plural JORNAL CULTURAL
NÚMERO 2 | JULHO A AGOSTO 2013 | BH | MG
CRôNiCA DE UM TAL DE “HOMEM”
Humanos são sempre humanos Carlos Magalhães Há algum tempo, uma socióloga estadunidense um tanto apocalíptica afirmou que a comunicação por meio de redes como o Twitter e o Facebook pode ser considerada uma forma de loucura moderna. Estaríamos sob o risco de nos tornarmos menos humanos por causa das
conversa em dia, para comer, beber, passar o tempo. Se conferem o telefone esperto, é porque têm o aparelho à mão. Antes faziam coisas equivalentes. Jornais e revistas que falaram dessa socióloga fizeram referência (como se fosse uma confirmação da hipótese proposta por ela) ao caso de uma moça que anunciou o próprio suicídio pelo Facebook sem que nenhum de seus 1082 “amigos”
novas tecnologias de comunicação. As pessoas estariam
fizesse nada para ajudar. Os poucos que responderam
se isolando em uma ciber-realidade que não passaria de
acharam que ela queria apenas chamar a atenção. Colo-
uma imitação do mundo real. Considero equivocada
caram amigos entre aspas fazendo um juízo moral sobre
essa hipótese. De fato, é muito estranha a concepção de
a ausência da verdadeira amizade nas redes sociais. O
natureza humana que a socióloga revela. Que natureza
fato é que só um idiota acreditaria que seus mil e tantos
humana é essa que se corrompe ao ser dominada pela
contatos numa rede social são amigos. Não raramente
tecnologia? Não é próprio do ser humano expandir suas
as pessoas são mais espertas do que os especialistas que
possibilidades pela invenção e utilização de diversas tec-
analisam o comportamento delas. Não há absolutamen-
nologias? Quando algo – um martelo ou o Photoshop,
te nada de novo em um anúncio de suicídio ignorado.
por exemplo – é usado por pessoas, esse uso só pode ser
Morei em um condomínio onde uma mulher morreu se
humano. Ainda que alguém possa não gostar da “hu-
jogando do sétimo andar. Dias antes disse aos familia-
manidade” que emerge de certas utilizações, o uso será
res: “Queria me matar, mas não quero estragar os car-
inescapavelmente humano. Algumas pessoas racham as
ros que ficam estacionados lá embaixo”. Ninguém levou
cabeças umas das outras com martelos; outras transfor-
a sério. Acharam que ela só queria impressionar. Pulou
mam gente em monstrengos nas edições de Photoshop
pela janela no dia em que não havia carros no estacio-
para as capas de revistas. Essas ferramentas estão nos
namento. Pode haver superficialidade, falsidade, ilusão
desumanizando? Não. Nós é que estamos humanizando
nos contatos feitos pela internet? É óbvio que sim. Mas
as ferramentas. Os seres humanos nascem condenados
isso acontece também no mal chamado mundo real. Tal
a serem humanos e espalham pelo mundo a sua huma-
como no mal chamado mundo real, também pode haver
nidade. Para o bem e para o mal. A socióloga cita um
profundidade, verdade e autenticidade nos contatos que
exemplo de como somos dominados pela tecnologia da
se fazem pela rede. Enfim, duvido muito de análises apo-
informação que beira o ridículo. Foi a enterros em que
calípticas que veem tudo que é novo como mais um sinal
as pessoas se distraiam da tristeza e conferiam as novi-
da decadência humana. A humanidade desde sempre foi
dades em seus smartphones. Desde sempre as pessoas
e não foi decadente, porque não pode ser outra coisa a
vão a enterros para fazer de tudo. Vão para colocar a
não ser humana.