#86 // ANO 13
expediente
NOIZE COMUNICAÇÃO
NOIZE FUZZ
Ventos, ventres, viagens e vertigens
Direção Leandro Pinheiro Pablo Rocha Rafael Rocha
Editores Gustavo Brigatti Joana Barboza Leonardo Baldessarelli
se somam e se diluem na pororoca
Gerente Financeiro Pedro Pares Gerente de Planejamento Cássio Konzen
Gerentes de Projetos Brenda Beloni Caio Pereira Jordana Monteiro Thais Martins
Diretor de Criação Rafael Rocha
Atendimento Interno Ingrid Mônaco
RH Taisla Heres
Redação Camila F Oliveira Guilherme Flores Rodrigo Laux Tássia Costa Vanessa Castro Vinícius Rocha
A primeira metade da edição, o Lado
Planejamento Gabriela Etchart Julia Brito Tainá Cíceri Thiarles Wäcther
experimentação
Coordenação de Mídia Ágatha Donini
Luiza
Coordenação de Arte Jaciel Kaule Diretores de Arte Árthur Teixeira Desirée de Oliveira Patricia Heuser Assistentes de Arte Guilherme Ferreira Maicon Pereira Produção Cristal Caetano Dani de Mendonça Malena Thailana Coordenação de Vídeo Lucas Tergolina Vídeo Humberto Ferreira Mateus Ramos Pedro Krum Shandler Franco Thaíse Silva Novos Negócios Leandro F. Gonçalves
NOIZE RECORD CLUB E NOIZE.COM.BR Editor Ariel Fagundes Coordenação de Projeto Helene Hoy Karen Rodriguez Diretor de Arte Árthur Teixeira
da
qual
emerge
Azul
Moderno.
Um
redemoinho de sentimentos e devoções embala
o
terceiro
disco
de
Luiza
Lian e mergulhamos de cabeça em suas águas para fazer essa revista.
A, passeia por vias urbanas. Nele, os produtores Charles Tixier e Tim Bernardes dividem os processos de
sonoridade narramos
do os
que
conduziram
álbum. caminhos
percorreu
para
Além
a
disso,
tortos
que
chegar
até
aqui.
Mídia Camila Ferrareli Coordenação de Community Manager Maurício Teixeira
No lado B, a relação mais orgânica
Community Manager Fernanda Herter Laís Soares
que nos guia. Há uma matéria sobre
GRITO
assim como poemas inéditos de Leda
Gerente de Planejamento Marcel Maineri
Cartum
com as forças da natureza é o farol
o musical povo amazônico Yawanawá,
Coordenação de Projetos Carolina Farias
NOIZE BOOST boost@boost.mn boost.mn
de
escritos
Entre orixás e ayahuasca, encontros e desencontros, samples futuristas
Estagiário Planejamento Rafael Kronitzky
Community Manager Ana Paula Pause Hayane Leotte
série
sincrética.
Planejamento Matheus Barbosa Matheus Gugelmim
Repórter Brenda Vidal
uma
detalhes sobre sua espiritualidade
Gerente de Projetos Gabriel Dias
Redação Camila Benvegnú Pedro Veloso
e
pessoais de Luiza Lian, que revelam
e timbres vintage, há um oceano de sentidos
para
você
páginas que seguem.
Ariel Fagundes 4A
se
banhar
nas
noize.com.br
c
o
l
a
b
o
Jamile Alves
Artista
a
Luiza Lian
r
paulista-
Jornalista manaua-
na com três discos
ra que atuou como
solo na bagagem.
repórter e editora
Nesta edição, Luiza
no portal G1. Hoje,
divide uma série de
faz das histórias do
escritos íntimos e
cotidiano, das florestas e do mundo
e livros.
sua própria pauta e
d
ainda indica discos
redação.
Charles Tixier
Escritora e roteirista,
Músico amigo e par-
além de amiga pes-
ceiro de Luiza Lian
soal de Luiza Lian.
de longa data. Aqui,
Colabora com rese-
conta histórias so-
nhas literárias para
bre a inusitada pro-
revistas como 451 e
dução que fez em
o caderno Ilustrada,
Azul Moderno.
r
da Folha de S. Paulo.
o
Leda Cartum
Aline Brandt
Jornalista
vivendo
Artista que utiliza o
um ritmo que só a
retrato como ferra-
música pode acom-
menta principal e in-
panhar. Apaixonada
tegra a vertente da
por cultura, arte e
intervenção analó-
negritude.
gica em fotografia,
e
Brenda Vidal
onde aplica, entre outras técnicas, o
5A
s
bordado livre.
5
Tim
perguntas
para
Bernardes
Tim Bernardes é quase onipresente na cena de música independente, seja pela sua carreira com a banda O Terno, pelo trabalho solo, ou pelas parcerias e produções - que vão de Jards Macalé a Baco Exu do Blues. Cantor, compositor, produtor e instrumentista, aqui ele fala sobre a coprodução de Azul Moderno e os desdobramentos de sua musicalidade.
8A
T E XTO _
F OTO _
Brenda Vidal
Rafa Rocha
noize.com.br
1. Você já havia produzido o disco de estreia da Luiza [Luiza Lian (2015)] antes de ter coproduzido Azul Moderno (2018). Como foi esse reencontro em momentos tão diferentes de uma mesma artista?
3. O disco foi gestado primeiro no violão e, entre synths e distorções, tem um quê de samba rock psicodélico, meio Jorge Ben. Quais foram as referências para a base sonora do disco?
Nem encarei como um reencontro porque a gente sempre se vê muito em função do selo [RISCO], tô sempre acompanhando o que eles estão fazendo. No primeiro disco dela, eu estava muito dentro, muito junto, porque era quase um disco de banda. Na época que ela fez o Oyá Tempo (2017), também fiquei muito na casa do Charles [Tixier] pra ver como as coisas estavam ficando. A Lu já comentava sobre outras músicas que não caberiam no Oyá, que já estava cheio, e disse que queria unir esses dois mundos: orgânico e sintetizado. Começamos a pensar no conceito mesmo não sabendo como realizar na prática. Quando começamos a fazer o Azul Moderno, eu recém havia acabado de gravar o Recomeçar (2017), tinha experimentado mais, tinha um penso mais de arranjador e produtor do que de guitarrista.
Era uma coisa meio crua, que conversa com Jorge Ben já que eu estava usando violão de nylon. O baixo também tinha uma onda mais tropicalista. Tinha uma aura meio A Tábua da Esmeralda (1974), uma coisa meio seca. Minha proposta e a do Charles eram diferentes, foi um cabo de guerra proposital, mirando no meio.
2. Se Azul Moderno tivesse mantido sua sonoridade orgânica ou tivesse partido direto para uma proposta mais sintética, o resultado com certeza não seria o mesmo. Como foi participar desse processo de produção continuada combinada com a produção do Charles? O trabalho não foi o mesmo de quando produzo meus discos, sabia que a produção seria totalmente entregue ao Charles. Foi muito tranquilo porque sou muito fã dele, fizemos faculdade juntos, éramos dupla nas aulas. Acho que ele é impressionante, um dos músicos mais inteligentes que já vi no mundo. Depois da primeira fase de produção, não vi mais o disco. Foi um grande aprendizado, um processo muito diferente de tudo que eu já participei. 9A
4. Em pouco tempo você fez muitas parcerias e conexões: lançou o solo Recomeçar, fez parcerias com Baco Exu do Blues e Jards Macalé, e lançará disco novo d’O Terno neste ano. O que você aprende com essas experiências e parcerias com artistas tão diferentes? Aprendo uma coisa diferente com cada um. É como fazer um curso: é um laboratório de prática, você vai ter que fazer aquilo, vai ter que fazer aquele projeto, vai ter que aprender e fazer do início até o fim. São desdobramentos da musicalidade que tenho. Isso me desenvolve e me faz crescer como músico. 5. Você considera que esse intercâmbio de sonoridades é uma forma de escoar suas fagulhas criativas fora do projeto solo? Sim. Zelo muito por manter uma unidade, às vezes, o que foge muito dessa unidade, eu não vou explorar no meu som, embora tenha interesse. Eu tenho essa coluna vertebral que é o meu trabalho de cantor, compositor e músico, então curto explorar outros lados disso sem ferir a coerência da obra que eu faço. É uma liberdade.
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L
Í
T E XTO _
F OTO S _
Ariel Fagundes
Rafael Rocha
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noize.com.br
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,
Luiza Lian mergulhou no encontro das águas do passado e do futuro.
SÓLIDO
Quando
voltou
trouxe
do
híbrida
à
fundo
sintética
superfície, uma e
pérola
E
orgânica
chamada Azul Moderno.
E
T
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R
- Desde sempre, ouvi minha mãe cantar. Foi uma influência muito forte. Depois, ela se casou com um fotógrafo que me apresentou uma porrada de coisas, era fissurado por música. Eu sempre ficava bisbilhotando os discos dele, que iam de Led Zeppelin a Madlib. Da areia ao concreto Hoje, o distrito de Trancoso, no sul da Bahia, está ocupado por uma estruturada rede hoteleira, mas, no final dos anos 1980, o vilarejo ainda mantinha uma aura de refúgio para quem buscava um estilo alternativo de vida. Naquela época, os pais de Luiza Lian haviam acabado de construir uma casinha lá e, cerca de um ano após seu nascimento, em 1988, a família resolveu deixar a frenética capital paulista para morar nesse paraíso. “Acho que era aquele sonho hippie de ter uma vida em outro lugar, mais perto da natureza”, diz a cantora, hoje aos 30. Seus primeiros cinco anos foram na praia, entre frutas doces e banhos de mar. Porém, conforme a criança foi crescendo e novas responsabilidades do mundo material se avizinharam, seus pais decidiram voltar a São Paulo, de onde Luiza nunca mais saiu.
Em sua casa, havia um terreno muito fértil para que brotasse o desejo de dedicar sua vida à Arte. Aos 12, Luiza começou a fazer aulas de canto e, aos 13, conheceu um grande amigo que se tornaria seu primeiro parceiro musical, Juliano Abramovay. A adolescência chegou a eles trazendo mais e mais o desejo de fazer música e não demorou até que Luiza e Juliano formassem um grupo de amigos obcecados pelos clássicos do rock e da MPB. “Com uns 14, 15 anos, a gente começou a tocar juntos regularmente nas praças. Então, pra mim, sou cantora desde os 15”, diz Luiza. Concluído o colégio, ela foi estudar Artes Visuais na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e entrou para a Escola de Música do Estado de São Paulo (Emesp). Nesse contexto, foi muito natural que aquelas rodas de violão despretensiosas evoluíssem para o que se tornaria sua primeira banda.
De fato, o meio urbano e a proximidade com um núcleo maior de familiares acabaram se mostrando fatores decisivos para o desenvolvimento da artista. Lá, ela pôde conviver com sua avó, que cantava e tocava piano de um jeito muito particular. Essa referência se somou às do seu pai, que era poeta, e da sua mãe, que também cantava e, inclusive, chegou a participar de alguns projetos musicais antes de se dedicar a uma carreira de produtora cultural. Luiza explica que ter uma figura materna conectada a ambientes como estúdios e camarins foi determinante:
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Riscando destinos Durante cerca de cinco anos, todos os domingos de Luiza foram dedicados aos ensaios e gravações do grupo que havia formado, o Noite Torta. Nessa rotina de imersão, emergiram algumas composições. “Um dia, no estúdio, me veio a música inteira de ‘Orientação’, que considero a primeira que compus”, lembra a cantora: - Até hoje, a composição é uma coisa bem intuitiva pra mim, vem tudo de uma vez de acordo com as emoções que estão presentes. Foi assim naquele momento e, a partir dali, deu uma destampada. Quando dei esse primeiro passo, comecei a ter coragem de acreditar nas minhas letras e músicas. Apesar da intimidade musical que a banda criou, como seu nome prometia, a trajetória da Noite Torta não foi nada linear. A partir de 2008, eles começaram a gravar o seu único disco, Rio Adentro, que sairia só em 2014. Por volta de 2011, Luiza passou a cantar também em uma banda chamada Nuage Jazz, na qual tocava Charles Tixier, com quem firmaria uma parceria musical intensa nos anos seguintes.
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Tixier, por sua vez, já tinha um outro projeto chamado Charlie e Os Marretas, que existe até hoje, e que, assim como Luiza, também estava inserido em uma teia de artistas entrelaçados. Noite Torta, Charlie e Os Marretas, O Terno, Os Mojo Workers, Grand Bazaar e Caio Falcão e o Bando eram grupos muito próximos, que compartilhavam integrantes e vínculos de amizade. Dessa trama de relações, em 2013, nasceu o selo RISCO. Gui Jesus Toledo, produtor e engenheiro de som que já havia coordenado a gravação do disco do Noite Torta, e o músico Guilherme Giraldi foram os fundadores e, desde 2015, o selo conta também com a presença do produtor executivo João Bagdadi como sócio. “Era uma galera que já estava junta e a gente sempre falava: ‘Puts, podia ter uma coisa que fosse esse elo entre todo mundo’”, lembra Luiza. O RISCO foi (e ainda é) fundamental para que esses músicos estruturassem seus trabalhos. O disco Rio Adentro, por exemplo, foi um dos primeiros lançamentos do selo. No entanto, já durante sua finalização, em 2014, Luiza notou o desejo de atuar como artista solo: - A gente ficou muitos anos compondo e ensaiando, aí, quando terminamos de gravar, já estávamos meio cansados. E, às vezes, banda tem uma dinâmica complexa, tudo tem que ser negociado. No momento em que terminamos o disco do Noite Torta, percebi que queria algo em que eu fosse falar: "Ah, é por aqui". No outro, o encontro com si Produzido por Gui Jesus Toledo, o primeiro álbum solo de Luiza começou a ser gravado ainda em 2013, mas, assim como Rio Adentro, demorou pra ser lançado. Luiza Lian saiu só em 2015, tanto devido ao processo do fim do grupo Noite Torta quanto ao envolvimento de Luiza em outros projetos, como o Nuage Jazz e a exposição Mira Schendel, organizada pela Pinacoteca do Estado de São Paulo em parceria com o
museu londrino Tate Modern, na qual trabalhou como assistente de pesquisa e curadoria. Em relação ao seu disco de estreia solo, ela explica que tem muito carinho, mas sente nele um certo ar juvenil: - Na música, você aprende muito com quem você toca e minhas maiores escolas foram os meninos do Noite Torta e, depois, os que tocaram comigo no meu primeiro disco. Era uma banda com gente tão brilhante, que tinha mil ideias, e foi muito legal, mas foi um disco muito “de banda”, que era algo de que eu queria me libertar. Conforme fui amadurecendo, fui me emancipando e entendendo mais o que ouvir e o que não ouvir dos outros. Entendendo que cada caminho é um caminho, sem precisar me comparar com ninguém porque tenho as minhas ideias, meus desejos, minhas referências. Ela faz questão de lembrar que linearidade não é um conceito que acompanha seus projetos, pelo contrário, há tentáculos em espiral que perpassam todos seus discos e os conectam a várias pessoas e situações diferentes. Nos shows de lançamento de Luiza Lian, por exemplo, ela já cantava “Sou Yabá” e “Pomba Gira do Luar” e, ainda em 2015, compôs “Mira” e “Azul Moderno”, que já nasceu com a ideia de ser o nome de um disco. Na virada de 2015 pra 2016, Luiza viajou até o Vale do Matutu (MG) com um grupo de amigos que incluía a escritora Leda Cartum. Elas já eram amigas, mas, nessa ocasião, se aproximaram muito e acabaram compondo as bases das músicas “Vem Dizer Tchau”, “Geladeira” e “Notícias do Japão” (“Iarinhas”, outra parceira com Leda, veio na sequência). Além dessas oito composições que foram parar no Azul Moderno (2018), Luiza tinha várias outras e estava avaliando o que fazer com elas. Após muitas conversas com os amigos e colegas de banda Tim Bernardes e Charles Tixier, a ideia inicial era distribuí-las em lançamentos menores. “Falamos em lançar uns EPs com produções diferentes, um EP com o Tim
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e um EP com o Charles, pra mapear como eu queria fazer o próximo disco”, explica. Além disso, ela, Charles e Tim combinaram que viajariam em dezembro de 2016 para gravar o Azul Moderno no sítio do Gui Jesus Toledo, em Indaiatuba (SP). Mas, no início do ano, Tim estava super envolvido com o álbum Melhor do Que Parece (2016), d’O Terno, e o que seria o seu solo Recomeçar (2017). Então, Luiza começou a gravar com Charles e a desenvolver com ele o que era pra ser um EP. Logo, encontraram um caminho de música mais eletrônica que poderiam experimentar, fizeram várias faixas e o resultado ficou mais longo do que costuma ser um EP. Ao mesmo tempo, Luiza queria fazer uma performance com poesia, algo que nunca tinha feito, com mais ênfase na parte mais visual. E, justo nesse momento, seus amigos Camila Maluhy e Octávio Tavares estavam abrindo a produtora Filmes da Diaba e vieram convidá-la para lançar algo juntos. Luiza mostrou a eles as músicas que tinha feito com Charles e a conclusão da produtora foi a de que deveriam fazer um filme com aquele material. “A coisa foi crescendo, daí lançamos como um álbum visual. Foi por isso que o Oyá Tempo (2017) atropelou”, diz Luiza. O que seria um EP acabou se tornando seu segundo disco e foi lançado com um vídeo de quase 25 minutos. Uma delicada alquimia A viagem para fazer o Azul Moderno coincidiu com a finalização do Oyá Tempo e ambos projetos estavam bem misturados na cabeça da artista quando ela foi para o sítio do Gui Jesus Toledo, que levou boa parte da estrutura do estúdio Canoa para lá. Luiza, Tim, Charles e Gui não sabiam exatamente como iam gravar o disco, mas ela conta que já havia desde o início ideia de que a sonoridade do álbum unisse elementos eletrônicos da música contemporânea com timbres orgânicos que remetessem a algo mais vintage:
- Era muito presente a ideia de ser uma coisa ao mesmo tempo “futurista” e do passado. Tem até uma brincadeira [no nome] porque a gente usa muito a palavra “moderno” falando de uma coisa nova, mas “moderno” também se refere a movimentos do século passado. Era muito dentro desse sentimento que eu estava construindo o disco. Nesse sentido, Tim representava o lado mais orgânico do projeto, enquanto Charles trazia a linguagem eletrônica. Mas, no sítio do Gui, eles acabaram gravando o disco todo com violão, baixo e bateria, com uma atmosfera completamente orgânica. “Na viagem, a gente tentou misturar, mas percebeu que o processo era muito diferente, não é tão simples você inserir uma coisa eletrônica porque não era o caso de só colocar uns synths nos arranjos”, diz Luiza: - Aí ficamos pensando que um caminho poderia ser levantar tudo e desconstruir pra usar aquilo como base pra ter nossos próprios samples de um disco que nunca existiu. Como se esse disco que gravamos no sítio fosse um disco dos anos 1970 que a gente nunca ouviu. Então, foi esse o caminho. De volta a São Paulo, Luiza, Tim e Charles gravaram em estúdio mais alguns instrumentos para fechar os arranjos dessa versão orgânica do álbum. “Gravamos tudo aí eu falei: ‘Ok Charles, agora você destrói, pega esse disco e dilui completamente, transforma’”, conta a cantora. Charles pegou o material gravado por volta de abril de 2017 e passou cerca de um ano cortando e colando sons, inserindo beats e samples, remixando tudo de cima a baixo até chegar ao resultado final do disco, que acabou sendo creditado como uma produção dele com coprodução do Tim. O método pouco ortodoxo funcionou: Azul Moderno ampliou o público de Luiza e foi presença confirmada em muitas listas dos melhores discos brasileiros lançados em 2018. Para a prestigiada Associação Paulista de Críticos de Arte, foi o Melhor Disco do ano.
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Heranças sonoras Enquanto Luiza Lian foi um disco de estreia onde ela ainda estava se descobrindo enquanto artista solo e Oyá Tempo foi uma grande experimentação, Azul Moderno veio demarcando uma estética própria da artista. Além da sonoridade que flutua com harmonia entre atmosferas ora dançantes ora contemplativas, é notável o aprofundamento da temática espiritual das suas letras. No primeiro disco, a orixá Oxum já havia sido citada (na faixa “Protetora”); no segundo, há menção à figura dos caboclos e a faixa-título é o próprio nome de uma entidade também chamada de Logunan. Já o terceiro cita Omolu, Iemanjá, Nanã, Pomba Gira, além de Santa Bárbara (associada sincreticamente a Oyá) e as Yabás, que é um termo usado no Brasil tanto para se referir a todas orixás femininas quanto apenas a Iemanjá e Oxum. Luiza nasceu em um lar onde a espiritualidade sincrética sempre foi parte da rotina e conta que possui há muitos anos uma vivência íntima com a Umbanda e com a ayahuasca. Além disso, explica que seu despertar para se tornar compositora aconteceu simultaneamente a sua caminhada espiritual: “Teve a ver com um momento de muitas aberturas e encontros com esse lugar mais misterioso”.
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- Não gosto de ficar fazendo propaganda de espiritualidade porque é uma coisa realmente muito íntima, é um caminho muito próprio de cada um. Mas não tenho como dissociar porque é a minha vida, é uma coisa muito presente, não como enfeite, mas como vivência mesmo. São mitos que estão dentro da minha devoção. Essas entidades fazem parte da minha cosmologia interna, por isso estão aí. Mas acho que ninguém é porta-voz disso, é uma coisa que fala por si só na vida de cada um. Se as pessoas ouvem minha música e se conectam com isso é porque a história delas tá vibrando e reverberando nisso. Falar sobre espiritualidade é falar sobre uma vivência com o mistério e esse mistério me move. Já a dinâmica dos afetos no mundo contemporâneo, outro vértice temático de Azul Moderno, foi um tema que surgiu nas conversas com Leda Cartum: - A maneira como as pessoas construíam suas relações, que é muito diferente da maneira como a gente constrói hoje, era o tema principal da minha conversa com a Leda. Entramos numa viagem sobre ancestralidade feminina. Nós, vivendo relações super líquidas e efêmeras, vimos que estávamos com algumas expectativas de vó. Em algum lugar do nosso sentimento, ainda tinha aquela mulher que esperava, que ficava em casa. Isso é muito transmitido, carregamos esse rastro do passado. Ao mesmo tempo, tudo mudou. Por causa tecnologia, inclusive. E, não tô falando em uma perspectiva nostálgica nem negativa, mas, por mais que as coisas mudem, você tem uma ancestralidade.
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Toda essa gama de símbolos e sentimentos são invocados no show de Azul Moderno, que é um espetáculo audiovisual que envolve projeções, lasers e um palco montado como uma passarela. “Pensamos como se eu estivesse andando em cima de um rio e de uma paisagem que vai se transformando, como se eu estivesse em um mundo diferente e fosse resgatando as coisas dele”, diz Luiza. 25A
Tendo um projeto para sua circulação contemplado no edital Natura Musical, o show completo de Azul Moderno já está confirmado para passar em cinco capitais ao longo de 2019: Porto Alegre, Recife, Salvador, Rio de Janeiro e Goiânia. “E a gente quer potencializar cada uma das datas e circular em volta delas”, garante a cantora. Tudo indica que o ano que está começando seguirá cobrindo de bênçãos os mergulhos dela.
Azul
faixa
a
faixa
Luiza Lian nada no oceano do álbum e pega as ondas de cada música do disco.
Lado A
2. Mil Mulheres
1. Vem Dizer Tchau
É uma composição que surgiu de um bilhete que eu escrevi para uma história dessas
Faz parte das músicas que são parcerias
que estava no seu fim. Eu não deixei o bi-
minhas com a Leda Cartum ["Geladeira",
lhete. Mas aí fiquei pensando: “Ah, eu vou
"Iarinhas", "Notícias do Japão"]. Surgiu
fazer alguma coisa com isso, tá legal”. Aí a
como um rabicho de “Geladeira” dentro
gente fez essa música, é um bilhete nunca
dessa nossa grande poesia que a gente foi
deixado. E é o que eu escrevi na hora. Na
desconstruindo. Construí o refrão do “Vem
verdade, ele terminava assim: “Aquela hora
Dizer Tchau” falando sobre esses amores
transando com você eu senti que eu tran-
que se fazem, mas não têm coragem de se
sava com uma multidão, foi lindo. E eu era
desfazer.
mil mulheres também, foi lindo”. Tirei o “foi lindo”.
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E N T R EV I STA _
noize.com.br
Ariel Fagundes
Moderno 3. Sou Yabá
É sobre essa hiperconectividade em que a
Lado B
gente se ausenta de de fato experienciar
É uma música que eu fiz em Alto Paraíso (GO), de frente para a Pedra da Baleia.
as coisas. É uma gula de existir que só es1. Pomba Gira do Luar
vazia todo mundo.
nada por aquele lugar, e essa música veio
É uma das primeiras. Também é uma mú-
4. Santa Bárbara
como se fosse um raio.
sica que fiz em Alto Paraíso, nessa mesma
Cheguei lá pela primeira vez, muito apaixo-
viagem [de “Sou Yabá”], em que estava ali
É do Alto Paraíso também, mas foi de uma
olhando pra Pedra da Baleia e conectada
outra viagem. Eu fiz ela para uma amiga
com essa força das Pombas Giras. Eu esta-
muito querida de 60 e poucos anos que
É uma mistura de uma homenagem à ar-
va em um momento bem frágil, no sentido
estava em um momento super difícil. Teve
tista Mira Schendel com minha experiência
do feminino. Tinha passado por um relacio-
uma coisa no coração dela, altos proble-
com a transcendência e esse mistério do
namento super abusivo e acho que essa
mas de saúde, uma filha de Oyá também,
mar e Iemanjá. "Mira" descreve experiên-
música foi uma forma de tentar me forta-
que tem essa energia do fogo, do raio, uma
cias muito fortes com o sublime, com essas
lecer e me encontrar de novo como mulher,
pessoa super ativa. Acho que essa músi-
entidades, com a ayahuasca, e com esse
me encontrar com o meu feminino, com a
ca veio como uma forma de me conectar
encontro.
minha força, as minhas entidades.
com esse processo da minha amiga e es-
5. Iarinhas
2. Geladeira
É uma música que comecei a fazer em cima
Era desse mesmo conjunto de músicas que
de uma vez, se iluminando pra conseguir
do rio Iquiririm. Estava tendo uma festa lá
a Leda chamava de "Boia Bumbo". Eu tinha
partir do jeito mais puro e bonito possível.
e aí alguém estava contando que aquela
feito esse refrãozinho pra ela, “pano pra
Seja dessa vida pra fora, seja nessa vida
rua também é um rio. E eu tinha assistido a
molhar o chão…”, aí fui construindo com a
mesmo, nos nossos processos de transfor-
um documentário que se chama Entre Rios
Leda. Foi a nossa primeira parceria juntas.
mação.
3. Notícias do Japão
5. Azul Moderno
as entidades, elas são forças da natureza.
Foi uma música que a gente começou no
Foi a primeira música que eu fiz no violão.
E esses rios estão soterrados, mas eles não
Vale do Matutu (MG) e foi continuando. Eu
É uma música que se trata de despedidas,
estão mortos, eles existem. Eu comecei a
mandei umas ideias pra Leda do que eu
não de uma despedida especificamente,
cantar, imaginando essas Iarinhas dos rios
imaginava e ela mandou uma coisa com-
mas de várias, e desses momentos de rom-
enterrados de São Paulo. Daí mostrei pra
pletamente diferente do que eu tinha fala-
pimento, de como a gente acaba sentindo
Leda e ela falou: “É, mas os rios voltam
do, mas que super cabia na ideia principal.
muita raiva e deixando as coisas fluírem na
sempre, quando vem a enchente, eles
Essa música é sobre a ansiedade de estar
raiva. Mas que, depois, a gente repensa e
voltam. Quantas vezes você não passa
em todos os lugares e não estar em lugar
ressignifica e consegue levar alguma coisa
por um lugar onde tem um rio e teve uma
nenhum, que tem muito a ver com o Oyá
boa das experiências vividas. Então, ela
enchente e parece que tá passando uma
Tempo (2017) também e com as coisas que
é uma música feita nessa esperança de
cachoeira?".
eu estava pensando quando fiz esse disco.
transcender e de perdoar.
4. Mira
ses processos de transformação dentro da vida e para além dela, quando a gente vai entregando a nossa existência até ir
(2009), que fala sobre os rios soterrados de São Paulo, que são muitos. Eu estava nessa viagem porque, quando a gente fala sobre
27A
efeito dos narcisos descontrolados nenhuma referência para afogá-lo
M
i
r
a
Narciso, belo,
já não olha para a água,
ele tira selfies Echo não veio, não tinha acesso
ç
õ
e
s
A porta não estava aberta O Sol não estava aceso
Luiza
Lian
compartilha
aqui seu fractal caótico de ideias, versos, sentimentos, poesias
e
intuições.
Os mitos não são os mitos Nem são deus Mitos não são os astros Estrelas São visões, projeções, interpretações O meio do caminho, uma autorreferência Eram o espelho possível do que se via das estrelas Um nós, diante, A partir daqui o infinito E o espelho dessa miragem
Esses textos são "apenas um arabesco, abraça as coisas sem reduzi-las"
T E XTO _
A RT E _
Luiza Lian
Árthur Teixeira
noize.com.br
Como descrever a Ayahuasca e seus acessos? Sua força é grande como mar, o tempo nesse estudo vai te ensinando a navegar melhor, tomar menos caldos, aproveitar as suas ondas, se equilibrar no seu balanço, dançar com seu movimento, sabendo que, quem se presume o proprietário dos seus mistérios, se afoga. E esse mistério é meu único farol.
Os poetas viraram copiadores As poesias viraram afirmações E os mitos copias só a cópia dessas cópias de nós mesmos Umas fofocas Fundo infinito repetição sem arestas.
Pra mim Religião não é a espiritualidade.
Eu, Luiza Lian, como ser multidimensional que sou, manifestante no Agora da fusão entre os tempos, decreto que Sou dança ancestral, projeto intergaláctico e ponto indispensável do absoluto. Eu, Luiza Lian, como ser multidimensional que sou, não temo os que vêm perdendo a materialidade pois EU Sou o que sou, ponte violeta, fractal do infinito, efêmera e absoluta na minha condição de resquício do universo. Deuses, Deusas e ratos abençoam minha existência e agem em conformidade com ela. Separada por maia da reintegração das minhas camadas, reconheço e acolho meu medo da morte que reconhece e acolhe a própria limitação mental e material dessa existência, dimensão e linguagem.
É poesia. Uma ideia aberta a ser interpretada, por onde se caminha, arte no sentido mais sagrado da palavra, que embaralha e eleva os sentidos até o sublime, esse grande Mistério, mas não é o Mistério.
Eu, Luiza Lian, como ser multidimensional que Sou, me ilumino por epifanias. Possuo corpos luminosos e sombrios, e a minha existência como uma serpente d’agua espectral atravessa todos eles reatualizando todos os agoras de todos os tempos trilhados em todas as dimensões, vida, amor e morte. (somos todos luz, mas a velocidade nos separa)
29B
Isso não é uma loa Encheu a lua, eu tenho perseguido ela pra traduzir o seu Brilho cru, não a lantejoula, agora talvez não interesse tanto a minha poesia estamos muito preocupados com as vendas E o que vende são imagens Montagens selfies bandeiras Adoro bandeiras, como enfeites de uma procissão de bonecos, Não quero bandeiras Gostaria de rasgá-las todas Me igualo aos meus ícones na fotografia do meu avatar E fazer um carnaval Não me interessa só a frase não Nem deformações caricaturas, vestidas de beleza
Me relaciono com avatares
Ângulo certo, close certeiro
Somos nossa referência,
Não nosso mito limitado Quero te lamber Quero te ver, Sentir na minha boca seu gosto estranho
um espelho falso
desgostar das suas rugas e remelas e defeitos até me reconhecer não me congelem nos signos quero transitar e morar no transito não me congelem no signo do transito quero voar por onde as palavras não me alcancem e de quando em quando mudar a forma deformar as paisagens de mim dizer uma besteira numa conversa absurda buscando o meu coração também nas sentenças escuras
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Os cantos, escritos, rituais, as mitologias, são símbolos abertos que vêm sendo reinterpretados há milhares de anos, as tentativas de congelá-los em um manual de explicações, é autoritário, nos leva pra Guerra. É babel. Seus intérpretes às vezes são bons e às vezes são ruins, os bons interpretes são mensageiros, abrem portais, iluminam o caminho, trazem conhecimento e libertam, os maus interpretes, são tiranos, querem nos prender e nos dividir.
Nada está congelado, nenhum símbolo, nada é certo, nada é certeza, mas gira em torno de uma Verdade; O Grande Mistério ou O Grande Vazio. Quanto mais eu aprendo nesse caminho, menos autoridade tenho sobre ele, Nada é meu.
Meu terreiro é sincrético, Nos meus ritos, Orixás, Santos Católicos, Mestres Ascencionados, Doutores do espiritismo, Jesus Cristo, O Espírito Santo, Budas, Encantados, Benzedeiras e Caboclos continuam baixando, com sua dança, poesia e ensinamentos. Cantei nas alturas, vi as entidades se fundirem em milhares de facetas, bato cabeça, abaixo a cabeça, aprendo a cultuá-las com todo meu respeito, e tudo segue completamente misterioso como deve ser.
que alma cafona… deus é mais a deusa, é mais um sorriso cais de luz num ponto da imensidão abraço transcendental lágrima fractal do mistério Deusas, são mais Monstros celestiais que me olham com um olho só Mas me olham com amor
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T E XTO _
F OTO S _
Jamile Alves
Costa Rebelo / Reprodução
Y
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Música, ancestralidade e revoluções
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“E aquilo que nesse momento se revelará aos povos surpreenderá a todos, não por ser exótico, mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto quando terá sido o óbvio”. Na composição mítica e um tanto profética de "Um índio" - quinta faixa do álbum Bicho, de 1977 -, Caetano não chega a revelar qual o segredo escondido bem a nossa frente. Esse papel ficaria a cargo de um nativo, detentor da soma das melhores características de Muhammad Ali, Peri, Bruce Lee e dos Filhos de Gandhy. Pela canção, em um momento de ares apocalípticos, ele descerá de uma estrela colorida para contar a verdade quando a última nação indígena for exterminada. Em um Brasil de progresso a qualquer custo em que indígenas perdem a soberania recém-conquistada dos seus territórios, não seria absurdo imaginar que um dos últimos suspiros 21B
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do Tropicalismo seja, de fato, um tipo de presságio. Isso é bom, na verdade, se levarmos em consideração as suas perspectivas sempre futuras, logo, com um desfecho que ainda pode ser remodelado. A cegueira coletiva que nos impede de ver o evidente não precisa seguir como um padrão social e muito menos ser curada exclusivamente sob extermínio de mais povos indígenas. Por enquanto, ainda há muitos “pontos equidistantes entre o Atlântico e o Pacífico” a guardar o tal segredo. Alguns desses lugares estão escondidos acima dos barrancos que acompanham os meandros do Rio Gregório, no sudoeste do Acre, coração da Amazônia brasileira. O nome desse afluente do Rio Juruá, que banha o município de Tarauacá, também dá nome à Terra Indígena onde habitam importantes guardiões do óbvio oculto: os Yawanawá.
Chegar onde moram, um local de área total de 92.859 hectares, é difícil e demorado. É preciso trocar de diferentes meios de transporte ao longo do percurso, passando pela esburacada BR-364 e, depois, navegar em barco a motor rio acima por cerca de oito horas, a depender do nível das águas. De acordo com seus ancestrais, os Yawanawá sempre ocuparam as cabeceiras do Rio Gregório ao longo de toda a sua existência, diferente de outros grupos amazônicos que hoje estão espalhados por diferentes regiões do mapa. Essa aliança com a terra e entre si justifica a alcunha de “povo da queixada” (yawa/queixada; nawa/gente). Assim como os animais dessa espécie, os Yawanawá sempre são vistos em bando. Nunca separados, nunca “um índio” como dissera Caetano, mas cerca de um mil preservados em plenos corpos físicos, em todos sólidos, gases, líquidos, átomos, palavras, cores, em gestos, cheiros, sombras, em luzes e, incontestavelmente, em sons magníficos.
Expressividade musical
“Kanarô” é uma espécie de pássaro que, para os índios Yawanawá, significa muita saudade, saudade demais, daquelas de doer. Contam os seus ancestrais que, certa vez, na divisão dos continentes e dos povos pela Terra, o primeiro homem Yawanawá, filho do Criador, sentou na beira do rio, onde muito ao longe viu um rastro verde de floresta. Ele passou a visitar o local com frequência porque acreditava que, lá do outro lado, onde a vista mal alcançava, morava também uma parte da sua família. Um dia, ele percebeu a presença de um kanarô, uma arara de penas amarelas que voava cedo por ali, comia frutas nos arredores e voltava para o outro lado no fim da tarde. O homem então se conectou espiritualmente ao pássaro. Colocou nele toda a sua saudade e amor pela família distante
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e entoou: “Kanarô, tere te in te, kanarô, tere te in te”. Quem adentra hoje a Terra Indígena do Rio Gregório ainda ouve, em tantas outras vozes, o canto do primeiro homem da criação daquele povo. Entretanto, não é preciso ir tão longe para ouvi-lo. “Kanarô” é um dos cantos mais famosos da tribo e está disponível em serviços de streaming como o Youtube, Spotify e Deezer e até em um CD gravado por jovens Yawanawá que foi contemplado com o Prêmio Funarte de Música Brasileira (Cantos Yawanawá, de 2012). Essa e outras canções do povo viajam ainda por centros ayahuasqueiros, eventos de organizações não governamentais e congressos voltados à temática ambiental. Mas, como é sabido por muitos, nem tudo são flores na história indígena pós-colonização. Os hinos que exaltam os animais, as águas, o ar e os espíritos da floresta nem sempre foram modulados em alto e bom tom.
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O contato
Os Yawanawás estão há um século em contato com a sociedade ocidental, ou com os "nawa", como chamam o homem branco na língua nativa. Esse meio tempo foi marcado, sobretudo, pelo genocídio e escravidão do povo indígena local, cometido nos “tempos áureos” da exploração da borracha na Amazônia. Durante mais de três décadas, os Yawanawás foram forçados a conviver com todo tipo de abuso praticado pelos patrões serin-
galistas e, mais tarde, por missionários da Missão Novas Tribos do Brasil, empenhados em “evangelizar” os indígenas. Por uns, foram explorados. Pelos outros, foram submetidos à prática da religião cristã, que considerava suas crenças espirituais manifestações do Diabo. Nesse período, muitos dos rituais, danças, expressões culturais e espirituais foram deixados para trás. Os Yawanawás sofreram ainda com a dispersão das famílias por conta dos casamentos interétnicos, que levaram muitos nativos para fora da aldeia. Os queixadas viram seu povo ficar menos numeroso até que a história tomou outros rumos a partir de 1977. O governo brasileiro demarcou a área da sua Terra Indígena e, seis anos depois, começaram a ser expulsos todos os não indígenas do território, que já era dos Yawanawás desde os tempos imemoriais. Os anos de exploração e luta deram lugar a uma nova batalha, tão importante
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quanto a garantia das suas terras. Distribuídos nas comunidades Nova Esperança, Mutum, Escondido, Tibúrnico, Amparo, Matrinchã, Sete Estrelas e Yawanarí, os Yawanawás tinham que combater agora o esquecimento forçado de suas raízes para fazer renascer sua cultura, sua língua e seus conhecimentos tradicionais guardados na memória ancestral dos indígenas mais velhos. Um impulso para essa missão foi a conquista do direito à educação escolar diferenciada, com formação também distinta de professores Yawanawás. Os pajés e líderes espirituais também se empenharam em ensinar aos jovens da aldeia a educação tradicional do povo. Um importante reforço veio com a fundação da Cooperativa Yawanawá (COOPYAWA). Administrada atualmente por sua diretoria e pelo cacique Biraci Brasil - conhecido como Nixiwaka em sua língua tradicional - a organização viabilizou um importante projeto de etno-turismo, o Festival Yawa.
Celebrando tradições
Os cantos, a comida, as danças, brincadeiras e a espiritualidade Yawanawá são relembrados ao longo de uma semana inteira de festival, que acontece desde 2002 religiosamente no mês de outubro,
na aldeia Nova Esperança. Desde então, há 17 anos, a tribo congrega membros de várias aldeias Yawanawás, indígenas de outras etnias e brancos visitantes para celebrar as tradições mantidas por seus antepassados. Nas épocas dos plantios e da piracema, como é chamado o período de reprodução dos peixes de água doce, a tribo fazia uma festa bastante parecida registrada como “mariri”. O conjunto de cantos e danças circulares presentes nas celebrações do mariri são chamados “saiti”, momento em que os homens e mulheres se juntam em um grande círculo no terreiro da aldeia e cantam segundo o andamento entoado pelo líder da roda. Nas primeiras edições do Festival Yawa, não havia nos cantos nada além das vozes. Elas eram vez ou outra acompanhadas por flautas, mas não cotidianamente e nem tocadas por qualquer um da tribo. As músicas eram acompanhadas pura e 24B
simplesmente pela sonoridade das vozes masculinas e femininas, combinadas com as batidas dos pés nos movimentos de dança. Com a revitalização cultural e a necessidade de acolher as novas gerações Yawanawá, canções como “Kanarô” ganharam novas melodias. A ideia foi do filho do cacique Biraci Brasil, o cantor Shaneihu Yawanawa. O contato com os nawa o levou a estudar na cidade aos 11 anos, quando ganhou seu primeiro violão. Foi só ver o processo de resgate das origens do seu povo que ele vislumbrou no instrumento todo o seu potencial de incentivar entre os mais jovens o aprendizado da língua Yawanawá. E não deu outra. Em um momento emblemático de um dos festivais, Biraci puxou: “Kanarô, tere te in te, kanarô, tere te in te”. Shaneihu foi lá, acrescentou o arranjo feito por ele no violão e impressionou os presentes com a beleza incorporada no tradicional canto “Kanarô”, que deu nome,
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inclusive, ao seu primeiro álbum musical, lançado em 2014.
tecendo uma verdadeira efervescência cultural no estado do Acre”, pontuou.
O antropólogo Virgílio Bomfim Neto, pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), tem um trabalho importante direcionado à expressividade musical dos Yawanawá. Ele comenta que as novas versões dos cantos ficaram bonitas e tiveram boa recepção, mas não de todo mundo. “Eu, como pesquisador e antropólogo, perguntava para o pajé, para o cacique: ‘O que você acha da entrada de novos instrumentos no canto tradicional?’. Alguns sons mudam a pronúncia das palavras com o jeito de entoar o canto e algumas pessoas fizeram críticas por conta disso. Fato é que colocar os instrumentos desperta o interesse dos jovens que querem aprender a tocar e já gostam dos cantos tradicionais. Outros povos do Acre também estão se inspirando nisso para revitalizar sua cultura a exemplo dos Yawanawá. Podemos dizer que está acon-
O cacique Biraci considera que a melodia muda, de fato, mas a essência, a nata do canto, só fica mais bonita. Hoje, entre os Yawanawás não faltam violões e gente que saiba tocar. Não há aulas formais nas aldeias, então um indígena ensina o outro, ou aprende sozinho e acaba criando sua própria versão para não ficar fora das rodas de saiti. O que antes era restrito aos anciões da aldeia, agora acontece principalmente através dos mais jovens, em qualquer hora e lugar onde houver um violão esperando para ser tocado.
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Bomfim acredita ainda que essa “efervescência cultural” introduzida pela tribo está ligada não só à música, mas principalmente à sua associação com os rituais de "uni", como os Yawanawá chamam as cerimônias de ayahuasca.
A cura do mundo
A ayahuasca é produzida a partir de duas plantas nativas da floresta amazônica: o cipó mariri e folhas do arbusto chacrona ou rainha. Para fazer o uni, o índio passa por uma preparação de dias. Se casado, não pode manter relações. Se comeu algum doce durante o período, nem oferece as mãos para a produção.
As restrições impostas são uma forma de dedicação ao propósito da bebida: causar "mirações" que levem a pessoa a visualizar com clareza seus impedimentos, suas falhas e hábitos de atitude, a fim de reconectá-las à sua aspiração divina na Terra. As músicas instrumentalizadas também encontraram terreno fértil por aqui, como explica o antropólogo e parceiro de pesquisa de Virgílio, Miguel Bittencourt. “A gente vê que a música tem vários papéis sociais, a sociabilidade com os não indígenas e entre eles mesmos e, também, no uso do uni, em que a música pode ser pensada como um dispositivo de indução, sendo essas práticas curativas e de bem-estar com certo mecanismo ritual para trazer determinada sensorialidade”, explicou. A pergunta natural que se faz nesse momento é se a ayahuasca não poderia ser considerada uma droga. Que o uni age 26B
por um efeito psicoativo, é óbvio, assim como o café ou o álcool, por exemplo. Logo, a resposta depende mais do que você entende como tal. Em 2006, o Conselho Nacional de Políticas Sobre Drogas retirou definitivamente a ayahuasca da lista de drogas alucinógenas (da qual já estava excluída em caráter provisório desde 1987) e, em 2010, o governo brasileiro regulamentou seu uso para fins religiosos. Tais medidas deram amparo legal à prática ancestral de inúmeros índios da Amazônia e de segmentos religiosos consolidados há muitas décadas, como o Santo Daime, cujas origens remontam ao início do século XX, e a União do Vegetal, fundada em 1961. Os Yawanawá acreditam que, ao ingerir ayahuasca, seja possível visitar a realidade do domínio aquático das cobras, onde está guardada toda a verdade sobre a cura do mundo - talvez aquela citada pela música de Caetano. Mas não se
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engane: a bebida jamais transformará a realidade física por si só. É preciso estar atento para entender quem se é e, então, estar pronto para curar a si mesmo e ao mundo, por que não? Talvez esse seja o grande ensinamento. Com a revitalização da sua essência, a música atua como verdadeira orquestradora dos costumes Yawanawá. Os nawa, que antes foram motivo de muitas dores para o povo, hoje, dão a eles alegria ao mostrarem empenho em aprender seus cantos ancestrais e a expandir sua cultura para além das fronteiras onde o primeiro homem cantou “Kanarô”. Quem sabe do outro lado, naquela pontinha verde que ele mal podia enxergar, éramos nós quem recebíamos as mensagens de saudade e paz eterna carregadas pela arara amarela. Um chamado para sua família desconhecida, inspirada em seu amor, a começar também uma grande revolução: a sua própria. 27B
Li n h as
Na
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família,
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T E XTO E F OTO S _
E N T R EV I STA _
Al ine Brant
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fotográfico,
nunca em tecido. Faço a fotografia já pensando no bordado, imagino
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a
o
bordado
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Tenho
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expande
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fotos
feminino
sexualidade.
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Poder
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você transforma. Passar a linha em uma imagem é um momento O
de
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que
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ler
A
invenção
de
Morel
(1940)
Adolfo Bioy Casares É sobre um rapaz procurado pela polícia que entra num barco pra fugir, naufraga em uma ilha e fica lá tentando sobreviver. Até que, um dia, ouve uma música tocando, que é um jazz bem antigo que se chama “Tea for Two”. Aí vai atrás e descobre uma construção gigante com vários casais dançando. Todo dia, no mesmo horário, essas pessoas saem e dançam, aí ele vai se aproximando. Lembra um pouco a série Lost , é tipo um Lost que deu certo. O legal é o desenrolar da história, nesse ambiente de ficção científica, é uma história de amor. O autor é um argentino que era brother do Jorge Luis Borges, é dessa turma dos contos fantásticos. Curtinho e hipnotizante. Charles Tixier
No
seu
pescoço
(2017)
Kafka
à
beira
mar
(2002)
Chimamanda Ngozi Adichie
Haruki Murakami
É um livro de contos de uma escritora nigeriana que relata várias experiências principalmente de nigerianos que foram morar nos Estados Unidos. Tem a ver com essa coisa da imigração, desse sonho americano e das perspectivas disso. As eternas esperanças destruídas nos países. A gente se identifica tanto com os Estados Unidos, mas o Brasil tem muito mais a ver com a Nigéria. E o livro vai falando bastante de vários, micro ou macro, machismos.
É a saga de um menino que tem uma visão muito louca sobre a realidade e atravessa várias coisas, primeiro mata um personagem que se chama Johnny Walker, que a gente não sabe se é o pai dele ou não. Aí se apaixona por uma mulher que está dentro de um quadro... É um livro meio fantástico. É todo em meio a uma hiper realidade, chovem carpas... E tem bastante música, vai descrevendo o que vai acontecendo na vida dele conforme as músicas. Esse escritor é muito incrível, sou muito apaixonada pelo trabalho dele.
Luiza Lian
Luiza Lian
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The (1963
Outer -
Limits 1965)
Leslie Stevens É um seriado americano muito bom, é uma ficção científica que vai tendendo mais pro lado "científico" mesmo. Óbvio que é uma ciência meio inventada, mas a ideia é a de que, em todos episódios, as histórias sejam mais baseadas em coisas científicas do que em elementos fantásticos. O The Twilight Zone, que é um seriado da mesma época, tem episódios em que aparecem um anjo, é meio mágico. E esse fala mais de frequências eletromagnéticas, viagens no tempo, umas piras assim. Charles Tixier
Videodrome
(1983)
David Cronenberg É um filme, digamos, de terror sobre televisão e controle mental. Mexe com teorias da conspiração e controle de massas, tem a pira do Cronenberg das máquinas serem seres vivos, meio mutantes. O dono de um canal de TV que passa basicamente pornografia e ultraviolência pra manter a audiência encontra um sinal de transmissão oculto onde rolam cenas de tortura e assassinato que parecem muito reais. O cara entra na missão de descobrir quem produz esse rolê pra comprar os direitos e acaba caindo numa trama de gente muito poderosa controlando a população através das ondas dos tubos catódicos das TVs.
Stalker Andrei Tarkovsky
Trata de uma região na Rússia onde caiu um objeto do espaço, não se sabe se é uma nave ou um meteoro. O governo interdita a zona, colocando grades e forças militares para vigiar as entradas e o protagonista é um guia pago para levar pessoas a esse lugar onde dizem existir uma sala que pode realizar qualquer desejo. Ele leva um professor e um escritor trilhando um caminho tortuoso onde o espaço é distorcido. As coisas parecem mudar de lugar e simplesmente seguir reto é correr risco de morte. É um filme de ficção científica lindo em que um cientista, um artista e o guia se indagam sobre as motivações de encontrar a tal sala e sobre o que os move como seres humanos. Charles TIxier
pra
Charles Tixier
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(1979)
ver
D is c o t e ca
Bás i c a
Luiza Lian conta quais foram os discos que não saíram dos seus ouvidos nos últimos tempos.
Lemonade
(2016)
Beyoncé O que mais chamou atenção de cara foi o trampo de voz sinistro do disco. Parece que ela pode ser qualquer coisa que quiser. Se quiser fazer uma música que nem o Robert Plant, ela vai cantar que nem o Robert Plant; e rap, soul, country, tem uma flexibilidade estética no trabalho de voz que achei muito libertadora. É super pop o disco, mas ela parece muito livre, é uma emancipação da indústria musical. Pra uma artista que deve ter passado por todo tipo de gente dizendo como ela tem que fazer as coisas, é muito massa ver essa autonomia. O Lemonade fez ela fazer sentido de verdade pra mim.
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Swing ( 1
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Slow )
A do
Mulher Mundo
do
Fim (2015)
Miharu Koshi e Haruomi Hosono
Elza Soares
Gosto dessas coisas do Japão, mas esse disco é demais, às vezes tem uma vibe meio bossa nova, às vezes tem uma pegada mais futurista, a produção é muito linda e é bem louco. O Charles [Tixier] que me mostrou e falou que era uma pósreferência do Azul Moderno. Ele estava produzindo e, no meio do caminho, se deparou com esse disco que tinha tudo a ver com várias coisas que ele estava pensando e construindo.
Ouvi muito, mas é um disco que me retorna. Foi muito massa ver músicas de compositores que curto muito na voz dela e isso ser tão poderoso. Eu já ouvia a Elza antes, acho que é a maior cantora do Brasil, mas esse disco em especial pega no meu coração. É bem contemporâneo, surpreendeu bastante, tanto a produção quanto as composições, que fogem do universo onde a Elza estava.
Lição
#2:
Dorival
(2018)
Quartabê É um disco pra ouvir viajando, aí parece que você está num filme. Ouvi uma vez indo pro Rio de Janeiro e parecia que eu estava numa perseguição no meio de uma tela de cinema. É uma homenagem muito linda ao Dorival Caymmi e muito autoral ao mesmo tempo. Amo o Dorival, é um artista muito importante na minha formação musical e esse disco me mostrou uma outra perspectiva dele, a possibilidade de construir e evoluir a partir dele.
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B
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STELLA DONNELLY
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stelladonnelly.bandcamp.com
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a
_ o que, quem? Stella Donnelly é uma “heroína feminista do folk”, como definiu a revista Fact. A australiana vem conquistando territórios além dos oceanos Pacífico e Índico com um som agridoce, uma ótima capacidade de
narrar histórias e situações empacotadas no combo irresistível de caderninho de composições + microfone + guitarra. Melodias doces e voz mais doce ainda embalam letras cruas, mas necessárias.
T E XTO _
F OTO _
Brenda Vidal
Jenn-Five / Reprodução
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“Literalmente soa como uma guitarra e um microfone em uma sala de estar porque é exatamente isso que é”.
_ mood: Indie folk tranquilinho e confessional, mas com coisas muito importantes a dizer. Se você não for fluente em inglês ou não for atrás da tradução das letras, pode achar o trabalho da Stella inofensivo e até bobinho pelas levadinhas estáveis e elétricas na guitarra. Entretanto, encarando as composições com mais atenção, você percebe a potência que vem da garota “franzina-fofinha-magrinha-engraçadinha”. A sua combinação de humor, compaixão e raiva combina sal e açúcar na medida. Em “Mean To Me”, os versos “E você me diz que todas as minhas piadas não são tão engraçadas / E pode ser que sim, mas sei que a sua mãe me ama” dão o tom ácido e sarcástico de um fim de relacionamento. Já em “U Owe Me”, ela desabafa sobre um antigo chefe abusivo e em “Boys Will Be Boys” - que conta com um clipe super sensível só com mulheres - Stella faz uma denúncia sobre masculinidade tóxica e agressiva e a prática de culpabilização das vítimas em casos de assédio e violência sexual em
(Fact, 2018)
versos tão pesados quanto urgentes: “Seu pai te disse que você é inocente/ Te disse que as mulheres se estupram/ Você culparia sua irmãzinha/ Se ela chorasse para você por ajuda”. A faixa, inclusive, rendeu à cantora diversos ataques agressivos na internet e até ameaças de morte. _ como soa? Canções com força empáticas e acolhedoras. As melodias suaves são como abraços, comunicam afeto em um universo hospitaleiro criado com cuidado pela artista. Um espaço seguro pra confissões, dores e (por que não?) curas. Se você se sentir desconfortável, talvez algumas das críticas da guitarrista possam estar fazendo você sair da zona de conforto. O trabalho de Stella é como um bolo de chocolate cheio de recheio doce e granulados coloridos com mensagens diretas como “pare de ser um homem machista”, “não machuque os outros” ou “vá se ferrar” confeitados com glacê rosa no topo. É tipo uma Ana
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Frango Elétrico da Austrália com a mesma carga emocional da Angel Olsen e a vibe despojada da também australiana Courtney Barnett. _ qual a vibe? Canções de ninar lo-fi para garotas rebeldes. Vibe calminha em casa, na cama de preferência, com várias almofadas e cházinho na mão. Também pode embalar momentos tranquilinhos com os amigos ou até café da manhã com seu amor. Ou, dependendo da faixa, pode ser uma boa indireta pra um desamor. _ por onde começo? Catar as live sessions dela no YouTube é sucesso na certa, principalmente a performance dela pro Tiny Desk Concert do canal NPR Music - ali você vai ser fisgado pela personalidade super espontânea da cantora. Veja o clipe de “Boys Will Be Boys” e “Old Man”. Ouça o EP Thrush Metal (2017) e confira o disco de estreia dela Beware of the Dogs (2019).