Abismo: I

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC

Ilana Bárbara Caiafa de Falci

ABISMO: Um diálogo curatorial entre Design e Arte

São Paulo 2017



Ilana Bárbara Caiafa de Falci

ABISMO: Um diálogo curatorial entre Design e Arte

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário Senac - Santo Amaro, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Design com linha de formação específica em Design Gráfico Orientador Profº Dr. Eduardo Cardoso Braga

São Paulo 2017


Elaborada pelo sistema de geração automática de ficha catalográfica do Centro Universitário Senac São Paulo com dados fornecidos pelo autor(a). Falci, Ilana Bárbara Caiafa de ABISMO: Um diálogo curatorial entre Design e Arte / Ilana Bárbara Caiafa de Falci - São Paulo (SP), 2017. 96 f.: il. color. Orientador(a): Eduardo Cardoso Braga Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Design com linha de formação específica em Design Gráfico) - Centro Universitário Senac, São Paulo, 2017. 1. Transdisciplinar 2. Experimental 3. Visceral 4. Design e Arte I. Braga, Eduardo Cardoso (Orient.) II. Título


Ilana Bárbara Caiafa de Falci ABISMO: Um diálogo curatorial entre Design e Arte

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário Senac - Santo Amaro, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Design com linha de formação específica em Design Gráfico Orientador Profº Dr. Eduardo Cardoso Braga

A banca examinadora dos Trabalhos de Conclusão, em sessão pública realizada em 23/06/2017 considerou a candidata:

1) Examinador(a):

2) Examinador(a):

3) Presidente: São Paulo 2017



Agradecimentos Essa foi uma das melhores coisas que já fiz na minha vida, mas ela jamais aconteceria se não tivesse ao meu lado os amigos e a família que tenho. Obrigada: À minha banca: Edu, por sempre acreditar em mim, por todos os toques, pela paciência, pela companhia nesse percurso. Ana Lúcia Reboledo pelas dicas e pelo carinho na primeira banca. Danillo por todo o cuidado, carinho, conversas, risadas e pensamentos. Vocês são especiais. À minha família. Mãe, você é a melhor! Pai, obrigada pela paciência e disponibilidade. Tio Júlio, sem você esse projeto seria inviável, obrigada por ser quem você é na minha vida. Mariana Lachner, minha artista escolhida, obrigada por topar esse um ano (e pouco) de TCC. Obrigada por realmente ter estado ao meu lado em cada segundo, por me segurar quando foi preciso, por abrir tantas portas suas pra mim. Eu amo você. Amora e Pedro, pelas tardes. Thay, Renata Nery, Tátila, Laura, Paddy, Igor pelas conversas. Gi e Nicole por todo o apoio Rô, Gabi, Muradas, Fêr, Julia, Ilza, Lou e Luna: se vocês não tivessem lido, criticado e metido o bedelho eu jamais chegaria aqui. Amanda e Laina por não me deixarem desistir e estarem comigo. A todos que vieram à exposição: muito obrigada! E aos meus amigos que não desistiram de mim mesmo quando eu parava nas festas pra escrever ou não parava de falar do TCC e que relevaram minha ausência nessa época. E Renata Marquez por me ensinar que quem constrói nosso caminho na academia (e na vida) somos nós, com a ajuda dos amigos que fazemos nele. Obrigada.



“...um abismo aberto no evento, abismando-o em si mesmo para que ele alcance o infinito. O artista, diz Smithson, é um abismado. É porque ele nos toca, pelo abismo aberto em nós, não tanto pelas veias abertas de Journiac ou a morcilha comida, como pela multiplicidade dos poros.” (CHIRON, 1997, p.15)



Resumo A ampla discussão sobre Design e Arte repercute de forma muito direta dentro do relacionamento estabelecido entre as áreas, afetando, assim, seus resultados. O elemento primordial deste projeto é, portanto, o estudo sobre tal relacionamento. Para que se possa compreendê-lo, estabeleceu-se um diálogo entre recortes da arte e do design, personificados em designer e artista. A partir desse diálogo e do conhecimento da transdisciplinaridade entre as áreas, pode-se trabalhar o entendimento dos potenciais do design em relação à arte. Este estudo compreendeu, discutiu e experimentou tal diálogo de forma tangível, resultando em uma exposição de arte e design.

Palavras Chave: Transdisciplinar, Relacionamento, Arte, Experimental, Visceral, Diálogo.



SUMÁRIO

I. Introdução teórica Introdução 15 Fundamentos teóricos 21 Projeto 33 II. Identidade visual Identidade visual 39 III. Convite Convite 47 IV. Exposição Exposição 49 Sobre a artista 67 Curadoria como imersão 73 V. Conclusão ou epílogo periférico Resultados da pesquisa 85 Conclusão e reflexão sobre a possibilidade do erro 87 Referências 89 Lista de imagens 93



INTRODUÇÃO



Objetivos A presente pesquisa tem como objetivo analisar e refletir sobre o relacionamento entre as áreas Design e Arte, compreendendo suas aproximações, intersecções e os conflitos inerentes a essa relação. Partindo desse estudo, propôs-se a montagem de uma exposição, que é resultante do diálogo e relacionamento entre design e arte e cuja viabilização foi feita pela designer Nina Falci e a artista Mariana Lachner. A pesquisa aponta, também, que se deve atentar de forma mais pungente à necessidade da transdisciplinaridade das duas áreas para que o próprio design possa se inserir de forma mais adequada na dimensão cultural contemporânea de uma sociedade complexa, que é de extensão transdisciplinar.

Justificativa A presente pesquisa se justifica em grau de importância e necessidade à medida em que se percebe a falta de importância da carga conceitual que se tem empregado dentro da maior parte dos projetos no design contemporâneo. Para que isso seja melhor trabalhado propôs-se, então, a emergência da não categorização ou polarização entre o que seria Arte – área que, na contemporaneidade, tem a possibilidade de se interligar muito mais intimamente ao conceito – e o Design, que, hoje, se atém à prática imediata de forma muito mais intrínseca. É importante perceber que a busca pela transdisciplinaridade e hibridismo entre as áreas, em detrimento da catalogação, criou tensões e algumas formas de conflitos, assim como diversas maneiras de convivência e proximidade que criam uma união visceral, quase passional, entre design e arte. Com essa convergência, abriram-se diversos caminhos que potencializaram o Design. Este estudo compreende a investigação desse relacionamento, enquanto alerta sobre a

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necessidade de que se aceite o erro como possibilidade de processo. Assim, fazendo com que se possa vislumbrar a importância da arte, da conceituação e da experimentação para o design na sociedade contemporânea, que se apresenta já de forma híbrida, concebendo em si a transdisciplinaridade em uma existência que interage diretamente com sua capacidade de transformar tudo em cultura simbólica.

Metodologia Primeiramente, foram pensadas as principais referências, sendo selecionados livros e artigos que abordam conceitos e definições dentro das áreas de design, como O Mundo Codificado, de Flusser; panoramas históricos de design e arte, como Arte Contemporânea: uma história concisa, de Michel Archer; entre outros textos que tratam mais especificamente de noções transdisciplinares e de hibridismo, como Hybridity in Cultural Globalization, de Marwan M. Kraidy, e tantos outros temas que se mostraram decisivos no desenvolvimento desse projeto. Juntamente com a leitura dos textos, foram documentados alguns dos processos metodológicos/criativos da artista escolhida para o projeto, Mariana Lachner, residente em Rolândia-PR – que, aqui, é vista também como uma espécie de personificação da Arte durante o projeto – assim como sua participação na montagem de duas exposições em Londrina-PR: Sua (ou como não morrer de amor), no SESC Cadeião, em julho de 2016; e já não sei mais por quais veias corre meu sangue, no W.C. Arte. Em ambas, a relação não se delimitou apenas ao âmbito documental, mas também participante, já que houve interferências e participações diretas aos processos da artista – desde ter pedaços de cartas da designer Nina Falci à artista em questão transformadas em obra, quanto também na pintura da obra, por exemplo. Durante os estudos, procurou-se visitar diversas exposições e museus, como a 32ª Bienal de São Paulo (Incerteza Viva, em SP), DAP (PR), Palácio das Artes (MG) e INHOTIM (MG), um dos maiores museus de arte contemporânea do mundo, dentre outros. Além de participar de visitas guiadas, foram importantes, durante o processo de pesquisa, conversas


estabelecidas, ainda que informalmente, com funcionários dessas mostras, museus, galerias etc. Sob uma perspectiva exploratória e experimental, deve-se considerar os diálogos que se sucederam durante o projeto como uma das metodologias empregadas no trabalho. Durante esse período, também foram necessárias entrevistas com a artista para uma melhor compreensão de seu trabalho e alguns esclarecimentos de seu entendimento sobre arte. As viagens feitas para Rolândia, Londrina e Belo Horizonte também devem ser encaradas como parte do processo de estudo, já que elas compreendem, em si, relacionamento, distâncias e possibilidades de experienciar essas interações. O texto da pesquisa, sua organização e divisão, claramente se apresentam de forma mais fluida, considerando a natureza orgânica do projeto e integrando a pertinência da não catalogação do texto, tornando-o também mais híbrido. Com isso, encontram-se poucos tópicos e subtópicos, por exemplo, e seu resultado está apresentado em diversos formatos que não estabelecem entre eles uma lógica hierárquica de prioridade preestabelecida pela autora e designer do trabalho. A necessidade de organicidade se faz constante, já que o projeto busca experimentar em si todas as potencialidades propostas e que se manifestaram ao longo de seus processos, igualmente espontâneos, e essa metodologia é refletida no texto e em sua organização. Além disso, o presente trabalho compreende a transdisciplinaridade como metodologia, formando intersecções de diálogos durante toda sua extensão e retirando, assim, a imposição de que existam divisões muito claras dentro do projeto.

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FUNDAMENTOS TEÓRICOS



Relacionamento, erro e transdisciplinaridade Compreender o relacionamento que se configura entre arte e design, permitindo que ele seja visto como passional e visceral – como realmente pode sê-lo – é fundamental para que se consiga abrir caminhos para novos rumos que possam potencializar os resultados dentro do design. Como qualquer relacionamento passional, esse também se mostra visceral e fala de amor: possibilita aos envolvidos que não haja, em si, uma finalidade de conclusão predefinida; permite que seu resultado surja e se faça de forma espontânea, aumentando as alternativas de caminhos para ambas as áreas. Já de início, faz-se primordial apresentar o conceito aqui aplicado para a palavra “visceral” que, além de seu significado anatômico (vísceras), deve ser assimilado primordialmente em sua definição figurada, como aquilo “que está muito enraizado, entranhado no íntimo” (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). Assim, pode-se articular melhor a origem e possíveis conotações das referências às quais se remete quando se fala da necessidade de perceber o relacionamento entre arte e design como algo visceral – já que essa relação surge e se nutre daquilo que está entranhado no íntimo das duas áreas. Apenas com essas definições preestabelecidas é que se pode seguir explanando a proposta deste projeto. Para que se reflita melhor sobre esse relacionamento, que já se mostra presente desde o início do design – em todos seus possíveis e prováveis inícios – foram repensados alguns pontos históricos, embora o parâmetro utilizado no presente trabalho seja o panorama sobre a contemporaneidade, pois é nela que está contido nosso lugar-de-ser. A formação dentro do design, hoje, tem se tornado, muitas vezes, mais científica e mais próxima da técnica que da arte; talvez, presa a estritos cronogramas e metodologias sugeridos no modernismo. Com isso, o design tem, por vezes, se distanciado da possibilidade de se entregar aos diversos rumos que a paixão – aqui entendida como a liberdade de ser passional, como algo que entusiasma ou cria desejo – pode oferecer a ele e, junto desse distanciamento, torna-se cada vez mais notório o medo da possibilidade do erro.

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Embora existam alguns caminhos, na prática do design, que se mostram abertos à experimentação e à compreensão de emoções, a formação em design o tem tratado como uma ciência exata, onde teoricamente existiria uma definição muito nítida daquilo que se pode considerar “erro” e daquilo que apresenta-se como “acerto”, o que, em momento algum, concretiza-se como verdade. Admitir o encontro com a arte foi como contemplar que se pode criar novas visões acerca do que é (e pode ser) a cultura humana e do ato de se fazer design. A disposição cultural moderna propiciou uma separação brusca entre arte e técnica e o design surge como uma ponte para religar as áreas, já que seria insustentavelmente desastrosa essa separação. A palavra “design” tem seu significado entre arte e técnica (FLUSSER, 2013). Por ter forte ligação histórica com o modernismo, o design parece utilizar-se dos preceitos defendidos nessa época para construir-se ainda hoje: a noção de que deve haver uma prática fechada em determinadas etapas, configurando uma forma metodológica imutável que sempre resultaria em determinado produto final esperado. Uma das diretrizes que a arte toma na contemporaneidade, no entanto, é conceitual. Ela transpassa a noção de técnica e produto e interliga-se mais diretamente àquilo que diz respeito ao conteúdo não estético. Com a chegada de Marcel Duchamp às artes visuais, põe-se em destaque as novas noções de arte que se desdobram até hoje dentro de arte contemporânea. A partir desse momento, observa-se uma quebra com a arte até então produzida, e o que passa a se fazer essencial nela é, então, o conceito. Na década de 1960, surge a Arte Conceitual, movimento muito próximo ao que propõe as obras de Duchamp. Sol Lewitt (apud ARCHER, 2012, p70) escreve que na arte conceitual “a idéia ou conceito é o aspecto mais importante da obra”. Ela rompe com as categorias das artes plásticas como, por exemplo, a pintura, escultura ou fotografia para que surjam formas híbridas entre elas, ou, ainda, novas expressões da arte, como instalações, performances, body art, dentre outras possibilidades. O presente estudo dialoga com essa vertente da arte contemporânea.


Figura 1

Considera-se que, embora grande parte do design atual esteja ainda muito enraizada em definições modernistas, pode-se notar o surgimento de novos designers e artistas, como o brasileiro Vitor Cesar e o austríaco Stefan Sagmeister, que buscam formar as bases de suas produções dentro de um novo conceito: um design contemporâneo – que, claramente, dialoga de forma direta com a arte contemporânea. Reconhecer que existem pontos híbridos entre design e arte nos faz compreender que não há apenas uma interdisciplinaridade entre elas, mas uma transdisciplinaridade. A transdisciplinaridade propõe uma falta de limites entre as disciplinas: o que é em uma pode ser na outra – uma está entre, além e através da outra, gerando novos campos disciplinares ou formas transformadas das disciplinas envolvidas. Ao empregar-se, aqui, o conceito do transdisciplinar e de hibridismo, conclui-se que não se deve catalogar os movimentos processuais e de resultado de cada área a fim de demarcar estritamente o que pertence a cada uma. Portanto,ao perceber a ausência dessa demarcação, apreende-se a importância que as áreas têm uma sobre a outra e como suas intersecções são vivas provas de resultados potencialmente mais interessantes quando não há categorização. Um exemplo de hibridismo e resultado transdisciplinar foi o banco Stella (Figura 1), dos irmãos Achille Castiglioni e Pier Giacomo em 1957, citado na questão 12 da prova de Design do ENADE 2012, com o seguinte texto: “Descendente do famoso ready-made Roda de Bicicleta (1913), o banco basculante Stella foi apresentado na mostra na Villa

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Olmo (1957) como resposta a uma exigência comportamental e espacial precisa. Era um assento pensado para caber no corredor, junto ao telefone (sempre fixo na parede, nos anos 1950), para que a pessoa não precisasse necessariamente permanecer em pé ao conversar pelo aparelho. VERCELLONI, M. Achille e Pier Giacomo Castiglione. Tradução: Marcos Matfei.Folha de S. Paulo, Coleção Folha Grandes Designers, v. 6, 2012 (adaptado).”. A Roda de Bicicleta, de Duchamp, foi elaborada em 1913. Mais um momento exemplar é a Bauhaus, que foi chamada de “infância do design” por E. Lupton e J. A. Miller em ABC da Bauhaus. A Bauhaus e a teoria do design demonstram o que se defende no presente trabalho: trata-se de uma época híbrida, quando uma escola de artes foi fundada e o que era ensinado se aproximava muito mais com que se entende hoje por design, mas sem perder-se das vias que também a classificavam como escola de arte. Dentro da Bauhaus, Gropius buscou solucionar problemas de design em conjunto com artistas, já que a industrialização também abriu esse espaço na sociedade da época. Dessa forma, pode-se dizer que havia ali um conjunto entre design e arte que conversava e se expandia de forma muito natural. O conceito de relacionar-se de maneira visceral – com aquilo que se encontra no âmago, íntimo, intrínseco – é muito próximo à ideia de ser transdisciplinar: aquilo que há nas vísceras da arte também está nas vísceras do design. Na Bauhaus, por exemplo, ainda não haviam sido estabelecidos quaisquer parâmetros de categorização daquilo que seguiria sendo tido como arte e o que seria visto como design ou arquitetura. Todas as intersecções estavam ainda muito próximas durante o desenvolvimento de projetos e na busca por criar objetos artísticos que se assemelhassem muito ao que o design acabou tomando para si. Estando ambas as áreas muito relacionadas, abriu-se a possibilidade para um dos maiores movimentos históricos dentro do design. A arte estava completamente presente e a experimentação ocupava um espaço de destaque. Percebe-se, então, que o potencial do design é sempre expandido pelo diálogo, convívio e relacionamento que estabelece com a arte. Refletindo o que já foi colocado, e pensando


no recorte da Arte Conceitual, é reconhecida a importância que essa diretriz artística pode apresentar para o design atualmente: a capacidade de viabilizar em si maiores estudos conceituais sem a necessidade de se comprometer a alcançar um ponto específico predeterminado por alguma organização ou metodologia já programada. A possibilidade de erro deve ser vista como uma aceitação desse hibridismo existente entre design e arte, e como algo inerente a qualquer relacionamento. Para se trabalhar sua importância houve, então, uma definição de conceito. Recorreu-se à definição mais orgânica dada pelo Dicionário Informal, que determinando como erro: “uma consequência de uma ação inesperada, sem planejamento, conhecimento. Pode ser uma falha humana ou por equipamento”. Essa é uma das seis formas mais aceitas para a definição de erro. Cavalari, em um artigo sobre linguística, cita Allwright & Bailey (1991):

“Definir erro não é uma tarefa simples. Porém, uma definição típica de erro sempre inclui alguma referência à produção de uma forma lingüística que desvia da forma correta (p.84). A questão que se coloca a partir desse tipo de definição é: quais os parâmetros usados como ‘forma correta’?”. (ALLWRIGHT & BAILEY,1996 apud CAVALARI, 2008, p.52)

No texto “Da prática à teoria: três instâncias metodológicas sobre a pesquisa em Poéticas Visuais”, a autora escreve sobre arte e, refletindo sobre pensamentos de Klee, afirma: “O erro no processo de instauração da obra não é engano: é aproximação. Errar é a dissipação das possibilidades da obra, apontando caminhos para aquela, ou talvez, para outras que virão.” (REY, 1996, p.84). A partir dos conceitos apresentados, pode-se refletir sobre a seguinte constatação: ao abrir lugar para a busca do erro, nega-se que exista algum, já que ele não pode existir quando o propósito é experimentar sem ter lugar certo e concreto para chegar.

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Ao abrir a possibilidade do imprevisto no design, encontra-se espaço para que ele se relacionasse livremente com a arte, aqui tratada também como conceito. “O design pode se tornar mais aberto ao admitir e incorporar em seus projetos o imprevisto e o acaso como elementos transformadores e ampliadores de possibilidades.” (FERREIRA, 2011, p19). O design deve ser levado à transdisciplinaridade e, dessa forma, desenvolver seu potencial de forma visceral e intrínseca a partir da troca constante e espontânea da integração, síntese e metamorfose com a arte.

Processos Para que se pudesse vislumbrar e avaliar melhor as proximidades possíveis dentro do relacionamento abordado neste trabalho, foram analisados os processos pelos quais designers e artistas passam na contemporaneidade. A escolha desse meio para analisar as áreas e suas relações se justifica a partir da compreensão da importância dos processos criativos, tanto na arte, quanto no design. Harold Szeemann, seguindo a tradição duchampiana e de teóricos como Lucy Lippard e Rosalind Krauss, defende a arte como processo:

“Na página de rosto do catálogo Szeemann indicou o mote de sua proposta curatorial: ‘Live in your head’. Essa exposição representou um marco na apresentação da arte como processo, isto é, na negação da arte objetual e na utilização de materiais ‘precários’ e não convencionais. (...) É o processo criativo do artista, e não seu resultado, que se coloca em primeiro plano. Conceitos, processos e informações são as expressões dessa arte que se pauta na vivência.” (FREIRE, 2006, p22).


Já o processo dentro do design é, também, tão importante quanto, talvez não da mesma forma que na arte contemporânea conceitual, já que o design está mais entrelaçado a necessidades externas de consumo. Mas, certamente são seus processos que conduzem o designer ao produto final de seu projeto. Os processos criativos de cada área foram aqui encarados como metodologia, por sua vez entendida como sequência de procedimentos temporais e conscientes que podem englobar todo e qualquer tipo de estudo, análise e outras ferramentas para compreensão e desenvolvimento do que se pretende realizar. Dessa forma, tanto os processos mais tradicionais do design quanto a poética dentro do campo das artes estão englobados ao que se define aqui como metodologia, embora o presente trabalho se atenha a configurações metodológicas mais abertas, como a própria poética ou o Duplo Diamante (Design Thinking). Ao se assimilar que diversas formas de processos podem ser vistas como metodologias, pode-se considerar acompanhar as intersecções entre tais procedimentos metodológicos da arte e do design, observando diálogos entre artistas e designers. Perceber as demandas, com suas particularidades de onde surgiram e como vieram até o designer ou artista, mostrou-se primordial para a compreensão do relacionamento entre as áreas. Durante a pesquisa percebeu-se, por exemplo, que o modo processual de conhecimento de materiais, substratos e suportes dentro do campo das artes, ainda que dialogue com o design, é essencialmente diferente: dentro dela existe uma necessidade de se expressar; enquanto, no design, é importante expressar conceitos delimitados por terceiros. É determinante compreender que a pesquisa sobre processos criativos deste projeto teve como norteadoras as formas metodológicas encontradas nos trabalhos de design de Nina Falci e nos trabalhos de arte de Mariana Lachner. Outros designers e artistas complementaram a pesquisa, mas, para que ela pudesse se concretizar em um resultado expográfico, houve um diálogo entre as profissionais mencionadas, dada, assim, a importância de ambas para o desenvolvimento e resultado deste estudo.

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Durante a elaboração e montagem da exposição, foram vivenciados os modos processuais de cada área isolada e em sua interação com a outra. A identidade visual e o convite foram criados partindo de experimentações muito próximas da arte, já que os próprios substratos foram escolhidos baseando-se na vivência pessoal com aquele material e amplificando-a a nível interpessoal. As cores provém de experimentações físicas com as diferentes tintas disponíveis nos ateliês de gravura (SENAC e UEL) utilizados no desenvolvimento do trabalho. As formas de gravar as matrizes utilizadas para o resultado final advém de experimentações de diferentes tipos de ponta-seca não usuais (como prego, agulha, lâmina de estilete). Dessa forma, abre-se um processo misto e orgânico de experimentação para o design com a arte. Pode-se observar o pensamento do design atingindo o projeto em diversos níveis, assim como deve ser observado o trabalho, também, como, até certo ponto, artístico: em seu percurso pelos processos disponíveis, ele tornou-se híbrido. Figura 2 - Lixando chapa

Figura 3 - Entintando chapa


Figura 4 - Ideias para o convite

Figura 8 - Processo do convite

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Figura 5 - Sala de gravura (UEL)

Figura 6 - Chapas no รกcido

Figura 7 - Misturando tinta

Figura 9 - Tinta



PROJETO


Figura 10 - Plantas das casas: Nina Falci e Mariana Lachner

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Requisitos para o projeto De acordo com o estudo realizado neste projeto, percebeu-se a existência do relacionamento tangível entre design e arte, e reconheceu-se, durante sua vivência, a necessidade da busca do design pela arte e da aceitação da possibilidade do erro. Partindo desse ponto, admitiu-se a importância de seguir uma metodologia de caráter experimental e exploratório para o desenvolvimento da parte prática do projeto: o desenvolvimento da exposição em todos seus desdobramentos. Tal processo metodológico não se delimitou em etapas definidas previamente – justamente por seu caráter experimental – mas, inicialmente, foram traçados alguns pontos de suma importância durante o desenvolvimento do trabalho, como: um estudo mais detalhado sobre colecionismo e sua exploração por meio de investigações práticas para desenvolver o segundo desdobramento da exposição; análise de relacionamentos e como/quais obras poderiam fazer parte da proposta; desenvolvimento em conjunto da exposição; investigação sobre resultados dos processos percorridos para criação de identidade visual da exposição em conjunto com a artista. Os locais escolhidos foram as casas das profissionais e, para que se pensasse na expografia, foram analisadas suas plantas, como mostra a figura 10 (casa da designer Nina Falci, em São Paulo-SP e casa da artista Mariana Lachner, em Rolândia-PR). Nelas, há um esboço do que se pretendia realizar na exposição preliminarmente, marcado com um colorido de vermelho. A não necessidade de resultado preestabelecido ou esperado abriu espaço para que houvesse plena e constante experimentação e aumento dos potenciais que o design pode alcançar com tal exercício. Ou seja: o requisito básico para que o projeto se concretizasse era a liberdade para a vivência e a imersão de caráter experimental que o trabalho traz, em si, quando aborda o relacionamento entre as áreas. Além, é claro, da disponibilidade e abertura das profissionais para com o projeto, onde ambas cedem até mesmo suas próprias casas para realizá-lo.

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Figura 11 - Painel semântico

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Estudos para Concepção Esse painel representa alguns dos conceitos para os quais a pesquisa inicialmente apontou e que se mantiveram até o final. A presença do vermelho, representando a própria visceralidade do relacionamento; a pele – e as marcas deixadas nela – dialogam diretamente com a necessidade de vivência e experiência que o estudo alerta; a linha, a costura, remete às ligações (visíveis ou não, palpáveis ou não) que as áreas têm entre si. Todas as imagens são autorais e fazem parte diretamente dos processos já experienciados na elaboração da pesquisa. Algumas das imagens apresentam, também, trabalhos da artista escolhida, Mariana Lachner – demonstrando, visualmente, a proximidade entre eles e a proposta do trabalho. É a partir desses conceitos que se dá o desenvolvimento visual e tátil de todo o trabalho.

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