numa igreja ou numa capela em comemoração a um voto ou promessa cumpridos”. (Ferreira apud Oliveira, 2013). As enciclopédias nacionais brasileiras seguem a mesma linha definidora do dicionário, ao conceituarem o ex-voto como quadro ou objeto suspenso em lugar santo, em cumprimento de promessa ou de memória de graça obtida. Ou ainda definindo-o como expressão de culto que quase sempre assume forma retributiva, concretizada na oferta de elementos materiais, em agradecimento de qualquer intervenção miraculosa ou graça recebida. (Id.) Esculápio, médico na Antiguidade, na Grécia, recebia daqueles a quem curava, a reprodução do braço, perna ou cabeça do doente. Objetos que traziam em suas formas os traços, as marcas e os sinais, artisticamente detalhados, dos males ocorridos nas referidas partes do corpo. Esse costume se generalizou a partir dos gregos, tomando conta, por volta de 2000 a.C., de grande parte do Mediterrâneo, em locais sagrados, santuários, onde os crentes pagavam suas promessas aos seus deuses. Os santuários de Delos, Delfos e Epidauro, na Grécia, notabilizaram-se pela quantidade e qualidade das ofertas recebidas. (Ib) Hoje, no mundo, os pequenos e grandes santuários católicos apresentam acervos efêmeros em suas salas de milagres. Objetos que ficam por pouco tempo nas salas. Objetos que vão para museus, e outros que simplesmente somem por algum tipo de descarte. Salas famosas como as de Nossa Senhora Aparecida, no Brasil, Lourdes, na França, Cartago, na Costa Rica e outras, apresentam a riqueza tipológica desses objetos, acompanhada por acervos musealizados, como em Guadalupe, no México, Fátima, em Portugal e Aparecida, no Brasil. Os objetos ex-votivos, em sua diversificada tipologia, primam-se de riqueza e se encontram multidisciplinarmente, passíveis de estudos em diversas ciências: são testemunhos históricos, fontes artísticas, media da cultura popular, fonte de literatura, da religiosidade católica; media que atesta variados valores do homem, e que, por divulgarem mensagens, mostram-se em múltiplas linguagens, desafios para as ciências das letras, da comunicação e da informação. São quase que infinitos os tipos de ex-votos conhecidos, condicionando-se o maior número de determinado modelo ao próprio meio geográfico, embora isso não seja determinante, pois encontraremos modelos nordestinos na região Sul do Brasil, como podemos notar no Centro-Oeste também uma tipologia encontrada no Norte e Sul. A similitude entre Brasil, México e Portugal. Há diacronia nessas regiões, como também um grande distanciamento na tipologia encontrada nos EUA. Claro que estéticas serão predominantes em vários locais, mas os modelos se dissipam por regiões afora e além das terras brasileiras, da América do Norte e Central. Toda essa aproximação e riqueza tipológica demonstram a expansão das romarias e peregrinações no mundo católico, que traz essa tradição milenar, e que os portugueses trouxeram para terras brasileiras no século XVII.

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Sociedade e tradição

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Peregrinações, romarias, turismo ou simplesmente ir com fé, são os canais que fomentam a tradição ex-votiva. Um fator que advem da cultura do período romano antigo, e que o mundo ibérico assumiu e difundiu com a fé católica. Romaria é uma viagem ou peregrinação religiosa, especialmente a que se faz por devoção a um santuário, embora romaria não seja privilégio apenas da religiosidade. Pode ser também uma festa popular de arraial que, com danças, comezainas etc., se celebra em local próximo a alguma ermida ou santuário no dia da festividade. E grande número de gente aflui a um lugar, enfim, uma multidão. Assim, as definições de romaria, em sua maioria, tem o sentido religioso, para a crença e para uma riqueza cultural, pois há uma convergência de elementos – de interesses folclórico, artístico, histórico e etnográficos, como os cantos, as danças, a indumentária, os alimentos, as cores etc. Reminiscências de velhos costumes exteriorizam-se no clima propício das romarias que vieram, por tradição, trazidas de Portugal para o Brasil a partir do século XVII. Os romeiros ofereciam objetos aos santos, rezavam e cantavam para eles, faziam a desobriga de ex-votos no cumprimento de suas promessas e no pedido de uma graça. Hoje, os principais centros de romarias, no Brasil, são: Nossa Senhora de Nazaré, em Belém do Pará; São Francisco de Canindé, em Canindé no Ceará; Juazeiro do Norte, no Ceará; Santuário do Nosso Senhor do Bomfim, em Salvador na Bahia; Bom Jesus da Lapa, também na Bahia; e Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, em Aparecida do Norte, no Estado de São Paulo. Em Portugal, a concentração das maiores romarias está nas regiões dos distritos do Alentejo (grande centro de coleções de ex-votos), Aveiro, Beja, Braga e Bragança, e que culmina com o seu maior centro de peregrinação e romarias: Fátima. Milhares de peregrinos se dirigem anualmente a esses santuários, crentes de que esses espaços sagrados são os locais propícios para o pedido e o pagamento das promessas. Crença de que é no santuário que o milagre pode se concretizar. A romaria não tem data específica para os diversos e milhares de crentes. Ela pode acontecer a qualquer dia, a qualquer momento. O que é específico é a data da festa do santuário ou do padroeiro. As romarias aumentam de número e são organizadas em abundância. Inclusive, além das organizadas por pessoas que contratam caminhões para seu transporte em longas distâncias, muitas são promessas que donos de caminhões fizeram com o intuito de levar romeiros aos santuários, o que pode ser constatado pelas centenas de veículos que se dirigem para os centros de romarias. São esses movimentos, seja de pequenos grupos, seja marcados por grandes grupos, que ajudaram e ajudam no crescimento tipológico dos ex-votos nas salas de milagres (Sameiro e Matosinhos) ou em lugares esparsos (Fátima e Penha do Rio de Janeiro), onde as pessoas desobrigam os seus objetos com o propósito da fé, mas que efetivamente enriquecem e mantem a tradição ex-votiva.


José Cláudio Alves de Oliveira

Arte e tradição As pinturas ex-votivas, em telas, tábuas ou papel, são as primeiras formas de ex-votos tradicionais a serem analisadas por pesquisadores, principalmente pelo seu caráter documental – rica mídia –, que se projeta como importante testemunho de seu tempo. Seu aspecto narrativo estimula o espectador a descobrir não só conotações religiosas subjetivas, mas também a realidade de um tempo e um espaço específico seja no meio rural ou urbano, em qualquer tempo, desde que projetem os acontecimentos. O ex-voto pictórico, marco tradicional dos ex-votos, hoje pouco trabalhado no Brasil, largamente produzido no México, Itália e Portugal, traz em sua mensagem a escrita e a imagem encenativa, que conta uma história, e se mostra um forte veículo de emoções. O discurso que aparece nas tábuas e telas ex-votivas, produzidas em Évora (PT) e Matosinhos (BR) (v. Imagem 1), dentro de seus elementos constitutivos, pertence ao alfabeto de uma escrita implícita, na qual a história narrada é a sintaxe. Como explica Prampolini (1983), referindo-se ao que Frida Kahlo toma dos Ex-votos: “Frida recoge del alma popular del exvoto (...) la sinceridad, el infantilismo

de las formas y la realización de una verdad dicha de tal manera que parece encerrar una mentira, porque no hay limites que demarquen el mundo de lo real (…) y el mundo de la invención…” (p. 37)

No ex-voto está expressa uma verdade subjetiva que parece mentira aos olhos incrédulos ou “cultos”, e é tão real o acontecimento como a intervenção “extraterrestre” (no sentido espiritual) que se torna possível no milagre. (Id, p. 47)

Imagem 1. Ex-voto setecentista de Matosinhos, Brasil. Menagem: Merce que fez o Senhor do Bomfim a Maria da Silva, que estando [ ] Sua sogra doente de bixigas já dezeganada de serugõens e Medicos e [ ] Apegadoce Com o Senhor, Logo teve saúde a da sogra no anno de 1778. Créditos Projeto Ex-votos do Brasil.

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As convenções artísticas nas pinturas votivas brotaram de um interesse e participação coletivos, por isso a linguagem do ex-voto popular, seja do século XIX ou do XX, é similar na Europa e na América. Anita Brenner (1929) observou que “tanta gente atarefada pintando coisas comuns a todos, acabou desenvolvendo uma linguagem”. Na sua tradição, disseminada da Europa às América, o ex-voto usa uma dupla narração: imagética e verbal. Em geral, a imagem, ou imagens milagrosas, vem na parte superior, proporcionando o redimensionamento do espaço celeste. O texto, em verbete, aparece na parte inferior, na maioria dos exemplos, embora haja tipos em que a narrativa textual, já no século XX, é colocada na parte superior central ou em diagonal superior. O texto oferece um comentário sobre o sucesso representado e em geral é curto e bastante objetivo. Ao mesmo tempo, as palavras são usadas como recurso prático da composição, para tecer uma informação mais precisa do fato ocorrido, do nome do padroeiro, da enfermidade, do estado do convalescido, a depender do caso, como o documentado em março de 2009, no santuário do Divino Pai Eterno, em Trindade, Brasil. O ex-voto, que data de 1933, em ótimo estado de conservação, narra um desastre ocorrido em uma estrada rural, num carro de boi, quando um senhor e um menino foram salvos. (V. Imagem 2) A imagem traz três pessoas, duas socorrendo uma criança que está dentro do carro virado, logo à frente os animais de pés. Logo abaixo está a legenda, em cinco linhas tecendo o sintético discurso. Em toda a produção não há sinais de santos ou do padroeiro, seja ao alto, seja ao lado do fato narrado.Tal característica foge, de certo modo, da síntese pictórico-verbal que foi herdade de Portugal, quando o padroeiro está presente entre nuvens no acontecimento.

Imagem 2. Ex-voto pictórico no Santuário de Trindade, Goiás, Brasil. Mensagem: Desastre ocorrido com o sr. Geraldo Cândido de Queiroz e o menino Manoel Gerônimo, em sua fazenda-Mun.Aparecida de GO.-em Março de 1933 – Chamando pelo Divino Pai Eterno, foram socorridos, e o menino que teve a perna quebrada, recuperou totalmente, ambos rendem graças ao Divino Pai Eterno.Créditos Projeto Ex-votos do Brasil


José Cláudio Alves de Oliveira

Outras características marcantes que sobressaem na maioria das tábuas e telas ex-votivas são a ortografia, a fonética e o uso de termos da linguagem coloquial que deixam em evidência o nível cultural do “pagador da promessa” ou até mesmo do “riscador de milagres”. As legendas são redigidas em geral na terceira pessoa, com sintaxes nem sempre claras, num vocabulário popular e sem ortografia apurada, mas é importante assinalar que tudo isso mostra a espontaneidade, e provoca a simpatia de quem contempla os ex-votos pictóricos. Além do mais, mostra que, no universo comunicacional dos ex-votos, a gramática “errada” traz a compreensão no observador. (Luhmann apud Oliveira, 2013) Por outro lado, cabe assinalar uma preocupação pela caligrafia em que a maioria dos ex-votos pictóricos apresenta. O predomínio do verbo “invocar”, sempre em menção ao milagre que fez tal santo após fulano ter invocado o pedido àquele padroeiro em um difícil momento. Nos espaços pictóricos dos ex-votos há simultaneidade em dois caminhos: o da vida diária do crente e o sobrenatural da imagem divina, o qual oferece uma ampla gama de possibilidade à fantasia do artista (riscador de milagres) que tece a obra a partir da narrativa do crente. O mesmo acontece com as cartas ex-votivas, de pessoas que ditam para a pessoa que sabe escrever, fatores ainda recorrentes em diversos no Brasil e em Portugal. Os ex-votos possuem uma iconografia e simbologia próprias. A presença da divindade é um dos elementos definitivos do ex-voto, pois rompe com os fatos visíveis do mundo e “estabelece a realidade de todos os demais elementos integrados à pintura, proporcionando significação e movimento”. (Prampolini, 1983, p. 58) Em geral as imagens sagradas estão suspensas por conjuntos de nuvens na parte superior para realçar o feito sobrenatural. Em alguns momentos, trata da hierarquia, quando figuras de maior importância ganham mais destaques. O estudioso desse assunto poderá perceber arranjo entre espaço, ambiente, luz e movimento na cena. No entanto, poderá compreender que o impulso da técnica objetiva tratar de um mundo de esperança onde é possível o milagre. Precisamente por isso situa elementos heterogêneos do mundo da invenção e do símbolo, mas distante do tempo cronológico e do espaço natural. (Calvo, 1994, p. 73). Tudo (des) enquadrado com as mãos da cultura popular, do riscador de milagres que enriquece a Comunicação Social, a História da Arte, as Letras, a Semiótica, a História, e substâncias particulares do tempo, como a moda, os objetos utilizados no tempo, o mobiliário. O espaço pictórico do ex-voto tende a distorção, como se a encenação e sua ação estivessem a ponto de englobar o espectador. Em alguns exemplos as figuras invadem a paisagem ou certos interiores, formando um desenho uniforme. Sem dúvida, as pinturas ex-votivas mostram um momento que busca enfatizar certo expressionismo das pinceladas: linhas palpitantes e aplicação de fortes cores justapostas. Assim, o ex-voto – pictórico e escrito – cobra um forte caráter de dramatismo e logra nos espectadores um grande número de emoções e, consequentemente, são impulsionados a participarem da narração intimista do sucesso. Para analisar um acervo ex-votivo, e defini-lo como fonte rica e importante para a história da arte e as artes plásticas, deve-se estudar os signos (variação) de sinais utilizados nas diferentes linguagens (artísticas, escritas, fotográficas), sua natureza específica e os códigos, regras que governam o seu comportamento e

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utilização. (Vovelle, 1987) Tal forma investigativa se aflora a cada momento em que um tipo mais hermético é catalogado, como placas de automóveis, roupas, mechas de cabelo, aparelhos ortopédicos, computadores etc. Deste modo, a decodificação dos signos para elucidar as mensagens e histórias de vida será feita a partir da semântica, ramo da semiótica que estuda os significados, que decodifica uma mensagem a partir dos signos. (Eco, 1991). Umberto Eco escreveu um livro inteiro sobre o signo e nele apresenta várias noções distintas. Não há necessidade de expor todas, mas apenas algumas que se aproximam do tema Ex-voto: “Imperfeições, indício, sinal manifesto a partir do qual se podem tirar conclusões e similares a respeito de qualquer coisa latente. (...) Qualquer processo visual que reproduza objetos concretos, como o desenho de um animal para comunicar o objeto ou o conceito correspondente”. (Eco, 1977, p. 15-16) A semiologia estuda os signos, passíveis de serem visualizados em suas infinitas formas, com o auxílio, evidente, de estudos interdisciplinares. E, a partir dos dois dados de Eco, pode-se remeter ao ex-voto a questão sígnica e simbólica. Isso implica, inclusive, na perspectiva do objeto enquanto testemunho, pois a semiologia permite ler, desvendar o aspecto signológico dos objetos que trazem indícios de fatos, acontecimentos e narrativas. Assim, o ex-voto‚ nas formas escrita, artística – em bi e tridimensão –, como miniaturas de casas colocadas nas “salas de milagres”, muletas (símbolo da enfermidade ou desenfermidade), enfim uma infinidade de objetos passíveis de serem analisados e interpretados, um mundo em que a percepção visual e táctil reserva para a decodificação-explicação da comunicação entre o crente e a divindade. (V. imagens 3 e 4). O que se nota, hoje, é a força que tem a arte (pela carga simbólica que traz em seu bojo) em representar os elementos significativos de uma dada sociedade. O trabalho, e a constante produção-reprodução de símbolos que retratam e desenvolvem o modus vivendi, a crença e as atitudes são pertinentes a uma comunidade e constituem uma constante essência da produção cultural, que desemboca consequentemente na identidade cultural, tornando vivo o referencial significante da civilização, um contributo imenso do movimento lusitano chegado ao Brasil, e que se torna constante. Como também, uma tradição que, em Portugal, permanece nos seus ricos santuários católicos. Referências BRENNER, Anita. Idols behind altars. New York: Payson and Clarke Ltd, 1929 P. 189 CALVO, Thomas. “Paysages: une lectue des ex-voto mexicains 1870-1990“. In: ALFL, Revista Cultura del IFAL, n. 14, 1994. P. 73 ECO, Umberto. O Signo. Lisboa: Progresso, 1977. 180 p. ______. Estrutura ausente - introdução à pesquisa semiológica. 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 1991, 427 p. il. LANGER, Suzanne. Filosofia em nova chave. São Paulo: Perspectiva, 1971. 210 p. LUHMANN, Niklas. (1992) “Teoria dos sistemas, teoria evolucionista e teoria da comunicação”. In: LUHMANN, Niklas. A improbabilidade da comunicação. S/l: Vega.. Partes II-IV. p. 96-126


José Cláudio Alves de Oliveira

OLIVEIRA, José Cláudio Alves de. (2013) “Da Folkcomunicação à semiologia: Os três vetores metodológicos para o estudo dos ex-votos”. In: INTERCOM 2013 - XXXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, em Manaus, Amazonas. (CD ROM e disponível em http://www.intercom.org.br/livroprograma2013.pdf PRAMPOLINI, Ida. El surrealism y el arte fantástico de México. 2 ed México: IIE, Universidad Nacional Autónoma de Mexico, 1983p. 60 Projeto Ex-votos do Brasil. http://projetoex-votosdobrasil.net/. Acesso em 11 de maio de 2014 SANTAELLA, Lúcia. Cultura das mídias. São Paulo: Razão Social, 1992. 137 p. VOVELLE, Michel. Ideologia e mentalidades. Tradução de Maria Julia Goldwasser. São Paulo: Brasiliense, 1987. 416 p.

Artigo recebido em maio de 2014. Aprovado em julho de 2014

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PERFIL DOS VISITANTES DO MUSEU DE ANATOMIA VETERINÁRIA DA FMVZ/USP: PRIMEIROS ESTUDOS Maurício Candido da Silva * Universidade de São Paulo Julia Zitelli Silvia ** Universidade de São Paulo

RESUMO:

No presente artigo apresentamos os resultados dos primeiros estudos da pesquisa do perfil dos visitantes do Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ USP, realizados em 2012. A opção metodológica adotada é caracterizada pela análise quantitativa de grupos organizados de visitas, público majoritário do Museu. Os resultados permitiram o reconhecimento da inovação bibliográfica deste trabalho, na medida em que se baseia numa amostragem feita com grupos de visitas, ao invés de visitantes espontâneos. Para o planejamento institucional, a pesquisa revelou aspectos dos programas de trabalho a serem reforçados e ajustados, visando o aperfeiçoamento do sistema de ações do museu. PALAVRAS-CHAVE:

Avaliação de Museus; Museus de Ciências Naturais; Divulgação Científica, Planejamento de Museus; Exposições.

Visitors characteristic of the Museum of Veterinary Anatomy of FMVZ/USP: early studies. ABSTRACT:

This paper presents the results of the first research studies of the visitors characteristics of the Museum of the Veterinary Anatomy of the FMVZ USP conducted in 2012. The methodological approach adopted is characterized by quantitative analysis at organized groups of visitors, the majority of the public museum. The results allowed the recognition of this innovative literature work that relies on a sampled with groups of requests, rather than spontaneous visitors as it is commonly done. This research has revealed important aspects to be strengthened in the institutional planning.The target is the improvement of the museum action system. KEY-WORDS:

Evaluation of Museums; Natural Science Museums; Scientific Dissemination; Planning Museums, Exhibitions.

*

Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e coordenador da seção técnica do Museu de Anatomia Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo. Email: maumal@usp.br **

Curso ��������������������������������������������������������������������������������������������������� de ������������������������������������������������������������������������������������������ Licenciatura em Ciências da Natureza da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo e bolsista do Projeto “Ação Educativa no Museu de Anatomia Veterinária e no Museu Histórico da FMVZ USP” pelo Programa Aprender com Cultura e Extensão da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP. Email juliazit@gmail.com

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Perfil dos visitantes do Museu de Anatomia Veterinรกria da FMVZ/USP: primeiros estudos

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Maurício Candido da Silva e Julia Zitelli Silvia

Introdução O principal objetivo deste trabalho é o de sistematizar os resultados da análise do processo de mapeamento do perfil de visitantes do Museu de Anatomia Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (MAV). Com este estudo demos início à caracterização do público que visita o Museu e avançaremos substancialmente na consolidação dos Programas de Trabalho que compõem o Sistema de Ações do Museu (Silva, 2013). Nesse método gerencial, o delineamento das principais características dos visitantes é vital para o desenvolvimento das práticas de extensão e, principalmente, para o compartilhamento do conhecimento produzido na universidade. De forma a impulsionar a reflexão sobre essa dinâmica de trabalho, buscamos aqui apresentar os resultados e interpretações dos dados obtidos na investigação de boa parte dos visitantes do MAV durante o ano de 2012. O longo tempo necessário para a análise e publicação destes dados se deve ao caráter inicial e experimental destas ações para a equipe do Museu.Tratando-se de uma atividade de pesquisa, foram necessários diversos estudos e discussões antes de sua publicação. Estruturado na análise dos grupos organizados que visitam o MAV, em sua grande maioria compostos por escolas paulistas, este trabalho pretende contribuir também com a formação bibliográfica dedicada à avaliação do público de museus, principalmente porque publicações sobre o perfil de grupos de visitantes em museus são escassas. Buscamos assim inserir o MAV nas discussões de interesse museológico por meio da implantação de uma prática reflexiva. Apresentação do MAV A partir de uma perspectiva administrativa e organizacional, a Universidade de São Paulo possui dois grandes grupos de museus: os museus estatutários, definidos como órgãos de integração da universidade (Brandão & Costa, 2007) e os museus de unidades, considerados como órgãos de integração departamental das unidades de ensino, pesquisa e extensão as quais pertencem. O MAV faz parte deste segundo segmento. No conjunto, todos estes museus formam um complexo patrimonial que coloca a Universidade de São Paulo numa distinta posição no cenário do patrimônio nacional, com imenso potencial no exercício da difusão científica1. O MAV foi criado oficialmente em 1984, a partir da institucionalização das coleções de peças anatômicas existentes na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ USP), resultantes dos estudos desenvolvidos por professores, servidores e alunos para as aulas práticas da disciplina de anatomia (Ceravolo, 1998). Trata-se de um caso exemplar de museu universitário, vinculado a uma instituição de ensino, pesquisa e extensão, constituído por coleções de pesquisa (Lourenço, 2005), pertencente à linhagem dos museus de história natural, mas que se especializou no ramo dos museus de anatomia comparada e no sub-ramo da anatomia veterinária (Silva, 2006). É um museu especializado, com atuação preservacionista bem definida: formação de coleções, salvaguarda, pesquisa voltada para ensino especializado e extensão universitária da medicina veterinária.Trata-se de um museu dedicado à promoção 1 Em sua pesquisa de doutorado, Adriana M. Almeida fez um levantamento e identificou 129 museus universitários no país, sendo 35 pertencentes à USP, ou seja, 27% dos museus universitários brasileiros estão sob a administração da Universidade de São Paulo (Almeida, 2001).

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da ciência e ao desenvolvimento social. As ações do Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ USP envolvem a formação de coleções representativas, preparação de peças biológicas por meio de técnicas específicas, produção de coleções didáticas, salvaguarda do acervo, divulgação e ensino da medicina veterinária, com ênfase na anatomia. A principal via da extensão cultural no museu ocorre por meio das coleções museológicas apresentadas em sua exposição de longa duração e de projetos educativos. Há praticamente trinta anos o MAV atua neste campo, com significativas variações no cumprimento de suas metas ao longo deste período. Nova exposição Na sua trajetória mais recente, para acompanhar o deslocamento da nova sede da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP dentro da Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, Campus Butantã, entre 2004 e 2008 o MAV ficou fechado para visitação. Esse processo resultou na organização de uma exposição, em 2008, num espaço pouco apropriado para o desempenho de suas funções museológicas. Foi um período de muito desgaste para o museu como um todo2. Contudo, em 2010, no contexto de esforço administrativo da direção da FMVZ USP e da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP (PRCEU USP) para a recuperação do vigor das suas atividades, o MAV teve sua equipe ampliada, traçou novos planos, recebeu investimentos e passou por uma adaptação em sua estrutura física e organizacional. O principal resultado disso tudo foi a abertura da nova exposição, em cartaz até o presente momento, intitulada: Dimensões do corpo: da anatomia à microscopia. O projeto da nova exposição reorganizou o acervo existente (cerca de 1.100 exemplares biológicos), dentro do espaço disponível (aproximadamente 600 m2), a partir de um roteiro estruturado em seis módulos expositivos, a saber: ‘A FMVZ da USP e sua história’; ‘O que é Anatomia Veterinária’; ‘Origem e diversidade das espécies’; ‘Anatomia dos órgãos e sistemas’; ‘Osteologia e Morfologia’. O projeto expográfico partiu do reaproveitamento do mobiliário expositivo, mas no contexto de uma nova identidade visual, inseridos numa nova visão organizacional. Dessa forma, desde 2010, uma nova práxis está sendo adotada, cuja orientação é dada pela construção de matrizes sistêmicas, executivas e de constante inovação. A ideia de uma instituição voltada à cultura científica (Vogt, 2006) tem ajudado no balizamento da missão do MAV: lócus de produção e disseminação de conhecimento. Nessa perspectiva, a atual exposição de longa duração se constituiu como centro irradiador da nova metodologia de trabalho e pilar central de todas as ações planejadas e em desenvolvimento. Para o Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ USP, o Programa de Comunicação passou a ocupar papel central na sistematização dos seus trabalhos, orientando a salvaguarda, a pesquisa e as ações educativas. Isso decorre, de forma equivalente, tanto de uma característica determinada pelas circunstâncias atuais do museu, quanto de uma clara opção estratégica de trabalho. 2 Um dos indicadores de declínio diz respeito à queda brusca do número de visitantes ao museu. Relatórios internos apontam que, no início de 2000, o MAV tinha um público anual de, aproximadamente 14 mil visitantes, em 2009 recebeu cerca de 3,5 mil visitantes. Com grande esforço, levará muitos anos para ser alcançado novamente o número de visitantes do início de 2000, o que nos faz pensar sobre as consequências da mudança de endereço e do fechamento público de um museu.


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Sistema de trabalho Em 2010, com a nova exposição, foi implantada uma nova e estratégica dinâmica de trabalho, centrada na busca da sistematização do seu planejamento e de suas práticas, baseada em programas de trabalho que se conectam entre si sob a lógica de um sistema de ações museológicas (Bottallo, 2007).Tal estratégia está estruturada em cinco Programas de Trabalho, a saber: Comunicação, Educação, Acervo, Treinamento e Inovação. Nesta gama de atuação preservacionista, o Programa de Comunicação ocupa papel central. No entanto, em função do tema abordado neste artigo, daremos enfoque também ao Programa Educativo planejado e praticado pelo MAV. Não só, mas principalmente nestes dois programas que se insere o plano de reconhecimento do perfil de visitantes, com vistas a traçar estratégias mais efetivas nas ações de um museu em transformação, tendo a extensão universitária como alicerce de sua práxis. É precisamente nesse contexto gerencial de planejamento e ações que o presente trabalho encontra sua maior justificativa: delineamento das futuras ações por meio da pesquisa de público como indicador de resultados práticos. Num recorte temporal, que se inicia no segundo semestre de 2010 e vai até os dias atuais, relatamos que primeiro reformamos minimamente o espaço do museu; em seguida desenvolvemos a avaliação do perfil de visitantes e dos usos do museu. Por fim, desenvolvemos projetos de implantação de novos serviços também no corpo do Programa de Inovação. Isso vai ao encontro com o que Mary Ellen Munley define como um dos princípios da pesquisa de museu, no qual uma avaliação para ser verdadeiramente útil, necessita ser vista como uma ferramenta para compreensão entre os programas e os visitantes, como essas interações na verdade ocorrem (Munley, 1987: 122). Plano de monitorias O Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ USP possui um Programa Educativo iniciado em 2011 e, atualmente, em fase de estruturação, conta com o apoio de seis bolsistas dos cursos de graduação em medicina veterinária, biologia e licenciatura em ciências da natureza para sua experimentação e realização3. O MAV disponibiliza visitas com monitorias aos grupos organizados que solicitam estes serviços por telefone ou por e-mail, sendo estas franqueadas para instituições públicas. Os alunos de instituições particulares pagam meia entrada (R$ 3,00). Os monitores – bolsistas e alunos da pós-graduação da FMVZ - recebem treinamento para orientar os grupos de visitantes na exposição, com base em um roteiro de visita amplo, especialmente desenvolvido a partir do projeto da nova exposição. Esse roteiro é adaptado em função do nível de escolaridade e o grau de interesse de cada grupo de visitantes. O tempo da visita com monitoria é de aproximadamente 45 minutos. Sem monitoria este tempo é de aproximadamente 30 minutos. Através de observações pontuais – não sistêmicas – verificamos que este também é o tempo médio para as visitas espontâneas. Esse aspecto nos insere no padrão de visitas para espaços culturais dessa natureza, conforme pesquisa realizada pelo Observatório de Museus e Centros Culturais (OMCC) em museus paulistas, entre os anos 2006 e 2007, 3 São quatro bolsistas pelo Programa Aprender com Cultura e Extensão (PRCEU USP) e dois pelo Programa Fins de Semana e Feriados em Museus e Acervos da Cidade Universitária, sendo esta uma parceria com o Museu de Ciências da USP.

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ao demonstrar que, no geral, a maior parte das visitas espontâneas durou de 30 a 60 minutos (38%), segundo declaração dos informantes (OMCC, 2008: 20). Grupos de visitas

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No ano de 2012 desenvolvemos e começamos a aplicar um formulário com o registro das informações dos grupos que agendam suas visitas ao museu. Preenchido pelo responsável pelo grupo de visitantes, este formulário contém questões abertas que objetivam a coleta de informações sobre o perfil do público, a qualidade das monitorias e seu interesse em realizar uma visita ao Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ USP. Como afirmamos anteriormente, o Sistema de Ações do Museu é a principal estrutura metodológica empregada na gestão do MAV desde 2010. Nele está constituída a interface comunicacional do museu, estrategicamente desenvolvida pelos Programas de Comunicação e Educativo.A decisão de estudar, primeiramente, os grupos de visitantes como parâmetro referencial visa traçar o perfil predominante do público que vem ao MAV, pois estes constituem o público majoritário do museu (Gráficos 1 e 2). Além disso, esse estudo também busca melhor compreender e avaliar a pertinência e o real alcance do Sistema de Ações do Museu como instrumento de gestão. Nesse sentido, compreender a demanda deste segmento de visitante é fundamental para a melhoria da implantação do nosso modelo de trabalho. Isso porque estamos interessados em conhecer a efetividade dos Programas de Comunicação e Educação por meio da exposição e com quem estamos dialogando. Essa perspectiva também acompanha a definição de Mary Ellen Munley, para quem os estudos de avaliação formam o sentido pelo qual os profissionais de museus compreendem seu público, dando a tais estudos grande responsabilidade nos resultados das exposições e programas desenvolvidos (Munley, 1987: 118). Sabemos da importância do desenvolvimento de estudos sobre a totalidade do perfil de visitantes do museu, incluindo o público espontâneo, tanto para uma análise mais completa como para o aprofundamento da discussão bibliográfica. Concordamos com a perspectiva de Randi Korn, para quem o estudo de perfil de visitantes é um longo e sistêmico processo de trabalho, demandando tempo e diferentes prospecções (Korn, 1989: 219). Ações nesse sentido estão planejadas para serem iniciadas em 2014, num próximo e estratégico passo.


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Gráfico 1 e 2: Quantificação das visitas em grupos organizados em 2011 e 2012.


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Materiais e métodos

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A metodologia de trabalho foi baseada na coleta de informações dos grupos que realizaram as visitas a exposição do museu, através da elaboração de formulário específico, com questões abertas, aplicação, tabulação e análise de dados. A escolha deste método se deu em função da objetividade no recolhimento dos dados, visto que os formulários foram preenchidos diretamente pelos responsáveis de cada grupo, imediatamente após as realizações das visitas4. Com isso, buscamos garantir que as amostras de nossa análise fossem produzidas diretamente pelo nosso objeto de análise (grupos de visitas), sem intermediação e instantaneamente após a experiência museal. Embora tenha sido desenvolvido internamente, de modo que contemplasse as demandas do MAV, com informações que atendessem nossos objetivos investigativos e de planejamento, encontramos sustentação na bibliografia existente para sua aplicação (Almeida, 2001; Macmanus, 1991; Munley, 1987). Nessa investigação, utilizamos apenas o método quantitativo, com aplicação de questionário aberto. Traçado o objetivo de desenhar o perfil do público majoritário que visita o MAV, não desenvolvemos uma avaliação qualitativa da visitação. Foi importante ter a clareza dessa estratégia, do método mais apropriado, para sabermos os limites, a extensão e a utilidade dessa pesquisa. A escolha do método quantitativo objetivou, sobretudo, a coleta de informações para aperfeiçoamento dos programas existentes e não sobre o julgamento de sua efetividade. Nessa etapa do planejamento das atividades do museu pretendíamos aperfeiçoá-lo e não avaliar a pertinência de sua continuidade. Buscávamos os pontos fortes e fracos dos programas, como eles poderiam ser melhorados e indicadores do que estaria funcionando bem e o que estava funcionando mal. Tem sido fundamental para a nossa estratégia de trabalho integrar os resultados dessa pesquisa ao nosso plano de trabalho. De acordo com Roger Miles, a partir do ponto de vista teórico, podemos reconhecer três principais públicos ao falar sobre exposição e museu: ‘público atual’ (público que atualmente freqüenta o museu); ‘público potencial’ (público que figura na relação de suas intenções); e ‘público alvo’ (definição de um público mais restrito no Programa de Comunicação). Em uma situação ideal, estes três públicos devem se sobrepor (Miles, 1986: 73-74). Como primeiro passo e dentro de nossos objetivos, estudamos especificamente a caracterização do público atual do MAV. Mas também buscamos iniciar a discussão do que seria o ‘público potencial’ e o ‘público alvo’, no entanto, sem maiores aprofundamentos. Elaboração e aplicação do formulário No segundo semestre de 2011 iniciamos as discussões sobre o modelo de formulário a ser adotado, a partir das demandas decorridas da estruturação dos Programas de Trabalho que compõem o Sistema de Ações do Museu. Ao final daquele ano finalizamos o primeiro modelo de questionário, pronto para ser testado e aplicado. Ao longo do ano de 2012, o Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ USP registrou noventa e dois grupos através deste método, sendo este o universo que compõe a amostragem do presente artigo. Todos os grupos agendaram as visitas com antecedência, optando ou não pela monitoria. 4 O responsável pelo grupo normalmente é o professor da classe, o coordenador de disciplina ou da instituição do qual o grupo faz parte.


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Imediatamente após as visitas, os responsáveis por tais grupos deixaram seus registros nos formulários de cadastro, respondendo a seis campos de preenchimento obrigatório, sendo eles: 1. Nome da Instituição, destacando se é pública, particular ou pertence a outra categoria; 2. Endereço; 3. Nome do responsável pela visita; 4. Número de alunos, faixa etária, grau de escolaridade, destacando se a visitação foi com ou sem monitoria; 5. Objetivo da visita; 6. Grau de satisfação dos serviços oferecidos pelo MAV, se alto, médio ou baixo. Tabulação Por ser o primeiro modelo de pesquisa de avaliação de público aplicado no MAV, com aspectos experimentais, alguns campos, em alguns formulários, ficaram sem preenchimento. Para sanar este problema, durante a tabulação dos dados, entramos em contato por telefone com o responsável pelo grupo e solicitamos as informações faltantes. Conseguimos resolver quase todas as lacunas, mas não a sua totalidade. Assim, uma pequena parcela dos formulários foi parcialmente considerada e devidamente registrada. A tabulação foi um importante momento para verificar tanto os aspectos positivos quanto os negativos do formulário. Foi exatamente nesse momento que ajustamos o formulário aplicado em 2013, quando então passou de seis para oito campos específicos de preenchimento, com a inclusão dos seguintes campos próprios: - Grau de escolaridade; - Comentários e sugestões. Visando maior objetividade na tabulação e análise dos dados coletados, ocorreram diferentes agrupamentos e cruzamentos de informações, cabendo destaque a divisão dos grupos de visitantes em três segmentos: públicos, particulares e outras instituições. Os dois primeiros grupos englobam principalmente unidades de ensino, desde o nível infantil até o superior, sendo o último caracterizado pela sua heterogeneidade constitutiva. Além disso, também foram feitas outras divisões, tais como à procedência dos grupos: São Paulo Capital, Grande São Paulo (que engloba, além da própria Capital, trinta e oito outros municípios, entre eles: Osasco, Cotia, Ribeirão Pires, São Bernardo do Campo, Suzano, Itapevi, Santo André, Ferraz de Vasconcelos etc.), Interior de São Paulo, Litoral de São Paulo e outros Estados. Por sua vez, o grau de escolaridade foi dividido por: infantil, fundamental I, fundamental II, ensino médio, técnico e superior. Além destas categorizações, originadas em função das respostas obtidas, criamos grupos em tabulações visando atender a demanda de nosso planejamento anual, determinado pela visão sistêmica, tais como número de alunos atendidos por grupo; distribuição de visitas ao longo do ano; quantidade de alunos que receberam monitorias e objetivo da visita, sendo este classificado de três maneiras: pedagógico, cultural/conhecimento geral e lazer. Foram estipulados como ‘pedagógicos’ os grupos de visitas que buscavam complementar o conteúdo programático visto em sala de aula, assim como nas aulas de laboratório, conhecer a anatomia veterinária, comparar a anatomia das diferentes

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espécies animais, conhecer o curso de medicina veterinária da FMVZ e realizar pesquisas. Na categoria ‘cultural/conhecimento geral’ foram incluídos os grupos que buscavam nas visitas a observação das diferentes espécies animais e conhecimento de técnicas empregadas na conservação do material exposto. Por fim, na categoria ‘lazer’ foram inseridos os grupos que pretendiam conhecer/visitar o Campus da USP e/ou a Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia. Embora se trate de um formulário com perguntas abertas, não tivemos grandes dificuldades na tabulação das respostas apresentadas. Resultados Após a tabulação dos formulários preenchidos pelos responsáveis dos noventa e dois diferentes grupos de visitantes que passaram pelo museu em 2012, foram geradas mais de uma dezena de gráficos que nos deram amplas possibilidades de interpretações das características do público do Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ USP. Por meio da análise das tabulações e dos gráficos gerados, a partir do levantamento da maior incidência em determinadas respostas dos formulários, na busca de um padrão tipológico de visitante, inicialmente sintetizamos um perfil majoritário do público em grupos organizados de visita ao MAV e chegamos à seguinte formulação: estudante de nível médio, de colégio particular da capital, que vem ao museu com a escola no mês de outubro, prefere a visita à exposição com monitoria, com finalidade pedagógica e saiu do museu com seus objetivos atingidos. Este perfil predominante tem ainda grande interesse em conhecer a profissão de médico veterinário e é composto por adolescentes5. É importante levar em conta que a definição tipológica do visitante de um museu mascara a diversidade dos diferentes públicos que o museu deve envolver em suas ações, conforme detalha Roger Miles (1986). Portanto, esse é o ‘público atual’. No entanto, o seu esboço inicial tornou-se fundamental para melhor compreender tanto o ‘público potencial’ quanto o ‘público alvo’ (Miles, 1986). O delineamento de um tipo de visitante é um primeiro passo para a compreensão das variações e diversidade do público do museu. Nesse sentido, cabe notar que o dado obtido faz parte da frequência média nos museus paulistas, confirmada pela pesquisa realizada pelo Observatório de Museus e Centros Culturais, que identificou a presença expressiva de jovens nos museus em pesquisa realizada entre 2006 e 2007, com 47,8% (OMCC, 2008: 06). Este dado reforça as nossas expectativas, sendo que a sua aferição e comprovação nos dão muito mais segurança no planejamento de nossas metas, principalmente na implantação de uma metodologia sistêmica de trabalho. Com esse resultado em mãos devemos realizar ajustes no nosso planejamento, procedendo com maior atenção aos Programas Educativos, de Comunicação e de Formação, que influenciam diretamente no conjunto dessa análise. Isso é importante porque pretendemos aumentar o número de grupos de visitantes oriundos de instituições públicas para, ao menos, igualar ao número de grupos de visita de instituições particulares. De toda forma, é importante que estes resultados estimulem a continuação da avaliação do público do museu nos 5 Devido à grande divergência entre os especialistas quanto aos critérios de agrupamento etário optou-se por reunir crianças (até 11 anos de idade) e adolescentes (12 a 18 anos de idade) segundo o que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990) e, idosos (60 anos ou mais de idade) o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003), reuniu-se na categoria adulto o número de habitantes com idade entre 19 a 59 anos de idade.


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próximos anos, estendendo esta análise também para o público espontâneo, para que tenhamos a consolidação deste campo de pesquisa e, principalmente, o reconhecimento do perfil de visitantes do museu com mais precisão. Descrição dos resultados Após o reconhecimento da quantificação das visitas em grupos organizados nesse período, com amplo destaque para visita em grupos organizados, a primeira característica do público que buscamos identificar foi sobre o tipo de gestão institucional de origem: pública, particular ou outro tipo. Enquanto órgão público, a nossa preocupação com esta análise foi motivada pelos nossos objetivos de extensão cultural e socialização do conhecimento em nossas ações. Contrariando as nossas expectativas iniciais, através da análise do material coletado, foi possível observar que a maior parte do nosso público é formada por grupos de instituições particulares, como demonstrado no Gráfico 3. A elaboração deste gráfico estimulou a nossa reflexão sobre o desenvolvimento de estratégias especiais para atrair mais grupos de instituições públicas, no entanto sem detrimento dos demais grupos.

Gráfico 3: Tipo de grupos organizados que visitaram o MAV em 2012.

No que se refere à procedência dos grupos visitantes, dado este relacionado à extensão territorial de influência das ações do Programa de Comunicação do MAV, identificamos que a maior parte da sede dos grupos de visitas está localizada na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Também conhecida como Grande São Paulo, essa região tem como predomínio a Cidade de São Paulo, seguida pelas instituições do interior do Estado, do litoral e, por fim, de outros Estados, conforme esquema do Gráfico 4. Ao cruzar as informações referentes a procedência e o tipo de grupo de visita no Estado de São Paulo, podemos observar que os grupos procedentes da RMSP – menor

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distância de viagem - são compostos por instituições particulares enquanto que os grupos procedentes do interior e litoral – maior distância de viagem - são compostos por escolas públicas. Este é um aspecto que merece nossa atenção e acompanhamento mais aproximado nos próximos anos para verificar possíveis tendências, principalmente porque, inicialmente, prevíamos que as instituições públicas, dotadas de menos recursos financeiros, investiriam menos nas viagens mais longas, que requerem mais capital. Os dados coletados mostram justamente o contrário. Exceção feita aos grupos que veem de outros estados, cuja predominância pertence aos grupos de instituições particulares. Isso parece se justificar pelo fato de serem instituições universitárias.

Gráfico 4: Procedência em função dos tipos grupos visitantes do MAV em 2012.

Em relação ao nível de escolaridade, o grupo de visitantes majoritário que atendemos no MAV no período em estudo é composto por alunos de ensino médio, somando 37,4% das instituições visitantes, seguidos de alunos de ensino fundamental II, com 28,6%. Também é relevante destacar os 8,8% visitantes de instituições superiores que passaram pelo museu, o que acentua aspectos da nossa missão como local de ensino especializado. Considerando o nível médio, mais o ensino técnico e os grupos do fundamental II, temos 67,03% de todos os grupos que passaram pelo MAV em 2012. Ou seja, a maior parte do público que compõem os grupos de visitantes do MAV é constituída por adolescentes, na faixa etária de 12 a 18 anos. Mesmo desconsiderando dois grupos do fundamental I e II, temos ainda oito grupos que uniram o fundamental II e médio, o que reforça a fusão desta faixa etária. Caso ainda seja considerado os blocos ‘ensinos fundamental II e médio’ (que estão juntos) a porcentagem chega a 75,82%. Assim, a predominância do público jovem por meio dos grupos de visita é marcante em todos os cenários possíveis. Com o objetivo de melhor compreender o perfil do nível de instrução dos grupos organizados que visitaram o MAV nesse período, comparamos a escolaridade com o tipo dos grupos, gerando assim o Gráfico 5. Cabe salientar


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que alguns dos questionários foram respondidos com duas escolaridades juntas, desta forma foram incluídos separadamente neste gráfico: ensino fundamental I e II e ensino fundamental II e Médio. Isso ocorreu em função da heterogeneidade de alguns grupos de visitas, e não por problemas em seu preenchimento. Em relação a esse tópico, é interessante notar que, de acordo com dados do Observatório de Museus e Centros Culturais, pesquisas realizadas sobre a escolaridade do público espontâneo apontaram que os visitantes dos museus têm escolaridade muito acima daquela declarada pela população em geral. Em São Paulo, por exemplo, cerca de 80% dos informantes declararam possuir pelo menos o ensino superior incompleto (33,3%, incompleto; 32,4%, completo e 14.2%, pós-graduação). Na RMSP, entre 2006 e 2007, apenas 17% da população acima de 15 anos de idade tinha o nível superior incompleto ou completo e no Estado de São Paulo o percentual é ainda menor: 15% (OMCC, 2008: 8). Estes dados sugerem uma presença significativa de jovens universitários nos museus paulistas, constatamos que o MAV faz parte desse universo.

Gráfico 5: – Escolaridade dos grupos visitantes do MAV em 2012. Este gráfico contempla 91 formulários, tendo em vista que um dos grupos não informou a escolaridade dos alunos.

Durante o ano de 2012, a maior incidência de visitação pelos grupos que agendam suas visitas ocorreu nos meses de maio e outubro, como é possível constatar no Gráfico 6. Estes dados reafirmam que o nosso público central é composto por grupos de instituições escolares, o que justifica a menor visitação a exposição do MAV nos meses de janeiro, fevereiro, julho e dezembro, período de férias escolares. Cabe esclarecer que estes dados foram obtidos com 90% dos formulários, dada a ausência de informações de datas em nove formulários.

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Gráfico 6: Fluxo de visitação dos grupos visitantes do MAV em 2012

A maioria dos grupos que veio ao museu em 2012 optou pela visita com monitoria. Com uma média de 40 alunos atendidos por grupo, 2.930 alunos receberam monitorias e 763 alunos não receberam, sendo o grupo majoritário formado por escolas particulares, conforme demonstrado no Gráfico 7. Este dado também é muito importante para a nossa compreensão da frequência do público que visita o museu, assim como para o nosso planejamento anual e aperfeiçoamento de nossas ações. Contudo, de certa forma, ele nos preocupa, visto que além de estarem em menor número, os grupos de instituições públicas, objeto de grande interesse dos Programas de Comunicação e Educação, também estão usufruindo menos dos serviços de monitoria. Lembramos que o MAV oferece monitorias gratuitas às escolas públicas, mas, como percebemos no Gráfico 8, escolas particulares receberam 59,7% das monitorias fornecidas aos grupos visitantes do museu, de um total de setenta e duas monitorias realizadas durante o período em estudo. Já as públicas receberam 38,9% do total das monitorias realizadas, que corresponde a 28 monitorias realizadas. Por meio destes gráficos, é possível perceber que tanto em números absolutos quanto proporcionalmente a quantidade de escolas particulares que visitam o museu com serviço de monitoria foi maior: 43 e 28, respectivamente. Com base nessas estatísticas, o Programa Educativo do MAV precisa encontrar mecanismos para atrair mais grupos de instituições públicas ao Museu. Também buscamos traçar o perfil dos visitantes do MAV por meio do mapeamento quantitativo do objetivo da visita dos grupos de visitantes. Para tanto, tabulamos as respostas apresentadas nos formulários como ‘pedagógica’, ‘cultural’ e ‘lazer’, conforme explicação apresentada nos Materiais e Métodos deste artigo. Podemos observar no Gráfico 9 que a grande maioria dos grupos organizados que vêm ao MAV tem objetivos pedagógicos, do total de 3.693 visitantes em grupos, 2.604 destacaram esse propósito, ou seja 70,5%, o que reafirma sua missão na extensão universitária da pesquisa acadêmica e, mais especificamente, da medicina veterinária. Trata-se de um museu cuja maior expectativa do visitante é a de obter informações científicas sobre as pesquisas em andamento na universidade e o campo de atuação do médico veterinário.


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Gráfico 7: Relação entre monitoria por tipo de instituição, em números absolutos de alunos atendidos nas monitorias.

Gráfico 8: Relação entre monitoria por tipo de instituição, em porcentagem de alunos atendidos nas monitorias.


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Gráfico 9: Relação entre os diferentes objetivos dos grupos de visitantes.

Gráfico 10: Relação entre grau de satisfação com objetivo do visitante


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Dentre 94,6% dos questionários que tiveram os objetivos respondidos, é possível perceber que o perfil dos grupos visitantes se consolida através de objetivos de aprendizagem, sendo estes atingidos com a visita à exposição do Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ USP, como demonstra o Gráfico 10. De acordo com o Observatório de Museus e Centros Culturais, a maioria das visitas espontâneas aos museus paulistas é motivada pela curiosidade, pela descoberta de instituições ou de novas exposições, quando 65% dos investigados declararam que a visita ao museu foi motivada pelo interesse em conhecê-lo. O interesse pelos assuntos das exposições foi mencionado por 57% dos informantes. Tais estudos ainda indicam que, para a maior parte das pessoas, a experiência de visita obedece a uma lógica de abertura e de diversificação dos interesses culturais. Pesquisa e estudo, com maior frequência (26%), constituem o principal motivo para os paulistas irem aos museus (OMCC, 2008: 6). Ainda que o presente artigo se restrinja aos aspectos quantitativos do perfil dos grupos de visita ao MAV durante o ano de 2012, cabe mencionar que a análise do OMCC indica uma tendência geral de motivação do público que freqüenta os museus com coleções científicas numa dada região. É importante ressaltar que o objetivo da visita e sua relação com formas de aprendizado é um campo bastante complexo e merece estudos mais aprofundados, como indica Duncan F Cameron, ao destacar as relações de aprendizagem envolvidas nas visitas aos museus de ciências de forma geral (Cameron, 2005). Nos casos de museus com coleções científicas e, principalmente, com acervos naturais, tais objetivos devem ser acompanhados por diferentes vetores contextuais de grande influência, tais como aspectos pessoais, socioculturais e físicos, como apontados por Alessandra Bizerra (2009), em sua tese de doutorado. Ao considerarmos o pertencimento do MAV a esse cenário, é de fundamental importância para o presente momento, assim como para as futuras pesquisas, que se leve em conta as considerações referentes aos objetivos das visitas, principalmente porque os grupos organizados que vêm ao museu, em sua grande maioria, estão interessados na apreensão intelectual dos conteúdos científicos disponibilizados em sua exposição. De forma geral, a elaboração e aplicação dos formulários, bem como a tabulação dos dados, produção dos gráficos e interpretação dos resultados constitui-se como um excelente processo de estudo, sendo este um importante passo na implantação de um sistema conjugado de trabalho. Certamente, o estudo do perfil de visitantes do museu é um passo seguro para a consolidação da metodologia de trabalho colocada em prática desde 2010 e para as ambições de crescimento do Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ USP. Discussão Os resultados obtidos com a análise do perfil dos grupos de visitantes do Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ USP produziram informações concisas de suas características básicas, inexistentes quantitativamente até o presente momento. Com este estudo, passamos a conhecer melhor um tipo de visitante que, certamente, possui variações e precisa ser melhor delineado por meio de novas, mais completas e aprofundadas pesquisas. Aqui temos o resultado de um primeiro estudo. Temos que realizar novas sondagens anuais, desenvolver estudos junto ao público espontâneo, debater com a bibliografia sobre avaliação de público de

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museus e incluir diferentes projetos de visitação que, aos poucos, estão aderindo à nova sistemática empregada no MAV, tais como o Giro Cultural6. No entanto, cabe enfatizar que o principal objetivo nesse momento é o de aperfeiçoar o método de trabalho implantado a partir de 2010, denominado Sistema de Ações do Museu. Nesse sentido, o que temos aqui é uma avaliação que possui uma característica definida pelo recorte preciso, com vistas à consolidação de um sistema que está sendo testado e colocado em prática. Dessa forma, este trabalho pretende estabelecer uma análise pragmática dos dados obtidos, com indicadores que possam interferir nos ajustes do planejamento institucional, bem como dialogar com um determinado recorte bibliográfico. No aspecto prático, foi possível desenhar o perfil mediano do público do Museu, inserido nos grupos de visitas, assim como boa parte de suas gradações. Na discussão bibliográfica nos apoiamos nos dados apresentados nas duas publicações do Observatório de Museus e Centros Culturais, que analisaram o público dos Museus do Rio de Janeiro e Niterói (OMCC, 2006) e dos Museus de São Paulo (OMCC, 2008). Estas publicações foram basais na contextualização e melhor compreensão do público do MAV. O aspecto mais saliente na discussão bibliográfica é caracterizado pelo tipo de amostragem que adotamos: grupos de visitantes. Verificamos isso tanto nas publicações nacionais quanto nas estrangeiras. Contudo, não localizamos nas consultas bibliográficas realizadas um debate questionando, o tipo de amostragem que adotamos. Isso nos permite considerar que os grupos de visitantes como amostragem são válidos, sobretudo para compreensão quantitativa dos visitantes de um museu. As principais discussões anotadas, excetuando a análise dos resultados das próprias avaliações, estão baseadas na metodologia a ser adotada na avaliação do público de museus, podendo ser científica (quantitativa) ou naturalista (qualitativa), executada por meio da aplicação de questionários, observações de comportamento e entrevistas com os visitantes (Korn, 1989). No que se refere à justificativa da importância da avaliação para os museus, o foco central se dá na relevância dos seus resultados para o planejamento museológico por meio do reconhecimento e identificação dos filtros (cinco no total) existentes entre o visitante e sua interação junto à exposição. Neste caso, a avaliação se torna um método fundamental de aferição da eficiência do Programa de Comunicação (Macmanus, 1991), tal qual adotamos no MAV. Na mesma linha de raciocínio, cabe destacar a importância de tais estudos dedicados a compreender as diferentes categorias de públicos que existem no museu, sendo este aspecto um grande tema desafiador para os projetistas de exposição (Miles, 1986). Do ponto de vista qualitativo, mesmo que não tenha sido este o nosso propósito, cabe mencionar que a avaliação dos níveis de aprendizado numa exposição também se torna relevante para o aperfeiçoamento dos Programas de Comunicação e Educação (Munley, 1987; Zolcsak, 1988). É nesse sentido que a avaliação do público de museus pode nos ajudar a compreender melhor a importância dos museus universitários para a sociedade (Almeida, 2001), a estruturação da medição nos museus universitários e seu desenvolvimento na divulgação científica 6 O Giro Cultural é um programa da PRCEU criado com o objetivo de estimular a divulgação

do patrimônio material e imaterial da Universidade de São Paulo. As visitas são gratuitas e ocorrem em diferentes espaços da universidade. O MAV faz parte deste circuito de visitação, recebendo grupos de visitas em média duas vezes por mês. Como em 2012 estava em teste, optamos por não incluir nessa fase da análise do perfil de visitantes do Museu.


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(Braga, 2012) e os museus universitários científicos comparados com os museus de arte e os museus históricos (Almeida, 2004). Se por um lado as publicações mencionadas utilizam o público espontâneo como essência em sua amostragem, seja no âmbito quantitativo como qualitativo - o que marca o caráter distintivo do presente trabalho - por outro lado temos o reconhecimento da importância da sistematização das pesquisas de público como elemento identificador na consolidação dos Programas de Trabalho em um museu. Conclusão De acordo com o Censo Educacional de 2012, promovido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP, do Ministério da Educação, 74% das escolas de ensino fundamental e ensino médio do Estado de São Paulo são públicas: 17.919 de um total de 24.289 estabelecimentos de ensino destes níveis. Estes dados reforçam uma das principais conclusões obtidas por meio dos primeiros estudos do levantamento do perfil dos visitantes do Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ USP: a necessidade de ajustar os Programas de Comunicação e Educação do Museu para atrair maior número de grupos de instituições públicas, passando de 40% para 50%. Estes são indicadores que certamente remodelarão o nosso plano de trabalho. Se por um lado há o desafio das metas a serem atingidas, por outro temos a oportunidade de traçar com mais precisão nossos objetivos. Este é um dos resultados positivos deste processo de avaliação quantitativa: aprimoramento do plano de trabalho. Segundo estudos do Observatório de Museus e Centros Culturais realizados em museus do Estado de São Paulo, mais da metade dos informantes (54%) concordou em apontar a falta de divulgação dos museus, de suas exposições, programas e serviços como um fator de dificuldade à prática de visita. O segundo fator mais citado foi a dificuldade de transporte (38%). O custo do ingresso, bem como aquele que reúne todas as despesas de uma saída foram fatores declarados por 36% e 34% dos visitantes paulistas, respectivamente (OMCC, 2008: 19). De acordo com Paulette Macmanus, estes aspectos pertencem ao ‘primeiro filtro’, ou seja, estão relacionados com as características primárias dos visitantes e dos não visitantes do museu, em função da existência de barreiras físicas, tais como distância, ingressos e horário de funcionamento do museu (Macmanus, 1991: 38). São pistas do que precisamos pesquisar nas próximas avaliações. Essas informações são extremamente relevantes para o conjunto de dados que levantamos, bem como para os ajustes que planejamos efetuar nos programas de atividades do MAV. Dados contextuais permitem o aproveitamento de processos de avaliação desenvolvidos em outros museus. Isso demonstra que além de sistêmica, a pesquisa de público torna-se muito mais produtiva quando comparada com outras pesquisas já realizadas.A rede de atuação torna-se então primordial para a melhor compreensão dos dados obtidos. Este estudo também nos traz importantes contribuições para a reafirmação da missão do museu. Dedicado à promoção da ciência e ao desenvolvimento social, com programas voltados para o ensino especializado e a extensão universitária da medicina veterinária, os dados coletados em 2012 apontam para o reforço das estratégias educativas, tendo em vista que 77,7% dos visitantes do MAV é composto por grupos escolares e que dentre estes grupos 70,5% tem objetivo pedagógico em sua visita, é plenamente possível confirmar a

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Perfil dos visitantes do Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ/USP: primeiros estudos

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vocação e perfil do MAV como um museu com finalidades educativas. Também é valido ressaltar que o MAV recebe instituições de outros Estados, pois é um dos poucos museus brasileiros especializado na preservação e difusão da medicina veterinária7. Isso é fundamental para a consolidação do Programa de Comunicação, centrado em nossa exposição de longa duração. Os resultados aqui apresentados contribuem para a compreensão da dinâmica de acesso não somente ao MAV, mas aos museus de forma geral, principalmente àqueles constituídos por coleções científicas, revelando a necessidade do desenvolvimento e trocas institucionais de pesquisas contínuas, tanto quantitativas como qualitativas, que ajudem a compreender a complexidade dos processos sociais da apropriação da cultura científica. Como já assinalado por Mary Ellen Munley, nenhum método simples de reunião de informações é perfeito. Análises estatísticas nem sempre são as mais apropriadas para medição do aprendizado no museu, pois o uso da estatística assume que os números usados e as experiências que eles representam são aditivos. Apesar disso, elas se constituem como ferramenta indispensável quando apropriadamente aplicadas e permitem reconhecer os padrões e relações irrealizáveis por outros meios (Munley, 1987: 127). Podemos finalizar reafirmando que a adoção de procedimentos de avaliação tende a aumentar a qualidade da experiência dos visitantes e a melhoria da eficiência do processo de planejamento em um museu. Referências ALMEIDA, Adriana Mortara Os visitantes do Museu Paulista: um estudo comparativo com os visitantes da Pinacoteca do Estado e do Museu de Zoologia. Anais do MP. São Paulo. N. série V. 12. p. 269-306. Jan/dez 2004. ______, Adriana Mortara. Museus e coleções universitárias: por que museus de arte na Universidade de São Paulo? 2001. 311 f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação e Documentação) Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. BIZERRA, Alessandra. Atividade de aprendizagem em museus de ciências. 2009. Tese (Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Educação. Área de Concentração: Ensino de Ciências e Matemática) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. BOTTALLO, Marilúcia. Poder, cultura e tecnologia: o museu de arte e a sociedade de comunicação. Novos Olhares, São Paulo, v. 10, n. 19, p. 4-16, 2007. BRAGA, Joana Soares A medição em museus de ciências da Universidade de São Paulo: a experiência no Museu de Anatomia Veterinária Dr. Plínio Pinto e Silva e na Estação Ciência. 2012. 196 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Informação) – Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. BRANDAO, C. R. F.; COSTA, C.. Uma crônica da integração dos museus estatutários à USP. Anais do Museu Paulista, v. 15, p. 207-217. 2007. CAMERON, Duncan F. Contentiousness and shifting knowledge paradigms: the 7 No Brasil, além do MAV, existem mais cinco museus em atividade dessa tipologia, a saber: Museu de Anatomia Comparada da Universidade Federal da Bahia; Museu de Anatomia Animal Comparada da Universidade Federal de Viçosa; Museu Itinerante de Anatomia Animal da Universidade do Vale do São Francisco; Museu de Anatomia Comparada da Universidade Federal Rural de Pernambuco; Museu de Anatomia Veterinária da Universidade de Brasília (IBRAM, 2011).


Maurício Candido da Silva e Julia Zitelli Silvia

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O COLECIONADOR E O MUSEU, OU COMO MUDAR A HISTÓRIA DA ARTE?

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Chantal Georgel

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Instituto Nacional de História da Arte - França Ana Cavalcanti (tradução) *** Universidade Federal do Rio de Janeiro

O colecionador e o museu, ou como mudar a história da arte? A questão se apresenta de modo abrupto, é verdade, e já prevejo uma série de objeções legítimas que podem ser feitas. Pois o colecionador só muito raramente é historiador da arte, isso quando não recusa inteiramente qualquer história da arte; e frequentemente está muito distante, no momento em que forma sua coleção e mais tarde quando a transmite ao museu, da intenção de escrever “uma página da história”, como se diz, mesmo se, tal qual Monsieur Jourdain1 que faz uso da gramática sem o saber, ele também faça história da arte sem querer. Sobretudo por que, e é nesse ponto que os murmúrios se fazem mais insistentes e até zombeteiros, devemos nos perguntar que relação o museu deve ter, se é que deve ter alguma relação, dirão alguns, com a história da arte. O colecionador, o museu e a história da arte, aí está um ménage à trois, três parceiros aparentemente unidos em torno de um objeto chamado “arte”, objeto material e intelectual. Três parceiros indispensáveis uns aos outros sem dúvida, mas portadores de objetivos, missões, ideias e intenções diferentes, e até mesmo contraditórias, e cujas ligações não cessaram e não cessam de evoluir com o passar do tempo, à medida que se constrói a instituição museal, à medida que se constrói a disciplina da história da arte, à medida que o museu evolui porque a história da arte evolui, e que cresce o sentimento de que a história da arte deve levar em conta todas as formas de criação. Título original: “Le collectionneur et le musée, ou comment infléchir l'histoire de l'art?” O artigo foi publicado pela primeira vez em RECHT, Roland; SÉNÉCHAL, Philippe; BARBILLON, Claire; MARTIN, Françoise-René (org.) Histoire de l'histoire de l'art en France au XIXe siècle. Paris: La documentation Française / Collège de France / INHA, 2008, p. 243-253.O livro reúne as contribuições ao Colóquio internacional realizado em Paris de 2 a 5 de junho de 2004, organizado pelo Institut d'histoire de l'art em parceria com o Collège de France. http://www.ladocumentationfrancaise.fr/catalogue/9782110065391/ *

Historiadora e antropóloga de formação, atuou como curadora do Museu d'Orsay desde o início de seu projeto nos anos 1980, tendo realizado as exposições 1848, la République et l’art vivant (1998) e La Forêt de Fontainebleau, un atelier grandeur nature (2007), dentre outras. É pesquisadora do Institut national d'histoire de l'art em Paris, onde coordena pesquisa sobre a história do gosto, investigando as coleções privadas francesas do século XVIII ao início do XX; e-mail: chantal.georgel@inha.fr **

Doutora em História da Arte pela Université de Paris 1 Panthéon-Sorbonne, é professora de História da Arte na Escola de Belas Artes da UFRJ onde atua no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais e coordena grupo de pesquisa sobre a relação entre crítica e produção artística no século XIX e início do XX no Brasil. É integrante dos grupos de pesquisa Entresséculos (EBA/UFRJ) e Modos de ver (UFRJ/ UnB/Unicamp); anacanti@ufrj.br ***

1 Monsieur Jourdain é um personagem de Molière, Le bourgeois gentilhomme (1670). Nota da tradutora.

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O problema, aparentemente simples, é complexo e não se pode resolvêlo em tão pouco tempo. Proponho, então, para ser objetiva e voltar ao foco da questão - a contribuição (real, involuntária, positiva ou negativa) do colecionador para a história da arte por esse meio muito particular que é o museu – partir de uma constatação que todos conhecemos. Na França, os museus nasceram e se desenvolveram frequentemente com a transferência de coleções privadas ao público: transferência (a primeira de todas) em 1694 da coleção Boisot (excoleção Perrenot de Granvelle) em Besançon, transferência das coleções reais ao Museu das Artes em 1793; transferência aqui e acolá das coleções apreendidas aos emigrantes. A história continuou ao longo dos séculos e se prolonga nos dias de hoje: pensemos nas cento e dez obras legadas por Maurice Jardot a Belfort em 19962 e em Paul Dini3 que doou mais de quatrocentos quadros a Villefranche-sur-Saône em 1997. Para ficar no século XIX, podemos citar alguns exemplos: em 1808 a cidade de Nantes entra em possessão de 1155 quadros e 10646 gravuras dos irmãos Cacault; em 1837, a cidade de Montpellier abre um museu constituído de 328 quadros doados e legados por François-Xavier Fabre; em 1842, cabem à cidade de Ajaccio várias centenas (815) de quadros e objetos de arte provenientes da coleção do Cardeal Fesch4; em 1869, o Museu do Louvre recebe uma de suas mais prestigiosas doações, 582 quadros do doutor La Caze; em 1894, Jean Gigoux lega à cidade de Besançon 460 quadros e 3000 desenhos; em 1903, Fourché doa a Orleans 340 quadros e 300 desenhos... e daí por diante! Será possível imaginar que essas doações massivas de coleções aos museus não tenham modificado a direção da história da arte, sabendo precisamente que são coleções e não simples conjuntos aleatórios? Pode-se imaginar tudo, claro, mas imaginar corretamente pressupõe que se saiba bem do que se fala quando se fala dos museus e de sua suposta relação com a história da arte. “Os museus são necessários aos historiadores da arte”, afirmava Henri Focillon no início do século XX; sem dúvida, pois o museu dá visibilidade às obras, permitindo assim aos historiadores da arte responder a algumas de suas interrogações de base: quem pintou tal ou tal quadro? O que ele representa? Quando foi feito? Qual é o seu estilo? Porém, um século antes não era disso que se tratava: em primeiro lugar o museu tinha como missão, além de afirmar a supremacia da nação, propagar o amor à arte, refinar o gosto, fornecer modelos aos artistas. Era por isso que o colecionador fazia questão de transmitir sua coleção a uma coletividade pública, pretendia assim cumprir uma missão de ordem social. Não se tratava de história da arte! E no entanto, a história da arte estava bem ali, escondida talvez, mas inevitavelmente presente já que toda obra exposta penetra de facto, simplesmente por estar visível, no domínio do conhecimento, do saber, da reflexão, no domínio portanto da história da arte. É 2 Doação Maurice Jardot. Cabinet d'un amateur, en hommage à Daniel-Henry Kahnweiler, Paris, RMN, 1999. 3 Le Choix d'un collectionneur, une histoire de la peinture à Lyon et en Rhône-Alpes depuis 1875, cat. exp. (Villefranche-sur-Saône, musée Paul Dini, 10 juin – 7 octobre 2001),Villefranche-sur-Saône, Centre culturel de Villefranche, 2001.

4 Havia 16000 quadros no inventário após a morte do cardeal em 1839, sendo 250 Primitivos italianos; 815 quadros foram doados à cidade de Ajaccio sendo 40 Primitivos italianos. Ver Dominique Thiébaut, Ajaccio, musée Fesch. Les Primitifs italiens, Paris, RMN, 1987, p. 5-42; e Philippe Costamagna, “Données historiques de la collection Fesch” dans Le goût pour la peinture italienne autour de 1800. Prédecesseurs, modèles et concurrents du cardinal Fesch, Actes du colloque, Ajaccio, 1er au 4 mars 2005, (Organização Olivier Bonfait, Philippe Costamagna e Monica Preti-Hamard) Ajaccio,Ville d'Ajaccio, 2006, p. 21-32.


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por isso que uma página de história da arte, uma das primeiras, já estava escrita ou em gestação nas paredes do primeiro museu. Por um lado, era uma história da arte convencional ou conforme, feita de grandes nomes de mestres conhecidos e reconhecidos, presentes nas coleções reais logo aumentadas, durante certo tempo, com o melhor das coleções holandesas, alemães, espanholas (em pequena quantidade, quanto a essas últimas) e sobretudo italianas, não sem talento e com determinação por Dominique-Vivant Denon, ele mesmo ilustre colecionador. Incluem-se ainda nessa “primeira página de história da arte”, as coleções apreendidas aos emigrantes, os Robien, Tessé e outros Jehannin de Chamblanc, formadas no século XVII e sobretudo no século XVIII, igualmente conformes, conformes em particular ao gosto dos colecionadores do tempo passado que elas contribuiriam a fixar, consagrar, cristalizar, enquanto por outro lado, já se apresentavam, felizmente, os primeiros desvios de uma história da arte escrita por colecionadores... pouco impregnados de história da arte. Devemos insistir nessa virada do século XVIII ao XIX, tão rica de ocasiões, em que o colecionismo mostraria seus primeiros efeitos sobre o museu nascente e sobre a história da arte que estava por vir. Fico tentada a vos contar tudo isso como se conta uma bela história, história estudada por outros, tais como Francis Haskell, Antoine Schnapper, Krzysztof Pomian, aos quais me agrada prestar homenagem aqui. Era uma vez um país maravilhoso, a Itália, abundante de obras de arte. Nesse país abalado pela guerra e que se tornara francês, onde antigas fortunas desapareciam enquanto novas surgiam, se assistiria a uma espécie de êxodo massivo de obras e de coleções inteiras, para a Inglaterra, e sobretudo para a França. Enquanto os poderes públicos e seus epígonos (a grosso modo a família Bonaparte, tio e irmão) se apoderavam facilmente do melhor, do mais renomado e mais caro, um pequeno número de diplomatas e de artistas que viviam e trabalhavam na Itália, primeiramente em Roma, constituíam belas coleções, é certo. Entretanto, porque eram mais ou menos afortunados, porque o Estado controlava o conjunto das transações velando para que o melhor fosse para o museu, porque formavam um grupo de amigos (uma espécie de rede ou de colônia) todos ligados a Séroux d'Agincourt e Artaud de Montor, promotores (sem intenção no que concerne Séroux d'Agincourt5) de uma arte italiana cuja legitimidade já não se resumia aos esplendores da Antiguidade e do Renascimento, François-Xavier Fabre, François Cacault, Pierre-Adrien Pâris6, Jean-Baptiste Wicar, e ainda Dominique-Vivant Denon7, homem de “duas cabeças” e dupla função, compraram um pouco de tudo, mas sobretudo obras que pouco ou nada interessavam aos poderes públicos: as obras italianas mais antigas, ou ao contrário as mais recentes, obras dos contemporâneos menos cotados, desenhos dos grandes mestres. Compraram obras desconhecidas, ainda ausentes do campo de estudos e reflexão dos historiadores, e que deveriam, porque foram transmitidas a algum museu, assumir um dia seu lugar na história da arte, por vezes muito mais tarde. Pensemos por exemplo nos dois Georges 5 Jean-Baptiste-Louis-Georges Séroux d'Agincourt, Histoire de l'art par les monuments depuis sa décadence au IVe siècle jusqu'à son renouvellement au XVIe, Paris, Treuttel et Würtz, 1823. 6 Pierre-Adrien Pâris legou ao museu de Besançon, em 14 de maio de 1818, milhares de desenhos e 38 quadros, todos de seus contemporâneos (Fragonard, Hubert Robert, Marguerite Gérard...). 7 Marie-Anne Dupuy, “C'est mon sort d'avoir un cabinet”, dans Dominique-Vivant Denon, L'oeil de Napoléon, (Org. Marie-Anne Dupuy), cat. exp. (Paris, Museu do Louvre, 20 out. 1999 – 17 jan. 2000), Paris, RMN, 1999, p. 392-400.

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de La Tour (O tocador de realejo e São José e o Anjo) da coleção Cacault, que em seu tempo ele atribuíra a Murillo e a Seghers. Por um lado, mantinha-se e se consagrava uma hierarquia que privilegiava as obras do Cinquecento e do Seicento, por outro, dava-se oportunidade àqueles que seriam chamados de “Primitivos” e também aos quase contemporâneos, Fra Angelico, Giotto, Memling, mas também a Tiepolo, Watteau, Fragonard. Esse balanço inicial do primeiro encontro entre o colecionador, o museu e a história da arte foi claramente definido por Artaud de Montor em 1808:“pouco convém a um particular pensar em reunir os quadros autênticos de Rafael, de Correggio, de Giulio Romano, do Domenichino e de tantos outros grandes homens. Uma coleção desse gênero que não seja de um governo poderoso só pode ser incompleta. Mas com um pouco de zelo, cuidados infinitos, sacrifícios e paciência, conseguimos formar a coleção que apresento no catálogo, bastante completa para ajudar, algum dia, uma mão mais treinada que a minha a compor a história geral da arte dessa época no que se refere à Itália”8. O papel do colecionador que teria por missão compor a história geral da arte (ou ajudar a compô-la) se esboçou perfeitamente na figura de DominiqueVivant Denon. Como diretor do Louvre, ele insuflou no Museu, para o qual angariou as mais notáveis obras-primas, uma pitada de vanguardismo (se posso falar assim) ao enriquecê-lo com uma pequena e brilhante coleção de Primitivos alemães e italianos que ele mesmo reunira9. Mas vejamos o desenrolar dos acontecimentos. Enquanto a história da arte produzia seus primeiros textos, o museu se multiplicava e se transformava. Abandonando as montagens puramente funcionais ou estéticas, passava a classificar, organizar e se lançar na cronologia, ou seja, na história da qual se fazia assim o auxiliar. Théophile Gautier festejava essas mudanças: “o museu ganhou um aspecto inteiramente novo graças aos senhores Jeanron e Villot e, desde a remodelação da seção de pinturas, parece dez vezes mais rico […]. Outrora os quadros eram pendurados aqui e acolá, mais ou menos ao acaso ou de acordo com suas dimensões e os cantos das molduras, sem preocupação com a cronologia […]. Parecia uma loja repleta de maravilhas, e não um museu […]. Agora uma visita ao museu é um curso de arte completo cujos professores, mesmo mudos, não deixam de ser eloquentes”10. Estávamos em 1849, em meados do século XIX. Teria o museu, ao adotar em seu modo de exposição os princípios de classificação herdados dos primeiros historiadores da arte, se tornado plenamente lugar de história? Será que a contribuição dos colecionadores deveria a partir de então servir, prioritariamente, para a elaboração desses “cursos mudos de história da arte”? Tais temas provocavam o debate; debate que no curso dos anos se ampliaria. Seria o museu uma escola, um lugar de entretenimento ou um lugar de fruição estética? Debatia-se a propósito daqueles que sabem ou não ver uma obra de arte (“oculos habent et non vident”), e a propósito do colecionador - deveria ser um sábio? Era necessário que o fosse? 8 Alexis-François Artaud de Montor, Considérations sur l'état de la peinture dans les quatre siècles qui ont

précédé celui de Raphaël, par un membre de l'Académie de Cortone (Artaud de Montor), ouvrage servant de catalogue raisonné à une collection de tableaux des XIIe, XIIIe, XIVe et XVe siècles, Paris, Mongié, 1808.

9 Monica Preti-Hamard, “L'Exposition des écoles 'primitives' au Louvre, la partie historique qui manquait au musée”, In Dominique-Vivant Denon, L'oeil de Napoléon, op. cit. nota 7, p. 226-253.

10 Théophile Gautier. “Études sur les musées. Le musée ancien”, La Presse, 10 fev. 1849.


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Descobertas, redescobertas ou rejeições já agitavam o mundo dos historiadores. No meio disso tudo, numerosos colecionadores continuavam a colecionar e, ao que parece, colecionar sem se preocupar com a história, seguindo apenas o “gosto da época” e por vezes as recomendações de um ou outro desses manuais de conselhos que, de Dezallier d'Argenville11 a André Fage12, passando por François-Xavier de Burtin13 e Gault de Saint-Germain14, lhes recomendavam a norma e a moderação. Foi à luz desses tratados que em 1828 a cidade de Bordeaux considerou aceitável comprar os 265 quadros da coleção do marquês de Lacaze pela soma de 80.000 francos15, uma coleção bem dentro da norma e da qual se diria um século mais tarde que “trouxe mais abundância que verdadeira beleza”. Essas coleções de amadores que hoje estão nos museus eram numerosas e compostas em sua maioria, a exemplo da coleção Lorin (117 quadros) – fundadora do museu Bourg-en-Bresse em 185316 -, de um pouco de tudo: obras dos séculos XVII, XVIII e XIX, de pequeno e médio formatos, de temas agradáveis, paisagens, cenas de gênero, naturezas-mortas, retratos, com predomínio das Escolas do Norte e da pintura francesa. São coleções reunidas ao acaso das oportunidades e dos meios, sem o propósito de compor um conjunto de referência. Podem, por outro lado, ter cada qual sua identidade, resultado da liberdade de seu autor, o que nos permite ver hoje em Cherbourg, por exemplo, graças à doação feita por Thomas Henry à cidade em 1831, a pequena pintura de gênero ou de paisagem do Império e da Restauração, “a pintura francesa moderna não oficial dos anos 1800-1830” como qualificou Jacques Foucart17. Essa mesma liberdade também nos deixa ver em Chambéry (desde 1883) o maior conjunto de obras florentinas do Seicento e do Settecento existente na França, graças a Hector Garriod que as colecionou, ao mesmo tempo em que comprava para a Galleria Sabauda de Turim quadros do Cinquecento, mais raros, mais caros e mais conformes à hierarquia das artes. Podíamos e podemos vê-las, e assim estudá-las. 11 Lettre sur le choix et l'arrangement d'un cabinet curieux écrite par M. Dézallier d'Argenville, secrétaire du roi en la Grande chancellerie, à M. de Fougeroux, trésorier-payeur des rentes à l'hôtel de ville, jun. 1727. 12 André Fage, Le Collectionneur des peintures modernes. Comment acheter, comment vendre. Tours, Imprimeries Arrault et Cie, 1930. 13 François-Xavier de Burtin, Traité théorique et pratique des connaissances qui sont nécessaires à tout amateur de tableaux, suivi d'observations sur les collections publiques et particulières, et de la description des tableaux que possède en ce moment l'auteur. Bruxelles, Weissenbruch, 1808. 14 Pierre Marie Gault de Saint-Germain, Guide des amateurs de peinture dans les collections générales et particulières. Paris, Destouches, 1816. 15 “Percebo o quanto importa aos interesses da cidade que esse objeto seja estudado com uma escrupulosa atenção, no entanto, só posso oferecer uma simples impressão, a principal causa que se opõe a que eu entre em grandes detalhes se deve à insuficiência de meus conhecimentos […]. Baseio minhas apreciações no Traité théorique et pratique des connaissances nécessaires à tout amateur de tableaux de F.-X. de Burtin e em Le Guide des amateurs de tableaux de Gault de Saint-Germain”. Relatório ao Senhor prefeito de Bordeaux, 1828. Archives municipales de Bordeaux, dossier Lacaze. 16 Antoine Lorin (1779-1847) e sua esposa legaram sua coleção à cidade de Bourg-en-Bresse em 1853, o que permitiu a abertura do museu de Bourg-en-Bresse. Ver Michèle Duflot, “Antoine et François Lorin: histoire d'une collection”, In 1853, un musée est né, Hommage à Antoine et François Lorin, premiers donateurs du musée de Brou (Org. Michèle Duflot e Marie-Anne Sarda), cat. exp. (Bourg-en Bresse, musée de Brou, 21 jun. - 9 nov. 2003), Bourg-en-Bresse, musée de Brou, 2003, p. 55-73. 17 Jacques Foucart, “Les peintures françaises du XIXe siècle, une moderne richesse de la donation Thomas Henry”, In Le Musée Thomas Henry à Cherbourg, les collections et leur histoire, número especial da revista Art de Basse-Normandie, n. 128, 2003, p. 43-48.

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Na verdade, a maior parte das coleções formadas ao longo do século XIX, por vezes de grande qualidade (ou não), refletiam, sem que o colecionador tivesse sempre plena consciência, uma atitude ditada precisamente pelo desenvolvimento dos estudos históricos que, em meados do século XIX, sugeriam (firmemente) a tolerância com toda forma de arte. “Não temos o direito de condenar um estilo por não se harmonizar com nossas ideias, nem de declará-lo sem valor porque somos mentalmente e constitucionalmente incapazes de apreciar sua qualidade”, afirmava em 1856 o Art Journal, três anos antes da Gazette des BeauxArts fazer desse “gosto por toda a arte do passado” o seu credo, no editorial de seu primeiro número. Ao mesmo tempo em que se afirmava ser essencial manter uma hierarquia, se enfatizava a necessidade de procurar a beleza na obra de cada artista, “de Rafael até um gravador secundário como Gravelot”. Esse princípio parece ter guiado a formação de numerosas coleções destinadas desde sua origem a formar um museu. Seus autores o dizem, ou deixam que outros o digam. Graças a Vivenel, que em 1843 ofereceu a sua cidade natal uma “enciclopédia resumida de todas as artes em todos os países e entre todos os povos”, não há “uma criação do gênero humano que não esteja gloriosamente representada no museu de Compiègne”18! Encontra-se o mesmo entusiasmo em Quimper, orgulhosa em 1864 do legado do barão de Silguy que doou suas 1200 pinturas, 200 desenhos e 12000 gravuras, de todas as escolas, da Idade Média a 1842! Por toda parte se sonhava com enciclopédias, com retrospectivas e resumos históricos, trate-se de pintura ou escultura. Em maio de 1882, Auguste Giffard oferece à cidade de Angers “algo inteiramente excepcional do ponto de vista particular da escultura: uma coleção representando a história dessa arte”19. A mesma intenção se encontrava entre os melhores connaisseurs: Bonnat, pintor sem gênio mas colecionador inspirado, em especial de desenhos, confessava formar sua coleção “sem ostracismo, com o mesmo amor por todos os meios de expressão, todas as formas, todos os ideais”20. Tal sonho assombrava tanto as províncias quanto Paris. No Louvre, o sonho se realiza em 1878, quando His de la Salle oferece “um resumo completo e requintado daquilo que o desenho produziu de mais belo e de mais puro desde o século XIV até os nossos dias”21. No entanto esmorece alguns anos mais tarde, quando o museu é obrigado a aceitar a coleção de Thiers, reunião de “peças justificativas de um quadro histórico da arte”, nem todas de primeira ordem22! Tal qual a serpente que morde a própria cauda, os colecionadores contribuíam a fixar no museu uma visão histórica, universalista, enciclopédica, 18 “Uma enciclopédia resumida de todas as artes, em todos os tempos e entre todos os povos, escultura, pintura, cerâmica, vidro, mobiliário, armas, serralharia, joias, ourivesaria, relojoaria, esmaltes, curiosidades egípcias, hindus, chinesas, japonesas, medalhas, glíptica, não há uma criação do gênio humano que não esteja gloriosamente representada no museu de Compiègne”, carta de Eugène Pelletan a Félicien Mallefille, julho de 1870, citada por Sylvie Forestier, “La Création du musée Vivenel (1841)”, Bulletin de la Société historique de Compiègne, 1979, p. 130. 19 “Amando as artes e minha cidade como o disse, tinha [ilisível] no interesse de todos, de fundar no museu Saint-Jean, que está perfeitamente apto em todos os aspectos, algo inteiramente excepcional do ponto de vista particular da escultura: uma coleção representando a história dessa arte”, carta de Auguste Giffard endereçada ao prefeito de Angers em 22 de maio de 1882. Archives municipales de Angers, AM.2.R40.

20 Léon Bonnat, “Comment je suis devenu collectionneur”, La Revue de Paris, 20 jun, 1893, p. 757-764.

21 His de la Salle (1795-1878) legou (testamento de 28 de abril de 1878) sua coleção de 620 desenhos. Ver Charles Ephrussi, “Les dessins de la collection His de la Salle”, Gazette des Beaux-Arts, XXV, 2e per., mar. 1882, p. 224-245.

22 Charles Blanc, Collection d'objets d'art de M.Thiers léguée au Louvre. Paris, 1884.


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a mesma visão que fundamentara a formação de suas coleções, por vezes em detrimento do Belo. Pensemos no “Museu das reproduções das obras-primas da arte” oferecido ao Estado em 1911 pelo professor Lannelongue com o objetivo de criar “um museu de ensino da arte universal”23. O decreto da série, - do “completo” e da “sequência” (para usar a linguagem da época), sem os quais “cada pedaço se vê deslocado, sem filiação, como um órfão” -, que antecede todo estudo histórico de qualquer forma de arte, impõe ao museu a tarefa de “preencher suas lacunas” (é um leitmotiv), o que se faz graças aos colecionadores aos quais se atribui agora o papel de “completar” as séries existentes, ou fundar novas. Eles são convocados, muitas vezes pela imprensa, a completar tal ou tal série “de um interesse tão grande para a história de nossas artes”. A isso se dedicam aliás, no final do século XIX, esses grandes colecionadores e doadores que são Davillier, os irmãos Dutuit, Ernest Grandidier, Eugène Piot ou ainda Jules Maciet, cujos famosos álbuns são emblemáticos dessa vontade de relocar as obras não apenas no curso de sua história, mas também no curso da história da arte mundial, vontade que justifica as doações ou legados, cá e lá, de numerosos conjuntos de estampas. Em 1898, por exemplo, Charles Thévenot doou à cidade de Dijon, para seu museu, 32415 gravuras, 1700 fotografias e 21215 recortes de jornais. Os colecionadores adotam o enfoque do historiador que viaja, compara, estuda, emite hipóteses, escreve24. Observa-se que aumenta a necessidade dos próprios colecionadores apresentarem por escrito suas escolhas estéticas em termos de cultura e de pseudocultura. Os comentários eruditos sobre as obras e os artistas que integram suas coleções se multiplicam. Já não há coleção sem catálogo escrito pelo próprio colecionador, por mais modesto que seja, como foi o caso do doutor Escallier, o qual, sem jamais ter recebido formação artística, sem ter condições de viajar (só podia ir a Paris, ao Louvre), reuniu uma coleção de 176 quadros – essencialmente flamengos e holandeses dos séculos XV e XVI, dentre os quais a obra-prima é o Políptico de Anchin, doados a Douai em 1857 –, acompanhados de um catálogo, no qual cada obra recebeu sua atribuição (tirada do Dictionnaire des monogrammes, marques figurées, initiales, noms abrégés, etc. de François Brulliot, publicado em 1832) e uma notícia histórica redigida graças aos livros presentes na biblioteca municipal de Douai25. Mais afortunado, mais ambicioso também, o barão Davillier26 redige sua Histoire des faïences hispanomauresques à reflets métalliques, à medida que constrói sua coleção que lega 23 O museu Lannelongue, inaugurado em 11 de dezembro de 1911 em Castera-Verduzan (Gers), pretendia

mostrar “a arte escultural de nossas catedrais, o encanto dos afrescos italianos, a grandeza de um Claus Sluter, a emoção profunda de um Rembrandt, a nobreza de um Poussin, todos os sentimentos da forma, todos os modos de expressão do sentimento da natureza, até as composições eurítmicas de um Puvis de Chavannes, a ousadia do desenho de um Degas, a magia da luz de um Turner ou de um Claude Monet”, Musée Lannelongue à Castera-Verduzan. Catalogue des photographies, gravures et moulages par Carle Dreyfus. Paris, 1911. O texto é de Claude Migeon.

24 “Para

ser um amador cultivado, é necessário visitar todos os museus, assim como as coleções particulares, anotar o que falta, comprar em seguida os pedaços que forem sendo encontrados”, carta de Eugène Dutuit a seu irmão, em 6 de julho de 1878, citada por Mathilde Avisseau, “La collection d'antiquités de deux bourgeois amateurs du XIXe siècle, les frères Dutuit”, In L'Anticomanie. La collection d'antiquités aux XVIIIe et XIXe siècles (Org. Annie-France Laurens e Krzysztof Pomian). Paris, EHESS, 1992, p. 299.

25 Benoît Delcourte, “Une Collection de tableaux au musée de Douai: le legs Escallier”, monografia da École du Louvre, Mss, 2003-2004.

26 J.-C. [Jean-Charles, baron] Davillier, Histoire des faïences hispano-mauresques à reflets métalliques. Paris, Victor Didron, 1861.

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ao Louvre em 1883, “peças que não são talvez todas de primeira categoria”, confessa Molinier27, conservador do departamento dos Objetos de arte, “mas todas tem sua importância do ponto de vista histórico”. Ernest Grandidier forma uma coleção de cerâmica chinesa e publica um livro sobre a dita coleção em 189428, antes de doá-la ao Louvre. “A partir das peças de sua coleção, redigiu uma história da porcelana” dirá Koechlin prestando-lhe homenagem em 191429. Esses colecionadores fizeram entrar no museu milhares de obras e objetos, seções inteiras da história da criação artística, acrescentando assim, segundo o desejo expresso por Piot desde 1842 (aos trinta anos de idade) “uma pedra a esse vasto monumento que durante muito tempo permanecerá inacabado: a história da arte”30. A união da História, do colecionador e do museu chega ao apogeu, ao que parece, nas últimas décadas do século XIX. A atividade está no auge e há mesmo uma moda, não apenas de colecionar, mas de colecionar para doar a um museu, uma moda que chega aos extremos da caricatura. O colecionador Albert Robida reúne, por exemplo, toda sorte de coleções, entre as quais uma coleção de bassinoires31, com as quais encheu duas salas de seu apartamento e sobre as quais se propôs escrever um livro – Les Bassinoires de la Renaissance au XVIIIe siècle, recherches historiques, artistiques et archéologiques –, antes de oferecê-las a Compiègne, sua cidade natal32! Estamos em 1885, momento em que, deve-se ressaltar pois certamente não é por acaso, se institucionaliza o ensino da história da arte na França33. Em especial, acabara de ser criada a École du Louvre, com o objetivo de “tirar das coleções o conhecimento que elas contém”34, sentença à qual responde Ernest Grandidier em 1890, como um eco, ao lembrar que “frequentemente nos esquecemos que uma coleção não é apenas uma distração, mas antes de mais nada um ensinamento prático”35. Em 1803, Séroux d'Agincourt escrevia: “aquilo que dei a conhecer [da história da arte] poderia ser comparado a um imenso museu”. Um século mais tarde – na virada do XIX para o XX – não era possível comparar o museu a um imenso curso de história da arte? A história – e sabe-se o quanto alguns lamentaram – tinha se apoderado do museu! Uma inversão de valores estava em andamento: logo não seria o museu que estaria a serviço da arte, mas a 27 Émile Molinier, Rapport au directeur des musées nationaux, 4 février 1884. Paris, Archives des musées nationaux (AM8).

28 Ernest Grandidier, La céramique chinoise, porcelaine orientale: date de sa découverte, explication des sujets de décor, les usages divers, classification. Paris, Firmin-Didot, 1894.

29 Raymond Koechlin, Les Collections d'Extrême-Orient au musée du Louvre et la donation Grandidier. Paris, Imprimérie générale Lahure, 1914.

30 Louis Courajod, “Eugène Piot et les objets d'art légués au musée du Louvre”, Gazette des Beaux-Arts, mai 1890, p. 397-412.

31 Recipiente de cobre perfurado que, cheio de brasas, servia outrora para esquentar camas. Nota da tradutora.

32 Le Dix-neuvième siècle, textes e dessins par Albert Robida, Paris, 1888. 33 A primeira cátedra de história da arte (arte e arqueologia) foi criada na Sorbonne em 1876; em 1878

é criada a cátedra de história da arte e estética no Collège de France (por Charles Blanc); em 1882 é criada a École du Louvre; novas cátedras de história da arte aparecem em seguida em Lille (1890), Paris (1896), Lyon (1898).

34 Artigo 1 do Regulamento da École du Louvre, 27 de julho de 1882. 35 Sem referência bibliográfica. No original em francês: “qu'on oublie trop souvent qu'une collection n'est pas uniquement une distraction mais avant tout un enseignement pratique”. Nota da tradutora.


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arte a serviço do museu, da história e do passado; ao menos era isso que se pretendia, e com a ajuda eficaz dos colecionadores. Devemos sublinhar que os anos 1890-1914 constituem uma idade de ouro em matéria de doações e legados aos museus. Véronique Long, que estudou o exemplo do Louvre, observa que 236 coleções (de uma a cinquenta obras, ou mais) entraram no museu entre 1873 e 1914, das quais dois terços entre 1891 e 191436. Essas coleções retrospectivas são abertas a todas as formas de arte, como se tudo agora dependesse do museu e do estudo, mas fundadas prioritariamente sobre valores estabelecidos e reconhecidos. Pesquisando as doações e legados dos colecionadores aos museus de província, observo exatamente o mesmo fenômeno, seguindo a mesma cronologia: por toda parte, os colecionadores se esforçam para transmitir sua coleção, modesta ou de prestígio, a Châlonssur-Marne, Morlaix, Aix-les-Bains, Béziers, Nantes, Fougères, Bayeux, Carpentras, Gray, Nice, Saintes, Orleans... Por toda parte se multiplicam as coleções, a ponto de alguns perceberem esse fenômeno como um ataque! “A segunda metade desse século entrará para a história do gosto dos franceses como um período de nobre curiosidade”, dizia Chennevières em 189037; certo, mas o que fazer diante do museu que se constrói assim como o lugar por excelência de exposição de uma história da qual alguns reconhecem perfeitamente os limites e as recusas? O que fazer senão desesperar-se como esse homem que assistiu aterrado à inauguração da coleção Dutuit no Petit Palais em 1902 - “Quanta história para bibelôs e mais bibelôs!” - e que, incapaz de fazer ouvir a voz da novidade, só pode reagir com desprezo. “Não me falem dos colecionadores”, lançou aos jornalistas, antes de lhes dar as costas38. O que fazer, senão procurar por todos os meios, e entre esses o poderoso instrumento da coleção, mudar o curso dessa história? Não por acaso assistimos, a partir de 1870, à margem do impulso contínuo do colecionismo convencional, a atos cada vez menos isolados, atos preciosos e desafiadores. São desafios de colecionadores empenhados em afirmar sua liberdade diante do conformismo, comprometidos em escrever uma nova história da arte, preocupados ao verem os interesses da arte sendo sacrificados em prol da história. Bruyas foi um pioneiro. Em 1876, ao legar a Montpellier sua magnífica coleção, pretendia desenhar um novo quadro histórico e escrever uma “história da arte moderna” que começava com David (deixou inacabada uma obra que seria intitulada L'Art moderne en France, odyssée de la peinture ou sérieuses recherches de la vérité). Tal projeto lhe valeu o epitáfio imaginário de Van Gogh: “Bruyas de Montpellier é uma pessoa importante para a história da arte”39. No mesmo ano, Gustave Caillebotte redigia seu testamento. Tinha vinte e oito anos de idade e nada era urgente; e no entanto legava ao Estado um conjunto de obras de Renoir, Manet, Monet, Pissarro, Degas, Cézanne, Sisley... que já eram chamados de impressionistas. Sabia que o público não os aceitaria, mas pedia ao Estado que os conservasse até que o público admitisse essa pintura40. Lançava 36 Véronique Long. “Les collectionneurs d'oeuvres d'art et la donation au musée à la fin du XIXe siècle: l'exemple du Louvre”, Romantisme, n. 112, 2001, p. 45-54.

37 Henry de Chennevières, Silhouettes de collectionneurs: Eudoxe Marcille, Paris, s. n., 1980. 38 L'Illustration, 13 dez. 1902. 39 Philippe Bordes,“Montpellier, Bruyas et Courbet”, in Courbet à Montpellier, cat. exp. (Montpellier, musée Fabre, 5 nov - 29 dez 1985), Montpellier,Ville de Montpellier, p. 23-38.

40 O testamento de Gustave Caillebotte data de 3 de novembro de 1876.

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assim um desafio ao tempo, à sociedade, à história da arte. Desafio nem tão bem sucedido, como se sabe41. Desafio inteiramente frustrado, por outro lado, para François Depeaux que em 1903 teve a oferta de sua coleção de telas impressionistas, entre as quais figuravam as Catedrais de Monet, recusada pela

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cidade e pelo museu de Rouen42. Mais felizes foram Isaac de Camondo43 e Étienne Moreau-Nélanton. Conseguiram introduzir a arte moderna no Louvre antes de 1914 e fizeram entrar no museu, ainda vivos, Degas e Monet44. Assim, essa arte tão ridicularizada em sua origem assumia um lugar no curso da história da arte, uma história escrita pelos colecionadores mas consagrada pela autoridade do museu. Uma arte ontem, um patrimônio hoje. E amanhã? O amanhã parece ser justamente a primeira preocupação do colecionadordoador (que representa menos de 10% do total de colecionadores), para além das palavras, das declarações, para além de uma história da arte que se pretendia ou gostaria de escrever e modificar. Amanhã e a eternidade, uma eternidade contrária à história, mas que o museu promete, pois se é verdade que ele presta serviço à história, também está a serviço da arte.

Tradução recebida em abril de 2014. Aprovado em junho de 2014

41 Pierre Vaisse esclareceu o caso do legado Caillebotte. Conferir em Pierre Vaisse, “L'impressionnisme au musée: le legs Caillebotte”, L'Histoire, n. 158, set 1992, p. 7-14.

42 François Bergot, “La donation François Depeaux au musée des Beaux-Arts de Rouen”. In Hommage à Hubert Landais, Arts, Objets d'art, Collections. Études sur l'art du Moyen Âge e de la Renaissance, sur l'histoire du goût et des collections. Paris: Blanchard, 1987, p. 205-211.

43 Isaac de Camondo, em testamento de 18 de dezembro de 1908, aceito em 8 de maio de 1911, legava ao Louvre uma importante coleção de objetos de arte e uma coleção de telas “modernas” entre as quais Lola de Valence e Le Fifre de Manet, Les Repasseuses de Degas...

44

Chantal Georgel, “Il est un temps pour conserver et un temps pour rejeter”. In Passions privées. Collections d'art moderne et contemporain en France, cat. exp. (Paris, Musée d'art moderne de la Ville de Paris, dez. 1995 – mar. 1996). Paris, Paris-Musées, 1995, p. 39-45.


Chantal George e Ana Cavalcanti

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MUSEUS E AFRICANIDADES

Deborah Silva Santos

*

Universidade de Brasília

As coisas, as espécies e os indivíduos provenientes do Continente Africano sempre foram motivo de estranhamento aos olhos do povo europeu. Classificados como bizarros e exóticos representavam o mundo invisível (Pomian, 1984) o “outro” social, não civilizado, mágico e religioso (Gonçalves, 2009). Se no primeiro momento estes objetos foram cobiçados pelos colecionadores no momento subseqüente, nos recém criados museus serviram como objetos/testemunhos para comprovar nas ciências biológicas a “noção da evolução das espécies” e nas ciências humanas a “diferença entre os homens”. (Schwarcz, 2005) Os museus brasileiros foram criados neste contexto e colaborara decisivamente com a divulgação das teorias raciais1 no país, com as regras de um progresso humano “único, linear e inquebrantável”. Cada um a seu modo, o Museu Real (Nacional), o Museu Paraense Emílio Goeldi e o Museu Paulista influenciaram as discussões sobre o futuro da nossa nação formada por um povo miscigenado. (Schwarcz,2005; Lopes,2009) Apenas no decorrer dos anos de 1920 que a noção de raças humanas foi cedendo lugar a outras noções como a “higiene e cultura” ligada ao desenvolvimento urbano e a industrialização. Coincidentemente, neste mesmo período chega ao fim a “Era dos museus etnográficos” substituídos por outros modelos de instituição. Ainda carregados de negatividade pela sua origem os objetos produzidos pelos afro-brasileiros vão ser preteridos no processo de musealização pela preservação da história dos grandes heróis e dos grandes feitos da história nacional, garantindo a partir de então a preservação da memória cultural do grupo social branco, representante da elite política e econômica brasileira. Nos dias de hoje, há várias instituições museológicas privadas e públicas brasileiras que ainda optam em guardar, conservar e divulgar a memória dos representantes da elite, desconsiderando a história dos outros grupos formadores da história nacional. Ou quando reconhecem a cultura afro-brasileira, as Africanidades, elas trazem o estigma da escravidão, pois são escolhidas correntes, as gargalhadeiras, chibatas e outros objetos de submissão ao trabalho escravo para retratá-los. Professora- Assistente do Curso de Museologia da Universidade de Brasília - UnB (e-mail deborahsantos@ unb.br). *

1 Evolucionistas sociais, darwinistas sociais, deterministas sociais, poligenistas, craniologia, frenologia . Vide Schwarcz, 2005:116

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Resenha

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O Livro “Museu e Africanidades” busca reverter essa realidade apresentando ações práticas nos acervos, nas exposições e em museus do Rio Grande do Sul. Organizado pela Historiadora Jane Rocha de Mattos ele tem como objetivo superar a invisibilidade da população negra nos museus apresentando-os como agentes históricos. Ao reunir sete artigos escrito por acadêmicos e intelectuais que segundo Rocha, “tem suas trajetórias marcadas pela reflexão, produção e atuação sobre a temática da afrodescendência” outros lugares, trajetos, memórias e patrimônio vão sendo revelados no Estado e ao mesmo tempo vão possibilitando interpretações teóricas e metodológicas no campo da museologia, como musealização de objetos, salvaguarda do acervo, espaços museais, espaços e experiências museológicas e educação museal. No artigo As Representações do Negro nos Museus do Rio Grande do Sul são marcadas pela Invisibilidade Simbólica: do “resgate” afro-brasileiro às pesquisas histórico-antropológicas e às visibilidades negras na museologia contemporânea o Antropólogo Iosvaldyr Carvalho Bittencourt Junior apresenta um “percurso de sensibilização etnográfica” no Museu Antropológico do Rio Grande do Sul (MARS), Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), Museu Joaquim José Felizardo (Museu de Porto Alegre), Museu Júlio de Castilhos e no Memorial do Rio Grande do Sul e aponta como essas instituições museológicas gaúchas são limitadas no seu tradicionalismo e colaboram com a invisibilidade da cultura afro-brasileira nas suas exposições e na tentativa de romper essas determinações e reconhecem as culturas negras na formação da população do estado gaúcho retrata-a enquanto folclórica e estigmatizada pelos objetos de submissão ao trabalho escravo, as correntes, gargalheiras, chibatas e tantos outros objetos de terror. Esses museus desconsideram as “imagens, memórias, histórias, praticas culturais e inúmeras identidades de matriz africana formas devocionais negras, pesquisas acadêmicas, produção artística e literárias desenvolvidas, por meio da dinâmica histórica e sociocultural, no âmbito territorial das suas comunidades sociais e redes de parentesco, das suas respectivas redes simbólicas de sociabilidades públicas, estão fora do espaço físico e intelectual dos museus tradicionais, quase sempre desconsiderando as interpretações e contribuições dos agentes sociais e culturais negros” (Junior in Mattos, 2013:16)

Junior apresenta formas de superação da invisibilidade negra, como a criação dos museus afro-brasileiros em outras regiões do Brasil e a museologia contemporânea que ao problematizar temáticas do cotidiano amplia o dialogo com os intelectuais orgânicos e os detentores de saberes e produtores de memórias e patrimônio material e imaterial. O texto de Vinicius Viera de Souza, Artes Visuais de referencia Afro-Brasileira no espaço público de Porto Alegre identifica a cidade como um espaço museológico, um “museu a céu aberto” e busca relacionar a obras de artes visuais de referencias afro-brasileiras e os locais que foram historicamente ocupados pelos negros na cidade. A partir de sete obras instaladas pela cidade, o Monumento a Zumbi dos Palmares no Largo dos Açores; o Monumento à Mãe Oxum na Praia de Ipanema; o busto de João Cândido no Parque da Marinha do Brasil; o Afromosaico no Bairro de Bom Jesus; o Tambor na Praça Brigadeiro Sampaio (antigo largo da Forca); a Pegada Africana localizada na Praça da Alfândega (antigo Largo


Deborah Silva Santos

da Quitanda) e o Bará localizado no Mercado Municipal, reflete sobre o rompimento da invisibilidade negra, pois os lugares plasmados na memória coletiva dos negros porto-alegrense passam a ser reconhecidos e publicizados com a instalação das obras de artes visuais de referência afro-brasileira. O artigo de Pedro Rubens Vargas, o Museu de Percurso do Negro na perspectiva de seus idealizadores: Os militantes e militantes do Movimento Negro reflete sobre o processo de concepção e implantação do museu do percurso realizado pelos militantes, entidades e organizações do movimento negro porto-alegrense. Ações que enquadradas na luta pelo direito à memória e, portanto de superação do “processo de apagamento paulatino da memória da etnia negra” na cidade de Porto Alegre. O Museu veio a surgir, portanto, como idea-força, ou melhor, se constitui como ideia-expressão de um movimento de reivindicação por direitos civis e políticos de representação da etnia negra no concerto das memórias dos povos que originaram e fazem Porto Alegre.

As reflexões apresentam também uma ação prática de entendimento entre o poder público e os militantes negros na definição teórica da nova instituição sem precedentes no universo brasileiro, questões que envolveram diferentes campos disciplinares no tratamento do patrimônio. O texto Antigos Carregadores de Doca: Reflexões acerca das representações negras no Museu Julio de Castilho de Arilson dos Santos Gomes e Roberta Fraga Machado Gomes apresentam as reflexões sobre objeto musealizado, neste caso a fotografia “Antigos Carregadores de Doca” pertencente ao acervo do Museu Julio de Castilho e a ideologia difundida pela instituição museal ao ter o poder de visibilizar ou invisibilizar (silenciar) as identidades. No artigo os autores apresentam de forma clara como a ideologia de um grupo perpassa as ações museológicas sendo capaz de “criar uma memória” que plasmada no objeto será preservada para o futuro. São ações pré-determinadas de formação de acervo, de salvaguarda, de exposição e educação que visavam no caso em tela embranquecer e europeizar a história do Estado do Rio Grande do Sul, desconstituindo as memórias afrodescendentes que estão armazenadas no museu. O artigo de Maria Ricken de Medeiros e de Nara Witt - Trilhando investigações sobre o quadro de Aurélio Viríssimo de Bittencourt dialoga com o texto anterior ao escolher um objeto museológico para refletir como o museu pode ser um local de produção de conhecimento e de memória. Os autores, a partir do objeto/retrato pintado a óleo identificado como Aurélio Virissimo de Bittencourt, um homem negro, buscam não apenas identificá-lo como homem público no mundo da elite branca e que leva a musealizar a sua figura, como a sua identificação religiosa e destaque no mundo dos negros. O artigo Representações racializadas de negros nos museus: O que se diz e o que se ensina de autoria de Lisandra Maria Rodrigues Machado e Maria Angélica Zubaran analisa a sala da exposição Período Escravista que integra a exposição de longa duração do Museu Julio de Castilho e constata a necessidade de desconstruir as representações do negro no museu representado enquanto o “outro” homogêneo, sempre escravo, originário de uma África ahistórica e silenciado em suas experiências e saberes negros contemporâneos. As autoras também apresentam um panorama da escassa e recente produção dos estudos que interseccionam a temática étnico-racial e as instituições museológicas no Brasil formada por museólogos, historiadores e antropólogos.

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Resenha

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E por fim o artigo de Giane Vargas Escobar e Ana Luiza Coiro Moraes Rodas de Lembranças do Museu Comunitário Treze de Maio: Comunicação, educação e identidade de mulheres negras reflete sobre uma das experiências comunicacionais dos museus comunitários e ecomuseus que são as rodas de lembranças. O seu objetivo é (re) constituir o patrimônio imaterial e deixar registro da memória vivida por uma comunidade de destino. A importância deste texto evidencia também uma das mais importantes organizações dos afro-brasileiros no Brasil, que são os Clubes Sociais. Aqui em tela a Sociedade Cultural Ferroviária Treze de Maio – “o Treze” da cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul com mais de 110 anos. Sua trajetória até a transformação em museu comunitário no ano de 2003 é apresentada no artigo pelas autoras, bem como as atividades que vem sendo realizadas na última década. Ao finalizar, me aventuro a afirmar que “Museu e Africanidades” é daqueles livros que supera o seu objetivo inicial de dar visibilidade a população negra nos museus e assim, atender um público restrito de pesquisadores interessados na produção literária sobre a temática étnico-racial nos museus brasileiros. Pois ao refletir sobre os conceitos teóricos da museologia contemporânea, podemos classificá-lo como uma obra de teoria museológica, ampliando o seu campo de atendimento para estudantes, museólogos e profissionais de museus que anseiam por ações que reconheçam as temáticas de gênero, étnico-raciais e de classe social. Assim, ao apresentar a desconstrução, reflexão e a revisão dos processos de musealização dos objetos, da elaboração das exposições e atividades educacionais, da salvaguarda e das pesquisas realizadas nos museus tradicionais, e também, a elaboração de novas práticas museais que contam com a participação social e que resultam na formação dos museus comunitários, de percurso e étnicos, as duas experiências museológicas são tratadas como duas formas antagônicas mas que coexistentes, e que partem da mesma base teórica de compreensão do museu como fenômeno e portanto um espaço de disputa e tensão entre a mudança e a permanência, a diferença e a identidade, a memória e a história, o poder e a resistência. (Scheiner,2008) A nossa intenção não é optar por um dos dois modos de fazer museu, não há ganhadores nem perdedores, o que temos que fazer é garantir e respeitar a visibilidade dos saberes e fazeres de todos os grupos participantes das sociedades multirraciais e multiculturais. Obra: MATTOS, Jane Rocha (org). Museus e Africanidades. Porto Alegre,RS: Edições Museu Julio de Castilhos, 2013. Outras Referências GONÇALVES, José Reginaldo Santos. O patrimônio como categoria de pensamento. In: ABREU, Regina; CHAGAS, Mário (orgs). Memória e Patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: Lamparina, 2009 - 2a. ed. p.25-33. LOPES, Maria Margaret. O Brasil descobre a pesquisa científica: os museus e as ciências naturais no século XIX. São Paulo; Aderaldo & Rochschild; Brasília, DF: Ed. Unb, 2009 POMIAN, Krzysztof. Coleção. In: Enciclopédia Eunadi, v.1. Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1984


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SCHEINER,Teresa Cristina. O Museu como Processo. In: Bittencourt, José Neves (org). Cadernos de Diretrizes Museológicas 2. Bh, SECMG, Superintendencia de Museus,2008. http://www.cultura.mg.gov.br/files/museus/1caderno_diretrizes_museologicas_2.pdf SCHWARCZ, Lillia K. Moritz. A “Era dos Museus de Etnografia” no Brasil: o Museu Paulista, o Museu Nacional e o Museu Paraense em finais do século XIX. In: Museus: dos gabinetes de curiosidades à museologia moderna. Belo Horizonte/ Brasília: Argumentum/CNPq, 2005 Resenha recebiba em maio de 2014. Aprovado em junho de 2014

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JAC LEIRNER – OBSESSÃO E MUSEUS

Pedro Ernesto Freitas Lima Universidade de Brasília *

Jac Leirner, Cantos, 2014, níveis de precisão sobre parede, 160 x 150 cm; Foto: Museo Tamayo, México.

Mestrando em Teoria e História da Arte pelo Programa de Pós-Graduação em Arte da Universidade de Brasília. Bacharel em Desenho Industrial pela mesma instituição com habilitações em Programação Visual e Projeto de Produto. *

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A obsessão parece ser um componente importante da arte. Ao longo de sua história, ela tem se apresentado com diferentes objetivos: obsessão por narrar histórias sagradas de maneira inteligível, pela imitação da realidade, pela concretização de utopias, pela subversão das instituições artísticas. A obra de Jac Leirner (1961- ) origina-se da obsessão pelas práticas de colecionamento e de ordenação. Sua formação na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) teve ênfase em teoria das cores e na técnica da aquarela. Mas em Inacabável (roda sobre roda) de 1982 a artista realiza o que se tornaria sua característica mais evidente: a reunião e ordenação de objetos retirados do cotidiano, os quais sofrem processos simultâneos de perdas e ganhos de novos sentidos. Em Inacabável, materiais como feltro, vidro, alumínio, couro, borracha, plástico, papel e espuma são empilhados em torno de um eixo vertical. O título da obra ganha ares proféticos. Diversos objetos prosaicos ganham seu interesse: maços de cigarro, cédulas de dinheiro, sacolas plásticas, cinzeiros de interior de avião, envelopes, cartões de visitas e outros. Esses objetos constituem sua obra que é realizada na forma de extensas séries, muitas delas são simultâneas umas às outras. A título de apresentação, podemos compreender a obra de Jac a partir de três momentos distintos que aqui serão identificados como dissecação do objeto, provocações museais e exposição da exposição. Em um primeiro momento, as séries Pulmão (1987-89), Os cem (198789) e Nomes (1989-93) se ocupam de maços de cigarro, cédulas de cruzeiro e sacolas plásticas respectivamente. Esses objetos são dissecados e ordenados de maneira exaustiva. Os maços de cigarro são desagregados em suas partes constituintes, que dão origem a vários objetos, ou esculturas, como Jac prefere nomeá-los. As embalagens de cartão são planificadas e enfileiradas, originando um arco vermelho e branco (trata-se de embalagens Marlboro) suspenso na parede; os lacres de abertura são aglomerados em um emaranhado informe; os papéis metalizados do interior da embalagem são empilhados, assim como o celofane do exterior, cuja fragilidade é protegida por uma caixa de acrílico. Já as cédulas, assim como as sacolas, não são desmembradas, mas ordenadas de diversas formas levando em consideração diversos critérios. Algumas obras são cédulas enfileiradas e atravessadas por cabos de aço, ganhando uma configuração maciça e dispostas no chão de forma serpenteante. Outras são painéis onde as notas são costuradas e dispostas obedecendo a classificações de natureza cromática ou temática. Alguns painéis são feitos levando em conta os tipos de inscrições e grafismos feitos nas cédulas (temas infantis, pornográficos, caracterização das efígies como velhos, diabos, entre outros). Lembremos que se trata de cédulas do período da hiperinflação brasileira dos anos 1980, onde o dinheiro perdia rapidamente seu valor. Em Nomes, as sacolas plásticas são recheadas com poliéster e costuradas umas as outras, reunidas segundo semelhanças cromáticas, formais ou levando em consideração o tema das marcas impressas nas mesmas. Em um segundo momento, as obras se apropriam de objetos que fazem parte dos circuitos artísticos e que geralmente não são evidenciados nos espaços expositivos, tais como a troca de correspondências entre instituições, a produção de etiquetas de identificação e a circulação dos diversos agentes do circuito de arte. Trata-se das séries To and from (1991-99), Etiquetas (1991) e Foi um prazer (1997). Em To and from, Jac pede a museus e galerias onde vai expor que guardem seus envelopes de correspondências recebidas. A artista então

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cria dois tipos de objetos com esse material: ou os enfileira levando em conta critérios de tamanho e de formato, trespassando-os por cabos de aço; ou os aglomera e os envolve por fita adesiva. Em Etiquetas, painéis são formados por etiquetas de identificação das obras dos acervos dos próprios museus onde essa série é exposta, ordenadas de acordo com a densidade de linhas impressas nas mesmas. Cartões de visitas de profissionais dos circuitos da arte, ordenados por diversos critérios como famílias tipográficas ou características formais dos logotipos impressos, são expostos na forma de linhas paralelas ao chão em Foi um prazer. Essas obras parecem indicar a existência de rumores existentes nos meandros dessas instituições, os quais não conseguimos significar com clareza. Jac chega a dar indícios do que seriam, mas não os revela totalmente, mantendo um mistério pairando entre o público e os espaços museais. Finalmente, temos obras que comentam o próprio ato expositivo. Na mostra Harware seda – Hardware silk (2012), Jac realiza obras com materiais empregados em montagem de exposição de arte, como cabos de aço, ferragens, níveis de precisão, argolas, tubos plásticos e metálicos, porcas e extensores.Alguns títulos nos remetem de maneira irônica aos lugares-comuns das instituições da arte, dos discursos expositivos e do processo de colecionamento, tais como Coleção particular, Retrato e Dimensões variáveis. Essas obras evidenciam como o espaço expositivo é constituinte do fazer artístico de Jac. Em cada um desses momentos, Jac parece elaborar uma nova charada para os espaços museais, os quais se veem desconcertados na medida em que são estimulados a refletir sobre o enigma. Há uma subversão de valores e de hierarquias quando os objetos prosaicos, sejam do cotidiano ou sejam dos meandros museais, acabam sendo levados ao patamar de preciosidade, o que é uma provocação à capacidade legitimadora das instituições museais e do público. Texto recebido em julho de 2014


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