Artigo Jurídico NOVA CAA

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O direito brasileiro, a adoção de fato e a família socioafetiva

Danielle Junqueira Carvalho, graduanda em Direito pela Faculdade Cenecista de Varginha (FACECA).


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O DIREITO BRASILEIRO, A ADOÇÃO DE FATO E A FAMILIA SÓCIO-AFETIVA

Danielle Junqueira Carvalho1

RESUMO A adoção de fato é conceituada como qualquer espécie de vínculo contínuo mediante filiação sócio-afetiva comprovada, porém ainda não validada judicialmente, entretanto emergente dessa validação jurídica, como fato importante na vida dos filhos já adotados de fato. A escolha deste tema se justificou, pois, acredita-se que as relações de família devam ser consideradas mediante a valorização do princípio da dignidade da pessoa humana – sendo aqui se resumindo na proteção integral de crianças e adolescentes, levando em consideração o princípio de igualdade entre eles. O objetivo específico foi analisar, mediante pesquisa bibliográfica, o reconhecimento da adoção de fato – como fato incondicional para constituição da família sócio-afetiva e para garantia do direito de adoção pela mesma – dentro do direito familiar, na legislação brasileira. Mediante resultado de pesquisa, se constatou que sendo a adoção uma medida para satisfazer, em primeiro lugar os interesses da criança ou do adolescente, reconhece-se na possibilidade do direito da família sócio-afetiva em adotar, a manutenção de condições dignas de desenvolvimento para que seus filhos de fato, possam legalmente, se tornar futuros adultos familiarmente estruturados. Palavras-chave: Direito. Adoção. Adoção de Fato. Família Sócio-Afetiva.

ABSTRACT The adoption of fact is defined as any kind of relationship through continuous membership proven socio-affective, but not yet validated in court, though legal validation of this emerging, as fact in the lives of children already in fact adopted. The choice of this theme was justified because it is believed that family relationships should be considered by emphasizing the principle of human dignity - is here summarizing the full protection of children and adolescents, taking into account the principle of equality between them. The specific objective was to analyze, by literature, the recognition of an adoption in fact - a fact unconditional family formation socio-affective and guarantee the right of adoption by same within the family law, under Brazilian law. Through the search result, if the adoption is found that a measure to satisfy first the interests of the child or adolescent, it recognizes the possibility of family law to adopt socio-affective, the maintenance of decent development for that their children actually can legally become adults familiarly structured future. 1

Aluna matriculada no 9o Período do Curso de Direito da Faculdade Cenecista de Varginha – FACECA. Email: daniellejunqueira@yahoo.com.br


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Keywords: Law. Adoption. Adoption Fact. Family Socio-Affective. 1 INTRODUÇÃO A igualdade, sem distinção entre os filhos, foi reconhecida pela legislação brasileira, por intermédio de seu artigo 227, § 6º da Constituição Federal de 1988, porém, ficou a lacuna sobre os filhos adotivos de fato. A única possibilidade legal, até então, ficaria acerca do artigo 1593 do Código Civil, assegurando alguns direitos das pessoas na condição da adoção de fato. A adoção de fato é conceituada como qualquer espécie de vínculo contínuo mediante filiação sócio-afetiva comprovada, porém ainda não validada judicialmente, entretanto emergente dessa validação jurídica, como fato importante na vida dos filhos já adotados de fato. Mais tarde, a Lei 8.069/90 foi aprimorada pela Lei nº 12.010/09 que abre brecha para que a família sócio-afetiva, até então considerada como substituta, tenha a oportunidade, e em algumas exceções, à prioridade de adoção de seus filhos de fato, mesmo não estando na fila do cadastro nacional de adoção, se assim o legislador considerar. Tanto a existência da família sócio-afetiva, quanto da ausência desta, pode ser comprovada por diversas situações, mediante alguns requisitos – independente de ocorrer em família com laços consangüíneos ou na relação familiar constituída pela afinidade. A segunda opção se resume em objetivo geral deste artigo. Já o objetivo específico é de analisar o reconhecimento da adoção de fato – como fato incondicional para constituição da família sócio-afetiva e para garantia do direito de adoção pela mesma – dentro do direito familiar, na legislação brasileira. A escolha deste tema se justifica, pois, acredita-se que as relações de família devam ser consideradas mediante a valorização do princípio da dignidade da pessoa humana – sendo aqui se resumindo na proteção integral de crianças e adolescentes, levando em consideração o princípio de igualdade entre eles. Para cumprimento dos objetivos, e por se tratar de um tema atual, propôs-se para tanto uma revisão literária acerca do já publicado, entretanto, ressalta-se que o todo citado está devidamente referenciado, respaldando-se no cumprimento dos padrões de ética de pesquisa. 2 CONCIETOS INICIAIS QUE FUNDAMENTAM A PREVALÊNCIA DA FILIAÇÃO SÓCIO-AFETIVA NO DIREITO BRASILEIRO


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Na visão de Ramos Filha (2008) a doutrina brasileira acerca da constituição da família sócio-afetiva conseguiu avanço, quando passou a considerar que para a constatação de família, bastaria convivência familiar, não levando em consideração a origem da filiação existente. O necessário ficaria por conta da integração do filho no grupo social – na família – mediante relação de afeto, não sendo até então, tal formação de relação relevante juridicamente. “A sócia-afetividade tornou-se então uma das maiores características da família atual e se assenta nas relações familiares onde o amor é cultivado cotidianamente” (RAMOS FILHA, 2008, p. 32). Na visão de Vicente (2008, p.1) “a adoção é, portanto, um ato jurídico que cria relações de paternidade e filiação entre duas pessoas e este ato faz com que uma pessoa passe a gozar do estado de filho de outra pessoa”. Ainda nesse mesmo ponto de vista, considera-se a satisfação das necessidades afetivas, materiais e sociais, que um cidadão necessita para assumir condição de ser humano. A adoção, na modernidade, preenche duas finalidades fundamentais: dar filhos àqueles que não os podem ter biologicamente e dar pais as pessoas desamparadas. Isto visto a condição a que se refere o art. 1.625 do CC: Somente será admitida a adoção que constituir efetivo benefício para o adotando. O art. 43 da Lei 8.069/90 diz: A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos (VICENTE, 2008, p.1).

Nas palavras de Pereira (2008, p.3) “adoção de fato é uma espécie de filiação socioafetiva [...] surge dentro do conceito mais atual de família, ou seja, de família sociológica, unida pelo amor, onde se busca mais a felicidade de seus integrantes”. De acordo com a formulação de Welter (2004, apud PEREIRA, 2008), o filho adotivo de fato deve se denominado como filho de criação, onde é constituído o estado de filho afetivo, figura de estado de filho, seguido o artigo 226, §§ 4° e 7°, artigo 227, cabeço e § 6°, da Constituição Federal de 1988, e artigos 1.593, 1.596, 1.597, V, 1.603 e 1.605, lI, do Código Civil, na qual a declaração de vontade torna-se irrevogável, salvo erro ou falsidade do registro de nascimento, artigo 1.604 do Código Civil. Entretanto, além do mencionado, algumas exceções são encontradas em registro, como a apelação civil que segue: APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO C/C DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR. VIABILIDADE DA ADOÇÃO NO CASO CONCRETO. AFETIVIDADE. INTERESSE DO MENOR. Configurado abandono por parte dos genitores, impositiva a destituição do poder familiar, nos termos do artigo 1.638, II do Código Civil. Mesmo quando os adotantes não integrem a lista de habilitados para a adoção (art. 50, do ECA), existe a possibilidade jurídica da ação, especialmente quando o vínculo afetivo já esta consolidado. Nessas situações, excepcionais, deve haver flexibilização das normas legais e autorizada a manutenção da criança onde já se encontra. Caso dos autos. APELO NÃO PROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL Nº


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70028661049, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 26/03/2009).

Nas palavras de Pereira (2008, p. 4) a filiação afetiva implica-se na suplência de todas as exigências quando da posse do filho reconhecendo-o por parte de parentalidade, ou seja, “quando uma pessoa, constante e publicamente tratou um filho como seu, quando o apresentou como tal em sua família e na sociedade, quando na qualidade de pai proveu sempre suas necessidades, sua manutenção e sua educação”. Em comentários sobre doutrina, Fachin (2003, p. 17) menciona que “a filiação sócioafetiva encontra sólido apoio nas normas constitucionais sobre direito de família, passa a ter a assento infraconstitucional no art. 1.593 do Código Civil”, onde o mesmo justifica que existe probabilidade de se provar parentesco tanto por laço sanguíneo, quanto por afetivo. Ainda, segundo Fachin (2003) a sócia-afetividade vincula-se ao Estatuto da Criança e do Adolescente, através da Lei 8.069/1990, que especificamente em seus artigos 28 a 52, concomitnado com o artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, respaldam procura pela sua finalidade e função social. Maidana (2004) publica em seu artigo que é considerado pai a pessoa que de modo espontâneo assume posição de paternidade de uma criança, sem ao menos considerar o fator de origem biológica da mesma, dedicando-se a buscar seu desenvolvimento enquanto ser humano, merecidos de educação e todo o mais para que seja necessária sua formação como pessoa de caráter. De acordo com Ramos Filha (2008, p. 38), tanto para Fachin (2003) quanto para Maidana (2004), “a paternidade socioafetiva se fundamenta na distinção entre pai e genitor e no direito ao reconhecimento da filiação, já que entende por pai aquele que desempenha o papel protetor, educador e emocional”. Nas palavras de Lobo Netto (2003, p. 153), Toda pessoa humana tem direito ao estado de filiação, como prerrogativa contida no âmbito da disciplina jurídica das relações familiares, e essa constituição do estado de filiação pode se dar inclusive através do conhecimento da origem genética, se os laços de paternidade não se constituíram por via da afetividade.

Ramos Filha (2008, p.39-40) menciona alguns artigos contidos no Código Civil, referentes à condição de paternidade no contexto sócio-afetivo: a) art. 1.593 – [...] conforme resulte de consangüinidade [...] a principal relação de parentesco é a que se configura na paternidade (ou maternidade) e na filiação. A norma, [...] é inclusiva, pois não atribui a primazia à origem biológica; a paternidade de qualquer origem é dotada de igual dignidade; b) art. 1.596 – reproduz a [...] a igualdade dos filhos, havidos ou não da relação de casamento [...] ou por adoção, com os mesmos direitos e qualificações;


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c) art. 1597, V – que admite a filiação mediante inseminação artificial heteróloga [...] A origem do filho, em relação aos pais, é parcialmente biológica, pois o pai é exclusivamente sócio-afetivo [...]; d) art. 1.605, consagrador da posse do estado de filiação, quando houver começo de prova proveniente dos pais [...] Na experiência brasileira, incluem-se entre a posse de estado de filiação o filho de criação e a adoção de fato, também chamada “adoção à brasileira” [...]; e) art. 1.614 – continente de duas normas, ambas demonstrando que o reconhecimento do estado de filiação não é imposição da natureza ou de exame de laboratório, pois admitem a liberdade de rejeitá-lo. A primeira norma faz depender a eficácia do reconhecimento ao consentimento do filho maior; se não consentir, a paternidade, ainda que biológica, não será admitida; a segunda norma faculta ao filho menor impugnar o reconhecimento da paternidade até quatro anos após adquirir a maioridade. Se o filho não quer o pai biológico, que não promoveu o registro após seu nascimento pode rejeitá-lo no exercício de sua liberdade e autonomia [...].

Com base em Ramos Filha (2008) é nítido que, por primazia, dentro do direito nacional, inexiste a afirmação de que paternidade está vinculada apenas à condição de herança genética, visto que não é apenas a comprovação genética que ira garantir que os direitos e deveres dos filhos sejam exercidos, sendo necessário um verdadeiro responsável para tal – e que nem sempre são os pais biológicos predispostos a desempenhar tal papel. 5 A FAMILIA SOCIO-AFETIVA E O RECONHECIMENTO DA ADOÇÃO DE FATO NO DIREITO BRASILEIRO SOB O ENFOQUE DA LEI 12.010/09 Para Venosa (2005 apud DANTAS, 2010, p.1) “a adoção é considerada pela doutrina uma modalidade artificial de filiação, que busca imitar a filiação natural, exclusivamente jurídica, cuja pressuposição é sustentada por uma relação afetiva”. Para o mesmo a adoção deve ser e estar entremeada à convivência familiar, haja vista que conviver em família é direito da condição humana. É considerado direito de qualquer criança viver com seus pais e, quando improvável convivência – no caso de uma separação judicial entre os pais, por exemplo –, a mesma tem o direito de firmar contato periódico com eles. Esta condição, na maioria das vezes, ganha respaldo da legislação que cuida de promover a tais crianças que sua convivência em ambiente familiar alternativo aconteça e seja cometido. E, de acordo com os números divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça, em 2011, considera-se urgente o fato da legislação integrar crianças em famílias brasileiras, pois: O número de crianças aptas a serem adotadas chega a 4.856 em todo o Brasil, de acordo com o último balanço do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), divulgado nesta sexta-feira pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O cadastro foi criado em


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abril de 2008, a fim de concentrar informações de todos os tribunais de Justiça do país referentes ao número de pretendentes e de crianças disponíveis, e de acompanhar o procedimento judicial nas varas da infância e juventude. Os dados revelam um leve crescimento na quantidade de crianças que precisam de um novo lar, já que pelo levantamento de julho havia 4.760 crianças a serem adotadas. O número de pretendentes passou de 27.264 cadastrados em julho para 27.478. Das crianças e adolescentes aptas para adoção, 2.133 são do sexo feminino e 2.723 do masculino. O estado que mais concentra crianças e jovens é São Paulo, com 1.288 do total. Na seqüência, estão o Rio Grande do Sul (792), Minas Gerais (573), Paraná (501) e Rio de Janeiro (369). Quanto à cor da pele, a maioria é registrada como parda (2.230). As crianças e adolescentes brancas são 1.656, e as de cor negra 907 (JORNAL DO BRASIL, 2011, p.1).

Na concepção de Vasconcelos (apud DANTAS, 2010) toda crianças requer proteção e cuidados de uma família, seja ela formada por seus pais biológicos ou por qualquer outra pessoa que venha desempenhar tal papel, desenvolvendo com ela uma relação de intimidade e de cuidados, sendo denominada por muitos estudiosos como relações baseadas no apego ou no afeto. Tem-se falado muito que a Lei nº 12.010/09 é a "nova lei da adoção", quando, na verdade, esta lei não trata somente da adoção. Ela, simplesmente, alterou dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Desse modo, a adoção de criança e adolescente continua sendo regida pela Lei nº 8.069/90, o conhecido Estatuto. Evidente que as alterações apresentadas pela Lei nº 12.010/09 são importantes, mas, ainda é prematuro afirmar que as alterações favorecem o processo de adoção e dão mais segurança, ou se dificulta a adoção. Só o tempo é que vai nos mostrar as conseqüências advindas das alterações (CARTA FORENSE, 2010, p. 1).

Em nova legislação é conhecido alguns princípios que embasam a intervenção do estado no que tange medidas a serem aplicadas para na relação que envolva família e crianças, todas em destino protecionista à principal parte – considerada a criança. Uma das medidas embasadas em tais princípios é a colocação da criança ou do adolescente em famílias cadastradas como substitutas ou que disponibilizem lares institucionais. Então, de acordo com a Associação dos Magistrados Brasileira, a primeira medida seria a alternativa da família guardiã. A família guardiã é uma alternativa de convivência familiar desenvolvida como programa por algumas prefeituras no Brasil [...] O objetivo dessa medida alternativa é fornecer uma família substituta para crianças/adolescentes cujos pais estejam impedidos de conviver com seus filhos, provisória ou definitivamente, evitando ou interrompendo a sua institucionalização em abrigos coletivos. Nesses programas, tanto as famílias de origem como as eventuais famílias adotivas são acompanhadas para promover o retorno da criança ou aproximá-la gradativamente da família adotiva (AMB, 2009, p.12).


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Ainda segundo a Associação dos Magistrados Brasileira, a segunda alternativa seria quanto ao aparelhamento afetivo. É uma prática solidária de apoio afetivo às crianças/adolescentes que vivem em instituições de abrigo e que não necessariamente estão à disposição para a adoção. Os padrinhos podem visitar seu afilhado no abrigo, comemorar seu aniversário, levá-lo a passeios nos finais de semana, levá-lo para seus lares nas férias, no Natal, orientar seus estudos (AMB, 2009, p. 12).

E a terceira alternativa seria ao apadrinhamento financeiro. É a prestação de auxílio material a crianças/adolescentes abrigados ou que permaneçam na convivência com suas famílias com escassos recursos financeiros. Os programas de “adoção a distância”, como são chamados os programas de apadrinhamento financeiro, são promovidos por diversas organizações por meio de ações e campanhas que visam levar alimentos, bolsa de estudo, assistência médica às crianças/adolescentes e seus familiares (AMB, 2009, p. 13).

Outra medida é a manutenção do direito da criança e do adolescente – de idade e maturidade devidamente reconhecidas – quando da necessidade de pronunciar seus próprios juízos e de expressar suas opiniões. No art. 19 do ECA fica estabelecido que toda criança ou adolescente que estiver inserido no programa de acolhimento familiar – serviço que organiza o acolhimento, na residência de famílias acolhedoras, de crianças e adolescentes afastados da família de origem mediante acolhimento temporário ou institucional [...] no máximo a cada seis meses, terão sua situação reavaliada por equipe interprofissional ou multidisciplinar, que através de relatório, informará a autoridade judiciária da situação do menor, devendo aquela, de forma fundamentada, decidir, colocando-o em família substituta ou reintegração familiar (DANTAS, 2010, p. 1).

Em síntese, o que Dantas (2010) afirma é que cabe à criança ou ao adolescente em questão, quando inseridos em famílias substitutas, opinar sobre condição de sua adoção; e quando estes se situarem em idade acima de 12 anos, terão direito de peso de seu depoimento em audiência judicial. A adoção dependerá da concordância do adotando quando ele tiver mais de 12 anos de idade. Porém, independentemente da idade, sempre que possível, deve-se considerar a opinião da criança ou adolescente. É importante que se possa investir na formação de um vínculo afetivo entre a criança e os candidatos a pais adotivos antes de concluído o processo de adoção. A aproximação gradativa e o estágio de convivência, previsto no ECA, têm essa finalidade (AMB, 2009, p. 21).

A lei faz menção sobre a necessidade de obediência à fila de adoção existente, onde pessoas interessadas em disponibilizar um lar a crianças e adolescente, esperam, tendo o direito de manifestar seu interesse em prosseguir – ou não – com a adoção, quando convocados. Entretanto, em algumas ocasiões o candidato da fila tem por direito passar a vez


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e aguardar ainda na fila, como menciona a Associação dos Magistrados Brasileiros (2009, p. 21): A lei determina um estágio de convivência entre adotado e adotante, considerandose que a separação do ambiente anterior e a criação de novos vínculos demandam tempo. Especialmente quando a criança/adolescente está há muito tempo institucionalizada, este tempo deverá ser ainda maior, pois ela aprendeu a se reconhecer nesta instituição, com um sistema de regras, normas e valores específicos, que são parte constituinte da sua subjetividade. É importante respeitar o tempo que ambos os lados, criança e família, levarão para responder às diversas questões que poderão emergir nesse encontro. [...] O candidato deve ser o mais sincero possível ao explicitar suas expectativas e motivações em relação à criança/adolescente que venha a adotar e quanto a suas restrições. Isto possibilitará que os profissionais da Vara busquem encontrar um melhor arranjo possível, evitando desentrosamentos entre crianças/adolescentes e seus futuros pais. Se o pretendente não aceitar adotar nenhuma das crianças ou adolescentes que estão disponíveis para adoção, poderá optar por aguardar até que apareça uma que melhor corresponda às suas expectativas e motivações .

A cronologia desta fila deve ser obedecida, porém é fato hoje se deparar com situações de exceções, relevando as circunstancias e necessidades, como a brecha da legislação destacada por Dantas (2010, p. 1): ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PEDIDO DE GUARDA PROVISÓRIA. PRETENSÃO DE REGULARIZAR. CONDUTA MORAL IRREPREENSÍVEL. PROVIMENTO. Adoção. Cadastro de adotantes. Inobservância. Interesse do menor. Não se deve afastar uma criança do convívio, ainda que provisório, de uma família que a acolhe, supre suas necessidades e tem a intenção de adotá-la, sob o argumento de inobservância cadastral de pretendentes à adoção, a não ser que se comprove de plano a inabilitação moral daquela família. (TJRO; AI 100.005.2009.002289-6; Rel. Des. Moreira Chagas; DJERO 29/07/2009; Pág. 43). APELAÇÃO CÍVEL. ECA. PEDIDO DE ADOÇÃO. REQUERENTES NÃO HABILITADOS. ADOÇÃO DIRIGIDA. IMPOSSIBILIDADE. Inexiste cerceamento de defesa quando os requerentes, devidamente intimados acerca da audiência aprazada para oitiva dos genitores do menor, nada requereram. O desatendimento à ordem da lista de espera para adoção somente é admissível em casos excepcionais, em que evidenciada ampla e duradoura relação de afetividade entre o menor e o pretenso adotante, situação não retratada nos autos. Caso em que os genitores, quando da realização de estudo social, manifestaram interesse em receber de volta o filho, apresentando condições favoráveis para tanto. Recomendação de instauração de medida de proteção, com acompanhamento psicológico da família, a fim de evitar que entreguem, novamente, o filho a terceiros. REJEITARAM A PRELIMINAR E DESPROVERAM A APELAÇÃO. (TJRS; AC 70024893885; Caxias do Sul; Sétima Câmara Cível; Rel. Des. André Luiz Planella Villarinho; Julg. 11/03/2009; DOERS 23/03/2009; Pág. 41) (Publicado no DVD Magister nº 26 - Repositório Autorizado do TST nº 31/2007).

Não considera que a adoção seja realizada com a ausência dos moldes impostos pela justiça, mas, acredita-se que cabe ao magistrado, perante as evidências e provas produzidas, verificar as particularidades da adoção, levando em consideração o fato dos pais e das famílias


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estarem atendendo os interesses superiores dos sujeitos a serem adotados; ou seja – observando no caso a contextualização em que serão inseridos, ou por muitas vezes, mantidos – considerando que muitas famílias sócio-afetivas, mesmo fora da fila de adoção, lutam pelo procedimento de manter em seu núcleo – legalmente – os filhos por elas já considerados. Para tanto, acredita-se nesse direito. Situação real, por mim vista há poucos dias, é de uma senhora que cuida de uma menina, como se sua filha fosse, há mais de 6 (seis) anos, e não tem a guarda legal, mas, tão somente, a posse ou a guarda de fato da criança. Se esta senhora pretender a adoção da criança, ela não terá direito, vez que não consta do cadastro e não tem a guarda legal. A menina deve ser abrigada? Não podemos fugir da realidade brasileira, e, assim, devemos aplicar a lei, de modo que o princípio da proteção integral seja prestigiado, e, não, sufocado por redação legal insensata (CARTA FORENSE, 2010, p.1).

Entende-se que não é pelo simples fato dos pais pretensos à adoção que o poder judiciário deva aplicar concessão, porém, do mesmo modo entende-se que cabe ao mesmo a competência em ponderação de que a adoção pretendida se faz melhor opção e condição para sobrevivência do adotado, como na apelação cível na seqüência: APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO DE MENOR. ART. 50 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HABILITAÇÃO E INSCRIÇÃO NO CADASTRO JUDICIAL. RELATIVIZAÇÃO DA NORMA.Nos termos do artigo 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a medida de colocação em família substituta, através da ADOÇÃO, deve ser precedida da necessária habilitação e inscrição do interessado no CADASTRO do Juízo. Havendo, contudo, circunstâncias no caso concreto que justifiquem a mitigação do preceito legal, deve ser processada a ação de ADOÇÃO, ainda que ausente o prévio cadastramento.Recurso conhecido e provido (MPSP, 2011).

Em síntese tem-se ciência sobre as regras de que a adoção se submete – obediência da fila no cadastro de adoção – porém, acredita-se no poder da justiça em praticar de maneira legal a proteção integral dos menores, que muitas vezes já estão de posse de pais e mães, que não estão cadastrados, mas exercem, verdadeiramente e de fato, o dever do poder familiar. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Verificou-se que, assim como a sociedade, o conceito de família sofreu muitas mudanças, podendo a instituição familiar ser construída, sobretudo, pelo afeto; dentro da modernidade a família visa valorizar seu lado social, onde sua construção se dá mediante trocas de sentimentos entre partes interessadas em conviver – aqui no caso, filhos adotados de fato e pais adotivos. Sendo assim, constatou-se que a filiação sócio-afetiva caracteriza-se pela


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convivência no afeto e principalmente no respeito dos demais direitos que circundam qualquer ordem familiar. Contudo a definição de paternidade vai além da pessoa que gera vínculo genético e passa a configurar para a pessoa que exerce as funções de paternidade cujo interesse se desperta ao melhor atendimento a criança ou ao adolescente. A família sócio-afetiva se firma então, pela relação consolidada, tendo a criança em relação ao seu pai e o pai em relação ao tratamento dispensado ao filho, reconhecendo-o como família em sociedade, pelo seu vinculo de filiação dispensada ao mesmo. E, é nesta relação paterno-filiar que se encontra o reconhecimento do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana dispensado, segundo muitos doutrinadores. Dentre muitas mudanças, notáveis foram as ocorridas no contexto do direito de família, onde seu principal objetivo passa a ser a integração das pessoas no meio social, provendo igualdade entre filhos, inclusive dos filhos de fato – providos de origem da relação afetiva. Porém, viu-se que o único meio de regularização desta relação seria por intermédio de requerimento legal para reconhecimento da mesma a ser concedido pela legislação, onde os filhos de fato passassem a constituir-se filhos legalmente adotados pelas famílias sócioafetivas na qual se encontravam inseridos. Alguns requisitos para o procedimento de adoção são ponderados pela legislação, onde o fundamento maior implica-se no princípio de proteção que visa à segurança e o bem estar da criança ou do adolescente. Mesmo que o procedimento de cadastro seja simples, é considerado como prévio no processo de adoção, mediante investigação dos interessados, atribuindo-os a aptidão ou não para tanto. Assim como também, constatou-se a possibilidade de brechas na lei, quando da necessidade de satisfizer os interessados de uma família-afetiva – pais, crianças ou adolescentes – para que a adoção de fato torne-se legalmente reconhecida, mesmo que para tanto, fique incumbido ao legislador a avaliação do vinculo já estabelecido entre as partes e que se constitua tal recurso, sendo suficiente para a ocorrência do processo de adoção, mesmo não estando sendo estabelecido pela obediência cronológica da fila de cadastro, ou ao menos estarem inseridos nela. Mediante todas as considerações, particularmente satisfaz-se com o resultado da pesquisa, onde se constatou que sendo a adoção uma medida para satisfazer, em primeiro lugar os interesses da criança ou do adolescente, reconhece-se na possibilidade do direito da família sócio-afetiva em adotar, a manutenção de condições dignas de desenvolvimento para que seus filhos de fato, possam legalmente, se tornar futuros adultos familiarmente estruturados.


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REFERENCIAS AMB. Associação dos Magistrados Brasileiros. Adoção passo a passo. 2009. Disponível em: <http://www.amb.com.br/mudeumdestino/docs/Manual%20de%20adocao.pdf> Acesso 07 set. 2014. APELAÇÃO CIVEL. Apelação Cível. 2009. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/infancia/jurisp/idt260.htm> Acesso: 07 set. 2014. CARTA FORENSE. A Adoção sob o enfoque da Lei nº 12.010/09. 2010. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/Materia.aspx?id=5202> Acesso: 10 set. 2014. DANTAS, Danilo Sérgio Moreira Dantas. A nova lei nacional de adoção (Lei 12.010, de 29 de julho de 2009) e as novas diretrizes para a adoção no Brasil, à convivência familiar e garantias dos adotandos. JurisWay. 2010. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3282> Acesso: 11 set. 2014. FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003. JORNAL DO BRASIL. CNJ divulga novos números de crianças e adolescentes prontos para adoção. 2 Set, 2011. Disponível em: <http://www.adocaobrasil.com.br/> Acesso: 2 set. 2014. LÔBO NETTO, Paulo Luiz. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre, n.19, p. 134156, ago./set. 2003. MAIDANA, Jédison Daltrozo. O fenômeno da paternidade socioafetiva: a filiação e a revolução da genética. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v. 6, n. 24, Jun/jul., 2004. MPSP. Ministério Público do Estado de São Paulo. Cadastro Adoção. 2011. Disponível em: <http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/infanciahome_c/adocao/Jurisprudencia_adocao/ cadastro_adocao> Acesso: 10 set. 2014. PEREIRA, Suzana Paula de Oliveira. Adoção de fato e a possibilidade de seu reconhecimento póstumo. 2008. Disponível em: <www.esmarn.org.br/revistas/index.php/revista_direito_e.../178> Acesso: 12 set. 2014. RAMOS FILHA, Ijaci Gomes da Silva. Paternidade sócio-afetiva e a impossibilidade de sua desconstituição posterior. 2008. Disponível em: <www.ceap.br/tcc/TCC12122008111148.pdf> Acesso: 07 set. 2014. VICENTE, José Carlos. Adoção - O que é a adoção, seus efeitos e formas para se adotar. 2008. Disponível em: <http://www.pailegal.net/ser-pai/503> Acesso: 02 set. 2014.


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