ORGANIZAÇÃO E GARANTIAS SINDICAIS
Ellen Mara Ferraz Hazan – Diretora 1ª Secretária da Caixa de Assistência dos Advogados de Minas Gerais, Nova CAA Gestão 2013/2015.
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AUDIÊNCIA PÚBLICA REALIZADA PELO TRABALHO EM 25 DE NOVEMBRO DE 2013.
TRIBUNAL
SUPERIOR
DO
ORGANIZAÇÃO E GARANTIAS SINDICAIS.
Painel: PERSPECTIVAS DAS ORGANIZAÇÕES SINDICAIS EM FACE DAS MUDANÇAS DO MODO DE PRODUÇÃO. Ellen Mara Ferraz Hazan. Introdução. Se me fosse permitido simplesmente responder ao questionamento posto sobre quais são as perspectivas das organizações sindicais frente às mudanças implantadas pelo capital liberal, eu diria: depende. Depende de que? Depende de quem? É o pretendo analisar em quatro hipóteses. Antes, porém, necessito partir de algumas constatações: 1.- Não há como negar que o sistema capitalista que vive, propositalmente, das crises que lhe são inerentes, altera, ciclicamente, sua maneira de acumular lucro e, para tanto, coloca em crise os postulados do paradigma de acumulação anterior. Como afirma Orlando Teixeira da Costa as crises do sistema capitalista são de subsistência do próprio sistema. (1991 LTr pag. 34 – Direito Coletivo do Trabalho e Crise Econômica). Sem crise, sem corrupção, sem controlar o Estado, a sociedade e os Governos, sem sua ingerência nos entendimentos jurisprudenciais, sem alterar o direito social, o sistema capitalista não se beneficia das crises. 2.- É exatamente em razão dessa falta de ética do capital que surgiu o direito do trabalho. Sua destinação é a de funcionar com regras jurídicas de natureza tutelar e compensatória, para manutenção do sistema capitalista dentro, tanto quanto possível, do escopo moral que o informa. Esse preceito ético, fundamental, acabou por estabelecer o princípio da melhoria das condições de vida do trabalhador, reconhecendo-o como parte de uma determinada classe que está em uma posição extremamente desvantajosa frente ao poder coletivo do capital.
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Foi em razão dessa ética que se estabeleceu que o trabalho humano é vinculado à dignidade, sendo vedada sua transformação em mercadoria (art. 247 do Tratado de Versalhes). 3.- O princípio da proteção, pensado em razão da força do capital frente a fragilidade do trabalho e, da necessidade de se manter vigente o sistema capitalista, evitando o socialismo, trouxe ao direito do trabalho técnicas para viabilizar, além de mecanismos de controle ético e moral na relação entre capital e trabalho, uma política de conservação do sistema capitalista. Essas técnicas, resumidamente, são: - a intervenção do Estado através de normas legais que garantam direitos básicos aos trabalhadores que estão sendo explorados pelo capital na relação de trabalho, com a finalidade de melhorar as condições de vida e de trabalho da classe trabalhadora; - a negociação coletiva, onde o capital e o trabalho, através de seus organismos coletivos livres, autônomos e equivalentes em força, podem resolver alguns de seus conflitos imediatos, construindo normas jurídicas; - a autotutela, que dá aos trabalhadores o direito de greve, sem restrições, na defesa de seus interesses frente às empresas e o Estado. Sem a realização conjunta dessas três técnicas e, todas elas com seu suporte integral, o princípio não tem força sequer para a realização do que chamamos de direitos individuais, o que se dirá, então, dos coletivos? 4.- Pois bem, o modelo capitalista atual que se declara global e hegemônico economicamente coloca-se em crise e, justificando a não continuidade da paz no planeta sem que ele seja protegido, inverte a lógica do direito do trabalho, atacando seus princípios e as organizações coletivas dos trabalhadores, declarando que a única maneira de se proteger o trabalhador é protegendo o capital. Esse discurso, falacioso, tão bem repetido pela mídia, acabou por convencer pensadores, juristas, trabalhadores e várias de suas organizações que acabaram cedendo ao discurso do capital. As consequências dessa adesão ao pensamento econômico liberal por aqueles que deveriam defender os direitos sociais, colocou em crise o direito do trabalho, sua ética e seu moral trazendo para nós, hoje, a dimensão que atingiu a teoria da flexibilização dos direitos humanos e sociais da classe que vive do trabalho: O trabalho humano está desprotegido e sendo transformado em mercadoria.
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5.- Uma das primeiras mudanças realizadas pelo modelo liberal capitalista de acumulação, com o discurso de estar em crise, foi a implantação do processo flexível de produção. Tal processo trouxe: - a multifuncionalidade do trabalhador; - a inconstância no trabalho; - a intensificação do ritmo de produção; - o desemprego estrutural; - o medo e; - o envolvimento ideológico do trabalhador e de membros do judiciário trabalhista, com os objetivos do capital. O discurso passou a ser: “quanto melhor estiver a empresa, melhor estará o seu colaborador”. Ledo engano! 6.- Em seguida ou na sequencia, veio à política de fragmentação da classe trabalhadora, manifestada principalmente nas terceirizações, quarteirizações onde se estabeleceu, com o aval dos Tribunais, além da lógica de que o trabalho humano é mera mercadoria, uma disputa individual no seio da classe trabalhadora em total abandono da solidariedade de classe. Destaca-se que o próprio poder público, inclusive os Tribunais, passaram a se utilizar de trabalhadores terceirizados! É obvio que essa disputa ideológica pela consciência do trabalhador e dos operadores do direito, teve implicações diretas na vida coletiva da classe trabalhadora, na organização sindical e na construção da jurisprudência dos tribunais trabalhistas. Quer me parecer que os sindicatos quase não perceberam essa disputa ideológica e, além de não aprimorarem o seu funcionamento e a sua comunicação com os trabalhadores de sua base, continuaram a, além e perder força organizativa, aderirem a instrumentos poderosos que visam, exclusivamente, ajudar as empresas nessa disputa ideológica, como: - a negociação da Participação dos Trabalhadores nos Lucros e Resultados da empresa para o aumento da produtividade e redução de postos de trabalho através das metas;
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- do sistema de compensação de jornada (banco de horas), onde a jornada constitucional máxima de 44 horas passou a ser desconsiderada e substituída por uma de até 60 horas por semana; - o Acordo Coletivo Especial que visa estabelecer que o negociado deve prevalecer sobre o legislado, em suma, na negociação coletiva para a flexibilização dos direitos sociais. “ Ante essa realidade, procura-se subordinar a evolução do direito do trabalho a novos propósitos, revertendo a sua intenção inicial, de modo a que se venha a desenvolver, também, uma proteção para com os empregadores ou empresários, à semelhança da tutela que se dispensou e se dispensa, ainda hoje, aos trabalhadores. Trata-se de uma motivação objetiva, para justificar, ideologicamente, aquilo que se convencionou chamar de “flexibilidade laboral”. (Autor e Ob cit. Pag. 36). 7.- A consequência de tudo isso foi que, com a descaracterização dos movimentos sociais e sindicais como áreas de resistência e controle ao poder econômico, o capital se viu tranquilo para estabelecer um grande e global método de ofensiva para a flexibilização e desregulamentação dos direitos sociais. Nesse método, os sindicatos foram integrados como parceiros das empresas, em abandono ao seu papel histórico de se contrapor ao capital através da explicitação dos conflitos. Não posso negar que no Brasil o capital vem conseguindo, inclusive, ganhar grandes lideranças e centrais sindicais, para implantação do seu modelo. Os exemplos diários de tal cooptação estão ai para serem vistos e sentidos. A crise é tão ampla que muitos já proclamam a não mais necessidade da existência dos sindicatos para a defesa da classe trabalhadora, argumentando que esses podem ser substituídos por ONG’s (Organizações Não governamentais) ou pelo Ministério Público do Trabalho. Sabemos que isso não é verdade e temos que combater tal discurso antes que alguns doutos nele passem a acreditar. 8.- Para o direito do trabalho a crise se agudizou e muitos já ou não o aplicam, optando pela aplicação das previsões civis vinculadas as relações de trabalho, ou defendem a sua não vigência, na medida em que o trabalho humano, sem sombra de dúvidas, foi transformado em mercadoria, em coisa, com o aval, inclusive, dos operadores do direito e dos poderes constituídos como se constata da permissibilidade dada ao capital, pela Súmula 331 do TST que trata da terceirização, ou do Projeto de Lei 4330 em tramitação. E tudo isso contra a Carta Constitucional
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Brasileira e o art. 427 do Tratado de Versalhes que afirma, repetimos: “o trabalho não deve ser considerado simplesmente como uma mercadoria”. Os sindicatos profissionais e o direito do trabalho brasileiro ficaram comprometidos, quase que de maneira irremediável à lógica do capital e isso, não pelo direito em si, mas pela crise interpretativa que alcançaram os nossos sindicatos e nossos Tribunais Trabalhistas que passaram, na lógica do discurso do capital (proteger a empresa para, supostamente, proteger o emprego) a: - dar licitude aos processos de terceirização, onde a mão-de-obra é que passa a ser o produto de venda do capital, o que transforma o trabalho humano em mera mercadoria e desvincula o capital do trabalho. - não reconhecer legitimidade ordinária para os sindicatos profissionais na defesa dos interesses daqueles que representa (Enunciado 310); - criminalizar os movimentos sociais e sindicais como greves, operações tartarugas, operações de zelo e todos os tipos de mobilizações, típicas ou atípicas; - dar a greve um status de direito possessório e não de direito fundamental, acatando interditos proibitórios que afastam a organização coletiva do local de trabalho; - interpretar os direitos sociais e fundamentais que estão na Carta de 1988 com a lógica do paradigma anteriormente adotado (corporativo), deixando de dar vigência a vários direitos sociais como a proteção contra dispensa arbitrária; a liberdade e a autonomia sindical, a dignidade humana; o valor social do capital e do trabalho; a erradicação da pobreza; o conceito de organização sindical frente ao princípio da unicidade sindical, a garantia de emprego dos dirigentes sindicais e tantos outros. - empregar a negociação coletiva forçada e obrigatória como meio de obter a derrogação de conquistas anteriormente obtidas, sob o discurso de que os sindicatos adquiriram a maioridade; - afirmar a prevalência da autonomia privada coletiva sem reconhecer aos sindicatos a liberdade e a autonomia sindical real, esvaziando o conteúdo material de suporte à ação sindical, equiparando-a a ideia privada de liberdade contratual; - negar, em suas interpretações, que a Carta de 1988 encerrou o capítulo histórico onde se afastava os sindicatos da concretização dos conflitos laborais; - dar poder ao capital nas negociações coletivas sem conceder qualquer poder ou liberdade às organizações sindicais e, proclamando a maioridade
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destas afastar o poder judiciário da solução dos conflitos ou dissídios coletivos; 9.Os exemplos são muitos e não necessitam, acredito, serem aqui explicitados, mas a conclusão que podemos ter é única: - somos também responsáveis pelo desmantelamento da única força coletiva capaz de conter a falta de ética do capital na exploração do trabalho: os sindicatos. Então, enfim quais são as perspectivas da organização sindical frente a todas as consequências que o modo de acumulação capitalista atual está impondo? Como já destacado, depende! Primeira hipótese: Se continuarmos como estamos, (operadores do direito, dirigentes sindicais, Justiça do Trabalho, Ministério do Trabalho..) negando efetividade à Carta de 1988 através de interpretações que atendam ao capital tanto na esfera individual quanto coletiva, as organizações sindicais não vão se extinguir, especialmente no seu papel de ocupação de espaços políticos institucionais, mas se prestarão à aplicação do modelo capitalista liberal, o que levará à crise derradeira do direito do trabalho e do direito ao trabalho. Acredito que essa não seja a melhor hipótese! Segunda Hipótese: Podemos pensar que os sindicatos devem se adaptar ao novo modelo de acumulação capitalista que não é o modelo autorizado pela nossa Carta de 1988, mas é o que o capital quer. Isso significar aplicar a máxima do direito privado de que “ o direito deve correr atrás do fato? Ocorre que, quando estamos tratando de direitos fundamentais, de direitos humanos e sociais, é o fato que deve se subordinar ao Direito e não o contrário!!! Até agora o que a maioria dos atores sociais e operadores do direito tem feito, é aceitar como inevitável o novo modelo capitalista de acumulação e tentar a ele se adaptar negando, inclusive, efetividade à Carta de 1988. Esse tem sido o começo do fim do direito do trabalho. Negar a contradição entre a vontade do capital e a Constituição que juramos cumprir, deixando prevalecer a vontade do capital sobre a Carta, negando os valores constitucionais através de interpretações que interessam ao modelo capitalista liberal é o termo final desse direito que deve ser o direito “singular inoportuno” para o capital, e não para os trabalhadores.
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Isso não é nada bom para a nossa sociedade. Os sindicatos não vão acabar, nesta hipótese, pelo menos até que o direito do trabalho se transforme em direito civil de forma definitiva e os sindicatos em associações civis, mas deixarão de cumprir o papel histórico e necessário para a sociedade e para o direito (poder social da classe trabalhadora organizada de forma livre e autônoma para se contrapor à falta de ética que é natural no capitalismo). Também não acredito que essa seja a melhor hipótese. Terceira hipótese: Voltar ao estado inicial de tudo. Deixar tudo se estraçalhar até que, com um saldo enorme de assassinatos, revoluções e guerras cheguemos à conclusão que a sociedade necessita de uma nova “rerum novarum” para que possa manter vigente o sistema capitalista. É a tática do quanto pior, melhor! Nessa hipótese, a trajetória histórica aponta para muitas dificuldades inclusive para a justiça do trabalho, que se transformará em árbitro vinculado ao poder executivo no exercício de repressão policialesca. Realmente essa também não se apresenta como a melhor hipótese. Quarta hipótese. Perguntar o que podemos fazer! Que tal: - Acreditar que a crise do direito do trabalho tem seu viés teórico em razão da nossa prisão a esquemas explicativos que já demonstraram não darem conta dos novos desafios e demandas impostos pela crise sistêmica do capital e passar a cumprir a Carta de 1988? - Fazer uma reflexão sobre nossas ações de até agora, na interpretação e na aplicação das normas em favor do sistema capitalista, assumindo nossa parcela de responsabilidade pela incapacidade de dar efetividade aos direitos fundamentais, que o nosso entendimento sobre o sistema jurídico levou? - Reconhecer que os sindicatos profissionais não são uma ameaça para o sistema capitalista nem a representação do sistema socialista e que é, através do poder social de classe que representam nas explicitações de conflitos, nas greves, nas ocupações e nos movimentos de rua que será possível conter a gula do capital e a destruição do direito do trabalho?
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- Enfrentar a crise da razão jurídica e reconhecer o papel social do jurista laboral na defesa do direito e de uma sociedade menos injusta? - Abandonar nosso conformismo para estabelecer um processo de criação, sabedores que somos que o direito é um sistema artificial que nos dá amplo espaço de construção e criação para a efetivação de um sistema de garantias para a tutela dos direitos fundamentais, como nos ensina SILVA, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da – LTr São Paulo, 2008 pag. 39? - Aceitar o garantismo jurídico, atuando civicamente no sentido de superar as debilidades teóricas que dificultam a efetividade dos direitos fundamentais? Enfim: - Darmos vigência e efetividade, imediatas aos direitos sociais. Acredito que basta a afirmação do Poder Judiciário Trabalhista da eficácia imediata dos direitos fundamentais e sua incidência direta e imediata nas relações coletivas e individuais do trabalho para barramos à logica perversa do capital contra o direito do trabalho. Creio ser essa a única hipótese que poderá conter a falta de ética do capital, mantendo-o em seu viés social, se é que o capital o possui! Nesta hipótese, as organizações sindicais irão recompor-se (mesmo que isso demande algum tempo) como força que controla a exploração feita pelo capital. Mas isso só ocorrerá na medida que passarmos a compreender a configuração das organizações coletivas e forças sociais em disputa, dando-lhe recursos de poder efetivo e não só vinculado a autonomia coletiva para a negociação coletiva. Como exemplos desta hermenêutica cívica que certamente colocará freios e limite a atuação do poder econômico podemos citar: - o reconhecimento da eficácia e vigência do inciso I do art. 7º. Com a proteção contra a dispensa arbitrária, os trabalhadores terão liberdade para se organizarem, até mesmo contra os sindicatos que hoje não defendem seus interesses. E que me desculpem aqueles que entendem pela necessidade de lei complementar para dar vigência a esse preceito fundamental. A melhoria das condições de vida dos trabalhadores, a efetivação da dignidade humana do valor social do trabalho e da erradicação da pobreza, não necessita de lei complementar. A lei complementar prevista para o referido inciso I do art. 7º da CR/88, diz respeito exclusivamente ao valor da indenização e não à proteção contra dispensa arbitrária.
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Afinal uma Constituição que adota o Estado Democrático de Direito não pode e não quer conviver com qualquer tipo de arbitrariedade. - o reconhecimento da garantia de emprego provisória a todos os trabalhadores eleitos pelas suas organizações sindicais, nos termos do art. 8º inciso VIII do artigo 8º da CR/88 e art. 543 da CLT, abandonando a interpretação que se tem dado ao art. 522 da CLT que não se coaduna com o novo paradigma da Carta de 1988; - a reconstrução do conceito até agora adotado de autonomia coletiva e da liberdade sindical dentro de uma concepção procedimental e sistêmica da Constituição Brasileira e da Constituição da OIT (que o Brasil é obrigado a obedecer). Nesse sentido, dar vigência plena ao art. 8º da CR/88 será reconhecer: - Que a liberdade e a autonomia sindical, dentro dos critérios das normas internacionais as quais o Brasil se obriga e da Carta de 1988 não alcançam a limitação até então adotada. Na verdade o princípio da unicidade sindical diz respeito ao modelo de organização sindical (sistema confederativo) não sendo possível outro modelo de organização, como as centrais sindicais. Tanto é certo que o princípio da unicidade não tem sido aplicado para as federações e confederações, mas somente para os sindicatos, por interpretação jurisprudencial; - que a liberdade sindical é um direito fundamental de complexidade constatada que exige um conjunto de bens a serem protegidos com a finalidade de assegurar a configuração correta da autonomia coletiva para a redução do desequilíbrio de poder nas relações coletivas de trabalho. Que essa liberdade é derivada do princípio da justiça social e da democracia. - que a autonomia coletiva não é sinônimo de baderna e de revolução, mas conforma-se na conflituosidade das relações de tralho, na autolegislação e na autotutela para reduzir o poder do capital; - que a mesma liberdade dada às empresas pela legislação civil deve ser dada aos sindicatos, deixando de adotar o critério de registro e controle dos sindicatos, federações e confederações, pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Os sindicatos passam a ser exclusivamente pessoas jurídicas e sindicais de direito privado, com seus registros nos cartórios
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respectivos, como determina a Carta de 1988 em seu art. 8º caput e incisos I e II. - compreender que o ordenamento jurídico é dado como um recurso normativo à disposição dos sujeitos coletivos, razão pela qual os usos sociais do direito são maiores que o mero cumprimento desta ou daquela norma infra-constitucional, como a Lei 7783/89 que trata o direito de greve em contraposição ao tratamento dado a ele pelo art. 9º da CR/88; - reconhecer que os sindicatos possuem legitimação para representarem, assistirem e substituírem os trabalhadores nos conflitos individuais e coletivos decorrentes da relação de trabalho; - realizar uma revisão no conceito de categoria, aplicando a ela a previsão do parágrafo 4º do art. 511 da CLT, para que não sejam organizados em sindicatos somente aqueles que possuem emprego formal, mas também os desempregados, os terceiros, quartos e quintos, os ilegalmente contratados chamados de informais; - constatar que a negociação coletiva, como autêntica prerrogativa constitucional somente vai assumir seu papel quando houver ambiente formado de liberdade, de autonomia, e de direito pleno de greve. - reconhecer que a liberdade de associação individual somente se realiza na medida em que os trabalhadores puderem escolher não só filiar-se ou não àquele sindicato (reconhecido pelo MTbE), mas a qualquer um que efetivamente defenda seus interesses de classe. - estabelecer que se aplica a norma contida no art. 11 da CR/88, as garantias do inciso VIII do art.8º, vez que os trabalhadores além de eleitos são representantes dos trabalhadores; Por óbvio que as sugestões aqui não se esgotam. A linha cívica e constitucional que entendo deve ser seguida para que o caos não se instale de forma definitiva nas relações coletivas, é essa. Quanto às organizações sindicais, a mesma hermenêutica deve ser aplicada e reafirmada para que estes façam mudanças, inclusive estruturais. Quais seriam as mudanças necessárias? Cito algumas. - A primeira e mais importante mudança que necessita ser feita não passa pela adaptação da organização sindical aos novos modos de produzir, mas a de resistir ao processo de integração política dos sindicatos à parceria com as empresas e o governo.
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- Os sindicatos devem mudar para deixarem de ser uma extensão do departamento de recursos humanos das empresas e o braço opressor dos movimentos sociais a serviço dos interesses dos Governos comandados pelo capital. - A estrutura da organização sindical em sindicatos, federações e confederações pode ser mantida, porém o poder de decisão deve ser das organizações existentes a partir do local de trabalho e não das cúpulas burocratas das entidades, muito menos das Centrais Sindicais. - A diretoria dos sindicatos deve ter um número proporcional à sua base de representação, seguindo o limite legal de 24 por município, com mandatos de no máximo 4 anos e revogáveis. Todas as deliberações da entidade devem ser realizadas pela base composta pelos representantes dos trabalhadores nos locais de trabalho, retirando o poder do dirigente de achar que é o dono do sindicato; - A contribuição sindical prevista em lei, para ser recebida por qualquer entidade, deve ser aprovada em Assembleia Geral não podendo ser acumulada com a taxa negocial. Para tanto, basta alteração da lei ordinária, como já o fizeram para conceder uma fatia desse imposto às centrais sindicais brasileiras e a alteração do entendimento jurisprudencial sobre a taxa assistencial. Afinal, se os instrumentos coletivos se aplicam a sócios e não sócios das entidades sindicais, não é justo que os não associados beneficiados deixam de contribuir para as despesas gastas nas campanhas reivindicatórias.
Conclusão: Como se percebe a primeira, segunda e terceira hipóteses dão às organizações sindicais a perspectiva de se renderem ao capital e se dissolverem no ar... Se o objetivo é esse, basta que se deixe tudo como está: os sindicatos ligados aos governos e aos patrões e o judiciário trabalhista negando efetividade aos direitos humanos e sociais dos trabalhadores. Certamente essas hipóteses exigem menores esforços de cada individuo envolvido com o mundo do trabalho, mas suas consequências serão sentidas e ressentidas, tenho certeza!
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A quarta hipótese se apresenta como viável e melhor para o presente momento, caso a vontade seja que o direito do trabalho sobreviva para, juntamente com os atores sociais e suas organizações, estabeleça-se a ética e a moral nas relações de trabalho. Interessante que nessa quarta hipótese o esforço é grande e envolve todos os atores que contribuem para a construção ou a destruição das organizações sindicais e do direito do trabalho no Brasil. Mas necessitamos desses esforços... Termino repetindo o que venho dizendo pelo mundo do direito: Certamente a paz universal conclamada pela OIT, que foi construída pelo sistema capitalista para responder aos movimentos sociais do início do século XX, tem que acabar. Não se defende aqui, ao contrario do que possa parecer, o fim do Direito do Trabalho enquanto instrumento de construção da paz social. Defende-se, aqui, um sistema de explicitação permanente do conflito entre capital e trabalho para a defesa, intransigente dos direitos mínimos conquistados pela classe que vive do trabalho, com reorganização dos movimentos sociais em prol da conscientização da sociedade de que a dignidade humana, em qualquer sistema, deve sobrepor aos interesses do capital e de que o conflito entre as classes, no sistema capitalista, é pressuposto para os direitos humanos e para a paz universal. Temos que sair do conformismo! Não adianta mais lutar para manter um ou outro direito, como tem se prestado a negociação coletiva. Temos que implantar uma negociação coletiva real, onde as partes, efetivamente, tenham equivalência de forças. Para tanto, temos que deixar de criminalizar os movimentos sociais e dar efetividade à Constituição de 1988. Restabelecendo a força da classe que vive do trabalho, unida no campo e na cidade, com reivindicações específicas de cada segmento e gerais, como moradia, educação, saneamento básico, segurança, saúde, impõe-se no presente momento para que possamos preservar o direito do trabalho e ao trabalho digno. A adaptação da classe que vive do trabalho e dos operadores do direito ao sistema capitalista tem que se rompida, e com urgência.
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Os sentimentos de classe e de solidariedade necessitam ser ressuscitados e, tal mister, somente vai ocorrer através dos movimentos sociais que, não há dúvidas, terá como vanguarda o movimento sindical e como parceiros, os mandamentos constitucionais efetivados por esse Poder Judiciário. Para respondermos a este desafio, necessário construirmos uma hipótese, passando pela análise da nossa realidade brasileira, sem mascarar ou fugir das constatações encontradas, sabedores que fazem parte das fontes materiais do Direito do Trabalho as lutas sociais, os movimentos sociais, as lutas ideológicas e filosóficas. Temos que libertar os sindicatos dos trabalhadores no Brasil, do papel teatral de figurantes na negociação coletiva, restabelecendo o seu papel de protagonistas e atores principais dos movimentos sociais, mesmo que em busca da humanização do capital e não da sua completa destruição. Temos que acreditar na força da classe que vive do trabalho. Eu acredito! Temos que acreditar, também, na hermenêutica cívica e sistêmica dos operadores do direito. Eu quero acreditar!!! Grata pela oportunidade.
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