Revista Noize #84 - Gilberto Gil - Janeiro 2019

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Como um vírus benigno, a antropofagia de Oswald de Andrade, reformulada pelas lentes da Tropicália, se entranhou nas

#84 // ANO 12

expediente

células da música brasileira e obrigou-a

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a se redefinir. A explosão tropicalista

Direção Leandro Pinheiro Pablo Rocha Rafael Rocha

Editores Gustavo Brigatti Joana Barboza Leonardo Baldessarelli

nos lembrou de que o Brasil se delicia

Gerente Financeiro Pedro Pares

Coordenação de Projetos Brenda Beloni Caio Pereira Diego Paz Jordana Monteiro Thais Martins

Gerente de Planejamento Cássio Konzen Diretor de Criação Rafael Rocha RH Taisla Heres Coordenação de Arte Jaciel Kaule Diretores de Arte Árthur Teixeira Guilherme Borges Patricia Heuser Diretora de Arte Jr. Jade Teixeira Assistentes de Arte Guilherme Ferreira Maicon Pereira Produção Dani de Mendonça Malena Thailana Coordenação de Vídeo Lucas Tergolina Vídeo Diego Machado Humberto Ferreira Pedro Krum Shandler Franco Thaíse Silva Foto Mell Helade Novos Negócios Leandro F. Gonçalves

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com as influências de todos cantos e que nossa potência maior vem ao mastigar, deglutir e digerir esse banquete.

Gil já falava sobre isso com Caetano, Bethânia, Gal, Tom Zé e tantos outros,

Atendimento Interno Ingrid Mônaco

mas depois de mergulhar no folclore de Pernambuco, em 1967, se sentiu no

Redação Camila F Oliveira Fernanda Zandavalli Guilherme Flores Rodrigo Laux Tássia Costa Vinícius Rocha

dever de dar um passo além. Por isso, a primeira metade da revista, seu lado A, homenageia o Nordeste em sua exuberância e aridez.

Planejamento Eduardo Mello Gabriela Etchart Julia Brito Juliano Mosena Luan Pires Mickael Prass Taína Cíceri Thiarles Wäcther

Já o lado B encontra os ângulos retos das grandes metrópoles. Caetano Veloso, Sérgio Dias, o produtor Manoel Barenbein e um grupo de jovens

Mídia Ágatha Donini

artistas influenciados por Duprat nos ajudam a entender as relações que os

Community Manager Ana Paula Pause Laís Soares Maurício Teixeira Vanessa Castro

tropicalistas tiveram com a mídia, a Ditadura Militar e a música estrangeira.

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Conectando Caruaru e Liverpool, a

Gerente de Planejamento Marcel Maineri

Tropicália foi um evento histórico,

Coordenação de Projetos Carolina Farias

brasileira seguinte. Para nós, é uma

decisivo para toda produção artística

honra publicar essa edição. Comemorando

Assistente de Projetos Gabriel Dias Helena de Oliveira

50 anos do álbum, Gilberto Gil (1968) é o 20º disco de vinil que lançamos no

Coordenação de Projeto Karen Rodriguez

Planejamento Matheus Barbosa Matheus Gugelmim

NOIZE Record Club. Nossos profundos

Editor Ariel Fagundes

Estagiário Planejamento Rafael Kronitzky

Artísticas, que gentilmente abraçou

Diretor de Arte Árthur Teixeira

Redação Camila Benvegnú Jéssica Teles Pedro Veloso

Repórter Brenda Vidal

agradecimentos à Gege Produções

essa parceria.

Ariel Fagundes

!"#$%&0""23 Community Manager Hayane Leotte

boost@boost.mn boost.mn

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noize.com.br

João Batista Melo

Cordelista sergipano com 80 anos, mais de 100 folhetos publicados e membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel.

Bem Gil

Rodrigo Laux

Músico, produtor e filho de

Jornalista, músico e nenhum

Gilberto Gil. Divide aqui a

dos dois. Crê que o ser hu-

lista dos álbuns básicos

mano é superestimado, mas

para entender a Tropicália.

é quem cria os melhores grooves.

Caetano Veloso

Camila F Oliveira

Dispensa apresentações.

Procurando sentidos pra

Aqui, dá o depoimento que

virar do avesso. No resto do

acompanha as fotos da

tempo, usa jornalismo pra

seção Páginas Negras.

ouvir (e contar) histórias.

Brenda Vidal

Leonardo Baldessarelli

Quase jornalista vivendo um

Publicitário por prazer, jor-

ritmo que só a música pode

nalista por vaidade. Acima

acompanhar. Apaixonada por

de tudo, maluco por qual-

cultura, arte e negritude.

quer tipo de música.

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T E XTO _

X I LO G RAV U RAS _

João Bat ista Melo

Wil l Cava

noize.com.br

!"#$%$&'()*" +#*,-.'&-/+'" 0$"1-&2$#+*"1-&" 3*"/$#+)*" Em fevereiro de 1967, Gil fez uma longa viagem para Pernambuco. Lá, mergulhou no folclore e enxergou uma conexão entre a cultura popular nordestina e a psicodelia estrangeira, o cinema de Glauber Rocha, o teatro de Zé Celso Martinez, a arte visual de Hélio Oiticica. Essa viagem plantou a semente que germinou a Tropicália em Gil. Aqui, convidamos o mestre da literatura de cordel, João Batista Melo, para versar essa história.

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T E XTO _

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Ariel Fagundes

Rafael Rocha e Acervo Inst ituto Gil berto Gi l

noize.com.br

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Do interior para o mundo Em 1942, Claudina Passos Gil Moreira era professora e seu marido, José Gil Moreira, médico. O casal morava em Ituaçu, a 470 km de Salvador, e foi apenas por causa do nascimento do filho Gilberto Passos Gil Moreira que eles foram para a capital naquele dia 26 de junho. Apenas 20 dias após nascer, Gilberto voltou com os pais para Ituaçu, onde passaria os próximos nove anos. Hoje, a população de lá não chega a 19 mil habitantes e, quando Gil era criança, era muito menor. Sendo assim, sua infância foi marcada por vivências típicas interioranas. A alfabetização foi em casa, ministrada por sua avó Lídia, as festas de São João eram o maior acontecimento já visto e os passeios no mato eram rotina.

Em 51, ele e sua irmã Gildina foram morar em Salvador com a tia paterna Margarida. No ano seguinte, Gil foi cursar o Ginasial no Colégio Nossa Senhora da Vitória, uma instituição marista que existe até hoje, e, na mesma época, começou a tocar acordeom. Primeiro, teve aulas particulares, mas logo ingressou na Academia de Acordeom Regina - experiência basilar que seria citada

ministração de Empresas, passou e começou a estudar na Universidade da Bahia, onde ficaria até 64. Através da vida universitária, teve acesso a um novo universo de pessoas, ideias e sentimentos que incendiaram seus processos criativos: - Em seguida a esse primeiro período de aprendizado do violão eu conheço o Caetano. Nós frequentamos as programações da Escola de Música da Universidade da Bahia, e numa dessas noites na universidade tomei contato com a chamada música experimental, que eu ainda não conhecia - conta Gil em entrevista publicada no seu site oficial. Assistir ao concerto do pianista David Tudor executando peças de compositores de vanguarda como John Cage, Karlheinz Stockhausen e Pierre Boulez expandiu sua visão musical para sempre: “Tomei contato com a música que não era música”, explica, “que incluía o ruído, o barulho, o silêncio muito profundamente”. “A música não-música, a anti-música ou transmúsica, entrou na minha vida”, diz.

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Gil conta ainda que havia um anseio de sua geração por expressões que buscassem referenciais de modernidade a partir das quebras dos padrões convencionais. “O cinema começava a ter um papel importantíssimo com autores brasileiros como Glauber e tantos outros como Godard, Antonioni, Visconti”, afirma Gil em entrevista à NOIZE. Além do cinema vanguardista, lhe interessava muito as inovações nos campos da poesia, das artes visuais, do teatro... “Era uma mistura danada de todas essas coisas que acabavam sendo processadas de vários modos por mim e por outros colegas”, diz Gil. Os anos 60 estavam em ebulição e, logo, ele se veria no olho de um furacão. O estúdio é um lar A faculdade de Administração foi cursada ao mesmo tempo em que a música ia ocupando cada vez mais sua vida. Em 62, Gil escreveu as primeiras composições. No mesmo ano, conheceu um músico e apresentador de rádio e TV chamado Jorge Santos. Ele também era dono de uma agência de publicidade, que, por sua vez,

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noize.com.br

se transformou em uma produtora com um pequeno estúdio para gravar jingles.

a 64, Gil manteve-se trabalhando como fiscal do imposto aduaneiro.

Conforme revela Marcelo Fróes, do selo Discobertas, em texto publicado no encarte da Caixa Palco (2002), um dia, prestes a gravar um jingle, um dos membros do conjunto Os Irapuãs não apareceu e, então, um músico da banda sugeriu que Jorge chamasse Beto (apelido de Gil na época) para substituí-lo. No estúdio, não houve dificuldades para gravar o jingle, mas foi depois disso que a mágica aconteceu: Gil pegou seu acordeom e tocou “Bem Devagar”, uma de suas primeiras músicas. Ver aquilo impressionou muito Jorge e lhe deu a certeza de que deveria chamar Gil de novo.

Essas faixas gravadas no JS Discos eram relativamente desconhecidas do grande público até 2002, quando foram lançadas em CD na Caixa Palco. Em 2003, a Warner lançou o CD Salvador, 1962-1963, que contém essas mesmas gravações. Em 2010, foram relançadas em CD na coletânea Retirante. Hoje, é fácil encontrá-las na internet nas principais plataformas de streaming.

Em 62, as irmãs Cynara e Cybele (que, dois anos depois, formariam o Quarteto em Cy) se uniram à cantora Ana Lúcia no conjunto As Três Baianas. No estúdio de Jorge, elas gravaram um disco de 78 RPM com a faixa “Bem Devagar”. O lançamento inaugurou o catálogo do selo JS Discos e foi o primeiro registro de uma música de autoria de Gil (que assina os créditos como Gilberto

Vence a música Em 63, através do produtor Roberto Santana, Gil conheceu Caetano e, logo depois, sua irmã Maria Bethânia e a amiga Gal Costa. Esse núcleo desenvolveu um vínculo de amizade e criatividade que teria uma série de repercussões históricas para a cultura brasileira, mas tudo isso começou a ser ensaiado em 64. O ano em que a Ditadura Militar se instalou no Brasil também foi quando Gil, Caetano, Bethânia, Gal e Tom Zé fizeram seu primeiro show coletivo, o Nós, por exemplo, em Salvador, que contava com a direção musical de Gil.

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O plano de ser músico profissional estava se fortalecendo, mas, ao mesmo tempo, Gil não fechou as portas de um caminho profissional aparentemente mais seguro. Em dezembro de 64, formou-se em Administração e, em janeiro do ano seguinte, viajou para São Paulo para concorrer a uma vaga na multinacional Gessy Lever (que, desde 2001, chama-se Unilever). Nessa viagem, conheceu Chico Buarque, com quem iria criar uma amizade sólida. Logo, Gil voltou à Bahia, onde apresentou, em março, seu primeiro show individual, o Inventário, dirigido por Caetano. Mas Gil ainda estava dividido: em junho, aceitou o convite da Gessy Lever e se mudou para trabalhar na empresa. De dia, se preparava para assumir um cargo na direção da multinacional. De noite, vivia a cena artística paulistana. - Em São Paulo, comecei a ter contato com um pessoal do teatro através do Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri... A música trazia muita gente nova pra minha

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vida. Eu estava na encruzilhada entre me tornar um profissional do campo da gestão ou me tornar um músico, que era para o que eu vinha me preparando, ao contrário do que a vida vinha encaminhando pra mim, que era trabalhar como um gerente - diz Gilberto Gil à NOIZE. Naturalmente, a música foi falando mais alto. Gil conheceu os poetas Torquato Neto e Capinan e, logo, começou a compor com eles. Em setembro, apresentou com Caetano, Bethânia, Gal, Tom Zé e Jards Macalé o espetáculo Arena Canta Bahia, dirigido por Boal. O compacto Arena Canta Bahia (1965), lançado pela RCA, trouxe quatro músicas gravadas nesse show, incluindo “Roda” e “Viramundo” (interpretada pela Bethânia), ambas de Gil. Essa versão de “Roda” também saiu em outro compacto com “Procissão” no lado B, que foi o primeiro lançamento individual de Gil em uma grande gravadora. Em outubro, ele participou do 4º Festival da Balança tocando “Iemanjá”, cujo registro sairia no LP 4° Festival Da Balança - O Maior Show Universitário do Brasil Gravado Ao Vivo (1966). Nessa mesma época, gravou uma fita demo no escritório da editora musical Arlequim. Com cerca de 30 minutos de duração, a gravação traz 18 músicas, incluindo as já lançadas “Serenata de Teleco-teco” e “Decisão” e outras, como “Retirante” e “Cantiga”, que permaneceram inéditas até 2010, quando saíram em CD na coletânea Retirante. O ano seguinte foi crucial. Em 66, Gil estava se tornando cada vez mais conhecido, até porque começou a participar do programa O Fino da Bossa, que Elis Regina e Jair Soares apresentavam na TV Record de São Paulo. Logo, foi contratado pela gravadora Philips e, na metade do ano, decidiu largar a Gessy Lever e ir morar no Rio de Janeiro. “Muitos me estimularam a fazer um trabalho com música”, diz Gil à NOIZE: - Elis, Edu Lobo, Ruy Guerra, Baden Powell... E a turma que eu já trazia comigo da Bahia, Caetano, Gal, Bethânia, Tom Zé, todo mundo com os quais tínhamos desenvolvido o que veio a se chamar de Tropicalismo. Eu estava no meio daquilo tudo! E, agora, estava livre para criar. Ainda em 66, Gil estreou ao lado de Bethânia e Vinicius de Moraes o show Pois é. No final do ano, saiu um compacto com as faixas “Minha Senhora” e “Ensaio Geral”. Meses antes, a primeira delas havia sido defendida por Gal Costa no 1º Festival Internacional da Canção, da TV Rio, e a segunda, por Elis Regina no 2º Festival de Música Popular Brasileira, da TV Record.

Fagulhas do sertão Em 1967, uma chave virou. Já no início do ano, Gil compôs com Capinan músicas para o filme Brasil Ano 2000, de Walter Lima Jr., e foi contratado pela TV Excelsior, de São Paulo, para ter um programa seu chamado Ensaio Geral, que durou só cinco meses.

Em fevereiro, viajou com Roberto Santana e o empresário Guilherme Araújo para Pernambuco, onde passaram várias semanas. Em Recife, fez uma temporada de um mês de shows, mas não ficaram só na capital, Gil fez questão de conhecer o interior e ver de perto a arte e a dor das pessoas que moravam lá. Conheceu os maracatus, as cirandas e a Banda de Pífanos de Caruaru e aquilo abriu sua cabeça. - A característica nordestina forte que Pernambuco concentra muito bem tinha me tocado fundo no sentido de buscar ao mesmo tempo a especificidade e a diversidade da coisa brasileira. Mas eu também ouvia os Beatles, e nesse momento saía o Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, que me impressionou muito com o arrojo e o experimentalismo de George Martin. Esse disco me deu a sensação de compromisso com a idéia de transformação - explica Gil em entrevista à pesquisadora Ana de Oliveira, publicada no seu site Tropicalia.com.br. Muito impactado com as vivências em Pernambuco, Gil vislumbrou um fio conectando os pífanos de Caruaru às guitarras de Liverpool. A fibra que formaria esse fio seria a própria cultura brasileira a partir do seu poder ímpar de aglutinação espontânea de ingredientes tão diversos. Segundo Caetano conta no livro Verdade Tropical (1997), Gil voltou dessa viagem “transformado” e “querendo mudar tudo”. Em entrevista à NOIZE, o próprio Caetano explica: - Gil, sem ouvir as conversas de Bethânia, [José] Agrippino ou Rogério Duarte, foi ao Recife e, lá, ficou fascinado com a Banda de Pífanos de Caruaru, de que trouxe uma fita, e ligava isso à audição de “Strawberry Fields Forever” [dos Beatles]. O que o levava a discursar sobre a cultura de massas e a violência política sob a qual estávamos. [Gil] planejou um movimento, que envolveria todos os nossos colegas por nós mais admirados (Edu, Chico, Sérgio Ricardo, Francis Hime...) e propôs que fizéssemos algo mais violento, mais perto do rock, que usássemos guitarras elétricas, que mudássemos o estado crítico da citação de canção no Brasil. A turma não entendia. Partimos os dois sozinhos na aventura de nossa versão da contracultura - diz Caetano.

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noize.com.br


A explosão tropical Louvação, o primeiro LP de Gil, saiu em maio de 67, quando já começava a ferver o caldo que seria depois chamado de Tropicália. Em julho, aconteceu a famosa Passeata da MPB conhecida como Marcha Contra a Guitarra Elétrica e Gil, ironicamente, estava lá (para desgosto de Caetano, conforme ele diz no Verdade Tropical), ao lado de músicos como Geraldo Vandré, Jair Rodrigues, Edu Lobo e Elis, que era uma das lideranças desse movimento. O fato é que Gil era muito amigo de Elis e apoiava sua ideia de valorizar a música nacional, ainda que discordasse da ojeriza à influência da cultura pop estrangeira.

A posição de Gil ficou clara na virada de setembro pra outubro, quando começou o Festival de Música Popular Brasileira de 1967 da TV Record. Caetano e Gil tinham decidido que usariam o evento para jogar no ventilador o resultado das reflexões que vinham tendo e foram defender, respectivamente, “Alegria, Alegria” e “Domingo no Parque”. Para isso, Gil se uniu ao maestro Rogério Duprat e a’Os Mutantes, cujas contribuições elevaram sua composição a uma dimensão épica. Com elaborados arranjos de orquestra e a inclusão de guitarras distorcidas, a apresentação dessas músicas se tornou o marco fundador da Tropicália. “Domingo no Parque” foi aclamada pelo público, ganhou o prêmio de Melhor Arranjo e ficou em 2º lugar no festival. Com isso, Gil começou a realmente fazer sucesso. No início de 68, gravou seu segundo LP, que saiu em maio. Produzido por Manoel Barenbein, arranjado por Duprat e contando com Os Mutantes como banda de apoio, esse é o álbum que Gil fez no auge do movimento tropicalista. Assim como o disco que Caetano lançou em 68 e o histórico LP coletivo Tropicália ou Panis et Circencis, esse é um verdadeiro manifesto tropicalista. “Meu violão estava se modificando naquele momento porque eu estava começando a ouvir outras coisas”, lembra Gil em entrevista à NOIZE. Ao comentar seu disco de 68, ele enfatiza muito importância dos músicos com quem estava tocando: - O jeito de tocar d’Os Mutantes e a contribuição da Rita eram influências especiais. Duprat era de um grupo de músicos ligados à exploração “erudita”, “experimental”. E um dos grandes interesses dele era a música popular brasileira em todas suas vertentes e a música popular que se insinuava como nova no mundo, daí o interesse dele pelo pop, rock e as fusões variadas que

estavam sendo feitas. Encontrar gente como Os Mutantes, Caetano, eu, Tom Zé, etc, era muito estimulante pra ele. Segundo Manoel Barenbein conta à NOIZE, o disco do Gil de 68, assim como os outros lançamentos tropicalistas, teve uma boa aceitação do público: “Não lembro de ouvir ninguém falando mal, a não ser coisas tipo: ‘Seria um disco fantástico, pena que tem a guitarra elétrica’”, diz ridicularizando o teor dessas críticas. Apesar do sucesso, ou justamente por causa dele, na época, o disco não pôde ser tão divulgado quanto merecia. Um mês após lançar o LP, Gil e Caetano participaram da Passeata dos Cem Mil, que reuniu muitos artistas contra a Ditadura Militar que logo decretaria o Ato Institucional Nº5 e se tornaria mais autoritária do que nunca. Os baianos já eram conhecidos pelo sistema de inteligência do governo e não chega a ser surpreendente que os shows que Gil, Caetano e Os Mutantes fizeram juntos na boate Sucata, no Rio, em outubro de 68, tenham sido interrompidos pelas autoridades e, depois, servido de pretexto para a prisão de Caetano e Gil. - Tudo que a gente fazia tinha um traço subversivo ligado não só aos elementos estéticos, que eram subversivos de uma certa maneira, mas também aos elementos poéticos e políticos que estavam inseridos naquele trabalho todo, que eram vistos naquele momento, não só por nós, mas por muita gente, como relativamente subversivos. Então, a subversão estava no ar (risos). E a gente estava associado a ela de várias maneiras, não é? - lembra Gil à NOIZE. Não deixa de ser irônico que, 50 anos depois, a mesma subversão que os levou à cadeia foi consagrada como sendo a grande virtude da Tropicália. O que foi tratado como um crime em 68, hoje, é elevado a objeto de estudo em faculdades e colégios. Muita coisa mudou nesse tempo todo, mas Gil diz à NOIZE que está se sentindo agora de forma semelhante a como se sentia antes: “Os sentimentos da época, muitos são parecidos ou iguais aos que tenho hoje. Um certo temor das coisas, uma certa dificuldade em lidar com envolvimentos e desafios novos… Com 76 anos de idade, sou praticamente do mesmo jeito”. E que bom que é assim, Gil. Só podemos lhe agradecer por isso e por tudo.

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Lado A 1) Frevo Rasgado

Eu tinha estado em Pernambuco um pouco antes [em 1967], aliás, uma das razões que começou a Tropicália foi essa visita que fiz a Pernambuco. Eu fiz esse frevo lá na ocasião. Tinha feito um pouquinho antes, mas, lá em Pernambuco mesmo, quando cheguei, é que ele ganhou forma. E acabou indo abrir esse disco. 2) Coragem Pra Suportar

É uma música muito ligada àquela saga mais dramática, mais dura do povo nordestino, das pessoas daquela região que já foi muito mais sofrida do que é hoje. Naquela época, estávamos no auge da migração dos nordestinos, dos retirantes vindo pro Rio, pra São Paulo, enfim. Essa música trata um pouco desse universo, desse tema. 3) Domingou

É uma música sobre o Rio [de Janeiro], a Praça do Lido, pontos interessantes da cidade, especialmente da Zona Sul do Rio. Enfim. E é sobre isso, sobre um hipotético passeio num domingo por essas bandas do Rio de Janeiro. Parceria com Torquato [Neto]. 4) Marginália II

Também é parceria com Torquato. Aqui já é uma coisa um pouco mais ampla, não é sobre propriamente as dificuldades dos nordestinos ou de algumas áreas mais regionais do Brasil, mas o significado inteiro da dificuldade brasileira com o

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seu processo civilizatório. As marcas profundas do colonialismo, do paternalismo, da escravidão, dessas coisas todas, o Brasil com o seu desencanto, digamos assim. Elementos que podem

50 anos depois de lançar esse

constituir alguns retratos da identidade nacional,

disco, Gilberto Gil comenta as

não é propriamente sobre a identidade nacional,

10 faixas que formam essa obra

mas sobre possíveis leituras, possíveis resumos

lendária da Tropicália.

sobre essa identidade.

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E N T R EV I STA _

noize.com.br

Ariel Fagundes

5) Pega a Voga, Cabeludo

co e a gente resolveu fazer uma versão

4) Pé da Roseira

É um extrato dos folclores da região

pop rock com Os Mutantes. A única no-

Essa se insere naquele contexto do

amazônica. Na ocasião, um dos compo-

vidade na faixa é isso, a versão pop rock

“Coragem Pra Suportar”, “Marginália II”,

nentes do Trio Irakitan, que era um con-

que ganhou em relação a uma versão

são canções sobre esse lado trágico

junto muito importante naquela época,

mais folk que tinha sido feita no primeiro

da vida proletária nordestina e tal. “Pé

me apresentou esse tema, que era uma

disco. Aqui, “Procissão” é um rock, um iê-

da Roseira” é baseada também numa

cantigazinha popular da região do Ama-

-iê-iê rock bem mais esfuziante. É a cara

ciranda, como “Pega a Voga, Cabeludo”

zonas. E eu resolvi botar nesse disco pelo

d’Os Mutantes, né. Essa faixa é a cara

foi baseado num pequeno extrato folk da

sentido pitoresco que essa música tem e

deles, foi mais um pretexto pra trazer

Amazônia, o “Pé da Roseira” é um peque-

acabou ficando bem interessante do jeito

aquele jeitão d’Os Mutantes pra sonori-

no extrato folk do Nordeste. “Quando ela

que a gente gravou. Nós, eu e Os Mutan-

dade do disco.

chorava, eu dizia: ‘tá certo, Maria, você

tes, nos divertimos ali com a brincadeira

tem razão’”. É um casal hipotético daque-

toda. É a faixa mais brincalhona do disco.

3) Luzia Luluza

le mundo de pessoas sofredoras da lida

Os Mutantes eram muito hilários, muito

É uma música muito diferente. Também

do Nordeste brasileiro. Podia ser de qual-

brincalhões o tempo todo, e resolveram

uma espécie de crítica a esse mundo

quer outro lugar do interior do Brasil, mas,

fazer uma brincadeira na hora da gra-

massacrante da vida na cidade, essa

porque sou de origem daquela região,

vação e mencionar o [produtor Manoel]

impessoalidade da vida nas grandes

sertão baiano, tinha muita afinidade com

Barenbein, que estava lá do outro lado,

metrópoles. Luzia é uma bilheteira de ci-

o Nordeste mais ao norte mesmo. Cresci

no aquário do estúdio. Acho que foi o

nema que fica confinada na sua bilhete-

no meio dessa gente pobre e sofrida do

Serginho [Dias], que era o mais hilário,

ria o tempo todo e os filmes que passam

Nordeste. E “Pé da Roseira” é uma des-

que fez a brincadeira.

ali são relatos variados sobre pessoas,

sas canções nordestinas do disco. É um

personagens, momentos, histórias de

disco muito nordestino.

Lado B

pessoas e de lugares do mundo inteiro. É

1) Ele Falava Nisso Todo Dia

sobre o namorado dela, a dificuldade que

5) Domingo no Parque

Essa é mais sobre o conjunto dos valores

ela tem pra estabelecer um relaciona-

Nem precisa comentar, né… É uma suíte

burgueses, o seguro de vida, a garantia…

mento saudável e pleno com o namorado

sobre um amor trágico de um triângulo

Todo esse lado mais careta, essa caretice

por causa das dificuldades de ambos,

amoroso que acaba em tragédia. Com

que, à época, era um aspecto muito per-

não é? Com relação à busca do sustento,

a locação numa pequena paisagem

ceptível de nossa parte em relação a todo

à condição do trabalho. É uma visão críti-

urbana de uma cidade que, no caso, é

esse mundo pequeno burguês. E a música

ca sobre o lado massacrante da vida das

Salvador, na Bahia, a “Boca do Rio”, né?

trata disso, de uma pessoa que falava

metrópoles pra essas massas anônimas.

Aquele bairro da cidade onde a tragédia

nisso, seguranças, garantias, seguro de

À época, a gente levava muito em conta

se passa, onde o trio amoroso acaba

vida, tudo isso, e acabou morrendo atro-

as experiências que os Beatles vinham

sendo levado a uma situação fatídica

pelada na hora em que vai fazer o seguro.

fazendo com o George Martin de inserir

terrível. O principal nessa canção acho

É irônica, é terrível. Eu gosto muito dessa

sonoridades várias vindas dos ruídos da

que é o trabalho do Rogério Duprat, o

faixa. Gosto muito do jeito que ela foi

cidade nas gravações e essa música é

realejo no início e o modo incisivo com

construída, mas é uma ironia trágica, né.

bem uma utilização dessa coisa George

que a orquestra vai desdobrando os mo-

Martin, que ele desenvolveu com tanta

mentos que culminam com o assassinato.

2) Procissão

beleza e profundidade nos discos dos

Eu acho que, sem o trabalho de Rogério,

Já era uma velha canção na ocasião, eu

Beatles. É como se fosse “A Day In The

essa canção não teria sido o que acabou

já tinha gravado ela no meu primeiro dis-

Life”, né? Uma versão brasileira. .

sendo.

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T E XTO _

A RT E _

F OTO _

Ar i e l F a g u n d e s e Ro d r i g o La u x

Ár t h u r Te i xe i ra

Reprodução

Por uma combinação de talento, sorte e destino, o jovem Manoel foi o produtor dos primeiros sucessos nacionais de Gil, Caetano, Chico e Toquinho. Em seguida, produziu todos discos que fundam os pilares tropicalistas, incluindo o álbum coletivo Tropicália ou Panis et Circencis. Nas próximas páginas, Barenbein conta como se envolveu nisso tudo e o que sentiu na época. Apesar das críticas que ouviu por ter incluído a guitarra na música brasileira, dos problemas que teve com a polícia em Salvador e da pedra que quase o atingiu quando Caetano cantou “É Proibido Proibir” no Festival Internacional da Canção de 1968, ele se manteve firme no propósito de apoiar os artistas a expandirem os horizontes sonoros do Brasil. Nascido em Ponta Grossa, no Paraná, em 1942, hoje, Manoel tem 76 anos e mora em Israel. De lá, teve a conversa deliciosa que você lê aqui.

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Como você começou a trabalhar com música?

Comecei a frequentar programas de rádio e acabei me tornando uma espécie de secretário do Picape do Picapau, do Walter Silva. Daí meu pai ficou doente, precisei começar a trabalhar, falei com o Walter e ele disse: “Olha, eu tô saindo da gravadora”, que era a RGE, “vai ficar o lugar de um boy do departamento, interessa?”. Eu falei: “Claro”. Meu primeiro chefe chama-se José Bonifácio Oliveira Sobrinho, mais conhecido como Boni, que era o diretor de divulgação e promoção da gravadora. Tô falando de 1959 pra 1960. O Boni me chamou e entregou um disco, com “Balada Para um Homem Sem Deus”, do Agostinho do Santos, era um 78 rotações, e fui levar na rádio Excelsior, em São Paulo, pra ser tocado no programa do Ricardo Macedo. Esse foi meu primeiro trabalho real. E como começou a ser produtor?

Nessa brincadeira, passaram-se quatro anos. Aí o Walter foi produzir um show de bossa nova no Teatro Paramount e me chamou pra ser o assistente de produção e de direção dos espetáculos. Fizemos uma série de shows, o mais marcante foi o 2 Na Bossa, da Elis Regina e Jair Rodrigues, em 1965. A Record contratou a Elis e o Jair e a Tupi também queria fazer alguma coisa de bossa nova. Aí chamou o Walter e ele me chamou, mesmo esquema, como assistente de direção e produção. Aí o Cassiano Gabus Mendes, que era superintendente da rede Tupi, me viu trabalhando e perguntou se não queria cuidar da direção musical. Com 23 anos, fui ser diretor musical da TV Tupi, mas o mundo do disco me fascinava. Eu queria aprender violão, acabei não aprendendo porque não tinha habilidade, mas quem tentou me ensinar foi

o Toquinho. Vendo ele tocar, e já tendo relacionamento com gravadora, falei pra ele: “Vamos pro estúdio gravar um disco?”. Minha primeira produção em disco foi o disco solo do Toquinho [seu LP de estreia, A Bossa de Toquinho (1966)]. Depois, fui pra gravadora RGE como assistente de produção do Julio Nagib, que era diretor artístico, e aí começou minha carreira de produtor. Comecei produzindo Zimbo Trio, Cláudia, Erasmo Carlos... Através do Toquinho, conheci o Chico Buarque e o levei pra gravadora. Não fiz o primeiro [compacto] do Chico porque o Julio era o diretor artístico, fui assistente da gravação. No ano seguinte acontece “A Banda”, aí o Julio me diz: “Pega o Chico e vai você pro estúdio”. Com a produção de “A Banda”, começaram a vir mais coisas até que, em 67, mudei de gravadora e fui parar na Tropicália. Você encontrou a Tropicália ou a Tropicália encontrou você?

Estava na RGE quando Luiz Mocarzel, que era gerente do departamento comercial da Phonogram, me ligou perguntando se eu não queria ir trabalhar lá porque eles estavam precisando de um diretor artístico. Aí lá vou eu, fascinado porque já sabia o que era o casting da Phonogram: Caetano, Elis, Jair, Tamba Trio, uma nata da música brasileira. Lá, a primeira reunião foi sobre o Festival da Record de 67. Ficou muito na minha mão gravar os artistas, principalmente os que estavam radicados em São Paulo. Das 36 músicas classificadas, gravei 23. Acabei produzindo “Domingo no Parque”, “Alegria, Alegria”, “Roda Viva”... O Caetano e o Gil vieram com a ideia de colocar guitarra elétrica dentro do arranjo, que não era usual naquele tempo pra música popular brasileira - e que era o meu sonho também. Eu sonhava com buscar novos caminhos pra música popular brasileira. E eles simplesmente colocaram o prato com a comida pronta na minha frente. Então,

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me encontrei ali. O que estava ouvindo quando começou a trabalhar com eles?

Ah, o que todos nós ouvíamos, né. Beatles, Rolling Stones, era isso que acontecia no mundo, e acontecia a Jovem Guarda no Brasil. Então, o rock abria um caminho. Essa referência era uma ponte pra você se basear e usar dentro da música brasileira. Acho que conseguimos porque estamos aqui, 50 anos depois, falando do mesmo acontecimento que veio da criatividade dessas pessoas e que veio a mexer com toda estrutura da música brasileira. Do mesmo jeito que a bossa nova, o Tropicalismo mexeu com a estrutura da música brasileira, abrindo caminhos. Mutantes, pra pegar um exemplo, abriu caminho pra bandas, maestros, arranjadores. Esse era o objetivo. Não copiar ou repetir aquilo que já tinha sido feito dentro da música brasileira, fazer algo mais. Em 67, havia muita resistência à influência estrangeira e à presença da guitarra na música brasileira. Como você sentia isso?

Sentia como uma coisa muito natural. Era o óbvio. Não tem nada que você faça na vida, quando tenta modificar alguma coisa já existente, em que você não vá encontrar o “pró” e o “contra”. É absolutamente impossível. Isso é natural do ser humano. Então, sentia aquilo como normal. Obviamente, que “normal” é um modo de dizer. Você estando, como eu estava, na coxia do Teatro da Universidade Católica em São Paulo, no Festival Internacional da Canção de 68, com o Caetano cantando “É Proibido Proibir” e você tem que entrar no palco e ajudar Os Mutantes a tirarem os instrumentos porque não tinha condição de continuar e, quando você olha, passa uma coisa voando por cima da tua cabeça.


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Olhei, era um embrulho de papel, quando fui pegar vi que tinha uma pedra dentro. Aí, a coisa é diferente. Isso realmente me assustou. Não pus nenhum passo pra trás, mas assustou porque comecei a perceber que tínhamos mexido com uma coisa maior. E essa coisa cresceu. Entrando na produção, como era o seu trabalho? Pode exemplificar?

Eu não gosto de falar “eu descobri o Chico [Buarque]” porque quem descobriu foi a mãe e o pai dele. Eu conheci o Chico, me encantei, acreditei naquele talento e levei pra gravadora. Aí começa: a gravadora aceitou, o Chico assinou contrato, a partir daí começo a trabalhar com o repertório dele, aí entra o maestro e toda a estruturação do disco, e então a estrutura de cada música, como organizar as gravações, o estúdio a ser escolhido, o técnico a ser definido, os músicos que vão trabalhar. Essa é a fase pré-estúdio. Vou pro estúdio com tudo isso organizado e entra a palavra “direção”. Eu, como produtor do produto, dirijo todo o processo, passo a ser o diretor da gravação, toda responsabilidade do que foi planejado passa a ser minha. Claro, não sou onipotente, é eu e o artista com o maestro. Tem que funcionar como equipe. Na realidade, sempre me coloquei não como diretor, mas como o coordenador de produção. Considero que minha virtude maior é que Deus me deu o dom de escolher as pessoas certas pra hora certa pro lugar certo. Você cria um grupo e dele é que emanam todas as coisas. Não sou eu que vou chegar e dizer “faz assim”, não. Vou citar um exemplo. Em “Pega a Voga, Cabeludo”, entra uma voz no começo: “Atenção, bicões! Gravando”. Esse foi o Rogério Gauss, um dos melhores técnicos de gravação da indústria fonográfica dos anos 60 e 70. E essa brincadeira, um dia falei pro Gil: “Vamos colocar o Rogério

falando?”. Aí o Gil falou: “Claro, vamos lá!”. Era assim. E coisas que nem eu sabia, dentro da mesma “Pega a Voga, Cabeludo” tem uma brincadeira comigo. Eu não sabia, quando eles entraram cantando, me assustei e falei: “Mas vocês estão malucos! Ei, Manoel, para de encher?”. Sabe? Cada um trazia a sua criatividade. Esse processo de criatividade coletiva foi talvez o grande segredo da história. Todos eram iguais, participavam, falavam, brincavam, davam sugestões, criticavam. Todos tinham a liberdade pra isso. Como Os Mutantes se aproximaram do Gil e da Tropicália?

Esse processo coletivo era tão abrangente que a ideia de usar Os Mutantes não foi de nenhum de nós. Pelo menos, essa é a minha história. Cada um faz uma, a minha é simples. No festival [de 67], tinha gravação atrás de gravação e, antes da de “Domingo no Parque”, produzi a música do Jair Rodrigues “Samba de Maria”. Tínhamos acabado de gravar essa e alguns músicos ficaram porque iam pra próxima. Tudo alinhado, o Rogério Duprat chegou, colocou o arranjo dele em cima da estante, e aí o maestro Chiquinho de Moraes, que tinha regido a orquestra pro Jair, muito curioso, vai lá e começa a folhear o arranjo do Rogério. Aí ele vem pro meu lado e fala assim: “Mané, posso ficar pra assistir?”. Ele ficou porque, lendo a partitura, ele ouviu o que estava ali. Terminou a gravação e ele ficou junto na técnica. O Chiquinho era também diretor musical da TV Band e Os Mutantes participavam de um programa [lá] chamado Quadrado e Redondo. Aí o Chiquinho, quando ouviu falar em [botar] guitarra, encosta em mim e diz: “Por que você não sugere Os Mutantes?”. Aí virei pra todo mundo e falei: “Ó, o Chiquinho tá dando uma sugestão fantástica, que são Os Mutantes”. Aí Os Mutantes entraram na história da Tropicália. Essa é a versão do

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produtor. Já vi um monte de gente querendo explicar, pra mim, foi desse jeito. Depois do festival, você começou a trabalhar primeiro com quem?

Ah, não vou lembrar, foi tudo paralelo. Não teve um disco depois do outro, era uma fase em que eu praticamente vivia dentro do estúdio. Trabalhava um disco no estúdio, já estava vendo o repertório de outro, vendo arranjo de um terceiro, foi assim. Em 1968, foram uns quatro discos: Gil, Caetano, Mutantes e Gal [além do LP coletivo Tropicália ou Panis et Circencis]. As gravações desses discos foram com mesas de som de quatro canais?

Nem todos. “Domingo no Parque” ainda foi com dois. E vocês tinham conhecimento sobre as técnicas usadas pelos Beatles no Sgt. Peppers?

Não… Tudo isso veio à tona depois. Não foi no primeiro minuto que falaram que eles gravaram em duas máquinas de quatro canais linkadas - o que deu os oito [canais]. Pra nós, isso não chegou. O que chegava era o som que saía do disco, por ali, a gente tinha que buscar. E você ouve, mas não existe como copiar. Existe como imaginar como aquilo que você ouviu ficaria dentro de alguma coisa que você vai fazer. Não é simplesmente: “Olha, eles usaram a guitarra desse jeito, então vamos copiar”. Não era isso. É difícil explicar porque isso era uma coisa de estúdio muito da gente. Quando você ouve a guitarra do Serginho nos Mutantes percebe que aquilo não foi copiado de lugar nenhum. Aonde você vai encontrar aquela guitarra de “Domingo no Parque”? Em que sonoridade? Em que guitarrista?


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O Gil nos comentou que “Luzia Luluza” foi feita como se fosse uma versão brasileira de “A Day in the Life”. Essa faixa tem gravações de rádio e ruídos, você lembra de como ela foi feita?

Aí entrava o processo criativo da Tropicália. Pra mim, essa música é maravilhosa porque é diferente de tudo que tem no disco [do Gil de 68]. É uma música romântica, se você olhar pras outras não vai encontrar esse romantismo em nenhuma. É a história do cara que tá indo no cinema e é apaixonado pela bilheteira e sonha que vai fazer um filme com ela e vai casar com ela no filme. É um negócio fantástico. A gente não tinha videoclipe, mas se tivesse, teria uma imagem na praia por causa do som da praia. E aquele som do radinho era o que ela ouvia na bilheteria. Usamos muita coisa que não se usava. O melhor exemplo é “Panis Et Circencis”. A gente pôs uma radionovela dentro da gravação, uma sala de jantar, pratos batendo, talheres, todo mundo conversando. Essas coisas não eram usuais. Não lembro de nada parecido com isso, de você praticamente fazer uma radionovela dentro de um disco. Como os discos da Tropicália foram recebidos pelo público e pelo mercado na época?

Pra mim, é difícil falar disso porque eu vivia enfurnado no estúdio. Além de ser diretor artístico em São Paulo, tinha mais ou menos 12 artistas de quem eu era responsável direto pelas produções. A média era de 18 discos por ano, um disco e meio por mês. Esses cinco discos da Tropicália [os álbuns de 68 de Caetano, Gil, Os Mutantes, Gal e o disco coletivo] tiveram uma recepção mais ou menos iguais. Porque todos vieram com alguma coisa desconcertante.

Em dezembro de 68, foi decretado o AI-5 e, dias depois, Caetano e Gil foram presos. Qual sua visão sobre o caráter subversivo da Tropicália naquele momento?

Olha, falar em subversão era brincadeira de mau gosto de gente que não tinha entendido nada. As pessoas confundiam crítica com subversão. Você falar pra pegar em armas e sair na rua dando tiro, isso é subversão. Não lembro de nenhuma música que tenha saído dizendo coisas assim: “Pegue a arma, vá pra rua e mate o capitalista”. As músicas criticavam a situação do mesmo jeito que, se você voltar ao passado, anos 1930, 40, vai encontrar no Lamartine Babo. Tem música do Noel Rosa que fala de corrupção, “Onde Está a Honestidade”, se você falasse isso na época da ditadura era considerado subversivo. Na sua visão, por que Gil e Caetano foram presos?

Pra mim, foi no sentido de se justificar perante pessoas ou grupos ou o que fosse. Na cabeça das pessoas que, na época, comandavam a história, o que eles estavam fazendo era uma subversão porque saía do normal. Vou contar uma historinha que se passou comigo: eles confinados em Salvador [em prisão domiciliar, no início de 1969], aí lá fui eu e o Duprat com o Ary Carvalhaes, técnico de gravação. No estúdio JSantos, onde o Gil começou [a carreira] gravando trilhas, montamos o equipamento pra gravar [os discos de Caetano e Gil que seriam lançados em 1969]. Nem tínhamos começado, tivemos um problema com instrumentos dos músicos e voltei pro hotel. Entro, peço a chave e o rapaz da recepção me diz: “Olha, aqueles dois querem falar com o senhor.” Quando chego perto, levantam e perguntam: “Você é o responsável pelo evento do Caetano e do

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Gil?”. E eu: “Sou responsável pela gravação em estúdio, eles não podem fazer evento”. E eles: “É, nós sabemos que não podem. O delegado quer falar com o senhor”. Aí lá fui eu pra um Opala preto e fomos pra delegacia da Polícia Federal. Chegando lá, uns 40 minutos em pé, finalmente abrem a porta e me pedem entrar. Entro, nem bom dia, nem boa tarde: “Você sabia que o senhor não pode estar fazendo esse evento com Caetano e Gil e que eles estão proibidos de aparição pública?”. E eu: “O senhor me desculpa, mas alguma coisa está errada, não estamos fazendo nenhum evento público. Estamos dentro de um estúdio fechado gravando um disco.” Aí [o delegado] começou a falar pelos cotovelos. Eu carregava comigo a pasta com toda documentação, incluindo as letras que estavam escrito [o carimbo da censura] “liberado”. Não deu outra, abri e falei: “O senhor me desculpe, mas estou autorizado por Brasília a fazer esse trabalho”. Ele olhou todas folhas e depois: “Tudo bem... Mas eles não podem aparecer”. Eu falei: “O senhor não quer aparecer no estúdio pra entender?”. E ele: “Não, não, tudo bem”. E acabou. Sabe? Eles não tinham nem ideia do que estava acontecendo. Já usei essa frase e vou repetir: pra mim, a censura é cega. Tudo que aconteceu com eles foi porque pessoas ligadas ao governo queriam fazer alguma coisa que mostrasse serviço. Óbvio, essa brincadeira custou a saúde dos dois. Foram humilhados. Pra encerrar, como você avalia sua importância pra Tropicália?

Só digo uma coisa: considero que Deus me colocou na hora certa, no lugar certo, com as pessoas certas. Eu não teria feito nada, e nenhum de nós teria feito nada, sozinho. Tudo aconteceu porque estávamos juntos.



T E XTO _

A RT E _

Camila F Ol iveira

Árthur Teixeira

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Como a obra do maestro mentor da antropofagia sonora da Tropicália está ecoando em novas gerações de músicos brasileiros Arranjador, professor, produtor, trilheiro e contestador. Ao mesmo tempo em que sobram substantivos para definir a multiplicidade de Rogério Duprat e sua obra, eles ainda parecem ser insuficientes. Se cabe tentar defini-lo aqui, o mais adequado seria dizer que Duprat foi um gênio não só ao romper barreiras e fazer uma espécie de antropofagia com os gêneros erudito e popular, mas também por colar todas suas referências de modo que suas invenções sonoras ampliaram e transformaram a forma de fazer música no Brasil. De formação erudita, Duprat soube reinventar a si mesmo ao entrar em contato com os tropicalistas. Sua técnica e ousadia de experimentar se refletem com maestria nos arran-

jos inesquecíveis de músicas como "Construção", de Chico Buarque, e "Domingo no Parque", de Gil. Seu nome consta nos créditos de vários discos históricos de artistas como Gal Costa, Os Mutantes e Vinicius de Moraes. Como se isso não bastasse, ainda foi professor universitário, produziu trilhas sonoras para televisão, cinema e teatro, jingles publicitários e criou uma produtora audiovisual com Décio Pignatari. Sua busca pelo inusitado e por novos sentidos latejou desde pequeno, quando as condições financeiras de sua família faziam com que as roupas fossem passadas de geração em geração até chegar nele – que era o mais novo dos irmãos. “Talvez venha daí a minha necessidade de ser o precursor em algo. Em

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busca de uma roupa nova, passei a buscar obsessivamente pelo inusitado, pelo novo, pelo nunca visto até então”, conta Duprat em entrevista a Regiane Gaúna no livro Rogério Duprat: Sonoridades Múltiplas (2001). Duprat foi, de fato, precursor de um olhar revolucionário sobre a música e segue sendo uma figura muito relevante. Tanto que, em setembro de 2018, aconteceu no SESC Pompeia, em São Paulo, o show Professor Duprat – Maestro da Invenção, reunindo vários músicos da cena contemporânea para homenageá-lo. Seu rico legado segue inspirando novos artistas dia a dia e, para sentir isso, conversamos com alguns sobre como eles se relacionam com a obra de Duprat e o que aprenderam com ela.


Anelis Assumpção

Filipe Nader

Conheci o Duprat através do meu pai [Itamar Assumpção], que contava que havia o procurado para mostrar o que viria a ser seu primeiro disco – Beleleu (1980). Ele contava com orgulho que o maestro lhe disse: “Está pronto e é perfeito”.

Conheci a obra do Duprat ainda criança, ouvindo os arranjos que ele fez para Gil, Caetano e Chico. Claro que não sabia quem ele era, mas a obra dele já estava lá sendo tocada no aparelho de som de casa.

Quando eu era criança e ouvia "Construção", ficava paralisada com aquilo. Era como um filme, podia ver as imagens e viajava naquela crônica. Adulta pude entender que o arranjo era fundamental pra que se desenhassem tantas sensações ao ouvinte. Creio que essa paixão pela elaboração de um arranjo – que não vem de forma isolada através da obra de Duprat, mas que teve seu peso em meu imaginário – seja algo que tenha me marcado e que eu carregue em minha obra. Um maestro desta excelência deve ser um patrimônio imaterial para as gerações todas que virão. Sua passagem acontecer neste Brasil carente, é um tratado histórico.

(Trupe Chá de Boldo)

O que aprendi e aprendo, ainda mais depois de ter feito um show em homenagem a ele, é uma percepção, cada vez mais clara, de que, no trabalho de arranjo para canção do Rogério, tinha um espaço grande para a dissonância e uma busca por caminhos que não são óbvios. É muito legal ouvir ele colocando um monte de estranhezas nessas músicas que fizeram a trilha sonora de gerações inteiras, criando arranjos realmente arriscados. O maior legado é esse: o entendimento de que é possível criar arranjos que contemplem o desconforto, a dissonância e o novo, sem sacrificar a possibilidade de se criar algo que toque muitas pessoas.

Silva

Sempre gostei muito de ler a ficha técnica dos discos que gosto e quando ouvi o Índia (1973), de Gal, pela primeira vez, fiquei apaixonado por tudo, principalmente pelos arranjos. Quando vi o nome do arranjador [da faixa-título], era Rogério Duprat. Depois disso comecei a correr atrás de tudo que tinha o nome dele envolvido. Considero Duprat um gênio. Ele sabia muito de orquestração e

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tinha o poder de fazer uma faixa soar épica, atemporal, grandiosa e ao mesmo tempo sensível e melódica. Dá para sentir que tudo que entrava numa música era da maior importância pra ele, do triângulo aos vocais. Acredito que a obra dele não vai ser esquecida nunca e ainda vai influenciar muitos músicos daqui pro futuro. Eu mesmo queria um Duprat na minha vida.


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Luiza Lian

Thiago França

Conheci Duprat por conta do disco Construção (1971), do Chico Buarque, e depois o disco de 68 do Gil, que foi o primeiro da discografia dele que eu me apaixonei.

um enredo, com um começo meio e fim, que não dependiam de uma narrativa linear. Essa percepção move meus discos até hoje, essa linha condutora que amarra os trabalhos.

Eu sentia que os discos arranjados pelo Duprat tinham um fio condutor que nunca se partia. Ouvir com tanta atenção os álbuns dele me ajudou a entender discos como obras com

Os discos que o Duprat participou são muito emblemáticos dessa época e educaram musicalmente muita gente das gerações seguintes.

Iara Rennó

Meu primeiro contato com a obra de Duprat foi certamente através dos arranjos nos discos d'Os Mutantes e no álbum Gilberto Gil (1969). Na minha adolescência ouvi intensamente estes discos e justamente a criatividade dos arranjos e orquestração me chamaram muito a atenção. Ali identifiquei algo que me interessava muito, que ía além da música popular, trazia elementos do erudito e aspectos cinematográficos e teatrais para dentro da música. [Aprendi] justamente essa atenção para o arranjo e como ele pode guiar o ouvinte pra dentro de determinada canção. Como pode criar uma atmosfera visual em uma música. Te ajuda a visualizar o som. A atenção para os mínimos detalhes, como um sino que toca antes de uma palavra específica da canção, ou quando a intensidade aumenta guiada por um prato chiando alto, a inserção de efeitos sonoros como chuva, buzinas, efeitos 'espaciais', a exploração psicodélica de grandes delays. Duprat sabia como sublinhar o humor dentro de uma música e trouxe frescor e irreverência pra canção brasileira.

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(Metá Metá)

Conheço muito mais o Duprat como arranjador do que de disco solo. A primeira vez que alguma coisa chamou muito a minha atenção foi o arranjo do Construção (1971), acho que é o trabalho mais icônico dele. Primeiro me chamou a atenção a grandiosidade do arranjo, os coloridos que ele traz pra música. Uns anos depois, comecei a fazer uma leitura mais aprofundada da coisa, de como ele traduz musicalmente a tensão da música. Dá pra fazer isso dum jeito bobo, por exemplo, a letra fala de buzina aí pinta uma buzina, ou fala de tamborim e entra um tamborim. Isso é literal, tolo. Como arranjador eu me espelho muito nisso, de tentar "vestir" a música da melhor maneira possível, não simplesmente sair empilhando nota em cima dos acordes pirotecnicamente, mas usar o arranjo pra contar a história junta da letra e da melodia.


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T E XTO _

F OTO _

Brenda Vidal

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As noites de primavera costumam ser quentes no Rio de Janeiro. Mas, em outubro de 1968, uma série de shows que Caetano, Gil e Os Mutantes apresentaram juntos fez as noites na boate Sucata ferverem. Cada uma delas tinha um roteiro sem garantias, no melhor estilo happening. As apresentações ganhavam ares de manifesto e evadiam o palco. O público, assim como os artistas, faziam o show acontecer. Os trajes futuristas usados pelos músicos, idealizados por Guilherme Araújo, também faziam o show acontecer. A bandeira-poema com a foto do corpo já sem vida de Manoel Moreira, o Cara de Cavalo - acusado pelo assassinato do detetive Milton Le Cocq - estampando a frase “Seja Marginal, Seja Herói” (obra de autoria de Hélio Oiticica), também fazia o show acontecer. Hoje, o evento poderia ser visto como um show de rock normal, mas, na época, foi algo chocante. “Uma parte do público vaiava e jogava cubos de gelo no palco, enquanto a outra aplaudia e dançava perto dos artistas”, rememora o livro Meio

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século de 1968: Barricadas, História e Política (2018). Uma resenha publicada no dia 11 de outubro de 1968 no jornal Última Hora descreve que, em meio às múltiplas reações da plateia, “Caetano Veloso, com a calma que lhe é peculiar, cantava rindo”. O texto ainda recria o clima borbulhante do público: - Os fanáticos da Tradicional Música Brasileira erguem seus escudos em defesa do nosso samba: “Isto é uma loucura, um deboche, é a submúsica imperando, onde é que nós vamos parar?”, gritavam transtornados para os tropicalistas fanáticos que cantarolavam irritantemente “É Proibido Proibir” e “Caminhante Noturno”. Entre o time dos contrariados, estava Elis Regina, a mesma que, meses antes, estava na famosa passeata que se manifestou contra a inclusão da guitarra na música brasileira (ironicamente, Gil também estava lá, mas isso é outra história). Conforme Carlos Calado cita no livro Tropicália: A História de uma Revolução Musical (1997) a revista Veja, que havia


sido fundada um mês antes, publicou uma nota dizendo que Elis estava “um tanto confusa” vendo o show: “Depois de ouvir o primeiro artista citado [Caetano Veloso] cantar ‘Saudosismo’, ela desabafou: ‘Não sei mais o que cantar. O que é que está acontecendo? Pra onde vai a música popular brasileira?”. Como informa o texto do Última Hora, o show do dia 10 terminou com Gil cantando “Bat Macumba”, que quase foi interrompida pelos gritos de uma moça na plateia: “Fora, impostor, isto é uma apelação comercial”. O jornal descreve a seguinte cena: - Gil não dava bola e a moça, que devia ter uns 28 anos, não aguentou e lançou um brado de guerra: "Bicha" e, imediatamente, foi acompanhada em coro não só por Gil, como também por Caetano e pelos Mutantes, que improvisavam: "Bi-cha, Bi-cha-cha, Bi-bi-cha-cha", contagiando imediatamente toda a boate que, batendo palmas, acompanhava: "Bi-cha, Bi-cha-cha, Bi-bi-cha-cha". Foi um sucesso! Entre controvérsias, a lotação era garantida, como declarou Ricardo Amaral, o proprietário da casa, no texto publicado na Última Hora: “A Sucata tem estado lotada desde que tudo começou. 'Pode deixar que eles reclamam mas acabam vindo', comenta Ricardo, que agora de patrão passou a ser fanzoca: assiste aos shows todos os dias na maior animação”. Apesar de tão jovens como muitos dos que estavam na plateia (Caetano e Gil tinham 26 anos, Rita Lee e Arnaldo Baptista, 20, e Sérgio Dias, meros 16), esses cinco músicos unidos formavam uma super banda tropicalista cuja performance tinha alto poder de impacto. “Eu (...) levava às últimas consequências o comportamento de palco esboçado desde 'Alegria, Alegria', estirando-me no chão, plantando bananeira e enriquecendo o rebolado cubano-baiano do 'É Proibido Proibir'”, escreveu Caetano em seu livro Verdade Tropical (1997). O show, conforme ele diz nessa obra, “foi possivelmente a mais bem-sucedida peça do tropicalismo. Pelo menos,

a que melhor expunha nossos interesses estéticos e nossa capacidade de realização”. Ainda que seja pouco conhecido, um registro dessas apresentações chegou a ser lançado pela gravadora Philips em um compacto chamado Caetano Veloso e Os Mutantes Ao Vivo (1968). Apesar de trazer os vocais de Gil, o disco não destaca sua presença no show. O compacto tem quatro faixas - “A Voz do Morto”, “Baby”, Saudosismo” e “Marcianita”. Iniciada em 4 de outubro, a temporada estava planejada para ter nove datas ao todo. Entretanto, a série nunca chegou ao fim. Depois do penúltimo show, o promotor de justiça Carlos Melo, que assistiu ao espetáculo, se enfureceu com a bandeira-poema de Oiticica e exigiu que a obra fosse retirada do palco. Ao que tudo indica, ele teria feito essa reclamação no instante em que Caetano começaria a cantar “É Proibido Proibir”, mas o pedido não foi acatado pelos músicos. Então, no dia 15 de outubro, a polícia interditou e obrigou a Sucata a fechar suas portas. Por mais que se fale tanto hoje nas “fake news”, isso não é uma invenção nova. Foi justamente uma notícia falsa sobre a profanação dos símbolos nacionais nos shows da boate Sucata que levariam Gil e Caetano à prisão. Em 1997, o jornal Folha de S. Paulo publicou uma reportagem após ter acesso a uma série de documentos do Deops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) que elucidam como esse boato se espalhou. Devido à bandeira-poema de Oiticica, a palavra “bandeira” corria de boca em boca nos comentários sobre o show. É atribuída ao apresentador de rádio Randal Juliano, de São Paulo, a versão de que a trupe tropicalista teria se enrolado na bandeira nacional e cantado o Hino Nacional Brasileiro em uma versão adulterada cheia de palavrões. Randal chegou a ser convocado a comparecer à sede do Segundo Exército em São Paulo para confirmar sua declaração sobre essa história. Ele confirmou e justificou, em 1997, em entrevista à Folha, que não costuma negar suas opiniões e que se baseava nas informações da imprensa.

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Randal teve papel importante na história, mas não estava sozinho. Um relatório do Serviço Nacional de Informações com a data de 11 de outubro de 68 informa que o suposto incidente teria sido divulgado pelo jornal Folha da Tarde do dia 10, e ainda afirmava que Caetano quase sofrera uma "ação" de militares quando cantou "o Hino Nacional em ritmo de tropicália”. Conforme o relatório divulgado pela Folha, um grupo de oficiais mais exaltados pretendia fazer uma "expedição punitiva à boate Sucata a fim de 'justiçar' o cantor Caetano Veloso" pela acusação de que ele teria cantado o Hino Nacional com “versos que constituem, para os militares, 'atentado ao governo, às Forças Armadas e à nação'”. Segundo o relatório, o ataque só não aconteceu pela ação de generais que contiveram os oficiais. Há ainda outro relatório, do dia 26 de novembro de 68, que registra as críticas do locutor Moraes Sarmento sobre Caetano e sua postura ao “cantar o Hino Nacional em ritmo de bossa”.

O fato é que Caetano e Gil já estavam na mira há tempo. Um documento do Deops de junho de 1965, também revelado pela Folha, mostra que agentes da repressão já investigavam Caetano antes mesmo de a Tropicália nascer. Acusado de ter canções de conteúdo subversivo, seu nome surge ao lado dos de Chico Buarque, Edu Lobo, Lima Duarte e tantos outros que participaram do show “Evolução”, no qual Maria Bethânia cantou “Carcará”.

No dia 27 de dezembro, Caetano e Gil foram presos na capital paulista. O general Antônio Bandeira, cabeça do serviço de informações dos militares, comentou em 1997 à Folha: “Eles [Caetano e Gil] não tinham importância. A prisão foi uma operação absolutamente desnecessária”. A decisão, de acordo com ele, nem partira da cúpula do Ministério do Exército, mas sim do Primeiro Exército e da Vila Militar, sob comando dos generais Syzeno Sarmento e João Dutra de Castilho.

Já, em março de 68, o relatório do Deops intitulado “A Mercedes Azul” enquadra Gil como possível adepto da doutrina esquerdista por sua resposta atrevida ao repórter Silvio Luiz na rádio Jovem Pan em 1º de março daquele ano. Na ocasião, o radialista perguntou a Gil sobre a compra de uma Mercedes Azul (que, na verdade, era uma Mercedes verde de 1959). O cantor respondeu que a compra não deveria ser motivo de surpresa, pois “na Rússia e em Cuba todo mundo pode ter uma Mercedes azul”, fala que foi criticada pelo mesmo Randal Juliano à época.

Caetano afirma em Verdade Tropical que a versão de que eles teriam desrespeitado a bandeira e o Hino nos shows da Sucata é completamente “fantasiosa”. De qualquer forma, foi por essa acusação que ele e Gil foram levados até o quartel do Exército de Marechal Deodoro, no Rio de Janeiro, onde tiveram as cabeças raspadas e ficariam até fevereiro do ano seguinte, quando puderam ir pra Salvador em regime de confinamento domiciliar. Em julho, eles partiram para o exílio londrino que só terminaria em 1972, uma viagem que, por mais difícil que tenha sido para eles, não impediu em nada a reverberação cultural e política da Tropicália, cujo espírito crítico segue incendiando consciências até hoje.

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T E XTO _

E N T R EV I STA _

F OTO S _

Caetano Veloso

Ariel Fagundes

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=3" D"$3"% $0) A música popular era muito importante para a televisão nessa época - e a televisão para a música popular. A Record tinha as maiores audiências - e estas eram principalmente de musicais semanais e festas mensais.

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Depois que houve um festival com grande sucesso em outro canal com Elis cantando "Arrastão" - a Record trouxe o modelo para si e a coisa cresceu. Elis e Jair Rodrigues protagonizavam o Fino da

Bossa, que era campeão de audiência. Logo a Jovem Guarda crescia.

Os festivais reuniam toda a turma de autores conhecidos de minha geração e lançavam novos talentos. As torcidas, compostas de jovens estudantes mas não só, eram apaixonadas. A energia disso concorreu para a difusão, a criação e influenciou estilos.

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Os festivais foram o lugar de lançamento de nossas ideias e de nossas obras iniciais. Compus "Alegria, Alegria" pensando em tocá-la com uma banda de rock no festival pra quebrar o padrão estético do ambiente. Fiz isso e tudo aconteceu. Toquei com os Beat Boys, um grupo argentino muito bom. Gil tocou com Os Mutantes, melhores ainda. E arranjo de Duprat. As canções que inauguraram o movimento, em 1967, foram feitas e arranjadas pensando no festival da Record. Era um reconhecimento crítico do nosso lugar dentro da indústria cultural.

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Era interessante estar com Edu, Chico, Roberto, Elis, Jair, Marília Medalha, Nara, Mutantes, Sérgio Ricardo, mil pessoas da nossa música. E ouvir sua novidades e observar a reação do público.


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Pessoalmente, eu não me interessava em prêmios: para mim era um bom jeito de apresentar o que tínhamos para dizer. Era problemático o esquema que interferia no estilo das composições e os preconceitos das plateias. Mas tudo gerava energia para criação.

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T E XTO _

F OTO _

Rodrigo Laux

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Com apenas 16 anos de idade, ele entrou para a história por ser o “culpado” - como ele mesmo diz com bom humor - por incluir a guitarra elétrica na música popular brasileira. Um verdadeiro garoto prodígio, Sérgio Dias usou equipamentos 100% brasileiros, desde a guitarra até os compressores e alto falantes para ajudar a criar a sonoridade que dividiu a MPB entre antes e depois d’Os Mutantes.

Poucos dias após completar 68 anos, Sérgio conversou com a NOIZE diretamente de Paris para relembrar a fase tropicalista, desde a importância do encontro catártico entre Os Mutantes e Gilberto Gil até a influência dos Beatles e a genialidade do seu irmão luthier e engenheiro de som Cláudio César Dias Baptista, pioneiro na criação de instrumentos e pedais decisivos nos timbres que moldaram a revolução sonora da Tropicália.

Muitas vezes, a Tropicália é comentada como se fosse algo muito organizado. Como foi na realidade? Não foi nada pensado, foi completamente espontâneo. Saiu queimando tudo que existia pela frente. Como se deu o encontro d’Os Mutantes com Gil? Foi numa gravação da Nana Caymmi em que o [maestro] Chiquinho de Moraes nos convidou pra gravar “Bom Dia”. Foi lá que conhecemos o Gil porque ele era namorado da Nana. Depois de gravar, marcamos de ir lá na minha casa. Ele foi e nos mostrou “Domingo no Parque”... Eu estava meio assim: “Será que vai ser aquele samba comum, aquela coisa sem novidade nenhuma?”. E ele arrebentou a cabeça da gente com as harmonias, com tudo... Tudo maravilhoso. Aí convidou a gente pra tocar e topamos na hora.

Você foi, de certa forma, um dos pivôs da inclusão da guitarra elétrica na Tropicália.Na época, entendeu o papel que estava desempenhando? Eu dava risada na época. Porque não tinha o menor sentido. Sempre tivemos um humor maravilhoso, então vimos Elis, Gil, todo mundo fazendo manifestação na rua contra a guitarra, e a gente morria de rir (risos). Era tão absurdo… Como parar uma música? Então, a gente ficava muito feliz quando incomodava. A guitarra sempre foi usada em sua total potencialidade nos lugares onde toquei. Com Os Mutantes, quebrou todas barreiras que existiam porque a gente fazia nossas próprias guitarras e meu irmão [Cláudio César Dias Baptista, luthier e engenheiro de som d’Os Mutantes] estava 20, 30 anos na frente de todo mundo. 9B

Qual foi a importância do Cláudio César Dias Baptista nesse momento? O Mutantes antes se chamava Six Sided Rockers, tinha outra guitarra, outra batera, outro vocal… Aí, quando ficamos só nós três [Sérgio, Arnaldo Baptista e Rita Lee], a encrenca toda de solos, texturas, harmonias, tudo caiu na minha mão, né? Porque Arnaldo tocava baixo e a Rita tocava flauta, então eu tinha problemas do tipo: “Como é que eu vou trocar de guitarra pro violão enquanto tô cantando?”. É impossível. Aí vinha meu irmão e resolvia inventando um sistema que eu fui ver [em outro instrumento], sei lá, 40 anos depois. Essas coisas era o Cláudio quem resolvia. Eu gerava o problema e ele gerava a solução. Você lembra como era o ambiente com o Gil no estúdio? Era de igual pra igual, uma coisa muito boa. Ninguém tinha dedos com ninguém, todos sabíamos o que estávamos falando musicalmente. Os Mutantes eram, já na época, muito profundos, música e arranjo era o nosso berço. Então, não tinha diferença musical, era todo mundo junto.


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LUIZ BRUNO luizbruno.com

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_ o que, quem? Luiz Bruno é um brasileiro que vive em Londres e acaba de lançar o primeiro álbum (ao menos o primeiro no qual assume o seu próprio nome). Antes disso, acumulou experiências no Brasil como baixista na banda Procura-se Quem Fez Isso, e depois como guitarrista na punk psicodélica Dévil Évil.

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Luiz encerrou seus projetos no Brasil para ir morar em Londres, onde lançou três álbuns sob o pseudônimo I Know I’m An Alien, até finalmente assumir o nome de nascença para explorar um gênero que ele chama de “psicoméquié”.


T E XTO _

F OTO _

Rodrigo Laux

Reprodução

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"Seus shows são imperdíveis enquanto o seu estilo genial e louco vagueia através de paisagens sonoras com a ajuda de baterias eletrônicas, sintetizadores, loops de baixo e seu som único de guitarra atonal." (New Noise, 2018)

_ mood: Power pop, upbeat e uma cama de guitarras, sintetizadores e efeitos psicodélicos que fazem qualquer um se perguntar quem é Luiz Bruno e por que ainda não estamos falando dele. _ como soa? Em seu álbum Everything’s Fine (2018), Luiz Bruno consegue deixar claro que possui uma ampla gama de referências (que vão da tropicália e da psicodelia sessentista, passam pelo pós-punk, pelos timbres pop dos anos 80, pelo rock alternativo norte-americano dos 90, até o power pop e a psicodelia moderna) e ainda assim tornar tudo isso facilmente prazeroso em faixas de, em média, 3 minutos.

O humor e a criatividade tão peculiares de Luiz Bruno estão sempre presentes, assim como suas reflexões filosóficas como quando diz que “words are not reality” (palavras não são realidade) ou quando confessa suas constantes frustrações e decepções em

“I get so frustrated”. Mas Luiz consegue, ao mesmo tempo, expressar despreocupação em relação a tudo isso. Acontece que os momentos e constatações tristes não vencem a força do conceito um tanto quanto otimista, que permeia o disco desde o seu nome até a levada upbeat da maior parte das faixas. Como numa viagem psicotrópica bem administrada, Luiz Bruno consegue manter um nível de estranheza controlada que leva pra longe sem tirar o pé no chão e sem precisar se perder demais no que não importa: o que não faz bem. Talvez - e assim esperamos esse seja um reflexo do ótimo momento que o cara parece estar vivendo do outro lado do oceano hoje. A “psicoméquié” de Luiz é definida por ele como “um gênero que ignora todos julgamentos e transcende rótulos. É a música que vem de dentro de cada pessoa, o que quer que seja isso. Pode ser qualquer coisa e não precisa seguir qualquer caminho ou estilo.”

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_ qual a vibe? Som alto astral, estranho e pop, dançante, reflexivo e bem humorado. Improvável e ao mesmo tempo grudento. Pra ouvir de galera ou com os fones pela rua inventando um novo jeito de caminhar. _ por onde começo? Seu álbum Everything’s Fine (2018). O cara já lançou a obra até em fita cassete e tem um kickstarter em andamento pra lançar em vinil. Vale ver também o clipe do single “The ballad of cool lane”.





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