Catálogo da exposição ELLAS

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Ellen Hazan Pinturas


Encontro Rosa Maria Unda Souki

O nosso encontro (o verdadeiro) se deu pela pintura. Ellen tinha chegado em Paris em maio de 2011 por ocasião de uma viagem à Europa, para proferir algumas conferências. Chegou à Cidade-Luz ávida por descobertas, e queria conhece-la pela nossa mão – a minha e a do Leo. Queria que lhe mostrássemos o que a gente considerava como mais precioso na cidade – o que fugia obviamente dos clichês mais conhecidos dos cartões postais. Fizemos vários passeios, e sobretudo caminhamos – e conversamos – muito. A cada esquina, eu descobria o ser humano extraordinário que estava tendo o privilegio de acompanhar. Levei-a, numa dessas andanças, para um pequeno museu que era, acima de tantos outros, o meu predileto: o Museu de l’Orangerie, de dimensões e formas discretas, que se ergue quase desapercebido ao final do Jardin de Tuilleries. Lembro que o meu primeiro professor de pintura tinha me falado daquele lugar, muito antes de nem sequer imaginar viver naquela cidade, e frequentemente se referia ao tal museu como «a ilha». Os dois salões elípticos que albergam oito das últimas obras criadas por Monet, as Nymphéas, se abriram em todo seu esplendor de 200m2 frente aos olhos estupefatos e lacrimejantes da Ellen, e, como geralmente acontece com todos os espectadores, ficamos em silêncio. Ellen observava as obras e eu observava as obras e a Ellen as observando. Acredito que, talvez naquele exato momento, Ellen compreendia a força da obra pictórica, e que aquilo tudo lhe remetia a sua própria mãe, que se dedicara à pintura durante a vida toda, de forma autodidata. Um ano depois, Ellen começava a desenhar de forma compulsiva e impulsiva. Leo e eu já havíamos retornado a Belo Horizonte com uma filha, cuja evolução Ellen tinha acompanhado amorosamente desde que se encontrava em meu ventre. Numa das tantas visitas que nos fez, Ellen me trouxe seus primeiros e numerosos desenhos e me pediu que eu lhe “ensinasse” a pintar. – Impossível, respondi. Não tenho a capacidade de ensinar ninguém a fazê-lo, mas posso te dar as ferramentas para que você descubra o mundo através da pintura e para que ela aflore na sua própria voz. Assim, durante 2012 e 2013, Ellen vinha, todas as quartas-feiras, para descobrir a sua própria voz na pintura e eu, por minha vez, fui descobrindo nela um traço que observa a vida, a humanidade, a dignidade, a dor, a esperança, o amor e a solidão. Ellen pinta uma flor, uma paisagem ou uma pessoa como se fossem parte de um mesmo conceito do mundo, o mesmo conceito com que ela exerce a delicada e árdua tarefa de defender o outro, se investindo em ambas, a pintura e a advocacia, com a mesma honestidade, integridade e altivez. Se eu tinha dito que podia ensiná-la a olhar o mundo através da pintura, ela por sua vez me ensina a olhar a pintura através dos olhos com que ela observa o mundo.

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ELLAS

- Ellen Hazan

ELLAS: as telas, as flores, as pessoas... Todas as palavras no feminino. É assim que eu sinto as emoções em cada uma das pinturas pelas quais me exponho. Eu pinto para me conhecer melhor, eu pinto para entender minhas sensações, eu pinto como mulher que sou. ELLAS me desnudam perante esse novo mundo das artes, que se abriu por sobre minha cabeça. Nasci e como todo nascituro, nua. Não venho expor técnica, perspectiva, volume... Exponho emoções comuns a todos os humanos: a raiva, a indignação, a sedução, a luxúria, o amor, o encanto, a generosidade, a maldade, a inveja, o ciúme, a beleza, o carinho, a nobreza, o deboche... Sou criança neste mundo, mas não sinto medo dele. Não sei para onde essa nova trajetória vai me levar. Também não estou preocupada com as críticas, nem com a ausência delas. O que me interessa é poder dialogar com o outro através da pintura, e que as minhas telas possam despertar o interesse e a sensibilidade de quem as contemple. O certo é que cada flor, cada paisagem, cada mulher, cada criança, cada ser pintado passou a fazer parte da minha vida. Vários foram os: “olá!”, os “boa noite!” e os “ei querida!” que utilizei para todos aqueles que surgiram das minhas telas brancas, como que por mágica. Então, apresento a você ELLAS, amigas, amigos, paisagens e flores que surgiram para me acompanhar e embalar sonhos.

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Paisagens


Sem tĂ­tulo 42x29,7cm Aquarela sobre papel 2012

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Sem tĂ­tulo 42x29,7cm Aquarela sobre papel 2012

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Sem título 29,7x21cm Aquarela sobre papel 2012

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Sábados 46x33 cm Acrílico sobre tela 2013

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Névoa 40x40 cm Acrílico sobre tela 2013

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Monet 40x40cm Acrílico sobre tela 2013

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Cerejeiras 24x30 cm Ă“leo sobre tala 2013

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Paz 40x30 cm AcrĂ­lico sobre tela 2013

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Naturezas


Sem tĂ­tulo 24x32cm Aquarela sobre papel 2013

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Sem tĂ­tulo 24x32cm Aquarela sobre papel 2013

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Sem tĂ­tulo 24x32cm Aquarela sobre papel 2013

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Sem tĂ­tulo 24x32cm Aquarela sobre papel 2013

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Sem tĂ­tulo 32x24cm Aquarela sobre papel 2013

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Sem tĂ­tulo 32x24cm Aquarela sobre papel 2013

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Praga 30x50 cm Acrílico sobre tela 2013

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Maio 20x40 cm Acrílico sobre tela 2013

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Iris 20x40cm Acrílico sobre tela 2013

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Jade 20x40cm Óleo sobre tela 2013

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Duplo (Díptico) 20x40cm cada peça Acrílico sobre tela 2013

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Demosthenes 25x20cm Acrílico sobre tela 2013

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Jardim (Tríptico) Uma peça de 40x30cm e duas peças de 15x15cm Óleo sobre tela 2013

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Retratos


Mama 40x60 cm Ă“leo sobre tela 2013

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Ella 30x30 cm Ă“leo sobre tela 2013

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Azul 40x60 cm Ă“leo sobre tela 2014

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Natureza viva 30x40cm Ă“leo sobre tela 2014

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Iara ø 40 cm Óleo sobre tela 2014

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Abraço 30x40 cm Óleo sobre tela 2014

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Ele ø 40 cm Óleo sobre tela 2014

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Mel

ø 50 cm Óleo sobre tela 2014

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Avó 50x70 cm Óleo sobre tela 2013

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Pilão 60x80 cm Óleo sobre tela 2014

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Laranjinha 70x60 cm Óleo sobre tela 2014

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Vida 40x60 cm Óleo sobre tela 2014

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Rainha 50x60 cm Óleo sobre tela 2014

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Noite 70x60 cm Acrílico sobre tela 2014

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Alma 30x30 cm Ă“leo sobre tela 2014

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Sobre

Ellen Mara Ferraz Hazan

na arte que me propus: o exercício do direito como ministério em favor daqueles que acredito. A vida seguiu seu curso e pudemos melhorar nossa vida e a de nossos pais. Eu e meu filho, Bruno, ficamos juntos e nos tornamos bons amigos. Seu pai foi embora em 1984, viver a vida dele. Bruno ia completar dois anos de idade. Eu ainda engatinhava na profissão. As dificuldades e a tristeza foram muitas, para todos nós, eu acho! A militância em favor da classe trabalhadora me transforma no que sou! Eu quase me esqueci daquela menina que queria saber desenhar. Eu praticava alguns desenhos e montagens, somente por ocasião dos aniversários do Bruno. Isso me alegrava muito e me ocupava as madrugadas dos meses de janeiro a março, criando personagens e desenhos para a festa. Fiz isto até o sétimo aniversário do Bruno. E assim seguimos. Minha mãe retornou às suas telas e produziu, produziu e produziu... Todas as suas pinturas foram por ela presenteadas a amigos e filhos. Ela nunca expôs, sob o argumento de não saber pintar. Suas obras são lindas e perfeitas. Além das telas, ela pintava porcelanas e todos nós fomos beneficiados com peças maravilhosas. Meu pai nunca mais usou sua serra tico-tico.

Não me formei em Belas-Artes. As artes belas me formaram. Nasci na cidade de Varginha-MG no ano de 1956. Sou a quarta da prole de meus pais e estes, durante um período mais do que difícil, fizeram uma parceria: ele recortava objetos de madeira, ela os pintava. Eu amava a parceria e os frutos dela. No ano de 1964, a vida dita-dura nos trouxe para Belo Horizonte. Eu estava com 8 anos de idade. Meu pai era metalúrgico e minha mãe professora do Estado. O bairro Barro Preto nos abrigou em um barracão de quatro cômodos. Erámos seis pessoas que recebiam, constantemente, para dividir o pão, os cômodos e o arroz, outros tantos que necessitavam vir à capital. A dita-dura vida continuou e eu, com 9 anos de idade, não sabia o que se passava no meu País, salvo que alguns conhecidos faziam minha mãe chorar por terem desaparecido nos porões da polícia. Sem material e sem dinheiro, a pintura dela passou a ser exercida nos cadernos de seus alunos, nos nossos, nos quadros da sala, em panos de prato, nas roupas reaproveitadas, em sabonetes e em simples pedaços de papel. Eu queria desenhar, mas não conseguia. A arte me colocou como espectadora. A vida seguiu medrosa, silenciosa, difícil e, como dito: dura! O trabalho, os estudos, a sobrevivência tomou conta de todos nós. Seguimos pela vida, e resolvi que a minha arte seria desenvolvida no direito. Não podia suportar minha consciência sem nada fazer contra a falta de liberdade, o medo, o silêncio, a injustiça. Graduei-me em direito no ano em que meu filho nasceu. Meus estudos foram e são pagos com meu trabalho. Fui metalúrgica antes de advogada. Foi neste período que tive contato com o movimento sindical, da década de 80. Até então, meu contato com a esquerda era pequeno. Conheci alguns estudantes militantes que estavam até então clandestinos, aos 13 anos de idade, quando estive em visita forçada no DOPS. A luta contra a ditadura; a luta em favor da liberdade, da justiça e da dignidade da pessoa humana me fizeram adulta. Lapidei-me na luta. A luta ensinou-me a atuar

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Essa artista, que se chamava Lucy e assina suas telas como Lô, desencarnou em dezembro de 2010. Em abril de 2011 fui a Coimbra como professora convidada e aproveitei para ver um grande amigo e colega de trabalho que morava com sua esposa em Paris. O casal estava grávido da Isadora. Rosa era a própria luz. Como artista plástica reconhecida na Europa, estava expondo em Paris, e pude ver suas obras e estar presente em uma de suas premiações: Prêmio Especial do Júri no Salão de Montrouge. Essa amada amiga passeou comigo pela Paris que eu queria conhecer. Após termos ido à Place de la Grève (hoje, Place de l’Hôtel de Ville), ela me conduziu para ver as obras de Monet, o preferido de minha mãe. Lá, aos pés de Monet e no colo de Rosa Maria Unda Souki, chorei de saudades e emoção. No dia seguinte fui a Giverny, ver a casa e os jardins de Monet. Voltei para o Brasil antes do dia das mães. No dia 13 de maio de 2011, comprei uma flor para Lô, acendi velas e incensos e chorei até meus olhos perderem o foco do mundo plano. Abriu-se, para mim, uma nova visão: nada mais era plano, tudo estava com contornos, cores e matizes diferentes. Passei o resto da noite desenhando aquela flor, usando lápis de cor e de cera. Fiquei encantada com o desenho. Arrisquei: minha mãe esteve aqui e psico-pintou essa flor. Claro que não fui “eu” quem a pintou!!! Vai saber??? Desde então, não parei mais de desenhar, pintar, fazer charges, pessoas e rostos... Em janeiro de 2012 meu pai desencarnou. Rosa e Leo já estavam de volta ao Brasil, juntamente com Isadora. Pedi socorro a Rosa que se prontificou a me “ensinar a pintar”. Perdi o medo de não saber e passei a arriscar. Acabei me descobrindo, fiquei nua! Voltei a me sentir aquela menina, cujo pai sempre chamou, carinhosamente de “Lê Mara”! A pintura preencheu um dos vazios de minha existência, salvando-me da loucura. Através dela sigo transgredindo e defendendo o que acredito só que, agora, não só através das palavras, mas também da arte.

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Projeto gráfico Rosa Maria Unda Souki. Este catalogo foi composto com os tipos Helvetica Neue e Didot, impresso pela Gráfica TSC (Belo Horizonte, Brasil) em papel couché mate 150gr y 350gr, em maio de 2014, com tiragem de 500 exemplares.


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