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FUGAS | Público | Sábado 10 Dezembro 2016

Os anfitriões do Douro

Era uma vez na Arménia FÁBIO AUGUSTO ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 9734 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE

Os 100 países de Rui Barbosa Batista


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O queijo São Jorge DOP é uma obra-prima mas um dos melhores é novinho, só com três ou quatro meses RUI SOARES

É

um erro dizer queijo da ilha. O arquipélago dos Açores tem muitas ilhas e em todas elas, com a possível excepção da ilha de Santa Maria, se faz queijo. Aliás, até em Santa Maria, terra de belos morangos e melões, há notícia que vai haver produção de queijo de ovelha e de mistura de vaca com ovelha. Se alguém lhe falar em queijo da ilha, pergunte qual ilha. Há queijo da ilha do Corvo, há queijo da ilha do Pico, há queijo da ilha Terceira, há queijo da ilha Graciosa, há queijo da ilha de São Miguel, há queijo da ilha do Faial, há queijo da ilha das Flores e, acima de tudo, há queijo da ilha de São Jorge. Todos os queijos dos Açores que provei (e já provei dezenas) são bons. Mas o melhor queijo é feito a partir de leite cru, tanto nos Açores como no resto do mundo. Também há bons queijos feitos com leite pasteurizado ou com leite filtrado, mas os grandes queijos são feitos com leite cru. É preciso muita sabedoria e muito cuidado para fazer queijo com leite cru. O queijo São Jorge DOP só leva leite cru, coalho e sal. Para fixar o envelhecimento, é revestido por uma cera que sela o queijo, impedindo a fermentação de continuar. A DOP (denominação de origem protegida), já agora, é a garantia que o queijo vem de onde diz vir. E não é quem diz ser DOP que é DOP. Existe uma fiscalização independente. Ando apaixonado pelo queijo São Jorge DOP com 3 meses de cura. Comprei-o em quartos, cada um com cerca de 2,5 quilos, embalados em vácuo. O meu erro até aqui era comprar São Jorge DOP mais

É preciso muita sabedoria e muito cuidado para fazer queijo com leite cru. O queijo São Jorge DOP só leva leite cru, coalho e sal. Para fixar o envelhecimento, é revestido por uma cera que sela o queijo, impedindo a fermentação de continuar

velho (com 12 e 24 meses de cura) em embalagens mais pequenas, de 400 gramas. Embora o queijo seja cortado e embalado pelo produtor — a Uniqueijo — a fatia pequena não é nem de longe tão deliciosa como um cunho grande, de quarto de queijo. O queijo mais velho é irresistível mas é tão picante que sabe muito bem mas depois não se aguenta. Estive três anos sem comer queijo São Jorge por ter ficado com a boca cheia de aftas depois de despachar um São Jorge de 24 meses. O queijo de três meses é suficientemente picante, mas pode comer-se de manhã até à noite. Não é cremoso, antes agradavelmente seco, mas não

tem a austeridade dos queijos mais envelhecidos. Assim cheguei a uma conclusão que se tem repetido ao longo da minha vida: dentro do que é muito bom, o mais barato é às vezes o melhor. O queijo de três meses é obviamente mais barato do que os mais velhos e comprar um quarto de queijo inteiro, pago por quilo, sai mais barato do que se o comprasse em embalagens pequenas. É verdade que o queijo São Jorge deve ser servido em cubos mas hão-de desculpar uma heresia: também é muito bom rapar fatias com uma plaina ou fatiadora de queijo. Com fatias pequenas não dá: é preciso

uma fatia que resista às nossas passagens com a lâmina. Comprei, comparei, provei, comi e continuo a comer dois quartos de São Jorge DOP de três meses. Um é da marca Lourais e o outro que só se chama São Jorge tem indicações feitas em tinta verde comestível. A Maria João, que ainda é mais queijeira do que eu, prefere o São Jorge mas gosta muito do Lourais. Eu é ao contrário. O Lourais é capaz de ser mais seco e menos picante. Ambos são formidáveis, com um sabor único. Merecem um lugar de honra ao lado do Beaufort, do Comté (o melhor tem o nome de Cyclamen), do Gruyère, do Parmesão e dos

outros grandes queijos secos de leite cru de vaca. Num quarto de São Jorge há duas superfícies expostas de queijo. Estas, claro está, continuam a fermentar e a tornarem-se interessantes. Haverá lugar e tempo para fazer experiências de fermentações posteriores, raspando e virando os queijos e colocando-os sobre ripas ventiladas para poderem curar. Mas, por enquanto, são tão bons os queijos que tentamos guardá-los tal qual estão, embrulhando-os muito cuidadosamente em celofane. Digo isto calmamente como se não estivessem já à beira de desaparecerem…

FICHA TÉCNICA Direcção David Dinis Edição Sandra Silva Costa Edição fotográfica Daniel Rocha e Manuel Roberto Design Mark Porter, Simon Esterson Directora de Arte Sónia Matos Designers Daniela Graça, Joana Lima e José Soares Infografia Cátia Mendonça, Célia Rodrigues, Joaquim Guerreiro e José Alves Secretariado Lucinda Vasconcelos Fugas Praça Coronel Pacheco, 2, 4050-453 Porto. Tel.: 226151000. E-mail: fugas@pu bli co.pt . fugas.publico.pt Fugas n.º 863

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Capa 15 anos de património UNESCO

O Douro por quem o ama Sobre o Alto Douro Vinhateiro já quase tudo se disse e se escreveu, Fugas incluída. A quatro dias de se celebrarem 15 anos desde a classificação da região como Património da Humanidade pela UNESCO, viramos os holofotes para quem se deixou enamorar por este “poema geológico”, como lhe chamou Miguel Torga, e aqui trabalha diariamente para desenvolver a região. Mara Gonçalves (texto) e Fábio Augusto ( fotos)

Abílio Tavares da Silva Quinta Foz Torto Foi no início dos anos de 1980 que Abílio Tavares da Silva e a mulher visitaram o Douro pela primeira vez. “Ainda nem devíamos ter casado”, recorda. Chegaram numa daquelas tardes quentes de Verão, acima dos 35º C, e o proprietário da unidade de turismo de habitação em Mesão Frio onde ficaram alojados convidou-os a largarem ali as malas e a saltarem de imediato para a piscina sobre a paisagem. “Quando saímos estava uma bolinha acabada de fazer e uns copos de vinho branco sobre a mesa.” “Foi uma epifania na minha vida”, ri-se. A verdade é que estava semeado o feitiço da região. A revelação final chegaria depois de um longo namoro com as encostas de vinhedos sobre o rio. Um dia, já na alvorada do milénio, lançou o desafio à família: “Porque é que não vamos viver para o Douro?” Naquela altura já só geria uma das empresas que tinha desenvolvido na área da informática e de software para call centers, a Plurimarketing. Vendeu-a à Teleperformance, onde ainda trabalhou três ou quatro anos durante o período de transição, mas a decisão estava tomada. Iam trocar Lisboa pelo Douro. “Ainda levou

uns cinco anos à procura” da quinta onde agora nos encontramos, mas nunca teria imaginado “um sítio mais bonito”. O rio Torto contorce-se aos nossos pés antes de cruzar a pequena ponte de arco redondo e desaparecer no caudal lânguido do Douro, hoje da cor das nuvens. Em redor, retalhos de vinhedos amarelos, verdes, laranjas, vermelhos, muitos castanhos, alguns já despidos pela poda que por estes dias ocupa os poucos trabalhadores que se aquecem, aqui e ali, em focos de fumaça pelos montes. “Se estivessem estado cá há quinze

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dias”, ouviremos de cada coração duriense. Nos montes em frente, alguns casebres e quintas, um cemitério, um letreiro da Sandeman entre as vinhas da Quinta do Seixo e, no cume, Valença do Douro. “Há pouco tempo apareceume aqui um casal de arquitectos norte-americanos que viviam em Hollywood e a senhora, quando chegou cá acima, começou a chorar. Percebe? É difícil um tipo ficar indiferente a esta paisagem. É do domínio do transcendente.” Em 1999, Abílio começou a tirar a licenciatura de Enologia na Universi-

dade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), a única a leccionar aquele curso no país, ainda sem saber que daí a 14 anos estaria a lançar os seus dois primeiros vinhos no mercado (embora feitos pela enóloga Sandra Tavares da Silva): um tinto colheita de 2010 e um reserva branco de 2011. “Era só curiosidade intelectual”, conta. “Na faculdade só se bebe cerveja, depois começa-se a ir aos restaurantes, a beber e a apreciar vinho, comecei a fazer uns cursos pequenos para aprender mais até que cheguei a uma altura em que decidi estudar isto a sério.”

“Usava as minhas férias para vir aqui às aulas e aos laboratórios mas era um prazer enorme”, recorda Abílio, com o olhar perdido nas memórias das viagens e um sorriso permanente. “Só tinha dois discos no carro, que eram a viagem: Felt Mountain, de Goldfrapp, e o Buena Vista Social Club.” !Óigame compay! No deje camino por coger la vereda / !Óigame compay! No deje camino por coger la vereda” “Aquilo já me punha em modo para vir para Vila Real.” Ainda não existiam a A44 nem a A21 — era necessário percorrer a A1 até ao Porto


e continuar pelas curvas do IP4. “Vinha sempre já a imaginar que temperatura fazia no alto de Espinho. Às vezes, em Lisboa, ainda faziam uns 20ºC e ali só estavam seis ou sete, já havia lareiras acesas e uma sopinha de couve troncha e feijão à minha espera”, ri-se. “O que me custava era fazer a viagem para baixo.” A paixão pela agricultura foi a segunda (re)descoberta que a região lhe deu. “Vim para cá por causa do vinho, mas depois comecei a perceber que o Douro tem muita história, cultura, tradição.” E que toda a natureza que vinga neste lugar inóspi-

to “tem uma expressão e uma força que extravasa o vinho”. Aqui comeu os melhores morangos, figos, tomates coração-de-boi (que não descansou enquanto não os promoveu num encontro-concurso-prova em Agosto com outros produtores da região). Na horta, vai caminhando de um lado para o outro enquanto arranca folhas para nos dar a cheirar. Hortelã, alecrim, louro, rosmaninho — até nos deixar nas mãos um intenso pot-pourri natural. “O vinho aqui é bom porque a fruta é boa, como as ervas são particularmente saborosas. E isso,

na minha opinião, tem sido muito desprezado, porque o Douro é muito mais do que o vinho”, defende. “Valorizar convenientemente esses produtos naturais e na época é uma forma de valorizar a região e tornála ainda mais atractiva.” Para Abílio, o futuro de sucesso do Alto Douro Vinhateiro estaria assente num simples tripé: gastronomia, turismo e vinho. “Aquilo que levamos daqui são memórias e isso é algo irrepetível: não encontram isto em mais lado nenhum, com esta paisagem, esta diversidade e riqueza gastronómica e de produtos regionais. O

Douro é muito mais do que vinho e é isso tudo que nos ajuda a vender o vinho. É isso que nos torna únicos.”

Francisco Abrunhosa Casas e Tradições; Lugar das Letras; Casa de Gouvães Há muitos anos que Francisco Abrunhosa vinha passar férias ao Douro. No final dos anos de 1990, começou a notar que havia “cada vez mais interesse no Douro como destino de

investimento”. Viu ali a oportunidade de criar uma empresa familiar (a mulher e a cunhada completam a equipa permanente) e mudar de vida. Uma “com qualidade e capacidade de realização e de criatividade diferente da que se tem dentro de uma nave industrial” no Grande Porto, onde era sócio-gerente de uma fábrica de brinquedos. Na empresa, Casas e Tradições, procura terrenos e ruínas na zona do Pinhão com vistas panorâmicas e boas acessibilidades, que possa complementar com projectos de arquitectura, entre o tradicional e o contemporâneo e, por vezes, até tratar da decoração, da manutenção das casas ou da gestão dos projectos hoteleiros, conforme as necessidades de cada investidor, nacional ou estrangeiro. E para Francisco há razões de sobra para um forasteiro vir investir no Douro: o potencial de valorização da região, as pessoas, as acessibilidades, a pequena distância aos grandes centros urbanos (“hoje em dia estamos a cerca de 1h15 do Porto), o facto de ser Património da Humanidade ou uma região com uma natureza magnífica e mundialmente reconhecida, vai enumerando. Para Francisco, no entanto, o gozo pessoal está em ver os projectos erguerem-se dos vestígios do passado. “Poder ajudar a criar, a construir e, sobretudo, a reconstruir o património que tanto existe por este Douro fora e que merece que se lhe devolva a alma.” Por isso, quando encontra uma ruína onde um dia gostava de implementar alguma coisa, gosta de “se sentar e conversar com as pedras”. “Houve projectos que começaram porque me entendi muito bem com as pedras.” A Casa de Gouvães, turismo de habitação desde 2008 naquela aldeia de Sabrosa, foi um desses casos. O edifício estava “num estado lastimável” e “tinha até uma plantação de couves no meio”, recorda. Mas foi “amor à primeira vista”. “Rapidamente cheguei a acordo com aquelas pedras de xisto, fui à procura do proprietário, adquirimos, fizemos um projecto arquitectónico com características destinadas ao uso turístico e depois fui ao encontro de um investidor [francês] que, depois de visitar a ruína e de ver o projecto, decidiu logo avançar”. Hoje tem

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três quartos, uma larga sala de móveis clássicos, piscina, sala de jogos e um patamar exterior sobranceiro a toda a casa e vales vinhateiros. A dois passos fica o Lugar das Letras, na antiga escola primária de Gouvães. De entre os projecto erguidos, para particulares ou turismo, é o segundo que a empresa gere, juntamente com a Casa de Gouvães. Francisco diz que “não gosta de se agarrar sempre ao mesmo projecto”, quer é que “venham por aí mais uns filhos”. Poucos de cada vez, porque pretendem manter o contacto personalizado com os clientes. Mas, como qualquer pai orgulhoso, que não quer eleger preferidos entre a descendência, Francisco lá se descose num “carinho especial” pela escola, como ainda lhe chama. “Agrada-nos o resultado e vive-se aqui muita história do Douro. Tivemos momentos de grande emoção quando, por exemplo, entrou aqui um antigo estudante para nos entregar um brinquedo feito na altura, há uns 40/50 anos”, recorda. “Houve um lado emocional na realização deste projecto que nos traz muito boas memórias.” Recordações que espera ver replicadas pelos turistas que visitam o Douro. “Sou dos que acreditam que a região ainda vai ter crescimento, mas tem de ser rodeado por um paradigma de qualidade, com uma atitude de muito profissionalismo, dedicação e que transmita sempre afectos a quem nos visita, simpatia, disponibilidade.” Algo que, defende Francisco, por vezes ainda falta.

Em cima, Francisco Abrunhosa, da Casas e Tradições; ao lado, Paulo Duarte, da D’Origem, a empresa que produz e comercializa vinhos DOC Douro, azeite e outros produtos locais com marca própria

Paulo Duarte D’Origem Quando era miúdo, Paulo esgueirava-se para o lagar de azeite, metiase dentro do carrinho que habitualmente transportava os capachos entalados entre pastas de azeitona e deslizava pelos carris até à prensa. “São meia dúzia de metros, mas naquela altura era quase a montanha-russa”. Agora, o antigo lagar da família, de uso comunitário pela população de Casal de Loivos até 2001, está transformado em museu. E é o filho mais velho, Pedro, quinta geração, que acaba por nos fazer parte da visita guiada. Tem jeito e leva a lição bem estudada, mas já não viu nenhuma daquelas máquinas labo-

rar. Ao contrário do pai, que só saiu da aldeia para estudar na faculdade e regressou. Por isso, tudo aqui lhe traz recordações. Do tempo em que rebolava em cambalhotas pelas bagaceiras com

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os colegas da escola primária (entretanto encerrada). Do tempo em que jogava à cabra cega ou andava a trote nos cavalos que acartavam as uvas nas vinhas mais íngremes. Lembra-se do tempo em que os tra-

balhadores só regressavam a casa no final da vindima e, por isso, sucediam-se os bailes, as músicas e as danças. Lembra-se de entrar muito miúdo para os lagares e participar na pisa da uva. “Sempre estive aqui e como era o mais novo de três filhos e o único rapaz fui habituado desde pequeno a trabalhar e a ajudar, não só na parte agrícola, como na produção de vinho e de azeite”, recorda. “Na altura de estudante, houve uma época em que ia às aulas de manhã e regressava para ajudar o meu pai, que já tinha uma certa idade.” Daí nasceu o “gosto pela terra” e, mais tarde, a vontade de “dar seguimento àquilo que foi deixado pelos pais, avós e bisavós”, materializada na empresa D’Origem, criada em 2001. “Até então, a família produzia vinho mas vendia-o às grandes empresas.” Agora Paulo produz e comercializa vinhos DOC Douro, azeite e outros produtos locais com marca própria. E consegue homenagear os antepassados em cada garrafa — do tinto de entrada de gama com nome de Herança ao reserva tinto e ao branco Velha Geração, ou o azeite D’Origem, com fotografias antigas dos seis familiares a povoar cada rótulo. Das cabriolices da infância recupera as Fisgas, nome do rosé que produz. O objectivo, conta Paulo, é “primar pela qualidade em detrimento

da quantidade” — os 10 hectares de terreno também assim o exigem — e, aos poucos, “começar a produzir algum vinho do Porto”, uma vez que continua a vender a produção das vinhas velhas a exportadores. Em 2007, chegou o sumo de uva — o “vinho dos miúdos” — e, entretanto, começou a comercializar as amêndoas colhidas na propriedade e o mel de um parceiro da região. “Tento diversificar e inovar para ser um pouco diferente do comum das outras empresas.” Só assim um pequeno produtor consegue emergir na luta de tubarões que é o comércio de vinhos DOC Douro e do Porto, defende. Outra forma foi a aposta no turismo, primeiro com a transformação do antigo lagar de azeite (que inclui um pequeno lagar de vinho no final) em espaço museológico, depois com a criação de uma sala de provas com vista sobre o Douro (quase concluída) e, no futuro, “a ideia é passar para a casa-mãe, recuperá-la e transformá-la em turismo rural”. “Isto acaba por ser uma empresa familiar e eu tenho dois filhos, o Pedro e o Diogo. O mais novo gosta da parte da maquinaria e de pôr a mão na massa e o Pedro acaba por gostar mais do contacto com as pessoas.” Quem sabe, um dia não serão eles a continuar o trabalho deixado por pais, avós, bisavós e trisavós.


Pela noite dentro, pela noite fora. A surpresa ao virar da esquina. O prazer que se ilumina ao som do bar. A sedução de uma bela silhueta. A emoção de um néctar com o melhor perfil. O encontro com a simplicidade sofisticada da noite. Na clareza noturna da paixão, o romance tem contornos de uma nitidez inesquecível.


Capa 15 anos de património UNESCO

Ricardo Costa Magnífico Douro Quando fez 50 anos, Ricardo Costa decidiu mudar de vida. Não queria mais trabalhar com computadores, sistemas digitais, sistemas de informação e consultoria na área. Queria “ter o estilo de vida parecido aos rapazes” que via lá fora, a trabalhar de calções e chinelos nos resorts. No Douro, a indumentária com que sonhava cinge-se aos dias tórridos do Verão duriense, mas não se arrepende da escolha. A família, natural de Oliveira de Azeméis, sempre teve uma lancha e, todos os anos, subiam o rio até Barca D’Alva, na fronteira, e desciam. O Pinhão ficou-lhe “sempre no olho” e, a meio século de vida, foi ali que atracou. Veio “sem conhecer ninguém”, com “a lancha atrelada”, e começou a dar aulas de esqui aquático e a fazer passeios de barco. Foi “um ano sabático”, aquele 2010. A partir daí, “tinha de arranjar o que sustentasse a ideia”. Comprou três barcos rabelo, reconstruiu-os e criou a empresa Magnífico Douro. Entretanto adquiriu outro barco tradicional duriense, uma lancha para os desportos náuticos e, este ano, um barco com capacidade para 250 pessoas, de forma a explorar o segmento corporate, dos eventos e das viagens de grupo. Além dos barcos, a empresa faz ainda caminhadas, passeios de bicicleta, de carro ou de caiaque (da foz do Tua ao Pinhão). “Estamos a verificar uma tendência no Douro que é o baixar da idade média dos visitantes e, com isso, temos turistas cada vez mais activos.” Ao longo dos anos, foi somando “milhares de horas de nagevação” no rio Douro mas, garante, nunca se cansa. “Todas as vezes vejo um outro rio Douro: é a luz, os cheiros, a própria paisagem que está sempre a mudar, agora estamos no tempo dos vermelhos, amarelos, castanhos. Passarmos de manhã é diferente de visitar à tarde ou ao pôr do sol. O percurso é o mesmo mas a experiência é sempre diferente.” Uma mutação natural constante que não vê replicada no panorama urbano, económico e social do Pinhão. Para Ricardo, “pouco ou nada” se alterou com a classificação do Alto Douro Vinhateiro como Pa-

trimónio da Humanidade. “Há um perfil de turista que procura destinos com chancela da UNESCO e de outras denominações de notoriedade e que vêm por isso mesmo, mas, além do maior número de visitantes, não teve um impacto directo no Pinhão”, defende. No entanto, aponta “a diversificação da oferta turística” como o caminho a seguir para desenvolver a região. “Queremos que as pessoas venham para cá e que tenham a possibilidade de preencher todos os dias de estada com actividades diferentes e que esses dias preenchidos sejam cada vez mais.” Ao mesmo tempo, acredita que os programas turísticos de um dia no Douro, com partida do Porto, ainda têm muita margem para crescer e que devem ser uma aposta local. “São bons porque têm um impacto mínimo e podem crescer porque não estão dependentes do número de camas na região.”

Edgar Rocha e Miguel Guedes Gin Cobalto 17 - Douro O dia acordou quase em Dezembro e a manhã está particularmente fria junto ao Parque Industrial das Aveleiras, à saída de Tabuaço. O vento corta a pele e faz esvoaçar ligeiramente os cabelos de quem passa entre as duas únicas empresas que ali se erguem: a confeitaria Douromel e a recém-chegada destilaria Cobalto Douro. (Ao lado, uma robusta mota desafia as leis da gravidade na vertigem de um terraço, mas já não entra nas contas do parque). Se fosse

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Em cima, Ricardo Costa, da Magnífico Douro, e Edgar Rocha e Miguel Guedes, produtores do Cobalto 17; ao lado, a família do restaurante Toca da Raposa

Verão e final de tarde, em frente à primeira produtora de gin da região haveria sofás feitos de paletes e um minibar, música de sunset e turistas a aproveitar as férias. Até porque foi mais ou menos assim que nasceu o gin Cobalto 17. Estávamos em 2014 e Edgar Rocha, enólogo de Vila Real, e Miguel Guedes, engenheiro químico de Cambres (Lamego), estavam numa esplanada a beber gin e a conversar. “Éramos responsáveis pela produção numa destilaria industrial da zona e já trabalhávamos com destilados há vários anos, por isso tínhamos um bocado o hábito de dar a nossa opinião entre nós sobre o que bebíamos”, recorda Miguel. Naquele dia, porém, a conversa foi mais longe e fez-se ideia de negócio, ainda em tom de brincadeira. “Estamos sempre a falar, a falar, temos de fazer um gin a nosso gosto. E assim foi.”


sempre fazer alguma coisa pelo que é nosso”, enumera Edgar. Quase 95% da produção ruma, no entanto, ao estrangeiro. Este ano, vão ser quase 40 mil garrafas, a maioria com carimbo de saída para países como Angola, Inglaterra, Itália, Austrália, Noruega, Alemanha, Canadá, Colômbia, China, Polónia, Argentina.

Maria da Graça, Maria do Rosário e Fernando Gomes Restaurante Toca da Raposa Maria da Graça tinha um sonho antigo: cozinhar para outros os pratos da sua infância, dando a conhecer os sabores tradicionais da gastronomia regional, que hoje raramente se encontram nos restaurantes. A meada de cabrito, os milhos com bacalhau, o ensopado de javali, o cabrito enformado, o arroz de míscaros, o bolo borrachão. Pratos “que os nossos antepassados nos deixaram, que são riquezas tão grandes e aos quais hoje ninguém dá valor”, defende. Em 2009, dois dos quatro filhos juntaram mãos ao sonho e um ano depois nascia o Toca da Raposa, em Ervedosa do Douro. O projecto era audacioso: abrir um restaurante fora do principal eixo turístico no Douro (entre Peso da Régua e Pinhão), onde os pratos fossem todos confeccionados na hora, as sobremesas feitas no restaurante, com especial cuidado no empratamento, em que se privilegiasse o vinho a copo e a batata frita só entrasse no menu para as crianças. Uma

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Nas horas livres, ficavam no laboratório a “fazer centenas de microdestilações e a experimentar botânicos diferentes”. “Muitas vezes saíamos do trabalho, íamos jantar os dois e depois íamos para o laboratório até às 24h, 1h, às vezes até às 2h ou aos fins-de-semana”, lembra Miguel. Foram largos meses de experiências até chegarem à receita do Cobalto 17, o primeiro e, até ao momento, único gin produzido na região. Miguel Torga, poeta maior do Douro, precisou a cor do rio num único azul, cobalto — e assim nasceu o nome da bebida. Dos socalcos da região vêm as uvas da casta Tinta Amarela, muito utilizada na produção de vinho do Porto. “Dos testes que fizemos, era a que se adaptava melhor, apesar de ser a mais difícil de trabalhar, tanto na vinha como aqui”, descreve Edgar. E ainda as pêras, a hortelã-pimenta e a lúcialima, às quais se junta o cardamomo e o zimbro. Um conjunto de ingredientes que torna o gin “muito aromático e muito suave e subtil de boca”, defende Edgar. “É isso que faz a diferença, além do rótulo e da garrafa”, que uma vez mais ganham inspiração na região. Não será, no entanto, uma heresia produzir gin na região vinícola demarcada mais antiga do mundo? “Acho que o fazemos por isso mesmo, para quebrar um bocado a linha”, defende Edgar. “É aí que está o engraçado — fazer aquilo que ninguém faz”, completa Miguel. Até porque, para os dois durienses de gema, o nascimento da empresa não podia ser noutro lugar. “Somos de cá, sentimo-nos bem cá e queremos

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Capa 15 anos de património UNESCO Álvaro Martinho Lopes é há 20 anos o agrónomo responsável pela Quinta das Carvalhas; na página ao lado, Celeste Pereira, da Greengrape

aposta que, seis anos depois, parece ganha, embora nenhum queira ficar à sombra do sucesso. “Qualquer negócio tem de reinventar-se a si próprio. Só dessa forma é que, nos dias de hoje, se consegue perpetuar no tempo”, defende Fernando, responsável por desenvolver o conceito, a composição inicial de cada ementa e a carta de vinhos. Recuperar novos pratos e ter cada vez mais uma ementa marcada por ciclos gastronómicos, com produtos locais biológicos e de época, são alguns dos objectivos para o próximo ano. E manter intacto o único “grande segredo”: pôr um “amor incondicional em cada prato que se faz”. Filha de lavradores e toda a vida comerciante, Maria da Graça sempre gostou de cozinhar (“já nasce um bocadinho connosco”, acredita). Aprendeu a arte ao longo dos anos, a observar os que a rodeavam entre tachos e panelas. “Ninguém me ensinou, eram os meus olhos que viam cozinhar, por isso estava atenta a tudo o que se fazia à minha volta.” Depois, como costuma dizer, “usa e serás mestre”. Nada, no entanto, lhe dava mais prazer que cozinhar para os filhos quando estavam a estudar fora. “Ficava muito feliz porque eles chegavam a casa na sexta-feira e quando partiam na segunda já iam mais rosados”, recorda. A mesa alarga-se agora a muitos clientes, portugueses e estrangeiros, mas o objectivo é que o restaurante se mantenha na família e que um dia um dos filhos ou dos netos possa manter o legado. “É extremamente importante continuarmos a passar a tradição para as gerações mais novas”, defende Fernando, que dá igualmente os primeiros passos no ramo da cozinha, com a Companhia da Nata. O projecto procura harmonizar dois produtos bem portugueses: o pastel de nata e o vinho do Porto. Quer o prato a acompanhar o copo, quer tudo junto num pastel de nata de vinho fino. O food truck, com doces a sair do forno, deve andar agora pelo Porto. Já na Toca da Raposa, cabe a Maria do Rosário fazer com que cada cliente se sinta em casa e “leve mais além aquilo que é o Douro Património da Humanidade”. Não apenas as paisagens vinhateiras, os socalcos, os monumentos ou os vinhos, mas também a gastronomia, tradicional-

mente “muito rica e saudável” para vencer o clima severo do Douro e dar energia ao trabalho árduo nos campos. “Acontece-nos imensas vezes os clientes dizerem que já não sentiam aqueles sabores desde a infância. Isso é extremamente satisfatório e o nosso trabalho também é esse: fazer as pessoas reviverem experiências passadas”, refere Fernando. Pela pequena sala do restaurante já passaram vários pedidos de casamento — “escolhem sempre aquela mesa”, aponta Rosário — e são muitos os enólogos da região que ali vão regularmente. Uma noite, um deles criou mesmo um lote de vinho para um amigo em pleno restaurante. “Improvisou-se um laboratório, tinha imensas garrafas e

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matéria-prima e aqui se fez um lote de vinho. Hão-de ter sido limadas as arestas noutro sítio, mas foi aqui que ele nasceu”, recorda Rosário. E não duvida: “Também são estas humanidades do dia-a-dia que fazem do Douro Património Mundial”.

Álvaro Martinho Lopes Quinta das Carvalhas “Nasci a sete quilómetros daqui, em Covas do Douro, e há 20 anos que sou o agrónomo responsável pela Quinta das Carvalhas, da Real Companhia Velha. Foi o meu primeiro emprego.” A descrição biográfica, feita em jeito de introdução mal iniciamos um passeio rápido pela quin-

ta, impõe-se como uma evidência: o Douro está tão entranhado no ADN de Álvaro Martinho Lopes quanto as raízes das vinhas no solo xistoso. As mesmas que agora nos mostra, empoleirado junto a uma fraga rochosa, não sem antes nomear cada uma das plantas que ali se avistam. É difícil ficar indiferente à forma apaixonada como fala da região, das vinhas, de cada casta e, sobretudo, da natureza, diversa e exuberante. “As uvas do Douro não são boas, são deliciosas”, repetirá várias vezes. E uma das razões está naquele solo pobre, que obriga as plantas a concentrar energia e a exceder-se para garantir a sua preservação. A produção pode ser baixa, mas a qualidade dos produtos sobe acima da média.

Para os humanos, o clima do Douro são “nove meses de Inverno e três meses de inferno”; para as plantas é um “paraíso”, defende. Filho de caseiros, entre sete irmãos, Álvaro tinha 13 anos quando visitou uma cidade pela primeira vez. Não um grande centro urbano, mas Peso da Régua, a pouco mais de 30 quilómetros de distância de Covas do Douro. “Foi a primeira vez que andei de elevador. Levei o dia inteiro a subir e a descer”, recorda. Dos tempos de miúdo, em que fazia parte das obrigações familiares ajudar nas lides agrícolas, nasceu a paixão pela natureza. Fez o curso técnico-profissional de agricultura e mais tarde a licenciatura em Engenharia Agrónoma. Desde 2008


canções sobre o Douro. Na banda 4Wine, alarga o reportório a “temas e autores que fizeram história nos anos 1980 e 90”, animando jantares vínicos e outros eventos ligados ao vinho e à gastronomia da região. “Não sei música, faço tudo de ouvido, é o vício que tenho”, conta. Sem tempo para um concerto ao vivo, ficamo-nos por uma das canções que Álvaro compôs – o som do telemóvel a embalar a paisagem à janela. “O cheiro da Primavera destas vinhas e olivais / A força da natureza não se esquecerá jamais / Em Setembro tem o mosto, em Janeiro tem o frio / Muita história já se fez nas encostas deste rio / É nesta vinha onde eu vivo / E o vinho que ela fez / E agora não volto atrás / Estou feliz mais uma vez”,

Celeste Pereira Greengrape/alltodouro

que produz dois vinhos, o Maquia e o Mafarrico, em parceria com Dirk Niepoort, numa pequena parcela de vinhas velhas na Cumieira. Um projecto de realização pessoal, que combina com o trabalho na Quinta das Carvalhas. Em 1997, o destino profissional uniu-o à quinta mais emblemática da Real Companhia Velha e por mais convites que lhe façam não se adivinha um divórcio. “Devo tudo a esta empresa. É um projecto com que me identifico.” Álvaro gosta de “olhar a vinha como se fosse um jardim” e há 15 anos que dá forma ao conceito na propriedade, com mais de 250 anos de história. Chama-lhe “quinta de imagem” e a ideia passa por aprimorar todos os espaços

que compõem os 400 hectares da propriedade. Não só a colocação do asfalto que percorre o itinerário principal da quinta, a criação de canteiros, arbustos de flores e quedas de água, mas também a recuperação dos muros de xisto, das oliveiras e amendoeiras, a conversão para uma viticultura sustentável e a manutenção da mata mediterrânica (que ocupa 30% da propriedade). Todo esse trabalho, acredita, ajuda a tornar a quinta (e o Douro) num “produto de elite”, com consequências positivas no enoturismo e na forma como os turistas vêem a região. Álvaro mantém-se responsável por uma das visitas guiadas à quinta e, por vezes, ainda termina o passeio de guitarra e harmónica, entoando

Quem olha agora em redor daquela pequena praceta no lugar de Arroios, em Vila Real, dificilmente acredita que há dez anos quase todos os edifícios estavam em ruínas. “Quando vim para cá morar só havia uma casa em bom estado”, recorda Celeste Pereira. Apesar do cenário desolador, foi “amor à primeira vista”. A antiga jornalista, natural de Vila Nova de Famalicão, estava à procura de um lugar na zona de Vila Real, onde vivia há 14 anos, com “horizontes largos” o suficiente para acomodar toda a família, entretanto alargada a quatro filhos. Encontrou “o paraíso” em Arroios. “A primeira vez que aqui vim, fiquei encantada”, lembra-se. Mas o estado de degradação da capela de Nossa Senhora das Dores, de fachada imponente sobre o largo, inquietavaa. “Uma pessoa vê este património abandonado e quer contribuir.” Iniciou um movimento cívico para tentar recuperar o edifício barroco do século XVIII e estava quase a desistir quando, há três anos, a então presidente da junta de freguesia, de saída após 28 anos no cargo, decidiu que aquele seria o seu último legado. Hoje, a praceta — que entretanto recebeu o nome da governante — é uma “pequenina pérola por descobrir”, defende Celeste. Este ano, como forma de divulgar aquele espaço, foi lançado o Projecto Capella e, durante sete meses, dife-

rentes momentos artísticos foram subindo ao púlpito do edifício no terceiro sábado de cada mês, com um mercado de produtos da região a ocupar a praceta. Um dos objectivos da iniciativa passava por promover o desenvolvimento local através da cultura e, além de ter trazido ali muita gente das redondezas pela primeira vez, teve, para já, outra consequência directa: o padre da freguesia vai começar a rezar missa na capela uma vez por semana — e não apenas uma vez por ano, na festa da família, em Setembro —, devolvendo o pequeno santuário ao quotidiano da comunidade. O Projecto Capella foi uma iniciativa desenvolvida pela alltodouro, a vertente de animação turística e cultural da Greengrape, empresa fundada por Celeste em 2009 na área de consultoria de comunicação e de assessoria de imprensa. Depois de arcar com a totalidade dos custos destas primeiras sete edições, o projecto só regressará no próximo ano se conseguirem captar investimento e apoios de associações e privados. Mas a iniciativa marcou igualmente uma nova fase da alltodouro, agora transformada essencialmente num portal de reserva de novas experiências no Douro. “Nasceu como um projecto de agregação, em que o objectivo era trabalhar a união inter-sectorial no Douro, associando diversas empresas na área dos vinhos, do turismo, da cultura e da gastronomia em volta de uma marca única, para criar dimensão e massa crítica suficiente para conseguir viabilizar a exportação.” Mas aquilo que encontrou foi ainda muito individualismo. “O Douro necessita de trabalhar mais o colectivo e de conseguir fazer com que os diferentes players se unam em torno da definição de uma estratégia a longo prazo para a região”, defende. Para Celeste, o Douro “está cada vez mais aberto, pujante e afirmado do ponto de vista turístico, não só em território nacional como no estrangeiro”. Mas ainda falta percorrer parte do caminho que os vinhos ali produzidos já lavraram: mostrar-se mais ao mundo e trazer mais mundo à região. E isso, acredita, só será possível com uma estratégia de dinâmica colectiva a médio-longo prazo, concertada entre instituições e empresas locais.

DOURO CELEBRA 15 ANOS DE PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE EM VILA REAL Por estes dias, sucedem-se comemorações em Vila Real com carimbo da UNESCO. Primeiro no final de Novembro, quando a olaria negra de Bisalhães entrou para a lista de Património Cultural Imaterial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Agora como epicentro das celebrações dos 15 anos da classificação do Alto Douro Vinhateiro como Património da Humanidade. A cerimónia evocativa decorre no dia 14 de Dezembro e tem como objectivo apresentar um balanço da projecção da região nos últimos anos e demonstrar “como é que o território tem sabido preservar e conciliar os valores fundamentais da região com o seu crescimento”, lê-se na página da CCDR-N. A entidade está a organizar o encontro, através da Missão Douro, em parceria com a autarquia de Vila Real, a Comunidade Intermunicipal do Douro e a Liga dos Amigos do Alto Douro Vinhateiro. Vila Real é um dos 13 concelhos que compõem a região classificada pela UNESCO a 14 de Dezembro de 2001, que integra 24.600 hectares de área no coração da mais antiga região vitícola demarcada e regulamentada do mundo (com cerca de 225 mil hectares).

FUGAS | Público | Sábado 10 Dezembro 2016 | 11


Histórias de viajantes Rui Barbosa Batista

Ele conta 100 países no passaporte e os melhores são os “complicados” Tem uma predilecção por “países menos ortodoxos” e histórias de fronteiras, daquelas que incluem passagens atribuladas e carimbos suados no passaporte. Para Rui Barbosa Batista, 100 países no currículo e o 101.º em curso, “as férias são um bem escasso e precioso. Ana Maria Henriques

R

ui Barbosa Batista tem um lema sobre viagens: “As boas histórias acontecem nos países complicados”. Até pode parecer uma frase feita de quem regressou há pouco de férias, mas este jornalista sabe do que fala. Com 46 anos, Rui chegou a um número redondo (e invejável) na contabilidade de viagens: o Japão foi o 100.º país que visitou. Era “um sonho de há muitos anos”, diz, cumprido com outras dez pessoas em mais uma viagem com o cunho da plataforma Born Freee. Rui anuncia, no Facebook, onde vai, quando e com quantas pessoas está disposto a partilhar a viagem. A Internet, a rede de contactos que foi fazendo e a vontade que muita gente tem de viver experiências diferentes lá fora fazem o resto. “Tem havido gente suficientemente louca para alinhar nisso”, brinca, apesar de

este ser um assunto sério na sua vida. “Para relaxar, quando estou stressado, ponho-me a pesquisar viagens, destinos que não estou a pensar conhecer já. As férias são um bem escasso e precioso.” Tudo começou porque os amigos não largavam o jornalista da Agência Lusa quando este viajava, sobretudo para os tais “países complicados”. Recebia muitos e-mails com perguntas sobre a viagem, que locais visitava, onde ficava, o que comia. Como não queria deixar de responder — “e perdia muito tempo com isso” —, criou o Born Freee, plataforma que funciona como uma “garantia de memória” dos 100 países que já conheceu. E das melhores histórias. As favoritas são “as de fronteiras”, quando “viajar era mais romântico”. “Dava para fazer um livro só com isso: já tive que subornar polícias, passar fronteiras a fingir que não estava a perceber as pessoas ou a andar de boleia em boleia porque não se podia passar a pé”, conta, no Porto, onde vive desde que entrou para a faculdade.

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Antes de explorar outros continentes, Rui deu “cinco voltas de carro à Europa, com amigos” — e começou “muito tarde”, antes de os voos low-cost abrirem horizontes a muitos. A exploração do “Velho Continente” está quase completa. Bielorrúsia, Islândia e Chipre são os únicos países europeus em falta.

Correcção, eram. No dia que este texto é publicado, o vimaranense está na ilha do Mediterrâneo a riscar mais um país na sua lista. “Sou um vendido. Tinha prometido a mim próprio que neste segundo semestre do ano precisava de abrandar e só ia ao Japão. Entretanto já fui ao Canadá e agora o Chipre.” Encolhe

os ombros e aceita a inevitabilidade: “Tenho necessidade de, muito regularmente, ouvir uma língua estrangeira e provar comida diferente, viver em casas distintas.” Andou pelos países bálticos oito vezes, quatro na China, três na Argentina e no Canadá, duas na Patagónia. O Egipto, a Birmânia e o Irão


foram partilhados com mais viajantes, normalmente pessoas “que não querem ir sozinhas nem em grupo, numa agência, a seguir uma bandeirinha”. A maior parte são solteiros, “entre os 35 e os 45 anos”. “Antes da viagem, promovo um ou dois jantares em casa para todos se conhecerem, crio uma página no Facebook e todos

contribuem”, explica. O programa nunca é fechado, a ideia não é “ir numa excursão”. “Não é o dinheiro que me move, o que quero mesmo é curtir, ter uma experiência fixe.”

Viciado no “imprevisto” “Nas minhas viagens, a regra é: se queres tudo direitinho, vai com uma

FOTOS: RUI BARBOSA BATISTA

NELSON GARRIDO

Rui Barbosa Batista fotografado no Porto, cidade onde vive desde os tempos da faculdade; em baixo, fotos das suas viagens na Etiópia, nas Filipinas e na Índia

agência de viagens.” Rui é viciado no “imprevisto” — e a imprevisibilidade, como as histórias, é mais incrível nos “países complicados”. Os favoritos são, sempre, “os menos ortodoxos”. “O primeiro mundo, a mim, não me puxa muito”, confessa. “É muito igual em todo o lado. As paisagens mudam, sim, mas

não experimentas propriamente dificuldades inesperadas.” Quando as coisas correm mal — e às vezes correm, claro, não se conhecem 100 países sem alguns calafrios —, “ficas com uma grande história”. “No momento, sofro; mas enquanto estou a sofrer, já estou a pensar como vou contar aquilo.”

Em “países direitinhos” seria mais difícil coleccionar momentos como aquele que viveu, em 2005, na Tunísia (e que relatou numa crónica, publicada no P3 em 2012). Num mercado turístico, Rui conheceu Muammar Abu Minyar al-Gaddafi (Khadafi), com quem conversou durante uns minutos entre “capangas e repórteres de imagem”. “Foi uma conversa cinco estrelas, sobre Portugal.” No fim, o fotógrafo oficial acedeu ao pedido de imortalizar o momento e as imagens foram entregues, em casa do jornalista, que recebeu correio de Khadafi. É a prova de que o mais importante, nisto de viajar muito, “são mesmo as pessoas” — e a “gente verdadeiramente incrível” com a qual se tem cruzado, nos últimos 20 anos, tem mudado a sua consciência. Passar várias semanas na China, na África do Sul ou na Etiópia é benéfico até “para perceber que nós, no Ocidente, estamos com valores completamente invertidos”, reflecte. O mesmo é válido para o Irão — “possivelmente, o país de que mais gostei até hoje” — ou para a Colômbia, tudo estados “menos recomendáveis”. Entre fotografias, vídeos e textos no Born Freee, Rui vai guardando o que vive mundo fora. Os carimbos ficam gravados no passaporte. Ou nos passaportes, que 101 países obrigam a mais do que um livrinho. “É uma relação difícil de explicar”, descreve, esta com o documento de identificação que abre fronteiras. O primeiro de todos, “com o carimbo do sítio mais austral do planeta”, nunca lhe foi devolvido: “Tenho um trauma por ter perdido esse primeiro passaporte que tanto me orgulhou.” Finda a viagem no 101.º país, Rui já estará a pensar na próxima. A Argélia está na mira já para o próximo ano, bem como outro desejo antigo, o Quirguistão. Pelo meio, gostava de explorar mais o interior de Portugal. “Temos paisagens brutais, natureza profunda, paz, gente brutal, e eu tenho saudades do Portugal da minha infância e que ainda se consegue encontrar em aldeias pequenas.” Ir, conhecer pessoas, sentar-se num banco de pedra e ficar por lá. “As pessoas também gostam de falar com estranhos.”

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Viagem Europa/Ásia

Era uma vez na Arménia A proximidade do Natal é apenas um pretexto para viajar pela primeira nação a adoptar o cristianismo como religião oficial, um país vítima da História e encolhido entre vizinhos hostis mas com uma herança cultural e tão hospitaleiro que difícil mesmo é resistir aos seus encantos e aos seus segredos por muito mais tempo. Sousa Ribeiro (texto e fotos)

-I

Ierevan? Deixo-me conduzir até ao carro onde o motorista, afundado no banco e com um boné que lhe cobre parte do rosto, tem um despertar agitado quando ouve o som produzido pelos nós dos dedos tamborilando no vidro. O sol, ainda baixo, despontava no horizonte, lançando os seus raios pontiagudos. Abro a porta e acomodo-me, sem que o homem sentado ao volante se digne a fitar-me ou mesmo a dar-me os bons dias. Sou o único passageiro com destino à capital da Arménia. - O carro está com um problema, temos de ir devagar - diz-me, finalmente, quando Tbilisi começa a ficar para trás e os campos, como uma manta de retalhos de verde e amarelo, vão emoldurando a janela, enquanto no interior se eterniza um silêncio que parece incomodar-me mais a mim do que a ele. Na fronteira, depois de carimbado o passaporte, junto-me ao motorista que me espera já em território arménio, sorrindo-me enquanto troca os cartões do telemóvel. - Tudo bem? Algum problema? A mudança de humor é notória.

Uns minutos mais tarde, detém-se, numa estação de serviço, no sopé de uma colina dominada por uma igreja. - O gás é mais barato na Arménia, elucida-me, como se de repente se arrependesse da sua antipatia inicial e tudo, qualquer gesto ou situação, carecesse de uma explicação. - Anda. Vamos tomar um café. Em momento algum me perguntou o nome e eu, talvez influenciado pela primeira imagem que ele produzira em mim, também calei a minha curiosidade. Já no interior da viatura, ofereceu-me uma lata de refrigerante que acabara de comprar. - Gosto muito de Coca-Cola. E de mulheres ucranianas. E tu? O carro retomou a marcha; ao fundo, recortava-se um lago com as suas águas paradas, de um verde escuro, e para trás, perdendo-se no horizonte, montanhas com linhas bem definidas. O trânsito é praticamente inexistente, evitando a proximidade ao Azerbaijão, com quem a Arménia está de relações cortadas. De repente, como quem sai de um longo período de hibernação, começa a relatar-me episódios do seu passado, enquanto relanceia a paisagem e por vezes quase ignora a estrada que vai serpenteando, sempre a descer, por um cenário belo e silente. Como quem adivinha um certo receio da minha parte, enaltece

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as suas qualidades ao volante: - Antes, o melhor era o Michael Schumacher. Agora sou eu, garante, ao mesmo tempo que se serve do retrovisor para dar um ligeiro toque no boné.

Regressa ao mutismo e, uns quilómetros mais à frente, a sua expressão torna-se séria, envolta numa bruma de melancolia, como um céu azul que subitamente se cobre de nuvens cinzentas.

- Este país é cada vez mais pequeno. Porquê? Como não obtém resposta, perscruta de novo o cenário, como se nele estivesse escrita a história da Arménia, e dá início a um relato manchado de sangue, recordando a tragédia arménia ao longo do século passado e evocando, com mais detalhe, provavelmente por estar tão clara como a água na sua memória, a experiência dramática e pessoal do conflito com o Azerbaijão. Uma lágrima desponta quando recorda o amigo que, conduzindo um carro armadilhado, se fez explodir contra um tanque inimigo, outras vão tombando pelo rosto e a voz embargase-lhe no momento em que lembra a sua existência como comandante de uma brigada de 120 homens durante esse período turbulento que se prolongou por seis anos (entre 1989 e 1994), provocando a morte de 25 mil azeris e cinco mil arménios em


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com os lugares é compensada, ainda que de forma ténue e limitada, por um conhecimento que será aprofundado sobre o carácter das gentes deste país com três milhões e meio de habitantes (a diáspora representa já mais de quatro milhões). - Fica com estas moedas. Não precisas de mais de 100 dram. São apenas três estações até ao terminal de autocarros, onde podes cambiar dinheiro. Adeus. Comovido, caminhei até à plataforma do metro.

Um poço fundo

luta pela posse da região de NagornoKarabakh – no rescaldo da II Guerra Mundial, foi atribuída pela URSS ao Azerbaijão mas os habitantes, pouco mais de 130 mil, não abdicam da sua identidade arménia, posta em causa quando uma declaração unilateral, embora sem reconhecimento internacional, transformou o enclave num estado independente. - Eles podem ter mais dinheiro. Mas os arménios são mais fortes. À nossa volta reina a serenidade e a panorâmica, sob um céu com escassas nuvens, convida a apreciar as tonalidades que vão do dourado ao vermelho, do verde ao amarelo. Uma longa avenida, como um risco, atravessa a cidade de Ijevan. A manhã vai a meio. O motorista estaciona a viatura e pergunta-me: - Qual é a marca que fumas? Recusando-se a aceitar o dinheiro que lhe estendo, sai e demora-se uns breves minutos.

- Não havia. Comprei este. Estás no meu país, um país hospitaleiro — e oferece-me um refrigerante e os cigarros. A Arménia continua a exibir matizes outonais, a natureza encarregase de exacerbar a sua beleza até o asfalto desaguar em Dilijan. - É uma cidade antiga. Faz-se um silêncio. - Claro que é uma cidade antiga; na Arménia não há cidades novas. A uma pausa sucede-se outra, quase tão breve como a anterior, numa das margens do lago Sevan. - Podes tirar umas fotografias. Eu espero. Os olhos deslizam por aquelas águas calmas, como um espelho imenso, numa quietude que exacerba desde já o meu desejo de voltar com mais tempo, como alguém que não se contenta com a superfície mas que está também decidido a mergulhar. Por agora, a falta de intimidade

As pessoas acomodam-se em cima do motor, ao lado, o motorista do pequeno autocarro, que geme e se queixa de uma vida longa e dura, fuma e recolhe o dinheiro de quem se vai apeando. Saio num cruzamento e sigo, a pé, pela estrada, ao longo de um vale, por entre terrenos cultivados e vinhedos; o vento cantava; ao fundo, banhado por uma luz cor de chumbo, recorta-se o mosteiro de Khor Virap. Algumas centenas de visitantes andam pelo adro e, junto ao pórtico central da igreja, homens e mulheres, de rostos felizes e alinhados como uma guarda de honra, vivem numa inquietação que desaparece quase de imediato e se transforma em euforia — os noivos surgem, sorridentes, e alguém, saindo da multidão, lhes oferece duas pombas que o casal observa antes de lhes afagar a penugem e libertar nos céus com as suas nuvens baixas e cinzentas que por vezes deixam ver fragmentos dos cumes nevados do monte Ararat, erguendo-se, imponente, a mais de cinco mil metros. A tarde avança. Já a havia observado no interior do mosteiro, com os seus cabelos negros, a chama das velas dançando-lhe no rosto e realçando uma manifestação de fé que me comoveu e aprisionou o meu olhar. - Importa-se de me tirar, por favor, uma fotografia, a mim e à minha família? Dela emanava um sorriso bonito, uma expressão dócil. Eu já a fotografara mas ela não se apercebera do meu gesto furtivo. Tatev Sinanyan ausentou-se por instantes e regressou seguida de um grupo numeroso. Após as fotos, manteve um diálogo com familiares e amigos, a curta

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FUGAS | Público | Sábado 10 Dezembro 2016 | 15


Viagem Europa/Ásia

distância e de costas voltadas para mim. - Os meus pais convidam-no para jantar na nossa casa. São apenas 30 quilómetros e nós temos carro. Tatev Sinanyan recusava-se a aceitar os meus argumentos mas parecia resignada quando, ao fim de algum tempo, prometi voltar um dia, para a rever, a ela, à família, ao país que já me fascinava. - Promete? Khor Virap significa poço profundo e nele passou Gregorio, o Iluminador, patrono da igreja apostólica arménia e conhecido no país como Grigor Lusavorich, 14 anos da sua vida, período ao fim do qual conseguiu converter o rei Tirídates à religião cristã. Corria o ano de 301 d. C., que marcava o fim do paganismo e o início de uma nova era — ainda antes de Roma, a Arménia tornava-se na primeira nação a adoptar o cristianismo. Tatev Sinanyan, acompanhada de uma amiga, continua sentada ao meu lado, num muro de pedra. Gosto de a ouvir, de apreender o seu orgulho no país, das histórias que me conta; e gosto daquele sorriso que parece esconder uma tristeza que, de tão grande, não cabe neste mundo, como se ela, sozinha, encarnasse o sentimento de um povo. - Tenho dúvidas de que haja uma nação com uma fé tão profunda em Deus como a Arménia. O cristianismo, difundido por Tadeu e Bartolomeu, dois discípulos de Jesus, penetrou no nosso país entre os anos 60 e 68 d. C.; mas, uma vez que o paganismo era a religião oficial, espalhou-se quase em segredo ao longo de mais de dois séculos. As nuvens não se desprendem do monte Ararat, para onde, como que atraídos por um magnetismo, se viram as nossas atenções com frequência. É com um prazer que se renova a cada instante, como o ar que respiramos, que escuto a jovem universitária. - Antes de Khor Virap ser construído, o lugar onde Grigor Lusavorich esteve detido chamava-se Artashat (na verdade a capital do reino, fundada no século II a.C., cujas ruínas se podem ver a dois passos do mosteiro), um buraco ocupado por cobras e escorpiões mas que, segundo ele, estavam proibidos por Deus de se aproximar. Por instantes, o sol afasta parte do véu da abóbada.

- O rei não permitia que alguém lhe desse água ou pão. Mesmo assim, o monge, com uma fé tão grande, acreditava na sua sobrevivência. Tatev Sinanyan, eufórica, levanta o braço e aponta com o indicador. - Olhe agora, dá para ver um bocadinho do Ararat. Também ela deposita um olhar mais demorado na montanha que terá servido de cenário à Arca de Noé antes de a terra ser repovoada e de se iniciar uma nova era.

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A arca poisou então nas montanhas de Ararat. Era o dia dezassete do sétimo mês do ano (Génesis, 8, 4). Essa montanha que pertencia à Grande Arménia nos tempos do reinado de Tirídates III e nos dias de hoje é turca; essa montanha e esse lugar que, como nenhum outro, tanta nostalgia transporta para os corações do povo arménio (raras são as casas que não têm uma moldura com uma fotografia do Ararat nas suas paredes).

- É a montanha sagrada para todos os arménios. Quando a observo, o meu coração enche-se de tristeza e, por dentro, todo o meu ser se agita. Os seus picos, cobertos de neve, são para mim um símbolo de pureza e todo aquele gelo é o coração da montanha, o resultado do seu tormento, do seu sofrimento. Sinto-me grato perante tamanhas manifestações de beleza: da montanha, do vale aos seus pés e das palavras e dos sentimen-

tos da jovem de cabelos negros. - Eu nunca vi nada mais bonito na minha vida. Mas sempre que olho o Ararat, penso em todos aqueles que estão em cativeiro, na sua dor; e acredito que a minha montanha sagrada vive também com essa dor. Com um entusiasmo que contagia, retoma a história de Khor Virap. - Diz a lenda que um dia o rei se transformou num porco e, pouco depois, a irmã do soberano teve um sonho no qual um anjo enviado por Deus lhe assegurava que apenas Grigory seria capaz de ajudar o irmão. Grigory foi levado à presença do rei e, graças às suas orações, obteve a cura para os seus males. Regresso ao interior do mosteiro e a jovem, de 19 anos, garante-me que ainda fica por ali, até que a noite caia, com as suas memórias de visitas a Khor Virap, que terá todo o prazer em partilhar comigo, se for essa a minha vontade. - E não quer mesmo jantar connosco? Seria uma honra para os meus pais. Nos pisos abaixo do solo, com as suas paredes e tectos escurecidos pelo fumo, as velas ardem e a fé dos crentes alimenta-se. Pelo menos desde o século VI que são alvo de renovações, enquanto a igreja Surp Astvatsatsin, a principal estrutura do complexo religioso, data do século XVII. Imperdível, depois de escutar Tatev Sinanyan, é a descida ao poço que, embora iluminado, requer alguns cuidados — são sete metros através de uma escada de metal. À distância, avisto Tatev Sinanyan, sentada onde a deixara. - Não é difícil, pois não? Eu, sempre que desço ao buraco, experimento a sensação de que não há mais terra sob os meus pés, sinto grande dificuldade em respirar e imagino a dor dos meus antepassados quando eram perseguidos devido às suas crenças. Há uma única turista, de nacionalidade suíça, entre a multidão de arménios banhada por uma aura de felicidade que, pelo menos ao olhos de um estrangeiro, tem algo de enigmático. Khor Virap é um local onde as tristezas se esquecem e quase todos, com tantos gestos pueris, parecem devolvidos à sua adolescência, vivendo uma vida que não é a deles. - O meu vocabulário é demasiado


pobre para descrever a sensação de visitar Khor Virap. Venho aqui uma ou duas vezes por mês e sinto sempre a presença de Deus, que posso comunicar com Ele. Creio que há um poder sobrenatural que estabele uma ligação entre as pessoas e Deus. Aqui, sinto-me em paz. Os pais de Tatev Sinanyan casaram-se em Khor Virap, ela e o irmão aqui foram baptizados; cumprindo a tradição, a jovem visitou o mosteiro no dia da sua graduação, por vezes escapava-se, juntamente com as colegas, das aulas e desfrutava de algumas horas em Khor Virap e ainda se lembra dos sábados e domingos em que assistia, de olhos muito abertos, aos movimentos delicados de um acrobata numa corda suspensa.

A memória mais fresca prende-se, porém, com a visita do Papa Francisco, em Junho deste ano. - Próximo da igreja, o Papa fez votos de paz em direcção ao Monte Ararat, como fizera Noé desde a arca. Ao fundo, avisto o rio Aras e, mais para lá, na terra de ninguém, trabalhadores arménios e turcos cultivam as terras, como se aquela aproximação fosse um sinal ou um exemplo que gostariam de ver imitado.

Chama da memória A luz tímida da lua avista-se por cima dos telhados e as fontes luminosas, com os seus jactos de água que ora vão subindo, ora tombam sobre os lagos, proporcionam um espectáculo de cor que atrai um grande número

GEÓRGIA

Dilijan Ierevan TURQUIA 200 km

Sevan ARMÉNIA

IRÃO

de curiosos à Praça da República, em contraste com a manhã seguinte. Chove em Ierevan, uma chuva teimosa que se desprende de um céu da cor do betão, produzindo uma orfandade naquele que é o coração da antiga Erebuni. Da praça, partem

ruas e avenidas de cara lavada que acolhem centros comerciais, residências de luxo e lojas de marcas famosas que seduzem os jovens e não passam de uma miragem para aqueles que mais dificuldade sentiram para se adptarem aos novos ventos que sopraram após a independência da antiga União Soviética, em 1991. Para melhor me identificar com os caminhos tortuosos da história do país e com as origens deste povo milenário, de uma época em que não era a república encolhida entre a Geórgia, a Turquia, o Irão e o Azerbaijão (não mais de 30 mil km2, três vezes menos do que Portugal), mas a Grande Arménia, orgulhosa do seu vasto império, das suas magnificentes igrejas e dos seus majestosos

castelos, embrenho-me, a meio da manhã, pelo museu Matenadaran. O edifício, fiel ao estilo soviético, é dedicado a Mesrob Masthots, o criador, no século V, do alfabeto da língua arménia, ainda hoje em uso, e abriga, entre as suas paredes, uma das melhores colecções de manuscritos do mundo. Ierevan é uma cidade antiga mas sinto dificuldade, mesmo ao fim de três dias na capital, em aceitar que em 2018, em meados de Outubro, se prepara para celebrar 2800 anos de história (foi fundada em 782 a. C.) e mais ainda quando perscruto os imóveis envidraçados que rivalizam com a arquitectura soviética debruçandose sobre ruas pedonais com as suas esplanadas cheias de jovens.

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Viagem Europa/Ásia

Ao início da tarde, subo à colina de Tsitsernakaberd e por ali permaneço, visitando o museu cujas fotografias retratam os massacres de 1896 e 1909, a detenção e o assassinato de líderes políticos e intelectuais e a agonia do genocídio entre 1915 e 1922 que a Turquia nunca reconheceu, ao contrário de Orhan Pamuk (e, mais recentemente, do Papa Francisco) que, em 2005, afirmou a um jornal suíço: “Um milhão de arménios e 30 mil curdos foram mortos nestas terras mas ninguém, a não ser eu, ousa admiti-lo.” Ameaçado física e juridicamente, o escritor turco, Prémio Nobel da Literatura em 2006, baseou-se no cenário de Kars, capital de um reino da Arménia no século X, para escrever o romance Neve. Kars significa neve, Kars integra, desde 1921, território turco. Até 1993, ano em que foram encerradas as fronteiras, Kars estava apenas a uma hora de carro da Arménia. Agora são necessárias mais de doze horas para deixar de ouvir o chamamento do muezzin e escutar, somente a 30 quilómetros de distância, o som produzido pelos sinos das igrejas. Já no exterior, toco algumas das árvores ( já quase nuas) plantadas por políticos internacionais que reconheceram o genocídio e, seguindo ao longo de um muro gravado com os nomes das comunidades massacradas, chego ao memorial onde arde, desde 1967, a chama eterna, também conhecida como a chama da memória, no meio de um círculo protegido por 12 placas em basalto inclinadas e que representam outras tantas províncias da Arménia ocidental perdidas para a Turquia na sequência do acordo de paz entre Ataturk e Lenine após a I Guerra Mundial. Não haverá, no mundo, outro país tão vítima da história como a Arménia.

Vaticano da Arménia Ainda fora do centro da cidade, que vou percorrendo lentamente, encontro outro monumento de forte simbolismo para o povo: a Mayr Hayastan, a estátua da Mãe Arménia, com mais de 20 metros de altura e de olhos postos na fronteira turca, com uma maciça espada à sua frente, numa posição defensiva. Um rosto bonito, já com algumas rugas, oferece-me um sorriso antes de franquear a porta da igreja e os cânti-

Os cumes nevados do imponente monte Ararat erguem-se a mais de cinco mil metros cos, ressoando por todo o lado, são como um apelo para seguir os passos da senhora que, com um gesto delicado, cobre a cabeça com um lenço. Na Surp Sargis, cheia de fiéis, a atmosfera é mística. É domingo, o dia ideal para, uma vez atravessada a ponte que liga as duas margens do rio Hrazdan, apanhar uma marshrutky no terminal com destino a Echmiadzin, a escassos 20 quilómetros de Ierevan. Capital da Arménia entre 180 e 340, Echmiadzin é o Vaticano da Igreja Apostólica Arménia e o lugar onde Grigor Lusavorich teve uma visão divina que inspirou a construção da primeira igreja mãe da Arménia. Clérigos com longas barbas e vestidos de negro caminham pelos trilhos por entre os jardins em volta da Mayr Tachar, a catedral que é rodeada por edifícios do século XIX. A igreja original foi levantada entre 301 e 303 e — por se encontar em

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ruínas — reconstruída entre 480 e 483, mas todo o complexo religioso foi alvo de trabalhos de restauro e alargado ao longo dos tempos. Um monumento em pedra recorda a visita do Papa João Paulo II em 2001 e, ao lado, projecta-se o seminário Gevorgian, construído no século XIX e encerrado em 1921 — e proibido de reabrir as suas portas sob o jugo soviético — para acolher refugiados do genocídio. Três torres sineiras, ricamente ornamentadas, destacam-se na entrada da Mayr Tachar e, uma vez no interior, à hora a que se celebra a liturgia dominical, a atmosfera produz no visitante uma sensação de paz que tarda em dissipar-se. São os cheiros, os cânticos, o fumo, a luz das velas que bailam nos rostos, tudo prende o olhar e o meu fixa-se agora numa figura que me recordo de ver, há alguns anos, em anúncios de lingerie ou em desfiles de moda — é Adriana Sklena%íková, a ex-mulher do antigo internacional francês Karembeu, eslovaca e em tempos recordista das pernas mais longas do mundo. Respirando agora o ar puro da manhã, tento manter conversa com um veterano da guerra com o lado esquerdo do casaco coberto de medalhas soviéticas e fico depois, por longos minutos, observando apenas as famílias que prestam a sua homenagem aos mártires do genocídio,

benzendo-se e rezando em frente ao monumento que lhes presta homenagem. Do interior chegam-me ainda os cânticos mas eu desloco a minha atenção para o segundo piso da residência do pontífice de Echmiadzin, à procura das portas de aço que guardam a tábua de ónix e sobre a qual se encontram gravadas em ouro de 20 quilates as 36 letras originais do alfabeto arménio, as mesmas que, para o povo, permitem manter um diálogo com Deus e continuar a resistir como nação independente. Aos domingos, o chefe espiritual da igreja deste Estado dentro de um Estado abandona por momentos a residência e dá a sua benção aos fiéis. Aqui e acolá, alguns deles beijam o solo.

Retiros de paz Deixo Ierevan para trás e Sevan recebe-me, uma hora depois, com uma luz mortiça que parece realçar a beleza do lago que contém 80% dos recursos hídricos do país (sem petróleo e sem gás) e está situado a quase dois mil metros acima do nível das águas do mar. Já não tenho pressa, como quando por aqui passei, acompanhado pelo melhor piloto do mundo. Agora, sou eu que defino o meu ritmo, mais pausado, com tempo para errar pelas margens do lago que é a praia dos arménios no Verão, pelo Sevanavank, o mosteiro

fundado no final da primeira metade do século XIX quando Sevan era uma aldeia russa conhecida por Elenovka, pelo cemitério de Noraduz, com as suas típicas khachkars, as cruzes talhadas em pedra em forma de lápides que estão por todo o lado, e as anciãs que se sentam nos túmulos e fazem gorros de lã para os familiares e os poucos turistas que se acercam deste lugar que parece ter vida. O ritmo não se altera em Dilijan, uns dias depois, por entre uma natureza generosa; caminho por trilhos onde nada se ouve a não ser o restolhar das folhas e o trinar dos pássaros até chegar à igreja de Surp Grigor e ao mosteiro de Jukhtakvank, ambos do século XI, pelas ruas empedradas e as casas elegantes do centro histórico da vila, também de pedra e com alpendres e varandas em madeira. Dilijan é o meu retiro, como foi, noutros tempos, sob o domínio soviético, de compositores, de realizadores de cinema e de escritores. Tenho tempo para meditar, para reflectir sobre esse paradoxo de ver o monte sagrado e não o poder tocar, como alguém que, tendo casa própria, tem de se limitar a ficar à porta. Sim, Tatev Sananyan, prometo voltar para ficar durante horas a olhar o Ararat, como quem espera ver Noé largar uma pomba que um dia regressa à arca com um ramo de oliveira no bico.


Guia prático

Não há voos directos entre Portugal e a Arménia mas diferentes companhias aéreas têm ligações a Ierevan, como a KLM ou a Air France. Como alternativa, mais em conta (com a Turkish Airlines), pode voar até à Geórgia e, uma vez em Tbilissi, recorrer às marshrutky, estacionadas em frente ao terminal de Ortachala, para chegar à capital arménia.

Em Dilijan, numa réplica da atmosfera da vila no século XIX, tente o Haykanoush, na Sharambeyan Poghots, com pratos que incluem o borrego estufado, confeccionado com pêssegos — no Inverno substituído por frutos secos — ou souboereg, uma mistura de massa e queijo. Na península de Sevan, sem vista para o lago homónimo mas ainda mais barato, entre os quatro e os sete euros, não passe ao lado do Ashot Yerkat, um restaurante especializado em kebabs e truta.

QUANDO IR

ONDE DORMIR

Qualquer altura é boa para visitar um país conhecido pelos muitos dias de sol que proporciona ao longo do ano. Com quatro estações bem definidas, a Arménia beneficia de um clima continental, com verões secos e soalheiros, entre Junho e meados de Setembro, registando temperaturas entre os 22 e os 36 graus, dependendo do lugar onde se encontre — no vale de Ararat os termómetros atingem com facilidade os 40, da mesma forma que baixam consideravelmente durante o Inverno. As primaveras são curtas e os outonos longos, a neve cai no Inverno, ao contrário da chuva (em média os meses de Dezembro, Janeiro e Fevereiro estão entre os mais secos ao longo do ano, e Maio é aquele em que ocorre, por norma, maior precipitação).

Na Hanrapetutyan Hraparak, a Praça da República, em Ierevan, o Armenia Marriott Hotel (www. marriott.com), possibilita, pelo menos desde alguns dos quartos, uma panorâmica soberba sobre o monte Ararat, com preços a rondar os 150 euros para um duplo. Em Dilijan, a cinco quilómetros do terminal de autocarros, pode optar pela Casa dos Compositores (30 euros por noite), que acolheu Khachaturian, Shostakovich e Prokofiev, e, em Sevan, também não faltam opções a preços razoáveis. No Inverno, alguns hotéis encerram as suas portas — aproveite para dormir num domiki, os contentores tão populares na Arménia como forma de alojamento.

COMO IR

ONDE COMER Em Ierevan, experimente o Dolmama’s, no número 10 da Pushkin Poghots, não raras vezes ocupado pela elite política e convidados (convém efectuar reserva) e com refeições à volta dos 20 euros e uma cozinha tradicional.

quilómetros até ao mosteiro Geghard (à falta de transportes públicos, pode sempre tentar uma boleia), que se encontra ao fundo de um vale e é um exemplo notável (ainda se prestam cultos pagãos) de arquitectura rupestre e Património Mundial da UNESCO. Em Ierevan, visite o fantástico Museu Nacional e a Galeria de Arte Nacional, ambos na Praça da República; a fábrica do famoso brandy local, atravessando a ponte Haghtanak, e a Mesquita Azul, na Mesrop Mashtots Poghota e a única sobrevivente das oito que existiam na cidade no início do século passado, mas também

a Surp Grigor Lusavorich, a moderna catedral mandada construir para celebrar os 1700 anos de Cristianismo na Arménia e consagrada em 2001, bem como a igreja Zoravar, próxima da Parpetsi Poghots, e a pequena Katoghike, na esquina da Sayat-Nova Poghota com a Abovyan Poghots, uma capela do século XIII descoberta quando, em 1936, os soviéticos destruíram uma igreja mais recente que se erguia no local.

INFORMAÇÕES

passaporte com uma validade de seis meses para entrarem na Arménia. A moeda é o dram arménio — 510 correspondem a um euro. A língua oficial é o arménio, conhecida em todo o mundo como o hayeren, mas entre a população mais jovem é fácil encontrar quem fale inglês. Se também pretender visitar o Azerbaijão, como complemento a uma incursão pela Arménia, tenha em conta que um carimbo no passaporte desta última inviabiliza a entrada no primeiro.

Os cidadãos portugueses apenas necessitam de apresentar o

winestore

A VISITAR A menos de meia hora de marshrutky de Ierevan, em Garni, não desperdice a oportunidade de contemplar o templo helenístico dedicado ao Deus Mitra, construído no século I pelo rei Tirídates e, mais tarde, com a conversão ao cristianismo, transformado em residência de Verão da família real. De Garni (onde pode adquirir as famosas compotas caseiras, entre elas a vartanush, feita com pétalas de rosa), são apenas nove FUGAS | Público | Sábado 10 Dezembro 2016 | 19


Crítica gastronómica Torreão

Um bom exemplo, da cozinha à intervenção social

Espaço elegante, cozinha tradicional cuidada e uma localização histórica e deslumbrante sobre o Douro. Além de restaurante, é também a face de um trabalho de intervenção social de enorme mérito. Dá gosto e satisfação. José Augusto Moreira (texto) e Nelson Garrido ( fotos)

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N

o meio do turbilhão que anima o centro do Porto, o restaurante Torreão destaca-se por três razões principais: cozinha tradicional cuidada e bem apresentada; localização privilegiada, com terraço e vistas deslumbrantes sobre o Douro e a zona histórica; um projecto de economia social absolutamente exemplar. Sim, não se trata de mais um negócio de restauração — que não deixa, também, de o ser —, vai muito para além disso. É uma das vertentes de um plano de intervenção social que já tirou da rua e das várias dependências cerca de 200 de pessoas. O exemplo acabado de ensinar a pescar em vez de dar o peixe.

Depois da fase de regeneração e dos adequados cursos de formação, são os próprios utentes que fazem agora funcionar o restaurante. Com excepção do chef, Carlos Correia, todo o pessoal passou por esse percurso e é no mínimo gratificante ver como tudo funciona. Mas vamos à mesa, que é o que aqui nos traz. A lista, que tem a evidente preocupação de não se alongar, é complementada com uma mais alargada opção de entradas. “Para começar” são generosas minidoses que vão da alheira de Trás-osMontes às tripas à moda do Porto, passando ainda por coisas como por rojões com castanhas, costelinhas de porco preto em vinha de alhos, cogumelos, queijos e enchidos do Barroso. Preços entre 3,50€ e 9€. Começamos, então, com uma alheira grelhada de Trás-os-Montes (4,50€), cogumelos selvagens e redução de vinho do Porto (9€) e ovos

escalfados com ervilhas (4,50€). A par do evidente cuidado com a origem e qualidade dos produtos, confecção cuidada e apresentação elegante. Destaque para os grelos que acompanharam a alheira, viçosos, aromáticos e de saboroso amargor. Para continuar, os filetes de polvo com arroz do mesmo (18€) deram muito boa conta de si. Octópode no ponto certo de cozedura, macio e de leve resistência ao dente, polme crocante, e um arroz levemente humedecido e de grão aberto. Equilíbrio, sabor e bom trabalho de fogão. Como já pouco se vê, o lombo de bacalhau de cura amarela assado (22€). Não é barato, mas faz toda a diferença. Fibroso, lascas firmes e gelatinosas, é assado no forno com batatinhas redondas em cama de cebola, como era de tradição mas já raramente de encontra. Grande aplauso, portanto. Provou-se ainda o folhado de caça com puré de maçã (18€). Execução culinária rigorosa e, mais uma vez, evidente preocupação com a origem e qualidade dos produtos num conjunto harmonioso, mesmo tendo em conta a escassa variedade dos espécimes de caça. Nos pescados, as propostas incluem ainda um risotto de tamboril e gambas com coentros e hortelã, bacalhau em crosta de broa e espetadas de atum marinado em ananás, com preços entre 13€ e 18€. Na parte cárnica, bochechas de porco preto confitadas com puré cremoso de grão de bico, espinafres, coroa de borrego com molho de mel e figos e couscous de sultanas, costeletão angus com molho mirandês, naco de vazia com molho de mostarda e tomate seco, e pernil de porco fumado com puré de batata doce, completam a oferta. Preços a oscilarem entre 13,50€ e 19€, com excepção do costeletão (2 pax), que custa 34€. A carta propunha ainda uma sopa de castanhas com cogumelos (6€) e também, como solução para vegetarianos, alheira vegetariana (4,50€) e caril de espargos verdes e caju (9,50€). Nos doces, as propostas são no mínimo tentadoras: mousse de requeijão com doce de abóbora, ovos moles das Virtudes, pudim de chila


e cidrão, tarte de limão, azeite e sal marinho, e chocolate geométrico, com as doses a custarem entre 4,50€ e 6€. Boa opção é o mix conventual (12,50€), que traz um pudim Abade de Priscos, duas fatias de lampreia de ovos e dois ovos moles das Virtudes. Tudo muito bem confeccionado e em quantidade que dá para satisfazer bem mais que as duas pessoas que se aconselham na carta. Nos vinhos é claramente assumida a opção de contenção, apenas com propostas do Douro e alguns Verde brancos. É que a racionalidade manda e todos os custos e investimentos são minuciosamente calculados. O restaurante é para dar lucro e as suas receitas são preciosas para o funcionamento das

valências de apoio social do SAOM — Serviços de Assistência Organizações de Maria, a Instituição Particular de Solidariedade Social que lhe está associada. A par da cozinha cuidada, o Torreão cativa ainda pela elegância e enquadramento. Entra-se por um terraço lateral do palacete granítico da Rua das Virtudes e, ao fundo, ergue-se o torreão, uma espécie de torre medieval. No piso de entrada está a elegante recepção; a sala de refeições, com apenas cerca de trinta lugares, acomoda-se em dois espaços complementares do primeiro andar, onde umas escadinhas dão acesso ao terraço de vistas esplendorosas que funciona com o espaço de bar e onde se servem também

TORREÃO Rua das Virtudes, 11 5050-630 Porto Tel.: 919 471 037; 222 002 424 www.torreao.pt www.facebook.pt/ restaurantetorreao/ Fecho semanal: domingo. Estacionamento: complicado, a melhor solução é o parque Cordoaria/Palácio da Justiça.

refeições em tempo adequado. A construção é, de facto, do século XIV e está incrustada num troço da muralha fernandina que só é visível subindo ao terraço. Só por isso, e pelas vistas sobre o Douro e o velho casario, já justificaria a visita. Como enquadramento histórico, acrescente-se que foi no terraço deste torreão que esteve montada uma das baterias de defesa que ajudaram a manter inviolável a cidade durante o Cerco do Porto. Apesar da sobriedade, a decoração é elegante e nota-se o esforço de enquadramento do serviço. Atendendo aos seus percursos de vida, dá gosto ver o brio, empenho e satisfação com que se esforçam no desenvolvimento das funções. Por

nós, temos que o dizer, houve até uma pontinha de emoção. E o que de mais gratificante podemos ter numa refeição quando à boa cozinha se associa o elemento emocional? O projecto “Dar Sentido à Vida”, assim é denominado, acaba de ser distinguido pelo IAPMEI, Agência para a Competitividade e Inovação com o 1.º Prémio na área de Empreendedorismo Responsável e Inclusivo, mas outras se seguirão certamente. Além da gratidão enquanto cidadãos, este Torreão proporciona-nos, assim, dupla satisfação: a dos prazeres da mesa e a de contribuir para um projecto de intervenção social que é a todos os títulos exemplar.

FUGAS | Público | Sábado 10 Dezembro 2016 | 21


Vinhos que contam histórias Rui Falcão

A escolha certa

crise económica é uma realidade palpável e indubitável, uma evidência do nosso quotidiano que o tempo parece não conseguir atenuar. A palavra crise há muito que se inscreveu no léxico diário colectivo nacional, impondo racionalidade nos gastos e tempero nas decisões, condicionando assim qualquer assomo de loucura económica no momento da compra do vinho. Parecem estar afastados, pelo menos no horizonte mais próximo, os casos de histeria colectiva que caracterizaram um período no tempo durante o qual os portugueses se acharam ricos, gastando autênticas fortunas em vinhos vendidos a preços inflacionados e sem correspondência com a qualidade ou com a realidade. Enfim, pelo menos até que os primeiros sinais da recuperação de confiança possam despertar de um sono que se prevê prolongado, embarcando de novo em aventuras de risco elevado. Vivemos hoje numa época onde impera algum bom senso, uma ponderação que nos foi imposta pelas circunstâncias e que obriga a alguma prudência e sensatez nos gastos não essenciais. E convém sempre relembrar que o vinho está muito longe de poder ser considerado um bem essencial. Depois dos desvarios de um passado recente que vivia refém do lançamento de novidades constantes, sem qualquer capacidade de fidelização e com preços sempre em alta, eis que nos vemos chegados à fase da maturidade, ao remanso de uma época que em vez do desvario prefere as apostas seguras. Vivemos numa época que privilegia as compras acertadas e razoáveis, em que a racionalidade começa finalmente a superar a futilidade e o sintoma de novoriquismo. Nunca como hoje vivemos numa obsessão tão intensa pelas melhores relações

PAULO PIMENTA

A

qualidade/preço. Sim, é verdade que em alguns casos o preço acabou por ser tão esmagado que a dignidade e viabilidade financeira dos produtores começa a ser questionada. Mas entre muitas injustiças podemos igualmente encontrar vinhos espantosos vendidos a preços mais que justos e razoáveis para produtores e consumidores. E isso é realmente o que todos desejamos encontrar, vinhos simultaneamente interessantes e acessíveis, sensatos no preço e certeiros e consistentes na qualidade, vinhos que possamos comprar sem correr o risco de desmaio financeiro. A maioria dos vinhos que se enquadra neste perfil não são necessariamente vinhos de meditação com predicados que os coloquem entre a elite dos vinhos do mundo. Mas em contrapartida são vinhos muito bem feitos, irrepreensíveis na qualidade e na consistência, agradáveis e harmoniosos, com frequência produzidos em quantidades razoáveis que os tornam fáceis de encontrar nas prateleiras, vinhos capazes de proporcionar alegria pela qualidade e originalidade, vendidos a um preço acessível.

22 | FUGAS | Público | Sábado 10 Dezembro 2016

Entre as estrelas maiores desta categoria de vinhos brilha com lume próprio o Muralhas de Monção, um branco verdadeiramente extraordinário da Adega Cooperativa de Monção que nos acompanha há três décadas. Para além de acessível no preço, o Muralhas é produzido em quantidades muito razoáveis, estando presente em praticamente todas as lojas, supermercados e restaurantes de Portugal. Mais que um vinho de Verão, o Muralhas é não só um dos bons brancos nacionais, como um refúgio seguro na restauração. Porém, e convém ressalvar este aspecto, o Muralhas é, acima de tudo, um excelente vinho branco que vale por si próprio, sem necessitar do factor preço para merecer ser considerado. Mas há muitos outros vinhos que ostentam o predicado sempre desejado da excelente relação qualidade/preço. Se pensarmos em regiões, mais que em produtores, então o nome que prende a atenção será a Península de Setúbal, fruto de um grupo alargado de produtores que oferecem qualidade e consistência embrulhados em produções

avantajadas e preços francamente acessíveis. Basta pensar em nomes como Ermelinda Freitas, Adega de Pegões, José Maria da Fonseca ou Bacalhôa. Estes quatro produtores não detêm o exclusivo destes atributos, mas são seguramente os representantes mais claros desta aposta da região. Qualquer um destes quatro produtores apresenta vinhos de belíssimo recorte que entusiasmam pela bondade e apuro de execução. Qualidades que são verdadeiras para os vinhos brancos, rosados e

O Muralhas de Monção é um branco extraordinário que nos acompanha há três décadas

tintos, mas que em determinados casos são extensíveis aos estrondosos Moscatel que a região produz. Nesse capítulo voltam a brilhar alto a José Maria da Fonseca e a Bacalhôa, recebendo a companhia da Casa Horácio Simões, que brilha igualmente nesta categoria. Lisboa é outra das regiões que se vangloria dos preços baixos com qualidade elevada, em grande parte por mérito de produtores como a casa Santos Lima ou a DFJ de José Neiva. Talvez a associação seja menos imediata e muitos se esqueçam da região, mas Colares é uma das regiões históricas de Lisboa que prima pela excelência de preços associada a uma qualidade elevada e a um estilo invulgar que confere uma originalidade sem par aos vinhos desta região ímpar. Vale a pena perder tempo na perseguição de vinhos como os invulgares Arenae ou os impressionantes Viúva Gomes da Silva. Convém ter em atenção que não são vinhos fáceis e que isso se percebe desde a primeira aproximação na total ausência de fruta, na salinidade e nas notas terrosas que estão omnipresentes. São vinhos que estão nos antípodas dos vinhos modernos, tecnológicos e formatados, antepondo carácter, autenticidade, franqueza e a sensação de serem fiéis ao local onde nascem. São vinhos de carácter forte e isso nem sempre é compreendido. O duriense Vallado é outra das celebridades deste capítulo, oferecendo a segurança de beber um vinho admirável a preços mais que comedidos. Nestas matérias de vinhos acertados nos preços convém não esquecer os vinhos generosos, parágrafo onde Portugal ascende à excelência. As melhores escolhas são geralmente encontradas nos vinhos de 10 e 15 anos da Madeira, bem como nos Colheita. Nos Moscatel de Setúbal a escolha recai sobretudo nos 5 e 10 Anos que são vendidos a preços verdadeiramente modestos. No Vinho do Porto a escolha mais acertada costuma recair nos LBV, segmento em constante guerra de preços, e nos 10 Anos da maioria das casas.


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Vinhos Provas

55 a 70 71 a 85 86 a 94 95 a 100

Um Dão elegantemente fresco e arrebatador

QUINTA DO PENEDO TINTO 2012

90

N

o passado dia 19 de Novembro, a Messias fez 90 anos. Não é uma data redonda, mas são poucas as empresas nacionais que conseguiram manter-se no negócio durante tanto tempo. Nascida na Bairrada, onde possui as caves e 160 hectares de vinha, dos quais 70 são destinados à produção dos vinhos Quinta do Valdoeiro, está hoje também presente noutras regiões do país, com destaque para o Douro e o Dão. No Douro, já é um player com algum peso e história, sendo detentora de 130 hectares de vinha e produzindo vinho do Porto há mais de 50 anos. Há menos tempo, começou também a produzir DOC Douro com a marca Quinta do Cachão. A aposta no Dão deu-se no ano 2000, com a aquisição de quatro propriedades. É de uma delas, da Quinta do Penedo, com 20 hectares de vinha, que vem o vinho desta semana, um tinto de 2012 feito de Touriga Nacional e Alfrocheiro. Provámo-lo em confronto com o Quinta do Valdoeiro do mesmo ano, lote de Baga, Syrah, Touriga Nacional e Cabernet. Tem pouco de Bairrada na sua composição e os 14% de álcool remetem este tinto para paragens mais quentes, mas não deixa de ser um vinho cheio de vigor tânico, muito sólido e com uma grande e refrescante acidez. O Quinta do Penedo 2012 é de outra estirpe. Possui apenas 12% de álcool e o nível de acidez não é tão elevado. Porém, tem aquilo que distingue os vinhos bons: equilíbrio, harmonia. Tem tudo muito bem integrado — madeira, taninos, acidez, álcool — e possui aquele frescor de natureza mineral típico dos vinhos tintos do Dão. Um frescor (não acidez alta) que se sente no centro da boca e se prolonga de forma precisa até ao retrogosto. Pela intensidade, até parece menos vinho do que o Quinta do Valdoeiro — e é possível que este tenha muitos mais adeptos. Mas, na nossa opinião, a elegância e a finesse do Quinta do Penedo são muito mais apelativas e arrebatadoras. Pedro Garcias

Companhia Vinhos Messias Castas: Touriga Nacional e Alfrocheiro Graduação: 12% vol Preço: 5,99€

Proposta da semana

QUINTA DO MONDEGO BRANCO VIDIGUEIRA ROSÉ 2015 2015

VALLE PRADINHOS ROSÉ 2015 QM ALVARINHO HOMENAGEM 2015

84

88

Adega Cooperativa da Vidigueira, Vidigueira Castas: Aragonez e Touriga Nacional Graduação: 12,5% vol Região: Alentejo Preço: 2,99€

Casal de Valle Pradinhos Macedo de Cavaleiros Castas: Touriga Nacional e Aragonez Graduação: 12% vol Região: Trás-os-Montes Preço: 7€

Por que razão os vinhos das cooperativas têm que ser tão baratos? Haverá maior admissão de falta de qualidade do que o preço baixo? Este rosé da Adega Cooperativa da Vidigueira é anunciado como sendo da gama média da casa e tem um PVP de 2,99 euros. E a produção foi de apenas 10 mil garrafas. Não há sócios que se indignem? O vinho é agradável, tem um aroma de frutos vermelhos (e algum floral) muito efusivo, a acidez é boa, não há açúcares nem álcool a mais, está tudo bem equilibrado, bebe-se com bastante prazer e não cansa à mesa. Devia custar mais. P.G.

Feito com as mesmas castas do Rosé da Vidigueira (ver prova ao lado), tem um perfil completamente diferente, que resulta do clima transmontano, bastante mais frio. Não é tão maduro, nem tão exuberante no aroma. É fino, com delicadas sugestões florais e de frutos vermelhos agridoces. Sensações que se prolongam na boca, onde é evidente o lado fresco e exaltante deste rosé. Muito bom. P.G.

88 Fontes da Cunha, Nelas Castas: Encruzado e Gouveio Graduação: 13% vol Região: Dão Preço: 7€ Lote de Encruzado (66%) e Gouveio. A parte do Encruzado fermentou e foi sujeita a batonnage em barrica; a do Verdelho passou só por inox. Uma fermentação conjunta é sempre a melhor opção, porque optimiza a integração do vinho. Mas o resultado obtido é interessante. A madeira está muito bem envolvida e o que prevalece são os aromas e os sabores das castas: fruta branca e notas florais do Encruzado, fruta cítrica do Gouveio. Fruta toda ela madura. É um branco vivaz e fresco que se bebe com muito prazer. P.G.

85 Quintas de Melgaço Graduação: 12.5% Região: Vinhos Verdes Preço: 24,90€ O volume e a sedosidade deste Alvarinho são as suas marcas mais vincadas. No nariz, há espaço para o aroma de fruta bastante intenso e atraente, mas na boca essa expressão da casta perde relevância em detrimento de uma certa secura. É, portanto, um Alvarinho sui generis, com estrutura, fresco e bom para a mesa, cheio e persistente. Um pouco daquela mineralidade única da casta cultivada em Monção e Melgaço atirá-lo-iam para outra dimensão. M.C.

Os vinhos aqui apresentados são, na sua maioria, novidades que chegaram recentemente ao mercado. A Fugas recebeu amostras dos produtores e provou-as de acordo com os seus critérios editoriais. As amostras podem ser enviadas para a seguinte morada: Fugas - Vinhos em Prova, Praça Coronel Pacheco, n.º 2, 3.º 4050-453 Porto

24 | FUGAS | Público | Sábado 10 Dezembro 2016


De porta aberta Cafetaria Village

Jantar num autocarro nos céus de Lisboa

Mais bares em fugas.publico.pt

CAFETARIA VILLAGE Rua Primeiro de Maio, 103, Lisboa, Alcântara Tel.: 911 115 533 https://www.facebook.com/ cafetariavillage/

Horário: Jantares às sextas e sábados a partir das 20h. A Cafetaria Village está aberta também todos os dias das 12h às 18h para almoços e brunch aos sábados e domingos.

Preços: Prato a 11 euros, sobremesas a 4 euros, copo de vinho a 2,5, cerveja a 3 e cocktails a 6 euros.

Em Lisboa, pensaram os dois sócios, o que faria sentido seria utilizar eléctricos. Perguntaram à Carris se havia essa possibilidade, mas não havia. No entanto, foi-lhes apresentada uma alternativa: e porque não um autocarro? Sim, porque não? Hoje — e desde Junho de 2014 — têm não um, mas dois autocarros de dois andares plantados em cima de contentores. O interior foi transformado pela artista plástica Joana Astolfi, que ajudou na adaptação que implicou ali instalar uma cozinha completa, mantendo ao mesmo tempo o estilo original que nos transporta de volta aos anos 1960. A cafetaria surgiu inicialmente para que quem trabalha nos contentores tivesse um lugar para tomar o pequeno-almoço e almoçar, mas abriu-se ao público em geral que ali quisesse ir comer num lugar original e com vista privilegiada para a Ponte 25 de Abril. O outro autocarro, “estacionado” num contentor mais à frente, é alugado para reuniões de empresas ou de grupos

e, tendo um ecrã, serviu também já para uma noite especial com sessão de cinema programada pelo crítico Rui Tendinha e jantar, na cafetaria, feito pelo chef Tiago Bonito. Foi também aqui que o projecto de jantares temáticos Silver Spoon fez a sua estreia em Portugal. E este autocarro nos céus recebeu ainda os “jantares improváveis” cozinhados pelos actores Lúcia Moniz e Filipe Vargas. A partir de agora, os jantares de sexta e sábado estarão a cargo de Martim Figueiredo, mas isso não significa que o Village Underground não continue aberto a outros desafios. Ideias fora da caixa — ou, neste caso, em cima do contentor — são bem-vindas. Um aviso para quem não conhece o local: há uma cancela e segurança à entrada, mas, como dizem os responsáveis do Village Underground, “não se intimide, é tudo pelo seu conforto”. E com a grande vantagem de se poder estacionar o carro à porta… do autocarro. Alexandra Prado Coelho

FOTOS: FÁBIO AUGUSTO

P

assamos o portão que dá acesso à Estação de Santo Amaro, em Alcântara, Lisboa, e avançamos por entre os edifícios até ao fundo. À nossa esquerda, carris enferrujados empilhados uns sobre os outros. Ao fundo, um autocarro desponta entre as nuvens. É para aí que vamos. A Cafetaria Village, que pertence ao projecto Village Underground Lisboa, situado dentro deste espaço pertencente à Carris (e onde se pode visitar também o Museu da Carris), não é uma novidade na cidade. Já muita gente por ali passou para almoçar, tomar um brunch ou participar em algum dos jantares especiais que ali foram sendo organizados. A notícia é que desde o início de Dezembro a Cafetaria Village serve também jantares todas as sextas-feiras e sábados. Ou seja, pode-se jantar num autocarro que se ergue contra os céus de Lisboa, assente sobre um dos contentores cheios de desenhos coloridos que compõem o Village Underground, espaço de coworking com ligação às indústrias criativas. Todas as semanas haverá um menu diferente, dividido por regiões do mundo — foi esta a proposta de Martim Fevereiro, que faz habitualmente caterings e que será o responsável pelos jantares na Cafetaria Village. O primeiro fim-de-semana (que já passou) teve como tema a América, com moqueca de camarão e arroz selvagem ou chili com carne com basmati de coentros. Há sempre também um prato vegetariano, que neste caso foram empanadas veggie com esparregado de cenoura e beterraba. Este fim-de-semana é dedicado a África, com frango à angolana com esparregado ou moamba de peixe com basmati de coentros e uma opção vegetariana de seitã com molho de coco e óleo de palma. Na próxima semana a estrela será a Ásia, com caril de frango com basmati de coentros, tataki de atum com molho de lima e soja com batata doce, e legumes salteados com chutney de manga e esparregado de brócolos. Na última semana de Dezembro chega a vez da Europa, que se apresenta

sob a forma de lombinhos de porco Wellington com batatinhas no forno com paprika, bacalhau com broa e farinheira e ratatouille com couscous de açafrão. Nos meses seguintes, a ordem dos continentes irá rodar. Foi há cerca de dois anos que Ma-

riana Duarte Silva e Tom Foxcroft decidiram criar em Lisboa um projecto semelhante ao Village Underground que existe em Londres. “A ideia em Londres foi ter espaços de coworking aproveitando antigas carruagens de metro desactivadas”, conta Mariana.

FUGAS | Público | Sábado 10 Dezembro 2016 | 25


As fugas dos leitores Pelo Norte da Noruega até ao cabo Norte Há já alguns meses que planeava ir ao ponto mais a norte da Europa Continental. Há dois anos fiz a minha primeira viagem à Noruega e desde então ficou a curiosidade por chegar ao cabo Norte. Fui em Setembro. Tendo deixado Lisboa num dos dias mais quentes de 2016, chego a Tromsø com 8º C. O clima, a neve no topo das montanhas, os casacos e luvas mostraram como é bem diferente o Verão no Árctico. Em Tromsø, a capital do Árctico, vivia-se um ambiente de final de época alta, numa altura em que os longos dias de Verão já tinham terminado. Tromsø seria o ponto de partida para uma viagem até ao extremo setentrional da Europa. No dia seguinte fui levantar o automóvel que tinha alugado e logo pela manhã parti para Alta, a capital da Finnmark, a região mais a norte da Noruega. Para Alta, optei pelo caminho mais curto e mais panorâmico, mas que envolve apanhar dois ferries: primeiro Breivikeidet-Svensby e depois de Lyngseidet para Olderdalen. À saída de Tromsø fica-se logo com a sensação de que estamos numa das zonas mais isoladas da Europa, mas com uma natureza ímpar. A partir de 31 de Agosto, o horário dos ferries é mais reduzido — tenho que apanhar o ferry das 10h em Breivikeidet para conseguir chegar a Alta ainda de dia. Já nos ferries, enquanto atravessamos os fiordes, a maior sensação é o silêncio, que ajuda a contemplar a magia daquele lugar. Na varanda do ferry entre Lyngseidet e Olderdalen éramos os únicos passageiros, e em todo o barco não seríamos mais do que dez pessoas. Após chegar a Olderdalen, segui pela estrada E6 até Alta, contornando vários fiordes, numa viagem de mais de cinco horas, com paragem para almoçar, para fotografar as paisagens de Øks ord e com constantes reduções de velocidade, pelas inúmeras invasões de renas na estrada. Alta é uma pequena cidade na Finnmark, mas uma paragem

InstaFugas

importante a caminho do cabo Norte, onde acabei por passar a segunda noite da viagem. No dia seguinte, antes de continuar viagem para Norte, tinha que visitar o Museu Rupestre de Alta - World Heritage Rock Art Centre. Com arte rupestre esculpida nas rochas do Fiorde de Alta, numa área total de três quilómetros, o Museu de Alta é uma paragem única e obrigatória, onde também podemos observar o museu de arte sami, o povo indígena da Noruega. De Alta ao cabo Norte são mais três horas de viagem — em metade do percurso já contornamos o mar de Barents, no Oceano Glaciar Árctico. Antes de chegar ao cabo Norte, é visita obrigatória a vila de Honningsvåg, com o seu porto de pesca e o bar de gelo. Nesse dia, a minha paragem para dormir seria na vila piscatória mais a Norte da Europa, Skarsvåg. Após o jantar, percorri os 13 quilómetros que separam Skarsvåg do cabo Norte. A chegada ao Cabo Norte é um momento único, de quem está no ponto mais a Norte da Europa, com uma latitude 71º 10’ 21’’, e de quem tem o Oceano Glaciar Árctico como única fronteira norte. No outro dia de manhã, voltei ao cabo Norte para visitar o Museu e Centro de Atendimento e assistir a vários documentários sobre o Nordkapp. No dia seguinte, quando já regressava ao Sul, decidi ir até Havøysund pela sua National Route, uma das estradas mais panorâmicas do Norte da Noruega, que contorna o mar de Barents, numa distância de cerca de 70 quilómetros até à pequena e calma vila de Havøysund. Aí, subi até ao

Arctic View, onde a vista sobre as ilhas Rolvsøy, Ingøy e Hjelmsøya é deslumbrante. Após o almoço, segui até Hammerfest, a última paragem antes de voltar a Tromsø. Hammerfest, onde cheguei a meio da tarde, é uma calma e simpática cidade, que muito se orgulha de ser a cidade mais a norte do mundo. À noite, após o jantar, Hammerfest tornou-se mágica, quando começaram a surgir as primeiras auroras boreais. Era a primeira noite em toda a viagem em que conseguia ver auroras boreais, peguei no carro e afastei-me do centro da cidade, indo para a zona mais alta, longe das luzes da cidade. Durante cerca de uma hora, deslumbrei-me com a magia das luzes do Norte que apareciam no horizonte e se tornavam cada vez mais fortes, tornando única e inesquecível aquela noite. No dia seguinte, estava na hora de voltar para Tromsø. Regressei no cruzeiro Hurtigruten, que liga Hammerfest a Tromsø em onze horas. A paisagem é única e não me cansei das horas que foram passadas no barco. A bordo a animação não parava, naquela que é considerada “a mais bela viagem do mundo”. No entanto, o melhor estava lá fora, onde o frio não intimidava a desfrutar da viagem na varanda do 9.º andar. Chegado a Tromsø à meianoite, ainda havia muito para explorar no dia seguinte. Visitei a Polaria — o aquário onde é possível ver espécies do Oceano Glaciar Árctico, assistir ao show de focas e ainda ser alertado para os perigos do aquecimento global —, e o teleférico de Fjellheinsen. Deu ainda para explorar o Polarmuseet, que retrata a vida no Árctico e várias expedições realizadas para atingir o Pólo Norte, bem como a Arctic Cathedral. A viagem ao Ártico acaba onde começou, em Tromsø, com a certeza de que a Noruega é um país que nunca me pára de surpreender. Miguel Romana

Os textos, acompanhados preferencialmente por uma foto, devem ser enviados para fugas@publico.pt. A Fugas reserva-se o direito de seleccionar e eventualmente reduzir os textos, bem como adaptá-los às suas regras estilísticas. Os melhores textos, publicados nesta página, são premiados com um dos produtos vendidos juntamente com o PÚBLICO. Mais informações em fugas.publico.pt

26 | FUGAS | Público | Sábado 10 Dezembro 2016

#FUGADOVIAJANTE Esta tag diz-lhe alguma coisa? A Fugas (@fugaspublico) está à procura das melhores fotos de viagem. Siga a conta e partilhe os melhores instantâneos das suas férias com a #fugadoviajante.

@zevitro

“Porto, uma cidade que encanta, que inspira. O Porto é o olhar atento de todas as pessoas que rodeiam os passeios longínquos e que nos fazem escutar o baralho das gaivotas que sobrevoam os ares portuenses. As amizades que aqui se criam são as que perduram.”

@ccarvalhal

“Em Agosto de 2015, eu e mais três amigas decidimos fazer uma road trip pela América do Sul. Foram três semanas de aventuras pelo Peru e pela Bolívia de autocarro. A foto foi tirada durante uma viagem de três dias de jipe pelo fascinante deserto do Salar de Uyuni.”


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Motores Todo-o-terreno

O dia em que Fronteira não dorme O ano das competições lusas de todo-o-terreno voltou a fechar com Fronteira, onde uma vez por ano e durante 24 horas não se prega olho. Carla B. Ribeiro

N

ão faz parte do Campeonato Nacional, mas não há quem queira ficar de fora de um evento que, ao fim de 19 edições, já se tornou n’ “a festa do todo-o-terreno”, este ano organizado pelo Automóvel Clube de Portugal (ACP) com o apoio do município fronteirense. Em prova, há pilotos profissionais, com carros e boxes apetrechados a preceito, amadores que fazem questão de marcar pela diferença das suas viaturas, como era o caso de um táxi, amigos apostados numa aventura diferente com veículos transformados da forma mais doméstica possível. Fora de pista, há centenas que enfrentam o lamaçal (no caso deste ano; há edições em que é o imenso pó que marca presença) para viver um fim-de-semana diferente e que coloca a pequena vila de Fronteira, no distrito de Portalegre, de vigília durante 24 horas. Depois há os outros. Os que, com a pista de Fronteira vedada, decidem fazer uma festa à parte, rumando à vila fazendo uso dos muitos trilhos que cruzam o Alentejo, trocando a segurança do asfalto pelos caminhos que cruzam propriedades, a maioria de privados, mas cujos donos mantêm as cancelas abertas para que se possa desfrutar de caminhos únicos. Foi o caso da Fugas, que seguiu à boleia da caravana do Clube Todo-oTerreno, que reunia duas centenas de carros, entre jipes que mais pareciam artilhados para percursos de trial, viaturas preparadas para um qualquer Paris-Dakar, 15 velhinhos Datsun (que até se poderia pensar estarem a cair de maduros, mas

que chegaram sãos e salvos, completando o percurso igual a todos os outros), além de alguns SUV como o nosso: um Mazda CX-5 2.2 de 175cv, servido por tracção integral. Curiosamente, o modelo que conquistaria no pódio o lugar da equipa totalmente portuguesa com melhor pontuação seria um Mazda CX-5 Proto: quinto lugar na classificação geral nas 24 Horas TT Vila de Fronteira e a conquista do Desafio Mazda. Já a equipa vencedora foi a do lusofrancês Mário Andrade, com o filho Alexandre e mais três franceses especialistas em provas de resistências ao volante de um protótipo servido por um motor Nissan de 4.0 litros. Depois de enfrentar trilhos acidentados, zonas enlameadas, cortafogos com subidas íngremes, empedrados saltitantes, não é difícil de adivinhar a razão pela qual o CX-5 fez tão boa figura em Fronteira. É que o nosso, a caminho da vila, foi angariando fãs pela forma desenvolta como se comportou. Sobretudo tendo em conta que os SUV construídos pelas várias marcas, numa altura em que este subsegmento continua em franco crescimento nas preferências dos consumidores, são mais pensados e desenvolvidos para enfrentarem alcatrão do que terra. Até pela opção de muitos não chegarem equipados com pneu sobressalente — uma necessidade de cumprir a política do grama assente nas normas de emissões e que fora de estrada pode ser bastante penosa. Mas há sempre grandes remédios para pequenos males, e atravessar o Alto Alentejo é uma experiência cujas amarguras não conseguem apagar o prazer de ver nascer o sol entre o verde ainda tímido com que as chuvas tardias brindaram a região, para regozijo dos animais que vão salpicando a paisagem aqui e

28 | FUGAS | Público | Sábado 10 Dezembro 2016

PRÓXIMA EDIÇÃO As 24 Horas TT Vila de Fronteira decorreram entre os dias 26 e 27 de Novembro; para o ano, ainda não há data mas há que estar atento, uma vez que a capacidade hoteleira à volta esgota muito depressa após a revelação, o que deverá acontecer ainda antes do fim de 2016.

ali. É, aliás, este o maior dos trunfos do todo-o-terreno: levar-nos a sítios onde não seríamos capazes de chegar numa viatura convencional. Assim, vamos conduzindo o nosso CX-5 a bom porto, cumprindo os requisitos do trilho que nos garantiram estar apto para todo o tipo de automóveis e, contrariando a vontade em acelerar, vamos deixando o carro fazer o seu trabalho, gerindo a necessidade de tracção a cada momento. Mas, afinal,

Fronteira não é uma competição de velocidade, para ver quem chega primeiro, mas antes uma prova de resistência, com o objectivo de premiar quem consegue alcançar o fim. É essa a opinião de Rui Cardoso, jornalista que acalenta uma enorme paixão pelo todo-o-terreno e que enfrenta o traçado de Fronteira todos os anos desde a primeira edição: “A prova é decidida durante a noite; quem aguenta até às seis da manhã

quase de certeza que chega até ao fim.” Assim, nem sempre vale de muito acelerar. Como acontece logo à partida que, ao mesmo tempo que entusiasma, assusta. “É preciso ter muito cuidado”, alerta Rui Cardoso, que partilhava os comandos de um Nissan Patrol GR com Armando Coelho e João Pedro Santos. “A pista está muito escorregadia”, acrescentaria a equipa totalmente feminina ao volante de um Suzuki Jimny Troféu que, num ano em que se estreava


FOTOS: DR

nestas lides, também viria a cruzar a meta. Passados os minutos iniciais, porém, rapidamente se consegue observar os mais rápidos em pista, com o amontoado de carros a transformar-se numa fila que vai esticando. E esticando. Até haver três grupos distintos: os mais lestos, no pelotão da frente; os teimosos, que se mantêm no encalço dos primeiros; e os mais vagarosos, que optam por poupar o carro com o objectivo

de fazer mesmo as 24 horas e que ao fim de pouco tempo têm um problema acrescido. Preocuparem-se com os primeiros que já estão colados às suas traseiras prontos para a ultrapassagem. As horas vão passando e a multidão aumenta. Por toda a pista há gente apostada em apoiar os pilotos, mas também carros atascados do público — um facto que, à noite, com a fraca visibilidade, se transforma noutro problema para quem

está a correr. Enquanto isso, junto às boxes não faltam movimentações. Das mais técnicas às mais mundanas: afinal, também há que comer e descansar ao longo destas duras 24 horas. Por isso, além da equipa técnica, há sempre amigos e familiares presentes que se vão ocupando dos petiscos (um churrasco nas traseiras da boxe? Porque não?) e das mais variadas técnicas para manter um espírito caloroso: pode passar por uma salamandra improvisada ou por colunas a debitarem música de festa e que põem toda a gente a dançar. Isto enquanto as viaturas se mantêm a correr. Porque o reboque parece estar em serviço contínuo e a qualquer momento pode entrar o carro pela boxe dentro. Nessa altura, assiste-se a uma dinâmica totalmente diferente. É que há constantemente pneus a mudar, tanques a encher, vidros a lavar (tal a lama que os pilotos chegam a um ponto que já não vêem nada). Ainda assim, tomara a todos que esses fossem os problemas. É que também há motores que simplesmente entram em protesto, recusando-se a funcionar. E transmissões que partem, partes dos carros que se soltam, a precisar de toques de soldadura, filtros que entopem... Um sem-número de contratempos que transformam a área junto à meta numa zona de guerra, com as equipas mecânicas a correr que nem loucas de um lado para o outro. Afinal, desistir sem dar luta não é uma alternativa. E os pilotos vão aguentando com nervos de aço a espera de voltar à corrida. No entanto, mesmo quando se tenta de tudo, há alturas em que não há volta a dar. O sol cai e com este alguns dos panos de algumas boxes descem, qual espectáculo que se finda, com os pilotos a arrumarem as cintas e as botas e a voltarem para casa antes do tempo. Mas nem todos o fazem. Há os que ficam a apoiar quem ainda corre, testemunhando que a solidariedade ainda é o nervo central desta prova em Fronteira. Depois, há ainda os que aproveitam o facto de a festa para eles ter terminado na pista para prosseguirem com os festejos fora dela. Muitas barraquinhas de comidas e bebidas marcam presença no evento, além de que pela vila há vários estabelecimentos que mantêm as

portas abertas até muito tarde. À volta das roulottes vão-se acendendo fogueiras com o objectivo de combater o frio que se abate sobre a vila durante a noite. Os visores do carro até indicam uma temperatura que se poderia considerar amena, mas em Fronteira da temperatura real à sentida vai uma diferença de vários graus, como denunciam as várias camadas de roupa que se vêem a passar. O espírito de solidariedade que se vive em pista também atravessa o público e é graças a este que muitos acabam por conseguir voltar para casa. Nos terrenos à volta, amontoam-se carros e tendas, numa festa muito própria e com direito a discoteca noite dentro, já depois de o céu ter sido invadido por um enor-

me espectáculo de fogo-de-artifício. Mas, tal como no trilho da corrida, as áreas destinadas ao campismo vão sendo massacradas. E, no dia a seguir, retirar os carros é um trabalho hérculeo, apenas possível pelas ajudas que vão surgindo do nada, havendo sempre um guincho em riste para desatascar alguém. Já em pista, a última volta revelase única: “Ninguém arrisca e toda a gente desacelera”. Afinal, o resultado já está decidido e, em Fronteira, ninguém quer ficar de fora do pódio da resistência. E, numa prova de 24 horas, muito menos por uns escassos minutos. A Fugas esteve nas 24 Horas TT de Fronteira a convite da Mazda Motor de Portugal e do Clube Todo-o-Terreno

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Cruzeiro no Douro Cá dentro

Entre no novo ano a bordo de um cruzeiro no rio Douro, entre Vila Nova de Gaia, Entre-os-Rios e Caldas de Aregos, com preços desde 620€. Inclui estadia de três noites a bordo em regime de meia pensão, noite de gala e oferta de champanhe. De 29 de Dezembro a 1 de Janeiro. www.abreu.pt

Durante as férias de Natal, descubra os mistérios do reino animal com o programa que o Jardim Zoológico de Lisboa sugere para crianças e jovens dos três aos 16 anos. As actividades incluem conversa com os tratadores, visita aos bastidores selvagens do parque, jogos de exploração e caça ao

tesouro. Preço: 190€/5 dias; 43€/Dias Temáticos (dia dos mamíferos terrestres, dia dos mamíferos marinhos, dia dos répteis e anfíbios, dia das aves). Inclui acompanhamento técnico, almoço e lanche e material necessário. De 19 a 30 de Dezembro. www.zoo.pt PEDRO CUNHA

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Rovaniemi Madeira Lisboa ou Porto, nos dias 28 ou 29 de Dezembro, taxas e estadia em hotel. www.halcon.pt

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30 | FUGAS | Público | Sábado 10 Dezembro 2016

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estadia, dois jantares, um jantar especial de Natal ou de Fim de Ano e actividades como passeio em trenó puxado por renas, safari com cães esquimós e visita à Aldeia do Pai Natal. Não inclui a passagem aérea. www.nordictur.pt RUI GAUDÊNCIO

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