Praia dos ingleses _ Um espaço em transformação a partir de 1960

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O Distrito de Ingleses do Rio Vermelho, ou Praia dos Ingleses, como a localidade é conhecida, surgiu do desmembramento do Distrito de São João do Rio Vermelho, a 4 de dezembro de 1962, pela lei nº. 531. Desde então, o balneário passou a denominar-se oficialmente Distrito de Ingleses do Rio Vermelho. Antes da existência dos distritos, a área estava integrada à Freguesia de São João Baptista do Rio Vermelho, um dos seis núcleos mais antigos da Ilha de Santa Catarina, fundado desde a Resolução Régia de 11 de agosto de 1831. O nome desta freguesia originou-se de um dos dois veios d’água do rio Vermelho, que derivam de uma nascente na base dos cômoros de areia que separavam a praia dos terrenos de lavoura. Os dois riachos nascem com águas claras, sendo que um corre em sentido norte, desaguando no mar da Praia dos Ingleses, e o outro corre em sentido sul, adquirindo uma coloração vermelha a mais ou menos três quilômetros da nascente, devido à vegetação e às terras que corta, principalmente em épocas de chuvas. Mas, por que Ingleses? De acordo com Várzea (1900), a denominação de Ingleses provém do naufrágio de uma embarcação inglesa, nas proximidades da comunidade. A denominação de Ingleses provém de uma barca dessa nacionalidade que aí virou, com uma lestada, em fins do século passado. Essa embarcação, segundo dizem, viera tocada e com água aberta do mar alto e encalhara na praia em frente à ilhota Mata-Fome, salvando-se toda a companhia, da qual alguns homens se deixaram ficar no lugar, constituindo família e entregando-se à pesca e aos serviços rurais. 29

Mas esta é apenas uma versão da história - como Várzea expressa, “segundo dizem” -, pois não há registros oficiais que declarem a origem do nome. Encontramos no jornal O Estado, datado de 12 de janeiro de 1985, texto referindo-se aos atrativos turísticos da Praia, tendo em vista a época de veraneio, pleno janeiro. Neste mesmo artigo, consta o subtítulo “Um nome misterioso”. O conteúdo do artigo é bastante interessante, apresentando mais duas versões para a origem do nome da comunidade. Como surgiu o nome da Praia dos Ingleses? Esta resposta ainda contém o mistério natural de um lugar que por muito tempo viveu no isolamento. Uma versão é a de um naufrágio, no início do século, e que teriam aparecido três corpos de marinheiros ingleses nesta praia e enterrados no cemitério local. Outra história 29

VÁRZEA, Virgílio. Santa Catarina – a Ilha. Florianópolis: Lunardelli, 1985. p 98.


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possível é que o nome era dado ao referir-se a companhia inglesa de exploração de óleo de baleia, que existia até a primeira década deste século. Alguns nativos ainda guardam os tachos que já pertenceram aos exploradores do óleo.30

Mas as versões sobre o nome da localidade não param por aí. Em um outro artigo, publicado no Diário Catarinense, em um encarte especial em comemoração dos 166 anos de organização administrativa do distrito, encontramos uma outra história, contada por Reinaldo Vieira Stuart, que se diz ser descendente de uma família inglesa (os “Stuart”) que supostamente teria sido responsável pelo nome da comunidade. Reinaldo conta uma história passada de pai para filho em sua família, mas salienta que não há como comprovar os fatos. Vejamos como a história foi publicada no jornal Diário Catarinense: Ele diz que, entre 1790 e 1795, um núcleo da família Stuart – descendente da rainha Ana, da Inglaterra, falecida em 1760 – chegou ao Brasil. O navio aportou no Nordeste. Alguns viajantes resolveram ficar em Pernambuco, seguindo depois para o Ceará, onde estabeleceram-se na cidade de Crato. Aqueles que optaram por não ficar nessa região seguiram viagem no navio rumo ao Sul. Eles assim chegaram à costa da Ilha de Santa Catarina, onde encontraram ventos muito fortes, que vinham do Leste e que fizeram a embarcação naufragar na praia em frente à Ilhota do Mata-Fome. Os náufragos foram socorridos pelos moradores de São João do Rio Vermelho, Aranhas, Canasvieiras e proximidades. Todos queriam ver de perto os ingleses naufragados. 31

Entre a explicação apresentada por Várzea e a história de Reinaldo contada ao Jornal Diário Catarinense (publicada em 26/08/1997) existem alguns pontos de convergência, pois ambos referem-se ao naufrágio de uma embarcação de origem inglesa, provocado por fortes ventos vindos do leste, ou “lestada”. No entanto, seu Zeferino, ex-morador da Praia dos Ingleses, geógrafo interessado pela história das suas origens, nos diz que realmente esta é uma questão difícil de responder, pois “no mapa dos Ingleses de 1812, o local aparece como ‘Ponta do Inglês’”, e ele salienta: “não é dos ingleses”. E outros mapas mais antigos da Ilha (não soube datar) fariam referência ora a “ingleses”, ora a “inglês”. 32

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Jornal O ESTADO. Florianópolis, 12/01/1985. (acervo da Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina) Jornal DIÁRIO CATARINENSE.. Encarte Especial. Ingleses, 166 anos de praia. Florianópolis. 26/08/1997. 32 Seu Zeferino (entrevista realizada em 23/01/2005). 31


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Então, a coisa era assim, ou um inglês se jogou de um navio que vinha com os escravos - também em navio mercantil de pirataria, que ele fugiu -, ou o navio afundou, bateu em algum lugar e eles saltaram, ou alguém foi expulso do navio. Alguma coisa aconteceu. E, algum deles bateu aqui, então a Ponta do Inglês, aí virou a Praia dos Ingleses. 33

Se continuássemos buscando explicações para a origem do nome “Ingleses”, talvez encontrássemos inúmeras outras histórias e relatos. Mas, diante de tantas versões, seria inútil buscarmos uma que pudéssemos considerar a derradeira. Por isso, preferimos deixar que os múltiplos relatos da imaginação e da memória popular permaneçam como o “mistério” da tradição oral desta comunidade.

2.1 A população dos Ingleses em números O fenômeno da urbanização da Praia dos Ingleses se dá principalmente a partir da construção das rodovias de acesso à comunidade e da instalação de serviços de infra-estrutura urbana que, aliados às belezas naturais locais, atraíram muitas pessoas para a localidade. O crescimento do setor turístico provocou um aumento populacional tanto de pessoas em busca de lazer como de pessoas em busca de uma oportunidade de emprego. Grande parte do contingente migratório que fixou moradia na Praia dos Ingleses, nas últimas décadas, é oriunda principalmente do interior do Estado de Santa Catarina e dos estados vizinhos, Rio Grande do Sul e Paraná. A população fixa do Balneário dos Ingleses, assim como em outros balneários turísticos da Ilha, como Canasvieiras, Barra da Lagoa e Lagoa da Conceição, também vem aumentando rapidamente, devido à oportunidade de empregos em atividades de construção civil e na ampla gama de atividades de prestação de serviços. Outro fator que tem contribuído e atraído famílias inteiras para morar em Florianópolis, de modo geral, é a sua divulgação, nos meios de comunicação, como a Capital do país com melhor qualidade de vida. “Assim, muitos cidadãos e famílias, originárias de diversas partes, passam a residir nestes recantos, indiferentes ao fenômeno turístico, ou sem relações com o mesmo”.

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Idem. LAGO, Paulo Fernando. Florianópolis: a polêmica urbana. Florianópolis: Palavra Comunicação, 1996, p. 273. 34


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A presença humana na Praia dos Ingleses, segundo dados até agora disponíveis, está relacionada ao terceiro grupo de ocupantes da Ilha35, os carijó. Estima-se que os carijó migraram para a Ilha no século XIV, onde permaneceram até a chegada dos europeus. Quanto à história destes habitantes, pouco se conhece, salvo raras menções dos europeus que passaram pela Ilha. De acordo com os poucos registros conhecidos, principalmente do espanhol Cabeza de Vaca, os carijó eram amistosos, reuniam-se em tribos de 30 a 80 habitantes, vivendo da pesca e da agricultura. Povoaram vários locais da Ilha - Lagoa da Conceição, Rio Tavares, Pântano do Sul -, preferencialmente localidades de solo arenoso e com dunas, que facilitavam o cultivo da mandioca36. Os carijó permaneceram na Praia dos Ingleses por mais de 300 anos, até a chegada dos europeus, principalmente os açorianos. Os açorianos que vieram morar na localidade teriam vindo de cidades vizinhas. A colonização desta praia iniciou-se a partir de famílias de pescadores que se deslocaram de Ganchos e Biguaçú. Antigamente era comum que famílias inteiras visitassem amigos e parentes – sempre em embarcações – nos municípios considerados a “Mãe Pátria” de Ingleses. 37

Seu Zeferino relata que, a maior parte da população dos Ingleses vem dos Ganchos, não os recentes, mas os mais antigos, eles vieram dos Ganchos, quando era Ganchos, né. Vieram para a Barra da Lagoa. Nós somos quase todos filhos de gancheiros.

Da primeira leva migratória, de maioria açoriana, até meados da década de 1950, a população dos Ingleses e Rio Vermelho manteve-se reduzida, e em 1954 contava com apenas 284 habitantes, sendo 138 do sexo masculino e 146 do sexo feminino. Entre os anos de 1954 e 1960, a localidade percebe um aumento populacional significativo, e passa a contar com 2.994 habitantes.

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Segundo dados do Cecca, os primeiros habitantes foram os sambaquianos e os segundos, os itararés. CECCA, Op.cit., p. 33-37. 37 Jornal O ESTADO. Florianópolis, 12/01/1985. (acervo da Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina). 36


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Tabela Nº 2 População da Praia dos Ingleses por número de habitantes Ano Nº habitantes 1954 1960 1970* 1980 1991 1996 2000 *

284 2.994 2.016 2.378 5.862 7.741 16.514

FONTE: IBGE Número de habitantes após o desmembramento (1962) do Distrito.

O elevado índice do aumento populacional deste período estaria relacionado ao grande fluxo migratório provocado pela farta pesca, bem como representaria o período em que começam a se instalar as primeiras casas de veranistas. No entanto, a diferença dos números, de certa maneira pode estar relacionada, aos critérios de coleta de dados, tendo em vista que em 1950 o censo não foi realizado pelo IBGE, mas pelo IHGSC – Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. O lugar foi mudando. Nos anos 60, também chegaram os primeiros turistas aqui. Vinham para cá e se hospedavam em casa de pescadores, inicialmente. Depois eles foram comprando propriedade, foram instalando as primeiras casas de turistas. 38

No ano de 1970, o censo do IBGE registrou 2.016 habitantes, uma redução populacional de 32,6%. No entanto, esta queda pode ser explicada por dois fatores: primeiro porque, neste período houve o desmembramento, passando a contar somente a população do Distrito de Ingleses; segundo, como analisa May (1995), à época em que foi realizado o censo muitos trabalhadores estavam ausentes, trabalhando na pesca em outras regiões, tendo em vista que a pesca local era basicamente de subsistência, não lhes garantindo rendimentos significativos. Tal redução é explicada pelo fato de que na época do censo centenas de trabalhadores ligados à atividade pesqueira haviam se deslocado às cidades de Itajaí – SC, Rio Grande – RS, Santo – SP e Rio de Janeiro – RJ, em busca de 38

Seu Zeferino (entrevista realizada em 23/01/2005).


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trabalho ,representando, portanto, uma falsa queda no contingente demográfico local. Este movimento tinha características sazonal em função das safras da tainha, anchova, camarão e sardinha.39

Segundo dados do IBGE, no período de 70/80 o crescimento anual do Balneário dos Ingleses foi de 2,94%, enquanto que no Município de Florianópolis esta taxa estava em torno de 3,11% anual. Na década seguinte (intercenso 80/91), a taxa do município cai para 2,38% anual, enquanto que no Balneário dos Ingleses esta taxa eleva-se de forma surpreendente, apresentando um crescimento populacional de 7,32% anual. É neste mesmo período que algumas localidades da Ilha são declaradas oficialmente como áreas turísticas, conforme Plano Diretor dos Balneários 40. No período 1991/1996, segundo levantamento do IBGE, ocorre um novo incremento populacional, passando de 5.862 para 7.741 habitantes. Porém, segundo análise de FERREIRA (1999), neste período, parece ter havido uma falta de acompanhamento estatístico que respondesse ao boom populacional do Balneário, revelando uma certa incoerência entre os dados da CELESC - Centrais Elétricas de Santa Catarina e do IBGE. Estes dados discordam daqueles obtidos através do levantamento do número de ligações elétricas cadastradas na CELESC que, em junho de 1997 representava 8.831 ligações, das quais 4.944 eram ligações em residências de não veraneio. Considerando-se uma média de 4 pessoas por família - de acordo com o cadastramento realizado pelo Posto de Saúde local de 1.500 famílias - chega-se a uma população residente de 19.776. Não se está acreditando aqui que este aumento quase triplicado, tenha ocorrido entre 1996 e julho de 1997. 41

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MAY, Marilú Angela Campagner. Implantação de obras públicas em núcleos tradicionais – o caso da Praia dos Ingleses, na Ilha de Santa Catarina. Florianópolis, 1995. Dissertação de Mestrado (Geografia). UFSC. p. 39 40 Lei Municipal nº. 2.193/85 – “Dispõe sobre o zoneamento, o uso e a ocupação do solo nos Balneários da Ilha de Santa Catarina, declarando-as área especial de interesse turístico e dá outras providências”. Art 2º: “As disposições da presente Lei aplicam-se ao território delimitado no mapa do anexo I, é formado pelos distritos de Santo Antônio de Lisboa, Ratones, Canasvieiras, Cachoeira do Bom Jesus, Ingleses do Rio Vermelho, São João do Rio Vermelho, Lagoa da Conceição, Ribeirão da Ilha e Pântano do Sul.” 41 FERREIRA, Tânia M. Machri. Distrito de Ingleses do Rio Vermelho – Florianópolis, um espaço costeiro sob a ação antrópica. Florianópolis, 1999. Dissertação de Mestrado (Geografia). UFSC. p. 104


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2.2 A população dos Ingleses: algumas vozes e falas Antes de descrevermos as lembranças dos moradores da Praia dos Ingleses sobre o seu cotidiano e suas experiências, gostaríamos de apresentá-los, contar quem são estas pessoas amáveis que se dispuseram a conversar conosco, abrindo as “portas” das suas casas e memórias. As entrevistas foram realizadas em duas etapas, duas no ano de 2003 e as outras no ano de 2005. 42 Quem são estas pessoas que nos falam? Para começar, podemos falar dos pontos em comum destas pessoas: todos têm mais de setenta anos, nasceram na Praia dos Ingleses e permanecem vivendo na localidade até hoje. Cada uma destas pessoas apresenta suas peculiaridades na forma de falar, na forma de lembrar e recordar os fatos e experiências cotidianas. Todos os entrevistados mostraram-se satisfeitos e sentiram-se até importantes por alguém se interessar nas histórias que têm para contar sobre seu passado. Recordaram com muita alegria os tempos difíceis, que até aquele momento lhes pareciam histórias sem importância. Utilizamos a mesma técnica de entrevistas para todos os entrevistados, permitindo que eles pudessem falar livremente. As entrevistas foram todas gravadas, com a permissão dos entrevistados. Inicialmente houve um estranhamento quanto à técnica, principalmente por parte daqueles que não estavam acostumados a serem entrevistados. Porém, no transcorrer da pesquisa, foram se acostumando e fomos percebendo o prazer e a espontaneidade com que contavam suas histórias. Alguns entrevistados, inclusive, aproveitavam a nossa relação para mandar lembranças aos amigos que há muito não vêem. Iracema Nunes – Foi a primeira entrevistada. Dona Iracema, ou Cema, tem 76 anos, é filha do Seu Fernando Nunes e da Dona Maria Fermina da Cruz, o pai nascido no Sítio (uma localidade dos Ingleses) e a mãe nascida na Barra da Lagoa. Teve dois irmãos, sendo um homem e uma mulher (ambos já falecidos). Dona Iracema não se casou, trabalhou fazendo renda de bilro, na salga e como costureira. Hoje mora no mesmo lugar onde nasceu, com uma 42

Como esclarecemos no início deste trabalho, em 2002, quando da realização do trabalho de conclusão da graduação, percebemos a necessidade de construir uma história para a comunidade da Praia dos Ingleses. Então, no ano de 2003, começamos a colher informações, com a preocupação que os depoentes pudessem vir a falecer, tendo em vista serem poucos os moradores antigos mais velhos.


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sobrinha. Além de ser minha vizinha, é uma pessoa muito bem humorada e sempre gostou muito de festas, e diz: “credo, como eu fazia farra!”. Isidro José Fernandes – É o morador mais antigo dos Ingleses ainda vivo: está com 105 anos. Filho de Alexandre José Fernandes e Maria Alexandrina de Jesus, nasceu no dia 14 de outubro de 1900. Apesar da idade elevada e da catarata que o impossibilita de sair de casa, é uma pessoa bastante informada, pois sempre ouve as notícias no radinho de pilha. Seu Isidro, assim como o pai, viveu da agricultura de subsistência e da pesca. Casou-se duas vezes e teve cinco filhos. Judite Silva Fagundes – Filha de João Fernandes Silva e Maria Alexandrina da Silva, tem 77 anos. Dona Judite foi criada como filha única, pois seus irmãos morreram ainda muito pequenos. O pai trabalhava arrumando rede de pesca (remendava, costurava), e por causa do reumatismo não trabalhava “no pesado” (puxando rede de arrasto). A mãe, além do trabalho doméstico, trabalhava na salga (escalando peixe) e nos engenhos de farinha (forneando). Dona Judite diz que tiveram uma vida muito difícil, pois eram muito “pobres”. Casou-se com 21 anos e teve 5 filhos. O marido era pescador, ela fazia renda para ajudar no sustento da família. Diante de todas as dificuldades que passou na vida, hoje se considera uma pessoa feliz, “por isso eu não quero morrer, peço a Deus que me deixe viver mais um pouco, porque agora que tá bom para viver”. Osmar Fernandes da Silva – Nasceu em 1º de março de 1925. Filho de José Fernandes da Silva, era o filho mais novo de uma família bastante extensa, 14 irmãos (seis mulheres e oito homens). O pai era considerado um dos homens mais ricos dos Ingleses, proprietário de rede de pesca, de barcos e da salga. Seu Osmar trabalhou na agricultura, na pesca dos Ingleses e na cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Foi dono de um galpão de pesca, ali onde hoje é a pracinha dos Ingleses. Casou-se aos 28 anos, teve 5 filhos (um faleceu com 3 anos). Hoje, aos 81, é um homem vaidoso, e gosta de contar suas aventuras e namoros da época de juventude.


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Dona Neném - Tem 79 anos. Preferiu não publicar seu nome completo, nem de seus pais. Inicialmente, Dona Neném ficou um pouco desconfiada, queria saber o que iríamos fazer com o seu depoimento. Explicamos que era para um trabalho da faculdade, que já havíamos entrevistado Dona Iracema e Dona Judite, então ela aceitou nos dar a entrevista, contanto que não publicássemos seu nome completo. Dona Neném nasceu na Praia do Santinho, teve três irmãos (duas mulheres e um homem), ficou órfã de mãe aos dez anos, e de pai aos dezesseis. Morou com as duas irmãs até os 21 anos, quando se casou e foi morar na Praia dos Ingleses. Teve nove filhos (seis homens e três mulheres). A vida toda trabalhou como rendeira (até hoje faz renda para vender). Fez parte da Congregação da Filhas de Maria, dos quatorze aos vinte um anos (quando casou). Há quatorze anos fundou o Grupo de Idosos, que reúne-se às quintas-feiras à tarde no salão da paróquia. Na certidão de nascimento, Dona Neném tem 85 anos, pois foi registrada com a irmã mais velha. Naquele tempo, havia somente um cartório no Rio Vermelho, e os pais, para não gastarem com o registro, ou não registravam os filhos ou esperavam e registravam todos juntos. “Então na certidão, somos gêmeas”. João Manoel Gomes – Seu João é o segundo morador mais velho dos Ingleses, está com 95 anos. Filho de Seu Manoel Guilherme Gomes e Dona Manoela de Aguiar. Mora na mesma casa há 50 anos, na rua João Nunes Vieira, a antiga rua Principal dos Ingleses, que ele mesmo ajudou a abrir por volta de 1920. Seu João, aos 19 anos, pediu autorização ao pai e foi trabalhar na pesca no Rio Grande do Sul, onde trabalhou por 40 anos. Casou-se aos 32 anos com a prima, Dona Leontina, e tiveram cinco filhos. Leontina Maria Gomes – Esposa do Seu João Manoel Gomes, está com 84 anos. Enquanto o marido estava na pesca no Rio Grande do Sul, para mandar algum dinheiro para a família, Dona Leontina cuidava da casa e dos filhos. Com o auxílio do compadre, trabalhava na roça e criava alguns animais. Dona Leontina e Seu João são casados há mais de 60 anos.


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César Augusto Zeferini – Professor de Geografia, aposentado pela Universidade Federal de Santa Catarina, é filho dos Ingleses. Durante nossa entrevista ora falava como professor - conhecedor e pesquisador do processo de transformação da localidade - ora como filho da terra - dos sentimentos, desejos e dificuldades que passaram, ao longo de suas existências. Entrevistamos o Professor Zeferino porque fomos informados que ele estaria escrevendo uma obra de caráter literário (utilizando prosa e poesia) sobre a Praia dos Ingleses. Então, aproveitamos para trocar algumas idéias, bem como a oportunidade de absorver um pouco do seu conhecimento como pesquisador da comunidade. A entrevista talvez seja o momento mais gratificante, mais suave e descontraído de todo o processo da pesquisa. É um momento mágico, onde entrevistado e entrevistador mergulham num “mar” de representações, onde os entrevistados são os detentores das lembranças e recordações, e nós, entrevistadores, os “sedentos” pelo conhecimento, pela vivência de algo que nunca poderemos viver, somente podemos imaginar e sonhar com eles.


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2.3 Falas sobre o “antigamente” 2.3.1 O trabalho O trabalho na Praia dos Ingleses era exclusivamente feito com mão-de-obra familiar. As atividades econômicas da localidade estavam pautadas na pesca, na agricultura e na renda. No entanto, eram muitas as atividades e trabalhos caseiros, tendo em vista que quase tudo era produzido por eles. Mesmo não lhes faltando nada para a sobrevivência, o acesso ao dinheiro (moeda) era bastante escasso, dificilmente tinham alguma forma de rendimentos, senão nos períodos de safra, principalmente da tainha e da produção da farinha de mandioca.

Mas era uma fartura, era na lavoura. Naquele tempo dinheiro não havia. Naquele tempo quem tinha 500,00 cruzeiros no bolso, era um ricaço. Mas dinheiro não havia assim. Nós plantávamos mandioca, feijão, tudo da roça. Tudo era roça..43

Por longos anos, os moradores dos Ingleses mantiveram uma economia de subsistência, semelhante às características descritas por Várzea (1985:159): no início do século XX, “as atividades dos habitantes das freguesias e arraiais da ilha de Santa Catarina repartiam-se entre a pesca e a roça, de onde tiravam todos os seus meios de subsistência”. Assim, todos precisavam dedicar parte do seu tempo à pesca e à agricultura, para poderem suprir suas necessidades. ... trabalhavam na lavoura, todo mundo, e nós tudo aqui também era pescador. Eu era pescador, eu era roceiro. Tinha engenho de farinha, tinha gado, tinha carro de boi. Eu era pescador e era roceiro. Trabalhava até ao meio dia na roça e à tarde ia para rede.44 Nossos pais eram lavradores, plantavam mandioca, milho, feijão, para comer, mas quase todos eram pescadores, né. Era um tempo de muito peixe (...) Vivia da pesca e da roça, era muita gente plantando naqueles morros. - Mas cada um tinha sua lavoura?

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Seu Isidro (entrevista realizada em 20/06/2003). Idem.


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Sim, cada um tinha o seu pedaço, cada um cultivava do que era seu. Alguma coisa ainda dava para vender, e a maioria era para consumo da casa. Muito poucas coisas se vendia. - E o que você precisavam comprar? Nós comprávamos as coisas que faltava, comprava açúcar, as coisas que faltava em casa porque muita coisa a colheita não agüentava o ano todo, né.45

Seu Zeferino nos explica que a comunidade tinha como base econômica a pesca, mas a agricultura, embora de subsistência, também gerava alguma renda. O excedente da produção local, como farinha, banana, mandioca, era comercializado no centro ou trocado por outras mercadorias. Nas décadas de 1920 e 1930, segundo os moradores locais, Ingleses e Aranhas (atual Praia do Santinho) contavam com mais ou menos vinte e um engenhos artesanais de farinha e três engenhos de cana de açúcar. A partir da década de 1930, a pesca passa a ser a principal atividade econômica local. Nas décadas de 1940 e 1950, a pesca na Praia dos Ingleses estava no auge, e existiam cerca de quarenta redes de pesca artesanal (arrasto), que eram de propriedade de Gentil Mathias da Silva (nome da primeira escola municipal da localidade) e de José Fernandes da Silva. Estes dois homens eram tidos pelos moradores locais como as pessoas de maior poder econômico e político. Norberto Prochnov refere-se a eles como “coronéis”; nossos entrevistados, no entanto, lhes atribuem somente a categoria de “mais ricos.” Freqüentemente, nossos entrevistados diziam que eram “pobres”, e que as casas eram muito simples porque eram “pobres”; então, resolvemos perguntar se existiam ricos e, se existiam, quem eram eles. - Quando a senhora diz que seus pais eram pobres, aqui existiam ricos? Tinha o seu José Fernandes, que é meu tio, pai da Dona Santinha, o tio da Roseni. Seu José Fernandes e o falecido Gentil, o Valmor, pai do Adilson. É, por aqui os que mais tinham era eles, o resto era tudo pobre, tudo pobre.46

No ano de 1942, a comunidade capturou cerca de 1.200.000 tainhas durante a safra. Seu Osmar, filho do Seu José Fernandes da Silva, disse que, com aquela safra, ele ganhou 5 contos, dinheiro com o qual pôde fazer sua primeira casa. 45 46

Dona Neném (entrevista realizada em 10/06/2006). Dona Judite (entrevista realizada em 01/03/2006).


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Outra forma de rendimento eram as rendas de bilro. O trabalho da renda de bilro era feito pelas mulheres, nas horas de folga e à noite. As meninas, que muito cedo aprendiam esta tarefa. Além do trabalho doméstico e da lavoura, as mulheres também trabalhavam na salga, (“escalando” peixe), forneavam nos engenhos de farinha e dedicavam-se a fazer renda para conseguirem algum dinheiro, auxiliando na economia do lar. (...) então foi uma dificuldade muito grande, na minha vida eu já escalei muito peixe também, nos galpões, aqueles rancho de canoa, a gente escalava peixe para mandar para fora, tinham as embarcações que levava esse peixe escalado. E enfim, muita renda eu fazia, mas isso ainda estou fazendo, a almofadinha está ali. - Ah, a senhora ainda faz renda? Ainda faço, e gosto muito. - E vocês faziam renda pra vender, onde? Nós vendíamos, fazíamos para vender. Andavam as rendeiras vendendo, não sei para onde elas levavam. A gente ia até o Rio Vermelho vender, também, nas portas a gente vendia por um preço, e no Rio Vermelho era outro, lá era mais caro. Depois eu passei então a fazer e levava para a Lagoa da Conceição, lá eu vendia muito bem. Me encontrava com umas senhoras do Estreito, Barreiros, que faziam encomendas, ai eu levava aquelas encomendas para elas, era um preço melhor, e assim a gente viveu. Agora esse tempo que nós estamos é maravilhoso .47 Eu fazia renda para vender lá na Cachoeira. Na Cachoeira e no Rio Vermelho, tinha uma mulher que vinha buscar. De oito em oito dias ela vinha buscar, era lençol, era toalha pequena, era bandejão. Eu tirava muita renda de cabeça, eu fazia uma roda grande assim de cabeça. 48

Dona Judite nos contou que para se casar fez muita renda, o enxoval de casamento foi todo comprado com o dinheiro da renda, somente os lençóis foram presente da tia: Eu me aprontei para casar da renda. Não era enxoval bom, mas me casei.

Assim, as relações comerciais dos moradores da Praia dos Ingleses estavam centradas no comércio da produção agrícola excedente, do peixe e da renda. No entanto, entre os habitantes da comunidade as relações de troca e doações eram práticas comuns. Quando alguma família, por algum motivo, tivesse necessidade de algum 47 48

Dona Neném (entrevista realizada em 10/06/2006). Dona Iracema (entrevista realizada em 03/05/2003).


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produto que não produziu, ou quando aconteciam boas safras de lavoura ou pesca, o excedente que não era vendido ou consumido pelo núcleo familiar produtor era trocado ou doado. Os grupos familiares que não produziam laranja ou outras frutas, por exemplo, podiam comprar ou ganhar dos produtores de laranja, o que garantia os complementos alimentares. Se fosse como de primeiro, não comprava nada no supermercado. Porque o amendoim tinha aqui, a farinha tinha daqui, o aipim tinha daqui, a batata tinha daqui, tinha tudo, repolho, tudo tinha aqui. Aqui está a nossa casa, mas ali mais na frente o papai tinha a roça dele, era o aipim, era tudo. A laranja, até era nojento no tempo da laranja, de tanta que tinha. A gente ia comprar, porque nós comprávamos, mas eles davam sacos e sacos de laranja. Nós íamos buscar hoje, e amanhã buscava mais, era bergamota e tudo, nós ganhávamos tudo.49

O mesmo acontecia com o peixe. Dona Neném conta: As redes eram lançadas e traziam os peixes para a praia, e os caminhões vinham buscar. O que não era vendido, o povo levava para casa. (...) A comida sempre tinha, o feijão, naquele tempo, mas arroz não era muito não. Arroz a gente não comprava muito, mas o feijão todo mundo tinha sua colheita. Tinham seus animais, uma ou duas vacas de leite, então tinha o leite, quem não tinha comprava ou ganhava dos vizinhos. Tinha muitas frutas nos pomares, laranja e todas as espécies de frutas. O que não tinha a gente ia pedir e as pessoas davam.50

Seu Osmar conta que a maioria do peixe pescado ou escalado nos Ingleses era levado em lanchas, baleeira ou caminhão para o mercado público do centro, ou para outras regiões, como Itajaí e Joinville. No entanto, algumas vezes o peixe capturado era trocado por mercadorias no centro. Naquela época, matava-se muito peixe, mas não se fazia dinheiro, não tinha valor. (...) Botava aqueles peixes escalados no cavalo e ia para o centro. Vendia para aqueles donos de venda, para os colonos, tudo peixe. Vendia peixe e trazia sabão, trazia querosene, trazia tudo. Tudo do peixe, e aqueles colonos davam as coisas para a gente, entende? 51 49

Idem. Dona Neném (entrevista realizada em 10/06/2006). 51 Seu Osmar (entrevista realizada em 15/05/2005). 50


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Seu Isidro diz que “o peixe era barato e era uma fartura”; como não tinha muito valor monetário, a troca representava uma forma de comércio muito comum. No final da década de 1950 e início dos anos 1960, há um incremento na atividade pesqueira da Praia dos Ingleses. Segundo Norberto Prochnov, em 1957 existiam cerca de 47 ranchos de pescador. Neste período foram fundadas 3 salgas, a primeira em 1962, pelo Senhor Gentil Mathias da Silva, um dos “coronéis” locais e donos de rede. As salgas modificaram muito as relações econômicas, empregaram muitos moradores locais, principalmente nos períodos das safras de tainha. O pessoal daqui trabalhava tudo da pesca, era mulher, era rapaz, moça, na salga do peixe. Tinha muita gente trabalhando para mim naquela época. 52

O trabalho na salga, como conta Dona Iracema, ... não parava nunca, trabalhávamos dia e noite. (...) Lá era assim, começava agora e acabava, amanhã. - Limpando peixe a noite toda? Que “tola”, tinha vezes que era duas noites, três noites, o dia todo, nós virávamos. Na época da tainha, porque aqui de primeiro, quanto mais cercava mais vinha. Daí eles pegavam ou compravam aquele monte de peixe, tainha. (...) Uma vez, foi uma escalada de três dias. A ova nós furava, para trazer para casa. Porque a ova, eles não queriam as furadas, queriam só as boas. Aí nós fazíamos que estava escalando (mostrava como furavam escondido) e furávamos a ova, para trazer para casa.

A atividade nas salgas, segundo pudemos perceber, assemelhava-se muito ao trabalho de extirpação e da salga do peixe que era realizado nas casas, conforme descreveu Virgilio Várzea, em 1900. O trabalho de escalar peixe nas cozinhas das casas era realizado principalmente pelas donas de casa e moças, que com muita destreza e alegria muitas vezes entravam madrugada a dentro na tarefa de abrir o peixe pelas costas, lanhar no sentido longitudinal, extrair a guelra, as ovas e a banha. O trabalho “só terminava quando a última tainha era escalada”. A banha extraída da tainha depois era derretida e transformava-se num azeite que era utilizado nas lamparinas.53.

52 53

Idem. VÁRZEA. Op. Cit. p. 168-170.


42

Dona Iracema lembra bem do tempo em que trabalhava na salga, e recorda com muita alegria o dia em que “tomou um porre” daqueles, no dia em que tiveram que escalar um caminhão de peixe congelado. Um dia tomei um porre, que lá da salga até aqui em casa caí uns quatro tombos. Tava bêbada, bêbada. Todo o dia escalando peixe, esquenta, esquenta. Agora eu posso falar. Para escalar peixe, um caminhão de peixe congelado que veio da cidade. Era um gelo, quem que botava a mão ali naquele peixe? Aí eu falei: - a gente limpa aquele peixe só com cachaça. Aí eles disseram: - Não tem problema. Tinha uma venda bem perto, né. E começamos a beber e a cantar dentro da salga. A beber e a cantar. Limpamos tudo, foi se embora o peixe. E para vir embora, era a Mana (irmã) e a Valdete (uma amiga) me trazendo pelo braço, e eu com esta muleta, eu não largava a muleta. E a Mana dizia: - Esta bêbada, que bebeu, bebeu. (rimos muito da história)

Aos poucos, a atividade da pesca foi decaindo, as salgas não existem mais, nem atividade nas plantações. As propriedades dos pescadores e agricultores aos poucos foram tornando-se lotes, que foram vendidos para veranistas, turistas e grupos de interesses econômicos voltados para o turismo. E o turismo torna-se a atividade econômica mais rendosa para estas pessoas, tendo em vista que suas propriedades passaram a ter valor monetário. Até a chegada dos primeiros veranistas e turistas, as terras não tinham um valor monetário, e a divisão do solo era feita conforme a necessidade de cada grupo familiar: cada um escolhia e demarcava o seu pedaço de terra. “Antigamente”, nos conta Seu Osmar, as terras eram “devolutas”: ... isso aqui era terreno “devoluto”. Onde eu moro aqui tem 2.700 m² de terreno. Eu era solteiro, estava com 28 anos, adquiri este terreno. Daí veio um senhor, mediu, o engenheiro, e disse: “olha seu Osmar, o terreno tem 2.700 m². O senhor vai esperar 90 dias e vai ver no diário oficial, se não tiver dono o terreno é seu. Aí correu os 90 dias e veio a chamada para fazer a escritura, escritura pública. Eu moro aqui há mais de 50 anos.


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2.3.2 A relação com a “cidade” Naquele tempo a cidade nem sei. Nem sabia onde era a cidade. Ninguém sabia.54

O isolamento dos moradores da Praia dos Ingleses é uma característica bastante marcante para estas pessoas, até os anos 1940. Até a vinda do primeiro ônibus para o norte da ilha, as únicas formas de contato com o centro de Florianópolis ou outras localidades da ilha ou do continente eram por via marítima, em barcos, ou por picadas e caminhos estreitos, cujos percursos eram feitos a pé, cavalo ou carroça. Seu Zeferino conta que o trajeto Ingleses-Centro, caso não fosse feito de barco, era feito basicamente por dois caminhos: Ou ia pela Praia Grande, passando pela Barra da Lagoa, Lagoa, Trindade e Centro a pé (...) ou ainda tinha uma trilha, que ela existe ainda ali, mas ela hoje não é mais trafegável, pelo Ratones, passava pelo Saco Grande e subia mais ou menos aí onde é a estrada do Itacorubi com o cemitério, também era outro caminho.

Devido à distância e a dificuldade de acesso, o contato dos moradores da comunidade dos Ingleses com o centro de Florianópolis era raro. A distância a ser vencida a pé era uma aventura, pois eram poucos os moradores que tinham cavalo ou carroça. Alguns entrevistados contam que preferiam sair à noite, por volta de 22:00 horas, para chegar bem cedo na cidade, enquanto outros preferiam sair pela manhã bem cedo, “saía pela manhã e voltava somente à noite”. (..) eu já andei muitas vezes pro centro de pé... Saía daqui umas dez horas da noite e chegava lá umas quatro horas da manhã, no centro. Caminhando, das nove, dez horas, caminhando pelo caminho afora, pelo escuro. Não tinha luz no poste, não tinha nada. 55

Mas as caminhadas à noite eram feitas principalmente pelos homens porque, quando eram acompanhados por mulheres ou crianças, ficava mais difícil, e o tempo de deslocamento era maior. Dona Neném conta que um dia foi acompanhar seu pai até o centro, tinha uns 14

54 55

Seu Isidro (entrevista realizada em 20/06/2003). Seu Osmar (entrevista realizada em 15/05/2005).


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anos. Fizeram o primeiro caminho a que Seu Zeferino se referiu. Vejamos como Dona Neném nos contou esta história, quando perguntamos: A senhora costumava ir para o centro? - Olha eu fui pro centro até de pé. Meu pai me levou com a idade de 14 anos, fomos lá pelas Aranhas, pelo Santinho, saía e ia embora, tinha um trilho e saía na Praia Grande, depois passava aquele tudo, chegava na Barra. Daí tinha um trilho, alguns tinham canoa, passava pela Praia do Retiro, depois na Lagoa da Conceição. E, subia aquele morro que tem sete volta e descia no Itacorubi, descia ia embora para cidade. Dois dias, saía daqui de manhã e ficava à noite em Itacorubi. Tinha uma família lá, ficava à noite e no outro dia ia pra cidade.

Seu Osmar lembra do medo que tinha, quando criança, de passar pela Ponte Hercílio Luz, pois estava acostumado a ir para o Continente de barco. Eu era pequeno, passava com meu pai pela mão para ir ao Estreito. Eu saía chorando, com medo de passar na ponte, porque eu olhava para baixo e era muito fundo. Lá em baixo era o mar, e eu podia cair. Ia com medo, pela mão do papai. Do centro de Florianópolis para passar para o Estreito, a primeira ponte que tinha era aquela. 56

Nesta relação com as invenções humanas, Seu Osmar faz uma comparação: “eu nasci em 1925, a Ponte Hercílio Luz foi feita em 1926”; no entanto, “ninguém mais passa por ela e eu ainda estou vivo”... “que bom para mim”.

56

Idem.


45

2.3.3 As escolas e a alfabetização A primeira escola municipal de primeiro grau completo, na Praia dos Ingleses, foi fundada em 1975: chama-se Escola Básica Municipal Gentil Mathias da Silva57 e está até hoje no mesmo lugar. Antes da construção da Escola Gentil Mathias, grande parte dos moradores eram alfabetizados e aprendiam as primeiras “letras” e “contas” nas escolas que atendiam até a 4ª série do primário. Conforme os relatos, nos Ingleses existiam duas escolas: uma perto da igreja e outra nas proximidades da atual escola municipal. Eu estudava aqui no lado. Perto do prédio da escola, era uma casa que tinha em frente. A professora morava ali mesmo, do outro lado, mas era tudo ali.58

Como as escolas ofereciam aulas até o quarto ano primário, o equivalente hoje ao ensino fundamental incompleto, a maioria dos moradores antigos estudou pouco. Pois se alguém quisesse estudar mais teria que ir para as localidades vizinhas, como Canasvieiras e Cachoeira, ou para o centro. A dificuldade de transporte, entre outros fatores culturais, contribuiu para que poucos moradores estudassem mais do que o oferecido nas escolas locais. Esta informação é confirmada pelo levantamento de Marilú May, em 1993, para o trabalho de pesquisa Implantação de obras públicas em núcleos tradicionais – O caso da Praia dos Ingleses, na Ilha de Santa Catarina. Para desenvolver o seu trabalho, a pesquisadora elaborou um questionário onde buscava caracterizar o perfil dos moradores da Praia dos Ingleses, e, segundo os dados coletados naquele ano, 53% dos entrevistados disseram ter escolaridade de ensino fundamental incompleto, e apenas 18% disseram ser analfabetos. Naquele tempo, quase não se estudava, saí no quarto ano daquele tempo. Eu tinha uma lousa, um livro e coisa de tabuada, lápis de pedra e essas coisas assim. Naquele tempo era tudo assim, o lápis era de pedra. Depois tinha o tinteiro onde molhava a caneta. Entende? Não é como essas assim, entende, molhava a caneta no tinteiro e escrevia.59

Mesmo com todas as dificuldades e a “baixa qualidade do ensino”, devido às precárias condições materiais, os moradores locais atribuíram certa importância ao estudo, 57

O terreno onde foi construída a escola era do Senhor Gentil Mathias. Dona Judite (entrevista realizada em 01/03/2005). 59 Seu Osmar (entrevista realizada em 15/05/2005). 58


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percebendo a necessidade de aprender a escrever e fazer algumas contas. Assim, ir para escola fazia parte do processo de crescimento e sociabilização destas pessoas. Este fato pode ser percebido em alguns relatos, como o de Dona Iracema e de Dona Neném. Dona Iracema começa contando a sua história de vida assim: Daí, eu fui crescendo, crescendo, fui aprendendo a fazer as coisas, escalava peixe, fazia renda, e fui para a escola. Quando era pequininha fui para a escola, aqui nos Ingleses mesmo. Ali perto da igreja. Sabe aquela casa ali perto da igreja, onde é a peixaria? Saí dali no quarto ano. O último que tinha aqui era o quarto ano.60

Ou ainda, conforme Dona Neném, que começou sua história de vida situando-nos no espaço, descrevendo o lugar onde nasceu e estudou: Eu era lá do Santinho. Lá no Santinho a gente morava na Geral, a praia ficava mais para lá. Nasci e me criei lá. Eu estudava numa escola primária, era ali embaixo mesmo, perto da igreja. A escola era ali. A gente aprendeu algumas coisas naquele tempo, eram coisas tão boas, matemática. Hoje, se eu for fazer a matemática nova, não sei. Mas eu só aprendi conta de dividir, diminuir, somar, isso eu aprendi, tabuada. Hoje, se for me perguntar, eu não perco uma. O estudo era esse: a professora ditava e a gente escrevia. - Escrevia no caderno? - Não, mas já tinha a lousa, não caderno. Era uma lousa de pedra e escrita com lápis de pedra, mas se errava a gente já tinha aquele paninho que apagava .61

Dona Judite, ao lembrar do período em que estudava, recorda de como eram preparadas e realizadas as festas nas escolas, as comemorações cívicas. Lembra do trabalho e dedicação ao enfeitar o pátio da escola, como confeccionavam os adornos, além da liberdade em ocupar os espaços públicos para suas comemorações. Nós andávamos na rua cantando, pulando, tudo, ia até lá no Santinho. Agora é que não, é tudo diferente. Quando eu andava na aula, chegava 7 de setembro, nós fazíamos, enfeitávamos aquela frente, o pátio da escola toda. Íamos lá para o mato buscar coisas para o salão, bambu e taquara, um bambu da florzinha miúda, umas folhas miudinhas e a vara dela é bem fininha, não é como esses bambu que tem aí não. Nós íamos pegar lá longe no mato, os alunos todos. Era para fazer enfeite no pátio da escola, nós fazíamos arco, fazia tudo. Agora não tem mais né, chega 7 de setembro, nem sai na rua, só se vê pela televisão no centro. 62

60

Dona Iracema (entrevista realizada em 03/05/2003). Dona Neném (entrevista realizada em 10/06/2005). 62 Dona Judite (entrevista realizada em 01/03/2005). 61


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2.3.4 A medicina popular Naquele tempo a cidade nem sei. Nem sabia onde era a cidade. Ninguém sabia onde era a cidade. Diziam que havia doutores, mas ninguém ia. Sabe como é? Nosso remédio sabe qual era? O nosso remédio era “erva do mato”.63

Tendo em vista o isolamento, a dificuldade de acesso ao centro e a falta de equipamentos sociais na localidade, a qualidade de vida destas pessoas era bastante deficiente no que diz respeito a saúde e alimentação. E a relação com a morte aparece como um fato corriqueiro. A maioria dos nossos entrevistados relatou casos de mortes, principalmente de crianças. Não existem registros e acompanhamentos sobre a taxa de mortalidade infantil daquela época, mas, conforme os relatos obtidos, podemos pressupor que era bastante elevada.∗ Dona Leontina perdeu um filho de um ano e onze meses. Seu Osmar conta que, dos quatro filhos homens que teve, um morreu com três anos, e explica que o motivo da morte estava relacionado ao problema na gestação. A esposa estava cortando lenha no mato quando sentiu-se mal. Ela foi levada ao médico, mas o esforço físico de cortar lenha com o machado afetou o coração da criança, A senhora tombou a criança, o coração da criança. Era homem. Ele vai nascer, mas não vai se criar, ele vai morrer com três ou com sete anos. Ele morreu com três anos todo roxinho.

64

Dona Judite conta que foi criada como filha única, pois todos os seus irmãos morreram ainda muito pequenos; alguns ela nem chegou a conhecer (não soube dizer quantos irmãos teve). Ela recorda de apenas um irmão mais velho, que morreu aos 14 anos de uma doença identificada como “malina”. “Malina” é assim, oh. Ele passou em cima de uma brasa de fogueira de São João, e depois molhou os pés. Daí deu uma crise nele, quase como uma “enemia” (anemia). Ficou muito doente, a gente procurou um farmacêutico. Porque naquela época não era médico, era.. (não concluiu). A gente não procurava quase, né? Então, meu pai procurou um farmacêutico que passou uma “dosa”. A gente fala “dosa”, mas era 63

Seu Isidro (entrevista realizada em 20/06/2003). Os próprios registros de nascimento e óbito desta população eram feitos com irregularidade, dadas as dificuldades de deslocamento (Cartório no Rio Vermelho) e os custos. 64 Dona Judite (entrevista realizada em 01/03/2005). ∗


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outro remédio. Não é remédio comprado em farmácia. É uma “dosa” que eles faziam. E com aquele remédio ele faleceu. - O farmacêutico era dos Ingleses? Não, era do Rio Vermelho, o falecido Timóteo. 65

Neste contexto, o dono da farmácia, as parteiras e benzedeiras eram os grandes “benfeitores” da saúde, principalmente para aquelas famílias que não tinham nenhuma condição de ir ao centro e serem atendidas por médicos especialistas, e nem tinham condições de comprar remédios. A maioria dos moradores dos Ingleses era trazida ao mundo pelas mãos das parteiras, “tinha uma preta que era danada, Chica Coelha era o nome dela. Eu ganhei quatro filhos com ela e um na maternidade”

66

. Quando ficavam doentes, a medicina alternativa prevalecia. A

esperança da cura estava nos “chazinhos”, “benzeduras”, “garrafadas”, “simpatias” ou “dosa”. É, as benzedeiras passavam nas portas e benziam a gente. Tomava chá de ervas caseiras. Hoje em dia se tá doente, corre para a farmácia. Naquele tempo tava com gripe, era chá de cachaça. Caipirinha, fazia de limão com cachaça, era essas coisas que fazíamos para matar a gripe. Hoje não, tem um guri pequeno com gripe, vai para a farmácia. Oh, agora deu gripe em mim, e eu me vacinei. Me vacinei lá no centro. Foi. Mas, naquele tempo era só caipirinha. 67

Além da falta de atendimento médico, as elevadas taxas de mortalidade infantil, podem estar relacionadas, à questão da subnutrição e a desnutrição. Pois, apesar da fartura de alimentos, a qualidade alimentar era baixa e faltavam complementos alimentares, como vitaminas e proteínas. O consumo de carne e vegetais era baixo naquele tempo: vegetais as pessoas não tinham o hábito de consumir, e carne, comiam somente quando alguém “carneava” um animal de criação e saía vendendo de porta em porta. A base alimentar era o peixe e a farinha de mandioca: Aqui a maioria era criado com mandioca e peixe da praia. Matava boi aqui, de sábado em sábado. Quem matava um boi saía nas portas para oferecer carne, para o meu pai e outras pessoas. – Seu Fernando, vim oferecer um quilo de carne para o senhor. Vou matar um boi amanhã. – eu quero uma arroba, meia arroba, cinco quilos, era assim. Hoje, você vai e compra carne no mercado, né, no açougue. (...)

65

Dona Judite (entrevista realizada em 01/03/2005). Idem. 67 Seu Osmar (entrevista realizada em 15/05/2005). 66


49

Hoje, é tudo na base da carne, arroz, macarrão, batata, senão nossos filhos não comem. Naquele tempo não, se fazia biscoito na venda, beiju de farinha de mandioca, era biscoito, era bolachão. Na venda tinha rosca de polvilho. As mulheres faziam rosca e iam oferecer nas portas das casas. 68

Dona Neném reclama da comida naqueles tempos: A alimentação naquele tempo era muito ruim, não tinha o que se tem hoje. A manteiga como se compra, isso naquele tempo não tinha. Pão, fomos comer bem mais tarde. Um tempo apareceu aqui um padeiro num cavalinho, vendendo pão. 69

Ou seja, a alimentação não era escassa, mas era quase sempre a mesma, peixe e farinha de mandioca, o “pirão”. A variedade alimentar, como frutas e outras iguarias, somente acontecia nos períodos de safra. Comiam o beiju e a rosca somente quando se fazia a “farinhada” ou nas festas da igreja.

2.3.5 A arquitetura das casas Pouco resta para representar os valores arquitetônicos da época de juventude dos depoentes. As velhas casas de barro e madeira foram dando lugar às novas casas de tijolos, mais modernas e com maior conforto. E hoje, nos Ingleses, não existe mais nenhuma das “antigas” construções. A maioria dos traços arquitetônicos desta comunidade está somente na memória das pessoas mais velhas ou nos desenhos e nas poucas fotografias registradas naquele tempo (em outras comunidades, como o Rio Vermelho e Ribeirão da Ilha, somente para dar alguns exemplos). Devido ao pouco poder aquisitivo dos moradores locais, as casas eram construções muito modestas. Segundo contam, a maioria das casas era de madeira ou de barro, construídas por eles com materiais que a própria natureza lhes oferecia. Este tipo de construção é descrita e analisada pelo Professor João Lupi, no livro São João do Rio Vermelho: Memória dos Açores em Santa Catarina, quando ainda existiam algumas habitações neste estilo.

68 69

Idem. Dona Nenén (entrevista realizada em 10/06/2005).


50

Mas Seu Isidro também lembra com detalhes como eram feitas as casas de barro e onde conseguiam os materiais para as construções. Naquele tempo nosso, a metade das casas era tudo de barro, tudo casa de barro e palha. Era nós mesmos quem construíamos. Eu fazia casa de palha. Tinha “ícaro”, vocês não conhecem. Eu ia lá naquele campo, lá naquele morro tem palha comprida, corda. A palha fina era corda. Então a gente cortava, roçava aquela palha e fazia uns molhos, tinha que fazer uns sessenta molhos dessa grossura (mostrava com as mãos)... Depois de estar feito os molhos, arrumava tudo e deixava a palha murchar dois, três dias. Quando a palha ficava murcha a gente pegava aquele maço de folha e fazia um “mochinho”, pegava a outra palha e amarrava assim a roda, deixava aquela cabecinha, sabe como é? Deixava uma cabecinha assim (mostrava) e amarrava no pescoço, mas a palha tinha que ser comprida. Então depois nós íamos lá ao mato cortar bambu, a casa era de pau. O esteio era de pau, ficava um em cada canto, daí a gente fazia uma forca e botava os paus tudo em cima, assim. Depois, a gente cortava o bambu, rachava o bambu e ia amarrando assim, trançado. Para depois botar dez “carradas” de barro, conforme a casa, se a cozinha era pequena. Para depois amassar aquele barro todo. Tudo com os pés ou com os bois, para depois barrear tudo aquilo. 70

Dona Leontina conta que viveu até a mocidade numa casa de barro com telhado de palha. Lembra das dificuldades que era morar em construções deste tipo, do trabalho e dos cuidados que as casas de barro requeriam. Eu quando me criei, eu morei numa casa lá embaixo na praia. Fica ali pertinho do mercado do Lavinho, fica na parte de cima. Eu morei ali numa casinha de barro tapadinha de palha. E eu morei muitos anos, fui criada ali. Era quase uma mocinha e morando ali. De barro. Quando queria dar chuva, eu com minha mãe íamos cortar aqueles galhos de árvore para colocar encostado nas paredes para o barro não cair. Passamos trabalho, naquele tempo era assim, minha filha, agora é que não. 71

Quanto às casas “antigas” “de material” ou de madeira que existiam na Praia dos Ingleses, também eram construções muito simples se comparadas com as casas modernas de hoje.

70 71

Seu Isidro (entrevista realizada em 20/06/2003). Dona Leontina (entrevista realizada em 15/05/2005).


51

As casas que tinham aqui era de madeira e de barro. Algumas de material, só quem podia mais, era de material, entende? Mas a maioria era de madeira, até casa de barro com palha em cima, tudo. Era telha de “calha” não era essa aqui francesa. Depois, botaram tudo abaixo e fizeram tudo nova. Tudo nova. 72

Dona Judite lembra que, quando se casou, foi morar numa casa “de material”, no mesmo lugar onde vive hoje, e compara as construções de “antigamente” com as casa de hoje: As coisas eram tudo limpinha assim, mas eram casas mais “mixuruquinhas”, agora tem todo tipo de casa. - O que a senhora chama de casa “mixuruquinha? “Mixuruca” que dizer feia, porque é ruim. A casa era de material, mas era mal feita, eram umas casinhas simples, entende, não é como agora. As casa hoje, tem outra vista, tem outra visão, e é assim.73

No interior das casas também não havia muito conforto, a maioria dos móveis era confeccionada por eles, somente aqueles que tinham maior poder aquisitivo mandavam fazer no marceneiro. Geladeira e outros eletrodomésticos, nem pensar, pois não existia energia elétrica. O fogão era à lenha, os móveis - como cama, mesa, bancos - eram de madeira, o colchão era de palha ou capim. O fogão era à lenha. Era à lenha, alguns tinham chapa e outros nem tinham. Botava uns tijolos, botava dois ferros e cozinhava ali em cima. Era perigoso. Depois cada um foi comprando sua chapa. Depois esta chapa foi se terminando, então veio o fogão a gás, mas já muito tarde. Tinha uns trinta anos atrás, quando eu cheguei da maternidade, já comprei o fogãozinho a gás. (...) sofá a gente não tinha, era um banco de tábua que se fazia para as pessoas sentarem, as camas também eram feitas em casa, de madeira. - A senhora chegou a fazer colchão de palha? De palha não, de capim. O capim se buscava nos morros, arrancavam. Eu nunca fui não. Mas comprava das pessoas que iam arrancar. Eu comprava os molhos de capim, eram amarrados no lençol. Secava e enchia o colchão. Mas era gostoso, sabia? No inverno era bem quentinho. Aquele colchãozinho durava assim, três ou quatro meses. 74

72

Seu Osmar (entrevista realizada em 15/05/2005). Dona Judite (entrevista realizada em 01/03/2005). 74 Dona Neném (entrevista realizada em 10/06/2005). 73


52

Naquele tempo o fogão era à lenha, de chapa. (...) fogão à lenha de chapa, quatro bocas, de tijolo todo direitinho. Botava a lenha tudo em baixo, tudo torinha de lenha assim, entende? .75

A lenha para o fogão, as madeiras para as casas e móveis, os capins e palhas para os colchões, tudo era colhido nos matos e arredores. Esta era a simplicidade de viver e morar destas pessoas, até meados do século XX, quando começaram a ter acesso a uma nova forma de vida, mais “urbanizada” e “moderna”.

75

Seu Osmar (entrevista realizada em 15/05/2005).


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