Artigo Jurídico NOVA CAA

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ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO

Ellen Mara Ferraz Hazan - Diretora 1ª Secretária da Caixa de Assistência dos Advogados de Minas Gerais, Nova CAA Gestão 2013/2015.


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ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO

*Ellen Mara Ferraz Hazan

Introdução Acredito que frente à tão seleta plenária, composta também, por empresários, o que pretendo expor soará exótico, para alguns e esotérico para outros, parafraseando Paulo Rogério Albuquerque de Oliveira. Exótico em razão da minha vontade, deliberada, de excitar e de escancarar para vocês, que já não é mais segredo que o assédio moral praticado pelas e nas empresas visa o aumento do lucro. O assédio moral, assim, é proposital e uma tática empresarial para aumentar os lucros, nada se importando, o empresário, com os resultados deste sobre a pessoa humana que lhes dá tal lucro! Esotérico em razão da pretensão que tenho de afirmar que o mesmo sangue que corre nas veias do patrão também corre nas do trabalhador. Tenho aqui, como missão ou carma, esclarecer as conexões sóciojurídicas, psicológicas e filosóficas da violência moral, plasmadas na dignidade humana. Faço isso para, através da provocação, elevar o nível da discussão política, axiológica e teleológica para além da retórica, sobre o assédio moral. Sendo propositiva, sugiro uma estrutura para oferecer às empresas e aos empreendedores, suporte técnico para que suas decisões sejam capazes de satisfazer à estratégia do capital, da governança empresarial corporativa: a saúde do trabalhador como vantagem competitiva o que leva o empresariado a ser o vetor, o norte de pesquisa e de investimento no meio ambiente do trabalho. Alguns aspectos da atual organização produtiva A atual organização produtiva onde a filosofia empresarial é a de produzir na quantidade adequada (capacidade), de acordo com as especificações (qualidade), com recursos otimizados (produtividade), de modo sustentável (ambientalidade), precisa se ajustar com o respeito pela pessoa humana do trabalhador (hominidade). (1) – OLIVEIRA, Paulo Rogério Albuquerque de – 2011:22 LTr – São Paulo). Assim, quero afirmar que é possível produzir bastante, bem feito e barato, sem prejudicar o meio ambiente e sem adoecer o operário.


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Encerrada a fase hegemônica do modo de acumulação capitalista pelo sistema fordista e iniciada a marcha para a hegemonia do sistema de produção pós-fordista ou toyotista, o mundo social do trabalho começa a ser desmoronado pelo capital e, com ele, todo o regramento social do paradigma do Estado Social. A busca pelo lucro não se concentra em quanto mais trabalhadores mais se produz e quanto mais se produz, mais se lucra. Inverte-se essa sentença: quando menos trabalhadores mais se produz, menos se gasta e mais se lucra. A busca pela produtividade, sabemos, tem significado desemprego estrutural (proposital), precarização das condições de trabalho, terceirização e adoecimento do trabalhador. E isso não é obra da natureza ou do destino. Foi jogada para fora do barco (empresa), qualquer moral ou preocupação com a dignidade do trabalhador, com sua saúde ou mesmo com sua existência – se é que isso já existiu. Os ditames e fundamentos da Carta de 1988 que no inicio foram desprezados pelos empregadores, hoje são combatidos por eles. O trabalhador, frente a esse ataque se vê obrigado a aceitar qualquer tipo de trabalho, inclusive em condições indignas – “empregabilidade”. Tudo se aceita, inclusive a contratação sem direitos, ou com direitos precários. Suporta-se, em tese, o assédio moral para o aumento da produtividade, até que sua saúde física e mental lhe escape. Impressionante essa técnica utilizada pelo capital para o aumento da produtividade, mas ela não pode nos parecer normal. O “salve-se quem puder” animaliza-nos e coloca em risco toda a atividade produtiva vez que a animalização não se dá somente naquele que explora atividade produtiva, no empresário. Ela animaliza, também, aqueles que dão, ao empresário, o lucro, o trabalhador. Este trabalhador animalizado é risco não só para essa ou aquela empresa, mas para o poder político que detém o capital desde a Revolução Francesa. Já tivemos exemplos desta reação, animalizada, apesar de politizada, dos trabalhadores contra os


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empresários: ludismo, revolução de 1917 (Russia, México, Alemanha), duas guerras mundiais dentre outros. E hoje não temos mais uma encíclica papal capaz de conter os movimentos sociais, muito menos capacidade militar para tanto, como recentemente nos foi demonstrado nos movimentos de junho de 2013 no Brasil. Assédio Moral Assim, o assédio moral ao contrário do que tentam fazer parecer, não é uma falha do sistema capitalista de acumulação na organização produtiva. Ele é o aperfeiçoamento de uma técnica que está relacionada, diretamente, ao poder diretivo do empregador, na construção de uma ferramenta direcionada à intensificação da disciplina no ambiente de trabalho rumo a uma maior produtividade. É uma ferramenta perigosa!!! Aviso aqui! Ela desrespeita o ser humano que trabalha e lhe ensina métodos que podemos taxar, esotericamente, de maléficos para toda a população mundial. Exigir do trabalhador que ele vença todos os seus limites para manter-se empregado, ensina-lhe a não respeitar seus limites e seus medos. Cada dia que o capital exige que o trabalhador amplie seus limites físicos, emocionais, acadêmicos e reduza seus limites morais e éticos, ele está plantando recalques, ódio e, consequentemente histerias, neuroses e outras mazelas mais. Essa técnica, que impõe a superação dos limites físicos e emocionais dos trabalhadores pode ser comprovada nos denominados “eco treinamentos” que vão repercutir diretamente na superação dos medos e dos limites físicos daquele ser humano. No inicio, ele passa a confiar, até mesmo, sua vida ao chefe ou à equipe que lhe apara após uma queda brusca de um penhasco e isso ate perceber que tal técnica o leva ao abismo e, ai... reage! Vejam que nesses treinamentos os trabalhadores rastejam, se sujam em lama, atravessam rios e lagoas sem saberem nadar, pulam de alturas imensas mesmo quando fóbicos, enfim, deles é exigida a superação de seus limites físicos e emocionais e o engajamento com seus parceiros na produção.


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Isso não é bom! A superação de limites morais e éticos para aumento da produtividade não é nada saudável. Exemplo disso são as ordens diretas de superiores hierárquicos, diuturnamente, para realizarem atividades não éticas com o discurso de eticidade, como vem ocorrendo no sistema bancário brasileiro para o alcance de metas: - alguns bancos, como nos dão noticias as centenas de processos judiciais em andamento e muitos já julgados exigem de seus empregados metas impossíveis de serem alcançadas, salvo se os seus empregados agirem sem ética e contra sua própria moral em favor do banco o que é ordenado pelos superiores hierárquicos. O adoecimento do ser moral, ético, emocional e físico é mera consequência desta estratégia em prol do aumento da produtividade, que é o assédio moral. Este adoecimento pode e vai, esotericamente falando, se virar contra o capital. Por enquanto ele é suportado e diluído pelo Estado que não admite qualquer controle social sobre a forma de organização do trabalho. Dejours (1992 p. 122) nos alerta que a saúde e o sofrimento mental estão relacionados à organização do trabalho, assim como que uma maior possibilidade de intervenção, da sociedade, sobre a forma como o trabalho é organizado, adaptando o trabalho ao homem, e não este ao trabalho, proporciona a obtenção de prazer e satisfação necessários ao não adoecimento e à saúde. Tenho certeza que muito em breve as consequências do assédio moral praticado coletivamente pelo sistema, vai se virar contra as empresas. Por enquanto o capital controla sozinho e com a força do Estado ao seu lado, o adoecimento do trabalhador. E esse adoecimento lhe gera lucro! Sim, lucro vez que decorrente de alta produtividade (lucro certo) e nenhum prejuízo tem o empregador com o afastamento deste empregado de seu posto de trabalho, salvo o pagamento dos primeiros quinze dias da licença médica. Após, o custo é passado para o Estado que nada cobra da empresa que mutila, adoece e mata seus cidadãos. Toda essa discussão que estamos aqui fazendo está restrita à uma pequena vanguarda. Pena!


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A retórica e o “mesmismo” ficam em torno das espécies de assédio moral e na forma como este ocorre, tudo sob uma visão individualista. Tanto que ao contrário de se tratar do assédio moral estratégico e coletivo como técnica do capital para aumentar seus lucros, trata-se dele na esfera individual, dividindo-o em vertical (descendente ou ascendente); horizontal e; misto. O certo é que todos os tipos e espécies de assédio moral são decorrentes do assédio moral coletivo e à exemplo do que já foi comprovado cientificamente na teoria Freudiana, o assédio moral é uma perversão. Ora, perversos não tem limites, culpa ou medo. Vale tudo rumo à realização de seus objetivos só que, a perversão ensina a sua vitima a ser também perversa, como vemos no sadomasoquismo. Normalmente, o abusado se torna um abusador. Tenham cuidado senhores empresários donos do capital. Essa perversão coletiva estratégica para o aumento dos lucros está criando monstros que vocês não darão conta de controlar! Não se esqueçam dos ensinamentos de Marie-France Hirigoyen: “mesmo sem má-fé todos nós podemos, em determinados contextos e diante de certas pessoas, adotar atitudes perversas” (Mal-estar no trabalho, p. 247). Assim, apesar de alguns acharem o contrário, não existe estereótipo exato para o assediador, mas sim uma organização do trabalho que exala sentimentos que potencializam ou induzem a uma resposta, também perversa. Existem alguns traços psicológicos que, dizem, pertencem aos assediadores: narcisismo, intolerância a crítica, necessidade de ser admirado, egocentrismo. Esses traços são, como sabemos, típicos do poder disciplinar, regulamentar e fiscalizatório dos empregadores aceitos, inclusive, pela jurisprudência trabalhista. Estamos diante de sutilezas de uma relação de trabalho subordinado onde nada pode ser predeterminado, e a atitude de um pode, certamente, modificar a do outro. Assim, não há razão para estigmatizar algum tipo de personalidade para caracterizar o assédio moral, especialmente quando temos a ciência de que o assédio


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moral no trabalho é uma tática coletiva que visa o aumento da produtividade e a criação de perversos que cumprirão o trabalho sujo pelo empregador. Da mesma forma não há como estigmatizar algum tipo de personalidade da vítima. O que caracteriza a vítima é o mesmo que caracteriza o jogo de sinuca – ele é a bola da vez. Tudo, então, está circunscrito no ambiente de trabalho que expõe as pessoas aos papeis de assediado e de assediador. Mas existe ainda outra figura no assedio moral: o de espectador (exibicionista). Este, direta ou indiretamente, participa ou vivencia os efeitos dessa violência psicológica. Alguns espectadores optam por não participar da violência praticada contra a vítima (conformista passivo); outros se envolvem de forma lateral, ajudando o agressor a acabar com a vítima (como aqueles que acham graça das zombarias destrutivas realizadas pelo agressor contra a vítima). Não obstante, a figura essencial para a realização do assédio moral no trabalho é o empregador que comparamos, na questão psicológica, com o psicopata. Afinal a violência moral coletiva atinge todo o ambiente de trabalho, e isso faz com que os efeitos sejam sentidos por todos, como o medo que leva a superação de limites e a uma alta produtividade. Afinal, o assédio moral como técnica do capital para aumento da produtividade está sendo aprendido pelos trabalhadores que, por enquanto, reagem ao assédio assediando um de seus pares. Teremos um momento em que, certamente, a união entre os assediados coletivamente, se fará sentir pelo capital. Acredito que está mais do que no momento de tratarmos dessas neuroses, já que a psicopatia não é tratável. A efetivação das normas de direito social Um dos problemas que se tem no mundo do direito do trabalho, é que a norma tem uma tendência de não ser cumprida por aquele que a ela se obriga, ou seja, pelos empregadores.


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Assim, para o cumprimento dessas normas, sejam autônomas ou heterônomas, se faz necessário um grande aparato, do Estado e dos sindicatos profissionais, para que elas se tornem eficazes. Esse esforço tem sido em vão frente ao poder do capital. O trabalhador, individualmente, não exige de seu patrão o cumprimento de seus direitos. No máximo o que ele faz é ir para a Justiça do Trabalho quando seu contrato já encerrou. E isso, se não estiver invadido pelo medo de não conseguir outro emprego quando verificarem que o seu nome consta como reclamante em processos trabalhistas. E mais, nenhum de nós, ninguém mesmo, grita pega ladrão para o patrão que descumpre os direitos trabalhistas, como se costuma fazer com quem rouba a bolsa de alguém na rua, ou quando alguém não paga sua conta na padaria ou no mercadinho do bairro. O nome da empresa descumpridora de direitos não vai para o SPC – Serviço de Proteção ao Crédito – e nem é inserido em local onde a empresa passe a ser visualizada como uma daquelas de quem não se deve dar crédito ou consumir seus produtos. Até quando essa situação confortável, para o capital, vai perdurar??? Existe a possibilidade de mudarmos essa situação sem crise social e uma nova guerra mundial? Pode ser que não. Porém, não podemos deixar de considerar que para alguns a política do quanto pior a exploração e o assédio melhor! É a garantia de uma reação social coletiva! Será? Acredito que o cumprimento dos ditames constitucionais não oneram as empresas. Aliás, não oneravam antes de 1988 então, não oneram hoje também, vez que poucas mudanças foram realizadas quanto aos direitos sociais. A questão passa, assim, pela análise do momento político, social e cultural que vive um determinado Estado que, por certo, depende do conceito de juízo de reprovação do comportamento e atitudes do seu povo. Até o momento os abusos do sistema de organização produtiva ainda têm sido tolerados, tanto que várias normas que tentam coibir essa questão, inclusive normas tributárias, de orientação ambiental e criminal não são cumpridas.


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Ainda não foi o suficiente. A aposta é em não ser punido, a exemplo dos atos de corrupção. É certo que à época da escravidão, chicotear o trabalhador fazia parte das técnicas de produção/administração, mas quero acreditar, que evoluímos social e culturalmente não? Tanto que hoje as praticas escravagistas são, em geral, abomináveis, apesar de utilizadas pelo sistema capitalista. E o sentido moral de obediência às normas legais, inclusive criminais, tem feito correspondência à categoria política ou filosófica da nossa carta? Não! Nosso problema então é mesmo ético, moral e psicológico. Não temos solução!!! Conclusão. Então... como combater o terror psicológico? Como combater essa matilha onde o macho alfa comanda a ferro e fogo os membros de seu clã? Acredito que a melhor forma de combate é a prevenção! Empregados e pequenos e médios empregadores devem estar preparados para se defenderem dessa violência antes que seja tarde demais! Afinal o Estado ainda está do lado do poder econômico, mas... tudo pode mudar!!! E mais, a cidadania, a dignidade do ser humano não podem continuar dependuradas no cabide à espera de que o sistema econômico se comisere ou que o legislativo acorde e criminalize o capital. A luta pelo direito não se esgota na confecção de normas. Se a sociedade não confia na norma nem na justiça, ela fica sem qualquer opção e sem limites. O assédio moral é uma prática criminosa e pode ser considerado como crime contra a humanidade. As consequências disso... somente o tempo nos dirá. Boa sorte para todos nós. Eu, certamente nesta luta, estarei ao lado dos trabalhadores.


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