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CAMPUS
AS HORAS DA MINHA ALEGRIA o ã d n a r B l e Izab
Quem é quem?
Izabel Brandão é mineira de Pedra Azul, radicada em Maceió há muitos anos. Além de professora de literatura na Universidade Federal de Alagoas, é mãe de Pedro. É autora de dois outros livros de poesia: Espiral de fogo (1998, esgotado) e Ilha de olhos e espelhos (2003), publicados pela Edufal, além
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de vários trabalhos críticos acadêmicos publicados no Brasil e no exterior. As horas da minha alegria, publicado pela editora Mulheres em 2013, representa uma retomada da sua caminhada poética, que passa por Minas, Alagoas e outras partes do mundo, onde vem (re) tecendo suas raízes.
Dois dedos de prosa E
ste é o primeiro número de Campus e foi pensado para homenagear a literatura em Alagoas, através do nome de Izabel Brandão, poeta e professora universitária de larga carreira na Universidade Federal de Alagoas onde atua no bacharelado e na pós-graduação. Não sou poeta, mas encanto-me com textos poéticos; como toda e qualquer pessoa, tenho o direito de achegar-me à beleza. Izabel e eu somos amigos e faz é tempo. Ao lado da poetisa, dou testemunho da honestidade e do rigor com que pauta a vida pessoal e profissional. Extremamente erudita, jamais perdeu o senso de estar com o cotidiano, lançando-se sobre a vida e partilhando-se em sua poesia. Para mim pessoalmente, este livro tem a graça de uma poesia ter sido a mim dedicada. Conto a história para que sintam o que um poeta faz do mundo. Narrei para Izabel o meu encontro com a mulher mais bonita que vi em toda a minha vida, uma cigana que estava nas entradas dos sertões do Rio Grande do Norte. Sua sensibilidade e engenho de criação geraram um espanto para mim, ao ler Flor Cigana no meio do sertão. Ela adivinhava a beleza que eu vi em cada verso que a reconstituía. É neste sentido de partilhar o mundo que seu texto fala sobre a vida de todos nós e, inclusive, ao tocar muitas vezes na sua própria vida. Vamos ler Izabel em seus poemas! Abraços Luiz Sávio de Almeida
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Sobre as horas da minha alegria Rodrigues
Izabel Brandão
O
s poemas de As horas da minha alegria foram escritos durante a primeira década do século XXI, um longo intervalo depois da publicação do meu segundo livro de poesia – Ilha de olhos e espelhos (Edufal), em 2003. A motivação da escrita para quem é poeta nunca é difícil: a vida sempre nos oferece espaços de reflexão que são merecedores de poemas e outras formas de expressão artística. Basta olhar o nascimento do sol para já sentirmos brotar o desejo da escrita. Mas, obviamente, o sol que se impõe como imagem para a escrita é apenas o primeiro momento de um processo. Como estou na academia – sou professora da UFAL –, conheço, por dever de ofício, que a escrita pede muito mais do que inspiração. Não me basta ver os meninos e meninas de rua, por exemplo, para saber que a infância perdida tem imagens fortes e que inspiram a arte de muita gente em nosso país. Mas qual será a imagem que me afeta mais? Então eu olho a imagem primeiro e deixo que ela se dissolva em mim até a chegada do poema. Posso até entender que não preciso alterar nenhuma palavra, mas pode ser que a escrita inicial seja apenas o jogo catártico de expressão do sentimento primeiro. Depois, ainda virá o momento da reescrita, até que a imagem definitiva seja aquela que percebi no que vi e que consegui encontrar as palavras apropriadas. Há poemas assim em As horas. O “pequeno gladiador da rua”, do poema “Sinal de trânsito”, por exemplo, ainda está por aí, talvez agora já um jovem adulto, provavelmente vencido pela droga (para não pensar algo pior), porque o tempo passou, mas as instituições nada – ou muito pouco – fizeram para mudar a rotina daqueles que moram e vivem dos sinais de trânsito, das minguadas moedas que recebem para o sustento. As mães da rua, com sua adolescência explodindo filhos, também continua. Assim, motivação para escrever não falta. Mas meu livro não se “inspirou” tematicamente nisso. A escrita d’As horas foi motivada por outras razões, que é sobre o que falo agora. Este livro é, talvez, o que de mais autobiográfico já escrevi
que, já em fase de despedida desta existência, foi se tornando concha e acasalando no silêncio da alma o corpo cansado. Os vários poemas que escrevi sobre a rosa tratam dessa interiorização do ser que todos nós vamos um dia buscar.
As outras trilhas do mundo se abrem Quando o silêncio vem morar conosco Ao envelhecermos. Há poemas que mostram uma relação com o mundo poético de outros poetas, escritores e músicos, alguns dos quais me acompanham, como Cecília Meireles, Mário Quintana, Gonzaga Leão, Sylvia Plath, Liz Lochhead, Virginia Woolf e Paulinho Pedrazul. Neles, tentei prestar uma singela homenagem ao escrever poemas onde eles figuram de alguma forma. O próprio título do livro vem de um desses poemas, “Retrato Natural”, cujo último verso fala nas
até hoje. E por que digo isso? Porque sempre parece que o/a poeta escreve sobre si mesmo/a – e até escreve, porque desconheço quem fale apenas ficcionalizando a escrita. Até naquilo que não é meu, tem algo de mim. É por isso que sempre haverá quem se identifique com algo que foi da minha experiência, mas que passou a ter um caráter mais universalizado porque o outro se colocou nesse lugar. Há até um poema que fala disso – “Incorporação”:
[...] Por vezes o meu [mundo] invade a cena e rouba o espaço alheio que fica como se fosse meu. Noutras o outro me invade o peito e cedo o corpo e o poema porque já não sou eu sou o outro existo nele ou ele em mim não sei. Há também histórias que ouvi que me encantaram tanto que a cena gerou uma imagem tão forte dentro de mim, que o poema nasceu dessa necessidade de contar a história do outro. É o caso de “Flor cigana no meio do sertão”, um poema que escrevi a partir de uma história que me foi contada
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pelo amigo Sávio Almeida sobre uma viagem pelo sertão do Rio Grande do Norte. Naturalmente, ofereci o poema a ele. Mas o cerne d’As horas é a memória de casa – e não há nada mais pessoal do que a casa habitada pelo ser. Como eu venho de outro lugar – de Pedra Azul, uma pequena cidade no sertão mineiro –, e já vivi em vários outros – João Pessoa, Maceió, Florianópolis, Sheffield –, tendo pousado durante um ano também em Belo Horizonte, esse tema da memória tem uma força grande para mim. E foi nesse sentido que uma grande parte dos poemas foi escrito com essa temática. Quem vive em muitos lugares carrega consigo a busca do retorno para casa. Mas para que casa voltar, se todas as casas nunca são suas de fato? Se há sempre uma provisoriedade nessa busca? Se todas as pessoas com as quais você convive também estão em trânsito, por que você está em trânsito? Assim, a busca do lugar de origem é sempre vã. O lugar onde você está é que deve ser conquistado como o seu lugar. Meu coração mineiro me leva sempre para Pedra Azul, mas essa cidade é, na verdade, uma cidade de sonho, construída poeticamente na minha memória. É, talvez, a cidade
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que eu gostaria que Pedra Azul tivesse sido. A cidade real é outra, menor do que a da minha imaginação. É como Maceió para mim. E este é um capítulo à parte na minha trajetória de busca. Se você me perguntar se eu gosto daqui, vou responder que aqui eu construí a minha vida. Então, Maceió faz parte de mim e nela criei espaços que são genuinamente meus, os quais eu compartilho com quem convive comigo. Essa Maceió criada é minha também e me deu o que tenho de melhor, que é o meu filho Pedro. Como não gostar de Maceió? Assim, o poema “Porto Final” resolve muitos dos conflitos que uma “estrangeira” como eu (e muitos que também têm a mesma condição) teve que enfrentar para resgatar a “casa” presente no coração da cidade:
Este mar é meu a cidade também. Por isso o fecho do livro diz “É aqui mesmo que/ Vou ficar.” O livro também tem poemas que resgatam a força da casa da infância e nela os fantasmas familiares que também nos afrontam e confrontam conosco nossas histórias. E desses poemas que são particularmente especiais para mim, escolho falar da minha mãe
romãs maduras e vermelhinhas [que] tornarão eternas e suculentas as horas da minha alegria. É claro que há muitos outros poemas que falam de alegrias, ainda que na sua ausência. As horas da minha alegria é, por assim dizer, meu filho mais novo e, por isso, o carinho e o cuidado especiais de hoje. As palavras que atravessam essas alegrias são palavras que espero trazer para quem as ler e, nelas, todo um contexto de amor pela construção do que nos tornamos nas nossas vidas. Leva tempo, mas é isso que nos resta: construir uma existência que valha a pena estar vivendo. Por isso, o tema da casa, a reflexão das alegrias, das tristezas, da memória da infância, das palavras alheias que também nos ajudam na relação com outro, para que tudo o que vivamos seja feito uma romã madura, o fruto da memória que era comido, a cada seis meses, por Perséfone, a deusa grega raptada por Plutão, para que ela sempre voltasse da casa da mãe para a casa do amado. Assim, Maceió tornou-se, para mim, a casa de Plutão: o lugar para onde sempre retorno com alegria, porque aqui é casa do meu amado, que é minha também. Maceió, verão de 2014.
Eliane Pereira Diretora-Executiva
Deraldo Francisco Editor-Geral
Flávio Nobre Diretor Comercial
L. Sávio de Almeida Coordenador
Luhanoa Rocha Articulação
Francisco Ribeiro Cotidiano
Cícero Rodrigues Ilustração
Jobson Pedrosa Diagramação
Rua Pedro Oliveira Rocha, 424 B - Farol - Maceió - Alagoas - E-mail: redacao@odia-al.com.br - Fone: 3023.2092
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AUTOBIOGRAFIA Para D. Bela tempero pronto é para mulher preguiçosa - eu sou uma delas... Meu fogão é o computador os livros as panelas as canetas são colheres e os pratos os papéis onde escrevo/como
Não faço versos apenas para brincar com as palavras o veio delas me abre a porta e eu vejo mundos
Noutras o outro me invade o peito e cedo o corpo e o poema
Milagres O que guardam os cactos entre seus espinhos? São olhos agudos espinhando a vida? Secos ou verdes esticam mãos (ou tentáculos) carregados de espinhos para o alto. O que pedem? Querem salvação? É uma agressão contida espinhosespinhosespinhos.
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porque já não sou eu sou o outro existo nele ou ele em mim não sei. Apenas penso mundos todos no papel e é assim que sei falar pra quem quiser me ouvir ou ler.
LUZES DA CIDADE olho de gato no escuro olhando a presa caminhar pelo muro um corpo alto e seguro meio monstro meio gente boca aberta sorrindo quase lobo afiando a presa mas chove a cântaros e nenhum dedo acena demarcando área
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INCORPORAÇÃO
Por vezes o meu invade a cena e rouba o espaço alheio que fica como se fosse só meu.
poemas críticas extensões do meu pensar as receitas cotidianas que esqueci de anotar.
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apenas um letreiro lascivo indicando o abrigo
onde ir, a pergunta se perde no ar o olhar rebelde fixa o foco e os lábios corados de batom brilham entreabertos, feito letreiro de bordel
fechada a porta, a luz se apaga e o táxi azul e branco corre pela cidade esfriando o tempo e o corpo mais uma vez
FLOR CIGANA NO MEIO DO SERTÃO Para Sávio Terra palha, poeira e cinza Sem sombra à vista. Xique-xique aqui e ali, acolá também Vento seco seco correndo sem rumo pra lá e pra cá E ela bela rosto corado de suor e sol Riso lavado e cara suja No olhar pó e poeira cismando nos cílios Meninas negras um brilho só Feito onda serena coberta na sombra da mão Quem é, o mundo nem sabe Anda anda andarilho povo Lenço na cabeça e saia de chita desbotada de tanto uso O sorriso novo molhado é do céu Paraíso dentro do meu coração sedento. O homem chama, ela olha cismando o tempo Adivinhando chuva, talvez E eu parado na beira da estrada Com o corpo cansado e a mão na testa olhando a moça Um riso suave me tenta Olho o chão de soslaio e vejo vindo no vento A flor branca e bela, única boiando no xique-xique.
A sustentável leveza de ser Lincoln Villas Boas - Professor
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zabel Brandão tem um estilo que associa a sensibilidade a certo desleixo que torna seus poemas deliciosos. Porque sua leitura causa uma estranheza ímpar: a de ouvi-la ditá-los aos nossos ouvidos. E a cada leitura uma escuta original, um modo de acesso a certo padrão estético distinto. É o que imprime graça e movimento aos seus poemas, e os faz saltar da página como algo vivo. De fato, são as horas de sua alegria, as horas compensadas com certo refino pela intuição. Mas que não haja engano com isso: trata-se também de uma leitura que garante a objetividade do instante de produção. Brandão não se esquiva das normas nem desliza pelas facilidades de temáticas pseudomodernas por nem sequer tocar a ambição da contemporaneidade. Porque possui estilo e rejeita qualquer apelo escravizante. Pode ser um pouco dessa
rejeição que faz d’As horas da minha alegria um exemplo autêntico do modus operandi da autora. E o mais original, nesse caso, se faz pelo que pode atrair certo mistério de estar à margem ou além dos ismos, mostrando o que há de desafiador por escapar a qualquer classificação. O desafio é uma das invocações da contemporaneidade que fixa a impressão de marcas duráveis e que envia as produções culturais e artísticas – seja no campo das Artes Plásticas, seja na Literatura – à distinção dentre tantas outras que trazem valores ordinários e caem no lugar-comum. Izabel Brandão não se descuida do exercício da forma, até de valorizar, arquitetonicamente, o conteúdo, o sentido, tornando muitos de seus poemas uma demonstração do que está dito, como num desenho. Entretanto, passou o tempo em que o poeta vivia à sombra de seus explicadores e de suas
produções poéticas, apesar de essas produções continuarem a confiscar no outro uma expectativa. De vidência, de pressentimento, de profecia? Aqueles a quem chamamos de poetas dominam suas produções, não se põem a esmo: é menos a sensibilidade que a práxis uma referência de seu ofício. O poeta não tem intermediário, age por si só, com o agravante de que sua visão de mundo se registra a partir de uma observação participante dos fatos, registrando-os por vieses críticos de quem os sentiu na pele. Esse assinalamento cabe muito bem em Izabel Brandão, embora não se tratar aqui de esclarecer a poeta pela obra, deixando passar ao largo o movimento permanente de sua produção. Todos os poemas d’As horas da minha alegria são um achado. Eles revelam certas pistas que apresentam um código para a leitura de senti-
mentos e de uma realidade visitada pelos instrumentos da poeta: uma linguagem ora anedótica, ora comum, ora erudita, ora estilizada pelo que quer e/ou deve traduzir e significar. O recurso ao sentido aí não se esgota, podendo-se estabelecer, na leitura, uma cadeia associativa que dá prazer descobrir. Seu percurso lembra uma história que se pode montar e/ou construir com suas suspensões e cortes que ressaltam subitamente o possível, o necessário e o essencial. Pode-se ver que há um desejo que institui uma dialética entre a nostalgia e a felicidade, entre o humor e o desalento, entre a lucidez e o terror. A vida é o que a vida espelha, e faz o seu trabalho expressando seus momentos e circunstâncias. E é assim que se procede ao resgate de um pathos. Na estruturação de uma cadeia associativa se consegue projetar um cenário, uma sucessão de enquadra-
mentos que podem ser lidos. Pode-se notar, também, que a vida não exclui a presença dos confrontos, das lutas em que o ser se sobressai ao ter nas horas de superação de certos impasses: poetar é um privilégio dos que estão liberados de todo o provincianismo. E o provincianismo só aproxima o poeta dos rigores da moda, diluindo-o entre tantos outros quaisquer, instaurando uma estética do descartável. Este novo livro de poemas de Izabel Brandão não pode ser visto como um episódio, pois seria uma avaliação demasiado ingênua. De episódios vivem aqueles que costumam subestimar seus leitores, expondo enfeites e passamanarias, superestimando o que existe de mais inofensivo e inútil. Este novo livro de poemas de Izabel Brandão, portanto, é dos que não se pode passar ao largo. Bebe-se nele da sustentável leveza de ser.
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A geografia imprecisa de Izabel Brandão; um livro saboroso e delicado como uma “margarida menina” Vera Romariz - Professora
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coletânea de poemas As horas de minha alegria (2013) da autora , publicada pela editora Mulheres, de Florianópolis, traça uma geografia sedutora e imprecisa dos espaços de referência da autora; nesse sentido, e com uma ligação entre lugar e tempo vivenciados e representados, ela constrói um roteiro poético que desliza entre vários momentos,pois ora poetiza o passado em Minas Gerais, na pequena Pedra Azul, onde nasceu, ora se volta para um presente alagoano visto sob um ângulo das águas e dos portos, referenciais e simbólicos. Em um trabalho consciente de edição poética, ainda se inserem no livro temas caros a Izabel Brandão, como as contradições do sentimento humano e a reflexão sobre o fazer poético.É um olhar maduro que, no tecido verbal, revive e revitaliza pela palavra o passado, de forma benjaminiana. O livro é estruturado em quatro tópicos, a saber: Minas, que remete à infância,Esquinas, que reúne poemas de lírica individual, como o “Biografia familiar”(p.54), ou os de lírica sobre o urbano, como “Luzes na cidade mineira de BH”(p.77), Mundo, cujo foco é uma crítica poética a hábitos da modernidade, como ocorre em “Facebook” e o saboroso e instigante tópico “A casa no exílio”, em que nomeia os poemas de portos (primeiro, segundo), como em uma síntese lírica de sua trajetória. Envolvendo a composição do livro, que tem uma estrutura circular e moderna, há um prefácio poético e uma espécie de posfácio, estruturados como prosa poética, de forma singular; em ambos, a noção de exílio se adensa, estabelecendo uma unidade nos diversos temas dos poemas. No prefácio bem autoral, o eu lírico afirma que: “Aqui se inicia o livro das partidas e chegadas, poemas, trilhas e tramas[...] minhas veias ainda se prendem a Minas e a mais nenhum lugar”, enquanto no posfácio afirma que : “Meu coração me prende a Minas, há um mundo vasto para além da janela de Casa e os lugares são tantos”(p.126). Ou, ainda: Descubro as memórias de ontem Serenadas, ressonam Sem acordar (p.66) Sempre com a impressão de que não quer respostas precisas para grandes ou delicadas questões, e com
um delicado tom subjetivo-impressionista, Izabel nos traz o tema do sentimento amoroso corroído pelos desencontros, mas também parece apontar,em idas e vindas, para “caminhos que se abrem”, como nos belos versos em que diz: “O que fazer das trilhas/ quando o coração perde o rumo?” Esse roteiro de idas e vindas emoldurado pela representação das contradições humanas parece nos conduzir a uma perspectiva cara à autora (e visível na superfície do poema) de que não há apenas um porto, mas vários,
o que nos leva a evitar respostas precisas nesse roteiro inquietante. A dor do exílio, representada em todos os tempos na literatura, mas também o conhecimento apreendido nesse exercício, dialoga tensamente com a noção de pertencimento que molda nossas vivências e escolhas; assim, também, das páginas do livro As horas da minha alegria surge um eu lírico meio múltiplo, espécie de personagem que se busca, se encontra e se perde em espaços diversos, em geografias jamais mapeadas rigidamente. Nas páginas finais do livro, a autora joga um delicado e significativo verso que “conversa” com o título: “Como pude me perder das alegrias?”(p.122) Aliás, a crítica literária Izabel Brandão cede lugar à poeta lírica neste belo livro e, em um à vontade atraente, brinca com os gêneros e formas literárias, tangenciando o autobiográfico como matéria, o épico como porto que logo abandona para firmar-se em sua lírica madura. É um livro que, no fundo, sai do individual para representar a grande viagem do ser humano e sua decorrente perplexidade ante o enigma da existência, ao lado de contradições fundamentalmente humanas, tão atuais quanto doloridas.
Um tapinha não dói? Rosiene Rodrigues dos Santos - Acadêmica do 40 período do Curso de Administração Pública da UFAL, Campus Arapiraca - E-mail: johannaelley@hotmail.com Fabiano Santana dos Santos - Administrador e Professor da UFAL - Campus de Arapiraca/AL - E-mail: fsantana@arapiraca.ufal.br
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tualmente, se tornou rotineiro vermos na mídia casos de menores que foram espancados e torturados pelos responsáveis familiares. Pesquisas mostram que, em 40% dos casos, o agressor era o pai da criança. No intuito de inibir qualquer tipo de violência – desde mais leves como agressão física, beliscões, puxões de orelha, até as mais graves, envolvendo homicídio – foi aprovado o projeto de lei do governo federal que proíbe as famosas “palmadinhas” que até hoje tem dividido opiniões e causado polêmica. Sim, as pessoas devem ser
a favor de qualquer tipo de lei que seja contra a violência doméstica cometida contra crianças, porque todo espancamento começa com umas palmadinhas, assim como um alcoólatra começa com um gole. Dificilmente, os pais limitam-se a uns tapinhas. Normalmente, quem dá palmada não dá apenas uma, mais sim duas, três, quatro, cinco... O problema não é uma “palmadinha”. O problema é quando ela se torna a única forma de comunicação entre pais e filhos. A palmada não é a melhor e nem a única forma de se educar um filho. A criança aprende pelo exemplo e quando um adulto bate está
contribuindo com a violência. Os pais devem impor limites sim aos seus filhos, mas através de conversas e, quando necessário, um tom de voz mais severo. Essa é uma das prerrogativas da “Lei da Palmada”, que passou a vigorar na Constituição Brasileira a partir de 2012. A intenção é punir pais e responsáveis que corrijam seus filhos através da violência. A lei foi criada partindo do princípio de que este ato é uma forma de agressão podendo causar danos psicológicos e físicos irreparáveis às crianças. O que se espera é que os pais que ainda não sejam a favor
da lei respeitem e cumpram, pois esta não tem, de maneira alguma, o objetivo de diminuir o papel deles na vida de seus filhos, e sim de contribuir na formação de melhores cidadãos. Cada vez mais, é comum vermos nos noticiários crianças sendo brutamente agredidas pelas pessoas que mais deveriam amá-las e protegê-las. Nos últimos anos, acompanhamos dois casos que tiveram uma ampla repercussão na imprensa nacional: a menina Isabeli Nardoni e o menor Joaquim. Ambos foram assassinados de forma violenta pelos genitores. Casos como
esses fazem a opinião pública cobrar leis mais severas dos seus representantes. E foi isso que o governo fez. Portanto, a aprovação da “Lei da Palmada”, como ficou conhecida, representa um passo muito importante na tentativa de diminuir a violência doméstica contra as crianças, pois quem sofre agressões, como aquelas citas por Graciliano Ramos em sua obra “Vidas secas”, sofrem caladas e carregam consigo sentimentos de medo, ódio e dor. Que os pais continuem a cumprir o seu papel de heróis dos seus filhos, e não que se transformem em vilões da história.