Maria Araújo Dous combates, umha mesma luita

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XIII EDIÇOM DIA DA GALIZA COMBATENTE 11 DE OUTUBRO DE 2013


Maria Araújo. Dous combates, umha mesma luita Textos políticos de análise e documentaçom nº12

Imprime: Sacauntos Primeira ediçom: outubro 2013




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MARIA ARAÚJO DOUS COMBATES, UMHA MESMA LUITA

BIOGRAFIA DE MARIA ARAÚJO “Eu, guerrilheira nos montes da Galiza, como oradora nom mereço que se me ouça, mas como luitadora sim. (…) Traio o meu corpo atravessado de feridas que me produzírom os falangistas. Mas por cima das torturas, das feridas, do que sofrim nas cadeias, cá estou em pé, como estivem em pé nos montes da Galiza para luitar contra Franco e a Falange”. Estas palavras fôrom pronunciadas por Maria Araújo, conhecida como “A Guerrilheira” ou “A Galega”, num discurso pronunciado na Havana no ano 1944. Com certeza, falarmos de Maria Araújo Martins é falarmos de luita, de valor e temperança revolucionária, de compromisso, de valores solidários adquiridos no meio marinheiro em que nasceu e ao que viveu ligada toda a sua existência. Valores impingidos também aos seus filhos e às suas filhas, que também desde idades muito temporás destacárom nesse amor pola sua classe, até limites mesmo heroicos. É emocionante ainda hoje escuitar a filha menor da prole CarcanhoAraújo, Dora Carcanho, falar das duras peripécias da luita contra o fascismo na Galiza, e fazê-lo sem dramatismo e com orgulho. Maria Araújo, “A Guerrilheira” foi caraterizada numha palestra ministrada por Dora Carcanho, no verao de 2011 na ilha de Sam Simom, como umha “feminista socialista”, com todas as reservas que merece fazer tal afirmaçom de umha pessoa ausente e que destacou como militante há já quase um século, mas desde o conhecimento mui próximo do seu compromisso, e referindo-se à sua maneira de viver a própria codiçom de mulher e de comunista.

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Maria Araújo nasce na paróquia vilagarciana de Carril em 28 de outubro de 1904, e emigrou com o seu pai e a sua mae a Cuba no ano 1906, com apenas dous anos de idade. Instalam-se na povoaçom marinheira de Casa Blanca, ao outro lado da baia de Havana. Nos anos da infáncia, conhece a tragédia na morte do seu pai em águas do golfo de México e também a dor da morte da mai, vítima da tuberculose quando voltava em barco para a sua Pátria. Gravemente doente, a mae da Maria decide viajar à Galiza em companhia de dous irmaos menores, mas morre um dia antes de chegar ao porto de Vigo. O capitám do navio no qual viajam anuncia às crianças que o cadáver será deitado ao mar, mas os choros dos dous filhos fam que aquele desista das suas intençons, polo que a mae da Maria recebe sepultura na sua terra natal. MARIA ARAÚJO QUANDO ERA UMHA CRIANÇA

Na cidade cubana conhece o marinheiro galego Ângelo Carcanho, natural de Mugardos, quem passa por ser um destacado dirigente sindical entre as gentes do mar. Com ele casa muito nova. É nesse ambiente marinheiro, no qual há umha forte presença galega, onde a Maria começa a sua atividade política e sindical. Nom trabalha no mar, mas lavando e passando roupa polo ferro –segundo ela conta, com muita habilidade– mas a Maria vém de família marinheira e, portanto, este é um meio que conhece bem. Participa em 1925 na fundaçom do Partido Comunista Cubano. Colabora e acompanha ao lendário secretário-geral do PCC, Julio Antonio Mella, quem vai de navio em navio lendo aos marinheiros os estatutos do Partido e criando consciência entre os trabalhadores do setor. Nos seus últimos anos de vida, a Maria Araújo guardava memória dos marinheiros galegos em Casa Blanca como umha coletividade muito combativa, que faziam freqüentemente greves afamadas e que nom hesitavam na reivindicaçom dos seus TEXTOS POLÍTICOS DE ANÁLISE E DOCUMENTAÇOM | 06


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direitos perante um patronato especialmente explorador. As experiências extraídas daquela etapa seriam depois aplicadas também na sua luita política e sindical na Galiza. A etapa galega Em 1927 retorna para a Galiza. Naquele momento Cuba a t rave s s a u m m o m e n t o dramático pola crescente fame e a dura repressom da ditadura de Machado. Começava a notar-se a crise mundial, dous anos antes do crack da bolsa de Nova Iorque. Volta ao seu Carril natal, onde entra a servir na casa de uns marqueses. O Ângelo chegaria à Galiza pouco depois, no ano 32. A Maria traz consigo os dous filhos da uniom com o Ângelo e ainda durante esta estadia galega havia nascer umha terceira filha, no ano 35. A família instala-se em Vigo, o Sebastiám embarcou num navio e a Maria entra a trabalhar numha conserveira, propriedade do empresário de origem grega Joám Catramatos. Lá vai ganhar o apreço das suas companheiras rapidamente. Tal era a MARIA ARAÚJO EM 1920 combatividade e a valia militante da Maria Araújo, que cedo foi eleita delegada sindical, responsabilidade desde a que destacou por ser umha decidida luitadora pola igualdade salarial, denunciando os baixos salários das mulheres nessa indústria. Também expom outras importantes melhoras nas condiçons de trabalho, como despensas, armários individuais para guardar a roupa, infantários para as crianças das trabalhadoras, entre outras. A sua atitude reivindicativa fixo que mesmo o proprietário da indústria tentara despedi-la, ainda que a pressom das companheiras logrou que o patrom desistisse do seu intuito. A Maria Araújo trouxo para a Galiza já umha grande bagagem TEXTOS POLÍTICOS DE ANÁLISE E DOCUMENTAÇOM | 07


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militante, pois na sua etapa cubana fora quadro do PCC, posteriormente Partido Socialista Popular (e que mais tarde conflui na Revoluçom Cubana com o Movimento 26 de Julho fundado por Fidel Castro). Maria chega a dirigir o sindicato das trabalhadoras da conserva de Vigo, que reuniria à volta de 25.000 filiadas. Naquela altura, o seu companheiro Ângelo Carcanho é Secretário Geral do Sindicato de Marinheiros de Vigo. Num congresso sindical Maria Araújo conheceria a Pasionaria, para a que tem palavras de verdadeira admiraçom e posteriormente assistiria a um congresso antifascista em Paris, no qual havia voltar coincidir com a naquela altura dirigente do PCE. Ao regresso de Paris, é convidada a assistir a um curso de marxismo-leninismo na URSS, mas tem que declinar o convite, por estar grávida com a que seria a sua filha Dora. Colabora estreitamente em temas políticos e sindicais com José Gomes Gaioso, posteriormente eleito Secretário-geral do PCE na Galiza.

FÁBRICA DE CONSERVAS EM VIGO A INÍCIOS DO SÉCULO XX

Cabe salientar daquela época, que em Vigo se concentrava um importante núcleo militante comunista, no que destacava a própria Maria Araújo, além dos já citados Gomes Gaioso e Ângelo Carcanho, ou Agostinho Leira. Mas de Gaioso teria nos últimos anos da sua vida um recordo de especial afeto, destacando dele o seu caráter aberto e dado à festa (gostava muito de cantar) e ao mesmo tempo a sua capacidade política extraordinária, a sua disposiçom ao sacrifício e a inteireza com a que encarou a tortura, a prisom e a morte.

Clandestinidade e prisom Um episódio especialmente épico da oposiçom popular ao golpe militar de 36 foi a concentraçom operária de protesto protagonizada polo proletariado viguês na Porta do Sol no mesmo 18 de julho de 1936. Lá produz-se um confronto com as tropas rebeldes, quando um grupo de mulheres increpam aos soldados emprazando-os a disparar “contra o povo indefenso”, ato que é respondido pola soldadesca abrindo fogo. A multidom foge e um grupo de trabalhadoras e TEXTOS POLÍTICOS DE ANÁLISE E DOCUMENTAÇOM | 08


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ENTERRO DE UM MILITANTE OBREIRO. VIGO, 1936

trabalhadores parapeta-se no Calvário (daquela conhecido como "A Rússia Pequena”) tentando repelir o ataque fascista, ainda que aos dous dias as tropas tomam toda a cidade. A Maria e o seu companheiro passam à clandestinidade. Os montes de Redondela primeiro, e a rede de casas solidárias depois, fôrom o seu agocho. No monte, a Maria e o Ângelo participam na organizaçom dum grupo guerrilheiro, que vai contatando com os fugidos da zona montanhosa de Redondela, tendo como base de operaçons as ruínas de um convento. Arrecadam dinheiro de “visitas” a domicílios de destacados falangistas ricos da zona. Mediante os enlaces conseguem roupa comida e muniçom. Mas as informaçons de um desertor ponhem a Guarda Civil em conhecimento das atividades da guerrilha no monte e o grupo tem que abandonar a zona ao serem bombardeada pola aviaçom. Isto provoca um forçado regresso a Vigo. Um facto trágico do que teria conhecimento também nos albores da Guerra Civil espanhola é a morte em execuçom extra-judicial do seu irmao Antom. Ele fora detido e deram-lhe a escolher entre ir a prisom e alistar-se na legiom espanhola. Ele escolheu a segunda opçom, mas era umha armadilha; foi metido num comboio com outros dez homens e, umha vez passado Monforte, figérom-nos descer do comboio e matárom-nos a todos.

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O primeiro em cair seria o companheiro da Maria, quem numha primeira ocasiom fora detido na fronteira do Estado espanhol com a França. A sua intençom era passar ao território controlado polo bando republicano para combater do lado das forças leais. Como conseqüência dessa primeira captura, seria internado num campo de concentraçom. Logrou sair desse primeiro presídio graças ao consulado cubano na França, e, sob identidade falsa, concretamente com os papeis de um primo nascido em Cuba, retorna a Vigo. Lá voltaria ser detido e seria condenado a trabalhos forçados por dous anos. Segundo testemunho da Maria, é possível que apesar de portar documentaçom falsa as forças repressivas se decatassem da sua verdadeira identidade, ou talvez se tratasse de umha detençom absurda e arbitrária, opçom nada descartável. O caso é que se lhe fixo umha farsa de juízo e imputárom-se-lhe toda umha coleçom de cargos inverossímeis. Posteriormente, após sair em liberdade graças às gestons do Consulado cubano, e seriamente afetado polas condiçons de vida e de trabalho sofridas neste segundo período de cativeiro, embarcaria desde Lisboa para a Havana. O Cônsul cubano em Vigo, Luis Blas Molina, é um homem simpatizante da República espanhola e, além de interessar-se pola situaçom do Ângelo, ele próprio o leva no seu carro até Portugal umha vez sai da cadeia. Em Cuba, o Ângelo Carcanho recupera-se em parte do reumatismo que lhe provocárom as condiçons de vida em trabalhos forçados e embarca para trabalhar de marinheiro no golfo de México.

FASCISMO DESFILANDO EM VIGO

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Mas umha mençom à parte merece Sebastiám Carcanho, filho maior do matrimónio, quando nos referimos aos intentos de fuga do Ângelo Carcanho, já que desde umha idade mui nova, este realiza labores de informaçom para a guerrilha e cumpre destacar que salvou o seu pai de ter sido umha das vítimas no ataque fascista ao bou Eva. Um chivatazo fixo que os fascistas se inteirassem de que um nutrido grupo de republicanos pretendiam fugir da zona “nacional” ocultos nesse navio, que abordariam à noite e por quendas. O Sebastiám soubo que os fascistas preparavam a intercepçom do bou Eva e foi até o ponto onde a quenda do seu pai aguardava o momento de ganhar o navio para dar a voz de alarme. Graças a esta açom do rapaz, o grupo nom embarcou. Nom tivérom tanta sorte os que embarcárom antes, que fôrom abrasados com mangueiras de água fervendo e rematados a tiros depois.

ATO DA FALANGE EM MOANHA

A Maria continuaria agochada em Vigo, vendo de quando em vez às filhas, que ficariam ao cuidado de pessoas de confiança, e colaborando com a guerrilha, sob o nome de “Emília”, tomado de umha irmá dela. Numha ocasiom, a Maria fica vários dias no monte, aprendendo a disparar, dando longos percursos pola zona e participando em duas emboscadas. Atopa-se com os dous filhos maiores em diferentes pontos da cidade, burlando a polícia e a Falange. Mas quando a filha menor cai enferma de umha afeçom pulmonar, a família deve reagrupar-se numha pensom. A Maria Araújo sofre duas detençons com os seus correspondentes períodos de privaçom de liberdade. Durante esse período, a Maria dedica-se a vender peixe no Berbês, enquanto o Sebastiám trabalha na carga e descarga no porto de Vigo. A primeira detençom produz-se pouco depois da volta a Vigo da Maria, e esta leva Dora consigo. Ali encontra-se com vári@s camaradas e inicia umha amizade com um camarada mestre que leva Dora consigo quando sai em liberdade. Nos poucos messes que decorrem entre a saída deste camarada à rua e a liberdade da Maria a Dora fica ao cuidado da família do primeiro. TEXTOS POLÍTICOS DE ANÁLISE E DOCUMENTAÇOM | 11


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Maria sai em liberdade graças às gestons do Cónsul de Cuba. Quando a Maria recupera a liberdade encontra umha repressom muito endurecida e mesmo conhece por umha filtraçom que a Falange a tem numha lista de pessoas para serem ”passeadas”. Só o facto de ser mulher, e de ser umha cidadá “estrangeira” que recebe atençom do cónsul do seu país, freia a execuçom da “sentença a morte” ditada por Falange que, como é sabido, jogava com as suas próprias normas. Sebastiám foi para Cuba, trás pedir permissom à mae. Fixo-o embarcando clandestinamente em Vigo, e saltando ao mar nas proximidades do porto, ganhou a costa cubana. Reuniu-se com o seu pai em Casa Blanca, tal como era o seu desejo. Ficou, portanto, a Maria com as duas filhas, a viver do mar e a realizar labores de enlace com a guerrilha, mui estreitamente vigiada polas forças repressivas. Vestia como umha aldeá e a sua imagem era a de umha mulher trabalhadora humilde, confundida entre o povo. Até o ponto de que numha ocasiom um polícia a levou à esquadra sob o argumento de que suspeitava que fosse a Maria Araújo e houvo de ser libertada, pois o superior nom deu crédito, polo seu aspeto, em que aquela mulher fosse a tam procurada guerrilheira...quem sabe o que esperaria encontrar aquele membro das forças repressivas. Maria Araújo nom demoraria em ser de novo apresada, levando também Dora consigo. Maria Araújo conta um sobrecolhedor pormenor acontecido na prisom com um camarada que estava à espera de ser fusilado. Ele como última vontade pediu-lhe um café e... olhar a menina. Desejos que a Maria cumpriu, mas aceder aos desejos do condenado custou a ela um período de incomunicaçom. Sairia da prisom graças às gestons do Comandante Ocampo, capitám dum navio de guerra cubano que se encontrava de gira por Europa.

O regresso a Cuba Pouco depois de sair em liberdade, a Maria Araújo embarca no vapor Marqués de Comillas com rumo à Havana. No porto de Vigo, as ex–companheiras da Maria rendem-lhe umha emotiva despedida com panos brancos, segundo relatava para o Faro de Vigo recentemente a menor das filhas, Dora Carcanho: “… quando marchamos, despedírom-nos desde o porto de Vigo com panos brancos. Choravam. Eu tinha uns nove anos. Presenteárom-me a minha primeira boneca, uns sapatos novos porque eu andava com zocos, e um agasalho. Ficou-me gravado para sempre. Nom era demasiado consciente, mas elas sim que sabiam que nom nos voltariam ver”.

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No Marqués de Comillas trava amizade com Francisco Comessanha e a sua companheira Assunçom Concheiro. Francisco Comessanha estivera preso em Compostela, coincidindo entre outros com Ângelo Casal. Já longe da costa galega, há umha última incidência. O Marqués de Comillas fai escala em Porto Espanha, capital da ilha caribenha de Trinidade e Tobago, e lá a Maria é interrogada pola Gestapo, a sua bagagem registada e, durante o interrogatório, pode comprovar como os serviços de inteligência nazis tenhem abundante material fotográfico dela e dos seus camaradas na Galiza, e sabem muitos pormenores das atividades da guerrilha. Ao seu regresso a Cuba, a Maria Araújo passa a militar de novo no Partido Socialista Popular. Percorre Cuba arrecadando fundos para ajudar ao exílio antifascista do Estado espanhol. Nessas campanhas de ajuda à resistência, coincidirá com o também dirigente sindical comunista Jesús Menéndez, figura destacada do sindicato açucareiro, popularmente conhecido como o “General das canas”.

A luita contra Batista e o compromisso com a Revoluçom Cubana Á partir de 1953, a Maria Araújo, que se instala de novo em Casa Blanca, colabora na luita contra a ditadura de Fulgencio Batista. Entre esse ano e o do triunfo da Revoluçom em 1959, Maria Araújo desenvolve tarefas de propaganda, como vender bonos do movimento 26 de Julho, de logística, ocultando armas da guerrilha, de formaçom com os trabalhadores das seçons sindicais, ou de comunicaçom propiciando contatos. Umha vez que a Revoluçom triunfa em Cuba, Maria “A Guerrilheira” mantivo umha ligaçom muito estreita. Fundou no seu bairro o primeiro Comité de Defesa da Revoluçom, foi membra fundadora da Federaçom de Mulheres Cubanas (FMC), e TEXTOS POLÍTICOS DE ANÁLISE E DOCUMENTAÇOM | 13


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colaborou com os serviços de inteligência. Participou na neutralizaçom de um plano para atentar contra a vida do Fidel Castro e também detivo pessoalmente a elementos contra-revolucionários durante a invasom de Playa Girón em 1961. Participou no processo fundacional do atual Partido Comunista Cubano, agrupando todas as organizaçons revolucionárias e o PSP, partido no qual se formou como militante O seu compromisso patriótico com Cuba foi oficialmente reconhecido em várias ocasions, mas o galardom mais significativo recebeu-no no ano 1975 de maos do próprio Fidel Castro: a Orden Ana Betancourt. Todo este compromisso era assumido pola Maria como um facto natural surgido das circunstáncias nas que cresceu e da necessidade. Quando se referiam à sua enorme entrega revolucionária ela replicava que simplesmente cumprira com o seu dever. Faleceu em 26 de dezembro de 1989 na sua casa do bairro havanero de Casa Blanca.

MARIA ARAÚJO É CONDECORADA POR FIDEL CASTRO

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DORA CARCANHO ARAÚJO, COM O SEU COMPANHEIRO, JOSÉ BERNAL, E A FILHA E O FILHO DE AMBOS

Dora Carcanho É a filha menor da uniom entre Maria Araújo e Ângelo Carcanho. É a memória em primeira pessoa de Maria Araújo. Ela recorda aquele Vigo popular e aquela família que escolhera na luita umha maneira de viver, e ainda que nom conserva a língua lembra aquela contorna que falava em galego, ainda que também assinala que a repressom lingüística na escola era certa, como o era a imposiçom religiosa e ideológica. Lembra como a mae lhe dizia que nom figesse o saúdo fascista “nom saúdes com a mao em alto a um homem que mandou matar o teu pai e a tua mae”. Dora seguiu esta palavra de ordem, sofrendo por isso as puniçons corporais e os desprezos verbais “La hija de la roja es tan ruin como su madre”. A injustiça e a crueldade do regime fascista forjárom nela consciência e nom medo. Em Cuba, estudou Magistério exercendo como mestra, também se licenciou em Ciências Sociais, trabalhou para o Serviço Exterior de Cuba; é umha destacada militante feminista, presidiu a FMC, referente em todo o continente americano e foi membra do Comité Central do PCC.

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ENTREVISTA DE XOSÉ NEIRA VILAS A MARIA ARAÚJO Reproduzimos literal e integramente a entrevista que o escritor galego realizou à combatente galego-cubana em agosto de 1975 e que se acha publicada no livro Guerrilleiros, Sada, Ediciós do Castro, 1992. Maria Araújo era condecorada com a Ordem Ana Betancourt –patriota que luitou no século XIX contra o imperialismo espanhol, pola independência de Cuba e os direitos das mulheres– num ato comemorativo do 15 aniversário da Federaçom de Mulheres Cubanas. Você emigra com os seus pais a Cuba quando era umha nena. Onde assentárom e que lembranças tem daquela etapa? Fomos viver a Casa Blanca, na outra beira da baia de Havana. Bairro de pescadores que me fazia lembrar o meu Carril natal. De certa maneira, se bem os comparo, tenhem algumha semelhança. Também a gente se parecia, pois Casa Blanca estava habitada sobretodo por paisanos nossos, das Marinhas. Vivíamos mal. Cheguei a ter cinco irmaos. O meu pai era marinheiro num barco mercante que naufragou, nom sei em que longínquo mar, e afogárom todos. Tinha eu oito anos. Casei mui nova. O meu homem chamava-se Ângelo Carcanho, era de Mugardos e trabalhava pescando nos viveiros que iam ao Golfo na procura do cherne. A minha mae adoeceu de tuberculose, e embarcou para Galiza. Com ela iam três dos meus irmaos, os mais novos, crianças ainda. Um dia antes de arribarem a Vigo, ela morreu e o capitám do barco falou com os meninos e dixo-lhes que tirariam o cadáver ao mar; os nenos protestárom, chorárom, e o capitám olhando isso, decidiu que o corpo dela chegasse à terra da Galiza, e assim foi.

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Eu seguia em Casa Blanca. Dedicava-me a lavar e passar a ferro roupa. Colhera-lhe muito bem o jogo sobre todo às guayaberas. Era nos tempos de Machado. Havia umha fera repressom. E fame. Já se via vir a crise mundial. No verao de 1927 embarquei com as crianças: Sebastiám, de quatro anos, e Antónia, de três. Voltava a Carril, onde comecei a trabalhar de criada na casa duns marqueses.

E o seu homem ficou em Cuba. Seguia ali, na pesca. Mas no ano 32 colheu o barco de volta. Fomos viver a Vigo os quatro. Ele embarcou-se num pesqueiro e eu conseguim trabalho numha fábrica de conservas de anchova. Nom tardárom em fazer-me encarregada daquela indústria. O dono era um grego chamado Joám Catramatus.

É dizer, as cousas começárom a andar bem para vocês. Respeito à economia familiar melhoramos, mas a nossa militáncia social trouxo-nos dificuldades, contratempos, embora nós nom recuamos por isso. Nom podíamos deixar de pensar nos demais, e se vínhamos de Cuba com umha experiência era o nosso dever seguir na luita. Ângelo era secretário-geral do sindicato de marinheiros de Vigo, e a mim, na fábrica de conservas, também me elegêrom delegada sindical e comecei a formular necessidades, direitos: armários individuais para guardar a roupa, jardins de infáncia para as crianças, atençom às grávidas… Ali trabalhavam fundamentalmente mulheres. E o grego tratou de despedir-me, fixo todo o que puido, mas a oposiçom das minhas companheiras impediu-no.

Quais som as experiências que levárom de Cuba você e o seu marido? Pois o labor sindical e político de Casa Blanca. Eu nom era assalariada aqui, mas estava mui à beira dos pescadores galegos assentados neste bairro da Havana. Aqueles homens sabiam confrontar-se com os armadores, sabiam defender os seus direitos mui claramente e sem reviravoltas, levaram a cabo greves mui afamadas. A maioria eram de tendência comunista, e havia também alguns anarquistas, mas essas diferenças nom impediam a solidariedade de classe entre eles. O meu companheiro fazia parte direta dessa luita, e eu participava em todo o que eles faziam, ajudava no que podia. Foi para mim umha grande escola. Já militava no PC e acompanhei mais dumha vez o líder, Julio Antonio Mella, que baixava ao barcos para ler aos marinheiros galegos os estatutos do Partido, fundado no ano 1925. Todo isto serviu-me de muito para o meu trabalho sindical de Vigo, onde cheguei a dirigir o sindicato que agrupava a vinte e cinco mil trabalhadoras conserveiras.

Nesta época também trabalhava em Vigo José Gomes Gaioiso. Tratou-no? Tratei-no muito. Com ele coordenei assuntos partidários e sindicais. Era um homem de muita chispa, mui entregado à luita. Era alegre, decidido, dado os encontros de amizades, a cantar em grupo, festeiro, mas responsável, mui rigoroso, e mui valente, como o demonstrou quando voltou a Galiza, dirigiu a guerrilha contra o regime de

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Franco e suportou as torturas e a morte com inteireza. Eu também tratei Concha, em Havana, vim algumhas das cartas que enviou desde a prisom, participei na campanha que se fijo em Cuba para tratar de salvar-lhe a vida. Total, nada puidemos lograr, e Pepe foi outro mártir como Grimau, como tantos.

Sei que você tivo trato com a Pasionária. Que mulher exemplar! No ano 35 conhecim-na em Madrid, num congresso sindical. Ela representava os mineiros asturianos. Lembro que juntas visitamos as famílias de Fermín Galán e de Angel García Hernández, os heróis da sublevaçom de Jaca, em 1930. Pouco depois, nesse mesmo ano, também coincidim com a Pasionária em Paris, num congresso antifascista. Dolores foi e é um exemplo para todas as mulheres do mundo, para todas e todos os que luitam pola justiça social, polo bem do ser humano.

Porque nom foi você à Uniom Soviética quando a designárom para realizar ali um curso de marxismo-leninismo? E bem que me doeu nom ter ido… Quando voltei do congresso de Paris propugérom-me e sentindo-o muito tivem que dizer que nom podia. Por algo mui simples, mui natural: achava-me grávida de Dora, a minha filha mais nova.

18 de julho de 1936 e os dias que seguírom fôrom em Vigo, como em muitos outros lugares, terrivelmente dramáticos. Sabemos da confusom, das vacilaçons de alguns, das vinganças pessoais, dos “passeios”, da matança dirigida polo capitám Carreró, da sanguenta perícia do couraçado Jaime I, dos crimes do laçareto de Sam Simom, das execuçons no cabo Silheiro… Onde estavam você e o seu homem? Que figérom? Aquilo foi terrível. Estávamos cara a cara com a realidade mais violenta do fascismo. Carcanho e mais eu passamos à clandestinidade. Deixamos os dous meninos maiores com a minha irmá Angelita. E a mais pequena ficou com a Pepa, umha amiga nossa, cega, que vivia com umha sobrinha. Inicialmente fomos ao monte. Organizamos um grupo de “fugidos” que se internaram numha zona montanhosa de Redondela. Havia algumhas armas. O centro de operaçons estava nas ruínas dum antigo convento. Tratamos de localizar todos os que andavam escapados. Fazíamos vida guerrilheira. Embora com muitas dificuldades, logrou-se umha mínima organizaçom. Preparamos refúgios, íamos dispondo de alguns meios para a subsistência e fazendo contatos pola noite com pessoas de confiança que nos serviriam de ligaçons para obter informaçom, víveres, roupa, medicamentos. Levamos a cabo algumhas sabotagens, e algumha que outra arrecadaçom em “visitas” a falangistas ricos mui assinalados. Mas alguém deserta e delata, e a zona é bombardeada pola aviaçom. Numha emboscada da Guarda Civil caírom luitando vários guerrilheiros. Dos que sobrevivem, alguns voltam a Vigo. Escondem-se em casas de parentes e amizades que nom estám “queimados”. Outros seguem no monte.

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E que fai você e o seu homem? Depois de gerir um esconderijo seguro, também voltamos à cidade, onde, embora com muitos riscos, pensamos que podíamos ser úteis. Botamos um tempo escondidos na casa dum companheiro. Desde ali mantemos uns mínimos contatos. Indiretamente sabemos também dos filhos. Ali tivem notícia do meu irmao Antom, que nascera em Cuba e trabalhava de obreiro em Vigo. Notícia bem dolorosa. Soubem que o detiveram e dérom-lhe a escolher: ou a prisom ou que se incorporasse à Legiom. Metêrom-no num comboio, com dez mais com igual destino, e, logo de passar Monforte, figérom-nos descer e matárom-nos a todos.

Por serem vocês comunistas e polas atividades sindicais que desempenhavam estariam mui perseguidos. Por mor dos contróis que havia, suponho que mudariam de casa mais dumha vez, adotariam novos nomes, utilizariam disfarces diversos… De todo. Porque nom se tratava só de sobrevivermos nós, senom de seguir conspirando, e de ajudar a outras pessoas. Utilizávamos complicados jeitos de comunicaçom para relacionarmo-nos com alguns companheiros, em total clandestinidade. Mas todo era cada vez mais perigoso. Numha ocasiom, Carcanho ia sair para a França, no bou Eva, com outros camaradas. Todo fora cuidadosamente preparado, mas um traidor avisou à polícia, que entrou imediatamente no barco e atacou os fugitivos com mangueiras de água fervendo. Morrérom queimados; e alguns rematárom-nos a tiros. Faltavam por entrar dous pequenos grupos. Num deles estava o meu homem, que nom chegou nem ao porto –e os seus companheiros tampouco–, graças a que Sebastiám, o nosso filho, que soubo do que ia passar, avisou a tempo. Sebastiám era agudo e sabia-as todas. Tinha notícias de todo e achava sempre o jeito de comunicar-se de algumha maneira connosco. Essa saída fracassou, mas Carcanho, habituado à luita desde os tempos da tirania cubana de Machado, valendo-se de mil argúcias, indo por mar e por terra, logrou cruzar a fronteira e passar a França, onde o metérom num campo de concentraçom assim que chegou. Desde ali puido conseguir documentos a nome dum primo que nascera em Cuba, e às poucas semanas fugiu daquele confinamento, cruzou de volta os Pirineus e chegou a Vigo com umha nova identidade.

Mas corria perigo; suponho que tampouco se podia mostrar muito ainda que tivesse esse documento falso. Certo. Corria muito perigo. Um dia colheu um barco que ia para Bouças e foi detido. Levava consigo a nova documentaçom, a do primo. Isto nom impediu que o detivessem, mas seguramente salvou-lhe a vida. Por ser cubano interviu o cônsul de Cuba, Blas Molina, que simpatizava com a República. Nom sei se se dérom conta da sua identidade anterior, ou porque naquela situaçom qualquer absurdo era normal, começárom a impor-lhes cargos e a impingir-lhe cousas sem mais. Umha farsa de

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julgamento improvisado e alá vai a estranha condena de “a menos de 18 meses” de privaçom de liberdade. Foi levado a umhas canteiras nos arrabaldes de Vigo, onde estivo perto de dous anos em trabalhos forçados. Adoeceu de reumatismo. Apenas podia caminhar. Estava quase inválido. O cônsul realizou gestions e logrou que saísse para Cuba. Ele mesmo o levou no seu carro até Portugal. Uns companheiros dérom-lhe dinheiro para pagar a passagem de Lisboa para Havana. Em Cuba melhorou, recuperou-se. E voltou às jeiras de pesca no golfo de México.

Ângelo Carcanho estava a salvo, mui bem, mas a situaçom de você seguia sendo delicada, e por cima com a responsabilidade de três filhos pequenos, atendidos por maos alheias. Como se foi desenvolvendo a sua vida nessas circunstáncias? Com muitas dificuldades. Mas havia que seguir luitando. Nos montes de Redondela seguia ativo um grupo guerrilheiro. Eu, como tantas outras pessoas, comecei a colaborar como ligaçom. Figérom-me a proposta e de nengumha maneira podia negarme. Levar roupa, medicamentos e, em ocasions, balas. Detivêrom-me mais dumha vez, mas entre que nom tinham provas, e que sou mulher, e que intercedia por mim o cônsul de Cuba, deixavam-me em liberdade. Para a polícia eu era cubana e chamavame Emília Araújo, nom Maria. O nome tomara-o dumha irmá minha e portava documentaçom totalmente “legal”. Chegado o caso, a eles importava-lhes pouco isso de que alguém fosse estrangeiro, mas o trato era, com todo, bem diferente, pois nom queriam ter problemas com embaixadas e governos. Numha ocasiom fiquei no monte vários dias, aprendim a disparar, realizei longas caminhadas, figem parte em duas emboscadas… E voltei logo ao labor clandestino na cidade. As ligaçons da guerrilha muitas vezes nom nos conhecíamos entre nós. Todo estava mui compartimentado. Tinha que ser assim por razons de segurança, embora em pequenos grupos havia contatos e necessárias colaboraçons. Lembro que numha ocasiom colhim na sala de espera dumha fábrica de conservas umha capa, entregueina a umha colaboradora e dixem-lhe: “dá-a à Chispa, ela sabe a onde tem que levá-la”. Era para cobrir a um guerrilheiro ferido que tinham que baixar à cidade para curá-lo. A Chispa era algo assim como o nome de guerra de umha tal Carme, outra ligaçom. O meu nome de guerra era Emília, que seguia usando em Cuba até que triunfou a Revoluçom, em que recuperei o meu próprio nome.

Enquanto todo isto acontece, você estava, por força, afastada dos seus filhos. Havia algum contato indireto com eles? Via-os algumha vez? Utilizando diversas combinaçons, é dizer, variando os lugares das citas para os encontros, víamo-nos. António e Sebastiám, que já eram grandinhos, mexiam-se bem na cidade, a minha irmá cuidava deles mas deixava-os ir de um lado para outro, tal como eu indicara. Tivérom que mudar várias vezes de escola pois eram sinalados como “los hijos de una roja” e nom os admitiam, ou recebiam desprezos ou botavam-nos com qualquer pretexto. Também via Dora, a mais pequena, e também a viam os seus irmaos. Por certo que um dia soubem por Sebastiám que a menina adoecera. Pepa, a cega, fazia por ela quanto podia, que nom era muito. Encomendei ao meu filho que TEXTOS POLÍTICOS DE ANÁLISE E DOCUMENTAÇOM | 21


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alugasse um quarto numha casa de pensiom. Asim o fijo e fomos viver os quatro a ele. Eu sabia que isto me limitava os movimentos e podia acontecer que me detivessem, mas tinha que arriscar-me para estar com os meus filhos. Sebastiám já cumprira treze anos e trabalhava descarregando e vendendo peixe. Tinha um salvo-conduto para poder trabalhar de noite. Com o pai em Cuba, ele era agora o homem da casa.

Ao estarem os quatro juntos e levar por tanto umha vida menos clandestina, nom derom com você as chamadas forças repressivas? Dérom comigo aginha. Um dia seguírom Antónia, chegárom à casa da pensiom e detivêrom-me. Eu acabava de chegar do monte. Metérom-me na cadeia. Levei Dorinha comigo, a filha mais nova. Juntas vivemos as peripécias dos dias e das noites no cárcere de Vigo. Isto durou quase um ano. Ali achei-me com militantes comunistas que conhecera nas luitas sindicais e nos montes de Redondela. Sentim-me solidariamente acompanhada. Sebastiám, com o seu trabalho, fazia o que podia para que a menina e eu tivéssemos um pouco mais de comida. Era Antónia quem a levava diariamente. António e Sebastiám faziam todo com muita responsabilidade. Sebastiám via muito a miúde o cônsul de Cuba, sempre em boa disposiçom para ajudar a sua suposta paisana Emília. Na prisom figem amizade com um bom camarada, um mestre. Um dia deixárom-no livre e decidim entregar-lhe a nena que estava comigo para que fosse atendida pola família dele. Várias semanas depois fiquei livre eu, recolhim a menina e fum de novo a viver com os três filhos na casa de pensiom. A família do mestre cuidara Dorinha com muito agarimo. A repressom seguia endurecendo-se. Tínhamos que tomar muitas precauçons em cada passo que dávamos. Eu escrevia-me com o meu marido mas nem lhe punha no envelope Ângelo nem ele me enviava as cartas ao meu nome nem ao endereço verdadeiro. Valíamo-nos dumha amiga que fora companheira minha no sindicato antes da guerra. Nesses dias soubem, de fonte mui direta, que a minha pessoa tinha formado parte, por segunda vez, dumha lista de gentes que iam ser “passeadas”. Os falangistas condenárom-me à morte, estava claro; condenárom-me sem julgamento nem cousa parecida e teimavam no crime. Ao parecer detinha-os o facto de que se tratava dumha “estrangeira” pola que se interessava um diplomata do seu país.

De maneira que outra vez livre, outra vez com os filhos, mas, de que viviam? como se desenvolveu a vida dos quatro desde entom? A vida era mui dura, já se sabe. A vida nem se podia chamar tal. Eu queria fazer cada vez mais cousas, ajudar às famílias dos presos, colaborar o mais possível com a guerrilha, seguir, enfim, a resistência dalgumha maneira. E algo fazia-se. Nunca deixei de participar em todo isto, mas a responsabilidade de ter umha família que atender limitava-me um pouco. De que vivíamos? Pois Carcanho enviava-nos algum dinheiro desde Cuba, Sebastiám ganhava algo, e Antónia e mais eu fomos ao Berbés a vender peixe, que também ofertávamos casa por casa. Sebastiám, embora muito novo, também conspirava e tinham-lhe botado o olho. A polícia fora buscá-lo duas vezes e TEXTOS POLÍTICOS DE ANÁLISE E DOCUMENTAÇOM | 22


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salvou porque nom estava na casa. Um dia dixo-me que se encontrava cansado daquele trabalho duro e mal pagado e da vigiláncia sobre ele, e que se lhe ocorrera sair para Cuba e juntar-se com o seu pai. Se eu nom me opunha, ele sabia como fazê-lo sem que lhe custasse nada. Naturalmente dixem-lhe que por mim, adiante. Nom era a minha intençom opor-me. Só lhe pedia que se cuidasse. Aos poucos dias meteu-se de clandestino num barco. Tivo alguns inconvenientes mas ao final chegou a Cuba e foi viver com o Ângelo. Nos primeiros tempos iam juntos pescar ao Golfo. Agora já eram dous a turrar por nós. Eu estava livre e também pensava voltar algum dia a Cuba, com as meninas. Mas nom tinha dinheiro para pagar as passagens. Mentres, seguíamos trabalhando e ganhando algo com o peixe. Um dia detivêrom-me no Berbés. De novo a prisom. Eu de novo levei Dorinha. O cônsul já nom podia interceder tam diretamente porque fora transferido à Corunha, mas nessa ocasiom interviu o comandante Ocampo, capitám dum barco de guerra cubano que, em percorrido por Europa, aparecera em Vigo nesses dias. Deixárom-me livre por volta dum mês ou algo assim. Foi nessa que me chegárom as passagens desde Havana e comecei os trámites para a viagem. Alegria e tristeza juntas. Doía-me afastar-me dos meus camaradas, mas sei que estou mui vigiada, seguem-me os passos, cercam-me, podem colher-me em qualquer volta do caminho, e nom o sinto por mim senom polas filhas.

E embarcam para Cuba. Tenho notícia que viajárom com o Doutor Francisco Comesanha e com a sua mulher. Ele estivera preso em Compostela, com Ângelo Casal, Camilo Diaz Balinho e outros bons galegos. Embarcamos em Vigo no Marqués de Comillas. Isto acontecia no ano 1944, durante a Segunda Guerra Mundial. No barco figemo-nos mui amigos de Comesanha e de Asunçom Concheiro (Chonchinha), a sua companheira. A ele condenárom-no a morte, e salvou porque nascera em Cienfuegos, Cuba. Estivérom exilados em Cuba e no México, trinta e poucos anos, e voltárom logo para a Galiza, a Tui, que é onde vivem agora. A viagem tivo os seus contratempos. Já no Caribe, o barco fijo escala na ilha de Trinidade. Quando arribou a Porto Espanha, em tránsito, submetêrom-nos a um longo interrogatório. Isto figérom-no também com outros passageiros. Os serviços de espionagem nazis tinham informaçons sobre cada um de nós. Registárom bagagens, roupa; sabiam que o meu verdadeiro nome era Maria, mostrárom fotografias de diferentes épocas da minha vida, e falárom-me de camaradas da luita clandestina na Galiza, e de guerrilheiros com os que colaborava como ligaçom. Era incrível. Todo o sabia a Gestapo. Todo.

Como foi aquele reencontro com Cuba? Foi muito entranhável. E nom só por libertar-me do pesadelo do franquismo senom também porque eu queria e quero muito Cuba. Clima, paisagem, gosto de todo. E gosto da gente, alegre, carinhosa, solidária. Com defeitos e virtudes, já se sabe, mas é um povo magnífico. TEXTOS POLÍTICOS DE ANÁLISE E DOCUMENTAÇOM | 23


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Desembarcamos no mês de agosto. O pouco tempo de chegar incorporei-me de novo no Partido Socialista Popular (comunista). Sentia-me em todo mui a gosto. Tinha 40 anos de idade e muitas ganas de voltar a umha militáncia “normal”. A família estava novamente reunida. Vivíamos em Casa Blanca, o mesmo bairro marinheiro da minha infáncia e mocidade. Ângelo e Sebastiám navegavam. Eu pensava arreio na gente que ficara do outro lado do mar. Nom tinha sossego. Lembrava os que estavam nas prisons, nos montes, na luita clandestina. Percorrim toda Cuba. Participei em dúzias de comícios que se levárom a cabo em povos e cidades, e em sindicatos, fábricas, beteyes. Falava da repressom franquista e ia pedindo ajuda, solidariedade. Nalguns destes atos compartilhava tribuna com Jesús Menéndez, prestigioso líder dos obreiros do açúcar, e com o dirigente comunista e grande orador Salvador García Agüero.

Fulgêncio Batista erige-se presidente mediante um golpe militar, em 10 de março de 1952, o que gera um grande descontentamento popular, umha carragem unánime no povo cubano. Fidel Castro encabeça o ataque ao quartel Moncada em julho de 1953. Começa a luita contra a tirania batistiana. Que participaçom tivérom vocês nessa luita? Pois umha participaçom modesta, mas constante e consciente. Pugem em prática o que aprendera na Galiza, e nom só eu, também os meus filhos e o meu homem, embora ele, pobre, nom chegou a ver a vitória revolucionária: morreu uns meses antes, em 1958. Através do Partido Socialista Popular colaborávamos com o Movimento 26 de Julho, fundado por Fidel. Escondíamos combatentes, promovíamos greves obreiras, vendíamos bonos para arrecadar dinheiro, espalhávamos propaganda, conseguíamos algumhas armas. Todo o que se podia e nom se podia… E isso provocava ameaças, perseguiçons, registos.

O primeiro de janeiro de 1959 triunfou a Revoluçom em Cuba. Sabemos que Maria Araújo, Maria a Guerrilheira, se incorporou à nova etapa de jeito integral. Sabemos que na sua casa se fundou, e você presidiu, o primeiro Comité de Defesa da Revoluçom de Casa Blanca; que é fundadora da Federaçom de Mulheres Cubanas; que fijo parte da campanha de alfabetizaçom; que leva participado nos trabalhos voluntários agrícolas e industriais; que colaborou com o Ministério do Interior em tarefas de contrainteligência… Sim, sim, figem todo isso e mais; mas nom tem qualquer mérito especial. Milhons de cubanas e cubanos também o figérom. Basta com estar com a Revoluçom e um pom-se onde deve estar, vai a onde tenha que ir. Os Comités de Defesa eram umha necessidade; a Federaçom de Mulheres outra; trabalhar numha fábrica ou no campo quando faltam braços, é um dever social. Ingressei nas milícias, realizei exercícios de preparaçom combativa, e isso era o mais natural; e a minha modesta colaboraçom com a Segurança do estado ajudou, quando menos, a frustrar um atentado contra Fidel, um

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atentado criminoso dos tantos que argalhou, sem êxito, o poderoso inimigo de sempre. Todo isto é cousa de cada dia e de cada hora e de muita gente. O dito: nada especial.

Quando a invasom mercenária de 1961, a miliciana Maria Araújo dim que estivo ativa… Como tantos. Havia que mexer-se. Aquela invasom, promovida, armada e financiada polos Estados Unidos foi derrotada em três dias. Fôrom horas difíceis. Daquela havia muitas organizaçons contrarrevolucionárias dentro do país. Se a invasom militar tivesse êxito, estas organizaçons seriam o apoio, a quinta coluna dos “libertadores”. Havia que paralisá-las preventivamente enquanto se decidia o combate no terreno militar. A defesa do país e da Revoluçom era umha questom de todo o povo, maioritariamente revolucionário. E as milícias tinham nisto um papel mui relevante. Mexiamo-nos de dia e noite. Vestida de miliciana andei de bairro em bairro e como sabias com todas as letras quem era quem, detivem pessoalmente a mais de duzentos elementos perigosos. Sem incidentes, sem resistência, muito bem tratados por nós e retornados às suas casas quando os sobreviventes daquele exército de senhoritos mercenários, apadrinhados por Kennedy, se rendêrom como galinhas.

Você militou aqui, antes de voltar para a Galiza, no Partido Comunista, logo incorporou-se no PCE, volta a Cuba e de novo entra no Partido cubano. Como é neste sentido a sua evoluçom política a partir do triunfo da Revoluçom? Pois é umha história bem conhecida, já que responde ao próprio desenvolvimento político do país. Fidel levou isto mui sabiamente. Primeiro unírom-se o Movimento 26 de Julho, o Partido Socialista Popular e o Diretório Revolucionário, e criárom-se as Organizaçons Revolucionárias Integradas, ORI, mais tarde Partido Unido da Revoluçom Socialista de Cuba, PURSC, e finalmente Partido Comunista de Cuba. Eu transitei ferventemente por toda esta evoluçom estrutural. Sabemos, Maria, que além da Ordem Betancourt, com a que a condecorou Fidel, você foi galardoada polos dez anos que colaborou com a Segurança do Estado e como fundadora do Partido Comunista de Cuba. E sabemos que lhe fôrom conferidas a Medalha 23 de Agosto, da Federaçom de Mulheres Cubanas e a Medalha 28 de Setembro, dos Comités de Defesa da Revoluçom. Que significam para você estes reconhecimentos? Som para mim umha honra mui grande, que talvez nom mereça, pois nom figem mais que cumprir modestamente com um dever que encaixava mui bem com a minha ideologia, com as minhas convicçons mais entranháveis. Ter a oportunidade de fazer algo para consolidar a Revoluçom Cubana, o socialismo, foi e é para mim maravilhoso. Luitei em Cuba desde mui nova; Luitei depois na Galiza, e na última ganhou Franco, e voltar a Cuba, luitar e triunfar, e que o triunfo se converta neste processo radical que é um exemplo para América e para o mundo, é o melhor prémio, o galardom mais querido. E por isto sinto a minha vida inteiramente justificada.

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TESTEMUNHA DE DORA CARCANHO ARAÚJO Reproduzimos a testemunha da sua filha, Dora Carcanho, que também se acha publicada no livro Guerrilleiros de Neira Vilas. Dora Carcanho nasceu em Vigo em 1935 e parte da sua infáncia passou-na com a sua mae na prisom. Aos nove anos foi para Cuba, convertendo-se num destacado quadro revolucionário ocupando entre 1968 e 1990 a presidência da FMC (Federaçom de Mulheres Cubanas) e formando parte do Comité Central do PCC. Quando trato de dar-lhe umha certa ordem às minhas primeiras lembranças –começa dizendo Dora– todo se me embrulha, todo se me fai um caos. Lembro os longos meses que passei na prisom com mamá; lembro genreiras e desprezos, e a fame, algo atenuada, graças ao esforço do meu irmao Sebastiám, que sendo quase um neno trabalhava para sustentar-nos a todos, e tenho mui na memória os tráfegos da minha irmá Antónia, vários anos maior que eu. Tivem umha infáncia abondo triste, mas isto nom deixou em mim qualquer marca negativa, porque todo vinha dado pola decisom familiar de luitar a favor do bem, da justiça. Lembro as ruas empedradas de Vigo; os elétricos costa acima e abaixo; o mercado, onde assistia com mamá e com Antónia à poxa de peixe; a primeira e única boneca e os primeiros sapatos que tivem eu, aos sete anos, graças às coletas que faziam Noemi e Nina, amigas de mamá, as mesmas que nos despedírom, arejando cada quem pano branco quando embarcamos para Cuba. Antónia e Sebastiám conhecêrom os da República; eu nom. Eu nascim apenas sete meses antes de começar a guerra. Eles dous vivírom, com mamá e papá, toda aquela campanha da Frente Popular. Eram “pioneiros” e nos atos do Partido, e na escola a onde iam, e nas manifestaçons, punham ao redor do pescoço, com umha laçada, o paninho vermelho e cantavam cançons, às vezes ingénuas mas com umha clara intençom

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classista. A minha irmá ainda lembra algo dumha delas que di: “Somos pioneiros filhos de obreiros. Nom temos mais sorte, é a lei do mais forte, é vencer ou morrer. Vamos avançando para um novo caminho com a marcha firme dos pioneiros filhos de obreiros …” Cantavam também algumhas cançons em galego. Na nossa casa, em Vigo, sempre se falou em galego. Foi o meu primeiro idioma. Durante a guerra e depois dela havia repressom, havia proibiçons nas escolas, mas na casa e com os amigos e vizinhos nom nos podiam impedir que o falássemos. Vigo está mui dentro de mim. Lembro mui bem o Berbés. Fum ali bastantes vezes, com mamá e com Antónia e via todo o rebuliço, a entrada dos barcos, o barulho da gente; elas duas estavam no seu e eu andava dando voltas, olhando todo ou enredando com outras nenas, companheiras ocasionais. E quando nom, ficava na casa onde nos acobilhávamos, no que passava longas horas, com a porta bem fechada, falando soa, cantando, tentando cozinhar algo e jogando sem brinquedos. Comecei a ir a umha escolinha, da que lembro a imagem de Franco na parede, sorrindo, com o seu gorro cuarteleiro, e os nenos venha rezos e saudaçons, e mamá dizia: “Nom levantes a mao para saudar a quem mandou matar os teus pais e matou parentes e amigos nossos”. E eu tinha bem presente o conselho e nom saudava a imagem do Caudilho, e essa rebeldia custou-me labaçadas e outros castigos, e lágrimas de carragem, e doía-me quando me assinalavam e diziam que “la hija de la roja es tan ruín como su madre”. Doía-me aquilo de “ruim” porque era terrivelmente injusto. Umha vizinha, olhando esse maltrato propujo a mamá levar-me a umha escola de monjas, na que eu me sentia vivendo da caridade pública, e embora era umha criança nom gostava disso porque os meus pais inculcaram-me um espírito insubmisso. Total que mamá também me tirou dali e com ela foi com quem aprendi a ler e escrever. Pode dizer-se que começo a ir regularmente a umha escola aos nove anos, quando chego a Cuba. Acontece que na nossa família sempre houvo muita preocupaçom polo estudo. Embora na Havana vivíamos apertados, com mamá lavando roupa e papá de marinheiro, eu nom deixei de estudar. Quando cheguei a ser mestra, dando aulas pola manhá, trabalhava no Ministério de Comunicaçons pola tarde e seguim estudando de noite. Esforços semelhantes figérom os meus irmaos, Antónia e Sebastiám. Antónia foi sempre como umha segunda mae para mim, e a vida de Sebastiám –que morreu há algum tempo– é de muito sacrifício, de muito mérito. Trabalhava nom sei quantas horas ao dia e sempre nos enviava algo de comida, por Antónia, a mamá e a mim, quando estávamos na prisom. Ele soubo de quando adoecim dos pulmons, na casa de Pepa, a ceguinha, e avisou a nossa mae. Sempre estava ao tanto de todo. Sebastiám pegou TEXTOS POLÍTICOS DE ANÁLISE E DOCUMENTAÇOM | 28


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armas da Casa do Povo; caminhou numha ocasiom, com Antónia, longas horas para chegar à zona guerrilheira onde estavam mamá e papá, para entregar importantes documentos do PC de Vigo; soubo a tempo que a polícia entrara no vapor Eva, e logrou avisar a papá para que nom embarcasse; remando na baia de Vigo salvou a vida a um vizinho de Moanha condenado a morte, e ajudou sempre às guerrrilhas, por mar e por terra; quando estava no Berbés negou-se várias vezes a deixar de trabalhar para celebrar os triunfos do exército franquista, o que lhe custou, além de outros contratempos, as bofetadas dum guarda de assalto o dia em que os “nacionais” tomárom Huelva. Mas a vida dele perigava. Estava mui controlada a sua atividade. Por isso um dia, passando por porta-malas, meteu-se de clandestino no barco Magallanes, que vinha para Cuba. Passou as suas, tivo que atirar-se o mar frente o Morro de Havana e sair nadando, mas chegou ao destino e foi o primeiro em juntar-se com papá. Duas vidas salvadas. Andou um tempo pescando no Golfo e logo embarcou num navio norueguês. Eram os tempos da Segunda Guerra Mundial. Para mim foi toda umha aventura vir para Cuba. Levo na memória toda aquela travessia. Todo me resultava novo, insólito. Tenho presente o carinho do matrimónio Comesanha; e os polícias negros (eu nunca vira umha pessoa de raça negra) com capacete e pantalom curto, na ilha de Trinidade; e o abanear, e regimento do barco, e a caldeirada de sopa de macarrons que nos davam manhá e tarde aos que viajávamos em terceira; o simulacro de incêndio; e as palavras de mamá quando estávamos chegando a Havana, dizendo que tratasse de esquecer as angueiras passadas, que por mal que nos fosse aqui estaríamos muito melhor, e que devíamos ter sempre presentes aos que alá ficavam, e ajudá-los. Mamá era assim. Íntegra. Solidária. Destemida. Era mui hábil na vida clandestina. Sabia mexer-se para eludir a polícia. Sabia disfarçar-se e fingir de tal maneira, naqueles tempos de Vigo, que um dia nem o meu irmao a reconheceu. Numha ocasiom contam que me levava a mim no colo, foi detida, levada à esquadra, um guarda dixo que lhe parecia Emília Araújo, a da foto da captura, e o comissário deixou-na ir dizendo que aquela paisaninha mal podia ser a comunista que procuravam. Às vezes ela contava cousas que me comoviam. Como aquilo de que quando saíra de Cuba, em 1927, deixara o cartom do Partido e o exemplar dos estatutos que lhe entregara Julio Antonio Mella, a umha paisana amiga da infáncia, mui católica; e que quando voltou a Casa Blanca, dezessete anos depois, aquela amiga devolveu-lhe ambos documentos que guardara todo esse tempo com carinho. Noutra ocasiom falou-nos dum mestre, preso no cárcere de Vigo, condenado a morte, que lhe fijo chegar um papelinho dizendo que lhe ficavam apenas vinte e quatro horas de vida e pedindo-lhe duas cousas: um pouco de café e que lhe enviasse a nena para olhá-la por última vez, e mamá cumpriu, mandou-me a onde ele estava, e castigáromna com umha severíssima incomunicaçom por vários dias. Também soubemos dumha quantidade de gestos dela nesta banda do mar. Ela nom fazia alarde de cousa algumha, todo o contrário, mas na conversa familiar

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íamos sabendo. Um desses gestos que mais nos impressionou, polo seu significado internacionalista, foi quando percorreu México, convidada polo PC, a pouco de voltar a Cuba, e baixou à península de Yucatán, e foi à ilha de Mulheres perto de Cancún, e realizou efetivas coordenaçons para que acolhessem marinheiros galegos quando por motivos de repressom tivessem que fugir de Cuba. Som comportamentos que configuram o retrato ideológico e humano, a conduta de Maria Araújo, a luitadora exemplar, a “Guerrilheira dos montes da Galiza”, como ela mesma gostava de chamar-se.

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ORIGENS DO DIA DA GALIZA COMBATENTE Em julho de 2001, a Direçom Nacional de NÓS-Unidade Popular acorda instaurar o 11 de outubro como Dia da Galiza Combatente. Até esse ano, a esquerda independentista coincidia com o nacionalismo e o galeguismo na celebraçom a 17 de agosto do Dia da Galiza mártir, aniversário do assassinato de Alexandre Bóveda polo fascismo espanhol. Também a 12 de agosto honramos a morte em combate em 1975 do militante comunista e independentista Moncho Reboiras, num confronto com a polícia espanhola. Mas ambas datas fôrom parcialmente disvirtuadas e desprovistas do seu conteúdo genuíno até se converterem em atos nostálgicos. Despreendidos da mística reivindicativa e da vigência da luita pola qual ambos patriotas, com as suas diferenças ideológicas e temporárias, entregárom a sua vida, era necessário delimitar também neste ámbito o nosso projeto revolucionário do que representa o nacionalismo. Para homenagear num só dia todas as galegas e galegos que em diferentes etapas históricas e projetos políticos fôrom represaliados ou perdêrom a vida pola sua entrega à causa de umha Galiza mais justa e soberana, a nova esquerda independentista decidiu instaurar esta nova data. Na madrugada de 11 de outubro de 1990, Lola Castro Lamas “Mariana” e José Vilar Regueiro “Marcos”, membros do Exército Guerrilheiro do Povo Galego Ceive

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(EGPCG), morriam ao fazer-lhes explosom acidentalmente um artefacto destinado a combater os interesses do narcotráfico na Galiza. Tal como manifestou NÓS-UP em 2001 na primeira ediçom do Dia da Galiza Combatente “enquanto outros luitadores e luitadoras passárom à nossa História por direito próprio, sobre Lola e José semelha pairar um manto de silêncio e esquecimento. Manto que é a nossa obriga destruir para restituí-los ao lugar que merecem. A nós unicamente nos corresponde a homenagem, o reconhecimento político à sua generosidade e combatividade nesta luita que continuamos e, finalmente, o compromisso coletivo de que as suas vidas, como a de Moncho, as de Amador e Daniel, as do “Piloto”, Zélia, “Foucelhas”, Benigno Álvares, Alexandre ou os fusilados em Carral, nom cairám no esquecimento nem passáram a ser as últimas expressons de rebeldia de um povo que existiu”. Nesta primeira efeméride, NÓS-UP deixava claro que “nom está na nossa intençom consolidar umha data para um calendário reservado a independentistas com cartom militante”. Desde que em 2001 NÓS-UP celebra o Dia da Galiza Combatente, a data foi-se socializando e consolidando-se na agenda política da esquerda independentista.

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AS EDIÇONS PRECEDENTES 2001 Tem lugar na praça do Concelho de Culheredo, a terra natal de José Vilar, a primeira ediçom da efeméride convocada como “Concentraçom e ato político em lembrança d@s noss@s compatriotas caídos e represaliad@s na luita pola liberdade da Galiza”. “Dim que nom se perde um direito enquanto houver alguém que o reclama. Quando em junho passado constituíamos em Compostela esta emergente organizaçom de massas para a libertaçom nacional, sabíamos que nom partíamos de zero: desde os textos dos cronistas da Antigüidade, que nos falam de um povo combativo e de mulheres indomáveis, até a morte num operativo militar de Lola e José em 1991, ou a luita em prisom dos presos e presas independentistas em 2001, a nossa história foi a de um povo capaz de impulsionar as primeiras revoltas populares da Europa moderna, capaz de desenvolver resistências para enfrentar o processo de “Doma y Castración del Reino de Galicia” impulsionado pola Coroa de Castela. Um povo que, já bem entrado o século XIX, tinha militares insurgentes que afirmavam, de jeito provavelmente rudimentário, a existência da Galiza como sujeito de direitos nacionais. Esse mesmo povo sustentou política e materialmente desde 1936 umha guerrilha urbana e rural antifascista cujo último resistente caía em 1965, articulou na clandestinidade organizaçons nacionalistas de massas e desenvolveu, no último quartel do século XX, três projetos político-militares para a sua própria libertaçom nacional e social”.

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2002 Sob a legenda “Para que Galiza viva” a cidade de Ponte Vedra acolhe a segunda ediçom. O ato político decorre na praça de Curros Henriques, onde Alexandre Bóveda conta com umha modesta estátua. “Aqui nom estamos para chorar quatro mortes, mas para recolher quatro fusis e quatro exemplos. Hoje mais que nunca, é necessário rachar o véu da “normalidade democrática” com que o poder espanhol quer ocultar o caráter conflituoso e violento da opressom. A Galiza combatente está viva. Está-o nas luitas vicinais, nos conflitos operários, nas greves gerais, nos enfrentamentos populares à ordem vigente, na resistência estudantil, nas respostas à polícia e nas sabotagens anónimas aos interesses turísticos, comerciais e financeiros do inimigo que se venhem produzindo nos últimos meses. Está-o nas ruas, nas paróquias, nas aulas, nas fábricas e nos centros de trabalho da nossa naçom. Segue a está-lo nos coraçons e na vontade dos melhores filhos e filhas do povo trabalhador galego, na sua dignidade inquebrantável, no seu valor, no seu amor sem limite à Terra e à Liberdade”.

2003 “A luita é o único caminho” foi a palavra de ordem que comemorou a data em Ferrol, com umha concentraçom na rua da Terra, ao lado da casa onde caiu abatido Moncho Reboiras por balas espanholas. “O MLNG reivindica em solitário esta data porque só ele reconhece a sua carga política, o seu sentido atual: a existência dumha linha e a obrigaçom de continuá-la por ser a única garantia de avanço. Eis a nossa transcendência e a nossa responsabilidade. Há ainda muit@s denominad@s nacionalistas que temem umha aproximaçom sincera à nossa história e ocultam ou maquilham capítulos e figuras imprescindíveis da nossa luita. Som aqueles/as, e nom por acaso, que mais temem a auto-organizaçom, a construçom e o combate; @s submid@s num pesimismo ou cobardia crónicas que os fam pospor indefinidamente o compromisso e o ativismo, tentando contagiar com autismos paralisantes. Enquanto Espanha e o Capital apertam as gadoupas sobre o nosso povo trabalhador, se desenvolve umha gravíssima involuçom fascistoide e se consuma o processo de destruiçom nacional, patriotas de cartom e pseudonacionalistas de distintas cores procuram sucedáneos, entretenhem-se em milagres e jogam de maneira hipócrita à desorientaçom e o confusionismo”.

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MARIA ARAÚJO DOUS COMBATES, UMHA MESMA LUITA 2004 Na praça do Toural do bairro de Teis de Vigo, celebramos a quarta ediçom. “PSOE-PP a mesma merda é. Adiante a luita obreira e nacional”. “Aqui em Vigo, tivo lugar o nascimento da primeira organizaçom independentista de pós-guerra. O Partido Galego do Proletariado foi concebido no Vigo obreiro de 1976-77 e fundado em março de 1978. Aqui foi onde a esquerda independentista apresentou a sua primeira candidatura eleitoral com Galiza Ceive nas municipais de 79. Daqui eram muitos dos detidos na batida contra a LAR em

setembro de 1980. Este é o Vigo de que nós nos reclamamos e sentimos continuadoras/es. O Vigo das três greves gerais de 1984 contra a reconverson industrial do PSOE. O Vigo das dúzias de moços insubmissos que se negárom a participar no exército espanhol na década de noventa. O Vigo das luitas estudantis contra Vitrasa. O Vigo solidário e internacionalista. O Vigo ecologista contra o cemitério nuclear da fossa atlántica. O Vigo que em junho acolheu dezenas de milhares de mulheres na maior mobilizaçom feminista da Galiza. O Vigo que defende o seu litoral, o Vigo que se opom a “ronda”. O Vigo que ainda acolhe perseguidos e clandestinos como nos anos trinta”.

2005 Ao pé do monumento aos mártires de Carral reivindicamos “Galiza por umha política de esquerda”. “Desde o primeiro momento em que NÓS-UP decidiu marcar esta data como Dia da Galiza Combatente, a ideia foi fazer dela um referente aberto que incluísse todo o leque de iniciativas das mais diversas formas de luita que o nosso povo tem desenvolvido ao longo de todos estes anos como forma de autodefesa frente às políticas assimiladoras do nosso inimigo histórico, o Estado espanhol e as suas classes dirigentes. Ao contrário do que fam outras organizaçons que enaltecem figuras históricas, amiúde limando-lhes as arestas mais incómodas e contraditórias com a sua prática política actual, chegando à ocultaçom e a manipulaçom, nós nom temos nengum reparo em fazer público o reconhecimento de todas essas formas de resistência que definírom a história do nosso nacionalismo. Umha história que é também a história da repressom e a conculcaçom de direitos, por isso sempre havemos de estar do lado galego e popular neste longo confronto que mantemos em defesa do nosso direito à existência como naçom diferenciada e classe emancipada.

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O contexto atual da luita de libertaçom nacional galega, que no nosso caso está indissoluvelmete ligada à luita social pola emancipaçom do nosso povo trabalhador e o combate ao patriarcado como forma de submetimento de metade da populaçom galega, responde a umhas coordenadas novas que nos obrigam a reorientar tacticamente o nosso trabalho político”.

2006 No Alto do Furriolo, na Terra de Cela Nova, NÓS-UP realiza umha “Homenagem nacional às vítimas do holocausto galego. 1936-2006 a luita continua!”. “Hoje estamos aqui porque recolhemos os ideais de liberdade e emancipaçom do movimento operário e popular galego de 1936, cujo horizonte nom era, nem muitíssimo menos, como falsamente historiadores e politicos pogres afirmam, consolidar a democracia burguesa republicana, mas sim, tal como hoje modestamente fai a esquerda independentista representada por NÓS-Unidade Popular, acumular forças sociais necessárias, mediante a luita política, social e ideológica, para mudar de raíz este regime injusto e opressor empregando a imensa torrente da razom e da consciência livre e plenamente assumida pola maioria social que num abrente de alegria e amor denominamos Revoluçom Socialista. Só cretinos e canalhas podem afirmar que os objetivos de boa parte das forças organizadas ou que apoiárom eleitoralmente a vitória de Fevereiro de 1936 da Frente Popular se reduziam a manter a anémica “ditadura” da burguesia liberal encabeçada por Casares Quiroga”.

2007 À beira do monumento a Simón Bolívar, na rua Venezuela de Vigo, comemoramos a sétima ediçom sob a legenda “Até a vitória sempre. A solidariedade é a ternura dos povos”. “Nom renunciamos à longa trajetória combativa de nosso povo, e aspiramos a continuá-la ao longo da espiral da história que deve projetar-nos para um futuro de liberdade nacional, situando-nos do lado dos povos que luitam por superar o capitalismo e fazer do mundo um lugar mais habitável e justo do que hoje é. E é nesse ponto que ligamos a convocatória deste ano com o quadragésimo aniversário da morte do que foi paradigma da luita nacional e internacional por um outro mundo: Che Guevara, argentino entregado à causa do povo cubano até a vitória e posteriormente comprometido com as luitas de

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outros povos africanos e latino-americanos, fusilado extra-judicialmente por ordem da CIA estado-unidense, representa como ninguém as virtudes do militante integral polo socialismo e a independência dos povos. Porém, ele nom é um caso único ou isolado. Milhares de trabalhadores e trabalhadoras, de homens e mulheres militantes de causas justas morrêrom no último século e meio em luita pola derrota do capitalismo e pola conquista da verdadeira soberania para os povos. E muitos deles figérom-no, como o Che, alinhando com movimentos revolucionários noutras latitudes diferentes às dos seus lugares de nascença. Dentre eles e elas, salientamos na comemoraçom de hoje os galegos e galegas que entregárom as suas vidas à causa do internacionalismo”.

2008 No farol de Meirás, em Valdovinho, sob a legenda “A luita pola independência também tem nome de mulher” organizamos a oitava ediçom. “Convocamos a VIII ediçom do Dia da Galiza Combatente conscientes de que a luita pola independência também tem nome de mulher. E é por isso que, fartas de tantas mentiras e tantas ocultaçons históricas, somos nós as mulheres revolucionárias galegas que temos a responsabilidade de contribuir para mudar isto. Hoje, à beira deste mar de dias bravos como as jornadas de luita nosso povo, a esquerda independentista e socialista desta naçom com nome de mulher chamada Galiza queremos e devemos projetar luz sobre as mulheres que ao longo da história participárom nos mais diversos episódios de rebeldia contra a dominaçom e as injustiças que padecemos como povo, classe e género, nas luitas pola liberdade da Galiza e a superaçom da exploraçom do capitalismo. Por todas essas mulheres que padecêrom as mais cruéis e diversas formas de brutalidade, o que as levou a ser torturadas, degradadas, humilhadas, exiladas, encarceradas ou assassinadas, é que estamos hoje aqui. Mulheres que som um verdadeiro exemplo de dignidade militante para todas nós. Mulheres galegas que abrírom a empurrons os caminhos que hoje somos quem de percorrer. Mulheres que levam séculos a viver sob múltiplas identidades, mas com um só intuito, o de trazer a justiça para este país e para a classe trabalhadora, traçárom o caminho”.

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2009 No cemitério de Miranda, Castro Verde, sob a legenda “Henriqueta Outeiro, comunista, guerrilheira e feminista galega indomável”, coincidindo com XX aniversário do seu falecimento, tivo lugar a nona ediçom. “Henriqueta Outeiro nos momentos cruziais, nos que há que escolher, nos que a maioria opta polo caminho mais fácil, sempre se inclinou por continuar avante: seguir no Madrid assediado e bombardeado de finais do verao do 36, após o golpe militar casadista da primavera de 39, ficar no interior da Península, voltar para a Galiza após a derrota da República e nom ser evacuada para França via Levante, participar ativamente como Maria das Dores na reorganizaçom do PC na Galiza e na organizaçom da luita guerrilheira, dar batalhas nas prisons que foi percorrendo entre 1946 e 1960, voltar entre silêncios, incompreensons e hostilidades, para a paróquia natal de Miranda, seguir intervindo publicamente, orientando-se na difusom dos valores feministas, na defesa das mulheres, fomentando a cultura de base, a educaçom popular. A esquerda independentista galega organizada em NÓS-Unidade Popular decidiu dedicar a nona ediçom do Dia da Galiza Combatente, coincidindo com o XX aniversário do seu falecimento, a homenagear quem por méritos próprios atingiu elevadas responsabilidades políticas e militares na guerrilha galega. Tanta constáncia, tanta audácia, tanto sacrifício, coragem, coerência, valor, é um orgulho para o povo trabalhador combatente. A sua intensa vida, o seu nome representa para nós, luitadores e luitadoras de umha Galiza livre, vermelha e lilás, um exemplo para o sucesso da Revoluçom Galega”.

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2010 A X ediçom do Dia da Galiza Combatente foi organizada a rua da Terra de Ferrol coincidindo com a queda em combate de dous militantes do EGPGC, sob a legenda “Lola Castro e José Vilar o povo nom vos esquece”. “Nom seremos nós que realizemos umha homenagem como esta com fins meramente funerários; se hoje recordamos Lola e José é porque achamos que a sua experiência, com os seus erros e acertos, é útil para afrontar a realidade que nos arrodeia. Os motivos que as/os levárom a pegar nas armas e entregar a vida continuam hoje vigentes, e nom só, mas agravados a cada dia que passa. A nossa cultura e o nosso idioma acham-se em perigo de morte sob o jugo espanhol, as agressons som diárias e a sua intensidade nom deixa de crescer. É evidente que Espanha tem a firme resoluçom de nos liquidar como Povo. As crises que golpeiam o Capitalismo a nível planetário estám a significar para nós, para as trabalhadoras e trabalhadores, mais miséria, mais desemprego, mais horas de trabalho por menos dinheiro, mais mortes no posto de trabalho. E como há vinte anos, as mulheres continuam a levar a pior parte, a receber os trabalhos pior remunerados, sendo as primeiras a irem à rua ou caírem na mesquindade da economia submersa, condenadas a viver dos refugalhos deixados polos homens, a servi-los e a deslombar-se sem cobrar um cêntimo para que toda a maquinaria continue a funcionar”.

2011 No cemitério da paróquia chantadina de Sam Fiz de Asma, tivo lugar o ato central da XI ediçom do Dia da Galiza Combatente sob a legenda “Piloto, exemplo de coragem, tenacidade e resistência”. “Por méritos próprios José Castro Veiga, mais conhecido como Luís ou Piloto, forma parte de um dos episódios mais heroicos da recente história contemporánea da Pátria. Foi o último combatente guerrilheiro antifranquista abatido pola Guarda Civil. Durante vinte anos mantivo incólume a reivindicaçom de liberdade e justiça social. Nunca aceitou a rendiçom, nem nengumha forma de conciliaçom com os responsáveis do holocausto galego iniciado em 1936. Negou-se a arriar as bandeiras do socialismo e morreu com as armas na mao. A fotografia escolhida para esta homenagem, possando para a cámara no que semelha umha corte, orondo, com

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chapeu, camisa branca, correagens no peito e apontando com umha pistola-ametralhadora, é um indelével retrato emblemático da resistência nacional e popular, da Galiza que nunca se rendeu, dessa parte do País que nem o franquismo nem a posterior operaçom de maquilhagem do atual regime monárquico espanhol nunca logrou ocultar. A esquerda independentista e socialista galega nom só queremos render-lhe o merecido homenagem, reivindicamos a sua trajetória de incansável luitador, de comunista exemplar, de galego coerente, o profundo amor pola terra à que serviu sem mais contrapartidas que o respeito, admiraçom e carinho do seu povo, sem o qual nom teria sido possível ter superado a implacável perseguiçom a que foi submetido por falangistas, somaténs, exército e basicamente da brutal Guarda Civil”.

2012 Nos jardins de Sam Carlos da Corunha, mui perto de onde Espanha tem sequestrado o fusil de combate do Foucelhas, tivo lugar o ato central da XII ediçom do Dia da Galiza Combatente, sob a legenda “Benigno Andrade Foucelhas exemplo de resistência popular”. “A 7 de agosto de 1952, por meio do garrote vil, o combatente antifascista é assassinado no centro penitenciário próximo da Torre de Hércules, polo regime que desde 1936 desatara o terror sobre o povo trabalhador galego. Umhas semanas antes, o último responsável simbólico do Exército Guerrilheiro da Galiza, Melchor Diaz “Pepito”, que detinha a secretariageral do PC na Galiza, tinha sido abatido pola Guarda Civil. O franquismo buscou, com a sua captura, julgamento e execuçom um golpe propagandístico definitivo contra a esmorecente luita guerrilheira. A férrea censura que pretendia ocultar as açons da guerrilha ao povo foi substituída por umha grande difusom do seu processo na imprensa. O lendário Foucelhas, um dos guerrilheiros mais conhecidos e admirados, o que sempre conseguia esquivar a perseguiçom fascista, aquele a quem se atribuiam dúzias e dúzias de açons, caía também, marcando simbolicamente o fim de umha das mais heroicas experiências de luita desenvolvidas polo nosso Povo, apesar da admirável resistência de alguns combatentes mesmo até a década de 1960, como no caso do Piloto ou Corujás”.

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“Eu, guerrilheira nos montes da Galiza, como oradora nom mereço que se me ouça, mas como luitadora sim. (…) Traio o meu corpo atravessado de feridas que me produzírom os falangistas. Mas por cima das torturas, das feridas, do que sofrim nas cadeias, cá estou em pé, como estivem em pé nos montes da Galiza para luitar contra Franco e a Falange”. Estas palavras fôrom pronunciadas por Maria Araújo, conhecida como “A Guerrilheira” ou “A Galega”, num discurso pronunciado na Havana no ano 1944. Com certeza, falarmos de Maria Araújo Martins é falarmos de luita, de valor e temperança revolucionária, de compromisso, de valores solidários adquiridos no meio marinheiro em que nasceu e ao que viveu ligada toda a sua existência. Maria Araújo nasce na paróquia vilagarciana de Carril em 28 de outubro de 1904, e emigrou com o seu pai e a sua mae a Cuba no ano 1906. Instalam-se na povoaçom marinheira de Casa Blanca, ao outro lado da baia de Havana. Participa em 1925 na fundaçom do Partido Comunista Cubano. Colabora e acompanha ao lendário secretário-geral do PCC, Julio Antonio Mella, quem vai de navio em navio lendo aos marinheiros os estatutos do Partido e criando consciência entre os trabalhadores do setor. Em 1927 retorna para a Galiza, dirigindo o sindicato das trabalhadoras da conserva de Vigo. Após o golpe de estado fascista de julho de 1936, passa à clandestinidade. Os montes de Redondela primeiro e a rede de casas solidárias depois fôrom o seu agocho. No monte participa na organizaçom dum grupo guerrilheiro, que vai contatando com os fugidos da zona montanhosa de Redondela, tendo como base de operaçons as ruínas de um convento. Após passar em prisom os primeiros anos da posguerra, em 1944 volta para Cuba, colaborando na luita contra a ditadura de Fulgencio Batista. Umha vez que a Revoluçom triunfa fundou no seu bairro o primeiro Comité de Defesa da Revoluçom, foi membra fundadora da Federaçom de Mulheres Cubanas (FMC), e colaborou com os serviços de inteligência, e participou no processo fundacional do atual Partido Comunista Cubano.

Textos políticos de análise e documentaçom nº12


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