Mistério

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notíciasdaportela | especialnatal2008

D i s t r i b u i ç ã o G ra t u i t a



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índice: Pág 4 Tu és um mistério Filipe Esménio Pág 6 Portela sem mistérios Maria Geni Veloso das Neves

Pág 12 Fotorreportagem "que mistérios se escondem atrás de uma expressão" Nuno Luz

Pág 14 Telefones Centro Pág 16 Ad aeternum Catarina Araújo

Pág 7 Cartoon Bruno Bengala

Pág 18 História trágica do fim do grupo terrorista da portela Miguel Pinto

Pág 8 Uma alma vazia... que desistiu de sonhar Daniela Rodrigues

Pág 19 Mistério da vizinha que grita Cristina Fialho

Pág 9 Mistério Denise M. Cadete

Pág 20 Dos “mistérios” e do “mistério” Cónego António Janela

Pág 10 Mistérios de uma profissão que poucos conhecem Teresa Cadete

Pág 22 Editorial Manuel Monteiro

F

T

icha écnica Director Filipe Esménio Director Adjunto Miguel Meneses Chefe de Redacção Manuel Monteiro Redacção Cristina Fialho, Daniela Rodrigues, Denise M. Cadete, Miguel Pinto, Teresa Cadete Colaborações Catarina Araújo, Cónego António Janela Fotografia Nuno Luz Direcção Comercial Luís Bendada Ilustrações Bruno Bengala Projecto Gráfico Tiago Fiel Criatividade e Imagem Nuno Luz Impressão IDG - Imagem Digital Gráfica, Lda. R. Cidade C Branco 5 - armz C - 1 Frielas 2660-020 FRIELAS LISBOA Tiragem 6 200 Exemplares Proprietário Filipe Esménio CO:202 206 700 Sede Social, de Redacção e Edição Rua Júlio Dinis nº. 6 1º Dto. 2685-215 PORTELA LRS Telefone 21 945 65 14 E-mail noticiasportela@ficcoesmedia.pt Registo GMCS n.º 121 952 Depósito Legal n.º 119 760 / 98

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TU mistério

és um

As palavras são mais misteriosas do que os factos. O mistério em que envolvemos os nossos desígnios revela muitas vezes mais as nossas fraquezas do que discrição. Pobre aquele que vive na obscuridade, a meia-luz. Num culto de uma imagem de si que nem o próprio conhece muitas vezes. Os seres Misteriosos são, em geral, secretos, escondidos, com causas ocultas, alguém que não se conhece e não se pode explicar. Uns mentem porque querem, outros porque não têm outra forma.

Os que temem a verdade escondem-se sinistramente por entre os buracos do seu interior nunca querendo ser quem são. Quando na verdade é na simplicidade dos factos que se esconde o problema. Podes ser quem és… não tenhas medo. Acredita que mesmo que sejas mau pode haver quem goste de ti. A dificuldade é existir quem te ame na confusão de ti próprio. Nas tuas mentiras e omissões. Pára. Sê verdadeiro. Tira as mil máscaras que escondes e verás melhor. Ver-te-ás melhor. Ver-te-ão melhor. É muito melhor.

Pessoa escrevia em «Olhando o mar, sonho sem ter de quê» «Mas de se nada ver quanto a alma sonha!» E fez-me ver com outros olhos a dimensão de mim mesmo a minha capacidade de ir e estar onde nunca estarei. A forma de voar sem as tais asas. Bastando não ter medo de ser.

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«Se tive amores? Já não sei se os tive. Quem ontem fui já hoje em mim não vive. Bebe, que tudo é líquido e embriaga, E a vida morre enquanto o ser revive.» Haverá tempo para nos escondermos? Não chegará de polimentos artificiais e da permanente ausência de ti mesmo? Vale a pena querer sempre parecer. Vale a pena ter que agradar? Vale a pena não saberes quem és?... E quando ou se o descobrires já for tarde. Faz a tua auto-análise. Põe a tua mão

na consciência. Domina os teus instintos de mistério. Sai da concha. Se tiveres defeitos aperfeiçoa-os, se tiveres virtudes potencia-as. Basta. Age em função de ti. Do que és. Se existir mistério que seja o da fé. O do amor, o do oportuno e verdadeiro prazer pelo desconhecido, não pelo abismo da ausência de ti mesmo. Faz o teu Grito do Ipiranga. Sentes-te capaz? Nunca te esqueças que há outros no Mundo mas que mais importante é parares de ser quem não és. De pores os pontos nos teus «is».

Não. Não és perfeito nem vais ser. Mas a mentira nunca fará de ti um ser melhor. E mesmo que da verdade nada de bom te aconteça uma coisa hás-de sempre ter. A tua consciência. A tua verdade. A tua identidade. Não te percas. Reencontra-te. Esquece agora as palavras e centra-te nos factos…. De facto, é bom seres tu…

Filipe Esménio filipe_esmenio@ficcoesmedia.pt

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06 | np | j f portela Em todos os locais há acontecimentos que não são explicáveis, nem compreensíveis: os mistérios (que não se podem confundir com os mistérios da fé). Quando os executivos por mim presididos tomaram posse, chegaram a uma freguesia recente, ainda jovem, com muito terreno por desbravar. Algumas coisas já estariam feitas mas, tal como hoje, muito estava por fazer. A relação com o Bairro da Quinta da Vitória incorria em mistérios, os processos de realojamento estavam bloqueados, as piscinas estavam paralisadas, e, para muitos, estes processos tinham algo de misterioso. Como em tudo, é preciso ir em busca das soluções. Falar com pessoas, perceber os problemas e encontrar as soluções, sem temer os interlocutores que, por norma, querem resultados, competindo aos políticos auxiliar os cidadãos no encontrar dos caminhos possíveis. No Bairro da Quinta da Vitória, por exemplo, conseguimos, com o apoio de muitos (e após muitas tentativas levadas a cabo pelos moradores) a colocação de electricidade, água e esgotos, melhorando, assim, a qualidade de vida dos residentes enquanto permanecessem no local. Também no combate a algumas doenças detectadas, designadamente, a tuberculose (problema até então algo desconhecido no seio da população da Portela), foi preciso avançar sem medo, e chegar até aos órgãos de comunicação social. Porém, a verdade é que é preciso trilhar os caminhos, definir as estratégias, e ter a coragem de fazer as caminhadas. Nem sempre é fácil, nem sempre é óbvio, mas é quase sempre necessário. O mistério para um Político com funções executivas mais não é que um desafio, um obstáculo que tem de ser transposto, uma

Dra. Maria Geni Veloso das Neves

PORTELA

sem

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zona de dúvida que tem de ser encarada de frente, mas que nunca deverá constituir uma razão de receio ou recuo. Todas as soluções podem e devem ser exploradas; contudo, nem todas podem ser executadas, sendo indispensável que nenhuma fique por tomar. No caso do nosso bairro, percebemos, desde muito cedo, que os seus moradores não poderiam ficar entregues a si próprios e que, obviamente, o estreitamento de relações entre a Junta de Freguesia e aqueles só poderia trazer benefícios para todos. Talvez por isto se considere que a Quinta da Vitória prima pela diferença quando comparada com outros bairros de génese ilegal: o bom entendimento entre as diferentes populações residentes, a boa organização do bairro, a integração dos moradores na freguesia, entre outros, são factores diferenciadores. Porém, nem todas as decisões e opções tomadas foram bem aceites por todos, sendo, por isso, necessário muita

perseverança e dedicação. E, hoje, após ocupação indevida ao longo dos anos, aquele cenário está a transformar-se para em breve dar lugar a um complexo completamente diferente. Acreditar é fundamental, aceitar os novos desafios do século XXI com toda a coragem, com toda a alma, com toda a fé, com a esperança de dias melhores em tempos difíceis. Os enigmas foram feitos para serem desvendados, e a transparência é o melhor caminho para quem tem responsabilidades. A informação tem, obrigatoriamente, de circular e os responsáveis precisam de ser confrontados democraticamente com as suas decisões. A caminhada tem de ser sempre feita e precisa de ser continuamente renovada. Os nossos descobridores tiveram a coragem de o fazer a seu tempo, agora é o nosso tempo. A todos boas festas e coragem nestes tempos de crise.


CAR

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TOON

brunobengala


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Uma alma vazia... que desistiu de sonhar. Vivia o presente como mais ninguém vivia. Virou as costas para o passado como se nunca tivesse existido, e o futuro longínquo permanecia num mistério impossível de desvendar. Desprovida de sonhos e fantasias, o terreno e o palpável pareciam-lhe o mais cómodo, o mais sensato. Ao contrário de todos os outros, não era a felicidade que procurava, mas apenas o prazer... ou momentos de prazer. Nunca conheci ninguém como ela. Ninguém que ficasse horas à espera de ver o Sol nascer e o horizonte a ganhar cor. Que saísse sempre de casa depois da chuva, apenas para sentir o cheiro da terra molhada. Todos os obstáculos que surgiam no seu caminho transformavam-se em simples desafios que contornava com destreza e naturalidade. Dizia que todos esses obstáculos eram resultado do que nós mesmos havíamos criado no percurso da vida e que, por isso, deveríamos enfrentá-los. Despiu-se de culpas, de medos, de rancores, desfrutava de cada dia como sendo único na sua vida. Se o ontem não importou, o amanhã menos importará. “É hoje que estou viva!”, dizia ela. Não pensava no porquê, nem no como das coisas. Elas simplesmente existiam. Não questionava as emoções, nem os sentimentos. Ao questioná-los, fugiria da sua intensidade. Dizia que a sua alma era reciclada todos os dias. Que cada dia a sua mente fechava uma porta a sete chaves. E o seu corpo gasto, a sua pele suja permitiam-na sentir, tocar, acariciar a realidade externa. Era apenas na realidade externa que ela acreditava. Naquilo que os seus olhos viam e no que o seu corpo experienciava. Não sonhava. Não imaginava como poderia ser o amanhã. Tudo o que era misterioso perturbava-a... e fugia. Desprezava o inexplicável. No dia em que o seu corpo foi enterrado, foi um alívio. Ninguém até hoje soube explicar a sua morte. Parece que um vírus estranho se apoderou do seu corpo, que o deixou doente. Efémera, o seu corpo deteriorava-se cada vez mais, dia após dia. Nunca lhe souberam explicaram o porquê, o como. Desistiu de questionar. Desistiu de sonhar. Desistiu de viver. O amanhã não importava, porque não sabia se haveria o amanhã. Apenas queria fotografar com o olhar as imagens daquele mundo, que para ela deixaria de existir.

Daniela Rodrigues


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Um segredo universal do qual ninguém detém a resposta. Pode incarnar um medo, uma curiosidade ou um enigma histórico, um paradigma religioso, um evento sem explicação imediata, uma conspiração, um problema insolúvel. Não é fundamental a verdade que lhe cabe, se alguém a sabe ou em que consiste, pois, como num boato, a certa altura do alastrar de uma suspeita derivada em muitas hipóteses, a verdade já não sacia, nem tem de o fazer. A busca, a especulação que o mistério instaura é o seu próprio fim. O ser humano deve questionar-se, temer o inesperado, antever possibilidades além do evidente, investigar, conversar sobre a teoria que desvenda um mistério, em vez de debitar informação mastigada por uma cadeia fordista até ser assimilada e regurgitada. Quem matou o Kennedy, o que provoca o Triângulo das Bermudas, o monstro de Loch Ness será uma invenção, qual o ingrediente secreto da Coca-Cola, como será a vida nos outros astros ou mistérios presentes na nossa vida diária. É quase sempre um quebra-cabeças; por vezes tem algo de mágico e de belo, pois é o impossível que não se pode ter, mas no campo da sabedoria. Numa era de certezas e exaustão do estritamente real, o mundo do misterioso lembra o imaginário infantil que cria hipóteses para aquilo de que não se sabe a resposta. Aquilo que não se pode saber é o conhecimento mais apetecível. O insondável seduz sempre. E desvela-se pela neblina em torno da caixa fechada. O misterioso evidencia-se quando há um facto errado, suspeita-se de algo escondido porque rompe com o padrão lógico dos hábitos do quotidiano. Um comportamento estranho, um acontecimento improvável, um evento ilógico, denunciam um mistério; uma verdade velada deixa rasto no ar, percepciona-se com os sentidos mais subtis do ser humano. Denise M. Cadete


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Mistérios de uma profissão que poucos

VERDADEIRAMENTE conhecem

A julgar pela proliferação de cursos de Jornalismo ou de Ciências da Comunicação nos últimos anos, em Portugal, podemos inferir que o jornalismo é uma profissão procurada. Mas será que quem envereda por este ramo sabe realmente no que se está a meter? Ou estará apenas ludibriado por Hollywood? Segundo o artigo 1.º do Estatuto do Jornalista «são considerados jornalistas aqueles que, como ocupação principal, permanente e remunerada, exercem funções de pesquisa,

Quando, na verdade, um blogger não está sujeito a qualquer tipo de pressões, sejam de consciência, de tempo ou empresariais. Tentar definir esta profissão é cortar-lhe as asas. Américo de Sousa reparou que «não há congresso, seminário ou workshop sobre jornalismo e comunicação que não conduza à recorrente pergunta: “o que é o jornalismo?” Mas sempre a resposta fica em aberto…». Nem os próprios jornalistas sabem descrever sucinta e objectivamente o que é ser jor-

capacidade de estar 24 horas sobre 24 horas em alerta (o que muitas vezes leva a escassos relacionamentos fora do ambiente de trabalho), uma ética, moral e capacidade de discernimento do que se deve «lançar» ou não, entre muitas outras qualidades, exigências e deveres. Mas, acima de tudo, o jornalista deve ser consciente do seu contributo e gostar realmente daquilo que faz, deve gostar realmente de prestar serviço público. O que me pergunto é então o que leva tantos

recolha, selecção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divulgação informativa pela imprensa, por agência noticiosa, pela rádio, pela televisão ou por outra forma de difusão electrónica». Claro que ressalva que todos aqueles que trabalhem para «publicações de natureza predominantemente promocional, ou cujo objecto específico consista em divulgar, publicitar ou por qualquer forma dar a conhecer instituições, empresas, produtos ou serviços, segundo critérios de oportunidade comercial ou industrial» não são considerados jornalistas. Não serão estas estipulações demasiado generalistas? Parece que o único factor que distingue, aos olhos da lei, um blogger convicto de um jornalista é a remuneração.

nalista. Podem falar na sua experiência pessoal mas não no seu conjunto. Um dos factores que contribui para que esta profissão tenha contornos indecisos é a constante convivência com valores como a Verdade e a Subjectividade que também não são conceitos lineares, muito pelo contrário. Ingressar nesta profissão é um desafio que exige muito do trabalhador e, na maioria das vezes, o público não tem essa percepção. As notícias aparecem como um produto industrializado que a quem as consome parece ser mecanizado. De facto, na maioria dos casos só nos lembramos que existe um jornalista por trás do produto noticioso pelas piores razões. Contudo, por trás da informação, estão profissionais a quem se exige elevados conhecimentos e uma boa cultura geral, a

jovens a quererem ser jornalistas? A profissão não tem um prestígio assim tão elevado, não é bem paga, dá trabalho e limita muitas relações sociais. Um dos motivos que me leva a crer que esse desejo massivo exista é pela romantização da profissão levada a cabo pelo cinema, televisão e literatura, que retratam o jornalista como o caçador eterno da verdade que através da investigação traz a público as informações mais obscuras escondidas no seio da sociedade. Apesar de estas romantizações não pintarem a profissão em geral e na maioria dos casos nem em específico, nunca nos podemos esquecer que uma comunicação livre é a base de qualquer democracia. Teresa Cadete



JUNTA de FREGUESIA da PORTELA



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telefones

Centro

CAVE 1 – Notícias da portela Ficções Média ceNtro de cópias 219 436 480 2 - aldiNHa iNst. BeleZa 219 430 009 3 - cose e corte 965 498 870 4 E 6 - caNtiNHo do Boda 309 957 357 5 – loJa do peiXe 219 432 821

8 - NadYa Jotta – caBeleireiros e estética 219 435 558 9 - pititit 214 023 400 10 – iMoBi.pt - iMoBiliária 961 036 655 11 - loJiNHa das pratas 219 432 355 12 - FíGaro caBeleireiro 219 432 371 13 - NiKita caBeleireiros 219 434 029

14 - MoNte BiaNco 210 876 354 15 - NiKita caBeleireiros 219 434 029 16 - JaMBa 2 219 442 378 17 - stop rápido 219 432 193 18 - NitoUrs - aGÊNcia de ViaGeNs 219 444 729 19 - Vila Video 2 219 432 623

20 - caBeleireiro tHe place 210 801 415 21 - sNacK Bar 21 219 434 974 26 - piripiri- iMp. & eXp. 219 432 215 27 - coMercicópia 219 447 133 28 - taBela seca 219 430 845

42 - ceNtriMaGeM 219 445 211 43 - o MUNdo das saNdes 219 433 160 44 - JaMBa 1 219 431 191 45 - teNtaçÃo 219 434 175 46 - iMoBiliária rM 219 435 392 47 - pÃo No cesto 219 433 039 49 - sapataria Vitália 967 610 891 50 - sapataria Vitália 967 610 891 51 - orVil 219 430 687 52 - orVil 219 430 687 53 - talHo ceNtral 219 434 088 55 - coisas Giras 966 618 053 56 - BiJU 219 432 029 57 - cHáVeNa de prata 219 447 132 58 - droGaria da portela 219 431 683 59 - peiXiNHo do Mar 219 436 7111 60 - loJa da carNe 219 430 452 61 - FarMácia paUla de caMpos 219 431 423 62 - FarMácia paUla de caMpos 219 430 854 63 - sUportel 219 458 650

64 - caiXa Geral de depósitos 219 432 461 65 – AGÊNcia de docUMeNtaçÃo da portela 219 430 694 66 - ocUlista pilÚ 219 431 168 67 - caiXa Geral de depósitos 219 432 034 68 - JaMBa 3 69 – silVaNa’s 219 431 068 70 - iMoaGra 219 431 919 71 - padaria da portela 219 445 171 72 - MiNi-Mercado 219 435 882 73 - laBoceNtro 219 430 675 74 - eMpada real 75 - cHUrrasQUeira da portela 219 435 192 76 – talHos carZélUi 219 431 517 77 - carNeslar 219 434 868 78/79 - o Nosso talHo 219 431 069 80 - ÂNGUlo certo 219 442 101 81 - recepçÃo do c.c.p. 219 433 484 82 - taBUleiro 219 436 599 83/84 - átrio do ciNeMa taBacaria do ciNeMa

RÉS-DO-CHÃO 1 - caMisaria do HoMeM 219 443 471 1A) - ZoNa óptica 219 430 849 2 - aQUassis 219 431 004 3/4 - MilleNiUM Bcp portela coNcordia 210 075 155 5/6 - MilleNiUM Bcp portela sHoppiNG 210 075 140 7 - sNacK-Bar BoM dia 219 433 767 8 - pBF Galeria de Jóias 219 443 098 9 - la JeUNesse 219 435 171 10 - tariK 219 431 018 11 - BoUtiQUe VeNtUra 219 434 861 12 - MaNel BoUtiQUes 219 445 290 13 - casa dos caFés portela 219 458 100 14 - casa dos caFés portela 219 458 100 15 - sportswear 16 - BoUtiQUe cHristiaNe 219 430 607 17/38 - MilleNiUM Bcp portela 210 077 000 18/19 - ZoNa óptica 219 430 849 20 - peroM 219 431 729 21 - ls - liNGerie 219 433 524

22 – Barreiros Faria perFUMaria 219 435 193 23 - sUperBriNQUedos 219 431 963 24 A) - MUleMBeira V 219 431 319 24 b) - wMw iNForMática 210 858 784 25 - tio arMaNdo 219 436 486 26 - MilaNo 219 435 570 27 - Natália araGÃo aNtiGUidades 219 430 999 28 - cHristMas solUtioNs 29 - JoalHaria eMil 219 435 671 30 - Mediportela 219 442 042 31 - Mediportela 219 442 042 32 A) - salÃo ariosto 219 434 954 32 b) -trapicHe coNFecções 219 431 153 33 - MUleMBeira ii 219 431 359 34 A) – HalcoN ViaGeNs 219 449 100 34 b) – cesar’s 210 878 641 35 - BaNco saNtaNder 219 458 6 80 36 - BaNco saNtaNder 219 458 680 37 - BaNco saNtaNder 219 458 680 40 - stop rápido 219 445 462 41 - peroM 219 431 729


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Comercial da

Portela

1º ANDAR 1 - in out 2 – EStÁDio DA PoRtELA 219 435 201 3 - yE ShAofEng 4 – PRonto-A-VEStiR 219 432 188 5 - fRutARiAS A & C 219 447 446 6 - 5 À SEC 219 447 722 6A) – SiMPLESMEntE gEniAL 210 885 115 7 - ESPAÇo Vii 219 430 629 8 - CADEnA 934 781 130 9 - PÉRoLA DA PoRtELA 219 432 558 11 – yE KWE 965 320 766 13 – fAShion LifE 210 889 144 14 - uSE E ABuSE 219 431 949 15 - tELEVEntuRA 210 879 136 16 - P.h.J. ConStRuÇÃo E REConStRuÇÃo LDª 219 431 990 17 - PiCAR o Ponto PAPELARiA 219 433 233 18 - CEntRiMAgEM 219 443 337 19 - LA JEunESSE 219 445 171 20 - hoME 4 uS 219 434 193 21 – SAL & BRASA 210 862 199 22 - CoBRA D'ÁguA 219 434 304 23 - gioVAnni gALLi 219 435 944 24 – ViAgEnS CoRtES BESt tRAVEL 219 433 185 27 - PÉRoLA DA PoRtELA 219 432 558 28 - MAuSER tV 219 434 360

29 - Zoo DA PoRtELA 210 935 374 31 - ESCoLhER DEStinoS 210 889 840 32 - BiB'S - PRonto-A-VEStiR 219 447 185 33 - ofiCinA Do goSto 219 442 083 34 - MoViLAinE 219 430 102 35 - EuRoSPoRt 219 431 697 36 - LooK BoutiQuE 219 430 280 37 - fÁBRiCA DE ChAVES 219435055 38 - gALERiA oSCAR'S 914 241 708 39 - iDA CABELEiREiRoS 219 431 654 40 - iDA CABELEiREiRoS 219 431 654 43 - SABoR nAtuRAL 219 430 767 45 - inDiAn gLAMouR 219 436 408 46 – EDEn JóiAS 219 436 188 47 – 5 À fiL 48 - EntREtEM 219 435 881 49 – MoRA & SAntini - MoDA itALiAnA 219 444 087 50 – AMoR E CAnELA PAStELARiA 219 436 433 51 - EStÉtiCA nutRiCioniSMo 219 433 190 52 - LoJA DoS 300 53 - gALERiA Do Vinho 210 890 262 54 – LiSBoA RoCK 219 436 405 55 - gLARE 219 447 845 56 - MoViCLASSE JunioR 912 398 619 57 - Mito fLoRAL 219 431 540

58 - goLD JoALhARiA 219 435 495 59 - BoutiQuE tuJuJu 219 442 405 60 - RAfthi 219 436 259 61 -LoJA DE CABELo 210 820 198 62 - BESt DAy 707 277 277 63 - AuRoRA LAVoRES 219 458 663 64 - MiLLE PAStE 219 445 286 65 – MA gEu 219 443 626 66 – ConDiPoRtELA 219 432 121 67 - SoLyMEnt - PRoDutoS nAtuRAiS 219 433 025 68 - MAggiE MARRoQuinARiA 966 292 652 69 - LunAS 219 436 425 70 - CongELADoS MAR AZuL 933 212 459 71/72 - PuRPLE tREnDy 966 498 811 73 - LíDyhARtCABELEiREiRo 965 730 777 74 - So Long 219 431 792 75 - BELEZA PuRA 922 191 595 76 - gALinhA goRDA 219 435 890 77 - CLASSiC DigitAL 960 382 554 78 - SuPERfRutAS PAi & fiLho 962 728 215 79 - intERCLuBES 939 432 319 80 - REPRiSE tiME 219 435 029 81 - fun houSE 210 937 735 82/83 - CARLAnDRy 219 434 617

84 - ChARLiE 219 436 650 85 – MARiA tERESA MACEDo - CABELEiREiRo 219 433 655 86 - LA MoDE - SAPAtARiA 219 432 089 87 - tM - MoBiLiÁRio E DECoRAÇÕES 219 432 878 88 - QuiM CABELEiREiRo 219 432 096 89 - PARóQuiA Do CRiSto REi DA PoRtELA (VENDA DE NATAL) 90 - tASQuinhA DA PoRtELA 219 431 682 91 - LAVAnDARiA QuinAnA 219 434 806 92 - ADEgA Do MAnEL 210 804 530 92 - ADEgA Do MAnEL 210 804 530 94 - guiLL 219 431 986 95 - foRMA E BELEZA CEntRo DE EStÉtiCA 219 435 294 96 - CEntRo Do ouViDo 219 435 445 97 – SAntÉ À LA CARtE 219 434 154 99 - MAiSon DE LA fEMME 964 996 557 100 - LABoCEntRo 219 430 675 101 - LABoCEntRo 219 430 675 102 - CAntinho DA LEtA 219 436 337 103 – hf – hAiR fAShion 219 436 102 105 - CoRREioS DE PoRtugAL 219 458 810

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16 | np | conto

Ad aeternum Era Natal. O céu estava encoberto por um manto espesso de nuvens pardacentas. Uma morrinha plácida caía sobre as árvores, cujos ramos pareciam acenar-me com os seus dedos encarquilhados, de uma forma sinistra que me deixava inquieta. Observava a rua através da janela, procurando algo com que me entreter, já que o ambiente dentro de casa era lúgubre. Cada um sentado no seu lugar, em silêncio, a ver televisão ou a ler um livro, acometido por uma dormência interior que o impedia de apreciar o que quer que fosse. Havia um pequeno pinheiro ressequido no canto da sala, decorado ao acaso, mas a mesa não estava posta, nem havia presentes para distribuir. Estavam todos vestidos de preto, de faces pálidas e com auréolas purpúreas debaixo dos olhos, de tão pouco que tinham dormido nos últimos dias. Mal tinham forças para se moverem. Tentei desligar-me daquele cenário desolador e mais uma vez perscrutei ansiosamente a rua em busca de vida. A chuva tinha afastado as pessoas dos passeios, mas de vez em quando passava um automóvel que estacionava ali perto e do qual se viam grandes sacos de prendas a serem retirados e a serem transportados para dentro da casa de um vizinho. Quase que podia sentir o aroma a açúcar e canela de cada vez que uma porta se abria para receber alguém. O único perfume que pairava ao meu redor era o do pinheiro seco misturado com o odor acre a tabaco e a qualquer coisa indecifrável, absurda e deprimente. Suspirei. Não era isto que eu tinha planeado para o meu Natal. Mas a morte tivera de vir. Há demasiado tempo protelada e há demasiado tempo temida, ela viera, impiedosamente, uns dias antes do Natal. E agora todos aqueles corpos ali sentados pareciam mais mortos do que o cadáver que tinham enterrado no dia anterior. O meu cadáver. De repente, apercebi-me de uma presença parcialmente oculta atrás de uma árvore e que me fitava directamente nos olhos. Colei-me ao vidro, apanhada de surpresa. Até ali, desde que abandonara o meu


conto | np | 17 corpo inerte, que ainda não me cruzara com outra alma penada. Cheguei a pensar que os espíritos errantes não fossem capazes de se verem uns aos outros e que estávamos condenados a vaguear sozinhos, a ver as nossas famílias definharem temporariamente para depois retomarem as suas vidas, inconscientes das presenças que os rodeavam a todo o instante, enquanto nos lamentávamos pela vida que em tempos havíamos tido e que agora já não nos pertencia. Estranhamente, eu havia partido com serenidade. Estava doente há demasiado tempo e só ansiava pelo fim. Já nada me prendia à Terra. Nem a ambição de uma vida cheia de possibilidades, nem sequer… o amor. A única coisa que me mantinha agora ali, ligada àquelas almas despedaçadas, era o meu desejo de que soubessem que eu estava bem e que reencontrassem a alegria de viver. Não demoraria muito até que isso acontecesse. Estava pronta para partir em breve. Foi então que reparei nas faces rosadas daquele vulto que me fixava descaradamente. E no fumo branco que lhe saía da boca com uma cadência irregular. Era a sua respiração. Estava vivo. Não era um espírito errante como eu. Apesar da sua aparente calma, o seu olhar penetrante transmitia dor e outra coisa qualquer que

não reconheci de imediato. Era um rapaz de dezassete ou dezoito anos. Os seus cabelos revoltos caíam-lhe sobre a testa lisa e os seus lábios quentes formavam uma linha dura que me teria provocado arrepios na espinha se ainda estivesse no meu corpo de adolescente. Quem era ele? E como conseguia verme? Senti uma espécie de corrente eléctrica envolver-me. Acho que isto era o máximo que o meu espírito podia sentir. As pulsões de energia tornaram-se mais intensas quando ele saiu de trás da árvore e se revelou na totalidade. Era alto e demasiado belo. Baixou a cabeça e enfiou as mãos arroxeadas nos bolsos do seu casaco de flanela curto. Dei por mim a desejar poder estender os meus dedos debaixo do seu queixo e levantar-lhe a cabeça para que me devolvesse aquele olhar ardente e dolorido ao mesmo tempo. Como se tivesse ouvido o meu apelo, o rapaz ergueu o rosto de um modo que teve um efeito devastador sobre mim. O seu olhar atravessou-me. Ele não me via, de todo, apesar de fixo na janela onde eu por acaso estava e onde talvez ele desejasse que eu estivesse se fosse viva. Uma onda de energia carregada de uma profunda desilusão emanou de mim. Não o reconhecia de lado algum. As minhas memórias desvaneciam-se rapidamente a cada instante. Naquele momento já só conseguia identificar os elementos mais próxi-

mos da minha família. A expressão do rapaz tornou-se mais intensa, como se estivesse a preparar-se para se despedir. O seu relancear doce e torturado perfurou-me, deixando-me irrevogavelmente perdida. Quando ele começou a afastar-se, já estava decidida a segui-lo. Porém, quando tentei atravessar a janela para ir ao seu encontro, embati contra algo. Uma força qualquer impedia-me de sair dali. Lutei contra a barreira invisível, com o desespero a tomar conta de mim, pois ele estava cada vez mais longe e se não me apressasse, perder-lhe-ia o rasto para sempre. Quanto mais me debatia, mais energia eu gastava e menos força me restava para quebrar aquele muro impiedoso. Sem saber quem ele era ou de onde nos conhecíamos ou a razão pela qual ele se detivera diante da minha antiga casa com aquela perfeita expressão de pesar, vi-o dobrar a esquina e desaparecer. Quando chegou a hora de partir, deixei-me ficar. Já muito depois de a minha família ter recuperado, eu permaneci, naquela mesma janela, lamentando a minha morte prematura, enquanto esperava pelo rapaz misterioso, que nunca mais regressou e que eu nunca mais esqueci. Catarina Araújo

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18 | np | mistério

História trágica do fim do grupo terrorista da Portela João continuava com o mesmo problema de sempre, o sono. Pelo menos, já se deixou das tontices da adolescência. Ao fazer 16 anos não tinha dinheiro para comprar um aquecedor, mas andava cheio de frio e tinha de se aquecer como calhava. Isto deixava-o desconfortável e durante muito tempo não sabia o que fazer para evitar o frio. Durante o dia não tinha frio, mas também não estava acordado. A deambular pela Portela, sem conseguir deixar de pensar no seu frio, sentia-se pior do que um urso polar, tomou uma decisão. Ia aquecer-se tal como os nossos antepassados. Pelo fogo. «Grupos organizados, não. O fogo florestal já

ele era, mas toda a gente detestava os incêndios nas garagens, a perda dos carros e o perigo. Quando começou a ter uma barba mais adulta, já estava a precisar de mudar a sua direcção. Tendo reparado que a sociedade havia sofrido com as suas acções, não se ficou a sentir minimamente mal. Pelo contrário, começou a pensar muito nas suas hipóteses de alterar tudo o que pudesse nos outros, e naquele momento sentia-se de férias. Decidiu fazer algo de novo, de diferente, de aterrorizante. E estas três palavras soaram muitas vezes na sua cabeça. Absurdamente, o terror estava na moda, e decidiu criar o Nú-

é banal e não há nenhuma floresta perto» – pensou, pensou e decidiu realmente viver como os nossos antepassados. Foi em busca da sua gruta. E depois de ver que não tinha paciência nem espaço para criar a sua gruta, pensou na solução que para ele era óbvia. «Se os carros têm grutas e não tiveram trabalho a fazê-las, vou usá-las. E de certeza que nenhum carro me impede.» Começou a fazer fogo num instante. As suas «grutas», na realidade garagens, começaram a servir de lareiras, mesmo sem ter de andar à procura de lenha. Bastava-lhe um líquido inflamável e um isqueiro. Daqui ao desaparecimento de dezenas de carros, foi um instante. Ninguém sabia quem

cleo de Terrorismo Psicológico. E tudo corria bem. Todos os dias fazia algo que prejudicasse de algum modo a vida ou o bem-estar de (pelo menos) uma pessoa. Sempre anónimos, os seus trabalhos constantemente geravam berros assustados, causavam lágrimas ou provocavam saltos de susto. Os ataques do Núcleo de Terrorismo Psicológico eram anónimos, especialmente porque não podia correr o risco de ter problemas com a justiça, quer legal, quer popular. Certo dia, após ter sido capaz de juntar barbitúricos ao açúcar da esplanada foi descoberto. Ao ter sucesso em fazer com que todas as pessoas que tomassem café ficassem

mais calmas e ensonadas, ficou muito feliz. E a Marta, a moça que o vira e que observara o seu festejo silencioso, será que teria ficado minimamente feliz? Sim, e muito. Longe de pensar em denunciar o que vira à sociedade, ficou tão maravilhada com as suas acções tão fora do vulgar que não conseguiu evitar tentar aproximar-se cada vez mais dele. À quarta vez que o abordou, ele finalmente concordou em sentar-se com ela e tomar um chá. Sem açúcar, claro. E aí ele próprio começou a ficar maravilhado com a Marta, e o seu nome já soava na sua cabeça quando se ia deitar, mas em modo diminutivo. Ao longo de inúmeras noites, a Martinha rodopiava dentro da cabeça do presidente sem que ele conseguisse adormecer facilmente. Finalmente, o João conhecera alguém em quem não precisava de alterar nada. E andava tão satisfeito como as crianças no primeiro namoro. O Núcleo já começara a crescer e agia mais facilmente através de duas pessoas. Mais ideias, mais cuidado e acima de tudo mais prazer. Tudo corria bem, ou quase bem, até ao dia em que tudo acabou. O Núcleo, a Marta e a liberdade do João. Um dia, no café, ela estava constipada e isso acabou com tudo. Chegou com um perfume fortíssimo, o que fez com que tivessem de se sentar ao ar livre, e o João, logo aí, começou a sentir-se pior em relação à sua parceira do Núcleo. E a partir daí foi pior do que uma bola de neve. Pedira um chá de baunilha, cujo sabor era excelente mas com um cheiro forte demais. O fumo ofegante do chá fervente estava a fazer com que o João não conseguisse sequer pensar em beber o seu sumo. A mistura dos dois cheiros enrolava-se e rodopiava pela sua cabeça dentro. Não conseguia estar parado e coçava-se constantemente, como se a sua pele já sangrenta fosse culpada. Não verbalizou em momento algum o seu descontentamento, porque a falta de vida social tinha feito com que João perdesse as suas críticas directas e verbais. Pior, pior, cada vez mais nervoso, descobriu que era melhor pensar na sua Martinha só na sua cabeça do que encontrar a Marta em dia insuportável a nível de cheiros. Apesar de tudo, João cavalheiramente trouxe dois pastéis de nata para a mesa. Tudo se estragou quando ela se levantou para ir buscar canela. O pior erro da sua vida. Assim que chegou à mesa, o presidente furioso levantou-se, e após berrar «Não mereces nada!», tirou do bolso uma seringa com a qual a esfaqueou fortemente. Com ela parada, sem reagir após cair, esmagou a sua cabeça com o bule. E morreu. Foi-se tão rapidamente deste mundo como tinha ido buscar a canela. João, após o crime, não estava à espera do castigo, de tão ausente que a sua cabeça estava. Sentou-se novamente a acabar o sumo, e foi aí que foi preso, sem fugir, sem berrar e sem ser agressivo. Apenas surpreendido. Miguel Pinto


mistério | np | 19 Tenho uma vizinha que grita. Grita com a filha, com o filho e de vez em quando bate-lhes. Ou se calhar não, se calhar os estrondos que oiço seguidos de choros e insultos são apenas bater de portas e o atirar de objectos com pouco pontaria. Sei que a filha, que deve ter uns 15 ou 16 anos, fica muito tempo a soluçar no quarto depois destas discussões. O quarto dela é

Entre os gritos do filho e os insultos da mãe, a miúda gritava “Eu amo-o!” a plenos pulmões. A mãe chamava-lhe estúpida e parva e outras coisas não muito agradáveis, o filho dizia “Ó mãe pára com isso!” com um tom de súplica na voz. Passado um tempo, tudo se torna mais calmo. Os soluços da miúda enfraquecem e, se por acaso nos cruzamos no elevador, a pos-

discussões ou o facto de não saber porque discutem? Está por trás desta gritaria um enorme mistério, esta noite, no meio da escaramuça a mãe disse: “Vê lá se não fui eu que te levei ao médico? Eu não me estou nas tintas!”. A minha cabeça não pára de imaginar coisas… Qualquer dia bato na janela e tento falar com

paredes-meias com o meu e por isso ouço desde os mais agudos insultos ao mais suave desespero. As outras vizinhas cá do prédio dizem que a miúda namora com um homem muito mais velho e que é por isso que discute tanto com a mãe…

tura deles é sempre a de uma família feliz e unida. Já pensei chamar a polícia numa destas agitações mais intensas. Já pensei interromper uma discussão com a desculpa de que estão a fazer muito barulho e a acordar o bebé… Mas será que o que me chateia mais são as

ela… numa dessas sessões de choro sozinho e desesperado. Só ainda não o fiz porque não sei se estaria mais interessada em compreender a história completa ou em consolar a miúda! Cristina Fialho cristina_fialho@ficcoesmedia.pt

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20 | np | mistério

Dos “mistérios” e do “mistério”

Que mistérios encerrará esta palavra mistério? Abro o dicionário e deparo com uma enorme variedade de significados relativos ao termo, quer no singular, “mistério”, quer no plural, “mistérios”. No uso vulgar, “mistério” refere-se ao carácter secreto da realidade a que se refere, não acessível ao conhecimento humano comum. A esse significado parece remeter a etimologia que mais frequentemente se lhe atribui: do verbo grego mýen, cerrar ou apertar a boca. Mysterion significaria aquilo de que não se fala. Sobre esse significado de base se produzem as variações significativas que o termo adquire nos diferentes contextos em que pode ser empregue. Ainda que pertença predominantemente à linguagem religiosa não se reduz a ela. Encontramos o termo “mistério” na linguagem comum e em contextos profanos, significando uma realidade oculta, de que não temos, pelo menos de momento, conhecimento. Assim, falamos dos “mistérios da natureza” para referir aspectos da realidade natural que resistem, até agora, ao nosso intento de os explicar.

Falamos também dos “mistérios do coração humano” designando o que no ser humano há de imprevisível, indominável, aquilo que parece inacessível ao nosso espírito, à nossa compreensão, nos destinos humanos. Este aspecto de incompreensibilidade para o entendimento humano é, talvez, a nota mais característica do conceito “mistério” na sua acepção vulgar. As religiões de “mistérios” Na linguagem religiosa, a palavra “mistério” tem sido utilizada ao longo da história com significados diferentes que inevitavelmente se reflectem no uso que dela fazemos na actualidade. No contexto da história das religiões, o termo aparece no plural para designar um tipo singular de religiões de mistérios ou religiões mistéricas. Na Antiguidade, os “mistérios” significavam o conjunto de doutrinas que só eram comunicadas aos iniciados e também os correspondentes ritos e acções simbólicas, pelos quais os participantes procuravam alcançar a salvação. Eram assim os cultos mistéricos greco-


mistério | np | 21 -orientais e romanos (Eleusis, Attis, Cibeles, Dionisos, Ísis, Mitra). Em relação às religiões de mistérios, a questão mais importante para a teologia cristã foi a da relação dessas religiões com a origem e o desenvolvimento do cristianismo. Superadas as afirmações de uma dependência fundamental da doutrina cristã do mistério relativamente aos mistérios gregos – afirmações fundadas numa utilização incorrecta do método comparativo pela escola teológica de história das religiões – hoje considera-se como mais provável a conclusão de uma independência fundamental do cristianismo nas suas origens em relação aos mistérios pagãos. Actualmente, sublinham-se mais as conexões entre mistério cristão e mistério no judaísmo. Os mistérios cristãos, conservando embora não poucas analogias de forma e de designação relativamente aos mistérios pagãos, deles diferem, no entanto, pela origem, pelo conteúdo e pela significação do conjunto. Em nenhum culto mistérico se fala de uma verdadeira ressurreição de um deus morto. Nem se apresenta a morte da divindade como sacrifício voluntário. Nem a salvação espiritual que se oferece aos iniciados é uma redenção do pecado, e raras vezes exige uma transformação moral dos homens. O “mistério” na linguagem bíblica Nos livros do Antigo Testamento só muito raramente e apenas na literatura da época mais tardia é que se encontra o termo mistério. Assim, aparece no livro de Daniel, que é um apocalipse, isto é, uma revelação dos segredos dos “mistérios” divinos (Dn 2,18 e ss, 27 e ss, 47; 4, 6); no livro da Sabedoria, que, não ignorando a existência de mistério nos cultos do paganismo (Sb. 14, 15, 23), aplica este termo a realidades transcendentes que são objecto de revelação: os segredos de Deus na recompensa dos justos (2,22) e os segredos relativos à origem da sabedoria divina (6,22). O horror que o povo de Deus sentia pelas abominações que se realizavam nos mistérios pagãos pode ter influído no uso tão raro deste termo nos livros sagrados do Antigo Testamento. No Novo Testamento encontra-se uma vez esta palavra “mistério” em cada um dos evangelhos sinópticos, em lugares paralelos, referindo-se ao Reino de Deus. Aparece mais frequentemente no livro do Apocalipse e, sobretudo, nos escritos de São Paulo, onde, em geral, “mistério” refere o desígnio oculto de Deus, agora revelado e proclamado, de conceder a salvação por meio de Jesus Cristo (2 Ts, 1 Cor e Rm). Nas cartas do cativeiro (Cl e Ef), a atenção de Paulo dirige-se a Cristo a ponto de o “mistério”, como desígnio salvífico de Deus, se concretizar numa Pessoa, em Cristo: «o mistério escondido desde os séculos e gerações, mas que agora foi manifestado ao seu povo santo, a quem Deus quis dar a conhecer qual seja a riqueza da glória de este “mistério” entre os gentios, que é Cristo em vós, a esperança da glória» (Cl 1,26-27). E este “mistério” de Cristo em nós realiza-se na Igreja: «podeis compreender o meu discernimento no “mistério”de Cristo; mistério que noutras gerações não foi dado a conhecer aos homens como agora foi revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas: que os gentios são co-herdeiros, membros de mesmo corpo e co-participantes da mesma promessa em Cristo Jesus por meio do Evangelho» (Ef 3, 4-6). Com estas palavras, São Paulo diz-nos que o grande “mistério”, oculto a outras gerações, foi a constituição de um único Povo de Deus, formado pelo povo judeu e gentio, antes

irreconciliáveis: e o único Povo de Deus é a Igreja. “Mistério” na linguagem cristã Numa teologia elaborada numa perspectiva cristã o “mistério” tem uma pluralidade de aspectos complementares. Vai designar em primeiro lugar o “mistério de Deus”. É o aspecto de mistério-verdade: Deus é o totalmente outro. Somente quando Ele se autocomunica mediante a Revelação é que o homem, e apenas por conceitos analógicos, pode ter algum conhecimento a Seu respeito. Este aspecto de ser inacessível, escondido ao entendimento humano, aparece em quase todos os textos da Escritura sobre “mistério”. O “mistério” pode ser incompreensível, sem ser inteiramente ininteligível; a razão não pode aceitar um facto que lhe seja contrário, mas pode e deve inclinar-se perante o que lhe é superior. Outro aspecto é o mistério-acção: o mistério, tal como no-lo revela a Escritura, é uma realidade essencialmente dinâmica; é a realização do desígnio salvífico de Deus, em Cristo e na Igreja, por meio do Espírito. Há, ainda, o aspecto mistério-culto: no vocabulário eclesiástico designou por muito tempo os sacramentos, em particular o baptismo e a eucaristia, falando-se, ainda hoje, nos “santos mistérios” com referência à missa. Aplica-se também aos grandes acontecimentos históricos da vida de Cristo ou da Virgem Santíssima, que a Igreja propõe à piedade dos fiéis: “mistérios” do Natal, da Páscoa ou do Pentecostes; “mistérios” do Rosário. A representação dos “mistérios De referir, ainda, os “mistérios” enquanto forma do drama sacro, na Idade Média. Consistia na encenação da história religiosa segundo o Antigo e o Novo Testamento, os livros apócrifos, a tradição e a lenda. No início, foram celebrados na própria Igreja, em língua latina e em prosa, sendo os seus intérpretes os próprios sacerdotes, como prolongamento da liturgia. Depois, pouco a pouco, foram os “mistérios” levados aos adros das igrejas e passaram a ser interpretados por leigos, em vulgata e versos. Assim são conhecidos os “mistérios” da Natividade, da Redenção, da Conversão de São Paulo e S. Nicolau, nos séc. XII e XIII. Propriamente, os “mistérios” com a forma absolutamente teatral aparecem apenas no séc. XV. Os intérpretes passaram a ser exclusivamente leigos, amadores que às vezes pagavam por alto preço a honra de interpretar as mais altas figuras do “mistério”. A representação chegava a durar vários dias e a sua montagem cénica, quando se representava diante das grandes catedrais, custava muito dinheiro e consumia meses de trabalho aturado. Mas a maioria dos “mistérios”, representados em localidades menos importantes, vivia em particular da emoção literária e mística do texto e da devoção com que eram ditas as partes, já que, em geral, versavam a narrativa da simples e modesta vida de Jesus, em especial até do Deus Menino. E foi esta forma mais simples que perdurou através dos tempos até chegar aos dias de hoje, em que, nas pequenas aldeias, se conservam tradições da representação de “autos” que, afinal, são simplificações populares dos velhos “mistérios”, de texto ingénuo e às vezes de inexcedível espontaneidade e até de originalidade. Pe. António Janela

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o olhar

Sonho fabricar

22 | np | editorial

Um olhar que aponte para uma meta mirífica, trespassando o horizonte, para depois pousar em ti como se nada de mais valioso existisse. Que goteje o mistério do cosmos, da esfinge, da pantera, do templo. Que exale a doçura de um menino perdido no mundo, de uma mãe a amamentar o seu filho. Que condense a cintilação das estrelas, a gratidão dos girassóis, a serenidade do oceano a repousar na escuridão, um fogo a arder na noite, sempre, sempre, sempre, noite após noite, após noite, sempre, sempre. Um olhar que te penetre até ao osso do coração para te devolver a tua melhor poesia, de ti desconhecida. Que te dispa sem que possas fugir ou esconder-te. Que não destile mel, mas um veneno a que não consigas resistir. Que convoque o charme do actor de cinema, a profundidade do escritor, a omnipotência do juiz supremo, a sedução maléfica de uma lolita, a compaixão de Buda e de Cristo, a sabedoria de todos os livros. Manuel Monteiro




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