HISTÓRIA HISTÓRIA HISTÓRIA HISTÓRIA HISTÓRIA HISTÓRIA HISTÓRIA HISTÓRIA HISTÓRIA
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Alagoas l 1º a 7 de junho I ano 02 I nº 066 l 2014
redação 82 3023.2092 I e-mail redacao@odia-al.com.br
BAR DA PATA: 43 ANOS DE VIDA
rro Osvalúsia e Soco
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Quem é quem?
osé Almeida dos Santos é natural de Itabaiana – SE, Mestre em Hospitalidade pela Universidade Anhembi Morumbi - São Paulo (2012), na linha de pesquisa de Hospitalidade e Serviços em Organizações. É professor titular do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Alagoas (IF/ AL), tem graduação em Administração com Habilitação em Administração Hoteleira pela Faculdade de Alagoas - FAL (2004), Especialização em Fundamentos Científicos e Metodológicos em Docência e Pesquisa no Ensino Superior pela Faculdade de Alagoas - FAL (2007), é Coordenador de Cerimonial e Eventos – IF/AL. Atuou no segmento hoteleiro e de restaurantes, passando por 14 hotéis e 8 restaurantes. Dos 14 hotéis, em 9, atuou como gerente de A&B. Em Maceió, atuou também como gerente de Alimentos e Bebidas no Jatiúca, Ritz Lagoa, Meliá, e Restaurante Divina Gula.
Dois dedos de prosa sobre um levantamento Almeida dos Santos foi Jdeosé aluno especial no Mestrado Dinâmica do Espaço Habi-
tado da Universidade Federal de Alagoas, em disciplina que ensino sobre a formação do espaço alagoano. Somamos o seu interesse acadêmico às minhas memórias e decidimos começar uma série de entrevistas sobre o que chamamos de bares tradicionais de Alagoas, em busca do que teria sustentado estabelecimentos que terminaram como referência para a vida da cidade e, alguns, para o Estado. Ele partiu para a realização de entrevistas que forneceram copioso material. Pouco se tem de estudos sobre a vida boêmia de Alagoas, salvo alguns trechos de memórias. Na verdade, o assunto ainda não recebeu dignidade acadêmica. Parte do que ele coletou sobre o Bar da Pata está divulgado neste número como homenagem a um estabelecimento que recebeu a consagração pública pelo cotidiano da qualidade de seus serviços. O material em sua versão completa será utilizado em artigo de discussão acadêmica. Campus inaugura uma série de textos sobre os nossos bares tradicionais e sugere a seus leitores que mantenham o que vem sendo consagrado por anos de persistência e de excelência de serviços. Você lerá trechos de uma entrevista com Socorro (Maria Socorro Alves Santos) e uma fusão da fala dela à de Osvolúsia (Osvolúsia de Andrade Pontes), além do início de um pequeno trecho nosso que será continuado sempre que apareça uma das matérias sobre os bares. Luiz Sávio de Almeida Alto do Jacutinga, abril de 2014
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Osvalúsia
Ela vive e respira Bar da Pata. A gente mora lá atrás; tem uma residência. Eu digo a ela, o pior dia é o dia de domingo, que fica um silêncio. A gente não abre nem domingo nem segunda. Agora, hoje melhora, porque a gente vê o movimento do carro e a gente sai pras compras, tudo... mas no domingo é aquele silêncio, nós duas sozinhas.
Uma fala em que as vozes se misturam Luiz Sávio de Almeida e José Almeida dos Santos
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omos Miguelenses. Nascemos lá em São Miguel. Tudo começou por Osvolúsia e com produtos da kibom. E depois aconteceu de dizerem: bote uma cervejinha, um lanche, um tira-gosto. E um dia – a mãe dela sempre fazia patas de caranguejo pra almoço, que Osvolúsia gostava –, tinha um senhor tomando uma cerveja e a viu batendo as patinhas, quebrando. Mas que pancada é essa? A mãe dela falou: é minha filha com as patinhas que ela come pra almoço. Ai, dá pra me arranjar algumas? Ela arranjou e ele gostou: a senhora compra amanhã que eu venho pra aqui novamente. No dia seguinte, ele foi e foram chegando outras pessoas, vendo, pedindo e assim começou. Era na rua Saldanha da Gama, no Farol. Socorro e Osvolúsia se encontraram em Maceió. Fazia tempo que se conheciam. Em 1978, Osvolúsia chamou Socorro para ajudar no bar. O movimento era grande. Tinha menos bares aqui em Maceió. E aí Socorro já ia pro mercado com ela comprar as patinhas e tal e a mãe da Osvolúsia já tava meio um pouco mais cansada. E começaram a fazer o bar; era tão lindo que ficou pequeno, passaram para cá. Socorro trabalhou com ela por dois anos, mas Osvolúsia tava meio cansada, fechou e Socorro colocou um outro bar, com o nome Cantinho da Pata, na Jatiuca. Osvolúsia passou a clientela toda. As mesmas pessoas que têm até hoje: esses médicos, empresários e políticos e tal. Depois Socorro também pensou que já não tava dando mais e acertaram a voltar como sócias, em 1985, já nesse estabelecimento agora atual.
Patinhas de uça: o prato de resistência
Osvolúsia fechou e voltou três anos depois com Socorro e ficaram sócias até 2001, quando se aposentou e passou a parte dela para Socorro que é a proprietária e Osvolúsia ficou, pois é dificíl sair daquilo que se ama. Socorro mudou muita coisa: filé de siri, arroz de camarão, muitos pratos com camarão. Osvolúsia trabalhava mais com a patinha, agulha e outras coisas. Hoje tem uma funcionária que trabalha há 21 anos, um garçom que tem 28 anos.... Diz Socorro: “Apesar de ter 63 anos e já estar aposentada, eu tenho tanto amor ao bar e à clientela... Tenho um orgulho tão grande e é por essa alegria, esse luxo que eles me dão, os clientes, que eu não tenho coragem nem de parar”. O bar tem 43 anos e é de maio de 1971. É, começou e botavam na porta aquelas grades de cerveja que eram de madeira antigamente. E o pessoal sentava e fazia daquilo uma mesa. Depois foram compradas duas mesinhas, aí foi crescendo, crescendo e ficando com espaço pequeno. UMA CONVERSA COM SOCORRO A IMPORTÂNCIA DA TRADIÇÃO Eu costumo dizer que o bar da pata não tem beleza, mas, sim, tradição. A pata é o principal: o prato da casa.
Para anunciar, ligue 3023.2092 CNPJ 07.847.607/0001-50
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Um bar que resiste e torna-se referência em Alagoas
É a patinha; esse molho que nós temos, o pessoal dá muita atenção. Pata de uça; é dela que você faz um caldinho. O guaiamum não pode trabalhar assim, as pessoas não comem o guaiamum da forma que comem o uçá. Já não temos mais em Alagoas. Já não
temos mais; já vem de Sergipe. E a quantidade não dá, que a gente vende 1.300 patinhas por semana, mas a gente não tá nem recebendo isso, a gente só ta recebendo 900, no máximo mil. E o pessoal vem e a gente não tem, é aquela coisa, tá viajando. Esse final
A articuladora das edições de Campus prova um caldinho
EXPEDIENTE ODiaAlagoas
de semana mesmo não teve. Perdemos a sexta e o sábado. AS PATINHAS ESTÃO VINDO DE LONGE Já tem 8 anos ou 10 que vem de lá, e até porque se você for no Mercado da Produção de Maceió, as patinhas são pequenas, minúsculas, já não recebo nem as grandonas. Se eu receber 1300, aí vem 400 grandes, o restante médias. Eu já até discuto com o pessoal que a clientela não quer isso, quer coisa boa. A gente congela cozidas. O MERCADO DA PRODUÇÃO A maior parte das coisas a gente compra no Mercado da Podução; tem que ser. Nós temos muitos tira-gostos. Porque isso tudinho é tira-gosto. É filé de agulha, peixes... tudo tem que ser no Mercado da Produção. Já tem as pessoas certas; eu ligo, já deixam os meus peixes em postas, sururu, massunim... Agora essa história, codorna, é... rolinha, as pessoas vão pegar lá e essa mulher traz aqui em casa. É porque o pessoal exigia, pedia tudo fresquinho do dia. Depois, como faltava aí, começaram a dizer “vocês precisam estocar”, aí começou esse negocio de congelamento, aí nós aderimos.
Eliane Pereira Diretora-Executiva
Deraldo Francisco Editor-Geral
Flávio Nobre Diretor Comercial
L. Sávio de Almeida Coordenador
Luhanoa Rocha Articulação
Francisco Ribeiro Cotidiano
Cícero Rodrigues Ilustração
Jobson Pedrosa Diagramação
Rua Pedro Oliveira Rocha, 424 B - Farol - Maceió - Alagoas - E-mail: redacao@odia-al.com.br - Fone: 3023.2092
3 redação 82 3023.2092
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A equipe de Campus em trabalho de campo: Almeida, Sávio, Luhanoa e Socorro, a propietária
UMA FORMA DE ATENDIMENTO É o seguinte: a gente não vem nem aqui no salão, e somos as antigas. A gente não vem nem aqui. As pessoas diziam que é um prazer quando a gente chega na mesa, mas sou meio tímida e ela também, mas aí é o seguinte: eu tenho o prazer de ligar. Eu ligo. Não venho, mas ligo. Ah, a senhora tá sendo tratada. Aconteceu alguma coisa, um problema aqui com o pessoal? Pessoas de primeira qualidade, o garçom negou uma cerveja no ato da conta né? E eles sumiram aí. Um pessoal sumiu, gente muito fina sabe... Estavam aqui sábado, a esposa, a família toda... Ele deixa até whisky aqui, compra, manda eu comprar... Aí vem mais dois médicos e a esposa, de 15 em 15 dias, sábado. E depois de uma conta muito alta, o garçom negou uma cerveja dizendo que eu não ia gostar, eu não acredito, eu morro sabe... Como é a história? Uma semana, duas, três não vieram, imediatamente peguei o telefone, liguei pra ele, ele disse, ah dona Socorro foi uma bobagem. Ele disse não, quero falar com sua esposa, óia pense o que eu fiz? O garçom quer pedir desculpa, foi nem ele que disse, mas eu disse, apareça aqui sábado, preparo um camarãozinho, um negócio, aí voltaram, ói só mesmo a gente, fizeram até questão de tirar uma foto com
a gente e tal. Tenho o telefone das pessoas. Se eu souber aniversário eu ligo, sabe? Aí qualquer coisa, novidade, eu mando dizer e essas coisinhas. Todos os meus clientes são lindos, maravilhosos. Eu amo todos. De estudante a governador que já veio, todos pra mim são clientes especiais maravilhosos. HORÁRIOS DE FUNCIONAMENTO A gente só abre à tarde, de 15h até 23h30. Não foi sempre assim; vou lhe dizer porque mudou, talvez é até bom saber. Por causa do estacionamento que não tem, perdi foi muito, perdi, perdemos 50% de vendas. Abríamos às 11h da manhã e íamos até mais tarde, dia de sexta você sabe que abre até mais tarde. Aí abríamos 11h, depois passei de 11h pra 13h, onde é agora, não vou gastar minha energia comecei abrir de 15h, sexta e sábado a gente abre às 10h da manhã. Tem peixada aqui terça e quarta, agora estamos com esse camarão aqui da vó, típico das ostras. São 2 garçons e 3 cozinheiras. Uma já tem 21 anos, a outra tem mais ou menos uns 8 e tem outra mais nos finais de semana. Até tem finais de semana que vem mais 2, uma é amiga minha e tem outra de muitos anos funcionária, que já ta velhinha, aposentada, mas vem ajudar. Tem dias
de sábado que são assim, 7 a 8 pessoas na cozinha e ainda não dá. O SEGREDO DO BAR É, tradição pata, aí depois higiene, iluminação, o pessoal fala demais nisso. Com um irmão seu, quando for montar um bar, você diga assim: isso é experiência, vocês olhem um bar na higiene e na iluminação. Porque se chegar um cabra com vontade de querer ser diferente com a namorada, tem que ta tudo bem iluminado, quando chegar um casalzinho diferente que você sabe que só quer tomar uma cerveja pra ficar de chamego. O cardápio, considero um atrativo ele. Propaganda é a alma do negócio. Uso um banner. Se você não conhece e vem pedir algo sem ver como é... O prato vem de acordo com a foto. Nossos pratos são diferentes. Eu não faço almoço por causa do que eu falei, o horário. Peixada, pessoal pede muito, vendo muito. Ah tem, o pessoal ama aqui, tem gente, muitos que vem, eu vim pra cá por causa da música, não dá pra ouvir por aí o som e depois o estilo da música... Tem pessoas que dizem, ah, não vou no bar da pata porque tudo é mais caro. Aí tem outra coisa, ah, eu vou baixar pra começar a ter mais cliente? Deus me livre! A minha clientela não se inco-
moda; ói eu tenho 1.300 patas. Se tivesse 1.500, tudo grande, vendia. O serviço é simples. A gente deixa o cliente à vontade. A gente conserva aqui... Por exemplo, você não vê mosca aqui, não tem. As mesas sempre branquinhas. Banheiro é a história do bar. É, banheiro, o povo tem pavor de banheiro, você chega no banheiro, o banheiro tá sujo... Aqui é limpo, tem que ser. As mulheres não têm que entrar no banheiro e levantar a calça porque é tudo molhado. UM POUCO SOBRE A CLIENTELA Minha clientela é acima de 30 anos, a maioria. E a situação econômica do povo é a classe média... Socorro – É, média, boa né? A maioria profissionais liberais. É isso mesmo, tem muito médico, muito engenheiro, muitos professores de faculdade. Você chega a encontrar uma turma imensa, médicos, professores. Vem gente de diversos bairros e outros municípios; nós temos clientes de Arapiraca, Palmeira, que já conhecem a gente de muitos anos. Sempre aparece gente nova, né? Eles são fiéis à gente, coisa mais linda. Tem uns que dizem até assim “eu descobri que sou da idade do bar da pata”. Tem estudantes, pessoas simples e direitas. Quando eu falei aquela história que não dá pra ficar aqui, mas tem pessoas bem simples
mesmo e bacanas que são bons. O QUE É UM BAR? O bar, primeiro, é um local onde você vai, você vem às vezes cansado, você vai desopilar, você vai relaxar, eu acho que bar é isso. Pode chegar num bar, onde você sabe que aquele ambiente é meio perturbado, aí você devia nem ir, porque você sai pra que? Tomar uma cervejinha, comer alguma coisa que você gosta, então se você vai pra um ambiente perturbador, já não é pra você mais um bar, aquilo já viro uma confusão. Eu acho que é um lazer, uma alegria, um lugar pra você comer bem, pra você ir a um banheiro e ele esteja limpo. Quero dizer que eu amo o bar da pata. Você só vence se você amar onde você trabalha. Se você tiver uma execução que você não gosta, faça aquilo com carinho. Se você não crê em deus, você não vai vencer. Quero agradecer agora aos alagoanos e até aos nordestinos que aparecem aqui no bar, pela presença deles e que continuem aqui, porque eu dou de todo o meu coração o meu trabalho junto com a Osvolúsia no nosso bar da pata e fico muito feliz por todo mundo e fico contente porque agora assim está em evidencia com esse livro que saiu, já veio você e a veja que fica ali em exposição. E fico muito feliz
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Maceió: ruas, bares e boemia (I) Luiz Sávio de Almeida e José Almeida dos Santos
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ste texto é de natureza exploratória, em nada se comprometendo com conclusões, com precisão conceitual e semelhantes mementos científicos, deixando-se crescer ao longo do caminho de ruas e bares tradicionais existentes em Maceió e associados à vida dita de boemia; o texto vai colocando questões, tentando fazer uma leitura exploratória sobre Maceió, sobre a orla, sobre o que poderia ser tratado como a Maceió-de-fora e Maceió-de-dentro. Deseja navegar no tema, sem mesmo procurar saber onde chegar, deixando que observações aflorem e favoreçam um diálogo com a circunstância e, assim, surgem bem mais perguntas em suas entrelinhas do que declarações ou mesmo respostas. Vamos ser favorecidos pelo instigante da hermenêutica que, para este mister passa perto do século XIX com o tom schleiermacheriano necessariamente motivador com o intervalo entre o não totalmente conhecido e nem desconhecido. Mas isto não nos leva a um aceite da teoria, tomando-a, apenas, como motivadora do diálogo. Por tal rumo, vamos nos acercar de uma sociologia histórica ou da rota de uma história antropológica, restando ver o que acontece. UMA PERGUNTA SIMPLES Parece-nos ser um momento fértil tomar ruas e bares para discutir Maceió, a sua aparente dualidade, como se estivéssemos diante de duas cidades diferenciadas dentro da mesma área física: a de Maceió e a de Orla. Ambas estão envolvidas pela mesma aura do capital e, portanto, respondem no mesmo andamento da formação, embora tenham características diferenciadas dentro do nosso urbano que se multiplica em diversas condições. Fica uma pergunta: aquilo que é somado, necessariamente é integrado? Tempos diferentes poderão coexistir em um mesmo local? A razão da pergunta é simples, mas requer uma discussão de como o urbano integra-se e consegue unidade sobre as diversidades ou, em outras palavras, o que faz com que as diversas maceiós sejam Maceió? Uma definição formal? A cidade constrói seu próprio entendimento do que seja ela mesma? O que faz Maceió uma Maceió? Buscar isto em determinações do poder institucional do tipo começa aqui e termina ali? As fronteiras estabelecidas pela
ordem legal? Determinar uma Maceió pela existência de sinais por todos conhecidos? Pela significação de uma paisagem? Talvez seja razoável procurar o sentido de Maceió no partilhamento que pode existir dentro do complexo de ligações de uma rede que se movimenta, articula-se e rearticula-se, crescendo e decrescendo, indo além e aquém... O melhor caminho seria considerar que existem uma rede e um movimento, mas ficar por aqui, pouca instrumentação teríamos para lidar com o misteriosamente denso que deve ser Maceió, algo mágico, sem dúvida, pois todos nos identificamos nela, sabemos que somos e estamos nela, mas é fugidia, como se a cidade pudesse ser entendida como aquilo que nos foge em determinações. Jamais a cidade poderia deixar de ser um lugar, mas o que é este lugar, será que somente ela daria conta de dizer? Será que daí não decorre o fato de que ela se contém em sua própria indefinição? Quem sabe abriríamos caminhos por entre linhas da rede e isto nos ajudaria a chegar perto do máximo que nos permite de tentativa de definição? A linha mais insinuante seria a economia política urbana, com seu trato obrigatório sobre o poder, mas isso não daria conta da tarefa de situar uma determinação espacial chamada Maceió. O que daria então? Por onde andar na rede, escolhendo um pouso nos pontos nodais, pontos de convergência? E quais seriam estes pontos de encontro fundamentais? A cidade poderá ser definida como um campo de tensão, mas isto pouco agrega ao conhecimento de sua especificidade. É no cotidiano que se encontrará a grande expressão deste estado de
tensão, retirando-se deste cotidiano a noção de rotina para entendê-lo como a dinâmica da própria vida, na sua forma usual de expressar os trânsitos que se verificam. A ideia é que o cotidiano enlaça o coletivo, que finaliza o processo histórico que se desenvolve e, também, que no aparente trivial da vida, encontram-se elementos capazes de levar à grandes explicações, entendidas como aquelas que produzem análises sobre o todo do processo. Foi no cotidiano da vida, pondo em relevo o operário, que Marx, por exemplo, construiu suas propostas políticas, ou seja, as chamadas condições de vida – expressão usual–, têm a necessária versatilidade para que se promova o entendimento sobre o processo histórico. Aparentemente, o cotidiano banalizaria o que deve ser trabalhado em face de que poderia ser minimizado como trato do corriqueiro – no que se localiza uma falácia –, como se o corriqueiro, o usual não fosse necessariamente expressão do todo, como se o simples tivesse condições de elidir o complexo, o que seria uma imprestável conclusão; o falacioso vestiria o falso com verdade e os estragos que produziria na ordem teórica seriam danosos na percepção do modo como a sociedade expressa a sua ordem de poder. Na realidade, ou o cotidiano expressa o global ou não faz parte dele. Esta afirmativa que parece de gosto formal e a bem dizer inerente a uma tábua de verdade, na realidade refere à cadeia de relações, da rede que não se esgota, é bom deixar claro, numa organização sistêmica. O cotidiano é o fluxo e o refluxo, ou seja, é para onde tudo flui e de onde tudo reflui, seguindo um raciocínio derivado de Lucaks. Se isto é verda-
deiro, vamos considerá-lo como a finalização da rede ou o concreto das formas políticas e, daí, a ligação entre poder e cotidiano ser cabal. Então será possível dizer que o espaço é uma cotidianeidade ou, sem maior comprometimento, que o cotidiano é a construção do espaço. Isto nos permite, inclusive, vencer os danos da dualidade que se poderia apresentar quando estivemos a propor uma Maceió de dentro e uma Maceió de fora, como se a modernidade e a mudança pudessem ser excluídas da relação entre ambas e como se tempos diferentes determinassem duas condições mutuamente exclusivas. E VAMOS A UMA SEGUNDA NATUREZA A partir de Marx é possível pensar que a segunda natureza é integrada e articulada; é possível também seguir para o fato de que o espaço surge na medida em que se domina a natureza e neste domínio em busca da reprodução, surgem as relações que jamais poderiam ser consideradas em abstrato mas concretamente situadas em formas e práticas e eles são e estão no cotidiano e na fundação da ideia de lugar. Há uma espécie de acusação ao marxismo – e é bom ler Novelle na sua formação teórica das mentalidades –, de trabalhar com grandes variáveis esquecendo-se do que seria comum e propalando apenas temas que seriam nobres como revolução, estado, luta de classe. Sem dúvida, a questão vai ser enriquecida por uma vertente do marxismo crítico inglês, com Thompson, que traz a history from bellow e a redução ao cotidiano leva com maior facilidade a esta visão do por baixo das estruturas, indo além, por exemplo, do formalismo em Godelier que, sem dúvida tem brilhantes textos.
UMA PASSADA PELO COTIDIANO Estamos, portanto, dentro de um caminho em que a cotidianidade nos leva a lugar e a espaço. E, além do mais, é vencida a dualidade pela impossibilidade da disjunção o que cimenta a ideia de particularidade e é assim que o cotidiano incorpora a singularidade do espaço e gera, também, as diversas dimensões deste espaço, também integradas, dimensões que nos levam a encontrar a possibilidade de o lugar ser sempre um múltiplo. As dimensões acomodam significações e não exclusões, propondo, portanto, que tudo é simultâneo. Por outro lado, apesar do viés frankfurtiano, incorpora com densidade as relações de trânsito como Mannheim discutia: a formação de valores do trânsito e no trânsito. O cotidiano então é a mudança evidenciada na base das práticas sociais e carreando valores que indicam sobre o tempo ou fase da formação se desejarmos maior ideia do processo histórico. Neste sentido, é interessante recordar Pascal na companhia de Nilton Santos. Aliás, Santos quando discute a questão do lugar e do cotidiano traz, também, Tosltoi. Vamos nos apropriar da sagacidade de Santos e aplicar à noção de rede que estamos a manusear. De Pascal vem a ideia da terra como infinito e de que qualquer ponto pode ser seu centro. Se admitirmos isto, a terra é uma infinitude de centros. Por outro lado, de Tósltoi se toma a ideia de que da aldeia se fala ao mundo. E se admitirmos isto, de cada centro se fala sobre o universal. Nisto, tem-se que particular e geral necessitam um do outro para contextualizarem-se este contexto é o global da tensão onde se fundamenta a lógica do particular.