ORGANIZAR //é tornar
ORGÂNICO
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por Nicole Schlegel co_autor Nickolas Borba orientador João Bonelli tutor João Alegria prof. de pauta Eliane Garcia
ajudantes no processo:
Marcos Magalhães, Claudia Bolshaw, Sonia Schlegel Joy Till, Rian Rezende, Leonardo Cardarelli, Marcelo Pereira, Maria das Graças Chagas, Marcelus Gaio, Axel Sande. agradecimentos especiais Beatrice Terço, Antonia Muniz, Letícia Leão, Raissa Laban, Franco Salvoni, Marina Bartlewski, André Fontes, Pedro Miguel, Ana Bustamente, Jennifer Moser, Francisco Moreira Costa, Fabio Santos.
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_PROPOSTA _o olhar estrangeiro _COLABORAÇÃO ESDI-PUC _ORGANIZAR É TORNAR ORGÂNICO _etimologia das palavras organizar e orgânico _a necessidade do resgate do natural na vivência urbana _o rio organiza a cidade //entremeios _o caminho da água como grid _pensar o espaço _o lado lúdico da cidade _METODOLOGIA EXPERIMENTAL _SEGMENTAÇÃO E ACESSO À ARTE _REFERENCIAL TEÓRICO _bibliografia _referências artísticas e de tecnologia //artistas //projetos _EXPEDIÇÕES _inserções e relatos //cachu do horto //jardim botânico //residência na nuvem espaço rural _sobre a NUVEM - Estação Rural de Arte e tecnologia
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_EXPERIMENTOS DIGITAIS _vídeos não mapeados sobre árvores _animação sobre árvores _grafismos em movimento sobre árvores _narrativa: natureza tomando conta da casa _narrativa: trânsito nas árvores _EXPERIMENTOS ANALÓGICOS _plantoprédios _plantoprédios com LEDs _plantoprédios no retroprojetor _folhas e fotografias no projetor de slide _instalação plantoprédios gigantes _VEICULAÇÃO DAS EXPERIMENTAÇÕES _os vídeos da Nuvem _instalações _instagram _CONCEITOS _ALTERNATIVAS _gabinete de curiosidades _narrativa _geringonça _ESCOLHA DA ALTERNATIVA _PRODUÇÃO _1ª captação _CRONOGRAMA _CONCLUSÃO
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PROPOSTA co_organi O.R.G.A.N.I.Z.A.R. // é tornar O.R.G.Â.N.I.C.O o meio urbano e a organização orgânica. do micro para o macro e vice versa
O projeto pretende estudar a organização do meio orgânico por meio da linguagem visual, contrapondo suas estruturas às formas geométricas mais comumente utilizadas na organização urbana. Buscamos entender formas, cores e estruturas da natureza e, a partir do contato investigativo trabalhar os três pilares de conceituação: (1) a água como meio de encontrar novos caminhos independente da reformulação estrutural do terreno; (2) o medo do desconhecido e as diferentes formas de exploração proporcionadas pela dimensão visual (do que pode ser visto) e (3) o formato de estruturas planas e orgânicas e a tradução projetual que ocorre entre elas. Temos como objetivo estabelecer relações entre o meio urbano e as formas de construção orgânica características da natureza e nesse processo atentaremos à cidade como ambiente performático e de exposição e à floresta como ambiente de criação de conteúdo. Pretendemos gerar reflexões sobre o formato e caminhos que formas urbanas ainda em construção podem tomar. Percebemos a estrutura urbana como lacuna para trabalhar a contemplação ao universo orgânico e propomos assim uma outra forma de interação com a cidade, que valorize o pensamento estrutural em diálogo com as dinâmicas e fluxos já existentes. 5
PROPOSTA
“O que se quer indicar é o caminhar como um instrumento estético capaz de descrever e modificar os espaços metropolitanos que muitas vezes apresentam uma natureza que ainda deve ser compreendida e preenchida de significados, antes que projetada e preenchida de coisas.” Walkscapes - O Caminhar como prática estética Francesco Careri
_organizar orgânico organizar orgânico 1. O meio urbano e o meio orgânico. 2. Do micro para o macro e vice versa 3. A organização da natureza e da cidade 4. Estrutura 5. Água, rio, escoamento 6. Rizoma
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PROPOSTA
_o olhar estrangeiro estrangeiro o olhar Tendo morado 1 ano na cidade de Freiburg, na Alemanha, já com o pensamento voltado para a dinâmica e fluxos existentes na sociedade, pude vivenciar a cidade do Rio de Janeiro com outros olhares. Observar e gerar críticas em relação a cidade se tornou ação constante do meu dia a dia. Freiburg é conhecida como o maior exemplo de desenvolvimento urbano sustentável da Alemanha. Possui ciclovias em toda malha urbana, investe em projetos com materiais orgânicos e que visam o escoamento fluido da água, utiliza células fotovoltaicas para captação de energia solar em diversas construções e foi a cidade que conseguiu por seu planejamento sanitário revitalizar um rio, que hoje em dia durante o verão é habitado por banhistas. Lá pude observar que a maior parte da população prefere usar a bicicleta para se locomover, afinal, a malha cicloviária é presente em praticamente todo território urbano, e também em meio a floresta, com trilhas tanto para pedestres quanto para ciclistas. As regras de trânsito também são muito respeitadas por toda a sociedade, chegando até a ser assustador em alguns momentos a forma que os alemães são atentos a elas e criticam quem não as respeita. Os bondes circulam em praticamente todas as áreas da cidade, velhinhas independentes fazem compras no mercado até os 90, 100 anos, quase metade dos estudantes são vegetarianos e caminhando pelo centro vemos algumas hortas urbanas. Assim como o Rio de Janeiro, Freiburg também é rodeada por uma floresta, a Floresta Negra. É diferente, porém o formato de ocupação do espaço: em Freiburg ocorre uma grande separação entre floresta-asfalto, apesar do acesso à floresta ser bem fácil. Freiburg é construída nos planos, aos pés da Floresta. A Floresta da Tijuca, no Rio, palpita pelo espaço urbano, está entranhada, cria unidade e se mescla, se confunde.
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PROPOSTA
Morei em Freiburg de Agosto de 2014 a Agosto de 2015. Éramos um grupo de estudantes de design frequentando a faculdade HKDM (Hochschule für Kunst, Design und Populäre Musik) pelo programa Ciência sem Fronteiras, financiado pelo governo federal. A faculdade não nos trouxe muita coisa em termos de conhecimento, porém permitiu descobertas e encontros com a nova cultura e o novo pensar alemão. Além disso, a vivência permitiu o intercâmbio de olhares entre esse grupo de brasileiros, que comparavam em todos os momentos as diferenças sociais, econômicas e espaciais que encontravam. Assim fui descobrindo também um pouco sobre Recife, Porto Alegre, Belo Horizonte, São Paulo, Belém do Pará e por ter um grupo grande de cariocas, sobre diferentes olhares relacionados ao Rio de Janeiro: Campo Grande e as 4 horas de translado até a Zona Sul, Santa Tereza e a revitalização dos bondes, o Flamengo e a vanguarda dos ciclistas independentes de ciclovias, Leblon e a contradição entre pagar taxi na volta de um samba gratuito e as festas caras da redondeza, etc. Entre esse grupo estava Nickolas Borba, com quem compartilhei muitas indagações sobre a diferença de locomoção na cidade e a diferença entre utilização de espaços públicos. Nickolas voltou 4 meses antes de mim, e nesse espaço de tempo me contava sobre sua nova forma de experimentação da cidade do Rio de Janeiro, já transformado pela cidade de Freiburg. Quando cheguei aqui compreendi o universo que ele criava e o complementei com o meu olhar e assim trocas foram ocorrendo e começamos a pensar no escape da correria da rotina brasileira. Esse escape veio como o atentar à mata que nos cercava e a experimentação do natural. Voltamos a usar as águas como espaço de encontro com o vazio interno e as bicicletas para fugir do ritmo dos ônibus e engarrafamento.
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PROPOSTA
Encontrei um agradecimento em meio à um conto que desenvolvi na aula do Nilton Gamba Junior direcionado ao Vicente Barros e à Ana Branco em junho de 2014, antes do intercâmbio na Alemanha, que traduz a motivação pessoal relacionada a exploração desse ambiente e à criação desse projeto: “Agradeço ao Vicente e à Ana por terem me ensinado a olhar para dentro de mim mesma e ao meu redor, buscando memórias e atentando às conexões já estabelecidas tanto com a terra quanto com outras pessoas. A vivência que tive com eles me rememoraram momentos passados – o contato com objetos da infância e elementos presentes na natureza me dão até hoje a base fundamental para a construção das minhas histórias. Foi assim, que a partir da conversa com as conchas e as lembranças de infância, pude resgatar a minha criança e perceber a grande conexão que tenho com as minhas duas avós, pessoas fundamentais da minha formação. Agradeço a esses dois mestres por terem sido parte fundamental da minha formação também - o aprendizado partido dessa vivência concretizo em dois contos e uma animação, porém estou certa de que virão mais, pois o que aprendi com vocês se renova em ciclos de pensar e brincar comigo mesma e com todos queridos ao meu redor!” Hoje vejo que vem mesmo mais por aí... 9
COLABORAÇÃO Nickolas e eu iniciamos essa colaboração no momento em que descobrimos no Horto a folha que é tradução imagética da nossa exploração. Eu já havia pensado na contraposição entre as palavras organizar e orgânico e durante nossas conversas sobre as diferentes dinâmicas que encontrávamos entre a cidade de Freiburg e a do Rio de Janeiro, expus os meus pensamentos sobre a questão da presença da mata no espaço urbano. Convidei Nickolas a participar da residência na Nuvem, para a qual havia inscrito o projeto e assim começamos nossa enorme produção.
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ORGANIZAR É TORNAR ORGÂNICO A partir da proposta de produzir conteúdo imagético que gere reflexões sobre o formato e caminhos que formas urbanas ainda em construção na cidade do Rio de Janeiro podem tomar, iniciamos o projeto “organizar é tornar orgânico”. O nome surgiu de uma brincadeira com radicais que eu comecei a fazer no meu caderno. .orgânico .organela .organismo .organizado .organizar .organicidade Assim fui pensando em estruturas, em construções, no modernismo, no purismo bauhausiano, formato, conteúdo, linha, fio, rede, conexões… me embolando e desembolando até perceber; o contraste explícito na solução do radical das palavras organizar e orgânico. Se para o homem moderno o organizado era o limpo, reconhecível, padronizado, sem interferências, chegando ao minimalista, simplista, irredutível - para o homem pós-moderno esses conceitos seguem enraizados em sua percepção do espaço. O ethos do medo e da sensação de perigo frente ao mundo selvagem persiste e sua presença é reconhecida em meio urbano.
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ORGANIZAR É TORNAR ORGÂNICO
O urbano, o lar, casa e trabalho, a sociedade, conexões, redes, entre paredes, entre ruas, entre trânsitos, divididas por semáforos, conectadas por celulares, desviadas por olhares não cruzados o.r.g.a.n.i.z.a.d.o. Um ecossistema formado pelo sinal sem conexão. Como esses dois contrastantes pensamentos ou conceitos podem ter o mesmo radical em sua escrita? Quão pobre e pretensiosa pode ser a nossa visão do mundo organizado. Linhas, estruturas e vias retas impostas sobre o autóctone, natural e contemplativo.
_etimologia das palavras palavras organizar organizar ee orgânico orgânico etimologia das As palavras organizar e orgânico têm a mesma origem grega e latina. As duas vêm do grego “ORGANUM”, que significa instrumento; e está relacionado a “ERGON” - trabalho. ORGANIKUS (orgânico), no grego, assume, a partir dessa raiz, o significado de “relativo ou pertencente a um órgão” e ORGANIZARE (organização), no latim, o significado de “instrumento musical, implemento, órgão do corpo”. Mais tarde, no francês e italiano, podemos ver o orgânico definido como a organização dos órgãos do corpo. 1
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As definições foram pesquisadas nos sites: http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/organizacao/ http://etimologias.dechile.net/?o.rgano
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_a a necessidade necessidade do do resgate resgate do do natural natural na na vivência vivência urbana urbana
Gosto de estar em contato com a natureza; subir o Horto, entrar no meio do mato, ir nas cachoeiras, descer a ladeira voando de bicicleta e dar direto na praia. Vai ver é o caminho do escoamento da água, se deixar levar até desembocar no mar. Perceber a diferença entre a água doce e a salgada e se deixar lavar. Afinal, acredito que morar no Rio de Janeiro é apenas gratificante por conta desse escape, presente em meio a malha urbana. O Rio é uma paisagem que não se deixa organizar pela visão ocidental urbanística. Por mais que se tente, a presença das montanhas, do solo arenoso e da água que flui sobressai aos projetos arquitetônicos de conexão e de trânsito em larga escala. O metrô a cada obra encontra mais um obstáculo para perfuração, o que me convence cada vez mais que a distância mais curta entre dois pontos não é uma linha reta.
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o rio _o rio organiza organiza aa cidade cidade //entremeios Estive em uma palestra sobre águas e rios que ocorreu no segundo semestre de 2015 em meio ao seminário “Entremeios”, organizado pelo L.A.D.A. (Laboratório de Design e Antropologia) da ESDI. O grupo palestrante era o coletivo “Às Margens”, formado por duas meninas de Belo Horizonte, estudantes de arquitetura da UFMG, Izabela Izidoro e Aline Furtado. Elas ressaltaram a importância de cuidar dos rios e os trabalhos de cuidadores de nascentes. Falaram principalmente dos rios invisíveis, cobertos pela malha urbana, que ainda correm abaixo de nossos pés sem que notemos. Um dos momentos que eu gostaria de ressaltar foi quando falaram sarcasticamente da ideia brilhante que o homem teve ao encontrar mais um espaço rodoviário onde antes era via fluviária, cobrindo assim o rio Ribeirão Arrudas que corre por Belo Horizonte. Depois dessa palestra fiquei pensando sobre a contradição entre o organizar e o orgânico e vi que o rio é uma forma natural que organiza o meio urbano de forma orgânica. Em Belo Horizonte, para que o isso não acontecesse, as pessoas tiveram que lutar contra o rio e escondêlo. Aqui no Rio de Janeiro ocorreu o mesmo com o rio Carioca. As margens orgânicas já delimitadas pelo percurso dos rios não foram respeitadas na organização urbana. O rio Carioca, que leva o nome dos cidadãos do Rio de Janeiro está escondido assim como grande parte da nossa sociedade que vive à margem.
Fiz uma ilustração e dei a elas como agradecimento pela palestra.
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_o o caminho caminho da da água água como como grid grid Posso dizer que é interno do meu ser pensar sobre o mar, sobre águas e querer me emergir. Durante o ano de intercâmbio que fiz para Alemanha tudo o que eu conseguia pensar era que eu não conseguia mais viver longe do mar. Na praia descobri brincadeiras, me fiz irmã do meu irmão, refleti perdas, vivenciei o alívio de poder contar com o mar e ver fisicamente na maré as transformações de humor: a calmaria, a raiva, a reconciliação. Pensando sobre águas, caminhos e delimitações espaciais, percebi o rio como delimitação na diagramação espacial urbana. O seu percurso original como grid de construção. Se as estruturas naturais pré existentes fossem respeitadas no projeto de uma cidade e a construção urbana fosse realizada em comunhão com os fluxos terrestres, estaríamos falando de uma construção e não uma reconstrução da paisagem.
pensar oo espaço _pensar espaço Pensar o espaço é essencial para modificá-lo a seu favor. Cidades são espaços mutáveis, em construção. A construção de um ambiente tão grande como a cidade parece distante da maior parte dos seus cidadãos. Ao caminhar pela cidade penso, repenso, critico. Formo opiniões sobre diferentes fluxos, diferentes formas que os espaços podem tomar, mas ao concretizá-los em projetos hipotéticos surge o sentimento de frustração de ser engolido pela metrópole e pelo sistema, não achar seu espaço, de não pertencimento ao local.
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Quanto mais caminho por um espaço urbano, mais pertenço a ele e ele me acolhe, me sinto parte, sinto que posso atuar. Porém o estalo que nos leva a criar e a transformar o espaço ocorre a primeira vista, ou quando reabrimos nossos olhos para notá-lo como novo local de atuação, a inércia toma conta quando nos acostumamos. É preciso caminhar, com novos olhares sobre o mesmo local, ou sobre locais diferentes, para que se veja “aquilo que não há”, como Careri ressalta em Walkscapes:
“em todas as épocas, o caminhar tem produzido arquitetura e paisagem, e essa prática, quase que inteiramente esquecida pelos próprios arquitetos, tem sido reabilitada pelos poetas, pelos filósofos e pelos artistas capazes precisamente de ver aquilo que não há, para fazer brotar daí algo.” Walkscapes - O Caminhar como prática estética, de Francesco Careri prefácio A Cidade Nômade de Gilles A. Tiberghien
O que pretende-se aqui é realizar a errância do caminhar por entre trilhas nas matas e ruas no asfalto e assim trabalhar a ponte entre a nossa grande floresta urbana e o processo de urbanização da cidade do Rio de Janeiro por meio da imagem. Por estar constantemente entre esses dois espaços, vejo a necessidade do resgate do natural na vivência urbana da cidade do Rio de Janeiro, que é cercada por ambientes contemplativos, mas que se tornam inacessíveis para uma grande parte da população, seja por falta de acesso, seja pela correria do trabalho do dia-a-dia.
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Paola Berenstein Jacques, em prefácio ao livro “Walkscapes O caminhar como prática estética” de Francesco Carreri, ressalta entre as palavras de Carreri a importância do caminhar como forma de intervenção urbana, relacionando a experiência da “transurbância”(atravessar territórios urbanos desconhecidos) com conceitos presentes na obras de Lygia Clark e Hélio Oiticica:
“Esse tipo de caminhada exploratória dos Stalkers, essa prática específica de um tipo de espaço também específico, seria um tipo de exploração, um atravessar desses “territórios atuais”, que o autor também chama no livro de vazios da cidade - que, obviamente, ao se aproximar deles e ao adentrálos, são sempre, como diziam os artistas Lygia Clark e Hélio Oiticica, “vazios plenos”, plenos de descobertas e de possibilidades, espaços vagabundos que se fazem e desfazem como os “mitos vadios”de Oiticica e Granato.” Paola Beranstein Jacques
Oiticica e os Stalkers tiveram seu foco de atuação nas periferias da cidade, percorrendo espaços desconhecidos e desabitados mas esteticamente integrados ao meio urbano. Mas e os espaços habitados pelo orgânico? São percorríveis, geram a mesma inquietação, são caminhos de exploração da urbe?
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_o lado lúdico lúdico da da cidade cidade o lado O ato de projetar é o que caracteriza um projeto de design. Pensar o entorno, juntar referências, criar algo novo que dialogue com a questão. Atuar em espaços vazios, ou como diria Ligia Clark, espaços plenos, cheios de significados. Gerar linguagem, conteúdo e formas que explicitem o resgate de uma vivência, que formem reflexões sobre o espaço que habitamos e que sejam contemplativas, despertando o lado lúdico da cidade. “Podemos pensar que a Nova Babilônia* se esconde nas brechas, nos interstícios, nas sombras e sobras da cidade espetacular contemporânea, e que o grande jogo do caminhar de Careri, diferente do “grande jogo do porvir” de Constant, que buscava a “exploração da técnica e sua utilização para fins lúdicos superiores”, seria um jogo de detetive em busca dessas situações lúdicas já existentes nas cidades, uma busca da cidade nômade escondida dentro da cidade sedentária ou, para falar como Deleuze e Guattari, um jogo de procurar nómos dentro da pólis, um jogo de esconde-esconde, em que os jogadores caminhantes buscariam o próprio princípio do jogo na cidade e o descobririam principalmente nas diferentes apropriações e nos usos diversos desses “vazios plenos” urbanos feitos pelos neobabilônios. Os jogadores descobririam então que o próprio espaço do jogo do homo ludens, resiste e sobrevive em todos esses espaços de indeterminação das nossas cidades.” Walkscapes - O Caminhar como prática estética de Francesco Careri prefácio O Grande Jogo do Caminhar de Paola Berenstein Jacques
*ver Constant, “New Babylon”. In Lambert, J.C., New Babylon Constant, art et utopie. Paris, Cercle d’Art, 1997.
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A New Babylon de Constant está ligada ao suprimido, ao banal e ao inconsciente em meio à urbe - espaços deixados à margem. No Rio de Janeiro temos muito da Nova Babilônia, e muitas situações lúdicas que ocorrem em meio a esses espaços. Mas conseguimos encontrar também vazios plenos nas matas da cidade. Pode-se dizer que a cidade do Rio de Janeiro é mais vazia do que cheia, se contarmos tanto a Nova Babilônia quanto os espaços de florestas urbanos do território. Explorar o ambiente orgânico e buscar nele formas lúdicas, que possamos trazer para a cidade, ou relacionar o lado lúdico da cidade com o jogo da floresta são comparações que podem ser estabelecidas a partir da metodologia experimental.
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METODOLOGIA EXPERIMENTAL Parto do princípio de encontrar os elementos de exploração ao longo das experimentações em meio orgânico e urbano. Conceituar a partir da observação e atuação no campo e da bibliografia que vou encontrar como referência ao longo do processo. Olhar e observar antes de construir certezas e assim explorar possibilidades de atuação, experimentando, sempre. Walter Benjamin se questionava sobre as incapacidades narrativas dos tempos modernos, justificando que as pessoas não conseguiam mais contar histórias por conta do excesso de informação e explicação aos quais estavam submetidas.
“As ações da experiência estão em baixa, e tudo indica que continuarão caindo até que seu valor desapareça de todo.” O Narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov Walter Benjamin
A crítica de Walter Benjamin é relacionada às explicações técnicas que acompanham as narrativas e impedem a criação de situações por parte do leitor. Narrativas essas que não levam em conta a experimentação do receptor como ser criador. O mesmo acontece com o ambiente da cidade, que diferentemente do ambiente da floresta que convida à intervenção, aparenta ser um ambiente fechado, onde o leitor não pode interferir. O convite à intervenção deve ser feito também para os cidadãos na urbe. A trama da cidade deve ser aberta para que seus cidadãos possam também criar narrativas.
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REFERENCIAL TEÓRICO Durante a leitura de alguns livros e a conversa com algumas pessoas fui esbarrando em mais referências teóricas. Ao todo, estou caminhando na leitura dos seguintes livros: Walkscapes O Caminhar como Prática Estética, Francesco Careri Cidade para Pessoas, Jan Gehl Design para um Mundo Real, Victor Papanek Design para um Mundo Complexo, Rafael Cardoso Os olhos da Pele, Juhani Pallasmaa Jovens infelizes: Antologia de ensaios corsários, Pier Paolo Pasolini Cidade para todos, Cecilia Herzog Educando o profissional reflexivo - Donald Schön As Ciências do Artificial - Herbert Simon Ponto e Linha sobre o Plano, Wassily Kandinsky Cidade Rebeldes - David Harvey
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REFERENCIAL TEÓRICO
_referências referências de de arte arte ee tecnologia tecnologia Fizemos um mapa imagético conceitual do projeto: https://br.pinterest.com/nicoleschlegel/organizar-org%C3%A2nico/
//artistas Joan Miró O artista catalão Joan Miró é do movimento surrealista, movimento esse que entra em diálogo com a investigação do mundo orgânico por enfatizar a exploração do inconsciente como técnica criativa. Miró tem porém uma especificidade em suas obras nesse contexto: a espontaneidade da criação através da rigorosa disciplina do trabalho incansável na derrubada das barreiras entre mundo interior e exterior. http://www.infoartsp.com.br/noticias/a-diversidade-e-a-riqueza-surrealista-de-miro/
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REFERENCIAL TEÓRICO
Paul Klee Paul Klee também busca a exploração de signos não conscientes, porém intrinsecamente ligados à transmutação da forma, espaço e tempo representa assim cidades labirínticas em traços sonhadores e imagens ligadas à infância. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-106X2006000100009 http://www.iar.unicamp.br/lab/luz/ld/Arquitetural/Pesquisa/paul_klee_iluminado_atraves_de_estampa.pdf https://books.google.com.br/books?id=xioaDnoK6cEC&pg=PA598&lpg=PA598&dq=paul+klee+organic o&source=bl&ots=HxCCw8cDo3&sig=-h5dJpX_8N8FpChZTinPGjNI&hl=en&sa=X&ved=0ahUKEwjHiuS9q7zMAhWBGJAKHZiNCYwQ6AEISTAE#v=onepage&q&f=false
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REFERENCIAL TEÓRICO
Wassily Kandinsky Kandinsky defendia a abstração do mundo físico como a forma de conexão com o espiritual. A criação da linguagem pictográfica de Kandinsky relativa as diferentes transmutações da linha, forma e plano naturais é o estabelecimento de um sistema de barreiras entre o mundo real e o representado. http://www.theartstory.org/artist-kandinsky-wassily.htm
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REFERENCIAL TEÓRICO
Hélio Oiticica A forma com que Oiticica lida com sua obra, relativando e teorizando em cima da sua “experiência ambiental” e “anti-arte” será aqui explorada. Apesar das obras serem referências incríveis o destaque será na dimensão que elas tomam quando discutidas e acionadas pelo “expectador-participador”. O caráter experimental (experimentando espaços e diálogos) de Oiticica é o ponto em questão. http://revistaea.org/pf.php?idartigo=1774 http://revistapesquisa.fapesp.br/2008/02/01/a-tropicalia-segundo-helio-oiticica/ http://www.heliooiticica.org.br/home/home.php http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa48/h%C3%A9lio-oiticica
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REFERENCIAL TEÓRICO
Lygia Clark A eterna preocupação com o suporte pontua a obra de Lygia Clark, que explora as expressões dos planos e a dinâmica da obra no ato da interação com o espectador/criador. Lygia tem como elemento de exploração a sua descoberta da “linha orgânica”, que se configura na junção de planos de uma mesma cor. http://www.lygiaclark.org.br/arquivo_detPT.asp?idarquivo=12 http://www.lygiaclark.org.br/defaultpt.asp http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa1694/lygia-clark https://www.escritoriodearte.com/artista/lygia-clark/ http://www.lygiaclark.org.br/arquivoPT.asp
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REFERENCIAL TEÓRICO
Nam June Paik Nam June paik, visto como o pai da vídeo instalação e em consequência da arte eletrônica tem um trabalho específico que une o ambiente natural ao televisivo. “The Gardens” da década de 60, junto a sua fase de inserção no grupo Fluxus, que pesquisava a rotina cotidiana, apresenta uma floresta coexistindo com monitores de tubos. Nas telas das televisões passava o “Global Groove”, que editado de forma frenética com cortes, glits e flicks, jogava sua luzes sobre o verde da mata. Nam June Paik gostava de deixar questões no ar sobre suas obras, e o que ficava nesse caso era a relação de simbiose entre artificial e natural ou a retomada do caos (vida selvagem) por conta da desordem televisiva. http://www.paikstudios.com/#lawsuits http://www.guggenheim.org/artwork/artist/nam-june-paik http://americanart.si.edu/collections/search/artwork/?id=77502 http://www.medienkunstnetz.de/works/tv-garden/
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REFERENCIAL TEÓRICO
Hundertwasser Hunderwasser é o artista cuja filosofia de vida mais se aproxima do mote desse projeto. Buscava a harmonia entre a vida da natureza e a criação individual no seu trabalho. Entre diversas publicações ressalta a importância da relação da natureza com a cidade e se utiliza da busca desse diálogo na sua criação. http://www.hundertwasser.com/earth https://www.kunsthauswien.com/en/museum/art-and-style
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REFERENCIAL TEÓRICO
Andy Goldsworthy Goldsworthy utiliza a efemeridade das transformações naturais do ambiente como ponto chave de suas obras. Com materiais que encontra na natureza, ele cria esculturas inseridas no próprio ambiente, que aparentam, ao mesmo tempo estranhas por sua organização artificial e naturais por fazerem parte daquele ambiente. http://visualmelt.com/Andy-Goldsworthy
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REFERENCIAL TEÓRICO
//projetos
Reduza a cidade Essa placa está localizada na R. Bernardino dos Santos em Santa Tereza. Com a simples supressão do início da palavra velocidade, em conjunto com o peso gráfico das folhas secas, a placa adquiriu um novo significado. O artista, que desconheço, trouxe um pouco do universo orgânico para a cidade e quando passei por lá, refleti sobre a alta velocidade e o estresse do trânsito, comparei-o a calmaria de uma ida a cachoeira.
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REFERENCIAL TEÓRICO
Dani Oliver - Light Pattern on Women Naked Bodies O ensaio fotográfico de Dani Oliver com projeção mapeada em cima de corpos (nús, femininos, mas para o fim desse estudo poderiam ser em qualquer superfície não plana) gera a mesma discussão sobre a alteração que grafismos retilíneos sofrem quando projetados em superfícies orgânicas. http://www.fubiz.net/2016/01/10/light-patterns-projected-on-women-naked-bodies/
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REFERENCIAL TEÓRICO
VJ Suave VJ Suave é um duo de artistas que viajam o mundo projetando animações que eles mesmo fazem nas cidades. Ygor Marotta, de São Paulo e Ceci Soloaga, Argentina, desenvolveram uma técnica de projeção com a bicicleta como suporte para o projetor. Utilizam o software Tagtool para criar suas animações e mixá-las no momento da performance.
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REFERENCIAL TEÓRICO
Bioluminescent Forest Esse projeto foi feito pelos artistas Friedrich van Schoor and Tarek Mawad. Eles criam uma narrativa visual inspirada pela beleza da floresta e a complementa com luzes projetadas, dando um aspecto mágico à peça. https://vimeo.com/115082758
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REFERENCIAL TEÓRICO
Bibio - Dye the Water Green Stephen Wilkinson & Michael Robinson filmaram dirigiram e editaram esse vídeo clipe cheio de texturas e imagens desfocadas de ambientes naturais muito próximos de uma estética que queremos abordar nessas imagens. https://www.youtube.com/watch?v=fIml_CAF4-s
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REFERENCIAL TEÓRICO
Hortum Machina, B O projeto de faculdade do brasileiro Danilo Sampaio com sua dupla William Victor Camilleri na universidade de Londres UCL (The Barlett School of Architecture), dentro do laboratório de arquitetura interativa, se trata de uma horta em forma de geodésica que permite que as plantas caminhem pela cidade a procura do melhor ambiente para elas viverem. http://www.interactivearchitecture.org/lab-projects/reearth
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REFERENCIAL TEÓRICO
UCC Organism O projeto de animação baseada em dados computacionais “UCC Organism” mapeia as diferentes interações que ocorrem dentro do ambiente de uma escola, atribuindo ícones para cada elemento existente. Transforma a arquitetura e fluxos da escola em uma grande célula, a partir da transcrição dos dados de posicionamento das pessoas no ambiente e os ícones atribuídos a cada um. http://variable.io/ucc-organism/
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EXPEDIÇÕES Começamos nossa inserção constante na natureza. A promessa de passar o ano inteiro em contato constante e infindável com o meio natural. Experimentar medos, inseguranças, vivências, deslumbres e descobertas. Em meio a esses dois mundos, pude perceber a passagem natural que a dupla exploração me permitia. Cada vez mais o ambiente natural se tornava a minha casa enquanto o artificial permanecia a minha casa. “Os limites espaciais se mostram menos rígidos. Entre interior e exterior, entre dentro e fora, entre privado e público, entre aqui e lá. Novamente o espaço “entre”. Entre dois. Estar “entre” não quer dizer ser uma coisa ou outra, quer dizer ser temporariamente uma coisa e outra. [...] A possibilidade de lugar seria então também presente no não lugar. E seria exatamente nessas passagens que a ideia do meio-lugar teria o seu papel. O terreno é baldio, mas no momento que decidimos fazer um piquenique ali ele se torna menos baldio e a passagem se faz.” Trialogue: lieu/mi-lieu/non-lieu publicado em Lieux Contemporains - Descartes&Cie Paola Berenstein Jacques
_inserções relatos inserções ee relatos Como espaço de constante exploração escolhemos as cachoeiras do horto, bem próximas de nossas casas e inseridas na Floresta da Tijuca. O Jardim Botânico ali pertinho, também poderia ser um espaço de exploração, se seu ingresso não houvesse aumentado para 9 reais, sem meia-entrada. 39
EXPEDIÇÕES
//cachu do horto Nossa primeira expedição foi à Cachoeira do Horto. Lá encontramos a folha que mais tarde se tornaria a principal imagem-conceito do projeto. Posteriormente, animamos essa folha e a utilizamos como primeiro elemento de projeção; com ela descobrimos como a imagem se modifica de acordo com o suporte no qual está inserida. A folha, metade ossatura, estrutura aparente; metade pele, imagem, camada superficial; relata muito sobre o ambiente de exploração do projeto e o traduz em forma imagética. Olho para essa imagem e surgem questões: a cidade como imagem que cobre a superfície da natureza? A estrutura orgânica presente por baixo das grandes metrópoles? O fluxo de rios, o fluxo de formigas, o fluxo dos pássaros; percorrem o mesmo trajeto? Que modificações foram geradas pela nova superfície? A malha urbana é primordialmente uma malha orgânica?
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EXPEDIÇÕES
“a complexidade de um sistema está ligada ao grau de dificuldade de prever as inter-relações potenciais entre suas partes. [...] Por “complexidade”, entendese aqui um sistema composto de muitos elementos, camadas e estruturas, cujas inter-relações condicionam e redefinem continuamente o funcionamento do todo. Algo como uma metrópole, que é constituída por diversos sistemas interligados e incontáveis elementos, numa relação intrincada de vaivém, sobe e desce, criação e destruição contínuas, sem que se saiba onde ela começa ou termina, e sem que ela venha a se extinguir nunca. Embora toda a cidade tenha um caráter, nenhuma é sujeito pensante. E, embora cada uma tenha uma vida, não necessariamente terá de enfrentar a morte. A cidade é entidade, microcosmo do mundo complexo que se quer analisar aqui.” Design para um Mundo Complexo Rafael cardoso
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EXPEDIÇÕES
//jardim botânico Fui ao Jardim Botânico junto à Carla (Erismann) que falou de diferentes formas de crescimento e simetria das plantas. Algumas se formam em espiral, outras são totalmente simétricas, outras intercalam. Percebi o estudo da formação orgânica como caminho de exploração do projeto. Talvez comparar essa formação com os fluxos e formação das nossas vias e estradas. Ou mesmo comparar com os próprios rios e observar se seguem também um padrão. Uma formação, porém me chamou muito a atenção. São pequenas folhas que se unem em roda em cima da água, funcionando como um quebra-cabeça de múltiplos encaixes. Parece que só por conta de seu formato, losangular, essas pequenas plantas se encaixam e geram formas mais complexas, padrões de agrupamento.
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EXPEDIÇÕES
//residência na nuvem espaço rural Passamos ao todo 7 dias inteiros na Nuvem, residência artística rural, localizada no Vale do Pavão em Visconde de Mauá. Chegamos em baixo de chuva e saímos também em baixo de chuva, o que na verdade fez com que toda nossa vivência se tornasse muito mais produtiva. Dias passados dentro de casa, junto a um grupo de artistas que estavam empenhados a acrescentar e seguidos diariamente pela trilha sonora do LP Transa de Caetano, que girava e rodava na agulha sem parar.
sobre a NUVEM - Estação Rural de Arte e tecnologia O espaço se define assim: “Nuvem sf (lat nube) 1. Estação rural voltada para experimentação, pesquisa e criação vinculada à tecnologia (arquitetura, comunicação, geração sustentável de energia) e sustentabilidade (corpo, ecologias, alimentação, cultivos). 2. Casa para encontros e debates visando difusão do conhecimento livre e da cultura da autonomia. 3. Centro de residências e autoresidências para artistas e projetistas. 4. Telecentro. 5. Hacklab rural” http://nuvem.tk/wiki/index.php/P%C3%A1gina_principal
Nickolas e eu vivenciamos a auto residência na Nuvem entre os dias 11 a 18 de Janeiro de 2016. O processo de seleção do edital é a inscrição de um projeto que será sorteado e assim, artistas, fotógrafos, designers, biólogos, geógrafos, e qualquer um que queira inscrever um projeto, podem se encontrar nesse espaço de desenvolvimento e trocas. Quando fomos para a Nuvem, tínhamos um tema, pesquisas e uma vontade de exploração. Além disso, eu queria aprender melhor vídeo mapping e o Nickolas queria aprender animação direta. Entre as nossas pesquisas, o similar que falou mais alto foi o trabalho dos artistas Friedrich van Schoor and Tarek Mawad no vídeo “Bioluminescent Forest”. Através de video mapping e animação eles criam uma narrativa visual para a floresta.
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EXPEDIÇÕES
Esse vídeo despertou em mim a vontade de aprender melhor vídeo mapping e no Nickolas de aprender a animar. Pensamos que a melhor dinâmica seria explorar esse tema de forma a proporcionar a troca de aprendizado. Eu boto na minha mala um violão, um projetor, uma tablet, um computador, uma câmera fotográfica que filma, uma Go-Pro, e muitas, muitas extensões. Se é para trabalhar com arte e tecnologia, vamos nos equipar , e assim começou a nossa experimentação.
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EXPERIMENTOS DIGITAIS _vídeos vídeos não não mapeados mapeados sobre sobre árvores árvores //primeiro dia Nuvem Logo no primeiro dia resolvemos projetar imagens na mata. O vasto campo de árvores diretamente em frente a janela da sala nos chamava. Começamos a testar as possibilidades de usar a floresta como máscara natural na mixagem de vídeos. Já havíamos feito alguns vídeos de fogueira, água, plantas e insetos durante visitas ao Jardim Botânico e à cachoeira do Horto. Assim posicionamos o projetor para o quintal da casa. As árvores que compunham a paisagem, por conta de sua profundidade totalmente orgânica, já não faziam necessário um mapeamento exato para tocar os vídeos. A mata por si só se tornava suporte já mapeado, aparecendo e desaparecendo com o uso da luz do projetor. Descobrimos que é bom aumentar o contraste dos vídeos ao projetar na mata. Rodrigo, que tivemos o prazer de conhecer nesse dia, ressaltou a importância da escuridão e o grande toque de revelar a mata aos poucos.
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EXPERIMENTOS DIGITAIS
Principais descobertas:
(técnica) A mata, por ser uma superfície orgânica e tridimensional, com muitas camadas de telas não planas, possibilita a projeção sem mapeamento específico. Ela por si só delimita os espaços projetáveis.
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EXPERIMENTOS DIGITAIS
_animação animação sobre sobre árvores árvores //segundo dia Nuvem Descobrimos a mata ao longe como suporte já mapeado para projeção de vídeos. Resolvemos então iniciar uma pesquisa de animação e projeção mapeada em elementos orgânicos que estivessem a poucos metros de profundidade do projetor. No segundo dia montamos nosso espaço de trabalho ao lado de fora da casa. Nos camuflamos na varanda, em meio a panos verdes, projetores e computadores. Utilizamos a mata como área de trabalho do Photoshop e iniciamos a pintura. Aos poucos a mata ia surgindo atrás das nossas pinceladas. A animação ia ocorrendo e tudo era dividido em camadas. O projetor delimitava nossa tela e a tela era delimitada pela sombra das árvores em si mesmas. Fizemos uma animação frame a frame que revelava aos poucos a energia que corria naquelas plantas. Semanas depois tive uma conversa com o Marcos (Magalhães) sobre esse processo de animar. A animação que fazíamos poderia ser facilmente gravada como obra final em tempo real. A pincelada que ocorria com o mover da mão já é por si só uma animação.
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EXPERIMENTOS DIGITAIS
Marcos me lembrou da técnica Lightning Sketch, que havia apresentado em sua aula de História da Animação. Se trata de um desenho rápido realizado em formato de performance em frente a um público. Muitas vezes o desenho parece assumir uma forma que o artista modifica e fecha em outra forma, atribuindo o elemento surpresa à peça. James Stuart Blackton ficou conhecido por sua técnica de lightning sketch com as peças Enchanted Drawing (1900) e Humorous Phases of Funny Faces (1906). Vimos que no nosso processo de revelar a mata aos poucos no ato de desenhar o frame era muito parecido com essa técnica de lightning sketch. Animação é arte demorada. Seguimos horas a dentro da madrugada. Insetos começaram a ser a atraídos pela luz que projetávamos. Nickolas foi mexer o tripé que nos filmava e descobriu que ele estava tomado por teias e mais teias de aranha. Aos poucos fomos percebendo que enquanto trabalhávamos as aranhas desciam e faziam teias perto da gente. Enfrentamos o medo e a agonia. Essa experiência nos fez refletir sobre o escuro na mata e o medo que temos da natureza. Pensamos que casas, cidades e civilizações são criadas justamente para manter distância de um mundo que desconhecemos. Enquanto, nós, provenientes da cidade grande, iluminada dia e noite, tentávamos seguir em contato com a mata, imaginá-la como nada mais nada menos que o espaço de um quintal que havíamos habitado durante o dia; o escuro tomava conta e construía em nossa imaginação ataques, animais, monstros, perigo. O isolamento ao qual nos submetemos em vida urbana, nada mais é que a tentativa de seguir seguros, saber estar sozinho, querer estar consigo mesmo.
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EXPERIMENTOS DIGITAIS
A luz vem com grande importância nesse momento, clareando e acabando com possíveis monstros. Eu soube naquele momento que projetávamos luz na mata para nos sentir seguros na tentativa de lidar com o desconhecido. Era uma mistura de deslumbre com o processo de animação, a descoberta da mata e a necessidade de abrir o espaço de trabalho, iluminar cada vez mais, voltar a ter a segurança que o dia traz. Sobre os espaços escuros e indeterminados, encontrei também em meio ao livro Walkscapes um caminho de exploração bibliográfica. Paola Berenstein Jacques cita “A natureza do espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção” de Milton Santos. Sinto que lá poderei encontrar algumas pontes de pensamentos sobre a rigidez do espaço urbano e a fluidez do espaço orgânico.
“Milton Santos chamou esses espaços indeterminados de espaços opacos, considerados como espaços abertos do aproximativo e da criatividade, em oposição aos espaços luminosos, considerados como espaços fechados da exatidão, racionalizados e racionalizadores.* São Paulo, Hucitec, 1996. Walkscapes - O Caminhar como prática estética de Francesco Careri prefácio O Grande Jogo do Caminhar de Paola Berenstein Jacques
*Ver Milton Santos. A natureza do espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção. 49
EXPERIMENTOS DIGITAIS
Quando terminamos a animação no photoshop, puxei a tela que estava sendo projetada para a tela do meu computador. O desenho que antes fazia total sentido no mundo tridimensional estava totalmente desconfigurado na tela plana. Joguei o arquivo do Photoshop para o After Effects e montei a composição animada. Descobrimos que era tecnicamente importante montar o arquivo do After com as mesma configurações que as do photoshop. Assim na hora que jogamos o vídeo como saída no projetor, não tivemos nenhum problema de reposicionamento. Principais descobertas:
(conceito) O conceito da projeção de luz no escuro pode ser trabalhado associado ao medo do desconhecido. (técnica) A animação que é feita diretamente sobre a superfície explorada assume característica totalmente diferentes de uma animação feita sobre a tela do computador e posteriormente projetada.
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EXPERIMENTOS DIGITAIS
_grafismos grafismos em em movimento movimento sobre sobre árvores árvores //terceiro dia Nuvem No dia seguinte nos voltamos para um plano nem tão longe nem tão perto. Queríamos pegar a fileira de troncos de árvores da entrada da casa. Subimos para o sótão, e pegamos o ângulo de projeção de lá. Como a janela era pequena e não achávamos posição confortável para observar a superfície e animar aos poucos, iniciamos um novo processo de animação. Projetamos na mata e construímos uma máscara das áreas que seriam abordadas. Fechamos esse arquivo e saímos da janela. Fizemos toda a animação sem observar os espaços, apenas com a base demarcada já mapeada anteriormente. Exportamos o vídeo e aí sim pudemos ver como a animação se comportava na tela não - plana. Foi incrível notar como a profundidade diferencia o produto final, e como a superfície orgânica por si só já modifica os traços retilíneos. Passamos o dia inteiro enfurnados no sótão e escrevemos um pouco o relato dos dias anteriores.
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EXPERIMENTOS DIGITAIS
Chovia muito e a Marcela teve a ideia de captar a chuva iluminada por seus vídeos de água correndo no pocinho. A chuva ela iluminada no encontro com a luz do projetor e no fundo em meio a mata a imagem de água correndo selava a metalinguagem. O encontro da luz com a água da chuva se tornou um espetáculo em meio ao escuro. O espaço da Nuvem é feito por esses encontros de deslumbre. A junção da nossa proposta com o trabalho e o olhar da Marcela resultou em algo além do que esperávamos. Agradeço a Marcela por ter sugerido a união entre a nossa luz e sua água. Gerou em mim atentar mais para os encontros na Nuvem e olhar a água como elemento importante para evidenciar a proposta de projeção. Aprendi que os elementos conversam e se fortificam quando juntos. Descobertas importantes:
(conceito) A água da chuva como elemento de exploração junto a luz, fortificando-a, assim como a água de córregos.
registro da artista Marcela Antunes52
EXPERIMENTOS DIGITAIS
//quarto dia Nuvem
Caminhamos durante 1h até a Cachoeira dos Marimbondos e no retorno à casa Nuvem um toró sem igual despencou sobre nossas cabeças. Por sorte estávamos com o guarda-chuva e nossos equipamentos ficaram secos. Mas à medida que aquela água descia a ribanceira, e o barro sob nossos pés se tornava escorregadio e pegajoso, notamos que caminhos eram criados para o seu escoamento. A água da chuva vai encontrando o seu espaço para fluir no chão, criando caminhos e desenhando no barro. Nos vimos em meio a diversas cores de barro, do vinho ao amarelo e até esverdeado, lavado pela chuva e delineado por caminhos de escoamento da água. Fotografamos da altura de nossas cabeças com o foco no piso e pareceu que a foto fora feita por um satélite! Filetes de água se tornaram rios desfocados da floresta amazônica, tracejados de caminhos naturais baseados em nada mais que o solo, a água e a força gravitacional. Traçamos um paralelo imagético entre o micro e o macro e nos sentimos formigas no meio de tanta correria de água morro abaixo.
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EXPERIMENTOS DIGITAIS
Passado o momento mágico de imersão, voltamos ao sótão e à projeção nos troncos das árvores. Montamos tudo novamente, e como já sabíamos, confirmamos que é impossível colocar o projetor no mesmo local com a mesma angulação, mas conseguimos remapear a animação já produzida. Descobrimos que por conta da superfície não exata da mata, que vive se mexendo também com o vento, a perfeição de ter um lugar delimitado para cada coisa não deve ser uma preocupação no nosso trabalho. Nessa edição, mesclamos grafismos criados na hora no programa de video-mapping (Resolume Arena) com a animação já produzida e obtivemos resultados chamativos que questionavam as formas vetoriais e as formas orgânicas. Quão a mata deixa de ser orgânica quando a cobrimos por uma máscara listrada? Quão imperfeita se torna a máscara listrada quando a superfície na qual se projeta é irregular?
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EXPERIMENTOS DIGITAIS
Esse foi o último dia dos residentes Idê, Marcela, Aninha e João. Nessa última noite de quarta para quinta, Idê quis enfrentar o medo do escuro. Virou a noite sozinha do lado de fora da casa. Experimentou conflitos internos e aflições semelhantes as quais a gente tinha enfrentado na segunda noite. Na manhã seguinte, antes de ir embora, nos contou sua experiência. Falou principalmente do som do rio. Ao lado da casa Nuvem corre um córrego cujo barulho pode ser ouvido de todos cantos da casa. Adê disse que parecia que alguém aumentava o volume do rio a medida que o dia clareava. Foi percebendo aos poucos que não era o rio que aumentava o volume, mas os insetos noturnos que iam dormir e paravam sua cantoria. Existe, segundo Adê, um momento de maior silêncio no virar da noite: são as horas entre o dormir dos insetos noturnos e o cantar dos passarinhos. Nessa hora o rio preenche o ar e toma conta do espaço. Principais descobertas:
(conceito) A água da chuva cria caminhos de escoamento que se assemelham aos fluxos dos grandes rios, nessa imagem pode-se traçar um paralelo entre o micro e o macro. O rio não aumenta sem volume, mas a nossa percepção diz que ele aumenta quando paramos de ouvir outros cantos. (técnica) Grafismos interferem na imagem tridimensional da mata, transformando-a em mais artificial ao mesmo tempo que a mata interfere na imagem gráfica tornando-a mais orgânica. O movimento (a dança) da mata deve ser incorporado no processo de criação, abrindo espaço para o imperfeccionismo no mapeamento.
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EXPERIMENTOS DIGITAIS
_narrativa: narrativa: natureza tomando conta da da casa casa //quinto dia Nuvem No quinto dia nos voltamos para a criação de uma narrativa que tivesse a ver com todo o processo que estávamos vivendo. A casa do quintal, aberta, como uma grande oficina ao ar livre, estava muito distante da gente. Como chovia o tempo inteiro, não a habitávamos, pois para chegar até lá era necessário enfiar o pé em um monte de poças de lama. As árvores ao redor da casa pareciam tomar conta dela: trepadeiras já subiam o telhado em busca de um lugar melhor ao sol, que parecia não conseguir passar pelas densas nuvens para iluminar o solo. Imaginamos a floresta como um todo surgir na noite e em pouco tempo tomar conta da casa; virar casa. Foi assim que fizemos nossa primeira animação com um objetivo narrativo explícito: a floresta animando a casa a noite. Todas animações anteriores tinham surgido a partir da observação das áreas de atuação, como se a forma nos dissesse o que desenhar e o que animar.
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EXPERIMENTOS DIGITAIS
Posicionamos o projetor depois que a escuridão já havia tomado conta da casa e da mata. O que fizemos foi pintar a casa, em camadas, mas todavia sem animar. Fizemos uma camada da grama do lado de fora, uma camada da floresta ao fundo, uma camada da parte frontal da casa, outra da lateral, outra do telhado e assim por diante. A casa ficou toda pintada, tomada por uma mata densa. Então enquanto o Nickolas trabalhava com o png da casa e criava grafismos (glitchs) que poderiam acontecer durante a projeção, eu animei com máscaras as camadas no after effects, revelando aos poucos a mata tomando conta. Nosso espaço de produção nesse dia foi no segundo andar da casa, quarto que havia ficado vago por conta da saída do grande grupo. Agora chegava mais gente na casa e estávamos ao todo Nicko e eu, Beatrice e Hevelin (que chegaram no dia anterior) e Henrique, que chegou nesse dia. Nos dias seguintes esperávamos Pedro, Carol, Lud e Ayla. Explico isso pois, por conta da mudança de grupo, ocorreram variações na nossa dinâmica de trabalho também, pois a troca surtiu descobertas.
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EXPERIMENTOS DIGITAIS
Como nosso espaço de produção desse dia foi afastado da sala de estar, espaço esse no qual a maior parte das pessoas trocavam experiências e trabalhavam, acabamos não tendo trocas com os novos integrantes da tribo. Ao longo da noite, Henrique e Hevelin subiram algumas vezes, curiosos, querendo saber o que fazíamos, o que projetávamos, como era nosso trabalho, como estávamos fazendo aquele mapeamento - cheios de perguntas e vontade de aprender. Explicamos todo o processo. Explicamos que o mapeamento era feito no ato de contornar a casa, usando a tela de projação como um segundo monitor onde ficava nossa área de trabalho do photoshop, que o importante era o arquivo do photoshop ter o mesmo tamanho da sequência que seria exportada no after effects e sempre checar se o trabalho estava sendo feito na escala de 100%. Se não, na hora de puxar o vídeo para o Resolume Arena (programa de video mapping, no qual mixamos as projeções), lembrar de inserir a mesma escala usada anteriormente. Descobertas que fizemos ao longo da residência e que fomos encontrando no ato manual do experimentar.
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EXPERIMENTOS DIGITAIS
Enquanto trabalhávamos nas projeções, recebemos a ilustre visita de um besouro furta cor que permaneceu conosco por muito tempo ao longo da noite. No começo, o medo de ter por perto um inseto desconhecido espalhafatoso que fazia barulho me fez querer expulsá-lo do quarto. Depois de ser confortado pela Nicole, perdi um pouco do medo e fiquei encantado com as diferentes cores que o besouro refletia. Tiramos fotos do mascote da noite. Um inseto que refletia as cores do arco-íris em meio a escuridão e as luzes artificiais. Após algumas horas de trabalho, registramos as projeções, mas não ficamos totalmente satisfeitos com os resultados. Já exaustos de cansaço, decidimos manter o projetor no mesmo lugar e deixamos ele descansando até a noite seguinte. Principais descobertas:
(técnica) Animar máscaras no after em superfícies orgânicas é complicado, mas dá bons resultados, já que não vemos a delimitação da curva da máscara de forma tão abrupta como na tela plana.
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EXPERIMENTOS DIGITAIS
//sexto dia Nuvem
Pensamos em fazer um take da projeção da casa no pôr do sol - pegar a casa de dia, o anoitecer e a aparição da projeção em meio à mata. Seguimos nosso trabalho, de vez em quando Hevelin e Henrique apareciam novamente, para ver a quantas andava. Como projetávamos do alto (segundo andar) para o quintal (vista da grande janela do primeiro andar ao lado da principal mesa de trabalho), supomos que eles também acompanhavam o que estava ocorrendo lá de baixo, então apenas seguimos a produção até chegar ao resultado que queríamos. Quando terminamos, desmontamos e descemos para o primeiro andar. Henrique surpreso nos perguntou onde estava, cadê, porque a gente não chamou eles para ver pronto!?
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EXPERIMENTOS DIGITAIS
Ficamos desolados e levamos a lição pra casa. Projeção é performance. O ato de expor o teu trabalho, finalizado, concluído e aberto - o famoso: “agora vai!” toma uma dimensão gigante dentro do processo. O ato de construção, técnicas usadas, formas de manipulação, não são o objeto final quando trabalhamos com a performance, pois não carregam a carga do momento de exposição. Estruturam, porém, o ato final. É aqui que gostaria de voltar para a imagem da folha de rendinha e fazer uma associação entre a estrutura dos objetos e o que de fato vemos. O momento, em qualquer ato de organização, difere as decisões. Assim como o trânsito das grandes cidades é diretamente influenciado pelo humor dos atuantes, regras preestabelecidas são burladas e temos que lidar com o imprevisto. O acordo de trânsito é feito então para criar a malha estrutural, da mesma forma que criamos as imagens e as preparamos, mapeando a projeção e estudando possibilidades de composição entre imagens. Mas da mesma forma que não se sabe se o carro azul vai avançar o sinal e atropelar um ciclista sem querer, também não se sabe o plano exato de composições de imagens ao longo do tempo de exibição.
Tratávamos tudo como experimentos e captávamos transições que gostávamos. Para nós, o que fazíamos não era a performance, mas o estudo de composições. Assim, quando o Henrique reclamou, além de reconhecermos a importância disso, vimos uma brecha de atuação do projeto que não estávamos explorando. Voltamos ao quarto, conversamos e decidimos reposicionar o projetor. Assim, convidamos a todos pela primeira vez para ver a performance. Nickolas ficou de VJ e eu expliquei o projeto no quintal. Não havia música, o som vinha da mata e eu como espectadora tive uma experiência única de ver a imagem se mesclar com o som da mata e coexistir com ele. O ritmo da narrativa, porém, foi comprometido, acredito que tanto pela falta de uma marcação sonora quanto pelo local que o Nickolas, ator mais ativo da performance, estava: dentro do quarto e fora do eixo central do som da mata. Recebemos respostas muito positivas sobre a performance e sobre o projeto. Explicamos ser apenas uma forma de abordar a questão e entrar de forma prática na pesquisa e conceituação do projeto. 61
EXPERIMENTOS DIGITAIS
Agradeço ao Henrique por ter reclamado por não ter sido chamado para ver o resultado final. Gerou em mim olhar o nosso processo com mais valor. Entender que apesar de ser um processo de experimentação com cunho de elucubração para conceituar, esses experimentos são por si só peças que devem ser expostas ao longo do projeto. Aprendi que projeção é performance e que isso leva ao trabalho de criação de energia para ser depositada no ato da exposição. Não é apenas criar tramas e redes e estruturas, mas estar atento a cada nó dessa rede e costurar cada elemento e cada passo. Principais descobertas:
(conceito) Projeção é performance, pois carrega a carga do momento de exposição. (técnica) A localização espacial influencia no ritmo narrativo. O ritmo da projeção é definido pela música, no caso, a música da mata, e apenas junto aos espectadores é possível imprimir o timming visual.
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EXPERIMENTOS DIGITAIS
_narrativa: narrativa: trânsito nas árvores //sétimo dia Nuvem No dia seguinte visitamos a casa ao lado: o CAPRIL, a casa dos cogumelos. Os vizinhos da Casa Nuvem Rural cultivam cogumelos, rosas, grandes e lindos. Não, não são alucinógenos - são para comer mesmo. Fomos dar uma experimentada em risotos de cogumelo e ver o cultivo. Nos explicaram todo o processo e fizemos imagens lindas desses seres que parecem estranhos até à própria natureza. Voltamos pra casa e fizemos takes dos lugares que projetamos nas noites anteriores, mas agora sob a luz do pôr do sol. Depois de seis dias imersos no escuro pensando em como iluminar e animar a mata e seus arredores, percebemos que também era necessário ter o registro desses mesmo lugares sob a luz natural.
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EXPERIMENTOS DIGITAIS
A noite caiu e nos preparávamos para nossa última projeção na residência. A proximidade do retorno remeteu à cidade e aos elementos que diferenciam a cidade do campo. Escolhemos projetar em frente a cozinha: havia uma taioba e algumas palmeiras com troncos finos. Desenhei alguns círculos na árvore que tinha o tronco mais grosso dentro da área de projeção. Imediatamente associei os círculos aos semáforos, que estão por toda cidade e que são essenciais para organizar o caos do tráfego de veículos e de pessoas. Preenchemos troncos e folhas com círculos verdes, vermelhos e amarelos. As folhas de taioba se transformaram em sinais de pedestre, uma com a mãozinha vermelha e outra com o pedestre verde. Montamos um sinalfloresta. Em alguns momentos ficava tudo verde e em outros o vermelho predominava. Em outros momentos todas as luzes piscavam simultaneamente num pisca-pisca multicolorido sem fim. Estávamos simulando a organização do tráfego das cidades nas árvores. Associamos esse experimento a palavra “organicidade”, que é o caráter de algo orgânico, mas que aqui nos chamou atenção por notarmos tão claramente exposta a palavra “cidade”.
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EXPERIMENTOS DIGITAIS
Também nesse dia conversamos com a Ana, última residente que conhecemos durante nossa estadia, que se interessou no nosso processo de criação. O projeto da Ana consistia em pesquisar e produzir um curta baseado no “efeito termodielétrico”, descoberto por seu avô. Segundo ela esse efeito explica como se formam os raios no céu. Enquanto projetávamos nossos sinais, Ana pediu para que eu piscasse luzes coloridas na frequência de raios e que tentasse simular uma tempestade. O resultado dessa colaboração pode ser visto aqui: https://vimeo.com/153540710 Principais descobertas:
(técnica) Registrar os ambientes também durante o dia. (conceito) Podemos associar a palavra organicidade (carácter orgânico) à palavra cidade.
registro da artista Ana Costa Ribeiro sobre o projeto: http://nuvem.tk/wiki/index.php/Ana_Costa_Ribeiro 65
EXPERIMENTOS ANALÓGICOS _plantoprédios plantoprédios Os plantoprédios surgiram a partir da necessidade de sair da criação no ambiente da tela plana do computador e criar diretamente no objeto tridimensional e orgânico, não apenas a nível de imagem, como fizemos com a animação nas árvores, mas usando a textura e o material das plantas.
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EXPERIMENTOS ANALÓGICOS
Utilizar a frágil estrutura das plantas para projetar o que para nós, dentro da cidade, mais se impõe e nos deixa seguros: os prédios. Comecei a cortar janelas na plantas, rompendo seus veios e caminhos já pré-estabelecidos e indo contra sua estrutura natural. Resolvi respeitar apenas a grosso modo - as linhas gerais -, como fazemos ao projetar apenas em cima da topografia de um terreno. Esquecemos tudo que antes havia ali em cima, tiramos a imagem do terreno para construir em cima dele, e as vezes até mesmo modificamos sua topografia, retificando-o, planificando-o. Tínhamos com os plantoprédios a vontade de traduzir imageticamente a nossa atuação em cima do ambiente natural. Viajamos para Itatiaia e fizemos os primeiros testes com lâmpadas e folhas de limoeiro, quanto mais a gente cortava mais elas liberavam um cheiro gostoso.
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EXPERIMENTOS ANALÓGICOS
_plantoprédios plantoprédios com LEDs //explanação na ESDI Levamos os plantoprédios, em formato de instalação para o evento Explanação, que aconteceu na ESDI dia 28.05. O evento surgiu como forma de ocupação política da escola que havia sido deixada de lado pelo poder público e agora estava em greve. A ideia era unir os alunos para a organização de um evento que era aberto para exposição de trabalhos, como forma de dar mais voz àqueles que frequentavam o espaço e agora haviam se dissipado devido a greve. O EXPLANAÇÃO reuniu shows, djs, feira de arte impressa, performances e instalações. O Co-organi levou para o evento uma projeção mapeada e animada em cima de uma árvore do campus (perto do CAPO) e a instalação com os plantoprédios (nos fundos da ESDI).
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EXPERIMENTOS ANALÓGICOS
Lá pude perguntar a algumas pessoas o que elas haviam achado sobre a instalação. Puxei assunto de forma informal, sem dizer que eu havia feito. Acho que na maioria dos casos as pessoas acharam que eu tava só querendo puxar assunto, acabei levando até um fora de uma menina que achou que eu estava chegando nela. Achei essa experiência um tanto quanto engraçada e percebi também que isso aconteceu por ser um ambiente de festa, ao lado da pista de dança. Recebi os comentários de que a instalação te convidava a dar uma volta nela, que se percebia a diferença entre a tridimensionalidade das plantas e a projeção bi-dimensional e que haviam gostado por ser tão delicado. Me falaram também que parecia de longe um pequeno ecossistema estranho. Percebi pela forma de visitação que não coloquei a instalação no melhor local - talvez fosse melhor posicioná-la em um local menos transitório - pois as pessoas que chegavam perto ficavam um tempo vendo, mas a maioria passava direto, olhava de longe, e seguia o caminho para a pista de dança. Acabou que pela posição houve também uma seleção não intencional do público que a visitava. Eu não havia levado em conta que as pessoas que transitariam por ali necessariamente seriam pessoas que iriam para a pista de dança. Como era a primeira vez que ocupávamos a ESDI como um todo em um evento, pensei que a maioria das pessoas iriam transitar até o final da ESDI, porém com a música eletrônica, apenas uma parte foi realmente até lá atrás.
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EXPERIMENTOS ANALÓGICOS
//sobre a montagem
Como o Nicko estava na organização do evento e portanto, sem tempo algum, assumi totalmente as montagens, que contaram com a ajuda de amigos que apareceram no processo. No dia 26 comecei a produzir as folhas que seriam expostas, pois eu queria a presença da coloração verde ainda no dia da exposição e havia reparado com o primeiro teste que no terceiro dia elas começavam a perder a coloração. Demos uma volta pelo terreno e encontramos o espaço para a exposição das folhas em um dos andaimes. Eu já sabia que lá havia um andaime e pensei nele por remeter a construções, coisas inacabadas, prédios e à cidade. Os plantoprédios seriam então uma construção nos andaimes.
registro do Jonathan Nunes
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EXPERIMENTOS ANALÓGICOS
No dia 27, Letícia Leão veio me ajudar a montar o andaime. O levamos com a ajuda da Roberta Guizan, Daniela Tinoco, André Aranha e Theo Cunha para o local mais perto dos fundos da ESDI, ao lado de onde ficaria a pista de dança. Eu mostrei as plantas para a Letícia e expliquei que usaria LEDs e baterias para projetar sombras com elas. Pensamos juntas em diferentes planos para projetar as sombras dos prédios, que ficariam pendurados no andaime, criando telas tridimensionais planificadas. Assim a sombra de um plantoprédio poderia vir a se confundir com a sombra de outro e vice-versa. Pegamos papel A0 branco-bege no Colaboratório (oficina gráfica da ESDI), cortamos diferentes planos com ângulos de 90º (quadrados e retângulos) grandes e pequenos e reforçamos suas bordas com fita adesiva transparente. Furamos cada quina e passamos fio de nylon.
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EXPERIMENTOS ANALÓGICOS
O dia 28 seria o dia de pendurar os planos, as folhas e os LEDs - não quis fazer isso antes por medo de vento forte e chuva, já que a instalação seria externa. Daniela Herig chegou para me ajudar a montar os planos de papel e começamos a tramar nossa rede com fios de nylon e diferentes ocupações espaciais dentro do andaime. Esse processo, porém, foi extenso, pois tínhamos de testar a forma com que a luz batia e quais ângulos poderíamos usar com os LEDs antes de pendurar cada tela. Usávamos um Led teste com bateria para ver cada posição. Então quando acabamos e comecei a montar com a Ana Bustamante os 19 LEDs restantes (ligar o Led nos fios e nas baterias) já estava chegando perto do anoitecer. Aí começou a bater aquele desespero de montagem. Não podíamos deixar para pendurar as plantas depois do anoitecer, pois não teríamos luz suficiente para ver os fios de nylon e não os conseguiríamos amarrar. Foi nessa hora que juntou um bonde de ajuda: Caroline Batista, Stephanie Doyle, Fernanda Vaz e Ana Bustamante para pendurar as frágeis folhas com os fios invisíveis. Não deu outra, a noite caiu e a cada segundo ficava mais escuro. Já não víamos nenhum fio sequer, mas conseguimos pendurá-las mesmo assim. 72
EXPERIMENTOS ANALÓGICOS
No final gostamos muito do resultado. Penduramos folhas e Leds usando os dois versos dos planos e criando a ilusão da sombra falsa de algumas plantas que se mesclavam - não se sabia que sombra vinha de que planta e era necessário atentar para cada uma para entender que projeção era a que correspondia com a sua forma.
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EXPERIMENTOS ANALÓGICOS
_plantoprédios plantoprédios no retroprojetor Quando mostrei os plantoprédios ao João Alegria e expliquei que a minha vontade era fazer com que a luz transpassasse a folha, fazendo com que ela projetasse suas estruturas naturais na imagem, junto aos recortes que eu havia feito das janelas e prédios, ele logo perguntou: por que você não usa um retroprojetor? Ora, um retroprojetor serviria perfeitamente para o meu propósito: não deixaria de ser uma projeção analógica e eu ainda estaria fugindo da criação em meio digital e utilizaria a folha como material. Conversamos sobre montar o próprio projetor, um canhão de luz montado especialmente para fazer com que a própria planta consiga projetar sua imagem em meio urbano. Algo que fosse portátil e potente. Pensamos em pegar lâmpadas, baterias e lentes de carro no ferro-velho e trabalhar a ótica da posição ideal de cada elemento. Mas percebi que antes de montar, eu haveria de tentar com o que já tínhamos.
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EXPERIMENTOS ANALÓGICOS
Fui ao DAD (Departamento de Artes e Design) e pedi emprestado o retroprojetor que estava parado no corredor. Reparei também que lá havia um projetor carroussel de slide. Trouxe o retroprojetor para o LIFE (Laboratório de Interfaces Físicas Experimentais) e iniciei o processo de exposição das folhas. Porém, a luz distribuída pela mesa não era forte o suficiente para transpassar as folhas e eu via algumas ranhuras apenas quando tampava o restante da mesa com cartolina preta. As simples janelas dos plantoprédios já eram abertas suficiente para ofuscar a visão da estrutura das plantas e portanto, decidi trabalhar no retroprojetor também com as sombras dos plantoprédios e as composições que poderíamos fazer com diferentes formatos de folhas.
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EXPERIMENTOS ANALÓGICOS
Entre as composições pensamos em impressões de fotos em transparências junto com os plantoprédios e a criação de um cenário a partir da junção dessas técnicas expositivas. Uma curiosidade que percebi durante esse processo foi que as plantas recém colhidas transpareciam mais na projeção que as plantas secas. Conversei com algumas pessoas sobre isso e sobre as diferentes plantas que eu poderia usar. As plantas ao perderem água serram sua estrutura e se contraem. Luisa Genes, que faz biologia na UFRJ, me falou da família Myrtaceae que possui alguns pontos translúcidos em suas folhas, são as goiabas, pitangas, jabuticabas, eucalipto, acerola, etc. Pensamos que a luz talvez conseguisse passar pelas pontuações. Ou então tentar as comestíveis que têm uma estrutura mais fininha que as plantas de árvore, como ervas ou alfaces.
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EXPERIMENTOS ANALÓGICOS
_folhas folhas e fotografias no projetor de slide slide Descobri a partir do retroprojetor que a luz deveria ser mais direcionada para o tamanho do objeto com o qual estava trabalhando. O projetor de slide poderia realizar isso facilmente, já que tinha uma ótica com lentes direcionada para a ampliação de slides. Pegamos o projetor no DAD e o levamos para a sala de projeto, para experimentar junto ao João Alegria. Esse foi o primeiro dia que o Nickolas foi comigo a uma aula de projeto, já que estávamos na correria para fazer essa experimentação. Minha bisavó era fotógrafa e tenho em casa um armário cheio de slides, de visualizadores de slides e de componentes antigos. João diz que é da geração analógica, e nós da digital, então eles nos ajudou muito a entender a função de cada componente que havia trazido. Descobrimos como funcionava o projetor de slides e montamos slides de folhas, os compusemos com acetato e gelatinas de iluminação. O projetor de slides funcionou perfeitamente para o que queríamos: era possível ver as ranhuras das plantas e também compor com fotos de cidades.
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EXPERIMENTOS ANALÓGICOS
_instalação instalação plantoprédios gigantes A instalação que realizamos no evento Explanação#2 consistia em um ambiente imersivo que buscava criar formas lúdicas de interpretação sobre fluxos e descobertas da cidade, aproximando a experiência de trilhar uma mata ao caminhar e deixar-se perder no meio urbano. Peguei 5 folhas grandes de bananeira e abri janelas por toda superfície de cada uma. A exposição aconteceu em uma sala fechada no subsolo da esdi. As folhas de bananeira estavam penduradas espalhadas pelo espaço e com alguns spots de iluminação gerávamos sombras cinéticas. Recebi feedbacks muito construtivos que me fizeram perceber o quão relevante foi criar aquele ambiente. “É tipo o nosso futuro sustentável. Imagina se os nossos prédios fossem de fato plantoprédios.”,”Dá vontade de abraçar.”(Nicole Janér); “É uma sensação boa estar aqui dentro, é gostoso, pode tocar?”,”Olha entre essas janelas.”(Letícia Leão); “Dá uma sensação de natureza de fato, mesmo dentro dessa sala de concreto fechado, eu estou na natureza. Acho que são essas folhas grandes, rola uma magia.”(Nina Vieira).
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EXPERIMENTOS ANALÓGICOS
_instalação instalação copos, água, folha e laser laser Dentre todos os experimentos que havia realizado ainda existia a vontade de fazer algo relacionado a água e a atenção que ela poderia trazer para a folha em si. Raissa Laban tem um projetor de raio laser hackeado por Harrison Mendonça e Carlos de Oliveira que criaram o software Laserbomb para que ele funcionasse como um programa de desenho com o laser. Com uma tablet é possível escrever e desenhar a projeção a laser. É bem simples, um brush com espessura regulável e um controle de cores. A identidade visual do co_organi fora inspirada nas conexões que esse programa faz entre um traço e outro. Eu havia observado junto a Raissa que a água gerava uma refração peculiar no feixo de laser, direcionando ele em ondas coloridas para todos os lados. Tive a ideia de colocar uma folha dentro de um copo de vidro e ver o resultado estático que isso gerava. Fizemos esse experimento em sua casa no Catete e vimos que o ambiente era inteiramente iluminado pelo feixe de laser no copo, e a planta refletia a luz em verde, ficando inteiramente iluminada. Tivemos a ideia de espalhar em uma festa vários desses copos pelo teto e fazer a iluminação neles. A ideia de ser uma festa era aproximar o diálogo com o natural também em ambientes onde não se espera observá-lo.
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O aniversário do Kalache foi uma grande festa em uma casa na Joatinga. Conversei com o Ramil que estava organizando a festa e perguntei se poderia fazer essa instalação lá. Ele adorou a ideia e montamos eu, Raissa e Maria Guimarães, que apareceu na hora para nos ajudar com as amarrações. Reuni 15 copos de geleia de tamanhos diferentes, retirei seus adesivos e pintei suas tampas com jet vermelho, para padronizá-los e e esconder suas marcas. Catamos folhas ao longo do caminho até a festa e lá penduramos os copos com fios de barbante encerados na esacada entre um andar e outro da casa. Montamos o projetor a laser e mapeamos os feixes de luz um para cada copo pendurado. A recepção foi ótima, muitos ficaram impressionados com os copinhos e brincaram girando-os.
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teste com narrativas
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_lista lista dos experimentos realizados
projeção digital - vídeos não mapeados sobre árvores projeção digital - animação sobre árvores projeção digital - grafismos em movimento sobre árvores projeção digital - narrativa da natureza tomando conta da casa projeção digital - narrativa do trânsito nas árvores projeção analógica - sombras dos plantoprédios com LEDs projeção analógica - sombras e estrutura das folhas no retoprojetor projeção analógica - folhas e fotografias no projetor de slide instalação - grandes plantas de bananeira recortadas instalação - copos, água, folha e laser
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VEICULAÇÃO DAS EXPERIMENTAÇÕES Acreditamos que toda pesquisa e experimentação precisa ser divulgada para ajudar em futuras pesquisas. A cada passo que damos nesse projeto, temos o cuidado de documentar e explicar as etapas, atentar às nossas descobertas e contar aos amigos. Para que essa comunicação não ficasse apenas entre quem nos cerca, criamos um canal no Youtube e no Instagram, e a cada deslumbre que temos durante o processo divulgamos uma foto ou vídeo com descrição. Optamos por criar uma “tag” do projeto para que ele pudesse ser mais facilmente visualizado fora do ambiente acadêmico. Tag é uma forma de classificar e organizar informações no mundo da internet, mas também é usada no mundo do grafiti para identificar os autores dos muros.
//os vídeos da Nuvem Assim que voltamos da Residência na Nuvem iniciamos o processo de edição de todo o material que havíamos gravado. Foi um processo extenso, no qual tivemos de pensar no formato dos vídeos e como iríamos divulgá-los. Faríamos vídeos de um minuto; um de cada experimento. Decidimos pelo formato curto para ser dinâmico e não se tornar pesado para o espectador, já que as peças não conduzem em sua maioria uma narrativa. O amigo Vitor Souza disponibilizou suas novas músicas que misturam elementos de floresta, fogo e água para que usássemos nos vídeos. Os vídeos da residência estão no Youtube, nesse link aqui: https://www.youtube.com/playlist?list=PLlKsZV1LAp5FdVN5uSEcbdMbXcIeXE95z
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VEICULAÇÃO DAS EXPERIMENTAÇÕES
//instalações A instalação no Explanação na ESDI também foi um formato de veiculação dos experimentos. Pretendemos realizar diversas edições nesse formato de instalação, que é ao mesmo tempo uma exibição do trabalho e funciona como uma pequena demonstração das técnicas utilizadas, pois qualquer pessoa pode nos perguntar como estamos desenvolvendo.
//instagram Iniciamos o Instagram com imagens de plantas que encontramos durante as expedições. Alguns questionamentos são expostos junto a essa imagens. Inserimos também imagens do processo na Nuvem, valorizando cada etapa de transformação do ambiente que propomos. Mostramos também os Plantoprédios e suas diversas facetas. Esse espaço servirá para documentar os próximos passos do projeto. https://www.instagram.com/co_organi/
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CONCEITOS As experimentações na Nuvem foram muito importantes para definir os caminhos que seguiríamos no projeto. Identificamos três pilares de conceituação, com os quais sabemos que lidaremos durante o processo: (1) a água como meio de encontrar novos caminhos independente da reformulação estrutural; (2) o medo do desconhecido e as diferentes formas de exploração proporcionadas pela dimensão visual (do que pode ser visto) e (3) o formato de estruturas planas e orgânicas e a tradução projetual que ocorre entre elas. Além disso atentaremos à cidade como ambiente performático e de exposição e à floresta como ambiente de criação de conteúdo. Durante os plantoprédios percebemos que lidar com as sombras como contraformas era trabalhar com o desconhecido e evidenciar o conceito do escuro. A partir do momento que descobrimos que é com a presença da água e umidade da folha que ela conserva o poder de fazer com que a luz a transpasse, percebemos que os nossos conceitos estavam expostos no formato que explorávamos.
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ALTERNATIVAS //gabinete de curiosidades Os gabinetes de curiosidades eram salas onde se juntavam objetos curiosos, estranhos e raros encontrados em expedições nos séculos XVI e XVII. O projeto co_organi trabalha resgatando equipamentos e formatos de exposição gráfica, analógica e digital que muitas vezes geram o estranhamento da nova geração. Muitos não sabem o que é um projetor de slides, nem mesmo um retroprojetor, muito menos sobre as diversas explorações gráficas possíveis a partir desses objetos. O gabinete de curiosidades seria um formato expositivo de união dos experimentos, que dê forma às comparações entre estruturas de cidades e formação orgânica e gere um diálogo imagético.
//narrativa Outra possibilidade seria criar uma peça audiovisual que utilizasse os experimentos de forma cenográfica, atribuindo a eles características de personagens na transformação dos ambientes cidade e floresta, utilizando técnicas mistas de projeção analógica e digital.
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ALTERNATIVAS
//geringonça A geringonça seria uma alternativa para levar esses acontecimentos para a rua, de forma portátil. Construir um objeto que possa projetar tanto analogicamente quanto digitalmente as estruturas, valorizando a criação e o momento de performance e dando a possibilidade de criação de diferentes peças.
_escolha da da alternativa alternativa _escolha Dentre as minhas alternativa tenho caminhos que me orientam para cada uma. Gosto delas por igual e vejo a dimensão de explorações que elas me trazem. Conceitualmente, de acordo com a linha descrita nesse relatório, a alternativa que mais se aproximaria do que fora descrito até agora é a construção da geringonça que permitiria fazer a transição entre a imagem analógica e a digital, mostrando as estruturas reais e as artificiais, podendo ser um formato a ser levado para diferentes cidades em uma peça expositiva que envolve a performance e a sua atualização. Na prática, porém, do que tenho feito até agora, o caminho me leva ao gabinete de curiosidades, que reuniria as experimentações e exporia paralelos imagéticos entre as estruturas - abordaria também o público dos curiosos e a nova geração que não tem mais contato com os processos gráficos e imagéticos proporcionados pelo uso da projeção analógica. Porém o que tem mais me instigado até o momento é a criação de uma narrativa. Questiono o formato padrão de criação de peças audiovisual. A linearidade do processo de geração de narrativa, roteiro, decupagem, storyboard, planejamento e finalmente a produção, tudo dentro de seu próprio tempo e com divisões muito claras nunca me pareceu fluido o suficiente para lidar com o vai e vém do processo criativo. Poder explorar a narrativa com diferentes construções através do tempo, de forma a trilhar o mesmo caminho que a água escoando por um terreno e criando possibilidades é para mim um desafio que dentro do “organizar é tornar orgânico” encontra também seu espaço de exploração.
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PRODUÇÃO Criar uma peça audiovisual que fosse uma descoberta constante seria o desafio dessa etapa do projeto. Por “descoberta constante” entende-se aqui que o processo de escolhas seja aberto e de via de mão dupla para que não limite outros desdobramentos. A primeira etapa foi fazer um compilado de todas as imagens que eu já havia captado e imagens que eu ainda gostaria de captar. Desenhei cada cena que gostaria de captar e cada cena já captada e montei assim um primeiro storyboard. Preferi olhar para ele como um processo em aberto, sem que as cenas estivessem em real sequência. Não necessariamente a cena que eu havia colocado primeiro seria a primeira cena e os cortes entre elas também não estavam definidos. Com ele pude ver que existia uma linha de pensamento entre as cenas: a intervenção sobre o meio natural, a descoberta das estruturas, a contraposição da imagem orgânica a imagem da cidade, o lado lúdico e a busca por personagens, a transformação causada pelo diálogo entre o urbano e o orgânico.
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Porém esse storyboard me mostrou também como a linha narrativa estava engessada pela linearidade temporal do meu processo. Não necessariamente o vídeo deveria seguir as etapas de exploração que eu desenvolvi no projeto e sim transpassar ao leitor a visão de exploração do natural. O objetivo era que o espectador saísse da sessão com o olhar mais aguçado para o verde que o cerca no meio urbano. Percebi que precisava sair um pouco de mim mesma, expandir para novos olhares e busca ajuda de outras pessoas apaixonadas por narrativas. As pessoas escolhidas foram: João Bonelli, João Alegria, Eliane Garcia, Claudia Bolshaw, Marcos Magalhães, - que acompanham meu projeto como (co) orientadores e tinham esse olhar aguçado para a construção audiovisual Letícia Leão, Fábio Nogueira, Nickolas Borba, - amigos que acompanham meu projeto do início e também trabalham com construção de vídeo - Carolina Secco e Antonio Teicher - amigos que tinham tido pouco ou nenhum contato com a conceituação do projeto, mas que também estão ligados ao universo cinematográfico.
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_1ª captação captação _1ª
Viajamos para Lumiar para o estúdio do fotógrafo Francisco Moreira Costa para fazer a primeira captação das imagens restantes do storyboard. Nesse momento nos direcionamos a imagens mais figurativas e lúdicas, que não haviam sido bem exploradas durante as experimentações. Fizemos imagens de plantas baleias e plantas pássaros, transformando a planta em não apenas material construtivo (como é o caso dos plantoprédios) mas também em ser vivo. Nessa filmagem pude contar com a ajuda de Marina Bartlewski que operou a câmera e produziu o encontro, Jennifer Moser que ajudou com a cenografia e escolha dos materiais, Francisco Moreira Costa que supervisionou e ajudou com os equipamentos do estúdio e Franco Salvoni e André Fontes que fizeram a iluminação e captaram as imagens.
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CRONOGRAMA
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CONCLUSÃO Organizar é tornar orgânico. Lembro que em uma determinada etapa de indefinição desse processo (ou melhor, em uma das indeterminadas etapas desse projeto, pois o desconhecido o envolveu em quase todo o seu percurso), estava encurralada dentro da minha caixa, tentando olhar em uma bola de cristal quadrada o que viria a ser o produto final, para definilo e seguir caminho. Nesse momento conversei com a Eliane (Garcia), e lhe mostrei alguns projetos que haviam me encantado. Dentre eles estava o UCC Organism (apresentado entre ‘‘referências de arte e tecnologia‘‘), que era uma animação baseada em programação sobre o espaço de uma escola na qual os personagens atuantes tinham sua imagem traduzida para se assemelhar a uma célula. Tudo era mapeado em tempo real e as locomoções das pessoas eram rastreadas para a criação dessa animação que evidenciava a organicidade de uma escola. Eliane me perguntou se eu buscava fazer algo parecido, já que o resultado era extremamente orgânico e eu poderia atingir vários aspectos a serem ressaltados do meu projeto se utilizasse a programação para transcrever os diferentes ambientes urbano e orgânico. Porém percebi que se eu partisse para o código para conseguir um resultado orgânico, não estaria sendo sincera comigo mesma. Lucas Gebara, que também estava na conversa, me contestou apontando as mínimas escolhas na construção orgânica que indicam caminhos entre sim e não, se aproximando assim da linguagem computacional. Refleti e percebi que se o meu processo de produção fosse baseado na criação de um código para criação de imagens, o meu processo não seria orgânico, pois eu estaria indo contra a natureza instintiva de criação de imagens e não estaria sendo sincera com a minha própria vontade de exploração do natural. Foi durante essa conversa que o quadrado de cristal criou mais arestas e eu pude entender que não adiantava programar a natureza. E não adiantava programar a minha natureza e nem o meu projeto, que assim seria o meu
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CONCLUSÃO
processo de trabalho e que aos poucos eu iria encontrar os “sims” e os “nãos” e iria se mostrar orgânico. Por sorte tive muito apoio, como foi o caso desse momento no qual Eliane me ajudou a entender que eu preciso apontar os caminhos e ser transparente o suficiente para deixar que outros também os vislumbrem, para depois entender e montar meu quebra-cabeças de peças imprevisíveis. E assim tenho sido apoiada, pelo meu orientador, Bonelli que defende a prática reflexiva e que tem me dado muito incentivo nesse processo do fazer e descobrir; pelo meu tutor João Alegria que como eu, gosta de falar no campo das ideias e me tranquiliza com longas frases reflexivas mas que também é inquietado de vez em quando com a nebulosidade do vasto campo; e acompanhada pelo Nickolas que vai descobrindo comigo e vou descobrindo com ele. Estou contando essa historinha para falar a respeito do meu processo, que pode muitas vezes gerar estranhamento, incompreensão, ou até mesmo questionamentos em relação a sua validação no campo. O processo do fazer sem um planejamento, sem saber ao certo o que se quer no final - apenas o que se busca no momento, muitas vezes não encontra seu espaço no campo do design. Portanto, algo que não seria questionado no campo da arte, que é a investigação e a experienciação durante a experimentação, pode vir a encontrar suas barreiras no design. Acredito que o co_organi esteja no limite investigativo da arte e do design, nessa fronteira subjetiva do processo pessoal que aborda, porém, questões complexas de construção da sociedade e voltado para a reflexão de mais atuantes. Espero que ele gere contribuições para ambos os campos, que na minha visão são extremamente integrados e deveriam ser melhor explorados como processos de criação. Vejo como futuros desdobramentos a possibilidade de um diálogo fluido e tenho como inquietação o questionamento sobre as etapas que um projeto de design deve abordar. Muitas vezes acabamos fazendo malabares para nos encaixar nos moldes, e existem moldes não replicáveis e que não encontram seu espaço em qualquer processo criativo. O manual de produção é um exemplo desses moldes projetuais que não se aplicam a qualquer estrutura. Por ser um projeto que vai contra a corrente, encontrei muitas dificuldades no que diz respeito a essas etapas prémoldadas de entregas. No meu caso, não faz sentido a entrega de um manual 95
CONCLUSÃO
de produção de algo que ainda não defini o que será, afinal, como posso explicar como fazer algo a alguém se ainda não sei o seu formato? Por isso optei por fazer um recorte do processo e construir um manual sobre a etapa que gerei mais contribuição ao meio até agora, no caso, a animação direta sobre o suporte tridimensional e orgânico - que pouquíssimas pessoas exploraram como formato de criação visual. Apesar do meu projeto não ser um guia para as pessoas criarem seus próprios objetos de arte, temos uma grande contribuição para ser divulgada, e portanto o nosso “manual de produção” virou um guia para projetar e animar ambientes orgânicos, que podemos distribuir para quem quiser se aventurar nesse processo. Pretendo assim, construir e desconstruir, até encontrar um caminho de diálogo que seja compreendido e que não gere estranhamentos. Escoar como um rio que encontra e redesenha seu espaço. Acho que o processo de trabalho tem me mostrado muito isso e que os conceitos abordados no projeto acabam refletindo na construção do seu discurso.
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